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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

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Fundamentos Sócio-Históricos daEducação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

ReitoraMARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ

Vice-ReitorEDUARDO RAMALHO RABENHORST

EDITORA DA UFPB

DiretoraIZABEL FRANÇA DE LIMA

Vice-DiretorJOSÉ LUIZ DA SILVA

Supervisão de EditoraçãoALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR

Supervisão de ProduçãoJOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

CONSELHO EDITORIAL

Prof Dr. Lucídio Cabral ..................................(UFPB)Prof Dr. Danielle Rousy..................................(UFPB)

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Anderson Moebus Retondar

Fundamentos Sócio-Históricos daEducação

Editora da UFPBJoão Pessoa

2013

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Capa - Projeto gráfico: Renato Arrais e Eduardo Santana

Editoração eletrônica: Eduardo Santana

Catalogação na publicaçãoUniversidade Federal da Paraíba

Biblioteca Setorial do CCEN

R437f Retondar, Anderson Moebus. Fundamentos sócio-históricos da educação / Anderson Moebus Retondar;

editor: Eduardo de Santana Medeiros Alexandre, revisora: Camyle Araújo. - João Pessoa: Curso de Licenciatura em Computação na Modalidade à Distância / UFPB, 2013.

81p. : il. – ISBN: 978-85-237-0731-6

Curso de Licenciatura em Computação na Modalidade à Distância. Universidade Federal da Paraíba.

1. Computação. 2. Informática. 3. Redes de computadores.

BS-CCEN CDU 004

Todos os direitos e responsabilidades dos autores.

EDITORA DA UFPBCaixa Postal 5081 – Cidade Universitária João Pessoa – Paraíba – BrasilCEP: 58.051 – 970 http://www.editora.ufpb.br

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Ed. v1.0.4

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Sumário

1 A educação como fenômeno sócio-histórico 1

1.1 Breves passagens sobre a história da educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

1.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1.2 Sociologia e sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.2.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.3 Socialização e educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

1.4 A educação como Instituição Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.4.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1.5 Educação e mobilidade social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1.5.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.6 Educação e cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

1.6.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

1.7 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2 A educação na teoria sociológica clássica e contemporânea 23

2.1 Émile Durkheim e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

2.2 Karl Marx e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2.2.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

2.3 Max Weber e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

2.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

2.4 Pierre Bourdieu e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

2.4.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

2.5 Paulo Freire e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

2.5.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

2.6 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

3 A educação na sociedade contemporânea 51

3.1 Da modernidade à pós-modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

3.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

3.2 A educação na pós-modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

3.3 Sociedade de consumo, globalização e educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

3.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

3.4 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

4 Referências 66

4.1 Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

5 Índice Remissivo 68

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Prefácio

Na sociedade contemporânea, a educação tornou-se um dos maiores desafios para as nações, gover-nos, Estados e para os próprios educadores.

Ao mesmo tempo é comum afirmar que, para uma sociedade se desenvolver deve-se, antes de tudo,desenvolver e aprimorar seu sistema educacional, expandindo para um número cada vez maior deindivíduos e com uma qualidade cada vez mais elaborada.

Ao mesmo tempo, os canais “tradicionais” da produção do saber, como a escola e a universidade,entraram em concorrência com um conjunto de outros espaços que requerem para si, também, o papelde “espaços educacionais”, como os meios de comunicação de massa e a internet.

Cada vez mais percebemos mudanças substantivas nas práticas educativas que agora devem estar maispróximas do universo das imagens e do espetáculo.

A informação circula livremente e em velocidade quase instantânea pelas redes sociais, sites e blogs,pelos telejornais, “chats” e toda forma de comunicação virtual.

Neste contexto, o fenômeno da educação se encontra desafiado pelos mecanismos, processos e es-truturas da sociedade contemporânea que preza, fortemente, pela instantaneidade e efemeridade dasrelações e processos sociais.

Cada vez mais precisamos otimizar nosso tempo. Cada vez mais a durabilidade das coisas, e atéde nossas relações, se torna menor. Pretendemos otimizar, entre outras coisas, o nosso aprendizado.Queremos aprender mais em menos tempo. E parece que a sociedade atual exige de nós sermos maisrápidos e mais competentes.

Mas porque isto é, ou se tornou assim?

Uma das questões mais importantes que envolverá nossa disciplina é, exatamente transformar aquiloque nos parece um fato em um problema. Mas atenção: isto não quer dizer que transformar algo emum problema signifique transformar algo positivo em negativo. Ao contrário, do ponto de vista cientí-fico, que é o que nos interessa, transformar algo em um problema é produzir um questionamento sobreeste “algo”. Ou seja, transformar alguma coisa que nos parece natural em um problema (científico)significa produzir uma reflexão sobre a mesma, questioná-la, ou seja, procurar conhecer ou mesmocompreender alguns de seus fundamentos

A velha história da maçã que cai sobre Isaac Newton no momento em que repousava embaixo de umamacieira e que, a partir daí, desperta nele a dúvida sobre a força da gravidade, apesar de mitológica,já que não há um consenso de que ela tenha ocorrido de fato, é muito significativa para nossa argu-mentação, afinal, uma maçã caindo do galho é um fato absolutamente banal. Ao transformá-la em um“problema”, Newton produziu uma reflexão que foi responsável por gerar uma das principais teoriasda física clássica.

A educação será, aqui, nossa maçã. Problematizar sua constituição e seus fundamentos sociais ehistóricos será nossa tarefa e principal desafio.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

A educação como qualquer fenômeno de origem social, se encontra localizada no tempo e no espaço.Isto quer dizer, entre outras coisas, que ela pressupõe uma localização social e histórica.

Desvendar algumas pistas que revelem esta localização e seus fundamentos constituirá o objetivoprincipal de nossa disciplina, a qual pretende, antes de tudo, contribuir para que o futuro educadorpossa produzir em suas atividades cotidianas de trabalho uma reflexão constante sobre seu papelna escola, na sociedade e assim contribuir para a formação de indivíduos comprometidos com opensamento crítico-reflexivo, transformando-os em verdadeiros sujeitos comprometidos com sua vidasocial e política.

Para tanto, partiremos aqui de uma análise preliminar de um conjunto de teorias e concepções queirão contribuir para equipar você, futuro educador, com algumas ferramentas conceituais e teóricasnesta empreitada, utilizando para isso algumas contribuições da sociologia e da história acerca dofenômeno da educação nas sociedades moderna e contemporânea.

Nossa disciplina irá se desenvolver em três momentos: a educação como fenômeno sócio histórico, aeducação no pensamento social clássico e contemporâneo e a educação na sociedade contemporânea.

Esperamos com isso traçar um panorama do fenômeno da educação em suas facetas sócio históricas,buscando com isso tornar possível uma melhor compreensão das práticas educativas em nosso atualcontexto.

Boa leitura e bom estudo!

Público alvo

O público alvo desse livro são os alunos de Licenciatura em Computação, na modalidade à distância1.Ele foi concebido para ser utilizado na disciplina Fundamentos Sócio-Históricos da Educação.

Como você deve estudar cada capítulo

• Leia a visão geral do capítulo

• Estude os conteúdos das seções

• Verifique se você atingiu os objetivos do capítulo

NA SALA DE AULA DO CURSO

• Tire dúvidas e discuta sobre as atividades do livro com outros integrantes do curso

• Leia materiais complementares eventualmente disponibilizados

• Realize as atividades propostas pelo professor da disciplina

1Embora ele tenha sido feito para atender aos alunos da Universidade Federal da Paraíba, o seu uso não se restringea esta universidade, podendo ser adotado por outras universidades do sistema UAB.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Caixas de diálogo

Durante o texto foram colocadas caixas de diálogo, nesta seção apresentamos os significados delas.

NotaEsta caixa é utilizada para realizar alguma reflexão.

DicaEsta caixa é utilizada quando desejamos remeter a materiais complementares.

ImportanteEsta caixa é utilizada para chamar atenção sobre algo importante.

CuidadoEsta caixa é utilizada para alertar sobre algo potencialmente perigoso.

AtençãoEsta caixa é utilizada para alertar sobre algo potencialmente perigoso.

Os significados das caixas são apenas uma referência, podendo ser adaptados conforme as intençõesdos autores.

Contribuindo com o livro

Você pode contribuir com a atualização e correção deste livro. A tabela a seguir resume os métodosde contribuições disponíveis:

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Tabela 1: Métodos para contribuição do livro

Método decontribui-ção

Habilidades necessárias Descrição

Issue track

• Inscrição no site dogithub

• Preenchimento de umformulário

Consiste em acessar o repositório do livro esubmeter um erro, uma sugestão ou uma crítica —através da criação de um Issue. Quandoprovidências forem tomadas você será notificadodisso.

Submissãode correção

• Realizar fork deprojetos

• Atualizar texto do livro

• Realizar PullRequest

Consiste em acessar os arquivos fontes do livro,realizar a correção desejada e submetê-la paraavaliação. Este processo é o mesmo utilizado naprodução de softwares livres.

Contribuição através do Issue trackPara contribuir com um erro, sugestão ou crítica através de um envio de uma mensagem acesse:https://github.com/edusantana/fundamentos-socio-historico-da-educacao-livro/issues/new

Figura 1: Exemplo de contribuição através do Issue track

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Baixando a edição mais nova deste livro

Nós estamos constantemente atualizando o nosso material didático. Todas as versões deste livroencontram-se disponíveis para download.

DicaAcesse https://github.com/edusantana/fundamentos-socio-historico-da-educacao-livro/-releases para baixar a versão mais nova deste livro.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Capítulo 1

A educação como fenômeno sócio-histórico

OBJETIVOS

Ao final deste capítulo você será capaz de:

• Perceber a educação como um fenômeno histórico e social;

• Reconhecer alguns momentos importantes ao longo da história do desenvolvimento dofenômeno da educação;

• Discorrer sobre alguns dos principais conceitos da sociologia;

• Relacionar estes conceitos com o fenômeno da educação.

Caro aluno, este capítulo se dedicará a demostrar para você como a educação se caracteriza, antesde tudo, como um fenômeno social e histórico, e para tanto, iremos refletir sobre o processo dedesenvolvimento da educação ao longo da história, bem como conhecer alguns instrumentos teórico-conceituais da sociologia que servirão de base para que você perceba a atividade educativa como partede um movimento ativo da sociedade, de relações intersubjetivas e de poder, capacitando-o para suafutura vida profissional enquanto educador.

1.1 Breves passagens sobre a história da educação

Podemos inferir que a educação surgiu concomitantemente ao aparecimento da humanidade, na me-dida em que as relações entre os homens já são, por si sós, relações de aprendizado. No entanto,a sistematização dos processos educativos é bem mais recente na história do homem, remontando àGrécia antiga.

Para os gregos, a educação era percebida como uma forma de aprendizado cultural, onde a absorçãodos valores e tradições era um imperativo do processo educacional, que tinha como principal meta aformação integral dos indivíduos, tanto sob o aspecto intelectual, quanto físico e moral.

A ideia que melhor representa a educação neste período da história é a de “paideia”, que significavaum aprendizado integral na busca da formação do cidadão. Tal ideia pressupõe um conhecimentointegral das artes, da gramática, da literatura, da educação física, permeado por preceitos e valores dajustiça.

Apesar da formação de caráter militarista que ficou muito conhecida na cidade de Esparta, foi emAtenas, no século V ac., onde o desenvolvimento da Paideia encontrou sua plenitude com o avanço

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das artes, filosofia, literatura, entre outras formas de expressão cultural, que deveriam ser cada vezmais difundidas para o conjunto dos homens livres, formando assim, o cidadão da polis.

A escola era um espaço restrito ao universo masculino, mas que primava pelo princípio de uma educa-ção abrangente, rica culturalmente, direcionada fundamentalmente para o engrandecimento humano.

Ainda hoje, a ideia de Paideia é mobilizada por educadores e pedagogos como o modelo de educaçãomais adequado à formação dos indivíduos no sentido de uma educação integral que contemple osmais diversos campos do saber.

Figura 1.1: Escola de Atenas: Rafael Sanzio

Posteriormente ao modelo grego, irá aparecer o sistema Romano de educação, no qual não existe oprincípio de democratização do conhecimento, ao contrário, este modelo está diretamente direcionadoà formação do civis romanus, que pelo conhecimento do direito, era tido como superior à outros povos,sendo esta a base da ideia de “romanidade”

É interessante notar como na Roma antiga, a figura feminina apresenta um papel mais central nos pro-cessos educativos, principalmente em relação ao que ocorre na Grécia onde a educação era monopóliodo homem.

As mulheres romanas assumem um papel fundamental na educação familiar, cabendo a elas a escolhados mestres e pedagogos que seriam os responsáveis pela formação de seus filhos, conferido a elas,deste modo, maior autonomia e legitimidade no interior daquela sociedade.

ImportanteA noção de Paideia grega se mantém até hoje como um modelo ideal de educação, poisprivilegia a formação global do indivíduo, tanto sob os aspectos disciplinares quanto sob aformação do cidadão.

Após o período da Antiguidade Clássica, a educação irá se desenvolver na época medieval, marcadapela sua relação estreita com a questão da religiosidade.

Sob o poder do cristianismo, a difusão do conhecimento era controlada de acordo com os preceitosda igreja, devendo este antes de tudo ratificar a fé cristã.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Ao mesmo tempo, o período medieval será marcado pela formação de um conjunto de instituiçõeseducacionais que irão perdurar, guardadas evidentemente as distinções históricas, até nossos dias,como a universidade e a escola.

Sob o monopólio dos preceitos religiosos, que deveriam ser severamente respeitados, a moral cristãera difundida junto com as disciplinas de caráter mais acadêmico como as letras e filosofia.

Chamada posteriormente de “idade das trevas” e de “obscurantismo”, a educação no período medievalserá marcada fortemente por seu caráter conservador e de legitimação do poder instituído pela igrejae pelos reis, um período onde a liberdade de produção do conhecimento é extremamente restrita, selimitando àquilo que era permitido nos monastérios e nas catedrais.

Figura 1.2: Educação no período medieval

Após o período renascentista nos séculos XIV a XVI na Europa, marcado pela retomada paulatinados princípios gregos e romanos da educação e das artes, se constituiu a fase moderna da atividadeeducacional que será marcada, essencialmente, pela separação entre a igreja e o Estado que, agorapassará a assumir o controle sobre a atividade educativa na sociedade.

Neste sentido, o processo educacional passa a ser racionalizado, sendo métodos de aprendizagem pro-duzidos e difundidos, bem como a separação entre crianças e adultos nos espaços de aprendizagem,ou seja, a escola passa a ser um espaço dedicado prioritariamente à infância, marcado pela disciplinae pela didática, visando um aprimoramento dos indivíduos e de seu comportamento.

A educação moderna será caracterizada, antes de tudo, pelo primado da laicidade e da autonomiaintelectual. O conhecimento deve, antes de tudo, ser livre e guiado pelos princípios da razão emdetrimento de orientações exclusivamente teológicas e ou religiosas.

A própria possibilidade hoje de produzirmos campos de estudo sobre os processos educacionais, bemcomo elaborar um conjunto de técnicas que aprimorem a produção e absorção do conhecimento, éresultado das transformações históricas pelas quais passou o fenômeno da educação.

Exatamente por isso é possível hoje pensarmos em definir uma disciplina que busque interpretare compreender alguns fundamentos sócio-históricos da educação, orientados por um conjunto deciências que passam a servir de sustentação para este conhecimento, especialmente a história e asociologia.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

DicaPara mais informações sobre história da educação consulte a ‘revista brasileira de históriada educação’ através do link: http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe

1.1.1 Texto para reflexão

Texto: A Redescoberta da Cultura, São Paulo, EDUSP, 1997Autor: Simon Schwartzman

“Recolocar em primeiro plano a questão da modernidade significa, em grande parte, trazer a questãoeducacional para o centro das preocupações. A redescoberta e revalorização da questão educacionalé hoje um tema candente, e uma das tarefas mais centrais das ciências sociais contemporâneas. Nopassado não muito distante, temas como o da escola pública vs. escola particular, a educação religi-osa, ou direito à educação em língua materna mobilizavam sociedades inteiras, enchiam os jornais edecidiam os resultados de eleições. A educação pública, universal e gratuita foi uma das grandes ban-deiras do pensamento republicano a partir da Revolução Francesa, e a defesa do ensino privado e debase familiar, sustentada pelas autoridades e pensadores católicos, marcou e marca até hoje os debatesdo tema. Na sociologia de Émile Durkheim a educação era vista não somente como uma necessidadeinstrumental das sociedades modernas, mas como o único cimento que poderia efetivamente mantê-laintegrada e solidária. O tema da renovação educacional fascinava os intelectuais russos nos primeirosanos da Revolução de Outubro, e seria retomado nas preocupações de Gramsci.

Nas últimas décadas, no entanto, a questão educacional como que desapareceu como tema intelectual,transformando-se em assunto "meramente"técnico ou administrativo. Esta desqualificação teve comoconsequência que os temas relativos à educação saíssem do foco dos grandes debates e discussões,ficando como que "relegados"aos especialistas, e entregues ao conflito localizado de interesses daspartes mais diretamente envolvidas com as instituições educacionais: pais, professores, secretarias eministérios de educação, livreiros, funcionários. A relativa decadência do tema da educação básicase explica, em parte, pela progressiva expansão das universidades e do ensino superior nas últimasdécadas, atraindo para si os melhores talentos e as principais atenções, e relegando o ensino básicopara setores sociais menos privilegiados e menos capazes, consequentemente, de trazer seus temase interesses para o foco das atenções. A isto se somou a difusão da ideia de que, como fenômenosuperestrutural, a educação em si pouco podia fazer para alterar as condições de vida ou o sistema depoder de uma sociedade, cujas molas mestras estariam na política e na economia. Esta desqualificaçãoda tarefa educacional tornou-se ainda mais acentuada a partir da difusão dos trabalhos de Bourdieu ePasseron, que procuravam demonstrar como os sistemas educacionais simplesmente reproduziam asestruturas de dominação existentes na sociedade mais ampla. Uma vez introduzidas entre os educa-dores, estas idéias se somaram às suas frustrações com a falta de apoio, prestígio e reconhecimento deque eram vítimas, levando ao abandono quase definitivo das preocupações de natureza pedagógica,substituídas seja pela militância política, seja pela apatia pura e simples.

A redescoberta da educação se relaciona com a constatação de que, longe de serem neutras, as institui-ções educacionais têm um impacto bastante significativo, ainda que controverso, sobre as sociedadescontemporâneas. Por um lado, análises econômicas complexas se somam à observação quotidianana demonstração de como a educação, como "capital humano", tem uma contribuição decisiva paraa criação da riqueza e para o desenvolvimento econômico. É cada vez mais claro, por exemplo, opapel central que a educação jogou na ascensão do Japão como potência econômica de primeira gran-deza nas últimas décadas, que parece estar se repetindo com igual força em outros países asiáticos

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

de industrialização recente, como a Coréia do Sul e Taiwan; é também bastante clara, e dramática, alimitação que a ausência de uma população educada coloca para um país como o Brasil, no momentoem que o desenvolvimento da automação industrial coloca em risco uma de suas principais "van-tagens"comparativas internacionais, que era a existência de mão de obra abundante, desqualificadae barata. Por outro lado, estudos sobre o impacto dos sistemas educacionais sobre a estratificaçãosocial mostram que, ao contrário das expectativas otimistas do passado, estes sistemas tendem fre-quentemente a consolidar e acentuar a desigualdade social; esta perspectiva tem sido especialmentesalientada após a frustração das esperanças depositadas, nos Estados Unidos, nos programas de "açãoafirmativa"nas escolas como forma de reduzir as desigualdades raciais que afetam a população negranaquele país. A conciliação destes dois pontos de vista, em si mesmo verdadeiros, requer uma visãomais complexa a respeito do relacionamento entre instituições educacionais e as de tipo econômicoe social. Assim, quando uma sociedade se expande, a educação parece funcionar como instrumentopoderoso de mobilidade social de novos grupos, e de incorporação de novas tecnologias e conheci-mentos à sociedade; quando as sociedades estão estagnadas, a educação parece funcionar, sobretudo,como elemento de seleção e discriminação social. Sozinha, ela pode menos do que se acreditava nopassado; em conjunto com outros processos de natureza social, política e econômica, a educação podemarcar a diferença entre o sucesso e o fracasso”.

1.2 Sociologia e sociedade

Antes de iniciarmos nosso debate acerca dos conceitos fundamentais da sociologia e da relação entreestes e o fenômeno da educação, cabem aqui algumas palavras introdutórias para familiarizar vocêleitor com este universo complexo que é a ciência sociológica.

A sociologia irá se institucionalizar enquanto ciência na França entre o final do XIX e início do séculoXX através de seu fundador, Èmile Durkheim.

No entanto, antes disto, ao longo dos séculos XVIII e XIX começa a se formar, no âmbito dos intelec-tuais e filósofos europeus, especialmente na Inglaterra, França e Alemanha, um intenso debate sobreas transformações por que passam estas sociedades e que constituem a lógica da sociedade modernae do capitalismo.

Este será um período altamente frutífero no campo das ideias, especialmente aquelas que passam ater o homem e a sociedade como centro de suas análises.

Neste período, a Europa passa por um momento de fortes dificuldades econômicas e aumento dacrise social. O capitalismo está ainda em sua fase inicial e envolve relações altamente desiguais entrecapitalistas e assalariados.

Além disso, a instabilidade política é muito grande. Os estratos sociais aristocráticos perdem cadavez mais espaço na condução do poder que, agora passa a ser reclamado pela nova classe que exerceo domínio econômico, a burguesia.

Este período será marcado pelas duas grandes revoluções nos campos econômico e político: a Revo-lução Industrial a partir de 1780 e a Revolução Francesa em 1789.

Se a revolução industrial consolidou o capitalismo enquanto o sistema econômico hegemônico danova sociedade, trazendo com ele novas relações de desigualdade social, a revolução francesa lançouos preceitos daquilo que seria a marca das relações políticas na modernidade, deslocando o poder queantes estava centralizado nas mãos do rei, representante da Aristocracia, para o conjunto dos cidadãosatravés de seus representantes políticos escolhidos por meio do sufrágio eleitoral que, mesmo sendorestrito apenas aos homens alfabetizados e proprietários, marca o início de uma mudança significativano conjunto das relações políticas na sociedade.

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Neste contexto de intensas transformações econômicas, políticas e sociais, começam a se forjar refle-xões sobre a nova dinâmica que abarca o mundo moderno. As explicações anteriores sobre o mundo,que orientavam as sociedades pré-modernas, especialmente no período feudal, e que estavam determi-nadas por discursos de natureza estritamente metafísica, ou seja, explicações que visavam justificar omundo e a ordem social a partir de entidades transcendentes, por exemplo, a partir da vontade divina,não são mais suficientes como modelo de explicação da realidade social.

Se a religião era a principal forma de explicação metafísica do mundo, a partir do século XVIII,especialmente com o movimento iluminista na Europa, começa a se estabelecer uma mudança estru-tural no nível das mentalidades, mudança esta, que se caracterizará pelo predomínio da razão comoinstrumento legítimo de explicação da natureza e do mundo social.

O homem, agora percebido como detentor de racionalidade, deixa de ser objeto, resultado de forças aele exteriores e transcendentes, e passa, de fato, a se tornar sujeito que atua no mundo e o constroi.

O mundo deixa de ser uma criação divina para ser resultado da atividade humana, racional, permeadapor conflitos, interesses, valores e visões de mundo que estão em concorrência. Este processo foi cha-mado de ‘secularização do mundo’, que significa a substituição do discurso teológico-religioso pelodiscurso racional-científico como sendo, este último, o efetivo modelo de explicação da realidade.

É no interior deste contexto que nasce uma extrema efervescência intelectual que irá buscar compre-ender e explicar a sociedade, o homem e suas relações. Daí o surgimento de um novo tipo de atitudeintelectual do homem com o mundo e sua própria realidade, processo este que se tornou fundamentalpara a ascensão de uma reflexividade absolutamente radical, responsável pela emergência de teoriasque se tornaram referência no mundo intelectual moderno, como por exemplo, a explicação da origeme desenvolvimento das espécies desenvolvida pelo inglês Charles Darwin (1809-1882), a dinâmica douniverso regulada por leis físicas proposta pelo também inglês Isaac Newton (1642 -1727) e, nummomento posterior, as interpretações sobre as contradições do capitalismo demonstradas nas análisesdo alemão Karl Marx (1818- 1883), dos processos de racionalização apontadas pelo também alemãoMax Weber (1964-1920) e as análises da psicologia humana propostas pelo austríaco Sigmund Freud(1856- 1939), só para citar alguns exemplos marcantes do desenvolvimento do pensamento científicoocidental.

Se antes o mundo social era explicado em suas contradições como resultado de uma ordem transcen-dente, divina, agora ele deve ser explicado racionalmente, uma explicação amparada em uma lógicaque lhe seja imanente, derivada da atividade do homem no mundo.

Isto torna possível, em grande medida, um conjunto de reflexões que irá proporcionar a criação deuma forma sistematizada de percepção da realidade social, ou seja, o conhecimento sociológico.

Se como dissemos anteriormente a sociologia somente se institucionalizará enquanto disciplina aca-dêmica entre o final do século XIX e início do XX, suas origens derivam de um intenso debate for-jado ao longo do século XIX por um conjunto de intelectuais que já produziam interpretações sobreo mundo social, de Auguste Comte a Karl Marx, responsáveis por elaborar interpretações profundassobre a dinâmica da sociedade moderna.

ImportanteO processo de secularização do mundo, que significa a gradativa substituição do pensa-mento metafísico pelo pensamento lógico-racional como modelo de explicação do mundo, foifundamental para o desenvolvimento da ciência na modernidade, especialmente da ciênciasociológica.

No decorrer do século XX, a sociologia ganha cada vez mais espaço e legitimidade no campo dasciências humanas, especialmente a partir da Revolução Russa, em 1917, quando o mundo presenciou

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o início da formação de um bloco político, econômico e social que se apresentava como alternativaao modelo de desenvolvimento produzido pelo capitalismo.

A instituição de uma sociedade socialista, e depois de um bloco socialista, inspirado nos preceitosteóricos de Marx, fez com que aumentasse a efervescência intelectual sobre os modelos de gestãosocial, fortalecendo em grande medida o crescimento do debate sociológico acerca destes modelos,catapultando assim a produção do conhecimento sociológico.

Nos dias atuais, a sociologia encontra-se consolidada enquanto ciência indispensável para aqueles quepretendem produzir uma reflexão sistemática sobre o mundo e a realidade social. Um conhecimentocaracterizado por uma multiplicidade de interpretações, teorias e métodos de análise do mundo socialque, antes de tudo, reflete a própria diversidade e criatividade do homem.

Aqui iremos nos debruçar sobre um campo específico: o da educação como fenômeno sociológico,tentando desvelar algumas relações que não são perceptíveis apenas através de um olhar superficialsobre este fenômeno, o qual, com certeza, ocupa um lugar central na modernidade.

DicaPara uma análise mais aprofundada das origens e constituição da Sociologia, consulte o link:http://www.ecodesenvolvimento.org/biblioteca/livros/o-que-e-sociologia

1.2.1 Texto para reflexão

Texto: Sociologia. Porto Alegre, ArtMed, 2005. p.24-27Autor: GIDDENS, A.

"Hoje vivemos – no começo do século XXI – num mundo profundamente preocupante, porém repletodas mais extraordinárias promessas para o futuro. É um mundo inundado de mudanças, marcadopor enormes conflitos, tensões e divisões sociais, como também pelo ataque destrutivo da tecnologiamoderna ao ambiente natural. Mesmo assim, temos possibilidades de controlar nosso destino e moldarnossas vidas para melhor, de um modo inimaginável para as gerações anteriores.

Como esse mundo surgiu? Por que nossas condições de vida são tão diferentes daquelas de nossos paise avós? Que direção as mudanças tomarão no futuro? Essas questões são a principal preocupaçãoda sociologia, um campo de estudo que consequentemente tem um papel fundamental na culturaintelectual moderna.

A sociologia é o estudo da vida social humana, dos grupos e das sociedades. É um empreendi-mento fascinante e irresistível, já que seu objeto de estudo é nosso próprio comportamento comoseres sociais. A abrangência do estudo sociológico é extremamente vasta, incluindo desde a análisede encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a investigação de processos sociais e globais.

A maioria de nós vê o mundo a partir de características familiares a nossas próprias vidas. A soci-ologia mostra a necessidade de assumir uma visão mais ampla sobre por que somos como somos epor que agimos como agimos. Ela nos ensina que aquilo que encaramos como natural, inevitável,bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e que os “dados” de nossa vida são fortemente influen-ciados por forças históricas e sociais. Entender os modos sutis, porém complexos e profundos, pelosquais nossas vidas individuais refletem os contextos de nossa experiência social é fundamental para aabordagem sociológica”.

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1.3 Socialização e educação

ImportanteTodo processo de aprendizado, ou seja, todo processo educacional, é, antes de tudo, umprocesso de socialização. Mas o que significa, em termos sociológicos, a ideia de “socializa-ção”?

Ao longo do desenvolvimento da Sociologia, um dos seus temas centrais foi compreender as caracte-rísticas dos processos de socialização que, grosso modo, podem ser definidos como os processos quetransformam o indivíduo em um membro da sociedade.

Podemos afirmar com alguma segurança que, sob o ponto de vista de nossa constituição biológicasomos, em geral, iguais, enquanto que, do ponto de vista social e cultural é notório que mantemosdiferenças substantivas em relação a outros seres de nossa espécie, e isto ocorre não apenas se pen-sarmos na variação de uma sociedade para outra, como por exemplo, entre brasileiros e chineses,mas também no interior de uma mesma sociedade, dadas as diferenças de classes, gêneros, diferençasregionais, etc.

Se tais diferenças estão ligadas a estruturas sociais, contextos históricos e padrões culturais que sãopeculiares a cada sociedade, podemos perceber que, processos de socialização distintos, produzemindivíduos também distintos.

Socializar implica, num primeiro momento, absorver, introjetar, interiorizar e decodificar as normas,regras, valores e instituições de uma dada sociedade. No entanto, se pensássemos que este processose desenvolve de maneira linear e igual para todos não haveria sentido pensar nas diferenças sociais.

Na verdade, o que ocorre é que os processos de socialização funcionam através de “filtros”, em quecertas regras, valores, instituições, normas e regulamentos sociais são absorvidos para que possamosdar um sentido e direção às nossas vidas e ações.

Estes filtros dependem de um conjunto de elementos que formam o contexto de socialização dosindivíduos e são bastante variáveis. De um modo geral, um dos principais filtros deste processo sãoos grupos sociais nos quais o indivíduo está sendo socializado (educado) e onde exerce relações deinteração com outros indivíduos.

A família constituiu, em tese, o primeiro grupo de socialização de um indivíduo, se transformando noque podemos chamar de um grupo primário. Evidentemente, este grupo irá desempenhar uma forteinfluência sobre o indivíduo, seja no sentido deste aderir aos valores que são transmitidos a ele pelogrupo ou mesmo através da negação destes valores pelo indivíduo.

No entanto, se pensarmos na variedade de características das famílias dentro de uma mesma sociedadepodemos logo perceber que haverá uma extrema diversidade de filtros, o que implicaria no processode constituição de uma extrema diversidade social.

Imaginemos a seguinte situação: numa maternidade dois bebês estão vindo ao mundo no mesmoinstante. Um deles pertence a uma família de classe média onde os pais são católicos praticantes.O outro, também filho de pais de classe média, mas com uma diferença: estes se autodenominamateus e são fortes críticos do cristianismo. É evidente que valores distintos serão apresentados paraestas duas crianças no processo de seu crescimento, ou seja, elas serão socializadas em ambientessociais distintos, não sob o ponto de vista de classes, mas sob o ponto de vista de questões ligadas àreligiosidade.

Se é verdade que a absorção de valores não se constitui como um processo mecânico, automático, émuito provável, no entanto, que estas crianças apreendam visões de mundo e representações sobre

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a questão da religiosidade, sob pontos de vista diversos ou mesmo antagônicos, um em relação aooutro.

Imaginemos ainda que, quando atingirem a idade escolar elas venham a fazer parte da mesma escola,sejam colegas de turma e estabeleçam forte laço de amizade. Imaginemos ainda que a relação entreos filhos se expanda para além do círculo escolar e acabe envolvendo seus pais. Se, a primeira vista,o conflito de valores é eminente, por outro lado, isto não implica na impossibilidade de convivênciaentre os atores sociais em questão, tendo em vista que, outras regras e regulamentos sociais que deli-mitam as relações de convivência social foram também interiorizados por processos de socialização,neste caso, tanto dos filhos quanto dos pais.

Se as relações de convivência social amistosa, de princípios de sociabilidade bem como a possibili-dade de conviver com diferenças de valores, mesmo que intensas, tiverem sido interiorizadas pelosatores também como valores fundamentais, então é plausível pensar que relações de amizade e con-vívio entre eles será plenamente possível, sendo o ponto de divergência deslocado para um segundoplano como estratégia para a manutenção de um equilíbrio da relação.

Neste sentido, se a diversidade de valores e princípios é um fato na organização das sociedades, seriade todo ingênuo considerar que tal diversidade é tão extensa a ponto de impedir o convívio socialentre os indivíduos de uma dada sociedade. Pelo contrário, através dos processos de socialização, asociedade acaba reproduzindo valores, representações, regulamentos e padrões de comportamentosque tornam possível e sustentam a própria vida social.

O exemplo mais marcante disto é, talvez, a apreensão de uma das principais instituições da sociedadepelo conjunto de seus membros, a linguagem.

Por maior que seja a diversidade existente entre os grupos sociais, a apreensão da linguagem é umprocesso mais ou menos homogêneo entre os grupos, e isto, pela questão óbvia da necessidade decomunicação. Isto não quer dizer que grupos não possam produzir linguagens próprias, o que, aliás,é comum entre grupos que estabelecem códigos linguísticos próprios, como por exemplo, gírias efonemas específicos, mas isto é sempre um processo secundário, após já estarem socializados nalíngua padrão de sua sociedade.

Se ampliarmos este processo para as regras e normas de uma sociedade o procedimento também nãoé muito diferente. Todos nós aprendemos, por exemplo, que a realização de nossas necessidades fisi-ológicas devem ser realizadas em espaços reservados, privados. Este é um padrão geral que, mesmoque seja transgredido por alguns indivíduos, encontra um nível de consenso alto entre os membros deuma mesma sociedade.

Neste sentido, pensar nos processos de socialização, implica pensar em processos educativos, com-preendidos aqui de forma ampla como a interiorização e decodificação, mediada por grupos sociais,dos regulamentos de uma dada sociedade.

AtençãoOs processos de socialização são fundamentais para os indivíduos de uma sociedade, poissão através deles que aprendemos, através de processos de interiorização, a estabelecerrelações com o “outro” no universo social.

A escola é um dos principais filtros neste processo à medida que se constitui, certamente, como umdos mais importantes espaços de socialização do indivíduo. Isto porque, é na escola que as regras deconduta começam a ser apreendidas como regras gerais, independentes das especificidades dos maisdiferentes grupos primários que os indivíduos participam.

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A escola se define, neste caso, como um espaço de socialização secundária, onde a criança entra emcontato com uma realidade distinta daquela originalmente restrita ao grupo familiar. As figuras deautoridade e disciplina são substituídas dos pais para outros agentes e, as regulamentações passam aser gerais e se aplicam agora a todos indistintamente.

Neste sentido, a escola se torna um dos principais ambientes de socialização secundária, no qual ascrianças passam a ter contato com novos regulamentos e outras figuras de autoridade como professo-res, diretores, etc.

Além disso, o universo de interação da criança se amplia e, mais do que apenas o convívio com outrascrianças, ela passa a conviver com outros valores e regulamentos que derivam e são intermediadospor esta relação interativa.

Pensar deste modo o fenômeno da educação, como processo fundamental na socialização do indiví-duo, significa pensá-lo não apenas como um processo de caráter formativo, mas também, um processoque envolve a interiorização de regulamentos e normas sociais, ou seja, um processo com caráter co-ercitivo que torna cada vez mais obrigatória o cumprimento destas regras e normas sociais.

ImportanteFaça um exercício reflexivo e tente perceber alguns comportamentos seus que sejam decor-rentes de processos de socialização ocorridos durante sua vida escolar.

1.3.1 Texto para reflexão

Texto: Socialização: como ser um membro da sociedade.Autor: Berger, P

“O processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser um membro da sociedade é designado peloconceito de socialização. O mesmo revela um monte de facetas diversas. Os processos que acabam deser examinados constituem facetas da socialização. Vista sob este aspecto a socialização é a imposiçãode padrões sociais à conduta individual. Conforme procuramos demonstrar, esses padrões chegammesmo a interferir nos processos fisiológicos do organismo. Conclui-se que na biografia do indivíduoa socialização, especialmente em sua fase inicial, constitui um fato que se reveste dum tremendopoder de constrição e duma importância extraordinária. Sob o ponto de vista do observador estranho,os padrões impostos durante o processo de socialização são altamente relativos, conforme já vimos.Dependem não apenas das características individuais dos adultos que cuidam da criança, mas tambémdos vários grupamentos a que pertencem esses adultos. Assim, por exemplo, a natureza dos padrõesde conduta aplicados a uma criança depende não somente do fato de ser a mesma um gussi1 ou umamericano, mas também da circunstância de pertencer à classe média ou à classe operária dos EstadosUnidos. Mas sob o ponto de vista da criança, estes mesmos padrões são sentidos de forma bastanteabsoluta. Temos razões para supor que, se não fosse assim, a criança seria perturbada e o processo desocialização não poderia ser levado avante.

O caráter absoluto com que os padrões sociais atingem a criança resulta de dois fatos bastante simples:o grande poder que os adultos exercem numa situação como aquela em que se encontra a criançae a ignorância desta sobre padrões alternativos. Os psicólogos divergem sobre se a criança tem aimpressão de que nessa fase da vida exerce um controle bastante pronunciado sobre os adultos (umavez que os mesmos são sensíveis às suas necessidades), ou se vê neles uma ameaça contínua, porque

1Povo africano que vive no Quênia.

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depende deles tão fortemente. De qualquer maneira, não pode haver a menor dúvida de que, emtermos objetivos, os adultos exercem um poder avassalador sobre a criança. É claro que esta poderesistir à pressão exercida por eles, mas o resultado provável de qualquer conflito só poderá ser avitória dos adultos. São eles que trazem a maior parte das recompensas pelas quais anseia a criançae dos castigos que teme. Na verdade, o simples fato de que a maior parte das crianças acaba porsocializar-se constitui prova cabal desse fato. Além disso, é evidente que a criança ignora qualqueralternativa aos padrões de conduta que lhe são impostos. Os adultos apresentam-lhe um certo mundo –e para a criança, este mundo é o mundo. Só posteriormente a mesma descobre que existem alternativasfora desse mundo, que o mundo de seus pais é relativo no tempo e no espaço e que padrões diferentespodem ser adotados. Só então o indivíduo toma conhecimento da relatividade dos padrões e dosmundos sociais. . . ”

1.4 A educação como Instituição Social

Pensar a educação enquanto fenômeno social e histórico implica, antes de tudo, pensá-la enquantouma instituição social. Instituição esta que varia no tempo e no espaço quanto à sua forma, seusobjetivos e interesses, variável entre sociedades e culturas.

ImportanteA primeira questão que iremos abordar nesta seção então será: o que é uma InstituiçãoSocial?

Ao falarmos, de um ponto de vista sociológico em uma instituição social devemos, em um primeiromomento, tentarmos nos afastar de concepções difundidas através do senso comum2 acerca do queseja este conceito.

Quando falamos que a empresa de computadores X é uma instituição ou mesmo que o hospital Ytambém é uma instituição estamos utilizando uma denominação corrente sobre o termo. Neste con-texto, qualquer organização formal, seja uma empresa privada ou uma organização pública assumemo significado de uma Instituição.

No entanto, a perspectiva sociológica elabora uma outra definição sobre o conceito, ou seja, tantoa empresa X, quanto o hospital Y constituem, para a sociologia organizações formais, passíveis deserem inclusive estudadas por um campo específico do conhecimento sociológico denominado Soci-ologia das organizações. Mas não são, a rigor, Instituições em um sentido sociológico.

Falar em uma instituição social significa, em termos sociológicos, falar em modos de realização dasdiversas práticas sociais sob uma forma específica, padronizada.

Como o nome sugere, uma instituição social é o resultado de um nível de consenso entre diversos ato-res sociais a respeito de como fazer algo, de como se comportar em determinadas situações, inclusivede como pensar a respeito de determinados valores, etc.

Ao definirmos, por exemplo, que a escola é o espaço legítimo para a realização e difusão do conhe-cimento formal em uma sociedade, a transformamos em uma instituição social. Ao estabelecermosum código através do qual é possibilitada a comunicação com o outro, instituímos a linguagem, que é

2Quando nos referimos ao termo “senso comum” ao longo deste texto, nos referimos às ideias, representações eargumentos difundidos pela maior parte dos membros de uma sociedade e que se referem a um tipo de conhecimentoimediato da realidade, não baseado em pesquisas ou construções de ordem científica.

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com certeza uma das mais importantes instituições sociais. Ao determinarmos que não podemos esta-belecer relações sexuais com nossos pais e irmãos, estamos instituindo padrões de conduta específicosque devem, neste caso, orientar nossa conduta sexual.

Neste sentido, as Instituições sociais são fundamentais para a ordem social na medida em que seconstituem como “caminhos” a partir dos quais orientamos nosso comportamento e conduta, nossareflexão e até mesmo nossas crenças e nossa localização no tempo e no espaço.

As instituições variam no decorrer do processo histórico. Isto significa dizer que, paralelamente a pro-cessos de institucionalização ocorrem também processos de “desinstitucionalização”, onde costumes,tipos de comportamentos e modos de conduta são substituídos por outros.

Tomemos como exemplo a constituição do poder nas sociedades. Durante o período final da IdadeMédia, o modelo predominante de organização do poder era o poder monárquico centrado na figurado rei como a materialização do poder soberano que controlava a ordem em uma dada comunidadeou sociedade.

A partir da sociedade moderna, esta figura começa a se diluir nas sociedades do mundo ocidentale, com ela, o regime de governo monárquico. Embora algumas sociedades hoje ainda mantenhama figura do Rei ou Rainha, como Espanha, Suécia e Reino Unido, o poder efetivo destas figuras érelativamente pequeno se comparado com outras instâncias de poder como o parlamento, câmaras degoverno, etc.

O princípio moderno do governo democrático desloca, por assim dizer, a concentração do poder dasmãos de um soberano para um poder que seja representativo do conjunto da sociedade. Se é verdadeque esta concepção é passível de um conjunto de críticas e ponderações, as quais não iremos aqui nosdeter, o que pretendemos demonstrar é que esta mudança implica, antes de tudo em uma significativaruptura institucional. Neste caso podemos perceber a “substituição” de uma instituição social poroutra, entendendo aí o termo substituição como a mudança de uma ordem que era hegemônica paraoutra que agora se torna a forma legítima de orientação do comportamento social.

Podemos, ao mesmo tempo, pensar em processos de redefinição interna das instituições, que signifi-cam não alterar a instituição em si, mas sim suas características e configurações originais.

A instituição da família é um dos exemplos mais marcantes deste processo pois podemos percebercomo sua constituição irá se modificar substantivamente ao longo da história.

O eminente historiador francês Philipes Ariès3, irá demonstrar como através do desenvolvimentohistórico a constituição do núcleo familiar irá variar substantivamente.

Na Idade Média, por exemplo, a figura da criança, tal qual a concebemos hoje, não existia. Os peque-nos, que eram tratados literalmente como “pequenos adultos” já tinham responsabilidades em relaçãoao trabalho, às atividades domésticas e até mesmo estabeleciam relações de aliança e sexuais. Nestesentido, podemos perceber que o espaço da infância como um espaço da inocência, da proteção e danão sexualidade é uma criação histórica da sociedade moderna e que compõe nosso imaginário socialcomo algo que não pode ser violado. Inclusive, criminalizamos o trabalho infantil, o estabelecendocomo delito. Institucionalizamos, por assim dizer, o espaço da infância como um espaço de aprendi-zado, como uma esfera onde primordialmente a criança deve brincar e aprender, um espaço que deve,acima de tudo, ser lúdico em oposição a atividade laboral.

O fato de não ter sido sempre assim, mostra como a sociedade é uma criação dinâmica, que varia e setransforma constantemente, modificando suas instituições a todo o tempo.

Se verificarmos o crescimento do número de divórcios nas sociedades do mundo ocidental contem-porâneo, no qual o Brasil é um exemplo emblemático, podemos perceber que agora as famílias se

3ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de. Janeiro: LTC, 1981.

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organizam a partir de novos “arranjos sociais”. Por exemplo, quando uma criança filha de pais divor-ciados adentram em um novo universo familiar onde, além de seus pais biológicos, convivem com seupadrasto ou madrasta que, eventualmente já trazem filhos de outro enlace que se tornam “irmãos”, eassim por diante.

A legalização do casamento homossexual em alguns países como Canadá, Suécia, Noruega, Suécia eArgentina, entre outros, implica também em uma nova forma de constituição familiar.

Como podemos perceber, não apenas as instituições sociais podem ser substituídas por outras, comotambém uma determinada instituição social pode sofrer mudanças em sua própria constituição e ca-racterísticas.

Importante

“As instituições sociais proporcionam métodos pelos quais a conduta humanaé padronizada, obrigada a seguir por caminhos considerados desejáveis pelasociedade”.

— Berger, P. Perspectivas sociológicas

Este debate nos interessa mais de perto pelo fato de que a Escola é antes de tudo uma Instituiçãosocial e, efetivamente, uma instituição social que varia também ao longo da história.

Figura 1.3: Novos modelos de família

As formas de aprendizado, as relações de poder que entremeiam a dinâmica professor/aluno, as tec-nologias que influenciam na produção e passagem do conhecimento bem como as técnicas de didáticainfluenciam severamente esta instituição central de nossas sociedades.

Se até um passado não muito distante a aplicação do uso da violência física como controle disciplinarera constante no espaço escolar, hoje este é um tipo de comportamento intolerável.

A relação professor aluno também se modificou drasticamente com o desenvolvimento das novastecnologias de informação. Se antes a figura do mestre era tida como a figura do detentor soberano doconhecimento, isto é hoje cada vez mais relativizado, tanto através do reconhecimento das limitações(que são absolutamente legítimas) dos professores, como pelo acesso irrestrito às tecnologias comobases de dados, bibliotecas virtuais e a própria internet abrem uma gama de possibilidades para aaquisição autônoma de conhecimentos pelos alunos.

Tais processos envolvem, evidentemente, uma redefinição dos papéis que os atores sociais que com-põem esta instituição desempenham, produzindo assim a própria redefinição desta instituição sociale, neste caso, redefinindo a própria ideia do processo educativo.

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1.4.1 Texto para reflexão

Texto: Perspectivas Sociológicas. Petrópolis, Vozes, 1991. pags 101-102Autor: Berger, P.

“Geralmente se define instituição como um complexo específico de ações sociais. Podemos dizerassim que lei, classe, casamento ou religião organizada sejam instituições. Essa definição não nosinforma a maneira como a instituição se relaciona com as ações dos indivíduos envolvidos. ArnoldGehlen, sociólogo alemão contemporâneo, ofereceu uma resposta sugestiva a esta questão. Gehlenconcebe a instituição como um órgão regulador, que canaliza as ações humanas quase da mesmaforma como os instintos canalizam o comportamento animal. Em outras palavras, as instituiçõesproporcionam métodos pelos quais a conduta humana é padronizada, obrigada a seguir por caminhosconsiderados desejáveis pela sociedade. E o truque é executado ao se fazer com que esses caminhospareçam ao indivíduo como os únicos possíveis.

Citemos um exemplo. Como não é preciso ensinar os gatos a caçar ratos, existe aparentemente algumacoisa no equipamento congênito de um gato (um instinto, se o leitor gostar do termo) que o faz agirassim. Presumivelmente, quando um gato avista um rato, há alguma coisa que lhe diz: “Coma! Coma!Coma” Não se pode dizer que o gato atende este apelo interior. Ele simplesmente segue a lei de seu sermais íntimo e arremete contra o pobre camundongo (o qual, suponho, escuta uma voz interior que diz:“Corra! Corra! Corra”). O gato não tem outra alternativa. Mas agora voltemos ao casal cujo namoroanalisamos anteriormente. Quando nosso rapaz viu pela primeira vez a moça com quem representariaa cena ao luar (ou, se não foi na primeira vez, algum tempo depois), também ouviu uma voz interiorque lhe dava uma ordem bem clara. E seu comportamento subsequente demonstra que ele tambémnão pôde resistir à voz de comando. Não, essa ordem imperativa não é essa que o leitor provavelmenteestá pensando – esse imperativo nosso rapaz compartilha congenitamente com os gatos, chimpanzése crocodilos e não nos interessa no momento. O imperativo que nos interessa é aquele que lhe diz:“Case-se! Case-se! Case-se!” Ao contrário do gato, nosso rapaz não nasceu com esse imperativo. Elelhe foi instilado pela sociedade, reforçado pelas incontáveis pressões de histórias de família, educaçãomoral, religião, dos meios de comunicação e da publicidade. Em outras palavras, o casamento não éum instinto, e sim uma instituição. No entanto, a maneira como conduz o comportamento para canaispré-determinados é muito semelhante à atuação dos instintos em seus setores”.

1.5 Educação e mobilidade social

A questão da mobilidade social se tornou um dos maiores desafios na contemporaneidade, especial-mente para sociedades em desenvolvimento como, por exemplo, as sociedades que formam o cha-mado grupo dos BRICS, sigla que significa o conjunto dos principais países em desenvolvimento naatualidade: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Como o próprio nome sugere, mobilidade pressupõe a ideia de deslocamento, dinâmica, mudança emum determinado espaço. No caso da mobilidade social estamos falando essencialmente da passagemde indivíduos e/ou grupos de um estrato social para outro. Isto significa então, antes de tudo, delimitara sociedade em estratos sociais ou, em termos sociológicos, através de sistemas de EstratificaçãoSocial.

A simbologia mais conhecida e utilizada para representarmos o sistema de estratificação em umasociedade é a pirâmide, pois ela revela uma forma marcada pela assimetria, uma base extensa eum topo estreito, representando deste modo as relações desiguais que caracterizam um sistema de

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estratificação social onde a base seria a marca dos desfavorecidos que vai se elevando até o topo, querepresentaria a minoria socialmente mais favorecida.

Figura 1.4: Liderança da classe C

Podemos falar de diversos sistemas de estratificação social como os sistema de classes, de gêneros,de etnias, entre outros.

O deslocamento no interior destas pirâmides revela assim, processos de mobilidade social.

Um indivíduo pode ao longo da sua vida ter mobilidade social, tanto ascendente quanto descendente,e isto pode variar devido à uma infinidade de fatores, desde um longo e árduo processo de aquisiçãode conhecimento e luta por melhores postos de trabalho, até ser premiado por um bilhete de loteria oque é, convenhamos, muito menos provável.

No entanto, apesar de reconhecer a possibilidade de mobilidade como resultado do esforço individual,podemos perceber que movimentos massivos de mobilidade se devem, antes de tudo, a mudançasestruturais em uma sociedade.

No caso do Brasil, a desigualdade social é um dos componentes mais marcantes de nossa sociedade.A concentração de renda nas mãos dos estratos sociais superiores geram problemas efetivos ao de-senvolvimento do país conforme a pirâmide social mostrada acima.

Apesar de ser um dos países com um dos maiores PIBs (produto interno bruto) do mundo, atualmenteocupando a 7ª colocação mundial, apresentamos indicadores sociais altamente desfavoráveis.

Isto nos mostra que, independentemente da riqueza produzida, o grande desafio é sua distribuição, aqual implicaria evidentemente em mobilidade social das camadas mais pobres em relação a padrõesde vida melhores.

Atualmente, se atribui como condição essencial para este processo o aumento dos níveis educacionaisdas populações dos países em desenvolvimento.

Um dos exemplos mais recentes de sucesso em relação a isto foi a Coréia do Sul, que ao investir nasúltimas três décadas maciçamente em educação, elevou substantivamente a riqueza do país e reduziuprofundamente as desigualdades sociais.

Nesta perspectiva, é patente que uma das mudanças estruturais mais importantes para o aumentoda mobilidade social é a expansão do sistema de educação com alta qualidade para o maior númeropossível de membros de uma sociedade. Isto implica não apenas em maior desenvolvimento científicoe tecnológico, mas também na produção de indivíduos mais capacitados para compreender sua própriarealidade sob um ponto de vista crítico.

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Se pensarmos que uma das maiores características do mundo moderno é a expansão de processosde racionalização para as mais diversas esferas da vida social, então a questão do desenvolvimentoeducacional se torna um imperativo ao desenvolvimento de uma sociedade mais racionalizada, o queimplica em uma sociedade mais consciente de seus próprios problemas e desafios.

Pensar a mobilidade social implica, deste modo, em pensar no desenvolvimento dos sistemas deeducação.

Num contexto onde a informação se tornou um dos principais capitais para a realização plena deuma sociedade, sua aquisição parece ser uma variável absolutamente decisiva para munir indivíduose grupos, bem como capacitá-los para desenvolver caminhos que tornem possível sua mobilidadesocial e reduzam as desigualdades sociais.

Neste sentido, a relação entre educação e mobilidade social é uma relação de interdependência onde,dificilmente os estratos menos abastados da sociedade atingirão patamares razoáveis de qualidade devida sem estarem devidamente “educados”.

1.5.1 Texto para reflexão

NotaEsta tese de doutororado da PUC-SP fala da importância do ensino privado para o resgate deuma melhor qualidade de vida da sociedade brasileira. O texto acima se encontra disponívelem: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11799

Texto: Educação superior e mobilidade socialAutor: Hermes Figueiredo

Houve, ao longo do século XX, dois momentos em que o Brasil expôs claramente a ocorrência dofenômeno da mobilidade social ascendente. O primeiro se deu nas décadas de 30 e 40, sob GetúlioVargas, quando da ocorrência da industrialização de base do país. Já o segundo ocorreu na décadade 70, especificamente sob Emílio G. Médici, com o advento do que ficou conhecido como "milagreeconômico".

Ambos os movimentos, bastante vigorosos e explícitos no tecido social, refletiram basicamente trans-formações estruturais da macroeconomia e das relações de trabalho. A industrialização, no primeiromomento, e a forte presença do Estado como investidor, no segundo, modificaram o perfil da massapopulacional produtiva, fazendo com que houvesse, em decorrência, movimentos semelhantes a on-das coletivas de mobilidade estrutural ascendente.

A década de 80, por sua vez, caracterizou-se pela estagnação econômica e pela piora de pratica-mente todos os índices socioeconômicos. A de 90, muito embora tenha sido pródiga na reversãodas tendências descendentes dos indicadores e na melhoria de muitos índices importantes (escola-ridade, saneamento básico, mortalidade infantil, estabilização econômica etc.), não demonstrou, atéem função de uma tendência mundial, o mesmo vigor nos quesitos desenvolvimento e redução dasdesigualdades.

Tem-se, dessa forma, que nos últimos 25 anos a sociedade brasileira não mais tem exibido índicesimportantes de mobilidade social, mesmo que, no mesmo período, as taxas de escolarização só te-nham melhorado. Esse aparente paradoxo, se não analisado com propriedade, pode resultar nos maisvariados equívocos, tanto de diagnóstico quanto de direcionamento de políticas públicas de educação.

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Ora, se educação gera desenvolvimento e este, por sua vez, gera melhoria nas condições de vida dapopulação, por que não houve uma explosão dos índices de mobilidade ascendente paralelamente àmelhoria das taxas de educação da população?

Um recente estudo sobre esse tema, na forma de tese de doutorado em Ciências Sociais, foi concluídona PUC-SP no mês de junho deste ano. Dentre outros assuntos abordados, o trabalho do pesquisadore doutor Fábio Ferreira Figueiredo analisou as diferentes formas de mobilidade, os fatores desenca-deadores, a importância da educação, principalmente a superior, bem como a percepção subjetiva demobilidade social sob o ponto de vista dos egressos da educação superior particular. A tese tam-bém trouxe subsídios relativos à comprovação da qualidade da rede privada de educação e sugestõespropositivas de políticas educacionais.

De referido trabalho podem-se expor, resumidamente e dentre outras, as seguintes conclusões:

Sociedade do conhecimentoo conhecimento foi e continua sendo ativo econômico cada vez mais importante. Sociedadesnão avançam sem que existam bases sólidas de educação;

Educação formala escolarização é condição para a formação do conhecimento como ativo. Cada nível de educa-ção tem a sua importância específica, sendo a superior particularmente importante sob o pontode vista do desenvolvimento tecnológico e na formação das elites dirigentes;

Educação superior e mobilidade socialembora o Brasil, na década de 90, tenha erradicado o analfabetismo infantil, universalizado aeducação fundamental, elevado significativamente as taxas de escolarização média e superior,não foi possível constatar índices significativos de mobilidade social ascendente. A explicaçãoé que as taxas de mobilidade registradas nas décadas de 30, 40 e 70 eram decorrentes de trans-formações estruturais (industrialização e urbanização), o que ocasionava índices coletivos degrandes proporções e significância. É possível dizer que o Brasil, hoje, se mantém na condi-ção de país onde existe mobilidade social. Evidentemente os índices não são os mesmos dosoutros períodos mencionados (as condições estruturais são outras), mas ainda são importantes.Registre-se, a favor da escolarização, que os índices de desemprego diminuem na medida emque se avança no nível de formação do trabalhador e que cada ano de estudo resulta em aumentodo seu salário médio;

Qualidade da rede privadadados comparativos do Exame Nacional de Cursos - Provão - 2003, entre as redes pública e pri-vada de educação superior, demonstram cabalmente a maior satisfação dos egressos desta emrelação àquela. As escolas privadas têm melhor infraestrutura, corpo docente mais engajado eatualizado, bibliotecas e laboratórios mais bem equipados, melhores projetos pedagógicos, me-lhores serviços de um modo geral, e pesquisa e extensão aplicadas à graduação, consideradasequivalentes às da rede pública. Ou seja, ao contrário do que a forma de divulgação dos resul-tados do Provão pretendeu demonstrar, a qualidade da graduação da rede privada de educaçãosuperior é, de um modo geral, bastante melhor que a da rede pública;

Mobilidade e cidadaniao estudo qualitativo, realizado junto a 60 egressos da educação superior da região metropolitanade São Paulo cujos pais não possuem esse nível de escolaridade, apontou uma clara evoluçãonas condições gerais de vida dos entrevistados. Não só relacionada à evolução profissionale/ou econômica, a ascensão social dos egressos é flagrante e extremamente perceptível poreles próprios.Os entrevistados, de um modo geral, reconhecem no nível superior de educação

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a causa de suas evoluções como cidadãos, no sentido de que adquirem consciência crítica eaprimoram sua capacidade de participação social;

Área profissionalembora ponto específico da pesquisa, não foi registrada maior ou menor satisfação profissionaldo egresso em função deste atuar ou não na sua área de formação superior;

Percepção de qualidade da rede pública: os participantes do estudo "percebem"as IES públicas comode melhor qualidade em relação às particulares, todavia essa percepção se dá quase exclusivamenteem função de imagem e marca das instituições públicas, sendo raros os casos em que são aponta-dos requisitos objetivos de superioridade. Uma parcela dos egressos aponta uma provável reversãodessa percepção de mercado em função da velocidade do avanço dos indicadores acadêmicos da redeprivada.

Esses são apenas alguns pontos da tese trazidos a este artigo, justamente com o intuito de estimular odebate sobre as políticas públicas para a educação no país. É premissa para este debate, no entanto,o fato de a rede privada de educação superior responder por mais de 70% das matrículas do país,sem com isso comprometer o orçamento público, o qual deveria ser direcionado, prioritariamente,para a educação básica. Qualquer movimento em outro sentido é um retrocesso e uma demonstraçãode absoluto desapego à realidade mundial contemporânea. É também premissa o fato de a educaçãosuperior privada ser de boa qualidade, o que deve afastar, de plano, diagnósticos e soluções quepassam pelo argumento contrário, este frequentemente eivado de preconceitos e/ou ideologias quehoje não mais têm lugar fora dos livros de história.

ImportanteA partir do texto acima, elabore uma pequena análise da relação entre mobilidade social eeducação no Brasil.

1.6 Educação e cultura

Um dos principais conceitos e objeto de intenso debate no campo das ciências humanas e sociais é,com certeza, o conceito de “cultura”.

Vamos finalizar nosso primeiro capítulo debatendo como o universo da educação se entrelaça direta-mente com o universo da cultura e é, em grande medida, permeado por este último.

Neste sentido, precisamos antes estabelecer alguns parâmetros teóricos para delimitar esta noção que,diga-se de passagem, é fonte mais de dissenso do que consenso no campo das ciências do homem.

Quando falamos em cultura, a primeira questão que deve estar colocada é que cultura é algo que selocaliza essencialmente no plano simbólico das sociedades. Mesmo quando esta se materializa em ob-jetos e expressões artísticas, sua derivação original remete ao plano das significações, representaçõese todas as formas de expressão simbólicas.

Um primeiro momento de sistematização da noção de cultura vem atrelada à ideia de cultura deum povo. Algo que delimita um conjunto de visões de mundo e formas de representação de umacomunidade específica, conferindo a esta uma unidade simbólica que pode ser retraduzida na ideia de“identidade”.

Nesta perspectiva, podemos falar de uma lógica cultural e específica de uma determinada sociedade,a partir da qual os indivíduos sob sua influência orientam suas condutas e comportamentos.

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Esta visão é, antes de tudo, uma visão que poderíamos qualificar como “endógena”, ou seja, a culturacomo resultado de processos internos a uma dada sociedade ou povo, algo próprio que delimita ascaracterísticas culturais deste “povo”.

Esta percepção da noção de cultura foi largamente difundida a partir do século XIX com o desenvol-vimento de uma ciência que buscava compreender a dinâmica cultural de nossas sociedades tomandocomo base a interpretação e compreensão de culturas ditas “primitivas”, ou seja, a antropologia social.

Os estudos antropológicos do século XIX e início do XX se tornaram, deste modo, um marco impor-tante na construção desta ideia de cultura como algo próprio de uma dada comunidade, algo que setraduzia no plano simbólico destas sociedades uma forma de vida específica que revelava a identidadedesta comunidade.

Neste sentido, cultura passa a ter um significado substantivo, como sendo tudo aquilo que envolve,num plano simbólico, a organização de uma dada sociedade como seus valores, suas representaçõese visões sobre o mundo, seus rituais, sua linguagem, etc.

A partir desta perspectiva foi definido um dos principais conceitos dos estudos antropológicos e tam-bém das ciências sociais, o conceito de “etnocentrismo”, que visa compreender a dinâmica culturaldas sociedades.

Como o próprio nome sugere, etno deriva de “etnia”, sugerindo especificidade cultural de um povo,enquanto centrismo provém de central, local de referência.

Etnocentrismo pode ser definido, deste modo, como a percepção pelos membros de um determinadouniverso cultural como sendo este o efetivo universo da cultura e, a partir dele, produzir julgamentossobre outras sociedades e culturas como expressões distorcidas, menores ou até mesmo incorretas domundo social.

Quando, por exemplo, definimos um povo como bárbaros devido a algumas de suas práticas sociais,esta visão vem orientada pela nossa perspectiva cultural, a qual, evidentemente, é responsável porclassificar esta ou aquela atitude como algo desprezível ou incorreto.

Daí provém, inclusive, um conjunto de percepções e expressões que qualificam as ideias e sentimentossociais de repulsa, nojo e agressividade, entre outras. Pensar por exemplo as práticas alimentares deuma dada sociedade onde é comum se alimentar de insetos como uma prática repulsiva e bárbaraseria, deste modo, pensar a partir de uma perspectiva etnocêntrica, ou seja, pensá-las a partir denossas práticas alimentares como sendo estas as únicas legítimas e corretas.

Dito de outro modo, as práticas e formas de interpretação etnocêntricas partem do pressuposto de quea nossa cultura é a forma cultural correta e mais desenvolvida e que deve ser tomada como referênciapara o julgamento de outras formas culturais.

Um dos processos responsáveis por este tipo de atitude, que é comum entre os membros de umasociedade, é exatamente a vivenciação de valores e representações culturais, que são eminentementesociais e, por isso, essencialmente arbitrários, como algo natural, constitutivo da essência dos homens.

Evidentemente que a compreensão daquilo que nos é estranho como sendo normal sob o ponto de vistado “outro” não é uma atitude simples. Envolve, antes de tudo, um processo crítico e reflexivo sobre osnossos próprios valores como sendo, também, criações nossas e não de nossa natureza. Daí derivam,evidentemente, questões importantes para o convívio social e multicultural como respeito e tolerância,onde o papel do educador se torna fundamental ao demonstrar, antes de tudo, que alguns valores quenos parecem indiscutíveis e intransponíveis são, no final das contas, indiscutíveis e intransponíveisem grande medida apenas para nós.

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Importante

O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequên-cia a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o maisnatural. Tal tendência, denominada de etnocentrismo - é responsável em seuscasos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.

— Laraia, Roque. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Zahar,2006.

1.6.1 Texto para reflexão

Texto: Lençóis SujosAutor: Autor desconhecido

LENÇÓIS SUJOS

Um casal, recém-casados, mudou-se para um bairro muito tranquilo.

Na primeira manhã que passavam na casa, enquanto tomavam café, a mulher reparouatravés da janela em uma vizinha que pendurava lençóis no varal e comentou com omarido:

— Que lençóis sujos ela está pendurando no varal!

— Está precisando de um sabão novo. Se eu tivesse intimidade perguntaria se ela que euensine a lavar as roupas!

O marido observou calado.

Alguns dias depois, novamente, durante o café da manhã, a vizinha pendurava lençóis novaral e a mulher comentou com o marido:

— Nossa vizinha continua pendurando lençóis sujos! Se eu tivesse intimidade perguntariase ela quer que eu ensine a lavar roupas!

E assim, a cada dois ou três dias, a mulher repetia seu discurso, enquanto a vizinhapendurava suas roupas no varal.

Passando um mês a mulher se surpreendeu ao ver os lençóis muitos brancos sendo esten-didos. Empolgada foi dizer o marido:

— veja, ela a prendeu a lavar as roupas, será que outra vizinha ensinou??? Porque eu nãofiz nada. O marido calmamente respondeu:

— Não, hoje levantei mais cedo e lavei o vidro de nossa janela!

E assim é.

Tudo depende da janela, através da qual observamos os fatos.

Antes de criticar, verifique se você alguma coisa para contribuir, verifique seus própriosdefeitos e limitações.

Devemos olhar, antes de tudo, para nossa própria casa, para dentro de nós mesmos. Sóassim podemos ter real noção do valor de nossos amigos.

Lave sua vidraça. Abra sua janela.

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ImportanteOutra importante discussão no âmbito das reflexões sobre o universo da cultura se refere àquestão da diversidade cultural, ou seja, como podemos explicar a imensa diversidade deculturas que envolvem a humanidade? A que, no final das contas, se deve esta diversidadejá que estamos falando de seres de uma mesma espécie?

Ao longo do desenvolvimento das ciências sociais, várias explicações tem sido dadas para a existên-cia do fenômeno da diversidade cultural. No entanto, duas se tornaram marcantes, menos pela suacapacidade explicativa, e mais pelo poder de influência sobre o senso comum.

A primeira explicação foi denominada “determinismo biológico”, responsável por difundir a ideia deque as diferenças culturais se devem, essencialmente, a diferenças encontradas nos padrões genéti-cos dos diferentes povos. Assim, diferentes grupos étnicos apresentariam diferentes comportamentosculturais por uma propensão biogenética. Logo, sob esta perspectiva, os japoneses seriam mais in-teligentes, enquanto os latinos seriam mais propensos à transgredir regras e os europeus estariammarcados pelo uso maior da racionalidade.

Do ponto de vista da análise científica, esta explicação não se sustenta em nenhuma pesquisa legítimae, mais do que difundir um conhecimento sobre a diversidade cultural, contribui para o aumento daintolerância e dominação entre povos baseados apenas em especulações de caráter ideológico.

Uma das razões mais evidentes para isso é a de que, se após o nascimento transportássemos um bebêchinês para o Brasil, ele cresceria como um brasileiro, falaria o português fluentemente, compre-enderia os códigos e traços culturais de nossa sociedade, provavelmente seria um adepto de comerdiariamente feijão e arroz e, caso não se interessasse pelo seu país de origem, nunca pronunciaria ne-nhuma palavra em chinês. Ou seja, seu caráter estaria certamente moldado pelo seu ambiente sociale cultural, e não pela sua suposta “carga genética”.

A segunda explicação sobre a questão da diversidade cultural foi o chamado “determinismo geográ-fico”, através do qual se pretendia explicar as diferenças sociais a partir de elementos constitutivosdos diferentes espaços geográficos como o clima, a escassez de recursos naturais e sua abundância,entre outros.

Nesta perspectiva os europeus seriam mais “frios” do que os sul-americanos que, por estarem numazona tropical seriam mais propensos a hábitos e costumes que estivessem de acordo com sua condiçãogeográfica.

Analisando povos que vivem em uma mesma região geográfica e que apresentam formas de vidaabsolutamente distintas, como é o caso, por exemplo, dos esquimós e lapões que vivem nas regiõessetentrionais da Noruega, Finlândia e Suécia, podemos também facilmente rechaçar esta ideia comoelemento determinante da diversidade cultural.

Se, neste caso, a diversidade cultural não é resultado de uma pré-disposição biogenética, nem muitomenos resultado de diferenças geográficas, de onde especificamente ela provém?

Responder a esta questão tem sido um dos problemas principais do desenvolvimento das ciências hu-manas, especialmente no campo da antropologia social. Uma das soluções plausíveis para o problemaé que a diversidade cultural deriva das diferentes respostas e ações do homem em relação ao seu meioambiente, e isto provém exatamente de sua capacidade de criação e racionalização que se desenvolveatravés de suas relações intersubjetivas com um “outro”, ou outros.

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ImportanteNote que:

1) a cultura, mais do que uma herança genética, determina o comportamento dohomem e justifica suas realizações.

2) A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Emvez de modificar para isto o seu aparato biológico, o homem modifica seu equi-pamento superorgânico.

3) em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as bar-reiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu hábitat.

— Laraia, Roque Cultura: um conceito antropológico. 17 ed.

Pensar a relação da educação com a cultura significa, nestes termos, pensá-la em dois momentosdistintos e complementares: primeiro como resultado de uma dada ordem cultural, ou seja, comoresultado de um contexto cultural que privilegia certas instituições e valores em detrimento de outros.

Em segundo lugar, é através dos processos educacionais que os universos culturais são transmitidose comunicados, o que lhe confere, antes de tudo um caráter político na medida em que tal processoenvolve, necessariamente, escolhas e práticas seletivas acerca daquilo que será transmitido como valorcultural.

Deste modo, podemos perceber que a educação não é apenas um processo natural da sociedade, masantes, que pode se transformar em um poderoso instrumento de difusão de interesses e valores sociais,se tornando um decisivo instrumento de transformação e/ou manutenção de uma dada ordem social ecultural.

DicaPara maior aprofundamento sobre a questão da cultura no âmbito da Antropologia consulte olivro de Roque Laraia “Cultura: um conceito antropológico”. http://ebookbrowse.com/roque-de-barros-laraia-cultura-um-conceito-antropologico-pdf-d278421125

1.7 Recapitulando

Neste capítulo estudamos um pouco da evolução histórica da educação desde o período grego até suaconfiguração na sociedade moderna. Vimos como a noção grega da ‘paidéia’ se tornou um legadoimportante, inclusive para balizar as referências da educação na sociedade contemporânea através daideia de uma educação integral. Aprendemos sobre a relação entre a sociedade e a ciência que aestuda de maneira mais sistemática: a sociologia, demonstrando as condições fundamentais para oseu aparecimento ao longo do século XIX, destacando o processo de ‘secularização do mundo’ comouma das condições fundamentais deste aparecimento.

Vimos também alguns conceitos fundamentais da sociologia e sua relação com o universo da educa-ção, como os conceitos de socialização, instituição social e mobilidade social.

Por fim, traçamos uma discussão entre o universo da cultura e o fenômeno da educação, destacandoalgumas questões que envolvem o conceito de cultura bem como sua importância na configuração dossistemas educacionais.

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Capítulo 2

A educação na teoria sociológica clássica econtemporânea

OBJETIVOS DO CAPÍTULO

Ao final deste capítulo você deverá ser capaz de:

• Reconhecer, de forma introdutória, como a questão da educação é abordada na teoriasociológica clássica e em algumas abordagens teóricas contemporâneas.

• Perceber o fenômeno da educação a partir de diferentes prismas teóricos.

Caro aluno, este capítulo pretende demostrar a você como o fenômeno da educação pode ser compre-endido através de diferentes perspectivas teóricas. Para isso, iremos apresentar os três principais mar-cos teóricos do pensamento sociológico através de seus autores, respectivamente, Émile Durkheim,Karl Marx e Max Weber, visando especificamente compreender como o fenômeno da educação éabordado em suas teorias. Serão apresentadas também duas abordagens contemporâneas sobre aquestão da educação que se tornaram fundamentais para a compreensão da dinâmica do processoeducativo nos dias atuais, são elas as perspectivas de Pierre Bourdieu e Paulo Freire.

2.1 Émile Durkheim e a educação

A obra de Émile Durkheim é caracterizada, no campo da sociologia da educação, como uma dasprincipais contribuições produzidas no último século na esfera da sociologia clássica, e a principalreflexão sistemática sobre uma teoria da educação.

Figura 2.1: Émile Durkheim

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Partindo do princípio de que a educação é um fenômeno essencialmente coletivo e que por isto de-sempenha uma função central na organização e manutenção da coesão social, bem como na formaçãodo ser social, Durkheim propõe uma divisão que tornou-se decisiva para a compreensão de tal fenô-meno: a divisão entre Educação e Pedagogia. A partir daí, o autor irá esboçar os limites práticos eteóricos que passariam a definir uma suposta ciência da educação e seus limites epistemológicos.

Sob este aspecto, o trabalho de Durkheim se lança na empreitada complexa de estabelecer critériosteóricos de demarcação de uma epistemologia do conhecimento científico na esfera da educação,tentando definir, de um lado, a educação enquanto macro processo inerente à própria organizaçãosocial que apresenta, enquanto fim último, a manutenção e fortalecimento dos elos de solidariedadesocial e, do outro lado, a pedagogia enquanto teoria prática que visa o aprimoramento dos métodos etécnicas que envolvem o processo de aprendizagem.

Para Durkheim, o grande problema que se apresenta à teoria sociológica é a questão da coesão social.Dito de outro modo, se partirmos do princípio que a sociedade é formada por uma multiplicidade deindivíduos com interesses e valores distintos, crenças e religiosidades diferentes além de toda umagama de características psíquicas que os diferenciam, como pensar na possibilidade de que mante-nham algum nível de coesão para tornar possível a própria vida social? Como é possível um nível deconsenso para o estabelecimento da própria sociedade?

Como chama atenção Durkheim, se esta grande diferenciação entre os indivíduos é real, então o queos une não pode partir logicamente de nenhum indivíduo isoladamente ou mesmo de um grupo deindivíduos. O elemento responsável pela manutenção da coesão social deve ser algo distinto da esferaindividual, ou seja, deve estar localizado em uma esfera que seja, eminentemente coletiva.

Este elemento de coesão é chamado por Durkheim de Fato Social, que será a principal unidade deanálise de sua teoria e a chave para a explicação do mundo social.

Durkheim irá definir de maneira categórica os Fatos Sociais como “modos de agir, pensar e sentircoletivos”. Se a definição pode parecer bastante abstrata e geral num primeiro instante, seu sofisticadoesquema teórico irá construir uma das principais interpretações do mundo moderno no campo dasciências humanas.

Os fatos sociais não são acontecimentos que ocorrem na sociedade, como se poderia pensar à prin-cípio, mas sim, instituições, padrões de conduta, processos e estruturas que ordenam o conjunto daatividade social.

Durkheim propõem em seu método que os fatos sociais devem ser tratados como “coisas”, dando aotermo um significado muito objetivo: “A coisa opõe-se à ideia como o que conhecemos do exteriorse opõe ao que conhecemos do interior. É coisa todo objeto de conhecimento que não é naturalmentecompenetrável pela inteligência, tudo aquilo de que não podemos ter uma noção adequada por umsimples procedimento de análise mental, tudo o que o espírito só consegue compreender na condiçãode se extroverter por meio de observações e de experimentações, passando progressivamente dos ca-racteres mais externos e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e mais profundos. Tratarcertos fatos como coisas não é, portanto, classificá-los numa ou noutra categoria do real. É ter paracom eles uma certa atitude mental; é abordar o seu estudo partindo do princípio de que se desconhe-cem por completo e que as suas propriedades características, tal como as causas de que dependem,não podem ser descobertas pela introspecção, por mais atenta que seja”. (Durkheim – Regras P. 76)

Exemplificando, se tomarmos como objeto de análise uma cadeira, à primeira vista conseguimosperceber o material de que ela é feita (suponhamos que seja uma cadeira de madeira), a função àque se destina, seu tamanho, cor, entre outras características que podem ser percebidas pelos nossossentidos. No entanto, tratar a cadeira como objeto da ciência, ou seja, como uma “coisa” no sentidoproposto por Durkheim, implica em percebê-la para além destas características visíveis.

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Um físico, por exemplo, pode nos dizer que, para além daquele objeto que percebemos como umasimples cadeira existe uma matéria formada por átomos e moléculas e que se sustenta no chão porforça de uma relação entre sua massa e a atividade da gravidade.

Além disso, podemos ainda percebê-la, de acordo com um economista, que além de uma simplescadeira, este objeto é antes de tudo uma mercadoria, que engendrou relações de trabalho em sua pro-dução bem como o lucro daquele que a vendou, expressando, em última instância, relações profundasque definem um sistema econômico, no caso, o capitalismo.

Dito de outro modo, analisar o fato social implica, antes de tudo, tentar percebê-lo naquilo que eletem de menos visível, aquilo que nele se encontra subsumido. Aliás, não seria esta a lógica da própriaexpressão que orienta boa parte do conhecimento científico: a de descobrir algo?

Descobrir pressupõe a ideia de desvelamento, de percepção do que está encoberto. É este o sentidoproposto por Durkheim quando nos fala da lógica do conhecimento dos fatos sociais que devem sertratados como coisas.

ImportantePara Durkheim os Fatos Sociais devem ser tratados como coisas, ou seja, como realidadesobjetivas que independem dos julgamentos e valores dos sujeitos do conhecimento (pesqui-sadores).

Partindo deste pressuposto metodológico, Durkheim, irá definir três características que compõem osfatos sociais: a exterioridade, a coercitividade e sua generalidade.

Os fatos sociais, diz Durkheim, são realidades exteriores aos indivíduos. Isto significa dizer que, aonascermos, as regras, normas e padrões da sociedade já existiam. Se existiam antes de nós, é porqueexistiam e existem fora de nós.

Não fui eu, ou você leitor, que criou a linguagem. No entanto sem sua utilização este livro não poderiater sido escrito, nem muito menos uma comunicação oral seria possível entre nós. O fato de apre-endermos a linguagem é um sinal de sua exterioridade. Apreendemos algo que não nasceu conosco,que nos é externo e foi apreendido ao longo dos processos de socialização. Assim como a linguagem,todos os fatos sociais, são sociais exatamente por não terem uma natureza no ser individual, mas simpertencerem ao ser coletivo que é a sociedade.

Mas porque utilizamos os fatos sociais para orientar nossa conduta? Durkheim chama atenção parao fato de que, se assim não o fizéssemos, a sociedade não seria possível. Voltando ao exemplo dalinguagem, se eu (ou você leitor) decidisse individualmente utilizar uma linguagem própria, comfonemas próprios, certamente não me faria entender pelos outros. A comunicação se tornaria inviávele, provavelmente, eu (ou você) seria considerado um louco.

Neste sentido, somos impelidos a utilizar signos, símbolos e linguagens que sejam partilhados pelosmembros de uma dada sociedade sob pena de, não o fazendo, sofrermos todo tipo de sanções.

Daí deriva a segunda característica dos fatos sociais: sua coercitividade. Cumprimos os regulamentossociais porque, antes de tudo, se assim não o fizermos sofreremos algum tipo de sanção, seja objetiva,como a força da lei positiva, seja através da consciência moral.

Transgredir a ordem moral pode, e de fato parece, ser algo aterrador para a maior parte dos membrosde uma sociedade. Dificilmente realizamos nossas necessidades fisiológicas mais básicas senão emespaços privados. Dificilmente, por mais raiva que eu tenha de alguém, irei cometer um homicídio.

Nesta altura o leitor deve estar se perguntando: mas espera aí! E os homicídios que vimos cotidiana-mente nos telejornais e toda forma de crime que ocorre nas sociedades atuais?

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De fato, a criminalidade é alta, especialmente nos grandes centros urbanos. No entanto, Durkheimchamaria atenção para a questão de que, se o crime é um fato das sociedades, ele não é a regra. E defato, por mais alto que sejam os índices de criminalidade, do ponto de vista da manutenção da ordemsocial, os padrões da conduta "normal"ainda são muito superiores. Até porque se assim não fosse, asociedade se desintegraria quase que instantaneamente.

A partir desta conclusão, Durkheim define a terceira característica dos fatos sociais: sua generalidade.Ou seja, os fatos sociais são gerais por serem coletivos, mas não são coletivos por serem gerais. Istosignifica dizer em outras palavras que: os fatos sociais se aplicam a maior parte dos membros de umasociedade, mas não a todos indistintamente. Por isso são gerais, no sentido de que abarcam a maioriada sociedade, são uma realidade coletiva.

O crime, neste caso, é um fato social, pois não existe sociedade sem crime. Aliás, a própria ideia decrime, de transgressão, se relaciona diretamente à ideia de ordem social ou sociedade, na medida emque esta existe exatamente para coibir o ato transgressor, o qual, por seu lado, dá visibilidade ao quedeve ser o comportamento não-criminoso ou, nos termos de Durkheim, à conduta normal.

ImportanteOs fatos sociais se constituem a partir de três características que lhe são próprias: a exteri-oridade, a coercitividade e a generalidade.

Pensando no fenômeno da educação, este é, essencialmente, um fato social. E, segundo Durkheim,um dos principais fatos que organizam a vida social, na medida em que é através da educação queinteriorizamos os regulamentos e normas da conduta social e nos transformamos em seres sociais.

Como nos diz o próprio autor “[. . . ] a educação consiste numa socialização metódica das novasgerações. Em cada um de nós, já o vimos, pode-se dizer que existem dois seres: o primeiro constituídode todos os estados mentais que não se relacionam senão conosco mesmo e com os acontecimentosde nossa vida pessoal; é o que se poderia chamar de ser individual. O outro é um sistema de ideias,sentimentos e hábitos, que exprimem em nós, não a nossa individualidade, mas o grupo ou os gruposdiferentes de que fazemos parte; tais são as crenças religiosas, as crenças e as práticas morais, astradições nacionais ou profissionais, as opiniões coletivas de toda espécie. Seu conjunto forma o sersocial. Constituir em cada um de nós – tal é o fim da educação. [. . . ] A sociedade se encontra, a cadanova geração, como que em face de uma tabula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo denovo. É preciso que, pelos meios mais rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que acaba denascer, uma natureza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da educação. Basta enunciá-la, dessaforma, para que percebamos toda a grandeza que encerra. A educação não se limita a desenvolver oorganismo, no sentido indicado pela natureza, ou a tornar tangíveis os elementos ainda não revelados,embora à procura de oportunidade para isso. Ela cria no homem um ser novo. Essa virtude criadoraé, aliás, o apanágio da educação humana. De espécie muito diversa é a que recebem os animais,se é que pode dar o nome de educação ao treinamento progressivo a que são submetidos por seusascendentes, nalgumas espécies. Nos animais, pode se apressar o desenvolvimento de certos instintosadormecidos, mas nunca iniciá-los numa vida inteiramente nova. O treinamento pode facilitar otrabalho de funções naturais, mas não cria nada de novo. Instruído por sua mãe, talvez o passarinhopossa voar mais cedo, ou fazer seu ninho, mas pouco aprende além do que poderia descobrir porsi mesmo. É que os animais, ou vivem fora de qualquer estado social, ou formam estados muitorudimentares, que funcionam graças a mecanismos instintivos, perfeitamente constituídos desde onascimento de cada animal. A educação não poderá, nese caso, ajuntar nada de essencial à natureza,porquanto ela parece bastar à vida do grupo quanto basta à do indivíduo. No homem, ao contrário,as múltiplas aptidões que a vida social supõe, muito mais complexas, não podem organizar-se em

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nossos tecidos, aí se materializando sob a forma de predisposições orgânicas. Segue-se que elas nãopodem transmitir-se de uma geração a outra, por meio da hereditariedade. É pela educação que essatransmissão se dá.” (Durkheim, E. Educação e Sociologia. São Paulo, Melhoramentos, 1978. Págs.42/43)

Como podemos perceber, a educação assume papel central na constituição da ordem social na medidaem que é através dela que nos tornamos seres sociáveis, e isto se dá exatamente porque somente atra-vés dela formamos em nós uma segunda natureza, uma natureza de ordem coletiva, que se diferenciade nossa natureza biológica e que torna possível a sociabilidade humana.

Esta “segunda natureza”, fundamental para a própria existência da sociedade, se caracteriza antesde tudo pela interiorização não apenas de normas e padrões de conduta mas, essencialmente, pelainteriorização de um conjunto de ideias e representações que são próprias da sociedade, isto é, umaconsciência de natureza coletiva.

A consciência coletiva, deste modo, irá constituir um dos principais elementos de sustentação daordem social, responsável por inculcar nos indivíduos os parâmetros de uma conduta normal, sesobrepondo deste modo à consciência individual do homem.

Durkheim irá chamar a atenção para o fato de que a relação entre consciência coletiva e consciên-cia individual será marcada por uma antinomia, na qual o desenvolvimento de uma impede a totalmanifestação da outra.

Figura 2.2: Relação entre consciência coletiva e consciência individual

Deste modo, se pensarmos que a vida social para existir depende necessariamente de suas formascoletivas agindo sobre o indivíduo, a educação passa a desempenhar aí um papel central na medidaem que, através dela, tantos os regulamentos sociais, padrões de conduta e a consciência coletiva sãointrojetados de forma imperativa nos indivíduos.

A educação pressupõe, deste modo, um caráter coercitivo, pois ao introjetar nos indivíduos os mode-los do comportamento normal os tornam praticamente obrigatórios para estes.

DicaVocê já havia pensado que todo processo educacional pressupõe, de algum modo, umadimensão de coerção?

Como vimos, no interior da teoria social desenvolvida por Durkheim a educação se constitui como umfato social que é central à manutenção e reprodução da vida social, sendo um fenômeno que percorretodo o desenvolvimento da história do homem em todos os tipos de sociedade.

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Importante“A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não seencontram ainda preparadas para a vida social; tem objeto suscitar e desenvolver, na cri-ança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedadepolítica, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine.”Durkheim, E. Educação e Sociologia. São Paulo, Melhoramentos, 1978. Pág. 41

2.1.1 Texto para reflexão

Texto: Educação e Sociologia. São Paulo, Melhoramentos, Rio de janeiro, FNME, 1978. Págs46/47)

Autor: Durkheim, E.

[. . . ] Se os indivíduos, como mostramos, só agem segundo suas necessidades sociais, parece que asociedade impõe aos homens insuportável tirania. Na realidade, porém, eles mesmos são interessadosnessa submissão; porque o ser novo que a ação coletiva, por intermédio da educação, assim edifica,em cada um de nós, representa o que há de melhor no homem, o que há em nós de propriamentehumano.

Na verdade, o homem não é humano senão porque vive em sociedade. É difícil, numa só lição,demonstrar com rigor esta proposição tão geral e tão importante, resumo dos trabalhos da sociologiacontemporânea. Mas posso afirmar que essa proposição é cada vez menos contestada. E, ademais,não será difícil relembrar, embora sumariamente, os fatos essenciais que a justificam.

Antes de tudo, se há hoje verdade histórica estabelecida é a de que a moral está estritamente rela-cionada com a natureza das sociedades, pois que ela muda quando as sociedades mudam. É queela resulta da vida em comum. É a sociedade que nos lança fora de nós mesmos, que nos obriga aconsiderar outros interesses que não os nossos, que nos ensinam a dominar as paixões, os instintos,e dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifício, a privação, a subordinação dos nossos fins individuais aoutros mais elevados. Todo o sistema de representação que mantém em nós a ideia e o sentimento dalei, da disciplina interna ou externa, é instituído pela sociedade.

Foi assim que adquirimos esse poder de resistirmos a nós mesmos, esse domínio sobre as nossastendências, que é dos traços distintivos da feição humana, pois ela é tão desenvolvida em nós quantomais plenamente representemos as qualidades do homem de nosso tempo. [. . . ]

Como a cooperação, no entanto, tal aproveitamento da experiência não se torna possível senão nasociedade e por ela. Para que o legado de cada geração possa ser conservado e acrescido, será pre-ciso que exista uma entidade moral duradoura, que ligue uma geração à outra: a sociedade. Por issomesmo, o suposto antagonismo, muitas vezes admitido entre indivíduo e sociedade, não correspondea coisa alguma no terreno dos fatos. Bem longe de estarem em oposição, ou de poderem desenvolver-se em sentido inverso, um do outro – sociedade e indivíduo são ideias dependentes uma da outra.Desejando melhorar a sociedade, o indivíduo deseja melhorar-se a si próprio. Por sua vez, a açãoexercida pela sociedade, especialmente através da educação, não tem por objeto, ou por efeito, com-primir o indivíduo, amesquinhá-lo, desnaturá-lo, mas ao contrário engrandece-lo e torná-lo criaturaverdadeira humana. Sem dúvida, o indivíduo não pode engrandecer-se senão pelo próprio esforço. Opoder do esforço constitui, precisamente, uma das características essenciais do homem.”

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2.2 Karl Marx e a educação

Vimos através do pensamento de Durkheim, que a relação entre educação e sociedade é uma relaçãoque visa, antes de tudo, a manutenção e reprodução da ordem social. Neste sentido, a educaçãoapresenta como sua principal função transmitir para as novas gerações os valores e regulamentossociais que transformam os indivíduos em “seres sociais”.

No entanto, uma questão se torna imperativa a estas importantes considerações desenvolvidas peloeminente sociólogo francês: quais os interesses que estão em jogo na manutenção e reprodução dedeterminados valores e modos de conduta social? Se é fato que a educação reproduz e também produza ordem social, uma questão que não perpassa a obra de Durkheim é exatamente a quem esta ordemsocial favorece? Quais os grupos que se beneficiam da manutenção de uma determinada ordem social?

Nestes questionamentos se impõe a importante perspectiva desenvolvida ao longo do século XIX porum dos mais importantes e brilhantes intelectuais da era moderna, o alemão Karl Marx.

Figura 2.3: Karl Marx — 1818-1883

Marx irá produzir uma das teorias mais sofisticadas sobre o desenvolvimento da modernidade e quemesmo após sua morte tem sido largamente debatida até os dias atuais.

O impacto de suas ideias na organização social e política do século XX foi de fato impressionante,culminando inclusive com a divisão político-ideológica do mundo em dois grandes blocos de poder,o capitalista liberal e o mundo socialista, materializado na configuração do antigo bloco soviético queperdurou até o final da penúltima década do século XX.

Suas ideias, no entanto, continuam em discussão no campo das ciências sociais e adentram também,de maneira acentuada, as pesquisas que tem como objeto privilegiado de análise os estudos sobreeducação, especialmente aqueles que veem na educação um forte instrumento de emancipação socialdas classes menos favorecidas da sociedade.

Mas o que diz a teoria de Marx sobre a organização das sociedades?

Diferentemente de Durkheim que estava preocupado em perceber como se dá o processo de manu-tenção da coesão social nas sociedades, em especial na sociedade moderna, Marx está preocupadoem explicar as contradições que determinam a manutenção das relações de dominação e exploraçãosocial.

Para Marx, as sociedades não se constituem de forma homogênea. Os indivíduos que a compõemnão estão dispersos e partilham de interesses comuns. Ao contrário, a organização da sociedade sedá através da sua divisão em classes sociais que estão em concorrência e, por isso, a dinâmica social

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se estrutura menos pelo princípio da coesão social e mais pela perspectiva do conflito. As diferentesclasses apresentam diferentes interesses, e esses revelam uma dinâmica que é marcada por relaçõesobjetivas de dominação social.

Mas como se estabelecem as relações de dominação na organização das sociedades?

Marx parte de um pressuposto básico a partir do qual pensa a organização das sociedades. Diz ele:Para que haja sociedade é necessário, antes de tudo, que existam homens vivos. E para isto, é neces-sário que eles produzam as suas condições materiais de existência, ou seja, precisam comer, vestir,habitar, etc.

Neste sentido, para existirem e por assim dizer tornar possível a própria sociedade, é necessário querealizem um processo fundamental, ou seja, o processo de produção de sua vida material.

Este processo, diz Marx, é absolutamente elementar e somente é possível através de um elementoessencial ao homem: o trabalho.

No processo de produção de sua vida material o homem irá travar, num primeiro momento, umarelação direta com a natureza, mediada pelo trabalho. De certa forma, quase tudo o que nos rodeia éresultado deste processo, nossas roupas, automóveis, brinquedos, alimentos, inclusive este livro quevocê, leitor, está agora manuseando. Ele não nasceu senão através de relações objetivas de trabalho.Neste caso, é resultado disto. O papel de que é feito também é resultado de um processo de produçãomediado pelo trabalho, e por aí vai.

No entanto, Marx chama atenção para o fato de que as relações que travamos no processo de produçãode nossa vida material não são apenas relações com a natureza, mas também, e fundamentalmente,relações com outros homens que também estão envolvidos na produção de sua vida material.

A dinâmica da atividade econômica se apresenta, deste modo, permeada por relações entre os homens,e neste caso, por relações sociais que se dão no âmbito da produção, são por isso relações sociais deprodução.

ImportanteO materialismo histórico se refere à perspectiva desenvolvida por Karl Marx sobre o de-senvolvimento da história, que em sua concepção estaria diretamente ligada aos diferentesmodos como os homens, em determinado momento no tempo, realizam o processo de pro-dução de sua vida material, ou seja, a história seria marcada por uma sucessão histórica demodos de produção.

Marx alerta que, se as relações sociais de produção não são evidentemente as únicas relações queestabelecem os homens entre si, elas são, com certeza, relações estruturais na medida em que sãoaquelas sobre as quais todas as outras se tornam possíveis pois, como vimos no início deste tópico,não há sociedade sem homens vivos, e estes não se mantém senão a partir do processo de produçãode sua vida material.

Por outro lado, a produção se realiza também com máquinas, equipamentos e todo tipo de aparatotecnológico, além é claro, da força de trabalho. São os meios a partir dos quais tornam a produçãopossível, isto é, são o que Marx denomina de meios de produção.

Definido isto, podemos agora avançar na argumentação de Marx. A estrutura social está compostatanto pelas relações sociais de produção como pelos meios de produção.

No entanto, a divisão destes meios entre os indivíduos, vale dizer a sua posse, foi ao longo do desen-volvimento das sociedades, em especial no capitalismo, marcado por uma divisão desigual, na qual

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alguns detém o controle sobre os equipamentos e mecanismos técnicos de realização da produçãoenquanto outros detém apenas sua força de trabalho.

Esta divisão desigual dos meios de produção irá produzir uma divisão desigual entre os indivíduos,alocando-os em classes sociais distintas onde uns detém apenas sua força de trabalho, e por isso estãonuma ponta do processo produtivo, enquanto outros, que detém os instrumentos de produção, ou seja,o controle sobre o capital, estão em outra ponta deste processo.

Na verdade, como aponta Marx, a origem do processo de desigualdade social remonta, neste caso, aesta divisão social da propriedade dos meios de produção onde, aqueles que detém apenas sua forçade trabalho são obrigados a vendê-la àqueles que mantém o controle do capital.

No entanto, uma contradição emerge como um dos paradoxos fundamentais do capitalismo. Se levar-mos em conta que o capitalismo se estrutura enquanto uma economia de mercado, e por isso marcadapela concorrência, quanto mais o capitalista consegue racionalizar o processo de produção de seusprodutos, o que significa reduzir os custos de produção das mercadorias que produz, mais ele se tornacompetitivo no mercado e, consequentemente, maior sua lucratividade. Se considerarmos ainda queum dos maiores componentes no custo de produção é exatamente o custo do trabalho, ou seja, o pa-gamento de salários, então quanto menos trabalho humano necessário na produção, menor o custo e,consequentemente, maior lucratividade para o capital.

O desenvolvimento das forças produtivas, neste caso, se torna um imperativo para o desenvolvimentodo capital, especialmente sob o ponto de vista da introdução crescente e contínua de tecnologia nosprocessos produtivos, visando antes de tudo, a redução da quantidade de trabalho humano necessáriona produção das mercadorias.

Marx irá apontar esta como uma das principais contradições da sociedade capitalista moderna namedida em que o capital, para se desenvolver, deve constantemente aprimorar e revolucionar os meiosde produção e, ao fazer isso, radicaliza a contradição entre as relações sociais de produção e as forçasprodutivas.

Figura 2.4: Mecanização da produção

Dito de outro modo, quanto menos trabalho humano necessário na produção maior o efetivo de tra-balhadores desempregados que, por consequência, pressionam o mercado de trabalho e produzem,como primeira consequência, a redução dos salários.

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ImportanteObserve que a contradição apontada por Marx em relação à necessidade do capitalista redu-zir os custos de produção através do desenvolvimento de tecnologias de produção, e por issonecessitar de menos força de trabalho, implica em um aumento crescente do desemprego,como ocorre nas sociedades atuais.

Se, hipoteticamente, a produção de uma determinada quantidade de carros dependia de uma deter-minada quantidade de operários em um dado momento do desenvolvimento dos meios de produção,com o desenvolvimento tecnológico destes meios essa necessidade de trabalho humano se reduz, su-ponhamos, em 30%. Reduz-se, neste caso, a quantidade de operários necessários para se produzir amesma quantidade de veículos gerando, como consequência imediata, o desemprego desta fatia detrabalhadores que agora foram substituídos pelas máquinas. E estes, passam a formar um contingenteque exerce pressão sobre aqueles que estão ainda em seus postos de trabalho, na medida em queaceitam receber salários menores para realizar as mesmas tarefas.

Este ciclo irá produzir, segundo Marx, de um lado, o aumento constante da acumulação de capital e,de outro, o aumento da miserabilidade e da crise social.

Na sociedade atual, os altos índices de desemprego, especialmente nas sociedades do capitalismodesenvolvido, demonstram como o avanço técnico dos meios de produção tendem, de fato, a gerardesemprego e, com isso, crise social.

Figura 2.5: Taxas de desemprego no mundo em maio de 2012

Para Marx, este processo contínuo acirraria a contradição social e a luta de classes, levando finalmente

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a um processo de convulsão social onde se romperia com o poder da classe burguesa.

Tal processo, contudo, não seria automático, determinado apenas pelas contradições na esfera econô-mica das sociedades. É necessário, segundo o próprio Marx, que haja por parte dos dominados, umapercepção destas contradições e de suas origens por aqueles que estão em posição desfavorável na es-trutura hierárquica das classes na sociedade. Transfigurando isto em termos marxistas, é necessário,antes de tudo, a tomada de consciência pela classe subalterna dos mecanismos que geram sua própriacondição de pobreza e de dominados.

É exatamente aí que a questão da educação irá se impor dentro de uma perspectiva de emancipaçãonos termos de uma análise marxista pois, como tomar consciência das contradições da realidade senãoatravés de processos educativos?

Mas, de fato, quem controla os sistemas educativos numa sociedade marcada pela desigualdade sociale pelo poder de dominação de uma classe sobre outra? A equação não é de fácil resolução, até porqueaqueles que estão em posição favorável na ordem social tendem a manter seu poder econômico atravésde mecanismos que são, essencialmente, simbólicos e se reproduzem no campo das ideias.

Nesta perspectiva, quanto maior a compreensão por parte dos indivíduos de uma determinada socie-dade de suas contradições, maior o risco para aqueles que estão em posição favorável nesta sociedade.

Neste sentido, a educação irá representar uma dupla relação numa perspectiva marxista: de um lado,um sistema passível que reproduz os valores e ideias que visam manter o poder daqueles que estão emposição privilegiada, transformando-se em poderoso instrumento ideológico das classes dominantes;do outro lado, o reverso deste processo na medida em que, somente pela educação as massas desfa-vorecidas podem tomar consciência de sua condição social e das contradições sistêmicas que levam aesta condição, transformando-se, assim, em instrumento essencial da transformação social.

Como destaca Alberto Tosi a respeito do assunto, “acho que Marx e Engels viam a educação comos mesmos olhos com que viam o capitalismo. Por um lado, fazendo uma analise empírica (aindaque pouco aprofundada) da situação educacional dos filhos dos operários do nascente sistema fabril,identificaram na educação uma das mais importantes formas de perpetuação da exploração de umaclasse sobre outra, utilizada pelo capitalista para disseminar a ideologia dominante, para inculcar notrabalhador o modo burguês de ver o mundo. Por outro lado, pensando a educação como parte de suautopia revolucionária, identificaram nela uma arma valiosa a ser empregada em favor da emancipaçãodo ser humano de sua libertação do jugo do capital. Ou seja, para Marx e Engels não existe "edu-cação"em geral. Conforme o conteúdo de classe ao qual estiver exposta, ela pode ser uma educaçãopara a alienação ou uma educação para a emancipação”. (Tosi, A. Sociologia da educação. Rio deJaneiro, DP&A, 2004. Pag. 48-49)

Se observarmos de uma forma ampla, tanto num caso quanto no outro, a educação é um instrumentoessencial à ordem social, tanto no sentido de sua manutenção quanto no de sua transformação.

A escola e, principalmente, o currículo escolar, são elementos que compõem esta trama que, no finaldas contas, desempenha um papel político fundamental na sociedade.

Neste sentido, uma das questões importantes derivadas do pensamento de Marx e que nos serve pararefletirmos sobre a questão da educação é a de que, tanto a produção do conhecimento quanto oensino, que dele deriva, não são processos neutros, no sentido de um conhecimento desinteressadodo mundo, mas, ao contrário, correspondem a interesses que variam entre as diferentes classes que seencontram em concorrência na sociedade.

Se, cada vez mais os currículos hoje tendem a uma especialização funcional, isto significa que a for-mação dos indivíduos é cada vez mais especializada, voltada cada vez mais para suprir as necessidadesdo mercado em detrimento de uma formação mais ampla, humanista e principalmente crítica.

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2.2.1 Texto para reflexão

Texto: A dura vida dos catadores de lixo do Rio de Janeiro: 10 de dezembro de 2005Fonte: PORTAL TERRA

A jornada diária no aterro sanitário de Gramacho, na região metropolitana do Rio de Janeiro, é uminferno para os 5 mil catadores de lixo que ganham a vida entre toneladas de resíduos, apesar daconcorrência dos urubus e de sua própria fome.

Os catadores de lixo são a base de uma pirâmide de trabalho ameaçada por técnicas de reciclagemque começaram a se incorporar pelas grandes indústrias.

"Ali, se trava a cada dia uma batalha de sobrevivência. Essas pessoas não têm outra opção de vida",disse José Henrique Penido, assessor da direção da Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro(Comlurb), proprietária do aterro.

A história dos catadores deste aterro, mais conhecido como "Lixão do Jardim Gramacho", remonta a1975 e nada tem a ver com as belezas coloridas mostradas nos postais da Cidade Maravilhosa.

Jardim Gramacho é o nome de um bairro de Duque de Caxias, cidade da região metropolitana a 20quilômetros do Rio.

O "Lixão"ocupa uma área de um milhão de metros quadrados nas margens da Baía de Guanabara, erecebe uma média diária de 10 mil toneladas de resíduos vindos do Rio de Janeiro, Duque de Caxias,Nilópolis e São João de Meriti. Volume que equivale a 85% do lixo urbano gerado a cada dia no Riode Janeiro.

Com 88 anos, Alzira da Silva desafia há 33 anos as condições miseráveis do aterro para fazer serganha-pão. "Consigo entre R$ 70 e 80 por mês. Trabalho aqui, não porque goste. Na minha idade, éo único que tenho para viver".

O lixão ferve a qualquer hora do dia, mas ninguém parece preocupado. A obsessão é encontrar umagarrafa aqui, uma lata ou um pedaço de ferro ali, ou um papel acolá.

Com as primeiras luzes do dia, o trânsito de caminhões carregados de todo tipo de imundícies se tornafrenético. Em cada "podrão", como são chamados, pode haver material reciclável que salvará o dia, epor isso é preciso estar atento no momento da descarga.

As disputas valem "o pão da cada dia". A lei do mais forte impera e os mais fracos devem procurar,em silêncio, outro lugar para escavar.

Múltiplos focos de gás produzidos pela decomposição de matéria orgânica fervem em fogo brandoem montanhas de resíduos que, embora sejam compactadas por tratores, desmoronam como castelosde cartas e põem vidas em perigo. A última tragédia, em meados de 2004, deixou três mortos sob 45toneladas de lixo.

Ao cair o sol, um segundo turno de catadores entra em ação.

Uma jovem tira a última gota de um copo de iogurte que encontrou enquanto, a seu lado, um compa-nheiro examina uma bolsa sob a visão atenta dos urubus.

"Esse é o trabalho mais sacrificado do mundo. O trabalho sujo que ninguém quis fazer", disse opresidente da Associação de Catadores de Gramacho, Paulo Roberto Gesteira de Souza.

As cooperativas formam o terceiro degrau da pirâmide do lixo.

Estão acima dos "galpões", que por sua vez superam os "catadores de lixo".

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É nos "galpões"em que, no final do dia, terminam os achados dos "catadores". Ao contrário dos "gal-pões", as dezoito cooperativas registradas na Prefeitura do Rio de Janeiro não revendem os resíduos,mas os reciclam. Para as cooperativas, entretanto, a reciclagem parece ter deixado de ser negócio.

"Trabalhamos no meio do lixo, mas sem muito material para recuperar porque agora virou modaque as grandes fábricas reciclem seus resíduos", disse Gesteira de Souza. A "moda"foi percebida naassociação de Gramacho desde maio com o abandono de 130 dos 270 filiados. "Preferiram tentar asorte em outras coisas desde que caíram os ganhos", disse.

Segundo a Comlurb, desempregados, ex-presidiários, ex-delinquentes, jovens ou velhos, encontramno lixo uma alternativa para o que se pode chamar sobrevivência.

2.3 Max Weber e a educação

Max Weber foi um intelectual alemão nascido na cidade de Erfurt em 1864, com formação em direitoe economia, sendo também considerado um dos fundadores da Sociologia.

Sua sociologia, diferentemente de Karl Marx e Émile Durkheim, encontra-se centrada na análise doindivíduo, especificamente sobre sua ação quando esta se refere ao comportamento de outros.

Weber irá produzir uma das mais importantes teorias sobre a dinâmica social, especialmente sobrea dinâmica que caracteriza o mundo moderno, o qual, segundo ele, seria marcado pelo princípio daracionalização dos processos, ações e relações que compõem o mundo social.

Se, conforme nos diz, o movimento de racionalização da vida é um processo secular, que perpassa opróprio desenvolvimento da história do homem, é na era moderna que este movimento irá atingir seuápice com a "racionalidade instrumental"assumindo a posição de princípio hegemônico de orientaçãodas ações dos indivíduos. Vamos explicar.

Para Weber, a sociedade é formada a partir da ação dos indivíduos, especificamente através da açãosocial que eles produzem por meio de suas práticas sociais. A ação social, como fundamento da vidasocial é definida, de acordo com Weber, como “. . . uma ação que, quanto a seu sentido visado peloagente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso ”.(Weber, M. Economia e sociedade. Brasilia, Ed. UNB, 1991. Pág. 03)

Figura 2.6: Max Weber -– 1864/1920 — Alemanha

Observe que na definição de Weber, o conceito de ação social não tem nada a ver com uma perspectivade senso comum na qual a ideia de ação social está relacionada à uma prática que visa ao bem comum.Ela não é uma ação social no sentido de colaborar ou visar o bem estar social. Ela é social somente nosentido de que se encontra orientada pelo comportamento alheio ou mesmo pela probabilidade deste.

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Ir à escola é uma ação social, nos vestir diariamente é uma ação social, irmos a um ritual religiosoé uma ação social e assim por diante. Na verdade, a questão fundamental que envolve a ação socialé que ela é dotada de um caráter reflexivo na medida em que o sujeito da ação (o agente) confere aela um sentido que leva em conta o comportamento de outros. Por exemplo, quando aceito receberdinheiro por uma mercadoria que vendo, estou pressupondo que o dinheiro é também aceito por outrosquando eu for adquirir outras mercadorias. Neste sentido, esta relação comercial é também uma açãosocial, pois leva em conta o comportamento de outros.

Para Weber, as ações sociais podem ser divididas em quatro tipos: 1) a ação racional orientada a fins,2) a ação racional orientada a valores, 3) a ação afetiva e 4) a ação tradicional.

Esta tipologia proposta por Weber está diretamente relacionada à dimensão da racionalidade em cadatipo de ação, partindo da mais racional, aquela orientada a fins, onde a finalidade da ação determinaos meios mais eficazes para atingi-la, até a ação menos racional que seria a ação tradicional, poucoreflexiva, orientada pelo costume arraigado.

É importante ressaltar que, Weber produz esta tipologia da ação social enfatizando que esta é, antesde tudo, uma construção conceitual, sociológica, e que dificilmente a ação de um sujeito se dá apenasde uma forma ou de outra.

Neste caso, este é um instrumento que o sociólogo utiliza para mapear o comportamento social e,especialmente, perceber os valores que são predominantemente mobilizados através das ações dosagentes sociais.

As instituições, normas e padrões sociais, nesta perspectiva, não são realidades externas e autônomasem relação aos indivíduos, determinantes sobre o seu comportamento. Ao contrário, é somente atravésda ação dos indivíduos que estas dimensões da vida social ganham forma e existência. Por exemplo,o casamento é uma instituição na medida em que os indivíduos, em suas práticas, produzem relaçõesde aliança com regularidade. Isto significa dizer que, para que uma instituição, norma ou mesmo umaordem social se efetive, é necessário sua legitimação, a qual se dá estritamente através da ação socialde indivíduos de uma dada sociedade.

ImportanteA ação social no sentido Weberiano é sempre uma ação que se orienta pelo comportamentode outros em seu curso.

É neste sentido que as instituições vão sendo moldadas, pelo sentido e significado que os indivíduosatribuem a ela. Sua conformação depende, neste caso, dos valores que serão predominantes num dadoperíodo da história e que, segundo Weber, irão conformar, de forma específica, uma dada instituiçãosocial.

Neste sentido, deve interessar ao sociólogo o que há de específico em um determinado fenômeno sobo ponto de vista de sua historicidade, e não o que lhe é geral, ou seja, o que define a sua particularidadehistórica.

No caso da educação, então, a questão mais importante para nós seria exatamente compreender quala especificidade do fenômeno da educação na era moderna.

A este respeito, a grande contribuição de Weber para se pensar a educação está diretamente relacio-nada a sua teoria da racionalização das esferas constitutivas do mundo social.

Para Weber, há um movimento que persegue o desenvolvimento da história da humanidade que é aracionalização constante das práticas e instituições sociais. Segundo o autor, este movimento se iniciano oriente antigo e se expande gradativamente para o mundo ocidental, que será o palco principal ondeo processo de racionalização irá encontrar seu ápice com o advento da modernidade.

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Para isso, Weber cunhou alguns importantes conceitos que visam compreender este movimento aolongo da história como desencantamento, secularização, intelectualização, entre outros.

Estes são conceitos imbricados, porém se referindo a questões específicas na ordem social.

A ideia de desencantamento se refere, antes de tudo, aos processos de racionalização que se consti-tuíram, essencialmente, no interior da esfera religiosa.

As religiões primitivas, dotadas de uma ordem privilegiadamente mágica, irá ceder paulatinamentelugar a ordens religiosas cada vez mais racionais, orientadas por rituais e preceitos explicativos domundo e ordenamentos que são agora positivados pelos escritos sagrados.

O próprio desenvolvimento da teologia enquanto campo de conhecimento significa, segundo Weber,um salto neste processo de desencantamento, onde a relação entre transcendência religiosa e imanên-cia do conhecimento passam a estar entrecruzados. Neste sentido, as religiões vão paulatinamente setornando cada vez mais racionais e menos mágicas, cada vez mais pragmáticas e relacionadas com aatividade do homem no mundo.

O protestantismo ascético desenvolvido na Europa a partir do final do século XV e início do XVIfoi, sem dúvida, um dos saltos mais importantes neste movimento de desencantamento do mundo aoatribuir à atividade do homem no mundo um papel fundamental na medida em que, sua prosperidadeneste mundo, revelava que ele era um escolhido para ser salvo.

Se por um lado o princípio da salvação não estava ligado à atuação do homem no mundo, posto que ohomem já nascia pré-destinado, saber se ele era um escolhido ou não dependia de seu sucesso, de suaprosperidade, numa palavra, de sua riqueza.

No entanto, esta riqueza não poderia, e nem deveria, ser utilizada para seu gozo ou fruição enquantoindivíduo, mas antes, apenas em favor da manutenção da glória de Deus. Funda-se, assim, uma éticaque, de um lado, enaltece a riqueza através da acumulação e da poupança e, de outro, condena a suafruição e seu gozo como sendo práticas pecaminosas.

Esta ética protestante irá, segundo Weber, ser um componente cultural fundamental para impulsionaro capitalismo moderno na medida em que o racionaliza em sua essência, ou seja, o torna um fim emsi mesmo através da legitimação do ganho, do lucro e da acumulação.

É interessante perceber como a relação entre as esferas religiosa e econômica se entrecruzam aqui,a partir do princípio da racionalização do mundo, especialmente por meio de preceitos religiososaltamente desencantados.

Paralelamente a este movimento de desencantamento, Weber irá chamar a atenção para uma dasquestões centrais no desenvolvimento das sociedades modernas que é a secularização.

Para Weber, a secularização se refere ao movimento de paulatina substituição da religião como mo-delo explicativo do mundo e das esferas da vida, que vão ganhando autonomia crescente tanto doponto de vista de sua lógica de funcionamento quanto, fundamentalmente, pela justificação de suadinâmica. Assim, por exemplo, o Estado, instituição fundamental da esfera política, deixa de estaratrelado à igreja e/ou a determinada ordem religiosa e se torna cada vez mais dependente da dinâmicadas relações de poder que envolve interesses e valores sociais.

Esta questão é fundamental para nós aqui porque irá atuar diretamente sobre a questão da educação esuas instituições.

O processo de laicização das instituições educacionais irá decorrer fortemente deste processo de se-cularização que, por seu lado, é parte do movimento maior de racionalização do mundo.

A que se deve, no entanto, este processo de racionalização? Ao próprio avanço do conhecimento.Weber irá afirmar que ao longo do desenvolvimento da humanidade ocorre um extenso processo de

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intelectualização do homem, processo este marcado pelo conhecimento contínuo do mundo, marcadopelo desenvolvimento da filosofia, da teologia e que encontra seu ápice na ciência moderna, isto é, “oprogresso científico é uma fração, a mais importante, do processo de intelectualização que estamossofrendo há milhares de anos e que hoje em dia é habitualmente julgado de forma tão extremamentenegativa. [. . . ] A crescente intelectualização e racionalização não indicam, portanto, um conhe-cimento maior e geral das condições sob as quais vivemos. Significa mais alguma coisa, ou seja,o conhecimento ou crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquermomento. Significa principalmente, portanto, que não há forças misteriosas incalculáveis, mas quepodemos em princípio, dominar todas as coisas pelo cálculo. Isto significa que o mundo foi desen-cantado”. (Weber, M. A ciência como vocação. Pág. 165. In: Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro,Zahar, 1974)

Neste sentido, o processo educativo encontra-se na modernidade altamente laicizado, ao mesmotempo em que racionalizado através do desenvolvimento crescente de técnicas educativas.

De um modo ou de outro, o importante aqui é perceber que Weber nos dá uma chave para a compreen-são do fenômeno da educação nas sociedades modernas como resultado de um processo mais amploque se desenvolve continuamente ao longo da história, especialmente, mas não exclusivamente, nomundo ocidental.

A educação, neste caso, passa a estar encoberta por um princípio de racionalização que a definecomo um dos principais instrumentos responsáveis pelo movimento de secularização, que contribui,crescentemente, para a constituição de uma sociedade cada vez mais racionalizada e laica.

Por outro lado isto não implica em dizer que não haja relações de poder e dominação envolvidas nesteprocesso. Ao contrário, para Weber a educação na modernidade obedeceria a um tipo específico dedominação que seria a dominação burocrático-legal, sujeitando a produção do conhecimento cada vezmais às exigências de sua utilidade e especialização para a administração do sistema social.

Deste modo, a questão da educação, no interior da sociologia desenvolvida por Max Weber, apa-rece como uma especificidade histórica que corresponde a um tipo específico de dominação que é adominação racional-legal.

DicaPara maior aprofundamento sobre a questão da educação na teoria de Max Weber, consulte: http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/eventos/evento2002/GT.4/-GT4_3_2002.pdf

2.3.1 Texto para reflexão

Texto: A ciência como vocação. IN: Ensaios de Sociologia. Rio de janeiro, Zahar, 1974. Pags173, 177

Autor: Weber, Max

Ao profeta e ao demagogo, dizemos: “Ide para as ruas e falai abertamente ao mundo”, ou seja, falaionde a crítica é possível. Na sala de aula ficamos frente à nossa audiência, que tem de permanecercalada. Considero irresponsabilidade explorar a circunstância de que, em benefício de sua carreira,os alunos tem de frequentar o curso de um professor onde não há ninguém presente para fazer-lhecríticas. A tarefa do professor é servir aos alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor-lhes suas opiniões políticas pessoais. É, sem dúvida, possível que o professor individual não consiga

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eliminar totalmente suas simpatias pessoais. Fica, então, sujeito à crítica mais violenta no fôro de suaprópria consciência. E tal deficiência nada prova; outros erros são também possíveis, por exemplo,exposições errôneas de fatos, e, não obstante, nada provam contra o dever de se buscar a verdade.Também rejeito essa hipótese no interesse mesmo da ciência. Estou pronto a provar, com as obras denossos historiadores, que sempre que o homem de ciência introduz seu julgamento pessoal de valor,cessa a plena compreensão dos fatos . [. . . ]

Amigos estudantes! Vinde às nossas aulas e exigi de nós as qualidades de liderança, sem compreen-der que de cem professores pelo menos 99 não pretendem ser treinadores de futebol nos problemasvitais da vida, ou mesmo ser “líderes” em questões de conduta. Vêde, por favor, que o valor de umhomem não depende de ter ou não qualidades de liderança. E, de qualquer modo, as qualidades quefazem de um homem um excelente erudito e professor acadêmico não são as qualidades que fazemo líder dar orientações na vida prática ou, mais especificamente, na política. É por mero acaso que oprofessor possui também essa qualidade; seria uma situação crítica se todo professor se visse frenteà expectativa dos alunos de que ele pretende essa qualidade. E ainda mais crítica se todo professorse considerasse um líder na sala de aula. Aqueles que frequentemente se consideram líderes quasesempre são os menos dotados para isso. Mas, a despeito de serem ou não líderes, a situação magis-terial simplesmente não oferece possibilidade de provar suas qualidades de liderança. O professorque se sente chamado a agir como conselheiro da juventude e desfruta a confiança desta pode ser umhomem que mantém relações pessoais com os jovens. E, se ele se sente chamado a intervir nas lutasdas opiniões mundiais e posições partidárias, poderá fazê-lo fora da aula, no mercado, na imprensa,nos comícios, nas associações, onde quer que o deseje. Afinal de contas, é muito cômodo demonstrarcoragem tomando uma posição quando a audiência e os possíveis adversários estão condenados aosilêncio”.

2.4 Pierre Bourdieu e a educação

Figura 2.7: Pierre Bourdieu –- 1930-2002 (França)

Pierre Bourdieu foi um dos principais autores das ciências sociais contemporâneas, tendo elaboradouma das teorias mais originais sobre a questão da dominação social entre os diversos segmentos,grupos e classes nas sociedades.

Nascido em Denguin (França) em 1930, Bourdieu desenvolveu ao longo de sua carreira uma extensaobra tentando demonstrar como os conflitos e diferenças sociais se materializam e tomam forma nocampo simbólico das sociedades, especificamente, na esfera cultural destas.

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A questão fundamental que envolve o pensamento de Bourdieu visa descobrir como esta dominação sedá efetivamente e quais os mecanismos que contribuem na manutenção destas relações de dominaçãosendo a educação, e em especial a instituição escolar, como um de seus principais instrumentos queatuam no campo da dominação simbólica.

Bourdieu parte do princípio de que a vida social encontra-se dividida em campos, onde os diversosagentes sociais travam relações em seu interior estabelecendo uma concorrência pela aquisição doscapitais que se encontram em disputa em seu interior.

Vamos especificar exatamente o que a proposição acima quer dizer, detalhadamente.

Para Bourdieu, um campo social é um espaço de disputa entre os diversos agentes que o compõe. Ouseja, podemos representar as mais diversas atividades sociais que praticamos cotidianamente comoatividades que se desenvolvem em diferentes campos. Por exemplo, ao irmos ao mercado, à escola, àigreja ou a um museu estamos transitando em diferentes campos sociais como o campo econômico,educacional, religioso e artístico.

Estes diferentes campos, e todos os outros que envolvem a vida social são na verdade constituídos deforma hierárquica, com posições objetivas onde ocupamos um lugar específico em seu interior.

Tomando como exemplo o campo econômico, a posição que ocupamos em seu interior irá dependerda quantidade de recursos que temos disponível para podermos atuar nele, ou seja, se tenho umaquantidade grande de recursos econômicos minha posição será dominante em relação àqueles quedetém menos recursos. Estes recursos estão em disputa pelos agentes no interior do campo. Lutamospara adquirir mais recursos e, deste modo, termos uma posição privilegiada de poder e prestígio nointerior do campo, vale dizer, uma posição de dominação. Estes recursos, Bourdieu denominou de“capitais”. Neste caso, lutamos pela aquisição de capitais no interior de um determinado campo.

ImportanteAtenção! Se, como no nosso exemplo, a ideia de capital remete logicamente a ideia derecurso econômico, no esquema teórico de Bourdieu, capital não se refere necessariamentea isto. O capital é na verdade qualquer recurso que seja alvo de disputa em um campodeterminado.

Vamos ao exemplo do campo artístico. Quando vamos a um museu, por exemplo, estamos entrandoem um espaço que compõe um campo específico da atividade social, ou seja, o campo artístico.Ali, o que está em jogo não é o capital econômico. Conhecer a história da arte, os autores das obrasexpostas, os diversos estilos de pintura, os movimentos artísticos ao longo da história, etc., constituemos capitais fundamentais neste campo.

A posição que um agente ocupa neste campo dependerá, deste modo, da quantidade de capital queele detém aí. E veja que não estamos falando mais de renda ou dinheiro, mas sim de conhecimento e,principalmente, gosto artístico.

Isso irá conferir a ele maior ou menor prestígio e legitimidade, concedendo então um poder mais oumenos privilegiado no campo. A questão fundamental aqui é perceber que este tipo de capital seestrutura como um capital que é, eminentemente, simbólico. Não há, objetivamente, como mensurar,por exemplo, o gosto, senão apenas como um mecanismo qualitativo que se define em relação aosobjetos em disputa no campo.

Do mesmo modo, ao adquirirmos conhecimento através de nossas práticas educativas, adquirimos,gradativamente, os capitais disponíveis neste campo. Um professor está, em relação ao seu aluno, emposição de vantagem neste campo pois, de certo, possui um maior capital do que ele.

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Estas relações, como aponta Bourdieu revelam, na verdade, relações de poder e conflito, onde asdisputas pelos mais diversos capitais nos diferentes campos expressam as relações de dominaçãoestabelecidas em seu interior na medida em que, mais do que alterar a lógica interna de funcionamentode um campo, os diferentes agentes pleiteiam, em última instância, a aquisição dos objetos ali emdisputa e, ao fazer isto, legitimam as posições daqueles que estão em uma posição mais favorável nocampo. Estes, por sua vez, desejam manter sua posição de poder e prestígio e, para isso, pretendemmanter o monopólio dos capitais em disputa em suas mãos.

Dito de outro modo, os campos são espaços concorrenciais onde se trava constantemente uma lutaobjetiva e também simbólica pela aquisição dos mais diferentes tipos de capitais.

Conforme define o próprio autor, “em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma redeou uma configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas objetivamenteem sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições,por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder(ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e, aomesmo tempo, por suas relações objetivas com as outras posições (dominação, subordinação, homo-logia, etc.).” BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Tradução de Sergio Miceli. 3ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. p. 60

Os campos apresentam, deste modo, certa autonomia uns em relação aos outros tendo em vista que oscapitais em disputas são distintos e, os mecanismos de aquisição e manutenção deste capitais tambémsão distintos.

Suponhamos uma pessoa de classe média, mas com baixa escolaridade, que ganhe uma fortuna naloteria. Certamente ela passará a compor, no interior do campo econômico, uma posição privilegiada.No entanto isto, por si só, não garante a ela uma posição privilegiada no campo cultural. E muitomenos no campo educacional.

Suponhamos ainda que agora, por deter uma posição privilegiada no campo econômico deseje co-meçar a frequentar espaços que antes eram, para ela, inacessíveis como, por exemplo, exposições depintores contemporâneos famosos.

Ao adentrar neste espaço, por mais dinheiro que ela tenha, sua posição ali será subalterna pois, ocapital em jogo neste campo é o capital artístico (que suponhamos ela não detém, ou não detémainda) e não o capital econômico.

Essas relações irão, segundo Bourdieu, estruturar as relações de poder e dominação na sociedade,especialmente sob o ponto de vista das relações de dominação simbólica. Isto tem uma implicaçãofundamental no seu esquema teórico, ou seja, como o poder daqueles que exercem a dominação socialtendem, neste caso, a manter suas posições de privilégio e poder através de um esquema contínuo dedominação simbólica, ou seja, tendem a reproduzir continuamente estas relações de dominação epoder.

Mas como ou a partir do que se estruturam estas diferentes posições dos agentes sociais nos diferentescampos?

Esta questão será fundamental para Bourdieu, pois, se as posições no campo são objetivamente de-finidas, como acessá-las e, mais ainda, como adquirir novas posições e, deste modo, passar de umaposição de dominado para dominante?

“Os campos, segundo Bourdieu, têm suas próprias regras, princípios e hierarquias. Sãodefinidos a partir dos conflitos e das tensões no que diz respeito à sua própria delimita-ção e construídos por redes de relações ou de oposições entre os atores sociais que sãoseus membros”.

— CHARTIER, Roger Rio de Janeiro, 30 abr. 2002. p. 140

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Tirando o exemplo acima daquele famigerado indivíduo que tirou a sorte grande na loteria, o esquemateórico de Bourdieu tende a nos mostrar que, mais do que possibilidades constantes de posição dosagentes nos diferentes campos, a dominação presente no interior deles tende a se reproduzir. Ouseja, a manutenção daqueles que estão em posição de poder e prestígio tende a continuar através datransmissão destes capitais para seus descendentes.

Assim, Bourdieu em conjunto com seu parceiro Passeron publicaram uma notável obra sobre a orga-nização do campo educativo na França, onde demonstram que os filhos de executivos bem sucedidosestudam nas mesmas escolas que seus pais estudaram e tendem a se posicionar favoravelmente emposições de destaque na sociedade, reproduzindo desta forma as posições de poder e prestígio de seuspais.

Se os campos são terrenos de disputas por capitais, aqueles que detiverem as melhores armas estarãomuito mais aptos a vencer as batalhas. Mas que armas são essas? Bourdieu irá definir estas armascomo sendo determinadas condições, ou predisposições que se encontram associadas aos agentes, queorientam suas práticas sociais e que dependem não de sua natureza, mas de suas efetivas condiçõessociais, especialmente sua condição de classe.

Essas predisposições podem ser definidas através do conceito de habitus, o qual é um dos conceitoscentrais em sua obra.

Para Bourdieu, o habitus consiste em “um sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadaspredispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estruturaas práticas e as representações que podem ser objetivamente “regulamentadas” e “reguladas” semque por isso sejam o produto de obediência à regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que setenham necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, massendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora deum maestro”. (Bourdieu,P. Esboço de uma teoria da prática. Cit In: Ortiz, Renato. Pierre Bourdieu,São Paulo, Ática, 1983, Pág.15)

Como podemos perceber, o habitus é, na verdade, o elemento que capacita os indivíduos a exerceremsuas práticas sociais de uma determinada forma. No entanto, como destaca Bourdieu, ele não é umelemento determinante da ação do indivíduo no sentido de eliminar a autonomia deste e coordenar suaconduta de forma mecânica. Ao contrário, ao mesmo tempo em que o habitus se organiza como umaestrutura objetiva, tendo em vista que pertence à lógica de uma determinada classe social, ao mesmotempo sua interiorização no indivíduo ocorre de forma subjetiva, agindo desta forma como elementode mediação entre a estrutura social e o sujeito individual.

De qualquer modo, as ações dos indivíduos tendem a reproduzir a estrutura na qual o habitus foiproduzido e, deste modo, reproduzir as relações de dominação social.

A interiorização do habitus é um processo que ocorre em decorrência dos processos de socializaçãoe, neste caso, tais processos derivam diretamente do ambiente social no qual o indivíduo foi e ésocializado.

Exatamente por isso, as diferentes classes tendem a reproduzir através de seus membros tudo aquiloque irá compor seus diferentes habitus de classe e/ou familiares como, por exemplo, gostos, prefe-rências culturais, modos de conduta, padrões de comportamento, etc. Uma questão que é imperativapara Bourdieu é a de que as classes dominantes tendem a manter seu domínio especialmente atravésda legitimação de seu modo de vida como sendo o modo de vida legítimo numa dada sociedade, ouseja, a referência para os subalternos.

Ao reconhecer os modos de vida dos segmentos sociais dominantes como aqueles a serem alcançados,o sistema se legitima, não apenas por aqueles que detém o controle e o poder mas também, por aquelesque se encontram na outra ponta do processo, os dominados.

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Ao reconhecer, por exemplo, o gosto das classes dominantes como o “bom gosto”, os subalternosreforçam, de um lado, o prestígio e poder daqueles que detém o poder social e, de outro, depauperasua condição como ilegítima, menor, indesejável.

Este processo está na base do que Bourdieu irá denominar de violência simbólica, onde as relações deopressão irão se concretizar essencialmente na esfera dos valores sociais, vale dizer, na esfera culturaldas sociedades.

Com relação à questão específica da educação, Bourdieu irá alertar que, para além da ideia de eman-cipação, o sistema escolar tende a reproduzir através de um criterioso processo seletivo, mesmo queinvisível, as relações de domínio social.

Em seu estudo sobre o sistema escolar francês na década de 70, o autor visava demonstrar como oreferido sistema fazia nada mais do que preparar os filhos das classes abastadas para assumirem asposições das gerações mais antigas, reproduzindo o poder destas classes.

Neste caso, a educação não é um sistema neutro que visa o engrandecimento social mas, antes, umsistema seletivo que visa manter o poder instituído através de suas ações pedagógicas que, em últimaanálise, reforçam a ideia de uma violência simbólica pois reproduzem nada mais do que aquilo que élegitimado e definido pelas elites que deva ser passível de ser ensinado.

Como destacou Alberto R. Tosi a respeito da relação da obra de Bourdieu com o fenômeno da edu-cação, “todo sistema de ensino visa em alguma medida realizar de modo organizado e sistemático ainculcação dos valores dominantes e reproduzir as condições de dominação social que estão por trásde sua ação pedagógica. Isso explica a desigualdade que está na base do processo de seleção escolar.Os autores, valendo-se de dados empíricos, demonstram que as "condições de c1assede origem"dosalunos que entram no sistema de ensino Frances determinam tanto a probabilidade de sucesso dessealuno quanto a probabilidade de passagem ao nível escolar seguinte, quanto, ainda, o tipo de estabe-lecimento de ensino ao qual ele tem acesso (se de melhorou pior qualidade). Tal situação se reproduz,do ensino básico ao médio e ao superior e é determina também, no final das contas, a "condiçãode classe de chegada"deste aluno, isto e, o tipo de habitus que adquiriu, o capital cultural ao qualteve acesso e, em especial, a posição na hierarquia econômica e social a que chegou”. (Tosi, A. R.Sociologia da Educação / Alberto Tosi Rodrigues. - Rio de Janeiro: DP&A, 2004, 5. Ed. Pág. 87)

Para Bourdieu, a escola tem a capacidade de redefinir o habitus, neste caso se tornando uma instituiçãotambém produtora de novas formas de percepção, representação e ação no mundo, se transformando,neste caso, em agente estruturante da prática social.

Como aponta o autor a este respeito, “o habitus adquirido na família está no princípio da estruturaçãodas experiências escolares, o habitus transformado pela escola, ele mesmo diversificado, estando porsua vez no princípio de estruturação de todas as experiências ulteriores”. (Bourdieu, P. Cit. in: Ortiz,Renato. Pierre Bourdieu, São Paulo, Ática, 1983 pag. 18)

DicaPara um maior aprofundamento nas reflexões do autor sobre o tema da edu-cação, consulte o dossiê especial publicado na revista Educação e Sociedadedisponível através do link http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-733020020002&lng=pt&nrm=iso

2.4.1 Texto para reflexão

Texto: Pierre Bourdieu, o investigador da desigualdadeFonte: Revista Escola

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Pierre Bourdieu nasceu em 1930, no vilarejo de Denguin, no sudoeste da França. Fez os estudosbásicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951,ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreiraacadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a funçãode assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983) na Faculdade de Letras de Paris e, simulta-neamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Bourdieupublicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de la Recherche enSciences Sociales e Liber. Em 1982, propôs a criação de uma “sociologia da sociologia” em sua aulainaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes. Quando morreude câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa européia. Um ano antes, um documentá-rio sobre ele, Sociologia É um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemasda França. Entre seus livros mais conhecidos estão A Distinção’ (1979), que trata dos julgamentosestéticos como distinção de classe, ’Sobre a Televisão (1996) e ’Contrafogos’ (1998), a respeito dodiscurso do chamado neoliberalismo.

Embora a maioria dos grandes pensadores da educação tenha desenvolvido suas teorias com basenuma visão crítica da escola, somente na segunda metade do século XX surgiram questionamentosbem fundamentados sobre a neutralidade da instituição. Até ali a instrução era vista como um meio deelevação cultural mais ou menos à parte das tensões sociais. O francês Pierre Bourdieu empreendeuuma investigação sociológica do conhecimento que detectou um jogo de dominação e reprodução devalores.

Suas pesquisas exerceram forte influência nos ambientes pedagógicos nas décadas de 1970 e 1980.“Desde então, as teorias de reprodução foram criticadas por exagerar a visão pessimista sobre a es-cola”, diz Cláudio Martins Nogueira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “Váriosautores passaram a mostrar que nem sempre as desigualdades sociais se reproduzem completamentena sala de aula.” Na essência, contudo, as conclusões de Bourdieu não foram contestadas.

Na mesma época em que as restrições a sua obra acadêmica se tornaram mais frequentes, a figurapública do sociólogo ganhou notoriedade pelas críticas à mídia, aos governos de esquerda da Europae à globalização. Ele costuma ser incluído na tradição francesa do intelectual público e combativo, aexemplo do escritor Émile Zola (1840-1902) e do filósofo Jean Paul Sartre (1905-1980).

Valores incorporados

O livro A Reprodução (1970), escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, analisou o funcio-namento do sistema escolar francês e concluiu que, em vez de ter uma função transformadora, elereproduz e reforça as desigualdades sociais. Quando a criança começa sua aprendizagem formal,segundo os autores, é recebida num ambiente marcado pelo caráter de classe, desde a organizaçãopedagógica até o modo como prepara o futuro dos alunos.

Para construir sua teoria, Bourdieu criou uma série de conceitos, como habitus e capital cultural.Todos partem de uma tentativa de superação da dicotomia entre subjetivismo e objetivismo. “Eleacreditava que qualquer uma dessas tendências, tomada isoladamente, conduz a uma interpretaçãorestrita ou mesmo equivocada da realidade social”, explica Nogueira. A noção de ’habitus’ procuraevitar esse risco. Ela se refere à incorporação de uma determinada estrutura social pelos indivíduos,influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma que se inclinam a confirmá-la e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente.

Um exemplo disso: a dominação masculina, segundo o sociólogo, se mantém não só pela preservaçãode mecanismos sociais mas pela absorção involuntária, por parte das mulheres, de um discurso con-ciliador. Na formação do habitus, a produção simbólica – resultado das elaborações em áreas como

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arte, ciência, religião e moral – constitui o vetor principal, porque recria as desigualdades de modoindireto, escamoteando hierarquias e constrangimentos.

Assim, estruturas sociais e agentes individuais se alimentam continuamente numa engrenagem decaráter conservador. É o caso da maneira como cada um lida com a linguagem. Tudo que a envolve- correção gramatical, sotaque, habilidade no uso de palavras e construções, etc. – está fortementerelacionado à posição social de quem fala e à função de ratificar a ordem estabelecida. Para Bourdieu,todas essas ferramentas de poder são essencialmente arbitrárias, mas isso não costuma ser percebido.“É necessário que os dominados as percebam como legítimas, justas e dignas de serem utilizadas”,afirma Nogueira.

Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/pierre-bourdieu307908.shtml

2.5 Paulo Freire e a educação

Figura 2.8: Paulo Freire — 1921-1997

Gostaria de finalizar este capítulo com a contribuição teórica produzida por um dos maiores estudiosose praticantes da pedagogia no século XX: o brasileiro Paulo Freire.

Nascido em Recife em 1921, sua obra teve grande impacto ao redor do mundo, tendo sido, comcerteza, uma das principais contribuições teórico-metodológicas sobre a relação entre o aprendizadoe a condição social dos sujeitos na escola.

Partindo do princípio de que a relação professor/aluno deva ser essencialmente dialógica, isto é, ondetanto professor quanto aluno devem travar uma interação dinâmica no processo de aprendizado, PauloFreire irá produzir uma forte crítica aos modelos de educação tradicionais onde o professor é o únicosujeito no processo de transmissão do conhecimento, formando alunos passivos e, o que é para elemais grave, impedindo o desenvolvimento de sua capacidade reflexiva.

Tendo como uma de suas principais influências teóricas o marxismo, Freire identificava na educaçãoum grande potencial de emancipação e transformação social na medida em que, a tomada de consci-ência por parte dos oprimidos de sua opressão, não se daria de outro modo senão através da atividadeeducativa.

A formação de sujeitos ativos é um predicado do processo educativo. No entanto, ao mesmo tempoem que o ensino é potencialmente transformador pode também se tornar instrumento de opressão.

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Esta dialética, que segundo Freire, perpassa o processo de ensino-aprendizagem, se encontra deli-mitada na própria relação entre teoria e prática que, para ele, deve orientar a perspectiva do próprioeducador. Vejamos!

Uma das questões importantes para o pensamento freiriano é o próprio mecanismo de produção daaprendizagem. Segundo o autor, o ensino não pode ser um processo definido pela transmissão simplesde conteúdos. Isto definiria uma relação dicotômica entre educador e aluno no sentido de o primeiroser exclusivamente o detentor do conhecimento (dos conteúdos disciplinares), e o segundo objetopassivo neste processo, posto que apenas receptor de informações.

Este tipo de relação ensino/aprendizagem foi definido por Freire como o ensino bancário, ou seja, omodelo tradicional do processo educacional onde, o conhecimento é transmitido e recebido de formaacrítica, como sendo algo externo à própria relação e ao contexto da aprendizagem.

O ensino bancário seria em certo sentido perverso porque, ao contrário daquilo que deveria ser ocerne do processo educacional, desestimularia a própria dimensão da reflexividade, do próprio pensarna medida em que a relação básica, neste caso, seria apenas a de transmissão de conhecimento.

O pensamento reflexivo e crítico não pode se desenvolver numa relação onde o aluno apareceria ape-nas como objeto do processo, apenas como elemento receptor de informações. Por isso, Freire propõea ideia da relação ensino/aprendizagem como uma relação dialética de construção do conhecimento.

O conhecimento construído seria, ao contrário do ensino bancário, marcado pela reflexão crítica tantodo educador quanto do educando no processo de produção/aprendizagem do saber.

Como destaca Freire, a postura correta do professor não é aquela onde este se coloca como deten-tor exclusivo do conhecimento mas, ao contrário, como também ele próprio, aberto ao aprendizadodurante o processo de ensino.

Há por trás desta ideia um pressuposto fundamental que orienta a teoria desenvolvida por Freire queé a do inacabamento do ser humano. Para o autor, uma das condições fundamentais da dimensãohumana é a de que, enquanto seres reflexivos e principalmente históricos, nos formamos o tempotodo no decorrer do desenvolvimento de nossas vidas. Isto significa, em outros termos, que somos,por excelência, seres inacabados, em constante processo de formação.

Como destaca o autor, “aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do inacaba-mento do ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiênciavital. Onde há vida, há inacabamento. [. . . ] E na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que sefunda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medidaem que se tornaram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas aconsciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de quenos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça aesperança. “Não sou esperançoso”, disse certa vez, por pura teimosia, mas por existência ontológica.Este é um saber fundante da nossa prática educativa, da formação docente, o da nossa inconclusãoassumida. O ideal é que, na experiência educativa, educandos, educadoras e educadores, juntos,“convivam” de tal maneira com este como com outros saberes de que falarei que eles vão virandosabedoria. Algo que não nos é estranho a educadoras e educadores. Quando saio de casa para traba-lhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e conscientes do inacabamento,abertos à procura, curiosos, “programados, mas, para aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor anossa capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nosfaçamos”. (Freire, P. Pedagogia da autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 1996. Págs, 50, 58,59)

Se isto é assim, uma das condições fundamentais do conhecimento é ser, do mesmo modo, inacabado,em constante mutação e transformação. Daí o fato de que, necessariamente, o educador é sempre,também um aprendiz, fato este inexorável à própria condição humana.

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Neste sentido, perceber esta dinâmica como fundamento da relação ensino/aprendizado significa,na prática, estimular constantemente o exercício da reflexão e contestação por parte do aluno tantoquanto estar o professor aberto às possibilidades de aprendizado no processo de ensino. “Quem ensinaaprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. (Freire, P. Op. Cit. Pág. 23)

Por isso a relação de ensino não pode ser previamente definida, mas sim construída durante o cursoda própria relação ensino/aprendizagem. “. . . ensinar não é transferir conhecimento, mas criar aspossibilidades para a sua produção ou a sua construção. Se, na experiência de minha formação,que deve ser permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem meconsidero objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considerocomo um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe e quesão a mim transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objetoagora, terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro objeto demeu ato formador. É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cadavez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem éformado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos,conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma, a um corpoindeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesardas diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro”. (Freire, P. op.Cit. Págs, 22-23)

A proposta de Freire se torna, desta forma, altamente radical em relação aos modelos tradicionais quepreviam a relação educador educando como agentes separados no processo educativo.

É importante dizer, no entanto, que o ensino compreendido como processo construtivo não eliminao papel do professor como mediador do aprendizado. Pensar isto seria, em último caso, eliminar opapel do professor enquanto condutor fundamental deste processo, e esta não é a proposta de Freire.

A questão fundamental aí está exatamente na forma como se dá esta condução. Ou seja, é papel doeducador o estímulo contínuo à dúvida, à curiosidade, e não uma curiosidade ingênua, baseada apenasnos preceitos do senso comum, mas antes o que irá chamar o autor de curiosidade epistemológica,que significa, antes de tudo, uma perspectiva crítica em relação às proposições do senso comum.

Dito em outros termos, a ideia de curiosidade epistemológica se refere a uma ação reflexiva, orientadapelas referências dadas pelo professor e que se tornam, elas próprias, objeto de reflexão.

Neste sentido, o professor não pode se furtar a desempenhar o seu papel de orientador do processo, aomesmo tempo em que não pode se tornar um profeta, que apenas transmite um conteúdo como umaverdade absoluta e que pressupõe ser ele apenas o seu detentor.

Como nos diz Freire, “não há para mim, na diferença e na distância entre a ingenuidade e a criticidade,entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos,uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidadeingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza.Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica, metodicamente“rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão. Na verdade,a curiosidade ingênua, que desarmada, está associada ao saber de senso comum, é a mesma curiosi-dade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objetocognoscível, se torna curiosidade epistemológica. Muda de qualidade, mas não de essência". (Freire,Op. Cit. Pág.31)

Para Freire, diferentes contextos de aprendizagem definem a própria relação de aprendizagem, porisso, deve-se sempre ser levado em conta o contexto social e histórico em que se encontram os edu-candos, elemento essencial para que se estabeleça uma relação dialógica entre professor/aluno. "O

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fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialó-gica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa éque professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos"(Freire, Op. Cit. Pág. 86).

Exatamente por isso, o ensino é um processo a ser construído durante seu curso na medida em que, ocontexto no qual está sendo produzido será fundamental na própria definição dos métodos de apren-dizado.

Levar em conta as condições do aprendizado, desde o contexto social dos educandos até as condiçõesmateriais das instituições de ensino, se torna elemento fundamental na produção da prática pedagó-gica. Isto significa, antes de tudo, levar em conta as condições objetivas, sociais e históricas, que estãona base destas práticas.

ImportanteA noção de curiosidade epistemológica pressupõe a ideia de uma reflexão crítica, orien-tada pela busca de um conhecimento sistemático da realidade, em oposição a uma curiosi-dade ingênua, baseada no conhecimento de senso comum.

Nesta perspectiva, a prática pedagógica não é algo acabado, pré-definido anteriormente à experiênciaconcreta. Ela deve ser construída no próprio processo de ensino/aprendizagem, levando em conta ocontexto onde está sendo produzida. Daí deriva uma questão importante na proposta de Freire: a deque teoria e prática não se separam, antes, toda teoria pedagógica deve ser, acima de tudo, uma teoriada prática.

Outra questão decisiva na proposta pedagógica de Paulo Freire se refere à emancipação através daeducação.

Ao contrário da educação bancária, que estabelece uma separação entre professor e aluno como sujeitoe objeto do processo ensino/aprendizagem, uma educação progressista é aquela que estimula dúvida,a contestação e, acima de tudo, a crítica. Exatamente por isto ela é potencialmente libertadora, poissua consequência imediata é a produção de sujeitos reflexivos que coloquem em xeque não apenas aspráticas pedagógicas mas, essencialmente, o mundo em que vivem.

A curiosidade epistemológica seria, neste caso, o instrumental fundamental para a transformação so-cial. “Um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem, chegando a favelas ou a realidades marcadaspela traição a nosso direito de ser, pretende que sua presença se vá tornando convivência, que seu estarno contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade.É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo estásendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamenteme relaciono, meu papel no mundo no é só o de quem constata o que ocorre mas também o de quemintervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente.No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”. (freire,Op. Cit. Págs 76-77)

ImportanteVocê considera a relação professor/aluno nos moldes tradicionais ou bancário, uma relaçãode dominação marcada pelo cerceamento do “pensar” do aluno?

DicaPara uma reflexão mais profunda sobre o pensamento de Paulo Freire, consulte:http://www.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/Pedagogia_do_Oprimido.pdf

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2.5.1 Texto para reflexão

Texto: Resenha do livro Pedagogia do Oprimido de Paulo freireAutor: Benício Passos, Fonte: http://www.pedagogiaaopedaletra.com.br

Paulo Reglus Neves Freire (1922-1997) ou somente Paulo Freire, como é popularmente conhecido,se inscreve entre aqueles educadores empenhados na luta em defesa de uma educação humaniza-dora. Figura emblemática no cenário educacional brasileiro, Paulo Freire transmite à posterioridadeuma produção intelectual relevante, cuja obra Pedagogia do Oprimido, composta de 184 páginas,publicada pela primeira vez em 1967 e atualmente em sua 38ª edição, é uma mostra disso.

No livro em questão, Paulo Freire tece uma interessante discussão sobre a pedagogia de uma perspec-tiva do oprimido. Ressalta que a luta pela libertação do homem, o qual é, semelhantemente à realidadehistórica, um ser inconcluso, se dá num processo de crença e reconhecimento do oprimido em rela-ção a si mesmo, enquanto homem de vocação para “ser mais”. Preconiza um trabalho educativo querespeite o diálogo e a união indissociável entre ação e reflexão, isto é, que privilegie a práxis. Umtrabalho que não se funde no ativismo (ação sem reflexão) ou na sloganização (reflexão sem ação) eque não se funde numa concepção de homem como “ser vazio”.

Em correspondência a essa concepção de homem como “ser vazio” e, por isso, dependente de “depósi-tos” de conhecimento, está, segundo Paulo Freire, a pedagogia de perspectiva opressora, denominadade “educação bancária”. Pautada numa comunicação verticalizada, contrária ao diálogo, serve comoinstrumento de desumanização e domestificação do oprimido, o qual na sua relação com o opressorhospeda-o em sua consciência. Ao se referir à teoria antidialógica, o autor ressalta que a referidateoria tanto traz a marca da opressão, da invasão cultural camuflada, da falsa “ad-miração” do mundo,como lança mão de mitos para manter o ’status quo’ e manter a desunião dos oprimidos, os quaisdivididos ficam enfraquecidos e tornam-se facilmente dirigidos e manipulados.

É em contraposição a pedagogia opressora que Paulo Freire reforça a imprescindibilidade de umaeducação realmente dialógica, problematizadora e marcadamente reflexiva, combinações indispensá-veis para o desvelamento da realidade e sua apreensão consciente pelo educando. Ademais, “[. . . ] aeducação problematizadora coloca, desde logo, a existência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica [. . . ] (FREIRE, 2004, p.68)”, não é possívela colaboração entre educador e educando, não é possível conceber um educador-educando, que seeduca no diálogo com o outro, e um educando-educador.

Traz à cena a questão do “ato de dissertar” realizado pelo educador, que constitui, e isto tanto dentrocomo fora da escola e em qualquer nível de ensino, uma prática de dominação, pois se disserta sobrea realidade como se fosse algo estático e sem vida.

É por meio da dissertação, explica Paulo Freire, que o “educador bancário” tenta “depositar”, “en-cher”, o educando com conteúdos, os quais, comumente, não se relacionam com sua vida, minimi-zando, e até mesmo anulando, seu potencial criativo, criticidade e pensar autêntico. Ao memorizar oconteúdo narrado, ao “arquivar” os “depósitos”, o educando não está se conhecendo e conhecendo omundo de modo verdadeiro, não está desenvolvendo sua consciência crítica, daí Freire (2004, p.72)destaca que a educação bancária “[. . . ] servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda, que nãopodendo matar a intencionalidade da consciência como um desprender-se ao mundo, a ‘domestica’”.

Em oposição à educação bancária, o educador-educando se compromete com um conteúdo programá-tico que não caracteriza doação ou imposição, “[. . . ] um conjunto de informes a ser depositado noseducandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementosque este lhe entregou de forma desestruturada” (FREIRE, 2004. p. 83-84). Compromete-se com umaprogramação, com conteúdos, que advêm das colocações do povo, de sua existência, desafiando-o

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à busca de respostas, tanto em nível de reflexão como de ação. Em outras palavras, uma práticalibertadora, requer que o “[. . . ] acercamento às massas populares se faça, não para levar-lhes umamensagem ‘salvadora’, em forma de conteúdo a ser depositado, mas, para em diálogo com elas, co-nhecer, não só a objetividade em que estão, mas a consciência que tenham dessa objetividade; [. . . ]de si mesmos e do mundo” (FREIRE, 2004, p.86). Desse modo, busca-se juntos, educador e povo,mediatizados pela realidade, o conteúdo a ser estudado.

Acerca do operacionalizar a pedagogia de uma perspectiva do oprimido, é preciso, segundo PauloFreire, investigar o universo temático do povo. Busca-se, inicialmente, conhecer a área em que se vaitrabalhar e se aproximar de seus indivíduos, marcando reunião e presença ativa para coletar dados, demodo a levantar os temas geradores. Estes devem ser organizados em círculos concêntricos, partindode uma abordagem mais geral até a mais particular. Tal operacionalização demanda, ainda, e issocabe ao educador dialógico, devolver em forma de problema o universo temático recebido do povo nainvestigação.

Efetivada essa etapa e com os dados em mãos, realiza-se um estudo interdisciplinar sobre os “acha-dos” nos círculos de cultura, a partir dos quais os envolvidos apreendem o conjunto de contradiçõesque permeiam os temas. Cada envolvido na investigação temática apresenta um projeto de um dadotema, o qual passa por discussão e acolhe sugestões. Os projetos servem, posteriormente, de subsídioà formação dos educadores-educando que trabalharão nos círculos de cultura.

Após elaboração do programa, são confeccionados materiais didáticos em forma de, por exemplo,textos, filmes, fotos, entre outros. São preparadas, também, as codificações de situações existenciais,as quais têm que ser decodificadas pelo educando e promover o surgimento de uma nova percepçãoda questão tratada, como também o desenvolvimento de um novo conhecimento.

Em retrospecto ao exposto, convém sublinhar que se trata de uma obra que denuncia os limites deuma educação de ajustamento, ao mesmo tempo em que anuncia a possibilidade de uma educaçãohumanizadora, “libertadora”, como diria o autor. Daí a atualidade e relevância de sua leitura peloseducadores das várias áreas do conhecimento, tanto os que estão em processo de formação acadêmicacomo aqueles que já atuam e, também, demais interessados pelas discussões do campo educacional.

2.6 Recapitulando

Neste capítulo, estudamos alguns autores principais da sociologia e da pedagogia que buscaram in-terpretar as relações entre o fenômeno da educação e o contexto mais amplo da sociedade.

Entre as teorias apresentadas, podemos elencar dois blocos principais de análise: de um lado, aqueleque privilegia o papel e função da educação na ordem social, determinando as relações entre a edu-cação e os processos de socialização, a construção do ser social por intermédio dos processos peda-gógicos bem como a influência da educação nos movimentos de racionalização da sociedade. Nestecampo se destacam as perspectivas teóricas de Émile Durkheim e Max Weber.

No outro bloco de análise se situa uma perspectiva que leva em conta principalmente a interação entreos processos educacionais e as relações de poder no interior da sociedade, tanto no que se refere àmanutenção das relações de dominação social quanto ao potencial de transformação que envolve osprocessos educacionais. Neste segundo bloco se destacam as perspectivas teóricas de Pierre Bourdieu,Karl Marx e Paulo Freire.

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Capítulo 3

A educação na sociedade contemporânea

OBJETIVOS DO CAPÍTULO

Ao final deste capítulo você deverá ser capaz de:

• Reconhecer a noção contemporânea de pós-modernidade

• Perceber os desafios que se colocam frente à educação no contexto da pós-modernidade

• Relacionar os dilemas gerados pelo advento da sociedade de consumo e da globalizaçãofrente ao fenômeno da educação

3.1 Da modernidade à pós-modernidade

A partir do final da década de 80 do último século, uma importante discussão adentrou o ambienteacadêmico nos mais diversos centros de pesquisa e universidades ao redor do mundo. Tratava-seda questão de como as sociedades contemporâneas haviam mudado numa proporção tão profundaque estaríamos então vivenciando a passagem de uma sociedade moderna para uma nova era, entãodenominada pós-moderna.

Diversos autores, especialmente na França, Alemanha, Grã-Bretanha e EUA, apontavam para o fato deque a modernidade estava se esgotando enquanto modelo de organização social, desde transformaçõesna sua esfera econômica até mudanças substantivas na esfera cultural.

Neste sentido, estaríamos adentrando uma nova era onde as instituições modernas estariam entrandoem franca decadência e sendo paulatinamente substituídas por outras, marcadamente pós-modernas.

As relações entre a vivenciação social do tempo e do espaço também estariam sofrendo uma rupturaestrutural, sendo agora marcadas pela dimensão da instantaneidade das relações sociais e a desterri-torialização dos fenômenos sócio-culturais.

Tudo isto gerou um forte debate intelectual, especialmente entre aqueles que se declaravam direta-mente partidários da pós-modernidade enquanto novo modelo de ordem social, aqueles que compre-endiam que vivíamos um processo de transição entre uma ordem social moderna para outra, pós-moderna, e aqueles que rechaçavam a ideia de pós-modernidade e que apontavam que as mudançasna sociedade contemporânea nada mais eram do que um processo de radicalização dos princípios daprópria sociedade moderna.

Nosso objetivo aqui não é adentrar este debate, até porque sua extensão mereceria uma reflexão que,minimamente exaustiva que fosse, não caberia nos limites de nossa abordagem aqui. Deste modo,

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nossa preocupação será apontar os principais argumentos que definiriam a ideia de uma ordem socialpós-moderna e seus impactos sobre o fenômeno da educação na sociedade contemporânea.

Desta forma, a primeira questão que se coloca é: o que caracterizaria uma ordem social pós-moderna?

Sobre esta questão uma primeira ponderação se faz necessária: assim como nunca houve consensosobre o que caracterizaria a ordem social moderna, do mesmo modo, os mais diversos teóricos quefalam sobre a pós-modernidade apresentam divergências entre si. O que pretendemos aqui é ressal-tar os pontos de consenso que perpassam estas teorias e alertando, ainda, que para -alguns autorescontemporâneos, estes pontos não refletiriam uma nova ordem -social, como já destacamos acima,mas seriam uma extensão da sociedade -moderna na contemporaneidade. Precauções já sinalizadas,vamos então ao ponto.

Podemos dizer que a ideia de uma ordem social pós-moderna parte de três pressupostos fundamentais:o primeiro, no campo econômico, seria o de que o capitalismo não mais se organizaria pelo princípioda produção, mas sim pelo princípio do consumo; o segundo, no plano cultural, seria marcado pelaideia de pastiche cultural, que significa a sobreposição e convivência de valores, representações e sim-bolismos simultaneamente; e o terceiro, no plano do conhecimento, de que não seriam mais possiveisgrandes modelos ou discursos de explicação da realidade social, tendo em vista que esta tornou-sealtamente heterogênea.

Nosso objetivo aqui não é nos deter nestas características com profundidade, tendo em vista o pe-queno espaço que temos, mas antes, chamar atenção para esta denominação que vem sendo de formacrescente utilizada tanto pelo senso comum quanto pelo meio acadêmico.

De uma forma mais geral, poderíamos então definir a ideia do pós-moderno pela flexibilidade e au-sência de rigidez dos valores, representações, práticas e espaços sociais. Ou seja, a dimensão pós-moderna seria marcada pela ausência de regulamentos rígidos sobre a atividade social e cultural,desprovendo assim a dinâmica de segurança típica de uma ordem social moderna por uma outra, ondea ambivalência e instabilidade das relações sociais seriam sua marca mais característica.

3.1.1 Texto para reflexão

Texto: O mal-estar da pós-modernidadeAutor: Zigmunt Bauman

“Em 1930, foi publicado em Viena um livro chamado, inicialmente, Das Unglück in der Kultur (Ainfelicidade na cu1tura) e depois rebatizado como Das Unbehagerí in der Kultur (O mal-estar na cul-tura). O autor era Sigmund Freud. Quase simultaneamente foi publicada a tradução inglesa - para aqual Freud sugeriu o título Man’s Discomfort in Civilizarion (O mal-estar do homem na civilização).Como nos informa o editor inglês de Freud, James Strachey, a tradutora inglesa do livro, Joan Rivi-ere, por algum tempo trabalhou, em vez disso, com o conceito de malaise, mas finalmente escolheu otítulo Civilization and its Discontents (que ficou consagrado em português como “O mal-estar na ci-vilização”). É sob esse título que o provocador desafio de Freud ao folclore da modernidade penetrouem nossa consciência coletiva e, afinal modelou o nosso pensamento a propósito das consequências- intencionais e não-intencionais – da aventura moderna (sabemos, agora, que era a história da mo-dernidade que o livro contava, ainda que seu autor preferisse falar de Kultur ou civilização. Só asociedade moderna pensou em si mesma como uma atividade da “cultura"ou da “civilização” e agiusobre esse autoconhecimento com os resultados que Freud passou a estudar a expressão “civilizaçãomoderna” é, por essa razão, um p1eonasmo.).

Você ganha alguma coisa mas, habitualmente, perde em troca alguma coisa: partiu daí a mensagem

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de Freud. Assim como “cultura” ou “civilização”, modernidade é mais ou menos beleza (“essa coisainútil que esperamos ser valorizada pela civilização”), limpeza (“a sujeira de qualquer espécie parece-mos incompatível com a civí1ização") e ordem (“Ordem é uma espécie de compulsão à repetição que,quando um regulamento foi definitivamente estabelecida decide quando, onde e como uma coisa deveser feita, de modo que em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão"). A beleza(isto é, tudo o que dá o sublime prazer da harmonia e perfeição da forma), a pureza e a ordem sãoganhos que não devem ser desprezados e que, certamente se abandonados, irão provocar indignaçãoresistência e lamentação Mas tampouco devem ser obtidos sem o pagamento de um alto preço. Nadapredispõe “naturalmente” os seres humanos a procurar ou preservar a beleza, conservando-se limpoe observar a rotina chamada ordem. (Se eles parecem, aqui e ali, apresentar tal “instinto", deve seruma inclinação criada e adquirida, ensinada, o sinal mais certo de uma civilização em atividade.) Osseres humanos precisam ser obrigados a respeitar e apreciar a harmonia, a limpeza e a ordem. Sualiberdade de agir sobre seus próprios impulsos deve ser preparada. A coerção é dolorosa, a defesacontra o sofrimento gera seus próprios sofrimentos.

“A civilização se constrói sobre uma renúncia ao instinto."Especialmente - assim Freud nos diz -a civilização (leia-se: a modernidade) “impõe grandes sacrifícios"à sexualidade e agressividade dohomem “O anseio de liberdade, portanto, é dirigido contra formas e exigências particulares da civili-zação ou contra a civi1ização como um todo."E não pode ser de outra maneira. Os prazeres da vidacivilizada, e Freud insiste nisso, vêm num pacote fechado com os sofrimentos, a satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião. A civilização - a ordem imposta a uma humanidade naturalmentedesordenada - é um compromisso, uma troca continuamente reclamada e para sempre instigada a serenegociar. O princípio de prazer está aí, reduzido à medida do princípio de realidade, e as normascompreendem essa realidade que é a medida do realista. “O homem civilizado trocou um quinhão dassuas possibilidades de felicidade por um quinhão de segurança."Por mais justificadas e realistas quepossam ser as nossas tentativas de superar defeitos específicos das soluções de hoje, “talvez possamostambém nos familiarizarmos com a ideia de que há dificuldades inerentes à natureza da civi1izaçãoque não se submeterão a qualquer tentativa de reforma".

Dessa ordem que era o orgulho da modernidade e a pedra angular de todas as suas outras realizações(quer se apresentando sob a mesma rubrica de ordem, quer se escondendo sob os codinomes de belezae limpeza), Freud falou em termos de “compulsão", “regulação", “supressão” ou “renúncia forçada".Esses mal-estares que eram a marca registrada da modernidade resultaram do “excesso de ordem"esua inseparável companheira - a escassez de liberdade. A segurança ante a tripla ameaça escondidano frágil corpo, o indômito mundo e os agressivos vizinhos chamados para o sacrifício da liberdadeprimeiramente, e antes de tudo, a liberdade do indivíduo para a procura do prazer. Dentro da estruturade uma civilização concentrada na segurança, mais liberdade significa menos mal-estar. Dentro daestrutura de uma civi1ização que escolheu limitar a liberdade em nome da segurança, mais ordemsignifica mais mal-estar.

Nossa hora, contudo, é a da desregulamentação. O princípio de realidade, hoje, tem de se defenderno tribunal de justiça onde o princípio de prazer é o juiz que a está presidindo. “A ideia de quehá dificuldades inerentes à natureza da civilização que não se submeterão a qualquer tentativa dereforma"parece ter perdido sua prístina obviedade. A compulsão e a renúncia forçada, em vez deexasperante necessidade, converteram-se numa injustificada investida desfechada contra a liberdadeindividual.

Passados sessenta e cinco anos que O mal-estar na civilização foi escrito e publicado, a liberdadeindividual reina soberana: é o valor pelo qual todos os outros valores vieram a ser avaliados e a re-ferência pela qual a sabedoria acerca de todas as normas e resoluções supra-individuais devem sermedidas. Isso não significa, porém, que os ideais de beleza, pureza e ordem que conduziram oshomens e mulheres em sua viagem de descoberta moderna tenham sido abandonados, ou tenham

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perdido um tanto do brilho original. Agora, todavia, eles devem ser perseguidos - e realizados - atra-vés da espontaneidade do desejo e do esforço individuais. Em sua versão presente e pós-moderna, amodernidade parece ter encontrado a pedra filosofal que Freud repudiou como uma fantasia ingênuae perniciosa: ela pretende fundir os metais preciosos da ordem limpa e da limpeza ordeira direta-mente a partir do ouro do humano, do demasiadamente humano reclamo de prazer de sempre maisprazer e sempre mais aprazível prazer - um reclamo outrora desacreditado como base e condenadocomo autodestrutivo. Como se incólume - talvez mesmo fortalecida por dois séculos de concentradosesforços para conservá-la na luva de ferro das normas e regulamentos ditados pela razão - a “mãoinvisíve1"recobrou a verdade e está uma vez mais prestigiada. A liberdade individual outrora umaresponsabilidade e um (talvez o) problema para todos os edificadores da ordem, tornou-se o maiordos predicados e recursos na perpétua autocriação do universo humano.

Você ganha alguma coisa e, em troca, perde alguma outra coisa: a antiga norma mantém-se hoje tãoverdadeira quanto o era então. Só que os ganhos e as perdas mudaram de lugar: os homens e asmulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão defe1icidade. Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava umaliberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os ma1-estares da pós-modernidade pro-vêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequenademais.

Qualquer valor só é um valor (como Georg Simmel, há muito, observou) graças à perda de outrosvalores, que se tem de sofrer a fim de obtê-lo. Entretanto, você precisa mais do que mais falta. Osesplendores da liberdade estão em seu ponto mais brilhante quando a liberdade é sacrificada no altar dasegurança. Quando é a vez de a segurança ser sacrificada no templo da liberdade individual ela furtamuito do brilho da antiga vítima. Se obscuros e monótonos dias assombraram os que procuravama segurança, noites insones são a desgraça dos 1ivres. Em ambos os casos, a felicidade soçobra.Ouçamos Freud, novamente: “Estamos supondo, assim, que só podemos extrair intenso deleite deum contraste, e muito pouco de um estado de coisas.” Por quê? Porque “o que chamamos felicidade(. . . ) vem da (preferivelmente repentina) satisfação de necessidades represadas até um alto grau e,por sua natureza, só é possível como fenômeno episódico”. Sem dúvida: liberdade sem segurançanão assegura mais firmemente uma provisão de felicidade do que segurança sem liberdade. Umadisposição diferente das questões humanas não é necessariamente um passo adiante no caminho damaior felicidade: só parece ser tal no momento em que se está fazendo. A reavaliação de todos osvalores é um momento feliz, estimulante, mas os valores reavaliados não garantem necessariamenteum estado de satisfação.

Não há nenhum ganho sem perda, e a esperança de uma purificação admirável dos ganhos a partirdas perdas é tão fútil quanto o sonho proverbial de um almoço de graça - mas os ganhos e perdaspróprios a qualquer disposição da coabitação humana precisam ser cuidadosamente levados em conta,de modo que o ótimo equilíbrio entre os dois possa ser procurado, mesmo se (ou, antes, porque) asobriedade e sabedoria duramente conquistadas nos impedem, aos homens e mulheres pós-modernos,de nos entregar a uma fantasia sobre um balanço financeiro que tenha apenas a coluna de créditos.” (Omal-estar da pós-modernidade. Introd. Bauman, Zigmunt. Rio de Janeiro, Zahar, 1998. Págs 7-10)

3.2 A educação na pós-modernidade

A partir do exposto acima, uma das questões que se impõe ao pensamento científico contemporâneo éa de como as instituições se comportam neste novo contexto social. Se, por um lado, não há consensono meio acadêmico sobre se a denominação mais precisa para as transformações que se apresentam nasociedade contemporânea é a de uma sociedade pós-moderna, por outro lado, já é consenso que pro-

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fundas mudanças estão em curso na sociedade atual e que a partir delas transformações substantivasestão ocorrendo no mundo social. Como então, tais mudanças modificam e/ou alteração o fenômenoda educação e suas instituições?

NotaComo se estrutura o fenômeno educacional frente aos desafios postos pela sociedade con-temporânea?

Pensar a educação no atual contexto se tornou um dos principais desafios de intelectuais e agentesque controlam o poder social. Isto porque as transformações que ocorrem no campo tecnológico e,principalmente, na esfera dos valores, produziu novas condições sociais que afetam diretamente arelação ensino/aprendizagem, professor/aluno.

Um dos maiores desafios contemporâneos que se impõe ao processo educacional é a hegemonia quea imagem passou a deter em nossas sociedades. Constituímos hoje uma sociedade transpassada peladimensão da imagem, onde os significados e discursos sociais se estruturam, essencialmente, a partirde uma estrutura imagética.

Em meados da década de 60, o filósofo Francês Guy Debord, escreveu seu célebre livro, “A sociedadedo espetáculo”, onde chamava a atenção para o fato de que, “toda a vida das sociedades nas quais rei-nam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos.Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”. (Debord, Guy. A Sociedade doespetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997).

Neste sentido, pensar a prevalência da imagem como fonte dos discursos sociais implica, assim, empensar no declínio de outras formas de manifestação da linguagem, especialmente a escrita.

Laurence Bardin, sociólogo francês disse certa vez que “a publicidade é uma fonte de informação econhecimento, e é provável que as crianças do século XX aprendam ler e sonhar graças ao “sabãoDIM” e “Amoníaco Ajax” do que através do discurso de um professor. Há um aspecto pedagógicoque constitui um elemento desta cultura cotidiana imediata que nos fala Abraham Moles, funcionandoparalelamente – de maneira informal mas ativa – aos circuitos institucionais e culturais reconhecidos”.(Bardin, Laurence. Les mécanismes ideologiques de la publicite. Paris, Encyclopedie universitaire,1975. Pág 36).

Nesta perspectiva, pensar a educação como um processo atravessado pela dinâmica da imagem setornou uma exigência dos processos educativos, ao mesmo tempo que aponta um declínio da escrita,e por consequência da leitura, como um dos principais paradoxos da educação contemporânea.

Ao mesmo tempo, pensando a partir de um ponto de vista mais geral, se os processos educativosestavam, como disse Durkheim, diretamente associados aos processos de socialização, sendo um deseus principais meios de difusão, no contexto contemporâneo a socialização vai sendo deslocada paraoutros mecanismos sociais que passam a se constituir como seu efetivo espaço de realização, sendoos meios de comunicação de massa um desses principais mecanismos.

A mídia assume, na sociedade contemporânea, papel cada vez mais central na constituição e difusãode valores e informações. Ao mesmo tempo, esta difusão está fortemente mediada por imagens e sedá de forma quase instantânea, especialmente através das mídias eletrônicas.

O potencial de informação instantânea que hoje existe por intermédio da rede mundial internet é algoque seria absolutamente impensável num curto prazo histórico de 30 ou 40 anos atrás.

A capacidade da comunicação televisiva atingir milhões ou mesmo bilhões de pessoas simultanea-mente, como por exemplo nos grandes eventos esportivos mundiais, demonstra a força desses novosagentes na sociedade contemporânea.

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Se, de um lado, as novas tecnologias proporcionam um avanço extremo na ordem de comunicação dassociedades, e também um grande potencial de expansão do aprendizado e difusão do conhecimentonos quatro cantos do mundo, ao mesmo tempo não podemos perder de vista que as informaçõesdifundidas por seus meios se encontram atreladas e demarcadas por recortes de interesses, e por issoassumem efetivamente um caráter político.

Talvez aí resida um dos principais paradoxos da relação entre a influência da mídia e a formaçãoescolar pois, se a primeira representa deliberadamente interesses daqueles que a controlam, a segundavisa, ao menos em tese, um interesse de ordem pública.

Por outro lado, isto não quer dizer que o problema seja o próprio desenvolvimento tecnológico. Istoseria um anacronismo ingênuo. Na verdade o que está em jogo são os diferentes usos possíveis dastecnologias de informação e quem, de fato, detém o controle sobre elas e a favor de quais interesses evalores.

De um modo ou de outro, nos parece que a questão de fundo ainda se impõe, ou seja, como osprocessos de ensino/aprendizado deverão se articular com o desenvolvimento da comunicação demassa e as novas tecnologias que passaram a articular a dimensão da imagem como um dos principaiselementos de mediação na relação de conhecimento.

3.3 Sociedade de consumo, globalização e educação

A sociedade de consumo e o consumismo dela derivado se tomaram forças sociais fundamentaisna constituição do mundo contemporâneo. A capacidade que tem de aglutinar indivíduos, grupos,comunidades, ideologias e imaginários ao mesmo tempo que desterrá-los de sua localização socialoriginal lança a atividade de consumo para o centro da organização social.

Sua lógica, baseada nos princípios da “descartabilidade” e da “efemeridade” foram desde suas ori-gens no século XVIII continuamente deslocadas para boa parte do conjunto das relações humanas,interferindo diretamente na esfera privada dos indivíduos.

A própria ideia de felicidade se encontra hoje em boa medida atrelada à capacidade de consumo quetem ou não um indivíduo. A angústia gerada por esta incapacidade é um forte indicativo de como oconsumo se tornou, muito mais do que uma atividade econômica indispensável ao desenvolvimentodo capitalismo, um valor fundamental para pessoas, grupos e comunidades.

Vivemos hoje o ápice de uma ética, iniciada no século XVIII onde o dispêndio, e não a acumulaçãopassa em grande medida a orientar a relação dos homens em sociedade.

Se é uma evidência lógica que todas as sociedades até nossos dias exerceram suas atividades pro-dutivas e consumiram o resultado desta produção, porque então somente agora dizemos viver numasociedade de consumo? O que diferencia, neste caso, o universo do consumo em momentos anterio-res da história do atual estágio de sua configuração? Qual o sentido, neste caso, da própria expressão“sociedade de consumo”?

Ao falar em sociedade de consumo estamos nos referindo não apenas ao aspecto do aumento quanti-tativo de bens e o respectivo aumento dos consumidores aptos a adquirirem estes bens. Ao contráriopodemos dizer que a sociedade de consumo se institui quando o consumo se torna um elemento fortejunto à consciência coletiva de uma dada sociedade, se estruturando deste modo enquanto um va-lor social. Sob este aspecto ela é, essencialmente, uma realidade histórica, mais propriamente umarealidade histórica típica da modernidade e que se estende e ganha força em seus desdobramentoscontemporâneos.

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Falamos ainda em sociedade de consumo quando o ato consumista passa a ser um elemento de me-diação a partir do qual indivíduos e grupos constituem suas identidades, orientam suas relações eproblematizam seus conflitos, enfim, quando a esfera do consumo passa a adquirir centralidade nor-mativa na vida da sociedade e de seus componentes, se tomando elo de comunicação, conflito esociabilidade.

Gerar mais bens não implica, necessariamente, no aumento do consumo. Antes de tudo é necessárioestimular o desejo, produzir gostos, criar estratégias de legitimação do consumo excedente e isto,evidentemente não ocorre como resultado direto de transformações nas estruturas técnico-econômicasdo capitalismo.

É importante, deste modo, ressaltar que, a adesão ao consumismo não é um processo natural, umpressuposto, ou mesmo consequência imediata de transformações econômicas estruturais. Mais queisso, se caracteriza como uma construção histórica, social e cultural que pressupõe, essencialmenteuma mudança na forma de atitude que o homem moderno estabelece na sua relação com os bens eobjetos.

Uma das primeiras abordagens no campo da ciência moderna sobre a questão do consumo, a doseconomistas clássicos nos séculos XVIII e XIX na Europa, tentava explicar o fenômeno do consumocomo um processo residual resultado do desenvolvimento econômico e da distribuição da riquezaproduzida.

Nesta perspectiva, baseada num princípio essencialmente utilitarista, o valor de uso dos bens passaa ser o elemento principal a partir do qual definimos a atitude do consumidor, a qual irá se basearnum princípio racional e lógico atrelado à realização de uma tarefa precisa e objetiva: a satisfação denecessidades.

Esta perspectiva teórica forjada no interior do pensamento econômico clássico apresenta dois proble-mas que a fragilizam enquanto modelo explicativo da esfera da demanda: primeiro, por que o princí-pio de racionalidade que ela pressupõe na atividade de consumo, a utilidade do bem como satisfaçãode necessidades não pode ser controlado cientificamente, tendo em vista o grau de arbitrariedade quepressupõe a própria ideia do que seja uma “necessidade”, sendo tal afirmação apenas um pressuposto;em segundo lugar, por que também o ato de consumo, baseado na lógica do valor de uso dos bens,não explica uma das características principais do consumismo moderno, ou seja, a aquisição de benssupérfluos, de luxo, ou seja, aqueles que, numa perspectiva racional-pragmática, seriam exatamenteconsiderados “desnecessários”.

Vejamos: se a modernidade trouxe com o desenvolvimento do industrialismo a capacidade de produ-ção em larga escala de mercadorias e bens através da tecnificação da produção e da racionalização dasrelações de trabalho, do mesmo modo ela gerou a necessidade do alargamento da esfera da demandapara suprir a nova capacidade produtiva, antes restrita a pequenos segmentos sociais.

Deste modo, uma produção em escala industrial passa a demandar um consumo também em “escalaindustrial” o que significa em outros termos, ampliação do mercado consumidor e, o que é maisimportante, uma mudança quanto ao sentido do próprio consumo, significando na prática, consumiralém do estritamente necessário, ou seja, para além do valor de uso dos bens.

É imprescindível, deste modo, convencer o consumidor a adquirir bens baseado em outros pressu-postos e motivações que não mais aqueles ligados estritamente à satisfação de suas mais primitivasnecessidades.

A tese de que o consumo se orienta estritamente pelo valor de uso dos bens não se sustenta nestecaso. Como, então, convencer o consumidor a adquirir bens de que não necessita? Um caminho seriaassociar a estes bens um conjunto de significados que extrapolam sua dimensão “utilitária”. Outra, etalvez este tenha sido um dos elementos-chave na revolução na esfera do consumo que se originou no

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século XVIII na Europa, constituiu na transformação do excedente, do supérfluo, numa palavra, do“luxo”, em necessidade.

Não iremos aqui, dado os limites desta introdução, invadir o pantanoso campo da distinção luxo/-necessidade. Apenas compete reconhecer neste primeiro momento da análise que, um dos pilaresde sustentação da moderna sociedade de consumo e, como lógica intrínseca ao desenvolvimento doconsumismo moderno, a constante transformação do que é culturalmente considerado luxo em neces-sidade.

É exatamente sobre este último aspecto que podemos perceber um movimento que irá atuar decisi-vamente na transformação da lógica do consumo nas sociedades modernas a passagem do consumocomo um processo de satisfação de necessidades, as quais Werner Sombart, importante economistae sociólogo alemão do final do século XIX e início do século XX, definiria como “o conjunto dasnecessidades fisiológicas ou das necessidades culturais” para uma ordem de consumo entrecortadapor elementos de natureza simbólica, psicológica e social onde as "necessidades"passam a ser resul-tantes de construções simbólicas, onde os bens se tomam objetos carregados de significação socialque extrapolam os limites de seu valor-de-uso estrito senso. Numa palavra, se tornam suportes quepassam a servir de base de mediação para relações e processos sociais, se deslocando, neste caso, desua origem estritamente econômica para outras esferas da atividade social.

Uma das questões mais importantes aqui é que este novo tipo de relação não se encontra mais lo-calizado neste ou naquele local específico, nesta ou naquela sociedade, mas sim avança junto com aexpansão do capitalismo para os quatro campos do mundo, se tornando um fenômeno efetivamenteglobal.

Pensar neste caso o desenvolvimento da sociedade de consumo implica, neste caso, pensar no própriodesenvolvimento do capitalismo enquanto um modo de vida histórico que se torna, atualmente, ummodo de vida cada vez mais globalizado, sendo o consumismo uma das marcas mais fundamentaisque compõe o universo cultural e simbólico deste modo de vida.

AtençãoA noção de ‘sociedade de consumo’ pressupõe, fundamentalmente uma nova relação doshomens com os bens, relação esta onde estes últimos passam a servir como elementos deintermediação das relações sociais.

No interior deste contexto, pensar a relação entre sociedade de consumo e educação implica, antes detudo, tentar compreender como a dinâmica do consumismo, baseada nos princípios da efemeridade edescartabilidade influenciam, em alguma medida, a relação ensino aprendizagem.

Se, de um lado, seria uma equação muito simplista transpassar a lógica do consumo para os processosque envolvem a esfera da educação, de outro, não devemos desconsiderar que, cada vez mais, asrelações sociais se encontram cada vez mais permeadas por uma lógica da instantaneidade, e porisso mesmo, intervindo nas formas de percepção dos indivíduos e grupos na sociedade, incluindo aíaqueles diretamente envolvidos no interior do processo de ensino e aprendizagem.

Uma das questões que emerge nesta relação é exatamente aquela sobre as relações de temporalidadeenvolvidas nos processos de criação e absorção de conteúdos.

A questão do tempo se tornou uma das exigências fundamentais do mundo contemporâneo, tantosob o ponto de vista de sua aceleração quanto, e isto talvez seja o mais importante, sua dimensão de“presentificação”.

Esta última questão envolve um processo típico da atualidade, onde o presente se hipertrofia, o quesignifica dizer que cada vez mais se perde a dimensão de “processo” envolvida na constituição dosfenômenos sociais.

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Neste sentido, o conhecimento que se busca é, cada vez mais, algo orientado por uma dimensãoutilitária, que atenda a uma demanda presente e que se torna, em pouco tempo, obsoleto.

No interior desta perspectiva, a educação se tornou um efetivo desafio na contemporaneidade, es-pecialmente se formos levar em consideração o princípio de uma educação integral, formadora etransformadora dos espíritos tal qual o princípio da Paideia grega.

DicaPara maior aprofundamento sobre os temas aqui apresentados consulte:Pós-Modernidade, Globalização e Educação disponível em http://books.google.com.br.

3.3.1 Texto para reflexão

Texto: EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: Uma tentativa de colocar ordem no debate (Revistade ciências da educação, Lisboa, Nº 04, 2007)

Autor: Bernard Charlot

"(. . . ) O que é a globalização? Em se detendo ao próprio processo, sem incluir na definição suasconsequências ou um julgamento de valor, a globalização é “a crescente integração das economias edas sociedades no mundo, devido aos fluxos maiores de bens, de serviços, de capital, de tecnologia ede ideias” (david dollar, diretor das Políticas de desenvolvimento no Banco Mundial). Trata-se, antesde tudo, de um fenômeno econômico.

A globalização é definida em primeiro lugar pela abertura das fronteiras. Essa é negociada na Organi-zação Mundial do Comércio (OMC), onde um país pode propor diminuir ou até suprimir as suas taxasde importação se os demais consintam iguais esforços ou ofereçam compensações em outro domínio.

Essa abertura leva à diminuição do peso do Estado. O recuo deste é a consequência de três processos:a nova valorização do local, já analisada, a abertura das fronteiras no quadro da globalização e a cons-tituição de blocos regionais, como a União Européia, o NAFTA (Canadá, México, Estados Unidos),o Mercosul, o Pacto Andino, a APEC (Ásia — Pacífico). Para os Europeus, a constituição da UniãoEuropéia teve, até agora, mais consequências na área da educação do que a própria globalização,impulsada pela OMC.

A globalização pode também ser definida pela circulação de fluxos e o desenvolvimento correlativo deempresas multinacionais. Essas existiam antes da globalização, mas se tornaram ainda mais potentescom a globalização e o recuo do Estado.

Nascida como fenômeno econômico, a globalização tornou-se também um fenômeno político. Comefeito, ampara-se na ideologia neoliberal do chamado “Consenso de Washington”, formulado pelaprimeira vez em 1989, por economistas do FMI, do Banco Mundial e do departamento do Tesourodos Estados Unidos, para definir a política a ser aplicada na América Latina. A ideia é de que aintensificação do comércio internacional, conforme a lei do mercado, definida pela oferta e a demandae, portanto, livrada das regulamentações estaduais, é a fonte do desenvolvimento, da riqueza paratodos os países, do progresso econômico e social.

Na verdade, o que aconteceu até agora? Europa, Estados Unidos, Japão, países do sudeste asiáticoforam beneficiados pela abertura das fronteiras. Hoje, estão aproveitando dela alguns países neo-emergentes, como China, Índia, Rússia e Brasil. Mas não é o caso dos Países Menos Avançados(PMA), como chamam hoje os países pouco desenvolvidos economicamente. Segundo o Programa

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das Nações Unidas pelo desenvolvimento (PNUd), a discrepância entre os 20% de seres humanosmais ricos e os 20% mais pobres foi multiplicada por 2,5 entre 1960 e 1997. Do ponto de vistaeconômico, o neoliberalismo resumido no Consenso de Washington beneficiou alguns países, masnão atendeu aos países mais pobres e, às vezes, prejudicou-os.

Qual é a relação de tudo isso com a escola?

Até agora, a própria globalização teve poucos efeitos sobre a escola. Surtiram efeitos, sobretudo, asnovas lógicas da década de 80 e a progressão ideológica do neoliberalismo. Entretanto, a globalizaçãoproduziu alguns efeitos dramáticos nos países do sul, através do FMI e do Banco Mundial. Por fim,ela poderia ter efeitos importantes através das negociações em andamento em Doha a respeito doAcordo Geral sobre o Comércio de Serviços. Já falei das novas lógicas dos anos 80. A seguir, doualgumas informações no que tange aos demais assuntos.

O neoliberalismo está progredindo na área da educação, como evidenciado por vários fenômenos.

Nos Estados Unidos, está sendo desenvolvido um dispositivo de vouchers. Alguns Estados locais, oudistritos escolares, já não financiam a escola, dão um voucher (cheque, passe, “vale”) aos pais, que ousam para pagar a escola, seja ela particular ou pública. O Banco Mundial já se disse interessado poresse dispositivo.

Também nos Estados Unidos, já existem empresas de management das escolas públicas. Empresasprivadas são contratadas pelos Estados para dirigir escolas públicas, com a ideia de melhorar a eficáciadas escolas.

Desenvolvem-se, ainda, em vários países, redes de escolas particulares. Assim, no Brasil, as pes-soas da classe média escolarizam os seus filhos em escolas particulares. Os filhos de professoresdas escolas públicas não vão para escolas públicas, vão para escolas particulares. Estas baseiam asua publicidade nos resultados do vestibular, concurso para entrar na universidade. Divulgados osresultados, vêem-se faixas penduradas na entrada de certos prédios, felicitando Fulano que entrou nauniversidade, com indicação, está claro, da escola em que estudou. Já existe no Brasil, e em outrospaíses, um verdadeiro mercado da educação.

Crescem também, em particular no Japão e na Coréia do Sul, os cursos privados que recebem osjovens depois da escola. Quem não frequenta esses cursos tem pouquíssimas chances de ingressarnuma universidade.

Prosperam, ainda, os cursos de língua estrangeira, em especial os que ensinam o inglês ou, como di-zem alguns especialistas de linguística, o “globish”, isto é, o inglês usado nas trocas internacionais. Láonde estou vivendo, em Aracaju, no nordeste brasileiro, é interessante comparar a Aliança Francesae Cultura Inglesa. A Aliança Francesa acolhe os seus alunos num velho prédio, com pequenas salastradicionais, pouco material, uma biblioteca de tipo tradicional. A Cultura Inglesa recebe-os numprédio moderno, com vidros grandes e todo o equipamento moderno. É a diferença entre aprenderuma língua e entrar na competição internacional. Posto isso, se a Aliança Francesa tivesse equipa-mento moderno, não se tornaria neoliberal por isso, providenciaria aos seus alunos meios modernosde aprender uma língua.

Observa-se, igualmente, o ingresso de grandes multinacionais nas escolas. Coca-Cola, por exemplo,paga para a escola disponibilizar uma máquina distribuindo Coca-Cola. Nestlé envia material gratuitosobre o que é uma boa alimentação e Colgate interessa-se pela higiene dentária. Em plena neutralidadepedagógica, claro está. . . Vinte anos atrás, nem poderíamos pensar nisso. Hoje, há discussões naescola para saber se são práticas aceitáveis.

Note-se que não se trata mesmo da globalização, mas da progressão do neoliberalismo, mesmo quesejam atualmente dois fenômenos estreitamente ligados. Outros fenômenos estão se desenvolvendo,talvez mais perigosos por serem mais ambíguos: formas de hibridação entre lógicas de serviço público

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e lógicas neoliberais. Por exemplo, na França a concorrência está se desenvolvendo entre as escolaspúblicas, para enviarem os mais fracos para outras escolas e receberem os melhores. Também, dentrodas escolas das periferias, muitas vezes há uma classe que vai receber os poucos filhos de classe médiaque continuam frequentando essa escola.

Para abordar os efeitos da própria globalização sobre a educação, é preciso falar das organizaçõesinternacionais: OCDE, FMI, Banco Mundial e OMC. Mas cuidado: uma organização internacional,na verdade, só tem o poder que lhe conferem os Estados que a sustentam. Às vezes, acha-se queé a organização internacional que decide. Ela toma decisões, claro, mas na lógica e, muitas vezes,conforme os interesses dos países que a mantêm, isto é, que a financiam. Atrás das organizaçõesinternacionais, é o poder do capital internacional que funciona. A Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE) recebe 25% do seu orçamento dos Estados Unidos. No FMI,em 2005, os Estados Unidos tinham 17% dos votos, a França 5%, Arábia Saudita 3,2%, Índia 1,9%,Brasil 1,4%, Indonésia 1%. Juntos, Índia, Brasil e Indonésia, com quase 500 milhões de habitantes,têm menos peso no FMI do que a França, com 60 milhões. No Banco Mundial, o número de votos decada país depende do capital que ele colocou no Banco. A organização mais democrática, apesar deser muito criticada, é a OMC, onde cada país tem um voto. A OMC não tem poder de decisão. A suafunção é organizar as discussões entre os vários países e são estes que celebram contratos. Contudo, aOMC tem um poder importante: depois de um convênio ter sido assinado, a OMC arbitra os conflitose ela já decidiu a favor de países do sul, contra os Estados Unidos ou a União Européia.

Na área da educação, o lugar mais importante para os países ricos é a OCDE. É o thinking tank,como dizem os norte-americanos, isto é o reservatório para ideias. Saíram da OCDE a “reforma damatemática moderna”, a ideia e a própria expressão de “qualidade da educação”, a ideia de “economiado saber”, a de “formação ao longo de toda a vida”. A OCDE é o centro do pensamento neoliberal noque tange à educação. Não é de admirar-se disso quando se sabe que foi explicitamente criada parapromover a economia de mercado.

Para os países mais pobres, as organizações importantes são o FMI e o Banco Mundial. São aschamadas organizações de Bretton Woods, em referência ao lugar onde foi pensada a reorganizaçãoda economia mundial, em 1944. A missão do FMI é evitar uma crise igual à de 1929. Para tanto, eleempresta dinheiro, a curto prazo, aos países com problemas financeiros. Para saber se esses paísestêm condições de reembolsá-lo e para ajudá-los a criar essas condições, O FMI estabelece com eles“planos de ajustamento estrutural”. Nestes, muitas vezes são feitos cortes nos orçamentos da saúde eda educação, que são gastos sem rentabilidade de curto prazo.

O Banco Mundial tem uma missão de combate à pobreza a longo prazo. Na verdade, é um grupoconstituído pelo Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) mais quatroorganizações a ele associadas. É basicamente um banco, cuja função é emprestar dinheiro para am-parar projetos de desenvolvimento, em particular na área da educação. Em 2004, 89 países tinhamprojetos financiados, pelo menos parcialmente, pelo Banco Mundial. No entanto, esse Banco nãoempresta dinheiro para qualquer projeto, claro está. Avalia os projetos que lhe são submetidos, deacordo com os seus próprios critérios e, também, dá conselhos aos países que pretendem ter projetosfinanciados. Tornou-se assim o principal consultor dos países do sul na área da educação. Ora, oBanco Mundial tem uma doutrina oficial. Pensa que a qualidade da educação é fundamental para lu-tar contra a pobreza, mas que não tem e nunca terá dinheiro público suficiente para desenvolver umaeducação de qualidade. Daí o Banco Mundial conclui que é preciso dinheiro privado. Considera queos quatro ou cinco anos de educação primária incumbem ao Estado, mas que a educação secundária esuperior deve ser paga pelos pais. Acha também que nos países pobres, em particular os da África, épreciso diminuir o salário dos professores, para reduzir a diferença entre o que eles ganham e a rendados camponeses.

Quanto ao futuro, o assunto mais importante está sendo discutido na OMC. Após a Segunda Guerra

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Mundial, foram abertas negociações, chamadas de GATT, para baixar as taxas de importação e desen-volver o comércio internacional. No dia 1º de janeiro de 1995, foi criada a Organização Mundial doComércio e assinado um Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS). O acordo prevê umaliberalização dos serviços em janeiro de 2005, após dez anos de discussões. No entanto, as negocia-ções fracassaram em Seattle (1999) e Cancun (2003). Foram abertas novas discussões em Doha, asquais estão em andamento. As reuniões de Seattle e Cancun foram perturbadas pelas manifestaçõesdos altermundialistas, opostos à globalização neoliberal. Contudo, não é essa a causa do fracasso dasnegociações; as dissensões dizem respeito à questão da agricultura. Estados Unidos e União Européiajá obtiveram a liberalização de muitas mercadorias industriais e de alguns serviços (telecomunica-ções, aviação, serviços bancários) e estão pedindo a ampliação da liberalização dos serviços, mascontinuam protegendo a sua agricultura com taxas de importação e subvenções aos seus agricultores.Liderados por Brasil, Índia e África do Sul, os países pobres ou emergentes, cujos principais produtosde exportação são agrícolas, exigem uma liberalização da agricultura em troca da liberalização dosserviços.

O que aconteceria com a educação se os serviços fossem liberalizados?

Depende da interpretação do AGCS e dos resultados de negociações. O acordo contempla a educação,um dos doze setores pautados. Em princípio, os serviços públicos são protegidos quando remetemdiretamente à soberania do Estado. No caso das Forças Armadas, a interpretação é clara; a situação,porém, é diferente quando se trata da educação, uma vez que já existem escolas privadas. Umainterpretação estrita do AGCS poderia até proibir ao Estado de conceder às escolas públicas umtratamento mais favorável do que aquele que iria dar às escolas privadas. Tal interpretação levariaà morte das escolas públicas: impossibilitado de financiar todas as escolas particulares, o Estadodeveria renunciar às escolas públicas. Todavia, é apenas uma hipótese e os fatos já ocorridos sãomenos assustadores. Os pedidos de liberalização já depositados pelos Estados Unidos, a Austrália ea Nova Zelândia dizem respeito ao ensino superior, à formação dos adultos, aos cursos de língua eaos serviços de avaliação e não falam do ensino primário ou secundário. A lista de pedidos da UniãoEuropéia, em 2003, nada diz sobre educação.

Resumidamente, existem riscos potenciais muito graves, mas, até agora, os ensinos primário e secun-dário não constam nos objetivos de liberalização. Os setores ameaçados são o ensino superior e aformação dos adultos.

Como já destacado, a globalização é, antes de tudo, um processo socioeconômico. Todavia, ela traztambém consequências culturais, através do encontro entre culturas e do aparecimento e espalha-mento de novas formas de expressão. Cabe destacar a miscigenação entre povos devido aos fenôme-nos de migração acrescida, a divulgação mundial de informações e imagens pela mídia audiovisuale a Internet, a ampla difusão de produtos culturais (filmes, novelas, séries televisuais, músicas), ageneralização do uso do inglês ou de uma língua internacional baseada nele, em detrimento de ou-tras línguas. As consequências culturais e até sociocognitivas desses fenômenos ainda são difíceisde serem avaliadas, mas não há dúvida de que constituem novos desafios a serem enfrentados pelaescola.

Além destes fenômenos culturais, cabe destacar também que a globalização levanta a questão de umpossível processo de solidarização entre os membros da espécie humana. Este é o ideal daqueles queaceitam a abertura das fronteiras, mas recusam a forma neoliberal da globalização.

Os altermundialistas e Educação Para Todos: o desafio de uma solidarização entre os membrosda espécie humana

Marx pensava que o capitalismo era um progresso em relação ao feudalismo. Não pretendia voltaratrás, para o feudalismo, mas ultrapassar o capitalismo e chegar ao que ele chamava de comunismo.Podemos raciocinar de igual modo perante a globalização. Não se trata de voltar atrás, de fechar

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de novo as fronteiras. Em primeiro lugar, porque seria muito difícil fazê-lo e isso geraria uma criseeconômica mundial. Em segundo lugar, porque a globalização, apesar de todos os seus aspectosnegativos, tem um efeito positivo: ela tende a criar uma interdependência entre os seres humanose evidencia a necessidade de uma solidariedade entre os membros da espécie humana e o fato deo planeta Terra ser um bem comum. Não é a abertura das fronteiras que é um problema, é simporque acontece na lógica do dinheiro e dos países mais fortes. O problema não é a globalização, é oneoliberalismo.

Hoje em dia há três posições perante a globalização.

Em primeiro lugar, a posição dos que querem manter a situação atual. Defendem suas vantagens, seusprivilégios, seus poderes ou recusam a abertura das fronteiras por não aceitarem os migrantes e, deforma geral, a figura do Outro. Por esses motivos, o Frente Nacional, partido de extrema-direita naFrança, opõe-se à globalização com veemência.

A segunda posição consiste em aderir à atual globalização neoliberal, em nome da liberdade de inici-ativa, da eficácia, da liberdade, da concorrência, etc.

Na terceira posição se encontra o movimento “altermundialista” (Fórum Mundial Social e FórumMundial da Educação, ATTAC, etc.), que recusa ao mesmo tempo o mundo atual e a globalizaçãoneoliberal e argumenta que “um outro mundo é possível”. Os altermundialistas defendem a ideia desolidarização dos membros da espécie humana e destes com o planeta Terra. Trata-se de acabar coma fome no mundo, proteger a saúde de todos, alfabetizar e educar todos os seres humanos, salvar onosso planeta dos perigos que vêm crescendo.

O movimento altermundialista considera a educação como “um direito humano prioritário e inaliená-vel para toda a vida”. Essa ideia de direito fundamental, de direito antropológico do ser humano, éque deve ser destacada. Não basta defender a escola como serviço público, já que, hoje, privatizam-seos serviços públicos. Só uma escola pública de qualidade, porém, pode garantir o direito de todos àeducação. Portanto, os altermundialistas, ao mesmo tempo, defendem a escola pública contra o neo-liberalismo e a privatização e exigem uma transformação profunda dessa escola, para que ela passe aser um lugar de sentido, de prazer de aprender, de construção da igualdade social. Consideram que aescola deve tanto valorizar a dignidade de cada ser humano e a solidariedade entre os homens, comorespeitar o que pode ser chamado de homodiversidade, em referência à expressão “biodiversidade”.

Cabe assinalar também o movimento internacional que levou ao atual “Programa do Milenário”. Em1990, a Conferência Mundial de Jomtien definiu como objetivo universalizar o ensino primário eacabar com o analfabetismo no final do ano 2000. Nesta data, o Fórum de Dakar constatou queainda tinha 113 milhões de crianças que não freqüentavam a escola primária (entre elas, 60% demeninas) e 880 milhões de analfabetos, em particular entre as mulheres. Foi reafirmado o objetivode Educação Para Todos (EPT), a ser atingido, no mais tardar, no ano 2015, o que exige um esforçoparticular para escolarizar as meninas. Em 2002, uma Cimeira das Nações Unidas, definindo osObjetivos do Milenário para o Desenvolvimento, adotou as metas formuladas em Dakar no que tangeà educação. Entretanto, já se sabe que, com o ritmo e o investimento atuais, esses objetivos não podemser atingidos.

Por mais diferentes que sejam o movimento altermundialista e os programas das Nações Unidas,ambos esboçam um horizonte de solidariedade e de respeito aos direitos humanos fundamentais.Essa lógica se opõe à da globalização neoliberal. Entretanto, ambas as lógicas têm em comum aconvicção de que o cenário da história humana, de agora em diante, é o próprio mundo. Talvez sejaisso o principal evento do final do século XX, com numerosas e profundas conseqüências no que dizrespeito aos rumos que a cultura e a educação hão de tomar.

Conclusão

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Quatro são os desafios que a escola há de enfrentar devido às evoluções da sociedade contemporânea.

Por essa ter-se dado como objetivo prioritário o desenvolvimento econômico e social, que requer ummaior nível de formação da população, a escola deve resolver os problemas oriundos da democrati-zação escolar. Entre esses problemas, cabe destacar o da nova relação com o saber: há cada vez maisalunos que vão à escola apenas para “passar de ano”, sem encontrar nela sentido nem prazer.

Por a sociedade contemporânea priorizar as lógicas de qualidade e eficácia, a escola deve atendera novas exigências. Essas não são em si abusivas, mas resta saber o que significam as palavras“qualidade” e “eficácia” quando referidas à escola. Pode esse sentido ser muito diferente numa lógicado diploma e da concorrência e num projeto de verdadeira formação para todos.

Por a sociedade contemporânea ser envolvida num processo de globalização neoliberal, a educaçãotende a ser considerada como uma mercadoria entre outras, num mercado “livre” onde prevalece a leida oferta, de demanda e da concorrência. Em tal situação, a escola pública sofre numerosos ataques,que poderiam se tornar ainda piores quando as negociações de Doha sobre a aplicação do AcordoGeral sobre o Comércio de Serviços saírem do impasse atual.

Por o mundo ser hoje mais aberto e mais acessível nas suas várias partes e culturas, a escola há deencarar novos desafios culturais e educativos, decorrentes dos encontros entre as culturas, da divulga-ção mundial de informações e imagens e da ampla difusão de produtos culturais em língua inglesa.Entretanto, talvez o desafio seja até mais profundo: a interdependência crescente entre os homens,gerada pela globalização, e, ainda mais, o ideal de solidarização entre os seres humanos e entre estese o planeta, permeando o altermundialismo, requerem uma nova dimensão da educação, em que secombinem uma sensibilidade universalista e o respeito à homodiversidade.

Há de encarar esses desafios uma escola que manteve a forma escolar estabilizada no século XVII,uma escola cujos conteúdos se sedimentaram no fim do século XIX e no início do século XX. O fatode o horizonte ser hoje o futuro da espécie humana e do planeta Terra e as novas tecnologias de di-vulgação da informação deveria levar a uma redefinição dos conteúdos e das formas de transmissão,de avaliação e de organização da escola. Não é isso, porém, que está acontecendo, muito pelo con-trário. Com efeito, a lógica neoliberal da concorrência tende a reduzir a educação a uma mercadoriaescolar a ser rentabilizada no mercado dos empregos e das posições sociais e isso faz com que formasde aprendizagem mecânicas e superficiais, desconectadas do sentido do saber e de uma verdadeiraatividade intelectual, tendam a predominar.

Observa-se hoje uma contradição entre os novos horizontes antropológicos e técnicos da educaçãopor um lado e, por outro, as suas formas efetivas. Atrás da contradição social se desenvolve umacontradição histórica: a sociedade globalizada trata o saber como um recurso econômico, mas re-quer homens globalizados instruídos, responsáveis e criativos. Talvez essa contradição seja um dosmotores da História no século que acaba de abrir-se.”

3.4 Recapitulando

Neste capítulo estudamos a dinâmica dos processos educacionais bem como a posição da escola nocontexto das sociedades contemporâneas.

Destacamos três grandes fenômenos sociais que seriam responsáveis por caracterizar e dar um sentidoespecífico à ordem social atual, ou seja, o advento da pós-modernidade, a radicalização da sociedadede consumo e o processo de globalização das sociedades.

Todos estes processos irão, como vimos, impactar diretamente nas relações de ensino/aprendizadonas sociedades atuais bem como na estrutura da escola enquanto instituição central do fenômenoeducativo nas sociedades modernas.

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Entre estes impactos, destacamos a forte prevalência da “imagem” como mecanismo fundamental deinteração social, a qual redefine os processos de apreensão do conhecimento, a efemeridade e descar-tabilidade das relações sociais que irão atuar diretamente sobre a relação professor/aluno e a ampli-ação radical dos mecanismos de informação e pesquisa no contexto das sociedades contemporâneasglobalizadas, responsável por ampliar e diversificar os canais de apreensão de conteúdos redefinindo,assim, o próprio papel do professor como um dos principais agentes na relação ensino/aprendizagem.

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Capítulo 4

Referências

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Capítulo 5

Índice Remissivo

_Émile Durkheim, 23

AAção Social, 35

CCapital, 39Consciência Coletiva, 23Consciência Individual, 23

DDominação Social, 39

EEnsino Bancário, 45

FFato Social, 23

IInstituição Social, 11

KKarl Marx, 29

MMax Weber, 35Mobilidade social, 14

PPaulo Freire, 45Pierre Bourdieu, 39Processo de Produção, 29

RRazão, 6

SSocialização, 8Socialização secundária, 10Sociologia, 5

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