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2015 FILOSOFIA GERAL E DA RELIGIÃO Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser

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2015

FilosoFia Geral e da reliGião

Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser

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Copyright © UNIASSELVI 2015

Elaboração:

Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

100L685f Leyser, Kevin Daniel dos Santos

Filosofia geral e da religião /Kevin Daniel dos Santos Leyser. Indaial : UNIASSELVI, 2015.

408 p. : il.

ISBN 978-85-7830-918-3

1. Filosofia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

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III

apresentação

Caro(a) acadêmico(a), o presente Caderno de Estudos tem como objetivo sistematizar os elementos básicos da disciplina de Filosofia Geral e da Religião, o qual proporcionará um contato com os principais topicos, autores e obras da área, alem dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a disciplina ofertada, mas tambem para os estudos autônomos posteriores.

Na primeira unidade, Filosofia Geral e a Investigação Filosofica, vamos introduzir a filosofia atraves da distinção de seu modo peculiar de investigação de questões centrais em comparação com outras áreas do conhecimento. A proposta será: conduzi-lo ao modo de pensar filosofico e caracterizar as atitudes e habilidades necessárias para tal empreendimento. A partir deste ponto, vamos introduzir algumas das principais questões investigadas pela filosofia. Primeiro, vamos nos debruçar sobre a questão do Conhecimento, prosseguindo com a investigação filosofica sobre a Verdade, a Existência, a Mente e a Consciência, e finalizaremos com a reflexão filosofica sobre o Self e a Identidade Pessoal.

Na segunda e na terceira unidade vamos explorar um campo específico de investigação filosofica, nomeadamente, a Filosofia da Religião.

O campo da filosofia da religião refloresceu nas últimas decadas

e agora está prosperando internacionalmente com pensadores criativos de primeira qualidade, muitos dos quais são pensadores de autoridade em outras áreas da filosofia, utilizando seus conhecimentos filosoficos para abordar uma serie de temas religiosos. O leque de pessoas envolvidas na filosofia da religião tambem e bastante amplo e inclui diversos estudiosos, como filosofos analíticos e continentais, feministas e especialistas em etica, pensadores orientais e ocidentais, entre outros. Dada a amplitude do campo, uma serie de topicos poderiam ter sido incluídos neste Caderno de Estudos, e várias abordagens poderiam ter sido tomadas tambem. Nosso objetivo, ao escrever este Caderno de Estudos, tem sido o de construir um texto que inclui as principais questões, normalmente abordadas nos livros didáticos de filosofia da religião e vistos nos cursos de filosofia da religião, mas tambem de abordar algumas questões mais atípicas que estão surgindo no campo e tornando-se rapidamente topicos notáveis de discussão. Tentamos escrever de uma forma e estilo que e ao mesmo tempo acessível e interessante para os acadêmicos de graduação em filosofia ou em teologia, mas que tambem tem merito para outros estudantes de graduação e interessados no campo. Procuramos evitar o jargão tecnico desnecessário, tanto quanto possível, e definir e explicar termos e ideias que seriam desconhecidos para a maioria dos acadêmicos de graduação. Embora a dicotomia tradicional “analítico/continental” como

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não e tão bem definida hoje como alguns gostariam de pensar, no entanto, a abordagem que tomamos aqui geralmente segue o metodo e estilo da tradição analítica em que incluímos posições, argumentos formais para essas posições e objeções ou refutações aos argumentos (e, e alguns momentos, refutações às refutações), as vezes sem considerar a historia, contexto, ou meio cultural das posições. Este metodo crítico nem sempre foi viável ou benefico, pois alguns topicos não se prestam facilmente a formas de argumentos e de estilo analíticos.

Há, certamente, valor em ter um autor de uma obra como esta que forneça suas proprias opiniões, argumentos e conclusões sobre temas controversos como muitos daqueles discutidos em filosofia da religião; no entanto, esta não e a nossa intenção neste trabalho. Pelo contrário, estamos nos esforçando para ser não partidários, pelo menos ate onde isso e possível em um trabalho que abrange temas tão empolgantes e polêmicos como estes. Tentamos evitar de apresentar os nossos proprios pontos de vista e conclusões às questões e, em vez disso, apresentar o mais claro e conciso possível, as principais posições, argumentos a favor e refutações contra os temas centrais no campo da Filosofia da Religião na atualidade. Claro que, a propria seleção de temas e os argumentos e refutações escolhidos irão refletir nossas proprias inclinações e tendências, em certa medida, mas a nossa intenção foi a de ser imparcial.

Ate recentemente, a maior parte do trabalho filosofico sobre a religião

no Ocidente foi principalmente focado nas tradições teístas do judaísmo, cristianismo e islamismo. Como resultado, a diversidade de pensamento religioso expressa por aqueles em outras tradições era, na sua maior parte, ignorada. Com a presença crescente e a consciência das religiões não teístas no Ocidente, no entanto, tornou-se cada vez mais importante incluí-las no diálogo filosofico. Tentamos fazer isso neste Caderno de Estudos. Enquanto que incluímos muitos dos principais topicos tradicionais de discussões teístas, tambem nos esforçamos para ser multicultural em perspectiva e incluir uma serie de grandes temas não teístas.

Na Unidade 2, Topico 1, começamos por explorar os significados dos termos da religião e da filosofia da religião e a questão importante sobre o que são as crenças e práticas religiosas. No Topico 2 continuamos essa exploração atraves da análise do fenômeno crescente da diversidade religiosa. Nos concentramos especificamente em cinco grandes religiões do mundo: hinduísmo, budismo, judaísmo, cristianismo e islamismo. Cada uma dessas religiões faz declarações sobre questões fundamentais, incluindo o significado de salvação/libertação e a natureza da Realidade Última. Estas religiões do mundo, e os filosofos historicos centrais no interior delas, implicam ou afirmam que suas reivindicações fundamentais são verdadeiras.

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Como a maioria dessas reivindicações conflitam uma com as outras, a proxima pergunta a ser explorada e como se deve, filosoficamente, abordar esses conflitos. Este topico tambem considera a tarefa de avaliar os sistemas religiosos, os possíveis criterios para a realização dessas avaliações, bem como a importância da tolerância religiosa.

Os filosofos da religião refletem sobre uma variedade de conceitos

religiosos, mas, provavelmente, nenhum conceito foi mais dominante do que o conceito de Deus/Realidade Última. Portanto, e importante examinar os principais temas relevantes para a natureza e existência do divino. No Topico 3 exploramos duas maneiras peculiares de conceber Deus/Realidade Última: (1) como um estado de ser absoluto (como no interior de algumas escolas do hinduísmo e do budismo), e (2) como um Deus pessoal (como no interior das três grandes tradições teístas). Uma das principais discussões contemporâneas relevantes para o conceito de Deus e saber se os atributos tradicionais são logicamente consistentes e coerentes, de modo que algum tempo será dedicado a esse problema tambem.

Os filosofos da religião não estão apenas interessados em explorar o

conceito de Deus, mas tambem saber se tal conceito e verdadeiro, isto e, se Deus realmente existe. Os Topicos 4, 5 e 6 da Unidade 2 explora três principais tipos de argumentos para a existência de Deus: cosmologicos, teleologicos e ontologicos. Embora cada uma destas formas de argumento seja bastante antiga em natureza, nenhuma delas e uma relíquia antiquada; cada uma tem sofrido muita discussão e desenvolvimento nas últimas decadas. E assim como há argumentos filosoficos para a existência de Deus, há tambem desafios filosoficos para a crença em Deus.

O Topico 1 da Unidade 3, nos apresenta um deles: o problema do mal. A religião não e tipicamente um domínio completamente isolado de

outros aspectos da sociedade e da cultura. Inclui (alguns diriam “infeta”) praticamente todas as facetas da vida humana. Uma dessas áreas e a ciência, e por seculos a religião e a ciência têm tido um relacionamento complicado; às vezes elas estão em desacordo, às vezes elas são favoráveis uma a outra. No Topico 2, da última unidade, abordaremos várias opções de base para a compreensão de como a religião e a ciência estão relacionadas. Seja qual for o relacionamento, parece evidente que a religião e a ciência têm um papel único na vida e no pensamento. É tambem evidente que a prática da ciência tem, pelo menos ocasionalmente, implicações para a fe religiosa, e que a crença religiosa nem sempre e desprovida de fundamentação científica. Consequentemente, o restante do topico se concentrará em várias opções para relacionar a fe e a razão.

Um dos elementos da religião comum a todas as grandes tradições

e a experiência religiosa. No Topico 3, da terceira Unidade, exploraremos este fenômeno em diversas das suas várias formas. Tambem examinaremos a questão de saber se este tipo de fenômeno pode justificar a crença religiosa

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e se as explicações científicas da experiência religiosa demonstram que tais experiências são apenas o resultado de causas neurofisiologicas (e, portanto, ilusorias em última instância).

Outra questão pertinente ao refletirmos sobre a religião e a questão da moralidade e da política. Ambas as questões são centrais para pensarmos o papel da religião na compreensão de nos mesmos, da sociedade e do mundo em que vivemos. No Topico 4 da terceira unidade vamos explorar minuciosamente estes temas.

Todas as tradições religiosas fornecem uma compreensão do que significa ser um self (um Eu), e todas elas oferecem esperança para o mesmo, esperança para esta vida e, especialmente, esperança apos a morte. Como entendemos, a nossa propria natureza desempenha um papel importante na forma como entendemos o que a vida apos a morte implica. Esses temas do self, da morte e da vida apos a morte são considerados no último topico da Unidade 3.

Boa jornada a todos, rumo à edificação da educação e sucesso frente aos desafios intelectuais, eticos e pessoais proporcionados pelo estudo da filosofia geral e da religião.

Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser

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Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

UNI

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sumário

UNIDADE 1 – FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA ................................. 1

TÓPICO 1 – A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES FILOSÓFICAS ................................... 31 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 32 UM OLHAR FILOSÓFICO: ALGO MAIS A SER DITO ............................................................. 33 QUESTÕES OU PROBLEMAS FILOSÓFICOS? ........................................................................... 54 CONSIDERANDO QUESTÕES FILOSOFICAMENTE .............................................................. 75 DISTANCIAMENTO E COMPREENSÃO ..................................................................................... 96 VISÃO DE MUNDO, ARGUMENTO REFLEXIVO E VIRTUDES FILOSÓFICAS ............... 117 LEITURA ADICIONAL ...................................................................................................................... 12RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 14AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 16

TÓPICO 2 – A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO ....................................................................... 171 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 172 AS DUAS PLATITUDES SOBRE O CONHECIMENTO ............................................................. 173 OS CASOS DE TIPO-GETTIER ........................................................................................................ 194 O PARADOXO DA LOTERIA .......................................................................................................... 225 EXTERNALISMO, INTERNALISMO E O CONHECIMENTO ................................................. 236 A EPISTEMOLOGIA ANTISSORTE ............................................................................................... 267 A EPISTEMOLOGIA DA VIRTUDE ............................................................................................... 288 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 32RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 33AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 35

TÓPICO 3 – A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE ......................................................... 371 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 372 O QUE É O PROBLEMA FILOSÓFICO DA VERDADE? ........................................................... 373 TEORIAS DA VERDADE COMO CORRESPONDÊNCIA ........................................................ 394 TEORIAS EPISTÊMICAS DA VERDADE ..................................................................................... 435 O ESQUEMA-T E A ADEQUAÇÃO MATERIAL .......................................................................... 466 A CONCEPÇÃO SEMÂNTICA DA VERDADE ........................................................................... 477 O DEFLACIONISMO ......................................................................................................................... 518 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 54RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 56AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 58

TÓPICO 4 – A FILOSOFIA E A EXISTÊNCIA .................................................................................. 591 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 592 OS ENIGMAS DA EXISTÊNCIA ..................................................................................................... 593 SERÁ QUE A ONTOLOGIA SE ESTABELECE EM UM ERRO? ............................................... 614 A ANÁLISE DA EXISTÊNCIA .......................................................................................................... 635 OS OBJETOS NÃO EXISTENTES .................................................................................................... 676 OS OBJETOS “MEIO-EXISTENTES” .............................................................................................. 69

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7 OS LIMITES DA EXISTÊNCIA ........................................................................................................ 718 POR QUE QUALQUER COISA EXISTE? ....................................................................................... 74RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 76AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 78

TÓPICO 5 – A FILOSOFIA DA MENTE E DA CONSCIÊNCIA .................................................. 791 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 792 O PROBLEMA MENTE-CORPO: ANTIGO E NOVO ................................................................. 793 O DUALISMO DE PROPRIEDADES .............................................................................................. 854 AS ABORDAGENS FISICALISTAS ................................................................................................ 895 CONCLUSÃO: UMA QUESTÃO DE PERSPECTIVA? ................................................................ 94RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 95AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 97

TÓPICO 6 – A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL ............................................ 991 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 992 SELVES E PESSOAS ............................................................................................................................ 993 ALGUMAS PERGUNTAS .................................................................................................................. 1024 O PROBLEMA SELF-CORPO ........................................................................................................... 1035 A IDENTIDADE PESSOAL ............................................................................................................... 111RESUMO DO TÓPICO 6 ....................................................................................................................... 120AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 122

UNIDADE 2 – FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA .......................................................................................................................... 123

TÓPICO 1 – RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO ............................................................. 1251 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1252 A RELIGIÃO E AS RELIGIÕES DO MUNDO .............................................................................. 1253 A FILOSOFIA E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO ............................................................................ 1284 CRENÇAS E PRÁTICAS RELIGIOSAS .......................................................................................... 130 4.1 O REALISMO RELIGIOSO ............................................................................................................ 130 4.2 O NÃO REALISMO RELIGIOSO ................................................................................................. 131RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 136AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 137

TÓPICO 2 – A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO ............................................... 1391 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1392 A DIVERSIDADE DAS RELIGIÕES ............................................................................................... 1403 O INCLUSIVISMO E O EXCLUSIVISMO RELIGIOSO ............................................................ 143 3.1 A OBJEÇÃO AO INCLUSIVISMO E AO EXCLUSIVISMO: O “MITO DA NEUTRALIDADE” ......................................................................................................................... 145 3.2 A OBJEÇÃO DA JUSTIÇA ............................................................................................................. 145 3.3 O “ESCÂNDALO DA PARTICULARIDADE” ........................................................................... 1474 O PLURALISMO RELIGIOSO .......................................................................................................... 148 4.1 A HIPÓTESE PLURALISTA .......................................................................................................... 148 4.1.1 O pluralismo e logicamente contraditorio ......................................................................... 150 4.1.2 Pluralismo leva ao ceticismo em relação ao real ................................................................ 151 4.2 PLURALISMO ASPECTUAL ........................................................................................................ 152 4.2.1 O pluralismo aspectual conduz ao sincretismo ................................................................. 152 4.2.2 O pluralismo aspectual conduz ao ceticismo ..................................................................... 1535 O RELATIVISMO RELIGIOSO ........................................................................................................ 154 5.1 UMA DESCRIÇÃO INADEQUADA DAS CRENÇAS RELIGIOSAS REAIS ........................ 155

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5.2 O RELATIVISMO É INCOERENTE ............................................................................................. 1556 AVALIANDO OS SISTEMAS RELIGIOSOS ................................................................................ 156 6.1 CONSISTÊNCIA LÓGICA ........................................................................................................... 157 6.2 A COERÊNCIA DE TODO O SISTEMA ...................................................................................... 158 6.3 A CONSISTÊNCIA COM O CONHECIMENTO EM OUTROS CAMPOS ............................ 158 6.4 RESPOSTAS RAZOÁVEIS ÀS QUESTÕES HUMANAS FUNDAMENTAIS ........................ 159 6.5 A PLAUSIBILIDADE EXISTENCIAL .......................................................................................... 1597 TOLERÂNCIA RELIGIOSA .............................................................................................................. 160RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 162AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 163

TÓPICO 3 – CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA .............................................................. 1651 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1652 A REALIDADE ÚLTIMA: O ABSOLUTO E O VAZIO (VÁCUO) ............................................. 166 2.1 O ABSOLUTISMO HINDU ........................................................................................................... 166 2.2 METAFÍSICA BUDISTA ................................................................................................................. 1683 A REALIDADE ÚLTIMA: UM DEUS PESSOAL .......................................................................... 171 3.1 NECESSIDADE ............................................................................................................................... 173 3.2 ONIPOTÊNCIA ............................................................................................................................... 174 3.3 ONISCIÊNCIA ................................................................................................................................ 176 3.4 ETERNIDADE ................................................................................................................................. 177 3.5 IMUTABILIDADE ........................................................................................................................... 180RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 182AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 183

TÓPICO 4 – ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA ........................ 1851 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1852 O ARGUMENTO DA CONTINGÊNCIA ....................................................................................... 186 2.1 OBJEÇÃO 1: A SÉRIE CONTINGENTE SIMPLESMENTE É .................................................. 190 2.2 OBJEÇÃO 2: A FALÁCIA DA COMPOSIÇÃO .......................................................................... 191 2.3 OBJEÇÃO 3: EXPLICANDO AS PARTES DE UM TODO EXPLICA O TODO EM SI MESMO ............................................................................................................................................ 191 2.4 OBJEÇÃO 4: QUEM CAUSOU DEUS A EXISTIR? .................................................................... 192 2.5 OBJEÇÃO 5: MESMO ADMITINDO A EXISTÊNCIA DE UMA CAUSA NECESSÁRIA, ESTA CAUSA NÃO PRECISA SER DEUS ................................................................................. 1923 O ARGUMENTO DA RAZÃO SUFICIENTE ................................................................................ 193 3.1 OBJEÇÃO 1: NÃO HÁ NENHUMA MANEIRA DE DEMONSTRAR QUE O PRINCÍPIO DA RAZÃO SUFICIENTE É VERDADEIRO ............................................................................. 195 3.2 OBJEÇÃO 2: O PRINCÍPIO DA RAZÃO SUFICIENTE É INCOERENTE ............................. 196 3.3 OBJEÇÃO 3: A SUBJETIVIDADE DE UMA EXPLICAÇÃO .................................................... 197 3.4 OBJEÇÃO 4: A CIÊNCIA TEM DEMONSTRADO QUE NÃO É NECESSÁRIO HAVER RAZÕES OU EXPLICAÇÕES PARA TODAS AS COISAS E EVENTOS .............................. 1974 O ARGUMENTO KALAM ................................................................................................................ 198 4.1 UM ARGUMENTO FILOSÓFICO PARA O INÍCIO DO UNIVERSO .................................... 200 4.1.1 Objeção: as series temporais não têm começo ................................................................... 202 4.2 DUAS SUPOSTAS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PARA O INÍCIO DO UNIVERSO ........... 203 4.2.1 Evidência 1: a segunda lei da termodinâmica ................................................................... 203 4.2.1.1 Objeção 1: a teoria do universo oscilante escapa ao controle da segunda lei e elimina a necessidade de um início do universo .............................................. 204 4.2.1.2 Objeção 2: o universo e infinito, e assim a segunda lei da termodinâmica não se aplica ao universo como um todo .................................................................... 204

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XII

4.2.2 Evidência 2: a teoria do big bang ........................................................................................ 204 4.2.2.1 Objeção: alternativas para o big bang .................................................................... 206 4.3 A CAUSA DO UNIVERSO É UM DEUS PESSOAL? ................................................................ 2065 UM ARGUMENTO COSMOLÓGICO PARA O ATEÍSMO ....................................................... 207 5.1 OBJEÇÃO 1: A SINGULARIDADE NÃO É ONTOLOGICAMENTE REAL ......................... 208 5.2 OBJEÇÃO 2: DEUS NÃO É LIMITADO POR LEIS OU PELA FALTA DELAS PARA REALIZAR OS PROPÓSITOS DIVINOS ..................................................................................... 209 5.3 OBJEÇÃO 3: A HIPÓTESE TEÍSTA DA CRIAÇÃO É MAIS SIMPLES E, PORTANTO, MAIS PROPENSA A SER VERDADE DO QUE A HIPÓTESE ATEÍSTA ...... 209RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 211AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 212

TÓPICO 5 – ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA ........................... 2131 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2132 O ARGUMENTO DO DESÍGNIO (DESIGN) DE PALEY ........................................................... 214 2.1 OBJEÇÕES 1-3: AS REFUTAÇÕES DE HUME ........................................................................... 215 2.2 OBJEÇÃO 4: UMA VISÃO DARWINIANA DOS ORGANISMOS BIOLÓGICOS ............... 2173 O ARGUMENTO DO AJUSTE FINO .............................................................................................. 219 3.1 AS RESPOSTAS AO ARGUMENTO DO AJUSTE FINO .......................................................... 221 3.1.1 A hipotese dos muitos universos ......................................................................................... 221 3.1.2 O princípio antropico ............................................................................................................ 222 3.1.3 Quem projetou o projetista? ................................................................................................. 2234 O ARGUMENTO DO DESIGN INTELIGENTE ........................................................................... 224 4.1 OBJEÇÕES AO ARGUMENTO DO DESIGN INTELIGENTE ................................................. 229 4.1.1 Objeção 1: o argumento do design inteligente assenta-se sobre pressupostos filosoficos contenciosos, em vez de inferência científica .................................................................... 229 4.1.2 Objeção 2: desafios para os alegados exemplos de complexidade irredutível ............. 230RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 232AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 234

TÓPICO 6 – ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA ........................... 2351 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2352 O ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE ANSELMO ...................................................................... 236 2.1 AS CRÍTICAS DO ARGUMENTO DE ANSELMO .................................................................... 239 2.1.1 A maior ilha possível ............................................................................................................. 239 2.1.2 A existência não e um predicado ......................................................................................... 2403 O ARGUMENTO ONTOLÓGICO MODAL DE ALVIN PLANTINGA .................................. 242 3.1 OBJEÇÕES AO ARGUMENTO MODAL DE PLANTINGA .................................................... 245 3.1.1 Objeção 1: a existência de Deus e uma impossibilidade logica ou metafísica .............. 245 3.1.2 Objeção 2: um problema com a semântica dos mundos possíveis ................................. 246 3.1.3 Objeção 3: o problema das fadas, fantasmas, gremlins e unicornios ............................. 247RESUMO DO TÓPICO 6 ....................................................................................................................... 249AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 251

UNIDADE 3 – PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA ..................................................................................... 253

TÓPICO 1 – PROBLEMAS DO MAL ................................................................................................. 2551 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2552 CLASSIFICANDO O MAL ................................................................................................................ 256 2.1 O MAL NATURAL E O MAL MORAL ....................................................................................... 257

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XIII

2.2 O MAL HORRENDO E GRATUITO ............................................................................................ 2573 PROBLEMAS TEÓRICOS DO MAL ............................................................................................... 260 3.1 O PROBLEMA LÓGICO DO MAL .............................................................................................. 260 3.1.1 Resposta 1 – o argumento “impossível de provar o contrário” ..................................... 261 3.1.2 Resposta 2 – A defesa do livre-arbítrio ............................................................................... 262 3.2 O PROBLEMA PROBABILÍSTICO OU EVIDENCIAL DO MAL ............................................ 264 3.2.1 O problema probabilístico .................................................................................................... 264 3.2.1.1 Resposta 1 – o lapso de Leibniz ............................................................................... 265 3.2.1.2 Resposta 2 – Não há o melhor de todos os mundos possíveis ............................ 266 3.3 O ARGUMENTO EVIDENCIAL DE ROWE .............................................................................. 266 3.3.1 Objeção 1 - Limitações epistêmicas cognitivas .................................................................. 267 3.3.2 Objeção 2 - Deus pode usar o sofrimento e o mal para nosso bem maior ..................... 267 3.3.3 Objeção 3 - O mal gratuito e consistente com o teísmo .................................................... 2674 O PROBLEMA EXISTENCIAL DO MAL ...................................................................................... 268 4.1 RESPOSTA ....................................................................................................................................... 2685 AS TRÊS TEODICEIAS ...................................................................................................................... 269 5.1 A TEODICEIA DO LIVRE-ARBÍTRIO DE AGOSTINHO ........................................................ 269 5.1.1 Objeção .................................................................................................................................... 270 5.2 A TEODICEIA IRINEANA OU DA “FORMAÇÃO DA ALMA” DE HICK .......................... 271 5.2.1 Objeção .................................................................................................................................... 272 5.3 UMA TEODICEIA DO PROCESSO ............................................................................................. 272 5.3.1 Objeções ................................................................................................................................... 273RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 275AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 276

TÓPICO 2 – CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO ................................................................................................. 2771 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2772 A RELIGIÃO E A CIÊNCIA ............................................................................................................... 278 2.1 CONFLITO ....................................................................................................................................... 278 2.2 INDEPENDÊNCIA ......................................................................................................................... 279 2.3 INTEGRAÇÃO ................................................................................................................................ 2813 A CRENÇA RELIGIOSA E A JUSTIFICAÇÃO ............................................................................. 283 3.1 O FIDEÍSMO .................................................................................................................................... 283 3.2 WILLIAM JAMES E A VONTADE DE ACREDITAR ................................................................ 285 3.3 A APOSTA DE PASCAL ................................................................................................................ 288 3.4 ALVIN PLANTINGA E A EPISTEMOLOGIA REFORMADA ................................................ 291RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 295AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 297

TÓPICO 3 – EXPERIÊNCIA RELIGIOSA .......................................................................................... 2991 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2992 A NATUREZA E A DIVERSIDADE DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA ..................................... 299 2.1 O QUE É UMA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA? ............................................................................ 300 2.2 CATEGORIAS DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA ........................................................................ 3003 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E A JUSTIFICAÇÃO ................................................................... 3064 DESAFIOS À EXPERIÊNCIA RELIGIOSA COMO JUSTIFICAÇÃO PARA AS CRENÇAS RELIGIOSAS ................................................................................................................... 310 4.1 A FALTA DE VERIFICABILIDADE ............................................................................................. 310 4.2 REIVINDICAÇÕES CONFLITANTES NO INTERIOR DA VARIEDADE DAS EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS ...................................................................................................... 311 4.3 A OBJEÇÃO DA CIRCULARIDADE ........................................................................................... 3125 AS EXPLICAÇÕES CIENTÍFICAS DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA ....................................... 313 5.1 UMA COMPREENSÃO PSICOLÓGICA DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA .......................... 313

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XIV

5.2 UM ENTENDIMENTO NEUROCIENTÍFICO DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA ................. 314RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 316AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 317

TÓPICO 4 – O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE ................................................................. 3191 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3192 CONCEPÇÕES DO SELF (DO EU) .................................................................................................. 320 2.1 O DUALISMO ................................................................................................................................. 321 2.2 O MATERIALISMO ........................................................................................................................ 324 2.3 O PANTEÍSMO MONISTA ............................................................................................................ 325 2.4 O NÃO SELF .................................................................................................................................... 3263 A REENCARNAÇÃO E O CARMA ................................................................................................. 3274 ARGUMENTOS PARA A IMORTALIDADE ................................................................................ 330 4.1 EXPERIÊNCIAS DE QUASE MORTE ......................................................................................... 330 4.2 RESSURREIÇÃO ............................................................................................................................. 331 4.3 A NATUREZA DE DEUS ............................................................................................................... 332 4.4 A NATUREZA DA ALMA ............................................................................................................ 3335 ARGUMENTOS CONTRA A IMORTALIDADE ......................................................................... 333 5.1 A DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA NO CÉREBRO .......................................................... 333 5.2 A IDENTIDADE PESSOAL ........................................................................................................... 334 5.3 A MISÉRIA ETERNA ..................................................................................................................... 335LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 337RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 363AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 364REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 365

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UNIDADE 1

FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Esta unidade tem por objetivos:

• introduzir noções básicas de filosofia;

• apresentar o pensamento filosofico e alguns campos centrais de estudo e suas principais questões;

• demonstrar o procedimento da investigação filosofica referente a algumas questões nucleares da filosofia.

Esta unidade está dividida em seis topicos e no final de cada um deles você encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 - A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES FILOSÓFICAS

TÓPICO 2 - A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

TÓPICO 3 - A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

TÓPICO 4 - A FILOSOFIA E A EXISTÊNCIA

TÓPICO 5 - A FILOSOFIA DA MENTE E DA CONSCIÊNCIA

TÓPICO 6 - A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

Assista ao vídeo desta unidade.

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TÓPICO 1UNIDADE 1

A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES

FILOSÓFICAS

1 INTRODUÇÃO

Neste topico vamos nos concentrar na proposta de uma introdução à investigação filosofica, ao pensamento e o fazer filosofico. Para isso, vamos primeiramente elucidar como surgem os questionamentos da filosofia, diferenciando-os de outros campos de investigação.

A seguir, levantaremos a reflexão sobre os problemas ou questões que perfazem o trabalho de filosofar, introduzindo as possíveis posições filosoficas frente aos mesmos. Então, vamos apresentar diversos exemplos de como podemos considerar as questões filosoficamente, argumentando pelo vies de um distanciamento e de uma compreensão geral ao inves de um entendimento particularizado. Assim, vamos sugerir as vantagens e consequências de uma abordagem filosofica às questões do mundo e de nos mesmos, como tambem a necessidade de desenvolver em nos virtudes indispensáveis ao tirocínio filosofico.

2 UM OLHAR FILOSÓFICO: ALGO MAIS A SER DITO

Este caderno de estudos pretende ser uma introdução abrangente a algumas questões centrais da Filosofia e da Filosofia da Religião. Claro que há muitos e variados topicos possíveis que poderiam ser explorados, entretanto, selecionamos alguns topicos e questões que consideramos centrais para introduzir você, acadêmico, à investigação filosofica, em geral, e à investigação no campo da filosofia da religião, em particular.

As questões vistas aqui, nesta primeira unidade, podem sintetizar o núcleo da filosofia e apresentá-lo de uma forma que possa ser facilmente compreendido. O que, em parte, distingue a abordagem deste caderno de estudos em relação a alguns outros trabalhos introdutorios e que não iremos explorar a historia da filosofia, nem dos filosofos em particular. Uma abordagem assim e de fato interessante, todavia tomaria muito espaço e não nos permitiria focar no aspecto

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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central de uma introdução à filosofia geral. Uma disciplina de filosofia geral visa, entre outros objetivos perifericos, introduzir o acadêmico às questões centrais da investigação filosofica. Em outros termos, a Filosofia Geral visa nos mostrar como se faz filosofia. Então, o mais importante não são os topicos particulares e, sim, entender a disciplina da filosofia, como ela funciona, os tipos de considerações que ela aborda ao discutir estes topicos, e assim por diante. Em parte, nossa proposta tambem difere de outras, pois em cada topico não iremos abordar o assunto diretamente, desde o início, pressupondo que você irá entender o porquê e de que maneira as questões filosoficas distintivas podem ser levantadas. Vamos preparar o terreno, explicando porque e de que forma as questões dão origem às preocupações distintamente filosoficas, ou seja, vamos destacar a razão pela qual, apos termos pensado sobre as questões em todas as maneiras habituais, cotidianas e científicas, poderíamos ainda supor que há algo mais a ser dito.

Por exemplo, por que depois de olhar para a anatomia do olho e sua rota para o cerebro, e observar casos em que as pessoas sofrem de ilusões e veem coisas que não estão realmente lá, supomos que há questões adicionais que possam ser levantadas sobre a questão da percepção? Bem, a pista aqui e a palavra “olhar”, na frase anterior. Suponha que imaginássemos o seguinte: como podemos ter certeza sobre qual seria o modo, se e que há algum, em que as coisas parecem para o nosso olhar do mesmo modo como elas realmente são. Nesse caso, seria inútil recolher mais evidências com base em como as coisas parecem, o que seria circular, pois exatamente o que está em questão e se o como as coisas parecem nos diz com precisão como as coisas são. Seria como tentar checar a veracidade de uma manchete de jornal atraves da compra de outra copia do mesmo documento.

Considere tambem o exemplo do Estado. Os Estados têm o direito, se

eles são legítimos, de usar a força para limitar o que poderíamos fazer. Podemos observar por todo o mundo e ver a extensão e os diferentes modos dos Estados limitarem o que as pessoas fazem. Mas nenhuma quantidade de coleta de tal informação factual iria responder à pergunta de qual deveria ser a extensão e os tipos de limites que o Estado deveria impor. Qual e o alcance legítimo do Estado? O que ele deveria fazer e não fazer? Isso não e algo que possa ser respondido por mera reunião de fatos; pelo contrário, e algo que tem de ser decidido pela avaliação de argumentos que vão alem dos fatos, argumentos que são de caráter filosofico.

Tome então a questão da linguagem e do significado. Podemos querer

descobrir o que "the sea" significa em português. Para fazer isso, podemos olhar em um dicionário bilíngue adequado, uma vez que reconhecemos a expressão como inglesa. Descobrimos que significa "o mar". Mas como e que as palavras e outras expressões linguísticas, escritas ou faladas, esses rabiscos engraçados e ruídos, ganham significado de fato? Poderíamos pensar que o problema e resolvido atraves de um dicionário, mesmo quando estivermos considerando uma única língua. Procure uma palavra como "mar" no dicionário e você terá uma definição do que significa. Mas a definição so usa mais palavras; se houvesse apenas palavras para dar às palavras o seu significado, prosseguiríamos desse modo ate concluir que nenhuma palavra jamais teria significado. Deve haver algo fora do círculo de palavras que dá significado às palavras. Observe isso de outra forma: você

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TÓPICO 1 | A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES FILOSÓFICAS

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pousou em outro planeta e notou formas padronizadas decorando uma rocha; o que tornaria isso uma língua, se assim o for, algo que diz algo, em vez de uma mera decoração bonita? Não adianta simplesmente pedir aos alienígenas locais para lhe dizer, pois você já necessitaria saber (mesmo antes de você traduzir o que eles disseram) que, entre os seus sons e gestos, assumindo que eles fazem algum, constituem tentativas de comunicação, perceba que exatamente isso era o problema em primeiro lugar. A preocupação sobre como língua recebe seu significado e uma questão para a filosofia.

Estes são apenas alguns exemplos. Esperamos que eles lhes ofereçam o

sabor da ideia de que quando muitos ou todos os fatos são conhecidos ou acordados sobre as questões analisadas aqui, ainda existem questões vitais que podem ser levantadas.

Cada topico desta primeira unidade deste caderno de estudos fará você

pensar filosoficamente sobre o assunto em questão, mostrar-lhe-á as formas com que este tem sido considerado, permitindo que você saiba o que está acontecendo, o que esperar, e qual caminho explorar. De modo que você possa, em seguida, partir para ler com maior compreensão as proximas duas unidades deste caderno de estudos, que introduzirão temas específicos de Filosofia Aplicada à Religião. Assim como, realizar leituras mais difíceis e mais aprofundadas, conforme as sugestões que faremos em cada topico e na lista de referências bibliográficas.

3 QUESTÕES OU PROBLEMAS FILOSÓFICOS?

Como já foi dito, esta primeira unidade aborda algumas questões centrais que surgem na filosofia. Cada topico explica de que maneira há preocupações distintamente filosoficas que podem ser levantadas. O termo "questões", ou assuntos, e usado ao inves de "problemas", porque uma resposta possível dada por alguns filosofos tem sido a de negar, ao examinar tais questões, que haveria problemas filosoficos reais envolvendo-as. É altamente característico da filosofia refletir desse modo sobre o que está fazendo, e não apenas continuar a fazê-lo. É comum o obrar filosofico dar um passo atrás e considerar se o que está fazendo e, na sua totalidade, a maneira certa de fazer as coisas. Por analogia, imagine que você está tentando abrir uma porta, e na tentativa de fazer isso, você percebe que a chave não está girando a fechadura; você se debate continuamente, mexendo inutilmente com a chave, lubrificando a fechadura, tentando chaves diferentes, so para então descobrir que a maçaneta da porta não estava trancada. Você simplesmente não tinha pensado nisso; você pensou o tempo todo, tinha assumido, que a porta estava trancada, quando na verdade você poderia apenas ter atravessado a porta sem nenhum esforço. O "problema da porta trancada" era espúrio, como um problema de porta trancada; havia uma questão quanto à forma de abrir a porta, mas não havia problema, uma vez que foi considerado o modo certo.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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Por outro lado, fazendo outra analogia, um encanador pode se perguntar se ele está usando a chave de tamanho certo, ou mesmo as ferramentas certas, para resolver algum problema. Mas ele raramente estaria na posição de levantar a questão de saber se há um problema e se são necessárias ferramentas de fato para resolvê-lo, se a água estivesse vazando de um cano escondido sobre a sua cabeça. Alguns filosofos pensam que alguns ou todos os chamados problemas filosoficos são como o caso da porta não-realmente-trancada: se você der conta de pensar sobre isso da maneira certa, você vai ver que não e realmente um problema, mas, em vez disso, apenas a aparência de um problema, um pseudoproblema. Há, em vez disso, somente uma questão levantada e so precisas ter clareza sobre ela para superá-la.

No entanto, tornar claras as questões de modo a provocar a dissolução dos problemas que estas parecem levantar pode ser muito difícil. Ainda se tem de apresentar bons argumentos. Se fosse fácil, não seria de nenhum modo provável que alguem suporia que houvesse um problema onde não existe nenhum. Nem todos os filosofos adotam essa abordagem em qualquer caso; de fato, embora seja uma posição perfeitamente respeitável a se manter, tais filosofos são, provavelmente, uma minoria. A maioria dos filosofos, por contraste, pensa que as questões que serão levantadas nesta unidade, entre outras, de fato levantam problemas filosoficos genuínos que têm de ser resolvidos, necessitando, assim, serem solucionados e não dissolvidos pela exposição do erro de nossa abordagem ao pensar que existe um problema.

Claro, há tambem uma posição parcial: alguem pode decidir que apenas

algumas das questões, quando examinadas, levantam problemas filosoficos genuínos, mas outras não o fazem. Pode-se dizer tambem que na identificação de problemas filosoficos aparentes, suscitados pelas questões centrais que a filosofia geralmente aborda como problemas filosoficos não verdadeiros, estaríamos tornando o trabalho dos filosofos obsoleto, e isto e um ponto relevante. Deve-se ressaltar que, para a maioria dos filosofos, todas as questões desta unidade, e por consequência deste caderno de estudos como um todo, levantam problemas genuínos que exigem soluções que são distintamente assuntos para a filosofia, de modo que eles não podem ser eliminados ou exportados para as ciências.

Ludwig Wittgenstein, com uma integridade que poucos têm correspondido, aposentou-se da filosofia para ensinar em uma remota escola secundária austríaca depois de decidir que, em seu Tractatus Logico-Philosophicus (1968), ele tinha resolvido, ou pode-se dizer eliminado, todos os problemas da filosofia. Mas depois de alguns anos ele foi atraído de volta a fazer o trabalho em filosofia, tendo percebido, com a ajuda de críticos e amigos, que sua aniquilação de filosofia não era tão conclusiva quanto ele pensava.

NOTA

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TÓPICO 1 | A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES FILOSÓFICAS

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4 CONSIDERANDO QUESTÕES FILOSOFICAMENTE

Então, o que e a filosofia e o que e tomar uma questão e considerá-la filosoficamente? A filosofia e, em parte, uma questão de seu objeto de estudo e em parte uma questão de seu metodo em abordar as questões que constituem o seu objeto de estudo.

Vamos considerar algumas características da filosofia como ela e praticada.

O ponto de partida pode ser considerado como a suposição de que algumas formas de pensar sobre as coisas são mais defensáveis ou justificadas quando avaliadas pelos meritos dos argumentos a favor e contra elas, do que outras. Isso pode parecer obvio. No entanto, pode-se sugerir, como alguns o têm feito, de que nenhuma visão e mais intelectualmente defensável ou justificável do que qualquer outra, e que tudo o que nos temos são pontos de vista diferentes, mas não do tipo que, no fundo, tem a intenção de competir um com o outro, no senso de ser mais defensável ou justificável por algum processo de argumento para manter uma visão em vez de outra. Esta e uma especie de niilismo intelectual, fruto de um relativismo epistêmico radical, uma posição onde não há nenhuma boa razão para pensar uma coisa em vez de outra, porque nenhum argumento e melhor do que qualquer outro no sentido de proporcionar maior ou menor justificativa. O que você pensaria, nesta perspectiva, e que todos os casos seriam totalmente arbitrários, mas não aleatorios, como se fossem determinados indubitavelmente pela circunstância, ou seja, a escolha do que acreditar, na medida em que a escolha estaria envolvida em tudo, e puramente uma questão de gosto. Como esta posição, sobre a inutilidade fundamental de se tentar distinguir os meritos do que pensamos por argumentos, pode ser justificada e apresentada de uma forma que dá a alguem uma razão para acreditar nela, sem contrariar a sua principal reivindicação, e de fato um misterio. Um filosofo profissional que passasse o seu tempo defendendo uma posição que supostamente não poderia haver nenhuma possibilidade de oferecer qualquer justificação para a mesma ou qualquer razão para aceitá-la, teria uma desculpa tênue para obter o seu salário. Se aceitarmos esse ponto de vista, então não há nenhum ponto em prosseguir e argumentar sobre os meritos de qualquer coisa contra qualquer outra coisa. Felizmente, a maioria dos filosofos não tem essa visão intelectualmente suicida, embora ainda seja considerada como uma possibilidade dentro da filosofia.

O proximo passo e livrar-se do pensamento que possamos ter sobre as

questões fundamentais, de que estas so podem estar vinculadas ao lugar, ao tempo e ao contexto no qual nascemos ou fomos educados, não importa o quão estimado ou ate mesmo desconfortável isso possa ser. Tais formas de pensamento, crenças e tradições podem se tornar hábitos tão arraigados que deixamos de percebê-los, e muito menos os questionar. Você poderá se surpreender ao perceber o quanto você, de fato, estima estas formas de pensamento. Pisar para fora das mesmas por conta propria, ainda que com a ajuda de grandes pensadores da longa historia da filosofia que tambem o tenham feito, pode deixá-lo ansioso, mas pode trazer uma sensação de libertação empolgante tambem. Você poderá vir a aceitar as crenças que o rodeiam como perfeitamente justificáveis, e que mantê-las e a coisa

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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certa a fazer. Mas para ser um filosofo, para pensar sobre suas proprias crenças filosoficamente, e necessário tornar tais crenças proprias por meio do pensar, atraves dos argumentos a favor e contra, e isso so e possível por si mesmo. A filosofia e sobre o chegar às proprias ideias pela avaliação crítica da variedade de argumentos para elas de uma forma flexível e de mente aberta. Aceitar ideias com base em mera autoridade examinada ou por causa de sua longevidade não e bom o suficiente.

Em parte, a motivação pode ser dita, ser a de não acabar acreditando no

absurdo, o qual há certamente suficiente em nosso meio. Alem disso, deve-se pensar de uma maneira determinantemente de mente aberta, sem tabus; pensar, como poderíamos dizer, ate os limites. Em parte, isso e uma questão de abandonar as maneiras habituais de pensar. Ninguem deve exagerar a extensão em que esta tarefa seja fácil, pois fazer isso e subestimar o esforço contínuo que e necessário para nos proteger contra a suposição de que estamos pensando livremente e abertamente quando de fato não estamos. Isto e tanto uma questão de psicologia emocional e determinação de vontade, quanto o e de se tornar hábil em entender argumentos. Às vezes, os hábitos de pensamento, exacerbados pelas pressões sociais para nos conformarmos a uma visão comum, são muito difíceis de serem superados. Neste sentido, a filosofia so pode prosperar em uma sociedade livre.

A fim de começar a usar argumentos apropriadamente como a base do que se crê e necessário que primeiro se esteja aberto à discussão, à argumentação. Se você prefere não pensar sobre suas crenças básicas, ou em algum sentido e incapaz de fazê-lo, se você prefere aceitar o que todo mundo acredita so porque isso significa ir junto com a maioria, se você prefere confiar em autoridades autoproclamadas e na mera longevidade de uma opinião para chegar a uma perspectiva sobre as coisas, então a filosofia não e, talvez, para você. Não abrir a mente desta maneira não e necessariamente algo mau ou fraco. Engajar-se na filosofia, para você, se resume ao que de fato importa para você. Se for importante para você que os teus pontos de vista sejam adquiridos por meio de uma busca propria, de mente aberta e determinada em encontrar as razões a favor e contra. Se você estiver de um modo contínuo disposto a mudar sua mente, caso boas razões para fazê-lo aparecerem, então, pensar filosoficamente e o que você provavelmente já está fazendo.

Considere, portanto, que você não está sozinho neste pensamento. Você pode construir sobre as ideias de centenas de filosofos que pensaram sobre as mesmas questões básicas. Em sentido figurado, ao nos conectarmos com a tradição cultural filosofica, obtemos um “cerebro muito maior”. Ser filosofico não significa que você tem que pensar sobre as coisas a partir do nada e sem ajuda. Se, entretanto, você perceber este prospecto de pensamento aberto como algo perturbador, assustador, uma especie de mergulho em um inesgotável mar inseguro de ideias, você poderá pensar que esse empreendimento lhe fará infeliz. Talvez a sua felicidade, sendo imperturbável, e mais importante para você. Ninguem garantiria que a filosofia traz felicidade. Mas antes de optar por “contentamento bovino”, vale a pena considerar o seguinte aviso. Extrair suas crenças a partir da mera confiança nas formas de pensar que, por força do acaso, encontram-se à sua volta, formas de pensar que talvez ninguem tenha totalmente ponderado nem avaliado as suas

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TÓPICO 1 | A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES FILOSÓFICAS

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razões com uma mente aberta, poderia muito bem conduzi-lo a acreditar em coisas que lhe deixarão na mão, e o fazem assim porque no final elas são simplesmente falsas ou mal examinadas. Tal confiança ingênua seria um pouco como conduzir um carro, do qual nada se sabe, por uma longa distância. Será que você realmente quereria dirigir um carro sem verificar os freios em primeiro lugar? Na maior parte do tempo as crenças pobremente justificadas, superficialmente pensadas ou falsas, parecem não importar. Mas, há momentos em que tais ideias são postas à prova por circunstâncias, como se algo corresse na frente do carro e, em seguida, encontramos terríveis consequências.

5 DISTANCIAMENTO E COMPREENSÃO

O objeto de estudo da filosofia se reflete nos títulos dos topicos desta primeira unidade do caderno de estudos, tais como: Conhecimento, Verdade, Existência, Mente e Consciência, Self e Identidade Pessoal. Outras questões gerais de estudo da filosofia, que não poderemos ver aqui por nos limitarmos em somente uma unidade, são assuntos como: Percepção, Realidade e Pensamento, Valor Ético, Escolha Ética, Liberdade, Valor Artístico, Estado, Verdades a Priori, Ação, Linguagem e Significado, Modalidade, Investigação Científica, Causalidade e Leis da Natureza, Livre Arbítrio, Existência de Deus, entre outros. Alguns destes últimos, como a “Existência de Deus” e o “Livre Árbitro”, veremos nas proximas duas unidades deste caderno de estudos, ao discutirmos questões de Filosofia da Religião. De qualquer modo, a filosofia visa obter uma compreensão fundamental e geral dos problemas levantados por estas questões.

Isso pode parecer assustador, mas não e difícil de entender. É,

principalmente, uma questão de distanciar-se de assuntos específicos relacionados com as questões para obter uma compreensão da questão em geral. Tomemos, por exemplo, a questão da verdade. É uma coisa perguntar se esta ou aquela alegação específica e verdade, outra coisa e perguntar o que, em todos os casos em que dizemos que algo e verdadeiro, devemos entender por verdade. É uma coisa perguntar se a declaração de uma pessoa de que "Henrique VIII teve seis esposas" e verdade, outra coisa e perguntar o que devemos entender por qualquer alegação de que uma afirmação e verdadeira.

Vejamos um exemplo da questão da “Causalidade”. Uma coisa e afirmar

que fumar provoca câncer e outra e considerar o que devemos entender pela afirmação de que alguma coisa causa algo em outra coisa. À primeira vista, as respostas a estas questões podem parecer obvias, mas na verdade, se você começar a pensar sobre elas com cuidado, descobrirá que estes assuntos estão longe de ser tão simples como parecem. Pensar estas questões meticulosamente, considerando os argumentos sobre qual perspectiva devemos manter, e o objeto de estudo da filosofia.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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Dado que agora temos uma noção de como a filosofia vai tratar das questões, a proxima pergunta que pode ocorrer e por que a filosofia toma para si essas questões. Novamente, a resposta não e muito difícil de encontrar. Há muitas questões que sentimos que temos de lidar com elas e resolvê-las em nossas vidas, tanto para o nosso proprio bem como para o bem dos outros. Esse lidar envolve chegar ao que pensamos ser um posicionamento justificável sobre elas. Mas, algumas questões são mais fundamentais e mais importantes do que as outras, e elas assim o são por virtude das amplas implicações da visão que temos sobre elas. Assim como, da maneira em que elas estão envolvidas nas formas mais fundamentais de pensarmos sobre o mundo e nos mesmos. Isto e parcialmente refletido nos grandes conceitos abstratos em que as questões são expressas, como o “self”, o "livre-arbítrio" e a "liberdade".

Os conceitos podem ser considerados como os blocos de construção do pensamento articulado e organizado. Sem eles, podemos afirmar que não seria possível pensar em nada, porque pensar em algo e aplicar um conceito ao mesmo. Por exemplo, pensar sobre um gato, pensar que e um gato que está passando por aqui, e ter, em algum sentido, uma compreensão do conceito "gato" e, em seguida, aplicá-la a algo de que estamos cientes, de modo que aparece ante nossas mentes como uma coisa ou outra. No entanto, uma coisa e não ser capaz de pensar sobre gatos sem possuir o conceito de um gato, e e outra coisa simplesmente nunca pensar sobre gatos. Isto parece perfeitamente possível. Podemos viver no mundo sem pensar sobre gatos, sem grandes problemas decorrentes disso; poderíamos simplesmente nunca ter encontrado um gato. No entanto, a filosofia se preocupa com questões que são refletidas em conceitos sem os quais dificilmente seria possível dizer que tivemos pensamentos sobre o mundo, ou ate mesmo sobre qualquer coisa. Seria incrível afirmar que nos ainda teríamos pensamentos sobre o mundo se não tivermos alguma ideia do que envolve algo ser verdadeiro, ou existente, ou causador. Tais conceitos parecem indispensáveis ao nosso pensamento, à nossa capacidade de pensar. Parece importante, então, adquirir o melhor entendimento que possamos desses conceitos fundamentais e fazê-lo com base em argumentos disponíveis. Então e isso que o núcleo da filosofia faz: se afasta da aplicação particular dos conceitos básicos mais indispensáveis que são necessários para entender as coisas, necessários para pensarmos sobre as coisas, para observá-los em sua forma mais geral, sem o que não seria possível sequer pensar, e tem o objetivo de dar sentido ao que está acontecendo quando esses conceitos estão envolvidos em nossos pensamentos.

A filosofia, em suma, procura entender os conceitos que sustentam todos os

outros conceitos que usamos, para que possamos entender o que estamos fazendo quando nos os usamos. Sem isso, estaríamos apenas prosseguindo aplicando-os cegamente, talvez de maneiras errôneas ou confusas. Sem examinar nossos conceitos básicos, podemos argumentar, ao pensar sobre as coisas não saberíamos realmente o que estaríamos fazendo. Seria semelhante à afirmação socrática, de que para os seres humanos a vida não examinada não vale a pena viver, e para alguns, apenas vivendo uma vida assim e uma traição do aspecto mais nobre de nossa existência como seres humanos. (PLATÃO, 2008).

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TÓPICO 1 | A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES FILOSÓFICAS

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6 VISÃO DE MUNDO, ARGUMENTO REFLEXIVO E VIRTUDES FILOSÓFICAS

Se alguem considera que a filosofia e, no fundo, simplesmente uma questão de pensar por si mesmo sobre quais deveriam ser as suas perspectivas mais básicas na base de argumentos, então a filosofia não e um espetáculo esoterico ou uma questão de cortes logicos, frios e pedantes feitos por alguem que tem disponibilidade para abrir mão das preocupações reais da vida.

A filosofia envolve no final a obtenção de uma visão de mundo moldada

por argumento reflexivo, uma visão de como o mundo de um modo geral se encaixa. Neste sentido, a filosofia não e por qualquer meio apenas uma questão de esmerilhar atraves de argumentos, tendo o cuidado especial de que a logica esteja correta. Envolve certo tipo de sensibilidade para a relevância das questões que possam ser consideradas, e uma capacidade de imaginação para conectar e sintetizar estes assuntos de uma forma que conduza a uma perspectiva coerente. A perspectiva filosofica de alguem se espalha como ondulações em uma piscina, colidindo com e permeando as crenças que moldam diretamente a propria visão da vida, a propria visão do mundo e o seu lugar nele, pontos de vista que, por sua vez, determinam suas ações ou omissões, ações que podem ter consequências boas ou terríveis. Se viver a sua vida de uma forma pensada da melhor maneira que você pode fazer importa para você, então a filosofia e uma necessidade e não um luxo opcional que pode ser deixado com segurança para um dia de folga.

Nos somos todos filosofos, na medida em que estivermos dispostos a abrir a nossa mente quanto ao que nossas crenças básicas devem ser, e estivermos preparados para avaliar e reavaliá-las de acordo com os argumentos disponíveis. Você pode, então, ser praticamente um filosofo e nem sequer saber disso. É apenas uma questão de quanto esforço você está preparado a colocar nisso e quão longe e profundo você está preparado em ir no exercício de pensar sobre as coisas. Na verdade, o fato de que você teve a curiosidade de fazer este curso, em que esta disciplina está inclusa, analisar este caderno de estudos, sugere que você está na direção certa para de fato filosofar. O objetivo deste caderno de estudos e conduzi-lo de uma maneira significativa a tornar-se mais um filosofo do que era quando começou a lê-lo, sabendo o que envolve a filosofia e como ela aborda as suas questões centrais.

Como uma especie de resumo, aqui e o que poderíamos dizer serem quatro virtudes filosoficas, as quais incentivamos que você desenvolva:

1. Pense por si mesmo e permita que seus pontos de vista sejam orientados pela

avaliação crítica do leque de argumentos genuínos a favor e contra eles, e aprenda com o que outros, que pensaram profundamente sobre essas questões, disseram.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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2. Esteja preparado para questionar pontos de vista mesmo quando eles pareçam obvios, sejam acreditados por muitos outros, tenham sido acreditados por um longo tempo, ou sejam crenças que lhe são de alta estima ou mantidas pelo hábito.

3. Mantenha uma mente verdadeiramente aberta pela disposição de mudar seus pontos de vista de acordo com a procedência dos argumentos e não seja encurralado em um canto defendendo uma posição dogmática, mesmo quando sinta que o argumento está correndo contra você.

4. Reconheça que uma pessoa inteligente e honesta pode ter uma visão diferente ou oposta à sua.

7 LEITURA ADICIONAL

Entre as introduções gerais, um livro altamente acessível e inteligente e Pense, de Simon Blackburn (2001). Outra excelente introdução que abrange todos os tipos de topicos importantes, e mostra como eles podem ser tratados filosoficamente e como os argumentos sobre eles podem ser construídos e o Elementos Básicos de Filosofia, de Warburton (2007). Outra introdução às questões filosoficas, mas que utiliza uma abordagem a partir dos filosofos clássicos, e o livro de James Rachels (2009), Problemas da Filosofia.

Para uma visão geral da historia da filosofia, recomendamos a monumental obra de Giovanni Reale e Dario Antiseri, dividida em sete volumes (2003-2006). Outra obra sempre citada e a de Bertrand Russel, História do pensamento ocidental (2008). Vale a pena mencionar um livro inspirado e surpreendentemente amplo, que põe claramente algumas das questões mais difíceis na filosofia, e El Racionalismo, de John Cottingham (1987).

Voltando-nos aos clássicos da filosofia, sugerimos quatro livros para

começar. A ideia de recomendar a leitura destes e que dessa forma você obterá uma experiência direta dos grandes filosofos, ao inves de ler ou ouvir sobre eles em segunda mão. Eles não precisam ser lidos na ordem apresentada aqui.

Descartes (2004), em Meditações sobre a Filosofia Primeira. Essa obra aparece em muitas edições e foi publicada pela primeira vez em 1641. É uma obra fundamental da filosofia moderna. O proximo livro e uma pedra angular da filosofia política, do pensar sobre como devemos viver juntos, em grupos, e Sobre a Liberdade, de John Stuart Mill (1991), publicado pela primeira vez em 1859. Sua influência sobre o pensamento político em todo o mundo não pode ser superestimada. Seria impossível não sugerir algo desde as origens da filosofia ocidental na Grecia Antiga. Se a filosofia e uma questão de pensar por si mesmo guiado pelo argumento aberto, então a Grecia, por volta de 600 a.C., e o lugar onde a humanidade começou a pensar filosoficamente de uma forma substancial e sistemática. O apogeu desse pensamento deve ser certamente Platão, em A República (2001), foi escrito por volta de 375 a.C. Muitas das questões centrais

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TÓPICO 1 | A FILOSOFIA E AS QUATRO VIRTUDES FILOSÓFICAS

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da filosofia são exploradas neste livro com uma presciência surpreendente. Finalmente, dando uma visão bastante diferente das coisas, e que envolve uma vertente diferente da tradição filosofica ocidental, e a vertente continental do existencialismo. Uma obra-prima, considerada como um romance filosofico, e Náusea (2005), de Jean-Paul Sartre, publicado pela primeira vez em 1938. Nele se encontram ideias filosoficas e questões incorporadas na narrativa e nos personagens.

Se a ideia for aprender filosofia atraves da vida de um filosofo, então uma

obra que fornece uma visão sobre a vida e a mente de um grande filosofo, ao mesmo tempo que explica as suas ideias, e de Ray Monk, Wittgenstein: O dever do Gênio (1995).

Para concluir, uma obra de referência que recomendamos, uma especie de companheiro de cabeceira para a leitura de qualquer obra de filosofia, e Ted Honderich, Enciclopédia Oxford de Filosofia (2009). Ela contem muitas entradas que apresentam em poucas palavras os aspectos essenciais da filosofia, o significado de termos filosoficos, explicações de posições e ideias filosoficas, e esboça as ideias dos filosofos famosos. Outras duas obras que auxiliarão na busca por termos gerais da filosofia e o Dicionário Oxford de Filosofia, de Blackburn (1997), e o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2012).

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Neste tópico você viu que:

A Filosofia Geral visa nos mostrar como se faz filosofia, como ela funciona, os tipos de considerações que ela aborda ao discutir topicos específicos.

Muitas questões não podem ser respondidas pela mera reunião de fatos, pelo contrário, necessitam ser decididas pela avaliação de argumentos que vão alem dos fatos, argumentos que são de caráter filosofico. Pois, quando muitos ou todos os fatos são conhecidos ou acordados sobre algumas questões analisadas, ainda existem questões vitais que podem ser levantadas.

É comum o obrar filosofico dar um passo atrás e considerar se o que está fazendo e, na sua totalidade, a maneira certa de fazer as coisas.

Alguns filosofos pensam que alguns ou todos os chamados problemas filosoficos são como o caso da porta não-realmente-trancada: se você der conta de pensar sobre isso da maneira certa, você verá que não e realmente um problema, mas, em vez disso, apenas a aparência de um problema, um pseudoproblema.

A maioria dos filosofos pensa que muitas questões, de fato, levantam problemas filosoficos genuínos que têm de ser resolvidos, necessitando, assim, serem solucionados e não dissolvidos pela exposição do erro de nossa abordagem ao pensar que existe um problema.

A filosofia e, em parte, uma questão de seu objeto de estudo e em parte uma questão de seu metodo em abordar as questões que constituem o seu objeto de estudo.

O ponto de partida para a investigação filosofica pode ser considerado como a suposição de que algumas formas de pensar sobre as coisas são mais defensáveis ou justificadas, quando avaliadas pelos meritos dos argumentos a favor e contra elas, do que outras.

Se aceitarmos o ponto de vista especie do niilismo intelectual, que e fruto de um relativismo epistêmico radical, então não haveria nenhum ponto em prosseguir e argumentar sobre os meritos de qualquer coisa contra qualquer outra coisa.

Para ser um filosofo, para pensar sobre suas proprias crenças filosoficamente, e necessário tornar tais crenças proprias por meio do pensar, atraves dos argumentos a favor e contra, e isso so e possível por si mesmo.

A filosofia e sobre o chegar às proprias ideias pela avaliação crítica da variedade de argumentos para elas de uma forma flexível e de mente aberta. Aceitar ideias

RESUMO DO TÓPICO 1

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com base em mera autoridade examinada ou por causa de sua longevidade não e bom o suficiente.

Na maior parte do tempo as crenças pobremente justificadas, superficialmente pensadas ou falsas, parecem não importar. Mas, há momentos em que tais ideias são postas à prova por circunstâncias e, em seguida, encontramos terríveis consequências.

A Filosofia visa obter uma compreensão fundamental e geral dos problemas levantados por questões como: Conhecimento, Verdade, Existência, Mente e Consciência, Self e Identidade Pessoal, entre outras. É, principalmente, uma questão de distanciar-se de assuntos específicos relacionados com as questões para obter uma compreensão da questão em geral.

Os conceitos podem ser considerados como os blocos de construção do pensamento articulado e organizado. Sem eles podemos afirmar que não seria possível pensar em nada, porque pensar em algo e aplicar um conceito ao mesmo.

O núcleo da filosofia se afasta da aplicação particular dos conceitos básicos mais indispensáveis que são necessários para entender as coisas, necessários para pensarmos sobre as coisas, para observá-los em sua forma mais geral, sem o que não seria possível sequer pensar, e tem o objetivo de dar sentido ao que está acontecendo quando esses conceitos estão envolvidos em nossos pensamentos.

A filosofia envolve a obtenção de uma visão de mundo moldada por argumento reflexivo, uma visão de como o mundo, de um modo geral, se encaixa. Envolve certo tipo de sensibilidade para a relevância das questões que possam ser consideradas, e uma capacidade de imaginação para conectar e sintetizar estes assuntos de uma forma que conduza a uma perspectiva coerente.

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Um aspecto fundamental da filosofia e refletir sobre si mesma, questionar-se sobre o que está fazendo e não apenas continuar a fazê-lo. Neste contexto, explique o significado do “problema da porta trancada”.

AUTOATIVIDADE

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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TÓPICO 2

A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste topico vamos explorar a investigação filosofica do conhecimento, especificamente do conhecimento proposicional. Que e um campo de investigação proprio da filosofia, a teoria do conhecimento, mas contemporaneamente chamada de Epistemologia. Iniciaremos expondo as duas platitudes sobre o mesmo, a platitude da antissorte e a platitude da capacidade.

A seguir vamos expor e explicar, com vários exemplos, os casos de tipo-Gettier. O que nos levará ao Paradoxo da Loteria. Então, apresentaremos as posições externalistas e internalistas sobre o conhecimento proposicional.

Antes de concluirmos, ainda ofereceremos vários exemplos e argumentações pro e contra as epistemologias antissorte e da virtude.

2 AS DUAS PLATITUDES SOBRE O CONHECIMENTO

Há muitos tipos de conhecimento. Você pode saber que Paris e a capital da França, ou saber como assar um bolo, ou saber onde estão as suas chaves, ou saber quem foi o inventor da lâmpada, e assim por diante. Para manter as coisas simples, vamos nos concentrar em um determinado tipo de conhecimento que e de importância central, que e conhecido como conhecimento proposicional. Conhecimento proposicional, como o nome sugere, e o conhecimento de uma proposição. A proposição e, grosso modo, o que e expresso por uma sentença que diz que algo e o caso, por exemplo, de que Paris e a capital da França, ou que a Terra e plana. Ao focar no conhecimento proposicional, então, estamos nos concentrando no conhecimento de que tal e tal e o caso, em vez de, digamos, no conhecimento como fazer tal e tal, ou conhecimento onde tal e tal estão, e assim por diante.

Todos concordariam que o conhecimento implica crença verdadeira, no sentido de que se alguem conhece uma proposição, p, então, este alguem acredita p, e p e verdade. (Claro, pode-se pensar no caso de alguem que conhecia certa proposição, que acabou por ser falsa, mas, em tal caso, este alguem descobriu que

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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realmente não conhecia de fato). Todos poderiam alegar tambem que não há muito mais para o conhecimento do que meramente uma crença verdadeira.

No entanto, e fácil formular casos de crença verdadeira que tambem não são casos de conhecimento. Por exemplo, imagine um apostador, vamos chamá-lo de "Afortunado", que acredita que o cavalo que vai ganhar a proxima corrida e o “Trovão Afortunado”, onde essa crença e formada simplesmente na base de que ele gosta do nome. Suponha ainda que o Trovão Afortunado, de fato, ganhe a proxima corrida. Será que podemos dizer que o Afortunado sabia/conhecia que o Trovão Afortunado ganharia? Certamente não, uma vez que a sua crença e simplesmente o resultado de suposições e conjecturas e, por si so, nenhuma rota para o conhecimento. E ainda assim ele tem uma crença verdadeira nessa proposição.

A tarefa complicada para aqueles que trabalham em filosofia com a teoria do conhecimento (tambem conhecida como epistemologia) e explicar o que mais e necessário para o conhecimento alem da crença verdadeira.

Alguns, mais notavelmente Williamson (2000), têm argumentado que esta tarefa não pode ser concluída, e, portanto, que devemos considerar o conhecimento como não analisável. Para ver uma discussão mais aprofundada do pensamento de Williamson, verifique o artigo de Rodrigues (2012), disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/3480/1/2012_Art_LERodrigues.pdf>. Outros são mais otimistas a esse respeito, como veremos em breve.

Há duas maneiras muito naturais de explicar por que a crença verdadeira do Afortunado não se qualifica como conhecimento. A primeira e notar que a crença do Afortunado so e verdade por uma questão de sorte. Isto e, dada a maneira como ele formou a sua crença, aquela crença poderia muito facilmente ter sido errada. Compare a crença do Afortunado a este respeito com a crença mantida por alguem, que poderíamos considerar como alguem que sabia, que tinha o conhecimento, de que o Trovão Afortunado de fato ganharia. Vamos supor que, sem o conhecimento do Afortunado, a corrida foi fixada (comprada) e o fixador foi um gângster local, que vamos chamar de "Sr. Mafioso”. Desde que o Sr. Mafioso sabe que a corrida foi fixada em favor de Trovão Afortunado, nos naturalmente considerá-lo-íamos como alguem que sabia/conhecia que o Trovão Afortunado iria ganhar. Note, no entanto, que dada a forma como Sr. Mafioso formou sua crença verdadeira, não e uma questão de sorte que sua crença e verdadeira. Ou seja, a sua crença verdadeira não poderia ser errada tão facilmente. Há, portanto, muito a ser dito referente à ideia de que uma precondição para o conhecimento não seja uma questão de mera sorte de que a crença de alguem na proposição visada seja verdade. Chamemos essa intuição sobre o conhecimento de a platitude da antissorte.

NOTA

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TÓPICO 2 | A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

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A segunda maneira em que se poderia naturalmente explicar a falta de conhecimento do Afortunado e em termos do fato de que sua crença verdadeira não era de forma alguma o produto de sua habilidade, mas simplesmente devido a um golpe de sorte. Em contraste, a crença verdadeira do Sr. Mafioso foi formada atraves de sua capacidade. Afinal, ele viu por si mesmo que todos os outros cavalos da corrida foram drogados e, portanto, tendo em conta o que ele sabe sobre o desempenho de cavalos drogados, ele sabe que, assim, o Trovão Afortunado vai ganhar. Uma forma de colocar esta questão e dizer que quando alguem sabe algo e devido a algum credito deste alguem para que tenha uma crença verdadeira. No caso do Afortunado, no entanto, e de nenhum credito seu que ele tenha formado uma crença verdadeira, uma vez que sua crença so e verdadeira por sorte. Há, portanto, muito a ser dito referente à ideia de que uma precondição do conhecimento e que a crença verdadeira na proposição-alvo seja adquirida por meio de habilidade/capacidade. Chame essa intuição sobre o conhecimento de platitude da capacidade.

Estas duas platitudes têm sido extremamente influentes na teorização contemporânea sobre o conhecimento. Curiosamente, poderíamos ser tentados a supor que elas são apenas duas maneiras de expor o mesmo ponto, de modo que estaria em vigor apenas uma "superplatitude” em jogo. Afinal, alguem poderia, naturalmente, supor que qualquer crença verdadeira que foi adquirida atraves da habilidade não seria verdadeira como uma questão de sorte, e que qualquer crença verdadeira não atrelada à sorte deve ter sido obtida atraves da habilidade. Se isso estivesse certo, então nos estaríamos no caminho de compreender o que e o conhecimento, uma vez que so precisaríamos dizer algo a mais sobre o que envolveria satisfazer estas duas platitudes. Como veremos, no entanto, as coisas não são tão simples. Na verdade, veremos que estas duas platitudes de fato impõem duas restrições independentes ao conhecimento.

3 OS CASOS DE TIPO-GETTIER

Tradicionalmente, a maneira de explicar o que e o conhecimento de uma forma que seja coerente com as platitudes da capacidade e da antissorte e apelar para uma condição de justificação, em que satisfazer essa condição envolve o agente ser capaz de citar bons fundamentos em favor do que o mesmo acredita. Tal explicação do conhecimento e conhecida como a abordagem "tripartite" do conhecimento, uma vez que define o conhecimento como tendo três partes: justificação, verdade e crenças.

Quando tratamos do exemplo que acabamos de descrever, envolvendo o

Afortunado e o Sr. Mafioso, esta proposta dá muito certo. Afinal, o Afortunado e incapaz de oferecer qualquer boa razão em favor do que ele acredita, ao contrário do Sr. Mafioso, que pode oferecer excelentes razões em favor de por que ele acha que o Trovão Afortunado irá ganhar. No entanto, a proposta não se sai bem quando se trata de outros casos. Um problema diz respeito ao fato de que muitas

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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vezes atribuímos conhecimento aos casos em que o agente em questão e incapaz de oferecer quaisquer boas razões em favor do que acredita. Vamos considerar um exemplo deste mais adiante. Primeiro, porem, precisamos observar um problema ainda mais fundamental que desafia a explicação tripartite do conhecimento.

Considere o seguinte exemplo. Suponha que o nosso agente, vamos chamá-

lo de "Edmundo", sai do seu quarto em uma manhã e forma a sua convicção sobre que horas são ao olhar para o relogio do seu avô que está na parede da sala. A crença que ele forma, digamos, e de que são 8h20min. Suponha ainda que este relogio tenha sido muito confiável no passado e Edmundo sabe disso, e tambem que Edmundo tem motivos independentes para pensar que o tempo e aproximadamente 8h20min da manhã (por exemplo, já tem luz exterior, ele geralmente se levanta em torno deste tempo, e assim por diante). Finalmente, vamos estipular que a crença de Edmundo e verdade, de fato, são 8h20min. Edmundo tem, assim, uma crença verdadeira nessa proposição, e ele tambem está em posição de oferecer excelentes razões em favor de sua crença, ou seja, sua crença e justificada. Então, de acordo com a explicação tripartite do conhecimento, ele deve saber/conhecer que a hora assinala 8h20min. Todavia, aqui vem a reviravolta. O que ocorreu, e sem o conhecimento de Edmundo, e que o relogio parou de funcionar vinte e quatro horas antes e está preso nesta hora específica. Será que Edmundo de fato sabe que horas são? Certamente não. Afinal de contas, não se pode descobrir que horas são olhando para um relogio parado. A moral da historia e, portanto, que qualquer que seja a definição do conhecimento, não pode ser meramente uma crença verdadeira justificada. (RUSSEL, 1958)

O exemplo do relógio parado vem de Russell (1958), embora ele mesmo não reconheça que fora um exemplo de crença verdadeira justificada em que não é um caso de conhecimento.

Esses casos são chamados de casos de "Tipo-Gettier", uma vez que foram formulados pela primeira vez como uma objeção à explicação tripartite em um artigo famoso escrito por Edmund Gettier (1963). Há uma receita para a criação de tais casos. Em primeiro lugar, tomemos uma crença que e formada de uma maneira que, normalmente, resultaria em uma crença falsa (por exemplo, neste caso, uma crença que e formada por olhar para um relogio parado). Em seguida, você configura o caso em que o agente tenha bons motivos citáveis em favor de sua crença (por exemplo, neste caso, Edmundo tem excelentes razões para considerar que a hora e realmente 8h20min). Finalmente, você adiciona o detalhe posterior de que a crença assim formada, por acaso, e verdadeira.

NOTA

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TÓPICO 2 | A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

21

Aqui está um segundo exemplo que ilustra esta receita para casos de tipo-Gettier. Imagine um fazendeiro, que chamaremos de "Pedro", que está olhando para um campo e vê o que parece ser uma ovelha. Baseado nisso, Pedro passa a acreditar que há uma ovelha no campo. Porem, o que ocorre e que o que ele está olhando não e uma ovelha, mas simplesmente um cão grande e peludo que se parece com uma ovelha. Comumente, então, se fosse para formar essa crença baseados nisso, acabaríamos com uma crença falsa. No entanto, Pedro tem excelentes motivos em favor de sua crença, o cão grande e peludo de fato se parece muito com uma ovelha, e ele não tem nenhuma razão para duvidar do que vê. Alem disso, a crença de Pedro e verdadeira, uma vez que existe uma ovelha no campo escondida da sua vista por trás do cão grande e peludo. Pedro tem, assim, uma crença verdadeira justificada que não conta como conhecimento (uma vez que não se pode vir a saber que há uma ovelha no campo simplesmente olhando para um cão grande e peludo). (CHISHOLM, 1969).

O que e interessante sobre casos de tipo-Gettier e que eles demonstram que a simples existência de uma justificação em favor do que você verdadeiramente acredita e insuficiente para lidar com a restrição imposta ao conhecimento pela platitude da antissorte. Pois, em todos esses casos, o que você tem e uma crença verdadeira justificada que não conta como conhecimento, porque a crença em questão e apenas por sorte verdadeira, ou seja, ela poderia muito facilmente ter sido errada. No caso de Edmundo, por exemplo, se ele tivesse descido um minuto antes ou um minuto depois (ou se o relogio tivesse parado um minuto antes ou um minuto depois), então ele teria formado uma crença falsa ao olhar para este relogio. O mesmo vale para Pedro. Se não houvesse uma ovelha escondida da vista, por trás do cão grande e peludo, então ele teria formado uma crença falsa, olhando para o cão grande e peludo. Em ambos os casos, então, a crença formada e verdadeira apenas por sorte mesmo que seja justificada.

Um segundo ponto que podemos notar sobre os casos de tipo-Gettier e que

eles satisfazem a restrição ao conhecimento imposta pela platitude da habilidade/capacidade. Afinal, ambos, Edmundo e Pedro, formam suas respectivas crenças atraves da capacidade, ou seja, estes casos não são como o caso do Afortunado, que adquire uma crença verdadeira simplesmente por adivinhação. Lembre-se de que Edmundo tem todos os motivos para confiar no que o relogio lhe diz, e Pedro está realmente olhando para algo que se parece muito com uma ovelha.

No entanto, formar a crença meramente atraves da capacidade não parece

ser suficiente para o conhecimento. Assim, deve-se, alem disso, formar a crença de uma forma que não seja por sorte. As exigências impostas pelas platitudes da capacidade e da antissorte são, portanto, distintas.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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4 O PARADOXO DA LOTERIA

Existe outro tipo de exemplo, que ilustra que as exigências impostas por estas platitudes são distintas. Imagine uma loteria justa com probabilidades de acerto extremamente pequenas (uma em um bilhão, digamos). Agora, suponha que o nosso agente, vamos chamá-lo "Loterico", está na posse de um dos bilhetes para esta loteria, um bilhete que de fato e um bilhete perdedor (embora o Loterico não tenha qualquer ideia disso, ainda). O Loterico pensa consigo mesmo, que uma vez que as probabilidades contra ele ganhar são tão altas, o bilhete deve ser um bilhete perdedor. Baseado nisso, ele forma a crença (verdadeira) de que ele perdeu na loteria e assim rasga o bilhete.

Provavelmente iríamos considerar o comportamento de Loterico deveras

enigmático, e parte da razão para isso e que intuitivamente o Loterico não pode vir a saber que seu bilhete perdeu simplesmente refletindo sobre as pequenas probabilidades envolvidas, apesar de sua crença ser de fato verdadeira. Na verdade, nos provavelmente diríamos ao Loterico que ele não deveria ter rasgado o bilhete porque, por tudo o que possivelmente pudesse saber, ele teria ganhado na loteria. Este exemplo e, portanto, em si um caso tipo-Gettier, em que se trata de um exemplo de crença verdadeira justificada que, intuitivamente, não e um conhecimento. Embora, este não e o único aspecto importante deste exemplo.

O que tambem e interessante neste caso e que, enquanto o Loterico e incapaz

de saber que perdeu na loteria, simplesmente por considerar as probabilidades envolvidas, ele pode vir a saber que perdeu pela leitura dos resultados em um jornal de confiança. O que e misterioso sobre isso, porem, e que a probabilidade de que o jornal imprimiu o resultado errado e certamente muito maior do que a probabilidade de Loterico ter vencido. Assim, do ponto de vista da probabilidade de que sua crença está correta, há uma maior probabilidade de que sua crença seja verdadeira se o Loterico a formar refletindo sobre as probabilidades envolvidas do que a formando lendo o resultado em um jornal de confiança. Ainda assim, o Loterico poderá vir a conhecer essa proposição pelo segundo metodo, mas não pelo primeiro.

Este e o denominado "Paradoxo da Loteria”.

Para mais informações sobre o Paradoxo da Loteria, consulte Hawthorne (2004). Para consultar outra obra mais geral sobre Epistemologia que também aborda o Paradoxo da Loteria de Hawthorne, veja Fumerton (2014). Consulte também o site de Elano Sudário Bezerra sobre o tema. Disponível em: <https://conceitodeconhecimento.wordpress.com/category/paradoxo-da-loteria/>. Acesso em: 5 maio 2015.

NOTA

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TÓPICO 2 | A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

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O que ele demonstra e algo surpreendente, que o fato de você saber ou de você não saber alguma coisa não e em função da força probabilística de sua evidência de apoio. Ou seja, por um lado, pode-se ter provas em favor de uma crença que a tornaria muito provável de ser verdadeira, mesmo assim ainda faltar conhecimento. Por outro lado, embora possuindo evidências em favor desta crença que não a torne tão provável que seja verdadeira, isso pode ser o suficiente para se obter conhecimento.

A fim de entender isso, perceba que o que está errado com a crença verdadeira do Loterico, de que ele perdeu ao basear-se na consideração das probabilidades envolvidas, e que tal crença muito facilmente pode ser errada. Imagine, por exemplo, que o Loterico estivesse em posse do bilhete premiado. No entanto, formou do mesmo modo a sua crença sobre o fato de seu bilhete ser perdedor. Nesse caso, ele teria formado uma crença falsa atraves do mesmo metodo. As coisas são diferentes quando se trata de formar sua crença observando o resultado em um jornal confiável. Isso ocorre porque, se o Loterico tivesse ganhado na loteria, então nos esperaríamos que o Loterico formasse uma crença verdadeira atraves deste metodo. Afinal, se o Loterico tivesse ganhado, então os resultados teriam sido publicados no jornal confiável, resultados que corresponderiam aos números em seu bilhete.

Assim, a força probabilística do suporte de evidências que você tem para

a sua crença em si não determina se a sua crença verdadeira so e verdadeira por sorte, uma vez que uma força probabilística muito elevada de apoio evidencial e consistente com a crença ser apenas por sorte verdadeira, enquanto que uma força probabilística relativamente baixa de apoio evidencial pode ser suficiente para garantir que a sua crença não e verdadeiramente sorte. De modo mais geral, o caso da loteria ilustra adicionalmente o que foi dito acima, que as exigências impostas pelas platitudes da capacidade e da antissorte são distintas. Afinal de contas, se o Loterico formar sua crença verdadeira considerando as probabilidades envolvidas ou a partir da leitura dos resultados em um jornal, e certamente atraves de sua capacidade/habilidade que ele forma a sua crença. Portanto, formar a sua crença meramente atraves da capacidade não e suficiente para assegurar o conhecimento, porque mesmo uma crença assim formada ainda poderia ser apenas por sorte verdadeira.

5 EXTERNALISMO, INTERNALISMO E O CONHECIMENTO

Uma maneira de responder ao desafio posto pelos casos de tipo-Gettier e pelo Paradoxo da Loteria, poderia se dizer que o que nos precisamos fazer e simplesmente definir o conhecimento como crença verdadeira justificada não-por-sorte. Isto explicaria por que os agentes, nesses casos, carecem de conhecimento, uma vez que em cada caso as suas crenças verdadeiras justificadas foram apenas por uma questão de sorte verdadeira.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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Um problema que esta proposta enfrenta e que está longe de ser obvio que pensemos que, a fim de obter conhecimento, devamos estar justificados no que acreditamos, pelo menos se por "justificação" aqui queremos dizer que o agente em causa seja capaz de citar bons fundamentos em favor do que acredita. Para elucidar melhor, considere o seguinte caso: Imagine que o nosso agente, vamos chamá-lo de "Pintainho", possui uma capacidade altamente confiável para dizer a diferença entre pintos machos e fêmeas. Pintainho acredita que ele está distinguindo os pintinhos usando sua visão e tato, mas vamos estipular que ele esteja enganado a este respeito e que ele está realmente fazendo isso atraves da sua olfação. Suponha ainda que o Pintainho não tenha nenhuma boa razão para pensar que ele e confiável a esse respeito. Por exemplo, talvez a razão pela qual ele acredita que e confiável e porque ele acreditou em alguem que lhe disse isso, mas essa pessoa estava de fato tentando enganá-lo a esse respeito, todavia, acidentalmente lhe disse a verdade. Deve ficar claro que o Pintainho e incapaz de oferecer quaisquer boas razões em favor do que ele acredita. No entanto, está longe de ser obvio que Pintainho não saiba que, por exemplo, os dois filhotes que ele tem em suas mãos são de gêneros diferentes. Afinal, ele realmente tem uma capacidade altamente confiável para diferenciar as duas. Alem disso, dado que ele tem essa capacidade, não e uma questão de sorte que sua crença seja verdadeira, ele não poderia facilmente ter-se enganado e, assim, ele satisfaz as restrições estabelecidas tanto pela platitude da capacidade e da antissorte, embora ele não tenha nenhuma justificativa para a sua crença.

Intuições sobre o que dizer sobre tais casos diferem amplamente, com

alguns epistemologos argumentando que Pintainho carece de conhecimento e outros argumentando que ele possui conhecimento. Se você pensa que Pintainho tem conhecimento, então a conclusão a que chegou e que podemos satisfazer as restrições estabelecidas pela platitude da capacidade e da antissorte sem cumprir com a condição de justificação. Em particular, parece que se pode satisfazer a platitude da capacidade sem satisfazer a condição de justificação, de tal forma que e apenas a satisfação da primeira que e essencial para o conhecimento. Deste ponto de vista, então, a conclusão que se deve tirar e que o conhecimento deve ser definido como crença verdadeira não-por-sorte que e o produto da capacidade/habilidade. Em contraste, se você acha que o Pintainho carece de conhecimento, então você está empenhado em sustentar que há, pelo menos às vezes, mais para o conhecimento do que uma crença verdadeira não afortunada, ou não acidental, que seja o produto da capacidade.

Esses epistemologistas, que atribuem conhecimento em casos como o de Pintainho, são chamados de externalistas, enquanto que aqueles que negam o conhecimento em Pintainho são chamados de internalistas. Essencialmente, o debate entre internalistas e externalistas se resume em saber se você pensa que o conhecimento requer justificação, com os internalistas fazendo essa exigência, e assim negando conhecimento a Pintainho, e externalistas, aceitando que há casos em que os agentes possuem conhecimento mesmo quando não há justificativa para o que acreditam, permitindo-lhes, assim, atribuir conhecimento a Pintainho.

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TÓPICO 2 | A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

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Para mais informações sobre a distinção externalismo/internalismo, consulte Kornblith (2001). Outra fonte sobre a origem deste debate é o artigo de Sieczkowski (2008). Um excelente texto para consulta é o de Sosa (2008).

Os externalistas mantêm que o conhecimento e muitas vezes relativamente fácil de se adquirir. Na verdade, eles muitas vezes admitem que as crianças muito pequenas e outros animais intelectualmente sofisticados, nenhum dos quais e susceptível de ter crenças que satisfaçam uma condição de justificativa, podem ter conhecimento. Em contraste, os internalistas afirmam que o conhecimento e muito mais difícil de adquirir. Observe, porem, que isto não e um ataque contra o internalismo em si mesmo, uma vez que não e de forma alguma absurdo supor que talvez sabemos muito menos do que pensamos saber.

O debate entre externalismo e internalismo parece ter sido considerado por

muitos como intratável; um confronto direto da intuição que não admitirá uma resolução. No entanto, uma proposta conciliatoria a este respeito que tem sido relativamente comum e argumentar que os externalistas e os internalistas estão de fato falando em um diálogo de surdos (em que duas ou mais pessoas falam de assuntos distintos, enquanto acreditam estar falando sobre o mesmo assunto). Ou seja, neste caso, estariam focando em diferentes "níveis" de conhecimento. Assim, pode-se argumentar que e preciso distinguir entre um tipo de conhecimento de baixo nível, o que às vezes e chamado de "bruto" ou conhecimento "animal", e um tipo de conhecimento de alto nível, o que às vezes e chamado de conhecimento "reflexivo". O pensamento e que, embora possa ser suficiente para o conhecimento de baixo nível meramente ter uma crença verdadeira que satisfaça as restrições estabelecidas pelas platitudes da antissorte e da capacidade, se quisermos obter conhecimento de alto nível, então e essencial que a pessoa tambem possua, alem disso, uma justificação para a sua crença.

O locus classicus (do latim: “passagem/lugar clássico padrão”) para discussões do conhecimento “animal” e do conhecimento “reflexivo” foi abordado por Sosa (1991, 2013a, 2013b).

A vantagem de ver o assunto desta maneira e que se pode fazer justiça a ambas intuições externalistas e internalistas. Por um lado, acomodamos a intuição externalista de que o Pintainho conta como possuidor de um conhecimento bona fide (do latim: “de boa-fe”). Por outro lado, acomodamos a intuição internalista de que há algo epistemicamente deficiente sobre o estatuto epistêmico da crença do Pintainho. Afinal, nos preferiríamos possuir conhecimentos de alto nível em

DICAS

DICAS

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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vez de conhecimentos de baixo nível. Neste sentido, seria melhor ser como o Pintainho, mas ter uma justificativa para a crença-alvo ao inves de ser como o Pintainho e carecer de uma justificação. Talvez, então, a escolha entre externalismo e internalismo na epistemologia não e tão rígida como parece à primeira vista.

6 A EPISTEMOLOGIA ANTISSORTE

Foi observado, anteriormente, que casos como os de tipo-Gettier e o caso da Loteria demonstram que ter uma crença verdadeira que e formada atraves da capacidade não e suficiente para garantir que uma pessoa tenha uma crença verdadeira que não seja por uma questão de sorte, e, portanto, não e suficiente para o conhecimento. A moral extraída disso foi que a platitude da capacidade e da antissorte impõe exigências distintas ao conhecimento. Porem, alguem pode perguntar se ter uma crença verdadeira não-por-sorte pode ser suficiente para o conhecimento, no sentido de que tal crença e de sua natureza adquirida atraves da capacidade e por isso satisfaz a restrição estabelecida pela platitude da capacidade. Pois, se isso for verdade, então parece que e a platitude da antissorte, que e a platitude epistemologica dominante, com a platitude da capacidade sendo essencialmente apenas um produto da platitude da antissorte. Ou seja, se isso for verdade, então se pode simplesmente entender o conhecimento como crença verdadeira não-por-sorte, o que poderíamos chamar de uma Epistemologia Antissorte.

Para uma discussão mais aprofundada da epistemologia antissorte e da sorte epistêmica, ver Pritchard (2005, 2007). Verifique também o termo epistemic luck (sorte epistêmica) no Internet Encyclopedia of Philosophy. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/epi-luck/>. Acesso em: 4 abril 2015. Outra obra para consulta é em Rodrigues (2013).

No entanto, simplesmente satisfazer a restrição imposta pela platitude da antissorte não será suficiente para o conhecimento e e importante entender o porquê. Considere o seguinte caso: Imagine um agente, vamos chamá-lo de "Tempero", que está em uma sala e regularmente forma sua crença sobre a temperatura da sala, olhando para o termômetro no canto. Suponha ainda que esta e uma forma perfeitamente confiável de formar crenças sobre a temperatura da sala, no sentido de que toda vez que ele forma uma crença desta forma a sua crença e verdadeira. Todavia, aqui está a reviravolta. Sem o conhecimento de Tempero, o termômetro está quebrado e está simplesmente flutuando ao acaso em um determinado intervalo. No entanto, o fato do termômetro estar quebrado de nenhum modo prejudica a confiabilidade da crença formada, pela simples razão de que há alguem escondido no quarto ao lado do termostato que garante que toda vez que o Tempero vai ate o termômetro para descobrir a temperatura, a leitura do

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TÓPICO 2 | A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

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termômetro combina com a temperatura na sala.

O que e significativo neste caso e que a crença verdadeira de Tempero sobre a temperatura no quarto claramente não e uma questão de sorte. Afinal de contas, dada a existência da pessoa escondida na sala, ele está destinado a formar uma crença verdadeira e formando-a desta maneira sua crença verdadeira não poderia facilmente estar errada. É evidente, porem, que Tempero não tem conhecimento deste caso, uma vez que não se pode vir a saber a temperatura de um quarto simplesmente olhando para um termômetro quebrado (tal como não se pode saber a hora simplesmente olhando para um relogio quebrado). Alem disso, o diagnostico certo do porque este e o caso parece ser que a crença verdadeira de Tempero não e de modo algum um produto de suas habilidades. Na verdade, a sua crença e inteiramente o produto das habilidades de outra pessoa, ou seja, da pessoa escondida na sala solícita a ajustar o termostato. Daqui resulta que não podemos simplesmente considerar que a restrição estabelecida pela platitude da capacidade seja percebida como uma consequência da restrição estabelecida pela platitude da antissorte. De modo mais geral, dada a conclusão que traçamos no início de que não poderíamos tratar a restrição estabelecida pela platitude da antissorte como decorrente da restrição estabelecida pela platitude da capacidade, podemos concluir que as restrições estabelecidas por essas platitudes são independentes uma da outra em ambos os sentidos. Estamos, portanto, de volta à tese de que o conhecimento e crença verdadeira, não por questão de sorte, e que e o produto da capacidade.

Casos como o caso do Tempero tambem ilustram o porquê certo tipo de externalismo radical sobre o conhecimento e uma posição instável. Tal ponto de vista e chamado de confiabilismo e sustenta que não há nada mais para o conhecimento do que a crença verdadeira formada de forma confiável (ou seja, crença verdadeira que e formada de uma maneira que e mais susceptível de conduzir à verdade do que a falsidade).

O locus classicus para discussões do confiabilismo é em Alvin Goldman (1986). Veja também o artigo de Alexander M. Luz (2006). Para um maior aprofundamento à tese de Goldman, veja a dissertação de Rodrigues (2009).

Nesta visão, mesmo que possa ser epistemicamente vantajoso o fato de ter justificativas para uma crença, pois as crenças justificadas são mais propensas a serem crenças formadas de maneira confiável, estas não são essenciais, uma vez que o que e importante e apenas que a crença seja formada de maneira confiável. Por exemplo, esse ponto de vista, de acordo com outras propostas externalistas sobre conhecimento, pode admitir que o Pintainho tenha conhecimento, pois a sua crença, afinal de contas, está sendo formada de uma maneira confiável.

NOTA

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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Observe, porem, que a crença de Tempero e tambem formada de um modo altamente confiável, e ainda assim ele não conta como tendo conhecimento. O mesmo diagnostico do porque Tempero carece de conhecimento tambem explica onde a visão confiabilista se equivoca. Não e na confiabilidade per se que estamos interessados quando se trata de conhecimento, mas sim o tipo específico de confiabilidade que está diretamente ligada à capacidade cognitiva do agente. É por isso que o Pintainho pode ser considerado como tendo conhecimento, pelo menos para o entendimento dos externalistas, enquanto que o Tempero não pode: a crença verdadeira de Pintainho, mas não de Tempero, e o produto de suas capacidades cognitivas confiáveis, e não simplesmente uma crença verdadeira que e confiável.

7 A EPISTEMOLOGIA DA VIRTUDE

Considerando que o confiabilismo não e atraente como uma explicação do conhecimento, há uma visão intimamente relacionada, que mantem muito do espírito do confiabilismo, mas que não e suscetível a alguns dos mesmos problemas. Este ponto de vista e conhecido como a epistemologia da virtude (SOSA, 2013a). A forma mais básica da epistemologia da virtude mantem, em essência, que o conhecimento e uma crença verdadeira não-por-sorte, que e formada atraves de habilidades cognitivas confiáveis do agente.

Ver, por exemplo, John Greco (1999), que descreve este tipo de epistemologia da virtude como “confiabilismo do agente”. Verifique também a dissertação de Santos (2013) para aprofundar a reflexão da influência de Ernest Sosa na proposta de John Greco e de Linda Zagzebski.

Interpretada desse modo, a visão responde muito diretamente às duas platitudes que temos discutido aqui. De acordo com esta proposta, a confiabilidade nos processos de formação de crenças do agente e importante, mas o simples fato de que um processo e confiável não será suficiente para garantir que um agente tenha conhecimento, mesmo que se acrescente a condição posterior de que a crença do agente não e verdadeira por uma questão de sorte. Em vez disso, o que e necessário e que a confiabilidade esteja diretamente relacionada com as habilidades cognitivas do agente. Com efeito, o que esta forma de epistemologia da virtude faz e tornar explícito o que já está implícito na platitude da capacidade, ou seja, que quando pensamos nas habilidades de um agente como sendo conducentes de conhecimento, já estamos pensando nelas como confiáveis (isto e, uma capacidade cognitiva não confiável não e uma capacidade cognitiva bona fide em absoluto).

DICAS

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TÓPICO 2 | A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

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Observamos anteriormente que os casos de tipo-Gettier e o caso da Loteria demonstram que meramente tendo uma crença verdadeira formada atraves da capacidade (confiável) não será suficiente para o conhecimento, uma vez que não será suficiente para excluir a possibilidade de que a crença e verdadeira apenas por uma questão de sorte. Alguns epistemologos da virtude, no entanto, têm argumentado que há uma maneira de lidar com este problema, que garante que nos podemos tratar a restrição imposta pela platitude da antissorte como simplesmente fluindo da restrição imposta pela platitude da capacidade.

De acordo com esta versão da epistemologia da virtude, o conhecimento

e para ser entendido, grosso modo, como crença verdadeira que e por causa da capacidade cognitiva. Note que foi descartada qualquer menção da crença verdadeira sendo não por questão de sorte. O pensamento e que, desde que a crença verdadeira do agente e propriamente atribuível à sua capacidade cognitiva, isto e, por causa de sua capacidade cognitiva, então isto será suficiente por si so para eliminar qualquer solapamento do conhecimento por sorte epistêmica.

Versões da epistemologia da virtude deste tipo podem ser encontradas em Sosa (1991, 2012, 2013a, 2013b) e em Zagzebski (1996). Um bom artigo que introduz as contribuições de Linda Zagzebski é o de Carvalho (2013) e de Miguel (2013).

Em face disso, a presente proposta pode parecer bastante atraente. Tome a crença de Edmundo em relação ao tempo. Embora ele possua as capacidades cognitivas relevantes e fiáveis, ele sabe como contar as horas, por exemplo, não e por causa dessas habilidades que sua crença e verdadeira, mas, sim, por causa da boa sorte que ele teve de olhar para o relogio na única vez do dia em que este exibira o tempo certo. Ou considere a crença de Afortunado de que ele perdeu na loteria. Mais uma vez, embora essa crença e o produto de suas habilidades cognitivas fiáveis, ele calculou as ramificações das probabilidades de ganhar perfeitamente, não e por causa dessas habilidades que sua crença e verdadeira, uma vez que se ele estivesse segurando um bilhete vencedor no momento, teria continuado a acreditar que tinha perdido.

Parece, portanto, que no final das contas não precisamos pensar na

platitude da antissorte como impondo uma restrição separada ao conhecimento, isto e, contanto que entendamos corretamente a relação entre crença verdadeira e a capacidade cognitiva.

Infelizmente, esta forma mais robusta da epistemologia da virtude que dispensa uma restrição separada da antissorte ao conhecimento, embora certamente oferecendo uma explicação muito elegante do conhecimento, não passa em uma inspeção mais minuciosa. A razão para isso e que há casos de conhecimento onde a crença verdadeira do agente não e por causa de sua capacidade cognitiva e há casos

NOTA

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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em que a crença verdadeira do agente e por causa de sua habilidade cognitiva, todavia não são casos de conhecimento.

A melhor maneira de ilustrar a primeira reivindicação e considerar

casos de conhecimento testemunhal. O que e significativo sobre o conhecimento testemunhal e que por causa de sua dimensão social e um conhecimento que se pode adquirir “pegando carona” nas capacidades cognitivas dos outros. Suponha, por exemplo, que a nossa agente, vamos chamá-la de "Jeniffer", desembarca do trem numa cidade não familiar e solicita à primeira pessoa que ela encontra por direções. Suponha ainda que esta pessoa tem conhecimento de primeira mão da área e comunica isso a Jeniffer, permitindo-lhe, assim, formar uma crença verdadeira sobre onde ela precisa ir. Intuitivamente, nos diríamos que Jeniffer conhece o caminho a percorrer. Com efeito, se não se pode adquirir conhecimento testemunhal desta forma, então parece que nos sabemos muito menos do que pensávamos que sabíamos. Curiosamente, no entanto, não e de modo algum correto dizer que a crença verdadeira de Jeniffer e por causa de suas habilidades cognitivas, ao contrário, por exemplo, ao fato de ser devido à capacidade cognitiva de seu informante (ou pelo menos as suas capacidades cognitivas combinadas). Assim, parece ser um caso em que o agente tem conhecimento, mesmo que tenha uma crença verdadeira que não seja por causa de sua capacidade cognitiva. (LACKEY, 2007).

É importante ser claro sobre a alegação que está sendo feita aqui. A tese não e, por exemplo, que Jeniffer não está exercendo as suas capacidades cognitivas de algum modo relevante, ou seja, este exemplo não e um contraexemplo à platitude da capacidade (esta, na verdade, e a moral que Lackey (2007) extrai a partir deste exemplo). Afinal, a fim de manter a intuição de que Jeniffer tem conhecimento neste caso, temos de supor que ela de fato está exercendo uma grande quantidade de juízo. Por um lado, seria de se esperar que ela fosse exigente sobre quem ela pedisse direções, ou seja, se a primeira pessoa que ela encontrasse tivesse sido uma criança pequena ou alguem que era claramente um turista, então esperaríamos que ela encontrasse outro informante potencial. Por outro lado, seria de esperar que Jeniffer exercesse uma discriminação quando tratasse de avaliar a verdade do testemunho fornecido a ela pelo informante. Se este testemunho fosse claramente falso, por exemplo, então poderíamos esperar que ela iria reconhecer isso e ignorá-lo-ia em conformidade.

A crença de Jeniffer e, portanto, um produto de suas habilidades cognitivas.

O ponto-chave, no entanto, e que a natureza social do conhecimento testemunhal deste tipo implica que não e por causa de suas habilidades cognitivas que sua crença e verdadeira, e, portanto, casos como este contam contra o tipo de epistemologia da virtude em questão.

A melhor maneira de ilustrar o segundo tipo de problema para este tipo de

epistemologia da virtude, ou seja, que há casos em que o agente tem uma crença verdadeira que e por causa da capacidade cognitiva, mas que não e um caso de conhecimento, e atraves do seguinte tipo de cenário: Suponha que o nosso agente, vamos chamá-lo de "João", tem uma boa e clara visão de um celeiro em boas

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TÓPICO 2 | A FILOSOFIA E O CONHECIMENTO

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condições cognitivas (por exemplo, uma boa iluminação etc.), e baseado nisso forma a crença de que existe um celeiro em sua frente. Suponha ainda que João tem muitas habilidades cognitivas relevantes que estão trabalhando para permitir-lhe formar essa crença e que sua crença tambem e verdadeira, ele está de fato olhando para um celeiro. Aqui está a reviravolta. Imagine que, sem o conhecimento de João, ele está em um "condado com celeiros de fachada", um condado onde todos os objetos em forma de celeiro, exceto aquele que ele está no momento olhando, não são de fato celeiros em absoluto, mas fachadas (talvez, por exemplo, há algum elaborado cenário de filme faroeste). Se João estivesse olhando para uma destas falsificações, então, ele teria formado a falsa crença de que o que ele está olhando e um celeiro, ao inves da crença verdadeira que ele realmente formou. Será que João sabe que o que ele está olhando e um celeiro? Certamente não. Sua crença verdadeira, afinal de contas, e simplesmente de muita sorte para contar como conhecimento desde que ele poderia muito facilmente ter se enganado a esse respeito. Note, no entanto, que a verdade da crença de João, enquanto devido à sorte, parece ser por causa de suas habilidades cognitivas, pois são estas habilidades cognitivas que o levaram a formar uma crença verdadeira.

Este exemplo é devido a Carl Ginet, mas apareceu pela primeira vez na imprensa em Goldman (1976).

Podemos destacar ainda mais este ponto, observando que o tipo de sorte epistêmica em jogo neste caso e muito diferente daquela que está em jogo nos casos padrão de tipo-Gettier. Em casos de tipo-Gettier, como e o caso descrito acima envolvendo Pedro, e plausível supor que a verdade da crença do agente não e por causa de suas habilidades cognitivas, e a razão para isso e que algo se interpõe entre a crença do agente e suas habilidades cognitivas, ainda que de tal maneira que não impede o agente de ter uma crença verdadeira. No caso de Pedro, por exemplo, suas habilidades cognitivas não se prendem ao alvo de sua crença, a ovelha no campo, em absoluto, mas em vez disso são extraviadas pelo cão grande e peludo que está de pe em frente à ovelha. Toda sorte de tipo-Gettier e desta especie de "intervenção".

Note, no entanto, que o tipo de sorte epistêmica em jogo no exemplo

envolvendo João não e desta especie de intervenção. Afinal, João realmente vê um celeiro no sentido de que suas habilidades cognitivas, de fato, o situam em contato com o alvo de sua crença, o celeiro. Em vez disso, a sorte epistêmica em jogo aqui e de uma variedade "ambiental", em que isto simplesmente diz respeito ao fato de que este não e um ambiente epistemologicamente amigável, ou seja, não e um ambiente em que as habilidades cognitivas de alguem podem facilmente permitir que se tenha uma crença verdadeira. No entanto, e por causa da sorte epistêmica em jogo não ser da especie de intervenção, que parece inteiramente correto dizer que a crença verdadeira de João e por causa de sua capacidade cognitiva, ao contrário

NOTA

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

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dos casos de tipo-Gettier, como aquele que envolve Pedro.

Daqui resulta que se pode ter uma crença verdadeira que e por causa da capacidade cognitiva do agente e ainda faltar conhecimento. Mais uma vez, então, descobrimos que precisamos respeitar tanto a platitude da antissorte como a platitude da capacidade.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perante os desafios expostos aqui, a investigação filosofica do conhecimento nos conduz à versão menos robusta da epistemologia da virtude. Esta, ao menos ate o ponto que chegamos, e a explicação mais acertada, o conhecimento e crença verdadeira não por questão de sorte e que e o produto de habilidades cognitivas confiáveis do agente. Temos, assim, respondido uma das questões centrais da epistemologia: "O que e o conhecimento?". Observe, entretanto, que deixamos muitas questões mais centrais da epistemologia sem resposta. Por exemplo, por que o conhecimento tem essa estrutura? Apesar de tudo, está longe de ser obvio porque o conhecimento deve ter estas propriedades. Uma questão relacionada a este respeito concerne à razão pela qual nos consideramos o conhecimento como uma noção filosofica tão importante, uma questão que podemos esperar que nossa análise do conhecimento possa lançar alguma luz. E talvez uma questão epistemologica ainda mais premente que não engajamos aqui e a questão de saber se temos algum conhecimento.

No entanto, enquanto há muitas perguntas que não foram respondidas neste

topico, a esperança e que tenhamos aprendido o suficiente sobre epistemologia para obter um entendimento geral sobre o que envolve esta área-chave da filosofia e, assim, fornecido uma base para futuras explorações nessa direção.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você viu que:

Há duas platitudes sobre o conhecimento proposicional em uma perspectiva filosofica. A platitude da antissorte, a ideia de que uma pre-condição para o conhecimento não seja uma questão de mera sorte de que a crença de alguem na proposição visada seja verdade. E a platitude da capacidade, a ideia de que uma pre-condição do conhecimento e que a crença verdadeira na proposição-alvo seja adquirida por meio de habilidade/capacidade.

Os casos de tipo-Gettier demonstram que a simples existência de uma justificação em favor do que você verdadeiramente acredita e insuficiente para lidar com a restrição imposta ao conhecimento pela platitude da antissorte. Tambem notamos que os casos de tipo-Gettier satisfazem a restrição ao conhecimento imposta pela platitude da habilidade/capacidade.

O paradoxo da loteria mostra que a força probabilística do suporte de evidências que você tem para a sua crença em si não determina se a sua crença verdadeira so e verdadeira por sorte, uma vez que uma força probabilística muito elevada de apoio evidencial e consistente com a crença ser apenas por sorte verdadeira, enquanto que uma força probabilística relativamente baixa de apoio evidencial pode ser suficiente para garantir que a sua crença não e verdadeira sorte.

Os externalistas defendem que o conhecimento e muitas vezes relativamente fácil de se adquirir. Na verdade, eles muitas vezes admitem que as crianças muito pequenas e outros animais intelectualmente sofisticados, nenhum dos quais são susceptíveis de ter crenças que satisfaçam uma condição de justificativa, possam ter conhecimento.

Os internalistas afirmam que o conhecimento e muito mais difícil de se adquirir. Observe, porem, que isto não e um ataque contra o internalismo em si mesmo, uma vez que não e de forma alguma absurdo supor que talvez nos sabemos muito menos do que pensamos que sabemos.

A epistemologia da antissorte nos mostra que as restrições estabelecidas pelas duas platitudes são independentes uma da outra em ambos os sentidos.

O confiabilismo sustenta que não há nada mais para o conhecimento do que a crença verdadeira formada de forma confiável (ou seja, crença verdadeira que e formada de uma maneira que e mais susceptível de conduzir à verdade do que a falsidade).

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Não e na confiabilidade per se que estamos interessados quando se trata de conhecimento, mas sim o tipo específico de confiabilidade que está diretamente ligada à capacidade cognitiva do agente.

A epistemologia da virtude e uma visão intimamente relacionada, que mantem muito do espírito do confiabilismo, mas que não e suscetível a alguns dos mesmos problemas, e mantem, em essência, que o conhecimento e uma crença verdadeira não-por-sorte que e formada atraves de habilidades cognitivas confiáveis do agente.

Pode-se ter uma crença verdadeira que e por causa da capacidade cognitiva do agente e ainda faltar conhecimento. Precisamos, portanto, respeitar tanto a platitude da antissorte e a platitude da capacidade.

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De acordo com as discussões, apresentadas no Topico 2, sobre o conhecimento, qual seria a explicação mais acertada à pergunta: O que e o conhecimento?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste topico nosso objetivo e explorar a questão da verdade pela perspectiva filosofica. O nosso foco será mais na abordagem analítica do tema, já que vimos, em aspecto mais geral, a abordagem epistemologica no topico anterior.

Vamos, primeiramente, enquadrar o problema filosofico da verdade, para depois apresentar diversas teorias, em suas versões mainstream (correntes principais), oferecendo exemplos e as argumentações pro e contra. As teorias que veremos neste topico são as teorias correspondentistas, as teorias epistêmicas, o esquema-T e a adequação material, as teorias semânticas e as teorias deflacionistas da verdade.

2 O QUE É O PROBLEMA FILOSÓFICO DA VERDADE?

Cada um de nos mantem várias crenças e afirma várias declarações e proposições sobre questões mundanas, historicas, científicas e assim por diante. Uma característica de tais crenças, declarações e proposições e que elas podem ser verdadeiras ou falsas. (Do começo ao fim, nos nos concentraremos na verdade. Uma sentença e falsa se, e somente se, sua negação e verdadeira.) Mas o que isso significa exatamente para uma declaração, crença etc., ser verdadeira? Intuitivamente, a verdade de uma declaração consiste em sua representação correta do mundo, ou no mundo sendo o que a declaração diz que e. Como será explicado mais abaixo, esta e uma formulação da teoria da verdade como correspondência. No entanto, questões filosoficas imediatamente começam a surgir. Uma questão preliminar diz respeito aos tipos de coisas que podem ser verdadeiras ou falsas: Crenças, reivindicações, opiniões, afirmações etc.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Às vezes, entidades não linguísticas, não proposicionais são chamadas “verdadeiras”, por exemplo, um “verdadeiro amigo”, um “verdadeiro argentino” etc. Nós deixamos tais usos de lado aqui neste tópico e nos concentramos na verdade aplicada às declarações, crenças etc. Pois é este aspecto que nos permitirá introduzir melhor e de modo geral a investigação filosófica da verdade.

Chamemos estes de portadores de verdade. (Um portador de verdade pode ser falso, e claro.) Apesar da sua diversidade aparente, há plausivelmente dois tipos básicos: itens linguísticos (por exemplo, declarações, frases) e proposições. Uma proposição e o conteúdo de uma declaração, ou o conteúdo de um estado mental. Isso nos permite dizer que as sentenças com o mesmo significado expressam a mesma proposição e que o que você acredita ser o caso e exatamente o mesmo que o que eu acredito.

Quais são as principais questões filosoficas aqui? Em primeiro lugar, parece claro que a verdade importa para nos. É importante para nos saber se a informação que ouvimos (ou aceitamos) e verdadeira ou falsa. Nos adiaremos a tentativa de responder por que a verdade importa ate a seção final deste topico. Uma segunda pergunta que muitas vezes provoca confusão para o estudante neofito e: como podemos determinar se uma declaração e verdadeira ou falsa? Existem procedimentos gerais ou criterios para determinar se uma declaração e verdadeira ou falsa? Será que a verdade consiste em ser justificada do modo certo? Chamemos isto de Questão Epistemologica. Esta questão não e o que os filosofos pretendem quando discutem o problema filosofico da verdade. Em vez disso, eles estão interessados no que significa dizer, de uma crença, afirmação ou proposição, que ela e verdadeira. Ou seja, como e que o conceito de verdade pode ser analisado? Chamemos isto de Questão Analítica. Esta questão remonta a Platão e Aristoteles, e anterior a eles, tem ramificações em toda a filosofia moderna, afetando debates sobre a natureza da existência, do conhecimento, do significado, da referência e do raciocínio válido (VIDAL; CASTRO, 2006). Em geral, a questão epistemologica e mais difícil de responder do que a questão analítica. A maior parte da discussão que empreenderemos a seguir concentra-se sobre a questão analítica: o que significa "verdadeiro"?

Agora vamos esclarecer um pouco sobre o que e uma definição. A definição de um conceito ou de uma palavra e geralmente dada ao especificar as condições para esse conceito ou palavra aplicarem-se às coisas. Por exemplo, podemos definir "solteiro" da seguinte forma: Uma pessoa x e solteiro se, e somente se, x e um adulto humano masculino não casado.

Podemos tambem chamar isto de uma análise do conceito de ser um solteirão. Analogamente, podemos olhar para uma definição da verdade da seguinte forma:

NOTA

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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(D) A e verdadeiro se, e somente se, ... A ... em que A e um portador de verdade, e "... A ..." indica alguma condição que A satisfaz.

A seguir, vamos avaliar uma serie de propostas de definições de verdade, cada uma listada como (D1), (D2), (D3) etc. Um ponto a ter em mente, no entanto, e que se pode rejeitar a demanda por essa definição, ou análise da verdade, pois, talvez a verdade seja simplesmente um conceito primitivo indefinível.

3 TEORIAS DA VERDADE COMO CORRESPONDÊNCIA

Uma teoria correspondentista começa com formulações do senso comum do seguinte tipo: uma afirmação e verdadeira apenas se concordar com a realidade; ou representa a realidade como ela e; ou as coisas são como diz que são; ou diz do que e, que o e; ou designa um estado de coisas existente; ou corresponde aos fatos (ou a um fato). Estas são, por assim dizer, locuções de correspondência, e elas parecem ser de dois tipos principais:

A partir de agora, nós usaremos “sse” como uma abreviação para “se, e somente se”.

(D1) A e verdadeiro sse A diz que tal e tal e o caso, e tal e tal e o caso. (D2) A e verdadeiro sse A corresponde a um fato.

O primeiro destes, (D1), e um descendente a partir da formulação de Aristoteles, "dizer do que e que ele e e do que não e que ele não e, e verdadeiro" (ARISTÓTELES, 2002, 1011b, 26-27, p. 179). Chamamos isto de a definição clássica de correspondência. Ela e a base para a concepção semântica da verdade, desenvolvida por Alfred Tarski (2007a). A segunda, (D2), tem uma longa historia tambem, e nos a chamamos de definição de correspondência ao fato. Para os propositos deste topico, nos nos concentramos na (D2), embora o leitor deve ter em mente que a (D1) e uma formulação da teoria da correspondência aceitável e talvez preferível.

A definição de correspondência-ao-fato diz que a verdade envolve uma

relação de correspondência entre um portador de verdade e um fato. A menos que estejamos preparados para tratar as noções de correspondência e fato como básicos e primitivos, resta elucidá-los ainda mais. O que e um fato? Alguns autores, mesmo autores científicos, usam a palavra "fato" para significar, grosso modo, a

NOTA

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

"declaração aceita com base na observação". Isto não e o que queremos dizer, pois tais declarações podem ser falsas e, portanto, não corresponderiam a nenhum fato. Normalmente, os portadores de verdade e os fatos são tidos como tipos distintos de entidades.

O termo “gerador de verdade” ou “fazedores-de-verdade” (do inglês, truth maker) tem sido sugerido para o que torna verdadeiro um portador de verdade. Notamos aqui que existe uma teoria de fatos que identifica fatos com proposições verdadeiras. Assim, a relação de correspondência entre proposição verdadeira e fato é a relação de identidade. Este ponto de vista é chamado de teoria da identidade. Veja Dodd (2000) para uma defesa da teoria da identidade. Para aprofundar as influências de Frege e as contribuições de Dodd, entre outros, para esta teoria, veja Giarolo (2011).

Considere a declaração "Brasília está ao norte de São Paulo". Uma vez que e verdadeira, o fato correspondente poderia ser algo como Brasília-estar-ao-norte-de-São-Paulo. Este e um "complexo", cujos constituintes são Brasília, São Paulo, e a relação ao-norte-de. Em linguagem moderna, tais complexos são chamados de estado de coisas. Nem todo estado de coisas e um fato; pois alguns estados de coisas obtêm (correspondem ao mundo atual), alguns não. (Pode-se pensar que não há estados de coisas que não obtêm. Se assim for, os fatos são estados de coisas, ponto).

Estado de coisas, conhecido também como situação, é uma forma que o atual mundo precisa estar ordenado para fazer alguma dada proposição sobre o mundo atual ser verdadeira. Assim, o estado das coisas seria o gerador das verdades, enquanto a proposição seria o portador da verdade. Nesse sentido, o estado de coisas pode obter ou falhar em obter, tornando as proposições verdadeiras ou falsas, respectivamente (TEXTOR, 2014). Para aprofundar o tema dos fatos, como uma questão da investigação filosófica, veja Santos (2014). Para aprofundar a compreensão de Estados de Coisas (states of affairs), verifique o termo em Textor (2014).

Isto conduz a uma definição de "fato" como um "estado de coisas que obtem". Então, a perspectiva da correspondência-ao-fato torna-se:

(D3) A e verdadeira sse A corresponde a um estado de coisas que obtem. Assim, a afirmação "Brasília está ao norte de São Paulo" e verdadeira se

o estado de coisas correspondente (com os seus constituintes, Brasília, São Paulo e ao-norte-de) obtem. Assumindo que as cidades de Brasília e São Paulo são entidades independentes da mente, a verdade de "Brasília está ao norte de São

NOTA

IMPORTANTE

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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Paulo" depende da realidade independente da mente. Esta e uma característica atraente da visão por correspondência, na medida em que permite a verdade depender da realidade independente da mente.

Se os fatos são estados de coisas que obtem, ou são o caso, o que e a

correspondência? A correspondência pode ser entendida como a "correlação convencional" do portador de verdade e o estado de coisas (por exemplo, a correlação convencional de sinais de luz verde e a permissão para prosseguir, a pe ou de carro). Por exemplo, a frase "isto e um gato", que está correlacionada com estados de coisas que envolvem a presença de um gato, na proximidade do orador; uma declaração feita usando esta frase por um orador particular em um determinado contexto; e verdade apenas quando tal estado de coisas obtem nas imediações do orador. Esta perspectiva leva em conta a presença de expressões sensíveis ao contexto, como "isso", "aqui", "eu", em atos de fala. Uma dificuldade com este ponto de vista, no entanto, e que ele não dá nenhuma indicação de como estados de coisas são correlacionados com reivindicações insensíveis ao contexto, como "neutrinos carecem de massa" ou "a Revolução Francesa ocorreu em 1789".

Outro ponto de vista trata a correspondência como uma especie de relação "figurativa". Para ilustrar:

Nome Predicado Nome

Portador de Verdade:"Brasília ao-norte-de São Paulo”

[correspondência] ⇓ ⇓

Estado de coisas: Brasília ⇒Estar-ao-norte-

de⇒ São Paulo

Objeto Relação Objeto

QUADRO 1 - RELAÇÃO FIGURATIVA DA TEORIA CORRESPONDENTISTA

FONTE: O autor

Em certo sentido, a frase e o correspondente estado de coisas possuem a mesma "estrutura logica". Os nomes na sentença referem-se aos objetos no estado de coisas (e o predicado da frase refere-se à relação constitutiva). O portador de verdade, em certo sentido, retrata o seu estado de coisas correspondente, em analogia com a forma como um mapa retrata, ou representa, alguma região do territorio. Portadores de verdade são, portanto, representações da realidade.

Uma objeção padrão para a perspectiva da correspondência-ao-fato e

que ela leva ao ceticismo, à a doutrina de que a realidade e incognoscível (por exemplo, talvez sejamos cerebros em cubas, mas não percebemos isso) (PUTNAM, 1992). Para evitar o ceticismo, pode-se instar que, a fim de saber um fato, e preciso ser capaz de perceber diretamente o fato. Mas os fatos independentes da mente parecem tão diferentes de nossos estados mentais que nunca poderíamos alcançar esta façanha cognitiva.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Uma resposta obvia para isso seria que a perspectiva da correspondência e uma teoria da verdade, não do conhecimento. Ela responde à questão analítica, e não à questão epistemologica. A segunda resposta e que, em qualquer caso, a propria teoria da correspondência parece desempenhar nenhum papel no argumento para a incognoscibilidade dos fatos. A objeção condena igualmente a nossa capacidade de conhecer quaisquer objetos independentes da mente: gatos, pedras, árvores, eletrons, cometas etc. Finalmente, note que a doutrina de que gatos, pedras, árvores etc. (e fatos sobre Brasília e São Paulo) são independentes da mente, não e assumida pela propria teoria da correspondência. As definições (D2) ou (D3) não implicam que os estados de coisas são independentes da mente. A teoria da correspondência e, portanto, logicamente neutra sobre tais questões.

Outra objeção e simplesmente que se deve repudiar completamente fatos.

Fatos, entendidos como estados de coisas que obtêm, são muito diferentes das coisas físicas comuns: cadeiras, copos, rochas, peixes etc. Pode-se aceitar a existência das cidades de São Paulo e de Brasília, e talvez ate mesmo a relação abstrata de ao-norte-de. Mas será que há outra entidade, Brasília-estar-ao-norte-de-São-Paulo? Talvez, o fato falado e apenas uma maneira conveniente de discurso. Em vez de "Eu estou ciente do fato de que p", pode-se dizer, "Estou ciente de que p". Em vez de "isso e um fato que p", dizemos simplesmente "p". O repúdio dos fatos não precisa implicar que não se pode fazer sentido da verdade. Por exemplo, a concepção semântica da verdade, discutida a seguir, foi apresentada como uma teoria da correspondência, mas evita postular fatos, ou correspondência sentença-ao-fato.

Se o repúdio de todos os fatos e ir longe demais, talvez o repúdio de alguns

dos mais estranhos e recomendável. Pois a perspectiva da correspondência-ao-fato requer um fato específico para cada verdade. Considere "São Paulo não está ao norte de Brasília", o que e verdade. Se isto corresponde a um fato, deve ser São-Paulo-não-estar-ao-norte-de-Brasília: algum tipo de fato "negativo". Existe uma coisa dessas? Afirmações verdadeiras contendo "não" são apenas o começo do problema, pois existem declarações compostas que contêm "ou", "e", "se-então", "para todos", "e necessário que”, “acredita que”, e assim por diante. Quando tal afirmação e verdadeira, há sempre um fato? Se a afirmação "Sherlock Holmes não existe" e verdadeira, há um fato correspondente, a não-existência-de-Sherlock-Holmes? Uma forma para contornar esse problema e assumir estados de coisas correspondentes apenas para as sentenças mais simples (as sentenças atômicas). Então, a verdade para as sentenças compostas (construídas a partir dessas sentenças atômicas usando o "não", o "e" etc.) pode ser definida usando uma "definição recursiva", semelhante ao tipo inaugurado por Tarski.

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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Há uma objeção à perspectiva correspondentista (o “Argumento do Estilingue”), que conclui que toda verdade corresponde ao mesmo fato: o Grande Fato. O acadêmico poderá consultar Neale (2001) para mais detalhes. Outra excelente fonte de consulta é o artigo de Kober (2006).

4 TEORIAS EPISTÊMICAS DA VERDADE

Por volta da virada do seculo XX, vários autores criticaram a teoria da correspondência e propuseram definir a verdade em termos de alguma noção de justificação idealizada ou aceitabilidade racional idealizada. Chamaremos essas perspectivas de teorias epistêmicas da verdade. São tentativas de analisar a noção de verdade em termos de noções epistêmicas tais como conhecimento, crença, aceitação, verificação, justificação e perspectiva. Uma variedade de tais concepções pode ser classificada nas teorias verificacionistas, coerentistas, perspectivistas e pragmáticas. Essas teorias, grosso modo, respondem à pergunta analítica (qual e o significado de "verdadeiro"?), via uma resposta previa à questão epistemologica. Assim, destacamos primeiro que existem vários criterios que usamos para selecionar quais declarações aceitar e quais rejeitar. Estes criterios envolvem observação, raciocínio, prova matemática e assim por diante. E em segundo lugar, propõe-se que a questão analítica seja respondida por dizer que a verdade de uma declaração consiste da mesma atender a esses criterios. O primeiro ponto não e o ponto de disputa aqui, uma vez que diz respeito a questões da epistemologia, não à definição da verdade per se. O segundo ponto de fato nos interessa, pois, por que o fato de que uma declaração atende a determinados criterios epistêmicos implica a sua verdade? E por que a sua falha em atender esses criterios implicaria sua falsidade?

O criterio mais simples envolve a declaração ser justificada (por exemplo,

sendo apoiada por evidências observacionais). No entanto, cursos introdutorios de epistemologia explicam que e preciso distinguir entre uma declaração sendo verdadeira e sendo justificada ate certo grau. Declarações e crenças justificadas são, às vezes, falsas e há verdades para as quais não temos nenhuma justificação para crer (vide Topico 2, desta unidade). Por exemplo, não temos qualquer justificação para crer que Platão espirrou em seu 30º aniversário, e nos tambem não temos qualquer justificação para crer que ele não o fez. Mas a logica por si so nos diz que ou ele espirrou ou ele não espirrou. Assim, ou a proposição, ou sua negação, e verdadeira. Portanto, há uma verdade para a qual não temos justificativa para acreditar. Isso significa que existe uma lacuna entre a verdade e a justificação. Assim, a definição de "A e verdade" como "A e justificado" não funciona. Mesmo assim, podemos esperar definir a verdade em termos de criterios que envolvam uma justificação idealizada? Há uma variedade desconcertante de tais propostas, mas vamos nos concentrar em três:

NOTA

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

(D4) A e verdadeiro sse A e verificável, em princípio.(D5) A e verdadeiro sse A pertence ao sistema (de crenças) maximamente

coerente.(D6) A e verdadeiro sse A for aceito, no limite ideal da inquirição racional,

por qualquer um que investigue. Para usar o jargão tecnico, (D4) expressa o verificacionismo sobre a

verdade; (D5) expressa a teoria da coerência da verdade, ou teoria coerentista; e (D6) expressa o pragmatismo, ou a teoria pragmatista da verdade.

É perfeitamente razoável aceitar declarações que são justificadas, quer

por observação ou pelo raciocínio logico matemático. Assim, "não há margarina na geladeira" e justificada pela observação, ou seja, olhando dentro da geladeira. "O período de um pêndulo varia com a raiz quadrada do seu comprimento" e justificada atraves da realização de certas experiências. "Há infinitos números primos" e justificada por uma prova matemática. Tais procedimentos de justificação são exemplos de "verificação". A definição (D4) diz: A e verdadeiro apenas quando pode ser "verificado" de tal maneira.

Tal visão, no entanto, tem problemas graves. Por exemplo, não está claro

como verificar as declarações sobre determinados temas, tais como moralidade ou religião. O verificacionista pode considerar tais declarações como nem verdadeira nem falsa, ou sem sentido. Tambem, não podemos verificar, por observação direta, a afirmação "o período de um pêndulo varia com a raiz quadrada de sua extensão", pois e uma generalização, e, portanto, requer indefinidamente muitos experimentos. Alem disso, algumas declarações aceitas com base na observação são errôneas (considere a ilusão de Müller-Lyer, ver Figura 4). Alem disso, essa perspectiva implica que todas as verdades podem, em princípio, ser verificadas. Mas talvez haja declarações, matemáticas, científicas ou historicas, que são verdadeiras, mas que não são verificáveis, ate mesmo em princípio. Por exemplo, "Platão espirrou em seu aniversário de 30 anos". Ou isso ou a sua negação "Platão não espirrou em seu aniversário de 30 anos" e verdade, mas ambas são verificáveis?

FIGURA 1 – ILUSÃO MÜLLER-LYER

Observe as linhas A e B, as duas possuem o mesmo comprimento, mas a A aparenta ser mais longa que a B.

FONTE: Flammer, 2014. Disponível em: <http://www.indiana.edu/~ensiweb/lessons/mul.lyer.jpg>. Acesso em: 23 maio 2015.

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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O problema pode ser que os criterios de avaliação são muito restritivos. Presumivelmente, a investigação racional envolve mais do que apenas observação e raciocínio logico direto e sensorial. Talvez as declarações que devemos aceitar, à medida que prosseguimos no inquerito, devem formar um sistema holístico e coerente. Assim, embora não possamos verificar diretamente a lei do pêndulo, ainda assim e coerente com as experiências que temos feito, e com outras leis da física de background. Então, talvez a propriedade da justificação idealizada que buscamos e esta: ser um elemento do sistema de crenças (ou declarações) maximamente coerente. A definição coerentista (D5) diz: uma crença (ou declaração) e verdadeira apenas quando ela pertence a este sistema. A noção pretendida de um sistema maximamente coerente não e meramente a de um sistema coerente completo, a partir de logica. (A consistência significa que para nenhuma declaração A, pode-se provar ambos, A e não A; enquanto que completude significa que para qualquer declaração A, qualquer um pode provar A, ou um pode provar não A). A coerência máxima e concebida como envolvendo uma propriedade mais rica, em que todas as várias crenças ou declarações apoiam-se mutuamente.

Em uma teoria coerentista pura, ser verdadeiro e pertencer ao sistema

maximamente coerente. A objeção padrão, de Russell (1910), e que e difícil ver porque um sistema maximamente coerente de crenças e diferente de um conto ficcional altamente coerente, completo e consistente. Historias consistentes e completas podem conter falsidades e omitir verdades. Não importa o quão coerente o “Memorias Postumas de Brás Cubas” de Machado de Assis possa ser, podemos assumir suas declarações como verdadeiras? Em geral, a pertença de uma proposição a um sistema maximamente coerente não necessita implicar a sua verdade; e, reciprocamente, o fato de ser verdadeiro não necessita implicar a sua pertença a um sistema maximamente coerente.

A fim de lidar com essa objeção, a coisa mais obvia a se fazer e incluir criterios

observacionais, combinando assim a teoria da coerência com o verificacionismo. Mas ainda existem problemas. Mesmo que meu sistema de crenças atual, condicionado pela experiência, e tão coerente quanto possível, experiências futuras podem levar a novas revisões. E por que o meu sistema deve ser o mesmo que o seu sistema? De alguma forma, temos de "agregar" estes sistemas, e considerar sua evolução no futuro, sob as diretrizes da investigação racional.

Isso motiva o pragmatismo de longo prazo, promovido por C. S. Peirce

(apud WAAL, 2007). A noção de justificação e a aceitabilidade racional no caso limite de inquerito. A definição diz que uma proposição e verdadeira apenas quando e aceitável no limite ideal. Mas temos qualquer razão para supor que existe um tal limite? Será que haverá convergência, entre todos os que investigam? Talvez nossas teorias sempre serão superadas, talvez elas sempre serão parciais e incompletas.

Mesmo se a inquirição, gradualmente convergir para um "Consenso Científico",

pode ainda não ser o caso que, infelizmente, na realidade estamos sendo enganados como cerebros em cubas? Não podemos simplesmente definir a realidade como sendo o que o "Consenso Científico" diz que e no final do inquerito. Se fizermos isso, temos de excluir, por decreto, a possibilidade de erro radical.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

5 O ESQUEMA-T E A ADEQUAÇÃO MATERIAL

Definições gerais da verdade são controversas. Então, considere apenas uma única proposição: todos os homens são mortais. O que significa dizer que esta proposição e verdadeira? Aristoteles nos dá uma dica, uma proposição e verdadeira exatamente se as coisas são como ela diz que são. Então, essa proposição e verdadeira se, e somente se, todos os homens são mortais. Somos levados ao seguinte:

1. A proposição de que todos os homens são mortais e verdadeira sse todos os homens são mortais.

Para portadores da verdade sentenciais, um exemplo bem conhecido de Tarski (2007b) e:

2. A sentença “a neve e branca” e verdadeira sse a neve e branca.

As sentenças (1) e (2) são chamadas de sentenças-T. Elas são "instâncias" dos seguintes princípios esquemáticos gerais:

A proposição de que p e verdadeira sse p.A sentença "p" e verdadeira sse p.

Estas são versões do que e conhecido como o esquema-T. (Um esquema e um tipo de enquadre linguístico em que várias sentenças podem ser substituídas.) Para construir uma sentença-T, podemos substituir "p" por qualquer sentença declarativa da língua portuguesa. Há, e claro, nenhuma exigência de que esta sentença seja verdadeira! Isso seria circular. Então, o que se segue e correto:

3. A proposição de que os porcos podem voar e verdadeira sse os porcos podem voar.

Alem disso, não há nenhuma restrição de domínio (obvia) sobre as sentenças que possamos substituir de forma a obter as sentenças-T. Elas podem envolver quaisquer assuntos. Assim:

4. A frase "2 + 2 = 4" e verdadeira sse 2 + 2 = 4.5. A frase "a tortura e sempre errada" e verdadeira sse a tortura e sempre errada.

As sentenças-T, (1) a (5), parecem triviais ou platitudinais. A reclamação e que as sentenças-T não são definições gerais, da forma (D). Elas não nos dizem em geral o que e para uma proposição ser verdadeira. Elas apenas nos dizem uma por

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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uma, o que e para "a neve e branca" ser verdadeira, para "os porcos podem voar" ser verdadeira, e assim por diante.

Então, qual exatamente e o status das sentenças-T? Considere a afirmação

"porcos podem voar". Nos certamente precisamos de evidência empírica para decidir se aceitamos ou rejeitamos esta hipotese biologica. Mas nos não precisamos de evidência empírica para saber que esta hipotese e verdadeira se, e somente se, os porcos puderem voar. Por isso, aceitar uma sentença-T e independente de evidência empírica particular. Tudo o que precisamos e compreender quais são as proposições relevantes envolvidas, bem como o conceito de verdade. Para usar o jargão, as sentenças-T são analíticas: nos as aceitamos em virtude de compreender os conceitos que usam. (Há, no entanto, um problema, que e o fato de que algumas sentenças-T são falsas, por causa do "Paradoxo do Mentiroso". No entanto, pode-se restringir o conjunto de sentenças-T, e, juntas, elas podem ser entendidas como implicitamente definindo a verdade). Porem, uma sentença-T não e uma definição geral, da forma (D). Em vez disso, as sentenças-T são definições parciais da verdade, cada uma específica para um portador de verdade particular.

Suponha que queiramos construir uma definição geral da verdade, da

forma (D). Como uma definição geral proposta deve ser relacionada com as definições parciais? Considere a seguinte definição absurda da verdade:

(D*) Uma sentença A e verdadeira sse A contem 27 letras.

Por que isso e um absurdo? A razão e que (D*) não implica as sentenças-T correspondentes. Em outras palavras, não se pode mostrar, a partir de (D*), o que se segue:

6. A frase "a neve e branca" tem 27 letras sse a neve e branca.7. A frase "2 + 2 = 4" tem 27 letras sse 2 + 2 = 4.

E assim por diante.

Assim, uma definição da verdade proposta e considerada como "correta" ou "adequada" quando implica as sentenças-T correspondentes. Tal definição da verdade e chamada de adequada materialmente. Como uma aplicação, perceba que as definições epistêmicas (D4), (D5), e (D6) não são adequadas neste sentido.

6 A CONCEPÇÃO SEMÂNTICA DA VERDADE

É possível construir definições de verdade que são adequadas materialmente? Este foi o objetivo de Tarski em seu artigo publicado em 1935, "O conceito de verdade nas linguagens formalizadas" (2007b, p. 64), apresentando a concepção semântica da verdade, que ele considerava como uma versão da teoria da correspondência (embora se de fato o permanece controverso).

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Um excelente artigo que introduz a teoria da verdade na concepção de Tarski é Rodrigues Filho (2005).

Na concepção semântica, portadores de verdade são sentenças, entendidas como sequências de letras. Por exemplo, "peixes nadam" e a sequência "p", "e", "i", "x", "e", "s", "n", "a", “d”, “a”, “m”. A verdade ou a falsidade de uma sequência de letras so faz sentido relativo a algum idioma. Por exemplo, "peixes nadam" e verdadeiro em português, mas pode ser falso em outro idioma. Assim, as concepções semânticas não lidam com um conceito absoluto "A e verdadeiro", mas sim com um conceito relativo, como "A e verdadeiro em português", "A e verdadeiro em espanhol" etc. Em geral, "A e verdadeiro em L", onde L e chamado de a Linguagem Objeto.

A linguagem objeto pode ser uma linguagem formalizada ou pode ser

parte de uma linguagem natural, como o espanhol ou híndi. A linguagem em que falamos sobre a linguagem objeto e permitida ser distinta da linguagem objeto, e e chamada de metalinguagem. Na discussão abaixo a metalinguagem e o português. Por exemplo, pode-se usar o português para falar sobre a verdade e a falsidade em espanhol.

Citando a definição clássica de correspondência, a versão de Tarski (2007b) do esquema T:

(T) A sentença x e verdadeira em L sse p.

Uma sentença T e construída substituindo "x" com um nome de uma sentença, e substituindo "p" pela tradução da sentença. Por exemplo, se a linguagem objeto e o alemão, uma possível sentença T seria:

1. A frase "Schnee ist weiss" e verdadeira em alemão sse a neve e branca. Esta sentença T pode não ser trivial ou analítica para você. Será, no entanto,

trivial ou analítica para um falante português bilíngue que tambem fala alemão. Se a metalinguagem contem a linguagem objeto, vemos o efeito do que e chamado de "descitação":

2. A frase "a neve e branca" e verdadeira em português sse a neve e branca. O procedimento geral para a construção de uma definição tarskiana da

verdade e como se segue. Em primeiro lugar, especifica-se uma linguagem objeto L, no pressuposto de que se pode traduzir de L para a metalinguagem; no proximo

NOTA

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

49

passo constroi-se, na metalinguagem, uma definição de "A e verdadeiro em L"; e, finalmente, prova-se que esta definição e materialmente adequada.

Por exemplo, suponha que L e uma linguagem com apenas duas sentenças,

X e Y, cujas traduções são "cães ladram" e "peixes nadam". Há apenas duas sentenças T, nomeadamente,

3. X e verdadeira em L sse os cães ladram.4. Y e verdadeira em L sse os peixes nadam.

Uma definição materialmente adequada da verdade para L pode ser dada como se segue:

5. A e verdadeira em L sse [(A e X e os cães ladram) ou (A e Y e os peixes nadam)].

(Você pode tentar mostrar como inferir (10) a partir de (12)). Para linguagens objeto de qualquer interesse serio, no entanto, não se pode

fixar essas definições, uma vez que existe um número infinito de sentenças para se lidar. Por exemplo, suponha que L contem o conectivo logico "não" e uma frase básica, digamos X, cuja tradução e “os cães ladram”. Então L tem um número infinito de sentenças: X, não-X, não-não-X, não-não-não-X etc. Por isso, não se pode fixar uma definição da verdade como (12). Em vez disso, dá-se o que e chamado de uma definição recursiva, como segue:

6. X e verdadeira em L sse os cães ladram.7. Não-A e verdadeira em L sse A não e verdadeira em L.

Esta definição recursiva e adequada. O metodo pode ser generalizado para incluir outros conectores logicos, tais como "e", "ou" e assim por diante.

Quando a linguagem objeto contem nomes, predicados, conectivos

e quantificadores (as frases "para todo" e "existe"), a situação se torna mais complicada. É preciso primeiro definir dois conceitos semânticos auxiliares: de referência (ou denotação) e de satisfação. A satisfação, grosso modo, e a relação de um predicado, como "ama", às coisas que se aplica. Por exemplo, um par de objetos [a, b] satisfaz o predicado "ama" se, e somente se, a ama b. A referência e a relação semântica que mantem entre um nome e o que ele representa. Por exemplo, o nome "Bento Prado Jr." refere-se (em português) ao proprio filosofo Bento Prado Jr.

Um ponto final. Alguem poderia pensar que o português contem seu

proprio predicado de verdade: por exemplo, um predicado que significa “e verdade em português". No entanto, esta hipotese leva a um paradoxo, o notorio Paradoxo do Mentiroso (MORAES; ALVES, 2013). Informalmente, considere a denominada sentença mentirosa "esta sentença não e verdade", que atribui a não verdade para si propria. Chamemos a sentença mentirosa de “G”. O raciocínio informal leva a

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

uma contradição, pois G e equivalente a "G não e verdadeira". Mas o esquema T nos diz que G e equivalente a "G e verdadeira". Então, nos concluímos que "G e verdadeira" e equivalente a "G não e verdadeira". Uma contradição! Em suma, o esquema T e inconsistente. Tarski (2007b) extraiu várias conclusões a partir disto, bem como o usou para provar alguns poderosos resultados matemáticos. (Em mais detalhe, o resultado e conhecido como o Teorema da Indefinibilidade de Tarski: se uma linguagem consistente L e "suficientemente rica", o conceito de verdade em L não e ele mesmo definível em L. Se a metalinguagem para L contem uma definição da verdade em L, a metalinguagem e, em certo sentido, "mais rica" do que a linguagem objeto.) Em particular, a conclusão de que o conceito da verdade do senso comum e inconsistente.

Vamos nos voltar agora para algumas objeções à concepção semântica da verdade. Uma objeção preliminar e que a concepção semântica lida com a verdade para sentenças, e não para proposições. Mas talvez as proposições sejam básicas, e devêssemos definir a verdade de sentenças em termos de verdade de proposições. Por exemplo, como se segue: uma sentença e verdadeira relativa a alguma linguagem se, e somente se, a proposição que a mesma expressa, relativa à linguagem, e verdadeira. Isto e atraente, mas não sem problemas. O principal problema e que não está suficientemente claro o que realmente são proposições; alguns filosofos simplesmente as rejeitam, em favor de sentenças cuja estrutura sintática e muito mais clara. (ARRUDA, 1980).

A segunda objeção e que Tarski mostra como definir "A e verdadeiro em

L", uma noção da verdade relativa à linguagem, mas não uma noção absoluta, "A e verdadeiro". Assim, a noção de verdade única e unívoca se fragmentou em conceitos aparentemente não relacionados: "verdadeiro-em-português", "verdadeiro-em-espanhol" etc. Em resposta, note que simplesmente não faz sentido falar de sentenças como sendo meramente verdadeiras ou falsas. Pois para as sentenças, as suas verdades devem ser relativas a uma linguagem. Para ser mais exato, o valor de verdade de uma sentença, uma sequência de símbolos, e relativa a uma interpretação desses símbolos.

Uma terceira, e talvez ameaçadora, objeção diz respeito a uma lacuna. A concepção semântica parece não explicar as noções semânticas envolvidas: referência, satisfação e verdade. Por exemplo, a língua alemã contem o substantivo "schnee", cuja tradução em português e "neve". Uma teoria da verdade tarskiana para o alemão deve conter a definição parcial.

8. A palavra "schnee" refere-se, em alemão, à neve. Este e um fato semântico sobre a língua alemã. Mas não dá qualquer

indicação quanto às razões pelas quais o substantivo "schnee" refere-se, em alemão, à neve. Este ponto generaliza a outros conceitos semânticos. Alguem poderia argumentar que uma teoria tarskiana deve ser estendida, adicionando uma teoria de referência separada, que explicasse por que as expressões referem a tudo que assim o fazem. Talvez em termos de como as expressões são usadas, as conexões

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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causais entre os falantes, as expressões que eles usam e o referente das expressões. Uma quarta objeção concerne ao fato de se os metodos semânticos tarskianos

podem ser generalizados para as linguagens naturais da vida real, que exibem uma variedade de aspectos mal compreendidos, incluindo formas mais complicadas de se construir sentenças, expressões sensíveis ao contexto, predicados avaliativos e fenômenos como a ambiguidade e a vaguidade. Não se pode resumir a situação geral facilmente, mas há uma grande quantidade de trabalhos na teoria semântica, generalizando a abordagem de Tarski para muitos desses fenômenos. Considere uma linguagem natural L com expressões sensíveis ao contexto, como "eu", "agora" e "aqui". A teoria semântica e modificada como segue. A noção de verdade (em L) e substituída pela noção de verdade (em L), relativa a certos parâmetros. Estes parâmetros especificam o falante, o tempo e a localização de um ato de fala.

Finalmente, a concepção semântica e uma teoria da correspondência? Isto e no mínimo controverso. O proprio Tarski (2007a) afirmou que era, e outros o seguiram. A concepção semântica da verdade baseia-se na definição correspondentista clássica (D1), em vez da definição correspondência-ao-fato (D2). Assim, se a definição correspondentista clássica e uma teoria correspondentista, então certamente assim o e a teoria de Tarski. Pois (D1) atende a intuição de correspondência: a verdade depende de como a realidade e. O ponto de diferença e que uma definição tarskiana da verdade não introduz fatos, e não introduz uma relação correspondentista sentença-ao-fato.

7 O DEFLACIONISMO

A proposição “aquela neve e branca” e verdadeira se, e somente se, a neve e branca. Assim, afirmar a verdade desta proposição e equivalente a afirmar a propria proposição. Da mesma forma, alegar que "a neve e branca" e verdadeiro e equivalente a alegar que a neve e branca; e assim por diante. Afirmar "A e verdadeiro" e equivalente a afirmar A. Estas equivalências estão encapsuladas por uma ou outra versão do esquema T. A concepção semântica tarskiana tomou uma versão coerente do esquema T como uma condição de adequação às definições de verdade. Mas dado que as sentenças-T são platitudes, uma sugestão interessante e que o conceito de verdade e totalmente captado unicamente pelo esquema T. Se estiver correto, talvez nada mais, ou pouco mais, precisa ser dito. O problema de verdade, assim, foi deflacionado: chegamos ao deflacionismo. Se isso e certo, a visão de que a verdade tem qualquer tipo de "natureza", exigindo uma análise metafísica, e um erro filosofico, uma confusão.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Duas formas comuns de deflacionismo são o descitacionalismo (portadores de verdade são sentenças) e o minimalismo (portadores de verdade são proposições). Para os nossos propósitos, eles não precisam ser claramente distinguidos. Verifique o artigo de Giarolo (2012), o texto de Ghiraldelli Jr. (1998) ou o livro de Braida (2013, p. 162-190) para aprofundar-se sobre as teorias deflacionárias.

As sugestões deflacionárias foram feitas por Frege, Ramsey, Ayer e Wittgenstein. Uma versão inicial observou que, desde que "A e verdadeiro" e equivalente a A, o predicado "verdadeiro" pode parecer redundante. No entanto, essa conclusão seria muito rápida, uma vez que existem outros contextos em que não e tão obvio como poderíamos fazer para eliminar o predicado "verdadeiro", um ponto enfatizado por ambos, Tarski e Ramsey (HAACK, 2002).

Ainda assim, as sentenças-T são platitudes analíticas sobre a verdade, e o

deflacionismo tenta explorar isso ao máximo. Enquanto não há consenso sobre o que exatamente e o deflacionismo, alem de algumas reivindicações pouco claras de que a verdade não e uma propriedade, ou que o problema da verdade e uma "confusão", há várias teses deflacionárias comumente defendidas. Em primeiro lugar, que a noção de verdade e, realmente, uma noção logica; segundo, que a única razão para se ter um predicado de verdade em uma linguagem consiste em sua utilidade logica; em terceiro lugar, que a teoria da verdade e neutra em questões de não verdades teoricas; e quarto, que o conceito de verdade não desempenha qualquer papel essencial nas explanações. (KIRKHAM, 2003).

Para explicar a alegação de que a verdade e um conceito logico, considere a expressão logica "e". Entender a expressão "e" e saber como argumentar com a mesma. Pode-se inferir "A e B" dos dois pressupostos A e B. Pode-se inferir A a partir de "A e B", como tambem pode-se inferir B. Entender "e" e apenas entender essas regras logicas. Alem disso, com a verdade há tambem uma analogia. A partir de A, pode-se inferir "A e verdadeiro"; e de "A e verdadeiro", pode-se inferir A. Assim, há regras logicas para o raciocínio com o predicado de verdade, e estas parecem análogas às regras logicas para o raciocínio com outras noções logicas, "e", "não", "ou" e assim por diante.

Isso nos leva à segunda alegação, relativa à utilidade logica de um predicado

de verdade. Suponha que alguem esteja tão impressionado com o conhecimento de João que chega a desejar endossar tudo o que o João disser. Se este alguem tivesse um monte de tempo livre, poderia começar a afirmar a seguinte declaração "infinitamente longa":

1. Se João diz que os pinguins gingam, então os pinguins gingam; e se João diz que os peixes nadam, então os peixes nadam; e se João diz que plástico e comestível, então o plástico e comestível; ... e assim por diante.

ATENCAO

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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Em certo sentido, (16) e uma "conjunção infinita" de enunciados da forma "Se João diz que p, então p". No entanto, note que com o predicado "verdadeiro", pode-se dizer simplesmente:

2. Tudo o que João diz e verdadeiro. Assim, usando o predicado de verdade e as regras para o raciocínio com o

mesmo, pode-se voltar a expressar certa conjunção infinita (16) como uma única declaração finita (17). Da mesma forma, mesmo se não soubermos o que a Maria disse, nos ainda podemos repudiá-la, dizendo: "o que a Maria disse não e verdade". Mesmo se nos não soubermos especificamente o que o Dalai Lama disse, podemos indiretamente endossar suas declarações dizendo "o que quer que seja que o Dalai Lama disse e verdade". O esquema T dá conta desta utilidade logica do predicado de verdade. Alem disso, para que o predicado de verdade tenha esta utilidade logica, nada mais e necessário alem do esquema T: não há necessidade de falar de fatos, correspondência, ou noções de justificação.

A terceira alegação diz respeito à neutralidade do esquema T. Novamente,

há resultados tecnicos que confirmam isso. Aceitar o esquema T não faz diferença para o background de alguem sobre questões de não verdade teorica. Pode-se aceitar a esquema T (mais exatamente, uma versão consistente), independentemente de você pensar que "eletrons são entidades independentes da mente" ou se você pensar que "os eletrons são construções logicas a partir de dados dos sentidos". O esquema T e, portanto, metafisicamente neutro.

A alegação deflacionária final e que, embora um predicado de verdade tenha

certa utilidade logica, o predicado não desempenha nenhum papel explicativo essencial que seja. A verdade e, portanto, "insubstancial", em algum sentido. Um argumento comum para se aceitar uma teoria científica empiricamente bem-sucedida, e que a melhor explicação para o seu sucesso empírico (ou seja, o fato de fazer previsões verdadeiras) consiste na propria teoria ser verdadeira. Afinal, a verdade da teoria não explica a verdade das predições? O deflacionista pode responder, no entanto, que o uso da noção de verdade pode ser eliminado das explicações particulares, usando o esquema T. Por exemplo, observamos a liberação de energia quando o urânio-235 e submetido à irradiação por nêutrons. A melhor explicação, pode-se dizer, e que a lei teorica de Einstein "E = mc2" e verdadeira. No entanto, o fenômeno e tão facilmente explicado pela alegação mais simples que E = mc2. Se isso e certo, não há necessidade de trazer a questão da verdade: a verdade e dispensável em explicações científicas.

Voltemo-nos agora para algumas objeções ao deflacionismo. A maior objeção e que o esquema T, a menos que restrito, e inconsistente. Pois nos conduz ao Paradoxo do Mentiroso. Não está claro o que o deflacionismo tem a dizer sobre isso. Se a consistência e procurada, algumas sentenças-T devem ser rejeitadas. O problema de explicar quais delas não e trivial. O deflacionista pode, por outro lado, se contentar com uma teoria inconsistente da verdade. Mas o custo e alto, uma vez que requer revisões desagradáveis na logica. (A concepção semântica, o

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

que quer que seja, suas falhas ou lacunas, não e inconsistente. Era parte da intenção de Tarski desenvolver uma teoria consistente da verdade).

O esquema T pode, de fato, ser enfraquecido (em várias maneiras), para

restaurar a consistência. A objeção agora seria que o mesmo se torna muito fraco para oferecer uma teoria utilizável da verdade. Nos gostaríamos de poder dizer, em geral, que:

3. Para qualquer sentença A: não-A e verdadeiro sse A não e verdadeiro.4. Para qualquer sentença A e B: A-e-B e verdadeiro sse ambos A e B são verdadeiros.

Princípios como estes são utilizados em nosso raciocínio o tempo todo. No entanto, uma teoria deflacionária da verdade com base no esquema T (ou uma versão consistente) não implica as generalizações (18) e (19). Note que estes tipos de generalizações estão sempre embutidos em uma teoria semântica da verdade tarskiana.

Uma terceira objeção ao deflacionismo diz respeito à dimensão normativa

da verdade: crenças verdadeiras são o que nos visamos acreditar, ou o que nos devemos acreditar. Nossas investigações cognitivas são guiadas por uma regra normativa da seguinte forma:

5. Vise acreditar em uma proposição sse ela e verdadeira.

Pode parecer que este aspecto normativo não e representado pelo deflacionismo. No entanto, talvez o deflacionismo pudesse responder a essa objeção como segue. A formulação desta regra como uma única declaração e realmente apenas um exemplo da utilidade logica do predicado de verdade, o que já foi explicado. A regra única, (20), e equivalente, pelo esquema T, a uma regra esquemática, da forma:

6. Vise acreditar que p se e somente se p. Assim, o predicado de verdade nos permite reformular a regra normativa

esquemática como uma regra normativa única. E a regra normativa esquemática (21) não parece envolver a verdade em absoluto, pelo menos não explicitamente.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este topico cobriu uma porção de questões, e devemos pedir desculpas que certas tecnicalidades logicas tenham entrado à medida que nos movemos alem do material mais básico sobre as teorias correspondentistas e as teorias epistêmicas. No entanto, isso e praticamente inevitável, como todo o trabalho importante na filosofia a respeito da verdade, desde a decada de 1960. Infelizmente, não discutimos os debates sobre o significado, o relativismo/racionalismo, declarações

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TÓPICO 3 | A FILOSOFIA E A QUESTÃO DA VERDADE

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que possivelmente carecem valores de verdade (por exemplo, declarações morais; declarações vagas), e eventuais revisões da logica clássica. Nos não discutimos o trabalho tecnico (alguns dedicados a estudar os paradoxos semânticos) de crescente relevância, em especial referentes aos debates sobre o deflacionismo, que têm dominado a literatura filosofica recente. No entanto, esperamos que você, acadêmico interessado, possa tomar esta introdução ampla sobre a discussão filosofica da verdade como um ponto de partida útil para estudos posteriores.

Finalmente, voltamos à questão levantada no início, sobre o porquê a

verdade importa. O teorico correspondentista pode responder a esta questão da seguinte forma. A verdade e importante porque a verdade envolve acordo com a realidade, e e a realidade que nos interessa. Em geral, importa para nos se o alimento nos nutre, ou se entes queridos estão protegidos, ou se temos segurança à nossa volta, ou se os prospectos são bons, e assim por diante. Vários fenômenos políticos e sociais tambem importam para nos. Para um físico, a natureza do mundo físico importa. Para um historiador, os acontecimentos passados importam. Em suma, a verdade importa porque a realidade importa.

Como leitura adicional sugerimos o livro Kirkham (2003) e o livro de Dutra (2001). Duas peças expositivas mais curtas são Haack (2002), especialmente o capítulo 7, e Glanzberg (2014), no Stanford Encyclopedia of Philosophy on-line (http://plato.stanford.edu/entries/truth/), que também tem vários artigos relacionados com a verdade. Outros livros expositivos são ao de Blackburn (2006), Putnam (1992), Davidson (2002) e Engels e Rorty (2008).

DICAS

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

Uma proposição e o conteúdo de uma declaração, ou o conteúdo de um estado mental. Isso nos permite dizer que as sentenças com o mesmo significado expressam a mesma proposição e que o que você acredita ser o caso e exatamente o mesmo que o que eu acredito.

Filosofos estão interessados no que significa dizer, de uma crença, afirmação ou proposição, que ela e verdadeira. Ou seja, como e que o conceito de verdade pode ser analisado? Chamamos isto de “Questão Analítica”.

A definição de um conceito ou de uma palavra e geralmente dada ao especificar as condições para esse conceito ou palavra aplicarem-se a coisas.

Uma teoria correspondentista começa com formulações do senso comum do seguinte tipo: uma afirmação e verdadeira apenas se concordar com a realidade; ou representa a realidade como ela e; ou as coisas são como diz que são; ou diz do que e, que o e; ou designa um estado de coisas existente; ou corresponde aos fatos (ou a um fato).

A definição de correspondência-ao-fato diz que a verdade envolve uma relação de correspondência entre um portador de verdade e um fato. Normalmente, os portadores de verdade e os fatos são tidos como tipos distintos de entidades.

Estado de coisas, conhecido tambem como situação, e uma forma que o atual mundo precisa estar ordenado para fazer alguma dada proposição sobre o mundo atual ser verdadeira. Assim, o estado das coisas seria o gerador das verdades, enquanto a proposição seria o portador da verdade. Nesse sentido o estado de coisas pode obter ou falhar em obter, tornando as proposições verdadeiras ou falsas, respectivamente.

A correspondência pode ser entendida como a “correlação convencional” do portador de verdade e o estado de coisas. Outro ponto de vista trata a correspondência como uma especie de relação “figurativa”.

Vários autores criticaram a teoria da correspondência e propuseram definir a verdade em termos de alguma noção de justificação idealizada ou aceitabilidade racional idealizada. Chamamos essas perspectivas de teorias epistêmicas da verdade. São tentativas de analisar a noção de verdade em termos de noções epistêmicas, tais como conhecimento, crença, aceitação, verificação, justificação e perspectiva.

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A definição verificacionista diz que uma crença ou declaração e verdadeira apenas quando pode ser verificada de tal maneira (observação e raciocínio logico direto e sensorial).

A definição coerentista diz que uma crença ou declaração e verdadeira apenas quando ela pertence a um sistema maximamente coerente.

O pragmatismo de longo prazo diz que uma proposição e verdadeira apenas quando e aceitável no limite ideal.

Aceitar uma sentença-T e independente de evidência empírica particular. Tudo o que precisamos e compreender quais são as proposições relevantes envolvidas, bem como o conceito de verdade. As sentenças-T são analíticas: nos as aceitamos em virtude de compreender os conceitos que usam.

Uma definição da verdade proposta e considerada como “correta” ou “adequada” quando implica as sentenças-T correspondentes. Tal definição da verdade e chamada de adequada materialmente.

Na concepção semântica da verdade, portadores de verdade são sentenças, entendidas como sequências de letras. A verdade ou a falsidade de uma sequência de letras so faz sentido relativo a algum idioma. Assim, as concepções semânticas não lidam com um conceito absoluto “A e verdadeiro”, mas sim com um conceito relativo.

A concepção semântica da verdade baseia-se na definição correspondentista clássica, em vez da definição correspondência-ao-fato. Assim, se a definição correspondentista clássica e uma teoria correspondentista, então, certamente assim o e a teoria de Tarski. O ponto de diferença e que uma definição tarskiana da verdade não introduz fatos, e não introduz uma relação correspondentista sentença-ao-fato.

O deflacionismo alega que, dado que as sentenças-T são platitudes, uma sugestão interessante e que o conceito de verdade e totalmente captado unicamente pelo esquema-T. Se estiver correto, talvez nada mais, ou pouco mais, precisa ser dito. O problema de verdade, assim, e deflacionado. Se isso e certo, a visão de que a verdade tem qualquer tipo de “natureza”, exigindo uma análise metafísica, e um erro filosofico – uma confusão.

Há várias teses deflacionárias comumente defendidas. Em primeiro lugar, que a noção de verdade e, realmente, uma noção logica; segundo, que a única razão para se ter um predicado de verdade em uma linguagem consiste em sua utilidade logica, em terceiro lugar, que a teoria da verdade e neutra em questões de não verdades teoricas; e quarto, que o conceito de verdade não desempenha qualquer papel essencial nas explanações.

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AUTOATIVIDADE

Há várias definições de verdade apresentadas neste topico. A pragmatista, a verificacionista, a coerentista, a clássica de correspondência e a de correspondência-ao-fato. Leia as seguintes propostas de definições de verdade:

I- A e verdadeiro sse A diz que tal e tal e o caso, e tal e tal e o caso.II- A e verdadeiro sse A corresponde a um fato.III- A e verdadeiro sse A e verificável, em princípio.IV- A e verdadeiro sse A pertence ao sistema (de crenças) maximamente coerente.V- A e verdadeiro sse A for aceito, no limite ideal da inquirição racional, por

qualquer um que investigue.

Assinale a alternativa correta:

a) ( ) As afirmações V e I são as definições pragmatista e verificacionista, respectivamente.

b) ( ) As afirmações II e III são as definições coerentista e clássica de correspondência, respectivamente.

c) As afirmações IV e I são as definições correspondência-ao-fato e coerentista, respectivamente.

d) ( ) As afirmações V e III são as definições pragmatista e verificacionaista, respectivamente.

e) ( ) As afirmações III e II são as definições pragmatista e clássica de correspondência, respectivamente.

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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TÓPICO 4

A FILOSOFIA E A EXISTÊNCIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste topico a questão da existência aos olhos da investigação filosofica será o nosso objetivo principal. Este tema e parte do campo da filosofia que chamamos de Metafísica, que tem como um de seus principais ramos a ontologia.

Vamos introduzir, primeiramente, o que denominamos aqui de “enigmas da existência”. Seis enigmas, para ser exato, questões que a filosofia deverá responder em sua aproximação da existência. A seguir, vamos levantar questionamentos quanto aos fundamentos da ontologia. Então, vamos nos concentrar nos enigmas apresentados, elaborando os argumentos pro e contra a cada um destes. Primeiro fazendo uma análise da existência, depois explorando as questões sobre os objetos não existentes, os objetos meio-existentes, os limites da existência e as razões para qualquer coisa existir em absoluto.

2 OS ENIGMAS DA EXISTÊNCIA

Suponha que, um dia, alguem que está no lugar certo, na hora certa e com todo o equipamento certo e capaz de estabelecer, para alem de qualquer dúvida razoável, que sob a superfície plácida do Lago Ness esconde-se um reptil enorme e antigo, possivelmente uma besta perigosa, com um pescoço longo. Como pode tal descoberta ser anunciada nos jornais? Muito provavelmente uma das manchetes seria "O Monstro do Lago Ness Existe!". Praticamente todo mundo saberia o que isso significaria. Ou suponha que uma equipe de físicos, ponderando os misterios do espaço, do tempo e do universo, se depara com uma solução para algumas dificuldades de longa data em cosmologia e publicam, em um periodico científico reconhecido, um artigo intitulado "Mundos Paralelos existem". Mais uma vez, este anúncio seria amplamente entendido, pelo menos por aqueles que tivessem apreendido o conceito de mundos paralelos. Ou suponhamos que um matemático, tendo trabalhado por decadas em um teorema matemático por muito tempo pensado impossível de se provar (chamá-lo-emos de "Teorema de Fermat"), se depara finalmente com uma prova. "Claro, a prova já existia esse tempo todo", ele poderia explicar a um público animado, "É so que ninguem a tinha descoberto!". Mais uma vez, esta observação não criaria uma perplexidade generalizada.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

O caso não é totalmente ficcional. Uma proposição matemática chamada “Último Teorema de Fermat”, de Pierre Fermat (1601-1665), o advogado e matemático do século XVII que foi o primeiro a propô-lo, frustrou a prova até 1993, quando Andrew Wiles, um acadêmico de Cambridge, ofereceu uma solução de 250 páginas que foi amplamente aceita como bem-sucedida. Em uma entrevista, Wiles apontou que o fato de que se ninguém tinha conseguido encontrar uma solução não significava que não havia uma. A história do teorema é contada em Simon Singh (2014).

Parece que nos sabemos o que se quer significar por "x existe", se o "x" em questão e o monstro de Lago Ness, um mundo paralelo, ou uma prova de um teorema matemático. No entanto, se nos realmente sabemos do que estamos falando, isto e realmente um tanto enigmático. Porque estamos lidando aqui com três tipos de coisas muito diferentes, e se nos pedissem para dizer apenas o que e que estas têm em comum, em virtude da qual podemos dizer que todas existem, nos provavelmente ficaríamos tateando por uma resposta. Portanto, temos aqui o primeiro enigma da existência: O que significa dizer que algo existe?

O segundo enigma e relacionado a isso, e emerge quando se considera

a variedade de itens acima: será que empregamos o mesmo sentido de "existe" quando dizemos "a prova do teorema de Fermat existe" como quando dizemos "o monstro do Lago Ness existe", ou "um mundo paralelo existe", ou ate mesmo "Deus existe"?

O terceiro enigma da existência envolve sua imagem especular: a não

existência. Podemos, ao que parece, de modo um tanto inteligível dizer coisas como "Mondas era o decimo planeta do Sistema Solar" ou "A Feiticeira Branca tornou para sempre Inverno em Nárnia". No entanto, nem Mondas nem a Feiticeira existem, portanto, essas duas declarações não são sobre qualquer coisa em absoluto! Como podem então ter significado, ter algum sentido? Por outro lado, se não podemos falar significativamente sobre o que não existe, então, uma declaração como: “O Sítio do Picapau Amarelo não existe” não pode ser ao mesmo tempo significativa e verdadeira. Assim, o terceiro enigma da existência e como podemos falar significativamente, ou pensar de forma coerente, sobre objetos não existentes.

O quarto enigma diz respeito aos itens que existem em algum sentido, mas

de uma forma menos “puro sangue” que você ou eu: sombras, buracos e imagens especulares, coisas que poderíamos chamar de objetos "meio-existentes". Nos estamos certamente falando de algo quando falamos sobre esses itens, e podemos dizer coisas que são verdadeiras ou falsas deles (“a sombra está ficando mais alongada”, “aquele buraco foi preenchido”, “a imagem especular do meu rosto faz minha pinta aparecer no lado direito”), mas será que estas são coisas, exatamente?

IMPORTANTE

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TÓPICO 4 | A FILOSOFIA E A EXISTÊNCIA

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O quinto enigma diz respeito aos limites de existência. Quando e que

uma pessoa passa à existência? No momento da concepção? Em algum ponto durante o desenvolvimento do embrião? Quando começa a ser capaz de sentir? Contemplando tais questões, poderíamos estar inclinados a pensar, não apenas que nos não sabemos exatamente quando a pessoa passa a existir, mas que não há nenhum fato objetivo da questão, que na verdade e indeterminado quando a pessoa faz isso. Há alguns momentos em que definitivamente não o faz, e outros momentos em que definitivamente o faz, mas há momentos no entremeio quando não e nem definitivamente verdadeiro nem definitivamente falso que a pessoa existe. A fronteira entre a existência e a não existência, ao que parece, pode ser vaga, mas como e que vamos expressar precisamente essa ideia?

O sexto e último enigma da existência e um dos mais desconcertantes de

todos os problemas filosoficos, mas tambem aquele que provoca reações muito diferentes. Para alguns, e o problema mais profundo que podemos perguntar; para outros, não e digno de uma atenção seria. É este: Por que as coisas existem? Por que qualquer coisa existe em absoluto? Por que não há simplesmente o nada?

No que se segue, vamos explorar, ou pelo menos dar um primeiro passo na exploração de cada um desses enigmas.

3 SERÁ QUE A ONTOLOGIA SE ESTABELECE EM UM ERRO?

A palavra "ontologia" e usada de duas maneiras. A ontologia de uma pessoa ou de uma teoria e apenas o catálogo de coisas que as mesmas supõem existir. A ontologia do idealismo, por exemplo, e restrita a itens mentais; a ontologia do materialismo, à materia. O Idealismo diz que tudo o que existe e mental, e a forma habitual de interpretar isso e dizer que os objetos são apenas coleções de ideias. O Materialismo, ao contrário, diz que tudo e feito de materia. O Idealismo, por exemplo, foi defendido por uma serie de argumentos engenhosos de George Berkeley (1685-1753), expostos em particular em seu Tratado sobre os princípios do conhecimento humano (1996a) e em seu Três diálogos entre Hilas e Filonous em oposição aos ceticos e ateus (1996b). O materialismo, por exemplo, foi defendido por Thomas Hobbes (1588-1679) em seu Elementos da Filosofia (2012). Todavia, quando falamos apenas da ontologia, ao inves de ontologia de x, queremos nos referir ao estudo filosofico da existência. A ontologia como um estudo pergunta que tipos de coisas existem, e hoje em dia os metafísicos percebem isso como sendo uma questão substancial e significativa. Mas, no seculo XX houve uma tradição influente de suspeita sobre esta questão e em alguns grupos esta suspeita perdura. Então, antes de ir muito mais longe em nosso exame da natureza da existência, devemos primeiro satisfazer-nos de que há de fato algo a ser examinado.

Considere casos em que nos perguntamos sobre o que de fato existe, que não

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

se destinam como questões claramente filosoficas: Existem livros na biblioteca da faculdade? Há um rato na cozinha? Existe alguma cerveja na geladeira? É bastante claro como devemos proceder para responder a essas perguntas: ir e ver. Outras questões existenciais, perguntas sobre o que existe, são igualmente comuns, mas concernem a um domínio bastante diferente: Existem números primos entre 618 e 734? Existe um ângulo obtuso neste paralelogramo? Existem quaisquer números que não podem ser expressos em termos de dois inteiros (tais como 22 sobre 3)? Aqui, nos não podemos "ir e ver" exatamente do mesmo modo como fizemos em resposta ao primeiro conjunto de perguntas. Finalmente, considere os tipos de questão que os cientistas postulam de vez em quando: Existe algum cloro nesta amostra de gás? Há alguma partícula alfa nesta câmara de nuvens? Existe uma conexão genetica entre a cor dos olhos e a altura? Aqui, “ir e ver” pode envolver alguns testes bastante sofisticados, assim como fundamentação teorica.

Então, quando fazemos perguntas existenciais comuns como estas, com

frequência temos em mente uma maneira particular de descobrir as respostas, e o metodo de descobrir será muito diferente em casos diferentes. Agora, o fato de que nos usamos metodos muito diferentes para descobrir a existência de livros, ratos, cerveja, números, ângulos, gases, partículas alfa e as conexões geneticas sugere que estamos lidando com tipos muito diferentes de fatos existenciais. O que e para um rato existir e um assunto muito diferente do que e para um número existir, ou para uma conexão genetica existir. O fato de que as perguntas começam da mesma maneira (“Há...?” ou “Existe...?") não implica necessariamente que, no fundo, estejam todas envolvidas com o mesmo tipo de fato.

Naturalmente, as questões existenciais que os filosofos perguntam tendem

a ser muito mais gerais: Há objetos físicos? Existem números? Existem entidades não observáveis? E os pressupostos aqui são, em primeiro lugar, que estas questões têm algo em comum, todas elas concernem à natureza da realidade, e, segundo, que as respostas às questões cotidianas e comuns não nos ajudarão a responder essas questões filosoficas mais gerais sobre a existência. O curioso, porem, e que se deve concluir da verdade comum de que “há um rato na cozinha”, que os objetos físicos existem (uma vez que um rato e um paradigma de objeto físico), e da verdade de que “existem números primos entre 618 e 734”, que há números. E se esse tipo de inferência e aceitável (como certamente o e), então parece que, fazendo um pouco de trabalho de detetive relacionado a um roedor, ou fazendo matemática, podemos responder questões filosoficas.

Os ontologistas irão naturalmente protestar. Eles argumentam que a questão

postulada por eles sobre o que existe está em um nível mais profundo do que as questões sobre ratos ou números primos: mais profundo, note, não apenas mais geral. Mas, talvez eles estejam enganados. Ao perguntar o que realmente existe, ou o que, em última análise existe, eles assumem que "existe" tem um significado único, aplicável a diferentes tipos de coisa. Mas quando nos empenhamos em responder às questões comuns, os criterios que usamos foram tão diferentes, que há motivos para pensarmos que "existe" significa coisas diferentes, dependendo se estamos falando de objetos físicos como ratos, ou coisas abstratas como números, ou algo entre os dois, como quando falamos de entidades teoricas como conexões

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TÓPICO 4 | A FILOSOFIA E A EXISTÊNCIA

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geneticas. Para um objeto físico existir (pode ser proposto) e necessário que ocupe espaço. Para um número existir e necessário que seja incluível em cálculos matemáticos. As respostas às questões comuns podem não ser sempre fáceis de encontrar, mas elas não nos obrigam a envolver-nos em filosofia, e uma vez que as temos respondido, então não precisamos fazer qualquer trabalho adicional para responder às questões filosoficas. Desse modo a ontologia seria realmente redundante.

O argumento que acabamos de dar e uma versão simplificada de um argumento posto pelo positivista logico Rudolf Carnap (1891-1970), em "Empirismo, Semântica e Ontologia" (1980). Este e o artigo clássico que se propõe a solapar a ontologia. Foi tambem reproduzido com algumas alterações em Paul Benacerraf e Hilary Putnam na obra Philosohpy of Mathematics (1983, p. 241). Carnap argumenta que existem apenas dois tipos legítimos de dúvida sobre a existência: as questões internas, relativas à aplicabilidade de determinados tipos de conceito dentro de um esquema conceitual (ou "enquadramento") e questões "externas", quanto à utilidade ou à forma de adotar esse esquema conceitual. Questões ontologicas tradicionais, para Carnap, não se encaixam em qualquer categoria e, assim, são ilegítimas.

Para atender a esse tipo de desafio, os ontologistas precisam mostrar que há uma noção da existência de aplicação geral, adequada para diferentes domínios, e se ou não um candidato à existência satisfaz essa noção, não e uma questão resolvida por qualquer quantidade de trabalho de detetive, prova matemática ou investigação científica. Então, vamos passar para a pergunta "o que e existir?".

4 A ANÁLISE DA EXISTÊNCIA

O que gostaríamos, idealmente, e um relato informativo do que e existir. Uma abordagem natural para esta tarefa e perguntar como nos tipicamente nos tornamos conscientes da existência de algo, e na maioria dos casos, isso ocorre porque este algo colide direta ou indiretamente com nos de algum modo (a mesinha de canto quando tropeçamos nela no escuro; a primeira estrela a aparecer no anoitecer; um parente distante que acabamos de descobrir). Portanto, a nossa primeira explicação da existência e a seguinte:

Um objeto existe se, e somente se, ele tem efeitos. Pode-se objetar imediatamente que os objetos inexistentes têm efeitos: A

Sofia, de seis anos de idade, está com medo do bicho-papão, por exemplo. Mas aqui nos devemos dizer que e a ideia da Sofia do bicho-papão que tem esse efeito. Mesmo com essa objeção inicial fora do caminho, e claro que a primeira explicação não vai dar conta do recado. "Um objeto existe se, e somente se, ele tem efeitos”. Efeitos sobre o quê? Sobre outras coisas, presumivelmente. Mas em primeiro lugar, parece estranho fazer a existência de qualquer objeto logicamente dependente da

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existência de outros objetos. E se houvesse apenas um objeto no mundo? Não poderia afetar qualquer outra coisa, já que haveria mais nada que possa afetar. No entanto, ele, com certeza, ainda existiria. Em segundo lugar, uma vez que apenas os objetos existentes podem ser impingidos, a explicação e realmente uma versão breve para "Um objeto existe se, e somente se, ele tem efeitos sobre outras coisas que existem", e isso define existência em termos de existência, que e irremediavelmente circular.

Em resposta à objeção do objeto solitário, poderíamos dizer que algo apenas necessita ser suscetível ou capaz de afetar coisas para contar como existente:

Um objeto existe se, e somente se, é possível para o mesmo que tenha efeitos sobre outras coisas.

Compare a observação feita pelo Estrangeiro de Eleata no diálogo sofista de Platão (1980, p. 69):

Declaro, então, que tudo o que possui uma determinada faculdade, seja de atuar de algum modo sobre outra coisa, seja de sofrer a influência, embora mínima, do mais insignificante agente, mas que fosse uma única vez, e um ser real. Minha definição para explicar os seres e que não passam de capacidade ou força.

Assim, um objeto solitário ainda conta como existente. Mas isso ainda não supera a objeção da circularidade, uma vez que, mesmo se os objetos que poderiam ser afetados não existem realmente, eles devem ser possivelmente existentes. E há outras preocupações tambem. Em primeiro lugar, há algo distintamente estranho sobre a definição de uma qualidade real (existente) em termos do que e possível, em vez de em termos do que e real. O que e a respeito da verdadeira natureza deste objeto em virtude da qual ele pode afetar outras coisas? Segundo (e esta preocupação tambem se aplica à primeira análise), se nos estamos procurando por uma explicação da existência tão abrangente quanto possível, uma que permitiria, ou pelo menos não excluiria automaticamente, objetos não físicos, tais como números, então esta explicação não poderá servir. Pois os números são objetos abstratos, não existentes no espaço e no tempo em absoluto: se eles de fato existem, eles o fazem atemporalmente e não espacialmente.

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TÓPICO 4 | A FILOSOFIA E A EXISTÊNCIA

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A ideia de que há coisas abstratas, para além do mundo dos sentidos, é um tema dominante nos diálogos de Platão: ele as chama de “formas”, e elas incluem a beleza, a igualdade e a justiça. Veja em particular os seguintes textos de Platão: A Apologia (2008a), o Fédon (2008b) e A República (2001). Para Platão, não há conflito com o critério causal da existência, uma vez que estas formas são fontes de conhecimento. A sugestão de que objetos abstratos são causalmente inertes é característica de uma posição na metafísica contemporânea chamada (talvez de um modo um pouco desviante) de “platonismo”. As Formas foram pretendidas para explicar, entre outras coisas, o que as coisas tinham em comum, e o nome padrão para estas propriedades compartilhadas e gerais é universais (expresso por termos como “vermelhidão”, “redondidade” etc.). Para uma discussão sobre a indispensabilidade dos universais, consulte Bertrand Russell, Os problemas da filosofia (2008), especialmente o capítulo 9 – “O mundo dos Universais”. Um argumento para a existência de objetos abstratos é desenvolvido em Bob Hale em Abstract Objects (1987), e a questão do status dos números é explorado em John Bigelow, The Reality of Numbers (1988). Todas estas questões podem ser vistas na obra organizada por Bruce e Barbone (2013).

Desse modo, o "somente se" da análise parece demasiado restritivo. Terceiro (e novamente esta se aplica à primeira análise), a propriedade de ser capaz de ter efeitos não pode ser constituinte da existência, uma vez que esta parece ser uma questão do que um objeto faz ou poderia fazer, ao inves do que “e” para este objeto simplesmente existir. A explicação causal fornece, na melhor das hipoteses, um criterio de existência, um teste de que apenas as coisas existentes podem passar, mas não uma análise, algo que capta o núcleo da existência.

Vamos, então, dar uma olhada em uma abordagem bastante diferente:

Um objeto existe se, e somente se, ele tem propriedades.

Isso não exclui automaticamente objetos abstratos como números, uma vez que "propriedades" aqui poderia incluir as propriedades matemáticas, e não apenas as físicas. Essa abordagem tambem se concentra em algo que a um objeto não poderia faltar, mesmo que este seja a única coisa existente. Ela tambem nos diz que tipo de coisa e a existência. Existência, como poderíamos dizer, e o tipo mais geral de propriedade que existe: e a propriedade de ter propriedades. Algumas vezes e sugerido, no entanto, que a existência não e uma propriedade, mas o ponto e, por vezes, posto em termos de linguagem: "existe" não e um predicado.

IMPORTANTE

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A sugestão de que “existe” não é um predicado, ou não é um predicado “real”, é feita por Immanuel Kant (1724-1804), na Crítica da Razão Pura (2012), numa passagem que tenta demolir o argumento ontológico para a existência de Deus (Dialética Transcendental, livro II, cap. III, seção 4). Relacionado a isso está a visão de Frege, apresentada no ensaio “Sobre o conceito e objeto” (2009), de que a existência é uma propriedade de conceitos. Assim, “existem unicórnios” significa “o conceito unicórnio é realizado”.

A razão oferecida com frequência e que, uma vez que descrevemos algo, em termos, por exemplo, de algo ser vermelho, redondo e feito de madeira, não acrescentamos nada à sua descrição dizendo que este algo existe. Isto não ajuda a defini-lo mais precisamente. O que estamos dizendo, de fato, e que as propriedades que acabamos de mencionar são todas exemplificadas (na verdade coexemplificadas, isto e, exemplificadas pela mesma coisa). Como podemos defender a análise contra esta objeção? Longe de ser inconsistente com o fato de que "Pedro existe" não acrescenta nada à descrição de que “Pedro tem 180 cm de altura, e canhoto, e está usando o perfume Paco Rabanne XS”, a análise realmente explica isso. Porque, se a análise estiver correta, "Pedro existe" está, na verdade, implicado por “Pedro tem 180 cm de altura...” (ou alguma outra descrição), e o que está implicado por uma descrição não acrescenta nada a essa mesma descrição. Por exemplo, uma vez que "a maçã e colorida" resulta de "a maçã e verde", a primeira declaração não acrescenta nada à segunda. Entretanto, isto não nos levaria a concluir que o ser colorido não e uma propriedade genuína.

Uma preocupação, contudo, mantem-se, e esta e que a análise e

demasiadamente permissiva. Considere um ser não existente, o Super-Homem. Há uma abundância de propriedades que podem corretamente atribuir ao Super-Homem: que ele e muito alto, extremamente forte, e capaz de voar etc. Então, o Super-Homem tem propriedades. No entanto, o Super-Homem não existe! Assim, a terceira análise acima deve estar errada. Contudo, dizer isso seria muito precipitado. O Super-Homem não tem estas propriedades realmente: ele e meramente representado como tendo-as. Mas então, não se segue disso que ele tem a propriedade de ser representado como sendo muito alto etc.? Para descartar esse problema, teríamos que modificar a análise da seguinte forma:

Um objeto existe se, e somente se, ele tem propriedades independentemente de qualquer representação dele como tendo essas propriedades.

Objetos não existentes continuam a ser um problema. Eles são, na verdade, o terceiro enigma da existência que precisamos discutir.

NOTA

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5 OS OBJETOS NÃO EXISTENTES

Talvez atribuir propriedades a objetos ficcionais e a outras coisas não existentes não nos compromete, absurdamente, a sua existência. Mas, se isso não for o caso, então não e de todo obvio como podemos falar significativamente sobre esses objetos, pois nossa conversa seria sobre nada, em absoluto! Como pode haver pensamento ou fala com conteúdo sobre o nada? Pode não haver uma solução satisfatoria para todos os casos, mas uma estrategia que se recomenda e que qualquer frase da forma "A e tal e tal", onde não há qualquer A na existência, pode ser parafraseada em termos de coisas que de fato existem, ou em termos de propriedades. Para dar um exemplo bastante obvio, quando dizemos "A media de carro por habitante da Vila Xurupita e de 1,5 carros", não queremos afirmar algo sobre uma pessoa em particular que possui 1,5 carros, mas sim afirmar algo mais complicado, ou seja, que a divisão do número de carros possuídos pelos habitantes da Vila Xurupita pelo número de habitantes resulta em 1,5. Somente coisas existentes, portanto, são selecionadas.

Podemos generalizar essa estrategia? Suponha que, um dia, Ana diz: "O

descobridor da prova do último Teorema de Fermat e um gênio". Acontece que o último Teorema de Fermat ainda não foi provado (e vamos supor, para evitar complicações, que nunca será), assim a Ana, na verdade, não referiu a uma pessoa existente. Para dar sentido ao que ela disse, podemos propor a seguinte paráfrase: "Há alguem que descobriu o último Teorema de Fermat e que e um gênio". Nos agora removemos qualquer frase que pareça como se a sua função fosse a de referir a uma pessoa específica. Termos como "Pedro" ou "o atual coordenador do curso de Teologia" são utilizados para selecionar uma pessoa em particular. Mas "alguem" (tal como em, por exemplo, "há alguem nesta sala") não e usado nesta forma. Então, o que a Ana diz, ou melhor, seu conteúdo real, e totalmente inteligível, embora, reconhecidamente, sua declaração seja falsa. Este tratamento de declarações, aparentemente acerca de não existentes, foi proposto por Bertrand Russell (1872-1970), em "Da Denotação" (1978).

Mas agora, veja o que esta estrategia faz com declarações como "Otelo, o

Mouro de Veneza, suspeita infidelidade por parte de sua esposa Desdêmona", "O Pernalonga gosta de cenouras e e muito dado a dizer ‘O que e que há velhinho?’”, “Bento Santiago pretende atar as duas pontas da vida e resgatar na velhice a adolescência”, “Dom Quixote perdeu a razão", e assim por diante. Estas são declarações sobre personagens fictícios, e nos comumente iríamos tratá-las como verdadeiras. Mas se nos as parafrasearmos da maneira que nos parafraseamos as declarações de Ana, obtemos: "Há uma pessoa chamada ‘Otelo’, que e Mouro de Veneza, e que suspeita infidelidade por parte de sua esposa Desdêmona", "Há um coelho que gosta de cenouras e que e muito dado a dizer ‘O que e que há velhinho?’” etc. Mas estas declarações, implicando como elas fazem, que os personagens em questão realmente existem, são falsas. Assim, parece que deveríamos distinguir entre uma declaração como a de Ana, que e claramente baseada em uma crença errônea na existência de um indivíduo, e uma declaração que e feita reconhecidamente sobre um personagem fictício. Este segundo tipo de declaração poderia ser considerado,

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não como uma afirmação, mas como uma pretensa afirmação feita no contexto de um jogo de fazer de conta. Assim, enquanto assistimos a uma apresentação de Otelo, podemos fingir que o que está acontecendo no palco não e meramente uma representação de um marido ciumento, mas um caso real de um indivíduo assim, e deste modo fingir que estamos nos referindo a ele.

Suponha, no entanto, que desejamos fazer uma declaração como "Otelo

não existe". Por um lado, a fim de dar sentido ao nome de "Otelo", temos de nos imaginar participando (pelo menos minimamente) na ficção, a ponto de fingir que o nome de "Otelo" na verdade nomeia alguem. Mas quando nos afirmamos a inexistência de Otelo, temos que pisar fora da ficção, e abandonar toda a pretensão, pois e claro que, dentro da ficção, Otelo existe. Infelizmente, uma vez que pisamos fora da ficção, "Otelo" deixa de funcionar como um nome, e nos mais uma vez enfrentamos o problema de fazer declarações inteligíveis sobre os não existentes. Poderíamos, então, retroceder à primeira estrategia, que envolvia parafrasear, e supor que "Otelo não existe" e uma abreviação para alguma declaração como "Não há nenhuma pessoa que e chamada de 'Otelo', que e Mouro de Veneza, que suspeita sua esposa de infidelidade etc.". O problema com isso e que e uma declaração geral, não sobre um indivíduo específico, e a declaração "Otelo não existe" parece ser sobre um indivíduo específico, não apenas uma afirmação geral no sentido de não haver ninguem que deva responder a uma certa descrição.

Talvez nos podemos relacionar "Otelo não existe" ao tipo de declaração que

encontramos em críticas literárias, como "Otelo e um dos personagens trágicos mais convincentes de Shakespeare" ou "Otelo representa um tema recorrente em Shakespeare, aquele da natureza possessiva do amor". Neste tipo de declaração, o status ficcional do personagem não está em questão, não são declarações que são feitas dentro da ficção, ou que exigem qualquer pretensão, mas a referência parece ser a um indivíduo específico. Uma abordagem para estas declarações críticas e tratá-las como sendo sobre um objeto real, no entanto, um objeto abstrato, em vez de um concreto. A expressão "Otelo", no contexto da crítica literária, funciona mais como a expressão "o número dois" ou "a justiça", do que "Albert Einstein” ou "o Coliseu de Roma". Se podemos estender este tratamento para "Otelo não existe", então poderíamos representar o significado desta declaração como sendo que o objeto abstrato nomeado aqui não e um objeto concreto (no sentido de que objetos concretos fornecem o paradigma de coisas existentes).

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Como já dito, o problema do significado de declarações sobre objetos não existentes foi abordado por Bertrand Russell em Da Denotação (1978). A sugestão de Russell foi apoiada e prorrogada por W. V. O. Quine em Sobre o que há (1980); reimpresso com alterações em Quine, De um ponto de vista lógico (2011). É neste trabalho que Quine expressa seu famoso slogan, “ser é ser o valor de uma variável”. As contribuições de Kant, Frege, Russell e Quine para a compreensão da existência são todas discutidos por Williams (1981). Peter van Inwagen, em Creatures of Fiction (1977, p. 299-308), explora a ideia de que as declarações sobre objetos fictícios como “Otelo suspeita de Desdêmona” e declarações críticas sobre esses objetos, tais como “Otelo é um personagem bem desenvolvido”, pode ser suscetível ao mesmo tratamento, em termos de objetos abstratos. Vale a pena conferir o texto Entidades Ficcionais de Fiora Salis (2013) para aprofundar o tema com os argumentos de diversos autores.

6 OS OBJETOS “MEIO-EXISTENTES”

Há um grupo de objetos que satisfazem a análise “possuidora de propriedades” da existência, mas para os quais não estaríamos dispostos a conceder existência plena. Talvez um nome adequado, embora paradoxal, para esses objetos, seria objetos "meio-existentes". Buracos, sombras e reflexos se enquadram nesta categoria. Considere um buraco, por exemplo. Ele certamente tem propriedades, tem certas dimensões, as coisas podem cair nele ou atraves dele, e ele tem um local particular em relação a outros objetos. Mas o que e isso que chamamos de buraco, exatamente? É uma região do espaço? Não, porque, mesmo se pensarmos que o espaço existe como um objeto em si mesmo, independentemente das coisas que ele contem, qualquer buraco que estivermos propensos a nos deparar estaria se movendo atraves do espaço (como o resultado da rotação da Terra, por exemplo). Na medida em que ele se move, ele permanece o mesmo buraco, mas diferentes partes do espaço irão preenchê-lo. Alem disso, as regiões do espaço teriam regiões menores como partes, mas nunca poderíamos dizer que um buraco tem buracos! E se nos não pensarmos no espaço como um objeto em si mesmo, mas apenas como uma rede de relações espaciais entre as coisas, então não há nenhum objeto para identificarmos com o buraco. De qualquer maneira, então, o buraco não e o mesmo que uma parte do espaço.

A pista de como devemos ver buracos e fornecida pelo pensamento que,

se fôssemos remover os objetos ao redor do buraco (o resto do cobertor ou um pedaço de terra), o buraco desapareceria. Isso sugere que o buraco, embora existente, tem uma existência dependente, ele depende da existência de outras coisas. Mas será que depende da existência de coisas particulares? Suponha que um muro e construído de pedras, com um buraco no meio, talvez uma entrada para um castelo. Mas, na medida em que as pedras ao redor da entrada começam a desintegrar-se, elas são substituídas. Finalmente, nenhuma das pedras originais permanece, mas a forma e a localização da entrada são inalteradas. Poderíamos

ATENCAO

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imaginar depois de um tempo que as pedras são substituídas por tijolos. Desde que o tamanho e a forma da abertura se mantenham exatamente os mesmos, esta ainda não e a mesma entrada? Se assim for, observações semelhantes se aplicam a outros buracos, então, parece que os buracos não dependem de objetos específicos, mas sim de objetos que estão dispostos, arranjados, de uma certa maneira.

Sombras parecem apresentar um tipo de caso semelhante. Suponha que

lançamos uma sombra sobre uma parede por meio de um pedaço de papel. Nos, então, colocamos outro pedaço de papel, exatamente da mesma forma e tamanho, em cima do primeiro. Em seguida, removemos o primeiro pedaço de papel. A sombra está agora sendo lançada pelo segundo pedaço de papel, mas e a mesma sombra? Se assim for, então, tal como buracos, embora as sombras dependam para a sua existência de outros objetos, elas não dependem de objetos particulares. Há, no entanto, uma diferença entre sombras e buracos. Há uma conexão logica, ao inves de uma causal, entre um buraco e os objetos que o delimitam. A causa do buraco seria a atividade dos construtores, ou escavadores, e assim por diante. Em contraste, a sombra parece tanto logicamente quanto causalmente dependente do objeto que a projeta. É logicamente dependente, porque uma sombra e necessariamente uma sombra de algo, nos nunca nos deparamos com uma sombra por sua propria conta. E e causalmente dependente, pois, para que a sombra seja lançada, o objeto precisa bloquear a luz, que de outra forma iluminaria a área onde a sombra está. Mas como uma conexão pode ser ambos, logica e causal? Uma não exclui a outra? Talvez uma maneira de resolver esse conflito aparente e dizer que a sombra e logicamente (ao inves de causalmente) dependente de uma interação causal entre um objeto e a luz.

O que podemos dizer sobre as reflexões no espelho? Aqui temos outra

interação de objetos com a luz, pois sem a luz não há nenhuma imagem especular. Ao contrário de buracos e sombras, no entanto, a imagem especular e dependente de um objeto particular. Não podemos substituir esse objeto e obter exatamente a mesma imagem. Mas imagens especulares não são apenas os objetos dos quais são imagens, pois elas têm propriedades diferentes e de fato incompatíveis. Nos não mudamos de tamanho à medida que avançamos para longe de um espelho, mas as nossas imagens espelhadas mudam de tamanho. Se você acenar com a mão direita, a mão esquerda de sua imagem irá acenar. Alem disso, ao passo que a imagem especular desaparece se você se mover da frente do espelho, ou se a luz apagar, você ainda permanece na existência. Por outro lado, se você está olhando para sua imagem no espelho, você não está tambem olhando para si mesmo? Como pode ser isso, se você e sua imagem não são o mesmo?

Esta e uma das questões favoritas entre aqueles que encontram a filosofia

pela primeira vez (o que não sugere que ela perca todo o interesse quando estiveres estudando a filosofia durante anos) se uma árvore, por exemplo, continua a existir quando ninguem a estiver olhando. Vamos dar a resposta do senso comum que, claro, a árvore continua a existir, a sua existência não e de todo dependente de a mesma ser percebida. É o mesmo que acontece com imagens especulares? Se você está inclinado a dizer "não" a esta pergunta, então o resultado e outra diferença entre essas imagens, por um lado, e os buracos e sombras por outro, e isso e que as

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imagens especulares são dependentes não apenas de outros objetos, mas tambem de nossas mentes. Talvez nossas mentes sejam a verdadeira localização de tais imagens. Se assim for, então podemos nos perguntar se elas realmente se encaixam em nossa análise da existência.

Parece, portanto, que há objetos que não são de todo fictícios, mas são

logicamente dependentes de outros para a sua existência. Estes são, no entanto, um grupo variado e nenhuma análise singular poderá capturar todos eles.

Para discussões sobre o que temos chamado de “objetos meio-existentes”, leia David Lewis e Stephanie Lewis no artigo Buracos (2010), e A descoberta da Sombra, de Roberto Casati (2001).

7 OS LIMITES DA EXISTÊNCIA

Se o tipo de objetos que acabamos de discutir formam uma especie de zona crepuscular entre a existência e a não existência, os limites temporais da existência formam outra. Quando e que uma pessoa morre? Quando o coração para de bater? Quando o cerebro deixa de funcionar? Quando a consciência e permanentemente perdida? Suponha que digamos: quando o cerebro deixa de funcionar. O que marca isso, exatamente? Quando o último neurônio cessa seus disparos? Ou algum tempo antes? Seja qual for o ponto de tomarmos como marcando o instante da morte, descobrimos que não e um instante em absoluto, mas um processo que tem fases diferentes, e nos temos que tomar outra decisão sobre qual estágio e o crucial. Em outras palavras, a fronteira entre a vida e a morte e indeterminada. Isso quer dizer, então, que a diferença entre a existência e o não existente em absoluto não e uma questão de tudo ou nada?

Este e um exemplo de um tipo de fenômeno com o qual estamos muito

familiarizados, uma zona cinzenta onde não temos certeza o que dizer. Outra instância deste fenômeno diz respeito a palavras como "alto". Algumas pessoas são claramente altas, e outras não, mas desde que "alto" não e definido em termos de qualquer altura específica, há casos intermediários onde não parece adequado dizer que alguem e alto ou que não e alto. Considere, por exemplo, o termo "vermelho". O sangue que corre em nossas arterias e claramente vermelho, mas há uma escala contínua da cor vermelha, onde se funde com púrpura de um lado do espectro, e a cor laranja do outro. Será que em algum ponto uma cor deixa de ser uma especie de vermelho alaranjado e se torna claramente laranja? Há casos em que algo e apenas indeterminado.

DICAS

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Assim, dado que existem áreas cinzentas onde não temos certeza se uma palavra particular (como "vida" ou "alto" ou "vermelho") deve ser aplicada, como e que vamos explicar isso? Há três posições que poderíamos tomar. A primeira e dizer que há realmente indeterminação do mundo, os limites entre propriedades diferentes são vagos. Há casos em que simplesmente não há como saber se uma pessoa e alta ou não, ou se ainda está na existência ou não. Mas faz sentido supor que o proprio mundo e vago, ao inves de que nossos conceitos que sejam assim? Suponha que permitamos que a indeterminação esteja no mundo. Então surge uma consequência bastante estranha. Digamos que às quatro horas da manhã, Pedro ainda está, muito definitivamente, vivo (embora não exatamente corado). Às quatro e meia, ele está, muito definitivamente, morto. Em algum lugar no entremeio há momentos em que não há como saber de fato se Pedro está vivo ou não. Esse e um nível de indeterminação. Mas será que há, então, um ponto de corte definitivo entre as horas em que Pedro está vivo, e as horas em que não há como saber se ele está vivo de fato? Presumivelmente não, já que estamos assumindo os limites da existência (ou seja, existência definitiva) como sendo vagos. Portanto, agora há outro nível de indeterminação, onde não há como de fato saber se e o caso de que (1) Pedro está vivo ou (2) não há como de fato saber se ele está vivo. Mas, certamente, isso so culmina em não haver como de fato saber se Pedro está vivo. Pois, nesse caso, deveria haver um ponto definido de corte entre o Pedro estar vivo e o não haver como de fato saber etc. Mas se nos aceitarmos que há um limite tão acentuado, então por que não admitir que haja uma fronteira nítida entre estar vivo e estar morto?

A segunda posição e dizer que há um ponto definido em que se aplica

um determinado termo, mas nem sempre podemos dizer exatamente quando este e aplicado. Uma possível recomendação ao caso da existência, a partir dessa posição, seria o seguinte. Houve um ponto definitivo em que Pedro morreu, mas não poderíamos dizer exatamente quando ocorreu. Em contraste, o tratamento de "alto" desta forma seria mais implausível. Apenas considere isso: há uma altura definitiva (um metro e noventa centímetros) onde qualquer um com essa altura ou mais e alto, e ninguem com menos do que essa altura o e. Mas ninguem sabe qual seria essa altura definitiva! Poderíamos perguntar: quem estabelece qual e a altura apropriada? Parece mais razoável supor que nos sabemos tudo o que há para saber sobre o "alto", mas não tudo o que há para saber sobre "viver". Todavia, ainda há algo estranho sobre a sugestão de que Pedro morre em um ponto definitivo (embora não localizável). Esperamos que a morte de Pedro esteja intimamente conectada aos vários processos de deterioração acontecendo em seu corpo e cerebro. Mas esses processos são inteiramente contínuos, não há mudanças súbitas e dramáticas no estado. (Estou assumindo que Pedro morreu tranquilamente em seu sono, ao inves de ter sua cabeça cortada por uma guilhotina). Isso não parece de todo plausível que uma das muitas mudanças contínuas e minúsculas, não maiores ou aparentemente mais significativas do que as mudanças que as precederam, foi, no entanto, o ponto que marcou o momento em que Pedro faleceu. Por que este ponto particular? O que havia de tão especial sobre ele? Ou foi a morte de Pedro inteiramente independente das mudanças que ocorreram em seu corpo? Isso não pode estar certo.

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As dúvidas sobre as duas primeiras abordagens podem muito bem nos inclinar à terceira, e isto e dizer que qualquer indeterminação e devido à nossa linguagem. Alguns conceitos são apenas insuficientemente definidos com precisão para que sejamos capazes de identificar exatamente como eles se encaixam no mundo. Ou melhor, eles ate se encaixam, mas um tanto frouxamente. Agora isso parece exatamente a coisa certa a se dizer sobre adjetivos como "alto". Apesar de ser um termo de altura, "alto" não e definido em termos de alturas específicas, por isso não e surpresa que não forneça qualquer orientação quando estamos considerando pessoas entre, digamos, um metro e oitenta e sete centímetros e um metro e noventa e três centímetros. Desse modo, talvez o que vale para "alto" tambem funcione para "viver"? Existem diversos estados de organismos que indicam claramente a vida, e outros, que indicam claramente a ausência de vida. Mas o significado de "viver" não está vinculado muito especificamente a certos estados ao inves de outros, define-se a um nível bastante elevado de generalidade. Uma vagueza semelhante atribui-se à palavra "pessoa". Poderíamos nos perguntar, ao contemplar Pedro, se estamos lidando com uma pessoa viva ou não. Mas "pessoa" não está tão bem definido que nos permita sempre dizer se estamos sendo apresentados com uma pessoa viva ou não.

Esta terceira abordagem à indeterminação pode parecer a mais razoável,

mas quando refletimos sobre o fato de que a mesma presume que o mundo em si mesmo, e tudo o que nele existe, e inteiramente determinado, percebemos sua implicação: que a realidade, em si, não está dividida entre os vivos e os não vivos, ou entre pessoas e não pessoas, mas que estas distinções são, em certa medida, meramente convencionais. E essa e uma consequência que provavelmente não satisfaz a maioria de nos.

Abordagens para os problemas da vagueza são discutidas em Mark Sainbury, Paradoxes (2009), especialmente no capítulo 3. Estes incluem as ideias de indeterminação objetiva, níveis de verdade e “supervalorização”, em que as declarações contendo predicados vagos são substituídas por declarações mais complexas contendo somente predicados não vagos. Um excelente artigo que expõe diversos argumentos sobre a vagueza é o de Ruffino (2003).

NOTA

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8 POR QUE QUALQUER COISA EXISTE?

Por que qualquer coisa existe? Por que simplesmente não há apenas o nada? Agora, uma resposta bastante rápida a isso e que existem alguns objetos que apenas têm de existir, nomeadamente, objetos abstratos como números. Pois o que faz a matemática verdadeira se não os números e suas relações? E não e a matemática necessariamente verdadeira? Como poderia objetos meramente contingentes fazer verdades necessárias necessariamente verdadeiras? É, naturalmente, bastante controverso se os números e seus semelhantes satisfazem de fato a análise da existência que sugerimos anteriormente, a saber, uma coisa tendo propriedades independentemente de qualquer representação desta coisa como tendo estas propriedades. Poderia pensar-se que os números não têm existência fora do pensamento matemático. Mas deixemos essa disputa de lado e estreitemos a nossa pergunta: dado que existem objetos contingentes, objetos que possam não ter existido, por que há, de fato, quaisquer objetos contingentes em absoluto?

Esta questão desafiadora merece um caderno de estudos para si mesma (ou talvez vários). Aqui so podemos olhar brevemente duas tentativas para respondê-la. A primeira abordagem compara a questão ao lamento decepcionado do participante de uma loteria: "Por que eu não ganhei?" Na verdade, poucas pessoas que participam de uma loteria de fato fazem esta pergunta, simplesmente porque ninguem que reflete sobre as chances envolvidas pode seriamente esperar ganhar na loteria. A resposta à pergunta "por que eu não ganhei?" e que as chances de ganhar são apenas uma em um milhão (ou qualquer outra probabilidade). Agora, se pensamos nas formas (presumivelmente infinitas) como o universo poderia ter sido, apenas uma delas consiste em não haver objetos contingentes. Há apenas uma forma para não haver quaisquer objetos contingentes, não existem variações sobre este tema específico. Mas se há um número infinito de formas, todas menos uma delas, envolvendo algum objeto contingente, então a probabilidade de não haver objetos contingentes e infinitamente pequena. E uma chance infinitamente pequena e a coisa mais proxima de nenhuma chance.

Esta solução simples e muito atraente, no entanto, se assenta em dois

pressupostos que podem ser questionados. O primeiro e que qualquer forma que o universo pudesse ter sido e intrinsecamente não mais, e não menos, provável, do que qualquer outra forma. Somente então poderemos tomar a probabilidade de qualquer forma específica como sendo determinada pelo número total de universos possíveis. O segundo e que nos podemos dar o sentido da “chance” neste contexto. Nos falamos das chances de uma moeda pousar com a cara para cima, mas isso e contra as condições de background: que a moeda não e tendenciosa, que o lançamento e um lançamento normal, e assim por diante. As condições em que se joga uma moeda determina, alegamos, as chances de cair cara ou coroa. Mas, de um número de maneiras pelas quais o universo pode ser, o que determina qual e aquela que ele e? A mão de Deus?

Uma segunda abordagem, um pouco menos comprometedora, à pergunta

"por que simplesmente não há o nada?" e dizer que a ideia de haver nada em

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absoluto não e, em última análise, uma ideia coerente. Existem várias maneiras em que podemos tentar estabelecer isso, mas aqui veremos uma que nos diz algo interessante sobre o mundo. Quando dizemos algo verdadeiro sobre um objeto, nossa afirmação se torna verdadeira por alguma característica, ou algum traço do objeto. “Esse livro e verde” se torna verdadeira pelo livro ser de fato verde. Mas e se tivesse dito “esse livro não e branco”? Desde que essa afirmação e verdadeira, ela se torna verdadeira pelo o que poderíamos chamar de um traço negativo do livro, sua “não branquidão”? Não branquidão parece ser um tipo estranho de propriedade. Por exemplo, se eu disser, ao entrar em uma sala: “Pedro não está aqui”. Essa afirmação e tornada verdadeira por uma ausência real na sala, a não existência de Pedro? Mais uma vez, isso soa estranho. Um modo mais natural de observarmos estes casos e o de supor que afirmações negativas, como “o livro não e branco” e “Pedro não está aqui” tornam-se verdadeiras por traços positivos. É a verdidão do livro que torna verdadeiro dizer “o livro não e branco”, pois a verdidão (paradigmática) exclui a branquidão (paradigmática); e o fato de Pedro estar em outro lugar que torna verdadeiro dizer “Pedro não está aqui”, estar em outro lugar exclui estar aqui. Então, embora nos façamos declarações negativas verdadeiras, não há quaisquer traços negativos no mundo, somente traços positivos. E qual e a posição sobre a afirmação “não existem unicornios”? Desde que isso signifique que não há unicornios em qualquer lugar, nos não podemos dizer, como o fizemos referente a Pedro, que há unicornios em outro lugar. Aqui, e a existência de tudo no mundo que torna verdadeiro que não existem unicornios, pois tudo que existe possui traços que excluem a existência de um unicornio. Então, para qualquer declaração negativa ser verdadeira, algo necessita de fato existir. Mas isso significa que a proposição “nada existe” não poderia possivelmente ser verdadeira, pois não pode haver verdades negativas sem existir coisas, e apenas uma coisa existente tornaria falso que nada existe.

Uma característica desta solução e que de qualquer modo nos enfrentaríamos

o problema das verdades negativas, e seria bem interessante se, ao resolver este problema, nos tambem providenciássemos uma resposta ao por que existe algo ao inves de nada. Mas, será que a abordagem que vimos às verdades negativas e satisfatoria? Considere novamente “não existem unicornios”. A mera existência de tudo o resto não pode ser suficiente para tornar essa afirmação verdadeira, pois a existência de tudo o resto e na verdade compatível com o fato de haver unicornios. A natureza aqui pode excluir existir um unicornio, mas ela não exclui unicornios em outro lugar. Então, para dar conta desta objeção nos temos que acrescentar outro fato, que estes são “todos os objetos que existem”. Mas, não seria isto exatamente um fato negativo, o fato de que “não há outros objetos”?

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico você viu que:

A palavra “ontologia” e usada de duas maneiras. A ontologia de uma pessoa ou de uma teoria e apenas o catálogo de coisas que as mesmas supõem existir.

Quando falamos apenas da ontologia, ao inves de ontologia de x, queremos nos referir ao estudo filosofico da existência. A ontologia como um estudo pergunta que tipos de coisas existem.

Quando fazemos perguntas existenciais comuns, com frequência temos em mente uma maneira particular de descobrir as respostas e o metodo de descobrir será muito diferente em casos diferentes.

Os ontologistas precisam mostrar que há uma noção da existência de aplicação geral, adequada para diferentes domínios, e se ou não um candidato à existência satisfaz essa noção não e uma questão resolvida por metodos comuns.

Em uma análise da existência uma primeira explicação seria que “um objeto existe se e somente se ele tem efeitos”. Uma segunda seria, “um objeto existe se e somente se e possível para o mesmo que tenha efeitos sobre outras coisas”. Uma terceira seria, “um objeto existe se e somente se ele tem propriedades”. Uma quinta explicação seria, “um objeto existe se e somente se ele tem propriedades independentemente de qualquer representação dele como tendo essas propriedades”.

Talvez atribuir propriedades a objetos ficcionais e a outras coisas não existentes não nos compromete, absurdamente, a sua existência. Mas se isso não for o caso, então não e de todo obvio como podemos falar significativamente sobre esses objetos, pois nossa conversa seria sobre nada, em absoluto.

Há um grupo de objetos que satisfazem a análise “possuidora de propriedades” da existência, mas para os quais não estaríamos dispostos a conceder existência plena. Talvez um nome adequado, embora paradoxal, para esses objetos seria objetos “meio-existentes”. Buracos, sombras e reflexos se enquadram nesta categoria.

Parece, portanto, que há objetos que não são de todo fictícios, mas são logicamente dependentes de outros para a sua existência. Estes são, no entanto, um grupo variado e nenhuma análise singular poderá capturar todos eles.

Seja qual for o ponto de tomarmos como marcando o instante da morte, descobrimos que não e um instante em absoluto, mas um processo que tem fases diferentes, e nos temos que tomar outra decisão sobre qual estágio e o crucial.

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Em outras palavras, a fronteira entre a vida e a morte e indeterminada.

Há três posições que poderíamos tomar. A primeira e dizer que há realmente indeterminação do mundo aqui: os limites entre propriedades diferentes são vagos. A segunda posição e dizer que há um ponto definido em que se aplica um determinado termo, mas nem sempre podemos dizer exatamente quando este e aplicado. A terceira e dizer que qualquer indeterminação e devido a nossa linguagem.

Uma resposta bastante rápida à questão de “por que simplesmente não há apenas o nada?” e que existem alguns objetos que apenas têm de existir, nomeadamente, objetos abstratos, como números.

Dado que existem objetos contingentes, por que há, de fato, quaisquer objetos contingentes em absoluto?

Há um número infinito de formas que o universo poderia ter sido, todas menos uma delas envolvendo algum objeto contingente, então a probabilidade de não haver objetos contingentes e infinitamente pequena.

Uma segunda abordagem à pergunta “por que simplesmente não há o nada?” e dizer que a ideia de haver nada em absoluto, não e, em última análise, uma ideia coerente.

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AUTOATIVIDADE

Neste topico apresentamos argumentos sobre seis enigmas da existência. Comente sobre os objetos que o quarto enigma da existência aborda.

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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TÓPICO 5

A FILOSOFIA DA MENTE E DA CONSCIÊNCIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste topico vamos nos concentrar em um dos problemas centrais da filosofia da mente e da consciência, o problema mente-corpo. A proposta será apresentar as argumentações antigas e novas sob a perspectiva filosofica a esta questão. Vamos expor abordagens dualistas e fisicalistas, descrevendo e dando exemplos de suas posições, de seus pontos fortes e fracos, das argumentações a favor e contra.

Apos a exposição dessas abordagens, faremos algumas considerações finais sobre as teorias vigentes sobre a mente e a consciência.

2 O PROBLEMA MENTE-CORPO: ANTIGO E NOVO

As mentes são coisas estranhas. Em certo sentido, nos somos nossas mentes. Podemos perder nossos membros e ter os nossos orgãos internos substituídos, mas desde que nossa mente permaneça intacta ainda seríamos nos. No entanto, as mentes são difíceis de serem definidas. Elas não parecem ser parte dos nossos corpos, da mesma forma que os nossos orgãos são. Um cirurgião poderia examinar seu cerebro, mas será que ele poderia ver sua mente, seus pensamentos, crenças, desejos, esperanças, intenções, percepções, sensações e sentimentos? E embora as nossas mentes estejam claramente vinculadas aos nossos corpos, nos podemos imaginar trocar corpos com outra pessoa, ou ate mesmo não ter um corpo em absoluto.

No passado, considerações como estas levaram muitos filosofos a manter

que nossas mentes não são coisas físicas, mas substâncias imateriais, almas, que são completamente distintas dos nossos corpos e poderiam sobreviver à sua morte. Esta visão e conhecida como dualismo substancial, uma vez que e a visão de que somos feitos de duas substâncias distintas, a mente e a materia. Tambem e conhecido como dualismo cartesiano, apos o filosofo do seculo XVII Rene Descartes, que estabeleceu alguns argumentos famosos a favor desta visão. Os argumentos de Descartes a favor do dualismo substancial podem ser encontrados em suas Meditações (2004), nas partes II e VI, publicados pela primeira vez em latim em 1641. O dualismo

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

substancial pode fazer justiça a nossas intuições sobre a mente, mas tambem cria um novo problema: se mentes e corpos são completamente distintos, então como eles podem interagir entre si? Como pode um evento em uma alma imaterial, tal como uma decisão de mover o braço, provocar mudanças em um corpo físico? E como podem as mudanças em um corpo físico, como a estimulação dos seus receptores de dor, causarem sensações em uma alma imaterial? Este e o problema mente-corpo tradicional.

Veja a obra de Cottingham (1995), ele oferece uma boa introdução aos conceitos centrais das obras de Descartes.

Hoje em dia, pouquíssimos filosofos são dualistas substanciais. Nos agora sabemos muito mais sobre a dependência da mente no cerebro. Sabemos como mudanças das substâncias químicas no cerebro podem afetar nossas mentes, e como a lesão cerebral e doenças podem danificá-la. E cientistas estão acumulando explicações extremamente detalhadas de como o cerebro processa informações sensoriais, armazena e acessa informações e controla movimentos, tudo isso expresso em termos físicos e não fazendo qualquer referência à “alma”. Alem disso, apesar das reivindicações dos mediuns, não há qualquer boa evidência para a existência de mentes desencarnadas. E, finalmente, a influência de muitas religiões, que apoiaram a crença em uma alma imaterial, tem diminuído consideravelmente, pelo menos na civilização ocidental. Em certo sentido, então, a maioria dos filosofos modernos e formada por fisicalistas, eles rejeitam o dualismo substancial e mantêm que os seres humanos são compostos simplesmente de materia ou, mais precisamente, de entidades básicas postuladas pela física moderna (átomos e seus constituintes).

Será que isso significa que o problema mente-corpo está resolvido? Na

sua forma antiga, sim. Se não há nenhuma alma imaterial, então não há nenhum enigma sobre o como ela interage com o mundo físico. Mas uma nova versão do problema mente-corpo emergiu, que e atualmente o foco de debates vigorosos. Para entender o problema, um pouco de background e necessário.

DICAS

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TÓPICO 5 | A FILOSOFIA DA MENTE E DA CONSCIÊNCIA

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Sugerimos a leitura inicial de obras introdutórias como Heil (2001), Maslin (2009), Costa (2005), McGinn (2011a) ou Teixeira (2008, 1994), para começar a investigação deste campo da filosofia da mente. Os capítulos de abertura de Chalmers (1999), Dennett (1995) e Tye (1995) também oferecem introduções úteis à consciência, embora cada um reflete a própria perspectiva teórica do seu autor. Há também material útil disponível na internet. Em especial, recomenda-se a página <http://plato.stanford.edu/>. Ao pesquisar na enciclopédia pelo termo “consciência” encontrarás uma série de excelentes artigos por pesquisadores de renome. Devemos também mencionar o site do David Chalmers, atualmente localizado no seguinte endereço: <http://consc.net/chalmers/>, que contém uma riqueza de material relacionado com a mente e a consciência.

Se o dualismo substancial e falso, então estados mentais, pensamentos, sentimentos, experiências, e assim por diante, são estados do corpo. Mas que tipo de estados? Uma resposta comum em torno do meio do seculo XX foi a de que estes são disposições comportamentais (ZILIO, 2010). Uma disposição e uma tendência de fazer alguma coisa em determinadas circunstâncias; por exemplo, um copo tem uma disposição para quebrar se cair. Uma disposição comportamental e uma tendência a engajar-se em comportamentos de algum tipo. Agora, estados mentais diferentes estão associados a diferentes disposições comportamentais. Por exemplo, uma pessoa com um mau humor está disposta à carranca, ser impaciente, estalar com as pessoas, e assim por diante. E na visão que estamos considerando, quando falamos de estados mentais de uma pessoa estamos nos referindo simplesmente a estas disposições comportamentais. Assim, segundo essa visão, um mau humor não e uma coisa dentro de uma pessoa que a causa a ficar de cara feia, impaciente, e estalar com as pessoas, e assim por diante; em vez disso, e simplesmente uma disposição para fazer essas coisas. Os defensores desta perspectiva propõem análises semelhantes a todos os outros estados mentais, crenças, desejos, esperanças, medos, experiências, e assim por diante. Assim, por exemplo, acreditar que vai chover em breve e estar disposto a se comportar de maneiras apropriadas à chuva esperada, fechar as janelas, recolher as roupas do varal, e assim por diante, os detalhes variando dependendo das circunstâncias. Assim, a mente não e uma coisa interna misteriosa, conhecida apenas por seu possuidor, mas um padrão de disposições em aberto para que todos possam observar. Esta visão e conhecida como behaviorismo filosofico (LOPES; ABIB, 2003). Se ela estiver correta, então os dualistas substanciais estavam fazendo o que Gilbert Ryle chamou de um erro de categoria (RYLE, 2005). Eles pensaram que as mentes, tal como os corpos, pertenciam à categoria das coisas (embora, das coisas imateriais), quando na verdade elas pertencem à categoria de atividades e disposições. Seu erro foi um pouco como o de uma pessoa que pensa que uma universidade e um edifício especial, inclusive todas as outras estruturas em um campus.

DICAS

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Crane (2008) é uma boa introdução para o modelo de computador da mente e do problema da representação mental, e Sellars (2008) para discussões sobre o empirismo e a filosofia da mente.

O behaviorismo filosofico ainda tem defensores, mas há serias objeções à doutrina e sua popularidade diminuiu acentuadamente desde a decada de 1960. Um problema e que não e plausível estender a análise às experiências, incluindo as percepções e as sensações corporais tais como as dores. Uma dor, ao que parece, não e apenas uma disposição para exibir o comportamento relacionado com a dor (encolhendo, chorando, esfregando a parte afetada, e assim por diante), mas um estado interno que provoca o indivíduo a fazer essas coisas. Isso se reflete na visão do senso comum de que nossos estados mentais são coisas privadas, dos quais temos uma consciência interna, via introspecção.

Em resposta a este e outros problemas com o behaviorismo, muitos filosofos

voltaram-se para uma visão diferente, segundo a qual os estados mentais são estados do cerebro, identificado por suas distintivas causas e efeitos, seus papeis causais. Assim, dores são aqueles estados neurais que são causadas pela estimulação dos receptores da dor e que tendem a causar o comportamento característico de dor; percepções são aqueles estados que são causados pela estimulação dos orgãos dos sentidos e que tendem a causar crenças correspondentes; e crenças são aqueles estados de longo prazo que são causados por percepções ou inferências e que tendem a causar um comportamento apropriado. Estas perspectivas são conhecidas como a teoria da identidade da mente (COSTA, 2005; ARMSTRONG, 1968). A teoria vem em diferentes formas, dependendo da forma como nos concebemos os papeis causais relevantes e se nos identificamos os estados mentais com os estados neurologicos que desempenham esses papeis causais nos seres humanos, ou, mais amplamente, com quaisquer estados que desempenham essas funções, independentemente da sua composição precisa. Este último ponto de vista e conhecido como funcionalismo, e e amplamente percebido como sendo mais plausível, já que nos queremos permitir que outras especies, e ate mesmo alienígena, possam ter estados mentais como os nossos, apesar de ter diferente composição neurologica. A teoria da identidade e muitas vezes combinada com a visão de que a mente e semelhante a um computador, e de uma forma ou outra esta e a visão dominante na filosofia contemporânea da mente (FODOR, 2011; MORGONI, 2013).

Tal como o dualismo substancial, a teoria da identidade faz justiça à ideia

de que os estados mentais são as causas internas do comportamento, mas como o behaviorismo não trata a mente como uma entidade não física, mantem assim a promessa de uma explicação científica para os fenômenos mentais. No entanto, ela ainda enfrenta problemas. Pois os estados mentais parecem ter algumas propriedades misteriosas, que são difíceis de se explicar em termos científicos.

DICAS

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TÓPICO 5 | A FILOSOFIA DA MENTE E DA CONSCIÊNCIA

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Duas em particular se destacam: o conteúdo representacional e o sentir fenomenal. Dizer que os estados mentais têm conteúdo representacional e dizer

que eles são sobre coisas, eles representam coisas alem de si mesmos, incluindo objetos e lugares que estão distantes no espaço e no tempo, e ate mesmo aqueles que são inexistentes. Outro termo usado frequentemente para esta função e "intencionalidade", o que significa direcionamento. Os estados mentais são direcionados para as coisas do mundo. Mas como e que estados cerebrais adquirem esta propriedade? Como podem os neurônios e sinapses ser sobre alguma coisa? Claro que, num sentido, o conteúdo representacional não e de todo misterioso. As palavras em um livro representam coisas, mas nos não pensamos nelas como profundamente misteriosas. No entanto, e plausível pensar que as palavras derivam seu conteúdo a partir de nos. As palavras somente significam coisas porque temos convenções para isso, convenções que, em última análise, dependem de nossos pensamentos. Elas possuem intencionalidade derivada. Mas os pensamentos em si não podem derivar seu conteúdo de outros pensamentos. Eles, ao que parece, têm intencionalidade intrínseca. E isso sim parece misterioso.

A segunda propriedade e o sentir fenomenal. Pense sobre algumas

experiências diárias, a vista de um ceu claro de verão, a dor de um tornozelo machucado, o cheiro do cafe, a sensação de afagar o pelo de um gato. Focalize em como e cada uma dessas experiências, em como você sente subjetivamente, a partir do seu interior. Cada uma tem seu proprio caráter, que e imediatamente reconhecível, mas muito difícil de se descrever. Filosofos usam uma variedade de termos para este aspecto da experiência, incluindo "sentir/sensação fenomenal", "fenomenologia", "sensação qualitativa", "caráter subjetivo", "sensação crua", "perspectiva da primeira pessoa" (da expressão “what-is-likeness” de Thomas Nagel (2005)), e "qualia" (do plural do latim que significa "qualidades", o singular e "quale"). Ter experiências com sensação fenomenal e central para o que chamamos de consciência, e a palavra "consciência" e muitas vezes usada para se referir à posse de tais experiências. Como conteúdo, a consciência parece misteriosa. Se a teoria da identidade (mente-cerebro) está certa, então as experiências são apenas estados cerebrais, alterações eletroquímicas nas celulas cerebrais, e como poderiam tais coisas terem uma sensação interna a elas? Como um escritor expressou, como poderia uma massa cinzenta cerebral encharcada fazer emergir a fenomenologia “technicolor" de consciência? (MCGINN, 2011b). O filosofo australiano David Chalmers apelidou isso de o “problema difícil” (hard problem) da consciência (CHALMERS, 2002).

Conteúdo e consciência são o foco do novo problema mente-corpo.

Subjetivamente, sabemos que temos estados mentais com conteúdo e sensação, mas olhando para nos mesmos a partir da perspectiva de terceira pessoa, como seres físicos, e difícil ver como isso pode ser. O problema e explicar como um corpo físico veio a possuir essas propriedades estranhas. É amplamente assumido que fazer isso implicaria fornecer explicações redutivas das mesmas. Uma explicação redutiva e aquela que explica uma propriedade em termos de propriedades no nível menor e mais fundamental. Por exemplo, a reprodução pode ser redutivamente explicada em termos de processos fisiologicos, celulares e geneticos mais básicos, que

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podem, por sua vez, ser explicados em termos químicos e físicos. Muitos filosofos sustentam que todas as propriedades acima do nível da física básica (a ciência das partículas e das forças fundamentais) podem ser redutivamente explicadas. Este ponto de vista e uma versão do que chamamos de naturalismo, e parece ser corroborada pelo enorme sucesso que a ciência tem tido em encontrar explicações redutivas (McDOWELL, 2013). Resolver o novo problema mente-corpo envolveria fornecer explicações semelhantes ao conteúdo e às sensação/sentir, mostrando como a sua existência pode ser explicada em termos de propriedades mais básicas e menos misteriosas.

Outra maneira de expressar o novo problema mente-corpo e perguntar

se o conteúdo e a sensação são propriedades físicas. Por "propriedades físicas" significamos propriedades que existem simplesmente em virtude dos recursos descritos pela física básica, a distribuição subjacente de partículas e forças subatômicas. Muitos filosofos e cientistas sustentam que a física básica (ou uma versão totalmente desenvolvida da mesma) e uma teoria de tudo, que tudo pode ser descrito e explicado na linguagem da física básica. Claro, nos não costumamos descrever as coisas dessa maneira; nos usamos todos os dias conceitos não científicos e conceitos das ciências de nível superior, tais como a biologia. Mas a ideia e que as propriedades a que nos referimos não são realmente distintas daquelas da física básica. Elas não são traços ou características extras do mundo, alem daquelas da física básica, mas apenas aquelas mesmas características sob diferentes disfarces. Isso, às vezes, e expresso metaforicamente dizendo que uma vez que Deus fixou os fatos físicos básicos, ele fixou todos os fatos; não havia mais trabalho para ele fazer (KRIPKE, 2012). Por exemplo, eu tenho um sistema digestivo, mas isso não e uma propriedade extra minha, para alem daquelas físicas básicas. Em vez disso, consiste em eu ter certas propriedades físicas básicas, em ter determinados componentes físicos básicos dispostos em uma determinada maneira e que exercem certas funções. Em uma frase amplamente utilizada, as propriedades físicas básicas realizam aquelas biologicas de nível superior. É importante salientar que a alegação não e que cada propriedade de nível superior possa ser identificada com o mesmo conjunto de propriedades físicas básicas em cada instância. A maioria das propriedades de nível superior pode ser realizada em mais de uma maneira; por exemplo, o sistema digestivo envolve diferentes estruturas físicas em diferentes animais. A alegação e simplesmente que cada instância de uma determinada propriedade de nível superior realiza-se em um conjunto de propriedades físicas básicas, talvez diferentes de caso para caso. Se usarmos o termo "propriedades físicas" em sentido lato, para ambas as propriedades físicas básicas e propriedades de nível superior que se realizam nas primeiras, então o ponto de vista que estamos considerando resulta na alegação de que todas as propriedades são propriedades físicas.

A alegação de que todas as propriedades são físicas casa-se com a afirmação

de que tudo e redutivamente explicável em termos físicos básicos. Explicações redutivas funcionam porque, quando totalmente definidas, podemos ver que não há nada mais para a propriedade que está sendo explicada que as propriedades citadas na explicação. O resultado e uma imagem elegante e econômica do mundo em que todos os fenômenos complexos em torno de nos podem finalmente ser

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descritos e explicados em termos de um pequeno número de partículas e forças básicas. Agora podemos reformular o novo problema mente-corpo como aquele de se o conteúdo e a sensação são exceções a esta imagem elegante, se são propriedades não físicas, que são distintas daquelas físicas básicas subjacentes e não explicáveis em termos destas. A visão de que elas assim o são e conhecida como dualismo de propriedades, e contrasta com o fisicalismo de propriedade, ou apenas o fisicalismo. (DE ATAHYDE PRATA, 2013).

O defensor contemporâneo mais influente do dualismo de propriedade é David Chalmers. Veja seu texto de 2002 para uma introdução rápida e sua obra de 1999 para a história completa, incluindo uma apresentação do argumento dos zumbis. Este último trabalho é de nível difícil em certas partes, mas Chalmers solicitamente destaca as seções mais técnicas, para que os leitores de primeira viagem possam deixá-las para depois.

Os problemas do conteúdo e da consciência têm atraído uma enorme quantidade de atenção dos filosofos nas últimas decadas. Dos dois, o primeiro e amplamente sentido como sendo o mais tratável, e inúmeras explicações redutivas do conteúdo representacional têm sido propostas. Uma delas, por exemplo, gira em torno da noção de rastreamento (tracking). A ideia e que um aglomerado de celulas cerebrais representa alguma característica ambiental, pois, em condições ideais, ele e ativado somente quando aquela característica está presente, e, assim, acompanha a sua presença (MIGUENS, 2003a). Desde que não há espaço aqui para considerar ambos os temas, vamos, portanto, focar sobre a consciência, que e amplamente sentida como aquela que representa o maior desafio para o fisicalismo.

3 O DUALISMO DE PROPRIEDADES

Um dos argumentos mais conhecidos para uma visão da consciência dualista da propriedade e o seguinte. Se o fisicalismo da propriedade e verdadeiro, então os fatos físicos são todos os fatos que há (um fato físico e um fato sobre propriedades físicas). Assim, se alguem conhecesse todos os fatos físicos acerca de uma criatura, então conheceria todos os fatos que há para saber sobre ela. No entanto, prossegue o argumento, não e assim, já que os fatos físicos não iriam dizer o como eram as experiências da criatura. Podemos saber tudo sobre a neurologia de morcegos, mas nos não saberíamos como e ser um morcego, sentindo o mundo por ecolocalização, em vez da visão (NAGEL, 2005). Assim, estes fatos não são os físicos, portanto, o fisicalismo e falso.

A afirmação clássica deste argumento foi elaborada por Frank Jackson,

que o denominou de o argumento do conhecimento (JACKSON, 1982, 2010; NAGEL, 2005). Jackson oferece o exemplo de Maria, que fora confinada desde o

DICAS

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nascimento a um quarto preto-e-branco e nunca viu cores. Maria, no entanto, fez um estudo detalhado da neurociência da visão de cores e conhece todos os fatos físicos sobre o assunto, ate o último detalhe. No entanto, Jackson argumenta, ela não sabe tudo sobre a visão de cores: ela não sabe como seria ver cores, e, portanto, aprenderia algo novo sobre a visão de cores se ela tivesse que deixar seu quarto e experienciasse cores por si mesma. Portanto, os fatos sobre a sensação fenomenal das experiências de cores não são fatos físicos. (JACKSON, 2010; DIAS, 2005).

Uma literatura grande e complexa tem sido desenvolvida em torno deste

argumento. Existem duas linhas amplas de resposta. A primeira questiona a premissa de que Maria não sabe como seria ver cores. Afinal, ainda estamos muito longe de conhecer todos os fatos físicos acerca de visão de cores. Como podemos ter certeza o que uma pessoa na situação de Maria saberia ou não saberia? (No passado muitas pessoas pensavam que os processos orgânicos, tais como a cura e a reprodução, nunca poderiam ser entendidos em termos puramente físicos.) A segunda linha de resposta admite que Maria iria aprender algo ao sair do quarto, mas nega que ela iria aprender novos fatos. Existem várias formas de desenvolver esta resposta. Uma sugestão e que ela iria apenas adquirir novos conhecimentos práticos, habilidades para se lembrar, imaginar, e reconhecer experiências de cores. Outra sugestão e que ela simplesmente aprenderia novas maneiras de conceituar fatos que já conhecia. Quando ela tiver experiências de cores por si mesma, ela vai adquirir novos conceitos, conceitos da sensação dessas experiências, o que ela poderá aplicar na introspecção. Assim, por exemplo, ela vai ser capaz de pensar que a experiência de ver uma banana e "amarelada", onde "amarelada" e o conceito da sensação de uma experiência de ver amarelo. No entanto, e compatível com isto que as propriedades que esses conceitos se referem são físicas, e que Maria já conhecia todos os fatos sobre eles, sob diferentes disfarces. Assim, por exemplo, ela já sabia que as experiências de banana têm a propriedade que ela agora chama de amarelada, embora ela conceituava este fato de forma diferente, usando conceitos físicos (JACKSON, 2010; DIAS, 2005). Naturalmente, os defensores do argumento do conhecimento têm replicas a estas respostas, e o debate sobre o argumento continua.

Um segundo argumento importante para o dualismo de propriedade e o

argumento dos zumbis (tambem conhecido como o argumento da conceptibilidade). Em linhas gerais, ele se estabelece assim. Podemos claramente imaginar zumbis, criaturas que são replicas exatas de nos em todos os seus aspectos físicos, e que se comportam exatamente como nos, mas cujas experiências não têm sensação fenomenal para eles ("as luzes estão apagadas no interior", por assim dizer). Mas se as sensações fenomenais são propriedades físicas, então não deveríamos ser capazes de fazer isso. Se considerássemos as propriedades físicas básicas subjacentes em detalhe veríamos que elas eram de fato suficientes para conferir consciência, e nos não seríamos capazes de imaginar essas propriedades estarem presentes sem a consciência. Como uma analogia, considere uma câmera. A câmera tem a propriedade de ser capaz de gravar imagens visuais. Esta propriedade e física, que existe em virtude da forma das lentes, a composição química do filme, e assim por diante, e se soubessemos o suficiente sobre essas propriedades veríamos que elas eram suficientes para conferir o poder de gravar imagens. Daí que nos

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não poderíamos imaginar uma "câmara zumbi", que fosse fisicamente idêntica a um normal, mas que não pudesse gravar imagens. Se a consciência fosse física, o mesmo deveria ocorrer com ela (MORGONI, 2013; BRUCE; BARBONE, 2013).

Novamente, há duas linhas amplas de resposta, paralelas àquelas do

argumento do conhecimento. A primeira nega que zumbis sejam claramente imagináveis, apelando a considerações semelhantes às anteriores (se soubessemos todos os fatos físicos sobre a experiência, então talvez nos não fôssemos considerar imaginável que eles devessem manter-se sem consciência). A segunda questiona se a imaginabilidade de zumbis acarreta a falsidade do fisicalismo, com o fundamento de que a imaginação pode nos enganar. Por exemplo, podemos imaginar Clark Kent estando no quarto e o super-homem não, apesar de Clark Kent e o super-homem serem uma e a mesma pessoa. Mais uma vez, os defensores do argumento têm respostas a essas críticas, e uma literatura complexa e muitas vezes altamente tecnica tem se levantado.

Passemos agora a alguns problemas para o dualismo de propriedades. Em

primeiro lugar, pode a doutrina ser reconciliada com a perspectiva naturalista da ciência? Como mencionamos, a ciência parece no caminho certo para desenvolver uma imagem elegante do mundo, em que todos os fenômenos podem finalmente ser explicados em termos de algumas partículas e forças fundamentais. Se o dualismo da propriedade e verdadeiro, devemos rejeitar este ponto de vista e aceitar que a consciência não e explicável cientificamente? Em resposta, dualistas da propriedade podem argumentar que sua visão não nos obriga a rejeitar nossa ciência fundamental atual, mas apenas expandi-la, reconhecendo novas características e leis fundamentais. Podemos tratar as sensações fenomenais como características fundamentais da realidade, ou, como David Chalmers (1999) sugere, podemos manter que as sensações fenomenais existem em virtude de propriedades “protofenomenais” mais básicas, as quais estão relacionadas, da mesma forma que as propriedades físicas de nível superior estão relacionadas com as propriedades físicas básicas. As novas leis fundamentais irão especificar como essas propriedades fenomenais ou protofenomenais estão correlacionadas com as propriedades físicas básicas. A consciência, então, seria explicável em termos desta ciência básica expandida (MIGUENS, 2001).

Há precedentes deste expandir de nossa concepção sobre as leis e

propriedades fundamentais dessa maneira; aconteceu com o eletromagnetismo no seculo XIX. No entanto, alguns escritores percebem a imagem do dualista como deselegante e contraintuitiva. Eles argumentam que as leis correlacionando propriedades fenomenais ou protofenomenais com as propriedades físicas básicas seriam apêndices desajeitados para o conjunto de leis da física básica, "osciladores nomologicos", como são chamados às vezes. ("Nomologico" significa relativo a leis.) Alem disso, as leis de correlação propostas seriam incomuns, ligando propriedades físicas básicas extremamente complexas com sensações fenomenais simples. Tais leis não são como qualquer outra lei fundamental, e nas palavras de um escritor, elas têm um “cheiro estranho" (SMART, 1959).

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Um segundo problema para o dualismo da propriedade diz respeito ao papel causal da consciência. (Para as posições dualistas de propriedade sobre o papel causal da consciência, veja o capítulo 4 de Chalmers, 1999). Parece obvio que a sensação fenomenal das experiências de uma pessoa pode afetar seu comportamento. Por exemplo, a excruciante dor de dente pode causar-me a visita ao dentista. Mas na perspectiva do dualismo da propriedade, não e claro que isso seja correto. Porque há fortes evidências de que todos os eventos a nível físico básico, todas as mudanças em átomos, moleculas, e assim por diante, podem ser completamente explicados neste nível, em termos de propriedades e leis físicas básicas. Isso se expressa dizendo que o domínio físico básico e causalmente fechado. E se assim for, então os movimentos do nosso corpo tambem podem ser explicados em termos físicos básicos, uma vez que nossos corpos são apenas coleções de partículas físicas básicas (SEARLE, 2014). Agora, não resulta imediatamente disso que a sensação fenomenal não tem qualquer influência causal. Se elas são propriedades físicas, então elas terão os mesmos poderes causais que as propriedades físicas básicas subjacentes nas quais são realizadas. Se, no entanto, elas não são propriedades físicas, mas propriedades extras para alem das propriedades físicas elementares subjacentes, então parece que elas não podem ter influência dentro de um mundo físico que e causalmente fechado. Se nossas ações podem ser completamente explicadas somente em termos de propriedades físicas, então a consciência não tem um papel a desempenhar, se ela não for física. Em resposta, às vezes e sugerido que, mesmo que nossas ações tenham causas físicas suficientes, elas tambem podem ter causas mentais adicionais, que elas podem ser sobredeterminadas (DE FARIA; SOUZA, 2014). Mas mesmo que assim fosse, ainda assim nunca precisaríamos apelar à consciência para explicar nossas ações, uma vez que já teriam ocorrido de qualquer forma, graças às causas físicas por si so.

Este e claramente um problema serio para os dualistas da propriedade.

Há três opções principais abertas para eles. Uma e simplesmente aceitar que as propriedades fenomenais são inertes. Nesta perspectiva, a consciência e apenas um subproduto da atividade cerebral, como os gases de escape de um motor, o qual não tem qualquer efeito sobre o comportamento. Tais propriedades são ditas como sendo epifenomenais, e a visão de que as sensações fenomenais são deste tipo e conhecida como epifenomenalismo (LIMA FILHO, 2010). Uma segunda opção e desafiar a alegação de que o domínio físico básico e causalmente fechado. Talvez novos poderes causais surgem nos cerebros de criaturas conscientes, que vão alem daqueles dos seus componentes físicos básicos e exercem uma influência "descendente" no mundo físico. Este ponto de vista e uma forma de emergentismo, a ideia de que propriedades e poderes causais completamente novos emergem na medida em que a materia e organizada em formas cada vez mais complexas. (LESTIENNE, 2013). A terceira opção implica propor que as propriedades fenomenais, ou versões rudimentares das mesmas, são encontradas no nível fundamental da realidade física, nas proprias partículas físicas básicas, que as partículas subatômicas têm uma pequena centelha de consciência. Esta e uma versão do pampsiquismo, a visão de que tudo tem propriedades mentais. (STRAWSON et al., 2006). Ela e compatível com a física básica e o fechamento causal, mas tambem dá à consciência um papel causal, uma vez que trata as propriedades fenomenais, ou protofenomenais, como características essenciais das entidades mencionadas

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nas explicações causais dadas pela física básica. (MIGUENS, 2009).

Estas posições não são fáceis de serem defendidas, no entanto. Não há suporte empírico para negar o fechamento causal. Embora os cientistas estejam longe de compreender totalmente como o cerebro funciona, eles entendem como as celulas cerebrais funcionam, o que as faz disparar, e como o seu disparo afeta as celulas vizinhas. E, ate agora, não há absolutamente nenhuma evidência nestes processos de quaisquer intervenções não físicas. E o epifenomenalismo e o pampsiquismo são perspectivas muito contraintuitivas. Para muitos filosofos estas dificuldades constituem uma objeção decisiva ao dualismo da propriedade (SEARLE, 1998).

4 AS ABORDAGENS FISICALISTAS

Passemos agora a algumas abordagens fisicalistas à consciência. Alguns autores argumentam que, embora a consciência seja física, jamais a explicaremos em termos físicos. Eles mantêm que há uma lacuna explicativa (explanatory gap) entre os fatos físicos e os fatos da consciência, a qual nunca se fechará, talvez por causa das limitações de nossas mentes (KAUFMANN, 1999). A maioria dos fisicalistas, no entanto, afirma que uma explicação reducionista da consciência e possível. As teorias mais comuns são de caráter amplamente representacionais, ou seja, elas tentam explicar a sensação fenomenal da experiência em termos da existência de estados mentais com determinados tipos de conteúdo representacional. Se o conteúdo representacional pode por si so ser explicado redutivamente, então isto nos daria uma explicação reducionista da consciência fenomenal. Claro que, proporcionando uma explicação redutiva do conteúdo representacional, e um grande problema em sua propria maneira, mas, como mencionado, existem várias teorias do conteúdo em circulação, e muitos fisicalistas sentem que a redução do problema da consciência a um problema de representação constituiria um progresso significativo. (MIGUENS, 2003a).

As teorias representacionais da consciência dividem-se em dois tipos

gerais. De acordo com aquelas do primeiro tipo, para uma experiência ter uma sensação fenomenal e simplesmente necessário que tenha certo tipo de conteúdo representacional. As teorias diferem quanto aos detalhes, mas a maioria concorda que o tipo de conteúdo relevante e o não conceitual, em que ele tem uma fineza de conteúdos que supera em muito a nossa capacidade de conceituá-lo. (Pense, por exemplo, em quantos tons de cor que você pode distinguir.) Assim, nesta visão, ter uma experiência consciente de um círculo azul e simplesmente ter um estado mental que representa a presença de um círculo azul em uma maneira não conceitual de fineza de conteúdo. Isso não quer dizer que se deve realmente estar percebendo um círculo azul; experiências podem representar erroneamente, como nos casos de alucinação (ROSA, 2010). Em outras palavras, como sentimos uma experiência e simplesmente uma questão do que ela representa, as informações que a mesma carrega sobre o mundo. As teorias deste tipo são conhecidas como

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teorias representacionais da consciência de primeira ordem, ou teorias FOR (da sigla em inglês – first-order representational theories). (MIGUENS, 2003b).

Um argumento central para a teoria FOR e que quando nos concentramos em

como seriam nossas experiências, não estamos cientes de quaisquer características intrínsecas das experiências em si mesmas, mas apenas das características das coisas no mundo que elas representam. Quando nos concentramos em como e ver um ceu azul brilhante, somente estamos cientes do azulado do ceu, e não de quaisquer características intrínsecas da propria experiência. As nossas experiências são, por assim dizer, transparentes. (HARMAN, 1990).

Os opositores objetam que muitas experiências não têm conteúdo

representacional em absoluto; elas são pura sensação fenomenal. Os exemplos frequentemente citados são as sensações corporais, tais como dores, coceiras, e, para dar um exemplo ligeiramente picante, orgasmos. Será que uma dor de cabeça representa algo? Será que um orgasmo carrega informações? Os teoricos FOR respondem que essas experiências sim, representam algo, nomeadamente estados de nossos corpos, dano no caso de dores, outros tipos de mudanças nos casos de coceiras e orgasmos. Um teorico FOR, por exemplo, descreve orgasmos como "representações sensoriais de certas mudanças físicas na região genital" (TYE, 1995, p. 118, tradução nossa). Os teoricos FOR tambem permitem que essas representações tipicamente evoquem reações posteriores em nos, tais como sentimentos de angústia ou prazer, mas eles insistem em que estas são distintas da experiência em si e não partilham de sua sensação fenomenal. Evidências para essa visão vêm de pacientes que tiveram uma cirurgia no cerebro para aliviar certo tipo de dor crônica. Esses pacientes, normalmente, relatam que eles ainda sentem a dor, mas não se importam mais. A experiência tem a mesma sensação fenomenal, mas evoca nenhuma reação negativa. A existência de masoquismo, por exemplo, oferece apoio adicional, experiências que outros acham desagradáveis eliciam reações positivas em masoquistas.

Em resposta, os oponentes argumentam que, mesmo que todas as

experiências tenham conteúdo representacional, isto não esgota o seu caráter subjetivo, tambem estamos cientes das propriedades intrínsecas das nossas experiências, alem das propriedades das coisas que representam, ou seja, as experiências não são completamente transparentes, como os teoricos FOR afirmam. Há vários argumentos aqui, a maioria envolvendo casos hipoteticos, onde duas experiências são sentidas de forma diferente enquanto representam a mesma coisa. Uma ideia muito discutida e que as experiências visuais de duas pessoas podem ser invertidas com relação um ao outro, de modo que, por exemplo, as coisas amarelas produzem em um, experiência que as coisas azuis produzem no outro, e vice-versa. Tais experiências invertidas, argumenta-se, ainda teriam o mesmo conteúdo representacional, uma vez que indicaria a presença da mesma cor no ambiente. Por exemplo, todas as experiências produzidas por bananas representariam o amarelecimento, mesmo se todas elas não tiverem a mesma sensação fenomenal. Se isto e certo, então mostraria que a sensação fenomenal não e simplesmente uma questão de conteúdo representacional (MIGUENS, 2003a). Novamente os teoricos FOR têm respostas, e há uma vasta literatura aqui, que está

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entrelaçada com debates sobre a natureza do proprio conteúdo representacional. Este debate sobre a transparência da experiência e central na literatura sobre a consciência.

Passamos agora para o segundo grupo de teorias representacionais, que

introduzem um novo elemento. Para uma experiência ter uma sensação fenomenal, eles afirmam, ela propria deve ser representada no interior da mente. Ou seja, ela deve ser acompanhada de um pensamento adicional sobre a mesma ou uma experiência da mesma, ou, pelo menos, deve estar disponível aos processos que podem gerar um pensamento sobre ela. Sem este acompanhamento, a experiência seria não consciente, sem qualquer sensação fenomenal. Pense, por exemplo, de como e mover as suas pernas quando você anda. Há um sentimento para isso, que você percebe se prestar atenção nisso, mas que normalmente não e consciente. Assim, segundo essa visão, ter uma experiência consciente de um círculo azul envolve dois estados representacionais, um representando a presença de um círculo azul e outro representando ressentir a presença dessa experiência de um círculo azul. Este último e dito ser uma representação de ordem superior, uma representação de uma representação, e teorias deste tipo são conhecidas como teorias de representação de ordem superior, ou teorias HOR (sigla do inglês – higher-order representational theories). (ROSA, 2010).

Várias versões da teoria HOR têm sido propostas. O principal ponto de

desacordo entre elas diz respeito à natureza das representações de ordem superior envolvidas. De acordo com algumas teorias, estas são de caráter perceptual, temos um mecanismo de varredura (scanning) interno, que gera a percepção de nossas proprias experiências. Teorias deste tipo são conhecidas como percepção de ordem superior, ou teorias HOP (do inglês - higher-order perception). De acordo com outras teorias, as representações de ordem superior são pensamentos; uma experiência torna-se consciente quando temos um pensamento sobre ela. Este pensamento não precisa ser em si um pensamento consciente; pode-se ter uma experiência consciente sem pensar conscientemente sobre a mesma. O pensamento de ordem superior envolvido será consciente apenas se for acompanhado por um pensamento adicional sobre o mesmo. Teorias deste tipo são conhecidas como pensamento de ordem superior, ou teorias HOT (do inglês – higher-order thought). (MIGUENS, 2005; VAN GULICK, 2012).

Um problema para as teorias HOR e que, se todos os aspectos da nossa

experiência tiverem que ser re-representados para que possam ser conscientes, então haverá uma reduplicação maciça e desperdiçável de representação mental, que parece ser implausível. Alguns teoricos HOT respondem que não precisamos realmente formar um pensamento de ordem superior sobre uma experiência, a fim de que ela seja consciente, e que e simplesmente suficiente que esteja disposta para formá-lo. Não está claro, no entanto, se uma mera disposição poderia conferir uma sensação fenomenal de fato. Um segundo problema concerne infantes e animais não humanos. Nos assumimos que os infantes e muitos animais têm experiências conscientes semelhantes às nossas. Mas de acordo com a teoria HOT, a consciência implica ter pensamentos sobre os proprios estados mentais, e isso exige a posse de conceitos psicologicos, tais como o da experiência. A teoria HOP tambem parece

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exigir isso, pelo menos, se as percepções de ordem superior desembocam no pensar de ordem superior (CARRUTHERS, 2000; MIGUENS, 2005; VAN GULICK, 2012). E e improvável que os infantes e animais satisfaçam esta condição. Há evidências de que as crianças não desenvolvem conceitos de estado mental ate em torno de três anos de idade, e, com a possível exceção de alguns primatas, animais não parecem possuí-los tambem. Mas se assim for, então os infantes e a maioria dos animais não possuem os recursos necessários para as representações mentais de ordem superior, e, consequentemente, não têm experiências conscientes. Os teoricos HOR divergem sobre o fato de se eles deveriam aceitar esta conclusão.

Voltamos, finalmente, para o modelo de consciência dos "rascunhos

múltiplos" (ou "fama-no-cerebro") desenvolvido por Daniel Dennett (1995). Dennett afirma que a maioria das teorias de consciência, incluindo as fisicalistas, implicitamente assumem que há uma "sede" no cerebro onde a informação dos diferentes sentidos e juntada, ordenada e apresentada à percepção consciente, um pouco como um show em um palco interior. Dennett denomina este local de o Teatro Cartesiano, já que ele o considera como um resíduo do dualismo substancial. Ele admite que este ponto de vista e tentador, mas argumenta que e um tanto mal concebido. Pois, quem deveria supostamente estar assistindo ao show interior? Isso e contrariado pela evidência empírica, a neuroanatomia não revela qualquer estrutura para a qual toda a informação sensorial e roteada. A propria visão de Dennett e que não existe uma única versão canônica da experiência, mas, em vez disso, várias versões de existência, a qualquer momento, como diferentes rascunhos de um ensaio acadêmico, cada um sujeito a contínua edição e revisão. Experiências tornam-se conscientes, não por serem exibidas em um palco interior, mas por alcançar um nível suficiente de influência dentro do cerebro e, em particular, ao tornarem-se disponíveis para serem relatadas no discurso. Dennett fala da consciência como o equivalente neural da fama ou da influência política (FAGUNDES, 2009).

Esta visão tem afinidades com as abordagens HOR, na medida em que

identifica as experiências conscientes com aquelas que têm certos efeitos em outros estados mentais. No entanto, a abordagem de Dennett tem um contorno mais radical, já que ele nega a existência da sensação fenomenal no sentido tradicional. "Quando você descarta o dualismo cartesiano", escreve ele, "você realmente deve descartar o espetáculo que ocorreria no Teatro Cartesiano" (DENNETT, 1995, p. 147, tradução nossa). Quando falamos sobre o como e uma experiência, Dennett argumenta, não estamos nos referindo a alguma propriedade introspectiva dela, mas simplesmente às reações que ela evoca em nos, os seus efeitos sobre a fala, memoria, expectativas de percepção, estado emocional e outras disposições comportamentais. Dennett usa vários cenários hipoteticos para motivar este ponto de vista. Um destes envolve dois provadores de cafe, Chase e Sanborn, cujo trabalho e garantir a consistência do gosto de uma determinada marca de cafe. Ambos concordam que, apesar de o proprio cafe não ter mudado, eles já não desfrutam do seu trabalho. Eles têm diferentes explicações para isso. De acordo com Chase, o cafe produz a mesma experiência de sabor como sempre, mas ele já não gosta dessa experiência. De acordo com Sanborn, algo deu errado com seus mecanismos de percepção do sabor, e o cafe já não produz a mesma experiência

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TÓPICO 5 | A FILOSOFIA DA MENTE E DA CONSCIÊNCIA

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de gosto nele. (DENNETT, 1988). Agora, se houvesse um Teatro Cartesiano, então essas explicações seriam alternativas claras, a primeira correspondendo a uma mudança apos a apresentação do gosto no Teatro, a segunda a uma mudança antes da apresentação. No entanto, Dennett (1988) sugere que a situação não e tão simples. Poderíamos ser capazes de decidir entre as explicações em casos extremos; por exemplo, se Chase não consegue corretamente reidentificar outras bebidas em testes cegos, então vamos duvidar de sua explicação. Mas, Dennett argumenta, sempre haverá áreas cinzentas em que e impossível, mesmo em princípio, decidir se a mudança implica uma diferença de gosto ou em reações da pessoa ao mesmo. Nos simplesmente não podemos separar o sabor de nossas reações a ele da maneira que Chase e Sanborn admitem. O sabor do cafe e constituído pelas reações que o cafe desencadeia em nos, e se estas mudaram, então o gosto mudou.

Na visão de Dennett (1988), então, quando falamos sobre como são as nossas

experiências, não estamos nos referindo a algum ingrediente mental misterioso, que nos e apresentado em um domínio interior privado; em vez disso, estamos nos referindo apenas às atividades de nossos sistemas sensoriais e seus efeitos complexos sobre a memoria, emoção e comportamento. Assim, não e possível para o caráter subjetivo das nossas experiências variar sem alguma mudança física, e os zumbis e a inversão de cores não são concebíveis afinal, apesar de nossas intuições. Essa visão, que nega que as experiências são objetos internos introspectivos, tem afinidades com a perspectiva behaviorista descrita anteriormente. Os opositores acusam Dennett de negar que a consciência existe, mas ele diria que está simplesmente rejeitando uma concepção profundamente equivocada da mesma.

Se você está interessado no estabelecimento da discussão filosófica da consciência dentro de um contexto científico, recomendamos Teixeira (2005, 2006, 2008) e Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006), que são livros interdisciplinares na neurologia, psicologia e filosofia da consciência.

DICAS

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

5 CONCLUSÃO: UMA QUESTÃO DE PERSPECTIVA?

Onde acabamos por situar-nos com o problema mente-corpo e, em certa medida, determinado pelo local onde começamos. Se começarmos com uma perspectiva de primeira pessoa, enfocando em como seria, subjetivamente, ter uma mente, então os fenômenos mentais podem parecer profundamente enigmáticos e resistentes à explicação em termos físicos. Se começarmos a partir de uma perspectiva de terceira pessoa, por outro lado, e vermos os seres humanos como fenômenos naturais complexos, então provavelmente adotaríamos uma abordagem fisicalista e poderíamos ser tentados a concordar com Dennett (1988) em negar a existência de sensações fenomenais introspectivas. Muitos filosofos têm a esperança em reconciliar essas perspectivas atraves do desenvolvimento de uma teoria que explique os dados introspectivos em termos físicos. As teorias FOR e HOR podem ser vistas como exemplos disso. Mas, pode ser que as duas perspectivas não poderão ser harmonizadas, e teremos que simplesmente fazer uma escolha entre elas. De qualquer maneira, os debates são fascinantes, e as questões levantadas vão ao núcleo da nossa concepção de nos mesmos e de nosso lugar no universo.

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico você viu que:

No passado, muitos filosofos defendiam que nossas mentes não são coisas físicas, mas substâncias imateriais – almas, que são completamente distintas dos nossos corpos e poderiam sobreviver a sua morte. Esta visão e conhecida como dualismo substancial, uma vez que e a visão de que somos feitos de duas substâncias distintas, a mente e a materia. Tambem e conhecido como dualismo cartesiano, apos o filosofo do seculo XVII Rene Descarte.

Hoje em dia pouquíssimos filosofos são dualistas substanciais. Nos agora sabemos muito mais sobre a dependência da mente no cerebro. Sabemos como mudanças das substâncias químicas no cerebro podem afetar nossas mentes, e como a lesão cerebral e doenças podem danificá-la.

Se o dualismo substancial e falso, então estados mentais, pensamentos, sentimentos, experiências, e assim por diante são estados do corpo. Mas que tipo de estados? Uma resposta comum em torno do meio do seculo XX foi a de que estes são disposições comportamentais.

Em resposta aos problemas com o behaviorismo, muitos filosofos voltaram-se para uma visão diferente, segundo a qual os estados mentais são estados do cerebro, identificado por suas distintivas causas e efeitos, seus papeis causais.

Tal como o dualismo substancial, a teoria da identidade faz justiça à ideia de que os estados mentais são as causas internas do comportamento, mas como o behaviorismo não trata a mente como uma entidade não física, mantendo assim a promessa de uma explicação científica para os fenômenos mentais.

Conteúdo e consciência são o foco do novo problema mente-corpo. Subjetivamente, sabemos que temos estados mentais com conteúdo e sensação, mas olhando para nos mesmos a partir da perspectiva de terceira pessoa, como seres físicos, e difícil ver como isso pode ser.

Resolver o novo problema mente-corpo envolveria fornecer explicações semelhantes ao conteúdo e à sensação/sentir, mostrando como a sua existência pode ser explicada em termos de propriedades mais básicas e menos misteriosas, ou perguntar se o conteúdo e a sensação são propriedades físicas.

A alegação de que todas as propriedades são físicas casa-se com a afirmação de que tudo e redutivamente explicável em termos físicos básicos.

Um dos argumentos mais conhecidos para uma visão da consciência dualista da propriedade e o seguinte. Se o fisicalismo da propriedade e verdadeiro, então

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os fatos físicos são todos os fatos que há. No entanto não e assim, já que os fatos físicos não iriam dizer o como eram as experiências da criatura.

A afirmação clássica deste argumento foi elaborada por Frank Jackson, que o denominou de argumento do conhecimento. Um segundo argumento importante para o dualismo de propriedade e o argumento dos zumbis.

Alguns autores argumentam que, embora a consciência seja física, jamais explicá-la-emos em termos físicos. Eles mantêm que há uma lacuna explicativa (explanatory gap) entre os fatos físicos e os fatos da consciência.

A maioria dos fisicalistas, no entanto, afirmam que uma explicação reducionista da consciência e possível.

As teorias representacionais da consciência dividem-se em dois tipos gerais. As teorias representacionais da consciência de primeira ordem, ou teorias FOR, e as teorias de representação de ordem superior, ou teorias HOR.

O modelo de consciência dos “rascunhos múltiplos”, proposto por Dennett, e que não existe uma única versão canônica da experiência, mas, em vez disso, várias versões de existência, a qualquer momento, como diferentes rascunhos de um ensaio acadêmico, cada um sujeito a contínua edição e revisão.

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AUTOATIVIDADE

Uma resposta comum no seculo XX ao dualismo substancial e que os estados mentais são disposições comportamentais. Explique o que são estas disposições comportamentais e porque as mesmas seriam um contraponto ao dualismo substancial.

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TÓPICO 6

A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE

PESSOAL

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste topico vamos nos concentrar em outra questão central da investigação filosofica, o self e a identidade pessoal.

A proposta será, como o fizemos nos topicos anteriores, primeiro enquadrar o campo de onde surgem estas questões, depois apresentar as perguntas coerentes a uma investigação filosofica.

Então focaremos em dois temas principais, o problema self-corpo e a questão da identidade pessoal e sua continuidade ou sua durabilidade. Para cada um destes temas vamos descrever os argumentos filosoficos vigentes e suas respectivas críticas ou contra-argumentos.

2 SELVES E PESSOAS

Filosofos são descritos, e descrevem-se, como quem oferece teorias do self (o “Eu”) e da identidade pessoal. Pode-se perguntar: sobre o que são essas teorias? Precisamos selecionar os objetos a que tais questões dizem respeito, para que possamos, pelo menos, tentar testar as teorias. Podemos começar pela divisão do que está no mundo em três amplas categorias, tendo em mente que uma implicação de alguma teoria filosofica a ser considerada aqui seria que a lista exposta e excessivamente restrita. A lista, todavia, fornece uma forma útil para a discussão, seja qual for o resultado final.

A categoria mais ampla e aquela que poderíamos chamar de as coisas puramente físicas. Exemplos são: a árvore em seu jardim, o ar, a terra, e assim por diante. Poderíamos dizer que esta categoria e a categoria de coisas com propriedades físicas e que, consideradas em si mesmas, não possuem quaisquer propriedades psicologicas. Dentro desta categoria há uma variação enorme em tamanho, desde as muito pequenas, as partículas subatômicas individuais, àquelas muito grandes, um objeto como o Sol. Neste grupo, no sentido em que pretendemos, incluem-se objetos inanimados e tambem as plantas e os organismos mais simples.

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Ao definir uma categoria de coisa em termos de suas propriedades de modo geral, devemos ser cautelosos. Assim, considere o caderno de estudos que você está lendo. Pensamos que poderíamos considerar este livro uma coisa física, e, portanto, algo que pertence à primeira categoria, altamente generalista. Mas, por ser um livro, possui o que podemos chamar de propriedades semânticas, ele diz coisas, ou contém características que dizem coisas. Dizer coisas não é em si mesmo, em nenhum entendimento comum, uma propriedade puramente física. Isto indica que considera-se unicamente como tendo propriedades físicas apenas na medida em que é considerado em si mesmo. Os traços semânticos pertencem a ele em virtude de sua relação com as pessoas que o escreveram e a linguagem que os mesmos possuem.

A segunda categoria, bem menor, compreende objetos que, naturalmente, possuem propriedades físicas, tais como forma, tamanho e peso, mas que tambem têm o que nos reconhecemos como características psicologicas, tais como as capacidades perceptivas e, em amplo aspecto, uma capacidade para agir de modo ambientalmente dirigido. Todavia, não possuem as capacidades psicologicas avançadas que nos, seres humanos típicos, possuímos. Exemplos que incluímos nesta categoria são cães, gatos e outros animais de tamanho medio e grande porte.

Finalmente, há a categoria ainda menor de criaturas, como nos. Nos temos (ou aparentamos ter) propriedades físicas, e nos compartilhamos as capacidades psicologicas básicas possuídas por animais comuns, mas tambem, pelo menos caracteristicamente, possuímos uma serie de capacidades psicologicas consideravelmente mais avançadas, incluindo a habilidade de pensar, imaginar, raciocinar, lembrar, desenvolver teorias e resolver problemas intelectuais. Podemos pensar sobre objetos individuais em nosso ambiente e determinar que tipos de objetos são. Em particular, podemos pensar em uma variedade de maneiras sobre nos mesmos, e nos reconhecermos como criaturas exatamente com esta capacidade, a capacidade, como poderíamos dizer, para o autoconhecimento. É útil ter uma forma abreviada de expressar esta serie ampla e vagamente especificada de capacidades psicologicas avançadas. Vamos simplesmente chamar esses poderes avançados de “autoconsciência”. Podemos agora dizer que quando filosofos discutem o tema do Self e da identidade pessoal, eles estão teorizando sobre aspectos das entidades autoconscientes.

Duas ressalvas precisam ser ditas neste momento. Podemos pensar que sabemos que apenas nos, seres humanos, somos autoconscientes, mas devemos ser cautelosos sobre a exclusão de todas as outras criaturas. O estudo cuidadoso de outros animais está em sua infância. Em segundo lugar, não devemos assumir que a terceira categoria pode ser claramente distinguida da segunda. Criaturas que não são totalmente autoconscientes podem chegar muito proximas a isso!

De qualquer modo, embora possa ser prematuro, dada a imprecisão das

condições que o termo "autoconsciente" estabelece, há uma tentação para selecionar um substantivo para representar as coisas que são autoconscientes. Alguns filosofos

ATENCAO

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

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usam o termo "self" e por isso formulam perguntas sobre a natureza de um self ou dos selves. Outros empregam o termo "pessoa". Vamos, a partir de agora, utilizar os dois substantivos de modo intercambiável.

Há três aspectos desses substantivos que precisamos notar imediatamente.

O primeiro e que, como inicialmente introduzidos, eles se aplicam não a algum tipo de objeto especial que faz parte de nos (como, talvez, por vezes, assume-se que a palavra "self" faz), mas sim a nos, como um todo complexo. Você e um self, assim como você e uma pessoa. Isto contrasta com o termo "mente"; você não e uma mente, em vez disso, você tem uma mente. Falar sobre a mente e, portanto, falar sobre alguns aspectos restritos de você.

Há um possível contraste entre o termo “pessoa” e o termo “self”. Não é realmente uma questão de disputa que cada um de nós é uma pessoa. O termo “pessoa” apenas se aplica a nós. Assim, podemos testar qualquer reivindicação sobre pessoas perguntando se a alegação se aplica a cada um de nós. Em contraste, o termo “self” é por vezes utilizado de um modo técnico, o que significa que não é algo automático que cada um de nós é um self. Um exemplo de alguém que o define de tal maneira é Galen Strawson (2009). Ele diria mais ou menos assim: vou restringir a mim mesmo ao caso humano e pressupor que se alguma coisa deve ser tomada como um self então deve ser um sujeito de experiência e deve ser não idêntico com um ser humano considerado como um todo. Tal definição é, naturalmente, perfeitamente legítima, embora não estamos adotando tal uso do “mim mesmo”. Aqueles que assumem tal posição enfrentam duas perguntas: Por que supor que há selves neste sentido? E, por que estar interessado nessa noção?

Segundo, uma vez que você e um self e uma pessoa, podemos dizer que a coisa que você discerne quando usa a palavra "eu" e o self ou a pessoa que você e. Daí a pergunta: o que e um self ou uma pessoa? Pode ser formulada por você nestas palavras: Que tipo de coisa sou eu? Que natureza eu tenho?

Em terceiro lugar, a maneira como nos introduzimos ou explicamos esses substantivos não está supondo de modo algum que estes substantivos expressam ou discernem o que nos somos fundamentalmente ou basicamente. Considere esta analogia. A frase substantiva "estudantes de Filosofia (ou Teologia)" se aplica a você e a nos que estamos estudando este material; aquele substantivo complexo exprime certa condição à qual nos enquadramos, o que significa dizer que somos todos estudantes de Filosofia. Mas, mesmo que você seja um estudante de Filosofia, se alguem perguntar que tipo de coisa você e fundamentalmente? Não diríamos "um estudante de Filosofia", provavelmente diríamos um ser humano. Isto está,

IMPORTANTE

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sem dúvida, ligado ao fato de que você poderia deixar de ser um estudante de Filosofia, enquanto que, sem dúvida, permaneceria na existência. Portanto, isso dificilmente equivaleria ao que você e fundamentalmente. Assim, embora fique acordado que nos somos selves e pessoas, como esses termos foram interpretados, isso não significa que nos devemos dizer que o que fundamentalmente somos e um self ou uma pessoa. Talvez nos somos fundamentalmente um tipo diferente de coisa que, dada a forma como nos desenvolvemos, evoluímos em selves ou pessoas. A introdução e a aplicação a nos desses substantivos não resolvem a questão de saber o que somos, ou que natureza fundamentalmente nos temos.

Isso conduz a uma pergunta: quando os filosofos levantam questões sobre

selves ou sobre o que eles chamam de identidade pessoal, será que estão levantando questões sobre nos, sobre nos mesmos, as coisas que se tornaram selves e pessoas, ou eles estão levantando questões sobre nos apenas na medida em que nos nos qualificamos como selves e como pessoas, ou talvez, como se poderia dizer, sobre a classe de selves e pessoas? Esta e uma questão importante, mas protelaria muito o processo se fôssemos discutir aqui. Em vez disso, vamos afirmar dogmaticamente que pensamos que a resposta correta e que eles estão levantando questões sobre nos, sobre a natureza que nos fundamentalmente temos. A razão para dizer isto e que os filosofos expressam suas respostas em reivindicações sobre si mesmos, e tambem argumentam sobre a verdade das alegações sobre selves (e pessoas), verificando se as mesmas se aplicam a si mesmos.

3 ALGUMAS PERGUNTAS

Se estamos interessados em determinar a natureza de um tipo de objeto, neste caso, o tipo de objeto que nos somos, que tipo de questões necessitam ser levantadas? Quero me concentrar em duas questões muito básicas. Em primeiro lugar, para qualquer tipo de coisa, uma questão relevante para estabelecer sua natureza seria perguntar: do que esses objetos consistem? Quais são os elementos que compõem o objeto? A forma em que esta questão e habitualmente levantada em conexão com selves parte do pressuposto de que cada um de nos tem um corpo, um corpo que está intimamente relacionado com ele ou ela. Concedendo esse pressuposto, a questão fundamental e: há outras partes para mim alem do meu corpo? Chamamos essa questão de o “problema” self-corpo. Mas uma segunda questão fundamental para perguntar ao tentar caracterizar a natureza de uma entidade e o que e necessário ou está essencialmente envolvido em uma coisa dessa especie existindo ao longo do tempo, ou seja, a sua continuidade. Este tipo de problema e com que o problema da identidade pessoal lida: o que e necessário para coisas do tipo que somos persistir? Um aspecto da divisão e que a segunda questão refere-se à existência ao longo do tempo, (às vezes chamada de

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uma questão diacrônica) enquanto que a primeira relaciona-se com quais partes ou constituintes que o objeto possui a qualquer momento (às vezes chamado de uma questão sincrônica). Não seria, naturalmente, correto estabelecer uma linha divisoria nítida entre essas duas questões. Deve haver alguma conexão entre o que ou no que consiste um self, do que e feito, e o que e necessário para que possa continuar a existir ao longo do tempo. No entanto, facilita dividir o debate nessas duas questões principais.

Os filosofos têm tambem levantado uma terceira questão sobre os selves:

pode qualquer coisa informativa e interessante ser dita sobre as condições para ser uma pessoa ou um self? Por exemplo, deve uma pessoa ou self ser uma coisa física? Há limites para quais tipos de experiência alguma coisa deve ter se for uma pessoa ou um self? Aqui, há questões interessantes e muito debatidas, mas vamos nos limitar às duas primeiras.

Para uma discussão aprofundada de algumas destas questões, ver Cassam (1999), Galvão (2013) e Miguens (2001). Veja também Souza e Gomes (2005) para uma abordagem histórica das investigações do Self.

4 O PROBLEMA SELF-CORPO

Tomemos um caso particular; chamemos a pessoa ou o self (um de nos) de P, e chamemos o corpo de P C. Nos podemos perguntar: como e o P relacionado ao C? A questão fundamental e: existem partes do P que não são partes do C? Há uma serie de possíveis maneiras de pensar sobre a relação entre as partes C e as partes do P, mas eu quero apresentar o debate, pelo menos inicialmente, como entre dois pontos de vista. O primeiro diz que não há partes do C que sejam partes do P. O segundo diz que não há partes do P diferentes das partes do C, e, alem disso, cada parte do C e uma parte do P. A primeira perspectiva, com efeito, identifica P, o self ou a pessoa, como algo distinto do corpo de P. A segunda perspectiva sustenta que C e tudo o que há para P. Há, e claro, outros pontos de vista possíveis, mas vamos ignorá-los nesta introdução.

DICAS

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

De acordo com a primeira perspectiva, que pareceu correta para muitos

filosofos e recebeu parecer favorável em várias tradições religiosas, o P e o C são coisas distintas. Nada do que e parte do meu corpo e parte de mim. A versão mais famosa de tal visão e aquela defendida por Descartes. Sua visão e chamada de Dualismo Cartesiano, em reconhecimento da sua postulação de uma dualidade de entidades básicas; há corpos (objetos físicos) e tambem coisas do tipo que uma pessoa ou um self e. A visão de Descartes (2004) e que o self e um objeto não físico (ou substância), e o ser não físico não e espacialmente localizado. Na linguagem religiosa, tais itens são chamados de "almas".

A visão dualista cartesiana é exposta por Descartes (2004) em Meditações sobre Filosofia Primeira (comumente chamado As Meditações), especialmente a segunda e a sexta Meditação, e em O Discurso do Método (1996), parte 5. A crítica devastadora de Arnauld (2006) ao principal argumento de Descartes está no Fourth Set of Objections (Quarto conjunto de Objeções), aos quais Descartes respondeu. Veja um bom comentário dessas e outras objeções em Scribano (2007). Críticas influentes à perspectiva de Descartes são apresentadas em G. Ryle (2005), especialmente o capítulo 1, e em Peter F. Strawson (1959), no capítulo 3, e em seu artigo “Yo, mente y cuerpo”, contido em sua coletânea Libertad y Resentimiento (1995), nas páginas 139-150. Veja também o artigo de Faller (2011) para saber mais sobre a visão de Peter Strawson. A oposição ao dualismo como ontologicamente perdulário é apresentado em Smart (1959).

Há alguma razão para pensar que esta visão dualista e a correta? É obvio que um argumento pode sustentar o dualismo apenas se, pelo menos, sustenta a reivindicação mais fraca de que P e C não são idênticos. Então, queremos fazer a seguinte pergunta: será que Descartes nos oferece qualquer razão para pensar que P e C não são idênticos?

A filosofia e cheia de argumentos que pretendem demonstrar que um objeto

x e um objeto y não são a mesmíssima coisa, que não são idênticos. Tais argumentos trabalham, tentando localizar alguma propriedade P que pode ser acordada que x tem, mas que y não tem. Se uma tal propriedade pode ser encontrada, então parece que x e y não podem ser a mesmíssima coisa, não podem ser idênticas, uma vez que existe alguma diferença entre elas. O filosofo Leibniz formulou o princípio geral no qual estamos dependendo aqui; se x e y são a única e mesmíssima coisa (são idênticas), então não pode haver qualquer diferença entre elas. Isso às vezes e chamado de a Lei de Leibniz (SOARES, 2003). Presumimos que ele está correto. Será que Descartes localizou qualquer diferença de propriedades genuínas entre P e C?

Um argumento, que às vezes e dito, que Descartes empregou, surge do

fato de que em um determinado estágio em sua investigação ele tem a certeza de

IMPORTANTE

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

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que ele mesmo existe, mas não está certo de que o seu proprio corpo exista. Ele não havia encontrado uma razão convincente para pensar que ele tinha um corpo. Nesse contexto, Descartes (2004) pode ser lido como argumentando da seguinte forma:

1. É certo que eu (P) existo.2. Não e certo que o meu corpo (C) existe.

Portanto,

3. Não e o caso em que eu (P) seja idêntico ao meu corpo (C).

O pressuposto neste argumento e que as palavras "e certo que ... existe" expressam uma propriedade de mim, mas algo que não e uma propriedade do meu corpo (C). Há, portanto, uma diferença entre eles.

É mais ou menos universalmente acordado que, se Descartes (2004) de fato

desse continuidade a tal argumento, o argumento não seria válido. Considere o seguinte caso paralelo bem conhecido. Olhando para um banco australiano sendo roubado pelo homem da máscara de ferro, eu posso pensar:

4. É certo que o homem da máscara de ferro e aquele homem.

Mas como eu não sabia quem ele era, eu tambem poderia pensar:

5. Não e certo que Ned Kelly e aquele homem. Dadas essas reivindicações, será que eu poderia legitimamente concluir

que o homem da máscara de ferro não e Ned Kelly? É obvio que eu não poderia concluir isso, uma vez que, de fato, ele era (ou poderia ser) Ned Kelly. Por que essa conclusão não segue? A resposta mais simples e que "sendo certo que ... e aquele homem" não representa uma propriedade que falta ao objeto Ned Kelly, mas que o homem da máscara de ferro possui. Ao contrário, e que eu aceito a afirmação de que o homem da máscara de ferro está aqui, mas eu não aceito a alegação de que Ned Kelly está aqui. A diferença com relação a essas alegações não e uma diferença entre o Ned Kelly e o homem da máscara de ferro. Em celebração deste erro obvio, tais inferências são descritas como cometendo a Falácia do Homem Mascarado, em que a substituição de designadores idênticos numa afirmação verdadeira pode levar a uma falsa. Outro exemplo desta falácia e dada por Jack Ritchie (2013), que nos pede para considerar o argumento de que: 1 – eu conheço o meu pai; 2 – eu não conheço o homem mascarado; 3 – portanto, o homem mascarado não e o meu pai. O erro está em concluir, perante a plausibilidade de afirmar que possamos conceber o pai existindo sem o homem mascarado, que estes seriam de fato diferentes. É obvio que o homem mascarado “pode” ser meu pai. Portanto, o erro está na confusão entre as lacunas do conhecimento e as lacunas no mundo.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Uma excelente introdução para os debates sobre o self é Armstrong (1968), especialmente os capítulos 1-4.

Voltando ao suposto argumento de Descartes (2004), podemos ver que a diferença entre (1), “É certo que eu (P) existo”, e (2), “Não e certo que o meu corpo (C) existe”, vistas acima, não representa uma diferença entre eu e o meu corpo. É, na verdade, uma diferença entre a minha atitude para com uma reivindicação explicitamente sobre eu mesmo e a mesma alegação explicitamente sobre o meu corpo.

Descartes (2004) tem um segundo argumento, apresentado na sexta

Meditação. A conclusão de que P não e idêntico a C, supostamente segue a partir de dois alegados contrastes entre P e C. Os dois contrastes são:

1. P e essencialmente uma coisa pensante, ao passo que,2. C não e essencialmente uma coisa pensante.

Alem disso,

3. C e essencialmente uma coisa extensa, ao passo que,4. P não e essencialmente uma coisa extensa.

O que essas reivindicações, que empregam a noção de características

"essenciais", querem dizer? A definição de "x e essencialmente F" e, necessariamente, se x existe, então x e F. Uma propriedade essencial de um indivíduo e aquela que esse indivíduo necessita ter (supondo que ele de fato exista). Parece que esta noção e totalmente algo do senso comum. Por exemplo, e difícil supor que minha gravata poderia, sob quaisquer circunstâncias, ter sido um número primo. Se isso for impossível, então minha gravata não e essencialmente um número primo. Por outro lado, minha gravata poderia ter pertencido a outra pessoa; por isso não e essencialmente minha, embora ocorra que agora e minha. Uma vez que o termo "propriedade essencial" seja tecnico, não parece haver nada de misterioso sobre a ideia de propriedades essenciais. Deixando de lado, no momento, se as premissas são verdadeiras, devemos contar o argumento como válido e não falacioso? Opiniões podem diferir aqui, mas perante o mesmo, se um objeto e essencialmente F ou não, e uma questão da maneira que o objeto e, e não depende de como o objeto e descrito. Se assim for, então, se um objeto x e essencialmente F e um objeto y não e essencialmente F, então x e y não são uma e a mesma coisa.

A questão, então, e se Descartes tem boas razões para contrastar as

NOTA

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propriedades essenciais de P e C. Curiosamente, as afirmações sobre C parecem plausíveis. A fim de que C exista, este precisa ocupar espaço, e parece que C não e essencialmente uma coisa pensante. Alguns poderiam dizer que C não e o tipo de coisa que pensa em absoluto; no entanto, se permitirmos que C pudesse pensar não parece que, para existir, ele necessitasse pensar. Assim, Descartes está correto nessas duas afirmações sobre C. Em contrapartida, as duas afirmações sobre si mesmo (sobre P) são questionáveis. Por que Descartes acha que o pensamento e uma propriedade essencial de si mesmo? Parece obvio que há períodos em que ele não está pensando, por exemplo, quando ele estiver nocauteado ou estiver dormindo profundamente. Mas certamente tambem parece plausível pensar que poderia ter nascido tão danificado que ele não poderia pensar em absoluto. Então, a reivindicação (1) acima e uma que podemos rejeitar. A reivindicação (4) nega que Descartes tem a propriedade essencial de ser extenso. Como Descartes saberia disso, antes de determinar sua relação com seu corpo? O raciocínio de Descartes parece ter sido o de que ele poderia pensar claramente sobre si mesmo e que não haveria nada que sugerisse que ele deveria ter um corpo. Mas, como seu contemporâneo Antoine Arnauld apontou, este argumento não e convincente (COTTINGHAM, 1995). Ele dá o exemplo de triângulos retângulos que antes de Pitágoras tinham sido facilmente pensados por muitos, sem eles perceberem que o teorema de Pitágoras se aplica aos mesmos. Esses triângulos são necessariamente pitagoricos, mas ninguem havia reconhecido isto ou suspeitado antes. Como e que Descartes sabe que não somos essencialmente encarnados/incorporados, mesmo que nada sugere a ele que nos somos? O problema com o principal argumento de Descartes e que as reivindicações sobre si mesmo, e, portanto, sobre os sujeitos em geral, não são devidamente sustentadas.

Descartes tem um terceiro argumento que vale a pena considerar. Ele

apresenta o argumento em seu livro Discurso do Metodo (1996), na quinta parte. Podemos representar o argumento como apoiado nas seguintes premissas:

1. Eu posso fazer F,2. Nenhuma coisa que não tenha partes para alem das partes do corpo pode fazer

F, portanto,3. Eu não sou idêntico com o meu corpo.

A logica deste argumento parece impecável. A questão e, novamente, se

todas as premissas são verdadeiras. Os valores para F, dos quais Descartes pensa que as duas premissas são verdadeiras, são: engajar-se em uma conversação e compreender a mesma; e resolver problemas em geral. É claro que podemos entender conversações e resolver problemas, embora não possamos dar qualquer declaração muito precisa do que somos capazes nestes aspectos. Eu, certamente, não sou capaz de resolver todos os problemas, nem de compreender todas as conversações. Mas e muito mais significativo perguntar por que Descartes pensou que (2) e verdadeiro. Como, poderíamos dizer, que Descartes sabe o que os corpos são capazes de fazer? Na medida em que Descartes revela seu pensamento parece que ele foi guiado por um senso do que a tecnologia mais recente (de sua epoca) indicava que a materia era capaz. Esta tecnologia incluía relogios e modelos moveis

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

de animais. O escrutínio de tais objetos pode indicar que a materia não e capaz de muito, mas a pergunta obvia deveria ter sido: por que supor que tais objetos físicos são os únicos que podem revelar do que a materia e capaz? Talvez, uma linha mais plausível de pensamento que a de Descartes seria a de que nos somos capazes de resolver problemas etc., e que aparentemente somos coextensivos com nossos corpos, por isso alguns pedaços de materia têm capacidades muito avançadas. Esta linha de pensamento e em efeito uma prova da existência da extraordinária materia chamada de “o sistema nervoso central”.

Assumiu-se que selves ou pessoas têm corpos, mas a questão tem sido se

há qualquer razão para postular quaisquer partes aos selves alem de seus corpos. Haverá tais razões somente se houver razões para pensar que o self não e idêntico ao corpo daquele self. Acabamos de argumentar que Descartes não nos dá nenhuma razão para pensar que cada um de nos não e idêntico ao seu corpo. Há, no entanto, razões do outro lado para pensar que não podemos ser idênticos a algo distinto de nossos corpos? As razões que têm sido oferecidas pelos filosofos podem ser divididas em duas classes. Um tipo alega que há algo incoerente sobre a teoria. O segundo tipo alega que a teoria dualista faz sentido, mas afirma que ela apresenta outros aspectos ruins.

Quero, inicialmente, esboçar dois supostos problemas do primeiro tipo com

a abordagem dualista. O primeiro e o problema da interação causal. O problema da interação causal e discutido em John Foster (2010a; 2010b). Em qualquer perspectiva plausível, segundo a qual os selves tanto controlam seus corpos (e agem com eles), quanto são afetados por ocorrências corporais (por exemplo, eles sentem dor como resultado de lesão corporal), há interação causal entre C e P. Como, no entanto, P não tem, de acordo com o dualismo, nenhuma parte física (e portanto nenhuma natureza física), parece difícil entender como pode haver essa interação. Agora, e claro que este argumento recai sobre uma implicação do dualismo que necessita de inquerito. Mas, e muito menos claro que há quaisquer princípios sobre a causalidade que descarte com antecedência a propria possibilidade de tal interação. Não e o suficiente apontar que este e diferente de todos os outros casos conhecidos de interação causal, pois novos casos podem ser possíveis.

A segunda objeção, que chamaremos de Objeção da Individuação, se

assenta em duas premissas. A primeira e que, se quisermos entender a abordagem dualista, então precisamos entender a ideia de selves não físicos como objetos ou entidades. Isso exigirá dar sentido à ideia de que eles podem continuar a existir ao longo do tempo. O que, por sua vez, exigirá dar sentido à distinção entre um único self durável e dois selves que existem em sucessão. Tambem envolve atribuir sentido à possibilidade de haver dois selves distintos que são qualitativamente o mesmo. A segunda premissa afirma que, dada a natureza não física desses selves postulados, não há qualquer entendimento disponível. Por que, porem, esta afirmação poderia estar correta? Dois pontos são analisados. O primeiro e que nos não temos nenhuma concepção de como dizer qual e o caso com os selves não físicos. Há, por exemplo, um único e durável self ou dois em rápida sucessão? Nos não podemos dizer. Em segundo lugar, salienta-se que a nossa compreensão dessas possibilidades, por exemplo, com cadeiras ou malas, depende essencialmente da ideia de ocupação

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

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do espaço. Assim, há sentido na ideia de duas malas qualitativamente idênticas, porque elas podem ocupar espaços diferentes. Esta compreensão espacial não está disponível com selves não físicos. No entanto, nenhum destes pontos e uma base segura para alegar uma incoerência. A impossibilidade de saber qual possibilidade ocorreu não significa que não possamos atribuir sentido à distinção. Isto tambem não mostra qualquer ininteligibilidade que os fundamentos para a compreensão de um contraste em um caso não estejam disponíveis em outro. Talvez outros fundamentos estão disponíveis, ou, talvez, a conjectura e simplesmente primitivamente inteligível.

Estas acusações supostamente eram aquelas consideradas, em certo sentido,

como a priori. Outro estilo de objeção alega não haver falhas a priori no dualismo, mas assinala que, postular que cada um de nos e composto de algo diferente de nossos corpos, e ainda manter que nos temos corpos, e ontologicamente mais complexo do que manter que consistimos de nossos corpos. E ser ontologicamente mais complexo so deve ser aceito se houver razões decisivas para introduzir tais entidades. Ate agora, não encontramos tais razões decisivas. Este estilo de objeções apela ao que às vezes e chamado de a Navalha de Ockham, que diz que devemos postular uma estrutura mais complexa de entidades em nossas teorias somente se houver benefícios explicativos de fazê-lo. Este estilo de argumento tem sido justamente popular recentemente.

Outro tipo de argumento válido de ser esboçado aqui, que pode ser tratado como uma tentativa de mostrar que nenhuma parte C e parte de P, deriva de Hume (2009). Ele e creditado como propondo a chamada Teoria do Feixe, ou Teoria do Self/Eu como feixe (HACKER, 2010), segundo a qual o self consiste da sequência (ou feixe) de experiências que esse sujeito desfruta. Desde que eventos do experienciar não são partes do corpo, se esta afirmação está correta, o sujeito não compartilha nenhuma parte com o seu corpo. Por que, no entanto, Hume pensa que a sua proposta dos feixes está correta? Em uma passagem muito famosa ele defende:

De minha parte, quando eu penetro mais intimamente naquilo que denomino meu eu [meu self], sempre deparo com uma ou outra percepção particular [...]. Nunca apreendo a mim mesmo, em momento algum, sem uma percepção, e nunca consigo observar nada que não seja uma percepção. Quando minhas percepções são suprimidas por algum tempo, como ocorre no sono profundo, durante todo esse tempo fico insensível a mim mesmo, e pode-se dizer verdadeiramente que não existo. (HUME, 2009, p. 284, I, 4, § 6).

Apesar de sua fama e influência, esta passagem não e muito convincente.

Em primeiro lugar, seria um erro grave inferir que o sujeito e constituído por tudo o que e requerido ao sujeito estar ciente de si mesmo. Vamos concordar que um sujeito não pode estar ciente de si mesmo, a menos que esteja tendo experiências. Dificilmente conclui-se disto que o sujeito e as experiências. Isso seria como argumentar: Eu so posso ver estes átomos se houver um microscopio, portanto esses átomos são microscopicos. Em segundo lugar, Hume (2009) oferece uma descrição errônea do que ele encontra na experiência. Quando ele, por exemplo,

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

olha em um espelho, ele vê a si mesmo, a coisa mesma que ele e. Por que devemos aceitar que ele so observa as suas experiências, ao inves de si mesmo? Em terceiro lugar, Hume afirma como se devêssemos concordar, que se ele não tiver nenhuma percepção então podemos realmente afirmar que ele não existe. Isto dificilmente parece ser verdade em absoluto. A nossa concepção de nos mesmos e de coisas que continuam em estado de inconsciência total. O convite para que acreditemos na teoria do feixe não e tão atraente.

Um diagnóstico muito interessante, com conexões a Hume, da dificuldade de pensar sobre nós mesmos é dada por T. Nagel (2004), no capítulo 4. Veja também Guzzo (2012) para uma visão geral da teoria humeana da identidade pessoal.

Não encontramos ate agora nenhuma razão para pensar que existem quaisquer partes de P alem das partes de C. É correto inferir que, provavelmente, P e C são uma e a mesma coisa, todavia são, portanto, idênticos? A resposta, assim cremos, e "não". Para ver como essa inferência pode estar errada, precisamos considerar um caso intrigante que tem sido de foco central na metafísica recente. Considere-se uma estátua de Einstein que você fez há alguns dias. Vamos chamar essa estátua de EE (abreviação de Estátua de Einstein). Para fazer a estátua você pegou um pedaço de argila (chamaremos de A) e a moldou (VIANA, 2010). No momento temos EE e A. Qual e a relação entre esses objetos? Nos, inicialmente, não temos a sensação de que eles não sejam idênticos, mas na medida em que nos pensamos sobre eles parece que passamos a vê-los de forma diferente. Assim, podemos dizer que EE foi criado em t (tempo específico), ao passo que A foi criado muito antes. Tambem aceitamos que você pode destruir EE sem destruir A. Na medida em que pensamos sobre eles, parece que creditamos diferentes historias de vida à EE e à A. Mas isso cria problemas para pensarmos neles como o mesmíssimo item, como o único e o mesmo. Parece haver diferenças. Se concluirmos que A não e idêntico à EE nos não pensaríamos que há algo a mais no EE do que A. Como poderíamos dizer: EE apenas consiste em A. Uma maneira popular de expressar esta relação e dizer que A constitui EE. Para todos os argumentos ate agora considerados, então, pode ser que C constitui P, sem ser idêntico ao P. Esta questão e completamente instável, mas não pode ser avançada aqui. É necessário introduzir agora o debate sobre selves (ou pessoas) ao longo do tempo.

NOTA

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

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Um candidato elegante para a mesma relação é fornecido por Kripke (2012). Ele nos pede para considerar uma árvore a partir da qual todos os ramos foram desbastados, deixando apenas, podemos supor, o tronco. Qual é a relação entre o tronco e a árvore? Na cena proposta no momento, não há partes da árvore que não sejam também parte do tronco, mas isso significa que a árvore é o tronco? Dificilmente, porque parece haver diferenças entre o tronco e a árvore. Por exemplo, uma vez que o desbastamento cessar a árvore consistirá em parte das folhas, enquanto que o tronco nunca vai consistir das folhas. Esta diferença parece significar que devemos pensar no tronco como constituindo a árvore em um período, mas não sendo idêntico à árvore. Este debate metafísico geral pode ser rastreado pela leitura de Wiggins (2001).

5 A IDENTIDADE PESSOAL

As coisas do tipo que somos não são, caracteristicamente, de curta duração. Nos persistimos ao longo do tempo (comumente cerca de 70-80 anos) e assim temos historias. A pergunta e: podemos dizer de uma maneira informativa o que e essencial e suficiente para a nossa persistência, para nossa durabilidade? A maneira de pensarmos nesse problema e perceber que ele envolve três aspectos em sua formulação. O primeiro elemento e a ideia de possíveis formas que o mundo possa desenvolver. Suponha que P está de pe em um campo. Uma coisa que pode acontecer e que uma bomba caia ao lado de P e o corpo de P se desintegra. Outra possibilidade e que a bomba caia, mas não exploda, e P permanece de pe. Estas são apenas algumas das formas possíveis em que o mundo pode desenvolver. Mas, a segunda ideia e que algumas formas constituem a permanência de P na existência, enquanto outras constituem a saída de P da existência. Tal como previsto, o primeiro desenvolvimento presumivelmente resulta no cessar de existir de P, enquanto que a segunda possibilidade resulta na permanência de P na existência. O terceiro elemento e o objetivo de especificar de forma informativa quais possibilidades portam criaturas como P com elas e quais não o fazem. Estes princípios informativos sobre nossas condições de persistência às vezes são chamados de Criterios de Identidade Pessoal (COSTA, 2002; MIGUENS, 2001; VIANA, 2010; GALVÃO, 2013). Para que isso seja informativo, a ideia e especificar as possibilidades de uma forma que não as escolheremos em termos do veredicto. Nos podemos, obviamente, dizer que as possibilidades em que P sobrevive são as que constituem a permanência de P na existência. Porem, será que podemos dizer de forma informativa quais são estas?

UNI

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Para ter uma visão mais panorâmica sobre a questão da Identidade pessoal, veja Galvão (2013), Miguens (2001), Viana (2007) e Bonjour e Baker (2010). Para aprofundar a leitura sobre a identidade pessoal, leia a obra de H. Noonan (2002). Para ver questões de distinção entre identidade e constituição, procure em J. Lowe (2002), no capítulo 4, também em D. Wiggins (2001).

O objetivo consiste em especificar o que e essencial para a sobrevivência das pessoas ou selves. Como podemos resolver isso? O problema e que nos casos reais que encontramos, nos quais uma pessoa reconhecidamente sobrevive ao longo do tempo, pode muito bem haver elementos que não são estritamente necessários para a pessoa sobreviver. Alem disso, pode haver maneiras para as pessoas sobreviverem que são bastante incomuns, diferente de tudo o que de fato ocorre. A resposta usual e assumir que temos uma compreensão do que e essencial para a sobrevivência a qual podemos acessar ao sermos solicitados a considerar e dar veredictos em casos imaginários, nos quais vários elementos, que são comumente presentes, são excluídos e que podem ser muito diferentes de casos comuns. Imaginar tais casos e realizar avaliações sobre eles e o que denominamos de engajamento em experimentos mentais. Agora, pode ser que a nossa capacidade de pensar sobre nos mesmos e acompanhar a nos mesmos ao longo do tempo não reflete um grau ou nível de compreensão que nos permite alcançar veredictos confiáveis sobre tais casos imaginários. Se isso de fato não ocorre, precisamos de outra rota para a essência da sobrevivência pessoal. Vamos, no entanto, desenvolver o problema da maneira padrão para começar.

Confrontado com este problema, três direções principais de solução

têm sido tradicionalmente propostas e exploradas. Antes de comentá-las, vale esclarecer que desde que não encontramos razões para postular partes para nos, exceto as partes corporais, nossa classificação das principais abordagens ignora as teorias da persistência do self que assumem que tais partes existem (por exemplo, as teorias dualistas). Tambem precisamos salientar que as três categorias de teoria que empregamos neste topico são muito amplas e que dentro de cada uma existem variantes que são bastante diferentes. Dito isto, a primeira destas opções e conhecida como a Teoria Física, ou Corporal, da identidade pessoal (COSTA, 2002; DAMÁSIO, 2011; WILLIAMS, 2010). A ideia simples e que qualquer self ou pessoa tem um corpo, que naturalmente se desenvolve ao longo do tempo. Temos, certamente, um entendimento comum do que e para um corpo manter-se na existência ao longo do tempo. A teoria propõe que uma pessoa P permanecerá na existência na medida em que o objeto que e o corpo de P permanece na existência. A ideia e que a pessoa ou o self está ligado necessariamente a esse corpo, e, alem disso, que nada mais e necessário para a pessoa sobreviver alem de que aquele corpo sobreviva.

DICAS

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

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Tal teoria parece plausível porque, em síntese, no mundo como nos o conhecemos, o princípio parece gerar apenas implicações verdadeiras e aceitáveis. Por exemplo, o adulto na sua frente e a criança que você viu quase 20 anos atrás, se, e somente se, o corpo na sua frente e o mesmo corpo como o que você viu quase 20 anos atrás. A proposta assume, certamente com razão, que nos concordamos que um único corpo pode crescer e se desenvolver ao longo do tempo, de modo que seu corpo sendo o mesmo não o obriga a que se pareça agora como o era. Nos temos um entendimento comum de continuidade corporal que a teoria pressupõe. Alem disso, há algo plausível ao pensamento de que a sobrevivência da pessoa não exige nada mais. Assim, o caráter de uma pessoa pode mudar radicalmente, tal como suas atitudes e poderes mentais.

Nas discussões sobre a identidade pessoal esta abordagem não tem sido

popular. Qual a razão para isso? Em termos gerais, existem dois tipos de razões. A discussão de John Locke (1999) sobre a identidade pessoal no seculo XVII brilhantemente inaugurou tais argumentos, e como veremos, ele desenvolveu uma teoria diferente em função destes. O primeiro tipo de razão e que quando se aplica o metodo do experimento mental, parece haver casos imaginários, mas em princípio possíveis, onde o melhor veredicto e que a pessoa e o corpo se separam. Podemos dividir esses exemplos em dois casos principais. Um tipo e onde supostamente começamos com uma pessoa e o corpo conectados, mas as coisas se desenvolvem de tal modo que o corpo permanece, mas a pessoa não o faz. Podemos denominar estes casos de (C e não P). O outro tipo e onde supostamente as coisas se desenvolvem de modo que a pessoa ou o self permanece, mas o corpo não o faz. Denominamos estes casos de (P e não C). A alegação e, então, que os experimentos mentais revelam a possibilidade de uma dupla dissociação entre a pessoa e o corpo. Agora, há muitos exemplos sugeridos de ambos os tipos, mas poderemos esboçar apenas alguns.

Aqui estão dois candidatos de casos (C e não P). (1) A pessoa P sofre um

terrível acidente de carro em que o cerebro de P está tão danificado que não há nenhuma possibilidade do retorno da consciência e, a fortiori (por causa de uma razão mais forte) nenhuma chance do retorno de qualquer funcionamento mental mais avançado. O corpo de P, obviamente, ainda está lá. O que aconteceu com P? O veredicto que parece razoável para muitos filosofos e que desde que o funcionamento mental está perdido, assim tambem está a pessoa. Este caso simples se assemelha a um mais complexo inventado por Shoemaker e Swinburne (1984), que ele chama de um brain-zap, o caso em que os estados psicologicos e disposições de alguem sejam totalmente destruídos. (2) Estamos familiarizados com o que pode ser chamado de um cenário típico do transtorno de personalidade múltipla, ou como o denominamos atualmente, transtorno dissociativo de identidade. A grosso modo, em t (tempo específico) há uma pessoa P ligada a um corpo C. Pouco tempo depois, a pessoa ligada a C nega que ele ou ela e P, tem um caráter completamente contrastante, um conjunto distinto de memorias e opiniões etc. Então, mais tarde ocorre como se P voltasse. Qual e a descrição correta de tais casos? Segundo alguns, o veredicto correto e que, apesar da presença contínua de C há uma sequência de pessoas distintas. Supondo-se que de acordo com esta explicação a pessoa anteriormente presente, mas atualmente ausente, não está lá, temos um caso (C e não P).

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Locke (1999) antecipou tal caso no livro 2, cap. 27, seção 23, de seu Ensaio sobre a natureza humana. Já Wilkes (1988), no capítulo 1, desenvolve um argumento em detalhe a favor do veredicto pluralista. Veja também o artigo de Vidal (2011) para um esboço histórico desta perspectiva mais cerebral do sujeito. Há uma excelente discussão do problema geral sobre a identidade pessoal em John Mackie (1988) no capítulo 5, assim como apontamentos críticos à teoria de Locke. Duas outras excelentes introduções são Harold Noonan (2003) e Brain Garrett (1998).

E quanto aos casos (P e não C)? Aqui tem de ser suficiente o caso crucial e muito debatido de um transplante de cerebro (SHOEMAKER; SWINBURNE, 1984; COSTA, 2005; PARFIT, 2010; ROSS, 2010). Imagine que há uma pessoa P, com um corpo C1, em um t (tempo específico). Pouco depois, o cerebro de P e removido de C1 e realojado e religado noutro corpo humano, C2. A suposição normal e que os nossos estados psicologicos, por exemplo, crenças e memorias, estão baseados no cerebro. Eles serão, por conseguinte, deslocados transversalmente com o cerebro. A pergunta e: o que acontece com P? Para muitos, parece obvio que o veredicto correto e que P vai com o cerebro. Assim, quando a pessoa no C2 acorda, ele ou ela vai estar convicto de que eles são P, pois retêm as memorias e crenças etc. Certamente eles dirão que são de fato P.

A principal dificuldade para a teoria física ou corporal da identidade

pessoal tem sido que parece haver possíveis dissociações entre as pessoas e seus corpos. No entanto, Locke (1999) ficou impressionado com uma segunda linha de pensamento. Ele propôs que a noção de uma pessoa deve ser definida da seguinte forma: um ser pensante inteligente, que tem razão e reflexão e pode considerar-se a si mesmo como si mesmo, isto e, a mesma coisa pensante em diferentes tempos e lugares. Para ver em mais detalhes essa definição de Locke, verifique no Ensaio sobre o entendimento humano, o livro 2, capítulo 27 e seção 9. O argumento de Locke na seção 9 merece um escrutínio mais de perto. Esta definição de "pessoa" tem sido considerada por muitos como estando nos trilhos certos. Locke, todavia, inferiu a partir disto que para uma pessoa permanecer na existência apos um tempo “t” ela deve fixar memorias do que estava acontecendo com ela em t, as quais um sujeito futuro pudesse recuperar. Em suas palavras, ele sugeriu que:

a identidade pessoal, isto e, a igualdade de um mesmo ser racional, consiste unicamente na consciência; e, à medida que essa consciência puder ser estendida para trás a qualquer ação ou pensamento, tão longe alcançará a identidade ou aquela pessoa. Portanto, qualquer coisa que tenha a consciência das ações presentes e passadas e a mesma pessoa a quem elas pertencem. (LOCKE, 2010, p. 277).

Locke assim tornou a noção da memoria a noção central na análise da existência pessoal ao longo do tempo. Ele tambem achava que os veredictos que

NOTA

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

115

tendemos a fazer sobre os experimentos mentais podem tambem se encaixar com tal análise.

A abordagem lockeana à análise da sobrevivência pessoal e marcada por

dois aspectos gerais. Em primeiro lugar, ela considera a persistência de uma pessoa como consistindo na presença de relações psicologicas ao longo do tempo (no caso de Locke a relação dominante era a memoria). Em segundo lugar, opõe-se à ideia de que uma pessoa está vinculada a qualquer objeto material ou substancial (como um corpo envolvente). É claro que pode haver teorias que satisfazem estes dois requisitos gerais e que são diferentes da teoria de Locke. Tais abordagens, que podemos chamar de teorias neo-lockeanas, têm sido desenvolvidas. As duas versões mais desenvolvidas são aquelas de Parfit (2010) e Shoemaker e Swinburne (1984). Seja qual for o veredicto final sobre tais teorias, elas são claramente exemplos brilhantes e profundos da filosofia construtiva. Elas surgem de dois problemas gerais no modelo de Locke. O primeiro e o seu foco exclusivo na memoria e sua exigência de uma articulação muito forte de memoria. Por que não formular uma exigência de memoria mais fraca? Por que concentrar-se unicamente na memoria? Os neo-lockeanos propuseram uma articulação mais fraca de memoria e tambem trouxeram outras articulações psicologicas ao longo do tempo para a análise, tal como o agir sobre uma intenção previa. Em segundo lugar, há a preocupação de que as proprias noções psicologicas que estão sendo usadas na análise da existência pessoal pressupõem a noção de uma pessoa persistente, durável, e assim tornam quase impossível a sua análise. A exposição clássica dessa preocupação foi elaborada por Butler (1975). Assim, pode-se sugerir que uma criatura pode lembrar-se de coisas apenas se ela possuir uma faculdade que, em certo sentido, registra seu passado. Mas isso requer (ou, pelo menos, nos faz suspeitar que requer) que a propria noção de memoria repousa sobre a ideia anterior de um item persistente com um passado, e dificilmente pode ser usada para explicá-lo (naturalmente, não está claro que há qualquer circularidade aqui). A resposta engenhosa sugerida pelos neo-lockeanos era tentar definir certos conceitos psicologicos artificiais que se assemelham aos nossos normais, mas que são explicitamente definidos de tal forma que eles não repousam em qualquer exigência de que seja a mesma pessoa envolvida. Os termos definidos tendiam a ser expressos usando a expressão "quasi" (quase), portanto, eles empregaram o termo “quase-memoria" (SHOEMAKER, 1963; COSTA, 2002).

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Para as definições, veja Parfit (2004, 2010; ROSS, 2010). A ideia geral de tais definições pode ser ilustrada pelo caso da memória, em conexão com o qual foi desenvolvida pela primeira vez e tem sido amplamente discutida. A suposição é que, se um único sujeito recorda a sua história anterior, haverá alguma forma de provável ligação causal entre a recordação e o evento original recordado. Vamos chamar essa ligação de “L”. Esta é normalmente concebida como o estabelecimento de um traço neural e sua reativação. Não há nenhuma razão para que esta ligação L não deva, em alguns casos estranhos, ser transferida de um sujeito ao outro, por exemplo, por alguma transferência minineural. A quase-memória é então concebida como presente na medida em que um sujeito posterior esteja relacionado de modo L com uma ocorrência anterior real. Esta relação não requer que seja o mesmo sujeito. Isso permite uma definição psicológica, aparentemente, não circular. Claro, nem todo mundo reconhece que este tipo de definição é satisfatório. (WIGGINS, 2001).

Com esta liberalização analítica e conceitual, o neo-lockeanismo tem parecido atraente para muitos. Mas uma terceira alternativa tradicional atraiu alguns. Os neo-lockeanos negaram quaisquer ligações entre pessoas e corpos ou ate mesmo partes de corpos. Por que eles pensaram isso? A resposta e que eles aceitaram que poderia haver casos (P e não C). No entanto, o caso mais forte e mais influente foi aquele do transplante de cerebro, e e claro que reconhecidamente tal possibilidade não compromete alguem a negar todas as conexões entre sujeitos e todas as partes de seus corpos, uma vez que em tais casos imaginamos que o cerebro vai com a pessoa. Alem disso, há algo muito radical sobre a proposta de romper todos os laços entre o sujeito ou pessoa e seus corpos. A nova proposta surgiu de que uma pessoa sobrevive na medida em que há estados psicologicos conectados e adequados que estão embasados no mesmíssimo objeto natural de base, que e, claro, o cerebro. De acordo com isso, uma pessoa está ligada a esse objeto que embasa as conexões psicologicas necessárias. Alguns defensores deste tipo de visão são John Mackie (1988), capítulo 5, Damásio (2011) e Broens e Milidoni (2003). Uma versão especialmente interessante e proposta por T. Nagel (2004) no capítulo 3. É importante perceber que esta proposta não afirma que a pessoa ou o self e (idêntico ao) o cerebro. Essa sugestão e profundamente inconsistente com a maneira como pensamos sobre nos mesmos. Por exemplo, você pensa em você mesmo como tendo um peso e uma aparência, e de fato, com uma extensão no espaço, bem diferente de qualquer uma destas características que o seu cerebro tem. A teoria diz que a pessoa so pode sobreviver se os traços mentais são sustentados por ou embasados em um objeto particular. A pessoa pode então ser considerada como sendo a coisa total que está organizada em torno desse objeto, mas que pode estender-se para alem dele.

Não se pode dizer que há uma objeção decisiva a esta sugestão. Os neo-lockeanos objetam que há casos (P e não C) plausíveis que revelam que o cerebro não e essencial à sobrevivência. Tambem podemos ponderar sobre o porquê haveria qualquer necessidade para o modo de embasamento de estados psicologicos (que

NOTA

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

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ocorre ser o modo que de fato nos temos, por exemplo, a preservação em uma única e duradoura entidade), ser o modo essencial para os selves ou pessoas em geral.

O debate padrão sobre a identidade pessoal consistia principalmente de

intercâmbios entre pessoas que ocupavam uma dessas três posições. É claro que estamos simplificando aqui, na maneira que temos feito ate agora neste topico, ignorando em nossa explicação do debate posições que exigem ontologias alem corpos (e estados mentais). As noções empregadas nas análises concorrentes são, basicamente, as dos corpos (e partes do corpo) e estados psicologicos. Um caso foi recentemente desenvolvido para pensarmos que este conjunto de ferramentas analíticas e excessivamente restrito. O caso começa a partir da percepção de que onde você está, e, portanto, onde seu corpo está, parece tambem haver um animal, em seu e em nosso caso, um animal da variedade humana. Que peso, se houver, devemos dar a esse objeto ao pensar sobre nos mesmos e o que e necessário para que possamos continuar na existência? Três pontos se destacam, uma vez que trazemos o animal (humano) à questão.

O primeiro, podemos alcançar perguntando qual relação deve um neo-

lockeano ou um teorico do cerebro considerar como mantida entre o sujeito ou pessoa e o animal humano? Parece que, de acordo com as suas teorias, a pessoa e o animal humano não são idênticos. Considere brevemente a visão neo-lockeana. Ela aceita que a pessoa pode deixar de existir, mesmo que o corpo permaneça, desde que o funcionamento mental cesse. No entanto, se o corpo permanece e ainda há vida, então, presumivelmente, o animal ainda está lá. Isto significa que o animal não pode ser a pessoa ou self. De acordo com a perspectiva do cerebro, a pessoa vai com o cerebro, ou pelo menos aquela parte do cerebro que sustenta as conexões e funções psicologicas. É, no entanto, implausível supor que a remoção de um cerebro não poderia deixar o animal para trás, especialmente uma vez que pode ser possível deixar suficiente materia neural para trás para sustentar a vida. Assim, uma diferença entre o animal e o self emerge na concepção do cerebro. Ambos os pontos de vista, então, implicam um contraste pessoa/animal.

Em segundo lugar, se compararmos as propriedades que atribuímos a nos

mesmos e aquelas que atribuímos ao animal humano, há uma semelhança enorme. O animal e concebido, nasce, entra na sociedade humana, vive uma vida, e morre. E, nos, certamente, diríamos que as mesmas coisas acontecem a nos, pessoas ou selves. De fato, no curso da vida real, seria difícil apontar quaisquer eventuais diferenças entre a pessoa e o animal humano, com base nas quais poderíamos considerá-los como coisas diferentes.

Em terceiro lugar, há certamente alguma coisa que precisa ser explicada se

o contraste pessoa/animal e removido. Vamos supor que você e o animal humano onde você está, são coisas diferentes, com diferentes requisitos para permanecer na existência. Agora, você e, obviamente, dotado mentalmente, mas podemos perguntar se o animal onde você está tambem e dotado mentalmente. Em face disto, a resposta e que ele e dotado mentalmente. Afinal, nos pensamos que os animais, em geral, possuem estados psicologicos: percepção, emoção, desejo, sensação etc.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA GERAL E A INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Certamente o animal humano avançado não carece de tais estados, em vez disso, parece ter estes e outros mais. Animais humanos podem raciocinar, pensar e falar. Se assim for, então uma visão que diz que o animal e uma coisa e a pessoa ou self e outra, parece comprometida com a presença no mesmo espaço ao mesmo tempo de duas coisas que podem pensar, raciocinar e falar. Embora tal consequência não constitua uma contradição, ela não representa algo que acreditávamos quando começamos a pensar no problema. Alem disso, a suposição padrão na formulação do problema era que os selves são balizados por suas capacidades psicologicas avançadas. Verifica-se agora que isso não pode estar certo, uma vez que existem duas coisas (pelo menos) onde você está que possuem tais propriedades, você e o animal. Uma nova explicação do que e uma pessoa ou self necessita ser fornecida. Isso, às vezes, e chamado de o problema das Duas Vidas (PARFIT, 2010; ROSS, 2010; GALVÃO, 2013). Como pode haver duas vidas psicologicas onde você está?

A introdução da noção do animal no debate, com o reconhecimento da

consequência aparentemente paradoxal de adotar o contraste pessoa/animal, e o reconhecimento adicional das semelhanças obvias entre a pessoa e o animal, levou à formulação de uma quarta abordagem ao problema, que tem sido rotulada de Animalismo (GALVÃO, 2013). Esta, tambem levou a uma degradação da teoria do corpo. Não e tanto que o animalismo esteja em oposição à teoria do corpo, como que não há nenhuma atração evidente para acessar direto ao candidato corporal, exceto por via do animal. De qualquer modo, essa abordagem propõe que nos, as pessoas e os selves que nos interessam, são as mesmas coisas que certos animais humanos, e por isso têm as condições para permanecer na existência de tais animais. Agora, e um assunto de controversia sobre o que são estas condições, em especial no final da vida. Será que um animal deixa de existir quando morre ou será que permanece na existência, todavia morto? Sobre isso, podem ser tomados diferentes pontos de vista. O que parece incontroverso, porem, e que nem a presença de estados psicologicos, nem a existência de conexões psicologicas ao longo do tempo são essenciais para um animal sobreviver. Se um animal permanece inteiro e vivo, ele está lá, mesmo que tenha perdido as suas capacidades psicologicas. Daqui decorre que, se adotarmos o animalismo devemos dizer o mesmo sobre nos mesmos. Nossas vidas psicologicas complexas e avançadas nos permitem viver como nos o fazemos e pensar sobre nos mesmos, mas podemos existir sem uma tal vida mental.

Para apresentações da visão animalista, ver Snowdon (2014), Ayers (2000) e Olson (1997).

DICAS

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TÓPICO 6 | A FILOSOFIA, O SELF E A IDENTIDADE PESSOAL

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Contra esta posição animalista as principais objeções serão do mesmo tipo das que foram levantadas contra a perspectiva do corpo que foram esboçadas anteriormente, e de fato os mesmos exemplos são usados. Assim, afirma-se que, embora o animalismo pareça correto, podemos trazer contra ele a existência de casos imaginários, embora possíveis, em que a pessoa ou o self pode se separar do animal humano. Novamente, há dois tipos principais de alegadas dissociações, os casos (A e não P), em que um desenvolvimento deixa o animal, mas remove a pessoa, e os casos (P e não A), em que a pessoa permanece, mas o animal não. No início não chegamos a esboçar uma possível resposta a este tipo de argumento, quando foi interposto contra a teoria do corpo. O que então pode ser dito?

É claro que, se houver uma linha de resposta à perspectiva dos casos

imaginários dos quais a objeção e dependente, deverá ser contra o que e reivindicado sobre a pessoa ou o self. Pois, nos casos imaginados há pouquíssima dúvida de que estamos rastreando o animal corretamente. A questão crucial e: estamos rastreando a pessoa ou o self corretamente? Existem dois lados muito difíceis, pelo menos, para este aspecto do problema. Primeiro, quando somos tentados a julgar um caso imaginário que envolve a remoção da pessoa ou a continuação da pessoa, será que temos a certeza de que o que estamos inicialmente tentados a dizer realmente representa o pensamos? Em segundo lugar, por que estamos confiantes de que estamos em posição de julgar o que está acontecendo com a pessoa ou o self em todos estes casos excepcionais? Considere, por exemplo, neste ponto o primeiro caso suposto (C e não P), que tambem funcionaria, se e que de fato funciona, como um caso (A e não P). Alguem está em um acidente e perde a sua capacidade de ter estados mentais. Pensamos que a pessoa realmente deixou de existir, ou será que realmente pensamos que isto representa um terrível acidente que se abateu sobre a pessoa, digamos, seu avô, que está lá, mas tragicamente e irremediavelmente ferido? Uma vez que se enfrenta o caso em um quadro realista da mente, e difícil sentir que temos certeza o suficiente de que a pessoa tenha, literalmente, desaparecido. O caso mais difícil e influente e o de transplantes de cerebro. O que acontece nestes casos com a pessoa ou o self? (Para as tentativas dos animalistas em responder a esta pergunta muito difícil, verifique Snowdon (1991, 2014), Michael Ayers (2000) e Olson (1997), capítulo 3.) Há uma grande variedade de opções a considerar aqui, mas uma sugestão e que, assim como alguem pode perder um orgão e doá-lo para outra pessoa, assim tambem se pode perder esse orgão que sustenta a atividade mental e doá-lo para outra pessoa. Não poderia ser esta a maneira correta de pensar sobre este caso?

A principal coisa ao considerar este problema muito difícil e não permitir a

si mesmo formar a convicção de que se sabe a direção geral de uma solução correta, simplesmente com base em uma amostragem bastante superficial das experiências mentais padrão. É possível que a solução para o problema do self e da identidade pessoal seja reconhecer que somos animais autoconscientes e avançados em dotes mentais, que convencemos a nos mesmos de que temos uma natureza diferente da do animal. Mas se essa e uma solução defensável, estamos longe de saber se de fato o e.

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RESUMO DO TÓPICO 6

Neste tópico você viu que:

Podemos fazer uma divisão do que está no mundo em três amplas categorias. A categoria mais ampla e aquela que poderíamos chamar de as coisas puramente físicas. A segunda categoria, bem menor, compreende objetos que possuem propriedades físicas, mas que tambem têm o que nos reconhecemos como características psicologicas, e, em amplo aspecto, uma capacidade para agir de modo ambientalmente dirigido. Finalmente, há a categoria ainda menor, de criaturas como nos. Nos temos propriedades físicas, e compartilhamos as capacidades psicologicas básicas possuídas por animais comuns, mas tambem possuímos uma serie de capacidades psicologicas consideravelmente mais avançadas.

Podemos chamar essas capacidades avançadas de “autoconsciência”. Quando filosofos discutem o tema do self e da identidade pessoal, eles estão teorizando sobre aspectos das entidades autoconscientes.

Você e um self, assim como você e uma pessoa. Isto contrasta com o termo “mente”; você não e uma mente, em vez disso, você tem uma mente.

Uma vez que você e um self e uma pessoa, podemos dizer que a coisa que você discerne quando você usa a palavra “eu” e o self ou a pessoa que você e.

A maneira como nos introduzimos ou explicamos esses substantivos não está supondo de modo algum que estes substantivos expressam ou discernem o que nos somos fundamentalmente ou basicamente.

A forma em que esta questão e habitualmente levantada em conexão com selves parte do pressuposto de que cada um de nos tem um corpo, um corpo que está intimamente relacionado com ele ou ela.

Concedendo o pressuposto do self a questão fundamental e: há outras partes para mim alem do meu corpo? Chamamos essa questão – o problema self-corpo. Uma segunda questão e o que e necessário ou está essencialmente envolvido em uma coisa dessa especie existindo ao longo do tempo, ou seja, a sua continuidade. Esta última e a questão que se refere à identidade pessoal.

Há uma serie de possíveis maneiras de pensar sobre a relação entre as partes Corpo (C) e as partes Pessoa (P). Duas são as perspectivas analisadas. A primeira diz que não há partes do C que sejam partes do P. A segunda diz que não há partes do P diferentes das partes do C, e, alem disso, cada parte do C e uma parte do P.

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Assumiu-se que selves ou pessoas têm corpos, mas a questão tem sido se há qualquer razão para postular quaisquer partes aos selves alem de seus corpos.

As razões que têm sido oferecidas pelos filosofos podem ser divididas em duas classes. Um tipo alega que há algo incoerente sobre a teoria. O segundo tipo alega que a teoria dualista faz sentido, mas afirma que ela apresenta outros aspectos ruins.

Podemos dizer de uma maneira informativa o que e essencial e suficiente para a nossa persistência, para nossa durabilidade? A maneira de pensarmos nesse problema e perceber que ele envolve três aspectos em sua formulação.

O primeiro elemento e a ideia de possíveis formas que o mundo possa desenvolver. A segunda ideia e que algumas formas constituem a permanência de P na existência, enquanto outras constituem a saída de P da existência. O terceiro elemento e o objetivo de especificar de forma informativa quais possibilidades portam criaturas como P com elas e quais não o fazem. Estes princípios informativos sobre nossas condições de persistência às vezes são chamados de Criterios de Identidade Pessoal.

Três direções principais de solução têm sido tradicionalmente propostas e exploradas para o problema da identidade pessoal. A primeira destas opções e conhecida como a Teoria Física, ou Corporal, da identidade pessoal. A segunda e a abordagem de Locke, que tornou a noção da memoria a noção central na análise da existência pessoal ao longo do tempo. Esta tem variantes contemporâneas que são as neo-lockeanas, de Profit, Shoemaker e Swinburne. A terceira abordagem, de Damásio, John Mackie, entre outros, e que uma pessoa sobrevive na medida em que há estados psicologicos conectados e adequados que estão embasados no mesmíssimo objeto natural de base, que e o cerebro.

A introdução da noção do animal no debate, com o reconhecimento da consequência aparentemente paradoxal de adotar o contraste pessoa/animal, e o reconhecimento adicional das semelhanças obvias entre a pessoa e o animal, levou à formulação de uma quarta abordagem ao problema, que tem sido rotulada de Animalismo.

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AUTOATIVIDADE

David Hume postula uma teoria, a Teoria do Feixe ou Teoria do Self como feixe, para mostrar que nenhuma parte do Corpo e parte da Pessoa. Descreva esta teoria de David Hume e os problemas encontrados na mesma.

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UNIDADE 2

FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Nessa unidade vamos:

• conduzir à compreensão e à caracterização da investigação filosofica da religião;

• apresentar questões filosoficas quanto a diversidade e pluralismo religioso;

• introduzir argumentações filosoficas sobre as concepções últimas e os argumentos da existência divina.

Esta unidade está dividida em seis topicos e no final de cada um deles você encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 - RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

TÓPICO 2 - A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

TÓPICO 3 - CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

TÓPICO 4 - ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

TÓPICO 5 - ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

TÓPICO 6 - ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Assista ao vídeo desta unidade.

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TÓPICO 1

RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste topico vamos nos concentrar na proposta de uma introdução à investigação filosofica da Religião. Para isso, em primeiro lugar, delimitaremos, de acordo com os nossos propositos, o conceito de Religião, enquadrando os elementos centrais que devem constituir tal definição.

A seguir, descreveremos o campo investigativo da Filosofia da Religião, introduzindo um debate central entre as posições de um realismo e de um não realismo religioso.

Vamos tambem sugerir leituras adicionais, e contribuir com seu conhecimento atraves de UNIs, assim como nas proprias referências citadas ao longo do texto, sobre filosofia da religião, para que possa aprofundar e ingressar de modo mais substancial no modo de pensar filosoficamente sobre os temas centrais da religião. Nunca esqueça de verificar as referências citadas e buscar ler o material bibliográfico, artigos e outras obras publicadas pelos autores respectivos.

Finalmente, você poderá ver o resumo dos assuntos deste topico e fazer a sua autoatividade.

2 A RELIGIÃO E AS RELIGIÕES DO MUNDO

Sigmund Freud (1856-1939), o fundador da psicanálise e um dos grandes nomes da investigação psicologica no seculo XX, escreveu que a religião e comparável com uma neurose infantil (FREUD, 2014a). Se isso fosse tomado ao pe da letra, o mundo estaria repleto de quase seis bilhões de indivíduos neuroticos. Enquanto você lê estas palavras há, a grosso modo, mais de dois bilhões de cristãos, consistindo de catolicos romanos, protestantes e ortodoxos; há mais de um bilhão e meio de mulçumanos, cerca de oitenta por cento dos quais são sunitas e vinte por cento xiitas; há mais de um bilhão de hindus; aproximadamente quatrocentos e oitenta milhões de budistas (theravada e mahayana); cerca de trezentos e cinquenta

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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milhões de adeptos às tradições chinesas do confucionismo e do taoísmo; mais ou menos trezentos milhões de adeptos às tradições religiosas africanas (animismo, xamanismo etc.); vinte e cinco milhões de sikhs (siquismo); quatorze milhões de judeus; sete milhões de fe bahá’í; quatro milhões no jainismo, e a lista segue (dados obtidos estão disponíveis em: <http://www.worldometers.info/world-population/>. Acesso em: 29 jun. 2015). As tradições religiosas tambem não são limitadas às regiões geográficas. As religiões ocidentais migraram ao oriente e as religiões orientais ao ocidente. Como podemos verificar, por exemplo, países como o Brasil, uma vez formalmente cristão, agora e um país reconhecidamente de diversidade religiosa. Ou o caso dos Estados Unidos, e de todas as Americas, ao menos em parte, em que milhões aderem a diversas tradições orientais e ocidentais (ECK, 2001; KEATING, 2005; AZEVEDO, 1991). Em termos globais, as pessoas não religiosas são claramente a minoria, formando cerca de quinze por cento da população mundial.

Sem dúvida, a religião e praticamente onipresente no mundo humano, no entanto, a tentativa de oferecer uma definição de religião que consiga captar tudo o que e assumido como tal e notoriamente difícil. Central a algumas religiões está a ideia de um deus pessoal e outras entidades espirituais, todavia, para outras religiões não há deus ou espíritos. Algumas religiões veem a existência pessoal eterna do indivíduo em uma vida apos a morte como primordial para entender a Realidade Última e como esta sendo muito mais importante do que a existência terrena temporária. Outros veem o que fazemos nesta vida como fundamental, com pouca ou nenhuma consideração ao porvir. Outras diferenças entre as religiões abundam.

Por mais que as religiões sejam tão diversas, vários componentes parecem

ser centrais e comuns para as religiões do mundo: um sistema de crenças, a interferência de uma realidade transcendente, atitudes humanas quanto a preocupações últimas, tais como o significado e o proposito. Tendo em conta estes três elementos, a asserção seguinte, talvez, capta o que a maioria assume como a essência do conceito de religião: uma religião envolve um sistema de crenças e práticas centradas principalmente em torno de uma realidade transcendente, quer pessoais ou impessoais, que fornece significado e proposito último para vida.

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TÓPICO 1 | RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

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Há muitas definições diferentes de religião na literatura. Dubitavelmente alguma delas capta tudo sobre as religiões. Como diria Hans Jürgen Greschat: “A palavra ‘religião’ serve para especialistas de diversas disciplinas, embora nem sempre (e nem em todos os lugares) denomine a mesma coisa. O que um termo quer dizer depende de sua definição. O esclarecimento de seu significado, pois, deve informar o que caracteriza ‘religião’ – mas aí está a dificuldade. Embora existam muitas definições de religião (algumas centenas, presumivelmente) e embora novas definições sejam lançadas permanentemente, até hoje não se chegou ao resultado esperado. Não há uma definição que não seja rejeitada por, pelo menos, uma pessoa.” (2005, p. 20). Para uma coleção útil e visão geral de definições de religião, veja também Taliafierro (1998) nas páginas 21-24.

Embora este Caderno de Estudos não seja um livro sobre as religiões do mundo, o trabalho na filosofia da religião seria deficiente sem levar em consideração a diversidade de crenças entre pelo menos as principais tradições religiosas. No entanto, seria uma tarefa gigantesca incluir todas aquelas que são comumente consideradas como sendo as principais religiões, por isso uma delimitação faz-se necessária. Este processo de delimitação não foi fácil, mas vários fatores tornaram mais manejável do que poderia ter sido.

Em primeiro lugar, desde que estamos escrevendo a partir do mundo

ocidentalizado e mais familiarizado com algumas tradições predominantes, faz sentido enfatizá-las sobre as outras. Para alguem com um background diferente e escrevendo a partir de um lugar diferente, outras ênfases seriam apropriadas. Assim, a ênfase será colocada nas religiões monoteístas do judaísmo, cristianismo e islamismo.

Historicamente, as tradições monoteístas têm incluído a crença de que há apenas um deus. Um deus pessoal que e onisciente (tudo sabe), onipotente (todo-poderoso) e onibenevolente (completamente bom em todos os sentidos), e, portanto, digno de adoração. Este deus seria o criador e mantenedor do mundo. Alem disso, com frequência e feita uma distinção entre os monoteístas. Há os teístas, que acreditam que deus e distinto do mundo, todavia ativamente envolvido no mundo (orientando a historia humana, por exemplo, e oferecendo a revelação divina), há os deístas, que acreditam que deus e distinto do mundo e não está envolvido ativamente no mundo e há os panenteístas, que acreditam que deus permeia e e codependente com o mundo.

Em segundo lugar, alem das tradições monoteístas, o hinduísmo e o budismo tambem têm recebido mais atenção dos filosofos da religião no mundo ocidental do que outras tradições. A escola de pensamento dentro do hinduísmo que recebeu a maior atenção e a Advaita Vedanta ("Advaita" e um termo sânscrito que significa "não dual", e "Vedanta" significa pertencente às escrituras hindus chamadas de Vedas). A perspectiva de deus, ou Brahman, para aqueles adeptos

NOTA

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

128

ao Advaita Vedānta, e chamada de panteísmo monista ("monismo" e do termo grego monus que significa "um" ou "único"; "panteísmo" e do termo grego pan que significa "todos" e theos significa "deus"). Nesta perspectiva, Brahman e tudo; Brahman e um; Brahman e todas as coisas. Esta não e a única ou ate mesmo a forma mais proeminente do hinduísmo, há tambem formas teístas e politeístas (muitos deuses) do hinduísmo, mas e a forma mais discutida dentro da filosofia da religião, e por isso irá receber mais atenção, aqui, do que outras formas.

Em terceiro lugar, o processo dialetico de apresentar argumentos para

posições, oferecer refutações a essas posições, e dar respostas às refutações (o processo que iremos seguir neste Caderno de Estudos) tem sido parte integrante da análise filosofica das religiões monoteístas por muitos seculos. Este tambem tem sido o caso com algumas das outras tradições, incluindo o hinduísmo e o budismo. Assim, tendo em conta estes fatores, juntamente com a tentativa de manter um foco razoável, a ênfase principal nas páginas que se seguem será sobre as três tradições monoteístas com alguma atenção dada ao hinduísmo e ao budismo tambem. Mesmo que seja feita menção de outras tradições alem destas cinco, estas constituirão a maior parte da discussão.

3 A FILOSOFIA E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

A filosofia da religião e atualmente um importante campo de estudo, e a gama de temas abrangidos por ela e considerável. No entanto, o seu escopo e bastante estreito, pois a filosofia da religião e simplesmente a reflexão filosofica sobre as ideias religiosas. Os termos "reflexão filosofica" e "ideias religiosas" precisam de elucidação. "A reflexão filosofica", neste contexto, inclui a análise cuidadosa das palavras, as razões e evidências para reivindicações, hipoteses e argumentos. Estas análises, em si mesmas, incluem questões fundamentais sobre a natureza da realidade (metafísica) e a forma como passamos a conhecer as coisas (epistemologia).

Em relação a essas questões fundamentais, a filosofia da religião e, de

fato, a propria filosofia tomaram novos rumos nos últimos tempos. A reflexão filosofica sobre as ideias religiosas vem ocorrendo ao longo dos seculos, ate mesmo milênios, todavia sofreu um reves importante do início a meados do seculo XX atraves do trabalho dos positivistas logicos. Os positivistas logicos sustentavam, entre outras coisas, que para uma declaração ser verdadeira e significativa deveria ser empiricamente verificável. Como as reivindicações religiosas eram, na maior parte, tidas como empiricamente inverificáveis, a reflexão filosofica sobre temas religiosos foi amplamente considerada como um esforço especioso e as ideias religiosas foram muitas vezes tidas como sem sentido. No entanto, devido ao trabalho de alguns dos principais filosofos que estavam respondendo ao positivismo e defendendo a viabilidade filosofica das crenças religiosas, filosofos como John Hick e Alvin Plantinga, na decada de 1970 o campo começou a tomar

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TÓPICO 1 | RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

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um rumo significativo. Hoje, a filosofia da religião está prosperando e não e raro ver periodicos de filosofia, antologias, e monografias dedicadas exclusivamente a temas religiosos.

Positivismo Lógico (mais tarde chamado de “empirismo lógico”) é uma posição filosófica que surgiu a partir de discussões filosóficas em 1920 por um grupo de filósofos conhecidos como o Círculo de Viena. Os positivistas sustentaram que toda a linguagem cognitivamente significativa é, em princípio, empiricamente ou formalmente verificável.

Com a frase "ideias religiosas" queremos referir às questões e conceitos principais que têm sido discutidos e debatidos no interior das tradições religiosas ao longo dos seculos, incluindo, por exemplo, a existência e a natureza de deus ou da Realidade Última, as reivindicações de verdade conflitantes entre as diferentes tradições religiosas, a relação entre ciência e religião, a criação, o nirvana e a salvação, entre outros temas. É importante notar que estes não são apenas conceitos abstratos e etereos discutidos e debatidos entre os teologos e filosofos da torre de marfim. Ao contrário, são questões fundamentais na vida e pensamento daqueles pertencentes a estas tradições vivas, tradições que têm sentido existencial profundo e significado contínuo para grande parte da humanidade contemporânea.

A filosofia da religião tem uma historia rica e diversificada. A historia da

filosofia da religião tem sido um empreendimento global que pode ser demarcado por quatro períodos historicos: o mundo antigo, o mundo medieval, o mundo moderno e o mundo contemporâneo.

Visite os seguintes sites para uma variedade de sociedades e revistas dedicadas ao estudo da religião e da filosofia da religião: uma lista de periódicos internacionais <http://users.ox.ac.uk/~worc0337/phil_topics_religion.html>; uma breve lista de livros e materiais introdutórios por tema <http://criticanarede.com/religiao.html>; a Associação Brasileira de Filosofia da Religião <http://abfr.org/>; O site de livros do Google, onde podes procurar pelo tema “Filosofia da Religião” e verás várias publicações <https://books.google.com>; GT da ANPOF de Filosofia da Religião <http://www.anpof.org/portal/index.php/pt-BR/2013-11-25-22-44-25/grupos-de-trabalho/category-items/2-grupos-trabalho/17-filosofia-da-religiao>.

IMPORTANTE

DICAS

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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4 CRENÇAS E PRÁTICAS RELIGIOSAS

Há uma variedade de crenças mantidas pelas religiões ou por pessoas religiosas. As religiões monoteístas, por exemplo, afirmam que existe um deus pessoal e que deus e bom. Os budistas afirmam que as Quatro Nobres Verdades fornecem um caminho para a iluminação. Muitos hindus afirmam que Brahman e a única realidade. Os taoístas (tambem os daoístas) afirmam que o dao e o processo fundamental da propria realidade, e assim por diante. A maioria dos adeptos religiosos consideram as reivindicações centrais de sua religião como sendo verdadeiras. Mas uma questão filosofica importante e saber se essas alegações religiosas são verdadeiras ou falsas, da mesma forma que outras reivindicações, como as científicas, são verdadeiras ou falsas. Há duas posições muito diferentes tomadas pelos filosofos da religião no que diz respeito ao conceito de verdade no discurso religioso: o realismo e o não realismo.

4.1 O REALISMO RELIGIOSO

Provavelmente, a grande maioria dos adeptos religiosos são realistas, ou seja, a maioria dos adeptos religiosos afirmam que suas crenças são sobre o que realmente existe independente dos seres humanos que estão tendo essas crenças. Afirmações sobre deus, por exemplo, ou Brahman, ou a salvação, ou moksha (tambem referido como mukti), ou a reencarnação são verdadeiras se há referentes reais para as mesmas. Assim, para os muçulmanos, a alegação de que Alá e o único deus verdadeiro e verdadeira se, de fato, há um ser que existe independentemente dos enquadres conceituais ou pensamentos e crenças humanos sobre (ou práticas relacionadas com) Alá e e identificável como Alá, o único deus verdadeiro. O mesmo vale para os adeptos realistas das outras religiões. Eles acreditam que as reivindicações de sua religião têm referentes reais para alem das suas proprias crenças e práticas.

Os termos realismo e não realismo, até mesmo realismo e não realismo religioso, têm significados diferentes dependendo de como eles são usados na literatura da filosofia da religião. Por exemplo, o realismo religioso é por vezes considerado como sendo a visão de que as afirmações religiosas são informativas em relação a questões não empíricas. Neste caso, Freud não seria um realista religioso. Como você já pode notar aqui, não estamos usando a palavra desta forma.

NOTA

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TÓPICO 1 | RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

131

4.2 O NÃO REALISMO RELIGIOSO

Apesar de estarem em minoria, há tambem os religiosos não realistas. Embora existam diferentes formas de não realismo religioso, em geral, os não realistas sustentam que as afirmações religiosas não são sobre realidades que transcendem a linguagem humana, conceitos e formas sociais. Que as reivindicações religiosas não são sobre algo “lá fora”. As seguintes palavras de um conhecido religioso não realista prestativamente resumem a distinção entre realismo e não realismo:

Hoje, um realista e o tipo de pessoa que, quando seu navio cruza o equador, olha ao mar, esperando ver uma grande linha preta atraves do oceano. O realismo tenta transformar ficções culturais em fatos objetivos. Um não realista vê todo o sistema de linhas de latitude e longitude como um enquadre, imposto sobre a Terra por nos, que nos ajuda a definir locais e nos orientar. Para um realista a verdade já existe pre-feita lá fora; para um não realista somos os únicos fabricantes da verdade, e a verdade e apenas o consenso atual entre nos. Nos já não podemos supor que o nosso conhecimento e validado por algo totalmente extra-humano [...]. Na religião, a mudança para o não realismo implica o reconhecimento de que todas as ideias religiosas e eticas são humanas, com uma historia humana. Abrimos mão da velha maneira metafísica e cosmologica de entender a crença religiosa, e traduzimos o dogma em espiritualidade (a espiritualidade e um estilo de vida religioso). Nos entendemos todas as doutrinas religiosas em termos práticos, como mitos orientadores de como viver, no sentido em que Kant, Kierkegaard e Bultmannn começaram a mapear. Nos abandonamos as ideias de verdade objetiva e eterna, e em vez disso vemos toda a verdade como uma improvisação humana. Devemos abandonar todas as ideias de um mundo alem, celestial ou sobrenatural. No entanto, apesar de nosso ceticismo aparente, insistimos que a religião não realista pode funcionar muito bem como religião, e pode entregar (uma especie de) felicidade eterna (CUPPIT, 2011, tradução nossa).

Don Cupitt (1934) é o ex-reitor do Emmanuel College, Cambridge. Ele é um dos principais religiosos não realistas e é, muitas vezes, descrito como um “teólogo radical”. Ele escreveu mais de quarenta livros, incluindo: Depois de Deus: O Futuro da Religião (1999).

Entre os não realistas, há aqueles que são, por assim dizer, favoráveis à religião e aqueles que não o são. Considere as palavras de Sigmund Freud:

Estas [ideias religiosas], proclamadas como ensinamentos, não constituem precipitados da experiência ou resultados finais de pensamento: são ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e

NOTA

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

132

prementes desejos da humanidade. O segredo de sua força reside na força desses desejos (FREUD, 1974, 2.976, p. 43).

Para Freud, não há referências para as crenças religiosas sobre entidades transcendentes, como deus, o dao, e assim por diante. Pelo contrário, a religião e uma ilusão e crenças religiosas são apenas manifestações desta ilusão. A crença em deus (no caso especificamente o deus judaico-cristão), por exemplo, e simplesmente a projeção de uma imagem de Pai (FREUD, 2014; 1974).

Sigmund Freud (1856-1939) foi um psicólogo austríaco e médico que fundou a escola psicanalítica da psicologia. Considerado por muitos como um dos pensadores mais influentes do século XX, ele escreveu extensivamente sobre religião, descrevendo-a como uma ilusão e que retira a sua força a partir do fato de que ela cai nas mãos de nossos desejos instintivos. Três dos seus livros mais importantes dedicados à religião são Totem e Tabu (1912-1913), O Futuro de uma Ilusão (2014a), e Mal-estar na Civilização (2014b). Para um olhar mais aprofundado da ideia materialista de Deus como a projeção psicológica veja Ludwig A. Feuerbach (1989, 2002), que de certo modo influenciou o pensamento de Freud.

Mais recentemente, o geneticista de Oxford, Richard Dawkins (1941) e o filosofo Daniel Dennett (1942) avançaram a noção de que uma explicação darwiniana sobre a evolução cultural pode explicar a religião e as crenças religiosas atraves da replicação de algo muito parecido com genes. Há, eles sugerem, replicadores culturais, o que eles chamam de memes, que são unidades de transmissão ou imitação cultural (DAWKINS, 1979; BLACKMORE, 2000). Dawkins (1979, p. 214) diz:

Exemplos de memes são melodias, ideias, expressões, estilos de roupa, maneiras de fazer potes ou construir arcos. Assim como os genes se propagavam no pool gênico saltando de corpo em corpo via espermas ou ovulos, os memes se propagam no pool memetico saltando de cerebro em cerebro por um processo que, no sentido mais amplo, pode ser chamado de imitação. Se um cientista ouve falar ou lê a respeito de uma ideia, ele a transmite para seus colegas e alunos. Ele a menciona em seus artigos e palestras. Se a ideia for bem-sucedida, pode-se dizer que ela se propaga, espalhando-se de cerebro em cerebro.

Ele inclui as seguintes crenças como memes religiosos (DAWKINS, 2007, p. 212-213):

• Você sobreviverá à sua propria morte.

• A crença em deus e uma virtude suprema.

• A fe e uma virtude.

• Todo mundo, mesmo quem não possui crenças religiosas,

NOTA

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TÓPICO 1 | RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

133

deve respeitá-las com um respeito mais automático e mais sem questionamentos que o aceitável para qualquer outro tipo de crença.

• Há algumas coisas estranhas (tais como a Trindade, a transubstanciação, a encarnação) que não nos cabe compreender. Nem tente entendê-las, porque a tentativa pode destruí-las.

A crença generalizada em deus não e devido à existência real de uma tal

entidade, ou porque há boas razões para acreditar que exista. Em vez disso, as pessoas acreditam porque o "deus-meme" se espalhou, de forma semelhante a um vírus, em todas as populações humanas. A religião veio a ser um "subproduto acidental, um efeito colateral de uma coisa útil" (DAWKINS, 2007, p. 200). Assim tambem referente a todas as crenças religiosas, como sugere precisamente Daniel Dennett em seu livro Quebrando o encanto: a religião como fenômeno natural (2006).

Outros não realistas são mais favoráveis à religião. Ludwig Wittgenstein

(1889-1951), por exemplo (um dos filosofos mais influentes do seculo XX) levou a religião muito a serio, ate mesmo ao ponto de considerar o sacerdocio. No entanto, ele se opôs à teologia natural (a tentativa de demonstrar a existência de deus a partir da evidência no mundo natural) e ao desenvolvimento das doutrinas religiosas. Ele estava mais interessado no símbolo e no ritual religioso.

Para uma interessante biografia abrangendo a vida e obra deste grande filósofo, veja Ray Monk (1995) em sua obra Wittgenstein: O dever do Gênio.

Em seus trabalhos posteriores Wittgenstein entendeu a linguagem não como uma estrutura fixa diretamente correspondente à forma como as coisas realmente são, mas sim como uma atividade humana suscetível às vicissitudes da vida e da prática humana. A linguagem não oferece uma imagem da realidade, argumentou ele, mas e um conjunto de atividades que ele descreveu como "jogos de linguagem". A noção deste conceito e descrita por Wittgenstein em suas Investigações Filosoficas (1999). O termo jogo de linguagem "deve aqui salientar o fato de que o falar da linguagem e uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida" (WITTGENSTEIN, 1999, 23, p. 35). Wittgenstein usa o exemplo de um construtor para ilustrar esta ideia:

A linguagem deve servir para o entendimento de um construtor A com um ajudante B. A executa a construção de um edifício com pedras apropriadas; estão à mão cubos, colunas, lajotas e vigas. B passa-lhe as pedras, e na sequência em que A precisa delas. Para esta finalidade, servem-se de uma linguagem constituída das palavras "cubos", "colunas", "lajotas", “vigas". A grita estas palavras; – B traz as pedras que aprendeu a trazer ao ouvir esse chamado. (1999, 2, p. 28).

DICAS

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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Ludwig Wittgenstein (1889-1951) é considerado por muitos como um dos principais filósofos do século XX. Seus dois trabalhos principais, Tractatus Logico-Philosophicus (1968) e Investigações Filosóficas (1999) foram fundamentais no estabelecimento, primeiro, do positivismo lógico e, segundo, da filosofia da linguagem ordinária (comum). Seu trabalho sobre a linguagem e a religião é muito discutido e relevante para o debate realismo/não realismo.

No ensino de uma linguagem e preciso ser capaz de responder às palavras em determinados contextos, a fala e a ação trabalham em conjunto. Em muitos casos, portanto, o significado de uma palavra e a sua utilização na linguagem (WITTGENSTEIN, 1999). Para Wittgenstein isto e verdade no discurso religioso, assim como o e em outros discursos. Deste modo, ao falar de deus ou de Brahman ou do nirvana ou do dao, os significados de tais palavras têm mais a ver com o seu uso do que com a sua denotação (WITTGENSTEIN, 1996). Os jogos de linguagem das religiões refletem as práticas e as formas de vida dos vários adeptos religiosos e, portanto, reivindicações religiosas não devem ser tomadas como fornecendo imagens literais da realidade que de alguma forma estariam alem dessas atividades. Devemos observar, no entanto, que não existe um consenso de que Wittgenstein era um não realista. Na verdade, como ele abominava a ideia de teorias na filosofia em geral, podemos ate dizer que para o mesmo o debate realismo/não realismo poderia muito bem ser um ponto discutível (SPICA, 2011; MICHELETTI, 2007; ZILLES, 1994; PHILLIPS, 1993).

Religiosos não realistas que são favoráveis à religião tambem denunciam a

alegada falta de realismo para fornecer evidências à verdade objetiva de qualquer religião, ou da religião em geral. Tanto referindo-se à argumentos para a existência de Deus, ou a evidências para a inspiração divina das escrituras sagradas, por exemplo, os não realistas sustentam que tais projetos apologeticos são fracassos abjetos. Vamos analisar alguns argumentos a favor e contra evidências para a fe em topicos posteriores deste Caderno de Estudos. Mas esses não realistas estão convencidos de que já que não há razões conclusivas para acreditar que a religião e verdadeira (no sentido estritamente realista do termo), a melhor maneira de se aproximar das reivindicações religiosas e crenças e vê-las atraves de lentes não realistas.

Os realistas respondem a este argumento de várias maneiras. Por um lado,

alguns concordam que não há razões solidas para acreditar que qualquer religião e verdadeira. No entanto, eles afirmam que a mesma não exige provas.

NOTA

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TÓPICO 1 | RELIGIÃO E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO

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Vamos explorar esta posição no Tópico 2, “Ciência, fé e razão”, da Unidade 3. Outros realistas respondem, alegando que há boas razões e evidências para a fé religiosa, e vamos explorar algumas dessas razões nos Tópicos 4, 5 e 6 (“argumentos cosmológicos”, “argumentos teleológicos” e “argumentos ontológicos”, respectivamente) desta mesma unidade, e os Tópicos 3 e 5 (“experiência religiosa” e “o self, o corpo e a imortalidade”, respectivamente) da Unidade 3.

Outro motivo para manter a posição de um não realismo religioso e o fato de que as reivindicações religiosas, as crenças e as práticas de fato existem dentro de um determinado contexto social e envolvem linguagem e conceitos humanos. Como as alegações e as atividades religiosas são sempre realizadas dentro de um contexto humano particular, e uma vez que a mente estrutura toda a percepção dentro desse contexto, os significados dessas reivindicações são determinados e limitados por esse contexto. Não e preciso postular, na verdade, argumenta-se que não se pode postular legitimamente, realidades objetivas transcendentes alem da linguagem e cognição humana. Fazer isso e simplesmente ir longe demais.

Os realistas respondem observando que, enquanto muito do que ocorre no discurso religioso (e na prática) e de origem humana, não e preciso assumir uma postura reducionista em que todos os significados e símbolos religiosos são redutíveis à linguagem humana. Como já observado, alguns realistas argumentam que há razões para crer que uma determinada religião e verdadeira, que existem referências objetivas para suas reivindicações (BYRNE, 2003).

Temos dado espaço aqui para o não realismo, mais do que para o realismo,

tanto porque e um desenvolvimento importante na filosofia contemporânea da religião e porque, considerando o trabalho predominante neste campo de investigação, o restante deste Caderno de Estudos e voltado para uma perspectiva realista.

ESTUDOS FUTUROS

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico vimos que:

• O nosso mundo e, em muitos aspectos, um mundo religioso, com cerca de 85 por cento da população afirmando alguma forma de crença religiosa.

• As religiões e suas proprias crenças são diversas. Algumas afirmam uma divindade pessoal, outras não. Algumas acreditam em muitas divindades, algumas apenas em uma. Algumas sustentam que a realidade última e o universo são um so ou codependentes, outras discordam. As diferenças são multifárias.

• Há tambem similaridades nas religiões, como, todas as religiões incluem crenças, ideias e práticas centradas em torno de uma realidade transcendente, uma realidade que fornece sentido último e proposito para a vida.

• A reflexão filosofica sobre as crenças e ideias religiosas, uma atividade que está em curso há milênios, foi submetida a um grande desafio no seculo passado com as críticas dos positivistas logicos.

• Com o declínio do positivismo na decada de 1970, a filosofia da religião ressurgiu e hoje e um campo florescente de estudo.

• Na filosofia contemporânea da religião as discussões não são apenas sobre as diferentes crenças e práticas das várias religiões que são debatidas, mas a questão que se torna a preocupação central e mais fundamental, e sobre o que crenças e práticas religiosas de fato são.

• Os realistas religiosos afirmam que as crenças religiosas são acerca de realidades transcendentes que na verdade existem para alem da linguagem e estruturas conceituais humanas.

• Alguns religiosos não realistas, como Sigmund Freud e Richard Dawkins, sustentam que as religiões são construções humanas e as crenças religiosas são ilusões ou talvez ate mesmo delírios. Outros não realistas, como Don Cupitt e Ludwig Wittgenstein, concordam que as religiões são sobre as práticas, crenças e ideias humanas. No entanto eles afirmam que a religião e um empreendimento humano significativo.

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AUTOATIVIDADE

Duas posições antagônicas são comumente assumidas por filosofos da religião referente ao conceito da verdade no discurso religioso. Descreva a diferença entre as posições realistas e não realistas no discurso religioso.

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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TÓPICO 2

A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste topico vamos explorar o tema da diversidade religiosa e o pluralismo. Para isso, primeiro vamos descrever, a grosso modo, o quadro da diversidade das religiões, focando nas principais grandes religiões mundiais.

Em seguida, introduziremos a discussão central entre o “inclusivismo” e o “exclusivismo” religioso. Em linguagem investigativa filosofica vamos apresentar algumas objeções e respostas a estas duas posições. Como o mito da neutralidade, a objeção da justiça e o escândalo da particularidade.

Então, introduziremos a questão do Pluralismo Religioso. Levantando dois posicionamentos, a hipotese pluralista e o pluralismo aspectual. Para cada uma destas posições apresentaremos objeções e respostas às mesmas.

A seguir, vamos explorar o posicionamento do Relativismo Religioso, suas objeções e respostas a estas refutações. Então, vamos analisar a proposta de avaliação dos sistemas religiosos, quanto à sua consistência logica, coerência de todo o sistema, consistência com o conhecimento em outros campos, respostas razoáveis às questões humanas fundamentais e a plausibilidade existencial.

Por último, vamos abordar brevemente a questão da Tolerância Religiosa. Vale novamente ressaltar para que você não esqueça de verificar as referências citadas e buscar ler o material bibliográfico, artigos e outras obras publicadas pelos autores respectivos.

Finalmente, você poderá ver o resumo dos assuntos deste topico e fazer a sua autoatividade.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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2 A DIVERSIDADE DAS RELIGIÕES

Há uma pluralidade abundante e rica diversidade de religiões no mundo contemporâneo, tanto em termos de crenças quanto em práticas religiosas, e a globalização está criando uma consciência generalizada deste fato. Talvez não seja surpreendente, juntamente com a pletora de diversidade religiosa, o conflito em nome da religião tambem e generalizado e multifário. Das guerras religiosas aos atos individuais de violência à agressão verbal, a discordia entre as religiões e uma triste realidade do passado e do presente. Em resposta, Tenzin Gyatso (o atual Dalai Lama) sugeriu recentemente que a harmonia inter-religiosa pode ser alcançada atraves do desenvolvimento de compreensão de outras tradições e pela apreciação do valor inerente a cada uma delas (DALAI-LAMA, 2006). Acreditamos que, em grande medida, ele está certo sobre isso. Ate poderíamos sugerir que as instituições de ensino superior oferecessem cursos sobre as religiões do mundo, promovessem evento e simposios, quem sabe ate mesmo incluíssem em seus currículos. Na verdade, compete a cada pessoa educada ter pelo menos uma compreensão básica das principais religiões, pois a ignorância neste domínio tende a levar à suspeita, à intolerância, e às vezes ate mesmo à violência, enquanto que o entendimento pode levar ao respeito, à empatia, e talvez ate mesmo à confiança.

O Dalai Lama Tenzin Gyatso (1935-) – o décimo quarto Dalai Lama – é o líder espiritual do povo tibetano. Os budistas tibetanos acreditam que o Dalai Lama é uma das inúmeras encarnações do bodisatva (em sânscrito, ser iluminado) da compaixão. Tenzin Gyatso recebeu o reconhecimento internacional, incluindo o Prêmio Nobel da Paz, por seus esforços assíduos em favor dos direitos humanos e da paz mundial. Ele tem escrito muitos livros importantes, incluindo: Uma ponte entre as religiões (2015), Uma ética para o Novo Milênio (2006), e A Arte da Felicidade (2000).

Neste topico, vamos examinar a questão de como devemos entender e interpretar as reivindicações apresentadas pelas várias religiões. E isto e um fato, as religiões fazem reivindicações, afirmações sobre a realidade e nosso lugar nela. Como o filosofo da religião Keith Yandell (1999, p. 56, tradução nossa) afirma:

É claro que as religiões fazem reivindicações – se afirmassem nada, não haveria religiões [...]. É da propria natureza de uma religião oferecer uma explicação de nossa situação, do nosso problema, e de sua solução. Nem todos os problemas podem surgir em qualquer situação; nem todos os problemas tem a mesma solução. A explicação do nosso problema depende da explicação de nossa situação; a explicação da nossa salvação depende do que somos e do que precisamos ser salvos. Aceitar uma religião e adotar alguma particular e conectada explicação da situação, do problema e de sua solução.

IMPORTANTE

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

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Algumas dessas reivindicações oferecidas pelas várias religiões são semelhantes, se não idênticas. Outras, no entanto, contradizem diretamente umas às outras. E e geralmente as contradições que causam as maiores dificuldades e conduzem ao conflito. Considere os seguintes pontos de vista de várias das principais religiões do mundo em relação a uma preocupação fundamental da religião, o objetivo soteriologico (salvação) como tipicamente entendido nas respectivas tradições:

• Hinduísmo: o objetivo soteriologico final e o moksha, a libertação do ciclo de morte e renascimento (samsara), e absorção no Brahman. Isto pode ser realizado seguindo um dos três caminhos (margas): (1) a caminho do saber (jnana marga), (2) o caminho de devoção (bhakti marga), ou (3) o caminho de ação ou das obras (karma marga).

• Budismo: o objetivo soteriologico e o nirvana, a libertação da roda do samsara e extinção de todos os desejos, anseios e sofrimento. Isto e realizado atraves da compreensão das quatro nobres verdades e a prática da última: (1) toda a existência e sofrimento (dukkha), (2) todo o sofrimento e causado pelo desejo (trishna), (3) todo o sofrimento pode ser encerrado (nirvana) e (4) o caminho para acabar com o sofrimento e atingir o nirvana e praticando o nobre caminho octuplo (astingika-marga) do entendimento correto, da resolução ou aspiração correta, da linguagem ou palavra correta, da conduta correta, do modo de vida correto, do esforço correto, do pensamento ou atenção corretos e da concentração correta.

Deve ser observado que a maioria dos leigos nas religiões hindu e budistas não buscam o nirvana ou o moksha nesta vida; em vez disso, eles são muitas vezes fervorosamente dedicados à obtenção de mérito para as vidas futuras e ao cumprimento dos deveres à família, aos antepassados e à sociedade em geral.

• Judaísmo: o objetivo soteriologico e bem-aventurança com Deus, aqui e talvez no porvir. Isto pode ser conseguido atraves do cumprimento dos mandamentos divinos (mitzvot), que incluem engajar-se nas seguintes práticas (sim chat Torah – "a alegria da Torá"): (1) a observância do Sábado, (2) a frequência regular à sinagoga, (3) a celebração dos festivais anuais, e (4) a estrita obediência à Lei Judaica. [Há, e claro (como acontece com cada uma dessas tradições), diferentes ramificações do judaísmo e nem todos elas iriam aderir a estes elementos e práticas].

• Cristianismo: o objetivo soteriologico e a transformação espiritual e passar a eternidade com Deus no reino dos ceus. Isto e realizado atraves da (1) graça (charis) de Deus manifestada atraves de expiação de Cristo (hilasterion) do

ATENCAO

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

142

pecado (hamartion), (2) por receber a graça divina por meio da fe (pistis) em Cristo e os sacramentos, e (3) por seguir a lei (nomos) de Deus pelo apreço ao dom da graça. [Os catolicos romanos e os protestantes discordam sobre o papel dos sacramentos. Para uma apresentação irênica das diferenças, consulte Norman Geisler e Ralph Mackenzie em sua obra Roman Catholics and Evangelicals: Agreements and Differences (1995)].

• Islã: o objetivo soteriologico e a bem-aventurança no paraíso atraves da submissão às leis de Alá e pela sua misericordia. Isso pode ser realizado seguindo os cinco pilares: (1) a fe em Alá e seu profeta Maome (shahada), (2) cinco orações diárias (salah), (3) caridade (zakat), (4) jejum (sawm), e (5) a peregrinação a Meca (hajj).

Há uma serie de abordagens filosoficas à diversidade religiosa, especificamente a respeito das alegações de verdade conflitantes das várias religiões. Uma delimitação útil pode ser adquirida a partir das obras de Joseph Runzo (2008) e Harold Netland (2013) resumidas no Quadro 2, abaixo:

QUADRO 2 – ABORDAGENS FILOSÓFICAS À DIVERSIDADE RELIGIOSA

1Ateísmo: todas as religiões são falsas; não há nenhuma religião cujas reivindicações centrais são

verdadeiras.

2

Agnosticismo: não há nenhuma maneira de determinar qual, se for o caso, das religiões e mais

provável de ser verdadeira, e, portanto, a melhor resposta e permanecer agnostico sobre as

reivindicações de qualquer religião.

3

Relativismo religioso: enquanto cada religião pode ser considerada como "verdadeira" e "eficaz"

para seus adeptos, não há nenhum sentido, objetivo ou transcendente à tradição no qual podemos

falar de uma verdade religiosa.

4O pluralismo religioso: em última análise, todas as religiões do mundo estão corretas, cada uma

oferecendo um caminho diferente e perspectiva parcial vis-à-vis à Realidade Última.

5

Inclusivismo Religioso: apenas uma religião do mundo e totalmente correta, mas outras religiões

do mundo participam ou parcialmente revelam algo da verdade da única religião correta; e possível,

no entanto, obter a salvação (ou nirvana, ou moksha etc.) atraves das outras religiões.

6Exclusivismo religioso: uma religião mundial está correta e todas as outras estão erradas; a

salvação (ou nirvana, moksha etc.) so e encontrada atraves desta única religião.

FONTE: Joseph Runzo (2008) e Harold Netland (2013). Sintetizamos as abordagens de Runzo e de Netland em uma só neste quadro.

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

143

Análises e respostas às posições (1) e (2) serão oferecidas nos Tópicos 4 a 6 desta unidade. Obviamente, nenhuma dessas posições é mantida pelos crentes religiosos. Neste tópico, vamos nos concentrar nas posições de (3) a (6). A (3) e a (4) são recém-chegadas à paisagem religiosa, e neste momento relativamente poucos adeptos religiosos, na verdade, afirmam as mesmas. A (5) e (6), por outro lado, são amplamente sustentadas pelos crentes religiosos de hoje, e é com essas duas abordagens mais proeminentes, que iniciaremos.

3 O INCLUSIVISMO E O EXCLUSIVISMO RELIGIOSO

Os inclusivistas e os exclusivistas religiosos (no sentido que adotamos neste topico) estão em acordo sobre uma serie de questões relacionadas à diversidade religiosa, incluindo a crença de que existe uma realidade objetiva para qual as reivindicações de verdades religiosas apontam ou correspondem (SWEETMAN, 2013). Eles concordam que uma religião está, em certo sentido, mais perto da verdade sobre assuntos de Deus, da Realidade Última e da salvação ou libertação do que as outras religiões. (Estamos usando a frase salvação/libertação para denotar o objetivo soteriologico das principais tradições religiosas, em vez de especificar os vários descritores, por exemplo, a iluminação, o despertar etc.). Como mencionado acima, a maioria dos crentes religiosos são inclusivistas ou exclusivistas e, assim, sustentam que as crenças centrais da sua religião são mais verdadeiras, ou aproximações mais proximas da verdade, do que as crenças centrais de outras religiões. Eles enfatizam o fato de que as diferentes religiões contêm em seu interior reivindicações de verdade aparentemente incompatíveis. Por exemplo, algumas das crenças essenciais de várias das principais religiões são resumidas no quadro abaixo:

QUADRO 3 - ALGUNS ELEMENTOS CENTRAIS DE CINCO RELIGIÕES MUNDIAIS

Hinduísmo Budismo Judaísmo Cristianismo Islã

Deus/Realidade

Última

Brahman

(para alguns

hindus,

Brahman

e o Todo

impessoal)

nirvana

(Realidade

Última

– um

estado de

perfeição)

Yahweh

(monoteísmo)

Deus

(trinitarianismo

monoteísta)

Alá

(monoteísmo)

ESTUDOS FUTUROS

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

144

O Self

atman (para

alguns

hindus,

atman e

Brahman)

anatman

(não self – a

ausência

de um self

ou alma

subsistente)

Corpo/alma Corpo/alma Corpo/alma

Objetivo

Soteriológico

moksha

(liberação) da

reencarnação

nirvana

(liberação)

Presença do

Yahweh

Eternidade

com Deus no

ceu

Eternidade

com Alá no

paraíso

Fundador/Messias/

Profetas/Sacerdotes

fundadores

Sacerdotes

brahmanicos

Siddhartha

Gautama –

“O Buda”

Abraão/

Moises

Jesus – “o

Cristo”

(Abraão/

Moises/

Paulo)

Maome – “O

Profeta”

(Abraão/

Moises)

FONTE: Adaptado de Joseph Runzo (2001, p. 31)

Enquanto inclusivistas e exclusivistas concordam que as diferentes tradições contêm reivindicações de verdade incompatíveis, eles discordam sobre se essas religiões, alem de sua propria, tambem contêm verdades fundamentais, e se os adeptos das outras religiões podem obter a salvação/libertação. Para os exclusivistas, a verdade fundamental e encontrada em apenas uma religião, e a salvação/libertação tambem e exclusiva para aquela única e verdadeira religião. Os inclusivistas discordam, enquanto afirmam que apenas uma religião e privilegiada, eles atestam que outras religiões tambem contêm verdades importantes. Normalmente sustentam que os religiosos que buscam verdadeiramente, de qualquer tradição, vão, no escato (do grego, último ou fim), pelo menos, encontrar a salvação/libertação. Os inclusivistas teístas afirmam que Deus está presente e trabalhando nas e entre todas as religiões, mesmo que Deus se manifeste mais claramente em uma religião. Eles sustentam que as outras religiões teístas estão certas sobre a existência de um Deus pessoal (ao contrário de budistas, por exemplo), mas eles não concordam com outras religiões sobre diferentes questões, tais como os meios para alcançar a salvação/libertação. Os inclusivistas não teístas afirmam que a Realidade Última e encontrada por buscadores da verdade de todas as religiões do mundo, mas e mais claramente compreendida e articulada em uma religião privilegiada (NETLAND, 2013).

Para aprofundar as discussões sobre inclusivismo e exclusivismo religioso veja a obra de Dupuis (2004), com o foco a partir do cristianismo. O artigo de Scott Randall Paine (2008) clarifica e compara os termos de inclusivismo, exclusivismo e pluralismo religioso. Veja também, especialmente o Capítulo 6, da obra “Confiança e Convivência” de Rudolf Von Sinner (2007). O livro de Sweetman (2013), especialmente o Capítulo 8, sobre a diversidade religiosa, explica os conceitos de inclusivismo, exclusivismo e pluralismo.

DICAS

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

145

3.1 A OBJEÇÃO AO INCLUSIVISMO E AO EXCLUSIVISMO: O “MITO DA NEUTRALIDADE”

Uma objeção de destaque para o exclusivismo e o inclusivismo religioso e por vezes denominada de "mito da neutralidade", e que tem sido expressa de muitas formas. A ideia básica e que não existem criterios religiosamente neutros ou objetivos para determinar se uma religião ou visão de mundo e verdadeira e outras falsas, ou se uma tem mais verdade ou falsidade do que a outra. Assim, alegar que uma religião e verdadeira ou que oferece o único caminho da salvação e inadequado e talvez ate moralmente ofensivo.

Em resposta, alguns exclusivistas e inclusivistas argumentaram que não

importa se não há criterios para tal avaliação, pois as crenças religiosas não são os tipos de coisas que deveriam ser sujeitas a uma avaliação racional e que isso talvez reflita uma falta de fe. Este ponto de vista e conhecido como o fideísmo, e será discutido no Topico 2 da Unidade 3. Outros exclusivistas e inclusivistas discordam. Eles afirmam que são justificados em afirmar que suas crenças são exclusivamente (ou inclusivamente) verdadeiras, porque elas são garantidas, seja por evidências da teologia natural ou por suas crenças sendo propriamente básicas (tambem será discutido no topico referido acima). Para respostas básicas apropriadas a esta disputa consulte o texto de Plantinga (1999).

3.2 A OBJEÇÃO DA JUSTIÇA

Às vezes e argumentado que os exclusivistas estão compromissados a uma posição que e injusta. O problema e multifacetado, mas um aspecto e que existem bilhões de pessoas, atualmente e historicamente, completamente ignaras das religiões para alem de sua propria. Para os exclusivistas, elas são consideradas moralmente e/ou epistemologicamente responsáveis por afirmar verdades religiosas das quais não são sequer conscientes. Essa objeção e tipicamente feita contra as religiões monoteístas, que incluem um julgamento final na vida apos a morte. Como, por exemplo, poderia o Deus do cristianismo (se tal Deus existe) negar a salvação para as inúmeras pessoas que nunca ouviram falar sobre a fe cristã? Parece injusto que Deus iria condenar as pessoas à perdição eterna simplesmente devido à sua falta de conhecimento. E, certamente, há pessoas boas, sinceras e dedicadas em todas as grandes religiões do mundo. Essa objeção não e tanto um problema para os inclusivistas, pois eles não concordam que não há salvação/libertação para aqueles que ainda não encontraram a única religião verdadeira nesta vida. Alguns inclusivistas cristãos, por exemplo, afirmam que e a fe em Deus como Deus se revelou para o indivíduo, bem como a obra expiatoria de Cristo, que traz a salvação, e isso poderia ocorrer nesta vida ou na vida apos a morte.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

146

Veja, por exemplo, os argumentos de Jerry Walls, em seu livro Hell: the logic of dammation (1992), especialmente no capítulo quatro, sobre o problema do inferno que vai contra a existência de Deus. Outras obras que lidam com questões similares é: O problema do sofrimento de C. S. Lewis (2006) e o artigo de Theodore Sider (2002) com a réplica de Dougherty e Poston (2008). Referente às respostas do conhecimento médio (descritas a seguir), veja os seguintes vídeos: Vídeo com William Craig, Onisciência e Conhecimento Médio, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=a5ts7gzs6Nc>. Acesso em: 12 jun. 2015. E outro vídeo de Craig, Quatro visões sobre a providência divina, disponível em: <https://vimeo.com/20376525>. Acesso em: 12 jun. 2015. Veja também uma possível réplica à questão da justiça divina teísta cristã (especificamente à proposta de Craig) no vídeo de Sam Harris, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MLkkRzEQmak>. Acesso em: 14 jun. 2015. a

Os exclusivistas ofereceram respostas à objeção da justiça. Por exemplo, eles às vezes baseiam-se na noção de conhecimento medio (ou intermediário) de Deus e os contrafatuais da liberdade para explicar como um Deus amoroso, onisciente e onipotente poderia permitir que os "não alcançados" errassem o alvo soteriologico (SWEETMAN, 2013). Como William Lane Craig argumenta e possível que não haja pessoas que não ouviram a mensagem da salvação, que teriam respondido com fe, se tivessem assim ouvido a mensagem (CRAIG, 1989; 2012). Outra resposta e que o nosso sentido humano da justiça não pode estar em harmonia com o senso de justiça de Deus, pois os caminhos de Deus estão alem de nossos caminhos (ISAÍAS 55. 8-9, ACF – BÍBLIA, 1994). No entanto, outra resposta que os exclusivistas têm oferecido e que por causa do pecado todas as pessoas são merecedoras de julgamento e ira divina, e e somente pela graça de Deus que qualquer um e salvo. Ele escolhe, então, para seus proprios fins, quem vai e quem não vai receber a graça salvífica (NASH, 1994; GEISLER, 2002). Esta resposta conduz-nos à proxima objeção.

DICAS

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

147

Contrafatuais de liberdade: proposições contrafatuais (declarações hipotéticas no modo subjuntivo) que expressam o conteúdo de uma livre escolha. Por exemplo: “Se você fosse para me oferecer um café amanhã, às 5h30min, enquanto discute o pluralismo religioso, eu o aceitaria livremente”. Contrafatual, portanto, na metafísica e na lógica modal é a situação ou evento que não aconteceu, mas poderia ter acontecido. Faz parte de um mundo possível, em oposição ao que aconteceu, que pertence ao mundo atual.

Conhecimento médio: refere-se ao conhecimento de Deus, logicamente anterior ao decreto de Deus para criar o mundo, e de todos os contrafatuais verdadeiros de liberdade da criatura; isto é, o conhecimento de Deus que antecede a criação do que todas as possíveis criaturas livres fariam em qualquer conjunto possível de circunstâncias. Pode ser chamado também de Conhecimento Hipotético ou Conhecimento Contrafatual. É uma proposta inerente à doutrina sobre a providência divina do jesuíta espanhol Luís de Molina (1535-1600), conhecida como Molinismo.

3.3 O “ESCÂNDALO DA PARTICULARIDADE”

A frase "escândalo da particularidade" e geralmente aplicada à visão cristã de que Deus se tornou humano exclusivamente em Jesus de Nazare. Este ponto de vista e considerado "escandaloso" porque parece incrível e ate mesmo preocupante que um evento particular e isolado, cerca de 2.000 anos atrás, seria a maneira pela qual Deus se revelou para o mundo. Como mencionado acima, há bilhões de devotos religiosos que não têm conhecimento do cristianismo, ou de qualquer outra religião alem da sua propria, e não sabem nada sobre o Deus dos cristãos. E assim e com as outras religiões tomadas a partir de um ponto de vista exclusivista. Será que devemos acreditar que apenas aqueles pertencentes a uma religião estão certos? Será que devemos acreditar que eles, e so eles, têm a verdade absoluta sobre Deus/ Realidade Última e sobre a salvação/libertação, enquanto todos os outros entenderam as coisas completamente erradas? Alem disso, não seria o caso de que o ponto de vista, segundo o qual apenas uma religião oferece o verdadeiro objetivo soteriologico, pareça ser arrogante, imperialista, e talvez ate mesmo imoral e opressor?

Uma resposta a essa objeção e que Deus, se Deus existe, poderia revelar-se

de qualquer forma que ele escolhesse. (Estamos usando o pronome masculino aqui não porque acreditamos que Deus e masculino, e sim, porque essa e a maneira que Deus tem sido historicamente referenciado nas religiões teístas nas quais os pronomes pessoais são utilizados). Poderia, portanto, haver razões legítimas para que Deus pudesse revelar-se, desta forma ou de outra. Alem disso, so porque algumas pessoas podem não estar cientes de um fato não significa que este seja falso. Há muitos assuntos importantes sobre os quais muitas pessoas não sabem nada. Por exemplo, muitas pessoas ainda não sabem que o vírus HIV e transmitido de uma pessoa infectada para uma pessoa não infectada atraves do sangue, esperma

NOTA

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

148

e secreção vaginal, pelo leite materno ou transfusão de sangue contaminado. Tal ignorância deveria levar aqueles "sapientes" a se esforçarem com mais afinco em comunicar a "verdade". Assim tambem, argumentam os exclusivistas, aqueles "sapientes espirituais" deveriam se esforçar mais em comunicar a verdade religiosa para aqueles que a desconhecem.

Outra resposta a esta objeção e que so porque alguem faz uma reivindicação

exclusiva não implica que ele ou ela e arrogante, imperialista, imoral ou opressivo. Alvin Plantinga (1999), por exemplo, tem demonstrado que a realização do exclusivismo não viola quaisquer obrigações morais ou epistêmicas. Na verdade, aquele que argumenta que o exclusivismo e falso está, de uma maneira fundamental, fazendo o mesmo que o exclusivista faz: uma reivindicação de tal forma que o ponto de vista oposto e considerado falso. Assim, parece que não se pode julgar de forma consistente o exclusivismo fundamentado nestes motivos, sem ser hipocrita.

4 O PLURALISMO RELIGIOSO

Perante as preocupações descritas acima, bem como outras, alguns negaram o exclusivismo e foram para alem do inclusivismo ao afirmar a verdade dentro das diferentes religiões. Um jeito de fazer isso e atraves de pluralismo religioso, as duas versões mais proeminentes são a hipotese pluralista e o pluralismo aspectual. Vamos olhar para cada uma delas.

4.1 A HIPÓTESE PLURALISTA

John Hick (2005; 2007; SWEETMAN, 2013) desenvolveu uma das abordagens mais impressionantes ao pluralismo religioso ate o momento. Ele argumenta que há uma pluralidade de caminhos para a salvação, e cada uma das grandes religiões do mundo oferece um tal caminho. Ele nega a perspectiva (amplamente aceita pelos ateus e outros) que a religião e apenas uma projeção humana. No entanto, utilizando as distinções de Immanuel Kant entre o númeno (coisas como elas realmente são, em si) e o fenômeno (as coisas como elas são experimentadas por nos dadas as categorias de nossas mentes), Hick argumenta que as experiências e as descrições de alguem dependem dos conceitos interpretativos atraves do qual o mesmo as vê, as estruturas e as entende. Assim, enquanto alguns experienciam e compreendem a Realidade Última, ou "o Real", em categorias teístas pessoais (por exemplo, como Deus ou Yahweh), outros o fazem em maneiras impessoais, panteístas (por exemplo, como nirguna Brahman). Ainda, outros experienciam e compreendem a Realidade Última como completamente não pessoal (por exemplo, como o nirvana ou o dao). A parábola hindu dos homens cegos e do elefante reflete pungentemente este ponto (veja o quadro abaixo). Para Hick, em nosso tatear pelo

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

149

real, somos muito parecidos com os homens cegos, os nossos pontos de vista são limitados por nossos conceitos aculturados.

Em sua obra monumental, An Interpretation of Religion (Uma Interpretação da Religião), Hick (2004, p. 19, tradução nossa) utiliza estas distinções e defende a hipotese pluralista:

que existe uma realidade última, a qual refiro como o Real [...] que e em si transcategorial (inefável), alem do alcance dos nossos sistemas conceituais, mas cuja presença universal e humanamente experienciada nas várias formas feitas possíveis pelos nossas sistemas conceituais-linguísticos e nossas práticas espirituais.

Os Homens Cegos e o Elefante: Deus é como um grande elefante cercado por vários homens cegos. Um homem toca o rabo do elefante e pensa que é uma corda. Outro toca o tronco e pensa que é uma cobra. Outro toca uma perna e pensa que é uma árvore. No entanto, outro toca o lado do elefante e pensa que é uma parede. Eles estão todos experienciando o mesmo elefante, mas de maneiras muito diferentes. O mesmo vale para Deus e as várias religiões.

John Hick (1922-2012) assumiu várias posições acadêmicas como professor de Filosofia da Religião e Teologia em diversas universidades, como a Claremont Graduate University, a University of Birmingham, a Cornell University e a Cambridge University. Foi um dos principais filósofos contemporâneos da religião e teólogos, e o mais proeminente defensor do pluralismo religioso. Ele publicou vários livros amplamente influentes, incluindo An Interpretation of Religion (2004), Teologia cristã e pluralismo religioso (2005), e A metáfora do deus encarnado (2000).

As doutrinas religiosas e dogmas são importantes para Hick, mas o que e fundamental na religião, segundo o filosofo, e a transformação pessoal que ocorre dentro da religião. Por isso, em outro lugar, ele acrescenta que:

as grandes religiões mundiais encarnam diferentes percepções e concepções de, e correspondentemente respostas diferentes para, o Real dentro das principais formas variantes do ser humano; e dentro de cada uma destas a transformação da existência humana desde o egocentrismo ao Real-centrismo, desde os não santos aos santos, está ocorrendo (HICK, 1985, p. 36-37, tradução nossa).

Hick utiliza várias analogias para descrever a hipotese pluralista em

relação aos diferentes aspectos da religião. Uma das mais interessantes e a imagem do pato-coelho que Ludwig Wittgenstein (1999) usou em seu influente trabalho intitulado Investigações Filosoficas (veja a Figura 5). Uma cultura que tem abundância de patos, mas nenhuma familiaridade com coelhos veria este diagrama ambíguo como sendo uma imagem de um pato. Pessoas nesta cultura não iriam nem mesmo estar ciente da ambiguidade. Assim tambem com a cultura que tem

NOTA

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

150

abundância de coelhos, mas nenhuma familiaridade com os patos. Pessoas nesta cultura iriam vê-la como uma imagem de um coelho. A analogia de Hick e que o Real inefável ("inefável" significa que a sua natureza está fora do âmbito dos conceitos humanos) e capaz de ser experienciado, autenticamente experienciado, nas diferentes religiões, como o Yahweh, ou como Alá, ou como Vishnu, ou como o dao, e assim por diante, dependendo dos conceitos religiosos da pessoa atraves do qual ocorrem as suas experiências individuais.

FIGURA 2 - IMAGEM PATO-COELHO USADA POR LUDWIG WITTGENSTEIN EM SUA INFLUENTE OBRA INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS

FONTE: Wittgenstein (1999, p. 178)

Uma serie de objeções foram levantadas contra a hipotese pluralista e a visão de Hick em geral. Iremos nos concentrar em apenas duas.

4.1.1 O pluralismo é logicamente contraditório

Para Hick (2005), nenhuma religião (as grandes do mundo) e superior ou mais verdadeira do que qualquer outra. Elas estão em pe de igualdade, na medida em que produzem santos (pode-se argumentar que certas religiões, o satanismo, por exemplo, não produzem santos). Todas as grandes religiões do mundo, no entanto, incluem a noção de que elas são verdadeiras, que elas oferecem o objetivo soteriologico certo que qualquer pessoa deve buscar e que elas oferecem o melhor meio para alcançar esse objetivo. Então, aqui está o problema. A hipotese pluralista parece estar acima das religiões e fazer uma afirmação exclusiva (não pluralista) sobre o Real e a salvação/libertação, ou seja, que o Real e experimentado validamente igual entre as várias religiões e que cada uma oferece expressões válidas do objetivo soteriologico. Mas isso parece ser autocontraditorio, pois, ao afirmar que nenhuma posição religiosa, em referência ao Real e ao objetivo soteriologico e superior ou mais verdadeira do que outra, Hick, na verdade, faz exatamente isso, ele afirmou que o seu proprio ponto de vista e mais verdadeiro e superior a todos os outros.

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

151

Em resposta, poderíamos argumentar que a hipotese pluralista e uma metateoria, uma teoria de ordem superior sobre as religiões, em vez de simplesmente mais uma posição religiosa entre outras e, como tal, não e suscetível à acusação de inconsistência logica.

4.1.2 Pluralismo leva ao ceticismo em relação ao real

A visão pluralista do Real leva a outra objeção. A posição de que as alegações religiosas da verdade são em sua totalidade contextualmente dependentes e que tambem são apenas sobre o fenômeno (ao inves do númeno), leva a um bloqueio do conhecimento (opacidade epistêmica), que, discutivelmente, desemboca no ceticismo ou no agnosticismo sobre o Real (D’COSTA, 1991; 2007; SWEETMAN, 2013). Se for impossível pensar ou falar sobre o Real, e se atributos pessoais como ser bom, amoroso, poderoso, justo (ou impessoais, como não dual etc.), na verdade, não se aplicam ao Real, uma vez que está fora do nosso campo conceitual humano, como, então, podemos ter certeza de que o Real não e apenas uma projeção psicologica humana ou realização de um desejo?

A resposta de Hick, em bom estilo kantiano, e que, dadas as experiências

religiosas historicamente ricas e amplas dentro das tradições de fe, devemos postular um Real objetivo para explicar as experiências ricas e as transformações. No entanto, o Real, como interpretado por Hick e "alem caracterizações" e "tampouco pessoal nem impessoal". Sendo assim, e possível indagar o que e que de fato e postulado ou como tal postulado "inefável" pode levar à transformação moral e pessoal tão essencial à posição de Hick.

Um excelente autor para ser lido sobre a hipótese pluralista na vertente do diálogo inter-religioso é Faustino L. C. Teixeira (1997), com inúmeros livros, artigos e vídeos on-line. Uma análise crítica da abordagem hickinana pode ser vista na dissertação de Kleber Machado (2008). Outras obras que devem ser analisadas e que delineiam o movimento atual do pluralismo religioso a da chamada teologia das religiões (TdR), são Jacques Dupuis (2004, 1999), Paul Knitter (2008, 2010, 2012), Roger Haight (2003, 2009). E para uma leitura sobre a aproximação entre teologia da libertação e pluralismo religioso, especialmente na América Latina, leia as obras de Jose Maria Vigil (2006, 2011) e Vigil, Tomita e Barros (2005, 2008).

DICAS

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

152

4.2 PLURALISMO ASPECTUAL

Uma segunda versão do pluralismo religioso tenta evitar algumas das armadilhas filosoficas e outros obices da hipotese pluralista. Para o pluralista aspectual, há uma Realidade Última objetiva, e essa Realidade e cognoscível para nos. Assim, ao contrário da hipotese pluralista, e de um modo muito não kantiano, podemos oferecer descrições válidas do numenal – podemos "chegar" ao Real. De fato, como filosofo e teologo Peter Byrne mantem, cada uma das diferentes religiões está refletindo algum aspecto do real: "os diferentes sistemas de discursos religiosos são descritivos de uma única e mesma realidade, porque essa realidade tem vários aspectos [...] o transcendente se manifesta de diversas maneiras" (BYRNE, 1995, p. 153, tradução nossa). Byrne usa a noção de tipos/condições naturais (natural kinds), a fim de esclarecer a sua posição. Assim como o ouro em sua condição natural tem uma essência não observável, bem como propriedades ou qualidades observáveis, sendo amarelo, brilhante e duro, assim tambem o Real tem uma essência com diferentes manifestações experienciadas. O Real manifesta diferentes aspectos de si nas diferentes religiões dado aos seus esquemas conceituais, suas estruturas religiosas, e suas práticas originais e proprias. Byrne (1995) tambem sustenta que as diferentes descrições do Transcendente devem ser entendidas em metáfora e não ao modo literal.

4.2.1 O pluralismo aspectual conduz ao sincretismo

Um alegado problema com este ponto de vista e que desde que cada uma das religiões está apreendendo apenas um aspecto do Real, parece que se poderia obter uma melhor compreensão da essência do Real, criando uma nova religião sincretista, a fim de recolher mais aspectos do Real. Uma versão desta crítica e oferecida pelo proprio John Hick (2013) nas páginas 240-249 de seu texto. Byrne consente que:

o fato de que o pluralismo vê as tradições individuais como aspectos de um encontro de sobreposição com a realidade singular de fato implica que, como tradições, elas podem muito bem lucrar no compartilhamento de ideias, espiritualidades, e assim por diante (1995, p. 200, tradução nossa).

Entretanto, ele não acredita que isso deva levar ao sincretismo. Pode-se argumentar, por exemplo, que cada tradição capta um aspecto do Real via os conceitos aculturados dentro daquela tradição, e este aspecto seria perdido em uma nova religião sincretica. Se este for o caso, cada uma das tradições religiosas e necessária do modo como são criadas e praticadas para que os seus seguidores religiosos possam compreender e experienciar da melhor maneira o Real.

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

153

Tipos naturais são muitas vezes entendidos como agrupamentos que são agrupamentos naturais. Por exemplo, os seres humanos, os cães e o ouro, são cada um exemplo de tipos naturais. Eles são distintos das propriedades (tais como o amarelo, por exemplo, ou ter 1,80m de altura) que são possuídas pelos indivíduos dos tipos naturais. Os tipos naturais não podem ser reduzidos às propriedades que são por eles possuídas.

4.2.2 O pluralismo aspectual conduz ao ceticismo

Um problema relacionado e que, na visão aspectual, uma vez que os seguidores religiosos estão apenas vislumbrando o real por meio de propriedades que são elas proprias aculturadas dentro das várias tradições, as descrições do Real não podem ser reivindicações de conhecimento adequado sobre o Real. Assim, ficamos refens de um ceticismo religioso. Byrne (1995, 200-201, tradução nossa) esclarece o problema:

Se o pluralismo e verdadeiro, então as explicações ricas, vivas, e doutrinariamente carregadas sobre a natureza da realidade transcendente e da salvação são tanto necessariamente quanto inevitavelmente falhas [...] Elas são inevitavelmente falhas, pois a partir da natureza do caso, elas não podem alegar uma verdade estrita com qualquer certeza. Isso quer dizer que, tomado literalmente e positivamente, elas não podem reivindicar com certeza corresponder em detalhes com a realidade a qual se referem. O pluralista não sabe qual destas crenças detalhadas de primeira ordem e falsa. Algumas podem ser verdade. Ele ou ela considera que todas estas crenças são radicalmente incertas.

A resposta de Byrne e que este tipo de objeção pode ser defletido apenas parcialmente. Ele consente que os pluralistas são "ceticos mitigado". Não se pode ter certeza de que qualquer uma das religiões de fato está certa, portanto, e melhor reconhecer isso e ser agnostico sobre as interpretações da religião (BYRNE, 1995). Entretanto, as reivindicações doutrinárias fundamentais das religiões, tais como "Jesus e o Filho de Deus", de fato possuem um aspecto cognitivo (elas vão ajudar a formar modos de prática e experiência religiosa, por exemplo), e elas podem ate ter sucesso referencial e verdade metaforica. Mas o pluralista não pode, em sã consciência, afirmar que as declarações doutrinais são inequivocamente e objetivamente verdadeiras.

NOTA

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154

5 O RELATIVISMO RELIGIOSO

Uma terceira forma de responder às reivindicações de verdade conflitantes das diferentes tradições de fe e permanecer comprometido com a verdade dos ensinamentos religiosos de sua propria tradição enquanto que ao mesmo tempo concordando com algumas das preocupações centrais levantadas pelo pluralismo. Isso pode ser realizado ao postular uma visão conhecida como relativismo religioso. Joseph Runzo, talvez seu defensor mais proeminente, apresentou uma versão do relativismo religioso, o que ele chama de "henofideísmo", derivado do termo grego heno (um) e do termo latino fide (fe), pela qual a correção de uma religião e relativa à visão de mundo de sua comunidade e de seus adeptos (RUNZO, 2007).

Runzo consente que as diferentes religiões são constituídas por diferentes

experiências e conjuntos de pretensões de verdade mutuamente incompatíveis, e que as diferentes religiões e experiências estão elas proprias enraizadas em visões de mundo distintas, que são incompatíveis com, se não contraditorias, as outras religiões e visões de mundo (RUNZO, 2007). Todavia, ele sustenta que estas experiências divergentes e visões de mundo incompatíveis emergem da pluralidade de realidades divinas fenomenais vivenciadas pelos adeptos das religiões.

Deste ponto de vista, entende-se que visão de mundo de uma pessoa (ou

seja, a rede cognitiva total de nossos conceitos, crenças e processos de pensamento racional inter-relacionado) determina como se compreende e se experiencia a Realidade Última. Alem disso, correspondente às diferenças de visão de mundo, há conjuntos de verdades relativas a esquemas conceituais mutuamente incompatíveis, entretanto, individualmente adequados. Em outras palavras, a verdade de uma religião e determinada por sua adequação em corresponder apropriadamente à visão de mundo da qual faz parte.

Runzo (2007) observa que o relativismo religioso tem várias vantagens

sobre a hipotese pluralista de Hick: (1) ele oferece uma melhor consideração das crenças cognitivas reais mantidas pelos adeptos das grandes religiões do mundo, pois afirma que cada uma das religiões está fazendo reivindicações fundamentais verdadeiras, (2) mantem a dignidade das várias religiões, aceitando suas diferenças como reais e significativas, e (3) não reduz o senso de realidade do Real a uma mera "imagem" como o pluralismo involuntariamente o faz. Em vez disso, ele mantem o Real como o objeto direto da fe religiosa.

Alem disso, poderíamos acrescentar que o relativismo religioso tem várias vantagens sobre o pluralismo aspectual: (1) ele oferece uma melhor consideração das crenças cognitivas reais mantidas pelos adeptos das grandes religiões do mundo, (2) não oferecer apenas uma visão parcial (aspectual), mas sim uma descrição completa e (discutivelmente) conceitualmente adequada do Real como professada dentro das diferentes religiões, e (3) não exige uma religião nova, sincretica, a fim de apreender melhor a Realidade Última.

Apesar destas argumentadas vantagens sobre o pluralismo, no entanto,

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

155

tambem existem objeções significativas para esta versão do relativismo religioso.

5.1 UMA DESCRIÇÃO INADEQUADA DAS CRENÇAS RELIGIOSAS REAIS

Apesar do relativismo alegar oferecer uma consideração melhor das crenças cognitivas reais dos adeptos das religiões do que aquela oferecida pelo pluralismo, no entanto, fica aquem destas crenças reais. Por exemplo, os adeptos muçulmanos não têm historicamente mantido, nem os seus estudiosos e professores (imãs) tipicamente mantêm, que Alá e o Deus verdadeiro apenas no que diz respeito à visão de mundo do Islã. Ao contrário, para os muçulmanos a verdade de Alá, tal como descrita no Alcorão, e tida como sendo inequívoca e objetivamente verdadeira. Para o crente islâmico, Alá e o único e verdadeiro Deus para todos, independentemente de qual possa ser a propria visão de mundo. O mesmo ocorre entre as outras tradições de fe, suas crenças são normalmente entendidas como sendo verdadeiras em um sentido objetivo e absoluto. Com efeito, os adeptos das religiões têm sido historicamente exclusivistas ao inves de relativistas.

No entanto, pode-se responder que, simplesmente porque os adeptos religiosos geralmente são e têm sido exclusivistas não têm nenhuma influência sobre se eles (e nos) devemos continuar assim. Ate o seculo passado, a maioria das pessoas mantinham que alguma forma de espaço euclidiano refletia a verdadeira natureza do mundo, mas isso não significa que devemos fazê-lo hoje.

5.2 O RELATIVISMO É INCOERENTE

Outra objeção e que o relativismo religioso e logicamente incoerente, uma vez que não pode ser mantido consistentemente que a verdade e individualista, uma posição inerente ao relativismo. Contudo, pode-se argumentar que, embora esta e, talvez, uma avaliação justa do que e referido como "subjetivismo" (uma posição em que a verdade e relativa a visão de mundo idiossincrática de cada pessoa), isso não se aplica ao henofideísmo, pois na explicação dos henofideístas, a verdade e relativizada à visão de mundo de uma cultura, em vez de individualmente relativizada.

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6 AVALIANDO OS SISTEMAS RELIGIOSOS

Como observado no início deste topico, as religiões fazem reivindicações, alegações de verdade, e elas fazem tais reivindicações sobre questões fundamentais da existência humana, a Realidade Última, a vida apos a morte, e assim por diante. Como tambem vimos acima, existem diferentes abordagens para a compreensão destas reivindicações de verdade feitas pelas religiões: alguns sustentam que as reivindicações de verdade religiosas são todas falsas (ateus) ou que não há nenhuma maneira de saber se as reivindicações religiosas são verdadeiras ou falsas (agnosticos); outros sustentam que cada religião tem sua propria verdade, mas que não há nenhuma verdade objetiva ou universal a respeito das reivindicações religiosas (relativismo); outros ainda afirmam que todas as reivindicações de verdade religiosas do mundo são verdadeiras no sentido de que os adeptos estão entendendo e experienciando a Realidade Última atraves de seus proprios conceitos aculturados (pluralismo); e ainda outros afirmam que existe apenas uma religião verdadeira, atraves da qual uma pessoa pode ser salva/liberta e que as afirmações de verdade de outras religiões são falsas (exclusivismo) ou que, enquanto uma religião e privilegiada, em algum sentido, todas as religiões contêm elementos importantes da verdade (inclusivismo).

Se alguem concorda com a maioria dos adeptos religiosos que as religiões

estão, de fato, fazendo reivindicações que são verdadeiras, então pode muito bem existir certos criterios objetivos que poderiam ser utilizados na avaliação destas. Uma forma de fazer isso implica a avaliação de sistemas religiosos, ou seja, as religiões tidas como sistemas de pensamento razoável. É claro que a prospectiva de avaliar sistemas religiosos e controversa, mas praticamente nada de muito significativo no discurso religioso não e assim! Abaixo, incluímos cinco criterios de avaliação que têm sido utilizados pelos filosofos da religião e que são, sem dúvida, objetivos e religiosamente neutros. Vamos examinar brevemente cada um dos cinco.

QUADRO 4 - CRITÉRIO PARA AVALIAR SISTEMAS RELIGIOSOS

1. Consistência logica As proposições fundamentais e definidoras do sistema religioso devem

ser logicamente consistentes uma com as outras e não autodestrutivas.

2. Coerência geral do sistemaAs proposições fundamentais e definidoras do sistema religioso

devem ser relacionadas entre si de tal modo que elas ofereçam um

entendimento unificado do mundo e do lugar de alguem nele.3 . C o n s i s t ê n c i a c o m

conhecimentos em outros

campos

As proposições fundamentais e definidoras do sistema religioso não

devem contrariar conhecimentos bem estabelecidos em outros campos,

tais como a ciência, a historia, a psicologia e a arqueologia.4 . R e s p o s t a s r a z o á ve i s

à s q u e s t õ e s h u m a n a s

fundamentais

O sistema religioso deve ser capaz de dar conta e explicar questões

humanas fundamentais.

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

157

5. Plausibilidade existencial

O sistema religioso deve ser suportável com base em suas proprias

crenças fundamentais e não deve requerer emprestimos de tais crenças

a partir de outro sistema religioso que o contradiz.

FONTE: Adaptado de Yandell (2007, p. 204-215; 1974), Netland (1999, p. 151-195) e Wainwright (1998, p. 182-185)

6.1 CONSISTÊNCIA LÓGICA

Um dos criterios de avaliação que parece transcender sistemas religiosos e a consistência logica, e uma das leis básicas da logica clássica e a lei da não contradição: a declaração não pode ser verdadeira e falsa. Enquanto a incontestabilidade racional desta lei foi expressa por milênios [por exemplo, Aristoteles faz tal afirmação em Metafísica (2002, IV.4, 1006a 5-22, p. 145-146; XI.5, 1061b 33-1062a 19, p. 489-501)], várias tentativas de negar o seu papel na religião têm aparecido ao longo do tempo. Por exemplo, Gavin D'Costa observa que o Zen budismo e o Madhyamika (escola filosofica do “Caminho do Meio”), principalmente nos escritos de Nagarjuna (sec. II-III), são exemplos de religiões que afirmam que a consistência logica não se aplica às alegações de verdade religiosa. Nagarjuna, por exemplo, utilizou as regras da logica apenas para demonstrar porque nenhum sistema logico em última instância pode ser afirmado racionalmente. E os zen budistas tambem aceitam certas regras da logica para demonstrar que a satori (iluminação) transcende as concepções logica (D’COSTA, 1993).

No entanto, não fica claro o que se quer dizer com a afirmação de que a realidade transcende a concepção logica, ou que a logica não se aplica às reivindicações de verdade religiosas, pois, deve-se usar conceitos logicos e princípios racionais de pensamento ate mesmo para poder compreender estas declarações. Alem disso, parece que não importando qual seja o sistema religioso que alguem possa aderir (seja ele a escola Madhyamika ou não), ele ou ela utiliza a razão e a logica em praticamente todas as outras áreas da vida. Negar isso na religião parece ser injustificado, se não incoerente. Isto e especialmente significativo em relação às reivindicações proposicionais fundamentais e definidoras dos sistemas religiosos. Poderia, certamente, haver desacordo sobre quais são as reivindicações fundamentais de um determinado sistema. Mas, como vimos anteriormente, cada um dos grandes sistemas religiosos está tentando fornecer reivindicações proposicionais sobre a natureza do Real, a natureza do self, o objetivo soteriologico, e os meios para a obtenção desse objetivo. Como cada uma dessas reivindicações e geralmente considerada como sendo um aspecto não negociável do sistema, se elas se contradizem entre si, não poderiam ser verdadeiras.

Da mesma forma, a logica se aplica a cada uma das reivindicações

individuais dentro de um sistema religioso. Se a alegação e autodestrutiva, então ela não pode ser verdade. Por exemplo, se uma reivindicação fundamental de um sistema religioso e que todos os pontos de vista são, em última instância falsos,

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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então essa e uma reivindicação autorrefutadora (pois, ela tambem deve ser falsa!). Alguns argumentaram que a escola Madhyamika do budismo afirma tal visão. Se assim for, então seria autodestrutiva, e, portanto, falsa.

6.2 A COERÊNCIA DE TODO O SISTEMA

Não apenas deve cada uma das reivindicações fundamentais do sistema religioso ser consistente logicamente com as outras reivindicações fundamentais e não ser autodestrutivas, mas o sistema global deve ser coerente tambem. A "coerência", neste contexto, e a ideia de que as reivindicações fundamentais devem ter uma inter-relação e sistematização que seja clara e adequada. Nesse sentido, o filosofo da religião William J. Wainwright (1998, p. 183, tradução nossa) assinala que as reivindicações deveriam "integrar-se" adequadamente. Ele usa o monoteísmo e o politeísmo para esclarecer esta posição: "O monoteísmo [...] parece mais coerente do que politeísmos que postulam uma serie de deuses, mas não explica claramente as conexões entre eles".

6.3 A CONSISTÊNCIA COM O CONHECIMENTO EM OUTROS CAMPOS

Outro criterio importante para avaliar um sistema religioso e a sua consistência com vários campos do conhecimento. Diversos campos importantes são historia, psicologia e as “ciências duras” (ciências físicas, ciências da vida e ciências da Terra). Se uma reivindicação bem estabelecida proveniente de um desses domínios contradiz uma crença religiosa fundamental, isto deve, no mínimo, ser motivo para considerar-se a rejeição desta crença. Este fato poderá tambem proporcionar um obstáculo para o sistema como um todo.

Por exemplo, se um sistema religioso afirma que Deus criou o mundo em

um perfeito estado, vários milhares de anos atrás, e que, portanto, os dinossauros não poderiam ter realmente existido na historia, a evidência solida da arqueologia deve ser motivo para rejeitarmos essa crença. Se a rejeição da crença não e possível sem a rejeição do sistema como um todo, então, tanto pior para o sistema. É claro que os adeptos de um determinado sistema religioso podem achar motivos para continuar firmemente mantendo tal crença, a despeito de outras evidências do contrário. A difícil tarefa, então, e determinar se a razão (ou razões) para manter a crença são mais justificadas do que a evidência do contrário.

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

159

6.4 RESPOSTAS RAZOÁVEIS ÀS QUESTÕES HUMANAS FUNDAMENTAIS

Um sistema religioso deve proporcionar respostas razoáveis e adequadas às questões religiosas fundamentais. Tais questões incluem: Quem sou eu? Por que estou aqui? Qual e a natureza do Real? O que e a solução para a condição humana? O que acontece depois da morte? E assim por diante. Se o sistema não dispõe de respostas a tais perguntas ou as respostas não são razoáveis ou são inadequadas, isso deve ser motivo de preocupação. Sem dúvida, determinar se tais respostas são razoáveis ou não e uma tarefa fácil. Mas o processo de investigação aqui pode ser frutífero, não obstante. Por exemplo, se a resposta à pergunta “Quem sou eu?” acaba por ser que eu não sou um self individual substancial, mas sim um feixe de experiências, isto levanta uma importante questão de razoabilidade e adequação. Yandell (1999), por exemplo, oferece uma crítica filosofica da “teoria dos feixes” do self budista nas páginas 246-259 de sua obra.

6.5 A PLAUSIBILIDADE EXISTENCIAL

Outro criterio aparentemente não arbitrário para avaliar sistemas religiosos e se o sistema pode subsistir em seus proprios termos, ou se deve tomar emprestado ideias de outro sistema. Se alguem deve pegar emprestado, por exemplo, as crenças centrais de outro sistema, a fim de viver uma vida significativa, então, o seu proprio sistema (ou o que está em análise) e, provavelmente, insuficiente se não for falso. Por exemplo, se alguem mantem a crença (amplamente aceita pelos adeptos de certas tradições panteístas) que a dor física e o sofrimento são meras ilusões, então ele ou ela deve viver de maneira consistente com essa crença. As escrituras da religião Ciência Cristã, por exemplo, afirmam que "o mal e apenas uma ilusão, e não tem nenhuma base real. O mal e uma crença falsa" (EDDY, 2001, 480, p. 23-24). Os adeptos da Ciência Cristã são ensinados a não procurar ajuda medica, por essa razão, a dor e o mal não existem. Mas pode-se perguntar se essa e uma visão existencialmente plausível. Se um adepto deste sistema religioso não pudesse levar a cabo a pressão existencial de ignorar cuidados medicos, por exemplo, pode ser motivo para ele ou ela rejeitar o sistema. Da mesma forma, se as pessoas dentro do sistema estão "trapaceando" ao buscar secretamente assistência medica em caso de doença, talvez, para quem estivesse analisando a crença isso fosse motivo de rejeitá-la, ou ate de rejeitar o sistema como um todo.

Outro exemplo e as reivindicações morais. Se um sistema religioso inclui uma posição moral que não e existencialmente sustentável na vida de alguem, ela provavelmente deve ser rejeitada. Por exemplo, se um sistema religioso inclui a alegação de que o certo e o errado são meras ilusões, mas, em seguida, sente-se a necessidade existencial de viver de acordo com certos valores morais, então a reivindicação religiosa, se não o sistema como um todo, provavelmente deve ser rejeitada.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

160

As religiões são sistemas complexos de pensamento e de prática humana,

e as "grandes religiões do mundo" foram vividas e expressas ao longo de muitos seculos e milênios. A complexidade das religiões faz a sua avaliação ser uma tarefa difícil. Mas dado que essas religiões de fato se expressam em forma proposicional e significativa, isto permite a sua avaliação razoável como sistemas de pensamento e prática. Perante tais posicionamentos sobre a significância na forma como alguem pensa sobre si mesmo, a natureza da Realidade Última, e a salvação/libertação, e suas implicações diretas e indiretas para o indivíduo e os grupos, a avaliação destes sistemas e talvez uma das atividades humanas mais importantes que se possa imaginar.

No entanto, a avaliação de um sistema religioso levanta outra questão

importante digna de cuidadosa reflexão: a tolerância religiosa.

7 TOLERÂNCIA RELIGIOSA

Como vimos, o mundo em que vivemos está florescendo com diversas perspectivas sobre questões religiosas fundamentais. À medida que o mundo se torna mais globalizado, vamos continuar a crescer na consciência da riqueza e da ampla diversidade de tradições religiosas (muitas das quais são radicalmente diferentes das nossas). Se sustentarmos a visão de que as religiões podem ser avaliadas, e a maioria dos pluralistas concordaria que algumas religiões são piores do que outras (pensem na religião fundada por Marshall Applewhite, a Heaven’s Gate, por exemplo), deve a intolerância religiosa ser o resultado disso? A resposta a esta pergunta depende, parcialmente, do que entendemos por "tolerância" e "intolerância". Se por "tolerância" queremos significar a afirmação que todas as tradições são igualmente verdadeiras e por "intolerância" a negação que todas elas são igualmente verdadeiras, então e claro que qualquer avaliação seria um empreendimento intolerante. No entanto, se "tolerância" significa reconhecer e respeitar as crenças e práticas dos outros, então, a avaliação e a tolerância não necessitam estar em desacordo.

Na medida em que os encontros com "os outros" religiosos tornam-se

comuns, os conflitos concernentes a diferenças doutrinais, culturais e práticas tambem aumentarão. Em resposta a este conflito, como observado no início do topico, Dalai Lama propõe uma harmonia inter-religiosa que aprecia o valor de outras tradições de fe. Ele observa que um primeiro passo importante na realização desta harmonia está no desenvolvimento de uma compreensão das outras tradições de fe e da apreciação do valor inerente a cada uma delas. Nas proximas decadas e seculos, se almejamos prosperar juntos como seres humanos e como seres humanos religiosos, devemos levar a serio esta proposta. Isso significaria avançar na tolerância, e isso envolveria aprender sobre os outros religiosos, o que eles acreditam e o porquê, e como eles praticam suas crenças, em um genuíno

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TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE RELIGIOSA E O PLURALISMO

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esforço de compreensão. Isto não necessita implicar uma capitulação a uma atitude de que "todo mundo está certo", mas pode-se argumentar que ela deve se tornar uma atitude de que “todo mundo e significativo". Afinal, quaisquer que sejam as nossas convicções religiosas, todos nos somos homo sapiens, todos parte da grande comunidade que chamamos de “humanidade”.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico vimos que: • Muito territorio foi coberto neste topico. Começamos com uma visão geral da

crescente diversidade da paisagem religiosa global.

• Todas as grandes religiões fazem reivindicações sobre questões fundamentais da vida e do pensamento humano, alegações sobre o self, sobre a realidade última e o significado e os meios de salvação/libertação, entre outras. Algumas dessas reivindicações fundamentais contradizem umas às outras, e isso levanta a questão de como devemos filosoficamente abordar tais divergências.

• Foram examinadas seis abordagens básicas em resposta às reivindicações de verdades conflitantes das religiões: o ateísmo, o agnosticismo, o relativismo, o pluralismo, o inclusivismo e o exclusivismo. Como as duas primeiras abordagens serão tratadas em outros topicos, analisamos as últimas quatro, olhando os pros e contras de cada uma delas.

• Consideramos a tarefa de avaliar os sistemas religiosos. Examinamos cinco criterios para essa avaliação: a consistência logica, a coerência do sistema global, a consistência com o conhecimento em outros campos, as respostas razoáveis às questões fundamentais do homem, e a plausibilidade existencial. Pode-se argumentar que estes criterios são meios religiosamente neutros e objetivos para a realização dessas avaliações.

• A tarefa de avaliar os sistemas religiosos levanta a importante questão da tolerância religiosa, pois a avaliação, que envolve a possível conclusão de que uma crença ou sistema de crenças e verdadeira e outra falsa, pode levar a uma atitude de arrogância ou superioridade. Isso não precisa ser assim. A verdade e a tolerância são conceitos distintos. Por isso, alguem poderia ser um relativista ou pluralista intolerante tal como alguem poderia ser um exclusivista ou inclusivista tolerante.

• Com a crescente consciência dos outros religiosos e com o aumento do ajuntamento de pessoas de várias tradições, tornou-se cada vez mais importante para nos sermos aprendizes religiosos, respeitando as crenças e práticas de outros que têm visões muito diferentes da nossa. Esse e o grande desafio religioso do seculo XXI.

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AUTOATIVIDADE

Entre as posições possíveis assumidas pelos religiosos perante a diversidade religiosa, o inclusivismo e o exclusivismo são duas posições bem comuns. Descreva alguns pontos de concordância e alguns pontos de discordância entre estas duas posições sobre a diversidade religiosa.

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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TÓPICO 3

CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

No interior de todas as grandes religiões há uma crença sobre uma realidade transcendente subjacente ao mundo físico e natural. Desde o seu início, a filosofia da religião tem se preocupado em refletir sobre, na medida do possível, como as religiões podem entender o que chamam de “Realidade Última”. As várias religiões diferem em como conceituam esta realidade, especialmente entre as religiões orientais e as ocidentais. Na religião ocidental (enquanto que a distinção Leste/Oeste ou Oriental/Ocidental não e bem acurada, estamos utilizando aqui para condensar a discussão), pela qual referimos principalmente as três religiões de descendência de abraâmica, ou seja, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, a Realidade Última e concebida em termos de um Deus pessoal. Deus, nestas religiões, não e apenas pessoal, mas o criador de tudo e perfeito em todos os aspectos. Muitas outras propriedades são atribuídas a Deus, inclusive a onisciência, a onipotência e a imutabilidade.

Na religião oriental, e aqui estamos nos referindo principalmente ao

budismo, ao taoísmo e à escola Advaita Vedanta do Hinduísmo, a Realidade Última e entendida de forma bastante diferente. Não e entendida como um Deus criador e pessoal, por exemplo, mas um estado absoluto de ser. Ela não pode ser descrita por um conjunto de atributos (tais como a onisciência ou a onipotência), pois ela e a Realidade Absoluta indiferenciada. Os taoístas se referem a ela como dao; os hindus se referem a ela como Brahman; para os budistas o nome varia, sunyata, por exemplo, ou nirvana. Essas concepções diferentes de Realidade Última trazem com elas entendimentos distintos de outras questões importantes, tais como a salvação/libertação, a vida apos a morte, o mal e o sofrimento, entre outras.

Neste topico, incidiremos especificamente sobre estes dois amplos grupos e suas duas concepções diferentes da Realidade Última, começando com a religião oriental.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

2 A REALIDADE ÚLTIMA: O ABSOLUTO E O VAZIO (VÁCUO)

2.1 O ABSOLUTISMO HINDU

Datando mais de cinco mil anos, o hinduísmo e uma das religiões mais antigas da historia registrada. Diferente da maioria das outras religiões, o hinduísmo abrange muitos sistemas de crenças e visões de mundo distintas. Existem formas teístas, politeístas, panteístas e ate mesmo ateístas de hinduísmo. Devido a essa diversidade, e impossível resumir com precisão o pensamento hindu sobre qualquer assunto particular. Para nossos propositos, no entanto, vamos tomar como referência uma escola do hinduísmo que e com frequência discutida na literatura da filosofia da religião: a Advaita Vedanta. Esta escola do hinduísmo inclui a crença de que a Realidade Última, na verdade toda a realidade, e Brahman e somente Brahman. Um personagem-chave defensor da Advaita Vedānta foi o filosofo indiano Shankara do seculo VIII. Como ele explica, so Brahman e real, e Brahman e desprovido de todas as distinções. (Vale a pena observar que para uma pessoa educada no ocidente, muitos dos conceitos dos adeptos ao Advaita podem parecer peculiar e com frequência de difícil compreensão. Obviamente, para uma pessoa que foi educada nas tradições orientais tais como esta, perceberia certos conceitos religiosos ocidentais igualmente estranhos e perplexos. No entanto, na comunidade global da qual somos agora uma parte, e benefico para nos o esforço por compreensão e respeito mútuo, apesar de tais diferenças de crenças). Ele descreve isto desta forma: “Brahman e a realidade, a existência única, absolutamente independente do pensamento ou da ideia humana. Devido à ignorância de nossa mente humana, o universo parece compor-se de diversas formas. Ele e unicamente Brahman” (SHANKARA, 1992, p. 29).

Shankara e o Advaita Vedanta. Shankara (788-820 EC) é o filósofo indiano mais famoso a desenvolver a doutrina do hinduísmo Advaita Vedanta. Ele escreveu uma série de obras, incluindo comentários sobre o Vedas (textos sagrados hindus). Existem várias escolas do Vedanta, e aquela que ele expôs e defendeu é o sistema não dualista no qual a realidade é somente uma e única (advaita significa “não dual” e Vedanta significa “fim dos Vedas”). Neste ponto de vista, a Realidade Última (Brahman) é uma unidade indiferenciada, e o mundo fenomenal multifacetado é uma ilusão (maya).

NOTA

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TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

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Esta e uma forma de Absolutismo Hindu, a visão de que a Realidade Última e o Absoluto indiferenciado. É tambem uma forma de monismo em que existe apenas uma realidade. Esta realidade, Brahman, não inclui atributos, e todas as aparentes características distintivas dentro de Brahman e entre Brahman e o mundo são, em última instância, ilusorias. Para o adepto à escola Advaita, isto e verdadeiro referente a todas as distinções, entre todas as coisas (aparentes), ate mesmo entre o proprio self (Atman) e Brahman.

Assim como as abelhas fazem o mel reunindo sucos de inúmeras plantas e árvores floríferas, e como esses sucos, reduzidos a um único mel, não sabem de que flores vieram individualmente, da mesma forma, meu filho, todas as criaturas, quando estão incorporadas àquela Existência única, seja no sono sem sonhos ou na morte, nada sabem a respeito do seu estado passado ou presente, devido à ignorância que as envolve, não sabem que estão fundidas com elas e que delas vieram. Seja o que for que essas criaturas sejam, um leão, ou um tigre, ou um javali, ou um verme, ou um borrachudo, ou um mosquito, elas assim permanecem depois que voltam do sono sem sonhos. Todas elas têm seu Eu [self] apenas nele. Isso e a verdade. Isso e a essência sutil de tudo. Isso e o Eu [Self]. E Isso Svetaketu, ISSO ÉS TU [...] (PRABHAVANANDA, 1990, p. 46).

Às vezes e difícil para as mentes ocidentais conceber a ausência de todas

as distinções, especialmente entre si e todas as outras coisas (aparentes). Nossas experiências implicam que somos indivíduos únicos, identidades separadas de outras pessoas, coisas e Deus.

A questão que se coloca naturalmente e por que não estamos experienciando

essa unidade indiferenciada com Brahman? Por que acreditamos que somos entidades separadas, únicas e individuais e que as distinções são reais? A resposta advaitanista e que começamos em um estado não iluminado por causa dos efeitos deleterios do maya, o que acaba nos infectando por causa do karma. Na mitologia hindu, o maya e descrito como uma deusa divina, Mahamaya, que nos ilude. Filosofos hindus advaitanistas tipicamente interpretam o maya como o grande veu do Self verdadeiro e unitário.

A segunda questão, então, e como vamos superar essa ilusão? A resposta advaitanista e que precisamos avançar para um estado iluminado, a fim de superar o veu da ignorância cosmica. Fazemos isso por ir alem da mente racional, e fazemo-lo de forma mais eficaz atraves de vários caminhos ou Yogas. Os quatro Yogas principais, geralmente reconhecidos na literatura hindu, são Karma (trabalho e ação), Bhakti (devoção), Jnana (intelecção) e Raja (meditação). Ao envolver-nos nas práticas físicas e mentais adequadas podemos escapar do poder ilusorio de maya e, finalmente, experienciar o moksha, a realização iluminada de que a realidade e uma so, a multiplicidade e ilusão, e so o Absoluto indiferenciado e real. Enquanto moksha e o objetivo, que e reconhecido no Advaita Vedanta que a verdadeira iluminação não pode ser alcançada nesta vida. Poderá, de fato, levar muitas reencarnações antes que o poder de maya e as influências negativas do karma, sejam expurgadas (mais será dito sobre o karma no Topico 5 da Unidade 3).

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Enquanto o Absolutismo e uma tradição muito antiga dentro do hinduísmo, tambem tem adeptos modernos, e um de seus expositores mais proeminentes nos últimos tempos foi Bhagavan Sri Ramana Maharshi (1879-1950). Ele sustentou que escapar do poder do veu de maya e realizado da melhor maneira pela busca profunda no interior de nos mesmos, um metodo de autoinvestigação ele se referiu como "Pensamento-Eu". Por constantemente enfocar as questões “Quem sou eu?” e “de onde vem esse ‘eu’?” mantendo uma atenção interior no "Eu" e excluindo todos os outros pensamentos, pode-se, eventualmente, atingir a autorrealização que o eu individual não e nada mais do que o Atman (Self), e que Atman e Brahman.

O ensaio de Sri Ramana, “Quem sou eu?”, pode ser encontrado em sua totalidade em inglês, Who Am I? Disponível em: <http://advaita.com.br/wp-content/uploads/2010/08/Who-am-I-Sadhu-Oms-Translation.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2015. Foi publicado por V. S. Ramanan. Para ler uma breve biografia de Sri Ramana e boa parte do texto traduzido com comentários em português, veja Niraj (2009).

Enquanto estima-se que três quartos dos intelectuais hindus afirmam uma visão Absolutista da Realidade Última, esta nunca foi muito popular entre a população geral de hindus (STODDART, 2004; SHARMA, 1993). No entanto, tem sido muito influente na historia do pensamento hindu.

2.2 METAFÍSICA BUDISTA

O budismo surgiu de dentro da tradição hindu na Índia aproximadamente no seculo V AEC, e em relação a Realidade Última e sem dúvida mais alinhado com a escola Advaita Vedanta do pensamento hindu. No entanto, a Realidade Última no budismo, pelo menos em uma das principais escolas chamada Madhyamika (a escola do "Caminho do Meio") como desenvolvida por Nagarjuna, não e nem o Absoluto do hinduísmo, nem o Deus pessoal das religiões teístas. Pelo contrário, e o sunyata, que e traduzido como “Vazio" ou "O Vácuo" (vacuidade).

DICAS

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TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

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Nagarjuna (c. 150-250 EC) foi um filósofo budista indiano e talvez o pensador budista mais influente além de Siddhartha Gautama – o Buda (c. 563-483 AEC). Ele

é conhecido principalmente pelo desenvolvimento de uma visão chamada sunyata, ou vazio (vacuidade), que unifica duas outras doutrinas budistas centrais: o “não self” e o surgimento codependente (ou originação interdependente). Seus escritos formaram a base da escola Madhyamika (Caminho do Meio) do Budismo. Ele escreveu muitas obras, incluindo Versos fundamentais sobre o Caminho do Meio (Mulamadhyamakakarika), Setenta Versos sobre o Vazio (Sunyatasaptati), e os Sessenta Versos sobre o Raciocínio (Yuktisastika). Um excelente texto para verificar as contribuições de Nagarjuna é o de Octavio da Cunha Botelho (2014).

À primeira vista, pode parecer que o vazio e a Realidade Última são noções contraditorias. Como pode algo real ser vazio? Mas os budistas desta escola entendem o "ser real" como o "ser independente de outras coisas". O intelectual budista Masao Abe (1993, p. 115, tradução nossa) esclarece:

Os budistas acreditam que para ser chamada de "substancial ou real" uma coisa deve ser capaz de existir por si so. No entanto, se olharmos para o universo, descobrimos que tudo o que nele existe, existe apenas em relação à outra coisa. Um filho e um filho so em relação ao seu pai; e um pai de forma semelhante em relação ao seu filho. Paternidade não existe por si propria, mas apenas em relação à outra coisa. Os budistas usam a palavra svabhava para denotar a existência por si so, ou seja, a existência não dependente, o que somente a mesma, de acordo com eles, qualifica a existência como verdadeira ou genuína. Mas, se tudo no mundo depende de algo a mais para ser o que e, então, nada no universo pode se dizer que possui svabhava ou a existência genuína/inerente; portanto, e vazio.

Na metafísica budista, não há nenhuma "coisa" que tenha existência

independente. A realidade fundamental e de fato o vazio (vacuidade). Não há nem Atman nem Brahman, não há nenhum self a não ser o Anatman (ou Anatta), o “não self” (veja mais sobre isso no Topico 5 da Unidade 3). Todas as coisas, seja galáxias, montanhas, árvores, animais ou pessoas (incluindo você e eu) são, na verdade, abstrações de eventos ou processos que são dependentes de outros eventos ou processos. Mesmo que as coisas pareçam ser estáticas ou estáveis, isso e devido à abstração das várias experiências que se tem e, em seguida, ao postular um self substancial ou entidade estática. Mas, novamente, estes são processos. Na realidade, tudo está em fluxo. O texto budista Anguttara Nikaya (a quarta divisão do Sutta Pitaka), na terceira seção (nipatas), expõe isso desta forma:

Bhikkhus [monges], havendo ou não o surgimento de um Tathagata [Buda] essa propriedade se mantem, essa regularidade do Dhamma [Realidade], essa ordenação do Dhamma: todos os fenômenos condicionados são impermanentes. O Tathagata desperta de forma direta para isso, penetra isso. Despertando de forma direta e penetrando isso, ele o explica, ensina, proclama, estabelece, revela, analisa, elucida:

NOTA

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170

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

todos os fenômenos condicionados são impermanentes. [...] Havendo ou não o surgimento de um Tathagata essa propriedade se mantem – essa regularidade do Dhamma, essa ordenação do Dhamma: todos os fenômenos são não eu. O Tathagata desperta de forma direta para isso, penetra isso. Despertando de forma direta e penetrando isso, ele o explica, ensina, proclama, estabelece, revela, analisa, elucida: todos os fenômenos são não eu (ANGUTTARA, AN III.134).

Assim, tudo o que existe o faz somente em relação a outras coisas. Alem disso, todas as coisas se originam de um nexo causal autossustentável em que cada elo surge a partir de outro. Esta e a doutrina budista do surgimento interdependente (pratitya-sumutpada), e e um elemento importante da metafísica budista. Tudo e dependente e conectado às outras coisas. Nada no nexo e independente, tudo surge de outra coisa.

Os budistas tambem sustentam a ideia de karma, a noção de que as ações

passadas, presentes e futuras têm efeitos sobre o ator. Esta e uma das causas no nexo do surgimento interdependente. Por causa da ignorância (avidya) continuamos a sentir os efeitos do karma, que nos mantem dentro do ciclo de causa e efeito, morte e reencarnação. A maneira de fugir do mundo ilusorio de permanência e explicada por Nagarjuna como o reconhecimento da sunyata, pela tomada de consciência do vazio, ou o Vácuo (vacuidade), ao ver que não existem substâncias finitas ou infinitas, não há selves ou seres individuais ou permanentes e, finalmente, rompendo a ilusão do mundo fenomênico, fugindo do ciclo de renascimento e experienciar o nirvana, a extinção final do ego e do desejo pessoal (SMITH; NOVAK, 2010).

Tal como a reivindicação do Advaita Vedanta que o "Atman (Self) e Brahman

e Brahman e a Realidade Última indiferenciada" não e facilmente perceptível e ate mesmo contrária à experiência humana típica, assim tambem o e com as doutrinas budistas do sunyata e do Anatman. Deste modo, a questão que se emerge naturalmente e porque nos não estamos experienciando o vazio (a vacuidade), o “não self”, e a interconectividade de todas as coisas? Por que tendemos a acreditar que somos selves substanciais e que nos estamos separados da Realidade Última? A resposta do budista Madhyamika e que precisamos ser iluminados a fim de apreender corretamente essas verdades fundamentais. O caminho para a iluminação, ou nirvana (que e um estado indescritível de felicidade suprema; a extinção do self), e a descoberta, a compreensão e a prática das Quatro Nobres Verdades e do Nobre Caminho Óctuplo.

QUADRO 5 - AS QUATRO NOBRES VERDADES E O NOBRE CAMINHO ÓCTUPLO

As Quatro Nobres Verdades1 A existência do sofrimento (dukkha) – a vida e sofrimento.2 O surgimento do sofrimento (samudaya) – a causa do sofrimento e o apego e o desejo egoísta.

3A cessação do sofrimento (nirodha) – o caminho para fora do sofrimento e a cessação do apego

e do desejo egoísta.

4A caminho da cessação (marga) – o caminho para alcançar a cessação do apego e do desejo egoísta

e o Nobre Caminho Óctuplo.O Nobre Caminho Óctuplo

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TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

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1Entendimento correto – entendendo as doutrinas budistas, tais como o anatman, o surgimento

interdependente e as Quatro Nobres Verdades.

2Resolução/Aspiração correta – a resolução para renunciar ao mundo e agir com caridade para

com todos.3 Linguagem/Fala correta – falando a verdade com bondade e respeito.4 Conduta correta – agindo de acordo com os princípios morais.5 Modo de vida correto – vivendo de uma forma que não faz mal a ninguem, nem a nada.6 Esforço correto – tentando levar uma vida nobre e evitando uma vida ignobil.7 Pensamento (mindfulness) correto – atendendo aos pensamentos saudáveis; compaixão.

8Meditação (concentração) correta – concentração focada no Caminho Óctuplo e na unidade de

toda a vida.

FONTE: O autor

3 A REALIDADE ÚLTIMA: UM DEUS PESSOAL

Enquanto os pensadores orientais, como aqueles retratados acima, sustentam que a Realidade Última e o Absoluto indiferenciado, impessoal e negam a existência de um ser divino substancial, a reflexão filosofica sobre a natureza de um Deus pessoal, que às vezes e chamada de "teologia filosofica", tem sido parte integrante do empreendimento filosofico ocidental desde a sua criação mais de dois milênios atrás. Muitos dos primeiros filosofos gregos, por exemplo, refletiram e escreveram sobre o divino. Nos seculos seguintes, os pensadores das religiões ocidentais utilizaram o trabalho desses filosofos "pagãos" em sua tentativa de compreender e articular a natureza e os atributos de Deus de dentro de suas proprias tradições religiosas.

Mas o que se quer dizer com o termo "Deus" do ponto de vista da religião

ocidental? Para as religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo), Deus e um ser pessoal e perfeito que criou o mundo e que tem determinadas propriedades divinas, ou atributos, que o definem (e o separam) para alem de todos os outros seres. Isso e chamado de "teísmo", e e a perspectiva de Deus tradicionalmente sustentada não apenas por adeptos das três grandes religiões monoteístas, mas tambem por aqueles dentro de uma longa tradição hindu que, ao contrário do Advaita Vedantins, afirmam certos atributos de Realidade Última. Uma tal representação de Deus, ou Brahman, como ele e chamado, a partir dessa tradição foi oferecida pelo filosofo hindu Ramanuja (c. 1017-1137 – sim, parece que ele viveu uma vida muito longa!):

Pela palavra "Brahman" e denotado a Pessoa Suprema, que e, por natureza inerente livre de todas as imperfeições e possui hostes de qualidades auspiciosas que são inúmeras e de excelência incomparável. Em todos os contextos, o termo "Brahman" e aplicado a tudo o que possui a qualidade de grandeza, mas seu significado principal e mais importante e aquele Ser cuja grandeza e de excelência incomparável, tanto em sua natureza essencial e em suas outras qualidades. Somente

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o Senhor de todos que e um tal Ser. Portanto, a palavra "Brahman" e usada principalmente apenas para significá-Lo [...] (RAMANUJA, 2008, p. 124, tradução nossa).

Ramanuja (c. 1017-1137) foi o principal defensor de uma forma não dualista qualificada do hinduísmo Vedanta chamado de Vishishtadvaita que inclui uma visão de Brahman mais parecida com o monoteísmo do que o panteísmo. Ele também foi um dos principais filósofos hindus a interpretar sistematicamente os Vedas, ou escrituras hindus, a partir de uma perspectiva teísta, e ele argumentou a importância soteriológica (salvífica) de bhakti, ou devoção a Deus.

Da mesma forma Anselmo (1033-1109), um filosofo cristão, teologo e monge, descreveu Deus desta maneira:

Deus e o que e melhor ser que não ser; existindo por si so, fez todas as coisas do nada.Que es portanto, Senhor Deus, <tal> que nada de maior possa ser pensado? Mas quem es tu, senão a suma realidade sobre todas as coisas e, existindo unicamente por si mesma, fez todas as outras coisas do nada? Na verdade, aquilo que não e assim e algo menor do que pode ser pensado. Mas isto não se pode pensar de ti. Pois que bem falta ao sumo bem, pelo qual existe tudo o que e bom? Assim tu es justo, verídico, feliz e tudo aquilo que e melhor ser do que não ser. Porque e melhor ser justo que não justo, feliz que não feliz (2008, p. 15).

Encontramos representações paralelas em outras tradições teístas tambem. A reflexão filosofica sobre Deus mudou em novas direções nos últimos tempos, e uma discussão central nos dias de hoje tem a ver com a coerência do teísmo. Alguns filosofos argumentam que o conceito tradicional de Deus e plausível; que os atributos divinos, como historicamente sustentados, podem ser razoavelmente articulados e afirmados. Outros argumentam que o teísmo e internamente inconsistente de uma forma que Deus acaba por ser um ser logicamente impossível. Outros argumentam que o conceito tradicional de Deus deve ser significativamente alterado, a fim de que ele seja logicamente coerente. Ainda, outros filosofos argumentam que, em geral o conceito de Deus e coerente, mas alguns dos atributos clássicos necessitam de modificações. Em debates recentes sobre a coerência do teísmo, duas preocupações têm sido centrais: a coerência logica de cada um dos atributos divinos considerados individualmente, e a compatibilidade logica dos atributos divinos tomados em conjunto. Abaixo, vamos concentrar a nossa atenção na primeira destas preocupações.

O conceito de Deus tradicional teísta inclui um conjunto de propriedades

atribuídas a Deus, incluindo as cinco seguintes:

NOTA

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TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

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QUADRO 6 - CINCO ATRIBUTOS DO CONCEITO TRADICIONAL DE DEUS

Necessidade propriedade de existir necessariamente.Onipotência propriedade de ser perfeito no poder.Onisciência propriedade de ser perfeito em conhecimento.

Eternidade propriedade de não ter nem começo nem fim.

Imutabilidade propriedade de ser intrinsecamente imutável.

FONTE: O autor

3.1 NECESSIDADE

Na teologia filosofica ocidental, Deus e concebido como um ser necessariamente existente. Existir como um ser necessário significou que a existência do ser não depende de nada, nem de ninguem; e autoexistente (o termo em latim e "a se", por si so). Um ser necessário pode ser contrastado com um ser contingente. Um ser contingente e um ser que pode não existir; se tal ser existe, ele poderia muito bem não ter existido. Alem disso, a existência de um ser contingente e dependente de algo a mais; não e autoexistente. A partir de uma perspectiva ocidental, quando examinamos o mundo, descobrimos que ele está cheio de seres contingentes. Mesmo se olharmos para o micro (o mundo das partículas de quarks e glúons, por exemplo), ou para macro (planetas, estrelas e galáxias), ou para as coisas no entremeio (como plantas, pandas e pessoas), tudo o que encontramos e contingente.

Existem diferentes maneiras de entender a existência de Deus como sendo

necessária. Por exemplo, alguns filosofos argumentam a necessidade factual de Deus. Deste ponto de vista, uma vez que Deus de fato existe, ele não poderia ter vindo à existência e ele nunca poderá deixar de existir. Mas há outra maneira de compreender a existência de Deus como sendo necessária, ou seja, que a existência de Deus e logicamente necessária. Se uma proposição e logicamente necessária, então e impossível que ela seja falsa, e e verdadeira em todos os mundos possíveis (veja o Uni – Notas: "Mundos Possíveis", abaixo). Se a existência de Deus e logicamente necessária, então e verdadeiro em todos os mundos possíveis que Deus existe, e e logicamente impossível para Deus não existir. Assim como e logicamente impossível para cinco mais cinco igualar a doze, assim tambem seria logicamente impossível para Deus não existir.

Mas e a existência de Deus logicamente necessária? Alguns filosofos

pensaram assim, mas muitos têm tambem discordado. Immanuel Kant, por exemplo, foi tão longe ate afirmar que não existem proposições logicamente necessárias que incluem a existência. Veja, por exemplo, o capítulo “O ideal da razão pura” de sua obra Crítica da Razão Pura (2001, p. 497-586). Mas um número de respostas tem sido oferecidas à objeção de Kant (e a outras acusações relacionadas), e nas últimas decadas a crença de que a existência de Deus e logicamente necessária tornou-

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

se respeitável, mais uma vez. (No momento deixaremos este tema, voltaremos a ele no Topico 6 desta unidade, quando examinarmos o argumento ontologico da existência divina.)

Mundo Possíveis: Na lógica modal moderna, um mundo possível é uma classe especial de situações ou estados de coisas possíveis. Proposições logicamente necessárias, tais como “cinco mais cinco iguala a dez”, existe em todos os mundos logicamente possíveis. Um mundo é impossível se situações ou estados de coisas que o descrevem são logicamente impossíveis. Por exemplo, não há nenhum mundo possível em que cinco mais cinco iguale a doze.

3.2 ONIPOTÊNCIA

Outra propriedade tipicamente atribuída a Deus e a onipotência – do latim omnis (tudo), e potens (poderosos), que e a propriedade de ser perfeito no poder. Mas o que significa isso, ser perfeito no poder? Os filosofos ao longo dos tempos têm se debatido com esta questão. Ate mesmo o grande teologo e filosofo cristão Thomas Aquino (2001, p. 291, C.25 a.4, tradução nossa) labutou com ela: “Temos que dizer: Pela regra geral todos confessam que Deus e onipotente. Mas parece difícil determinar a razão da onipotência”.

Um entendimento comum da onipotência e que ele pode fazer qualquer

coisa que seja. Deus pode criar um mundo; Deus pode responder a oração; Deus pode fazer milagres; e assim por diante. Mas Deus pode realmente fazer qualquer coisa? Que tal criar círculos quadrados ou solteiros casados? E quanto a existir e não existir simultaneamente? Que tal pecar – Deus pode pecar? Alguns filosofos pensaram que absolutamente nada poderia limitar o poder de Deus. O filosofo Rene Descartes (1596-1650), por exemplo, afirmava que Deus não e limitado por qualquer coisa, inclusive pelas leis da logica ou da matemática. Para Descartes, Deus poderia tornar verdadeiro que algum objeto P tanto existisse e não existisse ao mesmo tempo, ou que dois mais dois fosse igual a cinco.

A maioria dos filosofos não concordou com Descartes sobre este ponto e

qualificaram a afirmação "Deus pode fazer qualquer coisa que seja", com uma mais sutil, como "Deus pode fazer tudo o que e logicamente possível" ou "Deus possui todo o poder que e logicamente possível possuir". Alguns filosofos notaram que a "impossibilidade metafísica" e uma noção mais rica do que a "impossibilidade logica". Peter Van Inwagen (2006, p. 22-23) vai ainda mais longe e argumenta que a frase "impossibilidade logica não e significativa”. Algo e logicamente possível se não violar as leis básicas da logica, como a lei da não contradição (que e aquela que

NOTA

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TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

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uma proposição e seu oposto não podem ser ambas verdadeiras). Um representante dessa visão e Richard Swinburne, e ele expressa o ponto da seguinte maneira:

Uma ação logicamente impossível não e uma ação. É o que e descrito por uma forma de palavras que pretendem descrever uma ação, mas não descrevem qualquer coisa que e coerente supor que poderia ser feito. Não e nenhuma objeção à onipotência de alguem que ele não possa fazer um círculo quadrado. Isto e porque ‘fazer um círculo quadrado’ não descreve qualquer coisa que e coerente supor que poderia ser feito (1993, p. 153-154, tradução nossa).

Cada uma das grandes religiões ocidentais parece afirmar a onipotência de Deus:

• Bíblia Hebraica: “Ah Senhor Deus! Eis que tu fizeste os céus e a terra com o teu grande poder, e com o teu braço estendido; nada há que te seja demasiado difícil.” (JEREMIAS 32.17, ACF – BÍBLIA, 1994).

• Novo Testamento: “Porque para Deus nada é impossível” (LUCAS 1:37, ACF – BÍBLIA, 1994).

• Alcorão: “Dize: Ó Deus, Soberano do poder! Tu concedes a soberania a quem Te apraz e a retiras de quem desejas; exaltas quem queres e humilhas a Teu bel-prazer. Em Tuas mãos está todo o Bem, porque só Tu és Onipotente.” (ALCORÃO, SURATA 3.26).

Enquanto os defensores da visão de Descartes podem não ser convencidos com a argumentação racional contra a alegação de que Deus não e limitado pela logica, eles certamente não poderiam argumentar o ponto em terrenos racionais ou logicos. Fazê-lo seria autocontraditorio e, portanto, incoerente. Alem disso, se Deus pudesse executar ações logicamente contraditorias, isto pareceria ter consequências morais preocupantes. Por exemplo, Deus poderia quebrar suas promessas ou mentir. A maioria dos teístas estão reticentes em afirmar que Deus pode realizar tais ações imorais.

Dada a crença de que Deus não pode executar determinadas ações (nem

imorais, nem logicamente impossíveis, por exemplo), muitos teístas têm sustentado a visão anselmiana tradicional da onipotência como significando poder perfeito em vez de poder absoluto. Deste ponto de vista, o mero poder em si não e louvável, mas o poder perfeito ou excelente o e. Uma vez que não seria um poder perfeito ser capaz de quebrar promessas, ou mentir, ou violar contradições, mesmo que essas ações não possam ser realizadas por Deus, Deus não deixa de ser onipotente.

NOTA

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3.3 ONISCIÊNCIA

Historicamente, tem sido defendido pela maioria dos teologos que Deus e onisciente, do latim omnis (tudo), e sciens (conhecimento). O significado da onisciência tem sido amplamente debatido, mas uma perspectiva historica proeminente e que Deus e completamente perfeito em conhecimento. Deste ponto de vista historico, ser onisciente significa saber/conhecer todas as coisas que são objetos proprios do conhecimento, e uma vez que apenas as proposições verdadeiras são objetos proprios do conhecimento (apenas proposições verdadeiras podem ser conhecidas), Deus sabe/conhece todas as proposições verdadeiras. Assim, o conhecimento de Deus inclui todos os eventos, sejam passados, presentes ou futuros.

No entanto tem havido desafios para essa compreensão tradicional da

onisciência. Em tempos recentes, um desafio surgiu a partir de uma análise dos conceitos de presciência divina e livre-arbítrio humano. Se nos temos o livre-arbítrio, em certo sentido (o que e chamado de livre-arbítrio "libertário"), então há eventos contingentes futuros, eventos futuros que não têm que acontecer. Alguns filosofos que acreditam que existem eventos futuros contingentes argumentam que, uma vez que ainda não existem, e uma vez que eles não têm que acontecer, eles não podem ser conhecidos, ate mesmo por um ser onisciente. Os teístas abertos, por exemplo, afirmam que Deus não conhece as contingências futuras. No entanto, eles sustentam que Deus ainda e onisciente, pois ele sabe tudo o que pode ser conhecido; ele conhece todos os eventos passados e os presentes e todos os eventos futuros que são determinadamente baseados nos eventos passados e presentes ou podem ser deduzidos por eles.

Teísmo Aberto: a visão de que Deus é onisciente, mas não tem conhecimento de determinados eventos futuros (como as ações humanas livres futuras) porque ainda não existem e não são predeterminados, portanto eles não podem possivelmente ser conhecidos, mesmo por um ser onisciente. Para uma defesa do Teísmo Aberto veja Hasker (1989), especialmente o capítulo 10.

IMPORTANTE

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Um texto excelente é o de Rowe (2011), especificamente o capítulo 10, “Predestinação, presciência divina e liberdade humana”. Disponível em: <http://dmurcho.com/docs/presciencia.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2015. Outra leitura é “Argumentos da Impossibilidade” de Grim (2010). Disponível em: <http://dmurcho.com/docs/impossibilidade.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2015. Leia também o texto “Será a onisciência divina realmente incompatível com o livre-arbítrio?” de D’Aversa (2009), para aprofundar os problemas filosóficos da presciência divina.

Outros filosofos argumentam que Deus pode ter conhecimento de eventos contingentes futuros. O meio pelo qual Deus poderia adquirir esse tipo de conhecimento permanece em grande parte sem resposta, mas uma abordagem tem sido a hipotese de dois modelos diferentes de cognição divina: um modelo perceptualista e um modelo conceitualista. No modelo perceptualista, uma analogia da percepção sensorial e usada para descrever o conhecimento de Deus, na qual Deus "vê" ou "percebe" o passado, ou presente ou futuro. Nesta explicação, se Deus está no tempo (outra questão discutível, como veremos a seguir), ele não poderia saber o futuro, uma vez que não haveria um futuro existente para Deus ver ou perceber. No modelo conceitualista, no entanto, Deus não adquire conhecimento nesta maneira tipo perceptiva. Em vez disso, o conhecimento de Deus e autossuficiente, de forma análoga à noção de ideias inatas em mentes humanas. Deus simplesmente sabe todas as coisas: passado, presente e futuro inatamente. Craig (2009), por exemplo, levanta este ponto nas páginas 119-143 de seu The middle-knowledge view (A perspectiva do conhecimento-medio).

3.4 ETERNIDADE

Os teístas são praticamente unânimes em afirmar que Deus existe eternamente, que Deus não tem começo nem fim. Mas a unanimidade termina quando tentamos definir o "eterno". O que significa ser eterno? E qual e o relacionamento de Deus com o tempo e o universo temporal? Podemos delinear várias posições de destaque.

A primeira posição referente ao significado de “eterno” e defini-lo como Atemporal. Em uma posição, Deus existe fora do tempo; Deus não tem nem extensão temporal nem localização temporal, nenhum antes, durante ou depois. Esta posição foi sustentada pela maioria dos grandes pensadores cristãos clássicos, como Agostinho, Boecio, Anselmo e Tomás de Aquino, e tem seguidores contemporâneos tambem, como, por exemplo, Brian Leftow (2009). Há uma serie de razões pelas quais muitos dos grandes pensadores teístas têm sustentado essa visão de atemporalidade. Não sendo a menor delas, e que parece que esta posição

DICAS

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resolve o problema da presciência de Deus e o livre-arbítrio humano (ou agente). Uma vez que Deus e atemporal, ele na verdade não está presciente dos eventos, ele não os prevê; ele simplesmente conhece todos os eventos atemporalmente, incluindo as ações de agentes livres.

Outra razão oferecida para afirmar a atemporalidade e esta. Se Deus e o ser mais perfeito, como as tradições teístas afirmam, então parece evidente que Deus teria o modo mais perfeito de existência. Intuitivamente, parece tambem que o modo perfeito de existência seria atemporal ao inves de temporal. Um ser temporal, por exemplo, estaria se movendo junto com a passagem do tempo e, portanto, não seria capaz de experimentar toda a vida de uma so vez como um ser atemporal faria. Na visão temporal, há episodios da vida de Deus que esvanecem, se perdem para sempre, somente recuperáveis pela memoria de Deus. Tal vida temporal transitoria não e compatível com a vida de Deus, argumentam os defensores da doutrina da atemporalidade, pois mesmo uma grande memoria não e algo mais do que uma realidade presente (LEFTOW, 2009; CRAIG, 2007, 2002).

Outro argumento em apoio à atemporalidade e baseado na teoria da

relatividade. De acordo com a teoria, o tempo e o espaço são conjugados; um não existe sem o outro. Agora a maioria dos teístas acreditam que Deus e “não espacial”. Se este for o caso, então, para ser coerente com a teoria da relatividade seria necessário acreditar que Deus e não temporal (ou atemporal) tambem.

Uma serie de ataques tem sido levantada contra a atemporalidade nas

últimas decadas. Uma objeção e que a atemporalidade restringiria o conhecimento de Deus a apenas verdades atemporais, como "dois mais dois e igual a quatro". Suponha, por exemplo, que e 19h00min e eu, exatamente agora, terminei de jantar. Deus não poderia saber que eu "exatamente agora" terminaria de comer o jantar, pois não há um "exatamente agora" para um ser atemporal. Todos os "agoras" são eternamente presentes para tal ser. Deste ponto de vista, ao que parece, Deus nunca poderia sequer sabe qual e a hora!

Outra objeção à visão da atemporalidade e que parece contradizer os

ensinamentos das escrituras das religiões monoteístas. Todas as narrativas da Bíblia hebraica, do Novo Testamento e do Alcorão apontam para um Deus tendo uma historia em que Ele age e essas ações incluem referência temporal. Deus criou o mundo (Gênesis 1.19; Atos 4.24; Surata 35.1); Deus está sustentando o mundo (Salmos 65.9-13; Colossenses 1.17; Surata 29.60); Deus julgará o mundo (Isaías 2.4; II Coríntios 5.10; Surata 22.17); e assim por diante. Se Deus está agindo no tempo como as tradições ensinam, a objeção e válida, então Deus deve estar no tempo. Uma versão desta objeção pode ser vista na obra de Nelson Pike (2002), especialmente no Capítulo 6.

A segunda posição referente ao significado de “eterno” e defini-lo como

Perene: esta e a visão de que Deus não tem começo nem fim, todavia Deus e temporalmente estendido. Deus existe para sempre no tempo. João Duns Escoto (1266-1308) e Guilherme de Occam (1285-1347) rejeitaram a doutrina da atemporalidade divina. Filosofos recentes que defendem Deus como sendo

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perene incluem Nicholas Wolterstorff e Richard Swinburne. Veja, por exemplo, Swinburne (1993), nas páginas 217-229. Há uma variedade de razões postas adiante a favor desta posição, de Deus ser perene, alem das levantadas acima em objeção à atemporalidade. Um argumento funciona da seguinte maneira: de acordo com a narrativa das escrituras, Deus está ativamente envolvido no mundo. Estar envolvido ativamente no mundo traz o sentido de que Deus tem uma historia com o mundo, uma historia de realização de uma sucessão de eventos, incluindo falar e interagir com outras pessoas no mundo, mas, para termos uma historia deste tipo significaria que Deus estaria em certas relações temporais com o mundo. Portanto, Deus deve ser temporal. Tambem argumenta-se que esta visão e filosoficamente mais simples, mais clara e desprovida das dificuldades gritantes levantadas contra a atemporalidade. Muitas das objeções à atemporalidade, como as mencionados acima podem, de fato, ser usadas como argumentos para a visão da perenidade.

As objeções à perspectiva da perenidade incluem aquelas razões mencionadas acima para afirmar a atemporalidade: resolver o problema da presciência de Deus e da liberdade humana, e a atemporalidade ser o modo mais perfeito de existência.

A terceira posição referente ao significado de “eterno” e defini-lo como Eterno e Temporal: esta e a visão de que Deus existia, sem duração temporal, mas na criação do universo Deus foi atraído às relações temporais (COPAN; CRAIG, 2005). Há um número crescente de filosofos que afirmam alguma forma deste ponto de vista, e o filosofo cristão William Lane Craig publicou mais sobre o tema do que ninguem. Ele sustenta que o apoio bíblico para a relação de Deus com o tempo e indeciso, apoia tanto as perspectivas da atemporalidade quanto as temporais. Ele tambem acredita que há boas razões teologicas e filosoficas para afirmar tanto a atemporalidade e a temporalidade divina. Então, ao inves de manter uma com a exclusão da outra, ele defende uma terceira via. Deus e atemporal sem o mundo criado, mas Deus torna-se temporal com a criação (CRAIG, 2007).

Há uma serie de acusações a este ponto de vista, incluindo, e claro, cada uma

das acusações citadas acima para as duas primeiras posições. Uma objeção especial para este ponto de vista e que ele e incoerente. Alan Padgett (2013), por exemplo, levanta este ponto, pois Deus não pode ser totalmente atemporal. A objeção segue assim, porque Deus foi capaz de mudar ate mesmo no alegado estado atemporal. Com efeito Deus se alterou, pelo menos relacionalmente, no momento da criação. Desde que o tempo e as mudanças são necessariamente interligados, não pode haver um sem o outro. Assim, uma vez que Deus mudou, Deus não pode ser (não poderia ter sido) totalmente atemporal.

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180

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

3.5 IMUTABILIDADE

A doutrina tradicional da imutabilidade divina e que Deus tem a propriedade de ser intrinsecamente imutável; e logicamente impossível para Deus mudar em suas qualidades intrínsecas. Um argumento para esta visão e baseado em Deus ser absolutamente perfeito. Tudo o que e absolutamente perfeito não pode mudar, porque mudar e tornar-se melhor ou pior. Uma vez que Deus e um ser absolutamente perfeito, não e possível para Deus mudar. Portanto, Deus e imutável.

Teologia processual ou do processo: também conhecida como teologia neoclássica, a teologia do processo é escola de pensamento baseada na obra filosófica de Alfred North Whitehead (1861-1947) e desenvolvida por Charles Hartshorne, John B. Cobb e outros. Um princípio central do pensamento do processo é que a realidade, incluindo Deus, não é composta de substâncias estáticas, mas sim de processos dinâmicos. O pensamento do processo tem influenciado tanto os teólogos e filósofos cristãos quanto judeus.

Deus não e extrinsecamente imutável. Por exemplo, apos o ato da criação, Deus teve uma relação com a criação, que Deus não tinha antes da criação. Mas a verdadeira questão e saber se Deus tem mudanças intrínsecas, alterações na propria natureza de Deus. Alguns pensadores cristãos e judeus recentes argumentam que as mudanças intrínsecas estão no âmago do ser de Deus. Para esses pensadores, Deus não e uma substância, como tradicionalmente sustentado, mas está envolvido no mundo espaço-temporal como um participante ativo, um processo que está em ação dentro e fora do mundo. Este e o panenteísmo (termo criado pelo pensador Christian Krause, uma síntese do teísmo e o panteísmo). Os filosofos do processo, como são chamados, tambem afirmam que muitos dos atributos historicos, que eles acreditam que são derivados da antiga filosofia grega pagã ao inves das escrituras, não podem ser considerados plausíveis por causa de objeções filosoficas intratáveis. Um desses atributos e a imutabilidade. O pensador do processo Charles Hartshorne (1897-2000; pronuncia-se "Harts-horne") faz a seguinte observação:

A objeção tradicional [...] à mudança divina foi que se um ser já fosse perfeito, o que significa que nada melhor seria possível, então, mudar para melhor deveria ser impossível para este ser. A suposição despercebida aqui tem sido (por dois mil anos e mais) que faz sentido pensar em um valor tão grande ou maravilhoso que este não poderia, em nenhum sentido qualquer que seja, ser superado ou ultrapassado. Como sabemos que isso ate mesmo faz sentido? Em minha opinião, não faz e e tanto uma contradição ou um mero disparate (1984, p. 7, tradução nossa).

NOTA

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TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES DA REALIDADE ÚLTIMA

181

Hartshorne e outros filosofos do processo argumentam que Deus não e um ser estático, mas um tornar-se, um devir divino. Enquanto as qualidades abstratas de Deus, tais como a bondade e a sabedoria, são estáveis, Deus e mutável e evolui à medida que o mundo o faz. Deus cresce ao experienciar novas alegrias, na aquisição de novos conhecimentos sobre eventos reais, e ao experienciar os valores criados ao longo do tempo por agentes livres no mundo.

Há uma serie de outros atributos divinos que poderiam ser explorados

tambem, incluindo a simplicidade, a incorporeidade, a onipresença, a ação divina e a impassibilidade, mas os cinco atributos descritos acima fornecem pelo menos um esboço de algumas das discussões na teologia filosofica envolvendo a natureza e os atributos de Deus.

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182

RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu: • A metafísica religiosa e duas maneiras muito diferentes de entender a Realidade

Última. Por um lado, pode ser entendida como um estado de ser absoluto.

• No absolutismo hindu, por exemplo, Brahman e o Absoluto indiferenciado. Na metafísica budista, a realidade fundamental e sunyata, ou o Vácuo (vazio, vacuidade) um nexo causal autossustentável de processos não substanciais e impermanentes no qual tudo e interdependente.

• A Realidade Última pode ser entendida como um Deus pessoal, tais como o Deus das religiões teístas e abraâmicas.

• Há uma serie de atributos que têm sido tradicionalmente atribuídos ao Deus do teísmo, e observamos cinco deles: a necessidade, a onipotência, a onisciência, a eternidade e a imutabilidade.

• Há debates sobre se os atributos divinos são logicamente consistentes e coerentes. Se não forem, então a existência de Deus, como e tradicionalmente entendida, seria impossível.

• É claro que alguem ainda pode ser um teísta e concordar que, pelo menos, alguns dos atributos como tradicionalmente definidos são incoerentes. Como vimos, os teístas abertos e os filosofos do processo assim o fazem em diferentes graus e oferecem descrições novas em uma tentativa de evitar incoerências. Outros argumentam que os atributos tradicionais podem ser defendidos, como têm sido historicamente definidos.

• Se os atributos de Deus são logicamente consistentes e coerentes e uma questão importante. Mesmo se esse for o caso, isso não quer dizer que Deus existe.

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183

Quando falamos de onipotência divina, podemos estar nos referindo há significados variados deste poder. Um modo de entender a diferença entre estas formulações e focar em suas possíveis limitações. Descreva os possíveis entendimentos sobre a onipotência divina baseado nas suas possíveis limitações.

AUTOATIVIDADE

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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TÓPICO 4

ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA

EXISTÊNCIA DIVINA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Por pelo menos dois milênios filosofos têm tentado demonstrar, por meio da razão e do argumento, que Deus existe. É claro que nem todos os teístas concordam que a existência de Deus pode ser demonstrada atraves de argumento, e alguns ate mesmo concordam com a tese ateísta de que nenhuma explicação racional da existência de Deus pode ser oferecida. Alguns teístas, porem, têm ido tão longe a ponto de afirmar que existem meios racionais para provar que Deus existe, enquanto outros afirmam que a existência de Deus pode ser demonstrada de forma plausível, mas não comprovada.

Muitos argumentos foram construídos para provar, ou pelo menos, fornecer

razões à crença em Deus, e neste e nos proximos dois topicos estaremos examinando três deles. Neste topico vamos trabalhar atraves de várias formas do argumento cosmologico (MORELAND, 2013; CRAIG, 2001; ROWE, 2011). Cada uma das diferentes versões do argumento cosmologico começa concentrando-se em algum fato empírico do universo a partir do qual se segue que algo fora do universo deve ter causado a sua existência. Suponha que, usando um exemplo de inúmeras possibilidades, em alguma futura exploração tripulada a um planeta distante, os astronautas descobrissem seis objetos esfericos descansando perfeitamente um em cima do outro. Certamente, esses descobridores concluiriam que esses objetos e sua estrutura hierárquica devem ter vindo de alguma coisa e de algum lugar, mas eles tambem poderiam perguntar sobre outras coisas, como: “Qual foi a causa da existência dessa coisa que fez com que esses objetos existissem?” E assim por diante. Mas pode esta serie de causas para as coisas continuarem indefinidamente? Intuitivamente, parece que ela deve parar em algum lugar, deve haver alguma causa originária. Assim, tambem, debatem os defensores do argumento cosmologico, quando começamos a examinar as causas das (ou as razões para as) coisas que existem no universo, e das quais o universo e composto, a cadeia causal deve parar em algum lugar. Para os teístas, essa causa e Deus.

No que se segue, vamos primeiro considerar três argumentos cosmologicos da existência de Deus, bem como várias objeções para eles. Essa demarcação tripartite dos argumentos cosmologicos foi primeiro oferecida por William Craig (2001) e se tornou a maneira padronizada de delimitar tais argumentos. Apos esta consideração, exploraremos uma especie de argumento cosmologico que conclui que Deus não existe.

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186

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

O argumento cosmológico: a partir dos termos gregos cosmos (mundo ou universo) e logos (razão ou explicação racional). O argumento cosmológico, desenvolvido pela primeira vez pelos antigos filósofos gregos, assume uma variedade de formas. O tema comum entre todos eles é que, desde que há um cosmos que existe, ao invés de apenas nada, deve ter sido causado por algo além dele.

2 O ARGUMENTO DA CONTINGÊNCIA

A pessoa que provavelmente recebeu o maior reconhecimento por oferecer um argumento cosmologico para a existência de Deus e o monge catolico, Tomás de Aquino (1224-1274).

São Tomás de Aquino (1224-1274) foi um teólogo proeminente, filósofo e apologista cristão medieval da Igreja Católica Romana. Ele escreveu muitos livros sobre uma grande variedade de tópicos, incluindo a fé e a razão, revelação, epistemologia, ontologia, ética e governo. Seu estilo de escrita é complexo e conciso, e muitas vezes segue o estilo da dialética medieval. Sua obra mais influente é o seu opus magnum – o Summa Theologiae (2001) – uma teologia sistemática maciça. São Tomás foi canonizado pela Igreja Católica em 1326.

Em sua obra a Summa Theologiae, Tomás de Aquino (2001) oferece cinco argumentos concisos para a existência de Deus, dos quais quatro são cosmologicos em sua natureza. Aquino não inventou os argumentos cosmologicos; eles remontam, pelo menos tanto quanto o antigo a filosofos gregos como Platão, verifique sua obra As Leis (2010), no livro 10, para uma versão do argumento cosmologico, e Aristoteles, a obra Metafísica (2002), no v. 2, livro 12, e sua obra Física (2009), v. 1. livros 7 e 8 e são mais plenamente articulados pelos pensadores medievais judaicos, cristãos e islâmicos. Em nenhum outro lugar, no entanto, eles são tão claramente e concisamente postos do que na obra de Tomás de Aquino, a Summa – todos os três argumentos estão contidos em pouquíssimas páginas (2001, p.110-113). O mais famoso dos argumentos cosmologicos de Aquino e o seu argumento chamado de “terceira via”. Tambem conhecido como o argumento da contingência ou o argumento cosmologico tomista (derivado de seu nome, Tomás de Aquino), ele o expõe como segue:

A terceira via e a que se deduz do possível e do necessário. E diz: Encontramos, entre as coisas, as que podem existir ou não existir, uma vez que algumas podem ser produzidas ou destruídas, e

NOTA

IMPORTANTE

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

187

consequentemente e possível que existam ou que não existam. Mas e impossível que as coisas submetidas a tal possibilidade existam sempre, pois o que leva em si mesmo a possibilidade de não existir, em um tempo não existiu. Se, pois, todas as coisas levam em si mesmas a possibilidade de não existir, houve um tempo em que nada existiu. Mas se isto e verdade, tampouco agora existiria nada, posto que o que não existe não começa a existir, mas que por algo que já existe. Se, pois, nada existia, e impossível que algo começasse a existir; em consequência, nada existiria; e isto e absolutamente falso. Logo, nem todos os seres são somente possibilidade; senão que e preciso algum ser necessário. Todo ser necessário encontra sua necessidade em outro, ou não a tem. Por outro lado, não e possível que nos seres necessários se busque a causa de sua necessidade levando este proceder indefinidamente, como já ficou provado ao tratar das causas eficientes. Portanto, e preciso admitir algo que seja absolutamente necessário, cuja causa de sua necessidade não esteja em outro, senão que ele seja a causa da necessidade dos demais. O que todos chamam Deus (AQUINO, 2001, p. 112, tradução nossa).

A característica central deste argumento cosmologico e descrita no "Argumento da contingência" no quadro abaixo.

QUADRO 7 – O ARGUMENTO DA CONTINGÊNCIA

Há coisas contingentes no mundo; isto e, há coisas (ou seres) no mundo que:

• começam a existir em algum momento;

• são causadas a existir por alguma outra coisa;

• poderiam deixar de existir, em algum momento; e

• poderiam nunca ter existido.Mas nem todas as coisas podem ser coisas contingentes, pois nesse caso nada existiria agora

desde que o que começa a existir o faz atraves do que já existe (ou seja, o nada não pode

causar algo a existir).Uma vez que existem coisas contingentes, deve haver alguma coisa não contingente ou

necessária. Ou seja, deve haver alguma coisa (ou ser) que:

• não começou a existir em algum momento;

• não e causado a existir por alguma outra coisa;

• não deixará de existir em algum momento; e

• não poderia não ter existido;

• e o que causou as coisas contingentes a existir.Nos chamamos essa coisa necessária (ou ser) Deus.

FONTE: O autor

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Seguindo o próprio Tomás de Aquino em seus escritos posteriores, nesta forma do argumento estamos evitando a questão do infinito temporal e centrando-nos na dependência lógica das coisas contingentes em uma causa não contingente (ou necessária). Concordamos com aqueles estudiosos que afirmam que enquanto Aquino se refere ao tempo nesse argumento, esta referência é, em última análise, simplesmente um dispositivo retórico e não uma declaração de um estado de coisas real. Para um resumo conciso e útil das primeiras quatro vias veja Norman Geisler e Winfried Corduan (2003), nas páginas 158-160.a

Poderíamos simplificar o argumento ainda mais: 1. Se existem coisas contingentes, então um fundamento (necessário) não contingente deve existir para explicar a sua existência; 2. Coisas contingentes existem; 3. Portanto, um fundamento (necessário) não contingente deve existir para explicar sua existência.

Uma vez que o argumento e válido, o que significa que se as premissas são verdadeiras a conclusão deve seguir, a pergunta diante de nos e se ou não as premissas são verdadeiras. Voltemos, portanto, ao quadro anterior.

A premissa 1 e amplamente sustentada: há coisas contingentes no mundo. Por exemplo, considere o gato do meu amigo, Cheshire. O gato Cheshire começou a existir, foi causado a existir por alguma outra coisa (principalmente seus pais), eventualmente deixará de existir, e poderia nunca ter existido (suponha que seus pais nunca tivessem se encontrado). Portanto, há coisas contingentes, ou seres, no mundo. A premissa 1, então, parece razoável para acreditarmos. No entanto, o passo seguinte no argumento, a premissa 2, não e tão intuitivamente plausível.

É o caso de que nem todas as coisas podem ser coisas contingentes?

Aquino argumenta que, se todas as coisas são contingentes, então nada poderia vir a existir uma vez que não teria existido qualquer agência causal originária pela qual pudesse causar qualquer coisa a existir. Existem várias formas de apoiar este ponto. Em primeiro lugar, pode-se argumentar que nada poderia ter vindo à existência porque, nesse caso, uma serie contingente teria de ser de fato uma serie infinita, mas uma serie infinita real e impossível (a noção de uma serie infinita real será discutida a seguir na seção sobre o argumento kalam). Entretanto, o proprio Aquino não sustenta essa visão, por isso vamos ignorá-la aqui.

Em segundo lugar, independentemente de ser possível ou não uma serie

causal infinita real, argumenta-se que, desde que coisas contingentes são coisas que poderiam não existir, então elas não são coisas necessárias (ou seres necessários); a sua existência e uma existência possível, não uma existência necessária, ela depende de outra. Mas nem toda a existência pode ser existência possível, pois o que e meramente possível não pode contar como o que e real. Por exemplo, se g foi causado por f e f foi causado por e, e e foi causado por d, e assim por diante, parece

NOTA

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

189

que a serie e inexplicável por si so, não importa o quanto retrocedermos. Se todas as coisas na serie são contingentes (isto e, coisas dependentes de outras coisas), parece que a soma total da serie tambem e contingente. Uma vez que cada coisa na serie de coisas contingentes precisa de uma causa para a sua existência, como pode a serie tomada como um todo tambem não necessitar de uma causa?

Em um famoso debate do seculo XX entre o filosofo ateu Bertrand Russell (1872-1970) e o filosofo catolico Padre Frederick Copleston (1907-1994) este último resumiu o ponto central de forma concisa:

Se somarmos chocolates, obteremos, no fim, chocolates, e não um carneiro. Se acrescentarmos chocolates ate o infinito, obteremos, presumivelmente, um número infinito de chocolates. Se somarmos seres contingentes ate o infinito, ainda obteremos seres contingentes, e não um ser necessário. Uma serie infinita de seres contingentes será, a meu ver, tão incapaz de se causar a si mesma como um ser contingente. (RUSSEL, 1972, p. 108-109)

Escute o Debate antológico promovido pela BBC em 1948. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Bz67ogt745w>. Acesso em: 11 jul. 2015. Ou leia o debate na íntegra no livro de Bertrand Russel “Porque não sou cristão” (1972). Outro excelente livro, com um capítulo específico sobre os argumentos cosmológicos é Bruce e Barbone (2013) “Os 100 argumentos mais importantes da filosofia ocidental”, no Capítulo 2 deste livro, Mark Nelson (2013), descreve elucidativamente o argumento da contingência.

Assim, como enunciado na premissa 3, parece que uma causa externa, uma que e em si não causada e fundamenta a serie contingente, e necessária para a serie (veja a Figura 3). Como veremos mais adiante, este argumento para a premissa 2 e muito semelhante ao argumento de razão suficiente.

FIGURA 3 – A NECESSIDADE DE UMA CAUSA EXTERNA NÃO CAUSADA

FONTE: O autor

DICAS

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Alem disso, os defensores do argumento da contingência podem discutir que este fundamento não causado da serie contingente e o que se entende por Deus. Portanto, Deus deve existir.

Claro, nem todos concordam com esta conclusão. De modo a negar a

conclusão, no entanto, deve-se negar uma ou mais das premissas. A seguir estão algumas das várias objeções a esta forma do argumento cosmologico.

2.1 OBJEÇÃO 1: A SÉRIE CONTINGENTE SIMPLESMENTE É

A primeira resposta e alegar de que a serie causal não precisa de uma explicação; ela simplesmente e. Esta foi uma resposta básica oferecida por Bertrand Russell no debate observado acima. Ele argumentou que derivamos nossa compreensão de uma causa de nossas observações sobre o que acontece no mundo. Mas por que ir alem disto? Não há nenhuma razão, sustenta ele, para ir alem de nossa experiência e supor que toda a serie precisa de uma explicação. Como ele diz: "não vejo nenhuma razão para pensar que haja qualquer causa. Todo conceito de causa se deriva de nossa observação de coisas particulares; não vejo razão alguma para supor que o total tenha qualquer causa [...] Eu diria que o universo simplesmente está aí, e isso e tudo" (RUSSEL, 1972, p. 109).

Como um defensor do argumento cosmologico responderia a essa objeção?

Uma forma seria a alegação de que uma vez que cada parte da serie precisa de uma causa então a serie como um todo deve precisar tambem de uma causa, pois a serie e nada mais do que a soma de suas partes. No entanto, isso leva à proxima objeção.

Bertrand Arthur William Russell (1872-1970) era um matemático britânico, lógico, filósofo e reformador social. Ele se tornou um membro do Trinity College, em Cambridge e mais tarde em sua carreira um Docente em Filosofia. Em 1916 foi demitido de sua posição na universidade devido ao seu agnosticismo e ao seu pacifismo. Mais tarde ele foi reintegrado, mas recusou a oferta. Ele escreveu uma série de livros importantes, incluindo Principia Mathematica (2001, coautoria com A. N. Whitehead) e Os Problemas da Filosofia (2008). Em 1949 ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.

NOTA

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

191

2.2 OBJEÇÃO 2: A FALÁCIA DA COMPOSIÇÃO

À medida que o debate continuou, Russell acusou Copleston de cometer uma falácia logica, a falácia da composição. Veja como a objeção e feita: so porque as partes de um todo têm um atributo específico (tais como ser contingente), não segue daí que o todo tambem tenha esse atributo. Vários exemplos podem ser citados para demonstrar o ponto. Por exemplo, apesar de que todas as pedras que formam a parede de um castelo medieval sejam pequenas, não segue disso que a parede do castelo medieval tambem seja pequena. Assim tambem com o universo, argumenta-se, so porque cada parte que o compõe e contingente, e, portanto, em necessidade de uma explicação causal, não segue disso que o todo e contingente e, portanto, em necessidade de uma explicação causal.

Os defensores do argumento cosmologico respondem, argumentando que

esta analogia do castelo e defeituosa. Uma analogia mais acurada, eles mantêm, e a seguinte: uma vez que a parede do castelo medieval e feita de pedras, a mesma e uma parede de pedra do castelo. Ou seja, uma vez que todas as partes que compõem esta parede do castelo são pedras, a parede como um todo e de pedra. Assim tambem com o universo, uma vez que cada uma das partes que o compõe e contingente, o conjunto deve ser contingente tambem. Os objetores discordam, e o debate então gira em torno de qual tipo de analogia melhor reflete o universo e suas partes constituintes.

2.3 OBJEÇÃO 3: EXPLICANDO AS PARTES DE UM TODO EXPLICA O TODO EM SI MESMO

Uma objeção relacionada com a anterior e que, se as partes individuais que formam uma coisa são todas explicadas, então, a coisa toda em si mesma e explicada tambem. O historiador e filosofo escocês David Hume (1711-1776) escreveu uma obra-prima em filosofia da religião intitulada Diálogos sobre a religião natural (1992). Ao fazer este tipo de objeção, Hume (1992, IX, p. 123) afirma o seguinte:

Mas o todo, você diz, precisa ter uma causa. Minha resposta e que a união dessas partes em um todo, assim como a união de várias províncias diferentes em um reino, ou de vários membros distintos em um corpo, realiza-se simplesmente por um ato arbitrário da mente e não tem influência sobre a natureza das coisas. Se eu lhe tivesse mostrado as causas particulares de cada indivíduo de uma coleção de vinte partículas materiais, seria muito pouco razoável que você me perguntasse, a seguir, pela causa das vinte como um todo. Pois ela já foi suficientemente explicada ao se explicarem as causas das partes.

Hume está certamente correto que por vezes e o caso que uma explicação sobre as partes de uma coisa explica o todo do qual as partes consistem, pelo menos em um nível. Usando o seu proprio exemplo referindo-se a um reino particular,

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

uma explicação para "Por que isso e um reino?" Poderia ser "Porque há várias províncias unidas". Mas, e claro, em outro nível esta resposta e incompleta. Pode-se tambem buscar razoavelmente a causa porque as províncias foram, de fato, unidas umas às outras para formar o reino, pois os reinos são os tipos de coisas que envolvem a união de províncias por razões específicas. Portanto, esta analogia, bem como a que ele usa sobre os membros de um corpo, não parecem funcionar no modo como Hume havia imaginado.

Para que possamos afirmar que o universo como um todo não precisa de

uma causa, parece que teríamos de afirmar que os indivíduos contingentes do qual a serie consiste tambem não precisam de causas. Mas isso seria simplesmente afirmar que eles não são contingentes afinal de contas. De fato, alguns sustentam a visão de que não existem seres contingentes, e o fazem isso por várias razões. Uma destas razões oferecidas e que os termos “contingente” e “necessário” carecem de sentido.

2.4 OBJEÇÃO 4: QUEM CAUSOU DEUS A EXISTIR?

Pode-se objetar que, se o universo como um todo precisa de uma explicação porque a serie contingente da qual ele consiste precisa de uma explicação, então assim tambem Deus precisa de uma explicação. Por outro lado, se Deus não precisa de uma causa, então a serie contingente que compõe o universo não precisa de uma causa tambem.

Em resposta, os defensores do argumento concordam que a serie causal

deve parar em algum lugar, deve haver uma explicação fundamentadora. No entanto, por definição, coisas contingentes necessitam causas, ao passo que as coisas necessárias não. Assim, por definição, Deus (como um ser necessário não contingente) não precisa de uma causa. Isso significa que, por definição, Deus e a causa não causada que explica a serie contingente que compõe o universo. Se Deus realmente existe ou não e uma questão separada desta resposta à objeção; ela so está afirmando uma definição comumente aceita de Deus, e, em seguida, observando que tal definição, de fato, fornece uma explicação fundamentadora para a serie que de outra forma seria inexplicável.

2.5 OBJEÇÃO 5: MESMO ADMITINDO A EXISTÊNCIA DE UMA CAUSA NECESSÁRIA, ESTA CAUSA NÃO PRECISA SER DEUS

Há um número de diferentes aspectos desta objeção, mas a essência dela e que mesmo se admitirmos as premissas 1-3, não há nenhuma razão para acreditar que este ser necessário e Deus, certamente não o Deus das religiões teístas. Esta e uma seria objeção a esta forma do argumento cosmologico. Por que se deve inferir que o ser necessário e equivalente a Deus? Talvez o ser necessário e mais semelhante

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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ao “Deus” de Aristoteles, um "motor imovel" de pensamento impessoal puro. Tal ponto de vista de Deus está muito longe daquele pessoal, envolvente sendo oferecido pelas grandes religiões teístas.

Uma resposta a essa objeção e manter que o ser necessário exigido pelo

argumento cosmologico e melhor compreendido como o ser mais perfeito do argumento ontologico, um exemplo de tal posição pode ser visto nas partes A605-7 e 508-10 da “Crítica Razão Pura” de Kant (2001). Vamos examinar o argumento ontologico no Topico 6, mas uma dificuldade aqui, como observado por Immanuel Kant (1704-1824), e que, se o conceito de um ser necessário e expresso em termos do conceito de um ser mais perfeito (e o último e central para o argumento ontologico), isto parece fazer o argumento cosmologico dependente do argumento ontologico, e muitos têm argumentado que o argumento ontologico e deficiente.

Outra resposta a essa objeção e simplesmente conceder e admitir que

este argumento cosmologico, tomado por si so, não implica o Deus das religiões tradicionais. Respondedores desta especie tipicamente sustentam que ele fornece razão para acreditar em algum tipo de Deus, e assim fornece razão para não ser um ateu.

3 O ARGUMENTO DA RAZÃO SUFICIENTE

Uma segunda forma de argumento cosmologico e chamada de o argumento da razão suficiente, ou o argumento cosmologico da razão suficiente. É semelhante ao argumento da contingência, mas e baseado na premissa de que deve haver uma razão suficiente, ou explicação (e não uma causa), para a existência de qualquer ser contingente, assim como para o universo contingente como um todo. Os primeiros defensores do argumento da razão suficiente foram o filosofo racionalista alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), verifique sua obra “A Monadologia” (2009) e o filosofo Inglês Samuel Clarke (1675-1729), verifique a sua obra “A demonstration of the being and attributes of God” (1728). O quadro abaixo mostra um modo de declarar tal argumento.

QUADRO 8 – O ARGUMENTO RAZÃO SUFICIENTE

Todas as coisas (seres) que existem devem ter uma razão suficiente para a sua existência.A razão suficiente para a existência de uma coisa deve estar na coisa em si ou fora da coisa.Todas as coisas no universo são coisas para as quais a razão suficiente das mesmas se encontram fora delas mesmas (ou seja, nada no universo fornece sua propria explicação para a sua existência).O universo não e nada mais do que a coleção das coisas que o compõe.Assim, deve haver uma razão suficiente, para o universo como um todo, que se encontra fora dele mesmo.Não pode haver uma regressão infinita de tais razões suficientes, pois então não haveria nenhuma explicação final das coisas.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Portanto, deve haver uma coisa (Ser) primeira autoexplicativa cuja razão suficiente para

a sua existência encontra-se em si mesma, em vez de fora de si (ou seja, um ser necessário

cuja não existência e impossível).FONTE: O autor

Em termos simples, a essência desse argumento e que tudo o que existe no mundo precisa de uma explicação para a sua existência, e nada no mundo fornece uma explicação para si mesmo (incluindo o mundo como um todo). Então, deve haver uma explicação fora dele, uma explicação que e suficiente em si mesma. E nos chamamos essa explicação "Deus".

Uma pergunta relacionada colocada por Leibniz (2009) e esta: "Por que

existe algo em vez de nada?" Por que o universo existe, em vez de apenas nada? Não parece razoável buscar uma explicação para sua existência? Uma analogia pode ser útil neste momento. O filosofo Richard Taylor (1919-2003) nos pede para imaginar que estamos caminhando por uma floresta e nos deparamos com uma bola translúcida:

Suponha, então, que você tenha encontrado esta bola translúcida e esteja mistificado por ela. Agora seja o que for que você pondere sobre ela, há uma coisa que você dificilmente questionaria; nomeadamente, que ela não apareceu lá por si so, que ela deve a sua existência a algo. Você pode não ter a mais remota ideia de onde e como ela veio parar lá, mas você dificilmente duvidaria de que houvesse uma explicação. A ideia de que ela poderia ter vindo do nada, de que poderia existir sem que haja qualquer explicação para sua existência, e uma que poucas pessoas consideram digna de entretenimento.

Ele continua:

Isso ilustra uma crença metafísica que quase parece fazer parte da propria razão, mesmo que apenas alguns homens pensem nisso; a crença de que há uma explicação para a existência de qualquer coisa, alguma razão do por que isso deve existir ao inves de não. A não existência de algo, o que não deve ser confundida com a extinção da existência de algo, nunca requer uma explicação; mas a existência requer. Que nunca devesse haver qualquer bola na floresta não exige qualquer explicação ou razão, mas que devesse haver tal bola, exige (TAYLOR, 1969, p. 100-101).

Referindo-se a alguma coisa de concreto em particular, como um taco de beisebol ou a bola translúcida mencionada acima ou ao universo como um todo, dada a sua existência, parece razoável pedir uma explicação para a mesma. O defensor do argumento da razão suficiente, então, coloca o detrator na defensiva e faz a pergunta: "Quem está sendo mais razoável, a pessoa que sustenta que há uma razão suficiente para a existência do universo, ou a pessoa que nega isso?". À primeira vista, a resposta parece obvia.

Em resposta, tem havido uma serie de objeções levantadas contra o

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

195

argumento de razão suficiente. Várias das objeções mencionadas acima em relação ao argumento da contingência, por exemplo, tambem podem ser aplicadas a este argumento. Nos não vamos ensaiar essas objeções aqui, mas outras foram levantadas especificamente em relação ao argumento da razão suficiente.

3.1 OBJEÇÃO 1: NÃO HÁ NENHUMA MANEIRA DE DE MONSTRAR QUE O PRINCÍPIO DA RAZÃO SUFICIENTE É VERDADEIRO

De acordo com essa objeção, não há maneira de provar o princípio de Leibniz da razão suficiente (que cada fato e declaração verdadeira tem uma razão suficiente para o porquê e do jeito que e e não o contrário). Em primeiro lugar, não há nenhuma evidência empírica para provar o princípio, que não se pode inferir a partir de nossa experiência sensorial que cada fato e declaração verdadeira tem uma razão suficiente para a maneira que e. Em segundo lugar, não e uma verdade logicamente necessária, a sua verdade pode ser logicamente negada. Em terceiro lugar, não e uma verdade a priori; enquanto uma serie de filosofos tem acreditado que o mesmo seja verdadeiro, outros negaram que e. Desde que a premissa 1 do argumento e baseada neste princípio, esta objeção levanta serias dúvidas sobre o argumento da razão suficiente.

Uma maneira de responder a essa objeção e manter que o princípio da razão

suficiente e mais razoável de acreditar do que de negar. Pode-se, por exemplo, argumentar que e uma crença propriamente básica (como a minha crença de que eu existo, ou a minha crença de que há realmente um mundo externo) ou que se pode simplesmente intuir sua verdade. Parece de fato que muitos, se não a maioria das pessoas, acreditam que há alguma razão por que as coisas existem e não o contrário. Pode-se, tambem, observar que a propria prática da ciência pressupõe que este princípio e verdadeiro. Imagine um cenário em que um cientista, com a intenção de encontrar a razão pela qual vinte ratos experimentais desenvolveram em seu laboratorio tumores grandes, concluir que não há nenhuma razão afinal para tais crescimentos! É duvidoso que o cientista seria levado a serio.

É claro que essas respostas pressupõem que o princípio em si seja coerente,

mas, como veremos a seguir, alguns têm argumentado que não o e.

Crença propriamente básica. Uma crença propriamente básica é uma crença da qual é possível, mas insensato exigir justificação. Os exemplos incluem as crenças de que eu existo, de que há outras mentes, e de que há um mundo externo.

NOTA

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196

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

3.2 OBJEÇÃO 2: O PRINCÍPIO DA RAZÃO SUFICIENTE É INCOERENTE

De acordo com essa objeção, o princípio da razão suficiente acaba por ser uma noção incoerente em relação à existência do universo. Veja como a objeção se desenvolve. Ou a explicação para a existência do universo contingente está em si mesma em necessidade de mais explicações, ou ela não está. Se ele está em necessidade de mais explicações, então ela tambem e contingente, e por isso não fornece uma explicação última (ou seja, não e uma razão suficiente) para o universo. Por outro lado, se a explicação para a existência do universo contingente e em si mesma uma explicação necessária, então o que explica (isto e, o universo) deve tambem ser necessário. O universo teria que ser necessário, em vez de contingente, uma vez que o que se explica por uma razão suficiente tambem está implicado por ela. Portanto, se o universo está implicado por um ser necessário, então ele tambem deve ser necessário. Se o universo e necessário, então ele não precisa de uma explicação externa para sua existência.

Em resposta, os defensores do argumento da razão suficiente concedem

que a explicação para a existência do universo contingente deve-se ser ela mesma contingente ou necessária, e eles concluem que ela deve ser necessária. No entanto, eles não concordam com o ponto de que, desde a explicação do universo e um ser necessário, o universo deve ser ele mesmo necessário. A razão de que não teria de ser necessário, eles argumentam, e que se o ser necessário, ou seja, Deus, tem livre-arbítrio, então Deus poderia ter escolhido não criar o mundo. Por isso, e contingente, não necessário.

No entanto, se Deus não precisava ter criado o mundo, então citar a

sua existência não fornece uma razão suficiente para a existência do mundo. É necessário haver uma razão porque ele escolheu fazer o mundo. Se esta e uma razão suficiente, então Deus não poderia deixar de ter criado o mundo e sua escolha não foi livre (em um sentido indeterminístico). Se e um fato contingente que Deus escolheu criar este mundo, o princípio da razão suficiente não será satisfeito, porque exige que todos os fatos contingentes tenham uma explicação suficiente.

Alem disso, respondem os objetores, se Deus e o ser mais perfeito (como

os teístas tradicionais sustentam), e se um ser perfeito não criaria um universo inferior (como os teístas tradicionais tambem sustentam), então Deus teve que criar este mundo, o melhor de todos os mundos possíveis. Portanto e necessário, não contingente. (Veja, por exemplo, William Rowe (2011), especificamente o Capítulo 2, “O Argumento Cosmologico”). E assim o debate continua.

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

197

3.3 OBJEÇÃO 3: A SUBJETIVIDADE DE UMA EXPLICAÇÃO

Outra objeção e que, mesmo supondo que cada coisa tem uma explicação suficiente, o que constitui uma justificação satisfatoria para uma pessoa pode não ser para outra. A este respeito a visão de mundo dos indivíduos pode entrar em jogo. Uma explicação satisfatoria para um ateu de um dado fenômeno pode ser muito diferente daquela para um teísta, ou para um panteísta, ou para um panenteísta.

3.4 OBJEÇÃO 4: A CIÊNCIA TEM DEMONSTRADO QUE NÃO É NECESSÁRIO HAVER RAZÕES OU EXPLICAÇÕES PARA TODAS AS COISAS E EVENTOS

Muitos físicos e filosofos da ciência contemporânea sustentam uma interpretação indeterminista da mecânica quântica em que certos eventos quânticos acontecem sem qualquer causa ou razão previa. Então, por que se deve sustentar que o proprio universo necessita de uma razão ou explicação? Talvez tenha simplesmente sempre existido, ou talvez tenha surgido na existência por nenhuma razão afinal.

No entanto, nem todos concordam com esta interpretação da mecânica

quântica e alguns têm argumentado que a questão aqui e epistemologica, não ontologica. Em outras palavras, so porque não sabemos por que um determinado evento quântico ocorreu, isso não quer dizer que não houve razão para esse evento. Albert Einstein (1879-1955), que foi agraciado com o prêmio Nobel por sua contribuição à teoria quântica, por exemplo, nunca concordou com essa interpretação. Como ele disse: "Deus não joga dados" com o universo. No entanto, seu colega Niels Bohr (1885-1962), cofundador da (indeterminística) interpretação de Copenhague da mecânica quântica, disse isso em resposta: “Einstein, não diga a Deus o que fazer". Na epoca, cada lado desta disputa científica acusava o outro de ter o ônus da prova. Atualmente ainda há debate, e novas evidências sugerem avanços e mais complexidades. Stephen Hawking (1999, sem paginação, tradução nossa), por exemplo, afirmou que “o futuro do universo não e completamente determinado pelas leis da ciência, e seu estado atual, como pensava Laplace. Deus ainda tem alguns truques na manga”. Entretanto Hawking (1999, sem paginação, tradução nossa) e enfático ao posicionar-se referente à colocação de Einstein sobre o assunto. Ele diz:

Einstein estava duplamente errado quando disse que ‘Deus não joga dados’. Deus não so joga dados, mas Ele às vezes nos confunde jogando-os onde ninguem os pode ver [...] o universo não se comporta de acordo com as nossas ideias preconcebidas. Ele continua a nos surpreender.

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4 O ARGUMENTO KALAM

Uma terceira forma do argumento cosmologico e referida como o argumento kalam, o termo "kalam” e uma palavra árabe que significa “teologia especulativa". Foi desenvolvido nos tempos medievais por dois filosofos islâmicos, al-Kindi (c. 801-c. 873) e al-Ghazali (1058-1111). O seu principal defensor nos últimos tempos e o filosofo cristão William Lane Craig (1949-), e, ao explicar e defender o argumento ele estabelece a estrutura mostrada na figura abaixo.

Para uma história e defesa do argumento kalam, veja a obra de William Lane Craig, The Kalam Cosmological Argument (2000) ou o texto de Harry Lesser (2013), que sintetiza a proposta de Craig.

FIGURA 4 - OS DILEMAS DO ARGUMENTO KALAM

Os dilemas são obvios. O universo teve um começo ou não o teve. Se o teve, este começo foi causado ou não foi causado. Se ele foi causado, a causa foi pessoal ou foi impessoal. Com base nesses dilemas, o argumento pode ser colocado na forma logica demonstrada no Quadro 8 “O argumento kalam”.

DICAS

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QUADRO 9 – O ARGUMENTO KALAM

1 Tudo que começa a existir tem uma causa para sua existência.2 O universo começou a existir.3 Portanto, o universo tem algum tipo de causa para sua existência.4 A causa do universo, ou e uma causa impessoal ou um Deus pessoal.5 A causa do universo não e impessoal.6 Por isso, a causa do universo e um Deus pessoal.

Como foi dito, o argumento e logicamente válido. Então, mais uma vez, a questão importante e, são as premissas verdadeiras? A primeira premissa parece intuitivamente obvia. Se alguma coisa vem a ser, ou passa à existência, deve haver algo que causou a sua existência. Historicamente, esta primeira etapa não foi muitas vezes negada, ate mesmo por aqueles que duvidaram ou negaram a existência de Deus, pela simples razão de que os eventos físicos parecem ser rastreáveis a causas anteriores (em teoria, se não na prática real). Mas enquanto a sua verdade pode ser intuitiva, como observado anteriormente, tem surgido nos últimos tempos objeções significativas para a mesma. Por exemplo, Quentin Smith (2010, p. 128), um filosofo ateu, escreve um excelente texto argumentativo para “mostrar que esta segunda parte ‘teísta’ [do argumento kalam] não e solida e que há uma segunda parte ‘ateia’ solida que mostra que o universo se causa a si mesmo”.

Um tipo diferente de objeção a esta primeira premissa e que, se tudo o que

existe tem uma causa, Deus tambem não precisaria de uma causa? Esta objeção tambem foi discutida anteriormente. Mas observe que a alegação no argumento kalam não e que TUDO o que existe necessita de uma causa. Em vez, e que tudo o que começa a existir tem uma causa.

FONTE: O autor

Al-Ghazali (1058-1111) foi um destacado teólogo, filósofo e místico do islã medieval. Ele tem sido celebrado como a “Prova do Islã” e o “Renovador da Religião”. Sua obra mais famosa é a The incoherence of the philosophers (A Incoerência dos Filósofos), em que ele ataca uma versão aristotélica da filosofia árabe. Neste trabalho, ele argumenta que a razão por si só não é capaz de fornecer uma prova completa para uma visão de mundo teísta. Mas ele não fornece um argumento de que o universo teve um começo no tempo, um argumento kalam, pois ele sustenta que acreditar em um universo eterno é equivalente a acreditar no ateísmo.

Na explicação padrão cristã, judaica, islâmica e hindu teísta, Deus não começou a existir. Deus sempre existiu; Deus e a causa não causada. Então, perguntar quem/o que causou a causa não causada e fazer uma pergunta incoerente. Claro que se poderia opor-se a esse significado de Deus, mas o opositor pode, pelo

NOTA

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

menos, conceder que tal significado e coerente; se e verdadeiro ou falso e uma questão diferente.

Outras críticas da primeira premissa foram oferecidas, no entanto, a etapa no argumento que tem sido mais contestada pelo antagonista do argumento kalam não e a premissa 1, mas a premissa 2. Craig e outros têm sustentado que existem argumentos filosoficos e evidências científicas que apoiam fortemente a alegação de que o universo começou a existir. Então, vamos agora examinar evidências para essa afirmação, bem como respostas a elas.

4.1 UM ARGUMENTO FILOSÓFICO PARA O INÍCIO DO UNIVERSO

Existem dois principais argumentos filosoficos para a premissa de que o universo teve um começo. Nos so temos espaço aqui para um deles, aquele que vários filosofos consideram ser o mais plausível, que vamos chamar de “o argumento da travessia do infinito". Este pode ser expresso em três etapas.

QUADRO 10 – O ARGUMENTO DA TRAVESSIA DO INFINITO (SUSTENTANDO A PREMISSA 2 DO ARGUMENTO KALAM)

1A serie de eventos no tempo que compõe toda a historia do universo e uma

coleção formada adicionando um membro apos o outro.

2Uma coleção formada adicionando um membro apos o outro não pode ser um

infinito real.

3Por conseguinte, a serie de eventos no tempo que se torna toda a historia do

universo não pode ser um infinito real.

FONTE: Adaptado de Craig (2000)

Uma vez que a serie não pode ser um infinito real, deve ser finita. Sendo finita, a serie de eventos no tempo deve ter um começo. Assim, o universo deve ter um começo.

Vamos examinar cada uma das etapas desse argumento. Em primeiro

lugar, prima facie, a etapa 1 parece ser bastante clara. Os eventos que formam toda a historia são tomados um apos o outro. Eles não ocorreram todos simultaneamente, mas foram sequencialmente ocorrendo na medida em que o tempo avançou. Assim como os eventos que ocorreram em sua vida a partir das 08h00min desta manhã ate às 20h00min desta noite são uma coleção de eventos formados por uma adição sucessiva (eles são um adicionados apos o outro), assim tambem são todos os eventos em sua vida e, de fato, todos os eventos na historia. Embora, esta visão do tempo não seja universalmente aceita, e uma objeção a esta premissa e que ela implica uma noção errada da natureza do tempo. Sugere-se que a premissa está

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

201

pressupondo uma Teoria-A, ou serie-A, do tempo, na qual há fluxo temporal real. Mas essa visão do tempo e debatível (veja as leituras do UNI DICAS).

Para aprofundar nas questões da filosofia e física do tempo, sugerimos a leitura dos seguintes textos. Os capítulos Natureza do tempo, Análises adicionais do tempo, e Natureza relativística do tempo, de Osvaldo Pessoa Jr (2014) – capítulos 7, 8 e 9, respectivamente, o artigo A irrealidade do tempo (2014) de MacTaggart J. e MacTaggart E., e o texto de Craig (2010), Começar a Existir. Todos estes disponíveis on-line (verifique na bibliografia deste Caderno de Estudos para acessar os textos). Outra importante obra é o livro Uma breve história do tempo de Hawking (2015).

A premissa 2 e geralmente a mais criticada por opositores. Antes de analisá-la, no entanto, a frase "infinito real" precisa ser explicada brevemente. Por definição, um infinito real e uma totalidade ou conjunto de coisas ou acontecimentos completos em vez de indefinidos. A fim de ter clareza sobre isso, e útil contrastar um infinito real com um infinito potencial. Um infinito potencial e um conjunto incompleto em que ele continua indefinidamente, mas nunca alcança o ponto de ser um infinito real. Por exemplo, você poderia começar a contar agora e continuar para sempre. Mas você nunca iria chegar ao lugar onde você poderia parar e dizer: "Eu finalmente terminei a contagem de um conjunto infinito real de números".

Um infinito potencial, então, e indefinido no sentido em que ganha novos

membros, à medida que se expande, mas nunca chega a um fim. Um infinito real, por outro lado, e definido, e um conjunto completo; tem um número fixo de membros nele. O ponto aqui e que desde que você nunca poderia alcançar um infinito real, movendo-se de um membro apos o outro (isto e, pela adição sucessiva), mas ainda assim, aqui estamos no final do conjunto de eventos que compõem a historia ate este ponto, o conjunto de eventos que compõe o passado não pode ser realmente infinito. Assim, o conjunto de eventos que formam o passado devem ser finitos, e, portanto, o universo deve ter um começo.

O campo da matemática que trata de infinitos reais é chamado de “teoria dos conjuntos”, e há um debate animado sobre se conjuntos infinitos reais existem na realidade ou são meras ideias na mente. Para saber mais sobre a teoria dos conjuntos, consulte a monografia de Renan Maneli Mezabarba, Uma introdução à Teoria Axiomática dos Conjuntos (2012). Veja também a monografia de Christiano O. de Rezende Sena (2011), para aprofundar a relação do conceito de infinito com a Teoria dos Conjuntos.

NOTA

DICAS

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202

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

4.1.1 Objeção: as séries temporais não têm começo

Várias objeções foram oferecidas para este argumento da travessia do infinito, e uma delas e dada por Nicholas Everitt (2004), veja as páginas 63-64. Talvez, sugere ele, não há nenhum ponto de partida afinal para as series temporais; talvez a serie não tenha um membro mais antigo. Nenhum regresso vicioso emerge de tal afirmação, argumenta ele, pois assim como o futuro pode continuar para sempre, assim tambem o passado poderia voltar para sempre. É apenas no assumir um início/começo de uma serie infinita que se cria o problema objecionável.

No entanto, a seguinte resposta pode ser feita. Se houvesse uma serie sem

começo, seria absurdo supor que em algum momento nos poderíamos alcançar o momento presente.

O problema aqui não e nem uma questão de não ter tempo suficiente nem de infinitamente adicionar um membro apos o outro. Pelo contrário, parece ser um absurdo metafísico. Craig (2014, sem paginação) expressa desta forma:

De fato, a ideia de uma serie sem começo terminando no presente parece absurda. Para dar apenas uma ilustração: suponha que encontremos um homem que afirma ter contado atraves da eternidade e agora está terminando: …, -3, -2, -1,0. Poderíamos perguntar por que ele não terminou de contar ontem ou anteontem ou no ano passado? Ate lá um tempo infinito já teria se passado, então ele já deveria ter terminado naquele tempo. Portanto, em nenhum ponto no passado infinito poderíamos encontrar o homem terminando sua contagem, porque em tal ponto ele já deveria ter terminado! De fato, não importa quão longe voltemos ao passado, nos nunca poderemos encontrar o homem terminando a contagem, pois em qualquer ponto que o alcançarmos ele já terá terminado. Mas se em nenhum ponto do passado podemos encontrar ele contando [ate o fim], isto contradiz a hipotese de que ele esteve contando pela eternidade. Isto ilustra o fato de que a formação de um infinito real por adição consecutiva e igualmente impossível se alguem o faz ate ou do infinito.

Os objetores poderiam responder argumentando que a noção de uma serie sem começo pode parecer absurda, mas o fato e muitas vezes mais estranho que a ficção. Parece absurdo supor que o objeto físico perante mim, um teclado de computador, e na verdade principalmente espaço vazio com inúmeras micropartículas girando em altas taxas de velocidade. Mas, de acordo com as nossas melhores teorias físicas, isto e precisamente o que o teclado e. Muitas outras objeções concisamente afirmadas a este argumento filosofico contra a travessia do infinito estão expostas nas páginas 219-224 da obra de Richard Sorabji (1983).

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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4.2 DUAS SUPOSTAS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PARA O INÍCIO DO UNIVERSO

4.2.1 Evidência 1: a segunda lei da termodinâmica

Uma das leis mais estabelecidas da ciência hoje e a segunda lei da termodinâmica. A entropia e fundamental para esta segunda lei, que e entendida como sendo a medida da energia indisponível, ou distúrbio, num sistema fechado. Um exemplo de entropia seria a medida da diminuição de energia termica numa brasa. À medida que a brasa arrefece, a energia na madeira dissipa-se enquanto o calor se dispersa no ambiente circundante. De acordo com a segunda lei, a quantidade de energia disponível em um sistema termodinâmico fechado, um sistema no qual nenhuma nova massa ou energia e posta, diminui ao longo do tempo. Se o universo e um sistema termodinâmico fechado, a entropia do universo está aumentando ao longo do tempo. Para colocá-lo de forma diferente, a quantidade de energia disponível e de ordem no universo está diminuindo ao longo do tempo. Como tal, irá acabar por atingir um estado de equilíbrio termodinâmico (neste caso, tal equilíbrio significaria que a temperatura se manteria constante). Todas as estrelas quentes no universo, por exemplo, eventualmente acabariam por se esfriar e permaneceriam estáveis a uma temperatura constante, não gastando mais energia de calor. O universo acabará por chegar a um estado de equilíbrio termodinâmico e de desordem máxima, o que alguns se referem como a “morte termica" do universo (SWEETMAN, 2013). A questão, então, levantada pelos proponentes do Kalam, e esta: “Por que o universo já não chegou a este estado de equilíbrio termodinâmico?".

Considere a seguinte analogia. Suponha que você entra em uma sala e

vê uma xícara de cafe expresso posta sobre a mesa perante você. Você pondera quanto tempo ela está posta ali e então, enquanto ninguem está olhando, você toma um gole. Você descobre que o cafe ainda está quente. Você, então, concluiria que a xícara de cafe estava ali por meses, semanas, ou ate mesmo dias? Claro que não. Por que não? Por causa da segunda lei da termodinâmica e da entropia; a energia termica no cafe não foi totalmente dissipada, e por isso não poderia ter estado lá por muito tempo. Uma vez que o universo ainda está "quente" (note a estrela quente no nosso proprio sistema solar, por exemplo, o sol), registram os defensores do argumento kalam, ele não poderia ter existido para sempre ou ele tambem já teria "esfriado" há muito tempo. Portanto, o universo não poderia ter existido para sempre; ele deve ter um começo. Nem todos concordam com esta conclusão, e claro.

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4.2.1.1 Objeção 1: a teoria do universo oscilante escapa ao controle da segunda lei e elimina a necessidade de um início do universo

Alguns físicos têm argumentado que o universo poderia escapar da morte termica elaborando a hipotese de um ciclo de expansão e contração do universo, conhecida como a "teoria do universo oscilante", ou pulsátil (HOLT, 2013). Neste modelo, depois de uma expansão do universo, a gravidade, eventualmente, o detem, provoca uma contração, e ele colapsa novamente em uma singularidade. Apos a contração e o colapso, algum mecanismo faz com que o universo exploda em um novo universo e, então, inicia o processo de expansão mais uma vez. Uma vez que este ciclo pode continuar indefinidamente, não há necessidade de postular uma morte termica final, e, portanto, não há necessidade de postular um ponto final ou início ao universo. A evidência empírica ao longo dos últimos 50 anos tem favorecido fortemente o modelo padrão do big bang, no entanto, e não tanto o modelo oscilante. A evidência para o big bang tem sido tão forte, de fato, que praticamente ninguem sustenta o modelo oscilante atualmente (HAWKING, 2015; CRAIG, 2014).

4.2.1.2 Objeção 2: o universo é infinito, e assim a segunda lei da termodinâmica não se aplica ao universo como um todo

De acordo com essa objeção, o universo e infinito e, portanto, não e um sistema termodinâmico fechado. Desde que não e um sistema deste tipo, a segunda lei não se aplica ao proprio universo. Atualmente existe um debate entre os cosmologos sobre se o universo e infinito ou finito em extensão e volume espacial. No entanto, de acordo com a cosmologia do big bang, o universo observável (a região do espaço que qualquer observador hipotetico pode ver, e que e cientificamente relevante) e certamente finito.

4.2.2 Evidência 2: a teoria do big bang

Um segundo tipo de evidência científica oferecida para o início do universo e a teoria do big bang. Por muitos seculos, os astrônomos e cientistas geralmente aceitaram que o Universo era estático, que era estacionário e não em expansão, pelo menos não em qualquer sentido significativo. No entanto, no início de 1900, uma serie de observações científicas muito importantes estavam ocorrendo e que mudariam o velho paradigma. Uma dessas observações foi do astrônomo Vesto Slipher (1875-1969) em 1914. Ele observou que um número de nebulosas (uma nebulosa e uma massa difusa de gás ou poeira interestelar) foram se afastando da

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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Terra variando em altas taxas de velocidade. Os astrônomos da epoca não sabiam o que fazer com esta descoberta observacional e seu significado passou despercebido.

Então, na decada de 1920, o astrônomo Edwin Hubble (1889-1953), usando

um grande telescopio de 100 polegadas, observou que as nebulosas observadas por Slipher eram na verdade galáxias muito alem de nossa propria galáxia Via Láctea e que elas estavam, de fato, se movendo mais longe em distância e em altas velocidades. Veja como Hubble demonstrou esta recessão de galáxias. Ele estava estudando a luz de galáxias distantes, e observou que as cores (cores entendidas como comprimentos de onda de luz) emitidas por estas galáxias não se encaixavam com os comprimentos de ondas esperadas. Em vez disso, elas se deslocaram para a extremidade do espectro vermelho, e este desvio para o vermelho (redshift) da luz das galáxias aumentava numa proporção direta à distância em que as galáxias foram localizadas. Este efeito redshift observacional combinava com as concepções teoricas que os cosmologos já tinham sugerido, que o universo estava realmente em expansão.

A evidência observacional de Hubble, juntamente com os postulados teoricos, causou a grande maioria dos cosmologos atuais a concordarem que o universo se originou em uma singularidade infinitamente densa e que, a partir deste início inicial, o proprio espaço se expandiu com a passagem do tempo (veja a figura a seguir). Como o físico teorico Stephen Hawking expressa: "Quase todo mundo agora acredita que o universo, e o proprio tempo, teve um começo no big bang” (HAWKING; PENROSE, 1997, p. 20).

Stephen Hawking (1942-) é Professor Lucasiano de Matemática da Universidade de Cambridge (uma posição uma vez mantida por Sir Isaac Newton). Ele é amplamente reconhecido como o mais físico teórico brilhante desde Einstein. Sua pesquisa centrou-se principalmente sobre as leis básicas que governam o universo e, junto com Roger Penrose, ele mostrou que a Teoria da Relatividade Geral de Einstein implica que o espaço e o tempo tiveram um começo no big bang e irão acabar em buracos negros. Ele já publicou tantos artigos acadêmicos e livros populares, incluindo o best-seller Uma Breve História do Tempo (2015).

FIGURA 5 – A EXPANSÃO DO ESPAÇO COM A PASSAGEM DO TEMPO

FONTE: O autor

NOTA

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

4.2.2.1 Objeção: alternativas para o big bang

Nem todos concordam com a teoria do big bang, no entanto existem outros modelos do universo que têm sido propostos ao longo das últimas decadas, incluindo as novas teorias da “cosmologia de branas” que introduzem multidimensões do universo (HORVATH et al., 2007; NOVELLO, 2010). Estes modelos são atualmente considerados protocientíficos, e talvez as proximas decadas oferecerão novos insights sobre sua plausibilidade. Neste momento, no entanto, o modelo mais bem estabelecido do universo, o que continua a ser mais corroborado pela evidência científica, e a teoria tradicional do big bang. Ela não explica tudo o que precisa ser explicado sobre o nosso universo, porem, e, como acontece com todas as teorias científicas, pode ser bem aconselhável mantê-la provisoriamente.

4.3 A CAUSA DO UNIVERSO É UM DEUS PESSOAL?

Ate agora, em nossa análise do argumento kalam, os argumentos têm focado principalmente sobre se o universo começou a existir, e no caso afirmativo, se a sua existência precisa de uma causa. O elemento final do argumento kalam tem a ver com se a causa do universo e um Deus pessoal ou não.

Quais podem ser algumas das razões para sustentar que a causa do

universo e pessoal, como os proponentes do argumento Kalam mantêm? De acordo com a cosmologia do big bang, antes do início do universo (antes em um sentido ontologico, não temporal) não havia tempo, espaço, materia ou energia, e, portanto, nenhuma mudança de um estado de coisas para outro. Mas em tal estado, como pode um primeiro evento ocorrer? Poderia surgir espontaneamente e sem uma causa? Isto pareceria ser menos do que razoável. Outra possibilidade e que e um evento pessoal em que um agente escolhe livremente agir. Esta e a resposta teísta: um Deus pessoal atemporal, sem espaço, sem materia, trouxe o universo à existência por sua propria escolha livre. Deste ponto de vista, a decisão de Deus de criar o universo não foi determinada por uma causa anterior. Pelo contrário, foi um evento autocausado deliberadamente escolhido por um Deus pessoal para uma razão (não determinativa) ou conjunto de razões (ABBAGNANO, 2007; O’CONNOR, 2000).

A ideia de um evento de autocausado, e de forma mais ampla o que e

referido como "causação por agente" (BONJOUR; BAKER, 2010), tem seu proprio conjunto de dificuldades, não sendo a menor delas a questão de que um evento autocausado parece ser um evento não causado. Se assim for, postular um Deus pessoal como a primeira causa não resolve nada.

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

207

Outra possibilidade e que não há um agente causal externo ao nosso universo que e pessoal, mas não e Deus (pelo menos no sentido tradicional). Talvez um ser pessoal, mas finito de fora do universo causou a singularidade big bang. No entanto, dadas as constrições do modelo padrão do big bang, tal ser necessitaria ser imaterial e atemporal, e estas são propriedades que os ateus consideram onerosas.

Veja o vídeo O argumento cosmológico kalam de William Lane Craig. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1nHsebfA_Gs>. Acesso em: 12 jul. 2015. Assista também à refutação deste argumento por Peter Millican, no vídeo Argumento Kalam Refutado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=d-10EFV5u8s>. Acesso em: 12 jul. 2015.

5 UM ARGUMENTO COSMOLÓGICO PARA O ATEÍSMO

Embora o argumento kalam utilize o trabalho recente em cosmologia do big bang como suporte científico para o início do universo, tem-se tambem argumentado que a teoria do big bang e incompatível com o teísmo. O principal defensor deste argumento cosmologico para o ateísmo e Quentin Smith (1952-), e seu argumento pode ser apresentado na forma mostrada no quadro a seguir.

QUADRO 11 – O ARGUMENTO COSMOLÓGICO PARA O ATEÍSMO

1A singularidade big bang (o ponto inicial do universo onde a curvatura do espaço torna-se, pelo

menos teoricamente, infinita) e o estado mais antigo do universo.

2O estado mais antigo do universo e inanimado (2 segue a partir de 1 desde que a singularidade

envolve as condições de temperatura infinita, curvatura infinita, e densidade infinita hostis à vida).

3

Nenhuma lei governa a singularidade big bang e, consequentemente, não há garantia de que ela

irá emitir uma configuração de partículas que irá evoluir num universo animado (com base no

princípio da ignorância de Stephen Hawking em que a singularidade e inerentemente caotica

e imprevisível).

4O estado mais antigo do universo não e garantido que evoluirá para um estado animado do

universo (implicado pelas premissas 1-3).

5

A premissa 4 e inconsistente com a hipotese de que Deus, a visão judaico-cristã-islâmica clássica

de Deus como criador do universo, criou o estado mais antigo do universo, pois e verdade que,

se Deus criou o estado mais antigo do universo, então, Deus teria assegurado que o primeiro

estado do universo evoluiria num estado animado do universo.6 Portanto, o Deus judaico-cristão-islâmico clássico não existe (implicado pelas premissas 4-5).

FONTE: Adaptado de Quentin Smith (2010)

DICAS

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208

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Para resumir o argumento, o estado imprevisível e caotico da singularidade big bang e incompatível com o Deus criador das religiões teístas. O argumento e logicamente válido, portanto, novamente devemos considerar se as premissas são verdadeiras. Os teístas têm oferecido uma serie de objeções a este argumento, e vamos considerar em seguida três das principais.

5.1 OBJEÇÃO 1: A SINGULARIDADE NÃO É ONTOLOGICAMENTE REAL

De acordo com essa objeção, a premissa 1 do argumento e falsa, pois enquanto a explosão do big bang e tomada como sendo um evento real, a singularidade e entendida como sendo uma ficção teorica, e, portanto, não sendo o estado mais antigo do universo. Se a premissa 1 e falsa, o argumento ateísta entra em colapso. Um proponente desta objeção e William Lane Craig.

[...] A singularidade não tem status ontologico positivo: à medida em que alguem rastreia a expansão cosmica de volta no tempo, a singularidade representa o ponto em que o universo deixa de existir. Não faz parte do universo, mas representa o ponto em que o universo em contratação invertido no tempo desaparece no não ser. Não houve um primeiro instante do universo justaposto à singularidade. A serie temporal e como uma serie de frações que convergem para 0 como seu limite: 1/2, 1/4, 1/8, ..., 0. Tal como não existe uma primeira fração, assim tambem não há um primeiro estado do Universo. A singularidade e, portanto, equivalente a nada ontologicamente (CRAIG; SMITH, 1995, p. 224, tradução nossa).

Craig argumenta ainda que uma boa razão para interpretar a singularidade

como irreal e que ela e descrita como não tendo dimensões espaciais e sem duração temporal. Como ele diz: "A singularidade tem zero dimensionalidade e existe por nenhum período de tempo; ela e de fato um ponto matemático" (CRAIG; SMITH, 1995, p. 227, tradução nossa). Sustentar que tal ponto e real e reificar uma mera construção matemática.

Smith contrapõe essa objeção, argumentando que não há razão para rejeitar

a realidade da singularidade; ao contrário, ele argumenta que, na cosmologia do big bang padrão a singularidade e o termino real dos caminhos espaço-temporais convergentes dirigidos ao passado. O debate, então, gira em torno da metafísica do tempo, do espaço e da matemática.

Singularidade Big Bang: um ponto hipotético no espaço-tempo onde as leis da física deixam de funcionar e a densidade do universo e a curvatura do espaço-tempo se torna infinita. Na maioria dos modelos big bang do universo, este é o ponto onde o tempo em si mesmo começou.

IMPORTANTE

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TÓPICO 4 | ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

209

5.2 OBJEÇÃO 2: DEUS NÃO É LIMITADO POR LEIS OU PELA FALTA DELAS PARA REALIZAR OS PROPÓSITOS DIVINOS

De acordo com essa objeção, a premissa 3 e falsa, pelo menos por duas razões. Em primeiro lugar, poderia ser o caso de que o plano de Deus fosse de intervir nos estágios iniciais do universo, a fim de garantir que os organismos vivos, incluindo os seres humanos, acabariam eventualmente por evoluir. Não e, necessariamente, um sinal de planejamento mau ou irracional da parte de Deus fazer isso. Pode ser que, ao contrário do universo do relojoeiro postulado pelos deístas, Deus está envolvido criativamente no universo em diferentes fases do seu desenvolvimento. Enquanto que isto pode não ser a maneira mais eficiente para criar um universo, argumentam os objetores, o Deus das religiões teístas não está preocupado principalmente com a eficiência. Tal Deus não está preocupado com a escassez de poder.

Em segundo lugar, pode ser que, ao contrário de Smith (e de Hawking), a singularidade não e um "caldeirão de ilegalidade violento e aterrorizante" (CRAIG; SMITH, 1995, p. 235, tradução nossa). Talvez existam leis que governam a singularidade que ainda necessitam ser descobertas, leis que irão demonstrar que o princípio da ignorância e falso.

Outra resposta correlata e negar a premissa 5 que Deus teria assegurado

um estado animado do universo. Não parece haver qualquer necessidade logica ou metafísica para Deus criar este universo acima e alem de um universo inanimado, ou para não criar qualquer universo em absoluto. No entanto, os teístas admitem que parece sim haver alguma força existencial e possivelmente um suporte religioso para a crença de que o Deus das principais religiões teístas iria criar organismos vivos (especialmente racionais e morais). Mas talvez esses sentimentos são apenas anseios antropocêntricos.

5.3 OBJEÇÃO 3: A HIPÓTESE TEÍSTA DA CRIAÇÃO É MAIS SIMPLES E, PORTANTO, MAIS PROPENSA A SER VERDADE DO QUE A HIPÓTESE ATEÍSTA

Essa objeção, levantada pelo filosofo Richard Swinburne (1934-) e que uma criação divina e uma visão mais simples do que a visão ateísta, e como tal, e mais provável que seja verdadeira (SWINBURNE, 1998). Swinburne está operando no princípio científico de que quanto mais simples a explicação para algo, mais provável e para esta ser verdadeira. Este princípio, juntamente com a suposição (1) que o universo físico e uma coisa bastante complexa, e a suposição (2) que Deus e um ser simples (simples no sentido que um ser com poder, conhecimento, e bondade infinitos e mais simples do que um ser, ou objeto, com valores finitos), conduz à conclusão de que uma explicação teísta para o universo e mais provável de ser verdadeira do que aquela de um ateu.

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210

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

O ateu pode responder de, pelo menos, duas maneiras. Primeiro, ele poderia conceder o princípio da simplicidade e da suposição (2), mas negar a suposição (1). Isto e precisamente o que Smith faz. Ele concede o princípio, mas nega a suposição (1) pelo seguinte motivo: uma vez que a singularidade tem zero volume espacial, zero duração temporal, e não tem valores finitos particulares para sua densidade, "Parece razoável supor [... que] este ponto instantâneo e o objeto físico mais simples possível" (SMITH, 1992, sem paginação). Concedendo que este objeto simples e pelo menos tão simples quanto a hipotese teísta, e mais simples supor que o universo começou a partir do mesmo tipo de material básico (ou seja, coisas materiais) do que postular algum tipo adicional de material (ou seja, "coisa divina" imaterial).

No artigo “Um argumento cosmológico a partir do big bang para a inexistência de Deus”, Quentin Smith (1992), levanta objeções argumentativas às propostas de Craig e Swinburne, entre outros argumentos cosmológicos. Vale a pena conferir a tradução deste artigo no seguinte site: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/argumentos-ateologicos/>. Acesso em: 20 jul. 2015.

Uma segunda resposta que um ateu poderia oferecer e negar o princípio da simplicidade (provavelmente não seria uma boa jogada, dado ao modo como a ciência e realmente praticada) ou negar a suposição (2).

DICAS

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211

RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico vimos: • Quatro argumentos cosmologicos foram apresentados: três apoiando o teísmo e

um apoiando o ateísmo.

• O primeiro argumento, o argumento da contingência, concluiu que Deus, um ser necessário, deve existir a fim de fazer com que as coisas contingentes no universo existam. Cinco grandes objeções foram levantadas contra ele.

• O segundo argumento, o argumento da razão suficiente, concluiu que deve haver uma explicação fora do universo, uma que seja suficiente em si mesma (um ser necessário), uma vez que tudo o que existe no mundo necessita de uma explicação para a sua existência, e nada no mundo fornece uma explicação para si mesmo. Quatro objeções foram levantadas contra este argumento, cada uma com o foco em algum aspecto enigmático da noção de uma razão ou explicação suficiente.

• O terceiro argumento, o argumento kalam, concluiu que deve haver uma causa pessoal para o universo. Ele utilizou um argumento filosofico e duas evidências científicas para apoiar a premissa de que o universo começou a existir, e tambem incluiu um argumento filosofico que este início deve ser pessoal. Quatro objeções foram levantadas, duas para o primeiro argumento filosofico e uma para cada uma das supostas evidências científicas. As objeções contra um início pessoal tambem foram observadas.

• O quarto argumento, o argumento cosmologico para o ateísmo, concluiu que Deus não deve existir, pois a existência de Deus e incompatível com o estado imprevisível e caotica da singularidade big bang. Três objeções foram levantadas contra esse argumento.

• Várias versões do argumento cosmologico foram debatidas durante seculos, e com os recentes avanços na astronomia, na cosmologia e na astrofísica, continua a emergir novo material para diálogos ricos e fecundos.

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212

Vários argumentos cosmologicos foram formulados ao longo dos anos para evidenciar a existência divina. Normalmente os argumentos podem ser expostos em uma serie de premissas seguidas de uma conclusão. Veja o seguinte argumento:

1 - Tudo que começa a existir tem uma causa para sua existência.2 - O universo começou a existir.3 - Portanto, o universo tem algum tipo de causa para sua existência.4 - A causa do universo, ou e uma causa impessoal ou um Deus pessoal.5 - A causa do universo não e impessoal.6 - Por isso, a causa do universo e um Deus pessoal.

Assinale abaixo a alternativa correta sobre qual foi o argumento descrito acima.

a) Argumento Cosmologico para o Ateísmo.b) Argumento da Contigência.c) Argumento Kalam.d) Argumento da Razão Suficiente.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 5

ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Como vimos no topico anterior, os argumentos cosmologicos começam com o fato de que há coisas existentes contingentemente no mundo e concluem com a existência de um criador não contingente para explicar a existência dessas coisas. Os argumentos teleologicos (ou argumentos do, ou para o design), por outro lado, são bastante diferentes, pois eles começam com certas propriedades do mundo e concluem com a existência de um grande arquiteto/designer do mundo, um designer com certas propriedades mentais, tais como intenção, conhecimento e proposito.

A origem do argumento teleologico retorna aos pensadores antigos do

Oriente e do Ocidente. Na Índia, por exemplo, o argumento foi proposto pela escola Nyaya (100-1000 EC), que defendeu a existência de Deus com base na ordem do mundo, ordem esta que foi comparada com artefatos e com o corpo humano (VALLE, 1997; COLLINS, 2013). No Ocidente, o argumento pode ser rastreado ate Heráclito (c. 535-575 AEC), Platão, Aristoteles e os estoicos. Embora o argumento continuasse a ser utilizado de vez em quando ao longo da historia, o seu renascimento ocorreu no início do seculo XIX, com William Paley (1743-1805), talvez o seu defensor mais ardente.

Argumento teleológico: deriva dos termos gregos telos (fim ou objetivo) e logos (razão ou explicação racional). O argumento teleológico, primeiro desenvolvido por antigos filósofos gregos e indianos, assume uma variedade de formas. O tema comum entre todas elas é que a ordem meios/fins que existe no mundo natural é melhor explicada por um design intencional/proposital.

IMPORTANTE

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214

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

2 O ARGUMENTO DO DESÍGNIO (DESIGN) DE PALEY

O livro de William Paley, Natural Theology (Teologia Natural) (2006), originalmente publicado em 1802, e uma defesa e explicação sustentada do argumento do desígnio. Começa com estas palavras:

Ao atravessar uma charneca, suponha que eu choquei meu pe contra uma rocha, e pergunto-me como a pedra foi parar lá; Eu poderia possivelmente responder à minha curiosidade, que, por tudo o que eu possa saber, a pedra tinha estado lá desde sempre. Absurda seria esta resposta, ainda que por ventura não fosse fácil demonstrar que assim o e. Mas suponha que eu tivesse encontrado um relogio no chão, no lugar da rocha, e devesse investigar como o relogio passou a estar nesse lugar; Eu dificilmente pensaria na resposta que eu tinha antes dado, que, por tudo o que eu possa saber, o relogio pode sempre ter estado lá. No entanto, por que não deveria esta resposta servir para o relogio, bem como para a pedra? Por que não e admissível no segundo caso, como no primeiro? Por esta razão, e por nenhuma outra, que, quando chegamos a inspecionar o relogio, percebemos (o que não poderíamos descobrir na pedra) que suas várias partes são enquadradas e unir com um proposito, e. g. que elas estão assim formada e ajustadas de modo a produzir o movimento e que o movimento assim regulado de modo a apontar a hora do dia; que, se as diferentes partes tivessem sido formadas diferentes da que são, de um tamanho diferente do que elas são, ou postas de qualquer outra forma, ou em qualquer outra ordem, do que aquela em que elas são postas, nenhum movimento em absoluto teria sido exercido na máquina, ou nenhum movimento que teria respondido à utilização que agora e servida por ele [...]. Sendo observado este mecanismo (que exige de fato uma análise do instrumento e, talvez, algum conhecimento previo do assunto, para perceber e compreendê-lo; mas, sendo uma vez, como já dissemos, observado e compreendido), a inferência, pensamos, e inevitável, que o relogio deve ter tido um fabricante: que deve ter existido, em algum momento, e em algum lugar ou outro, um artífice ou artífices que o formaram com o proposito que posso hoje observar; que compreendeu a sua construção, e projetou o seu uso [...]. Cada indicação de artifício, toda a manifestação de desígnio, que existia no relogio, existe nas obras da natureza; com a diferença, no lado da natureza, de ser maior e mais numerosa, e num grau que excede todo cálculo (PALEY, 2006, p. 7-8, 16, tradução nossa).

William Paley (1743-1805) foi um teólogo inglês, filósofo e apologista cristão. Ele se tornou um membro no Christ College de Cambridge, em 1766. Escreveu uma

série de livros, incluindo o The Principles of Moral and Political Philosophy que se tornou o livro-texto de ética na Universidade de Cambridge. Sua obra mais famosa é a Natural History: or evidences of the existence and attributes of the Deity, collected from the appearances of nature (1802), o livro no qual ele apresenta sua analogia do relojoeiro. O livro Teologia Natural, pode ser lido em espanhol na íntegra, em sua edição de 1825, no Google Books. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=hQVeAAAAcAAJ&hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s>. Acesso em: 26 jul. 2015.

NOTA

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

215

Paley está usando um argumento da analogia: uma vez que podemos inferir um designer (arquiteto) de um artefato, como um relogio, dado o seu proposito evidente e sua estrutura ordenada, assim tambem devemos inferir um grande designer das obras da natureza, uma vez que elas são ainda maiores em termos de sua ordem e de sua complexidade, o que ele posteriormente descreve como “meios ordenados para fins". O argumento de Paley pode ser esboçado na forma apresentada no quadro "O argumento do desígnio de Paley".

O argumento de Paley, e claro, não permaneceu sem ser desafiado. Algumas das objeções mais ardentes surgiram a partir dos trabalhos de David Hume e de Charles Darwin.

QUADRO 12 – O ARGUMENTO DO DESÍGNIO DE PALEY

1Artefatos (como um relogio), com suas configurações de meios para fins, são os produtos de

desígnios (humanos).2 As obras da natureza, tais como a mão humana, se assemelham a artefatos.3 Assim, as obras da natureza são, provavelmente, os produtos de desígnio.4 Alem disso, as obras da natureza são muito maior em número e maior em complexidade.

6Por isso, as obras da natureza foram, provavelmente, os produtos de um grande designer, muito

mais poderoso e inteligente do que um designer humano.

FONTE: O Autor

2.1 OBJEÇÕES 1-3: AS REFUTAÇÕES DE HUME

Talvez as objeções mais familiares ao argumento do desígnio de Paley são aquelas refutações oferecidas pelo filosofo cetico David Hume em seu livro, publicado em 1779, Diálogos sobre a Religião Natural (1992). É importante notar que embora a obra de Hume tivesse sido publicada vinte e três anos antes da obra de Paley, por alguma razão este último não referenciou ou não levou em consideração a obra de Hume. O que parece e que ele simplesmente não estava ciente da mesma. De qualquer modo, uma importante refutação de Hume e que a analogia entre as obras da natureza e os artefatos humanos não e particularmente forte. Vemos esta refutação nas partes VI e VII dos Diálogos sobre a Religião Natural (1992). Existem várias razões pelas quais a analogia e fraca, incluindo: (1) ao contrário de relogios, existe apenas um universo, e, portanto, não temos outros universos para compará-lo ou julgá-lo, e (2) em muitos aspectos o mundo (ou seja, a acumulação das obras da natureza) não e como um artefato ou máquina humana e poderia tão facilmente ser concebido como um grande animal ou vegetal. Como tal, ela levanta a falácia de uma petição de princípio (petitio principii) supondo que o mesmo foi designado.

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216

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Petição de princípio (do latim, petitio principii). Também chamada de argumento circular ou, em inglês, begging the question, é uma falácia informal. Neste tipo de argumento, a conclusão que visa ser provada é utilizada como uma premissa no mesmo argumento. O erro, portanto, não se encontra no aspecto formal do argumento, assim, a forma da inferência não chega a ser inválida. Entretanto, as premissas não sustentam devidamente a verdade da conclusão, podendo gerar engano.

Outra refutação e que mesmo que possamos inferir um grande designer do universo, esse designer acaba por ser algo menos do que o Deus das religiões teístas. Desde que efeitos semelhantes surgem de causas semelhantes, a partir de um mundo finito não podemos inferir um designer infinito. Alem disso, existem imperfeições brutas e males consideráveis no mundo. Então, se o mundo e designado, e razoável concluir que o designer (ou designers, já que não há razão para presumir apenas um), deve ter esses defeitos correspondentes tambem.

Uma terceira refutação e que so porque um universo tem a aparência de

desígnio, não se segue que e de fato projetado (HUME, 1992, parte VIII). Hume cita como uma alternativa a hipotese de Epicuro, que propôs que o universo e composto por um número finito de partículas que se deslocam em movimento aleatorio. Eventualmente, estas partículas vão acabar em um estado estável, e este estado teria a aparência de desígnio, sem realmente o ser. Em outras palavras, o universo, aparentemente projetado, pode vir a ser o resultado de mero acaso.

David Hume (1711-1776), filósofo e historiador escocês, é amplamente reconhecido como o filósofo mais importante a escrever em Inglês, e um dos pensadores mais importantes na história da filosofia ocidental. Entre suas obras filosóficas mais significativas estão o Tratado da Natureza Humana (1739-1740), Ensaios sobre o Entendimento Humano (1748), e sua obra mais controversa, Diálogos sobre a Religião Natural (publicada postumamente, em 1779), na qual ele ataca o argumento do desígnio. Outros textos que apresentam uma leitura de tais refutações são os seguintes: Marcos R. da Silva (2006), Marília Cortês Ferraz (2012) e Evelise R. T. Laux (2010). Todos disponíveis on-line. Verifique os endereços eletrônicos nas referências bibliográficas respectivas no final deste Caderno de Estudos.

IMPORTANTE

NOTA

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

217

O que pode ser dito em resposta a essas refutações? Em primeiro lugar, contrariamente à alegação de Hume, pode-se argumentar que, mesmo o mundo sendo único, não se segue que um argumento da analogia não se pode aplicar. Se analogias não pudessem ser aplicadas a eventos exclusivos, conclusões absurdas viriam a seguir. Por exemplo, nunca se poderia chegar à conclusão sobre um artefato único (digamos, descoberto a partir de um período antigo) que ele fora projetado. Mas tais conclusões são com frequência alcançadas por arqueologos. Em segundo lugar, enquanto a analogia do relogio/mundo pode não ser perfeita, ainda assim capta o ponto central: onde a finalidade, a ordem e a intenção são evidentes, e razoável postular um designer. E as obras da natureza parecem refletir finalidade, ordem e intenção. Trataremos deste assunto logo a seguir.

Em relação à segunda refutação, várias respostas podem ser oferecidas. Em

primeiro lugar, Hume está certo ao notar que o argumento não prova que o Deus das religiões existe. No entanto, isso sem dúvida fornece provas de que e provável que exista um grande designer do mundo (ou seja, um designer das obras da natureza das quais o mundo e composto). Outros argumentos poderiam ser utilizados para apoiar este em uma tentativa de demonstrar a existência do Deus das religiões. Em segundo lugar, quanto ao mal e às imperfeições no mundo, pode ser respondido que este argumento não aborda a questão da onibenevolência divina, mas sim a questão da finalidade, da intenção e do design. Deus pode não ser capaz de criar um mundo com seres livres que nunca cometeriam atos maus, mesmo que Deus seja um ser onibenevolente e onipotente (FERRAZ, 2012). Veremos mais sobre esta questão no Topico 1, “Problemas do Mal”, da Unidade 3.

A terceira refutação de Hume, de que o mundo poderia ter surgido a partir

de um mero acaso, nos leva a uma quarta objeção ao argumento de Paley, e nos conduz a Charles Darwin.

2.2 OBJEÇÃO 4: UMA VISÃO DARWINIANA DOS ORGANISMOS BIOLÓGICOS

Talvez o pensador mais influente do seculo XIX foi Charles Darwin (1809-1882). Em seu livro A Origem das Especies (2009), publicado em 1859, Darwin propôs o que se tornou uma das teorias mais significativas na historia do pensamento humano: que os organismos vivos se desenvolveram a partir de formas simples a formas mais complexas gradualmente ao longo do tempo e atraves dos processos puramente naturais e não intencionais de variação aleatoria, a seleção natural e a sobrevivência do apto. Esta e, naturalmente, a teoria da evolução de Darwin.

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218

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Para uma apresentação clara da Teoria da Evolução leia a obra de Ernst Mayr, O que é a evolução (2009), a obra de Mark Ridley, Evolução (2006) e a obra de Douglas Futuyama (2009). Essas três obras apresentam não somente a história da teoria, mas as evidências em diversas áreas da ciência e seu status atual. Um texto excelente que visa esclarecer algumas dúvidas sobre a confusão que muitos fazem se a evolução é uma teoria ou um fato, é o Evolução é um fato e uma teoria de Laurance Moran (1993). Disponível em: <http://www.darwin.bio.br/?p=75>. Acesso em: 29 jul. 2015.

À primeira vista, a teoria da evolução parece soar a sentença de morte para o argumento do desígnio de Paley, pois aqui temos o acaso e as leis da natureza, em vez de intenção, proposito e desígnio, explicando as obras da natureza. Portanto, não há necessidade de postular um grande designer do mundo. Veja a seguir uma visão comum da aparente destruição de Darwin do argumento do desígnio:

Tem sido geralmente aceito (então e agora) que a doutrina da seleção natural de Darwin efetivamente demoliu o clássico argumento do desígnio de William Paley para a existência de Deus. Ao mostrar como a adaptação cega e gradual poderia falsificar o projeto aparentemente proposital que Paley [...] e outros tinham observado nos artifícios da natureza, Darwin os privou de seu argumento da inferência analogica que o proposito evidente a ser observado nos artifícios pelo qual os meios e os fins estavam relacionados na natureza era necessariamente uma função da mente (GILLESPIE, 1979, p. 83-84, tradução nossa).

Enquanto que a teoria de Darwin providenciou claramente uma alternativa

significativa para uma historia grandiosa da criação sobre as obras da natureza, pelo menos duas respostas podem ser oferecidas quanto à sua aparente força destrutiva para o argumento do desígnio. Em primeiro lugar, como veremos a seguir, nem todo mundo está convencido de que um relato puramente naturalista, não intencional fornece uma explicação completa de toda a flora e a fauna que existem no mundo natural. Em segundo lugar, mesmo tendo em conta uma visão darwiniana total das coisas, o defensor do argumento do desígnio poderia afirmar que este processo evolutivo e o proprio metodo pelo qual o designer está realizando suas intenções e propositos para o mundo. Um argumento semelhante a este e levantado por F. R. Tennant (1956).

Na verdade, o proprio Darwin pode ter mantido este ponto de vista,

pelo menos em um ponto em sua carreira. No ano seguinte ao que ele publicou A Origem das Especies, ele disse o seguinte em duas cartas (de 22 de Maio e 26 de Novembro de 1860, respectivamente) ao biologo de Harvard, Asa Gray [estas cartas estão disponíveis em português na obra organizada por Burkhardt, Evans e Pearn (2009)]:

Estou inclinado a olhar para tudo como resultado de leis designadas, com os detalhes, seja bom ou ruim, deixados para a elaboração de que

DICAS

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

219

podemos chamar de acaso [...] (DARWIN apud MARTIN, 2010, p. 162, tradução nossa).

Eu não posso pensar que o mundo como o vemos e o resultado do acaso; entretanto eu não posso olhar para cada coisa separada como o resultado de um desígnio (DARWIN apud RUSE, 2008, p. 273, tradução nossa).

No entanto, as refutações de Hume, combinadas com a explicação

evolucionista de Darwin dos organismos vivos, afundaram o argumento do desígnio no seculo XIX e no início ate meados do seculo XX (DAWKINS, 2005; GOULD, 1993; LIMA FILHO, 2015; BRAUSTEIN, 2014; BIZZO, 2007, 2010). No entanto, ele foi “ressuscitado” na segunda metade do seculo XX em uma variedade de formas e ate agora e provavelmente o argumento mais amplamente discutido e influente para a existência de Deus. Duas das versões recentes mais importantes são o ajuste fino (fine-tuning) e argumentos do design inteligente. Vamos primeiro dar uma olhada no ajuste fino.

Charles Darwin (1809-1882) foi um naturalista Inglês que é considerado um dos pensadores mais influentes na história da civilização ocidental. Suas observações feitas durante sua viagem de cinco anos no Beagle foram fundamentais no desenvolvimento de sua teoria da seleção natural. Seu livro, A Origem das Espécies (1859), estabeleceu a evolução pela descendência comum como a explicação científica central para o desenvolvimento e a diversificação dos organismos biológicos. Em A descendência do Homem (1871), ele aplicou sua teoria diretamente aos seres humanos. Para uma leitura excelente da biografia de Darwin veja a obra de Desmond e Moore (2007) e assista aos documentários: Charles Darwin – a origem das espécies (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0d6PyLs82S0>. Acesso em: 30 jul. 2015) e Charles Darwin: documentário (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pyb3_bn_Gfs>. Acesso em: 30 jul. 2015).

3 O ARGUMENTO DO AJUSTE FINO

Alguns estudiosos que acreditam que as estruturas “meios para fins”, aparentemente propositais no reino da biologia, podem ser totalmente explicadas por processos evolutivos naturais, tambem sustentam que certos aspectos não biologicos ou inorgânicos do universo são mais bem explicados por meio de um designer inteligente. Alguns argumentaram que as leis fundamentais e os parâmetros da física e as condições iniciais do universo são extraordinariamente equilibradas, ou "ajustadas finamente", com as condições precisas e ideais para a vida ocorrer e florescer. Robin Collins (2013), por exemplo, um dos defensores mais importantes do argumento teleologico do ajuste fino, afirma que as condições iniciais do universo são equilibradas no “fio de uma navalha” para a existência da vida. Dezenas de tais parâmetros e condições foram propostos, incluindo os

NOTA

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220

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

seguintes, descrito por Collins (1999):

1. Se a explosão inicial do big bang diferisse em força por tão pouco quanto uma parte em 1060, o universo teria rapidamente entrado em colapso sobre si mesmo ou expandido rápido de mais para que as estrelas pudessem se formar. Em ambos os casos, a vida seria impossível. (Uma precisão de uma parte em 1060 pode ser comparada ao disparar uma bala em um alvo de uma polegada no outro lado do universo observável, vinte bilhões de anos luz de distância, e acertar o alvo).

2. Os cálculos indicam que se a força nuclear forte, a força que une os protons e nêutrons juntos em um átomo, tivesse sido mais forte ou mais fraca por tão pouco quanto cinco por cento, a vida seria impossível.

3. Cálculos feitos por Brandon Carter mostram que se a gravidade fosse mais forte ou mais fraca por uma parte em 1040, então, as estrelas que sustentam a vida, como o sol, não poderiam existir. Isto tornaria provavelmente a vida impossível.

4. Se o nêutron não fosse cerca de 1.001 vezes a massa do proton, todos os protons se deteriorariam em nêutrons ou todos os nêutrons se deteriorariam em protons e, assim, a vida não seria possível.

5. Se a força eletromagnetica fosse ligeiramente mais forte ou mais fraca, a vida seria impossível, por uma variedade de diferentes razões.

Muitos dos parâmetros e condições são aparentemente não relacionados e,

se assim for, isto reduz mais ainda a probabilidade de sua ocorrência por acaso. As opções explicativas são basicamente limitadas a três: o ajuste fino dos parâmetros e condições ocorreram por acaso, por necessidade, ou por design inteligente.

Assim, podemos esboçar um argumento teleologico do ajuste fino da

maneira mostrada no quadro abaixo.

QUADRO 13 – UM ARGUMENTO TELEOLÓGICO DO AJUSTE FINO

1O ajuste fino do universo aconteceu por acaso, ou por necessidade, ou por um

design inteligente.2 O ajuste fino do universo não aconteceu por acaso ou por necessidade.3 Portanto, o ajuste fino do universo aconteceu por um design inteligente.

FONTE: O autor

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

221

3.1 AS RESPOSTAS AO ARGUMENTO DO AJUSTE FINO

Não e surpresa que vários estudiosos discordam que o design inteligente deve ser reivindicado a fim de explicar a existência dos parâmetros "ajustados finamente" e das condições iniciais do universo. A premissa do argumento de que e principalmente desafiada e a segunda: O ajuste fino do universo não aconteceu por acaso ou por necessidade. Vamos considerar três respostas proeminentes.

3.1.1 A hipótese dos muitos universos

Uma maneira de explicar o nosso universo finamente ajustado sem postular um designer inteligente e sugerir que há um número muito grande de universos, talvez um número infinito deles. Dado este elevado número, não e surpreendente que, pelo menos, um deles (o nosso neste caso) inclui condições e parâmetros iniciais que permitem a vida. Embora seja mais provável que um universo decorrente do acaso inclua parâmetros avessos à vida, se o número de universos e grande o suficiente, certamente alguns deles teriam exatamente os parâmetros certos para a vida. Felizmente para nos, o nosso universo e um destes. Enquanto escritores de ficção científica têm desfrutado de muito sucesso na criação de tais cenários, os recentes avanços na teoria das cordas e na cosmologia inflacionária tambem conduziram os estudiosos a levar a serio a noção de universos múltiplos.

Os críticos, no entanto, observam que não há atualmente nenhuma evidência experimental em apoio das hipoteses dos muitos universos. Embora haja algum apoio na física para a teoria das cordas e para a cosmologia inflacionária, elas são atualmente provisorias e altamente especulativas (GREENE, 2001). Alem disso, como filosofo Robin Collins alegou, mesmo que haja um número infinito de universos, parece que eles devem ser produzidos por algum tipo de "gerador de muitos universos". Tal dispositivo, no entanto, necessitaria ser em si mesmo finamente ajustado, e, portanto, na necessidade de uma explicação que conduziria a um designer inteligente. Este argumento tambem e levantado por Craig (2007). Collins (2013) argumenta que ate mesmo um mecanismo simples como uma máquina de fazer pão precisa ser bem projetada para produzir pães. Quanto mais um fabricante de universos que produz universos finamente ajustados como o nosso proprio.

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222

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Assista ao vídeo de Brian Greene, O Multiverso e a Teoria de Cordas, publicado pela TED. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4zZnX1BOBCU>. Acesso em: 30 jul. 2015.

3.1.2 O princípio antrópico

Existem diferentes versões do princípio antropico ("antropico", que significa relacionado aos seres humanos). Um excelente artigo introdutorio a estas versões e o de Comitti (2011). A versão mais difundida destas e o que os físicos John Barrow e Frank Tipler chamam de o Princípio Antropico Fraco (ou suave), WAP (da sigla em inglês, Weak Anthropic Principle). Aqui está a definição que eles oferecem:

O Princípio Antropico Fraco (WAP): Os valores observados de todas as quantidades físicas e cosmologicas não são igualmente prováveis, mas eles carregam valores limitados pela exigência de que existem locais onde a vida baseada em carbono pode evoluir e pela exigência de que o Universo seja velho o suficiente para que ele já tenha feito isso (BARROW; TIPLER, 1988, p. 15, tradução nossa).

Eles tambem observam uma característica central que emerge deste princípio:

As características básicas do Universo, incluindo propriedades tais como a sua forma, tamanho, idade e as leis da mudança, devem ser observadas como sendo de um tipo que permite a evolução de observadores, pois, se a vida inteligente não evoluísse em outro universo possível, seria obvio que ninguem estaria perguntando sobre a razão do tamanho, da forma, da idade observada do Universo, e assim por diante (BARROW; TIPLER, 1988, p. 1-2).

Em outras palavras, se as leis físicas e as constantes do universo não fossem exatamente como elas são, justamente afinadas para a vida, não estaríamos aqui para perceber esse fato. Não haveria observadores em um universo que não tivesse as condições necessárias para a vida. Assim, uma vez que estamos aqui para observá-los, não devemos nos surpreender que as condições sejam exatamente certas para a vida, mesmo que vivamos em um universo puramente naturalista. Portanto, não há necessidade de se conjecturar um designer inteligente do universo.

Em resposta, pode-se argumentar que o nosso estar aqui para reconhecer o

ajuste fino nem nega o assombro das condições, tampouco elimina a necessidade de uma explicação pelo design inteligente. Richard Swinburne (1979, p. 138, tradução nossa) utiliza a seguinte analogia para demonstrar este ponto.

DICAS

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

223

Suponha que um louco sequestra uma vítima e fecha-a em um quarto com uma máquina de embaralhar cartas. A máquina embaralha dez maços de cartas ao mesmo tempo e, em seguida, tira uma carta de cada maço e exibe simultaneamente as dez cartas. O sequestrador diz à vítima que ele logo irá pôr a máquina a trabalhar e ela apresentará a primeira tirada, mas que a menos que o sorteio consista em um ás de copas de cada maço, a máquina simultaneamente desencadeará uma explosão que vai matar a vítima, em consequência da qual não poderemos ver quais foram as cartas que a máquina sacou. A máquina e então posta a trabalhar, e para assombro e alívio da vítima a máquina apresenta um ás de copas tirado de cada maço. A vítima pensa que este fato extraordinário precisa de uma explicação em termos da máquina ter sido manipulada de alguma forma. Mas o sequestrador, que agora aparece, lança dúvidas sobre esta sugestão. ‘Não e de surpreender’, diz ele, ‘que a máquina sacou apenas ases de copas. Você não poderia possivelmente ver qualquer outra coisa. Por que você não estaria aqui para ver qualquer coisa, se qualquer outra carta tivesse sido sacada’. Mas e claro que a vítima está certa e o sequestrador está errado. Há algo extraordinariamente na necessidade de uma explicação no fato dos dez ases serem sacados. O fato de que esta ordem em particular e uma condição necessária do sorteio a ser percebido, em absoluto torna o que e percebido menos extraordinário ou sem a necessidade de explicação.

O debate volta-se então sobre a questão de se essas "coincidências

antropicas" são mais razoavelmente assumidas como sendo acidentais ou intencionais (POLKINGHORNE, 2007; HORVATH, 2007).

3.1.3 Quem projetou o projetista?

Uma terceira resposta ao argumento do ajuste fino e que apresentar um designer inteligente como uma explicação para o universo finamente ajustado simplesmente move o debate um passo atrás, pois então podemos fazer a pergunta, "Quem projetou o projetista?" Em seu já familiar diálogo sobre a religião, David Hume (1992, IV, p. 64) levanta essa objeção:

Como, então, poderíamos nos dar por satisfeitos com relação à causa daquele Ser que você toma como o Autor da Natureza, ou, de acordo com seu sistema antropomorfico, daquele Mundo Ideal no qual você encontra a origem do mundo material? Não teríamos iguais razões para buscar a origem desse mundo ideal em outro mundo ideal, ou princípio intelectivo? Mas, se nos detemos em algum ponto e não avançamos mais, de que serve ter avançado ate aí? Como poderíamos nos dar por satisfeitos sem avançar in infinitum? E que satisfação, afinal, encontraríamos nessa progressão infinita? Recordemo-nos da historia do indiano e seu elefante [o filosofo indiano disse que o mundo estava descansando na parte traseira de um elefante, e o elefante estava descansando na parte traseira de uma grande tartaruga, e a tartaruga na parte traseira de algo que não sabia o quê]: ela nunca foi tão adequada como ao presente assunto. Se o mundo material repousa sobre um mundo ideal semelhante, este mundo ideal deve repousar sobre algum outro, e assim indefinidamente. Seria melhor, portanto, jamais lançar os

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

olhos para alem do mundo material presente. Ao supor que ele contem em si mesmo o princípio de sua propria ordem, estamos, na realidade, afirmando que ele e Deus; e quanto antes chegarmos àquele Ser Divino, tanto melhor para nos. Quando você dá um passo alem do sistema mundano, apenas excita uma disposição inquisitiva que jamais poderá ser satisfeita.

Em outras palavras, mesmo se pudermos explicar o ajuste fino aparente do mundo como sendo o produto de um projetista (designer) inteligente, este designer deve ter uma mente que e tão "finamente ajustada" quanto o mundo natural. Assim, o designer tambem está na necessidade de uma explicação, do mesmo modo o designer do designer, e assim por diante. Se entrarmos na disputa da necessidade de uma explicação para o design aparente, este processo continua indefinidamente. Todavia, por que adicionar hipoteses desnecessariamente? Por que não simplesmente parar com o mundo físico? Essa argumentação, por exemplo, e levantada por Dawkins (2005).

Para entender as críticas de Dawkins em sua obra O Relojoeiro Cego (2005), veja também o documentário homônimo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MaQRMwwtQQc>. Acesso em: 30 jul. 2015.

4 O ARGUMENTO DO DESIGN INTELIGENTE

Outra forma recente do argumento teleologico e muitas vezes referida como o argumento do design inteligente. Este argumento está enraizado no trabalho que está sendo feito por um grupo de filosofos, cientistas e outros que fazem parte do Movimento do Design Inteligente. O que os membros deste grupo têm em comum e a crença de que certos metodos de probabilidade podem ser utilizados para determinar se um dado sistema biologico foi projetado. William Dembski, um líder no movimento, argumenta que "demonstrando o design transcendente do universo e uma inferência científica, e não um sonho filosofico fantástico" (2005, p. 223, tradução nossa). Ele desenvolveu o que ele chama de um Filtro Explicativo (Explanatory Filter) para a detecção de design. Em forma simplificada, o filtro faz três perguntas na seguinte ordem:

1. Será que uma lei explica isso?2. Será que o acaso explica isso?3. Será que o design explica isso?

DICAS

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

225

Movimento do Design Inteligente: o movimento do design inteligente começou na década de 1980, e inclui filósofos, cientistas e outros estudiosos que consideram a visão darwiniana de que causas naturais não dirigidas poderiam produzir toda a diversidade e complexidade da vida como inadequada, e que propõem um programa de investigação em que causas inteligentes se tornam a chave para o entendimento dessa diversidade e complexidade. Personagens principais do movimento incluem Phillip Johnson, Michael Behe, William Dembski, Paul Nelson e Stephen Meyer.

Primeiro, deve-se tentar determinar se a lei (ou seja, a regularidade/necessidade) explica melhor um evento, objeto ou estrutura. Se um evento (vamos usar "evento" aqui para significar um evento, objeto ou estrutura) tem uma alta probabilidade de ocorrer, então e explicável por lei. Por exemplo, a subida da mare do Atlântico duas vezes por dia e um evento regular, e mais bem explicável pelas leis da natureza. No entanto, se a lei não explica um evento, então, nos voltamos ao acaso. Por exemplo, se eu rodar uma roleta, eu uso o acaso para explicar porque a roda parou onde parou (e claro, onde a roleta para não e na verdade uma questão de sorte/acaso, pois há leis da natureza bem específicas que determinam onde ela irá parar. Nos nos referimos a isso como sorte/acaso porque nos não sabemos onde, precisamente, as leis da natureza irão causar a roleta a parar. Poderia argumentar-se que somente em um nível quântico há o verdadeiro acaso, ou talvez que não há acasos em absoluto). Em seguida, a fim de eliminar o acaso e concluir com o design como a melhor explicação de um evento, Dembski aplica o que ele chama de complexidade especificada (specified complexity), para a qual ele oferece a seguinte descrição:

Uma única letra do alfabeto e especificada sem ser complexa (ou seja, está de acordo com um padrão dado independentemente, mas e simples). Uma longa sequência de letras aleatorias e complexa sem ser especificada (ou seja, requer um conjunto de instruções complicadas para caracterizar, mas não está em conformidade com nenhum padrão dado independentemente). Um soneto de Shakespeare e tanto complexo quanto especificado (Dembski, 1999, sem paginação, tradução nossa).

O algoritmo do filtro explicativo está diagramado na figura seguinte.

IMPORTANTE

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226

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

FIGURA 6 – O ALGORITMO DO FILTRO EXPLICATIVO

FONTE: O autor

Assim, se houver eventos, objetos ou estruturas no mundo natural que sejam ao mesmo tempo complexos e especificados, Dembski conclui que são melhor explicados pelo design.

Um exemplo que os defensores do design inteligente usam muitas

vezes como um caso de complexidade especificada na natureza são os sistemas “irredutivelmente complexos". A pessoa que cunhou o termo (complexidade irredutível) e o bioquímico Michael Behe. Behe (1997, p. 39) o define desta forma:

Por irredutivelmente complexo quero dizer um sistema único composto por várias partes que interagem bem combinadas que contribuem para a função básica, onde a remoção de qualquer uma das partes faz com que o sistema efetivamente deixe de funcionar. Um sistema irredutivelmente complexo não pode ser produzido diretamente (isto e, melhorar continuamente a função inicial, continuando a funcionar pelo mesmo mecanismo) por modificações suaves e sucessivas de um sistema precursor, porque qualquer precursor de um sistema irredutivelmente complexo, no qual está faltando uma parte, e, por definição, não funcional. Um sistema biologico complexo, se há uma coisa dessas, seria um poderoso desafio à evolução darwiniana.

Behe usa a analogia simples de uma ratoeira para demonstrar seu ponto.

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

227

FIGURA 7 – RATOEIRA PADRÃO

FONTE: O autor

Uma ratoeira típica consiste de um martelo, uma mola, uma barra de proteção e uma plataforma ou base à qual todas as outras partes estão conectadas. Cada uma dessas partes e um componente necessário para a captura do rato, e em conjunto as partes constituem uma condição suficiente para a captura de um rato. Se qualquer uma das partes que compõe a armadilha estivesse ausente, ela não iria funcionar como um dispositivo de captura do rato. É, portanto, um mecanismo complexo irredutível na medida em que não pode ser reduzido em termos de componentes e ainda assim funcionar como uma ratoeira.

O argumento de Behe, então, e que o mundo bioquímico tem uma serie

de sistemas que consistem de partes interdependentes calibradas finamente que não funcionariam sem que cada um dos seus componentes operasse em conjunto. Estes sistemas, sendo irredutivelmente complexos, não podem, portanto, ser explicados pelo gradualismo e pela seleção natural da teoria da evolução. Postular um designer para eles e uma hipotese muito melhor.

Um exemplo primário que Behe usa de um sistema bioquímico

irredutivelmente complexo e o flagelo bacteriano ("flagelo" e derivado do latim flagellum e significa um chicote ou chibata). No início de 1970, certas bacterias foram vistas a deslocar-se ao girar seus flagelos, ou cauda tipo-chicote, que giram em altas taxas de velocidade, alguns deles centenas de rotações por segundo. A estrutura destas bacterias inclui o que e comparado a um motor de popa. Como indica a figura a seguir, existe um número de componentes diferentes (cerca de quarenta no total) que trabalham em conjunto no movimento das bacterias, incluindo um gancho, um filamento, um estator e um rotor (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012).

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

FIGURA 8 – O MOTOR DO FLAGELO BACTERIANO, UM EXEMPLO DE UM MECANISMO "IRREDUTIVELMENTE COMPLEXO"

FONTE: Disponível em: <http://creationwiki.org/pool/images/f/fb/627px-Flagellum_base_diagram_pt.svg.png>. Acesso em: 1º jul. 2015.

O que interessa aqui e que as quarenta partes das quais este motor flagelar consiste aparentemente em serem organizadas exatamente assim. Se qualquer uma delas estiver mal colocada ou ausente, o "motor" não vai funcionar. É, portanto, um mecanismo complexo irredutível. Os defensores do argumento do design inteligente afirmam que e mais razoável acreditar que um designer inteligente esteve envolvido na criação de um sistema deste tipo do que o sistema ter se desenvolvido gradualmente atraves de processos darwinianos naturalistas. Pois a menos que o mecanismo e totalmente funcional, a seleção natural não teria nenhum motivo para preservá-lo.

Behe (2007) levantou novas argumentações a favor da complexidade irredutível no decorrer dos anos. Todavia, todas elas sofreram respostas contra-argumentativas, por exemplo, as argumentações de Kenneth R. Miller (2002) e Jonh H. Mcdonald (2011), o que gerou respostas de Behe (2000) e um vívido debate que ainda continua.

Um argumento do design inteligente pode, assim, ser apresentado sob a

forma indicada no quadro seguinte.

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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QUADRO 14 – UM EXEMPLO DO ARGUMENTO DO DESIGN INTELIGENTE

1Se houver eventos, objetos ou estruturas no mundo natural, que são complexas e especificadas,

então e razoável concluir que elas são o resultado de design.

2Existem eventos, objetos ou estruturas no mundo natural, como sistemas moleculares

irredutivelmente complexos, que são ao mesmo tempo complexos e especificados.3 Portanto, e razoável concluir que eles são o resultado de um design.

FONTE: O autor

4.1 OBJEÇÕES AO ARGUMENTO DO DESIGN INTELIGENTE

Existem inúmeras objeções ao argumento do design inteligente. Abaixo estão duas bem significativas, a primeira focada na premissa 1 e a segunda focada na premissa 2.

4.1.1 Objeção 1: o argumento do design inteligente assenta-se sobre pressupostos filosóficos contenciosos, em vez de inferência científica

Uma objeção a filtro explicativo de Dembski e que ele pressupõe que se não houver um processo científico conhecido pelo qual se possa explicar o fenômeno em questão, então isso e motivo suficiente para concluir que não existe tal processo. No entanto, e uma afirmação contenciosa de que simplesmente porque um evento e inexplicável perante as leis e os processos naturais atualmente conhecidos, então, seria melhor explicável pelo design inteligente. Isto levanta uma serie de preocupações epistemologicas, não sendo a menor das quais que ele parece violar a propria natureza do metodo científico da descoberta; ou seja, a busca de explicações do fenômeno natural contingente em termos de princípios, leis e processos físicos. Como um estudioso diz "acontece que identificar decisivamente uma instância de [complexidade especificada] requer compromisso de pressupostos filosoficos que não são eles proprios concomitantes com a prática da ciência" (O’CONNOR, 2003, p. 69, tradução nossa).

Em resposta, pode-se argumentar que o filtro do design está proporcionando

o melhor processo de descoberta perante a evidência científica disponível e o metodo mais razoável para explicar os eventos. Se uma nova evidência conduzir a uma explicação naturalística não intencional e não proposital do evento, então a explicação do design pode ser revogada. Claro, pode-se sustentar que todas as explicações biologicas devem incluir explicações naturalistas não intencionais, e não propositais. Mas fazer disso uma suposição metafísica a priori antes de examinar a evidência pode muito bem ser vies injustificado contra a propria possibilidade do design inteligente.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

4.1.2 Objeção 2: desafios para os alegados exemplos de complexidade irredutível

Um segundo tipo de objeção enfoca os exemplos oferecidos como sendo irredutivelmente complexos. Um desafiante central dos exemplos de complexidade irredutível de Behe e o professor de biologia Kenneth Miller. Miller (2002, p. 75, tradução nossa) oferece a seguinte crítica ao flagelo bacteriano como prova da complexidade irredutível:

A evolução produz máquinas bioquímicas complexas ao copiar, modificar e combinar proteínas previamente usadas para outras funções. A procura de exemplos? O sistema no ensaio de Behe já dá conta do recado. Ele escreve que, na ausência de ‘praticamente qualquer uma’ de suas partes, o flagelo bacteriano ‘não funciona’. Mas adivinhem? Um pequeno grupo de proteínas do flagelo funciona sim sem o resto da máquina, e usado por muitas bacterias como um dispositivo para injetar venenos em outras celulas. Embora a função realizada por esta pequena parte quando funciona sozinha e diferente, do mesmo modo pode ser influenciada pela seleção natural.

A objeção e simples. O flagelo e um caso de complexidade redutível, não de

complexidade irredutível, uma vez que, pelo menos, alguns dos seus componentes têm uma função sem o flagelo tomado como um todo. A seleção natural poderia, então, ter favorecido esses componentes individuais no desenvolvimento evolutivo do flagelo; nenhuma hipotese do design inteligente e necessária e, portanto, a analogia da ratoeira e falha. Ele continua:

Ironicamente, o proprio exemplo de Behe, a ratoeira, mostra o que há de errado com a ideia. Tirando duas partes (o gancho e a barra de metal), você pode não ter uma ratoeira, mas você terá uma máquina de três partes que serve como um clipe de gravata ou clipe de papel totalmente funcional. Se tirar a mola, você tem um chaveiro de duas partes. O gancho de algumas ratoeiras pode ser usado como um anzol e a base de madeira como um peso de papel [...]. O ponto, que a ciência compreendeu a muito tempo, e que pedaços e peças de máquinas supostamente irredutivelmente complexas podem ter diferentes, mas ainda úteis, funções (MILLER, 2002, p. 75, tradução nossa).

Uma refutação à objeção de Miller e que enquanto há funções específicas

de proteínas individuais antes que elas formem juntas e se tornem um flagelo bacteriano, assim como pode haver funções individuais de algumas das partes de uma ratoeira, há ainda a dificuldade de explicar como todas as partes individuais formaram-se em conjunto na máquina complexa tipo flagelo. Clipes, anzois e chaveiros não se coadunam em ratoeiras sem um plano projetado e ainda, alega-se que as inter-relações das proteínas elementares que compõem o motor flagelar têm superfícies que são muito menos adequadamente combinadas, se integrada de forma aleatoria, do que as partes da ratoeira. Alem disso, nesse momento somente dez por cento das quarenta partes de motor do flagelo são encontradas em outras estruturas da celula, e assim as outras partes do sistema carecem de uma explicação darwiniana (BEHE, 2007).

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TÓPICO 5 | ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

231

Evidente que se pode responder que a observação de que não existe nenhuma explicação naturalista atual para as inter-relações das proteínas, ou para as outras partes do sistema, ou para a sua união, não implica que não há nenhuma explicação. E isso nos leva de volta à objeção 1, que o argumento do design inteligente se baseia em certos pressupostos filosoficos em vez de inferência científica.

Para uma crítica mais avançada do argumento do Design veja John Leslie Mackie (1994), El Milagre del Teísmo, nas páginas 83-102. Um excelente vídeo que retrata uma batalha jurídica que ocorreu em Dover, nos Estados Unidos, sobre o ensino da evolução e do design inteligente é o documentário “Dia do julgamento: Design Inteligente Na Corte”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=p_YZpa5M-DY>. Acesso em: 25 jul. 2015. Veja também o debate “Criacionismo x Evolucionismo” da SESC TV, mediado por Mario Cortella. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=53JrgU1-W78>. Acesso em: 26 jul. 2015.

DICAS

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico vimos que: • O argumento do desígnio teve uma historia tumultuada. Tudo começou com os

antigos gregos e os povos da Índia do Vale do Indo cerca de 2.000 anos atrás, mas atingiu o seu auge no seculo XIX, com William Paley. A versão de Paley do argumento, e sua analogia do relogio, chamou a atenção generalizada.

• Atraves dos escritos de David Hume e a teoria revolucionária de Charles Darwin da evolução, o argumento do desígnio ficou suspenso no ocidente por cerca de um seculo.

• Nas últimas decadas, o argumento do desígnio tem experimentado uma especie de renascimento. Há agora uma variedade de argumentos do desígnio que são discutidos em monografias, compêndios e periodicos acadêmicos. Um tipo deste argumento e o ajuste fino (fine-tuning).

• Utilizando descobertas na física e da cosmologia, os defensores do argumento “ajuste fino” afirmam que as leis fundamentais, os parâmetros da física e as condições iniciais do universo estão finamente ajustados para a vida em nosso universo. Eles afirmam que, dado os limites estreitos de dezenas de leis e constantes físicas, um grande designer os explica melhor do que o faz o acaso ou a necessidade.

• Uma variedade de explicações alternativas foi oferecida para o aparecimento do design. Essas explicações incluem a hipotese de muitos universos e o princípio antropico.

• O argumento do desígnio tambem levanta a questão (petição de princípio) de quem projetou o projetista e quem projetou o primeiro, e assim por diante. Por que não basta determo-nos com o proprio universo?

• Outro tipo de argumento teleologico nos últimos tempos e o argumento do “design inteligente”. Seus principais defensores incluem William Dembski e Michael Behe. Eles estão propondo um programa de pesquisa em que as causas inteligentes estejam incluídas como um componente para a compreensão da diversidade e da complexidade da vida.

• Objeções a esse movimento são multifacetadas e incluem tanto os desafios de suas bases teoricas, bem como à suposta evidência científica em apoio ao mesmo.

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233

• Atualmente, há muita atividade acadêmica que ocorre relativas aos argumentos do desígnio. Alguns estão convencidos de que um ou mais dos argumentos apontam para um grande designer do cosmos; outros estão convencidos de que eles não o fazem; e outros ainda estão indecisos. Em qualquer caso, Paley e Hume estariam, talvez, satisfeitos de saber que seus legados sobre este tema continuam ate os nossos dias ... sem um fim à vista.

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234

Vários argumentos teleologicos foram formulados ao longo dos anos para evidenciar a existência divina. Normalmente os argumentos podem ser expostos em uma serie de premissas seguidas de uma conclusão. Veja o seguinte argumento:

1 - Artefatos (como um relogio), com suas configurações de meios para fins, são os produtos de desígnios (humanos).

2 - As obras da natureza, tais como a mão humana, se assemelham a artefatos.3 - Assim, as obras da natureza são, provavelmente, os produtos de desígnio.4 - Alem disso, as obras da natureza são muito maior em número e maior em

complexidade.5 - Por isso, as obras da natureza foram, provavelmente, os produtos de um

grande designer – muito mais poderoso e inteligente do que um designer humano.

Assinale abaixo a alternativa correta sobre qual foi o argumento descrito acima.

a) Argumento Teleologico do Ajuste Fino.b) Argumento do Desígnio de Paley.c) Argumento da Razão Suficiente.d) Argumento do Design Inteligente.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 6

ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Nos dois últimos topicos examinamos os argumentos cosmologicos e teleologicos, ambos focados em alguma característica do universo, concluíram que Deus deve ser postulado como a explicação para estas características (argumento cosmologico) ou que estas apontam para um designer do universo (argumento teleologico). Estes argumentos são a posteriori, pois são baseados em premissas que podem ser conhecidas somente pela experiência do mundo. Outro tipo de argumento tenta demonstrar que a não existência de Deus e impossível, este e o argumento ontologico. É bem singular entre os argumentos tradicionais para a existência de Deus na medida em que e um argumento a priori, pois está baseado em premissas que supostamente podem ser conhecidas independentemente da experiência do mundo.

O argumento ontologico tem atormentado os filosofos, ateus e não teístas

igualmente, por seculos. Existem diferentes versões do argumento, e estaremos incluindo aqui o que são, talvez, duas de suas mais fortes formulações: o argumento clássico de Anselmo e o argumento contemporâneo de Plantinga.

Argumento ontológico: deriva dos termos gregos ontos (ser) e logos (narrativa racional). O argumento ontológico, desenvolvido pela primeira vez por Santo Anselmo de Cantuária, assume uma variedade de formas. O tema comum entre eles é que eles começam a priori, procedendo a partir do mero conceito de Deus, e concluem que Deus deve existir.

IMPORTANTE

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236

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

2 O ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE ANSELMO

Um dos pensadores mais criativos da Idade Media foi Santo Anselmo de Cantuária (1033-1109). Ele era tanto um monge devoto quanto um apologista da ortodoxia cristã, e todos os seus escritos são centrados sobre a teologia cristã, para explicá-la ou defendê-la. Dois de seus livros, o Monologion (1988) e o Proslogion (2008), incluem argumentos para a existência de Deus. No primeiro trabalho, os argumentos de Anselmo são complexos e provavelmente não muito eficazes em convencer os outros de suas conclusões. No Proslogion ele procura:

um único argumento que não necessitasse de nenhum outro para se demonstrar, e que bastasse por si mesmo para garantir que Deus existe verdadeiramente, que ele e o Sumo Bem, sem nada de outra coisa precisar, do qual todas as coisa têm necessidade para existir, e bem existir [...] (ANSELMO, 2008, p. 7).

Anselmo desejava um argumento que não fosse falhar em convencer os outros de sua verdade, e ele acreditava que ele tinha feito isso com o argumento ontologico. Este argumento foi desenvolvido pela primeira vez por Anselmo no Livro II de sua Proslogion, e alguns têm argumentado que ele apresenta diferentes versões dele nos Livros II e III. Para os nossos propositos, vamos concentrar-nos no argumento, tal como apresentado no Livro II, um comentário reflexivo sobre uma passagem do livro de Salmos do Antigo Testamento que se lê "Disse o nescio no seu coração: Não há Deus" (SALMOS 14.1, ACF – BÍBLIA, 1994).

Assim, pois, Senhor, tu que dás a inteligência da fe, dá-me, tanto quanto aches bem, que eu compreenda que tu existes como nos <o> acreditamos que tu es o que nos acreditamos. Nos acreditamos, com efeito, que tu es ‘alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado’. Será que não existe uma tal natureza, uma vez que o ‘insensato disse no seu coração: ‘Deus não existe’?’ Mas certamente este mesmo insensato, quando ouve isto que eu digo – ‘alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado’, compreende o que ouve, o que ele compreende existe na sua inteligência, mesmo se ele não compreende que isso existe <na realidade>. Porque uma coisa e que certa realidade esteja no intelecto, outra e compreender que tal realidade existe. De facto, quando um pintor pensa antes o que vai fazer, tem na inteligência o que ainda não fez, mas de modo nenhum compreende que exista o que ainda não fez. Pelo contrário, quando já o pintou, tem na inteligência o que já fez e compreende que isso existe <na realidade>. Mesmo o insensato está, pois, convicto de que ‘alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado’ existe pelo menos no intelecto: porque ele compreende-o quando o ouve, e tudo o que e compreendido existe no intelecto.Mas, sem dúvida, ‘aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado’ não pode existir unicamente no intelecto. Se, na verdade, existe pelo menos no intelecto, pode pensar-se que exista tambem na realidade, o que e ser maior. Se, pois ‘aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado’ existe apenas no intelecto, então ‘aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado’ e ‘algo maior do que o qual algo pode ser pensado’. Mas isto, <como e evidente>, e claramente impossível. Existe, pois, sem a menor dúvida, ‘alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado’ tanto no intelecto como na realidade (ANSELMO, 2008, p. 12).

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TÓPICO 6 | ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

237

Santo Anselmo de Cantuária (1033-1109) foi um dos principais pensadores cristãos do século XI. Ele era o arcebispo de Cantuária e se opôs às Cruzadas, enquanto mantinha seu posto. Ele é mais conhecido hoje por seu argumento ontológico, mas seu trabalho na teologia natural e na teologia filosófica vai bem além disso. Ele também desenvolveu outros argumentos para a existência de Deus e escreveu sobre assuntos, tais como a natureza de Deus, a encarnação, o livre-arbítrio, o pecado e a redenção. Seus trabalhos incluem o Monologion, o Proslogion, e o Cur Deus homo (Por que Deus se fez homem?).

A escrita aqui e um pouco evasiva e, assim, presta-se a diferentes interpretações (OPPY, 2007; UCKELMAN, 2013). Aqui está uma forma de explicar o argumento:

1. Todo mundo (ate mesmo o ateu) e capaz de entender pelo termo "Deus" um ser do qual nenhum maior pudesse ser concebido.

2. Assim, um ser, do qual nenhum maior pode ser concebido, existe na mente (ou seja, no entendimento) quando se ouve falar de tal ser.

3. Podemos conceber um ser do qual nenhum maior pode ser concebido que existe tanto na mente e na realidade.

4. Existir na realidade e maior do que existir somente na mente.5. Se, portanto, um ser, do qual nenhum maior pode ser concebido, existe somente

na mente e não na realidade, não e um ser do qual nenhum maior pode ser concebido.

6. Portanto, um ser do qual nenhum maior pode ser concebido existe na realidade. Vamos descompactar o argumento. Primeiro, a premissa 1 e bastante

simples. Não está fazendo quaisquer afirmações sobre se Deus existe ou não. Está simplesmente alegando que qualquer pessoa racional deve ser capaz de entender o que se quer dizer quando se define Deus como um ser do qual nenhum maior pode ser concebido (ou seja, o maior ser que se possa imaginar). Negar que Deus existe e negar que existe um ser do qual nenhum maior pode ser concebido. Parece que ate mesmo um ateu poderia, ao menos, conceder a Anselmo esta definição.

A segunda premissa está levantando o ponto de que em certo sentido um

ser do qual nenhum maior pode ser concebido existe na mente daquele que entende o conceito. A fim de afirmar ou negar a existência de um ser do qual nenhum maior pode ser concebido, e necessário entender o que e que está sendo afirmado ou negado. Então, um ser superior do qual nenhum maior pode ser concebido existe, pelo menos, como uma entidade mental ou um conceito, se este e afirmado ou negado. É importante notar aqui que existem várias maneiras que as coisas podem existir (ou, vários modos de existência):

a) na mente, mas não na realidade (exemplos incluem unicornios, centauros,

NOTA

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238

UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

papai-noel);b) na realidade, mas não na mente (tal como uma estrela não descoberta);c) tanto na mente e na realidade (como o autor deste Caderno de Estudos, Kevin

D. S. Leyser);d) nem na mente, tampouco na realidade (como a internet em 500 AEC).

A reivindicação na premissa 2 e simplesmente que um ser do qual nenhum

maior pode ser concebido existe na mente (e, portanto, existe tanto como a ou como c).

Na premissa 3 a alegação e que podemos entender a noção de um ser do

qual nenhum maior pode ser concebido como existindo, tanto mentalmente, quanto na realidade (como em c). O autor deste Caderno de Estudos existe atualmente tanto na realidade quanto em um conceito ou uma ideia na mente. Assim, tambem, podemos pelo menos conceber Deus como existente na mente e na realidade (mas, se Deus realmente existe, na realidade, e uma questão diferente neste ponto). A premissa 4 levanta a questão de que e maior/melhor existir na realidade do que apenas na mente. Esta e claramente uma premissa questionável, e para muitos a solidez do argumento depende disso. Vamos explorar este ponto mais adiante, quando examinarmos a objeção de Kant.

A quinta premissa simplesmente segue a partir da anterior. Se, e verdade

que e maior/melhor existir na realidade do que na mente, então um ser que existe apenas na mente não seria o maior ser concebível; afirmar o contrário e contradizer a si mesmo, pois você estaria afirmando que o maior ser possível (um que existe na realidade) não e o maior ser possível. Portanto, somos levados a concluir logicamente que Deus (um ser superior do qual nenhum maior pode ser concebido) existe na realidade.

O próprio Bertrand Russell, quando jovem, foi momentaneamente convencido pelo argumento ontológico. Considere esta declaração: “Lembro o momento preciso, um dia em 1894, quando eu caminhava pela Trinity Lane e vi num clarão (ou achei ter visto) que o argumento ontológico é válido. Tinha saído para comprar uma lata de fumo; no caminho de volta, de repente a joguei para o alto e exclamei ao pegá-la: “Uau, o argumento ontológico é real” (2009, p. 14). Todavia, depois Russell considerou todos os argumentos ontológicos como casos de erros de gramática.

NOTA

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TÓPICO 6 | ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

239

2.1 AS CRÍTICAS DO ARGUMENTO DE ANSELMO

As críticas foram levantadas contra o argumento ontologico de Anselmo desde o seu início, mesmo entre os devotos crentes religiosos. Vamos nos concentrar aqui em duas das críticas mais influentes.

2.1.1 A maior ilha possível

Uma das primeiras objeções ao argumento ontologico foi oferecida por um dos monges companheiros de Anselmo, Gaunilo de Marmoutiers (c. seculo XI). Gaunilo (1988) ofereceu várias objeções ao argumento, mas talvez a mais conhecida e uma objeção baseada na analogia da maior ilha possível. Considere a ideia de uma ilha perfeita, uma ilha que existe, mas foi perdida pela humanidade. Seguindo a mesma estrutura que o argumento de Anselmo descrito acima, podemos construir o seguinte:

1. Todo mundo e capaz de entender pelo termo "ilha perfeita" uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida.

2. Então, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida existe na mente (ou seja, no entendimento), quando se ouve falar de uma tal ilha.

3. Podemos conceber uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida que existe tanto na mente e na realidade.

4. Existir na realidade e maior do que a existir somente na mente.5. Se, portanto, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida existe

somente na mente e não na realidade, não e uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida.

6. Por isso, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida existe na realidade.

Esta estrategia da ilha perdida de Gaunilo e chamada de um argumento reductio ad absurdum. É uma forma de argumento em que você (1) assume uma posição para o bem do argumento, (2) segue a estrutura do argumento e deriva um resultado absurdo ou ridículo, e (3), em seguida, conclui que a estrutura do argumento original deve ter sido errada, pois ela conduziu a uma conclusão absurda. Gaunilo de Marmoutiers (1988, p. 116) conclui sua refutação desta forma:

Se, digo, essa pessoa presumisse, com semelhante raciocínio, que eu devesse admitir a existência real daquela ilha, acreditaria que estivesse brincando, ou não saberia distinguir qual de nos dois eu deveria julgar mais estulto: se a mim, que prestei fe nas suas palavras, ou se a ela, caso estivesse convencida de ter colocado sobre bases solidas a existência da ilha sem primeiro constatar se essa superioridade e, verdadeiramente e sem sombra de dúvida, real, de modo que não suscite na minha inteligência um conceito falso e incerto.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Seu ponto, obviamente, e que o argumento da ilha perfeita não prova na verdade que tal ilha existe, seria absurdo acreditar que há uma ilha perfeita, portanto, este argumento deve ser falho. E, uma vez que o argumento ontologico de Anselmo segue a mesma estrutura básica, este tambem deve ser falho.

Anselmo oferece a sua propria resposta a Gaunilo:

Em toda confiança respondo-te que se alguem consegue encontrar-me um ser — excetuando ‘aquele do qual não se pode pensar [conceber] nada maior’ — existente na realidade ou apenas no pensamento, ao qual seja possível aplicar congruentemente a minha argumentação, eu encontrarei com certeza a Ilha Perdida e a entregarei a essa pessoa, de modo que nunca mais há de perdê-la. Contudo, parece estar já claro que não e possível pensar [conceber] como não existente ‘o ser do qual não e dado pensar nada maior’, porque a sua existência alicerça-se numa razão segura e verdadeira. Se assim não fosse, não existiria de maneira nenhuma (ANSELMO, 1988, p. 120).

O argumento de Anselmo e que, ao contrário de um ser do qual nada maior

pode ser concebido, a maior ilha possível não e algo que se pode "descobrir" ao seguir sua linha de raciocínio. Anselmo parece implicar aqui que ele pode conceber uma tal ilha não existindo. Com Deus, aquilo alem do qual nada maior pode ser concebido, e impossível conceber tal ser como não existente. Mas não e assim com a ilha perfeita.

Avaliar a resposta de Anselmo e difícil. Por um lado, não está claro

exatamente o que ele quer dizer, nesta resposta concisa, talvez simplista. Alem disso, se ele quer dizer que e possível conceber uma ilha perfeita como não existente, não está claro o que ele quer dizer com "concebível" neste contexto. Em qualquer caso, na avaliação da solidez da refutação de Gaunilo, muito depende do significado da expressão concebível, e continua havendo um debate animado em curso sobre isso. Stephen T. Davis (2003), por exemplo, argumenta que a refutação de Gaunilo, nessa passagem, não e solida.

2.1.2 A existência não é um predicado

Talvez a objeção mais seria ao argumento ontologico de Anselmo (pelo menos a versão apresentada no Proslogion, livro II) foi levantada por Immanuel Kant (1724-1804). Ele alegou que a existência não e um predicado verdadeiro/real. Veja, por exemplo, em sua Crítica da Razão Pura (2001), a quarta seção (Da impossibilidade de uma prova ontologica da existência de Deus). A objeção e levantada contra a premissa 4 (juntamente com a premissa 3) no argumento acima e pode ser enunciada da seguinte forma (esta e uma interpretação comum da objeção de Kant): a existência não e um predicado de tal forma que e uma propriedade que pode ser afirmada de uma coisa. Existência não acrescenta ao

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TÓPICO 6 | ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

241

conceito de uma coisa; todavia, a existência e a instanciação de uma coisa.

Considere este exemplo. Suponha que você vê um gato andar na sua frente, e que o gato porventura e preto. Quando você faz a alegação de que o gato e preto, você está adicionando uma propriedade (pretidão) ao conceito de um gato. Há outros gatos que não são pretos; não e essencial para o conceito de um gato que este seja preto. Quando você alega que o gato existe, no entanto, você não está adicionando qualquer coisa ao conceito de um gato; você so está dizendo que o conceito de um gato e exemplificado ou instanciado. No argumento de Anselmo ele está insinuando que a existência e um predicado que acrescenta ao conceito de um ser do qual nada maior pode ser concebido (e maior ter a propriedade de existente do que não tê-la). Mas, argumenta Kant, ao afirmar que algo existe não acrescenta nada ao conceito de um tal ser (ou a qualquer outro conceito); está apenas afirmando que o conceito e instanciado. Portanto, o argumento de Anselmo e falho. Um excelente artigo que explora os limites desta crítica kantiana pode ser encontrado em Xavier (2007).

Em resposta, o seguinte ponto poderia ser colocado: Eu posso conceber um

gato em particular em minha mente, considere, mais uma vez, o gato Cheshire do meu amigo, e eu posso pensar sobre este gato. Eu posso ter a expectativa de cuidar dele, de acariciá-lo, de alimentá-lo, e assim por diante. Mas, eu tambem posso pensar em outro gato, um gato idêntico ao Cheshire em todos os aspectos, exceto um, este gato so existe na minha mente, não na realidade; ele e um gato imaginário. Eu nunca poderei realmente cuidar, acariciar ou alimentar este gato, pois ele so existe em minha mente. De fato, parece que há algo maior sobre o primeiro gato, ele realmente existe!

Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo alemão que é amplamente considerado como um dos pensadores mais importantes na história da filosofia ocidental. Seu trabalho na epistemologia, metafísica, ética e estética influenciou muitos trabalhos na filosofia depois dele. Seus livros principais incluem Crítica da Razão Pura (2001), Religião nos limites da simples razão (1992) e Crítica da Razão Prática (2003).

Uma refutação e que a existência de Cheshire não acrescentou nada de novo ao conceito de Cheshire; não há diferença de propriedades entre os conceitos do Cheshire existente e do Cheshire não existente, apenas as diferentes maneiras que eles estão relacionados com as nossas experiências. Eu posso realmente alimentar e acariciar o Cheshire existente, mas não ao Cheshire imaginário. Todavia, isso não implica uma nova propriedade. E se a existência não e uma propriedade, ela não pode ser uma propriedade maior. Assim, a quarta premissa do argumento de Anselmo e falsa, portanto o argumento falha.

NOTA

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Para uma visão panorâmica dos argumentos de Anselmo, assim como das objeções que foram levantadas contra o mesmo, veja o artigo de Peter Millican (2004), o capítulo “O argumento Ontológico” de Rowe (2011) e a dissertação de Pereira (2012), todos disponíveis on-line (verifique nas referências bibliográficas para acessar os links).

3 O ARGUMENTO ONTOLÓGICO MODAL DE ALVIN PLANTINGA

Recentemente Alvin Plantinga (1932-) desenvolveu uma versão do argumento ontologico que utiliza a semântica da logica modal: possibilidade, necessidade e mundos possíveis. Um mundo possível e um mundo que e logicamente possível (ao contrário de, digamos, um mundo que contenha contradições, como um em que João e Maria são mais baixos do que o outro, simultaneamente, ou que há quadrados redondos, ou que 2 + 2 = 5). Assim, ao interpretar o argumento modalmente, Plantinga espera evitar as objeções de Kant de que a existência não e uma propriedade real. Ele formula sua argumentação tendo em mente que um ser maximamente excelente e aquele que e onisciente, onipotente e moralmente perfeito em todos os mundos possíveis, seu argumento pode ser simplificado e declarado desta forma:

1. É possível que exista um ser que seja maximamente grandioso (um ser que podemos chamar de Deus).

2. Portanto, há um mundo possível em que um ser maximamente grandioso existe.3. Um ser maximamente grandioso e necessariamente maximamente excelente em

todos os mundos possíveis (por definição).4. Uma vez que um ser maximamente grandioso e necessariamente maximamente

excelente em todos os mundos possíveis, este ser e necessariamente maximamente excelente no mundo real.

5. Portanto, um ser maximamente grandioso (ou seja, Deus) existe no mundo real.

Graham Oppy (2007) o simplifica ainda mais. Resumidamente ele diria: Digamos que uma entidade e maximamente excelente se ela for onipotente, onisciente e moralmente perfeita. Digamos, ainda mais, que uma entidade e maximamente grandiosa se, e somente se, ela for maximamente excelente em todos os mundos possíveis. Então o argumento de Plantinga seguiria a seguinte forma: 1. É possível que exista uma entidade maximamente grandiosa; 2. (Portanto) existe uma entidade maximamente excelente (derivado da premissa 1).

Este argumento e formalmente válido (novamente, isso significa que, se as suas premissas são verdadeiras, a sua conclusão deve tambem ser verdadeira). Mas e um argumento solido? Ou seja, são as suas premissas verdadeiras tambem?

DICAS

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TÓPICO 6 | ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

243

O proprio Plantinga não acredita que o argumento fornece prova conclusiva de que Deus existe, pois alguns podem negar a primeira premissa. No entanto, ele afirma que não há nada contrário à razão ou irracional em aceitá-lo (PLANTINGA, 2012). Em um texto posterior, Self-Profile (1985), ele declarou que tinha posto o criterio para o sucesso do argumento elevado demais. E escreveu o seguinte: “o argumento ontologico oferece fundamentos para a existência de Deus tão bons quanto qualquer outro argumento filosofico serio oferece para qualquer conclusão filosofica importante” (1985, p. 71, tradução nossa). Então, enquanto não estabelece a verdade de que Deus exista, ele acredita que, pelo menos, estabelece a sua "aceitabilidade racional".

Para uma introdução à Lógica Modal veja Mortari (2001), especificamente no Capítulo 18, e a dissertação de Coscarelli (2008). Gomes (2011) é um excelente artigo que introduz o argumento ontológico modal de Plantinga. Verifique, nas referências bibliográficas deste Caderno de Estudos, para acessar às leituras sugeridas. Para uma exposição em vídeo sobre o argumento ontológico de Plantinga e respostas às objeções veja O Argumento Ontológico para a Existência de Deus de Alvin Plantinga (Uma Introdução). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pqY7gYCnBiM>. Acesso em: 21 jul. 2015; veja também Respondendo objeções ao argumento ontológico. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ldU_acK3clE>. Acesso em: 21 jul. 2105.

Vamos tomar as premissas, uma por vez. A primeira premissa afirma que e possível que Deus, um ser maximamente grandioso, existe. O caso de que e possível que tal ser exista e crucial para o argumento, e nos vamos examinar isso mais de perto a seguir, na primeira objeção.

A premissa 2 traz para o argumento a noção de mundos possíveis. Isto, tambem, e uma premissa crucial, e uma para a qual há um desacordo generalizado. Em uma descrição de mundos possíveis deve-se observar a semântica (semântica tem a ver com os significados dos termos e símbolos), tais mundos não são realidades que na verdade ou literalmente existem independente do nosso pensamento sobre eles; eles são constructos que nos ajudam a pensar e compreender uma serie de conceitos difíceis, como contrafatuais, proposições e propriedades. Poderíamos pensar em mundos possíveis como uma grande conjunção: a & b & c & d ... (cada conjunção individual representa uma proposição ou alegação). Um mundo possível, então não e um outro universo, tão real quanto o universo do qual fazemos parte. Pelo contrário, e uma descrição completa da realidade, um conjunto completo de proposições, e existem inúmeras descrições da realidade. Por exemplo, há um mundo possível a & b & c & d ... como indicado

DICAS

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

acima. Mas há tambem um mundo possível -a & b & c & d ... ("-a" significa "não a"), e outro a & -b & c & d ..., e ainda um outro -a & -b & c & -d ..., e assim por diante. Uma, e apenas uma, das descrições de mundos possíveis incluirá apenas conjunções verdadeiras e, portanto, irá retratar o mundo como ele realmente e; ou seja, o mundo real (CRAIG, 2006).

Lógica Modal é um sistema de lógica que utiliza tais expressões modais como “possivelmente” e “necessariamente”. As proposições são verdadeiras ou falsas. Às vezes, porém, uma proposição não é apenas verdadeira, mas necessariamente verdadeira. Outras proposições são falsas, mas possivelmente verdadeira, e outras ainda são falsas e necessariamente falsa. Utilizando estas noções de necessidade e possibilidade, os princípios básicos da lógica modal incluem tais alegações como “se algo é impossível, então é necessariamente falso” e “o que é necessário é ao mesmo tempo verdadeiramente real e possível”. A lógica modal tornou-se uma ferramenta utilizada com frequência na análise formal dos argumentos filosóficos, especialmente na metafísica, na epistemologia e na filosofia da religião.

Não há mundo possível que contenha contradições ou que e metafisicamente inconcebível. Por exemplo, não existe um mundo possível, onde tudo nesse mundo e tanto circular quanto retangular ao mesmo tempo, pois ser assim seria uma contradição. Nem há um mundo possível em que o Papa Francisco seja uma cor, pois os seres humanos individuais não podem concebivelmente ser idênticos a cores (claro, o Papa Francisco tem uma cor particular, e o nome "Papa Francisco" poderia ser atribuído a qualquer cor em particular, mas esses fatos fogem do ponto). Alegar, então, que há um mundo possível em que existe um ser maximamente grandioso não e uma alegação de que há algum universo de "carne e sangue" onde Deus está, mas que a proposição “um ser maximamente grandioso existe” consiste em alguma descrição máxima da realidade.

Com a terceira premissa há simplesmente o ponto de que a definição de um ser maximamente grandioso indica que este e necessariamente onisciente, onipotente e moralmente perfeito em todos os mundos possíveis. Descrever um ser maximamente grandioso como sendo algo menos de onisciente, onipotente e moralmente perfeito e interpretar mal o significado de um ser como definido no presente caso.

A premissa 4 tambem está enraizada na semântica de mundos possíveis.

Um dos mundos possíveis (ou seja, uma das descrições completas da realidade) e o mundo real. Assim, se um ser maximamente grandioso e necessariamente maximamente excelente em todos os mundos possíveis, este ser e necessariamente maximamente excelente no mundo real.

IMPORTANTE

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TÓPICO 6 | ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

245

Finalmente, a conclusão decorre, logicamente, das anteriores: um ser

maximamente grandioso existe no mundo real.

3.1 OBJEÇÕES AO ARGUMENTO MODAL DE PLANTINGA

Uma serie de objeções foram levantadas contra as versões modais do argumento ontologico. Vamos examinar brevemente três destas.

3.1.1 Objeção 1: a existência de Deus é uma impossibilidade lógica ou metafísica

Em relação à premissa 1, e possível que um ser maximamente grandioso exista? Alguns acreditam que não o e, que e impossível que exista um ser maximamente grandioso ou excelente. Por exemplo, como veremos na proxima unidade deste Caderno de Estudos, pode-se argumentar que a presença do mal e do sofrimento no mundo refuta, ou pelo menos conta fortemente contra, a existência de um ser que e onisciente, onipotente e moralmente perfeito. Tem sido argumentado que as duas proposições, “Deus existe” e “o mal existe”, são contradições logicas. Se isso e verdadeiro, e se o mal existe, então não há nenhum mundo possível em que Deus exista. J. L. Mackie (2010, p. 684) faz a seguinte afirmação:

Em sua forma mais simples, o problema e este: Deus e onipotente; Deus e totalmente bom; e, todavia, o mal existe. Parece haver alguma contradição entre essas três proposições, de sorte que, se quaisquer duas delas fossem verdadeiras, a terceira seria falsa. Porem, ao mesmo tempo, todas as três são partes essenciais da maior parte das posições teologicas: o teologo, assim parece, a uma so vez deve aderir e não pode consistentemente aderir a todas as três.

Outras razões tambem foram oferecidas para demonstrar que simplesmente

não e possível que um ser maximamente grandioso possua as propriedades tradicionalmente atribuídas a Deus, inclusive que tais propriedades são internamente contraditorias (RUNDLE, 2013). Por exemplo, tem-se argumentado que a onisciência divina contradiz a perfeição divina (a onisciência e a perfeição são dois atributos comumente atribuídos a Deus). O argumento pode ser posto desta forma (MICHELETTI, 2007; KENNY, 2003; GRIM, 2010):

1. Um ser perfeito não está sujeito a alterações.2. Um ser perfeito sabe/conhece tudo.3. Um ser que sabe/conhece tudo sempre sabe que horas são.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

4. Um ser que sabe/conhece sempre qual e a hora está sujeito a alterações.5. Um ser perfeito e, portanto, sujeito a mudanças.6. Um ser perfeito não e, portanto, um ser perfeito.7. Ergo, não há ser perfeito.

As respostas podem ser oferecidas, tais como que a premissa 1 e falsa. Mas essa objeção à coerência divina, assim como outras, estão disponíveis na literatura na tentativa de demonstrar a impossibilidade de existência de Deus.

Veja o texto de Craig (2014) para algumas respostas às objeções. E o livro de Michael Martin (2010) para outras objeções.

Uma questão importante no que diz respeito aos argumentos modais como este e se a logica modal utilizada e o tipo apropriado de logica para possibilidades metafísicas. Alguns argumentam que não o e (MURCHO, 2002; CID, 2010). Outro ponto a considerar e que, enquanto nos podemos concordar que o mundo real existe, não existe um acordo universal sobre o papel ontologico ou funcional que os mundos possíveis devem desempenhar nas discussões metafísicas. Considere este exemplo: Jane Austen poderia ter escrito um livro sobre a escravidão na Inglaterra no seculo XVIII. Ou ela poderia ter escrito um livro sobre a Guerra de Troia. Mas será que o fato de que ela poderia ter escrito esses livros implica que eles realmente existem em um mundo possível? O que significaria dizer que eles assim o fazem? Você não pode tocar esses livros; você não pode ler esses livros; você não pode ate mesmo ver esses livros. Não há nada que você possa fazer com estes livros porque eles não são reais; eles não existem. Assim, parece estranho dizer que eles existem em um mundo possível.

Se uma das razões para que os romances de Jane Austen sobre a escravidão

e a Guerra de Troia não existem e porque nada existe em um mundo possível, então seria falsa a afirmação de que Deus (ou seja, um ser maximamente grandioso) existe em um mundo possível. E se Deus não existe em um mundo possível, então a premissa 2 do argumento de Plantinga e falsa, e o argumento e infundado (GOMES, 2011).

3.1.2 Objeção 2: um problema com a semântica dos mundos possíveis

DICAS

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TÓPICO 6 | ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

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3.1.3 Objeção 3: o problema das fadas, fantasmas, gremlins e unicórnios

Por fim, Michael Martin (1932-2015) enfatizou que o argumento modal de Plantinga pode ser parodiado de tal forma que se você o afirmar você acaba tambem afirmando a existência de criaturas míticas. Ele começa definindo a propriedade de ser de uma fada especial como sendo uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos em todos os mundos possíveis. Modificando o seu argumento para corresponder ao argumento ontologico de Plantinga como descrito acima, ele e executado da seguinte forma (MARTIN, 1990):

1‘. É possível que uma fada especial exista.2‘. Portanto, há um mundo possível em que existe uma fada especial.3‘. Uma fada especial e necessariamente uma pequena criatura da floresta com

poderes mágicos em todo mundo possível (por definição).4‘. Desde que uma fada especial e necessariamente uma pequena criatura da

floresta com poderes mágicos em todos os mundos possíveis, esta fada e necessariamente uma

pequena criatura da floresta com poderes mágicos no mundo real.5‘. Por isso, uma fada especial existe no mundo real.

O argumento de Martin e que a premissa 1‘ não e mais contrária à razão do que a premissa 1, então se nos afirmamos 1 e concluímos que 5 e racionalmente aceitável, devemos tambem afirmar 1‘ e concluir que 5‘ e racionalmente aceitável. Seguindo a mesma linha de argumentação, tambem temos de concluir que fantasmas, gremlins e unicornios especiais, assim como inúmeras outras criaturas míticas tambem existem.

Em resposta, pode-se argumentar que a premissa 1‘ e claramente contrária

à razão ao passo que a premissa 1 não o e, pois não e possível que uma fada especial exista desde que fadas são objetos presumivelmente físicos (ou essencialmente conectadas aos objetos físicos). Mas nenhum objeto físico pode ser um ser necessário, uma vez que e possível que não existam objetos físicos em absoluto. Desde que o ser maximamente excelente de Plantinga não e necessariamente um objeto físico, a objeção de Martin não se aplica ao argumento de Plantinga (DAVIS, 2003). É interessante notar que esta refutação e similar, em aspectos importantes, à refutação de Anselmo a Gaunilo. A historia de fato se repete.

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UNIDADE 2 | FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS ARGUMENTOS DA EXISTÊNCIA DIVINA

Michael Martin (1932-2015) foi um filósofo analítico, ateu e Professor Emérito da Universidade de Boston. Seu trabalho focou, principalmente, na filosofia da religião

e publicou numerosos artigos e livros que defendem o ateísmo e respondem aos argumentos a favor da existência de Deus. Ele escreveu Um mundo sem Deus: ensaios sobre o Ateísmo (2010) e Atheism: a philosophical justification (1990).

NOTA

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RESUMO DO TÓPICO 6

Neste tópico vimos que: • Duas versões do argumento ontologico foram examinadas. Em primeiro lugar,

nos analisamos o argumento de Anselmo em que se começa com a premissa de que todos, ate mesmo o ateu, são capazes de entender pelo termo “Deus” um ser do qual nenhum maior pode ser concebido. E todos, ate mesmo o ateu, podem conceber um tal ser como existente, tanto mentalmente, quanto na realidade. Alem disso, existir na realidade e maior do que a mera existência mental. Uma vez que seria uma contradição afirmar que o maior ser possível não existe na realidade, mas apenas na mente (porque existir na realidade e maior do que existir na mente), ele conclui que Deus deve existir.

• Muitos dos principais filosofos ao longo dos seculos têm interagido com a existência de Deus, e alguns tentaram refutá-lo.

• Nos analisamos duas objeções proeminentes. A primeira foi com base na analogia da maior ilha possível e foi desenvolvida pelo monge colega de Anselmo, Gaunilo. Utilizando um argumento de estilo reductio ad absurdum, ele argumentou que, se nos afirmamos o argumento ontologico de Anselmo, devemos tambem afirmar que a maior ilha possível existe. Desde que esta conclusão e absurda, assim tambem e a conclusão de Anselmo. A segunda objeção ao argumento de Anselmo foi oferecida por Immanuel Kant; a saber, que a existência não e um predicado real. Desde que a existência não acrescenta nada ao conceito de uma coisa, e no argumento de Anselmo a existência e tratada como um predicado real, seu argumento e falho.

• A segunda forma do argumento ontologico que nos examinamos foi o argumento modal de Plantinga. Ele fornece uma forma válida de argumento ontologico utilizando as noções modais de possibilidade e mundos possíveis. Simplificando, se e possível que exista um ser maximamente grandioso (um que e maximamente excelente em todos os mundos possíveis), então, realmente existe um ser maximamente excelente (que e onipotente, onisciente e moralmente perfeito). No entanto, a solidez do argumento tem sido desafiada em várias frentes.

• Uma objeção e que a existência de Deus e logicamente ou metafisicamente impossível. Existem várias maneiras de argumentar a impossibilidade de Deus, incluindo que as propriedades atribuídas a um ser maximamente grandioso são internamente contraditorias ou contradizem outras proposições que sabemos ser verdade. Em segundo lugar, uma vez que não existe um acordo universal sobre qual o papel que a logica modal deve desempenhar nas discussões metafísicas como esta, concluir que o argumento e solido e muito precipitado.

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Por fim, o argumento pode ser parodiado de tal forma que se você o afirmar você tambem deverá afirmar a existência de criaturas míticas, como fadas, fantasmas e gremlins.

• Dos vários argumentos para a existência de Deus, que têm sido propostos historicamente, os argumentos ontologicos talvez tenham sido os menos eficazes em convencer os descrentes de que o teísmo e verdadeiro. No entanto, mais do que algumas das principais mentes da historia têm sido convencidas por pelo menos uma versão dele, seja por sua solidez ou por sua aceitabilidade racional. Alem disso, uma vez que o argumento ontologico e dedutivo, em vez de indutivo, se for de fato solido, ele realiza mais com somente algumas premissas simples do que os outros argumentos realizam com um acúmulo de evidências e considerações científicas. Assim, apesar de controverso, tem um golpe poderoso para aqueles que se deixam convencer da sua solidez.

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Vários argumentos ontologicos foram formulados ao longo dos anos para evidenciar a existência divina. Normalmente os argumentos podem ser expostos em uma serie de premissas seguidas de uma conclusão. Veja o seguinte argumento:

1 - É possível que uma fada especial exista.2 - Portanto, há um mundo possível em que existe uma fada especial.3 - Uma fada especial e necessariamente uma pequena criatura da floresta com

poderes mágicos em todo mundo possível (por definição).4 - Desde que uma fada especial e necessariamente uma pequena criatura da

floresta com poderes mágicos em todos os mundos possíveis, esta fada e necessariamente uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos no mundo real.

5 - Por isso, uma fada especial existe no mundo real.

Assinale a alternativa correta sobre qual foi o argumento descrito acima.

a) Argumento da Contradição entre Onisciência divina e Perfeição divina.b) Argumento Ontologico Modal de Alvin Plantinga.c) Argumento Ontologico de Anselmo.d) Argumento de Michel Martin.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Esta unidade tem por objetivos:

• descrever a aproximação filosofica aos problemas do mal;

• identificar as argumentações filosoficas quanto à relação entre ciência, fe e razão;

• apresentar as caracterizações filosoficas da experiência religiosa;

• expor os argumentos filosoficos a respeito do self, do corpo e da imortalidade no interior das tradições religiosas.

Esta unidade está dividida em quatro topicos e no final de cada um deles você encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 – PROBLEMAS DO MAL

TÓPICO 2 – CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

TÓPICO 3 – EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

TÓPICO 4 – O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

Assista ao vídeo desta unidade.

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TÓPICO 1

PROBLEMAS DO MAL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Onde quer que olhemos no mundo, as pessoas estão sofrendo. Nas favelas em Calcutá, em bares na Irlanda do Norte, nas cidades costeiras do Equador, nas igrejas em Nova York, nos campos de arroz na China, no sertão nordestino do Brasil, em Serra Leoa na África, e a lista continua. Não há lugar onde a dor esteja ausente, nenhum lugar onde não exista sofrimento humano e animal.

De certa forma, parece que nosso mundo ficou melhor ao longo das eras

desde o surgimento do primeiro Homo sapiens no planeta Terra. De fato, tem havido progressos solidos, especialmente no aproveitamento da natureza. E grande parte da barbárie dos tempos antigos parece ter diminuído, em geral. Veja, por exemplo, a pesquisa de Steven Pinker (2013), publicada em sua excelente obra “Os anjos bons da nossa natureza: porque a violência diminuiu”. Mas o mundo certamente não e uma utopia, ainda não o e, de qualquer maneira. O seculo XX experimentou terríveis atrocidades humanas. Nesse seculo, por exemplo, perto de meio bilhão de pessoas morreram de varíola; mais de 200 milhões de vidas foram desperdiçadas na guerra e no democídio (RUMMEL, 1998), o assassinato de pessoas por um governo; e cerca de doze milhões morreram de AIDS, a maioria deles nos últimos quinze anos do seculo XX. As palavras do filosofo Hegel, expostas por Marcuse, sintetizam o último seculo: “A historia aparece, então, como o ‘patíbulo onde foram sacrificados a felicidade dos povos, a sabedoria dos Estados, a virtude dos indivíduos’” (MARCUSE, 2004, p. 202).

Há sempre a esperança de que um novo seculo trará paz, prosperidade e

erradicação de males que persistem. Mas a realidade e que esta pode muito bem ser uma esperança inalcançável. A maioria de nos tem o desejo, “mas se tivessemos a capacidade de remover a perturbação do mundo”, faríamos isso num piscar de olhos. Se tivessemos o poder, o mal e a miseria seriam eliminados de imediato.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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Mas espera! Muitos acreditam que há alguem que tem não so o desejo, mas o conhecimento e o poder para remover para sempre o mal e o sofrimento que existem no mundo. Para a maioria dos teístas, há um Deus que existe como um ser todo poderoso, todo conhecedor e totalmente bom. Certamente, se este tipo de ser existe, ele/ela iria destruir o mal e o sofrimento. Então, por que persistem? O filosofo cetico David Hume reconheceu este problema e expressou isso de forma concisa: “A Divindade quer evitar o mal, mas não e capaz disso? Então ela e impotente. Ela e capaz, mas não quer evitá-lo? Então ela e malevola. Ela e capaz de evitá-lo e quer evitá-lo? De onde, então, provem o mal?” (HUME, 1992, p.136).

Esta e uma versão importante do problema do mal. As raízes deste argumento vão tão longe no passado como no antigo filosofo grego Epicuro (341-270 AEC), e o problema tem assumido muitas formas ao longo dos seculos.

Neste topico vamos examinar o problema do mal em algumas de suas

manifestações mais importantes, tanto o problema em si mesmo quanto as várias respostas e soluções que têm sido oferecidas historicamente e em tempos recentes. Antes de passar aos proprios argumentos, no entanto, vamos primeiro esboçar algumas das questões centrais relevantes para o debate.

2 CLASSIFICANDO O MAL

Alguns termos familiares são bastante fáceis de entender, mas quase impossíveis de definir. Tomemos a palavra "jogo", por exemplo. Como Ludwig Wittgenstein (1999) assinalou, e virtualmente impossível definir esta palavra, embora normalmente temos nenhum problema de escolher um jogo dentre alguma outra atividade ou evento. (Se você duvida da dificuldade de definir "jogo", apenas tente oferecer uma definição que inclui apenas jogos e exclui tudo o resto). Muitas outras palavras são como esta, incluindo o termo "mal". Enquanto que uma serie de definições de "mal" foram oferecidas ao longo dos seculos, os debates sobre como deve ser definido são intermináveis. Então, ao inves de tentar oferecer uma definição formal, vamos usar exemplos familiares, do que e comumente considerado como sendo males, como o nosso padrão e guia. Aqui, então, são alguns exemplos comuns de mal: catástrofes naturais, como terremotos, furacões e incêndios florestais em que ocorre a morte de vida inocente; intenso sofrimento e dor, como uma criança sendo espancada ate a morte por um inimigo tribal bárbaro, ou uma mulher grávida morrendo de câncer, ou uma zebra sendo comida viva por um leão; deficiências físicas, mentais ou emocionais, tais como nascer com uma fenda palatina, ou ter transtorno de personalidade borderline, ou experienciar fraqueza da vontade em um momento crucial, e assim por diante. O mal vem em toda a variedade de formas e tamanhos. Dado este fato, os filosofos têm classificado o mal de várias maneiras, e uma das classificações mais comuns e a distinção entre o mal natural e o mal moral.

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

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2.1 O MAL NATURAL E O MAL MORAL

John Hick (2010, p. 12) oferece uma descrição muito concisa desta distinção quando escreve: "O mal moral e o que nos, seres humanos, originamos: pensamentos e atos crueis, injustos e perversos. O mal natural e o mal que se origina independentemente das ações humanas: na doença [...] terremotos, tempestades, secas, tornados etc.". O mal moral e o tipo de mal pelo qual um agente moral e moralmente responsável, incluindo tanto ações (tais como mentir, estuprar, assassinar etc.) quanto traços de caráter (como a malícia, ganância, inveja e assim por diante). O mal natural inclui os eventos pelos quais os agentes morais não são responsáveis.

Mal natural: o mal que resulta de fenômenos naturais e não é provocado pelo livre-arbítrio de um agente moral. Ele inclui desastres naturais e determinadas doenças humanas.

Mal moral: o mal que resulta de um agente moral ao abusar de seu livre-arbítrio de tal forma que o agente é condenável por ele. Ele inclui ações humanas, bem como traços de caráter.Para uma excelente exploração dos problemas do mal, recomendamos a leitura da obra editada por Sergio Miranda (2013), O problema do mal.

2.2 O MAL HORRENDO E GRATUITO

Enquanto estamos escrevendo este topico, e possível que uma querida amiga sua tenha sido diagnosticada com câncer de mama de estágio três. Imaginemos que ela tem um marido e dois filhos pequenos e, dadas as probabilidades, ela não tem uma grande chance de viver mais de cinco anos. Por que isso aconteceu? Por que ela? Por que agora? O que pode ser ganho por ela passar por vários anos de quimioterapia, dor e o terrível pensamento de deixar seu marido e filhos sem uma esposa e mãe?

Imagine outra situação. Você está lendo, no jornal local, que uma mãe de

várias crianças foi sair de sua garagem, sem saber que a sua filha de três anos de idade saiu de casa e caminhou atrás do veículo dela. A mãe, inadvertidamente, atropelou a menina, matando-a no processo. Será que esses eventos não soam sem sentido, totalmente inúteis? E se Deus, um ser onipotente (todo poderoso), onisciente (todo conhecedor) e onibenevolente (plenamente bom) existe, por que ele deixaria isso acontecer? Qual e o sentido disso? Estes são exemplos de mal gratuito, injustificado, e eles são inumeráveis.

NOTA

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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Há tambem exemplos de um mal de um tipo diferente, o que e referido como o mal horrendo. Estes são males terríveis que, quando experienciados por uma pessoa, lhe dá a razão para duvidar de que sua vida, como um todo, poderá ser percebida como sendo uma grande dádiva para ela. A filosofa da religião Marilyn McCord Adams (2000) oferece exemplos de males horrendos, como o estupro de uma mulher seguido do decepamento de seus braços com um machado, a morte lenta pela fome e o ter que escolher qual de suas proprias crianças deve viver e qual será morta por terroristas. Dois exemplos ilustres são comumente usados para exemplificar o mal gratuito e horrendo, exemplos referidos como os casos do Corço e de Sue. O caso do Corço foi oferecido por William Rowe (2011) e o caso Sue por Bruce Russell (1996), veja a nota a seguir. O caso do Corço parece ser gratuito, injustificado (parece não haver qualquer sentido para a sua ocorrência), e o caso Sue parece ser horrendo (você teria que se esforçar muito para encontrar um exemplo mais terrível de violência horrenda em que a vítima poderia legitimamente questionar-se, dado este mal, se sua breve vida poderia ser percebida integralmente como sendo uma grande dádiva para ela).

O Caso do Corço (mal gratuito): suponha que em alguma floresta distante um raio atinge uma árvore, resultando em um incêndio florestal. Uma corça está presa no fogo, terrivelmente queimada, e encontra-se em horrível agonia durante vários dias antes da morte aliviar seu sofrimento. Até onde podemos ver, o intenso sofrimento da jovem corça é sem sentido. Ao contrário dos seres humanos, não se atribui livre-arbítrio aos corços, pelo que não podemos imputar o terrível sofrimento do corço a um mau uso do livre-arbítrio. Por que permitiria então Deus que isto acontecesse quando, se existe, podia tê-lo impedido com tanta facilidade? Admite-se em geral que somos simplesmente incapazes de imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspectiva razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. Tão pouco parece razoável supor que há um mal imenso que Deus seria incapaz de impedir se não permitisse que o corço sofresse durante cinco dias. Suponha-se que por «mal sem sentido» entendemos um mal que Deus (se existe) poderia ter impedido sem com isso perder um bem superior ou sem ter de permitir um mal igualmente mau ou pior. Será que o sofrimento do corço é um mal sem sentido? Seguramente que o terrível sofrimento do animal durante esses cinco dias não parece do nosso ponto de vista fazer qualquer sentido. Quanto a isto, o consenso é, ao que parece, quase universal. Pois dada a onisciência e o poder absoluto de Deus, ser-lhe-ia extremamente fácil ter impedido o incêndio ou ter impedido que o corço fosse apanhado pelas chamas. Além disso, como vimos, é extraordinariamente difícil imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspectiva razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. E é igualmente difícil imaginar um mal equivalente, ou até pior, que Deus se visse forçado a permitir caso impedisse o sofrimento do corço. Parece, portanto, perfeitamente razoável pensar que o sofrimento do corço é um mal sem sentido, um mal que Deus (se existe) podia impedir sem com isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal equivalente ou pior (ROWE, 2011, p. 123-124). Desde que o sofrimento intenso da jovem corça era evitável e, até onde podemos ver, injustificado, não parece que de fato existem casos de intenso sofrimento que um ser onipotente e onisciente poderia ter evitado sem perder, assim, algum bem maior ou permitir algum mal igualmente ruim ou pior?

NOTA

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

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O Caso Sue (mal horrendo): nas primeiras horas do dia de Ano Novo de 1986, uma menina foi brutalmente espancada, estuprada e depois estrangulada em Flint, Michigan. A mãe da menina estava morando com o namorado e um outro homem que estava desempregado, além de seus três filhos, incluindo um bebê de nove meses de idade, filho de seu namorado. Na véspera de Ano Novo, todos os três adultos foram beber em um bar perto da casa da mulher. O namorado, que estava usando drogas e bebendo muito, foi convidado a se retirar do bar às 20h00min. Depois de várias reaparições ele finalmente deixou de fato o bar cerca de 21h30min. A mulher e o homem desempregado permaneceram no bar até as 02h00min da madrugada, ponto em que a mulher foi para casa e o homem foi a uma festa na casa de um vizinho. Talvez por inveja, o namorado atacou a mulher quando ela entrou na casa. Seu irmão interveio, atingindo o namorado e deixando-o desmaiado e caído sobre uma mesa. O irmão foi embora. Mais tarde, o namorado atacou a mulher novamente e desta vez ela o deixou inconsciente. Após ver os filhos, ela foi para a cama. Mais tarde, a filha de cinco anos de idade, desceu as escadas para ir ao banheiro. O homem desempregado testemunhou que quando ele voltou da festa, às 03h45min, ele encontrou a menina de cinco anos de idade morta. No seu julgamento, o namorado foi absolvido do crime porque seu advogado lançou dúvidas sobre a inocência do homem desempregado. Mas a menina fora estuprada, espancada gravemente sobre a maior parte de seu corpo, e estrangulada por um desses homens naquela noite.

Existem diferentes formas de expressar os problemas existentes, perante males como estes e a alegada existência de um Deus onipotente, onisciente e onibenevolente. A seguir, vamos explorar dois diferentes tipos de problemas, teoricos e existenciais, acompanhados por várias objeções e respostas a eles.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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3 PROBLEMAS TEÓRICOS DO MAL

3.1 O PROBLEMA LÓGICO DO MAL

Como o título do topico indica, não há simplesmente um único problema do mal, os problemas são muitos e variados. A maioria dos problemas decorrem das seguintes duas crenças: (1) Deus – um ser onipotente, onisciente e onibenevolente existe; e, (2) O mal – em suas múltiplas manifestações existe.

QUADRO 15 – O PROBLEMA LÓGICO DO MAL

1Se Deus existe, então Deus e onipotente (todo poderoso), onisciente (todo

conhecedor) e onibenevolente (plenamente bom).2 Um ser onipotente teria o poder para eliminar o mal.3 Um ser onisciente teria o conhecimento para eliminar o mal.4 Um ser onibenevolente teria o desejo para eliminar o mal.5 Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente eliminaria o mal.6 O Mal existe.7 Então, Deus (um ser onipotente, onisciente e onibenevolente) não existe.

FONTE: O autor

De uma forma ou de outra, parece haver uma incoerência ao afirmarmos essas duas crenças. Uma forma do problema alega que as proposições 1 e 2 do quadro acima, O problema logico do mal, são logicamente inconsistente. Essa reivindicação por si so assumiu uma variedade de formas, mas a estrutura geral do argumento pode ser exposta da seguinte forma: Os teístas, geralmente, tentam demonstrar que tanto a premissa 2, 4 ou 5 não são necessariamente verdadeiras. Para a conclusão 7 decorrer logicamente a partir de premissas 1-6, cada uma delas teria de ser verdadeira. Se uma ou mais delas e falsa, no entanto, ou se há uma boa razão para duvidar da veracidade de uma ou mais delas, isso faz com que todo o argumento se torne suspeito.

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

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Para uma visão geral destes problemas verifique a obra de Sweetman (2013), especialmente as páginas 91-93. Para compreender melhor as críticas e refutações ao problema lógico do mal, veja o artigo O desafio do Deus Malévolo de Stephen Law (2010), disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/tag/problema-logico-do-mal/>, e o artigo O problema lógico do mal de James R. Beebe (2011), disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/2011/06/24/o-problema-logico-do-mal/>.

3.1.1 Resposta 1 – O argumento “impossível de provar o contrário”

Uma resposta e que o problema logico do mal não funciona porque, para que ele tenha sucesso, deve-se demonstrar que Deus não tem nenhuma boa razão moral para permitir que qualquer mal em particular exista. Todavia, estabelecer que a existência de um mal particular e a existência de Deus são incompatíveis não pode ser realizado. Considere estas palavras de Paul Draper (2008, p. 143-144) (um proponente do problema do mal e não aderente ao teísmo):

Para entender por que isso e assim, e crucial entender que a incapacidade de produzir coisas como círculos quadrados que são logicamente impossíveis de produzir ou saber declarações como 2 + 3 = 10 que são logicamente impossíveis de saber não conta como uma falta de poder ou uma falta de conhecimento. Em outras palavras, nem mesmo um ser todo-poderoso e todo-conhecedor pode ter mais poder ou mais conhecimento do que e logicamente possível para um ser ter. Suponha, então, que algo de bom, G, que vale a pena o meu sofrimento [...] logicamente implica que eu sofra (ou que Deus me permita sofrer). Isso certamente parece possível (epistemologicamente) [...] Tais bens seriam conhecidos por um ser todo-conhecedor mesmo que estejam alem do nosso alcance. Alem disso, se existem tais bens, então, nem mesmo um ser todo-poderoso e todo-conhecedor poderia produzi-los sem permitir-me sofrer e, portanto, ate mesmo um ser todo-poderoso e todo-conhecedor poderia ter uma boa razão moral para permitir o meu sofrimento.

Podemos ate imaginar casos em que algum mal possa ser necessário para

que o bem possa resultar. Por exemplo, mostrar o perdão a alguem que tenha lhe prejudicado maldosamente e que esteja arrependido, ou mostrar coragem perante a tortura, ambos exigem logicamente que eu estivesse ferido e torturado. Se estes são bons exemplos não vem ao caso, pois e logicamente possível que certos bens justificam certos males, e e impossível provar o contrário.

DICAS

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3.1.2 Resposta 2 – A defesa do livre-arbítrio

Na literatura sobre Deus e o mal, uma distinção e feita frequentemente entre uma defesa e uma teodiceia. A defesa e uma resposta aos argumentos antiteístas do mal, e seu objetivo e demonstrar que esses argumentos falham. A teodiceia e uma tentativa de explicar por que Deus e justificado em permitir o sofrimento e o mal. Defesas são oferecidas em resposta a uma variedade de argumentos do mal, mas elas são tipicamente acopladas com argumentos logicos. Vamos primeiro examinar uma defesa proeminente e depois explorar várias teodiceias.

O termo Teodiceia deriva dos Ensaios de Teodiceia de Leibniz (2013), refere-se ao conjunto de argumentos que procuram defender e justificar a crença em Deus (um ser onipotente, onibenevolente e onisciente), perante a presença do mal no mundo.

Uma versão importante da defesa do livre-arbítrio e oferecida por Alvin Plantinga (1990, 2012), e em forma truncada segue mais os menos assim: É possível que Deus, mesmo sendo onipotente, não pudesse criar um mundo com seres livres que nunca escolhessem o mal. Alem disso, e possível que Deus, mesmo sendo onibenevolente, desejasse criar um mundo que contenha o mal se a bondade moral requeresse criaturas morais livres. Aqui está como Plantinga (2012, p. 30) expressa a resposta em forma preliminar:

Um mundo com criaturas que são significativamente livres (e livres em realizar mais boas ações do que más ações, como deveria ser) e mais valioso do que um mundo que não contenha criaturas livres. Deus pode criar criaturas livres, mas Ele não pode causar ou determinar que elas façam apenas o que e certo. Pois, se Ele assim o faz, então elas não são significativamente livres, afinal, elas não fazem o que e certo livremente. Para criar criaturas capazes de boa moral, portanto, Ele deve criar criaturas capazes de fazer o mal, e Ele não pode dar a essas criaturas a liberdade para fazer o mal e, ao mesmo tempo impedi-las de fazê-lo. Como se viu, infelizmente, algumas das criaturas livres que Deus criou escolheram errado no exercício da sua liberdade; esta e a fonte do mal moral. O fato de que criaturas livres às vezes escolhem errado, no entanto, não conta nem contra a onipotência de Deus, tampouco contra sua bondade; pois Ele poderia ter antecipado e evitado a ocorrência do mal moral somente se removesse a possibilidade do bem moral.

Então, o argumento logico do mal falha porque e, pelo menos, logicamente possível que Deus (um ser onipotente e onibenevolente) pudesse ter criado um mundo de criaturas livres e ainda ser incapaz de garantir que este mundo não tivesse nenhum mal nisso. Portanto, as premissas 2 e 5 podem ser falsas, e por isso a conclusão não segue necessariamente; o argumento e falho. Devemos tambem observar que Plantinga inclui em seu argumento a possibilidade de depravação

IMPORTANTE

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

263

transmundo (transworld depravity, a afirmação de que há pelo menos um mundo possível em que uma pessoa tem a liberdade moralmente significativa e ainda comete pelo menos uma ação moralmente errada) como mais uma suposição a fim de assegurar que e logicamente impossível que haja um possível mundo em que não há mal. Assim, independentemente de qual Deus criou o mundo, uma ou mais pessoas individuais podem ser responsáveis por realizar o mal, porque elas estão sofrendo a depravação transmundo. Este argumento e consistente com a doutrina cristã da Queda.

Os críticos do argumento de Plantinga, como o filosofo ateu J. L. Mackie (2010), responderam afirmando que ele pressupõe uma visão incompatibilista do livre-arbítrio (em que o livre-arbítrio e incompatível com o determinismo – humano ou divino), e que uma visão compatibilista e muito mais plausível. Dada uma noção compatibilista do livre-arbítrio, Deus poderia criar criaturas "livres" que façam nenhum mal, porque ele poderia determinar cada uma de suas ações. Atualmente, no entanto, a maioria dos filosofos concordam que a defesa do livre-arbítrio derrotou o problema logico do mal, pois mesmo que admitamos que o compatibilismo seja verdadeiro, Plantinga oferece o argumento como apenas uma possibilidade lógica. Enquanto que e logicamente possível que o incompatibilismo seja verdadeiro, então a conclusão necessária do problema logico do mal e rebaixada.

Outro ponto a favor do problema logico do mal e que, enquanto o

argumento de Plantinga pode ter sucesso em cortar pela raiz o ponto de que o mal moral e incompatível com a existência de Deus, ele não aborda o problema do mal natural, pois os males da natureza não ocorrem por escolhas de criaturas livres. A resposta de Plantinga e sugerir que e pelo menos logicamente possível (embora ele não está afirmando ou negando a verdade da questão) que talvez pessoas não humanas, livres sejam responsáveis pelos males naturais (por exemplo, espíritos rebeldes ou anjos caídos). Enquanto isto for uma possibilidade logica, a alegação de que a existência de Deus e os males naturais são inconsistentes e refutada.

Para uma compreensão mais aprofundada da defesa do livre-arbítrio e sua refutação, veja o artigo A defesa do livre-arbítrio refutada e a inexistência de Deus demonstrada de Raymond D. Bradley (2007), disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/2011/07/08/a-defesa-do-livre-arbitrio-refutada-e-a-inexistencia-de-deus-demonstrada/>.

Devido a estas e outras respostas, agora muitos aceitam que o problema logico do mal foi suficientemente refutado.

DICAS

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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3.2 O PROBLEMA PROBABILÍSTICO OU EVIDENCIAL DO MAL

Enquanto o problema logico do mal tenha sido (tal como muitos acreditam agora), para todos os efeitos, refutado, isto não deixou o ateu de mãos vazias em termos de um argumento contra a crença em Deus perante os fatos do mal. Um outro tipo de argumento tenta demonstrar que a existência do mal evidencia contra a crença racional em Deus, embora a existência de ambos não seja logicamente inconsistente. Este argumento, tambem referido como o "problema probabilístico do mal", e apresentado em muitas formas, mas a sua essência e que se o Deus do teísmo existe, ele provavelmente não criaria um mundo como o nosso, um mundo cheio de todo o mal horrendo e gratuito que nele encontramos. Desde que o nosso mundo existe, tal Deus provavelmente não existe. Este tipo de argumento tambem tem sido referido como "indutivo", "a posteriori" e argumento “evidencial”. Vamos examinar outro tipo de argumento evidencial no proximo subtopico.

3.2.1 O problema probabilístico

A estrutura geral do argumento pode ser apresentada como exposto no quadro a seguir.

Ao contrário da conclusão do problema logico do mal, este argumento conclui afirmando que e improvável que Deus existe, em vez de que e necessariamente verdade que Deus não existe. Este argumento assume força especial quando refletindo sobre as profundezas do mal que existem, como os males aparentemente gratuitos e horrendos mencionados no início deste topico. Não e mais provável que Deus não existe, dada a existência desses tipos de males?

QUADRO 16 – O PROBLEMA PROBABILÍSTICO

1 Se Deus existe, então Deus e onipotente, onisciente e onibenevolente.2 Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente pode criar qualquer mundo possível logicamente.

3Se um ser onipotente, onisciente e onibenevolente fosse criar um mundo, tal ser criaria o melhor

de todos os mundos possíveis.

4Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente teria o poder, o conhecimento e o desejo de evitar

o mal e o sofrimento no melhor de todos os mundos possíveis.

5É improvável que o mundo que existe (por exemplo, nosso mundo), que está cheio de uma grande

quantidade de mal horrendo e gratuito, seja o melhor de todos os mundos possíveis.6 Portanto, e improvável que Deus, um ser onipotente, onisciente e onibenevolente exista.

FONTE: Adapatdo de Plantinga (2012)

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

265

3.2.1.1 Resposta 1 – o lapso de Leibniz

Plantinga (2012) respondeu a este argumento afirmando que ele não e solido, pois incorpora o que ele chama de "O Lapso de Leibniz". A objeção aqui e que a premissa 2 e possivelmente falsa. Ao contrário da noção de Gottfried Leibniz de que o nosso mundo e o melhor de todos os mundos possíveis (logicamente), pode ser que Deus, embora onipotente, não seja capaz de criar simplesmente qualquer mundo logicamente possível. Se as pessoas têm livre-arbítrio libertário, como descrito acima, então há certos mundos que ate mesmo um ser todo poderoso não poderia criar (PLANTINGA, 1978).

Considere o seguinte exemplo. Suponha que o diretor executivo de uma grande empresa de utilidades, vamos chamá-lo de "Pedro", e apresentado por seus contabilistas com o fato de que a empresa está em serias dificuldades financeiras. Suponha ainda que em discussões com João, seu contador chefe, Pedro percebe que ao triturar alguns documentos, e cometer algumas pequenas mentiras, ele pode blefar sua saída da situação e convencer seus acionistas que a empresa está excepcionalmente bem. Depois de alguns anos disto, ele supõe que tudo ficará bem.

Agora, considere estes dois cenários: (1) se o contador tivesse apresentado

a Jose a oportunidade de destruir os documentos e encobrir a dívida, ele teria aceitado a oferta, e (2) se o contador tivesse apresentado a Jose a oportunidade de destruir os documentos e encobrir a dívida, ele teria rejeitado a oferta.

Agora, considere dois mundos possíveis, M e M*, que têm o Jose neles e

são idênticos ate o ponto em que e oferecida a Jose a oportunidade de destruir os documentos e encobrir a dívida. Suponha que em M ele aceita a oferta e em M* ele não a aceita. O argumento de Plantinga, então, e que se M ou M* tornar-se real e em parte devido a Deus e em parte a Jose. Dado o livre-arbítrio de Jose, se Jose aceita a oferta de fazer errado, então Deus não poderia fazer ocorrer o cenário em que Jose rejeita a oferta, Deus não poderia fazer ocorrer o M*.

Claro, aqui depende muito se aceitamos ou rejeitamos a visão libertária de

livre-arbítrio. Mas se o libertarianismo e mesmo possível, então a premissa 2 perde a sua força, e assim tambem a conclusão (PLANTINGA, 2012).

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

266

3.2.1.2 Resposta 2 – Não há o melhor de todos os mundos possíveis

A segunda resposta para o problema probabilístico do mal e que ele pressupõe que há, de fato, um melhor de todos os mundos possíveis. No entanto, de acordo com uma serie de filosofos, não pode haver um melhor de todos os mundos possíveis. Considere isto: para qualquer melhor de todos os mundos possíveis imagináveis, pode-se sempre imaginar apenas mais uma coisa boa nesse mundo. Mais uma boa maçã, por exemplo, ou mais "criaturas sencientes delirantemente felizes" (PLANTINGA, 2012). Se este for o caso, então poderia haver um mundo melhor do que o melhor de todos os mundos possíveis, o que seria uma alegação impossível.

Uma resposta a essa objeção e que, embora possa ser o caso que se

poderia conceber um cenário como esse, não se segue que o mesmo poderia (metafisicamente) acontecer. Poderia haver razões pelas quais a adição de mais uma coisa boa não faria um mundo particular melhor do que e.

3.3 O ARGUMENTO EVIDENCIAL DE ROWE

Outro tipo de argumento evidencial que tenta evitar as críticas ao argumento probabilístico apresentado acima foi oferecido pelo filosofo William Rowe (2011, 2013). Vemos a seguir o seu argumento, oferecido em forma ligeiramente modificada, exposto no quadro a seguir.

QUADRO 17 – O ARGUMENTO EVIDENCIAL DO MAL DE WILLIAM ROWE

1

Existem grandes quantidades de mal horrendo e gratuito que um ser onipotente, onisciente e

onibenevolente poderia ter evitado sem perder um bem maior ou permitir algum mal igualmente

ruim ou pior.

2

Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente teria impedido os males horrendos e gratuitos

que existem, a menos que o ser não pudesse fazê-lo sem perder um bem maior ou permitir algum

mal igualmente ruim ou pior.3 Portanto, um ser onipotente, onisciente e onibenevolente não existe.

FONTE: O autor

À primeira vista parece que o teísta concordaria com as duas premissas. No entanto, uma vez que este argumento está em uma forma válida, se concordarmos com as duas premissas, a conclusão decorre necessariamente – um ser onipotente, onisciente e onibenevolente não existe. O que o teísta pode fazer?

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

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3.3.1 Objeção 1 - Limitações epistêmicas cognitivas

Uma objeção ao argumento de Rowe e que uma vez que somos seres humanos finitos, limitados, simplesmente não estamos em uma posição epistêmica apropriada para fazer uma avaliação legítima sobre o que um ser onisciente, onipotente e onibenevolente poderia ou iria fazer em qualquer situação, inclusive situações em que o mal existe. Dado as nossas obvias limitações temporais e espaciais, nos simplesmente não podemos justificadamente fazer julgamentos morais sobre Deus (WYKSTRA, 2013).

3.3.2 Objeção 2 - Deus pode usar o sofrimento e o mal para nosso bem maior

A segunda objeção e que pode muito bem não haver nenhum mal gratuito nem horrendo como definido acima. Por exemplo, depois de descrever sua jornada pessoal atraves do que lhe parecia, à primeira vista, como um mal gratuito em sua vida e a de sua família, o filosofo John Feinberg oferece dez "usos do sofrimento", em que um teísta cristão pode ter conforto. Não podemos delineá-los aqui, mas eles incluem Deus permitindo a dor a fim de proporcionar uma oportunidade para demonstrar a fe verdadeira ou genuína e promover a maturidade na vida (FEINBERG, 2004). Pode-se objetar a isso citando os exemplos dos tipos de Ivan Karamazov (como as crianças que são jogadas aos cães) nos quais parece evidente que nem todos os casos de sofrimento/mal estão conectados a um bem maior. No entanto, a resposta poderia ser dada de que, mesmo se isto for assim, de um modo geral todo o mal/sofrimento, no final, será redimido por Deus. Marilyn McCord Adams (2000) elabora tal ponto, utilizando uma estrutura teologica cristocêntrica que leva a serio o Filho de Deus sofredor. Ela argumenta que há uma boa razão para que os cristãos acreditem que Deus irá, no final, engolfar e derrotar todos os horrores pessoais atraves da participação integradora nos males na relação de uma pessoa com Deus.

3.3.3 Objeção 3 - O mal gratuito é consistente com o teísmo

Uma terceira objeção foi proposta recentemente por adeptos do teísmo aberto (discutido no Topico 3 da Unidade 2). Deste ponto de vista, a existência de um mal gratuito (e talvez horrendo) não e incompatível com o teísmo. Os teístas abertos sustentam (como o fazem uma serie de teístas tradicionais) que o livre-arbítrio deve ser de um tipo incompatibilista, a fim de ser moralmente significativo, e por isso e bom que Deus tenha criado seres humanos com livre-arbítrio. Mas esta liberdade implica a possibilidade de agentes livres escolherem o bem e o mal.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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Nem a onipotência, tampouco a onisciência de Deus, poderia excluir a existência do mal, ate mesmo o mal gratuito, desde que a contingência real acaba por ser uma parte do universo. Para o teísta aberto, a onisciência de Deus não inclui o conhecimento de alguns eventos futuros, como as ações humanas livres. Assim, na criação do universo Deus não tinha conhecimento de grande parte do mal que iria ocorrer no futuro.

4 O PROBLEMA EXISTENCIAL DO MAL

O problema existencial do mal (que e chamado por diferentes nomes, incluindo o "problema religioso", o "problema moral", o "problema pastoral", o "problema psicologico" e o "problema emocional"), não e fácil de definir ou delinear. Simplificando, e a noção de que a sensação existencial de certos tipos de mal leva à descrença em Deus ou na crença religiosa em geral. Um exemplo pode esclarecer o significado e o poder do problema.

Algum tempo atrás estávamos com um grupo de amigos esperando na fila

em um restaurante. Estávamos envolvidos em uma discussão teologica bastante sofisticada (concedido, tenho amigos incomuns!) quando uma jovem em pe diante de nos perguntou se nos estávamos falando sobre Deus. "Sim, estamos", dissemos. "Na verdade, estamos discutindo a natureza e os atributos de Deus." "Bem," ela disse, "Eu parei de acreditar em Deus há dois anos. Enquanto meu pai estava sofrendo e morrendo de câncer, eu decidi que eu não podia mais acreditar em Deus”. Enquanto ela disse essas palavras, ela se tornou emocional. Quase podíamos sentir a sua dor enquanto as lágrimas começaram a escorrer de seu rosto em sua agonia sobre o seu pai perdido e a dor que ele deve ter passado. Isto, sem dúvida, e um caso claro do problema existencial do mal.

Alem disso, quando se considera os males terríveis e gratuitos observados

no início deste topico (especialmente se alguem passou pessoalmente por essas experiências), não e nenhuma surpresa que as pessoas afirmam ser incapazes de ver o mundo teisticamente, ser incapaz de acreditar em um Deus pessoal, e muito menos venerá-lo e adorá-lo.

4.1 RESPOSTA

Uma resposta comum para o problema existencial do mal, de cunho experiencial, e que o "problema" aqui não e realmente um argumento em absoluto, e, portanto, não tem a necessidade de uma resposta logica, racional.

Quando um indivíduo e pessoalmente confrontado com o mal e o

sofrimento significativo, a principal coisa que ela precisa não e uma resposta logica ou teorica, mas sim o cuidado, a simpatia e a amizade. Como Plantinga diz, nesses momentos de dor uma pessoa não precisa de "iluminação filosofica", mas

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

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de “cuidado pastoral" (PLANTINGA, 2012). O filosofo e teologo John Feinberg ( 2004, p. 454) esclarece:

Pense em uma criança que sai para brincar em um playground. Em algum momento durante a brincadeira, ela cai e machuca o joelho. Ela corre para sua mãe para conforto. Agora, sua mãe pode fazer várias coisas. Ela pode dizer à filha que isso aconteceu porque ela estava correndo muito rápido e não estava olhando para onde ela estava indo. Que ela deve ter mais cuidado da proxima vez. A mãe, se souber, pode ate explicar as leis da física e da causalidade que estavam operando para fazer com que o machucado de sua filha seja exatamente do tamanho e da forma que e. A mãe pode ate explicar por alguns momentos sobre as lições que Deus está tentando ensinar sua filha a partir desta experiência.

Se ela, em seguida, faz uma pausa e pede a sua filha, "Você entende, querida?", não se surpreenda se a menina respondesse: "Sim, mamãe, mas ainda doi!". Toda a explicação, naquele momento, não impede a sua dor. A criança não precisa de um discurso; ela precisa de abraços e beijos de sua mãe. Haverá um tempo para o discurso mais tarde; agora ela precisa de conforto.

5 AS TRÊS TEODICEIAS

Enquanto o cuidado pastoral pode muito bem ser um elemento importante na resposta àqueles que experimentam dor e sofrimento, ele não faz nada para resolver os problemas teoricos remanescentes observados acima. Existem maneiras de realmente explicar por que Deus permitiria o mal no mundo? Há, de fato. Houve uma serie de tentativas de justificar a Deus e os caminhos de Deus dado à realidade do mal. Tais respostas são chamadas teodiceias, e a seguir vamos examinar as três mais importantes.

5.1 A TEODICEIA DO LIVRE-ARBÍTRIO DE AGOSTINHO

Como observado anteriormente, a teodiceia e diferente de uma defesa em que o objetivo de uma teodiceia e justificar Deus e os caminhos de Deus dado a existência do mal em um mundo criado por Deus, enquanto que uma defesa e uma tentativa de demonstrar que os argumentos antiteístas do mal são malsucedidos. Existem diferentes tipos de teodiceias, e uma das mais significativas historicamente e aquela oferecida pelo grande teologo e padre da Igreja, Santo Agostinho. É referida como a teodiceia do livre-arbítrio, e expomos uma forma de delineá-la no quadro a seguir.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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QUADRO 18 – A TEODICEIA DO LIVRE-ARBÍTIRO DE AGOSTINHO

1 Deus criou o universo, e tudo nele era bom.

2

Algumas das criações de Deus – nomeadamente, as pessoas – foram presenteadas com a boa dádiva

da liberdade da vontade (tendo a liberdade da vontade no universo e melhor do que não tê-la,

uma vez que um universo moral exige isso, e um universo moral e melhor do que um universo

não moral ou amoral).

3

Algumas dessas pessoas criadas – primeiros anjos, e então seres humanos – escolheram livremente

se afastarem da bondade de Deus; ou seja, eles "pecaram" e caíram de seu estado de perfeição (por

exemplo, a "Queda" da humanidade).4 Esta conversão da vontade, ou pecar, trouxe o mal moral e natural para o universo.

5O mal, ainda que provocado por pessoas criadas, não e uma coisa ou entidade; e uma compensação

metafísica, ou falta ou privação, do bem (uma privatio boni).

6

Deus finalmente retificará o mal quando ele julgar o mundo, inaugurando o seu reino eterno com

aquelas pessoas que foram salvas por meio de Cristo e enviando para o inferno eterno aquelas

pessoas que são perversas e desobedientes.

Esta tem sido a teodiceia mais utilizada no Ocidente desde o seculo V da era comum, e ela ainda e amplamente utilizada hoje, como, por exemplo, na excelente obra de Richard Swinburne (1998), que tambem tem sido amplamente criticada, a qual traz duas objeções.

FONTE: Baseado na obra O livre-arbítrio de Santo Agostinho (1995)

5.1.1 Objeção

Para Agostinho, Deus e totalmente soberano e não está sujeito às escolhas e caprichos de pessoas falíveis e finitas, mas, se Deus e soberano, como e que o mal emergiu em seu universo? Parece haver um conflito entre a defesa do livre-arbítrio de Agostinho, de um lado, e sua visão de Deus, de outro, pois parece que Deus, entendido desta maneira, poderia ter criado pessoas que seriam santos espirituais e, portanto, sempre escolheriam o bem. Então, por que eles escolheram pecar?

Alem disso, como poderia um ser onibenevolente criar um inferno onde

inúmeras pessoas passarão a eternidade no sofrimento e em agonia? Parece haver um conflito aqui entre a soberania de Deus e a bondade de Deus.

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

271

Santo Agostinho (354-430 EC) foi um filósofo, teólogo e padre cristão da Igreja, entre os mais influentes na história. Sua peregrinação espiritual o levou do

ceticismo como um jovem adulto até tornar-se Bispo de Hipona em seus últimos anos. Seu trabalho sobre a liberdade humana difundiu sua carreira, e praticamente todos os filósofos medievais de renome no Ocidente cristão interagiam com a obra de Agostinho sobre o livre-arbítrio e questões relacionadas, tais como a presciência, predestinação e a graça divina. Suas obras filosóficas mais importantes incluem A Cidade de Deus (1990), O Livre-Arbítrio (1995), e sua autobiografia, Confissões (1996).

Teodiceia: a palavra “teodiceia” vem de duas palavras gregas – theos (Deus), e dikei (justiça). A teodiceia é uma tentativa de reivindicar a bondade e justiça de Deus perante a realidade do mal.

5.2 A TEODICEIA IRINEANA OU DA “FORMAÇÃO DA ALMA” DE HICK

Com base no trabalho de Irineu (130-202 EC), um bispo cristão primitivo, John Hick desenvolveu uma teodiceia que está em contraste gritante com o tipo agostiniano (SWEETMAN, 2013). Em vez de Deus criar um paraíso com seres humanos perfeitos que então caíram em pecado, a teodiceia de Irineu narra isso ao contrário. Deus criou pessoas boas, mas não desenvolvidas, pois a maturidade moral requer enfrentamento de provações e dificuldades na vida. A existência do mal, então, não e o resultado de pessoas perfeitas que escolhem pecar, mas e um elemento necessário do processo de desenvolvimento de pessoas humanas (e talvez outras) imaturas em seres maduros espiritual e moralmente, e o mal e uma parte da estrategia de Deus na formação da alma. O teodiceia pode ser expressa como exposta no quadro a seguir.

QUADRO 19 – UMA TEODICEIA IRINEANA DA FORMAÇÃO DAS ALMAS

1Deus criou o mundo como um lugar bom (mas não um paraíso) para o desenvolvimento de pessoas humanas

tanto espiritual quanto moralmente.

2Atraves de meios evolutivos, Deus fez emergir pessoas humanas com a liberdade de vontade e a capacidade

para amadurecer no amor e na bondade.3 O mal e o resultado tanto da criação de um mundo bom de formação de almas e da escolha humana de pecar.

4

Ao colocar as pessoas humanas neste ambiente desafiador, atraves de suas proprias respostas livres, elas têm a

oportunidade de escolher o que e certo e bom e, portanto, crescer gradualmente em pessoas maduras (que exibem

as virtudes da paciência, coragem e generosidade, por exemplo) que Deus deseja que elas sejam.

5

Deus continuará a trabalhar com as pessoas humanas, mesmo na vida apos a morte se necessário, permitindo-

lhes oportunidades para amar e escolher o bem, de tal forma que no escaton (último, fim das coisas) todos serão

levados a um relacionamento correto com Deus.

FONTE: O autor

NOTA

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

272

5.2.1 Objeção

Uma serie de objeções tem sido oferecida para a teodiceia da formação de almas de Hick. Uma delas centra-se na aparente evidência contrária. Muitas pessoas não melhoram atraves das dificuldades que elas enfrentam; muitas vezes as dificuldades na vida de alguem causam o fim de sua vida em tragedia absoluta. Uma rápida olhada no noticiário da noite, em praticamente qualquer dia, irá fornecer uma ampla demonstração deste ponto. Um defensor da teodiceia poderia responder que a vida presente não e tudo que existe, e Deus terá muito tempo para trabalhar em um indivíduo que responde mal agora. Mas e claro que isso depende de uma crença maior na vida apos a morte, algo que não temos suporte probatorio empírico.

Outra objeção à teodiceia da formação de almas e que ela parece ser

uma forma bastante brutal de Deus para amadurecer as almas. Sugerir que todo o sofrimento e a dor, todos os males horrendos, já experimentados ao longo da historia foi o resultado da grande intenção cosmica de Deus, faz Deus parecer um pouco menos do que o ser onipotente, onisciente e onibenevolente que a maioria dos teístas pensam que Deus e.

5.3 UMA TEODICEIA DO PROCESSO

A teologia do processo (e a filosofia) foi desenvolvida pela primeira vez por Alfred North Whitehead (1861-1947). Ela continuou a ser desenvolvida por Charles Hartshorne (1897-2000) e mais recentemente por John Cobb Jr. (1925-). Baseia-se na premissa fundamental de que Deus e o mundo estão em fluxo. Enquanto que Deus não e o mundo (isso seria panteísmo), Deus participa do mundo (isso e panenteísmo), Deus e o mundo estão em processo juntos. Deus não so age sobre o mundo, mas este tambem age sobre àquele. Todas as coisas, incluindo Deus, estão no processo de se tornar, em vez de ser estáticos. Neste processo de tornar-se, as entidades respondem a cada momento, fazendo escolhas, e estas escolhas são reais e significativas; elas nunca são perdidas, mas são continuamente adicionadas à experiência global de Deus. Deus aprende a partir de tais experiências, e, portanto, está sempre crescendo em conhecimento e entendimento. Este ponto de vista do conhecimento de Deus está claramente em contraste com a teologia tradicional, em que a onisciência de Deus e eternamente completa e exaustiva.

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TÓPICO 1 | PROBLEMAS DO MAL

273

Alem disso, na visão do processo, a onipotência de Deus e rejeitada. O poder de Deus não e compreendido como sendo infinito, mas limitado na medida em que outras entidades livres, como as pessoas humanas, tambem tem o poder de fazer suas proprias escolhas. Alem disso, o poder de Deus e persuasivo ao inves de coercivo; Deus não força as criaturas a fazer o bem, mas tenta atraí-las na direção certa. Infelizmente, elas não podem ser sempre atraídas, e às vezes elas fazem as escolhas erradas; às vezes elas fazem coisas más. Mas todas as entidades, incluindo Deus, continuam a evoluir, e a esperança e que, eventualmente, todo o mal será erradicado na medida em que as criaturas livres aprendam com as experiências anteriores (suas proprias e aquelas da historia) o que e em última análise bom e certo.

Podemos delinear a teodiceia do processo como exposta no quadro a seguir.

QUADRO 20 – UMA TEODICEIA DO PROCESSO

1Deus não e o criador transcendente que criou o mundo ex nihilo (do nada), mas e Deus no mundo;

isto e, o panenteísmo no qual tudo está em Deus, mas nem tudo e Deus.

2

Deus não e nem onisciente nem onipotente no sentido tradicional; O poder de Deus e compartilhado

com outras entidades e o conhecimento de Deus aumenta na medida em que suas experiências

aumentam.

3O universo e caracterizado pela evolução, processo e mudança, alguns dos quais tem sido provocado

pelas escolhas livres autodeterminadas de entidades, incluindo Deus e as pessoas finitas.

4

Algumas das escolhas feitas por pessoas humanas são boas e algumas são más. Há a esperança de

que o mal continuará a ser engolfado na medida em que todas as experiências sejam sintetizadas

na propria vida consciente de Deus.

FONTE: O autor

Para ler uma versão recente e inspiradora da teodiceia do processo baseada na criação a partir do caos, é interessante observar a do texto de David R. Griffin (2001).

5.3.1 Objeções

Várias objeções e críticas têm sido oferecidas ao pensamento do processo e sua respectiva teodiceia, e observaremos brevemente três delas. Em primeiro lugar, a crítica típica do processo ao entendimento tradicional do poder divino tem sido posta em questão. Enquanto que uma ramificação da teologia calvinista inclui o poder de Deus como sendo exclusivo e implicando determinação soberana absoluta de todos os eventos, certamente esta não e a única, nem mesmo a mais

DICAS

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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comum, compreensão do poder divino. Então, essa crítica do processo está mal colocada contra a maioria das noções tradicionais da onipotência. Por outro lado, a crítica do processo referente à teologia tradicional que afirma o livre-arbítrio humano e, portanto, uma limitação de alguma especie no poder de Deus, e sem dúvida fraca. Por exemplo, em resposta a uma teodiceia do livre-arbítrio, os filosofos do processo alegaram que tal visão permitiria que Deus pudesse eliminar qualquer mal particular que ocorresse orientado pela vontade livre, mas ele não o faz. Portanto, Deus poderia parar um estuprador antes de estuprar, fazer uma bomba terrorista não explodir, ou fazer com que um ladrão seja pego, antes de fugir. Uma vez que Deus poderia fazer tais coisas sem interromper o livre-arbítrio, mas não o faz, argumentam eles, Deus não e realmente bom sob esta perspectiva. No entanto, os defensores da teodiceia do livre-arbítrio respondem argumentando que um tipo de livre-arbítrio em que não se permite as ações de uma pessoa ser eficaz não e verdadeiramente livre-arbítrio em absoluto. Assim, tal objeção não se justifica.

A segunda objeção tem a ver com a negação do processo em relação à criação ex nihilo. Na perspectiva do processo, o mundo não foi criado por Deus a partir do nada. Existem várias explicações para a existência do mundo levantadas pelos pensadores do processo. Todavia, uma explicação muito comum e que ele e eterno; ele nunca começou a existir. No entanto, essa visão contradiz o modelo big bang padrão do universo que e amplamente difundido entre os cosmologos e os astrônomos. É claro que o veredicto sobre esta questão ainda está em aberto (para mais informações sobre este tema, consulte o Topico 4 da Unidade 2).

A objeção final e que a teodiceia do processo realmente não se parece muito

com uma teodiceia. Deus e muito impotente para eliminar os males do mundo, na medida em que Deus não tem nem o conhecimento nem o poder de, em última análise, resolver o problema. Alem disso, muitos veem o mal e o sofrimento no mundo como cada vez pior, não melhor (Esta visão pode ser confrontada com as pesquisas de Steven Pinker [2013] em sua obra “Os anjos bons da nossa natureza”, na qual ele defende a tese que, pelo menos, certos tipos de mal, como a violência física, estão sim diminuindo com o desenrolar da historia humana). Enquanto que Deus sempre faz o melhor que pode na visão do processo, mesmo assim não parece que ele está fazendo muito, pois o mal ainda abunda. Nem parece que Deus está melhorando em sua capacidade de evoluir um mundo melhor. Diante disso, sem a esperança escatologica de uma eliminação definitiva do mal, a palavra "teodiceia" aqui pode ser um termo improprio.

Veja o vídeo de Steven Pinker sobre a diminuição da violência, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wtPHieLCWrs>. Veja também o vídeo de William Craig sobre o problema do sofrimento, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8o2BtYlH4Sc>.

DICAS

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275

Neste tópico vimos: • Vários aspectos do problema do mal. Apos descrever alguns termos e conceitos

significativos nas discussões sobre o mal, observamos que há uma serie de “problemas”, e não apenas um, e os dividimos em duas categorias: teoricas e existenciais.

• Três problemas teoricos: logico, probabilístico e o argumento evidencial de Rowe. Nos examinamos cada um desses argumentos, assim como as objeções aos mesmos e respostas para muitas destas objeções.

• A defesa do livre-arbítrio e a resposta “impossível de provar o contrário”, duas respostas ao argumento logico, e observamos que eles provaram eficazmente a refutação ao argumento.

• O problema existencial do mal e vimos que, embora muitas vezes as pessoas não creiam em Deus, devido à angústia existencial durante os momentos que experienciam o mal, este não e um argumento por si so contra o teísmo. Assim, o que e muitas vezes necessário em tais casos, não e argumento racional, mas um cuidado pastoral.

o Enquanto o cuidado pastoral e muitas vezes útil e necessário, isso, obviamente, não aborda o aspecto teorico do problema.

• Três teodiceias – tentativas de justificar Deus perante o mal no mundo: a agostiniana, a irineana e a teodiceia do processo.

RESUMO DO TÓPICO 1

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276

É possível, e por vezes necessário, classificar os sentidos do termo “mal” para evitar problemas conceituais e para delimitar o campo de discussão e investigação. De acordo com o texto pudemos ver pelo menos quatro tipos de “mal”. Acerca destes quatro tipos de classificações do “mal”, associe os itens, utilizando o codigo a seguir:

I – Mal HorrendoII – Mal GratuitoIII – Mal NaturalIV – Mal Moral

( ) O mal que resulta de fenômenos da natureza e não e provocado pelo livre-arbítrio de um agente moral.

( ) O mal que resulta de um agente moral ao abusar de seu livre-arbítrio de tal forma que o agente e condenável por ele.

( ) O mal terrível que ao ser experienciado dá a razão ao indivíduo de duvidar de que a sua vida tenha qualquer sentido.

( ) O mal injustificado que para a sua ocorrência não se encontra qualquer razão e carece de total sentido.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) I, II, III, IV.b) ( ) III, IV, I, II.c) ( ) II, IV, III, I.d) ( ) IV, I, III, II.

AUTOATIVIDADE

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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277

TÓPICO 2

CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Em um livro condenando a religião, intitulado A morte da Fe, o autor Sam Harris (2009, p. 13) começa com um exemplo destinado a chocar o leitor:

O rapaz sobe em um ônibus que está saindo do terminal. Está de casacão. Debaixo do casacão, leva uma bomba. Seus bolsos estão cheios de pregos, esferas metálicas e veneno para ratos [...] O rapaz sorri. Ao apertar um botão, ele destroi a si mesmo, o casal ao seu lado e mais vinte pessoas no ônibus [...] Os pais do rapaz logo ficam sabendo o que lhe aconteceu. Embora entristecidos por terem perdido um filho, sentem um tremendo orgulho pelo seu feito. Eles sabem que o jovem foi para o ceu, preparando o caminho para eles, que seguirão mais tarde. Não so isso – ele tambem mandou suas vítimas para o inferno por toda a eternidade. É uma vitoria dupla.

Harris observa que e a religião do rapaz, ou melhor, suas crenças religiosas,

que o levam a se envolver neste tipo de comportamento horroroso e devastador. Ele passa a listar atrocidades e males promulgados por adeptos religiosos de uma variedade de religiões ao longo dos seculos. O problema, para Harris e uma serie de outros pensadores, e que a religião (em todas as suas várias formas) e tanto irracional quanto perigosa. A religião e baseada na fe cega, e, como tal, leva as pessoas alem dos limites da razão e ao abismo da irracionalidade da qual o terrorismo e a violência fluem naturalmente. A fe religiosa deve ser erradicada e substituída pela razão, Harris sustenta, e o domínio da razão manifesta na sua melhor forma e mais elevada e a ciência. Outras obras como “Deus não e grande” de Hitchens (2007) e “Deus um delírio” de Dawkins (2007), ressaltam o mesmo ponto básico.

Será que esta dicotomia entre a religião e a ciência, com a aquela baseada na

fe cega subjetiva e esta baseada na razão objetiva e evidências, e correta? Podem as crenças religiosas ser, em algum momento ao menos, racionalmente justificadas? Será que elas devem ser racionalmente justificadas? Alem disso, qual e a relação adequada entre a ciência e a religião? Seriam elas de alguma forma compatíveis? Há muitas vezes um confronto entre a fe e a razão, entre a religião e a ciência. Mas deve ser assim? Estas são algumas das questões e problemas, que vamos explorar neste topico.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

2 A RELIGIÃO E A CIÊNCIA

Tanto a ciência quanto a religião desempenham papeis fundamentais em nosso mundo hoje. No Topico 1 da Unidade 2 deste Caderno de Estudos, observamos que cerca de 85 por cento da população do mundo afirma alguma forma de crença religiosa; a religião e seus efeitos abrangem o globo. A ciência e os efeitos da ciência tambem são ubíquos. Seja no centro de Londres, nas colinas do sul do Afeganistão, ou no coração da floresta tropical brasileira, rádios, telefones celulares, televisão por satelite e outras invenções da ciência são muitas vezes parte da vida diária comum. É tambem o caso que muitas pessoas religiosas são cientistas e que a experimentação científica às vezes e usada na religião. Durante seculos tem havido uma relação simbiotica entre estes dois domínios. No entanto, a ciência e a religião estão tambem muitas vezes em desacordo uma com a outra. A disputa de Galileu com a Igreja Catolica Romana sobre se a terra ou o sol está estacionário e um caso memorável a ser considerado (NAESS, 2015; FINOCCHIARO, 1989). Como devemos entender a relação entre a ciência e a religião?

Antes de examinar esta relação, vamos primeiro tentar uma breve descrição

da ciência (uma descrição da religião foi oferecida no Topico 1 da Unidade 2): ciência envolve a exploração, a descrição, a explicação e a previsão de ocorrências no mundo natural que podem ser verificadas e apoiadas pela evidência empírica. Esta descrição da ciência e derivada daquela oferecida por Carl Hempel (1981). Como se vê, as alegações feitas por aqueles que praticam a ciência estão às vezes em desacordo com as afirmações religiosas. Então, como a ciência e a religião se relacionam uma com a outra? Várias opções foram propostas, e para os nossos propositos, vamos restringi-las a três: conflito, independência e integração. Para explorar estas e outras opções veja a obra “Quando a Ciência encontra a Religião” de Ian Barbour (2004).

2.1 CONFLITO

Uma maneira de compreender a relação entre a ciência e a religião e vê-las em conflito uma com a outra. Este conflito tem sido evidente ao longo dos seculos. Talvez o mais bem conhecido destes engajamentos tenha sido a controversia criação-evolução. Este confronto foi tipificado em 1860 quando o bispo Samuel Wilberforce (1805-1873) pediu ao biologo Thomas Huxley (1825-1895; conhecido como o "Buldogue de Darwin" por sua defesa da teoria da evolução) se ele alegava descendência simiesca por meio de seu avô ou de sua avo. A resposta de Huxley foi tão sarcástica quanto à propria interpelação, afirmando que ele seria muito mais feliz de ter um símio como um avô do que alguem que distorce a verdade e confunde as coisas (HUXLEY, 2009; BONE, 2003).

O que levou ao conflito e, sem dúvida, um mal entendido dos papeis e

restrições legítimas da ciência e da religião, e o mal entendido vem de dois domínios. Por um lado estão os literalistas bíblicos que afirmam que as escrituras

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

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sagradas (neste caso, e a Bíblia) oferecem um relato historicamente exato da criação do mundo, desde o proprio universo a plantas específicas, os animais e os primeiros seres humanos. Esta historia da criação, eles sustentam, conflita com a explicação evolucionária da historia da flora e da fauna. Elas não podem ser ambas verdadeiras, e as escrituras superam a ciência. Por outro lado, estão os materialistas científicos que concordam que a narrativa bíblica e a explicação evolucionária estão em conflito; elas não podem ser ambas verdadeiras. Eles afirmam, no entanto, que a evolução naturalista está correta e nenhuma historia religiosa e necessária para explicar a origem ou o desenvolvimento dos organismos vivos.

Existem inúmeros desafios para essa visão do conflito. Primeiro, o

materialismo científico (por vezes referido como o cientificismo), a visão de que a única forma viável de aquisição de conhecimento e atraves do metodo científico e a única realidade e a material, e muito mais um pressuposto filosofico do que uma conclusão científica. Como, por exemplo, seguindo o metodo científico, pode-se chegar à conclusão de que o metodo científico e a única maneira viável de adquirir conhecimento? E como, de acordo com o metodo científico, pode-se saber que a única realidade e a material? Seguindo os ditames da ciência não nos conduz a nenhuma destas conclusões.

Em segundo lugar, muitos teologos e pesquisadores de estudos religiosos concluíram que as escrituras sagradas não devem ser tomadas como livros científicos. É equivocado entendê-las como fonte, por exemplo, de informações geologicas (se a terra tem milhares ou milhões de anos de idade), de informações astronômicas (se o sol e estacionário ou movel) ou de informação biologica (se os humanos evoluíram de formas animais inferiores ou não). Junto com Galileu, esses pensadores sustentam que Deus e a criação de Deus são revelados em ambos "o livro da natureza" e "o livro das escrituras" – livros que não poderiam entrar em conflito uma vez que ambos provêm de Deus. Talvez nem a ciência, tampouco a religião pode nos fornecer um mapa completo e pleno de todos os domínios, pois cada um tem suas proprias esferas separadas da realidade. Isto nos leva à opção seguinte.

2.2 INDEPENDÊNCIA

Uma segunda opção para a compreensão da relação entre a ciência e a religião e a independência; e vê-las como formas completamente independente de pensamento e práticas que nunca entram em contato. Esse ponto de vista tende a proporcionar um relacionamento mais irônico entre a ciência e a religião, pois desde que elas são domínios totalmente diferentes, as mesmas nunca estão em desacordo. Existem diferentes expressões da posição de independência, mas as duas mais proeminentes são a neo-ortodoxia protestante e a análise linguística. Vamos examinar brevemente cada uma por sua vez.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Karl Barth (1886-1968), uma figura central no movimento neo-ortodoxo protestante no seculo XX, sustentava que Deus e transcendente e incognoscível, ate que Deus proporcione uma autorrevelação. Essa revelação não ocorre atraves da investigação e da descoberta científica. Pelo contrário, ela vem atraves da revelação divina, uma revelação que ocorre atraves da iniciação do Espírito de Deus. As escrituras podem fornecer o catalisador para este encontro divino, mas isso não significa que elas devam ser interpretadas literalmente. Elas são registros humanos falíveis de eventos reveladores que fornecem insights religiosos na medida em que o Espírito se move em um indivíduo. A ciência, para Barth, fornece informações úteis sobre o mundo empírico, mas não pode fornecer o conhecimento religioso. O objeto de estudo destes domínios e completamente diferente, tal como são os seus objetivos e metodos de investigação.

Karl Barth (1886-1968) foi um teólogo reformado suíço e um dos mais influentes pensadores cristãos protestantes do século XX. Ele desenvolveu uma “teologia da Palavra”, em que o conhecimento e o entendimento religioso é conferido pela fé, uma fé oferecida somente por Cristo, sob a soberania de Deus. Sua teologia é muitas vezes referida como neo-ortodoxia pelos críticos. Ele foi um escritor prolífico, com sua magnum opus sendo os treze volumes da Dogmática Eclesiástica (1932-1967), cuja tradução para o português está ainda em andamento. Algumas de suas obras já traduzidas para o português são “Fé em busca de compreensão” (2003) e “Esboço de uma dogmática” (2006).

Uma segunda maneira de expressar independência e interpretar a ciência e a religião como linguagens diferentes que fornecem o seu proprio conjunto exclusivo de funções. Em meados do seculo XX, um grupo de estudiosos, referidos como positivistas logicos, sustentaram que para uma reivindicação ser verdadeira e significativa tinha que ser empiricamente verificável. As ideias religiosas, então, passaram a ser vistas como sem sentido. Por uma serie de razões o positivismo logico teve curta duração, mas a ênfase na análise de linguagem foi marcada por um movimento mais tarde chamado de análise linguística ou tradição analítica (COFFA, 2005; MARCONDES, 2004; MICHELETTI, 2007). Para os analistas linguísticos, a linguagem religiosa e a linguagem científica têm diferentes objetivos e funções. A função da linguagem religiosa e "recomendar um modo de vida, eliciar um conjunto de atitudes e incentivar a fidelidade a determinados princípios morais" (BARBOUR, 2013, p. 14). A função primária da linguagem científica, por outro lado, e a previsão e o controle no mundo natural. A religião e a ciência têm cada uma o seu proprio "jogo de linguagem", como alguns nomeariam, e os dois jogos nunca podem interagir ou conflitar.

Enquanto que um benefício claro da opção da independência, em ambas as formas acima descritas, e que ela evita a guerra hostil inerente à opção do conflito, a mesma vem com um preço. Ian Barbour (1923-2013) descreve o custo:

NOTA

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

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Se a ciência e a religião fossem totalmente independentes, a possibilidade de conflito seria evitada, mas a possibilidade de um diálogo construtivo tambem seria descartada. Nos não experienciamos a vida como nitidamente dividida em compartimentos separados; nos a experienciamos na inteireza e na interconexão antes de desenvolver determinadas disciplinas para estudar diferentes aspectos da mesma (BARBOUR, 2013, p. 16).

A independência assume que a religião não tem nada a dizer sobre o mundo natural e que a ciência não faz nenhuma reivindicação cognitiva sobre o domínio religioso. Mas isto parece ser falso. Por exemplo, as três principais religiões teístas afirmam um evento de criação em que Deus trouxe o universo à existência, e elas descrevem Deus como estando ativamente envolvido na ordem criada (induzindo pragas, curando os enfermos, partindo o mar etc.). Alguns dos argumentos para a existência de Deus tambem incluem fatos empíricos, como base para a crença em um criador ou designer sobrenatural, como vimos nos Topicos 4 e 5 da Unidade 2. As religiões não teístas tambem fornecem afirmações relevantes para o universo físico natural. Entendimentos budistas do dharma (por exemplo, a verdade ou a realidade última) ou noções budistas e hindus do carma, são tomadas como aspectos reais do mundo que têm efeitos físicos e causais dentro do mundo. A ciência e a religião às vezes fazem reivindicações que entram em conflito.

Alem disso, o ponto de vista da independência bifurca o mundo em

domínios diferentes e tende negar uma interpretação unificada e coerente do que e realmente experienciado no mundo. Talvez haja uma maneira de integrar a ciência e a religião de tal modo que os seus objetivos e metodos exclusivos sejam respeitados e, ao mesmo tempo, ofereçam um quadro mais unificado do mundo. Isto nos leva à nossa opção final.

2.3 INTEGRAÇÃO

Uma terceira maneira de compreender a relação entre a ciência e a religião e aquela em que e possível alguma forma de integração entre elas (PETERS; BENNETT, 2003; McGRATH, 2005). A abordagem de integração leva a serio tanto os conflitos que ocorrem entre a religião e a ciência, por um lado, e o papel singular de cada domínio, por outro. Diferentes versões da integração têm sido apresentadas, e duas perspectivas principais serão esboçadas a seguir.

Uma tentativa de integrar a ciência e a religião e a teologia natural. A teologia natural e a tentativa de inferir a existência de Deus a partir de evidências na natureza, e examinamos vários argumentos que se esforçam para fazer isto mesmo em topicos anteriores. Como já observamos, descobertas recentes na física e outros ramos da ciência estão fornecendo material novo para os teologos naturais, e com isso novos argumentos para a existência de Deus têm surgido nas últimas decadas. Se tais argumentos são plausíveis não e motivo de preocupação aqui. Em vez disso,

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

o ponto e que mesmo que a teologia natural e ciências naturais tenham objetivos, metas e metodos singulares, suas descobertas podem levá-los ao mesmo objeto. Por exemplo, como vimos no Topico 5 da Unidade 2, as constantes cosmicas do universo físico podem (assim sugerem os defensores da teologia natural) apontar para um designer inteligente do universo – um designer postulado pelas religiões teístas. Alem disso, Richard Swinburne (1934-) propôs recentemente argumentos bayesianos (probabilísticos) para a existência de Deus e para a ressurreição de Jesus (SWINBURNE, 1979; 2003).

Uma segunda abordagem à integração envolve aqueles que trabalham em direção a uma síntese sistemática da religião e da ciência. A filosofia do processo, tipicamente associada com as obras dos filosofos americanos Alfred North Whitehead (1861-1947) e Charles Hartshorne (1897-2000), e um exemplo da tentativa de fundir ciência e religião em um sistema metafísico abrangente e coerente, consonante com os avanços na ciência moderna (incluindo a relatividade e as teorias evolucionárias). Os principais proponentes atuais do pensamento do processo são John Cobb Jr., Shubert Ogden e o David R. Griffin.

Para os pensadores do processo, as perspectivas antigas e medievais da

natureza substancial estática das coisas são substituídas por eventos dinâmicos que seguem uma trajetoria evolutiva. A caracterização primordial do pensamento do processo e que tudo o que existe e caracterizado pelo processo. Isto e consistente com as doutrinas budistas do surgimento interdependente e do Anatman, discutidos no Topico 3 da Unidade anterior, na qual não há entidades substanciais, apenas eventos interconectados.

A perspectiva do processo sobre a divindade e aquela em que Deus tambem

está em processo. Os pensadores do processo rejeitam o modelo teísta clássico, no qual Deus e imutável, simples, onipotente, onisciente, alem do espaço e tempo, e completamente transcendente. Pelo contrário, Deus e dipolar – contendo uma natureza primordial que ordena o mundo e uma natureza consequente que interage com o mundo e muda continuamente com ele.

A abordagem da integração oferece perspectivas animadoras para o

desenvolvimento de novas formas de se relacionar ciência e religião. Os dois domínios parecem se sobrepor em áreas significativas, e avançar o diálogo vai exigir o reconhecimento do papel importante de cada domínio na vida humana (e não humana). Tambem será necessária humildade, pois, se a historia se repetir, as teorias científicas atuais não vão permanecer estáticas, mas continuarão a evoluir à medida que a humanidade cresce em conhecimento sobre o vasto e esplêndido mundo em que vivemos.

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

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Alfred North Whitehead (1861-1947) foi um matemático e filósofo Inglês, fundador do pensamento do processo moderno. Em 1929 suas Gifford Lectures foram publicadas como Processo e Realidade (2010) – a obra que fundou a filosofia do processo. Outros trabalhos importantes incluem “A Ciência e o Mundo Moderno” (2006) e “O conceito de natureza” (1994). Ele também é coautor do Principia Mathematica (2001) – uma das obras centrais da lógica moderna, com Bertrand Russell.

3 A CRENÇA RELIGIOSA E A JUSTIFICAÇÃO

Assim como existem várias maneiras de expressar a relação entre a ciência e a religião, podemos transmitir a relação entre a fe e a razão, em duas grandes categorias. Por um lado, estão aqueles que defendem que a razão pode e deve ser usada para justificar ou validar a fe religiosa; podemos chamar as perspectivas deste tipo de perspectivas de validação racional da fe e da razão. Procurar por evidências para a existência de Deus, ou para a reencarnação ou para a vida apos a morte, ou a tentativa de justificar as crenças sobre o dharma ou o dao, são todos exemplos de validação racional.

Por outro lado, estão aqueles que negam que a razão e a evidência devem

ser usadas para justificar ou validar a fe religiosa; podemos chamar perspectivas deste tipo de perspectivas não evidenciais da fé e da razão. Isso não quer dizer que os adeptos das perspectivas não racionais negam que a razão seja necessária para entender as crenças religiosas ou praticar a fe religiosa. Em vez disso, eles negam que manter crenças religiosas depende de ter razões ou evidências para essas crenças serem objetivamente verdadeiras. Em topicos anteriores examinamos diferentes tipos de evidências que têm sido utilizadas por aqueles que afirmam a validação racional para sustentar certas crenças religiosas (como aquela que Deus existe). No restante deste topico, examinaremos várias diferentes perspectivas não evidenciais da razão e da fe.

3.1 O FIDEÍSMO

Para os fideístas (da palavra latina fides, que significa fe), usar a razão para demonstrar ou avaliar as religiões ou crenças religiosas e sempre inadequado. A fe não e o tipo de coisa que precisa de justificação racional, mantêm os fideístas, e tentar provar a propria fe religiosa pode ate ser uma indicação de uma falta de fe.

Talvez o fideísta mais conhecido foi o filosofo Søren Kierkegaard (1813-

1855). Kierkegaard viveu em um ambiente cristão na Dinamarca em que a obra filosofica de G. W. F. Hegel (1770-1831) era culturalmente influente e difundida.

NOTA

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284

UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Na narrativa hegeliana, a historia do mundo se desdobra de acordo com a razão divina e a logica. Um slogan hegeliano muitas vezes repetido e que "o que e racional e real, e o que e real e racional" (HEGEL, 1997, XXXVI). Este princípio foi melhor desenvolvido na Fenomenologia do Espírito (1992). Para Hegel, a religião cristã e uma representação mitologica deste desdobramento divino e racional, e o cristianismo e a consciência religiosa em seu estado mais desenvolvido.

Kierkegaard viu a sua sociedade como uma em que ser cristão tornou-se,

devido à influência hegeliana e outras, simplesmente nascer na "cristandade". Não era mais uma experiência individual de escolher viver uma vida interior de devoção e paixão, mas sim se tornou um conjunto de crenças culturais que alguem poderia vir a manter atraves de argumentos racionais e evidências. Mas, para Kierkegaard, a verdadeira religião não e fria e calculista, regurgitando as respostas certas para problemas logicos e questões estereotipadas em uma forma sistemática e impessoal. Pelo contrário, e apaixonada e obsessiva, mais semelhante a uma relação íntima entre dois jovens amantes. Ele acreditava que não há provas solidas para a fe religiosa, e que, mesmo que houvesse elas seriam inúteis para o desenvolvimento de verdadeira fe religiosa, pois a "certeza [...] se esconde na porta da fe e ameaça devorá-la" (2013b, p. 30). Alem disso, o dogma cristão, como a crença de que um Deus infinito se tornou um ser humano finito, inclui paradoxos que são contrários à razão e à logica, enquanto a verdadeira fe religiosa implica um “salto”. Um filosofo da historia resume a visão de Kierkegaard sobre o assunto desta maneira:

Deus não e homem, e o homem não e Deus. A dialetica não oferece possibilidade de salvar o abismo que os separa. Somente pode estabelecer-se a relação pelo salto da fe, pelo ato voluntário que religa o eu mesmo com Deus, como criatura com o criador, como indivíduo finito com o Absoluto transcendental (COPLESTON, 1996, p. 264).

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo idealista alemão. Ele argumentou que a história tem uma teleologia – é o desenvolvimento racional e

a produção da Mente ou do Espírito, que ele chamou de o Absoluto. Seus trabalhos incluem Lectures on the philosohpy of religion (1895; Lições sobre a filosofia da religião), Fenomenologia do Espírito (1992) e Enciclopédias das Ciências Filosóficas em Compêndio (1995).

Soren Kierkegaard (1813-1855) foi um filósofo e teólogo dinamarquês e o pai do existencialismo. Muitas vezes ele escreveu sob pseudônimos, tais como Johannes Clímaco, e argumentou que é imprudente e equivocado tentar basear suas crenças religiosas na razão e na evidência. Seus trabalhos principais incluem Ou-Ou (2013a), Temor e tremor (2010), e o Pós-escritos conclusivos não científicos às migalhas filosóficas (2013b).

NOTA

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

285

Escolher a fe envolve suspender a razão; e afirmar algo mais elevado do que a razão e fazer um compromisso de vida. Esta afirmação de compromisso ocorre atraves das escolhas existenciais que um indivíduo deve fazer de uma forma regular e talvez ate mesmo constante. Em uma passagem frequentemente citada, Kierkegaard (2013b, p. 215) coloca o ponto de modo conciso:

A fe e justamente a contradição entre a paixão infinita da interioridade e a incerteza objetiva. Se posso apreender objetivamente Deus, então eu não creio; mas, justamente porque eu não posso fazê-lo, por isso tenho de crer; e se quero manter-me na fe, tenho de constantemente cuidar de perseverar na incerteza objetiva, de modo que, na incerteza objetiva, eu estou sobre ‘70.000 braças de água’, e contudo creio.

Kierkegaard estava vivendo e escrevendo dentro da tradição cristã, mas

fideístas podem ser encontrados em todas as grandes tradições religiosas. Por exemplo, o termo Sradda no budismo Theravada e Mahayana e a aceitação dos ensinamentos de Buda que vem antes de uma compreensão certa ou de um pensamento correto. Ingressar no Caminho Óctuplo envolve um passo de fe, uma aquiescência (sem argumentação racional ou evidência) para os ensinamentos de Buda (DALAI-LAMA, 2006).

Uma crítica ao fideísmo e que, em uma cultura religiosamente pluralista,

como alguem poderia decidir qual a religião (ou conjunto de crenças religiosas) à qual deve comprometer-se? Isto pode não ser um problema em uma cultura na qual há apenas uma opção de vida religiosa. Mas o que dizer em uma cultura religiosamente pluralista na qual existem múltiplas opções de vida? Como alguem deve escolher? Os fideístas oferecem várias respostas. Uma delas e que as evidências oferecidas para qualquer tradição religiosa particular são subjetivas e difícil, se não impossível, de avaliar "de fora". Assim, a escolha deve vir do interior de cada indivíduo. Outra resposta (esta oferecida pelo proprio Kierkegaard) e que a razão fornece apenas conclusões aproximadas, na melhor das hipoteses, enquanto a fe oferece paixão pessoal e certeza subjetiva (KIERKEGAARD, 2013b). Esta certeza apaixonada, ao inves de um raciocínio frio e calculista, capta mais precisamente a essência da fe religiosa. Quando se trata de fe, e preciso fazer uma escolha: comprometer-se a acreditar ou não, independentemente da evidência.

3.2 WILLIAM JAMES E A VONTADE DE ACREDITAR

Outro ponto de vista da fe e da razão que e, em certos aspectos, semelhante ao fideísmo de Kierkegaard, e aquele do filosofo e psicologo do início do seculo XX, William James (1842-1910). Em um famoso ensaio intitulado "A vontade de Crer" (2001), James argumentou que (ao contrário da possível sugestão do título de que se deve afirmar crenças por mero decreto da vontade), existem ocasiões em que somos forçados a tomar uma decisão de acreditar mesmo na falta de evidência solida, e que em circunstâncias apropriadas essa decisão de acreditar e melhor do que não acreditar. A fim de preparar o terreno para a visão de James, será

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

útil primeiro esboçar a posição para a qual ele estava respondendo, uma posição estabelecida pelo matemático e filosofo britânico, W. K. Clifford (1845-1879).

Em um ensaio importante intitulado "A etica da crença" (2010), Clifford

defendeu que uma pessoa não deve acreditar em alguma coisa, a menos que ele ou ela tenha uma boa evidência para a crença. Ele começa o ensaio com um exemplo. Suponha que um armador percebe que seu navio poderá precisar de algum tipo de reparo antes de partirem, mas ele se convence do contrário. Ele lembra que o navio já teve muitas viagens bem-sucedidas, e que ele acredita na Providência e no cuidado providencial de pessoas humanas. Depois de mais contemplação, ele e capaz de remover qualquer desconfiança que ele poderia ter sobre as pessoas envolvidas na construção original do navio, e ele se consola com o pensamento de que eles certamente construíram seu navio bem. Tragicamente, logo apos a sua viagem começar, o navio afunda e todos perecem.

Clifford argumenta que o proprietário do navio e moralmente responsável

por esta catástrofe porque suas crenças não eram baseadas em evidências. Um pensamento desejoso (wishful thinking) ou esperança não e suficiente; a evidência solida e necessária para a crença. Clifford, em seguida, oferece o seguinte princípio: "É sempre errado, em toda parte e para todos, crer em qualquer coisa com base em evidência insuficiente" (CLIFFORD, 2010, p. 137). Assim, na perspectiva de Clifford, por vezes referida como evidencialismo, acreditar tem implicações morais: e imoral acreditar sem evidências suficientes. É evidente que este princípio tem ramificações para todas as crenças, não sendo a menor destas, as crenças religiosas.

James (1970) defende argumentos contrários aos de Clifford e a favor da

visão de que há ocasiões em que ter crenças na ausência de evidência e plenamente justificado. Ele argumenta que há momentos na vida em que todos nos precisamos escolher acreditar, mesmo quando há pouca, se houver, evidências disponíveis sobre a qual basear nossas decisões. Considere o seguinte exemplo.

Suponha ... que eu estou escalando nos Alpes, e tive a má sorte de me colocar em uma posição a partir da qual a única saída e atraves de um terrível salto. Tendo nenhuma experiência semelhante, eu não tenho nenhuma evidência de minha capacidade de realizá-lo com sucesso; mas a esperança e a confiança em mim me faz ter certeza de que eu não errarei o meu alvo, e preparo meus pes para executar o que, sem essas emoções subjetivas talvez tivesse sido impossível. Mas suponhamos que, pelo contrário, as emoções de medo e desconfiança predominam; ou suponha que, tendo acabado de ler a Ética da Crença, eu sinto que seria pecaminoso agir sobre uma suposição não confirmada pela experiência anterior, - por que, então vou hesitar tanto tempo que, finalmente, exausto e tremendo, e lançando-me em um momento de desespero, eu perco meu ponto de apoio e caio para o abismo. Neste caso (e e um de uma classe imensa) a parte da sabedoria claramente e acreditar no que se deseja; pois a crença e uma das condições previas indispensáveis para a realização de seu objeto. Há, então, casos em que a fe cria a sua propria verificação. Acredite, e você estará certo, porque haveis de salvar a si mesmo; duvide, e você novamente estará certo, pois perecereis. A única diferença e que acreditar e em grande medida para a

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

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sua vantagem (JAMES, 1970, p. 27).

Para James, há consequências práticas ou pragmáticas para as nossas

crenças. E como o exemplo acima indica, por vezes e benefico agir mesmo quando a evidência está faltando.

Há tambem momentos em que há hipoteses concorrentes para se escolher. Como e que vamos decidir, em casos como esse? James (1970) chama o decidir entre hipoteses uma "opção", e ele delineia vários tipos:

1. Viva ou morta: uma opção viva e aquela em que ambas as hipoteses possuem algum apelo emocional (mas não racional) para aquele que fará a escolha; uma opção morta carece de tal apelo. Por exemplo, para muitos europeus e norte-americanos, no seculo XIX, a opção, "ser um hindu ou budista," não era uma opção viva, ao passo que "ser um cristão ou um agnostico" era uma opção viva.

2. Forçosa ou evitável: uma opção forçosa e aquela em que ambas as hipoteses são mutuamente exclusivas e na qual não há uma terceira possibilidade. Por exemplo, a opção de "ler este livro ou de não lê-lo" e forçosa. Uma opção evitável e aquela em que as duas hipoteses não envolvem tal disjunção ou dilema logico; por exemplo, se perguntarmos qual entre dois partidos políticos brasileiros alguem apoia, não há nenhuma opção forçosa aqui. Pode-se apoiar a um terceiro partido ou simplesmente ser ambivalente sobre qualquer um deles.

3. Premente ou trivial: uma opção premente e aquela na qual muita coisa depende da decisão entre as hipoteses. Por exemplo, se a você fosse dada a oportunidade de participar da proxima tripulação do ônibus espacial para viajar ao espaço sideral, a sua opção seria premente; e uma oportunidade única e significativa. Por outro lado, ser ofertado com a escolha de beber cafe em vez de chá, e uma opção trivial (em algumas ocasiões, ao menos).

A opção genuína e aquela que e viva, forçosa e premente. A religião, James

(2001) sustenta, e uma opção genuína para algumas pessoas. Quando confrontadas com uma opção genuína, mesmo estando em falta de evidências, dar um passo de fe pode ser a melhor decisão. Desde que a evidência está em falta, nessas situações de tomada de decisão "forçosa", sustenta ele, ao fazer esta escolha devemos usar a nossa natureza não intelectual ou "passional". James coloca desta forma:

Nossa natureza passional não so pode, como deve, licitamente decidir-se por uma opção entre proposições sempre que esta for uma opção genuína que não possa, por sua natureza, ser decidida sobre bases intelectuais; pois dizer, nessas circunstâncias: ‘Não decida, deixe a questão em aberto’ e, por si so, uma decisão passional - assim como decidir sim ou não - e acompanha-se do mesmo risco de perder a verdade (JAMES, 2001, p. 22).

No que diz respeito às crenças religiosas, as apostas são, por vezes, tão

altas que o risco de se perder a verdade de fato vale a pena, mesmo que o erro seja uma possibilidade real. Seguir a abordagem de Clifford, de acreditar somente

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quando a evidência está disponível e certa, faria com que nossas vidas se tornassem epistemologicamente estereis e privadas da plenitude que poderiam experienciar. James define a fe deste modo: “uma crença em algo preocupante no qual a dúvida e ainda teoricamente possível; e enquanto o teste da crença e a vontade para agir, alguem poderia dizer que a fe e a prontidão para agir em uma causa em que a sua questão prospera não está certificada com antecedência” (JAMES, 1970, p. 90). Há riscos em ambas as abordagens de Clifford e de James. Se seguirmos a Clifford, enquanto nos poderíamos evitar de acreditar no que e falso, poríamos em risco acreditar no que e verdadeiro e útil. James descreve a abordagem de Clifford da seguinte maneira: "É melhor se arriscar à perda da verdade do que à chance de erro – esta e a posição exata daquele que veta a fe" (JAMES, 2001, p. 43-44). Se seguirmos James, a escolha de acreditar corre o risco de cair em erro sobre questões fundamentais. No entanto, ele diz: "Se a religião for verdadeira e as evidências em prol dela ainda forem insuficientes, não desejo, [...] ser privado de minha única chance na vida de ficar do lado vencedor" (JAMES, 2001, p. 44-45).

Pondere a seguinte citação de Russell: “Podemos definir ‘fé’ como a firme crença em algo para o qual não há nenhuma evidência. Onde há evidências, ninguém fala de ‘fé’. Nós não falamos de fé em que dois e dois são quatro, ou que a Terra é redonda. Nós só falamos de fé quando queremos substituir emoção por evidências. (RUSSELL, 2009, p. 34).

3.3 A APOSTA DE PASCAL

Outra forma de crença pragmática foi oferecida há algumas centenas de anos antes pelo matemático francês Blaise Pascal (1623-1662). Pascal apresentou uma aposta pragmática, muitas vezes referida como um argumento da aposta, para a crença religiosa (BURKHOLDER, 2013). Usando uma análise de custo-benefício da razoabilidade da crença em Deus, com base em um tipo de teoria da decisão e da probabilidade, Pascal argumentou que acreditar em Deus (para ele era o Deus cristão) e uma aposta melhor do que não acreditar.

Blaise Pascal (1623-1662) foi um renomado matemático, físico e filósofo francês. Depois de uma experiência mística em 1654, ele dedicou grande parte de seu

tempo e energia para a filosofia e a teologia e na defesa do cristianismo, incluindo aqui a sua famosa aposta. Suas anotações foram recolhidas e publicadas postumamente com o título Pensées (Pensamentos).

IMPORTANTE

NOTA

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

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‘Deus existe ou não existe’. Para que lado tenderemos? A razão não o pode determinar: um caos infinito nos separa. Na extremidade desta distância infinita, joga-se cara ou coroa. Em que apostareis? Pela razão, não podereis atingir nem uma nem outra; pela razão, não podereis defender uma ou outra. Não acuseis, pois, de falsidade os que fizeram uma escolha, já que nada sabeis [...] mas e mister apostar. Não e algo que dependa da vontade, já estamos inseridos nisso. Qual escolhereis? Vejamos. Uma vez que e necessário escolher, vejamos o que menos vos interessa. Tendes duas coisas a perder: a verdade e o bem; e duas coisas a empenhar: vossa razão e vossa vontade, vosso conhecimento e vossa beatitude; e vossa natureza tem que fugir de duas coisas: o erro e a miseria. Vossa razão não se sentirá mais atingida por terdes escolhido uma coisa de preferência a outra, pois e preciso necessariamente escolher [...] Mas, e vossa beatitude? Pesemos o ganho e a perda escolhendo a cruz, que e Deus. Consideremos esses dois casos: se ganhares, ganhareis tudo; se perderes, não perdereis nada. Apostai, pois, que ele existe sem hesitação. (PASCAL, 1999, p. 92-93).

A aposta, que Pascal desenvolve em seus Pensamentos (1999), pode ser

delineada como se segue. Há um número limitado de opções relativas à crença em Deus:

1. Acredito em Deus e Deus existe.2. Acredito em Deus e Deus não existe.3. Não acredito em Deus e Deus existe.4. Não acredito em Deus e Deus não existe.

Se você optar por acreditar em Deus e Deus existe, você tem ganho infinito. Se você optar por acreditar em Deus e Deus não existe, você não perdeu muito, terás uma perda finita (ou nada). Se você optar por não acreditar em Deus e Deus existe, você não terá nenhum grande ganho, um ganho finito, e você poderá ter uma perda infinita. Se você optar por não acreditar em Deus e Deus não existe, você de novo não terá um grande ganho. Assim, mesmo com pouca ou nenhuma evidência, temos razão, razão de autointeresse ou de investimento em si mesmo, de acreditar em Deus. A nossa melhor aposta, Pascal sustenta, e acreditar. O quadro a seguir representa a estrutura da matriz de decisão, matriz de Pascal.

QUADRO 21 – A MATRIZ DE DECISÃO DE PASCAL

I. Deus Existe II. Deus não Existei. Eu creio A. Ganho infinito menos perda infinita B. Perda finitaii. Eu não creio C. Ganho finito menos perda infinita D. Ganho finito

Obviamente, nem todos serão convencidos pelo argumento de aposta. Suponha, musas Pascal, alguem está em um estado de descrença e sustenta que ele não pode ser movido para a crença, mesmo quando apresentado com a aposta, e que evidências e provas tambem são insuficientes para movê-lo para um estado de crença. O que e uma pessoa a fazer?

FONTE: William Craig (2012)

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Aprendei, porem, ao menos vossa impotência em crer, uma vez que a razão a isso vos guia e que, contudo, não o podeis. Esforçai-vos, assim, não para vos convencerdes pelo aumento das provas de Deus, mas pela diminuição das vossas paixões. Desejais alcançar a fe e não conheceis o caminho, quereis curar-vos da infidelidade e pedis o remedio: aprendei com os que estiveram atados como vos e que apostam, agora, todos os seus bens; são as pessoas que conhecem esse caminho que desejaríeis seguir e que estão curadas do mal de que desejais curar-vos. Segui o modo pelo qual começaram: fazendo tudo como se tivessem fe, tomando água benta, mandando dizer missas etc... Naturalmente isso vos fará crer [...] (PASCAL, 1999, p. 94).

Várias críticas foram levantadas contra a aposta de Pascal. Em primeiro lugar, pode-se argumentar que não podemos escolher acreditar muito diretamente, se e que em alguma coisa, e muito menos a crença em Deus. As crenças na verdade geralmente não parecem estar dentro do nosso controle direto. Por exemplo, suponha que lhe foi oferecido uma grande soma de dinheiro para acreditar que um elefante cor de rosa está agora sentado ao seu lado. Consegues fazê-lo? Claro que você pode mentir e dizer isso, mesmo que você não tenha essa crença. Mas você pode realmente optar por acreditar? Não parece que seja assim. O mesmo se ocorre para praticamente todas as crenças. Alguem poderia, talvez, ao tomar uma droga psicodelica contemplar porções de imagens de elefantes cor de rosa, e prosseguir acreditando que há um elefante cor rosa na sala. Mas isso não seria adquirir uma crença sob o controle direto e voluntário do indivíduo.

A segunda objeção e semelhante àquela levantada anteriormente ao

fideísmo. Ou seja, como e que alguem pode decidir qual a religião, entre a multiplicidade de religiões, em que deve apostar? Por que apostar no Deus cristão, como Pascal propõe? Por que não apostar em Krishna, ou Alá, ou no dao, ou no nirvana, ou em todas as anteriores? Perante as muitas opções religiosas diferentes e singulares que existem, como e que vamos apostar? Pascal fornece poucos criterios para fazer uma aposta informada dado o ambiente pluralista, que agora engloba grande parte do mundo.

Em terceiro lugar, mesmo que se pudesse chegar à fe religiosa atraves de

uma tal aposta calculativa, será que este e um metodo apropriado para a aquisição de uma fe religiosa autêntica? Parece uma forma bastante inconveniente para entrar na relação de confiança com Deus informado pela tradição cristã, em que Pascal se abrigou. Talvez o mesmo poderia ser dito das outras tradições de fe tambem. Alem disso, a aposta parece supor que o universo está estruturado ao longo de linhas teoricas de decisão utilitárias, e tem a imperfeição adicionada de apenas ser atraente para aqueles que estejam psicologicamente inclinados à felicidade prazerosa e à evitação da dor, e um apelo, no mínimo estranho, se o perder e o ganhar a vida estiver no cerne do chamado cristão para o discipulado.

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

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3.4 ALVIN PLANTINGA E A EPISTEMOLOGIA REFORMADA

Uma abordagem mais recente para a fe e a razão e chamada de "epistemologia reformada" (o termo "reformado" refere-se à tradição calvinista da reforma teologica cristã). Três de seus proponentes principais são Alvin Plantinga (1932-), Nicholas Wolterstorff (1932-) e William Alston (1921-2009). A epistemologia reformada e não evidencialista na medida em que afirma que a evidência não e necessária para que a fe seja justificada. Mas ao contrário do fideísmo, seus seguidores afirmam que a crença em Deus pode ser um empreendimento racional, apesar de uma completa falta de evidências. Isto e, obviamente, ao contrário da abordagem evidencialista em que e irracional acreditar em uma afirmação sem evidências. Tambem e diferente do evidencialismo em que os seus adeptos estão geralmente em oposição a uma perspectiva chamada fundacionalismo, ou fundacionismo clássico.

O fundacionalismo e a visão de que uma crença e racionalmente justificada

se ela estiver baseada em fundamentos adequados. O fundacionalismo clássico e a visão de que todas as crenças justificadas devem ser apropriadamente básicas ou derivadas de crenças propriamente básicas. Para o fundamentalista clássico, as crenças propriamente básicas são aquelas que são:

• Incorrigíveis: crenças relevantes para a propria experiência de uma pessoa, sobre as quais e virtualmente impossível estar em erro, tais como a crença de que se está com dor ou que a pessoa parece estar vendo algo como azul, por exemplo.

• Autoevidentes: crenças envolvendo simples verdades logicas ou matemáticas que, quando compreendidas, são tomadas imediatamente como sendo verdadeiras, tal como a lei da não contradição ou que 2 + 2 = 4.

• Evidentes para os sentidos: crenças que implicam diretamente um ou mais dos cinco sentidos, tais como a crença de que se está vendo uma grama verde ou cheirando uma rosa fresca.

Os fundacionalistas clássicos incluem Tomás de Aquino (1225-1274), Rene Descartes (1596-1650), John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776). Enquanto que eles podem diferir no seu significado preciso, aqueles que afirmam o fundacionalismo clássico concordam que as crenças propriamente básicas devem incluir pelo menos dois dos três elementos mencionados acima. É importante mencionar que o fundacionismo clássico tambem e revisitado por pensadores contemporâneos, como Laurence Bonjour, Richard Fumerton e Timothy McGrew (ETCHEVERRY, 2009).

Como Plantinga e outros demonstraram, há serios problemas com o

fundacionalismo clássico (KETZER, 2011; SWEETMAN, 2013; MICHELETTI, 2007). Talvez a objeção mais seria e que ele parece ser autorrefutável. Considere seus criterios para uma crença ser racional e justificada, apenas se a crença e incorrigível ou autoevidente ou evidente aos sentidos. É esta alegação, por si so, incorrigível, autoevidente ou evidente aos sentidos? Parece que não. Então, ela

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

nem mesmo cumpre seus proprios criterios de justificação racional: se alguem afirma este ponto de vista, não o pode fazer racionalmente.

Plantinga argumenta que enquanto o fundacionalismo clássico deve ser

rejeitado, a posição fundacionalista de que as crenças racionalmente justificadas devem ser, em última análise, baseadas em crenças propriamente básicas e geralmente correta. Na verdade, há um debate de se a perspectiva de Plantinga e uma forma de fundacionalismo ou uma forma de coerentismo. De qualquer maneira, ele mesmo argumenta que o fundacionalismo que ele defende e embasado em uma teologia reformada que contorna a necessidade de evidência para as crenças religiosas fundamentais. Certas crenças religiosas, ele argumenta, tais como a crença em Deus, são "propriamente básicas". Agora, e importante notar que o que Plantinga e outros epistemologos reformados querem dizer com uma crença propriamente básica e diferente da compreensão clássica. Enquanto que na visão clássica as crenças propriamente básicas são crenças que são incorrigíveis, autoevidentes e evidentes aos sentidos, na visão da epistemologia reformada elas são crenças que são razoavelmente e propriamente mantidas, mesmo sem evidências. Exemplos incluem crenças mentais, crenças da memoria e a atribuição de estados mentais aos outros: (1) eu vejo um computador, (2) Eu pulei o desjejum nesta manhã, e (3) a minha esposa está com dor. Crenças como essas são propriamente básicas, argumenta Plantinga, pois mesmo que não se baseiam em outras crenças, elas não são infundadas.

Embora as crenças desse tipo sejam normalmente tomadas como básicas, seria um erro descrevê-las como infundadas. Apos ter a experiência de um certo tipo, eu acredito que eu estou percebendo uma árvore. No caso típico eu não mantenho essa crença com base em outras crenças; todavia, ela não e infundada. Manter esse tipo característico de experiência [...] desempenha um papel crucial na formação daquela crença. Assim como, tambem desempenha um papel crucial em sua justificação (PLANTINGA; WOLTERSTORFF, 2004, p. 79).

Alem disso, as crenças como estas acima podem ser plenamente justificadas:

Digamos que uma crença e justificada para uma pessoa em algum momento particular se (a) ela não estiver violando quaisquer deveres epistêmicos e, portanto, está dentro de seus direitos epistêmicos em aceitá-la, e (b) a sua estrutura noetica [isto e, a soma total das crenças da pessoa e a forma como essas crenças estão relacionadas] não e defeituosa em virtude de sua aceitação da mesma. Então o meu parecer [being appeared to] nessa forma característica (juntamente com outras circunstâncias) e o que me confere o direito de manter a crença em questão; isso e o que me justifica em aceitá-la. Poderíamos dizer, se quisermos, que esta experiência e o que me justifica em sustentá-la; este e o fundamento da minha justificação, e, por extensão, o fundamento da propria crença (PLANTINGA; WOLTERSTORFF, 2004, p. 79).

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TÓPICO 2 | CIÊNCIA, FÉ E RAZÃO

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Alvin Plantinga (1932-) é Professor John A. O’Brien de Filosofia na Universidade de Notre Dame. Ele é amplamente conhecido por seu trabalho no campo da epistemologia, metafísica e filosofia da religião (mais especialmente sua defesa do livre-arbítrio, a sua reformulação do argumento ontológico e epistemologia reformada). Ele tem escrito muitos livros importantes, incluindo Deus, Liberdade e o Mal (2012), Conhecimento de Deus (2014). Em 2004-2005, ele realizou a prestigiada Gifford Lectures na St. Andrews University intitulada Ciência e Religião: Conflito ou Concórdia? Veja uma síntese dessa palestra no artigo de Platinga (2011) e assista ao autor falar sobre o tema no vídeo Ciência e Religião, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RHUjHeHVe78>.

O proximo passo de Plantinga e alegar que a crença em Deus e semelhante às crenças que eu vejo um computador, ou que eu pulei o desjejum, ou que estou com dor – que tambem e uma crença propriamente básica. Consistente com pensadores reformados tais como John Calvin (1509-1564), Abraham Kuyper (1837-1920) e Karl Barth (1886-1968), Plantinga argumenta que dentro de cada mente humana racional existe uma consciência natural da divindade. Todas as pessoas em toda parte, sustenta ele, não importa o quão bárbaro, têm uma convicção profunda de que Deus existe e e o seu Criador (PLANTINGA; WOLTERSTORFF, 2004). Enquanto que o pecado (e talvez má educação) pode afetar a capacidade das pessoas de manter a crença de que Deus existe, para muitas pessoas, especialmente muitos judeus, cristãos, muçulmanos e hindus teístas, a crença em Deus e propriamente básica.

A proposta de Plantinga tem sido desafiada em várias frentes. Primeiro, se a crença no Deus cristão pode ser propriamente básica, por que não poderia simplesmente qualquer crença estar na base da fundação noetica de uma pessoa? Isto e conhecido como a "Objeção da Grande Abobora” (SWEETMAN, 2013), baseada na historia em quadrinhos Peanuts em que Linus acredita na Grande Abobora que alegadamente se manifesta aos adeptos sinceros em cada Halloween. Na interpretação de Plantinga, o que poderia impedir a crença na Grande Abobora de ser propriamente básica? Sua resposta e que há uma diferença relevante entre a crença em Deus e a crença na Grande Abobora. O epistemologo reformado sustenta que há uma tendência natural em nos para ter a primeira, mas não a última crença. Assim, uma pessoa estaria dentro de seus direitos epistêmicos ao incluir a crença em Deus como propriamente básica, mas a partir disto não seguiria que crenças "bizarras", como a crença na Grande Abobora, não pudessem ser excluídas.

Veja um trecho de um vídeo da história em quadrinhos Peanuts em que Linus fala de sua crença na Grande Abóbora. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rLRZWoKDb5c>.

ATENCAO

DICAS

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Isso conduz a uma segunda crítica. Mesmo que a crença em Deus seja propriamente básica para algumas pessoas (os epistemologos reformados, por exemplo), isso não e garantia de que a crença e, de fato, verdadeira. Plantinga admite isso. Ele expõe o fato deste modo:

Mas e [a crença cristã] verdadeira? Esta e uma pergunta muito importante. E aqui nos passamos alem da competência da filosofia, cuja principal competência, nesta área, e de superar certas objeções, impedâncias e obstáculos para a fe cristã. Falando por mim e, claro, não em nome da filosofia, so posso dizer que ela, de fato, me parece ser verdadeira, e ser a verdade maximamente importante (PLANTINGA, 2000, p. 499).

No entanto, isso não e motivo para rejeitar a interpretação do epistemologo reformado sobre as crenças propriamente básicas, pois enquanto não há certeza de que tais crenças sejam verdadeiras, há ao menos certeza que se uma crença e propriamente básica, e racional para uma pessoa mantê-la.

Isto conduz a uma terceira crítica. Para o epistemologo reformado, uma

crença que e propriamente básica para um indivíduo pode não ser propriamente básica para outro indivíduo. A crença em Deus pode ser propriamente básica para um cristão; a crença no nirvana pode ser propriamente básica para um budista; a crença no dao pode ser propriamente básica para um taoísta; a crença em Krishna pode ser propriamente básica para um hindu; a crença em feitiços mágicos pode ser propriamente básica para os adeptos do vodu; e assim por diante. Não há um conjunto universal de crenças propriamente básicas; de fato, não há nenhuma racionalidade universal. Então, será que estamos presos dentro de um determinado sistema particular de crenças, para sempre incapazes de decidir entre os sistemas? Ao rejeitar o evidencialismo, não há evidências disponíveis que permitam fazer juízos avaliativos sobre as crenças ou sistemas de crenças – religiosas ou não.

A resposta de Plantinga e dupla. Primeiro, ele concorda que o uso de seu

metodo para determinar crenças básicas pode levar pessoas diferentes a conclusões diferentes. Mas isso e simplesmente o modo como as coisas são no discurso filosofico. Querer que os filosofos cheguem a um acordo sobre as questões fundamentais, sobre qualquer assunto, pode ser pedir demais. Como a Primeira Lei de Filosofia declara, para cada filosofo, existe um filosofo igual e oposto. Portanto, este não e um problema para o seu metodo mais do que para qualquer metodo em filosofia. Em segundo lugar, em seus trabalhos mais recentes, Plantinga começa a enunciar criterios (não evidências) para determinar as crenças propriamente básicas e para decidir se uma crença se justifica. Entrar nessa discussão, no entanto, está alem do escopo deste topico. Muito mais poderia ser dito sobre fe e razão dentro da epistemologia reformada, mas isso deve ser o suficiente para agora.

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Neste tópico vimos: • Várias relações entre a ciência e a religião, a fe e a razão.

• Três opções básicas para relacionar a ciência e a religião: conflito, independência e integração.

• Durante seculos, a ciência e a religião estiveram em desacordo, e aqueles que afirmam a visão do conflito percebem isso como inevitável. No entanto, para aqueles que sustentam a perspectiva da independência, a ciência e a religião nunca realmente entram em conflito, porque elas estão sobre domínios completamente diferentes, que jamais se misturaram: a religião e sobre assuntos celestiais ou espirituais; a ciência e sobre aqueles terrenos ou materiais. Mas essa visão exige uma divisão da realidade em esferas separadas e incongruentes e assim parece excluir uma interpretação coesa do mundo.

o Uma terceira abordagem tenta construir uma ponte entre as duas anteriores, respeitando os papeis únicos oferecidos pela ciência e pela religião, concomitantemente reconhecendo os conflitos potenciais que parecem ocorrer entre elas.

• Várias opções básicas para relacionar a fe e a razão.

• Há duas abordagens muito diferentes: as perspectivas da validação racional e da não evidencial.

1. A validação racional vê a razão e a evidência como componentes importantes da fe religiosa. Deste ponto de vista, os argumentos para a existência de Deus, por exemplo, podem desempenhar um papel importante não estabelecimento ou fortalecimento da fe religiosa.

2. As perspectivas não evidenciais, por outro lado, negam que a evidência e significativa para a crença.

• Quatro categorias básicas: o fideísmo, a vontade para acreditar de James, a aposta de Pascal, e a epistemologia reformada.

• O fideísta sustenta que usar a razão para a avaliação de fe religiosa nunca e apropriado.

RESUMO DO TÓPICO 2

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• A fe religiosa não precisa de justificativa racional; a razão pode ate mesmo ir contra tal fe. Em resposta àqueles que não concordam com este ponto de vista (chamados de evidencialistas).

• William James argumenta que há ocasiões em que acreditar sem evidências e pragmaticamente útil. Para algumas pessoas, dar um passo de fe na religião e a sua melhor opção.

• Blaise Pascal vai ainda um passo adiante em seu pragmatismo: a nossa melhor aposta, ele argumenta, e acreditar em Deus. Temos muito a ganhar se optarmos acreditar assim, e muito a perder se nos escolhermos desacreditar.

• Os epistemologos reformados concordam com o fideísmo, que a fe religiosa não depende de evidências, mas eles não são antirracionalistas, pois eles tambem concordam que a fe religiosa pode ser um empreendimento razoável. Eles argumentam que a crença em Deus e propriamente básica para algumas pessoas, que acreditar em Deus, por exemplo, e tão racional para alguns como a crença de que eles tiveram num desjejum em alguma manhã.

• As crenças são profusas e ubíquas. Algumas são vantajosas, algumas, como vimos na abertura do topico, são perigosas. Então, como vamos escolher o que e quando acreditar? Talvez Joseph Runzo (2001, p. 214) sintetize da melhor maneira: “Quando tudo estiver dito e feito, a única justificativa final para qualquer compromisso de fe que temos e o nosso senso mais profundo do que e valioso temperado pela experiência e uma compreensão racional das consequências reais de aderir a esses valores”.

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AUTOATIVIDADE

William James afirma que há consequências pragmáticas para o ato de crer, por isso, por vezes e salutar agir mesmo quando não há evidências. Ocorre que, nestes momentos pode haver hipoteses concorrentes para escolher, e será necessário escolher. James classifica estas escolhas como diferentes tipos de “opções”. Leia as afirmações abaixo, sobre estas opções, e assinale a alternativa correta.

a) Uma opção morta e aquela em que ambas as hipoteses possuem algum apelo emocional (mas não racional) para aquele que fará a escolha.

b) Uma opção evitável e aquela em que ambas as hipoteses são mutuamente exclusivas e na qual não há uma terceira possibilidade.

c) Uma opção premente e aquela na qual muita coisa depende da decisão entre as hipoteses, uma oportunidade única e significativa.

d) Uma opção forçosa e aquela em que duas hipoteses não envolvem dilemas logicos, ou seja, há sempre uma terceira alternativa.

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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TÓPICO 3

EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Inúmeras pessoas afirmam ter tido uma experiência religiosa de um tipo ou de outro. Um estudo indica que, pelo menos, trinta por cento da população global teve tal experiência (HAY, 1990). Para alguns, essas experiências fornecem evidências de primeira mão ou provas para a realidade do que o experienciador (aquele que tem a experiência) acredita e talvez ate para a sua religião como um todo. Para outros, tais experiências são ilusões ou delírios, experiências psicologicas provocadas por uma serie de diferentes fatores, mas todos puramente naturais. Neste topico vamos explorar o significado e a diversidade da experiência religiosa. Vamos examinar os argumentos que afirmam que a experiência religiosa fornece justificação para as crenças religiosas, assim como as refutações a esses argumentos. Vamos tambem olhar para as tentativas de oferecer explicações puramente naturalistas da experiência religiosa.

2 A NATUREZA E A DIVERSIDADE DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Todo mundo tem experiências, e cada uma dessas experiências e exclusiva para aquele que as têm, pois não posso experienciar suas experiências e você não pode experienciar minhas experiências. No entanto, algumas das minhas experiências são semelhantes às suas, e vice-versa. Por exemplo, agora estou tendo a experiência de apreender o significado das palavras nesta frase, tal como você, mas as chances são de que cada um teve experiências completamente diferentes do que o outro teve. Há tambem aqueles que tiveram experiências que eu e você não podemos sequer sondar, algumas religiosas, outras não. Neste topico, nos estamos focando na experiência religiosa. Então, o que e uma experiência religiosa?

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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2.1 O QUE É UMA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA?

Em um sentido amplo a experiência religiosa se refere a qualquer experiência do sagrado dentro de um contexto religioso, incluindo os sentimentos, as visões e as experiências místicas e numinosas religiosas (ÁVILA, 2007; PAIVA, 1998). A experiência religiosa e intensamente pessoal, e com frequência ocorre em meio a práticas religiosas, tais como: a oração, a meditação, a adoração, cânticos ou a prática de outros rituais religiosos. Muitas vezes essas experiências ocorrem em uma igreja, sinagoga, mesquita, templo, mosteiro ou outro lugar sagrado. Mas as experiências religiosas foram registradas em várias circunstâncias e locais. Há três características gerais que são comuns ao fenômeno da experiência religiosa (SWEETMAN, 2013; CALIMAN, 1998; LIBÂNIO, 2002):

1. Universalidade: a experiência religiosa e um fenômeno universal. Estudos e pesquisas demonstram que uma proporção significativa da população humana, passada e recente, inclusive no interior das sociedades altamente secularizadas, tiveram experiências religiosas.

2. Diversidade: há uma grande diversidade de experiências religiosas e cada experiência e, em certo sentido, única para o indivíduo que a tem. Embora haja semelhanças entre as experiências religiosas de adeptos das várias tradições religiosas, tambem há diferenças, e isso contribui para a riqueza e variedade das experiências de todo o espectro religioso.

3. Importância: a experiência religiosa e importante em formas únicas e memoráveis, muitas vezes resultando em uma vida transformada ou reorientada, uma reavaliação da forma como se pensa ou se vive, ou ate mesmo uma mudança de visões de mundo.

2.2 CATEGORIAS DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Esquemas diferentes foram oferecidos para descrever e classificar os diversos tipos de experiências religiosas. Aqui vamos utilizar uma classificação que distingue três categorias de experiência: regenerativa, carismática e mística. A seguinte classificação e baseada na obra de Peter Donavan (1979), particularmente nas páginas 3-20. Nos, contudo, ignoramos sua quarta categoria, “a experiência paranormal”, pois tais experiências não são tipicamente ou necessariamente compreendidas como religiosas. Alem desta obra tambem utilizamos o livro de Richard Swinburne (1979), especialmente entre as páginas 249-253.

A experiência religiosa regenerativa e aquela em que o experienciador

sofre uma transformação de vida, uma conversão, poderíamos dizer. Nos círculos cristãos evangelicos isto e muitas vezes referido como "nascer de novo", baseado no livro de João no Novo Testamento em que Jesus diz: "[...] aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (BÍBLIA, 1994, João 3.3). Em outros

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TÓPICO 3 | EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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lugares este tipo de experiência e expresso como "experienciando a religião", "experienciando a salvação", ou de sendo "liberto do mal" (JAMES, 1995). Por meio de tais experiências, as pessoas muitas vezes descobrem que suas vidas mudaram, tornando-se cheia de significado e novidade, cheia de amor, alegria e esperança.

John Hick (1922-2012), um dos filosofos da religião mais influentes dos

últimos tempos, descreve sua propria experiência de conversão religiosa:

Como estudante de direito na University College, Hull, com a idade de dezoito anos, eu me submeti a uma poderosa conversão evangelica sob o impacto da figura de Jesus do Novo Testamento. Durante vários dias, eu estava em um estado de intensa agitação mental e emocional, durante o qual eu me tornei cada vez mais consciente de uma verdade mais elevada e uma realidade maior pressionando-me e reivindicando o meu reconhecimento e resposta. No começo isso era altamente indesejável, uma demanda preocupante e desafiadora para nada menos do que uma revolução na identidade pessoal. Mas, em seguida, a alegação perturbadora tornou-se um convite libertador. A realidade que estava pressionando-me não era apenas impressionantemente exigente, mas tambem irresistivelmente atraente e eu entrei com grande alegria e emoção para o mundo da fe cristã [...]. Uma experiência deste tipo que eu não posso esquecer, mesmo que tenha acontecido há 42 anos [...] ocorreu – de todos os lugares possíveis, no deck superior de um ônibus no meio da cidade de Hull [...]. Como todos podem estar bem conscientes, e que podem se lembrar de um momento como este, todas as descrições são inadequadas. Mas era como se o ceu tivesse aberto e derramado luz para baixo, me enchendo de um sentimento de alegria transbordante, em resposta a uma imensa bondade e amor transcendente. Lembro-me que eu não conseguia evitar ficar com um largo sorriso – sorrindo de volta, por assim dizer, a Deus – embora se quaisquer outros passageiros estivessem olhando, deveriam ter pensado que eu era um lunático, sorrindo para o nada (HICK, 2014, p. 33-34).

Devemos observar que enquanto Hick não descarta a sua primeira experiência de conversão, ele não adere mais às perspectivas evangelicas que ele sustentava naquele tempo. Ele, nos últimos anos de sua vida referiu a si mesmo como um crítico da teologia evangelica. Para uma expressão de sua última perspectiva do pluralismo religioso veja a sua obra Teologia Cristã e pluralismo religioso (2005).

William James (1842-1910) foi um filósofo e psicólogo americano e um dos fundadores do pragmatismo. Ele se dedicou ao exame psicológico da religião e escreveu obras influentes sobre a experiência religiosa e o misticismo. Seus trabalhos principais incluem As Variedades da Experiência Religiosa (1995), A vontade de crer (2001) e Pragmatismo e outros textos (1979).

DICAS

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Junto com a conversão e a salvação, outra faceta da experiência regenerativa e a transformação moral. Neste caso, antes da experiência, o indivíduo pode sentir um senso de pecado, culpa, ou a incapacidade de fazer o que ele ou ela sabe que e moralmente apropriado. Apos ter a experiência religiosa regenerativa, ele sente que o pecado e a culpa foram removidos e uma nova visão da bondade e percebida e procurada; uma ênfase nova ou renovada sobre os deveres morais sucede na vida deste indivíduo. Na influente obra de William James, As Variedades da Experiência Religiosa, ele inclui um estudo sobre as experiências regenerativas.

Nesse estudo, ele não está focado na conversão de um conjunto de

crenças religiosas para outro, mas na transformação moral; especificamente uma transformação na qual "uma meta se torna tão estável quanto a expulsar definitivamente seus rivais anteriores da vida do indivíduo" (JAMES, 1995, p. 191). Podemos encontrar essas experiências transformadoras em todas as grandes tradições religiosas. O Antigo Testamento, por exemplo, contem um número de relatos de regeneração moral pessoal (e nacional). O livro dos Salmos, por exemplo, está cheio de tais experiências. Mais recentemente, um convertido islâmico descreve sua experiência transformacional desta forma:

Nas páginas abençoadas do Santo Alcorão eu encontrei solução para todos os meus problemas, satisfação para todas as minhas necessidades, explicação para todas as minhas dúvidas. Alá me atraiu para a Sua luz com força irresistível, e de bom grado me rendi a Ele. Tudo parecia claro agora, tudo fez sentido para mim, e eu comecei a entender a mim mesmo, o Universo e a Deus. Eu estava amargamente consciente de que eu tinha sido enganado pelos meus queridos professores, e que as suas palavras eram apenas mentiras crueis, se eles estavam cientes disso ou não. Todo o meu mundo foi quebrado em um instante; todos os conceitos tiveram de ser revistos. Mas a amargura no meu coração foi amplamente superada pela alegria inefável de ter encontrado meu Senhor, por fim, e eu estava cheio de amor e gratidão a Ele. Eu ainda humildemente o louvo e o bendigo por Sua Misericordia comigo; sem a Sua ajuda, eu teria permanecido na escuridão e na estupidez para sempre (ISLAM apud DONAVAN, 1979, p. 18).

A segunda categoria da experiência religiosa e a experiência carismática. Este e um tipo de experiência na qual habilidades especiais, dons ou bênçãos são manifestas. Um dos elementos que crescem mais rapidamente na religião cristã e o pentecostalismo e os movimentos carismático relacionados (CADERNOS CERIS, 2001).

Uma excelente fonte de estatísticas sobre o crescimento carismático mundial é o site: <http://www.pewforum.org/2006/10/05/pentecostal-resource-page/>. Uma outra obra de análise das mudanças no interior do cristianismo desde uma perspectiva global é A próxima cristandade de Jenkins (2004).

DICAS

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De acordo com estudos recentes, pelo menos um quarto dos dois bilhões de cristãos do mundo são pensados como sendo membros desta faceta da fe cristã que enfatiza tais "dons do Espírito Santo", como a cura, a glossolalia (falar em línguas), o profetizar, ter sonhos e visões. Veja, por exemplo o livro de I Coríntios, 12.4-11 e o livro de Atos dos Apostolos, 2.4-42 (BÍBLIA, 1994). Estes dons carismáticos são descritos nestes livros bíblicos (que tambem incluem referências ao Antigo Testamento, onde os dons carismáticos foram profetizados), mas não estão limitados aos mais espetaculares mencionados anteriormente; eles tambem incluem infusões sobrenaturais de sabedoria, de conhecimento e de fe, por exemplo.

Experiências carismáticas não se limitam à tradição judaico-cristã, no

entanto. No budismo, por exemplo, o monge e muitas vezes entendido como sendo uma figura carismática e santa, não aquele que recebeu um dom de Deus, mas sim alguem que tenha experienciado as bênçãos do Dharma, os ensinamentos do Buda e os constituintes fundamentais do mundo. O hinduísmo tambem tem os seus gurus e sadhus, e o Islã tem seus xeques e walis. Esses líderes espirituais são muitas vezes vistos como possuidores de qualidades carismáticas, dons e poderes (DONAVAN, 1979).

Uma das mais famosas experiências visionárias na tradição cristã e descrita por Santa Teresa de Ávila (1515-1582):

Nosso Senhor estava satisfeito que eu devesse ver, por vezes, uma visão desse tipo. Muito perto de mim [...] um anjo se manifestou em forma humana [...] não era alto [...] porem muito belo e com um rosto tão flamejante que se assemelhava a um daqueles anjos superiores que parecem arder em chamas [...]. Em suas mãos vi uma grande lança de ouro, em cuja ponta de ferro parecia haver um ponto de fogo. Tive a sensação de que ele a cravou em meu coração várias vezes, fazendo-a penetrar ate minhas entranhas. Quando a retirou, foi como se as tivesse retirado tambem deixando-me totalmente inflamada com um grande amor por Deus. A dor foi tão forte, que me fez gemer diversas vezes. A doçura dessa dor e tão extrema que não há como querer que termine, e a alma não se satisfaz com nada menos que Deus. A dor não e física, mas espiritual, embora o corpo tenha participação nisso – na verdade, uma grande participação (ÁVILA apud SCHAMA, p. 118, 2010).

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Pentecostais são cristãos que pertencem a denominações e igrejas pentecostais, incluindo as Assembleias de Deus e a Igreja de Deus em Cristo. Avivamentos do tipo pentecostal começaram em 1800 em lugares como a Inglaterra, a Índia e a Rússia, e depois migrou para os Estados Unidos no início de 1900 (mais notavelmente a Missão da Rua Azusa em Los Angeles, Califórnia).

Carismáticos são cristãos que quer descrevem a si mesmos como “cristãos carismáticos” (mas não pertencem a denominações pentecostais), ou que manifestam um ou todos os chamados dons carismáticos.

Santa Teresa de Ávila (1515-1582), também conhecida como Santa Teresa de Jesus, era uma freira mística e carmelita espanhola. Ela tinha visões frequentes e experiências religiosas de êxtase. Ela se tornou a primeira mulher a ser nomeada Doutora da Igreja Católica em 1970, e é uma das três únicas mulheres a receber tal honra. Seus escritos incluem sua autobiografia, Castelo Interior ou Moradas (2015) e O Caminho da Perfeição (2015).

O que constitui uma experiência carismática autêntica ou inautêntica, e quem está autorizado a ter essas experiências ou autenticá-las, nem sempre e fácil discernir, pois diferentes tradições religiosas e ramificações têm suas proprias interpretações e avaliações dos fenômenos carismáticos. O que uma pessoa ou grupo toma como sendo uma experiência carismática autêntica pode ser tomada por outras pessoas dentro ou fora do grupo como não autêntica – como possessão demoníaca, trabalho do diabo, ou meramente um hocus pocus psicologico. No entanto, experiências carismáticas têm sido amplamente aceitas em todas as tradições religiosas tanto historicamente quanto em tempos recentes.

Uma terceira categoria e a experiência mística que, como descrita por

James, inclui quatro características distintas (JAMES, 1995):

• Inefabilidade: a experiência não pode ser adequadamente descrita, se e que pode em absoluto.

• Qualidade noética: o experienciador acredita que aprendeu algo importante com a experiência.

• Transitoriedade: a experiência e temporária e o experienciador logo retorna a um estado "normal" de espírito/mente.

• Passividade: a experiência ocorre sem decisão ou controle consciente e não pode ser provocado meramente pela vontade.

As experiências místicas assumem diferentes formas, mas um tema comum

entre a maioria delas e a identidade ou a união com Deus na religião ocidental, ou com a Realidade Absoluta – Brahman ou o nirvana ou o dao – na religião oriental. Uma descrição de uma experiência mística dentro da escola Advaita Vedanta do hinduísmo e oferecida por Shankara (788-820):

IMPORTANTE

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Quando a mente está completamente absorvida no Ser Supremo – o Atman, o Brahman, o Absoluto – então o mundo das aparências desaparece. A sua existência não e mais que uma palavra vazia. [...] Não há nem o vidente, nem o ver, nem o visto. Não há senão uma Realidade – imutável, sem forma, e absoluta. [...] O universo não existe mais depois de ter despertado para a consciência mais elevada no Atman eterno, que e Brahman, desprovido de qualquer distinção ou divisão. [...] Mesmo que sua mente e dissolvida no Brahman, ela está totalmente desperta, livre da ignorância da vida desperta. Ela está totalmente consciente, mas livre de qualquer desejo (SHANKARA, 1992, sem paginação).

É aqui, na experiência mística que o monismo de algumas religiões orientais e tambem experienciado nas religiões teístas ocidentais. Encontramos experiências místicas monistas descritas no judaísmo (por exemplo, O Zohar, um comentário místico sobre a Torá, os cincos primeiros livros do Antigo Testamento), no cristianismo (por exemplo, Meister Eckhart e São João da Cruz), e no islamismo (por exemplo, a escola do sufismo de Ibn al-Arabi). Enquanto as três religiões ocidentais são amplamente teístas, elas desenvolveram em seu interior ramificações monistas de pensamento. Com relação à união com o divino, por exemplo, o místico cristão Meister Eckhart (1260-1327) diz: "Se eu devo conhecer a Deus diretamente, devo tornar-me completamente Ele e Ele eu; de modo que este Ele e este eu se torne e seja somente um Eu” (ECKHART apud UNDERHILL, 2006, p. 420). Perante tal linguagem monista audaz, não e surpreendente que tenha havido intenso debate dentro das tradições teístas sobre se esses místicos e as ramificações místicas deveriam ser consideradas como hereticas.

Há uma ampla gama de experiências que são classificadas como místicas.

Alem das experiências de união com Deus/Realidade Absoluta observadas acima, um outro tipo de experiência mística e o misticismo da natureza. Nesse sentido, ate mesmo um ateu pode ter uma experiência mística "religiosa".

Embora a minha ‘experiência cosmica’ fosse irracional em termos de nossa visão acostumada do mundo, não estou satisfeito de que fosse simplesmente uma ilusão, ou delírio. Ele me afetou de uma forma muito real, reorientou a minha perspectiva e enriqueceu e aumentou a minha consciência de muitas maneiras. Mas fez representar um enigma - o tipo de enigma, não se pode tentar resolver sem tornar-se profundamente consciente do misterio supremo da criação. Neste sentido, gostaria de chamar a minha experiência de ‘religiosa’ (COHEN; PHIPPS, 1979, p. 173-174).

As experiências budistas de sunyata, ou vazio/vacuidade, desenvolvidas na escola Madhyamika (Caminho do Meio) do budismo, e satori, ou iluminação, desenvolvida na tradição Zen, tambem são consideradas por muitos como experiências místicas. D. T. Suzuki (1870-1966) descreve a essência do Zen como envolvendo satori, uma forma de olhar para a natureza das coisas e compreender a realidade (satori significa literalmente "compreender"), que oferece um aspecto mais fresco, mais profundo, mais satisfatorio da vida. Não e facilmente alcançado, no entanto não pode ser alcançado atraves do raciocínio logico ou da explicação cognitiva; ele deve ser experienciado diretamente (SUZUKI, 1964; SMITH; NOVAK, 2010).

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Daisetz Teitaro (D. T.) Suzuki (1870-1966) foi professor de filosofia budista na Universidade Otani, Kyoto, e lecionou em universidades norte-americanas, incluindo Columbia e Harvard. Ele era um dos principais proponentes do Zen Budismo no Ocidente. Seus principais trabalhos incluem Uma Introdução ao Zen-Budismo (1964), A doutrina Zen da Não Mente (1993), e Mística: cristã e budista (1976).

Outro tipo de experiência mística e a experiência numinosa. Rudolf Otto (1869-1937) descreve a experiência numinosa em latim como mysterium tremendum et fascinans, uma experiência misteriosa, tremenda e fascinante (OTTO, 2007). Ele observa que às vezes ela vem como "uma suave mare, a invadir nosso ânimo, num estado de espírito a pairar em profunda devoção meditativa". Ela tambem pode “passar para um estado d’alma a fluir continuamente, em duradouro frêmito, ate se desvanecer, deixando a alma novamente no profano”, alem disso, “pode eclodir do fundo da alma em surtos e convulsões. Pode induzir estranhas excitações, inebriamento, delírio, êxtase" (OTTO, 2007, p. 44-45). Ela tem tanto a sua forma selvagem e demoníaca quanto as suas manifestações abafadas, de tremor. Durante as experiências numinosas o indivíduo pode ser sobrecarregado e sentir um sobreapoderamento absoluto ou um sentimento de medo e pavor. Mas ele tambem pode sentir uma sedutora reverência que e bela e pura e gloriosa.

Alem disso, as experiências numinosas podem ser focadas em algum

indivíduo particular, tal como Jesus ou Krishna; ou em algum objeto, como um ícone ou uma pedra; ou pode haver nenhum objeto identificado em absoluto na experiência, mas elas geralmente refletem um encontro com um "Outro", um self separado ou vontade ou poder, que se impõe sobre a consciência do experienciador, de forma inesperada e profunda.

3 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E A JUSTIFICAÇÃO

Vimos que há uma grande variedade e diversidade de experiências religiosas, e elas têm sido relatadas e detalhadas por numerosos adeptos religiosos de todo o espectro religioso e ao longo do tempo. Apesar de ser uma característica comum das tradições religiosas, permanece um problema. A experiência religiosa e tipicamente um assunto privado. Digamos que alguem afirme ter uma experiência em que sente que e um com o divino. Ou que alguem reivindique experienciar que Deus ou um anjo lhe falou. O que podemos fazer com tais alegações? E se tivessemos uma experiência religiosa nos mesmos? Será que uma pessoa estaria justificada em inferir a partir de uma experiência religiosa (seja a propria ou aquela de outros) conhecimento de uma realidade objetiva que e o objeto dessa

NOTA

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experiência? Como William James (1995, p. 407) pergunta, "será que os estados místicos estabelecem a verdade daqueles afetos teologicos nos quais a vida santa tem a sua raiz?".

Alem disso, poderia alguem estar enganado sobre tais experiências?

E como e que ele saberia? Alguns filosofos da religião rejeitam as experiências religiosas como fundamento para a crença religiosa. Isso não quer dizer que eles necessariamente negam que os indivíduos tiveram experiências religiosas autênticas. Em vez disso, eles negam que se pode inferir apropriadamente a partir de tais experiências que a sua causa foi Deus, ou o nirvana, ou a Realidade Última etc., ou que o conteúdo do qual a experiência versou (se a mesma possuiu algum conteúdo cognitivo) e verdadeiro ou se realmente existe. Com referência à experiência religiosa fornecendo suporte para a crença em Deus, C. B. Martin (1924-2008) faz a seguinte afirmação: "Não há testes acordados para estabelecer uma experiência de Deus genuína e distingui-la de forma decisiva das não genuínas" (MARTIN, 1955, p. 79). Então, ele conclui, uma experiência religiosa não pode estabelecer a realidade objetiva do objeto perceptual da experiência; tudo o que pode fornecer são evidências para a realidade de estados psicologicos específicos. Mas será que isso e, de fato, tudo o que pode ser derivado da experiência religiosa? Alem disso, uma vez que praticamente todos concordam que pelo menos algumas experiências religiosas são ilusorias, como e que vamos avaliar quais são verídicas e que não são?

William J. Wainwright (1935-) oferece um argumento a partir da analogia

para a justificação da experiência religiosa com base na percepção sensorial que funciona da seguinte forma. Eu experiencio uma árvore, e eu acredito que existe uma árvore. Eu experiencio Deus, e eu acredito que Deus existe. Embora existam diferenças entre as experiências de árvores e experiências de Deus, há semelhanças suficientes relevantes para justificar a crença em Deus, se estamos autorizados a ter crenças em árvore. Ambas as experiências são noeticas (isto e, ambas têm a ver com o conteúdo da mente, incluindo crenças, desejos, valores etc.). Ambas têm um objeto perceptual, sustenta ele, e ambas incluem estados de coisas que podem ser conferidos ou verificados de algum modo (WAINWRIGHT, 1981). Contudo, se as experiências religiosas de fato incluem um objeto perceptual e um ponto, no mínimo, discutível. As experiências místicas, por exemplo, são muitas vezes tomadas pelos místicos como sendo inefáveis. Uma experiência inefável, por definição, não contem qualquer conteúdo cognitivo exprimível. Então, sem dúvida, nesse caso, não poderia ser usada para fundamentar uma crença religiosa particular. Alem disso, e questionável se os procedimentos para a verificação de uma experiência sensorial são semelhantes, em qualquer aspecto, aos de uma experiência religiosa. Vamos olhar com mais atenção para essa objeção abaixo.

William Alston (1921-2009) desenvolveu ainda mais a linha de argumentação

de Wainwright (ALSTON, 1991; CAVALCANTI, 2010). Ele introduz a prática doxástica (doxa e um termo grego que significa crença), a prática de formar crenças que estão baseadas na experiência, e assinala que a experiência religiosa e a percepção sensorial são ambas práticas doxásticas. Ele concede que os argumentos para justificar a experiência religiosa são (não viciosamente) circulares. No entanto,

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ele observa que os argumentos para justificar a confiabilidade da percepção dos sentidos são afligidos com o mesmo problema da circularidade. Como posso verificar se a árvore que eu experiencio na minha frente e realmente uma árvore? Pelo uso de outros estímulos sensoriais (meus proprios ou de alguma outra pessoa). Como eu sei que as percepções sensoriais em geral fornecem informações confiáveis? Ao verificá-las com outras percepções sensoriais (minhas proprias ou de alguma outra pessoa). Mas, apesar da circularidade, a confiabilidade das percepções sensoriais raramente e questionada. Alston afirma que se as experiências religiosas se assemelham relevantemente às outras experiências perceptivas, tais como as percepções sensoriais (e às vezes elas assim o fazem, ele argumenta), então as experiências religiosas devem ser nem mais, nem menos, suspeitas do que as outras experiências perceptivas.

Na tentativa de resolver o problema a partir de uma direção diferente e

mudar o ônus da prova para o cetico da veridicidade da experiência religiosa, Richard Swinburne (1934-) introduziu um princípio da racionalidade que ele chama de o Princípio da Credulidade. De acordo com este princípio, quando parece (epistemicamente) a alguem que algo e o caso, então, na ausência de considerações especiais, provavelmente assim o e (SWINBURNE, 1979). Quando estou andando pela floresta e vejo um esquilo em uma árvore logo à minha frente, por exemplo, eu estou justificado em acreditar que isto e, de fato, um esquilo na árvore logo à minha frente; a menos que eu tenha razões especiais para duvidar de minha crença neste caso. Assim tambem ocorre com a experiência religiosa. Uma pessoa poderia estar enganada em acreditar que algo e da maneira como lhe aparece, mas a menos que haja uma boa razão para desacreditar nisto, não deveríamos fazê-lo. Swinburne alega que rejeitar esse princípio nos conduziria a um "pântano cetico" em que uma pessoa deve duvidar de tudo que não possa ser provado dedutivamente (SWINBURNE, 1979).

Richard Swinburne (1934-) é Professor Emérito Nolloth de Filosofia da Religião Cristã, da Universidade de Oxford, e Membro da Academia Britânica. Ele é um filósofo da religião expoente e um membro da Igreja Ortodoxa Oriental. Seus principais trabalhos incluem “Será que Deus existe?” (1998), Faith and Reason (1984), e The evolution of the soul (1997).

Nem todos estão satisfeitos com o princípio de Swinburne. Michael Martin (1932-2015), por exemplo, defende um princípio negativo da credulidade: se parece (epistemicamente) a alguem que algo não e o caso, então provavelmente não e o caso. A formulação exata disso seria: “Se parece (epistemicamente) a um sujeito S que x está ausente, então provavelmente x está ausente” (MARTIN, 1990, p. 170). Há uma abundância de indivíduos que nunca tiveram uma experiência religiosa, mesmo que eles tenham tentado, então por que o ônus da prova deveria ser

NOTA

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transferido para o cetico que duvida de sua veracidade? Ele observa que, embora na vida ordinária a experiência de uma cadeira seja um bom motivo para acreditar em uma cadeira, assim tambem a experiência da ausência de uma cadeira e um bom motivo para acreditar que a cadeira está ausente (MARTIN, 1990).

Em um movimento semelhante ao Princípio da Credulidade de Swinburne,

Jerome (Yehuda) Gellman tenta demonstrar o valor evidencial da experiência religiosa atraves de um princípio que ele chama de BEE (Best Explanation of Experience), ou, Melhor Explicação da Experiência, que tem uma correspondente STING (Strength in Number Greatness), ou Força no Número de Grandeza (GELLMAN, 1997). A BEE e expressa desta forma:

Se uma pessoa, S, tem uma experiência, E, o que parece (fenomenalmente) ser de um objeto particular, O, (ou de um objeto de um tipo, K), então, mantida inalteradas todas as outras coisas [ceteris paribus], a melhor explicação de que S teve E e que S experienciou O (ou um objeto de um tipo, K), ao inves de outra coisa ou nada em absoluto (GELLMAN, 1997, p. 46, grifos do original).

Tal como acontece com Princípio da Credulidade de Swinburne, a BEE e considerada como sendo um princípio fundamental da racionalidade que rege o discurso cotidiano racional e que conecta a experiência do indivíduo à realidade. Como tal, a sua racionalidade e independente de argumentações adicionais; ela não precisa de nenhuma prova adicional.

Assim, a STING e expressa da seguinte forma:

Se uma pessoa, S, tem uma experiência, E, que parece (fenomenalmente) ser de um objeto em particular, O, (ou de um objeto de um tipo, K), então a nossa crença de que S experienciou O (ou um objeto de um tipo K) seja a melhor explicação (mantida inalteradas todas as outras coisas) de E, e fortalecida em proporção do número de experiências que existem de O e em proporção da variabilidade de circunstâncias em que tais experiências ocorrem (GELLMAN, 1997, p. 52-53, grifos do original).

Em outras palavras, quanto mais as pessoas têm um tipo particular de

experiência religiosa, mais forte e o caso para que a mesma seja verídica. Utilizando a BEE e a STING, Gellman argumenta que o grande número de experiências de Deus fornece garantia, ou seja, justificativa para a manutenção de certas crenças sobre Deus (tais como a que Deus e amoroso).

No proximo subtopico vamos examinar vários desafios para a experiência religiosa como justificativa para as crenças religiosas. Neste ponto, vale a pena mencionar que alguns percebem a tentativa de buscar justificação para as crenças religiosas a partir da experiência religiosa, como uma forma que enfatiza inapropriadamente o aspecto cognitivo de tal experiência. Considere o budismo. Para o adepto budista, um objetivo primário e o de ser liberto de um estado de desejo e sofrimento e atingir o nirvana, o não self ou o vazio/vacuidade. O budista, em última análise, não busca o conhecimento sobre, ou a evidência/prova para, a

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existência de Deus ou da Realidade Última ou do nirvana. Em vez disso, ele está buscando a extinção do self e de seus processos cognitivos respectivos. Isso não quer dizer que os budistas não podem usar as experiências religiosas individuais ou cumulativas dentro de sua tradição para validar suas crenças religiosas, mas que tais experiências são direcionadas principalmente à libertação, não à cognição.

4 DESAFIOS À EXPERIÊNCIA RELIGIOSA COMO JUSTIFICAÇÃO PARA AS CRENÇAS RELIGIOSAS

Então, pode-se argumentar que a experiência religiosa fornece justificação para as crenças religiosas. Mas tambem existem argumentos que contestam este ponto. Vamos primeiro olhar para três destes argumentos e, em seguida, explorar as explicações naturalistas da experiência religiosa.

4.1 A FALTA DE VERIFICABILIDADE

Um argumento contra a reivindicação de que a experiência religiosa fornece justificação para crenças religiosas e que tais experiências não são verificáveis (elas não são verificáveis como outros tipos de experiências). Compare uma experiência religiosa com alguma outra experiência perceptiva, vendo um cisne negro, por exemplo. Se alguem afirma ver um cisne negro em seu quintal, e fácil o suficiente verificar. Outras percepções podem ser usadas para verificar se a afirmação e verdadeira ou não: outros podem vê-lo, podem pegá-lo, ou talvez eles possam ser mordidos por ele. Mas o que dizer quando alguem afirma ter uma experiência religiosa? Como pode este tipo de reivindicação ser verificada? Parece que não pode. Assim, argumenta-se que a experiência religiosa não pode justificar crenças religiosas. C. B. Martin (1959) argumenta que as experiências religiosas não oferecem justificação para as crenças religiosas, pois elas não podem ser verificadas como outras experiências perceptuais.

Nessa discussão, uma distinção deve ser feita entre os relatorios psicologicos em primeira pessoa, tais como "parece que estou vendo um cisne negro", com experiências perceptivas, tais como "Eu vejo um cisne negro". Com este último tipo de experiência uma pessoa pode estar enganada. Eu pensei que era um cisne negro, mas acabou por ser um ganso marrom do Canadá. Com o primeiro tipo de experiência uma pessoa não pode estar enganada. Mesmo que acabou por ser um ganso marrom do Canadá, a alegação de que "parece que estou vendo um cisne negro" não deixa de ser verdadeira. Esses tipos de relatorios privados de primeira pessoa são sobre os acontecimentos que ocorrem na propria mente do indivíduo e são referidos como experiências incorrigíveis, enquanto eu possa estar enganado sobre o que eu vejo, eu não posso estar equivocado de que parece-me estar vendo o que eu vejo.

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A questão torna-se, então, se as experiências religiosas são corrigíveis ou incorrigíveis. Se elas são incorrigíveis, como alguns críticos afirmam, então, o experienciador não pode estar enganado sobre elas. No entanto, nesse caso, elas são experiências privadas, meramente subjetivas, e assim não fornecem evidência objetiva ou justificativa por ser sobre uma realidade fora da mente da pessoa tendo a experiência.

A alegação de qualquer religião ou seita particular de ter a verdade completa ou final desses assuntos [da veracidade da experiência religiosa] parece-me ser demasiado ridículo para valer a pena um momento de consideração. Mas o extremo oposto sustentando que toda a experiência religiosa da humanidade é um gigantesco sistema de pura ilusão me parece ser quase (contudo não completamente) improvável (BROAD, 2014).

4.2 REIVINDICAÇÕES CONFLITANTES NO INTERIOR DA VARIEDADE DAS EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS

Outra objeção e que as experiências religiosas são muito divergentes, conflitantes e mesmo contraditorias. Como observamos acima, ao longo dos seculos os crentes religiosos tiveram vários tipos de experiências religiosas, e muitas delas são manifestamente incompatíveis umas com as outras. A experiência Advaita Vedanta de que toda a realidade e uma, e indiferenciada, por exemplo, contradiz a experiência islâmica de que Alá e o único Deus verdadeiro, uma realidade divina que existe como um ser separado da pessoa tendo a experiência. Será que essa inconsistência não conta contra a confiabilidade das experiências? Será que essas experiências não invalidam ou cancelam uma a outra?

William Alston (1991), por exemplo, responde diretamente a esta objeção, que ele denomina “o problema da diversidade religiosa”. Para expor uma resposta mais ampla aqui, e importante distinguir entre o estar tendo e descrevendo uma experiência religiosa, por um lado, com a propria explicação daquela experiência, por outro. Uma pessoa pode ser justificada em sua alegação de que ela teve uma experiência do que parecia ser o amor e o perdão de Deus. Isso pode de fato ser uma experiência perceptiva verídica, mas, para, em seguida, prosseguir e explicar a experiência invocando a existência de Deus pode muito bem ser um passo inválido, uma inferência mal fundamentada a partir da experiência subjetiva para a realidade objetiva do objeto apresentacional.

Uma analogia pode ajudar neste momento. Suponha que ao testemunhar um acidente de trânsito eu afirme ter visto um carro vermelho que atropelou o

NOTA

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pedestre, enquanto um outro observador afirma ter visto que um caminhão marrom atropelou a pessoa. Nos dois tivemos experiências perceptivas do acidente. No entanto, se eu prosseguir para explicar a morte do indivíduo que foi atingido invocando a realidade do carro vermelho, eu poderia estar enganado. O mesmo acontece com a pessoa que invoca a existência do caminhão marrom. O ponto e este: embora ambos possamos estar enganados com relação as nossas descrições da causa da morte do indivíduo (suponha que na verdade tenha sido uma minivan azul que atingiu o pedestre), isto não conta necessariamente contra a realidade do conteúdo fundamental das experiências. Neste caso, houve um veículo que esteve envolvido no acidente, mesmo que os dois observadores estivessem enganados em suas descrições do objeto experienciado.

Ate aqui tudo bem, digamos. Contudo o que dizer sobre as experiências

que são totalmente contraditorias, tais como aquelas do advaita vedanta e do muçulmano descritas acima? Não são elas tão inconsistentes que chegam a anular-se mutuamente? Alem disso, não e o caso de que os adeptos religiosos têm experiências que tendem a estar em conformidade com as suas proprias perspectivas religiosas? Os muçulmanos têm experiências de Alá; os cristãos têm experiências de Jesus; os budistas têm experiências do não self; e assim por diante, certo? Isto nos conduz para a proxima objeção.

4.3 A OBJEÇÃO DA CIRCULARIDADE

Uma terceira objeção à alegação de que a experiência religiosa fornece justificativa para a crença religiosa e que essa justificação e circular: depende de pressupostos que não são autoevidentes para todos e ainda assim são utilizados como controles ou limitações para a experiência. Assim, parece que a maioria das experiências religiosas refletem as crenças e valores pertinentes à religião, ou à visão de mundo, do experienciador. Um hindu politeísta vivendo em Calcutá acredita que há muitos deuses que vigiam e protegem aqueles que são dedicados a eles, e por isso, quando seu amigo diz ter experienciado a presença e o amor do Senhor Vishnu (ou quando ele tem uma tal experiência por si mesmo), ele a toma como sendo verídica e como refletindo a verdadeira natureza das coisas. Assim tambem ocorre com as experiências em outras religiões: os experienciadores estão tendo experiências em concordância com o que eles já acreditam.

Em resposta, as restrições religiosas ou de visão de mundo pode não ser

tão comprometedoras para os indivíduos como alguns afirmam. Há, por exemplo, vários relatos de adeptos de uma religião que têm experiências religiosas que são estranhas à propria crença religiosa dos indivíduos e ainda que não são incomuns entre aqueles de outra religião. Às vezes, essas experiências podem ate mesmo ser a causa de uma mudança de suas crenças religiosas e identidade (JAMES, 1995; COTTINGHAM, 2008).

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TÓPICO 3 | EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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Talvez haja uma melhor maneira de compreender e explicar a experiência religiosa. Talvez haja uma explicação científica que demonstra que as experiências religiosas não são verídicas, mas antes ilusões ou ate mesmo delírios. Vamos nos ater, a seguir, em duas dessas explicações.

5 AS EXPLICAÇÕES CIENTÍFICAS DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Alguns sustentam a visão de que as explicações científicas das experiências religiosas desacreditam as mesmas, ou demonstram que as mesmas sejam não verídicas ou ate mesmo delirantes. Mas será que isso e possível? Existem dois tipos de explicações científicas naturais da experiência religiosa, vamos considerá-las. A primeira, introduzida por Sigmund Freud, e uma explicação psicologica.

5.1 UMA COMPREENSÃO PSICOLÓGICA DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Há muitas explicações psicologicas diferentes da experiência religiosa. Uma das mais conhecidas foi oferecida por Sigmund Freud (1856-1939). Freud argumentou que os sentimentos de desamparo e medo na infância fomentam um desejo de proteção paternal amorosa. Este desejo, ou anseio por uma figura protetora segue para a vida adulta e exige um ser maior, mais poderoso do que um pai humano. Dois outros desejos são proeminentes: a substanciação da justiça universal e uma continuação da nossa propria existência apos a morte. Estes desejos juntos são satisfeitos atraves da ilusão da providência divina. É importante observar aqui, que ao sustentar que as experiências religiosas são ilusões, Freud não está alegando que as mesmas sejam necessariamente falsas. Na verdade, ele está oferecendo uma perspectiva psicologica da experiência religiosa como sendo uma realização de desejos humanos (FREUD, 2014).

A hipotese da realização do desejo da experiência religiosa (e da religião

em geral) de Freud foi dirigida principalmente à religião teísta na qual um pai celestial substituiu um provedor e sustentador terreno, mas pode aplicar-se a todas as religiões e experiências religiosas: elas são projeções psicologicas que satisfazem determinadas necessidades e anseios humanos fundamentais, nada mais do que isso.

Uma resposta a esta conclusão de uma hipotese psicologica ou explicação

da experiência religiosa e que pode muito bem ser verdade que alguem tenha uma experiência religiosa (ou crença) que e causada por certas necessidades e desejos. Mas e daí? Isso não refuta o conteúdo da experiência (ou da crença). Suponha, por exemplo, que alguem acredita na existência de um Deus pessoal e poderoso por

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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causa de uma profunda necessidade de um Pai celestial. Isso prova que um Deus pessoal e poderoso não existe? Certamente não. Alem disso, pode ser que um tal Deus pessoal e poderoso utiliza a relação familiar como ferramenta pedagogica para ensinar as pessoas sobre a natureza de Deus. Na verdade, isto e precisamente o que muitos judeus, cristãos e muçulmanos realmente acreditam e como eles interpretam as passagens em suas escrituras sagradas que se referem a Deus como Pai, amigo etc. Um mesmo tipo de resposta poderia ser desenvolvido com respeito às outras religiões tambem.

Sigmund Freud (1856-1939) foi um neurologista austríaco, psicólogo e o fundador da psicanálise. Ele é muitas vezes considerado um dos pensadores mais influentes do século XX. Seus principais trabalhos incluem O Futuro de uma Ilusão (2014), Totem e Tabu (2012), e Moisés e o Monoteísmo (1996).

5.2 UM ENTENDIMENTO NEUROCIENTÍFICO DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Os recentes avanços na neurociência têm dado origem à visão de que a experiência religiosa pode ser o resultado de causas puramente neurofisiologicas e, portanto, são, em última instância, ilusorias. John Hick (2006), no capítulo sete de sua obra, delineia cinco exemplos derivados de pesquisas recentes que cobrem a gama de tipos de experiências religiosas:

1. As crises epilepticas e a estimulação do lobulo frontal pelo Capacete de Persinger – ou “Capacete de Deus” – [um estimulador magnetico transcraniano] causam visões religiosas.

2. Psicotropicos causam várias formas de experiências religiosas.3. A consciência "pura", a consciência do Vazio, a Vacuidade, o sunyata, e causado

pela consciência contínua apos o corte de todo input perceptual.4. O senso de unidade com toda a realidade e causado pelo encerramento da

consciência dos limites corporais do indivíduo.5. A sensação da presença de Deus ou de outros seres sobrenaturais e causada por

uma divisão do sistema do self (self-system) em dois, uma metade vendo a outra metade como uma entidade distinta.

NOTA

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TÓPICO 3 | EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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Veja um vídeo da pesquisa do Dr. Persinger e seu “Capacete de Deus”, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ExHNRg6FA28>.

A pesquisa que atualmente está sendo feita sobre o cerebro humano demonstra que pode ser possível identificar os correlatos neurais da experiência religiosa, talvez de todos os tipos de experiências religiosas. Alguns tiram a conclusão que isso prova que o conteúdo da experiência e falso, ou que o conteúdo, ou objeto, de tal experiência não existe. Mesmo se pudermos demonstrar que existem explicações neurocientíficas (ou outras explicações naturais) para as experiências religiosas, podemos tirar tais conclusões? Parece que não. William Wainwright explica o porquê:

Muitos filosofos pensam que uma experiência de X e verídica somente se X e uma de suas causas. Assim, uma experiência visual de minha mesa e uma percepção da minha mesa apenas se a mesa causa a minha experiência. Suponha, então, que uma explicação natural cientificamente adequada da experiência religiosa e descoberta. Será que isso significa que (1) Deus ou alguma outra entidade sobrenatural não e a sua causa ou, pelo menos, que (2) não há nenhuma razão para pensar que uma entidade sobrenatural e a sua causa? Não poderia significar isso. Os teístas clássicos acreditam que as explicações cientificamente adequadas podem ser fornecidas para a maioria dos fenômenos naturais. Mas eles tambem acreditam que esses fenômenos são imediatamente fundamentados na atividade causal de Deus. Assim, uma explicação científica adequada da experiência religiosa não iria mostrar que Deus não e sua causa. Nem mostraria que a atividade causal de Deus não e necessária para a sua ocorrência. (WAINWRIGHT, 1999, p. 133).

Alem disso, se alguem aborda a questão de saber se a experiência religiosa

pode justificar a crença religiosa a partir de uma visão naturalista (ou ateísta) do mundo, a gama de possíveis respostas vai ser bem diferente da pessoa que se aproxima de uma visão religiosa do mundo. Como Ninian Smart (1978, p. 124) observou:

Claro, se a pessoa já decidiu em sua propria mente que o universo não tem nenhuma fonte transcendente e nenhum aspecto transcendente a ele, que a única realidade e o cosmos observável, então, sem dúvida, será mais fácil pensar que a religião [e experiência religiosa] surge de impulsos psicologicos, entre outros.

Finalmente, pode haver razões independentes para se acreditar na existência de Deus ou na Realidade Absoluta e para acreditar que esta realidade e a causa fundamental da experiência religiosa.

DICAS

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Neste tópico vimos:

• Seja qual for a sua causa, as experiências religiosas têm sido uma parte do tecido das tradições religiosas desde os seus primeiros desenvolvimentos. Elas se apresentam em toda a variedade de formas.

• As experiências religiosas têm várias características em comum: elas são universais, diversas e importantes na vida do experienciador, muitas vezes resultando em uma vida moralmente ou espiritualmente transformada.

• Uma questão importante que surge da experiência religiosa e se este tipo de fenômeno pode justificar as crenças religiosas. Uma serie de tentativas foram feitas para demonstrar que ela pode, e examinamos várias delas: dois argumentos da analogia baseados na percepção sensorial, o Princípio da Credulidade, e o BEE e STING.

• Há tambem desafios importantes para a alegação de que a experiência religiosa pode justificar a crença religiosa, e nos examinamos três destes.

1. Em primeiro lugar, pode-se argumentar que as experiências religiosas não são verificáveis, ou conferíveis, assim como outros tipos de experiências.

2. Em segundo lugar, as reivindicações conflitantes das diversas experiências (conflitos tanto dentro como fora das tradições religiosas) podem anular-se mutuamente.

3. E em terceiro lugar foi a objeção da circularidade em que se argumenta que a justificação para a crença religiosa depende de pressupostos que não são autoevidentes para todos e ainda que são posteriormente utilizados como controles ou limitações sobre a experiência.

• Duas explicações científicas da experiência religiosa: a psicologica e

neurocientífica. De acordo com a visão psicologica de Freud, certos sentimentos de proteção são satisfeitos atraves da ilusão da Providência divina: a pessoa projeta a existência de Deus ou da Realidade Absoluta.

• Mais recentemente, os avanços da neurociência têm demonstrado que a experiência religiosa pode ser o resultado de causas neurofisiologicas. Como tal, alguns concluem que as experiências religiosas são, em última instância, ilusorias ou meros delírios.

• De qualquer perspectiva elas são estudadas ou experienciadas, talvez por causa de suas manifestações incomuns e às vezes bizarras, as experiências religiosas continuam a captar a atenção dos crentes religiosos e dos ceticos igualmente, e eles estão propensos a continuar por um tempo muito longo a fazer isto.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

William James sugere que a experiência mística deve incluir quatro características distintas. Leia as afirmações abaixo sobre estas características e assinale a alternativa correta:

a) A inefabilidade refere-se à experiência temporária e ao pronto retorno do experienciador a um estado “normal” da mente.

b) A passividade refere-se ao fato de que a experiência não pode ser adequadamente descrita, se e que pode em absoluto.

c) A qualidade noetica refere-se ao fato de que o experienciador acredita que aprendeu algo importante com a experiência.

d) A transitoriedade refere-se ao fato de que a experiência ocorre sem decisão ou controle consciente e não pode ser provocado meramente pela vontade.

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TÓPICO 4

O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Todas as grandes tradições religiosas oferecem esperança para satisfazer os anseios fundamentais da humanidade, desejos de paz, realização e felicidade real e contínua. Mas e claro que tais anseios não são muitas vezes satisfeitos nesta vida, então as religiões oferecem uma solução: enquanto os nossos anseios mais profundos não podem ser realizados no aqui e agora, eles ultimamente serão. Esta vida não e o fim; vamos continuar a existir (em algum sentido) alem da morte.

Essa afirmação suscita uma serie de perguntas. Será que realmente

continuamos a sobreviver depois que morremos, ou será que a morte e o fim da nossa existência consciente? Que tipos de evidências existem para tal crença, se houver? Se realmente sobrevivemos à morte, como será esta experiência, e o que e que de fato sobrevive? Será que os nossos pensamentos, crenças e memorias serão como o são agora, ou tudo irá mudar? Será que eu reconhecerei minha família e meus amigos na vida apos a morte, ou será que todos nos seremos transformados alem do reconhecimento? Se já pensastes sobre a vida apos a morte, estes são os tipos de perguntas que provavelmente você já ponderou. Como nos as respondemos e em grande parte determinado por nossa visão de mundo ou tradição religiosa.

Enquanto cada uma das religiões do mundo fornece uma resposta positiva

à questão de saber se há uma existência continuada apos a morte, as respostas fornecidas por elas são bastante diferentes. Antes de explorar algumas das questões centrais que circundam a vida apos a morte, e importante, primeiro, aprofundar a questão do que e o self (o eu) e do que consiste a identidade pessoal, pois nossas respostas a estas questões irão influenciar significativamente a nossa compreensão de como nos vemos a vida apos a morte.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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2 CONCEPÇÕES DO SELF (DO EU)

Existem várias concepções do self que foram mantidas historicamente, no Oriente e no Ocidente. Veja, por exemplo, a figura a seguir, que ilustra um esquema das concepções de ser humano e sua constituição no Ocidente.

FIGURA 9 - UM ESQUEMA BÁSICO DAS CONCEPÇÕES DE SER HUMANO E SUA CONSTITUIÇÃO

FONTE: P. M. S. Hacker (2010, p. 38)

Para os nossos propositos, e devido à limitação de espaço aqui, podemos delinear quatro das mais importantes concepções da seguinte maneira:

1. Dualismo2. Materialismo3. Panteísmo Monista4. A doutrina budista do Não Self

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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Vamos examinar brevemente cada um.

2.1 O DUALISMO

Historicamente houve uma variedade de concepções do self, e no Ocidente o dualismo tem sido a concepção mais amplamente aceita entre todas elas. Em uma das principais explicações dualistas, uma pessoa e composta por duas substâncias, uma substância material (o corpo) e uma substância imaterial ou mental (a alma ou a mente). Rene Descartes (1596-1650) e talvez o defensor mais amplamente reconhecido do dualismo substancial, ou dualismo da mente-corpo (DESCARTES, 2002; MARQUES, 1993). Em sua explicação, a alma e uma substância sem extensão (não espacial), e e contrastada com o corpo, uma substância extensa (espacial). A alma e o corpo (de alguma forma) se relacionam entre si, mas como uma substância imaterial pode interagir com uma substância física e um misterio, um misterio que tem sido muitas vezes criticado severamente como o problema do “fantasma na máquina”. O filosofo britânico Gilbert Ryle (2005) foi o primeiro a usar o termo “fantasma na máquina” como uma descrição pejorativa do dualismo de substância de Rene Descartes.

Outra forma de dualismo e a visão tomista (derivada do trabalho de Tomás de Aquino, 1225-1274), em que a alma e entendida como sendo uma estrutura complexa que mantem sob controle vários estados mentais (tais como sentimentos, pensamentos e sensações), capacidades e estruturas. Nessa explicação, a alma enquanto imaterial, e o que anima, unifica e desenvolve as funções biologicas do corpo físico. É fonte da vida de um indivíduo, bem como o seu princípio de ordenação (HACKER, 2010).

De uma forma ou de outra, muitos adeptos das religiões ocidentais foram dualistas como a Bíblia hebraica, o Novo Testamento e o Alcorão parecem, em uma leitura simples, pelo menos, afirmar a realidade do corpo e da alma. Vale aqui ressaltar, que essa afirmação e uma generalização, que pode muito bem fazer vistas grossas a uma rica variedade de perspectivas sobre o assunto nestas tradições. Especialmente quando falamos do entendimento judaico sobre o self, como apresentado nas Escrituras hebraicas (GILMAN, 2000; SOARES, 2008).

Muitos dos principais filosofos ocidentais, como Platão, Tomás de Aquino e Descartes, tambem sustentaram alguma forma de dualismo (VAZ, 2004; REALE, 2002). No Oriente tambem existem concepções hindus em que e sustentado uma distinção entre a alma individual (atman) e a materia física (prakriti) que compõe o corpo (SMITH; SCOSS, 2007). Alem disso, a maioria dos dualistas, tanto religiosos e não religiosos, afirmam a vida apos a morte. Para alguns, a imortalidade envolve um estado encarnado/incorporado, e as perspectivas judaicas, cristãs e islâmicas da ressurreição do corpo são exemplos disso. Para outros, a vida apos a morte envolve ser reencarnado em outra existência física, talvez como um animal ou outra pessoa. Ainda para outros dualistas, a vida apos a morte e a existência desencarnada onde

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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a alma e para sempre separada de qualquer futura existência física. Uma serie de argumentos tem sido formulados em defesa do dualismo,

incluindo o seguinte. Em primeiro lugar, há a distinção entre eventos físicos por um lado, e os eventos mentais por outro. Considere o seu pensamento sobre o Brasil. Será que esse pensamento tem um peso, uma forma, um cheiro ou um gosto? Parece não ser o tipo de coisa que pode ser descrito em termos da física, química ou da biologia. Mas o evento cerebral que está relacionado com o seu pensamento do Brasil e o tipo de coisa que e descrito em termos de física, química e biologia. Portanto, os eventos mentais e eventos cerebrais não são idênticos; um e físico e o outro não, eles são duas coisas separadas (SWINBURNE, 1997). O dualista argumenta que essa distinção entre coisas físicas e mentais e mais plausivelmente explicada dentro do enquadre dualista. Devemos observar aqui, que os eventos mentais podem tanto sobrevir ou ser epifenomenais aos eventos físicos de modo que assim evitariam o dualismo de substância. É, ao menos, discutível que mesmo se os eventos mentais possuam poder causal sobre os eventos físicos, isso poderia ser explicado no interior de uma posição dualista de propriedade.

Em segundo lugar, e relacionado com o primeiro, e o que e chamado de

o Argumento do Conhecimento. O que segue e uma historia bem conhecida pelo filosofo Frank Jackson que se destina a demonstrar o cerne do argumento:

Maria e uma cientista brilhante que, por alguma razão, e obrigada a investigar o mundo a partir de uma sala a preto e branco atraves de um monitor de televisão a preto e branco. Especializa-se na neurofisiologia da visão e adquire, suponhamos, toda a informação física que há para obter sobre o que se passa quando vemos tomates maduros, ou o ceu, e usamos termos como «vermelho», «azul» etc. Descobre, por exemplo, justamente que combinações de comprimento de onda a partir do ceu estimulam a retina e exatamente como isto produz atraves do sistema nervoso central a contração das cordas vocais e a expulsão de ar dos pulmões que resulta na elocução da frase «O ceu e azul». [...] O que acontecerá quando libertarem Maria da sua sala a preto e branco ou lhe derem um monitor de televisão a cores? Aprenderá ela algo ou não? Parece simplesmente obvio que aprenderá algo acerca do mundo e a experiência visual que temos dele. Mas então e inegável que o seu conhecimento anterior era incompleto. Mas ela tinha toda a informação física. Logo, há mais para ter do que isso e o fisicalismo [a doutrina de que tudo o que existe pode ser completamente descrito em termos de informação física] e falso (JACKSON, 1982, p. 208).

Veja também outro artigo de F. C. Jackson (2013), no qual ele amplia a discussão vista acima. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/Jackson-Mary-nao-sabia-1.pdf>.

NOTA

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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Uma vez que existem diferentes tipos de experiências (objetivas e subjetivas) e diferentes tipos de informação (física e não física) que uma pessoa pode ter, há uma diferença entre o físico e o mental. Assim, o argumento continua, alguma forma de dualismo faz mais sentido do que o materialismo como uma explicação geral do self. Devemos aqui observar que o argumento do conhecimento tenta estabelecer que a experiência consciente inclui propriedades não físicas. Não e, assim, um argumento a favor do dualismo de substância, mas sim um argumento contra a posição fisicalista que postula somente propriedades físicas.

Um terceiro argumento oferecido em defesa do dualismo vem da identidade pessoal (SWEETMAN, 2013; BONJOUR; BAKER, 2010). Considere o seguinte cenário. Suponha que você levou seu automovel à oficina. O mecânico lhe diz que há uma serie de problemas com o mesmo e que ele vai precisar uma semana para consertá-lo. Agora, suponha que quando você volta uma semana depois, você descobre que ele substituiu cada parte do automovel com uma nova peça: a lataria, os pneus e rodas, os parafusos ... tudo (um empreendimento caro, com certeza)! Será que isso ainda seria o mesmo automovel que você trouxe uma semana antes? Parece evidente que não seria o mesmo. Por uma questão de fato, pode-se argumentar que, mesmo que apenas uma parte houvesse sido substituída, não seria literalmente o mesmo automovel; seria semelhante, mas não idêntico. Assim, quando se trata de objetos como carros, uma mudança de partes (e especialmente partes essenciais) muda a identidade do objeto. Mas o que dizer de pessoas? É a mesma coisa para nos? Se as nossas "peças" mudarem, ainda seremos a mesma pessoa? Em certo sentido, todas as nossas peças mudaram desde a infância (todas, ou pelo menos a maioria das celulas no corpo humano são regeneradas/substituídas a cada sete anos), mas não somos ainda a mesma pessoa? Aquela pessoa em suas fotos de infância não e a mesma pessoa que você e agora? Os dualistas de substância argumentam que mantemos a identidade absoluta atraves da mudança, porque a nossa essência, nossa alma substancial imaterial, permanece a mesma atraves da mudança corporal.

Os materialistas têm várias respostas a este argumento. Uma resposta e

concordar com o dualista que a identidade pessoal não e constituída pelas partes físicas de uma pessoa, mas sim por suas memorias ou estados psicologicos. Mesmas memorias ou estados psicologicos, igual mesma pessoa. Outra resposta e discordar com o dualista, afirmando que a identidade pessoal e constituída pelas partes materiais que compõem um indivíduo, mas acrescentar que essas partes não são o corpo como um todo, mas certas partes fundamentais. Por exemplo, a identidade pessoal pode ser constituída por uma parte do cerebro ou o sistema nervoso central, uma parte que não muda ao longo do tempo, mas literalmente permanece a mesma (e discutível se de fato existem tais partes). Ou talvez a identidade pessoal consiste em uma certa continuidade de partes que permanecem interligadas ao longo do tempo. Por exemplo, apesar de que muitas (talvez a maioria!) das partes do meu automovel tenham sido substituídas por meu mecânico ao longo dos últimos cinco anos, ainda e o mesmo veículo. E sua identidade e a mesma por causa da continuidade e interconexão de muitas de suas partes.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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2.2 O MATERIALISMO

A ideia de que não há nenhum aspecto imaterial do self, nenhuma alma ou mente imaterial, não foi uma perspectiva proeminente historicamente, pelo menos no Ocidente, no entanto, nos últimos dois seculos, tem sido sustentada por um número considerável de pessoas, especialmente entre aqueles que circulam ambientes acadêmicos. Uma serie de argumentos e oferecida para apoiar a visão materialista do self, sendo um deles que não parece haver nenhuma razão para acreditar que as pessoas humanas são nada mais do que a materia da qual são constituídas. O filosofo Paul Churchland (2004, p. 21) expressa a sua opinião de forma concisa:

O ponto importante sobre a historia evolutiva padrão e que a especie humana e todas as suas características são o resultado inteiramente físico de um processo puramente físico [...]. Se esta e a explicação correta de nossas origens, então não parece haver nem necessidade, nem espaço para atender quaisquer substâncias ou propriedades não físicas em nossa explicação teorica de nos mesmos. Nos somos criaturas materiais. E devemos aprender a viver com esse fato.

Outros argumentos têm sido oferecidos para apoiar a visão materialista, e

a maioria deles depende da alegação de que um cerebro físico e necessário para uma mente que funcione. Em uma perspectiva materialista, chamada de teoria da identidade, todas as propriedades mentais são idênticas às propriedades físicas do cerebro. A mente e apenas a atividade do cerebro, e por isso não há necessidade de postular alguma mente ou alma imaterial adicional para dar conta da razão, emoção, vontade ou consciência. Grande parte das evidências em apoio a essa visão vem da dependência neural aparente dos fenômenos mentais. Por exemplo, narcoticos, álcool e outras drogas afetam suas habilidades mentais, assim como várias doenças cerebrais. Isso faz sentido se a mente e a atividade do cerebro, mas não e assim, argumenta-se, se a mente e uma substância imaterial separada. Os dualistas respondem alegando que existe uma ligação causal entre estados cerebrais e estados mentais, mas a partir disto, eles sustentam, não segue necessariamente que os estados mentais são idênticos aos estados cerebrais. Os teoricos da identidade respondem que não há necessidade de adicionar uma substância adicional, quando os dados podem ser explicados apenas com uma (CHURCHLAND, 2004).

Por uma serie de razões que não caberiam aqui, a teoria da identidade tem estado em declínio nos últimos anos. Outra perspectiva materialista tem se tornado proeminente e e, provavelmente, a visão dominante hoje entre os filosofos da mente e cientistas cognitivos. Este ponto de vista e chamado de funcionalismo (COSTA, 2005; FONTANELLA, 2013). Os funcionalistas sustentam (tal como fazem os dualistas) que e impossível identificar determinados estados mentais com determinados estados cerebrais. No entanto, e possível caracterizar os estados mentais por referência ao comportamento. Na explicação funcionalista, a mente e como uma caixa-preta e pode ser explicada em termos de inputs (entradas) e outputs (saídas). Considere esta analogia. Eu não sei como este computador em

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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que estou escrevendo funciona; Estou totalmente não familiarizado com as suas estruturas internas, peças e seu funcionamento interno. No entanto, eu não preciso saber de tais informações. O que conta e que, dados certos inputs, certos outputs ocorrem. Quando eu teclei a letra "m", por exemplo, um “m” aparece na tela. Para mim, o computador e uma caixa-preta.

FIGURA 10 – A MENTE COMO UMA CAIXA-PRETA

FONTE: O autor

Alem disso, as funções computacionais podem ocorrer em diferentes meios. Os primeiros computadores eram feitos a partir de materiais que eram muito diferentes do que eles são feitos hoje, e as suas estruturas internas e externas eram bastante diferentes tambem. No entanto, podiam realizar muitos dos mesmos cálculos que os computadores modernos realizam (tais como a adição de 2 + 2). Na explicação funcionalista, a mente e uma caixa-preta, e como um computador vivo. Nas pessoas humanas, os processos computacionais são plenamente realizados em estruturas materiais, como eles o são em computadores, e assim não há necessidade de postular entidades não materiais complementares (tais como uma mente imaterial ou a alma) para explicá-los.

Para alguns materialistas não há vida apos a morte. Uma vez que o corpo

físico morre, a pessoa morre para sempre. Para outros materialistas, a vida apos a morte e uma possibilidade real. Os materialistas cristãos recentes, por exemplo, afirmam que haverá vida apos a morte, quando Deus trouxer o corpo de volta à vida no escaton. Vamos examinar a possibilidade da ressurreição depois.

2.3 O PANTEÍSMO MONISTA

Outra perspectiva do self, que e mantida principalmente por aqueles da escola Advaita Vedanta do Hinduísmo, e o panteísmo monista, "monismo" (a realidade e um todo unificado, não existem distinções das coisas); e "panteísmo" (tudo e divino). De acordo com a Advaita Vedanta, a realidade última (que e normalmente referida como "Brahman") e indiferenciada e alem de todas as qualidades, incluindo a pessoalidade. O universo flui do Brahman, cuja propria natureza inclui o maya, um aspecto ilusorio do qual a diferenciação e a individualidade aparente emergiram. A personalidade individual e uma ilusão, no entanto, e um produto do maya. O verdadeiro self, ou Atman, e, na realidade, o Brahman. Isso se reflete na frase Vedanta bem conhecida: "Isso es Tu." (NIRAJ, 2009; SHANKARA, 1992).

Quando se alcança finalmente a iluminação, ou o moksha, escapa-se das

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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garras desta grande ilusão e torna-se consciente de seu verdadeiro Self como o Brahman indiferenciado. Uma símile que às vezes e usada aqui e que o Brahman e como o Espaço e os selves individuais são como espaços em jarros. Quando os jarros são destruídos o espaço nos jarros mescla-se de volta no Espaço. A iluminação rompe aberto os jarros e a identidade individual em última análise e vista como sendo absorvida no Brahman indiferenciado. Shankara (1992, verso 288) expressa isso da seguinte forma: “Como se une o espaço dentro da jarra (rompendo-a) com o espaço infinito, assim unindo ao jiva [sem divisão] com Brahman [o Self supremo]”. Entretanto, alcançar o moksha e uma tarefa árdua, e para o Vedanta o processo pelo qual se alcança o mesmo envolve livrar-se, atraves de muito esforço, dos efeitos negativos do carma, tipicamente atraves de uma sucessão de reencarnações.

Uma jarra, ainda que seja uma modificação da argila, não é diferente dela. Em qualquer parte, a jarra em essência é argila. Então, por que denominá-la jarra? É uma coisa fictícia, é um nome de fantasia. A realidade é o próprio barro. Ninguém pode demonstrar que a essência da jarra é algo diferente da argila (da qual é feita). Portanto, a jarra foi imaginada meramente pela ilusão; seu componente, a argila, é a realidade básica. Do mesmo modo, o universo inteiro, sendo o efeito do real Brahman, em essência não é nada mais que Aquele. A realidade do universo é Brahman, fora do qual não há outra existência. Se alguém diz, “este é” (que o universo tem sua existência particular), está ainda sob a ilusão e está falando incoerentemente, como aquele que fala dormindo (SHANKARA, 1992, versos 28-30).

2.4 O NÃO SELF

Por uma serie de razões os budistas não estão satisfeitos com os dualistas, materialistas, e com a perspectiva hindu do self. Nos vimos no Topico 3, da Unidade 2, a doutrina budista do Anatman (não self). Esta perspectiva e baseada na metafísica budista na qual não há nenhuma "coisa" que tenha existência independente; não existem substâncias individuais. Similar à perspectiva Advaita observada acima, uma verdade central de uma escola do Budismo, a escola Mahayana, e que o self individual não existe e nossa crença de que ele exista e apenas uma ilusão. Mas ao contrário da visão Advaita, existem várias experiências, desejos, sentimentos e anseios que são reais e estão em fluxo contínuo.

No entanto, não existe um self do qual são constituintes. A seguinte explicação dos ensinamentos de Buda sobre o assunto e encontrada em seu segundo discurso, em que ele apresenta o princípio de anatta (não self, ou não eu) para o grupo de cinco bhikkhus (monges), no sermão intitulado "As Características do Não Eu" no sutta Anatta-lakkhana do Canon Pali (escrituras budistas):

DICAS

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A forma, bhikkhus [monges], e não eu. Pois, bhikkhus, se a forma fosse o eu, essa forma não conduziria ao sofrimento e seria possível obter da forma: ‘Que a minha forma seja assim; que a minha forma não seja assim.’ Mas porque a forma e não eu, a forma conduz ao sofrimento e não e possível obter da forma: ‘Que a minha forma seja assim; que a minha forma não seja assim.’A sensação e não eu... A percepção e não eu... As formações volitivas são não eu...A consciência e não eu. Pois, bhikkhus, se a consciência fosse o eu, essa consciência não conduziria ao sofrimento e seria possível obter da consciência: ‘Que a minha consciência seja assim; que a minha consciência não seja assim.’ Mas porque a consciência e não eu, a consciência conduz ao sofrimento e não e possível obter da consciência: ‘Que a minha consciência seja assim; que a minha consciência não seja assim.’Portanto, bhikkhus, qualquer forma [corpo ou consciência, ou sensação, ou percepção etc.] quer seja do passado, futuro ou presente, interna ou externa; grosseira ou sutil; inferior ou superior, proxima ou distante: toda forma [corpo ou consciência, ou sensação, ou percepção etc.] deve ser vista como na verdade e, com correta sabedoria: ‘Isso não e meu, isso não sou eu, isso não e o meu eu.’ (SAMYUTTA, 2014, sem paginação).

Uma velha analogia indiana sobre um coche (carruagem) e frequentemente citada em relação à perspectiva do não self (não eu). Um coche não e os raios das rodas, ou as rodas, ou a moldura, ou o eixo; não e nenhuma das partes individuais. Tambem não e as partes individuais tomadas em conjunto. No entanto, tambem não e algo alem das partes. Ele acaba por ser apenas o som da palavra "coche". Assim tambem e com os selves individuais (VALLE, 1997).

Os budistas admitem que apreender o ensino de não self não pode ser fácil;

tambem aqui pode muito bem requerer livrar-se, atraves de muito esforço, dos efeitos negativos do carma e múltiplas reencarnações para chegar a esta realização. Portanto, temos quatro concepções distintas do self, e cada uma delas oferece perspectivas únicas sobre a morte e a vida apos a morte. Para o materialista, a vida apos a morte e possível se o corpo puder ser ressuscitado dos mortos ou de alguma forma ser reconstituído. Para o dualista, a morte física não e necessariamente o fim do self tambem, pois a alma pode muito bem continuar a existir apos a morte, seja encarnada ou desencarnada. Para as concepções panteístas hindu e o não self budista, a reencarnação e o carma são de fundamental importância para compreender o que acontece depois que o corpo morre. Vamos comentar a seguir sobre a reencarnação e o carma.

3 A REENCARNAÇÃO E O CARMA

Há semelhanças interessantes entre as religiões do Oriente e do Ocidente a respeito da morte e da vida apos a morte. Por exemplo, ambas oferecem uma esperança eterna no alem-túmulo, esperança para ultimamente satisfazer (ou, como veremos a seguir, extinguir) os anseios experienciados nesta vida. Mas tambem há diferenças significativas entre elas. Talvez a diferença mais marcante

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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seja a crença generalizada entre aqueles do Oriente no carma e na reencarnação. Em suas formulações populares, a reencarnação e a visão de que o self

consciente transmigra de um corpo físico para outro logo apos a morte. Cada ser humano já viveu vidas anteriores, talvez como um ser humano ou, talvez, como um outro tipo de organismo, tal como um animal. Algumas pessoas alegam ter lembranças de experiências de vidas anteriores. Por exemplo, há o famoso caso de um menino indiano chamado Parmod Sharma. Enquanto um jovem rapaz, Parmod começou lembrar detalhes específicos sobre sua vida como um homem chamado Parmanand. Ele disse à sua mãe que ela não precisa mais cozinhar refeições para ele porque ele tinha uma esposa em Moradabad (uma cidade a cerca de 90 milhas de distância da casa de Parmod). Ele, então, começou a falar sobre muitos dos detalhes de sua vida como um empresário que possuía várias lojas, ate mesmo oferecendo os nomes de empresas, incluindo uma loja de biscoitos e refrigerantes chamada "Mohan Brothers", e descreveu detalhes sobre sua esposa e família. Ele não so alegou estar casado, mas que ele tinha cinco filhos, quatro meninos e uma menina!

A historia de Parmod se difundiu, e, eventualmente, chegou aos ouvidos de

uma família em Moradabad que corroborava com suas descrições perfeitamente. Acontece que a família possuía uma loja de biscoitos chamada "Mohan Brothers" e um dos irmãos donos da loja, Parmanand, morreu 18 meses antes do nascimento de Parmod. Parmanand deixou uma viúva e cinco filhos, quatro meninos e uma menina. Esta historia e milhares de outras como ela, têm sido investigadas e muitas delas publicadas (TUCKER, 2007; GREYSON, 2007). Enquanto algumas delas acabam por ser explicáveis por criptomnesia, ou memorias ocultas, muitas delas não o são.

A reencarnação e uma doutrina essencial para hindus e budistas. Mas

pode-se perguntar como a reencarnação faz sentido dentro de uma visão budista do não self. Na verdade, há muito debate entre os estudiosos budistas sobre este assunto (TENDAM, 1993). Uma das respostas mais influentes e que com a morte da consciência (ou a dissolução dos skandhas – eventos mentais ou feixes), uma nova consciência surge, na perspectiva budista Mahayana, há cinco skandhas, que constituem o que nos frequentemente chamamos de “ego”. Isso e chamado de "renascimento", um termo que capta melhor o significado do evento do que o termo "reencarnação". Esta nova consciência não e idêntica à anterior, mas tambem não e completamente diferente dela. Existe uma ligação causal entre elas na medida em que elas formam uma parte do mesmo continuum causal. Para muitos budistas, a razão para a crença generalizada em um self individual e a ignorância (avidya). A fim de ultrapassar a ignorância e experienciar a iluminação, ou o nirvana, e preciso entender este ensino do não self, bem como aquele das Quatro Nobres Verdades e do Nobre Caminho Óctuplo descritos no Topico 3, da Unidade 2.

A reencarnação e geralmente relacionada com a doutrina do carma, a

ideia de que nos colhemos as consequências boas e más de nossas ações, quer nesta vida ou em outra. Aqueles que afirmam a reencarnação e o carma muitas vezes apontam para a dificuldade que percebem na perspectiva Ocidental: parece

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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extremamente injusto que uma criança possa nascer saudável em uma amável família rica, enquanto outra criança possa nascer doente em um ambiente pobre e cruel. Se existe um Deus Criador que trouxe estas duas pessoas ao mundo, tal Deus parece ter falta de amor e ser injusto. No entanto, se as duas crianças estiverem colhendo as consequências das ações que realizaram em vidas anteriores, isso parece fornecer uma justificativa para as desigualdades. O efeito do proprio carma determina as circunstâncias da nossa vida presente e futuras; nos colhemos o que semeamos.

FIGURA 11 – A LEI CÁRMICA DA CAUSA E EFEITO

As letras a, b, c etc., representam as circunstâncias da vida de um indivíduo particular; as setas representam o fluxo causal das circunstâncias da vida previa de um indivíduo à sua proxima vida.

FONTE: O autor

Outra razão, por vezes, oferecida para a crença na reencarnação e que muitas pessoas afirmam ter experienciado uma vida anterior, e às vezes elas podem ate mesmo documentar eventos que ocorreram centenas ou milhares de anos antes de seu nascimento (TUCKER, 2007; TENDAM, 1993). Ate mesmo as experiências comuns de déjà vu são citadas como evidência da reencarnação.

Uma serie de acusações tambem foram levantadas contra a reencarnação.

Por um lado, será que isso realmente oferece uma explicação plausível para as desigualdades encontradas nesta vida? De acordo com a lei cármica da causa e efeito, as minhas atuais circunstâncias de vida são explicadas por minhas ações em uma vida anterior. E minhas circunstâncias da vida naquela vida são explicadas pelas minhas circunstâncias da vida em uma vida anterior a mesma. E assim por diante indefinidamente. Portanto, a solução que se esperava sobre as desigualdades parece nunca chegar a um fim; ela acaba sendo relegada para um passado infinito. Alem disso, será que realmente parece ser justo que, uma pessoa que tenha vivido uma vida longa morre e reencarna, ela deva começar tudo de novo como um bebê com sua maturidade, experiências de vida, sabedoria e memorias completamente ausentes?

Então nos examinamos quatro visões do self. Na perspectiva materialista,

uma pessoa e a materia física da qual ele ou ela e composta. Por esse ponto de vista, a vida apos a morte seria possível se a materia fosse de alguma forma trazida de volta à vida (na teoria de identidade) ou se os processos mentais do cerebro de alguma forma fossem transferidos para um meio diferente apos a morte (na teoria funcionalista). Para o dualista, a vida apos a morte poderia envolver uma existência encarnada ou desencarnada, e nos vamos examinar os argumentos a favor e contra essas possibilidades logo a seguir. A reencarnação e o carma tipicamente

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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acompanham as perspectivas panteísta e do não self. Em ambas as explicações há vida apos a morte, mas a vida apos a morte envolve uma serie de reencarnações e uma transformação radical do que o indivíduo se entende como ser: divino para o panteísta ou uma não substancialidade impermanente para o budista.

4 ARGUMENTOS PARA A IMORTALIDADE

Há uma serie de argumentos apresentados por aqueles que acreditam na imortalidade. (O termo “imortalidade”, enquanto que literalmente significa “não morrer”, e tipicamente usado em referência a almas imortais. Entretanto, usamos os termos “imortalidade” e “vida apos a morte” intercambiavelmente neste topico.) A seguir, nos limitamos em nosso exame a quatro destes.

4.1 EXPERIÊNCIAS DE QUASE MORTE

O primeiro argumento que examinaremos e baseado nas experiências de quase morte (EQM) que tem sido alegadamente experienciadas por muitas pessoas. Raymond Moody Jr. (2004), por exemplo, examina mais de cem casos de pessoas que experienciaram “morte clínica” e foram subsequentemente reavivadas. Outra leitura interessante e o relato autobiográfico da experiência de vida apos a morte de um famoso ateísta, A. J. Ayer (1988). As EQM são padrões comuns de eventos associados com a morte iminente. Eles incluem uma infinidade de sensações como o medo, a serenidade, a presença de luz, viajar atraves de um túnel, uma maior consciência espiritual, deixar o corpo e olhar para baixo vendo o proprio corpo, e encontrar-se com outras pessoas ou seres sobrenaturais.

Surpreendentemente, praticamente todo mundo que teve uma EQM concluiu que há vida apos a morte com base no que eles viram ou sentiram (HABERMAS; MORELAND, 2004). É claro que essas experiências podem ser ilusões, delírios ou alucinações, mas os seguintes elementos das experiências apoiam a sua veracidade:

1. São amplamente experienciadas por pessoas de diversas origens e sistemas de crenças.

2. Existem características comuns às experiências.3. As experiências são por vezes bastante específicas com informações de outra

forma indisponíveis para as pessoas (tais como localizar objetos na sala durante a cirurgia, que não estavam presentes, enquanto o paciente estava vivo/consciente, descrevendo um evento em outro local que ocorreu durante a cirurgia etc.).

Alem das EQM, muitas pessoas têm descrito ter outros tipos de experiências fora do corpo (EFC), que incluem a reencarnação e a projeção astral. Enquanto a

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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evidência para as EQM e as EFC não sejam conclusivas, tais experiências fornecem alguma justificativa para a crença em uma alma que e separada do corpo. Se a alma existe e pode ser separada do corpo, então a vida apos a morte e uma inferência razoável.

4.2 RESSURREIÇÃO

Algumas religiões, mais notavelmente o judaísmo e o cristianismo, incluem a crença de que nossos corpos físicos, no escaton, serão ressuscitados dentre os mortos. Na explicação cristã historica, uma ressurreição corporal já ocorreu: o caso de Jesus de Nazare (alem desta, na bíblia cristã há outros nove casos de ressurreição registrados, entretanto, o mais icônico e o de Jesus de Nazare). A páscoa, e claro, e a celebração cristã deste evento único. O apostolo Paulo, na verdade, usa a ressurreição de Jesus como evidência para a nossa propria ressurreição corporal futura (BÍBLIA, 1994, I Coríntios 15.12-23).

Há muito debate na literatura recente na filosofia da religião e estudos

bíblicos sobre o significado e a evidência para a ressurreição de Jesus. Muitos estudiosos da Bíblia, tanto aqueles que acreditam que Jesus ressuscitou dos mortos e aqueles que não acreditam assim, concordam com a seguinte:

1. Jesus morreu na cruz e foi colocado em um túmulo.2. O corpo de Jesus desapareceu do túmulo logo apos sua morte (ou, pelo menos,

os discípulos acreditaram nisso).3. Os discípulos de Jesus acreditavam que ele ressuscitou dos mortos e apareceu e

falou com eles.4. Os principais líderes judeus, incluindo Saulo de Tarso (que se tornou o apostolo

Paulo) e o irmão de Jesus, Tiago, foram convertidos à crença e adoração de Jesus logo apos a sua morte.

A questão torna-se então o que melhor explica estes dados. Gary Habermas,

Stephen Davis e William Lane Craig são notáveis estudiosos que argumentam que a literal ressurreição corporal de Jesus oferece a melhor explicação dos fatos historicos. Michael Martin, Antony Flew e Robert Price são notáveis estudiosos que argumentam que uma abordagem naturalista fornece a melhor explicação para os fatos historicos sobre o corpo de Jesus apos a sua morte. Eles afirmam que há explicações razoáveis, não milagrosas para o surgimento da crença na ressurreição de Jesus apos a sua morte, e por isso não há razão para afirmar uma explicação sobrenatural.

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O debate sobre a ressurreição continua, mas uma conclusão solida à qual podemos chegar e esta: se houver razões para crer que Jesus ressuscitou dos mortos (e isso e muito contestado), então isso poderia fornecer evidências para a vida apos a morte.

Minhas recentes experiências [quase morte] ligeiramente enfraqueceram minha convicção de que minha morte genuína, que ocorrerá muito em breve, será o fim de mim, embora eu continue a ter a esperança de que ela será. Elas não enfraqueceram a minha convicção de que não há nenhum deus. Espero que minha permanência em ser um ateu irá acalmar a ansiedade de meus colegas apoiadores da Humanist Association, e da Rationalist Press, e da South Place Ethical Society (AYER, 1988, p. 39).

4.3 A NATUREZA DE DEUS

Para a maioria dos teístas, em todo o espectro religioso, incluindo as grandiosas figuras historicas como Tomás de Aquino (1225-1274), Avicena (980-1037) e Madhva (1238-1317), Deus e entendido como sendo infinitamente bom, amoroso, sábio e justo. Como tal, Deus não e o tipo de ser que criaria seres humanos com os anseios e aspirações que todos nos temos, tais como a vida apos a morte, por um lado, e, em seguida, deixá-los-ia ficar eternamente insatisfeitos, por outro. Assim, prossegue o argumento, podemos ter a certeza de que haverá vida depois desta vida; Deus fará com que seja assim. Alem disso, se você ama alguem, você não quer que eles deixem de existir. Uma vez que Deus nos ama com um amor perfeito, ele não iria querer que deixássemos de existir. Portanto, Deus irá garantir a nossa existência eterna.

Estas garantias, e claro, não são tão certas como poderíamos esperar que

elas fossem. Porque, como veremos a seguir, mesmo se Deus existisse, pode haver boas razões para que um deus amoroso, justo e onibenevolente não desejasse que vivêssemos indefinidamente.

Sri Madhvacarya, também conhecido como Madhva (1238-1317) foi o fundador do Dvaita ou a escola dualista da filosofia hindu Vedanta. Ele acreditava e argumentava que os textos canônicos Vedanta (as escrituras sagradas hindus, incluindo os Vedas e os Bhagavadgita) ensinam que há uma diferença real, fundamental entre o self (Atman) e a realidade última (Brahman). Isso está em contraste com a escola Advaita Vedanta em que o Atman é identificado com Brahman.

NOTA

NOTA

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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4.4 A NATUREZA DA ALMA

Ambos os filosofos antigos e modernos têm argumentado a favor da imortalidade com base na natureza indestrutível da alma. Platão (428-347 AEC), por exemplo, em seu livro Fedon (2008) argumenta que, se praticarmos a filosofia do modo certo podemos ficar alegres em face da morte, pois a alma de quem pratica a filosofia corretamente e imortal uma vez que e pura e simples (ou seja, não tem partes) e e de um tipo divino. Como tal, não poderia ser dispersa ou destruída. Mais recentemente, J. M. E. McTaggart (1866-1925) tambem ofereceu um argumento para a imortalidade da alma com base em sua simplicidade (McTAGGART, 1906). Ele argumenta que a alma e imortal, provavelmente, uma vez que: 1) ela não e constituída por partes separáveis, e assim não pode ser destruída por uma separação de suas partes (tal como os objetos materiais são destruídos); e 2) ela provavelmente não pode ser aniquilada já que não há evidências de que algo de fato para sempre estaria aniquilado (ate mesmo objetos materiais não deixam simplesmente de existir).

No entanto, mesmo que seja o caso que tenhamos uma alma imaterial que

não consiste de partes, pode-se perguntar por que ela não poderia simplesmente deixar de existir com a morte do corpo? Talvez como um campo magnetico que e destruído com a destruição do ímã ou de sua fonte, de modo que tambem a alma poderia ser destruída com a destruição do corpo.

5 ARGUMENTOS CONTRA A IMORTALIDADE

Há tambem uma serie de argumentos contra a imortalidade, e vamos considerar três deles.

5.1 A DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA NO CÉREBRO

Um dos argumentos centrais contra a imortalidade pode ser exposto desta forma:

1. Para que um ser humano seja imortal, o self humano individual deve sobreviver à morte física.

2. Ser um self humano individual implica ser (capaz de ser) consciente.3. Para um self humano individual ser consciente, ele ou ela precisa de um cerebro

físico vivo.4. Mas o cerebro físico morre quando o corpo físico morre.5. Portanto, o self humano individual morre quando o corpo morre.6. Por isso, um ser humano não pode ser imortal.

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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A premissa principal em questão para os nossos propositos e a 3, e vários tipos de evidências são citadas em seu suporte. Em primeiro lugar, e como vimos anteriormente neste topico, uma vez que drogas e doenças cerebrais afetam as habilidades mentais e a consciência, isto fornece forte evidência empírica de que a atividade cerebral e a consciência dependem do cerebro (ou são idênticas ao funcionamento do cerebro). Da mesma forma, danos cerebrais tambem afetam a consciência e as capacidades mentais. Alem disso, várias habilidades mentais são localizáveis no cerebro. Por exemplo, o cortex pre-frontal e a área do cerebro em que ocorrem as operações da consciência, pensamento, aprendizagem e a imaginação. Tomados em conjunto, estes fatos oferecem um forte suporte que para um self humano individual estar/ser consciente, ele ou ela precisa de um cerebro físico vivo. Desde que as pessoas mortas não possuem um cerebro físico vivo, não pode haver vida consciente apos a morte.

Uma resposta a este argumento e que, embora ter um cerebro físico vivo

e funcional possa ser uma condição suficiente para a consciência, não e uma condição necessária. Vários dualistas, por exemplo, afirmam que a alma continua a existir em um estado consciente, mesmo apos a morte do corpo (SWINBURNE, 1997). Outra resposta e concordar que os selves humanos individuais necessitam de um cerebro físico vivo para estar/ser conscientes, e que não estarão/serão conscientes apos a morte do corpo (a não ser, digamos, que Deus lhes dê um novo corpo). No entanto, eles estarão/serão novamente conscientes quando eles forem ressuscitados corporalmente dos mortos (como mencionado acima, a ressurreição corporal e uma visão judaica e cristã comum).

5.2 A IDENTIDADE PESSOAL

Outro argumento contra a vida apos a morte direcionado aos dualistas tem a ver com a identidade pessoal. Se as almas continuarem a existir em um estado desencarnado, incorporal apos a morte do corpo físico, então o que poderia identificá-los como entidades únicas e individuais? Eu posso identificar o meu amigo João como o indivíduo único que e apontando para ele, ou descrevendo suas características físicas, ou talvez observando a maneira como ele se comporta quando está em determinadas situações. Mas se o João não tivesse um corpo físico, como ele poderia ser identificado como João? Como ele poderia ser distinguido de, digamos, os meus outros amigos Pedro, Cristiano e Patrícia? O que lhe faria ser a pessoa única que ele era quando encarnado?

Um dualista poderia responder alegando que mesmo se não fosse possível

para alguem identificar uma alma sem o corpo, ou distinguir uma alma de outra, não segue disso que tais almas desencarnadas não poderiam existir. Embora possa haver um problema epistêmico (conhecimento), não segue disso que exista um problema ontologico (ser). Alem disso, uma vez que muitos monoteístas acreditam que a imortalidade será incorporada/encarnada, poderia ser o corpo ressuscitado que constituiria o criterio para a re-identificação apos a morte (a partir de uma

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perspectiva externa, de terceira pessoa), enquanto a alma imaterial constituiria o criterio da sobrevivência (desde uma perspectiva interna, de primeira pessoa).

5.3 A MISÉRIA ETERNA

Um argumento final contra a vida apos a morte não implica uma visão materialista do self como fazem aqueles acima. Este argumento pode ser utilizado por materialistas ou dualistas, por teístas, panteístas ou ateus. O argumento e executado da mesma forma. Mesmo tendo em conta a existência de um Deus amoroso, gentil e gracioso, a existência post-mortem pode não ser desejável; na verdade, pode ser chata ou tediosa ou ate mesmo extremamente horrível. A este respeito Grace Jantzen (1984, p. 34-35) faz a seguinte observação:

Um paraíso de delícias sensuais se tornaria chato, seria, a longo prazo, inútil e totalmente insatisfatorio. Podemos, talvez, imaginar formas de fazer uma longa festa significativa; nos, afinal de contas, lidamos com longas ocasiões sociais terrestres, escolhendo interessantes parceiros de conversação, e fazendo as ocasiões de jantar não apenas ser sobre comida e bebida, mas tambem para estimular a discussão e para dar e receber o valor da amizade que se estende para alem da cessação do jantar. Mas se a festa literalmente nunca chegar ao fim, se não houvesse progresso possível ao prazer sensual do paraíso para qualquer coisa mais significativa, então podemos muito bem desejar, como Elina Macropolis, terminar todo o negocio e destruir o elixir da juventude.

Assim, a vida eterna poderia muito bem ser chata, sem sentido e insatisfatoria. O ceu poderia ser o inferno.

Enquanto que Jantzen não argumenta que não há vida apos a morte, ela

argumentar que a mesma não pode ser inferida a partir da afirmação de que Deus e amor. Ela continua:

Os teologos cristãos reconhecem cada vez mais que não e o caso de que toda a terra, cada prímula, cada ave canora, todas as galáxias de todos os ceus, existem para o benefício da humanidade somente. No entanto, e verdade que Deus trouxe à existência todas estas coisas e se deleita nelas; então tambem e verdade que algumas das coisas nas quais Ele se deleita perecerão para sempre [...]. Assim como o que e moralmente valioso e valioso por seu proprio bem e não pela recompensa que ele pode trazer, assim tambem confiar em Deus, se vale a pena em absoluto, vale a pena, mesmo que não possa continuar para sempre. Um relacionamento com outro ser humano não se torna inútil so porque em algum momento isso vai acabar com a morte de um dos parceiros; por que se deveria pensar que um relacionamento com Deus seria inútil se um dia ele tambem deverá acabar? (JANTZEN, 1984, p. 41-43).

Então, deleites sensuais eternos não seriam apropriados para nos. Como

poderia uma vida interminável ser para que pudesse ser verdadeiramente e

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UNIDADE 3 | PERSPECTIVA FILOSÓFICA: CIÊNCIA, FÉ E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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eternamente agradável, algo que nos desejaríamos para sempre? Talvez não haja nenhuma resposta. Talvez Emily Dickinson (2008, p. 59 – poema 1741) acertou ao dizer: "Que nunca mais virá de novo; e o que faz doce a vida". Talvez ate mesmo se Deus nos deu uma alma, não há uma vida apos a morte interminável, pois seria apenas muito miserável.

Charles Taliaferro responde ao argumento de Jantzen, fazendo uma

distinção entre um bem fechado no tempo (time-enclosed good), que ele define como "qualquer bom projeto, coisa, evento, estado ou processo que seja bom, mas que seu bom valor não e preservado se for temporalmente ilimitado em extensão" (por exemplo, comer uma refeição saborosa), e um bem não fechado no tempo, que ele define como “qualquer bom projeto, evento, estado ou processo que e bom e que seu bom valor não e perdido se for temporalmente ilimitado em extensão" (TALIAFERRO, 1990, p. 370-371). Ele alega que para uma vida apos a morte ser verdadeiramente boa, esta não pode consistir de um bem singular fechado no tempo. Mas não há nenhuma razão para acreditar que uma vida apos a morte não possa incluir uma variedade indefinida de bens fechados no tempo, assim como de bens não fechados no tempo. Se Deus e onisciente e onipotente, parece que Deus certamente poderia criar um número indefinido de tais bens. Taliaferro argumenta ainda que, se temos razão para acreditar que Deus nos ama profundamente, então temos razão para acreditar que Deus irá preservar nossas vidas, especialmente desde que como pessoas nos possuímos um valor que não se esgota ao longo do tempo.

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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LEITURA COMPLEMENTAR

A POSSIBILIDADE DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO

Alguns problemas centrais da filosofia da religião têm a vantagem, relativamente a problemas de outras áreas da filosofia, de ser imediatamente compreensíveis para qualquer pessoa. É fácil compreender em que consiste o problema da existência de Deus, por exemplo: será que Deus existe? Mas pensa-se por vezes que nunca iremos saber se Deus existe ou não, invocando-se ate Immanuel Kant (1724-1804), como se este importante filosofo tivesse descoberto que não se pode saber se Deus existe ou não, mais ou menos como um cientista descobre o ADN ou a composição química da água.

Ao longo da nossa escolaridade e estudo individual habituamo-nos a compreender resultados científicos, cuja paternidade ou maternidade e atribuída a este ou àquele cientista ou intelectual. Transferindo esta atitude para a filosofia, encara-se Kant, ou outro filosofo, não como alguem que apresentou teorias e argumentos que devemos analisar e discutir de maneira cuidadosa, mas antes como uma especie de cientista, que provou qualquer coisa mais ou menos definitivamente. Assim, se Kant declarou que o problema da existência de Deus e insusceptível de ser resolvido (pela razão teorica), isso e imprudentemente considerado um resultado definitivo da filosofia, um pouco como a descoberta que um cientista pode fazer de quantas luas tem Júpiter. O resultado desta atitude e afastar a atenção dos problemas centrais da filosofia da religião, como a existência de Deus. Fixa-se então a atenção sobre problemas de sociologia da religião, historia das religiões, psicologia e hermenêutica das religiões etc. sobre tudo o que e susceptível de ser estudado empiricamente, recorrendo aos metodos aprovados pela ciência.

Uma breve reflexão, contudo, mostra a instabilidade teorica desta posição. Se não se pode saber que Deus existe nem que não existe, como sabemos que não se pode saber? Será a teoria do conhecimento de Kant mais plausível do que as posições de outros filosofos, tanto antigos como contemporâneos, que defendem que Deus existe ou que não existe? Poderá parecer-nos que sim, sobretudo se desconhecermos a bibliografia da área; mas tal como o desconhecimento da lei não iliba o prevaricador, tambem o desconhecimento da bibliografia não fundamenta aquele que a ignora.

Imagine-se alguem que, nomeadamente por ser um cientista, está habituado a distinguir cuidadosamente as opiniões descuidadas que as pessoas têm sobre biologia, por exemplo, de opiniões fundamentadas no conhecimento da bibliografia relevante. Essa mesma pessoa pode considerar que, no que respeita à filosofia, as coisas são diferentes, sendo desnecessário conhecer a bibliografia relevante. So aceitaria a ilegitimidade de ter opiniões descuidadas, que ignoram a bibliografia, sobre filosofia da religião, epistemologia ou metafísica se nessa bibliografia se encontrasse o gênero de resultados que se encontra na bibliografia científica.

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Contudo, esta posição assenta numa confusão. Mesmo que em filosofia não tenhamos o gênero de resultados que temos na ciência, temos outro tipo de resultados: alternativas teoricas sofisticadas cuidadosamente pensadas, argumentos rigorosamente explorados, distinções e análises clarificadoras. Se ignorarmos a bibliografia relevante, estaremos a fazer filosofia outra vez como os primeiros filosofos faziam, repetindo-lhes os passos, o que e desavisado porque podemos fazer melhor do que eles fizeram se partirmos das suas investigações.

Não se deve confundir progresso com resultados. O progresso cognitivo numa área não depende exclusivamente do gênero de resultados que há nas ciências. Podemos saber muito, e muito sofisticadamente, sobre um problema, sem saber resolvê-lo, caso em que temos progresso sem resultados. Recusar ler a bibliografia filosofica relevante por esta não apresentar resultados e recusar o progresso filosofico, entretanto alcançado. Ironicamente, se todos os cientistas se tivessem recusado a estudar a bibliografia da sua área antes de esta apresentar resultados, nenhuns resultados teriam sido alcançados.

Há duas maneiras comuns de argumentar a favor da ideia de que o problema filosofico da existência ou inexistência de Deus e insolúvel, pelo que deve ser abandonado, e nenhuma e plausível. No primeiro caso, argumenta-se que so podemos saber o que podemos saber pela experiência; dado que não podemos saber pela experiência que Deus existe, segue-se que não podemos saber se Deus existe. No segundo, defende-se que os argumentos a favor e contra a existência de Deus se anulam mutuamente.

O primeiro argumento enfrenta a seguinte dificuldade: a ideia de que so podemos conhecer o que podemos conhecer pela experiência não pode ser conhecida ou sustentada pela experiência. Nenhuma experiência laboratorial, por exemplo, permite determinar que so podemos conhecer o que podemos conhecer pela experiência. Para estabelecer esta tese e necessário argumentar filosoficamente, e uma parte importante dessa argumentação não será baseada na experiência. Por exemplo, pode-se argumentar que todo o conhecimento implica justificação, e que a única justificação disponível e empírica. Mas o proprio princípio de que o conhecimento implica justificação não e algo que se conheça pela experiência, nem pela experiência se conhece a ideia de que so há justificações empíricas, na verdade, a experiência parece ate mostrar-nos o contrário, pois os matemáticos não recorrem à experiência para estabelecer os seus resultados, que estão entre os mais solidos resultados de sempre da empresa cognitiva humana.

Isto significa que a ideia de que so podemos saber o que podemos saber pela experiência e, se não incoerente, pelo menos teoricamente instável, pois, se for verdadeira, parece que não podemos saber que e verdadeira. Uma saída para esta dificuldade e sublinhar, como Kant, a diferença entre saber ou conhecer algo, por um lado, e pensar algo ou levantar conjecturas, por outro. Assim, podemos argumentar que a nossa posição, pelos seus proprios criterios, não pode obviamente ser conhecida, porque não pode ser conhecida pela experiência; no entanto, pode ser pensada ou conjecturada. Um problema desta resposta e tornar aparentemente

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a posição original arbitrária. Pois se a posição original pode ser conjecturada com densidade suficiente para em função dela se recusar a possibilidade de saber se Deus existe ou não, então tambem podemos conjecturar que Deus existe (ou que não existe), apesar de reconhecermos que essa e uma mera conjectura, e não conhecimento propriamente dito.

Quanto ao segundo argumento, enfrenta a seguinte dificuldade: para os argumentos a favor e contra a existência de Deus se anularem mutuamente não basta contá-los, ou apresentar objecções a cada um dos argumentos a favor ou contra a existência de Deus, e preciso mais. Nomeadamente, duas coisas, pelo menos: primeiro, e preciso mostrar que os argumentos a favor e contra a existência de Deus são rigorosamente de igual força; segundo, que quaisquer argumentos concebíveis contra ou a favor da existência de Deus terão sempre os seus opostos, e de força rigorosamente igual. Ora, mostrar qualquer uma destas duas coisas e cognitivamente mais exigente do que argumentar apenas que Deus existe ou que não existe. Alem disso, se todos os argumentos a favor e contra a existência de Deus se anulam porque não têm base experimental, então tambem os argumentos a favor dessa mesma posição se anulam perante os argumentos da posição rival, pois tambem aqui não há base experimental.

Alem disso, e defensável que ambos os argumentos confundem o problema da existência de Deus com o problema de saber se Deus existe. A diferença torna-se clara se pensarmos em extraterrestres. Neste caso, e obvio que há uma grande diferença entre saber se existem e existirem efetivamente ou não. Podemos facilmente imaginar cenários em que os extraterrestres existem, mas, por não quererem dar-se a conhecer ou porque, querendo, não podem fazê-lo por se encontrarem demasiado longe de nos, não podemos saber da sua existência. Mas da impossibilidade de saber que os extraterrestres existem não se segue que não existem, apesar de ser verdade que se não existirem extraterrestres se segue que não podemos saber que existem. No que respeita a Deus, mesmo que tivessemos razões para pensar que não podemos saber se existe, isso não constitui em si razões para pensar nem que Deus não existe nem que a propria existência de Deus e irrelevante. Mesmo sem saber se Deus existe, podemos querer pensar na hipotese de que existe ou que não existe, e, caso exista, que gênero de características poderá ou não poderá ter.

Ambos os argumentos são, pois, improcedentes, pelo menos sem reformulações cuidadosas. Mas as ideias subjacentes a estes argumentos desempenham o seu papel habitual: fazem parar de pensar e de investigar ainda antes de se dar os primeiros passos.

Metafísica, epistemologia e lógica

A filosofia da religião ocupa-se de problemas metafísicos, epistemologicos e logicos suscitados pelas religiões. Esta e uma caracterização razoavelmente neutra da filosofia da religião, mas para compreendê-la e necessário saber o que se entende em filosofia por problemas metafísicos, epistemologicos e logicos.

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O problema intuitivamente obvio da existência de Deus, por exemplo, e metafísico. Um problema filosofico e metafísico quando diz respeito aos aspectos mais gerais da realidade, e não quando diz respeito ao oculto ou ao misterioso, como popularmente se pensa, nem quando diz respeito ao que não pode ser conhecido pela experiência. A ontologia e a subdisciplina da metafísica que procura estabelecer as categorias mais gerais da existência. Isto implica discutir se há realmente números, por exemplo, ou proposições, ou se estas são meras projeções mentais dos seres humanos. Num certo sentido, todos os problemas são metafísicos, porque todos os problemas são sobre a realidade (incluindo os problemas sobre o conhecimento da realidade, pois tal conhecimento e tambem parte da realidade). Mas e obvio que não consideramos que um físico está a fazer metafísica ao teorizar sobre átomos, por exemplo. A razão e que consideramos que pertencem à província da metafísica apenas aqueles problemas fundacionais sobre a realidade que não são susceptíveis de estudo científico (ou seja, experimental ou matemático).

Ao passo que a metafísica se ocupa de problemas fundacionais sobre a realidade, a epistemologia ocupa-se de problemas fundacionais sobre o conhecimento e outros fenômenos cognitivos centrais, como a crença e a fe. Por isso, chama-se “teoria do conhecimento” à epistemologia.

Usa-se por vezes o termo “epistemologia” para falar exclusivamente de filosofia da ciência. A generalidade dos autores não faz tal coisa, porque a filosofia da ciência em si não trata apenas de problemas epistemologicos suscitados pelas ciências, mas tambem de problemas logicos (como o problema da indução) e metafísicos (como o problema da existência ou inexistência de entidades científicas postuladas, mas nunca diretamente observadas, como os quarks).

O estudo filosofico do conhecimento, da crença e da fe difere do estudo científico, psicologico ou sociologico destes mesmos fenômenos. Em sociologia pode-se perguntar, por exemplo, em que condições sociais determinadas teorias, científicas, por exemplo, são vistas como verdadeiras; em psicologia pode-se perguntar que tipo de processamento cognitivo ocorre quando se raciocina com base na experiência, por oposição ao que ocorre quando se raciocina matematicamente apenas; mas em epistemologia pergunta-se, por exemplo, se sabemos o que pensamos saber, em que condições há conhecimento genuíno, o que e afinal o conhecimento em si, o que e a fe e se esta e epistemicamente íntegra.

A logica e uma disciplina transdisciplinar, no sentido em que usa recursos matemáticos, linguísticos e filosoficos, e e tambem uma disciplina que tem aplicações em áreas diversas, como a filosofia, a computação e a matemática. O objeto central de estudo da logica e a argumentação e o raciocínio, não estudando os aspectos psicologicos, retoricos, historicos ou sociologicos da argumentação e do raciocínio, mas antes os aspectos relevantes para a coerência da argumentação e do raciocínio. “Central” porque a logica acaba por se interessar pela estrutura da linguagem, seja ou não argumentativa. Por exemplo, em logica queremos saber se

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a frase “O atual rei de França e careca” e uma expressão puramente quantificada, como “Há cidades bonitas”, ou uma expressão denotativa, como “Asdrúbal e bonito”.

Os argumentos e os raciocínios têm, simultaneamente, aspectos em comum e aspectos diferentes. Tanto num caso como no outro se trata de articular informações para delas extrair conclusões; a diferença e que num argumento se pretende persuadir alguem, ao passo que num raciocínio estamos apenas a tentar obter conclusões a partir de informações.

Em filosofia da religião estuda-se problemas de carácter logico suscitados pelas religiões; mas não se estuda o tipo de problemas que se estuda na logica propriamente dita. Um problema de carácter logico não e do interesse da propria logica se depender fortemente de conceitos que pertencem a outras áreas que não a logica. É o que acontece no caso do problema do mal, em filosofia da religião. Este e um problema de carácter logico, no sentido em que se trata de saber se as seguintes afirmações são consistentes entre si:

• Deus e onipotente, onisciente e sumamente bom.• O mal gratuito existe.

Um conjunto de afirmações e consistente quando todas podem ser simultaneamente verdadeiras. Aquilo a que em filosofia da religião se chama “o problema do mal” e, então, o seguinte: a existência de mal gratuito parece incompatível com um Deus que pode impedir o mal porque e onipotente, que sabe que o mal existe e sabe como o impedir porque e onisciente, e que quer impedi-lo porque e sumamente bom. Fala-se de mal gratuito porque alguns males não são gratuitos, mas antes meios para bens maiores, por exemplo, o mal de sofrer as dores de uma intervenção cirúrgica e um meio para o bem maior de ficar saudável. Distingue-se tambem o mal moral do mal natural. O mal moral resulta da atividade humana, como e o caso dos roubos ou homicídios; o mal natural não resulta da atividade humana, como e o caso dos terremotos, das secas ou da maior parte das doenças. Pelo menos à primeira vista, e mais difícil responder ao problema do mal natural do que ao problema do mal moral.

O problema do mal tem um caráter logico, porque e um problema de consistência entre afirmações e a consistência e um conceito logico; mas não e um problema da logica porque depende crucialmente de conceitos extra logicos, como o conceito de mal, de Deus, de onipotência, de onisciência e de suma bondade. E cada um destes conceitos levanta igualmente problemas logicos que são estudados em filosofia da religião e não em logica, tratando-se de saber se, por exemplo, e possível articular coerentemente os conceitos de onipotência ou de onisciência.

As distinções entre problemas metafísicos, epistemologicos e logicos não devem ser entendidas como se fossem estanques, claras e inequívocas. Os problemas logicos, por exemplo, são metafísicos ou epistêmicos, dizem respeito ao que pode ou não existir na realidade (poderá existir um ser onipotente?) ou

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ao que podemos ou não concluir (será que da existência do mal gratuito se pode concluir que Deus não existe?); e, como deveria ser evidente, todos os problemas epistêmicos dizem respeito a um determinado aspecto da realidade: a atividade cognitiva de agentes capazes de ter estados cognitivos sofisticados. Em todo o caso, e importante distinguir, ao abordar um dado problema, os seus aspectos metafísicos, epistemologicos e logicos.

Epistemologia

Conhecimento, crença e fe são conceitos distintos. Definir rigorosamente o conhecimento e um dos problemas em aberto da epistemologia, mas algumas distinções cruciais podem ser dadas como razoavelmente seguras.

Quando se fala de crença em filosofia não se tem em mente apenas a crença religiosa, caso em que esta última expressão seria um pleonasmo. Por crença entende-se em filosofia qualquer representação, susceptível de ser verdadeira ou falsa, que um agente cognitivo faz de seja o que for. As crenças podem ser muito sofisticadas ou muitíssimo elementares: temos crenças sobre a natureza dos átomos, mas tambem sobre a localização dos nossos joelhos. As opiniões são crenças razoavelmente sofisticadas e articuladas; crianças de seis anos, por exemplo, podem ter crenças fortes sobre o que gostam ou não de comer, mas não têm opiniões políticas ou outras. O termo crença e usado em filosofia no sentido em que muitos filosofos gregos usavam o termo δοξα (doxa). Já o termo fe e usado em filosofia no sentido do termo grego πιστις (pistis) e do termo latino fides.

Podemos distinguir três tipos de conhecimento ou saber (as duas palavras

são usadas como aproximadamente sinônimas):

1. Conhecimento proposicional ou de verdades (saber que).2. Conhecimento por contato; e3. Saber fazer.

O conhecimento proposicional e o que temos quando “sabemos que”: sabemos que Lisboa e uma cidade portuguesa, que Marte e um planeta deserto e que a água e H2O. O objeto de conhecimento, neste caso, e uma verdade ou uma proposição. (A noção de proposição será esclarecida em seguida).

O conhecimento por contato e o que temos quando sabemos algo diretamente, ainda que não tenhamos conhecimento de verdades claramente articuladas sobre isso: conhecemos Londres por contato quando visitamos Londres, mas so temos conhecimento por descrição de Londres (conhecimento proposicional ou de verdades) se nunca visitarmos a cidade, mas sabemos várias coisas sobre Londres. Tambem temos conhecimento por contato de nos mesmos, apesar de muitas vezes ser bastante difícil articular o que sabemos realmente de nos mesmos: “Quando olho para mim, não me percebo”, escreveu Álvaro de Campos.

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Finalmente, o saber fazer e o que sabemos quando sabemos fazer algo, como andar de bicicleta, raciocinar coerentemente ou pintar um quadro. O saber fazer, ou conhecimento como habilidade ou competência não parece reduzir-se ao conhecimento proposicional ou de verdades, e parece marcadamente distinto deste: podemos saber muitas coisas sobre bicicletas e não saber andar de bicicleta, e podemos saber andar de bicicleta sabendo quase nada sobre bicicletas (tambem e argumentável que se pode saber muitas coisas sobre filosofia sem saber fazer filosofia).

O conhecimento e factivo, o que provoca por vezes confusões desnecessárias. Quando se diz que no tempo de Ptolomeu se sabia que a Terra estava imovel e agora se sabe que a Terra não está imovel, vive-se em plena confusão conceptual. Se a Terra está imovel, nos hoje não podemos realmente saber que se move, apenas podemos considerar erradamente que sabemos isso. E se a Terra sempre se moveu, ninguem pôde algum dia saber que estava imovel, apesar de muitas pessoas poderem ter tido essa crença falsa.

O conceito de fatividade não e exclusivamente filosofico: e tambem linguístico, dizendo respeito ao tipo de pressuposições associadas a certos termos e às suas regras de funcionamento. As definições rigorosas de fatividade, infatividade e contrafatividade são as seguintes, sendo x uma pessoa qualquer, V um verbo e p uma afirmação ou proposição:

• Um verbo V e factivo se, e so se, “x V que p” implica p.• Um verbo V e infactivo (ou não factivo) se, e so se, “x V que p” não implica p.• Um verbo V e contrafactivo se, e so se, “x V que p” implica a negação de p.

Por exemplo, o verbo ver e factivo porque se o Asdrúbal vê que está a chover, então está a chover. Claro que o Asdrúbal pode acreditar erradamente que está a ver chover quando na realidade está a sonhar ou a ter uma alucinação ou a confundir a água de rega com chuva, mas em nenhum desses casos está realmente a ver que está a chover. O mesmo acontece com o conhecimento: Asdrúbal so pode saber que há vida em Marte se houver vida em Marte; se não houver vida em Marte, pode acreditar muito firmemente que há vida em Marte, mas não pode saber tal coisa.

Ao contrário do conhecimento, a crença não e factiva, mas tambem não e contrafactiva, pois tanto podemos ter crenças verdadeiras como falsas. Não são somente os verbos que são factivos: adverbios, adjetivos e quaisquer modificadores ou operadores podem ser ou não factivos. Pseudo- e contrafactivo porque, se Asdrúbal for um pseudopintor, não e um pintor. Fingir e aparentemente contrafactivo, mas de fato e apenas infactivo, pois uma pessoa pode estar a fingir que e rica acreditando que e pobre quando, sem o saber, lhe saiu ontem a loteria.

Em suma, ao passo que a crença não e factiva, o conhecimento e factivo. Insistir na fatividade do conhecimento por oposição à infatividade da crença pode parecer um exagero de exatidão, mas trata-se apenas de rigor conceptual

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elementar. Tal como em física a massa não e esparguete, e a nenhuma pessoa culta ocorre tratar esse conceito como se fosse tal coisa, tambem o conceito de conhecimento e factivo e e escusado insistir que e possível saber que a Terra está imovel não estando a Terra imovel.

Não adianta tambem argumentar que há um conceito de conhecimento que não e factivo, diferente do conceito filosofico, sendo esse o conceito que as pessoas sem formação filosofica adequada usam, pois seria como argumentar que na verdade há um conceito de massa, diferente do conceito físico, sendo esse o conceito que as pessoas que não sabem física usam quando falam de pedras a cair e de carros em movimento. Com certeza que tanto num caso como no outro esses conceitos populares são usados pelas pessoas, mas se estamos realmente interessados em estudar o conhecimento ou a massa, temos de abandonar essas noções, que so produzem confusão.

Todo o conhecimento proposicional, assim como a crença, e uma relação entre uma pessoa que conhece e uma proposição ou verdade conhecida. Portanto, quando não havia pessoas ou outros agentes cognitivos, não podia haver conhecimento proposicional, ainda que existissem árvores e pedras e planetas e átomos disponíveis para serem conhecidos caso existissem agentes cognitivos. E e tambem obvio que sem agentes cognitivos não havia conhecimento por contato nem saber fazer.

Por proposição entende-se geralmente o que e expresso por uma frase verdadeira ou falsa. A frase “Está calor” exprime a proposição de que está calor em Ouro Preto no dia 1º de Março de 2009, mas exprime outra proposição se for proferida noutro dia ou noutro local. Portanto, a mesma frase pode exprimir diferentes proposições. E diferentes frases podem exprimir a mesma proposição: “A neve e branca” e “Snow is white” exprimem ambas a proposição de que a neve e branca.

As frases são inequivocamente entidades espaço-temporais, um certo conjunto de sons articulados num dado intervalo de tempo ou um certo conjunto de traços inscritos num papel. Mas as proposições não são inequivocamente entidades espaço-temporais. Isso porque as proposições não se confundem com os pensamentos, no sentido psicologico do termo, enquanto ocorrências físicas num cerebro. Quando penso que está a chover e outra pessoa pensa o mesmo, o meu pensamento enquanto ocorrência física no meu cerebro e diferente do pensamento dela enquanto ocorrência física no seu cerebro; mas ambos estamos a pensar, num certo sentido, o mesmo pensamento, ou seja, estamos a pensar na mesma proposição. A existência de proposições não e pacífica: alguns filosofos consideram que não existem tais coisas, sendo forçados então a explicar o que há de comum entre várias frases ou pensamentos que exprimem o mesmo (a via mais obvia e insistir que tudo o que há de comum nas várias frases e pensamentos que dizem que a neve e branca e representarem a neve como branca).

Que há pelo menos três tipos centrais de conhecimento (proposicional, por contato e saber fazer), que o conhecimento e factivo e a crença não, e que o

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conhecimento e a crença proposicionais são relações entre pessoas e proposições são aspectos elementares dos conceitos de conhecimento e de crença. Contudo, e muito difícil saber precisamente o que e o conhecimento, com o mesmo tipo de precisão com que sabemos o que e a massa em física. O problema da definição de conhecimento e muitíssimo difícil, precisamente por se tratar de um conceito muito básico. Apesar disso, e comum aceitar que há três condições necessárias para o conhecimento proposicional, ainda que não sejam suficientes: para que algo seja conhecimento proposicional e preciso que seja 1) uma crença, 2) verdadeira 3) e justificada.

Efetivamente, se concebemos a crença como qualquer representação, susceptível de ser verdadeira ou falsa, que uma pessoa faz da realidade, certamente que todo o conhecimento proposicional e uma crença, porque e uma representação da realidade: saber que Londres e uma cidade e uma representação da realidade. E dado que o conhecimento e factivo, segue-se que so podemos saber algo se isso for verdade. Esta segunda condição separa o conhecimento da crença, pois podemos evidentemente ter crenças falsas. A terceira condição, a justificação, e a mais problemática e, ao mesmo tempo, a mais frutuosa filosoficamente.

Para haver conhecimento não basta haver crença verdadeira, porque podemos ter crenças verdadeiras por sorte, e certamente que isso não e conhecimento. Por exemplo, imagine-se que tenho a crença de que são 16h55min porque olhei para o relogio, e imagine-se que realmente sejam 16h55min. Acontece que, sem eu saber, o meu relogio avariou-se e está parado, mas, por coincidência, olhei para ele quando era 16h55min. Não parece razoável dizer que sei que são 16h55min horas, apesar de ter essa crença e de isso ser verdade, não parece razoável, porque a minha justificação para essa crença não e adequada. Não e adequada porque não e fidedigna: a mesmíssima justificação exatamente produziria uma crença falsa, apenas meia hora antes ou depois, e não uma crença verdadeira. Assim, apesar de ser razoável pensar que todo o conhecimento e uma crença verdadeira justificada, parece razoável que nem toda a crença verdadeira justificada seja conhecimento.

A noção de justificação e crucial para o conhecimento. Para um agente saber realmente algo tem de ter uma crença verdadeira adequadamente justificada sobre isso. Saber exatamente o que distingue uma justificação adequada de uma justificação inadequada e um problema filosofico em aberto, como tantos outros. Contudo, podemos avançar na compreensão da justificação sem nos embrenharmos nos seus aspectos mais complexos. Uma alternativa que poderemos querer evitar e conceber a justificação de um modo tão forte que implique a verdade, excluindo por isso a possibilidade de se ter uma justificação adequada a favor de uma crença falsa.

Um exemplo ilustrativo do que está em causa e o seguinte: Cláudio Ptolomeu (100-170 d.C.) tinha a crença de que a Terra estava imovel, girando todo o restante do universo em seu torno. Imagine-se, contudo, que Ptolomeu não tinha essa crença por ser cognitivamente preguiçoso, preconceituoso ou hipocrita: formou essa crença cuidadosamente, analisando dados e fazendo observações. Se isto for verdade, então e razoável afirmar que Ptolomeu tinha uma justificação adequada

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para a sua crença, que, contudo, era falsa. Ptolomeu teve azar epistêmico: estava numa situação epistêmica em que não podia saber que a sua crença era falsa e que os dados em que se apoiava eram enganadores. O mesmo acontece a um detetive, por exemplo, que investiga um crime: pode ficar convencido de que o criminoso foi o Vilaça, não por preguiça, preconceito ou hipocrisia, mas por azar epistêmico: todas as pistas apontam, por azar, para o Vilaça, mas não foi ele realmente o criminoso.

Assim, seja qual for a nossa noção sofisticada de justificação, e defensável que tem de permitir casos em que um agente tem justificação para acreditar em falsidades. Daí que ter uma crença justificada seja defensavelmente uma condição necessária para saber algo, mas não suficiente. Se aceitarmos um conceito de justificação que permita a existência de crenças falsas justificadas, como parece plausível, e natural passar a dar atenção aos procedimentos epistêmicos e ate ao caráter epistêmico da propria pessoa. Repensemos nos exemplos acima de Ptolomeu e do detetive: não estaremos dispostos a dizer que as suas crenças estão justificadas se as formaram ao acaso, sem darem atenção aos indícios disponíveis, por preguiça ou preconceito, ou cometendo erros grosseiros de raciocínio ou de análise dos indícios disponíveis. Na verdade, nesse caso, diremos ate que as suas crenças não tinham justificação, mesmo que fossem verdadeiras. Assim, o conceito de virtude epistêmica torna-se rapidamente central em epistemologia.

Uma perspectiva inicialmente plausível e defender que uma crença está justificada, ainda que seja falsa, desde que quem tem essa crença tenha sido epistemicamente virtuoso, ao inves de ser preconceituoso, tendencioso, preguiçoso ou pura e simplesmente falho de raciocínio. Nesta perspectiva, a justificação adequada não e primariamente uma propriedade das crenças, mas antes das atitudes epistêmicas das pessoas; so derivadamente a justificação adequada e uma propriedade das crenças. Esta abordagem deu origem à chamada epistemologia das virtudes, que ao analisar o problema central da justificação epistêmica põe a ênfase no carácter epistemicamente virtuoso ou não das pessoas, e não nas propriedades intrínsecas da justificação.

Uma vantagem desta abordagem e o seu particularismo. Dada a complexidade da realidade, e argumentável que não e possível estabelecer condições gerais, aplicáveis a qualquer caso, do que constitui ou não uma justificação adequada. Aristoteles (384-322 a.C.) considerava que não poderíamos ter uma teoria moral que nos dissesse, por si, o que e correto fazer em cada caso, sendo antes importante esclarecer o que e uma pessoa virtuosa; a ação correta e então o que, em cada caso, a pessoa virtuosa decide fazer. A epistemologia das virtudes pode ser entendida do mesmo modo: em vez de tentarmos em vão estabelecer condições necessárias e suficientes do que constitui uma justificação adequada, tentaremos estabelecer algumas virtudes epistêmicas; compete depois à pessoa epistemicamente virtuosa dizer-nos, em cada caso, que procedimentos investigativos devemos adaptar, em função do contexto e do que estamos a tentar descobrir.

A justificação e a racionalidade são conceitos sutilmente relacionados, apesar de diferentes. Ter uma crença injustificada, à qual nos apegamos firmemente,

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rejeitando que seja posta em causa, e ser irracional; e justificar cuidadosamente as nossas crenças, estando dispostos a revê-las e a abandoná-las, e parte integrante do que e ser racional.

Finalmente, note-se que qualquer concepção excessivamente restritiva da justificação e implausível, porque tornaria a maior parte das nossas crenças injustificadas. Caso se considerasse que so e racional o agente que souber justificar cientificamente todas as suas crenças, seriam irracionais quase todas as crenças das pessoas, incluindo as crenças científicas dos cientistas. Isto porque ninguem dispõe do tempo nem das energias nem das competências para analisar e testar cientificamente todas as suas crenças. A maior parte das pessoas tem a crença de que a água e H2O, que Marte e um planeta desertico ou que ocorreu a segunda guerra mundial, sem ter justificações adequadas para estas crenças, na maior parte dos casos, limitamo-nos a aceitar o testemunho de outras pessoas, nomeadamente os cientistas. Uma maneira errada de acusar os crentes religiosos de albergarem crenças irracionais e argumentar que são incapazes de justificar as suas crenças religiosas, pois, nesse caso, todas as pessoas seriam irracionais porque são incapazes de justificar as suas crenças químicas, físicas, astronômicas, historicas ou ate quotidianas. E se o testemunho dos cientistas e suficiente para justificar crenças, o testemunho dos livros sagrados e dos profetas tambem o será, a menos que encontremos diferenças relevantes.

Uma análise da fé

O que e exatamente a fe? Mesmo que não possamos responder a esta pergunta apresentando condições necessárias e suficientes, e iluminante ter pelo menos uma caracterização razoavelmente precisa da fe. Sem essa compreensão, a análise da epistemologia da fe poderá ser desadequada, exigindo-lhe, por exemplo, padrões epistemologicos desadequados à sua natureza.

Há pelo menos duas concepções cruciais de fe: a objetal e a fenomenologica. A objetal e a ideia de que a fe e apenas uma crença fenomenologicamente como as outras, cuja diferença reside exclusivamente no seu objeto. A crença de que ontem foi domingo, por exemplo, so diferiria da fe numa divindade porque a primeira tem por objeto uma banalidade e a segunda uma divindade. A concepção fenomenologica e a ideia de que a fe e uma crença diferente das outras não apenas por ter um objeto diferente, mas tambem por envolver atitudes diferentes por parte da pessoa. Segundo esta concepção, a fe numa dada divindade e diferente da crença de que ontem foi domingo não apenas por ter uma divindade por objeto, mas por envolver reverência, testemunho, entrega, misterio e outras atitudes proprias da fe. Exploremos cada uma destas concepções.

Se a concepção objetal de fe for verdadeira, ter fe em Deus e como ter outra crença qualquer: esta crença estará justificada ou não do mesmo modo que qualquer outra crença. Se houver razões para pensar que e irracional acreditar em algo sem provas, será irracional ter fe em deuses sem provas.

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Há dois argumentos centrais contra a concepção objetal de fe. Em primeiro lugar, não parece fazer jus à experiência da fe que os crentes religiosos efetivamente têm, e que a concepção fenomenologica destaca. A fe não parece ser para quem tem uma crença como qualquer outra, mesmo que a comparemos com crenças muitíssimo importantes e valiosas, como a crença de que os nossos filhos nos amam. Alem de mais intensa, parece mais valiosa.

Em resposta a esta objecção podemos argumentar que as diferenças entre a fe e as outras crenças resultam precisamente da natureza do objeto da crença. Sendo a fe uma crença que tem por objeto divindades, e natural que, por isso mesmo, as atitudes associadas à fe sejam adequadamente diferentes das atitudes associadas a qualquer outro tipo de crença. Mas as atitudes associadas a uma crença não são constitutivas dessa crença.

A segunda objeção e mais promissora: se a fe fosse como qualquer outra crença, teria de ser possível uma pessoa ter fe na existência de uma divindade depois de saber que essa divindade existe. Na verdade, depois de uma pessoa reconhecer que uma divindade existe, teria de lhe ser impossível não ter fe na sua existência, tal como e defensavelmente impossível que não acreditemos que a neve e branca quando sabemos que a neve e branca. Contudo, parece implausível defender sequer que e possível ter fe que uma divindade existe depois de sabermos que existe, e mais implausível ainda defender que saber que uma divindade existe implica ter fe nessa divindade. Isto porque a fe e o gênero de atitude que se tem perante o que se desconhece: antes de uma intervenção cirúrgica delicada, uma pessoa pode ter fe de que tudo irá correr bem, mas não pode ter fe de que tudo correu bem depois de tudo ter corrido bem. No entanto, há efetivamente um sentido em que se pode ter fe no que se conhece, no sentido de se ter confiança nisso.

Assim, podemos rejeitar a objeção acima distinguindo dois sentidos de fe: a fe como crença proposicional e a fe como confiança. Há um sentido no qual não so temos fe em alguem ou algo mesmo sabendo que isso existe como so e racional ter fe nesse alguem ou algo se acreditarmos que existe. Por exemplo, uma pessoa so pode ter fe no amor dos seus filhos se acreditar que tem filhos. Fe, neste contexto, quer dizer confiança: ter fe em alguem ou em algo e confiar nessa pessoa ou nesse algo. Nesta acepção, todos temos fe diariamente em muitas coisas, na gravidade, por exemplo, no poder nutritivo do que comemos e na medicina, porque todos confiamos nessas coisas. Mas e possível ter fe no sentido da crença proposicional sem ter fe no sentido da confiança: uma pessoa pode saber que o primeiro-ministro existe, mas não confiar nele. Na Bíblia afirma-se: “Tu crês que há um so Deus? Fazes bem. Tambem o creem os demônios, mas enchem-se de terror” (Tiago, 2:19), o que poderá significar que os demônios acreditam que Deus existe, mas não confiam nele.

A componente da confiança e sem dúvida uma das mais importantes da fe. Mas a perspectiva objetal sobre a natureza da fe não se lhe adequa muito bem, pois, nessa perspectiva, so o objeto da fe a distingue de outras crenças, e não as atitudes do agente. Ora, a confiança e precisamente uma atitude particular que

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podemos ter perante objetos diferentes. E ainda que objetos diferentes possam alterar a fenomenologia da confiança, e argumentável que há algo de comum a todas ou, pelo menos, à maioria das atitudes de confiança; seria esse aspecto fenomenologico da confiança que a caracterizaria, e não o objeto da confiança. Em conclusão, tentar defender a perspectiva objetal da fe socorrendo-se de uma acepção de fe que a aproxima da confiança tem um efeito contrário ao pretendido, pois conduz-nos à perspectiva fenomenologica da natureza da fe.

Acresce que apesar de a confiança ser um componente importante da fe, não e nem poderia ser a única. Parece impossível ou irracional ter confiança em algo e não acreditar pelo menos na possibilidade de isso existir. Podemos, evidentemente, ter confiança em algo que não sabemos se existe, mas gostaríamos que existisse, pois nesse caso a nossa confiança e condicional. Por exemplo, um náufrago pode não saber se o desaparecimento do seu veleiro foi registado, mas ter a esperança que o tenha sido e confiar que, nesse caso, os serviços de emergência náutica acabarão por salvá-lo. Mas e impossível ou irracional o náufrago confiar que os serviços de emergência náutica acabarão por salvá-lo se souber que o desaparecimento do seu veleiro não foi registado. Ou seja, a confiança parece envolver uma componente proposicional, pelo menos quando não estamos em contato com o objeto da confiança e quando não se trata de um saber fazer. Logo, ainda que a confiança seja uma componente importante da fe, e defensável que tem de haver nesta uma componente proposicional: quem tem fe numa dada divindade tem de acreditar que essa divindade existe ou, pelo menos, desejar que exista ou ter esperança que exista, e em qualquer destes casos estamos perante atitudes proposicionais. Esta e a designação que se dá a qualquer atitude que tenha por objeto uma proposição: recear que esteja a chover, ter medo de perder o comboio ou ter a esperança de chegar a horas são atitudes que têm como objeto, respectivamente, as proposições expressas pelas frases “Está a chover”, “Vou perder o comboio” e “Chegarei a horas”.

É ilusorio pensar que a perspectiva objetal da fe fica vindicada se admitirmos que a fe tem, necessariamente, um componente proposicional. Na verdade, a perspectiva fenomenologica de fe não está comprometida com a exclusão da componente proposicional da fe: limita-se a sustentar que não e apenas a diferença de objeto que caracteriza a fe, mas tambem e, sobretudo, a atitude do agente. Nada na concepção fenomenologica de fe a impede de aceitar que a atitude do agente e uma atitude proposicional.

A concepção fenomenológica de fé

Passemos então à análise da concepção fenomenologica de fe. Deste ponto de vista, a fe não e como qualquer outra crença, diferindo apenas quanto ao objeto; ao inves, alem da diferença de objeto, envolve aspectos que as outras crenças não envolvem. Um desses aspectos e a força da convicção: a fe exibe a força da convicção do conhecimento, apesar de não ser conhecimento (ou, pelo menos, não e como os outros conhecimentos comuns, como o conhecimento de que a água e H2O, por exemplo; exploraremos já em seguida a ideia de que a fe e um tipo

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especial de conhecimento). E por não ser conhecimento, a fe e, nesse aspecto, como a mera crença. Portanto, deste ponto de vista, a fe e como o conhecimento num aspecto e como a mera crença noutro. Assim, a fe não e apenas uma crença que tem por objeto um certo tipo de entidades: e uma crença que tem características proprias, que a distinguem de muitas outras crenças, ou mesmo de todas.

Comparar a força da convicção da fe com a força da convicção associada ao conhecimento e esclarecedor. Efetivamente, quando sabemos algo, temos uma forte adesão psicologica ao conteúdo do nosso conhecimento, bastante mais forte do que quando temos uma mera crença, ainda que parcialmente justificada. Quando acredito meramente que a Joana está na praia porque me disseram, a força da minha convicção e muitíssimo menor do que quando sei que ela está lá porque acabei de vê-la.

Contudo, será a fe como o conhecimento em todos os aspectos, caso em que a fe seria conhecimento? Podemos defender que a fe e conhecimento, mas um tipo diferente de conhecimento, ou defender que a fe não e conhecimento, apesar de ser fenomenologicamente como o conhecimento no que respeita a força da convicção.

A primeira coisa a fazer quando se defende que a fe e conhecimento e esclarecer de que gênero de conhecimento se trata: proposicional, saber fazer ou por contato. Defender que a fe e conhecimento proposicional implica defender que so há fe quando há justificação, pois so há conhecimento proposicional quando há justificação. No caso da fe, a justificação seria a revelação: a ideia de que Deus se deu a conhecer a algumas pessoas especiais, que depois transmitiram por testemunho essa ocorrência. Um argumento contra esta perspectiva e que, se fosse verdadeira, quase nenhuma pessoa religiosa teria de fato fe, so a teriam aqueles teologos e filosofos que sabem justificar adequadamente a sua crença numa divindade. A maior parte das pessoas que acredita no Deus cristão, por exemplo, pouco ou nada sabem sobre os supostos testemunhos da revelação que sustentariam a sua fe. Como isto e implausível, a perspectiva seria falsa.

Este argumento, contudo, não e convincente, pois ignora uma diferença entre haver justificação e o agente do conhecimento ou da crença em causa conseguir articular essa justificação. Por exemplo, uma criança forma a crença de que tem uma maçã em cima da mesa ao vê-la lá; a justificação da sua crença e muitíssimo mais sofisticada do que o mero “Vi-a lá” que ela e capaz de articular, pois envolve coisas como condições normais de luz e o funcionamento correto do seu aparato visual e cognitivo. Parece excessivo exigir que um agente tenha de conseguir articular uma justificação adequada das suas crenças para estas poderem constituir conhecimento proposicional, dado que, na sua maior parte, as pessoas têm grande dificuldade em fazer tal coisa. (Contudo, podemos insistir que as pessoas quase nada sabem, na sua maior parte, vivendo apenas com base em meras crenças). Uma alternativa e então aceitar que um agente tem conhecimento proposicional desde que tenha uma crença verdadeira que se pode justificar adequadamente, ainda que ele mesmo não o saiba fazer ou não o tenha efetivamente feito. Chama-se externismo a esta posição sobre a justificação, e internismo à posição oposta.

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Aplicando esta distinção à fe, poder-se-ia então insistir que as pessoas so podem ter realmente fe numa divindade caso seja possível justificar tal crença, ainda que elas mesmas sejam incapazes de fazê-lo. Ter fe numa divindade seria, assim, análogo a muitas outras crenças que somos incapazes de justificar adequadamente, mas que pensamos que outros seres humanos sabem justificar adequadamente. Por exemplo, na sua maior parte, as pessoas são incapazes de justificar adequadamente a crença na cosmologia do Big Bang, pois não têm os conhecimentos nem os recursos necessários para justificar esta teoria: limitam-se, por isso, a transferir para os especialistas relevantes à tarefa da justificação.

Esta perspectiva implica que, caso não exista justificação adequada para crer numa divindade, ninguem teve jamais fe nessa divindade, apesar de ter pensado que a tinha. Note-se que isto e compatível com a diversidade de religiões e de divindades; pois apesar de as diversas divindades que são objeto de fe em diferentes religiões serem incompossíveis (ou seja, não são conjuntamente possíveis: não podem existir todas simultaneamente), e perfeitamente possível que existam justificações adequadas para as crenças religiosas nessas divindades. Recorde-se que podemos defender que a justificação não e factiva, o que significa que diferentes pessoas em diferentes contextos epistêmicos podem ter justificação adequada para crer em divindades diferentes e incompossíveis.

Contudo, a perspectiva que estamos a explorar não defende apenas que so há fe quando há justificação: defende tambem que a fe e factiva, pois defende que a fe e conhecimento, ou um tipo de conhecimento. E e isto que torna esta concepção implausível, pois significaria que caso a única divindade que realmente existe seja Diana, por mais genuína que fosse a fe dos antigos egípcios no deus Rá, por exemplo, ou dos atuais cristãos em Deus, nenhuma dessas pessoas tinha realmente fe, apenas acreditava erradamente que a tinha. Isto parece excessivo: quem tem fe numa divindade que, sem ela o saber, não existe, não parece ter uma fe menos genuína do que quem tem fe numa divindade que realmente existe. Assim, a fe, ao contrário do conhecimento, não parece factiva.

Uma saída para esta dificuldade seria sustentar que a fe e um tipo diferente de conhecimento, que não envolve factividade. Mas isto seria presumivelmente um mero jogo de palavras, dado que conhecimento infactivo não e conhecimento, em qualquer acepção relevante do termo: e mera crença (que pode ate estar justificada).

Dado que tanto o conhecimento proposicional como o conhecimento por contato são factivos, o mesmo argumento se aplica para refutar a ideia de que a fe poderia ser conhecimento por contato: aceitar que a fe e conhecimento por contato implica a tese implausível de que a maior parte da humanidade ao longo da maior parte da historia não teve realmente fe, apesar de pensar que a tinha.

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Testemunho e risco epistêmico

Note-se, contudo, que há pelo menos um aspecto crucial que o conhecimento por contato partilha com a fe. No conhecimento por contato não há apenas uma forte convicção acompanhada muitas vezes de uma incapacidade para articular uma justificação adequada, isto tambem acontece no conhecimento proposicional. Um traço central do conhecimento por contato que o distingue do proposicional e o aspecto pessoal, subjetivo ou testemunhal: quando conhecemos algo por contato não se trata apenas de sermos muitas vezes incapazes de articular uma justificação adequada desse conhecimento; há aparentemente um aspecto fenomenologico irredutível a qualquer justificação cuidadosamente articulada.

Este aspecto do conhecimento por contato envolve o que se chama qualia: a qualidade interna da experiência. É este aspecto do conhecimento por contato que está em causa nos famosos artigos “Como e Ser um Morcego?”, de Thomas Nagel, e “O que Mary Não Sabia”, de Frank Jackson.

No primeiro caso, Nagel faz notar que temos muito conhecimento proposicional sobre a ecolocalização usada pelos morcegos, e usamo-la tambem em navios, recorrendo a radares: um sinal sonoro e enviado e o tempo decorrido entre o seu envio e o eco devolvido permite determinar a distância e parcialmente a forma do que se encontra na direção relevante. Contudo, argumenta Nagel, num certo sentido não podemos saber como e percepcionar objetos dessa maneira, não sabemos como e a experiência interna da ecolocalização: não sabemos como e ser um morcego.

No exemplo de Jackson, imagina-se uma neurocientista da cor, a Maria, que tem um conhecimento proposicional exaustivo do mecanismo da visão de cores que ocorre nos seres humanos. Contudo, nunca viu cores porque viveu sempre num quarto a preto e branco. (Será tambem preciso imaginar que tinha uma doença da pele que a tornava completamente branca, que o seu cabelo era completamente preto, que não podia ficar menstruada, porque nesse caso veria a cor do seu sangue etc., o que torna tudo isto uma fantasia filosofica, mas que serve corretamente aos seus propositos.) Um dia, a Maria pôde finalmente sair do seu quarto e viu uma rosa vermelha ou um pôr do sol radioso. Apesar de ter um conhecimento proposicional exaustivo do processamento visual e cognitivo das cores, havia algo que a Maria não sabia, pois parece obvio que há algo que ela aprendeu quando viu a rosa ou o pôr do sol. O conhecimento que não tinha era o conhecimento por contato, o conhecimento íntimo, subjetivo ou testemunhal do que e ver cores.

Este aspecto testemunhal do conhecimento por contato parece crucial na fenomenologia da fe. Ter fe numa divindade e talvez mais do que ter uma convicção forte na sua existência: e ter como que um contato íntimo com essa divindade; e ter uma experiência defensavelmente irredutível a todo o conhecimento proposicional. Contudo, levar a serio a ideia de que a fe e conhecimento por contato implica, uma vez mais porque o conhecimento e factivo, que a maior parte da humanidade ao longo da maior parte da historia não teve experiência da fe genuína, mas apenas

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a ilusão de que a teve, dado que as muitas divindades que foram objeto de fe ao longo da historia humana são incompossíveis.

Não e, pois, plausível que a fe seja conhecimento proposicional nem por contato. Contudo, e inegável que há algo na fenomenologia da fe irredutível às crenças proposicionais, pelo simples fato de que toda a atitude proposicional tem uma fenomenologia propria, irredutível às crenças proposicionais. Por exemplo, ter medo de dragões tem uma fenomenologia propria, diferente de ter a esperança de haver dragões, que não depende do objeto, mas sim da propria atitude. Assim, ter fe terá sem dúvida uma fenomenologia distinta, mas não implica de modo algum que tenha de existir a divindade que e objeto da fe. A impressão subjetiva do conhecimento por contato, testemunhal e subjetivo que se associa à fe pode ser independente da existência da divindade que e objeto da fe em causa: pode ser uma peculiaridade da atitude. A peculiaridade da fe, uma vez mais, e não ser fenomenologicamente como uma mera crença, como as muitas crenças que temos e a que não damos muita importância: a fe e uma crença considerada e sentida como muitíssimo importante pelos crentes.

Uma objeção imaginativa a esta última ideia insiste que, apesar de historicamente a fe ter sido considerada e sentida como muitíssimo importante pelos crentes, poderia não o ser. Podemos imaginar pessoas que têm fe numa divindade menor, digamos, com poucos poderes ou com poderes limitados, e que intervem apenas em trivialidades do quotidiano, como nunca deixar uma pessoa esquecer-se de fechar a tampa do vaso sanitário, por exemplo. Estas pessoas teriam uma fe banal, digamos, neste tipo de divindade menor, precisamente por ser uma divindade menor. Esta objeção insiste na conexão entre o objeto da fe e a atitude do crente: a ideia e que a atitude de extrema importância associada à fe resulta da natureza da divindade que e objeto da fe.

A resposta a esta objeção e a seguinte: do mesmo modo que ter medo de escorregar quando neva e diferente de ter medo quando um leão corre na nossa direção, porque os objetos do medo são diferentes, persistindo, todavia, algo em comum (caso contrário não seria medo), tambem a fe será inevitavelmente influenciada pela natureza do objeto da fe. Quem tiver fe numa divindade menor, terá presumivelmente uma fe diferente de quem tiver fe numa divindade onipotente, mas algo em comum terá de haver em ambos os casos para que sejam ambos fe. E apesar de ser evidentemente possível imaginar cenários em que já duvidamos se estamos perante fe ou perante uma mera crença banal e quotidiana, o objetivo da nossa investigação e a fe que de fato as pessoas têm, e não a que conseguimos imaginar, mas que depois nem sabemos bem se e ainda fe ou outra atitude. Ora, nas manifestações conhecidas de fe, esta não e uma crença banal, como as outras crenças quotidianas; e uma crença a que o proprio crente dá extrema importância.

Afastadas as hipoteses de que a fe seja conhecimento proposicional ou conhecimento por contato, resta ver se poderá ser um saber fazer. Esta ideia tambem não e plausível, pois saber fazer algo, como andar de bicicleta, envolve uma atividade, mas não necessariamente uma atitude, ao passo que ter fe numa divindade envolve necessariamente um tipo de atitude, mas pode ou não envolver

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uma atividade. É certamente verdade que os crentes religiosos consideram que o seu modo de vida e profundamente afetado pela sua fe, mas não parece verdade que esse modo de vida constitua a fe. Uma vida dedicada à bondade e a aliviar o sofrimento alheio pode coincidir exteriormente com uma vida religiosa; mas muitos ateus escolhem esse gênero de vida, sem terem, portanto, qualquer atitude análoga à atitude de uma pessoa de fe. Por outro lado, mesmo que todas as pessoas de fe desenvolvam um tipo de atividades, estas parecem consequência da sua fe, não constituindo a fe em si.

Podemos então concluir preliminarmente que a fe não e conhecimento, nomeadamente porque a fe e infactiva e o conhecimento e factivo. Mas esta não e a única razão. Mesmo que a fe implicasse conhecimento, nunca poderia ser conhecimento, constitutivamente, dada a diferença entre as fenomenologias da fe e do conhecimento. Vimos que a fe se assemelha ao conhecimento proposicional por envolver uma forte convicção, e que se assemelha ao conhecimento por contato por envolver um aspecto testemunhal. Mas noutros aspectos a fe e profundamente diferente desses tipos de conhecimento.

Para ver por que, considere-se o que aconteceria se uma divindade se manifestasse inequivocamente junto dos seres humanos. Alguns ateus, perante tal manifestação, passariam evidentemente a acreditar que essa divindade existe, precisamente porque passariam a saber que existe. Mas teriam fe? Poderiam ganhar fe no sentido de terem confiança na divindade, se soubessem que essa divindade estaria a zelar por eles, sendo sumamente boa e sumamente poderosa. Contudo, alguns aspectos que parecem constitutivos da fenomenologia da fe poderiam não se manifestar, tornando implausível afirmar que esses ateus passaram a ter fe. Os sentimentos de reverência, ligação profunda, êxtase e misterio que parecem estar associados à fe poderiam perfeitamente estar ausentes das atitudes epistêmicas desses ateus relativamente a essa divindade. Parece, por isso, conceptualmente possível saber que uma divindade existe sem ter fe na sua existência (mesmo que nela se tenha fe, no mero sentido da confiança).

Søren Kierkegaard (1813-1855) foi um dos filosofos que mais claramente sublinhou este aspecto da fe, que a torna incompatível com o conhecimento e, por isso, com as provas, argumentos ou justificações. Este aspecto da fe parece corresponder à desvalorização, por parte de alguns crentes, dos intrincados argumentos filosoficos a favor e contra a existência de Deus. Talvez isso ocorra por considerarem, como Kierkegaard, que a fe e precisamente o gênero de confiança ou convicção profunda que se tem numa divindade quando não temos provas da sua existência: “Em nome de quem se procura a prova? A fe não precisa dela. Sim, tem de encará-la como inimiga. Mas quando a fe começa a ter vergonha, como uma rapariga para quem o amor deixa de ser suficiente, que secretamente tem vergonha do seu namorado e tem por isso de confirmar junto de outros que ele e realmente notável, quando a fe vacila e começa a perder a sua paixão, então a prova torna-se necessária para parecer respeitável da perspectiva do descrente. “[…] Sem risco não há fe. A fe e precisamente a contradição entre a paixão infinita da interioridade e a incerteza objetiva. Se posso compreender Deus objetivamente, não acredito; mas porque não posso conhecer Deus objetivamente, tenho de ter

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fe; e se for firme na fe, tenho de estar constantemente determinado a agarrar-me à incerteza objetiva, para permanecer sobre as profundezas do oceano, sobre setenta mil braças de água, e continuar a acreditar”. Søren Kierkegaard, Pos-Escrito Anticientífico Final (1846), retirado de Concluding Unscientific Postscript, de Søren Kierkegaard (Princeton: Princeton University Press, 1992).

Kierkegaard considera a fe incompatível com o conhecimento, por este último implicar a justificação, ao passo que a fe implica o risco epistêmico. Podemos fazer uma analogia com o que ocorre quando encontramos um desconhecido e o ajudamos, sem ter provas da sua probidade, descobrindo mais tarde com gosto que ele nos procurou para nos restituir o dinheiro emprestado, por exemplo, ou para nos manifestar a sua gratidão. Esta analogia permite compreender o tipo de valor que e possível ver na fe quando esta e concebida como crença injustificada ou sem provas. Num certo sentido, tem mais valor confiar num desconhecido, sem provas da sua probidade, do que confiar nele quando temos essas provas. Confiar nele quando temos essas provas não envolve qualquer risco, nem e um gesto particularmente generoso da nossa parte. Kierkegaard parece defender algo análogo relativamente à fe: se procuramos provas da existência da divindade, e porque de algum modo não queremos arriscar ter fe na sua existência; mas se tivermos provas de que essa divindade existe, a fe parece não poder ter lugar, tal como nada arriscamos ao ajudar uma pessoa quando sabemos que ela nos recompensará. Será realmente defensável o risco epistêmico de crer no que não temos provas que existe? William James argumenta que sim.

Aposta momentosa

James sublinha que em alguns casos as nossas crenças são motivadoras: um desportista ganha em acreditar que consegue obter um resultado; um estudante ganha em acreditar que conseguirá bons resultados num exame difícil. Nestes casos, precisamos acreditar sem provas, de maneira a ter motivação para tentar: não faria sentido treinar ou estudar se não confiássemos na possibilidade de obter os resultados desejados, ainda que não tenhamos realmente provas de que os conseguiremos obter. Será a fe análoga a este gênero de casos? Tratar-se-ia nesse caso de ter confiança em algo que não sabemos bem se ocorrerá ou se existe. A fe ficaria assim mais proxima da esperança.

Sem dúvida que este tipo de crença motivadora e sem grandes provas existe. É difícil imaginar como seria a nossa vida sem elas. Mas não e claro que este fato acerca da nossa vida cognitiva tenha relevância para a legitimidade da fe sem provas, ao contrário do que James parecia pensar. Vejamos dois argumentos contra a posição de James.

Em primeiro lugar, as crenças motivadoras so são racionais porque têm efeitos causais: se um estudante acreditar que com o seu esforço irá conseguir obter um certo resultado, isso tem o efeito causal de lhe dar mais ânimo, o que contribui para obter o resultado desejado. Mas no caso da crença religiosa não há qualquer nexo causal, nem pode haver, entre a força da convicção e a existência

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ou inexistência de divindades: estas não existem ou deixam de existir consoante as pessoas estão mais ou menos fortemente convictas da sua existência.

Em segundo lugar, e irracional ter confiança quando a possibilidade de realização do que se almeja e demasiado improvável. Uma pessoa em risco de morte pode ganhar em ter confiança que conseguirá ser bem-sucedida num salto difícil que poderá salvar a sua vida, se o salto que tem de dar for de, digamos, um metro e meio. Mas, se for de dez metros, nenhuma confiança lhe dará energia suficiente para conseguir salvar-se. O mesmo ocorre todos os finais de semestre com demasiados estudantes: não estudaram ao longo do semestre e depois vão fazer os exames cheios de confiança que, naquele momento, algo de mágico ocorra e subitamente sejam capazes de responder a perguntas sobre materias que desconhecem quase por completo: o resultado inevitável, apesar de tanta confiança, e a reprovação. E esses estudantes teriam ganho mais em reconhecer a verdade da situação, ficando em casa tranquilamente. Portanto, este gênero de confiança na ausência de provas so pode ter relevância caso não estejamos perante uma impossibilidade ou quase impossibilidade.

Blaise Pascal (1623-1662), contudo, ficou famoso por defender que, bem vistas as coisas, temos tudo a ganhar e nada a perder em apostar na existência de Deus. Chama-se aposta de Pascal ao seu argumento, que pertence à mesma família da posição de James: trata-se de dizer que, na ausência de provas a favor ou contra a existência de Deus, temos um argumento a favor da crença sem essas provas.

No caso da versão de Pascal, a ideia e fazer uma matriz para revelar as quatro combinações possíveis que resultam de se acreditar ou não e de Deus existir ou não:

1. Caso não acreditemos e Deus não exista, nada de especial ganhamos. Apenas não perdemos tempo, por exemplo, em rituais religiosos.

2. Caso não acreditemos e Deus exista, perdemos a possibilidade do paraíso, o que e terrível.

3. Caso acreditemos e Deus não exista, nada de especial perdemos. Apenas perdemos tempo, por exemplo, em rituais religiosos.

4. Caso acreditemos e Deus exista, ganhamos o paraíso, o que e maravilhoso.

Portanto, continua o argumento, e irracional não escolher acreditar. Porque se acreditarmos, o pior que pode acontecer e termos perdido tempo; e podemos ganhar o paraíso. Mas se não acreditarmos, o melhor que pode acontecer e não termos perdido tempo; e podemos perder o paraíso.

Este gênero de argumento pode ser visto como desprezível por muitos crentes. Pois o seu efeito e retirar à fe o elemento de risco epistêmico que Kierkegaard considerava importante: a fe torna-se o mero resultado do calculismo egoísta, e não uma atitude de risco epistêmico que nos dá confiança perante a “incerteza objetiva”.

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O pior do argumento, contudo, e precisar admitir pressupostos pouco razoáveis sobre Deus. Por que razão haveria Deus de castigar quem não acredita que ele existe precisamente por falta de provas? E por que razão haveria Deus de recompensar com o paraíso o calculista? A ideia de que ter fe e em si importante porque Deus castiga quem não a tem e praticamente indefensável. Se Deus for sumamente bom e sábio, não pode ser o gênero de ser que exige dos seres humanos crenças arbitrárias; pelo contrário, será o gênero de ser que exige que os seres humanos sejam virtuosos, e ser epistemicamente virtuoso parece incluir não acreditar sem provas.

O defensor da aposta de Pascal pode responder que não temos de ter uma concepção primitiva de um Deus castigador: podemos entender a propria vida do crente, com a graça da fe, como uma dádiva de imenso valor, e a vida do descrente como um deserto espiritual que ninguem quererá viver. Assim, apostar em Deus faz sentido não porque a divindade recompense a credulidade e castigue a racionalidade, mas antes porque a propria vida sem fe em Deus e um martírio, ao passo que uma vida com fe em Deus e graciosa e compensadora.

William James tem em mente algo como esta caracterização da vida de fe. Antes de analisarmos brevemente as suas ideias, importa esclarecer as seguintes diferenças:

1. Acreditar que Deus existe.2. Não acreditar que Deus existe.3. Acreditar que Deus não existe.

Confunde-se por vezes 2 com 3. 2 e mais fraco do que 3, no sentido em que 3 implica 2, mas 2 não implica 3: quem acredita que Deus não existe, não acredita que Deus existe, mas quem não acredita que Deus existe pode não acreditar que Deus não existe. Suspender o juízo quanto à existência de Deus e rejeitar 1 e 3: e o que faz o agnostico. O crente, claro, aceita 1 e rejeita as outras; o ateu aceita 3, o que implica aceitar 2, e rejeita 1. Estas relações logicas dizem respeito a qualquer crença, e não especificamente à crença de que Deus existe. A maior parte das pessoas, por exemplo, nem acredita que existem extraterrestres nem que não existem extraterrestres; considera as duas hipoteses interessantes e ate momentosas, mas limita-se a suspender o juízo.

Esta atitude de suspensão do juízo na ausência de provas e precisamente o que propõe um indiciarista, como Clifford. Na verdade, e o gênero de atitude que temos relativamente às mais diversas materias. James, todavia, discorda. Do seu ponto de vista, e legítimo crer em Deus, quando a sua existência e intelectualmente indecidível, desde que a opção pela crença seja viva, forçosa e momentosa.

Uma opção e viva quando não e uma mera hipotese intelectual vaga, mas antes algo que realmente nos importa: supostamente, para quem se debate com a questão de Deus, a hipotese de acreditar ou não e para ela uma opção viva. Essa mesma pessoa pode não se debater com a questão de acreditar ou não em Apolo,

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por exemplo. Uma opção e forçosa quando não tomar partido e o mesmo que tomar partido. Suspender a crença quanto à existência de Deus tem o mesmo efeito que não acreditar na existência de Deus, pensa James. Finalmente, uma opção e momentosa quando e de extrema importância, e não uma questão trivial.

James argumenta então que, reunidas estas condições, e epistemicamente legítimo acreditar sem provas, quando a questão e intelectualmente indecidível. A razão e que não o fazer priva-nos de algo importante, uma vida religiosa, a perspectiva de uma vida eterna, sem nada de importante nos dar em troca, exceto a garantia de não crer em falsidades. O argumento de James pertence, pois, à mesma família da aposta de Pascal; mas em vez de se basear diretamente na ideia de que, sob a hipotese de Deus existir, os descrentes ou os agnosticos serão enviados para o inferno, indo os crentes para o paraíso, permite dar ênfase ao ganho que o crente tem nesta vida. A ideia torna-se mais vívida se imaginarmos casos em que uma mentira piedosa poderá salvar alguem de sofrimento inconsequente: por exemplo, uma mãe a quem, no leito de morte, se oculta a tragedia do seu filho que acaba de falecer de acidente.

Contudo, o argumento de James enfrenta uma dificuldade relacionada. É verdade que não dependemos de uma concepção brutal de um Deus que quer ser objeto de culto na ausência de provas da sua existência, castigando quem suspender o juízo. Mas estamos perante uma concepção provinciana da vida humana, como se uma vida humana plenamente realizada so pudesse ocorrer na presença da fe. Pelo contrário, muitos artistas, cientistas, filosofos e filantropos viveram vidas preenchidas e felizes, sem qualquer crença em divindades. Para essas pessoas, a questão de haver ou não divindades poderá ser intelectualmente interessante, mas nenhuma consequência prática tem para qualquer lado. Isto porque nenhuma pessoa genuinamente boa pode acreditar que Deus, se existir, e um ser malevolo, que castiga quem nele não acredita, ainda que essa pessoa tenha uma vida virtuosa, sob todos os aspectos.

A ideia de que uma vida virtuosa não e possível sem crer em divindades e uma manifestação de provincianismo, ou de um mau íntimo: alguem que so não trapaceia, mente, rouba e mata por ter medo de ser castigado na outra vida. Kant, que era religioso, considerava que uma ação feita com vista à recompensa ou com medo do castigo não e moralmente correta, ainda que exteriormente o pareça. E não e preciso invocar Kant para compreender que quem não mata o seu semelhante por medo do inferno e não por respeitá-lo, não e o gênero de pessoa que queiramos ter por semelhante.

James poderia aceitar que e possível ter uma vida compensadora e virtuosa sem qualquer crença religiosa, mas insistir que uma vida religiosa permite a qualquer pessoa, por mais culturalmente carenciada que seja, o gênero de vida compensadora que um artista ou cientista pode ter. A vida religiosa colocaria ao alcance de qualquer pessoa o gênero de vida compensadora a que, de outro modo, so alguns poderiam almejar.

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A ideia de que a religião permite às pessoas culturalmente mais carenciadas ter uma vida mais compensadora do que de outro modo teriam e plausível. Tal como e plausível que a religião pode oferecer conforto emocional a pessoas cujas vidas são desagradáveis em quase todos os aspectos. Contudo, este gênero de argumentação não e particularmente promissor, pois não so implicaria que a religião seria apenas um paliativo para o infortúnio, como tornaria difícil explicar a fe de pessoas muitíssimo cultas, como cientistas, filosofos, artistas ou outros intelectuais. A verdade e que tanto se encontra pessoas descrentes e crentes entre os cultos como entre os incultos; e a verdade e que a vida religiosa tanto oferece conforto emocional como opressão.

James precisa defender que a crença na existência de divindades e forçosa. Mas ou e forçosa porque se concebe Deus como um ser castigador, como Pascal, e nesse caso aplica-se-lhe o mesmo contra-argumento; ou o e porque se tem uma concepção provinciana, e historicamente falsa, do que e uma vida humana generosa, bem-aventurada, virtuosa e realizada, considerando erradamente que sem a crença em Deus esse tipo de vida não e possível. Em qualquer caso, não temos razão para pensar que a opção entre crer ou não em Deus e forçosa. Suspender o juízo por falta de provas so e equivalente a não crer quando a consequência de ambas e aproximadamente igual. Mas as duas opções so são equivalentes caso um Deus ciumento castigue quem nele não crê, ou caso nenhuma vida humana agnostica ou ateia possa ser plena e digna. Quem rejeitar estas duas hipoteses, rejeita a ideia de James de que a opção da crença e forçosa. Poderá ate aceitar que e uma questão momentosa, que nos dispomos a estudar e discutir com sobriedade, como estudamos e discutimos a cura do cancro, sem que tenhamos de acreditar sem provas.

Podemos insistir na ideia original de James concedendo que e perfeitamente possível ter uma vida humana digna e realizada sem crer em Deus; mas sublinhar que, mesmo assim, acrescentar a crença religiosa a uma vida humana que já e digna e realizada sob todos os outros aspectos e fazer algo de importância superlativa. Uma vida humana digna em todos os outros aspectos, mas a que se acrescenta a crença religiosa, e uma vida ainda mais digna e rica, adquirindo uma textura e dimensão que nenhuma vida de agnostico pode ter. Neste sentido, portanto, e forçosa a opção entre crer ou não em Deus.

Concedendo que a opção e forçosa neste sentido, o problema e que agora o agnostico ou o ateu têm uma resposta demasiado fácil. Podem responder que so e forçosa a decisão de ter ou não uma vida de crente religioso porque ou e verdade ou não e verdade que Deus existe. O que torna forçosa a opção e que se Deus existir, vivemos na verdade se formos crentes, e a verdade e de importância primordial para seres como nos. Uma vida de crente não pode ser uma coisa boa por ser boa apenas internamente, isto e, por fazer o crente sentir-se melhor. Isso torna de tal modo subjetiva a crença religiosa que faz dela uma opção não momentosa, mas mesquinha, ainda que seja forçosa: trata-se de escolher o que me faz sentir bem, como quem escolhe os sapatos mais confortáveis, e não o que e superlativamente real e importante. Para que a minha escolha seja superlativamente importante não pode ser apenas uma escolha do que me faz sentir bem. Tem de ser tambem

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uma escolha do que me conecta com uma realidade de superlativa importância — recorde-se que o sentido do etimo da palavra religião e religação. É mesquinho escolher uma vida religiosa pressupondo que a existência ou inexistência dessa realidade de superlativa importância e irrelevante porque tudo o que conta e que me sinta bem. Escolher ou não escolher uma vida religiosa so e de suprema importância porque isso me abre ou não a uma realidade de suprema importância.

Assim, a ideia e que, precisamente por prezar a verdade, o ser humano não deve aderir sem provas, sobretudo quando se trata de materias de importância superlativa. É verdade que muitas vezes temos de assumir riscos epistêmicos, mas estes casos so são razoáveis quando há uma relação causal entre a crença e o que dela resulta: cremos, sem grandes provas, que somos capazes de fazer um curso universitário, e isso motiva-nos de tal modo que contribui para o sucesso dos nossos estudos. No que respeita a Deus, não há tal relação causal: crer em Deus não o faz existir magicamente. O único poder causal dessa crença diz respeito à nossa vida, e não e obvio que, sob a hipotese de Deus não existir, uma vida de crente seja realmente melhor do que uma vida virtuosa e realizada, aberta à possibilidade de existir Deus, mas que não a aceita sem provas.

Assim, o argumento de James implica que a questão da existência ou inexistência de Deus tem prioridade sobre a opção de crer ou não. Optar pela crença no caso de Deus não existir e tão grave quanto optar pela descrença caso Deus exista, e precisamente pela mesma razão: porque em ambos os casos a crença e falsa. A nossa melhor atenção cognitiva deve, assim, dirigir-se para os argumentos a favor e contra a existência de Deus, porque e isso que e decisivo; e sem argumentos suficientes para um ou outro lado, a opção epistemicamente virtuosa e suspender o juízo e continuar a investigar.

James enfrenta outra dificuldade. Uma opção e forçosa quando não tomar partido e, na prática, a mesma coisa que tomar partido. O problema e que não e fácil encontrar casos neutros de opções forçosas. Um caso de uma opção forçosa e alguem dar-nos um prazo de dois dias para decidir comprar ou não uma casa, por exemplo. Mas estamos indecisos e deixamos passar o prazo. A indecisão, neste caso, e equivalente à decisão de não comprar a casa. O problema deste tipo de exemplo e que so se aplica ao Deus mesquinho referido. Pois seria como se Deus nos desse nesta vida a oportunidade de optar sem provas pela crença, acabando-se o prazo quando morremos. Pelo contrário, um Deus razoável consideraria sensato que não decidíssemos tão momentosa questão sem provas fortes; e se so na outra vida tais provas surgissem, essa seria a altura para crer na sua existência.

Este tipo de argumento põe em causa frontalmente a ideia central do fideísmo de que e virtuoso crer sem provas. O fideísta poderia rejeitar o argumento por essa razão. Mas isto seria confundir as coisas. O argumento conclui que não há virtude em crer sem provas, pois e isso mesmo que estamos a discutir. Se o fideísta discorda desta conclusão, tem de mostrar o que há de errado com o argumento apresentado, e não apenas insistir que esta conclusão contraria a sua ideia de que e virtuoso crer sem provas.

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TÓPICO 4 | O SELF, O CORPO E A IMORTALIDADE

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Acresce que a ideia de que crer sem provas e virtuoso poderá ser uma forma subtil de impor a crença religiosa, um pouco como jogar um jogo viciado em que se sair caras ganho eu, se sair coroas perdes tu. Pois se alguem declarar que algo existe, fica a dever-nos evidentemente algumas provas, sobretudo se for algo momentoso e não uma trivialidade. Se essa pessoa declarar que não tem provas, mas que e bom acreditar sem provas nisso que ela diz que existe porque nessa circunstância coisas maravilhosas irão acontecer-nos, está a trapacear-nos. O que lhe pedimos, muito razoavelmente, foram provas. A sua resposta, muito insensatamente, foi uma ameaça. Perante a incerteza da vida humana, sobretudo onde os níveis de bem-estar são muitíssimo baixos (por falta de cuidados de saúde, proteção no emprego, recursos econômicos adequados etc.), este gênero de resposta torna a aposta de Pascal muito vívida: nada se tem a perder e pode-se ganhar muito em crer sem provas. Mas o preço a pagar, como vimos, e uma concepção de uma divindade brutal. Concepção que e difícil crer que uma pessoa genuinamente boa e epistemicamente virtuosa possa aceitar.

Voltemos ao aspecto forçoso da opção quanto à crença na existência de Deus. É iluminante pensar noutros casos em que a opção e forçosa. Por exemplo, não sabemos se conseguiremos realmente salvar uma criança que acaba de cair no rio; mas não decidir tentar e igual a decidir não tentar. Por isso, a virtude exige que tentemos. Mas pensemos melhor no que está oculto neste tipo de exemplo. Não seria uma exigência de a virtude decidir tentar se fosse impossível ou quase impossível salvá-la; e ainda menos se ao tentar fosse inevitável ou quase inevitável que nos mesmos pereceríamos, privando assim os nossos filhos do apoio que lhes devemos. Isto significa que quando se pressupõe que crer ou não em Deus e uma opção forçosa e porque se aceita duas coisas, e James so explicitou uma delas: aceita-se que a questão e intelectualmente indecidível, mas aceita-se tambem que o preço por acreditar não e demasiado elevado. Ora, não podemos em rigor pressupor que crer e melhor, exista ou não Deus, do que não crer. Clifford argumenta que crer na ausência de provas e sempre pior, porque contribui para a crendice, e a crendice tem inevitavelmente, e a longo prazo, más consequências. Este argumento, que e crucial para a posição de Clifford, nunca e enfrentado por James, que se limita a pressupor que crer em Deus e sempre melhor do que não crer.

James argumenta, com alguma plausibilidade inicial, que a posição de Clifford nos afasta da verdade, por estar demasiado preocupado com o erro. Compara Clifford a um general que, por querer provas cabais da vitoria antes de enviar as suas tropas, nunca ganha qualquer batalha, porque nunca envia as suas tropas. A ideia e que por vezes e preciso aceitar o risco epistêmico. Clifford concorda com a ideia, mas rejeita que o risco epistêmico implique crença sem provas: apenas implica que, quando e necessário agir sem certezas, devemos agir em função do que e mais provável.

O problema e que nada disso se aplica à crença em Deus. Esta crença não e urgente: não temos de decidir, aqui e agora, crer ou não crer em Deus: podemos perfeitamente continuar à procura. É o que fazemos com muitas outras

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crenças momentosas: queremos saber o que poderá curar uma doença grave, por exemplo, e e extremamente difícil decidir. Mas se pararmos de tentar decidir porque consideramos virtuoso o risco epistêmico de apostar numa das hipoteses sem provas, não estamos a contribuir para a descoberta da verdade, mas antes a dificultá-la. Se o que realmente nos interessa e saber se Deus existe ou não, e isso qualquer crente terá de aceitar, a menos que tenha uma concepção de tal modo subjetiva da crença que torne irrelevante a existência de Deus, não e uma boa ideia decidir de antemão e sem provas que existe. Se Deus realmente existir, acertamos na verdade por sorte apenas, o que não constitui conhecimento, privamo-nos assim de conhecer uma verdade de superlativa importância. Se não existir, fomos credulos e impedimos a descoberta de que não existe. Assim, a acusação central que James faz a Clifford, que está tão preocupado em evitar o erro que não permite acertar na verdade, aplica-se facilmente a James, que parece ter pensado que tudo o que conta no que respeita à verdade e acertar nela, ainda que por acaso, e não conhecê-la. [...]

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Neste tópico vimos:

• As diferentes concepções do self e da vida apos a morte.

• Primeiramente focamos em quatro concepções singulares do self: o dualismo, o materialismo, o panteísmo monista, e a doutrina budista do não self.

1.Para o materialista, a vida apos a morte, se e que tal vida existe, implicaria a existência continuada (ou a existência reconstituída) do corpo físico individual.

2.Para o dualista, a vida apos a morte poderia envolver uma existência encarnada ou desencarnada e o indivíduo existiria na vida apos a morte como a mesma pessoa porque ele ou ela tem a mesma alma.

3. Para as perspectivas do monismo panteísta e do não self, a reencarnação e o carma desempenham um papel fundamental tanto nesta vida quanto na proxima. Para o panteísta o self e a realidade última e indiferenciada. No entanto, pode-se demorar muitas vidas para chegar a essa realização.

4.Para o adepto da perspectiva do não self, não existe o self substancial, e (tal como acontece com o panteísta) pode demorar muitas reencarnações para finalmente e totalmente se reconhecer esta verdade fundamental.

• Os argumentos a favor e contra a imortalidade pessoal. Primeiro voltamos nosso

olhar para vários argumentos a favor da imortalidade: as experiências de quase morte, a ressurreição, a natureza de Deus e a natureza da alma.

• Embora existam evidências para a imortalidade, nenhuma delas oferece provas conclusivas. Nos, então, voltamos o olhar para vários argumentos contra a imortalidade: a dependência da consciência no cerebro, a identidade pessoal e a miseria eterna. As evidências contra a imortalidade são impressionantes, mas aqui tambem elas não são conclusivas.

• Quem somos e o que nos acontece apos a morte são questões perenes que os seres humanos têm ponderado por milênios. Refletir sobre essas questões irá, sem dúvida, continuar a ser uma parte da experiência intelectual humana nesta vida e, talvez, ate mesmo alem.

RESUMO DO TÓPICO 4

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AUTOATIVIDADE

Neste topico pudemos ver pelo menos quatro concepções do self que foram mantidas no Ocidente e no Oriente. Leia as afirmações abaixo sobre estas diferentes posições e assinale a alternativa correta.

a) Na perspectiva materialista a pessoa e composta por duas substâncias. Uma delas seria material, referindo-se ao corpo e ao seu aspecto espacial. A outra seria imaterial, referindo-se à mente e ao seu aspecto não espacial.

b) Na posição do panteísmo monista a pessoa so possuiria um tipo de substância, aquela material. O self imaterial não passaria de uma invenção da linguagem, ou um recurso ontologico desnecessário. Nesta perspectiva a explicação funcionalista e característica.

c) Na posição dualista o self seria uma realidade unificada com a propria realidade última. Esta seria indiferenciada e alem de todas as qualidades, inclusive a pessoalidade. Sendo assim a personalidade individual e uma ilusão.

d) Na posição do não self, propria do budismo, não haveria nenhuma coisa que tenha existência independente, substâncias individuais. Todavia, para alem da crença ilusoria do self individual, essa posição sustenta que existem várias experiências, desejos, sentimentos e anseios que são reais e estão em fluxo contínuo.

Assista ao vídeo deresolução desta questão

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