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espaço casa

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  • A potica do espao BACHELARD, Gaston. A potica do espao. Traduo de Antnio de Pdua Danesi. So Paulo: Martins Fontes, 1993.

    A obra aborda a temtica das imagens dos espaos presentes na

    literatura, mais especificamente no gnero poesia, imagens ligadas ao habitar

    sua relao com a intimidade e com o mundo. O livro contm dez captulos

    onde so analisados os espaos da casa: casa, poro, sto, cabana, gaveta,

    cofre, armrio, ninho, concha e canto; as dimenses do espao: a miniatura e a

    imensido ntima; a dialtica do exterior e do interior e finalmente a

    fenomenologia do redondo.

    Introduo

    Na introduo o autor apresenta algumas reflexes na tentativa de

    definir algumas ideias norteadoras de seu pensamento e dos objetivos da obra.

    [...] A filosofia da poesia, ao contrrio, deve reconhecer que o ato potico

    no tem passado, pelo menos no um passado ao longo do qual pudssemos

    acompanhar a sua preparao e o seu advento (Bachelard, 1993, p.2).

    [...] A relao de uma imagem potica nova com um arqutipo

    adormecido no inconsciente, ser necessrio explicar que essa relao no

    propriamente causal. A imagem potica no est sujeita a um impulso. No o

    eco de um passado. antes o inverso: coma exploso de uma imagem, o

    passado longnquo ressoa de ecos e j no vemos em que profundezas esses

    ecos vo repercutir e morrer. Por sua novidade, em sua atividade, a imagem

    potica tem um ser prprio, um dinamismo prprio. Procede de uma ontologia

    direta. com essa ontologia que desejamos trabalhar (Bachelard, 1993p. 2).

    S a fenomenologia isto , a considerao o incio da imagem numa

    conscincia individual - pode ajudar-nos a restituir a subjetividade das imagens

    e a medir a amplitude, a fora, o sentido da transubjetividade da imagem.

    Todas essas subjetividades, transubjetivadas, no podem ser

    determinadas definitivamente. A imagem potica , com efeito, essencialmente

    variacional. No , como o conceito, constitutiva. (Bachelard, 1993p. 3, grifos

    do autor).

  • Por sua novidade, uma imagem potica abala toda a atividade

    lingustica. A imagem potica nos coloca diante da origem do ser falante. Por

    essa repercusso, indo de imediato alm de toda psicologia ou psicanlise,

    sentimos um poder potico erguer-se ingenuamente em ns (Bachelard, 1993

    p.7grifos do autor).

    [...] A imagem chegou s profundidades antes de emocionar a superfcie.

    Isso verdade, mesmo na simples experincia de leitura. Assim a imagem que

    a leitura do poema nos oferece faz-se verdadeiramente nossa. Enraza-se em

    ns mesmos. Ns a recebemos, mas sentimos a impresso de que teramos

    podido cri-la, de que deveramos t-la criado. A imagem se transforma num

    ser novo de nossa linguagem, expressa-nos tornando-nos aquilo que ela

    expressa, noutras palavras, ela ao mesmo tempo um devir de expresso e

    um devir de nosso ser. Aqui, a expresso cria o ser (Bachelard, 1993 p.8).

    Como tese geral, pensamos que tudo o que especificamente humano

    no homem logos (p.8). Assim, a imagem potica, acontecimento do logos,

    para ns pessoalmente inovadora. No a tomamos mais como objeto

    (Bachelard, 1993 p.8).

    [...] Concluso: a novidade essencial da imagem potica coloca o

    problema da criatividade do ser falante. Por essa criatividade, a conscincia

    imaginante se revela, muito simplesmente, mas muito puramente, como uma

    origem. Isolar esse valor de origem de diversas imagens poticas o que deve

    ser o objetivo, num estudo da imaginao, de uma fenomenologia da

    imaginao potica (Bachelard, 1993 p.9).

    [...] O fenomenlogo no vai to longe. Para ele, a imagem est a, a

    palavra fala, a palavra do poeta lhe fala. No h nenhuma necessidade de ter

    vivido os sofrimentos do poeta para compreender a felicidade da palavra

    oferecida pelo poeta- felicidade de palavra que domina o prprio drama. A

    sublimao, na poesia, sobrepe-se psicologia da alma terrenamente infeliz.

    um fato: a poesia tem uma felicidade que lhe prpria, independente do

    drama que ela seja levada a ilustrar (Bachelard, 1993p. 14).

  • Captulo 1

    A casa. Do poro ao sto. O sentido da cabana

    Como aposentos secretos, aposentos desaparecidos transformam-se

    em moradias para um passado inolvidvel? Onde e como o repouso encontra

    situaes privilegiadas? Como os refgios efmeros e os abrigos ocasionais

    recebem por vezes, de nossos devaneios ntimos, valores que no tm a

    menor base objetiva? (Bachelard, 1993 p.20).

    A Psicologia descritiva, psicologia das profundidades, psicanlise e

    fenmenologia poderiam, com a casa, constituir esse corpo de doutrinas que

    designamos sob o nome de topoanlise .Analisada nos horizontes tericos

    mais diversos parece que a imagem da casa se torna a topografia de nosso ser

    ntimo. Para dar uma ideia da complexidade da tarefa do psiclogo que estuda

    a alma humana em suas profundezas, C. G. Jung pede a seu leitor para

    considerar esta comparao: "Temos de descobrir um edifcio e explic-lo: seu

    andar superior foi construdo no sculo XIX, o trreo data do sculo XVI e o

    exame mais minucioso da construo mostra que ela foi feita sobre uma torre

    do sculo II. No poro, descobrimos fundaes romanas e, debaixo do poro,

    h uma caverna em cujo solo encontramos de ferramentas de slex, na camada

    superior, e restos da fauna glaciria nas camadas mais profundas. Tal seria

    aproximadamente a estrutura de nossa alma". Naturalmente, Jung sabe da

    insuficincia desta comparao (cf. p. 87). Mas, pelo prprio fato dela se

    desenvolver to facilmente, h um sentido em tomar a casa como um

    instrumento de anlise para a alma humana. Ajudados por esse "instrumento",

    no reencontraremos em ns mesmos, sonhando em nossa simples casa, os

    confortos da caverna? E a torre da nossa alma foi arrasada para sempre?

    Somos ns, por todo o sempre segundo o hemistquio famoso, seres "da torre

    abolida? No somente nossas lembranas, como tambm nossos

    esquecimentos esto "alojados". Nosso inconsciente est "alojado". Nossa

  • alma uma morada. E lembrando-nos das "casas", dos "aposentos",

    aprendemos a "morar em ns mesmos. J podemos ver que as imagens da

    casa caminham nos dois sentidos: esto em ns tanto quanto estamos nelas.

    (Bachelard,1993 p. 20)

    Para um estudo fenmeno lgico dos valores da intimidade do espao

    interior, a casa , evidentemente, um ser privilegiado; isso claro, desde que a

    consideramos, ao mesmo tempo, a sua unidade e a sua complexidade,

    tentando integrar todos os seus valores particulares num valor fundamental

    (Bachelard,1993 p.23).

    Contudo [...] uma espcie de atrao de imagens concentra as imagens

    em torno da casa. Atravs das lembranas de todas as casas em que

    encontramos abrigo, alm de todas as casas em que sonhamos habitar,

    possvel isolar uma essncia ntima e concreta que seja uma justificao do

    valor singular de todas as nossas imagens de intimidade protegida?

    Eis o problema primordial [...] preciso, ao contrrio, superar os

    problemas da descrio seja essa descrio objetiva ou subjetiva, isto ,

    que ela se refira a fatos ou a impresses para atingir as virtudes primrias,

    aquelas em que se revela uma adeso, inerente de certo modo, funo

    original do habitar [...] (Bachelard,1993 p.24).

    Porque a casa nosso canto do mundo. Ela , como se diz amide,

    nosso primeiro universo. um verdadeiro cosmos [...] (Bachelard,1993 p.24).

    Assim, todo espao realmente habitado traz a essncia da noo de

    casa. Veremos, no decorrer de nossa obra, como a imaginao trabalha nesse

    sentido quando o ser encontrou o menor abrigo: veremos a imaginao

    construir "paredes" com sombras impalpveis, reconfortar-se com iluses de

    proteo ou, inversamente, tremer atrs de grossos muros, duvidar das mais

    slidas muralhas. Em suma, na mais interminvel das dialticas, o ser

    abrigado sensibiliza os limites de seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e

    em sua virtualidade, atravs do pensamento e dos sonhos (Bachelard,1993

    p.25).

  • Por conseguinte, todos os abrigos, todos os refgios, todos os

    aposentos tm valores de onirismo consoante. No mais em sua positividade

    que a casa verdadeiramente "vivida", no s na hora presente que se

    reconhecem os seus benefcios. Os verdadeiros bem-estares tem um passado.

    Todo um passado vem viver, pelo sonho, numa casa nova [...] (Bachelard,1993

    p.25).

    Pelos poemas, talvez mais do que pelas lembranas, chegamos ao

    fundo potico do espao da casa (Bachelard,1993 p.26 grifos nossos).

    Nessas condies, se nos perguntassem qual o benefcio mais precioso

    da casa, diramos: a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a

    casa permite sonhar em paz. S os pensamentos e as experincias sancionam

    os valores humanos. Ao devaneio pertencem os valores que marcam o homem

    em sua profundidade (Bachelard,1993 p.26).

    O passado, o presente e o futuro do a casa dinamismos diferentes,

    dinamismos que no raro interferem, s vezes se opondo, s vezes excitando-

    se mutuamente. A casa, na vida do homem, afasta contingncias, multiplica

    seus conselhos de continuidade. Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela

    mantm o homem atravs das tempestades do cu e das tempestades da vida.

    corpo e alma. o primeiro mundo do ser humano. Antes de ser "jogado no

    mundo", como o professam as metafsicas apressadas, o homem colocado

    no bero da casa. E sempre, em nossos devaneios, a casa um grande

    bero.[...] A vida comea bem, comea fechada, protegida, agasalhada no

    regao da casa (Bachelard,1993 p.26).

    Quando se sonha com a casa natal, na extrema profundeza do

    devaneio, participa-se desse calor inicial, dessa matria bem temperada do

    paraso material. nesse ambiente que vivem os seres protetores

    (Bachelard,1993 p.27).

    Logicamente, graas casa que um grande nmero de nossas

    lembranas esto guardadas; e quando a casa se complica um pouco, quando

    tem um poro e um sto, cantos e corredores, nossas lembranas tm

  • refgios cada vez mais bem caracterizados. A eles regressamos durante toda a

    vida em nossos devaneios [...] (Bachelard,1993 p.27).

    Nesse teatro do passado que a memria, o cenrio mantm os

    personagens em seu papel dominante. Por vezes acreditamos conhecer-nos

    no tempo, ao passo que se conhece apenas uma srie de fixaes nos

    espaos da estabilidade do ser, de um ser que no quer passar no tempo; que

    no prprio passado, quando sai em busca do tempo perdido, quer "suspender"

    o voo do tempo. Em seus mil alvolos, o espao retm o tempo comprimido.

    essa a funo do espao (Bachelard,1993 p.28).

    Aqui o espao tudo, pois o tempo no mais anima a memria. A

    memria coisa estranha! no registra a durao concreta, a durao no

    sentido bergsoniano. No podemos reviver as duraes abolidas. S podemos

    pens-las na linha de um tempo abstrato privado de qualquer espessura.

    pelo espao, no espao que encontramos os belos fsseis de uma durao

    concretizados em longas permanncias. O inconsciente permanece nos locais.

    As lembranas so imveis tanto mais slidas quanto mais bem especializadas

    [...] (Bachelard,1993 p.29).

    Mais urgente que a determinao das datas , para o conhecimento da

    intimidade, a localizao nos espaos da nossa intimidade

    (Bachelard,1993p.29).

    Com demasiada frequncia a psicanlise situa frequentemente as

    paixes "no mundo". Na verdade, as paixes cozinham e recozinham na

    solido. encerrado em sua solido que o ser de paixo prepara suas

    exploses ou seus feitos (Bachelard,1993p.29).

    Todos os espaos de nossas solides passadas, os espaos em que

    sofremos a solido, desfrutamos a solido, desejamos a solido,

    comprometemos a solido, so em ns indelveis. E o ser precisamente que

    no quer apag-los. Ele sabe por instinto que os espaos da sua solido so

    constitutivos. Mesmo quando esses espaos esto para sempre riscados do

    presente, estranhos a todas as promessas de futuro, mesmo quando no se

    tem mais nenhum sto, mesmo quando a gua- furtada desapareceu, ficar

  • para sempre o fato de termos amado um sto, de termos vivido numa gua-

    furtada. (Bachelard,1993 p.29).

    Mas no devaneio do dia, a lembrana de solides estreitas, simples,

    comprimidas, so para ns experincias do espao reconfortante, de um

    espao que no deseja alargar-se, mas que, sobretudo desejaria ser possudo

    ainda (Bachelard,1993, p.29).

    Os valores de abrigo so to simples, to profundamente enraizados no

    inconsciente, que os encontramos mais facilmente por uma simples evocao

    do que por uma descrio minuciosa. Nesse caso o matiz exprime a cor. A

    palavra de um poeta, j que ele toca o ponto exato, sacode as camadas

    profundas de nosso ser (Bachelard,1993 p.32).

    [...] As verdadeiras casas da lembrana, as casas aonde os nossos

    sonhos nos levam, as casas ricas de um onirismo fiel, so avessas a qualquer

    descrio. Descrev-la seria mandar visit-las. Do presente, pode-se talvez

    dizer tudo, mas do passado! A casa primordial oniricamente definitiva deve

    guardar sua penumbra. Ela pertence literatura em profundidade, isto ,

    poesia, e no da literatura eloquente que tem necessidade do romance dos

    outros para analisar a intimidade. Tudo o que devo dizer da casa da minha

    infncia justamente o que preciso para me colocar em situao de onirismo,

    para me situar no limiar de um devaneio em que vou repousar no meu passado

    (Bachelard,1993 p.32).

    Portanto, no plano de uma filosofia da literatura e da poesia em que nos

    colocamos, h um sentido em dizer que s "escrevemos um quarto", que "lemos

    um quarto", que "lemos uma casa". Assim, rapidamente, desde as primeiras

    palavras, na primeira abertura potica, o leitor que "l um quarto" interrompe

    sua leitura e comea a pensar em algum aposento antigo [...] (Bachelard,1993

    p.33).

    [...] A casa natal uma casa habitada. Os valores de intimidade a se

    dispersam, estabilizam-se mal, sofrem dialticas. Quantas narrativas de

    infncia se as narrativas de infncia fossem sinceras nos diriam que a

    criana, por falta de seu prprio quarto, vai amuar-se em seu canto!

  • Mas, alm das lembranas, a casa natal est fisicamente inscrita em

    ns. Ela um grupo de hbitos orgnicos [...] (Bachelard, 1993 p.33).

    [...] Por essa infncia permanente, preservamos a poesia do passado.

    Habitar oniricamente a casa natal mais que habit-la pela lembrana; viver

    na casa desaparecida tal como ali sonhamos um dia (Bachelard, 1993 p.35).

    A casa um corpo de imagens que do ao homem razes ou iluses de

    estabilidade. Incessantemente reimaginamos sua realidade: distinguir todas as

    imagens seria revelar a alma da casa; seria desenvolver uma verdadeira

    psicologia da casa (Bachelard, 1993 p.36).

    Para pr em ordem essas imagens, preciso, acreditamos, examinar

    dois temas principais de ligao:

    1) A casa imaginada como um ser vertical. Ela se eleva. Ela se diferencia

    no sentido de sua verticalidade. um dos apelos nossa conscincia de

    verticalidade;

    2) A casa imaginada como um ser concentrado. Ela nos convida a uma

    conscincia de centralidade (Bachelard,1993 p.36)

    A verticalidade proporcionada pela polaridade do poro e do sto. As

    marcas dessa polaridade so to profundas que de certo modo abrem, dois

    eixos muito diferentes para uma fenomenologia da imaginao. Com efeito,

    quase sem comentrio, pode-se opor a racionalidade do telhado

    irracionalidade do poro. (Bachelard,1993 p.36).

    [...] O soto a princpio, o ser obscuro da casa, o ser que participa das

    potncias subterrneas. Sonhando com ele, concordamos com a

    irracionalidade das profundezas .[...] mas o habitante apaixonado aprofunda

    cava-o cada vez mais, tornando ativa a sua profundidade. O fato no basta, o

    devaneio trabalha. Com relao a terra cavada, os sonhos no tm

    limite[...].(Bachelard,1993 p.37).

    Aqui veremos como o psicanalista C. G. Jung utiliza da imagem dupla do

    poro e do sto para analisar os temores que habitam casa. Encontraremos

  • no livro de Jung: L "homme Ia dcouverte de son me (traduo francesa,

    pgina 203), uma comparao que deve tornar clara a esperana que tem o

    ser consciente "de aniquilar a autonomia dos complexos desbatizando-os". A

    imagem a seguinte: A conscincia se comporta ento como um homem que,

    ouvindo um barulho suspeito no poro, se precipita para o sto para constatar

    que l no h ladres e que, por conseguinte, o rudo era pura imaginao. Na

    realidade, esse homem prudente no ousou aventurar-se ao poro.[...]" Em

    lugar de enfrentar o poro (o inconsciente), "o homem prudente" de Jung

    procura sua coragem nos libis do sto (Bachelard,1993 p.37).

    [...] No sto, os medos "racionalizam-se" facilmente. No poro, mesmo

    para algum mais corajoso que o homem mencionado por Jung, a

    "racionalizao" menos rpida e menos clara; nunca definitiva. No sto, a

    experincia diurna pode sempre dissipar os medos da noite. No poro h

    trevas dia e noite. Mesmo com uma vela na mo, o homem v as sombras

    danarem na muralha negra do poro (Bachelard,1993 p.38).

    O devaneio potico, criador de smbolos, d nossa intimidade uma

    atividade polissimblica. E as lembranas se depuram. A casa onrica, no

    devaneio, atinge uma sensibilidade extrema (Bachelard,1993 p.44).

    Em Paris, no existem casas. Em caixas sobrepostas vivem os

    habitantes da grande cidade: "Nosso quarto parisiense", diz Paul Claudel,

    entre suas quatro paredes, uma espcie de lugar geomtrico, um buraco

    convencional que mobiliamos com imagens, com bibels e armrios dentro de

    um armrio (p.44). [...] A casa no tem razes. Coisa inimaginvel para um

    sonhador de casas: os arranha-cus no tm poro. Da calada at o teto, as

    peas se amontoam e a tenda de um cu sem horizontes encerra a cidade

    inteira. Os edifcios s tm na cidade uma altura exterior [...][...] As relaes da

    moradia com o espao se tornam artificiais.[...] Tudo mquina e a vida ntima

    foge por todos os lados (Bachelard,1993 p.45).

    Inicialmente, preciso procurar, na casa mltipla, centros de

    simplicidade. Como diz Baudelaire: num palcio, "no h nenhum lugarzinho

    para a intimidade. (Bachelard,1993 p.47 grifos nossos).[...] na maio parte de

    nossos sonhos de cabanas, desejamos viver em outro local, longe da casa

  • atravancada, longe das preocupaes citadinas. Fugimos em pensamento para

    procurar um verdadeiro refgio (Bachelard,1993 p48.).

    Na pgina de Bachelin, a cabana revela-se como a raiz da funo de

    habitar. Ela a planta humana mais simples, aquela que no precisa de

    ramificaes para subsistir. to simples que no pertence mais s

    lembranas, tantas vezes excessivamente carregadas de imagens. Pertence s

    lendas. um centro de lendas. Diante de uma luz distante, perdida na noite,

    quem no sonhou com a choupana, quem no sonhou, mais empenhado ainda

    nas lendas, com a cabana do eremita?(Bachelard,1993 p.49).

    [...] As verdadeiras imagens so gravuras. A imaginao grava-se em

    nossa memria. Elas aprofundam lembranas vividas, deslocam-nas para que

    se tornem lembranas da imaginao. [...] A cabana do eremita uma gravura

    que sofreria de um excesso de pitoresco. Deve recebersua verdade da

    intensidade de sua essncia, a essncia do verbo habitar. Logo, a cabana

    uma solido centrada (Bachelard,1993 p.49, grifos do autor).

    Toda grande imagem tem um fundo onrico insondvel e sobre esse

    fundo onrico que o passado pessoal pe cores particulares. Assim no final

    do curso da vida que veneramos realmente uma imagem, descobrindo suas

    razes alm da histria fixada na memria. No reino da imaginao absoluta,

    somos jovens muito tarde. preciso perder o paraso terrestre para viv-lo na

    realidade de suas imagens, na sublimao absoluta que transcende qualquer

    paixo (Bachelard,1993 p.50).

    Na esteira da luz distante da cabana do eremita, smbolo do homem que

    vela, um levantamento considervel de documentos literrios relativos poesia

    da casa poderia ser explorado sob o signo da lmpada que brilha janela.

    Seria necessrio pr essa imagem sob a dependncia de um dos

    maiores teoremas da imaginao do mundo da luz: "Tudo que brilha v".

    Rimbaud revelou tambm esse teorema csmico em trs slabas: "Ncar v". A

    lmpada vela, e portanto vigia. Quanto mais estreito o fio de luz, mais

    penetrante a vigilncia (Bachelard,1993 p.50 grifos do autor).

  • A lmpada janela o olho da casa. A lmpada, no reino da

    imaginao, jamais no se acende do lado de fora. luz enclausurada que s

    pode filtrar do lado de fora. (Bachelard,1993 p.51).

    Erich Neumann estudou o sonho de um paciente que, olhando do alto de

    uma torre, via estrelas nascerem e brilharem na terra. Saam do seio da terra; a

    terra no era nessa obsesso uma simples imagem do cu estrelado. Era a

    grande me geradora do mundo, que gerou a noite e as estrelas No sonho de

    seu paciente, Neumann mostra a fora do arqutipo da terra-me, da Mutter-

    Erde. A poesia naturalmente vem de um devaneio que insiste menos que o

    sonho noturno. Trata-se apenas do "gelo de um instante". Mas o documento

    potico no menos indicativo disso. Um signo terrestre apoia-se num ser do

    cu. A arqueologia das imagens , pois, iluminada pela imagem rpida, pela

    imagem instantnea do poeta (Bachelard, 1993 p.52).

    Mas por mais csmica que se torne a casa isolada iluminada pela estrela

    de sua lmpada, ela se impe sempre como uma solido (Bachelard, 1993

    p.52).

    Somos hipnotizados pela solido, hipnotizados pelo olhar da casa

    solitria. Entre ela e ns a ligao to forte que no sonhamos seno com

    uma casinha solitria na noite (Bachelard, 1993 p.53).

    Com a cabana, com a luz que vela no horizonte distante, acabamos de

    indicar em sua forma mais simplificada a condensao de intimidade do refgio

    (Bachelard, 1993 p53.).