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1 Revisão da Literatura Religião, psicologia, filosofia e sociedade. Diego de G. Nascimento RESUMO Certamente que são muitas as pessoas que acreditam em divindades e seguem as doutrinas do mundo religioso. Pesquisas indicam que, num cálculo aproximado, ao longo dos últimos dez mil anos a humanidade produziu dez mil religiões com cerca de mil deuses. A própria vida humana, portanto, se apresenta como um grande manifesto de religiosidade ao longo dos tempos. Isso porque o comportamento está de acordo à compreensão da realidade e da imaginação. O campo da psicologia, durante muito tempo, tentou responder a essas questões de uma forma empírica e precisa. Através de estudos apurados e longa observação do comportamento individual e social, os cientistas puderam então especular razões pelas quais os seres humanos tendem a apresentar ou desenvolver manifestações religiosas. De certo modo, parece existir uma razão pela qual nos damos por vencer e deixamos o inconsciente prevalecer sobre nossas ações. A alma humana certamente deva esconder segredos. O modo empírico de conhecimento parece afirmar ao longo do tempo que todas as experiências religiosas consistem em um estado especial da mente. Uma espécie de delírio conforme a realidade propriamente dita da razão. A religião (do ponto de vista científico) são teorias que geram dogmas e doutrinas a serem seguidas e aceitas como verdades absolutas. Estes ensinamentos, ou seja, a doutrina religiosa pode se mostrar muito perigosa quando se pensada do campo de vista

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Este estudo discute, a partir da psicologia, basicamente sobre o fenômeno da religiosidade, descrevendo os vieses e os principais erros de raciocínio que cometemos ao longo de nossas vidas. Colocando assim, em xeque, algumas de nossas convicções mais fortes.

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Revisão da Literatura

Religião, psicologia, filosofia e sociedade.

Diego de G. Nascimento

RESUMO

Certamente que são muitas as pessoas que acreditam em

divindades e seguem as doutrinas do mundo religioso. Pesquisas

indicam que, num cálculo aproximado, ao longo dos últimos dez mil

anos a humanidade produziu dez mil religiões com cerca de mil

deuses. A própria vida humana, portanto, se apresenta como um

grande manifesto de religiosidade ao longo dos tempos. Isso porque

o comportamento está de acordo à compreensão da realidade e da

imaginação. O campo da psicologia, durante muito tempo, tentou

responder a essas questões de uma forma empírica e precisa. Através

de estudos apurados e longa observação do comportamento

individual e social, os cientistas puderam então especular razões

pelas quais os seres humanos tendem a apresentar ou desenvolver

manifestações religiosas. De certo modo, parece existir uma razão

pela qual nos damos por vencer e deixamos o inconsciente prevalecer

sobre nossas ações. A alma humana certamente deva esconder

segredos. O modo empírico de conhecimento parece afirmar ao longo

do tempo que todas as experiências religiosas consistem em um

estado especial da mente. Uma espécie de delírio conforme a

realidade propriamente dita da razão.

A religião (do ponto de vista científico) são teorias que geram

dogmas e doutrinas a serem seguidas e aceitas como verdades

absolutas. Estes ensinamentos, ou seja, a doutrina religiosa pode se

mostrar muito perigosa quando se pensada do campo de vista

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sociológico. Isto pelo fato de que, ao mesmo tempo em que é muito

mal compreendida, a religião também potencializa sobre a maior

parte da sociedade, ideais deturpados sobre a condição da natureza

humana. A religiosidade já foi à causa, e ainda é em muitos casos, de

muitas mortes e muita injustiça.

Palavras-chave: Religião, psicologia, sociedade, comportamento.

INTRODUÇÃO

Nossa premissa intelectual como seres humanos é

acharmos que para tudo nessa vida é preciso uma explicação.

Vivemos em busca de um sentido, algo que nos faça compreender as

coisas em nossa volta, Estamos sempre a questionar; como, onde,

quando. E quando não possuímos estas definições às vezes o criamos

e as compreendemos como verdades. Estas verdades, por sua vez,

acabam entrando em nosso subconsciente e nos levando a convicções

completamente equivocadas da realidade.

O conhecimento advém das relações do homem com o meio e,

portanto, o indivíduo deve procurar entender o meio partindo dos

pressupostos de interação do homem com os objetivos e sempre

baseado partir de uma realidade plausível. A grande questão é - O

que estamos tomando como realidade? Qual nível de compreensão do

universo que o mundo mítico pode nos proporcionar como sociedade?

Será que não estamos estacionados no tempo perante esta condição

religiosa impregnada em nossa cultura?

Certamente a forma de explicar e entender o conhecimento

passa por várias vertentes como o conhecimento empírico (vulgar ou

senso comum), conhecimento filosófico, conhecimento científico e até

mesmo o conhecimento teológico. Porém, em nosso tempo, com

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todas estas vertentes do conhecimento uma coisa não se pode

negar... Não teríamos muitas chances neste mundo se não fosse pelo

conhecimento científico. Posição que é inteiramente contestada pela

grande maioria das religiões, principalmente a religião cristã que

sempre esteve contrapondo afirmações científicas incontestáveis pelo

sentido da razão. Esta posição, de contrapor-se diante a veracidade

das descobertas e afirmações científicas, levas estas religiões a

agirem demagogicamente. Uma vez que, contrapor a verdade incita

demagogia. A manifestação religiosa leva suas massas a exercer

sobre toda a sociedade uma severa coerção, assim como resultado de

uma ação social. Isto acontece através de seus dogmas e suas

doutrinas. Precisamos construir civilidade através de uma posição

ideológica neutra que utiliza apenas a arma do conhecimento. Está

ideologia é compreendida perfeitamente como uma visão laica de um

mundo que não considera como base da compreensão, divindades e

mitos.

Mas por fim, o mundo está ai pra nós conhecermos e devemos

ir sempre além. Precisamos nos debruçar sobre as formas válidas do

conhecimento. O que importa mesmo é aprender a investigar e ir

sempre à busca de uma compreensão que faça ao menos um sentido

particular. O fundamental mesmo é analisar os fatos e argumentos

para que se possa se fazer juízo sobre as verdades. Poder entender

que o mundo está repleto de falsas verdades e que estas se

encontram quase sempre em “verdades prontas”, aquelas que nos

são induzidas durante a nossa vivencia. Começam bem no início da

nossa formação cognitiva e acabam nos tornando convictos de sua

veracidade.

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PSICOLOGIA SOCIAL E DISSONÂNCIA COGNITIVA

A singularidade do manifesto da vida, o ato de sobreviver, ou

apropriadamente, “o sentido da natureza”, sugere que criemos

arquétipos uniformes (modelos ideais inteligíveis) como condutas.

Mas ao mesmo tempo em que somos induzidos a criar esses tipos de

mecanismos que favorecem a sobrevivência, nos deparamos com

realidades incompatíveis. É a partir desse mecanismo que ocorre a

dissociação da realidade.

Em 1949, o escritor e jornalista inglês Georg Owell escreveu

sobre o manifesto de incoerência social em seu romance Nineteen

Eighty-Four (1984). Duplopensar ou duplipensar foi o termo que ele

usou para batizar “o ato de aceitar simultaneamente duas crenças

contraditórias como corretas”, muitas vezes de distintos contextos

sociais. De acordo com a obra de Orwell, o termo duplipensar se

resume em:

“Saber e não saber, estar consciente de sua completa sinceridade ao

exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente

duas opiniões que se cancelam mutuamente, sabendo que se contradizem, e

ainda assim acreditar em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar

a moralidade e apropriar-se dela, esquecer-se de qualquer fato que tornou-

se inconveniente e, quando ele se torna novamente necessário, recuperá-lo

do esquecimento apenas enquanto for útil. Negar a existência da realidade

objetiva e ao mesmo tempo levar em consideração a realidade já negada”.

Este termo embora esteja relacionado, é diferente da hipocrisia e

da neutralidade. Algo relacionado é a Dissonância Cognitiva, onde as

duas crenças causam conflito. George Orwell foi um dos escritores

mais influentes do século XX. Autor de 1984, A Revolução dos Bichos,

Lutando na Espanha e outros importantes livros do século passado.

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A dissonância cognitiva é o termo da psicologia social que se

refere ao conflito entre ideias, crenças ou opiniões incompatíveis.

Trata-se da percepção da incompatibilidade entre duas cognições

diferentes, onde "cognição" é definida como qualquer elemento do

conhecimento, incluindo as atitudes, emoção, crenças ou

comportamentos. A dissonância ocorre a partir de uma inconsistência

lógica entre as suas crenças ou cognições (por exemplo, se uma ideia

implicar a sua contradição). A consciência ou a percepção de

contradição pode tomar a forma de ansiedade, culpa, vergonha, fúria,

embaraço, stress e outros estados emocionais negativos.

A teoria da dissonância cognitiva afirma que cognições

contraditórias entre si servem como estímulos para que

a mente obtenha ou produza novos pensamentos ou crenças, ou

modifique crenças pré-existentes, de forma a reduzir a quantidade de

dissonância (conflito) entre as cognições. Desta forma, a dissonância

pode resultar na tendência de confirmação, a negação de evidências

e outros mecanismos de defesa do ego. Quanto mais enraizada nos

comportamentos do indivíduo uma crença estiver geralmente mais

forte será a reação de negar crenças opostas. Pois em defesa ao ego,

o humano é capaz de contrariar mesmo o nível básico da lógica,

podendo negar evidências, criar falsas memórias, distorcer

percepções, ignorar afirmações científicas e até mesmo desencadear

uma perda de contato com a realidade (surto psicótico). Sendo

assim, se torna evidente que em razão do nosso intelecto, há uma

condição de conflito entre a percepção e a realidade que compromete

e afeta em muitos casos o próprio comportamento humano. Estes

conflitos entre realidades divergentes permite ao ser cognitivo fazer

inferências em prol de uma razão, e é exatamente nesse momento

que o ser humano cria artifícios como dispositivo de defesa à própria

consciência para contestar a lógica.

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A percepção da certeza em ser enganado é indubitavelmente

arbitrária a qualquer razão. As pessoas quando são apresentadas a

realidade conflitante, geralmente se encontram em situações de

extremo orgulho ao ego e por isso se sentem extremamente

envergonhadas quando percebem que estão sendo enganadas,

muitas vezes negando a própria realidade. Está ação de negarmos a

realidade, embora seja uma condição de defesa do nosso mecanismo

psicológico, fere o equilíbrio natural da razão e infere na veracidade

da própria realidade.

Estes fenômenos da pisque humana pode ter sido, ao longo do

tempo, o causador de deturpados preceitos de comportamentos

morais. Dotando em muitos casos, falsos valores a uma conduta ética

amplamente inconsequentemente e nociva aos direitos primordiais de

liberdade e igualdade. Dentre os principais manifestos de paradoxos

éticos da história está a conduta religiosa no período medieval como

a Santa Inquisição que feria o principal direito constituído pela razão,

o direito a vida, em função da própria vida. Em consequência das

ineptas doutrinas cristãs daquela época, pessoas em toda a Europa

foram perseguidas e assassinadas em razão ao direito religioso de

uma supremacia. Evidenciando assim, uma consciência nocente de

uma hegemonia com padrões de comportamentos baseados em uma

razão distorcida da realidade. Esta consciência religiosa feriu e fere

até os dias atuais os princípios da natureza humana pautadas na

razão do consciente. Embora o tempo tenha nos permitido constatar

esta consciência como sendo maléfica ao âmbito social, algumas

destas razões religiosas sobreviveram ao tempo e parecem possuir

raízes mais firmes que se possa imaginar.

É evidente que houve uma “evolução” nos padrões éticos ao

longo dos tempos, porém esta ainda é uma realidade muito

questionável. O que se pode compreender como “evoluído” parece ser

tão utópico quanto os fundamentos religiosos. A questão

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antropológica parece evidenciar um conflito entre civilidade e as

próprias questões culturais. Considerando que cada cultura é dotada

uma identidade própria, e que essa identidade reflete-se em crenças

e costumes que quase sempre se divergem com outras crenças e

costumes. Fica altamente improvável se pensar em uma sociedade

unida por interesses compatíveis entre si. O manifesto cultural cria

“bandeiras” identitárias tão fortes que chegam a compreender, em

muitos casos, o próprio princípio da razão. Desconsiderando assim os

verdadeiros princípios universais de justiça. O poder cultural faz com

que nossas convicções se solidificarem antes mesmo de refletir sobre

tal.

As ciências antropológicas alegam que é muito difícil definir,

entre as espécies da natureza, aquelas mais “evoluídas” de

outras “menos evoluídas”, quando se percebe que EVOLUÍDO, como

conceito, é bastante subjetivo e EVOLUÇÃO, como processo, não é

retilíneo, mas ramificado, como uma árvore. Entretanto, o termo

evoluir para concepção humana, sugere um avanço no que diz

respeito à consciência do individuo junto ao seu comportamento,

dando a ideia exatamente de uma conciliação harmônica entre

ambos. Diferentemente da problemática em questão, que é o

manifesto incoerente da razão humana.

Este conceito evolutivo parece estar intimamente ligado à

condição do conhecimento apreendido. O ser só pode ser “evoluído”

uma vez que compreende a realidade no contexto temporal. Esta

condição o permite adaptar-se melhor a consciência. Embora a

antropologia critique conceito do termo “evolução”, a humanidade

evolui incessantemente, promovendo e permitindo novas

consciências, ideias e convicções. O fator evolutivo da consciência

humana parece intrigantemente ter tardado a se manifestar em favor

aos princípios humanos. A liberdade de manifesto em razão da vida e

os princípios de igualdade perante a condição humana foram

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completamente ignorados ao longo do tempo devido a essas

incoerências do intelecto. Foram necessárias muitas lutas sociais,

revoluções e guerras sangrentas para que se ponderasse uma nova

consciência. Somente em meados do século XX uma organização

defensora dos interesses humanos publicou em direitos universais

uma declaração coerente com a razão humana. Segundo a ONU

(Organização das Nações Unidas), “Todos os seres humanos nascem

livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de

fraternidade”.

Talvez toda essa realidade circunstancial cotidiana, de um

mundo atroz e selvagem em que vivemos hoje, se deva a estes tipos

de comportamentos “espirituais” irracionais, inflexíveis e irredutíveis

contida na história do ser humano.

Estas condutas incoerentes, uma vez incorporadas à dinâmica

social no contexto temporal, pode causar uma espécie de “anomalia

social”. Ou seja, um processo dinâmico insustentável no âmbito

social. A percepção da insatisfação por grande parte dos cidadãos

pode levar a graves consequências como o enfraquecimento da

sociedade e a sua própria ordem.

ESPIRITUALIDADE E COGNIÇÃO

A Filosofia da mente é o estudo filosófico dos

fenômenos psicológicos, incluindo investigações sobre a natureza

da mente e dos estados mentais em geral. A filosofia da mente

envolve estudos metafísicos sobre o modo de ser da mente, sobre a

natureza dos estados mentais e sobre a consciência. Envolve

estudos epistemológicos sobre o modo como a mente conhece a si

mesma e sobre a relação entre os estados mentais e os estados de

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coisa que os mesmos representam (intencionalidade), incluindo

estudos sobre a percepção e outros modos de aquisição

de informação, como a memória, o testemunho (fundamental para a

aquisição da linguagem) e a introspecção. Envolve ainda a

investigação de questões éticas como a questão da liberdade,

normalmente considerada impossível caso a mente siga, como tudo o

mais, leis naturais.

A investigação filosófica da mente se concentra em parte, na

questão espiritual que pressupõe que exista alguma entidade -

uma alma ou espírito - separada ou distinta do corpo ou do cérebro.

Esta condição implica na razão objetiva e está relacionada a vários

estudos da ciência cognitiva, da neurociência, da linguística e

da inteligência artificial. Considerando-se o termo Espirito como o

princípio de imaterialidade, podemos concluir que, a espiritualidade

se apresenta apenas como uma condição psíquica, relativa ao campo

das ideias, que por sua vez, está intrinsecamente ligado ao campo da

percepção. Para as ciências cognitivas, principalmente a psicologia,

esta condição do inconsciente é a principal causa de indução, a qual

nos leva a promover diversas acepções incorpóreas incompatíveis

com a realidade, como é o caso das entidades sobrenaturais. Por

exemplo, Espírito e Alma são conceitos que figuram apenas no campo

da imaginação. Logo, não podemos tomar consciência de tal

realidade. É através do nosso inconsciente que geralmente criamos

falsas concepções. Deste modo, a concepção destes termos, neste

sentido antinatural, é evidentemente gerada por devaneios da pisque

humana.

Hoje, a Ciência Cognitiva engloba o principal grupo de ciências

as quais são as principais responsáveis por tentar responder as

questões dos processos mentais (experiências subjetivas inferidas

através do comportamento). Entre ela está a Psicologia, ciência

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responsável por estudar a cognição, ou seja, os processos mentais

que estão por detrás do comportamento.

Como os processos mentais não podem ser observados, mas

apenas inferidos. Torna-se o comportamento o alvo principal da

descrição, explicação e previsão. Até mesmo as novas técnicas

visuais da neurociência, as quais permitem visualizar o

funcionamento do cérebro, não permitem a visualização dos

processos mentais, mas somente de seus correlatos fisiológicos, isto

é, daquilo que acontece no organismo enquanto os processos mentais

se desenrolam.

Descrever o comportamento de um indivíduo significa, em

primeiro lugar, o desenvolvimento de métodos de observação e

análise que sejam os mais objetivos possíveis e em seguida, a

utilização desses métodos para o levantamento de dados confiáveis.

A observação e a análise do comportamento podem ocorrer em

diferentes níveis - desde complexos padrões de comportamento,

como a personalidade, até a simples reação de uma pessoa a um

sinal sonoro ou visual. A introspecção é uma forma especial de

observação. Consiste num voltarmo-nos para nós mesmos e

analisarmos aquilo que está dentro do nosso “espírito” (nossa

mente), seja um ato praticado, uma reflexão ou um sentimento. A

introspecção é o sentido que te prende a essa análise interior.

Qualquer pessoa pode e deve fazer introspecção. No entanto, o

método introspectivo ultrapassa um pouco essa introspecção

espontânea do ser humano, pois apresenta um carácter mais

sistemático, guiado pela alienação inevitável que sofre o nosso

intelecto.

August Comte, positivista, defende que é impossível ao mesmo

tempo sentirmos e analisarmos com clareza aquilo que sentimos. Diz

ele: “(...) ninguém pode estar à janela para se ver passar na rua".

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Isso significa dizer que, a tomada de consciência de um fenómeno

modifica esse mesmo fenómeno.

A psicologia parte do princípio de que o comportamento se

origina de uma série de fatores distintos: variáveis orgânicas

(disposição genética, metabolismo, etc.), disposicionais

(temperamento, inteligência, motivação, etc.) e situacionais

(influências do meio ambiente, da cultura, dos grupos de que a

pessoa faz parte, etc.). As previsões em psicologia procuram

expressar, com base nas explicações disponíveis, a probabilidade com

que um determinado tipo de comportamento ocorrerá ou não. Com

base na capacidade dessas explicações de prever o comportamento

futuro se determina também a sua validade. Controlar o

comportamento significa aqui a capacidade de influenciá-lo, com base

no conhecimento adquirido. Essa é a parte mais prática da psicologia,

que se expressa, entre outras áreas, na psicoterapia.

Para o psicólogo soviético Alexander Romanovich Luria (1979),

um dos fundadores da neuropsicologia, a psicologia do homem deve

ocupar-se da análise das formas complexas de representação da

realidade, que se constituíram ao longo da história da sociedade e

são realizadas pelo cérebro humano, incluindo as formas subjetivas

da atividade consciente sem substituí-las pelos estudos dos processos

fisiológicos que lhes servem de base nem limitar-se a sua descrição

exterior. Segundo esse autor, fenômenos como a formação das

necessidades complexas e da personalidade, são produto da história

social (conhecimento compartilhado).

PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA E RELIGIÃO

Nos últimos 20 anos, psicólogos, neurocientistas, filósofos e

sociólogos se puseram esquadrinhar e teorizar sobre a religião, dando

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origem à nova ciência da fé. A ideia central é que,

independentemente do fato de Deus existir ou não, a religião é um

fenômeno real, mensurável e com a qual podemos fazer

experimentos. É claro que nada nessa área é muito consensual, mas

dessas duas décadas de pesquisas emergiram algumas linhas de

explicação que são relativamente bem aceitas. Ao que tudo indica, o

cérebro humano vem de fábrica com uma série de vieses cognitivos

que tornam a religião um subproduto natural. Mas de onde vem à

religião? O fato de que todas as sociedades humanas conhecidas

acreditam (ou acreditavam) em algum tipo de divindade – seja ela

Deus, Alá, Zeus, o Sol, a Montanha ou espíritos da floresta – intriga

os cientistas, que há tempos buscam uma explicação evolutiva para

esse fenômeno. Seria a religião uma característica com raiz evolutiva

própria, selecionada naturalmente por sua capacidade de promover a

moralidade e a cooperação entre indivíduos não aparentados de uma

população? Ou seria ela um subproduto de outras características

evolutivas que favorecem esse comportamento social

independentemente de crenças religiosas?

A Psicologia evolucionista ou evolucionária baseia-se na

presunção de que a cognição se desenvolveu, como o coração, os

pulmões, o sistema imunológico, por via da seleção natural,

resolvendo problemas cruciais de sobrevivência e reprodução. Sob

essa ótica, a Psicologia evolucionista procura entender os processos

cognitivos enquanto funções de sobrevivência e de reprodução.

Coloca-se, nesse ponto, a questão não apenas de conhecimentos,

atribuições, representações, imaginações e processos semelhantes,

mas da “consciência” religiosa, isto é, das ideias relativas a deus.

Esse é um campo do conhecimento bastante novo que surgiu

em meados da década de 90. Um dos pesquisadores mais importante

nesse segmento é o antropólogo francês Pascal Boyer, atualmente

professor do departamento de Antropologia e de Psicologia da

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Washington University, em St. Louis. Boyer possui diversos estudos

sobre memória e desenvolvimento cognitivo. Entre eles estão, os

livros “The Naturalness of Religious Ideas” (BOYER, 1994) e “Religion

Explained” (BOYER, 2001). Na concepção de Boyer, a universalidade

cultural das propriedades dos conceitos e as orientações religiosas

são subprodutos de sistemas cognitivos padrão, desenvolvidos fora

da religião. Em suas pesquisas, Boyer resume que, os sistemas

neuro-cognitivos são: parte do equipamento normal da mente

humana como resultado da evolução por seleção natural; e também

sustentam a aquisição do conhecimento, dos conceitos e das normas

da cultura. Desta forma a cultura não é deixada de lado, mas é vista

como uma superestrutura da Neurologia. Como se percebe, a posição

de Boyer tende mais para a Biologia do que para a Psicologia. Um

outro autor, Ilkka Pyysiäinen, da Universidade de Helsinki, embora

também não psicólogo, mantém-se mais diretamente na escala da

Psicologia. Apoiando-se em Boyer e em Damásio (1999), Pyysiäinen

elaborou mais concretamente algumas noções, entre elas está a

noção de “contra-intuição”.

As contra-intuições são entendidas como as representações de

objetos que colidem com as representações intuitivas, isto é, as

percepções “ontológicas” de espaço, tempo, extensão, qualidades

físicas dos objetos, espécies naturais, relações de causalidade e ação

intencional de agentes. Essas percepções intuitivas constituem a

Psicologia Cotidiana ou Ingênua, as quais regem com adequação a

vida e as relações humanas. O conhecimento intuitivo pode ser

descrito como “o conhecimento tácito usado espontaneamente no

pensamento prático, sem que dele estejamos necessariamente

conscientes” (PYYSIÄINEN, 2003). A Psicologia Ingênua, por sua vez,

repousa na chamada ontologia intuitiva, que crê enxergar as coisas

em sua realidade. Para Pyysiäinen, as representações contra-

intuitivas são “subprodutos” da psicologia ingênua. É válido ressaltar

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que tal psicologia, como pode ser demonstrado, continua governando

o comportamento mesmo de pessoas de instrução intelectual

sofisticada. Esta psicologia, dadas às características apontadas,

subsistirá sempre como recurso cognitivo, independentemente dos

progressos da Neurobiologia.

No que se refere à religião, vários estudiosos abstêm-se de

termos religiosos como “transcendência”, “sobre-humano”,

“sobrenatural”, “sagrado” e “deus”, por julgarem tributários de uma

particular tradição religiosa. Para a psicologia evolutiva, a raiz

psíquica religiosa propõem, ao invés desses termos, a contra-

intuição, em especial a contra-intuição resultante de um agente

intencional. Em outras palavras, a evolução, ao contrário da religião,

dotou a espécie humana de uma estrutura neurofisiológica que torna

possível, por exemplo, ajustar conceitualmente até certo ponto, as

estranhezas da experiência cognitiva, sem que precisasse produzir

nenhum tipo de corpo de doutrinas ou rituais associados a ela.

Comparando a contra-intuição religiosa com a contra-intuição

psicopatológica, explicitam os autores que, ao contrário da última,

inteiramente idiossincrática e não-comunicativa, a contra-intuição

religiosa é partilhada dentro de um sistema de comunicação. A

contra-intuição religiosa tem seus efeitos principalmente no campo

das ações intencionais ou ações conscientes. Denomina-se contra-

intuição religiosa quando é feito apelo a um agente dotado de

características distintas dos agentes intuitivamente percebidos:

excesso de força, invisibilidade, imprevisibilidade, ubiquidade e

abrangência totalizadora. Insiste-se, então, na peculiaridade da

evocação de um agente intencional contra-intuitivo, pois esse é um

agente que dispensa outras instâncias de causalidade, uma vez que é

concebido como princípio de ação, dotado de conhecimento e capaz

de visar um objetivo. Sendo assim, em relação à psicopatologia, além

de possível disfunção cerebral que impede a meta-representação, a

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diferença reside na incomunicabilidade da representação do

pensamento patológico e na alta comunicabilidade do pensamento

religioso que é facilmente aprendido, lembrado e divulgado.

Embora, como a ficção, a religião se possa dizer metafórica

quanto à descrição de seu objeto, ela é literal quanto à dimensão

misteriosa da realidade. Uma característica das contra-intuições

religiosas, relativamente às contra-intuições da ficção e da ciência, é

a de que não basta tê-las, mas é preciso usá-las. De certo, a ciência

produz a tecnologia, mas é independente dela. Ao contrário, a

religião, além da esfera da representação, abrange a esfera da ação e

isso pela associação de emoções e sentimentos atribuídos às

representações.

Portanto, embora muito trabalho ainda precise ser feito, as

diretrizes da psicologia evolucionista apontam que, o fator religioso

além de ser um subproduto do sistema cognitivo, tem como objeto

um agente intencional, diferentemente da contra-intuição patológica

que visa apenas agentes mecânicos. Entretanto, apesar de termos

tais evidências, os estudos e avanços proporcionados pela psicologia

evolucionista ainda são muito recentes e pouca coisa entendemos

destes fenômenos tão complexos e comuns nos grupos de seres

humanos.

PSICOLOGIA E COGNIÇÃO: DISTORÇÃO DA REALIDADE E

MANIFESTAÇÕES PSEUDOCOGNITIVAS

As cognições são todas as formas de conhecimento as quais

englobam o pensamento. Ou seja, o raciocínio, a compreensão, a

imaginação e, por exemplo, o julgamento. A psicologia cognitiva é a

vertente da psicologia que salienta a importância da cognição como

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fator regulatório do comportamento humano. O procedimento

cognitivo visa diminuir o afeto negativo que o individuo tem da

realidade. Portanto, o papel do psicólogo cognitivo é perceber a

distorção que o individuo faz da realidade externa. A descoberta de

que as pessoas não reagem diretamente aos acontecimentos, mas

sim à representação mentais que fazem de tais acontecimentos, e

que tais representações se encontram reguladas pelos princípios e

parâmetros da aprendizagem, lançou os psicólogos na exploração dos

mais diversos modelos cognitivos.

Os modelos cognitivos apresentam determinadas características

gerais, entre elas, salientam-se os seguintes pontos em comum aos

diversos modelos: a atividade cognitiva afeta o comportamento, isto

é, o que nós sentimos e fazemos depende daquilo que pensamos; a

atividade cognitiva pode ser registrada, acompanhada e alterada; e

as alterações do comportamento podem ser efetuadas através de

mudanças cognitivas, ou seja, alterando a forma como pensamos,

raciocinamos, etc. Entre as terapias cognitivas destacam-se a Terapia

Racional Emotiva de Albert Ellis e a Terapia de Restruturação

Cognitiva de Aaron Beck.

Na Terapia Racional Emotiva, Albert Ellis, estipula que se deve

compreender os comportamentos (consequências) a partir dos

acontecimentos que os provocam, para depois entender e modificar

os processos cognitivos e as crenças que daí derivam. Para ele as

crenças podem ser irracionais (ideias ou filosofias ilógicas e que

impedem a obtenção de satisfação de necessidades e objetivos dos

indivíduos) ou racionais (lógicas e apoiadas pela maioria dos

indivíduos).

Na terapia de Aaron Beck, a novidade está na apresentação de

um conjunto de erros que o nosso processamento cognitivo pode

formular, ou seja, estipulou que nós humanos fazemos, por exemplo,

deduções que levam a formular conclusões sem evidência para tal,

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isto é, sem comprovação (erro de processamento denominado

inferência arbitrária).

A inferência arbitrária é um tipo de distorção cognitiva. Em

outras palavras, é uma forma ou padrão de perceber o mundo de

forma errada, muitas vezes divorciada da realidade. Isto é, quando

chegamos a uma conclusão ou julgamento rápido ou impulsivamente,

com base em informações incompletas ou erradas. Exemplo; quando

alguém diz gostar de outra pessoa à primeira vista, por qualquer

razão, e atribui qualidades negativas ou positivas a pessoa quando

nem mesmo a conhece. Outro exemplo; se um jogador acredita que

ele vai ganhar porque ele apostou em um número específico na roleta

e esse número não pode falhar. Na verdade não tem nenhuma prova

desta crença só desejo seu.

A partir do aprofundamento da origem desses pensamentos

automáticos, é possível chegar às crenças centrais do indivíduo, que

são as ideias mais fixas e enraizadas, oriundas do processo de

desenvolvimento, experiências e formação do individuo desde a

infância, aceitas por eles como verdades absolutas. As distorções

cognitivas influenciam a resposta emocional, comportamental e

fisiológica do indivíduo. Pessoas com transtornos psicológicos com

frequência interpretam erroneamente situações neutras ou até

mesmo positivas, ou seja, seus pensamentos automáticos são

tendenciosos.

Surge então assim, o raciocínio teórico subjacente da terapia

cognitiva de que o afeto e o comportamento de um indivíduo são

amplamente determinados pelo modo como ele estrutura o seu

mundo cognitivo (cognições/pensamentos).

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VIÉS COGNITIVO E RELIGIÃO

A mente humana é uma coisa maravilhosa. Nosso cérebro é

capaz de executar 1016 processos por segundo, o que o torna mais

poderoso do que qualquer computador do mundo atual. Porém, isto

não quer dizer que ele não tenha limitações. Uma pequena

calculadora pode calcular muito melhor do que nós, e, além disso,

algumas de nossas memórias são inúteis.

Toda vez que nossos olhos estão abertos, nosso cérebro é

constantemente bombardeado com estímulos. Somado a isso,

estamos sujeitos a vieses cognitivos que nos fazem tomar decisões

questionáveis e chegarmos a conclusões erradas. Você pode estar

pensando conscientemente sobre uma coisa específica, mas seu

cérebro está processando milhares de ideias subconscientes.

Infelizmente, a nossa cognição não é perfeita, por isso existem

alguns erros de julgamento que estamos propensos a fazer. Essa

situação é conhecida no campo da psicologia como viés cognitivo.

Viés cognitivo é um termo utilizado para expressar o sentido de

parcialidade, onde uma análise é feita de maneira tendenciosa,

baseadas não em evidências, mas na percepção pura e simples que a

pessoa tem de uma situação. Em outras palavras, são padrões de

comportamentos sob controle de determinadas generalizações. Antes

de começarmos, é importante distinguirmos os vieses cognitivos das

falácias lógicas. A falácia, como poderemos ver mais adiante, é um

erro de lógica argumentativa (ataque ad hominem, declives

escorregadios, argumentos circulares, apelo à força e etc).

Um viés cognitivo também pode ser considerado como uma

distorção cognitiva ou limitação do nosso pensamento – como um

erro de julgamento causado por uma falha de memória, atribuição

social ou erro de cálculo (como erro estatístico ou um falso senso de

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probabilidade). Ao que tudo indica, o cérebro humano vem de fábrica

com uma série de vieses cognitivos. Nossa propensão a inferir

estados mentais alheios favorece para que possamos criar “entidades

sobrenaturais”, condição que testifica o fenômeno da religiosidade

como um subproduto do inconsciente. Alguns psicólogos acreditam

que nossos vieses cognitivos nos ajudam a processar as informações

de forma eficiente, especialmente em situações de perigo. Ainda

assim, eles nos levam a cometer erros graves. Um dos exemplos

mais clássicos de viés cognitivo é o comportamento

preconceituoso. Portanto, nós podemos estar inclinados a tais erros

de julgamento, mas pelo menos podemos estar atentos a eles.

Aqui estão alguns destes erros cognitivos mais comuns e

perniciosos:

Viés de confirmação: Nós adoramos concordar com pessoas que

concordam conosco. Por isso nós normalmente acessamos sites que

expressam nossa opinião política e andamos com pessoas que têm

gostos parecidos com os nossos. Tendemos a nos distanciar de

pessoas, grupos e noticiários que nos deixam desconfortáveis ou

inseguros sobre nosso modo de ver as coisas _ o que o psicólogo do

comportamento B.F. Skinner chama de dissonância cognitiva. É um

modo preferencial de comportamento que nos leva ao viés de

confirmação _ o constante ato inconsciente de referência apenas a

aquelas perspectivas que alimentam nossa visão pré-existente,

enquanto ao mesmo tempo, ignoramos ou desconsideramos opiniões

_ mesmo que válidas _ que ameaçam nosso ponto de vista. E

paradoxalmente, a internet piora esta tendência.

Viés de grupo ou Mentalidade de rebanho: Parecido com o viés de

confirmação, é uma manifestação de nossa inata tendência tribalista

a adotar os comportamentos da maioria, para sentir mais segurança

e evitar conflitos. Em sua forma mais comum, o sujeito agrega

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roupas, carros, hobbies, estilos para se identificar com um grupo de

pessoas.

Fato interessante: As coisas que são pouco atraentes, não parecem

legais ou populares sempre acabam ganhando seguidores devido à

mentalidade de rebanho. Os exemplos incluem as calças paraquedas,

pedras de estimação, tainhas, sutiãs de cone e outras coisas mais.

Estranhamente, muito disso tem a ver com a oxitocina, apelidada de

“hormônio do amor”. Este neurotransmissor, enquanto nos ajuda a

fortalecer nossos laços com as pessoas de nosso grupo, faz

exatamente o contrário com as pessoas fora deste grupo _ nos deixa

com medo ou nos faz desdenhar os outros. Este viés nos faz

superestimar as habilidades e valores de nosso grupo, mesmo que

nós não as conheçamos realmente.

Falácia do Apostador: Tendemos a dar peso enorme em eventos

passados, acreditando que eles afetarão eventos futuros. O exemplo

clássico é o cara e coroa. Depois de tirar cara, digamos, umas 5

vezes seguidas, começamos a achar que as chances de virar cara,

são maiores, quando na verdade a chance de tirar cara ou coroa,

ainda é de 50%.

Existe o viés do pensamento positivo, que frequentemente alimenta o

vicio da aposta. É a sensação que nossa sorte mudou e agora tudo

será melhor. Isto contribui para o conceito errôneo de “mão boa”. É a

mesma sensação que temos quando começamos um novo

relacionamento, de que tudo será melhor que antes.

Racionalização pós-compra: Lembra-se daquela vez que comprou

algo completamente desnecessário, errado ou muito caro e depois de

pensar um pouco, se convenceu que aquela foi uma boa compra?

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Pois é, este é o ato de racionalização pós-compra, um tipo de

mecanismo que nos faz sentirmos melhor depois de uma decisão

IDIOTA. Também é conhecida como Síndrome de Estocolmo do

Comprador, é um modo subconsciente de justificar nossas compras _

principalmente as mais caras.

[Síndrome de Estocolmo é quando a pessoa sequestrada sente algum

tipo de afeição por quem a sequestrou]

Psicólogos dizem que isto vem do princípio do compromisso, nosso

desejo psicológico de ser consistente e evitar uma dissonância

cognitiva.

[Dissonância cognitiva, como já citado, se refere ao conflito entre

duas ideias, crenças ou opiniões incompatíveis. Exemplo disso seria

você ter vontade de comprar algo e não ter dinheiro para fazê-lo.

Para dirimir esta dissonância (este conflito), você diz para si mesmo

que você não quer aquilo, não precisa tanto assim, que pode esperar

ou qualquer outra coisa que te faça sentir-se melhor com sua

decisão].

Viés Atencional: Poucos de nós têm problema de dirigir carro, mas

muitos tremem ao estarem em um avião a centenas de metros de

altura. Voar, obviamente é uma atividade não natural e

aparentemente perigosa. Mas sabemos que a probabilidade de morrer

em um acidente de carro é muito maior do que morrer em um

acidente de avião, mas nosso cérebro não nos liberta para a lógica. É

o mesmo fenômeno que nos faz termos medo de morrer em um

ataque terrorista, mais do que uma ocorrência mais corriqueira, como

cair da escada ou morrer envenenado.

É o que o psicólogo Cass Sustein chama de negligenciar

probabilidades _ nossa incapacidade de compreender adequadamente

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os riscos _ isto nos leva a exagerar os riscos de atividades

inofensivas enquanto nos faz subestimar as mais perigosas.

Observação Seletiva: É o efeito repentino de começarmos a

perceber coisas que não percebíamos antes, e afirmarmos que a

frequência que vemos tais coisas, aumentou.

Por exemplo, mulheres grávidas percebem mais mulheres grávidas.

Não é que a frequência de tais eventos aumentou, é que algumas

imagens ficam selecionadas (tipo em destaque) em nossa mente (por

qualquer razão), e por estarmos com aquilo na cabeça, achamos que

estamos vendo mais vezes tal evento.

O problema é que a maioria das pessoas não reconhece isso como

um viés de observação, e de fato acreditam que estes fatos passaram

a ocorrer mais vezes. Isto contribui com a sensação de que certos

eventos não poderiam ser mera coincidência _ e normalmente são.

Status-quo: [Status quo é uma expressão do latim que tem o

sentido de: "o estado atual das coisas". Quando se ouve alguém

dizendo que quer manter o status quo, a pessoa quer dizer que

pretende manter as coisas tal como elas estão].

Nós humanos temos medo da mudança, quando somos levados a

tomar alguma decisão, normalmente escolhemos a que menos mude

alguma coisa. Este tipo de atitude acaba se refletindo na nossa rotina

diária onde acabamos por frequentar os mesmos lugares, e num

âmbito maior, influencia na política, na economia e etc.

Um dos problemas desse viés, é que assumimos que outra escolha

será inferior, e piorará as coisas.

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Negatividade: As pessoas prestam mais atenção às más notícias _ e

isto não apenas por mera morbidez. Cientistas sociais teorizam que é

por conta de nossa atenção seletiva, e dada uma escolha,

percebemos as notícias ruins como sendo mais importantes ou

profundas. Tendemos também a dar maior credibilidade para notícias

ruins, talvez porque estamos desconfiados (ou entediados) de algo

que diga o contrário.

Se pensarmos em termos de evolução, dar atenção para más notícias

pode ser melhor para nossa adaptação do que dar ouvido as boas

notícias (por exemplo: pegar uma maçã saborosa ou tomar uma

mordida de onça?). Hoje em dia, corremos o risco de nos determos

sobre a negatividade em detrimento de uma boa notícia. Steven

Pinkler, em seu livro The Better Angles of Our Nature: Why Violence

Has Declined, argumenta que crimes, violência, guerra e outras

injustiças estão em constante declínio, mas ainda as pessoas

argumentam que as coisas estão piorando _ o que é um ótimo

exemplo do viés de negatividade.

[Os jornais diários (tv ou papel) sabem disso, e normalmente

veiculam notícias ruins para aumentar a audiência].

Efeito de arrasto ou oportunismo: [em inglês é chamado de

bandwagon effect. Bandwagon é uma carroça ou vagão ou caminhão

que carrega uma banda sobre ele _ você brasileiro: pense num trio

elétrico no carnaval baiano cheio de gente em cima, então, é quase

isso].

Apesar de normalmente não estarmos conscientes disso, nós amamos

ir na onda da galera. Quando a massa escolhe um vencedor ou um

favorito, é quando nosso cérebro individualizado começa a desligar e

entra uma espécie de “pensamento de grupo”. Mas não precisa ser

um grupo muito grande ou uma nação inteira; podem ser pequenos

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grupos, como a família ou até mesmo um grupo de trabalhadores de

um escritório. O efeito de arrasto é o que normalmente causa

comportamentos, normas sociais e memes que se propagam entre os

grupos de indivíduos _ independentemente de evidências ou motivos.

É por isso que muitas pesquisas de opinião são frequentemente

maliciosas, por elas poderem guiar as perspectivas dos indivíduos

como elas quiserem. Muito deste viés tem a ver com nosso desejo de

nos adaptarmos e nos conformarmos.

Viés da projeção: Estamos presos em nossas mentes e é difícil para

nós nos projetarmos fora dos limites de nossa consciência e de

nossas preferências. Nós costumamos a achar que a maioria das

pessoas pensa como nós _ embora não haja justificativa para isto.

Esta deficiência cognitiva normalmente leva para um efeito

relacionado, conhecido como viés do falso consenso, onde tendemos

a acreditar que não somente as pessoas pensam como nós, mas

também concordam conosco. É um viés onde superestimamos como

somos normais, e assumimos que existe consenso onde ele não

existe. Além disso, pode criar um efeito em membros de grupos

radicais que assumirem que mais pessoas concordam com eles ou

uma confiança exagerada em prever o vencedor de alguma eleição ou

jogo de algum esporte.

Viés do momento presente: Nós temos muita dificuldade em nos

imaginarmos no futuro e alterar nossas atitude de acordo com estas

perspectivas. Muitos de nós preferirmos o prazer do momento atual,

enquanto deixa a dor para depois. Este viés é uma preocupação

comum de economistas e pessoas da área da saúde. Um estudo em

1998 mostrou que ao fazer a escolha da comida para a próxima

semana, 74% dos participantes escolheram frutas. Mas quando a

comida a ser escolhida era a de hoje, 70% preferiam chocolate.

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Efeito de ancoragem: Também conhecido como armadilha da

relatividade, é a tendência que temos em comparar e constatar

apenas um número limitado de itens. É chamado efeito de ancoragem

porque tendemos a fixar um valor ou um número e usá-lo como base

de comparação para tudo mais. Um exemplo clássico é um item a

venda numa loja; tendemos a ver (e valorizar) a diferença no preço,

mas não o preço total. Por isso a característica dos menus de alguns

restaurantes de terem entradas caras, enquanto também incluem

preços (aparentemente) razoáveis. É também porque, quando dado

uma escolha, tentemos a escolher a opção média _ nem tão cara e

nem tão barata.

Reatividade: Reatividade é a tendência das pessoas a agir ou

aparecer de forma diferente quando sabem que estão sendo

observadas. Na década de 1920, uma obra em Hawthorne (uma

fábrica) encomendou um estudo para analisar se os diferentes níveis

de luminosidade influenciavam na produtividade do trabalhador. O

que se descobriu foi incrível. Infelizmente, quando o estudo foi

concluído, a produtividade voltou para os seus níveis regulares. Isto

porque a mudança não foi devido aos níveis de luz, mas porque os

trabalhadores estavam sendo vigiados. Isto demonstrou uma forma

de reação.

Quando os indivíduos sabem que estão sendo vigiados, eles são

motivados a mudar seu comportamento, para se mostrarem com

uma aparência melhor. A reatividade é um problema sério em

pesquisas e precisa ser controlada com experimentos cegos (quando

os indivíduos envolvidos em um estudo de investigação não sabem

que estão sendo analisados, de modo a não influenciar os

resultados).

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Pareidolia: Pareidolia é quando imagens aleatórias ou sons são

percebidos como significativos. Ver imagens que parecem ter

significado em nuvens ou ouvir mensagens quando um disco é tocado

de trás para frente são exemplos comuns. É um estímulo

inconsciente, e não tem significado definido. O significado está na

percepção do espectador.

Fato interessante: O Teste de Rorschach, que utiliza uma mancha de

tinta, foi desenvolvido para utilizar a pareidolia numa análise mental

das pessoas. São mostradas imagens ambíguas para que as pessoas

possam descrevê-las. As respostas são analisadas para descobrir os

pensamentos ocultos de cada indivíduo.

A profecia autorrealizável: A profecia autorrealizável gera

comportamentos que levam a resultados que confirmam perspectivas

existentes. Por exemplo, se alguém acredita que se sairá péssimo na

escola, ela diminui o esforço para fazer suas tarefas. Assim, acaba

realmente indo mal, exatamente como pensava. Outro exemplo

comum são os relacionamentos.

A pessoa acha que o seu relacionamento amoroso vai falhar, então

começa a agir de modo diferente, afastando-se emocionalmente. Por

causa disso, realmente é possível fazer com que o relacionamento

fracasse. Esta é uma ferramenta poderosa, usada por “médiuns” que

querem implantar uma ideia na mente das pessoas.

Fato interessante: As recessões econômicas são profecias

autorrealizáveis. Uma recessão se configura após dois trimestres de

queda do Produto Interno Bruto (PIB). Sendo assim, você não pode

saber que está em recessão até que esteja há pelo menos seis meses

em uma. Infelizmente, ao primeiro sinal de diminuição do PIB, a

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mídia relata uma possível recessão, as pessoas entram pânico,

gerando uma cadeia de eventos que realmente causam recessão.

Efeito Halo: O efeito halo é a possibilidade de que a avaliação de

uma característica possa interferir no julgamento de outros fatores,

contaminando um resultado geral. Esse viés acontece muito em

avaliações de desempenho de funcionários. Por exemplo: um

determinado empregado chegou atrasado para o trabalho nos últimos

três dias, eu percebi isso e conclui que ele é preguiçoso.

Há muitas razões possíveis pelas quais ele possa ter chegado tarde,

talvez o carro quebrou, sua babá não apareceu ou a chuva prejudicou

o trânsito. O problema é que, por causa de um aspecto negativo que

pode estar fora do controle do empregado, presumo que ele é um

mau trabalhador.

Fato interessante: No caso da atração física, isso acontece quando as

pessoas assumem que os indivíduos atraentes possuem outras

qualidades socialmente desejáveis, tais como sucesso, felicidade e

inteligência. Isto se torna uma profecia autorrealizável, quando as

pessoas atraentes recebem tratamento privilegiado, como melhores

oportunidades de trabalho e salários mais elevados.

Reatância: Reatância é o desejo de fazer o oposto do que alguém

quer que você faça, numa necessidade de resistir a uma tentativa de

alguém restringir sua liberdade de escolha. Isso é comum com

adolescentes rebeldes, mas qualquer tentativa de resistir à

autoridade, devido às ameaças à liberdade, é uma relutância. O

indivíduo pode não ter a necessidade de executar o comportamento

específico, mas o fato de que ele não pode fazê-lo o faz querer.

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Fato interessante: A psicologia reversa é uma tentativa de influenciar

as pessoas que utilizam reatância. Diga para alguém (especialmente

crianças) para fazer o oposto do que você realmente quer e eles vão

se rebelar e acabar por fazer o certo.

Desconto hiperbólico: Desconto hiperbólico é a tendência das

pessoas de preferir um menor retorno imediato a um maior retorno

tardio. Pesquisas mostram que diversos fatores contribuem para o

processo de tomada de decisão individual. Curiosamente, o tempo de

atraso é um fator importante na escolha de uma alternativa.

Simplificando, a maioria das pessoas prefere receber 50 reais hoje

em vez de conseguir 100 reais em um ano. Normalmente, faz sentido

escolher uma maior quantidade de dinheiro imediatamente e não

menos no futuro. É interessante como estamos mais dispostos a

tomar imediatamente ao invés de esperar, você preferiria ter R$ 100

daqui a um ano ou R$ 50 imediatamente?

Escalada de compromissos: A escalada de compromissos é a

tendência das pessoas a continuar apoiando os esforços

anteriormente fracassados. Com tantas decisões que as pessoas têm

de tomar, é inevitável que algumas não deem certo. Claro, a única

coisa lógica a fazer nesses casos é mudar essa decisão ou tentar

revertê-la.

No entanto, às vezes, as pessoas sentem-se compelidas não só a

ficar com a sua decisão, mas também a continuar a investir nela

devido aos custos irrecuperáveis. Por exemplo, digamos que você use

metade de suas economias para começar um negócio. Após seis

meses, é evidente que o negócio não vai dar certo. A única coisa

lógica a fazer é desistir. No entanto, devido aos custos já gastos,

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você se sente comprometido com o negócio e investe ainda mais

dinheiro para o projeto na esperança de que a situação se reverta.

Efeito placebo: O efeito placebo é quando uma substância ineficaz

produz o efeito desejado. Especialmente comum com medicamentos,

o efeito placebo tem sido observado quando os indivíduos recebem

uma pílula de açúcar ou farinha para uma melhoria real de uma

determinada doença.

Os placebos são ainda um mistério científico. Teoriza-se que eles

causem um “efeito esperança” (em caso de dúvida, a expectativa é o

mais provável de acontecer). Indivíduos esperam que os comprimidos

curem suas doenças, assim eles se sentem curados. No entanto, isto

não explica a forma como os comprimidos ineficazes realmente

causam uma redução nos sintomas.

Fato interessante: O termo placebo é usado quando os resultados são

considerados favoráveis.

FALÁCIAS E ERROS DE RACIOCÍNIO

O termo “falácia” deriva do verbo latino fallere, que significa

enganar. Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência

de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um

argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou

falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. Argumentos

que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para

grande parte do público apesar de conterem falácias, mas não

deixam de ser falsos por causa disso. Reconhecer as falácias é por

vezes difícil. Os argumentos falaciosos podem ter validade emocional,

íntima, psicológica, mas não validade lógica. É importante conhecer

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os tipos de falácia para evitar armadilhas lógicas na própria

argumentação e para analisar a argumentação alheia. As falácias que

são cometidas involuntariamente designam-se por paralogismos e as

que são produzidas de forma a confundir alguém numa discussão

designam-se por sofismas.

Segundo Othon M. Garcia, “ainda que cometamos um número

infinito de erros, só há, na verdade, do ponto de vista lógico, duas

maneiras de errar: raciocinando mal com dados corretos ou

raciocinando bem com dados falsos. (Haverá certamente uma terceira

maneira de errar: raciocinando mal com dados falsos). O erro pode,

portanto, resultar de um vício de forma — raciocinar mal com

dados corretos — ou de matéria — raciocinar bem com dados falsos”.

De acordo com o mesmo autor, o que diferencia

o sofisma da falácia, é que, embora ambos sejam basicamente

raciocínios errados, a falácia é involuntária. Ao passo que o sofisma

tem como objetivo induzir a audiência ao engano, o raciocínio

falacioso decorre de uma falha de quem argumenta. Quem usa

sofismas, sabe o que está fazendo quando, por exemplo, tenta nos

empurrar uma conclusão para a qual não dispõe de dados ou

demonstrações suficientes. Quem se vale de falácias, por sua vez,

simplesmente se enganou.

O conhecimento do que é ou não um raciocínio falacioso

certamente é um dos mais úteis que existem quando vamos analisar

criticamente qualquer assunto. As falácias e inconsistências lógicas

abundam em nossa sociedade e são utilizadas o tempo todo, como

podemos verificar facilmente nos pronunciamentos de políticos

demagogos, entre outros casos. Elas permitem que alguém faça

declarações aparentemente racionais e aceitáveis sem o mínimo

necessário de conhecimento ou ainda fugindo de um tema e

embaraçando os interlocutores, fazendo-os se desviarem do assunto

tratado. Reconhecê-las nem sempre é fácil, especialmente quando

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aparecem em diálogos, onde podemos acabar engolindo coisas que,

uma vez submetidas a uma análise mais profunda, se revelam sem

fundamento. Existem áreas, até, onde uma falácia acaba se tornando

o discurso predominante pelo qual um determinado grupo se

manifesta. Na área de que tratamos, a religiosa, não é demais dizer

que é o campo onde mais se cometem esses erros. Portanto, não é

de se admirar que determinados incrédulos sejam tão resistentes aos

assuntos religiosos: eles simplesmente se recusam, e com razão, a

aceitar como verdades absolutas afirmações e raciocínios que violam

a própria lógica.

Vamos agora examinar rapidamente algumas falácias

e truques retóricos mais frequentes, a fim de que possamos não

apenas nos prevenir contra eles, como também, quem sabe,

mudarmos nossa maneira de falar às pessoas. Mas antes, é

importante salientar que, existem falácias de tal forma cristalizadas

em certos grupos ou comunidades, tão repetidas e consagradas no

seu discurso, que dificilmente terão sua falsidade reconhecida. Em se

tratando de assuntos religiosos, isso se complica, pois o que é uma

falácia para um, pode ser uma verdade irretorquível para outro.

Raciocínio circular ou petição de princípios:

Esse é um erro comuníssimo em debates ou pregações

religiosas. Trata-se simplesmente de afirmar a mesma coisa com

outras palavras. Alguns exemplos:

1. “Por que a Bíblia é a Palavra de Deus? Ora, porque ela foi inspirada

pelo próprio Criador.”

…ou ainda o que eu chamaria de “variação Tostines”

2. “A Bíblia é perfeita porque é a Palavra de Deus. E como sabemos

que ela é a Palavra de Deus? Pela sua perfeição.”

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Esse exemplo é fácil de encontrar, especialmente nos meios

evangélicos mais conservadores. É importante ressaltar que ele foi

posto aqui apenas para ilustrar um tipo de raciocínio falacioso muito

frequente, não para desmerecer a Bíblia ou a crença de quem quer

que seja.

Um exemplo laico agora:

3. “Eu acho que alpinismo é um esporte perigoso porque é inseguro e

arriscado.”

Dizer que algo é “inseguro e arriscado” não é o mesmo que

dizer que ele é “perigoso”? Ora, o que essa “explicação" acrescentou

que justificasse a ideia de que alpinismo é perigoso? Nada.

Simplesmente repetiu-se a primeira afirmação com outras palavras.

4. “Por que eu sou a pessoa mais indicada para o trabalho? Porque eu

descobri que, dentre todos os outros candidatos, e considerando

minhas qualificações, eu sou a melhor pessoa para o trabalho.”

Valem as mesmas observações. Porém prestemos atenção num

detalhe: às vezes, quando a “justificativa” é muito longa, podemos

nos perder e não notarmos que a pessoa acabou não dando

evidências para aquilo que disse. Um exemplo trágico poderia ser a

frase de Goebbels, propagandista do regime nazista alemão: “Uma

mentira, repetida muitas vezes, acaba se tornando uma

verdade”. Afirmações muito repetidas podem ganhar um status tal

que as pessoas podem nunca ter parado para pensar realmente no

porquê de acreditarem nelas. Crenças inculcadas desde a infância ou

em períodos de fragilidade emocional são casos típicos. Por isso,

tenhamos a máxima prudência com aquilo que nos chega aos

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ouvidos e com a maneira como abordaremos certas crenças

arraigadas num debate; antes de questionar os outros, convém

darmos uma olhada na nossa própria fé em certas premissas, que

talvez nunca tenhamos analisado criticamente.

Egocentrismo ideológico:

Essa provavelmente não será achada em manuais de lógica. O

que eu batizei de “egocentrismo ideológico” nada mais é do que um

primo do raciocínio circular. Trata-se da incapacidade ou recusa

sistemática em se pôr de um ponto neutro para analisar alguma

coisa. O cerne do problema, aqui, é mais a atitude do debatedor do

que propriamente sua lógica. Mais uma vez, recorramos a exemplos

reais e muito comuns:

1. “Como eu sei que a Bíblia contém toda a Palavra de Deus, perfeita

e eterna? Ora, porque, conforme vemos em Segunda Timóteo 3:16…”

2. “Você tem que crer naquilo que Jesus disse, porque ele falou

‘Ninguém vai ao Pai senão por mim.’”

3. “A minha religião é a única verdadeira, e você não pode questionar

isso. Veja só o que nosso fundador diz em…”

4. “Por que o Papa, em questões doutrinárias, é infalível? Porque o

Concílio de…, sob a inspiração da Assistência Extraordinária do

Espírito Santo dada ao líder da Igreja, que o promulgou, declarou

assim.”

Onde o erro? Ora, todos os declarantes estavam conversando

com alguém que é cético e está questionando a autoridade da fé que

eles têm. E o que eles fazem para demonstrar que estão

certos? Recorrem à mesma autoridade que está sendo questionada.

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Apelar para uma autoridade que só é reconhecida por uma das

partes é sempre desaconselhável quando a finalidade é a persuasão.

Se em matérias científicas, por exemplo, o currículo de alguém pode

dar uma boa ideia de sua capacidade para opinar sobre um assunto,

em religião tal não se aplica da mesma forma. Por isso, é sempre

bom recorrer a outros argumentos diante de um cético; a imposição

de autoridade simplesmente não funcionará.

Supersimplificação e raciocínio “8 ou 80”:

Essas são praticamente inevitáveis, e se você não se deparar

com elas, é porque está debatendo filosofia ou seu interlocutor é

diplomata profissional.

Um bom argumento deve resumir as questões em debate e

simplificá-las para o leitor ou a audiência. Dizemos que há

“supersimplificação” quando isso é feito de tal forma que muitos

detalhes importantes são deixados de lado e o resumo feito só

permite uma única conclusão. Exemplo:

1. “Os nazistas usaram alguns escritos de Nietzsche em sua

propaganda. A irmã de Nietzsche era nazista. Portanto, Nietzsche era

nazista.”

Já o raciocínio “8 ou 80”, conhecido também como falso dilema,

é aquele que só admite duas possibilidades antagônicas numa

determinada questão, mesmo que haja muitas mais, sendo que a

pessoa que o utiliza está, claro, do lado certo. Essa falácia pode ser

assim resumida:

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35

2. “Ou você está totalmente certo ou eu estou totalmente errado.”

Exemplo radical, não? No entanto, essa é a forma como muitas

pessoas pensam em determinadas áreas: sem meios-termos, tudo ou

é preto ou é branco, sem variações de cinza. Esse é um meio

confortável de simplificar demais assuntos complexos como moral e

espiritualidade, pois é a negação do diálogo. Eis algumas possíveis

aplicações religiosas desse raciocínio falacioso:

3. “A Bíblia alega ser a Palavra de Deus e sem erros. Se você achar

um erro nela, então ela tem de estar totalmente errada.”

4. “Fulana tinha câncer e fez uma ‘cirurgia espiritual’ para ajudar na

cura. E, de fato, ela se curou. Ou a cura de Fulana na ‘cirurgia

espiritual’ foi um milagre de Deus ou um prodígio do demônio. Deus

não age nessa religião. Então, só pode ter sido obra de Satanás.”

Cito esses exemplos por já ter visto alguém usá-los num

debate. Fora a questão de fé envolvida aí, o erro de raciocínio é

evidente, pois, no primeiro caso, o fato de achar um erro na Bíblia ou

em qualquer outro livro religioso não significa invalidá-lo por inteiro,

obviamente, mas apenas exigir do leitor um pouco mais de

discernimento ao lê-los, sem o falso conforto de formar uma opinião

inflexível e julgar tudo que ali está sem o trabalho de um maior

exame. Já no segundo, fora o egocentrismo ideológico que não

contribui para persuadir a audiência nem apresenta evidências para

comprovar sua tese, excluem-se as outras possibilidades de

explicação: da cura ter-se dado naturalmente, em virtude dos

tratamentos médicos a que Fulana estava se submetendo, ou do

fenômeno de sugestão, etc.

Essas falácias nos levam diretamente a uma outra, também

muito comum, chamada…

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Generalização apressada:

Falácia de generalização apressada, como o nome indica, é

aquela em que uma pessoa constrói algumas premissas para um

argumento e, em seguida, o conclui rápido demais. Noutras palavras,

é tirar uma conclusão com base em evidências insuficientes, julgar

todas as coisas de um determinado universo com base numa

amostragem muito pequena. Consequentemente, ela passa por cima

de detalhes, fatores, circunstâncias e mesmo dos casos que poderiam

refutar a universalidade de suas premissas. É claro que todo

argumento presume algum grau de generalização, mas, neste caso,

ela é excessiva. Vejamos dois exemplos:

1. “Minha avó tem dor de cabeça crônica. Meu vizinho também tem e

descobriu que o motivo é um câncer. Logo, minha avó tem câncer.”

2.. “Nas duas vezes em que fui assaltado, os bandidos eram negros.

Bem que minha mãe fala que todo negro tem tendência para ladrão!”

Dito assim, parece um erro tão idiota que uma pessoa teria de

ter muito pouca inteligência ou instrução para incorrer nele. Mas não

é bem assim. Esse tipo de falácia é muito frequente, dentre outras

coisas, em certas frases discriminatórias muito usadas. Quem nunca

ouviu algo parecido com os exemplos a seguir?

3. “O pastor da igreja X roubou o dinheiro dos fiéis. Fulano é pastor.

Logo, também é ladrão.”

4. “Meu tio é candomblecista e já matou um bode para oferecer ao

orixá. Beltrano foi ao terreiro de candomblé. Logo, ele também mata

animais para o orixá.”

5. “Fulano entrou para a igreja X e ficou fanático. Logo, todos os fiéis

da igreja X são fanáticos.”

6. “Fulano entrou para uma igreja protestante e ficou fanático. Logo,

todos os protestantes são fanáticos.”

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7. “Crentes/muçulmanos/bramanistas/etc. são todos fanáticos.”

8. “Todo americano é racista.”

É no dia-a-dia que esse tipo de erro, muito bom para cunhar

bordões preconceituosos, é mais encontrado. Alguns de nós pode até

ter crescido ouvindo frases dessa espécie, tendo-as incorporado de

tal maneira que sequer lembramos de questioná-las. Frequentemente

são generalizações feitas com base num único episódio particular,

ignorando as diversas nuances que ele possa ter e aplicando suas

características a todo um grupo de pessoas ou doutrinas. Devemos

ter cuidado com elas, são falácias que podem simplesmente passar

despercebidas por anos.

Ataque pessoal ou argumento ad hominem:

Essa falácia é fácil de reconhecer. Consiste simplesmente em

atacar uma pessoa em vez dos argumentos que ela expõe, usar um

traço de seu caráter como pretexto para desqualificar ou ignorar o

que ela diz. Pode ser usado quando não se sabe como refutar o que o

oponente diz ou simplesmente por excesso de preconceito, sendo um

meio muito cômodo (e desonesto) de fugir do debate. Vejamos:

1. “O que Fulano diz sobre o balanço da empresa não pode ser levado

a sério, afinal ele traiu a mulher.”

2. “O senhor não tem autoridade para criticar nossa política

educacional, pois nunca concluiu uma faculdade.”

3. “Beltrano não entende nada de espiritualidade, ele é gay.”

4. “A religião é uma coisa má. Veja só quantas guerras foram

provocadas por ela.”

5. “Não deem ouvidos ao que ele diz. Como ele abandonou nossa fé,

as críticas dele à nossa organização só podem ser mentiras.”

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Talvez nesta última modalidade o argumento ad hominem seja

a falácia com mais possibilidades de ser explorada autoritariamente,

pois a melhor forma de se manter o controle sobre um grupo é

justamente fazer com que ele evite qualquer contato com

informações ou opiniões dissidentes. Não é por outra razão que uma

das primeiras medidas de regimes políticos ilegítimos é a censura e

perseguição a seus críticos e dissidentes. Religiosamente falando, isso

é feito pela difamação de ex-membros, especialmente se eles tentam

explicar as razões por que deixaram o grupo religioso a que

pertenciam. Em vários casos, generalizações excessivas, termos

pejorativos e mesmo a proibição de qualquer contato são usados para

se criar a ideia de que todos os ex-membros têm falhas de caráter,

ignorando a possibilidade de abandono por razões de consciência,

discordância doutrinária e toda uma série de fatores que podem levar

alguém a reavaliar honestamente suas crenças. Assim, abafa-se na

fonte a possibilidade de um debate ou questionamento por parte dos

que ficaram, já que eles serão desencorajados a procurar entender os

motivos dos dissidentes.

6. “Os argumentos da empresa X contra nossa fusão não merecem

crédito, pois eles são nossos concorrentes e seus interesses

comerciais estão em jogo.” (Também chamado de culpa por

associação).

Neste último exemplo, o fato de que a empresa X tem motivos

comerciais para se opor à fusão das concorrentes não invalida os

seus argumentos e tampouco faz com que os daqueles a favor da

fusão mereçam mais crédito. Fosse assim, por exemplo, poderíamos

invalidar a priori todos os argumentos de defesa do réu de um

processo judicial, já que são motivados pelo seu interesse em

continuar livre. Embora em questões como essa, o interesse ou as

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crenças particulares de alguém possam sugerir que os argumentos

apresentados provavelmente serão tendenciosos, isso não é desculpa

para que sejam ignorados ou abordados apenas de forma indireta e

inadequada através de um truque retórico.

Outra variante nos leva ao famoso ditado “faça o que eu digo,

não o que eu faço”, o chamado tu quoque (latim para “você

também”).

7. “Você diz que o cigarro é um vício horrível, mas ainda não

conseguiu parar. Por que eu deveria lhe dar ouvidos, então?”

O fato de a pessoa que nos fala ainda fuma não quer dizer que

o cigarro seja menos prejudicial. Ela pode não ser o melhor exemplo

de conduta, mas nem por isso deixa de ter razão nesse ponto. Um

argumento ad hominem não é necessariamente uma falácia, desde

que aplicado numa circunstância adequada. Por exemplo, se o seu

banco nomeia para o cargo de diretor uma pessoa com um passado

de notórios crimes financeiros, você não pode ser recriminado por

procurar outra instituição. Neste caso, a probidade da pessoa da

pessoa é tão relevante quanto a lógica do que ela diz. Trata-se,

então, de uma precaução razoável e justificada. Agora, se essa

mesma pessoa, por outro lado, resolve debater a possibilidade de

vida após a morte, já é outra história…

Apelo à ignorância:

Resume-se na frase “ausência de evidência não é evidência de

ausência”. Consiste em usar a falta de provas (ou a inabilidade do

oponente em apresentá-las) a favor ou contra algo para provar uma

outra tese.

1. “Você não tem provas de que Deus existe. Logo, ele não existe.”

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2. “Você não tem provas de que Deus não existe. Logo, ele existe.”

3. “É claro que houve um dilúvio; ninguém nunca conseguiu provar

que não houve.”

Acontece que a mera falta de provas não prova nada. No

máximo, pode sugerir, mas nunca fechar questão. O fato de eu não

poder provar empiricamente que, digamos, os buracos negros

existem não quer dizer que eles não podem existir necessariamente.

Ora, se temos duas teses opostas, e uma não tem evidências

confiáveis a seu favor e a outra sim, fiquemos com esta. Mas se ela

também não possui evidências, não será o problema da outra que a

tornará legítima. Por isso, devemos tomar todo o cuidado para não

cair num falso dilema (vide acima) e nos deixemos enganar por

dicotomias falsas, como no exemplo a seguir:

4. “O ‘elo perdido’ entre o homem e os primatas não foi encontrado

até hoje. Isso nos mostra que a Teoria da Evolução está errada e o

livro bíblico de Gênese é que está com a razão ao falar da criação do

primeiro casal por Deus.”

Aqui o autor da frase, além de reduzir toda a Teoria da

Evolução ao caso do Homo sapiens, esqueceu que o fato de que se

ela, hipoteticamente, está errada, não quer dizer que o Gênese esteja

certo.

Apelo à multidão:

Quem conhece a expressão “maria-vai-com-as-outras”

certamente saberá quando uma falácia de apelo à multidão está

sendo usada. Basicamente, esse é o tipo de raciocínio que diz “se

todos fazem, então eu devo fazer também”. Políticos bons de voto

adoram essa linha de argumento, religiosos proselitistas também.

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1. “Você não acha que se uma religião cresce tanto em tão pouco

tempo é porque Deus está com ela?”

2. “Dez milhões de pessoas não podem estar erradas. Junte-se à

nossa igreja você também.”

3. “Isso é uma verdade tão sublime que um milhão de pessoas já a

aceitaram como regra de fé.”

A questão essencial aqui é que quantidade não é critério da

verdade. O que esse tipo de falácia faz é desviar a atenção do tema

tratado para um outro, aparentemente importante, mas que é um

tópico à parte. O fato de tantas pessoas acreditarem em algo não

significa que seja verdade. Por exemplo, há poucos séculos,

acreditava-se que o oceano era repleto de monstros que

inviabilizariam viagens transatlânticas, e hoje podemos viajar em

cruzeiros ao redor do mundo com uma boa margem de segurança.

Em religião, especificamente, é algo ainda pior: se dez milhões

acreditam numa coisa, uns 300 milhões acreditam em outra bastante

diferente; e mesmo a religião mais significativa numericamente não

tem uma vantagem tão grande, pois a soma das outras é ainda

superior ao número de fiéis dela. Existem formas mais inteligentes e

honestas de se buscar o consenso do interlocutor e da audiência.

Apelo ao medo ou argumento ad baculum:

Aqui, o instrumento de coerção não é a pressão da maioria,

mas o temor das consequências de não adotarmos o ponto de vista

da pessoa com quem debatemos. Mais um exemplo tirado de diálogos

religiosos:

1. “Quanto ao inferno, veja só: eu acredito, você não. Se eu estiver

errado, e você certo, não terei perdido nada. Mas já parou para

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pensar que, se eu estiver certo e você errado, você pode sofrer

eternamente por isso?”

Ora, isso é um raciocínio ou uma ameaça? Pois um raciocínio é

uma demonstração racional da validade de uma determinada ideia, o

que não é o caso. Então como analisar esse tipo de argumento? Bem,

existem dois tipos de razão para se adotar uma determinada crença:

a racional e a prudente. A primeira é baseada na lógica e na

objetividade; a segunda, em algum outro fator importante para a

pessoa, como medo ou benefício pessoal, mas que não influi na

veracidade ou falsidade da crença. Quando alguém usa um

argumento ad baculum, está na realidade dizendo que, se uma ideia

ou concepção nos assusta, então é melhor crer que ela é verdade,

mesmo que não haja uma razão lógica para demonstrá-la. É fácil

mostrar o absurdo disso, bastando mudar o motivo do medo:

2. “Eu acredito que o bicho-papão mora no armário, você não

acredita. Se eu estiver errado, não terei perdido nada. Mas já parou

para pensar que, se eu estiver certo e você errado, ele pode devorar

você?” Ou ainda, mais sutilmente:

3. “É melhor você votar pela condenação do réu ou você pode ser a

próxima vítima dele.”

Se para condenar o réu é necessário apelar para o medo dos

jurados em vez de para as provas, então algo muito errado deve

estar acontecendo…

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Apelo à tradição:

Uma variedade do apelo à multidão, só que o argumento

fundamental neste caso é “quanto mais antigo, melhor”. Quando uma

pessoa apela para a tradição, está apostando que crenças antigas

estão sempre certas, o que obviamente não é verdade, como a

medicina demonstra quase todos os dias. Vejamos alguns exemplos:

1. “A Astrologia é uma arte adivinhatória praticada há milhares de

anos no Oriente. Conta-se que os antigos reis da Babilônia teriam

feito uso dela para saber os dias mais propícios para as batalhas. Até

os imperadores chineses recorriam aos astros para guiarem seus

passos no governo. Com esse currículo respeitável, é inadmissível

que ainda não a considerem uma ciência.”

2. “É claro que existem duendes, as lendas sobre eles têm séculos e

séculos de existência.”

3. “Nosso livro sagrado têm mais de 3 mil anos de idade e está

intacto, logo, só ele pode conter a verdadeira revelação divina.”

4. “Os primeiros mártires costumavam fazer ou acreditar nisso. Então

deve ser bom.”

5. “Essas práticas remontam aos primeiros séculos da nossa igreja.

Como você pode questioná-las?”

Familiar? Esse tipo de argumentação ignora que o fato de um

grande número de pessoas, durante muito tempo, crer que uma coisa

é verdade não é motivo para se continuar crendo. Por exemplo, a

escravidão era considerada justificável em inúmeras nações durante

milênios, e nem por isso, hoje, temos que aceitá-la como uma prática

legítima.

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Apelo à autoridade:

Quando queremos reforçar nossa tese, podemos recorrer à

opinião de pessoas respeitáveis para corroborá-la. Assim, por

exemplo, se quero defender o uso de uma determinada substância no

tratamento de uma doença, poderei citar médicos renomados e

idôneos, desde que eles tenham experiência no combate a essa

enfermidade e que tenham testado a eficácia da substância em

questão. Isso é perfeitamente válido, e até desejável. No entanto,

nem sempre se tem esse cuidado na seleção de citações, e acabamos

por citar quaisquer personalidades célebres como se tivessem mais

autoridade que qualquer outro mortal em questões em que não são

especialistas. Ser famoso não quer dizer estar certo sobre tudo. Por

exemplo:

1. “Dionne Warwick é uma boa cantora, mas isso não significa que o

serviço esotérico por telefone para o qual ela faz propaganda

realmente funcione e seja a solução de todos os problemas da vida.”

2. “O mesmo vale para Mayara Magri e o Instituto Omar Cardoso,

bem como para todos os anúncios publicitários envolvendo

celebridades do show-business.”

Da mesma maneira, principalmente ao se tratar de assuntos

polêmicos, fazer citações breves de especialistas famosos, ainda que

afins com a questão em pauta, não significa necessariamente que

eles estão defendendo a tese em questão ou concordando com todos

os pontos que a compõem. Depoimentos de somente uma ou duas

frases aparentemente favoráveis em geral não nos permitem ter uma

ideia clara de até que ponto aquele suposto especialista se

aprofundou no assunto e no contexto em que aquelas palavras foram

ditas. Para termos uma maior segurança nesse ponto, ao nos

depararmos com o depoimento dessas autoridades, é melhor que eles

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sejam suficientemente detalhados para que possamos ter certeza de

que sabiam do que estavam falando e das razões pelas quais são

favoráveis ou não a uma determinada ideia. O bom senso exige que,

antes de nos curvarmos a títulos e fama, procuremos saber que

argumentos estão sendo usados e se eles realmente merecem

crédito. Afinal, mesmo os sábios têm suas falhas e equívocos.

Eufemismos:

São palavras que designam coisas potencialmente

desagradáveis de forma mais suave. Usadas pretensiosamente por

políticos e religiosos, são uma forma polida e ilusória de tornar belo o

feio, e fazer com que mesmo as ideias mais repugnantes se tornem

mais aceitáveis. Seu apogeu está no uso de expressões

consideradas politicamente corretas, tão populares nos Estados

Unidos, e que chegam a ser ridículas:

1. “Indivíduo verticalmente desafiado — anão.”

2. “Homem afro-americano — homem negro (e por que não nipo-

americano, sino-americano, teuto-americano?).”

Já outros são mais universais e menos risíveis:

3. “Apropriar-se ilicitamente de dinheiro público — roubar dinheiro

público.”

4. “Ser convidado a retirar-se do recinto — ser expulso do recinto.”

Eufemismos normalmente são dispensáveis, só tendo alguma

utilidade quando se quer evitar ferir a suscetibilidade de alguém, que,

no caso do politicamente correto, é exagerada. Um bom argumento

deve ser claro, conciso e de preferência sem eufemismos que possam

atrapalhar a comunicação. Se eles são usados com muita frequência,

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pode ser o caso de que nosso interlocutor esteja tentando minimizar

ou disfarçar alguma coisa.

Premissas contraditórias:

Quando as bases do argumento são mutuamente excludentes.

Por exemplo:

1. “O que acontece quando uma força irresistível encontra um

obstáculo irremovível?”

Ora, o erro aqui é que não existe força irresistível. Se existisse,

então não haveria um obstáculo irremovível, e vice-versa. Logo, se a

pergunta não é coerente consigo mesma, não pode haver resposta.

2. “Se Deus pode tudo, ele poderia fazer uma pedra tão pesada que

nem ele mesmo pudesse levantar?”

Novamente, a pergunta não faz sentido, pois admitir que Deus

pode criar tal pedra é admitir também que ele não pode tudo; e

admitir que ele não pode criar a pedra é o mesmo que negar sua

onipotência. Então, não se tem aí nenhum fundamento que possa dar

margem a um raciocínio legítimo. Mais um exemplo, desta vez

peculiar às religiões salvacionistas, em especial as cristãs:

3. “Deus é o criador onisciente de todas as coisas. Então ele também

criou o mal? Não, o mal é criação das suas criaturas.”

Vejamos: se Deus é o criador de tudo, e ainda por cima

onisciente (ou seja, sabedor de tudo, mesmo do futuro), como se

pode dizer que o mal não é também criação dele? Tal como estão, as

afirmações se contradizem, pois mesmo que Deus não tenha criado o

mal diretamente, se ele é onisciente e cria os seres já sabendo que

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praticarão atos maus, o máximo que se pode dizer é que ele é seu

criador indireto. A própria ideia de ser a origem de tudo que existe

implica não só ser criador daquilo que consideramos bom como

também do que consideramos mau. Mas se o mal foi criado a

despeito da vontade ou do conhecimento de Deus, o que faz mais

sentido, então ele não seria onipotente. E aí teríamos mais uma

contradição.

Redução ao absurdo:

É um raciocínio levado indevidamente ao extremo. Designado

apropriadamente em inglês pela expressão “slippery slope”, ou seja,

rampa escorregadia, na qual um simples empurrão basta para que se

perca totalmente o controle. Essa falácia pode ser expressa assim:

1. “Você permite que seu filho de seis anos roube um beijo na

bochecha da coleguinha de escola hoje e logo ele vai querer agarrá-la

e, mais tarde, se tornará um maníaco sexual. Você não tem

vergonha?”

Ou seja, quem faz uso dessa falácia parte do princípio de que

um evento qualquer vai necessariamente levar a outro sem qualquer

possibilidade de gradação ou razão aparente, como numa bola de

neve montanha abaixo. É uma mistura de generalização apressada

com um determinismo pessimista, pois só reconhece uma cadeia de

eventos possíveis a partir de um fato. No exemplo citado, pode até

ser que o menino tenha alguma tendência problemática, mas

certamente não terá sido o beijo na coleguinha o fator responsável

por isso e de uma criança que dá um beijo na bochecha aos seis anos

até o adulto sexualmente perturbado vai uma boa distância. A falácia

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relaciona o beijo ao comportamento doentio sem qualquer motivo

aparente, ignorando todos os graus entre uma coisa e outra.

Mais alguns exemplos:

2. “Se você permite o aborto em casos de risco de vida para a mãe

nos hospitais públicos, logo todo o mundo vai querer abortar por

qualquer motivo, ninguém mais vai valorizar a gravidez e a taxa de

natalidade vai acabar despencando, prejudicando a economia do

país.”

3. “A crença na vida após a morte é perniciosa, pois quem acredita

nisso sempre vai achar que as coisas vão melhorar no Além e,

portanto, vai se acomodar à sua situação atual, não lutar por seus

direitos e permanecer em tamanha inatividade que a nação logo vai

estar subjugada pelos exploradores internacionais. É por isso que

nosso país seria muito melhor se todos fossem ateus.”

Agora alguns só aparentemente mais aceitáveis:

4. “Se deixarmos o governo vender uma estatal hoje, daqui a dois ou

três anos o país inteiro vai estar nas mãos do empresariado

internacional.”

5. “Não podem censurar meu livro. Eles começam censurando só o

meu e logo vão estar queimando todos os livros em praça pública e

voltaremos ao tempo da Inquisição!”

6. “Se eu fizer uma exceção para você vou ter de fazer para todo o

mundo.”

7. “Se você cumprimentar aquele seu amigo que abandonou nossa

igreja, ele vai encher sua cabeça de mentiras, você vai perder a fé e

vamos ter de tratar você como um traidor também.” (cf. Apelo ao

medo ou argumento ad baculum e Ataque pessoal ou argumento ad

hominem, acima).

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Por fim, é importante observar que o simples fato de alguém

cometer uma falácia não invalida toda a sua argumentação. Ninguém

pode dizer: "Li um livro de Rousseau, mas ele cometeu uma falácia,

então todo o seu pensamento deve estar errado". A falácia invalida

imediatamente o argumento no qual ela ocorre, o que significa que só

esse argumento específico será descartado da argumentação, mas

pode haver outros argumentos que tenham sucesso. Por exemplo, se

alguém diz:

"O fogo é quente e sei disso por dois motivos:

1. ele é vermelho; e

2. medi sua temperatura com um termômetro".

Nesse exemplo, foi de fato comprovado que o fogo é quente por

meio da premissa 2. A premissa 1 deve ser descartada como

falaciosa, mas a argumentação não está de todo destruída. O básico

de um argumento é que a conclusão deve decorrer das premissas. Se

uma conclusão não é consequência obrigatória das premissas, o

argumento é inválido. Deve-se observar que um raciocínio pode

incorrer em mais de um tipo de falácia, assim como que muitas delas

são semelhantes.

PSICOSE E RELIGIÃO

Nas ultimas décadas, prestou-se maior atenção ao estudo

científico da religião e sua relação com a saúde e as doenças mentais.

Embora haja muito trabalho ainda a se fazer, evidências têm-se

acumulado para que se possa ter respostas mais objetivas às

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perguntas, tais como: qual a relação entre religião, espiritualidade e

psicose? Pessoas psicóticas são mais religiosas? A religião conduz à

psicose? A psicose conduz a religião? A conversão religiosa pode

precipitar a psicose? A psicose pode precipitar a conversão religiosa?

Qual a freqüência dos delírios religiosos entre aqueles que são

psicóticos? Como diferenciar experiências religiosas ou espirituais

“normais” de sintomas psicóticos? Qual o efeito do envolvimento

religioso no curso e evolução dos transtornos psicóticos? Que efeito

tem a psicose nas crenças espirituais ou religiosas das pessoas? Estas

são perguntas importantes que apenas agora começam a ser

respondidas por pesquisas sistemáticas.

Segundo o cientista e professor norte americano Harold G.

Koenig, o qual é Doutor Especialista em Psiquiatria e Ciências do

Comportamento, frequentemente psiquiatras tratam pacientes

religiosos com transtornos psicóticos ou que possuem alguma forma

de espiritualidade. Para Koenig, cerca de um terço das psicoses tem

conteúdo religioso, porém nem todas as experiências religiosas são

psicóticas. Em sua visão, devem ser compreendidos, por parte dos

clínicos, os papéis positivos e negativos que a religião desempenha

nos pacientes com transtornos psicóticos.

A maioria dos psiquiatras e outros profissionais de saúde

mental, cientificamente treinados, acreditam em uma visão de mundo

secular, científica. Sigmund Freud acreditava que a religião causava

sintomas neuróticos e, possivelmente, até mesmo sintomas

psicóticos. Em O Futuro de uma Ilusão, Freud (1962) escreveu:

“Religião seria assim a neurose obsessiva universal da humanidade... A ser

correta essa conceituação, o afastamento da religião está fadado a ocorrer

com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento… Se, por um lado,

a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, em um

indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de

ilusões plenas de desejo com um repúdio da realidade, tal como não

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encontramos, em forma isolada, em parte alguma senão na amência, em um

estado de confusão alucinatória beatífica…”.

Freud também tenta chamar a nossa atenção para o futuro que

aguarda a cultura humana. No processo de desenvolvimento de seu

pensamento, ele acha necessário lidar com a origem e o propósito da

cultura humana como tal. Por cultura humana Freud significa todos os

aspectos em que a vida humana tem se levantado acima da condição

animal e que difere da vida de uma fera. Para Freud, a cultura

humana inclui, por um lado, todo o conhecimento e poder que os

homens acumularam, a fim de dominar as forças da natureza, e do

outro todas as providências necessárias para que as relações dos

homens uns com os outros possam ser reguladas. Estas duas

condições para a cultura não são separáveis uma da outra, porque na

medida em que os recursos existentes satisfazem os nossos desejos e

instintos, eles estão entrelaçados. Embora o homem forme a cultura,

ele é, ao mesmo tempo, sujeito a ela porque ela doma seus instintos

selvagens e faz com que ele se comporte de uma forma socialmente

aceitável. Assim, Freud escreve: "Parece mais provável que cada

cultura deve ser construída em cima de . .. coerção e renúncia ao

instinto. "

Freud sustenta que a essência da cultura não está na conquista

da natureza pelo homem como forma de dar suporte à vida, mas na

esfera psicológica a qual permite a cada homem conter seus instintos

predatórios. Um dos refreadores do instinto que o homem criou para

perpetuar sua cultura é a religião. O aspecto particular da religião

como reflexo da consciência moral foi reconhecido por Freud quando

ele escreve que uma de suas funções é tentar, "... corrigir as tão

dolorosamente sentidas imperfeições da cultura”. Freud define a

religião como uma ilusão que consiste em "certos dogmas,

afirmações sobre fatos e condições da realidade externa e interna,

que dizem algo que não foi descoberto, e afirmam que se deve dar-

lhes credibilidade”.

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Conceitos religiosos são transmitidos em três formas e, assim,

reivindicam nossa crença "em primeiro lugar porque os nossos

antepassados primitivos já acreditavam neles, segundo lugar, porque

possuímos provas que foram entregues até nós desde a antiguidade,

e em terceiro lugar porque é proibido levantar a questão de sua

autenticidade em tudo. “Psicologicamente falando, estas crenças

apresentam o fenômeno da realização do desejo”. Desejos que são as

realizações dos desejos mais antigos, mais fortes e mais urgentes da

humanidade” Entre eles estão a necessidade de agarrar-se a

existência do pai, o prolongamento da existência terrena por uma

vida futura e da imortalidade da alma humana. Para diferenciar entre

uma ilusão e um erro, Freud cita duas das crenças científicas que

hoje já foram refutadas pela ciência, tais como: “a crença

de Aristóteles de que os parasitas se desenvolvem do esterco”, como

também “a afirmativa feita por alguns nacionalistas de que a raça

indo-germânica é a única capaz de civilização". Ambas estão erradas

e constituem uma ilusão, simplesmente por causa do desejo

envolvido. Isso dito de uma forma mais explícita: o que é

característico das ilusões é que elas são derivadas de desejos

humanos. Ele acrescenta, porém, que, "Ilusões não precisam ser

necessariamente falsas." Ele dá o exemplo de uma menina de classe

média ter a ilusão de que um príncipe vai se casar com ela. Enquanto

isso é improvável, não é impossível. O fato de que baseia-se em seus

desejos é o que faz com que seja uma ilusão.

Freud acredita que todo indivíduo é, essencialmente, um

inimigo da sociedade e tem urgências instintivas que devem ser

refreadas em função do funcionamento da própria sociedade. Ele

considera “a natureza destrutiva do homem como definidora de uma

predisposição ao desastre, enquanto os seres humanos devem

interagir com os outros em sociedade”. “Isso acontece “porque as

massas são preguiçosas e pouco inteligentes, pois eles não têm amor

à renúncia instintual e não são convencidos pelo argumento de

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inevitabilidade”“. “Os indivíduos que as compõem apoiam uns aos

outros em dar rédea livre à sua indisciplina”. Assim, é destrutiva a

natureza humana. Ele afirma, que "é só através da influência de

indivíduos que podem dar o exemplo e a quem as massas

reconhecem como seus líderes que elas podem ser induzidas a

realizar o trabalho e passar as renúncias em que a existência da

civilização depende”. Tudo isso define uma sociedade terrivelmente

hostil que poderia implodir se não fosse pelas forças da civilização e

pelo desenvolvimento do governo.

Por fim, Freud conclui que “a religião é um desdobramento do

complexo de Édipo e representa o desamparo do homem no mundo,

tendo que enfrentar o destino final da morte, a luta da civilização e as

forças da natureza”. Ele vê Deus como uma manifestação de um

desejo da criança por “um” pai. Em suas palavras, "os deuses retêm

a tarefa tripla: devem exorcizar os terrores da natureza, devem

reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente,

como é mostrado na morte, e devem compensá-los pelos sofrimentos

e privações que uma vida civilizada em comum impôs a eles”.

ALIENAÇÃO E FANATISMO RELIGIOSO

A alienação é a diminuição da capacidade dos indivíduos em

pensar ou agir por si próprios e está relacionada ao estado mental do

ser humano. Os indivíduos alienados não têm interesse em ouvir

opiniões alheias, e apenas se preocupam com o que lhe interessa,

por isso são pessoas alienadas. A alienação faz com que o indivíduo

perca parcialmente a capacidade de percepção da realidade,

passando a viver mentalmente em um mundo fechado constituído

por suas próprias ideias. Um indivíduo alienado pode ser também

alguém que perdeu a razão, está louco. Em psicologia, o termo

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"alienação" designa os conteúdos reprimidos da consciência e

também os estados de despersonalização em que o sentimento e a

consciência da realidade se encontram fortemente diminuídos. A

alienação também compreende outras esferas como a esfera social e

a esfera religiosa. Em ambas, a alienação está relacionada com o

estado mental do ser humano. No caso da alienação social, o

individuo não compreende que é o formador da sociedade e da

política, e aceita tudo sem questionar. A alienação social incapacita o

pensamento independente do ser humano, e ele passa a aceitar tudo

como algo natural, racional ou divino. Já a alienação religiosa é

caracterizada pelo processo o qual o homem cria ídolos, distantes,

poderosos e tirânicos, e a eles transfere o domínio sobre si mesmo.

O fanatismo religioso é uma forma de alienação baseada na

rejeição de qualquer outra ideia que não seja a da interpretação

religiosa particular de quem a possui, considerando-se geralmente

quem diverge como inimigo. Não é típico de nenhuma religião em

particular, embora as religiões mais fundamentalistas sejam

extremamente alienadoras e mais propensas ao fanatismo. A

consequência imediata do fanatismo religioso é o sectarismo, que

encarcera a liberdade de consciência, pretendendo uma liberdade

dirigida na espera do pensamento, que torna o homem escravo de

postulados que lhe proíbem a expansão da alma pela ideia e pela

razão. Portanto, o alienado religioso assume sempre uma atitude de

intolerância às ideias alheias.

As religiões, pelo seu caráter transcendental, são muito mais

que a política, as grandes formadoras de adeptos fanáticos. A

palavra fanatismo - do latim fanaticus -, que vem de fanum =

templo, lugar consagrado, significa aquele que era o possuído pelo

deus. Assim, o fanatismo religioso é a cega obediência a uma ideia,

servida com zelo obstinado, que chega muitas vezes a exercer

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violência para obrigar outros a segui-la e punir quem não está

disposto a abraçá-la.

KARL MARX E A RELIGIÃO

Karl Marx define a religião pura e simplesmente como uma

projeção de nossa realidade terrena para um plano superior

metafísico. A religião consiste para ele em um mundo fantástico,

criado pela mente humana que tenta dar a certos fenômenos naturais

um ar sobrenatural, isto significa que religião com o seu Deus não

passa de uma mera ilusão, algo a que não se deve dar crédito.

Para aqueles que estudam, estudaram ou têm pelo menos uma

noção de história da filosofia, veremos que vários autores em sua

antropologia não hesitaram em afirmar que o homem é um ser

dotado de carência. Marx certamente é um destes. Pois ele define a

natureza humana por suas carências ou necessidades e pela dialética

da satisfação dessas necessidades, desdobrando-se seja na relação

do homem com a natureza exterior pelo trabalho, seja em sua

relação com os outros homens pela natureza (LIMA VAZ, 2000).

O homem, segundo Marx, é aquele que produz, homo

faber (NOGARE, 1990). Ele está sempre a produzir algo para suprir

suas necessidades para facilitar sua vida, gerando assim seu bem-

estar. Sendo o homem, como vimos, frágil, isso significa que ele

necessita de algo para preencher sua existência. A partir de suas

dificuldades ele passou a criar não só elementos materiais, mas criou

também um ente e um lugar metafísico, uma espécie de muleta para

suportar o peso e as exigências de sua vida, visto que a matéria não

consegue preencher ou responder certas questões que envolvem a

vida humana tais como a morte e o sofrimento. Daí a criação de um

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Deus transcendente, que possa apoiar todas as suas dificuldades e

esperar que este mesmo Deus possa acalentá-lo em seu desterro e

recompensá-lo futuramente com bens celestiais e uma vida eterna. A

religião, portanto, para Karl Marx, passa a uma ilusão, alienação, ou

num dizer mais marxista “um ópio” para amenizar o sofrimento.

Uma das teorias marxistas sustenta que a religião surgiu

através do espanto e do medo. Ao observar a fúria de certos

fenômenos naturais que ocorriam ao seu redor os homens primitivos

começaram a atribuir tais forças a alguma entidade sobrenatural, e a

partir desta descoberta ele passou a criar certos ritos e oferecer

determinados sacrifícios para apaziguar a divindade ofendida.

Passaram a acreditar também que certas dádivas, tais como chuva

para os campos, boa colheita são sinais da benevolência divina

(FADDEN, 1963). O que deve ficar bem claro, nesta teoria, é que o

medo criou a divindade. Deus, portanto, nada mais é que o reflexo do

próprio homem. Foi o homem quem criou a divindade e não o

contrário. A religião com os seus ritos são apenas manifestações de

um homem desesperado e indefeso diante da fúria da natureza. “A

religião nasceu com o método supersticioso para mitigar os

horrorosos efeitos das forças naturais” (FADDEM, 1963).

Um fator que provavelmente influenciou o pensamento de Marx

contra a religião foi a sua história de vida. Ele viveu em um ambiente

em que os cidadãos não podiam exercer as profissões se não fossem

cristãos. A família de Marx era de origem judaica, seu pai aceitou o

batismo na igreja luterana, simplesmente para exercer sua profissão.

“A imposição externa de um credo religioso certamente contribuiu

para orientar religiosamente o espírito de Marx, que, com toda a

probabilidade, foi ateu desde a mocidade” (ROVIGHI, 1990).

Outra grande influência que marcou Karl Marx foi o pensamento

filosófico de Feuerbach: “Consta que nos primeiros e mais decisivos

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anos de sua atividade filosófica, entre 1841, data da publicação da

obra a Essência do cristianismo, e 1844 Marx foi um entusiasta

feuerbachiano” (NOGARE,1990).

Feuebarch, em Essência do cristianismo, afirma que a criatura

inventou o criador e, portanto, é ela verdadeiramente o criador. Deus

é um reflexo do próprio homem, uma projeção, uma inversão dos

desejos humanos, um produto no qual o homem finito precário e

dependente projeta seus desejos e possibilidades de perfeição,

onipotência. A religião consiste no sentimento mais puro e absoluto

do homem. O homem deseja para si o que nele mesmo não encontra,

como por exemplo: o ideal de justiça, bondade e virtude. Deus é um

homem genérico que idealizamos e que não conseguimos realizar por

nós mesmos (NOGARE, I990).

Marx viu na ideologia de Feuerbach a resposta para destronar a

grande farsa que é a religião. Talvez tenha encontrado em suas

palavras o forte instrumento que tanto precisava para a libertação do

homem de uma ideologia religiosa, alucinante, que ensinava que o

homem deveria rejeitar o sensível tendo em vista o imaterial,

abstrato, aceitar o sofrimento, a exclusão, deveria negar a si próprio,

ou seja, perder a sua identidade visando o próximo. Ter uma atitude

passiva diante de seus opressores tendo assim uma atitude de

pseudo-humildade. Por fim, a religião alienava o povo fazendo-o

acreditar que quanto mais lhe faltasse algo nesta vida mais teria na

eternidade. A religião transformava os homens em marionetes

fazendo-os cumprir sem reclamar ou blasfemar as leis que lhes foram

impostas por Deus, pela moral e por uma sociedade decadente. Marx

certamente vibrou ao ler estas audaciosas palavras de Feuerbach:

Temos de colocar no lugar do amor de deus, o amor dos homens,

como uma única, verdadeira religião, no lugar da fé em um deus, a fé

no homem em si, em sua força, a fé em que o destino da

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humanidade não depende de um ser fora ou acima dela, mas dela

própria, que o único diabo do homem é o próprio homem (NOGARE,

1990).

Para Marx, a alienação religiosa é uma transferência de nossa

consciência para uma realidade fora de nós. Daí a comparação da

religião com o ópio. Por que Marx comparou a religião com o ópio? O

ópio é um coquetel de plantas alucinógenas, possui um efeito

sedativo. Ele acalma os nervos, intoxica a mente, fazendo

seus usuários delirarem, criando assim um mundo imaginário onde

eles vivem as suas fantasias. Karl Marx quer afirmar com essa

comparação o seguinte: “A religião, por sua natureza e atividade,

visa os sofrimentos físicos e mentais da vida, prometendo maior

ventura num estado futuro da existência” (FADDEN, 1963).

A religião é um anestésico na terrível e dolorosa existência do

homem. Para Marx, a religião não passa de uma “quimera”, ilusão, e

aqueles que aderem a tal alucinação, são fracos e incapazes de

enfrentar suas dificuldades. “A religião é o ópio do povo, porque

engana o homem, induzindo-o a pensar que deve aceitar com

mansidão o seu presente estado de vida” (FADDEN, 1963). Por isso,

para Marx, somente quando a religião for destruída é que o homem

recuperará a sua liberdade e dignidade.

Vivemos hoje em uma sociedade que busca pelo transcendente.

Como já dito anteriormente, o número de religiões e correntes

espirituais tem crescido exacerbadamente. Hoje se promete tudo e ao

mesmo tempo nada, as pessoas podem escolher o lugar em que elas

se sentirem melhor sem comprometimento, a religião começa a ser

vista como uma terapia. Muitos fazem dela um esconderijo, um

abrigo, através do qual elas podem negar ou esconder suas misérias.

Outros a fazem como instrumento de exploração, em que o dinheiro

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extorquido de uma classe necessitada constitui o crescimento e

enriquecimento de outros.

Nesse aspecto, podemos dizer que Karl Marx estava correto ao

afirmar que a religião é alienação, narcótico espiritual. O homem cria

uma falsa ideia de Deus e passa a acreditar que de fato ele existe.

Projeta na maioria das vezes sua própria consciência e cria uma

ideologia escravizante, que tiraniza o homem em vez de libertá-lo.

São exemplos disso o fanatismo e o fundamentalismo citados no

capitulo anterior.

Ao mesmo tempo em que vivemos esta busca pelo

transcendente, estamos em uma crise. Infelizmente as ditas religiões

e correntes espirituais não libertam, mas aprisionam o homem em

duras cadeias, apresentando ora um deus materialista, em que

somente os que possuem bens são agraciados, ora espiritualistas

demais, em que a matéria e a vida terrena devem ser deixadas de

lado, tendo em vista a eternidade. De fato a natureza divina varia de

acordo com a necessidade daqueles que a adoram.

CÉREBRO E CRENÇA POR MICHAEL SHERMER

Ao lado de Richard Dawkins, Sam Harris, Christopher Hitchens

e Daniel Dennet, os chamados "4 cavaleiros do ateísmo", agora vem

se juntar o nome de Michael Shermer, mas não propriamente como

um ateu, que ele certamente também o é, e sim como um irreligioso

cético, mais próximo a Carl Sagan e James Randi. Sua preocupação

maior não é defender as causas ateístas, mas combater as religiões e

as crendices, sob o ponto de vista do ceticismo. Cientificista ao

extremo, não crê em deuses, milagres, no sobrenatural e nos

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fenômenos chamados "paranormais", que ele classifica como

fantasias mentais porque, segundo suas teorias, o cérebro humano

está programado para crer e não para duvidar.

O cientista norte americano Michael Brant Shermer é

psicólogo, escritor e historiador da ciência estadunidense, fundador

da revista Skeptic Magazine e diretor da Skeptics Society. É também

colunista da Scientific American. Ateu e cético, é famoso por seus

estudos em psicologia experimental e é um dos principais porta-vozes

da comunidade cética. Michael Shermer é desenvolvedor de uma tese

genial que é categórica ao analisar minuciosamente os mecanismos

contidos em nosso cérebro que nos compele a acreditar em algo e

infundir significado a essa crença, que pode ser verdadeira ou não.

Por que nós acreditamos em coisas estranhas? Não só compete

a estudos psicológicos e neurológicos o ônus de responder questões

desta natureza, como também é extremamente necessário

reconhecer que o processo evolutivo está arraigado no problema.

Nosso cérebro é uma máquina que busca por padrões. Faz parte da

evolução humana, assim como de uma vasta lista de espécies

diferentes. E o motivo de tal necessidade encontrar-se embutido em

nosso cérebro podendo ser elucidado, a priori e a posteriori (se é que

posso coadunar os termos), pelo instinto de sobrevivência

impregnado em nós.

O teorema criado por Shermer explica os efeitos de

padronicidade, racionalização, e tendências que a natureza insufla em

nós como o instinto de querer atribuir um propósito a qualquer

fenômeno ou acontecimento comum que nos cerca. Sua tese se

baseia nas seguintes proposições: “Primeiro vêm às crenças, depois a

necessidade de buscar explicações que justifiquem essas crenças

racionalmente. Uma vez formada as crenças, o cérebro passa a

procurar evidências que as confirmem, desprezando as que as

desmintam".

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De fato, como deve ser, estamos inclinados a acreditar em

tudo, das alegações mais pueris até as mais extravagantes. Assim

sendo, de que modo nos imunizamos a mergulhar tão

compulsivamente nesse oceano de possibilidades e absurdidades que

surgem a todo instante? Ceticismo. Para Shermer não existe crivo

mais seguro e mais racional pelo qual podemos nos proteger de

bobagens e afirmações infundadas. “Não sou cético porque não quero

acreditar. Sou cético porque quero Saber."

Uma de suas principais obra é o livro Cérebro e Crença onde

encontramos muito mais do que conceitos técnicos neurocientíficos e

psicológicos. Um tema tão mal compreendido pôde em fim ser

convertido numa linguagem tão acessível aos incipientes adeptos do

método científico. Este livro nos orienta com excelência como filtrar

informações, e acreditarmos somente naquilo que é genuíno.

Em uma conferencia realizada no Brasil em 27 de agosto de

2012, e que foi transmitida pelo projeto Fronteiras do Pensamento,

Michel Shermer falou sobre seu. Shermer iniciou falando de sua

revista Spektic e da Sociedade dos Céticos, uma organização

científica sem fins lucrativos que investiga alegações de fenômenos

ditos paranormais e diversos modos de “não ciência”. “Nossa tarefa é

desmascarar tolices e dizer como o mundo funciona.” Logo em

seguida expos sua visão evolucionista dizendo que as pessoas estão

ficando mais inteligentes. Isso devido ao fato de que a cada 50 anos

o QI aumenta em 15 por cento. Assim, cada geração será mais

inteligente que a anterior. “Em 100 anos olharemos para trás e

pareceremos idiotas”, alertou. Para Shermer a causa do aumento no

QI está nas competências multitarefas que nos demanda o estilo de

vida atual, que desenvolve processos de pensamento sofisticados.

“Em cinco anos, os computadores pensarão como seres humanos,

mas ainda não sabemos como dar a eles a autoconsciência, uma

função que por enquanto é exclusivamente humana. Vocês sabem e

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eu sei o que eu estou fazendo aqui, como poderíamos programar isso

no computador?”, indagou.

Comentando diversas edições da revista, o conferencista falou

sobre:

Ceticismo

O cético não é, ao contrário do defendido por Pirro e seus

seguidores da Grécia antiga, aquele que duvida da possibilidade de

conhecimento verdadeiro de qualquer espécie, aquele que defende

que não há motivos suficientes para se ter certeza quanto à verdade

de qualquer proposição que seja. “Isso não é um bom ceticismo,

pretendemos sim saber o que é verdadeiro e o que não é. Se você diz

‘tenho uma cura para a Aids’, eu digo ‘mostre-me’, do contrário

ficarei cético. Se alguém diz que esteve com alienígenas, eu pergunto

se trouxe alguma coisa de volta de lá, do contrário ficaremos

céticos”, insistiu. Para Shermer, o cetisimo é um método para

analisar o real e ver o que é verdadeiro e o que não é. Uma

investigação reflexiva e cuidadosa. “O objetivo do ceticismo é

entender como o mundo funciona. O mundo sempre será como ele é;

não importa como queremos que ele seja. O problema é que nosso

cérebro está programado para estabelecer crenças e reforçá-las como

verdades absolutas, e não é assim que o mundo funciona. O objetivo

da ciência é tentar superar essa tendência cognitiva a acreditar, essa

tendência a acreditar em coisas nas quais queremos acreditar mesmo

quando não existem evidências.”, definiu, enquanto mostrou a

manchete “Feira de videntes cancelada devido a imprevistos”.

Shermer apresentou uma série de crenças da sociedade norte-

americana, dados levantados em 2009 a partir de pesquisa feita pela

Harris Poll com 2.303 norte-americanos adultos. Entre os resultados

estavam as seguintes crenças: Deus, 82%; Milagre, 76%; Paraíso,

75%; Anjos, 72%; Vida após a morte, 71%; Inferno, 61%;

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Nascimento virginal de Jesus, 61%; Diabo, 60%; Teoria da Evolução,

45%; Fantasmas, 42%; Criacionismo, 40%; Ovnis, 32%; Astrologia,

26%; Reencarnação, 20%. Lembrou que a ciência busca explicações

naturais para fenômenos naturais. O “sobrenatural” ou “paranormal”

é apenas um modo de denominar que não indica nada. “Antes de

dizer que algo é de outro mundo, certifique-se de que não é deste

mundo”, brincou. Outra pergunta útil é: o que é o mais provável?

Diante de uma notícia sobre objetos voadores e alienígenas, o mais

provável é uma experiência de abdução de alguém ou uma invenção

da mídia? “Não temos evidências de alienígenas na Terra, mas temos

muitas referências da imprensa que inventa histórias.”

O mecanismo da crença

Para exemplificar o mecanismo da fé, Shermer exibiu um vídeo

em que a plateia devia contar o número de passes da bola de

basquete feitos por uma determinada equipe. Todos contaram 15, o

que estava certo, mas perderam uma série de outras questões que se

passavam no vídeo. “Isso é cegueira não intencional ou atenção

seletiva, apareceram imagens óbvias que não foram vistas. As coisas

não são o que parecem ser”, alertou. Por isso as nossas crenças

estão relacionadas ao que estamos predispostos a crer. “Nossos

cérebros são máquinas de crenças, estabelecemos relações,

conexões, ligamos pontos. Precisamos disso para viver”, disse,

enfatizando que todo o nosso processo de aprendizado funciona por

conexões e associações. A essa dinâmica chama de Padronicidade,

isto é, a tendência de encontrar padrões significativos em ruídos.

Tendemos a cometer erros de dois tipos. Um erro de tipo I, ou

um falso positivo, é acreditar que um padrão é real quando não é

(encontrar um padrão inexistente). Um erro tipo II, ou falso negativo,

é não acreditar que um padrão é real quando ele é (não

reconhecimento de um padrão real). O tipo I é, por exemplo,

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acreditar que o barulho na relva é um predador feroz quando é

apenas o vento. O tipo II seria acreditar que o barulho na relva é

apenas o vento quando é um predador feroz, o que seria fatal.

Nosso cérebro tende a pensar que tudo o que vê é real.

Buscando exemplos de padrões que parecem reais, Shermer mostrou

diversas formas e indagou do público o que cada um via. Demonstrou

como era fácil condicionar o cérebro para uma determinada reação ou

visão. “As razões pelas quais fazemos as coisas muitas vezes nos

fogem e criamos outras”, explicou. Entre os exemplos, ele disse que,

quando doamos dinheiro, tendemos a aumentar a quantia quando

ouvimos palavras religiosas.

Crença e o hemisfério direito do cérebro

Michael Shermer afirma que os padrões mais significativos são

percebidos consideravelmente mais no hemisfério direito do nosso

cérebro (através do campo visual esquerdo) do que no hemisfério

esquerdo (campo visual direito). Para ele, “não há dúvidas de que o

pensamento intuitivo do hemisfério direito pode perceber padrões e

conexões muito difíceis para o hemisfério esquerdo; mas ele também

pode detectar padrões inexistentes. O pensamento cético e crítico

não é uma marca do hemisfério direito e sim do esquerdo.” Ele deu o

exemplo da dopamina, usada para doentes de Parkinson, produzida

naturalmente pelos neurônios. Em grande quantidade, ela produziria

nas pessoas padrões ilusórios. Lembrou também de pessoas

naturalmente criativas, como músicos, artistas, romancistas. “Eles

veem padrões que ninguém vê, mas não é possível ser aberto ao

extremo, porque isso é loucura. O que você está pensando determina

o que você vê”, disse, enquanto mostrava imagens ambíguas que

sugerem algo bem diferente do que na verdade são.

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A mente não existe

Para o conferencista, não existem divisões como cérebro e

mente ou corpo e alma. A mente seria uma palavra que usamos para

descrever o que o cérebro está fazendo. “Existe apenas o corpo e não

há nada fora dele, como uma alma, por exemplo”, insistiu. Lembrou

como, à medida que os neurônios morrem, o cérebro encolhe, a

memória encolhe, até o corpo encolhe, tudo começa a desaparecer.

“Quando não há cérebro, não existe mente. Tendemos a ser

dualistas, achamos que existe alguma coisa lá fora”, disse, e

perguntou: “Quantos de vocês usariam a jaqueta de Hitler? Quantos

usariam a camisa de Brad Pitt, de preferência usada?”. “Se

acreditamos que o doador foi um assassino, não queremos a peça,

como se o bem e o mal viessem junto com o objeto”, complementou.

O toque no lóbulo temporal do cérebro provoca experiências de déjà-

vu, ou de estar fora do corpo, assim como experiências ligadas à

espiritualidade. “Estimular o oxigênio no córtex faz com que a pessoa

se sinta flutuando perto do teto. São funcionamentos neurais.”

Shermer falou também da tendência à confirmação que há em nós

que legitima a tarefa de videntes e adivinhadores, e encerrou sua fala

com um comercial fictício de batom que divertiu a plateia. Após a

conferência, Michael Shermer respondeu a perguntas sobre a crença

em Deus e o ateísmo, as relações entre religião e Estado e entre

causa e efeito, o ceticismo e a educação dos filhos, a intuição, e

sobre as teorias de Fritjof Capra. Defendeu que crenças como a de

“Papai Noel” são divertidas e culturais, mas a idade cética inicia no

ensino médio em que a criança tem condições de pensar

criticamente. “Como construir experimentos, como saber se uma

coisa é verdade? Aos onze anos podemos começar a pensar assim.

Criamos até exercícios de ceticismo para sala de aula.” Ele alertou

para compreender a intuição como um modo de cognição rápida,

quando não conseguimos articular alguma informação que

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recebemos. Há uma percepção subliminar que estamos processando,

embora não estejamos conscientes disso. Mas a própria intuição

precisa passar pelas perguntas céticas. “Às vezes as intuições estão

erradas, como a intuição sobre os negros tidas por nossos ancestrais

alguns séculos atrás. As intuições devem ser examinadas

cuidadosamente, porque são influenciadas pela cultura”, insistiu

Michael Shermer, que, após o debate, lançou sua obra Cérebro e

crença com uma sessão de autógrafos.

A MÁQUINA DE CRENÇAS POR JAMES ALCOCK

O nosso cérebro e o nosso sistema nervoso constituem uma

máquina geradora de crenças, um sistema que evolui não para

garantir a verdade, a lógica e a razão, mas a sobrevivência. A

máquina de crenças tem sete peças básicas.

Muitas pessoas creem nas ideias a seguir. Todas elas já foram

calorosamente debatidas:

Através da hipnose pode-se conhecer vidas passadas.

Horóscopos fornecem informações úteis sobre o futuro.

Às vezes acontecem curas espirituais onde a medicina

convencional falha.

Está em andamento uma ampla conspiração satânica

transgeracional na sociedade.

Algumas pessoas com dons especiais podem usar seus

poderes extra-sensoriais para ajudar a polícia a desvendar

crimes.

Às vezes nos comunicamos com outras pessoas

telepaticamente.

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Algumas pessoas foram raptadas por OVNIs e voltaram à

Terra.

Elvis está vivo.

Vitamina C cura ou previne resfriados.

Imigrantes estão roubando os nossos empregos.

Alguns grupos étnicos são intelectualmente inferiores.

Alguns grupos étnicos são superiores atleticamente, pelo

menos em alguns esportes.

Crime e violência estão ligados à ruptura da família

tradicional.

O crescente poderio atômico da Coreia do Norte é uma

ameaça à paz mundial.

A despeito da grande confiança tanto de crentes como de

descrentes, nenhum dos lados tem muitas evidências objetivas — se

é que tem alguma — para sustentar sua posição. Algumas dessas

crenças, como telepatia e astrologia, contradizem o conhecimento

científico atual do nosso mundo e, portanto são consideradas

“irracionais” por muitos cientistas. Outras não contradizem a ciência,

e baseadas em fatos ou não, ninguém as consideraria irracionais.

Os racionalistas do século dezenove previram que a superstição

e a irracionalidade seriam derrotadas pela educação universal. Mas

não foi isso que aconteceu. As altas taxas de alfabetização e a

educação universal pouco fizeram para suavizar essa crença, e

pesquisas atrás de pesquisas mostram que a imensa maioria da

população acredita na realidade dos fenômenos “ocultos”,

“paranormais” ou “sobrenaturais”. E por que isso acontece? Por que é

que nesta época altamente científica e tecnológica a superstição e a

irracionalidade prosperam?

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É porque nosso cérebro e nosso sistema nervoso constituem

uma máquina geradora de crenças, uma máquina que produz crenças

sem qualquer consideração em particular por o que é real e

verdadeiro e o que não é. Essa máquina de crenças seleciona

informações do ambiente, molda-as, combina-as com informações

armazenadas na memória e produz crenças que são geralmente

consistentes com outras crenças já aceitas. Esse sistema gera

crenças falaciosas da mesma maneira que aquelas em dia com a

verdade. Essas crenças guiam ações futuras e, falsas ou não, podem

ter utilidade para o seu portador. Se existe de fato ou não um céu

para boas almas em nada diminui a utilidade dessas crenças para

pessoas que procuram um sentido na vida.

Nada é fundamentalmente diferente sobre o que podemos

pensar como crenças “irracionais” — elas são geradas da mesma

maneira que as outras. Podemos não ter apoio das evidências para

crenças em ideias irracionais, mas também não temos esse apoio

para a maior parte das nossas crenças. Por exemplo, você

provavelmente acredita que escovar os dentes é bom para você, mas

provavelmente não tem nenhuma evidência para apoiar essa crença,

a menos que seja dentista. Ensinaram-lhe isso e, por fazer sentido,

você nunca questionou a ideia.

Se fôssemos conceituar o cérebro e o sistema nervoso como

uma máquina de crenças, ela compreenderia diversas partes, cada

uma refletindo um aspecto básico da geração de crenças. Entre as

peças, as seguintes unidades têm importância especial:

A unidade de aprendizado

A unidade de pensamento crítico

A unidade dos desejos

A unidade de entrada

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A unidade de resposta emocional

A unidade de memória

A unidade de feedback (resposta) ao ambiente

A Unidade de Aprendizado

A unidade de aprendizado é a chave para a compreensão da

máquina de crenças. Ela está ligada à arquitetura física do cérebro e

do sistema nervoso, e devido à sua natureza, estamos condenados a

um processo virtualmente automático de pensamento mágico.

“Pensamento mágico” é a interpretação de dois eventos próximos

como sendo causa e efeito, sem nenhuma preocupação com o vínculo

causal. Por exemplo, se você acredita que cruzar os dedos dá boa

sorte, você associa o fato de cruzar os dedos com um subsequente

evento favorável e estabelece um vínculo causal entre eles.

Nosso cérebro e nosso sistema nervoso evoluíram ao longo de

milhões de anos. É importante perceber que a seleção natural não

seleciona diretamente de acordo com a razão ou a verdade, ela

seleciona de acordo com o sucesso reprodutivo. Nada em nosso

aparelho cerebral dá um valor especial à verdade. Imagine um coelho

na grama alta, e lhe conceda por um instante um grão de intelecto

consciente e lógico. Ele ouve um ruído suave na grama, e tendo

aprendido no passado que isso eventualmente é o sinal de uma

raposa com fome, o coelho se pergunta se é uma raposa mesmo

desta vez ou se uma lufada de ar causou o ruído. Ele espera por

evidências mais conclusivas. Embora motivado pela busca da

verdade, esse coelho não sobrevive por muito tempo. Compare esse

falecido coelho com um outro, que responde ao ruído com uma forte

reação do sistema nervoso autônomo e foge o mais rapidamente

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possível. Este tem mais chances de sobreviver e se reproduzir.

Portanto, buscar a verdade nem sempre favorece a sobrevivência, e

fugir baseado em uma crença errônea nem sempre é ruim. No

entanto, embora essa estratégia possa dar certo na vida selvagem,

pode ser bastante perigosa na era nuclear.

A unidade de aprendizado é tal que se aprende muito

rapidamente pela associação de dois eventos significativos — como

encostar em um forno quente e sentir dor. Associações significativas

produzem um efeito duradouro, enquanto a dissociação dos mesmos

eventos é muito menos importante. Se uma criança encostasse em

um forno e se queimasse, e depois se encostasse de novo e não se

queimasse, a associação entre dor e forno não seria automaticamente

desaprendida. Essa assimetria básica — a associação de dois

estímulos tem um efeito importante, enquanto que apresentar os

estímulos desassociados (ou seja, individualmente) tem um efeito

muito menor — é importante para a sobrevivência.

Essa assimetria no aprendizado também está subjacente ao

erro que tinge nossos pensamentos sobre eventos que ocorrem

juntos de tempos em tempos. Os humanos são muito ruins em julgar

com precisão a relação entre eventos que só ocorrem juntos de vez

em quando. Por exemplo, se pensamos no tio Alfredo e ele nos

telefona alguns minutos depois, pode parecer que isso exige uma

explicação em termos de telepatia ou precognição. No entanto, só

podemos avaliar adequadamente as co-ocorrências desses eventos se

também considerarmos o número de vezes que pensamos no tio

Alfredo e ele não ligou, ou no número de vezes em que não

pensamos mas ele ligou mesmo assim. Essas últimas circunstâncias

— esses não-pareamentos — têm muito pouco impacto no nosso

sistema de aprendizado. Por sermos superinfluenciados pelos

pareamentos de acontecimentos significativos, inferimos uma

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associação entre os eventos, até mesmo causal, mesmo quando não

há nenhuma. Assim, por acaso alguns sonhos podem corresponder

aos eventos subsequentes muito raramente, e mesmo assim essa

conexão pode ter um efeito dramático na crença. Ou sentimos que

está vindo um resfriado, tomamos vitamina C, e quando se percebe

que o resfriado não era tão forte inferimos uma conexão causal. O

mundo à nossa volta está repleto de acontecimentos coincidentes.

Alguns deles têm significado, mas a vasta maioria não tem. Isso

fornece solo fértil para o crescimento de crenças falaciosas. Nós

aprendemos prontamente que existem associações entre eventos,

mesmo quando elas não existem. Frequentemente somos levados por

eventos co-ocorrentes a inferir que o primeiro deles de alguma

maneira causou o que o sucedeu.

Temos tendência ainda maior ao erro quando estão envolvidos

eventos raros ou emocionalmente carregados. Sempre estamos

procurando por explicações causais, e tendemos a inferi-las mesmo

quando não existem. Você poderia ficar intrigado ou até mesmo

muito incomodado se ouvisse um barulho alto na sua sala mas não

encontrasse nenhum motivo para ele.

A Unidade de Pensamento Crítico

A unidade de pensamento crítico é o segundo componente da

máquina de crenças, e é adquirida — adquirida através da

experiência e do aprendizado explícito. Devido à arquitetura do

sistema nervoso que descrevi, nós nascemos para pensar

magicamente. A criança que sorri logo antes de o vento mover o

móbile acima dela sorrirá novamente muitas vezes como se o sorriso

tivesse magicamente causado o movimento desejado do móbile.

Precisamos trabalhar para superar essa predisposição mágica, e

nunca o conseguimos por completo. É pela experiência e ensino

direto que entendemos os limites de nossas interpretações intuitivas

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mágicas imediatas. Pais e professores nos ensinam a lógica, e uma

vez que ela nos ajuda bastante, a usamos quando parece apropriado.

De fato, o paralelo cultural desse processo de desenvolvimento é o

progresso do método formal de investigação lógica e científica.

Percebemos que não podemos confiar em nossas inferências

automáticas sobre co-ocorrências e causalidade.

Aprendemos a usar testes simples de razão para avaliar

eventos à nossa volta, mas também aprendemos que certas classes

de eventos não devem ser sujeitas à razão, mas aceitas por fé. Toda

sociedade ensina coisas transcendentais — fantasmas, deuses, bicho-

papão e assim por diante; e frequentemente nos dizem

explicitamente para ignorar a lógica e aceitar tais coisas por fé ou

baseados nas experiências de outras pessoas. Quando chegamos à

vida adulta, podemos responder a um evento de forma lógica e crítica

ou experimental e intuitiva. Os eventos em si é que frequentemente

determinam como respondemos. Se eu lhe dissesse que fui para casa

ontem e encontrei um hipopótamo na minha sala, seria mais provável

que você risse do que acreditasse em mim, embora certamente não

haja nada de impossível nesse evento. Se, por outro lado, eu lhe

dissesse que entrei na sala e me assustei com um brilho estranho na

cadeira do meu falecido avô, e que a sala esfriou, seria menos

provável que você não acreditasse e mais provável que se

interessasse e escutasse os detalhes, talvez suspendendo o

julgamento afiado que usaria na história do hipopótamo. Às vezes

emoções fortes interferem na aplicação do pensamento crítico. Em

outras somos enganados com muita esperteza.

A racionalidade frequentemente está em desvantagem em

relação ao pensamento intuitivo. O falecido psicólogo Graham Reed

usava o exemplo da falácia do apostador: suponha que você esteja

observando um jogo de roleta. Saiu preto dez vezes seguidas, e uma

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poderosa sensação intuitiva cresce em você, dizendo que logo deve

sair vermelho. Não pode sair preto para sempre. Mas sua mente

racional diz que a roleta não tem memória, que cada resultado é

independente dos anteriores. Nesse caso, a luta entre intuição e

racionalidade nem sempre é ganha pela racionalidade.

Notem que podemos ligar ou desligar a unidade de pensamento

crítico. Como já comentei, podemos desligá-la completamente ao

lidar com assuntos religiosos ou transcendentais. Às vezes, nós a

ligamos deliberadamente: “peraí, tenho que pensar nisso”, é o que

podemos nos dizer quando alguém tenta tirar dinheiro de nós por

uma causa aparentemente boa.

A Unidade do Desejo

O aprendizado não acontece num vácuo. Nós não somos

receptores passivos de informação. Nós buscamos informações

ativamente para satisfazer nossas necessidades diversas. Podemos

desejar achar um sentido na vida. Podemos desejar um sentimento

de identidade. Podemos desejar nos curar de alguma doença.

Podemos desejar estar em contato com entes queridos que já

morreram.

Geralmente nós desejamos para diminuir nossa ansiedade. As

crenças, sejam falsas ou não, podem suavizar esses desejos.

Frequentemente, crenças que podem ser chamadas de irracionais

pelos cientistas são as mais eficientes na suavização desses desejos.

A racionalidade e a verdade científica tem pouco a oferecer para a

maior parte das pessoas em termos de remediar suas ânsias

existenciais. No entanto, as crenças em reencarnação, intervenção

supernatural e vida eterna podem superar essa ansiedade em certo

grau.

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Quando mais desejamos, quando estamos com mais

necessidade é que somos mais vulneráveis a crenças falaciosas que

podem servir para satisfazer aqueles desejos.

A Unidade de Entrada

As informações entram na máquina de crenças às vezes na

forma de experiências sensoriais diretas e às vezes na forma de

informações codificadas e organizadas que se ouve no boca-a-boca,

se lê em livros ou se vê em filmes. Nós somos ótimos para detectar

padrões, mas nem todos os padrões que detectamos têm sentido.

Nossos processos de percepção trabalham para dar sentido ao

ambiente à nossa volta, mas eles fazem sentido — percepção não é a

reunião passiva de informações, mas a construção ativa da

representação do que acontece no nosso mundo sensorial. Nosso

aparato perceptivo seleciona e organiza informações do ambiente, e

esse processo está sujeito a muitos tipos de viés bem conhecidos que

podem levar a crenças distorcidas. De fato, somos menos

influenciáveis por informações que já não correspondam a crenças

profundas. Assim, o devoto cristão pode estar muito bem preparado

para ver a Virgem Maria; informações ou experiências perceptivas

que sugerem que ela apareceu podem ser aceitas mais facilmente

sem exame crítico do que por alguém que fosse ateísta. Similarmente

acontece com experiências que podem ser consideradas de natureza

paranormal.

A Unidade de Resposta Emocional

Experiências acompanhadas de fortes emoções podem deixar

uma crença inabalável em qualquer explicação que o indivíduo tenha

recebido na época dos fatos. Se alguém está envolvido em um

aparente caso de telepatia ou OVNI, então os pensamentos

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posteriores podem muito bem ser dominados pela consciência de que

a reação emocional foi intensa, levando à conclusão de que alguma

coisa incomum realmente aconteceu. E as emoções por sua vez

podem afetar diretamente tanto a percepção como o aprendizado.

Algumas coisas podem ser interpretadas como bizarras ou incomuns

devido às respostas emocionais que elas desencadeiam.

Há crescentes evidências de que nossas respostas emocionais

podem ser desencadeadas por informações do mundo exterior

mesmo antes de termos consciência de que algo aconteceu. Veja

esse exemplo, exposto por LeDoux (1994) em seu recente artigo na

Scientific American (1994, 270, pp. 50-57): Uma mulher está

caminhando na floresta quando recebe a informação — auditiva,

como o farfalhar de folhas, ou visual, como a forma de um objeto

delgado e curvo no chão — que dispara uma reação de medo. Essa

informação, mesmo antes de chegar ao córtex, é processada na

amígdala, que excita o corpo para um passo de alarme. Um pouco

depois, quando o córtex já teve tempo suficiente para decidir se o

objeto é mesmo uma cobra ou não, esse processamento cognitivo de

informação aumentará a resposta de medo e o correspondente

comportamento de fuga, ou neutralizará aquela resposta.

Isso é relevante para o entendimento das experiências

paranormais, pois frequentemente uma experiência emocional

acompanha a suposta experiência paranormal. Uma forte coincidência

pode produzir um “zap” emocional que aponta para uma explicação

paranormal, porque eventos normais não produziriam tal emoção.

Nossos cérebros também são capazes de gerar incríveis e

fantásticas experiências perceptivas para as quais raramente estamos

preparados. Experiências fora do corpo (Out of Body Experiences —

OBEs), alucinações, experiências de quase-morte (EQMs ou Near-

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death Experiences — NDEs), experiências de pico — todas elas

provavelmente se baseiam não em alguma realidade externa

transcendental mas no próprio cérebro. Nem sempre conseguimos

distinguir o material que vem do próprio cérebro do material que vem

do mundo externo, e portanto podemos atribuir falsamente ao mundo

externo as percepções e experiências criadas dentro do cérebro.

Temos muito pouco treinamento em relação a essas experiências. Na

infância, aprendemos a não confiar, via de regra, em sonhos e

pesadelos. Nossos pais e nossa cultura nos dizem que eles são

produto de nossos cérebros. Não estamos preparados para

experiências mais misteriosas, como OBEs, alucinações, EQMs ou

experiências de pico, e podemos estar tão despreparados que somos

engolfados pela emoção e a vemos como profundamente significativa

e “real” quer ela seja mesmo ou não.

Ray Hyman sempre lembrou aos céticos que não se

surpreendessem caso um dia tivessem uma experiência emocional

muito forte que parecesse exigir uma explicação paranormal. Dada a

maneira com que nossos cérebros funcionam, deve-se esperar tais

experiências de tempos em tempos. Se estivermos despreparados,

elas podem se tornar experiências de conversão que levam a fortes

crenças. Quando eu estava na faculdade, certo dia um colega com

quem eu dividia meu escritório e que era tão cético quanto eu em

relação ao paranormal, veio para a aula dominado pelo realismo e

clareza de um sonho que ele tivera na noite anterior. No sonho, seu

tio em Connecticut havia morrido. Tinha sido um sonho muito

emocional, e era tão chocante que Jack me contou que se o seu tio

morresse pouco depois daquilo, ele não conseguiria mais manter seu

ceticismo sobre precognição. A experiência do sonho tinha sido

realmente poderosa. Dez anos depois, o seu tio ainda estava vivo, e

o ceticismo de Jack sobreviveu intacto.

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A Unidade de Memória

Em virtude de nossas próprias experiências, acreditamos na

confiabilidade de nossa memória e em nossa capacidade de julgar se

uma lembrança é confiável ou não. Contudo, a memória é mais um

processo construtivo que uma apresentação literal de experiências

passadas, e as memórias estão sujeitas a um forte viés e distorções.

A memória não somente envolve a si mesma no processamento

das informações que chegam e na moldagem de crenças; ela própria

também é fortemente influenciada pelas percepções e crenças

correntes. Ainda assim, é muito difícil que um indivíduo rejeite os

produtos de sua própria memória, já que a memória pode parecer tão

“real”.

A Unidade de Feedback (Resposta) ao Ambiente

As crenças nos ajudam a funcionar. Elas guiam nossas ações e

aumentam ou reduzem nossas ansiedades. Se agimos a partir de

uma crença e ela “funciona” para nós, mesmo sendo falsa, por que a

mudaríamos? O feedback, ou retorno, do mundo externo reforça ou

enfraquece nossas crenças, mas já que as crenças em si influenciam

como o feedback é percebido, as crenças podem se tornar bastante

resistentes a informações e experiências contrárias. Se você

realmente acredita que ETs raptam pessoas, então qualquer

evidência contrária pode ser mascarada por uma explicação

supostamente racional — em termos de teorias conspiratórias,

ignorância alheia ou o que for.

Como mencionei, crenças falaciosas frequentemente podem ter

mais valor funcional que aquelas baseadas na verdade. Por exemplo,

Shelley Taylor, em seu livro Positive Illusions, relata pesquisas que

mostram que pessoas suavemente deprimidas frequentemente são

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mais realistas a respeito do mundo do que pessoas felizes. Pessoas

emocionalmente saudáveis vivem, até certo ponto, construindo

crenças falsas — ilusões — que reduzem a ansiedade e auxiliam o

bem-estar, enquanto indivíduos deprimidos em certo grau veem o

mundo com mais realismo. Pessoas felizes talvez subestimem as

chances de contraírem câncer ou serem mortas, e talvez evitem

pensar na realidade última da morte, enquanto pessoas deprimidas

podem ser muito mais realistas em relação a essas questões.

Uma maneira importante de checar nossas crenças e

percepções é compará-las com as crenças e percepções de outros. Se

eu sou o único que interpretou o brilho estranho como uma aparição,

é mais provável que eu reconsidere essa interpretação do que se

várias outras pessoas tiverem a mesma impressão. Nós

frequentemente procuramos pessoas que concordam conosco, ou

escolhemos livros seletivamente para apoiar nossas crenças. Se a

maioria duvida de nós, então mesmo sendo somente parte de uma

minoria nós podemos trabalhar coletivamente para dissipar a dúvida

e achar a certeza. Podemos invocar conspirações e casos abafados

para explicar a ausência de evidências confirmatórias. Podemos

conseguir inculcar nossas crenças em outros, especialmente crianças.

Crenças comuns podem promover solidariedade social e até uma

sensação de importância para o indivíduo e o grupo.

Crença x Realidade

As crenças são geradas pela máquina de crenças sem qualquer

preocupação automática pela verdade. A preocupação com a verdade

é de uma orientação cognitiva adquirida de ordem superior que

reflete uma filosofia subjacente que pressupõe uma realidade objetiva

que nem sempre é percebida por nossos sentidos.

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A máquina de crenças segue fazendo barulho, reforçando

velhas crenças, cuspindo novas, raramente descartando alguma. Às

vezes vemos os erros ou bobagens nas crenças de outros. Mas é

muito difícil ver o mesmo em nossas próprias crenças. Acreditamos

em todo tipo de coisas, abstratas e concretas: na existência do

sistema solar, de átomos, pizzas e restaurantes cinco estrelas em

Paris. Essas crenças não são diferentes em princípio das crenças em

fadas na beira do jardim, em fantasmas em igrejas desertas, em

lobisomens, conspirações satânicas, curas milagrosas e assim por

diante. Todas elas são similares na forma, todas resultados do

mesmo processo, apesar de diferirem muito em conteúdo. Elas

podem, contudo, envolver mais ou menos as unidades de

pensamento crítico e de resposta emocional.

Pensamento crítico, lógica, razão, ciência — essas são

expressões que se aplicam de uma maneira ou de outra à tentativa

deliberada de expulsar a verdade da confusão da intuição, percepção

distorcida e da memória falível. O verdadeiro pensamento crítico

poucas pessoas chegam a aceitar — aquele que não aceita

rotineiramente as percepções e memórias. Criações da nossa

imaginação e reflexos de nossas necessidades emocionais

frequentemente interferem com ou suplantam a percepção da

verdade e realidade. Ensinando e encorajando o pensamento crítico

nossa sociedade se afastará da irracionalidade, mas nunca teremos

sucesso completo em abandonar tendências irracionais devido à

natureza básica da máquina de crenças.

A experiência frequentemente é uma ferramenta pobre na

busca da realidade. O ceticismo nos ajuda a questionar nossas

experiências e a evitar sermos levados a crer no que não é

verdadeiro. Devemos tentar nos lembrar das palavras no falecido P.

J. Bailey (em Festus: A Country Town): “Onde há dúvida, está a

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verdade — pois é sua sombra” (“Where doubt, there truth is — ‘tis

her shadow”).

DISCUSSÃO EM TORNO DA EXISTÊNCIA E NÃO EXISTÊNCIA DE

DEUS

Afinal, Deus existe ou não existe? Essa pergunta

tão inocente gera conflitos e discordâncias talvez desde o início da

humanidade – desde que o homem começou a tentar entender o

mundo ao seu redor: O brilho das estrelas, o vento, a vida etc. Antes

de nos debruçarmos sobre o assunto é preciso definir alguns conceitos a

respeito da questão; quem é Deus? Existem muitas definições a respeito

de Deus. A mais comum é a de um ser sobrenatural, criador do universo e

de tudo que nele há, sendo ele a explicação para todos os elementos da

natureza e as leis da física. Geralmente, esse Deus tem “atributos”

humanos, e influencia diretamente em nossas vidas. Esse é o Deus teísta.

Quando Deus não influencia no mundo ou tem uma definição vaga, sem

atributos humanos, ele é um Deus deísta. Porém, quando a própria física

ou a natureza são chamadas de “deus”, esse é um Deus panteísta.

Atributos de Deus

Nesse artigo falaremos do Deus teísta, então usaremos como

base para descrever seus atributos a bíblia, o alcorão e o torá. Nesses

livros, os principais atributos encontrados sobre Deus são os

seguintes:

Aseidade (Deus existe por si mesmo, sem a necessidade de ter sido

criado por alguém ou alguma coisa);

Imutabilidade (a natureza de Deus que não pode ser alterada por

causa alguma);

Infinitude:

Eternidade (infinitude aplicada ao tempo);

Imensidão (infinitude aplicada ao espaço);

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Simplicidade (os atributos de Deus aqui descritos não são qualidades

que o definem, e sim partes integrantes do seu ser divino);

Onipotência (designa a propriedade de um ser capaz de fazer tudo);

Onipresença (é a capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo

tempo);

Onisciência (é a capacidade de saber tudo infinitamente, incluindo

pensamentos, sentimentos, vida, passado, presente, futuro, e todo

universo, etc).

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VERSÃO INCOMPLETA

*Segue em andamento a segunda e ultima parte do estudo.