guia de estudos ufrgsmundi 2015

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ISSN 2318 6003 GUIA DE ESTUDOS 2015 PORTO ALEGRE v. 3, AGO. 2015 MUNDI UFRGS transpondo barreiras, unindo regiões

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Guia de Estudos 2015 da simulação das Nações Unidas para Ensino Médio UFRGSMUNDI.

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Page 1: Guia de Estudos UFRGSMUNDI 2015

ISSN 2318 6003

GUIA DE ESTUDOS 2015

PORTO ALEGRE v. 3, AGO. 2015

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MUNDIUFRGStranspondo barreiras, unindo regiões

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ORGANIZADORES

Ana Carolina MelosGiovana Esther Zucatto

Henrique Pigozzo da SilvaNatália Colveiro Maraschin

Thais Jesinski Batista

PORTO ALEGRE, V.3, AGO. 2015

UFRGSMUNDI Porto Alegre v.3 p.1-267 2015

GUIA DE ESTUDOS 2015

PORTO ALEGRE v. 3, AGO. 2015

MUNDIUFRGStranspondo barreiras, unindo regiões

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

REITORProf. Carlos Alexandre Netto

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

DIRETORProf. Hélio Henkin

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

COORDENADORAProfa. Jacqueline Haffner

EDITORA-CHEFESônia Ranincheski

CONSELHO CONSULTIVOProfa. Analúcia Danilevicz Pereira (UFRGS); Prof. An-dré da Silva Reis (UFRGS); Prof. Érico Esteves Duarte (UFRGS); Prof. Henrique de Castro (UFRGS); Profa. Jacqueline Haffner (UFRGS); Prof. José Miguel Que-di Martins (UFRGS); Prof. Luiz Augusto Faria (UFRGS)Prof. Marco Aurélio Cepik (UFRGS); Prof. Paulo Vi-sentini (UFRGS); Profa. Sônia Ranincheski

CONSELHO EDITORIALAnselmo Otávio (UFRGS, Brasil); Bruno Gomes Gui-marães (Humboldt-Universität zu Berlin, Alemanha);Bruna Coelho Jaeger (UFRGS, Brasil); Fernanda Graeff Machry (Tilburg University, Holanda); Gus-tavo Feddersen (UFRGS, Brasil); Larlecianne Piccolli (UFRGS, Brasil); Laura Quaglia (UFRGS, Brasil); Luí-za Gimenez Cerioli (UnB, Brasil); Raul Cavedon Nu-nes (UFRGS, Brasil); Walter Lorenzo Motta de Souza (UFRGS, Brasil)

CONSELHO EXECUTIVOAna Carolina Melos; Giovana Esther Zucatto; Hen-rique Pigozzo da Silva; Natália Colveiro Maraschin; Thaís Jesinski Batista

CAPA E EDITORAÇÃOHenrique Pigozzo da Silva

ILUSTRAÇÃOJoão Paulo Alves

APOIOPró-Reitoria de Extensão; Faculdade de Ciências Econômicas; Centro Estudantil de Relações Interna-cionais; UFRGSMUN; Relações Internacionais para Educadores (RIPE); UFRGSMUN Back In School (BIS)

PARCERIA FINANCEIRAUFRGSMUN Back In School (BIS)

Os materiais publicados no guia de estudos UFRGS-MUNDI são de exclusiva responsabilidade dos au-tores. É permitida a reprodução parcial e total dos trabalhos, desde que citada a fonte. Os artigos as-sinalados refletem o ponto de vista de seus autores e não necessariamente a opinião dos editores desse periódico.

UFRGSMUNDI

Faculdade de Ciências Econômicas (FCE/UFRGS)

Av. João Pessoa, 52, Campus Centro, CEP 90040-000, Porto Alegre, RS - Brasil.

Email: [email protected]://www.ufrgs.br/ufrgsmundi

UFRGSMUNDIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Curso de Relações

Internacionais, Centro Estudantil de Relações Internacionais - Ano 3, n. 3 (2015). – Porto Alegre: UFRGS/FCE, 2013-

Anual.ISSN 2318-6003.

1. Ciência Política. 2. Relações internacionais. 3. Política internacional. 4. Diplomacia.

CDU 327

Responsável: Biblioteca Gládis Wiebbelling do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS

Dados Internacionais de Catalagoção na Publicação (CIP)

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SUMÁRIO

EDITORIAL

AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO Relações Internacionais e o jornalismoCarolina Carvalho Trindade, Cássia de Oliveira Furtado, João Pedro de Assis Godoi, Lucas dos Santos Mello e Nathalia Tessler

CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDASO Conceito de Responsabilidade de Proteger e a Preservação dos Direitos HumanosAlexandra de Borba Oppermann, Caroline Chagas de Assis, Eduardo Dondonis Pereira, Gabriela Dorneles Ferreira da Costa,

Luiza Bender Lopes e Maria Gabriela de Oliveira Vieira

VI SESSÃO ESPECIAL DE EMERGÊNCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (1980)A Situação no Afeganistão e suas Implicações para a Paz e Segurança InternacionaisBárbara Pfluck, Mirko Pose, Raíssa Mattana, Rodrigo Milagre, Tobias de Carvalho e Victor Merola

ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDASA Situação na UcrâniaDouglas de Quadros Rocha, Elisa Felber Eichner, Júlia Tocchetto, Juliana Freitas, Valeska Ferrazza Monteiro e Willian Moraes

Roberto

CÚPULA DO LESTE ASIÁTICODisputas territoriais na Ásia-PacíficoJoão Arthur Reis, Júlia Rosa, Renata Noronha, Ricardo Glesse e Thiago Silveira

CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDASA Situação no Iraque (2003)Natália Regina Colvero Maraschin, Guilherme Henrique Simionato, Bruno Palombini Gastal, Maísa Moura e Sérgio Tessuto

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA)A atuação da OEA nas crises democráticas da América LatinaAndré França, Laura Castro, Letícia Di Maio Tancredi, Lucas Larentis e Patrícia Graeff Machry

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA)Expropriação de Terras Estrangeiras (Land Grabbing)Aline de Ávila Rocha, Roberta Preussler dos Santos, Alex Blasi de Souza, Francine Ferraro e Isabela Souza Julio

SENADO FEDERALA Revisão da Lei da AnistiaBruna Leão Lopes Contieri, Diego Luís Bortoli, Gabriella Müller Borges, Giovana Leivas Müller Hoff e Julio Cesar Veiga Bezerra

ASSEMBLEIA GERAL DA UNIÃO AFRICANAPresença de Potências Extrarregionais no Continente Africano: a exploração de recursos energéticos e mineraisAmabilly Bonacina, Eduarda Lanes Rocha, Katiele Rezer Menger, Leonardo Albarello Weber, Marília Bernardes Closs e

Rafaela Pinto Serpa

ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SULExploração de petróleo nas plataformas continentaisGiovana Esther Zucatto, Jéssica da Silva Höring, João Paulo Alves, Michelle Baptista e Thales Machado

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EDITORIAL

Estamos na quarta edição do projeto UFRGSMUNDI e, sem sombra de dúvidas, podemos afirmar que a iniciativa destes alunos está consolidada interna e externamente à Universidade. Internamente, pelo número de estudantes mobilizados na organização, além do prêmio de Projeto Destaque no Salão de Extensão da UFRGS, ano de 2014. Externamente, pelo aumento da procura e do número de inscritos: foram mais de 600 inscrições para apenas 400 vagas.

A ideia do projeto reafirma a importância das Nações Unidas nos diferentes temas que atingem os países desde as mazelas econômicas, as diferenças e divergências religiosas entre as nações, seus povos. Reafirma, ainda, a relevância de uma Organização Internacional para a promoção da paz em um mundo com tantos conflitos. O projeto serve igualmente para mostrar aos participantes que não estamos isolados e imunes às questões internacionais, e que problemas como a imigração não é um problema europeu, somente.

Como estas questões são postas? Através de simulação de órgãos da ONU, voltada a alunos do Ensino Médio, das redes pública e privada, de todo o Rio Grande do Sul. Cada participante/estudante secundarista re-presenta um país, defendendo os seus interesses em debates com os demais participantes de seus comitês. As simulações são encorajadas a serem executadas de maneira positiva e criativa, possibilitando, aos professores e alunos, discussões de assuntos que, talvez, passem sem a devida atenção durante o Ensino Médio. Trata-se, portanto, de um projeto de extensão que logra levar a comunidade escolar, principalmente escolas públicas secundárias, para dentro da Universidade.

Em 2013 e 2014 o número de inscritos superou o número de vagas oferecidas: foram 411 inscritos para 200 vagas em 2013; e no ano de 2014 foram 540 inscritos para 300 vagas. Sendo assim, em 2015, optou-se por oferecer 400 vagas, distribuídas em 11 Comitês, incluindo um que simulará o Senado Federal, discutindo a re-visão da lei de Anistia. Pela primeira vez também, o projeto oferece um Comitê especial para a participação dos professores. Para dar conta de receber tantos delegados, nosso staff, tanto acadêmico quanto administrativo, foi expandido, contando hoje com cerca de 100 alunos de graduação de diferentes cursos da UFRGS, como Relações Internacionais, Direito, Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. Esses dados fazem do UFRGSMUNDI o maior modelo do Rio Grande do Sul para secundaristas.

Ao longo destes anos o projeto tem conseguido algo difícil que é mostrar para os estudantes de escola pública que a UFRGS é uma Universidade pública e aberta à sociedade. Ao participarem das atividades, todas realizadas nas dependências da Universidade, em especial da Faculdade de Ciências Econômicas, lar dos estu-dantes de Relações Internacionais, os alunos do UFRGSMUNDI experimentam uma sensação de pertencimento e de possibilidades de virem, um dia a freqüentar essa mesma Universidade, como alunos regulares. Os muros da Universidade que protegem a Instituição também parecem indicar simbolicamente que se trata de espaço proibido. O projeto UFRGSMUNDI consegue, nesta mesma ideia simbólica, abrir a Universidade ao público externo.

Esperamos que este sucesso se mantenha em favor dos estudantes de Relações Internacionais que aprendem diversas habilidades desde organização, disciplina, passando por construção de argumentos, in-tervenção públicas e escrita de artigos. E se mantenha também em favor da comunidade gaúcha que tem aproveitado e entendido o que é o projeto ao se apresentar a cada edição com mais integrantes inscritos. Vida longa ao UFRGSMUNDI!

Profa. Dra. Sônia Ranincheski

Coordenadora Docente do IV UFRGSMUNDI

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AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃORelações internacionais e o jornalismo

Carolina Carvalho TrindadeGraduanda do 6º semestre de Jornalismo da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul.

Cássia de Oliveira FurtadoGraduanda do 5º semestre de Jornalismo da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul.

João Pedro de Assis GodoiGraduando do 5º semestre de Jornalismo da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul.

Lucas dos Santos Mello Graduanda do 3º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Nathalia TesslerGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.07-20 AC 07

RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O JORNALISMO

Toda medida política - a assinatura de uma lei ou de um tratado, declarações de guerras ou acordos internacionais, por exemplo - vem ao conhecimento do grande público através da imprensa. O jornalismo está, através da divulgação de decisões, da cobertura de eventos e da publicação de análises de especialistas, intimamente ligado a tudo o que é de interesse público, local ou internacionalmente. O jornalista é responsável por informar e contextualizar de que maneira as decisões políticas internacio-nais, às vezes muito distantes, podem afetar a vida de milhões de pessoas. Uma notícia ou reportagem de hoje é história amanhã, fazendo com que a atividade noticiosa também seja uma forma de registro dos acontecimentos para o futuro.

Por isso, há uma responsabilidade social no exercício profissional do jornalista. Nas sociedades democráticas, ele precisa informar fazendo a mediação entre as esferas do poder e a sociedade, defen-dendo o interesse da população. É seu papel supervisionar o poder público e denunciar irregularidades, independente dos interesses políticos e econômicos das empresas midiáticas em que trabalha. A credi-bilidade que a imprensa tem traz um grande compromisso com a verdade. Mas o poder de reivindicação e de persuasão sobre a opinião pública que o jornalismo exerce – entendido como um quarto poder, que fiscalizaria os três poderes do Estado Democrático (Executivo, Legislativo e Judiciário) – é utilizado em detrimento de interesses políticos e econômicos, ao invés de policiar as ações dos governantes. Hoje, a grande maioria dos veículos de comunicação encontra-se extremamente ligada ao poder, e atua em benefício próprio. Independente da política editorial (posição que determinado veículo de comuni-cação toma diante dos fatos) do veículo em que trabalha, o jornalista deve sempre se ater à verdade e ao seu compromisso ético com o interesse público.

1. A NOTÍCIA

“Ao selecionar os fatos que se tornarão notícia, o jornalismo exerce um papel crucial na socieda-de, determinando o que o público deve ou não saber” (MOREIRA, 2006, p.3). São as notícias, tanto im-pressas quanto online, televisivas ou radiofônicas, locais ou nacionais, a principal fonte de informação das pessoas sobre o mundo que as cerca. Ela precisa ser simples, cômoda, econômica e acessível, para que o público possa compreender como a sociedade se transforma e o que acontece no cotidiano. Base da convivência diária e assunto que une uma comunidade, a notícia é ao mesmo tempo um registro da realidade social e um produto dela (TUCHMAN, 1983, p.203 in VIZEU, 2005, p.91). Para que ela seja de fácil compreensão e relevante para as pessoas, algumas regras devem ser observadas.

1.1. O QUE É NOTÍCIA?

No Jornalismo, a notícia é um texto informativo, de interesse público, que narra algum fato re-cente ocorrido na cidade, no estado, no país ou no mundo. O conteúdo é constituído por temas políti-cos, econômicos, sociais e culturais, entre muitos outros, desde que sejam de interesse público.

As notícias podem ser veiculadas através da televisão, de jornais, de revistas, da internet, do rá-dio, entre outros meios, mas seu princípio e sua função são os mesmos em todas as mídias: a narração deve ser feita de modo exato, objetivo e, principalmente, verdadeiro. Antigamente acreditava-se que a notícia deveria ser narrada imparcialmente. Hoje sabemos que, por ser feita por pessoas, este objetivo é inalcançável. Os humanos sempre têm paixões, ideias, opiniões e visões de mundo próprias, e o texto será resultado da mente do jornalista. O desafio do bom profissional é buscar retratar os fatos da forma mais objetiva e verdadeira possível, independente da sua visão de mundo.

Para isso, existem os valores-notícia. Eles ajudam a selecionar os acontecimentos que serão publicados, além de estipularem diretrizes para a elaboração do conteúdo. O autor português Nelson Traquina apresenta alguns desses critérios, divididos em valores de seleção (critérios usados pelos jor-nalistas na escolha dos acontecimentos) e valores de construção (qualidades que dizem respeito à ela-boração da notícia).

1.1.1. VALORES NOTÍCIA DE SELEÇÃO

Servem para definir, dentre tudo o que acontece no mundo, o que vai virar notícia ou não.

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1. Morte: é o principal valor-notícia. Onde há mortes estão ocorrendo os principais fatos, como terremotos, enchentes e incêndios, que devem aparecer na grande mídia.

2. Notoriedade do agente principal do acontecimento: a vida de pessoas famosas é notícia. Não apenas celebridades, mas agentes políticos que influenciam os rumos das esferas públicas. Congressos partidários e o cotidiano do poder devem ser noticiados, pois são de interesse geral.

3. Proximidade em termos geográficos e culturais: além do público querer informações sobre o que lhe é mais próximo, às vezes a distância geográfica é um entrave para a cobertura de um fato (o local é de difícil acesso), ou é irrelevante devido às diferenças culturais entre os povos. A relação entre o número de mortos e a distância geográfica é usada para avaliar a noticiabilidade de um desastre. Um morto na Tailândia não é notícia em Porto Alegre, por exemplo. Mas se forem 200 mortos, a notícia aparece nos jornais locais.

4. Relevância: se a notícia tem impacto sobre a vida das pessoas, ela deve ser divulgada.

5. Novidade é uma questão central. Para voltar a falar sobre um assunto que já foi pauta, tem que haver algo novo sobre ele.

6. Notabilidade: meios de comunicação costumam noticiar fatos palpáveis e de fácil compreen-são. As condições de trabalho de determinada categoria não serão notadas, a menos que os fun-cionários façam uma greve e paralisem o sistema, por exemplo. Uma coisa é notável quando tem muita gente envolvida, ou quando é o contrário do esperado (quando um ladrão é assaltado, por exemplo). Uma virada, como chuva depois da seca, também se torna noticiável.

7. O inesperado: acontecimento que rompe a barreira da normalidade surpreende a comunidade e mobiliza toda a cobertura jornalística em prol do novo fato, como o 11 de setembro.

8. Conflito: violência física ou simbólica, que quebra o regular e provoca ruptura na ordem social, como um crime violento. É o caso do menino Bernardo, por exemplo.

9. Infração: violação, transgressão das regras. Explica a importância do crime como notícia. Quanto mais violento, mais noticiável. É o critério associado ao escândalo.

10. Equilíbrio: se o assunto já foi noticiado muitas vezes, os jornalistas não vão repetir. Isso can-saria o público.

1.1.2. VALORES NOTÍCIA DE CONSTRUÇÃO

Servem de linhas guia para apresentar o material, sugerindo o que realçar, omitir e priorizar.

1. Simplificação: uma notícia facilmente compreensível é preferível a outra cheia de ambiguida-de.

2. Amplificação: quanto mais amplificado é o acontecimento, mais chances tem a notícia de ser notada. Escrever “Brasil chora a morte de Senna”, ao invés de “Família de Senna chora sua morte”, por exemplo, gera mais impacto e interesse.

3. Relevância: compete ao jornalista tornar o acontecimento relevante para as pessoas, demons-trar como ele tem significado.

4. Personalização: pessoas se interessam por pessoas. Jornalistas buscam valorizar os envolvi-dos no acontecimento, pois isso permite comunicar a um nível que um vasto público é capaz de entender.

5. Dramatização: o reforço dos aspectos mais críticos, do lado emocional. Cuidado para não cair no sensacionalismo.

6. Consonância: une novos acontecimentos a velhas histórias. É a mobilização de narrativas que os leitores já conhecem. Quanto mais a notícia insere o acontecimento numa narrativa já estabe-lecida, mais provável que ela seja notada.

A política editorial da empresa pode influenciar o processo de seleção dos acontecimentos. De-pendendo da ideologia do veículo, a notícia é adaptada para corresponder aos interesses dos donos da empresa.

1.2. COMO FAZER UMA NOTÍCIA?

O texto deve ser claro e direto, com informações precisas. Após a definição da notícia segundo os valores, começa a fase de produção. Para isso, existem alguns passos:

1. Pesquisa: ao saber do acontecimento, o jornalista busca informações sobre o assunto. Quem são os envolvidos, que notícias já saíram sobre isso, porque é importante, se é recente ou desde quando vem acontecendo, números e dados relevantes sobre a situação geral, etc.

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2. Fonte: fontes são as pessoas que vão trazer informações e análises sobre o fato. Quando o jornalista já tem as informações necessárias, ele procura alguém que possa falar sobre o ocorri-do. Geralmente, uma média de três fontes são ouvidas para dar embasamento à notícia. No caso de um assassinato, por exemplo, se fala com algum parente da vítima, com testemunhas, com a polícia e eventualmente com um especialista (advogado, psicólogo, perito criminal), que busque explicar como esses delitos funcionam ou que levante hipóteses sobre o perfil do assassino.

3. Entrevista: depois de definir quem são as fontes necessárias para o fato em questão, é hora de entrevista-las. O jornalista faz perguntas que possam ajudar a entender de forma clara o que aconteceu, contestando informações que contradizem o que ele pesquisou antes. Os entrevis-tados também têm interesses próprios, então é preciso estar atento a dados falsos, omissão de informações e relatos contraditórios.

4. Checagem: Às vezes as fontes são imprecisas em suas respostas. Podem citar os resultados de uma pesquisa, por exemplo, sem lembrar ao certo em que ano ela foi feita. Por isso, após a conversa, os dados apresentados pelas fontes precisam ser conferidos. É responsabilidade do jornalista trazer informações verídicas para a sociedade.

5. Produzindo a notícia: algumas dinâmicas mudam dependendo para que meio de comunica-ção a notícia for produzida. Comum para todas está a ordem em que os elementos devem ser colocados: sempre do mais importante para o menos importante. A notícia não é uma história de suspense, em que o melhor fica para o final, e deve dizer logo no início o que é relevante.

1.3. AS NOTÍCIAS NOS DIFERENTES SUPORTES

A. Impresso: a notícia de jornal é composta por título, linha de apoio (ás vezes dispensada), lide e texto. O título deve resumir o que é mais importante na notícia e ter, no máximo, 80 caracteres. A linha de apoio acrescenta informação relevante, e complementa o título. O lide é o primeiro parágrafo da noticia, que explica o que aconteceu, quando, onde, como, porque e quem são os envolvidos, além de buscar manter o interesse do leitor para que ele leia até o final. No restante do texto, o jornalista explica os pormenores do caso. A redação para meios impressos é limitada pelo espaço disponível na página.

B. Rádio: as frases precisam ser curtas e em ordem direta. Também traz as informações em ordem decrescente de importância, e deve durar entre 30 segundos e um minuto e meio. Em coberturas extraordinárias as vezes é maior. Pode conter uma sonora (trecho de uma entrevista) de até 30 segundos no meio da fala do repórter, que serve para ilustrar as informações trazidas por ele.

C. Televisão: como no rádio, deve trazer frases curtas e em ordem direta, mas o meio audiovisual acrescenta outros recursos. A apresentação dos entrevistados é dispensada, pois há legenda na imagem e mais sonoras (entrevistas) podem ser usadas. A reportagem televisiva contém off’s (trechos em que o repórter narra o acontecido enquanto imagens do evento passam na tela), entrevistas e a passagem, em que o repórter aparece em frente à câmera trazendo o que há de mais relevante. A duração pode ser de 1min e 30 seg até 4 minutos, dependendo da importância do caso. Reportagens especiais geralmente te entre 8 e 10 minutos.

D. Online: a notícia online pode conter todas as outras modalidades. Funciona como a notícia impressa, mas não tem limitações de espaço e contém hiperlinks, que redirecionam o leitor para saber mais sobre determinado assunto. Também podem ser atualizadas conforme o aconteci-mento evolui, por isso a produção é mais rápida e constante. Notícias online podem trazer links para notícias relacionadas ou sites explicativos, além de apresentarem também vídeos e áudios. Geralmente, sites de empresas jornalísticas acrescentam na web notícias produzidas para televi-são e rádio adaptadas.

2. OS COMITÊS DO UFRGSMUNDI

Cada dupla de jornalistas da Agência de Comunicação do UFRGSMUNDI é encarregado da cober-tura de um dos demais comitês. Cada jornalista representará um veículo de imprensa relevante para o tópico tratado em seu comitê, com suas particularidades e editorias, e deverá produzir notícias basean-do-se na política editorial do veículo, que geralmente beneficia os interesses políticos e econômicos de seus donos ou governos. Para ajudá-los a compreender a dinâmica dos comitês do UFRGSMUNDI e das empresas de comunicação, explicamos a seguir um pouco sobre os tópicos e os princípios dos jornais, emissoras de rádio e televisão e sites que já realizaram coberturas referentes aos assuntos que serão debatidos no evento deste ano.

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2.1. CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS: SITUAÇÃO NO IRAQUE (2003)

Em 2002, os Estados Unidos invadiram o Iraque sem a autorização do conselho de segurança da Organização das Nações Unidas. Apenas a Grã-Bretanha, então governada por Tony Blair, votou a favor da invasão estadunidense. China, Rússia, França e Alemanha se opuseram aos interesses do governo de George W. Bush, que foi acusado pela imprensa do seu país de ter mentido que Saddam Hussein, ditador do Iraque, tivesse armas de destruição em massa. A imprensa do Oriente Médio focou sua cobertura da invasão na população iraquiana, mostrando as torturas e desocupações feitas pelo exército norte-ame-ricano/britânico, e os furtos realizados pelos próprios iraquianos que naquele momento se sentiam, e de fato estavam, impunes.

2.1.1.VEÍCULOS

The New York Times - Fundado em 1851, é o jornal de maior relevância no mundo. Segue uma linha editorial progressista para os padrões estadunidenses, e declarar apoio a candidatos à presidência dos Estados Unidos desde 1862, na eleição de Abraham Lincoln, do partido Republicano. Em 1996 foi um dos primeiros jornais a publicar notícias na internet. O www.nytimes.com é um dos principais portais noticiosos do mundo.

O jornal abordou a invasão dos Estados Unidos no Iraque de forma crítica. Insistiu que o então presidente George W. Bush teria inventado que o ditador Saddam Hussein possuía armas químicas de destruição em massa para conseguir que a Organização das Nações Unidas, na época chefiada por Kofi Annan, apoiasse uma intervenção militar no país. Também criticou a postura da Grã-Bretanha como principal aliada dos EUA. Em 2003, o NYT, acusou o conselho de segurança de ser inerte em relação à ampliação do conflito no Iraque.

Al Vefagh - Jornal publicado em língua persa, publicado pela Fundação Cultural do Irã em Teerã. Aborda o mundo árabe e islâmico. Segundo seu site, a fundação do jornal coincidiu com o aniversário do nascimento do Profeta Mohammad, 6 de abril, porém não informa o ano. A maioria dos colaborado-res do site do jornal são do Oriente Médio, em particular da Palestina ocupada, do Iraque e do Líbano. O Al Vefagh é distribuído em Teerã, Beirute e Damasco.

O jornal abordou a invasão norte-americana sob a perspectiva dos habitantes do Iraque. Re-conheceu a queda do regime, porém afirmou que a situação no país poderia piorar sem uma futura participação da Organização das Nações Unidas. Os editores se preocuparam mais com a qualidade de vida dos iraquianos do que necessariamente com as decisões dos países-membros permanentes do conselho de segurança da ONU.

2.2. ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS: A SITUAÇÃO NA UCRÂNIA

A crise da Ucrânia em 2014, classificada segundo alguns especialistas como a ressurreição da Guerra Fria, também foi um embate entre a mídia do Ocidente e a do Oriente, particularmente entre EUA e Rússia. A mídia internacional foi acusada de fazer uma cobertura anti-Rússia, enquanto a oriental foi classificada como o contraponto ao enfoque da imprensa ocidental.

2.2.1. VEÍCULOS

CNN - O canal CNN (Cable News Network) foi criado em 1980, pelo empresário americano Ted Turner. Foi o primeiro canal de notícias com transmissão 24 horas, modificando a noção de que notí-cias só poderiam ser exibidas em um horário fixo. Sua popularidade cresceu durante os anos 1980 e se firmou definitivamente em 1991, com a cobertura da Guerra do Golfo. O site CNN.com foi lançado em 1993, e hoje é visitado diariamente por cerca de 50 milhões de internautas. A programação do canal de TV é hoje vista por cerca de 160 milhões de pessoas ao redor do mundo.

No início dos protestos, no final de novembro de 2013, as manchetes da CNN mostravam o crescimento das manifestações, enfatizava a violência policial e a inflexibilidade do governo Ucraniano diante os movimentos. Também assegurou seu apoio aos manifestantes, os encorajando a ficarem fir-mes. Os artigos da CNN falam sobre a influência russa no país e de como isto é um fator prejudicial. Na deposição do presidente Yanukovych em 22 de fevereiro de 2014, a CNN construiu uma perspectiva oti-

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mista, falando em reforma e transição. Sobre a emancipação da Criméia, a CNN questionou a legalidade da votação do referendo em Crimea’s vote: was it legal?1, induzindo o leitor a desconfiar do processo. O jornal expõe a preocupação do Ocidente com as ideias expansionistas de Putin, falando de um possível conflito mundial e de sansões impostas à Rússia.

Pravda.ru - O jornal Pravda (A verdade) foi fundado em 1980, por membros do Partido Social Democrata Russo, entre eles Trotsky. Tratava de assuntos de interesse operário, e com sua linguagem simples, se tornou bastante popular. Na Revolução de 1917, o jornal se tornou o porta-voz oficial do Par-tido Comunista. Com a queda da URSS em 1991, o Pravda foi confiscado pelo governo russo, porém, um grupo de jornalistas registrou o nome e reabriu o jornal. Logo mais, o primeiro portal russo foi fundado; o Pravda.ru. O Pravda online recebe em torno 100 mil visitas por dia.

O Pravda dizia que os protestos estavam criando um ambiente de caos no país; no texto Ukraine goes to chaos, Nuland says,2 o jornal divulga a fala de uma oficial americana, Victoria Nuland, como forma de legitimar o discurso de negatividade. Num artigo de opinião, Ara Stepanyan critica o Ocidente em The West needs to bite Ukraine off from Russia at all costs3, acusando os ocidentais de imperia-listas e intencionados a tirar a Ucrânia da Rússia. O Pravda não reconheceu o novo governo de Yanu-kovych, o acusando de neofacista. Combateu também a interferência ocidental, acusando suas ações de serem sanguinárias e maldosas. Quanto à emancipação da Crimeia após o referendo, em 17 de ma rço, o Pravda considerou a votação como um processo democrático legítimo, mostrando a quase unanimi-dade da população, não abrindo espaço para contestações.

2.3. ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS HISTÓRICA: A INVASÃO SOVIÉTICA NO AFEGANISTÃO (1980)

A invasão soviética no Afeganistão nos anos 1980 trouxe graves consequências para o século XXI e problemas que ainda não foram resolvidos. Uma dessas consequências se refere à cobertura da impressa internacional no conflito. O tratamento da mídia norte-americana foi e é, até hoje, muito cri-ticado, caracterizado como simplista, enganoso e propenso a aceitar e ecoar propagandas do governo. Enquanto isso, durante a invasão, a mídia afegã dava seus primeiros passos, ajudando a contrapor a mídia tradicional.

Nesse conflito vemos claramente mídias – internacional e local – que se posicionam, e que ser-vem tanto como instrumento para divulgar uma propaganda política como para estimular e persuadir um povo à resistência. Em 1989, quando os soviéticos se retiraram, a história afegã desapareceu da im-prensa norte-americana. O povo afegão foi abandonado à propria sorte para lidar com os combatentes mujahideen, que foram apoiados pela maior operação secreta dos EUA desde o Vietnã. Posteriormente, esse processo daria a origem ao Talibã, transforamando-se na ameaça que os EUA enfrentam hoje.

2.3.1. VEÍCULOS

CBN News - CBN News é a rede de notícias da CBN (Columbia Broadcasting System), uma das maiores redes de televisão dos Estados Unidos e a terceira maior do mundo. Foi fundada em 1927, em Nova Iorque. O canal é formado pelos telejornais CBS Evening News e CBS This Morning, e pelos pro-gramas CBS Domingo de Manhã, 60 minutos, 48 horas e Face the Nation. A CBN News também conta com uma transmissão 24 horas de notícias exclusivamente online.

Na cobertura dos eventos, a CBS News nutriu a imagem de uma luta de guerreiros santos contra o “império do mal”, deixando de cobrir o tema com profundidade e responsabilidade. Pecou em não fazer uma reflexão séria sobre as consequências do financionamento e treinamento de extremistas, por parte dos EUA, com o objetivo de derrotar a União Soviética. Antes, durante e depois da invasão sovié-tica, a rede de televisão, assim como os demais veículos americanos, aceitou, sem investigar, a visão e o discurso de uma Guerra Santa mulçumana contra o comunismo. Artigos publicados no New York Post por Janet Wilson no final de 1989 e no Columbia Journalism Review por Mary Williams Walse, no início de 1990, denunciaram que os noticiários da CBS haviam transmitido repetidamente cenas de batalha e reportagens falsas. As acusações não tiveram repercussão e não motivaram nenhum questionamento por parte da imprensa norte-americana. Depois da invasão soviética no Afeganistão nos anos 1980, o país só foi aparecer na mídia estadunidense novamente no dia 11 de setembro de 2001. Quando Robert

1 http://edition.cnn.com/2014/03/17/world/europe/ukraine-vote-legality/index.html?iref=allsearch

2 http://english.pravda.ru/news/world/05-12-2013/126317-ukraine_chaos-0/

3 http://english.pravda.ru/world/ussr/12-12-2013/126367-ukraine_russia-0/

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Gates – que ocupou um cargo do alto escalão de inteligência da CIA nos anos 1980 – e Zubigniew Br-zezinski – conselheiro de Segurança Nacional do presidente Carter – em entrevista à revista francesa Le Nouvel Observateur em 1998, admitiram que os EUA haviam minado seus próprios esforços diplo-máticos a fim de levar os soviéticos a viver seu Vietnã no Afeganistão, a imprensa norte-americana não enxergou a declaração como notícia, como algo de significada importância para ser exposto. Desde o início, em todas as invasões que o país sofreu, a história do Afeganistão foi emoldurada para encorajar a guerra e negar uma solução pacífica.

Rádio Azadi – RádioAzadi (ex-Radio Free Afeganistão) é uma emissora de rádio muito popular e em expansão no Afeganistão. Sua primeira transmissão foi em 1º de outubro de 1985, durante a invasão soviética no país. A Rádio produz uma variedade deprogramas culturais, políticos e informativos- trans-mitidospara os ouvintesatravés de sinais FM ondas curtas, satélite e AM – que abordam temas como a guerra contra o terror, a corrupção, narcóticos, direitos humanos, etc. Programas de entrevista e “mesa redonda”4 são fundamentais na programação da Rádio Azadi, criando uma cultura de debate entre os ouvintes sobre grandes questões nacionais e internacionais. Além disso, a rádio tem liderado o cami-nho em relatórios sobre abusos e os direitos das mulheres no Afeganistão. Outra característica forte da emissora é a inciativa Cidadão Jornalista, em que as pessoas podem enviar gratuitamente seus textos de SMS e fotos, contribuindo com informações.

Em relação à cobertura feita pela Rádio Azadi, podemos dizer que em parte foi semelhante àque-la feita pelos americanos, na medida em que ambas se posicionaram a favor da Guerra Santa contra o comunismo. Existe, porém, uma diferença importante: a Rádio Azadi, que nasceu com a invasão sovié-tica, não tinha interesses obscuros e não usava de desonestidade na sua cobertura. Ela foi criada para o povo afegão, com a finalidade de “trazer notícias objetivas e sem censura e informações para as forças de resistência da população, que lutavam contra a ocupação soviética no Afeganistão”. As transmissões da rádio pararam em 1993 para fins orçamentários, mas foram retomadas em 2001, após a invasão ame-ricana do Afeganistão.

2.4. CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS: O CONCEITO DE RES-PONSABILIDADE DE PROTEGER E A PRESERVAÇÃO DOS DH EM CONFLITOS

O conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P) surgiu em 2001, a partir de questionamentos do então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, sobre o papel da ONU no século XXI. Foi adotado oficial-mente pelas Nações Unidas no “2005 World Summit”, e se baseia em três pilares: a) todo Estado tem o dever de proteger a sua população de genocídios, de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade e de limpezas étnicas; b) a comunidade internacional tem a responsabilidade de ajudar o Estado a cum-prir esses deveres; e c) caso o Estado falhe na proteção de seus cidadãos contra os crimes citados e as medidas pacíficas das Nações Unidas falharem, a comunidade internacional tem a responsabilidade de intervir através de medidas coercitivas como sanções econômicas e, até mesmo, intervenções militares.

O conceito R2P determina, em suma, que a comunidade internacional é responsável pela segu-rança e pelo bem-estar das pessoas, quaisquer que sejam suas cidadanias. Para tanto, tem direito de interferir em acontecimentos internos dos Estados. O dilema acerca do conceito é sua pretensão de universalidade, que julga iguais os direitos de todos os seres humanos a partir da visão ocidental, sem considerar as diferenças culturais. A ONU tem um caráter paternalista, muitas vezes interferindo na so-berania das nações. Espera-se que o comitê discuta as guerras civis da Síria e da Líbia e chegue a uma resolução.

Na Síria, em guerra civil desde janeiro de 2011, já morreram aproximadamente 210 mil pessoas, e mais de um milhão já deixaram o país. Uma parte da população, sob influência da Primavera Árabe, quer a saída de Bashar Al-Assad do poder. Ele está no comando desde 2000, e recebeu o cargo do pai, que ditou por 30 anos. Outra parte está a favor do governo. A ONU recebe críticas por não intervir, pois está em um impasse: os EUA são simpáticos aos rebeldes, e a Rússia e a China apoiam o governo que está no poder. Na Líbia a situação foi semelhante, mas a guerra durou menos.

Há grande polarização entre as potências tradicionais (como EUA, França e Grã-Bretanha) e po-tências emergentes (como Índia e Brasil), enquanto países menores se dividem entre o apoio às grandes potências e às emergentes de acordo com o alinhamento de sua Política Externa.

4 Mesa redonda é um jargão jornalístico para se referir a programas de entrevista e debate com convidados sobre um assunto em pauta.

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2.4.1. VEÍCULOS

USA Today – é uma companhia estadunidense multiplataforma fundada em 1982. Pioneiro em inovação, além da edição impressa mantém perfis em plataformas digitais, mídias sociais e produz ví-deos, e chega a 7 milhões de leitores diariamente, além de ter 21 milhões de usuários conectados ao aplicativo para smartphones. A edição internacional do jornal chega à Londres, Bélgica, Frankfurt, Hong Kong e Cancun.

Os Estados Unidos e sua mídia apoiam os rebeldes e, junto às potências tradicionais – países como França e Grã-Bretanha – o USA Today enfatiza as mortes provocadas pelo governo de Assad, que chamam pejorativamente de “regime”. Seus repórteres visitam campos de refugiados, e divulgam as intenções do Pentágono de enviar forças militares especialmente treinadas que auxiliem os rebeldes.

Times of India – é um jornal online pertencente ao The Times Group, maior conglomerado mi-diático indiano. Fundada em 1999, a página tem 2 bilhões de visualizações mensais, e é a versão moder-na da empresa familiar fundada em 1838, em Bombay.

Na cobertura dos eventos na Síria, destaca mortes causadas por rebeldes, e enfatiza as negocia-ções internacionais com Assad, reforçando sua liderança. O jornal se refere ao governante como “pre-sidente”, e não “ditador”, e diz que os rebeldes pressionam sua ofensiva contra um governo que resiste. Em seus artigos, o Times of India discorre de forma positiva a retomada do diálogo dos líderes europeus com Assad, mesmo que o contato seja condenado por diplomatas franceses e britânicos.

2.5. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE: EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS ESTRANGIERAS (LAND GRABBING)

Land Grabbing, em português algo como “roubo de terra” ou “pegar terras”, se refere à contínua aquisição, através de compra ou ganho, de grandes terrenos em países em desenvolvimento por com-panhias multinacionais, governos ou indivíduos. A demanda por territórios cresce nos dias de hoje, pois investidores procuram lugares para produzir comida, biocombustíveis e outros produtos agrícolas, além da simples posse de terras5. Muitas propriedades, apesar de vendidos como não-usados ou não-de-senvolvidos, são fonte de renda para pequenos produtores e famílias pobres, que produzem alimentos. Grandes companhias e países desenvolvidos, ao se apossarem da terra, expulsam as famílias locais, que não possuem meios de voltar a produzir nem de comprar alimentos. Esse tipo de exploração é destrutivo não só para a população local, mas também para o solo e para o ambiente em torno do plantio, como corpos de água e outros ecossistemas. Apesar disso, muitos países envolvidos com a prática do Land Grabbing afirmam que o termo, cunhado pela mídia, é pejorativo, e na verdade a compra legal de terras de um governo para o outro pode ser lucrativa para o país em desenvolvimento.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente é uma agência criada a fim de coordenar as atividades ambientais e assistir os países a implementar políticas e práticas a favor do meio ambiente. Criado em 1972, o PNUMA é uma excelente escolha de mediação para as discussões do Land Grabbing. Com sua sede principal em Nairóbi, no Quênia, responsável por auxiliar países africanos, conta também com uma rede de escritórios regionais espalhados pela Ásia do Pacífico, Ásia Ocidental, América do Norte, América Latina e Caribe e Europa. Dessa forma, cada um de seus escritórios aborda o assunto territorialmente relevante, dependendo das necessidades do país sede.

As terras que sofrem Land Grabbing encontram-se, em sua maioria, em países africanos como Etiópia, Serra Leoa, Angola, Sudão e Sudão do Sul. Mas países de outros continentes, como Brasil, Fili-pinas, Paquistão e Turquia também são vítimas da prática. Uma boa opção para abordar o assunto na mídia seria fazê-lo através de jornais das regiões mais afetadas pelo Land Grabbing, como o brasileiro Folha de S. Paulo, a ANGOP, agência de notícias angolana, e os asiáticos Asia Times e Paquistan Today. A questão da apropriação de terras, diferentemente de outros fatos tratados pela ONU, não cria uma luta midiática direta, contrapondo jornais locais, envolvidos na problemática, e jornais ocidentais que se criticam e respondem num pequeno período de tempo. Entretanto, analisando as notícias produzidas a respeito do assunto é possível perceber pela maneira de abordar os fatos, ou seja, na cobertura, a visão muito específica dos dois veículos escolhidos.

2.5.1. VEÍCULOS

Agência Angola Press (ANGOP) - é a única agência de notícias de Angola. Criada em 1975, é desde 1978 um órgão estatal, e hoje funciona apenas pela internet. Seu site e seus aplicativos móveis noticiam em inglês e português. Apesar de não possuir um veículo impresso a agência produz conteúdo

5 http://www.oxfam.org/en/campaigns/about-grow

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a ser transmitido para jornais e agências angolanos e internacionais.

Fornecendo uma visão local dos fatos, a ANGOP procura problematizar a questão do Land Grab-bing, reportando a respeito das desapropriações das terras e das consequências para os países africanos. Para ilustrar esta posição, incluem entrevistas com membros da comunidade local, especialistas am-bientais e chefes de estado locais, não tendo uma posição excessivamente protecionista, mas procuran-do sempre mostrar o lado da população afetado pela prática. Em uma notícia publicada em outubro de 2010, por exemplo, destaca uma colocação do Escritório de Comida e Agricultura da ONU, explicando que os governos africanos deveriam evitar emprestar terras para investidores estrangeiros devido ao risco de aumentar a pobreza local e as tensões sociais6.

BBC- Enquanto a mídia local tenta mostrar as consequências do Land Grabbing, grandes veículos europeus e norte-americanos, mesmo que de posição mais liberal, tendem a escrever artigos tentan-do “desvilanizar” o Land Grabbing, uma vez que seus países de origem são os principais interessados. A BBC, sigla para Companhia de Transmissão Britânica, de Londres, também estatal, é uma rede de veículos noticiosos contando com mídia online, canais de televisão e emissoras de rádio. Criada em 1922 com transmissões radiofônicas é uma das empresas de comunicação mais conhecidas do mundo, sendo responsável por grande parte do conteúdo de entretenimento produzido no Reino Unido. Sob a influência de uma Carta Régia7, a companhia tem como objetivo principal divulgar a cultura britânica.

Assunto na televisão, rádio e internet, inúmeras notícias abordam os benefícios proporcionados pelo Land Grabbing. Recorrentemente a mídia britânica dá a entender que a chamada “apropriação” é na verdade, um “empréstimo de terras”, e ajuda a criar empregos, aumentar os ganhos com a importação e a inserir tecnologias mais avançadas na agricultura local. Mantendo sua credibilidade, a companhia até chega a mostrar os diversos lados do assunto, mas sempre dando ênfase ao fator benéfico. Em algumas entrevistas no rádio e na televisão, por exemplo, podemos perceber o jornalista conduzindo as pergun-tas sempre se referindo que através dessa espécie de aluguel destas terras, os países africanos poderão investir bilhões em infraestrutura. O que mantém a credibilidade da rede é que, ao lermos suas notícias, temos a opinião daqueles que acreditam que o Land Grabbing é um grande problema aos países menos desenvolvidos. Mas apoiados por especialistas ambientais, agrícolas ou econômicos, ficamos com a impressão de que os benefícios são muito maiores do que qualquer prejuízo.

2.6. ASSEMBLEIA GERAL DA UNIÃO AFRICANA: PRESENÇA DE POTÊNCIAS EXTRARREGIONAIS NO CONTINENTE AFRICANO - A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS PETROLÍFEROS E MINERAIS

Assim como a Assembleia Geral da ONU, a Assembleia Geral da União Africana não tem poder mandatório. Isso quer dizer que, apesar de bastante influentes, suas resoluções tem caráter recomen-datório, e podem apenas exercer pressão sobre as partes. Como quem tem o poder de mandar tropas e missões de paz para o continente africano é apenas o Conselho de Paz e Segurança da União Africana, o objetivo desta simulação é chegar a uma resolução, com cada parte do debate tentando fazer com que seus argumentos se sobressaiam.

O tópico tratado é do tempo presente, com uma polarização tênue entre dois padrões de polí-tica externa: aqueles mais aliados ao ocidente - principalmente ex-colonizadores da Europa e os EUA -, e os que buscam relações com países emergentes no que diz respeito as indústrias estrangeiras que exploram seus recursos naturais, como a China e o Brasil. Enquanto os pró-ocidente recebem influência política dos países exploradores de recursos, muitas vezes chamados de neocolonialistas, os outros pro-curam resolver suas questões de forma mais autônoma, contando com atores e organizações africanas ao invés de recorrer às tradicionais organizações extrarregionais, como a OTAN e a União Europeia.

2.6.1. VEÍCULOS

The Africa Review - propriedade do Nation Media Group, do Quênia, é um dos líderes do mer-cado, e pretende examinar importantes acontecimentos políticos e sociais relevantes para todo o con-tinente africano. A página pode ser lida como um todo, ou as notícias podem ser filtradas por países. O jornal online pretende noticiar o mundo a partir de uma perspectiva africana, mas também é crítico às políticas mal sucedidas do continente.

Quanto à exploração de recursos petrolíferos e minerais, o Quênia costuma ser favorável à inter-

6http://www.portalangop.co.ao/angola/en_us/noticias/africa/2010/9/41/Africa-shouldn-rush-into-land-deals-FAO,239b7bd4-4b6c-4a9c-ae95-39b62bd6386b.html

7 Documento assinado por um monarca contendo determinações gerais e permanentes.

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venções estrangeiras. Em notícias sobre acordos quebrados entre o governo da Somália e companhias internacionais como Shell e ExxonMobil, o jornal critica a atitude do presidente do país, e lembra que acordos com gigantes do petróleo já foram feitos anteriormente. Apesar disso, elogia a política de Gana, que criou o Petroleum Revenue Management Act (Lei de Gestão das Receitas Petrolíferas) em 2011, para garantir o recurso para as próximas gerações. O Quênia, país aberto a intervenções estrangeiras, também reconhece petróleo e o gás natural como recursos nacionais, o que pode explicar a posição dúbia da mídia.

The Ghanaian Chronicle – maior jornal diário privado do Gana, tem uma circulação de 45 mil cópias. Fundado em 1990, o jornal contribuiu significativamente para a transição democrática de Gana, e busca fortalecer os valores da democracia, da liberdade e da justiça. Sua política editorial está baseada na reconciliação da população, no combate à pobreza e aos abusos.

Assim como seu país, o periódico tem uma visão anti-intervencionista, e critica a decisão de acor-dos de exploração de petróleo feitos até mesmo com a Nigéria, pertencente ao continente africano. Para o jornal, o país não tem experiência em reservas submersas, e os contratos são corruptos e nebulosos.

2.7. ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS): EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS NA PLATAFORMA CONTI-NENTAL

A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, apelidada de ZOPACAS ou ZPCAS, é um fórum de diálogo e cooperação envolvendo os países do entorno do Oceano Atlântico na porção sul. Atualmente é composta de 24 países-membros, em sua maioria africanos, além do Brasil, da Argentina e do Uruguai. Criada em 1986, atesta o compromisso de manter a América Latina, o Caribe, o continente antártico e a África livres de armas nucleares. Desde 2013, por meio da Declaração de Montevidéu, seus países con-cordaram em se reunir anualmente à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas. Esta cooperação sul-sul, iniciada no contexto de Guerra Fria, mantém-se atual e revitalizada.

A plataforma continental, área de discussão do tópico apresentado, se refere à zona oceânica logo após o litoral. Para o direito marítimo,

“A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a ex-tensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância”. (CNUDM, art. 76, par. 1)

Os debates deste comitê envolverão, portanto, a exploração dos recursos nessa zona marítima. Sabemos que este assunto é delicado nos dois continentes que integram a ZOPACAS, desde o período de colonização de seus países. Produtos minerais, vegetais e petróleo, entre muitos outros, sempre foram buscados na região por companhias multinacionais e governos, com consequências não apenas para o meio ambiente, mas também econômicas.

Além disso, como a delimitação da plataforma continental não é imutável, muitos países, ao descobrirem certos recursos naturais (como a camada do pré-sal, no caso do Brasil) em suas águas ou em águas internacionais, acabam reabrindo o debate de a quem pertence este território e de quem é o direito de explorá-lo. Atualmente, grande parte destas discussões se dá pela busca por petróleo na região marítima. A maioria dos jornais fora dos países-membros da ZOPACAS não se interessa pelas suas discussões a respeito da exploração das plataformas continentais de seus membros. Entretanto, a visão da mídia centrada no norte é fundamental para o debate, pois demonstra uma posição aparente externa e observadora, mas que tem alto poder de investimento a partir do momento em que demonstre interesse no tema.

2.7.1. VEÍCULOS

Clarín - jornal de maior circulação na Argentina e um dos maiores em espanhol, pertencente ao Grupo Clarín, fundado em 1945 por Roberto Noble. Conhecida pelas suas opiniões mais conservadoras, a rede já entrou em embate com muitos governantes argentinos. Em 2013, o Grupo perdeu uma disputa judicial para Cristina Kirchner, atual presidenta, sendo obrigado a abrir mão de canais de televisão e emissoras de rádio devido a uma cláusula anti-monopólio da Lei de Medios. Assim como o resto da rede, o periódico mantém firme suas opiniões políticas contra o atual governo, mas sempre defendendo o que acredita ser de interesse dos argentinos.

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A escolha do Clarín como mídia regional se dá pelas suas posições contundentes e pela sua facilidade geográfica: o periódico é publicado próximo aos outros dois países-membros do comitê per-tencentes à América do Sul. Apesar de não referir diretamente à exploração de recursos, sabemos que a delimitação do território marítimo argentino é delicada devido a situação de disputa das Malvinas - ou Ilhas Falkland - riquíssimas em recursos naturais. Este tópico é portanto, recorrente nas notícias pu-blicadas pelo jornal, explicando os esforços argentinos para aumentar sua plataforma continental. Ao mesmo tempo, na editoria internacional, o jornal procura problematizar questões parecidas em outros países, em disputas distantes ou de países vizinhos. Em maio de 2014, por exemplo, o Clarín publicou uma reportagem a respeito da busca uruguaia por petróleo e os “perigos” da sua proximidade com o mar argentino. É possível que, como um jornal de credibilidade, o Clarín cobrisse situações como estas quando ocorridas do outro lado do Oceano Atlântico, na África.

The Wall Street Journal - é o mais conhecido jornal especializado em economia. Publicado de segunda a sábado em Nova Iorque, o periódico conta com uma tiragem de mais de dois milhões de exemplares, vendidos em todo o mundo. O Journal cobre a economia americana e internacional, além de tópicos de interesse financeiro e de negócios. Publicado desde 1889, ganhou o prêmio Pulitzer trinta e quatro vezes.

O The Wall Street Journal, como jornal econômico, não possui nenhum histórico relevante na cobertura das plataformas continentais. Mas, como grande parte das disputas atualmente se referem à exploração de petróleo, é plausível que os editores se interessem pela situação marítima da América Latina e da África. O Journal procura focar em uma análise econômica, relevando a situação ou as im-plicações sociais. Quando nenhum país do hemisfério norte se encontra em meio às disputas, assume a posição de observador, sendo consideravelmente menos parcial do que o argentino Clarín.

2.8. CÚPULA DO LESTE ASIÁTICO: DISPUTAS TERRITORIAIS NA ÁSIA-PACÍFICO

As disputas territoriais na Ásia-Pacífico são comparadas, por alguns especialistas, com a véspera da Primeira Guerra Mundial. O conflito em questão neste comitê é a disputa das ilhas Senkaku, cha-madas pela China de ilhas Diaoyu. O arquipélago árido tem estado sob controle japonês desde 1895. Durante a rendição japonesa após a 2ª Guerra Mundial, passou a ser dominado pelos EUA, mas foi de-volvido ao Japão em 1972. Hoje, o conjunto de cinco ilhas desabitadas é propriedade privada de uma família japonesa, mas o Estado nipônico está tentando compra-las. O território é pleiteado pela Repúbli-ca Popular da China e pela República da China (Taiwan). Também se mostra um embate entre a mídia internacional - apoiando o Japão e os Estados Unidos - e a mídia chinesa.

2.8.1. VEÍCULOS

Veja - é uma revista semanal brasileira publicada pela Editora Abril, fundada em 1968 pelos jorna-listas Roberto Civita e Mino Carta. A publicação trata de temas variados de abrangência nacional e glo-bal, tendo nas questões políticas, econômicas e culturais os seus principais assuntos. Com uma tiragem superior a um milhão de cópias, a Veja é a revista nacional de maior circulação. Apesar de fundada como uma revista de tendências centristas e centro-esquerdistas - na medida em que o regime de censura imposto pela Ditadura Militar permitiu -, a partir dos anos 1990 o periódico passou a se tornar, grada-tivamente, alinhado às políticas de direita e às ideias tradicionalmente liberais no sentido econômico.

Enquanto a disputa pelas ilhas era apenas iminente, as manchetes da Veja, apoiadas nas pes-quisas do instituto Lowy (instituição australiana de pesquisas nas áreas internacionais), já falava nas forças-militares da China, do lançamento do primeiro porta-aviões chinês e também apontava um pos-sível embate entre Japão e China. A revista, através do Blog de Caio Blinder, relata que a China “estava colocando as suas asinhas de fora” à medida que declarou uma zona de defesa de identificação aérea em torno de ilhas desabilitadas sob controle do Japão. O motivo da criação da zona defensiva seria a circulação de aviões japoneses e americanos aquelas áreas.

China Daily – é um jornal diário de língua inglesa, publicado de segunda a sábado, criado em 1981. A publicação é controlada pelo Partido Comunista da China. Ele tem a maior tiragem entre os jor-nais de língua inglesa no país – mais de 200 mil cópias por edição. A redação do jornal fica no distrito de Chaoyang de Pequim, e têm filiais na maioria das grandes cidades do país, bem como em cidades estrangeiras como Nova York, Washington, DC, Londres e Kathmandu. O artigo do jornal é publicado por satélite nos Estados Unidos, Hong Kong e Europa. O China Daily tem como alvo um público interna-cional, incluindo diplomatas, estrangeiros e turistas, uma vez que traduz os principais artigos do jornal chinês para outras línguas em seus editoriais.

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O China Daily era contrário à intervenção Estadunidense na disputa desde o começo do conflito, pois os EUA apoiariam o Japão. O jornal considerou a viagem de Obama a quatro países da região Ásia--Pacífico, em 2013, uma afronta para com os chineses, principalmente pelas declarações enquanto em solo japonês e pelo tratado assinado com as Filipinas.

2.9. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS: A ATUAÇÃO DA OEA NAS CRISES DEMOCRÁTICAS NA AMÉRICA LATINA

A Organização dos Estados Americanos é uma organização internacional criada em 1948, com sede em Washington, nos Estados Unidos, cujos membros são as 35 nações independentes do con-tinente americano. Desde 26 de Maio de 2005, o secretário-geral é o chileno José Miguel Insulza. A organização tem sido frequentemente acusada de não se pronunciar sobre os vários de casos de crises democráticas ocorridos na última década na América. Grandes jornais criticam a OEA dizendo que ela defende os governos de esquerda, como no caso venezuelano. Governos de esquerda, como o cubano, dizem que o fato de sua sede ser em Washington é uma afronta aos latino-americanos.

2.9.1. VEÍCULOS

Granma - jornal oficial do Partido Comunista Cubano. Seu nome provém de um iate denominado Granma, que transportou Fidel Castro e 81 outros rebeldes para as praias de Cuba em 1956, iniciando a Revolução Cubana. Fundado em 1965, nasceu da união de outros dois jornais: os matutinos Revolució-ne Hoy. A primeira edição do jornal data de 4 de outubro, dia em que o PURSC mudou o seu nome para Partido Comunista Cubano.

Na cobertura de crises democráticas latino-americanas, o Granma destaca a fala de Rafael Correa Delgado, presidente da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribe.Ele questiona a escolha da localização da sede da OEA, em Washington, pois os EUA impuseram o embargo a Cuba que por décadas prejudicou a economia do país. O jornal cubano segue com críticas duras a Organização dos Estados Americanos. Em artigo publicado em março de 2014, o periódico chamou a organização de “podre”, após declarações de que Cuba não respeitava os direitos humanos. Sobre o golpe praticado em Honduras, em 2009, o Granma apoiou o presidente deposto, Manuel Zelaya, afirmando que a organiza-ção era muda em relação ao golpe da direita hondurenha. Na época da tentativa de golpe no Equador em 2010, o Granma posicionou-se a favor do presidente Rafael Correa. Anos antes, em 2006, o jornal já havia publicado uma entrevista com o equatoriano. Correa afirmara então que “continuamos com uma OEA que, tal como Fidel Castro disse, não é outra coisa que um ministério de colônias”.

Folha de S. Paulo - segundo maior jornal de circulação no Brasil e o de mais prestígio no país. Tem tiragem média de 300 mil exemplares. Fundado em 1921 por um grupo de jornalistas, liderado por Olival Costa e Pedro Cunha, fazia oposição ao principal jornal da cidade, O Estado de S. Paulo, que repre-sentava as elites rurais e assumia uma posição conservadora. Hoje a Folha se define como um jornal de linha editorial pluralista, colocando colunistas e articulistas tanto de esquerda como de direita.

O jornal destacou, na cobertura feita sobre a atuação da OEA em relação ao atual governo ve-nezuelano, as falas de autoridades oficiais. Entre elas, a do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, que questionou a serventia da OEA e a existência de tantas cúpulas. O jornal paulistano também evidencia, com frequência, as denúncias feitas a Organização dos Estados Americanos por políticos contrários ao governo chavista de Nicolás Maduro. Em 2008, durante a maior crise política do governo de Evo Morales, a Folha deu espaço às declarações oficiais da OEA:

“O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, declarou nesta segunda-feira, que a crise na Bolívia chegou “a um ponto em que ou se entra em um acordo sobre a imediata suspensão das hostilidades e se inicia uma negociação, ou a situação ficará muito difícil”.

Sobre o enfrentamento entre guerrilhas haitianas e o governo de Cuba em 2004, a Folha apenas citou que a OEA estava preparando polícias para atuar na área, propondo também uma série de medidas para tirar poderes do presidente Jean Baptiste Aristide. A atuação da OEA em 2002, durante os conflitos na Venezuela, foi noticiada afirmando que as propostas de diálogo do presidente Hugo Chávez com seus opositores, mediadas pela Organização dos Estados Americanos, fracassou. Governistas e oposi-cionistas adotaram posições cada vez mais radicais. Apesar dos apelos da OEA por ações comedidas, a oposição convocara novas greves gerais.

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2.10. SENADO BRASILEIRO: A REVISÃO DA LEI DE ANISTIA

A revisão da Lei da Anistia, decretada em 1979, pelo então presidente João Batista Figueiredo, é discutível, principalmente quando envolve visões diferentes dos veículos de comunicação. Encontramos isso entre as revistas Veja e Carta Capital. Enquanto na primeira temos uma de visão mais conservadora, na segunda encontramos um discurso esquerdista. Na Lei da Anistia constava a absolvição de todos que cometeram crimes políticos ou conexos com estes, ou seja: daria liberdade a todas as pessoas que foram presas durante a Ditadura Militar e absolveria os militares que participaram desse movimento.

A cobertura feita por ambas as revistas tem características distintas quando se trata de política editorial, uma vez que a Veja é uma revista inclinada à ideologia direitista, enquanto a Carta Capital se enquadra na esquerda política. Estas posições transparecem na cobertura dos fatos. Enquanto a Veja é contra a revisão da Lei da Anistia, a Carta Capital se posiciona a favor.

2.10.1. VEÍCULOS

Veja - é uma revista semanal brasileira publicada pela Editora Abril, fundada em 1968 pelos jor-nalistas Roberto Civita e Mino Carta. A publicação trata de temas variados de abrangência nacional e global, tendo nas questões políticas, econômicas e culturais os seus principais assuntos. Com uma tira-gem superior a um milhão de cópias, a Veja é a revista nacional de maior circulação. Apesar de fundada como uma revista de tendências centristas e centro-esquerdistas - na medida em que o regime de cen-sura imposto pela Ditadura Militar permitiu -, a partir dos anos 1990 o periódico passou a se tornar, gra-dativamente, alinhado às políticas de direita e às ideias tradicionalmente liberais no sentido econômico.

Quando a revisão da Lei da Anistia foi considerada, tendo como desfecho a maioria votando contra, em abril de 2010, a Veja se declarou contrária. A lei visa tanto os opositores do Regime Militar quanto os agentes do Estado que cometeram crimes, como assassinatos e torturas. No entanto, a re-visão poderia prejudicar apenas os militares, sem afetar os guerrilheiros. A revista explica a posição de Dilma Rousseff, contrária a revisão da lei, como uma decisão baseada no receio do passado: a presidenta foi guerrilheira durante a ditadura, e integrou a força de resistência VAR-Palmares.

Carta capital - é uma revista semanal publicada pela Editora Confiança. Foi criada em 1994 pelo jornalista Mino Carta, o mesmo que criou a revista Veja em 1968. Possui uma tiragem média de 75 mil exemplares. Ao longo do tempo, a revista assumiu uma visão crítica, procurando abordar os fatos de forma diferenciada em relação a outros semanários e jornais. A Carta Capital é marcada por uma linha editorial assumidamente alinhada à esquerda política.

A Carta Capital se mostrou a favor da revisão da lei, na medida em que ela poderia ajudar a re-solver muitos casos de torturas, desaparecimentos e mortes ocorridos no período da ditadura militar. Quanto à posição da presidenta, a Carta Capital destacou a declaração no Twitter de Dilma. Em tom de superação, ela frisou que “as cicatrizes podem ser suportadas e superadas”, e afirmou que “assim como reverencio os que lutaram pela democracia, também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à redemocratização”.

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COMITÊ 21

CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS

O Princípio de Responsabilidade de Proteger e a Preservação dos Direitos Humanos

Alexandra de Borba OppermannGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Caroline Chagas de AssisGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Eduardo Dondonis PereiraGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Gabriela Dorneles Ferreira da CostaGraduanda do 6º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Luiza Bender LopesGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Maria Gabriela de Oliveira VieiraGraduanda do 4º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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22 UFRGSMUNDI 2015 ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.21-45

INTRODUÇÃO

Direitos Humanos são os direitos e liberdades básicas de todos os seres humanos. Entre eles es-tão o direito à moradia, à educação e à saúde, além de outros vinte e sete direitos. Estes não podem ser negados ou transferidos, e independem de qualquer fator particular como etnia ou religião. O Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), por sua vez, é um órgão inter-governamental criado em 2006 para fortalecer e promover a defesa dos direitos humanos no mundo, bem como reconhecer suas violações e criar recomendações de como os Estados devem proceder caso ocorram. O órgão é composto por 47 Estados eleitos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e substi-tui a Comissão de Direitos Humanos da ONU – existente entre 1946 e 2006 – exercendo funções simila-res a esta. A substituição ocorreu devido a inúmeras críticas relacionadas à participação de Estados que possuíam pouco ou nenhum respeito pelo conceito de direitos humanos.

Sediado em Genebra, na Suíça, o CDH cria recomendações para a Assembleia Geral da ONU. Os Estados, porém, não são obrigados a seguí-las, já que as únicas resoluções de caráter manda-tório dentro da Organização são as instituídas pelo Conselho de Segurança. Dentre diversos assuntos, o CDH trabalha com proteção e promoção dos direitos de minorias, de populações nativas, diminuição das desigualdades de gênero, promoção da democracia, da liberdade de expressão, do direito à alimentação, da liberdade de crença e religião, combate à escravidão e ao tráfico de pessoas, etc (CDHNU, 2014).

1.HISTÓRICO

1.1. DIREITO HUMANITÁRIO INTERNACIONAL: SURGIMENTO E EVOLUÇÃO

No século XVII, o jurista holandês Hugo Grotius (1583-1645) – considerado um dos fundadores do Direito Internacional1 – afirmou em sua obra, “Das Leis de Guerra e Paz”, que recorrer à guerra seria aceitável em circunstâncias em que se buscasse auxiliar pessoas que estivessem sofrendo por uma tira-nia2 extrema (HOMANS, 2011). Sendo assim, a intervenção externa em um Estado seria justificada pelo sofrimento de sua população. Em 1648, a emergência do modelo de “Estados Soberanos”, a partir da Paz de Vestfália, entraria em choque com tal concepção.

A Paz de Vestfália se caracterizou uma série de tratados que, além de reconhecer oficialmente a indepencência da Suíça e dos Países Baixos, encerrou a Guerra dos Trinta Anos. Essa guerra ocorreu entre 1618 e 1648 por motivos religiosos, dinásticos, territoriais e comerciais entre as nações européias. A disputa opôs os príncipes alemães protestantes junto da França, Suécia, Dinamarca, Inglarerra e das Provincias Unidas (atual Países Baixos) contra os representantes do Sacro Império Romano, os Habs-burgos. Também por meio desses tratados, a ideia de Estados Soberanos foi consensualmente aceita pelas nações: um Estado Soberano é uma entidade juridica representada por um governo central, o qual possui soberania (ou seja, poder supremo) sobre determinada área geográfica, não podendo sofrer interferência “legal” de outro Estado.

No século XIX, ocorreu no norte da Itália, em junho de 1859, a Batalha de Solferino – nesta bata-lha, lutaram o exército imperial austríaco contra as forças aliadas de França e Sardenha, as quais saíram vencedoras. A Batalha de Solferino resultou em mais de 6 mil soldados mortos e mais de 35 mil feridos, de ambos os lados conflitantes (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, 2010). Após observar e documentar as barbaridades dessa batalha – como a ausência de assistência médica aos soldados feridos –, Henry Dunant (1828-1910), considerado o pai do humanitarismo (ideologia que prega que se deve promover o bem-estar humano), realiza em 1862 algumas sugestões de práticas a serem levadas em conta nos tempos de guerra. As duas medidas propostas eram: (i) a criação de sociedades de ajuda a todos os feridos sem distinção quanto à nacionalidade e (ii) a adoção de uma convenção3 que asse-

1 Direito Internacional é o conjunto de normas que regula as relações externas dos Estados-nacionais (nações politi-camente organizadas as quais contam com uma estrutura administrativa própria) e das Organizações Internacionais (entidades formadas por Estados e que são detentoras de personalidade jurídica de Direito Internacional) que com-põem a sociedade internacional (MELLO, 1986).

2 A Tirania foi uma forma de governo utilizada na Grécia Antiga como uma alternativa à Democracia. (ANDERSON, 2001). Nas sociedades ocidentais atuais a palavra “tirania” tem o significado de opressão, crueldade e abuso de poder.

3 Convenções são atos multilaterais, oriundos de conferências internacionais, que versam a respeito de assuntos de

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CDH 23

gurasse a proteção dos soldados feridos e da equipe médica no campo de batalha (SASSÒLI; BOUVIER & QUINTIN, 2011). No ano seguinte, 1863, inspirado por essas ideias de Dunant, é criado o Comitê Inter-nacional da Cruz Vermelha, o qual pode ser considerado a primeira organização humanitária do mundo (CICV, 2015).

No ano de 1864, seguindo os mesmos ideais da Cruz Vermelha, é adotada a Primeira Convenção de Genebra. Essa convenção acaba definindo “as bases nas quais repousam as leis do direito internacio-nal para proteção das vítimas de conflitos armados” (PICTET, 1951, p. 462). Ela foi uma convenção para a melhoria da condição dos feridos e doentes nas forças armadas quando em combate. Em razão disso, hospitais e ambulâncias deveriam permanecer imunes a qualquer hostilidade. A Primeira Convenção de Genebra inaugurou uma série de três convenções que, juntas, constituem o chamado Direito de Gene-bra4, o qual tem por objetivo salvaguardar as vítimas (pessoas que estejam fora de ação) de situações de conflito armado (SASSÒLI; BOUVIER & QUINTIN, 2011).

Então, entre 1899 e 1907, foram realizadas na cidade de Haia, Países Baixos, duas Conferências Internacionais de Paz. Nestas conferências foram estabelecidas as Convenções de Haia, as quais deter-minam os direitos e deveres das partes em guerra, bem como o modo como devem ser as suas condu-tas nas operações militares. Essas convenções têm por objetivo limitar os meios através dos quais um inimigo pode causar dano ao outro (HAGUE CONFERENCE ON PRIVATE INTERNACIONAL LAW, 2015).

1.2 OS DIREITOS HUMANOS NOS PERÍODOS PÓS-GUERRAS MUN-DIAIS

Ao longo dos séculos, o mundo tem passado por profundas transformações consequentes de conflitos entre os Estados. Muitos desses conflitos modificaram – e ainda modificam – completamente as estruturas econômicas, políticas e sociais das nações envolvidas, influenciando até hoje a realidade vivenciada por elas. No entanto, nenhum conflito tomou as proporções das duas guerras mundiais, ocorridas durante o século XX, que colocaram em xeque a questão dos direitos humanitários.

A Primeira Guerra Mundial, que ocorreu entre 1914 e 1919, foi uma guerra centrada principalmen-te na Europa. Ela contou com a participação das grandes potências da época5 e mobilizou consideráveis contingentes militares (cerca de 70 milhões de soldados). Seus efeitos foram terríveis: estima-se que morreram cerca de oito milhões de militares, bem como nove milhões de civis (população não-militar). Além disso, cerca de vinte milhões de pessoas ficaram inválidas. A todos esses números devem-se so-mar, ainda, os milhões de refugiados de guerra. Assim, o primeiro grande conflito mundial resultou em mais mortes de civis do que de militares e ultrapassou, em número de soldados mortos, todas as guerras ocorridas nos 125 anos anteriores (VIZENTINI, 2007).

Se os efeitos da Primeira Guerra já foram catastróficos, os da Segunda Guerra Mundial foram devastadores. Ocorrida entre 1939 e 1945, o segundo conflito global mobilizou 110 milhões de soldados e envolveu diretamente 72 países6, ampliando-se para outros continentes que não somente o europeu (VIZENTINI, 2007). Durante a Segunda Guerra, o estadista alemão da época promoveu um dos maiores genocídios – ou seja, exterminação de pessoas tendo como motivação diferenças de nacionalidade, de raça, de religião e de etnia (este conceito será melhor abordado nas próximas páginas) – da história da humanidade. Adolf Hitler e a ideologia nazista perseguiram e mataram cerca de seis milhões de judeus, em um episódio que ficou conhecido como o Holocausto. É importante frisar que o nazismo como ideologia pregava a superioridade da raça ariana, alemã, sobre as demais, instigando seus seguidores a subjugar aqueles que consideravam “mais fracos” e “impuros”. Dessa forma, além dos judeus, outros grupos foram também perseguidos e massacrados, tais quais os ciganos, os negros, os homossexuais, os deficientes físicos e mentais, etc.

Contabilizando as vítimas do nazismo e as da guerra como um todo, o número de mortos da Segunda Guerra Mundial chegou a cerca de 55 milhões, o de mutilados a 35 milhões e o de desapa-recidos a 3 milhões. Mais uma vez, a grande maioria das vítimas era composta de civis. Além disso, as

interesse geral. Destina-se a estabelecer normas para o comportamento dos Estados em uma diversidade de setores (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015a).

4 Fazem parte do Direito de Genebra os três protocolos adicionais realizados em 1977 e 2005. Estes são uma forma de atualização das convenções (SASSÒLI; BOUVIER & QUINTIN, 2011).

5 Como Reino Unido, França e Rússia formando a Tríplice Entente e Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália for-mando a Tríplice Aliança (VIZENTINI, 2007).

6 Estes países seguiam ou os Aliados (liderados por Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética) ou o Eixo (liderados por Alemanha, Itália e Japão) (VIZENTINI, 2007).

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perdas humanas tomaram outras dimensões: milhões de crianças foram transformadas em órfãs, muitas pessoas foram humilhadas e traumatizadas e o número de refugiados e de desabrigados era enorme. A destruição cobria grande parte da Europa e da Ásia (VIZENTINI, 2007, p. 88).

Com o objetivo de evitar que mais um conflito de proporção mundial ocorresse, e a fim de ge-rar uma plataforma global para debate, 51 países reuniram-se, em 1945, em São Francisco, nos Estados Unidos. Dessa reunião nasceu a Carta das Nações Unidas, documento que legitimou a criação da Orga-nização das Nações Unidas (ONU). Foi, então, a partir do surgimento da ONU, que os direitos humanos passaram a integrar a agenda internacional de forma mais atuante, mobilizando países e organismos internacionais (ONU, 2015).

Assim sendo, em 1948, foi aprovada, pela Assembleia Geral da ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela era um complemento à Carta das Nações Unidas e tinha como meta principal a garantia de direitos a todos os indivíduos, em qualquer lugar do mundo (ONU, 2015). Seguindo essa mesma linha, em 1949, ocorreu a quarta Convenção de Genebra, que, além de revisar as três anteriores, abriu espaço para discussões e para elaborações de normas. Essas normas regulariam as condutas de países em conflitos e isso tenderia a minimizar os efeitos destes conflitos sobre os civis (CICV, 2015).

O período posterior à Segunda Guerra Mundial ficou conhecido como Guerra Fria (1948-1991). Segundo Vizentini (2007), as origens da Guerra Fria encontram-se, majoritariamente, nas divergências verificadas entre os aliados ocidentais e os soviéticos a respeito de como seria a ordem mundial no pós--guerra. Assim, desdobramentos dessas divergências resultaram em conflitos de ideologia (capitalismo e comunismo/socialismo), principalmente entre os Estados Unidos e a União Soviética (URSS), que ini-ciaram, assim, um conflito de dois polos, ou seja, bipolar. Ao longo de todo o período, esses dois países nunca se enfrentaram em um conflito direto; no entanto, agiram de modo a influenciar determinados Estados, colocando-os em guerra uns contra os outros para que seus interesses próprios fossem defen-didos ou assegurados.

Assuntos relacionados ao humanitarismo, durante a Guerra Fria, foram largamente barrados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)7. Isso se deu em função das dificuldades impostas pelo conflito bipolar entre EUA e URSS, que procuravam equilibrar o poder um do outro. Um dos me-canismos encontrados para atingir esse equilíbrio foi a utilização do poder do veto, garantido aos dois países como membros do CSNU, como forma de dificultar possíveis avanços da potência inimiga. Além disso, a interferência e a atuação desses dois Estados em conflitos regionais – criando-os, instigando-os ou intensificando-os – enrijeceu o desenvolvimento da agenda humanitária. Dessa forma, segundo Bierrenbach (2011), no período de 1945 a 1967, nenhuma resolução aprovada pelo Conselho fazia refe-rência aos aspectos humanitários de qualquer conflito. O mesmo teria ocorrido, de forma menos acen-tuada, durante as décadas de 1970 e de 1980.

O sopro de renovação se deu com o fim do conflito bipolar, em 1991. Assim, a década de 1990 foi aquela em que o Conselho de Segurança passou a ter participação mais ativa sobre o tema. Isso resultou: (i) na priorização de assuntos relacionados à segurança em detrimento daqueles ligados ao desenvolvimento; e (ii) na minimização da participação da Assembleia Geral das Nações Unidas (mais representativa dos países em desenvolvimento) na dinâmica internacional (INTERNATIONAL PEACE INSTITUTE, 2009). Reflexo da maior participação do CSNU foi a grande quantidade de missões de paz patrocinadas pela ONU nesta época.

As missões de paz das ONU podem ser classificadas em cinco categorias: diplomacia preventiva, promoção da paz, manutenção da paz, imposição da paz e consolidação da paz. A diplomacia preven-tiva tem por objetivo prevenir o surgimento de disputas, evitar que as disputas existentes resultem em conflitos armados, e impedir que esses, uma vez eclodidos, alastrem-se. A promoção da paz designa as ações diplomáticas posteriores ao início do conflito, para levar as partes em conflito a suspenderem as hostilidades e a negociarem. A manutenção da paz trata das atividades ocorridas no terreno do conflito, com o consentimento das partes beligerantes – a atuação se dá pela atuação de militares, de policiais e de civis. A imposição da paz corresponde às ações que incluem o uso de Força Armada para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais, em situações nas quais o Conselho de Segurança tenha identificado a existência de uma ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão. Nesses casos, o Con-selho tem delegado a coalizões de países ou a organizações regionais e sub-regionais a execução, mas não a condução política, dos mandatos de intervenção. Por fim, a consolidação da paz refere-se às ini-ciativas voltadas ao tratamento dos efeitos do conflito, visando a fortalecer o processo de reconciliação nacional, por meio da implementação de projetos destinados a: recompor as estruturas institucionais, recuperar a infraestrutura física, e ajudar na retomada da atividade econômica (MARINHA DO BRASIL

7 O Conselho de Segurança das Nações Unidas é um dos principais órgãos da ONU, composto por cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia, os vencedores da Segunda Guerra Mundial) e dez membros rotativos, eleitos pela Assembleia Geral a cada dois anos (CSNU, 2015).

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NAS OPERAÇÕES DE PAZ, 2015). Além das missões de paz, a disseminação de tentativas de intervenções preventivas, que ocorreram em resposta aos cada vez mais letais e complexos conflitos internos, tam-bém foram iniciativas do CSNU.

Assim, verificou-se que, enquanto os confrontos entre os Estados diminuíram significativamente a partir de 1991, o número de conflitos no interior dos países (conflitos internos) aumentou. Dessa for-ma, episódios como o Genocídio de Ruanda (1994), a limpeza étnica da Guerra da Bósnia (1992-1994), a Guerra do Kosovo (1998-1999) e a Guerra Civil da Somália (iniciada em 1991 e existente até hoje) ilustram não apenas situações em que algumas missões de paz da ONU atuaram como recurso, mas também confrontos nos quais intervenções estrangeiras se manifestaram através do uso da força – fato que por vezes agravou a violência local e afastou possíveis negociações de paz.

A Guerra da Bósnia, iniciada em 1992, foi um confronto armado resultado do processo de desin-tegração da antiga Iugoslávia, iniciado a partir da desintegração da URSS, com o fim da Guerra Fria. A guerra envolveu diversos países e teve como grave consequência crimes realizados por sérvios (geno-cídio), croatas (limpeza étnica) e bósnios (violações das Convenções de Genebra). Este conflito contou com a participação da OTAN.

A Guerra do Kosovo foi resultado de uma crise na província do Kosovo, em que o movimento separatista albanês ganhou força e proclamou independência em relação à Sérvia. Isso ocorreu em 1991, mas só teve atenção da comunidade internacional em 1998, que, alegando estar temerosa que a limpeza étnica ocorrida na Guerra da Bósnia se repetisse, aprovou a intervenção da OTAN na região.

A Guerra Civil da Somália teve seu início em 1991 e ainda hoje faz parte da realidade do país africano. O conflito tem suas origens na Guerra Fria, quando o país era governado por uma ditadura. Durante o período, tanto a URSS como os EUA atuaram na região, fornecendo armas para o governo. Assim, grupos de insurgentes começaram a surgir na Somália, ocupando territórios a fim de desestabili-zar as forças do governo. Com a queda da URSS e algumas investigações acerca da violação dos direitos humanos, os EUA retiraram seu apoio ao governo somali e, em pouco tempo, ele foi deposto. A guerra civil tem início, então, pois os grupos rebeldes passaram a lutar entre si pelo poder. Isso desencadeou a fragmentação do território somali em territórios definidos, comandados por grupos distintos. Até hoje o número de mortos e de refugiados somalis aumenta progressivamente (CARDOSO, 2012).

Em 1994, a população de Ruanda era composta por três grupos étnicos diferentes: os Hutus (que compunham aproximadamente 85% da população total), os Tutsis (que compunham 14% da população total) e os Twa (que compunham 1% da população total). Durante muitos anos, os Hutus foram oprimi-dos pela minoria Tutsi, fato que gerou ressentimentos e desejos por vingança em alguns grupos hutus. Assim, já no início da década de 1990, extremistas Hutus passaram a culpar a minoria Tutsi em sua to-talidade pelos problemas sociais, econômicos e políticos de Ruanda. A tensão aumentava progressiva-mente. O estopim para que um confronto armado tivesse início ocorreu em 1994, quando um avião car-regando o então presidente do país, Habyarimana, que era da etnia Hutu, foi atingido e caiu. A violência que se seguiu foi devastadora, com grupos de Hutus organizados para promover a total execução da etnia Tutsi, caracterizando um crime de genocídio. Estima-se que 800 mil homens, mulheres e crianças morreram no genocídio de Ruanda, o que equivaleria a aproximadamente 75% da população Tutsi. Ao mesmo tempo, milhares de Hutus foram assassinados por não apoiarem o massacre aos Tutsis. A guerra civil apenas teve fim quando um grupo de rebeldes Tutsis depôs o regime opressor Hutu e o presidente Paul Kagame assumiu o controle do país (UNITED HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2015).

Apesar de todos esses conflitos terem ocorrido no âmbito interno dos países em questão, o papel da comunidade internacional em tomar medidas que os prevenisse e os impedisse de ter continuidade era relevante. Em Ruanda, nenhum ator externo agiu em prol da estabilidade do país: Bélgica, Estados Unidos, França e a própria ONU rejeitaram por semanas usar da sua autoridade política e moral para desafiar a legitimidade do genocídio empreendido pelo governo (UHRC, 2015).

Tendo como base a falha da comunidade internacional em prestar auxílio à tragédia de Ruanda, Kofi Annan, em 2000, na capacidade de Secretário Geral das Nações Unidas, questionou os entraves oferecidos à intervenção humanitária. Esse seria o início do processo que daria origem ao conceito de Responsabilidade de Proteger.

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1.3 O SURGIMENTO DO PRINCÍPIO DE RESPONSABILIDADE DE PROTEGER (R2P)

Ao questionar a inação da comunidade internacional nos conflitos internos da década de 1990, Kofi Annan – Secretário-Geral da ONU entre 1997 e 2007 – estava, de certa maneira, cobrando respostas dos juristas internacionais sobre o tema. Essa resposta chegou em 2001, quando é publicado um Relató-rio da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS, na sigla em inglês) no qual o princípio da Responsabilidade de Proteger e suas atribuições foram delineados. Em uma tentativa de alcançar um consenso entre os Estados quanto às crises relacionadas à escolha entre respeitar a sobera-nia e a necessidade da intervenção para fins humanitários, na Cúpula Mundial de 2005, ao realizar uma revisão do Relatório da ICISS, a Assembleia Geral acaba adotando o princípio.

O conceito de Responsabilidade de Proteger se estrutura, então, em três pilares:

(i) todo Estado tem o dever de proteger a sua população de genocídios, crime de guerras, crimes contra a humanidade e contra limpezas étnicas;

(ii) a comunidade internacional tem a responsabilidade de ajudar o Estado a cumprir esses de-veres;

(iii) caso o Estado falhe na proteção de seus cidadãos contra os crimes citados no ponto ‘i’ e as medidas pacificadoras das Nações Unidas também falharem, a comunidade internacional tem a responsabilidade de intervir através de medidas coercitivas – tais como sanções econômicas8 e, até mesmo, intervenções militares (UN GENERAL ASSEMBLY, 2009).

A Responsabilidade de Proteger determina, portanto, que a cada Estado cabe o dever de proteger sua população de crimes que violam os direitos humanos. Deixa claro, contudo, que, caso um Estado seja incapaz de fazê-lo, a responsabilidade recai sobre a comunidade internacional. Dessa forma, esse conceito faz parte de uma tentativa de conciliação entre a intervenção humanitária e a soberania dos Estados.

1.4 A R2P NA PRÁTICA: O CASO DA LÍBIA

O conflito na Líbia, inserido no contexto da Primavera Árabe9, teve início em fevereiro de 2011. A crise foi marcada pela forte repressão aos grupos de oposição ao presidente Muammar Kadhafi pelas forças do governo. A violência na repressão tornava-se mais intensa, e a situação cada vez mais insus-tentável. Deste modo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas precisava agir frente a esses fatos. (BELLAMY, 2011). Em resposta, duas resoluções foram apresentadas: a Resolução 1970, ainda em feve-reiro, impôs à Líbia um embargo de armas e sanções econômicas, além da convocar ajuda humanitária para o país. Essa foi a primeira resolução em que se mencionou o princípio da R2P.

A segunda resposta veio em março do mesmo ano, através da Resolução 1973 do Conselho de Segurança. Nela o Conselho aprovou, pela primeira vez, o uso de força militar para proteger civis sem o consentimento do Estado em questão, a Líbia. (BELLANY e WILLIAMS, 2011). Formou-se então uma coalizão militar liderada por forças da França, do Canadá, do Reino Unido e dos Estados Unidos que in-tervém militarmente na Líbia com o objetivo de acabar com a guerra civil que ali estava instalada após a morte de Muammar Kadhafi (1942-2011) em um ataque realizado por combatentes líbios.

A Crise na Líbia foi o evento em que a comunidade internacional viu a necessidade de utilizar o princípio da Responsabilidade de Proteger para conter a situação naquele país. O CSNU agiu de forma rápida, pois ao observar as proporções que o conflito tomava, qualquer tempo a mais poderia acabar com um episódio semelhante ao de Ruanda. Contudo, as ações tomadas no caso da Líbia passaram a dividir a opinião dos demais Estados. De um lado, países percebem que a polêmica em torno da inter-

8 Sanções econômicas são mudanças nas relações comerciais existentes entre nações ou grupos e organizações, uti-lizadas como forma de penalidade para os governos ou organizações estrangeiras, a fim de alcançar objetivos políti-cos ou comerciais. Podem assumir a forma de um embargo (proibição do comércio), um bloqueio naval (durante conflitos) e o congelamento de contas bancárias ou outros instrumentos financeiros (tais como títulos, empréstimos e estoques) (LIBRARY OF ECONOMICS AND LIBERTY).

9 Primavera Árabe é uma onda revolucionária de manifestações e protestos que vêm ocorrendo no Oriente Médio e no Norte da África desde 18 de dezembro de 2010 (MILLER MCCUNE, 2011). Ela pode ser vista como um movimento de protesto que para além dos anseios populares, assolados duramente pelo desemprego e pela falta de esperança no futuro, são insuflados também por “importante participação externa, pois os revoltosos foram previamente prepa-rados e a forma e o momento em que a revolta ganhou densidade, foram monitorados e influenciados” sinalizam ev-idências de participação de países interessados nas revoltas e no redesenho da política na região (VIZENTINI, 2012).

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venção naquele país não deslegitimou o princípio da R2P, pois desde então, novas resoluções sobre a Líbia foram feitas, sublinhando a primordial responsabilidade de proteger por parte do Governo líbio. Do outro lado, países questionam fortemente a maneira como as ações foram tomadas – representados principalmente pelos BRICS10, eles afirmam que as forças da coalizão violaram os termos da Resolução 1973, principalmente por incentivarem a mudança de regime no país ainda desestabilizado.

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. INTERVENÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Como já especificado anteriormente, o conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P) é aceito pela comunidade internacional como passível de ser aplicado em situações em que há violações de direitos humanos em pelo menos uma das seguintes categorias: a) genocídio; b) crimes contra a hu-manidade; c) limpeza étnica; ou d) crimes de guerra. É importante ressaltar que essas quatro categorias podem, em alguns casos, se confundir ou até mesmo se sobrepor. Apesar de conceituadas em épocas distintas, as categorias das violações de direitos humanos as que a Responsabilidade de Proteger se direciona são fenômenos identificados já nos primeiros registros históricos, tendo origem nos próprios primórdios da civilização (BIERRENBACH, 2011). A seguir, especifica-se cada uma dessas categorias a que a Responsabilidade de Proteger se aplica.

2.1.1. GENOCÍDIO

De acordo com as Nações Unidas, o termo “genocídio” caracteriza-se pela tentativa de exterminar um grupo nacional, étnico, racial ou religioso - esse extermínio pode ser de todo o grupo, ou somente parte dele (ONU, 1948). O genocídio tem sido praticado durante toda a história da humanidade. Nesse sentido, pode-se considerar o massacre dos povos indígenas do continente americano, desde o século XV, por parte dos colonos europeus como genocídio, por exemplo. Ainda assim, mesmo que seja um fenômeno antigo, faz pouquíssimos anos que esse tipo de prática passou a ser considerado oficialmente como crime pela comunidade internacional.

A primeira vez em que o genocídio foi citado em pronunciamento oficial - ainda que não se te-nha utilizado essa palavra especificamente - foi em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial. Em nota, os governos do Reino Unido, França e Rússia (Tríplice Entente) condenaram fortemente o massacre e a chacina de armênios por parte de turcos e curdos, com a conivência e ajuda do Império Turco Otomano (ao lado da Alemanha e Itália, formava a Tríplice Aliança) (GREAT BRITAIN, FRANCE AND RUSSIA, 1915). Calcula-se que cerca de um milhão de armênio tenham sido mortos brutalmente entre os anos de 1915 e 1923 (GENOCIDIO ARMÊNIO, 2015).

O termo “genocídio” apareceu pela primeira vez, escrito dessa forma, em 1944, na publicação do livro “Axis Rule in Occupied Europe” (tradução), do advogado polonês emigrado para os EUA, Raphael Lemkin (1900-1959). Segundo Lemkin (2011), uma série de palavras já havia sido anteriormente utilizada para se referir ao genocídio (como “assassinato em massa”, por exemplo). No entanto, nenhuma delas caracterizava, de forma plena, o crime em questão. A palavra “genocídio” derivava da combinação entre a palavra grega “geno”, a qual significava raça, tribo ou nação, e a palavra latina “cide”, variação de “cae-dere”, que significava assassinato (BIERRENBACH, 2011).

Após a Segunda Guerra Mundial, e a revelação para o mundo do Holocausto - em que cerca de 6 milhões de pessoas, em sua maioria judeus, foram mortas pela Alemanha Nazista em campos de exter-mínio -, o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg (IMT) passou a utilizar também o termo “genocí-dio” em seus julgamentos e sentenças. A Organização das Nações Unidas, já em sua primeira sessão da Assembleia Geral, em 1946, declarou na Resolução 96(I) que o genocídio era considerado uma negação do direito de existência de grupos humanos inteiros, sendo a punição dos crimes de tal natureza uma preocupação internacional (ONU, 1946).

Dois anos depois, em 1948, foi aprovada também pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Por 56 votos a favor e nenhum contra, essa convenção afirmava, em seu primeiro artigo, que os países que a assinassem concordavam que o genocídio, tanto em tempos de guerra como de paz, era um crime sob a lei internacional e que estes

10 A sigla BRICS é utilizada para identificar o grupo de países, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, ascendentes na ordem econômica internacional. Nos últimos anos o BRICS tornou-se uma nova e promissora entidade políti-co-diplomática (MRE, 2015b).

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países se comprometiam a preveni-lo e puni-lo (ONU,1948). Durante décadas, essa convenção tem sido o único instrumento jurídico com ampla margem de ratificações (ou seja, os países a tem colocado em prática) que impõe obrigações aos países que tenham atrocidades cometidas por seus oficiais e dentro de suas fronteiras (BIERRENBACH, 2011).

Portanto, pode-se afirmar que a criminalização do genocídio é amplamente aceita por toda a comunidade internacional nos dias de hoje: entende-se o genocídio como sendo um crime de enorme gravidade, o “crime dos crimes”. Desse modo, justamente por isso, o termo é utilizado com muita cautela pelos países, tanto nos meios políticos quanto diplomáticos. Classificar um assassinato em massa como genocídio invoca não somente os Estados assinantes das Convenções citadas acima a agirem, como também o Conselho de Segurança das Nações Unidas a aplicar os dispositivos da Carta da Organização (BIERRENBACH, 2011).

2.1.2. CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Os crimes contra a humanidade certamente são os tipos de crime que causa mais controvérsias e mal-entendidos no direito criminal internacional. Tais crimes caracterizam-se por graves violações de direitos humanos cometidas – ou mesmo estimuladas – por um Estado contra seus nacionais ou residentes. Desse modo, conclui-se que os crimes contra a humanidade não são violações de direitos humanos direcionadas por um governo a cidadãos de outros países, mas sim aos seus próprios cidadãos (BIERRENBACH, 2011).

A primeira vez em que houve referência a crimes contra humanidade foi (assim como no caso de genocídio) também durante a Primeira Guerra Mundial, no pronunciamento oficial da Tríplice Entente (Reino Unido, França e Rússia), o qual condenava a matança da população armênia com conivência do governo do Império Turco Otomano (BIERRENBACH, 2011). Já a primeira vez em que os crimes contra a humanidade foram de fato conceituados foi em 1945, na Carta do Tribunal Militar Internacional. Essa carta estabelecia diretrizes do tribunal em que ocorreriam os Julgamentos de Nuremberg, em que lide-ranças nazistas foram julgados e condenados por atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial (ONU, 1949).

Segundo a Carta do Tribunal Militar Internacional, os crimes contra a humanidade caracterizam--se por: a) assassinato; b) extermínio; c) escravidão; d) deportação; e e) quaisquer outros atos desu-manos cometidos contra uma população civil – sendo os cinco tipos de violações realizados antes ou durante a guerra; ou f) perseguição por motivos políticos, raciais ou religiosos – sendo tais perseguições relacionadas a quaisquer crimes da competência do Tribunal (ONU, 1949). É importante ressaltar que, diferentemente do genocídio e dos crimes de guerra (que veremos a seguir), os quais têm definições mais específicas, os crimes contra a humanidade estão relacionados à atividade criminosa em que, em especial, a população civil – e não os combatentes de guerra – são vitimados (ZAHAR, A.; SLUITER, G., 2008 apud BIERRENBACH, 2011).

Quatro décadas mais tarde, os crimes contra a humanidade voltariam a ser mencionados e espe-cificados no Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia. Este tribunal foi estabelecido em 1993 a fim de julgarem-se as violações de direitos humanos cometidas durante as Guerras Iugosla-vas (1991-2001), que fragmentaram o país e resultaram na morte em torno de 140 mil pessoas. O artigo 5 deste estatuto se referia especificamente dos crimes contra a humanidade, caracterizando-os como: a) assassinato; b) extermínio; c) escravidão; d) deportação; e) aprisionamento; f) tortura; g) estupro; h) perseguições por motivos políticos, raciais e religiosos; além de i) outros atos desumanos (UN, 2009). Há que se observar que o Estatuto deixa claro que as violações de direitos humanos consideradas podem ser direcionadas a qualquer população civil - desse modo, interpreta-se que os crimes contra a humani-dade podem ser praticados por um Estado sobre sua própria população. Além disso, diferentemente do crime de genocídio, os crimes contra a humanidade seria, segundo o Estatuto, atos cometidos somente em tempos de conflito armado (UN, 2009).

2.1.3. LIMPEZA ÉTNICA

De acordo com os Acordos de Estocolmo sobre Limpeza Étnica11, essa se caracteriza pela aniqui-lação sistemática ou remoção forçada de membros de determinada etnia, raça ou grupo religioso de uma comunidade de maneira a modificar a sua composição. Tal remoção é invariavelmente realizada

11 Quarenta e três participantes reuniram-se em Estocolmo, na Suécia, em 29-30 janeiro de 2000, para um conjunto de mesas redondas sobre o tema: “A reverência e Reconciliação: A resposta de cura para limpeza étnica” As discussões foram convocadas pelo Estratégias Globais para a Liberdade Religiosa, dos EUA, o Instituto Dawson JM de Estudos Igreja-Estado, da Universidade Baylor, também dos EUA, e da Igreja da Suécia.

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através de meios violentos e que inspirem terror. No entanto, a limpeza étnica não é reconhecida como um crime por si só, uma vez que está inclusa dentre os Crimes Contra a Humanidade (ONU, 2013).

O termo começou a ser utilizado na década de 1990, em grande parte devido aos acontecimentos das Guerras Iugoslavas (1991-2001). Em agosto de 1992, o CSNU e a AGNU aprovaram resoluções em que acusavam as partes em conflito da responsabilidade por limpeza étnica. Em dezembro do mesmo ano, a AGNU aprovou resolução que estabelecia que limpeza étnica como uma forma de genocídio (BIER-RENBACH, 2011). A definição, no entanto, foi e ainda é questionada por especialistas de diversas áreas por contemplar aspectos inclusos nas definições de emigração forçada, troca de população, deportação (BELL-FIALKOFF, 1993). Em uma tentativa de esclarecer a diferença entre limpeza étnica e genocídio, a Corte Internacional de Justiça afirmou:

“A intenção que caracteriza o genocídio é destruir, no todo ou em parte um grupo particular’, e a expulsão ou deslocamento dos membros de um grupo, ainda que efetuada pela força, não é necessariamente equivalente a destruição desse gru-po, nem é essa destruição uma consequência automática do deslocamento. Isso não significa que os atos descritos como “limpeza étnica” nunca podem constituir genocídio. Se o são, como tal, devem ser caracterizados como, por exemplo, “a submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou em parte” (I.C.J Reports, 2007, p. 43).

Embora seja considerado por muitos um fenômeno pertencente ao Século XX, o reassentamento de populações “politicamente não confiáveis” data dos grandes impérios que anexavam territórios e subjugavam suas populações conquistadas, formados a partir do Século VIII a.C. Além disso, na Idade Média, a busca por uma maior homogeneidade nos Estados, baseada em ideais de pureza religiosa, teve como alvo minorias não-crentes, fossem elas católicas, protestantes, muçulmanas ou judias, a depender da região. A grande diferença entre a ação praticada na Idade Média e a recente, no entanto, é que na primeira as populações geralmente contavam com a opção de conversão para a religião dominante. Na limpeza étnica, porém, essa opção não existe: a população deve mover-se ou morrer.

A ascensão de movimentos nacionalistas extremistas durante o século XX foi responsável pelos casos mais conhecidos de limpeza étnica atualmente, entre eles o massacre armênio durante a Primeira Guerra Mundial, o Holocausto na Segunda Guerra Mundial, e o deslocamento e assassinatos em massa realizados na ex-Iugoslávia e em Ruanda na década de 1990. Como uma espécie de religião moderna, o nacionalismo extremado utilizou-se de aspectos quase espirituais ao manifestar o desejo de purificar a nação de grupos estranhos a ela (BELL-FIALKOFF, 1993).

Os tribunais montados pela Corte Internacional de Justiça, em 1998, para a investigação dos dois últimos casos, relacionam à limpeza étnica, além do conceito de genocídio, aos conceitos de crime con-tra a humanidade e crimes de guerra, afirmando que todas as três estão sob jurisdição da Corte. Apesar da controvérsia com a sua definição, isso significa que a limpeza étnica é claramente abrangida pelo Direito Internacional, que pode concentrar seus esforços em punir seus responsáveis (BIERRENBACH, 2011).

2.1.4. CRIMES DE GUERRA

A definição de crimes de guerra compreende violações cometidas no contexto de uma guerra ou conflito armado (BIERRENBACH, 2011). Aqui existe uma sobreposição de conceitos cuja importância é fundamental. Uma vez cometidos em âmbito de guerra, crimes como Genocídio também são considera-dos Crimes de Guerra, apesar de possuírem classificação individual. Tais sobreposições são recorrentes ao tratar-se de Direitos Humanos, e não diminuem a relevância ou a necessidade do estudo de todos os conceitos. Além disso, um crime de guerra não é, necessariamente, um conflito armado internacional. A expressão também pode ser utilizada em referência a conflitos armados internos, de acordo com o grau de intensidade e a duração destes.

As violações do “direito na guerra” são reconhecidas há séculos como parte do direito costu-meiro, ou seja, o direito criado espontaneamente por um determinado povo e que é reconhecido pelo Estado devido a sua utilização constante. Muitas das normas relacionadas à maneira de guerrear foram codificadas pelas Convenções de Haia de 1899 e 1907. No entanto, uma das principais, e mais reco-nhecidas, normas afirma que “o direito dos beligerantes quanto aos meios adotados não é ilimitado” (BIERRENBACH, 2011). Isso significa que algo que não esteja proibido nas Convenções, não se torna automaticamente permitido.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Convenção de Genebra, de 1949, e os Protocolos Adicionais, de 1977, atualizaram e ampliaram o conceito de crimes de guerra, tratando da proteção de civis, doentes, feridos e prisioneiros de guerra. O Tribunal de Nuremberg, responsável pela abertura de processos con-

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tra os principais dirigentes do nazismo alemão, e o Tribunal de Tóquio, igualmente responsável por pro-cessar culpados no Japão, contribuíram muito para o desenvolvimento do conceito de crimes de guerra. Entre as violações mais citadas encontram-se o assassinato, maus-tratos de prisioneiros, deportação para trabalho escravo, execução de reféns, pilhagem de propriedade pública e a destruição arbitrária de cidades, vilas ou aldeias (BIERRENBACH, 2011).

2.2. SOBERANIA E RESPONSABILIDADE DE PROTEGER

2.2.1. ORIGEM DO CONCEITO DE SOBERANIA

A origem do conceito de soberania data do século XVII, época da criação do Estado moderno. O Estado moderno é o que hoje conhecemos como países, é uma unidade organizada em termos jurídi-cos, políticos e sociais (MACHADO, 2011). Para essa unidade ser considerada um Estado, ela necessita ser formada por uma população, estabelecida em determinado território delimitado por fronteiras, e deve possuir soberania. Sendo assim, considera-se população, território limitado por fronteiras e soberania características do Estado moderno, bem como e se identifica que “o processo de centralização da ordem jurídica e política do Estado moderno coincide com o reconhecimento da supremacia absoluta do po-der político – a soberania” (COLOMBO, 2012, p.158).

De acordo com Colombo (2012), é a soberania a característica que assegura a unidade e coesão da população de um Estado. A soberania é considerada una e indivisível, não permitindo a existência le-gítima de outras no seu território. Ademais, é a soberania que permite à unidade ser reconhecida como uma entidade política independente, igualitária e livre de intervenções externas (COLOMBO, 2012). Para um Estado ser reconhecido como soberano, “tudo que ele necessita é o reconhecimento dos outros de sua qualidade como soberano, dentro da sua jurisdição territorial” (CUSIMANO apud REGIS, 2006, p. 8). Tendo isso em vista, considera-se que a soberania tem duas dimensões, a interna e a externa.

A dimensão interna da soberania determina que dentro das fronteiras daquela unidade o poder supremo é daqueles que a pertencem, garantindo que as decisões do governo do dito Estado sejam reconhecidas como as decisões legítimas. Em outras palavras, a soberania garante “um poder de orga-nizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência” (REALE apud COLOMBO, 2012, p. 152).

Já a dimensão externa permite à unidade ser reconhecida como independente, bem como afir-ma a sua igualdade jurídica perante outras unidades. É essa independência e igualdade jurídica garanti-das pela soberania que assegura ao Sistema Internacional sua característica anárquica, ou seja, na teo-ria, nenhum Estado é mais poderoso ou mais influente que o outro. Entretanto, no estudo das Relações Internacionais é possível observar diversas situações em que Estados fizeram uso de suas capacidades, sejam econômicas sejam militares, para intervir em outros Estados, violando a soberania destes e, na prática, refutando a concepção de Estados iguais.

2.2.2. A SOBERANIA NOS DIAS ATUAIS E O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE DE PROTEGER

Segundo Colombo (2012), embora a soberania tenha surgido no século XVII, foi nos séculos XIX e XX que o conceito atingiu seu ápice. Isso por conta dos períodos pós-guerra, “momento em que as relações externas entre os Estados consubstanciam-se como desvinculadas de qualquer freio jurídico” (COLOMBO, 2012, p. 162). No entanto, nas últimas décadas, surgiu um forte debate sobre atual situação do conceito de soberania, devido ao surgimento do Direito Internacional e da discussão acerca da prio-rização da segurança da população em detrimento da soberania. Há consenso de que, frente a todas as transformações internacionais das últimas décadas (principalmente devido ao número de intervenções externas praticadas no Sistema Internacional), o conceito de soberania já não é utilizado na forma em que foi concebido (FRANÇA apud OLMEDO; QUAGLIA, 2013). Entretanto, há diferentes visões acerca do futuro da soberania e do impacto da mudança da aplicação desse conceito para o Sistema Internacio-nal. Uma primeira visão acredita na permanência da soberania como característica dos Estados. Essa concepção defende que um novo tipo de Estado está surgindo, no momento em que os países se tor-nam cada vez mais interdependentes. Para Regis (2006), o que ocorre com os Estados é uma perda de autonomia, e não de soberania. Isso significa que os Estados estão passando a necessitar cada vez mais uns dos outros, e que suas ações estão cada vez impactando mais e influenciando as ações de outros Estados. Contudo, a decisão final da atitude a ser tomada segue cabendo exclusivamente ao governo do país, mantendo o Estado soberano sobre suas decisões (REGIS, 2006). Outra visão que também acredita na permanência da soberania defende que esta teria seu significado redefinido. Ainda que os Estados tendessem a manter suas características básicas (como, por exemplo, a busca pela manutenção de sua independência frente a outros Estados e a finalidade de proteção de sua população), a soberania seria de

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certa forma compartilhada por vários deles. Em síntese, segundo Martins (2008), há uma reorganização das soberanias, transformando o Estado-nação moderno em Estados multinacionais:

[...] a própria noção de soberania perde o sentido reitificado e fantasioso que ad-quiriu com o Tratado de Westfália (1649); torna-se possível uma soberania que, sendo efetiva (territorial, armada, com aduana), seja compartilhada por um siste-ma de múltiplos Estados que não “se desfazem” no momento da síntese, o Estado multinacional (MANTOVANI apud MARTINS, 2008, p. 178).

Já uma segunda visão acredita no enfraquecimento das soberanias e, como consequência, uma possível supressão dela. Para esse ponto de vista, a atuação das organizações internacionais e o forta-lecimento do Direito Internacional farão com que a soberania seja cada vez menos relevante e que as novas unidades políticas a serem definidas priorizem a segurança e o bem-estar da população, situação em que os Direitos Humanos seriam garantidos a todos os cidadãos.

[...] em um mundo em cons¬tante marcha globalizadora no qual se acentuam a interdependência e a fluidez, é inviável defender uma soberania em estado pétreo. Nesse ponto é que a ideia de um constitucionalismo mundial fundamentado nos Direitos Humanos como pilares básicos para uma democracia cosmopolita ganha relevo (MACHADO, 2011, p. 22).

Mesmo sem haver uma certeza de qual será o destino da soberania dos Estados, há a certeza de que se enfrenta um período de transição de ordem internacional. É nesse contexto que se solidifica o debate sobre até que ponto o Estado tem o direito de se manter livre de intervenções externas quando este, mesmo sendo soberano, não está cumprindo com a sua finalidade de garantir a segurança aos seus cidadãos. O debate está em torno de um possível choque entre dois conceitos utilizados pela ONU, a so-berania dos Estados e o princípio de Intervenção Humanitária. Nesse sentido, se desenvolve a discussão sobre a legitimidade da aplicação do conceito de Responsabilidade de Proteger.

Alguns Estados alegam que o conceito de Responsabilidade de Proteger, por ser subjetivo, pode ser distorcido e vir a ser utilizado de forma errada, a fim de obterem-se benefícios próprios para o Esta-do operador da intervenção, em vez de visar-se à proteção da população local. Ou seja, acreditam no choque da aplicação dos dois conceitos. Estes Estados que questionam o conceito, nos últimos tempos, têm feito uso de um exemplo recente para demonstrar a má aplicação da Responsabilidade de Proteger. O exemplo, no caso, é a guerra civil da Líbia, na qual Estados estrangeiros interviram de forma arbitrária promovendo a mudança de regime no país (ESCOBARI, 2012). Com isso, abriu-se margem para os Esta-dos contrários ao conceito questionarem a real intenção da intervenção: buscava-se proteger os civis das brutalidades cometidas por governo e por oposição ou buscava-se provocar/acelerar a queda de um governo desfavorável aos interesses dos países que interviram (ESCOBARI, 2012)?

Todavia, alguns estudiosos negam esse possível choque. Isso porque “todas as Intervenções Hu-manitárias, ocorridas recentemente, foram feitas em Estados em colapso, ou em processo de falência” (REGIS, 2006, p. 13). Com isso, Regis (2006) quer dizer que, nos Estados em que houve intervenção humanitária, os governantes não tinham mais capacidade de controlar econômica e politicamente o território. Ou seja, “[...] suas instituições não conseguem garantir segurança, lei e ordem, infraestrutura econômica ou serviços públicos de saúde para sua população” (REGIS, 2006, p. 13). Em outras pala-vras, os Estados já não cumpriam sua função, já tinham sua soberania deslegitimada. Sendo assim, a intervenção não seria infração ao princípio de soberania. Ademais, ativistas dos Direitos Humanos e o próprio ex-secretário geral das Nações Unidas, Kofi Annan, defendem que ainda que os Estados não esti-vessem falidos, o dever de priorizar a segurança em detrimento da preservação da soberania legitimaria a intervenção (OLMEDO; QUAGLIA, 2013, p. 109). Annan, argumentando a favor da utilização da Respon-sabilidade de Proteger, afirmou que “o Estado é hoje amplamente entendido como o servo de seu povo, e não vice-versa. Ao mesmo tempo, a soberania individual [...] vem sendo reforçada por uma renovada consciência do direito de cada indivíduo para controlar seu destino” (ANNAN apud OLMEDO; QUAGLIA, 2013, p. 109). Além disso, argumenta-se que a natureza dos conflitos pós-Guerra Fria mudou, deixando de ser majoritariamente interestatal e passando a incluir novos atores como organizações terroristas por exemplo, fato que criou a necessidade de repensar a proteção dos Direitos Humanos e, especialmente, da sociedade civil em situações de conflito.

[...] o advento destas novas guerras tornou as questões de segurança ainda mais complexas, uma vez que os conflitos não se davam apenas da forma clássica entre estados, mas entre uma multiplicidade de atores até então excluídos ou, no míni-mo, subestimados pela corrente convencional enquanto atores capazes de desem-penhar um papel crítico nas relações internacionais (DIAS, 2012, p. 4).

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2.3. A RESPONSABILIDADE AO PROTEGER (RWP)

Em setembro de 2011, no discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, feito pela presidente brasileira, Dilma Rousseff, foi mencionada a possibilidade de desenvolvimento de um conceito que complementasse o de Responsabilidade de Proteger. O conceito, que já vinha sendo de-senvolvido pelo Brasil nos últimos meses, através do discurso da presidente, ganhou destaque e passou a chamar a atenção internacional (DIAS, 2012). Em novembro do mesmo ano, em um debate aberto do Conselho de Segurança da ONU sobre a proteção de civis em conflitos armados, o rascunho do concei-to chamado de “Responsabilidade ao Proteger: Elementos para o Desenvolvimento e para a Promoção de um Conceito” foi apresentado (DIAS, 2012). Tal conceito foi construído tendo por base o conceito de Responsabilidade de Proteger e foi desenvolvido com o intuito de complementá-lo, o tornando-o menos subjetivo.

Segundo o rascunho, a Responsabilidade ao Proteger consistiria em 11 pontos (DIAS, 2012), sen-do os seus maiores princípios os seguintes:

1. Todos os três pilares da Responsabilidade de Proteger devem seguir uma linha rigorosa de subordinação política e sequência cronológica. Todos os meios pacíficos devem ter sido esgo-tados e uma análise compreensiva e jurídica das possíveis consequências da ação militar devem preceder a consideração do uso da força.

2. O uso da força só pode ser autorizado pelo Conselho de Segurança de acordo com o capítulo VII da Carta da ONU, ou (e isso é digno de nota) em circunstâncias excepcionais, pela Assembleia Geral, de acordo com sua resolução 377.

3. A autorização para o uso da força deve ser limitada em elementos legais, operacionais e tem-porais, e a execução deve permanecer fiel “à carta e ao espírito” do mandato explícito. 4. Para garantir monitoramento e avaliação adequados da interpretação e da aplicação da Res-ponsabilidade ao Proteger, procedimentos aprimorados do Conselho Securityo são necessários. O Conselho de Segurança também está obrigado a garantir a responsabilização daqueles a quem a autorização para o uso da força é garantida (BRENNER, 2013, p. 36).

Enquanto o Brasil e vários outros países em desenvolvimento criticavam o caráter ambíguo da Responsabilidade de Proteger, as grandes potências ocidentais (como, por exemplo, Estados Unidos, França, Alemanha e Reino Unido) passaram a criticar o conceito de Responsabilidade ao Proteger de-senvolvido para mitigar as falhas referentes a interpretações do conceito de R2P. A crítica feita pela Alemanha foi de que a Responsabilidade ao Proteger limitaria as possibilidades de soluções decisivas, em tempo hábil e sob medida para situações de extrema gravidade, por exemplo (BRENNER, 2013). Já o representante especial das Nações Unidas para o R2P classificou a Responsabilidade ao Proteger como sendo amadora e com falhas referentes aos efeitos colaterais que poderia causar (BRENNER, 2013, p. 39). Um motivo para a rejeição ocidental para a proposta feita pelo Brasil é a avaliação deles de que o RWP foi uma retaliação às medidas adotadas na Líbia, e uma forma de favorecimento da posição brasileira em relação a Síria. Ainda, outro possível motivo seria o fato de as elites políticas e acadêmicas defenderem que o “empreendedorismo conceitual” cabe às potências do ocidente, e não a países em desenvolvi-mento com pouca experiência na área (BRENNER, 2013).

Posteriormente, alguns países ocidentais, como a própria Alemanha, viram que o RWP poderia ser funcional, e reviram seu posicionamento – antes, incisivamente contrário ao conceito. Da mesma forma, o Brasil admitiu a revisão de alguns pontos propostos, como, por exemplo, a sequência dos pila-res que deixou de ser cronológica e passou a ser puramente lógica (BRENNER, 2013).

Atualmente, segundo Stuenkel (2015), o debate sobre a responsabilidade ao proteger está limita-do a debates acadêmicos, ou seja, praticamente não se discute mais este princípio no âmbito da ONU, assim como não se discute a aplicação, de fato, do princípio. O autor chega a afirmar que o princípio de RWP foi “esquecido” ou está “perdido no esquecimento”. Stuenkel atribui essa desaparição do debate acerca do RWP à própria falta de pró-atividade do Brasil, pois caberia ao país que propôs tal princípio empreender os esforços necessários para que o conceito não se extinguisse nas primeiras críticas en-contradas, o que não foi feito pelo país (STUENKEL, 2015).

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3. AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Ainda hoje, existem muitas controvérsias na utilização do conceito R2P para a intervenção in-ternacional. Essas divergências foram suscitadas, principalmente, após a intervenção na Líbia, em 2011. Alguns autores alegam que o conceito sofreu diversas modificações em suas bases conceituais para alcançar um consenso entre os países, o que acaba por não lhe conceder a devida legitimidade, pois ainda não se consolidou como Tratado nem como Costume Internacional (PERES, 2013). Outros autores, como Noam Chomsky e Jean Bricmont, alegam que esse conceito poderá ser alargado pelas grandes potências para que elas possam intervir na soberania de outros países por meio da ONU (UNRIC, 2015).

Mesmo assim, ainda hoje, há uma discussão acerca do que deve ser feito pelas Nações Unidas em caso de desrespeito dos Direitos Humanos, quando os países não têm condições (ou não querem) proteger sua população. Assim, faz-se um breve resumo da discussão de consolidação do conceito de Responsabilidade de Proteger dentro da ONU e levanta-se algumas críticas suscitadas dentro de Orga-nizações Intergovernamentais (OIs) e de Organizações Não-Governamentais (ONGs).

3.1 DISCUSSÕES SOBRE A R2P NA ASSEMBLEIA GERAL E NO CON-SELHO DE SEGURANÇA DA ONU

Em 2009, o Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, estabeleceu que já não se devia mais discutir os conceitos da Responsabilidade de Proteger, mas sim sua implementação prática, uma vez que esse argumento podia ser utilizado como forma de ferir a soberania de outros países. Esse informe abriu o debate na Assembleia Geral sobre a implementação do conceito, mas que não chegou a um resultado final, mantendo o debate em aberto permanentemente por meio de diálogos interativos (ONU, 2014). Desde esse princípio de discussão, Venezuela, Cuba, Síria, Sudão, Irã, Equador e Nicarágua enfatizaram que o conceito poderia ser alargado e utilizado pelas grandes potências como forma de intervir na so-berania dos Estados (ICRtoP, 2009). Em 2010, se insere mais um elemento na discussão, o “alerta anteci-pado e avaliação”. No informe do Secretário Geral:

“(...) se propõem formas de melhoras a capacidade das Nações Unidas para utilizar eficazmente a informação de alerta antecipado disponível, incluindo a informação procedente das operações sobre o terreno e organizar rapidamente respostas fle-xíveis e equilibradas, onde existe risco de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e de depuração étnica” (ONU, 2014, tradução livre).

Um ano mais tarde, em 2011, a questão de efetividade do conceito de Responsabilidade de Pro-teger é levantada pela Assembleia Geral, que é refletido em outro informe do Secretário Ban Ki-moon:

“Nesse informe se determinam deficiências e se propõem meios para que as Na-ções Unidas fortaleçam a colaboração com os mecanismos regionais e subregio-nais e aproveitem a informação e as análises geradas por eles para reconhecer os sinais de perigo e adotem ou apoiem medidas de prevenção oportunas e eficazes, seja no plano subregional ou no regional ou mundial” (ONU, 2014, tradução livre).

Nesse mesmo ano houve a primeira intervenção utilizando o discurso de Responsabilidade de Proteger, na Líbia, por meio da OTAN.

“Enquanto a ação militar foi inicialmente apresentada com um objetivo humani-tário, ela acabou se tornando uma campanha primariamente comprometida com a mudança de regime, tendo as operações da OTAN cessado imediatamente após Muammar Kadafi ter sido morto em outubro de 2011” (PERES, 2013).

Essa percepção de utilização do conceito deu maior ênfase à proposta brasileira de modificação do conceito R2P para a utilização da “Responsabilidade ao Proteger”. Com essa mudança, se propõe o esgotamento dos meios pacíficos a fim de se evitarem ações militares com altos custos humanos e ma-teriais, como no caso da Líbia. Nesse mesmo ano, o embaixador brasileiro, Celso Amorim, apresentou um documento no qual estabelecia os pilares desse novo conceito (PERES, 2013).

Assim, durante o quarto diálogo interativo sobre R2P, o informe do Secretário Geral (A/66/874-S/2012/578) se levanta a discussão sobre o terceiro pilar do conceito, a resposta. Enquanto que no in-forme posterior, (A/67/929 S 2013/399), se trata de medidas para prevenir e explorar as causas e a dinâmica das atrocidades (ONU, 2014). O último informe, realizado em 2014, o informe (A/68/947-S/2014/449) bus-ca identificar os atores internacionais, os focos e princípios para guiar os esforços conjuntos (ONU, 2014).

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Já o Conselho de Segurança utilizou pela primeira vez o conceito de R2P em 2006, para a reso-lução 1653 sobre a situação da República Democrática do Congo (RDC) e Burundi. Porém, é apenas nas resoluções posteriores, 1674 e 1706, que se utilizam mais especificamente os conceitos aprovados na Cúpula Mundial das Nações Unidas de 2005 nos parágrafos 138 e 139 (ICRtoP, 2015).

Atualmente, cerca de 31 resoluções foram tratadas no Conselho de Segurança, nos quais há men-ção do discurso de Responsabilidade de Proteger. Curiosamente, todos os países aos quais esse preceito foi aplicado, até o momento, se encontram na África (ICRtoP, 2015). Desde 2011, quando se deu a pri-meira intervenção da ONU utilizando esse conceito, na Líbia, o discurso da R2P tem ganhado destaque nas resoluções do Conselho de Segurança (ONU, 2015).

3.2. A R2P FORA DO SISTEMA ONU

A ECOWAS é um organismo regional africano, criado no ano de 1975, com o objetivo de criar uma zona de integração econômica. Essa organização conta com a participação de 15 Estados africanos – Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gambia, Gana, Guiné, Guiné Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Serra Leoa, Senegal e Togo – e atualmente é um ator muito importante para estabelecer um diálogo entre os países africanos a fim de se evitarem conflitos regionais. Alguns de seus mecanis-mos (em especial o ECPF, ou seja, quadro de prevenção de conflitos ECOWAS) são muito parecidos aos estipulados pelo conceito da R2P, dando a essa organização instrumentos de prevenção e reconstrução da paz na região (POSTWESTERNWORLD, 2012). Além disso, no ano de 2012, a ECOWAS estabeleceu um debate com os países membros sobre a R2P, na Nigéria (CENTRO GLOBAL DE RESPONSABILIDADE PARA PROTEGER, 2012).

A Coalizão Internacional para a Responsabilidade de Proteger é uma Organização Não-Governa-mental (ONG), que foi criada em 2009 com o objetivo de fortalecer as bases conceituais da R2P e pres-sionar para a ação contra o genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Essa coalizão é formada oito ONGs e recebe financiamento de empresas privadas e dos governos da Austrália, Holanda, Suécia e Reino Unido. Além de propiciar discussões entre ONGs essa organização divulga os debates realizados pela ONU e realiza debates sobre o tema em todo mundo (ICRtoP, 2015).

4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

O Afeganistão é um exemplo bem sucedido da aplicação de conceitos que inspirariam a R2P, como o princípio de Responsabilidade de Reconstruir. Mesmo que o Afeganistão ainda enfrente diver-sas instabilidades internas, foi através da ajuda externa que o país começou a se reconstruir, tanto no sentido político (com a formação de um governo eleito) quanto no sentido infraestrutural (CIA WORLD FACTBOOK, 2011). Desse modo, o governo do Afeganistão acredita ser importante o estabelecimento de um princípio que determine a ação internacional em caso de violência contra a população civil, mas o país defende um maior (e contínua) discussão acerca deste princípio.

Membro da União Africana e um dos países líderes regionais de todo continente africano, a África do Sul reconhece e apoia o conceito de Responsabilidade de Proteger. O país acredita que, primeira-mente, os governos têm a responsabilidade primária de garantir os direitos humanos de seus nacionais, sendo também responsabilidade dos demais Estados a prevenção dos quatro tipos de crimes listados na definição do conceito. A África do Sul acredita que é extremamente importante para a comunidade internacional adotar uma abordagem mais profunda ao invocar a Responsabilidade de Proteger, sendo, no entanto, o uso da força considerado o último recurso. Além disso, o país reconhece também o papel das organizações regionais e sub-regionais como parceiros das Nações Unidas na implementação da R2P (RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2012).

Membro da União Europeia e da OTAN, a Alemanha é a favor da aplicação do conceito de Res-ponsabilidade de Proteger, mas de maneira cautelosa. Percebe-se aí uma postura alemã ambígua quan-to à questão – em relação à Síria, por exemplo, a Alemanha foi contra embargos econômicos e inter-venção militar no país, ao mesmo tempo em que é um dos grandes exportadores de armas do mundo (CENTER FOR INTERNATIONAL RELATIONS, 2013). A Alemanha acredita que o conceito de R2P precisa ser aprimorado e utilizado somente quando os meios diplomáticos não forem eficientes e capazes de cessar atrocidades em massa (PERMANENT MISSION OF GERMANY TO THE UNITED NATIONS, 2012).

A República da Angola é um país africano em desenvolvimento, membro da União Africana e do G77. Tradicionalmente defensor da soberania das nações, dos direitos humanos e da unidade regional,

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Angola, juntamente com outros países africanos, busca por soluções para crises no continente que não resultem em intervenções estrangeiras, apesar de apoiá-las, em alguns casos de extrema dificuldade. Nos casos específicos da Síria, do Egito, da República Democrática do Congo, do Sudão e do Sudão do Sul, o país manifestou total apoio à normalização das regiões com o auxílio da comunidade internacio-nal e de órgãos multilaterais como a União Africana e a Liga Árabe, clamando pelo bem-estar das suas populações (GLOBAL CENTRE FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2013).

A República Democrática e Popular da Argélia não é favorável ao princípio da Responsabilida-de de Proteger. Ainda assim, o país segue honrando sua obrigação moral de proteger as populações ameaçadas de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou limpeza étnica de acordo com o Direito Internacional. De acordo com governo argelino, a R2P não é compatível com o Direito Internacional; por isso, o país defende uma maior discussão sobre o tema, na Assembleia Geral da ONU (INTERNATIONAL COALITION FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2005).

A República Argentina, um país sul-americano, é membro do MERCOSUL e do G77. Sua política externa é marcada pela defesa da autonomia dos Estados, pela ênfase na integração regional, bem como pela defesa dos direitos humanos, salientando a necessidade de se investir em segurança nacional para que se previnam possíveis intervenções estrangeiras (LIVRO BRANCO ARGENTINO, 2010). Adepta do conceito de responsabilidade de proteger, o país reforça a necessidade do Conselho de Segurança das Nações Unidas de rever a opção de veto quando discutidas situações de conflito que resultaram em genocídio. (RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2005).

A Comunidade da Austrália está situada na Oceania, faz parte da APEC e é membro da Com-monwealth. A Austrália defende a Responsabilidade de Proteger e tem buscado apoio de outros países para a maior aprovação deste princípio. Em 2001, foi protagonista no desenvolvimento e publicação do Relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS, em inglês). Já em 2013, manifestou principal preocupação em relação à necessidade de todos os países olharem para as questões de crimes de massacre em massa e reiterou seu posicionamento de que a responsabilidade de proteger é inerente a todos os países e importante forma de prevenção de conflitos (CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS, 2013-14). Além disso, afirma a importância de que as discussões envolvendo a responsabilidade de proteger sejam levadas para além da Assembleia Geral, ampliando o debate (RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2005).

País membro da União Africana, Botswana reconhece e apoia a implementação da Responsa-bilidade de Proteger - o país alega que a comunidade internacional não pode ficar indiferente frente a atrocidades em massa ocorridas em alguns países. Para Botswana, a R2P é um conceito nobre e am-bicioso, além de uma doutrina preventiva. Além disso, para o país, o fortalecimento das instituições pode fortalecer a soberania, estabilidade, paz e segurança dos Estados, e, desse modo, desenvolver suas capacidades de construir sociedades resilientes e que previnam atrocidades em massa. Botswana se compromete a manter-se engajada na promoção da Responsabilidade de Proteger, tanto na prevenção como na operacionalização do conceito (BOTSWANA, 2013).

A República Federativa do Brasil é um Estado sul-americano, membro do MERCOSUL e do G77. Tradicionalmente, o país é defensor dos direitos humanos, da soberania e da autonomia dos Estados e assume uma postura cética em relação à resolução de conflitos e de crises humanitárias baseada no uso da força. Relutante a princípio na adoção do conceito de responsabilidade de proteger como nor-ma, o país o aceitou em 2009, mas não o implementou à sua política externa. O Estado salientou que as intervenções em países que falham no seu compromisso de proteger os civis devem ser baseadas no multilateralismo e na ação de organismos internacionais, evitando-se, com isso, intervenções militares unilaterais. Além disso, o Brasil propôs, em 2011, a adoção do princípio de “Responsabilidade ao Prote-gendo (RWP)” como consequência da Primavera Árabe, especificamente das declarações do então pre-sidente líbio, Muammar Qaddaf, de que reprimiria duramente as rebeliões em Benghazi, sem diferenciar entre rebeldes e civis, pessoas armadas ou desarmadas (STUENKEL & TOURINHO, 2014).

A Burkina Faso é um país africano, membro da União Africana. Assume uma postura diplomá-tica de acordo com as resoluções das Nações Unidas. Nos casos da Síria, da República Democrática do Congo e da República Central Africana, Burkina Faso reiterou a necessidade de resolução imediata dos conflitos, conclamando a comunidade internacional para discuti-los (GLOBAL CENTRE FOR THE RES-PONSIBILITY TO PROTECT, 2013). Além disso, em 2008, no Debate Aberto do Conselho de Segurança so-bre proteção de civis em conflitos armados, reiterou a importância do Estado quanto à responsabilidade de proteger civis e assinalou que órgãos da ONU e governos devem agir em conjunto para a proteção de populações em risco (INTERNATIONAL COALIZATION FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2015).

O Chile é um grande defensor do conceito de Responsabilidade de Proteger. Uma de suas ban-deiras é a defesa para a criação de grupos regionais e sub-regionais (como OEA e UNASUL) que sejam capazes de evitar o genocídio, condenando intensamente a impunidade contra esse tipo de crime. Em

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sua perspectiva, a falta de vontade política dos Estados que não cumprem com essa normativa é a principal causa de problemas na resolução de conflitos aplicando o conceito. Por isso, ressalta que as Organizações Intergovernamentais e não-governamentais (ONGs) tem um importante papel quanto ao pilar de alerta antecipado (declaração de 2012), deixando um pouco dúbia sua posição quanto ao con-sentimento do Estado a esse respeito (ICRtoP, 2015).

A China tem uma posição muito cuidadosa quanto ao que se refere à R2P. Em 2014, sua delega-ção defendeu que o conceito de R2P deveria se basear nos três pilares fundamentais, não podendo ser expandido, uma vez que essa expansão não chegou a um consenso dentro da Assembleia Geral. Por isso, a R2P deve ter como base a prevenção e a mediação de conflitos, respeitando a soberania e os preceitos de igualdade entre os países. A comunidade internacional deveria ajudar utilizando organizações lo-cais. A China defende que os governos nacionais devem solicitar a ajuda da comunidade internacional (ICRtoP, 2015). A China sempre ressalta que a força deve ser utilizada em último caso, sendo que a R2P poderá ser implementada pelo diálogo e pela negociação. Porém, na prática, a China tem um histórico de veto às intervenções humanitárias, como em Darfur e Mianmar.

A Coreia do Sul tem demonstrado apoio ao conceito de Responsabilidade de Proteger, especial-mente após seu Ex-Ministro das Relações Exteriores, Ban Ki-Moon, tornar-se Secretário Geral da ONU. Em 2009, a delegação coreana demonstrou convicção na necessidade de promoção do segundo pilar, que aborda a responsabilidade dos Estados de auxiliar a outros à proteção de seus cidadãos. Apesar disso, a Coreia do Sul evita o uso do termo em seus documentos de política externa, optando por gene-ralições mais cautelosas como “segurança humana (QUAGLIA e OLMEDO, 2013).

Após ser alvo de grande instabilidade política que levaram a intervenção da ONU, em 2014, a Costa do Marfim teve nova eleição para presidente. Em seu discurso na Assembléia Geral, a Costa Rica defendeu que o pilar ao qual devemos dar mais ênfase no conceito de R2P é o de prevenção, pois apenas esse pilar poderia construir uma estabilidade durável. Atualmente, o governo chama a atenção para as organizações regionais, sub-regionais (como União Africana e CEDEAO) e ONGs (como a West Africa Network for Peacebuilding - WANEP-CI) na construção de um alerta antecipado contra o genocídio e na sua prevenção. A Costa do Marfim se coloca a favor da criação do conceito, porém alerta que os casos da República Centro Africana, Sudão do Sul e Síria, mostram que esse conceito ainda tem muito a evoluir no âmbito de implementação para que possa estabelecer uma Governança global (ICRtoP, 2015).

A delegação da Costa Rica chama a atenção para as organizações multilaterais na defesa dos civis, não apenas de Organizações Intergovernamentais, mas também de ONGs e empresas privadas. A Costa Rica focaliza na relevância da Comunidade Internacional em dar capacidade para que os pró-prios países combatam esse tipo de crime, seja através de estruturas vinculadas ao desenvolvimento de mecanismos de igualdade e justiça social, ou seja, pelo combate a exclusão e privações econômicas. Atualmente, a Costa Rica busca combater crimes contra a humanidade incentivando o fortalecimento de instituições locais para defesa dos Direitos Humanos (ICRtoP, 2015).

Os Estados Unidos da América possuem um posicionamento bastante ambíguo em relação ao princípio da Responsabilidade de Proteger (QUAGLIA e OLMEDO, 2013). O país destaca que está deter-minado a trabalhar com a comunidade internacional a fim de prevenir e responder, incluído por meio de intervenções mais intensas se necessário, às atrocidades como crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e limpeza étnica. Posicionou-se a favor da Resolução 1973 da ONU. O gover-no estadunidense, contudo, raramente menciona o princípio da R2P em seus pronunciamentos sobre a proteção de civis (ALBRIGHT e WILLIAMSON, 2013). Uma das razões para esse posicionamento está relacionada com a forma a qual o texto foi redigido. Um exemplo é o fato de não ter sido mencionado no documento final que há, segundo os EUA, diferença na responsabilidade que a comunidade interna-cional tem com um determinado país, quando comparada a responsabilidade que esse país em questão tem com os seus próprios cidadãos (USA, 2005).

A República Francesa é uma nação europeia, membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas e do G8. Sua política externa é marcada pela defesa da soberania dos Estados, dos direitos huma-nos e de princípios democráticos. O país investe consideravelmente no desenvolvimento da ação huma-nitária e segue os preceitos do direito internacional humanitário (A FRANÇA NO BRASIL, 2014). Assim, é adepto ao conceito de responsabilidade de proteger, enfatizando, no entanto, que muitas vezes o diálogo não é suficiente e que o uso da força deve ser considerado como última alternativa. Além disso, a França atesta que deve haver limites no escopo da soberania dos Estados (RESPONSABILITY TO PROTECT, 2005).

A Guatemala apoia fortemente o conceito de Responsabilidade de Proteger, defendendo que a comunidade internacional tem sim a responsabilidade de garantir os direitos humanos básicos às po-pulações de quaisquer países. A Guatemala acredita que as atrocidades cometidas contra as populações ocorrem por falha grave dos Estados em contemplar suas obrigações de proteção dos direitos huma-nos de seus nacionais. Além disso, o país também repudia o fato de alguns governos se utilizarem do

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discurso de “não-intervenção” como forma de velar violações de direitos humanos em seus territórios (PERMANENT MISSION OF GUATEMALA TO THE UNITED NATIONS, 2014).

A Índia tem uma posição bastante cética quanto ao conceito de Responsabilidade de Proteger. Para o país, a responsabilidade de proteger sua população é uma das principais responsabilidades de cada Estado, cabendo primeiramente a ele tal dever (ASIA PACIFIC CENTRE FOR THE RESPONSABILITY TO PROTECT, 2014). Para a Índia, a construção de capacidades dos países e as advertências prévias são indispensáveis a fim de se impedirem as violações de direitos humanos - a Responsabilidade de Proteger deve, portanto, ser utilizada somente como última alternativa, estando sempre em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas (INDIA, 2009).

A Indonésia apoia fortemente a utilização da Responsabilidade de Proteger, afirmando que este conceito é uma das mais importantes iniciativas das Nações Unidas. Apesar de apoiar os três pilares que constituem a R2P, o país ressalta a grande importância da assistência da comunidade internacional para a construção de capacidades em países que delas sejam deficientes. A Indonésia ainda defende que é fundamental sempre a prevenção das violações de direitos humanos e considera a possibilidade de a Assembleia Geral das Nações Unidas fazer revisões periódicas a respeito do que os países têm feito para implementar a Responsabilidade de Proteger (INDONESIA, 2009).

O Iraque é apoiador da Responsabilidade de Proteger. O país – em parte por ter sido invadido em 2003 por forças estrangeiras sem o encobrimento de qualquer princípio internacional das Nações Unidas que justificasse a intervenção – enfatiza a necessidade de legitimidade para intervenções huma-nitárias. Mesmo assim, o Iraque reconhece a importância da preocupação e da ação internacional no que diz respeito à preservação dos direitos humanos (ICRtoP, 2006).

O Japão é apoiador do princípio de Responsabilidade de Proteger. Para o país, o conceito aju-dou a reforçar “o arsenal de ferramentas básicas que ajuda a comunidade internacional a lidar de forma mais eficaz na proteção dos civis” (ASIAN-PACIFIC CENTRE FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2008, p. 9). Ainda assim, o país afirma haver uma lacuna entre a retórica e a aplicação de fato do prin-cípio de R2P. Portanto, o conceito deveria ser aplicado prudentemente, pois ainda estaria em evolução. Como forma alternativa para a proteção dos Direitos Humanos, o Japão sugere a adoção, por parte dos Estados que ainda não o fizeram, do Estatuto de Roma12 (UN, 2009).

A Líbia foi o centro da controvérsia sobre a aplicação responsável da Responsabilidade de Prote-ger. Com o a queda do regime de Kadafi, se instalou um governo provisório responsável por chamar uma Assembleia Constituinte. A posição da Líbia está dividida entre apoiadores do antigo governo, que rejei-tam o conceito de R2P, e os opositores de Kadafi, que consideram ter sido necessária a utilização do con-ceito para a proteção dos civis no país (GLOBAL CENTRE FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2015).

Embora a Malásia concorde com alguns aspectos da Responsabilidade de Proteger, o país é con-tra a aplicação do conceito antes de maiores discussões (ICRtoP, 2005). O país defende que antes de ser considerado um conceito aceito pela ONU e de ser aplicado, a Responsabilidade de Proteger necessita ser entendida da mesma maneira por todas as partes. Sendo assim, a Malásia é apoiadora da iniciativa brasi-leira de Responsabilidade ao Proteger como complementação à Responsabilidade de Proteger (UN, 2012).

O Marrocos manifesta preocupações em relação às condições e aos critérios utilizados para a aplicação da Responsabilidade de Proteger desde o primeiro debate da Assembleia Geral da ONU sobre o tema, em 2009. O país, no entanto, se mostra disponível para encontrar soluções e manifestou apoio ao conceito brasileiro de Responsabilidade ao Proteger em 2012 (QUAGLIA e OLMEDO, 2013).

A Nigéria é um país com muitos problemas referentes a Direitos Humanos. Em seu último dis-curso, em 2014, o governo da Nigéria defende que, antes de falarmos em aplicação do terceiro pilar da R2P, devemos falar em fortalecimento das organizações regionais e sub-regionais para a implementação do conceito R2P. Seu embaixador chama a atenção para o papel da União Africana e da ECOWAS (antes mesmo da criação do conceito R2P) no combate a genocídios na África e ressalta que um grande papel das Nações Unidas é capacitar, assistir e fortalecer essas organizações como forma mais eficiente de aplicação da R2P (ICRtoP, 2015).

Igualmente ao Marrocos, o Paquistão tem hesitado em aceitar plenamente os princípios da Res-ponsabilidade de Proteger. O país já afirmou em debate na Assembleia Geral da ONU que a doutrina do R2P não deve ultrapassar os limites impostos pela soberania dos Estados. Sua principal preocupação, logo, está no terceiro pilar proposto, que aborda a necessidade de ações coletivas de intervenção (QUA-GLIA e OLMEDO, 2013).

12 É o Estatuto de Roma, escrito em 1998, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). O TPI é o primeiro Tribu-nal Internacional permanente, ele é responsável por julgar indivíduos que cometeram genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crimes de agressão entre outros crimes que ferem os Direitos Humanos (INTERNA-TIONAL CRIMINAL COURT, 2011).

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O Peru, em declaração recente na Assembleia Geral da ONU, afirmou estar completamente com-prometido com o desenvolvimento progressivo do princípio da Responsabilidade de Proteger, conside-rando que os três pilares do conceito reforçam-se mutuamente. Além disso, a manifestação destacou que a melhor prevenção contra o risco de crimes atrozes é o fim da pobreza e a promoção da inclusão social (GLOBAL CENTER FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2014).

Afirmando ser avesso à violência contra a sociedade civil, o Quênia declarou ser favorável ao conceito de Responsabilidade de Proteger. Além disso, o país, após ter sofrido instabilidades políticas no período eleitoral de 2012 e recebido apoio internacional via aplicação do conceito de Responsabilidade de Proteger, passou a ser considerado a prova de que o conceito não é sinônimo de intervenção militar e de que ele pode ser aplicado com responsabilidade (GLOBAL CENTRE FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2015).

O Reino Unido se posiciona em favor da Responsabilidade de Proteger desde a sua formulação, no ano de 2005. O governo britânico tem apoiado o uso desse princípio em missões humanitárias, nas quais a União Europeia estivesse envolvida. Defende que, apenas em casos extremos, medidas mais in-tensas, como o uso da força militar, deveriam ser utilizadas. Além disso, também destaca a importância dos mecanismos de aviso prévio a fim de evitar intervenções mais intensas. O Reino Unido enfatiza que o conceito não se trata de uma premissa para potências ocidentais intervirem em países de seu inte-resse. O país, contrariamente à Rússia e à China, por exemplo, posicionou-se em favor da intervenção militar na Líbia, proposta pela Resolução 1973 da ONU. (FOREIGN & COMMONWEALTH OFFICE UK, 2011).

Alvo de um brutal genocídio no ano de 1994, a República de Ruanda desempenha um papel de destaque na história da Responsabilidade de Proteger. O país demonstra ser fortemente a favor desse princípio, uma vez que no massacre por eles sofrido, a comunidade internacional se manteve omissa, não intervindo para impedir a tragédia. Defende igualmente os três pilares do conceito, incluindo o uso da intervenção militar conjunta quando as vias diplomáticas falharem. O governo de Ruanda defende que, em casos de genocídio, o poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segu-rança da ONU seja impossibilitado de ser utilizado. (INTERNATIONAL COALITION FOR THE RESPONSI-BILITY TO PROTECT, 2012).

A Federação Russa aceita, de maneira reservada, os dois primeiros pilares do conceito da Res-ponsabilidade de Proteger. O país apresenta, contudo, uma grande ressalva quanto ao terceiro e último pilar, uma vez que o governo russo defende o princípio da não-intervenção (COOPER e KOHLER, 2009). A Rússia defende que a implementação da R2P respeite a integridade territorial dos Estados envolvidos. A preferência russa por se abster da votação sobre a necessidade de intervir ou não na Líbia, a qual na época passava pela Primavera Árabe (Resolução 1973 da ONU), é conivente com seu questionamento quanto às intervenções propostas pela R2P e quanto ao entendimento pouco suficiente dos limites des-se princípio (UN, 2011).

Em guerra civil há quatro anos, a Síria, é um dos países foco de resoluções relacionadas a Res-ponsabilidade de Proteger emitidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Estima-se que aproximadamente metade da população síria esteja refugiada em países vizinhos, buscando escapar não só do confronto entre governo e oposição, como das investidas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, organização jihadista no Oriente Médio. A falha do Conselho de Segurança em controlar a rápida escalação do conflito coloca em questão o real efeito da doutrina.

Como membro da União Africana, o Togo tem demonstrado apoio ao princípio da Responsabili-dade de Proteger, especialmente ao concordar com a intervenção da ONU em países como a Síria. Além disso, o Estado obedece ao princípio de não-indiferença presente no Ato Constitutivo da União Africana, estabelecido em 2000 (QUAGLIA e OLMEDO, 2013).

Atualmente a Ucrânia passa por um grave conflito civil. No ano de 2014, seu presidente foi de-posto, o que causou grande instabilidade no país. Após a eleição de um governo pró-União Europeia, muitas populações do sul do país desacordaram com tal votação (alegando serem ilegítimas), passando a reivindicar por meio de plebiscito a independência da região e posterior anexação a Rússia. A Rússia, por sua vez, integra a Crimeia, alegando defender o direito dos civis descendentes de russos na região. Atualmente, o país vem votando junto a União Europeia, mas seu atual embaixador alerta para o abuso de utilização desse conceito por parte de uma grande potência para ocupar territórios, chamando a atenção para a Rússia. O governo Ucraniano alega que tal falha fere o direito de soberania e igualdade entre os países, agindo de forma adversa aos conceitos de R2P que visam à cooperação para defender a população civil. Além disso, alega que nas Operações Antiterroristas, encabeçadas pelo governo, o direito dos civis vem sendo respeitado (ICRtoP, 2015).

A Venezuela é um dos países que não apoiam o princípio da Responsabilidade de Proteger. O go-verno venezuelano afirma que não há consenso sobre os pilares da Responsabilidade de Proteger, nem

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sobre as consequências de sua implementação. Demonstra forte discordância quanto ao terceiro pilar. Afirmam que o uso da força, no contexto da R2P, pode ser usado de maneira seletiva, podendo mascarar, por meio de intervenções humanitárias, interesses de potências imperialistas em determinadas regiões. O país pede para que o princípio seja melhor debatido na Assembleia Geral da ONU. (INTERNATIONAL COALITION FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT, 2005)

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VI SESSÃO ESPECIAL DE EMERGÊNCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS

(1980)A Situação no Afeganistão e suas Implicações

para a Paz e Segurança Internacionais

Bárbara PfluckGraduanda do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Mirko PoseGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Raíssa MattanaGraduanda do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Rodrigo MilagreGraduando do 7º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Tobias de CarvalhoGraduando do 3º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Victor MerolaGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.46-69 AGH80 47

INTRODUÇÃO

O presente comitê simulará a VI Sessão Especial de Emergência da Assembleia Geral das Nações Unidas, convocada em janeiro de 1980 com o objetivo de trazer à comunidade internacional a questão da invasão do Afeganistão por tropas soviéticas e, com isso, buscar uma solução pacífica para o confli-to que ali se desenvolveu. De modo a entendermos melhor as dinâmicas envolvidas nesta importante reunião, faz-se necessária a apresentação de um panorama histórico que elucide aspectos relevantes dos dois principais países envolvidos na questão (o Afeganistão e a União Soviética), assim como um esclarecimento acerca da situação geral do mundo, que naquele período se encontrava em um dos mais acirrados momentos da Guerra Fria. Dito isso, os delegados de cada país irão à Assembleia defendendo o seu posicionamento em relação a questões pertinentes da crise com a qual têm de lidar — em especial os problemas relacionados à soberania estatal, à situação dos refugiados de guerra e às implicações da transferência internacional de armas a grupos guerrilheiros. Por mais divergentes que fossem as opi-niões das nações ali reunidas, todas tinham em mente a necessidade de buscar um acordo factível para a manutenção da paz em um mundo divido pelo conflito ideológico entre as duas superpotências.

Por se tratar de um comitê histórico, ou seja, que já aconteceu, os delegados devem estar atentos ao fato de que eles estarão imersos na realidade de 1980. Durante os dias da simulação, eles não vive-rão em 2015, mas em janeiro de 1980. Os fatos históricos que vieram depois devem ser ignorados e o posicionamento das nações deve ser condizente com aquele que adotavam no período da Assembleia.

Por fim, cabe ainda explicar as atribuições e os poderes que a Assembleia Geral da ONU aufere quando em uma Sessão Especial de Emergência. Adotada pela Assembleia em novembro de 1950, a Resolução 377 A (V)1, também conhecida pelo título “Unidos pela Paz”, tem como principal função a deliberação sobre os procedimentos referentes à abertura2 e ao andamento de uma Sessão Especial de Emergência. Segundo tal resolução, as pré-condições para a implementação de uma sessão deste cará-ter são que tenha havido falha na tentativa do Conselho de Segurança de exercer a sua responsabilidade primordial de manutenção da paz e da segurança internacionais, ou seja, de combater uma ameaça ou violação da paz ou ainda um ato de agressão, e que esta falha tenha sido ocasionada pela falta de unanimidade entre seus membros permanentes. Além disso, percebe-se, a partir da leitura do texto da resolução, quais são os poderes imputados à Assembleia durante estas sessões: o órgão pode recomen-dar medidas coletivas, o que implica resoluções de caráter não-vinculante, ou seja, que podem ou não ser adotadas pelos Estados. As decisões devem ser aprovadas por pelo menos dois terços dos membros presentes antes de serem formalmente adotadas pelo organismo (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1950). Todavia, vale salientar que mesmo quando em Sessão de Emergência, a Assembleia Geral, em virtude das pré-condições e das restrições quanto a capacidade de tomar atitudes coercitivas, não substitui completamente o Conselho de Segurança e ainda permanece, em certa medida, subordinado perante este órgão (REICHER, 1981; TOMUSCHAT, 2008).

1. HISTÓRICO

1.1. HISTÓRIA DO AFEGANISTÃO E SUA IMPORTÂNCIA GEOESTRA-TÉGICA

Para entender a situação da ocupação militar soviética do Afeganistão, é necessário primeiro co-nhecer a história do país que se tornou o campo de batalha, e a importância de sua posição geográfica para as Relações Internacionais. O Afeganistão é um país situado no Sul da Ásia, que faz fronteira com o Paquistão, o Irã, o Turcomenistão, o Tadjiquistão, o Uzbequistão e a China, tendo como capital Cabul. Seu terreno é repleto de montanhas, desertos e terras de difícil acesso, sendo este um elemento importante tanto na formação do país quanto na sua interação com o mundo exterior.

1 A resolução também regulamentava a criação de outros dois órgãos, a Comissão para Observação da Paz e o Comi-tê para Medidas Coletivas, que, no entanto, tiveram curta duração e pouca importância (TOMUSCHAT, 2008).

2 As sessões podem ser convocadas de modos: o primeiro seria através do voto de sete (atualmente, de nove) mem-bros do Conselho de Segurança, sejam eles permanentes ou não, sem a possibilidade da utilização do veto, por se tratar de uma medida procedural; enquanto que o segundo seria através de um pedido efetuado pela maioria dos membros da Assembleia Geral. Em ambos os casos, a Assembleia deve ser convocada dentro de 24 horas após o pe-dido ter sido levado ao Secretário-Geral da ONU (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1950).

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O que hoje conhecemos como Afeganistão nem sempre foi um único país, ou mesmo o que pode ser considerado um “país”. Sua formação social e política é baseada principalmente em divisões tribais e étnicas, causadas pela própria condição geográfica da região. Tal área acabou sendo habitada por variadas tribos, subtribos, clãs e linhagens, fato que favoreceu uma situação de descentralização, com poucas ocasiões em que um governante central tenha conseguido impor sua autoridade sobre essas divisões (TANNER, 2002). Além disso, outro fator importante na constituição social e política do país é a religião islâmica, predominante na sua variante sunita — porém com importantes minorias xiitas3 —, que foi levada à região por povos árabes vindos da Pérsia4 aproximadamente entre os anos 600 e 800. O Islã se tornou um componente importante que baseava tanto a vida civil quanto as atividades políticas na região, sendo adotado pela grande maioria da população (WAHAB, YOUNGERMAN, 2010).

3 Sunitas e Xiitas: divisões dentro da religião islâmica, baseadas no seguimento ou não da Suna, livro de conduta moral do profeta Maomé.

4 A Pérsia era um país que, após 1935, passou a se chamar Irã.

Figura 1: O Afeganistão

Fonte: Blog Como tudo funciona

Figura 2: Distribuição étnica no Afeganistão

Fonte: Blog Último Segundo - IG

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Apesar das dificuldades de constitui-se um governo capaz de dominar o território e reinar acima das divisões étnicas, o território hoje afegão presenciou a formação e queda de alguns reinos — tanto os que se formaram nele próprio, como os que a dominaram (WAHAB, YOUNGERMAN, 2010). É importante notar que esses impérios, assim como outros que reinaram sobre partes dessa região, dificilmente coin-cidiram com as fronteiras modernas atuais dos países. Como anteriormente dito, o território que hoje pertence ao Afeganistão foi, durante grande parte de sua história, alvo constante de domínio e conquis-ta por outras civilizações, chegando a ser chamado de “encruzilhada de impérios” (TANNER, 2002). Isso se deve à sua posição geoestratégica no centro da Ásia. A região serve de conexão entre importantes centros demográficos e políticos, como a Índia, a China, a Europa e a Mesopotâmia. Portanto, sempre foi uma essencial rota de passagem para o comércio de longa distância, como a famosa “Rota da Seda” entre a China e a Europa Ocidental (TOYNBEE, citado em TANNER, 2002). Esta situação permitiu que inúmeros impérios surgissem da cobrança de impostos sobre tais transações comerciais, ou que ainda outros tentassem controlar a região para atingir esse fim. O território do Afeganistão, mesmo quando não estava formalmente dominado por um grande império, sempre sofreu influência e manteve conta-to com diversas civilizações diferentes (TANNER, 2002). Partes do território já pertenceram ao império persa, à civilização grega, ao império macedônico de Alexandre o Grande, a hordas de hunos, à dinastia Savafida, ao império Mongol, ao reino dos Sikhs, à colônia britânica e ao império russo (KHANNA, 2008; TANNER, 2002; WAHAB & YOUNGERMAN, 2010). Essa característica marcará toda a história do Afeganis-tão, e serve como base para a compreensão da questão da invasão soviética de 1979.

Inúmeros reinos e impérios nativos e estrangeiros surgiram e findaram, dominando partes ou toda a região, com maior ou menor grau de sucesso e de duração. Quase todos eles ruíram pela dinâ-mica de disputas internas entre as várias tribos e clãs, sem muitas modificações na estrutura do “país” (TANNER, 2002). Convencionou-se reconhecer como primeira aparição de um Estado moderno no ter-ritório afegão, unitário e mais centralizado, mesmo que com certa controvérsia, a ascensão do Xá5 Ah-mad Durrani à posição de líder de uma extensa coalizão de tribos, marcando assim o início da dinastia Durrani (1747 a 1973). Segundo estudiosos do período, o nascimento do império Durrani, e sua conse-quente expansão — chegou a ser o segundo maior império islâmico de seu tempo, depois do império Otomano — deveu-se principalmente ao declínio dos outros impérios que o cercavam (RASANAYAGAM, 2003; TANNER, 2002). Tal fato pode ser considerado consequência da emergência dos países da Europa Ocidental como grandes potências econômicas, políticas e militares, estendendo seu domínio para todo o mundo. Com isso, as rotas de comércio de longa distância, que historicamente passavam pela região da Ásia Central, foram desviadas para os mares, enfraquecendo as bases econômicas dos impérios re-gionais. Isso deu a oportunidade do novo reino afegão surgir nesse vácuo de poder (TANNER, 2002; WAHAB, YOUNGERMAN, 2010).

A ascensão europeia e a sua decorrente dominação de várias partes do mundo também são a causa da principal dinâmica que envolverá o Afeganistão durante o século XIX: a disputa entre o Reino Unido e a Rússia por controle e influência na região, o chamado “Grande Jogo”. O Reino Unido, no iní-cio do século XVII, começou a ocupar militarmente a região e a fazer do subcontinente indiano uma colônia, com o primeiro entreposto comercial instalado em 1615. A partir daí, os britânicos começaram a expandir sua dominação às custas dos impérios locais e a aumentar sua influência em toda a região, chegando a acercar-se do reino afegão por volta de 1830. Ao mesmo tempo, o império russo vinha se expandindo continuamente, a partir do norte, em direção à Ásia Central. O objetivo da Rússia era en-contrar uma saída para mares quentes e abertos, dado que a maioria de seus portos ficavam em regiões parcialmente congeladas durante o ano. Aproveitando-se da fragilidade dos impérios que dominavam parte da região, a Rússia foi anexando extensas porções de terra, também chegando ao território afegão por volta de 1820. Desta forma, o jovem país acabou encontrando-se entre dois gigantescos impérios rivais em expansão, ambos visando controle ou influência sobre o seu território (RASANAYAGAM, 2003, TANNER, 2002; WAHAB, YOUNGERMAN, 2010). Essa disputa entre Rússia e Reino Unido gerou duas guerras anglo-afegãs (1839 a 1842 e 1878 a 1880), com os britânicos almejando a ascensão de um go-verno aliado ou então a diminuição da influência russa. Essas duas guerras tiveram como consequência a imposição de tratados sobre o derrotado Afeganistão. Teve que ceder territórios, aceitar o controle bri-tânico sobre sua política externa e, sobretudo, reconhecer a Linha Durrand, fronteira criada para separar os territórios britânicos e afegãos que se tornaria motivo de controvérsias no século seguinte e que teria consequências durante a ocupação militar pela União Soviética.

O “Grande Jogo” durou basicamente até o início do século XX. Já em 1872, iniciou-se um processo de aproximação entre a Rússia e o Reino Unido, que culminou na assinatura de um acordo que reconhe-cia o Afeganistão como um “território intermediário” (WAHAB, YOUNGERMAN, 2010). Ademais, entre os anos de 1885 e de 1896, várias comissões foram responsáveis pela demarcação de fronteiras entre os três países, resultando, no ano de 1907, em um acordo final entre o Reino Unido e a Rússia quanto às divisões

5 Xá – título de governante ou monarca nessa região; o equivalente a rei ou imperador na língua persa.

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territoriais na região. Note-se que essas comissões não contaram a participação nem o consentimento do governo afegão, a quem inclusive foi imposto o Corredor Wakhan, para evitar que os territórios russo e britânico tivessem qualquer fronteira comum (RASANAYAGAM, 2003; WAHAB, YOUNGERMAN, 2010).

Figura 3: O Corredor Wakhan6

Fonte: elaboração nossa, com base em Pakistan Defence Forum

O Afeganistão entra, deste modo, no século XX. A situação, contudo, logo seria alterada. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), o império Otomano aliou-se à Alemanha e à Áustria-Hungria, adversários dos vizinhos do Afeganistão, Rússia e Reino Unido. Foram feitos apelos ao Afeganistão para também entrar na guerra no mesmo lado dos otomanos. A esses apelos, o rei afegão respondeu que manteria uma posição de neutralidade, conquanto recebesse autonomia para sua política externa e completa soberania sobre seu território, livre da influência britânica. Com a resposta dúbia do emissário britânico, o Afeganistão declarou guerra ao Reino Unido em 1919, iniciando esta que ficaria conhecida como a terceira Guerra Anglo-Afegã, ou Guerra de Independência. O Afeganistão consegue vencer e ter reconhecida oficialmente sua independência política pelo império britânico (RASANAYAGAM, 2003; WAHAB, YOUNGERMAN, 2010).

Como resultado da vitória na guerra, o país garante autonomia suficiente sobre sua participação, alguns anos depois, na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945). Temeroso pela invasão britânica e russa à Pérsia em 1941, o governo do Afeganistão novamente decidiu-se pela neutralidade (RASANAYAGAM, 2003; WAHAB, YOUNGERMAN, 2010). Com o final do conflito, duas importantes decorrências afetaram o país. Primeiro, em 1947 ocorre a independência da colônia britânica indiana, originando dois novos países: a Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana, vizinho do Afeganistão e her-deiro da controversa Linha Durrand. Segundo, ao final da guerra, o Afeganistão voltou-se aos países vitoriosos para buscar auxílio para seu desenvolvimento econômico. O Reino Unido estava desgastado pelos embates e pela independência de suas colônias, enquanto que os Estados Unidos se recusavam a fornecer apoio ao país, não vendo interesse estratégico no Afeganistão, além de não quererem insti-gar disputas territoriais com o Paquistão, um aliado considerado importante (WAHAB, YOUNGERMAN, 2010). Consequentemente, Cabul passou a buscar então na União Soviética os recursos necessários ao seu desenvolvimento, aprofundando esses laços no decorrer do século XX, sobretudo durante crises diplomáticas causadas por tensões fronteiriças com o Paquistão (RASANAYAGAM, 2003; REIS, SIMIONA-TO, 2013; WAHAB, YOUNGERMAN, 2010). É sob estas condições que o país chegaria às sucessivas crises iniciadas nos anos 60.

Ainda em 1964, uma nova constituição é promulgada para o país, que previa um parlamento majoritariamente eleito pelo voto — uma parte ainda seria indicada pelo rei —, com maiores direitos políticos, tratamento jurídico igual para todas os cidadãos, liberdade de pensamento e de expressão, liberdade de culto inclusive para os não-muçulmanos, proteção da propriedade privada, direito à edu-cação e à saúde e direito de formar partidos políticos (RASANAYAGAM, 2003). Nesse período formam-se o Partido Comunista Afegão (PDPA, sigla em inglês) e o grupo islamista Sociedade do Islã (Jamiat-i-Isla-mi, em árabe), que desempenhariam papel importante nos eventos posteriores (RASANAYAGAM, 2003; WAHAB & YOUNGERMAN, 2010).

6 No detalhe da imagem, o Corredor Wakhan, imposto ao governo do Afeganistão para separar o império russo (do qual o Tadjiquistão fazia parte) e a colônia britânica (agora o Paquistão).

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Tal conjuntura ficou conhecida como o “experimento democrático”, tendo, porém, curta duração (RASANAYAGAM, 2003). O país era muito dependente economicamente de ajuda externa, com poucas oportunidades de emprego fora do setor público e baixos indicadores sociais. Apesar das mudanças positivas com a nova constituição, seguiu-se um período de instabilidade política, com a radicalização de setores, como os líderes religiosos conservadores, os comunistas e os islamistas. Em 1973, em meio a uma crise econômica, o um golpe de Estado é perpetrado pelo primo do monarca, com certo apoio do partido comunista, depondo o rei e abolindo a monarquia: assim formava-se a nova República do Afega-nistão. O novo líder, porém, repudiou seus antigos aliados, afastando do governo líderes comunistas que o haviam apoiado no golpe, além do próprio apoio da União Soviética (RASANAYAGAM, 2003; WAHAB & YOUNGERMAN, 2010). Cinco anos depois do final da monarquia, ainda sob forte instabilidade política, o Afeganistão é palco, em 1978, de um novo golpe de Estado, conhecido como a Revolução Saur, que colo-cou o partido comunista no poder. Com o caos social e a forte crise econômica que se instauraram nesse período conturbado, várias revoltas e rebeliões locais começaram a surgir, dada a tendência à descentra-lização do poder característica do país. Estava colocada a situação para a intervenção soviética em 1979.

1.2. A UNIÃO SOVIÉTICA NA 2ª GUERRA FRIA

A segunda fase da Guerra Fria se dá entre 1950 e 1962, na qual o “eixo do conflito se desloca para a periferia terceiro-mundista” próxima às superpotências. Os fatos marcantes do inicio desta nova fase são a detonação da primeira bomba atômica da URSS e a proclamação da República Popular da China. Esses fatos demonstraram que pressões econômico-militares não foram suficientes para conter os avanços do socialismo no mundo (VISENTINI, 2013). No ano de 1964 tomou posse, como secretário-geral do Partido Comunista soviético, Leonid Brejnev. Durante os próximos dezoito anos de seu governo, a política ex-terna por ele adotada fez a União Soviética crescer em influência ao redor do mundo. No entanto, para suportar a projeção do poder soviético, era necessário manter-se no mesmo nível tecnológico e militar do bloco rival, liderado pelos Estados Unidos. Assim, a impressão exterior de que a União Soviética era uma grande potência desmentia-se quando se olhava para o interior do bloco: os soviéticos viviam uma grande crise em razão da falta de financiamento para as indústrias de base e alimentícias, enquanto o grosso do orçamento era direcionado para a indústria pesada, de caráter militar. Essa situação era deter-minada pela corrida armamentista entre as duas potências.

Nesse contexto, no final da década de 1970, a política de détente7 planejada pelo secretário de Estado americano Henry Kissinger, começou a demonstrar sinais de fracasso (VISENTINI, 2013). Ela ha-via sido baseada tanto no acordo SALT I8, quanto numa espécie de vinculação comercial entre soviéticos e estadunidenses, que levariam a uma menor chance de ataque mútuo entre as duas superpotências. Ainda durante os anos 1970, a União Soviética atingiu o auge em sua política e estratégia em relação aos EUA; além de utilizar-se do Tratado de Helsinki9 como forma de legitimar sua hegemonia sobre a área leste do globo e a extensão de sua área de influência sobre o Oriente Médio e a África, Moscou aprovei-tou-se do escândalo Watergate10 e da derrota americana no Vietnã para demonstrar uma virada no jogo de poder mundial a seu favor.

A relação da Rússia soviética11 com os demais países comunistas também foi afetada neste pe-ríodo. Enquanto Brejnev consolidava o poder soviético no plano externo, a China vivia internamente a Revolução Cultural12, protagonizada pelo líder do Partido Comunista chinês, Mao Zedong. A revolução

7 Política de détente foi utilizada para denominar o período mundial de 1960 a 1970, onde as duas maiores potências, URSS e EUA, adotaram uma postura de “estabilidade dos quadros e ausência de conflito”. Um exemplo disso é o acor-do de paridade de armas nucleares (VISENTINI et al, 2013).

8 SALT I (Strategic Arms Limitations Talks) foi o primeiro de uma série de dois acordos entre União Soviética e Esta-dos Unidos, em que foi acordado que ambas as partes limitariam a produção ou aquisição de armas estratégicas, ou seja, significava um controle de armamentos (DEPARTMENT OF STATE, 2010).

9 Os acordos de Helsinki de 1975, feitos na Finlândia, foram um esforço para diminuir o tensionamento entre a URSS e o bloco Ocidental, assegurando que ambos aceitassem a manutenção do status quo (geoestratégia) do pós 2ª Guerra Mundial na Europa (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2015).

10 O Escândalo Watergate (1970-72) foi uma série de atividades clandestinas e muitas vezes ilegais realizadas pelos membros do governo Nixon nos EUA. O escândalo provocou consequências internacionais, questionando a capaci-dade dos Estados Unidos como líder mundial, e abrindo brecha para a URSS ocupar esse papel (MUSUEM OF BROAD-CAST COMMUNICATIONS, 2015).

11 Rússia como centro de poder decisório, ela abrigava o Politburo (vide nota de rodapé 13).

12 Revolução Cultural (1966) foi um pacote de reformas implantadas na China por Mao Tse-Tung, pois o mesmo afirmava que a sociedade chinesa ainda não estava totalmente igualitária, nem tinha adotado homogeneamente a ideologia comunista, e por isso mandou diplomatas, intelectuais e especialistas para fazendas “aprender com as

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fez com que o Partido Comunista caísse em desgraça na opinião pública interna. No entanto a China alavancou posição de grande potência militar, sendo contrária aos interesses do partido comunista soviético, pois atrapalhava seus planos de “estabilização” da revolução soviética no mundo. Para isso, então, foi criada a Doutrina Brejnev, a qual sinalizava que a União Soviética tinha o direito de intervir em qualquer Estado comunista que não seguisse as regras do modelo soviético, ou seja, do Politburo13 russo. A doutrina aumentou as tensões não somente entre o bloco soviético, como no caso da Tchecos-lováquia que foi invadida para a implantação do modelo, mas também tensionou as relações com o leste asiático, pois nem todo país comunista fazia parte do bloco da URSS. Em 1969, quando somente cinco dos 14 países comunistas atenderam a uma conferência nacional em Moscou, Brejnev já sabia que não havia maneira de colocar todos os países sob um comando central.

Para agravar a situação, no mesmo ano de 1969, forças chinesas iniciaram o conflito Sino-Sovié-tico14 na fronteira entre a China e a Rússia. A maior consequência do confronto foi o afastamento dos chineses do modelo soviético, ao mesmo tempo em que se aproximavam do bloco capitalista, sobre-tudo a partir do fortalecimento das relações com EUA através da Diplomacia Ping Pong15. Além disso, a militarização do pós-conflito só tendeu a aumentar na fronteira entre os dois países. A China passou a cooperar com a estratégia estadunidense de contenção ao bloco soviético, forçando a mobilização de tropas soviéticas na extensa fronteira comum entre os dois países, fazendo com que os gastos militares soviéticos subissem ainda mais e ocasionando um enfraquecimento da posição russa na Europa leste. A aliança sino-americana de 1971 foi responsável também por alterar o equilíbrio estratégico mundial da Guerra Fria, que era, até aquele momento, bipolar: a China surgiu como a terceira potência, gerando uma correlação de forças claramente desfavorável à Moscou e deixando a situação mais preocupante por sua proximidade do território soviético. Para tentar diminuir os impactos desse acontecimento, a União Soviética passou a apoiar os movimentos revolucionários, anti-imperialistas ou simplesmente

nacionalistas do Terceiro Mundo (VISENTINI et al, 2013).

1.3. A INVASÃO SOVIÉTICA DO AFEGANISTÃO

Em 1907, a Rússia e o Reino Unido assinaram um acordo para regular seus negócios na Pérsia, no Afeganistão e no Tibet. Os britânicos temiam que os russos utilizassem a posição geoestratégica do Afeganistão para invadirem a colônia inglesa da Índia, e por isso consideraram o acordo. No entanto, os russos tomaram vantagem desse relaxamento nas relações entre as grandes potências da época na região para aprofundarem seus conhecimentos sobre o Afeganistão, sem que isso implicasse um pla-nejamento para chegar até a Índia (BRAITHWAITE, 2011). A conclusão a que alguns acadêmicos russos chegam é de que o Afeganistão seria um “pesadelo militar para invasores” (BRAITHWAITE, 2011), entre-tanto, sendo verdade que o país seria uma porta de entrada para o domínio da Índia. Assim que a Reino Unido renunciou seu domínio sobre a política externa do Afeganistão, ao perceber que não ia conseguir manter o domínio em toda a região, o xá Amanullah, monarca do Afeganistão entre 1919 e 1929, assinou um Tratado de Amizade (1921) com a recente União Soviética. O Tratado deixava claro que a URSS daria suporte financeiro, construiria um telégrafo entre Moscou e Cabul, e o forneceria especialistas militares, armas e aeronaves ao país. Um acordo de Não-Agressão16 seguiu-se em 1926.

Desse modo, a URSS se tornou o principal parceiro comercial e político do Afeganistão no ano de 1930 (BRAITHWAITE, 2011). No entanto, mesmo com tais vantagens, a URSS não fez uso de sua in-fluência para garantir o domínio da região ou ditar a política externa afegã, apenas buscando estruturar a defesa de seu território com aliados vizinhos (GIBBS, 2006). Soviéticos e ingleses uniram-se contra o inimigo em comum durante a Segunda Guerra Mundial, a fim de que evitassem a invasão do Afeganistão

massas” (KISSINGER, 2011).

13 “Politburo, na história russa e soviética, era o supremo corpo de decisões políticas do Partido Comunista da União Soviética” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2013).

14 Conflito Sino-Soviético (1969) foi a guerra entre China e URSS nos arredores da ilha Zhenbao no rio Ussuri, também conhecida como a ilha Damanskii em russo. O que estava em jogo eram questões de delimitação territorial, além do peso da já desgastada relação entre os dois países comunistas, somando-se a isso motivos para a militarização da fronteira entre os dois (KUISONG, 2010).

15 Diplomacia Ping Pong (1971) foi, a grosso modo, a troca de jogadores de tênis de mesa entre China e Estados Unidos, o que na prática viabilizaria o estreitamento das relações entre os dois países, mesmo que fossem ideologica-mente diferentes (China comunista e EUA capitalista). A diplomacia abriu caminho para a visita do Presidente Nixon a Pequim (KISSINGER, 2011).

16 Diplomacia Ping Pong (1971) foi, a grosso modo, a troca de jogadores de tênis de mesa entre China e Estados Unidos, o que na prática viabilizaria o estreitamento das relações entre os dois países, mesmo que fossem ideologica-mente diferentes (China comunista e EUA capitalista). A diplomacia abriu caminho para a visita do Presidente Nixon a Pequim (KISSINGER, 2011).

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pelos alemães (BRAITHWAITE, 2011).

Na década de 50, o xá Zahir17 e seu Primeiro Ministro Daoud18, eram extremamente hábeis na arte de pender para o lado mais favorável no mundo bipolar da Guerra Fria. Sabiam quando era hora de negociar com os EUA ou com a URSS, e sabiam agradar a ambos (BRAITHWAITE, 2011). No entanto, em 1953, o secretário de Estado americano John Foster Dulles, elaborou o plano chamado Northern Tier, no qual Estados islâmicos no Oriente Médio, inclusive o Afeganistão, iriam servir de barreira para o co-munismo da URSS. Todavia, o governo afegão não assinou o Pacto de Bagdá,19 em 1955, que ratificava o plano. Os EUA não desistiram facilmente e tentaram obter o apoio afegão por outros meios. Assim, o presidente Eisenhower20 visitou Cabul em 1959, e como legado deixou a construção de uma rodovia ligando Herat à Cabul, passando por Kandahar, e o financiamento para vários projetos educacionais e econômicos, entre outros (BRAITHWAITE, 2011). Cada vez ficava mais claro o interesse estadunidense no Afeganistão, o qual foi extremamente evidente na década de 1960.

O secretário de Estado americano desde o ano de 1968, Henry Kissinger21, visitou Cabul em 1974 e 1976, com o intuito de substituir a posição da diplomacia inglesa pela estadunidense em relação às ações soviéticas no Afeganistão. Havia um certo receio, por parte da URSS, de que o interesse dos EUA nas terras afegãs fosse instalar bases militares (BRAITHWAITE, 2011). Após a visita de Nikita Krushev a Cabul em 1955, a URSS anunciou pacotes de financiamento e treinamento militar aos afegãos. É im-portante frisar que foi nessa época que se iniciaram relações mais diretas do Politburo com o partido comunista afegão, chamado Partido Democrático Popular do Afeganistão22. No entanto, o partido logo se partiu em duas facções rivais: a Parcham e a Khalq.

Em 1973, Daoud, que havia sido afastado por Zahir do cargo de Primeiro Ministro por desavenças, deu um golpe de Estado enquanto Zahir está fora da cidade. A tomada de poder por Daoud foi reco-nhecida pela URSS dois dias depois; no entanto, os soviéticos afirmaram que não tiveram parte no pla-nejamento do golpe (BRAITHWAITE, 2011). O novo governo agora era centralizado nas mãos de Daoud como Primeiro Ministro e Presidente, e continha membros do PDPA. Entretanto, pior do que o governo monárquico de Zahid, Daoud governou com “mão de ferro”: espiões do governo alertaram Daoud sobre uma insurreição islâmica e comunista, e então ele começou a caçar os comunistas. A URSS, por sua vez, tentou acalmar os ânimos e fazer com que os comunistas afegãos apoiassem Daoud, e com que Daoud não fosse tão tirânico, mas não obteve sucesso.

Daoud sabia que precisava de um exército fortalecido para ter legitimidade de governo. Os esta-dunidenses se negaram a financiar o exército, então Daoud lançou mão da ajuda soviética para treina-mento e armas. Vários oficiais afegãos foram até a fronteira soviética buscar orientações russas (BRAI-THWAITE, 2011). Mas Daoud sabia que não podia ficar tão dependente de uma única potência externa, e assim procurou estreitar relações com o Xá iraniano e com a Arábia Saudita, que concederam ajuda sob a condição de que o presidente afegão se distanciasse da URSS, o que não se concretizou.

As relações entre afegãos e soviéticos iam bem, até que em 1977, numa visita do presidente afegão a Moscou, Brejnev, líder do bloco soviético, disse-lhe para encerrar suas relações com o Oeste, ao que Daoud respondeu que seu país era independente e não faria nada que não fosse de seu interes-se (BRAITHWAITE, 2011). No mesmo ano, Daoud encontrou-se com o secretário de Estado americano Cyrus Vance, e iniciou um movimento de substituição de financiamento da URSS pelos EUA. Esta ten-dência só teve fim em 1978 com o golpe liderado pelos comunistas afegãos, estimulados pelo fato de que os oficiais militares enviados à URSS tinham recebido doutrinamento ideológico, além do militar.

17 Mohammed Zahir Xá foi o segundo rei do Afeganistão, entre 1933 e 1973. Sofreu um golpe orquestrado pelo próprio primo, Mohammed Daoud, que não aprovava a abertura para o Ocidente (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2015).

18 Mohammed Daoud Khan foi o primeiro ministro de 1953-1963, e presidente do Afeganistão de 1973-1978 (ENCY-CLOPAEDIA BRITANNICA, 2015).

19 O Pacto de Bagdá foi que reconheceu a formação da CENTO (Central Treaty Organization), formada pelo Irã, Iraque, Paquistão, Turquia e Reino Unido. Posteriormente os Estados Unidos endossaram o grupo, o qual foi consid-erado uma aliança positiva para as ações estadunidenses na região do Oriente Médio durante a Guerra Fria (MARTIN, 2008).

20 Dwight David Eisenhower foi o presidente dos Estados Unidos no período de 1953–1961. No ano de 1954 ele elaborou a “Teoria Dominó”, que afirmava que a derrota dos EUA na Guerra do Vietnã faria com que o comunismo se alastrasse e alcançasse outros países. Assim, os EUA perderiam sua influência no mundo (NEWTON, 2011).

21 Henry Kissinger foi secretário de Estado americano durante 1969-1977. Ele iniciou uma política de détente com a URSS, orquestrou a abertura das relações com a República Popular da China, e negociou os Acordos de Paris para o fim da Guerra do Vietnã (KISSINGER, 2011).

22 Partido Democrático Popular do Afeganistão (PDPA, em inglês) foi o governo do Afeganistão a partir de 1978. Foi ideologicamente próximo e economicamente dependente da URSS, protagonizando a Guerra Civil Afegã (1979) (WEINER, 1990).

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Após o golpe, foi o líder da Khalq, Nur Mohamed Taraki, que assumiu o posto de Secretário Geral, e Hafizullah Amin, também da Khalq, assumiu como Ministro das Relações Exteriores. Os soviéticos não colocavam muita confiança em Amin, por ele ter morado em Nova York e supostamente ter tido con-tato com a CIA (GIBBS, 2006). Amin que, na prática, comandava mais do que Taraki, iniciou uma série de reformas que, apesar de serem reformas para uma maior socialização, não estavam sendo feitas de maneira questionável visto as condições afegãs; no caso da reforma agrária, por exemplo, um grupo armado do PDPA distribuía todas as terras sem qualquer discriminação (GIBBS, 2006). Tais erros de cálculo fizeram com que grupos localizados, principalmente guerrilhas anticomunistas, apoiados pela população, surgissem em oposição ao governo. Governos ocidentais começaram a identificá-los como mujahidin (GIBBS, 2006).

A opressão àqueles que iam contra o governo de Amin era constante, principalmente para a fac-ção rival Parcham. Karmal, o líder dessa facção, havia sido diplomaticamente exilado e mandado como embaixador para a Tchecoslováquia, enquanto o restante do grupo estava sendo preso ou assassinado (GIBBS, 2006). As medidas repressivas enfraqueceram o partido Khalq e levaram a uma guerra civil23 no Afeganistão no final de 1978.

Apesar de o PDPA solicitar constantemente a intervenção militar soviética, a decisão de pô-la em prática pelo Politburo levou um longo tempo. Não havia benefícios estratégicos para a URSS invadir o país vizinho: o Afeganistão não tinha saída para um mar de águas quentes24, nem tampouco serviria de canal para a invasão de algum país do Golfo em eventual busca por petróleo. Outro fator que impeliu à demora da decisão soviética de intervir foi a consequência que esse ato teria perante a opinião pública internacional: os soviéticos já sabiam que a população se colocaria contra eles. A URSS não tinha obje-tivo de intervir em outro país e arcar com custos de suas tropas — ou seja, à época da invasão o único interesse soviético era manter sua área de influência e tomar medidas de segurança (não possibilitar que o Afeganistão fosse cooptado pelo bloco Ocidental) (GIBBS, 2006).

A postura relutante quanto à uma possível invasão do Afeganistão somente foi quebrada pelo descontentamento dos soviéticos com a postura do partido comunista afegão, e principalmente, pelo modo como Amin estava levando seu governo.

A URSS estava fazendo um trabalho político, tentando resolver a guerra civil sem ter que pegar em armas. No entanto, um fato no final de 1978 mudou toda a conjuntura: Amin deu um golpe dentro do próprio partido e assassinou Taraki, tomando totalmente o poder para si. Enquanto isso, na conjuntura externa, Zbigniew Brzezinski havia assumido o posto de secretário de Estado dos EUA, com o governo do Presidente Jimmy Carter, adotando uma postura dura e ofensiva, diferentemente da política de dé-tente em relação à URSS, adotada até aquele momento. Há a especulação de que, liderados por Carter, os EUA estavam enviando, já nessa época, financiamento externo para os mujahidin (GIBBS, 2006). Du-rante o ano de 1979, o Politburo também observava o direcionamento de Amin a favor dos EUA, contra os interesses soviéticos.

Sob essa ótica, a URSS conclui que depois de ter usado todos os mecanismos possíveis para não intervir militarmente, os soviéticos formaram um plano de invasão para destituí-lo; a invasão estava planejada para dia 25 de dezembro de 1979, data especialmente escolhida para tirar a atenção da mídia ocidental no leste asiático. No meio do curso da ação, Amin foi assassinado. Em seu lugar foi colocado no poder Karmal, o líder da facção Parcham (GIBBS, 2006). Tão logo a URSS se alegrou com o resultado da operação, Karmal começou reprimir a facção rival, à semelhança do que Amin havia feito. Assim, os soviéticos chegaram à conclusão de que somente uma intervenção militar total resgataria o Afeganistão do caos completo (DIBB, 2010). O objetivo central da ocupação seria estabelecer condições vantajosas para prevenir possíveis ações pelos governos de países vizinhos contra o Afeganistão — especialmente do Paquistão25.

O plano inicial para a URSS era estabilizar a situação, fortalecer o exército afegão e fazer a retirada das tropas em três anos (DIBB, 2010). Visto que o conflito somente se aprofundaria pelos indícios do financiamento mujahidin pelo bloco ocidental e com a ocupação de tropas soviéticas do Afeganistão, no dia 3 de janeiro de 1980 membros do Conselho de Segurança da ONU26 solicitaram uma reunião

23 Guerra Civil Afegã (1979-até hoje) envolveu, inicialmente, as duas facções dentro do PDPA (Parcham e Khalq) e os mujahidins (NATIONS, 2015).

24 Mares de águas quentes são costas de territórios onde as águas não congelam, como é o caso do Golfo Pérsico. No entanto, o Afeganistão não possui saída para o mar diretamente, mas ficaria a caminho de uma, tendo que atravessar o Irã ou o Paquistão para se chegar lá (BANDEIRA, 2013).

25 Desde a criação do Paquistão, com a retirada de um pedaço do território afegão para o surgimento do país, há uma certa rivalidade entre as duas nações. Isso se aprofundou devido à tendência paquistanesa de aliar-se com o Ocidente, em contraste com o Afeganistão alinhado à URSS na época (KISSINGER, 2011).

26 Conselho de Segurança da ONU é o órgão que funciona para debates onde somente participam França, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos, China e mais 10 países que são rotatórios a cada 2 anos, eleitos pela Assembleia Geral. So-

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emergencial. Depois de dias de negociações, levando a crer que não haveria acordo pois os votos não eram unânimes, foi solicitada uma reunião emergencial da Assembleia Geral da ONU27 a ser realizada no dia 9 de janeiro de 1980 (UN, 2015).

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. A QUESTÃO DA SOBERANIA

A convocação da IV Sessão Especial de Emergência da Assembleia Geral ONU deu-se largamente devido às alegações de quebra do princípio basilar da ordem internacional: a soberania dos Estados. Este conceito já era celebrado pelas nações do sistema internacional desde o advento da Paz de Ves-tefália em 1648 que, muito além de ter posto fim à Guerra dos Trinta Anos na Europa, reconheceu a autoridade suprema que cada país exerce exclusivamente sobre si, ou seja, a soberania que cada Es-tado-nação possui sobre seu território e população mediante um conjunto de leis (HERZ; HOFFMANN, 2004). A violação da soberania estatal passou a ser, portanto, um ato grave de agressão, podendo assim ser condenável por outras nações28.

Em janeiro de 1980, em decorrência da invasão do Afeganistão, diversos Estados alegaram uma perturbação na estabilidade global mediante um grave ato considerado uma afronta ao princípio da soberania estatal; segundo os acusadores, ao adentrar o território afegão com suas tropas, a União So-viética desrespeitou uma das principais cláusulas do Direito Internacional, calcada no artigo segundo da própria Carta da ONU, que prevê a igualdade soberana entre todos Estados-membros da Organização (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Desta forma, na visão de diversos membros da comunidade internacional — notavelmente os pertencentes ao bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos —, o Afeganistão está sendo ilegalmente invadido por forças soviéticas que ignoram a soberania afegã e, portanto, violam normas previstas pela ONU. Para esse grande número de nações, as ações tomadas pela União Soviética constituem uma inva-são militar de grande escala, sendo um claro ato de agressão contra um Estado independente (REICHER, 1981). Todavia, nem todos os Estados compartilham este ponto de vista, particularmente aqueles que se encontram no bloco soviético. Estes alegam que a soberania do Afeganistão permanece intacta pois há o consentimento por parte do governo afegão para que as tropas da União Soviética adentrem o terri-tório do país. Nessa lógica, os soviéticos teriam sido formalmente convocados pelos dirigentes afegãos para desempenharem a clara função de manter a ordem e a estabilidade no conturbado país que vê-se assolado pela guerra. Nenhuma “invasão”, portanto, estaria acontecendo pela simples existência de con-sentimento por parte do Afeganistão em buscar ajuda de seus aliados soviéticos em um momento de dificuldade — algo que estaria previsto em um tratado firmado entre a União Soviética e o Afeganistão em 1978 (REICHER, 1981).

Não são poucos os Estados que rebatem criticamente esta abordagem. Para eles, o fato de haver autorização ou não por parte das autoridades afegãs para que as tropas soviéticas entrem no Afega-nistão nem ao menos é relevante, uma vez que consideram que o governo afegão não representaria de fato o povo que habita naquele país. Argumenta-se que o regime de Karmal é um caso de governo fantoche, ou seja, um governo que teria sido instaurado não por vontade democrática de representação dos anseios das populações locais, mas sim por corresponder o interesse de uma elite estrangeira e faci-litar o exercício de poder indireto desta por intermédio de uma estrutura política conivente ao controle externo.

Recorre-se aqui, desta maneira, ao princípio jurídico da “autodeterminação dos povos”, que afir-ma que todos os povos possuem direito a sua própria soberania. Enquanto que no contexto do neo-colonialismo a autodeterminação servia como uma bandeira à independência das colônias frente às metrópoles (MEROLA et al., 2014), no caso do Afeganistão diz-se que a autodeterminação exige que o povo afegão seja devidamente representado, visto que o atual governo não seria de forma alguma um

mente os cinco primeiros citados são permanentes e possuem poder de veto. As decisões tomadas pelo Conselho de Segurança são as únicas obrigatórias a todos os países do sistema internacional (LUCK, 2015).

27 Assembleia Geral da ONU é composta por todos os membros filiados à ONU, e todos tem direito a um voto. A dif-erença com o Conselho de Segurança é que nenhum dos países possui poder de veto (LUCK, 2015).

28 Consolida-se também aqui o princípio de “balança de poder”, que consistia no ato de um Estado forjar alianças estratégicas de modo a “contrabalancear” o poder de outro país rival. Tal situação cria um cenário de competição entre dois ou mais blocos, o que pode levar a um gradual aumento de tensões até o advento de um conflito armado, assim como no claro exemplo das Guerras Mundiais, ou de uma “paz armada”, como ocorre em diversas instâncias durante a Guerra Fria.

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reflexo democrático da população do país. Logo, a autoridade que o governo fantoche exerce sobre o território do Afeganistão poderia ser livremente contestada e, junto com ela, qualquer consentimento ao envio soviético de tropas.

Por outro lado, há também aqueles Estados que buscam uma posição independente em meio ao embate polarizado do confronto entre os dois grandes blocos da Guerra Fria. Eles estão reunidos no Movimento dos Não-Alinhados (MNA)29. Ao mesmo tempo em que MNA reconhecidamente possui o imperialismo estadunidense e os avanços do bloco capitalista como principal antagonista, a invasão soviética ao Afeganistão é algo que não pode ser deixado de lado pelo grupo. A não-intervenção nos as-suntos internos dos Estados, o respeito à neutralidade e não-alinhamento e a não-agressão aos Estados sejam eles grandes ou pequenos são as principais bandeiras levantadas pelo MNA (ÍNDIA, 2012). Logo, a investida soviética consistiria uma violação direta ao Espírito de Bandung, também calcado no respeito à soberania dos Estados.

Por mais intuitiva que pareça uma condenação unânime dos não-alinhados à atitude soviética, todavia, a realidade não é assim tão simples. Por mais que a neutralidade das nações africanas, asiáticas e latinas seja amplamente anunciada, muitas delas são mais simpáticas à causa socialista do que a capi-talista, não se mantendo perfeitamente equidistante entre os dois blocos (WIZNITZNER, 1980). Isso se dá principalmente à disposição soviética em auxiliar lutas de libertação no Terceiro Mundo e à segurança política e diplomática que países menores podem obter ao se aproximarem do socialismo. Assim, muitos dos membros do grupo percebem que ir contra os interesses da União Soviética poderia acarretar em uma deterioração das relações políticas e econômicas com a superpotência. O MNA vê-se, portanto, diante de uma escolha vital: manter-se unido como nunca antes para combater tanto o imperialismo estadunidense quanto o expansionismo soviético — não estando o movimento necessariamente do lado dos Estados Unidos ao condenar a União Soviética — ou dividir-se internamente para que cada membro possa seguir livremente o caminho mais adequado aos seus assuntos internos (WIZNITZNER, 1980).

Tendo em vista os diferentes pontos de vista em relação ao envio de tropas ao Afeganistão pela União Soviética, os delegados reunidos na VI Seção Especial de Emergência da Assembleia Geral da ONU possuem a difícil tarefa de buscar o consenso quanto à sensível temática da soberania dos Estados. Enquanto é evidente que todos os países-membros das Nações Unidas prezam pelo princípio da sobe-rania acima de tudo, fica claro que cada lado busca neste momento interpretar os fatos ocorridos em dezembro de 1979 da maneira que lhe melhor convir, a fim de dar respaldo a seus respectivos interesses. Consequentemente, fica incerto se, diante de uma crise potencialmente danosa à estabilidade de uma região inteira, os Estados escolherão cooperar entre si ou divergir ainda mais.

2.2. A QUESTÃO DA TRANSFERÊNCIA DE ARMAS E DOS GRUPOS NÃO-ESTATAIS

As guerras de libertação colonial na Ásia e na África do século XX trouxeram à luz como nunca antes a problemática da transferência internacional de armas de fogo a grupos não-estatais. Nessas ocasiões, testemunhou-se uma recorrente “receita para o desastre”: primeiramente, percebe-se um foco de instabilidade em determinada região — duas ou mais facções entram em confronto por uma miríade de motivos que vão desde disputas tribais até sucessões políticas. A região em questão, então, chama a atenção de Estados mais poderosos, uma vez que pode conter recursos naturais preciosos, ser um ponto geoestratégico chave ou ser potencialmente utilizada para pressionar um rival. Visto isso, os Estados mais poderosos resolvem tirar proveito da situação indiretamente. Ao fazer isso, eles arriscam tanto recursos financeiros quanto credibilidade diplomática, mas obtêm a chance de atingir seus objetivos políticos, econômicos ou militares.

A maneira que Estados usualmente buscam esses fins se dá através dos meios indiretos da trans-ferência de armas a grupos estatais ou não-estatais30. Dá-se o nome de exército proxy a estes grupos armados que agem conforme o interesse de terceiros de maneira indireta. Estes podem obter armamen-tos tanto por meios legais, visto que o comércio internacional de armas é regularizado por normas do Direito Internacional, quanto por meios ilegais. O tráfico ilegal de armas, mediante aquisições no merca-do negro, é uma grave realidade, sendo grande parte do total das compras de armas de fogo realizadas

29 O Movimento dos Não-Alinhados foi criado e fundado durante o período do colapso dos sistemas coloniais que seguiu a Segunda Guerra Mundial, quando diversas nações do chamado Terceiro Mundo (Ásia, África e América Lati-na) viram-se envolvidas em lutas de independência. Ao mesmo tempo, encontravam-se também diante de um mun-do divido pelas duas superpotências da Guerra Fria. A Conferência de Bandung de 1955 foi o evento central para a fundação do movimento e seus ideais, onde as nações do Terceiro Mundo unem-se com o propósito comum de dis-tanciarem-se dos jogos de poder dos dois grandes blocos políticos e exigirem respeito à soberania de todos os povos.

30 Grupos não-estatais são aqueles que não estão subordinados à autoridade do Estado. Podem ser eles milícias, guerrilheiros, organizações terroristas, grupos anarquistas ou fascistas, etc.

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por meios não previstos pela lei doméstica ou internacional (NORONHA; ROSA, 2013). Há estudos que apontam que Estados estão envolvidos não somente na compra e venda legal de armas, como também na exportação destas para grupos não-estatais através de meios clandestinos — prática que comumente possui o apoio estratégico de serviços de inteligência nacionais (WRIGHT, 2006).

Os exércitos proxy são muito úteis a governos estrangeiros no sentido em que, mesmo necessi-tando um alto custo financeiro para sua manutenção, eles não comprometem politicamente o Estado que lhes dá suporte, — conquanto seu envolvimento não seja descoberto. Em outras palavras, se um país deseja atingir um objetivo potencialmente questionável, como, por exemplo, garantir que um poço de petróleo em uma nação subdesenvolvida seja explorado por uma grande petrolífera de seu país, ele pode fazê-lo de uma maneira encoberta através de um proxy, patrocinando uma ação que o beneficie no futuro. No caso do poço de petróleo, uma milícia bem armada pode garantir com que uma porção muito rica em petróleo da nação subdesenvolvida clame por independência e, após ter esse pedido atendido através de um conflito armado, estabeleça livremente contratos de exploração com a empresa petrolífera do Estado que a financiou. Dessa forma, o Estado patrocinador não irá se responsabilizar pelas ações condenáveis dos grupos que armou pois não há provas de ligação entre ambos. Em tese, é uma relação de benefício mútuo para o Estado e a milícia (NORONHA; ROSA, 2013).

Os perdedores nessa relação são muitas vezes as populações locais. Grupos armados podem conduzir atividades altamente questionáveis, o que usualmente inclui atos de violência como assassi-nato, execuções, tortura e estupro. No caso das milícias armadas, por não serem subordinadas formal-mente a um Estado nacional da maneira que Forças Armadas são, elas não estariam sujeitas a um código estrito de leis da maneira que soldados estão. Desta forma, crimes de guerra são muito mais comuns nestes grupos sobre os quais o Estado possui pouco ou nenhum controle. Os efeitos prejudiciais desses grupos, todavia, estão longe de ser restritos à esfera militar: atividades violentas de grupos armados pre-judicam economias locais (desincentivo ao comércio, envolvimento de milícias com tráfico de drogas e pessoas), instituições democráticas (corrupção policial, perda na credibilidade a serviços estatais) e sociedades (perseguição étnica ou religiosa).

No presente caso do Afeganistão, a transferência de armas existe como um meio de combate in-direto à ocupação do país pelos soviéticos. O grupo armado em questão é constituído pelos mujahidin. Os mujahidin são pequenos “senhores da guerra” que têm o domínio subnacional sob porções de terra exercido através de seus leais exércitos privados. Para eles, a ocupação de sua terra sagrada pelos sovié-ticos (que, juntamente com a ideologia comunista, impõem o ateísmo aos seus territórios conquistados) é uma ameaça aos bons costumes islâmicos e deve ser, portanto, combatida (WRIGHT, 2006).

A transferência de armas, neste caso, é inegável, visto que os mujahidin passaram de simplórios chefes de aglomerações tribais no cenário rural afegão a soldados munidos de modernos equipamentos bélicos, suficientemente poderosos para abater um helicóptero de guerra soviético. Além do constante tráfico de armas para os grupos não-estatais — provavelmente conduzido através da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão com o auxílio de serviços de inteligência locais e Ocidentais —, estima-se que o apoio estrangeiro também inclua o financiamento para campanhas políticas de propaganda, o treinamento de mujahidin em táticas de guerrilha e todo apoio logístico para o recrutamento de mais guerrilheiros de todo o mundo árabe para lutar na Guerra Santa (WRIGHT, 2006).

Considerando que, se bem desempenhado, o objetivo dos mujahidin é altamente prejudicial à ocupação soviética, calcula-se que estes grupos estejam sendo patrocinados pelas nações do bloco capitalista, notavelmente os Estados Unidos. Além disso, seria lógico conjeturar que as nações islâmicas também possuem fortes motivos para providenciar suporte logístico e financeiro para se utilizar dos mujahidin como proxy (WRIGHT, 2006). O Paquistão e a Arábia Saudita, por exemplo, não querem que a União Soviética consiga expandir-se a ponto de chegar ao Oceano Índico, pois isso daria poder de-mais ao país sobre a região do Sul Asiático. Logo, barrar o avanço soviético na Ásia Central é altamente benéfico para estes Estados.

Os mujahidin, entretanto, não são um grupo homogêneo. Pelo contrário: pertencem a diferentes tribos de diferentes regiões do Afeganistão que passaram por processos históricos distintos. Os Estados patrocinadores da transferência de armas sabem disso e utilizam-se deste fato para também atingir seus interesses particulares com o financiamento dos grupos proxy. Por mais que conter o comunismo seja o objetivo central de todos os envolvidos no fortalecimento dos mujahidin, a guerra contra a ocupação soviética também traz oportunidades únicas de ação. O Paquistão, por exemplo, teria a chance de armar grupos das tribos Pashtun e Balúchi31 e assim consolidar sua influência no Afeganistão, o que poderia servir como uma vantagem estratégica para um futuro embate contra a Índia.

Dificilmente os Estados que estarão presentes na Seção Especial de Emergência da Assembleia Geral serão capazes de desmantelar redes de transferência de armas no Afeganistão. Estados patrocina-dores têm muito a ganhar com o financiamento de proxies, e não irão admitir o fim de tal prática até

31 Grupos étnicos presentes tanto no Paquistão quanto no Afeganistão.

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que obtenham vantagens nisso. De qualquer forma, torna-se necessário o reconhecimento dos efei-tos possivelmente devastadores do fortalecimento irrestrito dos mujahidin como peças centrais no combate aos soviéticos; como mencionado anteriormente, dar poder demais a grupos não-estatais é potencialmente perigoso. O caso dos mujahidin não é diferente, principalmente ao considerarmos que estes indivíduos são senhores da guerra, não sujeitos à lei estatal e com ideologias extremas de funda-mentalismo religioso.

2.3. A QUESTÃO DOS REFUGIADOS

O ACNUR estima que mais de 2 milhões de afegãos refugiados fugiram para o Paquistão desde a invasão (ACNUR, 2015). A maioria destes está na cidade de Peshawar, ou espalhada pela região da provín-cia de Khyber Pakhtunkhwa. Ao mesmo tempo, cerca de 1 milhão de afegãos foram morar no Irã. O fluxo de refugiados ficou tão grande que os governos iraniano e paquistanês tiveram de impor condições mais estritas para conceder visto de entrada nos seus países. O número de deportações também aumentou consideravelmente com o tempo. Outros destinos dos refugiados afegãos foram a Índia, o Norte da África, a Europa, a Austrália e outras partes do mundo, e muitos até têm ganhado cidadania local (ACNUR, 2015).

De acordo com a Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, são refugiados as pes-soas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possam (ou não queiram) voltar para casa. Posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar como refugiados também as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência gene-ralizada e violação massiva dos direitos humanos.

A maioria das pessoas pode confiar nos seus governos para garantir e proteger os seus direitos humanos básicos e a sua segurança física. Mas, no caso dos refugiados, o país de origem demonstra ser incapaz de garantir tais direitos. Ao ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) é atribuída a responsabilidade de assegurar que qualquer pessoa, em caso de necessidade, possa exercer o direito de buscar e obter refúgio em outro país e, caso deseje, regressar ao seu país de origem. O prin-cipal papel deste órgão da ONU é garantir que os países estejam conscientes das suas obrigações — e atuem em conformidade com elas — de dar proteção aos refugiados e a todas as pessoas que buscam refúgio (ACNUR, 2001).

A Convenção de 1951 sobre o Status dos Refugiados e o Protocolo de 1967 são os meios legais através dos quais é assegurado que qualquer pessoa, em caso de necessidade, possa exercer o direito de procurar refúgio em outro país. Esses documentos são os principais instrumentos internacionais esta-belecidos para a proteção dos refugiados e seu conteúdo é reconhecido internacionalmente. A Assem-bleia Geral tem frequentemente encorajado os Estados a ratificar esses instrumentos e incorporá-los à sua legislação interna. A ratificação também tem sido recomendada por várias organizações, tal como o Conselho da União Europeia e a Organização dos Estados Americanos. Ao sancionar a Convenção e/ou o Protocolo, os Estados signatários aceitam cooperar com o ACNUR no desenvolvimento de suas funções e, em particular, a facilitar a função específica de supervisionar a aplicação das provisões desses instrumentos (ACNUR, 2001).

Entretanto, a situação dos refugiados pode se tornar mais dramática quando os países mais aber-tos à acolhida são também de menor desenvolvimento socioeconômico relativo, —caso bastante fre-quente. Em situações mais extremas, os refugiados podem ser confinados por um longo período em campos de refugiados, que muitas vezes são palco de novas violências perpetradas por outros refu-giados (em especial a violência sexual). Os afegãos vêm constituindo a maior população de refugiados do mundo, vivendo cerca de 1 milhão de pessoas fora do país devido à guerra. Com a contínua falta de estabilidade no Afeganistão, há elementos suficientes para apontar que estes refugiados se mantêm no exílio para assegurar seu bem-estar econômico e social. Em contraste com a situação mencionada anteriormente, há a possibilidade paralela de, em alguns países de asilo, os afegãos conseguirem acesso a escolas, serviços de saúde, eletricidade, água potável, mercados e oportunidades geradoras de rendi-mento — coisas que não são acessíveis no Afeganistão, sobretudo nas remotas regiões rurais de onde são oriundos muitos dos refugiados.

Na situação atual em que o país se encontra, confrontado com a contínua instabilidade, os paí-ses doadores têm relutância em atribuir montantes elevados de ajuda ao Afeganistão. Além disso, as organizações de ajuda humanitária e de apoio ao desenvolvimento do Afeganistão também apresentam algumas limitações significativas, como o caso de não conseguirem manter o pleno funcionamento da sua representação em algumas cidades e serem obrigadas em diversas ocasiões a evacuar ou a deslocar o seu pessoal da equipe devido a problemas de segurança (ACNUR, 1994).

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Apesar de todas estas dificuldades, a recente experiência do ACNUR no Afeganistão tem demons-trado que os esforços de repatriamento e reconstrução podem continuar, mesmo na ausência de um governo nacional estável. Apesar dos combates prosseguirem em Cabul e nos seus arredores, muitas regiões rurais têm-se mantido relativamente apaziguadas, permitindo que um vasto conjunto de ativi-dades de reabilitação pudesse ser levado a cabo nos últimos anos. Estas atividades incluem, por exem-plo, a desminagem, a reparação de canais de irrigação, o fornecimento de sementes e outros materiais agrícolas, o melhoramento de estradas de acesso entre as aldeias e os mercados e a instalação de poços de superfície e bombas manuais para fornecimento de água potável. Contudo, em algumas regiões do Afeganistão o movimento de regresso poderá ser dificultado por outros fatores, relacionados com a propriedade das terras e divergências tribais, étnicas ou religiosas (ACNUR, 1994).

Considerando o alto número de refugiados advindos do conflito no Afeganistão, suas pobres condições de vida e os custos político-econômicos do abrigo destas pessoas em países estrangeiros, é de suma importância que os delegados presentes na próxima Assembleia Geral tenham em mente a vida destas populações; o prolongamento da situação adversa no Afeganistão terá consequências negativas diretas no bem-estar de milhões. Por mais que tenha ajudado, o esforço já realizado pelos órgãos da ONU não é suficiente para mitigar todos os efeitos destrutivos da guerra sobre as populações locais, o que implica que a cooperação internacional é mais do que necessária para a sobrevivência dos não-combatentes.

3. AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS:

Tendo a intervenção militar soviética sido empreendida no final do ano de 1979, mais precisa-mente no dia 27 de dezembro, o advento da IV Sessão Especial de Emergência da Assembleia Geral da ONU, visto que ocorrido somente 14 dias do após o início do conflito, pode ser considerado como a primeira ação internacional de verdadeiro impacto para tratar da situação vivida em território afegão. A única exceção que pode ser averiguada é a reunião articulada pelo Conselho de Segurança entre os dias 5 e 9 de janeiro. A pedido de 52 membros da Assembleia Geral, o Conselho reuniu-se para con-siderar a situação no Afeganistão. Contudo, o projeto de resolução que foi articulado sobretudo pelos membros não-alinhados do Conselho e que requisitava uma retirada total, incondicional e imediata das tropas soviéticas do Afeganistão não foi adotada em função da falta de unanimidade entre os membros permanentes, após veto da União Soviética (SECRETARIADO DA ONU, 2006). A discordância entre seus membros permanentes levou o Conselho de Segurança ao empoderamento da Assembleia Geral para tratar da questão em território afegão, através da invocação da Resolução “Unidos pela Paz” e, portanto, de uma nova Sessão Especial de Emergência.

Desta forma, a presente seção terá como enfoque, ao invés dos encontros multilaterais que pre-cederam o comitê em questão e que trataram diretamente do mesmo assunto, tanto uma contextua-lização histórica quanto à adoção da Resolução “Unidos pela Paz”, quanto, principalmente, exposições sobre as demais Sessões Especiais de Emergência despendidas pela Assembleia Geral antes da IV Sessão. Os cinco estudos de caso aqui analisados tem como propósito a elucidação no que se refere ao funcio-namento de tal tipo específico de sessão, a fim de que os exemplos possam ser instrumentalizados para o caso do Afeganistão. Em ordem cronológica, serão apresentados os seguintes casos: a Crise do Suez, de 1956; a invasão soviética da Hungria, também de 1956; a Crise do Líbano, de 1958; a Crise do Congo, de 1960; e, por fim, a Guerra do Seis Dias, de 1967.

3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: A RESOLUÇÃO “UNIDOS PELA PAZ”:

A elaboração da Resolução 377 A (V) – também conhecida como “Unidos pela Paz” –, em virtude do contexto histórico particular em que se insere, está altamente relacionada às articulações da Guerra Fria e, consequentemente, ao confrontamento entre os Estados Unidos e a União Soviética. O contexto específico em que foi idealizada remete à Guerra da Coréia, um dos primeiros embates indiretos entre as duas superpotências, podendo a resolução ser considerada inclusive como uma vitória política dos norte-americanos frente à intransigência demonstrada pelos soviéticos.

A invasão da Coréia do Norte pela Coréia do Sul, ocorrida em meados do ano de 1950, foi respon-dida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas com uma série de três importantes resoluções que constrangiam os norte-coreanos e, desse modo, favoreciam a defesa dos sul-coreanos32. A aprovação

32 Tais resoluções clamavam pela retirada das tropas norte-coreanas do território sulista, recomendavam aos mem-

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destas medidas só foi possível porque a União Soviética, à época, boicotava as reuniões do Conselho, como forma de protestar pelo fato de a China ser representada na entidade pelo governo capitalista de Taiwan, e não pelo regime comunista sediado em Pequim. Os soviéticos acreditavam que sua ausência no Conselho não poderia ser aproveitada pelo Ocidente, visto que a Carta das Nações Unidas afirmava que a aprovação de resoluções substantivas requeria o voto de pelo menos nove membros do órgão, inclusos nestes o dos cinco membros permanentes (TOMUSCHAT, 2008). O retorno da participação soviética nas Nações Unidas, após protestos infrutíferos contra a legalidade das atitudes tomadas pelo Conselho durante seu distanciamento, veio ainda no mesmo ano, retomando, com o seus vetos a quais-quer resoluções que prejudicassem à Coreia do Norte, o estado de paralisia que caracterizaria a atuação do Conselho de Segurança durante grande parte da Guerra Fria.

Os Estados Unidos, então, passaram a procurar uma maneira de manter a vigilância das Nações Unidas quanto à crise na península coreana sem ter que passar pela apreciação do Conselho de Segu-rança (JOHNSON, 2015). A maneira encontrada pelos norte-americanos foi a de propor e posteriormente aprovar uma resolução que habilitaria a Assembleia Geral a solucionar qualquer caso de violação da paz internacional ou ato de agressão que o Conselho de Segurança não estivesse apto a resolver, em razão da falta de unanimidade entre os seus membros permanentes. Assim, Washington encontrou uma fór-mula para permitir que a Assembleia se tornasse uma alternativa para encaminhar resoluções em ques-tões às quais o Conselho estivesse inabilitado de agir em função dos vetos soviéticos (JOHNSON, 2015).

3.2. ESTUDOS DE CASO

3.2.1. CRISE DO SUEZ (1956)

A Crise do Suez foi um conflito entre o Egito e uma coalizão composta por Reino Unido, França e Israel, transcorrido no final de 1956 e desencadeado pela nacionalização do Canal de Suez empreen-dida pelo presidente egípcio à época, Gamal Nasser, em julho daquele ano. A resposta militarista das potências imperialistas foi motivada por diversos fatores33, não só pela nacionalização do canal, e cons-tituiu-se como um dos últimos esforços do velho colonialismo franco-inglês de recuperar posições no Oriente Médio (VISENTINI, 2012). O ataque desencadeado pelos três países em novembro de 1956 con-tra o território egípcio teve como resposta do Conselho de Segurança a invocação da primeira Sessão Especial de Emergência da ONU, tendo em vista a falta de unanimidade entre os membros permanentes, em função do estanque que França e Reino Unido representavam naquele momento (REICHER, 1981; TOMUSCHAT, 2008).

Entre os dias 1 e 10 de novembro, a Assembleia Geral esteve reunida e, dentre as diversas resolu-ções aprovadas pelo órgão, destacam-se os constantes pedidos de cessar-fogo emitidos e, sobretudo, o estabelecimento da primeira Força Internacional de Emergência das Nações Unidas para assegurar e su-pervisionar a interrupção das hostilidades (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1956a). Tal Força, considerada o resultado da primeira operação de manutenção de paz da ONU, tinha como objetivo central providen-ciar uma presença internacional entre os beligerantes na zona do Canal de Suez. A atuação da Assem-bleia, somada à significativa pressão que tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética exerciam sobre os invasores, culminaram numa saída forçada das tropas israelenses, francesas e inglesas do Egito.

3.2.2. INVASÃO SOVIÉTICA DA HUNGRIA (1956)

Ainda durante o ano de 1956, mais uma vez as pré-condições à aplicação da resolução “Unidos pela Paz” foram alcançadas, impelindo o Conselho de Segurança, frente a sua inoperância – causada nesta ocasião pelo poder de veto soviético –, a conferir poderes à Assembleia Geral (REICHER, 1981). A questão central, neste caso, foi o deslanchar da “Operação Vendaval” pela União Soviética, operação militar que pretendia remover o líder comunista recém-empossando, Imre Nagy, e eliminar os últimos traços da Revolução Húngara de 195634. Após apoiar, num primeiro momento, as reformas moderadas sugeridas por Nagy e, inclusive, preparar-se para uma retirada militar do território húngaro, Moscou

bros da ONU o auxílio à Coréia do Sul na retenção dos ataques sofridos e, por fim, estabeleciam um comando militar unificado sob a égide dos Estados Unidos para lutar contra os adversários do norte (REICHER, 1981).

33 Nesse contexto, o Reino Unido preocupava-se também com seus investimentos em petróleo na região e o efeito que a atitude de Nasser teria sobre os seus outros vulneráveis protetorados. Já França e Israel aproveitavam-se da situação para enfraquecer o regime do presidente egípcio, visto que Nasser influenciava a tentativa de independência de sua vizinha Argélia, relevante colônia para a França, e ainda demonstrava-se como um grande entrave para os planos israelenses na região (SCHMIDIT, 2013).

34 Movimento popular espontâneo e revolucionário provocado pela hostilidade de grande parte dos cidadãos contra o regime político comunista a eles imposto (BOGDAN, 2008).

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decidiu-se por uma abrupta mudança de rumos que culminou na invasão da Hungria. Tal mudança, segundo o historiador Arron Sharkey (2012), deriva tanto de fatores internos à situação húngara, quanto externos à conjuntura internacional da época35.

A Sessão Especial de Emergência incumbida de tratar sobre a intervenção militar soviética teve lugar entre os dias 4 e 10 de novembro, durante o mesmo período da sessão para a Crise do Suez. Os principais focos de suas resoluções foram três: um referente às tentativas de persuadir Moscou a desistir da intervenção, a interromper o envio de tropas ao território húngaro e, finalmente, a retirar suas forças armadas estacionadas na Hungria; outro relacionado ao envio de suprimentos vitais, como alimentos, medicamentos e vestimentas, ao povo húngaro, sobretudo àqueles que se tornaram refugiados como consequência do conflito; e um último relativo ao mandato para a constituição de uma comissão que investigaria a intervenção militar que ocorria na Hungria (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1956b). Apesar dos esforços articulados na Sessão Especial para tentar deter o avanço da União Soviética, as forças armadas moscovitas ocuparam Budapeste, a capital húngara, e depuseram Imre Nagy de seu cargo, conduzindo ao poder János Kádár, político que ficaria no comando do país até ser derrubado durante o processo de redemocratização da Hungria, já em 1988.

3.2.3. CRISE DO LÍBANO (1958)

A situação vivida no Líbano no final da década de 1960 foi resultado do envolvimento libanês nas disputas regionais e internacionais que caracterizaram o Oriente Médio durante a Guerra Fria. A presi-dência do maronita Camille Chamoun, iniciada em 1952, foi central para o acirramento das diferenças que levaria ao enfrentamento entre os entre os cristãos do culto maronita e os árabes-muçulmanos da facção sunita que habitavam seu território. Abertamente alinhado aos preceitos do bloco capitalis-ta, Chamoun representava um verdadeiro obstáculo aos anseios dos árabes-muçulmanos (MANSFIELD, 2010). Somadas à instabilidade interna, a derrubada do governo pró-ocidental no Iraque e a suspeita de incitação da oposição árabe-muçulmana por parte da recém-formada República Árabe Unida, uma união política entre a Síria e o Egito, levaram Chamoun a acionar a Doutrina Eisenhower36 e assim requi-sitar a assistência de Washington.

As discussões sobre a intervenção militar norte-americana no Líbano, operação esta empreen-dida em julho de 1958 e apoiada por tropas britânicas vindas da Jordânia, causou um impasse no Con-selho de Segurança, que conseguiu continuar o debate através do pedido de formulação de uma nova Sessão Especial de Emergência. Tal Sessão, apesar de ter durado de 8 a 21 de agosto de 1958, emitiu poucas resoluções, nas quais, ao lembrar os princípios de soberania, integridade territorial e da não-in-terferência, requisitavam a facilitação da retirada de tropas estrangeiras do Líbano e pediam que os paí-ses árabes respeitassem a soberania uns dos outros (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1958). A retirada das forças armadas estadunidenses do Líbano, contudo, só ocorreu em outubro de 1958, após a contenção da oposição libanesa, a queda de Chamoun e a chegada ao poder do General Fuad Chehab, comandante militar que tinha mantido as forças armadas neutras durante todo o conflito.

3.2.4. CRISE DO CONGO (1960):

Em 1960, uma grande leva de países, constituindo a maior parte do continente africano, chegou à independência (VISENTINI & PEREIRA, 2010). Neste contexto, o Congo, uma colônia da Bélgica, sofria com os primeiros distúrbios por parte dos movimentos emancipatórios, que culminaram com a saída de muitos belgas do país. Em meio ao conflito, Moisés Tschombé, aliado às transnacionais europeias, pro-clamou a independência da província de Katanga, rica em urânio e diamantes, que já era administrada separadamente do resto do país quando sob o domínio belga (TURNER, 2007). Esta situação instável acabou levando o Congo a uma guerra civil, momento em que o Conselho de Segurança, enfrentando mais uma vez o veto soviético, requisitou a participação da Assembleia Geral da ONU, através de um Sessão Especial de Emergência.

A Assembleia Geral declarou, através de suas resoluções, um pedido de assistência ao Congo na restauração da lei e ordem dentro do seu território, salvaguardando sua unidade e sua integridade. Além disso, requisitava que o envio, por parte de outros Estados, de armas, de tropas ou de qualquer

35 Internamente, Nagy demonstrava-se muito suscetível às demandas revolucionárias, enquanto que externamente a União Soviética sofria pressões das lideranças dos demais países do bloco socialista, temerosos quanto às impli-cações das reformas húngaras, e do Ocidente, que poderia perceber os acontecimentos na Hungria como um sinal de fraqueza dos soviéticos (SHARKEY, 2012).

36 A Doutrina Eisenhower foi uma disposição política norte-americana que autorizava os Estados Unidos a intervir em nações que requisitassem ajuda contra agressões armadas de países controlados pelo comunismo (SCHMIDIT, 2013).

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outro tipo de assistência militar direta ou indireta com o intuito de fomentar o conflito congolês fosse findado, a não ser quando sob o consenso da ONU (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1960). No entanto, apesar de ter enviado tropas para operações de manutenção da paz, as Nações Unidas negaram o pe-dido de Lumumba, primeiro-ministro nacionalista e progressista do Congo, de usar suas tropas contra os separatistas, alegando que essa era uma questão interna do país e que uma intervenção iria contra a soberania congolesa. A União Soviética, vendo uma possibilidade de aliar-se ao país recém formado, enviou tropas para ajudar o governante congolês Patrice Lumumba a derrotar os separatistas de Katan-ga (ZEILIG, 2008). Apesar da ajuda soviética, Lumumba acabou deposto e assassinado, ao mesmo tempo em que Tschombé era pressionado pelo Ocidente a reintegrar a região de Katanga e a subordinar-se ao Coronel Mobutu, o novo governante pró-americano após a queda de Lumumba.

3.2.5. GUERRA DOS SEIS DIAS (1967):

A Guerra dos Seis Dias foi um conflito que opôs, em 1967, o recém-criado Estado de Israel a uma coalizão de países árabes nacionalistas contrários à criação de Israel, liderados pelo Egito, pela Jordânia e pela Síria. As tensões entre os países fizeram com que, após os egípcios interditarem o golfo de Akaba aos navios israelenses, tanto o Egito quanto Israel mobilizassem suas forças armadas, resultando num bem-sucedido ataque preventivo por parte das tropas israelenses (VISENTINI & PEREIRA, 2010). Den-tre outras incursões, Israel anexou diversas regiões, como a Cisjordânia e a parte árabe de Jerusalém, fazendo com que se agravasse a situação dos refugiados palestinos na região e indo contra todas as recomendações do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas.

A ONU já havia conseguido negociar um cessar-fogo entre Israel e Jordânia durante a con-frontação, mas a situação que se seguiu era crítica. Chamada para lidar com os estragos que a guerra causava no Oriente Médio, a Sessão Especial de Emergência de 1967, a primeira convocada pela própria Assembleia Geral, tentou seguir uma agenda que priorizasse os direitos humanos, requisitando que todas as nações envolvidas agissem com responsabilidade quanto à vida e ao bem-estar de civis, consi-derando urgente a necessidade de evitar novos conflitos na região, mandando suprimentos aos refugia-dos, clamando para que os prisioneiros de guerra fossem poupados e, ainda, pedindo que Israel deixasse de tomar medidas unilaterais quanto à Jerusalém (ASEMBLEIA GERAL DA ONU, 1967). O objetivo da Assembleia Geral foi tentar resolver imediatamente problemas humanitários e prestar socorro às popu-lações que estavam sendo assoladas pela guerra. Israel, no entanto, não cumpriu vários dos desejos da ONU, incluindo o de reconhecer a parte árabe de Jerusalém, e acabou fazendo com que a situação dos refugiados palestinos se agravasse.

4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

A União Soviética, perante a sua invasão ao Afeganistão, argumenta que o fez por sua própria defesa. Assim, em 1979, a derrubada de Amin do poder significou a busca por uma estabilidade no go-verno afegão, e uma tentativa de não deixar o país se virar para o ocidente e tornar-se um vizinho hostil ao bloco soviético. Como o cenário internacional estava a favor do bloco dos EUA, a invasão soviética representava ainda algum resquício de poder do bloco, mostrando a quebra da détente mundial e a rivalidade ainda existente entre os dois polos de poder. Devido à inconsistência de unanimidade dos vo-tos no Conselho de Segurança, as negociações passam a ocorrer na Assembleia Geral da ONU, e aqui a URSS também deve procurar seus aliados. O objetivo primordial dos soviéticos é a saída das suas tropas do Afeganistão após a estabilização do governo e do apaziguamento da guerra civil, tirando poder da guerrilha de oposição ao governo, os mujahidin (UN, 2015). Assim, a invasão por parte dos soviéticos é totalmente legítima para a URSS.

A Arábia Saudita, como país do Movimento dos Países Não-Alinhados desde o ano de 1961, de-veria, de certo modo, não alinhar-se a nenhuma potência. No entanto, a relação íntima com o governo dos EUA faz com que o país tenha sido um dos principais rivais do governo afegão apoiado pela URSS. Ademais, para os sauditas a invasão soviética ia contra os preceitos da soberania de um país. Dessa maneira, é importante salientar que os sauditas apoiam o bloco ocidental, e votam contra a invasão da URSS ao Afeganistão (HALLIDAY, 2005).

Também o posicionamento do Iraque, outro membro do Movimento dos Não-Alinhados, é de viés ocidental. Por se sentir ameaçado pela Revolução Islâmica no Irã, pelo fato de que ela podia afetar os vizinhos e desestabilizar outros países, os iraquianos procuram apoiar qualquer ação estadunidense na Assembleia Geral — tendo em vista a conveniência de ter os Estados Unidos como aliado em uma possível confrontação regional no futuro (BANDEIRA, 2013).

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A Indonésia é um dos países líderes e idealizadores do Movimento dos Não-Alinhados; a Con-ferência de Bandung (1955), que ocorreu em seu território, deu início ao movimento dos países que queriam tornar-se independentes e ganhar autonomia econômica frente os países colonizadores. Os indonésios procuram, dessa maneira, alternativas para não dependerem de nenhum bloco ou potência, o que os leva a prezar pelo princípio de não-intervenção e do direito à neutralidade acima de tudo. Des-sa maneira, são contrários à invasão soviética no Afeganistão (ZUCATTO et al, 2013).

A Venezuela, apesar de encontrar-se majoritariamente aliada ao bloco capitalista na atual con-juntura, não condena o envio das tropas da União Soviética ao Afeganistão e evita acusações ao bloco socialista (ZUCATTO et al, 2013). De maneira similar, a Nigéria, que tornou-se membro do Movimento dos Não-Alinhados em 1964, também acredita na legalidade da ocupação do território afegão pelos soviéticos (ZUCATTO et al, 2013)37.

Israel é um dos maiores aliados dos Estados Unidos. Sua capacidade de influência do Oriente Médio aumentou significativamente com os acordos de Camp David em 1978, quando Israel se viu se-guro de que uma guerra em larga escala não ocorreria em sua fronteira. Assim, o país se viu livre para perseguir uma política mais ativa na região. Não apenas condena a ocupação soviética do Afeganistão, como dá apoio às políticas estadunidenses na região.

A Argélia está inserida fortemente no Movimento dos Não Alinhados, buscando sempre um po-sição neutra nos conflitos da Guerra Fria. Desde sua independência da França, o país vem, entretanto, recebendo uma pequena ajuda da União Soviética. Assim, apoia discretamente a atitude soviética em relação ao Afeganistão. Como ex-colônia de uma potência europeia, a Argélia atua mais fortemente no sentido de condenar as intromissões dos países europeus – e de seus aliados - nos assuntos internos do Oriente Médio, denunciando essas práticas como “neocolonialismo”.

A Iugoslávia, apesar de ser um país tido como comunista, não era alinhado ao bloco socialista nem, portanto, à URSS. O governo do general Tito era visto como um parceiro do bloco ocidental. Po-rém, o país prezava muito pela sua independência e liberdade de ação. Assim, a Iugoslávia buscava uma postura de defesa de não-intervenção por qualquer país no conflito interno afegão, tentando buscar uma solução de equilíbrio no conflito civil sem apoiar um dos lados.

A Síria, como importante aliado da União Soviética no Oriente Médio, apoia a ocupação do Afe-ganistão. O país recebe ajuda militar e econômica soviética, mas busca uma política independente para a região. Ainda assim, reconhece a intervenção soviética em ajuda ao governo afegão como legíti-ma, denunciando o financiamento de guerrilhas insurgentes pelo bloco ocidental de países (HALLIDAY, 2005).

Similarmente, a Líbia tem uma postura independente, mas conta com apoio externo da União Soviética, recebendo dela armamentos e treinamento militar. O governo líbio tem financiado e ajuda-do materialmente inúmeros movimentos de libertação contra o “imperialismo ocidental”. Assim, tem adotado um discurso abertamente antiocidental, denunciando qualquer tentativa de intromissão em assuntos internos por parte desses países. Desse modo, a Líbia vê como legítima a intervenção soviética em resposta a um pedido de ajuda por parte do governo afegão, e repudia a ação ocidental de apoiar os rebeldes (HALLIDAY, 2005).

Apesar de a Índia ser um dos principais países que conceberam o Movimento dos Não-Alinhados, o país construiu, ao longo da Guerra Fria, uma relação de cooperação política e econômica com a União Soviética, enquanto os Estados Unidos estreitavam relações com o principal rival indiano, o Paquistão. A Índia se recusou a apoiar publicamente a intervenção soviética, mas reconhecia a República Democráti-ca do Afeganistão. Deste modo, apesar de querer parecer neutra em frente às outras nações, a Índia via interesse estratégico na vitória da URSS no conflito (MAKAROVA; SHARMA, 2010).

O Irã, que apesar de ter na época por uma revolução que depôs o xá Reza Pahlavi e implantou um governo antiocidental, antiestadunidense e fundamentalista, era um dos principais apoiadores do povo afegão contra a invasão soviética. Muitos muhajidin eram treinados dentro do território iraniano. Deste modo, o Irã se encontrava ao lado dos ocidentais no conflito, apesar de ter suas relações com os Estados Unidos totalmente estremecidas (WAR, 2015).

37 Especula-se que os motivos que levam tanto a Nigéria quanto a Venezuela a apoiarem a ocupação soviética no Afeganistão neste momento estejam diretamente ligados ao status de ambos os países como grandes exportadores de petróleo. Considerando a baixa mundial dos preços do petróleo já percebida no início de 1980, a instabilidade no Afeganistão contribuiria para o aumento destes preços. Além disso, fomentar o conflito poderia levar ao aumento do consumo do petróleo, visto que esta é uma das principais matérias-primas da indústria da guerra (ZUCATTO et al, 2013).

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A República Popular da China, apesar de ser um país comunista, havia feito uma cisão com a União Soviética devido à discordância com o seu estilo de comunismo revisionista, implantado após a morte de Josef Stalin, em 1953. Mesmo fazendo parte dos Não-Alinhados, a China estava cada vez mais distante dos soviéticos e cada vez mais próxima dos Estados Unidos. Por ser contra o suposto imperia-lismo da URSS, condena fortemente a invasão soviética ao Afeganistão. As relações diplomáticas entre chineses e afegãos, que sempre haviam sido neutras, tornaram-se hostis após o novo governo implan-tado pelos soviéticos (CHINA, 2015).

Em meio ao estreitamento diplomático e econômico das relações do Japão com os Estados Uni-dos durante a Guerra Fria, os japoneses se opuseram fortemente à invasão soviética do Afeganistão. Querendo mostrar seu alinhamento aos americanos, o Japão se propôs desde o início do conflito a aplicar sanções econômicas à URSS, em represália à invasão (U.S. LIBRARY OF CONGRESS, 2015).

Bangladesh, que no fim da década de 1970 possuía um governo que havia reforçado suas rela-ções com países como Estados Unidos, China, o Paquistão e os países árabes — todos distantes politi-camente da União Soviética — era outro país que condenava fortemente a invasão, estando disposto a contribuir no esforço para impedir que os soviéticos permaneçam no território afegão.

A Coreia do Sul, país capitalista remanescente da Guerra da Coreia (1950-1953), era aliada dos Estados Unidos e oposta à União Soviética, que detinha a Coreia do Norte como área de influência. Des-se modo, é um dos países que permaneceu ao lado do bloco capitalista contrário à invasão soviética do Afeganistão.

A Costa do Marfim conseguiu a independência em 1960. Desde então, o país se preocupa em proteger a sua soberania frente à ameaça comunista, contando com a ajuda de sua ex-metrópole, a França. Consequentemente, a Costa do Marfim se posiciona juntamente aos países capitalistas na con-denação ao flagrante expansionismo da ideologia comunista (WIZNITZNER, 1980).

Tendo testemunhado de perto os danos que a divisão ideológica pode trazer a um país, como foi o caso do Vietnã, a Malásia alarma-se com a recente atitude soviética, prezando pela integridade e esta-bilidade do Afeganistão como nação independente e livre de influências danosas das grandes potências (SHUIB et al, 2009).

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha encontra-se dividida em duas porções soberanas e ideologicamente antagônicas. Uma série de tratados, todavia, levou os dois países a esta-belecerem relações amigáveis e a se juntarem à ONU. A Alemanha Ocidental, ou República Federal da Alemanha — que, desde a ajuda dos Estados Unidos para sua reconstrução, através do chamado Plano Marshall, tem-se posicionado como forte aliada do mesmo no continente europeu — faz parte do bloco capitalista e demonstra-se contra a invasão soviética no Afeganistão. Já a Alemanha Oriental, ou Re-pública Democrática Alemã, ocupada pela União Soviética, demonstra-se favorável à ocupação do seu aliado soviético ao Afeganistão, alegando que a ação trará estabilidade ao país muçulmano e benefícios à sua população (DW, 2013).

A Tchecoslováquia, como país com território dentro do bloco soviético, está totalmente subme-tida à política externa dirigida pelo Politburo. Mesmo com a reconhecida resistência interna, o país sub-mete-se relutantemente aos comandos do bloco. Da mesma maneira se comporta a Bulgária. Ambos países apoiam, indiretamente, a invasão soviética do Afeganistão (VISENTINI, 2006).

A República Democrática do Afeganistão considera a convocação da Sessão Especial de Emer-gência da Assembleia Geral uma afronta a sua soberania. O governo afegão alega que, ao requisitar a assistência das tropas soviéticas, estaria agindo por livre e espontânea vontade de acordo com o Tratado de Amizade firmado com a União Soviética em 1978 e, consequentemente, em conformidade com as normas do Direito Internacional (REICHER, 1981). Como membro do Movimento dos Não-Alinhados e uma nação independente, o Afeganistão condena fortemente qualquer tentativa de intervenção externa em seus assuntos internos e pede para que o restante das nações do Terceiro Mundo siga o seu exemplo.

De todos os Estados que contemplam de perto o conflito que se desenrola no Afeganistão, o Paquistão é sem dúvida o país mais afetado pela instabilidade no território afegão. Desde o início do conflito, a porção Norte do país tem sido destino de um fluxo intenso de refugiados que buscam abrigo contra a violência que assola seus lares. Por mais que o Paquistão tente dar conta do alto contingente de migrantes, o país não tem condições de lidar com as contrapartidas econômicas e políticas de manter esta prática no longo prazo. Sua condenação à recente mobilização soviética é, desta forma, resoluta (WRIGHT, 2006)38.

38 Ademais, o governo paquistanês assegura que o seu serviço nacional de inteligência (ISI) age apenas em confor-midade com o seu objetivo principal: manter a segurança e integridade do Paquistão — desmentindo, desta forma, alegações de suporte a grupos insurgentes no Afeganistão para o cumprimento de objetivos secundários (WRIGHT, 2006).

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Há muitas décadas o Reino Unido reconhece a importância da estabilidade da região estratégica que o Afeganistão ocupa na Ásia Central. As autoridades britânicas percebem a invasão soviética ao Afeganistão como um desrespeito aos anos de esforço investidos na pacificação da região e veem o ato como uma agressão não provocada (POUKAKI, 2010). Similarmente, a França condena veementemente a mobilização das tropas soviéticas em território afegão como meio de consolidar seu poder para além de suas fronteiras. Como nação pioneira na proteção dos Direitos do Homem, a França chama a atenção para a situação deplorável com a qual o povo afegão se depara como resultado da intervenção soviética (POUKAKI, 2010).

Frente à crise enfrentada entre as duas superpotências, o Egito afirma que não há escolha senão condenar os avanços soviéticos na Ásia Central e permanecer ao lado de seu parceiro estratégico, os Es-tados Unidos. Mesmo encontrando-se isolado do Mundo Árabe após os acordos de paz realizados com Israel, o Egito reforça o seu apoio ao povo islâmico do Afeganistão frente à agressão soviética (WRIGHT, 2006).

Nesse momento de crise, os Estados Unidos da América reafirmam seu compromisso com a paz e o respeito à igualdade soberana dos Estados ao condenarem veementemente a invasão soviética ao Afeganistão. Líder do bloco capitalista, os EUA não admitem que o expansionismo soviético permaneça impune perante a comunidade internacional e farão de tudo para mobilizar uma forte coalizão em de-fesa da soberania afegã (REICHER, 1981; POUKAKI, 2010). Os Estados Unidos expressam também todo seu apoio à causa do povo afegão, que luta contra a miséria e a destruição proporcionadas pela invasão soviética, tanto no campo de batalha, quanto nos campos de refugiados.

A posição tomada por Gana durante o desenrolar da VI Sessão Especial de Emergência da Assem-bleia Geral foi a de repudiar a invasão perpetrada pela União Soviética. O país apoiou-se em preceitos do Movimento dos Não-Alinhados, do qual é membro-fundador, como o do respeito à soberania e à integridade territorial e o da abstenção de intervir ou de interferir nas questões domésticas de outras nações, para fundamentar o seu entendimento.

Tanto o Chile, quanto a Argentina, países controlados à época por ditaduras militares alinhadas às perspectivas norte-americanas, manifestaram-se, no que diz respeito à situação vivida no Afeganis-tão, veementemente contrários à intervenção soviética, seguindo as disposições formuladas pelos Esta-dos Unidos. A representação argentina, no entanto, pensa de forma mais cautelosa quando o assunto é a forma de repreender os soviéticos pelos seus atos: as sanções econômicas devem ser evitadas, dando espaço para punições de caráter moral.

Diferentemente de seus vizinhos, o Brasil articulou-se de maneira mais pragmática em relação aos acontecimentos. Apesar de também estar sob a égide de um regime ditatorial militar e de ser um reconhecido defensor de princípios como o da não-intervenção, o país apostava numa política externa mais pragmática e universalizante, em que uma aproximação do bloco socialista se fazia presente (CHA-VES, 2007). Tal percepção influenciou significativamente o modo pelo qual Brasília lidou com as nego-ciações durante a Sessão de Emergência, conservando um pensamento mais ambíguo sobre a situação.

O Canadá demonstrou-se um dos países mais vigorosos na denúncia da intervenção militar so-viética. O país não apenas condenava as atrocidades e as violações de direitos humanos cometidas pelas tropas da União Soviética contra a população afegã, como também considerava a implementação de medidas concretas como meio mais eficaz de impor uma pressão para fazer com que Moscou retirasse suas forças militares do Afeganistão, mesmo que estas viessem a violar obrigações acordadas em trata-dos (PROUKAKI, 2010).

A crença no emprego de meios de solução pacífica tendo em vista a resolução de conflitos, ideia fortemente defendida pelo México, como pode notar-se pela presença de tal princípio na própria Cons-tituição do país, levou os mexicanos a condenarem a ingerência armada soviética no território afegão, ao considerá-la como uma contribuição para a criação de um clima reminiscente da Guerra Fria (TOSCA & VALENCIA, 2012). Apesar da dependência econômica frente aos norte-americanos, a atitude tomada pelo México pode ser entendida como um posicionamento crítico à fomentação de novos conflitos pelas duas potências hegemônicas.

Já o Vietnã havia acabado de sair uma longa guerra de mais de uma década em seu território, em que terminou saindo vitorioso. O conflito era resquício do colonialismo francês na região, e da tentativa americana de conter o comunismo. Assim, o governo vietnamita é frontalmente contra qualquer posi-ção adotada por esses países e seus aliados. Ainda, a União Soviética ajudou os vietnamitas na sua luta contra franceses e americanos, o que faz com que o Vietnã apoie a política externa soviética. O Vietnã vê a crise no Afeganistão como uma questão interna que acabou transbordando para uma crise regional, o que acabou arrastando a URSS, aliada do governo afegão – exatamente a mesma situação da Guerra do Vietnã. Portanto, o país vê essa questão como uma reedição do conflito – com os países ocidentais tentando intrometer-se nas questões regionais e internas.

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A Nigéria tornou-se membro do Movimento dos Não-Alinhados em 1964. No entanto, como grande exportador de petróleo, e devido a queda abrupta de preços do petróleo no início da década de 1980, é de interesse do país que o conflito continue e que o Afeganistão receba intervenção estrangeira, para, dessa maneira, fomentar o consumo de petróleo no mercado mundial (ZUCATTO et al, 2013).

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ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS

A Situação na Ucrânia

Douglas de Quadros RochaGraduando do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Elisa Felber EichnerGraduanda do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Júlia TocchettoGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Juliana FreitasGraduanda do 7º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Valeska Ferrazza MonteiroGraduanda do 5º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Willian Moraes RobertoGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.70-100 AG 71

1. HISTÓRICO

1.1. AS ORIGENS DA RÚSSIA E DA UCRÂNIA E O IMPÉRIO RUSSO

As origens da Ucrânia e da Rússia remontam à Rus’ de Kiev ou Grão Principado de Kiev, unida-de política que compreendia os territórios eslavos da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia, tendo capital em Kiev. Primeiramente pagã1, a Rus’ de Kiev adotou o cristianismo ortodoxo2 como religião oficial quando Vladimir, o Grande, converteu-se à religião para desposar uma princesa bizantina, estreitando os laços com o Império Bizantino, cuja cultura influenciou grandemente a consolidação kievana. O cristianismo ortodoxo, assim, fortaleceu a unificação entre as tribos de Rus’ e facilitou o contato com outros povos europeus, como a Alemanha e a Bulgária, também cristãos (ENCYCLOPEDIA OF UKRAINE, 2014). Nos principados do nordeste de Rus’ de Kiev, um novo polo de poder se formou progressivamente, adquirin-do poder político e econômico, o que séculos mais tarde daria origens ao Império Russo. Apesar disso, Kiev continuou sendo o maior principado de Rus’ de Kiev e o principal centro da cultura ortodoxa até o seu fim, no século XIII (BUSHKOVITCH, 2014).

Devido a um processo de fragmentação e enfraquecimento interno3, a Rus’ de Kiev sofreu com o avanço mongol do império de Genghis Khan4, que, partindo do Leste Asiático, varreu as estepes que se estendem da Ásia Central à atual Ucrânia, destruindo a cidade de Kiev e a prematura Moscou. O que restou da investida mongol foi a chamada Horda Dourada: um Estado nômade que se estendia pelas estepes meridionais da Rússia até o Mar Cáspio e a Sibéria. Este Estado dominou os territórios do Nor-deste da antiga Rus’ de Kiev onde se formava o Estado Russo, colocando-o como um de seus territórios tributários5. Essa dominação durou até 1430, quando, com o enfraquecimento da Horda Dourada, esta se dividiu em vários “canatos” – como por exemplo o Canato da Crimeia –, e Moscou pôde então buscar um caminho independente como polo de poder (BUSHKOVITCH, 2014).

Em meio ao enfraquecimento dos territórios da antiga Rus’ de Kiev, após a invasão mongol, a re-gião ucraniana foi facilmente anexada pela Lituânia. A incorporação dos rutênios ucranianos constituiu a base política, jurídica e cultural do Grão-Ducado da Lituânia, visto que apenas 10% de seus territórios eram habitados por lituanos (ENCYCLOPEDIA OF UKRAINE, 2014). Com a união entre a Polônia e a Lituâ-nia, no século XV, a ortodoxia até então aceita, passou a ser rejeitada. Adotou-se o cristianismo polonês como religião oficial dos territórios agora unidos, o que, tempos mais tarde, acarretaria na formação cada vez mais forte das nacionalidades ucraniana e bielorrussa, de origens eslavas e predominantemen-te ortodoxas (BUSHKOVITCH, 2014).

No nordeste kievano, no entorno de Moscou, formou-se o Grão-Ducado de Moscovo6 e, mais tarde, em 1547, o Império Russo, com a coroação de Ivã IV como czar7 de “todas as Rússias” (POTEMKIN, 1966). Com a emergência desse novo Estado, conflitos entre a Rússia e a Polônia-Lituânia se tornaram

1 Forma de religião primitiva e de caráter politeísta, assim como a mitologia greco-romana o paganismo eslavo rela-cionava os seus deuses às forças da natureza.

2 Devido a diferenças de ordem religiosa e política, o Grande Cisma do Oriente (1054) dividiu o mundo cristão entre a Igreja Católica Apostólica Romana, chefiada pelo Papa, e a Igreja Católica Ortodoxa de Constantinopla, chefiada pelo Patriarca. Ao contrário da Igreja Católica Romana, que possui uma ordem hierárquica tendo como monarca absoluto o Papa, a Igreja Ortodoxa mantém uma estrutura horizontal de cinco Patriarcas, reafirmando Jesus como único líder da Igreja.

3 Por volta do século XIII, Rus’ de Kiev se encontrava em um processo de fragmentação interna causada sobretudo por disputas entre os principais principados kievanos, o que contribuiu para a sua vulnerabilidade frente ao avanço mongol (ENCYCLOPEDIA OF UKRAINE, 2014).

4 Genghis Khan, líder mongol, foi o maior conquistador da história mundial. Nascido na região da Mongólia, possuía um dos exércitos mais temidos da Idade Média que, facilitado pelas estepes asiáticas, pôde facilmente expandir seu império, cujos territórios se estendiam da Manchúria até o Leste Europeu.

5 Característica das primeiras civilizações, a constituição de relações tributárias entre povos está intimamente ligada ao desenvolvimento de impérios. Principalmente em bens materiais e monetários, esses territórios tributários deve-riam pagar quantias ao centro, à Capital do império, dominante e centralizadora.

6 Com a invasão mongol e a destruição e saque de Kiev, tal principado teve seu eclipse como centro de poder até então dominante na região. Quando o poder mongol decaiu durante os séculos XIV e XV, foi Moscou quem emergiu como o novo centro de poder, devido às conquistas do Grão-Duque Ivã III sobre os demais principados russos. A supremacia moscovita se consolidaria definitivamente com a coroação de Ivã IV, em 1547 (ENCYCLOPEDIA OF THE NATIONS, 2011).

7 Proveniente do título romano caesar ou césar, o título de czar foi empregado para se referir aos supremos gover-nantes do Império Russo (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA).

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frequentes, principalmente no que se refere aos territórios ucranianos e bielorrussos (POTEMKIN, 1966), cujos povos possuíam similaridades culturais, étnicas e sanguíneas com seus vizinhos russos (BUSH-KOVITCH, 2014). Afirmando-se como a principal potência do Leste Europeu, durante o século XVII, o Império Russo se expandiria por grande parte da Ásia, atravessando os Urais e a Sibéria. Esta expansão alcançaria o Oceano Pacífico nos séculos seguintes e englobaria uma multiplicidade de nacionalidades.

O território da atual Ucrânia caiu sob domínio russo por volta do século XVII, quando, intensi-ficado por diferenças religiosas entre poloneses católicos e cossacos8 ortodoxos, iniciou-se a Rebelião Cossaca que buscava uma autonomia da região dentro da comunidade polaco-lituana (BUSHKOVITCH, 2014). Após anos de conflito, a Rússia fez dessa situação uma chance de expandir seus territórios, divi-dindo as terras ucranianas pertencentes à Polônia através do Tratado de Pereyaslav (1654), o que tornou a região independente da administração polaca e colocou-a sob protetorado russo “para permanecerem eternamente unidos” (POTEMKIN, 1966, p. 221). O Hetmanato Cossaco9 que daí surgiu foi anexado final-mente pelo Império Russo em 1667 pelo Tratado de Andrusovo, mas apesar disso, conservou certa au-tonomia e independência. A partir de então, os cossacos ucranianos seriam os principais defensores do czarismo contra polacos frequentemente hostis, e tártaros vindos do sul, que saqueavam e ocupavam cidades russas. Essa condição acabou por incentivar uma tendência nacionalista cada vez mais forte na região ucraniana. Com a progressiva anexação de territórios ucranianos durante o século XVIII, a região se tornou a base agrícola de todo o Império Russo, devido à ótima qualidade de suas terras e ao relevo de estepe que facilitava o plantio. Assim, a região foi gradualmente povoada por russos vindos do norte, com o objetivo de produzir e ocupar esta área até então pouco habitada, formando com os cossacos a base da sociedade ucraniana (BUSHKOVITCH, 2014).

Foi durante o reinado de Catarina, a Grande (1762-1796) que a Rússia anexou as últimas terras ao sul, chegando ao Mar Negro. Investidas anteriores, por parte de Pedro, o Grande (1682-1725), já haviam conquistado portos no Mar de Azov; no entanto, foi somente após as guerras russo-turcas que a Rússia

8 O termo cossaco deriva do termo kazak, que significa alguém que não encontra um lugar apropriado na sociedade e se estabelece nas estepes, onde não há autoridade. No caso ucraniano, os cossacos eram o povo que vivia pelas estepes meridionais onde serviam como força militar nas regiões de fronteira (ENCYCLOPEDIA OF UKRAINE, 2014). Os cossacos estão intimamente ligados ao histórico nacionalista da Ucrânia.

9 Surgido com o fim da Guerra Polaco-Cossaca, fruto da Rebelião Cossaca, o Hetmanato Cossaco existiu de 1648 a 1782. Sua extensão compreendia territórios centrais da Ucrânia e parte da Bielorrússia, que acabaram sendo divididos em regiões de influência polaca e russa. A disputa entre esses territórios só seria resolvida com o posterior Tratado de Andrusovo (1667), uma clara vitória para o Império Russo (ENCYCLOPEDIA OF UKRAINE, 2014).

Figura 1: Expansão territorial do Império Russo

Fonte: http://www.lasalle.edu/~mcinneshin/325/wk02/week02images.htm#re

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anexou por completo a Península da Crimeia em 1783, conseguindo uma posição estratégica privilegia-da para a sua Marinha e para as rotas comerciais. A czarina, em mais uma possibilidade de expandir seus territórios às custas de um Estado polonês cada vez mais debilitado politicamente (POTEMKIN, 1966), participou das três partilhas da Polônia (1772, 1793 e 1795). Com essas partilhas, Rússia, Prússia e Áustria dividiram todo o território polonês, colocando os territórios da atual Bielorrússia e da Ucrânia (exceto o sudoeste anexado pela Áustria) sob o controle czarista (BUSHKOVITCH, 2014).

No século XIX, influenciado pelos movimentos na Europa Ocidental, uma série de grupos na-cionalistas formados pela elite ucraniana surgiu nos territórios agora sob domínio russo. Escritores e intelectuais passaram a produzir textos em russo e, às vezes, em ucraniano, que buscavam narrar o seu passado nacional, fato que preocupou o governo cada vez mais autocrático do czar Nicolau I. Apesar disso, “as cidades continuaram fortemente russófonas até 1917 e depois” (BUSHKOVITCH, 2014, p. 279) e o movimento não teve muita aceitação entre a população em geral. A Ucrânia continuava sendo uma defensora do Império Russo.

1.2. A UCRÂNIA E A URSS

Após a Primeira Guerra Mundial e o fim do Império Russo czarista, a Revolução Russa de 1917 ins-tituiu um novo modelo político que resultou na formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1922, cujo líder era Lênin. Do período que se estende de 1917 até o fim da URSS em 1991, a Ucrânia terá grande importância dentro da dinâmica soviética. Criada em 1919, a República Socialista Soviética da Ucrânia foi uma das repúblicas fundadoras da URSS, sendo independente por direito em relação à Moscou. Apesar disso, o Partido Comunista Ucraniano era diretamente subordinado ao Comitê Central do Partido Comunista, o que tornava a Ucrânia, na prática, um governo controlado pelos inte-resses de Moscou (BUSHKOVITCH, 2014).

Stalin assume o controle do governo da URSS, depois da morte de Lênin em 1924, e impõe uma série de propostas econômicas que marcaram profundamente a sociedade soviética como um todo. O I Plano Quinquenal (1927) estabeleceu como objetivo a coletivização da agricultura10, setor que se mostrava deficiente produtivamente, e uma industrialização acelerada na siderurgia e indústria pesada, a partir de recursos próprios (VISENTINI e PEREIRA, 2008). Os anos 1930 foram marcados por um gran-de número de mortes em função da coletivização forçada, fazendo pessoas se deslocarem por longas distâncias muitas vezes em pleno inverno. A fome era recorrente nesse período, agravada por condi-ções climáticas desfavoráveis que afetaram os campos da Ucrânia, maior produtora de cereais da URSS (BUSHKOVITCH, 2014). Com a centralização da economia, as indústrias pesada e de defesa ucranianas foram beneficiadas com maiores investimentos, em detrimento das indústrias têxteis da região central. Essas indústrias eram parte do plano de Stalin para desenvolver profundamente o setor, tornando a URSS a terceira maior potência industrial nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial (BUSHKOVITCH, 2014).

Logo após a Segunda Guerra Mundial, dentro do contexto da Guerra Fria que se instaurou depois da criação do Plano Marshall (1947) e da Doutrina Truman, a competição entre as duas superpotências por áreas de influência se tornou vital. A URSS, desta maneira, passou a considerar o Leste Europeu como sua área de influência, instaurando Democracias Populares favoráveis ao comunismo como for-ma de proteger suas fronteiras ocidentais (VISENTINI, 2004). Os EUA então formaram um bloco com os demais países capitalistas da Europa Ocidental e através do Plano Marshall buscaram consolidar sua dominação (política, econômica e militar) no continente. Essa “cortina de ferro” ficou mais definida com a criação da OTAN11 em 1949, que, dentro dos planos estadunidenses, “perpetuava, intensificava e legi-timava a presença militar norte-americana no continente europeu” (VISENTINI, 2004, p. 78). O Pacto de Varsóvia12, em contraposição, foi criado em resposta à adesão da República Federal da Alemanha (RFA) à OTAN (1955) e seu subsequente rearmamento, temido pela URSS. Os blocos estavam formados, e a Europa, dividida.

10 Com o objetivo de transformar a agricultura tradicional e intensificar a sua produtividade, Stálin desapropriou os proprietários rurais (kulaks) para a formação de fazendas coletivas, conhecidas como kolkhozy. Essa medida fazia parte dos planos de industrialização acelerada propostos para o desenvolvimento da URSS durante o período do entre guerras (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA).

11 A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), criada em 1949, constitui uma aliança militar cujos membros fundadores foram Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido. A Turquia e a Grécia ingressaram em 1952, e a República Federal da Alemanha, em 1955.

12 O Pacto de Varsóvia, assim como a OTAN, era uma aliança militar, formada por URSS, Polônia, República Democráti-ca Alemã (RDA), Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Albânia (retirou-se em 1968).

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Ainda na década de 1940, com uma centralização progressiva em torno da personalidade de Stá-lin, conhecido como stalinismo, o Partido Comunista buscou estreitar sua dominação sobre as demais Repúblicas Socialistas que formavam a URSS. Como forma de extinguir possíveis tendências naciona-listas e segregacionistas nessas repúblicas, foram enviados milagres de russos para compor seus apare-lhos políticos e compor suas sociedades, objetivando a homogeneização étnica (russificação) dentro da União e alcançar um controle ainda maior sobre seus povos, entre eles os ucranianos e povos bálticos. (VIANNA, 2012) Vale destacar que esse processo já possuía precedentes durante os reinados de Pedro, o Grande e Catarina, a Grande, que impuseram uma russificação maciça nos territórios ucranianos. Nessas regiões, devido ao fato da identidade estar ligada não ao “solo”, mas ao sangue, filhos de russos nascidos fora da Rússia consideravam-se pertencentes à nacionalidade de seus pais, ao invés daquela do território em que nasceram. Tal fator tornava as futuras gerações ligadas à identidade russa, o que acabava por enfraquecer as demais nacionalidades dentro da URSS.

A década de 1950 viu anos de taxas elevadas de crescimento e o governo soviético, sob o co-mando de Nikita Khrushchev, investiu nos setores da indústria química e espacial, além da exploração de poços de petróleo e de gás natural na região da Sibéria, principais produtos que caracterizam a eco-nomia russa desde então. A URSS buscava atingir e superar o nível da economia estadunidense. Vale notar que em 1954, Khrushchev, em comemoração ao 300º ano da incorporação da Ucrânia ao Império Russo, transferiu para a República Socialista Soviética da Ucrânia a Província da Crimeia, que desde 1945 pertencia à República Socialista Federativa Soviética da Rússia.

Os anos de 1960 e 1970 foram marcados pela “coexistência pacífica” entre as duas superpotências. Devido ao equilíbrio nuclear alcançado e o ressurgimento da Europa Ocidental e Japão como competi-dores internacionais, a bipolaridade das décadas anteriores havia sido desgastada (VIZENTINI, 2006) e a disputa internacional, “congelada”. Entretanto, com a eleição do republicano Reagan para presidente dos EUA na década de 1980, o conservadorismo retornou com força e a “Nova Guerra Fria” se instaurou. Pondo fim a “coexistência pacífica”, os EUA passaram a investir pesadamente na indústria bélica, o que forçou a URSS a sacrificar seus recursos numa tentativa de contrapor-se militarmente aos EUA. Sem recursos para acompanhar a Revolução Tecno-Científica, a URSS se encontrava frágil economicamente para contrabalancear os grandes investimentos estadunidenses.

Em 1985, Mikhail Gorbachev assumiu o governo da União Soviética e implementou uma série de reformas que buscavam transformar um Estado já fragilizado: a perestroika (reestruturação da econo-mia) e a glasnost (abertura e transparência política). O que se seguiu foram privatizações de empresas estatais e a desvinculação cada vez maior entre o Partido Comunista e o Governo. Esses planos levaram a uma grande oposição dos comunistas conservadores, entre os quais Boris Yeltsin, que julgava as pro-postas de Gorbachev lentas demais para reformar a URSS (BUSHKOVITCH, 2014). Em 1991, em meio a in-surreições nacionalistas entre as demais Repúblicas Socialistas, Yeltsin e os governantes da Bielorrússia e Ucrânia dissolveram a União Soviética sem consultar o povo. Em meio ao caos, Gorbachev não tinha poder suficiente para agir, e, em 25 de dezembro, a União Soviética deixou de existir dando origem a 15 novos Estados13, além da Federação Russa, sua herdeira legítima.

1.3. O CONTEXTO PÓS-GUERRA FRIA

Ao longo da Guerra Fria, EUA e URSS delimitaram suas áreas de influência no mundo inteiro. Es-sas delimitações foram, de modo geral, cumpridas por ambas as superpotências durante esse período, estando a Europa Ocidental sob influência estadunidense, e a Europa Oriental sob influência soviética. Durante o processo de decadência da URSS, o último líder do bloco, Mikhail Gorbachev, propôs o esta-belecimento de um acordo com o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, segundo o qual a Orga-nização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não se expandiria em direção às fronteiras da URSS; seu objetivo era resguardar minimamente o país derrotado na Guerra Fria (SADER, 2014). Ainda que não ra-tificado e de caráter informal, Gorbachev imaginava que o acordo seria respeitado por ambas as partes.

O fim da URSS deveria ser seguido pelo fim da OTAN, dado que esta organização nasceu com o objetivo principal de contenção ao comunismo; porém, não havendo a dissolução do órgão, o clima de desconfiança voltou a crescer entre os EUA e a Rússia. Apesar do fim da Guerra Fria, e do acordo infor-mal entre Gorbachev e Reagan, o ocidente – institucionalizado na OTAN e na União Europeia – iniciou um processo de expansão em direção às áreas de influência da antiga URSS, com o discurso de que a segurança do continente dependeria da implementação de regimes com democracia política e econo-

13 A desintegração da URSS deu origem aos seguintes Estados: Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Estônia, Federação Russa, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Tajiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbeq-uistão.

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mia de mercado14 na região (MIELNICZUK, 2014). O discurso de que “democracias não entram em guerra contra outras democracias”15 nada mais era do que a prova da manutenção das políticas de contenção à URSS, agora aplicadas à Rússia; a Ucrânia – devido à sua enorme importância geoestratégica –, sem dúvidas, também seria alvo dessas medidas.

Situada entre a Rússia e os novos membros da OTAN – Polônia, Eslováquia, Hungria e Romênia, inseridos no bloco devido à expansão da organização para o Oriente e para as áreas de influência da antiga URSS (Figura 1) –, a Ucrânia passava a possuir enorme significação geoestratégica para os Estados Unidos e a União Europeia (BANDEIRA, 2013). Tanto os estadunidenses quanto os europeus, apesar de estarem vivendo um contexto de pós-Guerra Fria, ainda se recusavam a abandonar a política de conten-ção da Rússia e procuravam trazer para sua área de influência todas as antigas repúblicas soviéticas. A posição estratégica da Ucrânia, inevitavelmente, despertava grandes interesses; contudo, o país buscava se valer dessa vantagem geográfica para balancear a influência russa, de um lado, e a ocidental, de outro.

No início dos anos 1990, a Ucrânia, devido à insurgência de movimentos separatistas na Crimeia e às disputas em torno da base militar de Sebastopol e do arsenal nuclear – ambos legados da URSS –, passou a viver um momento de grande tensão com a Rússia. Tal fato conduziu o país a uma maior aproximação com os países ocidentais, na tentativa de balancear o poder russo. Entretanto, essa inflexão pró-ocidente da Ucrânia teve seus dias contados, e, no fim da mesma década, a decepção dos ucra-nianos com os resultados econômicos obtidos nessa aproximação provocou a retomada das relações ucranianas com a Rússia (BALMACEDA, 1998). A Rússia, precisando garantir que as relações ucranianas com os países ocidentais fossem severamente enfraquecidas – dada a crescente desconfiança para com o ocidente, que continuava a sua expansão para as áreas de influência russa, região que incluía a Ucrâ-nia – acabou por oferecer subsídios ao setor energético ucraniano, trazendo conforto para uma elite política que se mantinha no poder por meio de práticas corruptas e garantindo a manutenção de um governo pró-Rússia.

14 Economia de mercado é um sistema econômico típico da economia capitalista, em que os agentes econômicos (empresas, bancos, prestadoras de serviços, etc.) podem atuar com pouca interferência governamental. Na econo-mia de mercado, a produção e o consumo de bens e serviços são ditados pela interação entre a oferta e a demanda da população. Diferentemente, a URSS viveu sob um regime de economia planificada, segundo a qual os meios de produção são propriedade do Estado e a produção é altamente controlada por uma autoridade central (PENA, 2013).

15 Tal expressão deriva da teoria do “Fim da História” de Francis Fukuyama. Em 1989, retomando a teoria de Friedrich Hegel, Fukuyama, através da obra “O fim da história”, busca revigorar a ideia de que o capitalismo e a burocracia con-stituem a salvação da humanidade. Segundo o filósofo, após a destruição do fascismo e do socialismo a sociedade teria alcançado o ponto alto de sua evolução com o surgimento da democracia liberal ocidental e qualquer outro sistema que tentasse ser implementado em seu lugar significaria um grande retrocesso na evolução da sociedade humana (SCHLIESS, 2014).

Figura 2: A Expansão da OTAN na Europa

Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/image:NATO_expansion.png

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1.4. A REVOLUÇÃO LARANJA

Foi no início dos anos 2000 que a população ucraniana começou a tomar conhecimento da cor-rupção que assolava o governo de seu país. Denúncias de desvio de verbas, manipulação eleitoral e o baixo padrão de vida da população foram os elementos que impulsionaram o movimento popular que se seguiu no ano de 2004. Diante do grande clima de descontentamento com a situação política enfren-tada pelo país, um importante movimento – denominado pela mídia de Revolução Laranja – eclodiu no cenário ucraniano, se tornando responsável pela derrubada do governo de Leonid Kuchma (1994-2005), o então presidente da Ucrânia (TELES, 2005).

Na Revolução Laranja – assim como na Revolução Rosa, da Geórgia, e na Revolução das Tulipas, do Quirguistão – o estopim dos protestos populares foi a fraude eleitoral, e a mídia realizou um impor-tante papel ao denunciá-la. O problema é que, por detrás da mídia, agências estadunidenses estavam sob o controle da situação (BANDEIRA, 2013), exercendo sua influência “debaixo dos panos”. Embora houvesse inúmeras razões para a insatisfação popular, o movimento foi desencadeado, de fato, por ati-vistas e militantes de ONGs dos Estados Unidos e da União Europeia, que, dessa forma, interviram nas eleições do país para derrubar o então presidente Kuchma, de tendência pró-Rússia (BANDEIRA, 2013, p.96). A intervenção estadunidense em eleições estrangeiras com o discurso de ajudar a sociedade civil e, em especial, os países do Terceiro Mundo estava prestes a se repetir; não é segredo, portanto, que o Pentágono, o Departamento de Estado e várias organizações não governamentais investiram milhões de dólares para incentivar as “Revoluções Coloridas”16 na região da extinta União Soviética e cercar a Rússia. De acordo com Bandeira (2013, p.97):

Se o Ocidente, a mídia e a sociedade podiam produzir movimentos não-violentos e reformas democráticas – sem a necessidade de dispendiosas intervenções mili-tares –, isso lhe parecia um bom investimento, mais conveniente aos objetivos da política do presidente George W. Bush de propagar a democracia, especialmente se o país apresentava genuíno significado geopolítico, como nos três domínios mencionados (Ucrânia, Sérvia e Geórgia).

Com a queda de Kuchma, em decorrência da Revolução Laranja, os Estados Unidos e a União Europeia declararam seu apoio à ascensão de Viktor Yushchenko, candidato do partido de oposição. A posse do candidato poderia dar uma nova orientação geopolítica à Ucrânia, possibilitando uma maior integração com os EUA e a União Europeia, além da restituição de uma genuína economia de livre mer-cado no país. Viktor Yushchenko assumiu então o poder (2005-2010) e, durante seu mandato, tentou diminuir a influência russa sob a Europa via várias iniciativas, confirmando sua inclinação pró-Ocidente.

Como o passar dos anos, porém, as esperanças de reforma da população ucraniana foram perdi-das, dada a continuidade da corrupção e dos problemas econômicos enfrentados pelo país. O descon-tentamento com o fracasso de Yushchenko, na tentativa de reparar a economia – ou fortalecer os laços com a Europa –, deu um impulso para o adversário Viktor Yanukovitch. Nas eleições de 2010, portanto, Yanukovitch foi eleito de forma legítima pela população ucraniana, com uma diferença de votos de 3,5 pontos percentuais a mais do que os recebidos por Yulia Tymoshenko17, primeira-ministra do governo anterior e candidata de oposição. É importante notar que, ao analisar o pleito, é possível perceber uma clara divisão nos votos populares, sendo as províncias do leste mais favoráveis a presidentes pró-Rússia, como Tymoshenko; e as províncias do oeste, a presidentes pró-ocidente, como Yanukovitch. Este, mais próximo da Rússia, logo após assumir o poder democraticamente, em 2010, colocou aquela na cadeia. A prisão dessa importante figura do governo Yushchenko, por denúncias de abuso de poder durante a as-sinatura de um acordo de gás com a Rússia (YUHAS; JALABI, 2014), renovou as esperanças da população e gerou confiança no presidente eleito.

16 Revoluções coloridas é a designação atribuída a uma série de manifestações políticas ocorridas na área de in-fluência da antiga União Soviética contra líderes autoritários ou semiautoritários, acusados de práticas ditatoriais, fraudes eleitorais ou outras formas de corrupção. Esses movimentos são chamados coloridos por adotarem uma cor específica ou um tipo de flor como o símbolo que dá nome à sua mobilização. Esse fenômeno surgiu na Europa Ori-ental e também teve repercussões no Oriente Médio. Tanto na Ucrânia, como na Sérvia e na Georgia, as “Revoluções Coloridas” tiveram uma característica particular na medida em que derrubaram seus líderes contando com o impor-tante papel exercido pela mídia na disseminação das informações, com o suporte técnico e financeiro do Ocidente (BANDEIRA, 2013).

17 Uma das líderes da Revolução Laranja, Yulia Tymoshenko foi a primeira mulher nomeada primeira-ministra da Ucrânia, governando de 24 de janeiro à 8 de setembro 2005. Em 2011, foi condenada por peculato e abuso de poder, cumprindo pena de sete anos de prisão e o pagamento de indenizações ao Estado. Tymoshenko sempre defendeu que as acusações feitas contra ela eram mentiras inspiradas por Yanukovitch, seu principal inimigo político e quem ela ajudou a derrubar em 2004, mas que voltou a derrotá-la na eleição presidencial de 2010 (SRAS, 2010).

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1.5. A REVOLUÇÃO EM MAIDAN E A ESCALADA PARA A CRISE UCRA-NIANA

Em 2013, com seu país beirando à catástrofe econômica devido às enormes dívidas, à corrupção endêmica e à extrema necessidade de assistência, o então presidente ucraniano Viktor Yanukovitch enfrentou um importante dilema: poderia fazer um acordo de longo prazo com a União Europeia, para reforçar a integração e o comércio com o bloco; ou poderia tomar um empréstimo de U$15 bilhões da Rússia e mover seu país em direção a uma possível "União Euroasiática" com a Bielorrússia, o Cazaquis-tão e a Rússia.

Depois de muitas discussões, no dia 21 de novembro de 2013, Yanukovitch resolveu optar pela ajuda financeira russa (YUHAS, 2014). O presidente, que mantinha a clássica postura de barganhar com os dois vizinhos, ao abandonar as negociações de um acordo comercial com a União Europeia e aderir a uma iniciativa russa, encontrou forte resistência da população. A denúncia de traição de Yanukovitch pelos líderes europeus criou um senso de urgência numa parcela do povo ucraniano, como se a pos-sibilidade de aproximação com a União Europeia estivesse perdida para sempre (MIELNICZUK, 2014).

Como consequência, protestos explodiram em Kiev, até que os manifestantes ocupam a principal praça da cidade, Maidan. Apesar de os protestos terem sido inicialmente pacíficos, a situação se tornou perigosa em janeiro de 2014, quando a polícia tentou dispersar as manifestações utilizando-se de vio-lenta repressão. No fim do mesmo mês, um dos confrontos com a polícia deixou dezenas de mortos, dando início a um período de tensão nos protestos e explosões de violência (YUHAS; JALABI, 2014); gru-pos extremistas18 envolveram-se no conflito, e os manifestantes tomaram prédios do governo em Kiev e demais regiões. A partir deste momento, a revolução ganhou novo propósito: lutar contra a corrupção endêmica que estava em forte ascensão na Ucrânia desde o colapso da URSS e derrubar o presidente Ya-nukovitch, mesmo que fosse necessário descumprir com os marcos institucionais legais (YUHAS, 2014).

Alguns países da UE tentaram mediar um acordo com Yanukovitch que desse fim ao conflito – acordo que foi pensado durante um encontro entre países ocidentais e Ucrânia, em Genebra e cujo resultado contradizia as ações das partes envolvidas (MIELNICZUK, 2014) –, mas o presidente perdeu o controle da situação e teve de recorrer à ajuda do governo russo, sob o comando de Vladimir Putin. Pu-tin ordenou que tropas militares fossem movidas para perto da fronteira entre Rússia e Ucrânia. No meio de todo o caos instaurado, Yanukovitch fugiu para a Rússia; sua permanência no país poderia significar a sua morte. O Parlamento, ao tomar conhecimento do vácuo de poder em que se encontrava o país naquele momento, ordenou o impeachment19 do então presidente, e um governo de coalizão formado a partir da oposição concordou em realizar novas eleições no dia 25 de maio (YUHAS, 2014). A revolta de Kiev, que marca o início da crise ucraniana, derrubou o presidente Yanukovitch em duas semanas (YUHAS; JALABI, 2014).

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. A CRISE SECURITÁRIA NA UCRÂNIA: A ANEXAÇÃO DA CRIMEIA E O CONFLITO NO LESTE

A atual crise securitária na Ucrânia, que aumentou as tensões entre a Rússia e o ocidente para níveis não vistos desde o final da Guerra Fria, teve início após os protestos que derrubaram Yanukovitch e se estende até hoje. Esta crise é o resultado de um conflito armado que colocou a Europa e a Rússia em estado de alerta, visto que há anos não se esperava um confronto desse tipo no continente europeu. A

18 O principal grupo extremista, Pravy Sektor ou Setor Direita, surgiu da associação de vários grupos paramilitares fascistas, inclusive dos Patriotas da Ucrânia, que se organizaram dentro do Partido Svoboda, quando os fascistas decidiram passar a participar da vida política nacional oficial na Ucrânia, em 2004. O Setor Direita passou a ser a força de rua decisiva durante o levante fascista da Praça Maidan, e liderou o movimento até expulsar Yanukovich do governo. O Setor Direita também desempenhou papel significativo ao fornecer voluntários para as milícias secretas e batalhões ilegais do novo governo (REYNOLDS, 2014).

19 Impeachment, ou Impugnação de Mandato Eletivo, é o termo usado para denominar o processo de cassação de mandato do chefe do Poder Executivo pelo congresso nacional, pelas assembleias estaduais ou pelas câmaras mu-nicipais. O impeachment se dá como punição pela realização de crime comum, crime de responsabilidade, abuso de poder, desrespeito às normas constitucionais ou violação de direitos pétreos previstos na Constituição (Lei 1079/50 | Lei nº1.079, de 10 de abril de 1950).

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queda de Yanukovitch significava para a Rússia uma vitória da União Europeia e do ocidente como um todo. Para o governo russo, o passo seguinte ao impeachment seria a eleição de um presidente alinhado aos interesses ocidentais, que provavelmente incorporaria a Ucrânia à União Europeia e à OTAN. Dessa forma, Moscou via que um país tão importante para sua segurança como a Ucrânia poderia tornar-se par-te de uma aliança militar que sempre colocou-se contra a Rússia.

Desde o desmantelamento da URSS, a Rússia vê o território ucraniano como parte de seu “exte-rior próximo”, uma região ao oeste de Moscou que serve como um “cordão sanitário” de defesa contra o avanço da OTAN, organização a qual se expandiu desde o final da Guerra Fria, a despeito das promessas por parte dos EUA de não o fazer (MEARSHEIMER, 2014). Levando em conta o histórico de contenção à Rússia e o perfil que a OTAN sempre assumiu de enfrentamento a Moscou, a preocupação russa com o destino da Ucrânia é claramente um interesse securitário legítimo, baseada no temor de que este país se transforme em uma ameaça real (SCHEPP, 2014). A grande questão, entretanto, é até que ponto cada país pode, ao garantir sua segurança, invadir a do outro, e qual o limite para ações que buscam anular ameaças futuras. Desta forma, é necessário entender a crise que se desenrolou de forma ampla, tentando identificar quais são as preocupações russas, qual o papel da pressão ocidental e quais são os próprios interesses nacionais da Ucrânia como um país independente e soberano.

Só a partir deste contexto é possível analisar de maneira adequada os acontecimentos poste-riores ao início dos movimentos populares. Antes mesmo da queda de Yanukovitch a Rússia já havia começado a agir: nos últimos dias de protesto, o presidente russo, Vladimir Putin, já havia ordenado a execução de exercícios militares das forças armadas na fronteira entre Rússia e Ucrânia e na base naval russa de Sebastopol, na península da Crimeia, onde fica a Frota do Mar Negro (YUHAS, 2014). A partir deste momento, Moscou já daria início ao processo que levou à anexação, ou reintegração, da Crimeia pela Federação Russa. É importante frisar desde já que a própria definição desse ato já traz consigo um juízo de valor: enquanto o ocidente como um todo chama o ocorrido de anexação da Crimeia pela Rús-sia, os russos declaram ter sido apenas uma reintegração, visto que a península era parte de território russo anteriormente. Desta forma, a palavra anexação traz consigo um tom pejorativo e de condenação, enquanto a nomenclatura reintegração denota um tom de maior normalidade ao ocorrido.

No dia 27 de fevereiro de 2014, já depois da saída de Yanukovitch, soldados mascarados, sem nenhuma identificação de pertencimento a um exército específico, cercaram o Conselho Supremo da Crimeia – o órgão legislativo – e o Conselho de Ministros20 (HIGGINS; ERLANGER, 2014). Com os prédios governamentais cercados, bandeiras russas foram hasteadas e o corpo político da Crimeia dissolveu o governo e elegeu um novo Primeiro-Ministro de caráter pró-russo, Sergey Aksyonov. Depois disso, mais tropas mascaradas estabeleceram postos de segurança entre o território da península da Crimeia e o território Ucrânia, cortando de fato a ligação entre os dois. O novo governo da Crimeia declarou-se res-ponsável pelas bases militares ucranianas ali instaladas, e pediu ajuda à Rússia para garantir a estabilida-de da península (BBC, 2014b). Putin atendeu ao chamado e o parlamento russo rapidamente aprovou o uso de forças militares russas em território ucraniano em caso de necessidade, ainda que tal autorização não tenha sido colocada em prática pelo presidente russo (NEUMAN, 2014).

A partir do dia 2 de março, as tropas russas de Sebastopol tomaram controle da península, com concordância do novo governo. Desde já, a Ucrânia protestava contra tais atos, alegando que os masca-rados que cercaram o parlamento no fim de fevereiro eram soldados russos (WALKER; SALEM; MacASKILL, 2014). Em abril do mesmo ano, o presidente Putin confirmou a presença de tropas russas, porém alegou que estas estavam lá para cumprir a vontade dos habitantes, que era de se separar da Ucrânia depois do alegado golpe contra Yanukovitch (KARMANAU; ISACHENKOV, 2015).

No dia 11 de março, o Conselho Supremo da Crimeia e a administração da cidade de Sebas-topol, onde fica a base naval russa, declararam-se independentes e afirmaram querer tornar-se parte da Federação Russa. O governo da península organizaria um referendo popular, e, caso a população confirmasse tal desejo, o processo de anexação ou reintegração seria iniciado. O governo transitório da Ucrânia considerou a ação ilegal, mas, sem poder controlar militarmente a península, não pode impedir que o referendo popular ocorresse. Este aconteceu no dia 16 do mesmo mês, com duas possibilidades de resposta: se os crimeanos desejavam unir-se à Rússia, ou se desejavam buscar mais autonomia para a Crimeia dentro da Ucrânia. O resultado foi de 95% de votos a favor da integração da península ao ter-ritório russo (YUHAS, 2014). No dia seguinte, a Crimeia adotou o rublo, moeda russa, como sua moeda oficial e passou a usar o fuso horário de Moscou. Já no dia 18, dois dias após o referendo, a Rússia acei-tou o pedido de anexação e foram assinados os tratados para que a Península da Crimeia e a Cidade de Sebastopol se tornassem dois novos sujeitos da Federação Russa.

20 A constituição ucraniana de 1996 deu status de república autônoma à Crimeia, motivo o qual a península possuía grande autonomia e órgãos políticos próprios – tendo inclusive um Primeiro Ministro próprio. Cabe notar que, de acordo com a mesma constituição, as leis da Crimeia deveriam permanecer alinhadas às da Ucrânia, visto que, ainda que sendo uma república autônoma, o território fazia parte do Estado ucraniano.

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A resposta da maioria dos países e da Ucrânia foi de recusa ao referendo, considerado ilegal. A Assembleia Geral da ONU, no dia 27 de março, aprovou uma resolução que pedia o respeito à integrida-de do território ucraniano e à sua soberania21. O governo ucraniano, por sua vez, considerou a anexação uma grave quebra do direito internacional, pedindo que a comunidade internacional de nações não reconhecesse este ato como legítimo. No dia 15 de abril de 2014, o parlamento ucraniano declarou a Crimeia e Sebastopol como territórios da Ucrânia sob ocupação russa, chamando-os de territórios ina-lienáveis (SPUTNIK, 2014).

A despeito das ações na ONU e da falta de reconhecimento da maioria dos atores envolvidos, a anexação já havia acontecido e era um fato dado, ou seja, provavelmente só poderia ser desfeita à força, visto que as tropas russas, provenientes da base naval de Sebastopol, tinham o controle militar da península. Sem ter poder suficiente para adentrar na Crimeia, o Estado ucraniano teve de contentar-se em chamar o território de ocupado, enquanto os países ocidentais recusaram-se a entrar numa guerra contra a Rússia apenas pela Crimeia.

De qualquer forma, dada a anexação da Crimeia, iniciativas fora do âmbito da ONU foram toma-das pelos países contrários ao ato russo como uma forma de represália à anexação. Os EUA e a União Europeia impuseram sanções contra a Rússia, mas estas tinham um caráter mais simbólico que material, visto que se dirigiam somente a pessoas (e não ao Estado russo): basicamente os aliados do governo de Putin e aqueles envolvidos na anexação da Crimeia pessoalmente agora não mais podiam viajar aos países que impuseram as sanções, além de terem seus ativos financeiros em bancos internacionais con-gelados. A Rússia também foi suspensa do grupo do G822 (YUHAS, 2014). O governo dos EUA continuou pressionando desde então para que novas sanções mais fortes fossem colocadas contra a Rússia, medi-da que não foi aceita pela França, Alemanha e Inglaterra, países que têm laços comerciais fortes com os russos – principalmente no setor de gás e petróleo. Vale notar que o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, acusou a Rússia de agir como se estivesse no século XIX, conquistando territórios à força (YUHAS, 2014). Os russos, em contrapartida, afirmaram que o referendo foi justo e que representava à vontade da população da Crimeia.

A crise securitária na Ucrânia, porém, não se limitou apenas à anexação da Crimeia. Em abril de 2014, protestos contra o novo governo da Ucrânia eclodiram no leste do país, perto da fronteira com a Rússia, principalmente nas províncias de Donetsk e Lugansk. No mesmo mês, blindados e unidades motorizadas russas haviam sido deslocados para a fronteira ucraniano-russa, o que fez com o que o ocidente acusasse Moscou de ter apoiado os protestos através da fronteira com fornecimento de armas e suprimentos (RADIO FREE EUROPE, 2014).

Em ambas as províncias, manifestantes pró-Rússia tomaram os parlamentos locais e hastearam bandeiras russas, manifestando seu desejo de que aquelas regiões ou se tornassem independentes ou se juntassem à Rússia – em ambas as possibilidades, separando-se da Ucrânia. Percebendo o aumento de tropas russas do lado da fronteira e a instabilidade nas províncias orientais de Donetsk e Lugansk, o governo ucraniano preparou uma investida, que chamou de “anti-terrorista”, a fim de recuperar o controle no leste do país (KIRBY, 2015). Dessa forma, a Ucrânia considerou os protestantes como agitadores, prova-velmente apoiados pelos russos, que deviam ser contidos. O governo, assim, chocou-se com os rebeldes, dando início a um conflito militar em Donetsk e Lugansk que ainda não se resolveu e que é o centro da tensão armada na Ucrânia hoje em dia. É importante destacar, como mostra a imagem na página seguin-te, que as províncias de Donetsk e Lugansk são historicamente constituídas por habitantes etnicamente russos, o que reflete na preferência por alguns setores locais de colocarem-se contra o novo governo ucraniano e adotarem uma política pró-Rússia.

O embate entre as forças de governo e os rebeldes se estendeu por meses. Em meio a isso, no dia 25 de maio de 2014 ocorreram as eleições presidenciais na Ucrânia. Petro Poroshenko, de tendências mais pró-ocidente, foi eleito o novo presidente do país com 54,7% dos votos, e em segundo lugar ficou Yulia Timoshenko, com 12,8% dos votos. Cerca de 60% dos cidadãos do país votaram segundo a Comis-são Eleitoral, a qual não levou em consideração as regiões que não estavam sob controle governamen-tal, quais sejam a Crimeia, Donetsk e Lugansk. Nestas duas províncias, em confronto com o governo ucraniano, houve baixíssima participação eleitoral, sinalizando ou para um boicote ao pleito ou para o clima de insegurança vigente para que as pessoas fossem votar (HERSZENHORN, 2014).

No mês de agosto de 2014, caminhões russos contendo ajuda humanitária atravessaram a fron-teira entre Rússia e Ucrânia em direção às províncias de Donetsk e Lugansk, as quais Moscou afirma

21 A resolução da Assembleia Geral da ONU foi aprovada por 100 países, tendo havido 11 votos contra, 58 abstenções e a ausência de 24 países na seção. Alguns dos países que desde então reconheceram a anexação russa da Crimeia são: Afeganistão, Cuba, Nicarágua, Coreia do Norte, Rússia, Síria, Venezuela, Sudão, Zimbábue e Armênia (ORGANI-ZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2014a).

22 O G8 era um grupo internacional que reunia os sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente no mundo e a Rússia. Após os acontecimentos na Ucrânia, a Rússia foi excluída e o grupo torna-se o G7.

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serem habitadas por diversos russos, que devem receber proteção. O governo da Ucrânia afirmou que tal ato era uma intervenção e que o governo russo estava iniciando uma “invasão invisível à Ucrânia”, armando os rebeldes sob pretexto de ajuda humanitária (KRAMER; GORDON, 2014). De fato, os rebeldes aumentaram o número de ataques e investidas após agosto, até que no dia 5 de setembro de 2014 um acordo foi assinado em Minsk, na Bielorrússia, impondo um cessar-fogo para ambas as partes (KIRBY, 2015). O acordo também exigia que o governo da Ucrânia garantisse às regiões de Donetsk e Lugansk um status privilegiado, com maior autonomia política. Em contrapartida, as regiões parariam de tentar se separar, por ora.

O cessar-fogo, entretanto, foi descumprido diversas vezes por ambas as partes do conflito, em pequenos combates armados que ocorriam. Os rebeldes tentaram diversas vezes tomar o controle do aeroporto de Donetsk, protegido pelo governo. Além disso, ambos os lados procuraram armar-se ainda mais, com os rebeldes adquirindo auxílio material e financeiro da Rússia e o governo ucraniano rece-bendo apoio dos países europeus e dos EUA.

Um dos golpes mais fortes contra o cessar-fogo ocorreu em novembro de 2014. Naquele mês, contrariamente ao que fora combinado em Minsk, as regiões de Donetsk e Lugansk realizam eleições executivas e parlamentares próprias, indo contra à lei ucraniana. Ambas as regiões elegeram deputados e Primeiro-Ministros próprios, os quais exigiam maior autonomia ou a separação em relação a Ucrânia. Como represália, o novo presidente ucraniano, Petro Poroshenko, suspendeu o status especial destas regiões. As tensões novamente se acirraram.

O cessar-fogo colapsou completamente em janeiro de 2015, quando o governo e os rebeldes entraram em conflito aberto em batalhas pelo controle do aeroporto de Donetsk. Eventualmente, no dia 22 de janeiro, os rebeldes derrotaram as tropas do governo e tomaram o aeroporto para si. Enquanto o conflito continuava, a cidade de Mariupol, localizada na região de Donetsk, entre a Rússia e a Crimeia, foi atacada com tiros de artilharia provenientes do lado russo da fronteira – o que a Ucrânia argumen-tou que poderia ser o início de uma invasão russa que tentaria criar um novo caminho terrestre até à Crimeia por dentro de seu território, pela costa do Mar de Azov (STRATFOR, 2015).

Figura 3: Os ucranianos que se consideram russos

Fonte: http://www.spiegel.de/international/europe/bild-959224-669162.html

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Devido à intensificação do confronto, Alemanha, França, Rússia e Ucrânia se reencontraram na Bielorrússia e assinaram um novo acordo na cidade de Minsk para que um cessar-fogo fosse novamente introduzido. Ficou decidido que até o final de 2015 haveriam novas eleições locais, dessa vez organiza-das sob a lei nacional da Ucrânia, e que as regiões poderiam ter um status diferenciado após uma refor-ma constitucional – ainda que tenha ficado em aberto exatamente qual seria o tamanho da autonomia política que as regiões ganhariam. Após esses acertos, a Ucrânia poderia novamente estabelecer con-trole total, político e militar, da região leste do país (KIRBY, 2015). Entretanto, o novo avanço diplomático não garante que o conflito esteja acabado, ou que o combinado seja cumprido. O mais correto é afirmar que o futuro das áreas controladas pelos rebeldes ainda é incerto.

A Ucrânia sozinha parece ter dificuldades enormes de recuperar os territórios sob controle rebel-de, os quais recebem ajuda russa, ainda que seja difícil identificar a extensão desse apoio: se é apenas ajuda humanitária e apoio diplomático velado ou se chega a algum tipo de suporte material, como armamentos. A Rússia também parece não ter incentivos, por enquanto, para deixar de apoiá-los, visto que, ao fazer isso, consegue pressionar o governo ucraniano a não se alinhar totalmente à Europa e aos EUA. Os rebeldes, por sua vez, provavelmente não aceitarão pouca autonomia, ao passo que o governo ucraniano aceitaria, no máximo, uma descentralização do poder, ou seja, que os governos locais tenham mais poder em relação ao governo central em Kiev. A ideia de criar uma federação não é bem aceita pela Ucrânia, a despeito da ideia ser apoiada, em geral, pelos rebeldes.

De qualquer forma, o conflito no leste da Ucrânia já tirou a vida de mais de 5.600 pessoas, dei-xando mais de 14.000 feridos. A luta vem envolvendo não apenas o governo e os rebeldes de Donetsk e Lugansk, mas os grandes países do sistema internacional, que usam tal território para disputar seus próprios interesses.

2.2. A IMPORTÂNCIA GEOPOLÍTICA DA UCRÂNIA

A presente seção tem por objetivo expor o contexto geopolítico23 da Ucrânia, e, especificamente, da Crimeia e do leste do território ucraniano – as áreas de conflito em questão. Para tal, será necessário iniciar com um resumo da importância estratégica do país e, então, explicar os movimentos estratégicos por parte dos EUA, União Europeia e Rússia. Dessa forma, pretende-se demonstrar os interesses geopolí-ticos e os paradigmas que têm orientado a ação das partes envolvidas no conflito ucraniano.

A Ucrânia é um país situado no Leste Europeu e que possui fronteiras com Moldávia, Romênia, Hungria, Eslováquia, Polônia e Bielorrússia, a oeste e com Rússia, a leste. Ao sul, seu território é banhado

23 A inspiração para criação do conceito de geopolítica vem do final do século XVII. A geopolítica leva em consid-eração elementos geográficos – como localização, território, posse de recursos naturais e população – e elementos políticos – como processos históricos e decisórios. A partir da análise combinada desses elementos, busca-se en-tender as relações de poder internacionais ou entre sociedade e Estado e o valor que um país tem dada sua local-ização e peso político.

Figura 4: Mapa da Ucrânia

Fonte: http://www.suapesquisa.com/uploads/site/mapa_ucrania.gif

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pelos mares Negro e de Azov. O país é separado em diversas províncias, entre elas, as já mencionadas Lugansk e Donetsk, que possuem capitais de mesmo nome, apontadas na imagem 3 na região leste do país, fazendo fronteira com a Rússia. Ambas as capitais estão entre as dez maiores e mais populosas cidades da Ucrânia.

Dentre as diversas áreas do país, a região mais importante em relação à concentração de indús-trias (setor mais dinâmico da economia) é a região leste, na qual têm papel de destaque as províncias de Donetsk, Kharkiv e Lugansk. As principais indústrias são majoritariamente associadas a ferro, aço, petróleo e gás natural (FONTANELLI et al, 2014). Ainda nas províncias de Donetsk e Lugansk, bem como na Crimeia, também se encontra a maior concentração de pessoas que identificam o russo como língua mãe. Segundo Censo de 2011, mais de 50% da população nessas regiões declarava-se de origem russa24.

A península da Crimeia, por sua vez, historicamente foi uma região de disputa e de influência rus-sa. É nela que se localizam dois portos de relevância internacional. O primeiro deles, Sebastopol, agora russo, abriga toda a frota russa do Mar Negro, é o único porto de águas quentes25 russo e provê saída à Rússia para o Mediterrâneo. O segundo, Odessa, é um porto ucraniano e abriga ampla infraestrutura de transportes do país (FONTANELLI et al, 2014). Esta região do Mar Negro é essencial para a comunicação entre a Europa e a Ásia: diversos oleodutos submarinos e terrestres passam pelo local que, por isso, pos-sui importância estratégica para o país que o controla.

A Ucrânia também é uma importante rota de passagem de diversos gasodutos e oleodutos26 que fornecem energia à Europa. Sua posição geográfica e sua proximidade com a Rússia – o segundo maior produtor de gás natural e o terceiro maior produtor de combustíveis líquidos do mundo (U.S. ENERGY INFORMATION ADIMINISTRATION, 2013) – explicam sua relevância geopolítica como rota de comuni-cação entre esta e a Europa. Em 2013, por exemplo, aproximadamente 3 trilhões de metros cúbicos de gás natural passaram pela Ucrânia, provenientes da Rússia, com destino a diversos países europeus, como Bulgária, Croácia, República Tcheca, Alemanha, Hungria, Polônia e Romênia (U.S. ENERGY INFOR-MATION ADIMINISTRATION, 2014), demonstrando a forte dependência russa e europeia das rotas de transporte ucranianas.27

Os dois principais dutos que transportam gás russo, através do território ucraniano, para o Leste Europeu são os chamados Bratstvo e Soyuz. O primeiro deles é o maior gasoduto russo que vai em dire-ção a Europa; ele atravessa a Ucrânia até a Eslováquia e abastece o norte e o sul da Europa. O segundo se conecta com outros dutos vindos da Ásia Central e fornece energia para Europa central e nordeste (U.S. ENERGY INFORMATION ADIMINISTRATION, 2014). Outro duto importante que passa por território ucra-niano é o oleoduto Druzhba, que transporta petróleo russo não refinado pelo país para fornecimento à Eslováquia, Hungria, República Tcheca e Bósnia-Herzegovina. Além disso, a Rússia também se utiliza de via férrea para transportar pela Ucrânia petróleo cru e seus derivados, que são levados até os portos e exportados por navio (U.S. ENERGY INFORMATION ADIMINISTRATION, 2014).

Grande parte do consumo ucraniano de energia primária28 é realizado com uso de gás natural (por volta de 40%), porém a produção nacional do país é de apenas 37% do total necessário, sendo a quantia restante fornecida pelos russos por meio dos gasodutos Bratstvo e Soyuz (U.S. ENERGY INFOR-MATION ADIMINISTRATION, 2014). Esse fato mostra que não só países europeus, mas também a própria Ucrânia, dependem do abastecimento de energia russo. Além disso, os próprios russos dão subsídios para os ucranianos para compra de gás. Porém, desde o início da crise, no final de 2013, disputas entre Rússia e Ucrânia sobre os preços do gás e sobre as dívidas da Ucrânia resultaram em interrupções no fornecimento de gás à região. Esse fato alarma não só as autoridades ucranianas, mas principalmente

24 Segundo o Serviço de Migração Russo, aproximadamente 2.800.000 pessoas das províncias de Donetsk e Lugansk já cruzaram as fronteiras com a Rússia desde o início da crise, sendo que 900.000 refugiados ucranianos permane-cem na Rússia.

25 Sebastopol é o único porto russo que provê saída para mares de águas quentes. Os demais portos da Rússia são em mares nórdicos de águas que correm o risco de congelar nos períodos de inverno ou que fornecem saída para regiões muito afastadas, pouco estratégicas para escoamento da produção do país.

26 Oleodutos e gasodutos são dutos utilizados para transporte de petróleo e gás natural, respectivamente. Ambos, petróleo e gás, são commodities energéticas importantes e que possuem alto valor para os países vendedores, como a Rússia. Além disso, as rotas por onde passam os dutos são muito importantes, pois elas devem garantir um caminho seguro para passagem desses bens.

27 Vale ressaltar ainda que países como Bulgária, República Tcheca, Hungria, Polônia e Romênia chegam a ter de 75% a 100% do total das suas importações de gás natural sendo provenientes da Rússia (PONGAS; TODOROVA; GAMBINI, 2014).

28 O consumo de energia primária é aquele em que se usa diretamente o recurso natural, sem nenhuma modi-ficação, por exemplo, o uso do gás natural para veículos ou de lenha para fogões a lenha. O consumo de energia secundária, por sua vez, envolve o uso do recurso natural indiretamente, por exemplo, a utilização do carvão mineral em usinas que geram eletricidade.

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as autoridades europeias, uma vez que os principais dutos que abastecem o continente passam por território ucraniano.

2.2.1. AS RELAÇÕES ENTRE EUA, RÚSSIA E UNIÃO EUROPEIA E OS IMPACTOS DA CRISE UCRANIANA

Outro elemento importante a ser considerado quando se trata da crise ucraniana são as relações entre EUA e Rússia. Nesse aspecto, é importante avaliar como o contato entre ambas as potências im-pactam na Ucrânia atualmente e como a própria crise afeta ambos. Para isso, é preciso entender que desde o fim da União Soviética – e, sobretudo, nos anos 2000 – as relações entre EUA e Rússia têm sido marcadas por momentos de maior cooperação e momentos de afastamento, perpassados por uma des-confiança mútua. Essa desconfiança e insegurança em relação às decisões alheias têm sido alimentadas por diferentes motivos, os quais, na atual situação de crise, manifestam-se com maior força, deterioran-do suas relações.

Por parte da Rússia, existem diversas razões que justificariam sua insegurança para com os esta-dunidenses. Entre eles, os dois principais obstáculos que têm frustrado uma maior aproximação entre os dois países, pelo lado russo, são os planos americanos de defesa antimísseis para a Europa e a pressão dos EUA para expandir a OTAN no Leste Europeu (GVOSDEV; MARSH, 2014). O primeiro deles, o projeto conhecido como Escudo Antimíssil29, tem como propósito alegado a defesa dos territórios dos EUA e de seus aliados europeus de possíveis mísseis vindos do Irã (país considerado parte do “Eixo do Mal”30). Nesse ponto, os receios de Moscou estão relacionados com a capacidade e as potencialidades do dispo-sitivo, que, segundo os russos, poderia ser usado diretamente contra seu território, se necessário fosse (KARAVAYEV, 2008). Nesse contexto, o Escudo poderia não seria usado apenas de maneira defensiva pelos ocidentais, mas sim como um dispositivo ofensivo, para diminuir a esfera de influência31 russa na região (KARAVAYEV, 2008). Aliado a isso, a expansão da OTAN, que vem acontecendo desde 1999, tem abarcado antigos países do Pacto de Varsóvia, do Bloco Soviético ou até mesmo de antigas repúblicas soviéticas. Esse fato tem aumentado a desconfiança dos russos, que se sentem cada vez mais cercados pelos EUA.

Unindo as duas situações à crise ucraniana, a insegurança russa aumenta ainda mais. Conside-rando-se que o projeto do Escudo Antimíssil foi apoiado pela OTAN em 2008 e tendo em mente a dese-jada e possível expansão da Organização sobre territórios de influência russa, como a Ucrânia, Moscou se sente cada vez mais temerária (GVOSDEV; MARSH, 2014). Em outras palavras, a possibilidade de uma expansão do projeto do Escudo para a Ucrânia, como resultado da crise atual, é desastrosa para a Rús-sia: o país perderia ainda mais sua influência na região e teria tropas e equipamentos militares da OTAN muito próximos das suas fronteiras.

Assim como existe desconfiança e ceticismo por parte dos russos, o mesmo acontece por parte dos estadunidenses. O ponto principal aqui diz respeito ao fornecimento de energia, especialmente para os europeus. Os EUA acusam a Rússia de usar os preços das commodities energéticas como chanta-gem e arma política; Moscou, por sua vez, alega que suas ações são pura e simplesmente de negócios e comércio, com preços de mercado aos compradores – isto é, preços decididos sem intervenção ou influência governamental, formados apenas com referência na oferta e na demanda do produto (LUKYA-NOV, 2007). Como dito anteriormente, a Ucrânia é ponto central de passagem de gasodutos e oleodutos provenientes da Rússia e que abastecem a Europa. Na atual situação de crise, a desconfiança dos EUA em relação à Rússia se torna ainda maior, uma vez que os Estados europeus estão vulneráveis a possíveis bloqueios no fornecimento energético, devido à instabilidade na região.

A questão energética apresentada conduz a um último elemento a ser considerado na discussão

29 O Escudo Antimíssil é um dispositivo que combina mísseis antiaéreos, radares e computadores com o propósito de abater Mísseis Balísticos Intercontinentais. Especificamente, o projeto estadunidense para a Europa, de 2001, se-ria formado por radares posicionados na República Tcheca e pela instalação de mísseis interceptadores na Polônia – países parte da antiga esfera de influência soviética, membros do antigo Bloco Soviético. Atualizado no governo Obama, em 2008 e 2009, o projeto passaria a contar com radares e mísseis embarcados em navios.

30 “Eixo do Mal” foi uma expressão adotada pelo Presidente norte-americano George W. Bush - em 2002 e nos anos seguintes do seu mandato - para se referir a países com governos que ele considerava, na época, hostis e inimigos dos EUA, como Irã, Iraque e Coreia do Norte, acusando-os de apoiarem terroristas e de possuírem armamento nu-clear – armas de destruição em massa.

31 Esfera de influência é uma área ou região sobre a qual um Estado ou organização possui significante influência cultural, econômica, militar ou política. Embora possa haver uma aliança formal ou outras obrigações decorrentes de tratados entre o influenciado e o influenciador, tais acordos formais não são necessários. A Ucrânia é considerada pela Rússia uma importante esfera de influência. Assim, a instalação do Escudo em território ucraniano significaria um alinhamento político do país com o Ocidente, diminuindo a influência russa na região.

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sobre a crise ucraniana: as relações entre Rússia e União Europeia (UE), como elas importam para Ucrâ-nia e como a crise as afeta. A União Europeia é o maior parceiro comercial da Rússia e sua maior fonte de investimentos – mais da metade do comércio russo é feito com a UE e quase três quartos dos inves-timentos no país são de origem europeia (GVOSDEV; MARSH, 2014). A Rússia, por sua vez, é o terceiro maior parceiro europeu em trocas comerciais. Na questão energética, a Rússia é o principal fornecedor: 44,5% do consumo de gás natural na Europa e 33,05% da demanda por petróleo são supridas pelos russos (GVOSDEV; MARSH, 2014). Existe, da mesma forma, uma alta dependência russa em relação ao consumo europeu, pois cerca de 80% do petróleo e 70% do gás natural exportados tem como destino a UE (GVOSDEV; MARSH, 2014). Além disso, mais de 50% das receitas do orçamento federal russo são provenientes da venda de gás natural e petróleo (EIA, 2013), demonstrando uma alta dependência do país do comércio desses produtos.

Essa grande dependência mútua e o medo de que tal condição se torne ainda mais intensa alar-mam ambas as partes. Por parte da Europa, o medo decorre da possibilidade de estar sujeita às vontades e condições internas russas, como os cortes de fornecimento, o declínio da produção e os conflitos locais – como é o caso da Ucrânia atualmente (PICCOLLI, 2012). Por outro lado, os russos têm alta de-pendência de capitais e tecnologia provenientes da Europa, ao mesmo tempo em que o desempenho positivo de sua economia depende da exportação de commodities energéticas (PICCOLLI, 2012). Assim, a crise ucraniana e seus desdobramentos possuem implicações para ambas as partes, uma vez que a Ucrânia é corredor de passagem dos principais gasodutos e oleodutos que abastecem a Europa. A solu-ção do conflito é importante para todos, porém é complexa e difícil, devido aos diversos interesses em jogo.

Diante disso, é importante analisar a discussão sobre as visões que orientam a tomada de decisão das potências (Estados Unidos, União Europeia e Rússia) envolvidas neste conflito. No lado dos países do ocidente, há quem defenda que é necessário impor limites ao expansionismo russo, uma vez que este representaria uma ameaça à estabilidade e à segurança europeias. Tal visão questiona veementemente as ações do presidente Vladimir Putin e tem a intenção de promover a liberalização da economia ucra-niana e a promoção de instituições democráticas no país (MEARSHEIMER, 2014; MOYTL, 2015).

Há, porém, quem questione as decisões que o ocidente tem tomado. John Mearsheimer, impor-tante teórico no campo das relações internacionais, defende que a diplomacia estadunidense comete um erro estratégico ao pressionar a Ucrânia para que esta se torne membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), visto que isso ameaçaria o entorno estratégico da Rússia, a qual teria poten-cial para reagir e trazer danos aos objetivos norte-americanos. Nesse sentido, o autor considera que a Ucrânia deve permanecer como um Estado-tampão, isto é, que o país deveria possuir certa neutralida-de, sem arranjos políticos tão próximos da UE ou da Rússia.

A Ucrânia soube utilizar a sua posição intermediária para contrabalançar a influência russa e ocidental até hoje. Durante os anos 1990, esteve mais inclinada à Europa. No entanto, devido à desilusão com o fraco desempenho econômico do país, houve uma inflexão pró-Rússia no final da década. Com o evento da Revolução Laranja, volta-se ao alinhamento ao ocidente, e uma nova decepção com as con-dições socioeconômicas do país o traz novamente para a órbita da Rússia (MIELNICZUK, 2014). Além da percepção da população a respeito da economia e da política, o ocidente e a Rússia atuam no apoio de candidatos que vão ao encontro de seus interesses.

Apesar das oscilações na política interna e externa ucraniana brevemente relatadas no parágrafo anterior, o período recente foi o que gerou mais instabilidade no sistema internacional, por se tratar de uma mudança na configuração securitária da região posta pela possível aliança da Ucrânia com a OTAN. Como a Ucrânia possui grande importância para a segurança e economia russa, é possível enten-der o porquê de Putin não ter aceitado um avanço do Ocidente. Cabe, nesse sentido, questionar se os elementos geopolíticos envolvidos na questão permaneceram os mesmos ou foram adicionados novos componentes. Por fim, deve-se refletir se as decisões adotadas pelos Estados levam em consideração adequadamente os interesses securitários e econômicos, e prováveis linhas de ação da outra parte.

3. AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Uma completa compreensão da crise ucraniana demanda não só a análise de seus antecedentes históricos e recentes, mas também o conhecimento de tratados, acordos e ações internacionais que basearam as ações e as reivindicações das partes envolvidas. Dessa forma, essa seção buscará tratar, primeiro, de alguns eventos, ocorridos na década de 1990 na Crimeia, que são relevantes para a ques-tão. Posteriormente, serão analisados os acordos e eventos internacionais mais relevantes para moldar a situação atual da crise ucraniana.

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Em 1991, a Ucrânia tornou-se independente da Rússia após referendo32 com 90% de aprovação para independência. Importante notar que neste referendo a Crimeia aprovou a independência com 56% dos votos; apesar de ser uma maioria, foi a menor votação de toda a Ucrânia (TAYLOR, 2014). Os líderes da Crimeia realizaram vários movimentos a fim de torná-la mais autônoma dentro do país, mas poucos se concretizaram. Um exemplo representativo é outro referendo, ocorrido também em 1991, proposto pela população de etnia russa que vivia na Crimeia, tendo sido boicotado em massa pelos tár-taros33, uma vez que tratava de dar à Crimeia status de República autônoma dentro da Ucrânia, o que sig-nificaria uma reaproximação à União Soviética. Contudo, após a dissolução da URSS nesse mesmo ano, isso não foi mais possível (WALKER, 2003; ZABORSKY, 1995); nesse contexto, o Movimento Republicano da Crimeia (RDK, na sigla original), desde o final de 1991, e mais ativamente a partir de 1992, buscava de várias maneiras alcançar a independência da Crimeia e a anexação à Rússia, criando algumas tensões com o governo ucraniano, que inclusive suspendeu outra tentativa de referendo pela independência.

Em 1994, a população russa obteve sucesso em uma de suas reivindicações, sendo criado o posto de presidente da Crimeia, para o qual foi eleito, no início do ano, o pró-russo Yuri Meshkov. Um de seus primeiros atos foi propor um novo referendo, de fato realizado dia 27 de março, o qual reunia questões34 que, se aprovadas pela maioria da população (como de fato foram), dariam mais autonomia à Crimeia. Após pressão do governo de Kiev, esse referendo obteve status de votação não vinculante, ou seja, não teria efeitos reais sobre o status da Crimeia dentro da Ucrânia (WALKER, 2003).

O auge das tensões com o governo ucraniano ocorreu quando o Parlamento da península amea-çou realizar um referendo pela reunificação com a Rússia. “Em resposta, o Parlamento ucraniano anulou a constituição da Crimeia [e] aboliu sua presidência [...]”. Depois disso, a situação se acalmou, apesar de algumas ameaças mútuas; em 1996, uma nova constituição para a Crimeia foi estabelecida, aprovada por ambos os parlamentos (WALKER, 2003, p. 109).

Para compreender a disputa existente em âmbito internacional, uma importante questão que deve ser posta como referência é a da independência do Kosovo, ocorrida em 2008. Já citada em di-versos discursos do presidente Putin, a declaração unilateral de independência feita pela Assembleia de Kosovo, baseada principalmente no argumento de autodeterminação35, serviria como precedente relevante para movimentos separatistas. Em 2010, a Corte Internacional de Justiça estabeleceu que tal declaração não violou o direito internacional, decisão que foi apoiada por países ocidentais, mas recha-çada pela Rússia, que afirmava que esta consistiria em uma violação da soberania e da integridade terri-torial da Sérvia (JOSEPH, 2013; LUKIN, 2014; BORGEN, 2014). Sem dúvida um dos fatores que contribuiu para a independência foi o apoio internacional, incluindo dos EUA e de países europeus (JOSEPH, 2013). Vale citar a posição estadunidense, em afirmação que data de 2009, quanto à independência: “Declara-ções de independência podem, e frequentemente o fazem, violar legislação doméstica. Contudo, isso não as torna violações do direito internacional” (BORGEN, 2014, p. 1, tradução nossa). Anos antes de sua independência, tensões entre Kosovo e o governo sérvio haviam levado a uma intervenção da OTAN na Sérvia, justificada pela violação de direitos humanos (genocídio) que o presidente sérvio, Milosevic, estaria praticando contra a população albanesa de Kosovo. A Rússia se posicionou contra a intervenção da OTAN, que não obteve aprovação do Conselho de Segurança (FERREIRA, 2009)36.

Os paralelos com a questão da Crimeia e com a região leste da Ucrânia são evidentes: como na

32 O Referendo é, basicamente, um instrumento de consulta popular que pretende sancionar (aprovar) ou não, at-ravés do povo, alguma lei que já tenha passado pelo poder legislativo. À semelhança do plebiscito, o votante deve também votar “sim” ou “não”; a diferença é que, quando se trada de plebiscito, a consulta popular se dá antes de a matéria passar pelo poder legislativo (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2014).

33 Grupo étnico turco que habita a região desde a época do Canato da Crimeia. Os tártaros possuem forte sentimento anti-russo devido à sua expulsão da Crimeia pela URSS, depois de segunda guerra mundial, devido a acusações de que eles haviam apoiado os nazistas, tendo voltado para a região com o fim da URSS (TAYLOR, 2014).

34 As três questões eram: “1. Você é a favor da restauração da provisão da Constituição da República da Crimeia de 6 de maio de 1992, que determina a regulação das relações mútuas entre a República da Crimeia e a Ucrânia pela base de TRATADOS e ACORDOS [ou seja, como se fossem dois países diferentes]? (Sim/Não). 2. Vocês é a favor da restauração da provisão [...] que proclamava o DIREITO DOS CIDADÃOS DA REPÚBLICA DA CRIMEIA A TER DUPLA CIDADANIA? (Sim/Não). 3. Você é a favor de conceder FORÇA DE LEIS para os decretos do presidentes da República da Crimeia em questões que temporariamente não estão reguladas por legislação da República da Crimeia? (Sim/Não) (WALKER, 2003, p. 108, traduzido pelos autores).

35 O conceito de autodeterminação dos povos está estabelecido na Carta da ONU e diz respeito ao direito de uma população constituir-se um Estado independente, caso possuam uma identidade nacional própria. A interpretação do princípio, no entanto, é bastante complexa, pois entra em contradição com o princípio da integridade territorial, que também consta na Carta da ONU e possui extrema relevância por ser elemento essencial da soberania de um Estado (RAMINA, 2010).

36 Nesse caso, vale lembrar que se pode concluir, através da leitura do artigo 53 da Carta da ONU, que “toda ação arma-da empreendida contra um outro país (salvo legítima defesa) deve ter autorização do CSONU” (FERREIRA, 2009, p. 11).

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questão do Kosovo, o princípio de autodeterminação está sendo posto em contradição com a da inte-gridade territorial. Contudo, contrariamente àquela ocasião, desta vez os países ocidentais defendem o último em detrimento do primeiro. Desse modo, percebe-se que a interpretação de ambos os princípios da Carta da ONU tem sido bastante arbitrária, respondendo muito mais aos interesses das grandes po-tências do que à legitimidade dos princípios perante o direito internacional. A percepção deste paralelo faz com que a argumentação baseada nestes princípios deva ser matizada e analisada com cuidado, pois sua legitimidade parece ser, de fato, relativa.

O antecedente histórico mais antigo envolvendo Rússia e Ucrânia que deve ser considerado é o Ato Final da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa, ou Ato final de Helsinki, de 1975, do qual tanto a Rússia como a Ucrânia, antigos Estados Soviéticos, fazem parte37. Segundo seu texto, os países signatários devem abster-se do uso da força e considerar invioláveis as fronteiras dos outros sig-natários, respeitando suas integridades territoriais e não ocupando militarmente seus territórios. Além disso, os Estados concordaram em não intervir de qualquer forma nos negócios externos e internos de outro país signatário (DEUTSCHE WELLE, 2014).

Quase 20 anos depois, em 1994, foi estabelecido o Memorando de Budapeste, outro antecedente com importantes repercussões para a questão ucraniana um acordo firmado entre os governos dos Es-tados Unidos, Rússia e Reino Unido. Como após a dissolução da URSS grande parte do arsenal de armas nucleares soviético havia ficado com a Ucrânia, as três potências signatárias ofereciam garantias aos ucranianos pela entrega das armas: a Ucrânia assinava o Tratado de Não Proliferação Nuclear e Rússia, Reino Unido e EUA se comprometiam em não usar a força contra a integridade territorial ou inde-pendência política das ex-repúblicas soviéticas da Ucrânia, da Bielorrússia e do Cazaquistão (UKRAINE, 1994; HARRESS, 2014). De fato, portanto, a Rússia, sob a presidência de Boris Yeltsin, se comprometia a não usar a força contra o país, ou ameaçar sua soberania de qualquer forma.

Em 1997, em resposta a algumas tensões entre a Rússia e a Ucrânia, especialmente sobre a frota russa no Mar Negro, foi firmado outro importante precedente internacional para o tema em questão: o Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria entre Ucrânia e Rússia, que trata dos limites que teria a frota naval russa situada na cidade de Sebastopol. O artigo 2 estabelece o respeito mútuo das respectivas in-tegridades territoriais e fronteiras (DEUTSCHE WELLE, 2014). Além disso, o tratado permite que a Rússia empregue tropas e forças navais somente no porto de Sebastopol, mas não fora dele, onde necessitaria da autorização do governo ucraniano (HAGUE, 2014). Segundo o atual governo ucraniano, a Rússia teria mandado tropas para ajudar a separação da Crimeia; sendo assim, o país já teria descumprido com o tratado, pois aumentou o número de soldados na península. Após a integração anexação, a Rússia sus-pendeu o tratado por considerar a Crimeia parte de seu próprio território (RUSSIA TODAY, 2014).

Tanto o Memorando de Budapeste, quanto o Ato de Helsinki e o Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria já foram expostos como argumentos, pelos países ocidentais, contra a posição russa quando a questão ucraniana. A Rússia, por sua vez, alega que tais acordos não são aplicáveis à situação, tanto pela autodeterminação da Crimeia quanto pelo fato de que a transição de governo teria configurado um golpe ilegítimo contra Yanukovitch. Assim, os russos rebatem as acusações ucranianas e ocidentais de agressão através do argumento de que a Crimeia já havia se tornado independente quando se juntou à Rússia, não tendo sido capturada ou ocupada militarmente através do uso da força contar sua vontade – o referendo teria sido a comprovação disso (SHEPELIN, 2014). Moscou teria apenas seguido sua própria lei interna de como proceder em caso de novas entidades políticas se juntarem à Federação Russa: de acordo com uma legislação aprovada em 2001, a admissão de novos sujeitos federais deveria ocorrer com base em um acordo mútuo entre a Rússia e o território em questão e ser consolidado através de um tratado. Além disso, os russos consideram que o chamado golpe contra Yanukovitch inviabilizaria qualquer posterior seguimento do direito internacional quanto à situação; segundo o presidente Putin, se essa transição que ocorreu na Ucrânia significou uma “revolução”, haveria lá um governo completa-mente novo, com o qual a Rússia não havia assinado nenhum acordo. Dessa forma, seguindo esse argu-mento, “já que Washington e Londres [signatários do Memorando de Budapeste] reconheceram o novo governo em Kiev como legítimo”, tal Memorando não teria mais validez (ORLOV, 2014).

Depois de retomar os eventos internos e internacionais dos anos 1990, vale fazer um salto para os acontecimentos que ocorrem a partir de 2010, a fim focalizar os antecedentes mais imediatos à crise ucraniana. Como já descrito, a posse de Yanukovitch em 2010 significaria uma nova virada pró-Rússia do governo ucraniano (MIELNICZUK, 2014, p. 5). O marco dessa postura é a assinatura, em abril de 2010, do Acordo de Kharkiv, entre a Rússia e a Ucrânia. O acordo atuou como renovação do Tratado de 1997 (o

37 Os signatários deste Ato são: Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá, Chipre, Checoslováquia, Dinamarca, Finlândia, França, Espanha, Estados Unidos, República Democrática da Alemanha, República Federal da Alemanha, Grécia, Santa Sé, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Iugoslávia, Liechtenstein, Luxemburgo, Malta, Mônaco, Países Baixos, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia, São Marino, Suécia, Suíça, Turquia e União Soviética (CONFERENCE, 1975).

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Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria entre Ucrânia e Rússia), mudando de 2017 para 2042 o limite para a permanência de forças russas em Sebastopol. Em troca deste prolongamento de 25 anos, a Rússia reduziu em 30% o preço do gás importado pela Ucrânia (COPSEY; SHAPOVALOVA, 2010).

Dia 15 de março de 2014, frente à crise existente e ao iminente referendo que ocorreria na Crimeia sobre sua anexação à Rússia, o Conselho de Segurança reuniu-se para tratar da questão. Foi apresenta-do um rascunho de resolução que objetivava clamar a todos os Estados para que não reconhecessem o Referendo que ocorreria na Crimeia no dia seguinte. No total, houve 13 votos a favor, uma abstenção (China) e um veto (da Rússia), determinando assim a não aprovação38 (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2014b, p.1). No dia seguinte, 16 de março, o histórico referendo ocorreu na península e seria aprovado, por quase unanimidade da população.

A ONU, como órgão que preza pela conciliação de conflitos internacionais, tem repetidamente condenado, através de pronunciamentos ou mesmo de resoluções, os ataques e acontecimentos que resultaram em mortos e feridos na Ucrânia (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015; THE GUAR-DIAN, 2014b). A anexação da Crimeia, em particular, foi considerada ilegal pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em resolução aprovada dia 24 de março de 201439. O documento, intitulado “Integridade Territorial da Ucrânia”, ressalta, entre outras questões, a necessidade de manter um diálogo inclusivo com a Ucrânia, que reconheça toda sua diversidade interna; “afirma o seu compromisso com a sobera-nia, a independência política, a unidade e integridade territorial do país dentro das suas fronteiras inter-nacionalmente reconhecidas”; e, como cláusula mais relevante, declara explicitamente que o referendo ocorrido dia 16 foi inválido. Esta resolução contou com a aprovação de 100 países, 11 votos contrários e 58 abstenções; 24 países estavam ausentes na votação (BBC, 2014a; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2014a; ROLEF, 2014).

Como se pode observar, a crise ucraniana é bastante complexa e de difícil resolução, tendo em vista que há pontos importantes a serem considerados em ambos os lados da polarização. Essa ques-tão envolvia, até 2014, um território incluído nos limites soberanos ucranianos, mas ao mesmo tempo povoado por uma maioria que se opõe a esta situação. Segundo a Carta da ONU (artigos 1 e 55), a autodeterminação dos povos é um princípio basilar desta organização (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945); a defesa da independência política e integridade territorial de todos os Estados, por sua vez, aparece no artigo 2 da Carta e é a base sobre a qual a organização foi construída – sendo com frequência citada em resoluções da organização, a exemplo da de março de 2014. Com argumentos e bases de direito internacional pendendo para ambos os lados da negociação, o posicionamento da ONU deve ser bastante debatido e ponderado, tendo em vista que pode ter impactos relevantes nas relações internacionais regionais, bem como na vida das pessoas que habitam a região.

Por fim, é importante retomar a assinatura dos acordos de Minsk como importantes antecedentes para a questão das repúblicas separatistas do leste ucraniano. O primeiro protocolo foi assinado em 5 de setembro de 2014 por Rússia, Ucrânia e os representantes das repúblicas separatistas Donetsk e Lugansk e da Organização para Segurança e Cooperação da Europa (OSCE). Entre suas principais provisões cons-ta o cessar-fogo imediato na região destas repúblicas, além da anistia de alguns prisioneiros, a abertura de corredores para refugiados e a liberação para o acesso a ajudas humanitárias (CCTV AMERICA, 2014). Contudo, o acordo foi violado diversas vezes por ambas as partes. Dessa forma, em 19 de setembro foi assinado um memorando, entre o governo ucraniano e as repúblicas separatistas, que objetivava clari-ficar a implementação do acordo do dia 5, estabelecendo novas medidas, como a criação de uma zona “tampão” (neutra) de 30 quilômetros, a retirada de soldados mercenários de ambos os conflitos, a proi-bição de voos por aviões militares na região, entre outras (BBC, 2014c). Mesmo assim, os atritos conti-nuaram, bem como as acusações mútuas de violação dos acordos, o que acabou levando ao colapso do protocolo de 5 de setembro. Procurando solucionar a situação, dia 11 de fevereiro de 2015 foi acordado um novo pacote de medidas, geralmente chamado de Minsk II, dessa vez também com a participação dos representantes da Alemanha e da França, além dos líderes russo e ucraniano. Esse também incluía um cessar-fogo imediato, bem como a retirada de armas pesadas de ambos os lados, o início de diálogo sobre eleições locais e o futuro político das repúblicas, o controle pleno ucraniano sobre suas fronteiras na zona de conflito, uma reforma constitucional para a Ucrânia - a ser lançada ainda em 2015, que deve incluir como elemento chave a descentralização política -, entre outras medidas (BBC, 2015). Desde fevereiro, contudo, embora não tenha havido grandes ofensivas (o suficiente para significar um novo colapso do acordo), ocorreram diversas novas transgressões ao cessar-fogo (DUGULIN, 2015).

38 A justificativa do delegado russo foi que a resolução “Isso seria contrári[a] ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação, consagrado na Carta das Nações Unidas e confirmada por decisões da Assembleia Geral e da Lei Helsinki de 1975” (ONU, 2014, p.1).

39 A resolução foi escrita pelos seguintes países: escrita pelo Canadá, Costa Rica, Alemanha, Lituânia, Polônia, Ucrânia e EUA. Para visualizar seu texto na íntegra, acessar: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/68/L.39.

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4. BLOCOS DE POSICIONAMENTO

A Ucrânia possui uma posição bem definida justamente por estar diretamente envolvida na crise. O governo ucraniano afirma que sofreu intervenção russa quando Moscou ajudou a península da Cri-meia a realizar o referendo e se anexar à Federação Russa. Por isso, Kiev considera tal anexação ilegal e ainda vê a Crimeia como uma parte de seu território que está parcialmente ocupada pelas tropas russas. Um de seus principais argumentos é que o Memorando de Budapeste de 1994 foi descumprido, pois a Rússia havia se comprometido a não atacar a integridade territorial do país. Em relação às repúblicas separatistas do leste de seu território, a Ucrânia rechaça qualquer possibilidade de separação e de ane-xação à Rússia. Ainda que esteja disposta a negociar algum tipo de acordo para que tais regiões ganhem mais autonomia, precisa discutir com calma e com cautela tal plano. A Ucrânia afirma que há interven-ção russa também nesta região do leste, uma vez que Moscou estaria fornecendo dinheiro, equipamen-tos e apoio logístico para os separatistas, justamente para pressionar o governo ucraniano para que não se aproxime da OTAN ou da União Europeia. Dessa forma, é imprescindível para a Ucrânia que a Rússia pare de interferir em seu território e que o país volte a controlar os territórios do leste, ainda que Kiev aceite negociar algum novo pacto com os atuais rebeldes.

A Rússia é um país central na discussão da Crise Ucraniana. Estando atrelada à história da Ucrânia há décadas, sua atuação política na situação tem causado embates e desdobramentos diversos. Primei-ramente, em relação aos grupos separatistas do leste do país, a Rússia considera legítima sua causa, condenando as inúmeras investidas do exército ucraniano como violações aos direitos humanos dos povos em questão. Em relação à Crimeia, a Rússia apoiou o referendo realizado na península, o qual de-cidiu pela anexação da região ao território russo (RT, 2015). A Crimeia é muito importante para Moscou por sua localização estratégica: para os russos, significa possuir um território com saída para os mares quentes, além do controle de uma região importante por onde passam dutos terrestres e submarinos (FONTANNELI et al, 2014). Além disso, existe também uma preocupação russa em relação à segurança do povo crimeano em meio à instabilidade da Ucrânia – uma vez que mais da metade da população da Crimeia se identifica de origem russa – o que também justificaria a anexação da região (RT, 2015). A Rússia possui inúmeras outras preocupações em relação à Crise Ucraniana, sendo as principais delas a expansão da OTAN e do Escudo Antimíssil e as vendas de gás natural e petróleo para a Europa. Essas questões não serão deixadas de lado por Moscou, uma vez que afetam a própria segurança nacional da Rússia.

A Alemanha, um dos principais membros da União Europeia, tem seguido a orientação do bloco e demonstrado sua discordância em relação às autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk e principalmente em relação ao posicionamento russo e à anexação da Crimeia. O país apoiou sanções econômicas à Moscou, condenando o envolvimento russo na Ucrânia como um ato de violação de soberania. Por outro lado, existe uma alta dependência entre os dois países em termos econômicos: do total das importações da Alemanha de petróleo, por exemplo, cerca de 1/3 são de origem russa, sen-do os russos seus maiores parceiros nessa pauta (OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY, 2012). Essa situação instiga os alemães a buscarem mediações e soluções para o conflito – um bom exemplo disso é o acordo de cessar-fogo de fevereiro de 2015 realizado em Minsk, sob a presença da liderança alemã. Ademais, a Europa tem sido pressionada de modo geral pelos americanos para aumentar as san-ções, o que tem causado relutância nos europeus justamente por esta alta dependência retratada (EU OBSERVER, 2014).

A Arábia Saudita é, econômica e politicamente, aliada próxima dos Estados Unidos no Oriente Médio. Dessa forma, o país deve posicionar-se ao lado dos países ocidentais neste debate, ou seja, con-denando as ações russas como intervenções militares e violações do direito internacional. O país votou a favor da resolução da AGNU de março de 2014, que dizia respeito à integridade territorial ucraniana (ONU, 2014c). Além disso, a Arábia Saudita já se comprometeu em suprir qualquer escassez na venda de petróleo causada pelas tensões – tendo em vista que a Rússia é grande produtora do hidrocarboneto –, podendo, portanto, beneficiar-se da piora de relações entre o ocidente e a Rússia (THE MOSCOW TIMES, 2014).

A Argentina se absteve da votação a respeito da integridade territorial da Ucrânia na AGNU. No entanto, condenou o referendo que ocorreria na Crimeia a respeito da anexação pela Rússia. Em conso-nância com esse posicionamento, a Argentina ressalta, em sua política externa, o princípio de não-inter-venção nos assuntos internos de um país. É importante lembrar que o país possui uma situação que se aproxima do caso ucraniano, com as Ilhas Malvinas (Falkland Islands): em 1833, o Reino Unido anexou as Ilhas, e, em 2013, promoveu um referendo interrogando se a população gostaria de permanecer sob ju-risdição britânica. A presidente Cristina Kirchner questionou as grandes potências que apoiaram “direito de autodeterminação da população das Ilhas Malvinas, mas negaram esse direito ao povo da Crimeia” (RUSSIAN COUNCIL, 2014).

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Como aliado importante do Reino Unido e dos EUA, a Austrália condena fortemente as ações russas na Ucrânia, considerando-as inaceitáveis por constituírem intervenções militares. O primeiro mi-nistro Tony Abbott avalia que esse não é um comportamento adequado para um país praticar contra as fronteiras do vizinho, afirmando que a Rússia deveria se afastar e que o povo ucraniano deveria decidir sozinho seu futuro. O argumento principal utilizado é a defesa dos princípios de soberania e integridade territorial da Ucrânia (KNOTT, 2014; OWENS, 2014). O país também impôs sanções à Rússia, seguindo o exemplo dos EUA e dos países europeus. Julie Bishop, ministra de relações exteriores, por sua vez, também condenou a ação russa e a violência utilizada contra os cidadãos ucranianos, argumentando que o direito internacional foi violado e afirmando a injustiça e a ilegitimidade do referendo ocorrido na Crimeia (THE GUARDIAN, 2014). A Austrália aprovou tanto a resolução do CSNU – que não foi adotada – quando a da Assembleia Geral, ambas de março de 2014 (ONU, 2014b; ONU, 2014c).

A Bielorrússia é um país fronteiriço à Ucrânia e à Rússia, localizado no Leste Europeu. O país é um antigo membro da União Soviética e desde o final da mesma tem se alinhado política, comercial e diplo-maticamente à Rússia, fato que não se modificou com a crise ucraniana. Dessa forma, a Bielorrússia tem atuado de maneira a apoiar as decisões de Moscou, mas também promover a resolução do conflito. Em fevereiro de 2015, por exemplo, a capital do país, Minsk, foi palco de um acordo de cessar-fogo firmado entre os líderes da Ucrânia, da Rússia, da Alemanha e da França (RT, 2015). Além disso, o país é altamente dependente das importações russas de petróleo, sendo quase a totalidade das suas importações deste bem proveniente da Rússia (PONGAS; TODOROVIA; GAMBINI, 2014).

O Brasil não se expressou oficialmente sobre o assunto e se absteve na votação a respeito da manutenção da integridade territorial da Ucrânia. É importante lembrar que a defesa do princípio de não-intervenção em assuntos internos de outros países tem sido uma constante na política externa bra-sileira. Porém, deve-se considerar também que o Brasil é o parceiro comercial mais importante da Rússia na América Latina, se beneficia nessa relação porque exporta grandes quantidades de produtos agríco-las e importa equipamentos da área aeroespacial e de energia nuclear e fóssil. Ademais, como o Brasil tem interesse na consolidação do grupo dos BRICS (composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), uma postura de condenação da anexação da Crimeia poderia trazer instabilidade ao grupo.

Membro de organizações como OTAN e NAFTA, o Canadá possui relações bilaterais com os Es-tados Unidos nos mais diversos aspectos – tanto econômicos como militares –, participando de cam-panhas e exercícios militares em conjunto com este país (HAGLUNG, 2003). Na crise ucraniana, o país apoiou o governo da Ucrânia junto com os demais países do G7, que “consideraram uma violação da legislação internacional a ocupação, pela Rússia, do território da Crimeia” (FOLHA POLÍTICA, 2014).

O Cazaquistão tomou uma posição neutra entre ambas as partes envolvidas na crise da Ucrâ-nia, buscando mediar o conflito entre seus vizinhos (EURONEWS, 2014). Embora a Rússia seja um dos principais parceiros comerciais do país e mesmo ele sendo membro da Organização de Cooperação de Xangai e da União Econômica Eurasiática, o Cazaquistão possui boas relações com a União Europeia em assuntos energéticos, como o comércio de gás natural, sendo considerado um “parceiro confiável” (FOX NEWS LATINO, 2015). O país enviou cerca de 400 mil dólares como ajuda na crise humanitária do sudeste da Ucrânia (GLOBAL POST, 2015).

A China reconhece tanto as complexidades históricas que envolvem a região quanto os direitos dos Estados de soberania e integridade territorial. O país procura abster-se de posições fortes quanto a questões tão polêmicas, buscando mais a mediação desse tipo de questões, para que se chegue a solu-ções via diálogo e negociações; essa postura se refletiu na sua abstenção nas resoluções do CSNU e da AGNU de março de 2014 (ONU, 2014b; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2014c). Por outro lado, re-presentantes chineses já demonstraram seu apoio à Rússia na questão, afirmando que o ocidente deve-ria abandonar sua visão de “jogo de soma zero” – ideia de que necessariamente um dos lados da disputa (Rússia ou EUA e União Europeia) deva sair ganhando –, ao empregar sanções à Rússia, por exemplo. O embaixador chinês na Bélgica, Qu Xing, além de defender este ponto de vista, também declarou que os países ocidentais devem levar em consideração “as preocupações securitárias legítimas da Rússia na região” (BOREN, 2015; REUTERS, 2015).

A Colômbia se manifestou de maneira contrária à anexação da Crimeia pela Rússia, bem como votou de maneira favorável na AGNU na resolução pela manutenção da integridade territorial ucraniana. Em um comunicado do Ministério de Relações Exteriores, declarou-se que as autoridades ucranianas deveriam garantir a segurança, os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos seus cidadãos.

A Coreia do Sul considera de extrema relevância os princípios de respeito à soberania, integrida-de territorial e unidade, tendo assim votado a favor da resolução do CSNU sobre o referendo da Crimeia e da resolução da Assembleia Geral, em março de 2014 (ONU, 2014b; ONU, 2014c). Conjuntamente com o Japão – que, em posições oficiais, condenou as ações russas, afirmou que todas as partes devem atuar com responsabilidade e observância ao direito internacional e não reconheceu o resultado do referendo

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da Crimeia –, a Coreia do Sul também é importante aliado dos EUA. Contudo, ambos os países enfren-tam problemas importantes com relação a recursos energéticos, o que torna seu posicionamento mais complexo. Ambos têm visto vantagens em aproximar-se da Rússia recentemente, especialmente devido aos possíveis acordos de venda de gás natural, mais prováveis de serem estabelecidos quando a Rússia possui tensões com seus tradicionais compradores europeus. Além disso, as relações bilaterais entre esses países e a Rússia estavam melhorando devido a outros interesses estratégicos. Dessa maneira, apesar de em geral se mostrarem favoráveis às posições estadunidenses, as posições coreana e japonesa têm sido mais reticentes e hesitantes quanto à questão ucraniana, devido a seus interesses nas relações com a Rússia (JOHNSON, 2014). Vale notar que, apesar de tal dilema de política externa, o Japão já in-troduziu algumas sanções contra a Rússia, embora mais modestas que as europeias e estadunidenses (FOX NEWS, 2014).

Cuba se posicionou de maneira favorável à execução do referendo que questionava a população da Crimeia sobre a anexação à Rússia, bem como votou contra a resolução que defendia a manuten-ção da integridade territorial ucraniana e considerava inválido o referendo. O país também condenou veementemente a ambiguidade e hipocrisia dos EUA e de seus aliados (bem como da própria OTAN), os quais interferem nos assuntos internos de diversos países e ainda assim acusam a Rússia de fazer o mesmo (GLOBAL TIMES, 2014).

O Egito é um dos grandes aliados dos EUA no Oriente Médio desde 1979, quando realizou seu tratado de paz com Israel. Desta forma, é natural que o governo do Cairo penda para uma acusação das ações russas na Ucrânia. Entretanto, desde que o general al-Sisi chegou ao poder através de um golpe que derrubou o ex-presidente Morsi, o Egito tem recebido críticas do ocidente. Ainda que não tenha se afastado dos EUA e de seus aliados, aproximou-se da Rússia como forma de balancear suas negociações, realizando importantes medidas nesse sentido: a construção da primeira planta nuclear no Egito pela empresa russa Rosatom; o interesse egípcio em estabelecer uma zona de livre comércio com a União Eurasiática (composta por Rússia, Armênia, Bielorússia, Cazaquistão e Quirquistão) e de construir uma zona industrial russa próxima ao Canal de Suez; e o fato de a negociação do comércio exterior entre os dois países passar a ser feito com moedas nacionais e não com dólar (RETINGER, 2015; EL-WAHSH, 2015; KHLEBNIKOV, 2015). Desta forma, suas críticas à Federação Russa devem ser mais brandas que as ocidentais, e o país deve adotar uma postura não agressiva, prezando pela paz e por não interferência, mas sem culpar em demasia os atos russos.

A Espanha é um Estado-membro da União Europeia e por isso segue a linha de política externa do bloco. Neste caso, o país tem acusado a Rússia de violar a soberania e a integridade territorial da Ucrânia ao anexar a Crimeia e ao apoiar os rebeldes das agora Repúblicas de Lugansk e Donetsk. Nesse sentido, o país, juntamente com os demais membros da UE, os EUA e a Noruega, tem defendido sanções econômicas contra a Rússia como maneira de coagir os russos a recuarem, deixando de apoiar os rebel-des (UKRAINE TODAY, 2015). Além disso, a Espanha está entre os países da União Europeia que menos dependem do fornecimento de gás natural e petróleo russo: menos de ¼ das importações do país destes bens são da Rússia (PONGAS; TODOROVA; GAMBINI, 2014).

Os Estados Unidos da América possuem uma posição bem firme quanto à questão da crise da Ucrânia. A política do país é de condenar a atuação russa na Crimeia, afirmando ser esta uma interven-ção militar que busca exclusivamente atender a interesses próprios. Os norte-americanos, assim como os europeus, acusam os russos de serem incoerentes, defendendo o princípio da não intervenção em alguns casos, mas desrespeitando-o no caso da Ucrânia. O país reage às investidas russas, principal-mente, através da aplicação de sanções, dado que a Rússia não aceita se retirar das áreas de conflito (MIELNICZUK, 2014). Em 28 de fevereiro de 2014, o Presidente Barack Obama deu uma declaração oficial alertando a Rússia a não intervir na Crimeia. Na declaração, Obama se diz "profundamente preocupado com relatos de movimentações militares tomadas pela Federação Russa dentro da Ucrânia” e acrescenta que "qualquer violação da soberania e integridade territorial da Ucrânia seria profundamente desesta-bilizadora, além de uma clara violação do direito internacional e do compromisso russo de respeitar a independência, a soberania e as fronteiras da Ucrânia” (THE WHITE HOUSE, 2014, tradução nossa).

A França tem demonstrado publicamente a sua preocupação com a situação na Ucrânia, e tem buscado negociar com as lideranças da Ucrânia e da Rússia no sentido de intensificar os laços da primei-ra com a União Europeia. Nesse sentido, o país defende a integridade territorial da Ucrânia e condena a ação de Putin de anexar a Crimeia, posicionamento firmado na AGNU, quando votou a favor da resolu-ção que atestava a ilegalidade de tal anexação.

A Geórgia, nos últimos anos, tem se posicionado de forma a apoiar os países do bloco europeu em assuntos político-econômicos. A adesão do país à União Europeia e à OTAN tem sido um de seus principais objetivos no âmbito mundial (VOZ DA RÚSSIA, 2014). A Geórgia mantém relações políticas, econômicas e militares com países como Japão, Ucrânia e Israel.

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Enquanto muitos países condenam as ações russas no território da Crimeia, a Índia diz com-preender as reivindicações de Moscou, tendo funcionários do governo se opondo às tentativas oci-dentais de impor sanções contra os russos e declarando que a Rússia possui interesses legítimos na Ucrânia (MAZUMDARU, 2014). O governo da Índia adota uma posição relativamente equilibrada quanto à questão ucraniana. O país diz respeitar os direitos e reivindicações de ambas as nações, desde que se mantenha a paz. O governo da Índia foi o primeiro dentre os grandes poderes asiáticos a reconhecer a anexação da Criméia e se absteve de votar a resolução sobre a integridade territorial do país, alegando que essa era uma escolha que somente a população da Crimeia poderia fazer (KECK, 2014). Como forma de proteger a sua população, as autoridades indianas pedem que seus nacionais residentes na Ucrânia se mantenham longe das regiões de conflito frequente, como Donetsk, e alertam que aqueles que não precisarem viajar para a Ucrânia se mantenham em território nacional com segurança.

O Irã demonstrou apoiar o respeito à integridade territorial da Ucrânia em relação à questão da Crimeia. O Ministério das Relações Exteriores do país já declarou acreditar que intervenções militares são contraproducentes para a resolução do conflito, que deve encontrar uma solução pacífica. O país acredita que este é um problema que deve ser resolvido primariamente entre a Rússia e a Ucrânia, e não fora deste âmbito, com um acordo que seja aceito por ambos os lados. Durante a crise ucraniana, o governo iraniano entrou em contato e manteve relações tanto com o governo russo quanto com o novo governo da Ucrânia (MATINFAR, 2014). Cabe ainda lembrar que o país teve bastante apoio da Rússia contra as últimas sanções dos EUA dirigidas ao seu programa nuclear, mas hoje já se encontra em negociações com os membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha (P5+1) quanto a esta questão (MONSHIPOURI, 2014). Dessa forma, o Irã deve de fato prezar por uma política independente e autônoma, sem beneficiar grandemente um dos lados, prezando pela não interferência e solução pacífica e pactuada do conflito.

Israel não tem demonstrado um posicionamento muito assertivo sobre a situação ucraniana, apesar de sua clara aliança histórica com os Estados Unidos, país posicionado fortemente contra a Rús-sia nesta questão. Isso se reflete principalmente na ausência da votação da resolução da AGNU, de março de 2014, sobre a integridade territorial ucraniana (ROLEF, 2014). O ministro de relações exteriores israelense limitou-se a expressar preocupação com a vida dos cidadãos ucranianos e desejo de que a situação se resolva de maneira pacífica e através de meios diplomáticos. Tal posicionamento relaciona--se com as tentativas recentes do país de aproximar-se da Rússia e manter relações bilaterais no mínimo estáveis, estimuladas pela importância da Rússia no Oriente Médio e suas relações com Síria, Irã, Egito e Palestina. Além disso, a preocupação com a população judia residente na Ucrânia também desempe-nha papel importante. Por fim, vale notar que parte significante da população israelense possui o russo como seu idioma principal (EURO-ASIAN JEWISH CONGRESS, 2011; TIMES OF ISRAEL; AFP, 2014).

O Iraque não se manifestou abertamente sobre a situação ucraniana até agora. Contudo, tendo em vista que, por um lado, seu governo tem se aproximado dos EUA e que, por outro, é forte aliado do Irã, o qual ainda possui boas relações com a Rússia, o Iraque tende a manter uma posição neutra neste debate da Assembleia Geral. Essa posição de neutralidade é corroborada pela abstenção do Iraque na votação da resolução da AGNU sobre a integridade territorial da Ucrânia (ONU, 2014c). Fato relevante a ser citado é também a venda, por parte da Rússia, de jatos e helicópteros armados para o Iraque em 2014, no ímpeto de combater o Estado Islâmico, demonstrando cooperação e, logo, justificando o receio iraquiano em condenar a posição russa na questão ucraniana (ERNST, 2014).

A Itália possui posicionamento similar ao restante dos países membros da União Europeia. O país condena o envolvimento russo na crise, a anexação da Crimeia e o apoio russo aos chamados rebeldes de Lugansk e Donetsk. Os italianos, juntos dos demais países da UE, impuseram sanções aos russos por violar a soberania, a independência e a integridade territorial da Ucrânia (REUTERS, 2015). No entanto, a Itália, assim como a Alemanha, possui uma grande dependência em termos de fornecimento energético em relação à Rússia: entre 25% e 50% das importações de gás natural e petróleo do país são provenien-tes dos russos (PONGAS; TODOROVA; GAMBINI, 2014). Isso explica a dificuldade e a complexidade da questão e o cuidado que os italianos devem tomar nas negociações com os russos.

A Líbia está em uma situação bastante complexa em sua política interna, enfrentando o desafio de reconstruir suas instituições políticas e sua economia após a guerra civil de 2011. Por isso, e também por não ver muitos dos seus interesses envolvidos, a Líbia ainda não se posicionou de maneira clara sobre a questão ucraniana. Os EUA e a União Europeia reconhecem o atual governo interino como lide-rança legítima da Líbia – o que é relevante, pois, atualmente, várias facções dentro do país reivindicam essa posição. Dessa forma, esse país tende a apoiar as decisões dos países ocidentais durante a discus-são na Assembleia Geral, ou seja, condenando as ações russas como intervenções militares e violações do direito internacional (BUREAU OF NEAR EASTERN AFFAIRS, 2013; BLANCHARD, 2014). Reflexo dessa posição é o fato da Líbia ter aprovado a resolução da AGNU de março de 2014 (ONU, 2014c).

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O México manifestou sua preocupação em relação à deterioração da situação na Ucrânia e na Crimeia. Defendeu, nesse sentido, a manutenção da unidade nacional e integridade territorial do país, bem como a busca por uma solução diplomática para o assunto. É importante lembrar que, durante o século XIX, o México teve aproximadamente metade do seu território anexado pelos EUA, fato que é também considerado no posicionamento mexicano a respeito da Crimeia (BRITANNICA, 2015). A des-peito disso, o México não adota uma postura rígida na questão, tendo se abstido na votação a respeito da legitimidade da anexação da península pela Rússia na AGNU, apesar de possuir uma relação bastante próxima aos EUA, país que é veementemente contrário à anexação.

A Nigéria é um país que alegadamente condena as investidas russas em território ucraniano, pois se opõe a ações unilaterais que visam a alterar a configuração de um país. A representante da Nigéria no Conselho de Segurança da ONU votou a favor da resolução apoiada pelos Estados Unidos que conde-nava as ações de Moscou, defendendo que a resolução incorpora princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e obriga os Estados membros a resolver os litígios através de meios pacíficos. A solução pacífica da disputa territorial entre a Nigéria e Camarões, através do Tribunal Internacional de Justiça, é vista como exemplo de que é possível resolver esse tipo de conflitos de forma não violenta (SECURITY COUNCIL, 2014).

No contexto da atual crise ucraniana, a Noruega é um dos países que tem condenado a anexação da Crimeia pela Rússia e também o separatismo das Repúblicas de Donetsk e Lugansk. Embora não seja membro da União Europeia, o país apoiou e endossou documentos que impõem sanções econômicas à Rússia, juntamente com os Estados Unidos e a UE (CHINA DAILY, 2014); este conjunto de países alega que a Rússia estaria incentivando e dando suporte aos chamados terroristas e rebeldes das províncias do leste, e que as sanções seriam uma maneira de incentivar Moscou a deixar de apoiá-los, encerrando a crise. Além disso, a Noruega é um grande exportador de petróleo e combustíveis, tendo como maiores parceiros países da União Europeia (EIA, 2014). Isso significa que o país é um grande competidor com a Rússia, disputando o mercado europeu de commodities energéticas.

O Paquistão, assim como a África do Sul, dá declarações oficiais somente expressando preocu-pações e esperança para a resolução pacífica do conflito. A porta-voz do Ministério das Relações Exte-riores do Paquistão, Tasnim Aslam, em uma conferência de imprensa semanal, expressou o desejo do país de que a crise política na Ucrânia seja resolvida apenas através de meios pacíficos e afirmou que as negociações e a diplomacia são a única opção para acalmar a situação (THE NATION, 2014). Do mesmo modo, o porta-voz do departamento de relações exteriores da África do Sul, Nelson Kgwete, afirmou em um comunicado oficial que "o governo Sul-Africano gostaria de expressar a sua profunda preocupação com a situação política em curso na Ucrânia" e prometeu “continuar a acompanhar a situação e enco-rajar os esforços diplomáticos internacionais que visam à produção de uma solução pacífica duradoura" (NEWS24, 2014).

A Polônia, antigo membro do Pacto de Varsóvia e do bloco soviético, é membro da União Eu-ropeia desde 2004 e da OTAN desde 1999. Como membro do bloco da UE, o país endossou as sanções econômicas à Rússia, acusando os russos de incitarem as rebeliões do Leste da Ucrânia e julgando ilegal a anexação da Crimeia (MARCIN WOJCIECHOWSKI, 2014). É importante lembrar que em 2008 a Polônia negociou com o então presidente dos EUA, George W. Bush, a instalação de mísseis interceptadores integrantes do Escudo Antimíssil em seu território (CNN, 2008). Atualmente, o projeto foi modificado pela administração Obama, porém o apoio polonês foi significativo para o andamento do Escudo. Em-bora seu alinhamento político seja voltado aos EUA e à Europa, a Polônia é, assim como diversos outros Estados europeus, altamente dependente do fornecimento energético russo; entre 75% e 100% das im-portações de petróleo e gás natural do país são provenientes da Rússia (PONGAS; TODOROVA; GAMBINI, 2014), o que demonstra uma importante vulnerabilidade da Polônia quanto à Moscou, o que influencia sua posição no debate.

O Quirguistão, o novo membro da União Econômica Euroasiática (WORLD BULLETIN, 2014), cada vez mais tem fortalecido suas relações com os países da Ásia Central em busca de maior integração. As relações entre o Quirguistão e a Rússia envolvem auxílios econômicos, energéticos e militares, princi-palmente após o fechamento da base estadunidense na província de Manas (THE GUARDIAN, 2014c). Frente aos sucessivos embargos feitos pela União Europeia, o governo russo passou a fortalecer suas relações com o Quirguistão, buscando um novo parceiro energético. Em 2014, toda a infraestrutura do gás natural do país foi controlada pela empresa russa Gazprom que, possuindo a maioria das ações da empresa, prometeu pagar as dívidas nacionais quirguistanesas, calculadas em torno de 40 milhões de dólares (THE GUARDIAN, 2014c).

Um dos principais aliados dos Estados Unidos na Europa Ocidental, o Reino Unido se posicionou em apoio ao governo ucraniano de Petro Poroshenko no decorrer da crise. Membro da OTAN, o país possui o quinto maior gasto militar no mundo, correspondendo a cerca de 2,2% de seu PIB nacional

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total de 2013. Nos últimos meses, o Reino Unido tem enviado militares em apoio às tropas ucranianas (EXPRESSO, 2015b) e é um dos principais apoiadores das sanções contra a Rússia, as quais buscam au-mentar em 2015 (EXPRESSO, 2015a).

Para o governo da Ruanda, existe uma grande necessidade de abrir um diálogo franco entre as nações envolvidas e povos envolvidos na crise. De acordo com representantes do país, a situação na Ucrânia e na Crimeia desdobrou-se tão rapidamente que a pressão exercida por alguns países na ten-tativa de encontrar uma solução para o conflito (de preferência, agradando a seus próprios interesses) desviou a atenção de uma análise cuidadosa de suas causas. Além de Ruanda votar a favor da resolução elaborada pelo Conselho de Segurança em 2014, que ressaltou princípios importantes, como soberania, unidade e integridade territorial, o governo ruandês incitou a Ucrânia a lançar um diálogo nacional inclusivo e a comunidade internacional a ajudar a evitar uma maior deterioração da situação (ONU, 2014b).

A Sérvia também é dependente do fornecimento de gás natural proveniente da Rússia (fonte de 63% do total de importações de gás natural em 2013) que é transportado, por meio de gasodutos russos, através dos territórios da Ucrânia e da Hungria (PRATICAL LAW, 2013). Empresas russas de energia como a Gazprom e a Lukoil possuem relevantes investimentos energéticos na Sérvia. Apesar de ter estado ausente nas principais resoluções da ONU referente a crise ucraniana, o governo sérvio anunciou que apoia a integridade territorial da Ucrânia e os processos, por meio do diálogo, para se chegar a paz (GO-VERNMENT OF THE REPUBLIC OF SERBIA, 2014).

O Sudão é outro país na lista dos apoiadores das investidas russas na Ucrânia. O país votou contra o referendo da ONU sobre a integridade territorial da Crimeia, que obrigava a retirada de forças russas do território em questão. Entretanto, as intervenções norte-americanas no território sudanês, durante o período de cisão em dois Estados, criaram um forte sentimento de antiocidentalismo no país. Dessa forma, ser favorável à intervenção russa não necessariamente condiz com a política nacional sudanesa, mas com a necessidade de manter boas relações com a Rússia (ZIBELL, 2014).

Como um dos principais países almejados pela União Europeia, a Turquia possui boas relações político-econômicas com o Ocidente. Membro da OTAN, o país se encontra em um dilema devido à forte dependência do gás natural russo, o qual correspondeu, em 2013, a 60% de suas importações do combustível. A Turquia se posicionou a favou do governo ucraniano e da integridade territorial da Ucrânia, considerando o referendo da Crimeia como ilegal e inconstitucional. Devido aos turcos tártaros que habitam a Península da Crimeia, a Turquia enfatizou que a segurança e o bem-estar destes devem ser assegurados mesmo durante a crise (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2014d). O recém-inau-gurado gasoduto Trans Anatólia, que transporta o gás do Azerbaijão para a região, ajuda a compensar a dependência europeia dos gasodutos russos (ENVOLVERDE, 2014).

O Vietnã expressa preocupação pelo povo ucraniano e espera que a situação se resolva logo, através da lei e de maneira pacífica (MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS, 2014a). Se, por um lado, o Vietnã é aliado histórico da Rússia, por ter mantido relações bastante próximas com a União Soviética e por constituir agora parceria estratégica com Moscou, por outro o país tem se aproximado cada vez mais dos EUA, que têm buscado ativamente construir boas relações político-econômicas com os países do sudeste asiático (SWIELANDE, 2012). A Indonésia, por sua vez, preocupa-se profundamente com o des-respeito à integridade territorial e à soberania ucraniana, bem como com a possibilidade de escalada de tensões entre os países envolvidos. Dessa forma, acima de tudo, o Vietnã e a Indonésia defendem os princípios de soberania, não intervenção, defesa da integridade territorial e respeito ao direito interna-cional, de acordo com a Carta da ONU e a da ASEAN, organização do Sudeste Asiático de qual fazem parte (TUOI TRE NEWS, 2015; ASSOCIAÇÃO DE NAÇÕES DO SUDESTE ASIÁTICO, 2008; MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS, 2014b). Vale salientar, contudo, que, enquanto a Indonésia aprovou a resolução apro-vada pela Assembleia Geral da ONU em março de 2014, o Vietnã se absteve (ONU, 2014c).

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COMITÊ 101

CÚPULA DO LESTE ASIÁTICODisputas territoriais na Ásia-Pacífico

João Arthur ReisGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Júlia RosaGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Renata NoronhaGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Ricardo GlesseGraduando do 5º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Thiago SilveiraGraduando do 5º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

LEIDO

MAR

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102 UFRGSMUNDI 2015 ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.102-122

A Cúpula do Leste Asiático surgiu a partir da ASEAN, mas de maneira mais inclusiva. A primeira reunião ocorreu na Malásia, que impulsionou o projeto e desde então já ocorreram nove encontros. Em 2005, o objetivo da sua criação vinha ligado à ideia de criar uma comunidade asiática nos moldes da Comunidade Europeia. A principal proposta da República Popular da China ao adentrar no processo foi um de uma integração através do debate securitário. Devido a presença de tradicionais aliados dos EUA, esse projeto securitário certamente encontra barreiras.

Apesar de alguns membros questionarem sua real importância, face à multiplicidade de fóruns e espaços de diálogo na Ásia-Pacífico, a CLA diferencia-se dos outros por focar em temas mais amplos que a economia ou defesa e por seu caráter de alto nível - os representantes são os Chefes de Estado. De qualquer maneira, os países membros representam uma grande variedade de modelos de desenvol-vimento, sistemas políticos e políticas econômicas.

A Rússia participou como país observador na primeira reunião, em 2005, e em 2011 entraram Rússia e EUA, com o apoio da Índia e do Japão. A entrada das duas potências têm recebido algumas críticas. Uma dessas seria de que o escopo das discussões perderia a sua efetividade, visto o balancea-mento – agora mais direto, em vez de por meio de aliados – que os Estados Unidos tentariam fazer à presença chinesa na Cúpula. A presença dos Estados Unidos e Rússia, diferente do que ocorre na ASEAN, aumenta os desafios a serem resolvidos na CLA.

1. HISTÓRICO

1.1. CIVILIZAÇÕES TRIBUTÁRIAS

Esta seção tem como objetivo elucidar o passado da Ásia. A região é berço de duas das mais prósperas e longínquas civilizações tributárias: a chinesa e a hindu. Ambas recebiam tributos de outros reinos vassalos, em troca da defesa e manutenção da estabilidade social. Para elas não existia o con-ceito de “fronteiras”, que surge apenas com a chegada do colonialismo europeu junto com a noção de Estado. A incorporação recente dessas noções trazem dificuldades em delinear os limites territoriais, ocasionando disputas.

Enquanto a Civilização Hindu possuía laços de dominação mais comerciais e culturais, a chinesa possuía um caráter mais territorial. Diferentemente também da China, a Civilização Indiana nunca pos-suiu um centro geográfico, e é apenas com o domínio britânico que ela se constitui como Império unifi-cado (VISENTINI, 2011). O Império Chinês, com quatro milênios de notável continuidade histórica, con-viveu relativamente isolado de outros reinos próximos e dos europeus. Conhecido como Reino Celestial, era governado por um Imperador que detinha o “Mandato do Céu”, ou seja, possuía direitos superiores sobre os domínios chineses desde que mantivesse a ordem e a segurança. Os mongóis conquistaram o Império, foram sinizados e constituíram uma importante dinastia, a Yuan. Os Qing, a última dinastia, eram manchus1 e governaram por quase 300 anos (1644-1912). O Império constituía-se desde o Leste Asiático até à Ásia Central, com a Coréia, Vietnã e Japão fazendo parte da esfera de influência cultural. No entanto, o último manteve-se isolado e praticamente não esteve associado ao sistema tributário.

1.2. IMPERIALISMOS E TRATADOS DESIGUAIS

O relativo isolamento da China foi quebrado quando a expansão ultramarina europeia chegou à Ásia. Sob pressão dos interesses ocidentais, em 1720 a China abre o porto de Cantão para o comércio, aplicando normas de conduta rígidas2, o que deixou os europeus insatisfeitos. Estes passaram a usar o contrabando do ópio como maneira de reverter a balança comercial negativa com o império. A partir de então, a China foi subjugada militarmente sucessivas vezes, e acaba incluída, à força, na ordem europeia.

Os ingleses foram os primeiros a subjugar a China. Logo após tomar grande parte do litoral chi-nês, no que ficou conhecido como a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), os ingleses forçaram a assi-natura do Tratado de Nanquim, em 1842, o primeiro dos chamados tratados desiguais. Foram impostas a abertura de portos, a soberania da Coroa Britânica sobre Hong Kong, indenizações monetárias pela

1 Etnia do povo nômade do Leste da Ásia, que hoje habita o nordeste da China e uma parte da Sibéria.

2 Algumas normas, por exemplo, ditavam sobre a impossibilidade de se aprender a língua chinesa, a restrição do comércio com o Império através de uma companhia chinesa (a COHONG), entre outras.

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CLA 103

guerra, direitos de nação mais favorecida3 e privilégio de extraterritorialidade 4para ingleses em solo chinês. Outros tratados, inspirados no de Nanquim, se seguiram com outros países, como, em 1844, no Tratado de Wanghia, com os Estados Unidos e o de Whampoa com a França (SENISE, 2008).

Nas décadas seguintes houve uma série de rebeliões internas, como a Rebelião Taiping (1850-1864), que se constituiu num dos mais sangrentos confrontos, estimando-se, no mínimo, vinte milhões de mortos. As intervenções e exigências das potências ocidentais continuaram durante a Segunda Guer-ra do Ópio (1856-1860), que estendeu os portos, os quais deveriam ser abertos à inserção estrangeira. Os domínios marítimos chineses começaram a ser ocupados pela Indochina francesa e pelos domínios ingleses e alemães no Mar do Sul da China. Em 1933, alegando pertencimento histórico ao Império An’nan (Vietnã), a França declarou soberania sobre as ilhas Spratly e Paracel. O país ocupou as ilhas até a invasão japonesa em 1939 (SHEN, 1998).

O Japão, através da Restauração Meiji, em 1868, aboliu o sistema feudal dos Xoguns5 e tornou-se o primeiro Estado asiático nos moldes semelhantes aos europeus. O país adotou uma política de coo-peração estratégica com as potências ocidentais, com o objetivo de alinhar a avanços modernos com valores ocidentais. A Restauração, de fato, acelerou a industrialização do país que se tornou a principal potência militar da região. Com a ascensão de seu Império e a necessidade de matérias primas, o Japão também buscou se aproveitar da fragilidade chinesa. Em 1894, após uma rebelião interna na Coréia, Ja-pão e China interviram no país, levando à conflagração da Primeira Guerra Sino-Japonesa. Nas batalhas que se seguiram, o Japão, melhor equipado, venceu os chineses. Assim, em 1895, foi assinado o Tratado de Shimonoseki, que indenizou o Japão, reconheceu a independência da Coreia (agora com um gover-no pró- Japão) e passou Taiwan e as ilhas Pescadores6 à sua soberania.

A maioria dos países do Sudeste Asiático compartilha de um mesmo passado que os inseriu na esfera de influência da civilização chinesa e indiana. Atuando como comerciantes do Império Chinês, os malaios (etnia que habitava parte dos domínios insulares do Império Chinês) serviam a um determi-nado propósito para esse Império (PINTO, 2000). Com o colonialismo europeu esses laços regionais se desgastaram. Graças a sua tecnologia e armamentos superiores, os europeus facilmente subjugaram a região e a tornaram fonte de matéria-prima, entreposto comercial e mercado consumidor para produtos industrializados.

3 O Direito da Nação Mais Favorecida, entendido neste contexto, estenderia também para a Inglaterra todo e qualquer privilégio comercial concedido pela China a um terceiro Estado.

4 O direito de extraterritorialidade é quando há uma dispensa geral ou parcial da aplicação de leis locais para aquele país beneficiado.

5 Traduzido literalmente como “generais”, os Shoguns, apesar de oficialmente apontados pelo Imperador, eram os que de fato governavam o Japão.

6 Há controvérsias quanto se as Ilhas Diaoyu/ Senkaku (nome dado pelos chineses e japoneses, respectivamente) passaram para o controle japonês em 1895. Acadêmicos chineses argumentam que as ilhas pertenciam à Taiwan na época e não constavam no tratado. Já fontes japonesas argumentam para o princípio do terra nullius antes de 1895, afirmando que as ilhas não eram controladas por nenhum país antes da dominação japonesa.

Figura 1: Imperialismo na Ásia, no Séc. XIX

Fonte: Institute for Human & Machine Cognition, [s.d.].

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1.3. SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O NORDESTE ASIÁTICO

Como uma soma das revoltas internas, imperialismo estrangeiro e guerras com o Japão, o Im-pério perde legitimidade social. Em 1912, é fundada por Sun Yat- Sen a República da China. O novo governo não conseguiu unificar o território sob seu comando, deixando o poder dividido entre regiões dominadas por senhores da guerra. Buscando esta unificação territorial, a República depôs o senhor da guerra pró- japonês da Manchúria, prejudicando assim interesses econômicos japoneses na região. Em 1931, no que ficou conhecido como Incidente de Mukden, ocorre a sabotagem de uma linha férrea de propriedade do Japão na Manchúria. A sabotagem foi feita por próprios japoneses que, ao acusarem dissidentes chineses do acontecimento, conseguiram um pretexto para a anexação da região.

Assim tem início a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945)7, quando o Japão ocupou grande parte da China, cometendo diversos crimes de guerra, como torturas, uso de armas químicas, uso de trabalho forçado, massacres e estupros em massa de civis, como no Massacre de Nanquim (1937), no qual estimam-se em trezentos mil o número de vítimas.

Em busca de matérias-primas, o Japão também ocupou grande parte do Sudeste Asiático e todas as ilhas em seu entorno, inclusive Spratlys, Paracel e Diaoyu/Senkaku. Os dois primeiros conjuntos de ilhas se encontram no Mar do Sul da China, enquanto as Diaoyu/ Senkaku se situam entre Japão, China e Taiwan. Todas possuem localização estratégica, pois se situam próximo de rotas de navios e contam com águas abundantes em peixes e recursos minerais.

Após o ataque surpresa à base naval norteamericana de Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, os Estados Unidos entram definitivamente na II Guerra Mundial, combatendo diretamente contra o Japão, no front do Pacífico. Em 1943, Grã Bretanha, EUA e República da China assinam a Declaração do Cairo, a qual estabelece que o Japão deveria devolver todos territórios que tomou da China, como a Manchúria, Formosa (Taiwan) e ilhas Pescadores. Em contraste com muitas outras ilhas ocupadas, as Senkaku/Diaoyu não são mencionadas explicitamente. Com o fim da guerra, a declaração foi incorpora-da na constituição japonesa através do Tratado de São Francisco8.

Este tratado não deixou claro também a situação das ilhas Dokdo/Takeshima, que se situam entre Coreia do Sul e Japão, nem das Kurilas, situadas entre Rússia e Japão, ambas ocupadas por forças japo-nesas durante a guerra. As ilhas Dokdo/Takeshima mantêm-se ocupadas, desde a Guerra da Coreia, pela República da Coreia. Já as ilhas Kurila são ocupadas pela Rússia desde o fim da Segunda Guerra. Os dois

7 Apesar da anexação de território chinês começar em 1931, foi apenas em 1937 que ambos os países declararam oficialmente guerra e ocorreu a ocupação de Beijing.

8 Tratado firmado em Setembro de 1951 entre Japão e quarenta e oito países. Nele são definidas as compensações de guerra por parte do Japão, a desocupação militar deste país pelos Aliados e a renúncia japonesa pelos territórios anexados durante a guerra. O status de territórios como Taiwan e as Diaoyu/ Senkaku carecem de especificidade no documento.

Figura 2: As ilhas do entorno do Japão

Fonte: Wikipedia, 2013.

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conjuntos de ilhas são reivindicados pelo Japão (OSTI, 2013).

Com o emprego de bombas atômicas em Nagasaki e Hiroshima, o Japão se rende, em 1945, diante da supremacia militar norteamericana. A influência de Washington na ordem regional passa, então, a ser proeminente. Ao mesmo tempo, a vitória dos comunistas na China, em 1949, instaurando a República Popular da China, e a Guerra da Coreia (1950-53), já em contexto de Guerra Fria fazem com que a presença norteamericana seja constante, inclusive com a permanência de tropas na região, como na Coreia e no Japão.

1.4. GUERRA FRIA

Após a Segunda Guerra Mundial e o fim da invasão japonesa, as guerrilhas que lutaram contra os japoneses se opuseram à continuidade do domínio imperialista europeu na região, rompendo a estru-tura do sistema colonial. Revoltas bem-sucedidas ocorreram no Vietnã e na Indonésia, apesar da forte repressão francesa e holandesa, respectivamente. Enquanto isso, na Malásia e Filipinas, por exemplo, a tentativa não surtiu efeito, tendo a Inglaterra imposto uma Federação na primeira, e os Estados Unidos criado um Estado com características neocoloniais na segunda (VISENTINI, 2011). Conforme os países foram se tornando independentes, eles começaram a reivindicar para si territórios com soberania não reconhecida.

Com o acirramento da rivalidade entre Estados Unidos e URSS, conflitos locais passaram a contar com a presença ativa de atores externos, como na Guerra do Vietnã9 (1955-1975), Guerra da Coreia10 (1950-1953), Guerra Sino-Indiana de 196211 e Guerra entre Vietnã e Camboja12 (1977-1991). As disputas marítimas na região, no entanto, mantiveram-se frias até a década de 1980, apesar de tanto o governo chinês quanto o vietnamita já terem declarado soberania sobre as ilhas do Mar do Sul da China no pós--guerra e, a partir de 1956, filipinos, taiwaneses e vietnamitas começarem a patrulhar regularmente a região (CRONIN e DUBEL, 2013).

Esse cenário muda em 1971, quando a China é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU). No mesmo ano, o presidente dos EUA à época, Richard Nixon, na tentativa de conquistar um aliado forte contra a URSS e de ter uma saída honrosa da guerra do Vietnã, visita Mao Zedong (líder chinês), dando início às atividades diplomáticas. O fim da guerra do Vietnã não significa paz para o os vietnamitas, que continuam em guerra com seu vizinho, o Camboja. Em 1972, os assina-se, então, o Tra-tado de Reversão, o qual devolve a soberania de Okinawa para o Japão, com este último alegando que as Diaoyu/ Senkaku estariam inclusas na província. Com a aproximação dos Estados Unidos e fragilidade vietnamita, a China aproveita a situação e toma uma posição, mais rigorosa, construindo entrepostos militares nas ilhas Paracel.

Dois confrontos militares no Mar do Sul da China se seguiram desde então. Em 1974, enquanto o Vietnã do Sul conduzia inspeções nas ilhas Paracel, eventualmente encontrou tropas chinesas estacio-nadas. Num engajamento que ainda gera controvérsias, os chineses ganharam a batalha e assumiram controle das ilhas, iniciando a exploração de petróleo na região logo em seguida. Em 1988, no que ficou conhecido como “Conflito do Recife do Sul de Johnson”13, houve um confronto, novamente, entre tropas vietnamitas e chinesas, que acabou na ocupação de seis ilhas das Spratly pela China e na morte de cerca de setenta e cinco vietnamitas (KOO, 2009). Filipinas e Malásia também começam a ocupação de ilhas nos anos 1980. Desde então, os conflitos no Mar do Sul da China não viram maiores escaladas, além de assédios de barcos pesqueiros por barcos militares. As disputas pelas ilhas do Mar do Leste da China esquentaram a partir de 1962, quando uma comissão conjunta da ECAFE (Comissão Econômica para Ásia e Extremo Oriente) através de Filipinas e República da Coréia, encontra potenciais reservas minerais na região das Ilhas Diaoyu/ Senkaku. Segundo o relatório, a área entre Japão e Taiwan “pode conter uma das maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo, possivelmente comparável com a área do Golfo Pérsico” (SUGANUMA, 2000, p. 129).

9 Conflito prolongado que opôs o Vietnã do Norte e a guerrilha comunista do Vietnã do Sul, conhecida como Viet Cong, contra o governo do Vietnã do Sul e seu principal aliado, os Estados Unidos.

10 Confronto entre a República Popular Democrática da Coréia (Coréia do Norte) e a República da Coréia (Coréia do Sul). A guerra atingiu proporções internacionais em Junho de 1950 quando a Coréia do Norte, auxiliada por supri-mentos soviéticos, invade a Coréia do Sul. As Nações Unidas e, principalmente, os Estados Unidos entraram na guerra em suporte ao Sul, enquanto a República Popular da China entrou em suporte ao Norte.

11 Guerra entre China e Índia, foi fruto de disputas fronteiriças na região de Aksai Chin.

12 Conflito ocorrido entre dois países comunistas em decorrência de disputas fronteiriças e de receio por parte do Camboja, de que o Partido Comunista do Vietnã tentaria uma hegemonia na Indochina.

13 Traduzido de “Johnson South Reef Skirmish”.

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1.5. EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ORDEM REGIONAL ASIÁTICA

Com o término da Guerra Fria, retraíram-se as esferas de influência de Washington e Moscou na região. Como consequência, no Sudeste Asiático, torna-se possível o ressurgimento de influências polí-tico-culturais antigas, como a chinesa (PINTO, 2000). Apesar de ser um parceiro econômico e mercado consumidor importante para o Leste e Sudeste Asiático, os países da região receiam o crescente poderio militar e a tomada de ações unilaterais chinesas.

A principal maneira encontrada pelos países da região para diminuir as incertezas relativas ao “vácuo de poder” foi a institucionalização das relações. Partindo da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), criada em agosto de 1967 e formada pelos países do Sudeste Asiático (Brunei, Cambo-ja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã), e bem sucedido em evitar conflitos entre seus membros, veio a proposta de intensificação dos debates políticos e de segurança através do uso de “diálogos com parceiros”. Esses parceiros seriam Austrália, Canadá, China, União Euro-peia, Japão, Nova Zelândia, Rússia, Coréia do Sul e Estados Unidos.

Este diálogo, institucionalizado no Fórum Regional da ASEAN e na Cúpula do Leste Asiático proporciona grande relevância diplomática para o bloco. A Cúpula é um fórum realizado anualmente pelos líderes de dezesseis países da região do Leste Asiático. Sua primeira cúpula foi realizada em Kuala Lumpur, Malásia, em dezembro de 2005. A ASEAN se alia com a China na questão dos Direitos Humanos e democracia, pressões que são feitas pelos países ocidentais. Ao mesmo tempo se alia com os Estados Unidos para proporcionar balanceamento militar14 na região. Esses fóruns de discussão têm criado um ambiente propício para o debate entre os diversos atores regionais (BEUKEL, 2008).

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. AS ILHAS DIAOYU/SENKAKU E A NOVA SITUAÇÃO GEOPOLÍTI-CA DO LESTE ASIÁTICO

Após décadas de cooperação regional, o leste e o sudeste da Ásia viram o ressurgimento de focos de tensão. Em 2012, depois de uma crise desencadeada por uma disputa territorial entre China e Japão pelas ilhas Diaoyu/Senkaku, a ordem regional do Leste Asiático foi seriamente abalada. O sistema coo-perativo e baseado na integração havia se iniciado pela aproximação da China com os Estados Unidos e posteriormente com o Japão, na década de 1970, e vinha, desde o fim da Guerra Fria, resultando na construção de uma série de arranjos regionais (MARTINS, FEDDERSEN, et al., 2014). Embora nenhuma das disputas territoriais tivesse sido de fato resolvida, antes de 2012 havia ao menos a ideia de que tais tensões não deveriam ser um obstáculo para uma maior cooperação econômica dos países asiáticos. A tendência geral dos dois governos era manter as disputas calmas e evitar controvérsias sobre a sobera-nia do arquipélago. Porém, a escalada dos acontecimentos levou uma mudança nos governos da China e do Japão e são a chave para se compreender a atual situação geopolítica na Ásia.

É importante, antes de tudo, compreender a importância das ilhas Diaoyu/Senkaku: há indícios de que existam reservas significativas de petróleo e gás natural nas profundezas das águas que cercam as ilhas. Também é uma das áreas mais ricas do mundo em pesca, o que explica a presença constante de barcos de pesca nas crises do local. Mas provavelmente o mais relevante seja o consequente aumento da Zona Econômica Exclusiva15 de quem o controlar (CRONIN e DUBEL, 2013). De todo modo, o impacto que uma disputa de soberania adquire para a opinião pública dos países envolvidos é muito grande. A população tende a responder de forma emocional e nacionalista aos incidentes em áreas disputadas, de modo que muitas vezes os governos dos países são levados a tomar medidas mais agressivas e asserti-vas para manter uma imagem de força e firmeza.

Embora o auge das tensões tenha se dado entre setembro de 2012 e meados de 2013, desde 2010 já se percebia uma mudança no padrão das relações entre ambos os países. Houve um gradual aumento da preocupação do resto da região com a ascensão chinesa. Se na década de 1990, um maior afastamento dos Estados Unidos da região, somado à maior interdependência econômica entre Japão e

14 Balanceamento militar é a busca estratégica pela equiparação de forças militares, que é geralmente utilizado para prevenir uma grande disparidade de capacidades militares.

15 Zona Econômica Exclusiva: é uma zona marítima prescrita pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar sobre a qual um Estado tem direitos especiais em relação ao uso e exploração de recursos naturais, incluindo produção de energia (United Nations Convention on Law of the Sea, 1982).

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Tigres Asiáticos com a China que levou a um movimento de cooperação, agora o medo era que este país pudesse assumir propensões de dominação na zona em questão (HAGSTRÖM, 2012).

Em 2010, essas preocupações começaram a se converter em incidentes que foram lentamente preparando o terreno para a crise de 2012. Em setembro daquele ano, um pequeno barco pesqueiro chi-nês foi apreendido por barcos de patrulha japoneses enquanto pescava perto das ilhas. Manifestações populares tiveram início na China, cujo governo respondeu com uma retórica dura e agressiva e com a suspensão das exportações de terras raras16 para o Japão. Também foram presos quatro trabalhadores japoneses na China, acusados de filmar instalações militares ilegalmente na província de Hebei. Frente a isso, o Japão respondeu repatriando o capitão e a tripulação da embarcação de volta para a China, fato que causou revolta entre parte da opinião pública japonesa, que viu a ação do Primeiro-Ministro como um ato de fraqueza. Protestos de teor nacionalista contra as demandas chinesas ocorreram por todo o país. O incidente também foi visto como uma demonstração de que a China estaria se tornando uma potência mais agressiva e intolerante frente a seus vizinhos (FACKLER e JOHNSON, 2010; HAGSTRÖM, 2012; HAGSTRÖM, 2012; KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

As frações mais nacionalistas do governo japonês utilizaram esse clima de “fraqueza” do governo e da “ameaça chinesa” para defender uma posição mais assertiva da parte da política externa japonesa. Nessa época, ativistas chineses protestando foram detidos pelas autoridades japonesas, que, em vez de os prenderem, os expatriaram de imediato, o que causou ainda mais reações da parte dos nacionalis-tas. Foi nesse contexto que, em setembro de 2012, um dos mais destacados desse grupo de políticos, o governador de Tóquio, Shintaro Ishirara, orquestrou uma suposta compra do arquipélago de cidadão privados japoneses, que seriam seus proprietários. De modo a evitar o enfraquecimento do seu governo, o Primeiro-Ministro Noda nacionalizou as ilhas (HAGSTRÖM, 2012).

A nacionalização das ilhas foi vista na China como um ato unilateral e nacionalista da parte do Japão, e um descumprimento dos acordos formais e informais de que não se deveria questionar a so-berania das ilhas. Teve início uma série de protestos nacionalistas e antinipônicos na China. Indivíduos, empresas e mesmo automóveis japoneses no país foram atacados. Isso causou um grande impacto eco-nômico, uma vez que os dois países possuíam um grau elevado de interdependência. Muitas empresas que possuíam fábricas em território chinês, como a Nikkon, tiveram que forçar o encerramento de suas atividades naquele território. Não só o fluxo de comércio foi afetado, como também a interconexão en-tre as cadeias produtivas. Ou seja, não só a China e o Japão trocavam muitos bens finais entre si, como sapatos e automóveis, como também possuíam empresas que produziam parte dos produtos finais ope-rando um no outro (MARTINS, FEDDERSEN, et al., 2014; HAGSTRÖM, 2012). Embora protestos dos dois lados fossem comuns, especialmente desde 2010, estes foram mais críticos.

Uma das decorrências mais significativas e imediatas dessa série de eventos, contudo, foi a mu-dança na correlação de forças políticas internas nos dois países no final de 2012. Em dezembro, no Japão, um político da oposição, Shinzo Abe, foi eleito Primeiro-Ministro. Como era de se esperar, boa parte de sua campanha focou no fortalecimento da defesa nacional do Japão e em uma crítica à suposta fraqueza de seu antecessor, do partido rival (XIAOKUN e HONG, 2012). Já na China, no XVIII Congresso do Partido Comunista da China17 ocorreu a já prevista transferência da presidência e secretaria geral do Partido de Hu Jintao para Xi Jinping. Embora isso já fosse esperado por todos, o que chamou a aten-ção foi o fortalecimento dos membros da facção de Xi Jinping18 nos órgãos do partido e do governo. Xi também adotou uma retórica mais assertiva e uma posição mais dura em relação ao Japão e às demais disputas territoriais (MARTINS, FEDDERSEN, et al., 2014).

A escalada de tensões entre os dois países os levou à beira de uma confrontação militar. Logo após a nacionalização das ilhas, a China começou a enviar sistematicamente patrulhas para as águas territoriais do arquipélago, normalmente com navios da sua Guarda Costeira. O Japão respondeu fazen-do o mesmo, com patrulhas navais e áreas das Forças Marítimas Japonesas de Autodefesa. O ponto mais alto da crise, todavia, se deu em fevereiro de 2013, quando uma fragata chinesa chegou a marcar um navio japonês com seu radar, estando pronto a disparar (MULLEN e WAKATSUKI, 2013).

As patrulhas da parte de ambos países continuaram, embora em menor escala, ao longo do ano

16 Terras raras ou metais de terras raras são elementos químicos e que são utilizados amplamente em equipamentos militares e produtos de alta tecnologia. A China possui, em seu território, mais de 80% das reservas mundiais.

17 Embora o povo chinês não eleja seus presidentes, a cada quatro anos ocorrem Congressos do Partido Comunista, onde um indivíduo é eleito para os cargos de Presidente e de Secretário-Geral do Partido. Os Congressos são de qua-tro em quatro anos, mas o presidente costuma ser reeleito, tendo na prática mandatos de oito anos.

18 O Partido Comunista da China se divide em facções informais. Duas são as principais: a Liga da Juventude do Partido Comunista e a Facção de Xangai. Enquanto os primeiros teriam uma agenda mais ligada à de redução das desigualdades, a Facção de Xangai seria mais focada no crescimento econômico (VISENTINI, 2012).

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de 2013. Em novembro daquele ano, a China anunciou que criaria uma Zona de Identificação Aérea, cobrindo boa parte do Mar do Leste, inclusive as ilhas Diaoyu/Senkaku. Esse mecanismo estabelecia que aeronaves passando sobre a zona devessem se identificar e apresentar seu destino e trajeto. Se tais requerimentos não fossem cumpridos, a China poderia proceder com a aeronave da maneira que de-sejasse. Embora altamente controversa e recebida com muitos protestos por parte do Japão, da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, o fato é que Japão já possuía uma Zona de Identificação Aérea idêntica. A medida, porém, foi encarada como um desafio à soberania coreana e japonesa. Os Estados Unidos sobrevoaram a área com dois bombardeiros B-52 e a Coreia do Sul logo tratou de também estabelecer sua própria Zona, o que fez as três passarem a se sobrepor, como demonstra a imagem abaixo (STARR e BOTELHO, 2013).

2.2. O RENASCIMENTO DOS NACIONALISMOS E AS NOVAS POTÊN-CIAS NA REGIÃO

O colapso da ordem regional que tomou forma depois do incidente das Diaoyu/Senkaku também se relaciona com a ascensão dos nacionalismos, refletindo as posições de lideranças e inflamando as populações. Simultaneamente, é preciso considerar a modernização militar do exército chinês, o retor-no americano ao Pacífico (ou “pivô americano”) e a Índia como contrapeso à China no sudeste asiático. Todos esses fatores devem ser levados em conta na busca por uma solução diplomática para as disputas territoriais da região, com destaque para as que envolvem a China, pelo seu status na Ásia e no mundo.

2.2.1. OS NACIONALISMOS NO CONTINENTE E A PERCEPÇÃO DE AMEAÇA CHINESA

Os nacionalismos19 não são novidade no continente asiático, datando do entre guerras e prin-cipalmente pós Segunda Guerra Mundial (VISENTINI, 2011), considerada o apogeu dos movimentos de libertação nacional, pelos desafios econômicos que surgem e as organizações supranacionais que to-mam forma, da Liga das Nações até a ONU (HOBSBAWM, 1990). Alguns autores indicam que o naciona-lismo é um impulsionador de guerras entre países ou, pelo menos, de comportamentos mais agressivos (KUROKI, 2013, p. 10). Na Ásia, é necessário destacar a forte oposição nacionalista que existe ainda em países que foram vítimas do Japão durante o período de expansão do país20.

O sentimento nacionalista no Japão ganhou força na década de 1990. A eleição de Shinzo Abe para o posto de Primeiro Ministro, pelo Partido Liberal Democrata (PLD), em 2012, foi feita com base em discursos de forte teor nacionalista, propostas econômicas de recuperação após a estagnação que o

19 Define-se nacionalismo como uma ideologia que permeia a criação do Estado Nacional, ligada ao sentimento que um povo tem de pertencer àquela nação, sob aquele território e a coesão que surge da sua formação.

20 Após a Restauração Meiji. Será a partir dessa industrialização que o Japão inicia esforços de expansão no con-tinente, em busca de matéria prima e recursos energéticos, principalmente na China (região da Manchúria) e na península coreana.

Figura 3: Zonas de Identificação Aérea no Mar do Leste

Fonte: BBC, 2013.

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país sofre desde o início dos anos 2000 e uma população cada vez mais idosa. Abe é um revisionista dos violentos atos japoneses em territórios ocupados durante a Segunda Guerra Mundial (KUROKI, 2013, p. 16-17). A ascensão do nacionalismo japonês vem acompanhada de mudanças no perfil militar do país, discussões que se intensificaram desde os anos 2000 e ganharam ainda maior força após o incidente em Diaoyu/Senkaku. Como resultado da derrota em 1945 e o controle americano sobre o país durante a Guerra Fria, a legislação japonesa estabelece gastos com defesa em 1% do PIB. Em janeiro de 2015, Shinzo Abe aprovou o maior orçamento de defesa da história do país, cerca de US$42 bilhões – um cres-cimento de 2,8% do ano anterior. Esses novos gastos irão ser direcionados para a aquisição de aeronaves de patrulha, veículos anfíbios e equipamento para vigiar os mares ao redor do país, principalmente no Mar do Leste da China (PANDA, 2015).

Além do Japão, e em oposição a ele, a Coreia do Sul tem um forte sentimento nacionalista – um sentimento que está presente na península coreana como um todo –, que tem sido impulsionado pelo debate sobre a forte presença de tropas dos EUA estacionadas desde a Guerra da Coreia. Os EUA pos-suem 15 bases militares na Coreia do Sul e cerca de 30.000 soldados. A presidente Park Geun-Hye21 sofre uma disputa interna pelo fim do acordo militar com os EUA e diminuição dessa presença, que também implica nas forças armadas sul-coreanas serem hierarquicamente inferiores às dos EUA em caso de conflito22. Obviamente, essas bases tencionam – e muito – as relações com a Coreia do Norte e a China.

Recentemente, a disputa entre Japão, Coreia do Norte e Coreia do Sul pelo controle das peque-nas Liancourt Rocks, no Mar do Japão/Mar do Leste ganhou destaque. Na década de 60, os EUA foram a favor da devolução das ilhas – que possuem apenas uma pequena indústria de algodão – aos japone-ses, mas atualmente assumiram uma posição de neutralidade na disputa dos dois aliados. Em março de 2015, em defesa da posse pela Coreia e contra a presença estadunidense, o embaixador dos EUA para a Coreia do Sul foi atacado por um nacionalista coreano (LANKOV, 2015).

Nos últimos quinze anos, houve um crescimento dos gastos militares chineses e modernização das forças armadas, como mostra o gráfico na próxima página (Gráfico 1). Essa ampliação nos gastos da China está, paralelamente, adicionando tensão às relações no nordeste asiático. Nos últimos anos, houve uma aceleração dos gastos militares na Ásia, segundo dados do SIPRI (2014), o Japão destaca-se também principalmente pelo desenvolvimento de sua marinha23. Outra mudança importante na cons-tituição japonesa é a cláusula de autodefesa para que ela inclua também a defesa de aliados, um ponto bastante importante com a presença dos EUA na região e com as bases no país24.

Gráfico 1: Gastos Militares dos EUA, China, Japão e Coreia do Sul (2014)

21 Park Geun-hye foi eleita em fevereiro de 2013. Ela é filha do general e ex-presidente Park Chung-hee, que governou o país durante os anos 60 e 70. Por sua forma de governo autoritária, a sua filha sofre com relações extenuadas com os militares.

22 A Coreia do Sul possui uma parceria conjunta com os Estados Unidos, desde a Guerra da Coreia, no formato de um Tratado de Defesa Mútua. O Tratado prevê que em caso de conflito entre Coreia do Norte e Coreia do Sul, as forças sul-coreanas responderão ao Comando de Forças Combinadas, liderado pelos EUA.

23 As forças armadas japonesas também podem utilizar essa modernização e maior gasto em defesa para criar forças de resposta rápida para desastres naturais, já que o país sofre com terremotos e tsunamis.

24 A presença americana no Japão foi consolidada em 1950, após a assinatura de diversos tratados. As bases, princi-palmente a de Okinawa, foram essenciais para o envio de aeronaves e navios para a Guerra do Vietnã. A ocorrência de crimes de estupro cometidos por soldados americanos e a busca por independência do próprio Japão frente aos Estados Unidos têm causado atrito ocasionalmente entre os dois países e, principalmente, insatisfação da população local com a presença de estrangeiros.

Fonte: SIPRI, 2014.

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O crescimento de 12,2% nos gastos chineses entre 2013 e 2014 (BBC, 2014) é significativo, mas ainda segue uma tendência dos últimos anos e não um aumento brusco. Todavia, esses dados divulga-dos pelo governo não são necessariamente o número exato e é possível que os gastos sejam maiores, talvez em até 55%, provavelmente da área de pesquisa e desenvolvimento (PERLO-FREEMAN, 2014). Embora haja uma percepção de ameaça pelos países vizinhos e falta de transparência na divulgação dos dados, o crescimento do gasto militar chinês tem acompanhado o boom econômico que o país passou nos últimos 30 anos. Ainda assim, a China não chega perto do gasto militar dos Estados Unidos, que ul-trapassa – com grande vantagem – todos os países. Todas essas novas dinâmicas demonstram a possibi-lidade de um conflito diplomático conflagrar-se em um confronto armado. O fato de a região congregar tantas potências (e ainda com capacidades nucleares) torna essa perspectiva uma que é preocupante e exemplifica com clareza como uma resolução pacífica é do interesse de todos.

2.2.2 O RETORNO AMERICANO AO PACÍFICO E AS NOVAS RELAÇÕES SINO-RUSSAS

Em 2011, o presidente Obama anunciou num discurso em Darwin, na Austrália, o envio de solda-dos para uma nova base no país. Era assim anunciado o “pivô americano” para o Pacífico, que pretendia não só conter25 a China, como retomar a influência na região. Aos poucos ganhando caráter militar, há disputa se o pivô ainda é a principal estratégia dos Estados Unidos de engajamento, visto as tensões na Síria, Iraque e Ucrânia – mais emergenciais. Em resposta, a China tem investido na construção de infraestrutura dos seus vizinhos e criando interdependência econômica com países do Sudeste Asiático e Ásia Central. O discurso chinês tem enfatizado o crescimento conjunto ao mesmo tempo em que as suas atitudes permanecem assertivas (MARTINS, FEDDERSEN, et al., 2014).

Do mesmo modo como há um pivô americano e retorno ao Pacífico, pode-se especular de um retorno russo para esse lado, em tempos de relações complicadas com a Europa e o Ocidente. Assim, é preciso considerar a aproximação do governo de Putin, desde o início dos anos 2000, com a China, indicando um esforço em fazer um contraponto aos Estados Unidos (FREIRE, 2013; PERLEZ, 2014). Com frequentes visitas entre os chefes de Estado, as relações sino-russas alcançaram novos níveis de parce-ria, principalmente no âmbito fronteiriço e energético – ambos os países têm grande interesse na Ásia Central, onde a China tem feito diversas obras de infraestrutura e gasodutos. Em 2014, China e Rússia assinaram um acordo de cooperação energética, com foco em gás natural, totalizando US$400 bilhões. Essa atitude foi vista com grande preocupação pelos analistas estadunidenses, visto que o acordo foi firmado logo após a anexação da Crimeia pela Rússia (PERLEZ, 2014).

Além disso, os dois países têm interesses comuns em manter assuntos internos fora das dis-cussões em fóruns internacionais e a China aceita de bom grado a postura russa de não criticar suas atitudes no Mar do Sul da China e Diaoyu/Senkaku (FREIRE, 2013). Simultaneamente, a Rússia tem as suas próprias disputas territoriais com o Japão no Pacífico: as ilhas Kuril/Kurilas, que permitem o livre acesso russo ao Pacífico e estão numa região rica em recursos naturais. A disputa pelas ilhas Kuril data da época da Rússia imperial, que trocou com o Japão pela posse das ilhas Sacalinas, que os russos mais tarde perderam. Após o fim da Segunda Guerra, ambas voltaram ao controle russo (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012, p. 42).

Figura 4: Ilhas Kuril

25 O termo contenção pode ser encontrado nos trabalhos de Joseph Nye, teórico de Relações Internacionais, e normalmente é utilizado em conexão com a política dos EUA durante a Guerra Fria, de tentar conter a expansão do comunismo soviético. A contenção não precisa ser agressiva ou militar, podendo ocorrer em diversas esferas.

Fonte: Gazeta Russa, 2011.

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Em agosto de 2014, as Forças Armadas russas realizaram exercícios militares na região das ilhas pela primeira vez em quatro anos, após críticas japonesas à situação na Ucrânia. Os russos já anuncia-ram investimentos em construção de infraestrutura naquele espaço. Todavia, Shinzo Abe – que tem uma boa relação pessoal com Putin – anunciou que procuraria uma conciliação para a disputa entre os dois países, mas até o momento ainda não há nada concreto (LINDSAY, 2014; KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

Em agosto de 2014, as Forças Armadas russas realizaram exercícios militares na região das ilhas pela primeira vez em quatro anos, após críticas japonesas à situação na Ucrânia. Os russos já anuncia-ram investimentos em construção de infraestrutura naquele espaço. Todavia, Shinzo Abe – que tem uma boa relação pessoal com Putin – anunciou que procuraria uma conciliação para a disputa entre os dois países, mas até o momento ainda não há nada concreto (LINDSAY, 2014; KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

2.2.3 A ÍNDIA COMO CONTRABALANÇA E A DISPUTA ECONÔMICA

A Índia tem sinalizado nos últimos dois anos, e cada vez mais claramente, que acredita numa solução por consenso, com arbitragem26, entre as partes e pedindo aos países da região que sejam sig-natários da legislação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Uso do Mar (UNCLOS) (PAN-DA, 2015). Esse posicionamento coincide com a resolução de uma disputa territorial da Baía de Bengala entre Índia e Bangladesh, em 2014. Tal postura permanece mesmo com a mudança de governo de Man-mohan Singh (do até então dominante Partido do Congresso, de centro-esquerda) para os nacionalistas de direita do Partido do Povo Indiano, com Narendra Modi em maio de 2014. A visita de Obama à Índia no início de 2015 resultou em uma declaração reforçando a legislação internacional como solução para as disputas no Mar do Sul da China (PANDA, 2015; PANT, 2014). Isso pode sugerir uma nova fase nas rela-ções entre Índia e Estados Unidos, que até 2008 era vista como um contrapeso regional aos chineses. De 2012 para cá, houve um afastamento, com a pesquisa indiana em energia nuclear, sistemas de satélites, postura frente às questões no Oriente Médio27 e até relutância em assumir maiores responsabilidades na região (PANT, 2014, p. 97-100).

A eleição de Modi pode ser a alternativa para essa estagnação das relações, que chegou ao poder prometendo fortes reformas internas no setor de defesa, e estabilizar os laços com o Paquistão. Modi tem demonstrado uma inclinação para a China, através de visitas e discursos de parceria econômica, e vice-versa – o próprio Xi Jinping foi à Índia em setembro de 2014. Todavia, o novo governo indiano deixou claro que pretende fortalecer a segurança nas suas fronteiras – e isso inclui o limite com a Chi-na. Por fim, Modi também tem investido em aumentar os laços econômicos com os vizinhos, algo que os chineses têm feito há alguns anos, mas sem a tensão das disputas territoriais que a China tem com esses parceiros (PANT, 2014, p. 103-106). Essa aproximação fica clara com as novas relações entre Índia e Japão, que Shinzo Abe vem tentando promover, visto que ambos não possuem disputas históricas (KUROKI, 2013, p. 38-40).

Outra fonte de disputa na região e que dificulta a solução pacífica de controvérsias são as diferen-tes propostas de Acordos de Livre Comércio em questão. O Japão entra no TPP (Parceria Transpacífica), em 2013, um projeto junto com os Estados Unidos, Canadá, Vietnã, dentre outros, e que não inclui a Chi-na – que é a maior potência econômica da região. Como resposta, a China tem tentado atrair parceiros e vizinhos para outros acordos, sejam bilaterais ou na própria forma de um Acordo de Livre Comércio – nesse caso, o RCEP (Parceria Econômica Compreensiva Regional28). Essas discussões não entram no es-copo da discussão de disputas territoriais, mas precisam ser levadas em conta, principalmente pela força que a parceria econômica tem no estreitamento de laços entre os países asiáticos. A participação das duas outras potências regionais – Índia e Coreia do Sul – em qualquer um dos dois acordos está ainda em aberto. O investimento dos EUA na região permeia também as relações comerciais entre os países.

26 Arbitragem internacional é a busca de resolução de conflitos entre duas ou mais partes através da atuação de um árbitro, que ao final do julgamento impõe a sua decisão, que não esteja envolvido diretamente no problema em questão. A arbitragem é voluntária e baseia-se na boa fé das partes.

27 Em 2009, o presidente dos EUA anunciou que as tropas do país localizadas no Afeganistão iriam se retirar. O re-gime do Talibã, de fundamentalistas islâmicos, propagou-se pela região do Paquistão (vizinho da Índia e potência nuclear) e Afeganistão, a partir dos anos 90. A saída dos EUA do Afeganistão preocupa a Índia em relação ao vácuo de poder que poderá surgir no país.

28 Tradução nossa.

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2.3. MAR DO SUL DA CHINA E A IMPORTÂNCIA DAS LINHAS DE COMUNICAÇÃO MARÍTIMAS (LCMS/SLOCS29)

2.3.1. A SITUAÇÃO NA REGIÃO

O Mar do Sul da China engloba a área que vai desde o sudeste da Ásia continental, até os arqui-pélagos das Filipinas e Indonésia. São águas de extrema importância para a região, pois possuem inúme-ras riquezas naturais e uma localização estratégica. É a segunda zona marítima mais movimentada do mundo, contendo reservas comprovadas de 7 bilhões de barris de petróleo, com um número estimado de 28 bilhões de barris no total, além dos estimados 7,5 trilhões de metros cúbicos de gás natural (TOC-CHETTO, TANCREDI, et al., 2014). As várias ilhas presentes têm sua soberania disputada há muitos anos e são centrais para a discussão sobre disputas territoriais na Ásia-Pacífico (CORBETT, 2012).

É nessa região que se encontram alguns dos mais importantes países do Leste da Ásia, cuja dinâ-mica aumenta cada vez mais o foco analítico na região. As divergências se mostram, principalmente, nas Ilhas Spratly e Paracel, arquipélagos com inúmeras ilhas pequenas disputadas por cinco países. Esses pontos são ricos em recursos naturais, como petróleo e gás natural, além de serem estratégicos para o comércio e segurança. Nas ilhas Paracel, a disputa é entre China e Vietnã e constitui um dos maiores empecilhos para melhores relações entre os dois. Nas Spratly, a luta pela soberania das ilhas se dá entre China, Malásia, Brunei, Vietnã e Filipinas. Estes países procuram assegurar sua soberania sobre as ilhas através da ocupação das mesmas, ou até mesmo da construção de aeroportos ou portos. A China ainda é o país mais ativo na região, realizando, inclusive, exercícios militares em busca de maior reconheci-mento de sua soberania e de uma maior preponderância de capacidades sobre as de Taiwan (TOCCHET-TO, TANCREDI, et al., 2014). Na imagem ao lado, é possível identificar as áreas reivindicadas pelos países e onde estão localizadas as reservas de petróleo e gás natural.

Com exceção da China, todos os países com reivindicações no Mar do Sul da China fazem parte da ASEAN e vêm buscando ações e pressões em conjunto para controlar o movimento chinês na região. Enquanto a China e Vietnã reclamam o direito sob os arquipélagos inteiros – por questões históricas -, os outros países reivindicam apenas algumas ilhas como parte de sua Zona Econômica Exclusiva. As po-sições entre os países são diversas. Myanmar, Laos e Tailândia apoiam implicitamente as ações chinesas, assim como Cingapura, que hoje é de grande importância para o comércio chinês. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos ainda se mantêm presentes na região, em busca de um balanceamento do poder da China, e atuam em acordo com Vietnã e Filipinas. Essas reações também abrem espaço para o Japão começar a estreitar laços com estes mesmos adversários, buscando sua participação nas disputas e uma garantia de enfraquecimento chinês (FLORCRUZ, 2015).

29 SLOCs é do termo original em inglês: Sea Lines of Communication.

Figura 5: Mapa das reivindicações e no Mar do Sul da China

Fonte: Penn Political Review, 2013.

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No esforço por uma solução multilateral, buscada por Indonésia e Malásia, a ASEAN, em 2002, organizou em conjunto com a China um Código de Conduta para ser seguido. No entanto, o documento é mais político do que obrigatório, e os resultados não foram muito efetivos. A situação sempre foi de exigências e tensões de todos os lados, desde pedidos à Comissão de Limites da Plataforma Continental30 a ataques a barcos das nações contrárias. Em 2011, a China realizou ataques a navios vietnamitas de ex-ploração de petróleo, assim como, no ano seguinte, forças filipinas apreenderam pescadores chineses. A China respondeu com retaliações, incluindo diversas medidas que afetam a economia filipina fortemen-te, como banir a pesca em algumas áreas do Mar do Sul da China. (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

Além desses incidentes mais diretos, os países também fazem uso de construções nas ilhas para garantir sua soberania. Constroem aeroportos, portos ou estações que possam manter sempre ocupa-dos para defesa da área. Taiwan, Malásia, Filipinas e Vietnã possuem aeroportos em ilhas consideradas estratégicas, inclusive alguns com projetos de ampliação e renovação. A China vem desenvolvendo tam-bém a infraestrutura nas ilhas que considera de sua soberania, construindo portos e até ilhas artificiais para estabelecimento de torres de controle (HARDY, 2014). A construção traz preocupação aos outros atores envolvidos nos conflitos territoriais na região, pois pode significar que a China teria capacidade de utilizar armas antiaéreas (China “agressively” expanding into South China Sea says US, 2015). As dis-putas territoriais e os conflitos frequentes ilustram, assim, a instabilidade existente na região e a dificul-dade em encontrar soluções eficientes para este problema. Entretanto, o que importa não são apenas as ações tomadas pelos países para assegurar sua soberania, mas por que essas pequenas ilhas, ou mesmo rochedos e recifes, são tão disputados e geram tantas consequências para o futuro do Sudeste Asiático.

2.3.2. A IMPORTÂNCIA DO TEMA NA AGENDA INTERNACIONAL ATUAL

Pode parecer estranho um país tão grande como a China participar de conflitos pelo controle de pequenas ilhas ou arquipélagos. No entanto, muitos aspectos importantes nos explicam a importância dessas áreas para um país e clarificam as ações antecedentes no Mar do Sul da China e no Mar do Leste. Primeiramente, quem possuir esses territórios, possui também uma vantagem econômica. Como já mencionado, é uma região rica em recursos naturais, com enormes reservas de petróleo e gás natural. Possui uma grande biodiversidade, com grande potencial para pesca, uma das atividades mais lucrativas na área, o que muitas vezes já levou a confrontos entre barcos pesqueiros.

Além disso, a localização dessas ilhas permite que quem tem sua soberania controle uma das regiões de maior trânsito marítimo do mundo. O comércio marítimo mundial se dá através de Linhas de Comunicação Marítima (LCMs/SLOCs), ou seja, os caminhos traçados pelos navios entre um porto e outro. Esse conceito é central para entender a dinâmica da região e o porquê das disputas territoriais. Todos os países com reivindicações buscam controlar as Linhas de Comunicação Marítima. Grande par-te dos materiais transportados nessa área é composta por matérias-primas, petróleo ou gás liquefeito. Logo, ter o controle sobre a passagem desses materiais, significa ter o controle sobre o fornecimento de energia, essencial para qualquer país. Assim, dizemos que essas ilhas possuem uma localização estra-tégica, pois em qualquer ocasião, o país tem o poder de barrar a passagem de navios com suprimentos (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

É importante atentar para os estreitos mais importantes da região e quem os controla, pois, como vemos na imagem, as LMCs passam por todos eles. O estreito de Sunda, localizado entre as ilhas Java e Sumatra, e o estreito de Lombok, entre a ilha de Bali e Lombok, são controlados pela Indonésia. O estreito de Luzon, localizado entre as Filipinas e Taiwan, pode ser controlado por ambos. E o estreito de Malacca, entre Cingapura, Malásia e a ilha de Sumatra, na Indonésia, é majoritariamente controlado pela Indonésia, mas é Cingapura que obtém o maior ganho econômico. Podemos ver que o controle desses estreitos está com países mais inclinados a uma aliança com os Estados Unidos, o que configura um perigo para a China. É visível que qualquer material enviado ao Japão ou à China necessita passar por algum desses estreitos para chegar ao seu objetivo. Por isso, ambos os países mantem-se ativos nas discussões acerca da soberania das pequenas ilhas Spratly e Paracel (WESLEY, 2012). O mesmo acontece mais ao norte, no Mar do Leste. Tendo em vista que China e Japão são as maiores potências militares e econômicas da região, é fácil compreender porque importa uma manter vantagem em relação à outra em termos de controle de linhas marítimas.

Outro aspecto importante do controle das ilhas é a extensão do território. Claramente são peque-nas ilhas e em questões de área anexada não faria diferença para os países. Porém, essas ilhas também possuem uma Zona Econômica Exclusiva própria, que se soma à ZEE do país que a controla, e assim, ob-tendo mais territórios onde possa explorar os recursos naturais, ou uma extensão marítima maior para agir. Portanto, é possível explorar outras reservas de petróleo e gás natural existentes nas proximidades

30 Comissão de Limites da Plataforma Continental: estabelecida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar para decidir a extensão das plataformas continentais dos países, ou seja, até onde vai o continente mesmo abaixo do mar (United Nations Convention on Law of the Sea, 1982).

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destas ilhas. Ademais, a extensão do território serve também para armazenar armamentos. Como citado, a construção da ilha artificial da China traz dúvidas em relação à utilização desta ilha como um local de uso das Forças Armadas. Os armamentos possuem alcances limitados, como os mísseis, por exemplo, e essas ilhas possuem um posicionamento estratégico para o alcance de áreas mais distantes. Além disso, serve também para aumentar a projeção das forças navais dos seus países, com a construção de portos ou bases militares nessas ilhas. Possuindo a soberania da área, não é necessária a instalação de bases militares em solo estrangeiro, como os Estados Unidos costuma fazer, principalmente nesta região (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

Portanto, é compreensível a importância dessas ilhas e dessa região para os países reivindicado-res. O controle desses pontos estratégicos apenas serve como forma de poder e ascendência em relação aos outros. Para a China, é de extrema importância, se pensarmos na ascensão de um grupo liderado por Xi Jinping, que enfatiza a promoção de exportações e concorrência econômicas com seus países vizi-nhos. Assim, considerando que os chineses vêm buscando maneiras de assegurar seu status de potência regional, esse é outro aspecto que ilustra o porquê da agressividade nas disputas. Para os outros países, é uma maneira de se estabelecer como um possível poder regional e de obter ganhos econômicos.

3. AÇÕES PRÉVIAS

Tendo um breve conhecimento histórico chinês e de outros países centrais da região asiática – além de um conhecimento da região do Mar do Sul – ainda é imprescindível saber o que já foi realizado a respeito do tema por organizações internacionais ou até mesmo por países em particular.

3.1. UNCLOS X ABORDAGEM HISTÓRICA

Com o advento de conflitos em vários mares do mundo, tornou-se necessária a criação de um tratado, com caráter mandatório, para as questões de direito marítimo. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, também referida como UNCLOS (de United Nations Convention on the Law of the Sea), é um tratado multilateral assinado em 1982 que, basicamente, define conceitos referentes a assuntos marítimos, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e outros. Além de estabelecer os princípios gerais de exploração dos recursos do mar. Ademais, esse tratado criou o Tribunal Internacional do Direito do Mar, competente a julgar as controvérsias relativas às questões acima citadas. Todavia, alguns países signatários não seguem tão à risca as regras do tratado e outros interpretam a convenção de uma maneira distinta.

Figura 6: Linhas de Comunicação Marítima no Mar do Sul e do Leste da China

Fonte: R.S. Vasan, [s.d.]

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Embora existam algumas inconsistências em ambos os lados, a China e os seus vizinhos do Mar do Sul baseiam suas respectivas reivindicações em princípios fortemente divergentes. Com a exceção do caso de Taiwan, todos os outros países da respectiva região adotaram os princípios e regras da Con-venção de 1982 das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que entrou em vigor em 1994, após extensas negociações. Ademais, os EUA, embora não signatários, acreditam que o que deve guiar as discussões e conflitos acerca dos direitos marítimos deve ser a UNCLOS. A China, por outro lado, baseia a sua reivindicação na questão histórica, como nas disputas com o Japão sobre as ilhas Senkaku/Diaoyu, denominando o Mar do Sul como “águas históricas” que foram frequentados por navios chineses e em muitos casos administrados pelos governos chineses por centenas e até milhares de anos (CRONIN e DUBEL, 2013). Em suma, há, de um lado, países que seguem as regras acordadas pela UNCLOS e; outros, por sua vez, trazem uma abordagem mais histórica, criando assim, grandes divergências acerca das delimitações territoriais do sudeste e nordeste asiático.

3.1.1. O TRATADO DE TONKIN

O Tratado do Golfo de Tonkin se constitui no primeiro pacto de fronteiras no Sudeste Asiático que utiliza princípios da UNCLOS desde sua efetivação em 1982. Este tratado, por sua vez, é um exemplo de ação em que as fronteiras marítimas, antes sobrepostas, são acordadas através de negociações. Em uma série de negociações bilaterais entre Vietnã, Camboja, Tailândia e China, sendo o último concluído entre Vietnã e China em 2000, os países resolveram de maneira pacífica a questão de delimitação das Zonas Econômicas Exclusivas e Plataformas31. Marca também a primeira demarcação pacífica de fronteiras da China com algum país vizinho (DONG, 2009).

3.1.2. ASEAN E O MAR DO SUL DA CHINA

A ASEAN, como um bloco com considerável relevância no sudeste asiático, demonstra grande interesse nos conflitos do Mar do Sul. Como exemplo concreto, temos a Declaração Sobre a Conduta das

31 O Camboja não aceita o tratado entre Tailândia e Vietnã na delimitação das Zonas Econômicas Especiais no Golfo da Tailândia.

Figura 7: O Tratado do Golfo de Tonkin

Fonte: DONG, M. UN-Nippon Foundation Alumni Meeting, 2009.

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Partes no Mar do Sul da China, de 1992, que, basicamente, prega que os conflitos de soberania na região sejam resolvidos de forma pacífica. Logo após, em 2002, há a declaração do Código de Conduta do Mar do Sul da China que, basicamente, só revive os preceitos e cláusulas da Declaração de 1992.

Algum tempo depois, em 2011, a República Popular da China, Brunei, Malásia, Filipinas e Vietnã acordaram um conjunto de orientações preliminares que ajudaria a resolver algumas das disputas no sudeste asiático. O acordo foi descrito pelo ministro das Relações Exteriores da China, Liu Zhenmim, como “um documento marco importante para a cooperação na região do Mar do Sul e os países da ASEAN” (MARTINA, 2011). Alguns dos primeiros rascunhos desse acordo reconheceram aspectos como a “proteção do ambiente marinho, a investigação científica, a segurança da navegação e comunicação, busca e salvamento de combate ao crime transnacional”, embora as questões relacionadas ao petróleo ainda continuassem abertas a discussões (MARTINA, 2011).

Já em 2012, quando vários países já estão bem cientes da importância da região do sudeste asiá-tico e de possível influência em tal, as disputas pelo Mar do Sul da China elevam as tensões no Fórum Regional da ASEAN, tornando a reunião desse ano quase que um fracasso. Havia demandas de vários países sobre os territórios da região. A China, por sua vez, clamava por uma maior soberania no Mar do Sul, rico em recursos naturais, incluindo as ilhas Spratly e Paracel, “casa” de rotas marítimas vitais (HUNT, 2012). Já os membros da ASEAN: Filipinas, Vietnã, Malásia e Brunei também tinham reivindicações que se sobrepunham a estas reivindicações para com o Mar Meridional, o que trouxe a possibilidade de uma abordagem mais unificada para a negociação entre membros da ASEAN e a República Popular da China. Esta diferença, então, causou uma divisão dentro da própria ASEAN, trazendo um grande des-contentamento e quase uma crise diplomática entre os membros. Houve, porquanto, uma espécie de alinhamento entre os interesses do Camboja e da China, e um grande descontentamento do resto dos membros da ASEAN, principalmente das Filipinas que, como um dos países central na discussão da re-gião do respectivo mar, teve seus interesses negligenciados (HUNT, 2012).

Como resultado final desse fórum, onde houve o descontentamento de muitos países acerca das questões, houve apenas uma declaração, episódio inédito na história da ASEAN. Pela primeira vez, desde 1972, uma reunião acabava sem um documento final e o consenso de todos os países membros. Esta declaração final trazia somente questões sobre Direitos Humanos da ASEAN (AHRD) e a Declaração dos Líderes da ASEAN sobre a Criação de um Centro de Ação Regional de Minas (ARMAC) (ASEAN, 2012). Deixando, portanto, as questões marítimas e de delimitação de território totalmente negligenciadas.

3.1.3. O ACORDO SINO-INDIANO

Em 2014, China e Índia fizeram um comunicado conjunto declarando que os dois lados troca-ram ideias na questão fronteiriça e reiteraram seu comprometimento em concluir uma solução justa, razoável e mutualmente aceitável. O comunicado demonstra comprometimento em várias áreas e visa o desenvolvimento econômico conjunto dos países. No tópico da fronteira, especificamente, o comuni-cado reconhece a importância da paz e tranquilidade na fronteira sino-indiana para o desenvolvimento sustentável das relações bilaterais entre os países. Também reitera a utilidade e significância do Meca-nismo de Consulta e Coordenação em Assuntos Fronteiriços Índia-China. Concluindo que a confusão sobre a exata localização da Linha Atual de Controle (LAC) é a causa de muitos incidentes, Narendra Modi sugeriu que China e Índia voltem a negociar a clarificação da linha (MAXWELL, 1999).

Figura 8: Demarcação da Linha de Controle real entre a China e Índia

Fonte: DUARTE. Revista Sociedade Militar, 2015.

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4. BLOCOS DE POSICIONAMENTO

A manutenção da soberania sobre o Mar do Sul da China e sobre o Mar do Leste é fundamental para a República Popular da China. A posse dos arquipélagos de Diaoyu/Senkaku, Spratly e Paracel lhes possibilitam garantir a segurança das linhas marítimas de comunicação. O argumento que sustenta sua demanda é de ordem histórica: há séculos, as antigas dinastias do Império Chinês já dominavam e mes-mo povoavam as ilhas. As agressões de potências imperialistas e também do Japão modificaram isso, durante o século XIX. Após um século de luta pela independência e reunificação nacional, os chineses acreditam que todos seus territórios de direito devem voltar para mãos chinesas. Desse modo, Pequim recusa o arbítrio e a influência de potências ou organizações de fora da região nas discussões sobre a soberania nacional (TIEZZI, 2014). Uma abordagem jurídica utilizada por países como Filipinas, Vietnã, Japão e, em alguma medida, os Estados Unidos, não é bem-vinda. Acredita na discussão bilateral, de modo a evitar que eventuais atritos políticos entre dois países impeçam a construção de laços econô-micos que resultem em ganhos mútuos.

Um exemplo de sucesso dessa abordagem é o recente acordo com a Índia acerca das fronteiras terrestres, que garantiram um aumento na cooperação entre ambos. De fato, a construção de uma or-dem regional alicerçada no comércio, na prosperidade e no desenvolvimento conjunto da região tem sido um dos principais pilares da política externa chinesa nos últimos anos. Para isso, a China lança mão de uma série de iniciativas: a expansão e integração de áreas de livre-comércio e financiamento de obras de infraestrutura, com a criação do Banco Asiático de Investimentos e a Iniciativa da Nova Rota da Seda. É nesse tipo de desenvolvimento cooperativo que a China foca seus esforços, mas sem deixar de responder de maneira dura e decidida a países que contestem sua soberania (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

Os Estados Unidos da América, como uma nação pertencente ao Pacífico, tem interesse em manter a ordem e a estabilidade na região, o respeito pelo direito internacional e a liberdade de nave-gação no Mar do Sul da China (CAMPBELL, 2012). Tomando posição contra as agressões unilaterais chi-nesas, o país defende seus aliados, principalmente o Japão, o qual possui o dever de proteger segundo a constituição japonesa. Os Estados Unidos possuem uma forte presença militar na região e apoiam concertos multilaterais de países da ASEAN para contrabalancear ações mais assertivas vindas da Repú-blica Popular da China. Busca também manter o diálogo e a parceria entre seus aliados no Leste Asiático (Japão e Coréia) e almeja uma maior aproximação balanceadora com a Índia.

Como peça chave nas disputas territoriais na Ásia-Pacífico, o Japão também teve papel de lide-rança nos processos de integração da região. Em 2010, ofereceu à Coreia do Sul que ambos levassem para a Corte Internacional de Justiça a disputa pelas Liancourt Rocks – pedido que foi negado. Apesar das disputas com a China, pelas Diaoyu/Senkaku, a economia japonesa é fortemente ligada à econo-mia chinesa. Do mesmo modo, o Japão acredita no uso da legislação internacional para a resolução de outras disputas territoriais. Como principal aliado dos Estados Unidos na Ásia, o Japão faz parte da estratégia do pivô americano. Ao mesmo tempo, busca maior independência para as suas forças arma-das e desenvolvimento nacional. A resolução da disputa pelas ilhas Kuril (com a Rússia) certamente é a mais avançada, visto a boa relação entre Shinzo Abe e Putin. Ainda assim, as negociações formais estão estagnadas (LINDSAY, 2014). O Japão utiliza os vínculos com os EUA para aproximar-se de outros países da região, como a Índia e as Filipinas. Inclusive, o país ofereceu auxilio às Filipinas e ao Vietnã com exer-cícios conjuntos e navios de patrulha (FLORCRUZ, 2015).

A Coreia do Sul não possui reivindicações no Mar do Sul da China, mas possui uma importante parceria econômica com a China. Ao mesmo tempo em que a aliança com os Estados Unidos é bastante concreta, com a presença de bases militares na península, que ao mesmo tempo funcionam como dis-positivo de segurança para os sul-coreanos, mas exacerbam a percepção de ameaça da Coreia do Norte e da China. Além da questão fronteiriça com a Coreia do Norte, a Coreia do Sul tem uma disputa territo-rial com o Japão pelas Liancourt Rocks, a Coreia do Sul aumentou a sua zona de defesa de identificação aérea em resposta à China durante a crise das Diaoyu/Senkaku.

A Austrália é, historicamente, um grande aliado dos Estados Unidos, central para a sua presença militar, diplomática e econômica na região. É em seu território que fica uma das bases de informação por satélite mais importantes para o país, e foi diante do Parlamento australiano que Obama anunciou o pivô americano para a Ásia. Além do mais, em breve uma base para 2.500 fuzileiros navais estaduniden-ses será estabelecida em Darwin. Porém, a China é uma grande parceira comercial, o que faz com que o apoio quase irrestrito da Austrália aos EUA seja comedido por um interesse em uma situação geral de estabilidade (ZAJEC, 2015).

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No caso da Nova Zelândia, o país não possui disputas territoriais na região e atua normalmente em acordo com a Austrália. No entanto, qualquer que seja a reação australiana para as disputas, pode comprometer algum objetivo de política externa neozelandês, como, por exemplo, uma possível aproxi-mação com a China (AYSON, 2013). Assim, prefere soluções diplomáticas para as tensões na região (PM favours diplomatic solution to territorial disputes, 2013).

A República da Índia possui uma posição consolidada quanto às disputas marítimas: arbitragem. A posição é sustentada pelo fato de que em 2014 Índia e Bangladesh resolveram uma disputa territorial marítima com arbitragem de uma corte internacional (que julgou um parecer favorável à Bangladesh). O uso do Direito Internacional, o respeito a UNCLOS e a liberdade de navegação nas LMCs são defendidos em discursos oficiais (INDIATV, 2015). Em 2014 também houve um aumento das ações que demonstram maior interesse econômico do país pelo Mar do Sul da China, como a cooperação naval e extração de petróleo junto com o Vietnã. O país possui problemas com relação a demarcação de fronteiras com a China em Aksai Chin e Arunachal Pradesh, sendo a última a que possui maior potencial de escalada. Em 2014, após o traumático incidente de Daulat Beg Oldi no ano anterior, Índia e China fizeram um comu-nicado conjunto onde expressavam o desejo de resolução da questão fronteiriça. A conclusão de que a falta de linhas demarcadas é a principal causa de escaramuça entre os países, e que eles devem negociar a demarcação pacífica. O comunicado reafirma o não engajamento militar, o efetivo recuo de tropas na fronteira, além de tópicos já presentes em antigos acordos e ainda prevê negociações para resolução da disputa bilateralmente (INDIA, 2014).

A República Socialista do Vietnã é um dos países mais decididos a garantir seus diretos sobe-ranos sobre as ilhas Paracel e Spratly. Embora tenha uma profunda interdependência econômica com a China, a posse de territórios no Mar do Sul da China é essencial para garantir a defesa nacional e a soberania do país como um todo. Com um longo histórico de guerras de independência - contra França, Estados Unidos e a China – o Vietnã tenta compensar sua falta de recursos econômicos enquanto os-cila entre diferentes potências, regionais e extrarregionais. Para tanto, utiliza uma abordagem bastante multilateral. Por um lado, tem uma forte atuação dentro dos fóruns regionais, para tentar montar uma posição conjunta dos membros da ASEAN de modo a fazer frente à China, além de já ter encaminhado um pedido à Corte Internacional de Justiça para julgar a questão. Por outro, se aproxima simultanea-mente de Rússia, EUA, China, Japão e Índia em iniciativas de cooperação econômica e de ajuda no seu processo de modernização militar (MONTHÉARD, 2011; TOFANI, 2013).

Além da China e do Vietnã, as Filipinas também têm uma posição bem assertiva em relação às suas reivindicações. O país mostra publicamente sua intenção de tomar qualquer medida para assegurar a soberania de suas ilhas na região, além de já ter se envolvido em inúmeros conflitos. Os confrontos com a China são os mais frequentes, inclusive piorando as relações entre os dois países após estabe-lecimento de sanções e boicotes. O mais importante foi nos recifes de Scarborough, quando navios de vigilância filipinos e chineses entraram em confronto por causa de atividades ilegais de pescadores chineses, aumentando as tensões, que seguem até hoje (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012). Além disso, recentemente, o governo respondeu a posição da China de que um organismo internacional não teria jurisdição para julgar as reivindicações filipinas no Mar do Sul da China (TIEZZI, 2015).

O Reino da Tailândia possui boas relações com todas as grandes potências. Apesar de ser um aliado formal dos Estados Unidos desde a Guerra Fria, a Tailândia hoje desfruta de relações mais estrei-tas com a República Popular da China. Com sua localização privilegiada, acima do Estreito de Malacca e entre a massa continental asiática e as ilhas do Sudeste Asiático, é de interesse estratégico de outros países. Além de Estados Unidos e China, o país recebe pesados investimentos japoneses e possui re-lações cordiais com a Índia. Nos últimos anos vêm desenvolvendo com sucesso uma diplomacia de aproximação com seus vizinhos mais próximos. A fronteira com o Camboja foi palco, em 2011, da maior escaramuça fronteiriça desde a criação da ASEAN 45 anos antes. Após o intenso conflito, no entanto, as animosidades foram resolvidas através da diplomacia. A aproximação com o Myanmar, também palco de conflitos anteriores, se dá através de crescente investimento em infraestrutura por parte da Tailândia. Com relações exteriores amigáveis o maior problema internacional do país é sua política interna, marca-da por conflitos e golpes, já contados em 19 desde o fim da Segunda Guerra Mundial (PONGSUDHIRAK, 2013).

Brunei não reivindica formalmente nenhuma ilha das Spratlys. Porém ao reivindicar sua Zona Econômica Exclusiva, que incluiria algumas ilhas, Brunei faz parte da disputa. O país tem grande interde-pendência econômica com a China, que é importante parceiro comercial, provendo tecnologia para ex-ploração petrolífera de Brunei. No entanto, com o 4º maior PIB por poder de paridade de compra (PPP), possui maior independência do que outros países da região, como Camboja e Myanmar (HEYDARIAN, 2012). Como suas reservas petrolíferas em terra logo se esgotarão, Brunei conta com a necessidade da

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Zona Econômica Exclusiva para avançar na exploração offshore32. Dentro da ASEAN, Brunei é um país com uma postura historicamente neutra. Nem um conflito armado, nem uma total dominação chinesa da região estão no interesse nacional de Brunei.

A Malásia é um dos países que possui reivindicações no Mar do Sul da China, mais especifica-mente nas Ilhas Spratly. Já passou por disputas com Cingapura e teve uma decisão da Corte Interna-cional de Justiça em que recebeu a soberania das ilhas Middle Rocks. O país tem como objetivo com suas reivindicações o aumento da ZEE. Ainda assim, defende as soluções multilaterais, em busca de uma maior integração dos países da ASEAN e maior estabilidade para região. Cingapura, por sua vez, tam-bém possui uma fronteira marítima não definida com a Indonésia, além dessa disputa com a Malásia, da qual obteve a soberania de Pedra Branca. Sua posição, no entanto, é de maior resguardo e neutralidade, procurando manter o comércio ativo na região através da estabilidade e do multilateralismo (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012). Também, vem defendendo uma maior participação da Índia na região do Mar do Sul da China, possivelmente uma estratégia de contrabalançar a China (CHEN, 2015).

A Indonésia, por sua vez, como membro da ASEAN e, de certa forma, soberana das Ilhas Natuna, traz uma política acerca dos conflitos bem distinta. Embora ainda reivindique alguns outros territórios, é nas Ilhas Natuna que a Indonésia foca todos os seus esforços. O fundo do mar em torno das ilhas é rico em gás e cai em parte dentro dos limites da chamada linha de novo traço da China, no Mar da China Meridional. Mas é também uma parte da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) da Indonésia. O País, portanto, tem afirmado, por diversas vezes que não há disputa com a China em torno da ZEE, pois a afirmação da China de “águas históricas” não tem base no direito internacional (GREIG, 2014). Há então, de certa forma, um conflito de interesses entre Indonésia e China; contudo, os países ainda continuam com algumas relações bilaterais, não extinguindo totalmente quaisquer relações diplomáticas, trazendo o conceito de “ambiguidade estratégica”. Esta ambiguidade que permeia a relação é impulsionada em parte por ansiedades históricas. Pequim e Jacarta suspenderam as relações diplomáticas há 23 anos após a ascensão de Suharto ao poder. Sua retomada em 1990 não impediu que uma nova crise no re-lacionamento em 1994 sobre o tratamento dos indonésios chineses em Sumatra do Norte. Apesar de, atualmente, ambos os países a colherem os benefícios econômicos de boas relações, Jakarta não coo-pera com essas práticas coercitivas chinesas e o seu pensamento estratégico da região (GREIG, 2014).

Quando se fala da posição do Camboja acerca dos conflitos na região, muitos afirmam que o país se mantem neutro nas questões do Mar do Sul; contudo, é possível ver claramente uma relação e quase um alinhamento com as políticas e estratégias chinesas. Embora membro da ASEAN, o país mantém um grau de relação e afinidade com as políticas e estratégias da China, que às vezes de sobrepõem aos interesses da ASEAN, o que traz descontentamento para com outros membros da ASEAN, em especial Filipinas e Vietnã (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

Com certos atritos com a Índia na sua fronteira, a postura do Mianmar durante muito tempo foi de forte aliança com a China, seu maior investidor. O país passou anos em isolamento e a participação nos fóruns regionais, principalmente na ASEAN tem sido uma maneira de promover a sua abertura di-plomática. Na questão do Mar do Sul da China, as lideranças do Mianmar decidiram tomar uma atitude mais neutra, buscando uma resolução com base num código de condutas escrito (SUN, 2014)

Por sua vez, o Laos é um aliado chinês confiável e membro de diversas organizações regionais. Ele possui disputas territoriais próprias, com a Tailândia, de quem é importante parceiro econômico. Apesar de concordar em realizar discussões securitárias com o Japão, o Laos ainda permanece ao lado da China e acreditando na força da ASEAN, para que as disputas territoriais marítimas não devam ter espaço para discussão em fóruns multilaterais (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012).

É sabido que a Federação Russa proclamou longo interesse em se tornar uma potência da Ásia--Pacífico. Na prática, a política de Ásia da Rússia centrou-se mais atenção nas suas relações bilaterais, especialmente em sua parceria estratégica com a China e seus antigos laços com a Índia. No sudeste asiático, o diálogo político da Rússia para com os membros da ASEAN tem cooperação substantiva e cresceram largamente com o tempo. Um país do sudeste asiático que tornou-se grande parceiro da Rús-sia foi a Malásia, um dos grandes apoiadores da inclusão da Rússia na Cúpula do Leste Asiático, embora o ceticismo vindo de Cingapura e Indonésia ainda fosse muito grande. Em particular, os laços bilaterais da Rússia com a Malásia, Indonésia e Vietnã têm vindo a desenvolver ao longo dos últimos vinte anos na venda de armas, aviação e energia. Mais recentemente, a Rússia tem tentado expandir a cooperação militar com as Filipinas (WISHNICK, 2013).

32 Exploração realizada em alto-mar.

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CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

A Situação no Iraque (2003)

Natália Regina Colvero MaraschinGraduanda do 7º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Guilherme Henrique SimionatoGraduando do 7º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Bruno Palombini GastalGraduando do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

IRAQUE

DE

MO

CR

AC

IA

Maísa MouraGraduanda do 3º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Sérgio TessutoGraduando do 5º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é o principal órgão da ONU, sendo respon-sável pela manutenção da paz e da segurança internacional, como determinado pelo artigo 24, capítulo V da Carta da ONU (ONU, 1945). A característica mais importante do Conselho, diferenciando-o dos outros órgãos das Nações Unidas, é o fato de ser este o único comitê capaz de impor resoluções obriga-tórias para todos os Estados e de autorizar o uso da força.

O CSNU é formado por quinze membros: cinco permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) e dez rotativos selecionados pela Assembleia Geral, tendo por base critérios regio-nais, para períodos de dois anos. Cada um dos cinco membros permanentes possui “poder de veto”, o que significa que quando qualquer um desses países votar contra uma resolução ou cláusula, ela é automaticamente rejeitada. As decisões do Conselho bastante importantes para a manutenção da paz, afetando não apenas os Estados, mas também as vidas de populações diretamente envolvidas nos conflitos discutidos.

1. HISTÓRICO

O atual território do Iraque era antigamente ocupado por cidades-estados que compunham a Mesopotâmia, uma região localizada entre os rios Tigre e Eufrates.1 Considerada um dos berços da ci-vilização, a Mesopotâmia fazia parte do Crescente Fértil, uma zona árida, porém de próspero cultivo de cereais e pecuária de pequeno porte às margens dos rios. Por se tratar de área de passagem de rotas comerciais e populacionais entre a Europa, a Ásia e a África, a Mesopotâmia sofreu constantemente com instabilidades, invasões e dominações das mais diversas sociedades, que deixaram para trás lega-dos culturais que contribuíram para caracterizar o Oriente Médio como conhecemos2 (SIMIONATO e MARASCHIN, 2014).

Figura 1: O Grande Oriente Médio

Fonte: website Jornal do Brasil, 2012.

1 Cidade-estado é um termo que refere a cidades independentes, com governo autônomo, ou a cidades que se transformaram em pequenos países. Essa denominação é comumente usada para tratar do período da Antiguidade, quando os territórios não estavam organizados em estruturas de Estados nação, tal qual conhecemos.

2 Para saber mais, recomenda-se a leitura de BONFIM, Marcelo Garcia. A Guerra do Iraque: História Ofi cial e Ofi ciosa. 2014. 131 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2014. Disponível em: <http://www.uel.br/pos/mesthis/MarceloGBonfi mDisserta2014.pdf>. Acesso em: Mai 2015.

UFRGSMUNDI 2015 ISSN: 2318-6003 | v3, 2015 | p.124-141124

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Figura 2: Localização Geográfi ca da Mesopotâmia

Fonte: adaptado de Frank E. Smitha’s Macrohistory website.

Como resultado dessa trajetória histórica de conquistas e redefi nições territoriais, o Iraque atual é formado por diferentes grupos populacionais. Etnicamente, os dois maiores grupos sociais são os ára-bes (75%-80%) e os curdos (15%-20%), enquanto, religiosamente, os iraquianos se dividem entre xiitas (60%-65%) e sunitas (32%-37%) (INDEX MUNDI, 2014). Essas divisões se sobrepõem em diferentes com-binações étnico-religiosas, e os grupos populacionais resultantes divergem quanto a percepções sobre representação política e questões sociais e territoriais, muitas vezes entrando em confl ito.

Os curdos são um povo indo-europeu cujas origens remonta às populações persas3. Habitantes de regiões montanhosas do Oriente Médio, houve uma divisão forçada dos mesmos, que foram disper-sos pelos os territórios da Turquia, da Síria, do Iraque e do Irã após a desintegração do Império Otomano com o fi m da Primeira Guerra Mundial. Desde então, por não se sentir parte integrante desses países, o povo curdo luta por sua autodeterminação, seja na forma de um Estado próprio, seja na forma de gover-nos regionais independentes dentro das fronteiras já estabelecidas4 (Smith 2013).

Os sunitas e os xiitas, por sua vez, são seguidores do Islamismo, não se tratando de uma divi-são étnica, mas religiosa. A separação entre os dois grupos ocorreu após a morte do profeta Maomé: enquanto o sunismo acreditava que Maomé não havia deixado herdeiros legítimos e que seu sucessor deveria ser eleito através da votação da comunidade islâmica, o xiismo defendia que Maomé havia or-denado divinamente seu primo Ali para ocupar a liderança do mundo islâmico. Além disso, enquanto os xiitas conservam interpretações antigas baseadas apenas no Alcorão e na Lei Islâmica (Sharia), os suni-tas atualizam suas interpretações dessas fontes, levando em consideração as transformações pelas quais o mundo passou, e se valem também da Suna, os documentos do profeta Maomé (FERNANDES, 20-).

Durante o Império Otomano, os turcos-otomanos, adeptos ao Islã sunita, se aliaram aos sunitas das tribos que habitavam a região do atual Iraque como forma de solidifi car o seu domínio sobre o ter-ritório. Como consequência, os sunitas dessas tribos passaram a ocupar os mais altos cargos governa-mentais no Império, conquistando uma grande experiência administrativa que lhes vai permitir manter o controle sobre o poder político por muitos anos. Os xiitas, nesse contexto, foram sistematicamente excluídos dos cargos públicos, negligenciados e marginalizados econômica e socialmente. A situação se manteve mesmo com a independência e posterior proclamação da república iraquiana. Ao longo desse período, ocorreram diversas revoltas xiitas, violentamente reprimidas pelos governos, em tentativas de conquistar maior representatividade política e melhorar seu status na sociedade iraquiana (LIBRARY OF CONGRESS, 1990). Em termos territoriais, os xiitas habitam o sul do Iraque, incluindo a saída do país para o Golfo Pérsico, região com importantes oleodutos e refi narias. Os sunitas, por sua vez, se con-centram no centro do país, próximo à fronteira com a Síria. Essas divisões étnico-culturais e territoriais são importantes para a compreensão da formação do Estado Iraquiano, evidenciando a ausência de um sentimento de unidade entre a população do país.

3 Os persas, que constituíram uma das maiores civilizações da Antiguidade, eram o povo que habitava a região local-izada entre o Golfo Pérsico e o Mar Cáspio, território que atualmente pertence ao Irã. Para saber mais, leia: SOUSA, R. Persa. Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/persa/>. FERNANDES, C. Civilização Persa. Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/persa/civilizacao-persa>.

4 No Iraque, os curdos ganharam autonomia em 1970, com a criação do Governo Regional do Curdistão, que admin-istra o norte do país, região estratégica principalmente por seus recursos petrolíferos (Smith 2013).

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Figura 3: Distribuição geográfi ca dos grupos étnicos e religiosos

Fonte: adaptado de Perry Castañeda Library Map Collection. Universidade do Texas.

1.1. ASCENSÃO E QUEDA DO IMPÉRIO OTOMANO

A área que hoje forma o Iraque foi frequentemente devastada e ocupada por diferentes povos até o século XVII, até o momento em que Turco-otomanos a anexaram ao Império na forma de três pro-víncias, Bagdá, Basra e Mosul.5 Durante os três séculos de domínio sobre os árabes, os Turco-otomanos promoveram a modernização e ocidentalização do território por meio de mudanças sociais, culturais e tecnológicas, tais como a introdução do sistema educacional francês, a combinação dos valores islâmi-cos com o liberalismo ocidental e a reforma na tecnologia militar (ENCICLOPÉDIA LARROUSE, 1999).67

No fi m do século XVIII e início do XIX, a Europa passou a projetar seu poder para além de suas fronteiras. A Revolução Industrial e o início do Imperialismo fi zeram com que a Europa expandisse suas áreas de interesse econômico, tornando o Oriente Médio um foco de disputas das grandes potências.89 Em 1798, a França de Napoleão invadiu o Egito, dando início ao declínio da periferia do Império Otoma-no e ao aumento da infl uência europeia na região. Como tentativa de conter a decadência do Império, em 1908, foi realizada a Revolução dos Jovens Turcos, que colocou no poder ofi ciais dedicados a realizar reformas institucionais e administrativas (HALLIDAY, 2005). Além disso, a Revolução dos Jovens Turcos estimulou a separação entre os árabes da região e os turcos que comandavam os domínios otomanos – separação essa que fomentou a emergência do nacionalismo árabe.

Com o estopim da Primeira Guerra Mundial (IGM), em 1914, os otomanos declararam apoio à Tríplice Aliança, formada pelo Império Alemão, pelo Reino da Itália e pelo Império Austro Húngaro.10

5 O Império Otomano, Estado que existiu de 1299 a 1922, compreendia territórios no leste europeu, norte da África e Oriente Médio. Considerado um poderoso império islâmico, teve como principal capital a cidade de Constantinopla (atual Istambul); a invasão da cidade e seu domínio pelos otomanos, em 1453, é um marco na História, pondo fi m a Idade Média e dando início a Idade Moderna.

6 Ocidentalização é o processo pelo qual sociedades ocidentais infl uenciam sociedades não ocidentais em questões como cultura, religião, política, legislação, economia, tecnologia.

7 Liberalismo é o conjunto de ideias através do qual se acredita na liberdade política e econômica, propondo uma não intervenção do Estado nem na economia, nem na vida das pessoas. Surgiu na Europa no século XVIII, sendo esse pensamento hegemônico até o início do século XX.

8 A Revolução Industrial é um conjunto de mudanças que tem início no século XVIII na Europa, e marca a transição do trabalho feito de maneira artesanal para um trabalho industrial, mecanizado, com o homem na situação de tra-balhador assalariado e não mais dono de seus próprios meios de produção. Esse processo dinamiza a produção, lançando mais bens e de maneira mais rápida no mercado.

9 Imperialismo europeu foi uma prática de Estados europeus sobre países africanos e asiáticos que consistiu em abrir novos mercados nesses países, através de massiva infl uência política, econômica e sociocultural, descaracterizando tais sociedades a fi m de manter a hegemonia europeia.

10 O estopim da Primeira Guerra Mundial foi o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando do Império Aus-

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Um ano depois, em um episódio conhecido como Correspondência Hussein-McMahon, a Grã-Breta-nha negociou um acordo com Hussein Bin Ali, Xerife de Meca.11 Nele, os britânicos prometeram que os árabes ganhariam um Estado independente no Oriente Médio caso se rebelassem contra os otomanos e participassem da IGM ao lado da Tríplice Entente, formada por Reino Unido, França e Império Russo. Entretanto, de maneira simultânea, a Grã-Bretanha e a França assinaram secretamente o Acordo de Sy-kes-Picot (1916), em que dividiram o Oriente Médio em áreas de infl uência que fi cariam sob seu domínio após o fi m da guerra: os britânicos controlariam a Palestina, o Iraque e a Transjordânia, e os franceses controlariam o Líbano e a Síria (VISENTINI, 2012). O Sykes-Picot é considerado um ponto de infl exão nas relações árabes e europeias, na medida em que contrariava as promessas feitas ao povo árabe. É por meio dele que o confl ito mundial ofi cialmente “encerrou o longo declínio e desmembramento do Império Otomano e […] fundou o moderno sistema estatal que seria mais ou menos sustentado depois” (HALLIDAY, 2005) (tradução nossa).

Em abril de 1920, na Conferência de San Remo, a Liga das Nações estruturou um Sistema de Man-datos, que determinava que seus países-membros fi cassem responsáveis por administrar territórios que antes pertenciam à Alemanha ou ao Império Otomano, os derrotados da Primeira Guerra. Através desse decreto, a Grã-Bretanha formalmente se tornou o poder mandatário das províncias de Bagdá, Mosul e Basra, tendo o dever de transformá-las em um Estado moderno e autodeterminado, unifi cando-as so-cialmente, juridicamente e politicamente em uma nação. O mandato perdurou até 1932, quando os bri-tânicos, com difi culdades de enfrentar movimentos nacionalistas contrários à sua presença e problemas fi nanceiros para manter o mandato, declararam a independência do Iraque. O período que se seguiu foi marcado por uma monarquia constitucional Hachemita liderada pelo rei Faisal I (DODGE, 2006).12

1.2. INDEPENDÊNCIA E MONARQUIA HACHEMITA

Em outubro de 1932, o Iraque se tornou um Estado soberano e foi admitido na Liga das Nações.13 Nessa nova fase, no âmbito da política interna, Faisal I formou um governo em que os sunitas assumiram a maioria dos postos administrativos. Como consequência, Assírios, Curdos e Xiitas, que também habi-tavam o território, se rebelaram diversas vezes, demandando autonomia e afi rmando não se sentirem representados pela administração.14 Na política externa, o rei iraquiano se envolveu em disputas de fron-teiras com outras ex-províncias otomanas e promoveu a manutenção de laços econômicos e militares com a Grã-Bretanha, que já haviam sido delimitados no Tratado Anglo-Iraquiano de 1930. Esse tratado de aliança dava aos britânicos direitos comerciais e militares no Iraque, tendo como objetivo institucio-nalizar a infl uência e os privilégios da Grã-Bretanha sobre o país (LIBRARY OF CONGRESS, 1990).

Em 1933, Faisal I morreu, e seu fi lho, Ghazi, assumiu o trono. O novo rei, diferentemente de seu pai, obteve educação ocidental, tendo pouca experiência com a complexidade social do país que reina-va – devido a isso, Ghazi não conseguiu equilibrar os movimentos nacionalistas dos povos iraquianos e a infl uência britânica. Outra questão que gerou instabilidade interna foi a percepção da população local de que Ghazi era um rei muito permissivo aos interesses britânicos, fato que teve como resultado diversas tentativas de golpe para tirá-lo do poder. Em 1939, Ghazi faleceu e seu primo, Amir Abd al Ilah assumiu como regente. Dois anos depois, no contexto de crescimento do sentimento nacionalista an-ti-britânico entre a população, o regime sofreu um golpe militar que colocou Rashid Ali Kilani no poder (LIBRARY OF CONGRESS, 1990).

tro-Húngaro. No dia 28 de junho de 1914, o arquiduque e sua esposa sofreram um atentado em Sarajevo, Bósnia, no qual ambos vieram a óbito. A responsabilidade do ataque foi de um grupo sérvio chamado Mão Negra, que pretendia libertar as províncias eslavas da Áustria-Hungria e constituir um Estado eslavo, a Grande Sérvia.

11 O termo Xerife, ou Emir, signifi ca “nobre” em árabe e é um título de honra atribuído aos descendentes de Maomé. Hussein Bin Ali, era pertencente à monarquia Hachemita, que dominava uma região chamada de Reino de Hejaz, cuja capital era Meca. Hussein foi o monarca desse reino de 1916 a 1924, sendo lhe atribuído o título de Xerife de Meca.

12 A família Hachemita tem sua origem na Península Arábica. Antes da fundação de ambos os reinos da Transjordânia e do Iraque com Abdullah e Faisal, seu patriarca Hussein Ibn Ali Al Hashimi (1853–1931) era Emir de Meca e sua família detinha a custódia hereditária das cidades sagradas. A família afi rma possuir descendência direta do profeta Maomé (LIBRARY OF CONGRESS, 2006).

13 Liga das Nações (1919-1946) foi uma organização internacional criada logo após a Primeira Guerra Mundial com o intuito de preservar a paz e solucionar os confl itos internacionais através de mediações. Não possuía exército próprio, tendo como único poder de coerção sanções militares e econômicas. Em 1946, a Liga das Nações deixou de existir, passando suas responsabilidades para comando da Organização das Nações Unidas (ONU).

14 Os assírios são uma etnia que teve origem no Crescente Fértil durante a Idade Antiga. Chegaram a conquistar os povos da Mesopotâmia e a instaurar um Império Assírio no século VIII a.C.. Porém, no século VII a.C. o império cai pelo domínio dos caldeus. Atualmente os assírios constituem uma minoria étnica no Oriente Médio que sofre com perseguições religiosas e étnicas. No Iraque, os assírios constituem 3% da população.

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Kilani, durante a Segunda Guerra Mundial, buscou realizar acordos com membros do Eixo (Ale-manha, Itália e Japão), numa tentativa de conter a infl uência britânica no Iraque. Tal fato desencadeou a Guerra Anglo-Iraquiana (1941), na qual a Grã-Bretanha invadiu o Iraque, restaurou Abd al Ilah ao poder, fez o Iraque declarar guerra contra o Eixo e passou a utilizar seu território como base militar. A partir dessa guerra e de seus resultados, a monarquia passou a ser vista como completamente dissociada do nacionalismo iraquiano, tendo pouca legitimidade e prejudicando a construção de uma identidade na-cional (TRIPP, 2000).

A partir dos anos 1950, em um contexto mundial polarizado com o fi m da Segunda Guerra e com a consolidação da Guerra Fria, a decadência da monarquia se anunciou, causada por dois novos even-tos. O primeiro deles, em 1955, foi a assinatura entre o Iraque, a Grã-Bretanha, a Turquia, o Paquistão e o Irã do Pacto de Bagdá, um acordo de defesa mútua com o objetivo de formar um cordão de países ao sul da URSS para conter sua expansão em direção ao Oriente Médio. O segundo ocorreu em 1956, quando o Reino Unido, a França e Israel invadiram o Egito após esse país nacionalizar o canal de Suez e o Iraque, nessa situação, se tornou uma das únicas bases militares britânicas na região.15 Os nacionalistas iraquianos se mostraram bastantes insatisfeitos com o Pacto de Bagdá e com os resultados da chamada Crise de Suez, uma vez que ambos aumentavam a ingerência britânica sobre o Iraque. Essa insatisfação retiraria em apenas três anos a monarquia Hachemita do trono, dando início ao período republicano (SIMIONATO e MARASCHIN, 2014).

1.3. REPÚBLICA DO IRAQUE

Em 14 de julho de 1958, um dos grupos nacionalistas formado por militares denominados “Ofi -ciais livres” deu fi m à monarquia Hachemita, matando o rei, o príncipe e o Primeiro-Ministro, que tinham alianças com os britânicos, e inaugurando a República do Iraque. Abd al Karim Qasim, que assumiu o poder como Primeiro-Ministro, promoveu reformas sociais no país, investindo em habitação, saúde e educação e introduzindo um planejamento econômico com vistas ao bem-estar das classes médias e dos trabalhadores urbanos.16 Internamente, com a instauração da República, ressurgiram antigos confl i-tos sectários, tribais e étnicos, dentre os quais os mais fortes foram aqueles entre curdos e árabes e entre sunitas e xiitas (LIBRARY OF CONGRESS, 1990). Na política externa, o país passou por diversas crises, destacando-se a reivindicação do Kuwait17 como parte território iraquiano, que levou à quebra de rela-ções diplomáticas com os outros membros da Liga Árabe18 e isolou o Iraque dos Estados vizinhos. Além disso, como nessa época o petróleo já representava o maior recurso econômico do Iraque, em 1960, o país formou a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) juntamente com Arábia Saudi-ta, Venezuela e Kuwait e, um ano mais tarde, Qasim deu fi m à exploração de petróleo pela Companhia Iraquiana de Petróleo, uma empresa britânica, expropriando quase a totalidade das áreas concedidas às empresas petrolíferas e nacionalizando-as (DAWISHA, 2009).19

A grande distância que separava Qasim de grupos políticos de seu país e sua incapacidade de controlar revoltas sociais (além das crises internacionais pelas quais o Iraque passava) resultaram na sua

15 O Canal de Suez foi construído no fi m do século XIX com o objetivo de ligar o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, permitindo assim encurtar rotas marítimas entre Europa e Ásia. Inicialmente, França e Egito eram os proprietários do canal. Porém, o Egito, incapaz de manter sua parte, vendeu-a a Inglaterra. Com o desenrolar da Primeira Guerra Mundial, o Egito acreditava que os europeus se retirariam da área, porém, o interesse pelo Oriente Médio apenas aumentou, especialmente para França e Inglaterra, que possuíam agora uma companhia no canal que se benefi ciava das taxas pagas por navios que ali passavam.. Em 1956, o presidente Nasser do Egito nacionalizou o canal e os bens da companhia franco-britânica. Além disso, ele também passou a denunciar a presença da Inglaterra com interesses coloniais. no Oriente Médio

16 Primeiro – Ministro é um cargo político cujo designado, em um sistema parlamentaria, desempenha as funções de chefe de governo e se reporta a um parlamento. Já em um sistema presidencialista, o primeiro-ministro se reporta ao Chefe de Estado.

17O Kuwait é um país vizinho do Iraque e, por sua proximidade territorial, ambos os Estados tinham questões de fron-teiras a resolver, estimuladas pelo fato das duas nações terem sido protetorados britânicos antes das independências.

18 A Liga Árabe é uma organização regional criada em 1945, composta por países árabes do norte da África e do Oriente Médio. Foi inicialmente fundada por seis países (Egito, Síria, Iraque, Líbano, Arábia Saudita e Transjordânia), tendo como objetivo principal melhorar as relações entre os Estados e defender os princípios de soberania e inde-pendência e os interesses dos países árabes.

19 OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é uma organização internacional criada em 1960 que visa proteger a política petrolífera dos países membros, em uma espécie de cartel no qual se restringe a quantidade de barris de petróleo a serem produzidos e se impulsionam os preços. Anteriormente, o petróleo mundial era domi-nado pelas Sete Irmãs – sete empresas petrolíferas de origem americana e europeia. Como a criação da OPEP trouxe grande lucratividade para os países membros, não foi bem vista pelas grandes potências.

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deposição, em 1963, por um golpe de Estado orquestrado por membros do partido Baath.20 Quem assu-miu a presidência foi um ofi cial militar não-membro do partido, Abd al-Salam Aref, e o governo passou a ser formado por militares e civis. Entretanto, em pouco tempo, Aref arquitetou um novo golpe, que manteve apenas militares no poder e retirou os membros do Baath das estruturas políticas. Em 1966, o presidente morreu e foi substituído no poder por seu irmão, que teve de encarar uma ressurgência de rebeldes curdos, pressões internacionais, como a guerra Árabe-Israelense de 1967, questões do petróleo com a Síria e acusações internas de corrupção (DAWISHA, 2009).

1.4. A ASCENSÃO DO BAATH

Em 1968, o Baath realizou um novo golpe de Estado, se colocando defi nitivamente no poder. Ahmad Hassan al-Bakr se tornou o novo presidente e seu primo, Saddam Hussein, foi apontado chefe da Segurança Interna do governo e vice-presidente do Conselho de Comando Revolucionário, o órgão executivo e legislativo mais importante do Iraque (DAWISHA, 2009).

Com uma perspectiva modernizadora, reformista e de melhorias sociais, o Baath procurou reali-zar treinamentos militares e elaborar políticas de desenvolvimento industrial e programas sociais, além de nacionalizar a indústria do petróleo, importante fonte de renda do país. Para consolidar seu poder domesticamente, ampliar sua base de apoio e garantir a lealdade dos funcionários públicos, o partido trabalhou para diminuir as diferenças entre os três principais grupos étnico-religiosos da população ira-quiana – os xiitas (maioria numérica), os sunitas (população mais rica, que controlava o poder desde sua aliança com os otomanos) e os curdos (população não-árabe que possuía laços étnicos com Irã, Turquia e Síria) (BLAYDES, 2014). Além disso, o regime se apoiou na eliminação de oponentes e no condiciona-mento da fi liação ao partido para a ocupação de cargos administrativos (CORDESMAN, 2007).

O governo Baath se defi nia como revolucionário e anti-imperialista e visava ser um modelo para outros países árabes. Como maneira de aumentar sua relevância estratégica e se tornar líder em sua re-gião, o Iraque iniciou uma aproximação política e econômica com as potências mundiais e seus aliados. É importante notar que, durante os anos 70, os países europeus e os Estados Unidos procuraram manter relações amigáveis com o Iraque, visto que, em tempos de Guerra Fria, havia a necessidade de impedir que a ideologia comunista e a infl uência da URSS se espalhassem pela região (HINNEBUSCH, 2007).

Após nove anos como governante, Bakr abdicou da presidência e Saddam Hussein assumiu em seu lugar. Como Saddam já possuía grande infl uência e prestígio nas esferas políticas do baath e con-trolava as forças armadas – que permitiam ao partido se manter no comando –, assumir a presidência foi apenas um ato de legitimação de seu poder. Suas primeiras medidas no comando foram perseguir opositores políticos, cercar-se de ofi ciais leais à sua pessoa e iniciar um culto à personalidade que o re-tratava como representante de todos os povos do Iraque. 21 O novo projeto de governo passou a centrar um poder ilimitado e inquestionável não no chefe de Estado, mas na fi gura de Saddam. A coerção – uso da força, da intimidação e da ameaça para induzir determinadas ações – foi o instrumento escolhido para destruir oponentes e para garantir a união do país sob o presidente (COOK, 2008).

A política iraquiana sob Hussein estava de acordo com os projetos do partido Baath. Domesti-camente, foram realizadas iniciativas sociais e planos de desenvolvimento econômico voltados para o fortalecimento do Iraque como uma nação unida e para a melhora das condições de vida, renda e educação da população. Por outro lado, o regime também adotou políticas contrárias ao povo curdo e perseguiu minorias assírias. Internacionalmente, o Iraque manteve o plano de consolidar um papel de liderança no Oriente Médio e teve que enfrentar mudanças na dinâmica regional, principalmente nas relações com o Irã, país vizinho (KHOURY, 2014).

Em 1979, o Iraque se deparou com uma mudança no cenário internacional com a ocorrência da Revolução Iraniana, na qual o Xá, então governante do Irã, foi deposto, e Aiatolá Khomeini ascendeu ao poder. A nova República Islâmica do Irã, governada por xiitas, passou a advogar pela derrubada dos re-gimes que não fossem representativos de seu povo e sua substituição por repúblicas islâmicas. O Iraque foi diretamente afetado por essa situação na medida em que suas populações xiita e curda possuíam laços culturais e religiosos com o Irã, e o país apoiava impulsos revolucionários desses grupos. Além disso, os iranianos tinham interesse de expandir a revolução islâmica para outros países muçulmanos,

20 O Baath foi fundado nos anos 1940 por dois estudantes sírios, Michel Afl aq e Salah ad Din al Bitar. Seus ideais de unidade árabe (pan-arabismo), socialismo e liberdade (anti-imperialismo) refl etiam os sentimentos de vários ira-quianos que, durante a monarquia, haviam sido excluídos socialmente. A partir de 1952 o partido passou a crescer rapidamente no Iraque, especialmente entre os intelectuais.

21 Culto à personalidade é uma estratégia de propaganda política que se baseia na exaltação das virtudes e habili-dades – reais ou inventadas – do governante para retratar positivamente sua fi gura.

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ameaçando assim regimes como o de Saddam (KHOURY, 2014). Assim, em 1980, o governo iraquiano, como meio de expandir o poder do Iraque, resolver as preocupações com xiitas e curdos, dominar as reservas de petróleo de Golfo Pérsico e resolver questões territoriais pendentes na fronteira iraniana, decidiu ordenar a entrada de suas tropas no Irã, aproveitando a vulnerabilidade pós-revolução do país. Teve início, assim, a Guerra Irã-Iraque (CORDESMAN e KHAZAI, 2014).

Saddam Hussein acreditava que iria receber apoio internacional na Guerra Irã-Iraque, uma vez que a Revolução Iraniana colocou no poder um regime contrário ao Ocidente que ameaçava o supri-mento de petróleo e o livre trânsito de países europeus e dos EUA pelo Golfo Pérsico. Ainda que inicial-mente os Estados Unidos tenham se oposto à invasão do Irã, os norteamericanos mudaram sua política a partir de 1982, quando os iranianos se mostraram capazes de enfrentar as forças iraquianas. Para os EUA, uma eventual expansão Iraniana no Oriente Médio poderia desestabilizar a região e incentivar a ascensão ao poder de outros grupos contrários aos países ocidentais. Assim, o presidente americano Ronald Reagan passou a apoiar o regime de Saddam Hussein, fornecendo armas, dinheiro e auxílio na área de inteligência para que os iraquianos pudessem conter o Irã. O interesse dos estadunidenses foi tão grande que eles possuíam uma Diretiva Nacional Estratégica que defi nia que fariam o que fosse necessário e legal para evitar que o Iraque perdesse a guerra (CORDESMAN e KHAZAI, 2014). À medida que a guerra avançava e prejudicava cada vez mais o fornecimento de petróleo mundial, outros países da comunidade internacional passaram a se engajar mais ativamente na busca de uma solução para o confl ito (KHOURY, 2014).

Em 1988 um cessar-fogo entre as partes foi assinado. Mesmo tendo destruído o país, a guerra consolidou a posição iraquiana de nação mais militarizada da região, em grande parte devido ao apoio dos EUA, e colocou o Iraque na posição de bastião contra a República Islâmica do Irã. Contudo, os cus-tos do combate foram grandes, não apenas no nível econômico, mas também no social: o Iraque teve meio milhão de baixas e seus postos de extração de petróleo, refi narias e indústrias químicas da região sul fi caram completamente destruídos. O esforço de guerra drenou os recursos do Estado e o Iraque acumulou uma dívida externa de mais de 100 bilhões de dólares, devidos principalmente ao Kuwait e à Arábia Saudita. Desemprego, infl ação e insatisfação política também estavam entre os resultados do confl ito (KHOURY, 2014).

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1 A INVASÃO DO KUWAIT

Após quase uma década de guerra com o vizinho Irã, o Iraque encontrava-se completamente dilacerado, imerso na difícil situação explicitada na seção anterior, da qual um aspecto central é a radical queda nas receitas auferidas da exportação de petróleo. A produção petrolífera iraquiana, que chegava a 3,4 milhões de barris por dia no período anterior, caiu para em torno de um terço desse montante duran-te e logo após a guerra, devido à destruição provocada pela contraofensiva iraniana no sul do país, onde se encontravam os principais poços e refi narias (DAWISHA, 2009). Entretanto, ao mesmo tempo em que a produção era baixa no Iraque, nos outros países membros da OPEP, a produção petrolífera alcançava altos níveis, fazendo cair os preços internacionais desse produto dada sua grande oferta no mercado mundial. A baixa produção somada aos baixos preços correntes reduziu imensamente a receita advinda da exportação do petróleo, que representava cerca de 60% do Produto Interno Bruto do Iraque. Endivi-dado, sem fontes de recursos e sem crédito junto aos seus credores, o Iraque não possuía maneiras de fi nanciar a sua recuperação no pós-guerra e reequipar o seu exército (RYAN e KIELY, 2009).

O Kuwait, além de ser o principal responsável pelo excesso de produção petrolífera e pela con-sequente baixa do seu valor de mercado, tinha emprestado enormes quantias ao Iraque durante sua guerra contra o Irã, apoiando amplamente o primeiro em conjunto com os demais países árabes. Ao contrário da Arábia Saudita, no entanto, que também era credora do Iraque mas perdoou a dívida, o Kuwait fazia questão de cobrar esses recursos do governo de Saddam Hussein, completamente impos-sibilitado de pagá-los pelas razões citadas anteriormente. Esses fatores agravaram muito a já delicada relação entre Iraque e Kuwait, que possuíam um histórico de tensões territoriais (MALONE, 2006).

Frente a essa situação, o líder iraquiano, alegando ter defendido o mundo árabe como um todo durante a guerra contra o Irã, exigiu do Kuwait que reduzisse sua produção petrolífera e esquecesse a dívida do Iraque. Dada a rejeição kuwaitiana, Saddam viu na invasão do vizinho um meio de angariar recursos que permitissem a reconstrução do Iraque e, assim, contornar a gravíssima crise que assolava esse país. Também acreditava que a ocupação do emirado serviria como ferramenta de chantagem para

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angariar crédito frente a outros países, principalmente a Arábia Saudita. Assim, no dia 02 de agosto de 1990, tropas iraquianas invadiam a Cidade do Kuwait, capital do emirado, e forçaram a família real a fugir para a Arábia Saudita (MALONE, 2006; SIMIONATO e MARASCHIN, 2014)

Saddam, levando em conta o relativo desinteresse com o qual os outros países lidaram com a guerra contra o Irã, não esperava uma efetiva resposta internacional ao confl ito que fi cou conhecido como Guerra do Golfo. Contudo, o Iraque foi surpreendido por uma forte reação dos EUA – que era formalmente seu aliado – e por uma rara demonstração de articulação dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Thomas Pickering, embaixador dos EUA junto à ONU, trabalhando juntamente com o representante do Reino Unido e do Kuwait, tratou de convocar os demais embaixadores a uma reunião imediata do Conselho de Segurança para debater meios de pôr fi m ao confl ito (MALONE, 2006). Entre as preocupações que levaram os estadunidenses a agir estavam o fornecimento de petróleo do Golfo, do qual eram cada vez mais dependentes, e a segurança do Oriente Médio, uma vez que a invasão poderia ser vista como um precedente para futuras violações territoriais que feririam a estabilidade da região e comprometeria o prestígio norte-americano no cenário internacional (RYAN e KIELY, 2009). Na ocasião, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução de número 660, que demandava urgentemente a retirada de todas as tropas iraquianas do território kuwaitiano (ONU, 1990).

É importante mencionar que a URSS, nesse momento, estava em pleno processo de dissolução, não detendo condições e nem interesse de se contrapor aos EUA e seus aliados, fato que indicava o fi m da ordem bipolar (VISENTINI, 2012). Apenas horas depois da invasão, os EUA e a URSS adotaram sanções contra o Iraque e, no dia seguinte, emitiram uma declaração conjunta na qual repudiavam veemente-mente a violação da soberania do Kuwait e convocavam um embargo de armas coletivo a Saddam. Essas ações acordadas entre as duas maiores potências da época abriram o caminho para que num futuro próximo medidas mais duras fossem adotadas, inclusive o uso da força (MALONE, 2006).

2.2 O IRAQUE NA ONU: RESOLUÇÕES, SANÇÕES E ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA

Com a continuação da guerra, o Conselho de Segurança da ONU seguiu se pronunciando sobre a questão. Entendendo os atos iraquianos como desproporcionais e sem legitimidade segundo o direito internacional, os países do Conselho aprovaram a Resolução 661, cujo conteúdo foi inédito (ONU, 1990). Ainda que o Conselho já tivesse deliberado sobre aplicar sanções econômicas em outras ocasiões, nun-ca antes uma resolução havia atribuído responsabilidade a um Estado por agredir outro22.

A determinação mais importante da Resolução 661 foi o embargo econômico, que não apenas impedia que a comunidade internacional comprasse qualquer produto iraquiano, como também proibia a entrada de qualquer gênero de produtos (com exceção daqueles considerados de necessidade huma-nitária) no país. A Resolução ainda obrigava o Iraque a cumprir o que fora estabelecido nas resoluções anteriores: a responsabilidade pela agressão e a retirada de tropas do território kuaitiano (MALONE, 2006).

Como o Iraque não realizou as determinações do Conselho, uma coalisão de 31 países liderada pelos EUA deu início à Operação Tempestade no Deserto, uma série de ataques coordenados por ar, mar e terra para destruir complexos militares, indústrias e infraestrutura iraquianos (MALONE, 2006). Em pouco tempo, a operação conseguiu com que as forças iraquianas se retirassem do Kuwait. Com o fi m do confl ito, o Conselho de Segurança reforçou as sanções ao Iraque e determinou que o país destruísse todas as suas armas de destruição em massa (ADM) e mísseis de longo alcance (maior que 150 quilôme-tros), estabelecendo uma Comissão Especial (UNSCOM) para monitorar o processo de desarmamento (MALONE, 2006).

As sanções impostas ao regime de Saddam culminaram em uma crise humanitária no Iraque que foi defi nida pela equipe de trabalho pessoalmente designada para estudos sobre o Iraque pelo Secre-tário-Geral das Nações Unidas23 como “quase apocalíptica” (MALONE, 2006). Frente a isso, em meados de 1995, a comunidade internacional se encontrava dividida sobre a continuidade do embargo: França, Rússia, China, os países árabes e mesmo a população dos Estados Unidos e do Reino Unido demons-traram preocupação ao perceber que as sanções tiveram muito mais impacto sobre a população civil iraquiana do que sobre o regime de Saddam Hussein (MALONE, 2006). Apesar dos vetos dos Estados

22 O Conselho de Segurança considerou o Iraque como culpado pela invasão do Kuwait e o responsabilizou frente à comunidade internacional, além de propor sanções ao país como represália.

23 No início de 1991, o Secretário-Geral da época, o peruano Javier Perez Cuellar, criou uma equipe liderada por Martti Ahtissari, um diplomata fi nlandês, para estudar a situação humanitária no Iraque (MALONE, 2006).

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Unidos e do Reino Unido às propostas de abrandamento das sanções, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução número 986, possibilitando a Bagdá a possibilidade de vender petróleo para adquirir bens humanitários, em conformidade com os termos do Programa Petróleo por Comida24 (OFF, do inglês Oil For Food) (ONU, 1995). Saddam Hussein, em um primeiro momento, rechaçou a proposta, vindo a aceitá-la, em 1996, devido à crescente deterioração da situação interna. Como o OFF aliviava apenas o embargo de forma controlada, Bagdá se viu obrigada a encontrar outros meios de garantir sua sobre-vivência econômica: entre 1997 e 2002, o Iraque ganhou ilicitamente mais de 10 bilhões de dólares, 5,7 bilhões dos quais tiveram origem no contrabando de petróleo e outros 4,4 bilhões fruto de sobretaxas e comissões (MALONE, 2006).

Depois de sobreviver a uma guerra, passar por sucessivas rebeliões em mais de dois terços de suas províncias e ser atacado por potências estrangeiras,

[a] única maneira do Iraque começar uma modesta reconstrução e desenvolvi-mento seria através de seus ganhos por exportação, mas uma vez que estes esta-vam bloqueados desde a guerra com o Kuwait, o país permaneceria estagnado até que as sanções fossem retiradas25 (ALNASRAWI, 1994, p. 158).26

Como as sanções foram mantidas como meio de incentivar Saddam a se desarmar, a situação do Iraque se deteriorou cada vez mais. O país, que no início da década de 90 possuía níveis de alfabetização acima dos 90% e apresentava um dos mais baixos índices de mortalidade infantil, tornou-se, em 1999, a nação com maior índice de mortalidade infantil e cujos níveis de alfabetização não atingiam os 20% (PILGER, 2000). Além disso, um relatório feito pela UNICEF alegou que as sanções aprovadas no Con-selho de Segurança contribuíram para a morte de cerca de um milhão de pessoas entre 1991 e 1998 e propagaram uma onda massiva de fome e doenças (SHAH, 2005).

2.3 OS ATENTADOS DO 11 DE SETEMBRO E O ISOLAMENTO DO IRAQUE

Em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos sofreram os atentados às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington, promovidos pela organização terro-rista Al-Qaeda, liderada pelo saudita Osama bin Laden. Segundo Fred Halliday (2005), as causas dos ataques foram estritamente políticas, não podendo ser justifi cadas pela natureza da cultura islâmica ou pelo “choque de civilizações27” (HALLIDAY, 2005). O autor defende que as motivações políticas vieram tanto do contexto regional, quanto do internacional. O primeiro refl etiu o fortalecimento dos grupos extremistas armados, que já contavam com grande apoio popular, e a generalização de um sentimen-to anti-estadunidense, espalhado em grande medida por fundamentalistas anti-seculares, cuja própria existência e fortalecimento se devia ao apoio recebido do Ocidente na Guerra Fria (caso da própria Al-Qaeda).28 A conjuntura política internacional, por sua vez, estava marcado pelo contexto da glo-balização e das novas formas de colonialismo, por meio das quais, através do cooptação das elites lo-cais, ocorria uma desestruturação das economias dos países em desenvolvimento, buscando abri-las à competição internacional ou se apoderar de seus bens, principalmente o petróleo. Ainda segundo Fred Halliday (2005, p. 161):

A dinâmica central desse desafi o não estava ligada à história ou aos “valores”, mas à própria relação contemporânea estado-sociedade, marcada por uma efetiva mi-litarização da oposição em alguns estados onde a autoridade central era fraca ou complacente (Afeganistão, Paquistão, Iêmen, Somália) e um crescente ressenti-mento popular Sunita na maioria dos estados Árabes (Arábia Saudita e Egito em particular) (HALLIDAY, 2005, p. 161).

24 A região norte, de maioria Curda, foi excluída do Programa, permaneceria sob responsabilidade da ONU (ONU, 1995).

25 Estima-se que, mesmo que as sanções tivessem sido encerradas em 1995 e o país tivesse entradas regulares de capital provenientes exportação de petróleo, o Iraque teria um défi cit de 218 bilhões de dólares em 2010, apenas referente ao pagamento de dívidas (ALNASRAWI, 1994). Levando em consideração os produtos necessários ao seu desenvolvimento que seriam importados, esse défi cit seria ainda maior.

26 Tradução dos autores.

27 Termo criado pelo teórico estadunidense Samuel Huntington, cuja ideia central reside na separação do sistema internacional em diferentes civilizações, que, naturalmente, entrariam em choque uma com as outras pelo simples fato de serem inerentemente diferentes entre si – em cultura, educação, visão de mundo, ambições geopolíticas e crenças religiosas.

28 O termo secular se refere a separação entre política e religião.

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Nesse sentido, o caso do Afeganistão ajuda a ilustrar o histórico recente do terrorismo. Logo que o Talibã29 tomou o poder no Afeganistão, apoiados indiretamente pelos próprios EUA, através do Paquis-tão e da Arábia Saudita (MARSDEN, 2009; BANDEIRA; 2013), Osama bin Laden se mudou para o país, pois havia acabado de ser expulso do Sudão por suspeitas de envolvimento em ataques terroristas contra instalações ocidentais ou de aliados. Como o governo Talibã permitiu à Al-Qaeda a instalação de bases de treinamento e recrutamento internacional em seu território, o grupo de Bin Laden fi nalmente achou um local propício ao desenvolvimento de sua organização. A fama de Osama bin Laden era crescente no mundo islâmico, assim como o ódio aos EUA30, materializado no manifesto (fatwa) escrito pelo líder da Al Qaeda, lançado em 1998, no qual ele clamava a todos os muçulmanos do mundo que se unissem para “aniquilar” os estadunidenses e seus aliados (GRIFFIN, 2003; COLL, 2004, p. 71).

Em 7 de Agosto de 1998, embaixadas dos EUA na Tanzânia e no Quênia foram atacadas por militantes ligados a Bin Laden, deixando centenas de ofi ciais americanos mortos (COLL, 2004). Duas semanas depois, os EUA lançaram mísseis em campos de treinamento da Al Qaeda no Afeganistão (GRIFFIN, 2003). A decisão de optar pelos mísseis disparados do mar, no entanto, não foi simples. Desde essa época os estadunidenses já possuíam a intenção de entrar no Afeganistão com tropas, vistas como a única solução real para o problema. Havia, inclusive, o interesse em estabelecer uma presença militar permanente no Afeganistão, tendo em vista os interesses estratégicos31 com relação ao Irã, Paquistão e a Ásia Central. Cabe lembrar que a Rússia já estava quase recuperada da década perdida de 1990, e a China já estava praticamente consolidada como potência, estando o Afeganistão em posição privilegiada em relação a ambos. Com o 11 de setembro, o pretexto para a intervenção passou a existir e já não restavam mais dúvidas no alto escalão estadunidense sobre a intervenção (MARSDEN, 2009, p. 94).

No Iraque, ainda no ano de 1998, em meio às sanções, inspeções buscando armas de destruição em massa e o estabelecimento de zonas de exclusão aérea32, o presidente Bill Clinton assinou o Ato de Libertação do Iraque (Iraq Liberation Act). As propostas contidas no referido Ato incluíam o fi nancia-mento de grupos de oposição ao presidente Saddam Hussein dentro e fora do Iraque, explicitando que a política dos EUA para o país “deve[ria] apoiar todos os esforços para remover o regime liderado por Saddam Hussein do poder e promover o nascimento de um governo democrático para substituí-lo” (KEEGAN, 2005)

Em vigência desde 1991, as zonas de exclusão aérea no Iraque eram duas, uma ao norte do país (aérea da população Curda) e outra ao sul (população Xiita), vide imagem abaixo, e visavam proteger as operações humanitárias no Iraque de ataques da Força Aérea de Saddam Hussein. Foi proibido o voo de aeronaves iraquianas sobre essas áreas, sendo ameaçadas com mísseis antiaéreos caso forem detectadas. Eram constantemente criticadas por servirem de pretexto para ataques aéreos contra sis-temas antiaéreos iraquianos, pois, alegadamente, eles ameaçariam as aeronaves de patrulha dos EUA e da Inglaterra (ALI, 2003). No entanto, sem essas defesas aéreas, o Iraque fi caria ainda mais vulnerável a qualquer operação estrangeira contra seu país.

No fi nal de 1998, a Operação Raposa do Deserto (Desert Fox) foi lançada contra o Iraque. Basi-camente, consistia em ataques aéreos liderados pelos Estados Unidos, conjuntamente com a Inglater-ra, contra possíveis instalações militares e fábricas responsáveis pelo armazenamento e construção de armas de destruição em massa (ALI, 2003). A ação se desenvolveu em resposta às respostas negativas iraquianas de se adequar às Resoluções do Conselho de Segurança e a cooperar inteiramente com os técnicos da UNSCOM. Contudo, as motivações da operação foram contestadas pela comunidade inter-nacional, na medida em que o Iraque estava cooperando de maneira crescente com a Comissão Especial da ONU (ALI, 2003).

Saddam se recusou a autorizar a equipe de fi scalização da UNSCOM entrar na sede principal de seu partido, o Baas, em Bagdá, acusando-os de serem espiões estadunidenses e ingleses. Justifi cando--se, Saddam Hussein alegou que inspeções na sede do Baas serviriam apenas para fornecer dados de

29 Grupo extremista sunita criado com ajuda do Paquistão para por fi m às disputas entre oligarquias afegãs na Guerra Cívil do Afeganistão (1992-96).

30 Ódio esse decorrente de vários fatos: desde questões ideológicas envolvendo teorias anti-imperialistas baseadas em um nacionalismo islâmico, passando pelo apoio estadunidense ao maior rival do mundo islâmico na sua própria região, Israel, até a materialização disso nas Guerras envolvendo diretamente os EUA na Península Arábica, onde Bin Laden rompeu com o príncipe de seu país, a Arábia Saudita, acusando-o de se aliar ao inimigo, o qual “ceifava incan-savelmente as vidas dos seus irmãos muçulmanos em terras sagradas” (COLL, 2004).

31 A Ásia Central é uma das regiões mais ricas em petróleo do mundo, mas, ao mesmo tempo, uma das mais instáveis. O Afeganistão se encontra em posição estratégica na região, situando-se entre o Irã, China, Paquistão e a Ásia Central (tradicionalmente área de infl uência da Rússia).

32 Uma zona de exclusão aérea (ZEA) é uma área onde está restringido ou proibido o voo de aeronaves, por decisão do estado ao qual pertence o espaço aéreo em questão, ou por imposição externa sendo então uma forma de sanção.

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inteligência para futuras operações contra a sua pessoa, uma vez que o prédio não teria ligação alguma com a produção de armas de destruição em massa (ALI, 2003). Não satisfeitos com a postura do pre-sidente iraquiano, EUA e Reino Unido deram início à Operação. A Raposa do Deserto teve duração de 4 dias e despejou mais de 600 artefatos explosivos sobre o Iraque, deixando 2.000 iraquianos mortos. Ironicamente, dias depois, as acusações do Iraque sobre a UNSCOM parecem ter surtido efeito e a co-missão foi dissolvida pelo CSONU, sendo substituída pela UNMOVIC (Comissão das Nações Unidas de Vigilância, Verifi cação e Inspeção) (KEEGAN, 2005; ARNOVE, 2007).

Figura 4: Zonas de Exclusão Aérea no Iraque

Fonte: Wikimedia Commons.

Em 2002, Saddam Hussein acusava constanteGmente os Estados Unidos de violar o espaço aéreo iraquiano e de conduzir ataques aéreos em instalações estratégicas do país não relacionadas à produção de armamentos (ARNOVE, 2007). A comunidade internacional, por sua vez, voltava sua preocupação para possíveis bens de uso dual33, criando a Lista de Revisão de Bens (Goods Reviews List), um inven-tário, fi scalizado pela UNMOVIC e pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que continha os bens importados pelo Iraque que poderiam ser utilizados no setor militar (MALONE, 2006). Dentre os itens banidos, estavam materiais inofensivos, como, por exemplo, lápis, pois alegava-se que o carbono do grafi te poderia ser extraído e utilizado para camufl ar aeronaves (ARNOVE, 2007). A situação no país era crítica: os bens básicos do Iraque estavam cada vez mais escassos, o que elevava a mortalidade, a população só tinha eletricidade disponível por poucas horas do dia, e os hospitais e outras instituições básicas não conseguiam adquirir seus materiais básicos (ARNOVE, 2007).

2.4 A ASCENSÃO NEOCONSERVADORA E A GUERRA AO TERROR

Simultaneamente a esse processo de cerco ao Iraque, gestou-se dentro dos círculos neocon-servadores estadunidenses a ideia da doutrina preventiva de guerra, estimulada pelo fi m da ameaça soviética e pela recente demonstração prática do poderio militar estadunidense na Guerra de 1991. Encabeçada pelo Secretário de Defesa Paul Wolfowitz, essa doutrina consistia na manutenção das forças estadunidenses em estado de alerta para que, sempre que conveniente, pudessem realizar ataques pre-ventivos em países considerados como ameaças à hegemonia estadunidense. Críticos dessa doutrina afi rmam que ela teria como verdadeira fi nalidade impedir a ascensão de qualquer país capaz de con-testar as vontades estadunidenses e, portanto, sua capacidade de interferir sobre determinada região (KEEGAN, 2005, p. 122; BANDEIRA, 2013, p. 140).

Segundo John Keegan (2005),

[o]s neoconservadores acreditavam [...] que a solução para os problemas mundiais residia em transformar regimes autocráticos, monárquicos e absolutistas em de-mocracias que favorecessem a livre empresa. Acreditavam que a democracia fosse transplantável e que ela teria um efeito transformador; segundo eles, sua imple-

33 Bens que serviriam tanto para a produção econômica e uso cotidiano quanto para o setor militar.

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mentação em sociedades previamente tribais ou teocráticas, ou sob a infl uência de sistemas de governo não-representativos e caracterizados pela dissensão, po-deria tomar a população politicamente consciente e economicamente próspera. Eles também acreditavam no chamado “efeito dominó”: a transformação de uma sociedade em uma região levaria ao mesmo efeito em outras. Insistiam, particular-mente, na tese de que uma “mudança de regime” no Iraque, foco de suas maiores antipatias, fomentaria uma mudança positiva nos países vizinhos, inclusive na Síria e no Irã (KEEGAN, 2005, p. 123).

O 11 de setembro materializou as aspirações neoconservadoras gestadas principalmente na dé-cada anterior, principalmente com foco na ameaça do terrorismo ao Ocidente, na medida em que tor-nou a política externa estadunidense ainda mais incisiva a respeito dos grupos armados islâmicos e de seus possíveis apoiadores (BANDEIRA, 2013). Esse endurecimento da política externa dos EUA fi cou consolidado na chamada “Guerra ao Terror”.

Nesse sentido, na esteira da invasão do Afeganistão em 2001, e contando com a comoção global em torno dos ataques ao World Trade Center, o presidente Bush Jr denunciou à comunidade interna-cional o governo de Saddam Hussein pela posse de armas químicas e pelo suporte direto à al-Qaeda. Com isso, Bush buscava angariar amplo apoio para realizar uma operação militar a fi m de retirar Sa-ddam do poder, confi scar as supostas armas químicas iraquianas e capturar os extremistas islâmicos que seriam inimigos dos estadunidenses, os quais representavam uma constante ameaça a segurança nacional americana e internacional. Os estadunidenses, com o apoio dos ingleses, forneciam prazos curtos aos técnicos da UNMOVIC e da AIEA, de modo que os relatórios apresentados eram geralmente inconclusivos quanto à situação das armas de destruição em massa iraquianas (BONFIM, 2014). Além disso, as inteligências britânica e americana divulgavam informações que supostamente comprovavam a posse de ADM por parte de Saddam Hussein, realizando inclusive uma apresentação aos membros do Conselho de Segurança com “provas” de que uma guerra com o Iraque era urgente para evitar um agra-vamento da situação (MALONE, 2006).

Entretanto, em março de 2002, o presidente da UNMOVIC, Hans Blix, declarou que o Iraque es-tava cooperando completamente com as investigações da comissão (BONFIM, 2014). Em seu relatório, Blix declarou ter investigado as alegações americanas, não conseguindo comprovar a existência de laboratórios e logística de armas biológicas em facilidades no subsolo iraquiano (BLIX, 2004). Pouco tempo depois, Mohamed ElBaradei, chefe da AIEA, concluiu que não existiam indicações de atividades nucleares nos locais fi scalizados, afi rmando que existiam fundamentos para acreditar que o Iraque não importava urânio ou outros materiais para construir a maquinaria de enriquecimento desde 1990 (EL-BARADEI, 2003).

Diferentemente do que aconteceu em 2001 em relação ao Afeganistão, o CSNU e parte majoritá-ria da comunidade internacional ainda não chegaram a uma conclusão sobre a proposta de intervenção militar no Iraque (KEEGAN, 2005, p. 135). O impasse que vive o Conselho de Segurança no início de 2003 envolve, como visto, diversos meios diplomáticos e militares, responsáveis pela investigação das ADM em território iraquiano, pela manutenção do embargo ao país e pela sustentação das zonas de exclusão aérea.

3. AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Como visto, o Iraque tem sido tópico de discussões no Conselho de Segurança por mais de três décadas. Durante esse período, a ONU foi adotando posições cada vez mais proativas frente à situação iraquiana, adquirindo, a partir dos anos 1990, um papel central nos debates sobre a situação do país.

Em 1980, durante invasão do Irã pelo Iraque, o Conselho de Segurança se viu incapacitado de tomar ações assertivas. Como já mencionado, os países com poder de veto no Conselho possuíam rela-ções amistosas com o Iraque, visto que Bagdá era um importante parceiro comercial e potencial aliado na região. Além disso, a instauração da República Islâmica do Irã e de seu novo regime teocrático fez com que diversos países rompessem relações diplomáticas com Teerã, fato que infl uenciou na ausência de condenação à atitude beligerante dos iraquianos na guerra contra o regime iraniano nos anos 1980. Em 1987, o Conselho aprovou a Resolução número 598, que exigia um cessar-fogo entre as partes, que seria monitorado pelo Grupo de Observadores Militares das Nações Unidas para Irã e Iraque (UNIIMOG). Vale destacar que somente um ano depois ambos os países acataram a decisão da ONU, em 1988 (CHI-TALKAR e MALONE, 2013).

Como já tratado neste guia, outra guerra teve início em 1990, quando o Iraque ocupou o Kuwait

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e declarou-o parte de seu território. De maneira imediata o Conselho condenou a invasão, declarando-a uma ameaça à paz, e demandou a completa retirada das tropas iraquianas (Resolução 660). Quatro dias depois, foi aprovada a Resolução 661, que impunha sanções tanto no Iraque quando no Kuwait, incluin-do o congelamento de ativos de ambos os países no exterior e a proibição de quase todo o comércio internacional com essas duas nações (excluindo alimentos, medicamentos e outros suprimentos hu-manitários). Posteriormente, outras resoluções decretaram a interdição de navios e de voos partindo e chegando no Iraque. Essas sanções tinham como objetivo punir Saddam por seus atos de guerra e evitar que os iraquianos desenvolvessem capacidades militares que lhes permitissem ameaçar a estabilidade do Oriente Médio (WALLENSTEEN, STAIBANO e ERIKSSON, 2005).

Contudo, como as sanções não alcançaram o resultado esperado, o Conselho decidiu autorizar o uso da força para coagir o implemento de suas decisões. A Resolução número 678, de 1990, determinava que os Estados membros da ONU utilizassem todos os meios necessários para garantir o cumprimento das resoluções anteriores e restaurar a paz e a segurança na região caso o Iraque não acatasse as exi-gências do Conselho até janeiro de 1991. A Resolução número 678 forneceu a base para grande parte das ações dos anos 1990: sua execução resultaria da vontade de certos Estados de realizar e fi nanciar ope-rações militares, e a resolução conferia poder para que esses Estados determinassem quando e como os objetivos da operação seriam atingidos, além de limitar o envolvimento do Conselho, que apenas requeria “ser informado” do andamento das operações (CHITALKAR e MALONE, 2013).

Assim, quando o Iraque falhou em cumprir suas obrigações no prazo estipulado, uma coali-zão liderada pelos Estados Unidos deu início à Operação Tempestade no Deserto. Após seu término, o Conselho de Segurança adotou a Resolução 687, que determinava um cessar-fogo e uma missão observadora internacional para fi scalizar a região. Como naquele contexto as capacidades militares do Iraque seguiam alarmando outros Estados, principalmente com a descoberta da extensão dos progra-mas militares do país, a Resolução número 687 também demandava a limitação da compra, posse e desenvolvimento de armas de destruição em massa (ADM), que deveriam ser destruídas juntamente com os mísseis de alcance maior que 150 quilômetros. O Conselho decidiu manter as sanções defi nidas pela Resolução 661 como forma de incentivar o cumprimento da Resolução 687 e delegou a responsa-bilidade de monitorar a destruição das ADM iraquianas para uma Comissão Especial das Nações Unidas (UNSCOM) e para a Agência Internacional de Energia Atômica (ONU, 1991a).

Após o fi m da Segunda Guerra do Golfo, estourou no Iraque uma crise humanitária de grandes proporções, com revoltas de xiitas ao sul e de curdos ao norte que geraram um grande fl uxo de refugia-dos. Devido à pressão midiática frente à essa crise, os Estados Unidos novamente lideraram uma coali-são, a Operação Prover Conforto, para tentar resolver a unilateralmente a situação. Poucos dias depois, o Conselho de Segurança trouxe a crise para sua pauta e aprovou a Resolução número 688, condenando a repressão do governo de Saddam às revoltas e classifi cando o fl uxo de refugiados como uma ameaça à paz e à segurança internacional. É a partir dessa resolução que o Conselho claramente passa a incluir considerações sobre direitos humanos e situações humanitárias em seu processo decisório, reconhe-cendo pela primeira vez que a repressão realizada internamente em um país poderia ser considerada uma ameaça à estabilidade internacional (CHITALKAR e MALONE, 2013). Em seguida, com a Resolução número 689, também de 1991, foi criada a Missão de Observação das Nações Unidas para o Iraque e o Kuwait (UNIKOM), para monitorar a Zona Desmilitarizada estabelecida na fronteira entre esses países após a guerra (ONU, 1991b).

A situação no Iraque, entretanto, estava longe de ser completamente resolvida. As resoluções e, principalmente, as sanções impostas ao país afetaram em larga escala sua população, mas não tiveram muitos efeitos sobre a estabilidade do governo de Saddam. Estima-se que cerca de 50 mil crianças iraquianas menores de doze anos morreram como resultado da proibição do comércio internacional, dobrando os índices de mortalidade infantil. Em 1995, as sanções começaram a se tornar impopulares entre a comunidade internacional, e países com a França e a Rússia passaram a defender o fi m delas. Frente a esse contexto, a Resolução 986 do Conselho de Segurança criou o Programa Petróleo por Ali-mentos, uma tentativa de reverter os efeitos negativos do embargo econômico: Bagdá foi autorizada a vender petróleo e utilizar as receitas das exportações para adquirir suprimentos humanitários, sob o controle das Nações Unidas (CHITALKAR e MALONE, 2013).

As sanções não foram completamente revogadas, pois a questão das armas de destruição em massa ainda estava em pauta. Afi rmava-se que o Iraque estava relutante em cooperar com as inspeções da UNSCOM, bloqueando o acesso a certos locais e não revelando informações completas sobre seus programas militares. Em 1998, os Estados Unidos e o Reino Unido bombardearam Bagdá através da Ope-ração Raposa do Deserto, a fi m de punir as atitudes iraquianas. A operação foi alvo de grande criticismo internacional, e levou, de maneira indireta, à dissolução da UNSCOM com base em evidências de que

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a Comissão possuía ligação com a CIA34. A UNMOVIC, Comissão das Nações Unidas de Vigilância, Ve-rifi cação e Inspeção, passou, então, a ser o órgão responsável por fi scalizar o desarmamento do Iraque (CHITALKAR e MALONE, 2013).

O desenvolvimento da questão permaneceu tenso. Com os atentados de 11 de setembro, a ques-tão da proliferação de armas de destruição em massa nas mãos de grupos terroristas virou prioridade para os EUA – logo, o cumprimento das resoluções pelo Iraque era mandatório. Em 2002, mesmo com os relatórios da UNMOVIC, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução número 1441, na qual reconhe-cia que os iraquianos não haviam cumprido o estabelecido nas resoluções anteriores, principalmente no que se referia ao desarmamento. O texto da Resolução afi rmava que o governo de Saddam mantinha a repressão aos civis, não revelava aos monitores internacionais todos os aspectos de seus programas militares, obstruía inspeções e não adotava medidas coerentes sobre o terrorismo. O CSNU dava então um ultimato para que o Iraque cumprisse com suas obrigações de desarmamento, incrementando o regime de inspeções e exigindo um relatório completo dos programas de desenvolvimento de armas químicas, biológicas e nucleares. Em seus últimos parágrafos, a Resolução número 1441 relembrava que “o Conselho repetidamente advertiu o Iraque que o país sofrerá sérias consequências como resultado da contínua violação de suas obrigações” (ONU, 2002) (Tradução nossa).

4. POSIÇÕES DOS PAÍSES

Os Estados Unidos têm uma posição fi rme quanto à situação do Iraque, uma vez que ela é vista como não só como uma ameaça direta, mas também como uma ameaça à segurança de todos os países no globo. O país considera o governo iraquiano ilegítimo, autoritário e militarista e, para evitar uma tra-gédia semelhante ao 11 de setembro de 2001, Washington acredita que medidas contundentes devem ser tomadas de forma imediata contra o governo de Saddam Hussein (ALI, 2003). Os EUA condenam a relutância do governo iraquiano em cooperar com os técnicos da UNMOVIC e da Agência Internacional de Energia Atômica, atitude que evidencia intenções obscuras do líder iraquiano e coloca em risco a estabilidade do sistema internacional.

Como afi rma o presidente George Bush, além do Iraque estar expandindo e melhorando as insta-lações usadas para a produção de armas químicas e biológicas, “está buscando a posse de armas nuclea-res e está reunindo uma frota crescente de veículos aéreos que poderiam dispersar os armamentos em áreas externas” (BUSH apud ALI, 2003, p. 161). Além disso, dados de inteligência nacional confi rmam a existência de células do grupo terrorista transnacional al-Qaeda, liderado por Osama bin Laden, dentro do território iraquiano. Para os EUA, de acordo com as informações, Saddam Hussein estaria facilitando a entrada de militantes extremistas e fornecendo instalações de treinamento a esses grupos (KEEGAN, 2005). Nesse contexto, uma ação rápida se faz necessária.

Posicionando-se de forma semelhante, o Reino Unido acredita que o Iraque possui “planos mi-litares para o uso de armas químicas e biológicas, inclusive contra a sua própria população xiita, com capacidade de pronto emprego em 45 minutos” (REINO UNIDO, 2002, p. 5). O Primeiro-Ministro Tony Blair afi rmou na Câmara dos Comuns que não há dúvidas que o desenvolvimento de armas de destrui-ção em massa por parte do regime de Saddam Hussein coloca em risco não apenas a região do Oriente Médio, mas todo o globo (BLAIR, 2002). Além disso, o país acusa Saddam Hussein de crimes contra a hu-manidade em virtude dos massacres aos curdos e xiitas. Considerando esses fatos, o Reino Unido cobra o mais absoluto respeito aos técnicos da ONU e da Agência Internacional de Energia Atômica por parte do Iraque, posicionando-se a favor de medidas mais duras caso o Iraque recuse-se a cooperar.

A França crê ser precipitada uma ação militar contra o Iraque. O Presidente Jaques Chirac, apesar de considerar Saddam “um homem perigoso para seu povo”, defende que seja dado mais tempo para as inspeções realizada pela UNMOVIC e pela AIEA antes que se opte por tomar medidas mais drásticas (DAOUDI, 2002). Nas últimas negociações, a França tem sido a principal opositora às sanções e à ação militar contra o Iraque defendidas pelos EUA e pelo Reino Unido.

A Federação Russa defende que sejam continuadas as inspeções em território iraquiano pelo tempo que se julgar necessário, tendo em vista que os iraquianos têm mostrado sinais de boa-vontade para com a comunidade internacional (conforme relatórios da AIEA e da UNMOVIC). Para a Rússia, é importante aguardar o resultado das investigações para que se possa tomar uma decisão acerca da situação. Segundo o Ministro das Relações Exteriores russo, Igor Ivanov, “o potencial para negociação

34 A CIA (Central Intelligence Agency ou Agência Central de Inteligência) é o órgão do governo dos Estados Unidos responsável por investigar e fornecer informações de segurança nacional, além de realizar atividades de espionagem e serviço secreto.

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não foi ainda esgotado […] [e] a força só deve ser utilizada após todos outros recursos terem sido em-pregados” (CNN, 2002). O Presidente Putin, numa recente visita de Estado à França, comprometeu-se, juntamente com o presidente francês, a lutar para que o uso da força não seja legitimado pelo Conselho (KREMILIN NEWS, 2003).

Para a República Popular da China ainda há tempo para que se ache uma solução de vias políti-cas para o problema representado pelo Iraque. De acordo com Pequim, o trabalho dos inspetores deve ser continuado até que haja evidências sufi cientes para provar ou descartar a posse de armas de destrui-ção em massa por parte dos iraquianos. A China posiciona-se de forma fi rmemente contrária a qualquer tipo de ação unilateral e defende que a situação seja resolvida dentro do âmbito deste Conselho, no qual não pretende – a princípio – usar seu poder de veto como membro permanente.

A República Árabe da Síria é totalmente contrária a qualquer tipo de intervenção militar na re-gião. A Síria afi rma ser necessário mais tempo de investigação e que o Iraque tem se mostrado proativo na cooperação com a qual se comprometeu ao aceitar a Resolução do CSNU de número 1441, que de maneira alguma autoriza ou prevê o uso da força. Para o Presidente Bashar Al-Assad, uma intervenção militar na região seria um grave precedente na violação da soberania dos Estados da região que poderia ser futuramente usado inclusive contra a própria Síria, e quem a defende só pode estar “psicologicamen-te doente”. A Síria afi rma que as evidências de que existem armas de destruição em massa no Iraque apresentadas pelos EUA foram por esse país fabricadas. A alegação de ameaça por parte de Hussein seria um mero pretexto para impor os interesses ocidentais e de Israel na região, visto que nenhum dos outros vizinhos se sente ameaçado pelo Iraque (BBC, 2002; THE ECONOMIST, 2002; CNN, 2003).

A Alemanha, junto com a Rússia e a França, faz parte do que se pode chamar de o “eixo anti-guer-ra”35 também se posicionando fi rmemente contra o uso da força no Iraque até que sejam concluídas as investigações sobre a posse de armas de destruição em massa por Saddam (BBC NEWS, 2003). Numa de-claração conjunta recente, os três países mencionados reafi rmaram a sua posição e comprometeram-se a trabalhar juntos para convencer os demais países da ilegitimidade das propostas anglo-americanas de intervenção (KREMILIN NEWS, 2003). Apesar de não possuir poder de veto, a Alemanha detém grande infl uência dentro do Conselho.

A Espanha posiciona-se de maneira favorável a uma coalizão militar para a retirada de Hussein do poder, devido ao não-cumprimento da Resolução 1441. Engajada na luta contra o terrorismo global, Madri apoia uma intervenção liderada pelos EUA com ou sem a autorização do Conselho, em face à gravidade da situação; portanto, o objetivo da Espanha na próxima reunião do Conselho de Segurança é aprovar uma resolução que legitime o uso da força contra Saddam (BARREÑADA, MARTÍN e SANAHUJA, 2004).

A Bulgária é favorável à formação de uma coalizão militar para depor Saddam Hussein e destruir as suas armas de destruição em massa, visto que os iraquianos não cooperaram como esperado duran-te as investigações. A Bulgária não descarta colaborar com tropas para a coalizão, se esta for montada mesmo sem a aprovação da ONU. Essa posição foi manifestada em conjunto com outros Estados da Europa Oriental em fi ns de janeiro (GLOBAL SECURITY, 2011).

O México e o Chile, apesar das pressões estadunidenses, defendem que sejam prolongadas as investigações por quanto tempo for necessário, visto que elas estão se mostrando frutíferas. Ambos os países deploram ações unilaterais e defendem que o problema deve ser resolvido através do multilate-ralismo36 no Conselho de Segurança. Mesmo posicionando-se contrários aos EUA, mexicanos e chilenos não pretendem se colocar incondicionalmente do lado do “eixo anti-guerra”, sendo sua posição consi-derada moderada (ROMANI, 2003; BYWATERS, 2013).

Angola, Guiné e Camarões, juntamente com outros 51 países participantes da cúpula da União das Nações Africanas, condenaram os planos estadunidenses de invadir o Iraque. Os países africanos, que em breve se reunirão com a França na 22ª Cúpula Franco-Africana, pretendem fi car ao lado dos franceses na próxima reunião do Conselho, adotando entretanto uma posição mais moderada. Esses três Estados defendem que medidas unilaterais não sejam tomadas e que se conceda maior prazo para as investigações em curso (CNN, 2003; DEMOCRACY NOW, 2003).

O Paquistão, aliado próximo dos EUA, condena o regime de Saddam Hussein, dedicando uma

35 Refere-se a aproximação entre França, Alemanha e Rússia durante as últimas negociações sobre a situação no Iraque, se posicionando fortemente contra os EUA e o Reino Unido, favoráveis ao uso da força (BBC NEWS, 2003)(BBC NEWS, 2003)

36 “Forma institucional de coordenação das relações entre três ou mais estados com base em princípios de conduta generalizados”, ou seja, arranjo de países que se relacionam buscando objetivos comuns em fóruns, organizações e regimes internacionais pautados na cooperação mútua entre diversos países (DOUGHERTY e PFALTZGRAFF, 2003).

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especial preocupação pela segurança de lugares sagrados para o Islã no Iraque e pelo desrespeito aos direitos humanos. Islamabad foi favorável à intervenção militar no Afeganistão que visava retirar o Tali-bã do poder, uma vez que a instabilidade no país vizinho ameaçava sua segurança. Entretanto, o apoio dado a uma ação militar levada a cabo por uma potência estrangeira contra um país islâmico gerou grandes manifestações da população, fato que se repetiria no caso de apoio a uma nova intervenção es-trangeira na região. Por isso, o Paquistão não pretende apoiar uma resolução que pregue o uso da força no Iraque; o país não irá, entretanto, opor-se fi rmemente a uma decisão com esse teor. Para o Paquistão, a situação deve ser resolvida de forma multilateral, dentro do âmbito do Conselho de Segurança (THE GUARDIAN, 2003).

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ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA)A atuação da OEA nas crises democráticas da

América Latina

André FrançaGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Laura CastroGraduanda do 4º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Letícia Di Maio TancrediGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Lucas LarentisGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Patrícia Graeff MachryGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.142-169 OEA 143

INTRODUÇÃO

Fundada em 1948, a Organização dos Estados Americanos (OEA) é um dos mais importantes e antigos organismos internacionais. Sua instituição é baseada nos princípios do direito internacional, como as normas de conduta dos Estados, da solidariedade entre eles, da defesa da soberania estatal1, da não ingerência em assuntos internos2, da não agressão, da cooperação entre Estados, da resolução pacífica de controvérsias e da segurança e justiça sociais (OEA, 1993). Compõem a Organização os 35 Es-tados independentes do continente americano3. Embora a Cuba tenha sido suspensa da OEA no ano de 1962 – em função da declaração de aliança do governo cubano com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – a Resolução AG/RES 2438 de 2009 (OEA, 2009) revogou tal suspensão e a participa-ção de Cuba atualmente vem sendo estudada de acordo com o diálogo entre o governo cubano e a Or-ganização. Neste sentido, Cuba participou da VII Cúpula das Américas, realizada neste ano no Panamá, fato que demarca o descongelamento das relações com os Estados Unidos e o início de um processo de reaproximação entre os dois países (BBC, 2015).

Nesta seção especial, a Assembleia da Organização dos Estados Americanos discutirá a ques-tão das crises democráticas no continente americano e as possibilidades e limites de intervenções dos organismos internacionais – principalmente da própria OEA – nessas situações. O tema é de extrema relevância para o cenário regional atual, em razão de eventos recentes em diversos países da região, e também para um entendimento mais amplo das dinâmicas regionais do continente.

1. HISTÓRICO

1.1. O CONCEITO DE DEMOCRACIA E SUA CENTRALIDADE NA OEA

O fortalecimento da democracia é considerado um dos propósitos principais da Organização dos Estados Americanos. Mas o que exatamente significa “democracia”? O que exatamente estamos protegendo quando defendemos a existência de uma democracia? Essa discussão foi objeto de estudos de diversos filósofos, cientistas políticos, economistas e outros pesquisadores ao longo da História, e o entendimento acerca do que significa o termo “democracia” variou de acordo com a época e com as circunstâncias em que foi definido. A palavra “democracia” vem do grego démokratía, a junção do termo demos (povo) e kratía (força, poder), ou seja, o “poder do povo”.

As definições encontradas em dicionários costumam conter a ideia de que democracia é “o go-verno do povo”, o governo em que o povo exerce soberania e toma as decisões mais importantes sobre as políticas públicas4 (POLITO, 2004; HOUAISS e VILLAR, 2004). Dos escritos de Platão e Aristóteles, na Grécia Antiga, aos tempos atuais, a evolução do conceito de democracia, com contribuições de diversos teóricos, convergiu para duas características principais: a existência de eleições limpas para todos os car-gos e a garantia do exercício das liberdades individuais a todos os cidadãos – sendo as mais importantes a liberdade de expressão, o livre acesso à informação, e a liberdade de associação5 (O’DONNEL, 1999).

Embora na América Latina impere a ideia de que a democracia é o melhor dos sistemas de go-verno (O’DONNEL, 1999), muitos ainda são os desafios para a consolidação democrática em diversos países da região. Como veremos de maneira mais aprofundada nas próximas seções, a América Latina foi marcada por ditaduras e governos autoritários no decorrer do século XX, e seus países são, portan-to, democracias jovens, com instituições pouco consolidadas e não verdadeiramente representativas e

1 O conceito de soberania Estatal significa que nenhum Estado está acima do outro na esfera internacional. Ou seja, não há um “governo mundial” que determine regras para o comportamento dos países. Portanto, a soberania de um Estado termina onde começa a de outro (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998).

2 Segundo o princípio da não intervenção (ingerência), um Estado não tem direito de interferir nos assuntos internos de outro sem seu consentimento prévio (HERMANN, 2011).

3 Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, El Salvador, Equador, Estados Unidos, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, São Vicente e Grana-dinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.

4 Ou seja, todas as políticas levadas a cabo pelo governo que afetam a vida dos cidadãos, como políticas de dis-tribuição de renda, de acesso à saúde e à educação, de melhorias nos transportes, etc.

5 Liberdade de associação significa que os cidadãos têm direito de reunirem-se e associarem-se para formarem gru-pos políticos, como partidos políticos, organizações trabalhistas, grupos de interesse econômico, etc.

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efetivas para garantir estabilidade em momentos de fortes crises políticas. Tendo isso em mente, toda uma nova geração de autores e pesquisadores passou a considerar que a consolidação e estabilização das democracias podiam acontecer não apenas por esforços do próprio governo nacional, mas através de incentivos vindos de fora. Isto é, passa a se apostar no papel das organizações internacionais e re-gionais para induzir à democratização. É nesse contexto que a democracia passou a ser um dos mais importantes princípios da Organização dos Estados Americanos (VILLA, 2003; LISBOA, 2011; O’DONNEL, 1999; CAMARGO, 2013).

A defesa e o incentivo ao fortalecimento da democracia já estavam presentes na Carta da OEA6, quando a organização foi constituída, em 1948. O tipo de democracia que se defende e se deseja em todos os documentos da OEA é a “democracia representativa”, isto é, o tipo de governo democrático em que aqueles que exercem o poder e ocupam cargos públicos são eleitos pelo povo. A Carta traz ainda a ideia de que a defesa dessa democracia devia ser realizada com respeito ao princípio de “não-inge-rência”, segundo o qual cada Estado tem o direito de escolher seu sistema político sem intervenção de outros países em seus assuntos e decisões. Contudo, nessa época, o continente ainda se encontrava tomado por regimes ditatoriais, o que fazia com que, na prática, a defesa da democracia fosse apenas um discurso vazio. Além disso, em um contexto de Guerra Fria, em que os Estados Unidos e a União Soviética disputavam áreas de influência no mundo (para os blocos capitalista e socialista, respectiva-mente), a organização era utilizada pelos EUA como mecanismo para manter o controle sobre o con-tinente americano, evitando que a região fosse tomada pela influência soviética. Isso implicava pouca força prática para que a OEA integrasse e desenvolvesse efetivamente a América Latina (LISBOA, 2011).

Na década de 1990, muitas mudanças importantes ocorreram. Primeiro, com o fim da Guerra Fria, se estabeleceu a possibilidade de a OEA se tornar uma organização na qual os países menos poderosos da região pudessem ter sua opinião mais ouvida. Segundo, foi nessa época que esses países viveram o fim de suas ditaduras e iniciaram seus processos de redemocratização. Nesse contexto, em 1991, a OEA criou, através da Resolução 1080, a “cláusula democrática”, que buscava regular a defesa da democracia mais fortemente, prevendo a expulsão de membros que rompessem com a ordem democrática interna; contudo, essa medida ainda não era muito significativa na prática (OEA, 1993; LISBOA, 2011). Foi em 2001 que a OEA tomou o passo mais importante com a criação da Carta Democrática Interamericana, assinada por todos os países-membro. Na Carta, está o conceito de democracia como entendido e de-fendido pela OEA:

São elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais [...], a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal e secreto7 como expres-são da soberania do povo, o regime pluralista de partidos e organizações políticas, e a separação e independência dos poderes públicos (OEA, 2001).

A Carta estabelece, ainda, que a existência de partidos políticos é fundamental em uma democra-cia, e que a participação dos cidadãos na política é um direito e também um dever. Por fim, o documento acrescenta elementos sem os quais uma democracia não pode existir – dentre eles, os principais são: a eliminação das desigualdades sociais, a eliminação de todas as formas de discriminação (principal-mente as de gênero, étnicas e raciais), a luta contra a pobreza e o analfabetismo, a proteção aos direitos humanos, e o acesso à educação para todos os cidadãos (OEA, 2001).

1.2. AS DITADURAS NA AMÉRICA LATINA

Entre as décadas de 1960 e 1980, a maioria dos países latino-americanos esteve dominada por regimes militares que foram responsáveis por duras repressões. As Forças Armadas8 sempre tiveram um papel político ativo nos países da região, intervindo especialmente nos momentos de forte tensão polí-tica. A continuidade do regime democrático foi seguidamente quebrada por golpes com apoio militar, contraditoriamente justificados pela necessidade de se manter a democracia; afinal, esses golpes des-respeitavam os princípios mais básicos do regime democrático, segundo os quais as crises deveriam ser

6 A carta da OEA é o documento constitutivo da Organização, ou seja: é o documento que define quais as suas funções, quais os seus princípios e crenças, e quais as responsabilidades de todos os países que fazem parte dela.

7 Sufrágio universal significa que todos os cidadãos acima da idade considerada adequada (no Brasil, por exemplo, 16 anos de idade; nos Estados Unidos, 18 anos de idade) tem o direito de votar, independentemente de cor, renda ou gênero. “Secreto” quer dizer que os indivíduos têm o direito de guardarem o voto para si, sem obrigação de divulgá-lo a quem quer que seja.

8 As Forças Armadas de um país são normalmente constituídas pela força terrestre (exército), pela força aérea (aeronáutica) e pela força naval (marinha).

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solucionadas por meio de suas instituições legítimas, como o Parlamento e as eleições limpas.

Nesse período, as crises políticas e os golpes tiveram forte relação com a disputa ideológica e política suscitada pela Guerra Fria. Diversos projetos políticos reformistas ou revolucionários, de cunho nacionalista e com forte apelo popular chamaram a atenção dos Estados Unidos, preocupados com uma possível infiltração comunista com apoio soviético no Hemisfério (PADRÓS, 2008; MENDES, 2013). Em muitos casos, a preocupação dos países com questões como reforma agrária e distribuição de renda (justificada pela pobreza e desigualdade extremas) nada tinha a ver com ideais e inspirações comunis-tas, mas os temores das elites políticas e econômicas locais levou à articulação destas com governos de outros países para lutar contra a suposta “ameaça vermelha”. O êxito da Revolução Cubana (1959) em implantar um governo comunista, e o posterior alinhamento de Cuba com a União Soviética preocu-param os EUA, levando-os a formular uma estratégia para o continente baseada na implementação de governos anticomunistas. Estes governos receberiam ajuda econômica dos Estados Unidos para lutar contra a pobreza – que acreditava-se ser a raiz das revoluções comunistas – e para desenvolver estraté-gias conjuntas para conter insurgências e protestos, assim construindo uma imagem positiva dos EUA na região9 (FICO, 2008).

Neste contexto, portanto, golpes militares aconteceram em grande parte dos países latino-ame-ricanos10: inicialmente no Brasil, em 1964, os militares destituíram o presidente João Goulart; no Chile, em 1973, Salvador Allende foi derrubado, dando lugar a anos de ditadura e repressão sob o poder de Augusto Pinochet; Isabel Perón foi destituída em 1976, na Argentina. Uruguai, Paraguai, Bolívia, Equador, Honduras, Jamaica, El Salvador, Colômbia e Guatemala são outros dos exemplos de países tomados por regimes militares (DABÉNE, 1999). Costa Rica, Venezuela e México foram exceções.

Embora cada regime tenha tido particularidades que não cabem ser analisadas aqui, existem al-guns aspectos comuns à maioria que merecem ser considerados: a adesão à Doutrina de Segurança Na-cional (DSN)11; o Estado como instrumento repressivo que, variando em graus de violência empregada, deixou como marca comum a supressão de instituições democráticas (como, por exemplo, a dissolução do Congresso e a proibição da existência de partidos políticos); a perseguição política aos “inimigos comunistas”, que em muitos casos formaram guerrilhas armadas para lutar contra o Estado opressor; e um saldo gigantesco de mortos, torturados e desaparecidos (PADRÓS, 2008).

Na década de 1980, em um contexto em que as violações de direitos humanos eram condenadas pela opinião pública mundial e a Guerra Fria aproximava-se do seu fim, a transição democrática passou a ser negociada nos países latino-americanos. No entanto, importa refletir acerca dos efeitos que anos de autoritarismo implicam na política e na dinâmica social destes países até os dias de hoje, uma vez que representaram anos de retrocesso em meio ao caminho para a construção da democracia na região.

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. OS REGIMES PÓS-DITADURAS E O AMADURECIMENTO DAS DEMOCRACIAS

A década de 1980 foi marcada por grandes transformações na América Latina. Observa-se nesse período o fim dos regimes autoritários em muitos países da região, demarcando o início de um proces-so de democratização. Esse processo, combinado com as políticas econômicas neoliberais12 adotadas

9 O projeto de ajuda econômica estadunidense foi consolidado principalmente pela Aliança pelo Progresso (ALPRO), que consistiu em um programa cooperativo que visava acelerar o desenvolvimento econômico e social da América Latina. Prometia um investimento de 20 bilhões de dólares, proveniente dos EUA, países europeus, organizações internacionais e empresas privadas (VILLA, 1966, p. 52).

10 Importa aqui considerar que o autoritarismo foi, pelo menos num primeiro momento, apoiado pelas elites, que estavam convencidas de que aquele era necessário para conter as demandas de participação e redistribuição das classes trabalhadora e média e que percebiam a mobilização política popular como uma ameaça para a ordem social dominante (ORJUELA, 2007, p. 18).

11 A DSN consistia em uma política de contenção do comunismo estabelecida pelos EUA, e que ao longo das décadas de 1950 e 1960 propagou-se para a Europa, Ásia e para a América Latina. Nesta última região, foram comuns o estabe-lecimento de escolas militares estadunidenses e a realização de acordos militares que previam, por exemplo, o envio de armas e treinamento de tropas por parte dos EUA (ROUQUIÉ, 1984 apud MENDES, 2013, p. 12).

12 São entendidas como políticas econômicas neoliberais as políticas que visam primordialmente a redução do papel do estado na economia e a abertura das economias para os mercados internacionais. Neste sentido, são consideradas

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no período, produziu importantes consequências para a dinâmica regional nas décadas subsequentes, redefinindo o cenário político e econômico latino-americano. Apesar das particularidades de cada país, é possível perceber alguns fatores internos comuns que levaram à democratização na região. Na maio-ria dos Estados, os governos autoritários fracassaram em promover o desenvolvimento econômico; a dívida externa, por exemplo, multiplicou-se nos países latino-americanos, deixando-os em situações extremamente vulneráveis (O’DONNELL, SCHMITTER e WHITEHEAD, 1987).

Além disso, a mudança de política externa de atores internacionais importantes como a Comuni-dade Europeia e os EUA teve papel central nesse processo de transição (HUNTINGTON, 1993). O governo estadunidense passou a defender a transição para regimes democráticos como única possibilidade de recuperação econômica para a América Latina, visando fortalecer sua influência na região. Esse período assinala uma mudança na política externa dos EUA para a América Latina, uma vez que as ditaduras militares já haviam se encarregado de reprimir os movimentos de esquerda e iniciar o processo de liberalização das economias da região. Dessa forma, os Estados Unidos passaram a priorizar a não inter-venção e o fortalecimento das relações econômicas na América Latina, tornando-se central a promoção de instituições democráticas. Além disso, o apoio estadunidense a esses processos de transição esteva condicionado à necessidade de abertura econômica e diminuição do papel do Estado na economia. As-sim, criou-se na região um vínculo profundo entre democratização e políticas econômicas neoliberais (TONIAL, 2003).

As transições à democracia na América Latina foram bastante diferentes em cada país, porém as características comuns nos permitem identificar duas tendências. A primeira consiste na transição re-volucionária, que ocorreu em países onde os regimes autoritários tinham caráter mais tradicional, com fortes componentes patrimonialistas13; esse foi o caso da Nicarágua, no qual as forças revolucionárias tiveram que se reorganizar nos marcos das novas instituições democráticas, um processo difícil e lento (O’DONNELL, SCHMITTER e WHITEHEAD, 1987). Já em países como Chile, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil, a ruptura com os regimes ditatoriais se deu por meio de uma transição de fato, através de pactos entre os setores da sociedade e sem a presença de insurreições. Uma característica importante desse tipo de transição é seu caráter incompleto, permanecendo nesses países traços dos antigos regimes autoritários, observados na dimensão institucional (Constituição, leis, forças armadas, etc.) e compor-tamental (relutância de alguns setores em aceitar as regras do jogo democrático) (GARRETÓN, 1997).

Dessas transições surgem diversos problemas e desafios para a consolidação da democracia no continente latino-americano, que podem ser organizados em três categorias principais. A primeira é a dos problemas de transição, que se referem a todos os problemas enfrentados na construção institucio-nal do regime democrático. Dentro dessa categoria, dois problemas são essenciais para a compreensão do processo na América Latina: o tratamento concedido aos líderes autoritários envolvidos em repres-são violenta e tortura; e as questões de como reduzir o papel dos militares na esfera política, diminuindo as vantagens conquistadas por estes durante os regimes autoritários (HUNTINGTON, 1993). Ambos os problemas ainda têm consequências perceptíveis nos dias atuais e foram diversas as respostas dadas a eles. Na Argentina, por exemplo, as investigações e julgamentos por crimes contra os direitos huma-nos durante o período militar iniciaram-se nos primeiros anos de regime democrático. No Brasil, por outro lado, esse processo teve início apenas em 2012, durante o governo Dilma, com a instauração da Comissão Nacional da Verdade (PUFF, 2014). Além disso, é necessário levar em conta que os processos são muito diversos nos dois países. Enquanto na Argentina os culpados já foram julgados e punidos, no Brasil isto dificilmente ocorrerá. Ademais, o grau de militarismo também varia conforme o país. Ainda existem nos países latino-americanos instituições criadas durante a ditadura, a exemplo da polícia mili-tar no Brasil (ROSY, 2014).

Os problemas de contexto constituem a segunda categoria. Esses problemas envolvem a situação econômica e as particularidades políticas, culturais e históricas de cada país (HUNTINGTON, 1993). Na América Latina, a profunda desigualdade social foi um importante fator desfavorável para a consoli-dação da democracia, uma vez que os primeiros governos democráticos se mostraram incapazes de resolver o problema (O’DONNELL, SCHMITTER e WHITEHEAD, 1987). Os governos democraticamente eleitos implementaram políticas neoliberais de redução de gastos sociais, privatizações e redução das

medidas neoliberais a privatização, a desregulamentação dos mercados de trabalho e de capitais, cortes nos gastos públicos, entre outras. Este tipo de medida foi muito recorrente nos países da América Latina desde a segunda meta-de da década de 1970 e durante as décadas de 1980 e 1990. As organizações financeiras internacionais, como o Fun-do Monetário Internacional e o Banco Mundial, desempenharam papel essencial no que tange ao desenvolvimento destas políticas, realizando pressões para que os países as seguissem. Além disso, o Consenso de Washington de 1989 teve papel fundamental para a generalização destas políticas, dada a pressão realizada pelos EUA (CAMPOS, 2010).

13 O patrimonialismo consiste em uma forma de dominação tradicional cuja legitimidade está fundamentada na “crença cotidiana na santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude des-sas tradições, representam a autoridade” (WEBER apud JÚNIOR, 2012, p.12).

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funções do Estado, de acordo com os planos traçados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial; porém, essas políticas não solucionaram os problemas socioeconômicos latino-ame-ricanos – pelo contrário, os aprofundaram, aumentando a desigualdade social, o desemprego e a po-breza. Isso levou a um sentimento de descrença da população em relação às instituições democráticas, que pareciam ficar restritas a procedimentos e normas ao invés de buscarem respostas eficazes a tais dificuldades (CAMPOS, 2010).

A última categoria é constituída pelos problemas sistêmicos. Estes se referem aos defeitos nos sis-temas políticos. Esses problemas tomam a forma, principalmente, de dificuldades na tomada de decisão, problemas de governabilidade14, e dominação da política por parte dos setores mais ricos da sociedade (HUNTINGTON, 1993). Na maior parte dos países da América Latina, o poder político continuou sendo detido pelas mesmas elites que antes haviam apoiado os regimes autoritários. Essa situação resultou do caráter dessas transições, que foram realizadas através de pactos entre os setores da sociedade, ou seja, não houve revoluções que tirassem essas elites do poder (TONIAL, 2003). Dessa forma, elas desempe-nham papel fundamental, influenciando as políticas dos governos e determinando a direção destas, de maneira a contemplar seus interesses. Como resultado, existe na América Latina uma má representa-tividade da população no governo, fator que enfraquece a democracia. Além disso, outros problemas sistêmicos são significativos e limitam a democracia na região, a exemplo da falta de credibilidade do Poder Judiciário e dos altos índices de corrupção (D’ARAUJO, 2008).

Durante as últimas décadas, foram inegáveis os avanços da democracia na América Latina. No campo socioeconômico, é notável a redução da pobreza e das desigualdades sociais, a diminuição do analfabetismo e da mortalidade infantil, a melhora nas condições de saneamento, o aumento da ex-pectativa de vida, etc. Ainda assim, são grandes os desafios enfrentados e ainda há muito que avançar nesse sentido. Em geral, a sucessão no poder tem sido realizada através de eleições livres e democrá-ticas. Apesar disso, em alguns países ainda é possível perceber a existência de setores autoritários, que relutam em aceitar as mudanças vindas com a democracia. São exemplos a tentativa de golpe de Estado na Venezuela, em 200215, e o governo de Fujimori no Peru, que dissolveu o Congresso no ano de 199216 (D’ARAUJO, 2008). Além disso, ainda existe um alto grau de instabilidade em alguns países. A Venezuela, por exemplo, apresenta atualmente uma grave crise política e econômica, que vem chamando a aten-ção de diferentes atores internacionais nos últimos tempos (CARTA CAPITAL, 2015). Em menor grau, o Brasil enfrenta um período de instabilidade política na qual, dado o descontentamento de uma parcela da população com o governo atual, setores conservadores minoritários clamam pelo retorno a um re-gime militar (BOMFIM, 2015).

2.2. O PAPEL DA OEA NAS CRISES DEMOCRÁTICAS NO CONTINEN-TE AMERICANO

Apesar de a maioria17 dos países da América Latina terem superado seus regimes ditatoriais e vivido um processo de redemocratização, as democracias que emergiram ainda possuem muitas fra-gilidades. Prova disso foi a série de acontecimentos que abalaram as instituições de diversos países já na década de 1990, os quais chamaremos de “crises democráticas”. Uma “crise democrática” será aqui

14 De maneira simplificada, podemos dizer que o conceito de governabilidade significa a capacidade de governar, ou seja, é capacidade de um governo de exercer as funções a ele atribuídas.

15 O então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi responsável pela implementação de uma série de reformas profundas no país, inclusive a aprovação de uma nova Constituição referendada por voto direto. Estas reformas con-trariavam os interesses de importantes setores da sociedade venezuelana, que passaram a arquitetar uma série de in-vestidas contra Chávez. Em 2002, em um plano articulado entre a oposição e os militares, foi anunciada uma suposta renúncia do presidente e empossado um governo provisório. Apoiado pelos governos dos EUA e da Espanha e pelo Fundo Monetário Internacional, o governo durou dois dias. Após ampla mobilização popular, Chávez foi reconduzido à presidência (BARROS e PINTO, 2012).

16 O chamado Autogolpe de 1992 foi um golpe de Estado realizado pelo então presidente Alberto Fujimori. Nesta ocasião, apoiado pelas Forças Armadas, Fujimori dissolveu o Congresso da República, interveio no Poder Judicial e dominou diversos meios de comunicação. Fujimori permaneceu na presidência da república até o ano de 2002, pro-tagonizando um período autoritário marcado por inúmeros casos de corrupção (PERÚ21, 2013).

17 Cuba não apresentou nenhuma mudança no seu regime, considerado incompatível com os princípios democráti-cos da OEA, e permaneceu suspensa da organização até 2009 (JARDIM, 2009). A resolução AG/RES 2438 de 2009 (OEA, 2009) revogou tal suspensão e a participação de Cuba atualmente vem sendo estudada de acordo com o diálo-go entre o governo cubano e a Organização. Neste sentido, Cuba participou da VII Cúpula das Américas, realizada neste ano no Panamá, marcando o descongelamento das relações com os Estados Unidos e iniciando um processo de reaproximação entre os dois países (BBC, 2015).

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entendida como um caso de ameaça ao regime democrático de um país, que pode levar, numa situação extrema, à interrupção ou destituição desse regime de maneira ilegal.

Pode-se considerar que uma democracia está ameaçada quando se verifica ameaça a algum de seus elementos essenciais (por exemplo, a realização de eleições periódicas, o pleno exercício de liber-dades individuais e o respeito aos direitos humanos ou à organização de partidos políticos). Podemos sublinhar como ocorrências que desafiam os novos regimes democráticos os casos de corrupção, a queda de presidentes, a explosão de revoltas e manifestações sociais, e golpes de Estado (OEA, 2001; CAMARGO, 2013).

Uma noção similar de crise democrática já podia ser encontrada na Resolução 1080 – a Cláusula Democrática mencionada anteriormente –, que a descreve como “interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo exercício de poder pelo governo democrati-camente eleito” (CÂMARA, 1998). Na Carta Democrática Interamericana, a preocupação com violações à democracia fica mais explícita, aparecendo em diversos trechos juntamente com a definição de reco-mendações e, inclusive, sanções que devem ser aplicadas aos países nesses casos. Fica mais explícito também o convite da Organização à maior cooperação entre os países, de forma a atuarem de maneira conjunta e unificada em casos de abalos a sistemas políticos, mas também de forma a evitarem essas situações (OEA, 2001; CAMARGO, 2013).

Contudo, é importante ressaltar que o modelo democrático ideal na maneira percebida pela OEA é inspirado no ideal de democracia ocidental, exaltada pelos Estados Unidos, não sendo necessaria-mente condizente com a realidade dos países da América Latina (CAMARGO, 2013). Portanto, mesmo apesar desses esforços da organização em melhorar sua atuação em casos de crises nos países-mem-bros, crises políticas seguiram surgindo, uma após a outra, pelo continente: no Haiti, em 1991, quando um golpe militar depôs o presidente; em 1992, no Peru, quando o presidente, com o apoio das forças armadas, suspendeu diversas instituições do governo, como tribunais e a própria Constituição; no mes-mo ano, na Venezuela, com duas tentativas de golpe de Estado contra o presidente, uma liderada por aquele que viria a ser presidente no futuro, Hugo Chávez, e a outra pelas Forças Aéreas Venezuelanas; em 1993, na Guatemala, quando o presidente suspendeu a Constituição também com apoio das forças armadas locais; em 1996, no Paraguai, com uma ameaça de golpe de Estado contra o presidente; e em 1997, no Equador, quando o presidente foi tirado do poder de maneira considerada irregular (LISBOA, 2011; VILLA, 2003; CAMARGO, 2013).

Todas as situações citadas acima geraram insatisfação e repúdio, seja por parte de outros países e organizações internacionais, seja por setores da população dos países onde ocorreram. A OEA buscou agir na maioria delas, tentando promover diálogo, monitorar eleições ou elaborar acordos. Contudo, nos casos em que teve sucesso e verificou-se um reestabelecimento da ordem democrática, geralmente a Organização contou com apoio da sociedade ou de outras organizações, como nos casos haitiano e paraguaio (LISBOA, 2011; CAMARGO, 2013). A sensação era de que a OEA era ainda insuficientemente dotada de instrumentos para estabilizar os países. A elaboração da Carta Democrática Interamericana, em 2001, veio complementar os mecanismos já existentes de defesa da democracia. Ela inovou apresen-tando os incentivos à manutenção do regime democrático e as punições em caso de crise democrática, bem como ampliando os mecanismos de intervenção e de monitoramento possíveis para atuação na estabilização das crises.

Analisaremos, em seguida, os principais eventos recentes de desestabilização de governos no continente, que aconteceram após a aprovação da Carta Democrática – o último documento de rele-vância sobre o tema aprovado pela Organização. Essa análise é importante para visualizarmos qual foi e qual é o papel da OEA nessas novas crises, e verificar se os mecanismos previstos nos documentos existentes são suficientes e adequados.

2.2.1. HAITI

O Haiti possui na sua história profundas marcas de instabilidade política, agravadas pela violên-cia, ausência de coesão social e fragilidade do Estado, e redundando no subdesenvolvimento econômi-co e ausência de compromisso democrático por parte das elites políticas. Para se ter ideia,

[d]a independência a janeiro de 2006, 72 governos se sucederam, dos quais 38 foram escolhidos ou eleitos para um mandato determinado e 34 como administra-ções provisórias [...] entre os primeiros, 24 foram derrocados violentamente antes do término de seus mandatos [...]. Quatro entre eles foram assassinados ou execu-tados [...]. Quanto aos outros 14, um se suicidou [...] Apenas cinco terminaram seu mandato legal (CADET, 2006, p. 25 ).

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Racial e socialmente dividido entre uma elite dirigente mulata e uma maioria negra marcada pela miséria (CÂMARA, 1998), o Haiti conheceu um breve período de redemocratização após em 1986, com o fim de trinta anos de ditadura de François e Jean-Claude Duvalier, respectivamente pai e filho. Em dezembro de 1990, após a sucessão de cinco turbulentos mandatos no período de transição, as eleições para presidente deram o cargo à Jean-Bertrand Aristide, um padre da Igreja Católica ligado a teologia da libertação18. Após menos de um ano de mandato reformista e de tensão com a oposição conservadora, em Setembro, Aristide foi derrubado por um golpe militar e se exilou nos Estados Unidos, iniciando lá uma campanha internacional para dar visibilidade à situação de seu país.

O Haiti se tornou, nesse momento, o primeiro caso para aplicação do então recém aprovado re-gime de defesa da democracia da OEA. De novembro de 1991 a março do ano seguinte, a Organização trabalhou para encontrar meios de retorno de Aristides ao poder, mas a missão foi ineficaz devido à limi-tação dos instrumentos legais disponíveis à organização (CÂMARA, 1998). Tal ineficácia fez com que, em meados de 1993, a questão tivesse que ser levada à ONU, que se empenhou na restituição de Aristides ao poder, mas encontrou resistência violenta de grupos paramilitares19 no país. As iniciativas de incitação ao terror pelos paramilitares visando impedir o reestabelecimento do antigo governo levaria o Conselho de Segurança a aprovar a primeira de uma série de quatro missões da ONU para o Haiti nos anos 1990. A segunda destas, a Missão de Suporte das Nações Unidas no Haiti (UNSMIH), foi enviada após a eleição de René Préval para presidência, com o objetivo de promover a reconciliação nacional e a reabilitação econômica do país (CORBELLINI, 2009).

A situação política voltou a se agravar em 1998, quando Préval dissolveu o Parlamento após a Organização do Povo em Luta, grupo de oposição, conseguir impor um primeiro-ministro20. Na se-quência, a nova eleição de Aristides à presidência em 2000, num pleito que contou com apenas 5% de participação popular, e a vitória do partido de Aristides nas eleições legislativas fizeram estourar nova crise política no Haiti (CORBELLINI, 2009). Uma coalizão de diversos partidos políticos, setores da socie-dade civil, e da iniciativa privada pediam a renúncia do presidente. Nesse cenário, foi a Comunidade do Caribe (CARICOM) a responsável por articular, com apoio da OEA, uma ação internacional para mediar o diálogo entre governo e oposição e manter Aristides no poder.

Menos de um mês após a apresentação do plano pela CARICOM, no final de fevereiro de 2004, Aristides assinou uma carta de renúncia e exilou-se na África do Sul. A região norte do país havia sido tomada por um conflito armado e os oposicionistas ameaçavam chegar à Porto Príncipe, capital haitia-na. O presidente interino21 requisitou auxílio da ONU, levando novamente a situação política de seu país para debate no Conselho de Segurança. Em 1º de junho de 2004 era enviada a MINUSTAH, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, com o objetivo de pacificar e desarmar os grupos rebeldes, promover eleições livres e apoiar o desenvolvimento institucional e econômico haitiano (CORBELLINI, 2009). Essa missão ainda é vigente, tendo sido estendida após o terremoto de 2010.

2.2.2. HONDURAS

Em 28 de Junho de 2009, Manuel Zelaya, presidente hondurenho eleito democraticamente, foi tirado de sua casa à noite por um comando militar, colocado em um avião ainda de pijamas e enviado para Costa Rica. Uma falsa carta de renúncia foi apresentada. Devido à vacância da presidência, e com autorização da Justiça e apoio congressual, assumiu Roberto Micheletti – até então, presidente do Con-gresso Nacional e opositor de Zelaya (ÁVILA, 2009). Envolto em denúncias de corrupção, Zelaya havia feito um governo de caráter mais nacionalista e popular, apesar das origens conservadoras de seu Parti-do Liberal e de ser integrante de uma das famílias mais influentes de Honduras (LISBOA, 2011). No plano da política exterior, havia afastado-se dos Estados Unidos buscando diversificação de parcerias com a América Latina, acabando por aproximar-se da Venezuela com vistas ao fornecimento de petróleo mais barato deste país (GARCIA, 2009-2010).

A atitude de Zelaya que gerou o maior atrito, entretanto, foi convocar, por decreto do Presidente, uma consulta ao público sobre a possibilidade de uma reforma constitucional. A oposição acusou-lhe de

18 A teologia da libertação é uma corrente de pensamento cristão que entende que o Evangelho exige a opção pelos pobres e interpreta os ensinamentos de Jesus em termos de uma libertação de injustiças sociais, políticas ou sociais.

19 Forças paramilitares são grupos armados de organização tipicamente militar, mas que não são forças oficiais de um país.

20 No Haiti, diferentemente do Brasil, o poder Executivo é dividido entre duas figuras: o presidente (eleito diretamente por votação popular) e o Primeiro Ministro, definido pelo Parlamento. Nos países com sistemas semipresidencialistas, é possível que Presidente e Primeiro Ministro sejam de partidos de oposição - o que ocorreu no Haiti em 1998.

21 O presidente interino assume provisoriamente o cargo, enquanto são convocadas novas eleições e se dá posse a um novo(a) presidente(a) eleito(a).

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buscar mudanças na Constituição com objetivo de se beneficiar, uma vez que a lei hondurenha impedia a reeleição e uma reforma constitucional poderia alterar isto. A Suprema Corte hondurenha julgou in-constitucional a convocação, que deveria contar com apoio de 2/3 do Congresso e ser promovida pelo Judiciário (LISBOA, 2011). A consulta estava marcada para o dia em que Zelaya foi inconstitucionalmente deportado, após ter sido emitido mandato de prisão preventiva.

O Conselho Permanente da OEA aprovou, em 28 de junho, a resolução CP/RES. 953 (1700/09), que resolvia “exigir o imediato, seguro e incondicional retorno do Presidente José Manuel Zelaya Rosales às suas funções constitucionais [e] declarar que não ser[ia] reconhecido nenhum governo que decor-r[esse] dessa ruptura inconstitucional” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2009). As relações entre o órgão e o governo de facto, assumido pelo até então Presidente do Congresso Nacional, Ro-berto Micheletti, foram tensas desde o início, tendo o país denunciado a Carta da OEA no mês seguinte à resolução, retirando-se da organização antes que fosse decidida a sua suspensão. O secretário-geral da OEA à época, José Miguel Insulza, considerou sem efeito a decisão, dado o não reconhecimento do governo Micheletti pelos Estados membros (SALVADOR, 2009). O presidente da Costa Rica, Óscar Arias, propôs um plano de reconciliação nacional que previa a restituição pacífica de Zelaya, a realização das eleições livres planejadas e a toma de posse por um novo governo. Os termos, entretanto, não foram aceitos pelo governo interino (ÁVILA, 2009). Insulza, em sua firme defesa do retorno de Zelaya ao poder, viu-se envolto em seguidas tensões diplomáticas com o governo Micheletti. Em agosto, o Ministério das Relações Exteriores hondurenho negou-se a receber a delegação da OEA composta pelo Secretário-Ge-ral e os ministros de Argentina, México, Canadá, Costa Rica, Jamaica e República Dominicana, com a justificativa de parcialidade de Insulza e de que os integrantes da missão não seriam simpáticos à causa do governo (AGÊNCIA ESTADO, 2009).

Em 21 de Setembro, com as negociações atravancadas, o presidente deposto voltou clandestina-mente ao país, buscando refúgio na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Tal manobra e o cercamento do prédio pelo Exército causaram uma crise diplomática entre os governos de Brasil e Honduras. No dia 27, foi decretado Estado de Sítio22 em Honduras – perdurando até o dia 5 do mês seguinte.

No final de outubro foi fechado um acordo que previa a decisão de retorno de Zelaya ao poder pelo Congresso, o que ocorreu apenas após as eleições presidenciais realizadas em 02 de dezembro e resultou na manutenção do presidente deposto fora do poder. Porfírio Lobo, candidato conservador, foi vencedor do pleito. A comunidade hemisférica, no entanto, se viu dividida, tendo apenas Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Peru e Panamá reconhecido de imediato o resultado das elei-ções (BBC, 2010). Em 20 de janeiro de 2010, Lobo acordou a saída de Zelaya do país para a República Dominicana, e uma semana depois tomou posse, concedendo-lhe salvo-conduto23 para sair da Embai-xada brasileira. Honduras manteve-se suspensa da OEA por quase dois anos: em 2011 foi readmitida na Organização após ser acertada volta de Manuel Zelaya ao seu país.

2.2.3. PARAGUAI

Em junho de 2012, o então presidente paraguaio, Fernando Lugo, eleito em 2008, sofreu um processo de impeachment24 que o destituiu do cargo de presidência. Ele era representante da “Aliança Patriótica para a Mudança” (APC), o partido de esquerda25 do Paraguai. Antes dele, “Associação Nacional

22 Estado de sítio é um tipo de estado de exceção, que é um mecanismo através do qual o poder Executivo (ou seja, o presidente, em caso de regime presidencialista; ou o parlamento, em caso de regime parlamentarista) suspende temporariamente alguns direitos garantidos pela Constituição em caso de alguma crise que ameace a soberania do Estado (que é a autoridade máxima que ele exerce dentro de seus limites geográficos definidos), até retomar a ordem interna (BAHIA, 2013). O recurso a esse mecanismo está previsto em todas as constituições latino-americanas. O estado de sítio tem características de maior ou menor urgência e condições mais ou menos brandas para ser imple-mentado dependendo da Constituição de cada país. Uma situação em que é possível decretar estado de sítio pode ser, por exemplo, o caso de uma guerra.

23 Salvo-conduto é um documento emitido por autoridade de um País que permite a seu portador transitar por um determinado território. No caso, o Presidente Lobo permitiu a Zelaya sair da Embaixada brasileira até o aeroporto sem o risco de ser preso e enfrentar julgamento por seus supostos crimes contra a constituição.

24 O processo de impeachment é um mecanismo previsto por lei pelo qual o Presidente pode ser deposto. Cabe a legislação de cada país definir as circunstâncias em que isso pode acontecer e quais procedimentos devem ser utilizados. No caso do Brasil, a lei do impeachment enumera oito casos em que o ato do presidente será consider-ado crime contra a Constituição, passível de impeachment. Ainda de acordo com a legislação brasileira, uma vez deposto, o Presidente ainda fica impossibilitado de assumir qualquer função pública por um período de cinco anos (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950).

25 De acordo com Norberto Bobbio, a preocupação maior da “esquerda” seria a igualdade, ao passo que a preocu-pação maior da “direita” seria a liberdade (LASSANCE, 2013). No caso paraguaio, podemos dizer que o partido de es-

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Republicana” (ANR), mais conhecida como “Partido Colorado”, estava no poder há muitos anos: desde sua criação, em 1887, até 1904, e de 1946 até a vitória do APC em 2008. Durante essa última fase de do-minação do Partido Colorado, os anos de 1954 a 1989 vivenciaram o governo anticomunista de Alfredo Stroessner, apoiado pelo Exército peruano e pelo governo dos Estados Unidos. O país foi palco, neste período, de centenas de episódios de desaparecimentos, torturas e corrupção (MURTA, 2014).

Para entender a crise de 2012 no Paraguai, é necessário entender algumas características do país: segundo dados de 2014, 85% das terras agrícolas estão concentradas nas mãos de 2% da população. O presidente Fernando Lugo defendia os camponeses – que por vezes realizavam invasões em terras de grandes latifundiários – na luta por uma reforma agrária que redistribuísse essas terras. Isso, porém, gerava descontentamento nas classes mais conservadoras do Paraguai, que haviam sido beneficiadas com posses de terras durante os anos da ditadura de Stroessner. A “gota d’água” para essa insatisfação foi a invasão, no dia 15 de junho de 2012, de uma fazenda pertencente a um político ligado ao Partido Colorado. Pelo menos seis policiais e onze camponeses morreram durante o enfrentamento na pro-priedade, levando o Congresso Nacional a formar uma comissão para investigar o caso (ECURED, 2012; MURTA, 2014).

O impeachment, convocado pela ala da direita paraguaia, foi aprovado no dia 21 de junho pela Câmara dos Deputados do Paraguai, responsabilizando Fernando Lugo pelo enfrentamento do dia 1526. O Presidente afirmou, em declaração, que o ocorrido não tinha nenhuma validade jurídica e nem po-lítica, garantindo que não se submeteria ao julgamento. Assim, no dia 22, o Senado se reuniu e votou a deposição do presidente, que foi aprovada por 39 votos a favor contra 4 contrários. O processo todo durou menos de 24 horas. Já no dia seguinte, o vice-presidente, Federico Franco, assumiu o poder temporariamente, até a realização de novas eleições. Apesar de apoiado por alguns setores mais tradi-cionais, o evento não foi recebido de maneira unânime pela população: ainda no dia 22, cerca de 10 mil paraguaios foram às ruas da capital federal, Assunção, para protestar contra a decisão (ECURED, 2012; MURTA, 2014; MELITO, 2012).

De acordo com a Constituição paraguaia, um processo de impeachment poderia ser estabeleci-do em caso de mau desempenho das funções presidenciais ou de crimes cometidos durante o mandato, e todas as acusações deveriam ser analisadas e comprovadas. Os políticos envolvidos alegaram que se tratou de um procedimento completamente dentro da lei, mas muito se questionou sobre a possibili-dade de realizar um processo justo e correto em tão curto espaço de tempo. A Alemanha, a Espanha e o Vaticano prontamente reconheceram o novo governo, e os Estados Unidos também expressaram seu apoio a Federico Franco, embora de maneira menos enfática do que no caso de Honduras em 2009 (MURTA, 2014; VILLENA, 2012).

Já os países latino-americanos não só não reconheceram o novo governo como também deixa-ram claro seu repúdio à situação27. Afinal, o presidente vivia sob ameaça de destituição desde sua posse, em 2008, o que levou a indagações sobre a real legitimidade do processo: fora mesmo um julgamento político honesto e constitucional28, ou tratara-se de um golpe de Estado contra o presidente? (MURTA, 2014; VILLENA, 2012; ECURED, 2012). Nesse contexto, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)29 e a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) suspenderam o Paraguai por considerarem que o evento se trata-va de um caso de violação da democracia. A OEA realizou uma reunião extraordinária com os Ministros de Relações Exteriores dos países-membros, que terminou com a decisão de enviar uma missão para analisar a situação do país após o impeachment. A Organização declarou, ainda, que a credibilidade do Paraguai na OEA dependia da transparência das eleições programadas para abril de 2013 (MELITO, 2012). Nesta ocasião, foi eleito presidente o candidato do Partido Colorado, Horacio Manuel Cartes Jara, com mais de 45% dos votos, e o ex-presidente Fernando Lugo foi eleito senador (JUSTICIA ELECTORAL, 2013; JUSTICIA ELECTORAL, 2013). As eleições contaram com uma missão de 500 observadores da OEA (GIRALDI, 2012).

querda representava a defesa da reforma agrária e dos camponeses, e o Partido Colorado representava os interesses das elites, principalmente da elite agrária, que desejava manter suas terras.

26 O processo de defesa do Presidente apresentado à Corte Suprema de Justiça do Paraguai arrastou-se ainda por três meses, e não foi aprovado (MURTA, 2014).

27 Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Equador e Venezuela retiraram seus embaixadores do Paraguai, e a última ainda anunciou que interromperia as vendas de petróleo ao país (ECURED, 2012).

28 Que é previsto pela Constituição, que está de acordo com a lei.

29 Na época, o MERCOSUL era constituído por Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. Atualmente, a Venezuela também faz parte do Mercosul, tendo entrado após um longo processo de aproximação com o bloco que se concluiu logo após a suspensão do Paraguai. A entrada do país só foi possível em virtude da suspensão, visto que o voto paraguaio era contrário (FELLET, 2012).

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2.2.4. VENEZUELA

No ano de 2014, a Venezuela foi palco da eclosão de nova crise democrática. O país, que já foi alvo de inúmeras crises e tentativas de golpe30, viveu uma enorme onda de manifestações que levaram a uma nova situação de instabilidade. Tal situação começou em março de 2013, quando Hugo Chávez, presidente da Venezuela desde 1998, faleceu. Um mês depois, novas eleições foram convocadas, divi-dindo fortemente a população entre a escolha pelo candidato do partido chavista, Nicolás Maduro, ou pelo candidato de oposição, Henrique Capriles. Maduro ganhou a disputa eleitoral com apenas 50,66% dos votos – contra 49,34% para Capriles –, resultado tão apertado que levou a acusações de fraude e pedidos de recontagem de votos, mostrando que a oposição saía das eleições organizada e fortalecida (ISAPE, 2013; CARTA CAPITAL, 2014). É importante acrescentar também que a Venezuela encontrava-se, nesse momento, em situação econômica extremamente difícil, com enorme aumento nos preços dos produtos e desabastecimento de bens básicos (SÁNCHEZ, 2014).

Assim, no início do mês fevereiro de 2014, manifestações de estudantes começam no estado de Táchira e se alastram por todo o país, incorporando, cada vez mais, novas demandas. As principais insatisfações da população eram a situação econômica e a falta de segurança no país. A ala mais ra-dical da oposição ao governo, cujo principal líder era Leopoldo López, aproveitou-se da situação para participar das manifestações, exigindo a saída de Nicolás Maduro do poder. Porém, o que se pretendia ser um movimento de insatisfação pacífico começou a escalar a partir do dia 12, com enorme repressão policial e ocorrência das primeiras mortes. A organização Human Rights Watch denunciou a Venezuela por violações aos direitos humanos nos atos violentos realizados por forças da segurança venezuelana, divulgando documento com relatos de 45 casos de abuso policial contra mais de 150 pessoas, além de denunciar a demora no socorro para os feridos e a permissão dada pelo governo à ação de grupos armados pró-Maduro. Também foi condenado o uso de violência por parte dos opositores (FOLHA DE S. PAULO, 2014).

Tal situação preocupou enormemente as autoridades de outros países e as organizações inter-nacionais, que passaram a defender a necessidade de diálogo e acordos entre o governo e a oposição. Contudo, a própria oposição encontrava-se dividida entre uma ala mais moderada, representada pelo candidato derrotado nas eleições, Capriles, e a ala mais radical, dificultando a chegada a um acordo com o presidente (CARTA CAPITAL, 2014; SILVA, 2015). A OEA realizou uma reunião extraordinária para dis-cutir a situação da Venezuela, onde decidiu pela recusa em intervir no país – com 29 votos contra envio de missão observadora e 3 a favor, dos Estados Unidos, do Canadá e do Panamá. A Organização con-cordou em apenas emitir declaração de solidariedade, pedindo pela continuação dos diálogos no país. Este resultado foi considerado negativo pelo governo dos Estados Unidos (PRAGMATISMO POLÍTICO, 2014). A UNASUL, por outro lado, atuou mais ativamente como mediadora da situação, realizando diver-sos encontros, ao longo de 2014, entre a oposição e o partido do governo (MEZA, 2014). Os resultados, contudo, não foram muito frutíferos, visto que nenhum dos dois lados demonstrava disposição a ceder.

Para piorar a situação, Maduro ordenou a prisão de Leopoldo López, sob alegação de que teria liderado atos violentos nas manifestações. López entregou-se voluntariamente, em ato considerado heroico por seus seguidores, mas que levou ao aumento da insatisfação dos mesmos com o governo. A ONU considerou a prisão uma violação aos direitos humanos, civis e políticos, e declarou que López deveria ser solto. Além disso, prisões arbitrárias como esta podem ser consideradas um real atentado ao exercício da democracia plena. O governo venezuelano, porém, não acatou aos pedidos de organiza-ções internacionais e da população, e López, portanto, continuou detido (EL PAÍS, 2014; LOBO-GUER-RERO, 2015; MEZA, 2014; SILVA, 2014). No final de 2014, o governo dos Estados Unidos aprovou uma série de sanções a funcionários do governo venezuelano em razão de violações de direitos humanos, tencionando ainda mais a relação já conturbada entre os dois países (VEJA, 2014).

O saldo das manifestações foi de 43 mortos, 878 feridos e 3.351 detidos pelas forças policiais (CARTA CAPITAL, 2014; SILVA, 2015). Embora os protestos tenham cessado e a tensão política interna te-nha, em certa medida, estagnado, a Venezuela segue alvo de atenção: a UNASUL realizou, em março de 2015, nova reunião com o governo e a oposição na Venezuela, onde discutiram soluções democráticas para a situação no país e também a situação dos opositores presos. O presidente Maduro e o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela garantiram a convocação de eleições legislativas ainda para o ano de 2015 (TELESUR, 2015; MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015).

No mesmo mês, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, emitiu declaração classificando

30 Em 2002, um golpe militar tirou Chávez do poder por 48 horas; em 2003, uma greve dos trabalhadores da principal empresa petrolífera do país, a PDVSA, tentou paralisar o país por mais de 60 dias; em 2004, a oposição exigiu refer-endo popular para tentar cassar o mandato de Chávez – que, mesmo assim, recebeu 58% de aprovação; e em 2007, revoltas populares ocorreram em razão da decisão de Chávez de transformar o principal canal de televisão em uma rede de comunicação do governo (FILHO, 2014).

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a Venezuela uma verdadeira ameaça à segurança estadunidense. A declaração foi repudiada pela OEA, que a considerou exagerada, e a Organização expressou preocupação com a possibilidade de os EUA pensarem em uma intervenção no país. Os países-membro da OEA, contudo, admitiram que os excessos do governo de Maduro deveriam ser observados (BARBOSA, 2015). Em resposta à declaração norte-a-mericana, a Assembleia Nacional da Venezuela aprovou uma medida que permite a Maduro passar leis que considere necessárias para proteger o país da ameaça de intervenção americana. Tal medida foi fortemente criticada pela oposição, que acredita que poderes tão grandes cedidos ao presidente podem ser usados para barrar novas manifestações (BBC MUNDO, 2015). A preocupação com excessos por parte do governo surgiu novamente no dia 24 de março de 2015, em relatório da Anistia Internacional que acusa o governo venezuelano de estar sendo negligente com os casos de morte, tortura e abuso ocorridos durante os protestos, não levando os responsáveis devidamente a julgamento (R7, 2015). A situação da Venezuela permanece, portanto, instável, seguindo observada de perto pelas organizações internacionais e regionais, bem como pelos governos dos países americanos.

2.3. INTERVENÇÕES EM CRISES DEMOCRÁTICAS: POSSIBILIDADES E MOTIVAÇÕES

A fim de entender precisamente em que consiste o conceito de intervenção, é necessário com-preender uma série de conceitos fundamentais do campo de estudo das Relações Internacionais e do Direito Internacional. O primeiro destes conceitos é o de soberania, que significa que nenhum Estado está acima do outro na esfera internacional. Não há um “governo mundial” que determine regras para o comportamento dos países, ou, em outras palavras, não há nenhuma entidade superior ao Estado no âmbito internacional, de forma que, em teoria, todos os estados possuem o mesmo status jurídico-polí-tico. Na esfera doméstica, soberania quer dizer que somente o Estado nacional pode controlar e regular sua população, seu território e suas leis, e possuir o domínio legítimo da força. Portanto, a soberania de um Estado termina onde começa a de outro (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998).

Outro conceito importante é o de autodeterminação. Este consiste na capacidade de se auto-governar e no direito que um povo, dentro de um Estado, tem para escolher a forma de Governo, sem interferências externas. No que tange às relações internacionais, a autodeterminação consiste no direito à independência política, ou seja, no próprio direito à soberania. Segundo ele, um povo não pode ser submetido à soberania de outro Estado contra sua vontade (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998). Este princípio foi afirmado em diversos tradados e convenções internacionais. Segundo a Carta das Nações Unidas, um dos propósitos da organização é “[d]esenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal” (ONU, 1945).

Nesse sentido, percebemos que intervenção é a interferência de um Estado sobre os assuntos internos ou externos particulares do outro. Além disso, para ser considerada intervenção, a interferên-cia deve reunir alguns aspectos básicos: 1) ocorrer em tempos de paz; 2) ser compulsória, ou seja, ser forçada; 3) responder a motivações egoístas do Estado interventor, que busca impor sua vontade sobre o outro, influenciando suas atitudes, comportamentos e políticas; e 4) não apresentar consentimento do Estado que sofre a intervenção. As formas que a intervenção pode assumir são muito diversas. Pode ocorrer individualmente (por um Estado) ou coletivamente (por um grupo de Estados); pode apresen-tar caráter militar (uso da força), político (uso de meios diplomáticos) ou econômico (uso de sanções econômicas); além disso, a intervenção pode ser aberta (declarada) ou oculta (através da propaganda). Existe atualmente um forte debate acerca da legitimidade de intervenções humanitárias, militares e po-líticas, uma vez que são questionáveis as motivações dos Estados para realizá-las. Este debate baseia-se na oposição entre aqueles que defendem que o princípio da não intervenção não pode ser relativizado em nenhuma situação e aqueles que acreditam que este princípio não é válido quando a intervenção for motivada pela defesa dos direitos humanos (MELLO, 2000).

Através do exame da ideia de soberania como poder de última instância; assumindo que não há no Sistema Internacional uma autoridade acima dos Estados; e considerando que todos os Estados são iguais perante o Direito Internacional; é possível depreender o princípio da não intervenção. Segundo este, um Estado não tem direito de interferir nos assuntos internos de outro sem seu consentimento prévio (HERMANN, 2011). Este princípio é fundamental na construção das instituições internacionais modernas (tratados, convenções, organizações supranacionais, etc.). Na Carta da Organização dos Esta-dos Americanos, a não intervenção está explicitada em seus princípios:

Todo Estado tem o direito de escolher, sem ingerências externas, seu sistema po-lítico, econômico e social, bem como de organizar-se da maneira que mais lhe convenha, e tem o dever de não intervir nos assuntos de outro Estado. Sujeitos ao

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acima disposto, os Estados americanos cooperarão amplamente entre si, indepen-dentemente da natureza de seus sistemas políticos, econômicos e sociais (OEA, 1948).

Ademais, a Carta reafirma a defesa desse princípio ao afirmar que “[...] nenhuma [das] disposições [da Carta] a autoriza a intervir em assuntos da jurisdição interna dos Estados membros” (OEA, 1948). Além disso, ao tratar dos direitos e deveres fundamentais dos Estados, a Carta da OEA dispõe que:

Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indireta-mente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer ou-tro. Este princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem (OEA, 1948).

Entretanto, na prática, são impostos alguns limites a esse princípio. Existe atualmente um forte debate sobre a legitimidade de determinados tipos de intervenção. Segundo diversos estudiosos das relações internacionais e estadistas (especialmente dos países desenvolvidos), a intervenção é justifi-cável em determinadas situações limite, a exemplo de violações de direitos humanos em larga escala. Esta legitimação da intervenção se baseia nos conceitos de “responsabilidade de proteger” e “segurança humana”. O primeiro dispõe que, em circunstâncias nas quais um Estado não possui meios de proteger sua população ou comete violações aos direitos humanos, a comunidade internacional deve intervir a fim de proteger as populações em situação de risco (HERMANN, 2011). A segurança humana, por sua vez, defende a proteção dos indivíduos contra ameaças como “a pobreza, a fome, a doença, a crimina-lidade, as catástrofes naturais, as violações dos direitos humanos, a arbitrariedade, a violência sexual, a imigração, as deslocações internas, o tráfico de pessoas ou o desemprego” (RICUN, 2010).

Nesse sentido, frente a crises humanitárias graves, abre-se um precedente para a relativização dos conceitos de soberania e de não intervenção, permitindo que a comunidade internacional aja em defesa dos direitos humanos através das chamadas intervenções humanitárias. Por outro lado, exis-te uma preocupação de que esses conceitos permitam que os Estados relativizem a soberania como forma de garantir seus próprios interesses. Essa posição é percebida geralmente nos países em desen-volvimento, que sustentam que os conceitos de responsabilidade de proteger e de segurança humana podem ser instrumentalizados pelas potências a fim de garantir a manutenção de uma ordem interna-cional desigual e injusta (HERMANN, 2011).

O argumento das crises humanitárias é o mais utilizado nos debates sobre os limites do princí-pio da não intervenção. Entretanto, existem diversas discussões quando à legitimidade de um Estado intervir em situações como guerras civis, em defesa de seus nacionais no estrangeiro, ou em defesa da democracia. No âmbito da OEA, o argumento da defesa da democracia apresenta-se como principal motivação para a flexibilização do princípio de não intervenção. De maneira análoga às intervenções motivadas por violações aos direitos humanos, existe um entendimento, por parte de alguns países--membros, de que intervenções podem ser necessárias em situações de ameaça à democracia ou de ruptura democrática (MELLO, 2000). O ideal de defesa da democracia remonta à criação da organização, sendo um de seus propósitos “[p]romover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princí-pio da não-intervenção” (OEA, 1948). Além disso, está claro que a democracia é um ideal da organização, estando disposto em alguns de seus princípios:

[a] solidariedade dos Estados americanos e os altos fins a que ela visa requerem a organização política dos mesmos, com base no exercício efetivo da democracia representativa (OEA, 1948).

[E a] eliminação da pobreza crítica é parte essencial da promoção e consolidação da democracia representativa e constitui responsabilidade comum e compartilha-da dos Estados americanos (OEA, 1948).

Dessa forma, há um debate no âmbito da OEA acerca da compatibilidade entre a promoção da democracia e o princípio da não intervenção, ambos pressupostos fundamentais da Organização.

2.4. OS DEMAIS FÓRUNS REGIONAIS FRENTE A INTERVENÇÕES EM CRISES DEMOCRÁTICAS

A defesa do regime democrático e sua definição como princípio norteador está presente nos acordos constitutivos ou protocolos adicionais de todos os principais processos de integração regio-nal das Américas. É possível afirmar a existência de um “consenso democrático” na região, espelhado na afirmação presente no Compromisso de Santiago de que a democracia é “o regime de governo do

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continente” (OEA, 1991). Os entendimentos sobre os fundamentos da democracia, os propósitos e os mecanismos institucionais disponíveis, entretanto, são bastante diversos no que Camargo (2013) define como Regime Democrático Interamericano.

Dos processos de integração americanos, a Comunidade do Caribe é aquele que possui menos regulamentações quanto a promoção da democracia, limitando-se a “reconhecer a democracia como valor inerentes (sic) às sociedades da região e compromete[r] os Estados a respeitar os direitos civis” em seu documento “Posicionamento dos Estados Caribenhos para o século XXI” (COMUNIDADE E MERCA-DO COMUM DO CARIBE, 1997). Embora também pensado como um processo de integração comercial, o MERCOSUL conta com mais desenvolvidos mecanismos institucionais de promoção da democracia desde assinatura dos Protocolos de Ushuiaia, em 1998 e 2011. Esses estabeleceram os mecanismos de consulta entre os países membros e o Estado afetado em caso de crises democráticas, prevendo a possi-bilidade de medidas diplomáticas conjuntas que vão desde a suspensão do membro afetado até o fecha-mento das fronteiras (MERCADO COMUM DO SUL, 1998; MERCADO COMUM DO SUL, 2011). A fundação da Comunidade Andina em 1997, na esteira de reforma do antigo Pacto Andino nascido na década de 1960, estabeleceu a democracia como um de seus fundamentos. Assim como no Mercosul, a ação cole-tiva está prevista e os instrumentos disponíveis aos órgãos responsáveis da instituição são semelhantes aos do bloco do Cone Sul (CAMARGO, 2013).

É possível elencar também dois outros foros regionais, esses de caráter político. A União da Na-ções Sul-Americanas (Unasul) conta com o “Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo sobre o com-promisso com a Democracia”, que estabelece o compromisso de todos os países sul-americanos com a defesa, promoção, proteção e fortalecimento da ordem democrática, do Estado de Direito e suas insti-tuições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (CAMARGO, 2013). As medidas de possível execução conjunta seguem a linha do MERCOSUL e da Comunidade Andina. Já a Aliança Bolivariana para as Américas, cujo principal objetivo é fortalecer a uma ação autônoma e em contraposição às me-didas promovidas por Washington nas Américas, fundamenta-se em valores diferentes daqueles promo-vidos pela democracia liberal pensada principalmente através da OEA. Conforme Camargo (2013, p. 62), “para a Instituição, a democracia é um princípio regional, porém, em termos da participação popular. Ou seja, a ALBA se abstém de regulamentar uma democracia em sua formatação política para enfatizar a importância do seu conteúdo em termos participativos”.

Além das diferenças entre os mecanismos disponíveis e sua eficácia, a opção por utilização de uma organização em vez de outra passa pelo entendimento das diferentes propostas e relações de poder vigentes dentro daquela. Assim, a opção por coordenar a ação política em torno de uma quebra democrática na UNASUL, por exemplo, leva em conta, fundamentalmente, a exclusão da participação dos Estados Unidos, do Canadá e do resto da América Latina e Caribe e todos os ganhos e perdas deste movimento. O protagonismo de uma organização, no entanto, não exclui a participação de outra, sendo sempre possível a coordenação de esforços – como no caso da segunda quebra da ordem democrática no Haiti, na década de 2000, em que o CARICOM encabeçou as negociações, tendo apoio da OEA.

3. AÇÕES PRÉVIAS

Algumas normas de prevenção e solução de crises democráticas já foram adotadas pela OEA, como por exemplo o Protocolo de Cartagena (1985), que estabelecia (na teoria) um compromisso por parte dos Estados-membros de “promover e consolidar a democracia representativa, respeitando o prin-cípio da não-intervenção” (OEA, 1985). Na prática, pode-se dizer que as ações da Organização na época eram seletivas, denunciando apenas alguns dos regimes antidemocráticos e delegando a si própria a função de legitimar ou deslegitimar governos da região.

Nos anos 1990, a partir de um novo contexto de estabilidade na América Central após o fim de guerras civis31 e de ditaduras, surgem governos democráticos na América Latina. A Organização então se reformulou e passou a assumir nova postura nos conflitos políticos regionais. Foi criada a Unidade para a Promoção da Democracia (UPD), considerada um instrumento preventivo visando promover e consolidar a democracia. O objetivo principal desse instrumento é “responder com prontidão e eficiên-cia aos Estados-membros que o solicitem, prestando assessoramento ou assistência para preservar ou fortalecer suas instituições políticas e procedimentos democráticos” (OEA, 1990). A principal medida da UPD hoje é a organização de missões de observação eleitoral, servindo como mecanismo de controle do perfeito funcionamento e legalidade das eleições que ocorrem nos países americanos.

De extrema importância é a Resolução 1080, adotada em 1991. A resolução é mais eficaz se com-

31 A partir dos anos 60 houve uma série de conflitos protagonizados por grupos armados que tentavam destituir os governos ditadores. Ocorreram na Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador.

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parada com as medidas adotadas antes porque esclarece os tipos de ações que serão tomadas para alcançar o sistema democrático em toda a região e para resolver crises em que há interrupção de go-vernos democráticos (OEA, 1991). Antes, pelo fato de não existir uma especificação desses tipos de ação, existia o temor de que a incerteza acerca das ações da OEA pudesse abrir espaço para intervenção direta dos EUA nos demais países americanos. Vale aqui lembrar que essas medidas constituem apenas recomendações, pois as decisões da OEA não têm caráter vinculante, ou seja, não podem obrigar os Estados a cumpri-las32. As punições aos países que rompem com a democracia vêm com o Protocolo de Washington, em 1992. Ele é o que define a “possibilidade de suspensão ou exclusão dos governos que não tenham surgido de processos democráticos ou que se tenham constituído através do uso da força” (LISBOA, 2011).

A Organização decidiu aplicar a resolução 1080 no Golpe do Haiti em 1991; no peru em 1992; na Guatemala em 1993; e no Paraguai em 1996. Nessas crises democráticas, a resposta da OEA se deu atra-vés de diversos instrumentos, a exemplo de sanções econômicas, envio de operações civis e invocação das nações Unidas, no caso do Haiti; e negociações com os líderes golpistas, envio de missões técnicas para o aprimoramento institucional e pressões para que os outros países reavaliassem suas relações com o governo golpista, no caso do Paraguai (CAMARGO, 2013).

A última medida normativa, adotada em 2001 pela OEA, foi a Carta Democrática Interamericana, substituta da Resolução 1080. A Carta inova em alguns aspectos: passa-se a descrever a democracia como direito dos povos americanos e sua promoção e defesa como obrigações de seus respectivos governos. Além disso, a Carta caracteriza legalmente o que se espera de um regime democrático. A partir daí, a organização pode atuar não só em caso de ruptura desses regimes, como em caso de não cumprimento dos elementos estipulados como essenciais para a democracia33. Ainda, a Carta estende a qualquer Estado membro o direito de pedir a convocação do Conselho Permanente (prerrogativa que antes concernia apenas ao Secretário Geral) para discutir sobre as ações a serem tomadas nas crises. O documento também estipula que se as ações do Conselho Permanente para restaurar a democracia fa-lharem – ou seja, se a via diplomática não surtir efeito – pode então ser solicitada sessão extraordinária da Assembleia Geral, podendo aí decidir-se pela suspensão do Estado-membro que não está cumprindo com os princípios democráticos considerados fundamentais para a Organização.

A partir da criação da Carta Democrática Interamericana, as formas de intervenção no Haiti em 2001, na Venezuela em 2002, e em Honduras em 2009, seguiram a mesma tendência que na década de 1990. Percebe-se que na existência de golpes de estado claros, a Organização atua de maneira mais ativa e imediata; já em casos de impeachment, resignação ou renúncia presidencial, a atuação da OEA limitou-se à observação dos casos e a recomendações no sentido de manter a ordem democrática (como nos casos do Equador em 1997, 2000 e 2005; da Bolívia em 2003 e 2005; e do Paraguai em 2012) (CAMARGO, 2013).

4. POSIÇÕES DOS PAÍSES

Alguns países sul-americanos vêm se afastando da OEA, ao mesmo tempo em que recorrem à Unasul como uma alternativa à Organização, já que aquela teria como grande vantagem a ausência dos Estados Unidos – o que dá mais margem de manobra aos membros e os protege de supostas tentativas de influência deste país. O Brasil é um dos países que vêm agindo de modo mais favorável à ação deste bloco como mediador nas crises políticas da América do Sul, em detrimento da ação da OEA. Dessa forma, o país vem participando ativamente da solução de crises como mediador em ações da própria Unasul. Historicamente, o Brasil defende soluções para crises políticas que estejam dentro da constitui-ção dos países e de acordo com as normas internacionais, favorecendo sempre o diálogo entre as partes em disputa ao invés de uma intervenção internacional direta. Dessa forma, o país rechaça posições unilaterais e de isolamento, como por exemplo sanções. O Brasil foi um dos Estados que se posicionou contra o envio de observadores da OEA à Venezuela em 2014, alegando que uma decisão da OEA seria inoportuna e poderia acirrar as tensões no local. Como solução, apoiou a mediação da UNASUL nos diálogos entre governo e oposição, inclusive sendo um dos representantes da organização na referida mediação (juntamente com Colômbia e Equador) (ISAPE, 2014).

32 Os Estados na maioria das vezes são incentivados a cumprir por causa do desgaste diplomático que sofrem se não cumprem com alguma organização internacional, arriscando ter sua relação com outros países afetada.

33 “Respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito; celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo; regime pluralista de partidos e organizações políticas e; separação e independência dos poderes públicos” (OEA, 2001).

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A Bolívia e o Equador adotam postura radical em relação à OEA, evitando as ações desta, pois acreditam que a organização surgiu direcionada por interesses externos (referindo-se aos EUA). En-quanto buscam uma reformulação da Organização, posicionam-se de maneira contrária a intervenções e ao uso de força militar para garantir democracia, afirmando que estas ações não contribuem para a estabilidade política dos países afetados. Defendem, portanto, um diálogo político de acordo com os mecanismos previstos na constituição do país em crise.

Seguindo a mesma linha destes países está a Venezuela, que representa também um dos países mais relevantes para a discussão devido não só a seu histórico de crises políticas como à grave insta-bilidade pela qual passa atualmente. O Estado é importante também por causa da discussão existente acerca da suposta polarização da OEA entre apoiadores dos EUA versus apoiadores da Venezuela. O governo bolivariano vem aceitando apenas a mediação da Unasul em suas tentativas de resolução da crise política, questionando desde o governo Hugo Chávez a legitimidade e a efetividade das ações da OEA empreendidas contra o país (SACHS, 2014). No entanto, por ser a OEA o único bloco onde tanto os EUA quanto a Venezuela estão presentes, por vezes o governo venezuelano recorre à organização para protestar contra as tentativas de ingerência estadunidenses (AYUSO, 2015b).

O Uruguai posiciona-se em defesa da consolidação da democracia na região através de um “cor-te do mal pela raiz”, ou seja, através da diminuição da pobreza, afirmando que a intervenção não é a melhor forma de resolver as crises políticas. O país também vê hoje a Unasul como “âmbito natural de abordagem de temas regionais” (da América do Sul), mas entende o particularismo da OEA por ser este o único espaço de discussão que reúne a América como um todo; considera, portanto, a Carta da OEA como a “constituição das relações interamericanas”.

Desde a década de 2000, a partir dos governos de Néstor e Cristina Kirchner, a Argentina deixou de usar exclusivamente as normas da OEA para defender a democracia e começou a selecionar também normas de outras organizações das quais participa, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Una-sul. Nota-se, ainda, que o país vem mostrando desde os anos 90 um endurecimento de suas posturas frente crises democráticas, sendo este o motivo que muitas vezes o fez seguir caminhos distintos da OEA no advento destas crises (MERKE, 2014).

A Guiana, a Guatemala e a Nicarágua são nações que defendem uma reforma da OEA para que esta seja capaz de agir de maneira mais eficaz nas inúmeras crises democráticas do hemisfério. A refor-ma proposta seria nas próprias bases da instituição, passando por seus princípios e valores (OEA, 2003; PÉREZ, 2013; AYUSO, 2015a). Os três países creditam na resolução de crises por meio de diálogos a níveis nacionais nos países que sofrem ruptura da democracia.

O Peru é igualmente a favor de uma reforma da OEA, e afirma que os países americanos esperam que a Organização fortaleça a defesa dos direitos humanos e da carta democrática interamericana (LA VANGUARDIA, 2015). O chanceler peruano também declarou que acredita que a OEA deve atuar como intermediário entre Estados Unidos e Venezuela, para normalizar as relações entre os dois países, aliviar o clima de tensão e facilitar o bom entendimento entre as partes (ANDINA, 2015).

O governo do México declarou que considera a Organização dos Estados Americanos indispen-sável e insubstituível e que seu trabalho complementa o de outros foros regionais. O país, que é um dos membros fundadores da Organização, é também o terceiro maior contribuinte dentro da instituição (KURIBREÑA, 2015). O México também acredita ser necessário revisar a estrutura da OEA, renovando--a e atualizando-a para uma maior eficácia do organismo (SECRETARÍA DE RELACIONES EXTERIORES, [2013?]).

O governo do Panamá costuma defender ações da OEA nas crises políticas do hemisfério, tendo posicionamentos que algumas vezes geram controvérsias por possuírem caráter intervencionista (ISA-PE, 2014).

O Chile acredita fortemente no potencial da OEA para promover o diálogo multilateral, reafirman-do os princípios e valores centrais da comunidade interamericana. O chileno José Miguel Izulsa ocupou o posto de Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos de 2005 até 2015, cumprindo dois mandados (Ministerio de Relaciones Exteriores de Chile, 2015). O Chile acredita que seria importante um fortalecimento das atribuições do Secretário-Geral da OEA, para que este pudesse prover assistência devida a países que enfrentem situações de ameaça à estabilidade democrática (UOL NOTÍCIAS, 2010). O governo chileno também destaca a importância de ser realizada uma série de aperfeiçoamentos na Carta Democrática Interamericana. O país defende que fóruns como a OEA discutam e atuem em crises democráticas, incentivando ações conjuntas com outras organizações como a Unasul, e costuma ado-tar posicionamento similar aos de seus vizinhos sul-americanos.

Assim como o Chile, o Canadá também acredita ser a Organização dos Estados Americanos o

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mais importe fórum multilateral do hemisfério. O país está entre os maiores colaboradores da Organi-zação, sendo os assuntos democráticos e as reformas institucionais algumas de suas prioridades como membro do bloco. O Canadá vê a OEA como veículo chave para o fortalecimento das instituições do continente, e, consequentemente, para o fortalecimento da democracia nos países (GOVERNEMENT OF CANADA, 2015).

A Colômbia tem sido um dos países de maior destaque quando se refere à OEA, uma vez que a Organização tem atuado no país há anos a fim de buscar uma solução para o antigo conflito armado interno protagonizado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Este conflito conti-nua sendo uma grande fonte de instabilidade para o país, porém significativos avanços no diálogos de paz foram alcançados nos últimos anos, de forma que o Estado é um grande defensor da centralidade da atuação da OEA em crises democráticas. A Colômbia acredita no potencial da OEA e defende que o organismo permaneça sendo o principal fórum político de negociação multilateral do continente. Por outro lado, o atual governo colombiano também reconhece a relevância da atuação da Unasul em paí-ses sul-americanos.

Segundo o governo da Costa Rica, a Organização dos Estados Americanos, como principal órgão político do hemisfério, desfruta de todos os instrumentos necessários para que se resolvam quaisquer crises democráticas na região, sendo a própria carta da OEA o mais importante instrumento jurídico a ser utilizado (MISIÓN PERMANENTE DE COSTA RICA ANTE LA OEA, 2002). Todavia, o país argumenta que, mesmo quando tais instrumentos são utilizados, os resultados da atuação da Organização não são, em sua totalidade, exitosos (ARAYA, 2013). Assim, o Estado dispõe-se a participar de discussões acerca de reformas e melhorias nos instrumentos de intervenção da OEA.

Em janeiro de 1962, em plena Guerra Fria, Cuba foi suspensa da Organização dos Estados Ame-ricanos, em função de ter adotado um posicionamento político pró União Soviética, na época con-siderado incompatível com os princípios da Organização. Recentemente, em 2009, tal suspensão foi revogada, através da Resolução AG/RES 2438 (JARDIM, 2009). A partir daí, a participação efetiva do país na OEA passou a depender somente do interesse do governo cubano; entretanto, tanto o líder Fidel Castro, quanto seu irmão e sucessor, Raúl Castro, afirmaram não ter interesse em voltar à entidade, con-siderando-a um instrumento estadunidense de manipulação do continente. O novo Secretário Geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro, contudo, afirmou que dirigirá grandes esforços rumo à construção novos diálogos com Cuba, visando solucionar quaisquer entraves remanescentes que atrapalhem a relação da Organização com o país (RAVSBERG, 2015).

No mesmo ano em que Cuba foi aceita de volta à OEA, o golpe de Estado ocorrido em Honduras levou a Organização dos Estados Americanos a suspender o país de participar da Organização (LA VAN-GUARDIA, 2015) – o país foi reincorporado apenas dois anos depois. Há uma crescente credibilidade por parte do governo hondurenho para com a OEA, que atuaria em nome do desenvolvimento regional e da manutenção da ordem democrática. Ao mesmo tempo, levando em consideração a situação interna ainda bastante delicada do país, mantém-se uma postura relativamente neutra dentro da Organização, buscando, cuidadosamente, uma maior atuação hondurenha dentro do bloco.

O governo de El Salvador interessa-se em trabalhar juntamente com a Organização em projetos que visam o desenvolvimento e o fortalecimento da democracia nos países (EFE, 2015). El Salvador foi o membro mais adepto à política de fiscalização de eleições adotada pela OEA, tendo seis de seus proces-sos eleitorais presidenciais fiscalizados desde a década de 1970 (SANTOS, 1998).

Outro país que recebeu a apoio da OEA em seus processos eleitorais foi o Haiti, que acredita que a presença da Organização durante estes eventos é a mais clara expressão da vontade da OEA em evitar uma crise democrática no país. Segundo o chanceler haitiano, esta é a melhor via para defender os prin-cípios da democracia, fundamentais para a reconstrução do país (NOTICIERO LEGAL, 2015). Além disso, desde o devastador terremoto que apavorou o Haiti em 2010, a Organização dos Estados Americanos vem fazendo grandes esforços para ajudar o Estado (NOTIMÉRICA, 2014). Desta forma, o Haiti acredita fortemente na capacidade da OEA de dar auxílio aos países em situações de crise, defendendo ativa-mente a atuação da Organização nestes eventos e ressaltando a importância da capacitação dos países membros para que possam lidar efetivamente com suas crises democráticas.

A República Dominicana acredita que a consolidação da democracia é uma árdua tarefa, na qual a OEA desempenha papel importante. O governo dominicano alega forte compromisso por parte de seu Estado para com o fortalecimento democrático e demonstra-se confiante quanto ao papel da Organi-zação na defesa e promoção da democracia, e quanto à importância da cooperação por parte de todos os Estados membros (AMERICANOS, 2001). Simultaneamente, defende o princípio da não-intervenção, acreditando que não cabe à Organização ou a seus países membros a interferência direta em crises democráticas internas a cada país. O papel da OEA, segundo o governo dominicano, é o de promover o diálogo e a cooperação para capacitação dos Estados, no intuito de evitar e solucionar quaisquer con-flitos democráticos que assolem a região.

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Os Estados Unidos da América têm, desde os primórdios da Organização dos Estados Ameri-canos, se mostrado bastante presentes nas atividades e decisões da OEA. O governo norte-americano declara-se determinado a promover um programa de engajamento para com a Organização e seus vizinhos da América, a fim de resolver conflitos no continente, estabelecendo e reforçando relações bilaterais e multilaterais, centradas nos princípios de direitos humanos, de desenvolvimento e de segu-rança humanitária e, com isso, promovendo a defesa das liberdades democráticas, expandindo relações econômicas e defendendo a segurança nacional e continental (US PERMANENT MISSION TO THE OAS, -). Entretanto, não é isso que os membros latino-americanos observam na prática, sendo alegado que a América Latina perdeu muita importância na condução de política externa dos Estados Unidos. A incapacidade dos últimos governos norte-americanos de promoverem medidas políticas efetivamente concretas de apoio aos membros da OEA é evidenciada pela recente criação da CELAC – Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos, que abrange todos os membros da OEA com exceção dos EUA –, claramente estruturada em oposição à política hegemônica e imperialista dos Estados Unidos (MARTINS, 2014).

Segundo Stephen Vascianne, representante da Jamaica na OEA, embora muitos critiquem uma suposta ineficiência da Organização, a mesma continua sendo bastante benéfica à região. Para fazer avançar a OEA, o governo jamaicano defende aprimorar os mecanismos disponíveis para a ação da organização. Além disso, Vascianne destaca que a OEA é o órgão base para outras instituições, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vitais para assegurar a estabilidade democrática no hemisfério (VASCIANNIE, 2014).

O Paraguai historicamente adota uma posição relativamente conservadora nas suas representa-ções perante a OEA, não expressando opiniões radicais sobre a atuação da Organização. Recentemente, o país tem tido relações conturbadas com as organizações às quais costumava pertencer, devido ao im-peachment do presidente democraticamente eleito, Fernando Lugo, em 2012. A forma não democrática com a qual tal processo foi conduzido fez com que tanto a Unasul quanto o MERCOSUL suspendessem o país até a realização de novas eleições (ISAPE, 2013). A OEA descartou possibilidade de suspensão do Paraguai, preferindo realizar uma missão de apoio ao processo democrático paraguaio e enviando uma missão observadora para o processo eleitoral que seria realizado no ano seguinte (TERRA, 2012). Portanto, o país mantém neutralidade com relação à organização, tendo em 2014 sediado sessão da As-sembleia Geral da OEA, onde foi discutida, entre outros assuntos, a necessidade de a OEA se reinventar e adaptar à atual situação dos países.

O Suriname defende o fortalecimento da Organização dos Estados Americanos, visto que já foi beneficiado amplamente com o apoio da OEA. O Suriname compartilha do pensamento de muitos ou-tros membros da instituição de que uma nova liderança para a Organização, representada pelo novo Secretário Geral, influirá positivamente no papel fundamental da OEA de promover integração regional e desenvolvimento no hemisfério, e, consequentemente, fortalecer as instituições democráticas (OEA, 2015).

5. QUESTÕES A PONDERAR

a) Quais são os novos desafios para a consolidação da democracia no continente america-no? Estes são diferentes para as diferentes sub-regiões do continente americano?

b) Que papel cabe à OEA no auxílio à superação esses desafios? Como pode a Organização de maneira proativa na promoção da democracia?

c) Quais são hoje as limitações de ação da organização em casos de forte crise democrática? Como é possível superá-las, respeitando os princípios de não intervenção e ação coletiva consagrados na sua Carta?

d) De que maneira deve se dar a relação da Organização com outros foros políticos das Américas?

e) Como preservar a isonomia e a imparcialidade nas ações tomadas pela OEA, ao mesmo em que se busca sua máxima eficácia?

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PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA)

Expropriação de Terras Estrangeiras(Land Grabbing)

Aline de Ávila RochaGraduanda do 6º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Roberta Preussler dos SantosGraduanda do 6º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Alex Blasi de SouzaGraduando do 1º semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Francine FerraroGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Isabela Souza JulioGraduanda do 4º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.170-192 PNUMA 171

Criado em 1972, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) é a principal autoridade global do sistema ONU em questões ambientais. O programa é responsável por estabelecer diretrizes e propiciar discussões com o fim de promover a conservação do meio ambiente e o uso efi-ciente de seus recursos, visando o desenvolvimento sustentável e pacífico.

Sua sede principal se encontra em Nairobi, no Quênia, mas o programa também conta com seis escritórios regionais espalhados por diferentes continentes, sendo um deles em Brasília. Suas reuniões são compostas por 58 membros eleitos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo o mandato de cada membro duração de quatro anos. Mesmo que o cumprimento de suas recomendações não seja obrigatório, as resoluções do PNUMA são capazes de exercer forte pressão moral frente a todos os países das Nações Unidas.

1. HISTÓRICO

1.1. TENDÊNCIAS COLONIALISTAS E ORIGENS HISTÓRICAS

A apropriação de terras estrangeiras para exploração econômica não é uma tendência recente. Ao longo da história, diversas sociedades encontraram na expansão territorial o caminho para superar dificuldades internas, como a falta de alimentos e o excesso populacional. No entanto, foi somente a partir da colonização europeia das Américas que os interesses econômicos passaram a ter destaque nesse processo (FURTADO, 2007).

Nos séculos XV e XVI, os reinos europeus operavam sob uma política econômica conhecida como mercantilismo, que priorizava o comércio externo e a acumulação de reservas de metais preciosos. Quando uma série de invasões turcas passou a impedir a manutenção das linhas comerciais tradicionais com a Ásia pelo mar Mediterrâneo, a elite comerciante europeia buscou estabelecer caminhos alterna-tivos até o Oriente, empreendendo ambiciosas expedições marítimas que culminaram com as Grandes Navegações (FURTADO, 2007). Essas viagens tiveram como resultado inesperado o contato com um novo continente, a América, que passaria a ser o foco das primeiras grandes colonizações europeias. Foi nesse momento que se consolidaram os primeiros impérios coloniais, o português e o espanhol.

Mais tarde, em meados do século XIX, o aprofundamento da Revolução Industrial1, a progressiva concentração de capital nas mãos de elites bancárias e a crescente competição entre os Estados euro-peus levaram a uma necessidade cada vez maior de novos mercados e novas fontes de recursos, que se traduziu numa grande busca por terra. Munidos de novas tecnologias bélicas, os países industrializados da Europa se lançaram numa violenta campanha pela conquista de colônias ultramarinas, tanto na Áfri-ca como na Ásia. A Conferência de Berlim, concluída em 1885, redesenhou o mapa do continente afri-cano de acordo com os interesses das potências europeias. A Inglaterra e a França foram especialmente beneficiadas por essa chamada “Partilha da África”, expandindo seus impérios coloniais em milhares de quilômetros quadrados. Ao longo das décadas seguintes, o continente africano foi palco de uma intensa exploração econômica conduzida sem a menor preocupação com as populações nativas, muitas das quais foram privadas do exercício de suas tradições, desalojadas, ou mesmo exterminadas (VISENTINI, 2007).

1.2. “DESCOLONIZAÇÃO” E NEOCOLONIALISMO: NOVAS FORMAS DE DOMINAÇÃO

A destruição sem precedentes causada pelas duas Guerras Mundiais do século XX levou ao fim da chamada “era europeia” da História mundial e ao início da predominância dos Estados Unidos da Améri-ca. Essa reconfiguração da ordem mundial refletiu decisivamente nas colônias, onde movimentos nacio-nalistas que lutavam pela independência há décadas foram beneficiados pelo enfraquecimento de suas respectivas metrópoles e pelo apoio dos Estados Unidos, que precisava da abolição das relações econô-micas protecionistas2 que vigoravam até então para melhor disseminar seus produtos (VISENTINI, 2007). Até 1960, mais de 20 países africanos haviam conquistado a independência política (ALLEN et al, 2011).

1 Período de transição entre o final do século XVIII e meados do século XIX em que o trabalho artesanal passou a ser substituído por manufaturas auxiliadas por máquinas, entre outras mudanças.

2 Medidas econômicas adotadas por um país para proteger sua produção nacional da concorrência estrangeira, como instituir altas tarifas para produtos importados e oferecer subsídios à produção interna.

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Apesar dessas aparentes vitórias políticas, a própria natureza do colonialismo das décadas an-teriores impossibilitou que muitos dos nascentes Estados africanos assumissem real controle de seu futuro. A divisão territorial estabelecida pelas potências europeias resultou na formação de unidades políticas pouco viáveis por si sós: incapazes de gerir suas próprias economias ou sistemas de defesa in-dependentemente, muitos dos novos países acabaram se atrelando econômica, política e militarmente a suas antigas metrópoles (NKRUMAH, 1965). Em vez do controle político aberto, a dominação passou a ser velada, numa tendência conhecida como neocolonialismo.

Em anos recentes, uma série de fatores tem instigado uma nova onda de disputas por terra que se valem de formas de dominação muito associadas ao neocolonialismo. As crises econômicas de 20073 e 20084, a abertura cada vez maior de países periféricos a investimentos externos, e o desejo crescente pela garantia de fontes de recursos naturais e energéticos por parte dos países desenvolvidos são alguns dos pontos que mais têm contribuído a essa tendência (MAGDOFF, 2013). Países com pouca ou nenhu-ma produção agrícola, como a Arábia Saudita, passaram a investir na compra de enormes áreas de terra em países periféricos para salvaguardar seu futuro, enquanto empresas de grande porte associadas com potências como os Estados Unidos e a China têm feito o mesmo. Essas ações têm levado a preocupa-ções sobre a perda da soberania dos países afetados, já que a compra de parcelas de seu território por outro Estado ou por empresas transnacionais pode fragilizar seu controle sobre elas (BROWN, 2013).

Desta forma, a terra vem se tornando novamente um tópico para disputas e discussões interna-cionais. Por isso, é importante ter em mente os usos atuais da terra, como a agricultura, a mineração e até mesmo como seu papel como fonte de recursos hídricos e energéticos. É a partir destes três fatores que todos os bens necessários para a sobrevivência e o desenvolvimento da sociedade são obtidos. As-sim, a importância da terra provém do fato de que ela não seria apenas necessária para a produção de alimentos – que são a base de toda a sobrevivência humana –, mas também para a produção e extração de matérias-primas, como o minério de ferro, que se mostram cruciais para que um país se desenvolva e possa criar sua própria tecnologia. Por isso, não apenas deve-se preocupar com “a terra pela terra”, mas também com o que pode se encontrar nela, como água e recursos naturais e energéticos (como pe-tróleo) – que possuem tanta importância para o desenvolvimento das sociedades quanto a terra em si.

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. A EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS ESTRANGEIRAS (LAND GRAB-BING)

Como explicitado anteriormente, as disputas envolvendo a questão de terras e territórios têm permeado a relação entre os países há séculos. Já no contexto atual, esta questão tem adquirido cada vez mais um caráter econômico, envolvendo não apenas os entes públicos – governos – mas também os entes privados – empresas e pessoas. Esta ação de indivíduos, empresas ou países serem proprietá-rios de terras de outros países tem o nome de land grabbing5 (FRANCO et al, 2013b). Como tradução própria, o land grabbing será referido aqui também como “expropriação de terras”.

É importante ressaltar que a expropriação de terras não é um fenômeno que se restringe à rela-ção entre os Estados, envolvendo muitas vezes empresas e indivíduos como seus atores (FRANCO et al, 2013b). Normalmente essa prática em países onde ocorre onde a terra possui preços abaixo daqueles encontrados no Estado de origem do comprador – na Polônia, por exemplo, o preço da terra adequada para agricultura é, em média, 12 vezes menor do que na Holanda (FITCH, 2015). Uma das consequências da expropriação de terras é que a produção da terra é levada para outro país, deixando o país onde se situa a terra sem possibilidades de se sustentar internamente (ELLA, 2014).

Vejamos um exemplo: uma pessoa do Canadá compra uma grande quantidade de terras férteis para agricultura na Guiana. A partir disso, esta pessoa se aproveita do preço barato das terras e do tra-balho na Guiana para produzir algum produto necessário em outros países do mundo – por exemplo,

3 Crise em que problemas na produção agrícola global, motivada em grande medida por problemas climáticos, le-varam ao aumento de preços de alimentícios.

4 Crise bancária que se originou nos Estados Unidos mas acabou afetando muitos países ao redor do globo. Uma de suas consequências mais visíveis foi a recessão no crescimento do PIB de diversos países, ou seja, muitos países ti-veram suas economias diminuídas entre os anos de 2008 e 2009, num fenômeno que afetou todos os anos seguintes (BRESSER-PEREIRA, 2009)

5 Do inglês, land significa “terra”, enquanto grabbing significa “tomar” ou “pegar”.

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a soja. O que acaba ocorrendo é que a Guiana fica sem terras sob o poder de seu próprio povo e acaba tendo que importar produtos que antes poderiam ser produzidos dentro de seu território.

É necessário ressaltar que, na maioria das vezes, os produtos explorados em terras expropriadas são aqueles necessários pelo mundo como um todo, possuindo um preço alto no mercado internacio-nal. Ou seja, não necessariamente se trabalha com um produto que é desejado apenas no Canadá (caso acima), visto que o comércio normalmente pretendido pelos expropriadores de terras se dá no mundo inteiro, e não seu país de origem. A soja é um bom exemplo, que é matéria-prima para a produção de alimentos e biocombustíveis, sendo um dos principais produtos cultivados em terras expropriadas atualmente – entre 1976 e 2013 a produção do grão cresceu mais de 8000% na América Latina, e entre 1998 e 2013 seu preço quase triplicou (GRAIN, 2014b).

Entretanto, esta não é a única forma na qual a expropriação de terras se apresenta nos dias atuais. Em vários países, onde a compra direta das terras é dificultada por algum motivo – seja por obstáculos impostos pelo governo do próprio país, seja pelos proprietários locais das terras –, os expropriadores acabam por decidir em não comprar estas terras e, no lugar, financiar as produções agrícolas nelas rea-lizadas. Apesar deste cenário parecer menos opressor ao país expropriado, o que acaba por acontecer é que o dono local das terras perde, na prática, o controle sobre as terras sob sua posse. Desta forma, mes-mo o terreno sendo legalmente de um cidadão nacional, o destino de toda a produção – assim como, muitas vezes, a forma de produção – é decidido por um ator estrangeiro (GRAIN, 2014b).

A prática da expropriação tem se tornado mais comum nos últimos anos por diversos motivos, sendo os principais deles: (1) A pressão das Nações Unidas para que guerras e demais formas de opres-são sejam evitadas, assim impossibilitando a antiga forma de conquista de terras férteis, que se dava a partir da disputa por territórios e do colonialismo (GRAIN, 2014b); (2) A crise mundial de alimentos e energia – que vem se agravando desde o ano de 2007 – e a crise econômica do ano de 2008, que con-juntamente fazem necessárias uma diminuição dos preços e aumento da oferta destes produtos (ELLA, 2014); e (3) O fato de que vários países – principalmente entre os chamados desenvolvidos – possuem uma demanda por alimentos e energia maior do que sua produção interna6 (ELLA, 2014).

Deve ser frisado o fato de que um país pode tanto ter suas terras expropriadas como ser causa-dor destas ações em outros países. Estas ocorrências se devem a diversos fatores, sendo os principais deles a questão de que certos países possuem uma divisão interna muito demarcada (como é o caso dos Estados Unidos7, por exemplo), e de que certos países, apesar de historicamente sofrerem com a ex-propriação de terras, se desenvolveram de forma a possuir poder econômico suficiente para conseguir expropriar terras em outros países (GRAIN, 2014b).

É importante ressaltar que as práticas de expropriação não são ilegais. Indivíduos podem, legal-mente, comprar terras de outros países e delas se utilizarem da forma que melhor os dispuser, desde que respeitadas as legislações daqueles países. Como é esperado que os governos dos países garantissem segurança alimentar e nutricional8 de sua população, fato prejudicado pela expropriação, essa prática muitas vezes está conjugada com governos corruptos – mas não necessariamente este precisa ser o caso (GRAIN, 2014b). Deve se ter em mente, também, que a expropriação pode trazer benefícios aos paí-ses com terras expropriadas: Vários países expropriadores fazem este tipo de ação com planos e projetos de construção de infraestrutura no país onde as terras são expropriadas (COTULA et al, 2009). Ou seja, usando nosso exemplo fictício, a Guiana também teria a ganhar com a expropriação de suas terras pelo Canadá, visto que este traria novas tecnologias e formas de cultivo para o país.

Quando o problema da expropriação não está relacionado com a corrupção, ele tende a ser apoiado pelas diferenças de poder econômico, militar e político entre os países. Isto é, países que pos-suem vantagens nestas áreas perante outros – normalmente considerados países “mais poderosos” – acabam utilizando-se desses recursos para pressionar outros países a aceitarem as práticas de expro-priação (FRITZ, 2013). A partir destas premissas, se demonstra o porquê da importância da expropriação de terras ser discutida entre os governos dos países. Apesar dos Estados não serem diretamente atores da expropriação na maioria dos casos, os governos acabam por apoiar suas empresas e seus indivíduos

6 Isto é, vários países possuem uma grande população, enquanto não possuem terras o suficiente para produzir alimentos e outros bens necessários para esta população. Este é o caso, por exemplo, do Japão, que possui uma população grande para seu território, porém poucas áreas férteis (BOSVELD, 2011).

7 Os Estados Unidos, apesar de ser um país único, possui diversas discrepâncias entre seus estados, sendo elas desde legislações até diferenças em salários e valores de terras (SEDLER, 2009). Países com essas características tendem a sofrer desproporcionalmente com a expropriação de terras (e outros fenômenos): enquanto em alguns estados a terra é expropriada, outros expropriam terras no exterior.

8 Segurança alimentar e nutricional é o dever de um governo garantir a seus cidadãos alimentação para sua sobre-vivência. Este direito é previsto em vários acordos e declarações internacionais, entre eles a Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas (KORNIJEZUK, 2008).

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para que estes pratiquem este tipo de transação em outros países. É presumível, desta forma, que muitas transações de expropriação não ocorreriam caso os países de origem das empresas e indivíduos envol-vidos não apoiassem estas ações (GRAIN, 2014b).

2.2. IMPLICAÇÕES DO USO DA TERRA

Dentre os vários efeitos negativos que podem resultar da expropriação de terras, deve-se sempre levar em consideração aqueles que implicam a própria terra. Com o aumento da ocorrência das transa-ções de expropriação, também ocorre o crescimento da utilização intensiva da terra. Isto é, geralmente, os antigos fazendeiros locais possuíam a tendência de utilizar suas terras de forma mais branda, menos agressiva, e se utilizando de rotação de culturas9, por exemplo, para que a terra não sofresse danos em longo prazo. Já os novos donos de terras estrangeiros tendem a utilizar a terra de forma mais intensiva, ou seja, de forma a desgastar a terra mais rapidamente (FRANCO et al, 2013b).

Além do uso intensivo da própria terra, os novos proprietários de terras estrangeiros também costumam utilizar pesticidas e herbicidas em larga escala, assim como sementes transgênicas10, com o intuito de aumentar a produtividade e obter ganhos rápidos. Essa utilização, além de afetar as águas e a saúde da população da região, também acaba por poluir e enfraquecer a terra (ELLA, 2014). Também nota-se a contribuição para o prejuízo ambiental: a produção agrícola intensiva pode ameaçar a biodi-versidade11, os estoques de carbono12e a disponibilidade de terras, desviando água de um ecossistema e de usuários locais (WWI, 2009) e causar a expulsão de pessoas (FRANCO et al, 2013b).

Outro elemento também digno de nota sobre os impactos da expropriação é o fato de que vários terrenos que acabam sob o poder de estrangeiros são na verdade matas nativas, que terminam por ser desmatadas para possibilitar a utilização da área para o plantio. Na Indonésia, por exemplo, houve um aumento de 600% nas plantações de palmeiras13, desde 1990, enquanto as florestas do país diminuíram em 40% (RAINFOREST ACTION NETWORK, 2013). Este desflorestamento causa inúmeros problemas, desde o enfraquecimento da terra – que, por exemplo, passa a sofrer mais arduamente com a erosão –, até o desaparecimento de grande parte da fauna e da flora nativas (GRAIN, 2014b).

Sendo assim, os motivos listados acabam por deixar evidente que a terra dos países expropriados é geralmente afetada de forma diferente da que ocorreria caso as áreas em questão não estivessem sob o poder de agentes estrangeiros (GRAIN, 2014b). Além das implicações para com a própria terra, a expro-priação também afeta a água e a população local, de formas que serão explicitadas a seguir.

2.3. IMPLICAÇÕES DO USO DA ÁGUA

A água é um recurso crucial para sobrevivência na vida na Terra e é um fator de extrema im-portância quando falamos de aquisição de terras, independentemente de qual seja sua finalidade. Em essência, o que muitas vezes é descrito como aquisição de terras é, na verdade, aquisição de água (SMALLER; MANN, 2009). Na agricultura, os países utilizam, aproximadamente, 70% de sua água total na irrigação de plantações (SMALLER; MANN, 2009), fato que sugere que os investidores não procuram terras agrícolas nas quais não possuem água suficiente para sua produção (FRANCO et al, 2014).

9 Rotação de cultura é a técnica de plantio utilizada para que os nutrientes da terra não sofram quedas drásticas. Ela se baseia na ideia de plantar, em um mesmo lugar, diferentes tipos de plantas a cada ano de cultivo (DUARTE JÚNIOR; COELHO, 2010). Por exemplo, plantar arroz durante um ano e no próximo feijão, visto que se o arroz fosse plantado todos os anos, os nutrientes da terra necessários para seu crescimento acabariam por ficar em quantidades muito baixas, o que poderia deixar a terra infértil depois de muitos anos.

10 Sementes transgênicas são aquelas sementes que foram geneticamente modificadas para que possuam alguma característica que a planta original não teria, como, por exemplo, resistência a algum tipo de peste. Esse tipo de semente, apesar de normalmente mais lucrativas para o produtor, geralmente impacta de forma negativa no meio ambiente e na saúde humana (KRUFT, 2001).

11 Biodiversidade nada mais é do que a diversidade, ou a variedade, de formas de vida no planeta. Ou seja, biodiversi-dade é a diversidade de espécies, genes, variedades, ecossistemas, gêneros e famílias, enfim, a variedade da natureza viva (FARIA, [2015]).

12 O carbono e o nitrogênio são os principais componentes da matéria orgânica do solo e os seus estoques irão variar em função das taxas de adição, por resíduos vegetais e/ou, animais, e de perdas, decorrentes da erosão e da oxidação pelos microrganismos do solo (SOUZA, 2009).

13 O óleo de palma (popularmente conhecido no Brasil como azeite de dendê) é um dos principais produtos extraídos da Indonésia a partir do land grabbing. Sendo assim, seu aumento nos últimos anos é em grande parte devido aos novos proprietários de terra estrangeiros (RAINFOREST ACTION NETWORK, 2013).

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Ademais, podemos definir a expropriação de água como captura ou controle não apenas da água, mas também do poder de decidir como ela será utilizada – por quem, quando, por quanto tempo e para quais propósitos – em razão de controlar os benefícios de seu uso. Tal expropriação tem ganhado renovada atenção devido a debates relacionados com alimentação, clima, energia e finanças além do próprio debate acerca da expropriação de terras (FRANCO et al, 2013c).

A água possui especificidade de tempo e espaço: ela pode ser abundante em um determinado período e escassa em outro, assim como em regiões diferentes (FRANCO et al, 2013b). A produção inten-siva de alimentos requer suprimento seguro e estável de água que, geralmente, é alcançado através de irrigação de grande escala, uma vez que o cultivo de milhares de hectares de monoculturas alimentares usa até dez vezes mais água do que os sistemas agrícolas biodiversos14 (FRANCO et al, 2014). Todavia, o sistema de irrigação é considerado caro em relação ao custo e ao valor da produção agrícola resultante, sendo esse, na maior parte das vezes, uma iniciativa do governo (WWI, 2009), fato exemplificado pelo caso do governo líbio, que construiu um canal para levar água para a área de 100.000 hectares a ser cultivada no Mali (HLPE, 2011).

Além da agricultura, a presença estrangeira pode visar à extração de minérios e de gás natural. Tal prática também requer que a terra explorada possua recursos hídricos em abundância – são necessários 4800 litros de água, por exemplo, para extrair e lavar (beneficiar) uma tonelada de carvão (FRANCO et al, 2014; TAN, 2014). Além disso, as atividades de extração podem causar prejuízos ambientais, acelerar a mudança climática, tornar a terra inutilizável a partir da liberação de produtos químicos tóxicos (como, por exemplo, ácido sulfúrico) que contaminam solo e água causando acidez do solo, rios e aquíferos e poluir o ar pela liberação de poeira e toxinas. Um caso extremo é a exploração de urânio pela empresa nuclear francesa AREVA no Níger, que tem causado liberação de substâncias radioativas no ar, nas águas subterrâneas e no solo ao redor das cidades mineiras, de forma que a radiação se encontra 500 vezes mais alta que o normal (PORTER, 2015).

2.4. IMPACTOS NA SOCIEDADE LOCAL

A principal justificativa para a venda de terras para estrangeiros se dá através do discurso que a terra sujeita a aquisição é “marginal”, “degradada”, “não utilizada” e/ou “subutilizada” (FRANCO et al, 2014). Porém, muitas vezes, tais condições escondem o fato de que as terras consideradas como “não cultivadas” estão sendo utilizadas em menor escala para pastagem, como fonte de alimentos silvestres e plantas medicinais, e, sobretudo, para o acesso à água.

As transferências de terras têm implicações profundas e de longo prazo para as estruturas das so-ciedades rurais. Ao mesmo tempo, espera-se que a empresa estrangeira traga benefícios decorrentes de entradas de capitais, transferências de tecnologia de ponta para a inovação e aumento da produtividade, criação de infraestrutura, modernização, melhoria e aumento no rendimento da produção nacional, criação de emprego, receitas de exportação e possivelmente um aumento da oferta de alimentos para o mercado interno e para exportação (WWI, 2009).

Sendo o deslocamento da comunidade local a principal consequência da presença estrangeira para o cultivo da terra, é comum que promessas de emprego sejam feitas como forma de compensação. Porém, nem sempre os direitos trabalhistas dessas pessoas estão assegurados, podendo ser estabeleci-das condições precárias de trabalho ou até mesmo podendo não haver a contratação das pessoas que foram removidas da terra. Estudos apontam que a presença do expropriador nem sempre traz benefí-cios, muitas vezes causando limitação no número de empregos, dependência de insumos importados, além dos impactos ambientais adversos das práticas de produção supracitados (WWI, 2009).

Ainda, preocupações de caráter político e econômico são levantadas: o maior controle de terras por outros países também pode trazer à tona questões sobre a interferência e influência política. As disputas sobre a propriedade da terra têm uma história longa e violenta em grande parte do mundo e o legado de expropriação de terras transporta uma poderosa carga política relacionada com a identidade nacional, a reconciliação, a justiça e a legitimidade do Estado (WWI, 2009). O conceito de soberania da terra explicita o direito dos trabalhadores de possuirem o efetivo acesso, uso e controle sobre a terra e sobre os beneficios de seu uso e ocupação. De forma simplificada, soberania da terra é a realização dos direitos humanos de trabalhadores e tem como principal demanda fazer o Estado assegurar a terra

14 Os sistemas agroflorestais (SAFs) consistem em estratégias de manejo do solo que consorciam, simultânea ou se-quencialmente, árvores com cultivos e/ou criações de maneira intencional, visando cumprir funções desejadas por quem maneja o sistema. Os sistemas agroflorestais biodiversos e complexos ressurgem para as sociedades modernas como uma oportunidade de reaprender a conviver com a natureza, uma vez que esta forma de cultivo da terra procu-ra imitar os processos sucessionais que ocorrem em ecossistemas ditos naturais (CARDOSO, 2012).

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a essa população (FRANCO et al, 2013b). O termo denota um sentimento de “pertencimento”: a terra pertence às pessoas que nela trabalham, cuidam e vivem e a quem a ocupam como povo, sendo este um conceito compartilhado por camponeses, trabalhadores e indígenas (BORRAS JR; FRANCO, 2012).

Um tema mais específico que podemos relacionar diz respeito aos desafios que as mulheres en-frentam com o uso da terra. As mulheres são comumente discriminadas; sua capacidade de reivindicar direitos legais e de participar em instituições e atividades políticas é muitas vezes reduzida, tornando--se vulneráveis a abusos. No campo, as mulheres são tipicamente pequenas produtoras e, se ocorrer a expropriação de sua terra, elas podem acabar trabalhando subordinadas em outras fazendas. Com frequência, os trabalhos são temporários, de baixa remuneração e inseguros, estando elas vulneráveis ao abuso sexual e gravidez forçada (WWI, 2009).

3. ESTUDOS DE CASO

3.1. CONTINENTE AFRICANO

Figura 1. Continente Africano

Fonte: KACHIKA, 2010; COTULA et al, 2009. Elaboração: Roberta Preussler dos Santos.

A expropriação de terras estrangeiras para exploração econômica é um fenômeno global, mas que atinge com mais força algumas regiões do planeta. Os autores que estudam esse fenômeno tendem a concordar que a África é o continente mais atingido15. Com terras férteis e água abundante, a região (especialmente a África Subsaariana) se coloca como uma escolha lógica para os investidores interna-cionais que procuram suprir a demanda mundial crescente por alimentos e biocombustíveis. No conti-nente, apesar das riquezas naturais, esses investidores encontram níveis baixíssimos de produtividade agrícola e governos sedentos por ajuda externa16 (KULGEMAN, 2009).

15 Em 2010, o Banco Mundial (2010 apud BORRAS JR.; FRANCO, 2011, p. 14) estimava que cerca de 45 milhões de hectares tivessem sido recentemente adquiridos nos moldes desse novo fenômeno, em grandes porções de terras. Desse total, 70% estariam no continente africano (BORRAS JR.; FRANCO, 2011).

16 Kulgeman (2009) traz um exemplo, dentre vários, de como os países africanos sofrem com a falta de alimentos

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Os casos de expropriação têm chamado atenção pela velocidade com que se multiplicaram na África, especialmente após a crise de alimentos em 2008. No entanto, os autores apontam para o fato da expropriação de terras e das comunidades pertencentes a elas remeter ao período colonial e também ao período posterior às independências no continente (KACHIKA, 2010). Além disso, existem casos de in-vestidores africanos, como os sul-africanos, que por muitas décadas compraram terras em países como Zâmbia, Moçambique e Tanzânia (COTULA et al., 2009).

A especificidade das questões relacionadas à terra na África torna o assunto muito contencioso – mais do que em qualquer outra região. Comunidades africanas inteiras têm a sua subsistência e a sua cultura intimamente atreladas à terra. Muitas vezes, as porções de terra que os investidores estrangeiros e os próprios governos julgam marginais, ou seja, de importância secundária, são, na verdade, muito importante para as comunidades ligadas a elas. Kulgeman (2009), por exemplo, denuncia que muitas dessas terras podem ser cemitérios dos ancestrais dessas comunidades e que, por isso, a apropriação delas constitui importante fonte de ressentimento da comunidade com os investidores estrangeiros.

Os mais atingidos por essa prática na África tendem a ser os pequenos produtores rurais, incluin-do minorias e pequenos grupos marginalizados, como indígenas, pastores e mulheres chefes de família (GRAHAM et al., 2010). Esses grupos não costumam ser consultados pelos investidores estrangeiros que almejam suas terras; normalmente, estes consultam apenas as elites locais. Muitos produtores acabam sendo iludidos e impelidos a firmar acordos cujos termos desconhecem. Posteriormente, são expropria-dos de suas terras sem receber compensações ou com compensações que ficam aquém das suas perdas (KACHIKA, 2010).

A maioria desses pequenos produtores rurais são mulheres que respondem por cerca de 60% de toda a agricultura africana. Seus direitos sobre a terra tendem a ser mais frágeis que os dos homens em grande parte dos países, o que as coloca duplamente de lado nas consultas e negociações feitas com os investidores estrangeiros. Além disso, a renda que elas adquirem da terra tende a ser controlada por seus maridos. Quando viúvas, elas geralmente recebem a porção de terra mais pobre e mais marginal de suas famílias como herança. São essas terras que geralmente os investidores estrangeiros procuram como uma forma de justificar e amenizar o fato de eles estarem se apossando de terras em detrimento dos produtores locais. Ao fazerem isso, eles retiram dessas mulheres o seu único meio de sobrevivência. Muitas vezes, os investidores prometem criar vagas de emprego que diminuiriam os impactos negativos dessa mudança, mas as mulheres normalmente não são contempladas com elas por serem tradicional-mente menos instruídas ou simplesmente em razão da mecanização da produção que reduz considera-velmente o número de trabalhadores (KACHIKA, 2010).

O histórico de luta dos povos indígenas por acesso à terra é longo na África e fora dela. Com o avanço das expropriações de terra na região e da demanda por biocombustíveis, estima-se que a terra de cerca de 60 milhões de indígenas esteja ameaçada. Por muitos desses grupos serem nômades ou se-minômades, eles necessitam de grandes pastos ou áreas de floresta de onde retiram os elementos para sua subsistência. Entretanto, grandes áreas de floresta têm sido devastadas para dar lugar à produção do óleo de palma, cujo cultivo também não produz vagas de emprego para a população local. O mesmo acontece com as áreas de pasto dos pastores locais que acabam transformadas em propriedades agríco-las particulares, reduzindo os seus rebanhos, deteriorando o seu estilo de vida e contribuindo considera-velmente para o aumento da pobreza e da insegurança relacionada aos períodos de estiagem, que ficam cada vez mais intensos com a drenagem de recursos hídricos para a agricultura (GRAHAM et al., [2010]).

Muitos governos africanos, por sua vez, têm atuado no sentido de criar um ambiente mais ami-gável aos investidores estrangeiros no intuito de atrair boas parcerias para desenvolver a sua agricultura e aumentar a produtividade de suas terras. Infelizmente, a fragilidade de alguns governos e de seus arcabouços regulatórios muitas vezes acaba atraindo investimentos que apenas drenam seus recursos naturais para o exterior sem prover contrapartidas positivas às populações afetadas (KACHIKA, 2010). Nesse contexto, a África vem acumulando recordes de recebimento de Investimento Externo Direto (IED), a grande maioria investida em recursos naturais, incluindo terras. Dentro do continente, estima-se que o Sudão, a Etiópia, Madagascar e Moçambique estejam entre os principais receptores desse tipo de investimento (COTULA et al. 2009).

para os seus cidadãos, enquanto suas terras e seus recursos são utilizados para a produção de produtos agrícolas que serão consumidos por outros países e populações: o Sudão recebe bilhões de quilos de alimentos de doadores internacionais, ao mesmo tempo em que acolhe plantações de trigo para a Arábia Saudita, de tomates para o exército da Jordânia e sorgo – uma espécie de cereal – para os camelos dos Emirados Árabes Unidos.

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3.2. CONTINENTE AMERICANO

Figura 2: Continente Americano

Fonte: SAFRANSKY; WOLFORD, 2011. Elaboração: Roberta Preussler dos Santos.

Dentro das Américas é possível encontrar não apenas países que sofrem expropriação de suas terras, mas também aqueles que acabam por serem os causadores de tais casos – ambos os posicio-namentos podem ser percebidos dentro de um mesmo país, como destacado anteriormente. Uma ca-racterística marcante que diferencia a expropriação ocorrida nas Américas daquela ocorrida em outros continentes, é que ela se dá principalmente na forma de controle de terras por agentes estrangeiros e não pela compra direta das terras. Ou seja, as empresas e pessoas estrangeiras possuem poder sobre os donos de terra e acabam decidindo o destino da produção, sem realmente serem os proprietários das terras diretamente (ELLA, 2014).

No que se refere às nações expropriadas por estes acontecimentos, pode-se generalizar dizendo que estas se encontrariam na América Latina – como a Argentina, o Brasil e o Paraguai –, enquanto os causadores desse fenômeno geralmente se encontram tanto na parte Latina como na porção Anglo-Sa-xã do continente – como no caso dos Estados Unidos –; porém esta regra não se refere a todos os casos em absoluto (SAFRANSKY; WOLFORD, 2011). É interessante ressaltar, também, que os casos não ocor-rem apenas entre países do mesmo continente: países americanos são constantemente expropriados por países de outros continentes, e também vice-versa – por exemplo, vários casos de expropriação na região têm como responsáveis países do continente asiático, como a China e o Japão (GRAIN, 2014b).

Um padrão que pode ser observado na América é que normalmente os países são vitimados pelo fator de possuírem grandes extensões de terras férteis com facilidade no cultivo de soja e cana-de-açú-car. Sendo assim, as transações de expropriação dentro das Américas são normalmente de natureza agro-extensiva, tendo como principal fim a produção de matéria-prima para biocombustíveis e alimen-tos básicos diversos. Esta afirmação reflete que a principal causa do fenômeno dentro do continente seria, como em muitos casos ao redor do globo, o constante aumento da crise alimentícia – mais per-ceptível a partir do ano de 2007 –, assim como dos preços dos combustíveis (GRAIN, 2014b).

Seguindo este padrão de produção via expropriação, são notáveis os motivos que fazem do con-

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tinente um dos mais afetados pelo fenômeno na atualidade. A região do MERCOSUL17, principalmente o Brasil, a Argentina e o Uruguai, é conhecida largamente como “República da Soja”, tendo o Banco Mundial apresentado a área como possuidora de vastas terras adequadas, porém de baixo rendimento (SAFRANSKY; WOLFORD, 2011). Isto significa que as terras que podem ser utilizadas para a agricultura encontradas nesta região existem em grandes quantidades, ao mesmo tempo em que possuem um bai-xo preço relativo – nos Estados Unidos, por exemplo, a média de preços deste tipo de terra fértil é dez vezes maior do que na região citada (SAFRANSKY; WOLFORD, 2011).

Da mesma forma, a gravidade da situação da expropriação dentro do continente pode ser ob-servada a partir tanto do fator de crescimento da utilização de terras férteis, como também o aumento nas transações de expropriação – ou seja, o aumento de terras a serem compradas e/ou controladas por agentes estrangeiros. Em 2010, por exemplo, o jornal Folha de São Paulo, apresentou dados comprovan-do que “empresas e pessoas de outros países compram o equivalente a 22 campos de futebol em terras no Brasil a cada hora” (ODILLA, 2010). Ao mesmo tempo, na Argentina, os dados apontam que mais de 17 milhões de hectares estariam sob o controle de estrangeiros atualmente (SAFRANSKY; WOLFORD, 2011).

3.3. CONTINENTE ASIÁTICO

Figura 3: Continente Asiático.

Fonte: BORRAS JR.; FRANCO, 2011. Elaboração : Roberta Preussler dos Santos.

A expropriação de terras na Ásia tem crescido em volume e velocidade, apesar de estimativas indicarem que o fenômeno atinge com maior violência regiões como a África e a América Latina. No contexto global, o caso asiático representa um problema não somente pela sua magnitude, mas tam-bém pelas especificidades regionais que carrega (BORRAS JR.; FRANCO, 2011).

Nessa mesma região, existem países que se destacam por serem alvos dessas expropriações (es-pecialmente no Sudeste Asiático) e países que se destacam por serem agentes dessas atividades (como China, Índia, Coreia do Sul e Emirados Árabes Unidos). O Banco Mundial (2010 apud BORRAS JR.; FRAN-CO, 2011, p. 18) estima que o potencial de terras disponíveis18 para o Sul e o Leste da Ásia some um total de 73 milhões de hectares, mas que sozinha a Indonésia disponha de cerca de 30% dessas terras,

17 O MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) é o bloco econômico que compreende certos países da América do Sul, sendo eles o Brasil, o Uruguai, o Paraguai, a Argentina e a Venezuela (SANTOS, 2012).

18 Adjetivos como disponível, ocioso e residual têm sido costumeiramente utilizados por investidores internacio-nais e governos nacionais para justificar a expropriação de terras. O problema reside no fato de que eles normal-mente não são utilizados para terras realmente desocupadas, mas para aquelas que são consideradas improdutivas, de acordo com a classificação interna de cada país. Muitas vezes, essa classificação não é clara e acaba incluindo pequenos produtores e suas terras (COTULA et al., 2009).

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enquanto a China contaria com apenas 6%. Essa configuração da distribuição de terras dentro e fora da região opõe países que possuem terras disponíveis para a agricultura e países com poucas terras dispo-níveis e muita demanda por produtos agrícolas – sejam eles alimentos, rações ou matérias-primas para biocombustíveis (BORRAS JR.; FRANCO, 2011). Segundo Borras Jr. e Franco (2011) e Hall (2011), produtos como óleo de palma, cana de açúcar, trigo, milho, soja, cacau, café e até mesmo camarões de cativeiro são os mais cobiçados por aqueles que realizam a expropriação.

No Sudeste Asiático, o óleo de palma se destaca à frente dos demais produtos, sendo a Indo-nésia e a Malásia os maiores produtores do mundo. Os países europeus, especialmente a Alemanha, a Holanda, o Reino Unido e a Itália, encabeçam a lista dos principais importadores de óleo de palma. No entanto, a China ainda se mantém isolada como a maior compradora desse produto, seguida pela Ín-dia (BORRAS JR.; FRANCO, 2011). O aumento da demanda pelo óleo de palma a partir de 1996, mesmo acompanhado de perto pelo aumento da oferta nos dois principais países produtores e exportadores19,. levou à expansão da expropriação de terras para países vizinhos, como Tailândia, Filipinas e Camboja, sob a justificativa de que esses países teriam reservas de terras agricultáveis20 (BORRAS JR.; FRANCO, 2011). Ainda assim, Indonésia e Malásia permanecem com cerca de 85% da produção mundial e das exportações mundiais, segundo dados de 2004 (HALL, 2011).

Hall (2011) aponta que, além do que acontece em outras partes do mundo, onde grandes inves-tidores (como atores estatais ou grandes companhias privadas) disputam grandes porções de terra, no Sudeste Asiático, verifica-se um novo fenômeno com pequenos fazendeiros locais que já viviam nas áreas antes delas serem cobiçadas e que veem nesses booms de demanda externa por produtos da região uma oportunidade. A eles, somam-se também imigrantes, que procuram e cobiçam essas áreas frente à possibilidade de enriquecer (HALL, 2011). Os pequenos produtores tendem a se dedicar ao cultivo de cacau e café, enquanto os grandes investidores, que demandam maior escala, se dedicam ao óleo de palma e a outras árvores de rápido crescimento como o eucalipto. Os produtores de camarão de cativeiro, por sua vez, se encontram entre esses dois extremos de grandes e pequenos produtores. Em todos esses casos, terras que antes serviam ao cultivo do arroz para atender a demanda local, passaram a produzir camarão, cacau e café para exportação21 (KULGEMAN, 2009). Hall (2011) denuncia que muitos desses pequenos produtores atingem a falência ou a completa ruína por acabarem ficando suscetíveis às mudanças de preços desses produtos no mercado internacional.

Enquanto região com grande crescimento populacional e de consumo, o Sudeste Asiático apre-senta notórios problemas de infraestrutura (como portos e estradas) que se traduzem em limitações para a produção e a distribuição de comida. Desse modo, a região e seus líderes se mantêm vulneráveis às ofertas de assistência, empréstimos e outras vantagens oferecidas por governos ou investidores do setor privado interessados em suas terras. Além da ajuda financeira, alguns países do Golfo (como Ará-bia Saudita e Emirados Árabes Unidos) projetam também a ideia de que podem contribuir para refrear o avanço do terrorismo e do extremismo nesses locais através do possível impacto positivo de seus investimentos na região, como acriação de empregos e de meios de subsistência para a população local (KULGEMAN, 2009).

3.4. CONTINENTE EUROPEU

Embora provavelmente não tão extensa como na África e na Ásia, as aquisições de terras na Eu-ropa Central e Oriental e na antiga União Soviética também são robustas – com destaque para o leste da Europa. Além disso, a Europa é abençoada com amplos recursos hídricos e, portanto, com potencial sólido de produtividade (WWI 2009).

A expropriação de terras pertencentes a países da ex-União Soviética é amplamente ignorada (VISSER; SPOOR, 2010). A região da antiga potência contém terras agrícolas muito mais férteis e melhor dotadas do que as do continente Africano, e dos quatro países do globo com capacidades agrícolas

19 Segundo Borras Jr. e Franco (2011), as exportações indonésias de óleo de palma aumentaram de cerca de 3 milhões de toneladas em 1997 para quase 9 milhões de toneladas em 2007. Na Malásia, pioneira na comercialização do óleo de palma, as exportações praticamente dobraram, passando de pouco mais de 7 milhões de toneladas para 13 milhões no mesmo período (BORRAS JR.; FRANCO, 2011).

20 A produção do óleo de palma e desses outros produtos se deu em detrimento da produção de subsistência de pequenos agricultores. Consequentemente, a produção de alimentos diminuiu enquanto a de biocombustíveis au-mentou (BORRAS JR.; FRANCO, 2011).

21 Em consequência, estudos apontam que o cultivo do arroz, tradicional na região, tem crescido a uma taxa de 0,7% na última década, enquanto crescia a uma taxa de 4% nos anos 1960 (KULGEMAN, 2009).

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ainda inexploradas, os três primeiros encontram-se na região: Ucrânia, Cazaquistão e Rússia (a quarta posição é ocupada pela Argentina) (VISSER; SPOOR, 2010). O histórico soviético de agricultura subsi-diada e ineficaz, os atuais preços baixos para compra de terras – devido à instabilidade política e à falta de clareza de leis – e a relativa boa infraestrutura da região – apesar de problemas com transporte – têm atraído compradores para a área (VISSER; SPOOR, 2010).

É possível enxergar uma divisão entre investidores na região. Países como a China, Coreia do Sul e os Estados do Golfo investem na compra de terras da ex-União Soviética concentrando-se na Sibéria, enquanto países ocidentais como Grã-Bretanha, Suécia, Dinamarca e Estados Unidos ficam localizados na “Área Negra Europeia” 22 da Rússia e da Ucrânia (VISSER; SPOOR, 2010), além de França, Suíça e Fin-lândia (TNI, 2012). O custo desse solo fértil, a terra preta, é 10 a 15 vezes menor do que na Argentina e 60 vezes menor do que na Suécia (VISSER; SPOOR, 2010).

Além disso, o setor privado na Europa está à procura de terras em todo o lugar, dentro e fora do continente. O setor possui o intuito de produzir culturas para alimentos, ração e combustível (SMALLER; MANN, 2009) e se tornar mais autônomo frente aos produtos mundiais, como é o caso da busca dos países do leste Europeu pela independência frente ao gás natural da Rússia (FRANCO et al, 2013). Alguns investimentos do setor privado são mais fortemente motivados por lucros e pela ausência de restrições às exportações23 (SMALLER; MANN, 2009): a empresa sueca Sekab Group, uma das principais produtores de etanol da Europa, planeja produzir 100 milhões de litros de etanol por ano, na Tanzânia, a um custo de 200-300 milhões de dólares (REUTERS, 2008).

Figura 4: Continente Europeu

Fonte: VISSER; SPOOR, 2010. Elaboração: Roberta Preussler dos Santos.

22 O tipo de solo, “terra preta”, tem uma cor preta e contém uma elevada percentagem de húmus (matéria orgânica), bem como altas porcentagens naturais de nutrientes, como fósforo e amônia. Ele geralmente tem grande profundi-dade, mais de 1 metro, e exibe uma argila como a estrutura que facilita os trabalhos de campo agrícolas e também é favorável para a retenção de água. Na Ucrânia, é denominado tchernoziom.

23 Medidas de restrição às exportações podem assumir várias formas e atender a diferentes objetivos de política econômica: aumentar as receitas fiscais, garantir abastecimento interno de determinados produtos considerados essenciais, contribuir no combate à inflação, garantir segurança alimentar e/ou energética, promover o desenvolvi-mento industrial, proteger os recursos ambientais ou lidar com questões de defesa e segurança. Alguns exemplos são: as exportações de produtos energéticos da Rússia (como gás natural) têm sido objeto de variados tipos de re-strições e gerado tensões com a União Europeia; a Índia impôs taxas de exportações sobre o cromo, e a China causou polêmica com suas políticas para metais de terras raras (ARAUJO JR et al, 2013).

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4. AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

4.1. TENTATIVAS DE REGULAMENTAÇÃO

Nos últimos anos a crescente disputa global por terras vem gerando preocupações que têm evo-luído para um escopo legal, que, embora ainda escasso, visa regulamentar tal prática. Um relatório reali-zado em 2013 que teve como base a literatura da Global Witness, do Okland Institute e do International Land Coalition24 afirma que, apesar de existir alguma regulamentação prevista, ainda há uma falta sig-nificativa de legislação concreta sobre a questão do investimento estrangeiro em terras agrícolas, tanto no direito interno quanto no direito internacional.

4.1.1. O DIREITO INTERNO E INTERNACIONAL

O Direito Interno do país acolhedor, incluindo leis nacionais relacionadas com a admissão de in-vestidores estrangeiros e o direito sobre a água, entre outras medidas que dizem respeito aos impactos futuros desse investimento, deve ser a primeira fonte de regulamentação dos investimentos extraterrito-riais (SMALLER; MAN, 2009). Entretanto, esse conjunto de leis é muito pequeno ou inexistente em alguns países e, em outros casos, o direito interno desenvolvido aplica-se apenas aos direitos de investidores estrangeiros. Essa insuficiência no direito interno de muitos Estados deixa clara a necessidade da criação de medidas mais concretas relativas aos terrenos, ao direito da água, ao controle da poluição prove-niente da agricultura intensiva, à saúde humana, à proteção dos trabalhadores e assim por diante. Por outro lado, o direito internacional prevê direitos rígidos para o investidor estrangeiro e isto leva a uma sobreposição do direito internacional sobre o direito interno.

Atualmente, pode-se perceber que as tentativas de regulamentação do direito internacional re-ferente à apropriação de terras, seus impactos e conseqüências estão, principalmente internalizadas nos contratos de investimento (FERRANDO, 2013). Esses são o instrumento legal que fundamentam a apropriação de terras e de seus recursos, especialmente em países periféricos. O contrato estabelece não apenas o preço, mas também a quantidade e a duração da compra ou locação de terras, impostos e incentivos aos investimentos estrangeiros, direitos à produção para a exportação, direitos à importação de equipamentos e de mão-de-obra, infra-estrutura, possíveis impactos ambientais e nas populações locais, e as consequências dessa prática na noção de soberania estatal25 (SMALLER; MAN, 2009).

4.1.2. CONTRATOS DE INVESTIMENTO INTERNACIONAIS

Segundo especialistas que tratam mais especificamente sobre o assunto, a interação entre os contratos de investimento e o direito internacional cria uma situação propícia para legitimar o land grabbing, o conflito existente entre interesses econômicos nacionais e estrangeiros e o direito de quem ocupa a terra. Percebe-se que os acordos beneficiam os investidores estrangeiros na medida em que sua segurança fica garantida e que a soberania do Estado acolhedor fica subordinada ao capital estrangeiro. A subordinação do poder público ao capital estrangeiro não se limita a concessão de terras na medida em que alguns contratos fornecem benefícios ao investidor, pois ele não recebe somente a terra, mas também a contínua proteção da autoridade pública e ao mesmo tempo cria uma proteção legal contra qualquer tipo de reclamação sobre possíveis violações de direitos humanos. Depois de se apropria da soberania da terra, o investidor se apropria da soberania em si e é, contratualmente livre para exercê-la para defender seus interesses (FERRANDO, 2013).

Referente aos direitos que os contratos de investimento garantem, é possível destacar dois deles: o primeiro refere-se ao direito do investidor de intervir na geografia e na questão hidrológica da terra, intervenção esta que pode impactar significativamente as áreas vizinhas; e o segundo é o reconheci-

24 Global Witness é uma ONG internacional que, entre outras tarefas, também trabalha para reduzir os impactos am-bientais. Disponível em: https://www.globalwitness.org/about-us/> Data de acesso: 25 de Maio de 2015 .O Instituto Okland é uma organização de pesquisas fundada em 2004 que investiga acordos de investimento e, entre outros, a falta de transparência nesses. Disponível em: < http://www.oaklandinstitute.org/about> Data de acesso: 25 de Maio de 2015.A International Land Calition é uma aliança mundial entre a sociedade civil e organizações de agricultores, agências da ONU, ONGs e institutos de pesquisa que busca promover o “acesso seguro e equitativo ao controle da terra”. Dis-ponível em: < http://www.landcoalition.org/> Data de acesso: 25 de Maio de 2015.

25 Segundo os princípios que regem o Sistema Internacional, cada país é soberano, ou seja, não está submetido a nenhuma autoridade maior e, por esse motivo, o exercício da soberania estatal sob o território pode ser ameaçado se outro país controlar determinada parte das terras de um país.

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mento do acesso a água como um direito contratual do investidor. Na natureza desses investimentos percebe-se a necessidade da existência de tais direitos dos investidores estrangeiros, na medida em que sem tais garantias e proteções grande parte dos investimentos extraterritoriais não seriam realizados.

Em suma, o contrato de investimento é o instrumento usado para regular a relação entre homem e terra – e seus recursos – e impõe um quadro legal socioeconômico ao land grabbing, prática que afe-ta tanto os países receptores desses investimentos quanto a economia global (SMALLER; MAN, 2009). Em nome do crescimento econômico, esses acordos contêm cláusulas que facilitam e aumentam a apro-priação da maior parte dos valores produzidos pelo investidor, excluindo a população local e deixando a terra quase que infértil para os países acolhedores de investimentos estrangeiros. Ainda, é importante ressaltar que não é apenas a terra, mas também a acumulação de recursos como a água e até mesmo o trabalho humano que são apropriados pelos investimentos estrangeiros. Entretanto, esses acordos, ao ficarem na dimensão econômica, colocam em segundo plano as questões sociais e ambientais.

4.1.3. TRATADOS BILATERAIS INTERNACIONAIS

Do ponto de vista legal, os Tratados Internacionais Bilaterais (BITs – Bilateral International Trea-ties) também compõem o escopo legal que regulamenta a apropriação de terras e de seus recursos. Normalmente os BITs introduzem limitações específicas para a conduta dos Estados acolhedores dos investimentos estrangeiros, fato que coloca tais investidores em posição de vantagem sobre os investi-dores nacionais. Além desses mecanismos, há ainda os chamados Tratados de Investimento Regionais, que têm a finalidade principal de proteger os investidores estrangeiros a partir de uma série de medidas que tornam os investimentos mais seguros.

Tendo em vista as formas de regulamentação da prática de land grabbing, fica clara também a necessidade de empenhar mais esforços em prol de uma maior transparência internacional nos negó-cios envolvendo terras, principalmente as agricultáveis. No relatório de 2013 mencionado anteriormen-te, quatro pontos são citados a fim de alcançar esses objetivos: terra transparente e planejamento dos recursos naturais; livre, prévio e “informado” consentimento; divulgação pública de toda a documenta-ção contratual; e iniciativas multilaterais, supervisão independente e mecanismos de reclamação.

4.2. INICIATIVAS MULTILATERAIS

4.2.1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS (2011)

Os Princípios Orientadores das Nações Unidas para Empresas e Direitos Humanos (2011) esta-belecem padrões sobre a maneira como as empresas devem garantir os direitos humanos nos países acolhedores desses investimentos estrangeiros e enfatizam que, quando os interesses públicos (sociais, econômicos e ambientais) forem afetados, os contratos de investimentos devem ser divulgados publica-mente (Guiding Principles On Business and Human Rights: Implementing the United Nations “Pro-tect, Respect and Remedy” Framework, 2011). Entretanto, muitas vezes governos e empresas alegam que a confidencialidade é necessária para proteger informações comercialmente sensíveis contidas nos contratos de investimento.

4.2.2. DECLARAÇÃO DE TIRANA (2011)

No período de 24 a 26 de maio de 2011 (Ano Internacional das Florestas), reuniram-se na Albânia, na cidade de Tirana, mais de 150 representantes internacionais e membros da Coligação Internacional da Terra (ILC – International Land Coalition) e mais de 45 países da África, América Latina, América do Norte, Ásia e Europa para uma conferência internacional sob o tema “Protegendo o acesso à terra para os pobres em tempos da intensificação da concorrência dos recursos naturais” (ILC, 2011).

Esse encontro chamou atenção para o momento histórico em que estamos vivendo de intensa competição por terras, água, florestas, biodiversidade e outros recursos naturais. Estes recursos, cada vez mais escassos e sob a ameaça de uma série de fatores – crescimento populacional, migrações, mudanças climáticas, má governança, entre outros – se encontram concentrados nas mãos de poucos, enquanto as regiões do mundo que mais necessitam desses fatores ficam marginalizadas.

A conferência enfatizou as seguintes medidas:

(1) colocar os pequenos agricultores, trabalhadores rurais e indígenas no centro dos esforços para superar as crises alimentícias e ambientais, garantindo o direito de alimentação à todos;

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(2) trabalhar em prol de soluções inovadoras para o acesso seguro e equitativo a terra;

(3) reconhecer e apoiar o papel da mulher em prover a segurança alimentar de suas famílias e comunidades, bem como promover a igualdade de gênero em relação ao acesso e controle sobre a terra e outros recursos naturais;

(4) lutar por uma visão territorial que reconheça os direitos das comunidades locais – formadas por indígenas e pequenos agricultores – de usar, gerenciar e controlar a terra e outros recursos naturais, como base para o desenvolvimento conduzido pela comunidade e construção de so-ciedades justas e equitativas;

(5) incentivar os modelos de investimento na agricultura socialmente, economicamente e am-bientalmente sustentáveis;

(6) incentivar as comunidades locais, povos indígenas, trabalhadores rurais – os quais devem ser reconhecidos como os principais investidores da terra e da agricultura – e suas organizações a investirem em vez de concederem terras em grande escala;

(7) denunciar todas as formas de apropriação de terras, sejam internacionais ou nacionais, e

(8) denunciar a apropriação de terras que desrespeite os aspectos sociais, econômicos e ambien-tais, os direitos humanos e a transparência nos contratos de investimento.

Por fim, o encontro reafirma a necessidade de promover o acesso seguro e equitativo e o contro-le sobre a terra para os pobres, a fim de reduzir a pobreza, promover o desenvolvimento sustentável e contribuir para a identidade, dignidade e inclusão (ILC, 2011).

5. BLOCOS DE POSICIONAMENTO

A Arábia Saudita tem razões especiais para empreender aquisições de terra no exterior. Com menos de 2% de seu território disponível para agricultura e um significativo processo de desertifica-ção em progresso (CIA, [2015]c), o país vem se preocupando cada vez mais com a garantia de fontes de alimentos para sua população. Ao longo dos últimos anos, empresas baseadas na Arábia Saudita compraram ou alugaram significativas faixas de terra em países como a Tanzânia, o Sudão e a Etiópia, onde aproveitaram o acesso a água para desenvolver monoculturas destinadas a consumidores sauditas (GRAIN, 2014a).

A Argentina é um dos países latino-americanos conhecido por fazer parte da chamada “Repúbli-ca da Soja”, além de possuir uma vasta área de terras disponíveis, principalmente na região da Patagônia. Estes fatores acabam por ser responsáveis pelo vasto número de casos de expropriação de terras que vêm ocorrendo no país, transformando-o no Estado mais atingido pela prática no continente ameri-cano. A previsão é de que, atualmente, 10% do território total argentino está sob o poder de agentes estrangeiros (CARABELLESE, 2011).

O Brasil é um dos principais atores e um dos países mais afetados pela expropriação de terras no continente americano. O país é alvo da prática por ser, atualmente, um dos maiores produtores de soja e cana-de-açúcar (e, posteriormente, etanol), produtos normalmente procurados pelos expropriadores estrangeiros de terras. Contudo, o atual crescimento tanto da economia brasileira, quanto do preço de suas terras, tem feito com que diversos empresários brasileiros expropriem terras em outros países (WILKINSON et al, 2012).

A Bolívia tem tido suas terras expropriadas por estrangeiros em grandes quantidades nos últimos anos. Além dos fatores que assolam todos os países da chamada “República da Soja” (terras de grande fertilidade e baixo preço), o país também vive uma realidade de concentração de terras, o que facilita as transações de compra e venda para os agentes internacionais (URIOSTE, 2012).

O Camboja, por sua vez, apresenta um cenário político e econômico altamente propício a fenô-menos como o land grabbing. Localizado no Sudeste Asiático, o país é marcado por um histórico de corrupção e desigualdade econômica que o tornou um dos países mais pobres da Ásia, devendo quase 50% de seu orçamento anual a auxílio financeiro externo (CIA, [2015]a). Ao longo dos últimos 15 anos, cerca de 45% do território do país foi arrendado a investidores estrangeiros por meio de expropriações de terra, resultando na perda de grande parte de suas notáveis reservas florestais (GLOBAL WITNESS, [2015]) e no sistemático desalojamento de pequenos agricultores e grupos indígenas. Em 2014, defen-sores de direitos humanos apelaram à Corte Criminal Internacional para intervir no Camboja, alegando que a desapropriação violenta dessas terras seria um crime contra a humanidade (ARSENAULT, 2014).

Ex-integrante da União Soviética, o Cazaquistão se posiciona de forma contrária à expropriação de terras por estrangeiros. Sendo assediado principalmente pela China, que vem tentado negociar cerca

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de um milhão de hectares no país cazaque para produção de soja (VISSER; SPOOR, 2010).

Com uma população estimada em 1.35 bilhão de pessoas e a segunda maior economia do mun-do, não é de se surpreender que a República Popular da China tenha adquirido grandes extensões de terra para complementar sua produção agrícola (CIA, [2015]b), especialmente frente às preocupações recentes com o esgotamento de seus aquíferos e terras agricultáveis (BROWN, 2013). É significativa a atuação de empresas chinesas na República Democrática do Congo, na Tanzânia e na Zâmbia, por exemplo (RICE-OXLEY, 2009). No entanto, há quem diga que a retratação da China como um opressor neocolonial, enfatizada cada vez mais pela mídia ocidental, se distancia da realidade, pois o país não tem oprimido outros, e sim investido em sua infraestrutura (OLSSON, 2012).

Ao longo de sua história recente, a República da Coreia (Coreia do Sul) buscou superar seu atraso econômico focando no desenvolvimento industrial e negligenciando as regiões rurais; consequente-mente, cerca de 90% dos alimentos consumidos atualmente no país são importados. Preocupações re-centes com sua segurança alimentar levaram a Coreia a empreender uma das mais rápidas e agressivas campanhas de aquisição de terras do mundo, comprando ou alugando vastas propriedades em países asiáticos e africanos para produção agrícola. Um dos acordos mais polêmicos, que envolvia o aluguel de quase metade das terras agricultáveis do Madagascar, foi um dos catalisadores das revoltas populares que tiraram o presidente madagascarense, Marc Ravalomanana, do poder; seu substituto acabou anu-lando o negócio (MULLER, 2011).

País pequeno, porém grande exportador de sementes para a União Europeia, a Dinamarca está presente no leste europeu concentrando-se na Área Negra da região para realizar a prática de expro-priação (VISSER; SPOOR, 2010). Se posicionando de forma favorável à presença estrangeira nos países, a Dinamarca leva desenvolvimento e modernização para onde atua em terras agrícolas.

O Egito é um dos poucos países africanos em que a agricultura prosperou e se tornou uma das principais atividades econômicas (KULGEMAN, 2009). Mesmo assim, o Egito participa junto a um gru-po de relevantes importadores de alimentos da corrida mundial por terras agricultáveis, de modo que, atualmente, esse país africano é receptor e agente do landgrabbing. Os principais focos de investimen-tos egípcios em terras para a agricultura, seja por empreendimento do governo ou da iniciativa privada, se encontram dentro do próprio continente africano, como Sudão, Uganda, Quênia e Etiópia. Em con-trapartida, o próprio Egito recebe investimentos em suas terras que são oriundos de países como Barein, Kuwait, Japão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (GRAHAM et al., 2010).

Localizados na Península Arábica, os Emirados Árabes Unidos compartilham muitas das preocu-pações com a Arábia Saudita. Para combater sua evidente vulnerabilidade a crises agrícolas, ocasionada pelo clima desértico e pela possibilidade de crescimento nos preços de alimentos a longo prazo, a pe-quena federação vem desenvolvendo uma série de aquisições de terra altamente agressivas (TASSABEH-JI, 2011). Em 2014, os Emirados foram responsáveis por 12% de todas as aquisições de terras estrangeiras, comprando propriedades em países cultural e geograficamente próximos, como o Sudão, a Argélia e o Marrocos (ABURAWA, 2012).

Os Estados Unidos são o país de origem de um grande número de agentes expropriadores de terras no mundo inteiro, porém alguns locais do país também têm suas próprias terras expropriadas. Esta dualidade faz com que o país enfrente dois tipos de reivindicações da sua população: há aqueles que desejam as terras estrangeiras e aqueles que desejam ter poder sobre as próprias terras nacionais (BRENT; KERSSEN, 2014). Neste contexto, os EUA são um dos maiores expropriadores do mundo, tendo expropriado mais de 300 milhões de hectares em diversos países desde o ano 2000 (BIENKOWSKI, 2013).

A Etiópia é um dos países mais pobres do mundo, com problemas graves de fome e extrema-mente dependente de doações de alimentos. A mudança do padrão de exploração da terra no país, das pequenas propriedades de pequenos produtores para as grandes extensões de terra dos grandes inves-tidores estrangeiros, tem impactos negativos significativos sobre toda a estrutura social. Mesmo assim, nos últimos anos, o governo etíope tem desenvolvido um ambiente cada vez mais favorável ao investi-dor, com mudanças significativas na estrutura de suas políticas que reduziram a regulamentação sobre a questão da terra. Em consequência disso, estima-se que os investimentos no setor agrícola aumentaram de 135 milhões de dólares em 2000 para mais de 3 bilhões em 2008. A Índia se coloca no país como o grande investidor, à frente da União Europeia, do Oriente Médio e de países como China.

As Filipinas têm um longo histórico de land grabbing, tanto nacional como internacional: desde sua colonização pelo Império Espanhol, grande parte das terras tradicionalmente habitadas e cultivadas por pequenos agricultores foi sistematicamente apropriada e revertida a latifundiários, empresas e até autoridades religiosas (LA VIA CAMPESINA, 2014). Tentativas recentes de promover uma reforma agrária nacional ainda não conseguiram dar serventia a grandes áreas de terra agricultável. Desde 2008, essas regiões rurais vêm sendo promovidas agressivamente como oportunidades de investimento para inves-

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tidores locais e estrangeiros (BORRAS JR.; FRANCO, 2011), levando a aquisições vultuosas negociadas com países como a Arábia Saudita e o Bahrein (IBON FEATURES, 2011).

Empresas da França estão presentes no continente Africano e no leste europeu explorando terras e produzindo culturas de agrocombustível (TNI, 2012). A companhia nacional Bolloré está presente em 43 países africanos controlando plantações, transporte e serviços (MOUSSEAU; SOSNOFF, 2011) de forma a proporcionar desenvolvimento e investimentos nos países em que está presente.

O apossamento de terras de investidores estrangeiros em Gana se dá majoritariamente no nor-te do país, principalmente pelo fato de o território ter apenas 16% das terras aráveis cultivadas. Existe uma grande disponibilidade de terras, além da vantagem do tipo de solo e a escassez de uma regula-mentação sobre suas aquisições, o que faz com que as multinacionais sejam atraídas para Gana. Os investimentos feitos nessas terras são para a produção de bicombustíveis, o que segundo especialistas ameaça a segurança alimentar dos ganeses, que reivindicam a utilização dessas terras com a finalidade de produção alimentícia (IRIN, 2009a).

A Índia, nos últimos anos, tem se tornado um dos principais países expropriadores de terra. Com uma das maiores populações mundiais, o país justifica a expropriação com a necessidade de alimentos e com seu constante crescimento econômico na última década, o que faz com que cada vez mais empre-sas e indivíduos indianos se aventurem em negócios fora das fronteiras do país. Os dados apontam que, em 2010, mais de 80 companhias indianas teriam investido aproximadamente 2.4 bilhões de dólares em terras de diferentes países africanos (GOI MONITOR DESK, 2011).

A Indonésia, localizada no Sudeste Asiático, é o país com maior área terrestre adquirida por in-vestidores estrangeiros – são cerca de 9,5 milhões de hectares arrendados para uso externo (PROVOST, 2012). Um dos principais atrativos é a grande reserva florestal do país, que é responsável pela produção de 50% do óleo de palmeira utilizado globalmente (WILDES, 2013). O fato de que o governo local incen-tiva e apoia as aquisições também deve ser ressaltado: em 2008, foi emitido um decreto presidencial que facilitou investimentos no ramo de produção agrícola, levando ao estabelecimento de uma plantação de larga escala na ilha de Papua (JASUAN, 2011). Como em outros países, diversos grupos têm denunciado essa prática como um atentado aos direitos humanos, citando a desapropriação de populações rurais e a corrupção da elite política local (GRAIN, 2014a).

No Laos a prática de apossamento de terras, notadamente crescente na última década, é movida através de projetos de investimentos estrangeiros intermediados entre o governo – detentor das terras do país – e empresas privadas. A riqueza do solo em recursos naturais torna o país um alvo das empre-sas internacionais. Tal prática, além de deslocar comunidades locais do seu espaço sem aviso prévio ou consentimento, – fato que segundo especialistas tem contribuído para um aumento da taxa de pobreza no país – é problemática, pois os acordos são realizados com pouca transparência (MACLEAN, 2014).

Assim como o Egito, a Líbia é outro país africano que contribui para desmentir a ideia de que o fenômeno do land grabbing se restringe a países desenvolvidos investindo em terras de países em desenvolvimento. Existem ao menos dois casos de atuação do país em outros Estados do continente, a Libéria e o Mali. Ambos os acordos têm em vista a produção de arroz nesses países para atender a demanda do mercado líbio por esse produto agrícola (GRAHAM et al., 2010).

Madagascar possui algumas especificidades no que diz respeito ao land grabbing. A primeira é a forma como esse país africano consegue, através da sua legislação, incentivar o investimento estran-geiro ao mesmo tempo em que não se compromete com os investidores; assim, luta lentamente contra estas violações. Além disso, uma proposta de acordo de uma empresa sul-coreana com Madagascar foi frustrada por pressão popular e da mídia do país. Esse evento demonstrou como as questões ligadas à terra ainda enfrentam certa resistência entre a população, tendo potencial para suscitar conflitos violen-tos (GRAHAM et al., 2010).

No caso do Mali a aquisição de terras por investidores estrangeiros se dá a partir da justificati-va que o país não tem condições de desenvolver seu potencial agrícola sozinho e, por isso, necessita de ajuda estrangeira. Enquanto pequenos agricultores argumentam que estão sendo ameaçados pelas grandes empresas estrangeiras, o governo defende que a aprovação de arrendamentos de terras para os investidores estrangeiros não está expulsando os pequenos produtores da terra, mas sim a melhorando as condições de produção (IRIN, 2009b).

Apesar do risco político para esse tipo de investimento estrangeiro em terras ainda ser bastante alto no continente africano, Moçambique e Tanzânia se beneficiaram especialmente com o boom dos biocombustíveis graças à adição de códigos de investimentos às suas políticas nacionais e à reformas na legislação sobre a terra, bancos, impostos e regimes de mercadorias, que melhoraram o clima para os investidores (Moçambique em 1993 e Tanzânia em 1997). Esse arcabouço regulatório mais desen-

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volvido permite aos dois países gozarem de algumas exigências, como a obrigatoriedade da aprovação das comunidades com direitos sobre a terra em questão antes de qualquer transferência que a envolva, bem como a previsão de compensações justas e a previsão de posterior revisão dos acordos. Além disso, como a propriedade da terra é estatal, os arrendamentos (por períodos de 50 anos em Moçambique ou 99 anos na Tanzânia) são mais comuns que a venda propriamente dita da terra. Os acordos passam pela coordenação de diferentes agências governamentais responsáveis por diferentes aspectos do processo de investimento (COTULA et al., 2009).

Myanmar é um país que já sofreu no seu passado e sofre ainda hoje com leis internas inadequa-das que abriram-no a uma apropriação de terras desenfreada. Durante os anos em que o país viveu sob o regime militar, as terras eram utilizadas pelas unidades militares para os seus próprios fins ou vendidas a empresas privadas. Entretanto, esse quadro vem mudando lentamente com a nova ordem democrática, na qual as comunidades locais passaram a lutar contra a apreensão de suas terras. Atualmente, a apro-priação de terras no país vem forçando os pequenos agricultores a saírem de suas terras – violando os direitos humanos dessas pessoas, apesar do governo defender que tais violações serão combatidas por ele – dando lugar a empreendimentos comerciais de agronegócio, projetos de infraestrutura, desenvol-vimento do turismo, instalações industriais e gasoduto (MCCARTAN, 2013).

O Paraguai se mantém no padrão do continente latino-americano e teve muitas terras expropria-das de seus nacionais por estrangeiros na última década. Apesar disso, a grande facilidade de produção agrícola (principalmente soja) não é o único fator que faz do Paraguai um alvo da expropriação: o país enfrenta ainda mais problemas por causa de suas fronteiras, que são ignoradas, ainda mais facilmente por outros países do MERCOSUL. Ou seja, a permeabilidade de suas fronteiras facilita não apenas a en-trada física de estrangeiros, como também de seu poder financeiro (GALEANO, 2012).

Nos últimos anos, o Peru tem sofrido internamente com problemas sociais e econômicos, o que tem aberto oportunidades para a expropriação de terras por estrangeiros. Como em seus países vizi-nhos, as terras peruanas são consideradas extremamente férteis, além de possuírem vastos recursos mi-nerais. A população rural peruana também é um fator de atração para os investidores estrangeiros, visto que 60% dela vive abaixo da linha da pobreza, facilitando a entrada externa no país. Isso se deve ao fato de que pequenas terras sob o poder de cidadãos com nenhum poder econômico são mais facilmente compradas por expropriadores estrangeiros (EGUREN, 2011).

O Reino Unido é um dos países que mais apropria terras das regiões periféricas do mundo. Com a justificativa de que os países periféricos dependem da ajuda dos desenvolvidos para seu crescimento econômico e social, combinada com a alta demanda por alimentos e a falta de terras agricultáveis, esse país compra terras em larga escala em vários países em desenvolvimento. Os principais alvos do Reino Unido são Guiné, Índia e Serra Leoa, além de vários outros Estados localizados na Ásia, África e América (STATISTA, 2015).

Apesar de ser fato pouco divulgado, a Rússia sofre com as investidas de expropriação de terras desde o fim da União Soviética. Tendo em vista a crescente importância da terra e do petróleo, o país denominou seu setor agroexportador como estrategicamente importante e tem ambições de se tornar autossuficiente na produção de alimentos (VISSER; SPOOR, 2010), fato que revela o fechamento do país para negociação de suas terras agricultáveis.

Aquisições de grandes terras para a agricultura no Sudão por investidores estrangeiros não é um fenômeno novo na história do país, uma vez que a presença de países do Golfo na região sempre foi facilitada pela proximidade geográfica entre eles. Contudo, nos últimos anos, o país tem trabalha-do para diversificar a sua dependência das exportações de petróleo de modo que a agricultura tem se colocado como uma alternativa e ganhado espaço nas exportações do país. O fato de 95% das terras sudanesas serem propriedade do Estado, apesar da propriedade privada ser oficialmente reconhecida, facilita a ação do governo na concessão de incentivos para os investidores estrangeiros. Em razão disso e das terras sudanesas serem relativamente mais férteis que a de seus vizinhos, o país se constitui um dos principais polos de atração desse tipo de investimento (COTULA et al., 2009). Barein, Catar, Arábia Saudita, Coreia do Sul, Síria, Emirados Árabes, Estados Unidos e Ilhas Virgens estão entre os países que investem em terras sudanesas (GRAHAM et al., 2010).

Também marca presença na África a Suécia. Afirmando que a presença do país trás benefícios para os dois lados envolvidos, o país escandinavo possui 100 mil hectares para a produção de biocom-bustíveis em Moçambique (CONFAGRI, 2011), além de possui terras na Tanzânia onde cultiva cana de açúcar para produção de etanol (MAKOYE, 2013).

Conhecida pelo setor financeiro confiável e de alta rentabilidade, a Suíça se encontra presente na prática de expropriação de terras através de financiamentos agrícolas. Os bancos suíços começam a especializar-se em investimentos em agricultura através de investimentos em empresas agrícolas e em

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especulação de compra de terrenos (ARDENTI, 2010).

Com o discurso que visa à regulamentação de terras e de trabalho, a Ucrânia sofre constante-mente com especulações de países do Golfo e de empresas ocidentais – desde os Estados Unidos até a Suécia – (VISSER; SPOOR, 2010) que desejam acessar grandes áreas de terra de custo relativamente baixo e usufruir dos mercados europeu e asiático vizinhos (WWI, 2009).

A apropriação de terras em Uganda, realizada a partir de uma parceira do governo do país com organizações internacionais e empresas, afeta principalmente pequenos agricultores da localidade de Kalanga; esses são deslocados de suas terras e não são compensados adequadamente. As grandes em-presas usufruem do solo principalmente para a produção de óleo de palma. Aproximadamente 3.600 hectares de floresta e biodiversidade já foram destruídos, existindo outros impactos ambientais e climá-ticos que esse projeto vem causando para o país. (FOEI, 2014).

Apesar de possuir um território relativamente menor que o de seus vizinhos, o Uruguai tem so-frido com a expropriação de terras nos últimos anos. As terras uruguaias, mesmo que não em grande quantidade no total, são férteis o bastante para que a produção agrícola possa ser altamente proveitosa para os expropriadores estrangeiros. A procura por terras uruguaias também acaba por seguir um dos principais padrões dentro da América Latina: a produção de soja (PIÑEIRO, 2012).

No Vietnã, país onde toda a terra ainda pertence ao Estado e as pessoas possuem apenas “direito ao uso”, há casos graves de apropriação de terras e violação dos direitos humanos (UN NEWS CENTRE, 2014). Empresários privados são beneficiados às custas da expropriação das terras das comunidades locais, acarretando a essas a perda do seu meio de subsistência e da suas raízes. Um grupo de especia-listas independentes de direitos humanos das Nações Unidas já fez apelos ao Governo vietnamita para que esse interfira com urgência nesses casos de despejo forçado. Além disso, ainda há a necessidade de melhorar a legislação referente ao uso da terra para que esses projetos beneficiem também a própria economia vietnamita.

REFERÊNCIAS

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COMITÊ 193

SENADO FEDERALA Revisão da Lei da Anistia

Bruna Leão Lopes ContieriGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing-Sul e do 5º semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Diego Luís BortoliGraduando do 2º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Gabriella Müller BorgesGraduanda do 6º semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Giovana Leivas Müller HoffGraduanda do 6º semestre de Direito da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul.

Julio Cesar Veiga BezerraGraduando do 4º semestre de Direito da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul.

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194 UFRGSMUNDI 2015 ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.192-213

1. O CONGRESSO NACIONAL

O Congresso Nacional brasileiro é a instância legislativa máxima do Brasil. Sua estruturação re-monta à primeira Constituição Brasileira, de 1824, que adotou a tradição francesa do bicameralismo para o Poder Legislativo. Assim, contemporaneamente, as duas Casas Legislativas que compõem o Congres-so são a Câmara dos Deputados, como representante da população em geral, e o Senado Federal, re-presentante das unidades da Federação. O modelo bicameral confere tanto à Câmara quanto ao Senado autonomia, poderes, prerrogativas e imunidades referentes à sua organização e funcionamento e em relação ao exercício de suas funções (CONGRESSO NACIONAL; FERREIRA 2002).

No decorrer da história política do Brasil independente, o Congresso brasileiro sofreu duros gol-pes de autoritarismo que buscaram mitigar a autonomia do Poder Legislativo e o controle que este exerce sobre os demais Poderes, especialmente o Executivo. Os regimes autoritários forjados, em 1937, com o golpe de Getúlio Vargas, e novamente em 1964, com o golpe militar, foram períodos de suprema-cia do Poder Executivo sobre o Legislativo. Nesses períodos, o dispositivo do decreto-lei1 foi largamente utilizado pela figura do Presidente da República, o que limitou extremamente a capacidade do Congres-so de se contrapor ao Presidente. Com o restabelecimento democrático e a elaboração de uma nova Constituição em 1988, no entanto, o equilíbrio dos poderes têm se fortalecido, o que permitiu ao Poder Legislativo, nos últimos anos, conquistar importantes avanços no papel, pelo menos teórico, de servir de espelho da sociedade que representa.

O processo legislativo, por meio do qual o Congresso exerce sua função de legislar, compreende a elaboração de Emendas à Constituição, Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Decre-tos Legislativos e Resoluções. Estes instrumentos legais tramitam pelo Congresso e suas Casas através de procedimentos próprios que obedecem as regras de seus regimentos internos. Embora eminente-mente legislativa, vale ressaltar que as funções do Congresso Nacional não se limitam à elaboração de leis. O Congresso também dispõe de atribuições deliberativa, de fiscalização e controle, de julgamento de crimes de responsabilidade, entre outras competências privativas de cada Casa, conforme disposto na Constituição de 1988 em seus artigos 48 a 50, dentre outros dispositivos legais (BRASIL, 1988).

A atuação parlamentar – seja da Câmara, seja do Senado – se dá a partir de proposições, ma-térias que são submetidas à deliberação de deputados e senadores. Das proposições que tramitam no Congresso Nacional, os Projetos de Lei talvez sejam a mais importante, dado que são proposições que regulam matérias de interesse da sociedade, postulado pela iniciativa popular e pelos Poderes Executivo e Judiciário (FERREIRA 2002).

1.1. A CÂMARA DOS DEPUTADOS

A Câmara dos Deputados é composta por 513 membros, eleitos por meio da proporcionalidade à população de cada estado ou do Distrito Federal, com mandato de 4 anos. O número de Deputados Fe-derais eleitos pode variar de uma eleição para outra em razão de sua proporcionalidade à população de cada Estado ou Distrito Federal. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 fixou que nenhuma unidade federativa poderá ter menos de 8 ou mais de 70 representantes. A Câmara é a primeira Casa a apreciar projetos externos, analisando, também, os Projetos de Lei apresentados pelos deputados e os que foram aprovados pelo Senado Federal (CÂMARA DOS DEPUTADOS).

1.2. O SENADO FEDERAL

Inspirado inicialmente na Câmara dos Lordes do Reino Unido e, após a proclamação da Repúbli-ca, no Senado estadunidense, o Senado Federal Brasileiro aprecia os projetos de autoria dos Senadores e os já aprovados pela Câmara dos Deputados. A Câmara Alta brasileira conta com 81 membros, eleitos através de sistema majoritário. Cada estado e o Distrito Federal elegem três senadores, com mandato de oito anos, renovados de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços (SENADO FEDERAL).

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal dividem entre si diversas funções legislativas. Exis-tem, no entanto, competências que são exclusivas do Senado Federal, previstas na Constituição Federal

1 Decretos-leis foram dispositivos com força de lei emitidos pelo Presidente da República nos períodos de 1937 a 1946 e de 1965 a 1989. Nossa atual Constituição não prevê esse tipo de dispositivo. Alguns decretos-leis ainda permane-cem em vigor no ordenamento jurídico brasileiro (BRASIL, 2015).

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SF 195

no artigo 52 e outros. Dentre elas, destacam-se: processar e julgar, nos crimes de responsabilidade, Pre-sidente da República, Vice-Presidente e Ministros do Supremo Tribunal Federal; escolher determinados cargos, a exemplo dos Ministros do Tribunal de Contas indicados pelo Presidente da República, Chefes de Missão Diplomática e Presidente e Diretores do Banco Central; autorizar operações externas de na-tureza financeira, de interesse dos entes federativos; e fixar, por proposta do Presidente, limites globais para o montante da dívida dos entes da Federação (BRASIL, 1988).

Quase sempre, o sistema bicameral determina a revisão dos Projetos de Lei aprovados em uma das casas pela outra Casa Legislativa. Todos os Projetos de Lei, assim, são examinados pela Câmara e pelo Senado, o que cumpre com a essência do processo legislativo, que é a realização de sucessivos debates até a tomada final da decisão.

2. HISTÓRICO

Antes de realizar a abordagem acerca dos aspectos essencialmente jurídicos que norteiam a revisão da Lei de Anistia, faz-se necessário contextualizá-la no período histórico em que foi criada. Esse contexto abordará, em suma, os principais eventos da história que antecederam a formulação da norma, bem como importantes impactos históricos que essa tem gerado desde então. Salientar-se-á, ainda, as causas que levaram à criação da Lei de Anistia em 1979, de forma a examinar a necessidade da criação dessa norma.

2.1. O CONTEXTO DO GOLPE DE 1964

É de suma importância analisar o período antecedente ao regime militar, pois foram muitos acon-tecimentos que deram lugar a essa completa usurpação do poder em detrimento dos direitos humanos. Os anos 50 foram conhecidos como “anos dourados”: o Brasil estava a pleno vapor, desenvolvendo-se econômica, política e socialmente. Foi nessa década que a sociedade começou a enxergar inimigos den-tro do próprio país, pessoas que ameaçavam a manutenção do status quo2, que era composto por nada mais que o trinômio pátria, família e propriedade privada. Em 1958, no entanto, certos sinais de que a economia não estava tão bem começam a ser evidenciados, gerando uma crise econômica que assusta ainda mais as elites brasileiras (BRASIL, 2010).

O panorama histórico-político que precedeu o Golpe de 1964 constitui-se como um momento bastante conturbado na história do país; principalmente devido ao fato de que o Brasil vivenciava um contexto político relativamente desfavorável ao Presidente João Goulart (SANTOS, 2009). Esse quadro de instabilidade interna no qual João Goulart recebera o Brasil chegou a tal estado, principalmente, após a renúncia do então Presidente Jânio Quadros. Este assumira o governo, em 1961, sob um clima de confiança geral, que, aos poucos, foi desestabilizando-se, no decorrer do curto mandato. “Seu governo seguia um caminho contraditório: de um lado, buscava apoio junto a forças políticas reacionárias e, de outro, condecorava o ministro cubano Ernesto Che Guevara, líder guerrilheiro” (GOULART, 2009). Em agosto de 1961, após o político Carlos Lacerda dizer na televisão que o presidente estava tramando um golpe que o colocaria como ditador, Jânio Quadros renuncia; com a consequente assunção de João Goulart, que se via contrariado pelas forças militares.

A oposição militar a Goulart era clara: sua posse como presidente se dera com o veto dos minis-tros militares, vez que se encontrava em viagem à China. Os ministros pronunciaram-se contrários ao retorno de João Goulart, alegando que sua posse seria “inconveniente à segurança nacional” (GOULART, 2009). No país, vivia-se em clima de apreensão, com a perspectiva de uma guerra civil ou golpe militar. Fora negociada, ainda, a assunção de João Goulart sob um regime parlamentarista; Tancredo Neves ficara como Primeiro-Ministro, renunciando em junho de 1962. Em setembro do mesmo ano, houve ma-nifestações grevistas contrárias ao parlamentarismo; o que ocasionou, em 1963, um plebiscito, em que mais de 90% dos brasileiros votaram “não” ao parlamentarismo. Assim, João Goulart readquiriu totais poderes como presidente da República, em conformidade com a Constituição de 1946 (SANTOS, 2009).

O ano de 1964 inicia-se conturbado: em 13 de março há o grande comício da Central do Brasil; em 19, a marcha da família, em São Paulo; e no dia 20 do mesmo mês, o general Castello Branco distribui

2 Status quo significa “o estado das coisas em determinado momento”. No período antecedente ao Golpe Militar de 1964, o status quo era caracterizado por uma elite satisfeita com os progressos econômicos e temerosa dos avanços do comunismo.

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sua “Circular Reservada3” (SANTOS, 2009). No dia 31 de março de 1964, dá-se início ao fim da democra-cia; o general Olímpio Mourão Filho, comanda as tropas do Exército de Minas Gerais, em direção ao Rio de Janeiro e vários comandantes militares aderem ao movimento (GOULART, 2009). A Comissão Na-cional da Verdade (2014), em seu relatório, descreve o exato contexto em que ocorreu o Golpe de 1964:

Em 9 de abril de 1964, em manifesto à nação sob a forma de norma jurídica, mais tarde conhecido como Ato Institucional nº 1, é confirmada a vitória do movimen-to militar que derrubara o governo constitucional de João Goulart. Publicado no Diário Oficial de 9 de abril de 1964, o ato vinha assinado pelos comandantes em chefe das três armas: general do Exército Artur da Costa e Silva, tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e o vice-almirante Augusto Hamann Radema-ker Grunewald(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014).

Com o Golpe, o poder fica com o Comando Supremo da Revolução, constituído por três ministros militares: o general Costa e Silva, o almirante Augusto Radmacker e o brigadeiro Correia de Melo (GOU-LART, 2009). É importante salientar, ainda, que, além dos militares, muitos outros setores da sociedade apoiaram o Golpe, como explicita Delgado (2010):

A ruptura da ordem política em 1964 foi decorrente de uma ação conspiratória le-vada adiante pela aliança dos seguintes grupos sociais e partidos políticos: setores anticomunistas das forças armadas, sendo alguns deles vinculados à Escola Supe-rior de Guerra, parte expressiva do empresariado nacional, latifundiários e demais proprietários rurais, segmentos conservadores da igreja católica, capital interna-cional que tinha interesses no Brasil e entre os partidos políticos, principalmente a União Democrática Nacional (UDN)(DELGADO, 2010).

O fato revolucionário que se legitimava por si mesmo fundava-se em uma decisão política fun-damental do movimento de 1964: a de impedir a ação daqueles que se dispunham a “deliberadamente [...] bolchevizar o País” e, dessa forma, “drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas”4. Esses trechos referiam-se, naturalmente, ao governo deposto, cuja vigência fora marcada por uma série de conflitos e crises po-lítico-sociais, estancadas pela emergência do novo regime(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014).

2.2. PANORAMA POLÍTICO DO REGIME MILITAR NO BRASIL

Pode-se dizer que a assinatura do Ato Institucional nº 1, nesse sentido, marcou o final do pe-ríodo constitucional inaugurado em 1946(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014). Sendo assim, o AI-1 de 09 de abril de 1964, dava ao governo o poder de mudar a Constituição, tornando os militares da ativa elegíveis para a Presidência de República, permitindo ao poder Executivo retirar os mandatos de governadores, prefeitos, deputados, senadores e vereadores, impedindo qualquer cidadão, considerado “suspeito”, de votar e ser votado e proibindo que muitos políticos fizessem política (GOULART, 2009).

A partir do advento do AI-1, outros Atos Institucionais passaram a entrar em vigor. O AI-2, de outubro de 1965, extinguiu os partidos políticos, deu poderes ao Executivo para fechar o Congresso, tornou as eleições para Presidente da República indiretas e colocou os civis sob a Justiça Militar. Já o AI-3, de fevereiro de 1966, definiu que as eleições para governador, a partir de então, também se reali-zariam de forma indireta. Por sua vez, o Ato Institucional nº 4, de 24 de novembro de 1965, instituiu o sistema bipartidário no país. Assim, são criados a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio ao governo, reunindo integrantes da antiga UDN e do PSD (Partido Social Democrático); e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que reuniu oposicionistas entre os que sobraram dos processos de re-pressão pós-golpe (GOULART, 2009).

Em sua obra, Santos (2009) diz que o Brasil não tinha uma ameaça tão acentuada ao modelo capitalista que antecedeu ao Golpe de 1964, como havia ocorrido em outros países, tais como Argen-tina, em 1976, e no Chile em 1973. Esses modelos políticos burocrático-autoritários têm como base de sustentação a imposição de uma ordem, que se instrumentaliza por meio das Forças Armadas e de

3 Castello Branco escreveu uma carta endereçada aos generais e outros oficiais de alto escalão do Exército, falando sobre os acontecimentos que preocupavam o Exército como um todo. Essa carta ainda hoje é vista de forma am-bígua, mas, em razão da tomada de poder pelos militares que a sucedeu, entende-se que foi a confirmação da dis-posição em esgotar todos os meios possíveis a fim de evitar a instauração do comunismo no país.

4 Os trechos aqui transcritos, indicados por aspas referem-se a partes selecionadas do preâmbulo do Ato Institucional nº 1, publicado em 9 de abril de 1964 pelos autores do golpe militar. O preâmbulo também é citado no Volume 1 do Relatório da Comissão Nacional da Verdade, de dezembro de 2014.

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estabilização da economia, cuja implementação ocorre com o auxílio de especializados advindos da burguesia. Segundo ele, os regimes autoritários contrapõem-se aos regimes democráticos por inúmeras razões, entre elas estão: a baixa autonomia dos partidos políticos, sindicatos e outros grupos de pressão, bem como a baixa mobilização política, ainda que se verifique um pluralismo político limitado; a atua-ção inibida ou mesmo inexistente do legislativo; a forte preponderância do Executivo sobre os demais poderes, com a chefia de Estado sendo exercida por oficiais das Forças Armadas que tomaram o poder; e a falta de uma ideologia de massa, já que os referidos regimes sustentam-se por meio da grande bur-guesia oligopolizada e transnacionalizada5 (SANTOS, 2009).

O MDB, como único espaço consentido de oposição, foi adquirindo o caráter de uma grande frente política, de forma que as medidas autoritárias implantadas pelos Atos Institucionais não conse-guiram estabelecer a “paz” almejada. É nesse contexto que surge o AI-56; foi a alternativa característica da prática despótica que assolou o país a partir de 1964, sendo enfrentado com grande resistência no ano de 1968. O Ato Institucional nº. 5, de 13 de dezembro de 1968, publicado durante o governo do ge-neral Costa e Silva, serviu de base jurídica ao endurecimento do regime autoritário, fornecendo amplos poderes ao presidente, permitindo o fechamento do Congresso, cassação de políticos e suspensão das garantias individuais, possibilitando a perseguição aos inimigos do regime. A partir desta data, a repres-são política não teria mais freios. O AI-5 só foi revogado em 1979, no governo do general Ernesto Geisel (GOULART, 2009). Pode-se dizer, portanto, que “o país não tivera, em toda a sua vida republicana, um conjunto de medidas que concentrasse tanto poder discricionário nas mãos de um chefe de Estado” (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014). Assim, “no decorrer do ano de 1968 - com maior vi-sibilidade a partir do AI-5 – é possível perceber a arquitetura de uma estratégia de implantação do terror por parte do Estado, a partir do endurecimento político do Governo Costa e Silva” (REZENDE, 2013).

2.3.VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS DURANTE O REGIME MI-LITAR

O tema da violação de direitos humanos à época do Regime Militar é bastante polêmico na his-tórica política brasileira. Apesar de bastante discutida, há indícios históricos de que a violação a esses direitos foi recorrente durante o período, sendo intensificada a partir da entrada em vigor do AI-5. Este, em suma, significou a implantação do estado de terror7 em nome da continuidade e do aprimoramento da ordem institucional. O executivo passava a ter poderes para intervir em todas as esferas da sociedade; institucionalizando, assim, a tortura e outras formas de repressão (REZENDE, 2013).Em Tortura (2010)8, há uma perspectiva do AI-5, do ponto de vista da violação dos direitos humanos, que explicita bem esse período histórico:

A clandestinidade, o exílio, as prisões ilegais, os desaparecimentos forçados e as torturas dos cidadãos que se contrapunham ao regime ditatorial, encontraram nessa excrescência do Ato nº 5 a “roupagem jurídica” para justificar ou dar suporte à brutalidade(BRASIL, 2010).

Segundo o General Costa e Silva, Presidente da República na época, o AI-5 era democrático, pois respondia aos anseios do povo de manutenção da ordem, da disciplina e de uma paz pública baseada na autoridade e num alto grau de controle sobre a sociedade. Os condutores colocavam-se na figura de tradutores únicos dos desejos de toda a população que eram, segundo eles, os de fornecer ao executivo todos os poderes para que a ordem fosse mantida. Assim, pode-se dizer que havia prevalecimento do

5 A burguesia aqui é considerada “oligopolizada”, pois representa uma pequena parcela da população detendo grande parte do poder de mercado da economia; de forma que a concorrência seja mínima. Da mesma forma, também é considerada “transnacionalizada”, pois vai além das fronteiras nacionais, englobando mais de uma nação; ou seja, o campo de atuação e influência dessa burguesia não é somente nacional, mas também internacional.

6 O Ato Institucional n°5 foi o quinto de uma série de decretos emitidos pelo regime militar brasileiro nos anos se-guintes ao Golpe de 1964. Foi assinado pelo general-presidente Arthur da Costa e Silva e fez parte de uma estratégia da chamada “linha dura” do regime militar que se encontrava descontente com os rumos da política brasileira. O ato conferiu poderes excepcionais ao executivo e praticamente eliminou as liberdades individuais e institucionais ainda existentes no país.

7 O estado de terror é instaurado quando o Estado comete o crime de não cumprir com o dever de proteger a vida daqueles que estão sob sua guarda; viciando-se, torturando e até assassinando.

8 Esta publicação reúne textos de autores que participaram do Seminário Nacional sobre Tortura realizado nos dias 4 e 5 de maio de 2010, na Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal. O evento foi promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio da Coordenação Geral de Combate à Tortura, em parceria com a UnB através do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos (NEP).

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arbítrio9, bem como a institucionalização da repressão e da tortura; porém, ainda assim, o grupo domi-nante no poder – militares e representantes do grande capital – permanecia tentando ganhar adesão para o regime em vigor por meio da insistência de que as medidas praticadas reafirmavam e, portanto, não negavam o sentido que eles imputavam à democracia. Segundo Rezende (2013), os condutores e sustentadores da ditadura militar tentavam arrancar da natureza do próprio poder os meios de justifi-cá-la; de forma que deixavam transparecer, ainda que se tentasse ocultar, que a viabilidade política do regime dependia muito mais de quem comandava do que de quem obedecia (REZENDE, 2013).

Em meados de 1968, as movimentações contrárias ao regime vinham de inúmeros setores. Os movimentos grevistas e estudantis, por exemplo, eram encarados como ilegais e clandestinos pelo go-verno; ao passo de que as greves realizadas por bancários e metalúrgicos de Minas Gerais, em 1968, eram vistas como atentados à ordem institucional (REZENDE, 2013). A resistência, portanto, ocorreu; evidenciando-se, principalmente, junto aos jovens integrantes de movimentos estudantis, que ganha-ram força em 1968, saindo às ruas e exigindo retorno da democracia, enfrentando retaliações. Muitos políticos, intelectuais e universitários aderiram ao movimento de guerrilha10, contrário aos ditames mi-litares (GOULART, 2009). Nesse sentido, Rezende (2013) relata que o Conselho de Segurança Nacional passava a discutir em sigilo quais seriam as estratégias contra as inciativas que contestavam o regime; o que se comprovou com o endurecimento do “sistema” de poder por parte dos setores que compu-nham o grupo dominante (civis e militares), após o aparecimento das primeiras atividades da esquerda armada.

Foi durante o governo do General Médici que o regime ditatorial-militar brasileiro atingiu sua for-ma plena. O presidente, sob o lema ‘Segurança e Desenvolvimento’, inicia, em 1969, o período mais ab-soluto de repressão, violência e supressão das liberdades civis de toda história republicana11 (GOULART, 2009). Nessa época, aperfeiçoara-se um sistema de repressão complexo, que permeava as estruturas administrativas dos poderes públicos e exercia uma vigilância contínua sobre as principais instituições da sociedade civil: sindicatos, organizações profissionais, igrejas, partidos. Sobretudo, a repressão atin-gia grupos ou instituições que procuravam organizar as classes populares: sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais, associações de moradores em bairros pobres e ainda o trabalho de padres e religiosos junto a esses mesmos grupos(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014). Fortalecera-se também uma burocracia de censura que intimidava ou proibia manifestações de opiniões e de expressões culturais identificadas como hostis ao sistema. Nas suas práticas repressivas, fazia uso de maneira sistemática e sem limites dos meios mais violentos, como a tortura e o assassinato(COMISSÃO NACIONAL DA VER-DADE, 2014). Goulart (2009), nesse sentido, descreve, essencialmente, o contexto da época de forte repressão por parte do aparelho institucional:

O poder dos militares se manteve através do sangue e da vida dos milhares de ci-dadãos inconformados com o regime ditatorial. Todas as organizações de esquer-da no país foram desarticuladas. Líderes como Marighella e Lamarca, covardemen-te assassinados, e militantes, descobertos e presos, eram barbaramente torturados, mortos ou tidos como desaparecidos (GOLUART, 2009).

Conforme cita Goulart (2009), líderes como Marighella e Lamarca participaram de alguns dos episódios mais conhecidos acerca das violências e torturas àqueles contrários ao regime militar. Em 4 de novembro de 1967, por exemplo, Carlos Marighella – líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN)e principal figura da luta armada naquele momento – foi fuzilado em São Paulo numa emboscada co-mandada pelo delegado Sérgio Fleury. Já,em 17 de setembro de 1971, Carlos Lamarca é morto em uma enorme operação que mobilizou mais de duzentos homens das Forças Armadas e da Polícia Federal, no interior da Bahia. Com a execução de Lamarca, grande parte dos líderes dos grupos de luta armada

9 Decisão dependente apenas da vontade. Nesse contexto, refere-se ao fato de que, no regime instaurado pelo AI-5, não havia limites para as determinações do Estado, tendo em vista que esse ato institucional havia ampliado inde-scritivelmente os poderes do executivo.

10 As guerrilhas constituíram um dos tipos de movimentos de resistência ao regime militar, caracterizando-se pela luta armada com vistas a abrir caminho para uma revolução; a exemplo da Ação Libertadora Nacional (ALN) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Outras espécies de resistência ao regime tiveram atuação intensa durante o período, tais como o movimento estudantil, organizado principalmente por meio da União Nacional dos Estu-dantes (UNE), que foi posto em clandestinidade e fortemente combatido pelas milícias; o movimento sindical, que foi responsável por promover grandes greves e manifestações em várias regiões do país; e as ligas camponesas, que foram importantes instrumentos de atuação e de organização dos camponeses, também fortemente reprimidas pelo Estado.

11 O governo do General Médici foi contemporâneo ao milagre econômico brasileiro, e não por mero acaso. Esse período foi de êxito econômico para o país, já que se observou um significativo crescimento na taxa do Produto In-terno Bruto (PIB). Essa estabilidade econômica foi responsável por sustentar todo um aparelho institucional de alta rigidez e repressão criado na época.

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estavam mortos, presos ou exilados, e a resistência armada e organizada ao regime militar se encontrava praticamente neutralizada(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014).

Após o período Médici - em que as restrições às liberdades públicas e as denúncias sobre violação dos direitos humanos haviam atingido níveis inimagináveis até então - o discurso do General Geisel, novo presidente, surgia, para alguns, como esboço de um projeto liberalizante. O que se observou, po-rém, nos anos subsequentes, é que o aparelho policial continuou a perseguir e matar os remanescentes da oposição. Em 1974, por exemplo, foram assassinadas cerca de 50 pessoas, a maioria nas matas e nos cárceres militares do Araguaia. Em janeiro de 1975, observou-se uma série de ações repressiva contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB), em que dezenas de militantes foram presos e torturados. Os diri-gentes, por sua vez, foram assassinados depois de submetidos à tortura, sendo que os corpos não foram encontrados. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014).

Nesse contexto, um dos casos mais famosos de violação aos direitos humanos da época foi o massacre da Guerrilha do Araguaia. Cerca de 70 militantes do Partido Comunista do Brasil se organiza-ram na região do Rio Araguaia (PA) para formar uma guerrilha e chamar os camponeses à luta contra o regime. Quando as Forças Armadas descobriram seu paradeiro, os guerrilheiros foram vítimas de diver-sas emboscadas, até que não restasse nenhum deles. Foram encontrados apenas dois corpos (PINTO, 2012).

Com o tempo, realizaram-se muitas denúncias às práticas de tortura; sendo que essas se tor-naram conhecidas devido às cartas enviadas à imprensa por familiares de pessoas que eram presas ou sumiam repentinamente. Algumas dessas denúncias foram divulgadas pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, e também pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, muito embora estives-sem cerceadas pela política ditatorial e pela censura (GOULART, 2009). Acontecimentos desse caráter passaram a influenciar os gestores do governo; o que culminou num importante passo dentro do pro-cesso de institucionalização do regime: a abolição do AI-5. Consequentemente, extinguiu-se a autorida-de do presidente para colocar o Congresso em recesso, cassar parlamentares ou privar os cidadãos dos seus direitos políticos. Junto à liquidação do Ato Institucional nº 5, foi restabelecido o habeas corpus para crimes políticos e abolido as penas de morte, prisão perpétua e banimento (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014). A partir desde momento, o Brasil iniciou sua caminhada rumo à democratização.

Apesar do processo de democratização ter sido intensificado desde então, a problemática da vio-lação dos direitos humanos durante o regime militar deixou profundas marcas na história sócio-político brasileira. O breve trecho de Tortura (2010) – exprime, essencialmente, o conturbado período pelo qual o Brasil passou durante a ditadura militar:

Durante a maior parte do regime militar, especialmente na pior fase após o AI-5, o País foi mergulhado nas trevas da exceção e do arbítrio, “legalizados” pela famige-rada Lei de Segurança Nacional, cuja doutrina inventava a guerra permanente e o “inimigo interno”. Um verdadeiro terrorismo de Estado, sob o qual milhares de pes-soas foram presas ilegalmente, extorquidas, assassinadas e “suicidadas”, torturadas e submetidas a abusos sexuais, por razões políticas, desde militância armada como simples “delitos de opinião”(BRASIL, 2010).

2.4. LEI DE ANISTIA

Antes de tratarmos, especificamente, do contexto de criação da Lei de Anistia de 1979, é necessá-rio compreender o conceito de anistia, bem como suas possíveis implicações. A seguir, serão discutidos alguns aspectos a este respeito.

2.4.1. O QUE É ANISTIA?

Conceituando de forma mais sintética, temos, nas palavras de Soares (2008), a anistia como sen-do o “perdão e esquecimento dos atos puníveis” (SOARES, 2008). Aliado a isso há a ideia de que: “A Anis-tia, antes de qualquer coisa, deve ser entendida como um processo político construído por múltiplas frentes da sociedade” (RODRIGUES, 2012).

Já segundo Prado (2009), a anistia, no panorama brasileiro, pode ser compreendida sob três enfo-ques: jurídico, político, e histórico. No âmbito jurídico, o conceito liga-se à ideia de extinção da punibi-lidade, ou seja, à ideia do esquecimento completo das infrações cometidas por um determinado sujeito. Quanto ao aspecto político-social, significa a retomada da cidadania: para aqueles que foram exilados,

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por exemplo, traduzia a possibilidade de retorno; já em relação aos dispensados ou compulsoriamente aposentados, significava reintegração aos seus empregos; e no que se refere àqueles que estavam pre-sos, o sentido era o de promover a retomada da liberdade. Por fim, há o aspecto histórico, que relaciona a ideia de anistia em si com o período da história em que esteve em pauta, como, por exemplo, à época do regime militar12.

A Anistia Internacional, por sua vez, é uma organização não governamental criada em 1961 para a defesa e proteção dos chamados “presos de consciências” - pessoas que, devido às suas convicções políticas, religiosas ou culturais acabam sendo detidas por órgãos do Estado. O conceito de anistia que está mais relacionado aos propósitos da organização enquanto instituição refere-se ao “esquecimento de delitos cometidos sob engajamento político, materializados em atitudes contrárias ao status quo” (PRADO, 2009).

2.4.2. O CONTEXTO DA CRIAÇÃO DA LEI 6.683/79 – A LEI DE ANISTIA

Em 1975, durante o governo Geisel, o jornalista Vladimir Herzog morre nas dependências do Doi--Codi (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna). Segundo as fontes oficiais, foi suicídio, assim como o caso do operário Manoel Fiel Filho em 1976. A verdade é que o regime militar mostrava-se gasto, já não recebia apoio significativo da sociedade civil, deixava rastros dos seus métodos pouco ortodoxos de interrogação e ainda investigava com maior rigor as pessoas, em número cada vez maior. Em 1977, o jurista Goffredo da Silva Telles Júnior, Professor da Universidade de São Paulo (USP), publica “Carta aos Brasileiros”, exigindo o fim da ditadura. O AI-5 é revogado no ano de 1978, mesmo ano no qual foi dado reconhecimento de que Vladimir Herzog, na verdade, tinha sido vítima de funcionários do Estado brasileiro, os quais se excederam no interrogatório(BRASIL, 2010).

Nesse sentido, pode-se dizer que o processo de aprovação de uma Lei de Anistia no Brasil, sob o regime militar que era instituído na época, começou a dar seus primeiros passos no contexto da abertu-ra lenta, gradual e segura, promovida a partir do governo do general Geisel. Embora, nesse momento, a anistia não fosse admitida por membros do governo, apesar de já ser defendida por muitos representan-tes da oposição, uma discussão acerca da anistia iniciou-se dentro do governo e das Forças Armadas13. Nos anos de 1978-1979, o debate assume proporções públicas, sendo um dos principais tópicos de um movimento político articulado nacionalmente (SOARES, 2008). A luta pela anistia foi, portanto, o primei-ro e maior movimento nacional de cunho progressista que unificou centenas de milhares de brasileiros contra o regime militar, exigindo justiça em prol das vítimas do terror disseminado pelo Estado autori-tário (RODRIGUES, 2012).

As lutas pelos direitos humanos, liberdades civis elementares e pela conquista da anistia foram capazes de unir setores sociais antes divididos, seja pela natureza difusa dos interesses que defendiam, seja por suas formas distintas de pensamento. É importante observar, assim, além da relevância da con-quista da anistia em si, a contribuição desses momentos de lutas como significado para o despertar da união entre as pessoas e para a solidariedade que temas como esse proporcionam. Pode-se destacar, também, que, a partir desse cenário, os crimes e desrespeitos aos direitos humanos passaram a ser repu-diados por amplos e distintos setores e camadas da sociedade; e a luta pela a anistia, bem como a defesa desses direitos, tornaram-se referência de mobilização contra o regime militar brasileiro (PORTO, 2009).

Nesse contexto, importantes grupos começam a agir em busca da anistia; um dos mais significa-tivos deles é o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), que surge em 1975 acumulando forças para a construção dos Comitês Brasileiros de Anistias (CBAs). Estes, por sua vez, começam a entrar em cena em 1978, tornando-se a grande referência de luta contra ditadura militar. Os CBAs possibilitaram que a luta pela anistia superasse o caráter insular e ganhasse universalidade: eles conseguem reunir em torno da bandeira “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita” praticamente todas as organizações, entidades e movimentos contrários ao regime vigente (GRECO, 2009).

A mobilização nacional foi tamanha, que houve a realização do I Congresso Nacional pela Anis-tia; responsável por inaugurar uma grande ressonância dentro da sociedade brasileira, de maneira com que o novo presidente, general Figueiredo e seu governo já não podiam ignorar a situação. Dessa for-ma, o governo passou a admitir, antes mesmo da posse, a possibilidade de conceder anistia – restrita –a determinados casos, excetuando terrorismo e crimes comuns, como assassinato e roubo a banco,

12 O aspecto histórico do conceito de anistia, no caso brasileiro, ao relacionar a ideia de “perdão” com os crimes cometidos durante o regime militar, produz os seguintes questionamentos: “Deveria a anistia também significar o perdão para os crimes praticados pelos militares contra membros da sociedade civil? Em nome da democracia a ser restaurada, caberia “apagar” as condutas dos militares envolvidos com a repressão?” (PRADO, 2009).

13 No contexto desse período, era considerada possível, a princípio, apenas uma espécie de anistia parcial, na qual cada caso, individualmente, poderia ter sua sentença revista (SOARES, 2008).

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por exemplo. A resposta dos Comitês Brasileiros de Anistia foi clara e objetiva: exigiam a anistia ampla, geral e irrestrita, buscando popularizar, com sucesso, tal reivindicação, além de exigir a investigação dos agentes do estado envolvidos em crimes (SOARES, 2008).

Durante o processo de aprovação da Lei de Anistia, surgiram algumas polêmicas na análise do projeto, tendo em vista que alguns parlamentares, por exemplo, não concordaram com a exclusão dos benefícios de anistia àqueles que haviam sido condenados por prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado. Por este motivo, surgiram inúmeras propostas de emenda ao projeto, mas que foram negadas pelo relator, alegando que essas eram “impertinentes”. Ainda assim, o relator apresentou um substitutivo ao projeto de governo, incluindo mais sete artigos ao texto original, bem como a possi-bilidade de anistia também para crimes eleitorais, por exemplo (BASTOS, 2001).

Nesse contexto, o Congresso Nacional passava momentos difíceis, pois havia sido instituciona-lizado o bipartidarismo no Brasil e boa parte dos parlamentares pertencia ao partido ARENA, base do governo. Não obstante, ainda foi criada a figura dos “senadores biônicos14” para deter o avanço do MDB, partido de oposição. Logo, em meio a essa conjuntura política, o projeto da Lei de Anistia é votado e aprovado com 50,61% dos votos, ou seja, 206 votos da Arena contra 201 do MDB. Em 28 de agosto de 1979 nasce, portanto, a Lei 6.683 – Lei de Anistia. Nesse passo, mesmo tendo sido votada pelo Congresso Nacional, percebe-se a submissão do órgão a condições que comprometiam a sua legitimidade e atin-gem a validade da norma(PIOVESAN, 2011).

A Lei de Anistia de 1979, consoante com seu art. 1º, concedeu anistia, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de setembro de 1979, àqueles que cometeram crimes políticos ou co-nexos a estes, crimes eleitorais e, ainda, àqueles que tiveram seus direitos políticos suspensos. Além dis-so, concedeu anistia aos servidores públicos punidos com fundamento nos Atos Institucionais (VIDAL, 2013). Isso significa que, além de beneficiar militantes de organizações políticas, servidores e sindicalis-tas punidos pelo regime militar, a Lei também beneficiou os torturadores de presos políticos, ou seja, os “agentes do estado” que praticaram tortura e assassinatos durante o período ditatorial. Apesar disso, a Lei pode ser considerada, portanto, como o marco legal sobre o qual se funda a transição para uma de-mocracia no Brasil. Ela foi fruto de reivindicação popular, não sendo imposta pelo Estado (BRASIL, 2010).

Seguindo o processo de redemocratização do país, em novembro de 1979, é aprovado um pro-jeto de lei que extingue o bipartidarismo no Brasil, permitindo-se, então, a criação de novos partidos políticos. A Arena e o MDB são, portanto, extintos, dando origem a diversos outros grupos: o primeiro reorganiza-se em Partido Democrático Social (PDS), enquanto que a maior parte do segundo forma o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Institui-se, ainda, o Partido Progressista (PP), que congrega políticos de ambos os grupos; e outros menores, tais como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014).

2.4.3. CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS DA LEI DE ANISTIA

A aprovação da Lei 6.683/7915 e a sua posterior vigência geraram uma série de impactos históricos tanto em âmbito nacional, como também, de certa forma, internacional. Sendo assim, trona-se impres-cindível compreender os efeitos práticos de uma norma que marcou a histórica da política brasileira; bem como entender a sua importância num contexto de profunda redemocratização do país.

A Lei de Anistia de 1979, como um marco na transição para a democracia, previu perdão aos cri-mes políticos e conexos e medidas de reparação aos perseguidos políticos e suas famílias (BRASIL, 2010). Efetivamente, a anistia defendida e exigida nas manifestações populares pressupunha o esquecimento jurídico de crimes de natureza política e tinha por objetivos a volta dos exilados ao Brasil e a libertação dos presos políticos(AARÃO REIS FILHO, 2001). Ainda que a Lei possa ser vista como uma moeda de troca dos militares a fim de acalmar os ânimos revoltosos do povo, e ter se originado, principalmente, a partir de fortes pressões populares; ela significou uma vitória para a maioria daqueles que se viam afas-tados do país ou ainda permaneciam sofrendo os efeitos negativos da ditadura(SANTOS, 2009).

Outro fato relevante está na questão do Supremo Tribunal Federal, que, a partir da promulgação da Lei 6.683/79, passou a julgar diversos casos adotando as disposições desta como fundamento para

14 Nome pelo qual ficaram conhecidos popularmente os parlamentares eleitos indiretamente por um colégio eleito-ral, em consonância com a Emenda Constitucional nº8, que, entre outras medidas autoritárias, decretava o fecha-mento do Congresso Nacional e aumento do tempo de mandato dos próximos presidentes da república para 6 anos. De maneira geral, esses “senadores biônicos” constituíram mais uma manobra dos dirigentes militares em plena ditadura, buscando assegurar sua maioria no executivo e legislativo.

15 Também conhecida como Lei da Anistia, foi promulgada pelo presidente João Batista Figueiredo, o último do regime militar, após uma ampla mobilização social, ainda durante esse período.

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extinção de punibilidade (SANTOS, 2009). Sendo assim, vale destacar também que, com o processo de transição para a democracia – no contexto da promulgação da Lei de Anistia - o Brasil buscou salientar no plano externo o respeito aos direitos humanos(IDE, 2008). O seguinte trecho, presente em Tortura (2010), explicita a importância da conquista da anistia ao Brasil da época:

Durante a luta pela anistia a sociedade mobilizou-se fortemente pela aprovação de uma lei “ampla, geral e irrestrita”, ou seja, para todos os presos políticos, inclusive os envolvidos na luta armada e crimes de sangue. O movimento pela anistia passa a significar a volta à cena pública das manifestações, passeatas e reivindicações de direitos, funcionando como meio de induzir o despertar de uma sociedade oprimi-da, que volta lentamente a naturalizar a participação cívica(BRASIL, 2010).

Pode-se constatar, ainda, que a Lei de Anistia beneficiou tanto militares quanto militantes de esquerda (IDE, 2008). É nesse contexto que se desenvolve a atual polêmica acerca da revisão da Lei da Anistia; pois, até o momento, ela foi interpretada de forma a considerar a tortura como crime político ou conexo com este, ou seja, anistiável. No entanto, dispositivos jurídicos como a constituição de 1988 e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos reconhecem a tortura como crime contra a humanida-de, sendo assim imprescritível e não sujeito à anistia. Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos têm um histórico de reverter leis de anistia que protegem perpetradores de crimes contra a humanidade. Por este motivo, o Brasil tem sofrido, recentemente, forte pressão na Corte Interamericana no sentido de responsabilizar criminalmente os torturadores do regime autoritário. Nesse mesmo con-texto, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuizou uma ação no STF com a intenção de esclarecer as diferentes interpretações sobre a anistia ou não dos crimes cometidos pelos agentes do estado no período autoritário (SOARES, 2008). Vale destacar, assim, que a polêmica no que diz respeito à interpre-tação da Lei da Anistia é o principal motivo de ela estar sendo discutida ainda hoje.

Por fim, é importante destacar a inciativa do governo brasileiro com a instalação, em 2012, da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Essas comissões são mecanismos de apuração de abusos e vio-lações de Direitos Humanos, sendo utilizadas como uma forma de esclarecer um passado arbitrário (normalmente aplicadas em países emergentes de períodos de exceção ou de guerras civis). O principal objetivo das Comissões da Verdade é descobrir, esclarecer e reconhecer os abusos ocorridos no passa-do, dando voz às vítimas, e, quando isso não for possível pelo fato de estarem mortas ou desaparecidas, através de seus familiares. A Comissão da Verdade ocorrida no Brasil analisa e apura os crimes que vio-laram os direitos humanos durante o regime militar. Em dezembro de 2014, a CNV publicou um relatório, em três volumes, contendo todas as apurações e estudos feitos sobre os crimes contra a humanidade da época ditatorial (OLIVEIRA, 2012).

3. QUESTÕES JURÍDICAS

Tendo sido vistos os aspectos preliminares do estudo acerca da matéria, agora parece necessária a discussão acerca dos pontos eminentemente jurídicos que estão em torno da revisão da Lei da Anis-tia. Para isto, a seção ocupar-se-á de abordar, fundamentalmente, a questão da constitucionalidade da aprovação da lei e da sua manutenção. Em se tratando de um tema absolutamente técnico, será em-preendido um esforço no sentido de simplificar, na medida do possível, termos e mecanismos utilizados, visando a um entendimento mais fácil e, ao mesmo tempo, suficientemente aprofundado.

3.1 CONCEITUAÇÕES PRÉVIA

Para trabalhar os pontos relativos à constitucionalidade, é necessário, antes de mais nada, a abor-dagem breve de alguns conceitos jurídicos que apareceram nesta análise e que não são parte do voca-bulário comum de nossa sociedade ou, se o são, podem, por vezes, conter um significado não comple-tamente adequado. Falemos, então, de (i) o que é uma constituição; (ii) constitucionalidade e controle constitucional; e (iii) recepção.

3.1.1 O QUE É UMA CONSTITUIÇÃO?

É comumente conhecida a grande importância que o governo e, talvez mais especialmente, os juristas dão à Constituição de um país. Alguns acreditam que é porque ela representa os pilares da le-gislação daquela nação; porque que falam sobre direitos; e outros têm noção da sua grandeza, muito embora não saibam exatamente explicar o porquê dessa ideia.

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Também chamada de Magna Carta, Lei Maior, Carta Magna, dentre outras denominações, a Cons-tituição é o documento que reúne as normas16 com conteúdo mais caro, mais valoroso, mais estimado para o povo de um país. Não apenas pelo simples fato de conterem direitos (a brasileira, por exemplo, prescreve uma variedade grande deles), porque há uma série de outras leis que também os preveem, mas por eles terem sido escolhidos pelo constituinte17 como sendo os mais importantes.

Há, aliás, outras razões pelas quais o documento é, possivelmente, o mais importante na estru-tura de um país, estando uma delas relacionada ao período no qual se inventou o instituto da Consti-tuição: o do Absolutismo. Com a autoridade infinita do Estado, na pessoa de seu monarca, os cidadãos estavam expostos a mandos e desmandos, não possuindo meios eficazes de impedir abusos variados por parte do governo. Nesse contexto, ÉricHack, em seu curso de Direito Constitucional, menciona ser a constituição a responsável pela regulação das funções do aparelho estatal, especificando quais ativi-dades competem a qual Poder e, ainda, dando limites a ingerências da máquina pública na vida privada (HACK, 2012).

As normas que estão enumeradas na Lei Maior têm, ainda, uma característica prática que as tornam diferentes da chamada legislação ordinária (legislação comum), que é a sua superioridade hie-rárquica. Isto quer dizer que, quando um conteúdo de uma lei está em confronto com alguma matéria prevista na Constituição, a norma constitucional prevalecerá sempre. Ou seja: nenhuma lei pode estar em desacordo com a Constituição, pois esta é a base da orientação social e o pilar do ordenamento jurídico de um país (HACK, 2012; SILVA, 2007).

Por fim, é válida a citação do conceito formulado por um grande jurista brasileiro que, de maneira clara e simples, define Carta Magna como:

A Constituição é a Lei Maior de um país. Todas as outras leis dependem dela. Nos países em que há uma Constituição democrática, seus cidadãos sabem, perfeita-mente, quais são os seus direitos e quais eles nascem da Constituição e que tudo dela depende (MARTINS, 2005).

3.1.2. CONSTITUCIONALIDADE E CONTROLE CONSTITUCIONAL

O Estado Democrático de Direito18 é fundado na legitimidade da Constituição, proveniente da vontade popular e que, dotada de supremacia, que vincule todos os poderes e os atos dele provenien-tes. Como já exposto, a Constituição, por ser a Lei Maior, dita os fundamentos e princípios que devem ser seguidos pela legislação comum, ou seja, todas as leis devem estar de acordo com a Constituição, tornando-se, portanto, constitucionais.

Nem lei complementar, nem lei nenhuma, pode impor uma restrição a uma imu-nidade que decorre da Constituição. [...] Porque a Constituição não se interpreta por lei infraconstitucional, mas a lei infraconstitucional é que se interpreta pela Constituição. (GANDRA e SOUZA, 2001)

Esse sistema, em que há uma supremacia da Constituição, é o que chamamos de Constituciona-lidade. Explicita, o professor José Afonso da Silva, o significado desse princípio:

Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconhece e na proporção por ela distribuídos. [...] as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição (SILVA, 1990).

Assim, se uma lei não estiver em conformidade com a constituição - ou seja, se apresentar ví-cio19- ela será declarada inconstitucional. Esses vícios possuem modos diferentes de se apresentar: a inconstitucionalidade pode ser gerada por silêncio (omissão) do legislador ou por ação (atuação ou ato comissivo) do mesmo, podendo a última apresentar vício formal -erro na observância do correto processo de formação do texto normativo, definido pela Constituição20 – ou material – referente ao

16 O termo correto a ser utilizado neste contexto seria “texto normativo”, mas não se faz adequada a exploração desse tema no presente trabalho. Para todos os efeitos, tenham-se os dois como sinônimos.

17 No caso do Brasil, constituintes foram os deputados que integraram a Assembleia Nacional Constituinte, encerrada em 1988. São os formuladores da Constituição Federal de 1988.

18 É o tipo de Estado (aqui podendo ser entendido, para fins didáticos, como sinônimo de governo, muito embora os conceitos não sejam idênticos), no qual há a vigência de uma ordem baseada no Direito. Ou seja: não se trata de uma situação de anarquia ou ausência de normas sociais, mas, sim, da sujeição da população ao Direito Nacional.

19 Novamente, para fins didáticos, tenha-se “vício” como sinônimo de “erro”.

20 Considere-se, aqui, texto normativo como sendo similar ao texto da lei propriamente dito.

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mérito do texto normativo, que neste caso vai contra um princípio da Lei Maior. A inconstitucionalidade por ação, ou positiva, é aquela que produz incompatibilidade vertical de textos normativos inferiores, ou seja, que propõe uma norma que não está de acordo com os princípios constitucionais, enquanto a inconstitucionalidade por omissão se dá por inércia legislativa na regulamentação de normas constitu-cionais de eficácia limitada21. (LENZA, 2014)

Para isso a Constituição necessita que haja um controle sobre as possíveis normas infraconstitu-cionais que venham a viger. O chamado Controle Constitucional, então, pode ser tanto verificado antes de o texto normativo se tornar lei de fato, como em um projeto de lei (controle preventivo) – por meio de veto do Executivo, Mandado de Segurança no âmbito Judiciário ou pelo próprio parlamentar ou Comissão22 no âmbito do Legislativo. Pode também ser verificado depois da promulgação da lei (con-trole repressivo ou posterior) – podendo ser feito por tribunais de modo concentrado, como o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, ou admitindo-se, de modo difuso23, tal declaração por qualquer juiz (LENZA, 2014).

Então, se reconhecido que a lei ou projeto de lei encontra-se em descordo com a constituição, declara-se que tal ato normativo é nulo, permitindo-se sua retroatividade24, ou seja, são inconstitucio-nais os atos por essa lei embasados, mesmo que anteriores à declaração de nulidade:

Assim, ato legislativo, por regra, uma vez declarado inconstitucional, deve ser considerado, nos termos da doutrina brasileira majoritária, nulo e, portanto, desprovido de força vinculativa (BUZAID, 2011).

3.1.3 RECEPÇÃO

Este termo pode, aparentemente, parecer bastante comum e corriqueiro, afinal, o seu verbete no dicionário Michaelis é totalmente compreensível para os não-iniciados no ramo jurídico.

1 Ato ou efeito de receber. 2 Cerimônias com que alguém é admitido numa cor-poração ou empossado num cargo. 3 Maneira de receber as pessoas; acolhimen-to. 4 Ato de receber em certos dias visitas ou cumprimentos.5 Recebimento festivo e solene, que se faz a pessoa de categoria que visita uma terra. 6 Cerimonial com que se recebem convidados e amigos (MICHAELIS, 2009).

Entretanto, assim como ocorre inúmeras outras vezes, no campo do direito, o seu significado téc-nico não é exatamente este. Ao longo deste estudo, quando se fala em recepção, trata-se da recepção constitucional de uma lei25, lançada anteriormente à própria constituição.

Gilmar Ferreira Mendes explica melhor esse fenômeno, colocando que, quando uma Constitui-ção entra em vigor, a ordem jurídica se inicia e, com isso, a regra é que as leis que foram emitidas antes dela só participam do novo “Direito” se forem compatíveis com ela (MENDES e BRANCO, 2012).

Um exemplo hipotético que poderia ser dado para ajudar a compreender a ideia de recepção: em um país imaginário, o seu Código Penal foi emitido em 1950 e ele previa, dentre outras punições, a pena de morte. Em 1960, ocorreu um golpe de Estado e foi criada uma nova constituição que em seu artigo 1º o princípio de que a dignidade dos cidadãos será mantida a todo custo e proíbe a pena de morte. Tem-se, então, que, neste caso, o artigo do Código Penal publicado antes da nova Carta Magna está revogado por não ser compatível com a nova ordem constitucional, ou, em outras palavras, que a pena de morte não foi recepcionada pela constituição de 1960, o que não faz com que todo Código seja invalidado, mas apenas aquelas regras que não se adequam com os preceitos da nova ordem constitu-cional – como, no caso do exemplo, a pena capital.

Reitera-se, por fim, que esse exemplo é hipotético, de um país inventado e serve apenas para fins didáticos. Não é o caso do Brasil, por exemplo, já que o nosso Código Penal não é de 1950, não tivemos

21 Norma de eficácia limitada é aquela precisa de outra norma futura para lhe dar praticidade de execução.

22 O Legislativo, por meio de Comissões de Constituição e Justiça analisam a constitucionalidade ou não da lei, de modo que se for apenas em parte, emenda-se o projeto de lei corrigindo-o; se for total, arquiva-se.

23 Adotando-se o modo difuso o controle de constitucionalidade é passível de ser feito por qualquer juiz, ou seja, é um controle espalhado, descentralizado.

24 A lei, via de regra, tem algum efeito no mundo exterior somente depois de admitida e promulgada. No entanto, em alguns casos, permite-se que ela afete algo que aconteceu antes mesmo disso. No caso, a lei, se declarada inconsti-tucional, tudo que o que ela tinha permitido é tratado como se nunca tivesse o sido, e, portanto, anulado. Se algum direito foi concedido com base naquela lei no período em que ainda não se sabia que ela era inconstitucional esse direito é nulo, deve ser retirado, revogado.

25 Pode ser, na verdade, qualquer tipo de norma. Esta diferenciação, entretanto, não é relevante para o presente trabalho.

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constituição em 1960 e a pena de morte no Brasil nunca existiu em tempos de paz26.

Como exemplo, poderíamos citar a não recepção da Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67), declarada incompatível com a ordem constitucional atual (a Constituição Federal de 1988). Os ministros do Supre-mo Tribunal Federal, em 2009, por maioria, concordaram que a Lei violava um preceito Fundamental, pois a Constituição vigente assegura que é livre a manifestação do pensamento. Isso se chocava com as disposições da Lei de 67, que fazia claras restrições à liberdade de expressão, como a expressa proibição de circulação de jornais que atentassem à moral e aos bons costumes, o que na verdade era usado na prática para a consolidação do regime ditatorial (BRASIL, 2009).

3.2. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 6.683/79, CONHECIDA COMO LEI DA ANISTIA

Como pode ser observado virtualmente todos os campos das ciências sociais, não há como se definir uma verdade absoluta sobre um determinado ponto, havendo, sempre, doutrina27 que defenda ambas as possibilidades existentes em cada caso polêmico existente. A discussão acerca da constitucio-nalidade da Lei 6.683 de 8 de agosto de 1979 não é uma exceção.

Logo, não é legítimo que se afirme, cabalmente, que a lei em questão é ou não é constitucional, já que isto é uma consequência da análise exercida por cada um. Tendo isto em vista, portanto, serão apresentados alguns pontos e argumentos que deem base a uma criação de ponto de vista. Não é in-tenção desta editoria a mera transmissão de um pensamento previamente estabelecido, mas, sim, o fornecimento de instrumentos para que essa concepção seja estabelecida pelo leitor.

De início, é citado um ponto levantado por Claudio Neto, da Revista Consultor Jurídico, que sustenta não haver o que se falar em obstáculos para a revisão do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 15328– a ser tratada mais detalhadamente adiante. Coloca, ele, em uma análise à jurisprudência29, que há vários casos de alterações de julgados passados quando da aparição de fatos novos que motivem tal procedimento ser feito novamente, citando um voto do Ministro Gilmar Mendes a este respeito. Coloca, ainda, que, o julgamento posterior do caso da Guerrilha do Araguaia pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – que também será tratado adiante – é capaz de atuar como mo-tivação para o novo julgamento. Vale frisar, contudo, que este não é um entendimento universalizado, por não estar bastante claro no Direito a possibilidade de utilização de um instrumento a essa maneira e esse fato se dá em razão do respeito à chamada coisa julgada30(NETO, 2014).

Entendimento similar tem Walter Claudius Rotheburg, e aqui se acrescenta um aspecto que ele acredita existir: o da de falta de legitimidade da lei. Não vê, o autor, validade nela, por ter sido fruto de um estado de exceção, no qual o diálogo era inexistente e, dessa forma, não houve outra possibilidade à sociedade – representada pelo parlamento – de obter resultado diverso (ROTHEMBURG, 2013).

Em contraponto à opinião de Rotheburg, cabe expor uma observação de outro redator da Revista Consultor Jurídico, que defende que a Lei da Anistia foi interpretada a partir de um processo chamado lento, gradual e seguro de encerramento do regime militar, de modo que foi composta por concessões necessárias por ambas as partes e prejudicaria a boa-fé dos envolvidos a quebra com a segurança jurí-dica da decisão consumada (ROVER, 2014). O projeto de lei, que foi, inicialmente, proposto pelo então Presidente da República João Batista Figueiredo, foi alvo de não menos do que 305 propostas de emen-das, vindas de 134 parlamentares (sendo 26 senadores e 108 deputados). A versão final aprovada não foi a apresentada inicialmente, tendo sido feitas mudanças, por exemplo, no sentido de incluir os conde-nados e acusados de crimes de terrorismo, que antes estavam excluídos. Conclui-se, portanto, que as alterações da redação do texto vieram em favor dos exilados políticos e, então, criminosos civis, não dos agentes de Estado responsáveis pela repressão (BASTOS, 2009).

Ainda nesse sentido, disse o ex-Ministro da Justiça e atual integrante da Comissão Nacional da Verdade que, muito embora ele acredite na necessidade moral da revisão da Lei da Anistia, os crimes co-

26 Existe apenas em casos de guerra declarada.

27 Que pode ser compreendida, nesse contexto, como a opinião de autores e experts da área.

28 Por ora, é suficiente a informação de que a questão da constitucionalidade da Lei da Anistia já foi julgada pelo STF e ela foi avaliada como constitucional.

29 Conjunto de decisões da Corte em questão.

30 Pode ser compreendida, a partir do art. 5º, XXVI da CF (BRASIL, 1988), que o que foi decidido uma vez, não pode ser modificado. Há exceções com relação a decisões da Constituição, mas o debate não se faz pertinente no presente contexto.

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metidos há, aproximadamente, cinquenta anos não podem mais serem julgados em razão da prescrição (ROVER, 2014). Esta impossibilidade de serem julgados fatos ocorridos, que encontra tutela no art. 107, inciso IV do Código Penal31, é um dos objetos de maior polêmica dentro da matéria da constitucionali-dade da Lei 6.683, já que envolve o reconhecimento ou não dos delitos como sendo os Crimes Contra a Humanidade ou crimes comuns domésticos (BASTOS, 2009).

Neste aspecto, deve-se considerar a discordância da doutrina, fundamentalmente, a que prega a não-obrigatoriedade do Brasil obedecer às regras internacionais em prejuízo de seu direito interno, pois, ao seguir essa linha, como não estão previstos tais crimes na legislação doméstica32, não poderiam ser reconhecidos. É, logo, clara a falta de acordo entre os juristas no tocante a tal matéria – o que é, frisa-se, bastante comum quando se trata de interpretação constitucional.

3.3. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMEN-TAL (ADPF) 153

Primeiramente, cabe explicar o que é uma ADPF. Trata-se de um tipo de instrumento de controle de constitucionalidade que tem como objeto os atos do Poder Público que violem ou ameacem violar algum preceito fundamental da Constituição33. Ela pode ser, assim como todos os controles constitucio-nais, repressiva (posterior à lei) ou preventiva (anterior à lei) (LENZA, 2011).

A ADPF possui previsão constitucional no artigo 102, § 1º da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Cons-tituição, cabendo-lhe:

§ 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente des-ta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (BRASIL, 1988)

Como se sabe, entre os anos de 1964 e 1985 o Brasil vivenciou sérias e sistemáticas violações aos direitos humanos34, a exemplo do que aconteceu na chamada Guerrilha do Araguaia, na qual dezenas de pessoas desapareceram após confronto com os militares. O Estado Brasileiro perdoou os agentes en-volvidos, renunciando ao direito de punir esses e outros delitos por meio de concessão de anistia geral e irrestrita35, concedida em 1979, em um congresso ainda controlado por alguns agentes da ditadura. (VICENTINO, 2010)

Em 2009, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou, no Supremo Tribunal Federal, a chamada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153 (ADPF 153), questionando a anis-tia concedida a policiais e militares representantes do Estado que, durante a ditadura, praticaram atos de tortura, pois a Lei da Anistia concedeu perdão político a crimes “de qualquer natureza” por motivação política. A OAB fez um pedido de interpretação dessa lei ao STF de modo a considerar que esse perdão não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes públicos, tais como homicídio, sequestro, lesões corporais, estupro, abuso de autoridade e etc.

Sustenta, a ADPF, que os agentes públicos que torturaram ou cometeram outros crimes com suas vítimas- principalmente opositores políticos- não praticaram os delitos políticos previstos nos dispositi-vos de outras leis. Tratar-se-ia, na verdade, de atos que não guardam qualquer conexão com o perdão, o

31 Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:IV - pela prescrição, decadência ou perempção (BRASIL, 1940).

32 Vale acrescentar, ainda, que não estão escritos em tratados internacionais a definição de Crimes contra a Humani-dade, estando, por ora, previstos no chamado Direito Costumeiro. Ambos têm, em tese, o mesmo peso perante os países.

33 Qualquer norma que seja essencial à Constituição, fundamental.

34 Infelizmente, é comum que os Direitos Humanos sejam violados em regimes de exceção, e por isso, ao longo do tempo, a legislação internacional construiu um aparto de proteção a eles. A Declaração Universal dos Direitos Hu-manos (1848) foi um marco no seu processo de globalização da proteção, e serviu de base para os diversos pactos eu surgiram depois. A partir daí, o movimento pela proteção aos direitos humanos ampliou-se e passou a ser, também, convencionado entre regiões como na Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), e, finalmente, na Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (1981) (COMPAR-ATO, 2010).

35 A anistia brasileira constituiu-se a partir de um ato político por meio do qual o Poder Legislativo extinguiu a punibilidade de todos os atos praticados durante os anos de 1961 e 1979, tanto delitos políticos quanto os de qualquer natureza conexos com estes. A norma foi promulgada em agosto de 1979 (Lei nº 6.683/79).

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que a Ordem classifica como “aberrante desigualdade não observada pelos legisladores à época”.

Os pontos levantados na petição que deu origem à ADPF153 questionavam a recepção da Lei de Anistia pela Constituição de 19988 e a interpretação ampla que lhe fora dada. Dessa forma, buscava afastar a mencionada norma da mera interpretação literal para possibilitar uma análise sob enfoque constitucional (COMPARATO; MONTEIRO, 2008).

No entanto, o presidente da OAB, Cezar Britto, reconhece que a revisão da Lei de Anistia implica-ria uma reabertura na investigação dos casos de tortura:

A Lei da Anistia diz especificamente que os crimes políticos e conexos estavam anistiados. Não a tortura. Tortura é crime de lesa-humanidade. Em sendo assim, ele é imprescritível e não se confunde com crime político (BRITTO, OAB, 2009).

Portanto, Britto refuta a tese de que, por tortura não ser tipificada à época como crime, de que poderia ser praticada: sustenta que a tortura fere o princípio supremo da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) além da proibição de tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III CF).

Quando se trata de crimes contra a humanidade, entendo que não é possível a anistia e que a prescrição também não é possível. Há a primazia do direito penal internacional sobre o direito local sempre quando o país que estamos falando faz parte do sistema internacional de Justiça, como o caso do Brasil (GARZÓN, 2008).

Em 2010, porém, por 7 (sete) votos a 2 (dois), o STF decidiu por não anular o perdão dado aos re-presentantes do Estado que cometeram tais crimes àquela época, julgando o caso improcedente. O voto vencedor foi o do Presidente da Corte, Cezar Peluzo, que destacou seis motivos para votar pela impro-cedência do caso, sendo estes: i. a interpretação da anistia aos crimes políticos é estendida aos conexos (crimes comuns), pois versaria a lei sobre crimes “de qualquer ordem” e que, portanto, sua recepção não é inconstitucional36; ii. o texto normativo em discussão não ofende o princípio da igualdade, pois o per-dão seria dado tanto aos participantes do regime quanto aos opositores desse que tivessem cometido os crimes; iii. não está caracterizado o “direito à verdade histórica”, pois isso poderia ser atingido sem a modificação do entendimento da lei; iv. a Lei de Anistia foi um acordo37 de legitimidade e aceitação social e política à época; v. não se trata de um caso de “autoanistia” como relata a OAB, pois a lei é fruto de um acordo Legislativo; e vi. por último, não haveria qualquer repercussão prática no caso, pois todas as ações já estariam prescritas38, já que a lei foi sancionada há mais de 30 anos (STF. ADPF 153).

Ainda em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos39, em uma ação proposta pe-los familiares das vítimas da Guerra do Araguaia40, determinou que a lei deveria ser revogada por estar em desacordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos41, tendo sua obrigatorie-dade amparada pela Convenção de Viena de 196942. Ainda assim, o Estado Brasileiro não cumpriu

36 Os Ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto divergiram do voto da maioria e este último afirmou, inclusive, que a EC nº 26 (emenda constitucional que recebeu a Lei da Anistia na Constituição Federal de 1988) foi tão somente o ato precário e efêmero que convocou a Assembleia Nacional Constituinte, não possuindo qualquer efeito que a vincule.

37 Em seu relatório Peluzo diz que não há de se falar em não recepção da Lei, pois ela já teria sido validada pela Emenda Constitucional nº 26.

38 A prescrição, ainda que se possa barrar a punição de alguns desses crimes, a responsabilidade de processar e julgar permanece nos casos de desaparecimento forçado ocorridos no período. Esse crime possui natureza perma-nente, pois permanece em execução até que seja conhecido o paradeiro da vítima ou de seus restos mortais, o que impede a contagem do prazo prescricional. A Corte Interamericana manifestou-se quanto a isso confirmando que não cabe impedimento da punição dos autores dos crimes de desaparecimento forçado (CIDH, 2010, § 257).

39 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão judicial autônomo, com sede na Costa Rica, cujo propósi-to é aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros tratados de Direitos Humanos. O país está submetido desde 1998 à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão contencioso, na qual discutem-se eventuais violações estatais aos direitos e liberdades previstos na Convenção (GOMES; MAZZUOLI, 2011).

40 Os familiares relatam que não queriam apenas a punição dos acusados, bem como descobrir onde se encontram os restos mortais dos seus parentes que, mesmo depois de anos, nunca foram achados.

41 A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) ou Pacto de San José é um tratado internacional, especial-izado em direitos humanos. Entrou em vigor em 1978, sendo que o Brasil ratificou ambos os protocolos do tratado (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA, 1978).

42 A Convenção de Viena de 1969, que em 2009 foi ratificada pelo Brasil, e diz que os contratos internacionais firma-dos devem ser cumpridos, e que o país não pode usar de sua lei interna como meio de não cumpri-los. Entretanto, há uma forma de o país não cumprir o pacto: a denúncia (manifestação unilateral de vontade, pela qual o país decide deixar de fazer parte do acordo) (MAZZULI, 2006).

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a sentença da Corte, pois o STF resiste em reconhecer a obrigatoriedade do cumprimento da deci-são43. Em 2013 criou-se a Lei de Acesso à Informação e a Comissão Nacional da Verdade44 a fim de apurar os fatos históricos acontecidos. No entanto, pouco se fez em relação ao âmbito penal. A recomendação da ONU ao Brasil é de que não se deixe impune tais crimes cometidos à época, opinião essa embasada na defesa dos direitos humanos e no princípio de cumprimento dos pactos internacio-nais dos quais o Brasil é signatário.

Quanto aos funcionários públicos ou agentes do Estado que cometeram violações dos direitos do Pacto que se refere o presente artigo, os Estados Parte interessa-dos não podem eximir os autores de sua responsabilidade jurídica pessoal, como ocorreu com certas e anteriores 45imunidades e indenizações legais. Além disso, nenhum cargo oficial justifica a imunidade legal às pessoas que podem ser respon-sáveis por essas violações (COMENTÁRIOS GERAIS, ONU, 2004).

Em 2011, o Conselho de Segurança da ONU publicou informes a fim de analisar o Estado de Di-reito e a justiça nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos. No documento, o Conselho reafirma a necessidade de rejeição às formas de perdão aos responsáveis por genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou graves violações dos direitos humanos, para garantir o pleno desenvolvimento de um Estado de Direito (ONU, 2011).

No ano de 2010, a Corte, em julgamento, afirmou que o Estado que incentivar a impunidade de violações aos direitos humanos por meio de leis internas está descumprindo seu dever de garantir às pessoas que se encontram sob sua jurisdição o livre exercício de seus direitos. O respeito às liberdades e direitos individuais é obrigação de todos os Estados amparados pela Convenção, segundo dispõe o capítulo I em seu art. 1º:

1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pes-soa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra nature-za, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. (CADH, 1978)

Outro caso relacionado às atrocidades cometidas no Brasil, entre 1964 e 1985, é a ação de Gomes Lund e outros v. Brasil, que tramitou em Cortes Internacionais e foi julgado em 2010 pela Corte Intera-mericana de Direitos Humanos. Na decisão, a CIDH entende como inválida a Lei de Anistia, e condena o país a revogá-la, além de determinar investigações da verdade e punição dos responsáveis pelos crimes de lesa-humanidade cometidos durante o período de ditadura militar, principalmente na Guerrilha do Araguaia.

Apesar da decisão, o Supremo Tribunal Federal não aplicou a revogação, e ainda declarou que a decisão do órgão não prejudica46a que foi tomada pouco antes pelo Tribunal, pois a decisão serviria apenas como conselho moral –o que, na prática, não surtirá efeitos. O voto de Ayres Britto, vencido no julgamento da ADPF 153, concorda que a decisão do STF prevalece, porém pontua que ela prejudica a imagem do Brasil perante os organismos internacionais, bem como frente aos demais Estados que cum-priram suas obrigações internacionais, revogando as leis de anistia (GOMES; MAZZUOLI, 2011)

A decisão da Corte declarou que a Lei de Anistia brasileira contraria a Convenção Americana em seus artigos 3º, 4º, 5º e 7º (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integri-dade pessoal e à liberdade, respectivamente) e não possui quaisquer efeitos jurídicos quando impede a persecução penal nos casos de graves violações dos direitos humanos. Também determinou que o Estado brasileiro proceda na busca dos restos mortais das vítimas do Araguaia, conceda indenizações e tratamento psicológico para os familiares, organize cursos sobre direitos humanos dentro da Forças

43 Não há decisão pacífica quanto à real função que os pactos internacionais desempenham nos países ou sua di-mensão.

44 A condenação do Brasil pela Corte Interamericana no caso Guerrilha do Araguaia diz que se reconhece o direito à verdade das vítimas. O direito à verdade dos fatos e a promoção da memória das vítimas foram prestigiados com a criação da Lei de Acesso à Informação e a instituição de uma Comissão Nacional da Verdade. Elas têm o papel de reconstituição histórica e contribuem para a publicação do que realmente aconteceu à época da Ditadura.

45 No caso Velásquez vs. Honduras, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1988, foi reconheci-do que o Estado Hondurenho havia infringido a CADH, por ofender a integridade e a liberdade dos seus cidadãos no governo ditatorial. Nesse caso houve investigações e a aplicação de sanções, bem como se declarou o direito de os familiares receberem indenizações e de saberem a verdade sobre os fatos ocorridos (CIDH, 1988).

46 O órgão exerce o chamado controle de convencionalidade, que analisa as leis e decisões de âmbito interno segun-do os critérios determinados pela Convenção.

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Armadas, tipifique o delito de desaparecimento forçado e incentive a propagação da informação sobre o ocorrido na Guerrilha e durante a ditadura militar no país. Além disso, o Brasil foi condenado a investigar e punir os autores dos delitos, conforme dispôs a Corte:

O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspon-dentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequên-cias que a lei preveja (CIDH, 2010).

Países como Argentina, Chile e Uruguai, também signatários da Convenção Americana de Direi-tos Humanos, já reavaliaram suas leis de anistia segundo as diretrizes estabelecidas no âmbito da Corte Interamericana. Atualmente trabalham no julgamento das violações ocorridas e na promoção da me-mória e da verdade, rompendo com seu passado autoritário e aproximando-se dos ditames consagrados no direito internacional47 (WOJCIECHOWSKI, 2013).

4. BLOCOS DE POSICIONAMENTO

O PT (Partido dos Trabalhadores) foi fundado durante o período da ditadura militar, em 10 de fevereiro de 1980, pelo líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Esse partido emergiu da luta contra as injustiças existentes no país, protagonizada por trabalhadores da cidade e do campo, militantes de es-querda, intelectuais e artistas. Na esquerda do espectro político, o partido é hoje detentor da Presidência da República.

Com uma pauta fortemente ligada à defesa e à promoção dos direitos humanos, o partido tem na imagem da presidenta Dilma Rousseff, perseguida e torturada durante o regime militar, a cristalização do combate aos horrores advindos da ditadura. Em documento divulgado em maio de 2014, que traçava as diretrizes do Partido dos Trabalhadores para o programa do governo Dilma, o PT defende a revisão da Lei da Anistia para punir agentes de Estado que praticaram crimes durante o período da ditadura militar. Para o partido, a punição desses crimes, bem como a atuação da Comissão Nacional da Verdade caminham no sentido de impedir a continuidade dessas práticas nas Forças Armadas e de segurança, na justiça e no sistema prisional, na criminalização dos movimentos sociais e na discriminação contra camadas populares (FOLHA DE S. PAULO 2014a).

Já o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) é o sucessor do Movimento Demo-crático Brasileiro – o MDB, partido de oposição ao regime militar de 1964 –, e hoje é o maior partido político brasileiro. Devido ao seu grande número de atores na política brasileira, o PMDB é caracterizado pela sua heterogeneidade frente a temas polêmicos, incluindo desde políticos conservadores a liberais, direitistas a esquerdistas. Assim sendo, pode-se dizer que sua orientação política geral é centrista. No Senado Federal, faz parte da situação – ou seja, do grupo de partidos políticos aliados ao partido do Presidente da República, o Partido dos Trabalhadores48.

O PDT (Partido Democrático Trabalhista) foi fundado em 1979 por trabalhistas no exílio em Por-tugal, liderados por Leonel Brizola, o PDT é um partido de centro-esquerda. Apesar de constituir legenda de apoio ao atual governo, o partido possui suas ressalvas a algumas pautas defendidas pela situação – dentre elas, a própria revisão da Lei da Anistia. Recentemente, o presidente do PDT, Carlos Lupi, ao formalizar o apoio partidário à reeleição de Dilma Rousseff, deixou clara sua não concordância com a revisão. Para ele, é preciso ter muito cuidado com tal proposta, a qual, se concretizada, poderia se tornar uma verdadeira “caça às bruxas” (ESTADÃO 2014).

47 Quanto aos tratados internacionais, no STF predomina o entendimento de que: a) os tratados internacionais não podem versar sobre matérias reservadas pela constituição à lei complementar, sob pena de serem inconstitucionais; b) todos os tratados são subordinados à Constituição; c) os tratados internacionais que não versarem sobre direitos humanos possuem paridade hierárquica com as leis ordinárias, conforme o artigo 59, III da Constituição Federal de 88; d) os tratados que versarem sobre direitos humanos que não foram ou que nem forem, aprovados na forma estabelecida pelo art. 5, § 3º da CF/88, serão hierarquicamente superiores às leis ordinárias, apesar de não se ter, ain-da, uma decisão do pleno do STF neste sentido, e e) os tratados que versarem sobre direitos humanos e que forem aprovados na forma estabelecida pelo art. 5, § 3º da CF/88, serão equiparados a emenda constitucional, e terão assim, hierarquia de norma constitucional. Ou seja, os tratados admitidos pelo Brasil que versarem sobre direitos humanos têm força constitucional, enquanto aqueles que não versam sobre direitos humanos possuem natureza “supralegal”, ou seja, estão em patamar intermediário entre a constituição e as demais leis, e seu trâmite para aprovação e conse-quente integração do ordenamento jurídico brasileiro é o mesmo das leis ordinárias.

48 A aliança entre PMDB e PT é tal que a atual Vice-Presidência da República é ocupada por Michel Temer, presidente do PMDB.

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Quanto ao PP (Partido Progressista), suas origens remontam ao período da ditadura militar. O PP descende do Partido Democrático Social (PDS), legenda que era situação ao governo militar e que acabou enfraquecendo com o processo de redemocratização do país. Minado por crises internas, o PDS sofreu divisões e fusões, que, enfim, contribuíram em 2003 para a formação do Partido Progressista. Situado à direita no espectro político, o partido diverge consideravelmente da legenda da qual faz par-te – de situação ao atual governo –, e é conhecido por sua postura conservadora. Figuras de peso no partido, como a do deputado federal Jair Bolsonaro (PP/RJ), defendem a legitimidade do regime militar brasileiro, o que impede que a iniciativa de revisão da Lei da Anistia, tal como é apresentada, ganhe a concordância dos membros do partido.

O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) é um partido de orientação marxista e com forte atua-ção nos meios sindicais e estudantis, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), fundado em 1962, é um partido de esquerda e extrema-esquerda que dá base de sustentação ao governo Dilma. No objetivo de fomentar uma revolução socialista, e inspirado nas experiências vitoriosas da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa, foi o partido responsável por empreender o movimento da Guerrilha do Araguaia, duramente combatido pelas Forças Armadas. Nos últimos anos, o PCdoB tem sido um forte defensor da revisão da Lei da Anistia, entendendo que o fato de a anistia ser concedida tanto a torturados quanto torturadores foi um erro histórico que deve ser corrigido (PCdoB).

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi criado sob os pilares da social democracia em 1988, e, nas mãos de Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e Franco Motoro, foi peça chave no processo de redemocratização e modernização do Brasil nos anos 1980 e 1990. Constituindo, hoje, o maior partido político de oposição ao atual governo, o PSDB é normalmente colocado na centro-es-querda do espectro político. Há, no entanto, duras críticas a medidas consideradas neoliberais – espe-cialmente as excessivas privatizações promovidas no governo FHC – e conservadoras – como a pro-posta de redução da maioridade penal – adotadas pelo partido, as quais o afastariam dessa orientação política (FOLHA DE S. PAULO 2014b).

No tocante à revisão da Lei da Anistia, o partido tem mantido posição contrária ao projeto. De acordo com Aécio Neves, senador mineiro e presidente do PSDB, “a Lei da Anistia foi um pacto feito em determinado momento” e não há razão “para que seja alterada neste instante” (GAZETA DO POVO 2014).

O Democratas (DEM) foi fundado em 2007, em substituição ao Partido da Frente Liberal (PFL), o Democratas segue as ideologias do liberalismo econômico e do conservadorismo liberal. Considerado de centro-direita/direita, o DEM é atuante na oposição ao atual governo. Quanto ao tópico da Lei da Anistia, manifesta-se contra sua revisão, sob o fundamento de que a Lei trata-se de um patrimônio conquistado por todos os brasileiros, e que seus dispositivos não podem ser descartados, muito menos revogados (CONGRESSO EM FOCO 2010).

O Partido Socialista Brasileiro (PSB), sob a ideologia do socialismo democrático, foi fundado em 1947 e é hoje um dos partidos de esquerda mais expressivos da política brasileira. Extinto com o AI-2 em 1965, foi recriado em 1985, com o restabelecimento democrático (PSB). Ao contrário dos outros partidos políticos, o PSB tem a preferência por manter sua neutralidade, não se declarando nem da oposição, nem da situação ao atual governo.

No tema da revisão da Lei da Anistia em questão, destaca-se o papel de Luíza Erundina (PSB/SP) na Câmara dos Deputados. Desde 2011, Erundina defende a aprovação pelo Congresso de seu Projeto de Lei 573/11, que exclui do rol de crimes anistiados após a ditadura militar aqueles cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, efetiva ou supostamente, praticaram crimes políticos. A deputada acredita que a aprovação do Projeto é fundamental para que o processo de redemocratização seja completo (CÂMARA DOS DEPUTADOS 2014).Ressalta-se, no entanto, que a posição do partido está longe de ser homogênea quanto à problemática. Na corrida presidencial de 2014, por exemplo, a candi-data à Presidência da República pelo PSB, Marina Silva, declarou ser contrária à revisão da Lei (G1 2014a).

O PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) foi criado em 2004, marcadamente sob a ideologia marxista, e costuma fazer oposição de esquerda aos governos e à maior parte das políticas que se mani-festam no Congresso. Nos últimos anos, o PSOL tem assumido a dianteira na defesa de diversas pautas progressistas, dentre elas o casamento civil igualitário, a criminalização da homofobia e da transfobia, a taxação de grandes fortunas e a legalização do aborto (PSOL).

É de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) o Projeto de Lei que prevê a revisão da Lei da Anistia. O projeto aprovado acaba com o perdão aos crimes cometidos por “agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de qualquer forma, se opunham ao regime”, bem como extingue de forma retroativa a prescrição desses crimes (G1 2014b).

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5. CASOS PRÉVIOS DA CIDH

Caso “Barrios Altos v. Peru”: o chamado Massacre de Barrios Alto se deu em Lima, no Peru, na região entitulada “Barrios Altos”. O que se presenciou no incidente occorrido em 1991 foi a chacina de quinze pessoas, entre elas crianças, por um grupo que mais tarde viria a se entitular “Grupo Colina”, um esquadrão da morte de inteligência militar formado por membros das Forças Armadas do Peru. Após o acontecido, apurou-se se tratar de um grupo “anti-terrorista” que ali estava afim de eliminar os rebeledes opositores, que realizavam reunião em um local próximo de onde se sucedeu a chacina. Os assassinatos se tornaram um símbolo das violações de direitos humanos cometidos durante a presidência de Alberto Fujimori (1990-2000), que interpôs diversos obstáculos para a realização da investigação da barbárie, como constantes fechamentos do Congresso peruano, inclusive culminou com a anistia do grupo mi-litar acusado e dos rebeldes que supostamente conspiraram contra o governo. Com a saída de Fujimori do poder, o caso foi reaberto e levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Lei da Anistia do Peru restou revogada e, em agosto de 2001, o Estado do Peru foi condenado a pagar US$ 3.3 milhões (3,3 milhões de dóllares) como indenização às vítimas sobreviventes e às famílias dos mortos. O caso também pôde ser revisado pela Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru após a queda de Fujimori em 2000, e ocasionou a extradição do ex-presidente de volta para o Peru.

Caso Gomes Lund v. Brasil: esse caso foi interposto frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos tendo em vista as atrocidades cometidas pelas autoridades brasileiras a fim de aniquilar a Guerrilha do Araguaia. O movimento se dava na Amazônia e foi criado pelo Partido Comunista do Brasil e tinha como objetivo propagar uma revolução socialista, inspirado no sucesso da Revolução Cubana. A tropa militar, ao chegar na região do Araguaia, onde se localizava a guerrilha, coagiu os moradores locais a indicarem a localidade do grupo comunista,os ameaçando e torturando. De outubro de 1973 a outubro de 1974 se formou uma verdadeira caçada humana pelos guerrilheiros, que tentavam fugir por sua sobrevivência. A tropa militar se ocupou de aniquilar primeiro as lideranças, e depois prosseguir com o extermínio de cada um dos guerrilheiros, que foram presos e executados, ou simplesmente fuzi-lados. Em 1975, as Forças Armadas deram início à “Operação Limpeza”, ou seja, à ocultação de todos os fatos acontecidos no Araguaia, diante da política de sigilo absoluto determinada pelo governo militar. O objetivo era apagar os rastros do extermínio e dos corpos deixados para trás, enterrados pela selva. Aproximadamente 60 guerrilheiros haviam sido mortos, sendo que a maioria deles foi assassinada após captura e tortura. Tendo em vista tais fatos, em 2008 foi interposta ação perante a Comissão Interameri-cana de Direitos Humanos acusando o Estado Brasileiro de omissão quanto à investigação sobre os fatos ocorridos na Guerrilha do Araguaia, por violação ao dever de apuração do desaparecimento forçado das vítimas e de seus restos mortais. Concluiu-se pela reconstrução da memória das vítimas da Ditadura Mi-litar brasileira; aplicando-se a punição dos autores dos crimes e reparação civil por meio de indenização por danos morais e materiais; destacou-se a necessidade de medidas de prevenção a atos violadores aos direitos humanos. A fim de basear sua decisão, a CIDH realizou controle de convencionalidade da legislação brasileira, concluindo pela incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Bem como restou incompatível a decisão do Supremo Tribunal Federal na Argui-ção de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153 com o Estatuto da referida Corte, já que o STF teria admitido a constitucionalidade da anistia aos agentes estatais responsáveis por graves violações aos direitos humanos durante o regime de exceção brasileiro. Baseou-se, também, a decisão no artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, que diz que os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais, já que vinculam todos os seus poderes e órgãos, e esses têm o dever de garantir o cumprimento do convencionado e seus efeitos no plano de seu direito interno.

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COMITÊ 215

ASSEMBLEIA GERAL DA UNIÃO AFRICANA

Presença de Potências Extrarregionais no Continente Africano: a exploração de recursos

energéticos e minerais

Amabilly BonacinaGraduanda do 4º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Eduarda Lanes RochaGraduanda do 4º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Katiele Rezer MengerGraduanda do 6º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Leonardo Albarello WeberGraduando do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Marília Bernardes ClossGraduanda do 8º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Rafaela Pinto SerpaGraduanda do 6º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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216 UFRGSMUNDI 2015 ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.215-245

Nascida da vontade das nações africanas em acelerar o processo de integração do continente, a União Africana (UA) representa um grande espaço de emancipação e empoderamento para os países da África. A organização, que hoje conta com 54 países africanos, é exemplar na condução de missões de paz em conjunto com a ONU, já tendo inclusive conduzido missões próprias, sem a participação das Nações Unidas, apenas com sua aprovação.

A União Africana surgiu em 2002, fruto de sua predecessora, a Organização da Unidade Africana (OUA), que foi fundada em 1963 no contexto da guerra fria e na época em que eclodiram boa parte dos movimentos de independência da África. A OUA cumpriu sua função como primeiro mecanismo de integração de todo o continente; todavia, começou a perder a efetividade à medida em que não conse-guia evitar os inúmeros conflitos que ocorriam na África e tampouco promover seu desenvolvimento efetivo. Assim, percebendo a necessidade de repensar sua unidade, os membros da OUA se engajaram em construir uma organização que representasse de fato os anseios da África do século XXI, que havia se libertado do apartheid1 e do neocolonialismo2 e agora buscava fortalecer seu processo de integração e de desenvolvimento socioeconômico para, assim, garantir as condições necessárias que permitam ao continente desempenhar um papel relevante na economia global e nas negociações internacionais.

Figura 1: O continente africano

A UA se organiza em diversos órgãos cujas competências envolvem múltiplos setores, tais como: segurança, política, infraestrutura, economia, educação, recursos humanos, ciência e tecnologia, entre outros. A Assembleia Geral da União Africana, órgão supremo da UA, é o espaço que determina as ques-tões mais amplas e que envolvem direta ou indiretamente todos os membros da União Africana. Uma

1 Regime de segregação racial promovido, entre 1948 e 1994, na África do Sul, por uma minoria branca que coman-dava o partido nacional (DICIONÁRIO ESCOLAR DE LÍNGUA PORTUGUESA, 2008).

2 Nome dado ao processo de dominação política e econômica executada por potências capitalistas nos séculos XIX e XX sobre países subdesenvolvidos da África e da América (COTRIM, 2012)

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vez por ano, acontecem as reuniões ordinárias da Assembleia Geral, que contam com a presença dos chefes e chefas de Estado dos 54 países e que têm todas as decisões tomadas por consenso. Quando este não é atingido, vota-se novamente os documentos, buscando então uma aprovação de dois terços dos presentes. Durante as reuniões, cada país tem direito a um voto com valor igual aos demais, poden-do também abrir mão de votar (UACOMISSION, 2015).

Nesta reunião ordinária do ano de 2015, será debatida a exploração de recursos energéticos e minerais no continente africano. As discussões devem visar a formulação de normas e diretrizes que regulamentem essa exploração, focando no papel do Estado em gerir os recursos e investir os lucros em melhorias para a população, e na participação de potências estrangeiras nesses processos.

1. HISTÓRICO

1.1. A EXPANSÃO MARÍTIMA NA ÁFRICA E A EXPLORAÇÃO DOS RE-CURSOS MINERAIS

Os processos de ocupação territorial, de exploração econômica e de domínio político, desempe-nhados por potências extrarregionais3 na África, iniciaram-se no século XIV, devido à expansão marítima europeia. A princípio, o expansionismo europeu no continente africano teve como objetivo encontrar rotas alternativas para o Oriente, na medida em que o trajeto pelo Mediterrâneo havia sido monopoliza-do pelas cidades italianas. Posteriormente, o interesse na obtenção de escravos, ouro e marfim também motivou essa expansão (VISENTINI, RIBEIRO e PEREIRA, 2013, p. 29).

A partir do século XIII, ocorreram inúmeras batalhas para delimitar algumas fronteiras na Europa, e dentro dessas fronteiras o Estado4 surgiu como uma organização política centralizada (FAUSTO, 1995, p. 20). As Grandes Navegações só foram possíveis após a formação dos Estados Nacionais porque a cen-tralização do poder político tornou viável a organização da complexa estrutura exigida para realizar este empreendimento, disponibilizando os recursos financeiros e materiais necessários. O país que tomou a frente dessa expansão foi Portugal, visto que o Estado português, em comparação com os outros países do continente europeu, foi formado precocemente (PENHA, 2011, p. 29).

O início do expansionismo europeu na África ocorreu devido à necessidade de encontrar rotas alternativas para o Oriente, que era grande produtor de especiarias valiosas na época, contornando as rotas terrestres que estavam sendo controladas pelos muçulmanos e a rota marítima, do Mediterrâneo, que era controlada pelos venezianos (VISENTINI, RIBEIRO e PEREIRA, 2013, p. 29). Por conseguinte, cou-be aos portugueses, que já possuíam capacidade naval, experiência em navegações e capital, organizar essa expedição. Por mais que o comércio asiático fosse mais interessante do que o africano, a África era estratégica para que Portugal viabilizasse seus projetos de controle marítimo-comercial, além de possuir alguns dos principais elementos comercializados na época, como escravos, cobre, estanho, ferro, ouro e prata. Portanto, Portugal formou entrepostos com propósitos comerciais na costa atlântica do conti-nente, obtendo controle principalmente da Costa do Ouro (atual Gana) e da Costa dos Escravos (atual Benin) (VISENTINI, RIBEIRO e PEREIRA, 2013, p. 31, 32).

A incorporação da África pelos portugueses a um sistema de comércio mundial e dinâmico, do-minado por países como Portugal, Inglaterra e França, permitiu que a Europa viesse a controlar todo o continente. A costa africana, banhada tanto pelo Oceano Atlântico, de um lado, quanto pelo Índico, de outro, se tornou um espaço comercial privilegiado e motivo de disputa entre as potências navais euro-peias (VISENTINI, RIBEIRO e PEREIRA, 2013, p. 33). A penetração europeia na África nessa época foi do tipo pré-colonial, pois tinha apenas um caráter comercial, isto é, não havia ainda a dominação efetiva dos territórios. Contudo, as trocas entre as duas partes eram desiguais, na medida em que os europeus exportavam produtos de baixo custo em troca de mão de obra escrava e ouro (OGOT, 2010, p. 26).

3 Uma potência extrarregional é um Estado ou nação com grandes capacidades econômicas, políticas e militares que não pertencem à região em questão.

4 Estado é uma instituição que está organizada política, social e juridicamente, ocupando um território definido, em que a lei máxima é uma Constituição escrita, e é dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna quanto externamente. No presente guia de estudos, o conceito de Estado será tratado como um sinônimo de país.

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1.2 O IMPERIALISMO5 E A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS NA ÁFRICA

A Segunda Revolução Industrial6, datada da segunda metade do século XIX, marcou o início da maior expansão do capitalismo e de sua consolidação. Diferentemente da Primeira Revolução Indus-trial7, exclusivamente inglesa, nesta, a Europa entrou numa era de disputas político-econômicas entre economias industriais concorrentes (HOBSBAWM, 2003). As economias monopolistas da Europa viram seu desenvolvimento tecnológico, a partir de então, depender de matérias-primas que eram encontra-das não somente no continente europeu. Portanto, era necessária a busca por novas fontes de recur-sos naturais e potenciais novos mercados. O imperialismo europeu, como subproduto dessa rivalidade por mercados e fontes de recursos naturais, a partir desse momento, trouxe consigo a criação de uma economia global única (HOBSBAWM, 2003), que atingia progressivamente os outros continentes, adap-tando-os à nova divisão internacional do trabalho: os países centrais e as regiões periféricas por eles controlados.

A África foi uma das regiões mais intensamente atingidas pelo impacto da ascensão do impe-rialismo como política dos Estados europeus em acelerado desenvolvimento capitalista (PARADA et al, 2013). Em meio à intensa competição pelo controle de recursos naturais africanos, era necessária a criação de regras de ocupação no continente, pois sem ajustes e acordos comuns, as potências coloniais poderiam ser levadas a um conflito generalizado ou a desgastantes guerras regionais. Por conseguin-te, entre 1884 e 1885, foi realizada a Conferência de Berlim, a qual criou parâmetros para a ocupação efetiva da África pelas potências coloniais, e acabou resultando numa “partilha do continente” entre os grandes países capitalistas. Participaram da conferência Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos, Suécia, Áustria-Hungria, Império Otomano, Portugal e Alemanha (HERNANDEZ, 2005).

As decisões da Conferência desconsideraram os direitos dos povos africanos e as suas especi-ficidades históricas, religiosas e linguísticas, fato demonstrado principalmente pelas novas fronteiras geopolíticas africanas aprovadas na Conferência de Berlim, que raramente coincidiram com as da África antes dos portugueses (HERNANDEZ, 2005). Ao final da Conferência, a história e a política africanas pas-saram a ser definidas pela diplomacia europeia (VISENTINI, RIBEIRO e PEREIRA, 2013).

A partir da divisão do continente africano entre as potências capitalistas, a África passou a for-necer, em uma escala muito mais elevada, ouro, diamantes, cobre entre outros metais, para o progresso das indústrias europeias. Agora, o desenvolvimento tecnológico do velho continente passou a depender das matérias-primas encontradas em solo africano. Como exemplo, o motor de combustão8 interna, invenção típica da Segunda Revolução Industrial, foi essencial para a criação dos automóveis, os quais dependiam do petróleo africano, que começava a ser explorado no leste do continente pela Anglo-A-merican Oil Company – empresa Britânica ligada à exploração de ouro na África do Sul –, em especial na Etiópia em 1920 (PURCEL, 2014).

Outro exemplo era o cobre, importante para a nova indústria elétrica, que se encontrava em reservas no Zaire (atual República Democrática do Congo) e na Zâmbia. Havia também uma demanda constante de metais preciosos que, nesse período, transformaram a África do Sul no maior produtor de ouro do mundo (HOBSBAWM, 2003). Desse modo, a minas foram a principal forma de abertura da África pelo imperialismo, pois seus lucros eram suficientemente excepcionais para justificar também a cons-trução de ramais de ferrovias para o transporte dos minérios (HOBSBAWM, 2003). A Companhia Britâni-

5 O imperialismo do final do século XIX foi caracterizado pela dominação dos grandes monopólios (concentração da produção e do capital) e do capital financeiro (fusão do capital bancário com o capital industrial); também pela importância da exportação de capitais, e pela partilha do mundo entre as grandes associações capitalistas, que cul-minou na partilha de toda a Terra entre as grandes potências capitalistas (LENIN, 2011). No imperialismo, percebemos o Estado assumindo o papel de parceiro e inventor econômico no capitalismo mundial, promovendo a expansão violenta e assimétrica em busca de novos mercados e matérias-primas (HERNANDEZ, 2005).

6 A Segunda Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século XIX, envolveu uma série de desenvolvi-mentos dentro da indústria pesada, como as indústrias química (petróleo) e metalúrgica, e principalmente ligados às indústrias de base: aço, ferro e carvão. Esse período marcou também o advento da Alemanha e dos Estados Unidos como potências industriais, juntando-se à França e ao Reino Unido (HOBSBAWM, 1982).

7 A Primeira Revolução Industrial foi gerada pela Revolução Comercial, que ocorreu na Europa entre os séculos XV e meados do século XVIII. Ela teve lugar somente na Inglaterra, e a principal manufatura era a tecelagem de lã, mas foi a produção dos tecidos de algodão o grande indicador das mudanças industriais, evidenciando o surgimento da sociedade capitalista industrial, baseada no sistema fabril (HOBSBAWM, 1982).

8 Durante a Segunda Revolução Industrial é criado o motor de combustão interna, que foi o grande motivador da invenção dos automóveis, ao usar o petróleo ao invés de gás de carvão como combustível.

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ca da África do Sul, por exemplo, dirigida por Cecil Rhodes, foi a primeira empresa de exploração de ouro e diamantes na África do Sul, estendendo o domínio da autoridade imperial britânica sobre todo o país e também sobre Botswana, Zimbábue, Zâmbia, e Malauí (VISENTINI, RIBEIRO e PEREIRA, 2013). Embora fosse uma empresa privada, com finalidades lucrativas, estava investida de poderes comparáveis aos de um governo, podendo firmar tratados, promulgar leis e manter uma força policial. No entanto, a política expansionista da Companhia Britânica da África do Sul culminaria no maior dos conflitos coloniais, a Guerra Sul-Africana de 1899-1902, conhecida também como Guerra dos Bôeres, em que as pequenas repúblicas holandesas de Orange e do Transvaal foram derrotadas e a Inglaterra adquiriu o controle total sobre a África do Sul (HUNT e SHERMAN, 1986).

Figura 2: A partilha da África

Como pode ser percebido, esse novo sistema colonial empregado na África (e também na Ásia) no final do século XIX foi marcado por uma dominação indireta9, na qual as empresas metropolitanas teriam o papel central. Esse sistema é marcadamente anglo-saxão, ainda que outros países europeus, como a França, Holanda e Bélgica, tenham-no implementado em suas colônias.

A quase totalidade do continente africano continuou colônia das potências europeias até a se-gunda metade do século XX. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945), entretanto, acelerou a crise do co-lonialismo e as lutas de libertação nacional, devido, primeiramente, ao enfraquecimento das metrópoles europeias, devastadas pela guerra e incapazes de manter suas colônias. Outra importante consequência da Segunda Guerra para as independências africanas foi o engajamento militar das colônias, devido às batalhas em solo africano, como a batalha pelo norte da África que visava o controle do Canal de Suez e o acesso ao petróleo do Oriente Médio e matérias-primas provenientes da Ásia (ZABECKI, 2000). Por fim, havia a expansão ideológica anti-imperialista encabeçada pelos EUA e pela URSS (as duas superpotên-cias após a Segunda Guerra), que apoiavam a independência das colônias europeias e a autodetermina-ção dos povos, visando estabelecer uma maior influencia nesses países (VIZENTINI, 2000).

O processo de descolonização foi lento e gradual, marcado por diferentes trajetórias de liberta-ção de cada novo Estado Nacional que se formava, devido essencialmente à multiplicidade de povos, conjunturas e contrastes do continente africano: deu-se por um acordo entre a metrópole e a elite local para uma independência gradativa, como o ocorrido na Mauritânia; pela luta fracassada contra a guerrilha revolucionária, como o ocorrido na Argélia; pela exploração, por parte das metrópoles, de di-vergências internas como forma de controlar o processo, como no caso do Congo Belga; ou ainda pelo apoio à facção conservadora na Guerra Civil, como o caso angolano. No decorrer da década de 1960, mais especificamente no ano de 1960, considerado o “Ano Africano”, esse processo se intensificou e mui-tos países europeus concederam independência às suas colônias. Dessa forma, pode-se perceber que

9 A dominação indireta se dá a partir de poderes reais concedidos a companhias nacionais metropolitanas (como a Companhia Britânica da África do Sul), permitindo-lhes exercer o controle administrativo sobre os territórios que lhes eram concedidos e neles cobrar impostos, manter forças de polícia e um sistema judicial privativo, e mesmo criar e manter forças militarizadas (HUNT; SHERMAN, 1986).

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a descolonização africana foi, em grande parte, controlada pelas ex-metrópoles europeias, adquirindo fortes contornos neocolonialistas10 (VIZENTINI, 2000).

1.3. O PÓS-INDEPENDÊNCIAS E A RELAÇÃO COM OS RECURSOS NATURAIS

O período pós-independências marcou a construção dos Estados africanos, embora não tenha colocado fim à influência externa dos ex-colonizadores. Para manter a estabilidade dos novos governos, o apoio estrangeiro foi crucial, facilitando, principalmente para Estados europeus, o controle sobre os recursos naturais, energéticos e econômicos dos novos países (SPOHR, ANDRIOTTI e CERIOLI, 2013); contudo, nem todas as ex-colônias mantinham relações com sua ex-metrópole – a exemplo de Gana, que obteve sua independência de forma menos pacífica. Foi ainda nessa época que de seu a formação da Organização da Unidade Africana: criada em 1963, ela representou até os anos 1970 a autoridade capaz de reunir todos os jovens Estados africanos em um sistema inter-africano que buscasse inser-ção internacional, e capaz de gerir crises como a do Congo (descrita abaixo). Num segundo período (1970-1975) a solidariedade interafricana cresceu e o continente obteve certa autonomia no cenário internacional (VISENTINI, 2010). Como nem todos os Estados concordavam acerca de como deveria se desenvolver o processo de integração do continente no primeiro momento, os países se dividiram basi-camente em dois grupos opostos, o Monróvia (liderado por Costa do Marfim e Senegal, que pregava que a unidade deveria ser alcançada através da gradual cooperação econômica), e o Casablanca (composto por Gana, Egito, Marrocos, Tunísia, Etiópia, Líbia, Sudão, Guiné, Mali e o Governo Provisório da República da Argélia, que pretendia que todos os países se tornassem uma federação).

Em meio ao contexto da Guerra Fria11 e da disputa por áreas de influência entre capitalistas e socialistas, ocorreu o primeiro choque do petróleo (1973)12, que abalou a economia de diversos países africanos. Apesar de o continente contar com grandes reservas petrolíferas – como a da Líbia e a da Angola – não possuía tecnologia para o refino do produto, o que tornava seus países dependentes de importações. O segundo choque do petróleo (1979)13 serviu para desestabilizar ainda mais os países africanos, que já estavam em um círculo vicioso de empréstimos estrangeiros. Uma crise generalizada, então, causou a necessidade dos jovens Estados de recorrerem ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial14 para empréstimos (uma vez que ficou claro que os Estados africanos não conse-guiam reagir de forma mais articulada à crise), aumentando a dependência de órgãos internacionais (VISENTINI, 2010). O aumento da taxa de juros15 estrangeira tornou os empréstimos necessários, porém insustentáveis, levando a uma crise da dívida externa em muitos países do continente, entre 1980 e 1990.

A Nova Ordem Mundial16 dos anos 1990, através de pressões externas, trouxe para a os governos militares e autoritários africanos a necessidade de democratizar as estruturas políticas e liberalizar a economia, facilitando o acesso de empresas multinacionais aos recursos naturais do continente. Desde a época colonial, a economia se pautou em um sistema de commodities17, no qual uma commodity era escolhida e o país se especializava em sua produção e exportação, uma vez que não havia demanda

10 O desligamento das colônias africanas das metrópoles europeias se deu apenas no âmbito político: os países con-tinuaram sofrendo pressões das antigas metrópoles, da guerra fria e de organismos internacionais, e mantiveram a subordinação econômica mundial (VISENTINI, 2012a).

11 Guerra Fria: período da história que abrange desde o pós-Segunda Guerra Mundial até o fim da União Soviética. Foi marcado por tensões entres os blocos socialistas e capitalistas.

12 O primeiro choque do petróleo foi causado por um embargo realizado pelos países árabes, membros da Orga-nização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), contra os EUA e demais países, em repressão ao apoio dado a Israel na Guerra de Yom Kipur em 1973.

13 O segundo choque do petróleo ocorreu pela interrupção da produção iraniana de petróleo, causada pela Rev-olução Islâmica em 1979.

14 O Fundo Monetário Internacional é uma organização internacional criada para promover a cooperação interna-cional, o comércio internacional, o emprego e a estabilidade cambial e o Banco Mundial é a instituição financeira internacional responsável por financiar empréstimos a países em desenvolvimento.

15 A taxa de juros é responsável por medir o nível de lucratividade em um investimento, por exemplo, se ela for muito alta, quem empresta dinheiro vai lucrar muito enquanto quem pegou emprestado terá um valor muito alto a pagar.

16 Nova Ordem Mundial: idealizada por George Bush (pai), surgida após a queda do Muro de Berlim, sinalizava em direção a um mundo capitalista único e estável, caracterizado pela paz, democracia e pela prosperidade (VISENTINI e PEREIRA, 2010).

17 O termo commodity é usado para designar, habitualmente, produtos extraídos da terra, com preço geralmente universal.

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interna para esses tipos de produtos; por isso, os Estados ainda precisavam das demandas ocidentais após a descolonização (SPOHR, ANDRIOTTI e CERIOLI, 2013). A dependência dos preços dessas maté-rias-primas – muito oscilatórios – dificultava a criação de uma reserva financeira e, consequentemente, a acumulação de dinheiro para investimento na indústria nacional. A consequência disso foi a vinda de indústrias dos países centrais, que não absorviam mão de obra local e davam pouco retorno aos Estados africanos (MAZRUI e WONDJI, 2010).

Dentro desse contexto, é importante analisar alguns casos. A África do Sul, onde a segregação ra-cial (apartheid) estava consagrada na Constituição, possuía grande força econômica e estava associada a capitais estrangeiros e a empresas transnacionais (VISENTINI e PEREIRA, 2010). A questão crucial para os europeus era conservar seu monopólio econômico sobre as terras, os recursos minerais, os empregos e serviços sociais (MAZRUI e WONDJI, 2010). Em contrapartida, a OUA, através de seus Estados-mem-bros, sancionou embargos comerciais e diplomáticos a Estados partidários do regime do apartheid, causando comoção internacional para a causa, numa tentativa de pôr fim a essa política de segregação. Sanções também foram criadas pela ONU, mas países como a Grã-Bretanha relutaram em aceitar os embargos, devido ao comércio de minerais. Apesar de ter se caracterizado por um regime isolado, o apartheid manteve-se ativo até 1994, quando a igualdade racial for restabelecida.

Outro caso importante é o da República Democrática do Congo (RDC). A RDC, ex-colônia belga, é um país extremamente rico em recursos naturais – diamante, ouro, cobre, estanho, urânio, zinco e cobalto, além de um solo muito fértil – e herdeiro de uma instabilidade política datada de sua indepen-dência (SPOHR, ANDRIOTTI e CERIOLI, 2013). Entre 1965 e 1997, o general Mobutu SeseSeko assumiu a liderança do país a fim de manter a unidade política e territorial. Entretanto, seu governo foi marcado por corrupção e autoritarismo.

O país tornou-se palco da Guerra Fria. Na visão das grandes empresas norte-ame-ricanas, Lumumba, o primeiro governante eleito diretamente (1960), estava por demais à esquerda. Na pessoa do inescrupuloso Mobutu foi encontrado o defensor ideal dos interesses do Ocidente (RAMME, 2014).

Mobutu desenvolveu uma “economia de roubo” embolsando dinheiro com empréstimos inter-nacionais e furtando das finanças públicas. No período da Guerra Fria, a RDC era uma grande aliada estadunidense18, mas com o fim do conflito, Washington deixou de lado o aliado africano, que passou por uma grande instabilidade política, com a deposição do General Mobutu, e a Primeira e Segunda Guerra do Congo – conflitos separatistas, apoiados por países vizinhos, que aumentaram a presença de missões de paz da ONU no país. Grande parte da motivação dessas disputas tinha relação direta com a exploração de recursos congoleses já citados (RAMME, 2014).

Vale ainda ressaltar dois países, ex-colônias portuguesas, que passaram por longas guerras civis pós-independência: Angola e Moçambique. Angola é um dos maiores produtores de petróleo na África, e, após sua independência tardia, em 1975, os grupos Movimento Popular de Libertação da Angola19 (MPLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola20 (Unita), apoiados respectivamente pela URSS e pelos EUA, lutavam pelo controle político em uma guerra civil. Essa independência tardia foi fruto do controle exercido pelo governo salazarista português, de cunho fascista, que, com a Revolução dos Cravos21 (1974), deixou um vácuo de poder na região – aproveitado pelos países para buscar suas independências (VISENTINI, 2010). Durante a guerra civil, os “diamantes de sangue”22, de proveniência ilegal, foram amplamente explorados, mesmo sendo seu comércio proibido. Após 27 anos de conflitos, encerrados em 2002, o país agora reconstrói sua infraestrutura e sua política, apoiado na renda da ex-ploração de petróleo, tendo que superar desafios como a extrema pobreza e a fome.

Moçambique, por sua vez, conquistou sua independência em 1974, através do grupo Frente de Libertação de Moçambique23 (Frelimo), mas mergulhou em uma guerra civil por 16 anos. O grupo, de

18 EUA era grande importador de metais congoleses, essenciais para o desenvolvimento da indústria tecnológica e que na época eram apenas encontrados nessa região.

19 Movimento Popular de Libertação de Angola: partido político que comanda a Angola hoje, que começou como movimento pela independência do país.

20 União Nacional para a Independência Total de Angola: partido angolano e opositor ao partido do governo. Era também opositor ao MPLA na guerra civil angolana.

21 Revolução dos Cravos (1974) foi o movimento que derrubou o regime salazarista português, restabelecendo a democracia em Portugal.

22 Diamantes de Sangue, segundo a ONU, são diamantes provenientes de áreas conflituosas ou de governos toma-dos por rebeldes. O Conselho de Segurança também considera diamantes de sangue como os extraídos em regiões onde o povo sofre abusos dos direitos humanos.

23 Frente de Libertação de Moçambique: partido político que lutou pela independência do país e que o hoje é situ-

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orientação marxista, foi duramente combatido pelo grupo opositor Renamo24, apoiado por países vizi-nhos (África do Sul e Rodésia25) que não aceitavam o planejamento econômico de caráter mais centrali-zado pelo Estado26. Após sangrentos conflitos e acordos de paz estabelecendo eleições livres, o Frelimo assumiu o governo do país. Apesar de estar ainda se recuperando do período de guerra, a economia moçambicana cresce rapidamente graças às grandes reservas de petróleo e gás natural. Além disso, são esperados muitos ganhos provenientes da exploração de carvão e titânio.

Por fim, tem-se em 2002, a criação da União Africana, que vem a ser a substituta da Organi-zação da Unidade Africana. A OUA, que havia surgido do otimismo de que as instituições regionais eram capazes de promover o desenvolvimento econômico e a estabilidade dos Estados-membros, tinha metas muito amplas (desde questões de defesa de soberania até questões de cunho cultural e social). As tensões entre os grupos Monróvia e Casablanca e a falta de financiamento levaram a organização à decadência. (VISENTINI, 2010). Nesse contexto, surge a UA, para responder aos desafios deixados pela OUA e promover a democracia, os direitos humanos e o desenvolvimento social e sanitário (VISENTINI, 2010). A União Africana também possui autoridade para fazer intervenções nos países-membros, elabo-rar sanções e enviar missões de paz a regiões conflituosas (MELOS et al., 2014). Em suma, tem-se, a par-tir das independências, uma África buscando sua estabilidade e desenvolvimento, buscando soluções africanas para desafios africanos, e em vários casos mantendo os laços com as antigas metrópoles, que aproveitaram para explorar seus recursos naturais. Nesse contexto a África entra no século XXI.

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS PETROLÍFEROS E MINERAIS NA ÁFRICA

Como já foi apresentado na seção anterior, a história da presença de potências extrarregionais na África e a história da exploração de recursos no continente se confundem. O continente africano é extremamente rico em termos de riquezas naturais, e os recursos petrolíferos e minerais destacam-se não apenas por sua grande quantidade, mas pelo seu valor estratégico na África.

O petróleo é um dos principais recursos para o funcionamento do mundo como o conhecemos. Hoje, sua principal função é a de recurso energético, ou seja, como recurso natural que é fonte de ge-ração de energia. Para a construção e manutenção da sociedade moderna, a geração e o consumo de energia são fundamentais: segundo Oliveira (2012), sem energia, o mundo e o sistema capitalista não funcionam, pois sem ela não há comércio, geração de empregos, consumo de produtos, ou mesmo a promoção do bem-estar da sociedade. Além disso, a energia e a posse de recursos energéticos são fatores intimamente ligados ao poder na sociedade. Os países que dominam as fontes energéticas do globo são países com maior capacidade de decisão e poder sobre os demais. Quando se fala neste tipo de questão, há de se destacar que, para a produção e exploração de recursos energéticos, outros fatores devem ser levados em conta, como a infraestrutura necessária para o processo – oleodutos27 e gasodu-tos, por exemplo (OLIVEIRA, 2012).

Assim, percebe-se que o controle das fontes energéticas e da infraestrutura é um fator chave para compreender a distribuição de poder entre os países: a capacidade de obtenção de energia (ou recursos energéticos), muitas vezes, diferencia os países poderosos do mundo, que chamamos de “potências”. Nesse sentido, o petróleo, como principal recurso energético global, é hoje não só fator de poder, mas também alvo de disputa e conflito entre muitos países. Um exemplo disso é que o petróleo foi – e é – fundamental para a hegemonia global dos Estados Unidos, que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, buscam assegurar para si as rotas globais de fornecimento do recurso energético e o acesso às maiores reservas do recurso (OLIVEIRA, 2012).

Após a Guerra Fria, a produção de petróleo aumentou significativamente na África. Na África

ação no governo.

24 Resistência Nacional Moçambicana: partido político que surgiu como opositor ao FRELIMO.

25 Foi Estado não-reconhecido situado ao sul da África no período da Guerra Fria. Existiu de 1965 a 1979.

26 Vale dizer que o caráter mais centralizado Estado se refere ao planejamento da economia pelo Estado, de modo a produzir o necessário sem abundância ou escassez e mantendo o preço estável. As principais decisões econômicas, então, ficavam centralizadas no governo.

27 Infraestrutura que transporta petróleo por meio de dutos.

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Subsaariana, o percentual de crescimento da produção foi de 36% entre 1992 e 2002, enquanto a média mundial foi de apenas 16% (OLIVEIRA, 2007). Estão no continente africano algumas das maiores reser-vas petrolíferas do mundo: 8% das reservas mundiais comprovadas de petróleo e 7% das reservas de gás natural. Exemplos disso são países como Nigéria, Líbia, Argélia e Angola, que têm, respectivamente, a décima, a nona, a décima sexta e a décima sétima reservas de petróleo. Países como Gabão, Nigéria, Angola, República do Congo e Guiné Equatorial têm na exploração, comercialização e venda do petróleo fonte de grande parte do faturamento econômico e do rendimento de sua economia (AFRICAN DEVE-LOPMENT BANK, 2007). Segundo Cheru (2013), cerca de 20 países africanos são importantes produto-res e exportadores de petróleo. Ademais, nos últimos 5 anos, países como Namíbia, Tanzânia, Quênia, Moçambique, Uganda e Libéria estão descobrindo importantes reservas de petróleo em seus territórios.

Na região do Golfo da Guiné28 está a segunda maior concentração global de petróleo, com 3,5% das reservas de todo o globo. Na década de 2000, a região viveu um boom em produção, exploração e exportação de petróleo. Entre 2002 e 2006, os rendimentos econômicos advindos do petróleo mais que triplicaram em países como Angola, República do Congo, Guiné Equatorial, Gabão e Nigéria, enquanto a produção de petróleo subiu 45% acima da média mundial no Chade, na Guiné Equatorial e em Angola (ADB, 2007). No outro lado do continente africano, outros dois países concentram grandes reservas de petróleo: o Sudão e o Sudão do Sul. O Sudão do Sul é o mais novo país do mundo, tendo ganho sua independência em relação ao Sudão em julho de 2011. Antes disso, o Sudão era um dos grandes produ-tores e exportadores de petróleo do continente africano, tendo chego a produzir cerca de 500 mil barris de petróleo por dia em meados da década de 2000 (OLIVEIRA, 2007). Do petróleo também advinha a maior parte das receitas do Sudão, bem como de suas reservas em moedas internacionais. Entretanto, grande parte das reservas de petróleo está concentrada na região que hoje pertence ao Sudão do Sul, próximo à fronteira entre os dois países. Segundo o CIA World Factbook (2014), o país hoje tem cerca de 3,75 bilhões de barris de reservas comprovadas. Por isso, após a separação dos dois países, o Sudão vem passando por uma crise econômica. Além disso, a questão do petróleo e da independência vêm trazendo outros problemas: o Sudão do Sul é um país sem saída para o mar, ou seja, depende da infraes-trutura – portos e oleodutos – de outros países para exportar seu petróleo, especialmente do Sudão (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2014).

Na última década, alguns Estados africanos têm se destacado como importantes fornecedores de petróleo para grandes potências, especialmente para os Estados Unidos. Segundo Beny (2007), o gover-no norte-americano hoje busca trocar suas fontes de importação de petróleo: o objetivo seria desven-cilhar-se e depender menos do petróleo advindo de países do Oriente Médio e importar mais da região do Golfo da Guiné. Em 2012, mais de 25% do petróleo importado pelos EUA já advinha dessa região, principalmente da Nigéria, de Angola e de Guiné Equatorial. Nota-se que a zona do Golfo, nos últimos anos, ganhou uma nova dimensão estratégica ao posicionar-se como uma das principais fornecedoras do recurso energético mais relevante para a maior potência global.

Os recursos minerais, por sua vez, têm significado bastante diferente para a África e para o Sis-tema Internacional. Recursos minerais são elementos químicos que são explorados com algum fim co-mercial e que, geralmente, têm utilidade como matéria-prima. Eles são divididos entre minerais metá-licos, como o ferro, o cobre, o zinco e o chumbo, e minerais não metálicos, como o enxofre, o granito e as pedras preciosas. Os recursos minerais têm importância estratégica crescente na nossa sociedade. Hoje, eles são parte componente de diversos aspectos das nossas vidas, desde latas de refrigerantes até smartphones. Por exemplo, o cobalto é um minério essencial para a produção de baterias, a rocha fosfá-lica (advinda do fósforo) é um fertilizante importante para a agricultura, enquanto o zinco é fundamental para a produção de materiais resistentes ao calor.

No continente africano, estão concentradas 30% das reservas minerais do globo, e lá se produz mais de 60 tipos diferentes de minerais (CHERU, 2013). Os minerais foram, e ainda são, o principal fator de inserção internacional do continente africano, pois os setores extrativistas absorvem grande parte dos investimentos estrangeiros e, consequentemente, grande parte do comércio internacional está aí concentrado (CHERU, 2013). Está localizada no continente africano a segunda maior reserva de bauxita, mineral que é a principal fonte do alumínio do mundo, além de enormes reservas de cobalto, de dia-mante industrial, de manganês e de zinco, entre diversos outros (KPMG, 2013). Segundo KPMG (2013), dos 54 países africanos, 46 têm recursos minerais que são considerados de importância comercial. Além disso, 60 minerais representam cerca de 20% da economia de todo o continente e são a segunda maior fonte de exportação – só perdendo para o petróleo. Ainda segundo KPMG (2013), 80% do valor econô-mico desses minerais advêm de cinco países: África do Sul, líder na produção de platina, principalmente, entre diversos outros minerais; Botsuana, líder na produção de diamante; Gana, líder na produção de ouro; Burkina Faso; e Tanzânia. Além disso, destaca-se a importante produção de platina no Zimbábue,

28 Golfo na costa atlântica da África. Neste guia, compreendemos a região do Golfo da Guiné como a costa do con-tinente que vai da Guiné, ao norte, até Angola, ao sul.

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de urânio na Namíbia e no Níger, de cobre na Zâmbia, de fosfato no Marrocos e de cobre e cobalto na República Democrática do Congo.

Figura 3: Os recursos minerais no continente africano

Fonte: http://tinyurl.com/nkwdxvq

2.2. RECURSOS PETROLÍFEROS E MINERAIS NA ÁFRICA: DÁDIVA OU MALDIÇÃO?

Como foi apresentado, a África é um continente rico em termos de recursos naturais. Entretanto, essa riqueza não se materializa em riqueza e bem-estar para a população dos países africanos, afinal, estão na África alguns dos países mais pobres do mundo. Por exemplo, Comores e Guiné Bissau estão entre os países com os menores Produtos Internos Brutos (PIB29) do mundo, enquanto o Níger, a Repú-blica Democrática do Congo, o Chade, a Serra Leoa, a Eritreia, Burkina Faso, Burundi, Guiné e Moçam-bique estão entre os países com os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos do mundo. Mesmo a Nigéria, país com a segunda maior reserva de petróleo do continente, é ainda hoje um dos 15 países mais pobres do globo.

Pode-se concluir que ter recursos naturais, ainda que importantes e estratégicos, não garante a riqueza de um país. Para muitos autores, como mostra o trabalho realizado pelo African Development Bank (2007), os recursos naturais no continente africano são uma maldição. Afinal, ainda que eles tra-gam uma série de benefícios para os países, como receitas, investimentos, geração de empregos e au-mento do comércio, muitas vezes a lucratividade da exploração dos recursos naturais não é convertida em melhoria na qualidade de vida da população, e há uma série de consequências negativas.

Primeiramente, grande parte dos países ricos em recursos naturais tem sua economia extrema-mente concentrada nos setores em questão. Por exemplo, países como Angola e Nigéria, ricos em re-servas petrolíferas, têm suas economias concentradas entre 80% e 90% nos setores petrolíferos. Ou seja, grande parte dos gastos do governo, dos investimentos e da geração de empregos é nesse sentido. Há consequências bastante graves nisso: por exemplo, Angola, um país com condições climáticas tropicais e favoráveis ao desenvolvimento agrícola, ainda hoje tem de importar comida de outros países – o que torna os alimentos muito caros e faz com que a insegurança alimentar30 seja um problema gravíssimo no país. Muito disto se deve ao relativo abandono de setores da economia do país em função da con-centração no setor petrolífero.

29 O PIB mede toda a riqueza produzida dentro de um país.

30 O termo “insegurança alimentar” refere-se à falta de acesso aos alimentos de uma determinada população.

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A análise pode ser idêntica para outros países que têm seus recursos concentrados nos setores de mineração. Outra consequência bastante séria é a falta de desenvolvimento de indústrias e serviços: quando um país centraliza sua economia nos setores primários31 e não há esforços para o desenvolvi-mento dos setores secundários32 e terciários33, grande parte dos produtos manufaturados ou industriais terá de ser importada. Isso quer dizer que, se um país se especializa em vender gás natural, por exemplo, as máquinas, os computadores e os carros que a população local utilizará terão de ser importados. A isso se dá o nome de dependência: quando um Estado X exporta produtos com menos valor agregado, ou seja, com menos tecnologia e valor de produção “embutido” e, consequentemente, mais baratos, e importa de outro Estado Y produtos mais caros e com mais tecnologia, diz-se que o país X tem uma rela-ção de dependência com o país Y. Finalmente, há de se destacar, como será posteriormente sublinhado, que recursos naturais e conflitos e guerras têm relação bastante complexa.

Por outro lado, há de se considerar que os recursos naturais são importante fonte de capital e investimentos para os Estados africanos. Se bem alocados e administrados, podem ser gerar empregos de qualidade e qualidade de vida para as populações africanas. Essa é uma questão que se relaciona intimamente com a presença de empresas transnacionais, que será debatida posteriormente.

2.2.1. GESTÃO DOS RECURSOS

O modelo de exploração de recursos minerais e energéticos varia em cada um dos 54 países africanos, e, mesmo que boa parte tenha uma produção estatizada34 (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013), quase todos têm algum grau de participação estrangeira nos processos de extração e beneficia-mento dos recursos. Todavia, o papel do Estado não deixa de ser central na exploração, pois é ele que vai negociar com as empresas e é ele que vai transformar os lucros em melhorias na vida da população. Em 2013, o presidente da Associação dos Produtores de Petróleo Africanos (APPA), Gabriel Mbega Obiang Lima, afirmou em seu discurso que “é tempo de os africanos se beneficiarem de seus recursos, em vez de contribuírem apenas para o desenvolvimento de outros continentes” (PANAPRESS, 2013). Ele ainda falou sobre a necessidade de os Estados africanos serem mais transparentes na sua gestão. Segundo um relatório do African Economic Outlook (2013), em uma edição temática sobre Transformação Estrutural e Recursos Naturais, a exploração de recursos minerais na África tem se mantido abaixo do seu poten-cial, enquanto que os recursos têm, muitas vezes, sido mal geridos

A partir disso, compreende-se que há dois grandes problemas na gestão de recursos minerais e energéticos na África: (i) contratos com empresas estrangeiras que envolvem grandes repasses ao ex-terior quase sem contrapartida e (ii) má administração dos lucros pelos governos. Ou seja, o modelo de exploração, majoritariamente, não dá o retorno esperado, por causa de contratos com empresas estran-geiras que muitas vezes não preveem investimentos no país. Além disso, nem sempre o Estado aloca os lucros dessa exploração em setores que de fato melhoram a vida da população. Como já citado, mesmo que haja participação estrangeira em parte de alguns processos de extração de recursos minerais e energéticos, grande parte dos setores de extração de recursos pertence aos Estados e são geridos por eles. Isso resulta em parte de uma percepção, ainda no período em que boa parte das independências ocorreu (entre os anos 1960 e 1970), de que as multinacionais atrapalhavam o desenvolvimento, pois não contribuíam com transferência de tecnologias35 nem repassavam rendas compatíveis ao que lucra-vam (RADETZKI, 2008).

Todavia, este objetivo de ter mais controle sobre os recursos por meio da nacionalização não teve o efeito esperado. Mesmo que, em geral, o lucro do Estado tenha aumentado com a nacionalização, não necessariamente aumentaram os seus investimentos para garantir um desenvolvimento equilibra-do. O que acabou por acontecer foi que, segundo Radetzki (2008), as empresas tornaram-se potências políticas e econômicas com poucos meios de regular e controlar sua produção. Apesar destes proble-mas com a nacionalização, não é garantido que uma exploração privada também vá contribuir para o desenvolvimento dos países. Assim, percebe-se que o mais importante é que haja algum mecanismo de controle sobre os contratos com as empresas, sejam elas estatais ou privadas, nacionais ou, como é o caso da maioria, estrangeiras.

31 Setor primário refere-se às atividades econômicas relacionadas à extração e produção de matérias-primas.

32 Setor secundário refere-se às atividades econômicas relacionadas à indústria e à produção industrial.

33 Setor terciário refere-se às atividades relacionadas a comércio e serviços.

34 Produção sob domínio do Estado.

35 Transferência de conhecimento técnico ou cientifico em combinação com fatores de produção. Pode ser en-tendido como o processo de tornar disponível para indivíduos, empresas ou governos, habilidades, conhecimentos, tecnologias, métodos de manufatura, tipos de manufatura e outras facilidades. O objetivo desse processo é garantir que o desenvolvimento científico e tecnológico seja acessível para um número maior de usuários que podem desen-volver e explorar a tecnologia em novos produtos, processos aplicações, materiais e serviços (INPI).

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Portanto, uma boa opção, segundo ilustra o African Economic Outlook (2013), seria estabelecer períodos de renegociação de contratos, para melhorar a previsibilidade e a transparência dos proces-sos. Também seria interessante que os países operassem seus contratos com base em normas ou leis que garantissem rendas mínimas aos países, independente do que é lucrado pelas empresas, e assegu-rassem uma contrapartida de investimentos e transferência de tecnologias.

A República Democrática do Congo, nesse sentido, aprovou, em 2000, um novo código mineiro e, em 2011, tornou obrigatório por decreto que todos os contratos dos setores do petróleo, da exploração de minérios e da silvicultura fossem publicados. Botsuana, por sua vez, melhorou o setor extrativista por meio da revisão de grandes contratos no setor mineiro (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Ambos os países tiveram ampliação dos lucros e crescimento econômico considerável depois de tais mudan-ças. O que eles têm em comum é o fato de gerirem eficazmente as receitas públicas, implementarem políticas de regulamentação e negociarem contratos mais justos e transparentes. Disso depreende-se que, quanto mais sólida for a estratégia de um país ao fechar um contrato, mais ele poderá ganhar com a extração de seus recursos. Também, para países cuja economia depende de recursos naturais, é central o investimento nas indústrias de base e nas instituições econômicas, as quais vão empreender políticas que vão, na medida do possível, proteger o país da instabilidade do mercado internacional.

2.2.2. CONFLITOS E PROBLEMAS ENVOLVENDO RECURSOS MINERAIS E ENER-GÉTICOS

Recursos minerais e energéticos sempre desempenharam um papel relevante em conflitos envol-vendo países africanos. As rendas oriundas de sua exploração muitas vezes são utilizadas para financiar grupos armados, enriquecer elites políticas e sustentar determinadas estruturas de poder. Como já ci-tado anteriormente, os lucros não são investidos em políticas sociais, o que acaba gerando um desen-volvimento falho e uma estrutura econômica e social frágil, propensa a gerar disputas e tensões que, muitas vezes, ultrapassam as fronteiras e atingem países vizinhos. Além disso, a instabilidade de um país ou região pode servir de entrada para potências estrangeiras que, sob a pretensão de promover a paz, podem intervir convenientemente em territórios ricos em recursos minerais e energéticos. Há, também, disputas entre as potências estrangeiras, que, na maioria das vezes, operam indiretamente, financiando grupos armados para desestabilizar áreas de exploração dominadas por outra potência.

Normalmente, os conflitos envolvem todas ou quase todas essas variáveis: disputa entre elites lo-cais, estrutura econômica e social frágil, presença militar estrangeira e interesses estrangeiros nos recur-sos. Por isso, vamos trazer alguns exemplos de conflitos que corroboram essa análise, e depois vamos discutir meios possíveis de minimizá-los ou evitá-los. Nesse sentido, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), 40% de todos os conflitos internos no mundo dos últimos 60 anos têm sido associados com a exploração de recursos naturais. Na África, apesar de haver uma contínua diminuição dos conflitos internos desde o fim da Guerra Fria, boa parte das instabilidades de países do continente ainda se relacionam com recursos naturais. Um exemplo é a Somália, onde se estima que o comércio ilegal de carvão vegetal represente uma renda anual de até 384 milhões de dóla-res para grupos insurgentes e terroristas. Em Angola, uma das principais regiões produtoras de petróleo do país, Cabinda, tem sido o centro de conflitos entre os habitantes da região, que querem autonomia do governo central; o Estado, no entanto, depende economicamente da região, de extrema relevância para a economia de Angola (CAMPBELL, 2004). Sobre divisões de territórios e recursos naturais, há tam-bém a questão do Sudão e do Sudão do Sul, que até 2011 eram um só país, e depois de mais de 20 anos de guerra civil, tornaram-se nações independentes. Todavia, enquanto no Sudão do Sul estão a maior parte das reservas de petróleo do país (cerca de 75%), no norte estão as refinarias. Essa configuração tem resultado em muitos tensionamentos entre ambos os países, mesmo após o acordo de independência (WELLE, 2014).

É válido destacarmos também a instabilidade existente no Golfo da Guiné, que é hoje uma das áreas marítimas mais perigosas do mundo. A descoberta de reservas consideráveis de petróleo ao longo da costa e em regiões de águas profundas levou a um rápido aumento de crimes que envolvem não só pirataria e comércio ilegal de petróleo, mas também o tráfico de drogas, o contrabando de armas, e o abastecimento e a pesca ilegais. Ainda que os Estados que compõem a região difiram muito entre si, a quase totalidade deles se configura por governos frágeis e fragmentados, pouco capazes de promover uma mínima segurança social à população (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2011). Esse quadro de ins-tabilidade favorece o crescimento de atores ilegais e o engajamento cada vez maior da população em atividades ilícitas.

São inúmeros os conflitos motivados pela exploração de recursos minerais e energéticos, e o Es-tado tem um papel importante na gestão desses recursos, podendo evitar ou minimizar situações con-flituosas. Portanto, é importante ressaltar que a distribuição adequada das rendas oriundas dos recursos

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é vital para a consolidação da paz e para a prevenção da violência, assim como é pré-condição para o sucesso da reconstrução e desenvolvimento pós-conflito.

2.3. A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS E AS POTÊNCIAS EXTRARRE-GIONAIS

2.3.1. A FRANÇA E SUA FRANÇAFRIQUE

Nenhum país colonialista ou imperialista conseguiu, de forma tão bem-sucedida, substituir os laços formais de posse entre metrópole e colônia por novos vínculos como a França. Durante os proces-sos de independências dos países africanos, a França tratou de criar novas formas de dominação sobre suas ex-colônias. A rede de relações entre o país e o continente africano é tão vasta e duradoura, tendo passado por diversos governos, que o autor francês François Verschave cunhou o termo Françafrique36 para descrevê-lo (VERSCHAVE, 2004). As ferramentas de dominação vão desde alianças com elites locais e uso de empresas para exploração do continente até formação de grupos paramilitares e mercenários (OLIVEIRA, SILVEIRA e PALUDO, 2013). A França também criou a Comunidade Financeira Africana ou Zona do Franco (CFA), que visava a facilitação de evasão de divisas37 e o controle das economias desses países.

Embora a posição francesa frente ao continente continue influenciando os rumos da África, a relação sofreu relativo abalo a partir da crise econômica internacional das décadas de 1970 e 1980, que diminuiu os recursos disponíveis para a política de “cooperação” com a África. Além disso, como apre-sentado no histórico, o fim da Guerra Fria mergulhou o continente numa sucessão de crises e guerras, as quais fugiram do controle francês (OLIVEIRA, SILVEIRA e PALUDO, 2013). Por isso, a França passou a se interessar na maior estabilidade política dos africanos, para assim garantir seu acesso a recursos naturais.

Entretanto, o país continua com uma postura fortemente intervencionista, cuja motivação é a proteção de seus negócios empresariais. A empresa Total é um gigante do setor de gás e petróleo. Ela opera em todo o globo, mas é na África que tem a maior produção diária de barris. Hoje a empresa é um extenso conglomerado, chamado Total-Fina-Elf, após a fusão com outra companhia francesa, a ElfAqui-tania na década passada. Ademais, no setor de minérios, destaca-se a empresa Areva, que explora urânio especialmente no Níger (SENA, 2012, p. 48).

2.3.2. ESTADOS UNIDOS NA ÁFRICA: GUERRA CONTRA O TERROR E GEOPOLÍ-TICA DO PETRÓLEO

Embora o continente africano tenha sido um foco de conflito indireto entre EUA e URSS durante a Guerra Fria, os EUA reduziram seu interesse pela região após o fim da União Soviética, já que a África viu-se esvaziada de sua importância estratégica. Porém, depois dos atentados terroristas de 2001 ao World Trade Center e do desencadeamento de variadas operações contra o terrorismo global, a África foi gradualmente enquadrada como uma região propensa a atividades terroristas e ao radicalismo islâ-mico. Isso ocorreu porque o governo Bush desenvolveu e propagou a teoria de que grupos terroristas teriam sido expulsos do Afeganistão após a intervenção internacional naquele país, tendo, por isso, se realocado nos países do Norte da África, começando pelo Chifre da África38 e depois se espalhando pela região do Sahel39. Nesse território, tais grupos teriam convertido movimentos islâmicos fundamentalis-tas em novas organizações terroristas (ROBERTO 2013, p. 2). Desse modo, os EUA deram continuidade à sua Guerra ao Terror, estabelecendo a falsa ideia de que islamismo e terrorismo andam juntos.

Como consequência, a militarização crescente do continente é uma realidade. A costa oriental

36 Em tradução livre do francês, “Françáfrica” é a política franco-africana, uma caricatura neocolonialista e muito nociva ao continente.

37 Evasão de divisas é um crime financeiro em que se envia dinheiro ao exterior sem declará-lo ao governo do país, evitando assim a cobrança de impostos.

38 Chifre da África é uma proeminência geográfica do continente africano, no território da Somália. A região do Chifre da África é constituída pela Eritreia, o Djibuti, a Etiópia e a própria Somália.

39 O Sahel é uma espécie de cinturão geográfico africano que faz a transição entre o deserto do Saara, ao norte, e as savanas, ao sul.

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africana, no chamado Chifre da África, perto do Golfo de Aden40, e o Golfo da Guiné41 são regiões vul-neráveis à pirataria, já que são pontos importantes no comércio de petróleo (ZUCATTO e BAPTISTA, 2014). Ademais, a região do Sahel tem sido irradiadora de instabilidade política e atuação de grupos armados (KEENAN, 2009). Tais grupos surgem ou se fortalecem por causa da fragilidade dos governos da região (democráticos ou não) e possuem distintas reivindicações: alguns pedem independência para o território que controlam, outros buscam controlar zonas estratégicas, e outros fazem parte, de fato, de organizações terroristas. O engajamento bélico dos EUA e a multiplicação de acordos de cooperação com países dessas regiões foram, por isso, significativos na última década.

Figura 4: A região do Sahel

Fonte: http://images.enca.com/enca/The%20Sahel.jpg

Quanto à presença de empresas petrolíferas no continente, os Estados Unidos têm uma longa história de entrelaçamento entre sua política externa, seu complexo industrial-militar e as intervenções militares que já realizou. O uso de suas empresas como instrumento político, ou mesmo o oposto, quando a política externa é influenciada pelos interesses privados dessas empresas, é uma marca da relação dos EUA com a África. A maior corporação estadunidense e maior empresa do mundo, a Exxon-Mobil, tem na África significativa parte de seus investimentos, estando presente em mais de 10 países. A Chevron-Texaco, segunda maior empresa do ramo e fruto da fusão da Chevron com a Texaco no final da década de 1990, tem atividades em escala semelhante à ExxonMobil (OLIVEIRA, 2007, p. 119-120). É interessante notar que existe uma correlação entre os países onde os EUA possuem empresas operando e onde ele tem tratados na área militar e mesmo bases militares. A proteção desses interesses é um im-portante vetor da política externa do país.

2.3.3 A ASCENSÃO CHINESA E A PARCERIA COM A ÁFRICA

Embora a próxima seção deste capítulo seja sobre países emergentes, grupo do qual a China faz parte, foi dedicada a ela uma seção especial e separada, dada a importância do país no reposicionamen-to da África no sistema internacional. Os laços da China com o continente africano não são novidade e datam, por exemplo, da Conferência de Bandung, em 195542. Entretanto, é a partir da década de 1990

40 O Golfo de Aden é uma passagem entre o Chifre da África e a península arábica, ou seja, onde o continente africa-no e o território do Oriente Médio quase se tocam. O Golfo de Aden dá acesso ao Mar Vermelho e ao Canal de Suez.

41 O Golfo da Guiné fica do lado oposto do Golfo de Aden, na costa litorânea ocidental da África. Estritamente, o Golfo da Guiné é a reentrância formada pelo litoral de Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial e Gabão.

42 A Conferência de Bandung foi o encontro de líderes africanos e asiáticos do chamado Terceiro Mundo, ou mundo subdesenvolvido. A maioria desses países tinha sido alvo do colonialismo e imperialismo de grandes potências e bus-cavam uma parceria para levar adiante a descolonização da África e da Ásia, assim como uma alternativa ao mundo

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que se teve uma evolução mais relevante no que tange a recursos energéticos e minerais. Foi o pujante crescimento econômico chinês, desde a década de 1980, o que reforçou sua busca por produtos que o país não possuía em abundância. Desde alimentos e bens de produção agropecuária, passando por petróleo, gás e também novos mercados consumidores, vários foram os interesses que motivaram a China a aproximar-se de outras regiões do mundo, das quais a África é uma das mais marcantes. Assim, além do aumento da ajuda chinesa ao continente, cresceu também o número de joint ventures43, de investimentos e de transações econômicas em geral (VISENTINI e OLIVEIRA, 2012).

Em se tratando especificamente da busca por recursos energéticos e minerais, o interesse chinês passa pelo desejo de diversificar suas fontes. Já que as regiões do Oriente Médio e da Ásia Central conti-nuam com países sob intervenção do Ocidente, pondo em risco a segurança energética chinesa, a África mostrou-se como uma opção mais segura ao país. A presença da China no continente dá-se através de suas empresas, a maior parte delas estatais ou semi-estatais (OLIVEIRA, 2007, p. 136). Podem-se citar três empresas protagonistas na exploração de petróleo. A maior delas, a Sinopec, atua principalmente no norte da África, na Argélia, mas também opera em Angola, Gabão, Congo-Brazzaville e Sudão. O caso angolano é interessante porque a empresa conseguiu a concessão de um bloco de petróleo44 que antes pertencia à francesa Total, sendo que isso ocorreu após a liberação de um empréstimo de US$ 2 bilhões da China à Angola (OLIVEIRA, 2007, p. 137). Depois da Sinopec, é a China National Petroleum Company (CNPC) que ocupa o lugar de maior companhia chinesa. A CNPC começou sua internacionalização45 pelo Sudão, em 1996, assumindo explorações que antes pertenciam à estadunidense Chevron. Por fim, pode-se citar a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC), que, apesar de ser a terceira em ta-manho, é a que responde pela maior parte da produção offshore46 de gás e petróleo. É esta a companhia que assumiu a operação em países cujas concessões na operação começaram recentemente, como Ní-ger, Mali, Mauritânia e Etiópia, mas ela atua também em países de produção mais antiga, como Angola, Nigéria, Gabão e Guiné Equatorial (OLIVEIRA, 2007, p. 137).

Como se percebe pela expansão da presença empresarial chinesa no continente, a China come-çou a ocupar espaços que antes pertenciam a empresas americanas, inglesas ou francesas na África. Como o país se relaciona livremente com todo tipo de governo, inclusive autoritários, e como a China busca especialmente recursos energéticos e minerais, ela tem sido criticada por estar desenvolvendo uma espécie de “imperialismo asiático” na África (VISENTINI e OLIVEIRA, 2012).

Contudo, embora o país não atue na África por mera solidariedade, é importante ressaltar que a China tem contribuído para o desenvolvimento de longo prazo do continente. Por exemplo, muitas vezes a China faz uma troca com o governo em questão, construindo uma estrada, hospital ou escola em retribuição ao acesso a recursos de que tanto necessita. O investimento em infraestrutura é, de fato, uma marca da atuação chinesa, inclusive contribuindo para a reconstrução de países que passaram por guerras civis e precisam ser recuperados (VISENTINI e OLIVEIRA, 2012).

As relações também têm sido marcadas por linhas de crédito mais acessíveis aos africanos e por transações menos burocráticas e sem exigências, ao contrário do que normalmente ocorre no caso de empréstimos ocidentais. Além disso, a parceria com os africanos tem permitido a atuação conjunta, quando possível, em votações em organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio. Dessa forma, embora seja claro que a China tem um peso econômico, político e militar muito maior do que os países africanos com que se relaciona, o padrão dessa relação não coincide com a típica assi-metria presente no neocolonialismo francês ou no imperialismo estadunidense (VISENTINI e OLIVEIRA, 2012).

2.3.4. OS PAÍSES EMERGENTES NA ÁFRICA: ÍNDIA E BRASIL

A Índia é, ao lado da China, um dos países emergentes de crescimento mais pujante e prolon-gado dos últimos anos. Esse país divide com os africanos um passado de luta contra o colonialismo europeu, a discriminação racial e o desejo pela afirmação econômica, social e política de seus povos

bipolar da Guerra Fria.

43 Joint ventures são contratos de colaboração empresarial, uma associação de empresas por um tempo longo ou curto, mas que tenha um prazo determinado, ou seja, não é sinônimo de fusão empresarial. Essas empresas se unem apenas na busca de um objetivo comum, alcançado esse objetivo, a junção é desfeita.

44 Bloco de petróleo refere-se a uma área de exploração do hidrocarboneto, é uma forma de organizar e subdividir a exploração de campos de petróleo.

45 A internacionalização de uma emprese refere-se ao processo de começar sua atuação fora de seu país de origem, abrindo filiais ou, no caso citado, começando a explorar petróleo fora da China.

46 Do inglês, offshore refere-se à exploração de petróleo que não se dá em terra firme, mas é feita ao largo da costa ou mesmo mar adentro.

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após as independências. A relação da Índia com a África é marcada pelas trocas comerciais, que vêm aumentando gradualmente, e pelas joint ventures. Esse incremento da atuação de empresas privadas na África foi feito através da mobilização do governo, de iniciativas institucionais e privadas e da criação de parcerias público-privadas entre a Índia e países africanos (CII e WTO, 2013). No caso específico das joint ventures, o capital indiano tem tido foco em investimento produtivo, infraestrutura e linhas de crédito. A África beneficia-se desse tipo de parceria na medida em que a relação garante transferência de tecnologia. Além disso, a Índia é a maior fornecedora de medicamentos para a região subsaariana do continente (OLIVEIRA, SILVEIRA e PALUDO, 2013).

O investimento indiano na África cresceu significativamente no período recente. As empresas multinacionais indianas atuam nos mais variados setores, de energia à mineração, de telecomunicações à tecnologia da informação. De modo geral, as empresas indianas são ou de propriedade privada ou es-tão sob propriedade público-privada. A Índia se diferencia por buscar integrar os negócios de suas em-presas às economias locais, procurando conectar suas cadeias produtivas às africanas (CII e WTO, 2013). A título de exemplo, pode-se citar o The Tata Group, que tem presença na África desde 1976 nas áreas de transporte, tecnologia da informação, hotelaria, mineração e telecomunicações. Mega investimentos também têm sido feitos pela Bharti Airtel no setor de telecomunicações, e por empresas relacionadas à tecnologia da informação, como Tata Consultancy Services, Wipro e NIIT, que vêm fazendo investimen-tos em áreas diversas. A Índia também mostra-se presente no sistema bancário através de bancos como o State Bank of India, o Bank of Baroda, o ICICI Bank e o EXIM Bank of India. Segundo dados de 2011, a África recebeu 22,5% do total do investimento direto estrangeiro indiano, sendo assim uma das regiões do mundo de maior atratividade para o capital proveniente da Índia (CII e WTO, 2013).

O Brasil, por sua vez, é um parceiro comercial africano de longa data. A história das relações entre o país e o continente remonta ao período colonial brasileiro, quando o tráfico de escravos africanos pro-moveu a maior onda migratória que nosso país recebeu. Durante o século XX, esse vínculo passou por altas e baixas. Entretanto, a partir de 2003, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, as re-lações Brasil-África ganharam uma nova dimensão: houve, pela primeira vez, o estabelecimento de uma política africana – ou seja, o Brasil passou a formular uma política exterior para o continente africano com objetivos claros e estratégicos. O comércio com o continente subiu de 4 bilhões de dólares (2003) para US$ 20 bilhões (2010), e houve a abertura de 17 novas embaixadas e de novos canais de diálogo. Além disso, durante seus mandatos, Lula visitou o continente africano 12 vezes47, mostrando a relevân-cia que a África tem para a política externa brasileira. O Brasil mantém relações consistentes com uma série de países africanos, com destaque para os países da porção atlântica do continente e para os países de língua portuguesa. Os principais parceiros econômicos brasileiros são Angola, Nigéria e África do Sul. Há de se destacar também que o Brasil tem com os países africanos um padrão de relação diferente da-quele das potências tradicionais. A atuação brasileira no continente é, muitas vezes, capitaneada pelos chamados projetos estruturantes: esses são projetos, geralmente de cooperação técnica, que envolvem agentes dos Estados africanos, empresas brasileiras e agentes governamentais brasileiros, como a Agên-cia Brasileira de Cooperação (ABC) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).

Segundo Banco Mundial & IPEA (2012), em linha com a abordagem exclusiva do Brasil para a coo-peração bilateral, os projetos são adaptados às condições econômicas e do bioma local. Bastante tempo é investido na identificação conjunta das necessidades locais, sendo realizadas consultas participativas contínuas com os parceiros durante todas as fases de desenvolvimento do projeto. Segundo a ABC, “es-ses projetos são concebidos com uma perspectiva de longo prazo e buscam forjar o desenvolvimento social nos países parceiros por meio da implementação de instalações de desenvolvimento da capa-cidade, que vão desde fazendas experimentais até centros de capacitação profissionalizante” (BANCO MUNDIAL & IPEA, 2011, p.54). Assim, a cooperação técnica e a transferência de tecnologia são fatores chaves para a relação. Além disso, é prática das empresas brasileiras no continente, principalmente da Odebrecht e da Petrobras, a adoção de mão de obra local, ou seja, a geração de empregos para africanos, e a criação de centros técnicos e de profissionalização para a qualificação do trabalhador.

Diferentemente das políticas de países como Estados Unidos e França, a não-intervenção nos assuntos internos é um dos pilares da política africana do Brasil. Isso quer dizer que o Brasil comercializa com os países africanos sem exigir ou interferir na política dos Estados. Ou seja, “a presença do Brasil chama a atenção devido à forma como as empresas brasileiras realizam seus negócios; elas tendem a contratar mão de obra local para seus projetos, favorecendo o desenvolvimento de capacidades locais, o que acaba por elevar a qualidade dos serviços e produtos” (BANCO MUNDIAL & IPEA, 2011, p.7).

Os recursos minerais e petrolíferos são dois dos principais eixos das relações econômicas do Bra-sil com o continente. As principais empresas brasileiras presentes na África são a Petrobrás, a Odebrecht,

47 As viagens presidenciais a outros países são importantes por diversos aspectos: nelas, acordos comerciais são celebrados, novas políticas e parcerias são estabelecidas e as relações entre os países são fortificadas.

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a Queiroz Galvão, a Andrade Gutierrez, a Camargo Correa e a Vale. Essas empresas atuam majoritaria-mente nos setores de infraestrutura, de energia – com ênfase no petróleo – e de mineração. Particular-mente, a Petrobras é uma das empresas extrarregionais mais importantes em território africano atual-mente. Suas atividades de busca e extração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas – setor no qual a empresa brasileira é líder mundial – são importantes em países como Líbia, Nigéria, Tanzânia e Angola. Além disso, a Petrobras tem atuação destacada também no Benim e na Namíbia, país onde petróleo foi encontrado recentemente e que é considerado, por muitos autores, uma das “novas frontei-ras do petróleo”. Já a Odebrecht destaca-se, fundamentalmente, em Angola – país no qual é a segunda maior geradora de empregos.

3. AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Recursos minerais e energéticos são centrais para boa parte das economias do continente afri-cano e, portanto, o modo como se dá sua exploração é também relevante para o desenvolvimento dos países. Assim, muitas entidades, tanto africanas quanto de fora do continente, têm debatido sobre ma-neiras de aproveitar melhor os recursos e reverter suas rendas em melhorias econômicas e sociais aos países africanos. Os pareceres de organizações como a ONU ou o Banco Mundial visam lançar possíveis modelos de desenvolvimento aos países africanos, atividade realizada igualmente por entidades como a União Africana e os fóruns regionais da África, que também funcionam como espaços permanentes de debate e de empoderamento conjunto dos países, onde prevalecem os interesses da África. Assim, vamos trazer aqui alguns pareceres das entidades citadas sobre exploração de recursos naturais e ener-géticos, buscando esclarecer o que tem sido debatido até agora acerca do referido tópico.

3.1. PARECERES INTERNACIONAIS SOBRE A EXPLORAÇÃO DE RE-CURSOS MINERAIS E ENERGÉTICOS NA ÁFRICA

O banco africano de desenvolvimento, o Centro de Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento, o Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Comissão Econômica para a África desenvolveram, em 2013, um portfólio sobre Transformação Estrutural e Recursos Naturais voltado a uma análise das economias africanas, mostrando que boa parte delas depende de recursos minerais e energéticos e fazendo recomendações aos países e a seus parceiros comerciais. Tais entida-des recomendam aos parceiros externos da África que prezem por sustentabilidade e transparência e incentivem as empresas internacionais a fazerem parcerias com empresas locais e escolas para a criação de empregos, além de garantir investimento em infraestrutura. É recomendado também que haja uma intensa cooperação entre as nações africanas e que haja normas mínimas para regulamentar a concor-rência entre as empresas estrangeiras (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

O Banco Mundial, por sua vez, se envolve com a indústria extrativista na área de governança, in-centivando um manejo transparente das rendas dos recursos minerais e energéticos, de modo que con-tribuam para o bem-estar dos locais. O banco ainda fornece recursos para a construção de projetos que visem garantir esses objetivos. Uma importante medida do Banco Mundial, da qual 18 países africanos já são signatários e outros seis se encontram em processo de adesão, é a Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extrativas48 (ITIE), que apoia melhorias na gestão em países ricos em recursos naturais por meio da publicação e verificação dos pagamentos das empresas e dos lucros revertidos ao governo. A ITIE é financiada por um fundo que tem vários colaboradores, e promove desde o início assistência aos governos que tentam implantá-la (WORLD BANK, 2014).

3.2. A UNIÃO AFRICANA E A INDÚSTRIA EXTRATIVISTA

Objetivando desenvolver posições comuns e consistentes sobre questões relativas à gestão de recursos minerais na África, o Conselho Executivo da União Africana instituiu a Conferência dos Minis-tros da União Africana Responsáveis pelo Desenvolvimento de Recursos Minerais (CAMRMRD). Desde

48 A Iniciativa para Transparência das Indústrias Extrativas (Extractive Industries Transparency Iniciative, tradução livre) é um padrão global para promover a gestão transparente e responsável dos recursos naturais. Destina-se a reforçar os sistemas de governo e da empresa, informar o debate público e aumentar a confiança . Em cada país que implementa é apoiado por uma coalizão de governos , empresas e sociedade civil que trabalham em conjunto. Dis-ponível em <https://eiti.org/eiti>. Acesso em: 23 maio 2015.

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2008, a conferência já aconteceu quatro vezes e tomou importantes iniciativas frente aos desafios no setor mineral, como a formulação da Visão da África sobre a Mineração (AMV) e a criação de um Cen-tro Africano de Desenvolvimento Mineral (AMDC) (UNIÃO AFRICANA, 2013). Além de tais iniciativas, as conferências debateram a importância da mineração para o desenvolvimento econômico, e também ressaltaram a necessidade de boa governança, políticas e estratégias claras, regulamentos, instituições eficazes, transparência nas receitas, e padrões ambientais e sociais rigorosos.

Em 2014, em uma sessão extraordinária da CAMRMRD, na Zâmbia, os ministros se reuniram para desenvolver, nos padrões de resoluções da União Africana, um estatuto do Centro Africano de Desen-volvimento Mineral, o qual foi formulado com o objetivo de garantir que as rendas dos recursos minerais desempenhem o seu papel na transformação social e econômica dos países, assegurando a existência de políticas coerentes e de regulamentações sobre todo o processo de exploração (UNIÃO AFRICANA, 2014). O estatuto disserta basicamente sobre os pontos trazidos anteriormente como centrais para uma gestão eficaz dos recursos minerais e energéticos. Todavia, há pouca menção sobre como regulamentar a relação com empresas estrangeiras que exploram recursos em solo africano, havendo espaço para o aprofundamento desse debate.

3.3. AS COMUNIDADES ECONÔMICAS REGIONAIS AFRICANAS

A integração econômica por meio de organizações regionais na África tem sido aceita como a principal estratégia de desenvolvimento do continente, a fim de que os países africanos possam fortale-cer suas economias através da cooperação mútua e não permaneçam em relações comerciais desvan-tajosas e nem dependentes das potências econômicas mundiais. Portanto, a harmonização das políticas regulatórias no setor da mineração é parte do processo para as Comunidades Econômicas da África alcançarem sua plena integração – como pretende a União Africana –, e está se tornando cada vez mais urgente devido aos aumentos do número de minerais ilegalmente adquiridos e comercializados que entram na cadeia de exportação, ocasionando a perda significativa de rendimento dos Estados africanos (MINERALS AND AFRICA’S DEVELOPMENT, 2011).

O programa de harmonização de políticas regulatórias do setor mineral da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral49 (SADC, na sigla em inglês) está ancorado no Protocolo de Minera-ção, adotado em 2000, que prevê um quadro formal de cooperação e integração. O protocolo identifica áreas específicas para a cooperação no setor industrial mineral da região, incluindo a harmonização das políticas nacionais, a promoção da participação do setor privado, assim como o cumprimento das normas internacionais de saúde, segurança e proteção ambiental (MINERALS AND AFRICA’S DEVELOP-MENT, 2011).

A Diretiva da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental50 (CEDEAO) sobre a Har-monização dos Princípios e Políticas no Setor de Mineração foi aprovada em julho de 2009. Ela define os objetivos da região nesse setor, como assegurar a transparência na prestação de contas ao governo e às empresas de mineração, promover os direitos humanos, proteger as comunidades locais e o meio-am-biente, proporcionar um desenvolvimento sustentável e, principalmente, garantir um equilíbrio entre os incentivos aos investimentos estrangeiros no setor e o interesse nacional dos Estados-membros, a fim de proteger sua base de arrecadação e seus recursos (MINERALS AND AFRICA’S DEVELOPMENT, 2011).

O tratado que instituiu a Comunidade da África Oriental (EAC, na sigla em inglês) enfatiza o com-promisso dos Estados-membros para a criação de um ambiente favorável para o investimento no setor mineiro, para a harmonização da regulamentação do setor a fim de garantir práticas ambientalmente sustentáveis, e para o estabelecimento de bases de dados, redes de trocas de informação e experiências na gestão e desenvolvimento do setor (EAST AFRICAN COMMUNITY, -).

49 Os seus membros são: África do Sul, Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar, Malaui, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.

50 O objetivo essencial da CEDEAO consiste em promover a integração e a cooperação econômica, social e cultural entre seus Estados-membros. Pertencem a CEDEAO o Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo (VISENTINI, 2012b).

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4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

Um dos principais países atuantes na transformação da OUA em UA e membro dos BRICS (junto com Brasil, Rússia, Índia e China), a África do Sul é hoje a segunda maior economia africana e desem-penha um papel de liderança dentro da UA. Entretanto, o país vem passando por um período de estag-nação de crescimento, uma vez que as principais commodities exportadas estão com o preço muito baixo. O país possui grandes reservas de ouro, diamantes, gemas, cobre e minério de ferro, e, junto com o Zimbábue, possui a maior reserva mundial de platina; além disso, em seu território existem reservas li-mitadas de óleo e gás. A África do Sul importa petróleo bruto e o refina em seu território. Recentemente, o Estado começou a regular a exploração de xisto, que é realizada por uma parceria entre a estatal sul africana PetroSA e a Royal Dutch Shell. A exploração desses recursos feita por companhias estrangeiras exige, em contrapartida, investimentos em infraestrutura. A grande dificuldade do país atualmente é conseguir melhorar a distribuição das riquezas provenientes de seus recursos naturais e minerais, e para isso, a África do Sul tem desenvolvido políticas econômicas visando a melhor exploração de recursos e cruzando setores diversos da economia (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

Segundo maior produtor de petróleo na África, Angola é hoje uma das mais relevantes vozes no debate acerca da presença de potências extrarregionais e recursos naturais no continente africa-no. Membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) desde 2007 e participante da Comissão do Golfo da Guiné (CGG), o país tem atuado como uma das lideranças da porção atlântica do continente. Angola tem em seu território uma série de empresas transnacionais, especialmente pe-trolíferas: essas empresas vão desde as estadunidenses Chevron e ExxonMobil, até a chinesa Sinopec e a brasileira Petrobras. Hoje, Angola é o segundo maior fornecedor de petróleo para a China e o maior parceiro dos chineses no continente africano, sendo também um dos maiores fornecedores de petró-leo para os Estados Unidos. Angola é um dos principais países africanos que requer conteúdo nacional na exploração de petróleo; ou seja, a exploração de qualquer jazida de petróleo angolano tem de ser feita por, no mínimo, 70% de atores angolanos, sejam eles empresas privadas ou estatais. O principal ator, nesse sentido, é a empresa petrolífera estatal do país, Sonangol. Assim, Angola é um dos Estados africanos a prezar pela diversificação dos parceiros, com cooperação comercial com diversos países emergentes, e a exigir contrapartidas e um elevado grau de nacionalização na exploração dos recursos naturais no continente. O país posiciona-se favoravelmente à criação de uma regulação, por parte da União Africana, para a exploração de recursos naturais na África.

Ao norte do continente, cortada pelo deserto do Saara, está a Argélia. O país é detentor de uma das maiores reservas africanas de petróleo e de uma economia sólida. É integrante, também, da Orga-nização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). O governo argelino busca atrair o investimento estrangeiro para tentar melhorar a qualidade de vida e desenvolvimento do país, que ainda possui ele-vados níveis de pobreza e desemprego. O governo controla todas as explorações petrolíferas através da gigante estatal Sonatrach (uma das maiores companhias petrolíferas mundiais). Para ter acesso às reservas, empresas estrangeiras devem atuar em parceria com a estatal. Toda a exploração é regulada pela Autoridade de regulação de hidrocarbonetos, subordinada ao ministério de Minas e Energia argeli-no – o forte controle estatal é herança do antigo governo socialista e é uma maneira do país não perder o controle sobre seus recursos naturais (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

Um dos menores países africanos, o Benin é um exemplo de democracia. Contudo, apesar da situação política estável, a economia do país é pouco desenvolvida. Em 1982, houve o esgotamento das suas reservas de petróleo, e o país hoje investe na produção de algodão para a exportação. A Petrobras recentemente fechou um acordo de participação na exploração de reservas novas de petróleo em águas profundas e ultraprofundas na costa do Benin (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

Coberta pelo Deserto do Kalahari, a Botsuana possui uma economia de rápido crescimento. O país é um exemplo de como usar recursos minerais em favor do desenvolvimento, investindo seu rendimen-to da exploração de diamantes – Botsuana é o maior produtor mundial desse cristal – na sua economia. A mineração é feita, principalmente, através da joint venture Debswana, uma empresa composta de uma estatal e de uma empresa estrangeira. A legislação do país busca, sempre que for vantajoso, permitir a instalação de multinacionais nos setores extrativistas. O país procura agora desenvolver a exploração de carvão, devido à recente descoberta de uma grande reserva (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

Burkina Faso, país da região do Sahel, não possui acesso ao mar. Com paisagens verdes no sul e desérticas no norte, tem na agricultura a parte mais expressiva de seu PIB. Através da ajuda interna-cional, realiza a mineração de cobre, ferro, manganês, minério de estanho, fosfatos e principalmente ouro – do qual o país é o 4o maior produtor na África (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Existem empresas estrangeiras atuando nas minas burkinenses e elas são essenciais para manter a extração, pois

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sozinho o país não tem infraestrutura suficientemente desenvolvida para a realização dessas atividades.

Outro país sem litoral, o Burundi abriga a nascente do Rio Nilo. É também um dos países mais pobres da África, mas contém uma grande variedade de reservas minerais (ouro, cobre, cobalto, níquel e urânio). O FMI, em parceria com um programa governamental de crédito, tenta incentivar o desen-volvimento do país. A única exploração comercial em Burundi é a de ouro – e mesmo assim, é feita de maneira quase artesanal, necessitando melhores condições (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Leis sobre mineração estão em fase de desenvolvimento, visando à proteção das reservas naturais e a emissão certificados de exploração, a fim de atrair o investimento estrangeiro para o Estado.

Cabo Verde, um conjunto de ilhas de economia subdesenvolvida, sofre de carência de recursos. O país vem investindo em fontes renováveis de energia, como a eólica, para não depender tanto das importações. A empresa brasileira Petrobras e o governo local firmaram recentemente uma parceria para exploração de petróleo offshore para desenvolver o setor. Entretanto, o forte da economia de Cabo Verde se divide entre os setores de turismo e de pesca, sendo este responsável por mais de três quartos das exportações do país (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

Camarões, localizado entre o Golfo de Baifra e o Golfo da Guiné, possui uma grande diversidade de recursos naturais. O Estado explora intensamente as jazidas de petróleo, exportando principalmente para Europa e América, e detém reservas de gás natural inexploradas. A produção de diamantes se dá de forma artesanal. Além disso, o país conta com reservas de bauxita (principal fonte natural de alumí-nio), setor promissor que representa a tentativa de diminuição da dependência em relação à exploração de petróleo. Ademais, recursos como ouro, urânio e minério de ferro são monopólio do governo. Para maximizar o aproveitamento dos recursos, a administração central desenvolveu uma série de medidas – a saber, um código de mineração, um código nacional de investimentos, e uma carta comunitária de investimentos, entre outros – para atrair investimentos e também proteger seus recursos das potências extrarregionais (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

A descoberta de petróleo e a sua extração, a partir de 2003, modificaram a direção da economia do Chade e aumentaram sua atividade extrativista, ainda que a maioria do petróleo bruto seja extraído e produzido por empresas estrangeiras. Os impostos pagos pelo setor petrolífero aceleraram o crescimen-to do país: o PIB duplicou entre 2003 e 2005, e sua taxa de crescimento anual esteve em torno de 8% entre 2000 e 2011, o que é um crescimento muito significativo (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). A Carta Nacional de Investimento, de 2008, oferece incentivos para as empresas estrangeiras que esta-belecem operações no Chade, incluindo três anos de isenção de impostos (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2012). As maiores fontes de investimentos externos provêm da França, da China, do Reino Unido e dos Estados Unidos. A Coréia do Sul também investe no país, principalmente na extração de ouro; no setor petrolífero, existem investimentos externos ainda maiores. Em parceria com a China, foi construída uma refinaria na capital, Djamena, em que 40% pertencem ao governo de Chade, e os outros 60%, a China National Petroleum Corporation (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Outras empresas estrangeiras petrolíferas presentes no país são a ExxonMobil, a Chevron e a Petronas of Malasya.

A Costa do Marfim é um dos principais produtores de petróleo na região do oeste africano. A extração de gás e petróleo gerou um desenvolvimento positivo na economia do país, graças à desco-berta de novos depósitos e do aumento do preço dos hidrocarbonetos no mercado mundial, gerando um estímulo ainda maior nesses setores. Há outros recursos minerais no país, como o diamante, o ferro, a bauxita e o manganês (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). O governo tem incentivado os inves-timentos nos setores privados, destinados a atraírem investimentos estrangeiros nos setores de mine-ração e petróleo, e contando com isenções de impostos sobre o valor de equipamentos, materiais e da primeira remessa de peças de reposição, exceto quando há produtos equivalentes feitos ou disponíveis no país a preços similares (U.S DEPARTMENT OF STATE, 2013). A política externa da Costa do Marfim é voltada, principalmente, para os países ocidentais, e suas principais fontes de investimento estrangeiro vêm da França, dos Estados Unidos, do Reino Unido e dos países da Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo).

O Djibuti tem poucos recursos naturais, e o que existe em seu território não é explorado. Portan-to, o governo assinou contratos com empresas estrangeiras a fim de explorar e, se possível, extrair recur-sos como petróleo e ouro. O Djibuti pode se beneficiar também da extração de petróleo no Sudão do Sul, com as instalações de um oleoduto e de uma refinaria no país (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). A princípio, não há nenhuma discriminação com esses investimentos, porém na prática a burocracia é complicada, e alguns setores, principalmente os que pertencem ao Estado, não estão abertos aos in-vestidores (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013). No setor de mineração e energia, suas principais fontes de investimento provêm da Arábia Saudita, Dubai e Índia, mas o principal investidor do país é a França.

O Egito possui inúmeros recursos minerais e energéticos, como o petróleo bruto, o gás natural, ouro e ferro. As reservas provadas de petróleo do Egito aumentaram de 3,7 bilhões de barris em 2010,

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para 4,4 bilhões de barris em 2012, devido às atividades de exploração por investidores internacionais. O Egito também começou a extrair e exportar ouro, mas até agora em pequenas quantidades (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). No setor de produção de gás e petróleo, existem requisitos especiais para o investimento estrangeiro, como a necessidade de joint ventures (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013). Portanto, o governo do Egito é favorável à certa regulação do setor. A União Europeia, o Reino Unido e os Estados Unidos são as principais fontes de investimento externo, seguido pelos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Líbia.

A Eritréia possui uma configuração geológica favorável para exploração e produção de minerais, sendo esse seu principal setor para o crescimento econômico. Há depósitos minerais notáveis no país, incluindo ouro, prata, cobre, zinco e potássio. O investimento privado, tanto local quanto estrangeiro, é incentivado pelo governo, que se propõe a promover e proteger os interesses do setor privado, esti-mulando a participação em todos os setores da economia do país, sem restrições e discriminações. A Eritréia espera o desenvolvimento de inúmeros projetos de mineração através de investimentos interna-cionais. Mesmo com as sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 2009 e 2011, os investimentos nesse setor não sofreram um impacto negativo. A maioria dos minerais do país é exportada na sua forma bruta, e, portanto, o Estado acaba por renunciar as oportunidades econômicas e sociais que poderiam ser obtidas se houvesse um tratamento local dos recursos minerais (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). A Eritréia conta com os investimentos de alguns países extrarregionais, como Reino Unido, China, Canadá e Austrália.

A Etiópia conta com algumas reservas minerais, mas apenas a de ouro tem uma quantidade significante, trazendo ao país cerca de US$ 1,7 bilhão, em 2012. Uma pesquisa recente aumentou a estimativa de reserva de ouro para 500 toneladas. Também são encontradas no país pedras preciosas, como diamantes e safiras, minerais industriais, como o potássio, e outros metais preciosos e de base. O desenvolvimento desses recursos é um dos pilares da estratégia do governo para o crescimento orienta-do da exportação, a fim de depender menos da agricultura e diversificar a economia. A Etiópia licenciou 250 empresas estrangeiras, de países como o Reino Unido, para localizar reservas minerais (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). O Plano de Crescimento e Transformação de cinco anos, que foi aprovado em 2010, tem como objetivo a abertura do país ao investimento estrangeiro. Apesar disso, atualmente ainda há muitas restrições para o investimento estrangeiro, priorizando o investimento nacional (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013).

O principal recurso mineral na economia do Gabão é o petróleo, sendo o país o quinto maior produtor da África. No entanto, esse recurso está começando a se esgotar – estima-se que as reservas do país irão secar em cerca de 30 anos. Também há no Gabão a extração de manganês, e sua produção possui um forte impacto nas relações de comércio exterior do Estado: o manganês, utilizado princi-palmente na produção de ferro e aço, é o único mineral realmente explorado pelo país, que é um dos seus principais exportadores mundiais. A extração de manganês no Gabão é realizada pela COMILOG, uma empresa com 66% de capitais detidos pelo grupo francês Eramet (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). O governo gabonês acredita que a implementação de uma nova regulamentação vai atrair inves-timentos estrangeiros. Porém, a política de “nacionalização” vem desestimulando esses investimentos – no setor petrolífero, por exemplo, a lei requer que 90% de todos os trabalhadores sejam gaboneses (KPMG, 2013). Além da França, a China também vem se inserindo no país, principalmente em busca de recursos naturais. Outra fonte de investimento importante é o Reino Unido. O Gabão é favorável a uma maior regulação do setor de mineração e de energia.

A indústria mineradora de Gâmbia é muito pequena, visto que o país não possui largas reservas minerais nem depósito descoberto de pedras preciosas. Entretanto, especialistas acreditam que existem depósitos minerais de baixo valor em algumas áreas. A política de investimentos estrangeiros no país não tem restrições e discriminações, tratando empresas estrangeiras da mesma forma que empresas locais, e pretendendo incentivar investimentos na área de mineração e energia (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013). Portanto, o governo de Gâmbia defende uma menor regulamentação desse setor. Um dos seus parceiros econômicos são os Estados Unidos.

Gana, rica em recursos minerais, é uma das dez maiores produtoras de ouro no mundo e a se-gunda maior da África, e seu potencial mineral inclui diamantes, bauxita e manganês. Em 2004, Gana descobriu gás e petróleo offshore, e a produção comercial de petróleo iniciou em 2010 (AFRICAN ECO-NOMIC OUTLOOK, 2013). As leis de Gana atualmente fornecem garantias para o investimento privado, incluindo proibição à discriminação e à expropriação para todas as empresas. Empresas estrangeiras dominam o setor petrolífero de mineração do país, com muitas das maiores empresas tendo ligações com a África do Sul, o Reino Unido, China e Estados Unidos (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013).

A Guiné é extremamente rica em recursos minerais, possuindo enormes reservas de bauxita, ferro, ouro, diamante e urânio. Apesar de contar com parcerias da China, da Rússia e da Inglaterra no

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processo de extração de seus recursos (CIA, 2014), o país foi classificado pelo Banco Mundial, em 2012, como uma das piores economias em termos de dificuldades de fazer comércio e de obter registros de propriedade e permissão para construir (WORD BANK, 2012). Para tentar resolver esses problemas, o go-verno aderiu à Iniciativa para Transparência nas Indústrias Extrativas (ITIE), e aprovou um novo Código Mineiro que exige das companhias um investimento mínimo de 1 bilhão em infraestrutura para obter uma concessão para mineração (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Além disso, o código também restringe alguns benefícios antes concedidos a empresas, como taxas e impostos reduzidos. Por ter aprovado tais regulações em prol de um desenvolvimento de sua economia, Guiné se mostra favorável à criação de um nível de regulamentação sobre a exploração.

Guiné Bissau é um país com economia basicamente agrícola e com incipientes atividades mi-neradoras. O país tinha um governo instável e frágil, mas em 2013 passou por eleições consideradas democráticas por boa parte dos países africanos (CIA, 2014). Guiné Bissau conta com reservas de bauxita e fosfatos, cuja exploração é extremamente prejudicada devido à falta de infraestrutura e à instabilidade politica. Todavia, algumas concessões à mineração já foram feitas. O país possui um Código Mineiro que visa expandir o processo de exploração de minérios e assegurar a participação de empresas privadas. Também foi recentemente aprovada no país uma lei que rege os derivados de mineração, pedreiras, e petróleo e derivados, e as autoridades querem trabalhar com a Iniciativa para transparência das Indús-trias (ITIE) (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Todavia, o país ainda busca consolidar sua recém alcançada estabilidade política, que ainda é frágil, o que impede que políticas mais assertivas sobre a exploração de recursos minerais e energéticos sejam postas em prática; por isso, o país ainda se mostra parcialmente desfavorável ao estabelecimento de marcos regulatórios no setor extrativista.

A Guiné Equatorial é um país rico em recursos naturais como petróleo, gás natural, minérios e florestas. Seu principal produto explorado é o petróleo, que fornece boa parte das rendas do país. Nos úl-timos tempos, o governo vem requerendo investimentos estrangeiros, especialmente dos EUA. Todavia, também vem sendo bastante criticado pela falta de transparência na gestão dos recursos provenientes do petróleo. De modo a minimizar essas críticas, o governo da Guiné Equatorial aderiu à Iniciativa para Transparência nas Indústrias Extrativas (ITIE) (CIA, 2014). Vale ressaltar também que a exploração de petróleo contribuiu para um grande crescimento econômico e uma modernização da infraestrutura do país, o que facilitou a atração de investidores estrangeiros como a China, que tem sido um grande parceiro de Guiné Equatorial. Entretanto, a grande variação dos preços do petróleo, em conjunto com variações na produção, resultou em um baixo crescimento do PIB do Estado nos últimos anos (AFRICA ECONOMIC OUTLOOK, 2013). O país ainda tem dificuldades em encontrar meios de desenvolver uma indústria sólida e também de reinvestir os lucros dos recursos minerais e energéticos em melhorias para a população. Por isso, Guiné Equatorial se mostra aberta a discutir marcos regulatórios para este tipo de atividade.

O Lesoto, pequeno país inserido dentro da África do Sul, é extremamente dependente do país que o cerca. Além disso, seu território está acima dos 1000 metros de altitude, limitando sua diversidade econômica. O país conta com uma pequena reserva de diamantes e uma exploração inexpressiva – a maioria dos mineiros trabalha em minas sul-africanas. Junto a isso, o país possui uma indústria têxtil bem desenvolvida, que é subordinada às necessidades dos Estados Unidos e da Europa (AFRICAN ECO-NOMIC OUTLOOK, 2013).

Libéria é um país com baixa renda que depende muito de assistência estrangeira. A guerra civil e os problemas de governança prejudicaram a economia do Estado, dado que muitas empresas o dei-xaram – algumas dessas empresas só começaram a retornar à Libéria após eleições democráticas em 2006. O país é rico em recursos hídricos e minerais, além de possuir muitas florestas e um clima propí-cio à agricultura. Hoje, há no território a exploração de borracha e minérios de ferro, havendo também perspectivas de investimento na extração de petróleo (CIA, 2014). Os recursos naturais sempre foram centrais à economia da Libéria; todavia, sua exploração não garantiu uma proporcional melhora na in-fraestrutura do país, o que dificulta um amplo desenvolvimento da economia nacional. Visando sanar tais problemas, algumas medidas foram implantadas, como a Lei de Gestão de Minerais, em 2000, e o Ato de Contratação Pública e Lei de Concessões, em 2006, que regula as licitações para concessões. Depois de tais regulamentações, os contratos de exploração têm melhorado com o tempo, e já incluem medidas para desenvolvimento de infraestrutura e criação de empregos locais. Porém, o regime de taxa-ção e as instituições ainda precisam se ajustar para garantir o cumprimento dos marcos regulatórios. Em vista disso, estabeleceu-se a Iniciativa de Transparência da Indústria Extrativa da Libéria, para promover o uso devido das rendas da mineração e extrativismo (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Assim, pode-se dizer que a Libéria se coloca de modo favorável ao estabelecimento de uma regulamentação sobre os processos de extração.

A Líbia tem uma economia que depende basicamente do setor petrolífero. Com uma das maio-res reservas da África, o país, membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), está

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entre os dez maiores produtores mundiais de petróleo. De acordo como o African Economic Outlook (2013), mais de 50 companhias de petróleo internacionais operam no mercado líbio. Desde 2011, com fim da guerra civil e uma intervenção militar internacional liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que culminou na derrubada e morte do então líder do país, Muammar Gaddafi, e no colapso de seu governo, a Líbia passa por um processo de reconstrução política, sendo regida por uma constituição provisória elaborada pelo Conselho Nacional de Transição (CNT) (CIA, 2014). Deste modo, as perspectivas para a produção de petróleo no país são imprevisíveis, dada a incerteza em torno das condições de segurança e de fragilidade do Estado. É vital para a estabilidade econômica e social do país que as rendas do petróleo sejam investidas em políticas sociais e no desenvolvimento da eco-nomia; por isso, o governo provisório se mostra aberto a debater as regulamentações sobre extração de recursos energéticos e minerais.

Com uma economia essencialmente agrícola, Madagascar tem uma indústria mineira pouco de-senvolvida. Apesar de não contar com muitos recursos minerais, o país tem um dos maiores depósitos de titânio do mundo, que hoje é explorado por uma empresa australiana com participação chinesa. Há também no Estado a exploração de petróleo, ainda em pequena escala, mas já contando com várias empresas estrangeiras. O país segue hoje políticas neoliberais, promovendo privatizações e liberaliza-ção da economia, tendo inclusive firmado um acordo de livre comércio com os EUA por um período. Atualmente, a instabilidade política ainda é um entrave para o desenvolvimento econômico, e, apesar de o país possuir um código mineiro, as diretrizes previstas por ele vão mais no sentido de favorecer a entrada de empresas estrangeiras no país (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Assim, Madagascar se posiciona de modo contrário à regulamentação de exploração de recursos energéticos e minerais, por acreditar que isso pode prejudicar os investimentos estrangeiros em seu país.

Com uma economia basicamente agrícola, o Malaui foi considerado o país mais pobre do mun-do em 2013 (CIA, 2014). Ainda que a agricultura seja seu setor mais desenvolvido, o governo pretende expandir as atividades de extração mineral, pois o país também conta com consideráveis reservas de urânio, carvão e minérios raros. Dadas as projeções futuras de grande exploração de minérios, o gover-no adotou uma nova Política Nacional sobre Minerais, e está desenvolvendo marcos regulatórios para prevenir os impactos negativos da exploração e garantir uma distribuição eficiente dos recursos entre o governo central e as comunidades (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

Um dos cinco maiores produtores de ouro da África, o Mali tem uma economia extremamente dependente dos recursos naturais. Desde 1999, o país estabeleceu um Código Mineiro que regulamen-tou a abertura de sua economia a investimentos estrangeiros, o que não garantiu melhoras significati-vas em infraestrutura e em políticas sociais (CAMPBELL, 2004). Apesar de estar entre os 25 países mais pobres do mundo, o Mali experimentou um alto índice de crescimento até o ano de 2011. Depois de um golpe de Estado e do fortalecimento de ações terroristas no norte do território, o país vem, aos poucos, recuperando sua estabilidade, sendo este um dos principais desafios ao seu desenvolvimento econômi-co (CIA, 2014).

As Ilhas Maurício são normalmente consideradas como um país de sucesso econômico pelas instituições financeiras internacionais. A economia do Estado é uma das mais abertas do mundo e tam-bém está entre as maiores recebedoras de investimento direto estrangeiro por habitante (KPMG, 2014a, p. 14). O governo busca facilitar a atuação de empresas estrangeiras no país, impondo praticamente nenhuma exigência sobre elas. A economia das ilhas é baseada no açúcar, no turismo e na produção de têxteis. Desse modo, espera-se que as ilhas Maurício posicionem-se fortemente contra a regulação das atividades de empresas estrangeiras na África, visto que o país considera sua experiência de desenvolvi-mento econômico baseado na liberalização um exemplo de sucesso.

A Mauritânia tem sua economia baseada na exploração de recursos naturais, minérios, agricul-tura e pesca. Metade da população ainda depende da agricultura e pecuária para sua sobrevivência. A riqueza do país assenta-se em minério de ferro, ouro e cobre, e existem pesquisas em curso para pros-pecção de urânio, petróleo bruto e gás natural. A economia da Mauritânia pode ser considerada ampla-mente aberta e receptiva ao capital estrangeiro, sem nenhuma lei discriminatória entre empresas locais e externas (US DEPARTMENT OF STATE, 2014). Assim, espera-se da Mauritânia uma posição contrária à regulamentação do setor extrativista, visto que o país não demonstra nenhum interesse em aumentar a cobrança de impostos ou a participação de seus cidadãos na exploração desses recursos.

Moçambique é um país com imenso potencial no setor extrativo, o que inclui a exploração de minérios e recursos energéticos. A exploração no país começou apenas em 2000 e a descoberta de re-servas de gás no território data de 2012 (se espera um crescimento elevado dessas reservas no médio prazo). As reformas econômicas após a guerra civil conseguiram atrair o investimento direto estrangeiro (IDE) e o país cresceu a altas taxas na última década. De modo geral, não há em Moçambique uma exi-gência de que seus cidadãos tenham participação em atividades de empresas externas. Entretanto, uma

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nova lei sobre parcerias público-privadas e concessões exige que de 5 a 20% do capital social do projeto em questão seja moçambicano (KPMG, 2014b, p. 16). Além disso, o programa de desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas, feito pelo governo em parceria com as multinacionais, busca criar víncu-los entre o capital estrangeiro e o local, de modo que este seja contratado para serviços nas atividades mineradoras (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013, p. 158). Desse modo, é possível dizer que o país é favorável à regulação da exploração de recursos naturais, desde que mantenha o fluxo de IDE, ao mesmo tempo em que deseja aumentar a arrecadação de impostos no país.

A democracia na Namíbia é dominada pelo partido socialista hegemônico, a Organização do Povo do Sudoeste Africano. Entretanto, a economia do país vem evoluindo no sentido de abertura e li-beralização. Diamante e o urânio são os dois minerais mais relevantes no país, mas a recente descoberta de reservas de gás e petróleo coloca a Namíbia no mapa geopolítico dos hidrocarbonetos. Além disso, existem planos de incrementar o beneficiamento dos minerais dentro do país, deixando, por exemplo, de exportá-los na forma bruta, que vale menos, e ampliando o polimento anterior à exportação. Entre-tanto, o país não é membro da Iniciativa pela Transparência das Indústrias Extrativas, necessitando de melhores marcos regulatórios para essas atividades, que possam ajudar no crescimento econômico inclusivo e na geração de empregos (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013, p. 160). Embora as leis do país garantam igualdade de tratamento entre empresas estrangeiras e nacionais, o governo guarda para si o direito de requerer que haja participação local na exploração de certos minerais estratégicos. Em 2011, foram declarados estratégicos os minerais urânio, diamante, cobre, ouro e alguns metais terrosos (KPMG, 2014c, p. 14). Desse modo, pode-se considerar que a Namíbia é favorável à regulamentação da presença estrangeira na África, embora tenha interesse em manter o investimento externo crescendo.

O Níger é um país com abundância de petróleo, gás e minérios, incluindo urânio, ouro, carvão e ferro, entre outros. O principal explorador de urânio no país é o grupo francês Areva, presente no Níger por mais de meio século, que realiza suas operações através das companhias nigerinas Somair, Cominak e Imouranen AS. A abertura de novas minas tende a tornar o Níger o segundo maior produtor de urânio do mundo, sendo que se espera também que a produção de ouro e carvão expanda-se significativamen-te nos próximos anos (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013, p. 161). A exploração de petróleo é nascen-te e a maior parte das concessões foi feita à China. O governo deseja renegociar as leis de exploração no setor de minerais e, portanto, o Níger tem uma posição favorável à melhoria na regulação dessa área.

Tendo se tornado a maior economia africana em 2014, a Nigéria é o maior exportador de petró-leo bruto da África e décimo maior do mundo (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013, p. 163). Embora tenha afrouxado o controle sobre o fluxo de capital estrangeiro, o governo nigeriano continua sendo considerado protecionista e exige, através da Lei de Conteúdo Local (2010), que empresas atuando no setor de gás e petróleo usem de bens e serviços produzidos localmente, para estimular a indústria nacional (KPMG, 2014d, p. 29-30). Além disso, a participação de empresas estrangeiras é limitada nesse setor: elas não podem possuir 100% das ações do projeto e são circunscritas a joint ventures e acordos de coprodução. Afora questões de cunho mais econômico, é importante mencionar que a Nigéria sofre recorrente ataque de grupos terroristas, inclusive sobre a infraestrutura petrolífera do país. Apesar disso, o país não deseja a interferência externa em suas questões de segurança. Em suma, a Nigéria é um país favorável à regulação da exploração de recursos naturais por companhias estrangeiras. Considerado um líder em sua região e mesmo para todo o continente, espera-se que a Nigéria tenha um papel bastante ativo na Assembleia.

O Quênia é a economia mais dinâmica e industrializada da África Oriental, e um importante ponto de atração de investimento estrangeiro. Desde sua independência, o país é considerado como bastante aberto ao exterior e como uma economia liberalizada. Embora a economia queniana seja, até o momento, dominada pelo setor de serviços, especialmente o turismo, essa situação começa a mudar com a recente descoberta de petróleo, gás, minérios e carvão no país. Uma nova lei foi aprovada em 2014 referente à atividade mineradora, buscando atrair empresas estrangeiras. Ainda assim, o setor de infraestrutura, que inclui energia, é um monopólio do Estado (KPMG, 2014e, p. 18), deixando em aberto o futuro da exploração na área, ou seja, se será privatizado ou não. Apesar do potencial energético e mineral citado e também da recente diversificação da política externa queniana, aproximando-se de países como China e Índia, não é de se esperar que o Quênia defenda a regulamentação severa de em-presas estrangeiras no continente. O Quênia continua sendo um aliado estratégico do Ocidente na luta contra o terrorismo, e por isso recebe muita ajuda em cooperação na área militar, tendo inclusive bases de apoio aéreo para os EUA em seu território. Sua relação com o Ocidente deve ser determinante no seu posicionamento na discussão (GERBASE, 2013, p. 2).

A República do Congo é substancialmente rica em recursos naturais, sendo a quinta maior pro-dutora da África Subsaariana. Cerca de 80% do que é arrecadado pelo governo vem das rendas do pe-tróleo, o que permitiu ao Estado alavancar um programa de investimentos em infraestrutura e energia, do qual se espera uma maior diversificação da economia nacional (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK,

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2013, p. 112). Nesse sentido, o governo mostra-se relativamente consciente de que a riqueza em recur-sos pode ser convertida em esforços na redução da pobreza e mudança estrutural da economia. Assim, a República do Congo deve posicionar-se a favor da regulamentação da exploração de minerais por empresas estrangeiras.

As ilhas de São Tomé e Príncipe compõem um dos menores países do continente africano. O país sempre foi economicamente dependente da produção e exportação de cacau. Entretanto, na déca-da de 2000, o cenário mudou com a descoberta de petróleo offshore na Zona Econômica Exclusiva51 e na Zona de Desenvolvimento Conjunto com a Nigéria. Ainda em fase de prospecção, a previsão é que haja produção de petróleo a partir de 2016. Desde a descoberta, o governo passou a introduzir uma série de legislações para assegurar que os recursos do petróleo sejam bem alocados, cristalizadas na Lei de Gestão Nacional Petrolífera, de 2004, e na Lei Nacional do Petróleo de 2009 (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). A principal medida foi a criação de uma Conta Nacional do Petróleo para acumular os rendimentos do recurso energético. Nesse momento, São Tomé e Príncipe busca criar um clima de segurança para atrair investimentos estrangeiros. Por isso, está buscando tomar medidas em direção à maior transparência na área de energia do governo (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2012). Por outro lado, é importante que seja assegurado que os rendimentos econômicos do petróleo sejam direcionados a sanar as debilidades econômicas do país e para financiar o orçamento do governo. Por isso, São Tomé e Príncipe posiciona-se favoravelmente à criação de uma regulação mínima, por parte da União Africana, para ajudar a assegurar que haja regras básicas de exploração dos recursos, e se crie um clima de segu-rança para os investimentos estrangeiros.

Assim como São Tomé e Príncipe, Senegal tem tomado medidas para aumentar o nível de trans-parência nos seus setores energéticos e de mineração. O país tem relações crescentes com países emer-gentes como China, Brasil e Irã, além da França, sua ex-metrópole, que continua sendo sua maior par-ceira econômica e detentora de diversas empresas transnacionais que atuam no país (KPMG, 2012). O país destaca-se, no continente africano, pelo seu grau de liberalização no que tange às empresas transnacionais e à presença de potências extrarregionais: não há distinção entre empresas nacionais e estrangeiras, e o Estado oferece processos econômicos livres de impostos para incentivar a entrada de capital estrangeiro. O governo parou de investir em setores estratégicos da economia para abrir espaço para o capital privado (USA INTERNATIONAL BUSINESS PUBLICATIONS, 2003), e, recentemente, inves-timentos externos têm aumentado no setor de mineração (KPMG, 2012). Assim, o país posiciona-se de maneira desfavorável à criação de uma maior regulação acerca da exploração dos recursos naturais.

A Serra Leoa tem um potencial bastante considerável para exploração de ferro, dadas suas gran-des reservas. Segundo estimativas, nas próximas décadas o país deve exportar entre 45 e 75 milhões de toneladas de ferro por ano (KPMG, 2013). O país também conta com importantes reservas de diamante, bauxita, platina e níquel (principal metal de que são feitas as moedas). Ainda hoje, o setor minerador concentra a maior quantidade de investimento externo direto (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT, 2010). Serra Leoa ainda sofre sérias consequências da guerra civil, a qual terminou em 2002, e está buscando se reconstruir. O setor petrolífero do Estado, ainda que pequeno, cresce rapidamente, e, juntas, as receitas da exploração de petróleo, gás natural e mineração já somam 17% do PIB (EITI, 2014). Nos últimos anos, os investimentos feitos por países africanos vizinhos têm crescido consideravelmente no país (UNCTAD, 2010); contribui para isso o fato de Serra Leoa favorecer as relações com países como Costa do Marfim, Libéria e Guiné, entre outros componentes da Comu-nidade Econômica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) (UNCTAD, 2010). Além disso, a China tem se estabelecido como importante parceiro comercial, principalmente nas áreas de desenvolvimento industrial (UNCTAD, 2010). Ainda que a Serra Leoa não tenha restrições a investimentos estrangeiros em seus recursos naturais, o país busca por diversificação de parceiros internacionais, levando em conta as melhores contrapartidas para seu desenvolvimento, e sendo favorável à existência de uma regulação acerca da exploração dos recursos naturais.

A República Democrática do Congo é um dos países mais ricos do mundo em termos de recur-sos minerais, e sua indústria extrativista representa, sozinha, mais de 10% PIB. Sua bacia sedimentar con-tém mais de 1.100 tipos de minerais, incluindo 30% das reservas mundiais de diamante, 60% das reservas de cobalto e 10% das reservas de cobre (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013, p. 110). Recentemente, importantes reservas de petróleo também foram encontradas no país. Os abundantes recursos naturais congoleses já foram fonte de crescimento econômico na segunda metade do século XX, bem como tam-bém foram algumas das principais motivações e causas das duas grandes guerras civis que o país viveu nas últimas décadas, que contaram com participação de potências extrarregionais, atores não-estatais

51 Zona Econômica Exclusiva é um espaço marítimo, geralmente de 200 milhas de extensão a partir da costa maríti-ma, no qual os países têm o direito de explorar os recursos vivos e não-vivos.

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e países africanos vizinhos. Nos últimos anos, a República Democrática do Congo vem aprovando uma série de legislações e regulamentações para ter um melhor controle sobre seus recursos. Exemplos disso são a Iniciativa de Transparência nas Indústrias Extrativas (ITIE), de 2009, que busca alcançar um nível maior de transparência e eficiência nas indústrias, o novo código de mineração, aprovado em 2000, e os acordos de mineração, aprovados em 2007. Além disso, em 2012, o governo atualizou uma série de legislações acerca de petróleo e mineração com o objetivo de tornar os contratos mais rigorosos, menos danosos às comunidades locais e mais proveitosos para o país (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Portanto, a República Democrática do Congo posiciona-se favoravelmente a um maior grau de regula-ção em termos de recursos naturais no continente africano.

Na década de 1990, Ruanda passou por uma das mais terríveis guerras civis do século XX. Os úl-timos anos, entretanto, tem mostrado uma nova realidade no país. O setor de mineração tem ganhado bastante destaque, e o nível de investimentos nos recursos minerais é crescente. No setor, destaca-se a exploração de ouro e tungstênio, mineral importante para a construção de materiais duros e ligas de aço. Mais de 57% dos projetos de mineração registrados atualmente em Ruanda estão nas mãos de in-vestidores estrangeiros, enquanto somente 21% são controlados por joint ventures entre atores estran-geiros e nacionais (KPMG, 2013). Ainda segundo KPMG (2013), Ruanda tem conseguido um maior nível de investimentos externos porque aderiu a uma série de regulamentações internacionais. Além disso, o país tem buscado uma maior diversificação econômica, principalmente para suas exportações, afinal, ainda hoje 77% dos recursos do Estado advêm dos recursos naturais (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Por outro lado, Ruanda não tem nenhuma legislação prevendo níveis de regulação ou diferen-ciando empresas nacionais ou estrangeiras (US DEPARTMENT OF STATE, 2014). Assim, o país posiciona--se contrariamente ao estabelecimento de regulação da exploração de recursos petrolíferos e minerais.

A Somália é conhecida como um dos países com menores índices de governança do mundo. Ainda que possua alguns minérios específicos, o país não tem grandes quantidades de recursos minerais ou petrolíferos, e sua economia depende basicamente de setores de agricultura e telecomunicações. A Somália não tem um grande nível de regulação sobre a exploração dos recursos e, assim, posiciona-se desfavoravelmente a uma maior regulação sobre as atividades econômicas.

O Reino da Suazilândia, um dos menores países do mundo, é uma monarquia, com todos os poderes subordinados ao rei. Em matéria de política externa, a Suazilândia tem relações diplomáticas consolidadas com Estados Unidos, Israel e África do Sul (VISENTINI, 2012b). O país é rico em carvão e diamantes, mas possui várias dificuldades de atração de investimentos em mineração, devido ao alto grau de nacionalização do capital (50% com investidores privados, 25% com o rei e 25% com o gover-no). Em 2011, o país criou as leis de Minas e Minerais e de diamantes, mais liberalizantes, como esforço para atração de investimento estrangeiro; porém, essas leis não incluem as questões referidas acima, permanecendo alto grau de nacionalização do setor petrolífero (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

O Sudão do Sul é o mais novo país do sistema internacional, tendo surgido em 2011, após anos de guerra civil no Sudão entre o norte islâmico e o sul cristão e animista. A mineração e a extração de petróleo constituem suas principais fontes de renda, correspondendo a 90% da receita do país (que possui reservas comprovadas de 7.000 barris) (VISENTINI, 2012b). O Sudão do Sul ficou com cerca de 80% dos poços do antigo país em seu território; no entanto, o Sudão possui a estrutura de refino e do transporte ao Mar Vermelho. Devido a desentendimentos sobre a partilha das receitas do petróleo e os conflitos armados, o Sudão do Sul parou sua produção por diversas vezes nos últimos anos. Referente a leis e políticas, com a recente independência do país e a instabilidade política, ainda estão por serem definidas ou acordadas muitas questões relacionadas à legislação do petróleo. Em 2012, o Sudão do Sul aprovou a Lei do Petróleo, com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo e usar essas receitas para apoiar o desenvolvimento de outros setores, além de promover a transparência na gestão do petró-leo, melhorar prestação de contas governamental e prevenir a corrupção (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2014). A Lei do Petróleo estabeleceu também a Nilo Petroleum Corporation (Nilepet), empresa nacional de petróleo sul sudanesa. No final de 2011, o Sudão do Sul nacionalizou ativos da Su-dapet (empresa nacional de petróleo do Sudão) e transferiu-os para Nilepet. As empresas nacionais de petróleo da Ásia dominam os setores de petróleo no Sudão do Sul, e a Nilepet é normalmente acionista minoritária na maioria nos consórcios de exploração de petróleo (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINIS-TRATION, 2014).

O Sudão passa por grandes mudanças atualmente com a perda de seu território no sul após a independência do Sudão do Sul. Cerca de 80% do petróleo do antigo território estão localizados nessa região, agora autônoma e independente; ao mesmo tempo, o norte tem a maioria dos oleodutos que escoam o combustível para o mar Vermelho, além de refinarias. Os dois lados já assinaram acordos de cooperação em uma série de questões pós-independência, como a receita de partilha de produção e a demarcação de fronteiras. No entanto, isso não foi suficiente para solucionar as questões do petróleo entre os dois países. O maior parceiro comercial do Sudão é a China, a qual, antes da separação do Su-

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dão do Sul, era compradora de 65% das exportações sudanesas, e principal acionista em quase todos os consórcios de exploração petrolífera no país. O Ministério das Finanças e da Economia Nacional (MO-FNE) regula as operações de refino domésticas e as importações de petróleo, e a Sudanese Petroleum Corporation (SPC) é responsável pela exploração, produção e distribuição de petróleo e produtos petro-líferos brutos, de acordo com os regulamentos estabelecidos pela MOFNE (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2014). O Sudão ainda não se comprometeu em aumentar a abertura e transparência da gestão dos recursos naturais (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

A Tanzânia tem recursos naturais abundantes, sendo o terceiro maior produtor de ouro da Áfri-ca. Além disso, desde 2000 o país extrai gás natural (VISENTINI, 2012b). Com promulgação da Lei de Mineração em 2010, aumentando os impostos em minérios (como o ouro), de 3% a 4% e introduzindo uma disposição para o Governo adquirir participação em projetos futuros, é esperada a correção de problemas referentes aos ganhos fiscais da mineração. Com relação à grande descoberta de gás natural, o governo tanzaniano, em 2012, elaborou uma política que visa, com a criação de um fundo soberano a partir dos ganhos fiscais na produção do gás natural, orientar o desenvolvimento da indústria de gás e assegurar que os benefícios sejam maximizados, contribuindo para transformação econômica do país (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Ou seja, a Tanzânia é defensora, dentro da União Africana, de uma maior regulamentação do setor minerador.

O Togo é um dos maiores produtores de fosfato na África, sendo essa sua maior fonte de divisas (40% das receitas de exportação). O país também possui petróleo offshore descoberto recentemente (VISENTINI, 2012b), cuja procura e prospecção foram concedidas, através de licenças, para a multinacio-nal italiana ENI. Nos últimos anos, o governo vem promovendo uma revisão no código de mineração e na legislação em vigor, introduzindo novas regras fiscais, como a criação de uma lei que exige que todos os operadores de recursos minerais contribuam para o desenvolvimento local, e promovendo maior transparência no setor (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013); no entanto, a participação de empresas nacionais togolesas no setor não são obrigatórias. O Togo também integra a CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), além de possuir relações estreitas com a França, depen-dendo muito dos investimentos desse país.

Apesar de a Tunísia não ter quantidades de recursos minerais comparáveis com os países da região, vem desenvolvendo significativamente suas exportações de minerais. Em 2011, o setor de mine-ração (liderado pelo fosfato) contribuiu com 7,5% do PIB e 10% das exportações (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Além de minérios, a Tunísia possui poços de petróleo e gás natural em menor escala. A atual legislação tunisiana liberalizou importantes operações no setor de mineração, dando exoneração fiscal para reinvestimento de 35% do lucro, e permitindo também à empresa estrangeira participação de até 49% no capital de empresas tunisianas. A Tunísia integra a União do Magreb Árabe (UMA)52 e pos-sui um Acordo de Associação com a União Europeia, no qual o país retirou as tarifas sobre o comércio bilateral, tornando-se o primeiro Estado da região a entrar em uma zona de livre comércio com a UE (BRASIL, 1997).

Devido à atual estabilidade política do país, a Uganda vem tendo um crescimento econômico estável nos últimos anos, sendo seu principal produto de exportação o café. Além disso, o país integra o COMESA53 (Mercado Comum da África Oriental e Austral) e a CAO (Comunidade da África Oriental54), além de ser um grande aliado norte-americano na região (VISENTINI, 2012b). Surgiram fortes expectati-vas de novas melhorias econômicas em Uganda após a descoberta de petróleo no lago Albert, em 2006, com perspectivas de produção para 2016. Até hoje, a Uganda não possui uma Lei do Petróleo, de modo que não há informação sobre as atividades das empresas exploradoras, nem sobre o funcionamento das instituições públicas responsáveis, como a Companhia Nacional do Petróleo, que acabou de ser criada (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Ou seja, a legislação no país sobre recursos naturais é muito incipiente, sem haver interesses do governo em uma maior regulamentação do setor.

52 A União visa à cooperação social, cultural e econômica entre os Estados-membros, além de políticas comuns, na busca do desenvolvimento industrial, agrícola, comercial e social dos cinco países: Argélia, Tunísia, Líbia, Marrocos e Mauritânia. No entanto, divergências sobre a independência do Saara Ocidental entra Marrocos e Argélia dificulta a cooperação dentro da União (VISENTINI, 2012b).

53 Visa a integração econômica, via área de comércio preferencial, com redução gradual de taxas alfandegárias e outras barreiras não-tarifárias, buscando a transformação em Mercado Comum. Competição com outro processo de integração, o SADC. Os Estados-membros são Burundi, Comores, República Democrática do Congo, Djibuti, Egito, Er-itreia, Etiópia, Quênia, Líbia, Madagáscar, Malawi, Maurício, Ruanda, Seychelles, Sudão, Suazilândia, Uganda, Zâmbia e Zimbábue (VISENTINI, 2012b).

54 É uma organização intergovernamental das repúblicas do Quênia, Uganda, Tanzânia, Burundi e Ruanda, com o objetivo de aprofundar a cooperação entre os Estados-membros nos campos político, econômico e social, entre outros, como forma de contribuir para o seu desenvolvimento.

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A Zâmbia é uma nação rica em minérios, sendo que a parte norte do país possui o cinturão do cobre (cerca de 80% das exportações totais do país), que a torna a maior produtora de cobre da África. Em 2010, a Zâmbia e a China assinaram um acordo de cooperação na mineração, vindo o país a receber grandes investimentos chineses (VISENTINI, 2012b). Devido à recuperação do setor do cobre, a Zâmbia reformou o seu código fiscal em 2008 para apreender uma maior percentagem da receita: a Lei das Minas e dos Minerais é uma legislação uniformemente aplicável que deixa menos espaço para compor-tamentos de cartel por parte de empresas estrangeiras (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Além de oferecer benefícios fiscais, a mineração pode levar a uma maior industrialização da Zâmbia, sendo de suma importância a regulação de sua exploração.

O Zimbábue é dotado de recursos naturais abundantes, tendo no seu subsolo ouro, carvão, co-bre, níquel, amianto, ferro e diamantes. Além disso, o Zimbábue possui 80% da produção mundial do cromo (principal produto de sua economia), de qualidade metalúrgica, e também abriga a segunda maior reserva de platina do mundo. Além de grande parte das mineradoras serem nacionalizadas, o país possui a Lei de Indigenização e Empoderamento Econômico, que dita que as mineradoras estran-geiras devem transferir 51% de suas ações para indivíduos ou entidades locais (AFRICAN ECONOMIC OUTLOOK, 2013). Isso se dá pelo fato de as jazidas minerais serem limitadas, sendo obrigação do go-verno nacional garantir que a sua exploração beneficie a população do país. Portando, o Zimbábue é um grande defensor da criação de uma regulação, por parte da União Africana, para a exploração de recursos naturais no continente africano.

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ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS)

Exploração de petróleo nas Plataformas Continentais

Giovana Esther ZucattoGraduanda do 9º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Jéssica da Silva HöringGraduanda do 9º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

João Paulo AlvesGraduando do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Michelle BaptistaGraduanda do 7º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Thales MachadoGraduando do 5º semestre de Relações Internacionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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ISSN: 2318-6003 | v.3, 2015 | p.246-267 ZOPACAS 247

INTRODUÇÃO

A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) foi criada através da Resolução 41/11 da Assembleia Geral da ONU, em 27 de outubro de 1986. Este fórum foi criado durante a Guerra Fria, como contraposição à corrida armamentista e nuclear na região. Portanto, a ZOPACAS constitui um espaço de cooperação entre os países africanos e sul-americanos que são banhados pelo Oceano Atlântico Sul, com o objetivo de manter a paz e a segurança, mantendo a região livre de influência militar estrangeira e intervenções externas.

Durante a época em que a organização foi criada, havia uma proposta de criar uma outra orga-nização na região, a Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS), sugerida pelos Estados Unidos e pela África do Sul, que durante este período passava pelo regime do apartheid. Em razão dos des-dobramentos da Guerra Fria no continente Africano, principalmente na guerra civil de Angola, seria muito vantajoso para os interesses dos Estados Unidos criar uma organização semelhante à OTAN e que seria composta por importantes países africanos e sul-americanos. A Guerra das Malvinas, envolvendo Argentina e Inglaterra, foi o ponto de partida para o estabelecimento da ZOPACAS, quando os Estados Unidos optaram por apoiar a Inglaterra e romperam com o acordo de assistência recíproca que existia entre os países do continente Americano, segundo o qual os EUA deveriam apoiar a Argentina na guerra.

A ZOPACAS possui 24 países membros: África do Sul, Angola, Argentina, Benin, Brasil, Cabo Ver-de, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai. As decisões adotadas durante os Encontros da ZOPACAS são planos de ação, os quais devem ser consensuais.

1. HISTÓRICO

1.1. DAS GRANDES NAVEGAÇÕES À ASCENSÃO DA INGLATERRA NO ATLÂNTICO SUL

Nos séculos XV e XVI, os europeus – principalmente os portugueses e espanhóis – lançaram-se aos oceanos Índico, Pacífico e Atlântico para explorar novas rotas marítimas e novas terras. Portugal, em especial, dispondo de condições políticas e geográficas favoráveis1 aos empreendimentos marítimos, deu início às grandes expedições exploratórias, tendo como objetivo chegar à Índia, o que se realizou através da rota marítima que contorna a África, o Cabo da Boa Esperança (ALENCASTRO, 2000).

Durante as expedições, Portugal procurava assegurar o monopólio2 de suas conquistas. Seu ob-jetivo não era ocupar e conquistar novos territórios, mas sim estabelecer uma rede de postos militares e de comércio com a finalidade de comercializar mercadorias destinadas à Lisboa e à Europa (PENHA, 2011). Além disso, as ilhas do Atlântico Sul ganharam um papel de importância, uma vez que essas serviriam como plataforma de manutenção da “Rota das Índias”; em outras palavras, as ilhas serviriam como um local de parada e abastecimento das caravelas portuguesas. Isso se deu através da tentativa de estabelecer um elo intercontinental, juntando o continente aos arquipélagos de Madeira e Açores. Posteriormente, as ilhas de Tristão da Cunha, Ascensão, Santa Helena e o Arquipélago de Cabo Verde serviram para os mesmos fins (PENHA, 2011).

No final do século XVI, Portugal passou a investir no desenvolvimento do comércio açucareiro, a partir do estabelecimento de um sistema de produção agroindustrial de açúcar no nordeste do Brasil (ALENCASTRO, 2000). Assim, o Atlântico Sul passou a ser movimentado em ambos os lados, servindo de elo entre a África e o Brasil através da exportação portuguesa de escravos do Golfo da Guiné3 para

1 Portugal formou um Estado centralizado em um curto tempo e o país gozava de uma posição geográfica privi-legiada no litoral, o que o transformou em ponto de chegada e saída de muitas embarcações. Cabe ainda ressaltar que Portugal também contava com a presença de vários navegadores, cartógrafos, astrônomos, matemáticos e con-strutores, que se reuniam em torno do aprimoramento das técnicas de navegação, formando a chamada Escola de Sagres.

2 Monopólio é a exploração e venda sem concorrentes de um negócio ou indústria. Ou seja, deter monopólio é a situação em que uma única empresa domina a oferta de determinado produto ou serviço.

3 O Golfo da Guiné é a faixa localizada na parte ocidental do continente Africano e inclui oito países: Angola, Camarões, Congo, Guiné Equatorial, Nigéria, Gabão, República Democrática do Congo e São Tomé e Príncipe (Escorrega 2010).

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trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar brasileiras. Enquanto isso, na costa ocidental africana, além da exportação de escravos, desenvolveu-se o sistema de plantations4, que estruturou um arquipélago produtivo formado por unidades agrícolas, corredores de escoamento e terminais de exportação dos bens tropicais (MONIÉ, 2012).

A partir do século XVII, a produção açucareira no Brasil colonial foi substituída pela produção au-rífera na região de Minas Gerais. Essa transição causou um impacto nas relações comerciais entre Brasil e Portugal, uma vez que este vai passar a sofrer concorrência da Holanda e da Inglaterra (MONIÉ, 2012). Esta concorrência fez com que a administração colonial portuguesa, sob a responsabilidade, à época, do Marquês de Pombal, passasse a interferir no comércio atlântico através da criação, respectivamente em 1755 e 1759, da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão e da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (PENHA, 2011). Todavia, Portugal continuou enfrentando concorrência, principalmente da In-glaterra, o que influenciou no fracasso destas companhias (PENHA, 2011).

O Atlântico Sul passou a ser palco de acirradas disputas entre Portugal e outras potências euro-peias, as quais tinham interesse em controlar as ilhas das rotas do Cabo e da Passagem de Drake, loca-lizada na parte meridional da América do Sul. Sobre as primeiras, em especial, após serem controladas inicialmente por Portugal, foram sucessivamente repassadas para a Holanda, em 1622, e posteriormente à Inglaterra em 1806. Por fim, com o desmantelamento do comércio dos dois lados do Atlântico Sul, somado às pressões diplomáticas exercidas contra o tráfico negreiro e seu poder naval, a Inglaterra emergiu como grande força marítima na região (PENHA, 2011).

Em síntese, essa emergência se deu através de duas formas de domínio na região do Atlântico Sul. Na primeira forma, destaca-se o domínio inglês das ilhas de Ascensão, Santa Helena e Tristão da Cunha. Essas ilhas serviam como uma espécie de trampolim à América do Sul, além de serem uma base de apoio para os britânicos colonizarem a Cidade do Cabo, na atual África do Sul, e a Índia. Em seguida, houve a valorização da passagem de Drake e de Cabo Horn – que serviam de ligação entre o Atlântico e o Pacífico (PENHA, 2011). A segunda forma de domínio britânico ocorreu através da tentativa de abo-lição do comércio entre Brasil e África. A Inglaterra tentou intervir através de Tratados assinados com o Brasil, como o Tratado de Aliança e Amizades e o Tratado de Comércio e Navegação, ambos de 1810: o primeiro previa a abolição gradual do comércio de escravos e o segundo facilitava a entrada de produ-tos ingleses no Brasil com uma tarifa aduaneira exclusiva de somente 15%, enquanto os demais países precisavam pagar uma porcentagem maior. Apesar da resistência5, o Império extinguiu o comércio de escravos, em 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, que marcou a ruptura das relações do Brasil imperial com o continente africano.

Figura 1: Rotas marítimas abertas pelos portugueses

Fonte: Penha (2011)

4 Plantation é um sistema agrícola que foi bastante utilizado durante a exploração colonial entre os séculos XV e XIX. Consiste em quatro características principais, sendo elas: grandes latifúndios, monocultura, trabalho escravo e exportação da produção para a metrópole.

5 O Tratado de Aliança e Amizade ficou conhecido como “Lei para Inglês ver”, uma vez que, apesar da imposição inglesa, o Brasil continuou o comércio de escravos até 1850.

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Figura 2: Atlântico Sul sob o domínio inglês

Fonte: Penha (2011)

1.2. A REVALORIZAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL E CONFLITOS NA REGIÃO

O Atlântico Sul, contudo, sofreu uma forte marginalização após a construção do Canal de Suez (1869) e do Canal do Panamá (1914)6, uma vez que estes provocaram um desvio volumoso do fluxo de comércio que antes passava pela porção sul do Atlântico (HORING, WEBER e CLOSS, 2014). Durante a Segunda Guerra Mundial, esse cenário voltou a mudar, e a região passou, novamente, a desempenhar um papel fundamental, principalmente na logística dos aliados7. Por sua proximidade relativa com a África, o Nordeste brasileiro se constituía num alvo provável de uma eventual invasão da América do Sul e, ao mesmo tempo, representava um local ideal para a partida de aeronaves que se dirigissem à África (MOURA, 1980). Além disso, o Brasil produzia e transportava matérias-primas estratégicas para aos aliados. Dessa forma, o saliente nordestino do Brasil e a formação da ponte aérea Natal-Dacar para o envio de suprimentos aos principais espaços de guerra deram ao governo brasileiro poder de barganha durante o conflito (HORING, WEBER e CLOSS, 2014).

Os recursos presentes na região passaram a ser, portanto, mais uma das causas de tensões. Um exemplo é a Guerra da Lagosta, em 1963, um conflito diplomático que se deu entre França e Brasil. A origem da disputa foi a captura ilegal, através de navios de pesca franceses, de lagostas nas águas territoriais8 brasileiras – ou seja, de soberania do país –, mais especificamente na região do Nordeste (LESSA, 1999). O conflito foi resolvido sem nenhum confronto militar direto, mas exemplifica o problema recorrente sobre a exploração de recursos marinhos na plataforma continental, como será tratado mais adiante nesse guia.

Todavia, o maior conflito da região envolveu o arquipélago das Malvinas. Formada por duas ilhas principais, Soledad e Gran Malvina, aposta-se que a região seja rica em petróleo e outros recursos natu-rais. Desde 1993, a British Geological Survey vem fazendo levantamentos geológicos na área, e hoje já se estima que haja 3,5 milhões de barris de petróleo offshore9 nas ilhas (PEREZ, 2011). Cabe ainda lembrar

6 Canais são construídos com a finalidade de estabelecer ligação entre rios, mares e lagos.

7 Os aliados da Segunda Guerra Mundial eram a União Soviética, Estados Unidos, França e Reino Unido.

8 Ler sobre a “Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar” na seção “Ações Internacionais Prévias”.

9 A palavra offshore indica estar localizado em alto mar.

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a proximidade das ilhas em relação à Antártida: os países que se encontram nessa posição reclamaram soberania sobre uma porção do continente, assim o Reino Unido se valeu do argumento de as Malvinas estarem próximas à Antártida para demandar por uma porção da região. Atualmente, muito embora tais reivindicações não sejam mais permitidas a partir do Tratado de Antártida de 195910, manter a posse das ilhas significa a perspectiva futura de voltar a reivindicar territórios da região quando o tratado se encerrar (KERR, 2010).

Dito isso, as Malvinas têm sido causa de tensões desde seu descobrimento no Atlântico Sul. Os primeiros a dominarem as ilhas foram os franceses em 1764; entretanto, após contestação, a ilha passou para o domínio da Espanha em 1767. Cabe ressaltar que ainda em 1765, após a chegada do inglês John Byron nas ilhas, a Inglaterra passou também a solicitar soberania sobre as Malvinas. Sob esse contexto, ficou acordado que a Inglaterra poderia ficar em Port Egmond, contanto que o direito de soberania espanhola sobre o arquipélago não fosse afetado (MARTIN, 1995). Somente anos mais tarde, em 1820, a Argentina declarou soberania sobre as ilhas. Entretanto, onze anos depois, após uma série de tensões entre Argentina e Estados Unidos, estes se envolveram no conflito, expulsando os colonos argentinos que haviam se estabelecido na região. Muito embora as colônias argentinas tenham sido reestabeleci-das, em 1833 elas foram mais uma vez destruídas, dessa vez pelos ingleses que desembarcaram nas ilhas e reivindicaram sua soberania à Londres. Desde então, as Ilhas Malvinas têm estado sob domínio do Rei-no Unido, ainda que a Argentina insista em reivindicar seu direito sobre o arquipélago (MARTIN, 1995).

A disputa permaneceu em âmbito diplomático, através das Nações Unidas (ONU), até a década de 1980. Entretanto, uma vez que não houve acordo, a Argentina partiu para a iniciativa militar, invadindo as ilhas Malvinas, Sanduíche do Sul e Geórgia do Sul, todas sob domínio inglês. Além da contraofensiva militar, o Reino Unido anunciou ainda um bloqueio de 200 milhas náuticas no entorno da ilha, notifi-cando que iria afundar quaisquer navios argentinos que adentrasse nessa área (MARTIN, 1995). Durante dois meses e cinco dias, a Argentina lutou contra as forças britânicas nas Malvinas. Apesar das vantagens geográficas pela proximidade do território continental, a Argentina não logrou vitória e, em 14 de junho de 1982, o Reino Unido reestabeleceu domínio total sobre o arquipélago.

1.3. POTENCIAL ENERGÉTICO E DESCOBERTA DO PRÉ-SAL

Desde a década de 1990, têm sido descobertos hidrocarbonetos nos dois lados do Atlântico Sul. Na costa ocidental africana, o primeiro país a descobrir petróleo na sua plataforma continental foi a República do Congo, em 1951. Entretanto, a valorização das jazidas africanas só ocorreu durante a do-minação colonial pela qual a África passou (MONIÉ, 2012). Como se pode observar na tabela a seguir, muito embora o Congo tenha sido o primeiro país a descobrir petróleo em seu território, o Estado só começou a explorá-lo em 1957.

Tabela 1: Petróleo na África Ocidental

Ano da primeira descoberta de gás e/ou petróleo

Ano da primeira produção

Reservas de petróleo em 2009 (bilhão de barris)

Produção de petró-leo bruto em 2009 (1000 barris/dia)

ReceitaReserva/produção

Angola 1955 1956 9,0 1.906,4 12,9

Camarões 1955 1978 0,2 76,9 7,7

Congo 1951 1957 1,6 267,8 16,4

RDC 1970 1975 0,2 16,4 33,4

Guiné Equatorial

1991 1992 1,1 322,0 9,4

Nigéria 1956 1958 36,2 2207,8 44,9

Gabão 1956 1957 2,0 242,1 22,6

São Tomé e Príncipe

2006 2012 0,0 0,0 0,0

Fonte: (UKEJA e ELA, 2013)

10 O Tratado da Antártida foi assinado em 1959, tendo como objetivo manter a região livre de disputas e discórdia militar. Para isso, a Antártida somente pode ser usada para fins pacíficos através da cooperação internacional na pesquisa científica (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 201-)

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À medida em que a demanda por hidrocarbonetos nos países centrais foi aumentando, os in-vestimentos de multinacionais europeias e norte-americanas nos países africanos foi se intensificando. Nesse cenário, as firmas British Petroleum, na Nigéria, e ChevronTexaco em Angola, destacam-se como os principais atores da análise e da exploração do petróleo na sua forma bruta (MONIÉ, 2012). Essas em-presas também foram responsáveis pela instalação de sítios de produção e de redes técnicas de trans-porte, armazenagem e exportação nos países petrolíferos. Contudo, foi somente durante a globalização da economia e da indústria de petróleo que a África ascendeu como região petrolífera de interesse mundial (MONIÉ, 2012).

Já do outro lado do Atlântico, ocorreu a fundação da empresa responsável pelas principais des-cobertas de petróleo no Brasil: a Petrobrás. Impulsionada pela campanha popular “O Petróleo é Nosso” – que teve duração de 07 anos –, a empresa foi fundada no dia 3 de outubro de 1953 através da lei 2004/1953, durante o governo de Getúlio Vargas. As instalações da empresa foram concluídas um ano depois, tendo sua sede localizada na cidade do Rio de Janeiro (PETROBRÁS, 2015). A Petrobrás tinha como acionista majoritário o Governo do Brasil – ou seja, o país tem a maioria absoluta das ações ordi-nárias, o que dá direito de voto nas decisões da empresa. Além disso, o presidente da República seria, e ainda é, o responsável pela nomeação dos seus principais dirigentes (VECCHIA, 2012).

A década de 1990 foi marcada por uma transformação histórica na empresa. Primeiramente, a eleição do presidente Fernando Collor de Melo, em 1990, trouxe consigo a instituição do Programa Nacional de Desestatização, o que afetou a Petrobrás com a privatização de algumas subdivisões da empresa. Posteriormente, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), houve a criação da “Lei do Petróleo”, que foi responsável pela abertura do comércio brasileiro à competição externa, pondo fim ao monopólio11 (VECCHIA, 2012). O resultado desse processo, além das privatizações e fim do mono-pólio, foi uma mudança na estrutura acionária da empresa, que fez com que 40% das ações passassem a ser negociadas na bolsa de Nova Iorque, ainda que o governo brasileiro continuasse como acionista majoritário (VECCHIA, 2012).

Entretanto, as mudanças não prejudicaram a continuidade de investimentos da empresa. Assim, com investimento pesado em qualificação profissional e aparatos tecnológicos, a Petrobrás teve sua ascensão impulsionada pelas suas descobertas petrolíferas na plataforma continental brasileira, sendo a primeira no mar de Sergipe em 1969, dando origem ao campo de Guaricema. Alguns anos depois, em 1974, houve a descoberta da Bacia de Campos, localizada na costa norte do Rio de Janeiro, que veio a ser a maior bacia do país, responsável por cerca de 80% da produção nacional. No mesmo local, foi descoberto o campo de Marlim, em 1985, localizado a aproximadamente 110 quilômetros do litoral do RJ (PETROBRÁS, 2015).

Entretanto, a maior descoberta feita pela Petrobrás foi em 2007, quando a estatal descobriu a maior jazida de óleo e gás natural na camada de pré-sal12 do Brasil, no campo petrolífero de Tupi, lo-calizado na Bacia de Santos (PETROBRÁS, 2015). A primeira extração ocorreu apenas no ano seguinte, no dia 2 de setembro de 2008, no campo de Jubarte. Essa descoberta trouxe um novo horizonte para a indústria de petróleo mundial, assim como também garantiu uma série de ações estratégicas que asse-guraram o desenvolvimento da cadeia de bens e serviços, tecnologia, capacitação profissional e grandes oportunidades para a indústria nacional (PETROBRÁS, 2015). Por fim, essa descoberta foi um marco na história do Brasil, podendo colocar o país na posição de um dos maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo13.

As reservas de petróleo presentes na camada do Pré-Sal se estendem em uma faixa de aproxi-madamente 800 quilômetros, passando pelos Estados de Espírito Santo e Santa Catarina, e é estimado que se encontre nessa área cerca de 1,6 trilhão de metros cúbicos de gás e óleo (MARTINS, 2010). Já em janeiro de 2013, as estimativas apresentaram reservas petrolíferas de 26 bilhões de barris, e o Governo Federal acredita que essas possam aumentar para 38 bilhões de barris até 2020 (FACTBOOK CIA, 2013; BRASIL, 2009).

11 Monopólio é a exploração sem concorrente de um negócio ou indústria.

12 Pré-sal é o nome dado às reservas de hidrocarbonetos em rochas calcárias que se localizam abaixo de camadas de sal, a aproximadamente 5 a 7 mil metros de profundidade abaixo do nível do mar.

13 Caso a estimativa de que exista 1,6 trilhão de metros cúbicos de gás e óleo na camada de pré-sal esteja correta, o Brasil assumiria a posição de quarto maior reservatório de petróleo mundial (MARTINS, 2010).

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Figura 3: A camada de pré-sal

Fonte: Estudo Prático (20-?)

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

2.1. ATLÂNTICO SUL: REGIÃO E IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA

Como explicado anteriormente, o Atlântico Sul teve grande importância durante a Guerra Fria, contexto no qual a ZOPACAS foi criada, mas depois perdeu parte de sua importância estratégica para outras regiões do globo. Atualmente, percebe-se o renascimento dessa região na agenda internacional, principalmente por conta da descoberta do pré-sal na plataforma continental brasileira e, posterior-mente, na costa africana. O objetivo desta seção é demonstrar a importância estratégica que o Atlântico Sul tem para o Sistema Internacional e analisar os processos de militarização que ocorrem na região (CASTRO, 1999).

No Atlântico Sul existem diversos recursos minerais importantes. A costa da América do Sul pos-sui cerca de 1,1% das reservas mundiais de petróleo, e 0,4% das reservas mundiais de gás natural, sem contar os recursos não explorados na plataforma continental do Brasil e da Argentina. No continente africano, que dispõe de 8% das reservas mundiais de petróleo e 7% das reservas mundiais de gás natu-ral, Angola e Nigéria são os maiores produtores de petróleo, produzindo cerca de 4 milhões de barris diariamente, o que representa mais da metade de toda a produção de petróleo do continente africano. Angola destaca-se como o 16° maior produtor mundial, e a Nigéria como o 12°, sendo ambos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)14. Além disso, segundo um relatório do Governo dos Estados Unidos, existem reservas de mais de 60 bilhões de barris de petróleo no Golfo da Guiné, o que corresponde a 3,5% das reservas mundiais. A Nigéria é também o país com maior reserva de gás natural na África (2,5% das reservas mundiais). Por fim, há grandes quantidades de gás de xisto15 a serem explorados na África do Sul, que também contribui com 4% das reservas mundiais de carvão (BROZOSKI, 2013; FIORI, PADULA e VATER, 2012; PENHA, 2011).

14 A OPEP foi criada em Setembro de 1960, com o objetivo de dar autonomia e soberania aos países detentores de reservas energéticas, em detrimento de multinacionais petrolíferas, coordenar a produção de petróleo mundial e assegurar a estabilidade do mercado mundial de petróleo, de acordo com os interesses dos Estados membros expor-tadores. A partir da OPEP, esses países são capazes de controlar o mercado de petróleo e barganhar por seus inter-esses. Atualmente, 12 países fazem parte da Organização: Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Venezuela, Qatar, Líbia, Emirados Árabes Unidos, Argélia, Nigéria, Equador e Angola.

15 O gás de xisto, extraído de uma rocha sedimentar, é utilizado como fonte de energia, sendo que sua composição química é semelhante ao petróleo. O carvão mineral, por sua vez, é uma rocha sedimentar, a partir da qual se produz energia para diversos fins.

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Além de petróleo, gás natural e carvão, é possível encontrar diversos minerais estratégicos no leito do Oceano Atlântico Sul. Estes minerais são importantes porque são necessários para a produção de artigos tecnológicos, sendo a tecnologia um domínio essencial para o desenvolvimento econômico e social de todos os países. Neste sentido, vale ressaltar a presença de elementos como as crostas cobaltí-feras, os nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), os sulfetos polimetálicos (contendo zinco, prata, cobre e ouro), além de areia monazítica, contendo quantidades significativas de urânio, e depósitos de diamante, ouro e fósforo. Destes minerais, destacam-se o cobre, o cobalto, o manganês e o níquel, utilizados para a produção de ligas metálicas, as quais são necessárias para a produção de turbinas e motores marítimos, para a indústria automobilística e química, e também para a fabricação de baterias (BROZOSKI, 2013; FIORI, 2012; PEREIRA & BARBOSA, 2012). Do mesmo modo, cal-cula-se que a Antártida, assim como as Malvinas, contenha importantes reservas minerais e energéticas, especialmente de urânio, cobre e chumbo (BROZOSKI, 2013).

O Atlântico Sul também se destaca porque serve como passagem marítima de transportes. Des-te modo, é importante ressaltar que o oceano permite que os continentes africano e sul-americano tenham contato entre si, e que estes estejam em contato com a Ásia, seja através do Oceano Índico, pela passagem do Cabo da Boa Esperança, no sul da África do Sul, ou através do Oceano Pacífico, pela Passagem de Drake, entre o Chile e a Antártida. Vale destacar dois países na Ásia, a Índia e a China, os quais vêm se desenvolvendo rapidamente e apresentam uma enorme demanda por recursos naturais e regiões onde suas empresas possam investir. Esses dois países já possuem importantes vínculos de cooperação com os países do Atlântico Sul, especialmente a partir do grupo BRICS (PENHA, 2011).

Os países da Europa tiveram importante papel no continente africano, mas vêm perdendo espaço para os investimentos que são realizados por países em desenvolvimento, como Brasil, Índia e China. Os Estados Unidos, por exemplo, têm que lidar com o desafio da presença de outros países na região e adaptar sua política. Para os países africanos, é interessante cooperar com países em desenvolvimen-to, porque os investimentos realizados por eles são voltados para setores importantes, principalmente infraestrutura – como, por exemplo, estradas, portos e oleodutos –, além do fato de os acordos serem pautados por equidade e não intervenção em questões internas. Por outro lado, os EUA têm buscado diversificar suas fontes de energia, com o objetivo de fugir do Oriente Médio, região considerada instável devido à grande quantidade de conflitos internos, o que os aproxima dos recursos existentes no Atlânti-co Sul. Há de se considerar também que o petróleo da bacia do Atlântico Sul apresenta-se como opção ainda mais viável em razão da proximidade com os mercados europeu e estadunidense, permitindo o controle de seu fornecimento (FIORI, PADULA e VATER, 2012).

Os Estados Unidos importam cerca de 60% do petróleo que consomem. Este é um dado de extre-ma importância, visto que demonstra a fragilidade estadunidense em obter recursos energéticos. O Gol-fo da Guiné é responsável por 15% das importações dos EUA, havendo estimativas de que esse número cresça para 25% até o fim de 2015 (FIORI, PADULA e VATER, 2012). Esses dados são importantes porque, levando em consideração a vulnerabilidade energética dos EUA, esse país, que é detentor das maiores e melhores forças armadas do mundo, pode vir a intervir no Atlântico Sul para a obtenção de petróleo, como já foi feito antes, por exemplo, no Iraque.

O Atlântico Sul possui quatro rotas marítimas. A Rota Europeia é a rota que liga o continente europeu à América do Sul e África, através do estrangulamento do Atlântico, entre o Nordeste Brasileiro e Cabo Verde. Essa rota é essencial para que todos os Estados localizados ao norte da linha do Equador, como Europa e EUA, tenham acesso às matérias-primas e recursos energéticos dos países sul-america-nos e africanos. A segunda rota é a Rota Africana, que conecta a África com a América do Sul. A Passa-gem de Drake, entre a América do Sul e a Antártica, é a terceira rota do Atlântico Sul, importante para a passagem de embarcações maiores. A última, e mais importante rota do Atlântico Sul, é a Rota do Cabo, no sul da África do Sul. Esta passagem permite a conexão entre três continentes (África, América do Sul e Ásia), além de permitir o escoamento de recursos do Oriente Médio para a Europa e Estados Unidos, sendo o local de passagem de 66% do petróleo europeu e 26% do petróleo estadunidense (NEVES, 2013; FARIA, 2011; FIORI, PADULA e VATER, 2012).

Por fim, vale destacar a existência de diversas ilhas no Oceano Atlântico Sul. Essas ilhas são im-portantes porque servem de base para projeção de poder militar sobre o continente africano, a América do Sul e a Antártida. As ilhas de maior significado estratégico são as ilhas de Ascensão (Inglaterra), Santa Helena (Inglaterra), Tristão da Cunha (Inglaterra), Gough (Inglaterra), Shetlands do Sul (Inglaterra), San-duíche do Sul (Inglaterra), Geórgia do Sul (Inglaterra), Malvinas (Inglaterra), Trindade (Brasil), Martim Vaz (Brasil), e Fernando de Noronha (Brasil), além das ilhas que compõem São Tomé e Príncipe. Como é possível notar, a maioria das ilhas é possessão da Inglaterra.

O Reino Unido possui uma das marinhas mais bem equipadas do mundo e tem forças instaladas nas ilhas Malvinas, Ascensão e em Serra Leoa, na África. A soberania sobre essas ilhas lhe dá o direi-

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to sobre a exploração de suas respectivas zonas econômicas exclusivas, muitas das quais apresentam reservas minerais e energéticas, o que pode significar uma presença ainda maior de forças britânicas no Atlântico Sul futuramente (FARIA, 2011). Desse modo, vale destacar algumas das ilhas de possessão inglesa. A ilha de Ascensão tem grande dimensão, mas não é muito favorável para a instalação de bases militares. Entretanto, existe um aeroporto na ilha, com uma pista de 1500 metros; com isso, os EUA são capazes de manter uma força aérea atuante na região, havendo uma base de suprimentos em Ascen-são. Atualmente, essa ilha é compartilhada com os Estados Unidos. As ilhas de Santa Helena e Tristão da Cunha, por sua vez, são utilizadas como base de apoio para as aeronaves não tripuladas, essenciais para a vigilância e segurança do Atlântico Sul. Por fim, o arquipélago das Malvinas permite a projeção de forças sobre a Passagem de Drake e o Estreito de Magalhães, além de permitir reivindicações territoriais sobre a Antártica (REIS, 2011; NEVES, 2013).

Figura 4: Rotas marítimas do Atlântico Sul

Fonte: NEVES, 2013, p. 21

Os Estados Unidos também dispõem de forças militares no Atlântico Sul, as quais garantem a eles poder para intervir rápida e eficazmente na região. A descoberta de recursos naturais na bacia sul-atlân-tica, a criação da União de Nações Sul-americanas (UNASUL), e a revitalização da ZOPACAS estão rela-cionadas com a criação do Comando dos Estados Unidos para a África (AFRICOM) e com a reativação da IV Frota Naval, divisão da Marinha dos EUA responsável pela segurança e por operações militares no Atlântico Sul (FIORI, PADULA e VATER, 2012). Ao avaliarmos essas variáveis e verificarmos que os países costeiros detêm a minoria das ilhas estratégias no Atlântico Sul, fica evidente a necessidade dos países investirem em suas capacidades de defesa, de modo a evitar interferências externas na soberania dos países sul-atlânticos.

Além dos Estados Unidos e da Inglaterra, a França também tem uma presença militar consolidada no Atlântico Sul. O país tem controle sobre a Guiana Francesa, localizada na América do Sul, considerada um território ultramarino francês, e mantém importantes relações com países africanos, além de possuir bases militares no Gabão e no Senegal e participar de diversas intervenções militares no continente, como, por exemplo, no Mali, na Líbia, na Costa do Marfim e na República Centro-Africana (HORING, WEBER e CLOSS, 2014).

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2.2. A EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NO ATLÂNTICO SUL

O petróleo continua sendo a mais importante fonte de energia no mundo. Por reservas de petró-leo, países se engajam em guerras, usando todos os artifícios possíveis para garantir o acesso de suas empresas a fontes mais baratas – um dos exemplos mais recentes são os Estados Unidos na invasão do Iraque em 2003 (OLIVEIRA, 2012). Por outro lado, possuir reservas de petróleo pode significar ao país uma fonte importante de renda, empregos e desenvolvimento. Assim, é crucial para os países da ZOPA-CAS discutir o tema da exploração de petróleo nas suas plataformas continentais, pois trata-se de um assunto de extrema relevância para a segurança e o desenvolvimento nacionais.

Nesse sentido, o Atlântico Sul é uma das fronteiras de exploração de petróleo no mundo. Tem grande peso a descoberta de grandes reservas petróleo nas camadas do pré-sal brasileiro e há a possibi-lidade desse quadro se repetir em outros pontos do Atlântico Sul, como na costa da África e na Argenti-na, redimensionando a posição da região na geopolítica do petróleo. Atualmente, 30% da produção de petróleo já é realizada offshore16 (OLIVEIRA, 2012), uma taxa que tende a crescer com o esgotamento das reservas tradicionais. A África e a América do Sul são as zonas de menor custo para a extração de petróleo em alto mar na atualidade. Portanto, é de esperar que a procura pelos recursos dessa região aumente significativamente (JAEGER, 2014).

Como a maior parte da exploração de petróleo dos países da ZOPACAS se dá nos seus litorais, é preciso entender de que forma funciona o controle deles sobre seus mares. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Uso do Mar (1994), como seu próprio nome sinaliza, regulariza essas questões. A Convenção é melhor discutida adiante, no item “Ações Prévias Internacionais”; por ora, cabe trazer os conceitos de Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e Plataforma Continental. A ZEE é a extensão de mar entre o continente e o limite de 200 milhas náuticas (cerca de 370 quilômetros), onde o Estado tem soberania sobre a água, o solo e o subsolo, e todos os recursos – vivos e não-vivos – ali presentes. Já a Plataforma Continental é a continuação natural do continente sob o oceano – solo e subsolo – e tem o mesmo limi-te de extensão que a ZEE (CNUDM, 1982)17. Ou seja, é direito dos países explorarem os recursos em suas ZEE e Plataforma Continental, seja através da pesca ou da perfuração do solo e subsolo, para a produção de petróleo e gás, por exemplo.

Figura 5 : Principais Plataformas Continentais do Atlântico Sul

Fonte: OLIVEIRA, 2012

16 Em alto mar e em grandes profundidades.

17 Este ponto é explicado mais detalhadamente na sessão “Ações Internacionais Prévias”.

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Como estão sob a jurisdição dos países, cabe a eles decidirem de que maneira se dá a exploração dos seus recursos na ZEE e na Plataforma Continental, se sob monopólio de empresas estatais ou na-cionais privadas, se sob regime de partilha com empresas estrangeiras, etc. Mais importante, os Estados possuem legitimidade – sob o ponto de vista da Convenção – de explorar as riquezas encontradas nes-sas áreas. Isso é crucial, especialmente quando se trata de um recurso tão disputado como o petróleo. É claro que existem divergências acerca da Convenção, que vão desde questionamentos sobre sua inter-pretação até disputas entre países por regiões em zonas ainda não plenamente demarcadas18. Ainda, a Convenção abre a possibilidade para que os países entrem com pedidos junto à ONU para estenderem suas ZEE e aumentarem a área de abrangência de suas soberanias. Por todas essas razões, é de extrema importância que os membros da ZOPACAS discutam a exploração de recursos nas suas Plataformas Continentais – levando em conta todos os aspectos supracitados.

A exploração de petróleo no continente africano acontece, primordialmente, em três grandes regiões: 1) no Magreb19, principalmente Líbia e Tunísia; dentro da África Subsaariana, 2) no Sahel20, com destaque para Sudão, Sudão do Sul e Chade, e 3) na Costa Atlântica, especialmente abaixo do Golfo da Guiné, como pode ser observado na Figura 5. A exploração de petróleo no Golfo da Guiné é concentrada em maior quantidade atualmente na Nigéria, Camarões, Gabão, Guiné Equatorial e Angola. Contudo, outros países da região têm chamado a atenção de potências externas para seu crescente potencial pe-trolífero. Além disso, as áreas offshore já são responsáveis pela maior parte da produção do continente e também são as principais regiões de exploração, estendendo-se por quase todo o litoral atlântico (OLIVEIRA, 2007).

Figura 6: Grandes regiões e principais países produtores de petróleo na África Subsaariana

Fonte: MONIÉ, 2012

O Golfo da Guiné é uma das principais fronteiras de exploração de petróleo no mundo. Primeiro, porque o potencial petrolífero dos países da região é enorme: atualmente, o Golfo da Guiné produz

18 Alguns países não assinaram ou ratificaram a Convenção, incluindo os EUA.

19 Região Noroeste da África.

20 Faixa de terra compreendida entre o deserto do Saara, ao norte, e a savana do Sudão, ao sul, e que atravessa todo o continente africano, do Oceano Atlântico até o Mar Vermelho.

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cerca de 5,4 milhões de barris de petróleo bruto por dia (THE ROYAL INSTITUTE FOR INTERNATIONAL AFFAIRS, 2013), além de acumular reservas comprovadas de 50,4 bilhões de barris (UKEJE e MVOMO ELA, 2013). Entretanto, essa produção é voltada majoritariamente para fora da região – 98% do petróleo bruto retirado do Golfo da Guiné é vendido ao exterior (Figura 5). Entre os maiores produtores da região, destacam-se Nigéria e Angola21 (ESCORREGA, 2010), além de produtores em ascensão, como é o caso de Congo-Brazaville, outros países que já passaram da fase de maturação da exploração de petróleo, como Camarões e Gabão, e novos produtores, especialmente a Guiné Equatorial (VRËY apud ZUCATTO e BAPTISTA, 2014).

Para esses países, a exploração de petróleo representa a principal fonte de renda nacional, e há nisso um importante motor do desenvolvimento: em 2013, a Nigéria ultrapassou a África do Sul e assu-miu o posto de maior economia africana. Segundo o Departamento de Estatísticas da Nigéria, o PIB do país alcançou 90,22 trilhões de nairas, equivalente a 509,9 bilhões de dólares (OHUOCHA, 2014 apud ZU-CATTO e BAPTISTA, 2014). Nações africanas têm apresentado algumas das maiores taxas de crescimento do mundo nos últimos anos e essas altas taxas de crescimento têm sido justamente lideradas pela ex-plosão nos setores de exploração de petróleo e gás. Os investimentos que os governos têm conseguido realizar nas suas economias e no reaparelhamento das capacidades de defesa são possibilitados em grande parte pelos rendimentos da extração de hidrocarbonetos (ZUCATTO e BAPTISTA, 2014). É claro que a administração da gigantesca renda provinda da exploração do petróleo nem sempre é feita em favor da população – muitas vezes setores da elite acabam desviando esses recursos em seu favor, po-dendo inclusive aumentar as desigualdades sociais. Essa discussão22, no entanto, não é o foco da análise aqui. Por ora, é preciso ter em mente o enorme potencial da renda do petróleo nas economias nacionais.

Na América do Sul, diversos dos seus 12 países exploram petróleo e gás. As reservas da região são pequenas em relação ao resto do mundo, com maior proeminência apenas para a Venezuela, que é um do mais importantes produtores de petróleo do mundo. Tal panorama pode se alterar, no entanto, com as descobertas de gigantescas reservas no pré-sal brasileiro, que podem vir a se estender para o litoral argentino. Nesse país, a produção de petróleo offshore ainda corresponde por uma parcela pouco sig-nificativa do total nacional. No entanto, a exploração em águas profundas na Argentina tem o potencial de ser o único remanescente em reservatórios convencionais com grandes quantidades de petróleo e gás. A YPF23 iniciará em breve a exploração na bacia do Rio Colorado e na margem norte da Plataforma Continental Argentina (YPF, 2015).

O destaque da produção de petróleo offshore na costa sul-americana do Atlântico Sul é o Brasil, que vem sucessivamente quebrando seus próprios recordes de produção diária: em janeiro de 2015, a Petrobras produziu 2 milhões e 146 mil barris de petróleo por dia; em fevereiro, passou a operar sete no-vos poços marítimos nas bacias de Santos e Campos (PETROBRAS, 2015). As grandes reservas do pré-sal têm impulsionado a Petrobras a desenvolver e aprimorar tecnologias para a exploração de petróleo em grandes profundidades. Atualmente, o Brasil é o país com maior número de unidades do tipo FPSO24 em funcionamento, sendo 31 de um total de 158 ativas no mundo – 11 das quais operadas pela Petrobras em águas brasileiras (OLIVEIRA, 2012). Ainda, em relação à profundidade das perfurações, a Petrobras detém 7 dos 15 recordes mundiais de profundidade em plataformas semi-submersíveis e também 7 dos 15 atuais recordes de profundidade em unidades FPSO (OLIVEIRA, 2012). Esses números são um representativo da importância do setor petrolífero para o país, mas, mais importante dentro do contexto da ZOPACAS, da expertise que o Brasil adquiriu no levantamento e exploração de recursos no subsolo de sua Plataforma Continental – conhecimento esse que pode vir a ser de grande utilidade para outros países da região do Atlântico Sul.

21 É importante ressaltar que as reservas petrolíferas da Nigéria são estimadas em quarenta bilhões de barris, o que tornaria o país o décimo primeiro maior produtor mundial de petróleo. Entretanto, o país tem capacidade de refinar somente uma parcela muito pequena desse produto, o que aumenta a exportação de hidrocarbonetos da região (ZUCATTO e BAPTISTA, 2014).

22 Para um debate mais aprofundado, ver Zucatto e Baptista, 2014.

23 A Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF) é uma estatal argentina dedicada à exploração, refino e venda de petróleo e derivados.

24 Em inglês, Floating Production Storage and Offloading. Unidade flutuante de armazenamento e transferência, é um tipo de navio utilizado na exploração de petróleo em alto mar.

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3. AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

3.1. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR (CNUDM)

A CNUDM, conhecida como a “Lei do Mar”, entrou em vigor no dia 16 de novembro de 1994 (MARTINS, 2010). A Convenção refere-se a quase todo o espaço oceânico, estabelecendo coordenadas básicas que devem ser seguidas pelos Estados signatários no uso do mar, como em navegação, explo-ração de recursos, conservação, pesca e tráfego. Atualmente, alguns dos países que não firmaram e/ou ratificaram o tratado são os Estados Unidos, Colômbia, Peru, Equador e Venezuela. Muito embora a falta de acordo com esses países possa ser vista como uma ameaça à legitimidade da Convenção, os conceitos de espaço marítimo determinados pela Lei do Mar têm sido adotados e respeitados pelos não-signatários (MARTINS, 2010).

Dito isso, quando se trata sobre exploração de recursos nos ambientes marítimos, torna-se ne-cessária a comprensão das delimitações dos oceanos e mares definidas pela Convenção do Direito do Mar, sendo elas:

Figura 7: Limites marítimos

Fonte: (POGGIO, 201-)

a) Mar Territorial (MT): é a zona que segue a partir do continente, tendo um limite máximo de 12 milhas náuticas, cerca de 22 quilômetros. Nessa área, o Estado costeiro tem direitos legais, ou seja, soberania de navegação, condução de atividades econômicas e ocupação. Entretanto, a passagem inocente25 de navíos estrangeiros é permitida (CNUDM, 1982).

b) Zona Contígua (ZC): é a zona que segue a partir do continente até o limite de 24 milhas náuticas, cerca de 45 quilômetros. Nessa área, o Estado costeiro não possui mais soberania e é somente responsável por fiscalizar o cumprimento das leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, sanitários e de imigração (CNUDM, 1982).

c) Zona Econômica Exclusiva (ZEE): é a zona que segue a partir do continente até o limite de 200 milhas náuticas, cerca de 370 quilômetros, contadas da linha da base. Nessa área, o Estado costeiro tem soberania sobre os recursos naturais, vivos e não vivos, ali presentes, assim como também tem soberania sobre as águas e sobre o leito do mar, do solo e do subsolo marinho. O Estado costeiro também tem a responsabilidade de garantir o cumprimento das leis que regem o aproveitamento e conservação dos recursos da ZEE (CNUDM, 1982).

d) Plataforma Continental: é o prolongamento natural do continente sob o oceano, tendo um

25 Passagem contínua, rápida, ordeira e que não represente nenhuma ameaça ao país costeiro.

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limite de 200 milhas náuticas a partir da linha da base. Ou seja, o limite exterior da plataforma continental coincide com o limite da ZEE. Nessa área, o Estado Costeiro exerce o direito de ex-ploração e aproveitamento dos recursos naturais, vivos e não vivos (CNUDM, 1982). É importante ressaltar que, de acordo com o art.76 da CNUDM III, os países interessados em aumentar sua plataforma continental para além das 200 milhas já fixadas podem encaminhar à Comissão de Li-mites da Plataforma Continental da ONU (CLPC) uma proposta acompanhada informações cien-tíficas e técnicas que comprovem que a extensão solicitada pertence ao Estado (CNUDM, 1982).

e) Alto Mar: compreende todas as partes do mar que não foram definidas acima. Essa área é livre para todos os países, costeiros ou não, sendo proibida a submissão de qualquer parte a qualquer Estado (CNUDM, 1982).

3.2. ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO NO ATLÂNTICO SUL

A ZOPACAS apresenta poucas resoluções acerca da exploração de recursos energéticos na plata-forma continental dos seus países membros. As questões marítimas mais destacadas são a pesca ilegal, a pirataria e o transporte marítimo. De todo modo, no âmbito da organização convém destacar o Plano de Ação de Luanda, assinado em 2007, e o Plano de Ação de Montevidéu, assinado em 2013 (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014).

O Plano de Luanda foi importante para a ZOPACAS porque representou o renascimento dessa organização, depois de anos no esquecimento do contexto pós-Guerra Fria. Embora esse documento tenha dado mais importância para a cooperação econômica e para a revitalização da própria ZOPACAS, houve esforços em direção à cooperação para proteção e defesa marítima. Após o encontro em Ango-la, os países membros da ZOPACAS se reuniram em Brasília, em 2010, com o objetivo de estruturar os níveis de cooperação. Dentre as áreas ressaltadas para projetos futuros, destaca-se o “mapeamento e exploração dos fundos marinhos, proteção e preservação dos recursos marinhos, transporte marítimo e aéreo, segurança portuária, cooperação em matéria de defesa, segurança marítima e combate a crimes transnacionais” (COUTINHO, 2014).

Por sua vez, o Plano de Ação de Montevidéu deu atenção para a questão de cooperação em se-gurança marítima, como por exemplo controle, monitoramento e vigilância de embarcações, além de indicar o interesse dos países em terem maior papel na resolução de problemas que venham a acontecer no Atlântico Sul. Esse documento também reafirmou a questão da soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas e demonstrou preocupação quanto à exploração ilícita de hidrocarbonetos nessa região. O tema da militarização do Atlântico Sul pela Inglaterra e demais potências de fora da região também foi visto como um desafio para a organização (COUTINHO, 2014; HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014).

4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

A África do Sul tem pequenas quantidades de reservas provadas de petróleo bruto e a produção do país é ainda pequena. Combustíveis sintéticos, derivados de carvão e gás natural, são responsáveis por quase 90% da produção doméstica de petróleo do país (EIA, 2015b). O gigante africano consome a segunda maior quantidade de petróleo na África, atrás apenas Egito (EIA, 2015b). O petróleo consumido na África do Sul vem principalmente de suas refinarias nacionais que importam petróleo bruto e suas fábricas de CTL26 e GTL27.

Angola é um dos países idealizadores da ZOPACAS, e compactua com o princípio da reserva da parcela sul do Atlântico aos cuidados locais. Isso porque, sendo o terceiro maior produtor de petróleo do continente e sendo atualmente o maior fornecedor desse recurso para a China, o país assume um papel crucial no Atlântico Sul. Seu petróleo, majoritariamente encontrado offshore, significa um terço do total produzido no Golfo da Guiné (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). Esses dados evidenciam o porquê do país encabeçar uma posição de liderança também na Comissão do Golfo da Guiné, que busca, através de suas conferências, reunir especialistas internacionais no âmbito da segurança marítima e valorizar a coopera-ção regional (CHATHAM HOUSE, 2012). Vale ressaltar que, nos últimos anos, com a descoberta do Pré-Sal no Brasil, dada a semelhança geológica entre a sua plataforma continental com a angolana28, a atenção dada aos recursos offshore aumentou consideravelmente, sendo necessária a proteção de tais recursos.

26 CTL: Coal to liquid (Carvão líquido).

27 GTL: Gas to Liquids (Gás natural).

28 A semelhança decorre do caráter prévio de união entre os continente sul-americano e africano, anterior aos mov-imentos tectônicos que vieram a determinar a atual configuração dos continentes Invalid source specified..

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A Argentina tem um longo histórico de combate à presença de potências extrarregionais no Atlântico Sul, desde o início de sua disputa com o Reino Unido pela soberania das Ilhas Malvinas (Falklands), e isso constitui uma política de Estado29 do país. (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). No âmbi-to energético, o país tem apostas de obtenção de recursos offshore em duas grandes fontes de petróleo bruto e gás natural em sua plataforma continental (WINTERSHALL, 2014). O setor energético argentino é majoritariamente controlado por empresas estatais, como a ENARSA30, e há pouco interesse na presença de empresas privadas ou estrangeiras (U.S GOVERNMENT, 2015).

O Benim está entre as nações africanas que reivindicam nas Nações Unidas a extensão de sua plataforma continental para além das 200 milhas náuticas previamente estabelecidas pela Lei do Mar. A economia do país depende majoritariamente do comércio marítimo, especialmente da exportação de algodão (ZUCATTO e BAPTISTA, 2014). Por essa dependência, práticas marítimas ilícitas, como a pira-taria, ameaçam diretamente sua economia. Assim, o país tem dado apoio às iniciativas regionais para defesa de suas águas; todavia, Benim tem se beneficiado da ajuda da AFRICOM e tem aumentado sua aproximação com os Estados Unidos (HORING, WEBER e CLOSS, 2014).

Líder de diversos foros como MERCOSUL (acordo aduaneiro de livre comércio, fazem parte: Bra-sil, Uruguai, Argentina, Venezuela e Paraguai), UNASUL (acordo de integração regional composto por 12 estados da América do Sul) e CELAC (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos, criada com a intenção de diminuir a influência dos EUA e criar uma identidade regional, via cultura), e também membro de outros órgãos de destaque como BRICS e IBAS, o Brasil apresenta posição de destaque no cenário político sul-atlântico. O país tem se esforçado permanentemente para manter a estabilidade da região. Desse objetivo, surgem as seguintes iniciativas: o reforço do Brasil como provedor de consultoria naval e treinamento para países da Costa Oeste Africana; a volta da ZOPACAS na agenda governamental com a intenção de institucionalizar o fórum para assim serem estabelecidos acordos mais contundentes (mesmo com a posição duvidosa da África do Sul); o combate à pirataria no Golfo da Guiné; e seu posi-cionamento contra a presença de outros países do BRICS (China e Rússia) na região. Nos últimos anos, o Brasil tem buscado criar novos canais de cooperação, iniciativa fruto de um processo de fortalecimento da agenda de política externa do país. Com a descoberta do Pré-sal, o governo brasileiro atenta para a possibilidade do encaminhamento para uma ‘era de ouro’. O aumento do preparo e dos recursos de suas Forças Armadas é explicado pela necessidade de proteger a sua “Amazônia Azul”. Esse período pelo qual o país passa não é apenas uma revisão ou ajuste das antigas política externa e de defesa. O novo sistema de monitoramento marítimo e controle da costa não pode ser considerado isoladamente do impulso da indústria naval, da presença da Petrobras nos dois lados do Atlântico Sul e da restituição da ZOPACAS (AMORIM, 2013).

Cabo Verde atualmente exerce a presidência temporária da ZOPACAS, e lidera um grupo de países – formado por Guiné Bissau, Gana, Guiné, Mauritânia, Senegal e Serra Leoa – que requerem a extensão de suas Plataformas Continentais para além das 200 milhas. Sua política externa esteve historicamente voltada para a Europa (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). O país não apresenta reservas de petróleo e gás, em terra ou offshore, e o setor depende exclusivamente de importações (THINK SECURITY AFRICA, -). Relatórios do governo apontam, entretanto, para projetos que visam realizar acordos entre o governo e empresas privadas estrangeiras para a produção integral de sua energia a partir de fontes renováveis – solar, eólica, etc. – até 2020 (UNITED NATIONS, 2011).

Camarões, com uma das economias mais ricas da África, procura fomentar e liderar um proces-so de integração na região centro-africana. Na condição de antiga colônia francesa, mantém vínculos (inclusive militares) com a França e com os Estados Unidos, mas vem também se aproximando da China nos últimos tempos (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). Num aspecto geral, a produção de petróleo do país atingiu seu ápice por volta de 1985, mas vem desde então declinando, chegando atualmente a um terço do que era produzido em 2005 (OLIVEIRA, 2007). No entanto, explorações recentes ocorridas em 2012 apontam para jazidas com uma quantidade significativa de barris de petróleo (em terra), que po-dem chamar a atenção dos países extrarregionais (UOL, 2012).

O governo da Costa do Marfim tem uma posição favorável ao engajamento das potências extra--regionais na região, especialmente pela fragilidade institucional dos países do Golfo da Guiné e também pela emergência de questões securitárias, como o aumento da pirataria na região. Porém, o país tem trabalhado para o avanço no que tange à cooperação local, cada vez mais defendendo a importância e a participação nos fóruns multilaterais regionais como caminho para resolver os problemas da região.

Antigo membro da OPEP, o Gabão afastou-se da organização devido às altas taxas anuais. O país está entre os cinco maiores produtores de petróleo na África Subsaariana. Em junho de 2011, o governo

29 Política de Estado é uma política que é sempre seguida pelos Chefes de Estado, independente de variações ideológicas ou partidárias, tendo em vista alcançar objetivos de longo prazo.

30 ENARSA (Energia Argentina S.A) é uma empresa estatal criada em 2004 por Nestór Kirchner e que detém o monopólio legal sobre a exploração de hidrocarbonetos na plataforma continental do mar argentino.

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criou uma empresa nacional de petróleo (NOC), a Companhia de Petróleo do Gabão, para aumentar o envolvimento do governo na produção desse recurso, que até então era divida entre empresas francesas e a gigante Shell. A descoberta do Brasil de reservas de petróleo e gás na camada do pré-sal tem des-pertado o interesse do investidor em potencial do Gabão por causa de semelhanças geológicas de sua costa com a brasileira31.

Gâmbia tem um depósito muito escasso de recursos naturais. Sua economia é baseada em re-messas de trabalhadores no exterior e, principalmente, de receitas turísticas – o turismo é responsável por cerca de um quinto do PIB do país (CIA FACTBOOK, 2014). Após passar por muitas crises internas, como um golpe militar e sanções econômicas impostas pelo Ocidente, Gâmbia é muito dependente do exterior, sendo seus principais parceiros externos Taiwan, Gana, Nigéria e Senegal. Vale ressaltar, nesse âmbito, que a presença chinesa tem crescido bastante no país (HORING, WEBER e CLOSS, 2014). Nos últimos anos, Gâmbia tem ainda buscado reforçar suas capacidades navais, uma vez que o país vem sofrendo com atividades ilícitas em seu litoral, como com a pesca ilegal (ZUCATTO e BAPTISTA, 2014). Recentemente, o presidente da Gâmbia anunciou a descoberta de grandes quantidades de petróleo na plataforma continental do país (AGÊNCIA ESTADO, 2004). Caso confirmadas, essas reservas poderiam representar uma mudança na economia do Estado.

A convergência de posições em relação a diversos temas da agenda multilateral marcou o início do relacionamento bilateral do governo de Gana com o Brasil. Nos anos 1960 e 1970, as relações foram marcadas pela agenda comum voltada para a condenação ao apartheid, para a necessidade de uma nova ordem econômica internacional, para o desarmamento e para a autodeterminação dos povos. Na década de 1980, Gana copatrocinou o projeto de resolução apresentado pelo Brasil na ONU para a cria-ção da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). Com a descoberta do campo de Jubilee, em 2007, o país já se tornou um dos maiores produtores de petróleo da África.

O atual presidente da Guiné não se posiciona de maneira radical quanto à presença de potências extrarregionais na região, cooperando com os EUA para o treinamento de suas forças armadas e man-tendo os Peace Corps norteamericanos em seu território. Quanto à exploração de recursos, em terra o país tem a maior reserva de Bauxita do planeta, e é responsável por uma grande parte das importações norte-americanas desse minério (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). Offshore, o país não apresenta reser-vas de petróleo descobertas até o momento, e acaba não tendo motivos claros para se posicionar contra a presença de potências estrangeiras no Atlântico Sul (U.S GOVERNMENT, 2014).

A Guiné-Bissau enfrenta dificuldades internas causadas por instabilidades políticas e tentativas de golpe constantes. Em função disso e dos problemas decorrentes do tráfico internacional de drogas, a intervenção estrangeira é vista como justificada. No entanto, o governo do país almeja um projeto de desenvolvimento nacional e de integração regional, cooperando principalmente com Portugal e Brasil para desenvolver sua economia (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). Tendo em vista a necessidade de utilizar ao máximo seus recursos petrolíferos, já se imagina a possibilidade de exploração de potenciais reservas offshore, de forma que dali possam ser retirados os elementos para impulsionar o projeto na-cional de crescimento (BALDÉ, BIAI e GOMES, 2014).

A Guiné Equatorial vem se destacando no continente africano, sendo o terceiro maior expor-tador de petróleo na África. O principal destino das suas exportações de petróleo são os Estados Uni-dos, e grande parte das empresas petrolíferas presentes na Guiné Equatorial são estadunidenses – por exemplo, a ExxonMobil e a Chevron. Ao mesmo tempo, entretanto, o país tem criticado e condenado a interferência de potências externas nos seus interesses nacionais, bem como a presença de potências extrarregionais no país (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014; VISENTINI, 2012).

A Libéria é um país de baixa renda que depende fortemente da ajuda externa. A guerra civil e a má gestão do governo destruíram grande parte da economia do país. Entretanto, a Libéria conta com grandes recursos hídricos, recursos minerais, florestas, e um clima favorável à agricultura (CIA FAC-TBOOK, 2014). A produção de minério de ferro e borracha tem impulsionado o crescimento nos últimos anos. Além disso, o país também está revitalizando seu setor madeira e está incentivando a exploração de petróleo (CIA FACTBOOK, 2014). No Atlântico Sul, a Libéria recentemente tem conduzido ações con-juntas com a marinha francesa, além de ser grande parceiro dos Estados Unidos na região (HORING, WEBER e CLOSS, 2014).

A Namíbia tem uma base de governo historicamente socialista, estruturando sua política exter-na na cooperação sul-sul. Tendo uma economia voltada majoritariamente para o extrativismo, busca expandir sua capacidade na mineração de Urânio através de investimentos estrangeiros, mas coopera regionalmente para busca de petróleo na sua Plataforma Continental (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). Em consequência, análises recentes apontaram para a descoberta de uma grande quantidade de petró-leo e gás natural offshore que poderá em breve ser extraída (CORREIO BRAZILIENSE, 2015).

31 Essas semelhanças decorrem da separação das placas tectônicas africana e da América do Sul durante o período Cretáceo Inferior, explicada pela teoria científica de placas tectônicas e deriva continental.

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A Nigéria é de suma importância estratégica para a África e tem uma imensa produção de pe-tróleo. Isso obviamente desperta o interesse da comunidade internacional e das grandes potências, que veem o país como uma alternativa para o fornecimento de energia. Ciente do seu papel, o governo nigeriano posiciona-se ceticamente quanto à presença estrangeira nos seus arredores – e inclusive já se posicionou contra a presença do AFRICOM – pois isso pode ameaçar sua liderança local (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). Isso porque o país é a maior economia da África e tem uma das maiores reservas e produção de petróleo do continente. Ainda por cima, descobertas offshore na Plataforma Continental nigeriana apontam para um significativo aumento na sua produção de petróleo leve, o que atrai cada vez mais a atenção dos países de fora (VALLE, 2004).

Adotando uma posição em consonância com a Nigéria, a República Democrática do Congo (Congo Kinshasa, antigo Zaire) tem buscado expandir o seu espaço marítimo, onde inclusive tem se desenvolvido um conflito com outros países da região (Angola, Namíbia e São Tomé e Príncipe).

A República do Congo é um país localizado na África Central e altamente dependente da expor-tação de petróleo. O país também apresenta outros recursos naturais importantes, como, por exemplo, chumbo, zinco, urânio, cobre e gás natural. O Congo possui importantes relações externas com a Fran-ça, sendo que as principais empresas de exploração de petróleo não são nacionais, mas sim francesas e italianas. Ainda no que diz respeito ao petróleo, o país tem grande preocupação com a ligação da criminalidade no mar com os grupos insurgentes que atuam no continente africano (VISENTINI, 2012).

São Tomé e Príncipe também está envolvido no conflito referente ao direito de uso do mar na região do norte de Angola. O país, por apresentar capacidades militares reduzidas, tem buscado uma estratégia de cooperação local, mas sem deixar de contar com apoio extra-regional, especialmente de Portugal (LEGISPALOP, 2015).

O Senegal possui uma política externa de cooperação com sua antiga metrópole, a França. Po-rém, o país também é um aliado estratégico dos EUA na região (HORING, ZUCCATO, BAPTISTA, CLOSS, 2014). Recentemente, foi descoberto mais um poço de petróleo no país, chamado SNE-1, meses depois da “maior descoberta petrolífera” em Senegal, o poço FAN-1, localizado à cerca de 100 km da costa se-negalesa. Portanto, junto com o bloco petrolífero NIS-1, as duas recentes descobertas fazem parte dos três blocos de exploração offshore de Senegal (PETROSEN, 2015), que está dividido entre a estatal Petro-sen, que possui somente 10% dos direitos, e outras 03 empresas estrangeiras, que juntas detêm 90% da exploração do petróleo nacional: a escocesa Cairn Energy (que dispõe de 40% das ações), a americana ConocoPhillips (35%) e a australiana FAR (15 %) (Portal ANGOP, 2014).

Após passar por uma guerra civil que se estendeu de 1991 a janeiro de 2002, Serra Leoa iniciou um processo de reconstrução de sua economia através das atividades de mineração, principalmente de diamantes (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). No entanto, o país tem uma produção insignificante de petróleo e uma produção nula de gás natural, tanto em terra quanto offshore, para geração de energia (U.S GOVERNMENT, 2013). Assim, Serra Leoa segue com vínculos políticos e econômicos com países europeus para recebimento de recursos energéticos, e acredita no caráter benéfico das potências extrar-regionais na África e no Atlântico Sul (MELOS, ROSA, et al., 2014).

O Togo passou por um longo período, entre 1967 e 2005, de vigência de um regime autoritário que prezava pela submissão do país aos interesses extrarregionais, principalmente franceses, e sofre até hoje com as sequelas dessa política (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). O país não possui reservas nem produção petrolífera, mas é grande exportador do minério de Fosfato, essencial para a produção de alumínio no mundo todo (CONSULADO DO TOGO NO BRASIL, -). Em função disso, não apresenta interesse evidente na restrição do acesso das grandes potências ao Atlântico Sul. O país é signatário da CNUSDM, reconhecendo a extensão da soberania sobre as Plataformas Continentais e os recursos que nela se encontram como sendo de 200 milhas náuticas (UNITED NATIONS, 1982).

O Uruguai dá historicamente suporte à Argentina na questão das Malvinas, ao considerar a pre-sença britânica uma ameaça à Zona de Paz, ao comércio e à comunicação marítima da região. Para preservar sua soberania sobre os recursos na sua plataforma continental, posiciona-se estrategicamen-te como questionador da presença de potências extrarregionais no Atlântico Sul (HÖRING, WEBER e CLOSS, 2014). Recentemente, através de uma série de estudos e análises científicas que levaram à apro-vação de sua reivindicação, o Uruguai conseguiu o aval da ONU para a ampliação de sua plataforma continental para além das 200 milhas previamente estabelecidas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNITED NATIONS, 1982). A partir daí, o país iniciou uma série de programas em busca de hidrocarbonetos offshore (SWISSINFO, 2014).

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REFERÊNCIAS

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