artigo- filosofia da religião

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  • 8/12/2019 Artigo- Filosofia Da Religio

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    FILOSOFIA DA RELIGIO: SUA CENTRALIDADE E ATUALIDADE NO PENSAMENTO FILOSFICO

    INTERAES - Cultura e Comunidade / Uberlndia / v. 6 n. 9 / p. 13-26 / jan./jun. 2011 17INTERAES - Cultura e Comunidade / Uberlndia / v. 6 n. 10 / p. 17-49 / jul./dez. 2011

    (*)Doutor em Filosofia pela Pontifcia Universidade Gregoriana de Roma. Mestre em Teologiapela Philosophische Theologische Hochschule Sankt Georgen. Atualmente professor e coorde -nador do Programa de Ps-Graduao em Filosofia da Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologiade Belo Horizonte (FAJE-BH), alm de atuar como editor da revista Sntese.

    FILOSOFIA DA RELIGIO:

    sua centralidade e atualidade no pensamento filosfico

    PHILOSOPHY OF RELIGION:its central place and present state in philosophical thought

    Joo A. Mac Dowell SJ (*)

    RESUMOO artigo responde a duas sries de questes. Por um lado: Que Filosofia da Religio?Quais so suas principais modalidades? Como surgiram no curso do pensamentofilosfico ocidental? Qual o seu lugar sistemtico e histrico no conjunto da reflexofilosfica? Por outro lado, trata-se de esboar um quadro da problemtica religiosano pensamento filosfico contemporneo, seja no mbito anglo-americano, seja nocontexto europeu continental. Na concluso, o autor aponta as caractersticas maisevidentes do pensar filosfico atual a respeito de Deus e da religio.PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da Religio. Teologia Filosfica. Conhecimento de

    Deus. Problemtica religiosa contempornea.

    ABSTRACT

    The article gives an answer to two series of questions. At first it asks: What is Philosophy ofReligion? Which are its main kinds? How they grew up in the course of Western philosophicalthinking? Which is their systematic and historical place on the whole of the philosophicalref lection? Afterwards, it tries to outline a sketch of the chief religious issues in thecontemporary philosophical thought, in the Anglo-American world as well as in the continentalEuropean context. Concluding, the author sums up the most distinctive characteristics of the

    contemporary philosophical thinking about God and religion.KEYWORDS: Philosophy of Religion. Philosophical Theology. God`s knowledge.Contemporary religious questions.

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    INTRODUO

    Malgrado a tendncia secularizante da cultura moderna, a presena

    macia do fenmeno religioso no panorama cultural contemporneo incon-testvel. Desde a dcada de 70 do sculo passado, a religio voltou a constituirum fator determinante da realidade mundial quer no nvel pessoal quer na vidapblica. Nada mais natural, pois, que a filosofia como reflexo radical sobre aexperincia humana do ente no seu todo se debruce com renovado interesse so-bre este fenmeno na tentativa de interpret-lo. De fato, assiste-se nos ltimosdecnios a um ressurgimento impressionante da Filosofia da Religio, tantono mbito europeu continental como mais ainda no anglo-americano. Prova

    disso a exploso de publicaes sobre o tema, seja sob a forma de estudosespecializados, seja de tratados ou coletneas de artigos que oferecem umaviso sistemtica da problemtica atual.1O interesse sobre o tema tem suscita-do debates pblicos entre personalidades importantes do campo cristo comateus ou agnsticos.2A mudana de situao e a surpresa que ela provocou soexpressas p.ex. nestas palavras:

    Que a religio no pode mais ser considerada como um fenmeno pertencente a umpassado distante e que ela no constitui um fenmeno transhistrico e transcultural,

    1P.ex.: QUINN, Philip, TALIAFERRO, Ch. (eds): A Companion to the Philosophy of Religion.Malden / London: Blackwell, 1999; DAVIES, Brian (ed): Philosophy of Religion: A Guide andAnthology. New York / London: Oxford University Press, 2000; WAINWRIGHT, W. J. (ed):The Oxford Handbook of Philosophy of Religion. New York / London: Oxford University Press, 2004;MAN, W. E. (ed): The Blackwell Guide to the Philosophy of Religion. Malden / London: Blackwell,2004.2P.ex: Cardeal Carlo Maria MARTINI com Umberto ECO (1995), publicado em In cosa crede

    chi non crede?Roma: Liberal Libri, 1996 [Em que crem os que no crem?Rio de Janeiro: Record,2001]; Cardeal Joseph RATZINGER com Jrgen HABERMAS (2004), sobre Os fundamentosmorais pr-polticos de um Estado democrtico, publicado comoDialektik der Skularisierung. ber

    Vernunft und Religion. Freiburg i.Br.: Herder, 2005; Philippe CAPELLE com Andr COMTE-SPONVILLE (2004), publicado comoDieu existe-t-il encore?Paris: Cerf, 2005; Luc FERRY comMarcel GAUCHET (2004), publicado emLe religieux aprs la religion. Paris: Grasset, 2004 [Depoisda Religio. O que ser do homem depois que a religio deixar de ditar a lei?So Paulo: Difel, 2008];Luc FERRY com Lucien JERPHAGNON (2008), publicado emLa tentation du christianisme.Paris: Grasset, 2009. Veja-se tambm: SMART, J.J.C. / HALDANE, J.J., Atheism and theism.Oxford: Blackwell, 1996; COMTE-SPONVILLE, Andr / FEILLET, Bernard / RMOND,Alain, em Alain HOUZIAUX (dir.):A-t-on encore besoin d`une religion?Paris: Ed. de l`Atelier/ Ed. Ouvrires, 2003. PETERSON, M. L. / VANARRAGON, R. J.: Contemporary Debates inPhilosophy of Religion. Malden / Oxford: Blackwell, 2004. No Brasil podemos citar o debate entreMarilena CHAU e Francisco CATO sobre a EncclicaFides et Ratiode Joo Paulo II, realizadona USP e publicado por Juvenal SAVIAN FILHO, com uma introduo, sob o ttulo:F e razo:

    uma questo atual?So Paulo: Loyola, 2005.

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    j no objeto de controvrsia no campo acadmico moderno. (...) [O] retorno expl-cito do religioso agenda da filosofia e da crtica cultural proporcionado menos pelainstabilidade definicional e conceitual do termo religio do que pela reemergncia dareligio como uma fora altamente ambgua no cenrio geopoltico contemporneo. 3

    verdade que esta onda ainda no atingiu de cheio os departamentosde filosofia das universidades brasileiras, onde prevalece at agora, por umlado, um pudor exagerado na exposio e discusso de posies pessoais sobrequestes existenciais e, por outro, um preconceito ultrapassado a respeito doestatuto no-racional das proposies e prticas religiosas. Destarte, entre ns, sobretudo nos programas de cincias da religio, que a filosofia da religio

    comea a alar voo como disciplina acadmica e a impor-se progressivamenteno meio universitrio, como atestam o sucesso dos congressos de Filosofia daReligio, promovidos pela Associao Brasileira de Filosofia da Religio, derecente criao, e a constituio do Grupo correspondente no seio da ANPOF,bem como o nmero recorde de comunicaes que apresentou no ltimo con-gresso desta entidade.

    Numa primeira aproximao, religio pode ser definida, luz da auto-compreenso dohomo religiosus, como a relao do ser humano para com um

    poder superior, experimentado como sagrado ou divino, do qual ele dependede algum modo juntamente com o seu mundo. A atitude religiosa supe queo sagrado se manifesta como algo fundamental na experincia humana. A reli-gio vem a ser ento, propriamente, a resposta existencial e espontnea do serhumano a esta manifestao. Enquanto reconhecimento da prpria dependn-cia para com o sagrado, tal resposta, condicionada culturalmente, se expressana profisso de f dos mitos e nas prticas cultuais dos ritos, que na sua varie -dade histrica explicam as diferenas das tradies religiosas. Trata-se aqui deuma definio substancial de religio. O fenmeno religioso pode ser conside-rado tambm de um ponto de vista funcional, ou seja, segundo a funo queexerce na vida individual e social. Nessa perspectiva, a religio vista como umsistema de convices e prticas por meio das quais um grupo humano se con-fronta com os problemas globais da existncia. Ela oferece fundamentalmenteum sentido para a vida, i.e. uma perspectiva de realizao plena (felicidade)e uma orientao apropriada para alcanar tal fim. Contudo, as definies

    3DE VRIES, Hent:Philosophy and the Turn to Religion. Baltimore: The Johns Hopkins UniversityPress, 1999,p. 1.6.

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    funcionais de religio, embora expressem uma dimenso constitutiva do fen-meno religioso, por si ss no atingem o seu elemento essencial, a relao doser humano com o sagrado/divino, sem o qual se tornam incoerentes, j que

    a conscincia de tal relao com um poder superior que fundamenta a funoda religio como superao da contingncia.A questo religiosa demasiado central na vida de cada pessoa e na

    histria da humanidade para ser simplesmente ignorada. No possvel refle-tir sobre a condio humana sem se dar conta do fenmeno religioso. Quempretende entender o que o homem no pode deixar de confrontar-se com asconvices e atitudes religiosas e anti-religiosas que se manifestam atravs dostempos. O que est em jogo nem mais nem menos do que o destino pessoal

    e o sentido global da existncia. Trata-se, portanto, no de uma questo mera-mente terica, mas de algo que toca profundamente o interesse existencial decada um.

    Ora, o filosofar autntico no seno a tentativa de pensar metodica-mente a prpria orientao na vida. Neste sentido h uma ntima ligao entrefilosofia e religio. E, de fato, historicamente desde seus albores a filosofiaenvolveu-se radicalmente com a dimenso religiosa da existncia. o que de-monstra p.ex. W. Jaeger na obra marcante A Teologia dos pensadores pr-

    -socrticos.4

    Este pensar inicial, ao mesmo tempo que implica a crtica dosdeuses da mitologia, torna-se uma alternativa, at certo ponto religiosa, reli-gio tradicional, enquanto denomina divino (theion) o princpio ltimo (arch)da realidade, determinado j ento racionalmente. Na verdade, a conexo entreestas duas grandezas, filosofia e religio, perpetua-se ao longo da histria dopensamento. fcil constatar que a reflexo filosfica sempre se ocupou pri-mordialmente com a problemtica desta realidade transcendente, relacionadano contexto da civilizao ocidental, desde o incio da era crist, com o Deus

    nico da revelao bblica.1 A FILOSOFIA DA RELIGIO COMO DISCIPLINA FILOSFICA

    importante notar, porm, que o termo Filosofia da Religio, no seuemprego hoje generalizado, recobre duas maneiras distintas, mas comple-mentares, de abordar a problemtica do sentido ltimo da realidade. A reflexofilosfica pode voltar-se explicitamente ou para a meta transcendente da rela-

    4Die Theologie der frhen griechischen Denker. Stuttgart, 1953.

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    o religiosa ou para o fenmeno religioso em si mesmo como uma dimensoda existncia humana, ao lado de outras como a arte, a moral, a poltica, a cin-cia e a tcnica. No primeiro caso, temos o que se costuma chamar hoje em dia

    tambm de Teologia Filosfica, no segundo a Filosofia da Religio em senti-do estrito. Esta ltima investiga filosoficamente uma realidade propriamentehumana, as expresses religiosas da humanidade, que, podem, alis, ser objetodo estudo de cincias positivas, como a psicologia, a sociologia, a antropologiacultural, a etnologia e a histria. A Teologia Filosfica, porm, no focalizaespecificamente o fenmeno religioso, antes prescinde dele, ao considerar, pelomenos na sua forma tradicional, ainda prevalente, as condies de possibili-dade de aspectos da realidade humano-mundana em geral, para, a partir da,

    chegar ou no afirmao de um princpio transcendente e absoluto de toda arealidade, que identificado ento com o polo divino da relao religiosa. Elase refere, portanto, a uma realidade supra-mundana e trans-emprica, que, pordefinio, no pode ser afirmada nem negada pelas cincias positivas.

    Para uma melhor compreenso do estatuto da Filosofia da Religio e desua problemtica atual, faz-se mister examinar um pouco mais de perto cadauma destas suas modalidades na sua estrutura e na sua histria. Alis, como sever, ainda que as duas vertentes da Filosofia da Religio continuem a ser per-

    corridas de maneira independente, a evoluo da problemtica correspondenteaponta, ao que tudo indica, para uma fuso das duas perspectivas.

    1.1A centrAlidAdedAFilosoFiAdAreligiocomoteologiAFilosFicA

    nopensAmentoocidentAl

    A Teologia Filosfica discute a prpria existncia de uma realidade di-vina e investiga os seus atributos, i.e. a sua natureza ou modo de ser. Ela noreflete sobre uma experincia peculiar, como a do sagrado, mas sobre dados

    comuns e acessveis, sem contestao, a qualquer ser humano, na sua relaoconsigo mesmo e com seu mundo. Ao procurar o sentido ltimo desta realida-de, i.e. a sua explicao cabal, assume tradicionalmente um carter metafsico,enquanto partindo dos fatos da experincia conclui por um processo lgico --dedutivo, mais ou menos explcito, a existncia de um fundamento radical darealidade, seja ele um ente supremo transcendente, seja uma grandeza trans--emprica, mas imanente ao prprio mundo da experincia, identificada p.ex.com a natureza material ou o esprito absoluto, o sujeito racional ou o impulso

    cego da vontade e da vida.

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    Como se viu, iniciada pelos pr-socrticos, esta ref lexo racional sobre oprincpio ltimo da realidade to antiga como a prpria filosofia. Na verda-de, o termo teologia pertence originalmente linguagem filosfica. Arist-

    teles, embora ainda no o empregue na forma substantiva, denomina cinciateolgica (theologike episteme), a sua filosofia primeira (prote philosophia), cha-mada mais tarde de Metafsica, enquanto se refere ao divino (to theion) e noapenas ao ente enquanto ente. 5Esta terminologia se manteve na filosofia gregaposterior. No entanto, com o surgimento do cristianismo, o ttulo teologia,tout court, veio pouco a pouco a designar a reflexo sistemtica sobre a mensa-gem crist luz da f na revelao bblica, em vista da compreenso intelectualde seu contedo, ou seja, de sua interpretao global da existncia humana.6

    Se a especulao dos maiores representantes do pensamento grego, umPlato, um Aristteles, um Plotino, culminava na afirmao de um princpio su-premo divino, a filosofia subsequente, no perodo patrstico e na Idade Mdia,desenvolvida no horizonte da f crist, de modo ainda mais bsico, encara toda arealidade, enquanto criada, na sua relao constitutiva com o Deus criador. Con-tudo s a partir do sculo XIII, especialmente com Toms de Aquino, que alegitimidade da reflexo filosfica sobre Deus, enquanto causa do ente em geral(ens commune), volta a ser reconhecida. O gnio de Toms logra unificarde

    maneira original as duas dimenses da Metafsicaaristotlica, articulando ver-ticalmente o ente enquanto ente (dimenso ontolgica) e Deus, como sua causa(dimenso teolgica). Nesta perspectiva, Deus j no , propriamente, objeto daMetafsica, nem de qualquer saber filosfico, sendo atingido pela razo apenascomo causa absolutamente transcendente do ente em geral, acima de toda com-preenso humana. Este conhecimento explicado atravs da noo tomasiana deanalogia do ser, que se funda, por sua vez, na sua concepo de ser, comoato, ou seja, aquilo que d contedo, inteligibilidade e consistncia essncia de

    todos os entes, enquanto modos limitados de ser. Esta considerao leva-o a de-nominar Deus, enquanto perfeio infinita, de puro ato-de-ser, ou seja, o Sersubsistindo em plenitude absoluta (Ipsum Esse Subsistens).

    A grandiosa intuio de Toms de Aquino no vingou no decurso dopensamento medieval. O processo de desagregao da unidade(ontoteolgi-

    5Metaphysica I, 2 983 8-9; VI, 1 1026a 19. A linha da Metafsica aristotlica que investiga o enteenquanto ente e as propriedades comuns a todos os entes, foi denominada muito mais tarde, nosculo XVII, de ontologia.6Atualmente, o termo se estende tambm ao estudo das doutrinas de outras religies.

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    ca) da Metafsica,7iniciado j por Duns Scoto, com suascientia transcendensecom a univocidade da noo de ser, toma corpo com a primeira exposio sis-temtica da Metafsica, feita pelo filsofo escolstico Francisco Surez, no fim

    do sculo XVI. Surez define a Metafsica como cincia do conceito genera-lssimo de ser, cujo contedo, mnimo, equivale simplesmente a algo possvel,e estudado sem referncia a Deus. A partir da considerao da idia de ser arazo humana volta-se sobre as suas duas modalidades: o infinito (Deus) e ofinito (criatura). Ele subordina assim, a compreenso de Deus ao conceito deser, produzido pela razo humana.

    A concepo suareziana da Metafsica repercutiu decisivamente na gne-se da filosofia moderna. Sob seu influxo, consolida-se a separao entre umaMetafsica geral, chamada ento de Ontologia, porque trata da noo univer-salssima de ser, e uma Metafsica especial, que trata dos vrios modos de ser,entre os quais Deus. Este processo de racionalizao do pensar filosfico sobreDeus teve sua expresso consumada na classificao wolffiana da Metafsica.Christian Wolff, no sculo XVIII, distingue trs tipos de Metafsica espe-cial, segundo as trs idias bsicas da razo: Cosmologia (Mundo), Psicologia(Alma) e Teologia (Deus). a partir deste pressuposto racionalista que Kanttentar mostrar que, por falta da experincia correspondente, a razo tericano capaz de afirmar a realidade do contedo da idia de Deus, i.e. a sua

    existncia. Ele se empenha, ao mesmo tempo, em refutar as provas tradicionaisda existncia de Deus, que classif ica em trs grupos: cosmolgicas (Deus comocausa do mundo), teleolgicas (Deus como explicao do finalismo do mundo)e ontolgicas (a idia de Deus implica a sua existncia).

    neste contexto que a reflexo filosfica sobre Deus recebe os quali-ficativos de Teologia Naturalou Racional, para distingui-la como disciplinaespecfica da Teologia crist, baseada na f. Trata-se de uma das divises daMetafsica especial. Nessa perspectiva, a Metafsica geral estudo o ente enquan-

    to ente ou a idia de ser, ao passo que as Metafsicas especiais dedicam-se investigao dos trs gneros fundamentais de entes: mundo (corpreo), alma(razo, sujeito ou esprito humano) e Deus. Na Teologia Natural Deus abor-dado diretamente atravs da anlise de sua idia, como uma das modalidadesde ente, ainda que privilegiada em virtude de seu carter absoluto e infinito.

    7Como sabido, o carter onto-teo-lgico da Metafsica, desde seu surgimento no pensamentogrego, foi interpretado negativamente por M. Heidegger como o esquecimento do ser, que deuorigem concepo de Deus como ente supremo (o Deus dos filsofos), rejeitada por ele comoinfiel verdadeira atitude religiosa e responsvel pelo niilismo contemporneo. A questo demasiado complexa para ser abordada diretamente nestas pginas.

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    Do que foi dito acima, fica patente a diferena radical entre a TeologiaNatural, enquanto Metafsica especial, e a concepo de Toms de Aquino arespeito da afirmao filosfica de Deus. Neste caso, Deus no o tema pr-

    prio da reflexo metafsica, nem objeto de um conhecimento direto da razohumana, mas reconhecido como fundamento absolutamente transcendenteda realidade humano-mundana, cuja compreenso ultrapassa infinitamente acapacidade de nossa razo. Destarte, a investigao filosfica sobre Deus noconstitui uma disciplina metafsica peculiar. Trata-se antes da dimenso fun-damental da Metafsica, o seu desdobramento final, enquanto reflexo sobreo sentido ltimo da realidade, e, portanto, algo absolutamente central para opensamento filosfico. por isso que, quem adota esta concepo da Teologia

    Filosfica, prefere esta expresso ao termo Teologia Natural, eivado de conota-es racionalistas e prevalente na filosofia moderna.Com efeito, no obstante a ruptura progressiva entre as perspectivas da

    f e da razo, consumada j no Iluminismo, a filosofia modernano abando-nou de modo algum a centralidade da problemtica religiosa, seja como jus -tificao, seja como contestao da existncia de Deus ou das provas aduzidaspara justific-la. O foco nesta questo atinge o seu auge no Idealismo alemo,quando Deus, identificado por Hegel com o esprito absoluto, que se mani-

    festa no seu desdobramento dialtico na histria da razo humana, torna-se otema nico de sua reflexo. Anloga, negativamente, a posio de Nietzsche,que concentra todo o seu pensar na atestao da morte do Deus da metafsicae do fim de seu reinado na mundiviso do homem ocidental.

    No sculo que se segue derrocada dos sistemas idealistas, a metafsicaclssica e sua justificao de Deus, j abaladas pela crtica de Hume e Kant,caem mais e mais em descrdito diante do predomnio avassalador do positivis-mo cientificista, sistematizado por A. Comte, ou mesmo de seus concorrentes

    como o neokantismo lgico, os vrios marxismos, a fenomenologia, a filoso-fia analtica da linguagem e as tendncias existencialistas. Isto no significou,porm, o eclipse total da questo religiosa no pensamento filosfico. Pelocontrrio, ela est bem presente no atesmo combativodo final do sculo XIXe incio do sculo XX, com suas refutaes taxativas de Deus e das crenas reli-giosas com base na viso cientfica do mundo, ou no atesmo postulatriodeum Sartre p.ex. ou dos neopositivistas lgicos, dos estruturalistas, e de tantosoutros, para os quais, por razes diversas, nem tem sentido discutir filosofica-mente o problema de Deus. Mas mesmo aqueles pensadores que, neste pero -

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    do, reconhecem a necessidade de afirmar a suaexistncia, como H. Bergson,Alfred N. Whitehead, Max Scheler, M. Blondel, M. Buber, G. Marcel, K. Jas-pers para nomear apenas alguns dos mais conhecidos deixando de lado as

    provas metafsicas tradicionais, buscam outras vias de acesso e de compreensoda realidade divina. So poucos os nomes, com alguma repercusso no cenriofilosfico, como J. Maritain, que fiis tradio escolstica, especificamente,tomista, valorizada pela Igreja Catlica, mantiveram uma abordagem propria-mente metafsica da questo de Deus.

    Na verdade, porm, a ausncia da temtica religiosana maior parteda produo filosfica mais relevante deste perodo at meados do sculoXX, no se deve convico da insignificncia da questo, mas dificuldade

    de abord-la no contexto da razo moderna. Sintomtica a atitude dos ini-ciadores da Escola de Frankfurt e de sua Teoria Crtica, Max Horkheimer eTheodor Adorno.8Marxistas e ateus confessos, reconhecem o fracasso da razoiluminista, demonstrando, ao mesmo tempo, uma nostalgia indisfarvel pelototalmente Outro, enquanto fonte de esperana diante das contradies da his-tria humana. tambm a esperana, mas agora numa perspectiva puramenteimanente, que leva Ernst Bloch, tambm marxista no-ortodoxo, a interessar--se pela utopia crist.9

    Mais significativo ainda o itinerrio do pensar das duas figuras maisdestacadas do mundo filosfico do sculo XX, L. Wittgenstein e M. Heideg-ger. Como vem sendo reconhecido com crescente evidncia, luz de seus escri-tos publicados postumamente, o problema de Deusconstitui de certo modopara ambos o motivo determinante de todo o seu interrogar. Entretanto,esta preocupao mal aparece nos textos divulgados, especialmente na primeirafase da trajetria de cada um deles. De fato, por caminhos diferentes, ambos seconvenceram dos limites insuperveis da linguagem atual para exprimir a expe-

    rincia do mistrio transcendente. ParaWittgenstein, o mstico, termo queinclui tambm Deus, mostra-se numa experincia fundamental do sentido domundo, ainda que no possa ser dito, na nica linguagem para ele significativana poca do Tractatus. No entanto, na etapa posterior de seu pensamento, coma idia dos jogos de linguagem, a linguagem religiosa pode sim ter um signi-ficado, mas s no interior da forma de vida correspondente, que, sobretudo,

    8Veja-se a obra comum de ambosDialektik der Aufklrung(1947) e a publicao do primeiroZurKritik der instrumentalen Vernunft(1967).9Das Prinzip Hoffnung, 3 vol. (19954-1959).

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    nos tempos modernos restrita a uma minoria de pessoas de f viva. Destarte,uma vez que a expresso da experincia religiosa no acessvel universalmen-te, torna-se invivel uma justificao objetiva de seus contedos. J Heidegger

    considera que na civilizao da tcnica, fase derradeira do pensamento metaf-sico e de seu esquecimento do ser, no h como fazer a experincia do sagradono horizonte do mundo que envolve a existncia humana. Segundo ele, o Deusda metafsica, posto pela razo humana em resposta sua exigncia de sentidoltimo e representado como ente supremo numa linguagem objetivante, traio carter gratuito e misterioso da manifestao do sagrado. Trata-se nem maisnem menos do que de uma caricatura do Deus da verdadeira experincia reli-giosa. Compete ao ser humano predispor-se para uma eventual nova manifes-

    tao do sagrado, para alm do subjetivismo metafsico, mediante um pensarexperiente, capaz de acolher a verdade do ser.

    1.2 A FilosoFiAdAreligionosentidoestrito

    a) O interesse filosfico pelo fenmeno religioso na modernidade

    Antes de traar o quadro da Filosofia da Religio na atualidade, que,alis, resulta em grande parte do impacto do pensamento dos dois autores h

    pouco mencionados, faz-se mister caracterizar a sua outra modalidade bsica,que se contrape Teologia Filosfica, ou seja, a Filosofia da Religio em senti-do estrito. O fenmeno religioso, seu objeto, pode ser abordado filosoficamentesob dois aspectos fundamentais. Tem-se, por um lado, o enfoque, que pode serdenominado eidtico-interpretativo. Trata-se de determinar o que religio,i.e. sua essncia (eidos), ou seja, o que caracteriza o fenmeno religioso como tal,bem como os seus diversos elementos, desde a experincia religiosa na sua feioprpria e nas suas mltiplas formas, at suas diversas expresses na narrao

    mtica e na ao cultual. As caractersticas, que constituem uma realidade comoreligiosa, devem ser comuns a tudo aquilo que merece o nome de religio e, aomesmo tempo, distinguir o fenmeno religioso de outras realidades humanas,como a arte, a magia, a tica, a filosofia, etc. So inmeras as definies quese tm dado de religio. H mesmo quem duvide da possibilidade de defini-la,chamando a ateno para as grandes diferenas que se verificam entre as vriasreligies. Sem aprofundar a questo, deixo aqui consignado apenas que a rejeioda possibilidade de uma definio de religio no se justifica, seno para quem

    professa o nominalismo, a meu ver, tambm inaceitvel. Baste apontar para o

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    fato de que, no obstante a variedade talvez ainda maior de gneros, formas eestilos de arte, geralmente admitido que se trata de uma dimenso bem cir-cunscrita da existncia humana e, portanto, definvel, ainda que por um conceito

    meramente anlogo, como tambm o de religio.O enfoque crtico-valorativo do fenmeno religioso, por outro lado,visa a determinao do valor da religio. Ela pode ser avaliada, primeiramente,em termos ontolgicos, medida que se interroga sobre a verdade e consistn-cia da compreenso que tem de si mesma: Qual o fundamento real do fenme-no religioso? A experincia religiosa atinge efetivamente uma realidade superiorou consiste em um sentimento meramente subjetivo? O divino como termo datranscendncia religiosa existe realmente ou apenas uma projeo do espritohumano? A atitude religiosa pode justificar-se filosoficamente ou fruto de umailuso, que a razo crtica explica, ao reduzi-la s suas razes no-religiosas, i.e.psicolgicas, sociolgicas, etc.? Mas o fenmeno religioso pode ser abordadotambm em termos axiolgicos(tico-antropolgicos): Qual o valor humanoda religio? Ela respeita a dignidade humana? Contribui para o desenvolvimentopessoal e social? fator de libertao e progresso ou de alienao?

    Assaz conhecidas so as crticas de Marx, Nietzsche e Freud, que pre-tendem no s destruir teoricamente os fundamentos da crena em Deus, mastambm demonstrar o seu carter funesto para o indivduo e para a humani-

    dade. Com efeito, ainda que claramente distintas, a questo eidtica e a axio-lgica no so perfeitamente separveis. A discusso da segunda (valor real dareligio) implica necessariamente certa resposta primeira, i.e. o conhecimentodo que religio. Por outro lado, no possvel determinar definitivamente aessncia da religio, sem discutir o fundamento de sua realidade.

    Embora na antiguidade j existam esboos de uma reflexo sobre a re-ligio, especialmente sobre a forma de crtica da religio tradicional (greco-ro-mana), 10a poca antiga e medievalnem conheceu o termo Filosofia da Re-

    ligio nem desenvolveu uma reflexo sistemtica sobre o fenmeno religioso.Isso se explica pelo fato de que nessas sociedades e culturas a religio constituao horizonte da compreenso ltima da realidade, de modo que questionar adimenso religiosa da existncia pessoal e social (polis, civitas), era praticamenteinimaginvel, enquanto equivaleria para o indivduo sair do prprio mundo.

    10P. ex.: o eleata Xenfanes, Evmero, Epicuro e o epicurista latino Lucrcio no seu poema Dererum natura, sem falar das crticas de Plato aos deuses da mitologia. Digna de nota tambm adistino feita pelo escritor latino Varro, mas de razes mais antigas, entre theologia mythica(os mitos religiosos transmitidos sobretudo pelos poetas), theologia naturalis (a reflexo dosfilsofos sobre o divino) e theologia civilis (o culto cvico como religio oficial de cada nao).

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    metafsicas da existncia de Deus, desenvolvida especialmente por Hume eKant. A aceitao da obstruo desta via tradicional para a afirmao filosficade Deus levou a buscar na ref lexo sobre a experincia religiosa uma nova base

    para o conhecimento racional de Deus. o caminho seguido, particularmente,por Schleiermacher.13

    b) Os mtodos da Filosofia da Religio

    Distintos mtodos tm sido empregados para a anlise e caracteriza-o do fenmeno religioso.14De um modo geral, eles podem classificar-se emapriorsticos e aposteriorsticos. Os primeiros partem de idias mais geraissobre o sentido da existncia humana e em funo de tais concepes deter-minam como deve ser a religio, para que satisfaa e esses pressupostos. oque acontece com a obra j citada de Kant A Religio dentro dos limites damera razo (1793). Ele prope uma religio puramente racional, subordinada tica filosfica, enquanto significa o reconhecimento das obrigaes moraiscomo mandamentos divinos, que no so, porm, expresses de uma vontadealheia, mas leis essenciais da vontade livre como tal. Outro exemplo de uma

    abordagem apriorstica a interpretao hegeliana da religio na Fenomeno-logia do Esprito (1807) e no conjunto de seu sistema. Ela j exprime, sob aforma de representao (simblica), o contedo do Esprito absoluto, que,porm, s o saber filosfico compreende de maneira superior e perfeita noconceito (em sentido hegeliano). Trata-se de uma reduo dialtica da reli-gio razo filosfica.

    Os mtodos aposteriorsticos, por sua vez, consideram a religio comoela se manifesta efetivamente na histria da humanidade. Partem, portanto,daquilo que as religies afirmam e praticam (linguagem e comportamento re-ligiosos) e do modo como as pessoas religiosas entendem a sua prpria atitude(autocompreenso). Em outras palavras: tomam a religio como algo j dadoe procuram compreender racionalmente o seu significado, i.e. a lgica internado sistema religioso, em contraposio a outros sistemas socioculturais (p. ex.

    13Na obra da juventude ber die Religion. Reden an die Gebildeten unter ihren Verchtern(1799) e,sobretudo, em suaDialektik, publicada postumamente em 1839.14Cf. SCHAEFFLER, Richard:Religionsphilosophie. Freiburg / Mnchen: Karl Alber, 1983.

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    cincia, poltica), reconhecendo que se trata de um fenmeno original e irredu-tvel tanto razo filosfica como potica.15

    Destaca-se neste mbito o mtodo fenomenolgico. A partir da varie-

    dade dos testemunhos histricos da religio, a fenomenologia procura deter-minar atravs da reflexo sobre cada classe de fenmenos (i.e. sobre o que semostra ou manifesta concretamente) o fundamento da semelhana entre eles.No se trata, portanto, de chegar atravs de um processo de generalizao aalguns traos comuns s mltiplas manifestaes religiosas, mas de descobrira partir de casos particulares a estrutura subjacente que neles se manifestacomo uma unidade articulada de significao e que permite identificar estecaso como tpico de sua espcie, i.e. como exemplo ou variante de uma forma

    universal, que constitui a sua essncia e lhe d esta determinada significao.O mtodo fenomenolgico, elaborado sistematicamente por Ed. Hus-

    serl, foi aplicado ao fenmeno religioso, sem a adoo rigorosa dos pressupos-tos husserlianos. Com efeito, ao contrrio do fundador da fenomenologia, osfenomenlogos da religio recorrem, normalmente, aos resultados de cinciaspositivas, em particular, da histria das religies e da etnologia. Entretanto,eles no permanecem no nvel da descrio comparativa, antes procuram deter-minar, como se disse, a estrutura subjacente ao fenmeno. verdade que nemsempre fcil traar, neste caso, a fronteira entre a mera investigao e anlisecientfica, por um lado, e a abordagem propriamente filosfica dos dados em-pricos, por outro. O motivo que a maioria dos cultores mais conceituadosdeste mtodo dedica-se, em primeiro lugar, pesquisa cientfica, integrando,porm, eventualmente suas observaes e anlises em categorias filosficas, aoapresentar os seus resultados no como meras constataes de fatos, mas comoestruturas essenciais, i.e. necessrias e universais da existncia humana. ocaso p.ex. de Mircea Eliade16e G. van der Leeuw,17ao passo que Max Scheler18e mesmo Rudolf Otto19 procedem basicamente como filsofos. Alis, algo

    15Os autores que desenvolvem este tipo de Filosofia da Religio, embora respeitem a especificidadedo fenmeno religioso na determinao da sua essncia, podem aceitar ou no o valor da Religio(aspecto crtico), seja em termos ontolgicos (realidade puramente imanente da Religio outranscendncia do seu objeto), seja em termos ticos (valor humano da Religio).16Das Heilige und das Profane[O Sagrado e o Profano], 1957 e vrias outras obras.17Phnomenologie der Religion[Fenomenologia da Religio], 1933, 19562.18Vom Ewigen im Menschen[Sobre o eterno no ser humano], 1920.19Das Heilige[O Sagrado], 1917.

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    anlogo acontece no campo de outras cincias humanas, como a psicologia e asociologia. Tambm Freud e Jung, ou Durkheim e Niklas Luhmann, emborautilizem a metodologia cientfica, tendem a fazer afirmaes no campo reli-

    gioso e em outros, que, por seu carter filosfico, extrapolam os limites dosmtodos adotados.

    Outro mtodo empregado amplamente na Filosofia da Religio a an-lise da linguagem. A Filosofia Analtica substitui a questo filosfica tradicio-nal sobre a essncia das coisas pela questo sobre os procedimentos lgicosatravs dos quais o significado das palavras estabelecido e/ou clarificado. Nocampo da Filosofia da Religio a questo qual o sentido da Religio? respondida atravs da investigao sobre problemas, como: Que tipo de lin-guagem empregado nas expresses religiosas? Com que critrios se podedeterminar se o discurso religioso significa algo e se refere a algo real, ou seno tem nem significado nem referente? A anlise da linguagem foi utilizadapelos neopositivistas de Viena e de Oxford para demonstrar que as proposiesda linguagem religiosa so estruturalmente incapazes de referir-se a algo real eexpressar algo signif icativo. o caso de R. Carnap, 20A. J. Ayer,21e A. Flew.22Entretanto, o princpio de verificabilidade, que invocavam para justificar sua

    posio, foi inteiramente abandonado ao cair sob o fogo certeiro, sobretudo,de K. Popper e de L. Wittgenstein. Este, como j se disse, na sua obra Phi-losophische Untersuchungen [Investigaes filosficas], 1953, mostrou, que o

    20Scheinprobleme in der Philosophie[Falsos problemas na filosofia], 1928.21Language, Truth and Logic[Linguagem, Verdade e Lgica], 1936 e The Central Questions of

    Philosophy[As questes centrais da filosofia], 1973.22New Essays in Philosophical Theology(ed. com A. MacIntyre), 1955. Neste livro foi publicadoseu artigo de 1950 Theology and Falsification, muito difundido, no qual procura demonstrar o

    carter no-significativo da linguagem religiosa. Flew defende tambm o atesmo p.ex. em God andPhilosophy(1966) [reedies em 1986 (com novo prefcio) e 2005 (texto alterado segundo suasnovas convices)] e ThePresumption of Atheism (1984). Em 2007 aparece There is a God. Howthe World`s Most Notorious Atheist Changed His Mind [Deus existe. Como o mais famosoateu do mundo mudou de opinio], escrito em colaborao com Roy Abraham Varghese. O livroprovocou grande controvrsia, tendo sido o co-autor acusado de falsificao do pensamento deFlew, que j estaria mentalmente incapaz. Entretanto, o prprio filsofo, explicou que, emboratenha sido redigido quase inteiramente por Varghese, o livro reproduzia suas idias. De fato, vriosoutros testemunhos demonstram que Flew desde 2004, aos 81 anos, aderiu conscientemente aodesmo (no ao tesmo cristo), em virtude da convico de que a evoluo da vida no podiaser explicada naturalisticamente, mas exigia uma inteligncia ordenadora do universo, emtermos semelhantes crena de Einstein numa inteligncia ordenadora do universo e ao designargument, como explicao do processo evolutivo.

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    significado da linguagem dado no seu uso e que h muitas formas (jogos)de linguagem alm da proposicional, cada uma com suas regras prprias, quepermitem verificar quando uma expresso significativa. Segundo ele a Reli-

    gio uma forma de vida qual corresponde um jogo de linguagem peculiar,que significativo apenas para quem participa de tal forma de vida, sendo, por-tanto, incomensurvel com o conhecimento cientfico. 23Esta nova perspectivafoi aplicada linguagem religiosa, entre outros, por I. T. Ramsey. 24

    Finalmente, o mtodo transcendental, de inspirao kantiana, inves-tiga as condies de possibilidade da experincia, i. e. os elementos que soimplicitamente conhecidos em todo exerccio da inteligncia e fundamentam oconhecimento explcito dos objetos. Aplicado ao fenmeno religioso, o mto-do transcendental mostra como a religio realiza expressamente, a seu modo, atranscendncia implicada em todo exerccio do conhecimento. As diversas reli-gies se distinguem entre si pela maneira como expressam o termo desta trans-cendncia e a relao do ser humano para com ele. Nesta perspectiva, mas emcontraposio a Kant, Friedrich Schleiermacher25e Ernst Troeltsch26explicama religio a partir de um apriori religioso, constitutivo do esprito humano. Omtodo transcendental tambm aplicado interpretao do fenmeno reli-

    gioso pelos neokantianos da Escola de Marburg, Hermann Cohen27e Paul Na-torp28e, luz de sua teoria das formas simblicas, por Ernst Cassirer.29Numa

    23O principal texto explcito de WITTGENSTEIN sobre Religio foi publicado sob o ttuloLectures on Religious Belief [Aulas sobre crena religiosa], em Cyril Barrett (ed): Lectures andConversations on Aesthetics, Psychology and Religious Belief. Oxford: Basil Blackwell, 1966, p.53-72.Trata-se de notas de aulas tomadas por alunos.24Religious Language. An Empirical Placing of Theological Phrases (1957) [Linguagem religiosa.Uma contextualizao emprica de frases teolgicas] e outras obras na mesma linha.25Ver nota n.13.26Psychologie und Erkenntnistheorie in der Religionswissenschaft. Eine Untersuchung ber dieBedeutung der kantischen Religionsphilosophie fr die heutige Wissenschaft [Psicologia e Teoriado conhecimento na cincia da religio. Uma investigao sobre o significado da filosofia dareligio de Kant para a cincia atual], 1905. Troeltsch (1865-1923) expe suas idias sobre estetema tambm em vrios artigos, reunidos nos Gesammelte Werke.27Der Begriff der Religion im System der Philosophie(1915) [O conceito de religio no sistema dafilosofia] eDie Religion der Vernunft aus den Quellen des Judentums(1919) [A religio da razo luz das fontes do judasmo]. Estas obras tiveram bastante repercusso na poca e voltaram a servalorizadas ultimamente.28Religion innerhalb der Grenzen der Humanitt[Religio nos limites da humanidade], 1908.29 Sprache und Mythos. Ein Beitrag zum Problem der Gtternamen [Linguagem e mito. Umacontribuio ao problema dos nomes dos deuses], 1925.

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    linha transcendental-ontolgica, enquanto, ao contrrio de Kant, admitem queas condies de possibilidade da experincia no constituem simplesmente es-truturas do sujeito, mas se referem prpria realidade conhecida, interpretam

    a afirmao religiosa de Deus, pensadores catlicos, adeptos de tomismo trans-cendental, como K. Rahner,30J.B. Lotz,31B. Welte,32e R. Schaeffler.33

    2 PANORAMA ATUAL DA FILOSOFIA DA RELIGIO

    Como se mostrou no incio deste artigo, a filosofia da religio constituium dos setores mais vivos do pensamento filosfico contemporneo. O inte-resse filosfico pelo tema acompanha a exploso da religiosidade nos ltimos

    decnios. Maio de 1968 a data mgica, de uma transformao poltica ecultural, tica e comportamental, simbolizada pela revolta dos jovens em Paris,que se prolonga nos Estados Unidos com o Festival de Woodstock (agosto de1969), expresso do novo movimento hippie. A mentalidade ps-moderna,anunciada por estes eventos, com sua espontaneidade, seu pacifismo, sua exal-tao da natureza, a liberao de todas as convenes, abriu tambm o cami-nho para o retorno da religio. Com efeito, a nova cultura resulta do colapsodas grandes narrativas, 34prprias da modernidade. Os sistemas ideolgi-cos, explicativos do conjunto da realidade, como o marxismo, o cientificismo,o mito do progresso, tinham um carter imanentista e, portanto, ateu. Seudescrdito, a decepo com suas promessas, levou a uma nova busca de sen-tido para a existncia, no mais baseado em racionalizaes abstratas, nemfornecido pelas instituies polticas ou religiosas tradicionais, mas apoiado naexperincia individual. 35A nova abertura para o transcendente, conseqncia

    30Hrer des Wortes. Zur Grundlegung einer Religionsphilosophie (1941).31P.ex.: Vom Sein zum Heiligen. Metaphysiches Denken nach Heidegger (1990).32P.ex.:Auf der Spur des Ewigen. Philosophische Abhandlungen ber verschiedene Gegenstnde derReligion und der Theologie (1965),Religionsphilosophie(1978), Gott und das Nichts. Entdekungenan den Grenzen des Denkens (2000) [coletnea de artigos, publicada postumamente].33Religion und kritisches Bewusstsein (1973), Fhigkeit zur Erfahrung. Zur transzendentalenHermeneutik des Sprechens von Gott (1982),Religionsphilosophie(1983).34 Expresso cunhada por Jean-Franois LYOTARD, na sua obra La condition postmoderne.Rapport sur le savoir (1979), para designar as ideologias prprias da modernidade.35 o que constata p.ex. Graham Ward: I wish to argue that with postmodernism God emergesfrom the white-out nihilism of modern atheism and from behind the patriarchal masks imposedby modernity`s secular theology. The emergence of the postmodern has fostered post-secularthinking thinking about other, alternative worlds. (WARD, Graham (ed): The Postmodern God.A Theological Reader. Oxford: Blackwell, 1997, Introduction, p. xxi-xxii).

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    da insatisfao com o mundo moderno, assume duas expresses religiosas,aparentemente contrrias. De um lado, trata-se da busca de segurana, de umponto de apoio firme para a existncia pessoal, diante do relativismo e do ra-

    cionalismo crtico do pensamento moderno, fundamento este encontrado naadeso cega a doutrinas religiosas, de carter subjetivo e sentimental. A outraforma de religiosidade, mais propriamente ps-moderna, anseia por transgre-dir os limites da racionalidade e funcionalidade modernas mediante experin-cias inditas de comunho com o todo (holismo mstico).

    Atribuo, portanto, ps-modernidade, entendida como a expresso damentalidade contempornea, no tanto como uma posio filosfica, a prin-

    cipal responsabilidade, seja pelo surto religioso da atualidade, seja pela novavoga da Filosofia da Religio. neste contexto, que se deve compreendera situao da Filosofia da Religio no panorama filosfico do incio do novomilnio, bem como as principais tendncias que a representam.

    2.1 AtuAlidAdedAFilosoFiAdAreligionomundodelnguAinglesA

    Certamente, h correntes importantes do pensamento moderno, como

    a Filosofia da Mente (Philosophy of Mind) que do pouca ou nenhuma aten-o questo religiosa. Esta observao pode estender-se a alguns dos no-mes mais famosos da Filosofia Analtica, em geral, que dominaram o cen-rio filosfico anglo-americano no ltimo quartel do sculo XX, como PeterStrawson, W.V.O. Quine, Donald Davidson, John Searle, Richard Rortye, mais recentemente, John McDowell e Robert Brandom. No s no tra-taram do assunto, mas, ao que tudo indica, se consideraram como ateus ouagnsticos. Mesmo alguns representantes bem conhecidos desta linha de

    pensamento, como Michael Dummett, Hilary Putnam e Saul Kripke, quese declaram publicamente religiosos, o primeiro, catlico, os dois outros,judeus, no deram qualquer contribuio Filosofia da religio.36J ThomasNagel, um dos mais respeitados filsofos analticos na rea da Filosofia da

    36PUTNAM, depois de emrito, escreveu Jewish Philosophy as a Guide to Life: Rosenzweig, Buber,Levinas, Wittgenstein (2008), obra que, entretanto, no tem qualquer conexo com seus outrosescritos filosficos.

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    Mente e da Filosofia Social,37acaba de publicar em 2009 uma coletnea comartigos recentes sobre a religio.38

    As observaes precedentes no anulam a afirmao feita de incio a res-

    peito da voga da Filosofia da Religio. De fato, pululam atualmente as publi-caes e debates sobre questes religiosasno campo da filosofia de lnguainglesa. Uma das correntes mais florescentes a Epistemologia Reformada(Reformed Epistemology), que se consagra questo da racionalidade da f, i.e.do tesmo cristo, afirmando que as proposies sobre Deus, fundadas na ex-perincia religiosa, podem ser justificadas imediatamente para quem cr, inde-pendentemente de sua demonstrao a partir de outras verdades, na medida emque so to evidentes quanto outras percepes, aceitas universalmente comoverdadeiras, p.ex. a existncia de outros seres humanos, alm do prprio su-jeito. Principais defensores desta posio so, apesar de suas diferenas, AlvinPlantinga39e William Alston.40

    Outra linha bem presente na discusso filosfica contempornea de ln-gua inglesa a representada por discpulos de Wittgenstein, como RushRees, Peter Winch e, sobretudo, D. Z. Phillips. 41Eles procuram desenvolvercertas intuies do mestre, na linha de uma concepo da religio, que foi

    tachada por seus crticos de fidesmo, enquanto s seriam compreensveis nointerior da forma de vida religiosa. 42Na verdade, o que eles parecem quererdizer que as afirmaes religiosas no equivalem a uma descrio de fatos,como as proposies cientficas, mas exprimem a convico ou f dos que asproclamam. Outros conhecidos cultores da Filosofia da Religio na tradio

    37Veja-se p.ex.The Possibility of Altruism (1970);The View from Nowhere (1986); Equality andPartiality (1991).

    38Secular Philosophy and the Religious Temperament 2002-2008.39Lgico conceituado, autor de vrias obras sobre a questo da racionalidade da f, desde God andOther Minds(Cornell University Press, 1967) at Warranted Christian Belief(Oxford UniversityPress, USA, 2000).40 P.ex.: Perceiving God. The Epistemology of Religious Experience(1991) e Epistemic Justification.

    Essays in the Theory of Knowledge(1996).41 Intrprete de Wittgenstein, publicou, entre outros estudos sobre a religio: Religion without

    Explanation(Blackwell, 1978), Faith after Foundationalism(Routledge, 1988), Wittgenstein andReligion(Macmillan, 1994),Religion and the Hermeneutics of Contemplation(Cambridge UniversityPress, 2001).42A discusso entre Kai Nielsen e D. Z. Phillips, o primeiro afirmando e o segundo negando ofidesmo de Wittgenstein, encontra-se em: Wittgensteinian Fideism?London, SCM Press, 2005.

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    analtica, mas de forma independente, so Anthony Kenny, John Haldane,43Richard Swinburne,44Philip Quinn,45W. Lane Craig46, Peter van Inwagen47eBrian Davies,48todos eles adeptos do tesmo cristo. Lugar a parte ocupa-

    do por John Hick, cujas obras sobre a racionalidade da f e sobre a relao docristianismo com as outras religies tm tido ampla divulgao. 49Na posio contrria, John Mackie50e William Rowe51baseiam-se so-

    bretudo no problema do mal, para refutar os monotesmos. Entre os propug-nadores de um atesmo amigvel52na Filosofia Analtica destaca-se tambmMichael Martin. 53Ao contrrio, tem surgido nos ltimos anos um atesmoviolento e combativo, aparentemente como reao influncia poltica dofundamentalismo religioso, principalmente nos Estados Unidos. A maior par-

    te dos promotores desta campanha, como Sam Harris,54

    neurocientista, eChristopher Hitchens, 55jornalista, no so filsofos profissionais. IgualmenteRichard Dawkins, cuja obra Deus um delrio alcanou grande sucesso tam-bm no Brasil, 56trocou sua carreira de bilogo eminente pela de panfletistaantireligioso. Exceo, neste sentido, Daniel Dennett, ateu militante, masconceituado filsofo, sobretudo no campo da Filosofia da Mente, no qual de-fende um estrito fisicalismo. 57

    43

    Veja-se p.ex.Atheism and Theism(1996), debate com J.J.C. Smart, eReasonable Faith(2010).44 conhecida sobretudo a sua trilogia: The Coherence of Theism (1977), The Existence of God(1979, 22004),Faith and Reason (1981, 22005).45Essays in the Philosophy of Religion(2006), coletnea de artigos publicada postumamente.46 The Kalam Cosmological Argument (1979) e Reasonable Faith (1994), entre muitas outrasprodues em defesa do tesmo.47God, Knowledge and Mistery(1995), The Problem of Evil(2006).48Principais publicaes:Introduction to the Philosophy of Religion(1982) e The Reality of God andthe Problem of Evil(2006).49 P.ex.: Faith and Knowledge (1957), The Philosophy of Religion (1963) e An Interpretation of

    Religion. Human responses to the Transcendent (1989).50The Miracle of Theism: Arguments for and Against the Existence of God(1982).51P.ex.: The Cosmological Argument(1978) e Can God Be Free?(2004).52A expresso de W. Rowe.53Entre outras obras,Atheism and Philosophical Justification(1989) e The Improbability of God(2006).54The End of Faith(2004) eLetter to a Christian Nation(2006).55God is Not Great. How Religion Poisons Everything(2007) [Deus no grande: Como a Religioenvenena tudo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007]56The God Delusion(2006) [Deus um delrio. So Paulo: Companhia de Letras, 2007].57Veja-se, em particular, Darwin`s Dangerous Idea: Evolution and the Meaning of Life (1996) e

    Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon(2006).

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    De um modo geral, no mundo de lngua inglesa, onde predomina o pen-samento marcado pela tradio analtica, a Filosofia da Religio se caracterizapelo rigor lgico da argumentao e a discusso explcita das opinies dos

    adversrios, seja em peridicos, seja em coletneas de debates entre detentoresde posies contrrias sobre a mesma questo. 58Do ponto de vista temtico,os estudos focalizam com frequncia as provas da existncia de Deus, discu-tindo as condies racionais de sua afirmao. H no poucos estudos sobre osargumentos ontolgico, cosmolgico e teleolgico, bem como sobre a objetivi-dade da experincia religiosa e sua capacidade de justificar a afirmao de Deus.Tambm a consistncia lgica dos atributos divinosna viso testa tradicional,onipotncia, onicincia, transcendncia e liberdade, objeto de escrutnio. Neste

    contexto, o problema do mal atrai igualmente a ateno. Do exposto se con-clui que a reflexo filosfica atual no mbito anglo-americano se apresenta maiscomo Teologia Filosfica do que como Filosofia da Religio em sentido estrito,ultrapassando no raro o tradicional empirismo para revestir um carter lgico--metafsico. No obstante, curiosamente, so debatidas filosoficamente, no mes-mo estilo, questes internas ao cristianismo, como a doutrina da ressurreioou a sua alegao de ser a nica religio verdadeira.59

    2.2 correntescontemporneAsdA

    FilosoFiAdAreligionombitoeuropeu

    Bem diversa sob vrios aspectos a situao atual da Filosofia da Re -ligio no pensamento europeu, especialmente alemo e francs, chamado decontinental, para distingui-lo da tradio filosfica inglesa e norte-americana.Tambm nele se observa um redobrado interesse pela temtica religiosa. En-tretanto, num contexto prevalentemente ps-metafsico a investigao sevolta sobre a religio e, particularmente sobre o cristianismo, como fenmeno

    cultural determinante da civilizao ocidental e no tanto como via de acessoao conhecimento do Deus do monotesmo e da tradio filosfica ocidental.Influenciada fortemente pelo pensamento de Nietzsche e de Heidegger, areflexo filosfica contempornea no mbito europeu, numa perspectiva prio-ritariamente fenomenolgica e hermenutica, parte em geral da contestaoradical da modernidade, mas tira deste pressuposto concluses divergentes.

    58 PETERSON, M. L / VANARRAGON, R. J. (ed): Contemporary Debates in Philosophy ofReligion. Oxford / Malden, Ms: Blackwell, 200459Veja-se p. ex. a obra j citada na nota precedente.

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    Numa primeira linha, a herana heideggeriana assumida luz do pen-samento de Nietzsche, numa perspectiva imanentista e niilista, contrria, naverdade, s intenes do f ilsofo da Floresta Negra. o caso p.ex. de Gilles

    Deleuze,60

    com seu empirismo transcendental de carter imanente e mo-nista, e mais recentemente de um dos principais tericos do ps-modernismoJean Baudrillard, 61ambos imprvios a qualquer problemtica expressamen-te religiosa. J nos escritos do semilogo estruturalista Roland Barthes e dopsicanalista freudiano Jean Lacan encontra-se uma reflexo filosfica que,embora recusando qualquer afirmao de Deus, acaba por envolver-se ir-remediavelmente com sua problemtica. Barthesp.ex. chama a ateno parao desejo do Neutro, como a suspenso das oposies, um escolher no es -

    colher, recorrendo experincia mstica de um Boehme e aos mestres do Tao,para falar de algo que escapa apreenso intelectual e no se deixa abordarseno por um exerccio de interioridade. 62Lacan, por sua vez, d testemunhono simplesmente da morte de Deus, mas do que se pode chamar de sua vidapersistente e seu papel constitutivo na estruturao de nossa linguagem. Se-gundo ele, o homem ocidental continua inconscientemente a amar, questionare odiar esse Deus ausente, supostamente ilusrio, mobilizando este sentimentocontraditrio para promover o amor a si mesmo e ao prximo, como algo vital

    para a vida pessoal e social.63

    Mais explcito no seu confronto com as origenscrists da cultura ocidental Jean-Franois Lyotard, que descreveu, por pri-meiro, a condio ps-moderna. 64Ele v em Paulo e na sua contraposioao judasmo com as ideias de emancipao da lei e das convenes culturais(no h homem nem mulher, escravo nem livre) e de universalismo (no hjudeu nem grego) atravs da recapitulao de tudo em Cristo e no seu Deus, aorigem dos ideais do Iluminismo e das Grandes Narrativas da modernidade,com suas consequncias funestas para a humanidade. 65Por outro lado, em sua

    obra pstuma e incompleta sobre as Confissesde S. Agostinho, mantendo arejeio da metafsica, como acesso especulativo a Deus enquanto princpio de

    60Diffrence et rptition(1968) eLogique du sens(1969).61P.ex.:La pense radicale(1994).62Le Neutre. Cours au Collge de France 1977-78 (2002), publicao pstuma.63Cf. KEARNS, Cleo McNelly: Jacques Lacan (1901-1980) Introduction, in: WARD, Graham:The Postmodern God. A Theological Reader. Oxford: Blackwell, 1997, p.30-31.64La condition postmoderne: rapport sur le savoir(1979).65Un trait d`union(1993).

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    explicao do mundo, ele reconhece uma experincia metafsica pr-reflexivado Absoluto, identificado com Deus por Agostinho, que irrecusvel e fundao pensamento, sem, no entanto, poder jamais ser plenamente conscientizada. 66

    O interesse deste autor pelo apstolo Paulo compartilhado, curiosa-mente, por vrios outros filsofos contemporneos que veem nele uma das pi-lastras da civilizao ocidental. Divergindo, porm, de Lyotard, Alain Badiouconsidera positivamente a ruptura de Paulo com o carter particularista e tni-co da religio judaica, valorizando a sua proposta de uma civilizao universal.Ele no analisa as propostas de Paulo na perspectiva da Filosofia da Religio,mas do ponto de vista meramente histrico-cultural. 67De fato, o pensamentode Badiou radicalmente ateu. Ele prope como tarefa da filosofia a destitui-

    o final do Deus da religio, da filosofia e da poesia, o que significa renunciarao pensar da finitude, que no seno o vestgio da sobrevivncia do infinitodivino. 68J o italiano Giorgio Agamben, numa exegese da Carta de Pauloaos Romanos,69v no apstolo, no o fundador do cristianismo, mas, ao con-trrio, o representante mais radical do messianismo hebraico, entendido comoo infinito adiamento, uma espera que jamais termina. Segundo ele, Paulo nonega a lei, mas apenas critica sua separao em relao f, separao que aenrijece e a converte em um sistema de pura normatividade. De fato, Paulo no

    teria proposto um crer que, assertivo, que ope verdadeiro/falso, mas umcrer em (Jesus Cristo), no qual a pessoa se envolve naquilo que diz. No mun-do atual a situao semelhante, de modo que voltar a compreender a lei nestaperspectiva a nica maneira produtiva de repensar o poltico no mundo atual.

    ainda sob o prisma polticoque o filsofo marxista esloveno Sla-voj Zizekaborda o Novo Testamento, interessado no potencial emancipatriodo cristianismo. 70A autntica tradio crist, recorda ele, citando a PrimeiraCarta de Paulo aos Corntios, contra a sabedoria do mundo. Rejeitando a

    aceitao realista das coisas como so, em particular, a ideia da inutilidade de66La Confession d`Augustin(1998). Veja-se a este propsito TROOSTWIJK, Chris Doude van:Les confusions d`Augustin ou la conversion inachevable. Lyotard lecteur des Confessiones, in:

    Labyrinth, vol.2, Winter 2000. Disponvel em: . Acesso em: 02/12/2011.67Saint Paul: la fondation de l`universalisme(1997).68Court trait d`ontologie transitoire (1998), p.20.69Il tempo che resta. Un commento alla Lettera ai Romani (2000). A idia de referir Paulo, notanto ao futuro cristo, como ao passado judaico, foi sugerida a Agamben pela obra de TAUBES,Jacob:La thologie politique de Paul:Schmitt, Benjamin, Nietzsche et Freud (1999).70The Fragile Absolute: Or Why is the Christian Legacy Worth Fighting for? (2000).

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    nossos esforos para melhorar o mundo, a atitude crist consiste em acreditarno impossvel. Com isso promove uma poltica radical que desafia a ordemsocial dominante. O amor cristo, em particular, loucura: do ponto de vista

    poltico, ele se apresenta como fundamento de uma ordem social igualitria.Interessante tambm seu debate com o influente telogo anglicano JohnMilbank, no qual eles confrontam suas interpretaes da verdade fundamentaldo cristianismo: Deus que se torna humano.71Paradoxo para o cristo, dialti-ca na viso hegeliana, manifestao do transcendente no seu amor infinito ouproposta de autolibertao da humanidade, a diferena radical entre os con-tendores se estabelece, entretanto, sobre o pressuposto comum da rejeio doracionalismo metafsico moderno e da sua expresso suprema, o capitalismo

    global. Trata-se de decidir qual o caminho mais vlido para a superao doniilismo contemporneo.Com a atribuio do absoluto frgil ao cristianismo, Zizek est re-

    propondo a ideia do pensamento dbil, cara ao mais famoso ps-modernistaitaliano Gianni Vattimo. Este avalia de modo geral positivamente o surtocontemporneo do fenmeno religioso.72O pensamento moderno, com seupressuposto imanentista, havia negado arbitrariamente qualquer validade experincia religiosa. Sua superao ofereceu a oportunidade do surgimento

    de uma nova religiosidade. Com efeito, a experincia religiosa do homem ps--moderno j no se refere a uma entidade eterna e transcendente, o Deus dametafsica e do tesmo tradicional. Trata-se antes de algo afim ao Deus cristo,que se esvazia de seu poder a kenosis da qual fala Paulo aos Filipenses para inserir-se na histria e assumir a fragilidade da condio humana. Nestesentido, o cristianismo, depois da cristandade, que ele prope, renunciandoa verdades dogmticas e a instituies autoritrias, consistir basicamente naprtica do amor.

    Mais um filsofo que se debrua sobre o fato cristo, na convico deque ele determinou e continua a determinar a tradio filosfica ocidental Jean-Luc Nancy. Na sua obra recente La dclosion, 73ele procura descons-truir de uma s vez as heranas da religio e da filosofia, a fim de libertar esta

    71ZIZEK, Slavoj / MILBANK, John: The Monstrosity of Christ: Paradox or Dialectic? (ed. porCreston Davis) (2000). Veja-se tambm a nova obra conjunta dos mesmos autores Paul s New

    Moment: Continental Philosophy and the Future of Christian Theology (2010).72Dopo la cristianit. Per un cristianesimo non religioso (2002) [Depois da cristandade: por umcristianismo no religioso. Rio de Janeiro: Record, 2004].73La dclosion(Dconstruction du christianisme 1) (2005).

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    ltima de sua clausura metafsica. Rejeitando tesmo e atesmo como expres-ses equivalentes do pensamento metafsico, que afirma ou nega Deus comoprimeiro princpio da realidade, e como razes do niilismo contemporneo, ele

    advoga a abertura da razo ilimitao, que constitui a sua verdade, a um forado mundo a partir da prpria imanncia mundana, um outro, reconhecidopela razo, no como exigncia de sentido, mas como f, a f da razo, quenada tem de religiosa. O humanismo hoje agonizante, que surgiu do Iluminis-mo, deve ser recuperado por um novo pensar do homem na sua integridade,do homem e nada mais.

    Nancy se reconhece devedor deJacques Derrida, um dos mais influen-tes pensadores do final do sculo XX. Na ltima dcada de sua vida, o filsofo

    da desconstruo preocupou-se ativamente com o fenmeno religioso.74

    Eleconsidera que a religio autntica impossvel sem incerteza. Qualquer queseja a imagem de Deus, proposta pelas diferentes religies, ele jamais poderser conhecido perfeitamente e representado adequadamente pelo ser humano.A religio no fornece o conforto de fundamentos seguros. Pelo contrrio, ela profundamente perturbadora enquanto coloca o ser humano diante de ummistrio que ele no capaz de dominar e controlar. Portanto, ao criticar a fcega, ele no propugna a descrena, mas uma f aberta incerteza e ao respeito

    para com os que pensam diferentemente.Posio algo distinta das descritas at agora representada por um gru -po de filsofos franceses, muito lidos atualmente, inclusive no Brasil, cujosprincipais representantes so Luc Ferry 75e Andr Comte-Sponville. 76Noobstante se declarem expressamente ateus, sua principal preocupao salva-guardar os valores prprios do humanismo ocidental, cuja origem crist reco-nhecem abertamente. Neste sentido, defendem a idia algo contraditria deuma transcendncia na imanncia, capaz de proporcionar uma religiosidade

    sem Deus ou uma espiritualidade atia. Para tanto, procuram estabelecer umaterceira via entre o materialismo crasso e a afirmao de um ser supremo trans-

    74A reflexo mais aprofundada de Derrida sobre a religio, encentra-se em Foi et savoir: Les DeuxSources de la religion` aux limites de la simple raison, in: DERRIDA, J. / VATTIMO, G.:La

    Religion, Paris: Seuil, 1996. [A Religio. So Paulo: Estao Liberdade, 2000]. Outra obra quetoca de algum modo no assunto Sauf le nom (1993) [Salvo o nome. Campinas: Papirus, 1995].75L`Homme-Dieu ou le sens de la vie(1996) [O Homem-Deus ou o sentido da vida. So Paulo:Difel, 2007].76L`esprit de l`atheisme (Introduction une spiritualit sans Dieu) (2006) [O Esprito do Atesmo:Introduo a uma espiritualidade sem Deus. So Paulo: Martins Fontes, 2007].

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    zo humana equivale a destitu-lo de sua infinitude. Na verdade, segundo ele, anica maneira para o ser humano de referir-se, por si mesmo, a Deus indire-ta, ou seja, d-se na experincia da responsabilidade tica pelo reconhecimento

    do absoluto do outro ser humano, enquanto nele se encontra um vestgio doinfinito divino. A conscincia deste vestgio uma experincia fugidia, emboramarcante, que, de qualquer modo, no pode ser objetivada.

    Influenciado diretamente por Husserl e Heidegger, como Levinas, mastambm por este ltimo,Jean-Luc Mariontem desenvolvido uma reflexo in-dependente tambm no campo da Filosofia da Religio. Sugesto de Levinas,elaborada com o apoio do pensamento do Pseudo-Dionsio, parece ser a recusade Marion de considerar Deus no mbito do ser, preferindo para design-lo os

    nomes de bem e de amor.77

    S assim seria respeitada a transcendncia divina.Mais recentemente, ele tem procurado mostrar que a epochehusserliana noexclui o conhecimento de uma realidade transfenomenal. Para tanto, elaboroua teoria do fenmeno saturado, ou seja, um fenmeno no qual a intuioproporciona mais do que aquilo que a inteno poderia visar e prever. Tal o caso da revelao divina. Ela fornece uma certeza negativa a respeito dono-visvel. Com efeito, continua ele, preciso superar a equivalncia entrecerteza e objetivao. Pode-se estar certo de algo sem necessariamente conse-

    guir objetiv-lo.78

    Outros representantes destacados do movimento, que Dominique Ja-nicaud chamou de a virada teolgica da fenomenologia francesa, 79 soMichel Henry, 80 Stanislas Breton,81 Jean-Yves Lacoste,82 Jean Greisch,83 ePhilippe Capelle.84Entretanto, um dos maiores filsofos franceses da segun-da metade do sculo XX, profundamente cristo, Paul Ricoeur, altamenteversado na fenomenologia hermenutica, pouco escreveu ou publicou sobre

    77Dieu sans l`tre(1982).78Du surcrot. tudes sur les phnomnes saturs (2004), Le visible et le rvl (2008), Certitudes

    ngatives(2011).79Le tournant thologique de la phnomnologie franaise(1991).80C`est moi la vrit. Pour une philosophie du christianisme(1996) [Eu sou a verdade: cristianismocomo filosofia. Lisboa: Vega, 1998].81Philosophie et mystique, existence et surexistence (1996),L`avenir du christianisme(1999).82Exprience et absolu: Questions disputes sur l`humanit de l`homme (1994),La phnomnalit

    de Dieu: Neuf tudes (2008).83Le Buisson ardent et les Lumires de la Raison: L`invention de la Philosophie de la Religion, 3 vol(2002-2004).84Finitude et mystre(2005).

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    questes propriamente religiosas, tratadas de um ponto de vista filosfico.85Certamente, ele manifesta ao longo de toda a sua obra uma nostalgia pe-los valores espirituais e pela dimenso sagrada da existncia, experimentados

    pelos povos primitivos, mas esquecidos na era tecnolgica. Ele cr que nasperiferias da razo calculadora moderna h aberturas para a transcendncia,que podem ser atualizadas. A recuperao do poder do mito e do smbo-lo possvel mediante uma auto-crtica na perspectiva hermenutica, capazde descobrir traos do sagrado, em particular, no mundo do texto (p.ex.bblico).86Nesta segunda ingenuidade (naivit), depois da distncia crtica,os conceitos religiosos so entendidos como smbolos, na plena responsabili-dade do pensamento autnomo.87

    Convm ainda citar brevemente no mbito francs dois autores, que noso filsofos profissionais, cuja reflexo, porm, tem grande alcance filosfico.Trata-se, por um lado, de Ren Girard. 88Ele interpreta o sacrifcio religioso ea origem das religies arcaicas pelo processo de vitimizao (bode expiatrio)produzido pela repetio e socializao da rivalidade mimtica. A originali-dade do cristianismo reside no fato de que a prpria narrao do mito cristorevela a inocncia da vtima, proporcionando assim a possibilidade de superara espiral de violncia. A outra figura de destaque a judia francesa Simone

    Weil, falecida em 1943, cujos escritos pstumos s recentemente vm sendovalorizados filosoficamente. 89De origem agnstica, descobriu Deus e Cristograas a experincias msticas e a um compromisso absoluto com a verdade ea justia. Ela tem uma conscincia profunda da transcendncia de Deus, comoaquilo que no se pode conceber, mas que nem por isso uma iluso. Trata-sede uma realidade para alm de tudo o que acessvel s faculdades humanas,fundamento de todo o bem que existe no mundo. No fundo do corao huma-no, reconhece ela, h um anseio pelo bem absoluto, anseio que no pode ser

    saciado por nenhum objeto mundano.

    85Veja-se como exemplo o volume citado na n.87. Deixou, porm, textos de carter puramenteexegtico e teolgico, comoEssays on Biblical Interpretation (1980).86Alguns de seus escritos nesta rea, relativos sobretudo linguagem religiosa, foram publicadosem traduo inglesa na obraFiguring the Sacred: Religion, Narrative and Imagination(1997).87MCINTYRE, A. / RICOEUR, P.: The Religious Significance of Atheism(1969).88P.ex.:La violence et le sacr(1978) [A violncia e o sagrado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998];

    Des choses caches depuis la fondation du monde(1978);Le bouc missaire(1982).89La pesanteur et la grce (1947) [A gravidade e a graa. So Paulo: Martins Fontes, 1993],

    Attente de Dieu(1950) [Espera de Deus. So Paulo: ECE, 1987].

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    Finalmente, antes de passar para a Filosofia da Religio no mundo ale-mo, no podemos deixar de citar dois autores de lngua inglesa que, no entan-to, aderem ao estilo filosfico continental. O primeiro Charles Taylor, um

    dos nomes atualmente mais famosos sobretudo no campo da tica. Sendo jemrito ele enveredou recentemente pelo terreno da reflexo sobre o fenmenoreligioso com uma interpretao alentada do secularismo moderno. 90O livroapresenta as seguintes teses bsicas: (1) a modernidade e, particularmente, osecularismo que lhe congnito trouxeram grandes males humanidade; (2) preciso desconstruir a afirmao da morte de Deus, j que, se formos ob -servadores atentos, perceberemos sinais evidentes da permanncia do religioso;(3) de fato, todos temos uma percepo implcita da realidade transcendente,

    embora seja necessria a ateno para atualiz-la. Alasdair McIntyre, um con-vertido do marxismo ao catolicismo, uma figura ainda mais proeminente nocampo da tica que o prprio Taylor. Com efeito, deve-se a ele a reintroduode uma tica da virtude, de feio aristotlica, no debate contemporneo, emp de igualdade com duas ou trs outras correntes majoritrias. Sua produosobre questes religiosas tambm recente e visa justificar a racionalidade daf e definir as relaes entre filosofia e religio e, mais especificamente, entrefilosofia e catolicismo. 91

    Jrgen Habermas , sem dvida alguma, o nome mais influente dafilosofia alem contempornea. Embora propugne um pensamento ps-meta-fsico, luz da crtica kantiana, ele no aceita a crtica ps-moderna da raciona-lidade, permanecendo fiel aos ideais do Iluminismo, ainda que crtico de suarealizao efetiva como razo instrumental. Durante grande parte de seu itine-rrio filosfico, a religio no recebeu destaque especial. Mesmo reconhecendoos valores que o cristianismo trouxe civilizao ocidental, considerava exau-rida, porque j cumprida a misso do cristianismo. Nos ltimos anos, porm,

    Habermas, como filsofo do direito e da sociedade, demonstra um interessecrescente pelo fenmeno religioso, acompanhado da valorizao de sua presen-a no debate pblico. 92Com efeito, em suas publicaes recentes ele reconheceo direito e a convenincia da presena de vozes religiosas na discusso sobre os

    90Secular Age, 2007 [Uma era secular. So Leopoldo: Unisinos, 2010].91The Tasks of Philosophy. Selected Essays(2006) e God, philosophy, universities. A Selective History of theCatholic Philosophical Traditions(2009).92Zwischen Naturalismus und Religion. Philosophische Aufstze(2005) [Entre naturalismo e religio:estudos filosficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007].

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    problemas referentes ao bem-estar da sociedade. Constata que a religio aindaexerce funes importantes na sociedade, i.e. que a tradio da f monotestano pode ser simplesmente desprezada. Por outro lado, o cerne da experincia

    religiosa inacessvel razo. Da a necessidade para a reflexo filosfica dedefinir uma linha que leve em conta as duas manifestaes mais significativase radicalmente opostas do pensamento contemporneo, o naturalismo de basecientfica e a experincia religiosa.

    A questo de Deus est bem presente na obra do filsofo de origemjudaica, Hans Jonas, especialmente no opsculo de grande repercusso sobrea ideia de Deus depois Auschwitz.93Inspirado no livro de J, ele considera queo mal incompatvel com a onipotncia de um Deus bom. Conclui da que, ao

    criar o mundo, concedendo a liberdade ao ser humano, Deus renunciou ao seupoder. Ele no intervm no mundo deixado sua prpria sorte. Na verdade,Deus imperscrutvel. O importante filsofo da cincia, austraco, mas radica-do na Inglaterra, Karl Popper, falecido em 1994, no discute a existncia oua natureza de Deus. Nem por isso, ele deixa de pronunciar-se sobre a religio,partindo da rejeio de qualquer dogmatismo. 94Para ele, a metafsica e a reli-gio so legtimas, mas incapazes de oferecer certezas, racionalmente fundadas,j que suas proposies no so falsif icveis. A f religiosa tem muito a ver

    com expectativa e atitudes de vida e pode-se mesmo esperar que muitas denossas idias prticas sejam provavelmente corretas. O especialista na filosofiaidealista, Dieter Henrich, desenvolveu uma ref lexo profunda sobre a relaoentre a autoconscincia e Deus ou o Absoluto, atribuindo tanto a uma comoao outro o papel de fundamento (Grund), no, porm, no sentido metafsi-co tradicional. A autoconscincia precede qualquer outro pensamento comopressuposto ltimo do conhecer, enquanto liberdade imanente subjetividade.Nesta perspectiva ps-metafsica, a transcendncia o processo de uma vida

    consciente que se projeta livremente em direo ao amor que une os indiv-duos e os orienta para o Absoluto. O pensar especulativo consiste justamenteno trajeto ao longo do qual as ideias so guiadas com liberdade e amor para aunidade, que o Absoluto, fundamento de todas as coisas. 95

    93Der Gottesbegriff nach Auschwitz. Eine jdische Stimme (1984). Veja-se tambm: PhilosophicalEssays(1974) e On faith, reason and responsibility(1978).94Veja-se o volume II de sua grande obra The Open Society and its Enemies (1942-1943) [ Asociedade aberta e seus inimigos. So Paulo: EDUSP, 1974].95P.ex.:Bewusstes Leben. Untersuchungen zum Verhltnis von Subjektivitt und Metaphysik (1999).Veja-se tambm:Die Philosophie im Prozess der Kultur(2006).

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    FILOSOFIA DA RELIGIO: SUA CENTRALIDADE E ATUALIDADE NO PENSAMENTO FILOSFICO

    INTERAES - Cultura e Comunidade / Uberlndia / v. 6 n. 9 / p. 13-26 / jan./jun. 2011 47INTERAES - Cultura e Comunidade / Uberlndia / v. 6 n. 10 / p. 17-49 / jul./dez. 2011

    Outros filsofos alemes de maior projeo na atualidade como Karl--Otto Apel, Hans-Georg Gadamer, Axel Honneth e Carl F. Gethmann, notm dado grande ateno questo religiosa. J Peter Sloterdijk96tem-se

    envolvido com a questo a respeito do significado cultural e poltico, positivoou negativo, dos monotesmos levantada sobretudo pelos escritos do histo-riador da religio egpcia Jan Assmann sobre a distino mosaica, ou seja, acompreenso da verdade religiosa como exclusiva de cada religio.97

    Antes de concluir, convm voltar a considerar o lugar da Filosofia daReligio no panorama filosfico contemporneo brasileiro. Como se disse deincio, a discusso filosfica das questes religiosas no meio acadmico nacio-nal ainda tmida. O maior pensador cristo da atualidade no Brasil, Henri-

    que Cludio de Lima Vaz, sacerdote jesuta, falecido em 2002, embora tenhasempre no horizonte de seu filosofar a questo de Deus e da transcendncia,s dedicou expressamente ao tema religioso um pequeno livro sobre a experi-ncia mstica. 98No entanto, muitos de seus artigos, tratam do niilismo con-temporneo, atribudo imanncia antropocntrica do pensamento moderno,insistindo na necessidade da retomada da metafsica do ser, como via de acessoracional afirmao de Deus. 99Destacam-se ainda por suas publicaes e in-fluncia alguns autores como Manfredo A. de Oliveira100e Urbano Zilles.101

    H, entretanto, um fato recente, capaz de despertar maior interesse peladiscusso sobre a questo de Deus no meio acadmico nacional. Refiro-me obra Ser e Deus de Lorenz B. Puntel, que, embora tenha nascido no Brasil,desenvolveu sua carreira filosfica na Alemanha como professor na Univer-sidade de Munique. 102Escrito em alemo, mas traduzido imediatamente ao

    96Gottes Eifer. Vom Kampf der drei Monotheismen(2007).97Moses der gypter. Entzifferung einer Gedchtnisspur(1998).

    98Experincia mstica e filosofia na tradio ocidental(2000).99Especialmente nos textos reunidos emEscritos de filosofia III: Filosofia e Cultura(1997). Vejam-seainda, entre outros, os artigos publicados em Sntese Revista de Filosofia :Metafsica e f crist:

    uma leitura da Fides et ratio(1999) eHumanismo hoje: tradio e misso(2001).100Suas principais obras no campo da Filosofia da Religio so:Filosofia Transcendental e Religio(1984) eDilogos entre F e Razo(2000). Alm disso, co-organizador das seguintes coletneas:O Deus dos Filsofos Modernos(2002) e O Deus dos Filsofos Contemporneos(2003).101Na sua ampla produo, destacamos: O problema do conhecimento de Deus(1989); Filosofia da

    Religio(1991); Crer e Compreender(2004).102 Ser e Deus: Um enfoque sistemtico em confronto com M. Heidegger, . Lvinas e J.-L. Marion(2011) [Original: Sein und Gott. Ein systematischer Ansatz in Auseinandersetzung mit M. Heidegger,

    . Lvinas und J.-L. Marion, 2010].

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    Joo A. Mac Dowell SJ

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    portugus, o livro constitui um marco importante na Filosofia da Religioem mbito internacional. A partir de sua filosofia sistemtico-estrutural, 103elefundamenta a afirmao racional de Deus luz de uma nova concepo do ser

    como tal e no seu todo. Trata-se de uma perspectiva metafsica inteiramentenova, razo pela qual o autor evita utilizar este termo, para que sua especulaono seja confundida com o tesmo metafsico tradicional.

    CONCLUSO

    Esta meno da obra de Puntel permite-nos sublinhar finalmente a pro-blemtica fundamentalda Filosofia da Religio contempornea. medida

    que se prope justificar o conhecimento de uma realidade divina, ela deve-r preferir a via de um pensamento terico-sistemtico, como faz Puntel, oubasear-se na anlise fenomenolgico-hermenutica das experincias humanasfundamentais? Mais em detalhe e retomando as observaes feitas ao longodeste trabalho, podem-se apontar os seguintes traos dominantes da refle-xo contemporneano campo da Filosofia da Religio:

    1) Notvel interesse pela problemtica religiosa no debate filosfico,

    concomitante nova atualidade do fenmeno religioso na cultura ena sociedade, sem que isto signifique o reconhecimento explcito deuma realidade divina pela maior parte dos pensadores contempor-neos mais significativos.

    2) Clara diferena de temtica e de estilo entre a Filosofia da Religiocontempornea no mbito anglo-americano e no mbito da Europacontinental.

    3) Inf lexo metafsica da Filosofia Analtica interessada sobretudo nadiscusso do valor das provas da existncia de Deus e da coerncia

    lgica dos atributos do Deus do tesmo.4) Carter ps-metafsico, mas tambm anti-positivista, da reflexo so-

    bre o problema religioso na filosofia continental, sob influncia deHeidegger, com rejeio do tesmo tradicional e interesse seja pelainvestigao das razes crists da cultura ocidental, seja pela busca dealternativas para o pensar da realidade no seu todo.

    103Desenvolvida na obra fundamental do autor:Estrutura e ser. Um quadro referencial terico parauma filosofia sistemtica(2008) [Original: Struktur und Sein. Ein Theorierahmen fr eine systematischePhilosophie, 2006].

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    CETICISMO E RELIGIO EM MONTAIGNE

    5) Nesta perspectiva, observa-se uma nfase na teologia negativa, ouseja, a conscincia ntida dos limites da razo humana, aliada ao re-conhecimento de algo que a ultrapassa e que afirmado ou no

    como realidade transcendente, mas, em todo caso, no objetivvel.6) Neste sentido, esto na ordem do dia os problemas da relao en-tre f e razo, da maneira adequada de pensar e nomear o mistriotranscendente e do papel respectivo da experincia e da reflexo lgi-ca na abordagem da realidade ltima.

    Recebido e aprovado em 5/12/2011