gt democracia radical e potências (des)constituintes ii · florianópolis: fundaçao josé arthur...
TRANSCRIPT
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
As (im)possibilidades emancipatórias dos direitos humanos
Alice Nogueira Monnerat1
O presente artigo tem como proposta partir do reconhecimento da necessidade da visão
complexa na abordagem dos direitos humanos no mundo contemporâneo, da necessidade de
uma “racionalidade de resistência e dessas práticas interculturais, nômades e híbridas para
superar os obstáculos universalistas e particularistas que impedem sua análise comprometida
há décadas” (FLORES, 2009, p. 163), para realizar uma análise das (im)possibilidades
emancipatórias dos direitos humanos dentro do capitalismo.
Como ressalta Flores (2009, p. 163), direitos humanos não são apenas declarações textuais,
mas também produtos de uma determinada cultura. Porém, o autor coloca os direitos humanos
como “meios discursivos, expressivos e normativos que pugnam por reinserir os seres
humanos no circuito de reprodução e manutenção da vida”, permitindo a abertura de espaços
de reivindicação e luta.
Queremos abordar quais seriam as perspectivas e possibilidades de avanço, dentro de uma
lógica do capital, a partir dos direitos humanos. As garantias de direitos humanos podem levar
a uma nova organização societária onde seja possível a completa emancipação do ser
humano? Ou estariam elas fadadas a contribuir para o projeto hegemônico na medida em que
estão sufocadas dentro do âmbito do direito? Essas são algumas das questões que buscaremos
discutir em nosso trabalho.
Referências:
FLORES, Joaquín Herrera. A (re)invenção dos direitos humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia;
Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundaçao José Arthur Boiteux,
2009.
1 Estudante de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito e Inovação Universidade Federal de Juiz de
Fora; [email protected].
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
Por um outro léxico filosófico-político:
sobre o conceito de forma-de-vida em Giorgio Agamben
Ana Suelen Tossige Gomes1
O conceito de forma-de-vida, trabalhado por Giorgio Agamben em diversas de suas obras, tais
como A comunidade que vem (1990), Meios sem fim: notas sobre a política (1996), Altíssima
pobreza (2011) e O uso dos corpos (2014), designa uma vida política orientada à ideia de
felicidade. Como ressalta o autor, a cultura ocidental, gestada sob a matriz greco-romana, teria
concebido a vida não apenas como um fenômeno biológico, mas, sobretudo, como um
conceito filosófico-político. Nesse sentido, a Política de Aristóteles seria a fundadora da cisão
entre a vida em seu sentido natural (zoè) e o modo de vida (bios), que para os seres humanos
corresponderia à vida politicamente qualificada. Excluindo-se da cidade as vidas meramente
biológicas e não detentoras do logos, como aquelas da mulher e do escravo, e incluindo nela
as vidas politizadas dos homens, a comunidade política tomaria a sua forma, tornando
distintas as esferas de um viver (tou zen) do viver bem (tou eu zen). Tal divisão consistiria,
ainda hoje, em um elemento definidor do modo como pensamos a política e as ciências
sociais e, nesse sentido, pensar o conceito de vida sem se recair em um dos polos dessa
exceção dual, ou ainda, pensá-la para além do limiar de indiscernibilidade da vida nua,
exigiria a desarticulação da máquina. Ao se compreender que essa desativação só pode
ocorrer se percebermos a artificialidade da cesura mesma, e a complexidade da vida – que não
se cinde em um corpo e uma alma, uma essência e uma existência, uma existência natural e
uma existência política, mas se vive em suas mais diversas variações modais – é que se torna
possível conceber a ideia de uma forma-de-vida. Enquanto a vida nua é uma vida separada da
sua própria potência, totalmente determinada pelo biopoder, a forma-de-vida se configura
como aquela instância capaz de desarticular os dispositivos que estão a geri-la. Por isso, o
conceito de forma-de-vida remete a “[...] uma vida que jamais pode ser separada da sua
forma, uma vida na qual jamais é possível isolar algo como uma vida nua”.2 A forma-de-vida
define uma vida humana em que zoè e bios já não estão mais enfrentadas, mas expõem seu
1 Mestre e Doutoranda em Direito pela UFMG. Membro do grupo de pesquisa “O estado de exceção no Brasil
contemporâneo: para uma leitura crítica do argumento de emergência no cenário político-jurídico nacional”. 2 AGAMBEN, Giorgio. Forma-de-vida. In:______. Meios sem fim: notas sobre a política. Belo Horizonte:
Autêntica, 2015. pp. 13-17.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
contato em uma via medial, a qual torna possível aquela comunidade em que o que se partilha
é a potencialidade de ser comum. Daí o interesse do presente trabalho, que pretende
compreender o conceito agambeniano de forma-de-vida e apontar se (e como) este poderia
contribuir com outras formas, democrático-radicais, de se pensar a política.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
¿Por qué (una) democracia? Democracia radical o barbarie
Francis García Collado
A 20 años de la muerte de Cornelius Castoriadis parece necesario, dada la coyuntura
internacional, volver a su noción de Democracia radical. Para ello será necesario recoger
algunas ideas nucleares de su pensamiento tales como la diferencia entre autonomía y
heteronomía, alteronomía, carácter magmático y precariedad de sentido así como el porqué el
autor hablaba de democracia “radical”.
Entender el nacimiento de la democracia en Atenas como germen y no como modelo nos
llevará a analizar algunos de los conceptos básicos que permiten que podamos hablar de
democracia y no de otra forma de convivencia política que le haya usurpado el nombre desde
hace siglos. Así, la pregunta de ¿por qué (una) democracia? Obtendría una clara respuesta:
democracia radical o barbarie.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
Constitucionalismo performativo: crítica, performativide e precariedade como
elementos de uma nova prática constitucional
Igor Campos Viana1
O presente ensaio propõe apresentar a ideia do que chamo de Constitucionalismo
Performativo através de um diálogo com os contributos político e teórico de Judith Butler.
Para tanto, proponho perpassar e articular três categorias fundamentais da sua obra: a crítica
(BUTLER, 2002), a performatividade (BUTLER, 2015) e a precariedade (BUTLER, 2004). A
partir dessa chave de leitura proponho pensar as possibilidades de ressignificação dentro da
ordem normativa do constitucionalismo moderno. Questiono a constante e incessante busca
pela estabilização social que perde de vista o caráter violento de determinadas estabilizações
que cristalizam modos de existência possíveis. Afinal, a quem serve a estabilidade jurídica?
Seria esse um fim em si mesmo de todo processo constitucional? Democracias podem ser
normativamente estáveis?
Judith Butler nos apresenta uma construção teórica que rompe com a clássica teoria política
ao apresentar uma soberania popular enquanto ato performativo de corpos que se reúnem no
espaço público e reivindicam para si o conceito de povo. Reunidos em uma determinada
cartografia situacional, esses corpos podem apresentar um enfrentamento e uma exposição da
precariedade sob a qual são sujeitados. Assim, através da crítica, desafiam a lógica jurídica
estabilizadora gerando uma fratura no raciocínio constitucional moderno. Práticas políticas
rearticuladoras da tecitura social contribuem para constituir espaços de resistência e de
própria existência política de vidas não passíveis de luto ou extremamente precarizadas.
Compreender a precariedade enquanto uma condição compartilhada do animal humano é
também compreender que a manutenção da vida depende de condições sociais e políticas e
não somente de um impulso interno para viver (BUTLER, 2009). Pensar através da ótica da
precariedade é possibilitar uma luta política gregária que supere os dilemas de uma
compreensão liberal da política e os dilemas de uma suposta necessidade de concordância em
relação a todas as questões de desejo, crença ou auto identificação típicas de uma política
centrada em questões identitárias.
1 Pesquisador (bolsa CAPES) em sede de mestrado da Linha História Poder e Liberdade do Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
Aposto, portanto, em um constitucionalismo que afirme a dimensão instável inerente a
qualquer estabilização. Um constitucionalismo que não negue a dimensão conflitiva da vida
social e enfrente a desigualdade na distribuição das precariedades. Um constitucionalismo que
se abra às diversas formas de rearticulação da tecitura social como única possibilidade de
vivência radicalmente democrática. É chegado o tempo de repensarmos a fundação do
constitucionalismo moderno através de uma constituição que não se reduza ao binômio
constituinte/constituído (CHUERI, 2013; VIANA, 2015). O Constitucionalismo Performativo
retêm o poder constituinte no presente, no agora radicalmente democrático, numa
temporalidade na qual a potência não se encerre no ato, mas pelo contrário, nele se eleve,
projetando-se para um futuro sempre em aberto às performatividades políticas que o constitui
na sua própria reconstituição. O poder em um só ato.
Referências Bibliográficas
BUTLER, Judith. What is critique? An essay on Focault’s virtue. In David Ingram, ed., The Political: Readings
in Continental Philosophy, London: Basil Blackwell, 2002.
BUTLER, Judith. Precarious Life. New York: Verso, 2004.
BUTLER, Judith. Frames of War: When is Life Grievable. New York: Verso, 2009.
BUTLER, Judith. Notes toward a Performative Theory of Assembly. Cambridge, Mass: Harvard University
Press, 2015.
CHUEIRI, Vera Karam de. Constituição radical: uma ideia e uma prática. Revista da Faculdade de Direito
UFPR, Curitiba, n. 58, p. 25-36, 2013.
VIANA, Igor Campos. Uma estranha tensão entre constituição e democracia: a necessidade de um
constitucionalismo para além da modernidade. Revista do Centro Acadêmico Afonso Pena, v. 21, no1 de 2015.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
A revolução radicalmente democrática das mulheres curdas
Joyce Karine de Sá Souza1
Ana Clara Abrantes Simões2
Este trabalho tem por objetivo central analisar o protagonismo feminino curdo em Rojava. Em
2012, entre a Turquia e o rápido avanço do Estado Islâmico, fronteiras de tirania no Oriente
Médio, Rojava emergiu como um novo espaço de ação política com especial protagonismo
feminino, desenvolvido a partir das ideias de Abdullah Öcalan. Enquanto uma comunidade
radicalmente democrática, nega os pilares clássicos da sociedade capitalista e do Estado
soberano, como as noções de hierarquia, representação e poder patriarcal. Assim, assembleias
são formadas para a tomada de decisão e a figura do líder é dissipada na multiplicidade de
atores que negam a se constituir enquanto um Estado ou adotar o sistema econômico
capitalista. As fronteiras são compreendidas como mecanismos que hierarquizam e que
retiram da comunidade o poder de conduzir seu próprio destino. Rojava revela-se enquanto
um processo político permanentemente aberto que, ao rejeitar o modelo clássico de
representação política, desenvolve o que Hardt e Negri chamam de construção de afetos
políticos. As mulheres ocupam um especial papel na luta e resistência diária contra os avanços
do Estado Islâmico e as pressões internacionais que visam minar e desarticular uma
experiência que em si mesma nega o Império. Dessa forma, buscam a construção de um
espaço aberto e radicalmente democrático no qual o protagonismo feminino se desenvolve:
seres an-árquicos, insubordinados e que estão na linha de frente na luta pela construção desse
espaço democrático. A igualdade de gênero nas estruturas assembleares possibilita que as
mulheres participem ativamente de decisões fundamentais na articulação política e econômica
de Rojava. Nesse sentido, a revolução de Rojava é uma revolução de mulheres. Não há quem
negue o protagonismo desses seres que rompem com as relações de dominação,
principalmente em relação à opressão de gênero, marcante nas sociedades ocidentais ou
orientais. Ao ressignificar o conceito de liberdade em um contexto notadamente patriarcal e
opressor, buscam a construção de um espaço tolerante e multiplicador. As mulheres em
Rojava subvertem os papeis clássicos, são as bases fundantes e móveis desse movimento
1 Doutoranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
2 Graduanda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
aberto e radicalmente democrático. A partir das ideias desenvolvidas por Andityas Matos,
percebe-se que as mulheres de Rojava agem em um movimento desistituinte e ao mesmo
tempo fundador de uma sociedade estruturada em uma dinâmica que nega radicalmente o
nomos estatista. A liberdade das mulheres está no cerne da experiência de Rojava como
alternativa ao atual modelo hegemônico civilizatório. As mulheres curdas são seres que estão
na base da luta em Rojava ocupando espaços de destaque na resistência armada e na liberação
de cidades como Kobanî e Manbij. Assim, a presente comunicação pretende discutir o papel
das mulheres curdas na construção dessa abertura democrática no seio do Oriente Médio e
tem por objetivo demonstrar que elas são seres an-árquicos que negam o capitalismo e o
Estado, ou seja, estruturas que representam o macho dominante de maneira mais
institucionalizada.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
A revolução de Rojava: uma experiência feminina de democracia radical
Karina Junqueira1
Maria Raphaela Luchini2
Ana Camila Moreira3
Em "La revolución es femenina" (2010), Abdullah Ocalan, fundador do PKK (Partido dos
Trabalhadores do Curdistão), afirma: "a história da civilização pode ser definida como uma
história de perdas para a mulher. No curso da história foi imposta a personalidade patriarcal
do homem. Com grandes perdas para toda a sociedade; o resultado foi a sociedade sexista”
(tradução nossa). A partir deste "diagnóstico", Ocalan propõe uma nova sociedade, baseada na
igualdade de gênero, realizando uma crítica ao socialismo real e a todas as correntes que
colocam a luta pela emancipação feminina como secundária à luta anticapitalista e ao fim das
classes sociais. Para ele, a luta pela liberação da mulher é mais importante "que a liberação de
classe ou a nação", pois sem ela não é possível falar na igualdade pela qual o socialismo luta,
além de que o fim do capitalismo não é uma garantia do fim do sexismo.
Deste modo, a proposta de Ocalan é um socialismo libertário, que tem como ponto de partida
a obra do anarco-ecologista Murray Boockchin, baseada na crítica do Estado-nação, do
capitalismo e do patriarcado. Este modelo de democracia radical, direta, de auto-gestão, tendo
por princípios a defesa do meio ambiente, a tolerância religiosa, o pluralismo político e
cultural, e o protagonismo das mulheres, consiste no Confederalismo Democrático,
implementado principalmente em Rojava4, por meio de uma revolução que, como afirmou
Ocalan, é uma revolução feminina. Deste modo, a luta curda passou progressivamente da
defesa de um Estado-nação curdo, que seria criado nos moldes dos Estados socialistas das
revoluções russa e chinesa, para um modelo socialista libertário: no lugar do Estado-nação, a
autogestão de comunidades locais organizadas em conselhos, tendo como pilares centrais a
ecologia e o feminismo.
Assim, nosso objetivo é analisar a relação entre anarquismo e feminismo em Rojava, ou seja,
o anarcofeminisno, corrente que afirma, como Ocalan, que a emancipação da mulher deve ser
1 Doutora em Serviço Social e professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas.
2 Graduanda em Relações Internacionais pela PUC Minas.
3 Graduanda em Relações Internacionais pela PUC Minas.
4 Região autônoma curda na Síria.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
discutida no mesmo nível da opressão de classe, em uma crítica ao primado da classe no
anarquismo, que deixa, segundo Hogan (2009), a questão de gênero e as demandas das
mulheres como algo secundário. É preciso, portanto, colocar um fim não apenas nas classes,
mas na hierarquia de poder entre os sexos para que homens e mulheres possam viver livres e
em igualdade. A emancipação da mulher, desta forma, não é algo secundário ou subsidiário
ou sequer pode estar implícito no anarquismo - como afirma Ocalan (2012), o sexismo é um
dos pilares ideológicos do Estado e ele, juntamente com o capitalismo e o patriarcado,
transforma a mulher em mercadoria e objeto sexual. Desta forma, uma das bases do
Confederalismo Democrático é o feminismo e a luta contra o patriarcado, pois "sem a
libertação da mulher, não pode haver um Curdistão livre" (Ocalan, 2010). E Rojava é a
melhor expressão desta libertação.
REFERÊNCIAS
HOGAN, Deirdre. Feminismo, classe e anarquismo. Faísca Publicações Libertárias, 2009.
OCALAN, Abdullah. Confederalismo democrático. International Initiative Edition, 2012.
OCALAN, Abdullah. La revolución es femenina. 2010. Disponível em: <goo.gl/9kFHz9>. Acesso em
20/10/2017.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
Demos contra democracias liberais: repensando a relação entre participação política e
demandas jurídicas
Leonardo Monteiro Crespo de Almeida1
O atual consenso sobre as democracias liberais como a forma mais desejável de organização
política repousa, em parte, em sua cumplicidade com a promoção e fortalecimento das
economias capitalistas. Promover a democracia internacionalmente significa, dentre outras
coisas, expandir também a abrangências das economias capitalistas. Neste panorama, a
redução de direitos adquiridos, como os trabalhistas, a expansão do poder dos conglomerados
econômicos, a contínua flexibilização das regulações dos vários mercados, revelam um lado
problemático da participação cidadã que é tão promovida pelos proponentes da democracia
liberal: escolhendo os seus representantes políticos, ainda assim se mantém às margens da
política na defesa dos seus interesses imediatos. Neste cálculo político, o povo surge como
mais uma variável a ser direcionada para o alcance de metas estabelecidas pelo aparato
administrativo-econômico do Estado, sendo a sua integração social e política confundida com
integração econômica pela vida do consumo e do crédito. Ser parte do povo significa ter
capacidade para o consumo e para contrair dívidas. As recentes manifestações populares,
como as que ocorreram em 2013 no Brasil, colocam em questão os propósitos da democracia,
para quem ela é estabelecida e o sentido da soberania popular. A pergunta central deste
trabalho é a seguinte: existiria alguma forma de poder popular que, situado para além do
aparato jurídico das democracias liberais, também o estabelece? Nossa resposta é afirmativa e
para isso faremos uma interpretação do povo como resistência última à institucionalização
plena do poder político popular. Dito de outro modo, o povo é um agente político cujo
potencial não se esgota, nem se deixa limitar plenamente, pelas formas de representação
política, a exemplo do processo eleitoral, juridicamente respaldadas pelo Estado. O
fundamento de nossa preocupação teórica reside no contínuo fortalecimento da aliança
Estado/capitalismo, assim como no esgotamento, no panorama das democracias liberais, das
garantias e direitos conquistados politicamente nos últimos séculos. Para o desenvolvimento
analítico de nossa proposta, a saber, pensar o povo como contraposição à captura do poder
1 Doutor em Direito pela UFPE.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
popular pelos mecanismos institucionais do Estado (representação política, integração
econômica pela dívida/consumo), recorreremos aos trabalhos de Gilles Deleuze, Félix
Guattari e Jacques Rancière para repensarmos a relação do poder político entre população e
Estado. Sustentamos que os três autores fornecem elementos para concebermos o poder
popular para além de sua captura pelo Estado, permitindo-nos pensar formas de resistência e
contestação que não sejam juridicamente mediadas, ainda que permitam, por sua vez, a
transformação do direito positivo vigente. A população (demos) é concebida, nesta conjectura,
como um sujeito coletivo impróprio cuja existência e relevância política decorre da
problematização e contestação dos regimes normativos que policiam a participação social e
representação jurídico-política.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
Horizontalidade (em devir) na sala de aula: um relato de experiência
Paulo Caetano1
A comunicação é um relato de experiência acerca de um trabalho proposto a uma turma de
graduação na disciplina Leitura e Produção de textos. A proposta consistia na reflexão, por
parte do corpo discente, acerca de tópicos sobre a horizontalidade na escola e a relação disso
com recentes “movimentos políticos”. Assim, foi sugerido que o grupo se debruçasse em
textos de naturezas distintas como, por exemplo, o projeto pedagógico da Escola da Floresta
(em São Paulo), a Escola Viva (em Belo Horizonte), um artigo de Carolina Chiesa sobre
elementos anárquicos na Casa da Cultura Digital (em Porto Alegre), um ensaio de Andityas
Moura acerca da desobediência civil nas ocupações de 2016, dentre outros textos que
trabalham direta ou indiretamente ideias como autonomia, autogestão, democracia radical
(sabendo que tais termos guardam nuances entre si) a fim de se pensar a constituição das
currículos e das relações sociais no âmbito escolar como circunstâncias emancipadoras, com
efeito, do indivíduo. Essa proposta de trabalho (pensar nesses textos aparentemente díspares
entre si) carrega em si um viés ensaístico, por assim dizer. Isso pode ser dito tendo em vista a
exposição de Silvina Rodrigues Lopes, em Literatura, defesa do atrito, que sugere que o
gênero ensaio deve ser marcado por “falas-aventuras”. Tal mergulho pressupõe não apenas
abordar objetos relativamente novos ou pouco pesquisados na academia, mas pressupõe
também, como coloca Lopes, fazer “conexões imprevistas”. Pressupõe ainda pensar o ensaio
como um ethos, como coloca Gabriela Rebouças, em texto sobre o gênero ensaio no campo
jurídico, ao dizer o ensaio é transgressor e ao mesmo tempo menos assertivo; é uma atitude
intelectual diante do que é tido como certo. Desse modo, o estudante pode criar um fio que
amarra tais objetos, num procedimento que, assim se espera, ocorra como uma prévia de suas
relações com mundo: uma atribuição de sentido mais autônoma e autoral – marcas decisivas
num contexto de democracia radical e autonomia.
1 Doutor em Teoria da Literatura pela UFMG. Professor na UEMG.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
Da luta por democracia espacial a uma democracia radical: a potência desinstituinte da
experiência das ocupações na “região da izidora”
Thiago César Carvalho dos Santos1
O presente estudo tem como foco a experiência das ocupações-comunidades da Izidora (Rosa
Leão, Esperança e Vitória), como uma potente chama para uma democracia efetivamente
radical. Cerca de 8 mil famílias instaladas entre os municípios de Belo Horizonte e Santa
Luzia resistem às diversas tentativas de despejo por parte das municipalidades e da Empresa
Granja Werneck S/A. Essa área, que é considerada a última grande área privada não parcelada
da capital mineira, se tornou arena de movimentações políticas que revelam a potência de uma
experiência democrática para além das instituições presentes, a partir das lutas por uma
democracia espacial. O método utilizado foi o de revisão de literatura narrativa, realizando
uma pesquisa qualitativa dos pontos e ao final, com a coleta de dados bibliográficos e com a
análise destes, desenvolveu-se os argumentos que fundamentaram a hipótese inicial. A
pesquisa tem como aporte bibliográfico principal a tese de doutorado de Luiz Antônio
Evangelista de Andrade (2017)2 e a dissertação de mestrado de Luiz Fernando Vasconcelos de
Freitas (2015)3, as quais estudam o fenômenos das ocupações na Izidora, bem como a obra
Uso dos Corpos (2017) de Giorgio Agamben e o artigo de Andityas Costa Matos “Estado de
exceção, desobediência civil e desinstituição”. Pode-se dizer, primeiramente, que a
experiência das ocupações representa uma prática do uso, conforme teoriza Agamben (2017),
em contraponto à propriedade (inapropriável), como mecanismo capaz de tornar inoperantes
os fundamentos que estruturam o poder político (potência desinstituinte). As discussões
acerca dos usos e acessos aos espaços territoriais, sejam para fins de moradia ou mesmo
direito de acessos aos bens e serviços públicos, propiciam uma experiência de vida não
cindida. Aqueles que li ocupam, constituiem uma forma de vida não separada de sua forma,
verdadeiramente anárquica, livre e igualitária, em constante fluidez e contato com as
1 Cursando Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti. Especialista
em Advocacia Cível pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Bacharel em Direito pela PUC Minas.
Advogado. E-mail: [email protected]. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1735005058470375. 2 Tese intitulada: Crise imanente e conflito social na metrópole de Belo Horizonte: reflexões a partir da “questão
da moradia”, na “Região da Izidora”. 3 Dissertação intitulada: Do Profavela à Izidora: a luta pelo direito à cidade em Belo Horizonte.
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
multiplicidades e singularidades. “a potência se torna forma-de-vida, e uma forma-de-vida é
constitutitivamente destituinte” (AGAMBEN, 2017, p. 309). Outrossim, essa cidadania
insurgente nas ocupações se revela também enquanto fuga ou êxodo das formas institucionais
do poder político-econômico contemporâneo. Ele nega “as estruturas determinadas e
concretas que integram os dispositivos institucionais de fato existentes” (MATOS, 2016, p.
76), notadamente a propriedade e a soberania do poder executivo municipal e mesmo o
judiciário. A resistência aos despejos autorizados judicialmente, feitas com os próprios corpos
dos ali viventes reflete a potencialidade desinstituinte, conforme apresentada por Matos
(2016). Sendo assim, as ocupações do Izidora se apresentam como uma fuga ao racismo de
Estado e ao estado de exceção, que insiste em negar direitos fundamentais a esses viventes
marginais e invisíveis da sociedade, abrindo, então, espaço a uma democracia outra, não
baseada em noções de representação, soberania, hierarquia e poder separado.
Palavras-Chaves: Ocupação. Região da Izidora. Poder destituinte. Poder desinstituinte.
Democracia radical.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2010.
AGAMBEN, Giorgio. O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo, 2017. (Estado de sítio, Homo Sacer, IV, 2).
ANDRADE, Luiz Antônio Evangelista de. Crise imanente e conflito social na metrópole de Belo Horizonte:
reflexões a partir da “questão da moradia”, na “Região da Izidora”. 2017. 392f. Tese (Doutorado) - Universidade
Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia, Belo Horizonte.
Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS-
ARUK2X/binder1.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 nov. 2017.
FREITAS, Luiz Fernando Vasconcelos de. Do Profavela à Izidora: a luta pelo direito à cidade em Belo
Horizonte. 2015. 245f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Direito, Belo Horizonte. Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS-
A3XHVA/disserta__o_unificada.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 nov. 2017.
GONTIJO, Lucas de Alvarenga. Insurreição popular, geografia social e teoria do reconhecimento - teoria versus
práxis em analise da experiência de luta por moradia na região Izidora de Belo Horizonte. Caderno de Relações
Internacionais, Belo Horizonte, v. 6, n. 11, jul./dez. 2015. Disponível em:
GT Democracia radical e potências (des)constituintes II Coordenação: Joyce Karine de Sá Souza e Rodrigo Wagner Santos Ribeiro Filho
<http://faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/relacoesinternacionais/article/view/176/166>. Acesso em: 15
nov. 2017.
MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Estado de exceção, desobediência civil e desinstituição: por uma
leitura democrático-radical do poder constituinte. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 7, p. 43-95, 2016.
Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/19953/18931>. Acesso
em: 10 maio 2017.
NASCIMENTO, Denise Morado. As políticas habitacionais e as ocupações urbanas: dissenso na cidade.
Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 145-164, abr 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cm/v18n35/2236-9996-cm-18-35-0145.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017.
OCUPAÇÕES da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória). Coletivo Margarida Alves, 2015. Disponível
em: < http://www.coletivomargaridaalves.org/intervencoes-em-campo/ocupacoes-da-izidora-rosa-leao-
esperanca-e-vitoria/ >. Acesso em: 15 nov. 2017.