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e-boletimlei & justiça

L JeEDITORIAL

Patrícia Jerónimo | 3-5

ARTIGOSRainer Bauböck, Iseult Honohan e Maarten Vink | 6 - 13 Como variam as leis da nacionalidade:

Uma comparação à escala global

Bronwen Manby | 14 - 34Bronwen Manby | 14 - 34The nationality laws of the Lusophone states in Africa

Patrícia Jerónimo | 35 -64 Para uma reforma do Direito timorense da nacionalidade:

Caracterização do regime e sinalização de aspetos críticos

Ricardo Sousa da Cunha | 65 - 83O pluralismo jurídico na Constituição timorense

NACIONALIDADE, CIDADANIA E IDENTIDADE

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NÚMER0 3DEZEMBRO 2019

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e-BLJ, Ano 2 (2019), n.º 3

Índice

EDITORIAL

3 - 5 | Patrícia Jerónimo

ARTIGOS

6 - 13 | Rainer Bauböck, Iseult Honohan e Maarten Vink

Como variam as leis da nacionalidade: Uma comparação à escala global

14 - 34 | Bronwen Manby

The nationality laws of the Lusophone states in Africa

35 - 64 | Patrícia Jerónimo Para uma reforma do Direito timorense da nacionalidade: Caracterização do regime e sinalização de aspetos críticos

65 - 83 | Ricardo Sousa da Cunha

O pluralismo jurídico na Constituição timorense

* Os textos e as opiniões neles expressas são da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores.

FICHA TÉCNICA

E- ISSN: 2616-9649 | Timor-Leste

Periodicidade: semestral © Da edição: Network Timor © Dos textos: os Autores Diretora: Maria Ângela Carrascalão Conselho de Redação: Carla Valério | Cidália da Cruz | Nelinho Vital | Patrícia Coutinho Coordenação de edição do número 3: Patrícia Jerónimo

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Editorial

Apesar de vivermos num tempo de intensa mobilidade internacional e de grande cosmopolitismo, a nacionalidade continua a ser condição de acesso a direitos fundamentais e um poderoso alicerce identitário para os indivíduos e para os Estados. A regulação do acesso ao estatuto de nacional assume, por isso, a maior importância e tem sido objeto de grande atenção por parte de académicos e decisores políticos em todo o mundo. Trata-se de uma matéria ainda largamente no domínio reservado dos Estados, o que não tem impedido esforços da sociedade internacional no sentido de promover a definição de padrões comuns, de que são exemplo recente os trabalhos desenvolvidos no quadro da União Africana para a adoção de um Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos aspetos específicos do direito à nacionalidade e à erradicação da apatridia em África.

Os estudos comparativos sobre o modo como os diferentes Estados regulam o acesso à respetiva nacionalidade têm vindo a aumentar, na tentativa de mapear diferenças mas também semelhanças potenciadoras/reveladoras de processos de convergência ou legal diffusion. Como observado por Bauböck, Honohan e Vink, no primeiro artigo desta edição especial dedicada ao tema Nacionalidade, Cidadania e Identidade, durante muito tempo, os estudos comparativos das leis da nacionalidade incidiram exclusivamente sobre as ordens jurídicas das democracias ocidentais, uma tendência que o Observatório Global de Cidadania (GLOBALCIT) do Centro Robert Schuman, a que os autores pertencem, se propõe contrariar. No seu contributo para este número do e-Boletim, Bauböck, Honohan e Vink dão-nos conta dos resultados obtidos a partir da análise das leis da nacionalidade de 175 Estados, com tabelas comparativas da ocorrência de diferentes soluções jurídicas nas várias regiões do mundo (África, Américas, Ásia/Oceânia e Europa) em matéria de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade. Com base nestes dados, os autores apresentam um conjunto de recomendações aos Estados e à sociedade internacional, no sentido de reforçar os parâmetros mínimos globais para reduzir a apatridia, combater a discriminação explícita e reforçar a legalidade.

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O segundo artigo deste número continua a abordagem comparativa, mas centra-se nas ordens jurídicas dos Estados africanos de língua oficial portuguesa. Bronwen Manby sintetiza a evolução histórica das leis da nacionalidade aplicáveis a estes territórios desde o período colonial até à atualidade e analisa o regime da nacionalidade em vigor nos cinco Estados, através do uso de tabelas comparativas. Segundo a autora, é possível observar semelhanças no modo como os Estados africanos lusófonos regulam o acesso à nacionalidade, mas há também importantes diferenças e estas têm vindo a aumentar desde a independência, refletindo as lutas políticas internas sobre as condições de pertença e de participação na comunidade política. A tendência geral – em linha com o resto do continente africano – parece ser, em todo o caso, de sentido inclusivo, com reforço da igualdade de género e redução das restrições à dupla nacionalidade. Bronwen Manby termina o seu artigo com uma comparação entre os Estados africanos lusófonos e Timor-Leste, observando existirem semelhanças significativas no que toca, por exemplo, à prevenção da apatridia dos nascidos no território sem outra nacionalidade, à admissão da dupla nacionalidade e à impossibilidade de perda da nacionalidade originária contra a vontade do seu titular.

A lei da nacionalidade de Timor-Leste é o tema do terceiro artigo deste número. Neste artigo, eu analiso o quadro normativo em vigor, tal como definido pela articulação entre a Constituição, a Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Lei da Nacionalidade, identificando as principais características do regime e sinalizando alguns aspetos problemáticos, como a existência de dúvidas a respeito do alcance de preceitos constitucionais e legais, as imprecisões terminológicas e as incongruências normativas (inclusive entre a lei e a Constituição) e a persistência de matérias por regular. Na minha opinião, os problemas sinalizados representam riscos não despiciendos para a segurança jurídica e para os direitos dos cidadãos, pelo que haveria muito a ganhar com uma reforma de fundo do Direito timorense da nacionalidade, que tornasse mais precisos os critérios de atribuição da cidadania originária fixados pela Constituição (através de revisão constitucional) e que revisse a Lei e o Regulamento, de modo a eliminar as disposições incompatíveis com a Constituição, a suprimir omissões e a ganhar precisão e coerência.

O quarto artigo deste número, da autoria de Ricardo Sousa da Cunha, incide também sobre a ordem jurídica timorense, mas para atentar numa outra dimensão da construção identitária de Timor-Leste –

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o pluralismo jurídico resultante da coexistência do Direito estadual de fonte legislada com o Direito consuetudinário, assumido explicitamente no artigo 2.º, n.º 4, da Constituição. O autor combina uma reflexão teórica sobre o relacionamento entre sistemas normativos num quadro de pluralismo jurídico com a análise de exemplos concretos, como a definição legal das fontes de Direito com recusa ao costume dessa qualidade (Código Civil e Lei n.º 10/2003, de 20 de novembro) e a qualificação dos Sucos como associações públicas integradas nas estruturas do Estado (Lei n.º 9/2016, de 8 de julho). A partir destes exemplos, o autor conclui que o cumprimento da imposição meta-constitucional e constitucional do pluralismo jurídico timorense será melhor cumprida se as autoridades administrativas, como os Sucos, aplicarem normas costumeiras e se for criada a figura de mediadores culturais na relação entre as diferentes instâncias de garantia da justiça, sejam elas tradicionais ou formais-estaduais.

Enquanto editora convidada deste número do e-Boletim, não posso deixar de concluir este editorial com um agradecimento aos autores que aceitaram partilhar o fruto das suas pesquisas e reflexões, bem como à direção da revista, que decidiu dedicar um número especial aos temas da nacionalidade, da cidadania e da identidade. São temas de grande importância e atualidade, tanto do ponto de vista académico, como nos planos político e jurídico, o que julgo ficar amplamente demonstrado nas páginas que se seguem.

Patrícia Jerónimo

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Como variam as leis da nacionalidade: Uma comparação à escala global 1

Rainer Bauböck, Iseult Honohan e Maarten Vink 2

Resumo: Quem deve ser nacional? A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que “todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade”. No entanto, os Estados têm o direito de definir, através das suas leis, quem são os seus nacionais. As leis da nacionalidade fazem-no de formas muito diferentes. Estas variações de leis e políticas da nacionalidade podem ser mais bem compreendidas através de uma perspetiva global que compare as oportunidades e consequências da obtenção da nacionalidade em diferentes contextos. Novos dados coligidos pelo GLOBALCIT revelam um cenário complexo. Neste artigo, os autores analisam disposições das leis da nacionalidade de 175 Estados, para aferir a medida em que as disposições nacionais respeitam a escolha individual e se cumprem parâmetros mínimos de não discriminação e de legalidade. Palavras-chave: Nacionalidade, naturalização, apatridia, não discriminação

1. Introdução

A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama, no seu artigo 15.º, n.º 1, que “todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade”. No entanto, de acordo com um princípio básico de Direito internacional, “cabe a cada Estado determinar, através da sua legislação, quem são os seus nacionais” . As leis da nacionalidade 3fazem-no de formas muito diversas, sendo que frequentemente não

Este texto foi publicado, pela primeira vez, em Inglês, em 2018, com o título “How 1

Citizenship Laws Differ: A Global Comparison”, como Policy Brief 2018: 9 pela Migration Studies Delegation (DELMI) e está disponível em http://www.delmi.se/en/publications-seminars#!/en/how-citizenship-laws-differ-a-global-comparison-policy-brief-20189 [13.08.2019]. Os autores agradecem a Patrícia Jerónimo por traduzir o texto para língua portuguesa. Rainer Bauböck é Professor no Robert Schuman Centre, European University Institute, 2

Florença, Itália; Iseult Honohan é Professora Associada Jubilada no University College Dublin, Irlanda; Maarten Vink é Professor de Sociologia Política na Universidade de Maastricht, Países Baixos. Os autores são, respetivamente, Co-Diretor, membro do Conselho de Administração e Co-Diretor do Global Citizenship Observatory (GLOBALCIT). Convenção sobre Determinadas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre a 3

Nacionalidade, artigo 1.º (A Haia, 1930).  6

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respeitam o princípio da legalidade nem combatem efetivamente a apatridia. Até aqui, os estudos comparativos das leis da nacionalidade têm-se limitado quase sempre à análise de democracias ocidentais e à questão do acesso à nacionalidade por parte dos imigrantes. Frequentemente, estes estudos presumem existir um contraste entre regimes de nacionalidade étnicos, baseados na ascendência (ius sanguinis), e regimes de nacionalidade cívicos, baseados no nascimento no território (ius soli) (Vink & Bauböck, 2013). Novos dados coligidos pelo Observatório Global de Cidadania – Global Citizenship Observatory (GLOBALCIT) – revelam um cenário mais complexo.4

No Observatório, estabelecemos 12 indicadores para avaliar quão inclusivas são as leis da nacionalidade em 175 Estados, qual a margem que permitem à escolha individual e se cumprem parâmetros mínimos de não discriminação e legalidade. Estes indicadores refletem as regras mais comuns sobre a atribuição da nacionalidade por efeito do nascimento, a naturalização ordinária (baseada na residência), a naturalização especial (facilitada) para cônjuges e grupos culturalmente próximos, a renúncia voluntária à nacionalidade e a perda da nacionalidade em resultado de residência no estrangeiro e da aquisição voluntária de outra nacionalidade. Para além disso, usamos dados da UNICEF sobre registo do nascimento, para avaliar se as pessoas que têm o direito à nacionalidade por efeito do nascimento conseguem efetivamente exercer este direito.

2. Nacionalidade por efeito do nascimento: Grandes disparidades entre regiões

Todos os Estados atribuem a nacionalidade por efeito do nascimento. As duas regras básicas – ius soli e ius sanguinis – têm as suas origens modernas no common law inglês e no Código de Napoleão, respetivamente. O ius soli foi adotado pelos colonos britânicos na América do Norte e na Oceânia, mas também é dominante na América Latina, onde as suas origens remontam à Constituição espanhola de Cádiz, de 1812. No resto do mundo, a nacionalidade por efeito do nascimento é sobretudo transmitida com base na ascendência, incluindo em muitas antigas colónias britânicas, que mudaram as suas leis depois da independência.

Disponível em http://globalcit.eu [13.08.2019].4

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Quadro 1: Nacionalidade originária

Fonte: www.globalcit.eu

A maioria dos Estados, no entanto, combina elementos de ambas as regras. Todos os Estados em que o ius soli é dominante oferecem a nacionalidade por efeito do nascimento a, pelo menos, a primeira geração nascida no estrangeiro de nacionais emigrados. E 51% dos Estados incluem uma disposição de ius soli especial para crianças nascidas no seu território que, de outro modo, seriam apátridas. Na Europa, são 88%, na Ásia 60% e em África apenas 32%. Uma vez que o ius sanguinis é dominante nestes três continentes, a ausência de ius soli contribui para situações de apatridia (Vonk, Dumbrava, Vink & de Groot, 2016).

É importante notar que, enquanto o ius soli inclui automaticamente as crianças filhas de imigrantes, frequentemente deixa os filhos menores nascidos no estrangeiro (a cognominada “geração 1.5”) no limbo até que atinjam a maioridade e possam requerer a naturalização. Por outro lado, as crianças de origem imigrante nascidas em Estados onde o ius sanguinis é dominante também se tornarão nacionais se a naturalização for fácil para os seus pais ou se os pais estrangeiros puderem adquirir a nacionalidade para os seus filhos mediante declaração, como é o caso na Suécia.

Mundo África Américas Ásia/Oceânia Europa

Ius Sanguinis (no país)

- Incondicional 59% 72% 17% 64% 71%

- Condicionado 14% 17% 3% 13% 21%

- Limitado 10% 8% - 22% 7%

- Sem disposição 17% 4% 80% - -

Ius Sanguinis (no estrangeiro)

- Incondicional 41% 62% 29% 22% 43%

- Condicionado 38% 25% 43% 42% 48%

- Sem disposição ou com disposição de alcance reduzido 21% 13% 29% 36% 10%

Ius Soli

- Incondicional 18% 4% 83% 2% -

- Condicionado 21% 23% 14% 16% 29%

- Limitado 6% 8% - 13% 2%

- Sem disposição 55% 66% 3% 69% 69%

Ius Soli (apátrida)

- Disposição especial 51% 32% 23% 60% 88%

- Sem disposição especial 49% 68% 77% 40% 12%

Número de países 175 53 35 45 42

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Tanto o ius sanguinis como o ius soli podem ser consagrados de forma incondicional ou sob condição do preenchimento de certos requisitos. Nas Américas, a maioria dos Estados (83%) ainda atribui a nacionalidade a qualquer pessoa nascida no território, enquanto o Reino Unido, a Irlanda, a Austrália e a Nova Zelândia introduziram vários requisitos, tais como um período mínimo de residência por um dos progenitores. Os países europeus que introduziram o ius soli mais recentemente, como a Alemanha, em 2000, têm sempre optado por uma consagração condicionada. O ius sanguinis é incondicional se puder ser passado sem limites às várias gerações nascidas no estrangeiro, criando desse modo populações potencialmente muito numerosas na diáspora com o direito de reivindicar a nacionalidade e a admissão ao território no país de origem de um antepassado. Em África, 62% dos Estados não estabelecem quaisquer limites ao ius sanguinis extraterritorial; na Europa, esse é o caso para 43% dos Estados, enquanto na Ásia/Oceânia e nas Américas a percentagem está abaixo dos 30%.

3. Ineficácia da nacionalidade por efeito do nascimento – a necessidade de registar os nascimentos

A nacionalidade por efeito do nascimento deve proporcionar a todos os indivíduos um estatuto protegido para toda a vida. No entanto, quando os Estados são incapazes de registar os nascimentos ocorridos no seu território e de filhos de nacionais seus, as crianças não poderão beneficiar desta proteção e podem acabar apátridas. A UNICEF identifica 60 Estados onde a percentagem de nascimentos registados face aos nascimentos ocorridos no território é inferior a 90%. Em África, isto acontece na maioria dos Estados (77%, com mais 8% em relação aos quais há falta de dados e que provavelmente pertencem ao mesmo grupo) . A falta de registo de nascimento também é um problema grave 5

nos Estados latino-americanos e asiáticos. Isso deve-se sobretudo à falta de capacidade administrativa, mas Bronwen Manby refere países africanos onde o registo de nascimento é especificamente negligenciado no caso de crianças pertencentes a minorias étnicas, raciais ou religiosas (Manby, 2018).

4. Naturalização – um direito ou um privilégio?

A nacionalidade obtida aquando do nascimento pode ser alterada ao longo da vida através da naturalização. Diversamente do que se passa

Estatísticas disponíveis em https://data.unicef.org/topic/child-protection/birth-5

registration/ [13.08.2019]. 9

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com a atribuição por efeito do nascimento, são muito mais variadas as razões pelas quais os Estados aceitam pedidos de naturalização e as condições que estes impõem. Escolhemos algumas mais significativas e distinguimos a naturalização ordinária, baseada no tempo de residência, das naturalizações especiais, que frequentemente implicam uma redução ou completa dispensa dos requisitos de residência. Em quase metade de todos os Estados (48%), cinco anos de residência regular ou permanente são suficientes para qualificar um indivíduo para a naturalização comum. Nas Américas, isto é verdade para 2/3 de todos os países.

No campo oposto, 34% de todas as leis da nacionalidade exigem um período de residência de 10 anos ou mais, incluem disposições explicitamente discriminatórias ou deixam a apreciação dos pedidos inteiramente à discricionariedade das autoridades estaduais. Entre muitas outras condições que os Estados impõem aos requerentes de naturalização ordinária, analisámos aquelas que provavelmente constituem os maiores obstáculos. A aceitação da dupla nacionalidade em caso de naturalização é mais comum em África (70%) e nas Américas (71%) do que na Ásia (60%) e na Europa (52%). Condições económicas, como níveis de rendimento, emprego estável ou a não receção de subsídios de segurança social no passado são muito comuns na Europa (64%) e na Ásia/Oceânia (67%) e muito menos nas Américas (37%).

Quadro 2: Naturalização ordinária e facilitada

Fonte: www.globalcit.eu

60% dos Estados em todo o mundo e 88% na Europa facilitam a aquisição da nacionalidade por aqueles que são casados com um

Mundo África Américas Ásia/Oceânia Europa

Residência exigida

- Depois de 5 ou menos anos 48% 36% 66% 51% 45%

- Depois de 6 até 9 anos 18% 13% 29% 2% 33%

- Depois de 10 até 12 anos 22% 38% 3% 18% 21%

- Depois de 15 anos/sem disposição ou disposição discriminatória

12% 13% 3% 29% 0%

Dupla nacionalidade para imigrantes 64% 70% 71% 62% 52%

Requisito económico 53% 43% 37% 67% 64%

Transferência para o cônjuge

- Sim 60% 57% 69% 31% 88%

- Sem disposição especial 13% 0% 17% 27% 12%

- Disposição discriminatória 27% 43% 14% 42% 0%

Naturalização facilitada por afinidade cultural 23% 13% 14% 18% 48%

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nacional. Até à década de 1970, a maioria dos países discriminava entre homens e mulheres, forçando estas a adotar a nacionalidade dos maridos aquando do casamento. Apesar de isto ser hoje contrário a normas internacionais vinculativas (De Groot & Vonk, 2016), 47 Estados (mais de 40% de Estados africanos e asiáticos) ainda consagram disposições discriminatórias em função do género nas respetivas leis da nacionalidade. Em contrapartida, o acesso facilitado à nacionalidade para aqueles que falem a mesma língua ou partilhem uma identidade étnica e cultural com a maioria da população é muito mais comum na Europa (48%) do que no resto do mundo (15%).

5. Perder a nacionalidade – por escolha ou contra vontade

A nacionalidade pode ser perdida através de renúncia voluntária ou por decisão do Estado. A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama: “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade” . Será que os 6Estados respeitam esta norma?

13% dos Estados impedem os seus nacionais de mudar de nacionalidade, com base numa doutrina de “aliança perpétua”. Outros 3% só permitem a renúncia em circunstâncias muito limitadas. É interessante notar que esta abordagem iliberal não está só disseminada entre Estados não democráticos (especialmente na Ásia e no Norte de África), mas está também fortemente presente entre os Estados de ius soli da América Latina (11 países sem ou com muito limitada possibilidade de renúncia). Mais frequentemente, os Estados não permitem a renúncia quando esta conduza à apatridia ou fazem-na depender da residência no estrangeiro.

Quadro 3: Perda voluntária e involuntária da nacionalidade

Fonte: www.globalcit.eu

Mundo África Américas Ásia/Oceânia Europa

Renúncia

- Sim 84% 85% 69% 80% 100%

- Apenas limitada 3% 0% 17% 0% 0%

- Não 13% 15% 14% 20% 0%

Perda devido a residência no estrangeiro 30% 26% 23% 40% 31%

Dupla nacionalidade para emigrantes 63% 62% 89% 42% 67%

Número de países 175 53 35 45 42

Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 15.º, n.º 2. 6

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Um pouco menos do que um terço de todos os Estados (com pouca variação entre continentes) presume que uma residência de longa duração no estrangeiro conduz à perda de uma ligação genuína com o Estado e que esta justifica a privação da nacionalidade, se o indivíduo já tiver adquirido outra nacionalidade. Para um pouco mais do que um terço de todos os Estados (37%), é a aquisição voluntária de outra nacionalidade, em si mesma, que justifica a privação da nacionalidade. Esta visão das coisas perdeu muito terreno a partir da década de 1960, com mais e mais Estados a mostrarem-se interessados em manter os laços com a sua diáspora através da aceitação da dupla nacionalidade entre os seus emigrantes (Vink, Schakel, Reichel, Luk & de Groot, 2019). Dois terços dos Estados europeus e 63% de todos os países do mundo estão hoje nesta situação. Só os Estados asiáticos é que continuam, na sua maioria, a resistir a esta tendência global.

6. Recomendações

(1) O nosso estudo revela uma necessidade urgente de reforçar os parâmetros mínimos globais para leis e políticas em matéria de nacionalidade, com vista a reduzir a apatridia, combater a discriminação explícita e reforçar a legalidade. A atenção deve centrar-se em:

• Reconhecer a nacionalidade por efeito do nascimento no território, para crianças que, de outro modo, sejam apátridas, nos países sem ius soli ou com ius soli condicionado (especialmente em África)

• Abolir a discriminação contra mulheres e minorias étnicas, raciais e religiosas, nas disposições sobre ius soli, naturalização, transmissão da nacionalidade por descendência e através do casamento (especialmente na Ásia e em África)

• Introduzir um limite à extensão da residência requerida para a naturalização ordinária e exigir que as leis enunciem claramente todos os requisitos, de modo a reduzir a arbitrariedade no exercício da discricionariedade administrativa (especialmente na Ásia e em África)

• Garantir o direito a mudar de nacionalidade através da renúncia (na Ásia, em África e na América Latina)

(2) Regras inclusivas para a atribuição da nacionalidade por efeito do nascimento são ineficazes quando os Estados não dispõem de capacidade administrativa ou deliberadamente não registam crianças pertencentes a minorias étnicas, raciais e religiosas. As organizações internacionais deveriam apoiar e pressionar os Estados no sentido de

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assegurar que o registo de nascimento é alargado, especialmente nos Estados africanos.

(3) As normas de Direito internacional podem ser desenvolvidas mais facilmente a nível regional. Organizações como a União Africana, UNASUR e ASEAN deveriam iniciar processos intergovernamentais com vista à adoção de convenções regionais em matéria de nacionalidade, à semelhança da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, adotada pelo Conselho da Europa, em 1997.

(4) Os Estados democráticos devem procurar estabelecer parâmetros mais elevados do que as garantias de direitos humanos mínimas. Muitos Estados europeus não foram capazes de tornar a sua nacionalidade acessível a grandes populações de imigrantes. Os Estados europeus de imigração deveriam introduzir formas condicionadas de ius soli ou promover a integração dos filhos de imigrantes através de garantias fortes de acesso à naturalização. Deveriam também promover a naturalização entre os imigrantes de primeira geração, através da remoção de obstáculos, tais como condições económicas, exames linguísticos e de naturalização difíceis e a exigência de que renunciem à nacionalidade anterior.

Bibliografia

De Groot, G.R. and Vonk, O. (2016), International Standards on Nationality Law: Texts, Cases and Materials, Nijmegen, Wolf Legal Publishers.

Manby, B. (2018), Citizenship in Africa: The Law of Belonging, Oxford, Hart Publishing.

Vink, M. P., & Bauböck, R. (2013), “Citizenship configurations: Analysing t h e m u l t i p l e p u r p o s e s o f c i t i z e n s h i p r e g i m e s i n Europe”, Comparative European Politics, vol. 11, n.º 5, pp. 621-648.

Vink, M. P., Schakel, A. H., Reichel, D., Luk, N. C., & de Groot, G.-R. (2019), “The internat ional diffusion of expatr iate dual citizenship”, Migration Studies, vol. 7, n.º 3, pp. 362-383.

Vonk, O. W., Dumbrava, C., Vink, M. P., & de Groot, G. R. (2016), “Benchmarking legal protection against statelessness”, in Laura Van Haas & Melanie Khanna (eds.),  Solving Statelessness, Nijmegen, Wolf Legal Publishers.

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The nationality laws of the Lusophone states in Africa

Bronwen Manby 1

Abstract: This article provides a detailed comparative overview of the nationality laws of the five Lusophone member states of the African Union, known collectively as the Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP): Angola, Guinea Bissau, and Mozambique on the continental mainland, and the island archipelagos of Cape Verde and São Tomé and Príncipe. The five states share family likenesses among themselves and with East Timor, but also show important differences, and have diverged since independence. The legal regimes reflect not only the framework of law inherited from Portugal, but also the ideological outlooks of the liberation movements that took power on Portugal’s departure in 1975, and the political struggles over belonging and participation that have taken place since independence. All five states have shared in the continental trend towards adopting or strengthening gender equality and reducing restrictions on dual nationality. There is, however, a lack of research on the application of the rules in practice, given low rates of birth registration and civil registration generally.

Key words: Nationality, citizenship, civil registration, Africa, statelessness

1. Introduction

The nationality laws of Portugal’s former colonial territories in Africa – Angola, Guinea Bissau, and Mozambique on the continental mainland, and the island archipelagos of Cape Verde and São Tomé and Príncipe – share family likenesses among themselves and with East Timor, but also show important differences, and have diverged since independence. The 2

legal regimes reflect the frameworks of law inherited from Portugal itself, the ideological outlooks of the liberation movements that took power on Portugal’s departure in 1975, and the political struggles over belonging

Bronwen Manby is a senior policy fellow at the London School of Economics and 1

Political Science, and an independent consultant in the field of human rights, democracy and good governance, with a focus on sub-Saharan Africa.  She is a leading authority on nationality law and statelessness in Africa. This article uses the term ‘nationality’, rather than ‘citizenship’, in line with the wording 2

of international law. The constitutions and laws of the PALOP states are not consistent, using nacionalidade for the abstract principle, and cidadão to refer to an individual with nationality. The Guinea Bissau constitution, however, provides for a right to cidadania, rather than nacionalidade (art.44).

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and participation that have taken place since independence. Like the laws of the former colonial territories of Britain and France they demonstrate the ways in which a particular colonial regime creates a form of path-dependency in the framework of the law, but also the real importance given to nationality by politicians and activists alike as laws have been shaped and adjusted since independence (Manby, 2018).

Today, their nationality laws remain among the more open on the continent in relation to those born in the territory (reflecting both Portugal’s example, and the socialist leanings of the liberation movements), even though Angola and Guinea Bissau have reduced such rights. All five states have shared in the continental trend towards adopting or strengthening gender equality and reducing restrictions on dual nationality. There is, however, a serious lack of research on the application of the rules in practice, especially on the practical implementation of the system, given low rates of birth registration and civil registration generally.

2. History

2.1. Colonial period

As the European empires in Africa expanded, residents of territory annexed by a European power were considered to become nationals of that state, unless treaties provided otherwise (as applied in Africa, see discussion in Manby, 2018, chap. 3; for the international law see Weis, 1979). There was, however, at that time a clear distinction between the claim of an individual to the protection of his or her country of nationality against other states, and the rights of that individual within the territory of which he or she had nationality. Only a tiny minority of Africans ever achieved an equivalent legal status to whites, even where there was an ideology of assimilation; while those of mixed parentage created legal and intellectual confusions that the colonial powers struggled to resolve within their worldview (Keese, 2007; Lewis, 1962; Mann and Roberts, 1991; Saada, 2007).

The Portuguese territories in Africa were subject to repeated changes in political status, but the basic policies towards indigenous populations remained more or less stable (Manby, 2018, chap. 3.3; Newitt, 1995, pp. 378–577; Nugent, 2004, pp. 17–18 & 261–71). During the eighteenth century, Portuguese overseas territories were named colónias; they were rebranded as províncias in the 1820 Portuguese constitution, a status they kept in the 1911 constitution. They were once again renamed colónias in the 1933 constitution of the Estado Novo

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dictatorship, until 1951, when they were again called províncias. Two categories of citizenship were introduced in 1899, for the purposes of labour regulations: the indígena (native) and the não-indígena (non-native). The não-indígenas, European-born Portuguese and white-skinned foreigners were full Portuguese citizens (cidadãos) subject to metropolitan laws, or alternatively benefited from the diplomatic protection of their state of nationality; whereas the indígenas were administered under the customary laws of each territory, as modified or interpreted by Portuguese authorities, and subject to a range of coercive measures (Mendy, 2003). Gradually, a third category emerged, that of assimilado, that is, a person (initially usually of Asian descent, or those of mixed-race – especially in Cape Verde and São Tomé & Príncipe – but including some Africans) who claimed the status of não-indígena on the basis of education, knowledge of Portuguese language and culture, profession, and income. From 1917 specific procedures were adopted to establish status (da Ponte, 1974; Newitt, 1995, pp. 382–85 & 441–44), and a 1954 decree-law on the Estatuto do Indigenato established a more complete 3

and less arbitrary framework on the status of indígena in the mainland territories, as well as the rules and procedures by which an indígena could become a cidadão (Durieux, 1955). Formal legal equality in the colonies was established by the Portuguese only in 1961, in the midst of liberation wars in Africa, when any African could formally choose to become a Portuguese citizen and the worst kinds of forced labour were abolished (Ishemo, 1995; Mamdani, 2000; O’Laughlin, 2000).

Though the systems differed, in all colonial territories the ‘natives’ (indigènes in French, indígenas in Portuguese) were not only subject to different legal regimes but were also usually obliged to work, to pay specific taxes (in cash, in kind and in labour), and to obtain a pass to travel within or to leave the country; while European citizens could leave the country freely, were exempt from labour legislation, and paid taxes at different rates.

2.2. Transition to independence

The five former Portuguese colonies gained independence a decade and a half later than most of the African states, following a long liberation struggle and the final 1974 collapse of the Estado Novo in Portugal. Unlike the former British territories, but similarly to the French territories, there was no bilaterally negotiated framework for attribution of nationality on independence. Although at least in the case of Angola and Mozambique the accords between the new Portuguese government and

Decreto-lei No.39666 of 26 May 1954.3

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the various liberation movements provided some frameworks, the detailed legal provisions on nationality at succession of states were not mutually agreed (Jerónimo, 2019a, p. 6, 2019b, p. 7). The departing Portuguese 4

adopted rules on who retained Portuguese nationality (which left some at risk of statelessness: see Ramos, 2013), while the new states were free to adopt their own laws.

Four of the new states, known collectively as the Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) adopted rules favouring the grant of nationality to those who had fought against the Portuguese or penalising those who had collaborated with the colonial regime. In Mozambique, those who had participated in the liberation struggle within the structures of FRELIMO (the Frente de Libertação de Moçambique) were given the right to opt for Mozambican nationality, and nationality was excluded for people who had been members of ‘colonial-fascist political organisations’. Angola provided for those who had given 5

services to the national liberation struggle to be considered Angolans with full rights; and denied nationality to those had committed crimes against the people or the national liberation struggle. Cape Verde and Guinea 6

Bissau had matching provisions mutually facilitating access to the other’s nationality, based on the relationship created by the single party that brought both to independence, the Partido africano de independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), founded by Amilcar Cabral. Cape Verde 7

also adopted a 1976 ordinance providing for a special register as an ‘exceptional solution’ to create a record of thousands of Cape Verdeans returning to the country from Angola and Timor without any documents. 8

(In 2004, a law provided for attribution of nationality following a simple declaration to those issued birth certificates under this ordinance, and to their children and grandchildren. )9

Generally, transitional measures favoured the automatic attribution of the nationality of the new state: for example Angola’s first nationality

There were some general terms agreed by negotiation, however. In the case of Angola, 4

the ‘Alvor Agreements’ of 15 January 1975, between the Portuguese government and representatives of the three Angolan liberation movements (FNLA, MPLA and UNITA), enshrined the principle that all inhabitants of Angola irrespective of race would be entitled to Angolan nationality; while the Lusaka Accord of 7 September 1974 with FRELIMO as the sole representative of the Mozambican people stated that there would be separate mutual agreements to regulate the status of Portuguese citizens residing in Mozambique and of Mozambican citizens residing in Portugal. Moçambique Lei da nacionalidade de 20 de Junho de 1975, arts. 3 & 7.5

Angola Lei da nacionalidade de 10 de Novembro de 1975, arts. 4 & 6. 6

Guiné-Bissau Lei no.1/1976 de 3 de Maio, capítulo II, secção I; Cabo Verde Decreto-7

Lei no.71/76 de 24 de Julho, capítulo II, secção I. Portaria No.5/76 de 25 de Fevereiro.8

Lei No.51/VI/2004 de 13 de Setembro.9

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law provided that those born in Angola who did not want to maintain Angolan nationality had to declare their renunciation within one year of independence; the other four lusophone countries attributed nationality to a range of categories of person, including based on double jus soli and to those domiciled in the country at independence, and provided for renunciation within one year for those who did not want to acquire the new nationality. 10

2.3. Initial nationality regime and trends since independence

For those born after independence, as in the case of the former British and French territories that had gained independence in the 1960s, the new laws on nationality generally followed the model established by the colonial power. Portugal’s nationality regime, relatively constant since the 19th century, had favoured double jus soli and the automatic attribution of Portuguese nationality to children of foreigners still resident in the territory at majority, subject to a right to refuse this status. These 11

rules were reflected in the strong rights based on birth and residence adopted by the new states.

In addition to the transitional provisions providing for facilitated access to nationality for comrades in the struggle for independence, the new laws of the PALOP states also drew on the ideology of international socialism that had inspired their liberation movements (a generational contrast to most of the independence leaders of the francophone and anglophone states, apart from Sékou Touré of Guinea-Conakry). This influence was shown especially in the gender equality that was the rule in all the newly independent states in attribution to children, except in Mozambique for children born abroad; and also to spouses, except in Mozambique and São Tomé and Príncipe. It was twenty years later that the major wave of reforms on gender equality began elsewhere in the continent. Mozambique itself adopted gender equality in transmission to children in 1987, and removed automatic loss by a woman on marriage ; 12

while São Tomé & Príncipe adopted equal rights on marriage in 1990. Mozambique did not, however, create equal rights on marriage until the adoption of a new constitution in 2004, and has yet to update its law to reflect this position (see table 4).

Angola Lei de 10 de novembro de 1975, Article 1 ; Cabo Verde Decreto-Lei No.71/76 10

de 24 de julho, Article 1  ; Guiné Bissau Lei da nacionalidade No.1/76 de 4 de maio, Article 1  ; Moçambique Lei da nacionalidade de 20 de junho de 1975, Article 1 ; Sao Tomé & Príncipe, Lei da nacionalidade de 1 de dezembro 1975, Article 1.

Civil code, 1867 ; Lei da nacionalidade, 1959.11

Lei da nacionalidade de 1975 de 20 de Junho, alterada pela Lei No.16/87 de 21 de 12

Dezembro, arts. 14(1)(e) & art. 20. 18

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Angola and Guinea Bissau have also shared the tendency seen especially in the anglophone African states, to reduce the element of jus soli in the nationality laws adopted at independence. Angola first created greater limits to acquisition based on birth in the territory in 1984, adjusted in revisions to the law in 1991, 2005 and 2016. Nonetheless, the law remains more open than in many states, and it has maintained the right to apply for Angolan nationality for a child born on the territory of unknown or stateless parents, or of parents with unknown nationality. 13

Guinea Bissau removed the more generous provisions in 1992, leaving a descent-based system, but then in 2010 restored protections against statelessness for children born in the country without a nationality. In the 14

other countries, the basic framework has remained relatively stable, despite amendments to the law.

Finally, the PALOP countries have joined in the overwhelming trend across the continent towards acceptance of dual nationality, though not always in a simple trajectory, and some confusions remain (see commentary with table 6).

3. Current regime

3.1. Nationality based on birth in the territory

The five PALOP countries all have relatively open nationality laws, drawing on both the Portuguese model and the legacy of their socialist-influenced liberation movements. Nonetheless, there are significant variations. Except in the case of Mozambique, the main substantive provisions on nationality are set out in law rather than in the constitution, as is generally standard for civil law countries. The tables here are updated and adapted versions of those found in Bronwen Manby, Citizenship Law in Africa: A comparative study (3rd ed., 2016).

All five countries provide the basic guarantees required by international law for protection against statelessness in case of children born in the territory, establishing the automatic attribution or right to apply for nationality for children of stateless parents and for children who would otherwise be stateless. They also apply the standard presumption of nationality for newborn infants found on the territory (established as a principle of international law as early as 1930 ), and, with the exception 15

Lei no.2/84 de 7 de Fevereiro; Lei No.13/1991 de 11 de Maio; Lei No.1/2005 da 1 de 13

Julho; Lei No.2/2016 da 15 de Abril. Lei no.2/1992 de 6 de Abril; Lei No.6/2010 de 21 de Junho.14

Convention on Certain Questions Relating to the Conflict of Nationality Laws, The 15

Hague, 1930, art. 14. 19

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of Guinea Bissau and São Tomé & Príncipe, extend rights also to a child of unknown parents (that is, not only to infants). All five states provide for the children of parents whose nationality is unknown to be attributed or have the right to acquire nationality – an important additional protection, also envisaged in 1930 , beyond the case of children of stateless parents 16

(which could potentially be restricted to those who have been officially recognised as stateless), given the low rates of birth registration and other documentation, especially among the three mainland states. Angola and Guinea Bissau also provide for the right to a nationality in their constitutions. 17

Even within these provisions there are important differences among the states, with Angola generally being the most cautious in providing a route to nationality based on birth in the territory. There are no general rights based on birth in Angola, and, in relation to the protections against statelessness, the law does not automatically attribute nationality but 18

requires an application in case of the children of unknown or stateless parents, or parents whose own nationality is unknown, or who would otherwise be stateless, providing automatic attribution only in the case of abandoned infants (Jerónimo, 2019a). Guinea Bissau adopted a superficially similar regime through amendments to the law adopted in 2010, but provided for nationality to be automatically attributed in all these cases. 19

At the other end of the spectrum, the most generous state is Mozambique, which provides automatic nationality based on birth in the territory, as well as (redundantly, in case of those born after independence) based on two generations born in the territory. The only exclusions are if both parents are foreign and one is a diplomat; but even in this case the child has right to opt for nationality based on birth and residence until majority, as is the rule for those whose parents were resident in Mozambique at independence but declined Mozambique nationality at that time (for a comprehensive discussion, see Jerónimo, 2019b).

The two island states – Cape Verde and São Tomé & Príncipe – are somewhere in the middle, but closer to Mozambique. In the case of São Tomé & Príncipe, there is a difference in language between the 2003 constitution, which attributes nationality automatically on a jus soli basis,

Ibid., art. 15.16

Angola Constitution 2010, art. 32; Guinea Bissau Constitution 1984 (as revised to 17

1996), art. 44 (using the term cidadania). Decreto Presidencial n.º 152/17, de 4 de Julho, regulamento da Lei da nacionalidade, 18

art. 4. Lei No.2/92 de 6 de Abril, alterada pela Lei No.6/2010 de 21 de Junho, art. 5.19

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and the 1990 law, which requires that parents be ‘resident’, and excludes the children of those in the service of a foreign state. Except for the 20

specific protections against statelessness, Cape Verde requires the parents to have been ‘resident’ for five years for the child to have the right to nationality, and also requires an option on behalf of or by the child. 21

The PALOP states, like the former French territories, follow the standard civil law rule that civil status events – births, marriages, divorces, adoptions, deaths – are only legally valid if they are recorded in the civil register. Birth registration is especially important: in Angola, Cape Verde and Guinea Bissau, the nationality law provides that nationality of origin is proved by a birth certificate unless there is mention to the contrary. In 22

Mozambique, both the constitution and law provide that the civil register is proof of all facts relating to nationality, while the decree establishing 23

implementing regulations provides the same rule of presumed nationality unless birth registration includes any information to the contrary. In São 24

Tomé & Príncipe the law delegates the question of proof of nationality to regulation; but no regulation appears to have been adopted. 25

In practice, however, the low coverage even of birth registration means that this system cannot be followed in practice. While the small island states of Cape Verde and São Tomé & Príncipe do better, reaching 91 percent birth registration for Cape Verde and 75 percent for São Tomé & Príncipe, all three of the mainland states are below 50 percent registration for children under five (UNICEF, 2013). There is a dearth of 26

research on the application of the rules in practice.

STP Constitution, 2003, art. 3 ; Lei No.6/1990, art. 5(1)(f).20

Cape Verde Lei No80/III/90 de 29 de Junho (alterada pela lei No.41/IV/92 e a lei No.64/21

IV/92), art. 7; Decreto-Lei No.53/93 de 30 de agosto de 1993, arts. 1 and 6. Angola: Lei No.2/2016 de 15 de Abril, art. 26 ; Guinea Bissau: Lei No.6/2010 de 21 de 22

Junho, art.19(1); Cape Verde: Lei No. 80/III/90 de 29 de Junho (alterada pela Lei No.41/IV/92 e a Lei No.64/IV/92), art. 28. 

Mozambique Constitution 2004 art. 34; Lei de 20 de Junho de 1975 (alterada pela Lei 23

no.2.82 de 06 de Abril & pela Lei No. 16/87 de 21 de Dezembro), art. 19. Decreto 3/75 da lei da nacionalidade, alterado pelo Decreto No. 5/88, art. 4(1).24

STP: Lei 6/90 de 11 de Setembro, art.16.25

Latest UNICEF dataset on birth registration available at https://data.unicef.org/topic/26

child-protection/birth-registration/. 21

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Table 1: The right to a nationality based on birth in the country

3.2. Nationality based on descent

All five PALOP countries provide for parents to have equal rights to transmit nationality to their children, and, except for Mozambique, have done so since independence. Although Mozambique’s jus soli law meant that discrimination did not affect those born in the country, until 1987 only the children of Mozambican fathers had the right to nationality if born abroad. 27

None of the states, however, provide for automatic transmission of nationality to children born outside the territory, requiring the parents or child to claim nationality before attaining majority. For example, Mozambique requires all children born outside the country to declare their intention of retaining Mozambican nationality within one year of majority

Country Birth in country

Birth and one parent also born

Birth and residence

Parents stateless (ps) or of unknown nationality (pun) or child otherwise stateless (os)

Abandoned baby (ab) or parents unknown (pu)

Relevant legal provision (most recent amendment in brackets)

Angola ps† pun† os†

ab pu†

C2010 Art9L2016Arts9&15

Cape Verde JS*† ps punos

ab L1990(1992) Arts7-8

G. Bissau ps punos

ab L1992(2010) Art5

Mozambique JS JS/2 (JS)† ps punos

pu C2004 Arts23-25L1975(1987) Arts1-2

STP ‼ JS* ps punos

ab C2003 Art3L1990 Art5

JS: jus soli: child born in the country is attributed nationality by operation of law (with exclusions for children of diplomats & some other categories)JS*: child born in country of parents who are residents is attributed or can acquire nationality JS/2: double jus soli attribution: child born in country of one parent also born in the country is attributed nationality by operation of law(JS): child born in country of foreign parents is attributed or can acquire nationality at majority and/or after residence period† : application needed‼ : legislation varies from constitution

Lei da nacionalidade de 1975 de 20 de Junho, alterada pela Lei No.16/87 de 21 de 27

Dezembro, art. 8. 22

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(unless their parents were abroad in service of the state). Although 28

Angola’s law appears to establish automatic attribution to children born 29

outside the country (with an option to renounce at majority), the nationality regulations require registration of the birth with the consular 30

authorities or in the state of birth, with proof of one of the parents’ Angolan nationality recorded (Jerónimo, 2019a, p. 23).

Cape Verde provides for the right to opt for nationality for those born overseas, and since 1992 has extended this right to the grandchildren as well as children of nationals (thus including those whose parents may have lost or renounced nationality in order to naturalise in a new country). 31

Table 2: Right to nationality by descentCountry Born in country Born abroad

Legal Provision

In wedlock + Father (F) &/or Mother (M) is a national

Out of wedlock + Father (F) &/or Mother (M) is a national

In wedlock + Father (F) &/or Mother (M) is a national

Out of wedlock + Father (F) &/or Mother (M) is a national

F M F M F M F M

Angola R R R R C C C C C2010 Art9L2016 Art9R2017 Art4

Cape Verde R R R R C^ C^ C^ C^ L1990(1992) Arts7

G. Bissau R R R R C C C C L1992(2010) Art5

Mozambique ‼ R R R R C C C C C2004 Art23&24L1975(1987) Art1

STP R R R R C C C C C2003 Art3L1990 Art5

‼ legislation conflicts with the constitution and/or other legislation—the constitutional provisions are noted here R: child is a national from birth as of rightC: can claim nationality following an administrative process (including compulsory birth registration, registration with consular authorities, or declaration) ^ Rights to nationality through a grandparent

Constitution 2004, Art.23(3); Lei da nacionalidade, 1975, art. 8(1). The law, but not the 28

constitution, also requires renunciation of any other nationality they may have acquired. Lei No.2/16 de 15 de Abril, art. 11(2).29

Decreto Presidencial no.152/17, de 4 de Julho, art. 4. 30

Lei No.80/iii/90 de 29 de Junho (alterada pela Lei 41/IV/92 e a Lei No. 64/IV/92), art. 8 31

– this provision was established by law No.64/IV/92 of1992 23

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3.3. Acquisition of nationality after birth: adoption, marriage, and naturalisation

3.3.1. Adoption

By contrast to at least 15 African states,(Manby, 2016 Table 3) the PALOP countries all have provisions in their laws for adopted children (table 3). These were introduced by amendments to the laws between 1990 and 1992 in Angola , Cape Verde, Guinea Bissau and São Tomé & 32

Príncipe. Mozambique introduced rights based on adoption only in the 2004 constitution (and the law and implementing decree have yet to be updated); while in Angola 2016 amendments to the law repealed the automatic attribution in place since the 1991 law (and provided for in the 1986 regulation, but not the law) in case of full adoption, instead, it required a specific option.

Table 3: Provisions on minor adopted children

3.3.2. Marriage

All the PALOP countries now provide for equal rights to transmit nationality between spouses (table 4), with Mozambique the last to do so, based on the 2004 constitution – although the law has yet to be updated to reflect this position. Angola’s 2016 law introduced conditions for acquisition based on marriage that had not been present in the 2005 law.

Country Auto. Opt. Comments Legal provision

Angola x Parents must request, and at 14 years old the adopted child must show desire to obtain nationality

L2016 Art12

Cape Verde x Automatic if stateless L1990(1992) Art11

G. Bissau x L1992(2010) Art7

Mozambique x C2004 Art29

STP x L1990 Art9

Auto: Acquisition of nationality automatic on completion of adoption formalitiesOpt: Parents or child have the right to opt for nationality

Angola’s 1986 regulation, but not the 1984 law, had provided for the possibility of 32

acquisition through adoption. Decreto No.1/86 de 11 de Janeiro, art. 10. see discussion in Jerónimo (2019a), p.11.

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Table 4: Right to pass nationality to a spouse

3.3.3. Naturalisation

The PALOP countries have provisions on naturalisation that are generally speaking similar to those in other African states, with a residence period of between 5 and 10 years, and more or less standard conditions relating to criminal record, health and integration (see table 5). In addition, all the states have restrictions on naturalised persons holding public office, with the widest restrictions in place in Mozambique. Once again, the situation in Mozambique is complicated by the inconsistency between the constitution (which provides for five years’ residence) and the law (ten years, and other conditions apply), creating difficulties in interpretation. Angola made the conditions for naturalisation slightly more onerous in its 2016 law (including excluding a person for a crime punishable by a shorter period of imprisonment); proposed amendments to give the president more discretion to award naturalisation had led to protests during 2014. Guinea Bissau’s 2010 amendments, however, 33

reduced the period of residence from ten years to six. As in other African states naturalisation is rare in practice. While

individual decrees of naturalisation are published in the official journal (Boletim da República) – in common with the former French territories, and by contrast to the anglophone states – there is no published research on the overall statistics.

Country Nationality by marriage

Res. period (if any)*

Marriage period (if any)

Level of discretion Relevant legal provision(s)

Year of equality

Angola = 5 yrs On application; offer civic and moral guarantees of integration into Angolan society; not convicted of crime punishable by more than 3 years in prison

L2016 Art13 1975

Cape Verde = By declaration L1990(1992) Art9

1976

G. Bissau = 1 yr 3 yrs By declaration L1992(2010) Art8

1976

Mozambique ‼ = 5 yrs (unless stateless)

By declaration, must fulfil conditions set by law. Law provides only for a woman marrying a Mozambican, who must fulfil conditions for naturalisation

C2004 Art26L1975(1987) Art10

2004

STP = By declaration if domiciled in STP L1990 Art6 1990

‼ legislation conflicts with the constitution—the constitutional provisions are noted here (in Zambia the Citizenship Act refers to a provision in the abrogated 1973 constitution which is not included in the 1991 constitution)* If residence period noted then residence is after marriage= Equal rights for men and women to pass citizenship

António Rocha, «Angolanos indignados com proposta de mudanças na Lei da 33

Nacionalidade », Deutsche Welle, 7 October 2014. 25

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Table 5: Right to acquire nationality as an adult by naturalisation

Country Res. period

Language / cultural requirements

Character Ren. other

Health / income Other1Minor children included?

Limits on rights for naturalised2

Legal provision

Angola 10 yrs

Civic and moral guarantees of integration into Angolan society; sufficient knowledge of Portuguese language; effective connection to national community; knowledge of rights and duties under constitution

Not sentenced to prison more than 3 years; can be opposed on grounds no effective connection; conviction for crime punishable by 3 years imprisonment, or crime against security of state; exercise sovereign powers for another state; military service for another state

NoCapacity to make decisions (reger a sua pessoa); means of subsistence

Nat. Ass. can authorise naturalisation if relevant services or exceptional qualifications.President can enter into bilateral agreements with PALOP countries for naturalisation of residents, or waive some conditions

Yes, on application

President must have nationality of origin, naturalised person can only be member of national assembly after 7 yrs

C2010 Arts110,129, 145L2016 Arts7,11,14,16,19,20,30

Cape Verde 5 yrs -

Good reputation (idoneidade moral ou civil); can be opposed if committed a crime subject to major punishment (pena maior), or exercised political functions or military service for another state

NoCapacity to make decisions (reger a sua pessoa); means of subsistence

Period can be waived if of CV descent, or if sizable investment promised

Yes, on application

President must have nationality of origin

C1992(2010) Art110L1990(1992) Arts12,13, 19,20

Guinea Bissau 6 yrsBasic knowledge of and identification with Guinea-Bissau’s culture

Govt can oppose in case of conviction of a crime punishable by 6 yrs imprisonment, a crime against state security, or exercising sovereign functions or serving in military service of another state

No -No residence period if services rendered to the Guinean people before or after the liberation struggle or for Guinea’s development

Yes, on application

President must have nationality of origin, as well as both parents

C1984(1996) Art63L1992(2010) Arts6,9, 12

Mozambique ‼ 10 yrsKnowledge of Portuguese or a Mozambican language

Good reputation (idoneidade civica) No

Capacity to make decisions (reger a sua pessoa); means of subsistence

Residence period and language can be waived if the person has provided ‘relevant services’ to the state

Yes, on application

President must be national of origin; naturalised citizens cannot be deputies, members of government or in diplomatic or military service

C2004 Arts27,28,30, 147L1975(1987) Arts11-13

São Tomé and Príncipe 5 yrs

Knowledge of Portuguese or another national language; civic and moral guarantees of integration into STP society

No acts against sovereignty of STP state or crimes punishable by a serious punishment

YesCapacity to make decisions (reger a sua pessoa); means of subsistence

Conditions can be waived in case of relevant services or higher state interests/reasons.Govt can oppose in court within 1 yr on national security grounds or that committed major crime.

Yes, on application

President and Prime Minister must be nationals of origin

C2003 Art78&100L1990 Arts7,10, 14

1. Most countries require the person to be adult, currently and legally resident and to intend to remain so if they wish to naturalise; these provisions are not included here. 2. Provisions in the nationality law and constitution (not including electoral code) ‼ legislation conflicts with the constitution; constitutional provisions noted here NB. There is simplification of complex provisions

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3.4. Dual nationality

All the PALOP states, with the exception of São Tomé & Príncipe, now allow dual nationality in all cases. All, with the exception of Guinea Bissau, provide that the president may not hold dual nationality. The history of detailed revisions, however, shows that the current situation has not been the result of a clear political consensus: indeed, the history of the liberation wars meant that the PALOP states perhaps suspected the loyalties of those with potential dual nationality (especially with Portugal) to an even greater extent than in other African states.(See, in the case of Mozambique, Sumich, 2013).

In the case of Angola, the first nationality law of 1975 was silent on this point, but the 1984 law provided for automatic loss on acquisition of another and required a person naturalising to renounce their existing nationality; from 1991, both these provisions were removed, permitting dual nationality in all cases. 34

The initial Mozambican law provided for automatic loss on acquisition of another and that if a person held another nationality it would not be recognised inside the country – but did not require renunciation of another on naturalisation (except in case of a woman marrying a Mozambican man) or in case of dual nationality from birth. 35

The 1990 constitution then required a person naturalising to renounce another nationality, and only with the 2004 constitution were these 36

restrictions removed – but the law has not been updated since 1987. The law but not the constitution requires that children born abroad renounce any other nationality to which they are entitled, that women marrying Mozambican men must renounce another nationality, and that those who acquire another nationality automatically lose their Mozambican nationality. 37

Like Mozambique, Guinea Bissau also provided from 1975 for automatic loss of nationality on acquiring another, but did not require renunciation in case of naturalisation or dual nationality from birth, although if a person held another nationality it would not be recognised inside the country. From 1990, the law provided that a person would not 38

lose nationality if the acquisition of another was because he or she had

Lei No.2/84 de 7 de Fevereiro, arts. 5(1)(d) and 7(a); Lei No.13/91 de 11 de Maio, arts. 34

13 and 15. Lei da nacionalidade de 20 de Junho de 1975, arts. 10, 14(1)(a) and 17.35

Constitution 1990, art. 21(a).36

Lei da nacionalidade de 1975 de 20 de Junho, alterada pela Lei No.16/87 de 21 de 37

Dezembro, arts. 8(1), 10 and 14(1)(a). Lei No.1/76, capítulo III, Base VIII(a)(a), capítulo V, base XV.38

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emigrated ‘essentially for economic reasons’; but 2010 amendments to the law removed any restrictions. 39

Cape Verde provided from the outset for automatic loss on acquisition of another nationality and for a person naturalising to renounce another nationality, but amended the law in 1992 to permit 40

dual nationality in all cases. 41

São Tomé and Príncipe permitted dual nationality from the outset for all, although, as in the case of Mozambique, the law stated that another nationality would not be recognised inside the country. From 1990, 42

however, those naturalising were required to renounce, and those who acquired another nationality elsewhere automatically lost their São Tomé & Príncipe nationality ‘unless the acquisition is for reasons of emigration’ ; in 2003 the new constitution clarified that nationality of 43

origin would never be lost if a person acquired another – but the inconsistency between the two provisions remains. Renunciation of 44

another nationality remains a condition of naturalisation.

Table 6: Rules on dual nationality

3.5. Loss, deprivation and reacquisition of nationality

Four of the PALOP states provide that a person who holds nationality from birth cannot lose or be deprived of nationality. In the case of Angola, this statement in the 2010 constitution is undermined by the

Country Dual nationality permitted

Date current regime adopted

Restrictions on public office

Relevant legal provisions

Angola Yes 1991 President cannot be dual national

C2010 Art110L2016 Art17(1)(a)&32-33

Cape Verde Yes 1992 President cannot be dual national

C1992(2010) Arts5&110L1990(1992) Arts14,15

Guinea Bissau Yes 2010 L1992(2010) Art10

Mozambique ‼ Yes 2004 President cannot be dual national

C2004 Arts27,31,33&147L1975(1987) Arts10&14

São Tomé and Príncipe ‼

Only for nationals from birth

2003 President and prime minister cannot be dual nationals

C2003 Arts3,78&100L1990 Arts10&12

‼ constitution conflicts with legislation: constitutional provisions noted here

Lei No. 2/92 de 6 de Abril, art. 10 amended by Lei No.6/2010 de 21 de Junho. 39

Decreto-Lei No.71/76 de 24 de Julho, arts. 6(1) and 10(a).40

Lei No.41/IV/92, arts. 12 and 15.41

Lei da nacionalidade de 1 de Dezembro de 1975, art. 11.42

Lei No.6/90, art. 12(a). 43

Lei No.6/90 arts. 10(1)(e) and 12(a); constitution 2003, art. 3.44

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law of 2016, which provides for loss of nationality if the person exercises sovereign functions in favour of another state and does not inform the National Assembly in advance; in addition since 2016 the National Assembly must approve all cases of reacquisition of nationality. 45

Once again, there is a conflict between the constitution and the law in Mozambique, where the constitution provides for no means of involuntary loss or deprivation, but the law nonetheless sets out reasons for deprivation of nationality.

Table 7: Criteria for loss or deprivation of nationality

Country

Nationality from birth Nationality by naturalisation Relevant legal provisions

Acquire another nationality

Work for / serve in military of another state

Crime vs state

Work for / serve in military of another state

Fraud /misrep.

Crime vs state

Ordinary crime

Disloyal / incompatible behaviour

Angola x x x x L2016 Art17

Cape VerdeC1992(2010) Art40L1990(1992)

Guinea Bissau x x x L1992(2010)

Art10

Mozambique ‼

C2004 Art31L1975 Arts14-15

STP x x x L1990 Art12

‼ Constitution conflicts with legislation, constitutional provisions noted here

Constitution 2010, art. 9(4); Lei no2/16 de 15 de Abril, arts. 17(1)(b) and 18(3).45

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Table 8: Renunciation and reacquisition

4. Comparison with East Timor

The nationality laws of the PALOP states show a clear familial relationship with the law in East Timor, in particular in the formulation of the protections against statelessness for those born in the country of unknown or stateless parents, or parents of unknown nationality. East Timor’s provision for a child born in the territory to be able to acquire nationality by declaration at majority is similar to the regime in Mozambique. East Timor shares the PALOP states’ contemporary framework of gender equality for transmission to children and spouses, but does not provide the restrictions on transmission for those born outside the territory established by the African laws. Like the PALOP states, East Timor also permits dual nationality. 46

The circumstances of East Timor’s more recent independence have also led to conditions that are similar to some of those put in place on transition to independence in Africa. For example, East Timor’s provision in relation to naturalisation that foreign citizens settled in Timor-Leste as a result of the (Indonesian) policy of transplantation of workers (política de transmigração) or military occupation shall not be considered habitual

Country Renunciation Relevant legal provisions

Conditions applied Protection vs statelessness

Angola By declaration Yes L2016 Art17(1)(a)(c)&(d)

Cape Verde By declaration Yes L1990(1992) Art15

G. Bissau By declaration Yes L1992(2010) Art10

Mozambique By declaration Yes C2004Art31L1975(1987) Art14

STP By declaration Yes L1990 Arts12&13

Reacquisition

Angola After 1 year’s residence and within 3 years of majority if renounced on child’s behalf by parentsAfter 5 yrs residence, if deprived, and Nat. Ass. must authorise; reacquisition may be opposed on grounds similar to those for deprivation

L2016 Art18-19

Cape Verde By declaration if lost because renounced L1990(1992) Art17

G. Bissau By declaration, if lost because renounced & if establishes domicile in country

L1992(2010) Art11

Mozambique Must be domiciled in Mozambique and satisfy conditions relating to integration

C2004 Art32L1975(1987) Art16

STP By declaration after 2 yrs residence in STP L1990 Art13

Lei no. 9/2002 de 5 de Novembro, arts. 8, 9, 11, and 14(1).46

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residents, is reminiscent of provisions favouring or restricting access to 47

nationality for those who supported or opposed the liberation struggles in Africa.

Like four of the African states, the East Timor law provides no circumstances in which a national from birth may involuntarily lose or be deprived of nationality, but naturalised persons lose nationality (the implication that this is automatic) on the basis of various crimes or acts against the state, or if it was acquired fraudulently. 48

5. Conclusion

The delayed independence of the PALOP states meant that they were all born out of a liberation struggle that was more violent than that of most African states that gained self-rule in the 1960s (with the notable exception of Algeria). Both Mozambique and Angola then suffered until the 1990s from the ongoing conflict resulting from their location in the southern African region, and the proxy wars fought on their territory by South Africa, Rhodesia (future Zimbabwe), and the great powers of the Cold War. Divisions created by ethnicity were very relevant both to these conflicts and subsequent politics, as in other African states faced by the challenges of ‘managing diversity’ (UN Economic Commission for Africa, 2011). However, the question of nationality and belonging has not been politicised – even ‘weaponised’ – in these crises as it has in neighbouring countries such as Democratic Republic of Congo, Zimbabwe, Kenya or Côte d’Ivoire. In the broader African context, I have argued that the initial frameworks and subsequent amendments of nationality law have had important consequences for the occurrence and nature of political or military crises in the continent, often unintended.(Manby, 2018) In this, I agree with Catherine Boone that ethnic identity is not so much an ‘essentially pre-political or non-political’ preference or ideology, but ‘better understood as a juridical status, or a state-recognised or even state-imposed political identity, which operates through state processes’(Boone, 2014, p. 317). There are major gaps in our understanding of the ways in which nationality law and administration has shaped ethnic and political identity in lusophone Africa, or of the ways in which politicians and activists mobilised for the changes that have been made: this article has attempted to set out at least the history and current status of the legal framework, the starting point for such work.

Lei no. 9/2002 de 5 de Novembro, art. 12(2). ‘Não são considerados residentes 47

habituais, nem residentes regulares, os cidadãos estrangeiros que fixaram residência em Timor-Leste por força da política de transmigração ou da ocupação militar estrangeira.’

Lei no. 9/2002 de 5 de Novembro, art. 14(2).48

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Appendix: List of nationality laws and regulations since independence

Angola Lei da nacionalidade de 11 de novembro 1975Lei No.2/84 da nacionalidade de 7 de fevereiroDecreto No.1/1986 de 11 de janeiro regulamento da Lei da nacionalidadeLei No.13/91 da nacionalidade, de 11 de maio Lei No.1/05 da nacionalidade, de 1 de julhoConstitution, 2010Lei No.2/16 da nacionalidade da 31 de marzoDecreto Presidencial n.º 152/17, de 4 de Julho, regulamento da Lei da Nacionalidade

Cape Verde Decreto-Lei n.º 71/76, de 24 de JulhoDecreto-Lei n.º 102/76, de 20 de Novembro – Nacionalidade OrigináriaDecreto-lei 31/87 de 28 de marçoLei nº 80/III/90 de 29 de Junho de 1990Decreto nº 114/90, BO nº 49, I Serie, de 08 de Dezembro de 1990Lei nº 41/IV/92 de 06 de Abril de 1992Constitution 1992 (revised 1995, 1999 & 2010)Lei nº 64/IV/92 de 30 de DezembroDecreto-Lei No 53/93 de 30 de Agosto de 1993Decreto-Lei nº 19/2000, 24 de Abril de 2000Lei no.51/VI.2004 de 13 de Setembro

Guinea Bissau Lei da nacionalidade No.1/76 de 4 de maioLei da nacionalidade No.1/84 de 15 de fevereiroConstitution 1984 (modified 1991, 1993 and 1996)Lei da nacionalidade No.2/92 de 6 de abrilLei da nacionalidade No.6/2010 de 21 de junho

Mozambique Lei da nacionalidade de 20 de Junho de 1975 as amended by Lei no.2.82 de 06 de Abril & Lei No. 16/87 de 21 de Dezembro Decreto 3/75 de 16 de Agosto de 1975 regulamenta a lei da nacionalidade Decreto No. 5/88 de 8 de Abril regulamenta a lei da nacionalidadeConstitution 1990Constitution 2004

São Tomé and Príncipe

Lei 39/75 da nacionalidade de 15 de dezembro 1975Lei n.º 6/90, de 13 de Setembro de 1990, Lei da nacionalidadeConstitution 2003

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Para uma reforma do Direito timorense da nacionalidade: Caracterização do regime e sinalização de aspetos críticos

Patrícia Jerónimo 1

Resumo: Fruto do cruzamento de várias influências estrangeiras lusófonas, o Direito timorense da nacionalidade – i.e. o quadro normativo definido pela articulação entre a Constituição, a Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Lei da Nacionalidade – é complexo e, por vezes, incongruente, o que representa riscos não despiciendos para a segurança jurídica e para os direitos dos cidadãos. O regime é, no essencial, garantístico e alinhado com padrões internacionais de direitos humanos, mas há vários aspetos problemáticos, merecedores de atenção, tanto ao nível da forma (e.g. imprecisões terminológicas, disposições contraditórias), como do conteúdo (e.g. omissões, inconstitucionalidades). Este artigo propõe-se sinalizar esses aspetos, como contributo para a identificação de possíveis vias de reforma do quadro normativo em vigor e para a sua boa aplicação pela Administração e pelos tribunais. Palavras-chave: nacionalidade; cidadania; transplantes jurídicos; reforma legislativa

1. Introdução

Com o reconhecimento internacional de Timor-Leste como Estado independente, em 20 de maio de 2002, surgiu também o estatuto jurídico próprio dos membros de pleno direito da nova comunidade política estadual – os cidadãos timorenses . A Constituição da República 2

Democrática de Timor-Leste (CRDTL) , que entrou em vigor nesse dia, 3

estabeleceu os critérios para a atribuição da cidadania timorense

Professora Associada na Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga, Portugal. 1

Diretora do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov). Country Rapporteur para Timor-Leste, no Global Citizenship Observatory, do Robert Schuman Centre for Advanced Studies, Florença, Itália. Também ditos nacionais timorenses. Em Timor-Leste, como em muitos outros 2

sistemas jurídicos, os termos cidadania e nacionalidade são considerados sinónimos e usados indistintamente, por vezes, no mesmo preceito [considerem-se, por exemplo, o artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Constituição, e o artigo 10.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade]. Disponível em http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/ConstituicaoRDTL_Portugues.pdf 3

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originária, remetendo para a legislação ordinária a definição das regras sobre a aquisição, perda, reaquisição, registo e prova da cidadania timorense (artigo 3.º, sob a epígrafe “cidadania”). Por mero efeito da norma constitucional, centenas de milhares de pessoas nascidas no território correspondente ao novo Estado – durante a colonização portuguesa, a ocupação indonésia ou a Administração Transitória das Nações Unidas (UNTAET) – e os descendentes de tais pessoas, ainda que nascidos no estrangeiro, adquiriram o direito à cidadania timorense; tornaram-se, na maioria dos casos automaticamente , cidadãos 4

timorenses. A delimitação do universo dos timorenses já havia sido feita,

provisoriamente, pelo Acordo de Nova Iorque, de 5 de maio de 1999, sobre as modalidades da consulta popular. O Acordo abrira a participação no referendo que viria a ditar a independência de Timor-Leste a todos os indivíduos maiores de 17 anos de idade que coubessem numa de três categorias: a) nascidos em Timor-Leste; b) nascidos fora de Timor-Leste mas com, pelo menos, um progenitor nascido em Timor-Leste; c) cônjuges de indivíduos abrangidos por uma das alíneas anteriores . Estes critérios foram depois usados, com algumas variações, 5

pela UNTAET, para determinar quem poderia ter acesso ao território sem necessitar de autorização , quem poderia ser registado como “residente 6

Foi assim com todos os indivíduos nascidos de pai ou mãe timorense, 4

independentemente do lugar do nascimento, com todos os indivíduos nascidos em Timor-Leste de pai ou mãe também nascido em Timor-Leste e com todos os indivíduos nascidos em Timor-Leste de pais desconhecidos, apátridas ou de nacionalidade desconhecida [artigo 3.º, n.º 2, alíneas a) e b), e n.º 3, CRDTL]. Indivíduos nascidos em Timor-Leste de pais estrangeiros não receberam imediatamente a cidadania timorense, mas ficaram com direito a ela, bastando que declarassem a sua vontade de ser timorenses, se maiores, ou quando se tornassem maiores de 17 anos de idade [artigo 3.º, n.º 2, alínea c), CRDTL]. Agreement Regarding the Modalities for the Popular Consultation of the East Timorese 5

through a Direct Ballot, disponível em https://www.peaceagreements.org/view/294 [01.08.2019]. Regulamento UNTAET n.º 2000/9, de 25 de fevereiro, sobre a criação de um regime de 6

fronteiras para Timor-Leste. De acordo com o artigo 7.º, n.º 4, uma pessoa que pretendesse entrar em Timor-Leste não necessitaria de autorização se essa pessoa tivesse nascido em Timor-Leste antes de dezembro de 1975; tivesse nascido fora de Timor-Leste, mas de pai/mãe ou avô/avó nascido/a em Timor-Leste antes de 1975; fosse casado/a ou filho/a com menos de 18 anos e dependente de pessoa abrangida por uma das categorias anteriores. O artigo 20.º, sob a epígrafe “cidadania”, ressalvava, para não deixar margem para dúvidas: “Nada no presente regulamento confere ou prejudica os direitos de cidadania de quaisquer pessoas”. Texto disponível em http://mj.gov.tl/jornal/lawsTL/UNTAET-Law/Regulations%20Portuguese/Reg2000-09por.pdf [01.08.2019].

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habitual” na Conservatória Central do Registo Civil , quem poderia votar 7

e ser eleito nas eleições para a Assembleia Constituinte e para o cargo 8

de Presidente da República . Apesar dos amplos poderes legislativos em 9

que foi investido , o Administrador Transitório das Nações Unidas, 10

Sérgio Vieira de Mello, optou por não se pronunciar diretamente sobre a titularidade da cidadania timorense, possivelmente devido à dignidade constitucional e ao valor simbólico da matéria (Jerónimo, 2011: 29). Às vésperas da independência, muitos dos habitantes de Timor-Leste eram

Regulamento UNTAET n.º 2001/3, de 16 de março de 2001, sobre a criação da 7

Conservatória Central do Registo Civil de Timor-Leste. De acordo com o artigo 6.º, n.º 1, alínea a), “residente habitual” designava uma pessoa que tivesse nascido em Timor-Leste ou fora de Timor-Leste com pelo menos um progenitor nascido em Timor-Leste, ou cujo cônjuge caísse numa das anteriores categorias. Os residentes de Timor-Leste podiam provar a sua identidade e elegibilidade para registo através de um amplo leque de métodos probatórios, incluindo prova testemunhal (artigo 7.º). À semelhança do Regulamento n.º 2000/9, o Regulamento n.º 2001/3 ressalvava, no artigo 8.º, n.º 4: “Nem o registo nem a emissão de um bilhete de identidade pela Conservatória do Registo Civil ao abrigo do presente Regulamento conferirão a qualquer indivíduo o direito de cidadania timorense ou a elegibilidade de reclamar o direito à cidadania timorense”. Texto disponível em http://mj.gov.tl/jornal/lawsTL/UNTAET-Law/Regulations%20Portuguese/Reg2001-03por.pdf [01.08.2019]. Regulamento UNTAET n.º 2001/2, de 26 de fevereiro, sobre a eleição de uma 8

Assembleia Constituinte para a elaboração de uma Constituição para um Timor-Leste independente e democrático. A capacidade eleitoral ativa e passiva foi definida, pelos artigos 30.º e 32.º, em termos idênticos aos do Acordo de Nova Iorque, ainda que, desta feita, o direito de voto tenha sido limitado aos recenseados em Timor-Leste e presentes no país no dia da votação. Texto disponível em http://mj.gov.tl/jornal/lawsTL/UNTAET-Law/Regulations%20Portuguese/Reg2001-02por.pdf [01.08.2019]. Regulamento UNTAET n.º 2002/1, de 16 de janeiro, sobre a eleição do primeiro 9

Presidente de um Timor-Leste independente e democrático. O direito de sufrágio foi reconhecido, pelo artigo 21.º, em termos idênticos aos do Acordo de Nova Iorque, com a adição do requisito da presença em Timor-Leste no dia da votação. A elegibilidade dos candidatos foi definida em termos mais estritos, tendo-se exigido que estes tivessem nascido em Timor-Leste e tivessem, pelo menos, um progenitor também nascido em Timor-Leste, para além dos requisitos de residência no país, de registo como residente habitual e de idade mínima de 35 anos (artigo 23.º). Texto disponível em http://mj.gov.tl/jornal/lawsTL/UNTAET-Law/Regulations%20Portuguese/Reg2002-01por.pdf [01.08.2019].

Os poderes legislativos da UNTAET eram extremamente amplos, por força da 10

Resolução do Conselho de Segurança 1272 (1999), de 25 de outubro, disponível em http://unscr.com/files/1999/01272.pdf [31.07.2019], e do Regulamento UNTAET n.º 1999/1, de 27 de novembro, sobre os poderes da Administração Transitória em Timor L e s t e , d i s p o n í v e l e m h t t p : / / m j . g o v. t l / j o r n a l / l a w s T L / U N TA E T- L a w /Regulations%20Portuguese/Reg1999-01por.pdf [31.07.2019].

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apátridas ou tinham uma de duas cidadanias – a indonésia ou a portuguesa . 11

Na fixação dos critérios para o acesso à cidadania timorense, a Assembleia Constituinte – cujos trabalhos foram largamente influenciados pela Constituição portuguesa de 1976 (Brandt, 2005: 16) e, em menor medida, pela Constituição moçambicana de 1990 (Charlesworth, 2003: 328) – decidiu combinar o estabelecimento em sede constitucional de critérios substantivos para a atribuição da cidadania originária (modelo moçambicano) com a remissão para a legislação ordinária dos demais aspetos do regime da nacionalidade (modelo português). Esta combinação não é isenta de dificuldades, como teremos oportunidade de desenvolver mais adiante.

Entretanto, com a entrada em vigor da CRDTL e a criação do novo estatuto jurídico de cidadão timorense, foi necessário dar cumprimento ao comando constitucional de regular a aquisição, perda e reaquisição da cidadania, bem como o seu registo e prova. Ainda em 2002, o Parlamento Nacional aprovou a Lei da Nacionalidade – Lei n.º 9/2002, de 5 de novembro – e, no ano seguinte, o Conselho de Ministros aprovou o 12

Regulamento da Lei da Nacionalidade, publicado, já em 2004, como Decreto-Lei n.º 1/2004, de 4 de fevereiro (Regulamento) . 13

À semelhança do artigo 3.º da CRDTL, cujos n.os 2 e 3 replicam o enunciado de disposições da Constituição moçambicana de 1990, a Lei da Nacionalidade e o Regulamento apresentam marcas claras de outras influências estrangeiras lusófonas (a cabo-verdiana e a portuguesa, na

Muitos dos que adquiriram a cidadania indonésia durante a ocupação usaram-na para 11

obter guarida na Indonésia depois do referendo de 30 de agosto de 1999. Dos que retiveram a cidadania portuguesa e a passaram para os seus filhos, nem todos conseguiram ver o seu estatuto reconhecido pelas autoridades portuguesas, como se verificou no recontro diplomático com a Austrália, em 1988, que levou as autoridades australianas a concluir que os requerentes de asilo timorenses, formalmente titulares da cidadania portuguesa, eram “apátridas de facto” (Jerónimo, 2017: 10-12).

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leis_parlamento_nacional/ 9_2002.pdf [02.08.2019]. Disponível em http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2002_2005/decreto_lei_governo/13

1_2004.pdf [03.08.2019]. 38

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Lei ; a portuguesa, no Regulamento ), visíveis na estrutura dos 14 15

diplomas, em aspetos de regime (e.g. modos de aquisição da nacionalidade) e no enunciado das disposições, algumas das quais reproduzem verbatim a formulação das congéneres cabo-verdianas e/ou portuguesas (Jerónimo, 2017: 20-22).

A adoção de soluções normativas já testadas noutros ordenamentos jurídicos estaduais – o que Watson (1993: 21-30, 95-101) designou por “transplantes jurídicos” – é prática corrente em todo o mundo e muito comum em Estados beneficiários de programas internacionais de ajuda ao desenvolvimento, já que estes programas incluem frequentemente componentes de formação e assessoria jurídica ao Parlamento e ao Governo. Muitos dos desenvolvimentos legislativos ocorridos em Timor-Leste desde a independência tiveram assessoria de juristas estrangeiros, oriundos sobretudo de países lusófonos (Portugal, Brasil, Cabo Verde e Moçambique), atenta a circunstância de o Português ser uma das línguas oficiais e, em grande medida, a “língua do Direito” no país. Apesar de muito comuns pelo mundo fora, os transplantes jurídicos comportam sempre alguns riscos, o maior dos quais é – em nosso entender – o da desadequação das normas transplantadas à sociedade do Estado recetor, que está na origem do frequente fosso entre o “Direito nos livros” (Direito oficial) e o “Direito na ação” (Direito efetivamente vivido pelas populações), observável em muitos Estados saídos da colonização europeia, em África e na Ásia (Jerónimo, 2015: 52-55). Quando, como aconteceu na definição do regime timorense da nacionalidade, os transplantes jurídicos resultam do cruzamento de várias influências jurídicas estrangeiras (in casu, moçambicana, cabo-verdiana e portuguesa), os riscos aumentam consideravelmente, conduzindo, não raro, a uma técnica legística deficitária e a soluções jurídicas contraditórias, com prejuízo para a certeza e a segurança do Direito. Vale a pena notar, por exemplo, que, contrariamente à CRDTL, a Constituição portuguesa e a Constituição cabo-verdiana não fixam critérios substantivos para a atribuição da cidadania, limitando-se a

A Lei da Nacionalidade ao tempo em vigor em Cabo-Verde era a Lei n.º 80/III/90, de 14

29 de junho, disponível em http://www.refworld.org/pdfid/4c5a796c2.pdf [02.08.2019], na versão dada pela Lei nº. 41/IV/92, de 6 de abril, disponível em http://www.refworld.org/docid/4c5a7 6d82.html [02.08.2019], e pela Lei n.º 64/IV/92, de 30 de dezembro, disponível em http://www.refworld.org/docid/4c5a81e22.html [02.08.2019]. A Lei em vigor em Portugal era a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na versão dada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, disponível em https://dre.tretas.org/dre/61160/lei-25-94-de-19-de-agosto [02.08.2019].

O Regulamento da Lei da Nacionalidade ao tempo em vigor em Portugal era o 15

Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de agosto, disponível em https://dre.pt/application/file/397866 [03.08.2019], na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 253/94, de 20 de outubro, disponível em https://dre.pt/application/file/625909 [03.08.2019], e pelo Decreto-Lei n.º 37/97, de 31 de janeiro, disponível em https://dre.pt/application/file/571102 [03.08.2019].

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remeter para a legislação ordinária a definição da totalidade do regime da nacionalidade, o que permite ao legislador ordinário destes países uma liberdade de conformação muito mais ampla do que aquela de que dispõe o legislador timorense, já que este se encontra limitado pelos critérios substantivos fixados na CRDTL. Não surpreende, por isso, que o quadro normativo definido pela legislação ordinária em Timor-Leste, decalcado como foi das congéneres cabo-verdiana e portuguesa, incorra em contradições com a norma constitucional.

Consideramos que há bons motivos para advogar uma reforma do Direito timorense da nacionalidade. Para além das questões quanto à validade de algumas das disposições legais em vigor, importa ter presente que um quadro normativo complexo e incoerente conduz inevitavelmente a dificuldades na aplicação da lei por parte das autoridades administrativas e judiciais. Apesar de a prática administrativa e judicial no domínio da nacionalidade estar ainda largamente por mapear, os indícios disponíveis sugerem a existência de equívocos graves quanto às exigências e implicações do regime jurídico em vigor. Existem, por exemplo, relatos de que as autoridades administrativas timorenses terão recusado reconhecer a cidadania timorense a indivíduos abrangidos pelo artigo 3.º da CRDTL, por estes indivíduos também terem cidadania indonésia e o Direito indonésio não permitir dupla nacionalidade – o que, a ter acontecido, significaria que as autoridades timorenses estariam incompreensivelmente a dar preferência à lei indonésia sobre a lei timorense (que permite a dupla nacionalidade) . O 16

Tribunal de Recurso, por seu turno, ainda não foi chamado a pronunciar-se sobre recursos em matéria de contencioso da nacionalidade , mas já 17

teve de determinar se uma das partes num processo judicial sobre a

Esta informação foi-nos facultada a título informal e não está documentada, mas 16

pode, em certa medida, ser corroborada pelo relatório da organização International Crisis Group (2011: 10), segundo o qual, em 2010, o Consulado de Timor-Leste em Kupang (Timor Ocidental) parou de emitir documentos de viagem temporários para os indivíduos nascidos em Timor-Leste que queriam regressar ao país com a intenção de “requerer a cidadania timorense” a menos que estes apresentassem uma carta de recomendação do Ministério da Justiça indonésio. Isto parece indicar que as autoridades timorenses acreditam que apenas podem conceder cidadania timorense àqueles que não forem cidadãos indonésios. A referência a “requerimento da cidadania timorense” também indicia confusão quanto ao direito à cidadania timorense de indivíduos que preencham os requisitos definidos na CRDTL. Muitos dos timorenses que permanecem na Indonésia hesitam regressar a Timor-Leste devido a esta falta de clareza quanto ao seu estatuto jurídico no país, sobretudo pelo receio de que o seu acesso à propriedade e a direitos políticos básicos possa não ser respeitado (International Crisis Group, 2011: 1, 10-11).

A avaliar pela recolha de jurisprudência disponível no website do Tribunal de Recurso, 17

em https://www.tribunais.tl/?q=node/30 [03.08.2019]. O Tribunal de Recurso – mais propriamente, o coletivo dos juízes timorenses do Tribunal de Recurso – assume jurisdição sobre o contencioso da nacionalidade enquanto não estiver concluída a instalação do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 28.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade).

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ocupação ilícita de uma casa era cidadã timorense, por os demandados terem alegado que a autora da petição não podia ser a proprietária da casa ocupada, por ser cidadã indonésia. Da leitura do acórdão, fica-se com a impressão de que o Tribunal fez uma interpretação superficial e incompleta das disposições aplicáveis, já que aceitou como incontroversa a cidadania timorense da autora, por esta ter nascido em Baucau, a 6 de junho de 1961, sem curar de saber se ela preenchia igualmente os demais requisitos constitucionais para a atribuição da cidadania timorense aos nascidos no território, isto é, se nascera de pai ou mãe timorense, de pai ou mãe também nascido/a em Timor-Leste, de pais desconhecidos, apátridas ou de nacionalidade desconhecida .18

2. Caracterização do regime em vigor

2.1. Cidadania originária v. cidadania adquirida

A CRDTL inicia as suas disposições sobre a cidadania timorense com a informação de que, na República Democrática de Timor-Leste, existe cidadania originária e cidadania adquirida (artigo 3.º, n.º 1) . O 19

primeiro estatuto é claramente mais importante do que o segundo, aos olhos do legislador constituinte timorense, como resulta, desde logo, do facto de este ter tido o cuidado de definir em sede constitucional os critérios para a atribuição da cidadania originária (artigo 3.º, n.os 2 e 3), mas ter confiado ao legislador ordinário a definição dos critérios para o acesso à cidadania adquirida (artigo 3.º, n.º 4). A maior importância da cidadania originária face à cidadania adquirida é depois confirmada pelo artigo 75.º, n.º 1, alínea a), que exige a titularidade da cidadania originária como condição de elegibilidade para o cargo de Presidente da República. Contrariamente ao que chegou a ser proposto durante os trabalhos da Assembleia Constituinte , a CRDTL não faz mais nenhuma 20

distinção entre os direitos dos titulares de cidadania originária e os direitos dos titulares de cidadania adquirida, o que deve, em nossa opinião, ser interpretado como significando que o legislador ordinário não

Acórdão do Tribunal de Recurso de 15 de março de 2010, processo n.º 18

AC-10-03-2010-P-12-CIV-09-TR, disponível em https://www.tribunais.tl/?q=node/4 [03.08.2019].

A Lei da Nacionalidade contém uma disposição semelhante, com a diferença de usar 19

o termo nacionalidade em lugar de cidadania (artigo 3.º, com a epígrafe “modalidades”). Durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, circularam propostas no sentido de 20

vincar ainda mais a distinção entre titulares de cidadania originária e titulares de cidadania adquirida, à semelhança da solução adotada na Constituição moçambicana de 1990, com a proibição de acesso pelos segundos às carreiras diplomática e militar (Devereux, 2015: 69). O legislador constituinte timorense optou por seguir, a este respeito, o exemplo português de limitar ao mínimo as diferenças entre os dois estatutos fixadas em sede constitucional (Jerónimo, 2017: 40).

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tem autorização constitucional para discriminar contra os titulares de cidadania adquirida no exercício de quaisquer outros direitos, nem para impor incapacidades, ainda que temporárias, aos indivíduos que venham a readquirir a cidadania timorense depois de a ela terem renunciado. Uma tal diferenciação entre titulares de cidadania originária e titulares de cidadania adquirida será contrária aos princípios constitucionais da universalidade e da igualdade, segundo os quais todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres (artigo 16.º, n.º 1, da CRDTL), e também contrária à exigência constitucional de que as restrições a direitos, liberdades e garantias só tenham lugar “nos casos expressamente previstos na Constituição” (artigo 24.º, n.º 1, da CRDTL). Foi por isso que criticámos o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 3/2004, de 14 de abril (Lei sobre Partidos Políticos) , que impedia os titulares de cidadania adquirida de serem 21

dirigentes partidários (Jerónimo, 2012: 114); um problema entretanto eliminado pela Lei n.º 2/2016, de 3 de fevereiro , que deu nova redação 22

ao artigo 6.º da Lei n.º 3/2004. E é por isso que criticamos a menor proteção conferida pela Lei da Nacionalidade aos titulares de nacionalidade adquirida por naturalização, que, nos termos do artigo 14.º, n.º 2, podem perder a nacionalidade timorense contra a sua vontade (mesmo que daí resulte a sua apatridia), enquanto os demais nacionais timorenses só a podem perder por renúncia.

Apesar de a cidadania originária ser o estatuto privilegiado pelo legislador constituinte timorense, o que poderia fazer supor que fosse também o mais bem guardado (isto é, o mais difícil de obter), o acesso ao estatuto é (pelo menos, em teoria) bastante fácil, atento o enunciado inclusivo do artigo 3.º, n.os 2 e 3, da CRDTL, que combina os tradicionais critérios ius soli e ius sanguinis para a atribuição da cidadania por efeito do nascimento, sem impor praticamente nenhumas condições. Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, são cidadãos originários de Timor-Leste, desde que tenham nascido em território nacional (ius soli): a) os filhos de pai ou mãe nascidos em Timor-Leste; b) os filhos de pais incógnitos, apátridas ou de nacionalidade desconhecida; c) os filhos de pai ou mãe estrangeiros que, sendo maiores de 17 anos, declarem, por si, querer ser timorenses. O artigo 3.º, n.º 3, reconhece como cidadãos originários de Timor-Leste os filhos de pai ou mãe timorense (ius sanguinis), ainda que nascidos em território estrangeiro. O direito à cidadania timorense originária resulta diretamente da norma constitucional, pelo que as autoridades timorenses não têm liberdade para se recusar a reconhecer a

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leis_parlamento_nacional /3_2004.pdf [04.08.2019]. Disponível em http://mj.gov.tl/jornal/public/docs/2016/serie_1/SERIE_I_NO_5.pdf 22

[04.08.2019]. 42

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cidadania timorense a indivíduos que se encontrem numa das hipóteses previstas por estes preceitos. Mesmo na hipótese do artigo 3.º, n.º 2, alínea c), que requer a declaração da vontade de ser timorense, do que se trata é do reconhecimento de um direito que poderá ou não ser exercido pelo seu titular, mas que não poderá ser negado pelas autoridades.

O enunciado do artigo 3.º, n.os 2 e 3, é fácil de explicar se tivermos presente que o modelo seguido nesta matéria pelo legislador constituinte timorense – a Constituição moçambicana de 1990 – continha disposições muito semelhantes . Importa notar, no entanto, que, contrariamente à 23

Constituição moçambicana de 1990 – que cobria múltiplos aspetos do regime da nacionalidade, num grande número de artigos (11.º a 29.º) –, a CRDTL apenas dispôs sobre a atribuição da cidadania originária e fê-lo em termos muito breves e vagos, sem incluir demarcações temporais nem um conjunto de outras precisões que permitiriam restringir e/ou esclarecer o alcance dos números 2 e 3 do artigo 3.º e evitar equívocos. As tentativas feitas pelo Parlamento Nacional e pelo Governo timorense no sentido de restringir o acesso à nacionalidade originária, com a Lei da Nacionalidade e com o Regulamento, sugerem que a Assembleia Constituinte terá sido mais inclusiva do que o realmente pretendido. Em todo o caso, as restrições introduzidas pela Lei da Nacionalidade e pelo Regulamento não têm apoio no texto constitucional e devem, em nosso entender, ser consideradas inválidas, à luz do artigo 2.º, n.º 3, da CRDTL, nos termos do qual as leis e os demais atos do Estado só são válidos se forem conformes com a Constituição.

Quanto à nacionalidade adquirida, esta pode ser concedida pelas autoridades timorenses nos termos fixados pelo capítulo III da Lei da Nacionalidade, ou seja, com um de cinco fundamentos diferentes: a filiação, quando se trate de filhos menores de pai ou mãe que obtenha nacionalidade timorense adquirida (artigo 9.º); a adoção por nacional timorense (artigo 10.º); o casamento com nacional timorense (artigo 11.º); a naturalização em geral (artigo 12.º); e a naturalização por altos e relevantes serviços a Timor-Leste (artigo 13.º). Diversamente do que se passa com a nacionalidade originária, que é atribuída ope legis sem que as autoridades timorenses possam opor-se , a nacionalidade adquirida 24

tem de ser requerida pelos interessados e pode ser recusada pelo Governo. É assim, claramente, em caso de aquisição por naturalização,

Artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), 12.º, n.º 3, e 14.º. O texto da Constituição 23

moçambicana de 1990 está disponível em http://www.resdal.org/Archivo/d000009e.htm [04.08.2019].

Note-se que o artigo 16.º da Lei da Nacionalidade enumera apenas os fundamentos 24

de oposição à aquisição ou reaquisição (não à atribuição) da nacionalidade timorense. Voltaremos às implicações desta precisão terminológica infra.

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atentos o uso do enunciado “pode conceder” (artigo 12.º, n.º 1) e a margem de discricionariedade proporcionada às autoridades por requisitos vagos como o de oferecer garantias morais e cívicas de integração na sociedade timorense e o de “possuir capacidade para reger a sua pessoa” [artigo 12.º, n.º 1, alíneas d) e e)]. É também inteiramente livre a decisão do Parlamento Nacional de conceder a nacionalidade timorense a estrangeiro que tenha prestado altos e relevantes serviços ao país, nos termos do artigo 13.º (ainda que, aqui, a concessão da nacionalidade resulte de uma iniciativa do Parlamento e não de requerimento do interessado). A concessão da nacionalidade adquirida não é sempre discricionária, no entanto, como se depreende do artigo 10.º, n.º 1, e pode confirmar-se no artigo 18.º, n.º 2, onde se faz referência à “aquisição mediante adopção por mero facto [sic, o termo correto é «efeito»] da lei”. O artigo 11.º, n.º 2 – com um enunciado próximo do do artigo 10.º, n.º 1, no uso da fórmula “adquire” – também não nos parece deixar qualquer margem às autoridades timorenses para se oporem à ou recusarem a aquisição da nacionalidade pelos cônjuges de cidadãos timorenses que percam a sua nacionalidade de origem em resultado do casamento. Menos claro é se as autoridades dispõem de discricionariedade na apreciação dos requerimentos submetidos ao abrigo dos artigos 9.º e 11.º, n.º 1 – um aspeto a que voltaremos infra.

2.2. A cidadania como um direito fundamental (com limites)

A CRDTL trata o direito à cidadania como um direito fundamental. Fá-lo explicitamente, no artigo 25.º, n.º 5, ao estatuir que a declaração de estado de sítio em caso algum pode afetar os direitos à vida, integridade física, cidadania, etc., e, de modo implícito, ao incluir uma cláusula de proteção contra a apatridia, no artigo 3.º, n.º 2, alínea b), que atribui a cidadania timorense originária aos indivíduos nascidos em Timor-Leste que sejam filhos de pais incógnitos, apátridas ou de nacionalidade desconhecida . Na Lei da Nacionalidade, a intenção de proteger o 25

direito à cidadania é percetível, desde logo, no enunciado do princípio de que a nenhum cidadão pode ser arbitrariamente retirada a nacionalidade, nem negado o direito de mudar de nacionalidade (artigo 2.º, n.º 1), e manifesta-se, mais adiante, nas cláusulas de prevenção da apatridia contidas no artigo 11.º, n.º 2 – que determina a concessão imediata de

A CRDTL deixa de fora uma quarta hipótese igualmente conducente à apatridia – a de 25

os pais serem conhecidos e terem nacionalidade estrangeira conhecida, mas estarem impossibilitados de transmitir a sua nacionalidade aos filhos nascidos em Timor-Leste por força das disposições legais em vigor no respetivo Estado de origem (Manby, 2016: 49). Os indivíduos nestas circunstâncias têm, em todo o caso, o direito à cidadania timorense originária ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, alínea c), da CRDTL, bastando para tal que declarem a vontade de ser timorenses depois de completarem os 17 anos de idade.

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nacionalidade adquirida ao cônjuge de cidadão timorense que perca a nacionalidade de origem por efeito do casamento – e no artigo 14.º, n.º 1 – que exige a titularidade de uma nacionalidade estrangeira como condição para a perda da nacionalidade timorense por renúncia.

A proteção do direito à cidadania tem, no entanto, claros limites, já que os titulares de nacionalidade timorense obtida por naturalização podem ser privados do estatuto, nas hipóteses do artigo 14.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade, sendo, nestes casos, irrelevante que a perda da nacionalidade conduza à apatridia dos interessados. O respeito pela vontade dos indivíduos e as salvaguardas contra a apatridia valem apenas para os cidadãos timorenses originários e para os titulares de cidadania adquirida por filiação, adoção e casamento, que são aqueles que só podem perder o estatuto se renunciarem a ele. Os timorenses naturalizados podem perder o estatuto por sua vontade (ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1), mas estão sujeitos a perdê-lo mesmo contra a sua vontade se a) prestarem serviço militar a Estado estrangeiro sem autorização; b) exercerem funções de soberania a favor de Estado estrangeiro sem autorização; c) forem condenados, em decisão transitada em julgado, por crime contra a segurança externa do Estado timorense; ou d) tiverem obtido a nacionalidade com recurso a fraude. Vale a pena notar, em todo o caso, que o Regulamento assegura aos indivíduos nestas circunstâncias um conjunto de garantias processuais, incluindo o direito a serem notificados pessoalmente do requerimento submetido pelo Ministério Público com vista à perda da nacionalidade, o direito a um prazo de 30 dias para apresentarem a respetiva defesa perante o Ministério da Justiça e o direito a recorrerem de decisão desfavorável para o Tribunal de Recurso (artigo 17.º, n.os 2 e 5).

Importa ainda referir que a perda da nacionalidade não é irreversível, a menos que tenha sido decretada com fundamento numa das alíneas do artigo 14.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade. O artigo 15.º da Lei da Nacionalidade prevê duas hipóteses distintas de reaquisição: 1) a de a nacionalidade timorense ter sido perdida por causa de declaração de vontade dos pais, durante a menoridade do interessado; e 2) a de a nacionalidade timorense ter sido perdida por renúncia ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1. No primeiro caso, o interessado pode, depois de atingir a maioridade, readquirir a nacionalidade timorense “por opção”, desde que prove ter residência estabelecida em Timor-Leste há pelo menos um ano (n.os 1 e 2). No segundo caso, o interessado pode readquirir a nacionalidade, “por deliberação do Ministério [sic, deveria ler-se «Ministro»] da Justiça”, se tiver estabelecido residência em Timor-Leste há pelo menos cinco anos (n.º 3). Os termos em que as duas hipóteses são enunciadas sugerem que as autoridades timorenses apenas poderão opor-se à/recusar a reaquisição da nacionalidade no segundo caso.

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2.3. Aceitação da dupla nacionalidade

A CRDTL não se pronuncia sobre a admissibilidade ou a inadmissibilidade da dupla cidadania, apesar de o tema ter sido discutido durante os trabalhos da Assembleia Constituinte e de uma disposição a proibir expressamente a dupla cidadania ter sido incluída (como artigo 3.º, n.º 3) no rascunho do texto constitucional divulgado em dezembro de 2001 (Oliveira et al., 2015: 115) . Coube, por isso, ao legislador ordinário 26

dispor sobre a matéria, o que fez seguindo o exemplo dos congéneres cabo-verdiano e português, ou seja, permitindo a dupla nacionalidade.

A Lei da Nacionalidade timorense não contém uma disposição a enunciar explicitamente que a dupla nacionalidade é admitida em Timor-Leste, mas não podem existir dúvidas quanto a essa admissibilidade, atento o enunciado dos seus artigos 14.º e 29.º.

O artigo 14.º enumera os fundamentos da perda da nacionalidade timorense e estes não incluem a aquisição de uma nacionalidade estrangeira. A aquisição de uma nacionalidade estrangeira não constitui, enquanto tal, um motivo para a perda da nacionalidade timorense. A aquisição e a titularidade de uma nacionalidade estrangeira são referidas nas alíneas a) e b) do artigo 14.º, n.º 1, como salvaguardas contra a apatridia e não como motivo para a perda da nacionalidade timorense – que, na hipótese dessas disposições, é a manifestação da “pretensão de não querer ser timorense”. O que as duas alíneas do artigo 14.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade determinam é que a renúncia só será admitida pelas autoridades timorenses se o nacional timorense tiver adquirido outra nacionalidade e, por isso, não correr o risco de se tornar apátrida.

O facto de um nacional timorense (titular de nacionalidade originária ou de nacionalidade adquirida) obter (por atribuição ou aquisição) uma nacionalidade estrangeira não tem como consequência a perda da nacionalidade timorense. Será sempre necessário um ato de renúncia e este tem de ser expresso, não pode ser simplesmente presumido pelas autoridades timorenses. Estas considerações afiguram-se pertinentes, atentas as dúvidas surgidas a respeito do direito à nacionalidade timorense de indivíduos abrangidos pelas hipóteses do artigo 3.º, n.os 2 e 3, da CRDTL, que fugiram para a Indonésia, em 1999, e que optaram por manter a nacionalidade indonésia quando a oportunidade lhes foi dada

O tema também fora discutido durante as consultas constitucionais levadas a cabo 26

nos distritos, em preparação para a eleição da Assembleia Constituinte, entre 18 de junho e 18 de julho de 2001, com alguns distritos a rejeitarem veementemente a possibilidade de se vir a admitir a dupla cidadania (Adão, 2009: 360-361).

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pelas autoridades de Jacarta . O facto de estes indivíduos terem 27

nacionalidade indonésia (e de a Indonésia não permitir a dupla nacionalidade) não prejudica em nada o seu direito à nacionalidade timorense originária (que lhes é atribuído diretamente pela CRDTL) enquanto eles não renunciarem expressamente a esta nacionalidade perante as autoridades timorenses. Só assim não seria se, aquando da independência, Timor-Leste tivesse firmado um acordo bilateral com a Indonésia, comprometendo-se a não atribuir a sua nacionalidade a indivíduos que tivessem ou viessem a adquirir nacionalidade indonésia. E, mesmo a verificar-se esta hipótese, uma tal exceção às normas constitucionais sobre a atribuição da cidadania timorense originária deveria ser expressamente admitida pela CRDTL, quanto mais não fosse, através da inclusão, no artigo 3.º, de uma cláusula geral de remissão para normas fixadas por acordo internacional.

A aceitação da dupla nacionalidade pela Lei da Nacionalidade timorense resulta, de forma igualmente clara, do enunciado do artigo 29.º, que estabelece uma “regra de conflitos” para a hipótese de um indivíduo ter simultaneamente nacionalidade timorense e uma (ou várias) nacionalidade(s) estrangeira(s). Compreensivelmente – e tal como acontece na generalidade das ordens jurídicas estaduais que admitem a dupla nacionalidade –, as autoridades timorenses dão prioridade à 28

nacionalidade timorense, desconsiderando a(s) outra(s) nacionalidade(s) que o indivíduo tenha. Daí que se leia, no artigo 29.º, que “[n]ão será reconhecida nem poderá produzir efeitos na ordem jurídica interna qualquer outra nacionalidade atribuída aos cidadãos timorenses”. Isto significa que um nacional timorense pode ser simultaneamente nacional português, por exemplo, mas não poderá invocar a nacionalidade portuguesa perante as autoridades timorenses, que o tratarão sempre e apenas como nacional timorense.

Quando a Assembleia Parlamentar indonésia reconheceu a separação de Timor-Leste 27

do resto da República, em 19 de outubro de 1999, salvaguardou os direitos dos timorenses orientais que quisessem permanecer leais à Indonésia (Jerónimo, 2011: 31), muitos dos quais se encontravam na Indonésia como “refugiados” ou “deslocados internos” (International Crisis Group, 2011: 3, 6-7, 9; Internal Displacement Monitoring Centre, 2010: 1, 3). De acordo com os Censos indonésios de 2003, dos cerca de 30,000 timorenses orientais que permaneciam na Indonésia depois da independência de Timor-Leste, a maioria optou pela cidadania indonésia, apesar de as autoridades indonésias lhes terem dado a possibilidade de manter a cidadania timorense e permanecer na Indonésia como estrangeiros com uma autorização de residência válida. Informação disponível em https://www.nationalityforall.org/indonesia [06.08.2019].

É assim, por exemplo, em Portugal. O artigo 27.º da Lei portuguesa da Nacionalidade 28

estatui: “Se alguém tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for portuguesa, só esta releva face à lei portuguesa”.

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3. Sinalização dos aspetos críticos

3.1. Dúvidas quanto ao alcance do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), da CRDTL

O artigo 3.º, n.º 2, alínea a), da CRDTL reconhece como cidadãos originários de Timor-Leste, desde que tenham nascido em território nacional, os filhos de pai ou mãe nascidos em Timor-Leste . Este 29

enunciado é, à primeira vista, surpreendente, uma vez que, tratando-se do primeiro critério fixado pela CRDTL para a atribuição da cidadania timorense originária, seria de esperar que começasse pelo modo mais forte e evidente de atribuição, que é a coincidência entre ius soli e ius sanguinis, ou seja, o nascimento em Timor-Leste de progenitor com nacionalidade timorense. Não é esse, no entanto, o conteúdo do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), que, nos termos em que está formulado, só pode ser interpretado como consagrando o que a doutrina designa como “duplo ius soli”, uma solução normativa habitualmente associada à integração de descendentes de imigrantes e que consiste em atribuir a nacionalidade do Estado de acolhimento às crianças nascidas no território deste Estado, desde que, pelo menos, um dos progenitores também aí tenha nascido, mesmo que a sua permanência no território seja irregular face à lei de imigração.

Como está bem de ver, não é este o motivo para a adoção do “duplo ius soli” pela CRDTL. Tratou-se simplesmente de um decalque do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da Constituição moçambicana de 1990, nos termos do qual: “São moçambicanos, desde que hajam nascido em Moçambique, os filhos de pai ou mãe que tenham nascido em Moçambique”. Os autores do decalque desatenderam dois aspetos importantes. Em primeiro lugar, o facto de, na Constituição moçambicana, o preceito funcionar como uma norma transitória (residual), aplicável apenas aos nascimentos ocorridos em Moçambique antes da proclamação da independência, uma vez que, para os nascimentos ocorridos depois desta data, o artigo 24.º, n.º 1, fixava outro critério – o de que todos os nascidos em Moçambique seriam moçambicanos (ius soli simples), com salvaguarda da exceção diplomática. Em segundo lugar, desatenderam o facto de a sucessão de Estados entre potência colonial e novo Estado independente ter decorrido de forma substancialmente diferente em Moçambique e em Timor-Leste, devido à interposição, no caso timorense, de um período de 24 anos de ocupação militar indonésia, seguido de um período de dois

Replicado pelo artigo 8.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Nacionalidade.29

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anos e meio de administração transitória pelas Nações Unidas, que torna mais provável, neste caso, que a aplicação do “duplo ius soli” beneficie os “inimigos de ontem”.

Tal como está enunciado, o artigo 3.º, n.º 2, alínea a), da CRDTL implica a atribuição automática da cidadania timorense originária aos filhos de estrangeiros, sempre que o progenitor estrangeiro prove ter nascido em território timorense, o que inclui os filhos de nacionais indonésios que tenham nascido em Timor Oriental durante a ocupação indonésia. A Assembleia Constituinte poderia ter evitado este resultado através do estabelecimento de um marco temporal semelhante ao que viria a usar, já como Parlamento Nacional , quando fixou os requisitos 30

para a naturalização na Lei da Nacionalidade. O artigo 3.º, n.º 2, alínea a), teria a seguinte redação: “São cidadãos originários de Timor-Leste, desde que tenham nascido em território nacional, os filhos de pai ou mãe nascidos em Timor-Leste antes de 7 de dezembro de 1975 ou depois de 20 de maio de 2002”. Em alternativa, a Assembleia Constituinte poderia, naturalmente, ter redigido o artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do seguinte modo: “São cidadãos originários de Timor-Leste, desde que tenham nascido em território nacional, os filhos de pai ou mãe timorenses”. Neste caso, porém, seria necessário alterar também a redação do artigo 3.º, n.º 3, de modo a evitar redundâncias, uma vez que o artigo 3.º, n.º 3, já atribui a cidadania timorense a indivíduos nascidos em Timor-Leste de pai ou mãe timorense, apesar de a formulação enviesada do preceito poder sugerir o contrário.

Enquanto o enunciado do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), não for revisto, de uma maneira ou de outra, este preceito continuará a atribuir a cidadania timorense originária a todos os indivíduos nascidos em Timor-Les te de pa i ou mãe também nasc ido em T imor-Les te , independentemente da cidadania dos pais e até mesmo da regularidade da sua permanência em território timorense. A atribuição resulta diretamente da letra da Constituição, pelo que as autoridades timorenses não podem recusar-se a reconhecer a cidadania timorense originária a estes indivíduos. E também não vale a pena tentar restringir o alcance do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), da CRDTL por via da legislação ordinária, como foi tentado, em 2004, com o Regulamento da Lei da Nacionalidade, que identificou como tendo direito à nacionalidade timorense os indivíduos nascidos em território timorense de pai ou mãe nascido em Timor-Leste em cujo assento de nascimento seja referida a nacionalidade timorense de um dos progenitores [artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento]. A adição deste requisito implica uma restrição do direito à cidadania

Por força do artigo 167.º, n.º 1, da CRDTL, a Assembleia Constituinte transformou-se 30

em Parlamento Nacional com a entrada em vigor da Constituição. 49

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timorense, sem qualquer apoio no texto da CRDTL, pelo que o artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento deve ser tido como inconstitucional.

3.2. Dúvidas quanto ao alcance do artigo 3.º, n.º 2, alínea c), da CRDTL

Segundo o artigo 3.º, n.º 2, alínea c), da CRDTL , são cidadãos 31

originários de Timor-Leste, desde que tenham nascido em território nacional, os filhos de pai ou mãe estrangeiros que, sendo maiores de dezassete anos, declarem, por si, querer ser timorenses. Todos os indivíduos abrangidos pela hipótese deste preceito têm direito a fazer a declaração e a serem reconhecidos como cidadãos originários depois de fazerem a declaração, sem que as autoridades timorenses possam opor-se à declaração ou aos seus efeitos. Também aqui, nada impede os filhos de cidadãos indonésios que tenham nascido em Timor-Leste durante a ocupação militar de beneficiar da atribuição da cidadania timorense, um resultado que poderia ter sido evitado se a CRDTL tivesse incluído disposições transitórias em matéria de cidadania que circunscrevessem a aplicação deste preceito no tempo (e.g. para abranger apenas indivíduos nascidos a partir de 20 de maio de 2002). Vale a pena referir ainda que os indivíduos abrangidos pelo artigo 3.º, n.º 2, alínea c), podem exercer o direito que lhes advém deste preceito a qualquer momento depois de atingirem a maioridade, uma vez que, contrariamente ao seu congénere moçambicano , o artigo 3.º, n.º 2, alínea c), não estabelece um prazo 32

para os interessados fazerem a declaração perante as autoridades timorenses.

É compreensível que o legislador timorense tenha interesse em apertar a hipótese deste preceito. Poderá fazê-lo de várias maneiras, como a fixação de um prazo para a feitura da declaração depois de atingida a maioridade e/ou a exigência de um período mínimo de residência em Timor-Leste antes da feitura da declaração. O que não poderá fazer é restringir o alcance do artigo 3.º, n.º 2, alínea c), por outra via que não seja a revisão constitucional, pelos motivos já apontados. Enquanto o artigo 3.º, n.º 2, alínea c), permanecer na sua redação original, as autoridades timorenses estão obrigadas a reconhecer como cidadãos timorenses quaisquer pessoas nascidas em Timor-Leste de pai ou mãe estrangeiro/a, se estes declararem a sua vontade de ser timorenses. Qualquer restrição introduzida por Lei, Decreto-Lei ou Diploma Ministerial será inconstitucional.

Replicado pelo artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Nacionalidade.31

Artigo 24.º, n.os 3 e 4, da Constituição moçambicana de 1990.32

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A este respeito, importa referir o enunciado do artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento, onde se lê que “[t]êm direito à nacionalidade timorense os indivíduos nascidos em território timorense filhos de pai e mãe estrangeiro [sic], que após os 17 anos de idade declarem querer ser timorenses”. Não temos a certeza de que o uso do “e” em vez do “ou” que está na CRDTL e na Lei da Nacionalidade tenha sido deliberado (sobretudo, tendo presente o erro de conjugação na palavra “estrangeiro”). Em todo o caso, a exigência de que ambos os progenitores sejam estrangeiros implica um alcance mais limitado do que o da norma constitucional, já que deixa de fora, por exemplo, a hipótese de a mãe ser estrangeira e o pai ser incógnito ou de nacionalidade desconhecida. A “gralha” – que ocorre novamente no artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento – pode ser facilmente corrigida por meio de uma “interpretação conforme à Constituição”, que leia “pai ou mãe estrangeiros” onde está “pai e mãe estrangeiro”. Caso não se trate de uma gralha e o legislador timorense queira efetivamente restringir o alcance do preceito aos casos em que ambos os progenitores sejam estrangeiros, a via para o conseguir é a revisão constitucional.

3.3. Dúvidas quanto ao alcance do artigo 3.º, n.º 3, da CRDTL

O artigo 3.º, n.º 3, da CRDTL reconhece como cidadãos originários os filhos de pai ou mãe timorense, ainda que nascidos no estrangeiro . 33

O ius sanguinis é incondicional – filho de cidadão timorense é cidadão timorense, quer nasça em Timor-Leste ou no estrangeiro. A CRDTL não fixa sequer requisitos mínimos, e.g. a inscrição do nascimento no registo civil timorense ou a declaração da vontade de ser timorense, como acontece, por exemplo, na lei portuguesa, para os casos de nascimento no estrangeiro . Isto significa que o assento de nascimento exigido pela 34

Lei da Nacionalidade (artigo 23.º) não constitui uma condição para a atribuição da nacionalidade timorense, mas apenas um elemento de prova do preenchimento dos requisitos fixados pelo artigo 3.º, n.º 3, da CRDTL.

O artigo 23.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade inclui, no entanto, uma passagem que sugere – erradamente – que a atribuição da nacionalidade originária aos filhos de timorenses nascidos no estrangeiro depende de uma declaração . Parece-nos ter havido aqui confusão entre os casos 35

Este preceito é reproduzido no artigo 8.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade. 33

Artigo 1.º, n.º 1, alínea b), da Lei portuguesa da Nacionalidade.34

A redação do preceito é a seguinte: “A nacionalidade timorense de indivíduo nascido 35

no estrangeiro prova-se, consoante os casos, pelo registo da declaração do [sic] qual depende a sua atribuição ou pelas menções constantes do assento de nascimento, lavrado no registo civil timorense, ou da certidão de baptismo”.

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de nascimento em território timorense de progenitor estrangeiro, em que a CRDTL estipula a necessidade de uma declaração [artigo 3.º, n.º 2, alínea c)], e os casos de nascimento no estrangeiro de progenitor timorense, para os quais a CRDTL não exige qualquer declaração. Assim sendo, a passagem do artigo 23.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade, que se refere à declaração de que depende a atribuição da nacionalidade originária, deve ser tida por inconstitucional. Também problemático sob esta perspetiva é o enunciado do artigo 6.º do Regulamento, que parece tratar a inscrição do nascimento no registo civil timorense como condição para a atribuição da nacionalidade originária a crianças nascidas no estrangeiro de progenitor timorense, por estatuir que estas (ou os progenitores), se pretenderem que lhes seja atribuída a nacionalidade timorense, devem inscrever o nascimento no registo civil timorense, mediante declaração.

3.4. Dúvidas quanto à margem de discricionariedade das autoridades timorenses em casos de aquisição por motivo de filiação e por casamento

Segundo o artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, a nacionalidade timorense pode ser concedida aos filhos menores, de pai ou mãe com nacionalidade timorense adquirida, desde que os pais o solicitem. Da letra do preceito, resulta claramente que a extensão da nacionalidade aos filhos menores não é automática, já que tem de ser expressamente requerida pelos pais. Menos claro é se o Ministério Público pode opor-se à aquisição e se o Ministro da Justiça tem alguma margem de discricionariedade para indeferir requerimentos apresentados ao abrigo do artigo 9.º. Dúvidas semelhantes surgem a respeito do artigo 11.º, n.º 1, nos termos do qual o estrangeiro casado com nacional timorense pode adquirir a nacionalidade timorense, desde que o requeira e, à data do pedido, satisfaça cumulativamente as seguintes condições: a) estar casado há mais de cinco anos; b) residir em território nacional há, pelo menos, dois anos; c) saber falar uma das línguas oficiais.

O uso do verbo “poder” no texto dos dois preceitos – sobretudo se comparado com o enunciado dos artigos 10.º (aquisição por adoção) e 11.º, n.º 2 (aquisição em caso de perda da nacionalidade estrangeira por efeito do casamento) – sugere que os filhos de titulares de nacionalidade timorense adquirida e os cônjuges estrangeiros de nacionais timorenses não têm um direito subjetivo a adquirir a nacionalidade timorense e que, por isso, o Ministério Público poderá opor-se e o Ministro da Justiça poderá indeferir os requerimentos de aquisição ao abrigo destes dois preceitos. O artigo 16.º da Lei da Nacionalidade, que lista os fundamentos de oposição à aquisição, não especifica nenhum modo de

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aquisição (diversamente do artigo 14.º, n.º 2, que menciona apenas a naturalização), o que permite supor que o Ministério Público pode opor-se a qualquer tipo de aquisição. Este não é, no entanto, um argumento à prova de água, já que há, pelo menos, um tipo de aquisição que, sem ser expressamente excluído pelo artigo 16.º, não admite oposição por parte do Ministério Público – a aquisição por adoção, que, segundo o artigo 18.º, n.º 2, tem lugar por mero efeito da lei. Assim sendo, o facto de o artigo 16.º não excluir expressamente do seu âmbito de aplicação os casos de aquisição por motivo de filiação e por casamento não é argumento suficiente para concluir que o Ministério Público se pode opor à aquisição nestes casos.

Dir-se-á, aliás, que uma interpretação do artigo 16.º da Lei da Nacionalidade que conclua pela impossibilidade de o Ministério Público se opor à aquisição da nacionalidade timorense por motivo de filiação e por casamento é bem-vinda, na medida em que confere maior proteção aos interesses dos indivíduos e à unidade familiar. Também nos parece ser a interpretação mais coerente com o facto de o artigo 14.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade não prever a perda da nacionalidade contra a vontade dos titulares nestes casos. O artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento permite uma tal interpretação, para a hipótese de aquisição por motivo de filiação, ao estatuir que, “[s]e algum dos progenitores que adquiriu a nacionalidade timorense quiser que os seus filhos menores também adquiram a nacionalidade timorense, devem [sic] declarar a sua pretensão”. O único requisito acrescentado pelo artigo 8.º, n.º 2, do Regulamento é o de que a declaração feita pelos pais inclua a identificação do registo da sua aquisição da nacionalidade timorense. Isto parece indicar que os pais têm o direito de alargar a sua nacionalidade adquirida aos seus filhos menores e que apenas necessitam de fazer uma declaração para esse efeito. De igual modo, os termos em que a aquisição por casamento está regulada no Regulamento sustentam aquela interpretação mais favorável, uma vez que não se prevê a possibilidade de oposição. O artigo 9.º, n.º 5, do Regulamento estabelece que dois preceitos (artigos 12.º e 13.º) da secção sobre aquisição da nacionalidade por naturalização são aplicáveis à aquisição da nacionalidade por casamento, mas deixa de fora o artigo 14.º, que fixa os prazos para recurso contra decisões pelo Ministro da Justiça, consoante estas sigam ou contrariem o parecer do Ministério Público. A única explicação plausível para deixar o artigo 14.º de fora é a de que o Ministério Público não pode opor-se à aquisição da nacionalidade timorense ao abrigo do artigo 11.º da Lei da Nacionalidade.

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Não é essa, no entanto, a interpretação sustentada pelo Diploma Ministerial n.º 13/2018, de 23 de maio , que veio regulamentar a 36

tramitação dos pedidos de aquisição da nacionalidade por casamento. Segundo o texto introdutório do Diploma Ministerial, a oposição é sempre possível, inclusive nos casos previstos no artigo 11.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade, em que o estrangeiro casado com nacional timorense tenha perdido a sua anterior nacionalidade por efeito do casamento. Esta leitura é surpreendente e, em nosso entender, de legalidade duvidosa, atenta a circunstância de o enunciado do artigo 11.º, n.º 2 – muito semelhante ao relativo à aquisição por adoção (artigo 10.º) – sugerir que a concessão da nacionalidade timorense nestes casos depende apenas da perda da nacionalidade anterior por efeito do casamento.

Reconhecemos que o esforço de clarificação feito pelo Diploma Ministerial n.º 13/2018 tem mérito, ainda que consideremos ter sido preferível que os esclarecimentos tivessem sido feitos pelo Parlamento Nacional, por via de uma alteração à Lei da Nacionalidade, já que compete exclusivamente ao Parlamento legislar em matéria de cidadania [artigo 95.º, n.º 2, alínea d), da CRDTL]. Em todo o caso, o esclarecimento oferecido pelo Diploma Ministerial é útil e, no que respeita à hipótese do artigo 11.º, n.º 1, inteiramente legítimo (ainda que, possivelmente, não o preferível), uma vez que, como vimos, não há nada na Lei da Nacionalidade que impeça a leitura adotada pelo Diploma Ministerial quanto à margem de discricionariedade do Ministro da Justiça e à possibilidade de oposição pelo Ministério Público nesses casos. Já não é assim, no entanto, no que respeita à hipótese do artigo 11.º, n.º 2, atento o enunciado deste preceito, a sua inserção sistemática e o propósito manifesto de evitar situações de apatridia. Na ausência de uma revisão da Lei da Nacionalidade que altere o enunciado do artigo 11.º, n.º 2, num sentido coincidente com o do Diploma Ministerial, julgamos que o preceito deve ser interpretado como conferindo aos indivíduos que caiam na sua hipótese um direito subjetivo à aquisição da nacionalidade timorense, mediante prova do casamento com nacional timorense e da perda da nacionalidade anterior em resultado do casamento, sem margem para oposição pelo Ministério Público, nem para indeferimento do requerimento pelo Ministro da Justiça.

Refira-se, por último, que os esclarecimentos feitos pelo Diploma Ministerial n.º 13/2018 não são extensíveis à aquisição por motivo de filiação, em relação à qual se mantêm as dúvidas e as necessidades de clarificação – preferencialmente, por via legislativa – identificadas no início desta secção.

Disponível em http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2018/serie_1/SERIE_I_NO_21.pdf 36

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3.5. Dúvidas quanto ao alcance do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade

O artigo 14.º da Lei da Nacionalidade regula a perda da nacionalidade timorense, distinguindo duas categorias de motivos para a sua ocorrência: os aplicáveis a todos os nacionais timorenses, qualquer que tenha sido o modo de atribuição ou aquisição do estatuto (n.º 1), e os aplicáveis apenas aos titulares de nacionalidade adquirida por naturalização (n.º 2). Qualquer nacional timorense pode perder a nacionalidade timorense por sua vontade, i.e. por renúncia, desde que possua outra nacionalidade, ao passo que os indivíduos que tenham adquirido a nacionalidade timorense por naturalização podem também perdê-la contra a sua vontade, independentemente de possuírem uma outra nacionalidade que evite a sua apatridia. Temos, portanto, uma categoria de nacionais timorenses cujo estatuto é menos seguro do que o dos demais, já que pode ser-lhes retirado pelas autoridades estaduais contra a sua vontade. Como tivemos oportunidade de referir supra, esta diferença de tratamento entre nacionais timorenses parece-nos difícil de defender à luz dos princípios da universalidade e da igualdade consagrados na CRDTL.

Para além desta objeção de fundo, o artigo 14.º da Lei da Nacionalidade merece-nos uma série de outros reparos de caráter sobretudo formal, ainda que com implicações para o conteúdo e alcance da norma. O primeiro reparo diz respeito à redundância entre as duas alíneas do artigo 14.º, n.º 1, cujo conteúdo é idêntico. Em ambas as hipóteses, do que se trata é de admitir a perda por renúncia, mediante a declaração da pretensão de não querer ser timorense, desde que o interessado seja titular de uma nacionalidade estrangeira. O que difere é o facto de a alínea b) cingir a sua aplicação aos casos de filhos de timorenses nascidos no estrangeiro. Não vemos qualquer utilidade na especificação desta hipótese, que pode caber perfeitamente na hipótese da alínea a), com mínimos ajustamentos de enunciado. Basta suprimir a expressão “voluntariamente adquira” e passar a ter o seguinte enunciado no artigo 14.º, n.º 1, alínea a): “Perde a nacionalidade timorense aquele que, tendo uma nacionalidade estrangeira, manifeste a pretensão de não querer ser timorense”.

Um segundo reparo diz respeito à inclusão da falsificação de documentos e outros meios fraudulentos como motivo de perda aplicável unicamente à nacionalidade timorense obtida por naturalização [artigo 14.º, n.º 2, alínea d)]. É de presumir que as autoridades timorenses queiram retirar a nacionalidade timorense – tanto adquirida como originária – a pessoas que a tenham obtido através da falsificação de um

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certificado de casamento ou de um certificado de batismo, por exemplo. Assim sendo, parece-nos mais lógico que a fraude figure entre os fundamentos de perda aplicáveis a todos os tipos de nacionalidade. Uma forma simples de fazer isto seria a de substituir o atual conteúdo da alínea b) do artigo 14.º, n.º 1, que, como vimos, não faz qualquer falta, pelo texto da atual alínea d) do artigo 14.º, n.º 2.

Um terceiro reparo prende-se com a referência genérica a “naturalização”, no artigo 14.º, n.º 2, que suscita a questão de saber se abrange a “naturalização por altos e relevantes serviços”, prevista no artigo 13.º. Estamos em crer que não, já que este tipo de naturalização tem um carácter sobretudo honorífico e é inteiramente possível que os agraciados venham a praticar atos subsumíveis às alíneas a) e b) do artigo 14.º, n.º 2 – prestação de serviço militar ou de funções de soberania a favor de Estado estrangeiro – sem que isso deva conduzir à 37

perda da nacionalidade timorense. A condenação por crime contra a segurança externa do Estado timorense [artigo 14.º, n.º 2, alínea c)], em contrapartida, já nos parece aplicável. Seria conveniente que o legislador timorense fosse mais explícito na delimitação do âmbito de aplicação do artigo 14.º, n.º 2, excluindo (se for esse o caso) expressamente a naturalização por altos e relevantes serviços.

Um último reparo prende-se com a referência a “crime contra a segurança externa do Estado timorense”, no artigo 14.º, n.º 2, alínea c), que suscita dúvidas quanto aos concretos tipos penais aí implicados. O Código Penal em vigor inclui uma secção sobre “crimes contra a 38

segurança do Estado”, que inclui traição à pátria, serviço ou cooperação com forças armadas inimigas, sabotagem contra a defesa nacional, campanha contra esforço pela paz, violação de segredo de Estado, infidelidade diplomática, alteração do Estado de Direito, atentado contra representante máximo de órgão de soberania, coação contra órgãos constitucionais, perturbação do funcionamento de órgão constitucional, e ultraje de símbolos nacionais (artigos 196.º a 206.º). Parece-nos pouco razoável que todos os crimes tipificados nesta secção sejam considerados fundamento para a perda da nacionalidade ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, alínea c) – considere-se, por exemplo, o crime de

As primeiras naturalizações por altos e relevantes serviços tiveram lugar em 2011, 37

com as Resoluções do Parlamento Nacional n.os 12/2011 e 13/2011, de 8 de junho. Em 2006, o Parlamento Nacional havia concedido o título de “Cidadão Honorário da República Democrática de Timor-Leste” a Jorge Sampaio, então Presidente da República portuguesa (Resolução n.º 4/2006, de 21 de fevereiro), mas fê-lo de forma ad hoc, em nome da solidariedade e fraternidade demonstradas por Jorge Sampaio ao longo dos anos, sem usar a linguagem dos “altos e relevantes serviços” e sem referir o artigo 13.º da Lei da Nacionalidade. Entendemos, por isso, que não se tratou de uma naturalização.

Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 19/2009, de 8 de abril, disponível em http://38

www.mj.gov.tl/jornal/?q=node/1271 [10.08.2019]. 56

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perturbação do funcionamento de órgão constitucional – e, por outro lado, que só os crimes aí listados constituam crimes contra a segurança de Timor-Leste. Basta pensar que o terrorismo e outros crimes contra a paz e a humanidade são listados numa secção diferente do Código Penal, nos artigos 123.º e ss. Atenta a severidade das consequências que advêm para os indivíduos da perda da nacionalidade, julgamos que o legislador timorense deve ser mais preciso na identificação dos crimes cuja prática pode justificar essa sanção acessória.

3.6. Imprecisões e incongruências avulsas

Como começámos por referir na introdução deste texto, o cruzamento das influências moçambicana, cabo-verdiana e portuguesa, na definição do Direito timorense da nacionalidade, está na origem de uma técnica legística deficitária, visível em numerosas imprecisões e incongruências de regime, algumas das quais já foram assinaladas nas páginas anteriores. Nesta secção, atentaremos em aspetos que, sem serem cruciais, prejudicam a compreensão do regime e criam dificuldades desnecessárias na sua aplicação prática. O levantamento não pretende ser exaustivo.

Uma primeira incongruência digna de nota diz respeito a alguns dos fundamentos de oposição à aquisição e à reaquisição da nacionalidade timorense, invocáveis pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 16.º da Lei da Nacionalidade. O Ministério Público pode opor-se à aquisição ou reaquisição da nacionalidade timorense com fundamento no exercício, sem autorização do Governo, de funções de soberania a favor de Estado estrangeiro [alínea d)] e na prestação de serviço militar a favor de Estado estrangeiro, fora dos casos expressamente autorizados [alínea e)]. A inclusão destas duas alíneas no enunciado do artigo 16.º parece resultar da confusão com os fundamentos para a perda da nacionalidade, que são elencados no artigo 14.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade com uma redação semelhante. Não se compreende por que razão é que um estrangeiro, mesmo se residente em Timor-Leste, haveria de pedir autorização ao Governo timorense para prestar serviço militar ou funções de soberania em benefício de Estado estrangeiro. Isso inviabilizaria, por exemplo, que portugueses que tivessem exercido funções como deputados na Assembleia da República portuguesa viessem a adquirir a nacionalidade timorense por naturalização. Semelhantes considerações valem para indivíduos que tenham renunciado à nacionalidade timorense e queiram readquiri-la ao abrigo do artigo 15.º da Lei da Nacionalidade. O facto de terem prestado serviço militar ou funções de soberania a Estado estrangeiro, enquanto titulares de uma nacionalidade estrangeira, não pode obstar à reaquisição da nacionalidade. Julgamos, por isso, que as

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alíneas d) e e) do artigo 16.º da Lei da Nacionalidade deveriam ser eliminadas.

Ainda a respeito da reaquisição da nacionalidade, vale a pena referir que não é muito claro em que circunstâncias o artigo 15.º, n.os 1 e 2, da Lei da Nacionalidade será aplicado, já que a hipótese deste preceito é a da perda da nacionalidade por causa de declaração de vontade dos pais durante a menoridade dos filhos, quando a Lei da Nacionalidade não prevê que os pais possam declarar a vontade de que os filhos não sejam timorenses. A única disposição na Lei da Nacionalidade que permite aos pais tomar decisões sobre a nacionalidade dos filhos menores é o artigo 9.º e, aqui, para efeitos de aquisição (não perda) da nacionalidade timorense. No atual quadro normativo em vigor, o artigo 15.º, n.os 1 e 2, não parece ter qualquer aplicação prática.

Outra incongruência digna de nota reside na importância atribuída pelo Regulamento à circunstância de os progenitores estrangeiros se encontrarem em Timor-Leste ao serviço do respetivo Estado ao tempo do nascimento, como se esta fosse de algum modo relevante para a atribuição da nacionalidade timorense. O artigo 2.º, n.os 3 e 4, do Regulamento exige que seja feita prova de que o pai ou a mãe do registando estavam em Timor-Leste ao serviço do seu Estado, à data do nascimento, e que o assento de nascimento mencione a “situação especial dos pais”, como elemento de identificação do registando . 39

Admitimos que as autoridades timorenses possam ter interesse em saber quais as crianças nascidas em Timor-Leste que se encontram nesta situação (para efeitos estatísticos, por exemplo), mas, não estando prevista uma exceção diplomática na CRDTL nem na Lei da Nacionalidade, a informação é irrelevante para determinar se a criança tem ou não direito à nacionalidade timorense. A exceção diplomática, de resto, seria inteiramente supérflua, dado que a CRDTL não consagra o ius soli como critério de atribuição, ou seja, não impõe – apenas oferece – a cidadania timorense às crianças nascidas em Timor-Leste. Os filhos de diplomatas estrangeiros nascidos em Timor-Leste têm direito à cidadania timorense, por força do artigo 3.º, n.º 2, alínea c), da CRDTL, como qualquer outra criança nascida em Timor-Leste de pais estrangeiros. Se a quiserem, só terão de o declarar depois de completarem os 17 anos de idade.

O mesmo se passa para os nascimentos ocorridos no estrangeiro de pai ou mãe 39

timorense. O artigo 5.º, n.º 1, do Regulamento exige que, quando um dos progenitores estiver ao serviço do Estado timorense, o assento de nascimento faça menção especial a esta circunstância. Também aqui, a circunstância é irrelevante para efeitos de atribuição da cidadania timorense, já que os diplomatas timorenses têm exatamente o mesmo direito de passar a cidadania timorense aos seus filhos que qualquer outro cidadão timorense que se encontre no estrangeiro, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, da CRDTL.

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A este propósito, vale a pena notar que o artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento usa o verbo “dever” de forma claramente inadequada, uma vez que os titulares do direito à cidadania timorense ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, alínea c), da CRDTL não têm o dever de declarar que querem ser timorenses, mas sim o direito a fazerem uma tal declaração, se assim o entenderem. Mais clamorosa ainda é a confusão que encontramos no n.º 2 do artigo 7.º, onde se prevê que a declaração da vontade de ser timorense, por indivíduos nascidos em Timor-Leste de pai ou mãe estrangeiros, deve ser acompanhada por documento emitido pelos serviços competentes atestando “as circunstâncias relativas aos progenitores timorenses” do autor da declaração. Um erro semelhante pode ser encontrado no formulário para a declaração de nacionalidade ao abrigo do artigo 7.º do Regulamento (Modelo D1), que foi aprovado pelo Diploma Ministerial n.º 4/2006, de 23 de outubro .40

Também merece reparo o enunciado do artigo 16.º, n.º 2, do Regulamento, que lista as formalidades a adotar nos casos de perda voluntária (i.e. renúncia). A redação é a seguinte: “Os que tiverem perdido a nacionalidade timorense nos termos das alíneas do número anterior devem: a) prestar declaração manifestando a pretensão de não querer ser timorenses; b) apresentar certidão ou documento comprovativo da aquisição da nacionalidade de outro país; c) a Direcção Nacional dos Registos e do Notariado inscreve a pretensão no livro de perda de cidadania”. Temos aqui confusão entre causa e efeito, já que a declaração referida na alínea a) é condição para a perda da nacionalidade timorense e não um ato subsequente à perda, como sugerido pela redação do caput do artigo 16.º, n.º 2. Por outro lado, a inclusão da alínea c) não faz qualquer sentido na sequência do preceito, já que o caput tem como destinatários “os que tiverem perdido a nacionalidade timorense” e a alínea c) dirige-se à Direção Nacional dos Registos e do Notariado.

Uma outra incongruência potenciadora de grandes equívocos é a que resulta da falta de rigor terminológico no uso dos termos “atribuição” e “aquisição”. Na linguagem natural, os dois termos são muito próximos, o que certamente explica que, apesar de a Lei da Nacionalidade os tratar como distintos, estes acabem por ser confundidos no texto da própria

Disponível em http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2006/serie_1/serie1_no19.pdf 40

[10.08.2019], p. 1563. 59

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Lei e no Regulamento [artigos 14.º, n.º 1, alínea b) , 15.º ], bem como 41 42 43

nos modelos dos requerimentos para a aquisição da nacionalidade e nos despachos de concessão da nacionalidade timorense . À semelhança 44

do seu congénere português, o legislador timorense usa o termo atribuição para a nacionalidade originária e o termo aquisição para a nacionalidade adquirida. Que se trata de dois termos com significados técnico-jurídicos diferentes é indicado pelos artigos 4.º, 7.º, 18.º, 20.º e 23.º da Lei da Nacionalidade, que sistematicamente se referem a atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade como categorias distintas. Que o termo atribuição se aplica à nacionalidade originária (constante do capítulo II da Lei da Nacionalidade) pode deduzir-se a contrario do título do capítulo III – “nacionalidade adquirida” – e é confirmado pelo teor do artigo 5.º, segundo o qual a “atribuição da nacionalidade timorense produz efeitos desde o nascimento e não prejudica a validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com fundamento em outra nacionalidade”. Só para a nacionalidade originária – que é atribuída por efeito do nascimento, nos termos do

A própria Lei da Nacionalidade – que é, de um modo geral, coerente no uso dos 41

termos – faz um uso indevido de atribuição, ao estatuir, no artigo 29.º que “[n]ão será reconhecida nem poderá produzir efeitos na ordem jurídica interna qualquer outra nacionalidade atribuída aos cidadãos timorenses”. Se tomássemos a referência a “nacionalidade atribuída” no seu sentido técnico-jurídico, teríamos de concluir que o artigo 29.º só se aplicaria a casos em que a nacionalidade estrangeira fosse atribuída (por efeito da lei do Estado estrangeiro em causa) e não aos casos em que esta fosse voluntariamente adquirida, por casamento ou naturalização, o que não nos parece lógico. Uma vez que a lei timorense permite a dupla nacionalidade, é previsível que alguns nacionais timorenses a residir no estrangeiro adquiram a nacionalidade do Estado de residência por naturalização e é razoável que as autoridades timorenses se recusem a reconhecer a nacionalidade estrangeira adquirida e os seus efeitos em Timor-Leste. Em lugar de “nacionalidade atribuída aos”, o artigo 29.º deveria usar a formulação “nacionalidade obtida pelos” ou “nacionalidade concedida aos”.

Que, a respeito do procedimento para apreciação dos pedidos de naturalização, 42

reconhece ao interessado a faculdade de recorrer de “decisão do Ministro contrária à atribuição da nacionalidade”, quando deveria referir-se à “concessão da nacionalidade”.

Que se refere à “atribuição da nacionalidade timorense pelo Parlamento Nacional”, 43

quando deveria referir-se à “concessão da nacionalidade timorense pelo Parlamento Nacional”.

Considere-se o Despacho n.º 74/III/2008, intitulado “Atribuição de Nacionalidade 44

Timorense [sic] por Casamento”, publicado na 2.ª série do Jornal da República, em 7 de março de 2007, disponível em http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2008/serie_2/serie2_no7.pdf [11.08.2019]. Considere-se também o artigo 9.º, alínea a), do Diploma Ministerial n.º 13/2018, de 23 de maio, segundo o qual, “[s]e a decisão da Ministra da Justiça for favorável à aquisição da nacionalidade e estiver de acordo com o parecer emitido pelo Ministério Público, a nacionalidade considera-se atribuída, ordenando-se a inscrição no Registo de Nacionalidade”. O termo usado deveria ter sido “concedida”. Refira-se que o Diploma Ministerial do Ministro da Educação e Cultura e da Ministra da Justiça n.º 14/2018, de 23 de maio, que regulamenta a tramitação dos pedidos de aquisição da nacionalidade por naturalização, contém uma disposição semelhante (artigo 8.º, n.º 1) e usa o termo correto. Texto disponível em http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2018/serie_1/SERIE_I_NO_21.pdf [12.08.2019].

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artigo 3.º, n.os 2 e 3, da CRDTL – faz sentido retroagir os efeitos da atribuição até à data do nascimento. O disposto no artigo 5.º demonstra, de resto, o quão importante é fazer um uso rigoroso dos termos atribuição e aquisição, sob pena de legitimarmos a pretensão de indivíduos recém-naturalizados a que a aquisição da nacionalidade timorense produza efeitos desde o seu nascimento. A distinção é também muito relevante para a aplicação do artigo 16.º da Lei da Nacionalidade, já que este só pode ser invocado pelo Ministério Público para se opor à aquisição ou reaquisição da nacionalidade, nunca à atribuição.

3.7. Matérias por regular

A finalizar o levantamento dos aspetos críticos do Direito timorense da nacionalidade, cumpre referir que, depois de os Diplomas Ministeriais n.os 13/2018 e 14/2018 terem regulado o procedimento a seguir para fazer prova de conhecimento de uma das línguas oficiais e da história e cultura de Timor-Leste, já são só duas as matérias a carecer de pronúncia urgente por parte do legislador timorense: os efeitos da perda e os efeitos da reaquisição da nacionalidade timorense.

Segundo o artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, os efeitos da perda da nacionalidade produzem-se a partir da data dos atos ou factos que lhe deram origem. Quando a perda se dá por renúncia, a determinação desta data é fácil, já que coincide com a data da declaração da vontade de não ser timorense. Nos casos de perda involuntária (artigo 14.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade), já é mais complicado, uma vez que a data pode ser a da decisão administrativa ou judicial que decrete a perda ou retroagir, por exemplo, ao início da prestação do serviço militar não autorizado a Estado estrangeiro. Um efeito importante da perda da nacionalidade timorense é a perda do direito a ser proprietário de terra em Timor-Leste, por força do artigo 54.º, n.º 4, da CRDTL. Isto levanta várias questões práticas quanto à titularidade do direito de propriedade das terras de indivíduos que percam a nacionalidade timorense, em particular quando estes não a tenham perdido por renúncia (caso em que tiveram tempo de tratar dos bens imóveis em Timor-Leste), mas sim sido privados dela contra a sua vontade. Será que a propriedade de tais terras passa diretamente para o Estado ou deve ser dada prioridade aos herdeiros do indivíduo que sejam nacionais timorenses, se existirem? Se a terra é perdida para o Estado, deverá o indivíduo receber uma compensação financeira? E quais serão as consequências de uma reaquisição da nacionalidade timorense pela mesma pessoa? Cabe ao legislador timorense pronunciar-se sobre o assunto. Um efeito da perda sobre o qual o legislador timorense já se pronunciou foi a perda da

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posição como funcionário público. A Lei n.º 8/2004, de 5 de maio (Estatuto da Administração Pública) , prevê que apenas nacionais 45

timorenses podem candidatar-se a posições permanentes na Administração Pública [artigo 14.º, n.º 1, alínea a)], acrescentando que a perda de nacionalidade resulta na perda automática da posição como funcionário público, sem necessidade de seguir o normal procedimento de despedimento (artigo 14.º, n.º 3).

Quanto à reaquisição da nacionalidade timorense, tanto a Lei da Nacionalidade como o Regulamento são omissos na determinação dos efeitos da decisão do Ministro da Justiça, estando por esclarecer se esta devolve os indivíduos à situação jurídica existente antes da perda da nacionalidade timorense, com todos os direitos inerentes, ou não. Será que a reaquisição da nacionalidade timorense por ex-titular de nacionalidade originária o devolve ao estatuto de nacional originário (elegível para o cargo de Presidente da República) ou tratar-se-á apenas de uma forma de aquisição facilitada, que tornará um indivíduo nestas circunstâncias inelegível para o cargo de Presidente da República? Efeitos retroativos, que são a regra ao abrigo da Constituição moçambicana de 2004 (Jerónimo, 2019: 36), levantariam uma série de dificuldades práticas em Timor-Leste, já que exigiriam inter alia a restituição das terras que pudessem ter sido apreendidas pelo Estado e a reintegração do indivíduo como funcionário público na Administração Pública, para referir apenas os dois efeitos indicados no parágrafo anterior. Mais uma vez, cabe ao legislador timorense – mais propriamente, ao Parlamento Nacional – esclarecer os efeitos que pretende reconhecer à reaquisição da nacionalidade.

4. Considerações finais

Feitas a caracterização do regime e a sinalização dos seus aspetos críticos, não podemos deixar de concluir que o Direito timorense da nacionalidade – tal como está definido na CRDTL, na Lei da Nacionalidade e no Regulamento – teria muito a ganhar com uma reforma de fundo, que tornasse mais precisos os critérios de atribuição da cidadania originária fixados pela CRDTL (através da adição de marcos temporais, por exemplo), de modo a dissipar dúvidas e a refletir de forma adequada a perceção que os timorenses têm sobre quem são os membros originários da comunidade política estadual. Uma tal reforma, como referimos antes, só será legítima se levada a cabo no quadro de uma revisão constitucional. No plano infra-constitucional, há também

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leis_parlamento_nacional/ 8_2004.pdf [12.08.2019]. 62

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muito a fazer, para eliminar as disposições incompatíveis com a CRDTL, suprir omissões e ganhar precisão e coerência. Paralelamente, será também oportuno o investimento na formação sobre o conteúdo do Direito da Nacionalidade, a magistrados judiciais e do Ministério Público, funcionários da Conservatória dos Registos Centrais e da Direção Nacional dos Registos e Notariado, agentes diplomáticos e consulares, etc., para evitar que más interpretações do quadro normativo em vigor prejudiquem o direito fundamental dos nacionais timorenses à cidadania.

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O pluralismo jurídico na Constituição timorense

Ricardo Sousa da Cunha 1

Resumo: A relação entre a ordem jurídica estadual e os regimes normativos de origem costumeira é uma das questões mais decisivas do pluralismo jurídico que marca a construção identitária timorense. A Constituição da RDTL “reconhece e valoriza as normas e os usos costumeiros de Timor-Leste que não contrariem a Constituição e a legislação que trate especialmente do direito costumeiro” no artigo 2.º, n.º 4. Mesmo que aqui não se esgote a relação do ordenamento jurídico estadual-constitucional com normas de origem costumeira que têm uma diferente fonte de validade preexistente, este é o ponto de partida para uma relação que interessa perspetivar a partir das pistas do pluralismo jurídico acolhidas no próprio texto da Constituição.Palavras-chave: Identidade, costume, fontes de Direito, Constituição

1. Introdução

Uma realidade socioeconómica crescentemente integrada à escala global para a qual emerge uma regulação normativa cada vez mais complexa tem desafiado o cânone positivista tradicional do Direito de origem estadual. O paradigma normativo estadual-constitucional encontra-se ameaçado, globalmente pela integração à escala planetária, em particular, na integração europeia (Hespanha, 2010: 139), e em sociedades onde subsistem estruturas normativas tradicionais com correspondentes mecanismos de garantia. Em Timor-Leste, esta normação de raiz tradicional, consuetudinária e ancestral convive com o direito “formal-estadual” que o projeto da Constituição de 2002 procura instalar revelando “a porosidade das fronteiras de diferentes ordens jurídicas e culturas” (Santos, 2006: 39). É para esta realização a partir da previsão Constitucional que aqui se procuram lançar algumas pistas, necessariamente incompletas, que serão apenas um contributo mais numa discussão verdadeiramente constituinte e nacional.

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas (Escola de Direito da Universidade do Minho), 1Master Internacional Law (Faculdade de Direito da Universidade de Macau), Mestre em Ciências Jurídico-políticas (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), Investigador do JUSGOV, Prof-Adjunto do IPCA, Professor Convidado da EDUM, ex-Professor-Visitante da UNTL.

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2. A relação entre sistemas normativos

A pluralidade de normatividades com ambição de vigência (soberana) sobre um mesmo território e os mesmos indivíduos, com fontes de validade diferentes, historicamente sucessíveis e orientadas por diferentes valores, suscita variados problemas que o pluralismo jurídico tem tentado resolver. Tamanaha e Nobles discutem o potencial da teoria dos sistemas para orientar a navegação deste cosmos normativo crescentemente complexo (Tamanaha, 2008: 375 e ss e Nobles e Schiff, 2012: 265), por referência ao trabalho de Günther Teubner na reinterpretação da seminal referência de Niklas Luhman, em especial no que se refere à relação entre sistemas normativos tanto a propósito da fragmentação do ordenamento jurídico internacional como da relação do sistema normativo estadual com sistemas normativos tradicionais consuetudinários (Teubner e Fischer‐Lescano, 2004: 999, Teubner, 1992: 1443 e Teubner, 1982: 28) . Está, naturalmente, aberto a discussão saber 2

se o “corpo normativo” consuetudinário cumpre os requisitos de autonomia para merecer o tratamento de “subsistema normativo”. Tamanaha desvaloriza a relevância de uma definição de “ordenamento jurídico”, “sistema normativo” ou de “Direito” para os propósitos metodológicos prosseguidos pelo pluralismo jurídico, acompanhando a evolução de Griffiths (Tamanaha, 2008: 396). Esta questão é o cerne da discussão em cada um dos espaços normativos plurais onde tal se coloca, em particular na Europa a propósito da relação do ordenamento jurídico Estadual com o Direito Europeu e o Direito Internacional, mesmo considerando a recusa em qualquer destes espaços da existência de verdadeiros “self-contained regimes” pela permanentemente ativa 3

possibilidade de “fallback” (Cunha, 2016: 280) no regime geral de Direito Internacional no caso de falhanço sistemático, que aqui pode ser um indício suficiente.

Independentemente da resposta a dar à questão sobre a definição do jurídico nos estudos sobre o pluralismo jurídico, sempre se encontram características de autonomia subsistemática (soberana), mesmo que de forma indiciária, no funcionamento do sistema normativo de raiz

Aroso Linhares numa formulação pedagogicamente muito feliz revela como “regular 2indirecta e abstractamente” a auto‐regulação dos subsistemas sociais por “normas de organização, de processo e de competências”, evidência de uma “inscrição normativa reflexiva” (Linhares, 2013: 19). Na jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça nos casos Gabcíkovo‐ 3

Nagymaros Project (Hungary c. Slovakia), para. 132; Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua (Nicaragua c. United States of America), Merits, para. 274, INA Corporation c. Iran, Iran‐U.S. Claims Tribunal, Award n.o 184‐161‐1, de 12 Agosto de 1985, 75, para. 378 apud Simma e Pulkowski, (2006: 483).

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tradicional. A existência de normas consuetudinárias tem as suas próprias referências de validação identitária (diferentes ) no cumprimento 4

de um projeto material próprio orientado à preservação de um modo de vida por critérios de Justiça restaurativa dirigidos à preservação e à restauração da harmonia social mais do que ao respeito por direitos individuais que anima o ordenamento jurídico Estadual. É inegável que se encontram no subsistema normativo tradicional normas substantivas, que nem se podem reduzir a uma mera prática, bem como facilmente se encontram normas secundárias relativas à sua geração, aplicação e garantia .5

Por tudo o que vai referido, as opções metodológicas possíveis na aproximação à relação entre o ordenamento jurídico estadual-constitucional e a normação tradicional consuetudinária colocam-se entre perspetivar o problema a partir da relação entre ordenamentos jurídicos, mesmo com as limitações apontadas, ou perspetivar um dos ordenamentos jurídicos a partir de outro numa solução muito parcial, sempre contingente e mais empobrecedora. Não restam dúvidas que o prosseguimento das pistas do pluralismo jurídico à escala global aconselha a primeira solução.

Uma perspetiva adequada do funcionamento sistemático de ordenamentos jurídicos plurais não admite que qualquer um dos sistemas normativos alicerçado em fundamentos de validade próprios se pronuncie acerca da validade do outro – o princípio aqui formulado é da “dupla contingência” na relação entre “ego” e “alter” (Teubner, 1997: 149). Na verdade, qualquer afirmação de um determinado sistema sobre o “outro” faz-se a partir de uma perspetiva interna, pelo que nessa receção um sistema normativo apenas se pode pronunciar acerca da validade “para si” das preposições normativas de outro sistema.

Sobre o conceito de différance, vide Dérrida (1994: 13).4 Independentemente da posição metodológica assumida, não será difícil de encontrar 5

no sistema normativo de origem tradicional as características de “fechamento operativo” e “diferenciação funcional” que Luhman usa na designação de sistemas sociais, ou mesmo, seguindo a classificação da Escola Analítica de Oxford, as normas primárias (ou normas de comportamento) e secundárias (normas sobre normas), distinguidas como normas de reconhecimento (recognition), na identificação das normas primárias, de alteração (change), relativas à atribuição de competência para a inovação dentro do ordenamento jurídico, e normas de julgamento (adjudication), relativas à possibilidade de tomar decisões de autoridade (Herbert Hart, 1997: 230. Em Portugal, pela Escola analítica de Oxford, ver Joaquim Rocha, 2008. Vide também a referência à aplicação das normas de reconhecimento nas relações em ordenamentos jurídicos plurais em Hespanha (2010: 139).

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3. O pluralismo jurídico na Constituição Timorense

O peso da normatividade de origem consuetudinária em Timor-Leste é reconhecido pela Constituição, cujo artigo 2.º, n.º 4 estabelece que “O Estado reconhece e valoriza as normas e os usos costumeiros de Timor-Leste que não contrariem a Constituição e a legislação que trate especialmente do direito costumeiro”. Uma leitura sistematicamente adequada do disposto na primeira parte do artigo 2.º, n.º 4 da Constituição à partida exclui a tentativa de solução dos problemas emergentes desta relação a partir, exclusivamente, do sistema das fontes de Direito de qualquer um dos ordenamentos jurídicos vigentes, mesmo que do ordenamento jurídico-constitucional . Esta seria uma solução 6

necessariamente parcelar, formulada a partir das fontes do sistema estadual-constitucional para os respetivos aplicadores. Desta perspetiva interna, a exclusão do costume de entre as fontes de Direito previstas na Lei, pelo artigo 1.º e 2.º do Código Civil e pelo artigo 2.º da Lei n.º 10/2003, de 20 de novembro, (o primeiro apenas prevê a Lei como fonte de Direito e o segundo apenas admite que sejam “juridicamente atendíveis” as normas e os usos costumeiros que não contrariem a Constituição) tem sido considerada de “inconstitucional” (Florbela Pires, 2005: 148) ou pelo menos problemática .7

As referências a “normas e usos costumeiros” no artigo 2.º, n.º 4 da Constituição e ao “costume” entre as fontes de direito previstas no artigo 1.º e 2.º do Código Civil e no artigo 2.º da Lei n.º 10/2003, de 20 de novembro, servem propósitos diferentes – a primeira poderia ter a ambição de estabelecer uma relação entre sistemas normativos diferentes, mesmo que nunca pudesse ter a ambição de a monopolizar, enquanto que a segunda se limita a enunciar as fontes de direito aplicáveis no ordenamento jurídico estadual, em especial pelos tribunais, apesar de também aqui não poder ter a ambição de as esgotar considerando os limites do poder legislativo para enunciar as fontes de direito aplicáveis por tribunais (Silva, 2011: 153 e 360) ou até pelos demais poderes vinculados à lei (Otero, 2003: 19) no quadro da ambição 8

constitucional revolucionária oitocentista de monopolizar os momentos de criação e de aplicação do Direito pela separação de poderes.

Todas estas soluções normativas são, apesar das suas diferenças, oriundas da mesma composição do Parlamento Nacional, da maioria eleita para a Assembleia Constituinte que se converteu em Parlamento

Conforma ensina para o ordenamento jurídico português a magistral lição de Machado 6(1995: 153). Em sentido aproximado se pronuncia Gouveia (2011: 474).7 Com referência à abertura supraestadual do sistema de fontes de Direito 8

Administrativo vide Cunha (2016: 445). 68

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com poderes legislativos ordinários, nos termos do artigo 167.º da CRDTL, pelo que, mesmo que por razões meramente de facto, é mais difícil construir divergentes expressões da vontade do mesmo legislador constituinte e ordinário. E, na verdade, todas estas soluções apontam no mesmo sentido de valorização constitucional do costume, mas limitado ao costume secundum legem que terá na lei a sua fonte de Direito ou habilitação legal.

A solução legal e constitucional é expressão do projeto político que fez vencimento nas eleições para a Constituinte, fruto das suas próprias circunstâncias, nas quais já se confrontavam projetos políticos concorrentes, até de modelo constituinte, com reflexo natural na relação do ordenamento jurídico constitucional com a pré-existente realidade normativa costumeira . Esta solução é tributária do projeto político do 9

formalismo estadual que, desde a Revolução Francesa, alimenta a preferência pela solução estadual omnipotente - é o projeto do Homem novo, racional e político que fez o mesmo vencimento no movimento constitucional de inspiração francesa, europeu-continental, e já então limitou o valor do costume (e até da jurisprudência) entre o sistema de fontes de Direito. A solução dada é o resultado da previsão numa Lei ordinária do regime de todas as Fontes de Direito, reminiscência legalista de um tempo em que dominava o primado do Parlamento perante Constituições essencialmente proclamatórias. Este movimento insere-se na genérica suspeita constitucional moderna contra a “corrupção” da jurisprudência e do costume no período das monarquias constituintes, segundo Alf Ross (Silva, 2011: 146), que levaram à apropriação do ideário iluminista pelo projeto politicamente comprometido da Revolução Francesa com um dos seus pontos altos na irónica integração no Código Civil do instrumentário hermenêutico desenvolvido pela Escola Histórica do Direito de Savigny, contra a qual se manifestou o próprio Savigny. A superação da ordem social do Ancient Regime justificava a desconfiança revolucionária perante a jurisprudência, o costume e o seu ideário literário romântico, de tal forma que a aceitação do costume como fonte de Direito, integrada numa versão preliminar do Code Civil foi afastado da versão final.

Este resultado foi seguido no Código Civil português, e por sua influência timorense, que, desde a Lei da Boa Razão de 1769 e o Código de Seabra de 1866, admite o costume como fonte de Direito apenas quando conforme à Constituição, ao contrário da solução de diferentes outros ordenamentos jurídicos, mesmo europeus, que valorizam juridicamente o costume. Esta solução tem encontrado novos desafios

Sobre a exclusão dos representantes tradicionais da participação no procedimento 9constituinte vide Trindade (2008: 166) e Legislativa (2017: 31).

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na construção dos ordenamentos jurídicos dos novos Estados saídos de processos de descolonização, nos quais se impõe uma desconfortável relação entre a emergência de uma organização formal-estadual com uma pré-existente tradição normativa costumeira (Vicente, 2008: 430), mais ainda considerando o peso da influência histórica dos ordenamentos jurídicos da família jurídica de inspiração soviética nos movimentos anticolonialistas de libertação nacional na segunda metade do século passado.

Da perspetiva do Constitucionalismo Estadual, a previsão do artigo 2.º, n.º 4 relativamente à valorização do Costume convive com igual previsão de primazia constitucional no artigo 2.º, n.º 2, que pode assim ser construída como um conflito principialista entre o princípio da constitucionalidade e o princípio do pluralismo jurídico. A solução de qualquer conflito de princípios procura assegurar a máxima efetividade de cada um dos princípios por graus, ao contrário da lógica “tudo-ou-nada” das normas, segundo Alexy (Cunha, 2016: 364). Esta consideração do contexto histórico em que a solução de codificação do sistema de fontes de Direito no Código Civil, muito limitativamente apenas aí admitindo o costume, não invalida a conclusão acerca da inconstitucionalidade da solução legal do artigo 1.º e 2.º do Código Civil, bem como do artigo 2.º da Lei n.º 10/2003, de 20 de Novembro, precisamente, na medida em que exclui o costume de entre as fontes de Direito. O que aqui se impõe é um exercício hermenêutico que pondere sistematicamente a solução constitucional vigente no artigo 2.º, n.º 4 entre as quotidianas sugestões do pluralismo jurídico no qual necessariamente Timor-Leste se integra.

4. Realizar a previsão constitucional plural

Na definição das condições para uma saudável relação entre Constituição e Costume, mesmo da perspetiva interna parcelar do ordenamento jurídico-estadual e da Constituição, mais do que uma solução unilateral soberanista, importa promover uma interpretação adequada do art igo 2.º, n.º 4 da Constituição ponderada sistematicamente no quadro do pré-existente pluralismo jurídico, na solução do conflito principialista assim construído.

A valorização constitucional do costume no artigo 2.º, n.º 4, anterior à própria vigência constitucional, traz importantes vantagens da perspetiva da instalação das estruturas do Estado pelo acréscimo de legitimidade, enquanto reconhecimento popular da bondade do exercício do poder, na lição de Rogério Soares (Soares, 1986: 36). A preservação das tradições percecionadas como juridicamente relevantes e com

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mecanismos próprios de garantia tem, além disso, decisivas consequências na manutenção da paz social, mais ainda na reposição dessa harmonia social nos casos em que ela é violada. Esta previsão impõe um conjunto de consequências para a própria ordem jurídica constitucional-estadual, sob pena de se converter em mais uma mera apropriação histórica.

Naturalmente, em especial da perspetiva da relação entre sistemas normativos e, mais ainda, na relação com o sistema normativo Estadual, não se pode mitificar as normas consuetudinárias como resultantes de um estado natural de pureza deliberativa por oposição à sua corrupção Estadual de influência estrangeira. As normas costumeiras são tanto o resultado de processos deliberativos abertos às suas próprias limitações (Snyder, 1981: 49) como as normas de fonte Estadual, apontando-se em Timor-Leste a exclusão das mulheres e do jovens em favor do papel desempenhado pelos homens mais velhos (os Katuas) (Trindade e Castro, 2007: 26 ). Mas da perspetiva das estruturas do Estado Constitucional a valorização das normas e usos costumeiros não dispensa a formulação de uma “política consuetudinária” (Jerónimo, 2015: 163) ou, melhor ainda, de uma “política da justiça consuetudinária”.

Uma das primeiras consequências da valorização constitucional das normas e usos costumeiros é um dever geral de abstenção de qualquer conduta que ameace a vigência do costume. Este dever de omissão é a consequência natural da valorização constitucional das normas e usos constitucionais e é facilmente assumida no espaço do costume conforme à Lei e à Constituição. Mais difícil é aceitar o mesmo espaço de abstenção perante práticas e normas que contrariem a Constituição e a Lei, segundo a previsão constitucional expressa. Fora deste espaço de abstenção total, a intervenção estadual far-se-á sempre segundo o princípio da proporcionalidade, um princípio geral de direito que proíbe o excesso em qualquer intervenção estadual, aqui reforçado pelo princípio constitucional de valorização dos usos e costumes de origem tradicional, pelo que sempre se preferirá a intervenção estadual menos gravosa, mesmo na relação com o costume contrário à Lei e à Constituição. A observância do princípio da proporcionalidade significa que está vedada uma qualquer intervenção estadual de genérica proibição, limitação ou restrição da vigência dos usos ou norma costumeiras, devendo sempre promover-se a intervenção estadual menos gravosa para a normatividade consuetudinária de origem tradicional.

Aliás, de uma perspetiva jus-fundamental, o apontado princípio do pluralismo jurídico previsto no artigo 2.o, n.o 4 da Constituição não pode deixar de ter consequências, mesmo que esta valorização não conste expressamente entre as categorias "suspeitas" de discriminação, no

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artigo 16.º, nem das categorias especiais de discriminação positiva, previstas no artigo 17.o e seguintes da Constituição. Apesar de a Constituição da RDTL não lhe fazer expressa referência, o mesmo efeito de um “direito de liberdade” (freiheitsrecht) na doutrina jusfundamental alemã deve ser extraído do disposto no artigo 30.º, n.º 1 relativamente ao “direito à liberdade” no qual a valorização individual dos costumes tem de ser respeitada. Além disso, as virtudes inclusivas do princípio da igualdade, no respeito pela diferença, na medida da diferença, impõem esta promoção ativa, por exemplo entre as sugestões da “jurisprudência multicultural” (Jerónimo, 2016: 303).

Da mesma valorização dos usos e costumes vigentes em Timor-Leste retira-se um dever geral de ativa proteção dos usos e costumes vigentes, também neste caso mais facilmente construído no espaço do costume constitucional e legal. Este dever de intervenção obriga à promoção ativa destes usos e normas costumeiras, segundo as diferentes funções do Estado, desenvolvido na segunda parte do artigo 2.º, n.º 4 da Constituição.

4.1. A intervenção legislativa

Entre os deveres da proteção constitucional do costume, a Constituição refere-se à “legislação que trate especialmente do direito costumeiro”, na última parte do artigo 2.º, n.º 4. A equívoca formulação literal do artigo suscita ainda mais dúvidas quanto à delimitação do seu âmbito, em especial, saber se daqui decorre uma específica obrigação legislativa .10

Por tudo o que se viu, facilmente se percebe que qualquer intervenção legislativa deve resistir à tentação de codificar o costume (Jerónimo, 2011: 109). A regulação normativa tradicional é viva, o que se, por um lado, torna o seu mapeamento mais difícil, em particular em Timor-Leste, onde abundam as práticas tradicionais costumeiras juridicamente relevantes, por outro lado, é condição da sua subsistência. Como já se viu, qualquer intervenção legislativa sobre o costume será sempre a perspetiva interna do ordenamento jurídico estadual-formal sobre a relação com o ordenamento jurídico costumeiro, pelo que não se pode arrogar a prerrogativa de se pronunciar sobre a validade do direito costumeiro quando se tratam de diferentes fontes de validade.

A ambição de uma intervenção legislativa formal acerca do costume deve, por isso, limitar-se a regular a relação entre estes dois

Sobre o conceito de obrigação legislativa, entre outros escritos, vide Canotilho (2006: 10101).

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ordenamentos jurídicos. A questão assim colocada desvaloriza a tentativa (legislativa) de resolver a relação do direito substantivo de origem estadual-formal e costumeira, a sua validade recíproca ou relação hierárquica. Será sempre irrelevante o que a este propósito qualquer um dos sistemas normativos tiver a dizer relativamente ao outro, como já se viu.

Esta solução não impõe também ao sistema normativo organizado sob a Constituição uma intervenção legislativa única que resolva todos os problemas aqui suscitados de forma omnipotente. São várias as funções do Estado desempenhadas pelas estruturas tradicionais do poder que interessa relacionar com a realização do Direito pelo sistema formal, pelo que esta solução pode, possivelmente com vantagens, ser promovida sectorialmente, mantendo-se permanentemente ativa a sensibilidade plural em qualquer intervenção do Estado. Considerando que o princípio da intervenção estadual é o princípio da competência, qualquer intervenção legislativa tem de respeitar as disposições constitucionais quanto à competência legislativa, à hierarquia normativa e demais disposições constitucionais. A partir dos deveres gerais formulados já de ação e omissão na valorização constitucional do costume, limitada pelo princípio da proporcionalidade, valerá sempre a pena considerar em qualquer intervenção legislativa os limites colocados constitucionalmente ao direito sancionatório pelo artigo 31.º, em especial ao direito sancionatório criminal como última rácio da intervenção sancionatória estadual, também aplicáveis ao direito sancionatório administrativo . A 11

intervenção estadual tem, assim, de procurar o adequado fundamento legal da perspetiva das estruturas do Estado que exercem o monopólio do exercício da força, nomeadamente, em matéria administrativa e criminal, mantendo-se fora deste espaço a referência incontornável ao princípio da liberdade que orienta sociedades organizadas sob constituições de matriz liberal.

4.2. O exercício de funções administrativas pelas estruturas tradicionais

A tradicional perspetiva da função administrativa como acriticamente sujeita a uma legalidade que lhe é estranha porque

Apesar de não se referir especificamente à relação com sistema normativos de 11origem costumeira, é a este propósito de muito duvidosa bondade a previsão de normas incriminadoras em matéria de “prática não autorizada de arte marciais”, nos termos do artigo 24.º da Lei n.º 05/2017, de 19 de abril, Regime jurídico relativo à prática de artes marciais, rituais, armas brancas, Rama Ambon e quinta alteração ao Código Penal.

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legitimada democraticamente foi já superada pela evidência da criatividade da função administrativa na definição do direito aplicável a cada caso concreto, em especial na solução das antinomias com que se confronta que potencialmente são tantas quantas as fontes de direito a que se encontra sujeita (Otero, 2003: 19) . Em Timor-Leste, é 12

especialmente interessante perspetivar as consequências metodológicas da aplicação do direito costumeiro por pessoas coletivas públicas.

O legislador ordinário entendeu, pela Lei n.º 9/2016, de 8 de julho, integrar os “sucos” nas estruturas do Estado, com a natureza jurídica de associações públicas, seguindo anterior jurisprudência do Tribunal de Recurso . Há boas razões para não integrar os sucos no processo de 13

descentralização das pessoas coletivas de território, criadas com base no artigo 5.º e artigo 72.º da Constituição. Materialmente, a sua natureza jurídica assim aponta na representação dos interesses de uma população organizada por laços que não são exclusiva ou essencialmente territoriais, por isso, se justificando a integração destas pessoas coletivas na administração autónoma do Estado com a natureza de associações públicas. Da mesma forma, apenas assim se admite a exclusão do cumprimento da imposição constitucional de representatividade democrática, mediada partidariamente, nos termos do artigo 72.º, que parece incompatível com a natureza tradicional dos sucos alicerçada em práticas ancestrais de legitimação não necessariamente suscetível de ser mediada pelos partidos políticos. Funcionalmente, as estruturas tradicionais não exercerem funções administrativas típicas, pelos seus Li’an Nain ou os Liurais, que justificassem a sua integração na administração pública local de base territorial (Reis, 2017: 39), além do que o princípio constitucional da separação de poderes sempre vedaria aos sucos o exercício de outras funções do Estado, como seja a resolução alternativa de litígios, se fossem integrados na Administração local como defende parte da doutrina (Jerónimo, 2019: 935, e Valle, 2014: 50) face à reserva de jurisdição prevista nos artigos 118.º e ss da Constituição. A integração dos Sucos na Administração Pública do Estado com a natureza de Associações Públicas facilita também a manutenção da permanente sensibilidade recíproca entre o pluralismo normativo vigente em Timor-Leste, uma vez que fazem esta feliz ponte, permitindo-se nomeadamente a aplicar direito estadual nos termos da Lei n.º 9/2016, de 8 de julho, ao mesmo passo que aplicam também normas de raiz consuetudinária, com as quais estão mais familiarizadas do que

Com referência à abertura supraestadual do sistema de fontes de Direito 12Administrativo vide Cunha (2016: 445).

Acórdão proferido no processo n. ̊ 02/Const/2009/TR, publicado no Jornal da 13República, Série I, n. ̊ 28, de 5 de Agosto de 2009, páginas 3388 a 3399.

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as demais estruturas do Estado, como sucede com o Tara-Bandu . 14

Naturalmente, aqui podem colocar-se as tradicionais preocupações com o cumprimento de normas administrativas de competências e procedimento, decisivas em matéria sancionatória administrativa, mas que não podem ser esgrimidas no espaço de livre conformação dos cidadãos da sua vida, personalidade e património, reconhecido inclusivamente por uma constituição de matriz liberal, personalista e plural.

4.3. A Resolução de Litígios

A resolução de litígios entre particulares e entre particulares e o Estado foi construída pelo constitucionalismo moderno segundo o princípio da separação de poderes, nos termos do artigo 69.º da Constituição, como parte da organização do poder do Estado (AAVV, 2011: 242 ), atribuída a um terceiro independente e reservada, por isso, à função jurisdicional com garantias próprias previstas no artigo 118.º e ss da Constituição. As estruturas tradicionais de garantia do cumprimento do Direito Costumeiro têm também exercido ancestralmente funções de resolução de conflitos entre os cidadãos comparáveis às funções garantidas constitucionalmente à reserva de jurisdição, no quadro das relações de poder estabelecidas em cada comunidade. Falta, naturalmente, cumprir o propósito de relacionar instâncias concorrentes de garantia do cumprimento de normas com fundamentos de validade diferentes.

O primeiro problema aqui a enfrentar é a previsão constitucional de especiais garantias em matéria de independência jurisdicional, no artigo 118.º e ss da Constituição. Em causa estão também os compromissos internacionais assumidos por Timor-Leste sobre esta matéria (Jerónimo, 2011: 105), em particular as garantias de tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos previstas no artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). O Comité dos Direitos Humanos da ONU (CDH da ONU) admitiu a possibilidade de a tutela jurisdicional efetiva ser cumprida por estruturas tradicionais que apliquem direito consuetudinário desde que sejam observadas algumas das mais importantes garantias constitucionais de processo justo, limitadas a bagatelas criminais. Não parece que se possa excluir destas exigências, as demais garantias constitucionais, em especial de proteção de Direitos Fundamentais, como seja a garantia de participação feminina, tal como promovida pelo artigo 17.º da Constituição. Não é garantido que as estruturas

Sobre a aplicação das normas tradicionais de Tara-Bandu pelos Sucos ver 14Legislativa (2017: 134).

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tradicionais de resolução de litígios, como as próprias normas consuetudinárias aplicáveis, cumpram os desígnios constitucionais e internacionais - aliás, a regra será que não o cumpram na maioria dos casos. Além disso, o cumprimento da solução da previsão do PIDCP segundo a sugestão do CDH da ONU, admitindo a aplicação pelas estruturas tradicionais do direito criminal estadual formulado segundo o juízo de desvalor atribuído a certas condutas típicas, mesmo que limitado a bagatelas criminais, merece maior consideração. Uma solução deste tipo parece, à partida, contraintuitiva em face das opções metodológicas aqui traçadas por sujeitar uma (tradicional) ordem normativa a aplicar normas oriundas de outra (Estadual). Por isso, esta solução será sempre de muito duvidosa constitucionalidade perante a previsão da reserva de jurisdição no artigo 118.º e ss da Constituição e, inclusivamente, de duvidosa eficácia, pelo menos sem a construção de adequados mecanismos de controlo, que a sujeitem, novamente, às estruturas de controlo estaduais sob a forma de homologação ou recurso.

O desafio assim colocado ao legislador parece começar por ser o de delimitar, adequadamente, o sentido desta intervenção, recortado que está o âmbito da obrigação legislativa prevista no artigo 2.º, n.º 4 da CRDTL. Conforme já se viu, não parecem opções de boa política legislativa a codificação do direito subsidiário, a uniformização do costume face ao direito do Estado ou mandar aplicar pelas estruturas tradicionais do poder costumeiro as disposições do direito estadual. Também já se enunciou como, fora do espaço do mais radical desvalor jurídico-criminal de certas condutas, a vigência do costume, mesmo contra legem, se deve ponderar, objetivamente, face ao princípio da proporcionalidade e, subjetivamente, o princípio da liberdade e o direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade, como uma decorrência do previsto no artigo 30.º da Constituição. Neste espaço de delicados equilíbrios, a relação entre os mecanismos de garantia dos respetivos ordenamentos jurídicos constrói-se no espaço de vinculação voluntária dos cidadãos, no qual estes são livres para se obrigar juridicamente e do qual, quando não possam emergir obrigações jurídicas por falta de fundamento legal (Estadual-formal), emergem pelo menos obrigações naturais. Basta neste caso pensar na possibilidade de ser exigido judicialmente nos tribunais instalados sob a Constituição o pagamento de uma obrigação emergente do barlaque assumida ao abrigo do ordenamento jurídico consuetudinário perante as competentes estruturas de poder consuetudinário. Por tudo o que vai dito, da perspetiva das estruturas de poder Estadual-formal, o espaço privilegiado desta relação entre formas diferentes, potencialmente concorrentes, de resolução de conflitos será o espaço da livre conformação dos cidadãos, em particular, o espaço da resolução

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alternativa de litígios, sob a forma de conciliação, arbitragem ou mediação. Da perspetiva estadual-constitucional, pouco haverá a impor na solução de litígios cujo objeto está na livre disponibilidade dos intervenientes, tradicionalmente, construídos como critérios de arbitrabilidade ou mediabilidade.

Estão já previstos serviços públicos que cumprem atribuições de mediação comunitária. Em especial, está prevista entre as atribuições do Ministério do Interior, no artigo 3.º, n.º 1 q) do DL n.º 14/2019, de 10 de julho (Orgânica do Ministério do Interior): “Promover o desenvolvimento da estratégia de prevenção, mediação e resolução de conflitos comunitários”, a desempenhar através da Direção de Prevenção de Conflitos Comunitários do Ministério do Interior. nos termos do artigo 21.º. A Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego tem nas suas atribuições, previstas no artigo 2.º, n.º 2 e), “Promover o funcionamento de serviços de mediação, de conciliação e de arbitragem no âmbito das relações laborais”, desempenhadas através da Direção Nacional das Relações de Trabalho, prevista no artigo 16.º, e que podem inclusivamente ser realizadas ao nível local pelos serviços municipais desconcentrados da Secretaria de Estado, previstos no artigo 21.º, em todos os casos, do DL n.º 21/2019, de 31 de julho (Orgânica da SEFOPE). O exercício de funções de mediação de conflitos por serviços públicos integrados na administração direta do Estado através dos Ministérios do Interior e da SEFOPE não deixa de ser estranho, mas reflete uma muito particular perspetiva do exercício das funções do Estado em Timor-Leste. Por esta mesma razão, já se estranhou a natureza jurídica de Comissão de Terras e Propriedades, criada pelo artigo 55.º da Lei n.º 13/2017 de 5 de junho, se daqui se pretender que se resolvam por ato administrativo disputas relativas à propriedade da terra reservadas pela Constituição ao exercício da função jurisdicional, nos termos do artigo 118.º e ss.

É fundamental reforçar a dimensão preventiva de conflitos pela criação ou conversão destas incipientes estruturas administrativas em verdadeiros mecanismos de mediação entre as estruturas formais do Estados e as comunidades tradicionais. Entre as estruturas de organização administrativa já instaladas, o dispositivo desconcentrado territorialmente da PNTL é também um importante veículo de comunicação entre comunidades tradicionais e as estruturas do Estado, em especial na mediação com o Ministério Público e os Tribunais em matéria criminal. A Unidade de Pessoas Vulneráveis (UPV) da PNTL desempenha um papel muito importante em matéria de proteção de mulheres e crianças vítimas de violência doméstica. Neste particular, também as ONG’s dedicadas a resolução de litígios, em especial no que

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se refere à proteção de pessoas especialmente vulneráveis, desempenham um importante papel de intermediação cultural em todo o território nacional.

A partir desta previsão de diferentes intervenientes na resolução de litígios e na intermediação cultural, a Comissão da Reforma Legislativa identificou uma “escada” (Legislativa, 2017: 53) de intervenção na resolução de litígios que parte da Família, das Comunidades e dos respetivos órgãos tradicionais (Li’an Nain, Liurais e Chefes de Suco) passa também pelas estruturas do poder Estadual e termina nos Tribunais. Entre os desafios colocados à articulação dos sistemas tradicionais e estaduais de resolução de litígios se integra a criação de um programa de justiça de proximidade que, entre as atribuições estaduais de administração da justiça, procure realizar o pluralismo jurídico promovendo a interligação entre as comunidades tradicionais e o sistema estadual de Justiça, nomeadamente fomentada por mediadores culturais colocados junto da Polícia, primeira instância estadual de manutenção da ordem e segurança pública, e dos Tribunais Distritais (eventualmente, Ministério Público e Defensoria Pública), orientada a integrar as sugestões do direito substantivo de origem tradicional no sistema formal de justiça, mesmo no mais estrito sancionamento criminal pela criação de uma verdadeira jurisprudência multicultural (Jerónimo, 2016: 303) que considere adequadas causas de exclusão ou atenuação da culpa ou da ilicitude, e a incrementar o contacto, documentação e formação numa permanente sensibilidade intersistemática entre as comunidades tradicionais e os operadores judiciais.

5. Conclusão

Em ordenamentos jurídicos plurais onde se encontram vigentes normas consuetudinárias, em alguns casos verdadeiros sistemas normativos com ambição subsistemática de soberania, impõe-se uma especial sensibilidade interna recíproca que privilegie a promoção de uma relação entre sistemas normativos e os respetivos sistemas de garantia. Em Timor-Leste, a melhor forma de valorizar o costume tradicional, conforme exige o artigo 2.º, n.º 4 da Constituição, e de garantir a sua vigência, com o acréscimo de legitimidade que assim se reconhece ao exercício do poder do Estado, é perspetivar o cumprimento deste desígnio constitucional a partir da relação entre sistemas jurídicos autónomos com ambição subsistemática pela previsão de mecanismos autónomos de garantia. Desta perspetiva, não compete ao Estado, organizado sob a Constituição da República Democrática de Timor-Leste, reconhecer, validar ou formalizar as estruturas de poder tradicional ou o

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seu direito substantivo. Metodologicamente, qualquer referência estadual ao ordenamento jurídico tradicional é sempre uma perspetiva parcial sobre um outro que lhe é anterior, diferente e, em larga medida, independente. Por isso se impõe uma leitura sistematicamente adequada da valorização constitucional do costume, prevista no artigo 2.º, n.º 4 da Constituição à luz das pistas do pluralismo jurídico pré-existente em Timor-Leste, na solução do conflito principialista aí construído entre o princípio da constitucionalidade e o princípio do pluralismo jurídico, com refrações, nomeadamente, em matéria jusfundamental.

Da previsão constitucional extraem-se diversas consequências para as estruturas do Estado, tanto de ação (facere) como de omissão (non facere).

A primeira parte do artigo 2.º, n.º 4 da Constituição, impõe entre as obrigações de non facere que todas as estruturas do Estado devem abster-se de qualquer ação que ponha em causa a vigência e observância do costume, em especial do costume secundum legem, incluindo-se aqui o dever de omitir qualquer intervenção legislativa que a limite, como é o caso da previsão do Código Civil e da Lei n.º 3/2010, de 20 de Novembro, relativamente às fontes de Direito - ao legislador cabe não codificar, não validar e não unificar o costume vigente em Timor-Leste. Nas obrigações de facere, qualquer intervenção estadual deve observar o princípio da proporcionalidade e o direito dos cidadãos ao livre desenvolvimento da personalidade, mesmo na relação com os costume contra legem.

Entre as obrigações de facere, a segunda parte do artigo 2.º, n.º 4 da Constituição impõe a “legislação que trate especialmente do direito costumeiro”, o que, considerando a impossibilidade de ter uma resposta satisfatória a partir das respetivas normas substantivas com sistemas de validade próprios, deve ser realizada pelas estruturas de poder que as garantem, retomando a questão a partir da revalorização da realização hermenêutica, por isso competencial, do Direito. Neste exercício, a relação dos poderes separados na Constituição com as estruturas tradicionais de poder é constitucionalmente imposta e acarreta um acréscimo de legitimidade popular ao próprio exercício estadual do poder. No que estas se relacionam com o exercício de funções administrativas, tentou-se resolver esta questão pela integração dos sucos na estrutura da Administração Pública timorense, com a natureza jurídica de associações públicas. Falta a muito mais delicada questão do sancionamento criminal, o último reduto da intervenção sancionatória do Estado que deve manter, na legislação como na prática judicial, permanente sensibilidade à vigência substantiva de normas costumeiras e à existência de estruturas tradicionais de resolução de litígios. No que

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se refere às primeiras, falta integrar entre as virtudes da jurisprudência multicultural as condutas que tenham fundamento em práticas costumeiras, cuja obrigatoriedade é percecionada pelos agentes. Não se pode, no entanto, excluir a intervenção estadual, mesmo sancionatória criminal, sempre como última medida de intervenção sancionatória Estadual, subsidiariamente a qualquer outra medida, mas sem se admitir uma medida legislativa de criminalização de práticas costumeiras, sem qualquer outra referência axiológica fundamental. No que se refere à existência de estruturas de resolução tradicionais de litígios, deve ser reforçada a sua previsão no espaço da vinculação voluntária dos cidadãos que, noutros ordenamentos jurídicos, é tratado como a resolução alternativa de litígios (mediação, arbitragem) segundo o princípio também constitucional da liberdade e do direitos fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.

Esta perspetiva não deixa de ter consequências sobre a validade das vigentes tentativas de resolver a relação do Direito Estadual com o Direito costumeiro, a partir da posição, que fez vencimento na Constituição, como na legislação subsequente, em particular no Código Civil e na Lei n.º 3/2010, de 20 de novembro, que recusa ao costume a qualidade de “fonte de direito”. Entre as soluções legais vigentes, uma adequada relação timorense pluralista é melhor cumprida pela possibilidade de autoridades administrativa, como são os Sucos, aplicarem normas costumeiras, como são as normas de Tara-Bandu, e deve ser permanentemente estimulada, por exemplo, pela criação da figura dos mediadores culturais na relação entre as diferentes instâncias de garantia da Justiça, sejam elas tradicionais ou formais-Estaduais. É esta a permanente sensibilidade recíproca que permitirá o cumprimento da imposição meta-constitucional e constitucional do pluralismo jurídico timorense.

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