formas de representaÇÃo social e polÍtica nas minas gerais setecentistas karina paranhos da...
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8/13/2019 FORMAS DE REPRESENTAO SOCIAL E POLTICA NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS Karina Paranhos da Mata
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FORM S DEREPRESENT OSOCI L E POLTIC N SMIN S GER ISSETECENTIST S
Karina Paranhos da Mata
Mestre em Histria pela UFMG
Resumo
O presente artigo tem como objetivoanalisar algumas formas derepresentao social e poltica nasMinas Gerais setecentistas.Primeiramente, buscar-se- elucidar
algumas das prticas da sociedadeportuguesa de Antigo Regime, paradepois procurar por evidncias queindiquem a influncia destas nasMinas Gerais. Identificadasdeterminadas prticas, observou-se deque maneira estavam presentes nasociedade.
Palavras-chave: sociedade, mercs,redes clientelares
Abstract
The present article has as objective toanalyze some forms of socialrepresentation and politics in theMinas Gerais setecentistas. First, onewill search to elucidate some of thepractical ones of the Portuguesesociety of Old Regimen, stops laterlooking for for evidences that indicatethe influence of these in the Minas
Gerais. Identified certain practices, itwas found that way were present insociety.
Keywords: society, mercy, networksclientelares
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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Em 1728, falecia nos arredores da freguesia de Nossa Senhora da Conceio, a
principal da Vila do Ribeiro do Carmo, o portugus Antnio Borges Mesquita. Nascido na
freguesia de Santa Maria do Conedo, no Concelho de Bastos, passou grande parte de sua vida
nas Minas, lugar onde acumulou considervel cabedal. Solteiro e sem filhos, declarou sua
alma como herdeira universal dos bens que somavam, de acordo com inventriopost mortem,
11:506$800 (onze contos, quinhentos e seis mil e oitocentos ris).1
(...) estes servios os deixo a minha sobrinha Natria Leite, filha legtima deJacinto Ribo Leite e de minha irm Ana que por sobrenome no me lembro,moradores na Freguesia de Santa Maria de Conedo, Conselho de Bastos, a eladeixo para dote ou para se dar o prmio deles ao marido com quem casar ou pormelhor modo que pode ser em ordem que est doao ou legado seja valioso quetudo aqui hei por expresso.
Com uma situao
econmica favorvel, na hora da morte legou a uma sobrinha alm de uma fazenda, um dos
valores mais cobiados nas Minas Gerais do sculo XVIII: o rol dos servios prestados
Coroa na Nova Colnia. Natria Leite vivia em Portugal, na freguesia de naturalidade de seu
tio, e era filha da irm do falecido, Ana, com Jacinto Ribo Leite. Antnio Borges Mesquita
deixou expressa no testamento a forma com que os servios prestados Sua Majestadedeveriam ser usados em benefcio da sobrinha.
2
O tio de Natria acrescentou que os servios prestados Sua Majestade e deixados
como herana a ela tinham sido lanados nas notas pelo tabelio Manuel Rodrigues de Morais
na cidade do Rio de Janeiro, observando que outros documentos se encontravam na Secretria
do governo com Antnio da Rocha Guimares, morador na cidade de Lisboa. Os detalhes
sobre os tipos de servios prestados a Coroa portuguesa na Nova Colnia, no foram
mencionados no testamento. Em nome de Antnio Borges Mesquita, no foi encontrada
nenhuma carta patente, proviso ou carta de sesmaria, documentos que poderiam revelar maissobre sua trajetria social nas Minas. Na lista de cobrana do Quinto Realdo ano de 1718,
referente freguesia de Nossa Senhora da Conceio, Antnio Borges Mesquita foi listado
como proprietrio de vinte e trs escravos, no sendo identificado com uma denominao
honorfica.
3
1Arquivo Histrico da Casa Setecentista de Mariana (doravante AHCSM) , inventrio post mortemde AntnioBorges Mesquita, caixa 136, auto 2837, 1 ofcio, ano 1728.2
Testamento anexo a inventrio post mortem. Cf. AHCSM, inventrio post mortem de Antnio BorgesMesquita, caixa 136, auto 2837, 1 ofcio, ano 1728.3Arquivo Pblico Mineiro (doravante APM), Lista do Quinto real, Coleo Casa dos Contos , cdice 1036.
O seu nome foi mencionado tambm em dois inventrios post mortem do termo
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da Vila do Ribeiro do Carmo:como testamenteiro do carioca Pascoal da Gama, residente no
Morro de So Domingos e falecido em 1719 e como credor do portugus Francisco Ribeiro
de Andrade, morador em Mata Cavalos e falecido em 1722.4
Segundo Antnio Manuel Hespanha e ngela Xavier a chamada economia moral do
dom constitua uma importante prtica da sociedade portuguesa dos sculos XVII e XVIII.
Para os autores o dom, na sociedade de Antigo Regime, fazia parte de um universo preciso de
normas e preceitos que lhe retirava toda a espontaneidade e o transformava em unidade de
uma cadeia infinita de atos beneficiais, que constituam as principais fontes de estruturao
das relaes polticas.
Apesar das parcas informaes sobre a insero social e os servios prestados Coroa,
o fato de ter deixado como herana a uma sobrinha os servios prestados na Nova Colnia,
pe em cena o problema da existncia das prticas de Antigo Regime na Amrica Portuguesa.
Tratava-se afinal de uma sociedade constituda a partir dos valores sociais portugueses, ou de
uma sociedade original e especfica, marcada pela fora do escravismo e pelo carter
colonial? Para buscar respostas a esta questo, vamos primeiramente procurar elucidar que
prticas regiam a sociedade de Antigo Regime em Portugal. Num segundo momento
importante notar de que forma a historiografia que estuda a extenso das prticas polticas esociais na Amrica portuguesa avalia a extenso destas nas Minas Gerais setecentistas.
5
O carter devido de certas retribuies rgias aos servios prestados Coroa pareceintroduzir uma obrigatoriedade nos atos de benefcios reais, assim no apenasdependentes da sua vontade ou da sua ratio, mas muito claramente de uma tradioe de uma ligao muito forte ao costume de retribuio.
A economia do dom tinha como importante categoria as redes de clientela,
consideradas umas das bases das prticas informais de poder. Essas redes funcionavam como
instrumento de reproduo do poder, estabelecendo hierarquias e definindo lugares sociais.
Para os autores, a lgica clientelar era vista como uma norma, misturando-se e coexistindo
com as relaes de natureza institucional ou jurdica. O rei era o principal sustentculo destas
redes, pois dele emanava todo o poder que se estendia ao territrio portugus. Ao monarca
cabia a obrigatoriedade de conceder mercs aos mais amigos, de acordo com critrios deamizade, parentesco, fidelidade, honra e servio.
6
4AHCSM, inventrio post mortemde Pascoal da Gama, caixa 139, auto 2809, 2 ofcio, ano 1719. Inventriopost mortemde Francisco Ribeiro de Andrade, caixa 88, auto 1854, 1 ofcio, ano 1722.5
HESPANHA, Antnio Manuel, XAVIER, ngela. As redes clientelares. In. MATTOSO, Jos (org.).Histriade Portugal: Antigo Regime (1620-1807),v.4. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p. 3826HESPANHA, Antnio Manuel, XAVIER, ngela. As redes clientelares, p. 391.
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Antnio Manuel Hespanha afirma que o ato de dar era uma prerrogativa
extraordinria do rei. Como senhor da graao soberano introduzia uma flexibilidade divina
ordem humana: criava novas normas e tornava ineficazes as existentes, redefinia o seu a cada
um e modificava a natureza das coisas humanas. Constitua por um lado um ato livre e
absoluto do monarca e, por outro, uma deciso que no era arbitrria, em virtude de se basear
em uma causa justa e elevada. Configurava um nvel superior da ordem, era uma forma
ltima e eminentemente real de realizar a Justia.7
Segundo ngela Xavier e Antnio Manuel Hespanha, o ato de dar envolvia uma
trade de obrigaes: dar, receber e restituir. Tais obrigaes, cimentavam a natureza das
relaes sociais e, a partir destas, das prprias relaes polticas. Instituam uma relao
desigual entre benfeitor e beneficiado criando o chamado dever vazio, uma vez que a merc
recebida no precisava ser retribuda imediatamente, e nem de uma nica forma. O benefcio
adquirido no tinha uma dimenso puramente econmica. Desta maneira era difcil definir os
limites exatos do seu montante, sendo vrias as possibilidades de retribuio. 8
Para os autores, o ato de dar podia corresponder a um importante investimento de
poder, de consolidao de certas posies sociais, ou a uma estratgia de diferenciao
social. Expressava bem os traos do que era apresentado como reputao ou honra. Envolvia
escolher os bens a dar, cultivar uma relao recproca de modo a manter uma ligao de
retribuio interminvel e investir na composio de uma dada reputao. A honra de uma
pessoa era decisiva na representao do Antigo Regime, pois estava ligada, por exemplo,
capacidade de dispensar um benefcio, bem como sua fiabilidade no modo de retribuio
dos benefcios recebidos.
9
Segundo Raphael Bluteau, autor do Vocabulrio Portugus e Latinoescrito em 1712,
honra podia ter muitos significados. Umas vezes o respeito e reverncia com que tratamosas pessoas em razo da sua nobreza, dignidade, virtude ou outra excelncia. Outras vezes o
crdito e boa fama adquirida com boas aes. Outras vezes a dignidade e preeminncia de
6HESPANHA, Antnio Manuel. Porque que existe e em que que consiste um direito colonial brasileiro . In.PAIVA, Eduardo Frana. Brasil Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo portugus
(sculo XVI-XVIII). So Paulo: Annablume, 2006. p. 32-34.8HESPANHA, Antnio Manuel, XAVIER, ngela. As redes clientelares, p. 382.9HESPANHA, Antnio Manuel, XAVIER, ngela. As redes clientelares, p. 382-388.
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algum cargo na Repblica.10
(...) de um lado, um estado moral que provm da imagem que cada um tem de si eque inspira aes as mais temerrias ou a recusa de agir de uma maneiravergonhosa, seja qual for a tentao material e ao mesmo tempo um meio derepresentar o valor moral do outro; sua virtude, seu prestgio, seu status e, assim,seu direito precedncia.
Para Julian Pitt-Rivers a honra funcionava como um guia de
conscincia, de regra de conduta ou medida de statussocial.
11
Jos Subtil reafirma o que destacam Xavier e Hespanha descrevendo a sociedade
portuguesa como pautada em poderes concorrentes. O mundo do governo informal era
naturalmente aceito, se relacionando diretamente ao dever de conscincia ou moral do rei. A
graa era uma das prticas que integrava esse mundo, ligando-se as decises tomadas no
crculo mais ntimo da atividade rgia. De acordo com a concepo corporativa, na figura do
rei coexistiam vrios corpos que deveriam funcionar de maneira harmnica. A funosuprema do rei era garantir o equilbrio social estabelecido e tutelado pelo direito, e de forma
automtica a paz.
Antnio Manuel Hespanha e ngela Xavier destacam que valores como a honra e a
recompensa faziam parte da mentalidade de Antigo Regime vigente em Portugal. A economia
do dom era uma prtica fundamental, decisiva na estruturao das relaes polticas e sociais.
Valores que conviviam de maneira harmoniosa com as rgidas normas da concepo
corporativa, estando naturalmente imbricados nos modos de ver, pensar e agir da poca.
12
Nuno Gonalo Monteiro mostra um ponto de vista um tanto oposto convivncia
harmnica entre concepo corporativa e normas informais de poder. Ao estudar a nobreza
portuguesa na poca moderna, a situao de conflito sublinhada. Para o autor na sociedade
portuguesa a visibilidade da ordenao social era difcil de ser percebida, no existindo muitas
vezes uma correspondncia linear entre os corpos sociais definidos pelo direito e a hierarquiasocial. A concesso de honra e ttulos pelo rei envolvia redefinir privilgios interferindo
diretamente no processo de estruturao dos grupos sociais privilegiados. Mesmo com uma
classificao oficial trinitria (clero, nobreza e povo) a enorme ambivalncia permanecia. O
10BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulrio portugus e latino.Coimbra: Colgio das Artes da Companhia de Jesus,1712. p. 5111CZECHOWSKY, Nicole (org.).A Honra: imagem de si ou o dom de si um ideal equvoco.Porto Alegre: L ePM, 1992. p. 18.12SUBTIL, Jos. Os poderes do centro. Paradigma de legitimao, reas de governo, processamento burocrtico
e agentes da administrao.In. MATTOSO, Jos (org.) Histria de Portugal: o Antigo regime (1620-1807), p.157-163. Cf. HESPANHA, Antnio Manuel. Histria do Portugal moderno: poltico e institucional. Lisboa:Universidade Aberta, 1995.
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alargamento do limiar de nobreza a partir do sculo XVII no deixava de ser conflituoso, e ao
mesmo tempo, um momento de transio necessrio incluso de novos grupos privilegiados,
por exemplo, a nobreza civil ou poltica. 13
A historiografia sobre as prticas de Antigo Regime na Amrica portuguesa recusa a
viso dicotmica de metrpole/colnia.
14 Autores como Joo Fragoso, Maria Fernanda
Bicalho, Jnia Ferreira Furtado e Marco Antnio Silveira buscam o entendimento da Amrica
portuguesa enquanto parte do Imprio portugus, um territrio marcado por prticas
econmicas, polticas e simblicas oriundas do Reino. Segundo Russell-Wood, o que a
historiografia recente sobre o assunto prope uma reavaliao do Antigo Regime e do grau
no qual o Brasil e outras partes do imprio encontravam-se perpassados pelas mentalidades de
Antigo Regime. Para o autor essa vertente historiogrfica tem tentado demonstrar para aAmrica portuguesa que a viso de pacto colonial com base em noes dualistas necessita ser
recolocada a partir de uma perspectiva mais aberta aos relacionamentos pessoais, da
sociedade, do comrcio e do governo dos imprios, assim como a variedade das crenas e
prticas religiosas. 15
Joo Fragoso discutiu a idia de Antigo Regime na sociedade do Rio de Janeiro
seiscentista, na regio do Recncavo da Guanabara. Ao investigar o processo de constituio
das melhores famlias da terra ou elite senhorial, concluiu que elas eram produto das prticase instituies e de suas possibilidades econmicas do Antigo Regime portugus. O
ncleo fundador da futura elite senhorial da regio era composto pelas famlias dos primeiros
conquistadores, povoadores e oficiais do rei. A maioria destas pessoas veio, sobretudo, do
norte de Portugal e das ilhas do Atlntico, algumas passaram pela Vila de So Paulo antes de
chegarem regio do Recncavo da Guanabara. Para o autor seriam esses homens que
fogem da pobreza, procedentes da pequena fidalguia ou egressos da elite de uma Capitania
pobre, que dariam origem s melhores famlias do Rio de Janeiro."
16
Segundo Joo Fragoso, a fortuna dessas famlias privilegiadas, estava baseada na
combinao de trs prticas/ instituies provenientes da sociedade portuguesa:
13MONTEIRO, Nuno Gonalo. Poder Senhorial, estatuto nobilirquico e aristocracia. In. MATTOSO, Jos(org.)Histria de Portugal:O Antigo Regime(1620-1807),p. 333-338.14A viso dicotmica metrpole/colnia referenciada por autores como Caio Prado Jr. e Fernando Novais. Ahistoriografia contempornea que estuda as prticas de Antigo Regime na Amrica portuguesa nega tal viso.Alguns dos autores foram citados ao logo do presente artigo.15 FRAGOSO, Joo, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVA, Maria de Ftima (org.). O Antigo Regime nostrpicos: A dinmica imperial portuguesa (sculos XVI-XVIII).Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. p.
14.16 FRAGOSO, Joo, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVA, Maria de Ftima (org.). O Antigo Regime nostrpicos:A dinmica imperial portuguesa (sculos XVI-XVIII), p. 37.
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(...) a conquista/ guerras prtica que nos trpicos se traduzia em terras e homens,a baixos custos, porque foram apossados das populaes indgenas; a
administrao real fenmeno que lhes dava, alm do poder em nome Del Rey,outras benesses via sistema de mercs; o domnio da cmara instituio que lhesdeu a possibilidade de intervir no dia-a-dia da nova colnia. 17
Ao observar mecanismos de acumulao semelhantes aos vigentes no Reino, na
sociedade da Guanabara, Joo Fragoso concluiu que existia na regio um conjunto de prticas
que chamou de economia do bem comum. Nessa economia poltica de privilgioso mercado
era regulado pela poltica. A Coroa e o Senado da Cmara concediam privilgios a poucos
homens de prestgio no mercado, na forma de monoplios ou semimonoplios. Era a chancedessas pessoas acumularem fortuna margem da produo e do comrcio. Para o autor
tratava-se de uma economia que surgia como pano de fundo da produo colonial. O dono de
moendas, o lavrador e o negociante mesmo o ultramarino atuavam num mercado
dominado pela poltica e, ao fazerem isto, frao de seus ganhos ficava com os homens do
governo.
18
Alm de ter influncia poltica e controlar o mercado, os que faziam parte da
economia do bem comum tambm dominavam a Cmara e o recebimento de mercs rgias.
Para Joo Fragoso o pano de fundo de tal economia era uma estratificao social do Antigo
Regime, na qual a mobilidade passava por servios prestados ao rei e Repblica. Apesar de
no se restringirem alta aristocracia, as benesses reais dependiam tambm da qualidade
social do pretendente.
No era de se espantar que os parentes dos melhores da terra fossem os
principais arrematadores, por exemplo, dos contratos de dzimos.
19
Para o Recncavo da Guanabara seiscentista, Joo Fragoso concluiu que nessa
sociedade existiam prticas tpicas do Antigo Regime e que essas prticas foram
Formaram-se bandos, resultado do embate entre faces da
nobreza, que estabeleciam alianas entre si e com outros grupos sociais, chegando a
ultrapassar o Rio de Janeiro e se estender ao Reino. O objetivo era manter e ampliar uma
hegemonia poltica e social, que acabava revelando-se tambm econmica.
17FRAGOSO, Joo. A formao da economia colonial no Rio de Janeiro e sua primeira elite senhorial (sculosXVI-XVII). In:FRAGOSO, Joo, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVA, Maria de Ftima (org.). O AntigoRegime nos trpicos:A dinmica imperial portuguesa (sculos XVI-XVIII), p. 42-43.18FRAGOSO, Joo. A nobreza vive em bandos: a economia poltica das melhores famlias da terra do Rio deJaneiro, sculo XVII: algumas notas de pesquisa. Revista Tempo, no15, Julho de 2003, Rio de Janeiro. p. 16.19
FRAGOSO, Joo. A formao da economia colonial no Rio de Janeiro e sua primeira elite senhorial (sculosXVI-XVII). In:FRAGOSO, Joo, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVA, Maria de Ftima (org.). O AntigoRegime nos trpicos: A dinmica imperial portuguesa (sculos XVI-XVIII), p. 49.
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De acordo com a legislao rgia, a escolha dos indivduos aptos a se inserir em uma
instituio deveria recair sobre os principais da terra. Essa porm, parecia no ser a regra
em muitas partes da Amrica portuguesa. No Rio de Janeiro, por exemplo, no final do
Seiscentos o ouvidor Manuel de Souza Lobo foi acusado pelos vereadores da Cmara de ter
provocado a eleio de pessoas de infecta nao ou baixa limpeza. A cmara enviou
requerimentos ao rei relatando o acontecimento e cobrando do monarca a expulso das
pessoas eleitas em discordncia com a legislao vigente. O pedido foi prontamente atendido
pelo rei que anulou a dita eleio.23 Nas Minas Gerais setecentistas, a eleio dos
componentes das cmaras tambm esteve longe de corresponder s determinaes de
elegibilidade previstas pela Coroa. Segundo Russell-Wood na recm criada Vila Rica em
1711, por exemplo, a qualidade dos homens que integravam a Cmara era baixa, em virtudedo teor das migraes e da escassez de candidatos.24
O ato rgio de conceder mercs s pessoas escolhidas para exercer uma funo nas
Cmaras, permitiu a constituio na Amrica portuguesa de uma economia do dom
semelhante vigente no Reino, na qual os beneficiados passariam a estar ligados ao monarca
por uma rede baseada em relaes assimtricas de troca de favores e servios.
25
23BICALHO, Maria Fernanda. As cmaras ultramarinas e o governo do Imprio. In: BICALHO, MariaFernanda. As Cmaras ultramarinas e o governo do Imprio.In:FRAGOSO, Joo, BICALHO, Maria Fernanda,GOUVA, Maria de Ftima (org.). O Antigo Regime nos trpicos:A dinmica imperial portuguesa (sculosXVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. p. 213-21424RUSSELL-WOOD, A.J. R.. O Brasil Colonial: O ciclo do Ouro, C. 1690-1750.In BETHELL Leslie(org.).Histria da Amrica Latina: A Amrica Latina Colonial, volume II.So Paulo: Editora da Universidade de SoPaulo, 1999.25 BICALHO, Maria Fernanda. As cmaras ultramarinas e o governo do Imprio. In: BICALHO, Maria
Fernanda. As Cmaras ultramarinas e o governo do Imprio.In.FRAGOSO, Joo, BICALHO, Maria Fernanda,GOUVA, Maria de Ftima (org.). O Antigo Regime nos trpicos:A dinmica imperial portuguesa (sculosXVI-XVIII), p. 206
O fato de o
monarca conferir ttulos e mercs garantia-lhe o monoplio para qualificar e graduar os
indivduos por seu prprio arbtrio, definindo linhagens, grupos, regulando ordens, decidindosobre conflitos, motivando antagonismos ou a competitividade entre os vassalos.
Por fim, como Joo Fragoso, Maria Fernanda Bicalho concluiu que as prticas de
Antigo Regime foram transladas para a Amrica Portuguesa, assumindo funes semelhantes
s vigentes no Reino. A Cmara tinha traos caractersticos de suas congneres em Portugal,
interferindo diretamente na estruturao social e nas relaes polticas. Alcanar uma merc
rgia para exercer uma funo na Cmara dava ao indivduo acesso a honra e prestgio, alm
de reforar o princpio da visibilidade social.
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Maria Beatriz Nizza, como Joo Fragoso e Maria Fernanda Bicalho, tambm discutiu
a idia de Antigo Regime na Amrica Portuguesa. A autora identificou nas mercs uma
evidncia das prticas oriundas do Reino no territrio. A concesso rgia funcionava como
uma importante moeda de troca de que o monarca dispunha para obter os resultados
pretendidos sem dispndio para a Fazenda Real. A Coroa as utilizava para incentivar a busca
e a extrao de ouro, para solidificar o corpo mercantil e aumentar as transaes comerciais, e
para recompensar aqueles que ajudavam financeiramente os reis em ocasio de crise.26
(...) trateis com muita afabilidade os moradores dessa capitania administrando lhesjustia com igualdade, fazendo estimao daqueles que mais se sinalarem no meuservio e com mais zelo se empregarem no aumento e cobrana dos quintos, e dasmais rendas pertencentes minha fazenda de que me informareis particularmenteindividuando o servio que se me fizer para que constando me dos seusmerecimentos possa usar com eles da minha real grandeza fazendo lhes as mercsque forem dignos.
Nas Minas Gerais setecentistas, por exemplo, as mercs faziam parte do cotidiano da
regio. Em abril de 1717 o rei Dom Joo V recomendava ao ento governador, Dom Pedro de
Almeida, a favor dos moradores das Minas que:
27
(...) estes moradores que andam minerando por todos estes matos, costumam fazerpovoaes naquelas partes onde acham as suas convenincias, e atrs delasconcorrem tantas gentes, que dentro em quinze dias est uma povoao formada emuito numerosa, e como esta gente toda cheia de ambio, preciso acudir-lhelogo com oficial que os governe e a quem eles respeitem, e a no terem o tal oficialno haveria dia em que no houvessem mortes e outras muitas desordens(...).
A concesso da merc de postos militares aos vassalos, por exemplo, era de suma
importncia para conservar o sossego dos que habitavam as Minas, de acordo com a cartasobre a necessidade que houve para a criao de vrios postos nas tropas de ordenana,
enviada pelo governador Dom Loureno de Almeida ao Rei em 1724.
28
Por outro lado, na Amrica portuguesa as mercs nobilitavam seus beneficiados,
assumindo um importante papel na estruturao social. Para Maria Beatriz Nizza, nobreza e
fortuna nem sempre se conjugavam, embora a riqueza de alguns indivduos lhes tenha
permitido o tratamento nobre, ou seja, viverem lei da nobreza.Se essas pessoas tornaram-
26SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colnia.So Paulo: Editora UNESP, 2005. p. 7e 8.27Carta rgia enviada ao governador Dom Pedro de Almeida, Lisboa, 13 de Abril de 1717. APM, Seo colonial
04, p. 127-128.28Carta do governador Dom Loureno de Almeida ao rei Dom Joo V, Vila Rica, 06 de agosto de 1724. Revistado Arquivo Pblico Mineiro (doravante RAPM), volume 31, 1980, p. 190.
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se nobres, de acordo com o cdigo honorfico da poca porque conseguiram formalizar as
honras necessrias. Tais honras podiam ser adquiridas atravs das mercs de foros de
Fidalgo da Casa Real, hbitos de uma das trs ordens militares, a ocupao de postos militares
e pertena ao grupo dos cidados, ou seja, dos eleitores e dos elegveis para os cargos
municipais, instituio de morgados, e ocupao de ofcios que s por si nobilitavam.29
Para obter, por exemplo, um hbito em uma das trs ordens militares o processo a ser
percorrido era longo. Inicialmente, o pedido do sdito passava pelo crivo do Conselho
Ultramarino e, conforme o parecer deste, o rei podia ou no conceder a ddiva real. Em caso
de concesso, iniciava-se na Mesa de Conscincia e Ordens o processo de habilitao do
candidato, sendo ouvidas testemunhas oriundas dos lugares de naturalidade do suplicante e
seus ascendentes. Se as provanas no revelassem defeitos de qualidade, o hbito eraconcedido. Caso as provanas mostrassem algum impedimento do candidato, o mesmo
continuava titular da merc, porm sem poder efetiv-la.
Segundo Maria Beatriz Nizza, as regras impostas pela Coroa para o registro e a
seleo dos vassalos aptos a requisitar as mercs eram rgidas, de forma a evitar fraudes e
excessos. Para solicitar uma merc, o suplicante deveria comprovar que prestara servios
Coroa por pelo menos doze anos contnuos, no cometera crime no Reino nem na colnia,
alm da certido de registro de mercs para provar que no receber nenhuma antes pelos
servios alegados. Porm, com autorizao especial da Coroa, alguns conseguiam dispensa departe destes requisitos.
30
29SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colnia,p. 8.30SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colnia,p. 76-160.
Em 1729, o capito-mor Sebastio Barbosa do Prado, portugus natural da freguesia
de Santa Marinha de Oleiros, termo da Vila do Prado, Arcebispado de Braga, enviou um
requerimento ao Conselho Ultramarino, solicitando ao rei de Portugal um hbito da Ordem de
Cristo, em recompensa aos inmeros servios prestados nas Minas Gerais. O caso do capito-
mor mostra que o processo a ser percorrido para receber a to almejada merc era trabalhosodesde o incio: na petio enviada ao Rei, ele teve de, alm de revelar suas pretenses e
justific-las, listar todos os servios que prestara Coroa e anexar certides de comprovao
dos mesmos. Sebastio Barbosa do Prado anexou petio as certides de comprovao dos
servios prestados nas Minas, expedidas pelo governador Dom Loureno de Almeida e por
vrios homens prestigiosos da regio. Por ter conseguido tal feito, pode-se inferir, que era
homem que participava das redes de influncia e poder.
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De acordo com certido de comprovao dos servios prestados pelo capito-mor,
emitida em 1721 pelo governador Dom Loureno de Almeida, Sebastio Barbosa do Prado
era:
(...) das principais pessoas que mandei chamar, e lhe dei os agradecimentos daparte de El Rei Nosso Senhor por me constar que este se houve nas sublevaespassadas com grande valor, honra, e fervor e zelo do Real servio; como foi naocasio em que apaziguou o povo inquieto, que vinha tumultuoso contra ogovernador o Conde de Assumar induzido por Felipe dos Santos Freire, um dosprincipais amotinadores e perturbadores dos povos (...) e sem dvida que tenhoalcanado ao dito capito-mor Sebastio Barbosa do Prado se deve em muita parteo sossego destes levantamentos e mostrou mui grande fidelidade de leal e honradovassalo de Sua Majestade (...). 31
O rol dos servios prestados nas Minas pelo capito-mor Sebastio Barbosa do Prado
impressionante. O primeiro cargo exercido na regio foi o de almotac da Cmara recm
instituda em Vila Rica, no ano de 1711. Em 1713, prestou servios como provedor dos
defuntos e ausentes de Vila Rica. Auxiliou na represso ao motim de Vila Rica em 1720,
prestando bom servio que houve na ocasio que o povo se rebelou de que era cabea Felipe
dos Santos Freire. Arrematou o contrato do caminho do Serto da Bahia em 1722 por vinte
e cinco arrobas de ouro no que fez um grande servio a Vossa Majestade, devendo-se a ele ogrande acrscimo que teve aquele contrato tudo levado do seu zelo, procedendo como
honrado vassalo (...). Em 1723 arrematou o contrato de dzimos da Comarca de Vila Rica e
da Comarca de Sabar por vinte arrobas de ouro. No ano seguinte, arrematou o contrato do
caminho do Rio de Janeiro e So Paulo por vinte e quatro arrobas de ouro. O suplicante
revelou na petio enviada ao Rei em 1729, que serviu na Bahia com patente concedida pelo
vice-rei o Marqus de Angeja por espao de treze anos e vinte dias o posto de capito de
uma companhia de infantaria da ordenana nos distritos que h nas Cabeceiras da Vila de
Joo Amaro que a cinco lagoas do Rio So Francisco da para a Bahia. No referido posto
ficou de 1721 at 1727. Em 1724, foi nomeado pelo governador das Minas Dom Loureno de
Almeida Provedor do Registro da Passagem da Boa Vista do caminho dos Currais da Bahia.
Em 1728, recebeu nova carta patente do ento governador Dom Loureno de Almeida, sendo
nomeado no posto de capito-mor dos Currais, Comarca do Rio das Velhas. 32
31Certido emitida pelo governador Dom Loureno de Almeida comprovando os servios prestados por
Sebastio Barbosa do Prado nas Minas, Vila Rica, 26 de outubro de 1721. AHU, MG, caixa 14, documento 67.32Certido emitida pelo governador Dom Loureno de Almeida comprovando os servios prestados porSebastio Barbosa do Prado nas Minas, Vila Rica, 26 de outubro de 1721. AHU, MG, caixa 14, documento 67.
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O capito-mor Sebastio Barbosa do Prado esperava mesmo ser recompensado por
estes grandes servios prestados Coroa com o hbito da Ordem de Cristo e cem mil ris de
tena.
Em cuja certeza espera o suplicante; que Vossa Majestade haja de lhe fazer asmercs condignas a sua real grandeza para que possa continuar o servio com gostoanimado na esperana de lhe fazer outros, sendo certo, que procurara merec-las, ea lembrana de Vossa Majestade em no faltar sua obrigao, e na mesma forma aele apresente e a seu exemplo o imitaro outros muitos, como pondera o ditogovernador. Dom Loureno de Almeida fazendo-se por este motivo credor dasmercs de Vossa Majestade; para as quais se acha sem impedimento, como seprova das suas folhas corridas e da certido dos livros das mercs e seu registro semanifesta, que no teve alguma por estes servios, em satisfao dos quais.33
O hbito da Ordem de Cristo tambm foi solicitado nas Minas pelo ajudante de tenente
da tropa de Drages Jos Martins Figueira, como recompensa aos servios prestadosCoroa
em Portugal e nas Minas. Alm de se tratar de um processo demorado e tortuoso como revela
o caso de Sebastio Barbosa do Prado, fica evidente que era preciso antes de tudo estar
inserido em redes de interdependncia, de forma a garantir que indivduos de prestgio
intercedessem em favor do pretendente. Jos Martins Figueira conseguiu testemunhas
importantes dos servios prestados no Reino e nas Minas: o capito-mor da tropa de Drages
Jos Rodrigues de Oliveira, o ex-governador Dom Pedro de Almeida, o governador Dom
Loureno de Almeida, o provedor da Fazenda Real das Minas Antnio Berqu Del Rio e os
tenentes de mestre-de-campo general das Minas Joo Ferreira Tavares e Flix de Azevedo
Carneiro e Cunha. Em petio enviada ao Rei, o tenente general ad honrem dos Drages
justificava ter servido na Corte e na Capitania das Minas por espao de mais de 14 anos
continuados de 25 de setembro de 1715 at o presente em os postos de tenente de cavalos
reformado e ajudante de tenente no governo das ditas Minas (...) at o presente no tem tido
remunerao alguma por conta dos ditos servios (...).
34
Filho de Simo Martins, nascido no Reino, no lugar chamado Casal das Figueiras, ele
contava, em 1730, com quarenta e cinco anos de idade. Em 29 de fevereiro de 1736, obteve
despacho favorvel para a concesso do hbito da Ordem de Cristo, com trinta mil ris de
tena. A lista de servios militares prestados na Corte e nas Minas era extensa. No Reino
havia exercido o posto de tenente de cavalos e nas Minas era ajudante de tenente dos Drages
33Petio enviada por Sebastio Barbosa do Prado ao rei Dom Joo V discriminando todos os servios prestados
a Coroa, Vila Rica, 23 de julho de 1729. AHU, MG, caixa 14, documento 67.34Petio enviada por Jos Martins Figueira ao rei de Portugal Dom Joo V, Vila Rica, 29 de fevereiro de 1736.AHU, MG, caixa 31, documento 85.
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com a patente de tenente general ad honorem. De acordo com o despacho do Rei, os citados
postos foram exercidos por espao de 14 anos 6 meses e 16 dias continuados de 25 de
setembro de 1715 a 23 de julho de 1728 e no discorrer do referido tempo sendo provido em
1719 no posto de ajudante de tenente dos Drages das ditas Minas. Em 1720, Jos Martins
Figueira se ofereceu para ir junto com o governador Dom Pedro de Almeida e o capito-mor
de drages Joo Rodrigues de Oliveira cuidar das desordens em Pitangui, porm no foi, pois
era preciso que ficasse em Vila Rica tratando da outra parte da companhia e sucedendo haver
os motins naquela capitania foi mandado fazer rondas de monte, e a por sentinelas em vrias
partes(...). Acompanhou no mesmo ano o capito-mor de drages Joo Rodrigues de Oliveira
ao Morro de Vila Rica com uma partida de soldados para queimar as casas de Pascoal da
Silva Guimares principal motor dos ditos motins defendendo que o fogo no passasse ascasas dos moradores e no roubassem estando o suplicante quase em termos de ser abrasado
pelo incndio que havia(...). Quando veio a notcia de que os envolvidos no motim queriam
libertar os sublevados presos na cadeia de Vila do Ribeiro do Carmo, o ajudante de tenente
se colocou com trinta soldados e alguns escravos armados a vigiar o lugar e fazer rondas por
vrios dias acudindo as inquietaes que havia entre os moradores, governando a sua
companhia por ausncia do capito desde 16 de julho at 27 de novembro(...). No ano de
1722 foi passar mostra aos cavalos da sua companhia em que gastou oito dias procurandocom todo o desvelo que os roceiros o tratassem como convinha(...). Em 1723 se achava na
junta dos responsveis por executar a lei sobre o estabelecimento das Casas de Fundio e
Moeda. Em 1724 foi designado para ir a Montevidu por ser um oficial de muita honra. Por
fim, em 1725, foi mandado com oito soldados para cobrar o ouro que deviam Fazenda Real
as cmaras de Vila da Nova Rainha e da Vila de Sabar, o que ps em execuo conduzindo
Vila Rica tudo quanto deveria sem a menor molstia dos moradores devendo-se sua boa
inteligncia e havido o bom ofcio desta diligncia e sempre procedeu com tal quietao que muito notria a boa opinio que se tem da sua pessoa.35
35Petio enviada por Jos Martins Figueira ao rei Dom Joo V, Vila Rica, 29 de fevereiro de 1736. Petioenviada por Jos Martins Figueira ao rei Dom Joo V, Vila Rica, 19 de outubro de 1732. Certido emitida peloDoutor Antnio Berqu Del Rio comprovando os servios de Jos Martins Figueira nas Minas, sem local e data.Certido emitida pelo capito da companhia de Drages das Minas Jos Rodrigues de Oliveira comprovando osservios prestados por Jos Martins Figueira nas Minas, Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1719. Certido emitida
pelo governador Dom Pedro de Almeida atestando os servios prestados por Jos Martins Figueira nasMinas,Vila do Ribeiro Carmo, 16 de abril de 1720.Certido emitida pelo governador Dom Loureno deAlmeida comprovando os servios prestados por Jos Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeiro Carmo, 02
de abril de 1722.Certido emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas Flix de AzevedoCarneiro e Cunha comprovando os servios prestados por Jos Martins Figueira nas Minas, sem local e data.Certido emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas Joo Ferreira Tavares atestando os bons
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Segundo certido passada pelo capito-mor de drages Joo Rodrigues de Oliveira em
20 de Janeiro de 1719, Jos Martins Figueira sempre servira Coroa com muito valor e zelo
como do seu bom procedimento se esperava pelo que se faz digno e merecedor de toda merc
e honra (...). Em Abril de 1720 o governador das Minas, Dom Pedro de Almeida, tambm
certificava os bons servios prestados pelo ajudante de tenente de Drages dizendo: o julgo
digno e merecedor de toda honra e merc que Sua Majestade que Deus guarde for servido
fazer-lhe.No ano de 1722 o ento governador das Minas Dom Loureno de Almeida
tambm tinha a mesma opinio sobre Jos Martins Figueira, reputando-o merecedor das
mercs pretendidas. Em Abril de 1724 o tenente de mestre-de-campo general dos drages
Joo Ferreira Tavares afirmava ter uma boa impresso do ajudante de tenente:
(...) o dito tenente tem cumprido inteiramente com a sua obrigao tratando muitobem da sua companhia morigerando os soldados dela impedindo-lhes muitasdesordens e governando por muitas vezes a companhia nas ausncias de seucapito, e nunca vi que o dito tenente faltasse em coisa alguma com sua obrigaoantes sim teve sempre boa opinio e fama pblica da sua quietao e bomprocedimento sem que houvesse a menor queixa de sua pessoa e sempre o vipronto e certo para executar todas as ordens que lhes dessem do real servio(...). 36
No caso de Sebastio Barbosa do Prado no foram encontrados documentos que
revelassem se o suplicante teve ou no despacho favorvel da merc, mas no caso de Jos
Martins Figueira sabe-se que ele obteve parecer favorvel do Conselho Ultramarino.
Restavam ainda as provanas, que deveriam se realizar sob o olhar vigilante da Mesa de
Os casos do capito-mor Sebastio Barbosa do Prado e do ajudante de tenente de
drages Jos Martins Figueira mostram o quanto as mercs eram cobiadas nas Minas Gerais:um homem riqussimo como o capito-mor, capaz de desembolsar uma fortuna de mais de
uma tonelada de ouro para arrematar contratos de dzimos e passagens, tudo fez para alcanar
a recompensa da qual julgava merecedor. Os merecimentos, porm, no eram suficientes para
garantir a concesso da merc: o caminho a ser percorrido para alcan-la exigia que o
suplicante tivesse uma vasta rede de clientela, disposta a referendar e validar os seus servios.
E estes homens deviam necessariamente ter algum prestgio, figurando entre as autoridades
mais destacadas do lugar, pois s assim os feitos do pretendente ganhavam foros de
legitimidade.
servios prestados por Jos Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeiro Carmo, 10 de abril de 1724. AHU,MG, caixa 31, documento 85.36
Certido emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas Joo Ferreira Tavares atestando os bonsservios prestados por Jos Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeiro Carmo, 10 de abril de 1724. AHU,MG, caixa 31, documento 85.
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Conscincia e Ordens, num processo demorado e difcil, sobretudo para homens que no
viviam mais no Reino. Longo era, portanto, o caminho a ser percorrido em busca da ascenso
social, honra e prestgio inerentes ao ttulo que tanto almejava.
Ao investigar as formas de reproduo do poder nas Minas Gerais setecentistas, Jnia
Ferreira Furtado observou que as prticas de Antigo Regime estavam enraizadas na sociedade,
a exemplo da economia do dom ou do favor, da concesso de mercs e das redes de clientela.
Para a autora, a sociedade das Minas no era uma expresso direta do Reino, ou seja, como
num jogo de espelhos ondulados, a sociedade colonial no era reflexo direto da ao
metropolitana. Segundo ela, os portugueses trouxeram as marcas de sua civilizao em seus
signos, seus smbolos e sua cultura que, uma vez incorporados mente do colonizado,
forjaram parte de sua identidade. Porm, apesar de toda a tentativa de controle, sobravasempre espao para afirmao de sua singularidade.37
Tal doao permitia aos poderosos alargar suas redes de clientela, aoarrendarem estes postos na administrao real e conced-los como ddiva. Ao
tecerem uma complexa rede de dependncia e proteo em torno de si, permitiam aascenso social de parentes e protegidos na vizinhana do rei, o que reforava aprpria promoo. Como ltima instncia todo o poder derivava do Rei, de quemdependia a concesso dos benefcios, os indivduos ficavam dispostos em cadeiastridicas, nas quais havia sempre dois plos a quem se devia dispensar ou retribuiruma ddiva.
Segundo Jnia Ferreira Furtado no universo social das Minas Gerais, as redes de
clientela, uma das formas de reproduo informal do poder metropolitano na colnia,
funcionavam como importante instrumento de reconhecimento social, determinantes na
aquisio, manuteno e alargamento da posio hierrquica dos indivduos. O grande
comerciante portugus Francisco Pinheiro e seus agentes espalhados pelas Minas, por
exemplo, pertenciam a uma destas redes de clientela tecidas desde o Reino, misturandonegcios, relaes familiares e de amizade. Francisco Pinheiro era o sustentculo desta rede,
cujo poder emanava diretamente do rei, e seus agentes comerciais eram os reprodutores do
poder real.Valendo-se do prestgio que gozava na Corte, este rico comerciante distribuiu toda
sorte de mercs a parentes e apadrinhados, enredando-os em redes clientelares extensas.
38
37FURTADO, Jnia Ferreira. Homens de negcio: a interiorizao da Metrpole e do comrcio nas Minas
setecentistas. So Paulo: Hucitec, 1999.p. 24.38 FURTADO, Jnia Ferreira. Homens de negcio: a interiorizao da Metrpole e do comrcio nas Minassetecentistas. So Paulo: Hucitec, 1999.p. 50.
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O ato de dispensar uma graa recebida em prol de outra pessoa colocava o ofertante
numa posio superior a quem recebia o benefcio. Para Jnia Ferreira Furtado, numa
sociedade em que a honra distinguia as pessoas, ofertar era forma de torn-la pblica,
extraindo da seu status social e ganhos polticos. Este ato era um dos primeiros ganhos na
economia do dom. Apesar da aparente possibilidade de mobilidade social nas Minas, as
relaes tecidas pelos indivduos desde o Reino, eram essenciais para o reconhecimento do
lugar social que cada um ocupava. O comerciante portugus Francisco Pinheiro, por exemplo,
visando facilitar a entrada de um dos seus agentes na Vila de Sabar, deu-lhe em serventia o
cargo de escrivo da ouvidoria que arrematara no Reino. O prprio agente reconheceu em
correspondncia enviada posteriormente ao comerciante portugus, que o cargo e as cartas
que o mesmo havia enviado aos homens prestigiosos de Sabar para abon-lo, foram cruciaispara sua insero e reconhecimento naquela sociedade.
Obter a merc de um cargo administrativo, por exemplo, permitia ao indivduo mostrar
sociedade a sua importncia. Aqueles que tinham a proteo de algum poderoso no Reino
possuam certa vantagem sobre os que no a tinham; no entanto nas Minas no faltaram
exemplos de homens que, mesmo sem contar com a proteode um indivduo influente no
Reino, no mediram esforos para galgar posies cada vez mais altas na hierarquia social.
O tenente general das Minas, Joo Ferreira Tavares, morador no termo da Vila doRibeiro do Carmo, era um dos homens bastante engajado em busca de mercs. Antes de se
estabelecer nas Minas do Ouro, ele tinha servido Coroa no Principado da Catalunha em
praa de soldado e nos postos de alferes, tenente de infantaria e tenente de cavalos. No dito
Principado lutou enquanto durou a guerra, participando ainda nas batalhas de Almenara e
Saragoa.39
Ao chegar s Minas empreendeu uma estratgia incansvel para se inserir na
sociedade e obter reconhecimento social. Em 1719, quando era tenente general das Minas,enviou petio ao rei requerendo como recompensa aos bons servios prestados, um posto
mais graduado na hierarquia militar. Se tal posto no fosse possvel nas Minas, o suplicante
afirmava que aceitaria o posto de tenente coronel da cavalaria no Reino. O rei atendeu
provisoriamente as pretenses de Joo Ferreira Tavares, nomeando-o substituto do tenente de
mestre-de-campo general das Minas Flix de Azevedo Carneiro e Cunha, por tempo de um
ano. No entanto, para Joo Ferreira Tavares a substituio provisria no era o bastante. De
39Carta patente emitida pelo rei Dom Joo V ao tenente general Joo Ferreira Tavares, Lisboa Ocidental, 28 dedezembro de 1719. APM, Seo Colonial 02, p. 56 v.
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Joo Ferreira Tavares e seu irmo Luis Jos Ferreira Gouveia, nesse momento,
estavam sendo acusados pelos moradores das Minas de tomar procurao dos homens de
negcio de outras capitanias, cobrando dvidas particulares com o auxlio dos Drages. Os
moradores ainda acusavam Joo Ferreira Tavares de no ter construdo o reduto no Rio das
Velhas apenas s suas custas. Joo Ferreira dos Santos, homem rico da Comarca do Rio das
Velhas, seria o responsvel pela maior parte da obra.43
Apesar de todas as denncias que pesavam contra Joo Ferreira Tavares, suas chances
de ascender socialmente no foram abaladas. Em 1732 o tenente de mestre-de-campo general
e seu companheiro de funo Flix Azevedo Carneiro e Cunha enviaram peties ao rei,
solicitando para ambos a patente de mestre-de-campo ad honorem. No documento enviado
por Joo Ferreira Tavares, o suplicante afirmava que servia a Sua Majestade nas Minas havia24 anos: no posto de tenente general ficou por 14 anos, e no de tenente de mestre-de-campo
general, estava fazia seis anos. Os dois homens receberam a merc do rei, que lhes concedeu a
patente solicitada como honraria, uma vez que no existia posto mais alto na hierarquia
militar do que aquele que ocupavam nas Minas. Assim eles receberam a patente, devendo
continuar efetivamente no exerccio da funo de tenente de mestre-de-campo general das
Minas. 44
Parecer do Conselho Ultramarino sobre Joo Ferreira Tavares, Lisboa Ocidental, 23 de fevereiro de 1731. AHU,MG, caixa 18, documento 16.43Parecer do Juiz de Fora de Vila do Ribeiro do Carmo sobre as acusaes contra Joo Ferreira Tavares e JosFerreira Gouveia, Vila do Ribeiro do Carmo, 26 de dezembro de 1722. Consulta do Conselho Ultramarino aoJuiz de Fora de Vila do Ribeiro do Carmo sobre as queixas dos moradores das Minas contra o tenente generalJoo Ferreira Tavares e seu irmo Jos Ferreira Gouveia, Lisboa, 20 de Maio de 1731. AHU, MG, caixa 23,documento 6.44Petio enviada por Joo Ferreira Tavares ao rei de Portugal Dom Joo V, ano de 1730. AHU, MG, caixa 2,
documento 35. Parecer do Conselho Ultramarino sobre os servios prestados por Joo Ferreira Tavares e Flixde Azevedo Carneiro e Cunha nas Minas. Concesso do posto de mestre-de-campo ad honorem aos doissuplicantes citados, Lisboa, 22 de fevereiro de 1731. AHU, MG, caixa 18, documento 16.
O caso de Joo Ferreira Tavares mostra que os indivduos no mediam esforos paraalcanar cada vez mais mercs reais nas Minas, elemento que estava diretamente atrelado
estrutura social, s relaes polticas, insero em redes de clientela e ao acesso aos canais
de negociao com a Coroa. Mesmo sem a proteo aparente de um homem poderoso na
Corte, Joo Ferreira Tavares, valendo-se de diversos recursos e certa influncia conquistada
atravs dos servios prestados Coroa, obteve as mercs que almejava na carreira militar. Era
uma prtica de Antigo Regime, que nas Minas era utilizada de forma estratgica para manter a
posio de mando e a influncia na regio.
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Francisco Eduardo Andrade ao estudar sobre a criao scio-cultural, poltica e
econmica da zona aurfera trs tona no cenrio em formao das Gerais, o relevante papel
dos descobridores. Para o autor em fins do XVII e durante o XVIII a participao de pessoas
da arraia-mida nas entradas e exploraes era necessria para a ocupao da regio, porm
o acesso ao capital simblico, benefcios e riqueza era para poucos. Dependia da posio
social e poltica do descobridor, da validade moral das aes e do reconhecimento da Coroa
portuguesa. Para o autor o clientelismo era visto como algo natural do Estado portugus que
devia se conservar, de modo a alterar o menos possvel o que estava prescrito pelo direito e
costumes comuns. 45
Em 1694, o rei prometeu aos colonos que descobrissem minas de ouro ou prata, o foro
de fidalgo da Casa real e qualquer dos hbitos das trs ordens militares, alm da posselegtima das minas, com a obrigao de pagar o quinto para a fazenda real
46
(...) me pareceu particularmente recomendar vos que trateis com muita afabilidadeos moradores dessa capitania administrando lhe justia com igualdade fazendoestimao daqueles que mais se sinalarem no meu servio, e que com mais zelo seempregarem no aumento e cobrana dos quintos, e das mais rendas pertencentes aminha fazenda de que me informais particularmente individuando o servio que seme fizer para que constando me dos seus merecimentos possa usar com eles daminha real grandeza fazendo lhes da minha real grandeza fazendo lhes as mercsque forem dignos.
. Nas Minas, o
incentivo dessa prtica estava expressa em uma carta de recomendao mandada pelo rei
portugus em 1717 ao ento governador Dom Pedro de Almeida:
47
Segundo Marco Silveira, a sociedade das Minas era de fato complexa. A regio no
era um simples desdobramento da nao portuguesa, mas um espao que se estruturou com
base em peculiaridades prprias, apesar de sofrer influncias do modelo portugus. Algumas
das prticas oriundas do Reino tornaram-se cruciais na definio da ordem social e poltica. O
ser civilizado, por exemplo, era uma condio para participar do grupo dirigente da
sociedade mineira e adquirir prestgio.
48
45 ANDRADE, Francisco Eduardo. A inveno das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nossertes do ouro(1680-1822). So Paulo, 2002. (Doutorado em Histria)- USP46ANDRADE, Francisco Eduardo. A inveno das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nossertes do ouro(1680-1822), p.17.47APM, SC 04, p. 127-128.48
Ver sobre discusso do ser civilizado aplicado ao contexto das Minas Gerais Setecentistas em SILVEIRA,Marco Antnio. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808).So Paulo:Hucitec
Conquistar tal forma de fidalguia significava estar
vinculado de alguma forma ao poder real, obter mercs, inserir-se na administrao, pertencer
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a uma rede de clientela e investir no aparato esttico, valorativo e comportamental. Era
preciso ser honrado, ou seja, ostentar qualidades indispensveis na definio de uma posio
social importante na hierarquia. Para o autor, o homem honrado era, cada vez mais civilizado
e polido, distante dos gestos bruscos e violentos e da excessiva licenciosidade de outrora.49
Sempre houve estratificao nas Minas; mas, qual a importncia do dinheiro nela?A riqueza era capaz de igualar doutores e comerciantes? At que ponto anecessidade deveria respeitar obrigaes e lealdades? Era possvel a ascenso denegros e pardos mediante a riqueza e patentes? Era exatamenteessa flexibilidadedas referncias que fazia das Gerais um universo do indistinto.
Os valores de Antigo Regime, combinados crescente importncia do dinheiro,
criaram nas Minas do Ouro algumas divergncias. Constantemente transparecia o embate
entre o que era ideal e real. Na ordenao social, por exemplo, havia um conflito intenso para
se medir o que seria mais importante na sua configurao: honra ou dinheiro?
50
naturalmente compreensvel que, sobre o tumulto inicial, se v impor cada vezmais alguma aparncia de estratificao (...). Existe, claro, a norma externa, ao
menos como um modelo formal, pois qualquer sociedade de homens se h depretender civil e bem comportada. Mas como impedir que venham constantemente tona os contrastes entre a idealidade e uma realidade tangvel e bruta?
O que Marco Antnio Silveira procura investigar, Srgio Buarque de Holanda j
afirmara para a hierarquia social das Minas:
51
Segundo Srgio Buarque de Holanda, a sociedade das Minas, apesar de mvel em sua
dinmica social, se espelhava em velhos padres ibricos e portugueses. medida que os
ncleos de povoamento fixos se estabilizaram, a escala social foi se refazendo naturalmente
como se tudo estivesse para voltar s velhas normas universalmente aceitas, e no entanto
existe uma diferena. A escala a mesma, contudo no so os mesmos os indivduos que se
distribuem pelos degraus. 52
Para Marco Antnio Silveira, existia uma dificuldade de situar cada indivduo dentro
da estrutura hierrquica, pois sua indistino no estava na ausncia de classificao, mas
49 SILVEIRA, Marco Antnio. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808). So Paulo: Hucitec, 1997. 30-35.50 SILVEIRA, Marco Antnio. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808), p. 13951
HOLANDA, Srgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In. HOLANDA, Srgio Buarque de. (dir.)Histria geral da civilizao brasileira.t.1,v.2,6ed. So Paulo: Difel, 1985. p. 297.52HOLANDA, Srgio Buarque de. Metais e pedras preciosas, p. 296.
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sim na dificuldade de se compreender o lugar de cada um em um universo cujos critrios de
ordenao eram dspares e flexveis.53
O citado caso do tenente general Joo Ferreira Tavares um bom exemplo dessa
obsesso pela distino social. Como o referido tenente general, Joo Jorge Rangel, morador
da Freguesia de Santo Antnio, Comarca do Rio das Velhas, tambm colecionava um grande
nmero de mercs rgias dignas de statussocial. Natural da freguesia de Nossa Senhora da
Piedade da Vila do Lagarto, Comarca do Sergipe de El Rei, arcebispado da Bahia, era homem
solteiro e sem filhos. Na Comarca do Rio das Velhas acumulou expressivo nmero de bens,assim como em outras partes do Brasil. De acordo com seu testamento aberto em novembro
de 1742, possua 12 fazendas espalhadas pela comarca do Rio das Velhas: Maravilha,
Mandacaru, Santa Ana, Rio do Sono, Graa, Riacho da Areia, Cana Brava, Famlia, Alvarela,
So Jos, So Jernimo e Baependi. No Maranho trs fazendas: Santo Amaro, Passagem e
Ilha das Cobras. Era proprietrio de 125 escravos.
A todo momento a dinmica social colocava em
xeque o lugar de cada um, o desejo pela honra e a distino viraram uma obsesso. A busca
pelo reconhecimento,statussocial e prestgio estava na pauta dos interesses dos que queriam
um lugar ao sol, fossem eles ricos ou pobres.
54
O nmero de mercs, em sua maioria cartas de sesmaria, impressiona. Em 1718 foi
nomeado pelo ento governador das Minas, Dom Pedro de Almeida, capito de umacompanhia de cavalos do distrito do Curral Del Rei, integrando o regimento do coronel Jos
Correia de Miranda. Posteriormente conseguiu patente mais graduada, capito-mor. A referida
carta patente no foi encontrada, mas na documentao ele aparece denominado com esta
patente. Durante sua trajetria nas Minas, obteve seis cartas de sesmaria. Em 1720, obteve do
governador Dom Pedro de Almeida, carta do stio chamado Conceio, localizado prximo ao
Rio Paraopeba.55Em Julho de 1727, obteve do ento governador Dom Loureno de Almeida,
sesmaria da fazenda chamada Santa Ana, prxima a Paracatu.
56
(...) tendo respeito ao capito Joo Jorge Rangel me apresentou em sua petio queele senhor e possuidor de uma fazenda chamada So Jos cita na Ribeira do
Em 1728 recebeu desse asesmaria da fazenda chamada So Jos.
53HOLANDA, Srgio Buarque de. Metais e pedras preciosas, p. 40-49.54 Arquivo Histrico do Museu do Ouro de Sabar (doravante AHMOS), testamento de Joo Jorge Rangel,cdice (8)16, p. 152v. 160v. , 1 ofcio, ano 1748.55Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida ao capito Joo Jorge Rangel, Vila do
Ribeiro do Carmo, 11 de junho de 1720. APM, Seo colonial 12.56Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Loureno de Almeida ao capito Joo Jorge Rangel, Vila doRibeiro do Carmo, 17 de julho de 1727. RAPM, volume 4, 1899. p. 203-204.
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Paracatu, a qual fazenda descobriu, povoou e cultivou com escravos, e gadovacum, e cavalar, tudo com grande despesa de sua fazenda e de presente aconserva, livrando-a da invaso do gentio, que continuamente a esta invadindo(...).57
No ano de 1737, Joo Jorge Rangel obteve nova sesmaria do ento governador
Martinho Mendona, no caminho novo dos Goiazes, tinha lanado suas posses em um stio,
o qual tinha descoberto, povoado e cultivado com grande despesa de sua fazenda cujo stio
principiava da parte do Rio das Mortes no Ribeiro dos Enforcados (...).
58No ano seguinte
obteve sesmaria do governador Gomes Freire de Andrada, da fazenda chamada Graa,
localizada beira do Rio da Velhas. Tal fazenda obteve por ttulo de arrematao em praa e
a conservava com gados vacum e cavalos e escravos servindo-lhe (...) 59Por fim, em 1741
obteve do mesmo governador, em conjunto com Paulo de Arajo Costa, a sesmaria da
fazenda chamada Riacho da Areia, freguesia do Curral Del Rei, onde possua e conservava
fbrica de escravos, gado vacum e cavalos havia quatorze ou quinze anos(...).60
Alm das sesmarias e dos postos militares, Joo Jorge Rangel tambm era senhor de
um contrato de dzimos de gado vacum cavalar em que era interessado seu compadre Paulo
Arajo, Manuel Antunes e seu compadre Mathias de Crasto Porto. Declarou ainda que na
companhia de Macau levantada em Lisboa tinha aplicados 2000 cruzados.
61
Segundo Ramon Fernandes Grossi, as prticas de Antigo Regime tinham vigncia nas
Minas Gerais. A dinmica da troca de favores, por exemplo, estava difundida na sociedade
O grande
nmero de propriedades e a extenso dos negcios do capito-mor Joo Jorge Rangel indicam
que provavelmente estava inserido em redes de influncia e poder. Tinha o prestgio e ostatus
social que a funo militar proporcionava, assim como um espao de negociao com a
Coroa, uma vez que conseguiu obter seis sesmarias. Apesar do seu inventrio post mortem
no ter sido encontrado, pode-se dizer que se tratava de um grande negociante de gado, que
aliava a distino proporcionada pelas mercs com as possibilidades de expanso de seus
negcios nas Minas.
57Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Loureno de Almeida ao capito Joo Jorge Rangel, Vila doRibeiro do Carmo, 14 de julho de 1728. RAPM, volume 4, 1899. p. 185.58Carta de sesmaria emitida pelo governador Martinho de Mendona ao capito Joo Jorge Rangel, Vila Rica, 7de abril de 1737. RAPM, volume 3, 1898, p. 821-822.59Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada ao capito Joo Jorge Rangel, Vila Rica,10 de maio de 1738. RAPM, volume 3, 1898, p. 856-857.60
Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada ao capito Joo Jorge Rangel, Vila Rica,17 de maro de 1741. RAPM, volume 7, fascculo 1 e 2, 1902, p. 476-477.61AHMOS, testamento de Joo Jorge Rangel, cdice (8)16, p. 152v. 160v. , 1 ofcio, ano 1748.
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mineira da primeira metade do Setecentos. Os sditos que demonstrassem fidelidade ao rei
podiam ser agraciados com honrarias, favores e mercs. Estabelecia-se a lgica do dar e do
retribuir. No entanto, para receber uma recompensa do rei era preciso mais do que ter
prestado servios Coroa: era preciso tambm ostentar determinada qualidade e no pertencer
aos patamares inferiores da hierarquia social.
Para o autor, na sociedade mineira no havia uma distino clara do que era direito e
privilgio. Quando uma pessoa era julgada por cometer um crime, por exemplo, no existia
uma noo de direito que igualasse os sditos; pelo contrrio, o que regulava as punies era a
cor, a situao econmica e a posio social. Tratava-se de uma concepo tpica de Antigo
Regime, na qual os indivduos eram considerados naturalmente desiguais e o edifcio social
era estruturado tendo como base a construo de diferenciaes entre as pessoas.62A possede determinados privilgios podia proporcionar a um indivduo um tratamento especial. No
entanto, para obter o reconhecimento social no bastava possuir honras, mercs e privilgios
era necessrio torn-los pblicos. Segundo Ramon Grossi o reconhecimento social do
prestgio pretendido ou adquirido participava da construo da noo de honra, que era a
aceitao do valor individual de algum pela comunidade. 63
Para o autor, a sociedade mineira carregava traos caractersticos das prticas de
Antigo Regime vigentes no Reino, como a honra e a desigualdade hierrquica, que eraminseridas num mundo escravista e colonial. A multifacetada populao da regio mineira e
suas especificidades sociais e humanas foraram uma adaptao da organizao social
herdada do Portugal da poca Moderna realidade configurada naquela conquista de Sua
Majestade.
64
H um consenso entre os historiadores que negam a viso dicotmica
metrpole/colnia sobre a penetrao de prticas de Antigo Regime nas Minas. Atualmente
tentam avaliar seu grau de influncia sobre cada regio, recusando uma viso dicotmica demetrpole/colnia. Maria Fernanda Bicalho e Joo Fragoso concluram que muitas das
prticas de Antigo Regime assumiram na colnia traos semelhantes aos do Reino. A
economia do dom, por exemplo, era muito parecida com o que Joo Fragoso chamou de
62 GROSSI, Ramon Fernandes. O Dar o seu a cada um: demandas por honras, mercs e privilgios naCapitania das Minas (1750-1808). Belo Horizonte: Departamento de Ps-graduao de Histria da UFMG, 2005.(Tese de doutorado). p. 18163 GROSSI, Ramon Fernandes. O Dar o seu a cada um: demandas por honras, mercs e privilgios na
Capitania das Minas (1750-1808), p. 24064 GROSSI, Ramon Fernandes. O Dar o seu a cada um: demandas por honras, mercs e privilgios naCapitania das Minas (1750-1808),p. 240
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economia do bem comum. As mercs e a lgica clientelar tambm assumiram papel crucial na
estruturao das relaes polticas e sociais.
Nas Minas Gerais setecentistas, Jnia Ferreira Furtado, Francisco Eduardo Andrade e
Marco Antnio Silveira tambm observaram a ocorrncia de prticas oriundas do Reino. As
redes de clientela tecidas desde o Reino, por exemplo, eram cruciais para o reconhecimento
social de um indivduo. Para alcanar a distino social, o caminho podia ser longo, sobretudo
para aqueles que no podiam contar com a proteo direta de algum poderoso no Reino. Mas
a busca pelas mercs rgias era mais forte e muitos no mediam esforos para terem seus
servios recompensados pelo rei. Recorriam no apenas a um poderoso, mas a uma verdadeira
rede de influncias tecida na sociedade local, que se estendia ao Reino. Observou-se, a partir
de exemplos dos que pediam mercs ao rei, que alm desta ser uma importante prtica deAntigo Regime vigente na regio, valiam todos os recursos para se alcanar a toalmejada
honraria, elemento crucial para os que desejavam galgar posies cada vez mais prestigiosas
na hierarquia social. Desta maneira, evidncias como a busca pelas mercs, a importncia da
insero em redes de influncia e os servios prestados ao rei como um valor relevante a ser
deixado como herana, reforam o quanto as prticas de Antigo Regime influenciavam a
sociedade mineira.
Artigo recebido em 20/12/2008 e aprovado em 21/03/2009.