fase pré-analítica

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Cuidados na fase pré-analítica garantem a precisão dos resultados dos exames Problemas nessa etapa respondem por até 70% dos erros laboratoriais. coleta interferentes orientação edição 10 – ano 4 – março de 2014 saiba + atualização Uma das principais finalidades dos testes laboratoriais é auxiliar o raciocínio médico após a obtenção da história clínica e a realização do exame físico. Para tanto, todas as fases de execução dos testes, sobretudo a pré-analítica, devem ser conduzidas seguindo o rigor técnico necessário para garantir a segurança do paciente e resultados exatos. Segundo a literatura científica, a fase pré-analítica concentra a maior parte dos equívocos que podem gerar resultados não consistentes com o quadro clínico do paciente. Estima-se que problemas nessa etapa sejam responsáveis por cerca de 70% dos erros ocorridos nos laboratórios. Entre eles, vale destacar os aspectos relacionados à orientação do paciente, como a necessidade ou não do jejum e o intervalo adequado deste, o tipo de alimentação, a prática de exercício físico, o uso de medicamentos capazes de interferir na análise e mudanças abruptas nos hábitos da rotina diária precedendo a coleta. Apesar de o controle do laboratório sobre tais variáveis ser limitado, é possível contornar muitas dessas inadequações por meio da orientação do paciente, seja pelo médico que solicita o exame, seja pelo laboratório clínico, que fornece as informações pelos diversos canais de comunicação com o cliente. Por último, convém lembrar que a escolha inapropriada de testes ou de seus painéis também pode constituir um erro pré-analítico. Nesse sentido, a interação entre o médico-assistente e o patologista clínico sempre se mostra salutar. As fases da análise laboratorial A realização de exames divide-se, classicamente, em: Fase pré-analítica – começa na coleta de material, seja ela feita pelo paciente (urina, fezes e escarro), seja feita no ambiente laboratorial. Fase analítica – corresponde à etapa de execução do teste propriamente dita. Fase pós-analítica – inicia-se no laboratório clínico e envolve os processos de validação e liberação de laudos, encerrando-se após o médico receber o resultado final, interpretá-lo e tomar sua decisão. O controle do laboratório sobre os erros em cada uma dessas fases é variável, porém todos têm impacto na conduta adotada pelo médico-assistente: Erro pré-analítico: controle limitado Erro pós-analítico: controle relativo Erro analítico: controlado pelo laboratório Erro na tomada de conduta pelo médico

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Frase pré-analítica- exames laboratoriais

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Page 1: Fase pré-analítica

Cuidados na fase pré-analítica garantem a precisão dos resultados dos exames Problemas nessa etapa respondem por até 70% dos erros laboratoriais.

coletainterferentesorientação

edição 10 – ano 4 – março de 2014

saiba+atualização

Uma das principais finalidades dos testes laboratoriais é auxiliar o raciocínio médico após a obtenção da história clínica e a realização do exame físico. Para tanto, todas as fases de execução dos testes, sobretudo a pré-analítica, devem ser conduzidas seguindo o rigor técnico necessário para garantir a segurança do paciente e resultados exatos.

Segundo a literatura científica, a fase pré-analítica concentra a maior parte dos equívocos que podem gerar resultados não consistentes com o quadro clínico do paciente. Estima-se que problemas nessa etapa sejam responsáveis por cerca de 70% dos erros ocorridos nos laboratórios. Entre eles, vale destacar os aspectos relacionados à orientação do paciente, como a necessidade ou não do jejum e o intervalo adequado deste, o tipo de alimentação, a prática de exercício físico, o uso de medicamentos capazes de interferir na análise e mudanças abruptas nos hábitos da rotina diária precedendo a coleta.

Apesar de o controle do laboratório sobre tais variáveis ser limitado, é possível contornar muitas dessas inadequações por meio da orientação do paciente, seja pelo médico que solicita o exame, seja pelo laboratório clínico, que fornece as informações pelos diversos canais de comunicação com o cliente.

Por último, convém lembrar que a escolha inapropriada de testes ou de seus painéis também pode constituir um erro pré-analítico. Nesse sentido, a interação entre o médico-assistente e o patologista clínico sempre se mostra salutar.

As fases da análise laboratorial A realização de exames divide-se, classicamente, em:

• Fase pré-analítica – começa na coleta de material, seja ela feita pelo paciente (urina, fezes e escarro), seja feita no ambiente laboratorial.

• Fase analítica – corresponde à etapa de execução do teste propriamente dita.

• Fase pós-analítica – inicia-se no laboratório clínico e envolve os processos de validação e liberação de laudos, encerrando-se após o médico receber o resultado final, interpretá-lo e tomar sua decisão.

O controle do laboratório sobre os erros em cada uma dessas fases é variável, porém todos têm impacto na conduta adotada pelo médico-assistente:

Erro pré-analítico:controle limitado

Erro pós-analítico:controle relativo

Erro analítico:controlado pelo

laboratório

Erro na tomada de conduta pelo médico

Page 2: Fase pré-analítica

As condições pré-analíticas comumente abordadas no laboratório clínico incluem variação cronobiológica, gênero, idade, posição, prática de atividade física, dieta, jejum e uso de drogas para fins terapêuticos ou não. Em uma abordagem mais ampla, outras circunstâncias também precisam ser consideradas, a exemplo da realização de procedimentos terapêuticos ou diagnósticos, cirurgias, transfusão de sangue e infusão de soluções, entre outras. A coleta e a adequação de amostras igualmente entram nessa lista, mas mereceram um espaço exclusivo na página 4. Veja, a seguir, como cada uma dessas condições interfere nos resultados.

Conheça os fatores pré-analíticos que mais interferem nos exames Tais aspectos devem ser levados em conta tanto no momento da análise quanto na interpretação dos resultados.

atualização

Variação cronobiológica Essa condição envolve as alterações cíclicas na concentração de determinados parâmetros em função do tempo, podendo ser diária, mensal, sazonal, anual, etc. A circadiana, por exemplo, ocorre nos níveis séricos de ferro e de cortisol. As coletas realizadas à tarde fornecem resultados mais baixos do que os obtidos nas amostras coletadas pela manhã.

GêneroAlguns exames de sangue e urina apresentam níveis significativamente distintos entre homens e mulheres devido a variações hormonais, metabólicas e de massa muscular, entre outras. As alterações típicas do ciclo menstrual também se refletem em outras substâncias. A aldosterona fica cerca de 100% mais elevada na fase pré-ovulatória do que na folicular. De qualquer modo, os intervalos de referência para esses parâmetros são específicos para cada gênero.

PosiçãoA mudança rápida na postura corporal determina variações no teor de alguns componentes séricos. Quando o indivíduo se move da posição supina para a ereta, ocorre um afluxo de água e substâncias filtráveis do espaço intravascular para o intersticial. Assim, proteínas de alto peso molecular e elementos celulares elevam-se relativamente até que o equilíbrio hídrico se restabeleça. Por essa razão, níveis de albumina, colesterol, triglicérides, hematócrito e hemoglobina, além de drogas que se ligam a proteínas e também os leucócitos, podem ser superestimados (em torno de 8% a 10%) se a coleta de sangue for feita antes da estabilização do equilíbrio hídrico.

Faixa etáriaCertos indicadores bioquímicos possuem nível sérico dependente da idade, o que se deve a fatores como maturidade funcional dos órgãos e sistemas, conteúdo hídrico e lipídico, massa corporal, limitações funcionais da senilidade, etc. Em situações especiais, os intervalos de referência devem considerar essas diferenças. Convém ponderar que as mesmas causas de variações pré-analíticas que afetam os resultados laboratoriais em jovens interferem nos resultados de idosos, mas com intensidade maior nestes últimos. Doenças subclínicas também são mais comuns na maturidade e precisam ser levadas em conta na interpretação dos resultados.

Influência da variação cronobiológica no perfil de ferroSexo feminino, 45 anos

Influência da variação cronobiológica no perfil de ferro

Sexo feminino, 40 anos

Coleta Manhã Tarde

Ferro sérico 160 ug/dL 116 ug/dL

CTLF 331 ug/dL 357 ug/dL

Saturação da transferrina 48% 32%

Page 3: Fase pré-analítica

Atividade físicaO efeito dos exercícios sobre alguns componentes sanguíneos é, em geral, transitório e decorre da mobilização de água e outras substâncias entre os diferentes compartimentos corporais, das variações nas necessidades energéticas do metabolismo e da modificação fisiológica que a atividade condiciona. Desse modo, dá-se preferência à coleta de amostras com o paciente em condições basais, que são mais facilmente reprodutíveis e padronizáveis. O esforço físico ainda é capaz de aumentar a atividade sérica de enzimas de origem muscular, como a creatinoquinase (CK), a aldolase e a aspartato aminotransferase, pelo aumento da liberação celular. Pode haver ainda hipoglicemia, elevação da concentração do ácido láctico em até dez vezes e aumento nas atividades das enzimas renina e CK em até quatro e dez vezes, respectivamente. As variações chegam a persistir por 12 a 24 horas, a depender da intensidade do exercício e do grau de condicionamento físico do indivíduo.

Álcool e fumo Da mesma forma que os medicamentos, o álcool e o fumo determinam variações nos resultados de exames laboratoriais por seus efeitos in vivo e in vitro. Mesmo o consumo esporádico de etanol pode ocasionar alterações significativas e quase imediatas na glicose, no ácido láctico e nos triglicérides. Já o uso crônico eleva a atividade da gamaglutamiltransferase. O tabagismo, por sua vez, aumenta a concentração de hemoglobina, a quantidade de leucócitos e de hemácias e o volume corpuscular médio, além de reduzir o HDL-colesterol e elevar a adrenalina, a aldosterona, o antígeno carcinoembriogênico e o cortisol.

DietaA amplitude das alterações de parâmetros no plasma ainda depende da composição da dieta e do tempo decorrido entre a ingestão e a coleta da amostra. Alimentos que contêm muita gordura, por exemplo, fazem subir a concentração de triglicérides, da mesma forma que dietas ricas em proteínas promovem níveis elevados de amônia, ureia e ácido úrico.

JejumA necessidade do jejum decorre do fato de os valores de referência dos testes terem sido estabelecidos em indivíduos nessa condição. Ademais, a refeição pode alterar a composição sanguínea momentaneamente – sem o pré-requisito, cada exame teria de ser analisado à luz do que a pessoa ingeriu. A maioria dos exames exige três horas de jejum, com exceção da glicemia (oito horas) e do perfil lipídico (12 horas), dentro do qual, vale lembrar, existe considerável variação intraindividual nos lipídios plasmáticos, da ordem de 5% a 10%, para o colesterol total, e superior a 20%, para os triglicérides. Na população pediátrica e de idosos, o tempo sem alimentação deve guardar relação com os intervalos das refeições. Para crianças mais novas, o jejum pode ser de uma ou duas horas.

Medicamentos em uso Uma vez que podem se constituir em interferentes, os fármacos usados pelo paciente devem ser protocolados para evitar alterações que acabem induzindo o médico a erros na interpretação dos valores encontrados. Tais interferências ocorrem in vivo, quando o medicamento modifica o resultado, como a hiperglicemia causada pelo uso de corticoides ou a elevação da atividade da CK total pelo uso de estatinas.

GestaçãoExistem mecanismos que mudam o nível das substâncias no plasma durante a gravidez, os quais decorrem de vários fatores, como a hemodiluição de proteínas totais e albumina, as deficiências relativas em função do maior consumo de ferro e ferritina e o aumento das proteínas de fase aguda, como a velocidade de hemossedimentação, apenas para citar alguns.

nov./2009 jul./2010 mar./2011

Colesterol total (mg/dL) 220 151 138

HDL-colesterol (mg/dL) 28 30 29

LDL-colesterol (mg/dL) 160 104 80

Triglicérides (mg/dL) 168 95 90

CK (U/L) 110 128 4.408

Influência da atividade física na dosagem de CK

Sexo masculino, 32 anos, praticante de exercício físico

Page 4: Fase pré-analítica

TemperaturaA temperatura ideal para a coleta deve ser de 22-25oC. Já a necessária para o armazenamento das amostras tem de ficar entre 2oC e 8oC para inibir o metabolismo das células e estabilizar certos constituintes termolábeis. Para a dosagem de potássio, a refrigeração de amostra não centrifugada não pode passar de duas horas, uma vez que tal processo é capaz de impedir a glicólise, que alimenta a bomba de potássio, e promover sua saída para o meio extracelular, elevando o resultado do teste. É oportuno lembrar que as amostras para alguns exames requerem transporte refrigerado, tais como catecolaminas, amônia, ácido láctico, piruvato, gastrina e paratormônio.

HemóliseDurante a coleta, os fatores que provocam hemólise devem ser prevenidos. Desse modo, os tubos precisam permanecer na posição vertical até a completa coagulação do sangue, quando, então, é possível centrifugá-los. A hemólise afeta substancialmente a dosagem de alguns elementos, como desidrogenase lática, aspartato aminotransferase, potássio e hemoglobina. Outros testes, como os que medem ferro, alanina transferase e T4, são moderadamente influenciados por soros hemolisados. E há aqueles que sofrem pequenas influências desse processo, tais como fósforo, proteína total, albumina, magnésio, cálcio e fosfatase ácida.

LuzAlíquotas para dosagem de bilirrubina, betacaroteno, vitamina A, vitamina B6 e porfirinas devem ser preservadas ao abrigo da luz, pois sofrem interferência desta.

Infusão de líquidos e medicamentosA coleta de sangue tem de ser realizada sempre em local distante da instalação do cateter, preferencialmente no outro braço e, se possível, pelo menos uma hora após o fim da infusão.

saiba+ é uma publicação da a+ medicina diagnóstica• Responsável técnico: Dr. Celso Francisco Hernandes Granato (CRM 34.307) • Editora científica: Dra. Barbara G. Silva • Editora executiva: Solange Arruda • Apoio editorial: Denise Rosa Ora • Produção gráfica: Solange Mattenhauer Candido • Impressão: ??????? • Contribuiu com esta edição: Dr. Nairo Massakazu Sumita, assessor médico em Bioquímica Clínica do Grupo Fleury.

na prática

Coleta e adequação da amostra têm papel preponderante para um exame confiávelEm jogo, estão processos que vão muito além de uma punção bem-sucedida.

SP: [email protected] RJ: [email protected]

PE: [email protected]: [email protected]

RS: [email protected]: [email protected]

Assessoria técnica

Entre os fatores pré-analíticos, devemos citar ainda as variáveis de coleta, que têm como agentes as condições do material biológico (como a temperatura), o tempo excessivo de garroteamento, o sangue colhido em locais de acesso venoso com infusão de líquidos e até a hospitalização, que pode afetar os resultados.

No que concerne a amostras obtidas pelo paciente, merece atenção a coleta de urina de 24 horas, que exige cuidado para evitar perdas das micções e garantir sua conclusão no mesmo horário em que foi iniciada. Abaixo, confira alguns dos fatores mais importantes nesse contexto.