fry, peter. política, nacionalidade e o significado de 'raça' no brasil

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    Poltica, nacionalidade e osignificado de raa no BrasilPeter Fry

    'Peter Fry professor de antropologia do Instituto de Filosofia e CinciasSociais da Universidade Federal do Rio de janeiro e membro do NcleoInterdisciplinar de Estudos da Desigualdade (NlED).

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    Dado que o Brasil tem "importado" gente e idias em toda a suahistria, celebrando a sua absoro "antropofgica", torna-separticularmente interessante saber por que apenas algumas idiasexternas parecem mais indigestas. Afinal de contas, por mais queRoberto Schwarz argumente que a democracia liberal era uma"idia fora do lugar" no final do sculo XIX de Machado deAssis,1 ainda assim ela foi apropriada como elemento central donacionalismo brasileiro, juntamente, mais tarde, com a "democracia racial", sua subordinada.

    Na verdade; em nome da ideologia "importada" do liberalismo que tantos outros brasileiros rejeitam hoje a ao afirmativa, especialmente em sua forma mais categrica de cotas.Quando so comidas e digeridas, algumas idias do exteriorparecem levar a um mal-estar em relao a outras idias queentram em contradio com elas. Para muitos, as cotas eramdesagradveis no s porque parecem contradizer a democraciasocial e a democracia liberal tout court mas tambm porqueparecem ameaar a prpria idia de antropofagia. como secaso o Brasil tivesse comido a ao afirmativa formalizada, outros pratos de que gostasse se tornassem cada vez mais intragveis.

    Num artigo recente sobre o que denominam "imperialismocultural", Pierre Bourdieu e Lo c Wacquant defendem que "vrios tpicos que resultam diretamente de confrontaes intelectuais relacionadas especificidade social da sociedade americana

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    e das universidades americanas esto sendo impostos, em formas que parecem des-historicizadas, totalidade do planeta .2Assim, multiculturalismo e neoliberalismo - conceitos desenvolvidos no contexto especfico dos Estados Unidos - sotransformados em verdades naturais , universais e pressupostas, exceto, observam, quando ridicularizados como politic-amente corretas , e utilizados paradoxalmente, nos crculosintelectuais franceses, como instrumento de rejeio e represso contra todo tipo de veleidades, notadamente feministas ehomossexuais. ( ..) 3 Observando que o debate sobre raa eidentidade tambm tem se sujeitado a intruses etnocntricas

    semelhantes , eles se voltam para o Brasil a fim de ilustrar seuargumento.

    Uma representao histrica, nascida do fato de que a tradioamericana imps arbitrariamente uma dicotomia entre brancose negros a uma realidade infinitamente mais complexa, podeat impor-se nos pases onde os princpios de viso e diviso,codificados ou prticos, das diferenas tnicas so completamente diferentes e que, como no Brasil, eram at recentemente tidos como contra-exemplo do modelo americano .

    Esta violncia simblica deriva, argumentam, do uso de c -tegorias raciais americanas para descrever o Brasil e do poderdos Estados Unidos de obter a colaborao, consciente ou no,por interesse direto ou indireto, de todos os 'for11ecedores' eimportadores de produtos culturais com ou sem grife , taiscomo editores, diretores de instituies culturais, teatros,museus, galerias, revistas e assemelhados. Eles tambm destacam o papel das grandes fundaes filantrpicas e de pesquisaamericanas na difuso da doxa racial norte-americana no corao d s universidades brasileiras no nvel das representaese prticas. 5

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    POLfTICA, NACIONALIDADE E O SIGNIFICADO DE RAA

    A ironia de invocar o Brasil neste contexto que desde os diasda escravido, bem antes da globalizao moderna, as relaesde raa , reais e imaginadas, no Brasil e nos Estados Unidos, tmsido apresentadas como modelos contrastantes que, em certo sentido, vieram a definir para muitos s duas identidades nacionais.

    Neste artigo, argumento que Bourdieu e Wacquant apresentaram um modelo interpretativo que s em parte faz justia aos fatos como eu os vejo. Embora seja verdade que muitosintelectuais norte-americanos consideram que a ideologia da

    democracia racial do Brasil ou deveria ser, letra morta,alegando que a nica reivindicao de especificidade do Brasil o racismo particularmente insidioso que engendra, e emboratambm seja verdade que s organizaes filantrpicas norteamericanas forneam apoio financeiro e intelectual pesquisasobre raa e a grupos ativistas negros, tambm verdade quemuitos de seus funcionrios, juntamente com um nmero considervel de acadmicos e ativistas brasileiros, relutam em abandonar o compromisso com a idi de que raa ou aparnciafsica no deviam ser invocadas para discriminar de nenhumaforma. Pela mesma razo, embora muitos ativistas e intelectuaispercebam as relaes de raa no Brasil como uma disputaentre duas categorias de pessoas brancos e pessoas de cor- outros continuam a celebrar as virtudes da mistura , tanto de genes quanto de culturas. Outros ainda sustentam umacombinao dessas idias e invocam-nas dependendo da situao. O fato de que um conjunto de idias se tornou identificado com o Brasil e outro com os Estados Unidos resulta deassociaes metonmicas e contrastes metafricos que so parte da poltica de construo da nao e da preocupao comautenticidades nacionais.

    O mecanismo de personificar naes e depois atribuir-lheshomogeneidade cultural e projetos objetivos de hegemonia podeofuscar os temas que realmente esto em jogo, que so endgenos

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    em todas as sociedades modernas: ou seja, o conflito entre aposio ps-boasiana de que raa no uma realidade biolgica mas, sim, um artefato histrico e social e a sobrevivnciapersistente e a presena cada vez mais poderosa da raa comoprincpio condutor da formao de categorias e grupos sociaissignificativos. O mecanismo, claro, tambm ignora a forma pelaqual indivduos, grupos e categorias distintos presentes em sociedades subalternas compreendem as mensagens que recebeme a elas reagem em termos de suas prprias categorias culturaise programas polticos.Como mostra o registro etnogrfico, e apesar da contraposio de Gananath Obeyesekere, o capito Cook foi mortoporque o povo do Hava pensou que ele era seu deus Lono.Vou sugerir que, se a sociedade brasileira tiver qualquer especificidade com relao a esses temas, esta jaz nas maneiras originais como este conflito de idias manifesta-se no debatepblico e na infinidade de formas pelas quais os brasileiros li-dam com raa e racismo . E esta especificidade, novamente em contraste com os Estados Unidos, assenta-se em um dospoucos fatos objetivos deste campo to atormentado pelosubjetivismo: a l e i ~ - l a ~ l ' " " ' . . . d L ~ t . i m L J J & i 9 . _ . t : f . i f l . . . , . ~ ~ . r . ~ ~ . : ~ ~

    ~ . L 4 P - i ~ $ ~ l . 9 ~ ~ ~ ~ ~ ~ : . ~ ~ = ~ ~ t ; ; , ~ ~ . ( ~ R . , t l l . L i . ~ ~ ~ ~ ; ~ . , : : ~ ~ ~ ; , : , ~Nos E s t a d o s U n i d p s , . i ' ~ r . a a ~ : f o i , at o movimento dos ~ i r e i -- ~ ~ ~ ~ ~ , ~ a - ~ , ~ ~ ~ l , . . ~ t '' ~ f . k . ~ ~ ~ : i . l l : t ; : > - ~ ~ - = : t . l ; : . : . ; : . ~ r ; ; ; , - - . . t 4 < - : ; : ' . . ; ~ . r , ~ J ~ ~ ~ ~ : ~ . ~ ~ ~ ~ ~ : ' ' : : - ' - : : . ~ , ; ; : : c ; . ~ ~ : . ~ . , _ ; . . i . t . - : . : ' ; : : ; C . t ; . . n ". ~ s ~ ~ ~ ~ ~ - - , . ~ ~ cada e 1 2 . ~ Q , ; , ; Y I D , . Q J 1 ~ i . i t Q J , ~ ~ : - L q ~ ; , ~ ~ ' ~ ' t . j ~ " apopulao sg'nC:llinhas raciais em todas as e s f ~ r ~ t d a vida

    ~ o r ~ - - ~ I \ I A > : t f J . : ; ; . : ; . ~ - .. . t : ' f . k : - ~ . e _ - . - ~ ~ . ~ f - ; l ~ ~ . > ; . < l . ~ ~ r .. : : r ~ . ~ ? . J ~ r ; ' : . l i : f n ~ ~ n 7 & " ~ ~ - . . ~ . : : . ~ , . - : . . : ~ t : ' , V t . ; f l i l i " . s - o : c t t ' ' ' f Y s a ~ " e n f , ~ Q t l n l ~ ~ ' s e r 'to p ~ g - ~ , r ; . o s a . , c . o . m o , ~ . ~ c W : E . r e~ f ~ ~ ~ ~ ~ . . _ . ~ , . : - ~ < t ~ ' ; , . r r - 'para u s t i f . i s f t X , . , Q , p J " e . . Q . y , s ~ t r o ou neg :f. A ao afirmativa foi. , . r l t i v ~ n t ~ fcil de i m p a ~ t a r " D . " " s r . E ; t : d o s Undos por ter sidoconstruda sobre premissas compartilhadas de diferena racial . No Brasil, esta questo muito mais espinhosa, j quecorre contra a noo de democracia racial. Mas, como observam Bourdieu e Wacquant, a ironia est no fato de que, com oaumento da presso nos Estados Unidos para questionar a ao

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    POLfTICA NACIONAL IDADE E O SIGNIF IC DO DE HR w

    afirmativa e a fcil dicotomia de negros e brancos, no Brasiltambm cresce a presso na direo oposta.

    O DESENVOLVIMENTO DA IDIA DE MISTURA E DEMOCRACIARACIAL NO BRASILEm 1859, o conde Joseph Arthur de Gobineau chegou ao Riode Janeiro para passar um ano como embaixador francs nacorte do imperador Dom Pedro li, com quem logo estabele-ceu forte amizade. Quatro anos depois, Gobineau, autor deEssai sur l ingalit des races humaines,8 que posteriormenteviria a inspirar o racismo cientfico mais pernicioso do scu-lo XX, publicou um artigo sobre o Brasil que exaltava a rique-za natural e a beleza do pas mas era menos otimista quantoaos seres humanos que o habitavam. o observar a formidvelmistura de raas no Brasil e alegando que os mulatos nose reproduzem alm de um nmero limitado de geraes ,concluiu, com base na anlise nos dados censurios dispon-veis, que a populao iria desaparecer completamente, at oltimo homem , dentro de no mximo 70 e, no mnimo,duzentos anos.9 Para evitar tal catstrofe, defendia alianas maisvaliosas com raas europias . Assim fazendo, a raa seres-tabeleceria, a sde pblica melhoraria, a ndole moral seretemperaria e as mudanas felizes se introduziriam na situa-o social deste admirvel pas. 10 No h dvida de que odesagrado de Gobineau com a mistura refletia preocupaesprofundas com o futuro de seu pas natal, que, desde a Revo-luo Francesa, sofria o decaimento da pureza racial e oc.;ontrole poltico de uma elite de ascendncia supostamentealem, qual elemesmo alegava pertencer. Seus esforos bemque poderiam ser interpretados como tentativa de universalizara reao Revoluo Francesa.

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    Estudiosos brasileiros imaginaram outros resultados para oBrasil ao contemplarem sua populao multicolorida que Gobineau e outros proponentes do racismo cientfico consideravam invivel. Nina Raymundo Rodrigues imaginou umacomplexa classificao racial e predisse que a populao tenderia a trs tipos bsicos- brancos, mulatos e negros- que po-deriam ser definidos no tanto por critrios genealgicos quantopela a p a r n c ~ a Inspirado pela escola italiana de antropologiacriminal, Rodrigues argumentou que cada um desses grupospossua seu prprio sistema moral e foi ao ponto de sugerir que

    cdigos penais separados deveriam ser desenvolvidos para cadaum deles. 2 No entanto, suas idias caram em terreno rochoso,pelo menos no que tange legislao formal. Desde a abolioda escravatura em 1888 e da criao da Repblica em 1890, asconstituies e leis brasileiras no discriminaram com base emraa ou cor , ainda que as polticas de imigrao revelassemo pensamento racial da poca. Por meio da importao de brancos da Europa, esperava-se embranquecer aos poucos a populao, conforme a superioridade e a fora do sangue brancoeliminasse gradualmente os traos fsicos e culturais africanos eamerndios. 3Joo Batista de Lacerda, diretor do Museu N acionai, defendia em 1911 que, em cem anos, a populao iria tornar-se mais latina do que branca. 14 A ironia da posio do Brasilem contraste com a dos Estados Unidos que, enquanto noprimeiro supunha-se que o branco englobaria o negro, no segundo achava-se que o oposto que iria ocorrer. At hoje, a regrada gota nica pode ser invocada para classificar como afroamericana qualquer pessoa que tenha pelo menos um ancestralafricano, sem preocupao com a aparncia fsica.

    Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa grande senzalano qual defendia que a miscigenao e a mistura de culturasno eram a danao do Brasil, mas sim sua salvao. No prefcio da primeira edio do livro, no mesmo pargrafo em que

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    POLfT ICA, NAC IONAL IDADE O SIGNIF ICADO E RAA

    reconhecia seu dbito intelectual para com Franz Boas, comquem estudara nos Estados Unidos, ele recorda ter observadoum bando de marinheiros nacionais- mulatos e cafuzos desembarcando no Brooklyn. Deram-me a impresso de caricaturas de homens. ( ..)A miscigenao resultava naquilo. Faltou-mequem me dissesse ento, como em 1929 Roquette Pinto aosarianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia, que no e ~ ~

    ' ' - l : l l l l i ~ f 1 1 L ' ~ i ~simplesmente mulatos ou cafuzos os indivduos que eu julgava~ . , . r p r s ~ n . r a t f f i ~ ' ' B r S l r i ' ~ 7 : r ; ' f u ~ ~ 7 ~ ~ t 5 o e n f ~ T s ~ < n ~ ' ' ' - ~ ' ---- e ~ ~ : g ; : ~ ; z ; - ~ z 7 f i ' C i e ~ d ; F 7 e Y ~ ~ d ; ; T ; c i g e n a -

    o brasileira. Reunindo um vasto conjunto de documentos sobre o Brasil colonial e imperial, assim como suas prpriaslembranas de filho de uma famlia nordestina de proprietriosde terras, e embelezando seu texto com considervel licena potica, ele descreveu o Brasil como uma sociedade hbrida na qualafricanos, amerndios e europeus (em especial os portugueses)se haviam entrecruzado atravs do intercmbio de genes e culturas. Freyre descreveu uma sociedade fundada numa srie deantagonismos culturais e econmicos, baseado em realidadestradicionais profundas , entre sadistas e masoquistas,( .. ) doutores e analfabetos, indivduos de cultura predominantementeeuropia e outros de cultura principalmente africana e amerndia. 16 Ele argumentou que esta dualidade no era inteiramenteprejudicial e que existia certo equilbrio entre a espontanei-

    dade, ( .. ) o] frescor de imaginao e emoo do grande nme-ro e ( .. ) o] contato, atravs das lites com a cincia, com atcnica e com o pensamento adiantado da Europa .17 Mas, acima de tudo, os antagonismos eram harmonizados pelas condies de confraternizao e de mobilidade vertical peculiaresao Brasil: a miscigenao, a disperso da herana, a f ~ i l e freqente mudana de profisso e de residncia, o fcil e freqente acesso a cargos e a elevadas posies polticas e sociais demestios e de filhos naturais, o cristianismo lrico, moda por-

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    tuguesa, a tolerncia moral, a hospitalidade a estrangeiros, aintercomunicao entre as diferentes zonas do pas .18

    Freyre, como seus predecessores, preocupava-se tanto em descrever o Brasil quanto em identificar sua especificidade em relaoa outros pases, em particular os Estados Unidos. Casa grande

    _senzala foi tanto um exerccio de construo da nao quanto .etnografia histrica. A este respeito, no deixa de ter importncia que a anlise do Brasil feita por Freyre tornou-se parte importante da crtica transcultural de raa de Boas.

    O sentimento de raa entre brancos, negros e ndios no Brasilparece ser bem diferente do existente entre ns, americanos.No litoral h uma grande populao negra. A mestiagem ndia tambm bem marcante. A discriminao entre essas trsraas muito menor que entre ns e os obstculos sociais paraa mistura de raas ou para o avano social no so marcantes.Predominam condies semelhantes na ilha de Santo Domingo, onde houve casamentos mistos de espanhis e negros. Talvezfosse demais alegar que, nestes casos, inexistente a conscinciade raa; ela com certeza, muito menos pronunciada que entre nsY

    Como argumentou Clia Azevedo, a noo de que as relaesentre senhores e escravos eram mais harmoniosas no Brasil doque nos Estados Unidos cresceu rapidamente durante o sculoXIX, quando abolicionistas de ambos os pases construrampouco a pouco a imagem do Brasil como uma sociedade imune violncia racial . 2 At Nina Rodrigues aderiu a esta idia.

    Seja pela influncia de nossa origem portuguesa e da tendnciados ibricos de cruzar sic] com as raas inferiores; seja por alguma virtude especial de nossa populao branca, no que noacredito; ou seja finalmente mais uma influncia do carter nopovo brasileiro, indolente, aptico, incapaz de paixes violen-

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    P O L [ T IC A N A C I O N A L I D A D E E O S I G N I F I C A D O DE uRAA

    tas, a verdade que os preconceitos de cor, que certamenteexistem entre ns, so pouco definidos e pouco intolerantes porparte da raa branca. De qualquer forma, bem menos do que sediz que so na Amrica do Norte. 21

    Mas Freyre rompeu de maneira importante com o passado, emparticular com uma imagem totalmente negativa das culturasamerndia e africana. Embora nunca abandonasse completamente o neo-lamarckismo de associar cultura e ascendncia, 22 eleenfatizou a contribuio positiva que cada um deixou para asociedade brasileira como um todo. Todos os brasileiros, alegava ele, fosse qual fosse sua filiao genealgica, eram cultur l-mente africanos, amerndios e europeus. Na sociologia de Freyre,as trs raas eram im gin d s como aglomeraes culturaisque, combinadas, permitiam a imaginao de um Brasil racial eculturalmente hbrido. Na ausncia de segregao racial , asraas eram menos realidades sociolgicas que elementos pre

    sentes de alguma forma, com vrios graus de combinao cultural e biolgica, em cada indivduo, no qual se fundem. 23

    ATAQUE DEMOCRACIA RACIALAt a dcada de 1940, esta imagem do Brasil era amplamenteaceita, no Brasil e no resto do mundo. Na verdade, h boas razes para supor que a idia de democracia racial foi consolidada por ativistas, escritores e intelectuais que olhavam para oBrasil de terras onde a regra era a segregao. Por exemplo,negros dos Estados Unidos que visitavam o Brasil voltavam cheiosde elogios. Lderes como Booker T Washington eW E B DuBoisescreveram positivamente sobre a experincia negra no Brasil,enquanto o nacionalista negro enry MeNeai Turner e o jornalista radical Cyril Biggs foram a ponto de defender a emigrao

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    para o Brasil como refgio opresso nos Estados Unidos. 4 Em1944, o escritor judeu Stefan Zweig achou que o Brasil era asociedade racialmente menos fantica que visitou. 5 Na pocade DuBois, ento, considerava-se amplamente o Brasil uma "democracia racial", onde as relaes entre pessoas de cores diferentes eram fundamentalmente harmoniosas.

    Quando o mundo tomou conscincia dos horrores do racismo nazista nos anos que se seguiram S egunda Guerra Mundial,a Unesco concordou, por sugesto do antroplogo brasileiroArthur Ramos, em patrocinar um projeto-piloto de pesquisa noBrasil com o objetivo de estudar "os problemas de diferentesgrupos tnicos e raciais vivendo num ambiente social comum .26O Brasil foi escolhido no s porque parecia representar umaalternativa vivel segregao e ao conflito racial como tambm porque a Unesco mostrava, na poca, considervel sensibilidade aos problemas especficos do mundo em desenvolvimento.27

    Verena Stolcke observa que no Brasil houve a preocupa-o, que resultou proftica, com o exame sistemtico da natureza

    ~ relaes de raa no pas que poderia abrir a caixa de Pandorada 'democracia racial'".28 Os antroplogos norte-americanos,franceses e brasileiros que trabalharam no projeto realmenteapresentaram provas de imensa desigualdade e preconceito emtodo o pas. Ainda assim, como demonstrou Marcos Chor Maio,os resultados da pesquisa no negaram a importncia do mitoda democracia racial.29 O que fizeram foi revelar as tenses entre o mito e o racismo moda brasileira, uma tenso que j foraenunciada por intelectuais e ativistas negros e brancos, em particular por Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos.30

    Embora os pesquisadores financiados pela Unesco tenhamdocumentado grave discriminao racial no Brasil, continuarama perceber as "relaes de raa" como diferentes das existentesnos Estados Unidos. Florestan Fernandes, por exemplo, sentiaque a discriminao racial e a desigualdade entre brancos e pes-

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    POLfTICA, N C I ON L I D DE E O SIGNIFICADO E HRAA

    soas de cor eram em grande parte resultantes da herana da escravido e da dificuldade que os negros brasileiros haviam sofrido para adaptar-se ao capitalismo. Ele previa que, com suaintegrao economia, a desigualdade e a discriminao desapareceriam.31 A obra de Fernandes fala em negros e brancos ,que era a terminologia usada pelos ativistas negros seus amigose por seus informantes para classificar a si mesmos e aos outros.Contudo, outros escritores destacaram o que viam como maneira de classificar a populao especfica do Brasil. Em vez declassificar segundo a simples ta.xonomia dicotmica usada nosEstados Unidos, os brasileiros categorizavam a populao combase numa taxonomia muito mais complexa. Alm disso, faziamno com base no na ascendncia, mas n aparncia .

    A documentao estatstica da desigualdade racial chegou auma nova era de sofisticao com a publicao, em 1979, deiscriminao e desigualdades raciais no Brasil do socilogoCarlos Hasenbalg.32 Controlando cuidadosamente seus dadospara eliminar os efeitos das classes, Hasenbalg pde argumentar, contra os que alegavam que a discriminao voltava-se maiscontra os pobres do que contra s pessoas de cor, que a raase relacionava de forma significativa com a pobreza. Ele concluiu que tal desigualdade no podia ser atribuda herana daescravido, mas somente ao preconceito e discriminao persistentes contra pessoas de cor, argumento que, na verdade, jhavia sido apresentado pelo pesquisador do projeto da UnescoLus de Aguiar Costa Pinto. Pesquisas posteriores confirmaramsuas descobertas. Os demgrafos constataram uma taxa de mortalidade infantil entre no-brancos mais alta do que entre brancos(105 contra 77 em 1980) e expectativa de vida de no-brancosmais baixa do que de brancos (59,4 contra 66,1 anos). Na educao, os no-brancos completam menos anos de estudo que osbrancos, mesmo mantendo sob controle a renda e s condiesda famlia. Em 1990, 11,8 dos brancos completaram 12 anos

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    de educao, contra 2,9/o dos no-brancos. Como observaHasenbalg, essas diferenas educacionais afetam. obviamente acarreira posterior de brancos e no-brancos. A renda mdia denegros e mestios um pouco menos da metade da dos brancos.Pesquisas sobre mobilidade social indicam que membros nobrancos das classes mdia e superior apresentam menor mobilidade social que brancos em posio similar e maior dificuldadepara trnsmitir aos filhos a nova condio. Todos ss s estudosindicam, assim, que a discriminao racial tem o efeito de forar s no-brancos a ocupar os nichos menos privilegiados dasociedade brasileira.

    Ao mesmo tempo que no Brasil as pessoas de cor so malsucedidas na educao e no local de trabalho, so mais vulnerveis em relao ao sistema de justia criminal. Paulo SrgioPinheiro descobriu que, das 330 pessoas mortas pela polcia emSo Paulo em 1982, nada menos que 128 (38,8%) eram negras.34Moema Teixeira observa que, em 1988, 70 da populaocarcerria do Rio de Janeiro era composta de negros ou pardos . Em So Paulo, a situao pouco diferente. Citando umapesquisa de 1985-1986, Teixeira observa que o percentual denegros e pardos na populao carcerria (52%) era quase o

    dobro que na populao de So Paulo como um todo (22,5%).35Num estudo do sistema de justia criminal de So Paulo,Srgio Adorno descobriu que, entre os presos e acusados de rou

    bo, trfico de drogas, estupro e assalto mo armada em SoPaulo em 1990, os negros saram perdendo em todas as etapasdo sistema: 58% dos negros acusados foram presos em flagrante, contra apenas 46o/o dos brancos. Da mesma o ~ m a uma proporo maior de brancos (27%) do que de negros (15 ,5%)aguarda julgamento em liberdade. Quando finalmente levadosa julgamento, rus negros condenados esto proporcionalmentemuito mais representados do que sua participao na distribuio racial da populao do municpio de So Paulo .36

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    POLfT ICA NAC IONAL IDADE O SIGNIF ICADO E ~ R A A

    s descobertas de Carlos Antonio Costa Ribeiro com baseem crimes levados a jri na cidade do Rio de Janeiro de 1890 a1930 so semelhantes, e ele conclui que a cor preta do acusadoaumenta, mais que qualquer outra caracterstica, a probabilidadede condenao .37 Costa Ribeiro defende que a discriminaocontra pessoas de cor durante o perodo em questo se relacionava influncia dos proponentes da antropologia criminal ,da escola positiva de pensamento estabelecida no Brasil porNina Rodrigues. Embora Rodrigues no obtivesse sucesso nacriao de cdigos penais distintos para negros, mulatos e brancos, a associao dos traos fsicos africanos propenso ao crime foi ritualizad nas medies obrigatrias de cor e traosfisiognomnicos na Diviso de Identificao Criminal do Riode Janeiro at 1942.38 Apesar de terem cado em desgraa nacincia forense, estas mesmas idias inspiram a prtica policial egrande parte da opinio pblica no Brasil at hoje.Adriano Maurcio apresenta provas especialmente pungentes do enraizamento dessas idias em seu notvel estudo do transporte pblico do Rio de Janeiro.39 O jovem moambicanocomeou a perceber que dificilmente algum se sentava a seulado no nibus que o levava de casa, no subrbio, universidade no centro da cidade. Por ter lido um artigo sobre a converso de Aime Csaire negritude num bonde de Paris, ondedescobriu repentinamente que olhava para uma negra bastantemal vestida com o mesmo nojo dos passageiros brancos,40 Maurcio deu incio a um estudo sistemtico dos padres de escolhade assentos em vrias rotas de nibus e entrevistou passageirosnegros e brancos a respeito de suas preferncias ao sentar-se.Com sua etnografia extremamente delicada e cuidadosa, conseguiu demonstrar que a ordem de preferncia dos passageirosbrancos na escolha do assento era, em primeiro lugar, mulheresbrancas, em segundo, mulheres de cor, em terceiro, homens idos s de cor e por ltimo, rapazes de cor. Ele concluiu que esses

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    BRASIL: FARDO DO PASSADO, PROMESSA DO FUTURO

    padres de seleo tinham relao com o pressuposto comumde que as pessoas com maior probabilidade de realizar assaltosem nibus so os rapazes negros. Contudo, ao mesmo tempoele percebeu que nos nibus no havia segregao racial propriamente dita. Os padres que observou eram o resultado de pressupostos implcitos e no explcitos acerca da proeminncia oufalta de proeminncia da raa em lugares pblicos.

    A demonstrao e o recgf1t,eciwento da existncia f ~ < S ~ -\ i f . - ~ : . . . ~ . , . . . . ~.J i' l .,.-'- . . ., ...1 1'"'.n I } ' J > ~ . ? J l ~ ~ ' W . ' 1 / r . l J b . ~ ~ ' - ~ ' ' " " ; ~ ~ " " ' " " " ' ' ' " ' " " ' ' f > " - i t ' > l l * . ~ ~ . i ~ \ ~ " " mo n o 1 ~ ~ i , w ; . ' . Q : g \ m m ~ n n : a ideolo 'ia ci. emrcia racial '~ ~ ~ w . r . t ~ ~ l A < . < .......... , . _ " " . ~ 1 ' i i f i m ~ - m : l ~ - ~ - ~ o g ; ~ ~ . a u ~ y - ~ : i . r 1 i W . i f ~ l ' l l ' ~ - ~ ~ . : . w ' W J J > s r ~ , , ~ ; ; r . ~r l ~ p . B i ~ ~ r t ~ ~ l ~ \ l & 4 ~ s . e > . . e l Q ~ s . , t & . a l . :ozsto, q l ~ b ~ h s c o r t l ~ a o ._..,.W.e;; ~ . s : . < r i - ' . , J W & : \ ~ i ~ " ' i i W ' . J . l l k " ' ' i \ ; ' " ' f r l h ~ ' - aNa verdade, as pesquisas de opinio pbica mostram cm s::tante clareza que a maioria dos brasileiros (no apenas acadmicos e ativistas negros) est bem consciente da discriminao.Em 1995, uma pesquisa realizada pelo jornal paulista olha deS Paulo revelou que quase 90o/o da populao reconheciam apresena de discriminao racial no Brasil.41 Uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro em 1996 mostrou que 68,2% dos habitantes da cidade concordam que os negros sofrem mais queos qrancos os rigores da lei .42 ~ . g ~ ~ ; n q ~ ; r . J . J l ~ ~ ~ ~ : .

    ~ ' Y & i t ~ ' ~ ~ ' q u . . a r . e m l l S . U ~ . ~ ~ ~ ~ ~ brasileiros adotam o ide_aJA ~ ~ ~ ~ . a 9 ~ e . a n . g ~ ~ ~ ~ l ' ~ ~ ~ l r ~ ~ L 1 m 'total de 87o/o dos pesquisados que se c=ficaram como ran-cos e 91 o/o dos que se definiram como pardos alegaram no ternenhum preconceito contra negros, enquanto 87% dos negrosentrevistados negaram ter qualquer preconceito contra brancos.De forma ainda mais surpreendente, 640/o dos negros e 84o/o dospardos negaram ter sofrido preconceito racial . - ~ Q J l l : G ~ s . ~ ~ J J . Sbrasileiros t i y P . ~ s e m : . ~ r ~ p , . u , e i t g go r c o n c e i t o . + , i ~ . como um~ - g ~ ~ A l . l > . i i r ~ Y . ; . " " ' ~ " : ' ~ ~ . M t > ~ / W . . N . m i J ~ l i : ~ . l ~ ~ , . . ~ 1 i J . ~ ~ ~ ~ - . c ~ - - " ' - ~ t n l . ~ ~informante branco disse a Florestan Fernandes e Roger Bastideanos atrsY

    Embora a maioria concorde que o mito da dembcracia racialcoexiste com o preconceito e a discriminao, as interpretaesdivergem. A interpretao que inspirou principalmente a ima-

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    POLfT ICA NAC IONAL IDADE E O SIGNIF ICADO DE "RAA"

    ginao dos ativistas negros do Brasil que o mito faz mais doque apenas negar a verdadeira democracia racial. Ele tem a potente funo de mascarar a discriminao e o preconceito e deimpedir a formao de um movimento negro de protesto emgrande escala. Segundo esta interpretao, o racismo brasileirotorna-se ainda mais insidioso por ser oficialmente negado.Michael Geor e Hanchard a. e s . ~ n t a este a r ~ u m e n t o da formamrus so s a an ise ~ ~ o no r .

    e chama ~ e J o ' ~ ~ n i . ~ t a c i a V ~ no Br.asil ~li N : a ~ ~ . ~ ~ ~ ~1 e i F M ~ f i f ~ en e n o - b r a t J . f J ? . . ~ , _ _ J , J r o m o v e n d o a dtscnmt-. _ : ~ gn r e mo ~ a sua ~ x 1 s t r i c 1 a . Tia mes-ma maneira, a m r ~ e categorias ~ Brasil,em particular a diferenciao entre mulatos, de um lado, e negros e brancos do outro, tambm tem uma "funo" .44 Comoexplicaria Degler, os mulatos so a "vlvula de escape" que dissipa possveis polarizaes e animosidades raciais. 45 Para essesautores, o que comeou como glria do Brasil hoje sua danao.

    ~ E s t a nova ~ . 2 . a , d a ; o r a s j ~ e i ~ a foi c o n t , . ~ ~de P f . e Y J t ; : S : f > J ~ i e m J J P J . a c o m n a r a c o ~ 5 S o m os EstadosU JL ~ ~ ~ a .._.J nido.s. D ~ = ~ ~ , ~ = e o : e ~ r ~ ~ ~ u m a . ~ternanva supenor, mas s1m um sistema arca1co e obscurannsta

    Q j u e c o ~ o e m ~ g d ' ' e t a r 1 g a t h t t i 1 i d ~ d e ' f de 7 F a ~sv i ~ ;PIIIIiiV az::w ? ' ~ F"i e ;;;e:;:ldlllllitlii'S'II Ql" S IUQirmente e mdas. ~ : a~ m l f l l l )~ ~ ~ ~ i r ~ 8 z a -

    q ..o era uma caractenstica necessria edesejvel da "moiler-nida e .De incio, claro que a polarizao relativamente maior favorece o conflito e o antagonismo. Contudo, desde que se cumpram outras condies, a polarizao aguda parece ser a longoprazo mais favorvel incluso efetiva do que uma graduaocomplexa de diferenas entre componentes, talvez particularmente onde as gradaes so organizadas numa hierarquia de

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    superioridade-inferioridade. Para deixar tudo bem claro, minhaposio que o problema das relaes de raa tem melhor perspectiva de resoluo nos Estados Unidos do que no Brasil, emparte por ter sido traada de forma to rgida nos Estados Unidos a linha entre brancos e negros e o sistema ter sido to agudamente polarizado. 6Michael Hanchard, escrevendo h bem menos tempo, exprimeopinio semelhante. Os conflitos entre grupos raciais dominantes e subordinados, a poltica da raa, ajudam a constituir amodernidade e o processo de modernizao em todo o mundo.Eles utilizam fentipos raciais para avaliar e julgar pessoas comocidados e no-cidados. ( ..)Esta a poltica da raa entre brancos e negros no final do sculo XX, e o Brasil no exceo. 47E Angela Gilliam, cientista social negra norte-americana, proclamou: Boa parte do impulso de africanizao consciente doBrasil deve vir dos Estados Unidos. O povo negro americanoprecisa comear a perceber que at algumas das conceitualizaese solues para uma frica africana vir de nossos esforos. Aluta uma s. 8 Em comparao com a normalidade e modernidade dos Estados Unidos, o Brasil, assim, deve ser declarado .carente: por no ter raas polarizadas; por definir a raade algum por sua aparncia e no pela genealogia; 9 por noter produzido um forte movimento negro de massas; por noter sido o palco de confrontos raciais; e por subordinar oficialmente a especificidade das raas desigualdade de classes. Omito da democracia racial interpretado como elemento funcional, um tanto fora dos arranjos de raa do Brasil, o queafasta o Brasil de seu destino natural . E . ~ s i m qmq a del11Q.-

    I I ' i l i L i i f . f ~ ~ l l . ' : ; r : ' " " " ' a " ' ~ 1 ~ i l l i : J ~

    f f ~ ~ ~ ~ ~ ~ J m h ( P . L Q . _ ~ 4 9 1 J l b ~ ~ t . e . n f ~ g ~ ~ " ~ ~ f l l < i u l ? J ~ , ~ ~~ ~ ~ ~ ~ J . ? : ~ ~ 7 ? ~ i ~ 9 ~ a d ~ ~ i . i ~ ~ [ i ~ l ~ " E ~ s l s m i ~~ - ~ ~ & l ~ b < Y r ~ ~ ~ I D ~ ~ . B l ~ ~ } J ~ ; ; t ~ S . i . G l l l s . Y . @ I P ~ 9 J ~ i ~ . ~ ,

    G i l i . ~ ~ ~ . f ~ ~ ~ : , ; . ~ ~ ; , . ~ ; i 1 s Como disse Suely Carneiro, c o o r ~ - 7o

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    P O L (TI C A , N A C I O N A L I O O E E O S I G N I F I C A O O O E R A A

    nadara executiva do Geleds Instituto da Mulher Negra, deSo Paulo, em recente seminrio sobre cidadania e diversidadefinanciado pelo Servio de Informaes dos Estados Unidos,existe uma tentativa de desqualificar os avanos obtidos pelomovimento negro nessa luta contra a discriminao atravs doque chamou de uma neodemocracia neo-racial, que teria comoobjetivo esvaziar a crescente conscincia e a capacidade reivindicatria dos afro-descendentes, especialmente os mais jovens,e impedir que o conflito racial se explicite com toda a radicalidade que contm em termos de mudana social .50~ ~ ~ ~ ~ l t . ~ ~ ~ ~ ~ ~ ; } J ~ ~ ~ ~ ~ ~ J ; t ~mar decorre do im p e n o cuff ~ ~ ~ ~ ~ t ~ l t ~ ~ ~ ~

    os ativistas e intelectuais a r n . e ~~ ~ n o s e dos :nei?.s ._e ~ o m u m c ~ ~ ~ ; ~ ~ : _ ~ d _ ~ ,e ~ ~ ~ v e r ~ l l i W a sobre a 1mportanc1ade organizaes como as Fundaes Ford e MacArthur, para citaras duas mais importantes, no financiamento da pesquisa e doativismo negro. Mas deve se perguntar por que essas idiasencontraram tanta ressonncia junto a ativistas negros e intelectuais brasileiros, a menos que suponhamos que todos eles, deuma forma ou de outra, tenham se transformado, voluntariamente ou no, em colaboradores .

    Esta interpretao do Brasil em particular tornou-se cada vezmais potente nos ltimos anos no s por causa da influnciados estudiosos norte-americanas e da utilizao de categoriasraciais desenvolvidas para descrever as raas e relaes de

    raa norte-americanas5 como tambm por causa do crescimento paralelo de um movimento negro articulado que, em geral,se tem aliado fortemente aos pesquisadores acadmicos. Um casopertinente Florestan Fernandes, que em seu monumentalintegrao do negro na sociedade e classes utilizou os termosnegro e branco segundo o desejo dos ativistas negros seus

    informantes.52 Embora no haja dvida de que o ativismo negro1 7 1

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    b r s i l e i r o ~ t e n h a ~ i n s p i r a d o em movimentos dos Estados Unidos e da Africa do ui (como poderia ser diferente? Eu chegariaa aventurar a idia e que o st tus herico de Martin LutherKing e Nelson Mandela no Brasil maior que o do brasileiroZumbi), sua prpria existncia indica que os brasileiros nodeveriam ser considerados um continuum de cores , mas simcomo negros e brancos . E, embora tal dicotomia seja claramente evocativa do modelo americano , na verdade sempre foilatente no Brasil e se exprime com maior clareza no termo pes-so de cor e no adgio popular quem passa de branco preto .Portanto, talvez se possa entender a construo social e histrica da raa no Brasil como baseando-se numa tenso entre as duastaxonomias.

    Mas a interpretao do mito da democracia racial comoengodo habilidoso apresenta p r o b l e m a ~ . : ~ p r i m e i r o > . J j " ; ,mostra profundo d e s r e s p ~ i t ~ ~ - ~ ~ ~ H ~ s l ~ ~ ~

    ~ 1 ~ ' ' ~ ~ ~ . & J i ' ~ , r { ; ~ ~ i t a r nele. Em.sesrundo lugar," = ~ ~ ~ : t t ~ : f ~ t ~ n.t'c. s d e - ; ; ~ ~ ~ i r ' - = ~ ~ ~ ~ ~ ~ -. , . ~ ~ ~ t 9 . . . 1 i G . . . t . . . . , . _ - ~ _ f f i ~ g ; s . , . , . , , ' ~ f E $ l ' ' t ; d { , . . J ' 5 . - . 4 1 ' ~ ~ 1 i ' . L.,_..~ ~ J . i ~ l l i f h ~ ~ ~ - ~ b ~ r d a o ' ' ; r r ; ' - & 1 ~ c i ~ ~ o c r ; ~ i ~ ~ . r ~ ~ i a 1 1 ~ ~ " l f f u .ponto de vista mais antropolgico, quer como estatuto para aao social quer como sistema ordenado de pensamento socialque encerra e expressa entendimentos fundamentais a respeitoda sociedade, ele pode ento ser compreendido no tanto comoimpedimento conscincia social, mas como base do que araa ainda significa na verdade para a maioria dos brasileiros.

    Por exemplo, o cientista poltico J ss Souza realizou pesquisasem Braslia sobre a distribuio do preconceito. Ele descobriuque, enquanto o preconceito contra homossexuais, mulheres,pobres ou nordestinos era comum em todos os nveis da socie-dade - ainda que um pouquinho menos evidente nos gruposde renda mais alta do que nos de renda mais baixa- o racismoera o nico preconceito que a vasta maioria de seus informan-tes, de todos os grupos de renda, condenava x p l i c i t a m e n t e . j l ~

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    PO L f T I C A , N AC I O N AL I D AD E E O S I G N I F I C A D O E RAA

    ~ ~ ~ - d e ~ ~ u ~ i s m o . r r t ~v a l o r e ~ M e m r _ ~ ~ ~ ~ atos s o ~ a i ~ .~ ~ ~ l u n s academtcos tendem a se m arcom o movimento negro enquanto outros alegam enfocar o quedenominam alternativamente de sociedade ou cultura brasileira. No preciso dizer que ada um empresta sua autoridadea um dos dois lados principais das batalhas polticas que se travam agora sobre a questo racial. E no h nada de estranhonisso, j que, como Marisa Peirano ressaltou, a fronteira entreativismo social e vida acadmica no Brasil sempre foi indefinida.54

    O POLTICDurante s discusses que levaram Constituio de 1988, omovimento negro e seus aliados acadmicos armaram-se paratentar trazer a questo social ao centro das atenes constitucionais. Em conseqncia, a nova Constituio deu mais garras lei Afonso Arinos, que fora criada em 1951 para punir a discriminao racial o redefinir a prtica racista como crime e nocomo simples contraveno. O deputado federal afro-brasileiro Carlos Alberto Ca apresentou depois uma nova lei que, deacordo com a nova Constituio, negava a fiana aos acusadosde crimes resultantes de preconceito racial ou de cor e estipulava penas de priso de um a cinco anos para os culpados.Esta lei dura tambm afirma que crimes originados de preconceito racial ou de cor no prescrevem com o passar do tempo(so imprescritveis).56

    A novidade da nova Constituio foi o reconhecimento dosdireitos de propriedade dos descendentes de quilombos quecontinuavam a ocupar suas terras. 7 Pela primeira vez, a situao especial de determinadas comunidades negras foi reconhecida em sentido afirmativo, com a concesso de direitos legais

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    semelhantes queles que havia muito estavam disponveis paracomunidades indgenas mas no para outras populaes ruraisno-tnicas . Em conseqncia, numerosos pesquisadores eativistas comearam a mapear estas comunidades, muitas das

    quais gozando hoje de ttulo legal de posse da terra. Mas issotem seu custo, pois, para determinar sua autenticidade , scomunidades em questo foram obrigadas a provar sua situaoo tcnico responsvel pela produo do laudo oficial (em geral

    um antroplogo ou historiador). O processode reconhecimento da simples existncia dessas comunidades vem tendo, eu diria, efeito importante sobre a forma como a questo da raa pensada no Brasil. Os efeitos do processo de identificao soao mesmo tempo prticos e simblicos: prticos porque se garante a posse da terra; simblicos porque o Brasil se confrontacom uma realidade que desafia a auto-imagem de sociedademestia e a substitui por outra onde h autenticidades raciais .Produz-se efeito semelhante cotn os grupos de Carnaval de inspirao africana em Salvador e outros lugares. Ao imaginaremum Brasil multirracial e multicultural em vez de um Brasil demistura inextricvel, produzem-no efetivamente moda da profecia que s cumpre a si mesma descrita por Robert King Merton.

    Os mesmos argumentos esboados por acadmicos e ativistastambm levaram a mudanas na atitude governamental relativaa raa no Brasil. Durante a ditadura militar, tr insinuao deque havia c i s ~ o no Brasil podia levar a acusaes de subverso. A atividade do governo restringia-se ao apoio a eventosculturais, mais tarde por meio da Fundao Palmares do Ministrio da Cultura, que com este propsito administrava um fundo minsculo e imprevisvel. No entanto, o governo FernandoHenrique Cardoso, que chegou ao poder em 1994, estendeu doMinistrio da Cultura para os Ministrios do Trabalho e da Justia sua preocupao com questes afro-brasileiras.58 Em 1995,o governo iniciou seu Programa Nacional de Direitos Humanos,

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    que continha uma srie de atividades planejadas no interesse da"comunidade negra". Incluam-se entre elas o grupo de trabalho interministerial - criado pela Medida Provisria de 20 denovembro de 1995 - pa ra "formular atividades e polticas parareconhecer o valor da populao negra", e um Grupo de Trabalho para a Eliminao da Discriminao no Emprego e naOcupao" dentro do Ministrio do Trabalho. Todas essas medidas podem ser classificadas como "antidiscriminatrias". Sousadas para fortalecer os direitos e liberdades individuais conforme estabelecido pela constituio federal. Como tentativasde combater o racismo e o racialismo, no representam mudana marcante em relao poltica antiga e esto em consonncia com os ideais da "democracia racial".

    , E n t r e t a n t ~ , ~ ~ ~ . M ~ = d . ~ ~ , ~ & ~ ~ ; ~alem deste obJe1lvo antt-rac1sta ao. propor mtervenoes que VI-sam a fortalecer uma definio bipolar de raa no Brasil eimplementar polticas especfica > em favor dos brasileiros negros. P ~ ~ ) o , _ o rograma sugere l i n h ~ . < ? . s i s ~ ~ J : ? ~ i f - : 1 1ro de Classi = . ~ 1 l ~ ~ s t r e f f J s ~ i i f c i ~ . s , ~ ~ i . n . Q . : u i ( n d o )~ . . . . . . . . , o ~

    . ~ ~ ~ ~ ~_ . ~ ' i i ~ V i i . \ W ; m _ ~ ~ ~ ~ $ ~ 0 . S. ~ ~ ~ O S J 1 " ~ I '_ : - - ~ - - - ~ : a n t ~ ~ .. Q ~ g n . t l ; I } j ~ J a t , ' \ i ~ l l P R , ' . ~ . o negra . em i ... . ~ . . . - - - - : : - - & ' u ~ , ~ ~ $ > l l ' M f ' l ~ . . .

    1sso o programa sugere que se ap01em ' as aoes ~ a m1c1at1vaprivada que realizem discriminao positiva", desenvolvendo"aes afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, universidade e s reas de tecnologia de ponta", e formulando "polticas compensatrias que promovamsocial e economicamente a comunidade negra .~ S . : J m . ~ - ~ ~ g ~ ~ . ~ B ~ f . r i j _ ~ ~ e n t e d i s ~ n t a s das

    . ~ s t r ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ & _ ~ g ~ b , a . t ~ ' ' s m ~ ~ t i ~~ m p r t ' l i l d ' ' ' r a a ' ' , celebram o r l , , m'e ft'Ta m ~ ~ ~ } 1 B f i l ~ ~ ~ ~ l ~ ~ ~~ ~ - l z ~ , : , ~ r w d . Q . ~ d ~ t r ~ b " t : , r r l . - ~ ~ M a d ~ ~ ~ : r , e ~ 1 ~p o u r r e . ~ i e l ' J n i m e t r a vez s e a a o 1ao a escravarura;-v

    l t ~ - 1 7 s

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    BRASIL: FARDO DO PASSADO, PROMESSA DO FUTURO

    governo brasileiro no s reconheceu a existncia e a iniqidade do racismo como tambm optou por contemplar a aprovao de leis que reconheam a existncia e a importncia decomunidades raciais distintas no Brasil. Fernando Henrique

    Cardoso, cuja carreira acadmica como socilogo comeou compesquisa_s sobre relaes de raa como desdobramento do projeto da Unesco,59 anunciou em seu discurso do Dia da Independncia em 1995: Ns temos que afirmar, com muito orgulhomesmo, a nossa condio de uma sociedade plurirracial e quetem muita satisfao de poder desfrutar esse privilgio de termos, entre ns, raas distintas e de termos tambm, tradiesculturais distintas. E.ssa diversidade, que faz no mundo de hoje,a riau eezzaa ae...mn u ~ ) ~ o , ~ r . e d r i . ~ e ~ . ~ ' f : ; ~ ~ ' S m ) c r n . - ~ . ~ ~ ~ _ , . . , . w . m ~ceito d e a . ~ . . ~ t i i i t i n t a t qe n - ~ a ~ ~ t i a f ' ~ ~ a ~ ' p ; > r F t e y ~ ~ E o~ dar c r d l t ~ ~ e u ~ ~ ' p ' t l e t t l ~ ~ r maisprximo da ideologia dominante de pensamento progressistanos Estados Unidos?

    Em julho de 1996, logo aps o discurso do presidente, ogoverno brasileiro patrocinou um seminrio em Braslia sobre

    ~ o afirmativa e multiculturalismo , no qual vrios acadmicos brasileiros e norte-americanos discutiram a questo da aoafirmativa no Brasil. O interessante neste seminrio que, aomesmo tempo, ele afirma a propriedade da anlise de Bourdieue Wacquant e tambm a questiona. Embora com certeza o evento tenha sido realizado para promover no Brasil a ao afirmativa, foram tambm apresentados fortes argumentos de cautelaem nome da democracia liberal ou da inteligncia sociolgica .

    . t ~ . P ~ ~ o F ~ ~ ~ ~ : V ~ ~ e ~ ~ ; ~ ~ ~ ~ . ~ . d e que a aoafirmatlva ~ n t r ~ S 1 J r e c e 1 t o s da a e m o c r a c t " ' h l f ' e r l ~ q ~ ~ ~ ~ l i i r f c l ; f f l ~ ~ ~ ~ r f u ~ ~~ ~ 7 ; ~ t ; r s t i c a s raciais das

    pessoas venham a mostrar-se socialmente irrelevantes, isto em

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    P O L [ T I C A , N A C I O N A L I D A D E E O S I G N I F I C A D O E R A A

    que as oportunidades de todo tipo que se oferecem aos indivduos no estejam condicionadas por sua incluso neste ou naquele grupo social. ( .. ) Queremos uma sociedade que nodiscrimine ou perceba raas, isto , que seja no limite cega paraas caractersticas raciais dos seus membros. ~ ~ i ' 9 9~ ~ ~ - ~ - ~ ~ : ~ ~ ~ ~ w u - u m ~ ~ r r i e t a i n s ~ b s t i t u ~ x a t ~ e n t epor : f i r m ~ r a i r r e l e v J ? . C l ~ ~ ~ ~ ~ o r -~ ~ m a g l n a r uma soc1edade queevita a afirmao militante de identidades raciais distintas .62Ele conclui com a sugesto de que o governo deveria fazer tudoo que estivesse em seu poder para corrigir os esteretipos negativos associados a pessoas de cor, por meio da educao, dosmeios de comunicao e assim por diante, mas que deveria aplicar a prpria ao afirmativa socialmente em vez de racialmente , concentrando-se na reduo da pobreza. omo cor eclasse andam juntas no Brasil, argumenta ele, tal poltica respeitaria os valores democrticos liberais ao mesmo tempo em quemitigaria a desigualdade racial .

    O antroplo_ o , e to a ~ f a z outras objees. Seuargumento nao se baseia tanto na importncia dos ideais liberais quanto na inteligncia sociolgica distinta do r a s i l ~ele, a u s t ~ p classificatria no pode ser J . la . ~ o m q

    Pe'o con

    .:\

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    o binria necessria para a ao afirmativa (ou seja, ou voc candidato ou no). Ele tambm chama a ateno para as conseqncias da ao afirmativa nos Estados Unidos, onde, argumenta, a crescente mobilidade social de muitos negros foi conseguida custa do fortalecimento do preconceito racial e da segregao Assim como Reis, DaMatta sugere uma campanha educativapara explicar a forma como a discriminao racial funciona noBrasil e para exaltar a idia de democracia racial.64

    O argumento a favor da ao afirmativa no Brasil foi apresentado com mais clareza e l o ~ . P , . , . i a g _ g ~ . t m n i . q . . , S . ~ . i o Guima-\ ' ? . . L ~ l e afirma que um programa "no e i f i c a d o , ~ ~ ~ i j j t 5 r n bde ao afirmativa compatvel com o individualismo e a igualdade de oportunidades, porque uma forma de promover aeqidade e a integrao social.65 ~ i . I D r ~ c o m e n d a o que a aoa f i r ~ s ~ j a a p l i s ~ . ~ o m a s s ~ p n p ~ ~ ~ i " ~ 7 i i f i e ' d e v e ~

    t i ~ ~ a 1 1 t l ~ t i c ~ ~ u l l i v r s t i S t . : t ; m ~ p : - : g > r i 1 t i r ' I - r ;~ p ; t 1 r - ~ ~ ~ ~ l . t ; y ~ ~ ~ ~ ~ - . - , ~ y.mao de uma e l i t ~ u l t ' : ' i ~ l : R a r - . a : d . s . . s ~ o . } E s ~ t ~ ; " ( ) H r s " ~ p r r a: : i l r t W s ~ : t ~ ~ ~ u , ~ & & R ~ ~ a M ~ t ; ~ r - ~ ~ I - ~ H ~ ~ J ~ ~ ~ s i ~ ~ ~ r ~ ~ ~ ~

    J U l & e s t a ~ J . a ~ ~ J } ~ 2 X I D . . ~ f l ~ . f , l : . c i ~ ~ J ~ ( ~ i z a r ~ } ~ ~ s > p . o m i m e f t o ~ r ~ ~ e as elites ; , l e c t u a i s ' ' . 66 u i ~ [ e ~ ' - c i " e ' s ~ ~ t ~ 7 q U S f a : ~

    ~ - : p i n h ~ ~ c n r ~ = i f i ~ : ~ a o perguntar, ironicamente: "Quemgostaria de ser negro para ingressar nas universidades, por exemplo, a no ser os negros? 67 (Ele no pergunta quantas pessoasdefinidas como negros prefeririam entrar na universidade simplesmente como cidados.) Para evitar fraudes, sugere que a corvolte a constar das carteiras de identidade: Se ser negro realmente algo to desvantajoso, quem desejaria ser identificadocomo negro?

    Mas o que distingue com mais clareza a posio de Guimares da de Reis e DaMatta sua defesa da celebrao das identidades raciais,'. Para Guimares, este um dos resultadospositivos das polticas de ao afirmativa. Ele argumenta que asdiferenas que causam a desigualdade no deveriam desapare-

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    POLfT ICA, N A C I O N A L I D A D E E O SI G N I F I C AD O DE. RAAu

    cer (isto seria impossvel), mas sim ser "transformadas em seuoposto, numa fonte de compensao e reparao" .68 Coerentecom este ponto de vista, Guimar.es tambm defendeu recentemente a reintroduo do conceito de "raa" no discurso analtico.69

    A posio de G u i m a r e ~ ~ n e , l \ \ f l ~ de H_an_chard e l e~ ~ ~ - l m l ~ . l . - - ~ ~ ~ ~ { ; . ~. um ~ t o r l m p o r r a : i f f ' ~ ~ ~ m . o v i m e n t . ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ... ~ W o f ~ ~ ~ j uma sociedade no de am-w. 1dade .e edia a , ~ ~ 1 ~ s ~ e f i S ' 5 t - ' i ' S w: ~ ~ ~ ~ : g ~ - t:niramente emarc , , . ~ - t ~ , . . , g p e devam ser "for-~ ~ ~ ~ ~ - = ~ ~ r . ~ " o o . ~ ~ ~ - ~ . z i l ~ ~ - ~ ~ m m . " " mt ~ ~ ~ ~ ~ : ~ ; : ~ ~ ~ : ~ ~ aqu.eles que_ argumen-tanam, e sou um aeies, que a pohttca de mtegraao cultural

    efetuada com tanta diligncia e at violncia no Brasil tem sidoto bem-sucedida que as identidades que Guimares gostaria dever valorizadas teriam primeiro de ser construdas. E na verdade isto o que indica o registro etnogrfico. A histria do mo-

    ( ~ ~ , l ~ f 4 ) ' ( ) 6 l o t . : ~ ~ ~ k t . ; ' ' ; : o Q lVlmento negro no Brasll tem . ~ ~ p em boa parte a hlstona ae

    ~ ~ ~ ~ ? ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ; ~ ~ ~ ~ ~ ~ :~ ; r . ~ f ~

    ~ . , ; t s z r ~ ... A s questes sobre multiculh1ralismo em jogo no seminriode Braslia, segundo meu ponto de vista, revelam contradiesgraves situadas na raiz da sociedade brasileira. _I)e ul l ~ a d o h.UJ?. & 9 . - ; ~ . . . q m P , ~ ~ t q c9m a " d e ~ o c r a c i a _ l i b e r : f ' \ q ~ ~ ~ ~ b ~ a~ ~ i t o . c q n 7 ~ a p e l ~ ' r ; ; ~ ~ f f f C l e ~ ~ ~ c t f ~ t c i T s f f i ~ ; ~ e c ; ~ ~ ; r p [ o ,~ ~ ~ ' >W .,_ ~ = " " ' . . r . 1 1 " " < > 1 ~ -'Cio nepo i s m 7 ~ t l c r ' p ' t e ' o i ' e i f ' ' t ' P d ' p t l d e t i : ) p f i l e n t e ~ v - i ' o l t n to,

    ~ $ ' W l p . e m i T n ' e ' C ~ ~ c r l t 1 J " 2 t t l e - a l ~ , , l f ~ . , . . . q e ~ i l t t s ~ p r r f f i ~ A : r . : r " x : . t r c r f _. ~ ~ ~ - 4 ~ ~ ~ : r . . t U F : ~ ~ . ~ : c - ~ ~~ r e r ~ n t e 1 r d ~ - - r i m e i r \ z e s r ~ ' P . i p ~ l < Y a ' " r r ? d i o", " i n i e ~~ r ~ ~ , ~ ~ - ~ ' ' ' " ~ R ~ " : l . ~ ~ ~ m J R t ; ~ ~ , l ' i m ' l l t i i l ' - " ~ ~ ~ ~ ~ ~ l ' < a 5 ~ ~ u t - m < > ; ; ~ . t > i ' J r o ~ l - ~~ ~ ; : ~ : = ; ~ ~ , ~ ~ ; . : a ; ~ ~ ~ ~ ~ a :w t . U ~ ' < i ~ n i r r q i ' . f i w ~ l ' b i g i l i C i i l i r ; , f . ' E i l i i l ' m " ' f e r ~ e i ; ado s t ~ ~ ' c t e m u a r l r d f a l ~ ~ ' U m ~ d s r t ~ " ' ' t r a

    d i o ~ ~ . r c r r e h e c i m l l r " J r m r a e " ~ 1 ' ' d l ~ t i ' i : t ~ ~ ~ T : o1 7 9

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    , _ . . U ~ ~ r u t . r J r . t l . . t . E : - r a d e s i g u ~ d a ~ . : , , l ~ ~ ~ . & ~ ~ ~ l ~ Embora no possa haver dvidas aque oel5t 'fofprovocadopela experincia americana de ao afirmativa (vrios norte-americanos foram convidados a recordar a experincia), e l e ~ - . . .vela com bastante clareza que de forma alguma o "mud'E f

    ~ t ; ' : ) ' l ' ~ ~ . i i . ' l < : . # ' - . . ' i ~ ~ ' : ~ ~ ~ i ' o . ; n : W : . . ~ J . ' r V - ' Z . P / ' t ' f t . r ~ : : - ; ~ : ' t : ' f i ' ; r - r , t , ' : : ~ ~

    . , . , , ~ . : ~ P . ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ g l L S B ) , H R : . J ? J . , ~ i ~ . l ~ d i s ~ o , sq \Yestoes em JOgo, embora apaream sob bande1ras nacronrus, saona verdade de natureza mais geral, pois vo ao prprio cerne daquesto da humanidade e sua diversidade no mundo moderno.

    AO SOCIALCom as questes da raa trazidas baila no Programa de Direitos Humanos e nos grupos interministeriais de trabalho criadosa partir dele, brotou em todo o pas uma infinidade de iniciativas visando a abordar a desigualdade e a discriminao. A maiorparte financiada pelo governo, por fundaes internacionais,por Igrejas ou alguma combinao dos trs. A gama de iniciativas reflete a gama de opinies presentes no debate acadmico.Algumas optaram por explorar opes possibilitadas pelas leiscontra o racismo, levando casos aos tribunais. Outras se concentram na construo da auto-estima e da identidade negra,enquanto h as que exigem sistemas de cotas para negros noservio pblico e nas universidades. Outras ainda preferem solues hbridas, que atacam simultaneamente questes de desigualdade racial e pobreza em geral por meio da realizao decursos de treinamento pr-universitrio para negros e carentes . Algumas n i c i a ~ v a s so promovidas por empresas multinacionais, outras esto incorporadas a empresas comerciais e hum pequeno nmero que sobrevive com financiamento prprio.No h espao aqui para discutir todas essas iniciativas ou paraJazer justia complexidade deste campo. Selecionei apenas ai-

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    POLfT ICA NACIONALIDADE E O SI GNI F I CADO DE RAA

    gumas para ilustrar a gama de atividades em andamento hojeem dia.Um certo nmero de organizaes concentrou seus esforospara levar o racismo aos tribunais, usando a lei Ca e leis estaduais e municipais compiladas por Hdio Silva Jr., do Centrode Estudos das Relaes de Trabalho e Desigualdade (CEERT).7So dignos de nota o CEERT, o Centro de Articulao de Populaes Marginalizadas (CEAP), no Rio de Janeiro, e o Geleds,organizao de mulheres negras em So Paulo.72 Embora sejaextremamente difcil provar a prtica racista e mais difcil aindalevar os infratores condenao dadas as penalidades to durasimpostas pela lei, j se conseguiu vitria em vrios casos exemplares.73Tradicionalmente, os movimentos negros brasileiros derama maior nfase criao de uma identidade negra especfica.74Como os acadmicos, sentiram que o sistema complexo e finamente graduado de classificao racial do Brasil, como partedo mito da democracia racial , era responsvel pelo mascaramento da verdadeira diviso bipolar dos brasileiros entrebrancos e negros. Alm disso, como argumentei anteriormen-t e ~ a E _ ~ J ~ ~ = = ~ ~ ~ ~ s ~ ~ ~ ~ t w ~ ~ I J 1 P~ m t k ~ ~ ~ . ~ a . 9 ~ ~ J J : ~ ~ ~ ~ j ~ l e ~ 5 ~ eno fossem brancos. Como rc;hn Burdick d e m o n s t r o u ~ fr' ; ; ~ ; ~ a afronta particular ao que DaMatta chamou de inteligncia sociolgica brasileira alienou muita gentesimptica causa anti-racista mas que relutava em abandonarsua identidade como brasileiro ou moreno em troca do que lheparecia ser a exclusividade da negritude.75 Alm disso, semprefoi difcil para os grupos negros o estabelecimento de emblemas diacrticos da cultura negra, porque, sob o toldo da democracia racial, muitos bens culturais importantes como a feijoada,o samba e a capoeira, que podem ser rastreados at a frica, setornaram smbolos da nacionalidade r a s i l e i r a

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    BRASIL: FARDO DO PASSADO PROMESSA DO FUTURO

    e . . ~ s m ? o l o ~ d_. i - ~ ~ ~ ~ ~ ' L ~ ~ q i i w emente . ra o ~ ~ s ~ ~ ~ ~ ~ ~ a r ~ 1 ~ ~ ~ ~ l i

    . ~ o ~ ~ m , a p r o p r l a~ . v ~ ~ ~ m ~ n ~ . ~ i ~ - - onde . ~ . r ~ . r ~ ~ t 1 ~ 5 : ; s, ~ ~ ~ J . : i i ' . i S - ; i ' > ~ l ~ i l r e L ~ ; ; r , ? - " r W l m ~ ' l l ~ ~ , ~ f ~ - e m ~ ~ . 51 r o Ile A t y e , ~ l ~ - . e ~ : ~ l l l ~ & l60 . . - - n s - : : ~ 1 & ~ ~ ~r . . d ~ ~ l & & ~ i . R ~ i o ~ ~ ~ m J ~ d e

    ~ ~ l ~ t ' f e s t m i : n g ; i E ~ ~ ~ . r B . e & ' P M ~ . ~ . ~ ~ ~ ~A partir desta experincia aesenvolveu-se um estilomusical, a msica ax: e seus derivados, que s tornou quaseobsesso nacional. 78 Contudo, h muito pouco tempo e, penso eu, de forma relacionada a essas iniciativas, despontou umforte movimento para celebrar exatamente o que, segundoN . , B 1 A ooguetra marca ( l _ s J I $ . ~ 8 . ~ . ~ ~ . g , f u ; ' , J : . ~ . k } . , ~ 2 J l x J . : r t ; J & ~ - . ~ g ~ i S , U : ~ l : : i i l isucesso comercial a revista Raa Brasil que esti.,..h;je em seuquinto ano de existncia, baseia-se, com certeza, em sua nfase na esttica da negritude. Outro exemplo de celebrao daesttica negra e de tentativa de melhorar o acesso de brasileirosnegros ao mercado de trabalho o Centro Brasileiro de Informao e Documentao do Artista Negro (CIDAN), fundado pela atriz Zez Motta para promover artistas negros pormeio de um catlogo que est agora disponvel na Internet(www.cidan.org.br).

    Num seminrio recente sobre negros e mercado de trabalhona Universidade Federal do Rio de Janeiro, a psicloga MariaAparecida Silva Bento, ativista negra de longa data e atualmente coordenadora-geral do CEERT afirmou que sugerir cotas paranegros sempre interpretado como provocao , a ponto de,pelo que ela sabe, no existir nenhum programa desses no Brasil. At empresas multinacionais cuja sede se localiza nos Estados Unidos e que realizam programas de diversidade no Brasilevitam mencionar cotas e concentram seus esforos em eventosculturais e no apoio a comunidades pobres. A Xerox Corporationfinancia a Vila Olmpica, onde jovens atletas da favela carioca

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    da Mangueira recebem treinamento, enquanto o BankBostonuniu-se ao Geleds para apoiar alunos secundrios negros e promissores.O,nde q ~ e r l u e , . ~ ~ q ~ ~ ~ t e . m c i t n a ed ~ ~ projeto de le1 apresentado pelo lder vetera-~ ~ o movimento negro Abdias do Nas cimento, que determinavauma cota de 20o o para contratao de negros no servio pblico,no conseguiu apoio no Senado,. onde se apresentaram argumentos semelhantes aos de Reis para indicar a inconstitucionalidade do projeto.79 Da mesma maneira, um projeto de leiapresentado na Assemblia Legislativa do Rio de Janeiro pelodeputado "verde" Carlos Mine, que reservava 100 o das vagasde universidades pblicas e escolas tcnicas para "setores tnico-raciais historicamente discriminados" e mais 20o o para os"carentes", no obteve maior sucesso. Um grupo de alunos daUniversidade de So Paulo que props um sistema de cotas paracandidatos negros a vagas universitrias e um sistema complexopara decidir quem se adequaria quela categoria tambm enfrentapesada oposio at hoje, embora tenha levado a administraoda universidade a criar, em 1999, uma Comisso de PolticaPblica para a Populao Negra. A Comisso foi encarregadade realizar pesquisas para descobrir a demanda, o acesso e astaxas de su esso de estudantes negros na universidade e de propor medidas para reduzir quaisquer dificuldades identificadas eaumentar a matrcula de alunos negros. Conversas com membros da Comisso revelam mais uma vez o dilema de atender sdemandas de progresso negro sem ofender a sensibilidade daqueles que rejeitam as cotas.

    Embora a construo de urna identidade "racial" continue ainspirar muitas organizaes, tem havido nfase crescente naabordagem das questes concretas da desigualdade no local detrabalho, no sistema educacional, com relao sade e em organizaes religiosas. Como resultado, surgiram comits em sin-

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    dicatos, organizaram-se cursos pr-vestibulares para jovens negros e pessoas carentes em todo o pas, realizaram-se esforosespeciais para atingir mulheres negras no que tange sua sadereprodutiva e padres e pastores negros se organizaram para combater o racismo na Igreja Catlica e nas Igrejas Evanglicas Prot,estantes.8Com a reduo da nfase exclusiva na produo daidentidade, partes do movimento negro tambm se tornarammais inclusivas, buscando alianas alm do pequeno ncleo demilitantes negros e reconhecendo que nem todos os brasileirosvem com bons olhos a troca de seu sistema complexo de classificao racial pelo modelo bipolar.81 Como argumentei, oprprio movimento parece incapaz de ritualizar seu desejo.82 Em20 de novembro de 1995, pouco tempo depois da Marcha paraWashington de Louis Farrakhan, vrias organizaes negras doBrasil montaram uma Marcha para Braslia para comemoraro aniversrio da morte do lder escravo e heri nacional Zumbie protestar contra a discriminao racial. Dois estudantes queparticiparam da marcha voltaram com a sensao clara de quehaviam participado de um evento muito brasileiro . Em contraste com a seriedade masculina e formal da marcha a Washington, a verso brasileira consistia em homens e mulheres de todasas cores possveis, que danaram pelo caminho todo at o centro do poder vestidos com as cores mais vivas mais moda deuma escola de samba. Os estudantes comentaram que era comose o Brasil se recusasse a aceitar uma diviso racial na vida poltica e social, ainda que se tratasse da prpria questo do racismo 83

    Dessa maneira, e ao evitar uma coliso frontal com os .ideaisde mistura e democracia racial , o movimento foi capaz de atrairmais apoio e conquistar maior credibilidade. Um exemplo particularmente interessante desta resposta s demandas de igualdade racial sem racializao total o Movimento Pr-Vestibularpara Negros e Carentes (MPVNC), cujos alunos bem-sucedidos

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    recebem bolsas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro (PUC). Como o nome sugere, o movimento organizacursos para preparar alunos negros, pobres ou ambos para osexames vestibulares. Os aprovados no exame da Pontifcia Universidade Catlica do Rio recebem s bolsas automaticamente,com base num acordo firmado entre s duas organizaes em1994.

    O nome do movimento reflete os dilemas enfrentados pelos ativistas brasileiros, que sentem a necessidade de ao afirmativa mas reconhecem que iniciativas "particularistas" tendema superar a oposio dos "liberais" e dos que acreditam que oBrasil "diferente". A deciso de incluir "negros" e "carentes" no nome da organizao representa uma mediao entres duas posies. H vrias razes para isso. Em primeiro lu

    gar, a prpria Igreja Catlica contrria distino racial evrios professores catlicos brancos participam do curso.84 Emsegundo lugar, os organizadores do curso reconhecem que aexcluso da oportunidade educacional no monoplio dosbrasileiros negros. Mas tambm pode ser que a deciso reflitasimplesmente a diplomacia da cordialidade. Sejam quais forems razes para a escolha do nome, o movimento vem tendo

    enorme sucesso e o nmero de ncleos e de alunos cresce rapidamente.

    O curso propriamente dito semelhante aos muitos outroscursos pr-vestibulares do Rio de Janeiro. O que o torna diferente que os professores doam seu prprio tempo e os alunos contribuem com um pagamento quase simblico de US$10 por ms,contra os cursos comerciais que custam at US$ 500 por ms. Ocurso recusa qualquer financiamento externo. Alm disso, acrescentou-se ao currculo padro uma aula semanal de civismo naqual se aborda a questo racial.

    A antroploga Yvonne Maggie sugere que o grande sucessodo movimento pode dever-se sua capacidade de permitir a

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    coexistncia de vrias posies quanto questo racial dentrodo prprio movimento. Longe de tentar impor, no acesso aocurs, um tipo de estudante j militante, o MPVNC atrai pessoas com concepes diversas sobre cor, identidade tnica, desigualdade, excluso, poltica etc. 85 Assim, alunos que se definemcomo ' ~ n e g r o s estudam lado a lado com alunos que s definemcomo flicts , inspirados no heri de um livro para crianas es-crito pelo humorista Ziraldo. A palavra flicts indica, nestecontexto, tanto todas as cores como nenhuma.) Por fim, Maggiee sua equipe descobriram que a ampla maioria dos alunos e professores, com exceo dos lderes do movimento, no favorvel s cotas para candidatos negros universidade, mas, em vezdisso, demonstram forte adeso ao individualismo segundo adefinio de Reis. Embora trabalhem juntos em grupos de estudo e apesar de todo o movimento se basear na solidariedadegenerosa, domina a crena de que os alunos acabam por entrarna universidade em decorrncia de seu prprio trabalho e dedicao.

    Ainda assim, o envolvimento da Pontifcia UniversidadeCatlica com o MPVNC no passa sem crticas de certo setorda populao estudantil. Em novembro de 1997, um jornal estudantil, significativamente chamado O Indivduo, publicou umartigo intitulado A noite negra da conscincia . Neste artigo,Pedro Sette Camara lanava uma crtica violenta Semana daConscincia Negra , realizada para comemorar o heri negroZumbi, lder do quilombo de Palmares, a mais famosa comunidade de negros fugidos, localizado em Alagoas no sculo XVII.Ele argumentava que a Semana se inspirava obviamente na noo norte-americana de politicamente correto e fora um exemplo de colonialismo cultural, e arriscava a opinio de que essesprprios eventos eram racistas. Ningum gostaria que fizssemos a semana da conscincia branca , escreveu. Sempre que seexalta a raa, h racismo. 86

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    No ano seguinte, durante as eleies para o diretrio estudantil urna faco, PUC Diversidade , acusou outra, PUC 2000'',de ser preconceituosa e segregacionista . Urna aluna de literatura da PUC Diversidade foi citada: H trs anos, a entrada dealunos do curso pr-vestibular para negros e carentes acabou mudando a paisagem sociald PUC escola tradicionalmente considerada de elite. ( .. )Este grupo que ganhou as eleies preconceituoso,discrimina e segrega. A diversidade de classes sociais saudvel.Outro integrante da PUC Diversidade afirmou terem dito a um deseus membros, que v}v e na Zona ~ orte do Rio e estuda com bolsa,que, por ser pobre) ele no deveria estar na PUC enquanto outroqueixou-se de que a PUC 2000 acusara a PUC Diversidade de servir de apoio a gente pobre, negros e maconheiros . Walter de SCavalcante, aluno de direito e membro da PUC 2000, negou a acusao: O diretrio estudantil mesclado. A diferena que [aPUCDiversidade] no consegue entender que o mundo mudou e que omovimento estudantil tem de se modernizar. Somos realizadores,enquanto eles ainda acreditam na luta armada. Ele prossegue descrevendo a PUC Diversidade como a turma do PT em alianacom neo-hippies .

    Mais urna vez este drama social ainda revela as premissascontraditrias sobre as quais se constri a poltica de raas noBrasil. Como observou Monica Grin, todos os atores preferemfalar de classe social em vez de raa. 87 Quando chegam a abordar a questo da raa , cada lado acusa o outro de ser segregacionista, como se nenhum deles estivesse preparado para abrirmo da mistura que a PUC 2000 identifica com a cultura brasileira. Ironicamente, a acusao de colonialismo cultural enoo norte-americana de politicamente correto , feita normalmente pela esquerda contra os neoliberais , ocorre na direocontrria no debate que nasce da celebrao da identidade negra na Pontifcia Universidade Catlica. Mais urna vez, o modelo americano invocado como a desgraa do Brasil.

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    Este entrecho me traz de volta s questes que levantei anteriormente. Seria possvel interpretar que a PUC 2000 est usando paradoxalmente o politicamente correto m e r i c ~ o comoverdadeira acusao com o objetiyo de reprimir a subversopositiva da PUC Diversidade. Mas quem decide o que positivamente subversivo e o que no ? Ser que Bourdieu e Wacquarttesto assobiando e chupando cana? Estaro caracterizando opoliticamente correto como acusao feita por conservado

    res a subversivos em algumas situaes e como imposioetnocntrica de idias estrangeiras em outras? No drama da PU C,acho difcil entender a atitude do reitor e dos que o apiam (apenas 40o o do corpo estudantil, segundo Grin) ao julgar as opiniesdos autores do artigo publicado em O ndivduo suficientemente odiosas para ignorar o direito liberdade de expresso, garantido pela Constituio. Acho isso especialmente difcil deentender dado o fato de que a PUC foi alvo de macia represso, principalmente da liberdade de expresso, durante os anosde regime militar.88 Mas ento, com toda a justia, o debate sobre a questo racial , seja na Frana, no Brasil ou nos EstadosUnidos, como espero ter demonstrado, baseia-se na dvida e nacontradio, acima de tudo porque as questes em jogo se entrelaam de forma to ntima com questes de identidade e pro-jetos nacionais e pessoais. Acho difcil no ficar ao lado daquelesque rejeitam as tentativas de interpretar como fundamentalmenteerrados o modelo brasileiro ou a inteligncia sociolgicabrasileira . Agir de outra forma seria renegar os princpios bsicos de minha disciplina e sucumbir s presses para capitularem face da inevitabilidade da racializao do mundo. Aindaassim, doloroso assumir tal posio contrria opinio dominante de tantos de meus amigos e colegas, inclusive daqueles nocipoal da luta anti-racista no Brasil, atraindo, como realmenteacontece, acusaes de neo-freyrianismo , de representar oprivilgio branco ou mesmo de falta de preocupao com o ra-

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    cismo e a desigualdade racial . Por mais particular e especficoque possa ser o modelo americano , ele tem a vantagem poltica e epistemolgica da simplicidade e d coerncia. E comotal, o modelo brasileiro , com toda a sua ambigidade e contradio interna, muito mais difcil de perceber n t e l e c t u l m e n ~te, que dir como base de ao poltica.

    ON LUSO

    a 1rm reto ao ma o d .... < G-. Go . ' ' e 1stituies hbridas que comea~ ~ questo da ao afirmativa, combinando

    preocupaes com a desigualdade entre pessoas de cores diferentes e pessoas de classes sociais diferentes, testemunham apotncia do desejo de manter a primazia do indivduo sobre sua

    natureza , por assim dizer, a primazia do chamado j itinhosobre a rigorosa disciplina classificatria. 89

    Ainda assim, embora os nimos se exaltem entre os defensores d diversidade e os basties do individualismo, como ocaso entre aPUC Diversidade e aPUC 2000, o debate pelo menosest sendo feito s claras, provavelmente bem mais do que naquelas regies do mundo que vieram de um tradio de segregao racial legal e onde a mera sugesto de integrao franzemuitas sobrancelhas. Alm disso, a apropriao da ao afirmativa no caso concreto do MPVNC um bom exemplo damaneira como idias estrangeiras so interpretadas em termoslocais e adquirem, no processo, novo significado e considerveleficcia simblica e prtica. Como resultado, mais pessoas pobres e escuras esto entrando nas universidades brasileiras, masno custa dos valores da democracia, racial ou no. Para terminar com um tom positivo e para voltar especificidade do

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    Brasil, deixo aqui a idia de que a situao atual permite mltiplas formas de expresso e uma infinidade de formas de aosocial, enquanto o antigo ideal de democracia racial, que ainda compartilhado pela maioria dos brasileiros de todas as cores,enfrenta demandas cada vez mais exigentes de igualdade e deeliminao do preconceito e da discriminao.

    POSTS RIPTUM

    Pouco mais de dois anos s passaram desde que escrevi este artigo. Neste perodo, ocorreram dois eventos no campo das relaes raciais no Brasil que primeira vista desqualificam o meuargumento para entender o at ento repdio s cotas. A delegao brasileira III Conferncia Internacional contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncia Correlata,que se realizou na cidade de Durban na frica do Sul em s -tembro de 2001, levou como uma das suas propostas a adoo de cotas ou outras medidas afirmativas que promovam oacesso de negros s universidades pblicas . Mais tarde, nestemesmo ano, a Assemblia Legislativa do Estado do Rio de J -neiro (ALERJ) votou em regime de urgncia legislao da autoria de um deputado do Partido Popular Brasileiro (PPB) quedetermina que 40% das vagas das universidades pblicas estaduais em todas as carreiras devem ser para negros e pardos .Mais ou menos simultaneamente, o Ministrio de ReformaAgrria adotou uma poltica de cotas de 200 o de negros para acontratao de pessoal. Um ms depois, o governador do estado do Rio de Janeiro sancionou a nova lei que agora est (dezembro de 2001) em fase de regulamentao. No momento emque escrevo (10 de dezembro de 2001), anuncia-se a pretenso do governo federal de estender a adoo de cotas de 20%a todos os ministrios.

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    Cabe-me, neste postscri ptum, refletir um pouco mais sobreessas profundas mudanas no comportamento do governo federal e do governo do estado do Rio de Janeiro e o que significapara a questo racial no Brasil.

    O primeiro ponto que chama a ateno o relativo silncioda mdia e da opinio pblica em relao a estes eventos queparecem to significativos. Na ocasio da Conferncia de Durban, a imprensa de elite deu grande destaque ao assunto e spropostas da delegao brasileira. Isso provocou um nmero decartas de leitores, a maioria das quais crticos e com argumentosno muito diferentes dos arrolados no meu artigo.

    Dez dentre as onze cartas dos leitores suscitadas por este debate e publicado em O lobo de 28 e 29 de agosto argumentaram contra a introduo de cotas para vagas universitrias. Emborano representassem nada alm das opinies individuais nelasexpressas (tambm no sabemos como foram escolhidas parapublicao), uma leitura atenta destas cartas reveladora. O nico leitor a favor se declarou negro, o nico num curso de medicina que tem 196 alunos numa faculdade particular. Ele era favorvelao estabelecimento responsvel de cotas para que um grandepotencial de pessoas da raa negra possa se estabelecer de formadigna na sociedade . Os outros missivistas no se definiram emtermos raciais nem de classe. Nenhum missivista negou a existncia do racismo. Dez dentre os onze argumentaram que o problema fundamental era a baixa qualidade do ensino pblicofundamental e mdio, o que prejudica todos os pobres. Quatrosugeriram que eleger a questo racial (um usa a expresso factideemblemtico , outros, pura demagogia e paternalismo ) apenas desvia a ateno deste fato grave. Outro questionou o gastode verbas pblicas em cursos pr-vestibulares, duvidando da possibilidade de corrigir as deficincias das escolas de segundo grauem to pouco tempo. Outro ainda, mais radical, pregou o fim do

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    Mas as cartas tambm manifestaram uma forte crena nauniversidade como lugar do mrito individual e no da paneli-nha e do jeitinho: uma realizao concreta dos ideais liberais.Uma leitora constatou: Quando fiz o vestibular, o critrio paraingresso foi a nota da minha prova e no a cor da minha pele.Os missivistas tambm sugeriram mais dois problemas: 1) serimuito difcil saber quem e quem no elegvel para cotas, e2) as cotas representariam uma espcie de racismo s avessas .Como vimos, estes dois problemas so talvez o mesmo: ao in-

    troduzir cotas para vagas no ensino superior, o governo estariacriando e celebrando a existncia de duas raas no Brasil, abranca e a negra. Estas substituiriam as muitas maneiras. que oBrasil inventou para se referir s complexas combinaes gen-ticas.

    Depois dessas cartas, voltou o silncio. E, quando se anun-ciou a nova legislao no Rio de Janeiro, praticamente no houvereao, nem a favor nem contra. Parecia que, ao contrrio doque eu argumentara acima, cotas para negros e pardos teriamsido adicionadas ao cardpio nacional sem nenhum efeito dele-trio. Isso realmente extraordinrio se eu tenho a mnima ra-zo de acreditar que as questes raciais so ou deveriam seraltssimas na hierarquia das agendas nacionais.

    tentador esboar interpretaes, mas no este o lugarpara tanto. Em vez disso, prefiro apenas reconhecer que a an-lise social um processo em si complexo e sempre inacabada, eque a histria continua.

    GR DECIMENTOS

    Gostaria de agradecer aos outros autores deste livro por suasimportantes sugestes. Gostaria tambm de agradecer a YvonneMaggie, Olivia Cunha, Monica Grin e aos pesquisadores do

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    POLIT ICA NAC IONAL IDADE O SIGN IF ICADO DE RAA

    Ncleo da Cor do Instituto pelos comentrios feitos s primeiras verses deste artigo. A Marcos Chor Maio, da FundaoOswaldo Cruz, devo agradecimentos especiais por corrigir erros factuais e por me guiar pela bibliografia recente. Nem preciso dizer que no atribuo a nenhum deles responsabilidade pelasopinies apresentadas neste artigo.

    NOTAS

    1. Roberto Schwarz, Ao vencedor as batatas: forma literria e processosocialtzos iucios do roma11ce brasileiro (So Paulo: Livraria Duas Cidades, 1971).

    2. Le pouvoir d'universaliser les particularismes lis une traditionhistorique singuliere en les faisant mconaltre comme tels. PierreBourdieu e Lo ic Wacquant, Les Ruses de la Raison Imprialiste ,Actesde la Recherche en Sciences ociale 121-122 (1998): 109.

    3. Ibid., 111.4. Ibid., 112.S Ibid., 113. Em particular, eles citam minha prpria universidade, na

    qual, afirmam, a Fundao Rockefeller, que financiou um projeto sobreraa e etnicidade, teria exigido como condio do financiamento quea equipe da pesquisa fosse recrutada com base nos critrios americanos de ao afirmativa. Mas acontece que o exemplo que citam vaicontra seu prprio argumento, que a Fundao Rockefeller na verdade no imps nenhuma condio para financiar o programa de raae etnicidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que trouxe nossa universidade especialistas de todo o mundo (inclusive Lo icWacquant) com o objetivo declarado de colocar o modelo americano sob uma perspectiva multicultural. Para ns, e para muitos outros,uma imposio cega do modelo americano traria conseqnciasmuito mais perniciosas que a violncia simblica . Sabemos, pornossa compreenso dos efeitos do imperialismo e do colonialismopropriamente ditos, que imposies deste tipo que vo contra os entendimentos locais podem ser, na melhor das hipteses, ineficazes e,

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    na pior delas, dolorosas. Assim, neste caso, pelo menos uma universidade brasileira foi financiada por uma grande fundao americana paracolocar a experincia americana em seu devido lugar, como apenasuma forma historicamente especfica de construir a raa, institucionalizar o racismo e depois combat-lo.

    6 Marshall Sahlins, How Natives Thiuk: About Captain Cook, forexample (Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1995).7. claro que isto no significa negar as vrias tentativas de levar asquestes da raa poltica pblica, em particular o encorajamento imigrao branca (ver G. Seyferth, ''A assimilao dos imigrantescomo questo nacional , Maua -Estudos de Atztropologia Social 3[1997]) e a invocao da raa como preocupao primria da investigao criminal (ver Olivia Gomes da Cunha, Inteno e gesto: polticade identificao e represso vadiagem no Rio , tese de doutorado,Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998).

    8. Arthur de Gobineau, Essai sur l iugalit des races humai1les (Paris:Libraire de Paris, 1855).9. Gobineau, citado em Georges Raeders, O inimigo cordial do Brasil: oco11de de Gobineau 110 Brasil (So Paulo: Paz e Terra, 1988), 241.10. Ibid., 242.11. Lilia Moritz Schwarcz, O espetculo das raas (So Paulo: Companhia das Letras, 1993); Thomas Skidmore, Black into White: Race aud

    Nationality in Braziliau Thought (Durham: Duke University Press,1993 [1974]).12. Raymundo Nina Rodrigues, As raas humanas e a respo1Zsabilidadepenal no Brasil (Rio de Janeiro: Livraria Progresso Editora, 1957[1894]).13. Oliveira Viana, Raa e assimilao (So Paulo: Editora Nacional,1934).14. Giralda Seyferth, A antropologia e a teoria do branqueamento daraa no Brasil: a tese de Joo Batista de Lacerda , Revista do Museu

    Paulista (1985): 81-98.15. Gilberto Freyre, Casa-grande senzala (Rio de Janeiro: Maia &Schmidt, 1933), 17-18. Marcos Chor Maio observou que Freyre tambm recebeu influncias do antroplogo brasileiro Roquette Pinto,1 9 4

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    que, no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, defendeu que onmero de indivduos somaticamente deficientes em algumas regiesdo pas bem marcante. No entanto, isto no se deve a nenhum fatorracial, mas a causas patolgicas que nada tm a ver com a antropologia. Esta uma questo de poltica educacional e sanitria. MarcosChor Maio, ~ E s t o q u e semita': a presena dos judeus em Casa-grande &.settzala , Luso-Brazilian Review 36 (1999): 95-110.

    16. Freyre, Casa-grande & senzala, 168.17. Ibid.18. Ibid., 171.19. Franz Boas, Anthropology atzd Modern Li(e (Nova York: Dover

    Publications, Inc., 1986), 65 Agradeo a Yvonne Maggie por estareferncia.

    20. Clia Azevedo, O abolicionismo transatlntico e a memria do paraso racial , Estudos Afro-Asiticos 30 (1996): 152.

    21. Rodrigues, As raas humanas e arespo11sabilidade penal no Brasil, 149-150.

    22. Ricardo Benzaquen de Arajo, Guerra e paz: Casa-grmtde & senzalae a obra de Gilberto Freyre nos anos 30 (Rio de Janeiro: Editora 34,1994).

    23. Devo esta interpretao a Olivia Gomes da Cunha, que, com base emseu trabalho na Diviso de Identificao Criminal do Rio de Janeiro,defende que os indivduos so identificados e classificados segundo acombinao singular de caractersticas raciais tradas pelas medidas de seus corpos. Olivia Gomes da Cunha, Inteno e gesto: poltica de identificao e represso vadiagem no Rio de Janeiron,programa de ps-graduao em antropologia'social, tese de doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998.

    24. Michael George Hanchard, Orpheus and Power: The Movimento Negro o Rio de Janeiro atzd So Paulo, Brazil, 1945-1988 (Princeton:Princeton University Press, 1994).

    25. Leo S pitzer, Lives i Betweett: Assimilation atld Marginality in Austria,Brasil, West A rica, 1780-1945 (Cambridge: Cambridge UniversityPress, 1989); Stefan Zweig, Brasil, pas do futuro (Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 1960).

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    26. Verena Stolcke, Brasil: uma nao vista atravs da vidraa da 'raa ',Revista de Cultura Brasilefia 1 (1997): 207-222.27. Marcos Chor Maio, O Brasil no concerto das naes: a luta contrao racismo nos primrdios da Unesco , Histria Cincias Sade V(1998): 375-413.

    28. Verena Stolcke, A Nation Between Races and Class: A r a n s a t l a n t i ~Perspective , artigo no publicado apresentado no Programa de Raae Etnicidade, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, 1996, 3.29. Marcos Chor Maio, A histria do Projeto Unesco: estudos raciais ecincias sociais no Brasil , Instituto de Pesquisas da Universidade deRio de Janeiro (IUPERJ), 1997.30. Abdias do Nascimento, org., Onegro revoltado (Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1982); A. Guerreiro Ramos, A Unesco e as relaes deraa , in ibid.

    31. Florestan Fernandes, A i1ttegrao do negro na sociedade de classesvol. 1/2, ensaios 34 (So Paulo: Editora tica, 1978).32. Carlos A. Hasenbalg, Discrimh:ao e desigualdades raciais no Brasil(Rio de Janeiro: Graal, 1979).33. Luis de Aguiar Costa Pinto, O negro no Rio de Jmteiro: relaes deraa tzuma sociedade em muda1la (So Paulo: Companhia EditoraNacional, 1953).34. Paulo Srgio Pinheiro,Escritos iudignados (So Paulo: Brasiliense, 1984).35. Moema Teixeira, Raa e crime: orientao para uma leitura crticado censo penitencirio do Rio de Janeiro , Cadernos do ICHF (Universidade Federal Fluminense) 64 (1994): 1-15.36. Srgio Adorno, Discriminao racial e justia criminal em So Paulo ,Novos Estudos CEBRAP (1995): 59.3 7. Carlos Antonio Costa Ribeiro, Cor e critniualidade: estudo e anliseda Justia 1to Rio de Janeiro 1900-1930) (Rio de Janeiro: EditoraUFRJ, 1995), 72.38. Cunha, Inteno e gesto .39. Adriano Maurcio, Medo de assalto: a democracia racial em questo no nibus pblico na cidade do Rio