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USJT - UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA 2 – SOCIOLOGIA JURÍDICA - PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR APOSTILA DE SOCIOLOGIA JURÍDICA – II 1

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APOSTILA DE SOCIOLOGIA JURÍDICA – II

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USJT - UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEUAPOSTILA 2 – SOCIOLOGIA JURÍDICA - PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR

PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR

I - DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO

INTRODUÇÃO

Direito Natural começa a ser divulgado, colocando-se como instrumento teórico de luta contra a ordem medieval. Depois da derrocada de tal ordem, o paradigma do Direito Natural foi, pouco a pouco, sendo abandonado nas discussões dos filósofos do Direito, na medida em que o Estado Burguês se implantava após a Revolução Francesa. Era o momento de ascensão do capitalismo. Antes, de acordo com o ideário iluminista, exaltava-se a “razão” ao ponto de as bibliotecas jurídicas estarem abarrotadas de livros de Direito Natural, reservando pouco espaço ao direito vigente e ao direito comparado.

Tércio Sampaio Ferraz Jr. observa que “em todos os tempos, o direito sempre fora percebido como algo estável face às mudanças do mundo, fosse o fundamento desta estabilidade a tradição, como para os romanos, a revelação divina na Idade Média, ou a razão na Era Moderna. Para a consciência social do século XIX, a mutabilidade do direito passa a ser o usual: a idéia de que, em princípio, todo direito mude torna-se a regra, e que algum direito não mude a exceção. Esta verdadeira institucionalização da mutabilidade do direito corresponderá ao chamado fenômeno da positivação do direito.

Na França, o Código de Napoleão foi a consagração das conquistas da Revolução Francesa e serviu de pedra angular a toda postura positivista. Através da Escola da Exegese, houve a redução do direito à lei. Mas a lei não dava conta da realidade, como foi percebido através dos problemas de lacuna do direito, obscuridade ou mesmo inadequação e desuso.

RESUMO JUSNATURALISMO

Direito Natural é a idéia abstrata do Direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e anterior – trata-se de um sistema de normas que independe do direito positivo, ou seja, independe das variações do ordenamento da vida social que se originam no Estado. O direito natural deriva da natureza de algo, de sua essência. Sua fonte pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos.

Contexto Geral - Até o séc. XIX as pessoas acreditavam que existia um conjunto de valores morais universais e imutáveis, mas a partir dessa época os pesquisadores começaram a estudar culturas de lugares distintos e conforme a visão eurocentrica do mundo foi sendo superada, as diferenças deixaram de ser vistas apenas como sinal de inferioridade. Com isso foi se tornando mais clara a ideia de que não existem valores globais, no máximo os valores são aplicáveis a determinados grupos, mas mesmo nesse caso a aceitação desses valores se dá por uma espécie de adesão.

Relação entre Direito E Moral - O direito natural seria o conjunto de valores morais universais e imutáveis, nesse sentido, para o jusnaturalismo os direitos se encontram dentro do campo da moral, de modo que a norma positivada (transformada em lei) que seja considerada imoral pode ser descartada, porque um requisito de validade das normas é estar dentro do campo da moral.

Jusnaturalismo - O jusnaturalismo é a doutrina que reconhece a existência de um direito natural, que tem validade em si e é anterior e superior ao direito positivo, devendo tprevalescer caso haja um conflito entre as normas do direito positivo e as do direito natural. Todo jusnaturalista, portanto, defende duas teses: A Dualidade (existem duas manifestações do direito, o positivo e o natural) e a Superioridade (O direito natural é superior ao positivo).

Jusnaturalismo Antigo e Medieval - As primeiras manifestações do jusnaturalismo apareceram na Grécia, sendo que o primeiro registro dessa ideia de direito natural aparece na obra Antígona, de Sófocles com a afirmação do "justo por natureza" que seria o que é justo conforme a razão. Atém disso, vários filósofos também vão citar essa ideia do "justo por natureza", mas foram os Estóicos que construíram o conceito de direito natural e foi Cícero que levou esse conceito de direito natural para a cultura romana. A seguinte frase de Aristóteles representa o ponto principal do Jusnaturalismo: " assim como fogo que queima em todas as partes, o homem é natural como a natureza e por isso todos tem direito à defesa”.

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Esta concepção dualista de direito pode ser encontrada desde Aristóteles, o qual realizava a distinção entre direito natural e direito positivo, estabelecendo as diferenças específicas de cada classe. No entanto, cabe salientar que em sua concepção a dualidade não implicava em uma hierarquia ou superioridade de uma forma sobre a outra, isto é, existia uma relação de independência. Ademais, ele considerava o direito natural como universal e imutável cujas ações teriam valor geral independente do sujeito, e as ações determinadas seriam boas em si mesmas, enquanto que, o direito positivo era o conjunto de normas cuja eficácia dependia da comunidade em que o mesmo estaria inserido e, portanto, tendo validade particular e mutável.

Em Antígona, obra de Sófocles, é claro o clamor ao Direito dos deuses feito por Antígona, ao enterrar seu irmão, que foi condenado a tornar-se insepulto por um decreto de Creonte. Quando Creonte descobre que Antígona desobedeceu a o decreto e enterrou seu irmão (a pena para quem transgredisse sua lei era o apedrejamento dentro da cidade), Creonte fala a ela: “Mesmo assim ousaste transgredir minhas leis?” e Antígona responde:

“Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou nem a Justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu entre os homens. Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de superar as leis não-escritas, perenes, dos deuses, visto que és mortal. Pois elas não são nem de ontem, nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram”.

Na Idade Média utiliza-se esse conceito de Direito Natural, mas atribuí-se ao Deus Cristão a origem direito. Santo Thomas de Aquino entendeu que a "lei natural" é uma parte da ordem imposta pela mente de Deus que se encontra na razão do homem, resolvendo portanto a confusão de ideias entre o conceito antigo e medieva! do direito natural. Tomás de Aquino admitia a mesma concepção dualista de direito, a saber, direito natural e direito positivo, mas sustentava que a segunda classe de direito derivava da primeira por obra do legislador, e no momento em que o direito positivo é posto pelo legislador o conteúdo passa a valer. É importante destacar que esse filósofo admitia a superioridade do direito natural sobre o direito positivo. Esta tese defendida por Santo Tomás foi também concebida pelos jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, conhecida como a teoria da superioridade do direito natural sobre o positivo. Já a concepção positivista define o direito como o conjunto de normas positivas, também conhecida como a teoria da exclusão do direito natural.

Jusnaturalismo Moderno - A esfera política da era moderna foi marcada pelo surgimento do Estado Moderno, tendo como principal característica a centralização do poder. Nesse período a ideia de direito natural foi absorvida e adaptada, prevaiescendo a ideia de que o direito natural tinha origem na razão. Nessa época foi muito importante a doutrina de Grócio que excluiu a figura de Deus da ideia do direito natural, difundindo essa ideia de direito natural e da necessidade de que o direito positivo e as Constituições dos Estados deveriam se adequar a esse direito. A principal diferença é que enquanto no jusnaturaiismo antigo e medieval o direito natural consistia numa norma objetiva, no moderno trata-se de uma doutrina exclusivamente de direito subjetivos. Com o surgimento das teorias contratualistas surgem novas ideias que dão uma "nova cara" ao conceito de direito natural, revitalizando o jusnaturalismo, ressaltando o aspecto seu aspecto subjetivo. Esse jusnaturatismo moderno tem grande influência nas doutrinas políticas de tendência liberal, ressaltando a importância de que a as autoridades políticas respeitem os "direitos inatos do indivíduo".

Ao definir o direito natural como subjetivo diminui-se um pouco a sua força, pois o xercício dos direitos fica, em muitos casos, sujeito ao exercício voluntário do indivíduo. Isto ocorre em virtude do surgimento de um Estado que define a lei objetiva. O Estado passa a ser considerado, portanto, uma obra voluntária dos indivíduos que tem a obrigação de proteger os direitos naturais.

Jusnaturalismo No Séc. XIX - Com a crescente tendência de sistematização do conhecimento e como havia uma gama imensa de fontes de direito, buscava-se positivar o direito natural, juntando todo o conhecimento disponível em um só compendio, para facilitar a identificação de qual norma se aplicava a qual situação. Acreditava-se que a sistematização era o auge do direito natural. No entanto, ao definir que o juiz deveria, obrigatoriamente, aplicar as determinações do código criou-se a prática do positivismo. Essa prática deu origem ao modelo positivista, que entendia que a garantia de uma fonte única de direito gerava segurança.

Jusnaturalismo Contemporâneo - Após a II Guerra Mundial, a ideia do jusnaturalismo, por se fundamentar em valores morais, parecia uma boa solução para a situação que havia se formado, pois existia uma necessidade de controle do Estado, que culminou na criação da ONU. Ainda assim, havia uma consciência de que não existiam valores morais universais, de modo que a nova geração jusnaturalista considerava o direito natural como

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histórico, e não como universal e imutável, ou seja, foram abertas concessões quanto ao conceito de direito natural.

Surgiram diversas criticas a esse "renascimento" do jusnaturalismo, mas a principal levanta a questão de que escapar do modelo positivista implica aumentar muito o poder do juiz, o que leva a dois problemas sérios: A insegurança jurídica e a quebra da tripartição dos poderes, pois o judiciário acaba tendo o poder de legislar.

RESUMO JUSPOSITIVISMO

Positivismo jurídico, doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo nasce do histórico para a legislação e se consolida quando lei torna-se a fonte exclusiva do direito - ou que de qualquer modo absolutamente prevalece - do direito. E, seu resultado último é representado pela codificação.

Surge na Alemanha durante a formação do Estado Moderno, tendo como predecessor à "Escola Histórica de Direito", cujo principal precursor foi o filósofo Savigny. Esta escola é considerada a do direito positivo, por criticar o direito natural como um direito universal, imutável, deduzido pela razão, como defendem os iluministas. A escola histórica defende o direito consuetudinário, por ser a expressão da realidade histórica e social do povo em oposição ao jus naturalismo que defendia um direito universal e imutável, deduzido pela razão. Opõe-se a codificação do direito germânico, por julgar impróprio a tal civilização, a cristalização do direito.

Para codificar o direito alemão era necessário promover o nascimento e o desenvolvimento do direito científico, isto é, a elaboração do direito por parte da ciência jurídica. Tal corrente defendia o direito consuetudinário. Em oposição aos historicistas, a corrente iluminista criticava o direito consuetudinário por considerá-lo uma herança da idade média, como contrário às exigências do homem civilizado e da sociedade inspirado nos princípios de civilização, enquanto expressão não da razão, mas do irracional, não incitado em toda tradição. Consideravam necessária a substituição das normas consuetudinárias por um conjunto de normas jurídicas postas pelo Estado. Segundo esta corrente de pensamento, o homem não deve ficar preso à tradição, devendo sim superá-la e renová-la.

A idéia de codificação surgiu do pensamento iluminista do século XVIII, mas somente na legislação napoleônica ocorreu a codificação propriamente dita, como a entendemos hoje, ou seja, um corpo de normas sistematicamente organizadas e elaboradas com o intuito de simplificar as leis e condensá-las no menor número possível, acreditando-se que a multiplicidade de leis facilitava a corrupção. Representou a expressão orgânica e sintética da tradição francesa do direito comum, foi elaborada numa época em que a população desejava romper com o passado.

Na Inglaterra houve uma ampla teorização da codificação, apesar de não ter sido codificado o direito, pois neste país predominava o direito costumeiro, não codificado e confinado ao trabalho dos juízes, não se fundava em leis gerais, mas em casos cujo cumprimento era obrigatório.

Então, afinal, o que foi o positivismo jurídico? Foi um movimento pela codificação do direito segundo algumas regras pré-estabelecidas que dominou durante mais de um século de cultura jurídica e influenciaram as Constituições de muitos países. A doutrina juspositivista defende o estudo do direito como fato e não como valor. No estudo do direito deve ser excluída toda qualificação que seja fundada num juízo de valor e que faça a distinção do direito em bom e mau, justo e injusto. O direito objeto da ciência jurídica é aquele que se manifesta na realidade histórico-social; estudo o direito real, sem se preocupar com o ideal, sem examinar se o real corresponde ao ideal. Em síntese, estuda o direito tal como ele é.

O direito é, por conseguinte, um conjunto de regras que tem por objetivo a regulamentação do exercício da força numa sociedade. Consideremos a passagem do estado de natureza ao estado civil. O estado de natureza é caracterizado pelo uso indiscriminado da força individual, cada um usa sua força, sem que tal comportamento seja classificado como ilícito. O direito positivo surge quando cessa o uso indiscriminado da força individual e se estabelecem às modalidades de exercício da força. O exercício da força não diz respeito a todos, mas somente a um grupo determinado de pessoas.

Temos assim, a formação do monopólio do uso da força que é delegado a um grupo social: O Estado e seus órgãos. E o uso da força se caracteriza como lícito para o grupo monopolizador. O direito

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estabelece também quando o Estado pode usar a forca. Esta não pode ser exercida arbitrariamente, mas somente quando ocorrem determinadas circunstâncias previstas pela lei, isto é, quando são cometidos ilícitos; assim os códigos podem ser considerados como um conjunto de normas que impõe ao poder judiciário a aplicação de certas penas quando os cidadãos cometem certos delitos. Define também como e em que quantidade a força deve ser exercida. As normas processuais regulam precisamente a modalidade através da qual se julga a aplicação da coerção, de modo a atribuir aos cidadãos certas garantias contra o uso arbitrário do poder por parte do Estado.

Donde concluímos que: positivismo jurídico é o direito positivado em oposição ao direito natural, ou conjunto de leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por aquela declaração, vêm a ser conhecidos.

As principais características gerais do Positivismo Jurídico podem ser agrupadas em sete, a saber:

1º Considera o Direito como um fato e não como um valor;

2º Define o Direito em função da coação;

3° Considera a partir do problema que diz respeito as fontes do Direito;

4º Diz respeito a norma jurídica, considera a norma como um comando;

5º O Positivismo sustenta a teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico;

6º Refere-se ao método da ciência jurídica, isto é, o problema da interpretação;

7º O sétimo ponto diz respeito a teoria da obediência.

O Positivismo Jurídico nasce do objetivo de transformar o estudo do direito numa verdadeira ciência com das ciências exatas e naturais. A ciência consiste somente em juízos de fato. O Positivismo Jurídico assume uma atitude científica, estuda o direito tal como é não como deveria ser.

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TEXTO 1- O POSITIVISMO JURÍDICO E AS CRÍTICAS DE CHAÏM PERELMAN

Eduardo Pessanha Cavalcanti1[1]

1. Do Jusnaturalismo ao positivismo voluntarista

Este trabalho propõe-se a apresentar uma breve trajetória histórica do positivismo jurídico, examinar alguns dos principais elementos de sua doutrina apontados por Norberto Bobbio e, finalmente, confrontá-lo com um de seus maiores críticos: Chaïm Perelman.2[2]

O momento histórico do qual parte esta investigação é o da formação do Estado Moderno no séc. XVI, quando o paradigma do Direito Natural começa a ser divulgado, colocando-se como instrumento teórico de luta contra a ordem medieval. Depois da derrocada de tal ordem, o paradigma do Direito Natural foi, pouco a pouco, sendo abandonado nas discussões dos filósofos do Direito, à medida que o Estado Burguês se implantava após a Revolução Francesa. Era o momento de ascensão do capitalismo. Antes, de acordo com o ideário iluminista, exaltava-se a “razão” ao ponto de as bibliotecas jurídicas estarem abarrotadas de livros de Direito Natural, reservando pouco espaço ao direito vigente e ao direito comparado.3[3]

A Revolução Industrial, por seu turno, passou a exigir respostas mais rápidas do direito às demandas sociais, o que era inviável para o direito costumeiro. Assim, a lei tornou-se a principal fonte do direito no século XIX. Tércio Sampaio Ferraz Jr. observa que “em todos os tempos, o direito sempre fora percebido como algo estável face às mudanças do mundo, fosse o fundamento desta estabilidade a tradição, como para os romanos, a revelação divina na Idade Média, ou a razão na Era Moderna. Para a consciência social do século XIX, a mutabilidade do direito passa a ser o usual: a idéia de que, em princípio, todo direito mude, torna-se a regra, e que algum direito não mude, a exceção. Esta verdadeira institucionalização da mutabilidade do direito corresponderá ao chamado fenômeno da positivação do direito (Luhmann, 1972).” [4]

Na França, o Código de Napoleão foi a consagração das conquistas da Revolução Francesa e serviu de pedra angular a toda postura positivista. Através da Escola da Exegese, houve a redução do direito à lei. Mas a lei não dava conta da realidade, como foi percebido através dos problemas de lacuna do direito, obscuridade ou mesmo inadequação e desuso.

O positivismo da Exegese atendia aos interesses da nova classe dominante que atingiu o poder: a burguesia, que desconfiava dos juízes vinculados ainda ao Antigo Regime. Michael E. Tigar e Madeleine R. Levy explicam por que o positivismo jurídico foi uma atitude tão conveniente para a jurisprudência da burguesia no século XIX: “uma classe social tão firmemente enraizada, mas ainda assim tão temerosa de seus contestadores, julgará especialmente útil um sistema de pensamento que nega seu próprio passado revolucionário e focaliza o caráter concreto, no tempo presente, de seu poder.” [5]

Segundo a Escola da Exegese, deveria haver uma interpretação nacional e racional do Direito, sendo exegeta aquele que esclarece algo considerado difícil e obscuro. No sentido normativo, é aquele que esclarece a real acepção da norma.

O Código Civil eliminou aspectos religiosos e morais, que antes havia no Corpus Iuris Civilis. Segundo Maria Helena Diniz, “O racionalismo buscava a simetria, construção lógica perfeita, o que o levou à utopia. Foi essa mesma simetria que conduziu os franceses à idolatria do Código de Napoleão” [4].

O modo de interpretação da Escola da Exegese era reduzido e superficial. A idéia desse corpo de normas era suprimir o máximo possível a obscuridade e a ambiguidade. O juiz não cabia nenhuma outra função que não

1[1] Ex-bolsista do PET-JUR-PUC-Rio, atualmente mestrando em “Teoria do Estado e Direito Constitucional” no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio.

2[2] Chaïm Perelman foi professor de lógica, moral e filosofia na Universidade de Bruxelas, na Bélgica, até 1978. Iniciou sua obra em 1945, sendo considerado um dos maiores filósofos do direito deste século. Seu projeto filosófico consistiu numa teoria da argumentação que busca ser também uma teoria geral da razão prática (da razão jurídica, ética e política). Apresenta a retórica como metodologia destinada a ampliar a possibilidade de reflexão no direito, criticando os limites antes colocados ao raciocínio jurídico pela lógica-formal e defendendo uma visão da atividade jurídica mais próxima do paradigma democrático.

3[3] Perelman descreve a biblioteca da Faculdade de Direito de Salamanca como um exemplo da panorama teórico da época: das 51 rubricas dessa biblioteca acadêmica, apenas uma era reservada aos costumes e leis da Espanha.

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fosse aplicar a lei pautado na suposta neutralidade e objetividade, a vontade do intérprete e do legislador era a mesma. Direito e Lei, nessa abordagem teórica, eram considerados sinônimos para a Escola da Exegese

Após o aperfeiçoamento do Estado Liberal, a postura exegética foi abandonada. Substitui-a, se assim podemos dizer a respeito de um processo histórico de mais de cem anos, o “positivismo voluntarista”, teorizado por Hans Kelsen. Este jurista, pertencente ao círculo de Viena, no qual também figuravam Freud e Wittgenstein, sustentava, dentre outras coisas, a impossibilidade de se fundarem empiricamente os juízos de valor. Assim, o direito passou a ser visto como produto da vontade de autoridades, por isso o “voluntarismo”.

Como um representante típico do cientificismo do século XIX, Kelsen insiste que “o conhecimento jurídico para ser científico deve ser neutro, no sentido de que não pode emitir qualquer juízo de valor acerca da opção adotada pelo órgão competente para a edição da norma jurídica.”, conforme lição de Fábio Ulhoa Coelho. Vai mais longe e afirma que o estudo dos fatores interferentes na produção normativa e a consideração dos valores envolvidos com a norma, não são apenas inúteis, inócuos, dispensáveis, mas podem viciar a veracidade das afirmações. É a celebração ao extremo da neutralidade científica.

Qual seria então a diferença entre a ordem de pagamento de um fiscal do tesouro nacional e a de um assaltante numa loja? Seria, simplesmente, no prisma da teoria kelseniana, a validade. A primeira, por diversas derivações, chega à “constituição histórica”, conceito kelseniano que significa a primeira norma de um sistema jurídico. No caso brasileiro, a constituição histórica seria o Ato Institucional n• 5, já que este não deriva de nenhuma norma anterior e, sobre ele, firma-se toda a ordem jurídica, até mesmo a Constituição democrática de 1988.4[6]

Os diversos aspectos do Positivismo Jurídico

Uma vez delineada a trajetória histórica do positivismo jurídico, cabe, neste momento, um exame de seus aspectos gerais de forma breve, seguindo a lição de Norberto Bobbio, autor que pode ser classificado como um discípulo de Kelsen, ainda que discordante em muitos pontos.

Segundo Norberto Bobbio, o positivismo jurídico apresenta-se sob três aspectos:

a) como método para o estudo do direito, ao que acrescentamos para a sua aplicação, também;

b) como teoria do direito;

c) como ideologia do direito.

Tais distinções são importantes porque cada aspecto não implica no outro, podendo subsistirem isoladamente.

Uma atitude emblemática do positivismo ideológico pode ser apontada nos juristas da Escola da Exegese, que não se limitavam a constatar que, na sua sociedade, naquele momento histórico, o direito apresentava-se somente através da lei, mas valoravam positivamente este fato. Assim, na imagem de Bobbio, seriam “não apenas intérpretes, mas também admiradores do Código de Napoleão.”

O “positivismo como ideologia” apresentaria uma versão extremista e uma moderada. A versão extremista carateriza-se por afirmar o dever absoluto de obediência à lei, enquanto tal. Tal afirmação não se situa no plano teórico, mas no plano ideológico, pois não se insere na problemática cognoscitiva referente à definição do direito, mas numa valorativa relativa à determinação do dever das pessoas. Numa comparação brilhante, Bobbio

4[6] Fábio Ulhoa Coelho explica que, na visão de Kelsen, o direito é formado por uma rede de competências que transfere a validade de uma norma para outra, cuja edição foi realizada de acordo com a competência definida em sua antecedente. Assim, conforme o exemplo citado, o que distingue a ordem de um assaltante daquela de um agente do Tesouro é a validade.

Ambas exigem o pagamento de uma soma em dinheiro, mas se for procedido um exame das normas que antecederam a ordem, verificar-se-á que, enquanto a ordem do assaltante deriva, no máximo, do chefe do bando de que faz parte, o que não lhe confere validade, a do agente se reporta à lei instituidora do tributo e das sanções pelo inadimplemento. Indagando se os editores da lei tinham poderes para baixá-la, chega-se à Constituição Federal. Perquirindo-se ainda o fundamento do poder dos constituintes que aprovaram a carta de 88, a resposta indicaria a EC n. 26, de 1985, feita à CF de 1967, pela qual se convocou a Assembléia Nacional Constituinte.

Se insistimos e perguntamos acerca dos poderes do Congresso de 1985 para a emenda à Constituição vigente, chegamos às disposições constitucionais sobre o

processo legislativo. Em 85, a Constituição era, na verdade, a E.C. n•1 de 69, promulgada por uma Junta Militar. O questionamento, então, seria sobre o fundamento de validade do ato dos integrantes da Junta. Os ministros militares, ao promulgarem a E.C. n. 1, invocaram a competência estabelecida pelo Ato Institucional n • 5, que centralizava no Executivo todos os poderes do Legislativo. Assim, o AI-5 seria a “constituição histórica” do direito brasileiro vigente sob o prisma da teoria de Kelsen, no entendimento de Fábio Ulhoa Coelho. A norma fundamental deste ordenamento seria aquela que prescreve obediência aos editores deste ato.

Se passasse a haver uma obediência generalizada às ordens do chefe do bando de assaltantes, a ordem do assaltante teria validade, ocorrendo o que Kelsen chama de revolução. (COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, Editora Max Limonad, 2a. edição, 1997.)

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observa que “o jusnaturalismo e o positivismo extremista (isto é, o positivismo ético) identificam ambas as noções de validade e de justiça da lei, mas, enquanto o primeiro deduz a validade de uma lei da sua justiça, o segundo deduz a justiça de uma lei de sua validade.”5[7] Esta versão faz jus às acusações de ter preparado terreno para o totalitarismo nazi-fascista na primeira metade do século passado na Europa, permitindo que tenha ocorrido uma reductio ad Hitlerum do positivismo jurídico.

Por outro lado, a versão moderada não poderia receber o mesmo tratamento da outra modalidade. Bobbio aponta o valor instrumental do direito sustentado por esta versão:

“Também a versão moderada do positivismo ético afirma que o direito tem um valor enquanto tal, independente do seu conteúdo, mas não porque (como sustenta a versão extremista) seja sempre por si mesmo justo (ou com certeza o supremo valor ético) pelo simples fato de ser válido, mas porque é o meio necessário para realizar um certo valor, o da ordem (e a lei é a forma mais perfeita de direito, a que melhor realiza a ordem). Para o positivismo ético, o direito, portanto, tem sempre um valor mas, enquanto para sua versão extremista trata-se de um valor final, para a moderada trata-se de um valor instrumental.

Mesmo essa segunda versão não é uma teoria, mas uma ideologia, pois, embora considerando o direito como uma realidade técnica e não ética, prefere o direito à anarquia devido ao valor (a ordem) que o primeiro permite realizar.”6[8]

Quanto à acusação de facilitar os regimes totalitários, nada poderia ser encontrado nesta versão do positivismo, uma vez que “considerar a ordem, a igualdade formal e a certeza como valores próprios do direito representa uma sustentação ideológica a favor do Estado Liberal e não do Estado Totalitário”7[9].

O positivismo jurídico, enquanto teoria, baseia-se em seis concepções fundamentais, conforme menciona Bobbio:

a) teoria coativa do direito;

b) teoria legislativa do direito;

c) teoria imperativa do direito;

d) teoria da coerência do ordenamento jurídico;

e) teoria da completitude do ordenamento jurídico;

f) teoria de interpretação lógica ou mecanicista do direito.

As três últimas teorias receberam críticas fundadas, enquanto as primeiras permaneceram pouco alteradas, segundo o mesmo autor. Assim, explica que: 1o.) um ordenamento jurídico não é necessariamente coerente, porque podem coexistir no mesmo ordenamento duas normas incompatíveis e serem ambas válidas; 2o.) um ordenamento jurídico não é necessariamente completo, porque a completitude deriva do princípio da reserva legal, segundo o qual tudo que não é proibido é permitido. Tal princípio, excetuando-se o campo do direito penal, não rege a maior parte dos casos; 3o.) a interpretação do direito feita pelo juiz não se resume num procedimento puramente lógico.8[10] Esta última afirmação é desenvolvida no próximo item. Cabe, neste momento, um exame da teoria da interpretação lógica do direito, para que se entenda melhor as críticas que lhe são dirigidas.

Entendendo-se por lógica a disciplina que estuda a estrutura formal do raciocínio, cujas conclusões são evidentes a todos, observa-se de início, que não é possível aplicá-la às normas jurídicas, que são prescrições ou mandamentos, atos de fala que não comportam o exame lógico. É por isso que Kelsen aponta como tarefa da ciência do direito a transformação de tais normas em proposições jurídicas, as quais assumem a forma assertiva, passível de exame lógico. Tal formulação é sofisticada em relação às concepções do positivismo jurídico do século XIX, como o da Escola da Exegese.

5[7] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico - Lições de Filosofia do Direito. São Paulo, Ed. Ícone, 1995, p. 227.

6[8] BOBBIO, Norberto. Ob. Cit., p. 230.

7[9] idem. Ob. Cit., p. 236.

8[10] BOBBIO, Ob. Cit., p. 237

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A partir desta tradição Bobbio explica que, no direito, poderiam ser diferenciados dois momentos: o ativo ou criativo e o teórico ou cognoscitivo. O primeiro manifestando-se de forma mais típica na legislação, o segundo na ciência jurídica ou na jurisprudência, sendo esta definida como a atividade cognoscitiva do direito visando a sua aplicação.9[11]

A natureza cognitiva da jurisprudência reporta-se a uma atividade declarativa ou reprodutiva de um direito preexistente, pura contemplação de um objeto já dado. Assim, os autores da Escola da Exegese sustentavam que os juízes não eram nada mais que a “boca da lei”.10[12]

Deste modo, a tradição do positivismo jurídico concebia a atividade da jurisprudência como sendo voltada não para produzir, mas para reproduzir o direito, explicitando por meios lógico-racionais o conteúdo das normas jurídicas já dadas. Assim, seria tarefa do aplicador do direito não a sua criação, mas a sua interpretação.

Uma diferença significativa da Kelsen em relação à Escola da Exegese é sua concepção da interpretação do direito pois, reconhecendo que esta pode levar a um quadro relativamente amplo de significados, admite um momento no qual a lógica não pode incidir na sua aplicação. A escolha do juiz dentre as interpretações possíveis é uma ato de vontade, que escapando ao racional, também foge do alcance da lógica.

2. Críticas de Chaïm Perelman ao positivismo jurídico

A) Os problemas de uma lógica jurídica

Como antecedentes das críticas de Chaïm Perelman ao método positivista, podem ser apontados autores como François Gény, Jhering e Roscöe Pound, cujas doutrinas são abrangidas pelo próprio Perelman no que denomina realismo. Explica ainda que este grupo de autores não acredita tanto no poder do legislador, pois, para eles, “o Direito, assim como a religião, a moral e a língua, é considerado como a expressão de uma sociedade, de seus costumes (...), o legislador é menos apto que o juiz para definir as realidades sociais”.

Em sua visão, “sem ser a expressão de uma razão abstrata, supor-se-á que para ser aceito e aplicado, o direito positivo deve ser razoável, noção vaga que expressa uma síntese que combina a preocupação da segurança jurídica com a da equidade, a busca do bem comum com a eficácia dos fins admitidos.”

Não se trata de identificar o correto significado da norma, que nem Kelsen sustentava, mas apenas os exegéticos e, indo mais além, após verificar as diversas soluções possíveis, chegar a uma conclusão sobre a mais razoável. Nas palavras de Perelman: “os conflitos de juízos de valor estão no centro de todos os problemas metodológicos criados pela interpretação e pela aplicação do direito. É por isso que a lógica jurídica é uma lógica da controvérsia.”

Os problemas específicos de uma lógica jurídica não aparecem quando se trata de deduzir a conclusão que resulta de um conjunto de premissas, como no silogismo apontado pela chamada “teoria mecanicista do direito”, mas quando se trata de estabelecer essas premissas, conferindo às normas jurídicas seu exato alcance.11[13]

B) A razão prática e a lógica do razoável

Essa forma de raciocínio preconizada por Perelman pode ser inserida na categoria de raciocínio prático, que faz depender a decisão de quem a toma, sem que ela decorra de premissas conforme a regras de inferência incontestes. De forma diametralmente oposta, coloca-se o raciocínio teórico, que consiste justamente numa inferência que tira conclusões a partir de premissas, tal como o modelo de lógica jurídica dos positivistas.

Como observa Perelman, “o raciocínio prático pressupõe a possibilidade de escolha, de decisões, mas também que estas não são inteiramente arbitrárias, que todas as decisões não se equivalem.” 12[14] Embora exclua a evidência, característica de conclusões extraídas pelo raciocínio teórico, o raciocínio prático pressupõe a possibilidade de criticá-las e de justificá-las com base em valores e normas reconhecidos.

9[11] BOBBIO, Ob. Cit., p. 237

10[12] A lição de Mourlon é emblemática: “Dura lex, sed lex, um bom magistrado humilha sua razão diante da razão da lei, pois ele é instituído para julgar segundo ela e não para julgá-la.” (BOBBIO, Ob. Cit., p. 86)

11[13] PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 496.

12[14] PERELMAN, Chaïm. Ob. Cit., p. 281.

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A idéia de evidência como característica da razão é o ponto central de toda teoria do conhecimento herdeira do pensamento cartesiano. É justamente contra esta ideia que Perelman se coloca, de modo a deixar espaço a uma teoria da argumentação que admita o uso da razão para dirigir nossa ação e influenciar a dos outros. O objeto desta teoria é o estudo das técnicas discursivas que permitem “provocar e aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes apresentam ao assentimento.”13[15]

A importância política desta discussão da metodologia do direito é afirmada por Perelman, que sustenta uma virada na Filosofia do Direito depois de 1945, com a queda do regime nazista na Alemanha e sua ordem jurídica. Celso Lafer esclarece que a elaboração do direito desde o séc. XIX, principalmente, vinha sendo informada por uma lógica do razoável. O século XX, porém, “presenciou experiências nas quais os limites entre o aceitável e o inaceitável desbordaram amplamente daquilo que hoje nos parece razoável.” A partir deste momento, as discussões de Filosofia do Direito passaram a abordar não somente os erros do positivismo jurídico, mas também os horrores, como a “reductio ad Hitlerum” e a “redução a Stalin”.14[16]

No debate relativo ao efetivo funcionamento da democracia no Estado Democrático de Direito, caracteriza-se a década de 80 pelo “retorno do Direito” como termo ou valor de referência. Com as transformações na Europa, a queda do socialismo do leste europeu e a institucionalização da Comunidade Européia, houve o reconhecimento cada vez maior da centralidade do modelo democrático. 15[17]

A democracia pressupõe uma legitimidade das decisões que afetam a coletividade, a qual pode ser obtida, no caso das decisões judiciais, pela possibilidade de alguma forma de controle das mesmas por parte dos jurisdicionados. Perelman já sustentava que, uma vez que o juiz é detentor de um poder, o regime democrático exige que preste contas de como o exerce. Isto ocorre através da motivação das decisões judiciais. No ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se assegurada pelo princípio da obrigatoriedade de fundamentação de tais decisões, disposto no art. 93, IX da Constituição Federal. A fundamentação é um exercício da razão prática.

Assim como a prática jurídica oferece padrões para a razão prática, cabe ao estudioso do Direito e seus aplicadores não deixar de perceber que a razão prática é a perspectiva adequada a um pensamento vinculado à ação, logo não é necessário deixar exclusivamente ao arbítrio de cada aplicador aquelas decisões que não podem ser obtidas pelo raciocínio teórico.

Conclusão

A teoria do direito elaborada pelo positivismo jurídico, principalmente o kelseniano, é de coerência e complexidade surpreendentes, mas conduz a conclusões perigosas, que se apresentam frontalmente contrárias a qualquer ideia de legitimidade democrática, como a de conferir validade aos ordenamentos jurídicos totalitários, pelo simples fato de serem constituídos por leis. Por isso, Celso Lafer considerou a legalidade totalitária como a ruptura do paradigma da filosofia do direito, uma vez que permitiu experiências nas quais os limites entre o aceitável e o inaceitável desbordaram amplamente daquilo que hoje nos parece razoável.16[18]

Até mesmo o positivismo moderado, relacionado aos valores do Estado Liberal, é passível de críticas, pois o dever absoluto de obediência à lei, sem que se aprecie o seu conteúdo, por considerá-la a forma mais perfeita de expressão do direito e de realização da ordem, representa, talvez, um conflito entre meios e fins, pois a ordem será mais facilmente mantida, o que não exclui mudanças, uma vez que o direito seja razoável para as pessoas a que se destina regular. Este é um pressuposto de legitimidade da ordem jurídica.

Concepções críticas ao positivismo jurídico, como a de Perelman, ao exigir que o direito positivo seja razoável estão, na verdade, tentando encontrar uma formulação teórica que permita que a ordem jurídica se realize de forma menos coativa. A aplicação do direito e, por extensão, a realização da ordem não é mecânica, dependendo

13[15] PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da Argumentação, São Paulo, Martins Fontes, 1996, introdução, p. 4.

14[16] LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 77.

15[17] MAIA, Antonio Cavalcanti. “Notas sobre direito, argumentação e democracia” In 1988-1998: Uma década de Constituição, organização CAMARGO, Margarida Maria Lacombe - RJ: Renovar, 1999.

?[18] LAFER, Celso. Ob. Cit., p. 76.

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da atuação de inúmeros profissionais e de um mínimo de observância pelos cidadãos. Para que isso aconteça, é necessário que o direito seja encarado em larga medida como razoável.

Nas palavras de Perelman: “O juiz tem como missão dizer o direito, mas de um modo conforme à consciência da sociedade. Por quê? Porque o seu papel é estabelecer a paz judiciária e a paz judiciária só será estabelecida quando ele houver convencido as partes, o público, seus colegas, seus superiores, de que julga de forma equitativa”. O juiz argumenta visando a convencer um auditório, que pode ser a opinião pública, as partes em litígio, ou os tribunais superiores. Para obter sucesso em suas decisões, como em qualquer argumentação, é necessário conhecer o auditório, conhecer os valores dominantes na sociedade, suas tradições, sua história, a metodologia jurídica, as teses reconhecidas e, principalmente no Brasil, país periférico, tolhido por desigualdades sociais históricas, as consequências sociais e econômicas deste ou daquele posicionamento.

Bibliografia

1. ADEODATO, João Maurício. “Ética, Jusnaturalismo e Positivismo no Direito” in Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, n. 7. 1995.

2. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito, compiladas por Nello Morra, 1995, São Paulo, Ícone Editora.

3. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, 1997, 2a. edição, Ed. Max Limonad.

4. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, 2a. ed., 1994, São Paulo. p. 73 a 82.

5. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 2a. ed, trad. João Batista Machado, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1987.

6. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos – Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 77.

7. MAIA, Antonio Cavalcanti. “Notas sobre direito, argumentação e democracia.” in 1988-1998: Uma década de Constituição, organização: Margarida Maria Lacombe Camargo - Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

8. MEYER, Michel. “Chaïm Perelman”, in Cadernos PET-JUR, n.1, Rio de Janeiro, 1997, Depto. de Direito da PUC-Rio.

9. PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, São Paulo, 1996, Martins Fontes.

10. PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da Argumentação, São Paulo, Martins Fontes, 1996.

11. TIGAR, Michael, LEVY, Madeleine R., O Direito e a Ascensão do Capitalismo, Zahar, Rio de Janeiro, 1978.

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COMPARATIVO ENTRE O JUSPOSITIVISMO E O JUSNATURALISMO

CARACTERÍSTICAS DO DIREITO NATURALCARACTERÍSTICAS DO DIREITO POSITIVO

a) universalidade

b) imutabilidade

c) atemporabilidade

d) não posto pelo homem.

a) particularidade

b) mutabilidade

c) temporabilidade

d) posto pelo homem;

Podemos entender como Universalidade, a característica de que o Direito Natural é válido em qualquer lugar, para qualquer pessoa e em qualquer tempo. São valores eternos e imutáveis. Já em oposição a essa característica temos o direito positivo como mutável e adaptável as circunstâncias. O direito positivo enquanto produto da ação humana e dos costumes sociais estará sempre em constante situação de mudança, pois deve adequar-se ao momento, aos costumes e as necessidades de determinadas épocas e países.

Para o direito Natural a natureza humana não é mutável, ou seja, não se modifica com a evolução da razão, pois os valore básicos de nossa existência permanecem sempre presentes. Valores como liberdade e igualdade, sempre existirão independente das vontades coletivas. Da mesma forma sendo o direito positivo produto da sociedade ele representará sempre a forma de pensa, os costumes de uma época determinada.

Por fim, segundo a doutrina jusnaturalista, o direito natural não é “posto pelo homem”. É um direito que antecede e precede o direito positivo, pois terá como fonte a natureza humana, a razão divina, ou a própria razão humana. Está atrelado ao conceito de justiça, que não está presente no direito positivo, ou seja, no direito natural, apenas é direito o que é justo, enquanto que no direito positivo, torna-se justo o que é direito (império da lei).

Em síntese podemos dizer que o direito positivo ocupa uma posição antagônica em relação ao direito natural. Enquanto este é algo fixo imutável, aquele se modifica para se adequar às mudanças sociais, seja por costume (costume ab-rogativo) seja para efeito de uma nova lei.

Também podemos apresentar essas diferenças, de uma forma mais complexa:

DIREITO NATURAL DIREITO POSITIVO

Universal e imutável. Particular e mutável

Estabelece o que é bom Critério econômico ou utilitário

Critério moral Estabelece o que é útil12

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Conhece-se através da razão Conhece-se através da declaração da vontade

do legislador.

A REVOLUÇÃO FRANCESA, NAPOLEÃO E O DIREITO

A REVOLUÇÃO FRANCESA E A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO

Antes da Revolução a França apresentava sérios problemas de ordem social, econômica, política e financeira. A sociedade francesa mantinha ainda uma fachada aristocrática, porém a burguesia ocupava espaços cada vez mais importantes no país. Havia uma multidão de camponeses que viviam no interior trabalhando nas terras da nobreza e submetidos ainda aos laços de servidão, o que dificultava a expansão dos negócios burgueses. A hierarquia social do país apresentava-se nos moldes da sociedade estamental da época medieval, o que ocasionava certo descompasso entre a estrutura social e a realidade econômica do país. Havia três camadas sociais: O primeiro Estado formado pelo Clero; o segundo Estado, formado pela Nobreza e o terceiro Estado que abrangia maior parte da população francesa. Havia a burguesia, que se dividia em alta, média e pequena; existiam também as camadas populares representadas pela população pobre das cidades e a grande massa camponesa. Os laços de servidão no campo e as corporações de ofício nas cidades constituíam-se em sérios obstáculos para o pleno desenvolvimento do capitalismo no país, como desejavam os setores burgueses. Havia motivos de sobra para que surgissem manifestações reivindicando mudanças profundas nas estruturas sociais, econômicas e políticas do país, principalmente após a difusão do ideário iluminista. Um dos motivos era o caos financeiro, arrecadava-se mal e insuficiente e gastava-se acima da receita acumulada. Os gastos do Estado francês compreendiam o exército, que não vinha correspondendo nas últimas guerras; a corte, que nenhum retorno apresentava; e o pagamento das dívidas contraídas anteriormente.

Quando Luís XVI subiu ao trono o ministro das finanças foi o fisiocrata Turgot, que identificou os problemas principais do déficit orçamentário: os privilégios do 1º e 2º Estados, que não pagavam impostos e recebiam pensões e mordomias do Estado, sendo assim, Turgot foi pressionado e renunciou. O seu substituto foi um banqueiro suíço chamado Necker. Sabendo que o diagnóstico de Turgot estava certo e tentando sensibilizar os nobres e o clero, Necker publicou os cálculos do tesouro francês para a população, o que provocou a revolta dos nobres, que tiveram seus privilégios mostrados à população. Necker foi também obrigado a demitir-se. O envolvimento da França na Guerra de independência dos EUA e uma sequência de problemas na agricultura tornavam a situação insustentável. Diante da grave crise que abalava o país, a nobreza procurou isentar-se de qualquer responsabilidade, sendo assim, pressionou o rei. Ameaçado e sentindo-se impotente, o rei, por meio de seu ministro Calonne, convocou a Assembléia dos Estados Gerais. A convocação da Assembléia dos Estados Gerais era vista pela nobreza e pelo clero como uma forma de limitar o poder real e de se manterem como camadas privilegiadas. Já o terceiro Estado aproveitava a eleição para Assembléia para desenvolver intensa campanha contra o absolutismo. Apesar de maioria numérica o terceiro Estado era prejudicado pelo sistema de votação: o voto não era individual e sim por Estado, o que permitia sempre a vitória do clero e da nobreza. Assim que iniciaram os trabalhos, o terceiro Estado apresentou um pedido de mudança no sistema de votação para voto individual, o que lhe daria maioria na Assembléia. O pedido foi rejeitado, mas o terceiro Estado, verificando ser maioria na Assembléia, proclamou-se Assembléia nacional, com o apoio de parte da nobreza e da maioria do clero. Iniciava-se a Revolução.

A primeira fase da Revolução Francesa foi eminentemente burguesa, pois a alta burguesia controlava a Assembléia e, ao mesmo tempo em que buscava acabar com o poder absolutista e os privilégios da nobreza, tentava barrar as reivindicações sociais das camadas populares. O rei, tentando evitara Revolução, fechou o salão de reuniões da Assembléia. Os deputados reuniram-se então, numa sala de jogos da nobreza, onde prestaram um solene juramento de não se dispersarem enquanto a França não tivesse uma Constituição. A assembléia transformar-se-á em Assembléia Constituinte, e Luís XVI tramava com representantes do Exército uma ofensiva militar sobre Paris para pôr fim ao movimento. Líderes populares conseguiram reunir uma grande multidão que atacou a Bastilha em 14 de julho. Com a tomada da Bastilha, o povo armou-se e Luís foi obrigado a recuar. A Assembléia organizou a Guarda Nacional, uma espécie de exército revolucionário submetido à autoridade da

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Assembléia. Os acontecimentos em Paris repercutiram rapidamente no interior do país, onde a burguesia e os camponeses procuraram atacar os castelos dos nobres em várias regiões. Estabelecia-se o Grande Medo, que provocou a fuga de muitos nobres para os países vizinhos por temor dos acontecimentos e também para tentarem organizar uma contrarrevolução. No dia 26 de agosto a Assembléia aprovava um novo documento: A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pela qual se consagravam os ideais liberais e burgueses difundidos no Iluminismo, como igualdade perante a lei, o direito à vida, à propriedade e a liberdade de religião e de expressão. Assim, os direitos surgiram sempre das necessidades sociais de cada época empreendidas por lutas para conseguir efetivá-los em leis e assegurar o seu cumprimento.

O CÓDIGO CIVIL FRANCÊS DE 1804

O Código Civil Francês de 1804 (Código de Napoleão) foi o primeiro grande triunfo do movimento de codificação. Antes do Código Civil, a França vivenciava um pluralismo político e um fracionamento do seu direito. Para casos idênticos, o direito francês podia apresentar diferentes formas de solução e disciplina, conforme a regra aplicada que variava segundo o ordenamento jurídico predominante nas diversas regiões francesas. Essa situação de pluralismo jurídico tinha por conseqüência um estado de incerteza e insegurança jurídica, que se manifestava tanto no aspecto da impossibilidade de conhecimento da norma jurídica como na indeterminação de qual regra aplicar ao caso concreto e do agente que deveria aplicá-la. Com o tempo, surgiu a necessidade de um sistema fechado, de uma unificação do direito francês como meio de garantir a segurança jurídica.

Até o início da Revolução Francesa em 1789, não havia na França um direito unificado. A Assembléia Nacional Constituinte acordou, em 1790, a confecção de um Código Civil único para todo o reino, de caráter simples e claro, de forma a ser compreendido por todos.

Em matéria civil, foram sucessivamente redigidos vários projetos. Um primeiro projeto foi submetido à Convenção em Agosto de 1793, compreendendo 719 artigos. Esse projeto foi considerado muito longo e não suficientemente revolucionário. Um novo projeto foi elaborado na época da hegemonia dos Montanheses, contando com 197 artigos e limitando-se a compilar os preceitos a partir dos quais cada um pudesse encontrar as suas regras de conduta na vida civil. A convenção achou o projeto muito curto e revolucionário. Em 1796, o projeto de 1104 artigos foi apresentado, sendo negado pelo Conselho dos Quinhentos.

Em 1799, Jacque Minot submete ao Primeiro Cônsul um novo projeto que, incompleto, não obteve sucesso. Um decreto dos Cônsules, de 12 de Agosto de 1800, criou uma comissão de governo composta por quatro jurisconsultos de renome, encarregada de submeter aos Cônsules uma série de projetos de leis civis. Tendo cada membro redigido uma parte dos textos, ao final de quatro meses o projeto estava pronto, sendo seguidamente discutido em comissão. O projeto foi submetido ao Conselho de Estado que o remodelou e dividiu-o em 36 partes. Os projetos do Conselho de Estado foram submetidos ao Tribunato, sendo mal acolhidos por razões essencialmente de oposição política.

Foi Napoleão que, modificando os membros do Tribunato, eliminando todos que lhe eram hostis, fez com que em um só ano, de Março de 1803 à Março de 1084 fossem discutidos e aprovadas 36 leis, que foram promulgadas em um único corpo, em 21 de Março de 1804, recebendo o título de "Código Civil dos Franceses" e, em 1807, o de "Código de Napoleão", sendo constituído de 2281 artigos.

Compreende um título preliminar e três livros: o primeiro sobre as "pessoas", o segundo sobre os "bens e as diferentes modificações da propriedade", e o terceiro sobre os "diversos modos pelos quais se adquire a propriedade". Nesse último, que cobre mais de dois terços de sua superfície ( do artigo 1522 até o 1778), estão regulados os mais diversos institutos: os regimes matrimoniais, as obrigações, as doações e testamentos, as garantias reais e outros.

Hoje, está mutilado por numerosas alterações, mas conserva a estrutura original. Por ocasião do seu centenário, juristas franceses, manifestaram a necessidade de reformá-lo, acentuando seu desajustamento à realidade dos novos tempos e, há alguns anos, comissões de especialistas dedicam-se à elaboração de novo código, em substituição à obra napoleônica.

O Código Francês procurou harmonizar o Direito Romano com o direito público costumeiro, em essência rendia homenagem à doutrina dos direitos do homem, colocava o indivíduo frente ao Estado em posição superior e sancionava a autonomia do direito privado em relação com o direito público. Seu espírito reflete a mentalidade individualista da época. Foi considerado o Código da Burguesia, por ter atendido aos interesses e aspirações

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desta classe, não se redigiu no propósito de ser lei de privilégios, ao contrário, a intenção foi elaborar um código impessoal, expressão eterna das coisas, para ser aplicado sem distinção de classe, e sem limite de tempo.

Funda-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade como direito absoluto, e na responsabilidade civil fundada na culpa provada pelo lesado. Inspirou o antigo Código Civil Italiano, bem como o Espanhol, o Português, o Belga, o Holandês, o Romeno, o antigo Código Civil Egípcio e os de Quebec e de Louisiana.

DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO BOM POVO DE VIRGÍNIA (1776)

Primeiro documento da modernidade a contemplar positivamente os princípios do Direito Natural

I - Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.

II - Que todo poder é inerente ao povo e, conseqüentemente, dele procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer momento, perante ele responsáveis.

III - Que o governo é instituído, ou deveria sê-lo, para proveito comum, proteção e segurança do povo, nação ou comunidade; que de todas as formas e modos de governo esta é a melhor, a mais capaz de produzir maior felicidade e segurança, e a que está mais eficazmente assegurada contra o perigo de um mau governo; e que se um governo se mostra inadequado ou é contrário a tais princípios, a maioria da comunidade tem o direito indiscutível, inalienável e irrevogável de reformá-lo, alterá-lo ou aboli-lo da maneira considerada mais condizente com o bem público.

V - Que os poderes legislativo, executivo e judiciário do Estado devem estar separados e que os membros dos dois primeiros poderes devem estar conscientes dos encargos impostos ao povo, deles participar e abster-se de impor-lhes medidas opressoras; que, em períodos determinados devem voltar à sua condição particular, ao corpo social de onde procedem, e suas vagas se preencham mediante eleições periódicas, certas e regulares, nas quais possam voltar a se eleger todos ou parte dos antigos membros (dos mencionados poderes)., segundo disponham as leis.

VIII - Que em todo processo criminal incluídos naqueles em que se pede a pena capital, o acusado tem direito de saber a causa e a natureza da acusação, ser acareado com seus acusadores e testemunhas, pedir provas em seu favor e a ser julgado, rapidamente, por um júri imparcial de doze homens de sua comunidade, sem o consentimento unânime dos quais, não se poderá considerá-lo culpado; tampouco pode-se obrigá-lo a testemunhar contra si próprio; e que ninguém seja privado de sua liberdade, salvo por mandado legal do país ou por julgamento de seus pares.

XI - Que em litígios referentes à propriedade e em pleitos entre particulares, o artigo julgamento por júri de doze membros é preferível a qualquer outro, devendo ser tido por sagrado.

XII - Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos.

XVI - Que a religião ou os deveres que temos para com o nosso Criador, e a maneira de cumpri-los, somente podem reger-se pela razão e pela convicção, não pela força ou pela violência; consequentemente, todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião, de acordo com o que dita sua consciência, e que é dever recíproco de todos praticar a paciência, o amor e a caridade cristã para com o próximo.

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DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789 - FRANÇA

I - Os homens nascem e permanecem livres e iguais perante a lei; as distinções sociais não podem ser fundadas senão sobre a utilidade comum.II - O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.III - O Princípio fundamental de toda autonomia reside essencialmente na nação; nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que ela não emane expressamente.IV - A liberdade consiste em fazer tudo que não perturbe a outrem. Assim, os exercícios dos direitos naturais de cada homem não tem limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o desfrute desse mesmo direito; esses limites não podem ser determinados senão por lei.V - A lei só tem o direito de proibir as ações que prejudiquem a sociedade. Tudo quanto não for impedido por lei não pode ser proibido e ninguém é obrigado a fazer o que a lei não ordena. VI - A lei é a expressão de vontade geral; todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou pelos seus representantes para a sua formação; deve ser a mesma para todos, seja os protegendo, seja ela os punindo. Todos os cidadãos sendo iguais aos seus olhos são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo as respectivas capacidades e sem outras distinções que não sejam as das suas virtudes e as dos seus talentos.VII - Ninguém pode ser acusado, preso, nem detido, senão nos casos determinados pela lei, e segundo as formas por ela prescritas. Os que solicitam, expedem, ou fazem executar, ordens arbitrárias devem ser punidos; mas todo cidadão chamado em virtude da lei deve obedecer incontinenti; ele torna-se culpado em caso de resistência.IX - Todo homem é presumido inocente, até que tenha sido declarado culpado e se for indispensável será preso, mas todo rigor que não for necessário contra sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.X - Ninguém deve ser inquietado pelas suas opiniões, mesmo religiosas, desde que as suas manifestações não prejudiquem a ordem pública estabelecida pela lei.XI - A livre comunicação das opiniões e dos pensamentos é um dos direitos mais preciosos do homem; todo o cidadão pode então falar, escrever, imprimir livremente; devendo responder pelos abusos desta liberdade em casos determinados pela lei.XIII - Para manutenção da força pública e para os gastos de administração, uma contribuição comum é indispensável; ela deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos na razão das suas faculdades.XV - A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público de sua administração.XVI - Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição.XVII - A propriedade sendo um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado se não for por necessidade pública, legalmente constatada, sob a condição de uma justa e prévia indenização.

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II - O POSITIVISMO COMO MÉTODO CIENTÍFICO

O Positivismo é uma corrente filosófica cujo iniciador principal foi Augusto Comte (1798-1857). Surgiu como desenvolvimento filosófico do Iluminismo, a que se associou a afirmação social das ciências experimentais. Propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente teologia ou metafísica. Assim, o Positivismo - em sua versão comtiana - associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana, e não metafísica. O antropólogo estrutural Edmund Leach descreveu o positivismo em 1966 na aula Henry Myers da seguinte forma:

"Positivismo é visão de que o inquérito científico sério não deveria procurar causas últimas que derivem de alguma fonte externa mas sim confinar-se ao estudo de relações existentes entre factos que são directamente acessíveis pela observação."

Todavia, é importante notar que a palavra "Positivismo" não é unívoca, pois há correntes de outras disciplinas que se consideram "positivistas" sem guardar relação com a obra de Comte. Exemplo paradigmático disso é o Positivismo Jurídico, com representantes como o austríaco Hans Kelsen e o inglês Herbert Hart. O Positivismo teve grande repercussão na segunda metade do século XIX, mas, a partir da ação de grupos contrários (marxistas, comunistas, fascistas, reacionários, católicos, místicos), perdeu influência no século XX.

Augusto Comte considera o Positivismo como a fase final da evolução da maneira como as idéias humanas são percebidas. O Positivismo tem por base teórica a observação, ou seja, toda especulação acrítica, toda metafísica e toda teologia devem ser descartadas. Ao elaborar sua filosofia positiva, Comte classificou as ciências que já haviam alcançado a positividade: a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a Biologia e a Sociologia (esta última estava sendo formulada por Comte). Mais tarde, o pensador acrescentou a Moral. Esta série não representava todo o conhecimento humano, mas apenas as ciências abstratas.

Na obra "Apelo aos Conservadores" (1855), Comte definiu a palavra "positivo" com sete acepções: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. Duas características são hoje reconhecidas por todos: a visão de conjunto, ou o holismo ("orgânico"), e o relativo (embora haja uma curiosa e extremamente difundida versão que afirma que o Positivismo nega tanto a visão de conjunto quanto o relativismo). Mas, além disso, o "simpático" implica afirmar que as concepções e ações humanas são modificadas pelos afetos das pessoas (individuais e coletivos); mais do que isso, em diversas obras Augusto Comte indicou como a subjetividade é um traço característico e fundamental do ser humano, que deve ser respeitado e desenvolvido.

O MÉTODO POSITIVO

A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim como sociais que provenha de um só princípio. A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e pesquisa suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis.

Assim como nessas ciências, em sua nova ciência inicialmente chamada de física social e posteriormente Sociologia, Comte usaria a observação, a experimentação, da comparação e a classificação como métodos - resumidas na filiação histórica - para a compreensão (isto é, para conhecimento) da realidade social. Comte afirmou que os fenômenos sociais podem e devem ser percebidos como os outros fenômenos da natureza, ou seja, como obedecendo a leis gerais; entrentanto, sempre insistiu e argumentou que isso não equivale a reduzir os fenômenos sociais a outros fenômenos naturais (isso seria cometer o erro teórico e espistemológico do materialismo): a fundação da Sociologia implica que os fenômenos sociais são um tipo específico de realidade teórica e que devem ser explicados em termos sociais.

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Pode-se dizer que o conhecimento positivo busca "ver para prever, a fim de prover" - ou seja: conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir de nossas ações, para que o ser humano possa melhorar sua realidade. Dessa forma, a previsão científica caracteriza o pensamento positivo.

O método positivo, em termos gerais, caracteriza-se pela observação. Entretanto, deve-se perceber que cada ciência, ou melhor, cada tipo de fenômeno tem suas particularidades, de modo que o método específico de observação para cada fenômeno será diferente. Além disso, a observação conjuga-se com a imaginação: ambas fazem parte da compreensão da realidade e são igualmente importantes, mas a relação entre ambas muda quando se passa da teologia para a positividade. Assim, para Comte, não é possível fazer ciência (ou arte, ou ações práticas, ou até mesmo amar!) sem a imaginação, isto é, sem uma ativa participação da subjetividade individual e por assim dizer coletiva: o importante é que essa subjetividade seja a todo instante confrontada com a realidade, isto é, com a objetividade.

CONCEPÇÃO DE CIÊNCIA E DE SOCIOLOGIA

Dentro da tradição positivista de delimitar claramente os objetos das ciências para melhor situá-las no campo do conhecimento, Durkheim aponta um reino social, com individualidade distinta dos reinos animal e mineral. Trata-se de um campo com caracteres próprios e que deve por isso ser explorado através de métodos apropriados. Mas esse reino não se situa à parte dos demais, possuindo um caráter abrangente: “porque não existe fenômeno que não se desenvolva na sociedade, desde os fatos físico-químicos até os fatos verdadeiramente sociais”. Durkheim fala também de um reino moral, ao concluir que: “a vida social não é outra coisa que o meio moral, ou melhor, o conjunto dos diversos meios morais que cercam o indivíduo” Aproveita para esclarecer o que entende por fenômenos morais:

“Qualificando-os de morais, queremos dizer que se trata de meios constituídos pelas idéias; eles são, portanto, face às consciências individuais, como os meios físicos com relação aos organismos vivos”.

No início de sua carreira Durkheim empregava o termo "ciências sociais", paulatinamente substituído pelo de “sociologia”, mas reservando aquele ainda para designar as “ciências sociais particulares” (i. é, Morfologia Social, Sociologia. Religiosa etc.), que são divisões da Sociologia. Nesse sentido, a Sociologia constitui “uma ciência no meio de outras ciências positivas”, e por ciência positiva entende um “estudo metódico” que conduz ao estabelecimento das leis, mais bem feito péla experimentação: “Se existe um ponto fora de dúvida atualmente é que todos os seres da natureza, desde o mineral até o homem, dizem respeito à ciência positiva, isto é, que tudo se passa segundo as leis necessárias” (id., ibid. p. 82).

Desde Comte a Sociologia tem um objeto, que permanece, entretanto indeterminado: ela deve estudar a Sociedade, mas a Sociedade não existe: “Il y a des sociétés” – que se classificam em gêneros e espécies, como os vegetais é os animais. Após repassar os principais autores que lidaram com essa disciplina, conclui: “Ela [a Sociologia] tem um objeto. claramente definido e um método para estudá-lo. O objeto são os fatos sociais; o método e a observação e a experimentação indireta, em outros termos, o método comparativo. O que falta atualmente é traçar os quadros gerais da ciência e assinalar suas divisões essenciais. (...) Uma ciência não se constitui verdadeiramente senão quando é dividida e subdividida, quando compreende certo número de problemas diferentes e solidários entre si”.

Fica evidente que, apesar do seu desenvolvimento tardio, a Sociologia é fruto de uma evolução da ciência. Ela nasce à sombra das ciências naturais; a Sociologia não corresponde a uma simples adição ao vocabulário, a esperança e a de que “ela seja e permaneça o sinal de uma renovação profunda de todas as ciências que tenham por objeto o reino humano”.

Objeto central da sociologia de Émile Durkheim, um fato social é qualquer forma de coerção sobre os indivíduos que é tida como uma coisa exterior a eles, tendo uma existência independente e estabelecida em toda a sociedade, que é considerada então como caracterizada pelo conjunto de fatos sociais estabelecidos. Também se define o fato social como uma norma coletiva com independência e poder de coerção sobre o indivíduo.

Segundo Emile Durkheim, os Fatos Sociais constituem o objeto de estudo da Sociologia pois decorrem da vida em sociedade.O sociólogo francês defende que estes têm três características:

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Coercitividade - característica relacionada com a força dos padrões culturais do grupo que os indivíduos integram. Estes padrões culturais são de tal maneira fortes que obrigam os indivíduos a cumpri-los.

Exterioridade - esta característica transmite o fato desses padrões de cultura serem exteriores aos indivíduos, ou seja ao fato de virem do exterior e de serem independentes das suas consciências.

Generalidade - os fatos sociais existem não para um indivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos perceber a generalidade pela propagação das tendências dos grupos pela sociedade, por exemplo.

Para Émile Durkheim, fatos sociais são "coisas". São maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo, e dotadas de um poder coercitivo. Não podem ser confundidos com os fenômenos orgânicos nem com os psíquicos, constituem uma espécie nova de fatos. São fatos sociais: regras jurídicas, morais, dogmas religiosos, sistemas financeiros, maneiras de agir, costumes, etc.

“É um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior.”; ou ainda, “que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais.” Ou ainda:Todas as maneiras de ser, fazer, pensar, agir e sentir desde que compartilhadas coletivamente. Variam de cultura para cultura e tem como base a moral social, estabelecendo um conjunto de regras e determinando o que é certo ou errado, permitido ou proibido.

Existem também as correntes sociais, como as grandes manifestações de entusiasmos, indignação, piedade, etc. Chegam a cada um de nós do exterior e não têm sua origem em nenhuma consciência particular. Têm grande poder de coação e são suscetíveis de nos arrastar, mesmo contra a vontade. Se um indivíduo experimentar opor-se a uma destas manifestações coletivas, os sentimentos que nega voltar-se-ão contra ele. Estamos então a ser vítimas de uma ilusão que nos faz acreditar termos sido nós quem elaborou aquilo que se nos impôs do exterior. Percebemos então que fomos sua presa, mais do que seus criadores.

Analisando os fatos sociais chega-se à conclusão de que toda a educação dada às crianças consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado espontaneamente. Segundo Herbert Spencer, uma educação racional deveria deixar a criança agir com toda a liberdade. Mas essa teoria pedagógica nunca foi praticada por nenhum povo conhecido, não passa então de um desejo pessoal. A educação tem justamente o objetivo de criar o ser social.

Não é a generalidade que serve para caracterizar os fenômenos sociológicos. Um pensamento comum a todos ou um movimento por todos os indivíduos não são por isso fatos sociais. Isso são só suas encarnações individuais.

Há certas correntes de opinião que nos levam ao casamento, ao suicídio ou a uma taxa de natalidade mais ou menos forte; estes são, evidentemente, fatos sociais. Somente as estatísticas podem nos fornecer meios de isolar os fatos sociais dos casos individuais. Por exemplo, a alta taxa de suicídio no Japão; não são só fatos individuais e particulares que os levam a suicidar. Toda cultura e a educação deste país exerce grande diferença no pensamento do indivíduo na hora de se suicidar. O mesmo caso particular de frustração do indivíduo, em outra sociedade, poderia não o levar ao suicídio. Esse é um fato social, além de psicológico.

O efeito de coação externa de um fato social é fácil de constatar quando se traduz por uma reação direta da sociedade, como é o caso do direito, das crenças, dos usos e até das modas.

Não podemos escolher a forma das nossas casas tal como não podemos escolher a forma do nosso vestuário sem sofrer algum tipo de coação externa. Os nossos gostos são quase obrigatórios visto que as vias de comunicação determinam de forma imperiosa os costumes, trocas, etc. Isso portanto também é um fato social, visto que é geral.

Contrariando Auguste Comte, não há um progresso, uma evolução da humanidade, o que existe são sociedades particulares que nascem, se desenvolvem e morrem, independentemente umas das outras. Se, além disso, se considera que as sociedades mais recentes continuam as que precederam, então cada tipo superior poderá ser considerado como a simples repetição do tipo imediatamente inferior. Um povo que substitui um outro não é apenas um prolongamento deste último com alguns caracteres novos; é diferente, constitui uma individualidade nova.

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Spencer não aceita este conceito, como proposição afirma que “uma sociedade só existe a partir do momento em que à justaposição se junta uma cooperação.” “Há uma cooperação espontânea que se efetua sem premeditação quando se tenta atingir fins de interesse privado; e há uma cooperação conscientemente instituída que supõe fins de interesse público nitidamente reconhecidos.” Às primeiras Spencer dá o nome de sociedades industriais e, às segundas, o de sociedades militares. Para Spencer a sociedade não passa de realização de uma idéia, neste caso a idéia de cooperação.

Devemos considerar os fatos sociais como “coisas”. Para Durkheim, "coisa" é algo Sui generes, ou seja, é dotado de uma lógica própria.

1. Precisamos limpar toda a mente de prenoções antes de analisarmos fatos sociais. Essas “noções vulgares” desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas e que nós confundimos com as verdadeiras coisas. As prenoções são capazes de dominar o espírito e substituir a realidade. Esquecidas as prenoções devemos analisar os fatos sociais cientificamente.

2. O sociólogo deve definir aquilo que irá tratar, para que todos saibam, incluindo ele próprio, o que está em causa. É necessário que exprima os fenômenos não em função de uma idéia concebida pelo espírito, mas sim das suas propriedades concretas. As únicas características a que podemos recorrer são as imediatamente visíveis. Tomar sempre para objeto de investigação um grupo de fenômenos previamente definidos por certas características exteriores que lhes sejam comuns, e incluir na mesma investigação todos os que correspondam a esta definição. Por isso todo fato social é coercitivo, exterior e geral.

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II - O PENSAMENTO DE CHAIM PERELMAN

PERELMAN E A NOVA RETÓRICA

Fundador da Retórica moderna, Chaïm Perelman, grande pensador que se dedicou com profundidade tanto ao Direito quanto à Justiça, nasceu em Varsóvia. Em 1925, emigrou para a Bélgica, onde construiu toda a sua carreira. Lecionou Lógica, Moral e Filosofia na Universidade de Bruxelas até 1978. Morre em 22 de Janeiro de 1984 em Uccle, perto de Bruxelas.

Sua obra representa uma reabilitação magistral de Retórica e da Argumentação que, desde o anátema lançado sobre elas por Platão, viram-se rejeitadas do campo da reflexão filosófica. Longe de limitar a Argumentação ao plano discursivo, Perelman conseguiu mostrar que a Filosofia, o Direito ou a História, para citar somente estas disciplinas, atuavam cada uma de sua maneira, argumentando. É, assim, uma verdadeira antropologia que une a nova Retórica. Tudo começou com a rejeição do Positivismo Lógico, e principalmente, do seu precursor, Frege. Este último também tinha a preocupação de tornar a linguagem natural mais pura para assentá-la sobre a linguagem científica. Nos países de língua inglesa, tanto Frege quanto o Positivismo tiveram uma forte influência antes de serem marginalizados, enquanto na França não se sabe ainda o que as palavras “Positivismo Lógico” querem realmente encobrir. Isto explica em grande parte a fama tardia de Perelman na França, ao passo que nos países de língua inglesa ela se impôs muito cedo. Hoje, as idéias do Positivismo são mais conhecidas por nós, e, com a sua crítica, a Filosofia francesa encontrou em Perelman uma antecipação de seu próprio desenvolvimento.

Mas o que diz na verdade o Positivismo lógico? Em geral, duas coisas. Por um lado, o modelo da atividade linguística e o do raciocínio são fornecidos pela ciência físico-matemática. O rigor, o caráter unívoco, a necessidade do raciocínio demonstrativo são as características essenciais e úteis, em que as outras ciências, e a Filosofia em particular, deveriam inspirar-se. A demonstração e o raciocínio hipotético-dedutivo são os pilares do raciocínio e da lógica. Sem eles, não haveria lógica ou raciocínio que se sustentasse. Por outro lado, e isto decorre do que acaba de ser dito, os juízos de valor não decorrentes da lógica - dos juízos ditos da verdade - mergulham, de forma inevitável, tanto o homem de ação quanto o filósofo preocupado com a justiça, no irracional. O Direito e a Justiça estariam condenados a se separar da razão porque os valores não se decidem nem de forma lógica, nem tampouco de forma experimental. São estes dois axiomas do Positivismo que Perelman tornou inexistentes, em proveito de uma concepção da razão preocupada em estabelecer o plano discursivo não-matemático no âmbito de seus direitos e a razão prática na sua coerência.

O que se deve entender por visão da Retórica? Em primeiro lugar, os usos principais da linguagem obedecem, em geral, a modos de funcionamento opostos, em vários pontos, aos que regulam a

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Matemática. Ao contrário de Frege, que queria generalizar sobre a linguagem natural a partir de uma linguagem tão artificial quanto a matemática - “vocês sabem falar a álgebra” -, Perelman tenta mostrar que a linguagem lógico-matemática é uma construção do espírito que pressupõe a linguagem natural. É pretensão excessiva querer expurgar esta última do que a constitui, a saber, a ambigüidade dos termos, o equívoco das palavras, a pluralidade dos sentidos e das leituras interpretativas. Como é que se pode realizar o uso cotidiano da linguagem se esta é tão imperfeita? Não estaria ela, desde então, imprópria para a comunicação e a expressão? A resposta é simples: a linguagem natural é perfeitamente adaptada às suas funções, apesar de suas imprevisões estruturais. De fato, um discurso é sempre proferido em um contexto que fornece a informação necessária aos interlocutores, para dar um sentido ao que eles estão escutando - se possível um único sentido - e, se não o for, a informação contextual permitirá, pelo menos, a eliminação de falsas interpretações. Em Matemática, pelo contrário, não podemos nos apoiar em dados desta natureza, como a informação contextual, que são muitos subjetivos. Um raciocínio matemático deve ser válido independentemente das pessoas às quais seria suscetível de se endereçar. Aqui, não podemos nos permitir supor uma ou outra contribuição contextual, e o aspecto unívoco do discurso tem de ser muito bem desenvolvido, mediante uma construção que faça uso de símbolos bem definidos a priori e de regras claras e distintas de formação e de transição para toda (nova) expressão possível. Mas a linguagem natural permite a si própria a economia de tal esforço, já que as suas expressões, suscetíveis de receber sentidos e funções lingüísticas múltiplas, são finalmente dotadas de um significado preciso graças ao caráter implícito do contexto, compartilhado pelo enunciador e pelo auditório, e que serve para que um se faça entender pelo outro.

Desta forma, não é necessário - e quem o faz ? - alinhar todas as suas premissas, nem mesmo explicitar toda a informação quando nos comunicamos com outrem. Este conhecimento constitui um estoque quase infinito, inominado, de proposições que se identificam, na verdade, com o que chamamos de Cultura: do jornal cotidiano ao livro de erudição, pode ser encontrado um vasto acervo de valores, de lugares comuns, de pressupostos que alargam o campo do implícito mediante o qual o explícito adquire precisão e um rigor que, no caso da Matemática, como linguagem excluída do contexto, tem de se impor a priori quando os constrói. Note-se que o modelo matemático, em matéria de linguagem, tem por conseqüência tirar a linguagem natural do contexto. Assim, ela atuaria no vazio, e não seria compreensível que sequer os positivistas pudessem ter imaginado que ela de alguma forma pudesse ter funcionado. As frases adquiridas fora de qualquer contexto, autônomas como proposições matemáticas, só podem gerar equívocos e serem inferiores, do ponto de vista do status funcional, às que são encontradas nas ciências e nas linguagens formais. Perelman realiza, neste sentido, uma verdadeira reviravolta. Todo discurso tem um contexto, e, por conseguinte, um auditório para o qual ele é produzido. A relação que se estabelece entre o auditório e o enunciador é propriamente dita, retórica, já que a adaptação ao auditório é uma condição para a persuasão.

Suscitar o entendimento e a adesão encontra-se, necessariamente, na base de toda explicação da linguagem real, da forma como ela é praticada diariamente. O discurso científico é, na verdade, uma simples modalidade, e não um modelo do racionalismo argumentativo, ou seja, do âmbito discursivo. Na ciência, também existe um auditório - o auditório universal -, e a razão aqui empregada não deve ser concebida como sempre foi, a saber, como se se entregasse a um monólogo consigo mesmo. O entendimento divino, tornado científico, não precisa de auditório. Mas será esta uma forma razoável de considerar a atividade científica?

Sabemos, hoje, que toda obra científica se endereça a uma comunidade à qual se esforça por convencer recorrendo, notadamente, a critérios de exposição, como a simplicidade ou o rigor formal da teoria. O auditório é a realidade da razão humana, que sempre postula um outro ao qual ela se dirige, este outro podendo ser um interlocutor ideal, tão universal quanto um auditor preciso, particular, cujos interesses e pressupostos exclusivos são levados em consideração.

Foi dito que o Racionalismo e a linguagem formam um par. Pois não existe uso da linguagem que não seja baseado no esforço de convencer a pessoa a quem se está endereçando. Este Racionalismo provém da argumentação e Perelman prefere falar em “razoável” para deixar ao “racional” o campo da argumentação constringente. O racional e o razoável constituem o domínio da razão da maneira como se deseja conceber atualmente. Por que fazer referência ao razoável quando se trata de Racionalismo argumentativo não-demonstrativo? Pura e simplesmente porque a conclusão, nada tendo de constringente ou de necessário na lógica argumentativa, só se impõe como tal diante de valores, de

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lugares comuns para os protagonistas, os quais são levados a adotá-la com base nestes pressupostos. A conclusão de uma argumentação não-formal resulta de uma escolha que sempre pode ser discutida e contestada, que pode impor-se definitivamente porque, no âmbito da sociedade e dada a herança compartilhada entre o enunciador e o auditório, é razoável uma conclusão em vez de outra. Seria racional se pudéssemos concluir “somente” isto em vez daquilo. Mas, todos sabemos, pelas discussões às quais nos entregamos todos os dias no nosso trabalho ou alhures, que as conclusões que queremos ver adotadas nada têm de inevitável, e que elas podem gerar convicção baseando-se, unicamente, em seu caráter razoável. É claro que um tal caráter defende certos valores no tempo, mas quem poderia ainda pretender que a razão, através de todos os seus usos, seja imutável, e que a História ou a sociedade não existam?

Uma lógica da argumentação é decididamente uma lógica dos valores, uma lógica do razoável, do preferível, e não uma lógica do tipo matemático ou, como é dito geralmente, da necessidade constringente. Esta última força a unanimidade, e seria visto como louco aquele que se recusasse a admitir que dois mais dois perfazem quatro. Mas a maior parte dos usos da linguagem não reúne esta unanimidade, especialmente em matéria de moral e de política, ainda que seja corrente aqui ou ali internar os que se recusam a aceitar a universalização forçada das máximas do poder. Com efeito, uma argumentação, pelo fato de não ser constringente, autoriza várias conclusões, várias escolhas, uma recusa de valores, que proporciona, assim, um debate interminável, a não ser que se faça uso da força. Uma Ética é justa pelo fato de admitir que os valores não são conclusões evidentes às quais todo o mundo deve submeter-se. Uma Ética deve apoiar-se na realidade argumentativa, desestabilizada pelo jogo de valores, só podendo resultar do pluralismo destes. Em matéria de Ética, pode-se sempre discutir se é uma escolha ética dois e dois serem quatro, e é uma felicidade não aderir uma tal escolha. Compreende-se bem, desde então, o uso retórico que pode ser feito da negação da retórica: não aderir a tal ou qual conclusão, a tal ou qual escolha de valores, equivaleria a proceder como aquele que nega que dois e dois somem quatro. Um ignorante se reeduca, um louco se cuida, um idiota se afasta. E sabemos que tudo isto leva ao totalitarismo.

Ao contrário do que foi dito, a teoria de Perelman não é, portanto, sinônimo de relativismo, que a Retórica sempre foi acusada de defender, tendo sido Platão o primeiro acusador. Existe, claramente, um apelo ao implícito cultural que assegura à argumentação não-racional o seu caráter razoável. Perelman reabilitou o valor filosófico da Retórica, daí a posição única e fundamental que ele ocupa na história do pensamento filosófico. Para Platão - sabe-se - o retórico age seduzido pela linguagem e a manipula de tal forma que possa sempre fazê-la dizer o que melhor convêm nas diversas circunstâncias. Ele não tem uma doutrina, mas podem defender todas elas, ao contrário da linguagem científica, matemática, que autoriza unicamente idéias claras e distintas, de evidências, como dirá mais tarde Descartes. Louca e nunca realizada a pretensão de querer calcar a linguagem filosófica sobre evidências incontestáveis, oferecidas pelos discursos que garantem um fundamento indestrutível. O discurso filosófico não tem outro recurso senão aquele do senso comum, que ele irá criticar, sistematizar, alterar. Neste sentido, ele é sempre submetido à discussão e ao debate contraditório, e sabemos que, em matéria de Filosofia, o fato é comum, já que nenhum sistema filosófico escapou à sua obsolescência. O que fazer da ambigüidade do mundo real, da ambigüidade que nos oferece o senso comum, senão tutelá-la, ao invés de pretender poder vencê-la pela formalização sistemática? A reabilitação do retórico no seio de uma Nova Retórica consiste em finalmente conscientizar-se de que a argumentação filosófica não tem nem o rigor das ciências formais, nem os recursos experimentais das ciências empíricas, e que ela trabalha a partir da linguagem natural, repleta de noções confusas, submetidas perpetuamente ao jogo social do debate contraditório, de onde não saberíamos evadir-nos pelo simples recurso à experiência, nem pelo toque da varinha mágica da formalização que exclui as alternativas para as questões tratadas. Há que permanecer com estas questões e oferecer os meios de discuti-las como tais.

Perelman nos deu uma tipologia de esquemas argumentativos sobre os quais não há mais meios de se estender: generalizando, trata-se de afastar ou de reaproximar, a cada vez que se argumenta, noções que unimos, para fazer surgir um valor-referência que rejeitamos, ou ao contrário, que queremos ver adotado. A analogia e a metáfora ilustram bem este mecanismo em que achamos duas noções unidas para sugerir uma conclusão. Tudo isto é suficientemente conhecido para que não seja necessário que se continue a insistir. Mas isto é somente um deslocamento condicionado do que se deve entender por retórica. Pois os efeitos de estilo, as figuras do discurso, são ligados por uma possibilidade de sugestão

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que ultrapassa a literatura e o que está incluído. Tal possibilidade acha o seu fundamento na relação com o auditório, que se alimenta do histórico da cultura e do implícito contextual, cuja multiplicidade de formas enquadra a filosofia, a moral, o discurso literário, e finalmente, o direito.

Assim como a matemática forneceu o modelo e a metodologia do racionalismo clássico, também o direito fornece não o modelo único, mas uma metodologia complementar para aquele que reserva um lugar importante para a argumentação. O direito se caracteriza, com efeito, também pelo ideal de um pensamento sistemático - fala-se em diversos sistemas jurídicos - que define uma ordem que deve guiar a ação, mas uma ordem aberta, flexível, capaz de se adaptar às circunstâncias e à procura de uma decisão fundada na eqüidade. O Juiz, pelo fato de que deve adotar uma decisão razoável e juridicamente motivada, é levado na maioria das vezes a exercer a sua liberdade de decisão ao escolher entre argumentos que favorecem um ou outro valor. Ele é levado, para motivar sua decisão, a interpretar textos legais, a estender ou a restringir o seu alcance, a preferir uma regra ou precedente a outro, a justificar a sua decisão por todo tipo de argumentos para torná-la aceitável. Seu raciocínio não será impessoal, mas deverá levar em consideração as pretensões das partes, a opinião pública esclarecida, e, acima de tudo, os tribunais superiores. O seu campo é livre, mas não arbitrário, pois deve ser razoável; a sua liberdade se move em uma área que ele deve respeitar. Perelman mostrou, em sua Lógica Jurídica - Nova Retórica, como o juiz usa o seu poder discricionário para conciliar o respeito ao direito e a procura de uma solução justa.

O que caracteriza o direito, ao contrário das outras áreas em que se exerce a argumentação, é que ele deve chegar a uma decisão que terá força de coisa julgada. Com efeito, sendo um dos objetivos do direito o estabelecimento da paz social, os conflitos não devem perpetuar-se: o fator tempo tem um papel considerável, se quisermos evitar a acusação de obstruir a Justiça. O direito desenvolveu procedimentos seculares que facilitam a solução dos conflitos, tais como a delimitação de competências, a organização dos debates judiciários, o recurso a presunções de todo gênero, a distribuição do ônus da prova. Quando a controvérsia é de natureza teórica, como nas ciências humanas e filosóficas, não há última instância que possa impor, de uma vez por todas, o encerramento do debate e uma solução definitiva. Portanto, na medida em que os próprios argumentos teóricos são ligados à tomada de decisões, eles podem atingir decisões provisórias que serão questionadas ulteriormente, se surgirem razões suficientes para se mudar de atitude.

Ao fazer argumentação - o instrumento por excelência do pensamento criador -, e não dedução formal consegue-se entender o caráter localizado, existencial e cultural do procedimento filosófico. Ao contrário da tradição clássica segundo a qual o filósofo procura verdades impessoais e atemporais, sua ambição, no entender de Perelman, se concentrará em apresentar uma visão do homem, de suas relações com a sociedade e o universo, que seja razoável, aceitável para o auditório universal que ele tenta convencer. Mas não sendo as suas concepções jamais constringentes, não constituindo um sistema de verdades absolutas, ele só lhes pode propor a adesão. Daí a necessidade do diálogo para o progresso do pensamento filosófico. Esta necessidade toma o seu ponto de partida no senso comum e nos problemas impostos pelo recurso à linguagem natural. Enquanto os filósofos racionalistas, como Descartes, Spinoza ou Leibniz afastavam esta linguagem imperfeita e as asserções do senso comum, concebidas como superficiais e incoerentes, Perelman, ao mesmo tempo em que admitia a busca da clareza e da coerência pelo filósofo, constata que este é levado pelas suas exigências a realizar uma escolha ao mesmo tempo dentre usos múltiplos das noções confusas e das teses do senso comum, para elaborar uma filosofia razoável. As suas diversas análises da noção de Justiça ilustram o seu método. A partir desta noção, ele retira em primeiro lugar uma concepção da justiça formal segundo a qual os seres que se encontram em situações essencialmente similares devem ser tratados da mesma maneira. A partir deste princípio, sobre o qual existe uma forte concordância, ele mostra as divergências ligadas à interpretação do que seja essencialmente similar, e mostra que, para aqueles que se encontram em situações diferentes, o tratamento justo depende da concepção que for feita do interesse geral, o que gera, novamente, a possibilidade de concepções divergentes.

(1) Verbete do Husman, Denis (org.).Dictionnaire des Philosophes, Paris: PUF. Traduzido por Felix de Faria e revisado por Paulo Eduardo Coelho da Rocha e Ricardo R. Almeida.

O QUE É JUSTIÇA?

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Chaïm Perelman, ao iniciar sua análise sobre o que seja "justiça", ainda assim preso a um resquício do modo de pensar lógico-formal, alerta ao leitor menos avisado, que não busca o mesmo atingir uma definição completa e definitiva de justiça, expressão por demais prestigiosa e emotiva. O jusfilósofo belga, no particular, já demonstra a evidente dificuldade que existe em se aferir, de uma maneira universal, uma noção abstrata, entendida sob uma perspectiva silogística axiomática (ou seja, de reconhecimento geral e logicamente irrefutável), acerca de um "valor", tal qual é a justiça.

É impossível se desvendar uma definição única de tal vocábulo, extremamente polissêmico, e que, a depender das palavras utilizadas em sua definição, pode soar, na verdade, extremamente injusto ou não, a depender da própria íntima convicção de cada pessoa. A ressonância emotiva da "Justiça" (grafada com inicial maiúscula, por indicação do próprio Perelman) já nos revela o profundo respeito, e porque não se dizer temor, que Perelman tem, quando se vê diante de supostos conceitos objetivos de "Justiça". Segundo o mestre de Bruxelas, é errôneo se fundamentar em deduções sólidas inferíveis de definições arbitrárias e imparciais. Assevera Perelman, que:

"(...) Se os lógicos admitem a natureza arbitrária das definições, é porque elas não constituem, para eles, senão uma operação que permite substituir um grupo de símbolos conhecidos por um símbolo novo, mais curto e de manejo mais fácil do que o grupo de signos que o define (...)”.

Perelman aduz que o raciocínio lógico-arbitrário pode nos levar ao que o próprio denomina de "definição dupla", ou seja, uma noção com dois sentidos distintos, e sem comprovação de que tais se coincidam. Todas as vezes que se visa definir uma noção, que não represente um signo novo, mas que já preexista na linguagem, com toda uma carga particularmente emotiva, não se trata de uma ação arbitrária ou indiferente, pelo contrário, é puro ato de vontade, carregado de desejos e paixões singulares, portanto, dialético.

É pela carga de emotividade aplicada na busca em torno de um consenso sobre dada definição de um conceito, que se distinguem a filosofia da ciência. Daí porque os conceitos científicos, com fuste em métodos experimentais ou analíticos, o que não ocorre na seara filosófica, intrinsecamente valorativa, são menos perenes, porque circunstanciados, e deixam de ser aplicados, se não mais servirem ou conseguirem ser provados. No particular, a explicação dada por Perelman nos aparenta contraditória, já que, com base nessa colocação, os conceitos filosóficos também teriam pouca densidade temporal, porque imiscuídos por idéias valorativas, logo humanas, portanto mutáveis; e aí, ao invés de se afastar, se aproximariam dos conceitos puramente científicos.

Perelman, palmilhando essas idéias, acaba por delimitar o objeto da filosofia, como sendo justamente o estudo dessas noções extremamente valorativas, por assim dizer "prestigiosas", e que nos levam à uma situação irracional, ou ao menos, confusa. Na luta pela descoberta de tais definições é que se acaba por discutir o verdadeiro sentido das próprias palavras, e nestes embates não-consensuais, o que acaba por preponderar é a proliferação de noções confusas, tão típicas da filosofia.

Perelman propõe, então, como mera sugestão para se solucionar tal problema, a tentativa de diminuição do papel afetivo agregado aos conceitos filosóficos. Entretanto, Perelman adverte que não se trata de transformar a filosofia numa ciência, porém, sim, apenas torná-la mais lógica. Perelman admite que a justiça seja a principal virtude, e dela todos as outras emanam, posto que açambarcariam toda a moralidade. Contudo, Perelman, citando outros autores, como Dupreél e Proudhon, reafirma que a justiça é uma noção eminentemente particular, se bastando para tanto uma abordagem histórica das diversas concepções de teorias da justiça, seja ela a felicidade (Platão), a verdade (Aristóteles), a razão divina - a fé em Deus (Tomás de Aquino), a liberdade ou autonomia da vontade humana (Kant), o ato de poder vital (Nietzsche) ou a felicidade conforme a lei (Kelsen). .

Ainda que todas estas noções, entre si contraditórias, tratem da noção suprema de "justiça", tais são válidas para aqueles que as comungam, e, aqui, Perelman salienta que a noção de "justiça" é convencional, e cada grupo a defenderá, como concepção própria de pensar; logo, a mais correta, adequada e razoável. Quando Perelman fala em "convenção", seu raciocínio se aproxima daquele outro aristotélico, pelo qual a justiça se faz através dos hábitos, costumes e da própria experiência.

DISTRIBUIÇÃO DA JUSTIÇA CONCRETA

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Perelman elenca seis concepções concretas da noção de "justiça", num rol meramente exemplificativo, a fim de demonstrar, através de fortes argumentos, ser pouco provável se conseguir a extração definitiva e universal do que seja "justiça".

São eles:

1. Igualdade absoluta (a cada qual a mesma coisa).

Segundo esta concepção, todas as pessoas hão de ser tratadas da mesma forma, sem levar em conta as diferenças que as distinguem. Logo, tratar-se-ia, do mesmo jeito, independentemente das condições ou situações fáticas particulares, um velho e um jovem; um rico e um pobre. Perelman critica tal concepção, e, de forma irônica, salienta que, sob tal prisma, o único ser perfeitamente justo seria a morte, inexorável e universal. Realmente, é absolutamente injusto, ainda que seja sedutor e "populista", tal critério; tendo em conta que, a depender do caso concreto, mister se faz conferir certos privilégios, para sopesar algumas desvantagens, de acordo com os usos e costumes.

2. Igualdade distributiva (a cada qual segundo seus méritos).

Neste viés, tal concepção prevê um tratamento proporcional a uma qualidade intrínseca, qual seja, ao mérito da pessoa. Nota-se nitidamente nesta concepção a retomada, ainda que indireta, do pensamento aristotélico, arrimado numa "meritocracia", na qual, como critério material de distribuição de justiça, se valoriza o mérito do ser humano. O que vale é o esforço, a causa da ação, e não o seu simples resultado.

Todas essas concepções, aqui expostas, se referem à critérios de distribuição de justiça, e como tal, amplamente relativos, sob o aspecto material, posto que, numa visão perelmaniana, não há como se eleger um "melhor" critério. Contudo, como já salientado alhures, sob o aspecto formal, Perelman é um neo positivista, no particular se afastando por completo do ideário aristotélico, assumindo, como se verá adiante, ser a justiça o que a lei disser, recusando qualquer objetividade ao conceito de valor.

3. Igualdade comutativa (a cada qual segundo suas obras).

Este critério de distribuição, segundo Perelman, propugna, assim como o critério do mérito, por um tratamento geométrico, contudo, ao contrário da "meritocracia", este aqui só considera os resultados da ação, deixando, assim, de ser moral. O critério do mérito leva em conta a intenção da ação, os sacrifícios ou esforços realizados, e neste ponto, é mais justo que o ora em análise, segundo as obras.

O critério dos resultados da ação, ao dar primazia à elementos ligados ao cálculo, peso ou medida, nos remete ao pensamento de Ronald Dworkin, que dá vazão à um justo receio ao que chama de "ceticismo interior". De igual maneira, o critério dos resultados foi amplamente utilizado no auge da Reforma Protestante, na Idade Média, no qual o fiel era salvo pela sua fé ou pelas suas obras, frise-se, com a institucionalização do "dízimo" doado à Igreja e a tese, de fundo calvinista, de que quanto mais se trabalhasse e acumulasse riquezas, mais fácil seria o próprio acesso ao paraíso celestial. [16]

Para Perelman, segundo esse critério dos resultados, poder-se-ia justificar o pagamento do salário dos operários, por hora ou peça.; bem como os exames e concursos de seleção de candidatos. Hannah Arendt refuta tal critério, embora admita que a sociedade atual é altamente tecnicista.

4. Igualdade de caridade (a cada qual segundo suas necessidades).

Este critério visa abrandar os sofrimentos decorrentes da impossibilidade em que o homem se encontra de satisfazer suas necessidades essenciais. Seria uma concepção de caridade, para Perelman, que para não se tornar inviável, haveria de se nortear por regras formais. Como exemplo de aplicação deste critério, Perelman aponta a legislação social e trabalhista que surgiu logo após o auge da Revolução Industrial do século XIX e do apogeu do liberalismo econômico.

Válido, ainda que de relance, analisarmos a teoria da justiça de John Rawls, que, sob nítida influência kantiana, analisa a justiça como equidade, através da noção (por ele mesmo mais tarde reformulada, visando mitigar as invariáveis críticas feitas à sua teoria da "posição original" do pacto social), de "overllaping consensus" (numa livre tradução, "superposição consensual").

Observa-se em Rawls a busca de uma síntese da noção aristotélica de justiça, centrada na igualdade, e a noção kantiana, mirada na busca da autonomia (liberdade). Segundo Rawls, a escolha das pessoas, seja

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por um modelo neo-liberal, seja por um modelo social-democrata, passaria, para ganhar foros de universalidade, pelo crivo de uma justificação pública, que é exatamente aquela noção da superposição consensual, acima citada.

Em Rawls, a prioridade justa é o bem, vale dizer, a equidade ("farines") e não o útil, como apregoavam os utilitaristas econômicos, de Jeremias Bentham e Stuart Mill; assim como o pragmatismo jurídico de Holmes e Frank. Para que tal sociedade justa se torne exeqüível, mister se faz que a mesma esteja bem ordenada, do ponto de vista jurídico e político. Rawls despreza aquele aforismo de que "a decisão é boa, na medida em que é útil para a maioria da sociedade."

Portanto, tal critério da caridade, como denominou Perelman, foi bendito pelos social-democratas [22], que criticando Rawls e os demais adeptos do neo liberalismo, bradam por um "Welfare State" (Estado do Bem-Estar Social), com um projeto de Estado intervencionista e garantidor dos direitos sociais.

5. Igualdade aristocrática (a cada qual segundo sua posição).

É um critério aristocrático de distribuição formal de justiça, aduz Perelman, consistindo em tratar as pessoas de acordo com a categoria a que pertençam. Se traduz num critério anti-universalista, e altamente discriminatório, se dando como exemplos clássicos as diferenças de tratamento dispensadas à brancos e negros, nacionais e estrangeiros, livres e escravos, e assim por diante. Tal critério tem por caráter a natureza social e o cunho hereditário das pessoas, independendo, destarte, da vontade do indivíduo, sendo ardorosamente defendida pelos detentores do poder e pelas maiorias intolerantes.

I 6. Igualdade formal (a cada qual segundo o que a lei lhe atribui).

Tal critério nos remete àquela velha parêmia romana de "suum cuique tribuere", vale dizer, dar a cada um o que é seu. Segundo Perelman, ser justo é atribuir a cada qual o que lhe cabe, que, em sentido jurídico, é aquilo que a lei lhe atribui. Ser justo é aplicar as leis do país; daí decorrendo que, a depender de cada legislação, existirá um critério particular de distribuição de justiça. Perelman afirma, categoricamente, que a injustiça apenas florescerá na distorção da aplicação das regras jurídicas de cada sistema.

Dupreél, citado por Perelman, concebe este critério como de "justiça estática", posto que almeja a mantença do status quo, de índole conservadora, servível como fator de fixidez. Considera, assim, os outros cinco critérios, acima explicitados, como de "justiça dinâmica", progressista e concebível como fator de transformação.

Este critério, apesar de nominalmente "formal", implica uma fórmula material de distribuição da justiça, a se confundir com a própria idéia de "justiça formal", fundada num viés absolutamente legalista, ou, melhor dizendo, positivista jurídico.Tal critério, em suma, há de preponderar sobre as demais fórmulas de distribuição material de justiça. Entretanto, Perelman alerta que todos esses critérios não são auto-excludentes, mas sim complementares. Assim, o professor de Bruxelas não invalida os outros cinco critérios, que, segundo o mesmo, seriam coexistentes.

Perelman, entretanto, no exato instante em que afirma a coexistência dos critérios, mostra a possibilidade de ocorrência de contraposição entre os mesmos, em dada situação concreta. In casu, ele aponta três possíveis atitudes a serem tomadas:

a)declarar que tais critérios não possuem qualquer vínculo conceitual, se buscando, assim, a distinção dos seus diferentes sentidos;

b) ou não adotar nenhum dos critérios, ou escolher, dentre as seis concepções, apenas e tão só uma delas; e,

c)pesquisar o que há de comum entre as diferentes concepções de justiça, mesclando-as.

Perelman aponta a terceira opção como a melhor de todas, posto que nem a primeira atitude, nem a Segunda são sustentáveis. A primeira porque se negaria a evidente existência dos demais critérios, que são reais e concretos. A Segunda por ser absolutamente inadmissível considerar apenas uma das formas de "justiça concreta" como a única realmente justa.

III - A NOÇÃO DE JUSTIÇA FORMAL (AS CATEGORIAS ESSENCIAIS).

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De acordo com Perelman, dentre os pontos convergentes e os divergentes das diversas concepções de justiça, é necessário se talhar uma fórmula de justiça que surja de um acordo unânime. A noção de justiça consiste, por certo, na aplicação da idéia de igualdade, porém como um elemento indeterminado, ou seja, que possibilite o levantamento e discussão de suas divergências.

De tal elemento variável, numa pluralidade de determinações, é que advirão as mais opostas fórmulas de justiça, até que se chegue à um ideal de limite, sendo justiça a igualdade, não absoluta, mas a parcial, como algo possível de execução prática. Ser justo, persiste Perelman, é tratar a todos de forma igual, contudo tendo em mente a idéia de "limite", em contraposição às possibilidades de realização de tais critérios de distribuição do que seja justo.

É a noção de "categorias essenciais" de Perelman, pela qual a justiça implica o tratamento igual dos seres que são iguais em dadas circunstâncias. Só é realizável a justiça desde que haja identidade comum entre os indivíduos à que a mesma é aplicada. Citando Tisset, Perelman exemplifica: não há justiça nas relações entre homens e vegetais. Tal conceito perelmaniano já serve para aplacar a ira dos defensores de cada tipo de critério de distribuição de justiça, contudo se percebe que um novo problema surge, consistente em se saber como deverá ser o tratamento entre os membros de uma mesma categoria essencial.

Perelman argumenta que, tomando como vetor variável ("elemento indeterminado") cada fórmula concreta de justiça, será neste campo de ação que o desacordo se instalará. Vale dizer: dentro das diversas categorias essenciais, haverá de existir um tratamento igual entre as pessoas que sejam iguais em certo ponto de vista. Em síntese, Perelman traça uma definição de justiça formal (abstrata), como "(...) um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma (...)" [25]

Tal definição é formal, justamente porque não se esquadrinha as categorias que são reputadas essenciais para a aplicação da justiça; se permitindo, assim, se surjam e sejam discutidas as divergências no exato instante de estabelecimento de tais categorias, no plano, logo, da justiça concreta. A partir daí, Perelman retorna à análise dos seis critérios concretos de administração da justiça, e a cada um deles, através de argumentos convincentes, o mesmo aplica a fórmula de justiça formal. Quanto ao primeiro critério, o de "dar a cada qual a mesma coisa", se percebe que, diferentemente do que se imagine, o mesmo não traduz um "humanitarismo igualitário"; posto que, sendo possível se restringir a aplicação deste princípio à uma categoria essencial, tal categoria, se for mais qualificada que as demais, a exemplo dos empresários e dos parlamentares, poderá se valer de tal discurso para se considerar superior às demais classes.

Logo, surge daí uma nova fórmula para tal critério, que, de um modo geral, reflete a própria noção de "justiça formal", qual seja: "a cada membro da mesma categoria essencial, a mesma coisa."

Quanto ao segundo critério, "a cada qual segundo seus méritos", Perelman observa ser premente que se possua o mérito ou o demérito, contudo num mesmo grau ou intensidade, o que possibilita, assim, recompensar ou punir, dentro de sistemas equivalentes, e de uma adequada representação dos fatos subsumidos à apreciação do aplicador da norma.

De relação ao terceiro critério, "a cada qual segundo suas obras", o belga admite que as obras ou conhecimentos terão de ser considerados equivalentes aos olhos do aplicador da justiça, se considerando, pura e simplesmente, o resultado do trabalho ou a qualidade intrínseca da obra, sem se ater ao esforço ou tempo dispendido pelo agente.

A partir desta noção, Perelman justifica a necessidade da existência do dinheiro, para comparar o valor de obras; e de um programa (um esquema de regras procedimentais), para se comparar candidatos num concurso público, por exemplo.

Quanto ao quarto critério, "a cada qual segundo suas necessidades", o mestre de Bruxelas propõe que se busque a determinação das necessidades essenciais dos seres humanos, consideradas estas, a partir de uma pesquisa psicológica de prioridades, dentro de uma grade hierárquica, chamada de "mínimo vital", que levará em conta as exigências do organismo em geral, contudo não as necessidades mais refinadas e particulares. Desta concepção, Perelman sugere o que ele próprio alcunha de noção de

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"justiça social", que é distinta da "caridade", que apenas leva em conta os seres enquanto indivíduos, com caracteres particulares.

No que tange ao quinto critério, "a cada qual segundo sua posição", Perelman explicita que se deve ter em conta a repartição habitual, mas nem sempre necessária, dos seres em classes hierarquizadas. Nesse toar, há de se tratar as classes hierarquicamente superiores de forma distinta das mais inferiores, lhes conferindo tantos direitos, quantos deveres; contudo, de forma igual, entre cada membro de uma mesma classe, pena de se criar o que ele denomina de uma "república de amigos".

Quanto ao sexto e último critério, "a cada qual segundo o que a lei lhe atribui", tal difere de todos os outros anteriormente mencionados, posto que, por esta concepção, o aplicador da justiça não possui livre escolha para ditar esta ou aquela fórmula de justiça concreta. Ao aplicador é imposto o critério estabelecido pela regra, que, no particular, é a jurídica, e não a moral. Por tal critério, não importa a escolha moral, advinda da livre adesão da consciência do magistrado. O que vale é a ordem jurídica estabelecida, que determina as categorias, cuja aplicação competirá ao julgador.

IV - CONCLUSÕES

Perelman, já em suas derradeiras conclusões acerca de sua concepção de "justiça formal", perquire em que medida o juiz, em face da lei, poderá fazer valer sua concepção particular de justiça.

A tal pergunta, o mesmo responde que, a depender da consciência do magistrado, seu nível de isenção será maior ou menor; ainda que, Perelman ressalte, jamais existirá um juiz absolutamente isento, sob o aspecto de detenção de uma íntima concepção de justiça, até mesmo em razão de sua humana condição.

De outra quadra, se torna óbvio admitir que as leis são elaboradas, segundo uma concepção de justiça dos detentores do poder, não coincidente com a da maioria da população.

Em casos que tais, compete à jurisprudência reduzir, ou mesmo aplacar estas discrepâncias, até em função do já tão conhecido descompasso entre a edição da lei e a constatação das evoluções morais da sociedade pelo Parlamento.

Perelman, adotando postura pós-positivista, no esteio de Kelsen, peremptoriamente afirma que não pode haver um direito injusto, já que só se pode conceber e respeitar uma única e universal concepção justa, a da lei, pena de se tornar impossível a aplicação da própria justiça. A cada situação, portanto, se deve aplicar uma fórmula de justiça concreta, que descreva uma coerência mínima nas ações que vinculam as leis e os legisladores, nos remetendo àquele brocardo latino "pacta sunt servanda" os acordos devem ser respeitados), pelo qual uma vez pactuado, deve ser cumprido.

De qualquer sorte, a aplicação da justiça formal exige a prévia delimitação das categorias consideradas essenciais, dentro de uma certa escala de valores, que são mutáveis no tempo e no espaço. De fato, se a noção de justiça é confusa, isto se dá porque toda definição de justiça concreta se interconecta com uma visão subjetiva, parcial, carregada de forte coloração emotiva, do próprio universo.

Apenas por meio de uma definição de justiça formal, que é clara e racional, será possível se neutralizar esses juízos de valor, e tal modo que haja um unânime acordo quanto à sua aplicação.

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III - JOHN RAWLS: A JUSTIÇA COMO EQUIDADE

John Rawls, o mais conhecido e celebrado filósofo político norte-americano, falecido aos 81 anos, em 2002, é tido como o principal teórico da democracia liberal dos dias de hoje. O seu grande tratado jurídico político A Teoria da Justiça, de 1971, o alinhou entre os grandes pensadores sociais do século 20. Um legítimo sucessor de uma linhagem ideológica que se origina em Locke. Os temas que hoje provocam polêmica, tal como o sistema de cotas para os negros nas universidades e nos cargos públicos, deriva diretamente da concepção de sociedade justa estabelecida por Rawls. Rawls é também sem dúvida um herdeiro legítimo do pensamento contratualista.

I - TEORIA DA JUSTIÇA

Certa vez, Hegel escreveu que a Filosofia - tal como a coruja que só alça o vôo depois do entardecer - somente elabora uma teoria após as coisas terem ocorrido. Foi bem esse o caso da contribuição de John Rawls, surgida em livro em 1971, A Theory of Justice, a Teoria da Justiça, resultante direto do sucesso da

campanha pelos Direitos Civis. Herdeiro da melhor tradição liberal, que principia com Locke, passando por Rousseau, Kant e Stuart Mills, Rawls debruçou-se sobre um dos mais espinhosos dilemas da sociedade democrática: como conciliar direitos iguais numa sociedade desigual, como harmonizar as ambições materiais dos mais talentosos e destros com os anseios dos menos favorecidos em melhorar sua vida e sua posição na sociedade? Tratou-se de um alentado esforço intelectual para conciliar a Meritocracia com a idéia da Igualdade.

A resposta que Rawls encontrou para resolver essas antinomias e posições conflitantes fez história. Nem a social-democracia européia, velha de mais de século e meio, adotando sempre um política social pragmática, havia encontrado uma solução teórica-jurídica para tal desafio. Habermas, o maior filosofo alemão do pós-guerra, considerou-o, o livro de Rawls, um marco na história do pensamento, um turning point na teoria social moderna, abrindo caminho para a aceitação dos direitos das minorias e para a política da Affirmative Action , a ação positiva. Política de compensação social adotada em muitos estados dos Estados Unidos desde então, que visa ampliar e facilitar as possibilidades de ascensão aos

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empregos públicos e aos assentos universitários por parte daquelas minorias étnicas que deles tinham sido até então rejeitadas ou excluídas. Cumpre-se dessa forma a sua meta de maximize the welfare of society's worse-off member, de fazer com que a sociedade do Bem-estar fosse maximizada em função dos que estão na pior situação, garantindo que a extensão dos direitos de cada um fosse o mais amplamente estendido, desde que compatível com a liberdade do outro. Se foi o projeto da Grande Sociedade quem impulsionou a teoria de Rawls, suas proposições, difundindo-se universalmente, terminaram por lançar as bases dos fundamentos ético-jurídicos do moderno Estado de bem-estar Social, vinte ou trinta anos depois ele ter sido implementado.

A sociedade justa

De certo modo Rawls retoma, no quadro do liberalismo social de hoje, a discussão ocorrida nos tempos da Grécia Antiga, no século 5 a.C., registrada na "República" , de Platão. Ocasião em que, por primeiro, debateu-se quais seriam os fundamentos de uma sociedade justa. Para o filósofo americano os seus dois pressupostos são: 1) igualdade de oportunidade aberta a todos em condições de plena eqüidade e: 2) os benefícios nela auferidos devem ser repassados preferencialmente aos membros menos privilegiados da sociedade, os worst off, satisfazendo as expectativas deles, porque justiça social é, antes de tudo, amparar os desvalidos. Para conseguir-se isso é preciso, todavia, que uma dupla operação ocorra. Os better off, os talentosos, os melhor dotados (por nascimento, herança ou dom), devem aceitar com benevolência em ver diminuir sua participação material (em bens, salários, lucros e status social), minimizadas em favor do outros, dos desassistidos. Esses, por sua vez, podem assim ampliar seus horizontes e suas esperanças em dias melhores, maximizando suas expectativas.

Para que isso seja realizável numa moderna democracia de modelo representativo é pertinente concordar inclusive que os representantes dos menos favorecidos (partidos populares, lideranças sindicais, minorias étnicas, certos grupos religiosos, e demais excluídos, etc..), sejam contemplados no jogo político com a ampliação da sua deputação, mesmo que em detrimento momentâneo da representação da maioria. Rawls aqui introduz o principio ético do altruísmo a ser exigido ou cobrado dos mais talentosos e aquinhoados - a abdicação consciente de certos privilégios e vantagens materiais legítimas em favor dos socialmente menos favorecidos.

Há nisso uma clara evocação, de origem calvinista, à limitação dos “direitos do talento", sem a qual ele considera difícil senão impossível por em pratica a equidade. Especialmente quando ele lembra que uma sociedade materialmente rica não significa necessariamente que ela é justa. Organizações sociais modestas lembrou ele, podem apresentar um padrão de justiça bem maior do que encontra-se nas opulentas. Exemplo igual dessa “secularização do calvinismo" visando o apelo à concórdia social, é a abundância no texto de Rawls de expressões como, além do citado altruísmo, "benevolência", “imparcialidade", "desinteresse mútuo", "desejos benevolentes", "situação eqüitativa", " bondade", " objeção de consciência", etc...

Worst off - Os socialmente desfavorecidos - Devem ter suas esperanças de ascensão e boa colocação social maximizadas, objetivo atingido por meio de legislação especial corretiva, reparadora das injustiças passadas.

Better off - Os mais favorecidos - Devem ter suas expectativas materiais minimizadas, sendo convencidos através do apelo altruístico de que o talento está a serviço do coletivo, preferencialmente voltado ao atendimento dos menos favorecidos.

II - PRINCÍPIOS DE JOHN RAWLS

Primeiro princípio - Cada pessoa tem de ter um igual direito ao mais extensivo total de básicas liberdades iguais, compatíveis com um similar sistema de liberdade para todos.

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Segundo princípio - As desigualdades sociais e econômicas têm de ser ajustadas de maneira que sejam tanto:

a) para o maior benefício dos menos privilegiados, consistente com o princípio justo de poupança e,

b) ligadas a cargos e posições abertos a todos, sob condições da equitativa igualdade de oportunidade.

III - LEITURA COMPLEMENTAR: TRECHOS DO LIVRO “A TEORIA DA JUSTIÇA” DE JOHN RAWLS

A justiça como equidade

|...] Começarei descrevendo o papel da justiça na cooperação social e uma breve síntese do sujeito fundamental da justiça: a estrutura básica da sociedade. Em seguida, apresentarei a ideia principal da justiça como equidade, uma teoria de justiça que generalize e eleve o nível de abstração do conceito tradicional de contrato social. O pacto da sociedade é substituído por um certo constrangimento processual sobre os desenvolvimentos que devem levar a um acordo inicial sobre princípios de justiça. Iremos considerar também, com o intuito de esclarecer e tornar possíveis comparações, os conceitos utilitários clássicos de justiça e os intuitivos, considerando algumas das diferenças existentes entre estes pontos de vista e a justiça como bem. A linha mestra é a produção de uma teoria da justiça que seja uma alternativa viável a estas doutrinas, que tem dominado por muito tempo nossas tradições filosóficas [...]

O papel da justiça

Vamos considerar, para fixar as ideias, que uma sociedade é, de alguma forma, uma associação auto-suficiente de indivíduos que em suas inter-relações reconhecem a certas regras de conduta o papel.de amálgama, e que agem, na maior parte das vezes, em conformidade com elas. Iremos mais longe e suporemos que estas regras determinem um sistema de cooperação com função de desenvolver o que for desejável para os que dela fazem parte. Logo, embora uma sociedade seja uma reunião de cooperações com o intuito de se obter vantagens mútuas, esta será marcada por conflitos e por interesses individualizados. Existe uma identidade de interesses a partir do momento em que a cooperação social torna possível uma vida melhor para todos, melhor do que a que cada um levaria se tivesse que viver exclusivamente de seus próprios esforços. O conflito de interesses surge quando as pessoas deixam de ser indiferentes à maneira pela qual o aumento de produtividade resultante de sua colaboração vier a ser distribuído, pois, para se atingir seus próprios objetivos, cada um dará preferência a partes maiores da partilha. Um conjunto de princípios é necessário para que haja uma opção entre os vários ajustes sociais o que, por sua vez, determinará a divisão das vantagens e assegurará um acordo para uma partilha correta. Estes princípios são os princípios de justiça social; eles proverão a determinação de direitos e deveres das instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social. [...]

Entre indivíduos com objetivos e propósitos diferentes, o compartilhar do conceito de justiça estabelece os títulos de convivência pública; o desejo geral de justiça limita a perseguição de outros fins. Poder-se-ia pensar no conceito público de justiça, como sendo a carta fundamental de uma sociedade humana em boa ordem. As sociedades atuais, é claro, raramente estão em boa ordem neste sentido, sendo que o justo e o injusto estão em geral em discussão.

O sujeito da justiça

Uma vasta categoria de atos e coisas é qualificada de justa ou injusta: [...] Nosso tema, no entanto, é o da justiça social. Para nós, o principal tema da justiça é a estrutura básica da sociedade ou, mais

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exatamente, a maneira pela qual as principais instituições sociais distribuem os direitos e deveres fundamentais e determinam a partilha dos benefícios da cooperação social. Por instituições principais, entendo a constituição política, e os principais entendimentos económicos e sociais. [...]

A estrutura básica é o tema principal da justiça, pois seus efeitos são profundos e estão presentes desde o início. A noção intuitiva aqui é que esta estrutura contém várias posições sociais e que homens nascidos em posições diferentes terão diferentes expectativas de vida, considerando-se tanto o sistema político, como as circunstâncias económicas e sociais. De certa forma, as instituições da sociedade favorecem certos pontos de partida mais do que outros. Estas desigualdades são marcadas de forma especialmente profunda. Estas últimas são não somente difundidas, mas também afetam as oportunidades iniciais de cada homem em sua vida; ainda que não seja possível justificá-las, através de um apelo às noções de mérito ou merecimento. São estas desigualdades, presumivelmente inevitáveis dentro da estrutura de qualquer sociedade, às quais os princípios de justiça social devem, em primeira instância, se aplicar. Estes princípios, então, regulam a escolha de uma constituição política e os elementos principais do sistema económico e social. A justiça de uma estrutura social dependerá essencialmente da forma pela qual os direitos e deveres fundamentais forem designados, assim como da forma pela qual as oportunidades económicas e as condições sociais forem atribuídas através dos vários setores da sociedade. [...]

A principal ideia da teoria da justiça

Meu objetivo é apresentar um conceito de justiça que generalize e leve a um nível mais alto de abstração a difundida teoria do contrato social, tal como se encontra formulado por Locke, Rousseau e Kant. Para chegarmos a tanto, não devemos considerar o contrato original como um contrato para entrar numa sociedade particular, ou para iniciar uma forma particular de governo. Melhor seria que a ideia principal fosse que os princípios de justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do acordo original. Estes princípios são os que pessoas livres e racionais, reunidas pelos mesmos interesses, adotariam inicialmente quando todos estivessem numa posição de igualdade, para definir os termos fundamentais da associação que estariam fazendo. Estes princípios irão regular todos os futuros entendimentos; iriam especificar os géneros de cooperação social que poderiam vir a ser incluídos no governo, assim como determinariam as formas de governo. A esta maneira de ver os princípios de justiça chamaremos de justiça como equidade.

Deste modo, vamos imaginar que os que se engajaram na cooperação social chegaram, através de uma ação conjunta, a escolher os princípios que determinam os direitos e deveres, e estabelecem a divisão dos benefícios sociais. Os homens deverão decidir, antecipadamente, como irão resolver seus contenciosos e como deverá ser a carta fundamental de sua sociedade. [...]

A escolha que um homem racional faria nesta situação hipotética de liberdade igual para todos, seria determinante dos princípios de justiça, partindo-se do princípio de que hoje o problema de escolha já foi resolvido.

[...] Entre os traços essenciais desta situação, encontramos o fato de que ninguém conhece sua posição na sociedade, nem a posição de sua classe, e nem mesmo seu status social ou a parte que lhe caberá dentro da distribuição do conjunto de bens e das capacidades naturais, ou de sua inteligência, força ou semelhante. Assume-se também que as partes não conhecem seus diferentes conceitos de bem, ou suas propensões psicológicas particulares. Os princípios de justiça são, desta forma, estabelecidos em total ignorância da posição específica de cada um. Isto garantirá que não se possa tirar vantagens ou sofrer desvantagens durante o processo de escolha dos princípios através de decorrências de chances naturais, ou da contingência de circunstâncias sociais. A partir do momento em que todos se posicionam da mesma forma, ninguém seria capaz de fazer uma escolha que favoreça sua própria posição particular, e os princípios de justiça seriam o resultado de um acordo ou barganha equitativa. Estabelecidas as circunstâncias da posição original, há uma simetria entre as relações de um para outro, esta posição inicial é boa entre indivíduos morais, isto é, agindo como seres racionais com seus próprios fins e, supõe-se, com a capacidade de atuar dentro

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de um sentido de justiça. Poder-se-ia dizer que a posição original é um status quo apropriado, e que então, desta forma, os acordos a que se chegam, nesta situação, são equitativos. Isto mostra como o nome, Justiça como equidade, é adequado, isto levando à ideia que os princípios de justiça são estabelecidos numa situação inicial que é equitativa. [...]

Já uma sociedade que satisfaça os princípios da "justiça como e quidade" tenderá a aproximar-se ao máximo de um esquema voluntário, para que se possa chegar aos princípios equitativos, aos quais pessoas livres e iguais consentiriam em submeter-se. Neste sentido, seus membros seriam autónomos e as obrigações seriam, reconhecidamente, auto-impostas.

Uma característica da justiça como equidade é considerar as partes iniciais como encontrando-se numa situação racional e de desinteresse mútuo. Isto não significa que as partes sejam egoístas, isto é, que somente se juntem pessoas com um certo tipo de interesse, com um certo nível de riqueza, prestígio e posição. No entanto, não consideramos como capazes de interessar-se pelos interesses de outros. Presumir-se-ia que até mesmo os objetivos espirituais poderão opor-se, de forma que os objetivos das diferentes religiões possam entrar em choque. Ainda mais, o conceito de racionalidade deve ser interpretado, tanto quanto possível, num sentido estrito e que é padrão na teoria económica, para se considerar os significados mais efetivos para dados fins. Deverei modificar este conceito, estendendo-o posteriormente, porém deveremos tentar evitar entrar em qualquer controvérsia com elementos éticos. A situação inicial deverá ser caracterizada por estipulações, que são largamente aceitas. [...]

A posição original e justificativa

Tenho dito que a posição original é um status quo inicial apropriado, que garanta que o acordo, nele encontrado, seja equitativo. Esse fato leva o nome de "justiça como equidade". Fica claro, então, que acho que um conceito de justiça é mais razoável do que outros, ou pelo menos mais justificável, caso pessoas racionais na situação inicial escolhessem princípios e não outros meios para fazerem o papel de justiça. Os conceitos de justiça deverão ser hierarquizados segundo suas respectivas aceitações pelas pessoas colocadas em tais circunstâncias. Compreendida desta forma, a questão da justificativa se estabelece pelo equacionamento de um problema decisório; temos que procurar descobrir quais os princípios que seriam adotados de forma racional, dada uma situação contratual. Isto liga a teoria da justiça à teoria da escolha racional.

...Um comentário final. Gostaríamos de dizer que certos princípios de justiça se justificam, porque seriam aceitos numa situação inicial de igualdade. Enfatizei o fato de que tal posição inicial é totalmente hipotética. Seria natural perguntar porque deveríamos ter algum interesse por esses princípios, moralmente ou de qualquer outra forma, já que tal acordo jamais ocorreu. A resposta é que as condições, encontradas na descrição da posição inicial, são as que aceitamos de fato. Ou, caso isto não seja verdade, sejamos então persuadidos de assim fazê-lo pela reflexão filosófica. Cada aspecto da situação contratual pode receber bases mais sólidas. Deste modo, o que faremos será juntar, num único conceito, um certo número de condições sobre princípios que reconhecemos como razoáveis, após a devida consideração. Tais restrições expressam o que consideraremos como limites dos termos equitativos da cooperação social. Consequentemente, uma forma de ver a ideia de posição inicial, é vê-la como um legado expositivo que agregue os significados destas condições e que nos ajude a extrair consequências. Por outro lado, esta concepção também é uma noção intuitiva que sugere sua própria colaboração, de tal forma que somos levados a esboçar definições mais claras do ponto de vista de partida, a partir do qual poderemos interpretar, da melhor maneira, as relações morais. Necessitamos de um conceito que nos permita antever nossos objetivos à distância: a noção intuitiva da posição inicial deverá fazê-lo para nós. [...]

Dois princípios de justiça

|...] Exporei agora, provisoriamente, os dois princípios de justiça que, creio eu, podem ser escolhidos na posição inicial. [...]

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O primeiro dos dois princípios poderia ser formulado como segue: primeiro — cada pessoa deve ter a mais ampla liberdade, sendo que esta última deve ser igual à dos outros e a mais extensa possível, na medida em que seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos. Segundo — as desigualdades económicas e sociais devem ser combinadas de forma a que ambas (a) correspondam b expectativa de que trarão vantagens para todos, e (b) que sejam ligadas a posições e a órgãos abertos a todos. [...]

Num comentário geral, estes princípios se aplicam, principalmente, a estrutura básica da sociedade, como já disse. Eles deverão governar a atribuição de direitos e deveres, assim como regular a distribuição dos benefícios sócio-econômicos. Tal como está sugerido na formulação dos princípios, estes últimos pressupõem que a estrutura social pode ser dividida em, aproximadamente, duas partes; o primeiro princípio se aplicando à primeira parte e o segundo princípio à segunda parte. Eles fazem uma distinção entre os dois aspectos do sistema social que definam e garantam a igualdade das liberdades entre os cidadãos e os que especifiquem e estabeleçam desigualdades económicas e sociais. As liberdades básicas do cidadão são, de forma geral, a liberdade política (o direito de voto e a elegibilidade para cargos públicos) associada à liberdade de expressão e de reunião; a liberdade de consciência e de pensar; a liberdade pessoal associada ao direito A propriedade; e a liberdade de não ser preso arbitrariamente e de não ser retido fora das situações definidas pela lei. Estas liberdades são todas necessárias, para que se possa atingir o princípio primeiro, pois todos os cidadãos de uma sociedade justa devem ter os mesmos direitos básicos.

O segundo princípio, numa primeira aproximação, se aplica à distribuição de renda e de bens, aplicando-se também aos propósitos de organizações que se utilizam de diferenças na autoridade e na responsabilidade ou na corrente de comando. Quanto à distribuição de bens e renda, ela não deve ser necessariamente igualitária, deverá sempre ser de forma a dar a maior vantagem possível para todos, sendo que, ao mesmo tempo, as posições das autoridades e dos órgãos de comando devem ser acessíveis a todos. Pode-se aplicar o segundo princípio, mantendo-se as posições abertas e, então, sujeitas a esse tipo de pressão, organizando-se as desigualdades sócio-econômicas para que sejam obtidas vantagens para todos.

Tais princípios devem ser organizados dentro de uma ordem serial, com o primeiro princípio antecedendo o segundo. Esta ordem significa que, partindo-se das instituições de liberdade igualitária para a exigida pelo primeiro princípio, não poderão ser justificadas ou compensadas, através de maiores vantagens económicas ou sociais. A distribuição de bens e renda, e as hierarquias e autoridade, devem ser consistentes tanto com as liberdades de cidadania igual quanto à igualdade de oportunidade.

Todos os valores sociais — liberdade, oportunidade, renda, bens e,as bases do respeito próprio — deveriam ser distribuídos igualmente, a menos que uma distribuição desigual de um destes valores, ou de todos, viesse a trazer vantagens para alguns. A injustiça, então, é apenas a desigualdade que não traz benefícios para todos. É óbvio que esta concepção é exatamente vaga e requer interpretações...

Numa primeira fase, suponhamos que a estrutura básica da sociedade distribua certos bens primários, isto é, coisas que todo homem racional deseje teoricamente. Estes bens, normalmente, deverão ter um uso qualquer dentro dos planos de vida do indivíduo racional. Simplificando, suponhamos que os principais bens primários à disposição da sociedade sejam direitos e liberdades, poder e oportunidades, renda e bens. [...]

Estes são os bens primários sociais. Outros bens primários tais como saúde e vitalidade, inteligência e imaginação são bens naturais; embora a posse de tais bens seja influenciada pela estrutura básica, não estará, no entanto, sob seu controle direto. Imaginemos, então, um arranjo inicial hipotético no qual todos os bens primários sociais são distribuídos igualmente; todos têm os mesmos direitos e deveres, sendo renda e bens divididos de forma imparcial. Tal situação propiciará um nível para se

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julgar as melhorias. Se certas desigualdades de bens e de poder organizacional oferecessem a todos melhores condições do que as oferecidas por esta situação hipotética, então estariam de acordo com a concepção geral.

É possível, então, pelo menos teoricamente, que, abrindo-se mão de certas liberdades fundamentais, os homens sejam suficientemente compensados por ganhos sócio-econômicos resultantes de tal atitude. A concepção geral de justiça não impõe restrições permitindo qualquer tipo de desigualdade; a concepção geral de justiça requer apenas que a posição de todos seja melhorada. Não precisamos supor qualquer situacão drástica, como o consentimento a uma condição escravocrata. Imaginemos que, ao invés disto, os homens antecedessem certos direitos políticos quando os retornos económicos forem significantes e sua capacidade de influenciar o curso da política, através do exercício de seus deveres, fosse marginal em qualquer caso. É este tipo de tr oca que os dois princípios estabelecidos excluem; sendo os princípios ordenados de forma serial, eles não permitem uma troca das liberdades básicas pelos ganhos económicos e sociais. O ordenamento serial dos princípios expressa uma preferência básica por bens sociais primários. Quando esta preferência é racional, é igualmente a escolha destes princípios nesta ordem.

A igualdade democrática e o princípio da diferença

A interpretação democrática, [...] obtém-se combinando o princípio da equitativa igualdade de oportunidades com o princípio da diferença [...]

Dando por estabelecido o quadro das instituições requeridas pela liberdade igual e a equitativa igualdade de oportunidades, são justas as expectativas mais elevadas de quem estiver melhor situado se, e só se, funcionarem como parte de um esquema que melhore as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade. A ideia intuitiva é que a ordem social não há de estabelecer e assegurar as perspectivas mais atraentes dos melhor situados, exceto se, a fazê-lo, seja em benefício dos menos afortunados. [...]

Para ilustrar o princípio da diferença, considere-se a distribuição da renda entre as classes sociais. Suponhamos que os diversos grupos se correlacionem com tipos representativos, cujas expectativas nos permitirão julgar a distribuição. Assim, por exemplo, alguém que, numa democracia com propriedade privada, comece como membro da classe empresarial, terá melhores perspectivas que quem principie na classe de trabalhadores não-qualificados. Parece provável que isto seria verdadeiro inclusive quando se eliminassem as injustiças sociais que existem agora. Que é, então, o que pode justificar esse tipo de desigualdade inicial nas perspectivas da vida? Conforme o princípio da diferença, só é justificável se a diferença de expectativas agir em benefício do tipo representativo pior colocado, neste caso o representante dos trabalhadores não-qualificados. [...] Por pressuposto, dada a condição adicional no segundo princípio em relação ao acesso aos postos e dado o princípio da liberdade em geral, as maiores expectativas, permitidas aos empresários, estimula-os a fazer coisas que aumentarão as expectativas da classe trabalhadora. Suas melhores perspectivas atuam como incentivos, que tornarão mais eficaz o processo económico, mais rápida a introdução de inovações etc. Não vou considerar em que proporção isso esteja certo. O que me interessa é que são argumentos deste tipo os que devem ser apresentados se estas desigualdades tiverem de satisfazer o princípio da diferença. [...]

A tendência à igualdade

O princípio da diferença representa, com efeito, um acordo no sentido de considerar a distribuição dos talentos naturais, em certos aspectos, enquanto um acervo comum, e de participar nos maiores benefícios económicos e sociais que fizerem possíveis os benefícios dessa distribuição. Aqueles que forem beneficiados pela natureza, quem quer que fosse, podem obter proveito da sua boa sorte apenas na medida em que melhorarem a situação dos menos favorecidos. Os beneficiados pela natureza não poderão obter lucros pelo mero fato de serem melhor dotados e sim apenas para cobrir os custos do seu treinamento e educação e para usarem seus dotes de modo que também nidades, bem como rendas e

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riquezas. [...] Parece evidente que, em geral, estas coisas correspondam à descrição de bens básicos. Diante da sua conexão com as estruturas básicas, as liberdades e as oportunidades são definidas pelas regras das principais instituições, e a distribuição da renda e da riqueza está regulada por elas. [...]

As circunstâncias da justiça

As circunstâncias da justiça podem ser descritas como as condições normais, sob as quais a cooperação humana é tanto possível quanto necessária, pois, como notei no início, embora uma sociedade seja um empreendimento cooperativo de vantagem mútua, está tipicamente marcada por um conflito bem como por uma identidade de interesses. [...]

Quando se supõe que as partes são diversamente desinteressadas e não estão querendo ter os seus interesses sacrificados aos outros, a intenção é expressar as condutas e motivos humanos em casos onde emergem questões de justiça. Os ideais espirtuais de santos e heróis podem ser irreconciliavelmente opostos como quaisquer outros interesses. São os mais trágicos de todos os conflitos em busca de tais ideais, pois a justiça é a virtude das práticas onde haja interesses competitivos e onde as pessoas se sintam intituladas a pressionarem reciprocamente em favor dos seus direitos. Numa sociedade de santos concordando num ideal comum, se tal comunidade pudesse existir, não ocorreriam disputas sobre a justiça. Cada qual trabalharia sem egoísmo por um objetivo enquanto determinado por sua religião comum e a referência a este objetivo (pressupondo-o claramente definido) resolveria qualquer questão de Direito. Porém uma sociedade humana se caracteriza pelas circunstâncias da justiça. O relato de tais condições não implica teoria especial da motivação humana. Pelo contrário, seu objetivo é incluir, na descrição da posição original, as relações dos indivíduos entre si, que estabeleçam o estágio para as questões de justiça. [...]

A ideia da posição original consiste em estabelecer um procedimento equitativo, de modo que sejam justos quaisquer que venham a ser os princípios acordados. O objetivo é usar a noção de pura justiça processual como uma base da teoria. De algum modo precisamos anular os efeitos das contingências específicas, que embaraçam os seres humanos e os tentam a explorar circunstâncias sociais e naturais em vantagem própria. Então, a fim de fazê-lo, presumo que as partes se situam atrás de um véu de ignorância. Não sabem como as várias alternativas afetarão seu caso particular e são obrigados a avaliar os princípios tão-só à base de considerações gerais. [...]

Justiça política e constituição

[...] O princípio da liberdade igual, quando aplicado ao procedimento político definido pela Constituição, será por mim referido como o princípio de (igual) participação. Requer que todos os cidadãos devam ter um igual direito de tomar parte e de determinar o resultado do processo constitucional que estabeleça as leis às quais tenham de cumprir. [...]

Para a fase presente, presumo que uma democracia constitucional possa ser ajustada de modo a satisfazer o princípio da participação.

Todos os adultos sadios, com certas exceções geralmente reconhecidas, têm o direito de tomar parte em questões políticas e o preceito, um eleitor = um voto, é honrado tanto quanto possível. As eleições são equitativas e livres e regularmente efetuadas. [...]

Há firmes proteções constitucionais para certas liberdades, especialmente a liberdade de palavra e reunião e a liberdade de formar associações políticas.

O processo de participação também sustenta que todos os cidadãos devam ter um acesso igual, pelo menos no sentido formal, ao cargo público. Cada um é elegível a entrar em partidos políticos, concorrer a posições eletivas e ocupar lugares de mando. Com efeito, pode haver qualificações de idade, residência e assim por diante, mas estas têm de estar razoavelmente relacionadas às tarefas

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do cargo; talvez restrições sejam do interesse comum e não discriminem injustamente entre pessoas ou grupos, no sentido que recaiam desigualmente em cada um, no transcurso normal da vida. [...]

Voltando agora ao valor da liberdade política, a Constituição precisa agir para assegurar o valor dos direitos iguais de participação, para todos os membros da sociedade. Deve subscrever uma equitativa oportunidade para tomar parte e influenciar o processo político. [...] Porém como deve ser assegurado este valor equitativo destas liberdades?

As liberdades, protegidas pelo princípio de participação, perdem muito do seu valor, onde quer que aqueles, que têm maiores meios privados, forem permitidos de usar suas vantagens, para controlar o transcurso do debate público, pois, eventualmente essas vantagens permitirão, àqueles melhor situados, exercer uma influência mais larga sobre o desenvolvimento da legislação. No tempo devido, tendem a adquirir um peso preponderante, resolvendo questões sociais, pelo menos em relação àquelas questões sobre as quais normalmente concordam, isto é, em relação àquelas coisas que apoiam suas circunstâncias favoráveis.

Passos compensadores devem, então, ser dados, para preservar o valor equitativo das liberdades políticas iguais para todos. Pode ser usada uma variedade de instrumentos. Por exemplo, numa sociedade permitindo a propriedade privada dos meios de produção, a propriedade e a riqueza devem ser mantidas, amplamente distribuídas e os meios de governo dispostos numa base regular de modo a encorajar a livre discussão pública. Além disso, os partidos políticos têm de ser independentes diante dos interesses económicos privados, concedendo-lhes rendimentos de impostos para desempenhar o seu papel no esquema constitucional. [...] O que é necessário é que os partidos políticos sejam autónomos diante de demandas privadas, isto é, de mandas não expressas no fórum público e defendidas abertamente com referência a uma concepção do bem comum. [...]

A interpretação kantiana da justiça como equidade

[...] Considerarei o conteúdo do princípio da liberdade igual e do significado da prioridade de direitos que define. Parece apropriado, neste ponto, notar que há uma interpretação kantina da concepção de justiça, da qual este princípio deriva. Essa interpretação se baseia na noção de Kant sobre a autonomia. É um erro, creio, enfatizar o lugar da generalidade e universalidade na ética de Kant. [...] É impossível construir uma teoria moral em bases tão frágeis e, portanto, limitar a discussão da doutrina de Kant àquelas noções significa reduzi-la à trivialidade. A real força do seu ponto de vista jaz noutra parte.

Pelo menos, ele começa com a ideia de que os princípios morais são o objeto da escolha racional. Definem a lei moral que os homens podem racionalmente querer para governar sua conduta numa comunidade ética. A filosofia moral torna-se o estudo da concepção e resultado de uma decisão racional adequadamente definida. Esta ideia tem consequências imediatas, pois enquanto pensarmos os princípios morais como legislação em favor de um reino de fins, é claro que tais princípios devam não apenas ser aceitáveis a todos, quanto ser também públicos. Finalmente, Kant supõe que esta legislação moral deva ser convencionada sob condições que caracterizem os homens como entes racionais, livres e iguais. A descrição da posição original é uma tentativa de interpretar esta concepção. Não desejo discutir aqui em favor de tal interpretação à base do texto de Kant. Certamente, alguns quererão lê-lo de maneira diferente. Talvez as observações a seguir sejam melhor tomadas como sugestões para relacionar a justiça, como equidade, ao alto nível da tradição contratualista em Kant e Rousseau.

Kant sustentava, creio, que uma pessoa estivesse agindo autonomamente quando os princípios da sua ação fossem escolhidos por ela como a mais adequada expressão possível da sua natureza como um ente racional, livre e igual. Os princípios, sobre os quais age, não são adotados por causa da sua posição social ou dons naturais, ou em vista da particular espécie de sociedade na qual vive ou as coisas específicas às quais deseja. Agir à base de tais princípios significa agir

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heteronomamente. Então o véu de ignorância priva as pessoas, na posição original, do conhecimento que as capacitaria a escolher princípios heterônomos. As partes atingem o ponto de escolha em geral como pessoas racionais, livres e iguais, só sabendo que aquelas circunstâncias fazem com que dêem alento à necessidade de princípios de justiça.

Então, entendido adequadamente, o desejo de justamente agir deriva em parte do desejo de expressar, mais plenamente, o que somos ou podemos ser, a saber, entes racionais, livres e iguais, com a liberdade de escolha. É por esse motivo, creio, que Kant fala do fracasso de agir, enquanto lei moral, como dando margem à vergonha e não a sentimentos de culpa, e isto é cabível, desde que, para ele, agir injustamente significa agir de um modo que falhe em expressar nossa natureza como um ente racional, livre e igual. Portanto, tais ações atingem nosso auto-respeito, nosso senso de nossa dignidade e a experiência de tal perda é a vergonha. Agimos como se pertencêssemos a uma ordem inferior, como se fôssemos uma criatura cujos primeiros princípios fossem decididos por contingências naturais. Aqueles que imaginam a doutrina moral de Kant como uma de lei e culpa, caem gravemente em equívoco. O principal objetivo de Kant é aprofundar e justificar a ideia de Rousseau que a liberdade está agindo de acordo com uma lei que concedemos a nós próprios e isto não conduz a unia moralidade de mandamento austero e sim a uma ética de respeito mútuo e auto-estima.

Os fundamentos institucionais da justiça distributiva

O principal problema da justiça distributiva é a escolha de um sistema social. Os princípios da justiça aplicam-se à estrutura básica e regulam como suas maiores instituições são combinadas num esquema. Então, como vimos, a ideia da justiça como equidade tem de usar a noção de pura justiça processual, para lidar com as contingências das situações particulares. O sistema social tem de ser esboçado de maneira que a resultante distribuição seja justa, por mais que as situações se alterem. Para consegui-lo, é necessário situar o processo social e económico dentro dos limites de adequadas instituições políticas e legais. Sem um adequado esquema desses fundamentos institucionais, não será justo o resultado do processo distributivo [...]

Primeiro que tudo, presumo que a estrutura básica seja regulada por uma constituição justa, que assegure as liberdades da igual cidadania. [...] As liberdades de consciência e de pensamentos são consideradas pressupostos e mantido o justo valor da liberdade política. O processo político é conduzido, na medida em que as circunstâncias permitam, enquanto um justo procedimento de escolha entre governos e para aplicar legislação justa. Também presumo que haja justa (enquanto oposta à formal) igualdade de oportunidade. Isto significa que, além de manter os tipos usuais de capital social avançado, o governo busca assegurar oportunidades iguais de educação e cultura, para pessoas similarmente dotadas e motivadas, seja subsidiando escolas privadas ou estabelecendo um sistema de escola pública. Também aplica e subscreve a igualdade de oportunidade nas atividades económicas e na livre escolha de ocupação. Isso é conseguido policiando a conduta das firmas e das associações privadas e evitando o estabelecimento de restrições e barreiras monopolísticas às posições mais desejáveis. Finalmente, o governo garante um mínimo social, seja por dotações familiares e pagamentos especiais por doença e emprego, seja mais sistematicamente através de recursos tais como um suplemento de renda (um chamado imposto de renda negativo).

EXTRAÍDO DO LIVRO : “CONTRATO SOCIAL ONTEM E HOJE”, KRISCHIKE, PAULO J., (ORG.), CORTEZ, 1993

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IV - MAX WEBER

“Quem continua ainda a acreditar - salvo algumas crianças grandes que encontramos justamente entre os especialistas - que os conhecimentos astronômicos, biológicos, físicos ou químicos poderiam ensinar-nos algo a propósito do sentido do mundo ou poderiam ajudar-nos a encontrar sinais de tal sentido, se é que ele existe? Se existem conhecimentos capazes de extirpar, até as raízes, a crença na existência de seja lá o que for que se pareça a uma "significação" do mundo, esses conhecimentos são exatamente os que se traduzem pelas ciências... O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo "desencantamento do mundo" levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes. (...) A quem não é capaz de suportar virilmente esse destino de nossa época, só cabe dar o conselho seguinte: volta em silêncio, sem dar a teu gesto a publicidade habitual dos renegados, com simplicidade e recolhimento, aos braços abertos e cheios de misericórdia das velhas Igrejas. Elas não tornarão penoso o retorno. De uma ou de outra maneira, quem retorna será inevitavelmente compelido a fazer o "sacrifício do intelecto". (Max Weber, A ciência como vocação).

I – MATERIALISMO X POSITIVISMO

Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha metodológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina científica. Os anti-positivistas, adeptos da distinção entre ciências humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães, vinculados ao idealismo dos filósofos da época do Romantismo, principalmente Hegel (1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes dessa orientação foram os neo-kantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu uma distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão (verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu sentido (Sinn). Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos na experiência dos outros.

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Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo filósofo e historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a expressão ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber.

Por outro lado, o pensamento de Weber caracteriza-se pela crítica ao materialismo histórico, que dogmatiza e petrifica as relações entre as formas de produção e de trabalho (a chamada "estrutura") e as outras manifestações culturais da sociedade (a chamada "superestrutura"), quando na verdade se trata de uma relação que, a cada vez, deve ser esclarecida segundo a sua efetiva configuração. E, para Weber, isso significa que o cientista social deve estar pronto para o reconhecimento da influência que as formas culturais, como a religião, por exemplo, podem ter sobre a própria estrutura econômica.

Para Weber, a ciência positiva e racional pertence ao processo histórico de racionalização, sendo composta por duas características que comandam o significado e a veracidade científica. Em que estas duas características são o não-acabamento essencial e a objetividade, em que esta, é definida pela validade da ciência para os que procuram este tipo de verdade, e pela não aceitação dos juízos de valor. Segundo ele o não-acabamento é fundamental, diferentemente de Durkheim que acredita que a Sociologia é edificada em um sistema completo de leis sociais.

Weber por sua vez defendia que para todas as disciplinas, tanto as ciências naturais como as ciências da cultura, o conhecimento é uma conquista que nunca chega ao fim. A ciência é o devir da ciência. Seria necessário que a humanidade perdesse a capacidade de criar para que a ciência do homem fosse definitiva.

O materialismo histórico é uma abordagem metodológica ao estudo da sociedade, da economia e da história que foi pela primeira vez elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels(1818-1883), malgrado ele próprio nunca tenha empregado essa expressão. O materialismo histórico na qualidade de sistema explanatório foi expandido e refinada por milhares de estudos acadêmicos desde a morte de Marx.

De acordo com a tese do materialismo histórico defende-se que a evolução histórica, desde as sociedades mais remotas até à atual, se dá pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da "exploração do homem pelo homem". A teoria serve também como forma essencial para explicar as relações entre sujeitos. Assim, como exemplos apontados por Marx, temos durante o feudalismo os servos que teriam sido oprimidos pelos senhores, enquanto que no capitalismo seria a classe operária pela burguesia.

Esta teoria de evolucionismo histórico fundamentava o pensamento Marxista que conduziu à implementação dos regimes comunistas pela "Revolução", ou seja, a rebelião das classes operárias contra os capitalistas.

O materialismo histórico como propulsor da evolução histórica foi posto em causa quer pelos pensadores liberais, que levaram ao desenvolvimento das Democracias do Norte da Europa, Reino Unido e América do Norte, quer pelos pensadores corporativistas que levaram ao desenvolvimento dos regimes autoritários de Itália, Portugal e Espanha.

"Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência"

O materialismo histórico, pensamento desenvolvido pelo estudioso Karl Marx, fundamenta-se na observação da realidade a partir da análise das estruturas e superestruturas que circundam um determinado modo de produção. Nesse sentido, a história está ligada ao mundo dos homens enquanto produtores de suas condições concretas de vida e, portanto, tem sua base fincada nas raízes do mundo material, organizado por todos aqueles que compõem a sociedade. Os modos de produção são históricos e devem ser interpretados como uma maneira que os homens encontraram, em suas relações, para se desenvolver e dar continuidade à espécie.

O fato de Marx estar ligado a essa percepção material da vida e, por conseguinte, vinculado ao entendimento das relações humanas a partir dessa lógica da realidade que se faz presente no cotidiano das pessoas, nos dá a possibilidade de compreendermos que o pensamento marxista se estrutura, principalmente, por meio da inversão do pensamento Hegeliano. O propósito de uma história pautada no materialismo aparece como uma oposição ao idealismo. A realidade dos povos, segundo Marx, não pode ser explanada a partir de um parâmetro que entenda as ideias como um fator que figurem em

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primeiro plano, uma vez que estas somente encontram o seu valor enquanto fornecedoras dos alicerces que sustentam a imensa estrutura econômica, que nada mais é do que o próprio mundo material, o mundo real.

As ideias seriam, então, o reflexo da imagem construída pela classe social dominante. Isto é, o poder que ela exerce sobre as pessoas está diretamente relacionado com a edificação ideológica que esta “elite” constrói dentro das mentes de seus dominados, fornecendo sua visão de mundo. É dessa forma que a ideologia permeia a consciência de todos, transformando-os em objetos de uso e de exploração. Assim sendo, Marx acredita que a manutenção da estrutura econômica se dá mediante essa inversão da realidade, que se encontra no direito, na religião, e nas mais diversas formas de controle mental e social.

Segundo Marx, a sucessão de um modo de produção por outro ocorre devido a inadequação desse mesmo modo de produção e suas forças produtivas. Isto é, na idade feudal, com o desenvolvimento do comércio, as relações servis começaram a se mostrar como um entrave ao desenvolvimento das forças produtivas, provocando uma implosão dentro desse mesmo sistema e originando um outro novo: o capitalismo. Nesse sentido, o capitalismo nasceu a partir das contradições do sistema feudal, e que a burguesia (classe dirigente) ao criar a sua oposição, o operariado, engendrou também o seu futuro extermínio, cavando a sua própria cova

II – WEBER: VIDA E OBRA

Maximillian Carl Emil Weber (Erfurt, 21 de Abril de 1864 — Munique, 14 de Junho de 1920) foi um intelectual alemão, jurista, economista e considerado um dos fundadores da Sociologia.. A esposa de Max Weber, Marianne Schnitger, era socióloga e historiadora do Direito. Foi o primogênito de oito filhos de Max Weber e Helene Fallenstein. Seu pai, protestante, era uma figura autocrata. Sua mãe uma calvinista moderada. A mãe de Helene tinha sido uma huguenote francesa, cuja família fugira da perseguição na França. Ele foi, juntamente com Karl Marx, Vilfredo Pareto e Emile Durkheim, um dos modernos fundadores da Sociologia. É conhecido sobretudo pelo seu trabalho sobre a Sociologia da religião. De importância extrema, Max Weber escreveu a Ética protestante e o espírito do Capitalismo. Este é um ensaio fundamental sobre as religiões e a afluência dos seus seguidores. Subjacente a Weber está a realidade econômica da Alemanha do princípio do século XX. Max Weber morreu de pneumonia em Munique, Alemanha, a 14 de Junho de 1920.

III – CONCEITOS E TEORIAS FUNDAMENTAIS DA OBRA DE MAX WEBER

3.1. O MÉTODO SOCIOLÓGICO WEBERIANO

O principal objetivo de Weber é compreender o sentido que cada pessoa dá a sua conduta e perceber assim a sua estrutura inteligível e não a análise das instituições sociais como dizia Durkheim. Aquele propõe que se deve compreender, interpretar e explicar respectivamente, o significado, a organização e o sentido e evidenciar irregularidade das condutas.

Com este pensamento, não possuía a idéia de negar a existência ou a importância dos fenômenos sociais, dando importância à necessidade de entender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais. Ou seja, a sua idéia é que no domínio dos fenômenos naturais só se podem aprender as regularidades observadas por meio de proposições de forma e natureza matemática. É preciso explicar os fenômenos por meio de proposições confirmadas pela experiência, para poder ter o sentimento e compreendê-las.

A análise da teoria weberiana como ciência tem como ponto de partida a distinção entre quatro tipos de ação:

A ação racional com relação a um objetivo é determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens e utiliza essas expectativas como condições ou meios para alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos. É uma ação concreta que tem um fim especifico, por exemplo: o engenheiro que constrói uma ponte.

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A ação racional com relação a um valor é aquela definida pela crença consciente no valor - interpretável como ético, estético, religioso ou qualquer outra forma - absoluto de uma determinada conduta. O ator age racionalmente aceitando todos os riscos, não para obter um resultado exterior, mas para permanecer fiel a sua honra, qual seja, à sua crença consciente no valor, por exemplo, um capitão que afunda com o seu navio.

A ação afetiva é aquela ditada pelo estado de consciência ou humor do sujeito, é definida por uma reação emocional do ator em determinadas circunstâncias e não em relação a um objetivo ou a um sistema de valor, por exemplo, a mãe quando bate em seu filho por se comportar mal.

A ação tradicional é aquela ditada pelos hábitos, costumes, crenças transformadas numa segunda natureza, para agir conforme a tradição o ator não precisa conceber um objeto, ou um valor nem ser impelido por uma emoção, obedece a reflexos adquiridos pela prática.

Tanto a ação afetiva quanto a tradicional produzem relação entre pessoas (relações pessoais), são coletivas, comunitárias, nos dão noção de comunhão e conceito de comunidade.

Observe-se que na concepção de Durkheim, a comunidade é anterior a sociedade, ou melhor, a comunidade se transforma em sociedade. Já para Weber comunidade e sociedade coexistem. A comunidade existe no interior da sociedade, como por exemplo, a família (comunidade) que existe dentro da sociedade.

Ação social é um comportamento humano, ou seja, uma atitude interior ou exterior voltada para ação ou abstenção. Esse comportamento só é ação social quando o ator atribui a sua conduta um significado ou sentido próprio, e esse sentido se relaciona com o comportamento de outras pessoas. Para Weber a Sociologia é uma ciência que procura compreender a ação social. Por isso, considerava o indivíduo e suas ações como ponto chave da investigação evidenciando o que para ele era o ponto de partida para a Sociologia, a compreensão e a percepção do sentido que a pessoa atribui à sua conduta.

Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captação da relação de sentido" da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configuram. Por ação, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito jeito ou sujeitos jeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento". Tal colocação do problema de como se abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.

O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas.

Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa observação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fenômenos obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente outros. Essas leis referem-se a construções de “comportamento com sentido” e

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servem para explicar processos particulares. Para que isso seja possível; Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que representam o primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e, correspondendo às exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à realidade concreta particular.

3.2 – O CONCEITO DE TIPO IDEAL

Tipo ideal (do alemão Idealtyp) ou tipo puro é um termo comumente associado ao sociólogo Max Weber (1864-1920). Na concepção de Weber é um instrumento de análise sociológica para o apreendimento da sociedade por parte do cientista social com o objetivo de criar tipologias puras, destituídas de tom avaliativo, de forma a oferecer um recurso analítico baseado em conceitos, como o que é religião, burocracia, economia, capitalismo, dentre outros.

I - Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características concretas.

Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à perspectiva que vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as singularidades históricas resultam de combinações específicas de fatores gerais que, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação”. Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau.

Weber também se preocupou muito com a criação de certos instrumentos metodológicos que possibilitassem ao cientista uma investigação dos fenômenos particulares sem que ele se perca na infinidade disforme dos seus aspectos concretos, sendo que o principal instrumento é o tipo ideal, o qual cumpriria duas funções principais: primeiro a de selecionar explicitamente a dimensão do objeto que virá a ser analisado e, posteriormente, apresentar essa dimensão de uma maneira pura, sem suas sutilezas concretas.

Para Weber, a ciência positiva e racional pertence ao processo histórico de racionalização, sendo composta por duas características que comandam o significado e a veracidade científica. Em que estas duas características são o não-acabamento essencial e a objetividade, em que esta, é definida pela validade da ciência para os que procuram este tipo de verdade, e pela não aceitação dos juízos de valor. Segundo ele o não-acabamento é fundamental, diferentemente de Durkheim que acredita que a Sociologia é edificada em um sistema completo de leis sociais.

Weber por sua vez defendia que para todas as disciplinas, tanto as ciências naturais como as ciências da cultura, o conhecimento é uma conquista que nunca chega ao fim. A ciência é o devir da ciência. Seria necessário que a humanidade perdesse a capacidade de criar para que a ciência do homem fosse definitiva.

A objetividade do conhecimento é possível, desde que se separe claramente o conhecimento empírico da ação prática. Segundo Weber essa é uma atitude que depende de uma decisão individual do pesquisador, ou seja, os cientistas devem estar dispostos a buscar essa objetividade.

Na concepção dos autores Weber e Durkheim, há uma separação entre ciência e ideologia. Para Weber também há uma separação entre política e ciência, pois a esfera da política é irracional, influenciada

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pela paixão e a esfera da ciência é racional, imparcial e neutra. O homem político apaixona-se, luta, tem um princípio de responsabilidade, de pensar as conseqüências dos atos. O político entende por direção do Estado, correlação de força, capacidade de impor sua vontade a demais pessoas e grupos políticos. É luta pelo poder dentro do Estado. Já o cientista deve ser neutro, amante da verdade e do conhecimento científicos, não deve emitir opiniões e sim pensar segundo os padrões científicos, deve fazer ciência por vocação. Se o cientista apaixonar-se pelo objeto de sua investigação não será nem imparcial nem objetivo. Para Durkheim política é a relação entre governantes e governados.

Entretanto, na concepção de Marx não se podem dissociar ciência e ideologia, pois para ele ideologia faz parte da ciência. Segundo ele ciência é ciência porque explica o objeto tal como ele é, porém o conhecimento não é neutro. Política para este também é luta, mas não de indivíduos como para Weber, é, sim, luta de classes.

A sociologia de Max Weber se inspira em uma filosofia existencialista que propõe uma dupla negação. Nega Durkheim quando afirma que nenhuma ciência poderá dizer ao homem como deve viver, ou ensinar às sociedades como se devem organizar. Mas também nega Marx quando diz que nenhuma ciência poderá indicar à humanidade qual é o seu futuro. A ciência weberiana se define como um esforço destinado a compreender e a explicar os valores aos quais os homens aderiram, e as obras que construíram. Ele considera a Sociologia como uma ciência da conduta humana, na medida em que essa conduta é social.

Weber fundamenta sua definição de valores na filosofia neokantiana, que propõe a distinção radical entre fatos e valores. Os valores não são do plano sensível nem do transcendente, são criados pelas desilusões humanas e se diferem dos atos pelos quais o indivíduo percebe o real e a verdade. Para Weber, há uma diferença fundamental entre ciência e valor: valor é o produto das intenções, diferentemente de Durkheim que acreditava encontrar na sociedade o objeto e o sujeito criador de valores. Weber o contesta dizendo que as sociedades são meios onde os valores são criados, mas ela não é concreta.

Se a sociedade nos impõe valores, isso não prova que ela seja melhor que as outras. Sobre o Estado, o conceito científico atribuído por Weber constitui sempre uma síntese realizada para determinados fins do conhecimento. Mas por outro lado obtemo-lo por abstração das sínteses e encontramos na mente dos homens históricos.

Apesar de tudo, o conteúdo concreto que a noção histórica de Estado adota poderá ser apreendido com clareza mediante uma orientação segundo os conceitos do tipo ideal. O Estado é um instrumento de dominação do homem pelo homem, para ele só o Estado pode fazer uso da força da violência, e essa violência é legítima, pois se apóia num conjunto de normas (constituição). O Estado para Durkheim é a instituição da disciplina moral que vai orientar a conduta do homem.

II - O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento weberiano, a um processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o que existe de particular, constituindo assim um conceito individualizante ou, nas palavras do próprio Weber, um “conceito histórico concreto”. A ênfase na caracterização sistemática dos padrões individuais concretos (característica das ciências humanas) opõe a conceituação típico-ideal à conceituação generalizadora, tal como esta é conhecida nas ciências naturais.

A conceituação generalizadora, como revela a própria expressão, retira do fenômeno concreto aquilo que ele tem de geral, isto é, as uniformidades e regularidades observadas em diferentes fenômenos constitutivos de uma mesma classe. A relação entre o conceito genérico e o fenômeno concreto é de natureza tal que permite classificar cada fenômeno particular de acordo com os traços gerais apresentados pelo mesmo, considerando como acidental tudo o que não se enquadre dentro da generalidade. Além disso, a conceituação generalizadora considera o fenômeno particular como um caso cujas características gerais podem ser deduzidas de uma lei.

A conceituação típico-ideal chega a resultados diferentes da conceituação generalizadora. O tipo ideal, segundo Weber, expõe como se desenvolveria uma forma particular de ação social se o fizesse racionalmente em direção a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um fim. Assim, o tipo ideal não descreveria um curso concreto de ação, mas um desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um curso de ação “objetivamente possível”. O tipo ideal é um conceito

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vazio de conteúdo real: ele depura as propriedades dos fenômenos reais desencarnando-os pela análise, para depois reconstruí-los. Quando se trata de tipos complexos (formados por várias propriedades), essa reconstrução assume a forma de síntese, que não recupera os fenômenos em sua real concreção, mas que os idealiza em uma articulação significativa de abstrações. Desse modo, se constitui uma “pauta de contrastes”, que permite situar os fenômenos reais em sua relatividade. Por conseguinte, o tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem uma proposição e, assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de acordo com sua utilidade para a compreensão significativa dos acontecimentos estudados pelo investigador.

No que se refere à aplicação do tipo ideal no tratamento da realidade, ela se dá de dois modos. O primeiro é um processo de contraste conceitual que permite simplesmente apreender os fatos segundo sua maior ou menor aproximação ao tipo ideal. O segundo consiste na formulação de hipóteses explicativas. Por exemplo: para a explicação de um pânico na bolsa de valores, seria possível, em primeiro lugar, supor como se desenvolveria o fenômeno na ausência de quaisquer sentimentos irracionais; somente depois se poderia introduzir tais sentimentos como fatores de perturbação. Da mesma forma se poderia proceder para a explicação de uma ação militar ou política. Primeiro se fixaria, hipoteticamente, como se teria desenvolvido a ação se todas as intenções dos participantes fossem conhecidas e se a escolha dos meios por parte dos mesmos tivesse sido orientada de maneira rigorosamente racional em relação a certo fim. Somente assim se poderia atribuir os desvios aos fatores irracionais.

Nos exemplos acima é patente a dicotomia estabelecida por Weber entre o racional e o irracional, ambos conceitos fundamentais de sua metodologia. Para Weber, uma ação é racional quando cumpre duas condições. Em primeiro lugar, uma ação é racional na medida em que é orientada para um objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de valores, também claramente formulados e logicamente consistentes. Em segundo lugar, uma ação é racional quando os meios escolhidos para se atingir o objetivo são os mais adequados.

3.2.1 - OS GRANDES SISTEMAS E OS TIPOS IDEAIS

Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características concretas.

Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à perspectiva que vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as singularidades históricas resultam de combinações específicas de fatores gerais que, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação”. Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau.

3.4. A TEORIA DA DOMINAÇÃO DE MAX WEBER

Weber entende que existem basicamente duas formas de exercer o poder. De forma ILEGÌTIMA, isto é pela FORÇA, sem o consentimento dos governados, ou de forma LEGÍTIMA, com o consentimento dos governados. Para ele existem basicamente três “tipos ideiais” de dominação legítima:

DOMINAÇÃO LEGAL OU RACIONAL DOMINAÇÃO TRADICIONAL

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DOMINAÇÃO CARISMÁTICA

3.4.1. CARACTERÍSTICAS DA DOMINAÇÃO LEGAL

A dominação legal é a que caracteriza a maioria dos Estados modernos. É o que Bobbio chama de “Governo das Leis”, porque caracteriza o “Estado de Direito”. Nesse tipo de dominação tanto o Governante quanto a população estão submetidos ao mesmo ordenamento jurídico, normalmente preceitos constitucionais.

O poder não é uma propriedade pessoal do governante. O governante apenas exerce seu poder, porque a lei assim determina. A população também reconhece os direitos do governante, porque estão formalmente previstos em lei.

É o ordenamento jurídico quem limita os poderes do governante para que este exerça seu mandato em prol de interesses coletivos e não pessoais.

Os funcionários são escolhidos pelo critério da competência.

3.4.2. CARACTERÍSTICAS DA DOMINAÇÃO TRADICIONAL

O Poder não é concedido ou outorgado pelo ordenamento jurídico, mas pela aplicação dos usos e costumes.

Tanto o governante quanto a população, da mesma forma que na dominação legal estão subordinados a lei, neste caso estão aos usos e costumes.

É a aplicação dos princípios tradicionais que estabelece os limites ao poder do governante. Os funcionários e auxiliares são escolhidos com base no critério da CONFIANÇA e da

FIDELIDADE pessoal. A Dominação Tradicional é a forma mais comum de poder nos estados em que prevalecem há

muitos anos os costumes e tradições sendo aplicados. Sua forma mais comum é a Monarquia, mas podemos encontrá-la em nações africanas aonde ainda permanece a organização tribal, em alguns estados muçulmanos, etc.

3.4.3. CARACTERÍSTICAS DA DOMINAÇÃO CARISMÁTICA

O poder é pessoal e concedido ao líder por seus seguidores, lhe pertencendo enquanto conseguir mantê-lo. São os seguidores do líder que lhe atribuem a autoridade de governar, com base em características intrínsecas de sua personalidade como heroísmo, paternalismo, caudilhismo, personalidade “mágica”, profética, etc. Trata-se do pai, do herói de guerra, do profeta, do herói da rua, etc.

Seus governados não são súditos, são seguidores, e permanecem ligados ao Líder pela fé inabalável em sua capacidade de guiá-los.

Os funcionários são escolhidos com base na capacidade de estabelecer as relações e a comunicação entre o líder e a população.

É o tipo tradicional de dominação paternalista, populista, etc.

3.5. O CONCEITO DE BUROCRACIA

Para Weber, o conceito de burocracia está diretamente vinculado a idéia da sociedade racional estabelecida pelo capitalismo. Já que é a razão quem domina as ações humanas, e a relação entre elas, as novas formas de organização do trabalho, e da vida social devem obedecer a um determinismo lógico, no qual estejam presentes, não mais a vontade individual dos mandatários, mas estabelecida uma razão objetiva e funcional, na qual os integrtantes da organização desempenhem suas funções independentes de sua vontade imediata, ou da vontade imediata do responsável pela gestão. Cada qual desempenha sua função dentro de um sistema integral de relações hierárquicas, e responde por ela, inserido no todo de inter-relações organizadas, porém de maneira autônoma e independente. Cada qual deve compreender a amplitude, limites e extensões do seu trabalho, e desempenhá-lo, segundo os critérios previamente definidos pelos objetivos gerais da organização. Cada qual desempenha sua função, e responde por ela no limite de suas responsabilidades.

Por isso o reconhecimento da capacidade se dá sempre pelo mérito no exercício das obrigações e nunca pela vontade expressa do mandatário. Assim a organização é composta por unidades autônomas, porém

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interligadas numa relação hierárquica, por exemplo, o Sistem Judiciário. Cada integrante tem autonomia para tomar as decisões no limite de sua expressão hierárquica.

Weber também é conhecido pelo seu estudo da burocratização da sociedade. No seu trabalho, Weber delineia a famosa descrição da burocratização como uma mudança da organização baseada em valores e acção (a chamada autoridade tradicional) para uma organização orientada para os objectivos e acção (chamada legal-racional). O resultado, segundo Weber, é uma "noite polar de frio glacial" na qual a crescente burocratização da vida humana a coloca numa gaiola de metal de regras e de controle racional. Seus estudos sobre a burocracia da sociedade tiveram grande importância no estudo da Teoria da Burocracia, dentro do campo de estudo da administração de empresas.

Os Estados e as empresas modernas são tão grandes, que se tornou impossível administrá-los diretamente a partir do Poder Central. Por isso o Poder é fracionado hierarquicamente em cadeias decisórias, de maneira a que a partir do centro, vão se criando especialidades e departamentos, que auxiliam na administração do Estado. A destinação das tarefas quase nunca parte diretamente do Poder Central, mas adotando as linhas gerais determinadas pelos governantes ou mandatários da empresa, cada departamento desenvolve suas tarefas com autonomia relativa ou absoluta. Criando instâncias hierarquias de poder (níveis de autoridade progressivos até chegar ao poder central), cria-se uma “cadeia hierárquica” das diversas “esferas de poder parcial”, que Weber chama de BUROCRACIA.

Como para escolha dos funcionários o critério é formalmente a competência, é de supor-se que cada um dos integrantes da burocracia possui a competência e as habilidades necessárias para exercer suas tarefas.

MAX WEBER E O DIREITO

4.1. TEXTO - WEBER: O HOMEM E O DIREITO NO CAPITALISMO MODERNO

Ed Carlos de Sousa Guimarães (Trechos Escolhidos)

Antes de tudo é necessário entender que capitalismo para Weber não se refere a um fenômeno datado historicamente. Ele é um conceito analítico, um tipo ideal, que não se confunde com a realidade em si, sendo, portanto, um meio heurístico de interpretação dos fenômenos sociais.

Nesse sentido, Weber trata logo de demarcar as condições prévias para a existência do capitalismo moderno, quais sejam: (a) apropriação privada dos bens de produção; (b) liberdade mercantil; (c) técnica racional, contabilizável ao máximo, tanto no que diz respeito à produção, quanto na troca; (c) direito racional; (d) trabalho livre; (e) comercialização da economia, no sentido de que os direitos de participação nas empresas sejam garantidos através do uso de títulos de valor.

Weber diz que a parceria entre a ciência e capitalismo, permitiu que no Ocidente a produção pudesse se libertar da tradição. A colonização do mundo da vida torna-se um fato. O autor passa a descrever o processo de recrutamento dos trabalhadores. Violência e inclusão pela exclusão. Inclusão, porque como bem demonstrou Michel Foucault, a lógica do modo de produção capitalista não é a exclusão, pelo menos nesse momento de sua constituição. Essa inclusão, não ocorre somente pela via da inserção dos indivíduos nas fábricas. Há uma série de aparelhos que vão seqüestrar as pessoas: a escola, o hospital, o manicômio, os conventos, a prisão, etc.

Weber é sensível a esse processo. Tanto que ao descrever o processo de recrutamento de trabalhadores, afirma que o operário que abandonava o seu posto na fábrica sem a permissão do empresário ou do mestre-artífice era taxado de vagabundo. Ou, ainda: nenhum "desocupado" recebia ajuda se estava fora das oficinas coletivas. Muitos trabalhadores eram mesmo submetidos a uma ordem privada de trabalho. Quer dizer: é preciso fixar os indivíduos, para que seus corpos sejam dóceis e domesticados. Tal fixação ocorre em aparelhos de normalização de homens. São aparelhos, conforme percebido por Weber e lapidado por Foucault, de produção, formação, reformação ou correção de produtores. A necessidade de regulação das relações laborais emerge. Weber analisa que até metade do século XIX os patrões dispunham de seus empregados como bem quisessem. Havia uma série de instruções particulares, todas compondo uma ordem privada do trabalho, como já referi.

A partir da daí, a sociedade disciplinar está plenamente configurada. Os trabalhadores são observados, vigiados, classificados, registrados. Seus comportamentos são analisados, comparados. Micropoderes

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são exercidos de forma capilar. De cima para baixo, de baixo para o alto, em todos os quadrantes. O trabalho, ao contrário de que pensa Karl Marx, não é a essência concreta do homem. Essa essência é produzida no interior da ordem capitalista.

Ao Direito moderno, nesse caminhar do modo de produção capitalista coube um papel muito importante: o de ser, no dizer de Boaventura, um racionalizador de segunda ordem da vida social, uma espécie de elemento substituto ao gerenciamento científico da sociedade. O Direito para cumprir esse papel teve de se adequar. A sua adaptação ocorreu via científica. Ajustando-se à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência moderna, o Direito tornou-se científico. Ocorre que a cientificização do Direito também demandou a sua estatização, haja vista que a manutenção e predominância da ordem política sobre a desordem e o caos foram atribuídas ao Estado moderno. A regulação jurídica é confiada ao Estado.

O Direito, desta feita, deixou escapar do seu campo de visão a tensão que existia entre regulação e emancipação, presente no projeto original da Ilustração. O Direito que, inicialmente, era a combinação complexa de autoridade, racionalidade e ética foi esvaziado de todo potencial emancipatório. Mais precisamente a partir do século XIX, reduzido em ciência jurídica, o Direito perdeu de vista todo o conteúdo ético, que poderia manter viva a sua energia emancipatória.

O resultado foi este: o Direito separado dos princípios éticos acabou por se tornar um instrumento da construção institucional e da regulação do mercado. A juridicização da vida social tornou-se um fato, e o Direito passou a se preocupar apenas com a racionalidade instrumental, com o formalismo técnico-racional e com a aplicação lógica e coerente das normas, pensadas a partir de um ordenamento jurídico que se basta a si mesmo.

A burocracia profissional é um elemento importante quando se fala em direito racional do Estado moderno. Um problema aqui presente é o que Weber identifica em outro trabalho: a subsunção do homem moderno à terrível "gaiola de ferro". O sociólogo da realidade antecipava-se na análise do perigo do desencantamento e da privatização do espaço público, o que culminaria na ofuscação da capacidade de julgamento dos homens recrutados para compor o corpo burocrático do Estado Moderno, como bem analisou Hannah Arendt mais tarde ao refletir sobre a carnificina ocorrida na Alemanha hitlerista.

A burocracia é o mando de ninguém, de acordo com a observação de Arendt. Na Alemanha de Hitler, tal assertiva assumiu tão grande envergadura que toda a carnificina perpetrada contra os judeus ocorreu no interior de uma ordem jurídica, sob os argumentos de que os indivíduos pertencentes ao governo apenas obedeceram a ordens superiores; eram, no dizer da cientista política, tão-somente dentes de engrenagem. Se não cumprissem a ordem, outros cumpririam. Todos os atos do Estado hitlerista eram abertamente criminosos, mas apesar disso, os homens obedeciam à vontade do Führer. Ora, na esfera pública não deve existir obediência cega, sem responsabilidade e julgamento da mesma. Em questões políticas e morais, o obedecer inexiste. O único domínio em que a palavra adquire contornos que justificam a obediência "cega" de adultos é o campo da religião.

A ideologia racional, a racionalização da vida e a ética racional na economia, igualmente, são apontadas como parte do processo de constituição do capitalismo moderno, que o distingue das demais formas de capitalismo irracional, como o mercantil e o usurário. Para nós, esses são pontos capitais que marcaram a condição do homem moderno. O lucro, por exemplo, só reveste-se de um caráter sui generis no capitalismo moderno porque inserido numa estrutura racional, capaz de moldar atitudes e comportamentos.

O desencantamento do mundo, a morte da magia, é outro evento que deixa marcas profundas no homem moderno. Conforme Weber, a magia estereotipa a técnica e a economia. Ora, como construir ferrovias se os trabalhadores com a função de desflorestar a vegetação nativa acreditam piamente que deuses ali habitam e que sendo assim não podem derrubar a floresta?

Com efeito, não existe nenhuma convicção ético-religiosa capaz de deter o capitalismo. O protestantismo, com seu ascetismo intra-mundano forneceu ao capitalismo toda uma ética racional de existência: a necessidade de servir unicamente à vontade de Deus; não se deixar seduzir pela concupiscência; a perda de tempo como o pior dos pecados; dominar os impulsos e as irracionalidades.

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O resultado foi este: operários disciplinados para o trabalho e empresários com o afã do lucro racional. Em definitivo, a ética econômica moderna nasceu desse ideal ascético.

À luz dessas considerações, infere-se que Weber não está discutindo na "História Geral da Economia" apenas o fenômeno do capitalismo moderno. Ele escreve assombrado por demônios. São eles que o conduzem à busca da compreensão da condição existencial do homem moderno. A perda da capacidade de julgar e agir, o desencantamento do mundo, a "gaiola de ferro", a ordem privada de trabalho, o Direito transformado em técnica, a sociedade disciplinar anunciada por ele e captada com profundidade por Foucault; são demônios de uma época histórica. Weber os anunciou com muita sensibilidade.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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ROUANET, Sergio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987. _______. Mal Estar na Modernidade. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.

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WEBER, Max. "História geral da economia". In: Max Weber. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1985.

________. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002

GUIMARÃES, Ed Carlos de Sousa (Mestre em Direito (UFPA), Especialista em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UFPA) e Graduando em Ciências Sociais (UFPA) - Os demônios de Max Weber: o homem e o direito no capitalismo moderno. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 757, 31 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7065>. Acesso em: 26 out. 2006.

MAX WEBER E HANS KELSEN: A SOCIOLOGIA E A DOGMÁTICA JURÍDICA

Daniel Barile da Silveira

IV. CONCLUSÃO (EXTRAIDO DO TEXTO INTEGRAL)

O mérito maior de Weber, ao que parece, foi o de distinguir o âmbito de atuação de cada um desses ramos do conhecimento, a saber, a Dogmática Jurídica e a Sociologia do Direito. Também se prestou, na mesma medida, a elucidar quais as metodologias – a lógico-normativa e a empírico-causal – de que ambas as ciências valiam-se para entender seus objetos específicos. Assim, vislumbra-se que Weber indubitavelmente não negou o caráter científico a nenhuma das duas ciências. Em realidade, cada uma analisa o Direito sob prismas diferentes e de forma alguma excludentes. Pelo contrário, enquanto a Dogmática Jurídica estabelece a melhor forma possível de se elaborar e organizar normas, dentro de um sistema coerente e isento de contradições e, acima de tudo, exigível, a Sociologia do Direito atua do outro lado, verificando se aquelas normas efetivamente estão sendo seguidas e em que grau pelos seus destinatários. E nisto esta servirá de auxílio àquela na elaboração de normas cada vez mais eficientes e que cumpram o fim almejado pelo legislador.

Quando Kelsen afirma que a Sociologia do Direito serve-se de conceitos elaborados pela Ciência Jurídica, negando seu caráter científico, acaba por limitar demasiadamente o universo do fenômeno jurídico a

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uma visão muito restrita da realidade. O que ocorre, em verdade, é que a Sociologia Jurídica utiliza as interpretações Dogmático-jurídicas como um meio heurístico de análise dos fatores empiricamente constatáveis. Trata-se de um recurso instrumental de estudo das interconexões causais dos comportamentos dos indivíduos perante o sistema normativo. É evidente, entretanto, que sem um ordenamento jurídico ideal prévio, o desenvolvimento das ações concretas seria impraticável. Não obstante, ainda que a Sociologia Jurídica empregue alguns entendimentos formulados pela Dogmática Jurídica, em nada isto interfere quanto a lhe conferir autonomia e capacidade de formular seus próprios conceitos e interpretações. No intuito de elaborar um sistema jurídico "fechado", isento de interferências externas ao Direito, Kelsen, mediante o indiscriminado emprego de posicionamentos reducionistas, comete impropriedades conducentes a confinar o fenômeno do Direito em um prisma unívoco e limitado.

A idéia básica da Sociologia Jurídica, seu objeto por excelência, reside na análise das ações dos homens, verificando se, com efeito, a conduta deles submete-se à norma ou não, se afasta dela ou aproxima-se. Entretanto, há que se ressaltar que não se parte de uma relação da norma para com os indivíduos, mas ao contrário. Weber, inclusive, levanta a hipótese exagerada, mas não fictícia, de que uma sociedade poderá reorganizar-se segundo preceitos socialistas sem que, no entanto, com isso se altere um artigo de lei. O que importa para a Sociologia Jurídica basicamente é a verificação do comportamento dos indivíduos segundo determina o sistema jurídico, estabelecendo grau, teor, alcance e meios pelos quais os homens seguem ou simplesmente ignoram os preceitos ideais normativos. Estabelecer tais distinções é fundamental para a Sociologia Jurídica. Há de se citar, a título de exemplo, que é comum a população muitas vezes orientar suas ações segundo um hábito ou costume – ato este originalmente criado por ou em conformidade com prescrições legais (a proibição do casamento de filhos com pais, o dever de fidelidade conjugal na constância do matrimônio, a aposição de uma assinatura em um cheque etc.) sem que, de forma alguma, possua conhecimento da vigência ou mesmo da existência da norma que gerou este hábito ou que com ele se compatibilize. Não se pode aí afirmar que é hipótese de observância à lei, a não ser no sentido postulado por Kelsen (subsunção formal). Torna-se evidente que a pessoa não se orientou segundo a norma, mas segundo um costume ou uso vigente. E para a Sociologia Jurídica essa diferença é gritante.

Segundo Kantorowicz, "a Dogmática sem a Sociologia está vazia. A Sociologia sem a Dogmática está cega" (Kantorowicz apud DULCE, 1989, p. 73; tradução do autor). São duas formas distintas de encarar-se o fenômeno do Direito que se complementam entre si. E quanto a esse aspecto, Weber foi um pioneiro , e ao mesmo tempo um democrata de academia (que nos perdoem o uso impróprio do mote). Em seu íntimo, acreditava ser possível existirem tantas ciências quantos pontos de vista específicos para o exame de um problema. Em função disso, não há por que pensar que já esgotamos todas as possibilidades. Por sua posição alheada à diversidade científica, refutava impetuosamente as teses de teóricos, especialistas ou filósofos que intentassem reduzir a realidade ou um fenômeno a uma perspectiva apenas. Tal era o teor das críticas com que sempre atacava Augusto Comte e sua tese da hierarquização das ciências sob a égide do Positivismo, para não falarmos de tantos outros autores.

Em razão de as ciências serem autônomas, pelos seus próprios fundamentos intrínsecos, nenhuma jamais poderia servir de base ou modelo à outra. É impensável conceber a prevalência da Sociologia Jurídica em relação à Ciência do Direito como pensavam Kantorowicz e Erlich e, de maneira contrária, a primazia da segunda para com a primeira, como entendia Hans Kelsen. A Dogmática Jurídica é uma ciência normativa por excelência ("dever-ser"), que em nada se confunde com a Sociologia do Direito, ciência interpretativa e descritiva do comportamento social ("ser"), relacionado a um ordenamento jurídico vigente. A pedra de toque elucidada por Weber foi justamente a coerência e o discernimento analítico em separar cada uma dessas ciências e relegá-las aos seus respectivos campos de validade, preservando suas autonomias e suas lógicas internas. Cada uma dessas ciências enfoca e interpreta o Direito sob pontos de vista diferentes, ambas dotadas de harmonia e coerência analíticas.

É apenas assim que podemos situar em Weber as nossas diretivas mais veementes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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V – A CIÊNCIA E A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO EM MAX WEBER

Para Weber os homens detém, conforme sua predisposição pessoal e social, basicamente dois tipos de vocação: a vocação política, ou a vocação científica.

Aqueles que têm vocação científica devem segundo Weber, dedicar-se ao conhecimento verdadeiro, tentando examinar a realidade buscando a verdade objetiva através de uma postura neutra, afastando-se no limite de suas possibilidades da visão parcial definida pelas paixões humanas.

Já aqueles que têm a vocação política devem lutar por suas idéias atuando no meio social de maneira a contribuir com seu empenho para transformar e aperfeiçoar a realidade que o cerca. Para Weber a vocação política desde que autêntica, honesta, e ética, é a mais nobre das qualidades humanas. Entretanto, na defesa de seus princípios, há duas maneiras do político (no sentido da vocação) agir.

Na vocação científica alinham-se todos aqueles que tem como objetivo o conhecimento “puro”, mesmo que isso lhes custe o “apartamento social”, ou seja, o homem com vocação científica busca a verdade,a ainda que para isso tenha que afastar-se da realidade cotidiana, manter-se distante dos aocntecimentos de sua época, tornar-se “neutro” frente as diferentes visões políticas e sociais, abrindo mão de uma visão ideológica do mundo, para dedicar-se a busca das causas últimas da relidade científica.

Quando os homens tem a política como vocação, o sentido da ação humana volta-se para as preocupações sociais, econômicas, políticas ou culturais que constituem o debate em torno do poder e suas origens e derivados. Weber postula ali a definição de estado que se tornou essencial no pensamento da sociedade ocidental: que o Estado é a entidade que possui o monopólio do uso legítimo da ação coercitiva. A política deverá ser entendida como qualquer actividade em que o estado tome parte, de que resulte uma distribuição relativa da força. A política obtém assim a sua base no conceito de poder e deverá ser entendida como a produção do poder. Um político não deverá ser um homem da "verdadeira ética católica" (entendida por Weber como a ética do Sermão da Montanha - ou seja: oferece a outra face). Um defensor de tal ética deverá ser entendido como um santo (na opinião de Weber esta visão só será recompensadora para o santo e para mais ninguém). A esfera da política não é um mundo para santos. O político deverá esposar a ética dos fins últimos e a ética da responsabilidade, e deverá possuir a paixão pela sua actividade como a capacidade de se distanciar dos sujeitos da sua governação (os governados).

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USJT - UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEUAPOSTILA 2 – SOCIOLOGIA JURÍDICA - PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR

Segundo Weber: “Toda atividade orientada segundo a ética pode ser subordinadas a duas máximas inteiramente diversas e irredutivelmente opostas”:

A ÉTICA DA CONVICÇÃO – E aquele ao agir politicamente não abre mão de seus princípios e verdades, assumindo uma atitude intransigente na qual as consequências de seus atos, não podem limitar a convicção de suas crenças. Acredita que ao contemporizar e recuar diante de situações reais trairá seus princípios, ou se acovardará. Age somente pelo que acredita independente das consequências. “Quando as consequências de um ato praticado por convicção se revelam desagradáveis, o partidário de tal ética não atribuirá responsabilidade ao agente (a si mesmo), mas ao mundo, a tolice dos homens ou à vontade de Deus, que assim criou os homens.”

A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE – “O partidário da ética da responsabilidade, ao contrário contará com as fraquezas comuns do homem, e entenderá que não pode lançar sobre ombros alheios as consequências previsíveis de sua própria ação. Dirá, portanto: essas consequências são imputáveis de minha própria ação”. Entende que muitas vezes é necessário recuar, fazer concessões, caminhar mais lentamente e principalmente medir as consequências de seus atos.

Por fim encerramos com o parágrafo final de Weber, no livro de onde foram extraídos os conceitos, dessa parte:

“A política é um esforço tenaz e enérgico para atravessar grossas vigas de madeira. Tal esforço exige, a um tempo, paixão e senso de proporções. É perfeitamente exato dizer - e toda a experiência histórica confirma – que não se teria jamais atingido o possível, se não houvesse tentado o impossível. Contudo, o homem capaz de semelhante esforço deve ser um chefe e não apenas um chefe, mas um herói, no mais simples sentido da palavra. E mesmo os que não sejam nem uma coisa nem outra devem armar-se de força de alma que lhes permita vencer o naufrágio de todas suas esperanças. Importa, entretanto que se armem desde o primeiro momentos, pois de outra forma não virão a alcançar nem mesmo o que hoje é possível. Aquele que esteja convencido de que não se abaterá nem mesmo que o mundo – julgado de seu ponto de vista – se revele demasiado estúpido ou mesquinho para merecer o que ele pretende oferecer-lhe, aquele que permaneça capaz de dizer “apesar de tudo!”, aquele e só aquele tem a vocação política.

BIBLIOGRAFIA:

WICKPIDIA

Bobbio, Norberto – “O Futuro da Democracia: Uma Defesa das Regras do Jogo” – Ed. Paz e Terra – 4ª. Edição – Rio de Janeiro, 1986

Weber, Max – Metodologia da Ciências Sociais– Cortez Editora – SP - 3ª Edição - 2001

Weber, Max – “Ciência e Política: Duas Vocações” – Ed. Cultrix – SP – Segunda Edição, 1999

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