fundamentos sócio-históricos da...

20
LETRAS LIBRAS | 95 APRESENTAÇÃO A disciplina Fundamentos Sócio-históricos da Educação priorizará temáticas relacionadas à educação que serão abordadas em suas características sócio-históricas e culturais. A disciplina se resume ao estudo de processos escolares de socialização dos sujeitos a partir de configurações que cada período histórico estabelece para a constituição das relações sociais. Para tanto, essa disciplina promoverá reflexões acerca dos processos escolares de socialização, enfatizando diferentes pedagogias que organizam e definem no interior das instituições educativas os saberes legítimos e a formação de subjetividades específicas que ocorrem nas relações de poder. Objetivamos destacar três tipos de pedagogias: disciplinares, corretivas e psicológicas e suas implicações nas concepções de espaço e de tempo. Articulando assim as teorias da educação de surdos às diferentes formas de exercício do poder. Com o propósito ainda de estudar a produção pedagógica que constituem diferentes formas de subjetividade, definimos três unidades que contemplam alguns eixos temáticos apresentados na sequência de sua abordagem: I UNIDADE: As diferenças pedagógicas e o tratamento da diversidade Modelos pedagógicos e tratamento da diversidade: pedagogias disciplinares, corretivas e psicológicas; II UNIDADE: Cultura, Estudos Culturais e Educação Educação e Cultura III UNIDADE Mecanismos disciplinares e a formação escolar de surdos A resistência dos surdos A língua de sinais e a escola de surdos FUNDAMENTOS SÓCIO- HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO

Upload: duongkhanh

Post on 16-Oct-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 95

APRESENTAÇÃO

A disciplina Fundamentos Sócio-históricos da Educação priorizará temáticas relacionadas à

educação que serão abordadas em suas características sócio-históricas e culturais.

A disciplina se resume ao estudo de processos escolares de socialização dos sujeitos a partir de

configurações que cada período histórico estabelece para a constituição das relações sociais.

Para tanto, essa disciplina promoverá reflexões acerca dos processos escolares de socialização,

enfatizando diferentes pedagogias que organizam e definem no interior das instituições educativas os

saberes legítimos e a formação de subjetividades específicas que ocorrem nas relações de poder.

Objetivamos destacar três tipos de pedagogias: disciplinares, corretivas e psicológicas e suas

implicações nas concepções de espaço e de tempo. Articulando assim as teorias da educação de surdos às

diferentes formas de exercício do poder.

Com o propósito ainda de estudar a produção pedagógica que constituem diferentes formas de

subjetividade, definimos três unidades que contemplam alguns eixos temáticos apresentados na sequência

de sua abordagem:

I UNIDADE:

As diferenças pedagógicas e o tratamento da diversidade

Modelos pedagógicos e tratamento da diversidade: pedagogias disciplinares, corretivas e

psicológicas;

II UNIDADE:

Cultura, Estudos Culturais e Educação

Educação e Cultura

III UNIDADE

Mecanismos disciplinares e a formação escolar de surdos

A resistência dos surdos

A língua de sinais e a escola de surdos

FUNDAMENTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO

Page 2: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 96

UNIDADE I

AS DIFERENÇAS PEDAGÓGICAS E O TRATAMENTO DA DIVERSIDADE

“ Ensinar tudo a todos”

www.catherineshafer.com/theorists.html

A pedagogia moderna define certos pontos de chegada a partir da utilização de estratégias e meios

conduzidos para se atingir os ideais almejados. Esses ideais funcionam como utopias. As utopias são

discursos construtores de pensamentos que são possíveis de se realizarem. As utopias ainda permitem

formular juízos acerca de fatos que ora se aproximam ora se afastam dos objetivos esperados.

Comenius,.pedagogo morávio, perseguia um “ideal pansófico” cujos princípios

contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O ideal pedagógico de

Comenius contém sentidos que sustentam a ideia de que “todos tem que saber de

tudo”, e que os educadores devem “ensinar tudo a todos”

O princípio que conduz o discurso de Comenius e que funciona como elemento

chave para qualquer tipo de pedagogia é de que o homem possui aptidões necessárias para receber uma

formação. O homem, defende Comenius, é educável por natureza, ele é portador da educabilidade.

Comenius propõe que a utopia da sabedoria e do dever oriente as ações dos educadores, isto é,

deve-se educar a todos: ao homem, à mulher, ao rico, ao pobre.

O pedagogo ainda chama a atenção da importância de que todos tenham acesso ao conhecimento,

mas ele destaca que a qualidade dos conteúdos deve ser considerada tanto quanto à extensão dos recursos

a serem repassados, isto é, a preocupação não é só com o método mais adequado. As reflexões de

Comenius dizem respeito à importância de um conhecimento científico que funcione como um

conhecimento socialmente válido e constitutivo da condição humana.

A possibilidade de o homem ser escolarizado, isto é, a educabilidade explica a pansofia. A natureza

educável do homem leva Comenius a entender que os homens devem ser instruídos, dada a capacidade de

seu entendimento e de sua dedicação para o conhecimento.

O pedagogo pensa num ensino escolar generalizado que cause a inclusão de todos, tal argumento

confirma ideal pedagógico de que todos tem condição de serem escolarizados e isso deve ser permitido ao

homem, mulher, pobre ou rico devem ingressar na escola.

Page 3: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 97

A noção da diferença no discurso de Comenius se explica pela educabilidade dos sujeitos. Esses

sujeitos possuem características e aptidões que podem ser reconhecidas no conjunto dos alunos.

Diferenças que não constituem um impedimento para a educação, as diferentes aptidões “são

excessos e defeitos da natureza que devem ser estabelecidos”.

Para isso, Comenius defende a importância do método ser apropriado aos entendimentos

intermediários. O método deve intervir para acabar com as diferenças, quando tais diferenças não

oferecerem as condições adequadas para receber a educação. O professor deve, diante de problemas

relacionados à educabilidade, agir sobre os alunos para restituir-lhes o desejo de aprender, aproximando-

os do ideal pedagógico de Comenius, para que possam percorrer o processo escolar com facilidade.

Medidas disciplinares também podem ajudar no reconhecimento da diversidade de aptidões. Para

Comenius, a motivação e a disciplina são medidas corretivas para devolver nos alunos a condição excelente

de educabilidade.

A utopia de Comenius se completa com o seguinte ideal educativo: “proceder conforme os

princípios subjacentes ao homem.”

A diversidade não implica a necessidade de criação de diversos métodos, pois o que se afasta do

padrão de normalidade, será em algum momento corrigido. O método deve se adequar com a natureza

educável do homem, objetivando acabar com as diferenças.

Nesse sentido, Comenius defende a necessidade de se adotar a pansofia, ou seja, é desejável e

possível, argumenta o pedagogo, “ensinar tudo a todos” e a todos na escola.

MODELOS PEDAGÓGICOS E TRATAMENTO DA DIVERSIDADE: Pedagogias disciplinares,

corretivas e psicológicas

As concepções de espaço e tempo tiveram lugar de destaque em trabalhos de alguns estudiosos

que destinaram um olhar para essas categorias aos saberes sociológicos, esquecendo o papel importante

que as instituições educativas desempenham na transformação das concepções de tempo e espaço. O

estudo dessas duas categorias ficou a cargo da sociologia do conhecimento e a sociologia educacional

parece ter ficado ausente de tais questões.

A estudiosa Julia Varela www3.feccoo.net/.../com/20080220_com/index.htm

apresenta estudos argumentando que os processos de socialização dos sujeitos nas

instituições escolares põem em jogo certas concepções e percepções de espaço e

tempo.

A estudiosa chama atenção para o fato de que cada período histórico adota as relações

sociais e as relações de poder que incidem na organização e definição de saberes

Page 4: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 98

legítimos e na constituição de subjetividades específicas. Para Júlia Varela, categorias espaços-temporais,

poder, pedagogias, saberes e sujeitos constituem dimensões que se interelacionam e se ramificam nas

instituições educativas.

A autora nos apresenta três modelos pedagógicos produzidos por modelos históricos distintos: Os

três modelos pedagógicos são: as pedagogias disciplinares, pedagogias corretivas e pedagogias

psicológicas.

Esses modelos pedagógicos têm conseqüências nas concepções de espaço e de tempo, diferentes

modos de exercício do poder, diferentes modos de atribuir um estatuto do saber e ainda na produção de

subjetidades.

Os sociólogos clássicos, em especial Marx, Weber e Durkheim argumentam que a individualização

é um dos traços da Modernidade. No século XVIII, com a criação dos Estados modernos tal procedimento

cresce e se amplia a partir da ligação com a crescente divisão social do trabalho, o aumento da densidade

da população nas cidades e ainda o aumento da propriedade privada

A autora ainda mostra que, na segunda metade do século XVI, se configuram novos modelos de

educação que regulam a socialização das novas gerações pertencentes a grupos sociais dominantes.

Com o início da Modernidade, o homem deve se tornar “civilizado” e cada vez mais individualizado.

PEDAGOGIAS DISCIPLINARES

Foucault mostrou que o tempo e o espaço se reorganizaram no

século XVIII, a partir do exercício de um novo tipo de poder, denominado

poder disciplinar. O poder disciplinar parte do princípio que é mais útil

vigiar do que castigar. Normalizar os sujeitos e fazê-los produtivos é mais

proveitoso do que expulsá-los ou eliminá-los. Essa modelo de poder está

ligado às transformações sociais, políticas e econômicas que ocorreram no

século XVIII.

O poder disciplinar almejou se estender a todo corpo social, mas

seus efeitos foram mais presentes nas instituições e mais concretamente

Page 5: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 99

nas instituições escolares. As tecnologias disciplinares que produziram novos saberes e novos sujeitos agem

por meio de uma nova organização do espaço e do tempo. O que significa a existência de um tempo e um

espaço disciplinares.

O espaço disciplinar não se prende apenas a uma clausura. Ao indivíduo é destinado um lugar de

modo que ele seja vigiado e localizado permanentemente.

Foucault considerava os colégios religiosos e os quartéis como locais onde se utilizavam as

tecnologias disciplinares.

As pedagogias disciplinares também provocam mudanças importantes em relação ao tempo. O

tempo disciplinar estabelece na prática pedagógica o tempo da formação escolar.

A disciplina procede em primeiro lugar a distribuição dos indivíduos no espaço, utilizando

diferentes técnicas que, segundo Foucault, eram entre outras:

A cerca: local heterogêneo a todos os outros e fechado a si mesmo. São exemplos de

encarceramento: os colégios, por meio dos conventos. Os internatos surgem como regime de educação e

são considerados mais perfeitos. Em 1719, houve a construção de centenas de quartéis e o

encarceramento neles será rigoroso.

A clausura: os aparelhos disciplinares trabalham os espaços de maneira flexível. Os indivíduos são

distribuídos de forma a evitar grupos. Nela se encontram as celas dos conventos.

Page 6: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 100

Os colégios jesuítas em muito contribuíram para configurar um espaço disciplinar em série.

Algumas classificações utilizadas como procedimentos de distribuição e divisão dos alunos no espaço

escolar a partir do século XVIII nos são apresentados por Júlia Varela: filas de alunos na classe, nos

corredores, na Igreja e nas excursões. Os exames cujos resultados atribuem avaliação a cada aluno.

As pedagogias disciplinares trazem também mudanças importantes com relação ao tempo. O

tempo disciplinar estabelece o tempo de formação escolar e ainda organiza os diferentes níveis de

aprendizagem. Esses níveis ou etapas de aprendizagem envolvem exames com grau de dificuldade cada vez

maior.

O modelo em que a aprendizagem era confirmada por meio de uma única prova se desfaz. A nova

forma de entender permite um controle maior do processo de aprendizagem de todos e de cada aluno.

Nesse modelo, o espaço escolar, para Varela, funciona com uma máquina de aprender e permite ao

professor interferir para castigar, corrigir e normalizar os educandos.

O principal dispositivo utilizado pelas disciplinas é o exame que se estabeleceu em várias

instituições como os quartéis, colégios e hospitais e também se aplicou a outros campos abertos como

higiene, entre outros.

As operações disciplinares, analisa Julia Varela, transformam as instituições educativas em

instituições normalizadoras e em espaços de observação normalizadores e normativos, por o exame

provocar duas operações fundamentais: a vigilância hierárquica e a sanção normalizadora. Ambas

empregadas permitem “decifrar, medir, comparar, hierarquizar e normalizar os educandos”. (VARELA)

As pedagogias disciplinares não constituem tecnologias de repressão, pois os seus efeitos são de

natureza produtiva, entre esses efeitos, Júlia Varela destaca a modificação na percepção social do tempo e

do espaço. Essa mudança tem implicações na organização do espaço e tempo pedagógicos

Tais pedagogias servem também como instrumento para produção de novas formas de

subjetividades e para a produção dos saberes.

As pedagogias disciplinares, Varela argumenta “implicam em novas relações de poder que são

tanto menos visíveis quanto mais física e materialmente estão presentes e quanto mais vinculadas estão ao

processo de aprendizagem”.

Page 7: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 101

O poder disciplinar, em sua nova configuração, acaba com as penalizações e castigos físicos, e as

correções passam a consistir na repetição de exercícios.

Júlia Varela sintetiza o tempo da pedagogia disciplinar, afirmando que o poder disciplinar joga em

dois terrenos: o da produção dos sujeitos e o da produção dos saberes.

O poder disciplinar surge no final do século XVIII e se perpetuará durante todo o século XIX nos

países ocidentais.

PEDAGOGIAS CORRETIVAS

No início do século XX, surge um novo tipo de poder. Nesse momento

histórico, se reformulam propostas educativas principalmente o modelo

pedagógico proposto por Rosseau.

Rosseau segue os passos de Comenius. Considera que a educação, por um

lado, faz parte do processo formativo da natureza, e por outro, como uma tarefa

da sociedade e suas instituições.

Streck nos mostra que, para Rousseau, havia dois tipos de metáforas: as

orgânicas (a educação requer os mesmos cuidados que o crescimento de uma planta) e

as mecânicas (a escola como uma gráfica ou o ser humano como relógio). Em Rosseau,

há necessidades e limites da natureza ou da sociedade que delimitam o processo

formativo.

O Estado interventor, modelo iniciado por Bismarck na Alemanha, final do

século XX, e que prevaleceu em vários países ocidentais tinha como propósito

resolver questões sociais, buscando também neutralizar as lutas de classe por meio

de uma política de harmonização dos interesses do trabalho e do capital que

permitisse integrar ao movimento operário.

Nesse período, a obrigatoriedade escolar se realizou como um elemento essencial de integração da

classe trabalhadora.

As crianças, principalmente as pertencentes às classes populares se identificam como selvagens.

Julia Varela acrescenta que civilizá-los e domesticá-los era tarefa da escola pública obrigatória, na qual

estão sendo adotadas as pedagogias disciplinares.

Os textos que circulavam na época apresentam claramente as funções de controle social dos

campos educativos que interferem na ressocialização das crianças “insolentes, inquietas, indisciplinadas,

imorais e atrasadas” classificadas como anormais.

Page 8: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 102

Os pedagogos e os psicólogos definiram como deveriam existir espaços particulares que se

transformaram em espaços exclusivos, em laboratórios de observação que utilizariam tratamentos e

saberes diferentes dos até então usados pelas pedagogias disciplinares.

Nessas instituições de correção, começaram a se aplicar novos dispositivos de poder que tiveram

implicações no modo de utilização do tempo e do espaço, nos modos de se conceber a infância e ainda na

produção de novas subjetividades, que eram inseparáveis de um novo estatuto do saber.

Entre os membros da chamada Nova Escola, destacam-se Maria Montessori e Ovídio Decroly

que, juntamente com outros representantes, aceitam a lei

biogenética fundamental do progresso e pensam que, para ser um

bom civilizado, a criança tem que ser antecipadamente um bom

selvagem.

As pedagogias corretivas põem em ação novas técnicas

pedagógicas destinadas a condicionar o meio às necessidades e

aos interesses infantis, o que implica numa transformação das categorias espaço-temporais nos quais irá se

desenvolver a atividade escolar. A obra de Maria Montessori é considerada como exemplar para dirigir o

ensino pré-escolar.

Montessori elaborou “o material de desenvolvimento, sistemas de objetos- sólidos encaixáveis,

tabuinhas, objetos geométricos para educar os sentidos”.

Para Varela, o método Montessori e Decroly foram os iniciadores de uma redefinição da “infância”

que pensou algumas teorizações de Rousseau as quais se constituíram um dos pilares básicos de uma nova

percepção e construção do sujeito: o sujeito psicológico.

PEDAGOGIAS PSICOLÓGICAS

Muitos representantes da Escola Nova4

4 Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século

eram médicos ou especialistas ligados à clínica, isso

justifica o interesse para as funções profiláticas e terapêuticas da educação.

Esse modelo passa a ter uma posição privilegiada em relação a pedagogias tradicionais ou

disciplinares.

As perspectivas apresentadas por eles se intensificaram. O campo da psicologia escolar se ampliou;

psicologia da aprendizagem, psicologia genética, psicologia infantil e outras.

http://www.educador.brasilescola.com/gestao-educacional/escola-nova.htm XX .

Page 9: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 103

As pedagogias psicológicas se originaram das pedagogias corretivas. A infância considerada

anormal passou a ser objeto de tratamento e de técnicas, de laboratório de experimentação.

Piaget e Freud passam a ser considerados as grandes

referências no final do século XX para a educação

institucional. Os psicanalistas e os seguidores de Piaget

colocam a criança como centro do processo educativo e o

mestre tem a tarefa de ajudar.

Essa forma de socialização escolar também se utiliza

de formas de regulação social e do exercício do poder.

Alguns grupos da burguesia aceitaram para seus

filhos estes modos de educação ligados em suas origens às pedagogias corretivas. Nesses grupos não

estavam os que pertenciam à burguesia tradicional que desejavam para seus filhos uma formação que

reafirmasse sua posição de poder e prestígio.

As pedagogias psicológicas caracterizavam-se por um controle exterior frágil. A criatividade e

atividade infantis são promovidas e as categorias espaço e tempo são adaptáveis às necessidades de

desenvolvimento dos alunos.

O controle interior é mais forte, as normas são definidas cientificamente pelos estágios de

desenvolvimento infantil.

As estratégias pedagógicas definidas por esse modelo propõem um desenvolvimento sem

repressão, mas a criança agora passa a ser mais vigiada e controlada do que nas outras pedagogias. Os

alunos têm menor controle sobre sua aprendizagem, só os professores e especialistas podem conhecer os

progressos ou retrocessos que realizam.

A verdade sobre eles mesmos tornam-se uma realidade distante e alheia.

A partir da década de 60, Varela comenta que as leis e os estágios de desenvolvimento são

substituídos pelas leis do ritmo. O processo de aprendizagem coloca como centro o ritmo individual e as

relações interpessoais. Cada aluno tem seu ritmo que deve ser respeitado.

As leis do ritmo estão relacionadas ao desenvolvimento do corpo, das gestualidades, da imagem.

Os autores dessas pedagogias as tornam cada vez mais psicologizadas são eles: J.L.Moreno, Karl

Rogers, e outros.

Page 10: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 104

As pedagogias psicológicas operam com o sistema de regulação espaço-temporal que permite certa

flexibilidade do tempo e do espaço. Permitem adaptar as tarefas da aprendizagem ao ritmo interno de cada

aluno.

Frente ao poder disciplinar, característico das pedagogias tradicionais, o psicopoder, característico

das pedagogias psicológicas, utiliza tecnologias que tornam os alunos mais dependentes e manipuláveis

quanto mais liberados acreditem que são.

As mudanças que têm se operado nas últimas décadas provocam uma percepção e uma construção

determinada do mundo, dos saberes e dos sujeitos.

A transmissão de categorias de pensamento na escola hoje, e sua interiorização são muito

importantes para a manutenção da ordem social e da ordem escolar.

Nesse sentido, as análises e discussões sobre a organização das escolas não podem evitar os

problemas relacionados com as categorias e as formas de subjetividades, o estatuto do saber e os

mecanismos de poder.

Page 11: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 105

UNIDADE II

CULTURA, ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAÇÃO

Nos dias de hoje, parece se tornar cada vez mais visíveis as diferenças culturais. Também têm sido

muito freqüentes as disputas sobre a diferença e entre os diferentes.

As discussões sobre o que seja cultura sobre o que seja educação e as relações entre ambas fazem

de tais disputas.

As questões culturais tem sido objeto de interesse de diferentes setores e a instituição educativa

constitui uma delas.

A centralidade que se dá a cultura para se refletir sobre o mundo é justificada não por que se deve

adotar a cultura como um lugar superior as demais áreas de conhecimento como a política, a econômica, a

educacional, mas a sua centralidade se dá por atravessar tudo o que acontece nas nossas vidas e todas as

representações que fazemos desses acontecimentos. (HALL, 1997).

Ao longo dos dois ou três séculos, as discussões sobre a Cultura e a educação tenham sido pouco

profundos. Por muito tempo, a modernidade não questionou os conceitos de Cultura e educação.

Acreditou-se, de um modo geral e sem maiores questionamentos, que cultura designava o

conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor em diferentes campos, como

artísticos, filosóficos, científicos, etc. Por isso, a cultura foi considerada por muito tempo como única e

universal. Veiga-Neto destaca que única porque se referia àquilo de melhor havia sido produzido e

universal porque se referia à humanidade um conceito totalizante, sem exterioridade.

A educação era entendida como o caminho para chegar às formas mais superiores da Cultura,

tendo por modelo as conquistas já realizadas pelos grupos sociais mais educados e, por isso, mais cultos.

EDUCAÇÃO E CULTURA

O pensamento pedagógico moderno adotou o entendimento de cultura em que o principal objeto

dos debates era saber quais os marcadores culturais que definiriam o que deve ser colocado como

avaliação para definir a verdadeira cultura, a alta cultura.

Kant em um conhecido texto Sobre a pedagogia, mostra que a educação

compreende o cuidado, a disciplina e a instrução e que é pela ação dessas últimas

que se dá a formação.

Page 12: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 106

Kant como outros autores alemães do século XVIII como Goethe, Schiller e outros diferencia

Cultura de civilidade, uma não necessariamente dependente da outra.

Veiga-Neto aponta que a diferenciação é fundamental para

compreender a importância do conceito de Cultura. Esses autores definiram as

três principais características que rodeiam o conceito de Cultura ao longo da

Modernidade.

Em primeiro lugar o seu caráter diferenciador e elitista. O povo

alemão entendia a civilidade como um conjunto de atitudes humanas que

eram ligadas ao comportamento, como boas maneiras, delicadeza, gesticulação, e outros.

A cultura era entendida como um conjunto de produções e representação do conhecimento.

Em segundo, o caráter único e unificador era defendido por Kant.

O filósofo assumia um entendimento generalizante, essencialista, e abstrato sobre o indivíduo e a

sociedade, a educação escolarizada foi logo colocada a serviço de uma Modernidade que deveria se tornar

a mais homogênea e a menos ambivalente possível.

Isso significa a negação de tudo e de todos a um mesmo, para Veiga-Neto, isso em termos culturais

significa uma identidade única e a rejeição de toda e qualquer diferença.

Em terceiro lugar, o caráter idealista de Cultura. Kant defendeu e acreditou na possibilidade e

desejo de uma cultura única e universal.

Nos anos 20 do século passado, começaram a surgir mudanças no conceito de Cultura. As primeiras

sugestões vieram de Antropologia, da Linguística e da Filosofia. Também a Sociologia questionou o

monoculturalismo.

Recentemente, segundo Veiga-Neto, os Estudos Culturais foram eficazes no sentido de defenderem

que melhor falarmos de culturas em vez de falarmos em cultura.

Alguns filósofos da linguagem, principalmente Wittgenstein, modificam o

entendimento tradicional da linguagem, assumindo a impossibilidade de

fundamentá-la fora dela.

Page 13: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 107

A chamada virada lingüística pluraliza e nos leva a falar em linguagens e culturas. Outra

conseqüência lingüística, segundo Veiga- Neto, decorre do cruzamento entre culturas e a educação se dá

no plano da ética. Para esse autor, no caso de uma linguagem auto-suficiente e um conhecimento

monocultural, cabe à educação apenas dizer àqueles que estão entrando no mundo, o que é mesmo esse

mundo e como ele funciona.

O multiculturalismoé humilde, na medida em que assume que nunca saberá o que esse mundo e

como ele funciona.

A virada lingüísticapara Veiga – Neto nos permitiu admitir que estamos sempre mergulhados na

linguagem e numa cultura, de forma que o dizemos sobre elas não está jamais isentos delas mesmos.

Page 14: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 108

UNIDADE III

MECANISMOS DISCIPLINARES E A FORMAÇÃO ESCOLAR DE SURDOS

Michel Foucault, ao problematizar a sociedade disciplinar, afirma que os mecanismos disciplinares,

desde o século XVIII, atuavam de forma isolada sobre o indivíduo e no século XIX passam a atuar no

coletivo da população.

A escola constitui um espaço muito eficiente para a educação, a vigilância, o controle

principalmente durante a infância.

A educação explorada na Modernidade difere da educação promovida pelos religiosos no século

XVI e que se voltava para nobres e herdeiros.

Os filhos surdos de nobres precisavam aprender a falar, ler, escrever, assistir à missa e confessar-se

mediante a palavra oralizada.

A estudiosa Maura Lopes nos conta que uma das principais preocupações

dos instrutores de surdos nobres era a possibilidade que cada surdo se aproximasse

dos demais.

Evitavam-se principalmente possíveis encontros entre os surdos nobres e os

outros, a preocupação maior era manter a diferença entre esses diferentes.

Os filhos de pobres eram recolhidos por instituições de caridade. Por isso, o

processo educacional separou de forma progressiva o modo educativo das instituições em dois tipos:

instituições para nobres e instituições para pobres.

Para os estudantes nobres, é destinado o conhecimento científico, para os pobres alguns

conhecimentos que lhe permitiram ser servis.

A partir da modernização do discurso pedagógico, a escola se apropria de saberes científicos para

classificar a infância em fases de desenvolvimento e para representar a juventude como um período ora

perturbado, ora promissor.

A educação das crianças e dos jovens está de tal maneira voltada para a escola que as famílias

atribuem à escola a responsabilidade pela orientação de seus filhos.

As famílias de surdos encontram nas escolas, em regime de internato, uma forma de garantir o

desenvolvimento dos filhos. A surdez, compreendida como um problema de saúde, castigo ou algo a ser

corrigido, era tratada de forma a diminuir seus efeitos aparentes, fazendo-se os sujeitos surdos falarem

com se fossem ouvintes.

Em trabalhos do século XVIII, há relatos que apontam como era tida como incompreensível a

educação dos surdos, principalmente no que se refere aos métodos de ensino que adotavam a oralização.

Page 15: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 109

O destaque dado à oralização e à normalização dos surdos não cogitava e não permitia que se

pensasse em formar uma turma somente de alunos surdos, pois haveria o risco de que eles resistissem aos

tratamentos e aos métodos de ensino.

O francês Charles-Michel de L’Épée funda nos anos 1760 em Paris a primeira escola

pública para surdos.

O método de L’Épée consistia em ensinar sinais que não correspondiam a objetos

específicos e mostrar desenhos quando queria que os surdos compreendessem

algumas ações, depois procurando associar o sinal com a palavra escrita em francês.

O método de L’Épée tinha como partes necessárias do processo de ensino a repetição

e memorização.

A surdez no final do século XIX se torna um espaço de cultura e, portanto de reflexão filosófica.

A educação de surdos passou a ser produtiva e a gerar outros discursos que estabelecem olhares

diferentes sobre a formação, o corpo e a língua surda.

As famílias apelam para os conhecimentos dos campos da Psicologia, da Psicopedagogia e da

Educação Especial para educar seus filhos. Todos os especialistas, segundo Lopes, parecem convencidos,

quando se encontram na escola especial, de que todos os surdos devem usar a língua de sinais, devem

participar das atividades organizadas pela instituição, devem trabalhar e mostrar o desenvolvimento do

potencial surdo.

A dificuldade da escola quando aceitou o surdo como sujeito cultural, mesmo tendo uma visão

restrita do que constitui essa cultura surda, está em articular, controlar e disciplinar uma nova ordem para

os discursos acerca da surdez e dos surdos.

A RESISTÊNCIA DOS SURDOS

Na história da surdez, verifica-se que o enfoque clínico reabilitador se impôs em relação a outros.

Dificultando até certo ponto a compreensão da surdez fora de uma lógica normalizadora.

Mas, os surdos resistem às práticas ouvintistas, corretivas e normalizadoras que se orientam pelo

enfoque clínico reabilitador.

Outros saberes principalmente a Antropologia, a Sociologia, os Estudos Culturais e a Pedagogia

contribuíram fora do registro terapêutico para outra inscrição dos surdos, a inscrição no registro

culturalista.

Para Lopes, os surdos, ao se organizarem, lutam e resistem aos modelos dos saberes e a própria

ordem dos documentos oficiais.

Page 16: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 110

Nos movimentos de resistência, os surdos em direção para a conquista de um espaço surdo, dos

direitos de terem uma língua e de serem reconhecidos como um grupo cultural se acentuaram a partir da

década de 1990. Nesses movimentos, os saberes dos surdos vão questionando os saberes oficiais.

Para Lopes, diante dos movimentos de inclusão de surdos em escolas de ouvintes, há surdos que

estão se negando a se respeitarem de seu grupo. Sabe-se que os surdos se mantém unidos em associações

de surdos, em grupos de igreja e em escolas específicas. Entre todos esses espaços, a escola parece se

constituir como o lugar principal e mais produtivo de articulação e resistência cultural.

A identidade surda, entendida como uma conquista de economias discursivas, não pode ser vista

como algo essencial, como algo em que a diferença possa ser considerada uma qualidade natural do surdo.

Lopes argumenta que entre as mudanças ocorridas nos modos de sobre a surdez e sobre os surdos.

Entre essas mudanças, Lopes apresenta:

a necessidade da presença surda como referência cultural e lingüística dentro da escola;

a possibilidade de os surdos articularem-se em movimentos surdos, em prol da conquista de

seus direitos.

Mesmo diante dessas conquistas, para Lopes, ainda falta o reconhecimento dos surdos como um

grupo cultural que precisa de um espaço geográfico para acontecer e que suas lutas, pelo permanente

reconhecimento de sua diferença possam um dia cessar. E conclui a autora: “Ser surdo é viver

permanentemente reivindicando um olhar do outro sobre si e viver permanentemente suspeitando de seu

próprio olhar sobre si mesmo.”

A LÍNGUA DE SINAIS E A ESCOLA DE SURDOS

A educação de surdos envolve como os processos lingüísticos se constituem ao longo da história

dos surdos e da surdez

Brito em seu livro Integração social e educação de surdos comenta que foi na Universidade Federal

do Rio de Janeiro que os estudos sobre surdos muito se desenvolveram. A autora ainda comenta que é

difícil a condição dos surdos, pois existem no Brasil pelo menos duas línguas de sinais. Uma é a

desenvolvida em uma tribo na selva Amazônica pelos indios Urubus-Kaapor e a outra seria a Língua

Brasileira de Sinais usada em outras regiões e centros urbanos.

A língua de sinais dos centros urbanos (LSCB) teve grande circulação entre os ouvintes que deram

novos significados conforme os saberes da época. A língua de sinais foi considerada por especialistas,

principalmente da área de saúde como um conjunto limitado de gestos.

Page 17: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 111

Por isso, a partir de uma orientação baseada na idéia de normalidade ouvinte, os surdos foram

submetidos a processos como: Oralismo, Comunicação Total e o Bilinguismo, tais processos foram

articulados aos três modelos de pedagogia que estudamos anteriormente, disciplinares, corretivas e

psicológicas, a partir dos estudos de Varela e a que Lopes acrescenta a de vigilância.

O oralismo teve se lugar a partir do século XIX e está presente até hoje. Muitas foram as críticas

feitas ao oralismo, inclusive por se acreditar que ele é o responsável pelo fracasso na educação dos surdos

e do projeto de incluí-los na educação dos ouvintes. A dificuldade de comunicação e a impossibilidade do

surdo de conseguir apropriar-se da língua portuguesa levaram a considerações de que os surdos eram

pessoas incapazes e que devido à surdez, apresentavam déficit cognitivo e dificuldade de socialização.

No final do século XX, se inaugurou a Comunicação Total como uma das filosofias que aparece

marcando algumas mudanças no cenário educacional

A comunicação total era vista, por alguns, como uma forma mais aberta e flexível da comunicação

surda, pois, segundo Goes, permitia o uso de múltiplos meios de comunicação, buscando trazer para a sala

de aula os sinais utilizados pelas comunidades de pessoas surdas.

Alguns autores, contudo atribuem um caráter reducionista ao método. Para Brito, a Comunicação

Total é um desdobramento do oralismo.

Diante da insatisfação dos especialistas do século XX com a educação dos surdos, surge uma nova

expressão: o bilingüismo.

Este passa a ser entendido como algo que se opõe as demais filosofias inventadas na educação de

surdos.

A corrente do bilingüismo entende que a língua dos surdos deve ser aprendida o mais cedo

possível. O português, como língua majoritária ensinada de preferência, em sua modalidade escrita, deve

ser a segunda língua aprendida pelo surdo.

Muitas são as experiências de educação bilíngüe desenvolvida hoje dentro e fora do Brasil.

Em muitas das escolas dos Estados Unidos, Venezuela, Cuba, Uruguai e França e outros países.

Para os surdos, viver numa condição bilíngüe implica viver concomitantemente numa condição

bicultural. A convivência surda, tanto com a comunidade surda quanto com a comunidade ouvinte, produz

traços identitários distintos nos sujeitos surdos, pois eles partilham de elos que os posicionam de formas

específicas, ora como surdos, quando estão na comunidade surda, ora como não ouvintes, quando estão

entre ouvintes, ressalta Lopes.

Para Skliar,uma proposta de educação bilíngüe para surdos pode ser

definida como “uma oposição aos discursos e às práticas clínica hegemônicas

características da educação e da escolarização dos surdos nas últimas décadas

e como reconhecimento político da surdez como diferença”.

Page 18: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 112

Lopes ressalta que a educação bilíngüe para surdos orienta-se a partir de dois eixos: um deles

refere-se à condição bicultural vivida pelos sujeitos; o outro eixo refere-se à condição bilíngüe entendida a

partir do domínio surdo da língua de sinais em sua modalidade gestual e visual e do não domínio surdo de

uma língua oral. O bilingüismo surdo no que diz respeito ao português, refere-se a uma modalidade escrita.

Uma proposta bilíngüe pressupõe o domínio de duas línguas, em qualquer modalidade que elas

possam ser articuladas. Contudo, no caso dos surdos, há o domínio da língua de sinais, porém não há a

fluência na língua portuguesa.

Lopes argumenta que talvez devêssemos pensar o uso do termo bilíngüe para se designar a

condição do sujeito surdo que possui uma língua própria- a Língua Brasileira de Sinais- e que utiliza o

português a partir do lugar de um surdo (que não é o mesmo lugar de um brasileiro ouvinte).

Lopes, ao discutir a língua de sinais e a educação de surdos destaca que assumir a condição de

surdez, e, a partir dela, lutar para que a diferença surda seja reconhecida e respeitada para que políticas

educacionais sejam pensadas. Para tanto, continua a autora, é fundamental construirmos propostas

educativas mais consistentes.

Referências

BRITO, Lucinda Ferreira. Integração social & educação de surdos. Belo Horizonte: Autêntica,2006.

HALL, Stuart, (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, v. 22, n° 2, jul./dez., p. 17-46.

LOPES. Maura Corcini. Surdez & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1997.

NARODOWSKI, Mariano. Comenius e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2001

SKLIAR, Carlos. A invenção e a exclusão da alteridade “ deficiente” a partir dos significados da normalidade. Educação e realidade. Porto Alegre, v. 24, n. 2, jul/dez., 1999.

STRECK, D. R. Rousseau e a Educação. Rousseau e a Educação. Belo Horizonte: NARODOWSKI VARELA, Julia. Categorias espaço-temporais e socialização escolar: do individualismo ao narcisismo. IN: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Escola básica na virada do século: cultura.política e currículo. São Paulo: Cortez, 1996.

VEIGA-NETO, Alfredo. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação, Campinas: Autores Associados; Rio de Janeiro: ANPEd, n. 23, p. 5-15, maio/ago. 2003. Número especial.

Page 19: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS | 113

TEORIAS LINGUÍSTICAS

Page 20: Fundamentos Sócio-Históricos da Educaçãobiblioteca.virtual.ufpb.br/files/fundamentos_sociohistoricos_da... · contêm em si o seguinte objetivo: “ensinar tudo a todos”. O

LETRAS LIBRAS| 114