financiamento indireto da seguridade social

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MARCOS SÉRGIO DE SOUZA FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL MESTRADO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO 2005

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Page 1: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

MARCOS SÉRGIO DE SOUZA

FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO − 2005

Page 2: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

MARCOS SÉRGIO DE SOUZA

FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Previdenciário, sob orientação do Professor Wagner Balera.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO − 2005

Page 3: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

BANCA EXAMINADORA

_________________________

_________________________

_________________________

Page 4: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

DEDICATÓRIA,

A Deus, que me mostra em todos os

momentos a verdadeira essência do

seu amor.

Page 5: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo.

Ao Professor Doutor Wagner Balera, com

todos os aplausos por saber ensinar.

Aos meus amigos do Curso de Mestrado,

pela perseverança acadêmica.

A todos, minhas sinceras homenagens.

Page 6: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

RESUMO

Estuda a evolução histórica da seguridade social, seu financiamento

indireto e sua natureza, sob a perspectiva da relação jurídica que se estabelece

entre o gestor e os beneficiários do sistema. Através de um estudo analítico,

aprofunda a temática da seguridade social e sua estrutura constitucional.

Inicialmente, enfoca a visão constitucional essencial dos princípios da

seguridade social e, a seguir, aborda as colisões a direitos fundamentais e os

mecanismos para a neutralização jurídica do financiamento indireto da

seguridade social, que passam pelo desinteresse do Estado em cumprir sua

obrigação constitucional. Para melhor entender o financiamento da seguridade

social, discute a efetividade constitucional e conclui pela necessidade de uma

eficaz ação do Poder Executivo que coadune os princípios da seguridade

social com o financiamento indireto. Verifica se a expectativa de um melhor

financiamento ocorreu no pós-Carta Magna de 1988, com as novas diretrizes

traçadas pelo legislador pátrio no campo da seguridade social. Nesse sentido,

analisa o Poder Público em relação às regras jurídicas do regime

previdenciário e como o ambiente digital que está difundido nas organizações

exige dos seus gestores eficácia nas decisões, que permita o cumprimento de

sua parte no financiamento da seguridade social.

Page 7: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

ABSTRACT

This essay studies the historical evolution of the social security, its indirect

financing and nature, under the perspective of the juridical relationship that

settles down between the manager and the beneficiaries of the system.

Through an analytic study, it deepens the thematic of the social security and

its constitutional structure. Initially it focuses the constitutional and essential

vision of the principles of the social security and after it approaches the

collisions to fundamental rights and the mechanisms for the juridical

neutralization of the indirect financing of the social security mainly due to the

indifference of the State in accomplishing its constitutional obligation. For

better understanding the financing of the social security, it discusses the

constitutional effectiveness and concludes by the need of an effective action

of the Executive Power that conforms the principles of the social security with

the indirect financing. It verifies if the expectation for a better financing

happened after the 1988 Constitution with the new guidelines traced by the

legislator in the field of the social security. In that sense, it analyzes the Public

Power in relation to the juridical rules of the social security regime and how

the digital atmosphere that is diffused in the organizations demands from its

managers effectiveness in the decisions that allows the execution of its role in

the financing of the social security.

Page 8: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1

1 SISTEMA DA SEGURIDADE SOCIAL...................................................... 4

1.1 Conceito de seguridade social................................................................. 4

1.2 Autonomia da seguridade social ........................................................... 14

2 ANÁLISE HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL ............................. 21

2.1 Evolução histórica da seguridade social ............................................... 21

2.1.1 Idade antiga .................................................................................. 23

2.1.2 Idade média .................................................................................. 25

2.1.3 Revolução francesa – assistência pública .................................... 28

2.1.4 Revolução Industrial – previdência social ................................... 30

2.1.5 Advento da seguridade social ...................................................... 33

2.1.6 Necessidades individuais com complicações sociais .................. 38

2.2 Evolução histórica da seguridade social no Brasil................................ 40

2.2.1 Primeiras legislações brasileiras de seguro social ....................... 42

2.3 A previdência e o sistema constitucional brasileiro.............................. 45

2.3.1 Constituição da República de 1891 ............................................. 45

2.3.2 Constituição de 1934.................................................................... 47

2.3.3 Constituição de 1937.................................................................... 48

2.3.4 Constituição de 1946.................................................................... 48

2.3.5 Constituição de 1967.................................................................... 49

2.3.6 Emenda Constitucional n. 1/1969 ................................................ 50

2.3.7 Constituição de 1988.................................................................... 51

3 FUNDAMENTO DE VALIDADE DE UMA ORDEM NORMATIVA.... 57

3.1 A questão do fundamento de validade .................................................. 57

3.2 Validade e eficácia ................................................................................ 62

3.3 Teoria da norma fundamental e doutrina do direito natural ................. 64

3.4 Jurisprudência ....................................................................................... 66

Page 9: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

3.5 Lacunas do direito ................................................................................. 68

4 FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL ............... 72

4.1 Financiamento indireto da saúde........................................................... 90

4.1.1 Retrospecto histórico ................................................................... 90

4.1.1.1 Período de 1974 a 1979........................................................... 90

4.1.1.2 Período de 1980 a 1986........................................................... 93

4.1.1.3 Período de 1987 a 1990........................................................... 97

4.1.1.4 Período posterior a 1990 ....................................................... 100

4.2 Financiamento indireto da assistência social ...................................... 118

4.2.1 Retrospecto histórico ................................................................. 118

4.3 Orçamento público e o financiamento indireto................................... 130

5 CONCLUSÕES.......................................................................................... 147

BIBLIOGRAFIA........................................................................................... 150

ANEXOS....................................................................................................... 159

EMENDA CONSTITUCIONAL N. 29,

DE 13 DE SETEMBRO DE 2000 ............................................................ 159

EMENDA CONSTITUCIONAL N. 31, 14 DE DEZEMBRO DE 2000. 164

RESOLUÇÃO N. 121 DO CONSELHO NACIONAL

DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, DE 1º DE AGOSTO DE 1996................. 167

RESOLUÇÃO N. 322 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE,

DE 8 DE MAIO DE 2003 ......................................................................... 169

Page 10: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é o estudo do financiamento indireto da

seguridade social.

A expectativa atual é que os entes políticos, em virtude das exigências

previstas na Constituição Federal de 1988, cumpram suas obrigações

financeiras para com a seguridade social.

O orçamento da seguridade social compreende todas as entidades e

órgãos a ela vinculados, da Administração direta ou indireta, bem como os

fundos e fundações mantidos pelo Poder Público.

O artigo 195 da Constituição Federal estabelece que seguridade social

deva ser financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos

da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O constituinte não fixou o percentual com o qual cada ente federativo

deve contribuir matéria que depende de definição legal. Não há, assim, a

garantia de um percentual fixo das receitas a ser destinado ao financiamento

da seguridade social.

Inicialmente, a Lei de Diretrizes Orçamentárias fixa as metas e

prioridades para a gestão da seguridade social e, depois, a lei orçamentária

Page 11: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

2

estabelece a parcela do orçamento público destinada ao cumprimento dessa

finalidade.

É certo que certa parcela do orçamento deve ser consignada à

seguridade, mas não se sabe bem qual é o percentual correspondente a essa

parcela, mas somente que deve ser definida pelo orçamento de cada pessoa

política, o que efetivamente não está ocorrendo.

O objetivo principal da desvinculação entre o orçamento fiscal e o

orçamento da seguridade social é a garantia de que os recursos orçados para

os órgãos ou entidades que atuam nesse segmento não sejam destinados para

outros fins, sob pena de responsabilidade.

Já se percebe que neste trabalho será adotado o posicionamento de

cobrar dos entes federativos a obrigação em relação ao financiamento indireto

da seguridade social.

O Capítulo II da Constituição trata da seguridade social em seu artigo

194, que assim disciplina:

“A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

É importante destacar que os direitos somente serão assegurados se as

ações implementadas indicarem a fonte de recursos que financiará o programa

de trabalho fixado para a seguridade social. Caso contrário, os indicadores

sociais do Brasil continuarão apresentando resultados abaixo do desejado,

Page 12: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

3

situação que somente será revertida se for implementado o processo de

planejamento.

O trabalho é constituído de introdução ao tema e cinco capítulos. A

introdução define o problema, os objetivos do trabalho, bem como as hipóteses

que norteiam a questão social e delimitam a estrutura e o campo de estudo.

No primeiro capítulo, estudaremos o conceito do sistema de seguridade

social, seus princípios e características voltadas ao aspecto do seu

financiamento.

No segundo, abordaremos a evolução histórica da seguridade social, as

primeiras legislações, bem como sua presença nas Constituições do Brasil.

No terceiro capítulo, definiremos a Teoria da Norma Jurídica, a questão

de sua validade e eficácia a sua proposição prescritiva.

No quarto, conceituaremos o financiamento indireto da seguridade

social e seus objetivos. Enfatizando a emenda Constitucional n. 29/00,

demonstrando a inovação da vinculação das verbas orçamentárias na área da

saúde , estudaremos o aspecto do orçamento público, caracterizá-lo como um

sistema de informações, seus princípios e suas contribuições, apresentaremos

um modelo conceitual de orçamento público e sua aplicação em os futuros

governos, como uma solução para o conflito existente em relação ao

financiamento indireto.

No quinto capítulo, faremos nossas considerações finais e destacaremos

nossa contribuição para a solução do problema enfocado.

Page 13: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

1 SISTEMA DA SEGURIDADE SOCIAL

1.1 Conceito de seguridade social

Antes de analisar o problema do financiamento da seguridade

social, é necessário entender o sistema como um todo, penetrar no contexto da

seguridade social, descrevendo seu regime jurídico, que é peculiar.

A sua definição está na Lei de Organização e Custeio da

seguridade social (Lei n. 8.212/91), que assim qualificou o sistema:

“Artigo 1º - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência social e à assistência social.”

Nesse sentido, Wagner Balera adverte que:

“A integração das áreas que, dentro e fora do aparelho governamental, recebem a incumbência de satisfazer certos direitos sociais implica a racionalização da atividade administrativa, permitindo, destarte, melhor aproveitamento das particulares formas de proteção pelos usuários.”1

A seguridade social consubstancia-se em matéria estritamente

complexa, situada na área das ciências humanas, a envolver relação entre o

homem, a sociedade e fatores diversos, individuais, coletivos, sociais,

econômicos, políticos e ordenamento jurídico vigentes, entre outros.

Celso Barroso Leite associa a seguridade à idéia de tranqüilidade

que a sociedade deve garantir aos seus membros e também que:

1 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 13.

Page 14: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

5

“A seguridade social deve ser entendida e conceituada como o conjunto de medidas com as quais o Estado, agente da sociedade, procura atender à necessidade que o ser humano tem de segurança na adversidade, de tranqüilidade quanto ao dia de amanhã.”2

Ilídio das Neves em uma excelente observação exprime a missão

fundamental da seguridade social:

“É assegurar de forma organizada a proteção dos cidadãos contra determinados riscos da existência, pois se considera que os seus efeitos danosos não interessam apenas individualmente às pessoas, mas também à sociedade no seu todo.”3

Por sua vez, Wagner Balera, com base na Constituição Federal

brasileira, conceitua seguridade social como o “conjunto de medidas

constitucionais de proteção dos direitos individuais e coletivos, concernentes

à saúde, à previdência e à assistência social”.4

José Manuel Almansa Pastor define seguridade social como

sendo:

“El instrumento estatal específico protector de necessidades sociales, individuales y colectivas, a cuya protección preventiva, reparadora y recuperadora tienen derecho los individuos, en la extensión, limites y condiciones que las normas dispongan, segun permite su organización financiera.”5

Portanto, a finalidade específica da seguridade social é a

libertação do homem da indigência e da miséria, objetivo concretizado pela

Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral

das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948.

2 Celso Barroso Leite, Conceito de seguridade social, p. 17. 3 Ilídio das Neves, Direito da segurança social..., p. 19. 4 Wagner Balera, A seguridade social na Constituição de 1988, p. 34. 5 José Manuel Almansa Pastor, Derecho de la seguridad social, p. 63.

Page 15: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

6

As finalidades da seguridade social foram enumeradas pela

Organização Internacional do Trabalho no final da década de 1950, e são as

seguintes:

“a) cobrir de maneira completa e coordenada todas as eventualidades capazes de levar o trabalhador, sem culpa sua, a perder o salário, temporária ou definitivamente, completando essa proteção pela assistência médica e pelos abonos familiares; b) estender a proteção a todas as pessoas adultas, na medida de sua necessidade, e aos seus dependentes; c) prover prestações que, embora de montante moderado, permitam aos beneficiários manter nível de vida aceitável, e que sejam outorgadas em virtude de um direito nitidamente definido em lei; d) financiar o sistema por métodos tais que tornem o beneficiário suficientemente consciente do custo das prestações que recebe, aplicando amplamente o princípio da solidariedade entre os pobres e ricos, entre pessoas que gozam saúde e aqueles de saúde abalada, entre homens e mulheres, entre pessoas em atividade e os velhos demais ou jovens demais para trabalhar.”6

Essas finalidades formam, segundo José do Reis Feijó Coimbra7,

a concepção da função do Estado, assim desenhada de forma a abrir espaço

para intervir na economia, no sentido de ser responsável pela proteção dos

membros da coletividade atingidos por contingências que eliminam ou

diminuem sua capacidade de auto-sustentação. Se essas contingências têm

repercussão social e causam necessidades, e se o futuro amedronta a todos

que dependem do próprio trabalho para sobreviver, o Estado, como principal

artífice do bem-estar e da justiça sociais, tem responsabilidade pela proteção,

em face dessas ocorrências.

Como resultado, receptiva se torna a consciência da coletividade

à idéia de que o bem comum é o fim do Estado, cabendo a este disciplinar os

interesses individuais, conciliando-os com os da sociedade. Nesse sentido, a

6 Celso Barroso Leite e Luiz Paranhos Velloso anotam que a tradução para o vernáculo desses

objetivos foi publicada na Revista dos Industriários, n. 70, ago. 1959 (Previdência social, p. 76). 7 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 7.

Page 16: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

7

ação dos governos já não se limitaria, portanto, à garantia dos direitos civis e

políticos, à ordem interna e defesa do país na esfera internacional, devendo

voltar-se para a proteção de outros direitos, denominados então de sociais e

econômicos.

Para Wagner Balera, tendem ao “objetivo último da justiça social

todas as políticas sociais que, com instrumental da seguridade social, o Estado

e a sociedade implementarão, em obediência aos comandos do Estatuto

Fundamental”.8

Analisando a Carta Magna e os ensinamentos aqui discutidos,

somos levados a concluir acerca da existência de um regime jurídico típico e

que as normas jurídicas que tratam da seguridade social são unidas pela

finalidade de seu objeto, a razão de existir do próprio sistema protetivo, e

então tanto a proteção quanto o custeio devem estar sob a égide do princípio

da contrapartida.

Esse preceito constitucional previsto no parágrafo 5º do artigo

195 da Constituição Federal de 1988, é a pedra de toque de todo o conjunto de

normas constitucionais relacionadas ao financiamento. O dispositivo citado

revela a existência de um regime jurídico específico para a seguridade social

e, nessa condição, não pode ser desintegrado ou recortado pelos que tratam

das prestações, por um lado, e pelos que tratam do custeio, de outro lado, uma

vez que não é possível compreender o que será necessário para o custeio de

um conjunto de prestações se não soubermos o quanto será gasto.

8 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 16.

Page 17: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

8

Muito menos será possível defender a extensão subjetiva ou

objetiva de prestações se não tivermos a noção do caixa e dos recursos que

para ali devem ser destinados.

A Organização Internacional do Trabalho definiu nos seguintes

termos os objetivos da seguridade social:

“39 - No nosso entender, a seguridade social tem objetivos mais amplos que prevenir ou aliviar a pobreza. Ela constitui resposta a uma aspiração de segurança no sentido mais abrangente. Seu propósito fundamental é dar aos indivíduos e às famílias a tranqüilidade de saber que o nível e a qualidade de sua vida não serão significativamente diminuídos, até onde for possível evitá-lo, por nenhuma circunstância econômica ou social. Para isso é preciso não só atender às necessidades, à medida que surjam, mas também começar por prevenir os riscos e, ao mesmo tempo, ajudar os indivíduos e as famílias a se adaptarem da melhor maneira a qualquer incapacidade ou situação desfavorável não evitada ou que não teria sido possível evitar. Por isso, a seguridade social não depende apenas de dinheiro, mas também de extensa gama de serviços sociais e de saúde(...). O que verdadeiramente importa é permitir a segurança, e não os procedimentos que venham a ser escolhidos para esse efeito: custeio mediante contribuições ou impostos, benefícios ou serviços e entidades públicas ou privadas e de fins lucrativos ou não. Considerações de eficiência econômica e de participação, a tradição nacional, o maior ou menor grau de aceitação pelos usuários e a existência de determinadas instituições podem fazer com que em determinado país algumas modalidades sejam mais indicadas que outras. Mas não devemos confundir os meios com os fins.”9

Importante refletir que o sistema social é constituído por toda a

sociedade brasileira, com destaque para a classe trabalhadora e os

aposentados e pensionistas, e que se busca uma forma de financiamento eficaz

visando garantir os direitos da seguridade social.

Nos dias atuais, são as reformas sociais de base o instrumento

maior de que dispõe a sociedade brasileira para se libertar do Estado opressor,

9 Celso Barroso Leite, Conceito de seguridade social, p. 19.

Page 18: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

9

cujos efeitos incidem sobre os trabalhadores e os aposentados e pensionistas

do sistema previdenciário.

É necessária uma maior participação da comunidade nos seus

destinos, o que implica, conseqüentemente, em acesso a mais direitos e

aumento da cidadania.

O país atualmente suporta um ônus de aproximadamente 5.600

sistemas previdenciários diferentes. Senão, vejamos:

• Regime Geral de Previdência Social (RGPS), mantido pelo

INSS para os trabalhadores em geral (um único regime);

• Previdência do servidor da União (um único regime);

• Previdência dos servidores de cada Estado, com normas

diferenciadas (27 Estados);

• Previdência dos Municípios, que têm autonomia para

legislar sobre sua própria previdência (± 5.560 municípios);

• Previdência dos militares (um único regime).

Leny Xavier de Brito e Souza, analisando o tema, esclarece que:

“São previdências demais para um só país. Com essa implantação indiscriminada de sistemas sem um estudo atuarial sério de sua viabilidade, no momento de ‘pagar a conta’, ou seja, de manter benefício prometido, a entidade, não conseguindo honrar esse compromisso, corre a solicitar ‘repasse’ da União. Se a União não ajudar, esses diversos sistemas não terão arrecadação suficiente para manter suas aposentadorias e pensões.”10

Não podemos aceitar essa situação, precisamos recuperar a

seguridade social como instrumental moderno e condizente com a realidade

10 Leny Xavier de Brito e Souza, O servidor público e as suas múltiplas previdências sociais, p. 16.

Page 19: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

10

socioeconômica brasileira, dela extirpando essa visão falaciosa da previdência

pública, difundida pelas classes dominantes, mediante um processo gradual de

aperfeiçoamento das instituições jurídico-políticas do Estado contemporâneo,

em prol das maiorias.

Necessitamos não só de uma técnica de controle social, mas

também de critérios de justiça e de utilidade das normas jurídicas para

sociedade como um todo.

O Estado, por meio de seus poderes constituídos, na qualidade de

representantes autênticos de toda sociedade, de auxiliares eficazes e eficientes

na execução das normas produzidas e de intérpretes e aplicadores das normas

respectivamente, não deve preocupar-se apenas com a execução das normas

produzidas, mas também, e com igual atuação, empenhar-se na produção de

direitos fora do quadro institucional (democracia participativa).

A Federação não pode continuar a gerir um sistema

desproporcional e irracional como o modelo atual, no qual o pagamento dos

benefícios é custeado pelos seus orçamentos, pois hoje muitos Municípios

deixam de aplicar em saúde e educação para pagar seus pensionistas.

Mesmo com o advento da Lei Complementar n. 101/2001 (Lei de

Responsabilidade Fiscal), muitos Municípios continuam gastando valores

elevados para pagar seus aposentados, além de não cumprirem sua parte no

financiamento indireto estipulado pelo artigo 195 da Constituição Federal.

Isso não significa que somos contra os pensionistas, ou mesmo

contra os 5.560 Municípios brasileiros, mas existe a necessidade impreterível

de uma reforma mais profunda no sistema, para o aperfeiçoamento de suas

Page 20: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

11

instituições jurídico-políticas, colocando o planejamento orçamentário no seu

devido lugar.

O primeiro passo já foi dado para alterar o sistema atual. É óbvio

que essas alterações deverão ocorrer de forma gradativa, a exemplo da

Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, que representou enorme avanço,

separando os trabalhadores em dois grupos: “1º grupo: contribuintes do

regime geral (INSS); 2º grupo: todos os outros servidores, que a partir de

agora, terão de seguir as mesmas normas para chegar à aposentadoria.”11

As alterações mais polêmicas foram as seguintes:

• a entidade que não puder manter por sua própria

responsabilidade, um regime saudável para seus servidores,

deve vinculá-los ao regime geral;

• se quiser manter regime próprio, terá de instituir

paralelamente um plano de previdência complementar, para

o qual o servidor contribuirá com uma parte, e a instituição

com uma parte igual;

• servidor, para conquistar sua aposentadoria, terá de

comprovar 10 anos de serviço público, 5 anos no cargo, ter

idade mínima e cumprir “pedágio”.

A Portaria n. 4.882 do Ministério da Previdência Social, de 16 de

dezembro de 1998, esclarece no seu artigo 2º que:

11 Leny Xavier de Brito e Souza, O servidor público e as suas múltiplas previdências sociais, p. 17.

Page 21: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

12

“Os regimes próprios de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deverão ser organizados com base em normas gerais de contabilidade e atuarial, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial, nos termos da Lei n. 9717, de 28 de novembro de 1998.”12

Conforme o artigo supra, houve mudança no sistema de

previdência do servidor, que não poderá mais deixar a garantia de sua futura

aposentadoria em mãos do Estado, sem sua supervisão. E a própria entidade

governamental já está se posicionando para que haja total transparência na

gestão do valor descontado dos servidores, a título de benefício futuro.

Importante destacar ainda que o sistema de seguridade social visa

os direitos sociais, quer positivados pelo legislador pátrio, quer ainda

provenientes do direito informal, que criaram uma consciência jurídica

resultante das necessidades sociais.

O sistema busca o direito justo, embasado em valores

socioculturais, visando o bem-estar da sociedade.

Aldemir de Oliveira, a propósito, lembra que:

“A aplicação da hermenêutica sobre a seguridade social não deve ficar adstrita tão-somente à interpretação positivista das normas jurídicas; deverá aprofundar sua exegética de forma mais exaustiva e ampla, sempre mais favorável aos segurados do sistema de seguridade social, tendo como princípio fundamental o pleno exercício da cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.”13

12 Em sua justificativa, o Ministro Waldeck Ornélas esclarece que se baseou no direito brasileiro

constitucional e infraconstitucional, tendo em vista as decisões do Supremo Tribunal Federal (REsp n. 1.265/AM, RE n. 114.352/ES, ADIn ns. 152/MG e 122/SC, entre outras) e ainda o disposto na Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998.

13 Aldemir de Oliveira, A previdência social na carta magna, p. 22.

Page 22: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

13

Para operacionalizar a problemática do sistema da seguridade

social no Estado contemporâneo brasileiro, devemos estudá-la através de três

planos, como instrumento de uma ação prática:

• no plano epistemológico, em que cabe a análise axiológica

(valores sociais e psicossociais), “o direito que é” (direito

justo);

• no plano psicossocial, em que não podemos verificar apenas

a existência de representações jurídicas, mas de outras

manifestações da consciência jurídica da sociedade

provenientes dos movimentos sociais (novos sujeitos de

direito);

• no plano operacional, em que se montam as estratégias para

modificar ou afastar “o direito que não deve ser” (injusto) e

criar o direito “que deve ser” (justo).

A justiça social, por sua vez, é a materialização dos desejos e

aspirações das classes trabalhadoras, dos aposentados e dos pensionistas, ou

seja, a concretização do projeto popular.

A justiça política é o instrumento fundamental do Estado para

partilhar os bens construídos pela cooperação social, com o intuito de

erradicar o profundo dualismo social em que vive a sociedade brasileira.

A partir desses conceitos, verifica-se que a função social do

Estado é nitidamente focada: o Estado tem o dever de dirigir suas ações

concretas no sentido da consolidação de um Estado democrático e social para

toda a sociedade brasileira.

Page 23: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

14

Esse Estado tem como princípio basilar erradicar a pobreza e a

marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, como

instrumentais jurídico-políticos de eficácia plena.

Essa base sócio-constitucional, portanto, deve ser construída por

toda sociedade brasileira, possibilitando a criação de novos paradigmas para a

seguridade social, com a participação das classes trabalhadoras e dos

aposentados e pensionistas como participantes e agentes dessa transformação,

no processo da partilha social das riquezas produzidas.14

É certo que devemos buscar um sistema protetor mais eficaz,

com medidas mais efetivas de assistência e previdência social, ampliando o

alcance e a abrangência do amparo ao homem.

Em síntese, esse sistema protetor só se completará quando o

Estado cumprir sua parcela de financiamento de forma eficaz, separando em

cada orçamento a parte que cabe à seguridade social, cumprindo a norma

constitucional de financiamento indireto.

1.2 Autonomia da seguridade social

Segundo a teoria monista, o sistema de seguridade social

pertence ao direito do trabalho, sendo seu mero apêndice. Já para a teoria

dualista, o direito da seguridade social possui autonomia, não se confundindo

com o direito do trabalho.15

14 Aldemir de Oliveira, A previdência social na carta magna, cit., p. 24. 15 Marcus Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade

social, p. 38-39.

Page 24: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

15

A Constituição de 1988 estabeleceu que a seguridade social é

gênero, abrangendo a previdência social (arts. 200 e 201), a assistência social

(arts. 203 e 204) e a saúde (arts. 196 a 199), o que a torna totalmente

desvinculada do direito do trabalho, que teve suas regras incluídas no artigo 7º

do Capítulo II (Dos direitos sociais) do Título II (Dos direitos e garantias

fundamentais).

A seguridade social possui várias regras próprias, como as Leis

ns. 8.212/91 (Plano de Custeio), 8.213/91 (Plano de Beneficio), 8.742/92

(Assistência Social) e 8.080/90 (Saúde).16

Esse sistema tem função de estabelecer os mecanismos jurídicos

de vinculação de indivíduos à seguridade social, desenhar as prestações (em

dinheiro ou em serviços) oferecidas e as condições para o acesso às mesmas,

além de fixar as formas de financiamento do sistema protetivo.

No Diploma Maior, o artigo 193 foi instituído para inaugurar o

regime jurídico da seguridade social e funcionar como uma verdadeira chave

interpretativa de todo o sistema.17

Vários conceitos utilizados pela seguridade social não são

encontrados em outros ramos do direito, como o de segurado, salário de

benefício, salário de contribuição, auxílio-doença, renda mensal inicial etc.

Observa-se também que a seguridade social possui princípios

próprios18, elencados nos incisos I a VII do parágrafo único do artigo 194 da

Constituição.

16 Aristeu de Oliveira, Previdência social – Legislação, p. 33, 63, 278 e 302. 17 Wagner Balera, A seguridade social na Constituição de 1988, p. 32. 18 Wagner Balera esclarece que esses princípios são a base e a estrutura do sistema previdenciário

(Sistema de seguridade social, p. 21-24).

Page 25: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

16

Destaca-se primeiramente o princípio da universalidade, que

abrange a cobertura e o atendimento de toda a população brasileira,

indistintamente. Nesse plano, brasileiros e estrangeiros aqui residentes devem

ser amparados pelo sistema de seguridade social.

O segundo princípio constitucional tem como objetivos a

uniformidade e a equivalência dos benefícios e dos serviços prestados às

populações urbanas e rurícolas.

Essa característica de uniformidade do sistema de seguridade

social é fundamental, porque cumpre a disposição constitucional de igualdade

de todos perante a lei, estabelecida no artigo 5º da Constituição Federal.

O terceiro princípio constitucional tem como objetivos a

seletividade e a distributividade na prestação dos benefícios e serviços, o que

requer do plano básico previdenciário benefícios que, além de serem

suficientes para atender às reais necessidades dos indivíduos, também sejam

compatíveis com a economia nacional e a redistribuição de rendas.

Esses critérios devem obedecer a uma escala salarial, conforme o

padrão social em que estão enquadrados os segurados do sistema

previdenciário. A finalidade objetiva outra diretriz constitucional, contida no

artigo 201, II da Carta de 1988.

O quarto princípio constitucional é a irredutibilidade do valor dos

benefícios, cujo objetivo é manter o poder real de compra de bens e serviços

dos indivíduos, em face das quedas salariais ocasionadas pelo fenômeno

inflacionário, que é cíclico na economia capitalista nacional.

Page 26: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

17

O quinto princípio constitucional é a equidade na forma de

participação no custeio da seguridade social. Toda a sociedade deve participar

de forma direta ou indireta do financiamento do sistema nacional de

seguridade social.

O sexto princípio tem por objetivo a diversidade da base de

financiamento da seguridade social. O legislador objetivou que o

financiamento tivesse como base de cálculo múltiplos fatos geradores (trata-

se do denominado “pluralismo contributivo”) e fontes de recursos provindas

de todo a sociedade brasileira.

A Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei n. 8.212, de

24.7.1991), que instituiu o plano de custeio, estabelece que, no âmbito da

Federação, o orçamento nacional será composto das receitas da União, das

contribuições sociais e de outras fontes. As contribuições sociais deverão ser

provenientes dos participantes diretos do sistema previdenciário nacional

(empregadores, trabalhadores, autônomos e facultativos).

Enfatizamos que a contribuição do Estado é proveniente, de

forma indireta, do orçamento fiscal, devendo ser fixado obrigatoriamente na

lei orçamentária anual o destino das verbas arrecadadas para tal finalidade, o

que de fato não está ocorrendo.

De outro lado, os empregadores deverão contribuir por meio de

parcelas que incidem sobre o faturamento bruto (Cofins), cujo índice foi

instituído pela Lei Complementar n. 70/91, e sobre o lucro líquido do imposto

sobre a renda, conforme alíquotas determinadas em lei.

Page 27: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

18

O Estado deverá ainda arrecadar recursos para o sistema da

seguridade social pela denominadas cotas de previdência sobre receitas

líquidas dos concursos de prognósticos em todo território nacional. Ademais,

poderão integrar esses recursos as multas de serviços de arrecadação e

fiscalização, da prestação de outros serviços e do fornecimento ou

arrendamento de bens provindos de patrimônio industriais e financeiros,

oriundos de doações, legados, subvenções ou receitas provenientes de culturas

ilegais (psicotrópicos) e outros, determinados em lei.

O sétimo princípio é considerado uma das maiores conquistas da

sociedade brasileira, especialmente das denominadas “classes sociais”, e se

trata da presença de representantes diretos da sociedade civil como

participantes efetivos na direção e controle do sistema nacional de seguridade

social.

Observa-se que ficou assegurada constitucionalmente a

participação popular nas direções políticas dos colegiados de todos os

sistemas da seguridade social (saúde, previdência e assistência social), em

conjunto com os órgãos públicos, em substituição ao tradicional sistema

representativo, podendo-se dizer que se iniciou uma nova práxis da

democracia participativa, conforme amparo previsto no artigo 10, caput da

Constituição de 1988.

Destacado do artigo 194 e inserido no parágrafo 5º do artigo 195,

aparece o principio da contrapartida, fundamental para o sistema de

seguridade social, como lapidarmente ressalta Pedro Vidal Neto: “Não é

Page 28: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

19

possível proporcionar benefícios e serviços sem a provisão de recursos

econômicos para sua efetivação.”19

Esse princípio, imerso no subsistema de seguridade social,

entrelaça inafastavelmente as prestações ao custeio, e se encontra positivado

no artigo 195, parágrafo 5º da Constituição Federal de 1988, que prescreve:

“Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado,

majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”

A regra da contrapartida pode ser observada por dois ângulos

distintos. De um lado, materializa-se na noção de dever de equilíbrio do

orçamento da seguridade social.

Ninguém pode supor que o ordenamento jurídico autorize o

descompasso entre metas a serem atingidas e recursos disponíveis, como

ensina Wagner Balera:

“É que, se o esquema engendrado pelo parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição não admite a criação de nenhum benefício sem a correspondente fonte de custeio total, por simples aplicação do modus tollens deve carregar consigo a conseqüência natural de que, posta a fonte de custeio, já está criado o benefício. (...) Atentando para a construção lógica do chamado modus tollens percebe-se que, dado um condicional (se p então q), a negação do conseqüente (q) leva a negar também o antecedente. A regra da contrapartida ajusta-se a esse esquema lógico condição sem a qual o sistema não pode funcionar com equilíbrio.”20

O cumprimento desse princípio é essencial para a promoção do

equilíbrio do sistema de seguridade social, e assim o legislador só poderá criar

19 Pedro Vidal Neto, Natureza jurídica da seguridade social, p. 181. 20 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 55.

Page 29: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

20

novas prestações de seguridade, aumentar o valor das já existentes ou ampliar

o espectro da universalidade subjetiva se houver expressa previsão em lei de

fontes de custeio para tais prestações.

Esses princípios devem ser levados à exaustão pelo Estado

(sociedade brasileira), através de seus agentes políticos da Administração

direta, também denominados “poderes constituídos”.

A seguridade social tem instituto próprio, ou seja, o Instituto

Nacional do Seguro Social e o Conselho Nacional de Seguridade Social.

O artigo 22, inciso XXIII da Constituição Federal dispõe que

compete privativamente à União legislar sobre seguridade social. Isso indica

que a seguridade social não é parte do direito do trabalho, pois do contrário o

legislador constituinte diria que a União iria legislar apenas sobre direito do

trabalho, e não sobre seguridade social.

Portanto, fica evidente sua autonomia, reforçando a idéia de que

um instituto autônomo deve ter seu próprio financiamento, e para mantê-lo os

entes federativos devem cumprir seu papel em relação ao financiamento

indireto através de seus orçamentos.

Page 30: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

2 ANÁLISE HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL

2.1 Evolução histórica da seguridade social

A análise histórica é para o nosso trabalho fundamental, dado que

as idéias e as posições doutrinárias base, num determinado momento, são, até

certo ponto, ou mesmo em grande parte, o resultado da evolução do

pensamento e da ação dos homens, das sociedades e dos Estados.

A origem das primeiras formas de proteção social confunde-se

com a própria existência do homem e de sua organização em família e

sociedade21. Isso porque, nos momentos de dificuldade, é da natureza humana

a necessidade de ajuda de seus pares. Nesse sentido, o homem precisa de

amparo na infância e na velhice e de ajuda médica na doença. Ele precisa de

ajuda financeira no desemprego, quando os encargos da família excedem os

meios para sustentá-la, e assim por diante.

As características atuais dos sistemas de segurança social e dos

respectivos ordenamentos jurídicos refletem sempre, em maior ou menor

escala, um processo evolutivo, um movimento dinâmico feito de mudanças,

de recuos e de progressos, em suma, das interações verificadas no decurso do

tempo.22

Segundo Ilídio das Neves:

“(...) análise histórica revela-se, no entanto, particularmente significativa num domínio como o do sistema e do direito da segurança social, não só por serem realidades relativamente recentes na Europa, onde surgiram há pouco

21 Celso Barroso Leite; Luiz Assumpção Paranhos Velloso, Previdência social, p. 32. 22 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 1.

Page 31: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

22

mais de 110 anos, mas também porque no atual debate acerca da sua crise e da necessidade de uma reforma, algumas propostas de reforço da intervenção de modalidades privadas, baseadas em seguros coletivos e em fundos de pensões geridos em capitalização, vêm, no fundo, a levantar a questão do reordenamento interno dos sistemas através de uma ponderação crítica daquela evolução, dos momentos mais significativos das mudanças verificadas e dos pressupostos técnicos e doutrinários em que se basearam as decisões tomadas.”23

O trabalho é a origem do sustento do homem. Segundo a Bíblia

Sagrada, no início da criação, disse Deus: “Do suor do teu rosto comerás o teu

pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; pois é pó e ao pó

tornarás”.24

Portanto, o sustento da família depende necessariamente do

trabalho e o protótipo de qualquer forma de seguridade social representa a

solidariedade das gerações, a responsabilidade do chefe em relação ao grupo,

a generalização da responsabilidade e a atividade de previsão.

No entanto, a capacidade da família, tanto econômica como

técnica, na luta contra o infortúnio, é limitada. Se não houver um médico na

família, a pessoa adoentada ficará sem amparo. Ou então, caso o chefe da

família perca o emprego, e nenhum outro membro estiver trabalhando, toda a

família ficará inevitavelmente em dificuldade.

O homem procurou, desde o passado mais remoto, associar-se

com seus semelhantes, formando grupos cada vez maiores e organizados, para

superar os efeitos de necessidades e adversidades que o desequilibrassem

moral e financeiramente. Com o decorrer do tempo, essa associação, que era

23 Ilídio das Neves, Direito da segurança social..., p. 147. 24 Bíblia Sagrada, Gên 3,19.

Page 32: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

23

livre e calcada apenas no hábito e na solidariedade voluntária das pessoas,

passou a ser exigida por força de lei.

A evolução dos sistemas de proteção, até a seguridade social, é a

história da transferência gradual da responsabilidade, das pessoas para grupos

mais organizados e economicamente mais fortes, até se chegar ao Estado. É a

história ainda da ampliação dos riscos e necessidades de serem

compreendidos.

Celso Barroso Leite e Luiz Paranhos Velloso anotam que o

Estado:

“(...) trouxe para sua órbita o esforço coletivo que já se vinha empreendendo mediante o mutualismo, e assim surgiu o seguro social. Paralelamente, assumiu o estado o encargo de prestar, no todo ou em parte, em amplitude variável de país para país, pelo menos algumas formas de assistência a que a solidariedade de grupos ou simples espírito caritativo tinham dado origem desde tempos imemoriais; e dessa maneira surgiu a assistência pública, ou assistência social.”25

2.1.1 Idade antiga

Aguinaldo Simões revela que as notícias mais remotas de

comportamento humano preocupado com o bem-estar das pessoas advêm de

obras religiosas e literárias. Essa preocupação estaria presente na antiga

China, por meio dos ensinamentos de Confúcio; na antiga Índia, onde se

ligam a ela preceitos de budismo e fórmulas para se “curar doentes”; e entre

os hebreus dos tempos bíblicos.26

25 Celso Barroso Leite; Luiz Assumpção Paranhos Velloso, Previdência social, p. 31. 26 Aguinaldo Simões, Princípios da segurança social: previdência social e assistência, p. 70-71.

Page 33: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

24

José do Reis Feijó Coimbra anota que:

“Como lembra Oscar Saraiva, as primeiras manifestações de proteção social se assinalam em épocas recuadas, pois em Teofrasto (228 a.C.), encontra-se referência à associação existente na Helade, cujos membros contribuíam para um fundo, à conta do qual era prestado socorro aos contribuintes que viessem a ser atingidos por adversidades.”27

Em Roma, existiram associações de finalidades similares,

dedicadas à proteção de seus membros, como indica Jefferson Daiber, ao lado

das instituições de caridade (Cód. Teodósio – 1.15.17.19 e 22 – De Sacros

Eccles).28

Mozart Victor Russomano complementa essas informações

considerando “razoável admitir-se que os agrupamentos profissionais da

Índia, dos hebreus e dos árias (indicados no Hamurabi) tivessem finalidades

assistenciais, ao lado da defesa dos interesses de seus integrantes”29. Essas

finalidades também existiam nas organizações profissionais dos pastores,

agricultores, barqueiros e soldados do antigo Egito.

Os gregos antigos, assim como os demais povos da época,

viviam sob a disciplina e o amparo da família, e esta sob a proteção de sua

religião e dos seus deuses domésticos, não se conhecendo naqueles remotos

tempos exemplo de assistência, e menos ainda de previdência fora das

primeiras organizações de trabalhadores na Grécia30, os “eranol”, quando

apareceram algumas normas de caráter assistencial e até mesmo um embrião

de socorro mútuo.

27 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 2. 28 Jefferson Daibert, Direito previdênciário e acidentário do trabalhador urbano, Rio de Janeiro:

Forense, 1978, apud José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 2. 29 Mozart Victor Russomano, Curso de previdência social, p. 3. 30 Ibidem, p. 7.

Page 34: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

25

Para José Manuel Almansa Pastor, as associações na

Antigüidade romana já tinham clara finalidade mutualista porque a sua

constituição exigia a união de pelo menos três indivíduos que se

comprometiam a contribuir periodicamente para a formação de um fundo

comum destinado especialmente à cobertura dos gastos com doença e morte.31

A exigência de contribuição periódica dos indivíduos

levou Mozart Victor Russomano também a destacar o caráter mutualista das

associações da antiga Roma.32

Anníbal Fernandes entende que mutualismo é a “forma de

associação baseado no princípio da reciprocidade de direitos e obrigações

entre os participantes”33. Ele se destina à proteção contra riscos, hoje melhor

designados como contingências sociais. O nascimento do mutualismo

propriamente dito será discutido no próximo item.

2.1.2 Idade média

A derrocada do Império Romano do Ocidente deu lugar

aos reinos bárbaros e ao feudalismo, mas a evolução sócio-econômica

também propiciou, no século X, o ressurgimento das trocas comerciais e o

incremento das concentrações urbanas, mesmo nas regiões em que a vida

rural era anteriormente dominante.

Nas novas cidades, a vida urbana levou o trabalho a outras

formas de cooperação e organização. Os artesãos associaram-se em guildas e

31 José Manuel Almansa Pastor, Derecho de la seguridad social, p. 85. 32 Mozart Victor Russomano, Curso de previdência social, p. 4. 33 Anníbal Fernandes, Mutualismo, sua origem, sentido e alcance, p. 67.

Page 35: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

26

corporações de ofícios. As guildas eram associações de proteção mútua que

ampliaram o círculo de atuação dos artesãos, regulamentando e elevando o

seu trabalho ao nível de verdadeiras corporações profissionais. Influenciadas

pelos princípios cristãos da caridade e fraternidade, as guildas estimulavam a

solidariedade de seus membros, vinculando-se por laços de fraternidade e

assistência.

Diversas outras organizações foram criadas nos moldes das

guildas. Esclareça-se que o advento do cristianismo seguramente influenciou

o espírito da seguridade social, na medida em que suscitava a caridade, a

fraternidade e a solidariedade das pessoas, valores que passaram a ser grandes

norteadores da conduta humana.34

As corporações da Idade Média estavam estruturadas para

proteção de seus membros, pertencentes a uma determinada categoria e

localidade, das contingências sociais, tarefas hoje atribuídas ao Estado, tais

como a assistência médica e o auxílio-funeral. Elas não recebiam recursos do

Estado e nem tinham o caráter de compulsoriedade do seguro social moderno,

estando calcadas em um modelo que se denominou mutualismo.35

No século XIV, surgiu o seguro do transporte marítimo,

destinado a indenizar o navegador das perdas eventualmente sofridas nas

viagens empreendidas.

34 Aguinaldo Simões, Princípios de segurança social; previdência social e assistência, p. 72-73. 35 Segundo a doutrina pátria, o marco inicial da seguridade social é a legislação que consagrou pela

primeira vez o direito subjetivo à proteção social, a Lei dos Pobres da Inglaterra. (Wagner Balera, A seguridade social na constituição de 1988; Celso Barroso Leite e Luiz Paranhos Velloso, Previdência social; José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro).

Page 36: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

27

Em 1601, foi instituída na Inglaterra a Lei dos Pobres, que

conferia a prestação de auxílio às pessoas comprovadamente necessitadas.

Essa Lei de 19 de dezembro de 1601, da Rainha Isabel I, criou contribuições

compulsórias, denominadas poor taxes, como fonte de custeio, que vigeram

por aproximadamente um século e meio.36

José dos Reis Feijó Coimbra esclarece que as formas de

proteção do trabalhador na Idade Média jamais lograram moldar um sistema

apoiado na solidariedade de toda uma categoria da população ou profissão.37

Os cidadãos ainda não tinham consciência de que um

eficiente e funcional sistema de proteção assistencial deveria se calcar em

normas jurídicas, a consagrar um direito individual contra o Estado. Até

porque o sistema jurídico vigente permitia ao Estado limitar sua condição de

obrigado, tanto do valor da obrigação, quanto da eleição do próprio credor38.

Esse sistema vigorou até a eclosão do liberalismo e da Revolução Francesa.

Há que se citar, também, como instituição que trouxe

subsídios à evolução histórica, mais especificamente da previdência social, a

caixa econômica, que substituiu os “pés-de-meia” de pequenas economias em

depósitos individuais, com a permissão de retiradas mensais.39

36 Marcos Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade

social, p. 2. 37 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 5. 38 Ibdem, mesma página. 39 Marcus Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, ob. cit., p. 3.

Page 37: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

28

A primeira caixa econômica foi organizada em Hamburgo,

na Alemanha, em 1778, sendo posteriormente instituída na Inglaterra e nos

Estados Unidos, em 1816.40

Entretanto, mesmo anteriormente aos fatos já expostos, a

maior contribuição à matéria foi dada pelo seguro privado, fonte inspiradora

do seguro social. Ressalta-se que o seguro privado a prêmio, como contrato

aleatório, ficou bem caracterizado a partir do século XII. Da França,

recebeu o seguro embasamento jurídico próprio e, da Inglaterra, a estrutura

matemática, que se preocupou com a elaboração de estatísticas, tábuas

biométricas, cálculo das probabilidades, compensação e pulverização dos

riscos, e outras técnicas peculiares à ciência atuarial. Assim, estavam

criadas as condições técnicas indispensáveis ao aparecimento do seguro

social.41

2.1.3 Revolução francesa – assistência pública

A eclosão da Revolução Francesa e o advento da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada pela Assembléia

Constituinte da França em 27 de agosto de 1789, imprimiram um novo rumo

às formas de proteção social.

As corporações de ofício foram extintas, porém, no que

concerne à assistência social, elas já haviam sido substituídas pelas

sociedades mútuas, a partir da segunda metade do século XVIII.

40 João Gualberto de Oliveira, Caixas econômicas: economia e história, p. 17. 41 Marcus Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade

social, p. 3.

Page 38: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

29

Segundo José do Reis Feijó Coimbra, a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão “pareceu inscrever entre seus princípios

básicos a pedra fundamental da atual seguridade social”.42

Assim, o auxílio prometido aos necessitados passava a ser

uma dívida da sociedade, um direito do cidadão. Faltava para a inauguração

da seguridade social apenas o reconhecimento pela legislação desse direito,

uma vez que se teria, no rol dos direitos juridicamente protegidos do homem,

o de ser amparado pelo Estado nas situações de necessidade derivadas de um

risco social.

Tal reconhecimento, entretanto, não se deu logo após o

advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão porque, à

primeira vista e pelos mais ortodoxos, poderia ser visto como contrário ao

liberalismo de base individualista que estava sendo inaugurado.

Qualquer medida de amparo estatal ao mais fraco seria

contrária ao pensamento à época dominante, qual seja, a de que o Estado

deveria eximir-se ao máximo da intervenção econômica. Mais tarde, ver-se-ia

que o problema do indivíduo acabaria refletindo na própria sociedade. Ou

seja, o direito individual era na verdade um problema da sociedade.

Aos poucos, houve o aperfeiçoamento do pensamento

dominante, no sentido de que os interesses individuais não poderiam

sobrepujar os interesses coletivos, sob pena de colocar em risco a estabilidade

social do país. Era imperativo que se legislasse em busca do equilíbrio das

relações do capital com o trabalho.

42 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 6.

Page 39: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

30

A intervenção do Estado na economia se fazia necessária à

proteção da liberdade do cidadão e à mantença dos três postulados

fundamentais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade (ou

solidariedade).

Ao mesmo tempo, todos se conscientizavam de que o fim

do Estado era o bem comum e que os direitos individuais deveriam ser

disciplinados em conciliação aos direitos da sociedade.

Ao cabo dessa evolução de pensamentos, admitia-se que o

principal fim do Estado era o bem comum da sociedade. Era necessário que

ele interviesse na economia, a fim de garantir a segurança do cidadão.

Era dever social a aplicação de parcela da receita tributária

no auxílio aos desafortunados e em sua manutenção, quando isso não fosse

possível pelo próprio esforço. E, assim, o Estado Liberal se viu, aos poucos,

substituído pelo moderno Estado Democrático, verdadeiramente Estado

Social.

2.1.4 Revolução Industrial – previdência social

Com a Revolução Industrial do século XIX, houve a

introdução do uso em larga escala de máquinas, a transformar o modo e o

ritmo de produção econômica, fazendo surgir uma massa de trabalhadores que

viviam de baixos salários, sem gozar de nenhum tipo de estabilidade.

A falta de cobertura dos riscos sociais gerava angústia e

insegurança nos trabalhadores, que trataram de organizarem-se em sindicatos.

Os protestos e as greves, a postularem pela melhoria das condições de

Page 40: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

31

trabalho, não tardaram a surgir. Os trabalhadores tinham a seu favor o poder

de voto.

Note-se que o Estado Liberal não encontrou meios de

efetivar práticas anteriores, de forma a substituir as obras de assistência e

previdência postas em prática pelas abolidas corporações de ofício e grêmios

organizados pelo cristianismo através dos séculos. O capitalismo passou a

dominar como sistema, dirigindo à sua vontade a lei da oferta e da procura,

criando um verdadeiro mercado de trabalho humano, tornando insuportáveis

as condições de vida.

Percebendo o vazio moral deixado pelas idéias liberais

revolucionárias, Napoleão, procurando dirimir os excessos da Revolução,

firmou com a Santa Sé, em 15 de julho de 1801, a concordata, que permitiu à

Igreja Católica o retorno à defesa dos trabalhadores desamparados e a

prestação de serviços a eles.43

Em 1869, o Parlamento da Confederação Norte, diante dos

graves problemas trazidos pelo desenvolvimento industrial na Alemanha,

convidou o chanceler Bismark a desenvolver um projeto de “seguro

operário”, apto a substituir a limitada assistência pública.44

Estudando as bases do sistema de cooperativa, do

mutualismo do seguro privado e do socorro mútuo, Bismarck e seus

colaboradores chegaram à conclusão de que, com respaldo em tais idéias,

43 Marcus Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade

social, p. 4. 44 Ibidem, p. 5.

Page 41: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

32

poderiam combater o socialismo e o capitalismo, em um só tempo, que

ameaçavam a estabilidade política do Império Alemão.

Como fruto de tal reflexão, Bismark instituiu na Alemanha

o seguro-doença (em 1883), custeado por contribuições dos empregados,

empregadores e Estado; o seguro contra acidentes (em 1884), custeado pelos

empresários; o seguro de invalidez e velhice (em 1889), também baseado na

contribuição tríplice. Todos esses seguros eram de filiação obrigatória pelos

trabalhadores que recebessem até 2.000 marcos anuais.45

O sistema de seguro social obrigatório alemão, idealizado

por Bismark, e constituído basicamente pelos três ramos vistos – seguro-

doença, seguro-acidente e seguro-velhice e invalidez – exerceu forte

influência nos seguros sociais obrigatórios, que rapidamente se espalharam

pela Europa, de 1885 a 1935. Tal sistema ficou conhecido como sistema

clássico de seguro social, caracterizado pela existência de um conjunto

heterogêneo e autônomo de seguros sociais.

O sistema de seguro social de Bismark é tido, pela maioria

dos autores, como marco histórico-legal da previdência social. E, de fato, pela

primeira vez na história, se tem, por imposição legal, uma articulação de

esforços entre o Estado, empresário e trabalhador, a formar uma técnica de

proteção direta a essa última classe.46

Oportunas as palavras de Wagner Balera:

45 Ilídio das Neves, Direito da segurança social..., p. 149. 46 Celso Barroso Leite; Luiz Assumpção Paranhos Velloso, Previdência social, p. 35.

Page 42: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

33

“A previdência social é, antes de tudo, uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez e acidentes no trabalho.”47

2.1.5 Advento da seguridade social

Da instituição do seguro social obrigatório em 1883, na

Alemanha, que, repita-se, inaugurou a previdência social no mundo, até o

advento da seguridade social propriamente dita, Celso Barroso Leite e Luiz

Paranhos Velloso48 didaticamente distinguem três períodos:

O primeiro período estende-se de 1883 até 1918 (término

da Primeira Guerra Mundial), e corresponde à expansão da previdência social

nos países da Europa. O segundo período inicia-se em 1918, perdurando até

1945, e corresponde à universalização do seguro social obrigatório. E,

finalmente, o terceiro período, que se inicia com o final da Segunda Guerra

Mundial (1945) e caracteriza-se pela progressiva passagem da previdência

social para o que se convencionou chamar de seguridade social.

É claro que essa divisão é meramente didática, sendo até

intuitivo que a seguridade social não foi “programada”, mas sim concebida ao

longo do tempo pela influência dos fatos e documentos associados, cuja

intensidade nem sempre respeita a ordem ali indicada. Dessa didática divisão,

tem-se as duas guerras mundiais como marcos históricos representativos da

evolução da seguridade social.

47 Wagner Balera, Introdução à seguridade social, p. 31. 48 Celso Barroso Leite; Luiz Assumpção Paranhos Velloso, Previdência social, p. 36-39.

Page 43: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

34

Isso ocorreu porque o momento de guerra em geral é

propício ao desenvolvimento dos sistemas de proteção social, em razão do

aumento da preocupação das pessoas com a segurança, e pelo

desenvolvimento tecnológico e industrial que os países em conflito

inevitavelmente acabam apresentando.

A seguir, indicaremos os principais fatos e diplomas

históricos referentes à evolução da seguridade social, começando pela

encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão XIII em 1891, que defende

a intervenção do Estado na economia para a defesa do interesse comum e

implantação dos seguros obrigatórios.49

Debatendo a questão do intervencionismo estatal (e

decerto aprovando o seguro social bismarkiano), ela prega que:

“Assim como por todos estes meios o Estado pode tornar-se útil às diversas classes, pode igualmente melhorar muitíssimo a sorte da classe operária e isto em todo o rigor do seu direito e sem temer a censura de ingerência indébita, pois que, em virtude mesmo do seu ofício, o Estado deve servir o interesse comum. E é evidente que, quanto mais se multiplicarem as vantagens resultantes desta ação de ordem geral, tanto menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar as condições dos trabalhadores.”50

Em 1919, o tratado de Versalhes e a conseqüente criação

da Organização Internacional do Trabalho (OIT) deram impulso à criação de

diversas convenções e recomendações internacionais, uniformizando e

difundindo as normas de seguro social. Essas medidas foram decisivas para a

construção do arcabouço jurídico da seguridade social.

49 Papa Leão XIII, Rerum Novarum sobre as condições dos operários, p. 5. 50 Marcus Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade

social, p. 6.

Page 44: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

35

Ainda em 1919, surge a Constituição de Weimar, que

confere dignidade constitucional à questão social, inaugurando a época do

constitucionalismo social, a substituir as velhas estruturas jurídicas baseadas

no individualismo. Sua importância para a seguridade social está traduzida

nas palavras de Wagner Balera:

“Velhas estruturas jurídicas baseadas no individualismo cedem passo, ante essa ordem na qual se acha colocado, como elemento subjacente, o solidarismo. Dali para frente caberá ao Estado atuar como agente no desenvolvimento social e, desse lugar de comando, sobrepor-se ao aleatório das situações concretas. Contando com o auxílio do planejamento – talvez sua principal arma tática – cumpre ao Estado providência engendrar, num sistema, a segura cobertura das terríveis contingências que deram causa à questão social.”51

O Social Security Act, de 1935, foi instituído nos Estados

Unidos durante o governo Roosevelt, como plano de resposta à grave crise

econômica do país, utilizou pela primeira vez a expressão seguridade social e

ganhou voga com a lei neozelandesa de 1938.

As duas leis são exemplos de um regime de grande

alcance, cobrindo os riscos biológicos e econômicos, baseado na fusão dos

princípios da assistência e do seguro.

A Carta do Atlântico, de 1941, dentre outras declarações,

afirmava o desejo “de lograr no campo da economia a colaboração mais

estreita entre todas as nações, com o fim de conseguir para todos melhoria nas

normas de trabalho, prosperidade econômica e seguridade social”. Em 1942, é

realizada, em Santiago do Chile, a Primeira Conferência Interamericana de

51 Wagner Balera, Introdução à seguridade social, p. 34.

Page 45: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

36

Seguridade Social, ocasião na qual foi editada a Declaração de Santiago,

contendo os objetivos e o conteúdo da seguridade social.

O Reino Unido, como preparação de seu programa de

reconstrução para o pós-guerra, criou uma comissão interministerial, sob o

comando de Wiliam Beveridge, para preparar um plano unificando todos os

sistemas de seguro e de assistência social. Conforme anota José Almansa

Pastor, a Comissão Beveridge teceu críticas ao seguro social clássico,

oferecendo uma nova visão sobre o instituto, inspirada na libertação das

necessidades sociais pela adequada e justa redistribuição de renda. Com

efeito, o sistema de proteção social não poderia reduzir-se a um mero

conjunto de seguros sociais, devendo abranger a assistência social, um serviço

nacional de saúde, ajuda à família e seguros voluntários.52

O chamado Plano Beveridge, de 1942, concebeu um

seguro nacional, cujas características principais são: unificação e

homogeneidade dos seguros sociais, incluindo os acidentes de trabalho, que

devem abandonar a proteção baseada na responsabilidade empresarial;

unificação das contribuições, para a simplificação econômica e

administrativa, abrangendo todos os riscos; igualdade das prestações e das

condições para sua aquisição, atendendo mais às necessidades do que aos

riscos; dar caráter de serviço público à prestações da seguridade social;

universalização da cobertura e do atendimento; dever de pensar em outras

fontes de custeio, além do salário, devendo o Estado garantir a parte faltante.

52 José Manuel Almansa Pastor, Derecho de la seguridad social, p. 73-74.

Page 46: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

37

O Plano Beveridge foi publicado em dezembro de 1942,

pouco antes do Natal, e algumas semanas após a batalha de El Alamein, que

se travou no deserto do norte da África.53

A imprensa popular teria, inclusive, cunhado a seguinte

frase para definir o plano: from the cradle to the grave (do berço ao túmulo),

em uma alusão à cobertura de todas as necessidades humanas, desde o

nascimento, até a morte.

Houve imediato reconhecimento popular de que o plano

era dirigido a uma Inglaterra mais igualitária, e Beveridge rapidamente viu

sua popularidade crescer.

Entretanto, o Partido Conservador logo se manifestou

contrariamente, considerando o plano por demais distanciado da realidade.

Além do Plano Beveridge, as recomendações da

Organização Internacional do Trabalho sobre garantia dos meios de

assistência médica (Declaração de Filadélfia, de 1944) atraíram atenção geral

quanto a: estender a seguridade social à totalidade da população; reconhecer a

unidade essencial das funções de garantia dos meios de vida, que até então

figuravam em regimes diferentes; reconhecer a unidade essencial dos serviços

sanitários preventivos e curativos; conceder benefícios iguais, pelo menos ao

mínimo vital, compreendendo o salário-família; manter os princípios do

seguro e especialmente o da contribuição dos segurados; reconhecer que a

seguridade social não é possível sem uma política de pleno emprego e não

constitui mais que uma parte da campanha total para a liberação da

53 Marcus Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade

social, p. 9.

Page 47: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

38

necessidade; prever serviços complementares de assistência social, a fim de

cobrir as necessidades não satisfeitas pelo seguro social.54

A idéia de seguridade social idealizada pelo Plano

Beveridge foi imediatamente acolhida por todos os governos e povos do

mundo livre, exercendo influência sobre a legislação da Commonwealth, dos

Estados Unidos antes do fim da guerra, dos países da América Latina, assim

como de países como Índia, Turquia e Egito.

Finalmente, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos

Humanos aprovada pela Organização das Nações Unidas estatuiu em seu

artigo 22 que “toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à

seguridade social e a obter, mediante o esforço nacional e a cooperação

internacional, levados em conta a organização e os recursos de cada Estado, a

satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua

dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade”.

Em 1952, a Conferência Internacional do Trabalho

aprovou a Convenção n. 102, que trata das normas mínimas de seguridade

social, revelando o grau mínimo de proteção social que o Estado deve

propiciar aos seus cidadãos.

2.1.6 Necessidades individuais com complicações sociais

Questão importante, e para a qual Celso Barroso Leite

expressamente sempre chamou atenção em seus trabalhos, reside no fato de

que as necessidades essenciais de cada indivíduo que a seguridade social deve

54 José Manuel Almansa Pastor, Derecho de la seguridad social, p. 74.

Page 48: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

39

atender podem se tornar necessidades sociais. Isso porque, se as necessidades

aparentemente individuais não forem atendidas, atingem os demais indivíduos

e a sociedade inteira. Esse é um dos principais motivos a justificar o caráter

social das prestações da seguridade social.55

Nesse sentido, Rio Nogueira também assinala que

“Se não existisse o INPS, grandes massas obreiras ficariam entregues à miséria extremada, quando o infortúnio roubasse o potencial laborativo dos trabalhadores. Sobreviria a crise, e, na imprevidência generalizada, a grande vítima seria o próprio Estado, que lhe deveria enfrentar as conseqüências.”56

As manifestações desses dois autores são deduções lógicas

que se extraem da história e das noções conceituais da seguridade social. Mas,

ainda que elas pareçam óbvias, são pilares a justificar a seguridade social,

apesar de as prestações da seguridade social serem em geral direcionadas à

proteção da sociedade em geral. Assim, todos têm interesse na seguridade

social, e todos devem custeá-la.

Para James M. Malloy, as manifestações históricas

denotam que:

“(...) um fenômeno decisivo do século XX foi o surgimento e o desenvolvimento do bem-estar. A maioria dos países adotou ‘programas sociais’ destinados a proteger, no mínimo, uma parte dos cidadãos, das vicissitudes da vida moderna causadas por perturbações sociais próprias do desenvolvimento econômico e da modernização.”57

55 Celso Barroso Leite, A proteção social no Brasil, p. 16-17 e Conceito de seguridade social, p.

19-25. 56 Rio Nogueira, A crise moral e financeira da previd6encia social, p. 14. 57 James M. Malloy, A política da previdência social no Brasil, p. 11.

Page 49: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

40

2.2 Evolução histórica da seguridade social no Brasil

José dos Reis Feijó Coimbra explica que a política social

brasileira de amparo ao homem evoluiu da assistência prestada por caridade

de seus semelhantes, até o estágio em que se mostra como um direito

subjetivo, garantido pela sociedade aos seus membros, que é, na verdade, o

reflexo de três formas de atuação: a beneficência, a assistência pública e a

previdência.58

Desde a colônia, as maiorias viviam oprimidas pelos senhores de

engenho e forneciam seu trabalho braçal escravo nas fazendas de cana-de-

açúcar.

Historicamente, a burguesia agrária beneficiou-se primeiro da

mão-de-obra dos africanos, depois dos trabalhadores rurais nativos e, mais

tarde, dos imigrantes pobres oriundos da Europa, sem alternativas na sua terra

de origem, principalmente os de origem italiana, em decorrência do

capitalismo mercantilista em franco progresso no Continente Europeu.59

No Brasil, esses trabalhadores estavam subordinados à classe

dominante da época, ou seja, aos coronéis proprietários das grandes extensões

de terra em que era cultivada a cana-de-açúcar e depois o café, que se

transformaram em exportadores das matérias-primas transportadas pelas

ferrovias brasileiras.

58 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 32. 59 Aldemir de Oliveira, A previdência social na carta magna, p. 25.

Page 50: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

41

A Constituição outorgada pelo Imperador D. Pedro I em

25.3.1824, no artigo 179, XXXI do Título VIII, pela primeira vez na história

brasileira inseriu no texto constitucional, ainda que de forma meramente

assistenciária, um instrumento de ajuda aos cidadãos brasileiros mais

necessitados.60

A ideologia liberal francesa repercutiu no Brasil Império e os

constituintes de 1824 introduziram no Texto Maior, como garantia, o primeiro

instrumento de proteção social aos cidadãos que se encontrassem em estado

de necessidade, isto é, em estado de calamidade pública.

Importante destacar que primeiramente prevaleceu a beneficência

inspirada pela caridade, e é exemplo dela a fundação da Santa Casa de

Misericórdia, pelo Padre José de Anchieta, no século XVI. Já de molde

diverso foram as Irmandades das Ordens Terceiras, surgidas no século XVII,

que se configuravam como mutualidades. Da assistência pública tem-se

notícia inaugural em 1828, com a Lei Orgânica dos Municípios, ao tempo em

que outra forma de mutualidade, o Montepio Geral da Economia, surgia em

1835. Do seguro social, tal como muito após se formulou, nos tempos

anteriores ao século XX pouco se cogitou.61

As caixas funcionaram muito bem no período imperial como

instrumentos de um verdadeiro seguro em bases sociais, por meio dos

montepios.

O desenvolvimento dos montepios foi decrescendo no país, face

aos conglomerados populacionais nas metrópoles brasileiras, efeito da

revolução industrial em franca expansão nos países europeus.

60 Aldemir de Oliveira, A previdência social na carta magna, p. 26. 61 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 32.

Page 51: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

42

2.2.1 Primeiras legislações brasileiras de seguro social No Brasil, no fim do Império, algumas medidas

legislativas foram tomadas para proporcionar aos empregados públicos

alguma forma de proteção.

Observamos existirem caixas de socorros em cada uma das

estradas de ferro do Estado (Lei n. 3.397/1888), o fundo de pensões do

pessoal das oficinas da Imprensa Nacional (Dec. n. 10.269/1889), o montepio

obrigatório dos empregados do Ministério da Fazenda (Dec. n. 942-A), a

aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil (Dec.

n. 221/1890), benefício depois ampliado a todos os ferroviários de empresas

do Estado (Dec. n. 565/1890), a aposentadoria por invalidez e a pensão por

morte dos operários efetivos do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (Lei n.

217/1892), a caixa de pensões dos operários da Casa da Moeda (Dec. n.

9284/11), a caixa de pensões e empréstimo para o pessoal das capitazias da

Alfândega do Rio de Janeiro (Dec. n. 9.517/1912) e, em 1917, a caixa de

aposentadoria e pensões para os operários da Casa da Moeda.62

Em 1923, foi promulgada a Lei n. 4.682, conhecida como

Lei Eloy Chaves, instituindo uma caixa de aposentadoria e pensões para cada

empresa ferroviária, tornando seus empregados segurados obrigatórios, e

desfrutando dos seguintes benefícios: assistência médica, aposentadoria por

tempo de serviço e por idade avançada, por invalidez após dez anos de serviço

e pensão aos seus dependentes. Posteriormente, a Lei n. 5.109/1926 deferiu

igual regime de amparo aos empregados e empresas de navegação marítima e

fluvial, bem como aos portuários.63

62 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 33. 63 Ibidem, mesma página.

Page 52: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

43

Com a criação do Ministério do Trabalho com

competência para assuntos de previdência social, apareceram institutos

amparando não mais os servidores de uma só empresa, mas de uma categoria

profissional, em todo território nacional.

Surgem então o instituto dos marítimos, o IAPM (Dec. n.

22.872/1933), o instituto dos comerciários, o IAPC (Dec. n. 24.273/1934), o

instituto dos bancários, o IAPB (Dec. n. 24.615/1934), o instituto dos

trabalhadores em transportes de cargas, o IAPTC (Dec. n. 7.720/1945), e

assim por diante, até o maior de todos, que foi o dos industriários, o IAPI

(Dec. n. 627/1936).64

Além desses institutos, que executavam as mesmas

atividades, foram proporcionadas aos trabalhadores outras formas de serviços:

em 1940, foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS);

em 1941, foi instituído o abono em benefício das famílias de prole numerosa

(Dec. n. 4.890/1942), origem da Legião Brasileira de Assistência (LBA); o

Decreto n. 4.048/1942 organizou o Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI); em 1946, surgiu o Serviço Nacional de Aprendizagem

Comercial (SENAC), através do Decreto n. 8.261; posteriormente, surgiu o

Serviço Social da Indústria (SESI), pelo Decreto n. 9.403, e, por fim, o

Serviço Social do Comércio (SESC), pelo Decreto n. 9.853.

A separação das categorias profissionais resultava em uma

proteção diferenciada, quando o ideal seria a unificação da previdência,

tentativa frustada feita em 1945, através do Decreto n. 7.526, que criou o

Instituto dos Seguros do Brasil.

64 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 34.

Page 53: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

44

A uniformização legislativa da área previdenciária

começou em 1947, quando o deputado Aluízio Alves apresentou um projeto

de lei que previa o amparo social de toda a população, sob moldes diversos,

do qual resultou a Lei n. 3.807, de 23 de agosto de 1960, conhecida mais pela

sua sigla LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social, proporcionando

unidade de tratamento para os chamados segurados e dependentes.65

Essa Lei criou o chamado regime geral de previdência

social, que operou importantíssimas mudanças, mas não unificou os

organismos gestores, nem assegurou proteção a todos, excluídos os

domésticos e os trabalhadores do campo.

Os trabalhadores do campo tiveram sua proteção efetivada

pela Lei n. 4214/63, chamada de Estatuto do Trabalhador Rural, cuja

concretização se deu em 1971 com a Lei Complementar n. 11, que deu ao

trabalhador rural, de modo efetivo, a proteção social tanto esperada,

instituindo o sistema de amparo do Prorural.66

A LOPS generalizou e unificou em um modelo único a

proteção social dos trabalhadores relacionados às atividades privadas, porém

só em 1966 é que o Decreto n. 72 criou um único organismo, unificando as

instituições previdenciárias: surge então o Instituto Nacional de Previdência

Social (INPS).

Todas as instituições teriam que ser cuidadas por um único

ministério, o que acontece em 1974, quando foi criado o Ministério da

Previdência Social, porém a grande reformulação aconteceu somente em

65 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 35. 66 Ibidem, p. 36.

Page 54: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

45

1977, com a promulgação da Lei n. 6.439, que não alterou os direitos

subjetivos dos beneficiários, previstos nas leis anteriores, mudando-se apenas,

e por conveniência administrativa, a estrutura orgânica das entidades, sujeitos

passivos das obrigações de amparo, com a instituição do Sistema Nacional de

Previdência e Assistência Social (SINPAS). Essa Lei também reordenou o

ambiente previdenciário, criando áreas específicas de atuação, relativas à

prestação de serviços, à assistência médica, à assistência social e à gestão

financeira do sistema.67

Portanto, um grande passo foi dado, não existindo mais a

divisão por clientela, dos trabalhadores urbanos, dos trabalhadores rurais, dos

industriários, dos comerciários, e assim por diante, e sim por área de

atividade, de prestações e de financiamento, o que perdurou até a

promulgação da Carta Magna de 1988, que exprimiu a plenitude da

seguridade brasileira.

2.3 A previdência e o sistema constitucional brasileiro

2.3.1 Constituição da República de 1891

Importante destacar que, depois de quase setenta anos de

monarquia constitucional no Brasil, a proteção social se limitava à

autoproteção social, a cargo das pessoas interessadas em um plano

previdenciário facultativo.68

67 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 36. 68 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 28.

Page 55: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

46

Apesar do progresso dos montepios no Brasil Império e à

subvenção estatal, embora ligados apenas à classe trabalhadora, o cenário

internacional trouxe grandes mudanças sociais.

O próprio desenvolvimento da industrialização mundial

teve grande reflexo na vida urbana das grandes cidades brasileiras, em face da

exportação de matérias-primas para as nações desenvolvidas.

Nesse aspecto, o Estado monarquista deveria passar por

um processo de desenvolvimento estrutural. Na Constituinte, porém, as elites

dominantes da época defenderam seus interesses, diante do capitalismo

concorrencial, com o objetivo de traçar novos rumos políticos, econômicos e

sociais, em face da nova realidade mundial.

Os constituintes republicanos foram cruéis em termos de

proteção social, não repetindo sequer para as sociedades mutualistas, os

estímulos do período imperial.

Não levou em consideração a marginalização social em

que vivia a sociedade civil dos grandes centros brasileiros, causada pela

crescente emigração européia, sem uma infra-estrutura adequada.

O Estado Republicano não cumpriu sua função social,

como instrumento estimulador de ações sociais para as classes dos

trabalhadores. A competência pelos socorros públicos, que era de

responsabilidade do governo central, em decorrência de garantia

constitucional, passou a ser de cada membro da federação, ou seja, dos

Estados, com a fundação República Federativa. Cumpre observar, no entanto,

que, em termos de proteção social, não houve, até 1919, nenhum fato social

Page 56: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

47

significativo, mas tão-somente uma descentralização administrativa dos

socorros públicos, nos casos de calamidade pública.69

Em síntese, a Constituição republicana não trouxe

nenhuma garantia constitucional, em termos de proteção social, para a classe

trabalhadora.

2.3.2 Constituição de 1934

Após a Primeira Grande Guerra, grandes transformações

mundiais ocorreram, constituindo-se uma sociedade mais justa e solidária.

Internamente, com a revolução de 1930, abriram-se espaços políticos para

reivindicações da sociedade civil por maior proteção social para as classes

trabalhadoras.70

Havia grande necessidade da garantia estatal ser inserida

na Carta Magna de 1934, fundamentada nos princípios da democracia social,

e foi a partir dessa Constituição que a previdência social foi considerada

realmente como seguro social, com a participação tripartite da União,

empregadores e empregados, como contribuintes iguais e diretos do sistema

previdenciário.

O princípio fundamental e sustentáculo de qualquer

organização de previdência social é o solidarismo social, fruto da contribuição

de todos.

Nesse sentido, a solidariedade social é o fundamento

nuclear da associação dos indivíduos em sociedade, para se protegerem com

69 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 31. 70 Ibidem, p. 32-34.

Page 57: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

48

maior segurança dos eventos sociais, por tratar-se de um elemento histórico e

sucessório na vida das gerações humanas.

Com o advento da inclusão da previdência social na

Constituição, o Estado, como gestor, obriga-se, pelo contrato social firmado, a

agir no sentido de concretizar a segurança social para as classes trabalhadoras,

com base na realidade da época.

2.3.3 Constituição de 1937

Esta Constituição foi cercada por crises, dentre elas a do

capitalismo, a recessão e o desemprego, ao lado do crescimento das ditaduras

fascista e nazista que levaram à Segunda Guerra Mundial. 71

Nesse período, o poder militar esmagou a sociedade civil

internacional, inaugurando um novo período de retrocesso político em termos

de proteção social, conforme o próprio artigo 37, “m” da Carta de 1937.

Esse cenário trouxe grandes prejuízos à classe

trabalhadora, decorrente da omissão constitucional em garantir um plano de

custeio como fonte de recursos e manutenção dos benefícios, e por sequer

dispor sobre a participação contributiva dos recursos da União no custeio do

seguro social.

2.3.4 Constituição de 1946

Com o fim da Segunda Grande Guerra e a vitória dos

aliados, iniciou-se um novo momento político e econômico, com a construção

71 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 35-36.

Page 58: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

49

de uma nova ordem mundial, dividindo o mundo em dois grandes blocos, de

um lado os soviéticos, e do outro os norte-americanos.72

O Brasil, aliado dos Estados Unidos, redemocratizou-se e

convocou uma assembléia nacional constituinte que concluiu seus trabalhos

com a promulgação da Carta Magna de 1946.

Essa Constituição falhou em seu artigo 157 do Título V,

incisos XV e XVI, por não manter, como a Constituição Federal de 1934, a

divisão tripartite das contribuições sociais, em igualdade de condições, pelas

três esferas interessadas numa política social eficiente em termos de custeio

previdenciário. A falha foi ainda maior pelo fato de não incluir a classe

trabalhadora rural sob o amparo do sistema previdenciário.

Após essa Constituição, ocorreu o triste episódio da

revolução de 1964, em que os militares, novamente agindo de forma arbitrária

e opressora das classes sociais menos favorecidas, legitimaram os interesses

da burguesia, em consonância com o exercício do poder político-militar.

2.3.5 Constituição de 1967

Importante destacar que, no período que antecedeu a Carta

Magna de 1967, foi elaborado o Decreto-Lei n. 72, de 21.11.1966, que criou o

Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), unificando de forma

institucional a estrutura administrativa da proteção social no país, instalado

definitiva em 2.1.1967, mais tarde SINPAS, e atualmente Instituto Nacional

72 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 36-39.

Page 59: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

50

do Seguro Social (INSS), vinculado ao Sistema Nacional de Seguridade

Social.73

A Carta de 1967 trouxe em seu bojo, no Título III, o artigo

158, cujo inciso XVI estendeu o sistema previdenciário aos trabalhadores

rurais, em condições iguais às dos trabalhadores urbanos, considerados, os

primeiros, as categorias mais necessitadas do país, não obstante ter criado o

seguro-desemprego, com custeio tripartite para os trabalhadores urbanos e já

existirem leis esparsas de previdência social rural desde a promulgação da

Carta de 1946.

Em termos de recursos, o parágrafo 1º do o artigo 158

estabeleceu a contrapartida entre receitas e despesas, para assegurar aos

beneficiários as prestações previdenciárias criadas pela lei ordinária.

2.3.6 Emenda Constitucional n. 1/1969

Novamente a sociedade brasileira estava à mercê de um

golpe militar e, em termos de proteção, o legislador não incluiu no artigo 165,

inciso XVI do Título III, a classe trabalhadora rural, e manteve a contribuição

desigual das três partes interessadas no seguro social em nível nacional.74

Importante ainda destacar que ficou garantida, em seu

artigo 165, parágrafo único, a contrapartida para o custeio dos benefícios

previdenciários.

73 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 39-42. 74 Ibidem, p. 42-46.

Page 60: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

51

O referido critério perdurou por vários anos, causando

graves prejuízos à classe trabalhadora brasileira, sendo suprimido somente na

Constituição de 1988.

2.3.7 Constituição de 1988

A partir da promulgação da Carta Magna de 1988, iniciou-

se um novo período para a previdência, inserida que passou a estar na ordem

constitucional, como uma das modalidades mais importantes de proteção

social.

A Carta Magna, ao cuidar do sistema da seguridade social,

previu que ele deveria ser detalhado pela legislação. Tanto a organização do

sistema como a criação das diversas bases de financiamento que lhe dariam

sustentáculo ficaram na dependência da disciplina infraconstitucional.75

O Estado Federal brasileiro passou a ter um compromisso

nas funções sociais do “dever agir” e de estimulador das ações sociais,

exercidas por seus agentes políticos governamentais (sociedade política),

assegurando condições básicas para concretizar, na práxis social, os direitos à

saúde, à previdência e à assistência social, por tratar-se de um objetivo

fundamental do Estado redemocratizante.76

A estrutura da seguridade social é formada pelo tripé

saúde, previdência e assistência social. É de ordem pública e básica,

organizada sob a forma de gestão pública, com a participação e controle da

75 Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 33. 76 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 60.

Page 61: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

52

sociedade civil, representada por duas entidades classistas com caráter

democrático, em forma de co-gestão.

No âmbito do financiamento, a Constituição de 1988

inovou, convidando a sociedade brasileira a participar, quer de forma direta,

quer indireta, no financiamento do Sistema Nacional de Seguridade Social.

O ápice do esquema protetivo brasileiro realmente ocorre

com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988. Nela, o

constituinte separou, no título da ordem social, todo um capítulo dedicado ao

tema da seguridade social.

Ao tratar da seguridade social, a Constituição de 1988

comina aos Poderes Públicos o dever de organizá-la, isto é, ordenarem em

sistema, construírem o sistema da seguridade social.

A Constituição estabelece no artigo 194 o objeto da

seguridade social, estipulando-a como um conjunto integrado de ações, de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

direitos relativos a saúde, à previdência e à assistência social, e fixa também

as áreas em que esse conjunto de ações se realizará. Nesse artigo “estão as

diretrizes fundamentais da seguridade social: as áreas por ela abrangidas e que

constituem os limites possíveis dentro dos quais suas ações se desenvolvem

(saúde, previdência e assistência social)”.77

O artigo 59 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias estabelece que deveria ser editada a lei de organização de

77 Daniel Pulino, A aposentadoria por invalidez do direito positivo brasileiro, p. 18.

Page 62: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

53

seguridade social, vale dizer, a lei que estabelece o sistema de seguridade

social.

Por seu turno, o artigo 198 da Carta Magna que cuida do

sistema único de saúde, também fala em sistema; na verdade, aí se trata de um

subsistema, o de saúde integrado ao sistema genérico da seguridade social.

O constituinte regulou a forma e a extensão da proteção

constitucional nos artigos 196 a 204, incluindo nos artigo 196 a 200 a

proteção à saúde de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país; no

artigo 201, tratou do regime geral da previdência social, determinando a

cobertura dos eventos doença, invalidez, morte e idade avançada; a proteção à

maternidade, especialmente da gestante; a proteção ao trabalhador em

situação de desemprego involuntário; o salário-família e auxílio reclusão para

os dependentes dos segurados de baixa renda e pensão por morte do segurado

(artigo 201). E, no artigo 202, regulou regime previdenciário complementar e

facultativo.

A seguridade social é formada pelo tripé saúde,

previdência social e assistência social. Trata-se de ordem pública básica

(também conhecida como primeiro pilar), organizada sob a forma de gestão

pública, com a participação e controle da sociedade civil, representada por

suas entidades classistas, com caráter democrático e descentralizado, em

forma de co-gestão.78

O artigo 203 conferiu o direito à assistência social pública

a todos os necessitados, tendo por objetivos: a proteção à família, à

78 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 61.

Page 63: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

54

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e

adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a

habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção

de sua integração à vida comunitária; a garantia de um salário mínimo de

benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove

não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua

família.

Importante a idéia do constituinte de participação das

classes sociais provenientes da sociedade civil brasileira, constituídas por

trabalhadores, empregadores, aposentados, pensionistas e a comunidade em

geral, nos colegiados, e com todos os poderes decisórios inerentes ao

exercício da cidadania plena perante o Sistema Nacional de Seguridade

Social, como centro principal de imputações oriundas das bases sociais.79

Esses colegiados devem ser representados de modo

significativo por seus conselheiros, escolhidos democraticamente pelos

respectivos segmentos sociais, no órgão de gestão pública e nas respectivas

esferas políticas da Federação.

O grande objetivo desses colegiados é estabelecer

prioridades e metas para cada setor específico da seguridade social,

priorizando os recursos necessários para executar o programa conforme as

metas traçadas pelos conselheiros de cada área, estabelecendo políticas de

integração de forma democrática e descentralizada, controlando e avaliando

suas respectivas gestões econômicas.

79 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 60.

Page 64: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

55

Em face dos custos da previdência, o legislador

constitucional prescreveu na Carta Magna os mecanismos financiadores dessa

proteção social por ele criada. No artigo 195, fixou as formas do sistema de

proteção, prescrevendo, em seu parágrafo 5º, um fecho unificador da área de

prestações e da área de custeio, ao proibir a criação de prestações, se ausentes

as respectivas fontes de custeio.

Esse dispositivo passou a funcionar como um princípio

elementar do conjunto de normas da seguridade social, pois instaurou a noção

de caixa, onde os débitos não poderão ser maiores que os créditos.

Ordenando a alocação desses créditos num instrumento

orçamentário específico, nos termos do artigo 165, parágrafo 5°, III, o

constituinte coroou seu intuito de criar um regime jurídico especial para a

seguridade social.

O constituinte procedeu assim para garantir uma

destinação concreta aos recursos decorrentes do financiamento feito pela

sociedade (de forma direta ou indireta), pois tinha consciência de que o

sistema de proteção, dada sua envergadura, dependeria de todo o

financiamento que lhe fosse devido, sob pena de não resistir às críticas e aos

interesses mesquinhos.

Verificamos que, com a criação de um conjunto de normas

que formam um específico regime jurídico para a seguridade social, o

constituinte prescreveu uma estrutura administrativa específica para o

sistema, determinando-lhe um caráter democrático e descentralizado,

mediante gestão quadripartite.

Page 65: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

56

A Carta Maior também desenhou os riscos sociais

passíveis de serem cobertos pelo sistema protetivo e a extensão subjetiva e

objetiva das prestações a serem criadas pelo legislador inferior; fixou o campo

de atuação dessas prestações (saúde, assistência social e previdência social) e

os instrumentos necessários para o seu financiamento.

A vontade do legislador foi fundamentada pelos seguintes

objetivos e princípios constitucionais: dignidade da pessoa humana;

construção de uma sociedade livre, justa e solidária; erradicação da pobreza,

da marginalização e redução das desigualdades sociais; e promoção do bem

de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação.

O legislador pátrio de 1988, no artigo 194, destacou como

instrumento principal de proteção social os princípios norteadores, com

diretrizes indispensáveis ao objetivo de concretizar as metas políticas e sociais

do Estado contemporâneo, conforme estudamos no capítulo relacionado ao

sistema, demonstrando inequivocadamente a autonomia da seguridade social,

enfatizando sempre que sua autonomia financeira e administrativa dependerá

única e exclusivamente da base do financiamento indireto e direto para honrar

seus compromissos com a sociedade brasileira.

Page 66: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

3 FUNDAMENTO DE VALIDADE DE UMA ORDEM NORMATIVA

3.1 A questão do fundamento de validade

Faremos neste capítulo uma reflexão sobre o fundamento de

validade de uma norma, procurando discutir especialmente as normas

constitucionais previdenciárias como instrumento de mudanças sociais para a

construção de uma sociedade mais justa e solidária, em prol das classes

trabalhadoras inativas, dependentes da eficácia dessas normas e do sistema

previdenciário federal.

É necessário iniciar o questionamento desenvolvendo algumas

idéias em torno dessa problemática social de eficácia e validade, e nada

melhor do que Kelsen, para quem o fundamento de validade de uma norma

apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o

fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada

como norma superior, em confronto com uma norma que é, em relação a ela,

a norma inferior80. Na verdade, parece que se poderia fundamentar a validade

de uma norma com o fato de ela ser posta por qualquer autoridade, por um ser

humano ou sobre-humano: assim acontece quando se fundamenta a validade

dos dez mandamentos com o fato de Deus, Jeová, os ter dado no Monte Sinai;

ou quando se diz que devemos amar os nossos inimigos porque Jesus, o filho

de Deus ordenou no Sermão da Montanha.

A norma afirmada na premissa maior, segundo a qual devemos

observar os mandamentos de Deus (ou do Seu filho), está contida no

pressuposto de que as normas, cujo fundamento de validade está em questão,

80 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 9-21.

Page 67: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

58

provêm de uma autoridade, quer dizer, de alguém que tem capacidade, ou

seja, competência para estabelecer normas válidas.81

Todas as normas cuja validade possa ser reconduzida à mesma

norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A

norma fundamental é a fonte comum de validade de todas as normas

pertencentes a uma mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade

comum.82

Existem dois tipos de normas: um tipo estático e um tipo

dinâmico. A conduta dos indivíduos determinada por uma norma do tipo

estático é considerada como devida (devendo ser) por força do seu conteúdo:

porque a sua validade poder ser reconduzida a uma norma a cujo conteúdo

pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, do

particular ao geral.

A norma de cujo conteúdo outras normas são deduzidas, como o

particular do geral, tanto quanto ao seu fundamento de validade como quanto

ao seu teor de validade, apenas pode ser considerada como norma

fundamental quando o seu conteúdo for considerado como imediatamente

evidente.

O fundamento e teor de validade das normas de um sistema

moral são muitas vezes reconduzidos a uma norma considerada como

imediatamente evidente. Dizer que uma norma é imediatamente evidente

significa que ela é dada na razão, com a razão. O conceito de uma norma

81 Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 64. 82 Ibidem, p. 58.

Page 68: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

59

evidente pressupõe o conceito de uma razão prática, quer dizer, de uma razão

legisladora.

O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma

fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato

produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora ou – o

que significa o mesmo – uma regra que determina como devem ser criadas as

normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre essa norma

fundamental.

Ensina Kelsen que a norma fundamental limita-se a delegar uma

autoridade legisladora, quer dizer, a fixar uma regra em conformidade com a

qual devem ser criadas as normas do sistema.83

A norma fundamental é o fundamento de validade de todas as

normas pertencentes a uma mesma ordem jurídica, ela constitui a unidade na

pluralidade dessas normas.

O conhecimento do direito, como todo conhecimento, procura

apreender o seu objeto como um todo e descrevê-lo em proposições isentas de

contradição. Ele parte do pressuposto de que os conflitos de normas no

material normativo que lhe é dado, ou melhor, proposto, podem e devem

necessariamente ser resolvidos pela via da interpretação.

Existe a escala das normas, e o problema do conflito de normas

dentro de uma ordem jurídica põe-se de forma diferente, conforme se trata de

83 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 9-10.

Page 69: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

60

um conflito entre normas do mesmo escalão e de um conflito entre uma

norma de escalão superior e uma norma de escalão inferior.84

Vejamos o que sucede quando numa mesma lei se encontram

duas disposições que contrariam uma à outra, tais como aquelas que

prescrevem que o adúltero deve ser punido e que não deve ser punido, que

todo aquele que comete um delito determinado por lei deve ser punido, e que

as pessoas com menos de quatorze anos não devem ser punidas.

Um conflito pode existir entre duas normas individuais, por

exemplo, entre duas decisões judiciais, particularmente quando as duas

normas foram postas por órgãos diferentes. Nesse caso, uma lei pode conferir

competência a dois tribunais para decidir o mesmo caso, sem emprestar à

decisão de um dos tribunais o poder de anular a decisão do outro – essa é na

verdade uma técnica jurídica muito imperfeita.

O conflito é resolvido pelo fato de o órgão executivo ter a

faculdade de escolher entre observar uma ou outra das decisões; quer dizer,

efetivar ou não efetivar a pena ou a execução civil, observar uma ou outra das

normas individuais.

Se uma norma do escalão inferior é considerada como válida,

tem-se que considerar como estando em harmonia com uma norma do escalão

superior. Na exposição da construção escalonada da ordem jurídica, se

mostrará como isso sucede.

O domínio de validade de uma norma, especialmente o seu

domínio temporal de validade, pode ser limitado, que dizer: o começo e o fim

84 Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 93-100.

Page 70: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

61

da sua validade podem ser determinados por ela própria ou por uma norma

mais elevada que regula sua produção.

A norma fundamental segue a necessidade da sociedade. Kelsen

afirma que as leis ditadas sob a antiga Constituição e que não são recebidas já

não são consideradas válidas, e que os órgãos instituídos de acordo com a

antiga Constituição já não são considerados competentes.85

O princípio da legitimidade é limitado pelo princípio da

efetividade, o que não está efetivamente ocorrendo no Estado contemporâneo

pós-Carta Magna de 1988, relativamente aos dispositivos de justiça política

para a classe dos trabalhadores, em particular o financiamento indireto da

seguridade social.

O momento histórico, político e social procurou determinar para

a sociedade brasileira novos horizontes, ainda que no tradicional estilo

ocidental das denominadas democracias representativas.

Wagner Balera afirma que o sistema representativo se acha em

crise profunda, tendo em vista que a população mais carente não se encontra

representada na estrutura do poder.86

O objetivo é restaurar as organizações políticas comprometidas

com o Estado do Bem-estar Social, para se recuperar o fundamento de

validade da norma social.

85 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 11. 86 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 18.

Page 71: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

62

3.2 Validade e eficácia

A determinação correta dessa relação é um dos problemas mais

importantes e, ao mesmo tempo, mais difíceis de uma teoria jurídica

positivista.

Miguel Reale, em reflexão, afirma que a filosofia do direito é a

ciência das condições transcendentais da validade jurídica, ou seja, das

condições segundo as quais se tornam possíveis as indagações que, no plano

das relações empíricas, são realizadas, respectivamente, pela política do

direito, pela sociologia e a psicologia jurídicas, e pela ciência do direito ou

jurisprudência.87

O ato com o qual é posta uma norma jurídica positiva é, como a

eficácia da norma jurídica, um fato da ordem do ser. Uma teoria jurídica

positivista é posta perante a tarefa de encontrar entre os dois extremos, ambos

insustentáveis, o meio-termo correto.

A validade do direito se identifica com a sua eficácia, uma ordem

jurídica como um todo, tal como uma norma jurídica singular perde a sua

validade quando deixa de ser eficaz; por outro lado, é também falsa, na

medida em que existe uma conexão entre dever-ser da norma jurídica e o ser

da realidade natural, já que a norma jurídica positiva, para ser válida, tem que

ser posta através de um ato-de-ser (da ordem do ser).

Para a teoria pura do direito, o problema é assim como a norma

de dever-ser, como no sentido do ato-de-ser que a põe, não se identifica com

87 Miguel Reale, Filosofia do direito, p. 587.

Page 72: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

63

esse ato, e assim a validade de dever-ser de uma norma jurídica não se

identifica com a sua eficácia da ordem do ser; a eficácia da ordem jurídica

singular é – tal como o ato que estabelece a norma – condição de validade.88

Uma ordem jurídica não perde porém a sua validade pelo fato de

uma norma jurídica singular perder sua eficácia, isto é, pelo fato de ela não

ser aplicada em geral ou em casos isolados. Uma ordem jurídica é

considerada válida quando suas normas são, numa consideração global,

eficazes, quer dizer, são de fato observadas e aplicadas. E também uma norma

jurídica singular não perde a sua validade quando apenas não é eficaz em

casos particulares, isto é, não é observada ou aplicada, embora deva ser

observada e aplicada.

A eficácia é uma condição de validade, mas não é ela mesma

validade. Isso tem de ser bem acentuado, pois não falta ainda hoje quem

procure identificar a validade do direito com a sua eficácia.

Celso Ribeiro Bastos condiciona a Constituição como

fundamento de validade de todas as demais leis. A determinação do

significado de uma de suas normas poderá importar no afastamento de uma

regra infraconstitucional até então vigente, mas que se torna incompatível

com a norma constitucional, da forma por que passa a ser compreendida.89

E, com relação à problematização e discussão relacionada à

condição de validade da norma previdenciária, apontamos uma solução,

através de uma proposta de reestruturação, com o objetivo de enfrentar a

baixa capacidade de direção e desempenho do Estado, buscando tanto a

88 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 11-12. 89 Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e interpretação constitucional, p. 53.

Page 73: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

64

reforma administrativa como política, melhorando a capacidade de

regulamentação do governo, em termos qualitativos e organizacionais, com

vistas à maior efetividade da ação político-administrativa.

3.3 Teoria da norma fundamental e doutrina do direito natural

Como vimos, a questão do fundamento de validade do direito

positivo, isto é, a questão de saber por que as normas de uma ordem coercitiva

eficaz devem ser aplicadas e observadas, visa uma justificação ético-política

dessa ordem coercitiva, ou seja, visa um critério firme, segundo o qual uma

ordem jurídica positiva possa ser julgada justa e, por isso válida, ou injusta, e

por isso não válida; então, deve-se dizer que a norma fundamental

determinada pela teoria pura do direito não realiza uma tal justificação, não

fornece um tal critério.90

Uma doutrina conseqüente do direito natural distingue-se de uma

teoria jurídica positivista pelo fato de aquela procurar o fundamento da

validade do direito positivo, isto é, de uma ordem coercitiva globalmente

eficaz num direito natural diferente do direito positivo e, portanto, numa

norma ou ordem normativa a que o direito positivo, quanto ao seu conteúdo,

pode corresponder, mas também pode não corresponder; de tal forma que,

quando não corresponder a essa norma ou ordem normativa, deve ser

considerada como inválida.

90 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 15.

Page 74: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

65

Observamos ainda que o fundamento no plano filosófico, o valor

ou o complexo de valores que legitimam uma ordem jurídica fornecem a

razão de sua obrigatoriedade.91

A validade do direito positivo se apóia numa norma fundamental

que não é uma norma posta, mas uma norma pressuposta, e que, portanto, não

é uma norma pertencente ao direito positivo, cuja validade objetiva é por ela

fundamentada, e também no fato de, segundo a teoria jusnaturalista, a

validade do direito positivo se apoiar numa norma que não é uma norma, que

não é pertencente ao direito positivo relativamente ao qual ela funciona como

critério ou medida de valor, do que resulta um limite imposto ao princípio do

positivismo jurídico.

Para Francesco Carnelutti, entre a realidade e o pensamento são

lançados, à guisa de pontes, os sentidos do homem. Através deles entra a

realidade ou sai o pensamento, naturalmente em sentido figurado.92

Importante destacar que a Constituição não pode ser revogada ou

alterada como as leis normais, mas somente sob condições mais rigorosas.

Prescreve-se para sua modificação ou supressão um processo mais exigente,

diferente do processo legislativo usual, a exemplo da Carta Magna de 1988,

que inseriu na ordem social a seguridade social, um processo exigente e

importante de proteção social.

91 Miguel Reale, Filosofia do direito, p. 594. 92 Francesco Carnelutti, Teoria geral do direito, p. 16.

Page 75: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

66

3.4 Jurisprudência

A jurisprudência tradicional vê a aplicação do direito sobretudo,

se não exclusivamente, nas decisões dos tribunais civis que, de fato, quando

decidem um litígio jurídico ou impõem uma pena a um criminoso, aplicam

em regra uma norma geral de direito que foi criada pela via legislativa ou

consuetudinária.93

Os tribunais aplicam as normas jurídicas gerais ao estabelecerem

normas individuais, determinadas quanto ao seu conteúdo, pelas normas

jurídicas gerais, e nas quais é estatuída uma sanção concreta: uma execução

civil ou uma pena.

Sidney Sanches assim destaca a quíntupla função de interpretar,

vivificar, humanizar, suplementar e rejuvenescer a lei:

“Interpreta-a porque define o significado jurídico. Vivifica-a porque, ao eliminar as controvérsias, o Judiciário a faz viver. Humaniza-a, porque a personaliza, isto é aproxima a norma geral e abstrata do elemento humano a que se destina. Suplementa-a, porque o próprio julgador presta sua contribuição pessoal. Rejuvenesce-a, porque a ajusta às condições do tempo em que incide.”94

A jurisprudência ocupa-se basicamente do fenômeno pertinente à

esfera normativa. O direito apresenta-se-nos como um fenômeno histórico,

em que o passado não é simplesmente algo que já passou, e assim um evento

pretérito. Também o direito apresenta a estrutura temporal da historicidade. A

93 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 267-272. 94 Sidney Sanches, Uniformização da jurisprudência, p. 5.

Page 76: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

67

persistência do passado no direito historicamente devenente é o tema da

história do direito.95

A toda a norma pertence, como pano de fundo indispensável para

a sua compreensão, a realidade social em resposta à qual foi concebida e a

realidade social atual em que deve operar.

A jurisprudência ocupa, entre as ciências jurídicas mencionadas,

uma posição privilegiada ligada com a suas tarefas no âmbito da atividade

jurídica prática. A jurisprudência tem em vista sempre um ordenamento

jurídico determinado. A possibilidade e utilidade das indagações

juscomparatísticas assentam em que as soluções de um ordenamento positivo

são, com freqüência, respostas a problemas jurídicos gerais.

O que constitui verdadeiramente a jurisprudência é a

interpretação sucessiva idêntica da mesma norma jurídica; um caso julgado

pode ser antecedente judiciário, mas não é jurisprudência, no sentido em que

essa palavra é geralmente empregada. A jurisprudência consiste, pois, em

uma interpretação constante e uniforme da regra legal.96

O jurista que queira trabalhar com a política do direito deve obter

os dados necessários e o material de experiência das ciências que em cada

caso seja competente. Por outro lado, também é a política do direito um

campo legítimo de trabalho da jurisprudência, cuja cooperação é também

nesse campo indispensável.97

95 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 254-257. 96 Alfredo Buzaid, Prefácio, in Sidney Sanches, Uniformização da jurisprudência. 97 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 260-263.

Page 77: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

68

A jurisprudência não pode transcender o limite do ordenamento

jurídico vigente. Para ela, trata-se não só de clareza e segurança jurídica, mas

também de mais justiça, preenchendo as lacunas existentes no ordenamento

jurídico.

A jurisprudência deve concretizar o bem-estar e a justiça social

para os desamparados que buscam no Poder Judiciário o direito constitucional

negado pelos governantes, conduzindo a vida brasileira para o ambiente

específico da ordem social, que é o bem-estar em seu mais avançado estágio e

o objetivo maior: a justiça social.

3.5 Lacunas do direito Para Kelsen, o importante na apreciação da teoria das lacunas é

determinar as circunstâncias nas quais se apresenta uma “lacuna” no direito.

Segundo essa teoria, o direito vigente não é aplicável num caso concreto

quando nenhuma norma jurídica geral se refere a esse caso. Por isso, o

tribunal que tem de decidir o caso precisa colmatar essa lacuna pela criação

de uma correspondente norma jurídica. O essencial dessa argumentação reside

em que a aplicação do direito vigente, como conclusão do modo geral para o

particular, não é possível nesse caso, pois falta a premissa necessária, a norma

geral. Essa teoria é errônea, pois se funda na ignorância do fato de que,

quando a ordem jurídica não estatui qualquer dever de um indivíduo de

realizar determinada conduta, permite essa conduta. A aplicação da ordem

jurídica vigente não é, no caso em que a teoria tradicional admite a existência

de uma lacuna, logicamente impossível. Na verdade, não é possível nesse

caso a aplicação de uma norma jurídica singular.98

98 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 285-286.

Page 78: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

69

Para Norberto Bobbio, o problema da lacuna está na completude.

Por completude entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico

tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma

norma se chama geralmente lacuna (num dos sentidos do termo lacuna),

completude significa falta de lacunas. Em outras palavras, um ordenamento é

completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer

caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado

com uma norma tirada do sistema.99

Um ordenamento é completo quando jamais se verifica o caso de

que a ele não se podem demonstrar pertencentes nem uma certa norma nem a

norma contraditória. Especificando melhor, a incompletude consiste no fato

de que o sistema não compreende nem a norma que proíbe um certo

comportamento, nem a norma que a permite. De fato, pode-se demonstrar que

nem a proibição nem a permissão de um certo comportamento são dedutíveis

do sistema e, da forma com que foi colocado, é preciso dizer que o sistema é

incompleto e que o ordenamento jurídico tem uma lacuna.

Francesco Carnelluti100, em sua teoria geral do direito, trata

conjuntamente os dois problemas, e fala de incompletude por exuberância, no

caso das antinomias, e de incompletude por deficiência, nos caso das lacunas,

donde os dois remédios opostos de purificação do sistema, para eliminar as

normas exuberantes ou as antinomias, é da integração, para eliminar a

deficiência de normas ou lacunas.

99 Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 115-123. 100 Francesco Carnelluti, Teoria geral do direito, p. 184-188.

Page 79: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

70

Carnelutti vê que o caso de antinomia é aquele no qual há mais

normas do que deveria haver, o que expressamos com as duas conjunções e,

onde o dever do intérprete é suprimir aquilo que está a mais; o caso da lacuna,

no entanto, é um caso em que há menos normas do que deveria haver, fato

que registramos com as duas conjunções nem, onde o dever do intérprete é, ao

contrário, acrescentar aquilo que falta.

A base dos ordenamentos fundados sobre o dogma da

completude é o Código Civil francês, cujo artigo 4º diz que “o juiz que

recusar julgar, a pretexto do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência da

lei, poderá ser processado como culpado de negar a justiça”.

No italiano, esse princípio é estabelecido no artigo 113 do

Código de Processo Civil, que diz que “ao pronunciar-se sobre a causa, o juiz

deve seguir as normas do direito, salvo se a lei lhe atribuir o poder de decidir

segundo a equidade”.

Concluindo, a completude é uma condição necessária para os

ordenamentos em que valem estas duas regras:101

• o juiz é obrigado a julgar todas a controvérsias que se

apresentarem a seu exame;

• ele deve julgá-las com base em uma norma pertencente ao

sistema.

101 Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 118.

Page 80: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

71

Como observado, o sistema carece de solução e, para suprir as

lacunas, de medidas que aperfeiçoem a sua estrutura. Assim sendo, em

matéria de financiamento indireto, a vinculação orçamentária seria a solução

para o sistema de seguridade social, o que preencheria a lacuna de custeio

existente.

Page 81: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

4 FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

Importante refletir, como já fizemos nos capítulos anteriores, desde a

primeira elaboração constitucional do tema financiamento em 1934, que o

custeio da previdência social foi alicerçado em uma tríplice fonte de receita,

ou seja, contribuição dos trabalhadores, dos empresários e suplementação do

Estado. Inicialmente, essa contribuição era tríplice e igual mas,

posteriormente, a igualdade não perdurou.102

Importante destacar que a Constituição Federal, em seu artigo 194,

caput, estabelece que a seguridade social compreende um conjunto integrado

de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e de toda a sociedade, destinadas

a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Essa garantia, em contrapartida, possui um custo, isto é, as ações

relativas às áreas abrangidas pela seguridade social implicam despesas, e

então o custeio da seguridade social é constituído pelos recursos destinados ao

pagamento dos custos da seguridade social.

Também vimos que, desde a Lei Elói Chaves, tanto os trabalhadores

como os empregadores teriam assento no organismo dirigente das caixas

previdenciárias.

A Lei Orgânica da Previdência Social conferiu amplo poder de mando

aos colegiados tripartites que iriam dirigir as entidades, a exemplo da grande

maioria dos países avançados, cujas leis adotam a gestão tripatite.103

102 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 22. 103 Ibidem, p. 34.

Page 82: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

73

As fontes de custeio da seguridade social, por sua vez, são os meios

econômicos e financeiros obtidos e destinados à concessão e manutenção da

seguridade social.

O financiamento do sistema de seguridade social é estabelecido no

artigo 195, caput da Constituição Federal:

“Artigo 195 - A Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais (...).”

Sistematicamente, notamos o amplo preceituário de financiamento

estampado nesse artigo, sendo esses recursos os orçamentos da União, dos

Estados, dos Municípios e, ainda, as contribuições sociais previstas no artigo

195, incisos I a III, e parágrafo 8º, além de outras instituídas na forma do

parágrafo 4º do mesmo artigo.

As fontes de financiamento da seguridade social foram concebidas pelo

legislador constituinte de forma ampla e conjuntamente para as três áreas de

atuação da seguridade social.104

Existe apenas uma destinação de receita específica das contribuições

sociais a cargo das empresas, incidente sobre a remuneração paga ou

creditada aos segurados a seu serviço, bem como dos trabalhadores, para o

pagamento dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, nos termos

do inciso XI do artigo 167 da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda

Constitucional n. 20/1998. Nesse sentido, o estudo das fontes de

104 Silvania Conceição Tognetti, Contribuições para o financiamento da seguridade Social, p. 19-

31.

Page 83: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

74

financiamento da previdência social deve ser feito por meio de análise do

financiamento da seguridade social como um todo.

O artigo 195, I e II da Constituição Federal atribui a toda a sociedade o

ônus de custear, de forma direta e indireta, a seguridade social105. O custeio

indireto advém de dotações orçamentárias da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios. Essa participação do orçamento estatal no

financiamento de programas sociais, nas conjunturas de crise porque passa o

Estado Social, o Estado do Bem-estar, está cada vez mais reduzida, pois, na

realidade, o Estado retira cada vez menos dinheiro do seu orçamento fiscal

para o orçamento social.

Em contrapartida, a sociedade cumpre com o seu papel na forma de

custeio direto advindo das contribuições sociais do trabalhador, dos demais

segurados da previdência social, do empregador, da empresa e da entidade a

ela equiparada na forma da lei, ou seja, das pessoas que diretamente se

beneficiam da proteção jurídica propiciada pela seguridade social: o

empregador porque se livra do ônus de ter que suportar o custo social da

permanente situação de risco do obreiro (invalidez, doença, acidente, morte

etc.) e o trabalhador porque é beneficiário direto das prestações da seguridade

social (aposentadoria, pensão por morte, auxílio acidente etc.).

Wagner Balera106 explica que os planos de seguridade dependem de

prévia definição do regime financeiro de toda a proteção; de fixação

precedente das contribuições por meio das quais o segurado e a empresa a ele

105 Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, incisos I e II. 106 Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 38.

Page 84: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

75

aderem; e, finalmente, de disciplina de aplicação de reservas a serem

auferidas em cada exercício.

O plano de custeio é assim definido pelo regulamento (Dec. n.

72.711/1973) da Lei Orgânica da Previdência Social (Lei n. 3.807, de

23.8.1960):

“Artigo 273 - O plano de custeio consistirá em um conteúdo de normas e previsões de despesas e receitas estabelecidas com base em avaliações atuariais e destinadas à planificação econômica do regime e seu conseqüente equilíbrio técnico-financeiro.”

Observa-se que as finalidades do plano de custeio são a planificação

econômica do regime e a busca do equilíbrio técnico-financeiro do sistema.

Para elaboração dessa peça, é necessária a colaboração dos Poderes

Legislativo e Executivo. O Congresso discute os rumos da seguridade social,

fixa metas e prioridades e fornece os meios garantidores do equilíbrio

financeiro dos projetos e programas. O governo envida esforços a fim de que

o plano de proteção cumpra integralmente os elevados objetivos que lhe

comina o Estatuto Fundamental.107

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição

Federal estabeleceu que:

“Artigo 59 - Os projetos de lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Nacional, que terá seis meses para apreciá-los.”

107. Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 38.

Page 85: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

76

Após mais de dezesseis anos da promulgação da Constituição Federal

de 1988, a seguridade social do país ainda não dispõe de um verdadeiro plano

de custeio, qual seja, formado por um conjunto de normas e previsões de

despesas e receitas estabelecidas com base em avaliações atuariais e

destinadas à planificação econômica e seu conseqüente equilíbrio técnico-

financeiro.

A Lei n. 8.212/1991, apesar de sua ementa, não pode ser considerada

como instituindo um verdadeiro plano de custeio da seguridade social porque

é destituída de avaliações atuariais, demográficas e estatísticas. Pelo que

dispõe o artigo 96 da referida lei, a elaboração desses dados técnicos passou a

ser problema do Poder Executivo:

“Artigo 96 - O Poder Executivo enviará ao Congresso Nacional, anualmente, acompanhando a proposta orçamentária da Seguridade Social, projeções atuariais relativas à seguridade social, abrangendo um horizonte temporal de, no mínimo, 20 (vinte) anos, considerando hipóteses alternativas quanto às variáveis demográficas, econômicas e institucionais relevantes.”

Um verdadeiro plano de custeio deveria ter base em avaliações técnicas

(de ordem atuarial, estatística e demográfica) para ser o diploma legal previsto

na Constituição Federal, a servir de instrumento capaz de apontar e

demonstrar as suas necessidades financeiras, presentes e futuras, da

seguridade social, custo de suas prestações, possibilidade de ampliação do

plano de cobertura, as fontes de custeio que deveriam ser criadas ou

majoradas (e a qual razão), as atividades de maior risco, o custo das

prestações a serem concedidas, assim como a composição dos valores que são

pagos a título de contribuição social.

A falta do plano de custeio elaborado nessas condições, a rigor macula

com o vício da inconstitucionalidade a instituição e a majoração de toda e

Page 86: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

77

qualquer contribuição social destinada ao custeio da seguridade social, como,

por exemplo, a contribuição social sobre o faturamento (Cofins). Isso ocorre

porque o parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição Federal prescreve que

nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado

ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. Verdadeira

limitação constitucional ao poder de tributar do legislador infraconstitucional,

essa regra determina, em suma, que haja equilíbrio entre receita e despesa da

seguridade social. O instrumento constitucionalmente habilitado a demonstrar

esse equilíbrio, entretanto, é o plano atuarial, que nunca foi elaborado.

Apesar de não ser um verdadeiro plano de custeio108, a Lei n.

8.212/1991, em seu artigo 11, diz que suas fontes são as seguintes: a) receitas

da União; b) receitas das contribuições sociais; e c) receitas de outras fontes,

assim, delineando o esquema geral de custeio da seguridade social, ou seja,

financiamento direto mediante contribuições e financiamento indireto

mediante receitas orçamentárias.

Importante destacar que ao Instituto Nacional do Seguro Social

compete arrecadar e lançar as contribuições sociais, bem como fiscalizá-las e

regulamentá-las. À Secretaria da Receita Federal competem as mesmas

funções, em relação às outras contribuições sociais, cabendo àquela entidade e

a este órgão, na esfera de suas competências, promover a respectiva cobrança

e aplicar as sanções previstas legalmente.

As contribuições só podem ser exigidas após decorridos noventa dias

da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se

aplicando o disposto no artigo 150, III, alínea “b” da Constituição Federal.

108 Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 38.

Page 87: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

78

Wagner Balera observa que “considerada a magnitude do sistema de

seguridade social que o constituinte pretende ver implantado no Brasil, é certo

que a criação, majoração e extensão dos benefícios e serviços configurarão,

em breve, uma exigência social e política da sociedade”.109

O legislador constitucional, compreendendo as limitações dos recursos,

houve por bem cuidar de um campo futuro de incidência das contribuições

previdenciárias e buscou regular o modo pelo qual poderiam surgir as novas

fontes de custeio. Assim, lei pode instituir outras fontes destinadas a garantir a

manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido ao disposto no

artigo 154, inciso I da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que a remissão feita pelo artigo

195, parágrafo 4º da Constituição Federal ao seu artigo 154, inciso I implica

na necessidade de lei complementar para a criação de novas contribuições

sociais (STF – ADIn n. 1.102-2, rel. Min. Corrêa, DJU de 17.11.96, Seção I,

p. 39.205).

A contribuição da União estabelecida nos artigos 16 e 19 da Lei n.

8.212/1991 é constituída de recursos adicionais do orçamento fiscal, fixados

obrigatoriamente na lei orçamentária anual. Além das receitas oriundas das

contribuições sociais, a União destina parte do seu orçamento fiscal para a

instituição de ações de seguridade social principalmente destinadas às áreas

de saúde e assistência social.

109 Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 64.

Page 88: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

79

No que se refere às ações de previdência social, a União somente

destina recursos adicionais se houver déficit, ou seja, se as despesas com a

previdência social superarem as receitas oriundas das contribuições das

empresas sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho e das

contribuições dos trabalhadores (art. 167, inc. XI da CF/1988).

Como já afirmamos anteriormente, o custeio da previdência social

brasileira é tríplice. As empresas contribuem sobre a remuneração paga ou

creditada aos segurados a seu serviço e os trabalhadores sobre o salário-de-

contribuição ou sobre a receita bruta proveniente da comercialização da

produção rural (segurado especial), nos termos do inciso XI do artigo 167 da

Constituição Federal. Caso essas contribuições não sejam suficientes para

fazer face aos encargos previdenciários, a União cobre o respectivo déficit.

Em síntese, as empresas, os trabalhadores e a União são responsáveis pelo

custeio da previdência social.

As receitas de outras fontes destinadas à seguridade social são descritas

no artigo 27 da Lei n. 8.212/1991:

“Artigo 27 - Constituem outras receitas da seguridade social: I - multas, atualização e juros moratórios; II - remuneração recebida por serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros; III - receitas provenientes de prestação de outros serviços e de fornecimento ou arrendamento de bens; IV - demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras; V - doações, legados, subvenções e outras receitas eventuais; VI - 50% dos valores obtidos e aplicados na forma do parágrafo único do artigo 243 da Constituição Federal; VII - 40% do resultado dos leilões dos bens aprendidos pela Receita Federal; VIII - outras receitas previstas em legislação específica.”

Page 89: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

80

Apesar do sistema protetivo elaborado pelo constituinte exigir recursos

financeiros de grande monta e cujo valor real somente pode ser calculado

através de cálculos atuariais apropriados110, deve-se buscar uma solução

dentro do financiamento indireto, tópico inserido na norma constitucional que

o Estado não cumpre adequadamente.

Como observa Silvania Conceição Tognetti, o sistema de financiamento

é misto, parte dos recursos advindo dos orçamentos da União, Estados,

Distrito Federal e Municípios, e a outra parte de contribuições arrecadadas

com destinação exclusiva para o financiamento da seguridade social.111

Observando-se a evolução da seguridade social, seu financiamento

pode se dar pela instituição de fontes de custeio próprias, pelo repasse de

verbas provenientes da arrecadação de impostos ou por um sistema misto.112

À medida que o sistema de seguridade social foi-se ampliando para

alcançar situações que não podiam ser previstas por regras atuariais, cresceu a

participação das receitas de impostos no seu financiamento, ficando cada vez

mais caracterizado ser o sistema misto.

O financiamento do sistema é marcado por participação mais intensa do

Estado, através das receitas gerais dos impostos, além do estabelecimento de

contribuições de valor fixo ou escalonadas, em função dos rendimentos de

cada pessoa. Abandonou-se, em certa medida, a técnica de contribuições

sobre salários (insuficientes para manter um sistema de proteção tão amplo),

110 Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 64-65. 111 Silvania Conceição Tognetti, Contribuições para o financiamento da seguridade social, p. 19-

20. 112 Ibidem, p. 19.

Page 90: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

81

passando-se do regime de capitalização para o de distribuição ou repartição.

Com isso, as quotizações sociais se aproximaram mais das imposições

tributárias.113

Observa-se, no final do século XX, uma retração da seguridade social,

decorrente da crise econômica surgida na década de 1970 e conseqüência da

mudança na concepção do Estado. Fala-se em crise do Estado Providência ou

Estado do Bem-estar Social, para a qual, além da crise econômica e das idéias

neoliberais, também influíram a mudança do perfil da população (crescimento

demográfico, aumento da expectativa de vida) e o alto grau de proteção dos

sistemas (gigantismo da seguridade social). Assim, atualmente, cada país

tenta solucionar o problema do financiamento da seguridade social repesando

tanto as prestações sociais quanto as fontes de financiamento.114

Apenas em alguns países, como nos escandinavos, predomina o

financiamento por transferências dos recursos provenientes de impostos,

através de transferências orçamentárias.115

Qualquer que seja a forma pela qual se estruture o custeio das prestações

previdenciárias, seja escolhida a fórmula das contribuições, seja eleita a de

imposição tributária pura e simples, não se pode desconhecer os preceitos legais

aplicáveis em uma ou em outra das fórmulas e que estabelecem a relação

jurídica de custeio. Obrigacional por índole, a lei estabelece a compulsoriedade

dos recolhimentos e determina a parte orçamentária do Estado, criando a relação

obrigacional da sociedade e do Estado.116

113 Ilídio das Neves, Direito da segurança social..., p. 155-158. 114 Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na

Constituição, v. 5, p. 75-84. 115 Ibidem, p. 84. 116 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 236.

Page 91: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

82

Na fase de elaboração do orçamento da seguridade social, o poder

competente já terá, na lei de diretrizes orçamentárias (art. 195, § 2º c.c. o art.

165, § 5º da CF), fixado as metas e prioridades a serem implementadas pelo

sistema de proteção social.

A lei orçamentária, da qual é parte integrante o orçamento da

seguridade social117, deve ser examinada minuciosamente, com base em

levantamentos estatísticos, demográficos e atuariais, conforme preceitua o

artigo 96 da Lei n. 8.212/91:

“Artigo 96 - O Poder Executivo enviará ao Congresso Nacional, anualmente, acompanhando a proposta orçamentária da Seguridade Social, projeções atuariais relativas à Seguridade Social, abrangendo um horizonte temporal de, no mínimo, 20 anos, considerando hipóteses alternativas quanto às variáveis demográficas, econômicas e institucionais relevantes.”

As receitas provenientes de contribuições orçamentárias se originariam

dos recursos adicionais do orçamento fiscal e, através da lei orçamentária

anual, se destinariam recursos provenientes da arrecadação de outros tributos

para a saúde, previdência e assistência social.

O problema que ousamos enfrentar inicia-se no fato de que o

constituinte infelizmente não fixou o percentual mínimo com que cada ente da

federação deveria contribuir, que tecnicamente deveria ser regulado por lei

complementar. Em conseqüência, os entes federativos não cumprem sua

obrigação orçamentária, fato esse injustificável para os integrantes da

federação brasileira, já que não há qualquer fator de discrímen aceitável.

117 Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 39.

Page 92: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

83

Cada pessoa política deveria definir no seu orçamento o valor destinado

ao financiamento indireto da seguridade social, cumprir a determinação

constitucional, garantindo a eficácia da ordem social e do seguro social

instituído no plano de beneficio da seguridade social.

O artigo 193 do Decreto n. 3.048/99, que regulamenta a forma pela qual

a seguridade social é financiada, estabelece:

“Artigo 193 - A seguridade social é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de contribuições sociais.”

No âmbito federal, o orçamento da seguridade social é composto pelas

receitas provenientes:

I - da União;

II - das contribuições sociais; e

III - de outras fontes.

As receitas provenientes de contribuições da União advêm de recursos

adicionais do Orçamento Fiscal, fixados obrigatoriamente na Lei

Orçamentária Anual. Ou seja, além das contribuições sociais, cuja receita está

vinculada diretamente ao financiamento da seguridade social, a União pode,

através da lei orçamentária anual, destinar recursos provenientes da

arrecadação de outros tributos para a saúde, previdência e assistência

social.118

118 Ítalo Eduardo Romano; Jeane Tavares Aragão Eduardo; Amauri Santos Teixeira, Direito

previdenciário: custeio, p. 20.

Page 93: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

84

Vale ressaltar que a Lei n. 8.212, que cuida do custeio da seguridade

social, seguindo o padrão clássico que regeu o tema do financiamento, ao

tratar da chamada contribuição da União, no parágrafo único do artigo 16,

prevê que a União será responsável pela cobertura das eventuais

insuficiências financeiras da seguridade social, quando decorrentes do

pagamento de benefícios de prestação continuada da previdência social, na

forma da lei orçamentária anual.119

Observe-se, desse enfoque, uma total irregularidade, uma vez que a

União só responde se e somente se o sistema tiver insuficiências financeiras;

se o sistema se mantiver equilibrado do ponto de vista financeiro, a

contribuição da União não será necessária.

Data vênia, a União deveria contribuir com um percentual fixo, mesmo

porque ela é a grande responsável pelo déficit que o sistema enfrenta no

momento.

A Lei n. 8.212 é inócua em relação à contribuição da União, pois

definiu tecnicamente uma alíquota zero. Ora, a União só contribuiria se

faltasse dinheiro no caixa para o pagamento de benefícios, mas isso é

inaceitável, pois a mesma lei, em seu artigo 17, dispõe que “para os

pagamentos dos encargos previdenciários da União poderão contribuir os

recursos da seguridade social referidos na alínea ‘d’ do parágrafo único do

artigo 11 desta lei, na forma da lei orçamentária anual, assegurada destinação

de recursos para as ações desta lei de saúde e assistência social”.

119 Ilídio das Neves, Direito da segurança social..., p. 67.

Page 94: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

85

Isso é muito grave, pois significa que, além da União não contribuir,

ainda pode receber recursos do sistema para o pagamento de seus encargos

previdenciários. Essa não era a vontade do legislador constituinte, pois o

mandamento constitucional é claro e eficaz no sentido de haver parcela do

orçamento da União para o financiamento da seguridade social.

O problema do financiamento dos entes federativos também existe em

nível estadual e municipal, em relação aos seus regimes previdenciários

próprios.

Notamos que, após a reforma constitucional para a formação desses

regimes, é indispensável a existência de lei própria ou de previsão no regime

jurídico dos servidores do ente federativo, se existente, de sistema de

previdência. Neste devem estar contidas disposições concernentes ao custeio,

à enumeração dos segurados e de seus dependentes, à rede de benefícios e aos

serviços.

Na realidade, é indispensável que haja efetivamente um regime próprio,

e não, como vem ocorrendo com alguns Estados e Municípios, meras

concessões de benefícios, tais como pensões ou complementações, sem

qualquer contribuição por parte do servidor, quando teríamos uma

liberalidade com dinheiro público, o que, é claro, é grave, já que “se faz favor

com o chapéu dos outros”. Aliás, o constituinte derivado, no intuito de dar

cabo a essa lamentável situação, em bom momento, criou a Emenda

Constitucional n. 20/98, que alterou a redação do artigo 40, caput da

Constituição Federal, deixando claro que tais regimes devem possuir “caráter

Page 95: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

86

contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e

atuarial”.120

O nosso inconformismo é claro neste trabalho, em relação às

responsabilidades financeiras que a União assumiu com dependentes dos seus

servidores já falecidos, que devem ser custeados pelo Tesouro Nacional, e não

pelo caixa da seguridade social, fato esse inadmissível e que deve ser cobrado

pela sociedade como imoral e até como desvio de finalidade do custeio.

Outro questionamento que atinge o custeio é o artigo 90 da Lei n. 8.212

que, por sua vez, refere-se à dívida da União para com o sistema de

seguridade social, estabelecendo que “o Conselho Nacional de Seguridade

Social, dentro de 180 (cento e oitenta) dias da sua instalação, adotará

providências necessárias ao levantamento das dívidas da União para com a

seguridade social”.

Esse prazo já expirou e, pior ainda, o órgão competente para a apuração

da dívida foi extinto pela Medida Provisória n. 2.143-36/2001, num manifesto

de ato de inconstitucionalidade.

Não podemos aceitar esse posicionamento. Devemos cobrar

veementemente dos entes da federação a parcela de financiamento e, da

União, além da parcela, apurar o valor real da dívida e cobrá-la de forma

eficaz. Observamos que o objetivo específico deste trabalho é buscar soluções

para o problema do financiamento indireto da seguridade social e fazer valer a

vontade do legislador constituinte.

120 Marcos Orione Gonçalves Correia; Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade

social, p. 68.

Page 96: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

87

Remígio Todeschini evidencia a vontade do legislador constituinte,

relatando que o diário da Assembléia Nacional Constituinte demonstra a

preocupação geral de todos os constituintes em ter proposta única da gestão,

quando houve fusão de propostas no artigo 227, item VII, com a seguinte

redação inicial: “caráter democrático e descentralizado da gestão

administrativa, com a participação de trabalhadores, empresários, aposentados

e da comunidade.”121

No segundo turno, com nova redação, o termo comunidade foi

exemplificado em representações de trabalhadores, empresários e

aposentados.

Quando foi votada a proposta sobre o capítulo da seguridade social, o

deputado Jorge Uequed, do PMDB do Rio Grande do Sul, assim se expressou

quanto à gestão da seguridade social: “A administração da seguridade social

será feita não apenas pelo governo, mas também pelos trabalhadores,

empresários, aposentados e pela comunidade, na área da saúde.”

No primeiro turno, o mesmo deputado assim se expressava quando à

gestão tripartite da previdência:

“É bom salientar que os trabalhadores, os únicos que pagam corretamente a previdência social neste país, não têm o direito de participar da gestão dos recursos que colocam nessa atividade. O trabalhador não pode, Sr. Presidente, sequer sonegar, porque já recebe o seu salário descontada a previdência social. Os empresários, alguns pagam, outros sonegam e alguns recolhem a parcela dos empregados e não a recolhem à previdência social. É indispensável essa administração tripartite e paritária da previdência, para evitar não apenas a má utilização dos recursos, mas também que sejam utilizados recursos da previdência social em outros campos que não aqueles definidos pela ação da sua fundação e da sua organização. Estabelecer-se uma administração tripartite quer dizer não mais serão usados recursos da previdência social em nível nacional,

121 Remígio Todeschini, Gestão da previdência pública e fundos de pensão, p. 67-74.

Page 97: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

88

regional ou municipal, nas campanhas eleitorais; não se fará mais da previdência um cabide de empregos para utilização de interesses de grupos que dominem; que, de ora em diante, após a promulgação da nova Carta, lá estarão os representantes dos trabalhadores em nível nacional, regional e municipal, para fiscalizar, denunciar e não permitir esta utilização.”122

Realmente houve, durante todo o processo da constituinte, tentativas de

emendas que visavam à redução da participação da comunidade na gestão da

previdência, o que, para Anníbal Fernandes, “seria reduzir ainda mais o

espaço dos trabalhadores e das empresas na administração da previdência

social.”123

No primeiro artigo da nossa Constituição, o princípio fundamental, a

norma-princípio, estabelece a participação popular direta: “Todo poder emana

do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição.”

Tal princípio é de aplicabilidade imediata, e não é princípio indicador,

como são os dos fins do Estado, inscrito no artigo 3º, inciso III, e o da

erradicação da pobreza. A participação popular reforça o Estado democrático

e não deve limitar-se às instituições representativas.

Segundo José Afonso da Silva, o Estado democrático visa “realizar o

princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da

pessoa humana”124, entre os quais temos os direitos sociais da seguridade

social. Tal concepção supera o conceito da democracia liberal, que estabelece

a norma jurídica como algo abstrato e geral. O Estado Democrático de Direito

significa fazer com que a comunidade de fato esteja inserida em todos os

122 Diário da Assembléia Nacional Constituinte, sábado, 23 maio 1987, p. 2.162-2.163. 123 Anníbal Fernandes, Poder econômico versus previdência social: a previdência na crise mundial,

p. 314. 124 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 121.

Page 98: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

89

mecanismos de controle e decisão, para que de fato o direito seja aplicado

universalmente na vida cotidiana de todos e não seja uma mera ficção.

Necessário destacar a lição cristalina da caracterização do Estado

Democrático de Direito de José Afonso da Silva:

“A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos do governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.”125

A democracia participativa direta está inscrita em diversos artigos da

Constituição federal e tem aplicabilidade imediata. O artigo 10 da

Constituição, inserido no Capítulo II, Dos Direitos Sociais, assegura a

participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos

públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto

de discussão e deliberação.

Wagner Balera ensina que esse direito não está sendo aplicado, portanto

a Constituição é ferida quando os trabalhadores e empregadores não têm

assento no Conselho Monetário Nacional, órgão atualmente sob a égide

monocrática do Ministro da Fazenda, subordinando-se aos ditames do Fundo

125 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 121.

Page 99: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

90

Monetário Internacional. Ferido também é o princípio fundamental da

soberania nacional inscrito no artigo 1º, I da Constituição de 1988.126

Com todo esse arcabouço constitucional de participação direta, pode-se

de fato realizar o Estado Democrático de Direito, em busca da equalização

das condições dos socialmente desiguais, tendo em vista a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, conforme os princípios ora elencados. Como

processo dialético, e através da participação direta, é que se busca o

aperfeiçoamento e a universalização dos direitos.

4.1 Financiamento indireto da saúde

O financiamento indireto da saúde viveu momentos históricos

importantes que refletem a luta da nação no sentido de consolidar a reforma

econômica, social e política do sistema de saúde.

4.1.1 Retrospecto histórico

4.1.1.1 Período de 1974 a 1979

Trata-se de uma fase em que ocorreram mudanças

conceituais importantes no âmbito da discussão das políticas sociais e de

saúde no Brasil, assim como reorientação política e institucional do Estado

brasileiro.

Consolidou-se o movimento brasileiro de reforma

sanitária: o diagnóstico realizado no país evidenciou as grandes desigualdades

126 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 23.

Page 100: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

91

sociais e de saúde, o que resultou em uma agenda de propostas para a

reversão do quadro social apresentado e, em especial, das condições de saúde.

As discussões giravam em torno dos problemas e

necessidades de saúde da população e seus determinantes, de propostas

políticas e de reordenação do sistema, além de debates sobre a medicina

preventiva e social, todos temas congruentes. A temática da reforma era

apresentada assim a partir da perspectiva de construção de um novo sistema

de saúde, não tendo sido discutida a reforma, mas sim havendo discussões

críticas sobre o sistema em funcionamento e sobre a necessidade de uma

reformulação. Na época, ampliaram-se os movimentos de questionamento do

modelo de atenção à saúde característico dos serviços prestado pelo Estado.

Em 1974, o Plano de Pronta Ação (PPA) se constituiu em

uma iniciativa que viabilizou a expansão da cobertura em saúde e desenhou

uma clara tendência de fortalecimento da proposta de universalização da

atenção à saúde.

Neste ponto, vale ressaltar que a política de saúde

brasileira ainda estava conformada aos padrões meritocráticos de direito à

saúde, e apenas tinha direito à assistência médica do Instituto Nacional da

Previdência Social (INPS) o trabalhador vinculado ao instituto e seus

dependentes.

A proposta de universalização da saúde significava a

extensão desse direito a toda a população, independente de contribuição

previdenciária. Assim, se garantia a todo cidadão o direito à assistência

integral à saúde, sem qualquer tipo de discriminação.

Page 101: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

92

Os serviços do INPS não eram os únicos a prestarem

assistência médica, mas certamente eram aqueles onde havia maior

investimento e portanto recursos. Além disso, havia, nessa lógica, uma

concentração dos serviços de assistência próximo aos centros urbanos de

produção, deixando uma parcela significativa da população sem opção de

acesso.

A instituição do Sistema Nacional de Saúde (SNS), em

1975, constituiu-se na primeira proposta nacional de configuração de um

sistema de saúde que enfrentava a necessidade de existir uma política única

para a saúde, em todo o território nacional, com diretrizes políticas definidas.

Seguiu-se o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento

(PIASS), definido em 1976 com o propósito de estender serviços de atenção

básica à saúde no Nordeste do país, que reconhecia a necessidade de definir

políticas para além dos centros urbanos e de ampliar o acesso à saúde em todo

o território nacional.

Também as V e VI Conferências Nacionais de Saúde,

realizadas em 1975 e 1977, expressaram bastante bem o esforço do Estado na

construção de um arcabouço institucional de base para a saúde, nesse período.

À guisa de síntese dessa fase, vale ressaltar que, nos anos

do governo Geisel, houve maior espaço para os movimentos contra o poder

estabelecido e o desenvolvimento de políticas sociais. No setor saúde, foi

possível o fortalecimento do movimento de reforma da política de atenção

para o setor.

No aspecto político e social, aumentaram as posições

voltadas para a definição de um Estado Democrático. Os impasses da crise

Page 102: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

93

geral do Estado e a presença sólida de propostas de reforma para o conjunto

do Estado permitiram o encaminhamento das mesmas.

No tocante às políticas sociais, o início do processo de

abertura e democratização social permitiu o desenho de políticas de proteção

de moldes cada vez mais universalistas.

No ano de 1978, foi realizada em Alma-Ata, na URSS, a

Conferencia Mundial da Saúde, sob os auspícios da Organização Mundial de

Saúde (OMS) e do Fundo Internacional de Socorro à Infância. Dessa

conferência, surgiram vinte e duas recomendações, que foram reunidas na

Declaração de Alma-Ata (o Brasil foi um dos poucos países ausentes desse

encontro). Com base nessa declaração, o Conselho Executivo da OMS

elaborou, em 1979, o documento “Formulação de estratégias com vistas a

alcançar saúde para todos no ano 2000: princípios básicos e questões

essenciais” (saúde como completo bem-estar biopsicossocial). O documento

foi debatido na 32ª Assembléia Mundial de Saúde, realizada em Genebra, em

maio de 1979. O Brasil estava presente nessa assembléia e colocou-se de

pleno acordo com as propostas apresentadas.

4.1.1.2 Período de 1980 a 1986

A temática principal era a política de extensão da cobertura

dos serviços de saúde, numa releitura do Programa de Interiorização das

Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) para o território nacional. A proposta

ganhou corpo com a configuração formal da proposta do Prev-Saúde,

apresentada no âmbito de discussão da VII Conferência Nacional de Saúde,

1980.

Page 103: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

94

O Prev-Saúde visava dotar o país de uma rede de serviços

básicos que oferecesse, em quantidade e qualidade, os cuidados primários de

proteção, promoção e recuperação da saúde, tendo como meta a cobertura de

saúde para toda a população, até o ano 2000.

A atenção primária, nesse entender, seria a estratégia para

a redução das desigualdades sociais existentes, estratégia essa que atendia

duplamente aos propósitos do Estado.

No entanto, o Prev-Saúde acabou não sendo incorporado

pelo governo e muito menos estabelecido na prática, dada as resistências

intraburocráticas assentadas no INAMPS, a forte oposição das entidades do

segmento médico-empresarial e, ainda, as pressões oriundas do campo da

medicina liberal. Esse conjunto de forças conformou um sem-número de

razões para que o Prev-Saúde não se concretizasse.

O diagnóstico do Conselho Consultivo de Administração

da Saúde Previdenciária (CONASP) mostrou uma rede de saúde ineficiente,

desintegrada e complexa, na relação do INAMPS com os demais serviços de

assistência promovidos pelo Estado. Os serviços oferecidos pelo Ministério da

Saúde (secretarias estaduais e municipais inclusive) funcionavam

independentemente e paralelamente aos serviços oferecidos pelo

MPAS/INAMPS, formando uma rede pública desintegrada, o que constituía

uma dificuldade a mais no planejamento dos investimentos e gastos do setor.

Toda essa discussão configurou um novo marco político

para o debate da reforma setorial e, a partir dela, foram elaboradas propostas

operacionais para a reestruturação do sistema e desmontagem do modelo,

como a configuração das Ações Integradas de Saúde (AIS). As AIS visavam

Page 104: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

95

dar maior racionalidade, integração e controle às ações de saúde, com a

programação e orçamentação dos recursos para a saúde, integração das ações

do setor público e conveniado e controle de recursos para o setor privado

contratado.

O contexto político também favoreceu o crescimento do

debate setorial, pois o processo de “transição democrática” trouxe novas

perspectivas e o começo do governo da Nova República, em 1985, deu início

a um processo acelerado de mudanças na saúde.

Durante todo o período de 1985 e 1986, desenvolveu-se

um processo intenso de negociação entre os grupos e setores envolvidos no

projeto de reforma (sanitaristas, previdenciários, trabalhadores e outros

grupos).

A possibilidade de implementação da reforma pressionava

para a definição de estratégias e políticas concretas de mudança setorial, mas

as forças políticas e institucionais que emanavam desses diversos grupos

prolongavam o processo de negociação, levando a alguns impasses.

No mesmo ano, foi realizada a VIII Conferência Nacional

de Saúde, que se configurou como o ápice de todo esse movimento de

negociação, tendo sido resultado de forte pressão dos “reformistas da saúde”

para a legitimação da reforma.

A Conferência contou com a presença de mais de quatro

mil pessoas e a participação expressiva de grupos sociais de diversos

segmentos, encerrando uma lista de propostas sistematizadas para a política

de saúde, dentre elas a de reformulação do Sistema Nacional de Saúde, com a

Page 105: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

96

constituição de um comando único do sistema. Essa proposta indicava a

transferência imediata do INAMPS para o Ministério da Saúde e a separação

progressiva dos recursos para financiamento da previdência, visando encerrar

o debate entre previdência e saúde na disputa por poder e recursos.

A VIII Conferência Nacional de Saúde também indicou a

formação de uma Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), para a

elaboração mais detalhada das propostas discutidas em plenário, e com o

objetivo de formular um texto sistematizado que pudesse subsidiar as

discussões relativas à definição da política de saúde na Assembléia Nacional

Constituinte.

A Comissão se reuniu durante todo o ano de 1987 e

apresentou, ao final do processo, um conjunto de documentos técnicos com

diretrizes para a reforma do setor saúde, reafirmando a discussão da VIII

Conferência Nacional de Saúde. Os documentos serviram de referência no

debate da Assembléia Nacional Constituinte.

Esta fase foi essencialmente político-ideológica, mostrando

o desenvolvimento dos principais alicerces da discussão para a política de

saúde a ser implementada.

A importância desta fase está na capacidade de

mobilização e implicação dos diversos atores – políticos, sociais e

institucionais – na avaliação e construção de um ideal político para a saúde,

expressando os interesses de cada parcela e os conflitos que a proposta de

reforma trazia, na perspectiva de cada grupo.

Page 106: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

97

4.1.1.3 Período de 1987 a 1990

Nesta fase político-institucional houve um avanço da

política de consolidação jurídico-legal e social dos princípios e diretrizes do

projeto de reforma setorial. Foi um momento marcado ainda pelas discussões

da VIII Conferência Nacional de Saúde de 1986 e houve então uma real

possibilidade de legalização da reforma.

Nesse sentido, o debate acadêmico nunca esteve tão

próximo da discussão política, subsidiando as reuniões da Assembléia

Nacional Constituinte, nos anos de 1987 e 1988, e interferindo na construção

da política, como a definição do Sistema Descentralizado e Unificado de

Saúde (em 1987), cujo principal formulador foi o então presidente do

INAMPS Hésio Cordeiro, importante personagem do cenário acadêmico da

saúde.

O SUDS, como uma estratégia-ponte para o SUS, como foi

considerado por muitos analistas políticos, avançou na operacionalização da

reforma e serviu como um instrumento de continuidade do processo de

reforma da saúde, na medida em que os quadros políticos de apoio à reforma

podiam a qualquer momento ser dispensados ou afastados, diante do contexto

de renovação política com as eleições.

Mesmo sem a discussão finalizada de qual seria a melhor

estratégia para a saúde naquele momento, o SUDS mostrou-se como única

opção no encaminhamento da reforma, porque mesmo com o baixo grau de

consenso no tocante às propostas, ainda definia algo mais do que existia até

Page 107: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

98

aquele momento. Era o primeiro passo institucional concreto rumo à reforma,

nos moldes que vinha sendo discutida.

Os frutos desse debate se apresentaram no ano de 1988

com a aprovação da nova Constituição brasileira e, em especial, da seção da

seguridade social, onde se inseriu o capítulo da saúde.

O capítulo da saúde incorporou todos os princípios

debatidos no processo de reforma, garantindo a definição dos princípios

básicos do SUS, configurando uma grande vitória do movimento reformista,

que finalmente garantia uma base institucional concreta para o

desenvolvimento da reforma. No entanto, as negociações finais na

Assembléia Nacional Constituinte deram-se em um quadro político-

institucional rearticulado, e a operacionalização da reforma foi remetida para

definição posterior, em legislação complementar.

A Constituição Federal garantiu as bases mínimas para a

reforma – princípios e diretrizes do sistema –, mas restava ainda toda a

discussão operacional da reforma, onde incidiam os principais dilemas da

negociação política. Saúde como direito do cidadão e dever do Estado, ou

seja, os cuidados a saúde ultrapassam o atendimento à doença e se estendem à

prevenção e às condições geradoras de doenças. Saúde passa a ser entendida

também como condições de vida, abarcando moradia, trabalho, educação e

lazer.

Nesse período, os reformistas da saúde já não se

apresentavam tão atuantes na discussão política, mas ainda contribuíram

efetivamente no projeto de formulação da Lei Orgânica da Saúde.

Page 108: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

99

A Lei Orgânica da Saúde só veio a ser promulgada em

setembro de 1990, no contexto do governo Collor, e sofreu uma enormidade

de vetos. Mesmo assim, definiram-se os objetivos, atribuições, diretrizes,

princípios, organização, financiamento e planejamento do setor saúde, dentro

da nova lógica proposta pelo SUS.

Diante dos vetos que sofreu, foi formulada e aprovada uma

lei complementar (LC n. 8142), que buscou redefinir alguns pontos de veto da

lei, obtendo algum sucesso.

Com a definição das leis complementares da saúde, em

1990, fechava-se a base institucional necessária para a implementação efetiva

da reforma. A participação dos grupos reformistas e da intelectualidade na

definição das regras do sistema encerrava um primeiro ciclo e, mesmo que

ainda existissem algumas lacunas na definição da reforma, sua base

institucional estava montada. Teria início a partir desse período a construção

do SUS.

A IX Conferência Nacional de Saúde reafirmou a proposta

do SUS. As normas operacionais básicas definiram as estratégicas e

movimento táticos que orientam a operacionalidade do SUS, viabilizando a

sua implantação. Foram estabelecidas normas e procedimentos para efetivar o

processo de descentralização das ações de serviços de saúde, acatando

recomendações do Conselho Nacional de Saúde, no sentido de realizar a

descentralização para Estados e municípios de forma gradual, a partir do

preenchimento de critérios de viabilidade em cada situação, até que cada

município pudesse ficar autônomo na condução e gestão do SUS, no seu

âmbito.

Page 109: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

100

4.1.1.4 Período posterior a 1990

A recente emenda constitucional que tratou do

financiamento do setor de saúde prevê expressamente que um percentual fixo

do orçamento da União, dos Estados e dos Municípios deve ser destinado a

esse setor, e que o percentual do orçamento da União não pode ser inferior

aos anteriormente adotados.

Assim sendo, esse setor será cada vez mais aquinhoado no

orçamento da União, independentemente das verbas destinadas à seguridade

social, observando sempre as metas e prioridades e os princípios da

universalidade e distributividade, com a participação tanto da sociedade como

do Estado.

Através da Emenda Constitucional n. 29/2000, que

vinculou os recursos para área da saúde e atendeu ao desejo do legislador

originário de 1988, a sociedade brasileira deu um grande passo na forma de

financiamento indireto.

Nesse momento, o setor de saúde passou a contar com um

quantitativo fixo da receita pública de seguridade social, caracterizada pelo

modo indireto (receita de impostos), de difícil apuração, sem prejuízo da

verba que lhe cabe na repartição da receita que ingressa pelo modo direto

(receita das contribuições sociais, inclusive a CPMF). É modo vinculado, para

definitivamente cumprir o sistema de financiamento indireto determinado

pelo constituinte originário de 1988.127

127 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 30.

Page 110: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

101

A questão do financiamento indireto da saúde se tornou o

ponto de partida para a assistência social, para a qual também já há

mobilização para a adoção da regra do financiamento indireto. A proposta

dessa emenda constitucional avançou, na medida em que se ampliou a

discussão sobre uma possível reforma na área da saúde, com a participação

direta da sociedade que, angustiada por ver uma saúde falida e sem recursos

para a atenção ambulatorial e hospitalar, sentiu a necessidade de se

vincularem recursos próprios para a saúde, sem desvios, através de um amplo

processo de descentralização.

No Brasil, o financiamento público federal da saúde se

caracterizou por constantes alterações e pela triste realidade de que não é a

saúde uma prioridade. Ao longo do tempo, alguns aspectos chamaram mais a

atenção de nossos governantes, inclusive a questão do financiamento, reflexão

que faremos a partir de agora, relacionada à origem da vinculação

propriamente dita, ou seja, à parte do financiamento indireto.

A Carta Magna de 1988 trouxe um enorme avanço, em

resposta às demandas políticas e sociais que se acumularam ao longo do

século XX. Ela reformulou e transformou toda a organização do setor da

saúde, criou o Sistema Único de Saúde, um modelo de atenção especial à

saúde, de acordo com os princípios constitucionais, proporcionando maior

equidade na distribuição dos serviços e na atenção a toda a população.

A saúde passou a ser parte da seguridade social,

juntamente com a previdência social e a assistência social, com um orçamento

específico, o orçamento da seguridade social, dotado de uma arrecadação

Page 111: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

102

única para os programas sociais, baseada no total dos recursos, o que

possibilita o desenvolvimento das políticas sociais previstas na Constituição.

Wagner Balera preceitua que “o que mais importa, nesse

preceituário, é a definição política dos percentuais mínimos a serem alocados

ao setor de saúde, no catálogo de receitas e impostos”.128

Passou a existir na Constituição Federal um capítulo

dedicado à seguridade social, abrangendo a previdência, a assistência social e

a saúde, dentro do qual alguns artigos dizem respeito especificamente à saúde.

O artigo 196 estabelece que “a saúde é direito de todos e

dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem

a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

O constituinte, sabedor do estado precário em que se

encontrava a saúde brasileira, não hesitou em positivar a recuperação da

saúde, o que só poderia acontecer se realmente as políticas implementadas

fossem de fato eficazes.

Ana Elizabete Mota afirma que o grande capital, os

organismos internacionais e a burocracia estatal utilizam-se de problemas

conjunturais, que afetam os seus interesses mediatos e imediatos –

reestruturação produtiva, reestabelecimento de níveis de produtividade,

redução de custos com a força de trabalho e cumprimento dos acordos

128 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 31.

Page 112: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

103

financeiros internacionais – e os transformam em questões estruturais que

exigem reformas e aprovação da sociedade como um todo.129

O artigo 197, por sua vez, diz que “são de relevância

pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público, dispor, nos

termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua

execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa

física ou jurídica de direito privado”.

Trata-se de um novo pacto social, passando a saúde a ser

direito de todos e dever do Estado. Aliás, não podemos esquecer que o Estado

é a sociedade politicamente organizada, havendo, portanto, uma

responsabilidade solidária.

Apesar de todo o pacto firmado, os preceitos

constitucionais geravam dúvidas no cumprimento desse pacto, em relação aos

entes federativos, quanto às fontes de financiamento indireto, pois

mencionavam os orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, porém não fixando o valor, ou seja, o percentual.

O Orçamento Geral da União (OGU), formado pelo

orçamento da seguridade social e o de investimento das estatais, estabeleceu

uma nova forma e novos critérios para as transferências públicas de recursos

para o Estado, com financiamento principalmente através de recursos do

orçamento fiscal, mas agora também com recursos do orçamento da

seguridade social.

129 Ana Elizabete Mota, Cultura da crise da seguridade social, p. 221.

Page 113: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

104

Apesar de o constituinte ter criado programas que

possibilitavam uma maior arrecadação, permitindo a incorporação de

demandas sociais, a implementação desses preceitos foi dificultada pelo

processo inflacionário da década de 90.

O processo inflacionário gerava perdas reais no repasse das

dotações orçamentárias, atraso nos repasses de recursos e realocação de

verbas que muito dificultaram o financiamento público da saúde.

Não podemos olvidar que a implementação das políticas

públicas não é atingida quando há uma instabilidade no processo de ajuste da

economia e, infelizmente, sempre há um conflito entre a satisfação das

demandas sociais e o equilíbrio das contas públicas.

Isso se deu mesmo com a criação da contribuição

provisória sobre movimentações financeiras (CPMF), que substituiu o

imposto provisório sobre movimentação financeira (IPMF). Deve-se lembrar

que o IPMF começou a ser arrecadado no início de 1994 e, já no primeiro

ano, importou em um volume de recursos de R$ 4,98 bilhões, o que

representava 7,74% da arrecadação total do governo. A CPMF entrou em

vigor em janeiro de 1997, tendo como resultado, no seu primeiro ano, uma

arrecadação de R$ 6,9 bilhões (6,45% da arrecadação total do governo

federal). A CPMF corresponde à fonte 155 no Orçamento da União.

Os recursos arrecadados com a CPMF deveriam ser

destinados ao Ministério da Saúde, para financiar o Sistema Único de Saúde,

e ao Ministério da Previdência, para reduzir parte do déficit do INSS. Com a

elevação da alíquota nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, o percentual

acrescido deveria ser destinado ao custeio da previdência social.

Page 114: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

105

Até janeiro de 1999, a alíquota era de 0,20%. Com a

prorrogação da cobrança, a alíquota passou para 0,38%, a partir de 17 de

junho de 1999, por um ano. Nos dois anos subseqüentes, a alíquota cobrada

seria de 0,30%, até o ano de 2001. Em março de 2001, a alíquota voltou a

0,38%. O aumento da alíquota da CPMF foi aprovado pelo Congresso em

dezembro de 2000, com o objetivo de financiar o Fundo de Combate à

Pobreza. A receita gerada com o percentual alterado seria usada no programa

“Bolsa-escola” e em projetos de saneamento.

A flutuação das fontes de financiamento das políticas de

saúde produziu uma inquietação em toda sociedade. Visando garantir recursos

estáveis para o setor, dado o ambiente de disputas e incertezas, no futuro seria

conveniente a aprovação de recursos orçamentários apropriados e vinculados.

Nesse sentido, o setor se mobilizou para tentar aprovar no

Congresso Nacional recursos para a saúde, diminuindo o grau de incerteza e

instabilidade quanto ao financiamento, com propostas de emendas à

Constituição (PECs) visando a vinculação de receita para o setor. Após um

longo processo de negociações e votações, foi aprovada a Emenda

Constitucional n. 29/2000, fruto de muita luta, que vinculou recursos para o

setor da saúde.

A PEC que ficou conhecida como PEC da saúde foi

resultante de um movimento suprapartidário que se desenrolou durante muito

anos e passou por vários governos. Foi uma conquista extremamente

importante para garantir recursos federais, estaduais e municipais para o

atendimento da saúde e resultou da luta daqueles que tinham interesse em

Page 115: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

106

defender a saúde do povo brasileiro, tornando possível a criação de

vinculação orçamentária, através da alteração constitucional.

A vinculação de receita na Constituição, destinada à saúde

é luta antiga de todos os médicos e de todas as entidades médicas. Já na

Constituinte de 1988, quando da criação do SUS, o deputado federal Eduardo

Jorge tentou, sem sucesso, essa vinculação orçamentária.

Durante anos, as verbas para a saúde foram insuficientes.

Infelizmente, não foi possível sensibilizar os governantes. A partir da criação

do SUS, a batalha se intensificou, tomando a forma de uma luta organizada e

suprapartidária. Nesses mais de dez anos, o SUS se expandiu em quantidade e

qualidade, mas administrando uma miséria orçamentária.

Em 1993, o deputado federal Eduardo Jorge, (escolhido

pela Sociedade de Medicina e Cirurgia como o médico deputado federal do

ano 2000), apresentou o PEC n. 169, visando destinar recursos específicos

para a saúde.

O projeto teve como relator o combativo deputado

Darcísio Perondi do Rio Grande do Sul (escolhido pela Sociedade de

Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro como médico deputado federal do ano

de 2002).

Apesar do esforço e da tenacidade do autor da emenda e do

seu relator, infelizmente, ela foi sendo procrastinada, até o arquivamento. Em

1995 o deputado Carlos Mosconi, de Minas Gerais (escolhido pela Sociedade

de Medicina e Cirurgia como o médico deputado federal do ano de 1998)

apresentou outra emenda, que tomou o número 82.

Page 116: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

107

Essa emenda tinha algumas nuanças que a distinguiam da

outra, mas com a mesma finalidade. O relator dessa emenda foi o deputado

Ursicino Queiroz, da Bahia (escolhido pela Sociedade de Medicina e Cirurgia

como médico deputado federal do ano de 1999). Após longos anos de batalha

e recebendo o apoio dos médicos, das entidades médicas e conseguindo

sensibilizar a maioria da Câmara dos Deputados, ela foi aprovada. Na

realidade, houve um acordo suprapartidário para a aprovação.

O primeiro turno ocorreu no dia 27.10.1999, com 405

votos a favor, e o segundo turno em 10.11.1999, com 416 votos a favor. A

seguir, a emenda foi remetida para o Senado Federal. Depois de sete meses, e

muita pressão de setores da saúde, finalmente a matéria entrou em discussão,

no dia 21.6.2000, sendo aprovada em sessão do dia 29, com o apoio de 62

votos a favor e apenas 3 contra. Em 13.8.2000, a emenda foi promulgada.

Na Comissão de Seguridade Social da Câmara, papel de

destaque tiveram os deputados José linhares (CE), Alceu Collares (RS) e

Jandira Feghali (RJ), mostrando o caráter suprapartidário da Emenda.

Houve ainda, durante todo o transcurso do processo, os

apoios do Conselho Nacional de Saúde, do CONASEMS e, em especial, dos

Ministros da Saúde Jamil Haddad, Adib Jatene e José Serra.

No Senado, foi muito importante o trabalho do relator

senador Antônio Carlos Valladares e também a participação nos bastidores do

Ministro da Saúde José Serra. Apesar de todos os esforços, os valores ficaram

abaixo da expectativa, mas o mais importante foi garantir, na Constituição, a

vinculação de recursos para a saúde e a certeza de que o SUS passaria a ter

Page 117: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

108

recursos garantidos pela Constituição, provenientes dos tributos arrecadados e

de repasses dos governos estaduais e municipais.

Os recursos do SUS passaram de R$ 19 bilhões para 22,5

bilhões. A Emenda Constitucional da Saúde garantiu, para 2001, 5% do

Orçamento Federal e, a partir daí, o mesmo percentual da variação do Produto

Interno Bruto (PIB), acrescido da inflação.

Os Estados deveriam investir 7% da arrecadação, com

aumentos sucessivos, até atingir 12% da receita. Já os municípios começaram

com a obrigação de destinar 7% e chegarão a investir 15%. Os recursos para a

saúde aumentaram, porém deve-se atentar para os desvios de verbas, os

grandes ralos por onde escapam o dinheiro devem ser consertados para que o

SUS comece a ter condições de funcionamento.

A exposição de motivos da Emenda Constitucional n.

29/2000 demonstra que a história do financiamento federal da saúde se

caracterizou sempre por apresentar um quadro de instabilidade dos montantes

destinados ao setor. As fontes de financiamento do setor − recursos ordinários

da União, contribuição social sobre o lucro líquido das empresas, contribuição

sobre o faturamento das empresas, contribuição provisória sobre a

movimentação financeira, receita proveniente dos fundos de desvinculação

fiscal e outros recursos e fontes − não foram suficientes para solucionar o

problema.

O financiamento precisava ser definido por emenda à

Constituição que estabeleceria os percentuais de recursos específicos para o

setor.

Page 118: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

109

A proposta visava garantir a continuidade do

financiamento do setor de saúde, sem desvios ou reduções drástica no aporte

de recursos, por decisões arbitrárias e infundadas, de forma a garantir a

cobertura das necessidades de financiamento. Assim, o Ministério da Saúde

ficaria menos vulnerável a essas decisões e o setor ficaria menos

desprotegido.

O debate sobre a necessidade de vinculação de recursos

orçamentários para saúde ganhou um defensor, o então ministro José Serra,

que na época afirmou ser favorável à vinculação de recursos para a saúde

porque o orçamento da saúde sempre estava vulnerável a cortes, o que

funcionaria como obrigação para os governantes. Segundo ele, se não

houvesse todas as vinculações orçamentárias constitucionais, as pessoas

humildes ficariam cada vez mais vulneráveis à falta de assistência, a exemplo

da médica, como ocorreu quando do colapso inflacionário da década de 90.

O terceiro fator citado pelos autores da emenda sobre as

limitações da vinculação é que ela, na prática, transforma em teto o volume de

recursos previsto para ser o piso do setor, engessa o orçamento e elimina a

prejudicial flexibilidade das decisões dos governantes.

Os pontos positivos da vinculação seriam, em primeiro

lugar, a elaboração de orçamentos vinculados da assistência, previdência e

saúde, dentro do orçamento da seguridade social; em segundo lugar, a

vinculação desses recursos, entre as três esferas de governo, favorece a

descentralização; em terceiro, maiores serão os recursos para o setor da saúde,

tão necessários atualmente, dado o quadro de deterioração em que se

encontra.

Page 119: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

110

Dado o quadro de mudanças tributárias, o setor da saúde

passou a vincular seus recursos, no intuito de possibilitar alguma garantia de

financiamento. A emenda constitucional asseguraria os recursos mínimos para

o financiamento da saúde. A PEC n. 82-C foi aprovada e deu origem à

Emenda Constitucional n. 29.

A Emenda foi promulgada em 13 de setembro de 2000,

alterou os artigos 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e

acrescentou o artigo 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Os critérios estabelecidos na Emenda eram auto-aplicáveis

e suas exigências e efeitos foram imediatos sobre os Estado e Municípios, não

necessitando nenhum instrumento legal para o seu cumprimento. Além de

definir os limites mínimos de aplicação na área da saúde pública, estabelece

regras de adequação para o período de 2000 a 2004. A complexidade da

emenda está nos cálculos dos limites de investimento, nos critérios de

fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde e nas normas de

cálculo dos recursos a serem aplicados pela União, definidos por meio de lei

complementar, reavaliada periodicamente, pelo menos a cada cinco anos. Na

hipótese da não edição dessa lei, permaneceriam válidos os critérios

estabelecidos na própria emenda constitucional.

Os artigos 34 e 35 da Constituição passaram a permitir que

a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal e dos Estados nos

Municípios, assegurando a aplicação do mínimo exigido da receita resultante

de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na

manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de

saúde.

Page 120: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

111

A mudança no artigo 156 possibilita a criação de diferentes

alíquotas do Imposto Territorial Urbano (IPTU), favorecendo a arrecadação

dos Municípios, para atender às ações e serviços públicos de saúde.

O artigo 198 tem dois novos parágrafos, que estabelecem a

participação dos entes federados no financiamento público da saúde, através

de seus respectivos orçamentos, vinculam e especificam quais impostos

podem compor a receita. Estabelecem que lei complementar definirá os

percentuais de participação de cada ente federativo e as formas de fiscalização

e controle das despesas.

A emenda cria um novo artigo para o Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, estabelecendo as formas de participação da

União, Estados, Distrito Federal e Municípios no financiamento da saúde, até

2004, ou até a elaboração de lei complementar.

A União, de acordo com o artigo 77, deve aplicar nas

ações e serviços de saúde, em 2000, o montante empenhado em ações e

serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no

mínimo, 5%. Nos anos de 2001 a 2004, o valor apurado no ano anterior,

corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).

Os Estados e o Distrito Federal devem destinar 12% dos

impostos e outras receitas a que se refere o artigo 155 e dos recursos de que

tratam os artigos 157 e 159, inciso I, alínea “a”, e inciso II, deduzidas as

parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios.

Os Municípios e o Distrito Federal devem destinar 15% do

produto de arrecadação dos impostos e outros recursos especificados no artigo

Page 121: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

112

156 e dos recursos de que tratam os artigos 158 e 159, inciso I, alínea “b” e

parágrafo 3º.

O parágrafo 1º dispõe sobre o crescimento gradual da

contribuição dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que devem

aplicar pelo menos 7% de sua arrecadação e obrigatoriamente aumentar o

percentual, de forma a se atingir o percentual de 12% e 15%, respectivamente.

Não podem ser considerados no percentual destinado à

saúde os recursos gastos com folha de pagamento de inativos e pensionistas.

Os pagamentos de serviços de limpeza urbana ou rural e saneamento devem

ser financiados com tarifas, taxas ou contribuições cobradas dos usuários.

Cabe ressaltar que os percentuais especificados na Emenda

Constitucional n. 29 são números mínimos e não representam o valor

adequado, e sim o valor mínimo. A emenda estabelece ainda que a lei

complementar a ser promulgada definirá os critérios de rateio de recursos da

saúde, objetivando a progressiva redução de disparidades.

Portanto, não se pode deixar de lado essa participação e

muito menos não cobrar a participação do Estado no financiamento indireto,

principalmente o cumprimento na integra da Emenda Constitucional n.

20/2000. Porém, com base nessa cobrança, pesquisamos a real aplicação dos

percentuais e regras aqui discutidos e chegamos à triste constatação de que, na

prática, os governantes não estão respeitando a determinação constitucional.

A ordem constitucional é clara, mas, mesmo assim, das 27

unidades estaduais da federação, 17 não vêm cumprindo a exigência

Page 122: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

113

constitucional. Mas nada acontece, apesar das punições previstas na Lei de

Responsabilidade Fiscal.

O país assiste, com perplexidade, à investida do governo

contra os recursos da saúde. O primeiro ataque ocorreu durante a própria

tramitação da reforma tributária na Câmara, quando o esquema

governamental quis aprovar a emenda da desvinculação de receitas do

Estados, propondo tornar livre a aplicação de 20% do total de recursos

vinculados do Estados. A medida, que afetaria principalmente as verbas para

a educação e saúde, foi repelida nas negociações partidárias, juntamente com

outra proposta, que também atingiria os recursos da saúde: a desvinculação da

aplicação de 0,38% da CPMF, da qual 0,20% vai para a saúde, 0,10% para a

Previdência e 0,08% para o combate à pobreza.

A surpresa maior foi a proposta orçamentária de 2004, com

a inclusão das verbas do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza no

orçamento da saúde. Significou uma redução de R$ 3,571 bilhões nos

repasses da União para os serviços tipicamente de saúde no próximo ano, num

flagrante descumprimento da Emenda Constitucional n. 29. Será que as atuais

autoridades federais acreditam que o sistema público de saúde vai tão bem a

ponto de poder abrir mão de parte importante de seus recursos em favor de

outros desafios nacionais? Aliás, misturar os conceitos de assistência social e

saúde, apesar de estarem dentro da estrutura constitucional da seguridade

social, é inaceitável, uma vez que são campos distintos.

A manobra em curso provocará forte reversão na tendência

de aumento das aplicações em saúde, verificada desde 2000. Em razão da

Emenda Constitucional n. 29, os gastos com saúde subiram de R$ 18,353

Page 123: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

114

bilhões, em 1999, para R$ 27,783 bilhões, em 2003, o que corresponde a um

aumento de 51%, em apenas cinco anos.

Com a referida inclusão, por parte do governo, do Fundo

de Combate à Pobreza no orçamento da saúde de 2004, o total destinado ao

setor ficou em R$ 28,906 bilhões, o que representa aumento de apenas 4%,

menos da metade da inflação prevista para o ano.

Esse, na realidade, é um mau exemplo dado pelo governo

federal aos Estados e Municípios. Deve-se observar que várias administrações

estaduais se inspiraram na iniciativa federal, incluindo na rubrica da saúde,

gastos com outros itens, como despesas com restaurantes populares. Projeções

indicam que a perda total de recursos para a saúde, nos três níveis de governo,

chegou a R$ 10 bilhões em 2004. É também motivo de apreensão o

ressurgimento, na tramitação da reforma tributária no Senado, da proposta de

desvinculação das receitas dos Estados.

Se, por um lado, a boa notícia é que os investimentos em

saúde e educação têm aumentado nos últimos anos, por outro, a má notícia é

que os aumentos não correspondem ao que está previsto em lei. No caso da

saúde, 17 Estados não estão cumprindo a Emenda Constitucional n. 29/2000,

que estipulou um percentual mínimo de gastos com o setor. Em relação à

educação, a obrigatoriedade de repasse de 18% das receitas de impostos

federais tem sido esvaziada, pelo fato de que tributos criados sob a forma de

“contribuições” (expediente cada vez mais comum) não entram no cálculo.

Na área de saúde, um dos principais motivos para o descumprimento da

Constituição é a divergência de interpretação sobre o que deve ser

considerado gasto no setor. Como a Emenda Constitucional n. 29/2000 não

foi regulamentada, há uma zona cinzenta: alguns Estados consideram que

Page 124: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

115

investimentos em saneamento, merenda escolar ou hospitais voltados para

públicos específicos, como o militar, devem entrar na conta. Na tentativa de

sanar a controvérsia, o Conselho Nacional de Saúde editou uma resolução a

respeito do assunto, mas também ela tem sido contestada. Toda essa confusão

tem como pano de fundo o princípio geral de que parte das receitas públicas

deve ser vinculada a determinadas despesas.

Embora constitua de fato um constrangimento para os

administradores, a vinculação faz sentido, diante do quadro de carências

sociais do país. O mecanismo ergue uma barreira ao eventual abandono da

saúde e da educação pelos governantes. Num quadro de forte restrição, para o

qual colaboram os compromissos da dívida pública, essas vinculações tendem

a ser mais contestadas. Não há, no entanto, por ora, nada que justifique essa

mudança.

Com mais ou com menos recursos, parte deles deve

permanecer destinada à saúde, sendo necessário que o Ministério Público e a

Justiça não deixem que as irregularidades ocorram impunemente.

Outro dado assustador é que os gastos do governo federal

com saúde em 2005, autorizados pelo Orçamento e pelo decreto do presidente

Luiz Inácio Lula da Silva, ferem a Constituição, segundo estudo das

consultorias de Orçamento e Fiscalização da Câmara e do Senado, cujo

conteúdo foi confirmado pelo próprio Ministério da Saúde.

A Emenda Constitucional n. 29/2000 estabelece

investimentos mínimos e crescentes para a saúde. Descontadas as despesas

com pessoal, a União deve aplicar na área o mesmo valor dos gastos do ano

Page 125: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

116

anterior, acrescido da variação do Produto Interno Bruto, que é o conjunto de

riquezas produzidas em todo o país.

Segundo Marta Salomon:

“‘A dotação prevista para o Ministério da Saúde na lei e no decreto é insuficiente para o cumprimento da emenda em pelo menos R$ 440 milhões’, afirma nota conjunta das consultorias da Câmara e do Senado. O cálculo não levou em consideração a transferência de uma conta de R$ 1,2 bilhão do Ministério do Desenvolvimento Social destinada ao pagamento de benefícios do programa Bolsa-família para o Ministério da Saúde, sem correspondente elevação do limite de gastos da pasta. A operação, que consta de projeto de lei encaminhado pelo presidente Lula ao Congresso na semana passada, é um desdobramento do bloqueio de gastos públicos anunciado na última sexta-feira de fevereiro. Nesse dia, o governo congelou R$ 15,9 bilhões de despesas autorizadas por lei. Desse total, R$ 1,2 bilhão incidiu no Desenvolvimento Social. Para não comprometer seu principal programa social, o governo acomodou, então, parte dos pagamentos nas contas da Saúde, que não terá outra saída a não ser cortar outras despesas ou conseguir mais dinheiro. E, por ora, o governo não admite reduzir o tamanho do corte. Questionado pela Folha de S. Paulo, o Ministério da Saúde reconheceu que os gastos autorizados para 2005 estão aquém do que determina a emenda 29. Por meio da assessoria de imprensa, o ministério disse que mantém a expectativa de aumentar o limite de gastos durante o ano. O Ministério do Planejamento não se manifestou. Nos dois primeiros anos de mandato do Presidente da República, o governo teve problemas para cumprir o que manda a Constituição no que diz respeito aos gastos com saúde, como já vinha acontecendo desde 2001. Em 2003, faltaram R$ 595 milhões. No ano passado, ficaram faltando R$ 4,5 milhões, segundo cálculo feito pelo próprio Ministério de Saúde. Esse valor deveria ser somado à previsão de gastos de 2005. A Frente Parlamentar da Saúde reivindica R$ 2,5 bilhões de gastos extras na área em 2005 para cumprir a mesma emenda constitucional 29, segundo seu presidente, Rafael Guerra (PSDB-MG). O grupo, de cerca de 250 deputados e senadores, pretende recorrer ao Ministério Público para garantir mais verbas para área neste ano.”130

130 Marta Salomon, Gastos da União com a saúde ferem Constituição, diz estudo do Congresso,

Folha de S. Paulo, de 12.3.2005 (Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br/>. Acesso em: 28 abr. 2005).

Page 126: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

117

A sociedade brasileira deve cobrar o compromisso

constitucional, mas a capacidade da emenda constitucional de garantir a tão

sonhada estabilidade no setor da saúde está completamente comprometida

pois, como já estudamos, a emenda possibilita que se tenha um clima de

esperança na solução dos problemas de financiamento nesta área, desde que

haja participação da União no financiamento, que deve cumprir a

determinação constitucional e determinar os percentuais cabíveis a Estados e

Municípios. As inconsistências da emenda constitucional têm que ser

esclarecidas e superadas, para se ter o financiamento indireto da saúde

equilibrado.

Wagner Balera adverte que:

“Se esse preceito fosse cumprido (e é tarefa do Ministério Público, consoante artigo 129 da Superlei, tomar as providências jurídicas para que seja cumprido!), em breve tempo seria possível o mapeamento da situação, com o conseqüente estabelecimento das políticas de prevenção, recuperação e tratamento.”131

A Resolução do Conselho Nacional de Saúde n. 322, de 8

de maio de 2002, esclarece o que é despesa na área de saúde, em sua 5ª

diretriz:

“Das Ações e Serviços Públicos de Saúde 5ª Diretriz: Para efeito da aplicação da Emenda Constitucional n. 29, consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas com pessoal ativo e outras despesas de custeio e de capital, financiadas pelas três esferas de governo, conforme o disposto nos artigos 196 e 198, parágrafo 2º da Constituição Federal e na Lei n. 8.080/90, relacionadas a programas finalísticos e de apoio, inclusive administrativos, que atendam, simultaneamente, aos seguintes critérios: I - sejam destinadas às ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito;

131 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 32.

Page 127: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

118

II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente federativo; III - sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde. Parágrafo único - Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as despesas com ações e serviços de saúde, realizadas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios deverão ser financiadas com recursos alocados por meio dos respectivos Fundos de Saúde, nos termos do artigo 77, parágrafo 3º do ADCT.”

Portanto não se pode confundir despesas da área de saúde e

programas da área de assistência social, que também necessita de uma

vinculação orçamentária urgente para atender ao carro chefe do governo

federal, que é a erradicação da pobreza, lembrando que não se combate

pobreza extirpando o orçamento da saúde.

4.2 Financiamento indireto da assistência social

Outro campo da seguridade social que necessita de vinculação

constitucional é o setor da assistência social, principalmente para resolver de

vez esse problema atual de equívoco por parte do governo federal em

confundir saúde com assistência social, apesar da diretriz do Conselho

Nacional de Saúde explicar o que são despesas na área de saúde, algo que os

governos fazem questão de ignorar.

4.2.1 Retrospecto histórico

Desde a I Conferência Nacional de Assistência Social, há

uma reivindicação de todos os atores envolvidos com a política nacional de

assistência social para que o governo federal apóie e viabilize a construção de

um Sistema Único de Assistência Social (SUAS), para que a universalização

Page 128: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

119

do atendimento venha transformar essa política em uma política de direitos de

fato.

O Conselho Nacional de Assistência Social aprovou a nova

política nacional de assistência social, após ter realizado discussões sobre a

construção desse sistema, reunindo representantes das três esferas do governo

e da sociedade civil organizada para definir os objetivos, alcance, diretrizes,

constituição, princípios organizativos e operativos, além do campo de ação e

regulação do sistema, à luz da Lei Orgânica de Assistência Social.

Durante o processo de elaboração do Sistema Único da

Assistência Social no Congresso Nacional, os parlamentares puderam

compreender a nova concepção da política, na perspectiva do sistema único, o

impacto na execução da política nacional de seguridade social, e foram

esclarecidos a respeito de como se daria o financiamento, bem como da

relação do Estado com as entidades que compõem a rede de serviços e o seu

controle social.

Em novembro de 2003, o antigo Ministério da Assistência

Social apresentou, durante a IV Conferência Nacional, suas propostas para a

construção efetiva de um Sistema Único de Assistência Social.

Com um sistema descentralizado e participativo, o governo

tem condições de atuar de forma mais integrada com as políticas setoriais e as

diferentes esferas da Administração pública, assumindo compromissos de co-

responsabilidade e co-financiamento no desenvolvimento de ações voltadas

para a inclusão social e diminuição de desigualdades.

Page 129: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

120

Infelizmente, dez anos após a promulgação da Lei

Orgânica de Assistência Social, o governo federal conseguiu avançar muito

pouco no setor, dentro da atribuição que lhe compete como definidor de

diretrizes para a política nacional.

A construção do Sistema Único da Assistência Social

interrompe o modelo de programas impostos de cima para baixo, que

desconsideram necessidades reais e especificidades locais. Ele tem o objetivo

de identificar os problemas sociais na ponta do processo, focando as

necessidades de cada Município, ampliando a eficiência dos recursos

financeiros e da cobertura social.

O governo federal, através do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, ganha espaço para definir

políticas e fiscalizar sua execução.

Trata-se de um modelo democrático e descentralizado que

tem a missão de ampliar a rede de assistência social brasileira.

O Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência

Social é um conjunto orgânico de ações de assistência social de

responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

em seus respectivos níveis, de maneira complementar e cooperativa.

Essas ações são articuladas entre si por meio das

comissões intergestoras e contam com a participação da sociedade civil, por

intermédio dos conselhos. O sistema organizado é expresso pela rede

prestadora de serviços assistenciais, voltada para as necessidades do conjunto

da população.

Page 130: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

121

A Lei Orgânica da Assistência Social, promulgada em

1993, estabeleceu o Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência

Social, constituído pelas entidades e organizações de assistência social e por

um conjunto de instâncias deliberativas compostas pelos diversos setores

envolvidos na área.

As ações de assistência social organizadas nas três esferas

de governo realizam-se de forma articulada, cabendo a coordenação e as

normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos benefícios,

serviços, programas e projetos, em suas respectivas esferas e dimensões, aos

Estados, Distrito Federal e Municípios.

O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão

colegiado de deliberação máxima da política nacional de assistência social,

está se preparando para a V Conferência Nacional de Assistência Social.

Segundo o Conselho, a V Conferência Nacional de

Assistência Social será um marco na história da política nacional de

assistência social, tendo em vista a consolidação, nestes doze anos da Lei

Orgânica da Assistência Social, das propostas que, ao longo da história, se

faziam presentes nas reivindicações da sociedade brasileira.

Algumas das orientações apresentadas nas conferências

municipais, estaduais e do Distrito Federal mostram a importância dos

debates encabeçado pelo CNAS em todo país, a partir da aprovação da

política nacional de assistência social.

O tema proposto para a V Conferência Nacional de

Assistência Social é “SUAS – Plano 10: estratégias e metas para a

Page 131: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

122

implementação da política nacional de assistência social”. Ela ocorrerá em

Brasília, no período de 6 a 8 de dezembro de 2005.

A Conferência Nacional será o momento culminante desse

processo de reflexões, avaliações, debates e proposições, pois caberá a ela

deliberar, à luz das conferências municipais, estaduais e do Distrito Federal,

os rumos a serem tomados pela assistência social no país.

Wagner Balera adverte que, ao definir o conteúdo da

justiça social, a Constituição de 1988 afirma que, dentre outros resultados, ela

deverá implementar a redução das desigualdades sociais.132

A definição acima trata de princípio que postula o seu

próprio acabamento e que está a exigir esforço de governantes e governados

para reduzirem as desigualdades sociais.

Para o autor, para exigir resposta do setor da seguridade

social, a quem compete o cuidado dos necessitados, o comando ordena aos

componentes do sistema o estabelecimento de planos, programas e projetos

redutores da desigualdade, a fim de que se estabeleça a justa integração

daqueles que estão à margem da vida social.

O nosso entendimento é que isso só se dá através de uma

vinculação orçamentária, ou seja, cumprindo o financiamento indireto,

disponibilizando os recursos e garantindo os mínimos sociais, o que poderá

ser definitivamente deliberado na V conferência.

132 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 82.

Page 132: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

123

A Emenda Constitucional n. 31, de 14 de dezembro de

2000, acrescentou o artigo 79 ao Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, instituindo o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, com

objetivo de executar ações do sistema de assistência social.

A Lei Complementar n. 111/2001 disciplinou a criação e

funcionamento do Fundo, entretanto observa Wagner Balera que “cumpre aos

responsáveis pela aplicação dos recursos desse Fundo abrir caminho entre o

assistencialismo e demagogia, fazendo com que os programas entrem na

órbita constitucional da seguridade social”.133

Demonstramos, no decorrer do trabalho, as dificuldades

enfrentadas na implementação das tarefas, em decorrência da falta de

definição dos percentuais do orçamento para o setor. Wagner Balera ainda

afirma que “é bem verdade que a exigência constitucional poderia ser

sintetizada na seguinte proposição: é necessário que cada qual seja solidário

com os demais, de tal arte que todas as pessoas tenham mínimas condições de

vida”.134

A idéia é completa, pois são chamados à responsabilidade

solidária todos os setores da comunidade, e não apenas os poderes públicos, a

quem compete, naturalmente, a coordenação das atividades, em todos os

níveis.135

133 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 34. 134 Ibidem, p. 82. 135 “A melhor organização da solidariedade, permitindo superior aproveitamento dos recursos

dispersos em todos os setores, é, segundo entendemos, instrumento indispensável para que seja atingido o fim último da comunidade a que, com tanta elegância, João Paulo II, reproduzindo a expressão de Paulo VI, denomina “a civilização do amor” (Carta Encíclica Dives in Misericordia, de 30 de novembro de 1980, ponto 94).” (Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 82).

Page 133: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

124

É necessário que o sistema busque todas as iniciativas que

marcham em favor da redução das desigualdades, a fim de tentar imprimir-

lhes coerência, respeitando a diversidade de objetivos e de estratégias de ação

das pessoas e entidades que atuam no setor. No Brasil, as desigualdades

sociais excluem dos bens sociais milhões e milhões de pessoas e criam

imenso abismo entre brasileiros.136

Poucos ficaram cada vez mais ricos, enquanto muitos

foram excluídos da vida social e reduzidos à miséria absoluta.137

Poderíamos neste ato relembrar o constitucionalismo

social, pois é dever construir uma sociedade mais justa, através da correção

dos excessos próprios do individualismo.

Não podemos tolerar mais esse quadro de desigualdade e

marginalização social, pois lutamos para que o constituinte de 1988

promulgasse a ferramenta da assistência social, e agora necessitamos colocar

essa ferramenta em prática, através da vinculação orçamentária, aplicando o

financiamento indireto e exigindo dos entes federativos a responsabilidade

social.

Não podemos esquecer que a assistência é a garantia de

proteção aos que necessitam de amparo do Estado para sobreviver. A rigor,

136 Relatório do Banco Mundial afirma que o Brasil contava com 23 milhões de pobres em 1981 e

que esse número ascendeu para 33 milhões em 1987 (BIRD, Informe sobre el desarrollo mundial, 1990 – Pobreza. (Leonardo Guimarães Neto, O mercado de trabalho na década perdida, São Paulo, Revista da Fundação SEADE, v. 4, p. 6 apud Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 105).

137 O coeficiente de Gini, medida que, segundo o dicionário de economia, se emprega para o registro da concentração de renda, atingiu seu mais alto patamar em 1989: 0,652%. Isso significa que apenas 658 mil pessoas (1% da PEA) concentraram 15,9% da renda nacional do trabalho, enquanto 6,58milhões de trabalhadores (10% da PEA) ficaram com ínfimos 0,7% da mesma renda. (Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE).

Page 134: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

125

enquanto a previdência cuida de amparar os trabalhadores e dependentes

quando ocorre uma incapacidade para o trabalho, a assistência presta serviços

aos carentes e necessitados.

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) considera

carente aquele que têm renda familiar inferior a 25% do salário mínimo por

pessoa. Para efeitos dessa lei, o vocábulo família pressupõe a convivência sob

o mesmo teto, devendo ser compreendida como integrada pelo cônjuge,

companheiro e companheira, filho não emancipado, de qualquer condição,

menor de 18 anos, ou inválido, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer

condição, menor de 18 anos ou inválido, lembrando que o enteado equipara-

se a filho, nos termos do parágrafo 2º do artigo 16 da Lei n. 8.213/91.

Essa área é muito importante, e inclui também o amparo

aos idosos, considerados esses os que têm 65 anos ou mais. A partir da

promulgação do Estatuto do Idoso, os carentes recebem o benefício de

prestação continuada como um amparo assistencial, uma vez que sua

concessão independe de ter o beneficiário contribuído ou não para a

seguridade, apesar dos recursos para o pagamento serem da seguridade social.

No sistema atual, ao Fundo Nacional de Assistência Social

(FNAS) cabe o repasse dos recursos destinados à cobertura das despesas

relativas à assistência social, mediante efetiva instituição e funcionamento do

Conselho de Assistência Social.

O repasse dos recursos do Fundo Nacional de Assistência

Social aos Estados, Distrito Federal e Municípios é condicionado ao

cumprimento da previsão do artigo 195, caput da Constituição Federal, ou

seja, à comprovação orçamentária dos recursos próprios destinados à

Page 135: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

126

assistência social, alocados em seus respectivos Fundos de Assistência Social,

a partir do exercício de 1999.

Cabe à União a responsabilidade pelos recursos destinados

ao financiamento dos benefícios de prestação continuada, que poderão ser

repassados diretamente pelo Ministério da Previdência e Assistência Social ao

INSS, órgão responsável pela sua execução e manutenção, uma vez que não

cabe à previdência, e muito menos à saúde, o financiamento das prestações

assistenciais. É necessária uma vinculação orçamentária urgente para

solucionar essa lacuna no financiamento da assistência social.

A assistência social tem um papel primordial na sociedade

brasileira, pois as prestações assistenciais são uma arma no combate à

marginalização e desigualdade social, dividindo-se em benefícios de

prestação continuada, benefícios eventuais, serviços sociais e projetos de

enfrentamento da pobreza.

Como já demonstramos, o benefício de prestação

continuada garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso uma renda

mensal de um salário mínimo, desde que ela comprove não possuir meios de

prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família.

Os benefícios eventuais são aqueles que visam o

pagamento de auxílio-natalidade ou auxílio-morte às famílias cuja renda

mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.

A Lei n. 8.742/93 prevê que outros benefícios eventuais

podem ser estabelecidos para atender à necessidade advinda da situação de

vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso,

Page 136: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

127

a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de

calamidade pública.

Os benefícios de auxílio-natalidade e auxílio-funeral eram

pagos pelo INSS. Com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social,

a responsabilidade foi transferida aos Municípios, conforme previsão do

artigo 15, inciso III da Lei 8.742/93.

Nos termos do parágrafo 1º do artigo 40 da Lei Orgânica

da Assistência Social, a transferência dos beneficiários do sistema

previdenciário para a assistência social deve ser estabelecida, de forma que o

atendimento da população não sofra solução de continuidade, porém inúmeros

Municípios não implementaram o pagamento de auxílio-natalidade e auxílio-

funeral.

Observamos a necessidade de se solucionarem

definitivamente esses problemas, através de uma vinculação orçamentária. A

Lei Orgânica da Assistência Social, no artigo 25 prescreve que os projetos de

enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de investimento

econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e

tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de

gestão para a melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do

padrão de qualidade de vida, preservação do meio ambiente e sua organização

social.

Porém, sem uma contrapartida, esses projetos se tornam

impossíveis, pois eles devem se assentar em diversos mecanismos de

Page 137: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

128

articulação governamental, em sistema de cooperação entre organismos

governamentais e não governamentais e da sociedade civil.

É da competência da União, em âmbito nacional, e dos

Estados, em âmbito regional ou local, apoiar técnica e financeiramente os

serviços, os programas e os projetos de enfrentamento da pobreza.

Aos Municípios, por sua vez, compete executar os projetos

e enfrentamento da pobreza, incluindo toda a sociedade brasileira. O artigo 79

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prevê, no âmbito do

Poder Executivo Federal, a criação do Fundo de Combate e Erradicação da

Pobreza, com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros o acesso a níveis

dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações

suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda

familiar e outros programas de relevante interesse social, voltados para a

melhoria da qualidade de vida.

Em 6 de julho de 2001, a Lei Complementar n. 111

regulamentou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, na forma

prevista pelos artigos 79, 80 e 81 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. Os recursos do Fundo são direcionados a ações que tenham

como alvo:

I - Famílias cuja renda per capita seja inferior à linha de

pobreza, assim como indivíduos em igual situação de renda;

II - As populações de municípios e localidades urbanas e

rurais, isoladas ou integrantes de regiões metropolitanas, que apresentem

condições de vida desfavoráveis.

Page 138: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

129

O atendimento às famílias e indivíduos deve ser feito,

prioritariamente, por meio de programas de reforço de renda, nas modalidades

“Bolsa-escola”, para as famílias que têm filhos com idade entre seis e quinze

anos e “Bolsa-alimentação”, para as famílias com filhos em idade de zero a

seis anos e indivíduos que perderam os vínculos familiares.

Este trabalho preocupa-se exatamente com o cumprimento

dessas metas, e não podemos esquecer que hoje o governo não vem

cumprindo os programas da Emenda Constitucional n. 29/2000. Para

acompanhar o programa especifico da assistência social, foi instituído o

conselho consultivo e de acompanhamento do Fundo de Combate e

Erradicação da Pobreza, cujos membros são designados pelo Presidente da

República, com atribuição de opinar sobre as políticas, diretrizes e prioridades

do Fundo e acompanhar a aplicação de seus recursos.

Compete ao Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS), por decisão da maioria absoluta de seus membros, respeitados o

orçamento da seguridade social e a disponibilidade do Fundo Nacional de

Assistência Social, a proposição ao Poder Executivo de alteração dos limites da

renda mensal per capita. O Conselho Nacional de Assistência Social é um órgão

superior de deliberação colegiada, de composição paritária (sociedade civil e

governo), vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).

Portanto, para enfrentar-se de cabeça erguida esses

projetos, é necessário conscientizar os entes federativos, inclusive o

Congresso Nacional, da importância de vincular o financiamento da

assistência social, através do financiamento indireto, cumprindo exatamente

do caput do artigo 195 da Constituição Federal.

Page 139: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

130

Nesse sentido, para ajudar a formular e modelar essa

vinculação, estudaremos o orçamento em seu aspecto social, demonstrando

que a solução está no próprio sistema.

4.3 Orçamento público e o financiamento indireto O financiamento indireto refere-se à parte do orçamento que os

entes da federação devem separar para o custeio da previdência social.

Kiyoshi Harada afirma que classicamente o orçamento é

conhecido como uma peça que contém a aprovação prévia da despesa e da

receita para um período determinado.138

Para Aliomar Baleeiro, “o orçamento é considerado o ato pelo

qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo

período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos

serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do

país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei”.139

Ricardo Lobo Torres afirma que a Constituição orçamentária

constitui o Estado orçamentário, que é a particular dimensão do Estado de

Direito apoiada nas receitas, especialmente a fiscal, como instrumento de

realização das despesas.140

O orçamento público é um dos instrumentos mais antigos

utilizados pelos governos na gestão de negócios públicos. Segundo James

138 Kiyoshi Harada, Direito financeiro e tributário, p. 780. 139 Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 397. 140 Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na

Constituição, v. 5, p. 8.

Page 140: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

131

Giacomoni, o orçamento “foi concebido inicialmente como um mecanismo

eficaz de controle político dos órgãos de representação sobre os executivos e

sofreu, ao longo do tempo, mudanças no plano conceitual e técnico para

acompanhar a própria evolução das funções do Estado”.141

A origem do orçamento público foi mais política que financeira,

pois os cidadãos já não suportavam mais a liberdade dos governantes de

exigir impostos e gastar dinheiro público sem autorização prévia e posterior

prestação de contas.

O embrião dos orçamentos públicos, conforme considerado pela

maioria dos tratadistas, é o artigo 12 da Magna Carta, outorgada em 1217, na

Inglaterra, pelo Rei João Sem Terra. Foi uma forma de controlar o poder dos

absolutistas, reduzindo o poder dos monarcas e limitando sua prerrogativa de

instituir tributos.142

O agravamento da situação financeira e a necessidade de

intervenção estatal no domínio econômico levam ao aparecimento do que se

convencionou chamar de Estado do Bem-estar Social (welfare state), ou de

Estado Social (Sozialstaat) na Alemanha, ou de Estado da Sociedade

Industrial (Der Staat der Industriegesselschaft), ou de Estado Pós-liberal

(Stato Post-liberale) ou de Estado Distribuidor, ou de Estado Providencial.

Influenciado pelas idéias de Keynes, o Estado do Bem-estar Social procura

aumentar os impostos e as fontes de receita, ao mesmo tempo em que amplia

as prestações públicas, principalmente no campo dos incentivos fiscais, dos

subsídios da previdência social e da seguridade social.

141 James Giacomoni, Orçamento público, p. 40. 142 Ibidem, p. 41-42.

Page 141: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

132

No final da década de 1970, após sucessivas crises do petróleo, o

Estado do Bem-estar Social passa a sofrer séria contestação, em virtude do

crescimento insuportável da dívida pública, dos orçamentos repetidamente

deficitários, da recessão econômica e do abuso na concessão de benefícios

com dinheiro público; a sua dimensão assistencialista conduz ao incremento

das despesas com a previdência e a seguridade social, sem a contrapartida da

entrada de ingressos compatíveis com o volume dos encargos e, não raro, com

o seu custeio pela incidência exageradamente progressiva dos impostos.143

Na realidade, mesmo com diversas críticas em face da absoluta

crise que vive, o modelo social não desaparece totalmente. Passa por

modificações importantes, com diminuição do seu tamanho e a restrição do

seu intervencionismo. Deixa-se influenciar pela idéias do liberalismo social,

que não se confundem com as do neoliberalismo ou do protoliberalismo, nem,

por outro lado, com as da social democracia. Continua a ser Estado Social

Fiscal, podado em seus excessos, com o fito de obter a síntese entre o que os

alemães chamam de Estado de Impostos (Steuerstaat) e Estado de Prestações

(Leistungstaat). Vive precipuamente dos ingressos tributários, reduzindo, pela

privatização de suas empresas e pela desregulamentação do social, o aporte

das receitas patrimoniais e parafiscais. Procura, na via da despesa pública,

reduzir as desigualdades sociais e garantir as condições necessárias à

liberdade, máxime através da entrega de prestações públicas nas áreas da

saúde e da educação, abandonando a utopia da inesgotabilidade dos recursos

públicos, da viabilidade de atendimento de todas as necessidades sociais e da

possibilidade de garantir a felicidade do povo.

143 Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na

Constituição, v. 5, p. 10-11.

Page 142: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

133

Do ponto de vista orçamentário, procura o equilíbrio entre a

receita e a despesa pública e serve de fiador da redistribuição de rendas. O

Estado Orçamentário atual, por conseguinte, tem o seu perfil tributário

perfeitamente delineado e a sua vocação direcionada para os gastos

relacionados com a garantia dos direitos humanos. Não abandona, porém, a

responsabilidade pela proteção dos direitos sociais, senão até serve de árbitro

para a sua concessão, eis que tais direitos existem sob a “reserva do possível”,

isto é, sob a reserva da lei orçamentária. Muito menos se desinteressa pela

seguridade social. Só que esta, pelo extraordinário aumento de custo dos

serviços médicos e da assistência aos velhos e às crianças, passa por profunda

reformulação quanto às suas fontes de financiamento e se torna o problema

mais grave do orçamento público.144

No Brasil, com a Constituição Imperial de 1824, o orçamento

torna-se um instrumento formal cuja competência se refere à matéria

tributária. Aquela Carta Magna, em seu artigo 172, estabelecia que:

“O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros ministros os orçamentos relativos às despesas da suas repartições, apresentará na Câmara dos Deputados anualmente, logo que esta estiver reunida, um balanço geral da receita e despesa do Tesouro Nacional do ano antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despesas públicas do ano futuro e da importância de todas as contribuições e rendas pública.”145

A Constituição Federal de 1988 indicou como componentes do

orçamento anual o orçamento fiscal, o orçamento de investimentos e o

orçamento da seguridade social. Na prática, o orçamento anual ganha

144 Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na

Constituição, v. 5, p. 14-16. 145 James Giacomoni, Orçamento público, p. 49-50.

Page 143: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

134

amplitude maior, em face das incorporações ocorridas em cada um dos

orçamentos.146

O orçamento da seguridade social compreende todas as entidades

e órgãos a ela vinculados, da Administração direta ou indireta, bem como os

fundos e fundações mantidos pelo Poder Público.

O Capítulo II da Constituição Federal trata da seguridade social.

O artigo 194 assim disciplina:

“Artigo 194 - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

Cumpre salientar que os direitos somente serão assegurados se as

ações implementadas indicarem a respectiva fonte de recursos que financiará

o programa de trabalho fixado para a seguridade social. Caso contrário, os

indicadores sociais existentes no Brasil continuarão apresentando resultados

abaixo do desejado, e somente serão revertidos pela implementação do

processo de planejamento.

O objetivo principal da desvinculação dessas ações do orçamento

fiscal para o orçamento da seguridade social é a garantia de que os recursos

orçados para os órgãos ou entidades que atuam nesse segmento não serão

destinados para outros fins, sob pena de responsabilidade.147

A Constituição Federal dedicou à fiscalização financeira e

orçamentária os artigos 70 a 75, e a colocou a cargo do Poder Legislativo,

como explica Ricardo Lobo Torres: “É matéria que se integra a Constituição

146 Flávio Cruz (Coord.), Comentários à Lei n. 4.320..., p. 19. 147 Ibidem, p. 22.

Page 144: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

135

orçamentária que, por seu turno, faz parte da Constituição financeira, a

elaboração, a aprovação, a execução e a fiscalização do orçamento constituem

um todo, do ponto de vista material.”148

Desde o surgimento do orçamento como peça capaz de contribuir

para a melhoria do controle que o parlamentar deve exercer dentro do Estado,

alguns princípios doutrinários passaram a merecer lugar e fizeram escola nas

finanças públicas. A aceitação dos princípios orçamentários como regras

básicas fundamentais tem sido muito discutida pelos tratadistas da matéria.

Sobre eles, assim se expressa Flávio Cruz: “Alguns entendem que eles servem

apenas como categorias históricas e sua atualização e significação se faz

necessária. Outros, simplesmente, tentam reescrever princípios alternativos

para justificar a evolução do Estado Moderno.”149

Nossa opinião é que, apesar do avanço do aparelho estatal e do

seu intervencionismo acentuado na economia, os princípios podem e devem

ser respeitados. O que esses princípios têm de substancial é tentar preservar a

integridade do papel político do orçamento da sociedade.

São conhecidos muitos princípios orçamentários, entre os quais,

no Brasil, o artigo 2º da Lei n. 4.320/64 torna obrigatória a obediência aos

princípios da unidade, universalidade e anualidade.

A unidade orçamentária consiste em reunir num único

documento todas as receitas e todas as despesas do Estado, de forma a

demonstrar se há equilíbrio, superávit ou déficit. Esse princípio é apontado

148 Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na

Constituição, v. 5, p. 237. 149 Flávio Cruz (Coord.), Comentários à Lei n. 4.320..., p. 22.

Page 145: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

136

como ultrapassado e incompatível com o desenvolvimento do papel do Estado

na economia. Não concordamos, em absoluto, com essa opinião, porque

entendemos que a contabilidade pública deve primar pelo respeito ao

entendimento da execução orçamentária e não pela ocultação sutil, através da

sofisticação de documentos e terminologias desintegradas.150

A universalidade é respeitada quando o orçamento contém todas

as receitas e todas as despesas do Estado. O cumprimento deste princípio traz

às casas legislativas algumas vantagens, a saber: conhecer o montante dos

gastos públicos programados e poder, assim, autorizar a cobrança das receitas

até o limite capaz de atendê-los; impedir que o Executivo realize operações de

receitas e gastos sem a correspondente autorização do Legislativo; possibilitar

que o Legislativo conheça antecipadamente todas as receitas e gastos

desejados, autorizando as respectivas arrecadações e realizações.

O princípio da anualidade dispõe que o orçamento, enquanto

previsão de receita e despesa, deve referir-se, sempre a um período limitado

de tempo. No Brasil, o período de vigência do orçamento é coincidente com o

ano civil.

Os princípios da visam estabelecer alianças estratégicas na

definição de programas, objetivos e metas comuns a regiões e entre órgãos

públicos e entidades privadas afins, visando maximizar os resultados que se

pretenda alcançar na esfera econômica e social. Nesse conceito, está inserida

a possibilidade da formulação de alianças bilaterais ou multilaterais, entre a

área pública e a privada, devendo as cotas de participação estar devidamente

fixadas e seus valores previstos em cada orçamento dos agentes envolvidos,

inclusive com a previsão de responsabilidades solidárias pela não-consecução

150 Flávio Cruz (Coord.), Comentários à Lei n. 4.320..., p. 23.

Page 146: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

137

do programado. Embora não figure tradicionalmente como um princípio

orçamentário no Brasil, é visível a necessidade atual dele ser considerado.

Flávio Cruz151 aponta as múltiplas finalidades do orçamento no

setor público. Entre elas, destacamos:

a) estabelecer limites para a receita e a despesa do exercício

seguinte;

b) instrumentalizar financeiramente o planejamento;

c) prever o balanço do exercício;

d) autorizar ao Poder Executivo, por certo período, a realização

de uma programação definida;

e) possibilitar aos órgãos de representação um controle político

sobre os executivos;

f) Expressar, num plano, o programa de operações do governo e

os meios necessários para a sua implementação etc.

Indubitavelmente, a principal finalidade é o controle político que

a população, por meio de seus representantes, deve exercer sobre os

governantes. Essa, no nosso entender, deve prevalecer sobre todas as demais

finalidades.

A contribuição que o orçamento empresta para a Administração é

fundamental, porém nem sempre acontece, em função do conturbado quadro

político que normalmente o restringe.152

151 Flávio Cruz (Coord.), Comentários à Lei n. 4.320..., p. 23. 152 Ibidem, p. 23-34.

Page 147: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

138

A natureza jurídica do orçamento não é uma opinião unânime

entre os doutrinadores, que entendem que se trata de um mero ato

administrativo em relação às despesas, porque basta simples operação

administrativa e, em relação à receita tributária, assume característica de lei

em sentido material, porque gera, abstrata e genericamente, obrigações aos

contribuintes.153

Modernamente, a maioria dos autores procura decifrar o enigma

da natureza da lei orçamentária, atribuindo-lhe uma natureza sui generis que,

de autor para autor, apresenta maiores ou menores diferenças.

O artigo 166 e parágrafos da Carta Magna estabelecem um

regime peculiar de tramitação do projeto de lei orçamentária, de iniciativa do

Executivo, sem contudo exigir quórum qualificado para sua aprovação, daí a

natureza jurídica de lei ordinária.

Todavia, a lei orçamentária difere das demais leis, caracterizadas

por serem genéricas, abstratas e constantes ou permanentes. Ela é, na verdade,

uma lei de efeito concreto para vigorar por um prazo determinado de um ano,

fato que, do ponto de vista material, retira-lhe o caráter de lei. Exatamente

essa peculiaridade levou parte dos estudiosos a sustentar a tese do orçamento

como ato-condição. Sob o enfoque formal, no entanto, não há como negar a

qualificação de lei.

153 Kiyoshi Harada, Direito financeiro e tributário, p. 80.

Page 148: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

139

Portanto, o orçamento é uma lei anual, de efeito concreto,

estimando as receitas e fixando as despesas necessárias à execução da política

governamental.154

O sistema orçamentário brasileiro encontra base nos artigos 165 a

169 da Constituição Federal.

Existem quatro dispositivos fundamentais presidindo a

organização do sistema orçamentário. O artigo 165 da Constituição enumera

os instrumentos normativos infraconstitucionais desse sistema:

• A lei complementar de caráter financeiro-orçamentário;

• A lei do plano plurianual;

• A lei de diretrizes orçamentárias; e

• A lei orçamentária anual;

As despesas fixadas no orçamento são cobertas com o produto da

arrecadação dos tributos; com base nas receitas previstas, são fixadas as

despesas; depois que o orçamento é aprovado pelo Congresso, o Executivo

passa a gastar o que foi autorizado.

Ao elaborar a peça orçamentária, é necessário equilíbrio, ou seja,

não se pode fixar despesas em valores superiores aos recursos disponíveis.

Essa limitação obriga o governo a definir prioridades na aplicação dos

recursos estimados. As metas para a elaboração da proposta orçamentária são

definidas pelo Plano Plurianual (PPA) e priorizadas pela Lei de Diretrizes

Orçamentárias (LDO).

154 Kiyoshi Harada, Direito financeiro e tributário, p. 81.

Page 149: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

140

A finalidade do PPA, em termos orçamentários, é a de

estabelecer objetivos e metas que comprometam o Poder Executivo e o Poder

Legislativo a dar continuidade aos programas de distribuição dos recursos.

O PPA precisa ser aprovado pelo Congresso até o final do

primeiro ano de mandato do presidente eleito. O controle da execução do PPA

é realizado pelo sistema de controle interno do Poder Executivo e pelo

Tribunal de Contas da União, e o acompanhamento e a avaliação são feitos

pelo Ministério do Planejamento e Orçamento.

Com base na LDO, que por sua vez prioriza as metas do PPA e

orienta a elaboração do Orçamento Geral da União, a Secretaria de

Orçamento Federal (SOF) elabora a proposta orçamentária para o ano

seguinte, com a participação dos Ministérios (órgãos setoriais) e as unidades

orçamentárias dos Poderes Legislativo e Judiciário.

O processo orçamentário representa um conceito central, em uma

realidade através da qual as políticas são convertidas em ações. Nessa

acepção, o orçamento público tem a função precípua de traduzir os objetivos

políticos, econômicos e sociais do governo em programas e ações concretas

do setor público, a partir de uma determinada estrutura de receitas.

O orçamento é muito mais que um mecanismo através do qual o

Poder Público planeja, administra e executa suas receitas e despesas; o

orçamento é, na realidade, o instrumento mediante o qual uma dada

correlação de forças políticas, em determinado período, é manifestada através

de proposições de ações concretas e de direcionamento do setor público. Vale

ressaltar, “reside, aqui, sua feição política, através do qual se travam os

Page 150: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

141

embates entre os representantes das classes e de suas frações para definir a

direção e a forma de ação do Estado”.155

O orçamento público coloca-se como instrumento central nas

sociedades democráticas, e é através dele que o Legislativo autoriza e legitima

politicamente, para um período de tempo pré-estabelecido, em geral um ano,

o montante e a forma de alocação dos recursos públicos. Nesse sentido, o

orçamento é também o principal instrumento de controle do Poder

Legislativo, ou da sociedade em geral, sobre as ações do Executivo.

Alfredo Augusto Becker critica fortemente os orçamentos

públicos, afirmando que o direito positivo que disciplina o orçamento do

Estado sofre, atualmente, de tão profunda crise que “les règles traditionnielles

du droit budgétaire craquent de toutes parts”, e em todos os Estados.156

Se, para melhor agilidade de execução do orçamento público, o

Estado optasse pela renúncia (ou redução a um mínimo) das estruturas

jurídicas que disciplinam o orçamento, então o Estado agiria desregradamente

(lei: regra de conduta), com resultados extremamente ruinosos, porque a lei

(direito positivo) é o único instrumento criado pela atividade do homem que

até hoje se mostrou eficaz e capaz, nas mãos do Estado, de promover e manter

o bem comum.

O autor afirma ainda que certamente é necessária uma radical

modificação na estrutura jurídica do orçamento público, porém ela não pode

jamais consistir na renúncia ao jurídico, mas sim na construção de novo

instrumental jurídico a serviço do Estado. Não se deve esquecer que esse

155 Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na

Constituição, v. 5, p. 215-230. 156 Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do direito tributário, p. 213.

Page 151: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

142

novo instrumental deverá ter a matéria prima (dados-diretrizes) oferecida pelo

vertiginoso progresso das modernas ciências das finanças públicas, política

fiscal e economia política.157

A lei orçamentária anual é a lei que contém as previsões das

receitas e das despesas do Estado. É uma lei anual de iniciativa do Chefe do

Poder Executivo e engloba três orçamentos:

• orçamento fiscal, no qual há a estimativa das receitas

tributárias e a fixação das despesas, referente aos poderes da

União, seus fundos, órgãos e entidades da Administração

direta e indireta, inclusive fundações públicas;

• orçamento de investimento das empresas em que a União,

direta ou indiretamente, detém a maioria do capital social

com direito a voto; e,

• orçamento da seguridade social, abrangendo todos os órgãos

e entidades das Administrações direta e indireta, bem como

os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder

Público, com atribuições nos setores da saúde, previdência

social e assistência social.

Os orçamentos fiscal e da seguridade social são apresentados em

conjunto. Quando da sua elaboração, identifica-se a esfera orçamentária em

que se situa um dado subprojeto ou subatividade, por intermédio da letra F, no

caso do orçamento fiscal, e da letra S, no caso do orçamento da seguridade

social.

157 Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do direito tributário, p. 214.

Page 152: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

143

Wagner Balera158 explica que a Constituição Federal exige a

participação ativa dos representantes dos três setores na preparação do

orçamento da seguridade social da seguridade social, que juntos devem

elaborar a proposta orçamentária a ser oportunamente, encaminhada pelo

Poder Executivo ao parlamento. É o que estabelece o parágrafo 2º do artigo

195 da Constituição.

Verifica-se que todo o suprimento de fundos deve ser autorizado

pelo orçamento, que também consente com a despesa, assegurando a cada

área a gestão de seus recursos.

A própria Lei n. 4.320/1964, ao estabelecer normas gerais de

direito financeiro para a elaboração de orçamentos e balanços, traz a seguinte

definição para o fundo especial:

“Artigo 71 - Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.”159

O orçamento anual é produto de um processo de planejamento

que incorpora as intenções do governo, com vistas a atender às prioridades da

coletividade. Entretanto, é possível que, durante a execução do orçamento,

ocorram situações, fatos novos ou mesmo problemas não previstos na fase de

elaboração, e a própria Lei n. 4.320/1964, em seu artigo 40, prevê

mecanismos para corrigir as falhas de previsão, ou seja, permite abrir novas

dotações para ajustar o orçamento com os objetivos a atingir. Esses

mecanismos são os chamados créditos adicionais.160

158 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 27. 159 Flávio Cruz (Coord.), Comentários à Lei n. 4.320..., p. 104. 160 Ibidem, p. 82.

Page 153: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

144

A propósito, a Constituição Federal, em seu artigo 166, parágrafo

8º, estabelece que “os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou

rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas

correspondentes, poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos

especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa”.

De acordo com o artigo 41 da Lei n. 4.320/1964, os créditos

adicionais podem ser classificados como:

• Suplementares - os créditos destinados a reforço de dotação

orçamentária já existente no orçamento;

• Especiais - os créditos destinados a atender despesas para as

quais não haja dotação específica; e

• Extraordinários - os créditos destinados a atender despesas

urgentes e imprevistas, casos de guerra, comoção interna ou

calamidades públicas.161

De qualquer forma, os créditos adicionais precisam indicar as

fontes de recursos utilizadas, que podem ser:

• O superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do

exercício anterior;

• Os excessos de arrecadação, com relação às estimativas de

receita constantes da lei orçamentária anual;

• a anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de

créditos adicionais autorizados em lei;

• o produto de operações de crédito autorizadas em lei.

161 Flávio Cruz (Coord.), Comentários à Lei n. 4.320..., p. 85.

Page 154: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

145

Portanto, devemos acrescentar que créditos suplementares são

autorizados por lei e abertos por decreto do chefe do Poder Executivo.

Normalmente, a lei orçamentária anual traz, em seu texto, autorização para o

Poder Executivo abrir créditos suplementares, sob certas condicionantes.

Mostramos neste capítulo o aspecto econômico do orçamento

que, de um lado, funciona como instrumento de otimização dos recursos

financeiros, compatibilizando as necessidades da coletividade com as receitas

estimadas e efetivamente ingressadas no Tesouro, e obriga o administrador a

exercitar maior racionalidade econômica.

O equilíbrio orçamentário, no passado, era a regra de ouro das

finanças públicas, mas hoje tudo depende das situações conjunturais. Aliomar

Baleeiro assinala que o objetivo das finanças públicas não é equilibrar o

orçamento, pois este não pode ser entendido como um fim em si mesmo, mas

como instrumento de progresso de uma nação. Sua função é de equilibrar a

economia nacional, sua tarefa é afastar inflação e deflação, mantendo sempre

estável a economia, de sorte que os investimentos absorvam toda a poupança,

sem excedê-la nem ficarem abaixo dela. O pensamento atual exige a

humanização do orçamento.162

Observamos neste trabalho que o orçamento público tem três

funções precípuas: a política, a econômica e a reguladora. Devemos analisar

suas ligações com o direito e a seguridade social, dentro da Constituição

Federal, uma vez que os aspectos normativos e os conteúdos políticos

econômicos implicam em uma posição nitidamente positivista e formalista,

162 Aliomar Baleeiro, Direito tributário brasileiro, p. 69.

Page 155: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

146

buscando uma eficácia no financiamento indireto, exigindo do Estado sua

obrigação constitucional.

Nesse sentido é que o financiamento indireto da seguridade

deveria ser observado pelo governo, pois, se o orçamento público, conforme

vimos exaustivamente, é parte integrante do sistema de gestão do governo,

está técnica e intrinsecamente inserido no subsistema do planejamento,

posicionando-se, ao mesmo tempo, como origem e fim das ações de governo,

até porque na Administração pública não existe gasto sem prévia previsão

orçamentária. Como todas as ações são escrituradas na contabilidade pública,

que é parte integrante do sistema orçamentário, bastaria nele incluir a parte

referida no artigo 195 da Constituição Federal, para todos os entes da

federação, com o que se estaria então equilibrando as finanças da seguridade

social.

Page 156: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

5 CONCLUSÕES

A seguir, arrolamos as principais conclusões a que chegamos no

decurso deste trabalho:

1. Na introdução, apresentamos o modelo conceitual de um sistema de

seguridade social brasileira e seu financiamento indireto, voltado para o

formato constitucional atual posto pela Constituição Federal de 1988.

2. O Estado Brasileiro não cumpre sua obrigação para com a seguridade

social e a sociedade sofre sérios riscos sociais, ou seja, põe em risco o bem-

estar das futuras gerações.

3. Os sistemas orçamentários não cumprem a regra imposta pelo

constituinte e não permitem ações do governo nas áreas de assistência, saúde

e previdência social.

4. Esse cenário provoca uma deficiência no processo como um todo,

que tem forte impacto nas classes menos favorecidas, pois toda ação que se

pretenda seja racional e eficaz na consecução de seus objetivos deve possuir

uma fonte de custeio eficaz para cobrir seus gastos.

5. O aprimoramento institucional dependerá necessariamente de uma

consciência por parte do governo, resultante da unificação dos orçamentos e

da criação de metas com novas peças orçamentárias, separando os percentuais

devidos à seguridade social, notadamente o Plano Plurianual e a Lei de

Diretrizes Orçamentárias, acompanhada de uma redefinição mais ampla do

Page 157: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

148

processo orçamentário, com a inclusão do percentual devido ao financiamento

indireto da seguridade social.

6. Observados os princípios da seguridade social, torna-se ainda mais

urgente a necessidade de elaborar um plano de custeio calcado em “normas e

previsões de despesas e receitas estabelecidas com base em avaliações

atuariais e destinadas à planificação econômica do regime e seu conseqüente

equilíbrio técnico-financeiro”, para se mensurar a vantagem que as prestações

da seguridade social propiciam a cada um dos atores sociais, o custo dessas

prestações e a composição das contribuições sociais devidas.

7. A inexistência de um plano de custeio bem elaborado, nos moldes

acima descritos, macula o financiamento e dá margem ao Estado brasileiro de

não cumprir o financiamento indireto destinado ao custeio da seguridade

social.

9. Com efeito, defendemos uma reestruturação na forma de

financiamento, criando um laço de afinidade entre toda a sociedade, capaz de

justificar que cada membro contribua para a manutenção de um sistema de

proteção especial, e ao mesmo tempo cobre de seus representantes a parcela

do Estado, resgatando a solidariedade que tecnicamente justifica a cobrança

das contribuições e a obrigação governamental de separar em seus orçamentos

a parte do financiamento indireto, cumprindo a justiça social.

10. A finalidade deste trabalho foi mostrar a situação do financiamento

indireto. Procuramos definir estrategicamente a solução do problema,

enfatizando o exemplo de vinculação orçamentária na área da saúde, que se

deu através da promulgação da Emenda Constitucional n. 29, mas não foi

Page 158: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

149

adequadamente aplicada pelos entes federativos, o que demonstra a falta de

solidariedade dos seus governantes.

12. Insistimos sobre a indefinição dos recursos financeiros aptos a

fomentar as políticas de assistência social, causa de existência de milhões de

excluídos. Defendemos a imediata vinculação orçamentária desse setor, para

que haja integração sistemática entre os setores oficiais de assistência social e

a comunidade.

13. Sob essa ótica de solidariedade mútua, finalizamos o trabalho,

acreditando ter alcançado nosso objetivo, de conscientizar sobre a importância

e relevância deste tema, visto que qualquer um pode se encontrar na situação

de precisar das prestações sociais do Estado, e que só será beneficiado se o

sistema estiver fundado em um financiamento sólido que permita a ele

cumprir com suas prestações.

Page 159: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

150

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16.

Page 168: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

ANEXOS

EMENDA CONSTITUCIONAL N. 29, DE 13 DE SETEMBRO DE 2000

Altera os artigos 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e

acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,

para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e

serviços públicos de saúde.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do

parágrafo 3º do artigo 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte

Emenda ao texto constitucional:

Artigo 1º - A alínea “e” do inciso VII do artigo 34 passa a vigorar com a

seguinte redação:

“Artigo 34 - (...)

(...)

VII - (...)

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos

estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na

manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços

públicos de saúde.”

Artigo 2º - O inciso III do artigo 35 passa a vigorar com a seguinte redação:

“Artigo 35 - (...)

(...)

III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na

manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços

públicos de saúde;”

Page 169: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

160

Artigo 3º - O parágrafo 1º do artigo 156 da Constituição Federal passa a

vigorar com a seguinte redação:

“Artigo 156 - (...)

§ 1º - Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o

artigo 182, parágrafo 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I

poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do

imóvel.

(...).”

Artigo 4º O parágrafo único do artigo 160 passa a vigorar com a seguinte

redação:

“Artigo 160 - (...)

Parágrafo único - A vedação prevista neste artigo não impede a União e

os Estados de condicionarem a entrega de recursos:

I - ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias;

II - ao cumprimento do disposto no artigo 198, parágrafo 2º, incisos II e

III.”

Artigo 5º - O inciso IV do artigo 167 passa a vigorar com a seguinte redação:

“Artigo 167 - (...)

(...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa,

ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que

se referem os artigos 158 e 159, a destinação de recursos para as ações

e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do

ensino, como determinado, respectivamente, pelos artigos 198,

parágrafo 2º, e 212, e a prestação de garantias às operações de crédito

por antecipação de receita, previstas no artigo 165, parágrafo 8º, bem

como o disposto no parágrafo 4º deste artigo;

Page 170: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

161

(...).”

Artigo 6º - O artigo 198 passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos 2º

e 3º, numerando-se o atual parágrafo único como parágrafo 1º:

“Artigo 198 - (...)

§ 1º - (parágrafo único original)

§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos

mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar

prevista no parágrafo 3º;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação

dos impostos a que se refere o artigo 155 e dos recursos de que tratam

os artigos 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas

que forem transferidas aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da

arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 156 e dos recursos de

que tratam os artigos 158 e 159, inciso I, alínea b e parágrafo 3º.

§ 3º - Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco

anos, estabelecerá:

I - os percentuais de que trata o parágrafo 2º;

II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde

destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos

Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a

progressiva redução das disparidades regionais;

III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com

saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;

IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.”

Artigo 7º - O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a

vigorar acrescido do seguinte artigo 77:

Page 171: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

162

“Artigo 77 - Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos

aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

I - no caso da União:

a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de

saúde no exercício financeiro de 1999, acrescido de, no mínimo, cinco

por cento;

b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido

pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do

produto da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 155 e dos

recursos de que tratam os artigos 157 e 159, inciso I, alínea ‘a’, e inciso

II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos

Municípios; e

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do

produto da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 156 e dos

recursos de que tratam os artigos 158 e 159, inciso I, alínea ‘b’ e

parágrafo 3º.

§ 1º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem

percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los

gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à

razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a

aplicação será de pelo menos sete por cento.

§ 2º - Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze

por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o

critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma

da lei.

§ 3º - Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela

União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de

Page 172: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

163

Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem

prejuízo do disposto no artigo 74 da Constituição Federal.

§ 4º - Na ausência da lei complementar a que se refere o artigo 198,

parágrafo 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto

neste artigo.”

Artigo 8º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua

publicação.

Page 173: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

164

EMENDA CONSTITUCIONAL N. 31, 14 DE DEZEMBRO DE 2000

Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,

introduzindo artigos que criam o Fundo de Combate e Erradicação da

Pobreza.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do

parágrafo 3º do artigo 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte

emenda ao texto constitucional:

Artigo 1º - A Constituição Federal, no Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, é acrescida dos seguintes artigos:

“Artigo 79 - É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros, acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.” Parágrafo único - O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com a participação de representantes da sociedade civil, nos termos da lei. Artigo 80 - Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: I - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de oito centésimos por cento, aplicável de 18 de junho de 2000 a 17 de junho de 2002, na alíquota da contribuição social de que trata o artigo 75 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; II - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de cinco pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Produtos

Page 174: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

165

Industrializados − IPI, ou do imposto que vier a substituí-lo, incidente sobre produtos supérfluos e aplicável até a extinção do Fundo; III - o produto da arrecadação do imposto de que trata o artigo 153, inciso VII, da Constituição; IV - dotações orçamentárias; V - doações, de qualquer natureza, de pessoas físicas ou jurídicas do País ou do exterior; VI - outras receitas, a serem definidas na regulamentação do referido Fundo. § 1º - Aos recursos integrantes do Fundo de que trata este artigo não se aplica o disposto nos artigos 159 e 167, inciso IV, da Constituição, assim como qualquer desvinculação de recursos orçamentários. § 2º - A arrecadação decorrente do disposto no inciso I deste artigo, no período compreendido entre 18 de junho de 2000 e o início da vigência da lei complementar a que se refere o artigo 79, será integralmente repassada ao Fundo, preservado o seu valor real, em títulos públicos federais, progressivamente resgatáveis após 18 de junho de 2002, na forma da lei. Artigo 81 - É instituído Fundo constituído pelos recursos recebidos pela União em decorrência da desestatização de sociedades de economia mista ou empresas públicas por ela controladas, direta ou indiretamente, quando a operação envolver a alienação do respectivo controle acionário a pessoa ou entidade não integrante da Administração Pública, ou de participação societária remanescente após a alienação, cujos rendimentos, gerados a partir de 18 de junho de 2002, reverterão ao Fundo de Combate e Erradicação de Pobreza. § 1º - Caso o montante anual previsto nos rendimentos transferidos ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, na forma deste artigo, não alcance o valor de quatro bilhões de reais, far-se-á complementação na forma do artigo 80, inciso IV, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Page 175: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

166

§ 2º - Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, o Poder Executivo poderá destinar ao Fundo a que se refere este artigo outras receitas decorrentes da alienação de bens da União. § 3º - A constituição do Fundo a que se refere o caput, a transferência de recursos ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza e as demais disposições referentes ao parágrafo 1º deste artigo serão disciplinadas em lei, não se aplicando o disposto no artigo 165, parágrafo 9º, inciso II, da Constituição. Artigo 82 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil. § 1º - Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre os produtos e serviços supérfluos, não se aplicando, sobre este adicional, o disposto no artigo 158, inciso IV, da Constituição. § 2º - Para o financiamento dos Fundos Municipais, poderá ser criado adicional de até meio ponto percentual na alíquota do Imposto sobre Serviços ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre serviços supérfluos. Artigo 83 - Lei federal definirá os produtos e serviços supérfluos a que

se referem os artigos 80, inciso II, e 82, parágrafos 1º e 2º.”

Artigo 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua

publicação.

Page 176: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

167

RESOLUÇÃO N. 121 DO CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, DE 1º DE AGOSTO DE 1996

Proposta orçamentária

O Presidente do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, no uso

das atribuições que lhe confere a Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 e, o

inciso VII do artigo 23, da Resolução n. 66, de 2 de maio de 1996, em

conformidade com a deliberação da Reunião Plenária, realizada no dia 26 de

junho de 1996.

Considerando que a Secretaria de Assistência Social – SAS/MPAS apresentou

uma proposta orçamentária do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS

para o exercício de 1997, no valor de R$ 1.627.209.954 (hum bilhão,

seiscentos e vinte e sete milhões, duzentos e nove mil, novecentos e cinqüenta

e quatro reais);

Considerando que a proposta apresentada tem um acréscimo de 25% nas

metas a serem atingidas;

Considerando que o valor proposto representa um acréscimo de R$ 915

milhões sobre os valores aprovados para o Fundo Nacional de Assistência

Social – FNAS no presente exercício, resolve: aprovar com ressalvas, a

proposta apresentada:

I - por não contemplar as seguintes deliberações da I Conferência Nacional de

Assistência Social:

a) destinação de 5% do orçamento da Seguridade Social para Assistência

Social;

b) a modificação da renda per capita familiar de ¼ para 1 salário mínimo para

os beneficiários do beneficio de prestação continuada;

c) rebaixamento da idade mínima do beneficiário do beneficio de prestação

continuada para 60 anos;

Page 177: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

168

II - por não apresentar o montante da receita prevista para a Seguridade

Social;

III - por não definir as fontes de receita a serem utilizadas para o

financiamento das despesas previstas;

IV - pela necessidade de revisão da classificação funcional-programática, para

melhor descrição dos recursos destinados à Assistência Social no Orçamento

Federal;

V - por faltarem informações sobre a capacidade da rede de entidades de

Assistência Social, particularmente no atendimento de crianças carentes de 0

a 6 anos, impedindo a apresentação de uma proposta orçamentária mais

adequada às necessidades sociais;

VI - pela aprovação do Fundo de Estabilidade Fiscal, com vistas a permitir a

política de estabilização monetária e o pagamento de juros e amortização da

Dívida Pública Mobiliária Federal – DPMF, que implicará na diminuição do

Orçamento da Seguridade Social em 1997, com sérios riscos à execução da

Política Nacional de Assistência Social;

VII - por ter ficado evidenciado a falta de articulação entre o beneficio de

prestação continuada e a Política de Assistência da Pessoa Portadora de

Deficiência;

VIII - pelas metas físicas propostas estarem muito abaixo das previstas no

Plano Plurianual de Governo para o quadriênio 1996-1999 e na Lei de

Diretrizes Orçamentárias para 1997.

Page 178: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

169

RESOLUÇÃO N. 322 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, DE 8 DE MAIO DE 2003

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Centésima Trigésima

Reunião Ordinária, realizada nos dias 7 e 8 de maio de 2003, no uso de suas

competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei n. 8.080, de 19 de

setembro de 1990, e pela Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990 e conforme

estabelecido no artigo 77, parágrafo 3º do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias – ADCT, Considerando:

• que o mesmo referendou a aprovação da Resolução n. 316, aprovada pelo

Plenário do CNS em sua 118ª Reunião Ordinária, realizada nos dias 3 e 4 de

abril de 2002, passando a mesma constituir-se na Resolução n. 322, de 08 de

maio de 2003;

• a promulgação da Emenda Constitucional n. 29163, em 13 de setembro de

2000, vinculando os recursos orçamentários da União, Estados, Distrito

Federal e Municípios a serem aplicados obrigatoriamente em ações e serviços

públicos de saúde;

• serem os dispositivos da Emenda Constitucional n. 29 auto-aplicáveis;

• a necessidade de esclarecimento conceitual e operacional do texto

constitucional, de modo a lhe garantir eficácia e viabilizar sua perfeita

aplicação pelos agentes públicos até a aprovação da Lei Complementar a que

se refere o parágrafo 3º do artigo 198 da Constituição Federal;

• a necessidade de haver ampla discussão pública para a elaboração da Lei

Complementar prevista no parágrafo 3º do artigo 198 da Constituição Federal,

de forma a disciplinar os dispositivos da Emenda Constitucional n. 29;

• os esforços envidados pelos gestores do SUS, com a realização de amplas

discussões e debates sobre a implementação da Emenda Constitucional n. 29,

163 Vide p. 159.

Page 179: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

170

com o intuito de promover a aplicação uniforme e harmônica dos ditames

constitucionais;

• as discussões realizadas pelo grupo técnico formado por representantes do

Ministério da Saúde, do Ministério Público Federal, do Conselho Nacional de

Saúde − CNS, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde −

CONASS, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde −

CONASEMS, da Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados,

da Comissão de Assuntos Sociais do Senado e da Associação dos Membros

dos Tribunais de Contas – ATRICON, resultando na elaboração do

documento “Parâmetros Consensuais Sobre a Implementação e

Regulamentação da Emenda Constitucional 29”; e

• os subsídios colhidos nos seminários sobre a “Operacionalização da

Emenda Constitucional 29”, realizados em setembro e dezembro de 2001,

com a participação de representantes dos Tribunais de Contas dos Estados,

dos Municípios e da União, do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de

Saúde e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde –

CONASEMS.

Resolve:

I - Aprovar as seguintes diretrizes acerca da aplicação da Emenda

Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000:

DA BASE DE CÁLCULO PARA DEFINIÇÃO DOS RECURSOS

MÍNIMOS A SEREM APLICADOS EM SAÚDE

Primeira Diretriz: A apuração dos valores mínimos a serem aplicados em

ações e serviços públicos de saúde, de que tratam o artigo 198, parágrafo 2º

da Constituição Federal e o artigo 77 do ADCT, dar-se-á a partir das seguintes

bases de cálculo:

Page 180: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

171

I - Para a União, até o ano de 2004, o montante efetivamente empenhado em

ações e serviços públicos de saúde no ano imediatamente anterior ao da

apuração da nova base de cálculo.

II - Para os Estados:

• Total das receitas de impostos de natureza estadual:

ICMS, IPVA, ITCMD

• (+) Receitas de transferências da União:

Quota-parte do FPE

Cota-parte do IPI – Exportação

Transferências da Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir)

• (+) Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF

• (+) Outras receitas correntes:

Receita da Dívida Ativa Tributária de Impostos, Multas, Juros de Mora e

Correção Monetária.

• (-) Transferências financeiras constitucionais e legais a Municípios:

ICMS (25%),

IPVA (50%),

IPI – Exportação (25%),

(=) Base de Cálculo Estadual

III – Para os Municípios:

• Total das receitas de impostos municipais:

ISS, IPTU, ITBI

• (+) Receitas de transferências da União:

Quota-parte do FPM

Quota-parte do ITR

Quota-parte da Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir)

• (+) Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF

• (+) Receitas de transferências do Estado:

Page 181: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

172

Quota-parte do ICMS

Quota-parte do IPVA

Quota-parte do IPI – Exportação

• (+) Outras Receitas Correntes:

Receita da Dívida Ativa Tributária de Impostos, Multas, Juros de Mora e

Correção Monetária

(=) Base de Cálculo Municipal

IV - Para o Distrito Federal:

Base de Cálculo Estadual Base de Cálculo Municipal

ICMS (75%) ICMS (25%)

IPVA (50%) IPVA (50%)

ITCD IPTU

Simples ISS

Imposto de Renda Retido na Fonte ITBI

Quota-parte FPE Quota-parte FPM

Quota-parte IPI - exportação (75%) Quota-parte IPI - exportação (25%)

Transferência LC 87/96 - Lei Kandir (75%) Quota-parte ITR

Dívida Ativa Tributária de Impostos Transferência LC 87/96 - Lei

Kandir (25%)

Multas, juros de mora e correção monetária Dívida Ativa Tributária de Impostos

Multas, juros de mora e correção

monetária

DOS RECURSOS MÍNIMOS A SEREM APLICADOS EM SAÚDE

Segunda Diretriz: Para a União, a aplicação dos recursos mínimos em ações e

serviços públicos de saúde, no período do ano de 2001 até 2004, a que se

refere o artigo 77, II, “b”, do ADCT, deverá ser observado o seguinte:

I - a expressão “o valor apurado no ano anterior”, previsto no artigo 77, II,

“b”, do ADCT, é o montante efetivamente empenhado pela União em ações e

serviços públicos de saúde no ano imediatamente anterior, desde que

Page 182: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

173

garantido o mínimo assegurado pela Emenda Constitucional, para o ano

anterior;

II - em cada ano, até 2004, o valor apurado deverá ser corrigido pela variação

nominal do Produto Interno Bruto – PIB do ano em que se elabora a proposta

orçamentária (a ser identificada no ano em que se executa o orçamento).

Terceira Diretriz: Para os Estados e os Municípios, até o exercício financeiro

de 2004, deverá ser observada a regra de evolução progressiva de aplicação

dos percentuais mínimos de vinculação, prevista no artigo 77, do ADCT.

§ 1º - Os entes federados cujo percentual aplicado em 2000 tiver sido não

superior a sete por cento deverão aumentá-lo de modo a atingir o mínimo

previsto para os anos subseqüentes, conforme o quadro abaixo.

Percentuais Mínimos de Vinculação

Ano Estados Municípios

2000 7% 7%

2001 8% 8,6%

2002 9% 10,2%

2003 10% 11,8%

2004 12% 15%

§ 2º - Os entes federados que em 2000 já aplicavam percentuais superiores a

sete por cento não poderão reduzi-lo, retornando aos sete por cento. A

diferença entre o efetivamente aplicado e o percentual final estipulado no

texto constitucional deverá ser abatida na razão mínima de um quinto ao ano,

até 2003, sendo que em 2004 deverá ser, no mínimo, o previsto no artigo 77

do ADCT.

Quarta Diretriz: O montante mínimo de recursos a serem aplicados em saúde

pelo Distrito Federal deverá ser definido pelo somatório (i) do percentual de

vinculação correspondente aos estados, aplicado sobre a base estadual

definida na primeira diretriz com (ii) o percentual de vinculação

Page 183: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

174

correspondente aos municípios aplicado sobre a base municipal definida na

primeira diretriz, seguindo a regra de progressão prevista no artigo 77 da

ADCT, conforme abaixo demonstrado:

Ano Montante Mínimo de Vinculação

2000 0,07×Base Estadual+0,070×Base Municipal

2001 0,08×Base Estadual+0,086×Base Municipal

2002 0,09×Base Estadual+0,102×Base Municipal

2003 0,10×Base Estadual+0,118×Base Municipal

2004 0,12×Base Estadual+0,150×Base Municipal

Parágrafo único - Aplica-se ao Distrito Federal o disposto no parágrafo 2º da

Terceira Diretriz.

DAS AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE

Quinta Diretriz: Para efeito da aplicação da Emenda Constitucional n. 29,

consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas com

pessoal ativo e outras despesas de custeio e de capital, financiadas pelas três

esferas de governo, conforme o disposto nos artigos 196 e 198, parágrafo 2º,

da Constituição Federal e na Lei n. 8.080/90, relacionadas a programas

finalísticos e de apoio, inclusive administrativos, que atendam,

simultaneamente, aos seguintes critérios:

I - sejam destinadas às ações e serviços de acesso universal, igualitário e

gratuito;

II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos

de Saúde de cada ente federativo;

III - sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se

confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam

Page 184: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

175

sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que com reflexos sobre as

condições de saúde.

Parágrafo único - Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as

despesas com ações e serviços de saúde, realizadas pelos Estados, Distrito

Federal e Municípios deverão ser financiadas com recursos alocados por meio

dos respectivos Fundos de Saúde, nos termos do artigo 77, parágrafo 3º do

ADCT.

Sexta Diretriz: Atendido ao disposto na Lei n. 8.080/90, aos critérios da

Quinta Diretriz e para efeito da aplicação da Emenda Constitucional n. 29,

consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde as relativas à

promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, incluindo:

I - vigilância epidemiológica e controle de doenças;

II - vigilância sanitária;

III - vigilância nutricional, controle de deficiências nutricionais, orientação

alimentar, e a segurança alimentar promovida no âmbito do SUS;

IV - educação para a saúde;

V - saúde do trabalhador;

VI - assistência à saúde em todos os níveis de complexidade;

VII - assistência farmacêutica;

VIII - atenção à saúde dos povos indígenas;

IX - capacitação de recursos humanos do SUS;

X - pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico em saúde,

promovidos por entidades do SUS;

XI - produção, aquisição e distribuição de insumos setoriais específicos, tais

como medicamentos, imunobiológicos, sangue e hemoderivados, e

equipamentos;

XII - saneamento básico e do meio ambiente, desde que associado

diretamente ao controle de vetores, a ações próprias de pequenas

comunidades ou em nível domiciliar, ou aos Distritos Sanitários Especiais

Page 185: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

176

Indígenas (DSEI), e outras ações de saneamento a critério do Conselho

Nacional de Saúde;

XIII - serviços de saúde penitenciários, desde que firmado Termo de

Cooperação específico entre os órgãos de saúde e os órgãos responsáveis pela

prestação dos referidos serviços.

XIV – atenção especial aos portadores de deficiência.

XV – ações administrativas realizadas pelos órgãos de saúde no âmbito do

SUS e indispensáveis para a execução das ações indicadas nos itens

anteriores;

§ 1° - No caso da União, excepcionalmente, as despesas com ações e serviços

públicos de saúde da União financiadas com receitas oriundas de operações

de crédito contratadas para essa finalidade poderão integrar o montante

considerado para o cálculo do percentual mínimo constitucionalmente

exigido, no exercício em que ocorrerem.

§ 2° - No caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, os pagamentos de

juros e amortizações decorrentes de operações de crédito contratadas a partir

de 1°.1.2000 para custear ações e serviços públicos de saúde,

excepcionalmente, poderão integrar o montante considerado para o cálculo do

percentual mínimo constitucionalmente exigido.

Sétima Diretriz: Em conformidade com o disposto na Lei 8.080/90, com os

critérios da Quinta Diretriz e para efeito da aplicação da Emenda

Constitucional n. 29, não são consideradas como despesas com ações e

serviços públicos de saúde as relativas a:

I – pagamento de aposentadorias e pensões;

II - assistência à saúde que não atenda ao princípio da universalidade

(clientela fechada);

III - merenda escolar;

IV - saneamento básico, mesmo o previsto no inciso XII da Sexta Diretriz,

realizado com recursos provenientes de taxas ou tarifas e do Fundo de

Page 186: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

177

Combate e Erradicação da Pobreza, ainda que excepcionalmente executado

pelo Ministério da Saúde, pela Secretaria de Saúde ou por entes a ela

vinculados;

V - limpeza urbana e remoção de resíduos sólidos (lixo);

VI - preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de

meio ambiente dos entes federativos e por entidades não governamentais;

VII - ações de assistência social não vinculadas diretamente a execução das

ações e serviços referidos na Sexta Diretriz e não promovidas pelos órgãos de

Saúde do SUS;

VIII - ações e serviços públicos de saúde custeadas com recursos que não os

especificados na base de cálculo definida na primeira diretriz.

§ 1° - No caso da União, os pagamentos de juros e amortizações decorrentes

de operações de crédito, contratadas para custear ações e serviços públicos de

saúde, não integrarão o montante considerado para o cálculo do percentual

mínimo constitucionalmente exigido.

§ 2° - No caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, as despesas com

ações e serviços públicos de saúde financiadas com receitas oriundas de

operações de crédito contratadas para essa finalidade não integrarão o

montante considerado para o cálculo do percentual mínimo

constitucionalmente exigido, no exercício em que ocorrerem.

DOS INSTRUMENTOS DE ACOMPANHAMENTO, FISCALIZAÇÃO E

CONTROLE

Oitava diretriz: Os dados constantes no Sistema de Informações sobre

Orçamentos Públicos em Saúde do Ministério da Saúde – SIOPS serão

utilizados como referência para o acompanhamento, a fiscalização e o

controle da aplicação dos recursos vinculados em ações e serviços públicos de

saúde.

Page 187: FINANCIAMENTO INDIRETO DA SEGURIDADE SOCIAL

178

Parágrafo único - Os Tribunais de Contas, no exercício de suas atribuições

constitucionais, poderão, a qualquer tempo, solicitar, aos órgãos responsáveis

pela alimentação do sistema, retificações nos dados registrados pelo SIOPS.

Nona Diretriz: O Sistema de Informação Sobre Orçamentos Públicos em

Saúde – SIOPS, criado pela Portaria Interministerial n. 1.163, de outubro de

2000, do Ministério da Saúde e da Procuradoria Geral da República, divulgará

as informações relativas ao cumprimento da Emenda Constitucional n. 29 aos

demais órgãos de fiscalização e controle, tais como o Conselho Nacional de

Saúde, os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, o Ministério Público

Federal e Estadual, os Tribunais de Contas da União, dos Estados e

Municípios, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Assembléias

Legislativas, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as Câmaras

Municipais.

Décima Diretriz: Na hipótese de descumprimento da Emenda Constitucional

n. 29, a definição dos valores do exercício seguinte não será afetada; ou seja,

os valores mínimos serão definidos tomando-se como referência os valores

que teriam assegurado o pleno cumprimento da Emenda Constitucional n. 29

no exercício anterior. Além disso, deverá haver uma suplementação

orçamentária no exercício seguinte, para compensar a perda identificada, sem

prejuízo das sanções previstas na Constituição e na legislação.

HUMBERTO COSTA

Presidente do Conselho Nacional de Saúde

Homologo a Resolução CNS n. 322, de 8 de maio de 2003, nos termos do

Decreto de Delegação de Competência de 12 de novembro de 1991.

HUMBERTO COSTA

Ministro de Estado da Saúde