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CULPABILIDADE NO D ir eit o  P enal Q ua r t i e r  lati n

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CULPABILIDADE NO

D ir e it o  P e n a l

Q u a r t ie r  l a t in

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“A Q u a r t i e r   L a t i n   teve o mérito de dar início a uma novafase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando afrieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas.Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmerasEditoras seguiram seu modelo.”

Iv e s  G a n d r a  d a  S i l v a  M a r t i n s

Editora Quartier Latin do Brasil

Empresa Brasileira, fundada em 20 de novembro de 2001

Rua Santo Amaro, 316- CEP 01315-000 

Vendas: Fone (11) 3101-5780 

Email:[email protected] Site: www.quartierladn.art.br

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F á b i o  G u e d e s   d e  P a u l a  M a c h a d o

Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais desde 1989, com atuação emUberlândia desde 1991 até a presente data. Professor Adjunto IV, de DireitoPenal e Direito Processual Penal da Universidade Federal de Uberlândia, comingresso na instituição em agosto de 1992. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia, dezembro de 1991. Especialistaem Direito Administrativo pelas Faculdades Integradas do Triângulo, 1995. 

 Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, 1998. Pós-graduado em DireitoPenal - parte geral, pela Universidad de Salamanca, Espanha, 2000. Investigador  científico no Max-Planck Instituífür auslãndisches undInternational Strafrecht, 

 Alemanha, 2000. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito do LargoSão Franciso, da Universidade de São Paulo, 2002. Professor do programa demestrado em Direito da Universidade de Itaúna desde 2006. Orientador do

 programa de mestrado em Direito Público da Universidade Federal de Uberlândia, 2009. Autor de diversos artigos publicados na Revista dos Tribunais e na Rev ista Brasileira de Ciências Criminais. Autor do livro Prescrição Penal - PrescriçãoFuncionalista, publicado pela editora Revista dos Tribunais, em 2000.

C u l pa b il id a d e  

n o  D i r e i t o  P e n a l

Editora Quartier Latin do BrasilSão Paulo, verão de 2010

[email protected]  www.quartierlatin.art.br 

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EDITO RA Q UA RTIER LATIN D O BRASIL

Rua Santo Am aro, 3 16 - Centro - São Paulo Contato: quartierlatin@quartierlatin. art.br  

www. quartierlatin. art. br 

Coordenação editorial: Vinicius Vieira

Diagramação: José Ubiratan Ferraz Bueno

Revisão gramatical: Tarsila Nascimento Marchetti

Capa: Miro Issamu Sawada

Machado, Fábio Guedes de Paula —A Culpabilidade no Direito 

Penal Contemporâneo - São Paulo: Quartier Latin, 2010.

ISBN 85-7674-442-2

1. Direito Penal. I. Título

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Direito Penal

TO D OS OS DIR EITO S RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial,por qualquer meio ou processo, especialmente

 por sistemas gráficos, microfilnücos, fotográficos, reprográficos, fonográficos,videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperaçãototal ou pardal, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibiçõesaplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610,de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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S u m á r io

Abreviaturas....................................................................................................17

A Título de Prefácio........................... ...........................................................19

Introdução...................................................................................................... 21

Ca p ít u l o  1

 A importância da dogmática penal  

 para a evolução da culpabilidade, 29

C apítulo 2O surgimento da culpabilidade,  35

2.1 A culpabilidade na antiga Grécia.........................................................35

2.2 A culpabilidade na antiga R om a..........................................................35

2.3 A culpabilidade no Direito Canônico .................................................36

2.4 Culpa moral e culpa ju rídica................................................................ 37

2.5 A culpabilidade no Direito Germânico ............................................... 38

Capítulo 3

 Desenvolvimento epistemológico da culpabilidade,  41

3.1 O positivismo naturalista.......................................................................42

3.1.1 Concepção psicológica da culpabilidade.....................................45

3.1.1.1 A teoria de von L isz t....................................... .......................47

3.1.1.2 Críticas à teoria de von Liszt.................................................48

3.1.2 Críticas à concepção psicológica...................................................49

3.2 O positivismo normativista....................................................................51

3.2.1 Teorias normativas da culpabilidade................ ...........................533.2.1.1 A concepção normativa de Frank...........................................56

3.2.1.1.1 Críticas à concepção normativa de Frank ......................59

3.2.1.2 O normativismo puro de Goldschmidt ................................59

3.2.1.2.1 Críticas à concepção normativa pura de Goldschmidt ....61

3.2.1.3 A culpabilidade de autor de Freudenthal.............................62

3.2.1.3.1 Críticas à culpabilidade de autor de Freudenthal.......64

3.2.1.4 A culpabilidade normativa de Mezger .................................64

3.2.1.4.1 Críticas à concepção de culpabilidade de M ezger......673.2.2 A culpabilidade pré-finalista.........................................................69

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3.2.2.1 A concepção de Graf zu Dohna ............................................69

3.2.2.2 A concepção de Helmuth von W eber .................................. 71

3.3 O finalismo............................................................................................. 71

3.3.1 A estrutura da culpabilidade de Hans Welzel ............................75

3.3.1.1 O livre-arbítrio finalista..........................................................78

3.3.2 Críticas à culpabilidade finalista.................................................. 81

3.4 A culpabilidade dos discípulos de Welze l....................................... 83

3.4.1 A culpabilidade como  atitude interna

 juridicamente desaprovada................................................................. 843.4.1.1 Críticas às teorias de Gallas, Jescheck e Schmidtháuser ....88

3.4.2 A estrutura da culpabilidade de Reinhart Maurach ................90

3.4.2.1 Críticas à atribuibilidade .....................................................91

3.5 A crise da teoria normativa.................................................................92

Ca p ít u l o  4

O Direito Penal contemporâneo e a culpabilidade,  99

4.1 Revisitando o sistema neoclássico e a sua culpabilidade................. 100

4.2 Revisitando o finalismo e a sua culpabilidade..................................101

4.3 O funcionalismo..................................................................................104

4.4 Teorias contemporâneas informadoras do

conteúdo material da culpabilidade.....................................................1114.4.1 A teoria do poder de agir diferente, ou poder médio,

ou da teoria social da culpabilidade................................................. 111

4.4.2 As teorias da motivação.............................................................. 113

4.4.3 Culpabilidade pelo próprio caráter...........................................116

4.4.3.1 Críticas à culpabilidade pelo próprio caráter.....................118

4.5 As relações da culpabilidade com as teorias da pena.......................1184.5.1 A substituição do conceito de culpabilidade pela

 perspectiva da prevenção geral - O modelo output........................124

4.5.2 A prevenção geral positiva como conteúdo

da imputação subjetiva.......................................................................127

4.6 O funcionalismo de Roxin ................................................................ 127

4.6.1 Críticas ao funcionalismo roxiniano..........................................130

4.6.2 A culpabilidade em Claus Roxin..............................................131

4.6.2.1 A teoria dos fins da pena.................................................... 1384.6.2.2 Críticas à culpabilidade roxiniana...................................... 143

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4.7 O funcionalismo de Jakobs ................................................................... 144

4.7.1 Críticas ao funcionalismo normativo............................................148

4.7.2 A culpabilidade em Jakobs............................................................ 1514.7.2.1 Críticas à teoria da culpabilidade de Jakobs........................ 158

4.7.3 A culpabilidade comunitária .........................................................163

4.7.3.1 Críticas à culpabilidade comunitária .................................... 165

4.8 O conteúdo material da culpabilidade dado a partir dascontribuições da filosofia contemporânea..............................................166

4.8.1 A construção de Habermas e Klaus Günther.

A teoria do Discurso.............................................................................167

4.8.1.1 Críticas à teoria da pessoa deliberativa..................................170

4.8.2 A teoria da Justiça de Rawls..........................................................171

4.8.2.1 Críticas a Hawls.......................................................................172

4.9 A culpabilidade em Gimbernat Ord eig ..............................................173

4.9.1 Críticas à concepção de Gimbernat Ordeig................................176

4.10 A culpabilidade em Munoz Conde ................. ................................ 178

4.10.1 Críticas à concepção de culpabilidade de Munoz Conde .... 180

4.11 A culpabilidade em Mir Puig............................................................1814.11.1 Críticas à concepção de Mir Puig..............................................185

4.12 A culpabilidade em Zaffaroni. A vulnerabilidade

e a co-culpabilidade...................................................................................186

4.12.1 Críticas à culpabilidade de Zaffaroni........................................191

4.13 A culpabilidade em Bustos Ramírez.................................................193

4.13.1 Críticas à teoria de Bustos Ramírez.......................................... 196

4.14 Críticas gerais ao funcionalismo.........................................................198

Ca pít u l o  5

O Direito Penal brasileiro e o princípio da culpabilidade, 201

5.1 A doutrina e as codificações anteriores a 1984 ................................. 202

5.2 O princípio da culpabilidade no Código de 1984 e na

Constituição Federal de 1988.................................................................203

5.3 A doutrina brasileira contemporânea acerca da culpabilidade........211

5.4 A função e a verificação da culpabilidade nosistema penal brasileiro.............................................................................213

5.4.1 A construção dogmática brasileira...............................................217

5.4.2 A estrutura da culpabilidade........................................................ 225

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5.4.2.1. A capacidade de culpabilidade..............................................226

5.4.2.I.I. A actio libera in causa............................................. ;•.....228

5.4.2.2 A consciência do injusto ................................................ .....230

5.5. As causas excludentes da culpabilidade........................................... ...2315.5.1. A ausência de imputabilidade.......................................... ........232

5.5.2. O erro ......................................................................... ................... 2325.5.3. A coação moral irresistívelea obediência hierárquica................234

5.5.4. O motivo de consciência..............................................................235

5.5.5 A desobediência Civil....................................................................237

5.5.6 O conflito de dever..........................................................................238

5.5.7 O estado de necessidade e a legítimadefesa exculpantes.............2395.6 A culpabilidade integra o conceito dedelito?....... .............................243

5.7 Culpabilidade e pena mínima .............................................................. 247

5.8 Culpabilidade e o Juizado Especial Criminal.....................................249

5.9 Aplicabilidade da nova doutrina.......................................................2575.9.1 O ensino jurídico............................................................................ 257

5.9.2 Problemas de política criminal......................................................258

5.10 A redução da idade penal....................................................................261

5.11 Culpabilidade e responsabilidade penalda pessoa juríd ica..............263

5.11.1 Fundamentos político-criminais da responsabilização

 penal da pessoa jurídica,........................................................................264

5.11.2 Fundamentação dogmática contrária à responsabilidade

 penal da pessoa jurídica.........................................................................268

5.11.3 Fundamentação dogmática da responsabilidade

 penal da pessoa jurídica......................................................................... 271

5.11.3.1 O modelo jurídico-penal de imputação penal à pessoa juríd ica.....................................................................................277

5.11.4. Questões em torno da culpabilidade.........................................282

5.11.5 Questões em torno da pena......................................................... 286

C apítulo 6

O processo penal funcionalista,  291

6.1 As relações entre o direito material e o direito processual.

O processo penal funcionalista................................................................ 292

6.2. E possível compatibilizar o processo penal garantista

com um processo penal funcionalista?...................................................294

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6.3 A nova face do processo penal.............................................................2966.4 A verificação da culpabilidade e da teoria dos fins

da pena no processo penal........................................................................301

6.5 A determinação da pena.......................................................................306

Conclusão......................................................................................................319

Bibliografia....................................................................................................325

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Ao Senhor Professor Dr. Antonio Luís ChavesCamargo, in memorian, Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito do Largo São Francisco,

Aos Senhores Professores Doutores e Catedráticos PeterHünerfeld e Albin Eser da Universidade de Breiburg im

Breisgau, e Kai Ambos da Universidade de Giessen,

Ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais,

Ao M ax -Plan ck -Inst i tu t für auslándisches undInternational Strafrecht,

e à Faculdade de Direito da Universidade Federal deUberlândia,

 pelas valiosas contribuições prestadas sem as quais seriaimpossível confeccionar as investigações científicas e a própria tese de doutoramento.

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A b r ev i a t u r a s

 AP - Actualidad Penal ADPCP   - Anuário de Derecho Penal y  Ciendas Penales

 Boi. IBCCRIM   - Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

CPC   - Cuadernos de Política Criminal

 D P   - Doctrina Penal

 N D P - Nueva Doctrina Penal

 NPP   - Nuevo Pensamiento Penal

 RBCCRIM   - Revista Brasileira de Ciências Criminais

 RCP   - Revista de Ciências Penales

 RDPC   - Revista de Derecho Penal y Ciiminologia

 RIACP   - Revista Ibero-Americana de Ciências Penais

 RIDPP   - Revista Italiana di Diritto e Procedura Penale

 RJ -  Revista Jurídica

 R P - Revista Penal

 RPCP - Revista Peruana de Ciências Penales

 Z S tW -  Zeitschrift fíir die Gesamte strafrechtswissenschaft

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A T í t u l o   d e   P r e f á c i o

O convite para a elaboração de um prefácio é, mormente, acompanhado

de inicial felicidade e alegria. Este, contudo, não é o presente caso. Além denão ser, o autor destas linhas prefaciais, o real merecedor do encargo que lhefoi submetido, isso acabou por ocorrer em virtude, de tristeza. Destinava-se,

tal papel, ao caríssimo Professor Titular Antonio Luis Chaves Camargo. Tendo em vista seu passamento em junho último, contudo, o hoje Professor Dou

tor Fábio Guedes de Paula Machado estendeu à minha pessoa tal missão,

que, de pronto, ainda que com dor, foi aceita.

Observe, o leitor, que nenhuma outra razão existe para tal designação afora aamizade que nos une —a mim e a Fábio —de há tantos anos. Alunos fomos ambos

do Professor Chaves Camargo. Com ele, aprendemos e nos inquietamos. Por in

termédio dele, dirigimo-nos ao Velho Mundo em busca de pesquisas comple

mentares à nossa formação. Por ele, enfim, a tristeza da missão posta traduz-se em

orgulho do amigo, por tão brilhante conquista vertida agora em obra comercial

dada ao grande público e em felicidade reflexa da que teria sentido seu orientador.

O autor, conhecido penalista, é Promotor de Justiça do Ministério Pú

 blico do Estado de Minas Gerais. Mestre pela Faculdade de Direito da Pon

tifícia Universidade Católica de São Paulo e Doutor em Direito Penal pela

Universidade de São Paulo, é pesquisador ilustre. Participante de cursos no

Brasil e no estrangeiro, investigador no Max-Planck-Instituts fü r auslãndisches 

und internationales Strafrecht   (Freiburg i. Br.), e palestrante disputado, tem

abordado, ao longo de sua vida científica, e com maestria, os mais diversos

temas da inquietação dogmática contemporânea. Não sem razão, o Professor

Chaves Camargo o tinha entre seus “pupilos” preferidos, havendo poucas coisas de seu maior agrado do que freqüentar a Cidade de Uberlândia, em Minas

Gerais, sempre a convite de Fábio Guedes de Paula Machado.

Fruto de trabalho doutorai, o livro que se descortina ao leitor é prova do

amadurecido pensar do autor. Tendo defendido sua tese em 2002, sempre via-se

cobrado quanto à publicação da mesma. De pronto, afirmava que não se encon

trava ela ainda pronta para publicação, carecendo, quase que eternamente, de maiores

adendos. Isso evidencia, em verdade, o apurado preciosismo de Fábio Guedes.Perfeccionista, nunca exigiu menos que o melhor. E diga-se, não só em sede penal.

De todo modo, cuida, com esmero, da função da culpabilidade no Direi

to Penal contemporâneo. Para tanto, além de avaliar a importância da dogmá

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tica penal para a evolução do conceito de culpabilidade, procura a tudo visu

alizar, tratando desde a antiguidade clássica, até, mesmo* as concepções psico

lógicas, normativas, finalistas e fimcionalistas. Minudente ao extremo, Fábio

Guedes não se satisfaz com a aprofundada tradução de teorias. Procura, sim,utilizar-se destas em âmbito nacional, trazendo considerações sobre o princí

 pio da culpabilidade no sistema penal brasileiro. Para tanto, preocupa-se des

de a fixação da pena até a aplicabilidade da nova doutrina. Divaga, como já

fazia seu orientador, mesmo sobre a questão do ensino jurídico, chegando até

a complexa questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Recordando-se da colocação de Schünemann quanto à problematicidade da

dogmática do Direito Penal moderno, estranha aos não-iniciados, incompreensível aos alunos e aparentemente supérflua aos penalistas, é de se dizer que a leitura

do presente trabalho tudo esclarece, tomando a ciência penal - fascinante por

natureza —ainda mais sedutora. Preocupantemente, o Direito Penal nacional tem

sido, ao longo de muitos anos, maltratado e afastado de discussões atuais. Não

raro, diz-se que ele posta-se tantos e tantos anos atrás do temário internacional.

Isso, tristememente, é verdade inescondível.

A culpabilidade, recorde-se, até pouco tempo atrás ainda era vista, no Brasil, unicamente sob condições herméticas. A própria estruturação da teoria do

delito só recentemente conheceu pensamento mais coadunado com as contem

 porâneas discussões. Enclausurado na América e encastelado na sua própria

língua, difícil foi a conquista de terreno científico. Felizmente, de anos a esta

 parte, a evolução tem sido bastante significativa. E um dos maiores e mais em

 blemáticos exemplos disso é vivificado em Fábio Guedes de Paula Machado.

Ao leitor, convida-se para o estudo tão envolvente da culpabilidade. Quiçá,dessa forma, novas frentes se abrirão ao caminhar penal nacional. Ao autor -

mais que amigo —os parabéns de sempre. Agora não só por ter desempenhado

tão significativo papel, mas, também, por, mais uma vez, e com brilhantismo

invulgar, orgulhar aos seus, ao seu orientador, aos amigos, e à torcida calada.

R e n a t o   d e  M e l l o  Jo r g e   S i l v e i r a  

 Professor Associado do Departamento de Direito Penal,  Medicina Forense e Criminologia da 

 Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 21

I n t r o d u ç ã o

“O amor à humanidade, à sabedoria, conhecendo a realidade e suas cau

sas, e a virtude como a prática do bem, tem aqui, segundo a admirável concep

ção de Piero Ellero, os grandes motivos pelos quais o penalista realiza sua obrade civilização e progresso.

A reflexão e a experiência provam que a humanidade tem estes mesmos

ideais e os traduz em fatos no decurso dos séculos, de tal sorte que pode

afirmar-se com Mancini, que a verdade e a justiça são eternas e lhes estão

reservados o império do mundo.

Sendo isto exato, é preciso, contudo, atender ao desenvolvimento que

tiveram a verdade e a justiça penal, e quão trabalhosamente recorreram aocaminho do progresso através das gerações.”1

A humanidade das considerações retrata fielmente a importância e perfil

que o tema culpabilidade tem para o Direito Penal, razão pela qual Luis Jímenez

de Asúa afirmou que “o Direito Penal selou seu destino na inseparável compa

nhia da culpabilidade”2, mas não só ao Direito Penal interessa o tema, relacio-

nando-se também com a Teologia, a Filosofia, a Moral, enfim, a todas as dências

humanistas, notadamente no momento atual, em que o discurso de lei e ordem

ganha proporções consideráveis na sociedade brasileira e, também, na sociedademundial. Do gradativo aumento da criminalidade e de sua repulsa por parte da

sociedade e do Estado, traduzido pelo embrutecimento do regime penal em

desprestígio das garantias fundamentais do homem esculpidas em diversas cartas

e tratados internacionais, em particular na Constituição brasileira, aumenta a

nossa responsabilidade na apreciação deste tema.

O princípio da culpabilidade, “nullum crimen sine culpa”, enunciado no

século XIX, marco do pensamento liberal iluminista caracterizava-se, à época,

como princípio derivado da legalidade. Desde então é visto como garantiafundamental do homem, declamada pela impossibilidade de alguém ser con

denado sem ser culpável. Portanto, tem a finalidade de excluir a responsabili

dade objetiva e a responsabilidade pelo fato cometido por “outros”, de maneira

a garantir a subjetivação e a individualização da responsabilidade penal.

1 VALDÉS RUBIO, D. José Maria. Derecho Penal su filosofia, historia, legislación y jurisprudência, 

p. 5-6.2 Tratado de derecho penal,  vol. V, p. 38.

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F á b i o  G u ed e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 23

culpabilidade dá pé a tantas associações incertas que ninguém se encantaria emver esta palavra fora da discussão jurídico-penal”5.

Dentre as várias funções atribuídas à culpabilidade, distinguem-se a função de subjetivação da responsabilidade, afastando-se a responsabilidade objeti

va, vinculando em seu lugar a imposição da pena à causação culpável do resultado,graduando-se a pena em função da forma de vinculação subjetiva do autor com

o resultado; a função de fundamentação dogmática da pena; a função de limitedo poder punitivo estatal na medição da pena; a função de crítica e interpreta

ção do Direito positivo etc6. Entre nós, e no âmbito constitucional-processual, o

 princípio da não-culpabilidade consagra uma regra de tratamento que impede

o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado,ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definiti

vamente por sentença do Poder Judiciário7.

De um contexto formal, quase unânime, em que a culpabilidade é a reprova

ção de uma ação típica e antijurídica, destacam-se os elementos que, num sistema

 jurídico, estimam-se precisos para a sua afirmação, isto é, o reconhecimento da

 possibilidade de imputação do fato antijurídico ao autor, sendo, pois, necessário se

compreender a ratio essendi desta reprovação, em razão de que, no seu conceitoformal, não é indicado o fundamento desta reprovabilidade. Ou seja: por que se

reprova o sujeito pela realização de uma ação típica e antijurídica? Ou o que é

censurável? E neste contexto que surge o conceito material de culpabilidade8,

diversificando-se a partir da concepção metodológica de Direito Penal empregada.

A partir de então, no afã de se buscar o melhor conceito material de

culpabilidade que justificasse, individualmente, a atribuição de um fato penal

a uma pessoa, em consonância com critérios de racionalidade e que mais se

aproximasse do talvez utópico conceito de justiça do ser humano e de suascircunstâncias, diversas teorias acerca da culpabilidade (Culpahaftung) foram

formuladas. Muitas, aliás, vencidas ou ultrapassadas, até porque nenhuma

dessas foi capaz de resistir às críticas9, isto até alcançarmos a constatação de

5 Derecho penal,  p. 116.

6 PEREZ MANZANO, Mercedes. Culpabílidad y prevención: Las teoriasde Ia prevención general

positiva en Ja fundamentación de Ia imputación subjetiva y de Ia pena, p. 57.7 STF, HC  nfi 80.719-41SP, rel. Min. Celso de Mello, D /28.09.2001.8 CEREZO MIR, José. Derecho Penal - parte general (Lecciones 26-40), p. 18.9 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal,  p. 53.

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24 - P r o c u r a ç ã o , m a n d a t o  e r e p r e s e n t a ç ã o

que grande parte da doutrina entende que o conceito tradicional de culpabilidade está em crise10.

Entre outros argumentos, destaca-se o de que ela está alicerçada no in-

demonstrável, seja na concepção neokantiana do poder agir de outra maneira,a partir desta constatação por um homem médio, ou na vertente finalista, do

 poder de agir conforme o direito, sustentada na liberdade. Destes embates,surgem alternativas como a substituição do conceito tradicional de culpabilidade por outro. Por outras palavras, o vínculo da imposição de pena à causação

dolosa ou culposa não depende da culpabilidade, porque os elementos subje

tivos se encontram no tipo de injusto.

Acerca dessa crise, é importante ressaltar que ela não se refere aos elementos constitutivos da culpabilidade, mas sim ao seu próprio fundamento11.

Como alternativa para a superação dessa problemática, busca parte dadoutrina fundamentar a imputação subjetiva em princípios alheios ao da cul pabilidade, v.g.,  nas necessidades preventivas de pena. Ou, para negar que a

culpabilidade possa servir de limite da medida da pena, para em seu lugarfuncionar o princípio da proporcionalidade. Enfim, questiona-se até que ponto

a existência do Direito Penal depende do princípio da culpabilidade ou qual

o seu papel na dogmática jurídico-penal12, ainda mais se se considerar que

10 HASSEMER, Winfried. Alternativas al principio de culpabilidad. CPC, na 18, p. 473, e ZULGADÍA ESPINAR, Augustín. Acerca de Ia evolución del concepto de culpabilidade. Libro homenaje al Prof. J. Anton Oneca, p. 565, entre outros. Com posicionamento diverso, aponta jorge Figueiredo Dias, como razão da crítica a rescisão da culpabilidade com a pena retributiva e o desaparecimento do momento ético da culpabilidade. Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad en derecho penal, CPC, ns 31, p. 6. Em suma, os autores que atestam a crise do fundamento material da culpabilidade alegam que esta é derivada 

da falta de base empírica, acarretando uma crise de suas funções, alcançando conceitos como o da prevenção geral de intimidação, a especial da ressocialização, as próprias relações entre culpabilidade e prevenção, até atingir a própria fundamentação do Direito Penal, conforme será exposto ao longo deste trabalho. No Brasil, Antonio Luís Chaves Camargo atenta para esta  problemática, asseverando no sentido de se buscar uma justificativa para a culpa penal, Culpa-bilidade e reprovação penal, pp. 78 a 81 e 87. Mais recentemente, Sérgio Salomão Schecaira, ao analisar a questão, afirma que o parâmetro para a aplicação da pena é delimitado pelo princípio da culpabilidade, e que esta só pode ser aplicada a partir da comprovação do dissenso social, sob a ótica da relevância pública e para a reafirmação dos princípios de convivência existentes  na sociedade atual. Penas alternativas, Penas restritivas de direitos, p. 170, e, ainda, Juarez Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato punível, 4a ed, p. 200. Em sentido contrário e favorável à culpabilidade expiatória, manifesta-se Jürgen Baumann, Culpabilidad y expiación, son el mayor problema del derecho penal actual? NPP, v. 1, p. 25.

11 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÂLEZ, Carlos e CANCIO MELIÁ, Manuel. Un nuevo sistema del derecho penal. Consideraciones sobre Ia teoria de Ia imputación de Günther Jakobs, p. 84.

12 GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Tiene un futuro Ia dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal,  p. 142.

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E s t e v a n  Lo  R é P o u s a d a  - 25

tradicionalmente a explicação das funções de legitimação e fundamentação da

 pena e da responsabilidade individual tenham girado em tomo do conceito e

 princípio da culpabilidade.

Porém, o que mais impressiona é que, mesmo após um frutífero século tertranscorrido e nele haver sido constatado grandes avanços dogmáticos, até hoje o

tema culpabilidade não está pacificado, daí a pertinente afirmação de Torío

López de que “a teoria da culpabilidade se nutrirá sempre de contrastes e anta

gonismos insuperáveis e o que teoricamente deve se superar são as equivocidades

e mal-entendidos próprios da discussão contemporânea”13, razão pela qual, na

tentativa de mostrar as suas tendências, mister que seja a culpabilidade aborda

da nos seus principais fundamentos epistemológicos e demonstrada sua com

 preensão e posição nas diversas fases do desenvolvimento da ciência jurídico-penal.

Deste relato, portanto, percebe-se que as discussões em torno da idéia de

culpabilidade, notadamente no seu aspecto material, nunca foram interrom

 pidas, especificamente em torno dos problemas metajurídicos, como a liber

dade de vontade —indeterminismo ou determinismo —, culpabilidade pelo

caráter ou pelo fato, expiação, retribuição e, mais recentemente, em torno da

dignidade humana.

De outro lado, uma questão nova surgiu a partir de reflexões práticas. Ea que trata da importância da culpabilidade para a determinação da pena, eis

que a culpabilidade não é apenas analisada na teoria do delito, mas também

no que se refere à determinação da pena, aqui vista como independente da

culpabilidade. Desta progressão, afirma-se que a análise da culpabilidade se

inicia a partir dos fenômenos metajurídicos, alcançando o moderno tema da

necessidade de prevenção pelos fins da pena e mais, por não existir na dogmá

tica moderna uma concepção unitária sobre o tema serão analisadas, ao longo

do trabalho, algumas das mais importantes construções, notadamente as desenvolvidas pelos autores espanhóis e alemães, em razão de se deterem mais

detalhadamente sobre a questão.

Por tais considerações de conflito dogmático, sendo até aqui imprescin

dível o Direito Penal e a pena, esta reconhecida como um meio necessário e

terrível de política social, corroborado ainda pelo aumento e diversidade da

13 TORÍO LÓPEZ, Ángel. Indicaciones metódicas sobre el concepto material de culpabilidade. CPC, nQ30, p. 760.

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26 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

criminalidade, é que somos obrigados a conviver com o Direito Penal, daí

resultando que a dogmática jurídico-penal tem futuro14, razão que, por si só,

 já justifica a confecção deste trabalho.Portanto, se já não fossem bastantes os problemas em torno da culpabi

lidade em nível de direito material, inserindo-se aqui as polêmicas em torno

da concepção de Direito Penal do fato ou do autor, ou sobre o seu conceito

dogmático-sistemático, ou sobre o conceito de culpabilidade na medição da

 pena e sobre o conceito de culpabilidade na teoria da pena e sua relação com

a medida de segurança, há ainda o conceito constitucional-processual de cul

 pabilidade. Este reúne questões em torno do princípio da presunção de ino

cência e das prisões cautelares, tal como apontado acima a partir de aresto doSupremo Tribunal Federal.

Ainda sobre esse embate, sistematiza Achenbach a questão em três ní

veis de discussão para melhor compreendê-las:

Io nível) A idéia de culpabilidade se desenvolve no princípio constitu

cional “não há pena sem culpabilidade”. Neste, a culpabilidade é concebida

como fenômeno, fundamento e limite do poder penal estatal, sendo aqui

analisadas as questões em torno da liberdade de vontade, da culpabilidade pelo fato ou pelo caráter, a partir de princípios filosóficos, antropológicos e

sociológicos, enfim, o porquê da pena.

2o nível) A culpabilidade como fundamento da pena é a categoria dog

mática, e aqui se discute se dolo e culpa são tipos ou formas de culpabilidade

e as questões em torno do erro de proibição.

3o nível) Neste nível aborda-se a culpabilidade como medida da pena,

em especial referência ao momento de sua aplicação no caso concreto, discu

tindo se o fato doloso contém maior culpabilidade do que o culposo, ou se o

desvalor da ação e do resultado têm significação para a culpabilidade, ou,

ainda, se a gravidade da culpabilidade depende de fatores que não tenham

relação direta com o fato15.

14 GIMBERNAT ORDÉIG, E. Tiene un futuro Ia dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal,  p. 160.

15 ACHENBACH, Hans. Historische und dogmatische Crundíagen der strafrechtssystematischen Schuldlehre, p. 9 e 19.

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F áb i o  G u ed e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 27

Pelo destaque acima realizado, percebe-se que Achenbach não defende

um conceito uno de culpabilidade. Ao invés, estabelece pontos conflitantes

nas três acepções citadas que impedem o reconhecimento da unidade, figurando, como razão, a independência das concepções sobre a idéia de culpabi

lidade frente aos seus elementos16, pois se a idéia de culpabilidade remete ao

que ela deve ser, o seu conceito remete ao que ela é na aplicação do Direito.

Esta idéia se refere à assertiva de que para Achenbach, as construções sobre a

idéia de culpabilidade são só projetos do seu conceito e não podem se confun

dir com a culpabilidade enquanto parte da lei penal relativa ao exercício do

 poder estatal baseado nos direitos fundamentais17.

Também quanto à distinção da culpabilidade enquanto fundamento e

medida da pena, igualmente não há coincidência, ao contrário, há diferença

entre ambas, em razão de que na medição da pena, o juiz leva em consideração

a gravidade do injusto e não propriamente a culpabilidade em si18.

Ainda que concordemos com a separação do conceito de culpabilidade,

mormente porque nem tudo que fundamenta a pena igualmente a limita,

tem-se que na concepção tradicional, a culpabilidade como fundamento da

 pena, trata da questão de verificar se o autor pode ser reprovado, consideradoculpado na forma legal por ter praticado determinado injusto típico. Já na

culpabilidade como medida da pena, trata-se de estabelecer a quantificação

desta na sentença, valendo-se de um complexo de informações extraídas do

fato e do agente. De qualquer forma, não se pode negar a existência do debate

em torno da questão, merecendo aceitação a concepção que melhor se adequar

metodologicamente com a forma de Estado existente19.

Em síntese, o vocábulo culpabilidade contém pelo menos três significados: 1 - “Culpabilidade” como fundamento do princípio de culpabilidade

enunciado sob o aforismo latino “nulla poena sine culpa"\ 2 —“Culpabilidade”

16 Ressalte-se aqui o árduo debate estabelecido entre os causalistas e finalistas em torno daculpabilidade.

17 Op. cit., p. 9-10.18 ACHENBACH. Historísche und dogmatische Grundlagen der strafrechtssystematischenSchuldlehre,  p. 11.

19 No artigo "O desenvolvimento metodológico do Direito Penal", sustentei que a interpretaçãofuncional do Direito positivo deve ser sempre uma interpretação constitucional, isto é, deve-se partir metodologicamente da existência de um sistema político e social. Boi. IBCCRIM, n9 79, p. 3.

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28 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

como elemento dogmático do delito; e 3 - “Culpabilidade” como elemento

legitimador da pena e do jus puniendi.

Destes significados, pode-se desde logo concluir que distintas são as fun

ções, daí derivando importantes conseqüências. Frente a essa constatação, buscar-se-á, ao longo deste trabalho, evidenciar o desenvolvimento da culpabilidade

dentro do sistema de Direito Penal, destacando-se alguns dos principais auto

res que discorreram sobre o tema, levando-se em consideração, primordial

mente, o respeito à metodologia do Direito Penal para, ao final, se apontar um

modelo que possa ser observado pelo Direito Penal brasileiro. Evidentemente,

respeitando a sua grande diversidade cultural e social, sem nunca olvidar de

estabelecê-lo a partir da obediência irrestrita ao sistema constitucional, mormente ao princípio da dignidade da pessoa humana20.

Em conclusão, é correto afirmar que, estabelecer em que medida o prin

cípio da culpabilidade pode cumprir as suas funções, depende de como se

determina o seu conceito material. Este, o escopo final deste trabalho.

20 Afirma Higuera Guimera que a dignidade da pessoa humana é o fundamento da ordem política e da paz social, sendo o princípio da culpabilidade a exigência do respeito à dignidade da pessoa. La culpabilidad y el proyecto genoma humano. AP,  ne 42, p. 763.

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F á b io  G u ed e s  d e Pa u  i a  M a c h a d o  - 29

C a p í t u l o   1

A IMPORTÂNCIA DA DOGMÁTICA PENAL 

PARA A EVOLUÇÃO DA CULPABILIDADE

As disciplinas que têm por objeto o estudo e a análise do fenômeno

criminal configuram a ciência penal. A ciência do Direito Penal, ou dogmáti

ca penal, e a Criminologia são os seus maiores ramos. Ao Direito Processual

Penal, na visão moderna, caberá a instrumentalização do direito material ou,

conforme se abordará posteriormente, se estabelecerá uma relação de comple-

mentariedade entre o Direito Penal e o Direito Processual Penal21. Estas ciên

cias têm como finalidade a investigação, estudo e atuação sobre o fenômeno

criminal e sua erradicação. Não se confundem, contudo, em razão da divergência no método de análise e objeto de estudo.

A dogmática penal preocupa-se com a interpretação, sistematização e desenvolvimento dos preceitos legais e doutrinários, sendo a teoria do delito ou

teoria geral do fato punível, o tema que alcança as mais elevadas cotas de abstra

ção, estudo e desenvolvimento, embora Jorge Figueiredo Dias assevere que o

tema das conseqüências jurídicas do crime possua exatamente a mesma hierar

quia jurídico-científica que a doutrina do crime. E mais: no campo prático ou

visual, tem a problemática das conseqüências jurídicas do crime maior impor

tância do que a teoria geral do delito, “quer para o delinqüente que sofre a con

seqüência jurídica, quer para a sociedade em nome da qual é aplicada, quer ainda

 para a vítima do crime, o sistema das reações criminais e os processos da sua

determinação e aplicação surgem como os pontos de mais decidido relevo”22.

Polêmicas à parte, até porque, a meu aviso, a confrontação não é possí

vel, em razão de que as teorias têm aplicação em momentos distintos, embo

ra não se negue a infinita complexidade da teoria do delito, que a propósitocompreende, explica e sistematiza os pressupostos gerais e os elementos que

concorrerem em uma conduta para que possa ser qualificada como delito esancionada com uma pena23.

21 Também neste sentido: Fernando Fernandes, O processo penal como instrumento de políticacriminal; Claus Roxin, Derecho procesal penal,  p. 6; e Jorge de Figueiredo Dias, Direito

processual penal,  p. 28-29.22 Direito penal português - As conseqüências jurídicas do crime, p. 41.23 CUESTA AGUADO, Paz M. de Ia. Tipicidad e imputación objetiva,  p. 18.

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30 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Importante lembrar que a dogmática jurídica se identifica com a idéia

de ciência do Direito, tendo por objeto o direito positivo vigente em um dado

tempo e espaço, e tem por tarefa a construção de um sistema de conceitoselaborados a partir da interpretação do material normativo, segundo procedi

mentos intelectuais de coerência interna. Disto, decorre que a dogmática jurí

dica tem por finalidade ser útil à vida, isto é, à aplicação do Direito. Por sua

vez, o jurista, com a palavra da lei e a linguagem do fato, somando-se ainda a

fidelidade metodológica, formulará as respostas aos conflitos sociais que apa

recerem, e assim se construirá a justiça possível.

Desta forma, pode-se afirmar que as teorias do delito e da pena são o

objeto central do estudo da dogmática jurídico-penal, como também é o mode

lo de Estado que determina a concepção de Direito Penal, ou seja: determina o

que pode ser apenado e o que pode ser proibido pelo Direito Penal, informando

os elementos que devem concorrer para tanto, destacando-se os princípios da

legalidade e da proteção ao bem jurídico-penal, levando-se em consideração que

o Direito Penal é a ultima ratio.. Isto é, só será necessária a sua intervenção em

razáo da gravidade do delito ou em havendo necessidade da pena.

A teoria do delito possui pressupostos gerais e elementos essenciais doconceito analítico de delito, aliás, comuns a todos os crimes. Estes, entretanto,

 possuem aspectos diversos que justamente os diferenciam dos demais. Acerca

da situação atual da teoria alemã do delito, berço da dogmática jurídico-pe

nal, é interessante ressaltar que, ainda hoje, se observa a sua contínua expansãoe internacionalização, sendo, inclusive, adotada e debatida em diversos países

asiáticos, ainda que mantidas as características de cada cultura e de cada orde

namento, a se constatar pelos colóquios realizados envolvendo autores ale

mães, chineses, japoneses, entre outros24.

Com metodologia oposta à dogmática alemã, apresenta-se o sistema

“coramom law”, de origem anglo-saxã e com aplicação precípua na Inglaterra

e nos Estados Unidos da América. Aproximando-se a este modelo na Europa

continental, na França e países escandinavos, propugna-se pela adoção do

modelo pragmático de solução de conflitos. Como decorrência do conflito

24 No período de investigações científicas realizadas junto ao Max-Planck-Institut für auslãndisches und International Strafrecht, ao longo do primeiro trimestre de 2000, pude constatar a influência que a dogmática alemã exerce nos sistemas penais destes países, respeitadas as diferenças cultural, social e religiosa.

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entre os sistemas, surge o embate doutrinário dogmatismo versus pragmatismo,

a fim de estabelecer o método que melhor legitime o sistema penal.

Já tendo sido constatado que a ciência do Direito é dinâmica, e tendo

como sua conseqüência o reconhecimento de que o Direito Penal moderno

deve ser visto como um sistema aberto. Isto é, ele pode ter modificado o seu

conteúdo, ou as suas estruturas em função de mudanças valorativas, ou de

variações na relação existente entre os fins do Direito Penal e do sistema da

teoria do delito. Deste modo, os valores de referência de cada categoria e as

finalidades incidentes na atribuição de conteúdo a cada conceito racionalizam

a intervenção do Direito Penal. Ou seja, estará a dogmática jurídico-penal

apta a percepção de novas influências, inclusive de natureza extrapenal, poissão os elementos do conceito analítico de crime rediscutidos e redesenhados

continuamente pela doutrina, a partir da clássica conceituação analítica de

que o delito é o fato típico, antijurídico e culpável, até o moderno injusto

 penal e responsabilidade criminal dentre outras conceituações.

Sobre a teoria geral do delito, esta parte da lei, da norma jurídica positi-

: va, que atua confo axioma, advindo daí o qualificativo dogmático para as suas

construções, considerando não só aspectos jurídicos, mas também valorativos,

filosóficos e políticos.

Como função, a teoria geral do delito ordena e sistematiza preceitos le

gais, princípios gerais e estruturas, conceitos abstratos etc., relacionando-os

entre si e construindo um sistema completo e unitário com o objetivo inicial

de facilitar o estudo do material jurídico destinado aos operadores do Direito,

e permitir a formação e existência de uma jurisprudência racional, objetiva e

igualitária, a razão de que a existência de elementos conceituais altamente

depurados permite prever e calcular a concreta aplicação das normas penais,contribuindo para a segurança jurídica, evitando arbitrariedades ou interpre

tações individuais distorcidas. Em síntese, pode-se dizer que o debate doutri

nário prévio delimita também as interpretações, evitando que estas sejam

injustas na aplicação da norma.

 Na concepção que aqui se defende, o sistema da teoria geral do delito

deve ser aberto. Deve estar apto a receber todo o tipo de contribuição e

influência, em especial das orientações dadas pela política criminal e volta

das às suas conseqüências. Também recepciona as contribuições das ciênciasnão-penais, propiciando a busca de uma intensa racionalização do Direito

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32 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  Pe n a l

Penal tão profundamente irracional em suas origens históricas25, em prol da

consecução da decisão correta.

A conseqüência de se adotar o sistema aberto para a teoria do delito é

que o Direito Penal não tem impedido o seu desenvolvimento e a sua aproximação com a realidade social, privilegiando a sua dinâmica, facilitando o pro

gresso social e as relações de poder. Importante frisar que o conceito de delito,

visto à luz de suas conseqüências, igualmente é receptivo à evolução e ao desenvolvimento social, tomando-se, como exemplo, os novos conceitos surgidos

a partir da sociedade moderna, como v.g., o risco permitido.

O sistema aberto está sempre apto a receber contribuições não-penais, e

neste aspecto os pensamentos filosófico e sociológico sempre se destacaram aolongo do desenvolvimento histórico das ciências penais. De outro lado, parte

da doutrina tenta superar essa influência propugnando unicamente pela cons

trução de conceitos normativos puros, fundamentando-os unicamente desdea parte geral do Direito Penal.

A partir desse posicionamento é que se diz que muitos conceitos do Direi

to Penal foram redesenhados, adequando-se a este novo modelo e, inegavelmen

te, a partir dos resultados obtidos dos estudos dogmáticos, e orienta-se o legislador

 penal ao realizar as reformas da legislação penal, visando manter o Direito Penal

 próximo da realidade, outorgando-lhe, assim, legitimidade e aplicabilidade.

De qualquer forma, para ser delito é necessário que uma conduta huma

na infrinja o Direito positivo (princípio da legalidade), por meio da realização

do cometimento de uma conduta descrita na norma, devendo estar em conso

nância com os princípios constitucionais e suas derivações, guardando resso

nância com o bem jurídico tutelado (princípio da proporcionalidade), quando

então esta conduta será contrária ao ordenamento jurídico, isto é, antijurídica.

Mas não é só, para uma das modernas correntes exige-se que o agente seja

responsável por sua conduta desde que tenha capacidade para ser motivado pela

norma, isto é, capacidade psíquica para compreender a mensagem da norma de

determinação (norma de conduta) e possibilidade de assim atuar como conse

qüência. O conceito de delito também recai sobre o juízo de desvalor sobre o

fato - antijuridicidade e juízo de desvalor sobre o autor do fato - culpabilidade.

25 TIEDEMANN, Klaus. Estado actual y tendencias de Ia ciência juridico-penal y de Ia criminologia en Ia Republica Federal Alemana. CPC, nQ14, p. 269.

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F áb i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 33

Pelo conceito inicial de tipicidade, o legislador seleciona, entre todas as

condutas antijurídicas possíveis, as que mais gravemente atentam contra os

 bens jurídicos mais importantes e as sanciona com uma pena ou medida de

segurança. Estes bens objeto de proteção deverão estar de acordo com a concepção metodológica escolhida, isto é, serão desde bens jurídicos explicitados

 pela Constituição Federal, como a vida, o patrimônio etc., até se constituir na

 proteção da própria norma, como instituto apto a proteger a expectativa dos

cidadãos, como apregoa os funcionalistas sistêmico-normativistas.

De uma maneira geral, há consenso em se afirmar que a construção da

teoria do delito se apóia no fato proibido e na possibilidade de ser atribuído

ao seu autor, e tradicionalmente chamamos de culpabilidade. Em obediência

à ordem lógica, a imputação objetiva do fato ou da infração do dever objetivode cuidado ao sujeito só pode se verificar após comprovada a ocorrência de um

fato antijurídico, já se podendo, desde logo, concluir que não há culpabilida

de sem a existência de um fato antijurídico que se possa objetivamente impu

tar ao seu autor. Da afirmativa da preexistência de um fato antijurídico,

imputação idônea é a jurídica, descartando o Direito Penal moderno imputa-

ções morais que acarretam o reconhecimento da culpabilidade moral, própria

de uma época que não se quer reviver.

Contudo, para a imposição de uma pena, vista como a maior inter

venção do Estado num dos mais importantes atributos humanos, a liber

dade, e também como principal conseqüência jurídico-penal do delito,

não é suficiente para a sua imposição apenas a realização de um fato típico

e antijurídico, em razão de que esta imposição de pena não é automática.

 Não obstante, existem situações em que o autor de um fato típico e anti

 jurídico tem afastada a sua responsabilidade penal, demonstrando que,

 junto à tipicidade e à antijuridicidade, separadas ou fundidas, deve se daruma outra categoria na teoria geral do delito, cuja presença é necessária

 para impor uma pena (a responsabilidade), cuja missão consiste em aco

lher elementos não pertencentes ao tipo de injusto, mas que determinam

a imposição de uma pena26.

26 A referência feita deve-se à possibilidade de o conceito de delito ser bipartido (injusto e 

responsabilidade ou para outros apenas culpabilidade) ou tripartido (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), sendo certo que a culpabilidade será sempre o último elemento. A favor da concepção tripartida, v.g. MU NOZ CONDE, Francisco. Teoria general del delito,  p. 118.

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34 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  Pe n a l

Como bem expõe Juarez Tavares, ao abordar o tema dogmática jurídica,

a questão reside em estipular os métodos ou critérios que devem ser utilizados

 para encontrar os direitos que todas as pessoas têm e, assim, fundamentar uma

decisão correta e verdadeira27.

“Uma decisão será correta e verdadeira quando possa ser justificada 

pela melhor teoria jurídica, na qual os chamados princípios jurídicos 

desempenham papel significativo. A melhor teoria jurídica será aquela 

que abarque esses princípios e as ponderações desses princípios e que 

se encontrem justificados pela Constituição, pelas normas jurídicas e 

pelos precedentes judiciais.”28

A partir destas considerações de âmbito geral, a doutrina passa a desenvolver algumas combinações conceituais, guardando entre si imediata corres

 pondência com o modelo adotado, mas, de qualquer maneira, pode-se dizer

que hoje não se discute mais a importância da dogmática penal no âmbito da

aplicação do moderno Direito Penal, sendo tranqüila a compreensão de sua

relevância fundamental, além de ser verificado um constante aperfeiçoamento

na teoria do delito.

Embora acreditemos na relevância da dogmática para o desenvolvimento

do Direito Penal, não se pode olvidar a crítica existente de que a dogmáticanão tem futuro em face das impropriedades de seus conceitos, das dúvidas

que oferece seja no campo teórico ou no prático, tomando-se aqui como exemplo

a liberdade como conteúdo material do conceito de culpabilidade, razão pela

qual a mesma, no futuro, perderia importância para o pragmatismo penal

formulado pelas estruturas do commom law.

Pode-se afirmar que a dogmática jurídico-penal tem futuro garantido

entre nós, pois, apenas com a elaboração de um sistema dogmático jurídico-

 penal que privilegie o ser-humano, pode-se obter a garantia da liberdade do

indivíduo frente ao Estado sancionador, função essencial e insubstituível que

 permite conseqüentemente garantir as possibilidades de segurança e certezada justiça penal.

27 Teoria do injusto penal,  p. 55.

28 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal,  p. 55.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 35

C a p í t u l o   2

O SURGIMENTO DA CULPABILIDADE

Tendo como objetivo desenvolver a culpabilidade e precisar a sua funçãono Direito Penal contemporâneo, entende-se relevante buscar as suas origens.Para tanto, buscar-se-ão as contribuições havidas nas antigas Grécia e Roma,

no Direito germânico e, por fim, no Direito canônico.

2 .1 A CULPABILIDADE NA ANTIGA GRÉCIA

Afirma-se que “as instituições jurídicas dos gregos careceram de solidez eclaridade que tiveram as romanas, mesmo sabendo-se que as doutrinas filosóficas

dos povos do mundo são reflexo da filosofia grega”29. Embora bem delimitadosfossem o Direito público e o privado, havendo diversidade entre ilícitos, eram osilícitos penais perpetrados contra particulares mais brandamente apenados.

Visto sob um pronunciado caráter comunista, a partir da organizaçãodas primitivas Repúblicas gregas, nota-se, no que se refere ao Direito Penal, odesprezo à personalidade30.

Embora a evolução política do povo grego seja de reconhecimento explí

cito, os mesmos conceberam unicamente a responsabilidade objetiva. O delitofirmava-se unicamente com base na violação da norma objetivamente apontada, sem levar em consideração a intenção do agente que a quebrava31.

Desta constatação, pode-se afirmar que a culpabilidade não existia porque toda culpa era um delito. Assim, era passível da mesma punição o agente

que cometia um delito intencional ou não-intencional.

2 .2 A CULPABILIDADE NA ANTIGA ROMA

 Nos primórdios do sistema de Direito Penal romano, o conceito de delito derivava do caráter moral da natureza humana: Assim, o sistema penal nãoera senão a lei moral convertida na lei política. Neste momento, também o

fato era o fundamento da pena. Portanto, também aqui há o predomínio do princípio objetivo, assinalando-se como fim da pena ora a exemplaridade, oraa intimidação como conseqüência do exemplo, ou a prevenção32.

29 MUNOZ MARTÍNEZ, Nancy Yanira. Teoria alemana de Ia culpabilidade,  p. 1.30 VALDÉS RUBIO. Op. cit., p. 16.31 MUNOZ MARTÍNEZ. Op. cit., p. 2.32 VALDÉS RUBIO. Op. cit., p. 19.

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36 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  Pe n a l

 No período republicano, as leis penais tiveram por base a vontade antiju-

rídica, a qual pressupunha que o fato que ia acontecer era contrário à lei, razão

 pela qual o erro de fato sobre este aspecto excluía a imputabilidade33.

Disto decorre que, sem a vontade antijurídica, não se compreendia odelito e a pena, ressaltando que o conceito de dolo e culpa não pertenciam à

legislação, senão à interpretação das leis.

O princípio subjetivo está indicado nos escritos dos filósofos e juriscon-

sultos, que se traduz em preceitos legais e em fatos, a ponto de Arcadio e

Honorio manifestarem-se que só pode haver castigo onde a falta existe34.

 Nesse ambiente, o conceito de responsabilidade sofre evolução, estabele-

cendo-se a distinção entre o dano produzido intencionalmente e o ocasionado por desatenção ou descuido. Outra questão que aponta Martinéz é a que

deriva do caráter fundamentalmente ético do Direito Penal romano. Isto é, para que a lei penal fosse aplicada, prescindia-se que o agente tivesse conheci

mento da mesma, abrindo-se oportunidade para a realização de presunções

 jurídicas de conhecimento da lei, posto que o hõmem que vive em sociedade

estava obrigado a conhecer as leis do Estado e, portanto, qualquer violação emque incorresse pressupunha-se o conhecimento de sua ilicitude.

2 .3 A CULPABILIDADE NO DlREITO CANÔNICO

Desde os povos do oriente na idade antiga via-se uma grande confusão

metodológica caracterizada pelos conflitos entre a religião e o Direito, a igreja

e o Estado, o sacerdote e o juiz, enfim, entre o livro dogmático e litúrgico e o

código político e jurídico, que não são comumente mais que diversas partes

dos mesmos códigos religiosos.

 Neste caráter teocrático predominante, está inspirado o Direito Penalcanônico, e a pena serve à expiação para o desagravo do mandamento divino.

Diz-se que a falta cometida pelo agente a título canônico chama-se peca

do, podendo ser trazida a conceitos jurídicos como sendo a falta querida e im-

 putável ao agente. O fundamento anteriormente lógico da idéia de falta é a

vontade. Partindo dessas bases, compreende-se que o pensamento canônico atende

mais ao fato externo em si mesmo do que à causa; isto é, pode-se verificar que da

33 MUNOZ MARTINÉZ. Op. cit., p. 3.

34 VALDÉS RUBIO. Op. cit , p. 19.

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idéia fundada unicamente na produção de um resultado, traslada-se à concepção para uma vertente intencional e moral, tanto é que nas concepções anteriores

tratava-se de reparar o dano, enquanto aqui se destaca a alma de quem o come

teu, que haverá de ser saneada e purificada em virtude da expiação e da pena.Portanto, percebe-se que a noção de responsabilidade foi se estendendo, es-

 piritualizando-se a idéia de delito, nitidamente desprovida de caráter científico35.

A concepção da falta querida pelo agente dá nascimento a toda uma pro

 blemática que haverá de se estender por diversas teorias e ciências, notadamente

a culpabilidade, portanto de natureza penal, de concepção religiosa e filosófica

que é o livre arbítrio. Isto, ainda que em oposição a dogmas cristãos como a

elevação divina e a predestinação, discutindo-se a partir de então até nossos dias

se há verdadeiramente atos de vontade, livre-arbítrio, a capacidade do homem

de reger a si próprio, enfim, se pode afirmar, desde logo que a idéia de responsa

 bilidade vai se firmar no Direito Penal e com ela o ponto de vista subjetivo36.

Embora esta culpabilidade estivesse toda alicerçada na falta moral, tinha

o fato que ser provado, sendo fortemente estimuladas as confissões.

2 .4 C u l p a  m o r a l  e c u l p a   j u r íd ic a

E pacífico o entendimento de que alguns credos apontam aos seus fiéis ocomportamento adequado aos seus padrões religiosos, submetendo os trans

gressores deste a julgamento ainda que simbólico, consistente na atualidade

em meras reprovações.

Em face da influência da religião nas relações sociais, é fácil notar que

muitos comportamentos éticos ou morais têm suas reminiscências históricas na

religião. Contudo, a partir do desenrolar das relações sociais, é tambéríi verdade

que o Direito buscou caminhos próprios para a regulação dos conflitos sociais,

afastando-se dos imperativos genuinamente morais. Em demonstração desta

nova condição, a doutrina tratou de se preocupar em distinguir o conteúdo

 jurídico do conteúdo moral, revestindo-se da distinção entre culpabilidade jurí

dica e culpabilidade moral, dando causa ao surgimento dessas conseqüências.

“Ia Para impor-se uma sanção, baseada na culpabilidade jurídica, não é 

necessário que o sujeito se considere culpável. Tampouco será culpável

F á b i o  G u ed e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 37

35 MUNOZ MARTINÉZ. Op. cit., p. 7.36 SALEILLES, R. La individualización de Ia pena,  p. 73.

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Fáb io Guedes de Pa u l a M ach ad o - 41 

C a p í t u l o   3

D es en v o l v im en t o   e p i s t e m o l ó g i c o   d a   c u l p a b i l i d a d e

A partir da ascensão do Direito Penal liberal de Cesare Beccaria e, principalmente, após o início do desenvolvimento da dogmática jurídico-penal45,

diversas concepções teóricas desenvolveram-se com o intuito de declarar o

fundamento da culpabilidade.

 Na realidade, essas teorias não surgiram espontaneamente, mas sim den

tro do seio de cada um dos momentos epistemológicos do Direito Penal, como

os postulados da teoria clássica, do positivismo naturalista, social, jurídico e

neokantista, reconhecidos a partir do sistema causai, do finalismo, do funcionalismo teleológico e suas vertentes, como a política criminal de Claus Roxin,

e o normativismo puro de Günther Jakobs, em manifesta obediência à meto

dologia penal, hoje vulnerada, em grande parte, pela ausência de coerência e

fidelidade metodológica da doutrina e pelo excesso legiferante penal do Esta

do, em satisfação e cumprimento de preceitos de um Direito Penal simbólico.

Do exposto, extraem-se duas tendências: A menor, denominada de cri-

minológica, que se ocupa do delito como fenômeno social e biopsicológico,

servindo-se em sua investigação, de métodos sociológicos ou antropológicossegundo o caráter social ou individual de seu enfoque, ou até mesmo de am

 bos. Esta vertente esteve presente no positivismo criminológico italiano de

Lombroso, Ferri e Garófalo, entre outros. A segunda tendência, jurídico-dog-

mática, estuda o delito como um fenômeno jurídico regulado e previsto por

normas jurídicas, exigindo interpretação e aplicação, podendo-se empregar

um método técnico-jurídico ou dogmático, que serve para interpretar e siste

matizar as normas jurídicas que se referem ao delito e às suas conseqüências46,

Esta tendência foi a que predominou na Alemanha, e se estendeu pela Euro

 pa, América do Sul e, mais recentemente, Ásia, até os dias atuais.

45 Sobre o tema ver: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA. Antonio, Derecho penal Introduccion,  p. 414-570; MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Metodologia y ciênc ia penal,  p. 11-307; SAINZ CANTERO, José A. La ciência del derecho penal y su evolucíon,  p. 45-110; SERRANO MAÍLLO, Alfonso. Ensayo sobre e l derecho penal como ciência, p. 142-220; BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Introducción a l derecho penal, p. 93-208; MIR PUIG, Santiago. Introduccion a Ias bases del derecho penal,  p. 151-274; SCHÜNEMANN, Bernd. Introduccion al razonamiento sistemático en derecho penal. El sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p.31-80; e SILVA SÁNCHEZ, Jésus-María. Aproximación al derecho penal contemporâneo, p. 43-178, e Consideraciones sobre Ia teoria del delito,  p. 13-30.

46 MUNOZ CONDE, Francisco. Introduccion a! derecho penal,  p. 101.

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38 - C u l pa b il id a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

se não infringir uma norma penal ou, ainda que infrinja, esteja 

acobertado por uma excludente da antijuridicidade, por mais que se 

sinta culpado.

2a Não é necessário que o sujeito receptor da norma considere esta moralmente obrigatória. Basta que a conheça e possa atuar conforme a 

conduta exigida.”37

2 .5 A c u l p a b i l i d a d e n o  D ir eit o  G e r m â n i c o

Os germânicos da idade média foram identificados pela antítese dos povos

orientais e da época clássica, existindo entre eles a idéia da composição ou paga (Wergeld), não como sanção ao Direito Público que se ofendeu, mas sim

como reparação ao dano ocasionado38.

Percebe-se, então, que a função punitiva nesses povos passa do Estado

 para os indivíduos. Disso decorre que

“os germânicos consideravam o delito como uma ação pertubadora da 

paz. Ao delinqüente lhe impunham como pena a perda da paz, ou seja, a perda do direito que tinha a que os demais lhe respeitassem.

Como conseqüência desta perda, qualquer indivíduo estava autoriza

do a castigar os delinqüentes, porém se viam obrigados a verificar a pessoa ofendida e a família desta.”39

Também neste sistema, o relevante para o Direito Penal era o fato, isto é,

a responsabilidade pelo resultado baseado na causalidade cega, pouco impor

tando o aspecto volitivo. Por conseqüência, a gradação punitiva dependia exclusivamente do resultado do ato, bem como as circunstâncias externas do

fato decidem sobre a natureza do delito. Por fim, em face dos constantes

transtornos por que se via passar o povo germânico, pelas vinganças privadasque ocorriam entre as famílias, e que, inclusive, debilitava a união do povo

germânico, foram as Jc sangue limitadas, instituindo-se a composição, em virtude da qual o ofensor podia comprar o perdão ou a paz da vítima,

entregando-lhe rêses ou alguma outra coisa em seu lugar40.

37 CUESTA AGUADO , Paz M. de Ia. El concepto material de culpabilidad. Disponível na internet

em <http:!!inicia.esldelpazenred>38 VALDÉS RUBIO. Op. cit., p.23.

39 Idem, op. cit., p. 23.

40 Idem, op. cit., p. 23.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 39

 No término do século XV, percebe-se a influência de dispositivos de

caráter subjetivista, de forma que apenas os delitos típicos intencionais pode

riam ser reputados ao agente, disso decorre o desaparecimento da responsabi

lidade impessoal. Neste período, o senhor feudal respondia pelos atos praticados pelo seu servo, como também são ampliados os fatos por caso fortuito e negli

gente, até então não desenvolvidos suficientemente.

Como conseqüência do domínio romano e da divulgação do seu Direito,especialmente ao longo da Europa, era comum referir-se à culpabilidade antiga

 pelo termo “imputatio juris”, trazendo junto a si os esquemas de “dolus” e “culpa”41.

Ao final do século XVIII, a ciência penal começou a ser exposta no idiomaalemão, transformando o termo “imputatio juris” em “Zurechnung” (imputa

ção) e também em “Zurechnung zur Schuld” (imputação à culpabilidade)42.

Esta modificação deu ensejo ao surgimento de diversas expressões representa

tivas desta imputação, como “subjektive Gründe der Strafbarkeit” (causas subjetivas da punibilidade), ou “verbrecherische Willensbestimmung” (determinação devontade delituosa), ou, como afirma Achenbach, utilizava-se mais freqüentemente

o termo “Imputabilitat” ou “Zurechenbarkeit,” para se referir à imputabilidade43.

Ainda na seqüência evolutiva do vocábulo, apenas no transcurso do século

XIX, mais precisamente a partir dos anos 40, é que o termo “Schuld” (culpabilidade), hoje de conhecimento amplo dos estudiosos do Direito Penal, se impôs

gradualmente para designar o tipo de imputação44, obtendo importância não

 pelos estudos realizados até então, mas por sua colocação como elemento do

delito por meio da expressão “SchuldbegrifF” (conceito de culpabilidade), emespecial na concepção exposta por Karl Binding em sua obra “Die Normen und

ihre Übertretung” e, posteriormente, por Franz von Lizst.

Desde então, o vocábulo se mantém na dogmática alemã, alterando-se sua

concepção e estrutura conforme o posicionamento doutrinário manuseado.

41 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolezza diReinhard Frank, RIDPP,  1981, p. 839-840.

42 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolezza diReinhard Frank, RIDPP,  1981, p. 840.

43 Idem, op. cit., p. 840.44 KLEIN, Grundsãtze des gemeinen deutschen peinlichen Rechts,  p. 9; BAUER, Lehrbuch des

deutschen Strafrechts;  KÕSTLIN, Neu Revision der Grundbegriffe des Crimina!rechts,  p. 51,

131; KRUG, Über dolus und culpa und insbesondere über den Begriff der unbestimmten Absicht, apud Achenbach, Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolezza di Reinhard Frank, RIDPP,  1981, p. 839-841.

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C a p í t u l o   3

D es en v o l v i m en t o   e p i s t e m o l ó g i c o   d a   c u l p a b i l i d a d e

A partir da ascensão do Direito Penal liberal de Cesare Beccaria e, principalmente, após o início do desenvolvimento da dogmática jurídico-penal45,

diversas concepções teóricas desenvolveram-se com o intuito de declarar o

fundamento da culpabilidade.

 Na realidade, essas teorias não surgiram espontaneamente, mas sim den

tro do seio de cada um dos momentos epistemológicos do Direito Penal, como

os postulados da teoria clássica, do positivismo naturalista, social, jurídico e

neokantista, reconhecidos a partir do sistema causai, do finalismo, do funcio

nalismo teleológico e suas vertentes, como a política criminal de Claus Roxin,

e o normativismo puro de Günther Jakobs, em manifesta obediência à meto

dologia penal, hoje vulnerada, em grande parte, pela ausência de coerência e

fidelidade metodológica da doutrina e pelo excesso legiferante penal do Esta

do, em satisfação e cumprimento de preceitos de um Direito Penal simbólico.

Do exposto, extraem-se duas tendências: A menor, denominada de cri-

minológica, que se ocupa do delito como fenômeno social e biopsicológico,

servindo-se em sua investigação, de métodos sociológicos ou antropológicossegundo o caráter social ou individual de seu enfoque, ou até mesmo de am

 bos. Esta vertente esteve presente no positivismo criminológico italiano de

Lombroso, Ferri e Garófalo, entre outros. A segunda tendência, jurídico-dog-

mática, estuda o delito como um fenômeno jurídico regulado e previsto por

normas jurídicas, exigindo interpretação e aplicação, podendo-se empregar

um método técnico-jurídico ou dogmático, que serve para interpretar e siste

matizar as normas jurídicas que se referem ao delito e às suas conseqüências46,

Esta tendência foi a que predominou na Alemanha, e se estendeu pela Euro pa, América do Sul e, mais recentemente, Ásia, até os dias atuais.

45 Sobre o tema ver: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA. Antonio, Derecho penal Introduccion, p. 414-570; MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Metodologia y ciência penal,  p. 11-307; SAINZ CANTERO, José A. La ciência del derecho penal y su evolucíon,  p. 45-110; SERRANO MAÍLLO, Alfonso. Ensayo sobre e l derecho penal como ciência, p. 142-220; BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Introducción al derecho penal, p. 93-208; MIR PUIG, Santiago. Introduccion a Ias bases del derecho penal,  p. 151-274; SCHÜNEMANN, Bernd. Introduccion al razonamiento siste

mático en derecho penal. El sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p.31-80; e SILVA SÁNCHEZ, Jésus-Maria. Aproximación a! derecho penal contemporâneo, p. 43-178, e Consideraciones sobre Ia teoria del delito,  p. 13-30.

46 MUNOZ CONDE, Francisco. Introduccion al derecho penal,  p. 101.

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4 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Fruto do amadurecimento doutrinário e do aprofundamento dogmático,

diversos institutos foram delineados a partir do sujeito, como a imputabilidade,

o dolo, a culpa, a exigibilidade de conduta conforme o direito, o juízo de repro

vação, a ação finalista, as causas excludentes de culpabilidade e, por fim, maismodernamente, a prevenção geral como fim a ser alcançado pelo Direito Penal.

3.1 O pos i t i v i smo natura l i s ta

Assentado o Estado liberal de Direito ao longo do século XIX, tornou-se

necessária a consecução de uma teoria própria, o positivismo. Esta teoria pode

ser compreendida sob dois enfoques, um de caráter normativo e outro de

caráter natural e social.

Sob o caráter normativo, de plano rompeu com o Direito natural, sobre-

 pondo-se o nome de Karl Binding, que defendia que o estudo do jurista só deve

recair sobre a norma jurídica, isto é, apenas sobre o Direito positivo. Esta con

cepção entendia o jus puniendi como surgido de uma desobediência às normas

do Estado, sendo, portanto, apenas uma expressão do Direito objetivo.

Assiste-se de plena razão a crítica formulada por Bustos Ramírez, quando

afirma que esta dogmática positivista não se preocupava com o jus puniendi, 

 pois o mesmo advinha do Direito objetivo, por meio da sistematização das

normas jurídicas47.

Outro aspecto do positivismo é o seu caráter natural e sociológico surgi

do diante da crise do Estado liberal, em razão das graves disfimções do siste

ma, tornando necessário que o Estado intervenha no desenvolvimento social.

 Neste sentido, em oposição ao fundamento utilizado pelos defensores do

normativismo, os doutrinadores sociológicos sustentavam que a defesa social

legitima a intervenção do Estado junto ao indivíduo. Pela própria denominação,

os adeptos desta teoria sustentam que o fundamento do jus puniendi deixa de ser

o plano jurídico e se transfere ao nível sociológico. Anos após, na França, e com

a mesma concepção, Marc Ancel propõe a teoria da Nova Defesa Social.

Para esses positivistas, o bem jurídico, que é o interesse juridicamente

 protegido, e que surge das relações da vida, era o fundamento do sistema e da

 pena. Vê-se dessa forma que o positivismo sustentado por von Liszt, embora

47 Introducción al derecho penal,  p. 118-119.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 4 3

naturalista, era diferente daquele sustentado por Binding, em que o bem ju

rídico era imanente da norma, desprendido do mundo social.

Reconhecido seu surgimento por meio do sistema Liszt-Beling, o natu-

ralismo-normativista alemão verificava a tentativa de reproduzir no sistemade Direito Penal os elementos naturais do delito por meio do positivismo

legal, afastando as concepções metafísicas atribuídas à Escola Clássica. Nesse

sentido, a ação era naturalística, a tipicidade estritamente formal, a antijuridi-

cidade era apenas a lesão ao Direito e o bem jurídico tinha caráter natural-

social, já a culpabilidade era psicológica.

 Nessa linha de pensamento, a tipicidade consistia na descrição objetiva e

formal do fato com resultado externo, sem carga valorativa, realizado pelo legisla

dor no tipo, constituindo-se em indício de antijuridicidade, enquanto que a parte

interna do fato ou os processos que têm lugar na alma do autor encontram seu

reflexo na culpabilidade, concebida como uma relação psicológica do autor com o

fato e com a antijuridicidade. E nesta concepção, a propósito, que se realizava a

valoração jurídica do ato de forma objetiva. Para von Liszt, a antijuridicidade é a

reprovação jurídica que recai sobre o fato por ser contrário ao Direito, e a culpabi

lidade, que é a psicológica, consiste na relação subjetiva entre o autor e o ato.

Visto o predomínio das forças da natureza, o dogma causai se centralizouna questão do autor ter causado a lesão ao bem jurídico mediante uma conduta

corporal voluntária no sentido da fórmula da conditio sine qua non, sem se esque

cer que foi Luden o pioneiro no desenvolvimento do conceito causai de ação.

Diante das considerações de que a ação era naturalística, isto é, a exteriori

zação de movimentos corpóreos, causadora de uma modificação no mundo ex

terior, portanto resultado naturalístico, impunha-se ao agente que assim tivesse

agido uma pena. Neste conceito de ação, aparecem os elementos causa, resultado

e relação de causalidade. Destarte, tenta-se aplicar ao Direito Penal os métodos

científico-naturais e refletir no delito os elementos naturais do fato.

Por sua vez, o positivismo de Binding afirmava que não havia nada

anterior ao Direito legislado, sendo este denominado de positivismo legal,

excluindo do Direito Penal valorações filosóficas, sociológicas, psicológicas.

Enfim, rechaçava como objeto de estudo as questões transcendentais e abs

tratas, centrando-se na contemplação e estudo dos fatos.

 No âmbito da ciência jurídica, foi na concepção positivista naturalistaque von Buri e von Bar desenvolveram a teoria da causalidade, vindo a se

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4 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  Pe n a l

tornar conhecida como teoria da conditio sine qua non. Ainda acerca da causa

lidade, há de se destacar o pioneirismo teórico de John Stuart Mill48.

Pela teoria da equivalência das condições, da lavra de Julius Glaser, ex posta na obra “Abhandlungen aus dem õsterreichischen Strafrecht”, publica

da em Viena em 1858 e aprimorada na Alemanha pelo magistrado do Tribunal

Supremo do Reich, Maximilian von Buri, na obra “Uber Kausalitát un deren

Verantwortung”, em 1873, desenvolve-se a teoria das condições, entendendoque todas as condições sem as quais não se teria produzido o resultado são

causas. Logo, uma ação é causa do resultado, se suprimida mentalmente sua

realização, o resultado não se teria produzido.

Descarrega von Buri todo o conteúdo subjetivo da ação, dolo e culpa naculpabilidade, em razão de que estes não produzem nenhuma modificação nos

fatos, permanecendo as forças corporais e movimentos no aspecto objetivo.

Diferentes são os postulados de von Bar, alertando que "deve ser afirma

da uma relação causai em sentido jurídico quando o curso causai entre o com

 portamento corporal e o resultado seja provável, e sobre a probabilidade deveriam

decidir os conhecimentos empíricos do autor, isto é, introduz o conhecimento

individual do autor na análise do nexo causai”49.Vale, a propósito, ressaltar que a causalidade de von Buri só era limitada na

culpabilidade mediante a presença do dolo ou da culpa. Assim, os pais do assassi

no teriam realizado ação típica e antijurídica, mas teriam agido sem culpabilidade.

Rapidamente a teoria da equivalência dos antecedentes causais obteve

grande repercussão e aceitação. Entretanto, a grande crítica que recaía sobre a

mesma era a da extensão do seu conceito de causa ainda que, ao longo dos

anos, novos posicionamentos tentaram corrigir esta extensão como, por exem

 plo, a teoria da proibição do regresso, da lavra de Hans Frank, entre outros50.

Em suma, este período foi marcado pela absorção do pensamento natura-

lístico no Direito Penal, desenvolvendo todos os seus elementos, notoriamente

aqueles integrantes da teoria do delito para as leis da natureza, entre elas a da“causa e efeito”, recepcionadas pelo homem e postas à vigência por meio da lei.

48 Conforme Juarez Tavares, A teoria do injusto,  p. 274.

49 Apud KÕSTER, Mariana Sacher. La evolución del tipo subjetivo, p. 63.50 VALLEJO, Manuel Jaén no prólogo da obra de FRISCH, Wolfgang. Tipo pena! e imputación

objetiva,  p. 10.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 4 5

3.1.1 Co nce pção psicológ ica da culpabil idade

A culpabilidade como elemento analítico da estrutura de delito é fruto

do desenvolvimento dogmático, devendo-se a Karl Binding a sua elaboração eseu aperfeiçoamento por von Liszt51, embora o tema já houvesse sido tratado

anteriormente pela forma “imputatio juris”.

Em sentido contrário, sustenta Hans Achenbach, que a communis opinio na

Alemanha era a da caracterização da culpabililidade nos postulados metajurídicos,

sendo assim até o surgimento da obra de Frank52. Neste ambiente, para melhor

compreensão do fenômeno do delito e de sua teoria, é o mesmo dividido em duas

 partes: externa do fato que se identificou como o objeto da antijuridicidade, e a

interna, que se atribuiu à culpabilidade, representando os elementos subjetivos dodelito, isto ante a percepção dos sentidos, tendo em comum a idéia da causalidade.

Para a chamada parte externa, o injusto se define a partir do conceito de

causalidade como causação de um estado lesivo. Já a culpabilidade se concebe

como uma relação de causalidade psíquica, a ser entendida como o nexo que

explica o resultado como produto da mente do sujeito, ou como o nexo psí

quico entre o autor e seu fato (resultado)53.

Como bem assevera Juarez Tavares quanto a essa concepção, “o delito évisto, portanto, como uma conduta objetiva, cujos elementos se configuram

na realidade fenomênica e são retratados de fora. A participação da pessoa do

agente só é utilizada, nesse caso, como objeto de imputação”54.

O dolo e a culpa são concebidos como formas de culpabilidade ou, em

outras palavras, reveste-se a culpabilidade pela vontade de realizar um fato

 proibido pela lei penal, sendo o dolo e a culpa apenas duas atitudes diversas da

vontade individual em relação à vontade da lei, figurando o dolo como essên

cia da culpabilidade e a culpa uma espécie deste, sendo visualizada como

51 Tratado de direito penal,  p. 249.52 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione deliacolpevolezza di

Reinhard Frank. RIDPP,  1981, p. 845.

53 No mesmo sentido, sustentava Silvio Ranieri, desde o âmbito subjetivo, que a culpabilidadepode ser considerada como a manifestação do caráter do réu em relação a um determinado crime. Já no âmbito objetivo, a culpabilidade é compreendida como a reflexão no crime das condições 

psicológicas, permanentes ou temporárias do réu. Colpevolezza e personalità del reo, p. 119. Do mesmo autor, Manuale di diritto penale, p. 285. Também destacando a personalidade do réu como juízo da culpabilidade, Alfredo de Marsico, Diritto penale parte generale,  p. 170.

54 Culpabilidade: a incongruência dos métodos. RBCC,  ne 24, p. 145.

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4 6 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  Pe n a l

“uma conexão psíquica imperfeita com o fato”55, cujo elemento característico

seria a vontade. Assim, nota-se que dolo e culpa fariam parte do mesmo con

ceito, ou ainda, nas palavras de Lõefler, a culpabilidade é “o conjunto das

relações penalmente relevantes entre o mundo interno de um homem e oresultado danoso de seus atos”56.

São, portanto, o dolo e a culpa as duas formas possíveis da conexão psí

quica entre o autor e seu fato, e seu pressuposto é a imputabilidade.

Assim, se o sujeito tinha atuado com consciência e vontade na produção

do resultado delitivo se dava o dolo. Quanto à culpa, esta existia quando o

sujeito tinha previsto ou tinha podido prever a possibilidade da produção do

resultado57. Vale explicar que a culpabilidade era o conceito gênero, dolo eimprudência eram os conceitos específicos58.

Pelo exposto, pode-se verificar que o delito é fruto da íntima relação de

causalidade com a vontade individual do agente, não havendo diferença entre

a vontade e o conteúdo do fato ilícito ou, como afirmou Mezger ao se referir

a esta concepção de culpabilidade como “relações psicológicas entre o mundo

interior do autor e as particularidades de sua ação”59.

Destarte, a essência desta concepção é meramente formal, pois basta quesuija a relação de identidade entre a vontade e o fato ilícito para que nasça aculpabilidade do autor. Este conceito de culpabilidade permitia fazer abstração

do problema do livre-arbítrio ante ao auge da concepção determinista do ser

humano por influência do positivismo e da teoria evolucionista de Darwin60.

Adentrando mais intimamente à culpabilidade após as considerações

gerais, e diferentemente do que se imagina, afirma Achenbach que a teoria

dominante da culpabilidade no século XIX não era a psicológica, defendida por von Liszt e discípulos, havendo, pois, duas correntes sobre o tema61.

55 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal —parte general,  p. 532.

56 LÕEFLER. Die Schuldformen des Strafrechts. p. 5, apud Edmund Mezger, La culpabilidad en el moderno derecho penal, p. 9.

57 CEREZO MIR, José. Derecho Pena! parte general,  p. 17.58 BINDING, Karl. Grundriss derSchu ld des deutschen Strafrechts, § 46, e Max Ernest Mayer, Die 

Schuldhafte Handlung und ihre Arten in Strafrecht  p. 122.

59 Op. cit., p. 10.60 CEREZO MIR, J. Derecho penal - parte general,  p. 17.

61 H is t o r is c h e p. 56.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 47

A primeira, denominada de teoria naturalista da culpabilidade, influen

ciada pelo positivismo científico, iniciada por Von Buri e terminada na teoria

 psicológica de Radbruch, reduz a culpabilidade a elementos psicológico-des-

critivos, de maneira que o juiz pudesse constatá-la de forma geral e objetiva62.

A segunda corrente, denominada a partir de uma imputação de juízo,

foi desenvolvida por Merkel63, afirmando que “sempre que imputamos a al

guém um fato, seja em sentido moral, seja em sentido jurídico, esta imputaçãoleva consigo um juízo duplo, a saber: a) juízo causai, donde podemos atribuir

o fato à vontade do agente; e b) juízo distributivo, que tem por objeto por em

conta o autor do fato, e em virtude da conexão causai que entre ambos existe,

a significação do próprio fato, seu valor positivo ou negativo, com o fim de

apreciá-lo para o futuro como serviço ou como dívida”64.Ainda, afirmava que a “imputação dos fatos apresentados a nós como

reprováveis e atentatórios a ordem desde o ponto de vista moral e jurídico,

contém um juízo no tocante à culpabilidade, pois esta é o agir ou não agir

antijurídico de uma pessoa que, segundo os critérios correntes, a constituicomo tal em dívida”65. Da lição, decorre que a culpabilidade se une à imposi

ção de pena, de maneira que a medida desta dependa das condições sob as

quais possa a pena cumprir seu fim da forma menos gravosa possível, em

respeito aos interesses da sociedade66.

3.1.1.1 A teo ria de von Liszt

Defensor da concepção psicológica da culpabilidade em atenção ao mé

todo científico-natural, Franz von Liszt lhe dá uma nova matiz, pois funda

menta sua teoria da culpabilidade a partir da responsabilidade

(Verantwortlichkeit) pela ação ilícita cometida; isto é, “não basta que o resul

tado possa ser objetivamente referido ao ato de vontade do agente, é também

necessário que se encontre na culpa a ligação subjetiva”67.

62 PÉREZ MANZANO, M. Culpabilidad y prevención...,  p. 74.

63 MERKEL, Adolph. Derecho penal,  tomo I, p. 96 e 101.64 MERKEL. Op. cit., p. 96. Na mesma linha de pensamento, e referindo-se à culpabilidade como 

causalidade psíquica, sustenta Vincenzo Manzini que para que uma pessoa capaz de Direito Penal seja imputável e responsável por um delito, é necessário que a mesma tenha sido causa eficiente física e psíquica do delito. Tratado de derecho penal,  p. 126-127.

65 Idem, op. cit., p. 101.

66 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención:...,  p. 75.67 LISZT, Franz von. Tratado de direito penal allemão,  p. 249.

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4 8 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  Pe n a l

 Noutro modo de ver esta teoria, a mesma se baseia no caráter do agente, isto

é, distancia-se do ato perpetrado para, em seu lugar, apegar-se ao caráter do

agente. Afirma Munoz Martinéz que a culpabilidade, para este autor, transcen

de do sujeito para afirmar que é culpável não só pelo que fez, senão pelo que éem si, o qual se manifesta na relação que existe entre sua personalidade e o ato68.

A culpabilidade, portanto, é psicológica, entendida entre a relação subjetiva

do autor e o-seu ato, mas que tem nisso a expressão da própria natureza do autor.

De qualquer forma, dolo e culpa, nesta concepção são a própria culpabilidade.

Diz-se, pois, que o conteúdo material do conceito de culpabilidade está

representado pelo caráter anti-social do autor, que não ajusta sua conduta à

ordem social, cognoscível pelo ato cometido. Não se pode olvidar que a concepção de von Liszt se dá no ambiente

 positivista, onde se estabelece o determinismo. Assim, toda conduta humana

é determinada e determinável pelas relações gerais, acrescendo-se também os

fatores sociais à personalidade material e espiritual do delinqüente para avali

ar a sua culpabilidade.

Acerca da teoria de von Liszt, mister destacar que, na 25a edição do seu

 Lehrbuch, já sob a colaboração de Eberhard Schmidt, houve uma mudança de

direção no sentido de posicionar a culpabilidade no esquema normativista, a se

guir exposto, conquanto adiciona um elemento estranho a este positivismo que

era o elemento caracterológico. Apenas argumentandum tantum, a culpabilidade,

longe de ser apenas uma relação de autor e ato, consistiria em uma total confusão

com a conduta e caráter do culpável (Charakterschuld)69. Isto é, a culpabilidade

não só supõe a comprovação da discrepância entre a conduta do autor e a exigência

 jurídica, como também suscita o problema do porquê o processo de motivação foi

defeituoso, acarretando, então, na valoração do caráter do autor e no reconhecimento de sua perigosidade, isto é, na disposição anti-sodal do sujeito.

3.1.1.2 C r ít i c a s  à  t e o r ia  d e v o n  L i szt

Ao analisar a teoria de von Liszt, afirma Frank que este faz uma confu

são entre o fato e a conseqüência jurídica, isto sem olvidar que parte o autor da

68 Op. cit., p. 12.69 QUINTANO RIPOLLÉS, Antonio. Hacia una posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia 

culpabilidad. ADPCP,  1959, p. 9-10.

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5 0 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e i t o  P e n a l

cepção dolo e culpa são a própria culpabilidade, e não se pode dizer que estes

sejam a mesma coisa, mormente quanto à voluntariedade, aliás, própria do dolo,

 pois no que tange à culpa, não há relação entre a vontade do agente e o fato

 previsto na norma como delito; isto é, não se pode afirmar que haja nexo decorrespondência com o resultado, pois falta-lhe justamente a vontade.

Conseqüência deste pensamento seria o completo abandono da culpa

inconsciente ou culpa sem representação, pois nela o autor não pode prever a

 produção do resultado delitivo, caracterizando-se pela falta de representação

da possibilidade de resultado pelo autor. No tocante à culpa consciente, ten-

tava-se explicar seu caráter psicológico a partir do conhecimento do perigo

suposto, em que não se quer a lesão, porém se prevê a sua possibilidade.De qualquer forma, não bastava a previsibilidade ou previsão da lesão

 para que a imprudência existisse, visto que o caráter desta determinação é o

dever de cuidado, e esta assertiva acarreta o reconhecimento de que a impru

dência é normativa, e surge em razão de infração da norma de cuidado, até

mesmo porque no âmbito da culpa, “as lesões são teoricamente previsíveis,

conquanto que temos o dever de prever as lesões sob cuja possibilidade nor

malmente contamos”76.Pelas dificuldades encontradas, surgiu a tese de que na culpa inconscien

te não há culpabilidade77.

Também em certas causas de exclusão da culpabilidade, mostra-se con

traditória a teoria psicológica, não conseguindo se firmar em razão de ser reco

nhecida a relação psicológica entre o sujeito e o seu ato, subsistindo o dolo,

como, por exemplo, no estado de necessidade exculpante ou no medo insupe

rável78. Nestas hipóteses, o sujeito age em manifestação inequívoca de dolo.Ainda nesta concepção, não se consegue explicar quando um incapaz ou

inimputável realiza um fato nas condições psicológicas exigidas e, contudo,

não se pode afirmar que atuou culpavelmente.

Por fim, após asseverar que a característica principal desta concepção era a

de conceituar o delito a partir de um significado atemporal, sociologicamente

76 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal parte general,  p. 533.

77 KOHLRAUSCH. Die Schuld (Vorsatz, Fahrlãssigkeit, Rechtsirritum, Erfolgshaftung), p. 214 eKAUFMANN, Arthur. Das Schuldprinzip,  p. 162.

78 No Brasil, estas causas são vistas como sendo supralegais de exclusão da culpabilidade.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 51

neutro e psicologicamente estéril, aponta Juarez Tavares que a sua conseqüência

é o reconhecimento de que a responsabilidade não decorre do agente, mas ape

nas dos elementos que constituem o fato79.

3 .2 O POSITIVISMO NORMATI VISTA

Surge o positivismo normativista como resultado de uma grande rede

finição metodológica iniciada no final do século XIX, e sustentada pela

filosofia neokantiana em defesa da ciência dos valores, em contraposição às

ciências naturalísticas.

Pelos postulados neokantistas, é a ciência definida como um conjunto de

 proposições cujos elementos são conceitos perfeitamente determinados, cons

tantes em todo o complexo do pensamento e universalmente válidos, no qualas partes estão unidas em uma totalidade sistemática.

Questão que se apresentava era a da contraposição das ciências naturais

com as ciências do espírito. As primeiras tendo por objeto o estudo da natureza

e das leis da causalidade cega, tentando explicar os fenômenos da natureza;

 pelas segundas, em troca, orientam-se pela análise de vida humana, do mundo

espiritual onde reside a liberdade, explicando-a por meio dos valores e dos juí

zos de valor, tentando compreender os fenômenos da natureza80, ou, noutraconsideração, “o neokantismo procura estabelecer um conceito racional dos fe

nômenos, substituindo a dedução transcendental pela indução reflexiva”81.

O Direito Penal, portanto, insere-se na óptica das ciências do espírito, em que

seu objeto é o atuar humano, contemplado desde uma perspectiva axiológica82.

Tendo em Rickert, Lask e Radbruch seus maiores defensores, o neokan

tismo sustentava uma revolução no sistema e no método da ciência penal, mas

que, a meu aviso, não se pode dizer que seja verdade, isto porque tal como

fizera Welzel ao criticá-lo, serve-se o pensamento neokantiano das contribuições trazidas pelo pensamento naturalista alemão, apenas introduzindo o ele

mento valor, razão pela qual discordo desde já pelo aspecto renovador que se

dá a este pensamento filosófico.

79 Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC,  n9 24, p. 145.

80 DILTHEY, W. Introducción a ias ciências del espíritu, conforme COBO DELROSAL, M. e VIVESANTON, T.S. Derecho penal - parte general, p. 95.

81 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal,  p. 34.

82 COBO DEL ROSAL, M. e VIVES ANTON, T.S. Derecho pena! parte general,  p.95.

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5 2 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  Pe n a l

De qualquer forma, com esta teoria, instalou-se o juízo de valoração jurídica,

em que não se tratava de descrever as realidades naturalísticas, externas ou internas,

senão o de compreender o significado valorativo dos conceitos jurídicos. Neste

momento, o Direito é visto como ciência da cultura, isto quer dizer que seus valores

são apriorísticos, ou seja, os valores precedem ao próprio conhecimento do homem.

 No que diz respeito ao Direito Penal, esta valoração recaía nitidamente sobre a

teoria do delito, primordialmente sobre a ilidtude e a culpabilidade ou, se preferir,nestes elementos do crime houve a incidência de uma forte carga normativa.

 Nesta concepção, os elementos subjetivos e normativos do dolo foram

identificados, e estes, ao lado da culpa, passam a integrar a culpabilidade, não

mais se confundindo com esta, tal como fizera o naturalismo83. A antijuridi-cidade passou a ser vista também sob a óptica material, ou seja, é a mesma a

efetiva lesão ao bem jurídico, não mais apenas a contrariedade do fato com oDireito. Já a culpabilidade mantém o vínculo psicológico entre o agente e o

fato, como acima visto, tendo reconhecido o dolo e a culpa como elementos

subjetivos, verificando-se, ainda, a forte carga normativa de juízo de valor,

identificando-a pois como culpabilidade psicológica-normativa, concebida

como reprovabilidade pela vontade defeituosa (dolo e culpa)84. Nesta esteira de pensamento, finaliza o neokantismo com sua grande

 proposta que é a propugnada pela teoria da inexigibilidade de conduta diver

sa, que articula a exclusão da responsabilidade criminal, quando o homem

médio, a se identificar como o homem modelo padrão da sociedade, realiza o

comportamento incriminador, a se considerar que, se o mesmo assim o fez,

todos podem fazê-lo, isto porque o homem médio é aquele valorativamenteideal, e, se é ideal, não pode sofrer as amarguras da lei penal.

Pela observação dos manuais brasileiros atuais, afirma-se que a maioria

dos autores adota este posicionamento advindo dos postulados neokantistas85.

83 A partir dos anos 30, grande parte da doutrina italiana mostrou-se adepta da estrutura normativa da culpabilidade, ainda que marcada pela forte influência psicológica, presentes então algumas particularidades. Ccnforme ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto pena/e - parte generale, p. 139, 179 e 183; e MAGGIORE, Giuseppe. Derecho penal, vol. 1, p. 455-457. De outro lado, Giuseppe Bettiol manifesta-se a favor da concepção normativa de culpabilidade. Diritto penale - parte generale,  p. 244.

84 Lecionava Bettiol que "o crime é o fruto de uma valoração, e não apenas de uma constatação". O problema da culpabilidade. O problema penal,  p. 150.

85 Entre outros Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direito penaI, vol. 1, p. 298-299, Luiz Régis Prado, Curso de direito penal brasileiro, parte geral, p. 276 e Damásio Evangelista de Jesus,  Direito penal,  vol. 1, p. 477.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 53

De outro lado, não se pode negar a grande contribuição dada pelo siste

ma neokantista ao Direito Penal, mormente pela verificação do conteúdo

material do tipo e da antijuridicidade, reconhecendo-se o dolo e a culpa como

elementos da culpabilidade.

A grande crítica que faço a esta concepção é a de que a mesma via o

Direito Penal como um sistema fechado, sem qualquer absorção das mudan

ças sociais, impondo a toda coletividade valores morais universais, muitos des

tes repelidos inclusive em manifestação inequívoca de desrespeito ao pluralismo

ideológico, hoje já consagrado entre nós pela Constituição Federal de 1988.

Dessarte, a culpabilidade se viu beneficiada pela influência da filosofia

neokantiana e dos valores, acrescendo-lhe o caráter normativo, substituindo-se então a dedução lógica e a classificação por fórmulas éticas e juízos de valor.

Portanto, diferentemente do que ocorria no positivismo naturalista,

em que os objetos deveriam ser compreendidos na medida em que se iden

tificassem os seus efeitos e o conhecimento não era de simples descrição

do objeto em si mesmo, mas a descrição se fazia por meio do processo de

causalidade deste objeto, a filosofia neokantiana preconizou que o objeto

não poderia ser compreendido no seu elemento causai, mas deveria serconsiderado uma criação do próprio intérprete. Portanto, a análise queantes se fazia a partir dos efeitos produzidos pelo objeto é substituída

 pela atribuição que o intérprete dá ao objeto, valendo-se de dados extraí

dos da propriedade e característica.

Por fim, para esta corrente metodológica, pode-se dizer que os elemen

tos do delito não são constatados empiricamente, ao contrário, são atribuídos

 pelo ser-humano e passam a ter validade não como um fenômeno natural,

mas sim como um fenômeno jurídico.

3.2.1 Teo rias no rmativas da culpabilidade

Em vista das dificuldades proporcionadas pela teoria da culpabilidade

 psicológica, e corolário da redefinição metodológica proposta pela filosofia

neokantiana, surge a concepção normativa de culpabilidade em diversas acep

ções, elaborando toda uma nova sistemática não só para a culpabilidade, mas para toda a teoria geral do delito.

Dentre as diversas mudanças propugnadas pelo normativismo no Direito

Penal, mormente no que atinge a eulpabilidàde, conforme aponta Achenbach,

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F á b io  G u ed e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 55

 bilidade de conhecimento do injusto até alcançar o juízo hipotético de cons

tatação do poder agir de outra maneira89.

Ainda não se pode olvidar que o problema em tomo da imprudência con

tribuiu para o aprofundamento dos estudos em tomo do elemento normativo,elemento este que, posteriormente veio a se tomar a base da teoria normativa daculpabilidade. Igualmente quanto à problemática advinda com a excludente do

estado de necessidade, “surgirá o princípio da exigibilidade de conduta adequa

da à norma, que se converterá no fundamento das causas de exculpação”90.

Pela teoria do elemento normativo da culpabilidade, há que se entender,a partir da inclusão de um conteúdo ético ao elemento normativo, denominado de contrariedade ao dever. Parte-se da idéia de que a culpabilidade é um

conceito recolhido da ordem moral e que a contrariedade ao dever determina-

se a partir dos juízos de valor vigentes, concedendo-se ao juiz uma amplamargem de arbítrio no julgamento. Nesta concepção, o dolo se caracteriza

 pela consciência da contrariedade ao dever, e a culpa pela possibilidade dessa

consciência. Posteriormente, esta teoria é desenvolvida por Goldschmidt, ou

torgando caráter jurídico à contrariedade.

Já quanto ao caráter normativo da culpabilidade, é a mesma um juízo de

valor, ainda que os critérios determinantes sejam psicológicos. Não se pode esquecer que, nesse aspecto, dolo e culpa integram a culpabilidade. Percebe-se,

 portanto, que esta concepção passará a ser mais desenvolvida do que a anterior.

Em realidade, o conceito normativo de culpabilidade constitui-se como

uma mera ampliação da relação entre fato e desaprovação jurídica elaborada

 pelos adeptos da teoria psicológica da culpabilidade, destacando-se o abando

no do dolo e da culpa como critérios únicos de limitação da reprovação. Nesta

concepção, a reprovação é normativa, porém seus pressupostos são fáticos.

De positivo, pode-se dizer que a grande contribuição do neokantismo,

no que se refere à culpabilidade, foi a de capacitá-la com conteúdo material,

como medida de superação da neutralidade normativa, introduzindo critérios

axiológicos, tratando o homem como indivíduo racional, responsável e livre.

Com essa nova diagramação, o conceito formal de culpabilidade detém

os pressupostos ou requisitos com que se fundamenta aparentemente neutro

89 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC,  nfl 24, p. 148.90 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y p re v e n c ió n :p. 76.

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5 6 - Cu lpab i lidade n o  D i r e ito Pena l

ou não- valorativo, ao passo que, pelo conteúdo material, busca-se ir mais

além da mera exigência formal de culpabilidade, ou seja, pretende-se encon

trar argumentos que expliquem a intervenção penal e que respondam à pergunta do por que o estado pode impor uma pena a determinadas pessoas

qualificadas como culpáveis91.

 No intuito de responder a esta e a outras perguntas, a concepção normativa

serve-se de teorias fundadas em considerações éticas, sociológicas ou ideológicas

 para, a partir disso, legitimar a imposição da pena. Nota-se que, neste momento,

serve-se o Direito Penal de critérios pré-jurídicos e alguns bem próximos da moraL

Conforme assevera Cuesta Aguado, constata-se que a obtenção do con

ceito material da culpabilidade não pode se separar do modelo de sociedade a

que se corresponda, sob pena de se obter uma visão apenas parcial. Por conse

guinte, significa dizer que se está questionando e modulando a imagem ou o

conceito de homem que promove uma determinada sociedade92.

3.2.1.1 A CONCEPÇÃO NORMATIVA DE FRANK

Renard Frank foi o idealizador da primeira vertente normativa da culpa

 bilidade com a obra “Obra den Aufbau des Schuldbegriffs” (Sobre a estrutura do conceito de culpabilidade), publicada em 1907, em comemoração ao

aniversário de 300 anos de fundação da Universidade de Giessen93.

Ao elaborar a sua teoria, destaca o autor a impossibilidade de conside

rar importante para a culpabilidade somente o dolo e a culpa e de não reco

nhecer importância à imputabilidade e às circunstâncias concomitantes dofato (begleitende Umstãnde).

Sobre a imputabilidade, afirmava que esta não era a capacidade de cul

 pabilidade (Schuldfãhigkeit), nem seu pressuposto, mas sustentava pertencerà própria culpabilidade94.

91 CUESTA AGUADO, Paz M. de Ia. El concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http:üinicia.es!de/pazenred!>

92 El concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http://inicia.es/delpazenred/  >, consultado em 21 de junho de 2001.

93 Esta afirmativa é contrariada por Pérez Manzano, ao afirmar que o fundamento do pensamento de Frank reside na ruptura do dogma das espécies de culpabilidade e não na introdução do 

 juízo de reprovação. Op. cit., p. 79 e ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione della colpevolezza di Reinhard Frank. RIDPP,  1981, p. 848.

94 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione della colpevolezza di Reinhard Frank. RIDPP,  1981, p. 849.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u i a  M a c h a d o  - 57

Em face do destaque, a imputabilidade e as circunstâncias concomitantes do fato integram os elementos constitutivos do conceito de culpabilidade

(Schuldelemente) ao lado do dolo e da culpa.

Para justificar sua teoria, advertia Frank que, nos casos de aplicação da

causa de inculpabilidade do estado de necessidade do antigo art. 54 do Código Penal alemão, concorre o dolo. Portanto, a culpabilidade não se esgotavaapenas no nexo psicológico entre o autor e o resultado delitivo.

 No curso das discussões sobre a culpabilidade, Frank passa a utilizar o termoreprovabilidade (Vòrwerfbarkeit), deixando a culpabilidade de ser entendida como

uma simples relação de ordem psicológica entre o autor e seu fato, assinalando à

imputabilidade, ao dolo (discernimento do alcance) e à culpa (possibilidade dediscernir), a normalidade das circunstâncias em que o sujeito levou a cabo a con

duta delitiva como elemento da culpabilidade95.

 Nesta estrutura, se presentes apenas o dolo ou a culpa, não se podefalar em reprovação, pois é necessário que concorra a normalidade das circunstâncias nas quais o autor atuou96, isto é, “não fica a culpabilidadeesgotada na referência psicológica, senão que recebe seu conteúdo por meioda reprovação que leva consigo, ou seja, mediante um juízo normativo de

valoração”97.

Frisa-se que este último elemento, circunstâncias em que o sujeito

atuou, de natureza objetiva, foi posteriormente substituído pela motivaçãonormal (normale Motivierung), agora no contexto subjetivo de emprego naconsciência do autor, isto em 1911, a partir da publicação da 8a edição deseu “Kommentar”, o que lhe valeu a crítica de ter dado “um decisivo passo

atrás em direção à concepção da culpabilidade como um conjunto de momentos interiores meramente subjetivos”98.

Posteriormente, a partir da publicação da 11a edição da sua obra até a 14a,volta Frank a modificar sua concepção, abandonando a normal motivação paraem seu lugar introduzir as causas de exclusão da culpabilidade (Entschuldigungs

95 O conceito introduzido por Frank, de "normalidade das circunstâncias em que o sujeitoatuou", pode ser entendido como sendo uma atitude normal do autor; uma relação psíquica do autor com o fato em questão, ou ainda, a possibilidade desta.

96 FRANK. Estructura del concepto de culpabilidad. RPCP,  1994, p. 789.97 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal,  p. 14.98 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione deliacolpevolezza di

Reinhard Frank, RIDPP,  1981, p. 851.

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58 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  Pe n a l

o u   Schuldausschliessungsgründe), cuja hipótese principal seria integrada pelo

estado de necessidade previsto no § 54 do StGB, atual § 55".

Apesar das modificações realizadas e acima apontadas, na 15a edição, ao

lado do dolo e da culpa, surge um elemento positivo e de maior amplitudeque Frank define como “Freiheit”, entre nós “liberdade ou o domínio sobre o

fato”, mantendo, não obstante a todas modificações feitas, a definição de cul pabilidade como reprovação100.

Analisado o pensamento de Frank sobre a culpabilidade, diz-se que o

mérito desta teoria é o de ter dado um lugar relevante para as circunstâncias

em que a ação é realizada para se determinar a culpabilidade do agente, a se

verificar do próprio exemplo de Frank, que afirma que não se pode entendera presença da mesma culpabilidade entre o caixa de uma empresa que se

apodera do dinheiro que lhe foi confiado, tendo uma boa situação econômica,

carecendo de família e com amantes dispendiosas com a do modesto carteiro,

mal remunerado, com mulher enferma e numerosos filhos pequenos, e que

também se apodera do que não lhe pertence101.

Expõe Frank na análise deste exemplo, que a culpabilidade aumenta

 pela situação econômica favorável e diminui pela situação desfavorável102. Assim sendo, extrai-se do pensamento de Frank que se as circunstâncias conco

mitantes podem atenuar a culpabilidade e, ainda, não há risco nenhum em

reconhecer-lhes também a capacidade de excluir a culpabilidade, o que seria

impossível para os adeptos da teoria psicológica da culpabilidade, posto que

estes centralizam suas atenções apenas no dolo e na culpa e, em não figurando

estas circunstâncias entre os citados institutos, sua teoria não teria condições

de explicar a diminuição da culpabilidade, isto é, estas circunstâncias nas quais

a ação foi realizada não interferem no dolo ou na culpa, não afetando a exis

tência da própria culpabilidade.

99 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolézza di Reinhard Frank, RIDPP,  1981, p. 851.

100 Idem, op. cit., p. 852. Ainda, afirma Pérez Manzano que na 18a edição de seus comentários ao Código Penal alemão, conceitua Frank a culpabilidade como a reprovabilidade de uma conduta antijurídica, segundo a liberdade, fim e significado conhecido ou cognoscível. Culpabilidad y prevención...,  p. 80.

101 FRANK. Estructura del concepto de culpabilidad. RPCP,  1994, p. 781.

102 FRANK. Estructura del concepto de culpabilidad. RPCP, 1994, p. 781-782. Ainda, tem-se aqui a gênese do que hoje convencionou-se chamar-se co-culpabilidade.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 5 9

Fundamentando seu pensamento quanto à culpabilidade, assevera Frank

que é preciso concebê-la integrando os elementos dolo e culpa, a imputabili

dade e as circunstâncias concomitantes103.

Por fim, afirma Mezger que Frank obtém os fundamentos para a suateoria normativa a partir das causas de exclusão da culpabilidade104.

Em suma, ao pensamento de Frank, não é negada a participação de elemen

tos extrajurídicos, notadamente psicológicos na noção de culpabilidade, erguen-do-se como a própria essência da culpabilidade a reprovabilidade, que é um juízo

de valor normativo e culturalista no fenômeno metafísico ou físico, estes últimos

até então somente objeto de preocupação dos autores clássicos e positivistas.

3 .2 . 1 . 1 .1 C r í t i c a s  à  c o n c e p ç ã o  n o r m a t i v a  d e  F r a n k

Embora a concepção de Frank seja reconhecida como o primeiro degrau

do normativismo, críticas lhe foram endereçadas pelos demais autores de sua

época. Estas críticas ora se endereçaram para a acepção objetiva, ora para aacepção subjetiva, isto em razão das modificações ocorridas e acima citadas ao

longo da construção sobre a culpabilidade.

 Na concepção que traz as circunstâncias concomitantes como elemento

da culpabilidade, diz-se que metodologicamente ela colide consigo mesma,

 posto que reúne na culpabilidade elementos subjetivos e objetivo, em especialquando a este último caractere se refere ao fundamento e à medição da pena,

impondo à culpabilidade um caráter objetivamente inadmissível105.

Substituída esta concepção pela da motivação normal, ela igualmente

sofreu críticas, agora por proporcionar um retorno ao subjetivismo e às formastradicionais de culpabilidade, mantendo-as em face da posterior alteração que

 possibilitou a graduação de culpabilidade, maior ou menor, a partir da maior

ou menor proximidade da motivação com a motivação correta106.

3 .2 .1 .2 O NORMATIVISMO PURO DE GOLDSCHMIDT

A partir da estrutura de Frank, Goldschmidt na sua obra “Der Notstand

ein Schuldproblem”, escrita em 1913, sobre o estado de necessidade, e no

103 Idem, op. cit., p. 786.104 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal,  p. 15.

105 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione della colpevolezza di Reinhard Frank. RIDPP,  1981, p. 854.

106 FRANK, Reinhard. Estructura del concepto de Ia culpabilidad,  p. 13-14.

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60 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

artigo em homenagem a Frank, em 1930, com o título “Normativer

Schuldbegriff”, acentua o caráter normativo da culpabilidade, ao considerar

que esta supõe o descumprimento de uma norma de dever, que rege a condutainterna, independentemente da norma de Direito, que regula a conduta externa

e cuja infração determina a antijuridicidade107.

Esta concepção parte da independência das normas, a de direito, definidora da noção de injusto, é a de dever, que é a da culpabilidade, denominada

 por ele como “Pflichtwidrigkeit”.

 Nesta estrutura, ao contrário de Frank, traça-se a ruptura do psíquico e

ético estabelecendo o normativismo puro, isto é, outorga-se um conteúdo jurídi

co ao elemento normativo contrariedade ao dever. Posiciona imputabilidade, doloou culpa e motivação normal ou liberdade (elemento normativo) como pressu

 postos da culpabilidade, que passam, a seu aviso, a eqüivaler ao fundamento daviolação da norma de dever. Esta norma de dever é um mandato que compele o particular a motivar-se pelas representações de valor jurídico dirigida à determi

nação de sua vontade de atuação e não com fins morais e éticos. Destaca-se queo dever de obediência ao Direito prevalece sobre todos os demais motivos, equando o mesmo sucumbe, reconhece-se uma vontade de atuação contrária ao

dever encaminhada para a produção de um resultado antijurídico108.

 No que se refere à citada distinção de normas, norma jurídica ou norma de

Direito da norma de dever, a primeira se refere à conduta externa, à causalidadeque o ato viola. Já a segunda se refere à conduta interior ou sobre a motivação

que, ao ser lesionada, faz surgir a culpabilidade do autor. E uma norma quemanda o particular se motivar pelas representações de valor jurídico.

Portanto, Goldschmidt dá à culpabilidade a face de um juízo de repro

vação que se compõe da exigibilidade, entendida como o dever de motivar-se pela representação do dever indicado na norma de direito, que pressupõe do

autor o poder ou domínio sobre o fato. Em breve relato, apresentava a noção

de culpável como uma situação de fato valorada normativamente.

107 CEREZO MIR, J. Derecho penal parte general,  p. 18.108 GOLDSCHMIDT, James. La concepción normativa de Ia culpabilidad,  p. 23-24. Seguindo

estes postulados, afirmava Bettiol que "a culpabilidade não consiste na voluntariedade de um 

evento ilfcito (concepção psicológica), mas em ser ilícita a vontade de que o crime provém,quer dizer, ser uma vontade que não se devia ter, uma vontade contrária ao dever (concepção  valorativa e normativa). Não obstante ao preconizado, acrescenta à formulação da culpabilidade o elemento da normalidade das circunstâncias de fato em que o agente quis e agiu, aqui  voltando-se a Frank. O problema da culpabilidade. O problema penal, p. 152 e 155.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 61

Também sustenta Goldschmidt a possibilidade de graduação da culpa

 bilidade, que será maior na medida em que a motivação do autor se afaste da

motivação justa e menor quanto mais se aproximem as circunstâncias das

causas de exclusão.

Quanto às causas de exclusão da culpabilidade, fundamenta que se pode

atuar infringindo uma norma de dever sem por isto atuar culpavelmente, pois

 pode existir um caso de contrariedade ao dever excepcional.

Portanto, para Goldschmidt o conteúdo material da culpabilidade se

verifica mediante a idéia do dever de observância de uma norma, ou seja, um

dever que emana da exigência de obediência que esta encerra. Já para o crime

culposo, considerou-o como infração do dever de cuidado, pois refere-se àdesobediência de um dever jurídico, e isto fundamentará a culpabilidade.

3 .2 .1 . 2 . 1 C r í t i c a s  à  c o n c e p ç ã o  n o r m a t iv a  p u r a  d e  G o l d s c h m id t

As críticas construídas recaem sobre a “suposição de uma norma de dever

com função de determinação independente da norma jurídica, e que não se

tenha formulado no sistema normativo,,^çpacluindo, equivocadamente o jurista,

que assim como existe o injusto não-culpável, também é concebível a culpabi

lidade sem resultado antijurídico, expondo como exemplos os casos da tentativae da culpa inconsciente”109, ou, em outras palavras, não poderia Goldschmidt

“separar da sua teoria a norma de dever, pois a norma de dever nasceu direta

mente da norma de valoração objetiva, que representa o juízo jurídico de valor,

como norma de determinação subjetivamente dirigida e fica conectada de for

ma inseparável com a norma dojvaloração”110.

Esta construção dogmática acarretou como conseqüência extrema “con

templar a culpabilidade como uma variante da antijuridicidade, referida não

às normas puramente jurídicas, senão nas de dever ou antidever, com os con

seguintes transtornos na construção jurídica do delito”111.

Ainda, cabe afirmar que, na moderna sistemática do Direito Penal, não

existe culpabilidade sem resultado antijurídico, pois esta não se preocupa em

tratar atos justificados pelas normas de Direito. Daí a razão pela qual deve ser 

109 MUNOZ MARTINÉZ. Op. cit., p. 22.110 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal,  p. 16.111 QUINTANO RIPOLLÉS, Antonio. Hacia una posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia 

culpabilidad. ADPCP,  1959, p. 489.

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62 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  Pe n a l

rechaçada uma culpabilidade construída sobre os pilares de uma norma dedever não jurídica.

 Não obstante Goldschmidt romper com o positivismo sociológico de Franz

von Liszt, que tinha definido a culpabilidade como a relação subjetiva do autorcom o resultado antijurídico, remonta o autor ao idealismo kantiano, a se perce

 ber pelas afinidades da sua norma de dever com o imperativo categórico.

 No que se refere ao conceito material de culpabilidade alicerçado por

Goldschmidt na teoria da exigibilidade, sendo, pois, o fundamento da impu

tação da culpabilidade, juízo de reprovação, traduzido pela máxima “não se

deixar motivar pela representação do dever”, este não é um conceito normati

vo, senão um princípio regulador componente da teoria geral do Direito, hajavista não possuir nenhum conteúdo valorativo extremamente ético. Destarte,

não pode ser o fundamento material da imputação de culpabilidade, além de

que responder que se reprova porque era exigível outra conduta do autor do

delito, é o mesmo que não tornar claro o fundamento da imputação, o que é

incompatível num Estado Democrático de Direito.

3 .2 . 1 .3 A c u l p a b i l i d a d e   d e a u t o r   d e  F r e u d e n t h a l

 Na mesma linha normativa de seus antecessores, Berthold Freudenthalescreve em 1922 “Schuld und Vbrwurf”, afirmando que o requisito geral da

culpabilidade é a exigibilidade (Zumutbarkeit), de sorte que não se pode

exigir do sujeito comportamento conforme o Direito em razão de circunstân

cias concomitantes do fato presentes naquele determinado momento que as

sim o impediram de agir — impossibilium nulla est obligatio112. Aqui, é evidente

a aceitação do postulado inicial de Frank. Vê-se, assim, que a exigibilidade é o

núcleo do juízo de reprovação.Esta teoria centraliza-se nas possibilidades de atuação alternativa do sujei

to, em que deste só se podem esperar resoluções conforme o saber popular.

Trata-se, indiscutivelmente, de uma reflexão hipotética e valorativa que se de

termina por um juízo individual. Ou seja, para a aplicação desta exdudente não

se deve considerar um sujeito abstrato, mas o próprio sujeito, porque o dever de

evitar pressupõe o dever de fazê-lo, e este exame para Freudenthal tem projeção

112 Aqui é evidente a adoção por Freudenthal da estrutura inicial da culpabilidade normativa idealizada por Frank, chegando, inclusive, a criticá-lo por ter substituído o elemento circunstâncias normais do fato pela motivação. Culpabilidad y reproche en e l derecho penal, p. 69, 75, 76 e 98.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 63

individualizadora, pois não se podem ignorar as circunstâncias sob as quais atuou

o autor113. Frisa-se, desde logo, que neste aspecto a concepção de Freudenthal

foi minoritária, prevalecendo a construção doutrinária de criação de um sujeito

abstrato, também considerado “homem médio”, de elaboração por EberhardSchmidt e Edmund Mezger. Portanto, de alcance geral-individual.

Acerca de sua concepção dogmática, não se deve isolá-la do momento his

tórico e econômico vivido na Alemanha. Após a I a Guerra Mundial e imposto

um panorama sofrível aos países derrotados, pretendeu este autor amenizar os

rígidos princípios estabelecidos rumo a sentenças mais próximas da realidade da

vida, e isto porque o Direito, suas categorias e institutos estão voltados para o

homem, e não o contrário114. Assim, nesta estrutura a inexigibilidade assume

natureza de princípio geral de Direito, servindo a exculpação da reprovabilida-de. Para Freudenthal, a idéia da exigibilidade da não execução tem que serestabelecida de forma individualizada115, segundo as circunstâncias do caso con

creto e as possibilidades reativo-afetivas de seu protagonista. Asseverava o autorcom base em von Hippel, que “o dever de evitar pressupõe poder evitar”116.

Quem julga é o Direito, e através dele a concepção cultural do povo. Portanto, os

seres humanos devem comportar-se conforme as expectativas sociais.

 Nota-se, pois, que surge a exigibilidade como elemento normativo autô

nomo da culpabilidade, comum, inclusive ao dolo e à culpa, e relacionada coma conduta adequada à norma. Este elemento é construído sobre o livre arbítrio

e sua capacidade de autodeterminação conforme o sentido.

Decorre da obra de Freudenthal que a inexigibilidade penal é desloca

da do âmbito da justificação para a exculpação. E mais, estas causas de ex

clusão da culpabilidade não podem ficar restritas apenas àquelas ditadas no

texto legal, elegendo para a satisfação de sua construção a supralegalidade.

Anos depois, a inexigibilidade é alçada à categoria de princípio reguladorgeral de Direito Penal.

113 Assevera Freudenthal, em apoio aFrank, que as circunstâncias concomitantessão aptas aatenuar ou excluir a culpabilidade. Culpab ilidady reproche en el derecho penal, p. 66. Logo, posiciona o autor como elementos da culpabilidade o dolo ou a culpa, a imputabilidade e as circunstâncias em que o autor agiu.

114 Na introdução de sua obra, refere-seFreudenthal a assertiva popular de declaração ou nãodeculpabilidade do sujeito pela máxima "nada poderia ter feito no caso", ou "agiu como  quaisquer outro agiria em seu lugar". Culpab ilidad y reproche en e l derecho penal, p. 63 e 75.

115 Op. ci t, p. 88.116 Op. cit., p. 77.

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64 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  Pe n a l

Ao final de sua obra, previu que chegará o dia em que o legislador esta

 belecerá, expressamente, que não merece pena criminal quem não pode evitar,segundo as circunstâncias do fato, sua execução117.

Referindo-se a Freudenthal, explica Juarez Cirino dos Santos que o ar

gumento utilizado pelo autor é poderoso, ao destacar que se a não-realizaçãodo fato punível requer uma força de resistência normalmente inexigível de

ninguém, então a ausência de poder (de agir conforme a norma de dever ou a

regra de direito) exclui a reprovação e, conseqüentemente, a culpabilidade118.

Percebe-se, então, que o autor relaciona exigibilidade e poder atuar de

outro modo. Nesta concepção, culpabilidade é “a desvalorização de que o au

tor atuou (criminalmente), enquanto podia e devia atuar de outra forma”119.Desta forma, coloca a não-exigibilidade como causa geral de exclusão da

culpabilidade, em razão de que o poder e dever atuar de outra forma depende

de circunstâncias concorrentes, e se não pode exigir outro comportamentoque o realizado, esta inexigibilidade se converte como causa supralegal de

exclusão da culpabilidade.

3 . 2 . 1 . 3 . 1 C r í t i c a s  à   c u l p a b i l i d a d e   d e a u t o r   d e  F r e u d e n t h a l

As críticas que recaem sobre a construção doutrinária de Freudenthalsão aquelas de possível arguição à culpabilidade normativa e suas matizes. Acrítica vista como individualizada a Berthold Freundenthal foi idealizada por

Edmund Mezger ao lecionar que o juízo de valor concebido por Freudenthalse dirige, excessivamente, para os interesses individuais da pessoa, é dizer, do

autor individual, ao passo que o conceito normativo de culpabilidade tem que

fixar o equilíbrio justo entre os interesses da comunidade e do indivíduo120.

3 .2 . 1 .4 A c u l p a b i l i d a d e  n o r m a t iv a  d e  M e z g e r

Edmund Mezger, aplicando uma metodologia própria das ciências do es pírito, na linha da Escola sud-ocidental alemã do neokantismo (Windelband,

Stammler, Rickert e Lask), elabora um sistema da teoria do crime em que cada

uma das suas categorias básicas (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) se

117 Op. cit., p. 97.

118 A moderna teoria do fato punível, 4a ed., p. 203.

119 FREUDENTHAL, B. Schuld und Vorwurf im geltendenStrafrecht,  p. 6, apud Pérez Manzano,Culpabilidad y prevención :...,  p. 80.

120 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derechopenal,  p. 17.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 65

refere a valores específicos derivados dos fins do Direito Penal que o penalista

teria que compreender, e não simplesmente observar ou descrever.

Considerado por muitos autores como sendo o principal representanteda filosofia neokantiana para o Direito Penal, é de se destacar o papel legiti

mador que tiveram as idéias de Mezger no desenvolvimento científico das leis

repressivas de caráter racista e a todo um sistema baseado na superioridade da

raça ariana e na pureza do sangue121.

Terminada a segunda guerra mundial, retorna o autor aos embates dou

trinários celebrando ao lado de Welzel (anos 50 e 60), a luta entre as escolas

causalista e finalista122, podendo-se dizer que o autor apenas modificou su

 perficialmente a concepção dogmática anteriormente sustentada.

Quanto à ação, embora Mezger seja concordante em ser a mesma ontológica

e finalística, discorda de Welzel no tocante a valoração da mesma já na tipicidade,

e não na culpabilidade. Ou seja, o conteúdo da vontade deve ser objeto de valora

ção na culpabilidade, como forma da mesma, isto é, dolo ou culpa, salvo em alguns

tipos delitivos em que o legislador tenha interesse em destinar relevância penal à 

conduta, ante a presença de determinadas finalidades, motivações ou desejos123.

Afirma Mezger que o essencial da concepção normativa da culpabilidade

é que ela se constitui como sendo um conceito jurídico-penal, e como tal deve

ser obtido a partir de uma total valoração normativa, portanto, a contrario sensu,

esta teoria se faz depender da “desvaloração da atitude espiritual do autor com

respeito ao ato em sua totalidade e não de quaisquer relações psicológicas entre

o autor e sua ação”124. A partir desta visão, define a culpabilidade como sendo “o

conjunto de pressupostos (fáticos) da pena que fundamentam o juízo de repro

vação situados na pessoa do autor”125. Noutras palavras, a culpabilidade era oconjunto de requisitos em que se baseia a reprovação pessoal da conduta antiju

rídica. Ou ainda, para ele se tratava de um comportamento psicológico culpável

e do juízo de valor normativo desse comportamento em uma só coisa. Já a conduta

121 MUNOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo,  p. 20.1 22 Na citada obra Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo, Francisco Munoz Conde

elabora minucioso estudo sobre a vida e obra deste polêmico autor, confrontando as antigas posições doutrinárias com a atual dogmática alemã.1 23 MUNOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo,  p. 82-83, e

MEZGER, Edmund. Modernas orientaciones de !a dogmática jurídicopenal, pp. 19-22 e 51-52.

124 MEZGER. La culpabilidad en e l moderno derecho penal,  p. 18-19.

125 MEZGER, Edmund. Tratado de derecho penal,  tomo II, p. 256.

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66 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  Pe n a l

antijurídica aparece desta forma como uma manifestação da personalidade da

quele que atua, que é desaprovada pelo Direito126.

Sobre Mezger, afirma Hans-Heinrich Jescheck, que esta compreensão já

tendia à concepção caracteriológica da culpabilidade, pois ao falar de personalidade não se está referindo ao autor individual, senão à personalidade dada

conforme a experiência127.

Diz Quintano Ripollés, que foi Mezger quem corrigiu a teoria normati

va, mantendo seus postulados essenciais que são sempre os axiológicos, respei

tando a presença dos elementos psicológicos na culpabilidade, acrescendo as

noções básicas do justo e do injusto128.

O citado autor insere dolo e culpa como duas formas de culpabilidade aolado da imputabilidade, que também denomina disposição ou estado da perso

nalidade do agente e, por último, a ausência de causas de exclusão, figurando

como corretivo. Quanto à culpa, somente prevista para os casos previstos em lei,

incorre aquele que desatendeu o dever que lhe incumbia prestar na realização

da devida diligência e que, portanto, não evitou a ação e suas conseqüências129.

Já quanto ao dolo, reconhece a dificuldade de determinação desta forma mais

grave de culpabilidade, pois este exige outras características que restringem em

certa forma o âmbito total da culpabilidade130. Com amparo no então vigente

126 Evolución del concepto jurídico penal de culpabilidad en Alemania y Áustria. Revista Electrónica de Ciência Penal y Críminologia,  p. 4. Na acepção caracteriológica, podemos ressaltar algumas construções dogmáticas. Inicialmente, sustenta Rittler que o caráter antijurídico da vontade não se deriva do que o autor poderia ter se comportado também de outra maneira, senão do fato de que ele, em virtude de sua forma de ser, de acordo com seu caráter, se comportou precisamente mal, injustamente. Segundo Engisch, a concepção caracteriológica da culpabili

dade pede contas à pessoa pelo que ela é. Já para Heinitz, em Direito Penal cada um deve  responder por aquilo que é. E verdade que diversas foram as construções caracteriológicas, não apenas desenvolvidas no seio alemão, mas também no austríaco, precisamente Wilhelm  Wahlberg, que apontou: o autor poderia ter sido qualquer outra pessoa, e sua culpa reside em ser quem é e naquilo que, por conseguinte, faz. Apud Jeschech, op. cit., p. 4-5.

127 Na acepção caracteriológica, podemos ressaltar algumas construçõesdogmáticas.Inicialmente,sustenta Rittler que o caráter antijurídico da vontade não se deriva do que o autor poderia ter se comportado também de outra maneira, senão do fato de que ele, em virtude de sua forma de ser, de acordo com seu caráter, se comportou precisamente mal, injustamente. Segundo Engisch, a concepção caracteriológica da culpabilidade pede contas à pessoa pelo que ela é. Já para Heinitz, em  Direito Penal, cada um deve responder por aquilo que é. É verdade que diversas foram as construções caracteriológicas, não apenas desenvolvidas no seio alemão, mas também no austríaco, precisamente Wilhelm Wahlberg, que apontou: o autor poderia ter sido qualquer outra pessoa, e 

sua culpa reside em ser quem é e naquilo que por conseguinte faz. Apud Jeschech, op. c it, p. 4-5.128 QU INTANO RIPOLLÉS, Antonio. Hacia una posible concepción jur ídico-penal de Ia

culpabilidad. ADPCP,  1959, p. 490.129 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal, p. 21.130 MEZGER. La culpabilidad...,  p. 22.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 67

art. 59 do Código Penal alemão com a seguinte redação: “Se alguém, ao cometer

uma ação punível não conhecia a existência das circunstâncias do fato que per

tencem ao tipo legal, não lhe serão imputadas estas circunstâncias”, prescrevia

Mezger que, segundo a lei, é requisito indispensável o conhecimento das circunstâncias do fato que pertencem ao tipo legal. Assim, é inadmissível a separa

ção entre o dolò e a consciência da antijuridicidade da ação131.

Do pensamento mezgeriano, aufere-se que a concepção normativa da

culpabilidade não esgota seu conteúdo nas relações psicológicas constatadas,

senão que as assinala um juízo valorativo, o da reprovabilidade, a ponto de

sustentar categoricamente que a culpabilidade é o injusto pessoalmente re

 provável (Schuld ist persõnlich vorwerfbares Unrecht).

Apoiando-se sobre o conceito da exigibilidade de um atuar distinto, enquanto fundamento geral da culpabilidade132, reconhece Mezger a culpabilidade

do sujeito quando o fato de não poder atuar se devia a outros fatores, tais como ainclinação do agente à prática do delito (delinqüente habitual). Esta construção

foi denominada de culpabilidade pela condução de vida (Lebensfuhrungsschuld),

isto é, o atuar reprovável do sujeito por suas anteriores etapas da vida133.

Por fim, nesta concepção, a culpabilidade radica na cabeça do julgador,

 posto que só por virtude desta valoração, a situação fática adquire o caráter de

culpabilidade, do que se desprende a lógica conseqüência de que culpabilida

de é a direção reprovável da vontade do autor no caso concreto, não se poden

do conceber o caráter ético ou liberdade do querer, que são questões filosóficas

e não jurídico-penais no interior da culpabilidade. E mais: no campo jurídico,

a personalidade se concebe como sendo empírica e, em conseqüência, a culpa

 bilidade penal não é culpabilidade da consciência senão “tão-só imputação da

ação para uma pessoa como seu causador”134.

3 . 2 . 1 . 4 . 1 C r í t i c a s  à  c o n c e p ç ã o   d e c u l p a b i l i d a d e  d e M e z g e r

A partir das várias formas de se entender um conceito normativo, critica

Pereda a imprecisão de Mezger ao se referir ao conceito normativo de culpabi

lidade, obscurecendo as diferenças entre a antijuridicidade e a culpabilidade.

131 Idem, op. cit., p. 29.

132 MEZGER, Edmund. Modernas orientaciones de Ia dogmática jurídicopenal,  p. 54-55.

133 Idem, p. 55.134 MEZGER. Tratado de derecho penal,  p. 18.

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68 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Ainda quanto ao conceito de culpabilidade, visto que Mezger o colocava como

o conjunto de pressupostos da pena, indagava Pereda, o que diferenciava a cul

 pabilidade do delito completo, acreditando que tivesse havido uma confusão

entre os conceitos de reprovabilidade, culpabilidade e imputabilidade135.

Tampouco parece lógico nem aceitável extrair por completo a culpabili

dade de seu autor para colocá-la em cabeça alheia, isto é, do julgador, até

 porque a culpabilidade não é criada pelo juiz, é preexistente ao mesmo, pois

se a culpabilidade se refere ao ato antijurídico completo, este ato é e será

sempre imputável ao autor, de sorte que a culpabilidade não pode se desvin

cular de quem a gera, para colocá-la em outra pessoa cuja única função é

valorá-la frente ao sistema normativo136. Se assim fosse, surgiria única e ex

clusivamente em virtude do juízo de reprovação emitido pelo juiz ao qualifi

car o ato como culpável, daí falar-se na eliminação da concepção normativa

 porque esta reduz a culpabilidade apenas a um mero juízo.

 Neste aspecto, vale salientar a réplica dos adeptos da culpabilidade normati

va, no sentido de que o juízo de reprovação tem consistência normativa, ainda maislevando-se em consideração que o Direito é um conjunto de valorações e juízos,

 pois o que existe, em realidade, é que um dado de fato unicamente assume valor e

relevo quando se põe em relação com a norma jurídica, isto é, quando é valorado.Desta maneira, subsiste na culpabilidade um liame psicológico, porém este só tem

significado quando possa ser valorado como juridicamente significativo137.

Outra crítica que se pode fazer a Mezger, esta de natureza metodológica,

é a de que a partir de uma concepção normativa que apregoa à culpabilidade,

não pode esta ter pressupostos de fato psicológico como seus integrantes, a se

ver pela própria conceituação que dá à culpabilidade.

Crítica comum a todas as concepções normativas da culpabilidade anali

sadas, é a que recai sobre o fato de todas estas persistirem em identificar a

responsabilidade do agente com dados externos a este, isto é, elabora-se o

 juízo de censura que o toma como referência e não como fundamento, levan

do em consideração as possibilidades de seu conhecimento138.

135 PEREDA, J. El concepto normativo de Ia culpabilidad. ADPCP, 1949, p. 21.

136 MUNOZ MARTINEZ. Teoria alemana de Ia culpabilidade,  p. 29.137 MUNOZ MARTINEZ. Op. cit., p. 37.

138 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos, RBCC,  nQ 24, p. 145.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 69

Como acentua Munoz Conde, a fundamentação teórica sobre o erro de

 proibição dada a partir da teoria da culpabilidade pela condução de vida ante

rior à prática do fato, possibilitava a punição do agente pela prática de delito

doloso àqueles que assim não atuavam, pois a atitude demonstrada durante

toda a sua vida frente ao ordenamento jurídico considerado em seu conjunto

mereciam ser castigados pela sua cegueira ou inimizade jurídica, ou seja, com

a pena do delito doloso139. Para Mezger, existe a inimizade jurídica quando o

autor mostra com seu fato uma atitude total que é incompatível com um sano

sentimento do justo e do injusto. A partir desta construção, inclusive utiliza

da para fundamentar a analogia, é inequívoca a simpatia de Mezger pelo ideal

nacional-socialista mesmo após o término da guerra.Por fim, quanto a questão da culpabilidade firmada a partir da base carac

teriológica, fica sem explicação o porquê pode se ter penalmente responsável o

autor por ser o que é. Isto significa inserir no sistema penal a responsabilidade

objetiva por se mostrar como conseqüência inevitável da natureza do sujeito.

3.2.2 A CULPABILIDADE PRÉ^FINAIISTÀ

Identificados os problemas em tomo da culpabilidade normativista pelos próprios integrantes da escola normativista, corroborado pelos estudos já inicia

dos por Welzel sobre a teoria final da ação e agregada ainda as seqüelas do

nacional-socialismo, Graf zu Dohna, von Weber e Helmuth Mayer iniciam o

 processo de reconstrução da dogmática penal que acarretará em mudança de

opinião no que se refere à culpabilidade.

3.2.2.1 A c o nc ep çã o de G r a f zu D o h n a

Afirma Welzel que foi Dohna quem deu o passo decisivo para a com preensão de que no juízo de culpabilidade, tanto quanto no da antijuridici

dade, encontramo-nos ante o resultado de uma valoração. Destarte, para

assegurar a materialização de sua concepção, separou a valoração (reprovabili-

dade) e o objeto desta valoração, o dolo, reduzindo o conceito da culpabilida

de à valoração do objeto140.

A meu aviso, Dohna não só prestou esta colaboração, como contribuiu

 para as bases da construção da teoria finalista ao negar dogmas dos seguido

1 39 Edmund Mezger y e l derecho pena! de su tiempo, p. 88.140 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal, p. 83.

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70 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

res do pensamento causalista, ainda que sem construir uma base metodoló-gico-filosófica para explicar suas afirmativas. Ao analisar o tipo objetivo,

afirmou que a ação constitui o núcleo do tipo e que não era essencial ao

delito ter um aspecto exterior perceptível pelos sentidos, até porque esteestá ausente nos delitos de omissão. Assim, os delitos de pura atividade se

traduzem em movimento corporal sem resultado. Já os delitos de comissão

 por omissão em um resultado sem atividade corporal, para, após, afirmar

que delito é ação, e esta é a concreção da vontade que pode ser dirigida a

 produzir ou evitar a atividade corporal141.

Quanto ao tipo subjetivo, afirmou que para o delito não era essencial

uma relação psíquica do autor com seu fato, até mesmo porque esta é ausentenos delitos culposos. Contudo, essa relação psíquica é a essência do dolo e,

quanto a este, especificamente, lecionou que atua dolosamente quem está

convencido de que com sua ação acarretará o resultado e que as circunstâncias

de fato acompanhantes estão presentes no caso142.

 Na análise da culpabilidade, a partir do comentário de Welzel acima

transcrito, reside a afirmativa de zu Dohna de que “a essência da culpabilida

de descansa na valoração do tipo subjetivo, como a essência da antijuridicidade na valoração do tipo objetivo”143. Noutras palavras, elabora sua construção

dogmática a partir da distinção entre objeto de valoração e juízo de valoração.

Em suma, para Graf zu Dohna a culpabilidade é a determinação da

vontade contrária ao dever, tendo como seu pressuposto geral e indispensá

vel a capacidade de imputação, a ser entendida como a capacidade de com

 preender o injusto de um fato e de determinar a vontade de acordo a essa

compreensão, sendo certo que esta capacidade está condicionada pela obtenção do grau de madurez necessária por uma consciência não pertubada e

 por um estado de saúde mental144.

A partir deste dado elucidativo, tratou a teoria finalista de destinar a

cada um dos institutos citados um lugar mais apropriado no esquema da própria teoria geral do delito.

141 ZU DOHNA, Alexander Graf. La estructura de Ia teoria del delito,  p. 18.

142 ZU DOHNA. Op. cit., p. 32- 33.143 Op. cit., p. 32.144 Op. cit., p. 66.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 71

3 .2 .2 . 2 A c o n c e p ç ã o  d e H e l m u t h  v o n  W eber

Pouco conhecida, mas não menos importante, é a interpretação unitária

do normativismo na culpabilidade que Helmuth von Weber concebe no seu

livro “Zum Aufbau des Strafrechtssystems”.De pronto, é assinalado o dogma “não há pena sem culpa”. Disso decorre

que a reprovação permanece na pena, pressupondo ambas a presença da cul

 pabilidade realizada ou em vias de se realizar, sem, contudo, determiná-la,

dado que a reprovabilidade permanece na antijuridicidade da ação. Isto é,

“reprovamos o autor que se tenha comportado antijuridicamente”145.

Disso decorre a caracterização do ato culpável como o agir antijurídicode quem poderia ter se comportado conforme o direito (Schuldhaft handelt,

wer rechtswidrig handelt, obwohl er rechts-mãssihandeln konnte)146. Por con

clusão deste pensamento, quem não puder conduzir-se conforme o direito,

estará livre de reprovação e deixará de ser tido por culpável. Vê-se, pois, que o

conceito de poder a ser compreendido a partir da evitabilidade do atuar anti

 jurídico, definirá a estrutura da sua culpabilidade.

 Nesta concepção, antijuridicidade e culpabilidade ficam bem destacadas uma

da outra, à primeira, corresponde uma nota de dever, e à culpabilidade, uma carac

terística de poder, mais detalhada do que a simples diferenciação entre o elementoobjetivo e subjetivo. Importante ressalvar que, ao discorrer sobre a noção de poder

e na evitabilidade da conduta, questões em tomo do livre-arbítrio e determinismo

são retomadas, até mesmo porque só se pode evitar algo quando se é livre.

3 . 3 O FINALISMO

Findada a II Guerra Mundial, Welzel retoma seus estudos estruturais

da filosofia finalista iniciados na década de 30.

As críticas de sua teoria recaíram sobre o positivismo naturalista e sociológico, o neokantismo e suas concepções relativistas-valorativas-normativistas,

com o intuito de afastar a teoria dos valores, formando, em troca, estruturas

lógico-objetivas (sachlogische Strukturen), implicando a vinculação entre va-

145 QU INTANO RIPOLLÉS. Hacia uma posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia culpabilidad. ADPCP,  1959, p. 492.

146 QU INTANO RIPOLLÉS. Hac ia uma posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia culpabilidad. ADPCP,  1959, p. 492.

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72 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

loração e realidade ôntica, que é para este sistema a ação, erguendo, destarte,

como resposta toda uma estrutura em torno da ontologia.

Tem o finalismo origem distante na construção aristotélica, na fenomeno-logia e nas novas direções da psicologia do pensamento do século XX, e na teoria

sociológica de Max Weber, na qual o objeto que se quer analisar condiciona os

resultados do raciocínio científico. Portanto, não é verdade que os resultados das

ciências culturais não dependam exclusivamente das valorações científicas147.

Estrutura-se a teoria finalista a partir do fundamento lógico-objetivo,

isto é, o ser em busca do conhecimento através do método fenoménológico.

Em decorrência dessa premissa, o ser-humano tem percepção e conhecimento

acerca das situações da vida —realidade e valor, logo, o ser-humano tem capacidade de prever determinada medida a partir das bases de seu saber causai e

as possíveis conseqüências de sua atividade. Dizia Welzel que a ação não é um

 processo causai, mas é um processo de sentido onde a tipicidade não se esgota

na causalidade, senão na atividade humana, razão pela qual dolo e culpa não

 podem permanecer na culpabilidade.

Com isso, quer Welzel dizer que o ser-humano organiza a sua conduta

de acordo com um sentido que lhe é imposto em decorrência de sua funçãocosmológica. Ou seja, o ser-humano tem um projeto de ação antecipadamen

te inscrito a ele, como condição da própria humanidade, e este projeto de ação

é o projeto finalístico.

Portanto, é correto afirmar-se que a teoria finalista nasce de uma con

cepção filosófica na qual se reconhece ao ser-humano, e em razão da sua con

dição de ser-humano, um projeto de ação orientado a determinados fins que

assegurem o seu bem-estar como pessoa humana e que se resumem na defesa

da vida, da liberdade e do patrimônio. Pode-se, então, dizer que aqui reside ofundamento ontológico da teoria da ação.

A finalidade para Welzel decorre deste projeto de ação que se assegura à

 pessoa humana. Não é um projeto puramente causai, mas é de sensibilidade com

147 Com amparo na lição de Welzel, na obra Introducción a Ia filosofia del Derecho, destaca Luiz Régis Prado, no seu Curso de direito pena! brasileiro, p. 81, que a gênese do pensamento finalista advém do filósofo Richard Hõnigswald, esboçada em Fundamentos da Psicologia do Pensamento, como também nos trabalhos dos psicólogos Karl Bühler, TTieodor Erismann, Erich Jaensch, Wilhem Peters, e dos fenomenologistas P. F. Finke è Alexander Pfãnder, e não em Nicolai Hartmann, embora este tenha contribuído posteriormente na reformulação de seu pensamento.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 73

relação à realização da pessoa humana no mundo, e, portanto, não está vinculado auma simples observação empírica ou tampouco a uma mera formulação normativa.

Acerca desta ação, ela não é uma atividade que o Estado configure, nemé uma atividade causai, mas é uma atividade que decorre do próprio fundamento da pessoa humana. A pessoa humana não pode se desvincular do seu

 projeto de ação no mundo, e este é o projeto final.

Para Welzel, a ação humana é o exercício da atividade finalista que se

funda sobre a base do conhecimento causai do homem, podendo prever as

 possíveis conseqüências de sua atividade, de forma que, a partir desta consta

tação, o homem pode se propor objetivos e dirigir suas atividades em obediên

cia e tendente a conquistar seu objetivo. Esta vontade, que é consciente, deconquistar o objetivo, é o dolo, que a propósito, se constitui como o núcleo

desta concepção. Deste modo, o desvalor da ação é a inobservância dos valoresético-sociais fundamentais do atuar jurídico manifestado efetivamente.

Ainda, afirma o finalismo que o injusto penal baseia-se no fato de queapenas as ações e não os resultados podem ser objetos de proibição, além do

que o resultado é irrelevante para o injusto, porque sua produção ou não-

 produção depende de “azar”, figurando, pois, como condição objetiva de pu-nibilidade ou como pressuposto de perseguibilidáde.

 No âmbito da pena, discorre que, ao reafirmar as normas, reafirmam-se tam

 bém as valorações que fundamentam as normas. Portanto, a pena é retribuição, ou

seja, é a reafirmação concreta do valor do ato que supõe a aplicação da pena justa.

E idéia de Welzel que o reconhecimento do homem como pessoa respon

sável é o pressuposto mínimo de uma ordem social que não quer se fazer valer

do poder, destarte, ressalta com esta colocação a dignidade da pessoa humana.Resultado desta inovação filosófica foi uma completa modificação do siste

ma dogmático-penal, transportando o tipo subjetivo para junto do objetivo, de-

 purando-se a culpabilidade, que passou a ser puramente normativa, extraindo-se

a consciência da antijuridicidade do dolo, permanecendo na culpabilidade.

O finalismo não ficou isento de críticas e uma das mais severas foi a de que

seu ontologicismo era o mesmo que o apriorismo neokantiano. Na realidade, a

crítica não tem razão de ser, isto porque o apriorismo neokantiano presume-se a partir do conhecimento dos valores de forma absoluta, até mesmo em vista de

estar amoldado o Direito Penal num sistema fechado, ao passo que o ontologicismo recepciona o conhecimento relativo ou possível para o agente naquelas

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74 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  Pe n a l

condições, de forma a se tomar impossível que seja o agente punido se, ao tempoda ação do delito, o mesmo não possuísse a consciência da ilicitude, surgindo daía estrutura do erro de proibição e a teoria extremada da culpabilidade. Deste

 pensamento, origina-se o princípio hermenêutico da adequação social, afastando a incidência penal por meio da negativa da ripicidade quando um fato ocorrido estivesse descrito no preceito primário da norma.

Por fim, outra crítica que se deduz do pensamento welzeniano, é o de quenão há desvinculação do injusto da ação com o injusto do resultado, isso porque,a ação típica enquanto unidade de fatores internos e externos, incluindo o resultado, é o verdadeiro objeto da norma de determinação e de valoração em que se

 baseia o injusto. Logo, a separação da ação e do resultado, colocando este parafora do injusto penal é indevido, isto porque o injusto penal não pode existir emqualquer de suas manifestações sem um resultado externo.

Diante desta crítica formulada pelos funcionalistas em geral, coloco-meao lado destes pensadores por entender que o injusto penal não pode distan-ciar-se da realidade das coisas, ou seja, ação e resultado devem ser compreendidos conjuntamente.

De outro lado, na defesa do finalismo welzeniano, antecedente imediato

do funcionalismo e criticado por reunir muitas categorias indemonstráveis, comomelhor exemplo o livre-arbítrio, é dito que o método ontológico das estruturaslógico-objetivas, não nasceu com a pretensão de marcar um determinado mode

lo social ou político, senão na tentativa de superar o Direito natural e o positivis

mo jurídico, como também de estabelecer teoricamente um limite à atividadelegislativa do Estado em favor do respeito à autonomia da pessoa148.

Ainda que os postulados finalistas não tenham sido completamente in

teriorizados no Brasil e em outros países também, alguns autores sustentamque eles já se referem ao passado, não possuindo nos dias de hoje seguidores

de respaldo acadêmico, o que é um ledo engano, ao entendimento de que ofinalismo continua vivo na Alemanha, ainda que inseridas modificações, semse esquecer que sua estrutura de teoria geral do delito continua sendo adotada pelos chamados pós-finalistas.

 No que se refere à culpabilidade, o finalismo, marcou uma nova etapa no

desenvolvimento da teoria normativa da culpabilidade, acentuando-lhe o caráter 

148 BORJA JIMENEZ. Algunos planteamientos dogmáticos en Ia teoria jurídica del delito en Alemania, Italia y Espana, CPC, nB 63, p. 603.

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é a vontade enquanto estado anímico, mas apenas deve ser vista como qualidade ou reprovabilidade da vontade ou da ação.

Tendo como núcleo a vontade, destarte antagônica com a idéia de poderde von Weber, explica Welzel que somente o que depender da vontade do

homem pode lhe ser reprovado a título de culpabilidade. Disso decorre que a

culpabilidade valora os objetos (dolo e culpa), ou seja, é uma qualidade nega

tiva da ação, sendo, então, um conceito valorativo negativo e, por conseqüência, um conceito graduável, tendo aqui por alicerce a importância à exigência

do Direito e a facilidade ou não do autor em satisfazê-la.

A partir do núcleo vontade, fundamentava Welzel o núcleo da culpabilidade (reprovação), no poder atribuído ao sujeito de agir de outro modo.

 Nesta estrutura, o autor é pessoalmente reprovado porque se decidiu peloinjusto, embora pudesse se decidir pelo direito.

Portanto, reforça-se o argumento anteriormente exposto de que a culpa

 bilidade não se encontra na cabeça do julgador, como aliás pretendia a con

cepção normativa da culpabilidade de Mezger152, ou ainda “injusto não é

injusto porque alguém o julgue como tal, senão que surge pela execução de

um comportamento antijurídico, assim também a culpabilidade é independente do fato psíquico da realização do juízo”153.

Feitas as considerações prévias acerca da culpabilidade finalista, afirma

Welzel qúe, no juízo de culpabilidade, “se examina a reprovabilidade da von

tade típica e antijurídica, podendo-se perguntar: em que condições e em que

medida pode ser reprovado o autor como um fracasso pessoal frente ao orde

namento jurídico?”154. Em outras palavras, na culpabilidade se examina até

que ponto pode ser reprovado pessoalmente o autor pela vontade da ação155.Indagado Welzel, se com a mudança da estrutura dogmática da teoria

geral do delito não deixaria subjetivado o injusto oü esvaziado o conceito de

culpabilidade, este respondeu que “com a inclusão do dolo no tipo não se tira

deste nenhum elemento objetivo, tampouco fica subjetivado no mínimo; por

outra, o objeto de reprovação da culpabilidade não fica reduzido, posto que a

152 WELZEL. E l nuevo sistema de! derecho penal,  p. 80-81.153 JAKOBS. Derecho penal, p. 573.

154 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal,  p. 81.

155 WELZEL. E l nuevo sistema del derecho penal,  p. 82.

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Fá b io  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 77

atitude subjetiva do autor em relação com o fato é um elemento constitutivo

da reprovabilidade. Com isso, destaca-se todo o conteúdo objetivo e subjetivo

da ação típica, assim como a essência e os elementos constitutivos da culpabilidade. Nos delitos culposos, a culpabilidade fica completamente depurada de

elementos estranhos ao incluir a infração do cuidado devido no tipo, ao mesmo tempo com o destaque do desvalor da ação ficam excluídos o tipo e a

antijuridicidade. O suposto esvaziamento do conceito da culpabilidade é, em

realidade, sua depuração de elementos estranhos”156.

De modo geral, numa visão formal da culpabilidade, esta é a reprovabi

lidade pessoal da ação típica e antijurídica, sendo, pois, uma qualidade ine

rente à ação delitiva, apreciada pelo juiz de acordo com as valorações implícitasno ordenamento jurídico, “ainda que existam consideráveis diferenças de opi

nião em tomo dos elementos e fundamento material da culpabilidade”, con

forme acentua Cerezo M ir157.

Portanto, são elementos desta culpabilidade a imputabilidade (capaci

dade psíquica do autor ser capaz de motivar-se de acordo com a norma), aconsciência do caráter antijurídico de sua conduta, sendo que estes se referem

ao livre-arbítrio; e as causas de inexigibilidade de outra conduta, constituin-do-se estas como elemento negativo que se dá em momentos em que o sujeito

está acometido de pressões extraordinárias e, por isso, o juiz não o reprova.

Acerca desses elementos, pode se afirmar que ausente a imputabilidade

o sujeito careceria de liberdade para se comportar de outro modo, e é neste

instante que se indaga se o agente poderia agir de outra maneira.

Quanto à presença do elemento possibilidade de conhecimento da anti

 juridicidade do fato na culpabilidade, isto se dá porque o dolo é transportado

 para o injusto apenas na sua condição natural, e nele não se inclui o conhecimento da proibição, visto até então pelos sistemas anteriores como parte inte

grante do dolo — dolo malus, permanecendo, portanto, este elemento na

culpabilidade, e como não há mais o elemento subjetivo, passa esta possibili

dade de conhecimento a ser determinada normativamente.

E a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade que permite com

 provar se o agente podia conhecer a proibição do fato, de maneira a poder ade

156 Idem, op. cit. p. 84.157 El delito como acción culpable. ADPCP,  1996, p. 19.

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quar a sua conduta à norma. Se este elemento é excluído, resulta que o dolomantém-se ileso, surgindo aqui a excludente da culpabilidade erro de proibição,

 podendo ser vencível ou invencível, isto é, indesculpável ou desculpável. Assim,

se o erro de proibição é vencível, por conseqüência, atenua-se a culpabilidade, persistindo a responsabilidade pessoal pelo fato. Diferente se o erro é invencível, porque aqui há o afastamento integral deste elemento do conceito de delito.

Como último elemento, reconhece-se a ausência de causas de exclusãocomo elemento integrante da culpabilidade, embora a própria doutrina admita que estas não excluem completamente a possibilidade de atuar de outromodo, não eximindo o sujeito de um juízo de reprovação de culpabilidade.

Da exposição feita, dessume-se que para se determinar o poder agir deoutro modo como elemento central da concepção, mister que o agente tenhatido conhecimento da conduta errada que lhe era exigível, consistindo, pois,num juízo de possibilidade ou, se se preferir, num juízo de presunção. Daí

alguns autores afirmarem que Welzel se aproximou da culpabilidade pelaconduta de vida “ao caracterizá-la como a reprovação que se exerce tambémcom base na formação errônea da personalidade”158.

3 .3 .1 .1 O LIVRE-ARBÍTRIO FINALISTA

Dada a magnitude alcançada pela teoria finalista e se constituir a autodeterminação ética, livre e responsável do homem, como o fundamento interno da

culpabilidade, pressupondo a liberdade de vontade do autor, entende-se perti

nente abordar o tema com mais vagar, dispensando-se uma maior atenção à teoria.

Estrutura Welzel as bases do livre arbítrio nos aspectos antropológicos ecaracterológicos, afastando-se da teoria filosófica social de Darwin da evolução das espécies para, em seu lugar, apoiar-se na Zoologia e Psicologia animal.

Em decorrência desta premissa, afirma-se que o instinto perde lugar ao“Eu” anímico como centro responsável, em decorrência disso, o racional prevalece sobre o instinto, a ponto de se reconhecer que o homem não existiriacomo tal se não tivesse inteligência; ou seja, a capacidade que tem todo homem de estruturar um pensamento racional e ordenado, que lhe permita desenvolver o tipo de conduta que lhe é adequado através de atos inteligentes emunidos de vontade às questões de ordem física. Por ser “dono” de suas ações

é que se reconhece a sua liberdade.

158 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: Incongruência de métodos, RBCQ ne 24, p. 150.

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80 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  Pe n a l

de se autodeterminar conforme o sentido e por liberdade. Há de se entendê-la como o arbitrário e ilimitado poder que tem todo homem de se comportar

de qualquer maneira, seja pelo bem ou pelo mal.Outro conjunto de idéias que nem sempre são bem compreendidas é a

confrontação entre os conceitos de culpabilidade e reprovabilidade. Vejamos:culpabilidade é a reprovabilidade do fato antijurídico individual. Já a reprova

 bilidade se refere a uma conduta antijurídica real, e esta tem como pressuposto existencial a capacidade de autodeterminação livre, isto é, conforme o sentidodo autor. Mais: elementos constitutivos da reprovabilidade são todos aquelesnecessários para que o autor capaz de culpabilidade possa adotar em relação

ao fato concreto, ou seja, uma resolução de vontade em conformidade com oDireito em lugar da vontade antijurídica162.

Assim, a culpabilidade individual é a concreção da capacidade de culpa bilidade em relação com o fato concreto. A reprovabilidade baseia-se nosmesmos elementos concretos cuja concorrência com o caráter geral constitui acapacidade de culpabilidade. Isto é, o autor tem que ter conhecido o injusto

do fato, ou pelo menos tem que ter podido conhecê-lo, e ter podido decidir

 por uma conduta conforme o Direito em virtude deste conhecimento, real ou possível do injusto. Diz-se então que a “culpabilidade concreta (a reprovabilidade) está constituída (de modo paralelo à capacidade geral de culpabilida

de) por elementos intelectuais e voluntários”163.

Quanto à imputabilidade, esta se reveste pela soma de dois elementos,um de conhecimento (intelectual) e outro de vontade, ou de capacidade decompreensão do injusto e da determinação da vontade. Por conseguinte, “sefalta um destes elementos, ex. por juventude ou por estados mentais anor

mais, o autor não é capaz de culpabilidade”164.

 Não obstante a digressão do pensamento welzeniano feita até aqui, discorre o citado autor sobre os elementos intelectuais da reprovabilidade, isto é,o conhecimento òu cognoscibilidade da realização do tipo como elemento dareprovabilidade e a cognoscibilidade da antijuridicidade.

Quanto ao conhecimento ou cognoscibilidade da realização do tipo comoelemento da reprovabilidade, não se pode olvidar que, na estrutura finalista dolo

162 Idem, op. cit. p. 100.163 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal,  p. 101.164 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal,  p. 95.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 81

e culpa foram transportados da culpabilidade para o tipo penal, ao passo que naculpabilidade permanece a medida da reprovabilidade pessoal do dolo e dos

demais elementos subjetivos do tipo. Nos delitos culposos, há que se indagar seo autor tinha previsto a possibilidade da lesão ou do perigo, típicos do bem jurídico (culpa consciente) ou se tinha podido prevê-la (culpa inconsciente).

Deste modo, o elemento cognoscibilidade da antijuridicidade assegura que para o fato ser culpável, mister seja somado ao conhecimento da realização do tipoo conhecimento acerca da antijuridicidade de sua conduta. A partir daqui, mul-

tiplicam-se as teorias em busca da justificação do erro pelos causalistas e finalistas,

que deixaremos de transpô-las por não constituir o núcleo deste trabalho.

Por fim, reitera-se aqui o conceito welzeniano, segundo o qual culpável éaquele que se deixou arrastar pelos impulsos contrários ao valor, em que peseter a possibilidade de autodeterminar-se conforme as exigências do ordena

mento jurídico165.

3 . 3 . 2 C r í t i c a s   à  c u l p a b i l i d a d e   f i n a l i s t a

Crítica inicial dirigida a esta concepção, consistiu na afirmativa de quecom a estrutura desenvolvida, esvaziara-se o conteúdo da culpabilidade.

Como se apontará nas considerações seguintes, diz-se que esta crítica é procedente “na medida em que se percebe o distanciamento da responsabilidade de

suas bases objetivas para conduzir-se por juízos hipotéticos”166. De acordo com aconcepção welzeniana, estes são fundamentados através de postulados éticos eontológicos. Na mesma linha crítica de esvaziamento da culpabilidade, desde a

 perda dos elementos subjetivos do delito, manifestaram-se os autores neoclássicos.

Como exposto, o conteúdo material da teoria finalista de Welzel, consis

te em reconhecer a reprovação de culpabilidade no homem que está em dis posição de se autodeterminar livre, responsável moralmente e está capacitado para decidir-se pelo Direito e contra o injusto. Não obstante, Welzel não

explica como pode fundamentar-se a responsabilidade do culpável por suadecisão de cometer o fato. Conforme destacou Jescheck, para o finalismo éimpossível conhecer de que forma a pessoa evita o delito e utiliza, de fato, seu

autocontrole com a finalidade de atuar conforme o Direito167.

165 WELZEL. Derecho pena! alemán, p. 210.166 TAVARES, juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC, ns 24, p. 149.167 Evolución del concepto jurídico penal de culpabilidad en Alemania y Áustria. Revista Electrónica 

de Ciência Pena / y Criminoiogia, p. 5-6.

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82 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

Este conceito material de culpabilidade entrou em crise na modernaciência do Direito Penal, porque o livre-arbítrio não pode ser comprovadoempiricamente, muito menos no processo penal, isto em razão de ser impos

sível dada a própria natureza das coisas, v.g.  se o delinqüente na situaçãoconcreta em que se encontrava podia ou não ter agido de outro modo etc168.Comungando da mesma opinião, Roxin atenta para o fato de que o homem

deve ser tratado como livre dada a sua capacidade de autocondução, possuindo dirigibilidade normativa e não no sentido das ciências da natureza169. Neste aspecto, Naucke salienta que, da discussão sobre a culpabilidade, todas asidéias com impacto poético (o mal maior é a culpabilidade) e de complacência

 política (culpabilidade é abuso de liberdade) são infecundas e, por isso, devem

ser excluídas em favor de questões juridico-penais concretas, e segundo o querequeira a decisão do objeto da questão170. Acentua, ainda que todas as circunstâncias que são necessárias para o julgamento da culpabilidade jurídico-

 penal devem existir no momento da consumação do fato171.

As críticas acerca da indemonstrabilidade da comprovação empírica ou ade como o homem está em situação de liberar-se da compulsão causai para aautordeterminação conforme o sentido, não eram estranhas ao próprio Welzel172,

até mesmo porque no momento do fato não se pode saber se o sujeito era capazde tomar uma decisão de vontade que se oponha ao fato. E, como diz Roxin

 baseado na lição de Lenckner, o que se está discutindo não é a questão do poder

do indivíduo para atuar de outro modo no momento do fato, senão o que a

ordem jurídica exige do autor à vista de suas condições e das circunstânciasexternas do acontecimento em comparação com as de outros homens; isto é, oque se exige do particular para que ainda se lhe possa imputar seu fato173.

O exemplo usado por Roxin para demonstrar que o poder atuar de outromodo não pode fundamentar o juízo de culpabilidade é bastante elucidativo:

168 Váriàs são as posições doutrinárias tendentes a se afastar do embate com o livre arbítrio. Entre outras, sustenta Klaus Volk que a culpabilidade é um conceito não apenas normativo, mas essencialmente social. Com esta estrutura, posiciona as pessoas como livres e responsáveis, cabendo ao juiz auferir apenas a presença contrária dos elementos dá culpabilidade, isto é, se falta imputabilidade ao agente, se há indicfos de erro sobre o fato, e por fim, se apura se havia uma situação pela qual não era exigível que o imputado tivesse conduta conforme a norma. Introduzione a l diritto penale tedesco, p. 88-89.

169 Que queda de Ia culpabilidad? CPC na 30, p. 685.170 Derecho penal,  p. 116.171 NAUCKE, Wolfgang. Derecho penal,  p. 117.172 Derecho penal alemán,  p. 209-210.

173 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 62.

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Fá b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 8 3

serve-se dos casos de eutanásia cometidos pelos médicos que serviram ao nazis

mo, e que assim agiram para evitar algo pior contra os mesmos, e assim inclusive

 poder salvar uma parte dos pacientes que lhes tinham sido confiados, isto tudo,

 partindo da premissa de se querer desculpar os citados médicos. Afirma-se quenão se pode basear no argumento de que os médicos eram incapazes de atuar de

outro modo, porque perfeitamente podiam ter deixado que as coisas seguissem

seu curso, portanto, a escusa tem de basear-se em outras circunstâncias.

A partir desta unanimidade, diversos posicionamentos doutrinários sur

giram tentando explicar o conteúdo material da culpabilidade, sendo identificados os autores como pós-finalistas e funcionalistas, em geral abstraindo-se

do problema do livre-arbítrio.

Tal como já fora feito anteriormente, em síntese, a imputação feita aoagente decorre de elementos estranhos a ele, simbolizados a partir das possibi

lidades de conhecimento deste. Daí ser a culpabilidade concebida como con

dição normativa de responsabilidade, não possuindo mais referência direta

com o fato, até mesmo em obediência a proposta de reformulação do delito a

 partir da sua apreciação, verificando-se no injusto o objeto de valoração, e na

culpabilidade o juízo de valor174. '

3 .4 A CULPABIL IDADE DOS DISC ÍPULOS DE W ELZEL

Ante as críticas recebidas pelo finalismo e até mesmo no plano do desenvol

vimento das idéias, dois dos discípulos de Welzel, Werner Niese e Karl Engisch,

efetuaram pequenas modificações no sistema, mas que colidem em parte com a

concepção original. Niese acresce a “finalidade como valor” na culpabilidade e não

na ação. Em seguida, atribui ao dolo e a imprudência à noção unitária de culpabi

lidade e, preocupado com a separação destes elementos da ação, vê no dolo e na

imprudência conjuntamente objetos da valoração da culpabilidade, o dolo como

conhecimento pleno da ilidtude e a culpa como potencial conhecimento175.

Por sua vez, Karl Engisch afirma que o autor do delito não é em si e por

si culpável, sendo-o unicamente por força do juízo de culpabilidade pronun

ciado pelo juiz176.

174 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos, RBCC, ns 24, p. 148.

175 NIESE. Finalitãt, Vorsatz und Fahríãassigkeit, p. 64, apud Quintano Ripollés, op. cit, p. 496.

176 ENGISCH. Untersuchungen Ober Vorsatz und Fahrlãssigkeit,  p. 16, apud Quintano Ripollés, op. cit., p. 496.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 85

Sustenta Gallas que a culpabilidade pode ser normativa a partir da per

gunta: em que consiste propriamente a razão real da vinculação entre reprovabi

lidade e poder? Responde Gallas que “essa razão reside no fato de quem sedecide livremente contra o Direito manifesta uma atitude que contradiz o que a

ordem jurídica reclama do sujeito justo e consciente. Culpabilidade é a reprova bilidade do ato em atenção ao ânimo (Gesinnung) juridicamente desaprovado

que se realiza nele.” Por ânimo, não se tem de entender, a este respeito, umaqualidade permanente do autor, nem tampouco a sua individual perigosidade

no sentido da prevenção especial. Trata-se, pelo contrário, do valor ou desvalor

da atitude atualizada no ato concreto, trata-se da conclusão que, através de uma

consideração generalizadora e orientada a módulos valorativos ético-sociais temde ser extraída do ato e de seus móveis em relação à posição total do autor ante as

exigências do Direito182. Significa dizer que na culpabilidade emite-se um juízo

de desvalor orientado por parâmetros valorativós ético-sociais sobre a atitude

global do sujeito frente às exigências do Direito atualizada no fato concreto.

Para Jescheck, diz Jaime Couso Salas, a atitude interna favorável ao Direito

ou atitude jurídica (Rechtsgesinnung) constitui uma qualidade do cidadão,

imprescindível para a afirmação prática da ordem social, já que nela se baseia a posição frente ao Direito e, conseqüentemente, a vontade de obedecê-lo183. E

mais, não é toda falta de atitude jurídica que é culpabilidade. E necessário que

o déficit de atitude jurídica se encontre desaprovado, e isto depende do maior

ou menor valor dos motivos concorrentes na formação da vontade184.

Vale ressaltar também que esta teoria estabelece a diferença entre injusto

e culpabilidade, como sendo a diferença entre o desvalor da ação e o desvalor

da atitude interna do fato. Tem-se que esta concepção é orientada por valores

ético-sociais e emite um juízo de desvalor sobre a atitude do autor contrário àsexigências do Direito. Em assim sendo, na culpabilidade se dita um juízo de

valor em respeito da atitude global do autor para as exigências do direito,

atualizada no fato concreto. Logo, o objeto do juízo da culpabilidade é o fato

à vista da atitude interna juridicamente defeituosa da qual surgiu a resolução

de se cometer o fato185, e não a vontade de atuar reprovável como era para

182 GALLAS. Op. ci t, p. 62.183 Fundamentos del derecho penal de culpabilidad,  p. 148.184 JESCHECK. Tratado de derecho penal, p. 380.

185 JESCHECK. Tratado de derecho penal, p. 380.

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86 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e i t o  P e n a l

Welzel. Para Jescheck, a atitude interna constitui “a razão pela qual o fato sereprova com maior ou menor intensidade o autor”186, sendo este o conteúdo

material deste modelo de culpabilidade.

Interessante é a idéia que traça Gallas a partir da diferença estabelecidaentre desvalor da ação e do ânimo, sobre a relação entre tipificação de ação e deculpabilidade, outorgando uma dupla função sistemática ao dolo, isto é, “no âmbito

do injusto, é portador do sentido subjetivo da ação, a finalidade; no âmbito da

culpabilidade, ao contrário, como expressão do ânimo contrário ou indiferente ao

Direito, tipicamente vinculado com a realização consciente do tipo”187. Desse

entendimento, decorre a possibilidade de ser o ânimo graduado de acordo com a

sua maior ou menor reprovabilidade ao modelo estabelecido pelo direito. Noutras considerações, segundo esta teoria, o princípio da culpabilidade tem

como pressuposto lógico a liberdade de decisão do homem, sem que para isso seja

um obstáculo que se considere indemonstrável a fundamentação da reprovação da

culpabilidade na liberdade de decisão do ser humano como pessoa individual188.

 Neste sentido, para tratar como livre o autor que mantém intacta sua

capacidade de governar-se, basta com que outra pessoa situada em seu lugar

tenha podido atuar de outro modo nas mesmas circunstâncias. Aqui, o ob

 jeto do juízo de culpabilidade é o fato considerado em atenção à atitude

interna juridicamente desaprovada que nele se realiza189. Percebe-se, por

tanto, que ao lado do fato ocorrido há de se outorgar relevância à culpabili

dade pela condução de vida, particularmente quando se analisa a evitabilidade

do erro de proibição190.

Mais recentemente, Schmidháuser segue esta concepção, porém com algu

mas reformas frente à sua concepção primária. Inicialmente, elimina “o poder do

indivíduo para atuar de outro modo”, para em seguida determinar o conteúdoda atitude interna antijurídica191. Conceitua a culpabilidade como o comporta

mento espiritual lesivo de um bem jurídico. Com isso, quer dizer que o autor 

186 Idem, p. 380.

187 GALLAS. Op. cit., p. 63.188 JESCHECK. Tratado de derecho penal, p. 367-369.

189 JESCHECK. Tratado..., op. cit., p. 379-380.190 JESCHECK. Op. cit., p. 381. Esta construção doutrinária não se posiciona como integrante daculpabilidade psicológica, ainda què se considere o dolo como elemento autônomo da culpabilidade. Cfe. op. cit, p. 388.

191 ROXIN. Culpabilidad..., p. 65.

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Fáb io Guedes de Pau l a M ach ad o - 87

não levou em consideração o bem jurídico lesionado pelo comportamento de suavontade, no sentido de que espiritualmente estava em contato com o valor192.

Afirma Schmidhãuser que “temos que conformarmos em constatar o conta

to espiritual do autor com o valor lesionado no momento do fato e, nesse sentido,e precisamente por isso, também seu equívoco espiritual com respeito ao valor”193.

Quanto às causas excludentes de culpabilidade, reconhece este autor que

concorre um comportamento espiritual correspondente ao tipo de culpabili

dade lesiva de um bem jurídico, porém diminui a culpabilidade moral e ética

do autor de forma tão específica que desaparece a culpabilidade jurídica194.

Sustenta Jescheck, que Hans Joachim Hirsch segue a Unha traçada por

Gallas ao discorrer que a ciência jurídica deve se orientar por acontecimentos da vida social, pois a pessoa ao sentir-se livre, deve este fenômeno cons-

tituir-se como o ponto de partida195. Ainda, afirma que o Direito construído

 pelo homem não pode se situar em contradição com a lógica geral que move

seus destinatários.

Vale ressaltar que o próprio Jescheck afirma ser adepto desta construção

teórica, baseando-se no critério da pessoa modelo vinculada a valores juridica

mente protegidos, comparando-a com o autor do fato com referência à idade,

sexo, profissão, características físicas, atitudes psicológicas e experiências davida196. Para Jescheck, não será a capacidade geral do sujeito médio a que se

converte em medida de atitudes individuais do autor, senão que é a partir da

experiência com casos semelhantes confirmadas por meios empíricos que se

deduz a capacidade do autor para dirigir seu comportamento no caso concre

to. Portanto, a medida de culpabilidade se orienta de acordo com a experiên

cia judicial, psicológica e criminológica197.

E notório, pois, em suma, que esta acepção dogmática emprega para a

verificação ou não da culpabilidade o método social-comparativo entre o ho-

mem-médio e o autor do fato. Este homem-médio é reflexo de um padrão de

comportamento que dele se pode esperar.

192 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 65-66, Apud  Schmidhãuser, Strafrecht: Allg. Teil, p. 118 e 285.193 Schmidhãuser, E. Strafrecht: Allg. Teil, 1074, p. 285, apud Roxin, Culpabilidad.., op. cit, p. 66.

194 Schmidhãuser, E. Strafrecht: Allg. Teil, 11/1, p. 364, apud Roxin, Culpabilidad.., op. cit, p. 67.

195 Evolução do conceito jurídico-penal de culpabilidade na Alemanha e na Áustria, p. 10.196 Evolução do conceito jurídico-penal de culpabilidade na Alemanha e na Áustria, p. 10.

197 Idem, p. 10.

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88 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

3 . 4 . 1 . 1 C r í t i c a s   à s   t e o r i a s   d e G a l l a s , J e s c h e c k  e S c h m i d t h à u s e r

Afirma Schünemann, taxativamente, que esta teoria não resiste a uma análise

rigorosa há trinta anos, ainda que seja predominante na Alemanha, isto porque“se a culpabilidade pressupõe a liberdade de comportar-se de outro modo, é

evidente que esta liberdade só se está fingindo quando se deduz que outras

 pessoas no lugar do autor teriam podido atuar de forma distinta”, consubstan-ciando-se numa versão do denominado “determinismo débil”, visto que em

uma perspectiva que parte da indemonstrabilidade da liberdade de ação, estanão pode se compatibilizar com o Direito Penal da culpabilidade198.

Com esta crítica quer se dizer que esta teoria omite conscientemente aquestão da capacidade individual de atuar de outro modo, e reduz o juízo de

culpabilidade à constatação de que o autor era acessível à norma, isto é, era

normalmente motivável por normas e nesta situação um homem ajustado nãoteria cometido o fato.

E ainda, tampouco no caso do erro de proibição pode a culpabilidade pelo

fato vinculada à ação antijurídica ceder seu lugar à culpabilidade pela conduçãode vida, pois, nos momentos prévios ao fato, o autor não se comportou antijuri-

dicamente e, portanto, tampouco atuou de modo penalmente reprovável199.

Critica também Schünemann a existência de uma culpabilidade dolosa,

em razão de que o conceito normativo de culpabilidade, entendido como juízo de reprovabilidade, só se refere à evitabilidade, não se compatibilizando

com o conceito psicológico de culpabilidade200.

Entende Roxin que, com esta teoria, pouco se ganhou em nível de

desenvolvimento da culpabilidade, em razão de que só se pode falar em

culpabilidade se na ação delitiva se expressa uma posição interna do sujeito juridicamente desaprovada. O que Gallas chama de atitude interna juridi

camente desaprovada é a própria reprovabilidade, além de não explicar de

terminadas situações objetivas postas pelo ordenamento, citando o exemplo

a partir da legislação alemã, envolvendo o estado de necessidade em caso de

198 SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: estado de Ia cuestión. Sobre et estado de la teoria del delito, p. 95 e 105.

199 SCHÜNEMANN. La culpabilidad: estado de la cuestión. Sobre el estado de Ia teoria del delito, p. 95.

200 Idem, p. 95.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 89

ameaça de bens jurídicos de terceiros, porém não em caso de atuações paraevitar outros perigos201.

Pode-se também dizer sobre esta teoria que a concepção da desaprovaçãoou repreensão, que deve explicar a atitude moral do autor, não contém um

critério substancial para a deficiência de atitude moral afirmada, faltando-lhe,

assim, conteúdo.

Ainda, a tese da culpabilidade como atitude imoral não serve para a

imprudência involuntária. Nesta o autor não nota que cometeu um fato, fal

tando-lhe então uma atitude moral com respeito ao delito.

 Na verdade, apresenta-se esta teoria como uma variante da teoria do poder agir diferente de Hans Welzel, isso porque atitudes defeituosas ou repro

váveis, não conseguem explicar o conteúdo material da culpabilidade. Assim,

esta teoria também não consegue superar as críticas argüidas contra a concep

ção formal, visto que também aqui não há qualquer critério que indique os

motivos de desaprovação à atitude interna do sujeito.

Melhor sorte não possuem os reparos feitos por Schmidthàuser a esta

teoria, isso porque não são todos os casos de exculpação da culpabilidade que

faltam o contato com o valor lesionado, tomando-se como exemplo a exclu-dente prevista no Código Penal brasileiro, no seu art. 26, que exclui a culpa

 bilidade do inimputável. Frente a esta teoria, conforme preceitua Roxin, “o

autor inimputável possa perfeitamente estar espiritualmente em contato com

o valor, isto é, saber que seu fazer está proibido, porém, apesar disso, atua sem

culpabilidade se lhe falta a capacidade de discernimento”202.

Independente das dificuldades encontradas para justificar as cláusulas

excludentes da culpabilidade, percebe-se a falta de conteúdo material daculpabilidade, sem se falar no crime culposo na modalidade inconsciente,

onde não há o contato espiritual com o valor lesionado, em vista de que o

autor não pensa nas conseqüências de seu atuar, embora justificasse que ele

não leva em consideração o valor que lesiona com o seu fato injusto, con

quanto fosse perfeitamente capaz neste momento de tomar consciência da

lesão não permitida.

201 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 64.202 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 66.

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9 0 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r eit o  P e n a l

Esta capacidade de tomar consciência conflita com sua tese, pois recorreao elemento poder cuja exclusão era um dos fins de sua concepção203.

Por fim, pode-se também dizer que esta concepção não estabelece nenhum

limite para a reprovabilidade da atitude interna, o que quer dizer que a reprovação

 pode aumentar-se ilimitadamente ou até o máximo legal estabelecido no preceitosecundário do tipo penal incriminador, sem se falar que de fato não se perfaz uma

indagação das atitudes internas do autor para o juízo de reprovação, bastando

apenas a comprovação da ausência de causas de exdusão da culpabilidade.

3 .4 .2 A ESTRUTURA DA CULPABILIDADE DE REINHART MAURACH

Adepto do finalismo, Maurach ante a dificuldade de reduzir as diversascausas de exclusão da culpabilidade a um fundamento único, efetua a sua sepa

ração entre responsabilidade pelo fato e culpabilidade, ou direito de ato e direito

de autor, sendo que a tipicidade e a antijuridicidade fazem referência ao direito

de ato, ao passo que a culpabilidade por ser juízo de valor (Unwerturteil), se

refere ao direito de autor ao atribuir a este seu ato.

Elabora, assim, Maurach o conceito de atribuibilidade (Zurechenbarkeit),

 próprio da responsabilidade pelo fato (Tatverantwordichkeit). Noutras pala

vras, parte a atribuibilidade como base geral da valoração do autor, entendendo-

se a partir do juízo que se formula ao agente de uma ação típica e antijurídica,

 por não ter se conduzido conforme as exigências do direito.

Da afirmativa de Maurach de que a atribuibilidade informa quando o

ato deve ser atribuído ao autor como seu, decorre o surgimento de dois ele

mentos: a responsabilidade e a própria culpabilidade.

Pela responsabilidade, significa dever o agente responder pelos resulta

dos do seu próprio ato, isto é, há ação própria e atribuível à responsabilidade

do autor quando se podia do homem médio esperar que resistisse ao cometi-

mento do crime. Já a não exigibilidade de conduta adequada à norma, exclui

a responsabilidade pelo fato, posicionando-se aqui o estado de necessidade e o

excesso na legitima defesa.

Por sua vez, a culpabilidade implica na formulação do juízo de atribui

ção, isto é, uma reprovação ao autor que se baseia nas suas qualidades e na

situação concreta, ou seja, imputabilidade e conhecimento da antijuridicida-

203 ROXIN, Culpabilidad..., p. 68.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 91

de. Isso quer dizer que a simples desaprovação ao agente não é suficiente, ou

seja, exige-se a capacidade de poder atuar conforme o direito e poder de co

nhecimento do injusto para orientar sua conduta conforme esse conhecimen

to, isto é, que o autor seja imputável.Com relação às digressões feitas, “atua culpavelmente todo sujeito res

 ponsável (por seu fato), que cometa seu ato como imputável com a possibili

dade de conhecer o injusto. Em último caso, a culpabilidade é a reprovação

que se faz ao autor por ter abusado de sua imputabilidade em relação a um

determinado fato punível”204.

Para esta teoria, são pressupostos de culpabilidade a imputabilidade e a

 possibilidade de conhecimento do injusto, reduzindo assim a culpabilidade

ao poder atuar de outro modo, sendo seu pressuposto o livre-arbítrio.

Quanto aos casos que excluem a culpabilidade, identifica Maurach como

sendo causas de falta de responsabilidade pelo fato, sendo esta posicionada

anteriormente à culpabilidade.

Por sua vez, afirma Roxin que a teoria fundada por Maurach introduz

entre a antijuridicidade e a culpabilidade, a categoria sistemática da responsa

 bilidade pelo fato, possuindo igualmente causas de exclusão como o estado de

necessidade exculpante e o excesso na legítima defesa, respectivamente § 35 e33 do StGB, ainda que a participação fique impune ante a ausência de res

 ponsabilidade pelo fato do autor, igualmente no que se refere à medida dé

segurança que ficaria excluída pela falta de responsabilidade pelo fato, em

que pese a inimputabilidade do sujeito205.

3 . 4 . 2 . 1 C r í t i c a s  à  a t r i b u ib i l i d a d e

Entende Quintano Ripollés que esta concepção é incompatível com a

dogmática culpabilista, pois a coloca como um segundo e superior grau deimputabilidade, partindo deste conceito e do de responsabilidade para admi

tir o “injusto não culpável”, não sendo outra coisa senão uma espécie de anti

 ju rid ic idade objetiva como conseqüência da separação imoderada da

responsabilidade do ato e do autor206.

204 MAURACH, Reinhart. Tratado de derecho penal,  tomo II, p. 36.

205 ROXIN. Derecho penal, p. 815 e 816.

206 QUINTANO RIPOLLÉS. Hacia una posible concepción unitaria jurídico-penal de la culpabilidad.ADPCP,  1959, p. 494.

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92 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

Crítica mais forte é a que recai sobre a impossibilidade de constatação do

 poder individual de atuar de outro modo, já anteriormente analisado neste

trabalho, restando-se sem saber a questão do critério reitor valorativo do conceito material de culpabilidade207. Sobre este, assevera Chaves Camargo a sua

relevância diante dos objetivos eleitos para o fim da pena e para uma pena

 justa, exigindo-se a análise de fatores internos e externos do agente para pos

sibilitar o fundamento do juízo de culpabilidade que tem, como aspiração

maior, justificar a intervenção estatal através da pena para as condutas lesivas

de bens tutelados pela norma208.

Roxin, por sua vez, assevera que, muito embora tenha Maurach iniciadocorretamente a construção da sua teoria ao considerar as suas causas de exclu

são não a partir da culpabilidade individual, mas em razão da desnecessidade

da punição, critica-a sob o mesmo fundamento de Quintano Ripollés, ao

afirmar que esta categoria não se constitui como elemento prévio à%culpabili-

dade, não podendo ante ao seu reconhecimento excluí-la. Mais, ao seu enten

dimento a participação num fato em estado de necessidade isento de pena nos

termos do § 35, e, no excesso de legítima defesa § 33, tem de considerar-se

 por regra geral punível, o mesmo ocorrendo quanto à medida de segurança209.

3.5 A c r i s e  DA TEORIA NORMATIVA

Por meio do desenvolvimento da culpabilidade normativa chega-se à con

sideração preliminar, de que esta só afirma que uma conduta é reprovável como

resultado da imputação dogmática de um injusto, à razão de que se o autor

tivesse incorporado de maneira dominante em seu esquema mental o motivo da

obediência à norma, poderia ter evitado o seu comportamento antijurídico210.Vê-se que esta conceituação é de natureza formal, não respondendo à

questão relativa aos seus fundamentos, isto é, a que pressupostos materiais

depende esta reprovação, posto que o argumento de reconhecimento da cul

 pabilidade, a partir da idéia de que o sujeito poderia agir de outra maneira,

não só se apresenta como indemonstrável, e assim se manifesta grande parte

207 ROXIN. Culpabilidad..., p. 70.

208 Culpabilidade e reprovação penai,  p. 129 e 133.

209 ROXIN. Derecho penal, p. 817.210 KINDHÀUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de Ia culpabilidad. Cuestiones 

actuales de Ia teoria del delito, p. 186.

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F á b i o  G u ed e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 9 3

da doutrina, como também parte do suposto de que “a conduta humana per

tence ilimitadamente ao campo das ciências empíricas”211.

Por conseguinte, anotada a necessidade de se estruturar a razão destareprovação, denominada de conteúdo material, até porque ela deve ser inte

riorizada no processo formal de imputação, foi que algumas concepções sedesenvolveram, ganhando foros de importância destacada para os normati-

vistas a exigibilidade de conduta diversa.

 Nesta concepção, sobressai a questão em torno da base do juízo de re provação, isto é, o poder atuar de modo distinto, ensejando o já clássico confli

to proporcionado entre o determinismo e o indeterminismo, constituindo-se

como o núcleo da culpabilidade212. Melhor explicando, há a reprovabilidade

do fato pela possibilidade que tem a pessoa de se comportar de outro modo,

 pressupondo evidentemente a sua liberdade, e, com isso, o livre-arbítrio, em

razão de que o ser humano é revestido de autodeterminação moral, livre e

responsável, sendo, por isso, capaz se decidir pelo Direito e contra o injusto.

Este princípio, como anteriormente afirmado, centralizou grandes aten

ções e críticas, em razão de que não se pode demonstrar se uma pessoa, em

determinada situação, teria podido agir de outra forma, até mesmo porquenão se pode substituí-la por outra para se saber se esta igualmente agiria da

mesma forma213, ainda e no mesmo sentido, argüi-se que nunca se poderá

211 TORÍO LÓPEZ, Ángel. Indicaciones metódicas sobre el concepto material de culpabilidad. CPC, n° 30, p. 759.

212 Com o desenrolar dos estudos em torno da codificação genética humana (genoma), ressurgiu, ainda que timidamente, a indagação em torno da determinação ou influência humana com 

base na herança genética, pois que, dependendo da resposta, a conduta livre poderia ou não ser reconhecida. Contudo, conforme anunciado, a identificação completa do genoma, ainda não possibilita o debate em torno da questão. Sobre o assunto: Higuera Cuimerá, La culpabilidad y el proyecto genoma humano, AP, ns 42, p. 763-779.

213 Muitas foram as acepções em tomo do determinismo e do indeterminismo, da liberdade ou não, chegando-se inclusive a se excluir o indeterminismo em face da afirmação de que a ação humana está condicionada por múltiplos fatores causais. Partindo de Welzel, a liberdade é a possibilidade de se poder orientar e decidir conforme o sentido, ou conforme fins e objetivos, segundo representações de valor, ou conforme as normas elementares de nossa sociedade, de sorte que a liberdade do sujeito seria o objetivo da atividade penal. Pelos conflitos havidos entre as concepções, surge uma teoria eclética, denominada de liberdade relativa. Esta afirma que, ainda que não se possa provar em geral a capacidade do homem de agir de outro modo num juízo global, podem ser constatadas aspectos parciais no processo penal, isto é, condições ou situações cuja existência 

fazem excluir a liberdade, portanto, implicam na possibilidade de provar a não-liberdade, conforme CORDOBA RODA, J. Culpabilidad y pena, p 70-72. Ainda, é grande a posição doutrinária que admite a possibilidade de demonstração por meios técnicos (psiquiátricos) a limitação da capacidade de autodeterminação, podendo desta forma serem constatadas características determinantes da personalidade do sujeito no momento do fato, efetivando-se o juízo sobre a limitação ou

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9 4 - C u l pa b il id a d e  n o  D i r e it o  Pe n a l

comprovar empiricamente se o agente poderia ter agido de outra maneira,dado ser impossível voltarmos à situação anterior.

Desta forma, pode-se dizer que Karl Engish foi o autor que melhor

sistematizou as críticas contra a teoria normativa da culpabilidade, afirmandoa indemonstrabilidade deste teorema214, embora não se possa olvidar que outras críticas também tenham sido feitas.

A idoneidade da crítica teve o condão de repercutir por todo o juízo dereprovação e em todos os países seguidores da dogmática alemã, em especial na

Espanha215, pelo que não se pode provar se o sujeito pôde agir de outra maneira.Assim, o princípio in dubiopro reo impede declarar culpável o acusado, pSísistin-

do ainda a possibilidade de se reconhecer a causa exculpante da culpabilidade,ainda quando podia o sujeito agir de outra forma, como nos exemplos do estado

de necessidade exculpante e do medo insuperável, ambas exdudentes do Direito Penal espanhol, o que inequivocamente se apresenta como uma contradição.

Da crise reconhecida no seio do conceito dogmático de culpabilidade,implica dizer que esta alcança toda a fundamentação do Direito Penal, de

sorte que as soluções apenas em torno do livre-arbítrio não seriam suficientes,

em vista de que as idéias de culpabilidade e retribuição permanecem disformes junto a um Estado Democrático de Direito, necessitando-se de uma nova

compreensão, desta vez voltada aos fins preventivos do Direito Penal.

Outra crítica deduzida é a que se manifesta contrária à culpabilidade com

 preendida como reprovação de caráter moral e ético. O Direito Penal moderno

construído a partir do respeito às liberdades públicas e da sociedade pluralística,não pode a partir disso realizar juízos éticos sobre a conduta do agente, apenas

 jurídico, não sendo missão do Direito Penal intervir nesta pretendida situação.

 Neste ambiente, é dito que esta modalidade de culpabilidade não é suficiente para se apresentar como fundamento da pena. Como limite ao poder punitivo,

em face da sua impossível medição e os critérios utilizados para a medição da

 pena e limite do poder punitivo, são estranhos à culpabilidade.

Por conseqüência e como muito bem afirma Gimbemat Ordeig, todo o

edifício conceituai do Direito Penal parece desmoronar, pois a dogmática

existência da capacidade de culpabilidade. ALBRECHT, P. Unsicherheitszonen, p. 209, Apud Pérez Manzado, Culpabilidad y prevención..., p. 101, nota de rodapé 147.

214 Willensfreihéit, p. 20, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención..., p. 93.215 CEREZO MIR, J. Culpabilidad y pena. ADPCP,  1980, p. 347.

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96 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  Pe n a l

 bilidade não se verifica a partir do método empírico, em razão de que a liber-

dade não pode ser decidida em favor do determinismo ou do indeterminismo.

 Noutras palavras, o método empírico não serve para a constatação de càrattc*^rísticas do homem como liberdade ou dignidade, e a partir do objeto de aná

lise constata-se que os resultados não são exatos.

Diante dos problemas que circunscrevem a culpabilidade, é igualmente

constatada a necessidade de mudança de rumo, podendo-se traçar seu perfil a partir da coerência que se pretende alcançar, determinando-se algumas carac

terísticas desse “novo” modelo221.

Pela normatividade, quer se dizer que após um juízo de imputação sealcançará uma declaração de culpabilidade como limite à intervenção estatal,

analisando-se a presença ou não das exigências de pena, e então a partir dos

 postulados advindos da política criminal, por conseguinte, a afirmação de res

 ponsabilidade penal.

Pela função individualizadora do conceito de responsabilidade, significa

que neste momento será considerada a relação entre o delito e o seu autor, visto

que a antijuridicidade não possui este atributo, podendo-se dizer que é a mesma

objetiva e impessoal. Sob esta característica, serão levadas em consideração circunstâncias particulares do delinqüente e de sua situação no momento do fato.

Como conseqüência das características apontadas acima decorre que para

a determinação do conceito material de culpabilidade, deve-se levar em consi

deração que este conceito seja valorativo e individualizador, afastando-se con

teúdos fáticos e gerais, e que esteja em harmonia com p processo penal, pois

será por meio dele que se alcançará a responsabilidade ou não de um agente.

Diante dessas premissas, a fórmula “poder agir de outra maneira” é indeter-minista e não possibilita ao juiz a sua aferição, e definitivamente novas teorias

foram criadas com vista a fundamentar o conteúdo material do conceito de culpa

 bilidade. Para tanto, é igualmente necessário que não apenas uma teoria seja criada

e adotada, mas que a mesma esteja em sintonia com toda uma metodologia de

Direito Penal, sob pena de se criar uma grande incompatibilidade em tomo da

teoria criada, acarretando pois no reconhecimento de sua ilegitimidade para solu

ção do problema, tal como ocorre com o teorema do “poder agir de outra maneira”.

221 Apontou Emest Hafter que "o problema da culpabilidade é o problema do destino do direito de castigar". Lehrbuch des Schweizerischen Strafrechts. Allgem einer Teíl,  p. 101.

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F á b i o  G u ed e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 9 7

A partir do surgimento do funcionalismo penal, pautado no normativis-

mo, na subtração dos elementos metajurídicos e na aproximação da realidade,

é que se desenvolveram algumas importantes teorias preocupadas em preencher o conteúdo material do conceito de culpabilidade. Para a plena compre

ensão das novas teorias, mister que se compreenda o próprio fundamento do

funcionalismo, para então compreendermos suas teorias, sem, contudo, olvi

darmos de alguns importantes posicionamentos doutrinários igualmente in

seridos no Direito Penal contemporâneo.

Em que pesem os esforços doutrinários para solucionar os problemas em

tomo da culpabilidade, é preocupante a manifestação de Perron, no sentido

de que uma culpabilidade livre de contradições e satisfatória tanto do pontode vista édco quanto do ponto de vista das ciências sociais, não parece possível

neste momento222.

222 PERRON, Walter. Problemas principales y tendencias actuales de ia teoria de Ia culpabilidad. NFP, n9 50. p. 460.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 9 9

C a p í t u l o   4

O D i r e i t o   P e n a l   c o n t e m p o r â n eo   e  a   c u l p a b i l i d a d e

Afirmou-se anteriormente, no tocante ao desenvolvimento epistemológi-

co do Direito Penal, que não há uma fronteira determinada que limite o alcance

dos posicionamentos dogmáticos pertencentes às diversas escolas penais. Prova

disso é a existência entre nós de seguidores do sistema neoclássico, finalista e

fimcionalista, nas suas diversas acepções ainda a serem demonstradas.

 Não se pode negar que estes pensamentos constituam o estado contem

 porâneo que atravessa o Direito Penal, decorrendo o surgimento de teorias

muitas vezes obedientes a mais de um posicionamento penal e, em razão desta

multiplicidade de teses, concepções gerais e posteriormente a concepção individual dos principais autores contemporâneos serão delineadas com o afã de se

 permitir uma compreensão global e sistematizada da culpabilidade e de sua

função no sistema de Direito Penal contemporâneo.

Considerando, portanto, que na base metodológica o pensamento funcio-

nalista penal é o que há de mais novo em Direito Penal, passa-se à análise de sua

estrutura, para, em seguida, prosseguir na discussão dos pontos principais e

atuais que contemplam a culpabilidade, com as teorias que buscam reformar a

concepção normativa clássica de culpabilidade até se atingir as fundamentaçõesem tomo das necessidades preventivas, agora com a preocupação de se determi

nar legítima e democraticamente um juízo normativo de culpabilidade.

Afirma Juarez Tavares que quatro modelos metodológicos se apresentam

como instrumentos para a concreção de um juízo normativo de culpabilidade a

 partir de bases democráticas legítimas, portanto, frente a atual estrutura de Esta

do que é a democrática de Direito, sendo estas o funcionalismo, o contratualis-

mo, a teoria dos princípios de justiça e dos papéis (funções) e a teoria do discurso223.Destas, cabe desde já considerar que as teorias funcionalistas foram as que mais

contribuíram para a formação de um modelo de Direito Penal moderno e, por

tanto, merecerão uma análise mais atenta, notadamente no que se refere à -culpa

 bilidade. Não se olvida também que outros sistemas penais continuam vigendo,

ainda que modificados em sua origem, como é o caso do finalismo, ou, reduzido

de importância e adesão, refiro-me ao sistema neodássico.

223 Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC,  n9 24, p. 152.

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100 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  Pe n a l

4 .1 REV ISITAND O O SISTEMA IMEOCLÁSSICO E A SUA CULPA BILIDADE

A primeira vista, engana-se quem pensa que, no preâmbulo do novo

século, a culpabilidade neoclássica é pura menção histórica. Em realidade, na

Espanha, Cobo del Rosai e Vives Anton, sustentam-na sob a argumentaçãode que “a antijuridicidade é concebida como objetiva lesão ou colocação em

 perigo de um bem jurídico, onde dolo e culpa não funcionam como elemen

tos do tipo de injusto, senão como formas de sua atribuição”224.

Em conseqüência, o juízo de culpabilidade fica constituído pela imputa

 bilidade ou capacidade de culpabilidade, pelo dolo ou a culpa, que são as formas

de culpabilidade e pela exigibilidade, sendo esta a essência da culpabilidade225.Seguindo a mesma linha iniciada pelo neokantismo na primeira metade

do século XIX, reconhecem Cobo del Rosai e Vives Anton na culpabilidade a

integração de elementos psicológicos e normativos, afirmando que o dolo não

é o objeto de valoração do juízo de reprovação, pois este é mais complexo em

razão de que se atribui e reprova o fato226.

Inserido no mesmo contexto, contudo sob fundamentação pouco diversa é a concepção traçada por Rodriguez Devesa e Serrano Gomez. Entendem

os referidos autores que “a culpabilidade tem uma natureza predominante

mente subjetiva, fundada na atitude psíquica do sujeito, formada pelos moti

vos (partes integrantes motivadoras da culpabilidade), pelas decisões de vontade

que tomou o sujeito ou deixou de tomar (partes integrantes psicológicas) e

 pelos elementos subjetivos do injusto”227. Neste mesmo sentido, manifestam-

se na Itália Giuliano Marini e Luigi Ferrajoli228. Ainda, Fabrízio Ramacci

insiste na culpabilidade de relação psicológica entre autor e fato do crime, e

dolo e culpa como forma da culpabilidade, ao passo que o imputável manifesta uma vontade que não devia manifestar, embora pudesse ter feito bom uso

de sua capacidade de entender e querer229.

224 Derecho penal - parte general,  p. 515.225 Derecho pena! parte general,  p. 516.226 Idem, op. cit., p. 516.

227 RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria e SERRANO GOMEZ, Alfonso. Derecho penaI —parte general, p. 439. Reconhecem os autores como formais ou espécies da culpabilidade o dolo e a culpa.

228 Lineamentí del sistema penale, p. 416-420, e Derecho y razón, p. 419.229 Corso di diritto penale, p. 387.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 0 1

Também, Francesco Palazzo posiciona como componentes da culpabili

dade a existência dé um nexo psicológico entre o fato e o autor, a possibilidade

de escolha de comportamento diverso pelo sujeito, eis que ao seu entender oordenamento presume o livre arbítrio na presença de condições psíquicas nor

mais. Por fim, tal como fizera Frank em sua concepção inicial, insere a normalidade do processo motivacional, ou seja, que a específica e concreta

determinação criminosa não tenha sido condicionada por fatores exógenos ou

endógenos de intensidade230.

Em momento pouco posterior, sustentam os autores que a determinação

de que um sujeito é culpável se verifica com módulos jurídicos, isto é, um sujei-tp que realizou uma ação tipicamente antijurídica é culpável enquanto não

concorra uma causa de exclusão da culpabilidade vinculada a critérios legais e

não individuais, isto ao se referir à exigibilidade de conduta distinta231.

Da confrontação entre as duas vertentes, percebe-se a predileção mais

acentuada da primeira ao normativismo neokantiano, ao pàsso que pela se-

giinda há a expressa superioridade dos elementos subjetivos sobre os objetivos

ou normativos, decorrendo dos próprios autores esta afirmação. Contudo, as

sentando igualmente suas bases na exigibilidade como núcleo da culpabilida

de, atrelando-a a critérios legais cabendo, então, ao legislador incluí-la em

texto de lei, em face da vedação à possibilidade de se reconhecê-la como causa

supralegal de exclusão da culpabilidade.

Também na Itália, ainda que construída a teoria com particularidades,

metodologicamente a estrutura de culpabilidade empregada ajusta-se nosmoldes traçados pela concepção psicológico-normativa232.

4 . 2 R  ev i s it a n d o  ó  f i n a l i s m o  e a  s u a  c u l p a b i l i d a d e

Conforme já destacado, “a filosofia finalista” mantém grande número de

adeptos não apenas no seu país de origem, mas também em outros grandes

centros dogmáticos. Destacam-se, entre outros, Hans-Joachim Hirsch e José

230 Corso di diritto penale —parte generale,  p. 15-17.231 RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria e SERRANO GOMEZ , Alfonso. Derecho pena! —parte 

general, p. 444.232 DON1NI, Massimo. Teoria del reato - una introduzione, p. 279 e Intmduzione alsistema penale, 

vol. I, p. 225-226. No mesmo sentido: PAGLIARO, Antonio. Príncipi di diritto penale —parte generale, p. 319, FIANDACA, Giovanni e MUSCO, Enzo. Diritto penale - parte generale, p. 281, MARINUCCI, Giorgio e DOLCINI, Emílio. Corso diritto penale, vol. 1, p. 489.

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102 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r eit o  Pe n a l

Cerezo Mir, acreditando-se, inclusive, que reúna atualmente mais adeptos

fora da própria Alemanha.

Ainda que reformadas algumas propostas pelos discípulos de Welzel, estesnão se desvincularam dos princípios reitores inicialmente estabelecidos, daí po-

der-se afirmar o prolongamento do finalismo. Sobre o tema, Cerezo Mir asse

vera que “refuta-se, hoje, a tese finalista da vinculação do Direito à natureza das

coisas, às estruturas lógico-objetivas da matéria de sua regulação, mas, geral

mente, são aceitas suas conseqüências para o sistema da teoria do delito”233.

Em realidade, os debates travados entre os finalistas e os funcionalistas

residem prioritariamente em questões afetas à tipicidade, como é o caso da

teoria da imputação objetiva e à culpabilidade, mantendo-se o debate em

tomo do livre arbítrio e do poder agir de outra maneira ou não como núcleo

desta categoria do delito.

Sem pretender colacionar novamente os ensinamentos básicos do finalismo

e de sua concepção de culpabilidade e, de outro lado, apontar as críticas ao sistema,

quer-se agora retratar a argumentação esboçada pelos autores finalistas no tocante

à manutenção dós seus postulados, em especial no que se refere à culpabilidade.

Inicialmente, cumpre afirmar que o finalismo atual basicamente man

tém a culpabilidade tal como o fizera Welzel, isto é, como fundamento da

 pena e limite da medida da pena234, conquanto que pretenda afastar-se da

chamada culpabilidade de autor, advinda da autodeterminação conforme osentido, e que tem sua raiz na estrutura defeituosa da personalidade ou no

defeito reprovável do caráter235.

De regra, a culpabilidade com a extração do dolo e da inobservância do dever

de cuidado objetivamente devido, tem seu conteúdo reduzido à imputabilidade

ou capacidade de culpabilidade e aos elementos de reprovabilidade. O elemento

intelectual que se traduz pelo conhecimento ou possibilidade de conhecimento

da ilidtude ou possibilidade de conhecimento da ilidtude da conduta, e o ele

mento volitivo notado por meio da exigibilidade de obediência ao Direito236.

233 O finalismo, hoje. RBCC,  ne 12, 1995, p. 42,

234 CEREZO MIR, J. Culpabilidad y pena. ADPCP, 1980, p. 362. No mesmo sentido: Francesco C  Palaz-zo, Valores constitucionais e direito penal,  p. 52.

235 WELZEL, Hans. E l nuevo sistema de l derecho penal. Una introducción a Ia dòctrina de Ia acción finalista, p. 96-97.

236 CEREZO MIR, J. O finalismo hoje. RBCC, ne 12, 1995, p. 41.

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104 - C u l pa b il id a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

capacidade para superar os impulsos alheios ao Direito, mediante uma determinação da vontade conforme o dever241.

Para Günther Stratenwerth, a culpabilidade trata da capacidade individual de se cumprir com o dever, ou seja, cuida-se da possibilidade de conhecera exigência do dever e de comportar-se de acordo com ela, “é a possibilidadede uma decisão responsável”242.

 Neste pensamento, atua antijuridicamente aquele que não faz o quedevia fazer e culpavelmente só aquele que pode fazer o devido243.

De novo à teoria original, esta concepção reconhece a necessidade de

 pena como um dos fundamentos desta, pois que a pena “só deve ser aplicadana medida em que seja necessária para atender às exigências da prevençãogeral e especial”244. Destarte, se os fins preventivos não exigem a aplicação datotalidade da pena, reconhece-se a possibilidade do Tribunal aplicar uma penainferior em manuseio da liberdade prevista na lei, ou até mesmo deixar deaplicá-la em manifesto repúdio aos fins retributivos da pena.

Estabelecida a nova vertente da culpabilidade, seus fundamentos e fins da pena, cumpre afirmar que se esforça a nova concepção em demonstrar empirica-mente parte de seu substrato, conquanto ela mesma reconheça a indemonstrabili-dade de sua outra parte, persistindo aqui todas as críticas anteriormente deduzidas.Por fim, ressalto-se a aproximação desta concepção aos fins preventivos da pena,

reconhecendo inclusive a possibilidade da não aplicação da pena, ainda que presente a culpabilidade, isso em manobra inequívoca de afastamento da concepção

original que atribuía à pena o fim retributivo pela realização da vontade reprovada.

4 .3 O f u n c i o n a l i s m o

O funcionalismo, inicialmente desenvolvido a partir das teorias socioló

gicas deTalcott Parsons, busca estabelecer as funções das instituições sociais e

241 Teoria de Ias normas, p. 243.242 Derecho penal, p. 71. No mesmo sentido: HIRSCH, Hans Joachin. El principio de culpabilidad

y su función en el derecho penal. NDP, 1996, p. 26 e ZIELINSKI, Diethart Disvalor de acción y disvalor de resultado en el concepto de ilícito, p. 165-166. Para este autor, culpabilidade éa reprovação pessoal pelo cometimento do ilícito, apesar de ter o sujeito em virtude de suascapacidades pessoais, condições de reconhecer o juízo de desvalor expresso pela ordem 

 jurídica acerca da situação de fato realizada (teoria da culpabilidade), ou, apesar de ter o sujeito conhecido este juízo de desvalor (teoria do dolo), e ter tido em virtude da compreensão deste juízo de desvalor, a possibilidade de motivar-se conforme a norma. Portanto, objeto de valoração do juízo de culpabilidade é a motivação.

243 Idem, p. 71.244 CEREZO MIR, J. Culpabilidad y pena. ADPCP/   1980, p. 365.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 0 5

dos valores culturais dentro do sistema social, cultural, jurídico etc., esclarecendo os propósitos individuais ou coletivos que as especificam.

Muitas acepções do termo função receberam destaque, entre outras asestabelecidas por antropólogos sociais que prefeririam entendê-la como designação do funcionamento integrado de todas as partes do sistema socialformando um todo complexo.

Acerca de Parsons, este buscou sintetizar as idéias funcionalistas, paratanto criou um sistema de análise que abrangeu todos os aspectos do comportamento individual e coletivo, enaltecendo a ordem e a coesão da sociedade,

entenda-se, estabilidade social.Ao desenvolver o sistema e fracioná-lo, deparamo-nos, dentre outros,

com os subsistemas político, econômico, jurídico, religioso etc., cada qual possuindo papéis diferenciados, contudo, tendo em comum, a relevância na manutenção do equilíbrio social.

Aproximando-se da ciência do Direito e fundamentando o pensamento primário de Günther Jakobs245, sustenta Luhmann que a divisão clássica en

tre a ciência do Direito e a Sociologia, deseja que a ciência do Direito tenha de

se ocupar das normas e a Sociologia, ao contrário, os fatos, ou seja, o juristateria que interpretar e aplicar as normas. O sociólogo, por sua vez, só poderia

se ater ao contexto factual do Direito, às suas condições e efeitos sociais246.

Reconhecendo estar este posicionamento ultrapassado pela necessidade do

Direito ser aplicado a fatos que não tinham sido previamente formulados pelasnormas, o pragmatismo postulou, então, que qualquer aplicação do Direito deveriaentão apreciar o resultado possível das diferentes construções e decisões jurídicas.

A dissolução desta divisão clássica e, por conseguinte, das delimitaçõesentre o Direito e a Sociologia, diz Luhmann, possibilitou que a Sociologia

contribuísse à Administração da Justiça.

 Na construção de Luhmann, o Direito é um subsistema do sistema maior

que é a sociedade, existindo outros subsistemas ao seu lado. Isto pressupõe que para compreender a sociedade enquanto sistema social diferenciado, pressupõe-se a existência de uma teoria geral dos sistemas sociais que possa inclusive não

apenas tratar de si, mas que possa tratar também de outros subsistemas.

245 Conforme Jesús-Maria Silva Sánchez, Consideraciones sobre la teoria del delito, p. 28.246 LUHMANN, Niklas. Niklas Luhmann observateur du droit, p. 5758.

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106 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Levando-se em consideração o subsistema jurídico (Direito), tem-seque é característica do mesmo ser aberto, ou seja, relaciona-se com o mun

do circundante, daí advindo as contribuições ao seu desenvolvimento apro-

ximando-o da realidade como fruto da autopoiese. E igualmente verdadeque sob a sua óptica de sistema fechado, ele é totalmente autônomo no plano de suas próprias operações, v.g.,  só o Direito pode dizer o que é

 juridicam ente legal e ilegal. Entretanto , tem-se também que o Direitointegra o sistema fechado, ao argumento de que apenas o próprio podeafirmar o que é lícito ou ilícito.

Agora sob o ponto de vista jurídico-normativo, em se considerando que

as soluções penais dadas aos casos não eram as mais justas, posto que baseadasmuitas vezes em premissas indemonstráveis, v.g. o livre-arbítrio como funda

mento material do juízo de reprovação, mas se apresentavam como aplicaçãodo sistema então vigente, autores se manifestaram a favor de priorizar a solução justa ao caso concreto frente às exigências sistemáticas247.

Para a consecução da solução justa, impôs-se a introdução do critério daracionalidade final, adotando-se a idéia de uma análise de todo o sistema penal

desde a perspectiva dos fins assinalados ao Direito Penal. Para tanto, a distânciacriada pela dogmática pura e a realidade foi descartada, unindo-os em realidade,sendo o sistema reconstruído a partir de uma base político-criminal por ClausRoxin, ou a partir de uma análise sistêmica por Günther Jakobs, ou por meio de

uma análise orientada a partir das conseqüências por parte de Winfried Hassemer248.

Sobre o pensamento funcionalista individualmente considerado, este tem todauma estruturação peculiar formado através de contribuições essencialmente sociológicas, que acabaram por repercutir na seara do Direito, a partir do instante em

que este foi entendido como pertencente ao conjunto das ciências sociais. Acerca

do funcionalismo, este não pode ser concebido como sendo uno. Ao contrário, deve

ser enfocado difèrendalmente. Daí diversas serem as concepções sobre o mesmo.

De uma forma geral, o funcionalismo pretende explicar o sistema jurídico e compor uma análise global de todo o sistema social, tendo como objetivo

do sistema social a ação humana249.

247 MARTINEZ ESCAMILLA, Margarita. La imputación objetiva de! resultado, p. 32.248 Sobre o tema, vale destacar no Brasil o artigo pioneiro de Luís Greco, Introdução à dogmática

funcionalista do delito. Revista Jurídica,  nQ272, p. 35-63.249 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto,  p. 62.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 0 7

É verdade que essas concepções funcionalistas difundiram-se por todo

o sistema de Direito Penal. Mas, dentre vários temas conflitantes, a culpabi

lidade centrou grandes atenções, corroborado ao fato de se tentar uma solu

ção à crise perpetrada pela teoria normativa da culpabilidade ou, se se preferir,na crise da fundamentação da culpabilidade, sendo empregados diversos

artifícios, desde o seu abandono até a veiculação das teorias da prevenção

geral positiva, acarretando, por conseguinte uma reformulação das relações

entre dogmática penal e política criminal, ou entre a dogmática penal e a

sociologia, ou a colocação das ciências penais entre as ciências sociais, con

forme, respectivamente, acenam Roxin, Jakobs e Hassemer.

De comum entre essas concepções, o funcionalismo penal reconstrói todo

o sistema de Direito Penal de acordo com princípios teleológicos, aproximan-do-se da realidade, criticando justamente a dogmática então vigente e majori

tária, por ter se distanciado da realidade. Mais: como conseqüência da existência

de uma sociedade pluralística e em respeito ao Estado Social e Democrático

de Direito, a moral, a religião e a política, defendidos de forma tão vigorosa

 por Kant, Hegel e Kelsen, sem se falar no causalismo já tão criticado pelo

finalismo e nos conceitos prejurídicos ou ontológicos, foram todos definitiva

mente afastados do denominado Direito Penal moderno.

Como pressuposto, parte o funcionalismo de uma concepção onde todos

os membros de uma sociedade têm uma função específica, sendo-lhe atribuída

harmonia para que possa se desenvolver com equilíbrio e coerência como siste

ma. Portanto, nesta visão, o Estado só pode castigar as ações que possuam lesivi-

dade social. Logo, o Direito Penal tem como tarefa garantir o estabelecimento

das condições necessárias que possibilitem a vida em comunidade, ou mais es

 pecificamente, o Direito Penal deve apenas intervir em problemas organizativos

necessitados de solução em respeito ao asseguramento das condições de existência dos cidadãos que convivem nessa sociedade, isto é, “o Direito não tem que

delimitar nem proteger determinados valores, senão que deve proceder para

assegurar a estrutura do sistema social e garantir sua capacidade de função”250.

Como exemplo da contribuição funcionalista, podemos nos servir da

conceituação dada ao injusto nos delitos de resultado, como sendo a criação de

250 BORJA JIMENEZ, Emiliano. Algunos planteamientos dogmáticos en la teoria juridica del delito en Alemania, Italia y Espana. CPC, nB 63, p. 606.

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1 0 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

um risco proibido pelo ordenamento jurídico, podendo objetivamente lhe ser

atribuído a produção da lesão do bem jurídico. Outro exemplo reside no dolo

funcional, em que é necessário que o agente tenha conhecimento da perigosidade de seu comportamento e que este não seja tolerado pela lei. Outro bom

exemplo é a nova estrutura dada à culpabilidade pelo sistema roxiniano, onde

a mesma passa a integrar uma categoria ainda maior que é a responsabilidade,e será justamente por meio do reconhecimento do binômio culpabilidade enecessidade de se impor pena que esta efetivamente se dará.

Desta assertiva que pouco demonstra a total complexidade do funcionalis

mo penal, afirma-se neste momento que a dogmática penal é o ramo da ciência doDireito que mais sofreu a influência do pensamento filosófico no seu desenvolvimento e isto permitiu ao Direito Penal experimentar notáveis progressos. Estaconstatação se alcança através do estudo sobre o desenvolvimento epistemológico

do Direito Penal, absorvendo-se as importantes contribuições do Iluminismo eda Escola Clássica, do Positivismo Naturalista e Criminológico, do Neokantismo,

do Irracionalismo da Escola de Kiel, do Finalismo e mais recentemente, do Funcionalismo e suas vertentes normativa de Günther Jakobs, também reconhecida

como radical, e a da política criminal de Claus Roxin, vista como moderada. Decomum entre estas vertentes é o caráter funcional ou racional em relação à inter

venção penal, considerando os fins da pena na elaboração dos elementos do delito.

Desta constatação, diz-se que “os métodos desenvolvidos no âmbito do

ordenamento punitivo coincidem, em linhas essenciais, com aqueles utilizados na explicação jurídica do fenômeno delitivo. E, taijipouco, é de se estra

nhar que quando se faça referência a um determinado sistema de Direito

Penal, está se tomando em consideração, fundamentalmente, um certo modelo explicativo do fato punível”251.

Como lançamento das primeiras idéias sobre o funcionalismo, argumenta-se que este se afasta do raciocínio lógico objetivo, típico do finalismo, para

em seu lugar retomar às estruturas neokantianas, isso em razão dos diferentes

níveis sistemáticos dos valores e dos fins que desempenham nesta estrutura,diferenciando-se desta pela recepção dos conhecimentos fornecidos pelas ciên

cias sociais, filosóficas, e mais reconhecidamente, pela política criminal252, ven

251 BORJA JIMENEZ. Idem, op. cit., p. 595.252 Acerca dos fundamentos básicos da dogmática funcionalista, merece destaque o artigo pionei

ro de Luís Greco - Introdução à dogmática funcionalista do delito. RJ ns 272, p. 35-63.

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Fá b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 1 0 9

do-se o Direito Penal a partir de um sistema aberto, voltado à prevenção do

delito, em repúdio aos valores morais e ao apriorismo retribucionista kantiano,

aproximando-se da realidade social.Pelo funcionalismo, surge a idéia de função, isto é, faz-se referência tan

to ao papel que desempenha um determinado elemento em respeito da estru

tura global quanto ao que cumpre no sentido dessa adaptação ao meio

exterior253. Amiúde, verifica-se o papel desempenhado pelo Direito Penal num

contexto social, para então saber como deve funcionar o mesmo neste contex

to. Já dizia Hegler, que “os princípios do Direito estão baseados em idéiasracionais e objetivas, e que só a busca e colocação destas idéias nos permite

averiguar o pleno sentido de um âmbito jurídico, disto se deduz como ideal

do sistema a orientação para objetivos”254.

Afirma Vives Anton que “a eclosão do funcionalismo na dogmática penal

 provocou um fervor reconstrutivista, segundo o qual quase qualquer coisa pode

resultar um precedente do funcionalismo”255. Contudo, é importante ressaltar

que o funcionalismo trabalha a partir das funções que as normas possuem, isto

é, desde a teoria do delito até as conseqüências jurídicas do crime. Para alcançar

seu desiderato, deve-se valer o funcionalismo de uma ampla e total normatiza-ção dos conceitos, desligando-os de conotações ontológicas (finalismo), permi

tindo a orientação destes às finalidades político-criminais (funcionalismo

roxiniano), “por mais que possa parecer paradóxico”256.

 Neste aspecto, Silva Sanchéz é categórico ao afirmar que “a orientação

das decisões dogmáticas a fins e valorações político-criminais, se revelou, para

doxalmente, como a única forma de atribuir um conteúdo racional ao sistema,

ante as inseguranças que produz a argumentação ontológica em uma socieda

de plural e pluricultural”257.

Hojé, temos nas teses fiincionalistas de Claus Roxin, Günther Jakobs e

discípulos ou seguidores, as maiores expressões deste pensamento. D e comum

entre o funcionalismo roxiniano e jakobsiano, pode-se dizer que o Direito

Penal deve intervir apenas para punir fatos socialmente relevantes, isto é, fatos

253 VIVES ANTON, Tomás S. Fundamentos de! sistema penal, p. 433.

254 Merkmale des Verbrechens. ZStW, ns 36, p. 20, nota 4.255 Op. ci t, p. 434.

256 GARCIA-PABLOS de MOLINA, A. Op. ci t, p. 378.257 Aproximación aI derecho pena! contemporâneo, p. 64 e 67.

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1 1 0 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

com conteúdo expressivo, visto que a pena igualmente deve ter conteúdo sig-

nificante, ou como se fala hodiemamente, “função simbólica da pena”258.

Ainda como componente comum integrante de ambas as espécies defuncionalismo, há a negação total da influência de conceitos naturalísticos

advindos do positivismo causalista, por se entender que o Direito Penal não

 pode ser compreendido a partir de dados da natureza, e sim de fatos sociais,

culturais. Aqui, portanto, em manifesta adesão aos postulados neokantianos,

servindo como exemplo a teoria da imputação objetiva e o famoso exemplo

formulado por Richard Honig, do sobrinho e do tio, que acaba este sendo

morto pelo raio, etc. Contudo, vale ressaltar que o funcionalismo não se con

funde com o neokantismo, e é esta colocação se toma de fácil assimilação pelointérprete da ciência do Direito, uma vez que a concepção neokantiana orien-

tou-se em tomo de valores apriorísticos, isto é, preconcebidos pela sociedade,

eivados de grande carga moralista, em que este Direito não sofria oxigenação

vinda das mudanças sociais, caracterizando-se por ser deste modo um sistema

de Direito Penal fechado, ao passo que hoje, a presente doutrina pugna por

um sistema de Direito Penal aberto, já se tendo constatado que o Direito

Penal não muda a sociedade, mas é esta que muda o Direito Penal.Vale aqui ressaltar as considerações de Bemd Schünemann: “Em lugar de

um sistema axiomático, nem realizável nem desejável, na ciência do Direito, deve

se dar, portanto, um “sistema aberto”, de modo que o sistema não obste o desen

volvimento social e jurídico, senão que o favoreça, ou, ao menos, se adapte a ele;

de modo que não prejulgue as questões jurídicas ainda nãò resolvidas, senão que

as canalize para que se delineiem nos termos corretos; de modo que, em todo

caso, garanta ordem e ausência de contradições no conjunto de problemas jurídicos que estão resolvidos, cada vez mais para largos períodos de tempo”259.

Para se conceber um sistema como aberto, mister que seus conteúdos

sejam mutáveis, de maneira que possam se adaptar à evolução social e jurídica,

sem contudo perder conteúdo e importância260.

258 Conclui-se deste pensamento que a pena se legitima porque afirma a vigência das normas penais e seus respectivos valores.

259 Introducción al razonamiento sistemático en derecho penal. E l sistema moderno de l derecho penal: cuestiones fundamenta/es,  p. 35-36.

260 SCHÜNEMANN. Introduccion al razonamiento sistemático en derecho penal. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales,  p. 36.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 1 1

Será justamente a flexibilidade ou possibilidade de mudança do conteúdo normativo que diferencia o funcionalismo do neokantismo. O funcionalismo proclama a necessidade de não se prescindir do sistema em favor de uma

consideração tópica, senão de conformar um sistema aberto de Direito Penal,tanto ao problema como às considerações valorativas sociais para a solução dos problemas. Em outras palavras, para o funcionalismo importa a solução daquestão de fato, permanecendo as exigências sistemáticas em segundo plano.

Vale concluir que o método da dogmática funcionalista não é o da explicação causai, senão a compreensão dos fatos sob o sentido de um sistema jurídico.Pelas considerações de Schünemann, conforma-se o sistema funcional de Direito Penal com um conceito bipartido de crime, constituído pelos elementos in

 justo penal e responsabilidade, contrariando o tradicional conceito tripartido(tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) ou quatripartido (ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade)261. Pela lição do mestre alemão, tipicidade

e antijuridicidade são vistos no sentido de um “mero estar prpibido”262.

4 . 4 T eo r ia s  c o n t em po r â n ea s  i n f o r m a d o r a s  d o  c o n t e ú d o

MATERIAL DA CU LPABILIDADE

Feitas as colocações em sentido contrário ao teorema “poder agir de outra

maneira”, e verificada a crise que atingiu o conceito material de culpabilidade, bus-cou-se a solução destes problemas a partir da discussão em tomo de algumas teorias,entre elas a do poder de agir diferente, ou poder médio (andershandelnkõnnen),com importância à solução do problema no processo, e a da motivação, referente àimputação da culpabilidade e sua função de individualização263.

De comum entre estas teorias, reside o fato de que são as mesmas intrínsecas à própria culpabilidade, isto é, são teorias analisadas a partir de dentro daculpabilidade, sem a interferência de critérios estranhos a ela, reconhecido

também como modelo “input”.

4 .4 .1 A TEORIA DO PODER DE AG IR DIFERENTE, OU PODER MÉ DIO,

OU DA TEORIA SOCIAL DA CULPABILIDADE

Pela teoria do poder de agir diferente, reprova-se o sujeito que não se

comportou conforme o Direito enquanto o cidadão tipo médio o teria feito.

261 Idem, op. cit., p. 71.

262 Idem, p. 71.263 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevenc ión:...,p. 109.

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Destaca-se que esta teoria afere-se pelo critério da experiência do sujeito. As

sim, se permitirá afirmar, isto é, o juiz perguntará se uma pessoa média, nas

mesmas circunstâncias experimentadas pelo autor, teria agido como ele ounão. Para isso, o juiz não deve se valer do “gênero” homem, senão um “homem

na medida” (massgerechten), vinculado a valores juridicamente protegidos,

que deve ser imaginado com as características do autor, como idade, sexo,

 profissão, características corporais, faculdades psíquicas e experiência vital”264.

O autor é pessoalmente reprovado porque se decidiu pelo injusto, embora

tenha o poder de se decidir pelo direito.

Desta criação do “homem médio” é que se deduz, então, a capacidadereal do autor em vista de que “as carências na medida de sua atitude interna

frente ao Direito e de sua força de vontade, tal e como se espera do cidadão

médio, é o que se censura ao autor e constitui sua culpabilidadè”265.

Pelo que se percebe na análise desta concepção, reputa-se culpável um

agente a partir do que outro poderia fazer. Nota-se que esta teoria propugna

uma ficção ou prescrição de culpabilidade, em que a capacidade geral é o

 pressuposto real de todo juízo de imputação, convertendo-se a capacidade

individual em uma ficção necessária para o Estado. Considera-se se uma pes

soa nas mesmas circunstâncias e situações do autor teria atuado de outra for

ma. Trata-se, então, de uma atribuição normativa realizada pelo sistema jurídico.

As criticas são imediatas, pois se há comparação entre o que fez o sujeito

e o que faria o homem médio, logicamente a situação não é a mesma. Tam

 pouco pode ser. Este modelo de culpabilidade deixa 0e ser uma realidadesubjetiva ou pessoal para se transformar em um elemento impessoal do delito.

Portanto, o resultado alcançado nesta concepção é falível. Tomando-se comoexemplo uma situação presencial de erro de proibição invencível, poder-se-ia

argumentar que outra pessoa que não o sujeito conhecesse a proibição, e, por

conseguinte, não realizaria o comportamento, afastando, assim, a exclusão da

culpabilidade. Desta constatação, afirma-se que este critério é injusto e niti

damente prejudicial à própria defesa do sujeito.

Senão o bastante, a partir desta concepção empírica-social, nega-se a reali

zação de um juízo individualizado de culpabilidade e a sua constatação de for

1 1 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  Pe n a l

264 JE5CHEK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho pena / —parte general, p. 386.265 JESCHECK. Op. cit., p. 386.

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114 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e ít o  P e n a l

 berdade e igualdade dos indivíduos, recebendo grande adesão por parte dos

autores espanhóis, onde se destacam a relação existente entre a concepção do

homem de uma determinada sociedade (homem social e pertencente à socie

dade democrática típica do Estado Social e Democrático de Direito) e osrequisitos exigidos da pessoa para fazê-la responsável por uma pena.

Ao analisar alguns dos mais importantes posicionamentos existentes, se

verificar-se-ão divergências quanto ao conteúdo desta motivação, sobressain-

do-se o conteúdo de justiça e racionalidade das normas para servir de modelo

de orientação de condutas sociais, ou pelo temor à imposição de pena (castigo), ou pela confiança de que a norma, independentemente de seu conteúdo,

é o necessário mecanismo de regulação de condutas sociais.Em verdade, alguns destes posicionamentos reinterpretam o teorema po

der agir de modo distinto, não a partir da liberdade de vontade ou de eleição,

mas como possibilidade de eleição, que significa reconhecer que o homem está

em condições de eleger uma conduta entre várias alternativas, entre a realização

do fato antijurídico ou a sua omissão269 (poder motivar-se), sendo inclusive esta

a razão do surgimento de algumas críticas, ao categorizar que este determinismo

aparente serve-se de um conceito vago e demasiadamente amplo.De forma geral, partindo do pressuposto de que uma pessoa possui as habi

lidades mentais normais de um ser humano qualquer, ela é motivável, isto é, pode

representar, eleger, outras possibilidades de conduta, podendo valorá-las em con

sonância com a prescrição jurídico-penal, e isto é chamado de motivação normal.

Os problemas que surgem, tal como já acontecera anteriormente, são

inicialmente a impossibilidade de demonstração desta motivação no processo

e o pressuposto de conhecimento exato da lei penal por parte da sociedade,muitas vezes agravado em atenção à própria diversidade cultural.

Para solucionar a questão da dificuldade ou indemonstrabilidade da

motivação no processo, Danner presume esta possibilidade de eleição como

inerente ao homem possuidor de discernimento mental270. Quanto ao conhe

cimento exato da lei penal, ou se formula um juízo de presunção de conheci

mento ou se respeita as diversidadès individuais de cada um, servindo a máxima

269 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención:...,  p. 115.

270 DANNER, M. Gibt es einen freien Willen? apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención:..., p. 115-116.

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Fá b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 1 1 5

do conhecimento da lei somente àqueles que assim forem reconhecidos emobediência ao seu conhecimento.

A concepção da motivação para determinado posicionamento doutriná

rio, também se alinha à teoria da prevenção especial da pena, em razão de que, partindo da normalidade mental do homem e do determinismo que recaisobre ele, poderia o mesmo ser motivado, agindo destarte de outro modo, para

que no futuro não pratique o fato realizado271.

Por fim, diz Pérez Manzano, ainda que se dê a comprovação empírica

 por meio da psicanálise, no sentido de ser motivável o homem normal, no

 processo esta comprovação se resta indemonstrável, sem esquecer que a possi bilidade de eleição motivada de uma conduta entre várias alternativas, não

deixa de ser indeterminista. D e qualquer forma, esta motivação passa a figurar

como sendo o conteúdo da culpabilidade272.

De comum entre várias acepções da teoria da motivação, é a imposição

aos cidadãos de que devem acatar as normas jurídicas de maneira imperativa,

isto é, o Direito Penal regula a vida das pessoas em sociedade, para tanto,

impõe que estas acatem as normas jurídicas, prescrevendo pena àqueles que ainobservarem. Este preceito é dado pela teoria imperativa da norma que se

une às teorias da motivação e prevenção.Entende Cuesta Aguado: “parece que a motivabilidade, em si mesma,

não implica a exclusão da culpabilidade em todo caso, nem sequer a exclusãoda culpabilidade normativa, nem em seu caráter de juízo de reprovação, nem

em respeito de seu fundamento —o livre arbítrio —senão que se mostra como

uma teoria sobre o conteúdo material da culpabilidade que pode ser utilizado

 para distintos fins”273. ?

 Nesta visão, percebe-se que a teoria da motivação não antagoniza com a

liberdade da atuação humana, apresentando-se igualmente como sendo dedifícil demonstração empírica. Daí ter a mesma que se socorrer a presunção

normativa de não afirmar “que todos os homens normais sejam motiváveis”,

senão que “os homens que não são motiváveis (déficits de motivação) não

 podem ser feitos responsáveis de seu atuar contrário à normal” e ao juízo com

271 DANNER. Op. ci t, p. 109-110, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención:...,  p. 117.

272 Culpabilidad y p revención:...,  p. 117.273 E l concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http:llinicia.es/de/pazenred!>

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1 1 6 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e i t o  Pe n a l

 parativo e generalizador do homem médio ou homem normal274. Como se

 percebe, esta decisão se dá em decorrência da adoção de critério político-cri-

minal em satisfação das necessidades sociais.

4 .4 .3 C u l p a b i l i d a d e p el o   pr ó p r io  c a r á t e r

Reunindo uma série de penalistas ao longo do século XX, vê esta teoria a

culpa como resposta do próprio caráter que se manifesta no delito. Cada um

é responsável por sua personalidade que se manifesta no delito. Não impor

tam as circunstâncias que fizeram da pessoa um autor. Deste modo, preceitua

esta teoria determinista que cada um é responsável pelas características ou

 propriedades que lhe induziram ao fato, isto porque deve o agente responder por sua personalidade, em razão de que esta manifestou no fato as suas carac

terísticas pessoais contrárias aos valores jurídico-penais, apresentando-se como

uma personalidade censurável275. Diante destas considerações, a responsabili

dade pelo próprio caráter implica o dever de tolerar a pena.

Mais recentemente, Jorge Figueiredo Dias com algumas ressalvas às for

mulações iniciais, reconstrói o conceito de culpabilidade partindo da funda

mentação axiológica e ética, pois são estas que formam o consenso comunitáriosem o que não pode se afirmar a normatividade do Direito276, o que ao dizer

do próprio autor se mostra insusceptível de manipulação utilitarista, isto em

nome de razões de conveniência ou de eficiência no nível do sistema social,

aliás, próprias da metodologia funcionalista de Direito Penal.

 No desenvolvimento de sua concepção, parte Figueiredo Dias da acep

ção de que nas relações sociais cada pessoa é um fim em si mesmo, não objeto,

mas sujeito que possui uma dignidade intangível, e em razão deste princípio

deve se orientar o Estado. Em decorrência disso, a garantia da dignidade da

 pessoa é o que constitui o fundamento axiológico-antropológico do princípio

274 El concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http://mida.es/de/pazenred/ >

275 Conforme Roxin, se refere esta teoria a Schopenhauer, e foram seus defensores Heinitz, Graf zu Dohna, Engisch e Figueiredo Dias. Schuld und schuldausschluss im StrafrechL Festschrift fur G.A. Mangakis, p. 242.

276 Afirma o autor que se aproxima em muitos pontos com a doutrina anterior, contudo afirma que 

seu ponto de vista "não é determinista, mas abertamente crente na liberdade da pessoa" e que o conteúdo da culpabilidade não é referido ao caráter (naturalístico) da pessoa, mas à sua  personalidade como fruto de uma decisão livre (de uma opção fundamental) da pessoa sobre si mesma. Questões fundamentais do direito penal revisitadas, p. 239-240, nota 122 e Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad en Derecho penal, CPC, ns 31, p. 8.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 1 7

da culpabilidade277, sendo este o marco de delimitação da responsabilidade

do homem. Tem-se assim o conceito de culpabilidade da pessoa ou da perso

nalidade dogmaticamente aplicável e político-criminalmente aceitável278.Adentrando o conteúdo deste princípio, depara-se com a autodetermina

ção da pessoa em sociedade como expressão de sua autonomia e inviolabilidadecaracterísticas inerentes a qualquer pessoa, e no momento em que esta realizaum fato antijurídico típico, é a culpabilidade a reprovação ética, isto é, “culpabi

lidade é a reprovabilidade do comportamento humano, por haver atuado o cul

 pável contrariamente ao dever quando podia ter atuado de outra maneira”279,

até mesmo porque acentua este autor que o Direito e, principalmente, o DireitoPenal são realização da liberdade, limitada à proteção específica dos bens jurídi

cos que participam do dever ser ético-social.

Referindo-se à culpabilidade como decisão do homem sobre si mesmo

(efeito puro da liberdade), há de se entendê-la segundo seu conteúdo, qual

seja, “ter que responder pela personalidade que fundamenta um ilícito típi

co”280, em razão de que ao praticar este ilícito típico, se manifesta no fato

qualidades pessoais jurídico-penalmente desvaloradas, e por conseguinte, uma

 personalidade reprovável.Por sua vez, mede-se esta reprovação pessoal tomando-se por base a des-

conformidade entre o valor da personalidade comprovada no fato e a essência

do valor da personalidade suposta pelo ordenamento jurídico281. Em sentido

contrário, quando presentes circunstâncias inibidoras da personalidade do

agente, impedindo a compreensão do juiz, o juízo de culpabilidade não será

efetivo, tomando-se como exemplo a inimputabilidade, o que indiscutivel

mente enseja um ato de comunicação pessoal entre o juiz e o sujeito.

Ao final, entende Figueiredo Dias que a culpabilidade pela personalida

de se constitui como garantia de respeito e amor ao homem, demonstração

inequívoca de uma lei penal democrática282.

277 Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad en derecho penal, CPC, n9 31, p. 10.

278 fdem, op. c it , p. 21.

279 Idem, op. cit., p. 13.280 Idem, op. cit-, p. 25.281 Culpa y responsabilidad. Para una reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad

en Derecho penal. CPC, n9 31, p. 27.282 Idem, p. 37.

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4 . 4 . 3 . 1 C r ít i c a s  à  c u l p a b i l i d a d e p el o  pr ó pr io  c a r á t e r

Afirma Roxin que resultaria paradoxal atribuir a alguém a culpabilidade

 por um dado de caráter de que não é responsável e que nada pode fazer emcontrário283. Não obstante a isto, pelo desenvolvimento da teoria constata-se

que, para mensurar a culpabilidade do sujeito, será necessário servir-se de um

 procedimento analógico, isto é, tomar-se-á um sujeito hipotético (homunculus)

 para averiguar se este agiria tal como fez o sujeito concreto.

Diante da indemonstrabilidade e dos demais problemas causados pelo

teorema “poder agir de outra maneira”, agora sob uma roupagem ética, reconhece Figueiredo Dias as dificuldades de demonstração. Daí reconhecer o

 próprio autor que não se situa entre os deterministas conforme já mencionado

anteriormente, para em seu lugar posicionar o teorema como “postulados po

lítico-criminais dirigidos ao julgador”284.

Disso, percebe-se que todas as críticas formuladas contra o teorema do

“poder agir de outra maneira”, adequam-se à construção formulada por Fi

gueiredo Dias, em que pese o mesmo se consubstanciar sobre a dignidade da

 pessoa humana, não se podendo, assim, afirmar que seu conceito se constitua

como condição de respeito e amor ao homem se ao concretizar o juízo de

culpabilidade contra este se serve de outro para fazê-lo.

Outro argumento contrário a esta concepção dado por Roxin, encontra-se

no fato de que ela não explica os casos de irresponsabilidade. Afirma o autor

que talvez existam exemplos de que o delito cometido por um doente mental

não se relaciona com a personalidade dele e por isso foi cometido sem culpa,

embora na maioria dos casos o delito de uma pessoa irresponsável seja a expres

são de uma personalidade psicopata ou neurótica, e não deixa de ser a expressãoda própria personalidade dele. Se cada um é responsável pela própria personali

dade, seja o que for, não é explicável a absolvição destes autores285.

4.5 As r e l a ç õ e s d a c u lp a b i l id a d e c o m a s t e o r i a s DA PENA

Em realidade, a doutrina diverge quanto às relações da culpabilidade

com as teorias sobre a pena, do exposto, para melhor compreensão do tema,

283 - ROXIN. Derecho penal, p. 803.

284 Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica dei concepto de culpabilidad en Derecho penal. CPC, na 31, p. 19.

285 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschríft für G.A. Mangakis,  p. 243.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 1 9

faz-se necessário elencar as teorias, ainda que de forma abreviada, sem, contudo, perder importância.

Do desenvolvimento sobre as teorias da pena, afirma-se que as teorias

absolutas ou de retribuição foram as primeiras a ocupar destaque. Estas têmcomo fundamento a retribuição moral baseada no princípio da culpabilidade

no sentido clássico de liberdade de vontade ou livre-arbítrio, asseverando-se

que o homem é livre e ao fazer mal uso de sua liberdade torna-se culpável,

impondo-se conseqüentemente a pena como imperativo de justiça. Ou como

sustentava Hegel ao dar fundamento à teoria da retribuição jurídica, ao afir

mar que o delito é a negação do Direito e a pena a negação do delito. Assim,

a pena vem a ser a afirmação do Direito.

Em verdade, a teoria da retribuição é a expressão pura do pensamento deque a pena se rege conforme o fato no passado.

Pela análise superficial sobre as mesmas, conclui-se que estas não perse

guem fins preventivos, ainda que a pena tenha sido alicerçada na culpabilidade, que é a culpabilidade moral.

Com as reformas políticas e científicas havidas, e alterada a concepção de

Estado, ganham espaço as teorias relativas, também conhecidas como teorias

da prevenção. Estas assim se compreendem porque têm um fim relativo, queé o da prevenção do delito. A pena, pois, é necessária para evitar o cometimen-

to de delitos. Como bem assevera Zulgadía Espinar acerca destas teorias, não

se tem a pretensão ilusória de erradicar o delito da vida social, mas de manter

os índices criminais em limites toleráveis286.

Acerca das teorias preventivas, estás se desenvolveram em diversas acep

ções, mais precisamente de uma sociedade não identificada e não infratora, até

alcançar especificamente a pessoa do infrator.

E a teoria da prevenção geral que se dirige a toda sociedade que ainda não

delinqüiu, prescrevendo e ameaçando com pena a realização de condutas crimi

nosas. Ainda é compreendida nas acepções positivas e negativas. Pela vertente

negativa, que a propósito inaugurou a concepção preventiva, também chamada

de teoria da coação psicológica, ou da intimidação, formulada inicialmente por

Feuerbach, ameaça-se o membro da sociedade que ainda não delinqüiu com a

286 ZULGADlA ESPiNAR, José Miguel. Fundamentos de derecho f)enal,  p. 71.

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1 2 0 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

aplicação de pena quando da realização de condutas criminosas, buscando-se

assim evitar que a mesma não cometa delito.

Diversamente da vertente negativa, a prevenção geral positiva dá margem

a diversas construções teóricas que se diferenciam por meio do seu conteúdo

central, para tanto se servindo ou de aspectos motivacionais, ou de funcionamento da sociedade, ou de revalidação de valores.

Diferentemente sustenta Naucke, ao argumentar ser conceitualmente

impossível considerar o desenvolvimento da pessoa do autor para o futuro na

determinação da pena, eis que ele está fora do alcance do conceito de culpabi

lidade jurídico-penal. Ou seja, não há condições de se precisar se no fiituro ocondenado vai necessitar de educação ou se será particularmente perigoso, ou

se será necessário corrigi-lo ou assegurar outras pessoas contra ele287.

Certo é que entre a culpabilidade e a prevenção do delito, e seu instru

mento, a pena, possibilita-se a construção de verdadeiros sistemas penais, onde

 buscam os autores harmonizar culpabilidade e pena, concebendo-se a primei

ra com a matiz da pena que se quer instituir. Estabelece-se uma identidade

orgânica entre culpabilidade e pena. Indiscutivelmente, é a culpabilidade o

liame que une a teoria do delito a da pena. E isso é perceptível a partir da

compreensão que recai sobre a evolução epistemológica do Direito Penal.

A título de introdução ao tema, até porque no corpo deste trabalho outras

concepções preventivas serão apresentadas em consonância com a estrutura daculpabilidade empregada pela doutrina, em aspècto geral, a prevenção geral recor

da a sociedade acerca da vigência efetiva das normas penais, reforçando a confiança

institucional no sistema. Afirma-se que esta teoria se apresenta como exigência

 para a integração do grupo social e para o bom funcionamento do sistema. Portanto, propriamente não se legitima a pena porque esta cumpre uma função de pre

venção, senão porque cumpre o fim útil de assegurar o sistema social e a confiança

institucional dos cidadãos no bom funcionamento do mesmo288.

Diferente das concepções que serão expostas e que decorrem da doutrina

estrangeira, entre nós sustenta Luis Antonio Chaves Camargo, que à preven

ção geral assinala-se como “instrumento de identificação dos elementos da

287 Derecho penal,  p. 117.288 ZULGAD ÍA ESPINAR. Fundamentos de derecho penal,  p. 73.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 2 1

reprovação penal e, como conseqüência, a aplicação de uma pena que é limitada pela culpabilidade e adequada socialmente”289.

Sob esta construção personalíssima, a reprovação penal determina a quan

tificação da pena, e a aplicação desta garante atingir “o objetivo do Direito

Penal, na sua missão de revalidação dos valores vigentes, num determinadomomento histórico, para um grupo social.” Afirma ainda o autor, que nesta

linha dogmática, “o fim da pena tem caráter construtivo, refletindo a atuação

do Direito Penal, como ultima ratio, quando os demais meios de controle

social não surtiram efeito, e, ao mesmo tempó, restabelece o consenso valora-

tivo do bem jurídico protegido pela norma”290.Já quanto à prevenção especial, leva a mesma em consideração o delin

qüente, mediante a imposição de uma pena, a fim de que o mesmo volte a

delinqüir no futuro.

Como na análise da prevenção geral, também é concebida a prevenção es

 pecial nos âmbitos positivo e negativo. Quanto à primeira, busca desenvolver no

infrator o caráter ressocializador ou admonitório, a fim de chamar-lhe a atenção

 para que se abstenha de incidir novamente no delito. Afirmam os doutrinadoresque esta função se tom a possível com a aplicação de penas que não a de privação

de liberdade. Quanto ao aspecto ressocializador, pretende-se modificar o infra

tor, de modo que possa conviver em sociedade e em respeito à lei penal, embora

se reconheçam as dificuldades para a consecução deste fim na sociedade atual.

Sob a vertente construtivista e de revalidação dos valores vigentes, enten

de Chaves Camargo que na execução penal, a atuação do Estado se concretizacom a utilização de instrumentos para atingir objetivos fixados pela lei penal.

Ou seja, com a aplicação da pena busca-se a aceitação do condenado, do con

ceito valorativo vigente do bem jurídico violado291.

Por fim, na concepção negativa da prevenção especial, evita-se o contato 

do infrator com o meio social, mediante a segregação temporal de sua liberda

de, impondo na normalidade dos casos a pena privativa de liberdade ou ex

cepcionalmente nas legislações que assim o permite, a segregação será definitiva

com a aplicação da pena de morte.

289 Sistemas de penas, dogmática jurídicopenal e política criminal, p. 58.

290 Idem, p. 58.291 Sistema de penas, dogmática jurídicopenal e política criminal,  p. 65.

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1 2 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Embora o tem a não seja pacífico, afirma Zulgadía Esp inar que nas teo

rias relativas, o princípio da culpabilidade não possui nenhum papel292, em

 bora não se possa olvidar que a teoria da prevenção geral positiva e sua

relação-fundamentação com a culpabilidade se apresente também de maneiramuito particularizada em atenção às proposições de muitos autores, como será

 posteriormente discutido. Daí a necessidade de se realizar uma análise, ainda

que sintética de cada uma das mais importantes posições dogmáticas.

Antes desta análise, mister afirmar, sob o ponto de vista tradicional, que

a culpabilidade não apenas integra o conceito analítico de delito, como tam

 bém funciona como o instrumento de ligação com a pena e suas diversas

teorias, sendo indissolúvel esta associação.A propósito, nos embates travados pelos autores acerca das teorias so

 bre os fins da pena (Roxin e discípulos) e a percepção de suas falhas293,

seguem os autores modernos os postulados da teoria da prevenção geral po

sitiva, reconhecendo que se busca com a aplicação da pena, afirmar a consci

ência social da norma, restabelecendo a confiança dos cidadãos no

ordenamento jurídico e assegurar a vigência do Direito como mecanismo

regulador da convivência social.Afirma Pérez Manzano, que “uma construção da culpabilidade relacionada

com a prevenção geral e, amplamente com as necessidades preventivas, foi manti

da historicamente; por um lado, se defendeu a funcionalidade preventiva da pena

retributiva, é dizer, da pena adequada à culpabilidade e, por outro, se argumentou

que o critério para determinar se há culpabilidade e, em conseqüência, se procede

impor uma pena, é a própria necessidade preventiva”294.

292 ZULGADÍA ESPINAR. Fundamentos de derecho penal,  p. 71.

293 Discussões estabelecidas entre os adeptos das teorias absolutas, que sustentam que a pena é um fim em si mesmo, sendo a retribuição do mal causado com o delito, em contraposição aos argumentos esboçados pelos seguidores das teorias relativas dos fins da pena, que a explicam sob o argumento de que a pena serve para evitar a realização de delitos no futuro, marcaram a rivalidade entre as escolas Clássica e Positiva. O embate perdeu importância com o hoje predomínio das teorias mistas, erguidas a partir de uma tentativa de conciliação com as anteriores,  compatibilizando-as, a ponto de admitir a pena como retribuição de um mal, contudo não  sendo impedidos os fins úteis de satisfação das necessidades preventivas. De todo este embate doutrinário e dos conflitos identificados, como por ex. a impossibilidade de retribuição de um mau num Estado Democrático de Direito e o que envolve a falência da prevenção especial nas  modalidades intimidação e ressocialização, acentuou-se com maior importância na dogmática atual, as teorias que se baseiam na prevenção geral positiva como fim primordial da pena.

294 Culpabilidad y prevención: Las teorias de Ia prevención general positiva en Ia fundamentación de Ia imputación subjetiva y de 1a pena, p. 30.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 2 3

Dessa estreita relação, chega-se a dizer que se aceita a existência de cul pabilidade quando se considera correta a punição, e se aceita uma maior cul

 pabilid ade quando se considera correta um a m aio r punição, segundo

considerações de conformidade com os fins sociais, sendo critério de aferiçãode conduta culpável, o de se estabelecer se contra tal conduta se pode lutareficazmente com pena, em obediência aos fins da pena perseguidos295.

Portanto, no ambiente da prevenção geral positiva, onde a lei tem efeitos preventivos gerais constatados por seu conteúdo de convencimento à sociedade

de que é justa e racional, a relação com a culpabilidade se estabelece em razão deser vista como a decisão contra a norma jurídico-penal, apesar da capacidade dereacionar a favor das exigências normativas, daí falar-se em necessidades de pre

venção geral e especial como critérios de determinação da culpabilidade.Por fim, inovando quanto às concepções preventivas, surge a concepção

de prevenção normativa de Noll, que ressalta um aspecto preventivo diverso

dos existentes nas concepções preventivas. Refere-se o áutor aos efeitos preventivos que tem a norma jurídica, mediante a função de orientação e não aoaspecto intimidatório da ameaça penal, isto é, a partir da eficácia preventiva a

lei mediante seu conteúdo, convence como justo ou racional296. Desta forma,

é válido identificar a teoria como de proteção preventiva de bens jurídicos,

sendo considerado o princípio da culpabilidade por meio de um significadode aplicação seletiva e adequada ao fim das sanções penais desde a prevenção

geral positiva, isto é, culpabilidade significa decisão contra a norma penal

apesar da capacidade de reacionar ao estímulo normativo297.

Em realidade, esta concepção traz no seu interior as considerações inerentes à teoria da prevenção geral positiva, devendo-se identificar como parte

integrante desta, e não como pretende o autor ao posicioná-la em situação

diferente das demais preventivas.

A inovação normativa que pretende e que merece destaque, sendo inclusive

adotada por muitos autores que criticam a culpabilidade como critério válido paraestabelecer a medição da pena, ocorre a partir da afirmativa de que a medida da

 pena adequada à culpabilidade, depende do bem jurídico e de sua proporção.

295 KAUFM ANN , Felix. Die philosophischen Grundprob/eme,  p. 72, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevencíon,  p. 31.

296 NOLL, P. Schuld und Prãvention unter dem Gesichtpunkt der Rationalisierung des Strafrechts, p. 223, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención, p. 136.

297 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención...,  p. 136.

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Vê-se que, neste aspecto, é consenso doutrinário desenvolver suas concepções a partir da prevenção geral, ainda que cada qual a modele em atenção à sua

visão de Direito Penal, na busca de um Direito Penal mais justo e racional.Diante da já constatada crise que atravessa o conceito tradicional de cul

 pabilidade e como fruto do pensamento funcionalista penal em suas diversas

acepções, fez-se necessário que a fundamentação da culpabilidade ou da im

 putação subjetiva, recaísse numa argumentação estranha ao núcleo tradicionalda culpabilidade, pretendendo cumprir as funções de fundamentação dog

mática da pena, que é a prevenção geral positiva298, isto é, surge a necessidade

de vincular culpabilidade e prevenção na própria culpabilidade ou imputação

subjetiva como preferem alguns doutrinadores. E desta premissa que surgem

os modelos output.

Os modelos output  podem ser concebidos a partir de dois grupos: o modelo

que preceitua a substituição da culpabilidade por critérios advindos das necessidades preventivas e modelos que defendem a complementação da culpa

 bilidade com elementos vindos da prevenção. De comum entre esses modelos,

sobressai a prevenção geral positiva como o critério de grande aceitação por

 parte da doutrina, havendo também quem sustente a incidência da prevençãogeral negativa e da prevenção especial.

4.5.1 A s u b s t it u i ç ã o d o c o n c e i t o d e c u l p a b il id a d e p ela

PERSPECTIVA DA PREVENÇÃO GERAL - O MODELO OUTPUT

Como forma de superar os problemas advindos do conceito material de

culpabilidade, e ao mesmo tempo compatibilizando o Direito Penal com a atual

forma de Estado em busca da prevenção, verifica-se com a assunção das teorias

 preventivas, uma diminuição de importância da culpabilidade em relação com afundamentação e medição da pena, senão a sua própria substituição pelo princí

 pio da necessidade de pena, o que caracteriza o denominado modelo output.

 Na mesma linha de renúncia ao conceito de culpabilidade, dá-se a cons

trução dogmática de Achenbach, ao propor a realização de uma imputação

individual de base preventivo-geral, descartando a adoção do princípio da

 proporcionalidade, vinculando a prevenção com o critério da justiça, afir

mando que “só a pena sentida como justa será aceita pelos membros da

1 2 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

298 PÉREZ MANZANO. Op. cit , p. 58.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 2 5

comunidade jurídica como reação adequada e desencadeará o pretendido processo de motivação”299.

Contudo, ainda assim não se desfazem as críticas em torno desta substi

tuição, persistindo a necessidade de reflexão e reformulação sobre a mesma.

Inicialmente, cumpre afirmar que os adeptos desta concepção compreen

dem a possibilidade da mesma cumprir as funções dogmáticas instituídas à

culpabilidade. Para tanto, elencam alguns tópicos de convergência ou insufici

ência do conceito tradicional de culpabilidade.

Iniciando a construção desta tese sobre o conceito de inimputabilidade,

sustentam a desnecessidade da intervenção do Direito Penal por ausência de

necessidade preventiva geral e especial de pena, pois que, o fato dos inimputá-veis praticarem um injusto e não sofrerem pena, não diminui o caráter inibitório

da norma percebido pelos imputáveis, em razão de que estes não se confundem

com os primeiros. Isso porque como os inimputáveis não podem ser motivados

 pela norma, manifesta-se igualmente ausente a necessidade preventiva de pena.

Também quanto ao erro de proibição invencível, argumenta-se a ausên

cia de necessidade preventiva geral e especial de pena, pois o sujeito que atuasem consciência da antijuridicidade não comete um fato que chegue a causar

grande comoção e que implica em necessidade de pena.

Outro sustentáculo desta concepção reside na desnecessidade de pena para

os autores de comportamentos inseridos no estado de necessidade exculpante, ou

no excesso de legítima defesa, ou no medo insuperável, circunstâncias estas des

critas nos Códigos Penais alemão e espanhol, em razão de que o autor está inse

rido no contexto social, bem como a realização por ele perpetrada configura umasensível diminuição do injusto e, por fim, por razões de prevenção geral, dada a

não freqüência deste comportamento, restaria desnecessário impor-se uma pena.

Agora, em consideração aos fins preventivos da pena, entende-se este

como legítimo para fixar o limite estatal evitando-se a responsabilidade pelo

resultado e graduando-se a pena não mais em razão da culpabilidade, mas em

função do dolo ou da culpa inseridos no injusto.

299 ACHENBACH, Hans. Imputación objetiva y personal a título de injusto. A Ia vez, una contribución al estúdio de Ia aberratio ictus. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p. 138-142 e ROXIN, Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC  ne 30, p. 679.

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1 2 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Estruturando este sistema, sustenta Gimbemat Ordeig que o mesmo seergue a partir da proteção e do valor do bem jurídico, correlacionado com o seu

transtorno ou danosidade social, castigando-se com maior severidade desde o maior

ou menor transtorno no funcionamento da sociedade, a partir de se considerar odelito como doloso ou culposo, diferenciando-se aqui o grau de nocividade social,logicamente maior no crime doloso sendo, conseqüentemente, desnecessário re

conhecer-se uma responsabilidade pelo resultado, constituindo-se um sofrimen

to para as pessoas castigadas em vista da ausência de justificação300.

Contra os argumentos construídos pela concepção da prevenção geral

que pretende substituir a culpabilidade, são feitas sérias críticas contra seus

alicerces básicos.Iniciando-se o debate em tomo dos inimputáveis, o argumento da desne

cessidade de pena por critério de prevenção geral, entenda-se por falta de moti

vação, pelos inimputáveis, aponta não estar provado que estes não sejam motiváveis,

ainda que de forma reduzida, como também não é certo afirmar que a não

aplicação de pena para os inimputáveis não chegue a alcançar os imputáveis

quanto à motivação na norma, isto é, para prevenir a ocorrência de novos delitos.

Quanto ao erro de proibição, tal como anteriormente sustentado, ã ausência de necessidade de prevenção não serve para fundamentá-lo, isto porque

não está claro ou suficientemente demonstrado que, nestes casos, não se esta

ria privilegiando a desatenção no estabelecimento do justo e do injusto, do

direito e da antijuridicidade, até porque, com a aplicação de pena, poder-se-ia

dizer que a mesma atrairia a atenção dos cidadãos para' o comando normativo,

fomentando a busca do conhecimento da norma.

 Nos çasos referidos de excludente da culpabilidade, a conformação não pode se dar pelos critérios de prevenção, porque não se encontra afastada a neces

sidade de se impor pena em atenção à pretendida observação da norma lesada.

Tendo por objeto o bem jurídico, este não serve para afirmar ou negar a

intervenção penal, isso porque a sociedade não mantém a mesma valoração sobre os

 bens. Em referência aos transtornos sociais, estes dependem de diversos fatores para

a sua estimação, o que a princípio acarreta grande dificuldade para sua precisão.

300 GIMBERNAT ORD EIG , E. Tiene un futuro la dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal,  p. 155.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 2 7

Em especial, agora quanto à tese de Achenbach, afirma Roxin que ali-

cerçar-se a imputação individual sobre a culpabilidade ou sobre a justiça, não

implica diferença nenhuma. Daí a tese não inovar, ao contrário mantém no

fundo a mesma questão301.Diante das críticas realizadas, não se pode afirmar com segurança que o

 princípio da necessidade preventiva de pena possa substituir a culpabilidade

no tocante aos limites da punibilidade, “sendo um critério vago e impreciso,

supondo uma generalização da responsabilidade penal, já que as necessidadesde prevenção geral ou especial não dependem da contribuição do sujeito ao

fato, senão da valoração de questões alheias a ele, por isso, não serve para

cumprir a função de individualização da responsabilidade penal”302.

4.5.2 A p re v en ç ão g e r a l p o s it iv a c o m o c o n t e ú d o

DA IMPUTAÇÃO SUBJETIVA

Em sentido diverso ao acima abordado, buscam alguns autores consoli

dar o conteúdo da imputação subjetiva a partir de pressupostos da prevenção

geral positiva, ao invés de apregoar a substituição da função dogmática exercida pela culpabilidade pelos dispositivos da prevenção geral.

Estes modelos considerados output , são construídos a partir dos funda

mentos fornecidos pelas teorias psicanalítica e sistêmica, aglutinadoras dosdois maiores penalistas contemporâneos, Claus Roxin e G ünther Jakobs, acom

 panhados de seus discípulos.'

Portanto, dada a importância e colaboração destes autores na construção nãosó da culpabilidade, mas também em todo o Direito Penal, de forma panorâmica

será analisado o pensamento de cada qual, para então ser apreciada a culpabilidade.

4 . 6 O f u n c io n a l i s m o  d e  R o x i n

Concebido na década de 70, com o intuito de desenvolver um sistemaracional-final ou teleológico ou funcional de Direito Penal, Claus Roxin parte

do ponto de vista de que o Direito Penal não pode vincular-se às realidades

ontológicas prévias, isto é, estruturas preexistentes à valoração jurídico-penal,

mormente sobre a ação, causalidade, estruturas lógico-reais e outros institutos,

 para em lugar destes, “deixar penetrar as decisões valorativas político-criminais

301 Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC, ns 30, p. 679.302 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención...,  p. 159.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 2 9

embora o próprio autor reconheça que o funcionalismo teleológico ainda seencontre em fase de desenvolvimento306.

A imputação objetiva do resultado é a primeira peça de fundamentação do

funcionalismo teleológico. E m síntese, pelas concepções passadas, o tipo ficava

reduzido às regras da causalidade. Em troca, o pensamento roxiniano repudiaesta constatação para, em seu lugar, reconhecer que a imputação de um resulta

do ao tipo objetivo, só pode se dar se se verificar a realização de um perigo não

 permitido dentro do fim de proteção da norma, isto é, as regras naturalísticas da

causalidade forem substituídas por um conjunto de regras orientadas por valo-

rações jurídicas307. Por este ensinamento, as influências naturais ou lógicas dacausalidade ficam definitivamente extraídas do sistema penaL

A culpabilidade constitui-se como segundo pilar de fundamentação deste

funcionalismo. Insere Roxin o conceito de culpabilidade a ser entendido a partir do instante em que o autor estava em condições de compreender a

norma em face de sua aptidão espiritual e anímica, em uma concepção ainda

maior, que é a responsabilidade. Esta abarca também a necessidade de pena,

agora já com finalidades preventivas especiais, como materialização de sua

idéia de Direito Penal da prevenção.

O modelo roxiniano tem por objeto responder, desde considerações de

 prevenção geral e especial, a questão normativa de se estabelecer em que me

dida um comportamento ameaçado em princípio com uma pena requer em

determinadas circunstâncias uma sanção penal.

Destarte, a culpabilidade fica estabelecida como condição ou limite de

 pena, e está também voltada aos fins preventivos, embora haja doutrina que

entenda ser incompatível num mesmo momento o juiz retribuir a reprovabi

lidade cumulada com fins preventivos308.

Por sua vez, a capacidade de culpabilidade estará sintetizada pela possi

 bilidade do indivíduo conhecer a ilicitude e a normalidade da ação (que falta

em determinadas formas de perigo e no excesso de legítima defesa).

Portanto, a responsabilidade como nova categoria analítica do conceito

de crime, tem como objetivo principal eliminar o problema da liberdade de

306 ROXIN, Claus. Derecho pena! parte general, p. 204 e 206.307 ROXIN. Claus. Derecho pena! parte general,  p. 204.308 ROXIN, Culpabilidad y prevención en derecho penal,  p. 126.

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1 3 0 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

vontade, já que somente trata de estabelecer se existem razões que justifiquem a necessidade de se impor uma pena (Strafbedürftigkeir). Estas razões

devem ser determinadas a partir de aspectos de política criminal, ou seja, sob

aspectos de prevenção. Assim, responde-se se o autor merece a pena em razãodo injusto cometido. Disso atenta-se que para o reconhecimento da imposi

ção de pena, é necessário que as duas categorias estejam presentes.

E necessário frisar que Roxin refere-se aos fins do Direito Penal e não apenasaos da pena. Disso dessume-se que seu sistema é muito mais amplo, não se res

tringindo apenas a esta, mas impondo subserviência a valores e princípios políti-

co-criminais. O grande mérito atribuído a Roxin é ter colocado a construção

dogmática a serviço da resolução dos problemas que se apresentam na realidade davida social, tarefa que parecia estar esquecida em favor da mera abstração teórica.

Em síntese, afirma-se que Roxin está preocupado com a tópica, mas não

unicamente com ela, e, para a compreensão de um sistema valorativo-criminal

que resolveria os problemas encontrados no neokantismo e no finalismo, nor-

matiza todas as categorias do sistema, tomando seu sistema político-criminal

apto a responder às questões e contradições perpetradas nos outros sistemas.

Afirma-se, portanto, que o grande mérito desta concepção foi o de se colocar

como alternativa bastante interessante entre o Direito Penal calcado na dog

mática fechada, vista por alguns como “Ciência do Direito de professores”309,

alijado da realidade social e das necessidades desta e, de outro lado, precisa

mente o denominado radicalismo normativista, com conteúdo valorativamen-

te neutro, atrelado apenas à funcionalidade do sistema e de seus conceitos,

distante das prerrogativas da dignidade da pessoa humana.

4 . 6 . 1 C r í t i c a s   a o   f u n c i o n a l i s m o   r o x i n i a n o

Se bem é verdade que o pensamento roxiniano atingiu grande quantidade

de adeptos na Europa, também é verdade que o mesmo não está livre de críticas.

Frente à argumentação de que as decisões fundamentadas nos fins e valores criminais, isto é, política criminal e teoria dos fins da pena, constituem-

se como a única forma de atribuir conteúdo racional ao sistema, ante as

inseguranças produzidas pela argumentação ontológica num sistema pluralis

ta e pluridimensional, diz Borja Jimenez “que nem toda sistemática orientada

309 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Derecho penal,  p. 402.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 3 1

a uma determinada concepção político-criminal ou preventiva geral, asseguramaior racionalidade ao seu desenvolvimento e estrutura, isso porque a racio

nalidade em questão, deriva da justificação do modelo social que impera no

âmbito em que se desenvolve a teoria”310.Em seqüência desta oposição, estabelece-se o perigo que traz o funcio

nalismo à dogmática jurídico penal, pois acarretaria a dissolução de todo o

sistema penal e sua substituição pela teoria dos fins da pena, em manifesta

adesão ao utilitarismo, isto é, empregar a pena para um fim específico, na

espécie a prevenção geral apresentando-se incompatível com a idéia de justiça,

sem se falar na reformulação completa do conceito de culpabilidade, senão na

sua inferiorização frente aos sistemas anteriores.

4 . 6 . 2 A c u l p a b i l i d a d e  em  C i a u s   R o x i n

 Na tentativa de solucionar o problema que assola o conceito material de

culpabilidade, afirma Roxin que os princípios político-criminais da teoria dos

fins da pena são hábeis para fundamentar a culpabilidade311. Para tanto, é ne

cessário que o sistema de Direito Penal sofra uma reformulação tornando-se um

sistema dogmático jurídico-penal aberto às finalidades político-criminais, man-

tendo-se incólume os princípios do Estado de Direito, afastando por inteiro a

teoria da retribuição, danosa sob o ponto de vista da política criminal.A título dogmático, reconhece Roxin a incapacidade do conceito funcio

nal dúplice, ou tríplice de culpabilidade para se amoldar ao sistema por ele

 proposto, pois em verdade, a concepção tradicional reúne sob o mesmo conceito

fundamentos distintos, a saber: justificação ao fim de retribuição da pena e

como limitação da pena312.

Como fundamento à retribuição, tem-se que a culpabilidade é inidônea,

 pois legitima o mal que se quer impor, logo apresenta-se como irracional eincompatível com os fundamentos democráticos, notadamente porque tem como

essência retribuir o mal desvinculada de qualquer política criminal e despida de

qualquer preocupação de evitar o delito ou de destinar ao delinqüente uma

310 Op . cit., p. 602.

311 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 70.

312 Em geral, a doutrina concebe funções à culpabilidade. Entre outras teorias desponta a da tríplice função da culpabilidade, que a estabelece como o fundamento da pena, como limite máximo de pena, e como fator de graduação da pena.

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1 3 2 - C u l pa b il id a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

execução penal que lhe possibilite corrigir as atitudes sociais deficientes e que olevaram a cometer o delito através de uma execução ressocializadora313.

Pela culpabilidade com a função de limitação da pena e, por conseguinte, do poder de intervenção do Estado, mostra-se a mesma como limite à pena em obe

diência ao seu grau, derivando deste fundamento o princípio “nullum crimennulla poena sine lege”, isso porque, conforme destaca Roxin, quem antes do fato

não podia ler uma Lei escrita e saber que sua conduta lhe acarretaria uma pena,

não podia ter conhecida a proibição e, por conseguinte, não podia fazer-se culpável por seu comportamento314. Por tais considerações, este princípio consubstan-

cia-se como uma das mais efetivas garantias do Estado de Direito31s.

Em decorrência dessa premissa, “o princípio da culpabilidade exige, portanto, a determinação do tipo, a proibição estrita de leis retroativas e a proibi

ção de toda analogia em prejuízo do autor”316.

Por sua vez, há de se reconhecer que essa função da culpabilidade tem amparo

na política criminal, ainda que não seja possível a exata quantificação da pena, pornão se apresentar como objeto calculável a partir de regras matemáticas, mas que

 possibilita limitar os abusos da pena, seja de caráter preventivo geral ou especiaL

Por essas colocações, ressalta-se a impropriedade da culpabilidade parasustentar a fundamentação e a medição da pena, ainda que estes conceitos se

apresentem de certa forma relacionados entre si.

Acerca dessa dicotomia, pode-se ainda afirmar acerca da culpabilidade

como fundamentação da pena, que nela incide a questão de se fixar os pressu postos da responsabilidade jurídico-penal, tais como 'a análise acerca da capa

cidade de culpabilidade ou o conhecimento da proibição. No entanto, no que

se refere à medição judicial da pena, incide-se o fato concreto em si.

 No tocante às críticas sobre as diferentes concepções de culpabilidade,notadamente as que admitem o poder atuar de outro modo como seu fundamento, repudia-as Roxin, alegando que “O decisivo não é o poder atuar de

outro modo, senão que o legislador desde pontos de vista jurídico-penais queira

fazer responsável o autor de sua atuação”317.

313 ROXIN. La culpabilidad como critério limitativo de Ia pena. RCP  ne 1, p. 18.

314 ROXIN. La culpabilidad como critério limitativo de Ia pena. RCP  n9 1, p. 18.315 Idem, op. c it , p. 17.316 Idem, op. cit., p. 19317 ROXIN. Culpabilidad..., p. 71.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 3 3

 Na esteira da lição de Karl Engisch, de 1963, relativa à liberdade devontade, na qual se formula a proposição de que a culpabilidade de um ho

mem em uma situação concreta não é susceptível de demonstração, pois nunca poderá se afirmar se ele pode ou não agir de forma diferente à forma que

agiu —poder agir de outra maneira (Andershandelnkõnnen), sustenta Roxin adesnecessidade de se provar esta liberdade. Para ele, o papel da liberdade no

Direito Penal não é o de um facturn real, senão o de uma proposição normati

va. Em outras palavras, o juízo jurídico sobre o Direito Penal da culpabilidade

não depende de se poder provar filosófica ou psicologicamente a liberdade e a

responsabilidade do homem, senão de si é adequado, teleologicamente, que o

homem seja tratado como livre e responsável.

Abstraindo-se da indissolúvel questão da existência ou não da liberdade,

 para Roxin, o dado decisivo para a afirmação da culpabilidade será a acessibi

lidade, ou dirigibilidade normativa (normative Ansprechbarkeit). Portanto,

não indaga se o sujeito teria podido, realmente, agir de outra maneira. Parale

lamente, acarreta-se que a culpabilidade não se subordina às exigências pre

ventivas, senão coordena-se com estas, estabelecendo limitações recíprocas.

Diante da constatação de que o sistema tradicional de culpabilidade nãoconsegue satisfazer às exigências próprias do Estado Democrático de Direito,

idealiza Roxin para o Direito Penal um novo esquema, possuindo como sus-

tentáculos a teoria da imputação objetiva e a responsabilidade criminal318.

 Neste novo esquema, entende que considerações preventivas geral e es

 pecial devem ser assinaladas para que a pena seja vista como necessária para

reforçar o sentimento jurídico, a fé no direito da comunidade e para atuar

sobre o autor do delito, evitando sua recaída319, sob pena de que se os delitosficarem impunes, as normas penais perderiam seu poder de motivação acarre

tando desordens e anarquia.

Daí expressar-se Roxin pela impropriedade terminológica de se persistir

no uso do termo culpabilidade para expressar sua teoria, o que seria estender por demasiado o termo.

Afirma Munoz Conde sobre esta concepção, que do ponto de vista for

mal, “se chama culpabilidade o conjunto de condições que justificam a impo

318 ROXIN. Derecho penal, p. 204 e 206.319 MUNOZ CON DE. Op. cit., p. 21.

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1 3 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

sição de uma pena ao autor de um delito”320, distinguindo culpabilidade de

 perigosidade. Pela culpabilidade se dará a análise após o cometimento de um

fato típico e antijurídico, e sendo culpável o agente, dará lugar à imposição de

uma pena. Ao autor de um fato típico e antijurídico, culpável parcialmente(semi-imputabilidade) ou inculpável, porém perigoso, dará lugar à imposição

de uma medida de segurança.

A estrutura roxiniana tem no injusto (tipo e antijuridicidade), a designa

ção de quando uma conduta é ou não “ajustada às regras”. A responsabilidade,

termo que Roxin usa para expressar seu raciocínio, responde desde pontos devista poKtico-criminais à questão da necessidade jurídico-penal de sancionar o

infrator no caso concreto, a partir da teoria do fim da pena. Esta, inclusive, develastrear o legislador e o julgador, sendo ainda “o âmbito em que a política crimi

nal referida ao autor penetra diretamente na dogmática do Direito Penal, na

medida em que o conteúdo dos fins da pena é determinado conjuntamente por

conhecimentos criminológicos, sociológico-jurídicos e filosófico-jurídico”321.

Sobre a responsabilidade, esta designa após a antijuridicidade, uma valo

ração ulterior e que por regra geral dá lugar à punibilidade. “Enquanto na

antijuridicidade se analisa o fato a partir da perspectiva de que o mesmo in

fringe a ordem do dever ser jurídico-penal e que está proibido como socialmente danoso, a responsabilidade significa uma valoração desde o ponto de

vista do fazer responsável penalmente o sujeito”322.

Entende Roxin como sendo pressupostos da responsabilidade, a culpa

 bilidade (a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade e a normalida

de da situação em que se atua — v.g. excesso na legítima defesa etc, considerada

como pressuposto decisivo) e a necessidade preventiva de sanção penal, vista

aqui como uma ulterior proteção ante a intervenção do Direito Penal, mediante a exigência que a mesma seja imprescindível323.

Quanto à culpabilidade, o sujeito atua culpavelmente quando realiza um

injusto jurídico-penal, em que pese a norma chamar-lhe a atenção na situação

concreta e possuir capacidade suficiente de autocontrole, de forma que lhe era

320 Culpab ilidad y prevención en derecho penal, p. 14.

321 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 72.

322 ROXIN. Derecho penal,  p. 791.323 ROXIN. Derecho penai, p. 791-793, asseveraque outros casos de anormalidade também

podem ser manifestados em se considerando os crimes em espécie.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 3 5

 psiquicamente acessível um a alternativa de conduta conforme o Direito324.

 Noutra consideração, agente culpável é aquele que tenha compreensão pela nor

ma, isto é, o sujeito tem acesso intelectual à norma no sentido de que suas

capacidades intelectuais sejam suficientes para compreendê-la325.Portanto, a contrario sensu,  quando nenhum dos efeitos preventivos da

 pena é necessário no caso concreto, por mais que o autor tenha atuado culpa-

velmente, não se poderá impor uma pena326. Constata-se assim que, para a

dogmática penal voltar-se à teoria dos fins da pena e, por derradeiro, à aplica

ção efetiva da lei penal incriminadora, mister que culpabilidade e necessidade

 preventiva de sanção penal se vejam conjuntamente imputadas ao sujeito.

Percebe-se, assim, que a culpabilidade tal como vista no sistema tradicional, não é suficiente ao lado da tipicidade e da antijuridicidade para impor pena,

necessitando de constatações político-criminais que atestem as necessidades pre

ventivas. Ainda, há de se falar nas dificuldades existentes para se estabelecer o

conceito material de culpabilidade, isto é, saber o que realmente fundamenta o

aspecto material da reprovação da culpabilidade. Noutras palavras, por que ca

racterizamos como culpável ou não-culpável uma conduta ilícita se concorrem

determinados requisitos positivos e negativos?

Afirma Roxin que o problema que envolve o conceito material de culpa bilidade tem importância capital porque a questão de se saber qual é o ponto de

vista valorativo reitor em que se baseia esta categoria do delito, pode ser total

mente decisivo para a interpretação de todos os elementos concretos da culpabi

lidade e, inclusive, para desenvolver novas causas supralegais de exclusão da

culpabilidade, e por isto, em muitos casos, para julgar a punibilidade327. Para

tanto, constrói a distinção da culpabilidade como fundamento da pena e culpa

 bilidade na determinação da pena, pois são assertivas que possuem significados

diferentes, e podem acarretar a ocorrência de confusões sobre o tema.

324 ROXIN. Derecho penal,  p. 792.325 Firma Roxin o entendimento de que o sujeito normal é aquele que pode adaptar seu comporta

mento às circunstâncias e à norma. DizCuesta Aguado que esta teoria também se fundamenta nolivre-arbítrio, porém sem pretender prová-lo, visto como um pressuposto imprescindível da vida em sociedade arraigado nas nossas formas gramaticais e de pensamento. Nesta conjuntura, a suposição de liberdade é uma asserção normativa ou se se preferir, uma regra social independente do problema do conhecimento ou das ciências da natureza e está baseado no princípio da igualdade, segundo o qual todos os homens devem receber igual tratamento ante a lei. E l concepto material de culpabilidad, disponível: na internet em <http:Hinicia.es/delpazenred>

326 MUNOZ COND E. Op. cit, p. 21.

327 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 59.

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136 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

Sobre o conceito material de culpabilidade, defende Roxin a posição de

que deve o mesmo ser entendido como “atuação injusta do sujeito em que pese

 poder cumprir a norma”, ou seja, afirma-se a “culpabilidade do sujeito quando,o mesmo está disponível no momento do fato para a chamada da norma segun

do seu estado mental e anímico, ainda quando lhe eram psiquicamente acessíveis possibilidades de decisão por uma conduta orientada conforme a norma”328.

Contra a crítica da indemonstrabilidade e do retomo às proposituras própri

as do livre arbítrio, insurge-se Roxin, afirmando que a Psicologia e a Psiquiatria

desenvolveram critérios de julgamento com os quais se pode constatar empírica-

mente as restrições da capacidade de autocontrole e de medir sua gravidade329. Por

conseguinte, presente a possibilidade de cumprimento da norma pelo sujeito, presume-se logicamente que o mesmo tenha capacidade de comportar-se confor

me a norma, tomando-se culpável quando embora detentor destes pressupostos,

ao realizar o comportamento não adota qualquer alternativa de conduta em con

sonância com as suas viabilidades psíquicas.

Percebe-se, pois, que a adoção das contribuições advindas das ciências

extrapenais, no caso a Psicologia e a Psiquiatria, determinam o que anterior

mente chamamos a atenção para a abertura dó sistema proposto, diferencian-do-se do sistema neoclássico justamente porque neste não há a possibilidade

de qualquer aspiração conceituai estranha ao Direito Penal.

Aó expor de Roxin, sua teoria se afasta dos embates traçados pela Filoso

fia e pelas ciências naturais em tomo do livre arbítrio e da máxima de presun

ção do poder agir de outra maneira, apegando-se ao 4lemonstrável que são a

 plena capacidade de controle e a possibilidade de cumprimento da norma.

Entende Roxin que sua concepção de Direito Penal firma-se sob o absolu

tamente indispensável para a paz e segurança jurídica, do contrário, aplicar este

Direito Penal a pessoas em estado mental defeituoso oú em circunstâncias ex

cepcionais, portanto, que não tenham capacidade de motivação, acarretaria no

reconhecimento de um Direito Penal desnecessário e inadequado, isto porque a

sociedade não espera que estas pessoas cumpram a lei, mantendo-se aqui in

328 ROXIN. Derecho penal,  p. 807.329ROXIN. Derecho penal, p. 807. Ao descrever esta teoria como "atuação injusta pese a existência de compreensão ou acessibilidade normativa do sujeito à norma, segue a necessidade de se socorrer às considerações de homem médio ou homem normal para se apurar esta compreensão ou acessibilidade normativa."

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 3 7

cólume a vigência da norma, e indiscutivelmente neste aspecto, aproxima-se

Roxin da concepção normativa defendida por Günther Jakobs330.

Embora se aproxime da concepção de Jakobs, dela Roxin se afasta aofiliar-se ao princípio da culpabilidade do Estado de Direito, vista como fun

ção de proteção liberal, não aquela preocupada com as necessidades preventivas gerais ou especiais, “senão da capacidade de controle do sujeito e com isto

de um critério susceptível em princípio de constatação empírica, que põe um

limite à potestade punitiva do Estado”331.

Pela culpabilidade como fundamento da pena (Strafbegründungsschuld),

 parte Roxin da assertiva de que as causas de exclusão da culpabilidade são, naverdade, causas de exclusão da responsabilidade baseadas nos fins da pena,

 porque o agente pode comportar-se de forma diferente332. Tom ando-se como

exemplo o sistema penal brasileiro, a coação moral irresistível e a obediência

hierárquica servem a este propósito pois, do contrário, não se poderia reco

nhecer a culpabilidade do co-autor ou do superior hierárquico. Disso decorre

que estas causas, a seu ver, não excluem propriamente a culpabilidade, porqueela está presente, ainda que demasiadamente leve para justificar a imposição

de pena, falta assim a devida fundamentação científica para as mesmas, porque em algumas oportunidades se castiga, e em outras não.

Sua tese é a de que por considerações de prevenção geral e especial, ante

a dificuldade de averiguação “do poder atuar de modo distinto”, que aconse

lham o legislador a renunciar ou não à sanção, as causas de exclusão da culpa

 bilidade melhor se explicam a partir da categoria científica que denomina deresponsabilidade, já que “a culpabilidade é só uma condição necessária, porém

não suficiente para exigir uma responsabilidade penal”333.De outro lado, a culpabilidade não deve fundamentar a necessidade de

 pena, senão limitar a sua admissibilidade (Strafzumessungsschuld), isto é,

averigua-se a medida de culpabilidade limitadora da pena valendo-se da asso

ciação de aspectos empíricos e normativos para a sua determinação, tais comoo “valor do bem jurídico lesionado, o grau de sua lesão e a atitude interna do

330 ROXIN. Derecho penal, p. 810-811.331 ROXIN. Derecho penal,  p. 811.332 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 151.

333 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 155.

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138 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

sujeito ante o fato (ante a distinção de dolo e imprudência e eventuais limitações da capacidade de condução)334.

Por sua vez, a necessidade da pena pode derivar simplesmente dos fins

 preventivos, levando-se em consideração o interesse em um a convivência humana pacífica e segura, de forma a se impedir que o autor realize futuros fatos

 puníveis, confirmando-se perante a coletividade a vigência da norma jurídica.

 Neste passo, a culpabilidade tradicional não é afetada em nada pela novacategoria de responsabilidade, mantendo-a na idéia de pressuposto de pena.

 Não obstante a culpabilidade tradicional ser mantida no esquema roxiniano, desponta uma doutrina pretendendo um lugar diferenciado para o

conhecimento da proibição e a capacidade de culpabilidade em relação comos casos de exigibilidade, isto é, uma diferenciação entre causas de exclusão daculpabilidade e causas de exculpação335.

A incapacidade de culpabilidade e o erro de proibição inevitável eliminam a capacidade de conhecimento e se qualificam como causa de exclusão daculpabilidade. Nos casos de inexigibilidade, estas seriam causas de exculpa

ção, tanto por razões de prevenção geral como de prevenção especial.

Roxin não concorda com esta colocação, sustentando que o erro de proi bição constitui-se como causa de exclusão da culpabilidade, porque quemnão pode conhecer absolutamente o ilícito de seu atuar, deve ser excluído da

reprovabilidade do crime doloso. De outro lado, se se pensar que as pessoas

teriam sempre que externar seus conhecimentos ou o dever de informar-seseria impossível utilizar-se desta causa336. ^

Deste modo, afirma-se que, quando falta a culpabilidade, também faltam asnecessidades preventivas geral e especial de uma pena. De outro lado, a teoria de

Roxin pode ser utilizada por aqueles que não querem fundamentar a pena naliberdade da vontade e nos demais problemas que desta surge, mas que se munem

da capacidade de agir frente às exigências normativas como pressuposto da pena.

4.6.2.1 A TEORIA DOS FINS DA PENA

Compreendido que o funcionalismo racional-teleológico de Claus Roxin

 preconiza a orientação de todo o Direito Penal para cumprimento de determi

334 ROXIN. Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPC,  n° 30, p. 686.335 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal,  p. 358.

336 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 161.

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vel”341. Concretamente, pode-se estabelecer que uma pena seja fixada abaixo damedida de culpabilidade, se isso for preventivamente razoável, ao argumento de

que uma pena inferior obtém da mesma maneira, ou ainda melhor, os efeitos preventivos que seriam alcançados com a fixação de uma pena mais grave.

Se considerações sobre a culpabilidade roxiniana já foram deduzidasanteriormente, imperioso que se exponha algumas vertentes sobre as necessidades preventivas de pena. Para tanto, havemos de nos socorrer às modernasconcepções teorias sobre a pena.

Inicialmente, impõe-se a afirmativa de que fins puramente preventivos

 podem legitimar a pena, indiscutivelmente porque a pena contém uma reprovação pessoal contra o autor, até porque, se assim não fosse, estaríamos sobuma medida de segurança.

Se no âmbito da prevenção geral positiva, a pena tem por objetivo confirmar à sociedade a inviolabilidade da ordem jurídica, e por assim dizer con

firmar e fortalecer a fidelidade da sociedade ao direito, sucede que destinatáriodesta não é mais aquele em vias de aderir à criminalidade, tal como lecionava

Feuerbach ao estruturar a teoria da coação psicológica, mas agora o cidadão

fiel ao Direito, a quem se deve proporcionar, por meio de uma justiça penalque funcione, um sentimento de segurança e uma convicção aprovadora parao Estado e sua ordem jurídica.

Da nova concepção de prevenção geral positiva, explica Roxin, que trêssão os efeitos principais:

I o —efeito de aprendizado que o Direito Penal obtém fazendo-se presente de um modo expressivo as regras sociais básicas, cuja

violação já não pode tolerar-se;2 o —efeito de confiança que se alcança se o cidadão vê que o Direito

Penal se impõe;

3 o —efeito de pacificação que: se produz se o descumprimento da lei

se resolve por meio de um a intervenção estatal e se restabelece a paz jurídica342.

Em suma, decorre que na prevenção geral positiva, o efeito de aprendizagem

não está ligado, necessariamente, a uma determinada quantia de fixação de pena.

140 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

341 tdem, p. 214.342 idem, p. 219.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 141

Os efeitos de confiança e de pacificação pressupõem uma pena justa, e estas por

sinal coincidem com as exigências ditadas pelo princípio da culpabilidade.

Também é verdade que no manuseio destes efeitos principais, outros delesdecorrem. Em especial, a inibição ao cometimento do delito, não no sentido decoação, mas no sentido de influência nos cidadãos, pois não se pode olvidar que

o Estado deve evitar também que o condenado cometa novos delitos.

Ainda no campo da prevenção geral positiva, esta não se harmoniza com a

regra fornecida pela antiga prevenção fundamentada na lição de Feuerbach, pois

se nesta tende-se a impor penas excessivamente rigorosas e que inclusive excedam

a culpabilidade, por sua vez a primeira conduz à imposição de penas moderadas.

Isso porque, os citados efeitos de aprendizagem, confiança e pacificação não estão

ligados a uma determinada quantia de pena, pois pressupõem uma pena justa,

com a qual coincidem as exigências do princípio da culpabilidade. Neste sentido,

note-se que a reparação do dano, ou ainda, a composição autor-vítima, tal como

elencada na Lei dos Juizados Especiais Criminais, são instrumentos de revitaliza

ção do Direito, da paz jurídica, sem se deixar de considerar os efeitos benéficos à

reintegração do condenado, e do aspecto positivo desde o âmbito criminológico.

 Não obstante ao até aqui esboçado a partir das lições de Roxin sobre os finsda pena, contrapondo-se àqueles que sustentam que a prevenção geral positiva

alcança-se com a participação popular no processo democrático de estruturação das

normas, entre outros, Habermas, Hawls e Klaus Günther, afirma o penalista de

Munique que apenas uma pequena parte da prevenção geral necessária pode ob-

ter-se por meio da legislação e da justiça penal. Aponta que a principal tarefa,

 preventiva está em mãos do controle social policial, que se efetua em parte por meio

da luta preventiva contra a criminalidade, e em parte dentro do marco das investi

gações jurídico-processuais contra autores, inclusive contra os não-identificados.

Com propriedade, atesta Roxin, que o meio mais efetivo da prevenção geral

não é nem o Código Penal, tampouco a justiça penal, senão a intensidade do

controle, o que, indiscutivelmente, acarreta uma vigilância mais intensiva sobre a

 população343. Expõe Roxin, que a partir dos métodos de investigação com suporte

na informática, na vigilância acústica e óptica, ou na investigação genética-mole-

cular, em emprego excessivo, serviriam, eficazmente, à realização de delitos344.

343 Idem, p. 220.

344 idem, p. 220-221.

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1 4 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Da construção roxiniana o que se verifica, independente da análise dasquestões de liberdade e intimidade do cidadão, é que a prevenção geral podetambém por-se em prática através de métodos externos ao Direito Penal, sem se

falar na pedagogia social, ou da proteção técnica de objetos expostos a perigo.Pela pedagogia social, esta é delineada pela realização de programas en

torno da socialização familiar, dada a desintegração da família. No Brasil, dadas as altas cifras de déficits sociais, particularmente potencializada peladesigualdade social, má distribuição de renda etc., o seu enfrentamento é altamente positivo. Outros programas que abranjam a formação profissional dos

 pais, ou que estabeleçam o ensino religioso, ou as regras de conduta socialmente competentes, auxiliam a prevenção de delitos.

Quanto aos objetos expostos a perigo, a modernidade tratou de desenvolver forte aparato de segurança, que indiscutivelmente funciona como agenteinibidor da prática do injusto.

Vê-se, assim, que a política criminal estende-se consideravelmente alémdo Direito Penal, mostrando a sua face interdisciplinar, e isto permite assegurar que a prevenção efetiva é a que se pratica antes da prática do delito, e não

 por meio da execução da pena de prisão.

Por sua vez, a prevenção especial e o delinqüente têm grande relevânciana teoria dos fins da pena. Se antes o condenado funcionava como o objeto dareação estatal, pois servia à retribuição, agora com a mudança de postura, des-

tacando-se novamente a possibilidade de conciliação civil entre autor e vítima,

decorrente que é da estreita relação que se formou entye as prevenções especiale geral, considerando-se agora o condenado como co-organizador da sanção, ea sua recuperação como instrumento de utilidade pública. Nota-se que nesta

concepção, o condenado assume um relevante papel ativo na execução da pena.Outrossim, na concepção clássica de ressocialização, certo é que os esforçosterapêuticos somente logram sucesso se há a cooperação voluntária, o que denota que o condenado é o objeto do castigo.

Veja-se, portanto, que na reconciliação do autor-condenado com a vítima, que empreende esforços para a reparação do dano, ou que efetua trabalhos à comunidade, ou que se também se submete, voluntariamente, a uma

terapia social, mostra-se que o sujeito do delito busca reintegra-se ao grupo,

regressando à legalidade através da adoção de comportamento responsável. Neste aspecto, conclui-se da lição roxiniana que cumprindo-se a preven

ção especial positiva, logra-se alcançar a paz jurídica e a confiança no sistema.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 4 3

En tre nós, possuidores que somos de um sistema penitenciário caótico,

o não implemento da Lei de Execução Penal e dos dispositivos ressocializa-

dores sérios não servem ao discurso do aniquilamento da prevenção especial

 positiva. H á muito já se percebeu que o rigor, a crueldade, a supressão de benefícios etc., não possibilitam a obtenção de efeitos preventivos. Se se

renuncia à ressocialização, e em contrapartida se orienta o sistema a inflingir

um mal ainda maior ao condenado, impossibilitando o ensino de formas

humanas e sociais de comportamento, estabelece-se a dessocialização do

condenado345.

Para Roxin, as prevenções especial e geral ainda dominam a teoria dos

fins da pena, que se estende desde a pura prevenção geral estabelecida nas

cominações penais, passando pela combinação de prevenção especial e geral naimposição da sanção, até a evidente primazia da prevenção especial na execu

ção da pena e nas sanções não privativas de liberdade, em se considerando

ainda que a prevenção geral se relativiza, dado que seus métodos e alcance se

exorbitam os limites do Direito Penal346.

4.6.2.2 C r í t i c a s à c u l p a b il id a d e r o x in i a n a

Se bem é verdade que o pensamento roxiniano atingiu grande quantidade

de adeptos na Europa, também é verdade que o mesmo não está livre de críticas.Frente à argumentação de que as decisões fundamentadas nos fins e valo

res criminais constituem-se como a única forma de atribuir conteúdo racional

ao sistema ante às inseguranças produzidas pela argumentação ontológica num

sistema plural e pluridimensional, diz Boija Jimenez “que nem toda sistemática

orientada a uma determinada concepção polírico-criminal ou preventiva geral,

assegura maior racionalidade ao seu desenvolvimento e estrutura, isto porque a

racionalidade em questão, deriva da justificação do modelo social que impera noâmbito em que se desenvolve a teoria”347.

 Na defesa do finalismo, é dito que o método ontológico das estruturas

lógico-objetivas não nasceu com a pretensão de marcar um determinado mo

delo social ou político, senão a tentativa de superar o Direito natural e o posi

345 Idem, p. 222.346 Idem, p. 226.

347 Op. ci t, p. 602.

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144 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

tivismo jurídico, como também o de estabelecer teoricamente um limite àatividade legislativa do Estado em favor do respeito à autonomia da pessoa348.

Algumas críticas podem surgir do pensamento roxiniano vinculado à política criminal e à teoria dos fins da pena. Uma dessas críticas reside no perigoque traz este funcionalismo, pois acarretaria a dissolução de todo o sistema

 penal e sua substituição pela teoria dos fins da pena. Em assim sendo, consti-tuir-se-ia um verdadeiro utilitarismo, isto é, emprega-se a pena para um fimespecífico, na espécie a prevenção geral, não sendo compatível com a idéia de

 justiça, sem se falar na reformulação completa do conceito de culpabilidade.

Como resposta, Roxin afirma que não renunciou à culpabilidade como

 poder atuar de um modo distinto, havendo inclusive três razões para continuara mantê-la. A primeira reside na manutenção da terminologia porque já é conhecida; a segunda, de que culpabilidade e prevenção não são coisas iguais, isso

 porque o fato das necessidades preventivas desempenharem um certo papel no juízo de culpabilidade, não quer dizer que estas se confundem. Logo, a culpa bilidade deve entender-se como pressuposto de uma responsabilidade configurada preventivamente, e, por fim, conforme consideração normativa, no momento

de se determinar a magnitude da pena, não se pode renunciar à culpabilidade,

sendo este conceito o elo de ligação entre fundamento e determinação da pena349. Na análise da contradita de Roxin, despida de qualquer conteúdo ju rí

dico, é a afirmação da manutenção da culpabilidade pela conhecida terminologia. Contudo, quando se refere à distinção entre a prevenção e a culpabilidade,

e a questão desta funcionar como fundamento da pena rechaça, por completo,as críticas colocadas acima. Pode-se ainda falar no mantimento da culpabili

dade no sistema penal, “porque a culpabilidade representa uma garantia doindivíduo frente ao poder punitivo do Estado, ou frente a utilização instru

mental do cidadão como critério de eficácia na luta contra o delito”350.

4 .7 O FUNCIONALISMO DE JáKOBS

O funcionalismo penal também transcorreu por outra via, vista como radi

cal, representada por Günther Jakobs, construída a partir das categorias socioló

348 BORJA JIMENEZ. A/gunos p/anteamientos dogmáticos en fa teoria jurídica del delito enAlemania, Italia y Espana, CPC,  ns 63, p. 603. .

349 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 180.350 BORJA JIMENEZ. Afgunos planteamientòs dogmáticos en la teoria juríd ica de I delito en 

Alemania, Italia y Espana. CPC, n° 63, p. 615.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 4 5

gicas e guiada por critérios de prevenção e integração, fruto da relação do Direi

to Penal, visto como parte integrante das ciências sociais com outras congêneres.

Resultado desta relação foi a introdução das correntes sociológicas na análise dodelito, em particular a teoria dos sistemas como variante do funcionalismo.

Parte Jakobs do funcionalismo sociológico de Parson e da teoria das fun

ções sócio-sistêmicas de solução e estabilização dos conflitos ou teoria socioló

gica da formação do Direito de Niklas Luhmann, embora Süva Sánchez afirmeque Jakobs venha progressivamente se desvinculando desta para firmar raízes

na teoria hegeliana351.

A teoria dos sistemas tem sua origem nos anos quarenta no campo das ciências puras, tendo como objetivo explicar o funcionamento do mundo de fòrma

científica em contraposição ao método mecanicista de explicação da realidade352.

Inicialmente, com amparo na lição de Juarez Tavares, “o fundamento da

análise sistêmica reside justamente no fato de que as ações se vêem regidas por

expectativas, as quais encontram nos sistemas seus marcos delimitadores, corres pondentemente a diversas variáveis, das quais uma delas estaria constituída pelas

normas jurídicas”353. Noutra consideração, o modelo funcionalista de Luhmann

trabalha com categorias e expectativas dentro do contexto social, que se denomi

nam de caráter contra-fáctico das normas, isto é, as normas são sempre associadas

a um processo de comunicação social na qual um espera do outro que reaja de

uma certa maneira, em obediência às regras sociais, de tal forma que, quando não

se cumpre esta expectativa, se produz a frustração do sujeito expectante e, em

351 SILVA SÁNCHEZ, Jésus-Marfa. Consideraciones sobre Ia teoria del delito,  p. 28. A influência de Hegel fica evidente em Heiko Harmut Lesch, discípulo de Jakobs, no artigo Injusto y culpabilidad en derecho penal, in RDPC  na 6, 2000, p. 262-267. Noutro sentido, acentuo  que Jakobs ainda permanece fiel à base sociológica, a se perceber num de seus últimos artigos  publicados, ao afirmar que "A c iência do Direito Penal tem que indagar o verdadeiro conceito de Direito Penal, o que significa destacá-lo como parte do entendimento que a sociedade tem de si mesma". La ciência del derecho penal ante Ias exigencias del presente, p. 9.

352PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención..., p. 44. Afirma esta autora com arrimo em Bertalanffy "que a definição de sistema mais utilizada é aquela que o define como um conjunto  de objetos mais as relações entre os objetos e entre seus atributos, sendo os objetos as partes do  sistema, os atributos suas propriedades e as relações as que possibilitam a noção de sistema na medida em que mantém as partes unidas no sistema. O conceito de sistema se constrói sobre a 

base de outros dois auxiliares: estrutura —como a organização interna de seus elementos e função como a conduta e interelações do mesmo com o exterior - com tudo que está fora do sistema, que recebe o nome de ambiente. Por fim, "os sistemas se subdividem em sistemas abertos e fechados,, dependendo de que recebam e reciclem as influências ambientais de forma que o equilíbrio do sistema se produza em função da homeóstase (propriedade autoreguladora que permite manter o estado de equilíbrio) continua entre sistema e ambiente ou não".

353 Teoria do injusto penal,  p. 62.

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FÁ8IO G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 147

gerando frustração e conflito. A pena, portanto, é a declaração da vigência daexpectativa e que o conflito se resolva à custa do sujeito falaz.

Ainda sobre o conceito funcional de pena, tem-se aqui a retribuição com

aspectos comunicativos, isso porque a posiciona como contradição do significado lesivo do fato para a vigência da norma. Logo, a pena é instrumentosimbólico de retribuição de injustos de especial gravidade para seguir mantendo a vigência de normas indispensáveis357.

A partir da teoria dos sistemas, define Jakobs todas as categorias do delitoem atenção à contribuição que estas prestam à manutenção da estrutura social.

Ainda, sustenta que o funcionalismo jurídico-penal se concebe como a teoriasegundo a qual o Direito Penal está orientado a garantir a identidade normativa

e a garantir a constituição da sociedade358. Disso se conclui que a lesão à vigênciadesta organização (resultado), perpetrada pela lesão da função do cidadão nestecontexto, caracteriza-se como sendo a causa da lesão da vigência da norma. Neste sistema, pois, entende-se como resultado a lesão da vigência da norma. Jáacerca da teoria do delito, este tem que partir dos conceitos de pessoa e lesão

 jurídica, e não nos conceitos naturalísticos como homem e dolo359.

Sobre a pessoa, esta não é considerada como uma unidade “zoológica-

 psicológica”, mas sim como uma construção elaborada desde uma óptica especificamente normativa. Ou seja, no Direito a pessoa se determina de formanormativa e generalizante, e não em um sentido psicológico de vinculação à

legalidade. Para este funcionalismo, a pessoa é um ser racional, com capacida

des normais, é, portanto, um cidadão360.

 No que diz respeito à dogmática, esta sistemática entende que o papel

do intérprete jurídico tem de limitar-se à descrição, à explicação do sistema positivo de normas de um a determinada sociedade, sem considerar (valorati-

vamente, entenda-se política criminal) como deveria ser a conformação dessamesma sociedade, ou seja, como deveria ser o Direito Penal dessa sociedade.

 Noutras palavras, parte Jakobs da normalização absoluta de todo o siste

ma penal e de seus conceitos basilares, por conseqüência inequívoca, os méto

dos positivista-naturalista e finalista são afastados definitivamente, para em

357 FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo. Retríbución yprevención general. Buenos Aires: B de F, 2007, p. 595.

358 GÜNTHER, Jakobs. Sociedad, norma, persona en una teoria de un derecho pena! funcional, p. 10.359 JAKOBS. La ciência de l derecho penal ante Ias exigencias de l presente,  p. 16.360 LESCH, Heiko HarmuL Injusto y culpabilidad en derecho penal. RDPC, nfi 6, 2000, p. 259-260.

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1 4 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

seu lugar aproximar-se de um conceito social de ação  sui generis, ação comoexpressão de um sentido361. Consiste esta expressão na causação individual

mente evitável (dolo ou culpa) de determinadas conseqüências, isto é, sãoindividualmente evitáveis os acontecimentos que não se produziriam sem aconcorrência de uma motivação dirigida a evitar as conseqüências.

Quanto à pena, esta se justifica como medida necessária a manter a confiança dos cidadãos no ordenamento, estabilizando a norma lesionada. C om aconfiança na norma se quer dizer que todos os homens são destinatários dasnormas e deveriam ter direito a saber se podem ter expectativas ou não. C on

seqüentemente, a pena manifesta a identidade social e isso serve ao fim daconformação da realidade das normas, compreendida a identidade normativacomo o conjunto de normas jurídicas emanadas em sua realidade.

 No tocante à decorrente fidelidade ao Direito, se quer dizer que, com aaplicação da pena, esta consegue que o delito não se aprenda como alternativade conduta possível, sendo a pena o liame estabelecido entre a conduta e o

dever de suportar seus custos.

Interessante ressaltar que Jakobs não justifica o Direito Penal e a pena como

instrumentos idôneos de tutela de bens jurídicos ou de evitação de sua lesão ou desua colocação em perigo, mas sim de outorgar, como missão do Direito Penal, omantimento da norma como modelo de orientação de contatos sociais, pois o

 papel do Direito a partir de Luhmann pode ser entendido como o meio para aestabilização e coesão da ordem social, e, por outro, como ordem social, a qual

 persegue a sua própria estabilização dentro dá ordem sopaL Assim, o Direito temo fim essencial de fortalecer a coesão social, o que significa estabilizar o organismosodaL Diante disso, as normas orientam os contatos sociais mediante a expressão

da vigência fática da expectativa normativa.

Desde a interpretação que ora se faz sobre Günther Jakobs, o DireitoPenal tem a finalidade de exercitar o reconhecimento da norma, mantendo o

respeito geral às ditas normas.

4 . 7 . 1 C r í t i c a s  a o   f u n c i o n a l i s m o   n o r m a t iv o

Por se constituir num sistema exclusivamente normativo, as primeiras crí

ticas que surgem e certamente de maior grandeza, são de que esse sistema não

361 BORJA JIMENEZ. Algunos planteamientos dogmáticos en la teoria jurid ica del delito en Alemania, Italia y Espana. CPC, n9 63, p. 607.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 4 9

leva em consideração a pessoa humana, mas apenas as necessidades de prevenção

geral de mantimento incólume da norma, pouco importando as circunstâncias

que norteiam o autor, tampouco se voltando à limitação do poder punitivo doEstado como garantia inerente à dignidade da pessoa humana.

Quando se fala que a pessoa não recebe tratamento condizente com asua importância, deve-se entender pela afirmativa que neste sistema “o indívi-

duo não é mais que um subsistema físico-psíquico, mero centro de imputaçãode responsabilidades, e o próprio Direito um instrumento de estabilização

social, de orientação das ações e da institucionalização das expectativas”362.

Ao subsistema penal corresponde assegurar a confiança institucional doscidadãos, entendida dita função como forma de integração no sistema social363.

Algumas críticas a Jakobs referem-se direta ou indiretamente aos tristes

acontecimentos que marcaram a história recente e o povo alemão. Refiro-me à

Segunda Guerra Mundial. Descarta este sistema o fundamento maior de que

esta normatividade, ao não considerar a pessoa humana em primeiro plano,

estará suscetível a qualquer novo autoritarismo porque, nesta teoria sistêmica,

o Direito Penal não se limita a proteger bens jurídicos, mas apenas funções,

 preocupando-se exclusivamente com a manifestação de um fato disfuncional,do que com as causas que possam ser geradas pelo conflito364.

 Noutro sentido, a partir da concepção cunhada pela teoria sistêmica, suas

estruturas tanto podem servir às sociedades liberais ou coletivistas como tam

 bém podem servir às democracias ou ditaduras, pois o objeto funcional é o

dado, o ser, e não o dever ser. Diante desta afirmativa, o mesmo fenômeno social

 poderá ser funcional ou disfuncional, dependendo do tipo de sociedade.

E mais, diante das considerações de que a dogmática deve limitar-se àdescrição do sistema de normas de uma sociedade, nota-se, conseqüentemen

te, o desprezo sobre a construção teórica acerca da problemática jurídico-

 penal em torno da legitimação do Direito Penal (introdução de critérios

 político-criminais de validez e legitimidade), daí dizer-se que a dogmática de

Jakobs é escrava da constatação empírica de quais são as funções do subsistema jurídico-penal no sistema social.

362 GARCIA-PABLOS DE MOLINA. Op. ci t, p. 381.363 GARCIA-PABLOS DE MOL INA Op. ci t, p. 381.364 Idem, op. cit., p. 382.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 5 1

4.7.2 A CULPABILIDADE EM JAKOBS

Para Jakobs, a culpabilidade é o “elemento central da teoria jurídica do

delito, sendo o resto das questões meros indicadores da culpabilidade. Só in

teressa, em definitivo, se o Estado pode ou não impor uma pena”365, e, porisso, como muito bem acentua a doutrina, o aspecto mais debatido da cons

trução teórica de Jakobs é a sua concepção acerca da culpabilidade e sua rela

ção com a prevenção geral positiva366.

Tal como já apontado, para o professor da Universidade de Bonn, a pena

tem um significado comunicativo e confirma a vigência da norma, que outro-

ra foi posta em dúvida pelo autor. Logo, o juízo de culpabilidade só pode ser

um juízo acerca da falta de consideração da norma por parte do autor. Tem-se

a falta de fidelidade do sujeito ao ordenamento jurídico. Portanto, a culpabi

lidade é um déficit que se exterioriza num fato tentado ou consumado de

fidelidade ao ordenamento jurídico. Aqui, os fatos psíquicos, principalmente

o dolo e a consciência da antijuridicidade são indicadores de tal déficit367.

 Não obstante manter o conceito de culpabilidade, Jakobs não entende

 por este outra coisa senão o necessário à concepção preventiva-geral, portanto,

renuncia a culpabilidade no sentido convencional368. Ou seja, essa culpabili

dade depende das exigências de prevenção geral, e não do grau de responsabilidade pessoal do autor por sua ação. Neste aspecto, é correto até mesmo afirmar

que a culpabilidade deriva da prevenção gèral. Parte Jakobs da concepção de

que o Direito contribui para a estabilização da norma, aplicando-se a pena

 para manter a confiança geral da norm a deflagrada por um déficit relevante

de motivação jurídica do autor de um injusto369.

 No tocante à culpabilidade, este funcionalismo a entende como sendo a

falta de fidelidade ao Direito, quer dizer, o autor será culpado quando assim

for considerado pela falta de motivação em uma norma que tenha infringido

365 Neste sentido: Bernardo Feijóo Sánchez, Retríbuciórt y prevención general,  p. 617, nota 58.366 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÁLEZ , Carlos e CANCIO MELIÁ, Manuel. Un 

nuevo sistema del derecho penal. Consideraciones sobre la teoria de la imputación de Günther  jakobs,  p. 77.

367 JAKOBS, Günther. Sobre la normativización de la dogmática jurídicopenal, p. 22.368 Sustenta Hirsch que nesta concepção, o princípio da culpabilidade é concebido como mera 

derivação da prevenção geral, sendo abandonada a tradicional que a fundava autonomamen- 

te. El principio de culpabilidad y su función en el derecho penal. NDP,  1996 p. 31.369 JAKOBS, Günther. Derecho Penal —parte general - fundamentos y teoria de la imputación, 

p. 579-581.

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1 5 2 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

 pelo comportamento típico e antijurídico, na medida em que esta falta demotivação não possa ser desculpada sem que se veja afetada a confiança geral

nessa norma370. Isto é, “a determinação da culpabilidade sob a aplicação doDireito Penal vigente, consiste na fundamentação da necessidade de punir emuma determinada medida para confirmar a obrigatoriedade do ordenamentofrente ao cidadão fiel ao Direito”371. Tem-se, então, que o culpável é o veículo

do ato demonstrativo que estabiliza o ordenamento jurídico. A declaração deculpabilidade significa que o fato delitivo não fica definido como causalidadeou capricho do destino, senão como obra de uma pessoa372.

Dessa construção, decorre que a reprovação da culpabilidade não se refe

re à lesão dolosa ou culposa de um bem jurídico por parte do autor, senão quese vincula a uma carência no âmbito de organização, e por esta carência o

autor é responsável. Logo, a culpabilidade é a parte da responsabilidade dosujeito por sua falta de disponibilidade a deixar de motivar-se pela normacorrespondente, quando este déficit   não possa fazer-se compreensível sob aafirmação de que não afeta a confiança geral na norma373.

Importante ressaltar que a fidelidade ao Direito não é uma contrapresta

ção à assistência do Estado, mas deve estar fundamentada na autonomia participativa e na compreensão comunicativa das normas374. Da mesma formaque a ilicitude se configura por meio da realização do tipo de injusto, a culpa

 bilidade consiste na realização do chamado tipo de culpabilidade, que tem

como requisitos o fato de o autor ter se comportado antijuridicamente; que oinjusto seja pressuposto da culpabilidade e que este seja imputável ao autor,isto é, que este seja dotado de capacidade de questionar a validade da norma;que deva ter agido o autor sem representar o fundamento da validade da

norma e, conforme algumas espécies de crime, que este preencha alguns elementos que esta espécie de crime estabeleça como indispensável.

Disto decorre que, nesta concepção, a culpabilidade somente será relevantequando necessária à aplicação de pena para a mantença do ordenamento. Por

370 Afirma jakobs, que consiste a missão da culpabil idade em caracterizar a motivação do autor contrária ao Direito como motivo do conflito. Derecho Pena! parte general —fundamentos y teoria de Ia imputación, p. 579.

371 JAKOBS, Günther. Culpabilidad y prevención, p. 78.

372 FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo. Retribución y prevención general,  p. 600.373 JAKOBS, Günther. Culpabilidad y prevención, p. 91-92.374 KINDHÀUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de Ia culpabilidad. Cuestiones 

actuales de Ia teoria del delito,  p. 194.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 5 3

tanto, culpabilidade não é limite, senão derivado da prevenção. Com estas con

siderações, rechaça Jakobs as teorias que posicionam a culpabilidade como fator

de condição, medição e limitação da pena, em razão da manifesta ausência dereferência aos fins375. Portanto, a culpabilidade é a responsabilidade por um

déficit de motivação jurídica dominante num comportamento antijurídico376.

Destas considerações resulta o afastamento do livre arbítrio como conteú

do ou pressuposto da culpabilidade, afirmando ainda Jakobs que este conceito

carece de "dimensão social”, reconhecendo-se o culpável a partir da “falta de

obstáculos juridicamente relevantes para seus atos de organização”377. Ainda,

com a eliminação da idéia de um sujeito livre e da culpabilidade com a função

de operar como limite da pena, contrariando, portanto, o pensamento de Roxin,

apura-se nesta metodologia que a punibilidade do autor não se mede a partir

das circunstâncias que rodeiam a sua pessoa, mas sim na fidelidade necessária

dos demais cidadãos para a estabilização da confiança do ordenamento.

Diz-se, assim, que a função da culpabilidade fúncionalista é meramente

instrumental, sendo o resultado de uma imputação reprovadora ao sujeito, no

sentido de que a defraudação que se produziu foi motivada pela vontade

defeituosa de uma pessoa378. Serve para afirmar a deslealdade deste para como Direito e, com isso, autorizar a imposição da pena. Pode-se dizer, também,

que seu conteúdo está constituído no próprio processo de motivação no qual

se afirma a deslealdade da norma. Conforme afirma Jakobs, “só o fim outorga

conteúdo ao conceito de culpabilidade”379.

Quanto à imposição de pena, esta tem o caráter de reestabilizar a norma,

 pois, se a norma tem como função justamente a garantia e o asseguramento destas

expectativas, a pena teria a função de garanti-la e, conseqüentemente, assegurar

 por via indireta essa expectativa. Acerca da dosimetria da pena, esta levará em

consideração o quantum necessário para a estabilização da norma, sendo esta a pena

adequada à culpabilidade, o que implica dizer que “renunciar à pena adequada à

culpabilidade suporia uma renúncia ao que é jurídico-penalmente necessário380.

375 JAKOBS, Günther. Culpabilidad y prevención.Estúdios de derecho penal,  p.73-74.

376 JAKOBS. Derecho pena!...,  p. 566.377 JAKOBS. Derecho pena!...,  p. 585-586.378 JAKOBS, Günther. El principio de culpabilidad. Estúdios de derecho penal,  p. 365.

379JAKOBS. Culpabilidad y prevención. Estúdios de derecho pen al p. 82.

380 JAKOBS. Derecho penaL., p. 589 - 590.

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1 5 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Busca Jakobs a substituição do conceito tradicional de culpabilidade pela prevenção geral positiva381, ou seja, em sua estrutura de culpabilidade, abandona

Jakobs a função restritiva da punibilidade do princípio da culpabilidade em atenção

à prevenção geraL Para tanto, afirma que “a determinação da culpabilidade noDireito Penal vigente consiste na fundamentação da necessidade de punir em

medida concreta para a confirmação da obrigatoriedade do ordenamento frente

ao cidadão fiel ao Direito”. Assim, culpabilidade se fundamenta por meio da

 prevenção geral e é medida conforme esta. E mais: desta forma, a necessidade de

estabilizar a confiança no ordenamento que foi pertubado pela conduta delitiva

se converte no conteúdo da culpabilidade e no critério de sua medição.

Pelo exposto, pode-se dizer que o conceito de culpabilidade é formal, ereveste-se apenas da imputação ao sujeito, ao passo que o conteúdo da culpa

 bilidade se “vê determinado pela constituição social”382 e é dado apenas pelo

fim pretendido, e este orienta a determinação da culpabilidade no sentido de

estabilizar a confiança na ordem pertubada pela conduta delitiva.

Como leciona Jakobs ao se referir à culpabilidade material, esta é a falta de

fidelidade frente a normas legítimas. Por sua vez, essas normas não adquirem

legitimidade porque os sujeitos se vinculam individualmente a ela, mas sim porque o cidadão livre na configuração de seu comportamento assim pretende, de

correndo desta situação a obrigação de manter a fidelidade ao ordenamento383.

Acerca do compromisso de defesa da prevenção geral que tem Jakobs,

esta não é a prevenção geral classicamente concebida de socialização ou inti

midação do autor ou de outras pessoas, mas uma prevenção geral que significa

a necessidade de mantimento das expectativas de fidelidade com o ordena

mento jurídico. De outro lado, a fidelidade ao ordenamento jurídico, conceito

determinado normativamente, se debilita quando o sujeito que se encontra

em perfeitas condições de cumprir o seu papel social, sendo possível a atuação

conforme a norma, realiza uma atuação contrária a esta. Neste quadro, a fun

ção da culpabilidade é de estabilizar a confiança na ordem jurídica debilitada

 pelo comportamento delitivo, possibilitando um novo equilíbrio no desen

volvimento da sociedade. Desta afirmativa decorre que, o limite que estabele

381 PÉREZ MANZANO, Mercedes. Culpabilidad y prevención...,\ p. 22.

382 JAKOBS. Derecho penal...,  p. 567.383 JAKOBS. El principio de culpabilidad. Estúdios de derecho penal,  p. 38.

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F á b i o  G u e d e s  d e Pa u l a  M a c h a d o  - 1 5 5

ce a culpabilidade para a pena não decorre do que “o delinqüente mereceu”,mas sim em tomo da pena necessária para a manutenção da confiança.

Desta mesma construção decorre a assertiva de que em sociedades conso

lidadas pode rebaixar-se a medida de pena, pois nelas é mais reduzida a perigosidade da ação. Disso também decorre que no âmbito das normas mais

consolidadas pode-se também atenuar a pena, pois é menos perigoso que a

sua infração se entenda como negação da nivência da norma.

Esta concepção normativa pura considera que a norma necessita ressar-

cir-se contra as violações de seus preceitos para manter sua firmeza384 e, a meu

 juízo, neste momento, aproxima-se Jakobs da teoria retribucionista de Kant e

Hegel, demonstrando uma falta de coerência com o postulado de ser um

Direito Penal preventivo, embora Jakobs sustente que é prevenção geral por

que se pretende produzir um efeito em todos os cidadãos: E também positiva

na medida em que não se pretende que esta prevenção consista em medo ante

a possibilidade da pena, mas apenas uma tranqüilização no sentido de que a

norma está vigente e, havendo sua transgressão pelo ato perpetrado por umimputável, ela se vê fortalecida com a aplicação da pena385.

Em síntese, o método puramente normativista de Jakobs rechaça qualquer

delimitação descritiva (desqualificada por ele como naturalista) dos conceitosdogmáticos e remete à interpretação dos conceitos exclusivamente no âmbito

funcional sistêmico, ou seja, os conceitos do Direito Positivo serão interpretados

em relação com o sistema social utilizado386, ou como extrato da sua própria

lição, a violação de uma norma (delito), se estima socialmente disfuncional, não

 porque lesiona ou põe em perigo determinado bem jurídico, senão porque ques

tiona a confiança institucional no sistema. Nesta concepção, o juízo de culpabi

lidade é pressuposto da pena, já que só uma ação relevante comunicativamente

384 BORJA JIMENEZ. Algunos planteamientos dogmáticos en /a teoria jurídica de! delito en Alemania, Italia y Espana, CPC, ne 63, p. 609.

385 JAKOBS. El principio de culpabilidad, p. 385 . Há de se destacar, ainda, que este autor reconhece que a sua concepção se aproxima de Hegel, Derecho penal,  p. 22. Para ele, a reafirmação da norma tem que realizar-se mediante a imposição de um mal ao delinqüente, porque isso responde ao fim de exercício na fidelidade ao Direito, ou seja, a pena agrava o comportamento infrator da norma com conseqüências custosas, aumentando a probablilidade de que esse comportamento se aprenda em geral como comportamento a não ser realizado. Não se pode olvidar que esta construção foi nominada por Heiko Lesch como "teoria funcio

nal retributiva e compensadora da culpabilidade". La función de Ia pena, p. 50.386 SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre Ia situación espiritual de Ia ciência  

 jurídicopenal a/emana, p. 44.

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1 5 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

 pode questionar a vigência da norma. Logo, o delito é a expressão simbólica dafalta de fidelidade para com o Direito, ou seja, é uma ameaça à integridade e

estabilidade sociais, particularmente nocivas quando a infração se tom a visível387.Contudo, para poder se determinar a deslealdade do autor para com o

Direito, isto é, a motivação juridicamente incorreta e a responsabilidade do

autor por isso, é necessário a conjunção de alguns elementos que constituirão

o que chama Jakobs de tipo de culpabilidade388.

Sobre o tipo de culpabilidade, afirma Jakobs que a culpabilidade pressu

 põe o injusto, desde que este não esteja justificado, e o autor somente será

responsável pelo déficit de motivação jurídica se, no instante em que o fato forcometido, ele estiver em condições de pôr em questão a validez da nohna, isto

é, se ele for imputável389. Daí falar-se que a culpabilidade, nesta concepção,

define-se como a imputação de capacidade que se verifica, exclusivamente,

desde uma perspectiva externa. Por isso, a culpabilidade se dá quando a im

 putação ao autor é necessária para o mantimento da confiança na norma por

falta de alternativas de solução do conflito.

De outro lado, para se negar a culpabilidade (tipo de exculpação), é pre

ciso que não se ponha em perigo a estabilização geral das expectativas normativas através da pena, ou quando exista a oportunidade de assimilar o conflito

de outra maneira, quando então poderá ser discutida a exculpação. Isso ocor

rerá quando o autor do fato não possa ser considerado igual ou se encontre em

determinada situação especial, decorrendo a inexigibilidade de obediência à

norma. Esta se dará quando a “motivação não-jurídica se puder explicar por

uma situação que para o autor constitua uma desgraça e que também em geral

se pode definir como desgraça ou que se possa imputar a outra pessoa”390,tomando-se como exemplo a constituição psíquica do sujeito ou em obediên

cia a determinadas circunstâncias onde não se pode exigir do cidadão que haja

conforme a determinação normativa391.

387 GARCIA-PABLOS DE MOLIN A Op. ci t, p. 382.

388 JAKOBS. Derecho penal..., op. cit., p. 596.

389 Para Jakobs, imputável é uma pessoa que se encontra nas mesmas condições de igualdade queoutra, isto é, uma pessoa que tenha formado o seu processo de motivação.Dereho pena!...,  p. 598.

390 JAKOBS. Derecho pena!..., p. 601.

391 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÁLEZ, Carlos e CANCIO MELIÁ, Manuel. Un nuevo sistema deI derecho penal. Cpnsideraciones sobre la teoria de la imputación de  Günther Jakobs,  p. 84.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 5 7

Pode-se dizer que mesmo nos casos de exculpação, não há plenitude na

renúncia à estabilização, em razão de que se reaciona ao sujeito com a impo

sição de medidas para obtenção de sua cura ou de sua educação392. Servindo-se do exemplo do erro de proibição, na situação concreta em que o autor

atuou em erro sobre a norma, porém com suficiente disposição a cumpri-la,

reconhecendo assim o fundamento de validez, não se mostrará válida a aplica

ção de pena para a consecução do objetivo de alcançar a lealdade ao Direito,

quando muito para fixar a existência da norma393.

Ao tratar deste tipo negativo de culpabilidade, tece Jakobs a diferença

entre a inexigibilidade e a inimputabilidade. No primeiro, o sujeito está mo

tivado e a culpabilidade se vê diminuída ou excluída. Já quanto à inimputabilidade, leva-se em consideração a igualdade do sujeito com os demais.

Enfim, quando faltar a uma conduta a relevância comunicativa não haverá

constatação de culpabilidade. Assim, a culpabilidade se verifica quando a im

 putação ao autor é necessária para o mantimento da confiança na norma por

falta de medidas adotadas conforme as condições sociais, de solução do conflito.

 Nesta mesma linha de pensamento, sustenta Bernardo Feijóo Sánchez

que a fundamentação da culpabilidade se encontra vinculada às estruturas profundas de responsabilidade de um a determinada sociedade e às suas ques

tões axiológicas, o que configura segundo este autor a denominada “gramática

 profunda”. Ou seja, o fundamento da culpabilidade está vinculado ao concei

to de pessoa e dependerá de como se encontrem normativamente definidos os

vínculos entre os indivíduos e a sociedade394.

Diante destas considerações, tem-se que a culpabilidade não depende das

características naturais da ação (conhecimentos e motivações), senão da relevân

cia comunicativa que uma determinada sociedade lhe outorgue. Conseqüente

mente, a perspectiva funcional mostra que para a culpabilidade o decisivo não é

o conteúdo subjetivo ou as características da ação do delinqüente, mas sim a

ação do sistema social. E ela é a soma dos pressupostos sob os quais não é possí

vel assimilar uma conduta desviada sem uma reação formal, ou seja, a sociedade

não encontra alternativa senão aplicar a pena. Por isso, a culpabilidade tem o seu

392 JAKOBS. Derecho pena !...,  p. 600.393 Idem, op. cit., p. 600.

394 Retribución y prevención general,  p. 603.

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1 5 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

fundamento na necessidade de estabilizar o Direto por meio da pena, e a medi

da desta dependerá do necessário para a estabilização normativa.

4.7.2.1 C r í t i c a s à t e o r i a d a c u lp a b ilid a d e d e J ak ob s

Em tomo do sistema propugnado por Jakobs, e agora especialmente no

que se refere à estrutura da culpabilidade desenvolvida, resultam severas críticas.

Inicialmente, vale destacar a crítica de Jescheck ao afirmar a preponde

rância que Jakobs outorga à prevenção geral, acima, inclusive, da compensação

da culpabilidade pelo delito. Com isso há um prejuízo na orientação de estar

voltado o Direito Penal para a responsabilidade pessoal do autor pela prática

de sua ação, falecendo, portanto, o conceito de justiça individual395. Para este

autor, enquanto a culpabilidade trata a pergunta acerca de qual medida o fato

 pode ser reprovado pessoalmente ao autor, assim como qual é a pena merecida,

somente após é que merece apreciação a prevenção. Nesta, há que se decidir

qual sanção é apropriada para novamente introduzir o autor na sociedade.

 Neste âmbito, nota-se uma renúncia à relação interna entre o autor e a

legitimidade da norma, ou seja, Jakobs renuncia a análise sobre a determina

ção do conteúdo do sujeito da imputação.

Outra crítica é a que recai sobre a supressão do princípio da culpabilidadecomo limite às necessidades de prevenção. Destacam-se ainda as críticas baseadas

na ausência de referência à dignidade da pessoa humana e sua instrumentaliza

ção; à falta de precisão e possibilidade de manipulação dos parâmetros estabele

cidos por Jakobs (necessidade de estabilização d^. confiança na norma,

 possibilidades de processamento alternativo do conflito), que se consideram con

seqüências da absoluta normatização do conceito de culpabilidade, este já caren

te de relação com quaisquer substratos reais, com isso incorrendo na denominada“falácia normativista”, que seria categoricamente idêntica à “falácia naturalista”396.

 Não obstante as críticas lançadas até aqui, pode-se ainda destacar que, ao

afirmar Jakobs que a culpabilidade se mostra como um déficit  de motivação,

de fidelidade do indivíduo para com o Direito, percebe-se aqui, ao menos

indiretamente, um componente da culpabilidade pelo caráter do autor, resul

395 Evolución del concepto jurídico-penal de culpabil idad en Alemania y Áustria, op. c it , p. 15.396 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÁLEZ , Carlos e CAN CIO MELIÁ, Manuel. Un 

nuevo sistema de! derecho penaf. Consideraciones sobre Ia teoria de Ia imputación de Günther Jakobs,  p. 79-80.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 5 9

tante da idéia jurídica de uma pessoa fiel ao Direito que se encontra na mesma situação do infrator.

Já na sua obra “Direito Penal do Inimigo”, Jakobs afirma textualmente que

somente poderá ser “pessoa quem ofereça uma garantia cognitiva suficiente deum comportamento pessoal”397. Para esta pessoa haverá destinado o “Direito

Penal do Cidadão” e, por conseguinte, asseguradas as garantias penais e proces

suais penais. Ao passo que no denominado “Direito Penal do Inimigo”, o sujeito

que se conduz de modo desviado não oferece garantia de um comportamento

 pessoal e, por isso, não pode ser tratado como cidadão e deverá ser combatido

como inimigo perigoso398. Há aqui expressa renúncia a qualquer concepção de

culpabilidade. Caracterizam esta concepção o adiantamento da punição, a ele

vação das penas, ou seja, desproporcionalidade da pena em face do fato cometido e relativização ou supressão das garantias processuais. Fatos como os atentados

terroristas aos Estados Unidos da América (2001) e Espanha (2004), a revolta

estudantil ocorrida na França (2006) e pelo Primeiro Comando da Capital — 

PCC, no Estado de São Paulo (2006), impulsionam a simpatia e adesão popu

lar a este sistema punitivo, marcadamente reconhecido pela guerra travada entrecidadão, via Estado e delinqüência, notadamente pelo seu caráter.

Quando se refere à crítica de que este sistema coloca a pessoa em segundo plano, ao dizer de Zaffaroni, sobrepõe-se o sistema social, dando lugar a um Direi

to Penal transpersonalista399, isto é, tem-se que a teoria sistêmica conduz a concep

ção preventiva integradora de Direito Penal, em que o centro de gravidade da

norma jurídica passa da subjetividade do indivíduo à subjetividade do sistema,

 buscando o fortalecimento deste e de suas expectativas institucionais, sem contudo

modificá-la ou criticá-la. Com isso, quer se dizer que a punibilidade do cidadão

não dependerá das circunstâncias de sua pessoa, mas daquilo que seja necessário

 para a consecução da fidelidade do Direito por parte dos cidadãos, que teve nodelito desestabilizada a sua confiança. Conforme leciona Roxin, este pensamento

se toma patente quando Jakobs propugna dedarar culpável e objeto de castigo o

delinqüente por instinto completamente incapaz de autocontrole, enquanto não

se conheçam métodos com perspectivas de êxito para a cura de sua enfermidade400.

397 Op. ci t, p. 51.

398 JAKOBS, Günther. Derecho pena! deI enemigo, pp. 55-56399 ZAFFARONI, Eugênio Raul. La culpabilidad en el siglo XXI. RBCC, ne 28, p. 63.

400 ROXIN. Derecho penal, p. 806.

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1 6 0 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

É correta a crítica que faz Roxin a esta concepção, no sentido de que a

culpabilidade pode ser negada se existir tratamento terapêutico e afirmada

em caso contrário, provocará a inquietude e dificilmente se estabilizará o sistema, sendo evidente que a afirmação ou negação da culpabilidade dependerá

de fatores estranhos ao sujeito401.

Visto que esta concepção se estrutura sobre a prevenção geral, pode-se

afirmar, desde logo, que ela é lesiva ao princípio da personalidade da pena, em

razão de que a necessidade de autoestabilização do sistema nada tem a haver

com o fato em si, tampouco dependendo do comportamento do autor. A propó

sito, urge estabelecer a partir da construção que Jakobs faz sobre a pena, é correto

afirmar-se que este posicionamento impõe a adoção da antijuridicidadé formalatestada pelo simples antagonismo do fato com a norma, sendo desnecessário

falar-se em danosidade social e, por conseguinte, em antijuridicidade material.

 Nesta mesma linha e considerando-se a culpabilidade como meio para a

 prevenção, a construção teórica só determina a descrição das condições funcio

nais da sociedade, sendo esta afirmativa igualmente vazia de conteúdo e de

limite que tem de se caracterizar neste elemento do conceito de delito.

Acentua-se a problemática sobre a culpabilidade de Jakobs e a determinação da pena a se impor, haja vista a colisão dos interesses do indivíduo com

os interesses da prevenção coletiva, isso porque se o conteúdo da culpabilidade

se limita ao necessário para as exigências de prevenção, despida de qualquer

carga garantística voltada exclusivamente ao indivíduo, o conteúdo da culpa

 bilidade será dado através da satisfação do fim de êstabilização do sistema jurídico. Em prosseguimento do raciocínio, os limites à punição derivam do

ordenamento positivo ao estabelecer nos tipos penais os marcos rtiáximo e

mínimo, e estes nãó podem ser exatos para cada caso.

Por esta digressão, tem-se a exigência do próprio sistema em valorar en

tre o mínimo e máximo o quantum de pena a ser recomendado ao agente, ao

 passo que o sistema de Jakobs não consegue explicar a fixação de maior ou

menor pena para obtenção da estabilização da norma. Se se preferir, aqui há

fortes considerações psicossociais, o que significa dizer que uma aparente ne

cessidade de confirmação da norma conduziria a imputação de maior culpa

401 Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC  ns 30, p. 682.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 6 1

 bilidade aos sujeitos integrantes de grupos sociais etiquetados, ou de subcul-

tura, ou com desprestígio social, v.g.  sujeitos políticos, empresários, sitiados

em morros etc., porque se nota uma grande violação da expectativa da conduta ou cumprimento do papel social com a realidade.

Ou seja, também neste sistema serão necessários os predicados advindosda valoração, isso porque os princípios e dispositivos constitucionais tais como

as próprias normas, são amplos, vagos e abstratos, podendo-se alcançar cons

truções substancialmente diferentes, embora o próprio Jakobs se pronuncie

constantemente contra (deês) valorações éticas ou morais do autor.

E mais, esta construção teórica nos possibilita afirmar que estamos diantede uma nova teoria absoluta da pena, em que o antigo conceito de retribuição foi

simplesmente substituído pelo discurso da afirmação comunicativa da norma.

Portanto, qualquer concepção teórica de aplicação de Direito Penal deve

guardar imediata correlação com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF,

art. I o, III), pois a coloca no centro do sistema, tomando-a impossível de instru

mentalização, haja vista ser o indivíduo o sujeito das decisões materiais no sistema.

Quanto à tão propalada estabilização da confiança no ordenamento, en-tenda-se idéia da proteção da expectativa normativa de reafirmação nas poten

ciais vítimas e do restante social da confiança na vigência da norma, a idoneidade

da crítica reside na ausência de um parâmetro confiável que estabeleça o que é

necessário para esta e quando uma perturbação da ordem pode ser assimilada de

outra maneira sem a aplicação de punição. Nesta concepção normativista, o

 poder conferido ao juiz para reconhecer o quantum de pena para a satisfação da

estabilização da confiança da norma, não tem limite suscetível de controle pela

teoria garantista, possibilitando a manipulação do conceito de culpabilidade, podendo dar causa ao arbítrio judicial, porque não se levará em consideração o

fato em si, mas à consideração do juiz será observado o quantum que lhe parecer

necessário para o restabelecimento da confiança no ordenamento.

 Neste contexto, há de se ressaltar que a construção normativista de Jakobs

levou em consideração a presente sociedade alemã, e não se pode olvidar que aAlemanha é um país reconhecido nos dias de hoje não só pelo seu desenvolvi

mento social, científico e industrial, mas também pela excessiva disciplina emetodologia já interiorizados em sua sociedade, perpetradores de índices de

criminalidade demasiadamente inferiores aos alcançados pelos países de Terceiro Mundo. Se se aplicar esta teoria nos países subdesenvolvidos, tomando-se o

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1 6 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Brasil como exemplo, foco de todo tipo de criminalidade, as conseqüências desua adoção se prestariam diretamente ao tão propagado simbolismo do Direito

Penal402, servindo de poderosa arma aos detentores do poder para se tornarem

 populares sem nenhum tipo de esforço, ao explorar a criminalidade e o temordesta por parte da população, mediante a fixação legal de penas elevadas, isto

numa suposta manobra de prevenção-geral, sendo certo que a culpabilidade

não será instrumento dogmático idôneo a repelir o emprego simbólico do Di

reito Penal. Isso porque, nesta concepção, tem a mesma seu conteúdo determi

nado exclusivamente pelas supostas necessidades de prevenção-geral,

apresentando-se então em manifesta oposição ao efeito democrático e garantista

do Direito Penal, ou simplesmente afirmar um Direito Penal anticonstitucio-

nal, provocador de intranqüilidade e a não-estabilização da norma403.

 Não obstante a possibilidade de manuseio dessa concepção pelos adep

tos do simbolismo do Direito Penal, a mesma encaixa-se com perfeição às

 proposituras típicas e próprias dos regimes antidemocráticos ou antijurídicos,

sepultando definitivamente do conceito de culpabilidade as funções de ga

rantia e proteção do cidadão contra a força do Estado.

Pode-se dizer também que um Direito Penal interpretado em sentido

 puramente preventivo-geral faz com que a culpabilidade perca a sua função

mais importante nos dias atuais, qual seja, a de fixar um limite ao poder

 punitivo do Estado, ou à necessidade de reafirmação do Direito Penal, prote

gendo o indivíduo de excessos preventivos através do princípio de que a pena

não pode nunca ultrapassar a medida da culpabilic^ide404.

Com a adoção do modelo preventivo, “as conseqüências dogmático-pe-

nais, precisas e desejáveis desde a perspectiva do Estado de Direito, que se

extraem do princípio da culpabilidade não podem ser obtidas, nem por aproximação com a mesma diferenciação e claridade”405, servindo apenas aos fins

do sistema, livre de qualquer ideologia, renunciando à crítica, mantendo-o

estático, o que incidiria na sua perpetuação.

402 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Crise do direito penal. RT,  nQ765, p. 418.

403 No mesmo sentido: Claus Roxin, Derecho penal,  p. 806-807.40 4 Com esta afirmação concorda Garcia Aran, dizendo ainda que curiosamente esta concepção mantém orientação similar ao retribucionismo clássico o que a toma a mais perigosa das teorias retributivas liberais. Culpabilidad, legitimación y proceso, ADPCP,  1986, p. 88-89.

405 ROXIN. Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC  nQ30, p. 683.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 6 3

Por meio de uma visão sistemática de Direito Penal, esta concepção rom

 pe com o ideal de proteção dos bens jurídicos que estão por detrás das normas

 jurídicas, para apenas nestas enquanto normas repousar a sua proteção. Para

ilustração da concepção, emprega-se o tipo penal descrito no art. 121, doCódigo Penal brasileiro, que tem na vida humana o bem jurídico tutelado.

 Na concepção jakobsiana, por sua vez, tutela-se a norma em si mesma,

daí a razão de se aplicar castigo ao infrator como forma de revitalizar a vigência da norma.

Outra crítica que se pode construir a partir das raízes do funcionalis

mo penal normativista, que preconiza, aliás, o sistema como aberto, neste

caso suscetível à absorção dos contextos sociais, reside em que a reformu

lação feita no conceito de culpabilidade, direcionada ao fim, que é o resta

 belecimento na confiança da norm a, im pede a sua “oxigenação”, ou seja,

impede a absorção de conceitos estranhos à ciência penal, significando

uma superioridade frente a outras disciplinas, de maneira a isolar o Direi

to Penal do contexto social e dos seus fundamentos sociais, mantendo o

conceito genuinamente normativo406.

4.7 .3 A CULPABIL IDADE COMUNITÁRIA

Urs Kindhàuser formulou uma compreensão teórica sobre o conteúdo

material da culpabilidade a partir da filosofia política e filosofia do Direito de

Jürgen Habermas.

Antes, porém, de abordar o tema culpabilidade, destaca-se que este au

tor concebe o Direito como um produto da autonomia comunicativa dos ci

dadãos em uma democracia e sua infração como lesão da autonomia dos demais

co-cidadãos407. Exige-se do sistema social a lealdade no sentido de um com

 portamento solidário e comum. Essa lealdade deve ser concebida como o sis

tema que integra o indivíduo e as relações que este contém, pois são estas

interrelações comunicacionais que perm item a realização de todos os compo

nentes. Por sua vez, o sistema normativo é uma ferramenta que os integrantes

do sistema social em seu conjunto utilizam com o fim de mantimento da

406 No mesmo sentido: Hirsch, El principio de culpabilidad y su función en el derecho penal. NDP,  1996, p. 33.

407 SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: estado de Ia cuestión. Sobre el estado de Ia teoria de l delito,  p. 101.

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16 4 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

integridade de seu meio comunicacional408. No que tange ao sistema da teoria

do delito a concepção comunicativa apresenta duplo fundamento: uma fina

lidade preventiva e de proteção do sistema social e do indivíduo. No tocante à culpabilidade Kindhãuser destina grande importância à rela

ção entre autor e norma como condição de legitimidade da reprovação de culpa bilidade e da pena. E m primeiro plano, estabelecerá a culpabilidade formal como

resultado da imputação dogmática de um fato criminal. A partir desta se inda

gará do sujeito se ele tivesse formado a motivação para o cumprimento da nor

ma, então teria podido evitar seu comportamento antijurídico. Porém, por que o

déficit de motivação para o cumprimento da norma é castigado com uma pena,e por que o autor devesse formar a motivação para o cumprimento da nórma, são

 perguntas que só podem ser respondidas por meio da culpabilidade material.

 Na mesma linha da culpabilidade como infidelidade ao Direito, entre

tanto posicionando-a diversamente de Jakobs, sustenta Urs Kindhãuser a par

tir do âmbito comunitário, que o agir a partir das prerrogativas cidadãs é

inerente ao indivíduo.

Percebe-se neste contexto a mudança de compreensão do indivíduo como

 pessoa privada para a condição de cidadão nato. Com isso o cidadão é responsá

vel pelo bem público e tem que cumprir as normas asseguradoras da estabilida

de do Estado e da sociedade para não prejudicar a aspiração geral com o bem.

Diante da vertente comunitária, evidencia-se que “a tarefa do Direito

Penal é a proteção das condições elementares da integração social orientada à

compreensão comunicativa, e por isto, não violenta”409.

Em seqüência desta construção teórica, a fidelidade ao Direito almeja a

“virtude cidadã”, no sentido de estabelecer um compromisso eticamente fundamentado do indivíduo com a sociedade constituída juridicamente da qual se

faz parte. A culpabilidade então é o desprezo da responsabilidade pelo bem

comum410. Mediante a infração da norma, o indivíduo abandona a comunidade411 e nega a integração social realizável sem violência por meio da compreen

408 ARCE AC GEO , Miguel Angel. Sistema del delito,  p. 446-447.409 KINDHÃUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de la culpabilidad. Cuestionesactuales de la teoria del delito, p. 211;

41 0 KINDHÃUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de la culpabilidad. Cuestionesactuales de la teoria del delito, p.  195.

411  ARENDT, Hannah. Macht und Gewalt, p. 42, apud Urs Kindhãuser, op. cit, p. 195.

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são comunicativa leal. Por sua vez, estarão presentes as causas de exclusão daculpabilidade, quando presentes defeitos nas capacidades comunicativas.

Reconhece Kindhãuser que deverá haver uma relação interna entre anorma e seu destinatário para a fundamentação da culpabilidade material,

 pelo menos para poder explicar o componente emocional da decepção ante a

infração normativa. Diferentemente, Jakobs com sua fundamentação pura

mente objetiva de culpabilidade material se satisfaz apenas com a exigência

de que as normas sejam legítimas; isto é, que provenham de um ordenamento

que assinale a cada um a ajuda necessária para seu livre desenvolvimento.

Por fim, no que tange ao conteúdo material da culpabilidade, reconhece-se que o mesmo não é explícito, apenas se verificando na hipótese negativa,

notadamente quando verificada a infidelidade com o Direito. D e qualquer modo,

culpabilidade material é a falta de lealdade com a autonomia comunicativa dos

demais cidadãos, evidenciada pela infração da norma jurídica que protege ossubsídios da autonomia comunicativa412. Ou seja, o fundamento da culpabili

dade é o ato comunicativo de negação da norma proibida que se supõe num

acontecimento. Aqui a culpabilidade é o significado que se dá a expressão co

municativa do indivíduo a fim de precisar se o comportamento analisado escapaou não à fronteira do aceito como comportamento possível. Já a pena é o ato

comunicativo de expressão pela decepção ocasionada pela infração da norma.

Como afirmado anteriormente, esta postura diferencia-se da exposta por

Günther Jakobs por negar a neutralidade do Direito, buscando em troca a

obediência da norma como virtude cidadã. Entretanto, a pena é imposta como

reação simbólica pela defraudação da deslealdade do comportamento realiza

do pelo autor, como também para comunicá-lo acerca da quebra da perspectiva dos demais cidadãos.

4 . 7 . 3 . 1 C r í t i c a s  à  c u l p a b i l i d a d e   c o m u n i t á r i a

Tal como já ocorrera com o funcionalismo de Jakobs, não há critério decerteza para se precisar a quantidade de pena que deve corresponder com a

medida de deslealdade, ainda que a reprovação tenha apenas fins educativos

etc. Diante disso, as dúvidas acerca da justificação do juízo de culpabilidade

continuam presentes e sem solução.

F á b i o  G u e d e s  d e  P a u l a  M a c h a d o  - 1 6 5

412 KINDHÃUSER. Op. cit., p. 213.

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1 6 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

E mais, ao não considerar o fato real como objeto de valoração, mas sim

o ato de comunicação, impõe-se a substituição do objeto do Direito Penal(comportamento lesivo ao bem jurídico e o castigo real ao autor) para um

metanível, na hipótese, a linguagem413.

Em verdade, esta construção não logra êxito, haja vista que o que interessaao Direito Penal, isto a se considerar grande parte da doutrina, é a proteção de

 bens jurídicos, servindo-se das normas como instrumento inibidor, e com a pena

após ocorrida a lesão ao bem jurídico, razão pela qual Schünemann assevera queeste ponto de partida da construção teórica do Direito Penal é irrenunciável414.

Também é necessário que as partes envolvidas no litígio estejam em con

dições idênticas de comunicação, levando-se em consideração as particularidades de cada pessoa, sem o que resta frustrada a aplicabilidade da teoria,

afastando-se aqui a concepção dogmática distanciada da realidade contemporânea de cada localidade, ou seja, a utilização do Direito Penal depende em

geral da capacidade do destinatário para cumprir a norma, o que eqüivale asua capacidade de evitar a conduta lesiva ao bem jurídico.

4 .8 O CO NTEÚD O MATER IAL DA CULPAB IL IDADE DADO A PART IR DAS

CON TRIBUIÇÕ ES DA F ILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

Pertencendo ao contexto contemporâneo de se conceber o Direito Penal aolado de outras ciências humanas, em especial as ciências sociais permitem o

sistema aberto captar contribuições exteriores que lhe possibilitem integrar na

turalmente com o momento social. Conseqüência desta possibilidade, já cita

mos anteriormente, é permitir a aproximação do Direito Penal com a sociedade,tomando-o atual e real, aplicando aos casos concretos soluções dadas pelo núcleo

social, tendo a condição de atribuir legitimidade ao sistema de Direito Penal.Muitas são as contribuições vindas em especial da Filosofia e da Sociolo

gia, tomando-se como exemplo a teoria de Luhm ann sobre os sistemas e a sua

forte influência sobre o funcionalismo normativo de Jakobs. Portanto, é nestecontexto que estas ciências humanas contribuem no desenvolvimento do Di

reito Penal, podendo-se inclusive afirmar que o tema da culpabilidade é solo

fértil para agasalhar essas contribuições.

413 SCHÜNEMANN, Bemd. La culpabilidad: estado de Ia cuestión. Sobre el estado de la teoria del delito,  p. 102.

41 4 Idem, op. cit., p. 103.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 6 7

Sem a pretensão de analisar todas as construções doutrinárias, optou-se por considerar, neste momento, as contribuições prestadas pela teoria do Dis

curso de Jürgen Habermas e da Justiça de John Rawls, especificamente quan

to às suas posições acerca da culpabilidade e sua correlação com a pena.

4.8.1 A c o n s t r u ç ã o  d e H a b er m a s  e K l a u s  G ü n t h e r .

A t e o r ia  d o  D is c u r s o

Embora não seja uma construção especificamente voltada para o tema cul pabilidade, a estrutura de Jürgen Habermas ganha importância quando se dis

cute o conteúdo material da culpabilidade415, mormente se se considerar a crisenormativa do conceito, resultando daí a necessidade de se encontrar um concei

to que se adeque às necessidades de um Estado Democrático de Direito.Habermas acentua que o Estado Democrático só será democrático na

medida em que suas ações sejam ações nas quais se estendam a todas as pessoas,

ou nas quais todas as pessoas participem. Esta participação social no Estado e

nas decisões por ele tomadas é o produto do Estado Democrático. Segue como

conseqüência lógica, que o Estado não pode realizar atividades secretas, isto porque ele tem de ser transparente. Sendo assim, os  cidadãos, conhecendo as

regras e havendo a possibilidade de se motivarem conforme estas, serão respon

sabilizados, em nível criminal, por descumprimentos propositados, apontando-se, pois, para infrações descritas em lei.

Ainda sob o aspecto filosófico, no momento em que se exige que todas

as pessoas que participem de uma determinada comunidade política tenham

o Direito de conhecer o que o Estado está fazendo, elas também poderão

conhecer as regras que o Estado edita com relação aos seus comportamentos.

Se as pessoas têm o direito de conhecer as regras, elas só podem ser culpadas

ou julgadas se elas, conhecendo as regras e havendo possibilidade de se motivaremconforme estas regras, não tenham recebido essa motivação e, conseqüentemente,

realizem uma atividade contrária àquelas regras acarretará na aplicação de pena.

Vê-se que exatamente a capacidade de motivação é fundamentada na

teoria de que todas as pessoas que participam de um Estado Democrático só

 podem ser responsabilizadas quando estejam de tal maneira capacitadas a se

deixarem influir pelas regras advindas deste Estado Democrático, e, conse

415 GÜNTHER, Klaus. A culpabilidade no direito penal atual e no futuro. RBCC, nQ24, p. 81-92.

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1 6 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

qüentemente, ajustar as suas atividades de acordo com estas regras, essas é oerro de proibição, que é conseqüência da postura do Estado Democrático e

não se pode excluí-lo como causa de exclusão da culpabilidade.Portanto, conforme apontado acima, nesta concepção se exige que o cidadão

só possa ser responsabilizado quando tenha participado do discurso repressivo.

Resta dizer que, nas circunstâncias e condições verificadas em que não se

 possa atribuir ao cidadão a motivação à regra, este não poderá ser responsabi

lizado pelo fato criminoso, a título total ou parcial. Estas circunstâncias são asconsideradas causas de exclusão da culpabilidade.

Com propriedade afirma Chaves Camargo que “Habermas com sua teoriado agir comunicativo, possibilita uma análise específica sobre as formas de re

 provação social, que antecedem a própria reprovação penal, atendendo aos prin

cípios informadores do moderno Direito Penal: a fragmentariedade e a ultima 

ratio da intervenção estatal na vida privada”416.

 Noutra consideração, o agir comunicativo habermasiano alicerça-se na rela

ção e consenso entre os interlocutores, isto é, entre o agente (falante) e ofendido

(ouvinte), a partir da validade de uma norma, assim entendida em razão de aten

der as expectativas do grupo, tomando-a obrigatória, motivando as pessoas a

cumprirem-na417. O descumprimento da norma, portanto, dissenso em vista da

inobservância do conteúdo valorativo da norma penal, acarretará a idéia de delito.

 Na seqüência ao reconhecimento da presença do delito, “a necessidade da

 pena será o exame da situação individual de compreensão da validade da norma

e da intenção de causar dano social: a vida cotidiana é o pressuposto da análise do

agente numa tentativa de adequar o conceito da norma à validade social desta418.

Feitas breves considerações acerca do pensamento habermasiano e suaaplicação no Direito Penal, o conteúdo material da reprovação deverá “consi

derar a competência comunicativa dos integrantes do grupo e as condiçõessociais do discurso numa situação dialógica ideal”419.

A teoria do discurso tem por fundamento tão-somente a idéia de legitimação democrática, sendo esta necessária para que se estabeleça o que é culpa

416 CAMARGO, Antonio LuísChaves. Culpabilidade e reprovação penal,  p. 11.417 CAMARGO. Culpabilidade ereprovação penal, p. 222-223.

41 8 idem, op. cit., p. 224.41-9 - idem, op. cit., p. 224.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 6 9

no Estado Democrático de Direito. No que diz respeito à culpabilidade, de

corre da possibilidade de a pessoa participar do processo de formação da lei

 penal, logo, a lei será válida para aquele cidadão se ele participou de sua formação. Pessoa deve ser compreendida como sendo aquele que participa do

 processo de formação legislativa, e por isso é também o seu autor, porém tam

 bém é igualmente destinatário da lei penal.

Disso decorre a formulação do conceito de pessoa deliberativa, como

sendo aquela que tem capacidade crítica, ou seja, que pode argumentar no

mesmo nível, suscitando conflito acerca da validade da norma. Como conse

qüência deste pensamento, a pessoa deve ter na sua capacidade crítica condi

ções de conhecer conceitos jurídicos.

Diante deste postulado, o autor deve estar informado acerca das normas,

deve ser capaz de alterar seus planos em conseqüência da atitude crítica infor

mada e tal alteração do seu motivo de agir não deve superar outros motivos

 bons e aceitáveis. Especificamente na função de destinatária da norma ao ci

dadão só pode ser individualmente imputada uma ação normativamente lesiva quando se encontra preenchido o pressuposto cognitivo do conhecimento

normativo, quando ele, portanto, esteja informado por meio da norma, acercada sua atitude frente aos seus planos de ação.

 Não obstante ao que foi apontado até aqui, a culpabilidade para a teoria

do discurso é uma atribuição que se faz a uma pessoa pela função normativa

que lhe é imputada. Ou seja, a culpabilidade não é um objeto perceptível ou

uma qualidade do sujeito, mas sim uma atribuição (Zuschreibung) de senti

do que efetuam os outros sobre o delinqüente420. A legitimidade dessa atri

 buição deve ser buscada na capacidade de a pessoa poder partic ipar de

argumentações acerca da validade de suas pretensões. Nesta concepção, o destinatário da norma é, antes disso, co-partícipe em

sua elaboração e aprovação democráticas. Some-se a isso que o conceito de pes

soa para Klaus Günther vincula-se com um  status formado por valorações, atri

 buição de qualidades e modos de apresentar-se no grupo social que fazem com

que ser pessoa se relacione com a pertinência do grupo, e esta será a pessoa

deliberativa. Ou seja, pessoa deliberativa é aquela que se pode atribuir a capaci

dade de crítica sobre a sua conduta e de outros também, e tem a capacidade de

420 GÜNTHER, Klaus. Schuld und kommunikative Freiheit,  p. 118-119.

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1 7 0 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e ít o  P e n a l

adotar decisões suscetíveis de modificar suas manifestações e ações com base em

determinadas razões421. Esta pessoa possui argumentação política e este dialógoserá denominado de liberdade comunicativa422. E mais, a capacidade da pessoa

deliberativa para a tomada de posição crítica frente a manifestações e ações pró prias ou alheias é o critério geral para a imputabilidade (Zurechnungsfãhigkeit)423.

Acerca do juízo de culpabilidade penal, só se poderá reprovar a pessoa

 pela infração do dever de evitar algo injusto se ela dispunha de capacidade

 para a tomada de posição crítica.  Isso porque se ela possui o direito de tomar parte nos processos democráticos de aprovação das normas pode-se exigir que

cumpra as normas e evita realizar o injusto.

 Nas considerações de Klaus Günther, o conceito de culpabilidade girasempre em tomo do fato de como os cidadãos compreendem a própria liber

dade para uma atitude crítica em face de ações e manifestações próprias ealheias, e em que extensão e de que modo compelem um ao outro, reciproca

mente, esta liberdade. No conceito de culpabilidade, está em jogo o próprio

impedimento do cidadão como pessoa capaz de direito livre e igual424.

De outro lado, com as causas de exculpação ou de exclusão da culpabili

dade, determina-se sob quais condições o indivíduo não deve ser tratado como

uma pessoa culpada.

4 . 8 . 1 . 1 C r í t i c a s  à  t e o r ia  d a  p e s s o a  d e l ib er a t i v a

Esta concepção teórica parte da recente estrutura democrática de direitodo Estado, e não contempla pessoas que não participam dos processos de

deliberação, por qualquer que seja a razão, e assim não fazem uso de sua

capacidade crítica, sendo que em muitos casos sequer a possuem em razão de

suas vulnerabilidades políticas, sociais, econômicas etc.Exsurge, também, a questão de que sendo ilegítimo o ordenamento este

inviabilizará que alguém seja considerado culpado, daí perguntar-se se em

um sistema não-democrático desaparece a possibilidade de se reconhecer a

culpabilidade de um sujeito. Adentrando-se ao campo da realidade, é enorme

a distância que separa o debate político havido nas casas legislativas pelos seus

421 GÜNTHER, Klaus. Schuld und komm unikative Freihe it,  p. 245-246.

422 GÜNTHER , Klaus. Schuld und kom m unikative Freiheit, p. 246-248.

423 Idem, p. 255.42 4 GÜNTHER, Klaus. A culpabilidade no direito penal atual e no futuro. RBCC, ne 24, p. 85-87.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 7 1

integrantes com a participação popular, o que acarreta em reduzida possibili

dade do cidadão influir na elaboração das normas, daí falar-se que a formula

ção teórica da pessoa deliberativa é utópica.

Ainda que admitida esta estrutura, a mesma segue insuficiente para critérios de fixação de pena, servindo-se apenas para apontar o sujeito imputável.

Em verdade, esta teoria substitui a clássica fórmula do poder agir de outra ma

neira ou poder agir conforme o direito pelo poder motivar-se por modificações

de suas manifestações e ações, igualmente mantendo-se indemonstrável.

4.8.2 A t e o r ia  d a  Ju s t i ç a  d e R a w l s

Também com o intuito de legitimar democraticamente o juízo normati

vo de culpabilidade425, a teoria dos princípios de justiça de Rawls apresenta-seao lado das modernas tendências filosóficas, sendo construída a partir de prin

cípios como forma de se alcançar a justiça, para tanto remodelando o antigo

contrato social de Rosseau. Antes de nos posicionar acerça da influência que

essa teoria poderia ter sobre o tema culpabilidade, toma-se necessário fazer

mos algumas colocações introdutórias sobre o tema.

Acerca do contrato social, diz-se que este não precisa ter fundamento

antropológico para ser utilizado como pressuposto da ordem democrática,

sendo instrumento indispensável para que o cidadão se oponha ao Estado

autoritário, valendo-se da condição de instrum ento irreversível e de estar pre

sente na ordem democrática.

Sobre este argumento, a doutrina cita o exemplo da contrariedade social

às penas exageradas, isto porque o cidadão que concebeu o Estado, por acordo

de vontade, não pode permitir que aquele Estado que ele mesmo concebeu vá

se opor exageradamente ao seu âmbito de liberdade. Daí falar-se que o con

trato social ressurge como instrumento de aperfeiçoamento da democracia.Parte Rawls da concepção de que uma instituição está justificada quan

do seus princípios mostrem sua correção. Por conseguinte, e transferindo o

núcleo da questão para o Direito Penal, justificar a instituição do castigo pres

supõe a justificação da coerção na sociedade humana, isso porque as pessoas

acordaram em cumprir o contrato social mediante eleição, aderindo às cláusu

las deste, reconhecidas pelos atributos da eqüidade, implicando a sua aceita

425 Neste sentido: Juarez Tavares, A incongruência dos métodos. RBCC,  ne 24, p. 151-152.

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1 7 2 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

ção geral por parte dos contratantes, inclusive das formas de resolução deconflitos através do Direito Penal. Fala-se, então, que a sanção restaura o con

trato alterado pelo não cumprimento das obrigações políticas hipoteticamente assumidas, restaurando a vigência dos princípios de justiça426.

Com esta colocação, insere-se esta teoria no contexto das novas teoriascontratualistas, em razão de que as partes aceitam restringir seus auto-interes-ses em prol dos princípios de justiça, sendo então a partir deste ponto de vista,racional autorizar as medidas necessárias para manter as instituições justas.Em decorrência desta premissa, o fim das sanções penais não é outro senão ode manter a sociedade ordenada sob os princípios de justiça.

 No âmbito penal e no bojo da idéia de justiça e de sociedade democrata,sobressaem as normas constitucionais que conduzem os princípios da legalidade, da igualdade, da liberdade, da inafastabilidade da função judiciária e da

competência para a solução dos conflitos, em razão de que lesados qualquerdestes, põe-se em risco a liberdade do cidadão.

Especificamente quanto à culpabilidade, entende Rawls que a mesmaderiva da idéia de liberdade, em vista de que o sistema jurídico é concebido

como um conjunto de regras destinadas às pessoas racionais para regular seufuncionamento. Disso decorre que quando é o mesmo violado, conformesalientado anteriormente, impõe-se a pena para a restauração da sociedadesob os, princípios de justiça, variando de proporcionalidade conforme o ne

cessário para o mantimento dos princípios de justiça427.

4 . 8 . 2 . 1 C r ít i c a s  a  H a w l s   / 

 Na análise desta concepção, parece-me que a mesma se aproxima dos postu

lados defendidos por Jakobs. Neste, a vigência da norma retém toda a preocupação com o funcionamento do sistema, daí conceber que a pena tem o condão derestaurar a vigência da norma lesada com a prática do delito. Por sua vez, Rawls

 posiciona a pena como instrumento hábil a garantir não o sistema, mas o contrato.

Entendo que as críticas imputadas ao funcionalismo jakobsiano encontram guarida nesta concepção, ainda que a mesma tenha a nobre função detutelar a justiça.

426 CID M OLINE, Jose e MORESO MATEOS, Jose Juan. Derecho penal y filosofia analítica (Apropósito de Diritto e ragione de L. Ferrajoli). ADPCP,  1991, p. 166.

42 7 CID MOLINE, Jose e MORESO MATEOS, Jose Juan. Derecho penal y filosofia analítica (Apropósito de Diritto e ragione de L. Ferrajoli). ADPCP\   1991, p. 168.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 17 3

Permanece a imprecisão quanto ao conceito ontológico de justiça, o mesmo ocorrendo quanto à medida necessária de pena para a confirmação do

contrato, como reside também as dúvidas acerca do que seja racional para umcontratante, o que parece propiciar o retomo ao teorema exigibilidade de con

duta diversa e todas as críticas contra ela já proferidas.

Por tais considerações, no âmbito penal, entende-se que esta teoria segue

os mesmos padrões da teoria normativa, não conseguindo superar a crise reco

nhecida ao conceito normativo de culpabilidade. Peca também pela ausência

de critérios de fixação e limite de pena.

4 . 9 A C U LP AB IL IDA DE EM G lM B ER NA T OR D E I G

Partindo da necessidade de reconstrução do sistema de Direito Penal

ante a já anunciada crise perpetrada pelo normativismo, idealiza Gimbemat

Ordeig seu sistema baseando-se no princípio da necessidade de pena e na

função de motivação da norma penal no aspecto intimidativo, afastando defi

nitivamente o teorema poder agir de outra maneira.

 No tocante à citada necessidade de reconstrução do sistema, afirma tex

tualmente Gimbemat Ordeig, que o princípio da culpabilidade impediu oconhecimento do fim e função verdadeiras do Direito Penal, isto é, “impediu

uma apreensão correta da função do Direito Penal”428.

A drasticidade da afirmação, deve-se ao fato de que a dogmática penal,

no dizer de Gimbemat Ordeig, ao fundamentar a culpabilidade no livre-

arbítrio e dar causa ao surgimento dos problemas já discutidos acerca da im

 possibilidade de demonstração do “ter podido agir de outra forma”, constrói,

 pois, um a ficção indemonstrável baseada na “liberdade da pessoa”429, impe

dindo por conseqüência, um diálogo com as ciências naturais.

428 GlMBERNAT ORDEIG , Enrique. La culpabilidad como critério regulador de la pena. RCP, ns 1, p. 31.

429 As ciências da Psicologia e Psicoanálise ao estudarem as motivações do comportamento humano, concluíram que "ainda que em abstrato exista o livre-aibítrio, é impossível demonstrar se uma pessoa concreta em uma situação concreta cometeu livremente ou não um determinado delito". Esta afirmação decorre da premissa de que se um psicanalista, contando com o constante esforço do paciente, colaborando para superar suas inibições e depois de longos anos de tratamento psicoterapeútico, só aproximada e inseguramente pode chegar a constatar, sobre a base de hipotéticas explicações que nunca encontram confirmação absoluta, que peso tem e quais são os fatores que determinam o comportamento do paciente, como vai poder conseguir o não- especialista (Juiz) em tempo muitíssimo mais limitado de que dispõe? GlMBERNAT ORDEIG, Tiene un futuro la dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal,  p. 144. Ante a esta

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1 7 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Propõe Gimbemat Ordeig renunciar a culpabilidade como fundamentoe como limite da pena, sem contudo proporcionar um retorno à responsabili

dade objetiva e à quebra das garantias derivadas da culpabilidade, v.g.  desti

nar irrelevância ao erro de proibição, ou deixar de aplicar medida de segurança para os inimputáveis ou, por fim, de se deixar de reduzir a pena dos crimesculposos frente aos dolosos, visto que estas clássicas diferenças permanecem

incólumes mesmo sem a adesão às teorias que se baseiam no livre-arbítrio.Para tanto , a pena levaria em consideração o valor do bem jurídico protegido.

Em troca, a pena encontra nas prevenções geral e especial a sua justificação430, e, sob esta concepção, a responsabilidade pelo resultado é uma responsa

 bilidade desnecessária, posto que não se pode justificar. Quanto ao dolo, afirma 

que a concepção finalista impediu perceber mais claramente que ele é um ele

mento do tipo dos delitos dolosos sem se falar no embate da pena no crimedoloso e culposo. Tomando, por exemplo, o crime de homicídio, em que adiferença entre estes se justifica pela efetividade que a pena deve ter, pois casocontrário, isto é, pena do crime culposo igual ou superior a do crime doloso por

medida de prevenção (crimes ocorridos no trânsito, p. Ex.) acarretaria, ao dizerde Gimbemat Ordeig, “a destruição de sua efetividade e a introdução do des

concerto nos controles humanos da consciência caótica e anárquica”431.Ainda, justifica sua opinio, a partir da constatação da inoperância da eleva

ção da pena do crime culposo ao patamar do crime doloso, pois que no crime

doloso, o agente deseja, persegue diretamente o resultado, tendo o controle dasações e, por conseguinte, tem conhecimento da pena. No crime culposo, dife-

$rentemente, o sujeito não conta com o resultado, tem inconsciência sobre este.

Esculpido na idéia da necessidade de pena para destinar aos cidadãos

uma vida social suportável, é o Direito Penal, nesta concepção, utilizado pelasociedade para se conseguir que as normas elementares e imprescindíveis se jam respeitadas, por conseguinte, nesta concepção, igualar as penas do crimeculposo e doloso, reveste-se num abuso da potestade, em razão de que com oimediato aumento da pená do crime culposo, não se conseguiriam diminuir

estes resultados, passando este aumento a ser inútil.

verificaçao, é correto afirmar que este autor reconhece a psicanálise como sendo o fundamento do princípio da necessidade de pena, inclusive explicando e justificando o Direito Penal.

430 GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. La cu lpab ilidad como critério regulador de Ia pena, RCP, ns 1, p. 31.

431 Tiene un futuro Ia dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal, p.  155.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 7 5

Quanto aos inimputáveis, também estes estariam afastados da potestade es

tatal, mesmo tendo sido afastada a culpabilidade, em razão de que a impunidade

destes em nada motiva aos imputáveis, em razão de que o sujeito normal se dife

rencia do inimputável, não diminuindo em nada o caráter inibitório das proibições de natureza penal. Quanto ao erro de proibição, explica-o a partir do fracassodo mecanismo inibitório que a lei criou para evitar as condutas, isso porque o

autor, ao ignorar a ameaça da imposição de uma pena, não teve consciência de que

a sua conduta podia seguir, como conseqüência, a aplicação de um mal432.

 Nesta construção, afirma Gimbernat Ordeig, que o “Direito Penal só pode

ser um Direito para todos, isto é, generalizador e indiferenciador”433. Se todos

 podem estar em condição de apreender sua racionalidade intrínseca e se sua

 justificação não se faz depender de uma indemonstrável culpabilidade, senão da

evidência de que um fator para inibir comportamentos é o de ameaçar o sujeito

que os comete com a aplicação de um mal, constitui-se assim a natureza preven

tiva, e por isto, é conveniente vincular esse mal (a pena) àquelas condutas que

atacam as bases da convivência social434. E mais, repudia o autor a visão que a

concepção normativa dá ao delinqüente de ser uma pessoa má, que podia fazero bem e faz o mal, esquecendo-se de que é nossa obrigação preocupar e tratar

com humanidade quem viola a lei penal435.Concluindo suas críticas acerca da culpabilidade finalista, agora debru-

çando-se sobre o caso fortuito, afirma que este não afeta a culpabilidade, se

não a antijuridicidade, pois que o sujeito comporta-se cuidadosamente e, não

obstante, lesiona fortuitamente um bem jurídico. Isso não pode constituir

uma conduta proibida, pois o que o Direito queria e podia produzir, se pro

duziu, ou seja, que se atuasse diligentemente ao executar a ação, o mesmo

ocorrendo com o estado de necessidade “exculpante”, ou por conflito entre

432 GIMBERNAT ORDE IG. El sistema del derecho penal em Ia actualidad. Estúdios de derechopenal,  p. 178.

433 Por este critério, entende Gimbernat Ordeig a existência de duas categorias de pessoas. Os normais, que são aqueles possuidores de boa saúde mental, sãos, que são estimuláveis pelo castigo; de outro lado, os anormais ou perturbados mentais, que são justamente aqueles que não possuem condições de serem motivados. A partir desta constatação, presume que todos os normais são motiváveis, por suposto, se refere ao homem médio. Entende o autor que esta diferença tem suporte sociológico, e os normais não se compreendem como os anormais, podendo receber estímulos 

inibitórios disso decorre que o Direito Penal e suas proibições se dirigem a estes.434 La culpabilidad como critério regulador de Ia pena. RCP, n° 1, p. 31.435 La culpabilidad como critério regulador de Ia pena. RCP, na 1, p. 31.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 7 7

incorre em erro de proibição invencível, poderia revelar-se como perigoso eestar indicado à aplicação de uma pena439.

Também merece reparo a argumentação de Gimbemat Ordeig de destinar aos inimputáveis, unicamente, medida de segurança prescindindo da culpa

 bilidade. Afirma Cerezo M ir que, em alguns casos e em alguma medida, estas pessoas são suscetíveis de intimidação e com mais razão pode sê-lo igualmente oresto da coletividade. Destarte, exigências de prevenção especial podem estar

 presentes440. Ainda mais presentes estão as prevenções geral e especial, seja para

 justificar o aumento da pena do crime culposo, pois que são mais freqüentes nocotidiano e ao menos em tese necessitariam uma gradação maior de pena, esten-

dendo-se o mesmo raciocínio para os crimes de perigo.

Irresignado com o critério baseado na prevenção geral e especial, afirmaCerezo M ir que se poderia, facilmente, chegar à aplicação de pena despropor

cional à gravidade do crime, à medida do injusto culpável, atentando-se àdignidade da pessoa humana, “utilizando-se o delinqüente como um meroinstrumento para tratar de evitar a comissão de novos delitos no futuro” noque se refere à prevenção geral. E aos criminosos perigosos penas muito eleva

das seriam aplicadas ainda que em decorrência de fatos de menor gravidadeno que se refere à prevenção especial441.

Resta ainda dizer que, para não adentrar no campo da comprovação da

motivação do sujeito no processo, Gimbemat Ordeig parte da presunção deque todos os normais são motiváveis, e ao realizar tão presunção, deixa de levarem consideração aspectos individuais do sujeito, que não se pode negar im

 portância, ainda que desfigurada a culpabilidade, mas igualmente relevante

na realização da prevenção especial.

Por fim, não me parece válido que num Estado Democrático de Direito,a permanente “intimidação” se coadune com esta figura de Estado, mais seaproximando dos regimes de terror do que dos regimes pregadores das liber

dades e garantias. Com esta crítica, entendo que padeceria este sistema dovício da inconstitucionalidade, o que implicaria no seu não-acatamento, atémesmo porque, afastada a intimidação, descaracterizado estaria o sistema pro

 posto por Gim bemat Õrdeig.

439 El delito como acción culpable. ADPCP,  1996, p. 23.44 0 El delito como acción culpable. ADPCP,  1996, p. 23.

441 Idem, op. c it , p. 25.

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1 7 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Acerca dos mesmos pontos objetos da crítica acima, manifesta-se ClausRoxin no sentido de que apenas em alguns aspectos as considerações culpabilistas

e prevencionistas conduzem à mesma conclusão442. Para tanto, tomando por base

o enfermo mental, afirma que outro autor ao invés deste e que padeça de umaintensa neurose ou atue sob estado passional extremo, tem na aplicação do castigo

um meio absolutamente conveniente por razões preventivo-gerais ou preventivo

especiais, ainda que a capacidade de culpabilidade do autor seja duvidosa.

Tomando-se outro exemplo, agora quanto aos crimes dolosos, assevera que

não é possível fundamentar claramente com razões preventivas o castigo mais

severo do fato doloso frente ao culposo, pois o sujeito que atua continuamente

de modo descuidado pode ser mais perigoso que o autor de um fato doloso443. No que tange à substituição da culpabilidade pela proporcionalidade,

esta, quando muito, serviria à limitação da pena, porém jamais na fundamen

tação da punibilidade.

Por fim, acusa Roxin que as determinações preventivas da punibilidade

conduzem freqüentemente a conclusões vagas “porque não sabemos concreta-

mente muito sobre os efeitos preventivos, e a prevenção geral e a especial

mostram tendências contrapostas. Em suma, tais determinações levariam auma extensão da punibilidade que não pode aparecer como desejável em um

ordenamento jurídico liberal”444.

4 .1 0 A c u l p a b i l i d a d e em  M u n o z  C o n d e

Tal como já o fizera Gimbernat Ordeig, Mundz Conde repudia o con

ceito tradicional de culpabilidade alicerçado na impossibilidade de se demons

trar o livre arbítrio, isto é, de se saber se em determinada situação que se

encontrava o sujeito, podia o mesmo agir ou não de outro modo, filiando-se

também à teoria da motivação.

Contudo, distancia-se Munoz Conde do ensinamento de Gimbernat

Ordeig, a partir do momento em que defende uma reconstrução do conceito

material de culpabilidade ao invés de simplesmente renunciá-lo, em vista de

que, por mais que fosse possível demonstrar o poder ou não agir de outro

442 Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPCne 30, p. 677.

443 ROXIN . Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPC,  n®30, p. 677-678.

444 Idem, p. 678.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 7 9

modo, ainda assim este não seria o fundamento material da culpabilidade445,a partir de que, por exemplo, no estado de necessidade e no medo insuperável

como causas excludentes da culpabilidade (art. 20, n° 5 e 6, do Código Penal

espanhol), o autor poderia agir de outro modo, suportando ou evitando alesão, mas mesmo assim estaria excluída a sua culpabilidade446.

Entende Munoz Conde que os problemas em torno da culpabilidade

 podem ser resolvidos a partir da sua reconstrução, basicamente do conceitomaterial, levando-a para uma vertente social em relação com a função da mo

tivação da norma penal. Esta concepção exprime a necessidade de ser abando

nada completamente a compreensão da culpabilidade enquanto fruto da

ideologia individualista, típica da época de seu surgimento dogmático, para

convolar-se em uma culpabilidade social, isto porque será a própria sociedade

que definirá os limites do culpável ou inculpável. Portanto, culpabilidade não

será qualidade da ação, senão uma característica que se lhe atribui para poder

imputá-la a alguém como seu autor e fazer-se-lhe responsável por ela447. Noutras

 palavras, é através da culpabilidade que se responde às perguntas por que e

 para que um a sociedade recorre à pena e por que o Estado a aplica, daí a

necessidade de possuirmos um conceito material de culpabilidade.

Buscando solucionar o impasse criado em torno do conceito material deculpabilidade, fundamenta M unoz Conde esse conceito a partir da função de

motivação da norma penal destinada à proteção de bens jurídicos, pois que

esta se dirige aos indivíduos capazes de motivar seus comportamentos confor

me os mandatos normativos. O importante não é saber se o mesmo pode

eleger várias formas de conduta, mas sim se pode abster de realizar a conduta

 proibida pela norma em face de estar motivado por ela448.

Por conseguinte, resta saber quando é que o autor terá ou não condições,

capacidade, de se motivar pela norma. Inicialmente, no pensamento de MunozConde, ele o terá quando alcançar um determinado desenvolvimento biológi

445 Acerca da estrutura do "poder agir de outra maneira", entende Munoz Conde que este conceito é meramente descritivo, tendo como pressuposto a capacidade de uma pessoa eleger uma conduta entre várias possíveis, e sem sabermos que nos leva a optar por uma destas, reconhece- se a insuficiência do conceito para fundamentar a culpabilidade. MUNOZ CONDE, F. Teoria general de l de lito,  p. 121.

446 MUNOZ CONDE. Teoria general de l delito,  p. 124.44 7 Idem, op. cit., p. 122.

448 MUNOZ CONDE. Teoria d el delito,  p. 123.

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180- C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

co, psíquico e cultural, pois a partir desta conquista, é que o mesmo estará em

igualdade de condições com seus semelhantes para participar de uma vida em

comum, pacífica e organizada.De ou tro lado, se infringe a norma por ausência desta motivação, isto

é, ausente a capacidade para reagir frente às exigências normativas, ocorre

rá a exclusão ou a atenuação da culpabilidade de acordo com a valoração

de importância.

Posteriormente, aderindo ao funcionalismo e à necessidade de se acrescer

o elemento normativo para delimitar a existência da capacidade de motivação,

conclui Munoz Conde que este elemento é dado pelas exigências da prevenção geral de uma sociedade e em determinado momento.

Como último elemento do conceito material de culpabilidade, reconhe

ce Munoz Conde que o rol ou papel social do indivíduo serve para delimitar

o âmbito da exigibilidade ao Direito.

A partir da reformulação do conceito material de culpabilidade, é visto o

conceito formal como a declaração de frustração de uma expectativa de con

duta determinada na lei penal que recai sobre o autor, e que possibilita a

aplicação de uma pena, sendo fixado o limite do punível, se culpável o agente,

a partir de decisões normativas baseadas nas necessidades preventivas.

4 . 1 0 . 1 C r í t i c a s  à  c o n c e p ç ã o   d e  c u l p a b i l i d a d e   d e  M u n o z  C o n d e

Atesta Cerezo M ir que o conceito m aterial de culpabilidade, iden ti

ficado como capacidade de motivação pela norm?£, apenas aparentemente

distancia-se do problema do livre-arbítrio449. Isso porque o autor que te

nha condições de motivar-se pela norm a (entenda-se ser capaz de autode

terminação), é tratado como se fosse livre, tal como já preceituara

anteriormente a teoria do livre arbítrio, atribuindo-se-lhe, pois, capacida

de de agir conforme as exigências do ordenamento jurídico450. Aqui, ao

dizer de Cerezo M ir, não há divergências estruturais com a visão tradicio

nal da culpabilidade material.

O processo de motivação descrito por Munoz Conde, é explicado em

termos psicológicos, atuando a pena como estímulo inibitório de condutas

44 9 El delito como acción culpable. ADPCP,  1996, p. 27.

45 0 El delito como acción culpable. ADPCP,  1996, p. 27.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 8 1

antijurídicas, o que representa ser mais uma vez incompatível com o Estado

Democrático de Direito, tendo como alicerce a dignidade da pessoa humana,

 pois não seria possível nesta forma de Estado permitir-se a manutenção deconstante ameaça de pena.

Igualmente, mantém-se presente a presunção de possibilidade de moti

vação para o sujeito em situações biológicas, psicológicas e culturais normais,

mesmo porque considerada como indemonstrável.

Também rejeita Cerezo Mir o requisito da participação do sujeito no

reconhecimento dos bens jurídicos, pois, conseqüentemente, a vigência do

ordenamento jurídico ficaria condicionada à aceitação pelos cidadãos, o que éinadmissível. Para ilustrar seu pensamento, cita o caso de um pai integrante

da crença Testemunhas de Jeová, que não autoriza a necessária transfusão de

sangue em seu filho, e este vem a falecer em decorrência desta negativa. Neste

caso, ainda que ausente a culpabilidade moral, entenda-se ainda motivação

ética do autor por convicção, persiste a culpabilidade jurídica, sendo possível,

contudo, sua consideração na medição da pena.

Por fim, concorda Cerezo Mir com a assertiva de que o rol ou papel de

sempenhado pelo indivíduo na sociedade e os seus respectivos deveres jurídicos,influem na medida da exigibilidade da obediência ao Direito sem, contudo,

transformar-se isoladamente no conteúdo material da culpabilidade.

4.11 A CULPABILIDADE EM MlR PuiG

 Na análise deste tema, assevera inicialmente M ir Puig as reservas exis

tentes no emprego da palavra culpabilidade pela conotação moralizante e

ambígua do termo, muitas vezes utilizada em sentido amplo como, por exem plo, quando se quer referir “ao limite político-criminal do ius puniendi, ou ao

da culpabilidade pelo fato que remete a tipos de fato e não de autor, ou o da

responsabilidade; subjetiva que condiciona a antijuridicidade e, por suposto, o

da atribuibilidade a um sujeito responsável se corresponde com a exigência de

imputação pessoal (ou culpabilidade em sentido estrito)”451.

Desta forma, usa em troca M ir Puig a expressão imputação pessoal acre

ditando que este emprego tem a vantagem de deixar claro esta segunda parte

451 Derecho Pena! —parte general,  p. 110.

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1 8 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

da teoria do delito, por se tratar apenas de atribuir o desvalor do fato penalmente antijurídico a seu autor452.

 Na análise central do termo imputação subjetiva ou mais tradicional

mente da culpabilidade, parte Mir Puig da compreensão de que o EstadoDemocrático de Direito exige um Direito Penal preventivo. Isso quer dizerque quando este mesmo Estado prescreve uma conduta proibitiva, e conseqüentemente uma pena, não se quer prestigiar a idéia de retribuição ou castigo, própria aliás dos Estados totalitários, mas tem o sentido de motivar o

cidadão a evitar a prática de determinados fatos indesejáveis por sua gravidadesocial, isto é, os fatos penalmente antijurídicos453.

 Nesta concepção, diz Mir Puig: “para que o fato penalmente antijurídico possa ser imputado pessoalmente a seu autor, é preciso que se possa afirmar queo fato constitua a infração pessoal de uma norma primária e que dirija concreta-

mente ao sujeito seu imperativo (norma de determinação)”454. Tal como diz oautor, isto requer a capacidade pessoal de evitar seu fato, que normalmente estará

 presente, porém, excepcionalmente, poderá faltar para algumas pessoas. E m solução a esta questão, assevera que quando faltar esta capacidade, o desvalor obje

tivo do fato antijurídico não irá seguido de seu desvalor pessoal455. Ou seja, a

afirmação da infração de uma norma imperativa requer a completa imputação deseu caráter antijurídico e pessoal do fato antijurídico. Aqui, será necessário que oautor conheça a antijuridicidade do fato, pois só tem sentido proibir o fato anti

 jurídico a quem possa conhecer a sua antijuridicidade. Note-se a indispensabili-dade da capacidade pessoal do cumprimento da norma por parte do sujeito.

Entretanto, e mais recentemente456, o citado autor reformulou a sua com

 preensão acerca da norma, para afirmar que as categorias integrantes da teoria do

452 Conceitua Mir Puig delito como sendo um comportamento humano tipicamente antijurídico e culpável, ou como o próprio autor faz questão de afirmar na sua obra, ""delito é um fato penalmente antijurídico e pessoalmente imputável", exigindo que a antijuridicidade penal contenha a tipicidade penal e a ausência de causas de justificação. Quanto à segunda parte de seu conceito, tequer que o fato penalmente antijurídico seja imputável a uma infração pessoal da norma primária por parte de um sujeito penalmente responsável. Derecho penal - parte general, p. 111. Na mesma linha da propositura de abandono do termo culpabilidade, manifesta-se Achenbach, afirmando que se se procura alcançar o progresso material nesta compreensão, tem-se que renunciar por completo o termo impreciso e confuso de culpabilidade. Imputación individual, responsabilidad, culpabilidad. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones Aindamentales,  p. 136.

453 MIR PUIG, Santiago. Et derecho penal en e l estado so cial y dem ocrático de derecho,  p. 79.454 Derecho pena ! parte general,  p. 538-539.455 Derecho pen al —parte general, 7a ed, p. 529.456 MIR PU IG , Santiago. Valoraciones, normas y antijuridicidade penal. Laciên cia d el derecho

penal ante e l nuevo siglo. Livro homenaje al profesor doctorDon José CerezoMir. P. 73 e ss.,

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  -  183

delito não podem ser compreendidas unicamente a partir da relação que guardem

com a norma imperativa, mas sim com a introdução de valorações jurídicas específicas e distintas à infração daquela norma. E isso porque o Direito é uma cons

trução social e tem por função regular a vida dos seres humanos. Já o Direito Penal,desde a perspectiva democrática, tem a função de proteger interesses reais dos

cidadãos e não apenas as normas jurídicas. Noutras palavras, “a construção teóricado Direito Penal não importa só o normativo-jurídico-positivo, mas também va

lorações culturais metajurídicas, em perspectiva normativa e fática”457.

Ou seja, proceder-se à análise literal do texto legal não permite captar

todo o sentido normativo do Direito vigente. Neste aspecto, alega Mir Puig

que investigar quais valorações e princípios norteiam ou fundamentam a nor

ma contribuem a apreender o real significado do Direito positivo. Destaca,ainda, que algumas valorações e princípios do Direito estão explicitados na

Constituição e textos legais. Por sua vez, cabe ao legislador facilitar que asnormas sejam valoradas corretamente pelos cidadãos, em razão de que sua

legitimidade depende do consenso gerado em condições válidas.

Quanto à imputação pessoal do fato antijurídico, que a doutrina maisusualmente se refere como culpabilidade, igualmente assinala critérios normativos

 juntamente com a concorrência de determinados elementos empíricos no sujeito

ou na situação em que atua. Neste aspecto, refere-se o autor à “possibilidade de osujeito ser motivado pela norma de algum modo, sem a qual não será possível

exigir-lhe o conhecimento da antijuridicidade, nem um mínimo deimputabilidade458. Exemplifica a questão afirmando que as crianças muito pequenas

não podem ser motivadas por normas jurídicas por falta de desenvolvimento mental.

Ou os estrangeiros que acabam de chegar ao país e desconhecem o idioma podemencontrar-se em uma situação que não lhes seja possível conhecer qualquer norma

 jurídica (erro de proibição invencível). Ou ainda, a incapacidade física ou

impossibilidade situacional de ascender à norma faz com que ela não possa influirno comportamento, e portanto, de desenvolver a função reguladora que a justifica.

Por sua vez, sem ela, carece de sentido dirigir ao sujeito a proibição da norma, pois

e sua atualização publicada em http:llcriminet.ugr.eslrecpcl06lrecpc06-02.pdf, visitada em 17 de agosto de 2006.

457 Limites del normativismo en derecho penal. Revista Electrónica de C iência Penal y Crím inología. 2005, núm. 07-18, p. 18:1-18:24. Disponível na internet: http://criminet.ugr.es/recpcl07! 

recpc07-18.pdf ISSN 1695-0194 [RECPC 07-18 (2005), e visitado em 20 de agosto de 2006.458 Limites del normativismo en derecho penal, op. cit.

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não poderá guiar-se por ela, até porque não a conhece. Veja que a incapacidade pessoal de evitação do fa to pode proceder de alguma das causas de

inimputabilidade, tais como a menoridade, anomalias psíquicas etc.Isto é, como a norma tem a função de regular comportamentos, ela só

tem sentido àqueles que podem compreendê-la e se influenciem por ela nomomento de decidir por sua conduta459.

Ao lado dos elementos empíricos nos destinatários da norma, esta construção exige que o acesso à norma se produza em determinadas condições denormalidade, o que não ocorre quando a pessoa possui algum transtorno mental,

o que lhe torna incapaz de conhecer a norma e lhe impede a saber que sua

conduta é proibida. Há aqui uma falha no processo de motivação por umainsuficiência de inteligência ou maturidade, desde que completamente im possibilitem o acesso à norma ou dificultem o atendimento à norma.

Leciona o autor que a possibilidade de dispensar tratamento diferenciado a

estas pessoas, ou seja, de não lhes atribuir a imputação pessoal do injusto, advémdo princípio da igualdade, pois ele permite tratar de maneira desigual os desiguais.Recorde-se que as pessoas em condições tais como as citadas acima, se encontramem situação de inferioridade se comparadas às pessoas normais adultas.

Diante disso, o fundamento da culpabilidade situa-se na necesssidadede pena, que existe para os sujeitos normais, porém desaparece quando este

atua sob uma causa de exclusão da culpabilidade. Aqui, nota-se que o incul- pável não origina uma necessidade preventiva de pena porque é um sujeitonão motivável conforme as normas. /

Antes desta nova compreensão dada à norma, para Mir Puig “a culpabili

dade é o âmbito em que se comprovam as possibilidades psíquicas de motivação

normal do autor de um comportamento antijurídico por parte da norma penal”460. Portanto, disso decorre que a culpabilidade não realiza nenhum juízo dedesvalor que contribua à fundamentação da pena, que aliás terá como seu fundamento unicamente na realização do injusto. Culpável, por sua vez, será o sujeito

com motivação normal, e então será possível concretizar a ameaça em pena.

 No que tange à motivação normal, M ir Puig assinala a normalidade comocaracterística da motivação, isto é, a norma desenvolve nas pessoas a intensida

1 8 4 - C u l pa b il id a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

459 Limites ... , op. ci t460 MIR PUIG. E l derecho pena! en e / Estado so cia! y dem ocrático de derecho, p. 91.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 8 5

de motivadora que normalmente possui, por conseguinte, nos inimputáveis enos reconhecidos casos de exculpação por inexigibilidade, não há que se dizer

que estes são imotiváveis, mas justamente de que a norma não se desenvolvetal como ocorreria com um sujeito normal. Para não se permitir a imposiçãode pena àquele que atua sem culpabilidade, mas com um mínimo de motivação, deduz o autor um limite surgido a partir da configuração do Estado

Social e Democrático de Direito e do princípio da igualdade real. Ainda queseja o sujeito motivável, ele não será normalmente motivável. Se assim nãofosse, reconhecer-se-ia o tratamento igual para sujeitos desiguais, o que nesta

conformação de Estado não é admissível.

Desta forma, contrariamente aos demais autores vinculados à teoria da mo

tivação, Mir Puig posiciona a sua imputação subjetiva (culpabilidade) apenas como

 juízo de imputação do injusto penal ao seu autor, e a motivação, até então exclu

siva da culpabilidade, intervém igualmente na antijuridicidade, deduzindo que,

se a proibição pretende evitar a ocorrência de um fato mediante a motivação, não

teria sentido proibir um fato que não possa tentar evitar mediante a motivação.

Com esta estrutura, Mir Puig modifica também o conceito de antijuri

dicidade, passando a ser concebida como infração de uma norma motivadora,

“supondo-se que esta norma motivadora possa ser recebida de algum modo

 por seu destinatário. A capacidade do sujeito de ser motivado pela norma

constitui, pois, uma condição do injusto e, portanto, deve incluir-se entre os

elementos do fato antijurídico”461.

Para tanto, o próprio M ir Puig afirma que se requer a capacidade pessoal de

evitar o fato, normalmente presente, mas que também pode se verificar ausente,

ainda que o sujeito possa conhecer a antijuridicidade do fato, pois só há sentido proibir o fato antijurídico àquele que possa conhecer a antijuridicidade462.

4 . 1 1 . 1 C r í t i c a s  à  c o n c e p ç ã o  d e  M i r   P u ig

Tal como já fizera os demais autores adeptos da teoria da motivação,

também M ir Puig parte da presunção de que todo homem é motivável, sendo

este então o seu “homem médio”, na acepção de ponto referencial, já que amotivação não é constatável.

461 MIR PUIG. E l derecho pena! en e l Estado so cial y dem ocrático de derecho, p. 89-90.

462 Derecho pena! parte general,  p. 539.

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1 8 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

O que se discorda amplamente do pensamento de Mir Puig, é a inclusão

da capacidade de motivação no injusto. Tradicionalmente, implica a antijuridi

cidade numa relação objetiva de contrariedade de uma ação ou omissão com a

norma penal, e o juízo que se faz aqui, é objetivo. Portanto, com a consideraçãode que a motivação insere-se igualmente na antijuridicidade, a meu juízo, a

antijuridicidade ficaria desfigurada, proporcionando confusão de entendimen

to nestes elementos do crime em prejuízo da culpabilidade e do próprio sujeito.

De outro lado, afirma Pérez Manzano que Mir Puig se destaca dos demais

autores, uma vez que introduz como complemento da fundamentação da culpa

 bilidade o princípio da igualdade real, o que significa aceitar a normatividade da

culpabilidade. Ao afirmar que a culpabilidade não se constata, mas apenas seimputa, em razão de que nem todo sujeito motivável será culpável, senão só aquele

cuja motivabilidade se assemelha suficientemente à motivabilidade pressupostaao homem normal, dado que o limite normativo se assenta na igualdade real463.

Em se considerando, portanto, que a culpabilidade é um filtro determi

nante para se saber se um fato antijurídico é atribuível ao seu autor, só poderá

a mesma excluir ou atenuar a pena, e não para agravá-la.

Pelo desenvolvimento realizado, destacam-se nesta teoria a presença dascaracterísticas atuais da culpabilidade, a partir do ponto de vista determinista,

a presunção de motivação, a motivabilidade como conteúdo da culpabilidade,

a referência ao homem médio como método de determinação da culpabilida

de, a complementação da motivabilidade com critérios de prevenção, inclusive

na sua modalidade prevenção geral positiva e, por fiái, o mantimento do nor

mativismo enquanto valoração do exigível, funcionando a culpabilidade como

limite da prevenção464.

4.1 2 A CULPAB IL IDADE EM ZAFF AR O N I . A VULNERABIL IDADE

E A CO-CU LPABIL IDA DE

Tendo a culpabilidade pela vulnerabilidade como antecedente a co-cul-

 pabilidade e esta suas origens nas idéias de Marat, no século XVIII, e Mag-

naud no século XIX, e não no Direito Penal socialista, esta tinha como idéia

central o fato que “nenhuma sociedade tem uma movibilidade vertical tão

463 Cu lpabilidad y p revención :...,  p. 126.

464 PÉREZ MANZANO. Cu lpab ilidad y p revención :...,  p. 126.

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1 8 8 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e i t o  P e n a l

 No âmbito dogmático, assevera o autor que são componentes da culpa bilidade o espaço de autodeterminação e culpabilidade do ato, a possibilidade

exigível de compreensão da criminalidade e a possibilidade exigível de com preensão da antijuridicidade.

Parte o autor do determinismo, isto é, da autodeterminação humana, com- preendendo-a como verificável. Já sobre a culpabilidade do ato, esta é reconhecida sobre o juízo de autodeterminação de possíveis condutas de uma pessoa emuma determinada situação471, daí compreender que as causas de inculpabilida-de são hipóteses de inexigibilidade de outra conduta adequada ao Direito472.

Quanto aos demais componentes da culpabilidade, aponta ZafFaroni que

 pela possibilidade de compreensão da criminalidade, trata-se de apúrar uma potencial compreensão de todos os elementos da criminalidade, ou seja, conhecimento efetivo dos elementos do tipo objetivo necessários para configu

rar o dolo. Outro elemento deste componente da culpabilidade é a possibilidadede compreensão da antijuridicidade, além da possibilidade de conhecimentodas circunstâncias que proporcionam uma margem objetiva para a autodeterminação; e por fim, a possibilidade de conhecimento dos requisitos objetivos

que permitem a imposição de uma pena.

Como último componente da culpabilidade, menciona o autor a possi bilidade exigível de compreensão da antijuridicidade. Neste, não se trata de

 pressupor o conhecimento do referido desvalor da norma, mas que o sujeitotenha interiorizado que essa contrariedade está tipificada penalmente, ou seja,que se trata de antijuridicidade com relevância pen^l473.

 Não obstante tecer considerações dogmáticas acerca da culpabilidade, a

maior contribuição de ZafFaroni refere-se à culpabilidade pela vulnerabilidade, e conseqüentemente a co-culpabilidade. Preconiza o autor que a seleção

criminalizante advém das agências executivas, isto é, a própria polícia. E assimo fazem de acordo com determinadas características, tais como o estado de

vulnerabilidade, a suposta perigosidade, traços físicos etc. Disso pode-se concluir que quanto mais o sujeito seja vulnerável ao poder político e econômicomaiores serão as chances dele cair no sistema punitivo, razão pela qual afirma-

se que o poder punitivo é altamente seletivo.

471 Idem, p. 642.472 Idem, p. 644.

473 Idem, p. 651.

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1 9 0 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

 pena, desde que, no caso concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal em disponibilizar ao indivíduo mecanismos de po

tencializar suas capacidades e o fato danoso por ele cometido”474.

 No processo penal, sustenta-se que a precária situação econômica doimputado ou a sua má formação intelectual deve ser priorizada como circuns

tância atenuante obrigatória, ainda que não esteja elencada no rol do art. 65,

do Código Penal brasileiro, porém, a norma havida no art. 66, denominada de

circunstâncias atenuantes inominadas possibilita a recepção do princípio da

co-culpabilidade47S. Com mais clareza, o art. 14, I, da Lei n° 9.605/98, que

tipifica condutas lesivas ao meio ambiente e estabelece dispositivos adminis

trativos, afirma que o baixo grau de instrução ou escolaridade do agènte serácircunstância atenuante. Isto porque entende-se que “o grau de instrução in

fluencia sobremaneira o nível de percepção do sujeito (cognoscibilidade do

ilícito) e na sua movimentação positiva ou negativa para o ato (exigibilidade

de comportamento). Assim, impossível restringir o âmbito de validade da

referida atenuante apenas aos crimes contra o meio ambiente, tendo em vista

que possibilita uma avaliação concreta da relação homem-conduta delitiva,

otimizando o modelo de culpabilidade pelo fato”476.

A partir do que chamam “direito penal de garantias”, utilizam os mencio

nados autores a analogia como argumento de reforço ao entendimento de que as

atenuantes previstas na parte geral do Código Penal autorizam o reconheci

mento da co-culpabilidade.

 No tocante à sua efetiva aplicação no processei entendem estes autores

que o grau de instrução e a posição social do agente podem ser avaliados na

aplicação da pena-base, como circunstâncias judiciais e/ou elementos, e no

caso de concurso real de circunstâncias judicial (culpabilidade) e legal (co-culpabilidade), deve a última prevalecer sobre aquela.

E certo, também, que a favor da teoria da co-culpabilidade não se pode

olvidar que a reforma havida no Código de Processo Penal, por meio da Lei n°

10.792/03, precisamente em seu art. 187, obriga o juiz a indagar do réu

acerca das oportunidades sociais oferecidas a ele.

474 Aplicação da pena e garantismo, p. 73.

475 CARVALHO, Amilton BUeno e CARVALHO, Saio. Aplicação da pena e garantismo, p. 74.

476 ' Idem, p. 78.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 9 1

Se não o bastante, há a interpretação de que o princípio da co-culpabili-dade, em determinados casos, surge como causa supralegal de exculpação. Esta

situação ocorreria quando o crime constitua resposta normal de sujeitos em

situação social anormal, pois aqui não se poderia construir um juízo de reprovabilidade em razão da relação entre déficit dos direitos sociais e o delito477.

4 . 1 2 . 1 C r í t i c a s   à   c u l p a b i l i d a d e   d e  Z a f f a r o n i

A construção teórica desenvolvida a partir da vulnerabilidade e co-cul-

 pabilidade por Zaffaroni e outros, parte de uma concepção crítica do ju spuni- 

endi estatal, valendo-se de aspectos socioeconômicos, éticos e de compreensão

da criminalidade pelo sujeito, visto aqui em manifesta condição de inferiori

dade frente aos co-cidadãos e desigualdade frente ao exercício irracional doDireito Penal pelo Estado. Disso decorre a vulnerabilidade do sujeito, objeto

que foi de um processo seletivo.

Tem-se aqui um apriorismo indemonstrável, ou se preferir, uma presun

ção absoluta de que o sujeito vulnerável, na acepção ampla do termo, encontra-

se imediatamente em nível inferior ao cidadão “normal”, notadamente no tocante

às chances de seu desenvolvimento etc. E por se encontrar o infrator neste pata

mar atribui-se responsabilidade no todo ou em parte a toda a sociedade. Tam

 bém é verdadeiro apontar que esta construção teórica não tem como demonstrarefetivamente que o sujeito hipossuficiente não tenha condições de dirigir seu

comportamento tal como aquele que se encontra como parte integrante da so

ciedade. Quanto à sociedade, esta como um todo vê-se co-responsável penal, em

manifesto produto de uma responsabilidade penal objetiva.

Tem-se aqui uma compreensão inversa do denominado direito penal do

autor. Não obstante a isso, ver a vulnerabilidade ou a co-culpabilidade como

condição obrigatória de redução de pena ou exclusão da culpabilidade significa distorcer os conceitos de imputabilidade e consciência da antijuridicida

de, ampliando-os além dos seus limites.

Acerca da menção à previsão havida na Lei dos Crimes Ambientais, po-

der-se-á entender que a idéia de vulnerabilidade do sujeito, notadamente aquele

que reside na zona rural e interior do país, revela-se pelo baixo grau de instru

ção que possui, e que a propósito é dado estatístico facilmente localizado.

477 CARVALHO, Amilton Bueno e CARVALHO, Saio. ApUcaçao da pena e garantismo, p. 80-82.

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Aqui não há novidade, pois o instituto do erro de proibição, art. 21, ou até

mesmo a circunstância atenuante dó art. 65, II, ambos do Código Penal, já

abrigavam a hipótese. O que fez a Lei n° 9.605198, foi especificar a condiçãode hipossuficiência àquele portador de baixa instrução. E, portanto, uma es

 pécie dos institutos já consagrados na parte geral do Código Penal.

E mais, as críticas lançadas por Zaffaroni contra o sistema penal possuem

forte carga antropológica, aparentemente sem conotação dogmática jurídico-

 penal, notadamente no que tange à concepção de vulnerabilidade.

Ao dispor sobre a dogmática, serve-se Zaffaroni do teorema de poder o

sujeito agir de outra maneira para justificar a culpabilidade do ato. E sta cons

trução ainda que possua aspectos antropológicos em sua formação, não conse

gue superar os embates e críticas da doutrina acerca da indemonstrabilidadedo livre arbítrio, necessitando para a sua concretização que terceira pessoa

considere o conjunto de situações para apurar se outra conduta poderia ser

tomada. O problema permanece em consideração às denominadas causas de

exclusão da culpabilidade, quando em verdade reconhece-se que o agente

 poderia agir de outra maneira, e mesmo assim tem-se negada a culpabilidade.

Quanto à pena e sua fixação no âmbito da vulnerabilidade ou co-culpa- bilidade, critérios aptos a ensejar a sua aplicação não são apresentados, como

também não se verifica nenhum conteúdo de prevenção geral positiva ou de

 prevenção especial positiva.

Ainda no âmbito teórico, sustenta o autor que alguns elementos integran

tes da possibilidade exigível de compreensão da criminalidade geram insegu

rança dogmática, em especial quando o autor afirma quanto ao elemento

conhecimento efetivo dos elementos objetivos do tipo, que a sua ausência im

 porta na ausência de tipicidade478. Em verdade, a dogmática jurídico-penal já

tratou de desmembrar cientificamente o desconhecimento do autor da realiza

ção de um tipo penal, do desconhecimento pelo ilícito da conduta.

Por mais humanista e crítica que seja a construção de Zaffaroni acerca

do exercício irracional do Direito Penal pelo aparato estatal, a mesma não

consegue superar as críticas lançadas contra a concepção neoclássica e fina

lista de culpabilidade.

1 9 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

478 - ZAFFARONI, Eugênio Raúl et a lii. Derecho pena! —parte general, p. 646.

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1 9 4 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

Constrói Bustos Ramírez a sua concepção a partir da posição da pessoa frente ao Estado Social e Democrático, que é de dignidade, autonomia

ética e antinomia, afastando-se, assim, do conflito travado entre determi

nistas e indeterministas. Significa dizer que a discussão da responsabilidade deve guardar relação com a pessoa determinada no marco social

concreto, o “indivíduo em sociedade”, eis que ele só pode ser compreendi

do enquanto vive em sociedade, considerando, também, que o modelo gera

desigualdades sociais e econômicas, sendo que o Estado assume a obriga

ção de intervir nos processos sociais em obediência do seu dever de com

 bater as desigualdades482.

Em sua crítica à teoria normativa e seu fundamento livre arbítrio, que parte da concepção de pessoa ideal, diz o mencionado autor que esta é inexis

tente e está fora do sistema social o qual tem que responder por ter cometidoum delito. Ou seja, esta pessoa ideal está à margem da pessoa concreta, e com

isto os direitos fundamentais das pessoas frente ao Estado são apenas declara

ções retóricas483. Em troca, diz que o problema é de legitimação e capacidade

do Estado para exigir responsabilidade do indivíduo concreto pelo cometi-

mento de um fato concreto. Ou seja, a exigibilidade implica examinar se o

Estado está em condições ou se tem capacidade de exigir uma resposta determinada de uma pessoa. Para que tenha esta capacidade é indispensável que

tenha dado condições para exigir esta resposta, pois de outra maneira o Estado

estaria no âmbito de total arbitrariedade e terror estatal484.

E mais, neste âmbito, a responsabilidade não pode se revelar como um

 problema reduzido a um indivíduo, e que apenas por exceção se reconhece o

seu afastamento, v.g.  por uma causa de exculpação. A capacidade de exigir

variará de acordo com cada pessoa e suas condições e circunstâncias e de suarelação com o Estado485. Assim, as causas de exculpação referem-se à inexigi

 bilidade, pois são acontecimentos em que o Estado não pode exigir responsa

 bilidade do indivíduo concreto pelo fato por ele cometido.

482 BUSTOS RAMlREZ, Juan; e HORMAZÁBAL MALARÉE, Hernán. Nuevo sistem a de derecho 

penal,  p. 125.483 Nuevo sistem a de derecho penal,  p. 126.48 4 BUSTOS RAMÍREZ, Juan J. e HORMAZÁBAL MALARÉE, Hemán. Lecciones de derecho penal, 

vol. I, p. 140.485 Nuevo sistem a de derecho penal,  p. 126.

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1 9 6 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

ção de valores ocorre como resultado de um processo intelectual e social de

maior ou menor complexidade487.

Contudo, se a crença do sujeito e sua cultura são diversas do conhecimentocomum, e assim ele se comportada e realiza o injusto, o Estado não está em condições de lhe exigir outra consciência. Ou seja, a pessoa interiorizou valores dife

rentes e por isto o Estado não pode exigir-lhe outra consciência. Agora, se o processo

de interiorização não está completo, e o sujeito tem dúvida sobre a consciência e

executa o injusto, afirma Bustos Ramírez que ele terá atenuada a sua pena488.

Por último, exsurge a exigibilidade da conduta, isto é, que existam ou

tenham sido dadas as circunstâncias para que se possa exigir da pessoa um com portamento determinado. Aqui, em relação à exigibilidade de uma resposta

determinada por parte do Estado, é necessário considerar se uma vez que se

estabeleceu as exigibilidades sistêmica e da consciência, é possível na situação

concreta em que se encontra a pessoa exigir-lhe uma conduta determinada489.

Significa dizer que “múltiplas situações podem influir grave e diretamente no

âmbito emocional de uma pessoa até o ponto de levá-la a dar resposta diferente

frente ao conflito. São os casos de estado de necessidade de bem iguais, de medo

insuperável, de coação insuperável, entre muitos outros”490.Portanto, enfatiza Bustos Ramírez a vulnerabilidade de algumas pessoas

em razão da discriminação que experimentam dentro de um sistema social. E

em assim sendo, deve o Estado levar em consideração a autonomia da pessoa esua realidade, sem o que o seu poder se converteria em arbitrariedade e auto

ritarismo491. Dito isso, a garantia da proteção da aátonomia ética da pessoa

toma-se o conteúdo material da culpabilidade, isto é, da exigibilidade social.

4 . 1 3 .1 C r í t i c a s  à  t e o r ia   d e   B u s t o s   R a m í r e z

 Não se pode negar a atenção que Bustos Ramírez dá à relação social

entre Estado e sujeito, e a necessidade deste de receber conhecimentos e opor

tunidades para que possa se tom ar responsável. E manifesto, portanto, o cará

ter político desta estruturação da culpabilidade.

487 Nuevo sistema del derecho penal,  p. 130 e 131.488 Nuevo sistema de l derecho penal,  p. 131.

489 Idem, p. 131.49 0 Idem, p. 132.491 Idem, p. 131.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 9 7

Porém a mesma é vaga, imprecisa e estabelece alto grau de insegurança

 jurídica, além de ver-se como ontológica. Inicialmente, pela não-caracterização

dos critérios a serem utilizados pelo juiz para demonstrar se o Estado deu ounão deu as condições necessárias à pessoa para que ela dê a resposta esperada.

Também não há a precisa menção e estabelecimento de limites do con

 junto de oportunidades que o Estado deva distribuir aos sujeitos em geral, ou

critérios de aferição de sua eficiência. Inexistentes também são os critérios

 para aferição da interiorização dos valores, sem se falar na sua imprecisão. E,

 por isso, esta concepção teórica está vinculada ao ontologismo, em vista de não

se desprender da estrutura do ser ou da capacidade de agir de outra maneira.

Tomando-se por base um país como o Brasil, seguindo-se as regras e

máximas de experiência, onde há o fornecimento obrigatório de serviços de

ensino, saúde e outros, de qualidade aquém do necessário etc., não se pode

negar que condições, ainda que não perfeitas, são dadas para que o sujeito dê

a resposta esperada. Por conta disso, poder-se-ia dizer que todos os sujeitos

são responsáveis. Destarte, se se considerar resposta negativa, o juiz haveria de

considerar o sujeito inculpável, ou sequer critérios demonstráveis que lhe pos

sibilitem atenuar a pena.E certo que também esta construção mantém a culpabilidade imprecisa

e o juízo de responsabilidade seria criado pelo juiz a partir de suas suposições.

Tal como assevera Jaime Couso Salas, o juízo de imputabilidade em um Esta

do de Direito pressupõe num primeiro plano, a capacidade de racionalidade

que todo sujeito tem, as escolhas que ele faça quanto a grupos etc. E mais, oreconhecimento de uma ordem racional hegemônica dentro dele, Estado, cons-

titui-se como a sua base orgânica. Com isso se tem que os grupos não podem

ser julgados senão só os injustos por eles cometidos, porém exigindo-se comunicação entre o sujeito e a ordem hegemônica492. Contudo, Bustos Ramírez

não explicita a questão da relação interna que é necessária entre racionalidade

individual e a racionalidade nas normas jurídicas.

Por fim, afirma Jaime Couso Salas, que tam bém nesta construção teórica

se mantém a dúvida sobre qual é o fundamento normativo da exigibilidade

social ao sujeito a quem se ofereceu condições para responder493.

492 Fundamentos de! derecho penal de cu lpab ilidad ,  p. 202.

493 Fundamentos de l derecho penal de culpabilidad ,  p. 207.

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1 9 8 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

4 . 1 4 C r í t i c a s  g e r a i s  a o   f u n c i o n a l i s m o

Como todos os pensamentos filosóficos não estão isentos de receber críticas,

também o funcionalismo tem as suas. Como já se expôs anteriormente, o funcionalismo dá às mais diversas categorias dogmáticas penais uma nova reinterpreta-

ção. Conquanto não tenhamos condições de analisar cada um dos institutos, a

nível geral, algumas críticas merecem apontamento por serem de âmbito geral.

a. A primeira diz que o modelo fundonalista é oposto às pretensões cientí

ficas e supranadonais da dogmática. Destarte, seu conteúdo dentífico ser bemmenor, podendo se constituir como fonte geradora de inseguranças e arbitrarieda

des, pois em sendo elemento de concepção utüitarista do Direito Penal, é visto

como uma teoria autoritária e contrária às garantias do Estado de Direito. b. Não obstante, o funcionalismo é autoritário, uma vez que obriga as

construções dentíficas a se centrar nos fins e valores de cada uma das categorias e do sistema em seu conjunto, propiciando confusão normativa, levando a

dogmática ao naturalismo, especificamente quanto às teorias da imputação

(imputatio iuris —imputatio factí).

c. A crítica que se faz ao fundonalismo e à própria culpabilidade fundo

nalista, é a da ausência de fundamento material desta, não tendo como fundamentar o juízo de censura em face da total desindividualização, porque ao autor

só lhe poderá ser atribuída a responsabilidade a partir de uma verificação com

 base èm critérios gerais, sem se falar nas “dificuldades havidas para distinguirentre os requisitos da culpabilidade, simples causas de exdusão da pena e ques

tões relativas à determinação da pena”494. Ainda, agoía numa visão tradidonal e

histórica da culpabilidade, afirma-se que a teoria dos fins da pena não faz parte

da teoria da culpabilidade, sendo certo que a culpabilidade tem foro de impor-

tânda além do próprio Direito Penal495.

d. Sendo o sistema fundonalista calcado na prevenção geral, tem na pre

venção geral positiva o seu primeiro plano. Contudo, ocorre que esta tendên

cia carece de fundamentação e imprecisão teórica suficiente para permitir que

todo o sistema dogmático possa nela se fundamentar496.

494 HIRSCH, Hans-Joachim. El desarollo de la dogmatica penal despues de Welzel. Estúdios  juríd ico s sobre ía reforma penal, p. 37.

495 HIRSCH . El desarollo de la dogmatica penal despues de Welzel. Estúdios jurídicos sobre la reforma penal,  p. 37.

496 Idem, op. c it , p. 36.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 1 9 9

e. Uma crítica eivada de conservadorismo e auto-estima, é a que afirma queo Direito Penal perde protagonismo e atratividade, vencido pelo utilitarismo e

 pragmatismo, voltado às ciências sodais-empíricas. E verdade que estas, muitas

vezes, se valem de conceitos sequer acatados pelos próprios integrantes deste cam po científico, ex. livre-arbítrio, sendo difícil, pois, distanciar-se da concepção de

que no Direito Penal a decisão é valorativa, e, por conseqüência, seu método é

teleológico. Contudo, isso não quer dizer que o Direito Penal não possa se aproxi

mar destas ciências, apenas deve fazê-lo com atenção aos seus próprios limites.

f. Quanto à estrutura em geral, critica-se que as “concepções funcionalistas

residem no neutralismo valorativo das mesmas, pois lhes importa, tão-só, o exa

me dos sistemas sociais desde o ponto de vista de seu correto funcionamento, e

das circunstâncias que o facilitam ou o prejudicam, porém não o fundamentoou suporte axiológico dos mesmos e se ditos sistemas servem aos fins do Direito,

à pessoa, ao homem. Podem ser susceptíveis, portanto, de qualquer conteúdo,

sempre que respondam e funcionem: que sejam eficazes”497.

Os postulados trazidos pelos adeptos do funcionalismo, bem como a consti-

tucionalização do Direito Penal, servindo de exemplo o Brasil, a meu aviso, afas

tam a incidência das críticas. Isso porque o ponto de partida para a compreensão

de qualquer sistema científico ou pragmático, deve partir da Constituição Federal. A brasileira, no seu art. 1., inciso III, insere a obediência ao princípio da

dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do Estado Democráti

co de Direito. Assim, qualquer sistema que se crie não poderá ir ser contrária a esta

determinação, e por mais que se queira neutralizar valorativamente qualquer nor

ma, ao alcançar a infiranqueável barreira da dignidade da pessoa humana, que será

o limite contra qualquer abuso que possa ser o Direito instrumento, perecerá do

maior dos vícios, o da inconstitucionalidade.

 Não obstante a esta particular consideração de cunho político, e retomando ao âmbito dogmático-penal, a partir da concepção de ser este Direito Penal

um sistema aberto, não se quer entender que esta abertura seja própria para

alargar a incidência da aplicação da lei penal, ao contrário, limita-se o âmbito de

aplicação da lei penal, valendo-se da própria imputação objetiva para alcançar

este fim. Senão o bastante, a própria aproximação com a realidade social, faz

com que o Direito Penal não seja aplicado em contextos onde não se verifiquem

497 GARCIA-PABLOS DE MOLINA. Op. cit., p. 401.

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2 0 0 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

dissensos ou situações congêneres, fatos absolutamente repelidos pelo positivis

mo, tampouco perde atratividade ou relevância, ao contrário, por não permane

cer no ostracismo, fechado no seu próprio mundo, toma-se muito mais interessantee atual, ganhando inclusive importância frente às demais ciências humanas.

Por fim, quanto à quebra da supranacionalidade da dogmática, o Direito

Penal será muito mais efetivo, a partir do momento que passe a considerar de

forma especial cada contexto funcional, até porque não se pode olvidar que

cada povo, cada nação tem suas particularidades, e a dogmática alemã não

conseguirá jamais ultrapassá-la. Diz-se pois, que não existe apenas um único

contexto social como v.g ., trabalha a concepção neokantiana, disso resulta,

 justam ente, a quebra da inflexibilização da teoria geral do delito, o que ésalutar frente a tradição jurídica de cada país.

/

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 0 1

C a p í t u l o   5

O D i r e i t o   P e n a l   b r a s i l e i r o   e  o   p r i n c í p io   d a   c u l p a b i l i d a d e

A partir do escorço epistemológico realizado, pode-se afirmar que a doutrina penal brasileira adotou, ao longo de seu desenvolvimento, as teorias daculpabilidade professadas na Alemanha.

Quanto à legislação penal, esta não estabeleceu o conceito analítico dedelito. Entretanto, a culpabilidade como seu elemento foi reconhecida pela

doutrina e jurisprudência pátrias, ainda que indiretamente por meio da análise da estrutura do erro.

Promulgada a Constituição Federal em 1988, a doutrina divide-se acerca do fundamento e localização exata do princípio da culpabilidade. Reco-nhece-se este princípio por derivação do princípio da dignidade humana498,art. I o, III, ou por derivação do princípio da legalidade499, art. 5o, II, e, por

fim, pela expressa menção do inciso LVII, do art. 5o500, ao rezar que ninguémserá culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

 Não se pode negar que a gênese dos princípios garantísticos do cidadão,

inclusive o da culpabilidade, está no princípio da dignidade humana. Na liçãode Antonio Luis Chaves Camargo, a dignidade humana “é a fonte de todos os

direitos, pois exerce a função de base destes direitos, servindo de conexão entreo ser e seu agir social”501. Quanto à concretização da dignidade humana, afirmaeste autor que ela se dá “através do âmbito de interferência que cada um permiteao outro durante a interação social, respeitadas as normas éticas de comporta

mento, enquanto esta dignidade humana se opõe ao Estado, no exercício de seu poder, que é pautado, sempre, em normas que legitimam a sua intervenção,

como a última instância de interferência na vida do cidadão”502.

Secundariamente, o princípio da culpabilidade emerge do princípio da legalidade, ao estabelecer que o limite da intervenção estatal se dá em respeito aos

 postulados do Estado Democrático de Direito, e desde o âmbito de aplicação do

direito material, advém o princípio da não-consideração prévia de culpabilidade.

498 GONZÂLEZ PÉREZ, Jesús. La dignidad de la persona, p. 165.499 CAMARGO, Antonio Luiz Chaves. Culpabilidad e e reprovação pena l,  p. 90-92.500 TUCC I, Rogério Lauria. D ireitos e garantias individuais no processo pena! brasileiro,  p.402.501 Direitos humanos e direito penal: Limites da intervenção estatal no Estado Democrático de

Direito. Estudos crim ina is em homenagem a Evandro Lins e S ilva, p. 74 e Im putação objetiva e direito p en ai brasileiro,  p. 113.

502 Idem, p. 74.

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2 0 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

De qualquer maneira, há de se frisar acerca do princípio da culpabilidade que não há dúvidas acerca de sua presença entre nós, não só pelos posicio

namentos doutrinários a partir do âmbito constitucional, mas até mesmo antes,

disso pela sua aceitação na reforma penal de 1984.

5 .1 A d o u t r in a  e a s  c o d i f i c a ç õ e s  a n t e r io r e s  a  1 9 8 4

Em verdade, a doutrina penal brasileira não desenvolveu concepção pró pria ao longo de sua história, tendo se filiado com certo atraso a cada uma das

teorias alemãs sobre a culpabilidade, e isto se verifica a partir da análise das

obras publicadas. Portanto, desnecessário neste momento reiterar os argumen

tos de cada construção dogmática e de sua correspondente crítica.Em se considerando que foi a teoria psicológica a primeira desenvolvi

da cientificamente sobre o tema culpabilidade, resta afirmar que filiaram-se

a esta entre outros Galdino Siqueira, Nelson Hungria, Basileu Garcia, José

Frederico Marques e Bento de Faria503.

Em obediência à metodologia, a teoria Psicológica-Normativa reuniu,

entre outros, Magalhães Noronha, Salgado Martins, Aníbal Bruno e Paulo

José da Costa Júnior504. No tocante às codificações penais brasileiras anteriores a 1984 e, levan-

do-se em consideração o tema da culpabilidade, há de se observar em atenção

ao método penal cada um destes diplomas, sob pena de não se compreender a

concepção teórica então vigente.

Acerca do Código Penal do Império de 18^0, assevera Galdino Si

queira que já havia uma disposição geral sobre a culpabilidade como aspecto

essencial do crime, ainda que a reduzisse ao dolo, dispondo “não haver cri

minoso ou delinqüente sem má-fé”, isto é, não se punia o agente que não

tivesse o conhecimento do mal e a intenção de praticar, ainda que presente a

 punição para o crime culposo em várias disposições505.

503 Tratado de direito penai,  vol. 1, p. 387; Com entários ao Código Penal,  vol. I, t. 28, p. 22;Instituições de direito penal,  vol. 1, t. 1, p. 247; Curso de d ireito penal,  vol. II, p. 158 e 

Código Penal brasileiro (comentado),  vol. II, p. 146.504 D ireito penal, vol. 1, p. 132; Sistema de direito penal brasileiro, p. 176; Direito penal, vol. 1,

L 2, p. 31 e Curso de direito penal,  vol. 1, p. 86-87.

505 Tratado de d ireito penal, vol. 1, p. 388. A partir da compreensão do método, nesta concepção,reconhece-se o dolo como forma da culpabilidade.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 0 3

O Código Penal republicano de 1890 dispunha sobre a culpabilidadeno seu art. 24.

Por sua vez, o Código Penal de 1940 inspira o primeiro debate acerca da

culpabilidade, ainda que sob o entendimento majoritário da doutrina da época, inseria-se o mesmo nos termos propostos pela teoria Psicológica da culpa

 bilidade, sendo compreendida como a relação subjetiva ou de causalidade

 psíquica, vinculando o fato ao agente, ou ainda, no dizer de Nelson Hungria,

“não é possível a imputatio juris de um evento criminoso sem que haja uma

relação psíquica que a ele vincule o agente”506.

E nesta concepção que dolo e culpa são vistos como formas de culpabi

lidade, distinguindo-os por meio do critério da gravidade, ou seja, a formamais grave, constitui o dolo, e outra menos grave, a culpa  sensu strictif07.

 Não obstante ao fato da doutrina majoritária interpretar o dispositivo

legal a partir do conteúdo da teoria Psicológica da culpabilidade, contra este

entendimento se manifestou Salgado Martins, ao afirmar que o Código Penal

de 1940 acolheu orientação normativista, pois, a seu ver, o dolo exige a cons

ciência da ilicitude da ação por parte do agente, constituindo-se como ele

mento normativo, portanto, elemento este estranho à concepção psicológica508.

 No mesmo sentido acenava Aníbal Bruno ao lecionar que “a culpabilidade é areprovabilidade que pesa sobre o autor de um fato punível, praticado em

condições de imputabilidade, dolosa ou culposamente, tendo ou podendo ter

o agente a consciência de que viola um dever e em circunstâncias que não

excluem a exigência de que se abstenha dessa violação”S09.

5 . 2 O p r i n c íp io  d a  c u l p a b i l i d a d e n o  C ó d i g o  d e  1 9 8 4 e n a  

C o n s t i t u i ç ã o  F ed e r a l  d e  1 9 8 8

Reformada a parte geral do Código Penal brasileiro pela Lei n° 7.209184, e promulgada a Constituição Federal quatro anos depois, instituindo o Estado De

mocrático de Direito no Brasil, ganhou destaque o princípio da culpabilidade510.

506 Comentários ao Código Penal,  vol. 1, L 2, p. 22 e 109.507 SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal, vol. 1, p. 387-388.508 Sistema de direito pen al brasileiro , p. 176.

509 D ireito penal,  vol. 1, L 2, p. 31.

510 Há expressa menção na Exposição de Motivos do Código Penal (7.209/84) à adoção do princípio da culpabilidade nos itens 16 a 18, em especial ao se afirmar que "O princípio da culpabilidade estende-se, assim, a todo o Projeto (...)".

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2 0 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Antes de passarmos à análise do princípio da culpabilidade no Brasil, éimportante recordamos que o Direito Penal, como ramo da ciência normativa

guarda relação com todas as disciplinas jurídicas, particularmente com o Direito Constitucional e sucessivamente com os princípios fundamentais do

Estado Democrático de Direito, em razão de que a partir destes é manifestada

a política penal do Estado.

Diante do reconhecimento da validade desta afirmativa, fizemos ao longo

de todo o trabalho, considerações acerca das novas estruturas do Direito Penal

advindas da nova forma de Estado, isto é, o Estado Democrático de Direito. A

 partir disso, trouxemos à colação o conceito de Luiz Régis Prado e que espelha

o nosso pensamento sobre o Estado Democrático de Direito, “como sendo aquelecujo ordenamento jurídico positivo confere específica estrutura e conteúdo a

uma comunidade social, garantindo os Direitos individuais, as liberdades pú

 blicas, a legalidade e a igualdade formais, mediante uma organização policêntri-

ca dos poderes públicos e a tutela judicial dos Direitos”511.

Frente à magnitude do estabelecimento entre nós do Estado Democráti

co de Direito, vale lembrar que nenhuma construção científica de Direito

Penal pode contradizer os limites do Estado Democrático de Direito. Isso se

deve não apenas à obediência formal das disciplinas do Direito ao Direito

Constitucional, mas porque a Constituição Federal contém os dispositivos

mais importantes e fundamentais para a ordem jurídica e para a vida em

sociedade, refletindo o ambiente sócio-valorativo de uma comunidade.

Desta maneira, para um segmento doutrinário, Concebe-se como função

 primordial do Direito Penal, a proteção dos denominados bens jurídicos, fi

gurando como conseqüência do postulado da garantia, impedindo não só a

intensificação dos aspectos subjetivos estranhos à realidade social, mas tam bém, a interferência do poder autoritário do aplicador da lei sobre condutas

que, mesmo juridicamente relevantes, não ofendem esses bens jurídicos512.

Portanto, é importante destacarmos que o Direito Penal de um Estado

Democrático de Direito deverá legitimar-se como sistema de proteção efetiva

dos cidadãos. Secundariamente, e violada a norma penal incriminadora, passa

a ter a missão de prevenção geral e especial positivas, além de intervir apenas

511 Bem juríd icopena l e Constituição,  p. 52.512 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídicopenal e Constituição,  p. 52.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 0 5

na medida do necessário para a proteção da sociedade, conforme se extrai do

 princípio da mínima prevenção indispensável, senão limitá-la, de acordo com

o princípio do mínimo sofrimento necessário513.

“Disso decorre, obviamente, que todas as categorias dispostas na análise

do conceito de delito, à luz da interpretação sistemática constitucional, rece

 bem inspirações preventivas, e, por conseqüência natural, estas categorias cons-

tituem-se pressupostos lógicos para a aplicação das normas penais, sendo a

 política criminal o instrumento adequado à consecução deste fim”514.

Iniciando-se a análise a partir da reforma havida no  Código Penal em

1984, cabe-nos, desde logo, afirmar que não houve expressa menção à teoriaadotada quanto ao núcleo do conceito, digno inclusive de aplauso, em se con

siderando que esta medida possibilita uma flexibilização maior da dogmática,

ajustando-se às novas relações sociais. Diversamente manifestou-se o Código

ao afirmar sua adesão à teoria limitada da culpabilidade ao tratar do erro e, por

conseguinte, ao finalismo.

 Neste sentido, preceitua o art. 20 do Código Penal, que o dolo seja concebi

do como pura manifestação de vontade de realização dos elementos objetivos dodelito, instituindo-se o injusto pessoal. Como conseqüência própria do finalismo,

o erro escusável sobre os elementos objetivos do tipo exclui o dolo. Se evitável o

erro, o agente poderá responder a título de culpa desde que prevista a hipótese em

lei e que o mesmo tenha incidido sob as elementares deste crime culposo.

Ainda sob os termos finalistas, o art. 21 do Código Penal descreve o erro

sobre a ilicitude do fato —erro de proibição —fazendo desaparecer a reprova

 bilidade quando este erro for escusável e diminuindo-a quando da hipótesefática da inescusabilidade.

Aponta-se que o legislador infraconstitucional de 1984 deixou-se seduzir, em alguns aspectos, pelos desdobramentos finalistas, podendo-se ainda

reconhecer como dispositivos finalistas além da matéria sobre o erro acima

tratada, o concurso de pessoas do art. 29 do Código Penal, ao dispor que só

 poderá haver participação a partir da existência de uma conduta anterior dolosa, visto aqui como conduta principal. Por sua vez, se inexistente o tipo

513 MIR PUIG, S. El sistema del derecho penal en la Europa actual. Fundamentos de un sistem a europeo de! derecho pena l, p. 25.

514 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Em defesa da culpabilidade. BoL IBCCRIM , na 97, p. 15.

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2 0 6 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

doloso da conduta principal, incabível falar-se em participação, que se revestecomo conduta periférica ao núcleo principal.

Também merece ser inserida no rol das contribuições finalistas dadas àsreformas da parte geral do Código Penal em 1984, o critério da fixação da pena,

 pois retira deste relevante dispositivo o dolo e a culpa, atribuindo à culpabilidade a elaboração do juízo de reprovação, considerando a maior ou menor reprovabilidade da conduta do agente, em obediência à sua maior ou menor capacidadede autodeterminação no momento da realização do injusto típico.

Há de se ressaltar que a manifestação acima esboçada não é pacífica,havendo segmento doutrinário que critica esta posição em prol do reconheci

mento da teoria Psícológico-Normativa.Interessante é que a culpabilidade foi tratada no texto legal, art. 21 e 22

do Código Penal, apenas como referência às causas excludentes da culpabilidade, incentivando-se a formação de opinião de que o conceito de culpabili

dade é um elemento do conceito de crime negativo, isto é, tem-se o mesmoem não ocorrendo uma causa excludente.

Adentrando ao campo dogmático, muitas são as vozes que afirmam que

a reforma penal de 1984 alicerçou-se sobre os fundamentos finalistas, poden-do-se destacar Miguel Reale Jr., Heleno Cláudio Fragoso, Francisco de AssisToledo, Damásio E. de Jesus, José Henrique Pierangeli, Juarez Tavares, Cezar

Roberto Bitencourt, Luiz Régis Prado, Ivete Senise Ferreira, entre outros515,embora novas contribuições sejam acrescidas ao esquema final.

 No que se refere à matéria no âmbito constitucional, há o posicionamento

de que os pressupostos e elementos da culpabilidade são derivados do EstadoDemocrático Direito e do seu fundamento dignidade da pessoa humana516.

Próximo a esta acepção, sem contudo se confundir com a mesma, reconhece-seque o princípio da culpabilidade decorre do princípio da legalidade517.

515 Teorias do delito,  p. 144; Lições de direito p enal —parte geral,  p. 196; Princípios básicos de direito pena l, p. 230; D ireito penal, vol. 1, p. 465; Teorias do delito (variações e tendências), p. 114; M anual de direito pena l, vol. 1, p. 290; Curso de direito pen al brasileiro, p. 268-269; e Tutela penal do patrim ônio cu ltural, p. 101. Há de se destacar quanto a Juarez Tavares, que há dúvida quanto a sua posição metodológica, devendo-se aos postulados sustentados na obra Teoria dó injusto. Nesta, o autor toma uma nova performance metodológica e de afasta

mento ao finalismo welzeniano, onde inclusive era visto como adepto, conforme Luiz Régis  Prado na nota nQ9, da tradução de O novo sistema jurídicopenal, de Hans Welzel, p. 9.

516 Neste sentido: Bernd Schünemann, La función del principio en el derecho penal preventivo. E l sistem a m oderno del derecho pena l,  p. 148.

51 7 Neste sentido: Antonio Lufs Chaves Camargo, Culpabilidade e reprovação penal,  p. 91

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2 0 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

Outra conseqüência desta consideração constitucional é a impossibilidade de substituir o Direito Penal da culpabilidade por um Direito protetor

 baseado no perigo abstrato de lesão ao bem jurídico. Isso porque, tendo emvista as contribuições científicas, os avanços industriais, a exploração de recursos minerais etc., advindas especialmente a partir da segunda metade do século XX, fez-se necessário tutelar bens jurídicos coletivos reconhecidos a partir

desta, tais como o meio-ambiente e outros. Como desdobramento desta novaconcepção, pode-se afirmar, com tranqüilidade, no âmbito da tipicidade, quehouve uma antecipação da intervenção penal, bastando-lhe apenas a formulação do juízo de possibilidade do dano difuso para a sua verificação, isso em

decorrência de se evitar a sua efetiva exposição à perigo ou lesão. Trata-se,então, da configuração dos delitos de perigo.

Esta reformulação fez com que a doutrina se manifestasse pela inconstitucionalidade de leis que acolhessem em seu corpo tipos penais classificadosatravés do perigo abstrato, isto é, tipos penais concebidos sem possuir condições mínimas de ameaça ou de lesão ao bem jurídico. Esta orientação motivou

o legislador infraconstitucional a substituir os tipos penais que se consubstanciavam por meio do perigo abstrato pelo perigo concreto nas reformas pe

nais. Esta assertiva se verifica da confrontação das redações do art. 34 da Leide Contravenções Penais e do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

“Art. 34- Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia.”

“Art. 306- Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influênciade álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial aincolumidade de outrem.”

De qualquer maneira, estas considerações se referem apenas ao conteúdoformal da culpabilidade, não justificando o seu conteúdo material, daí a necessidade de a doutrina brasileira debater o assunto em atenção aos níveisculturáis aqui presentes, e não pura e simplesmente importar uma ou outraconcepção estrangeira como sustentam alguns doutrinadores.

Sob a vertente constitucional-processual da concepção de culpabilidade,art. 5o, LVII, da Constituição Federal, reconhecida por meio da nomenclatura princípio da inocência presumida, ou mais corretamente princípio da pre

sunção de não-culpabilidade, recaíram basicamente as maiores atenções dosoperadores da ciência penal, mormente ao tratar do tema prisão cautelar, ao

argumento de que o princípio em tela não se restringe apenas ao acusado, mas

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 0 9

“a todos os estágios da repressão penal, inclusive às atividades policiais ditas

 preventivas e investigatórias”519.

Sobre o tema, surgiram duas orientações. Em síntese, pela primeira orientação, reza que impõe-se à acusação (Ministério Público ou querelante), o ônus

de demonstrar os fatos imputados na peça acusatória. A segunda orientaçãoconsidera que além de ser ônus da acusação provar os fatos e de estar consagrada

na Constituição Federal regra sobre a prisão cautelar, decorre que a prisão só pode ocorrer após confirmação da culpabilidade em sentença transitada em ju l

gado, sem o que representaria indevida antecipação da pena520. Contudo, esta

mesma orientação reconhece que só se admitiria a prisão no curso do processoquando necessário em face de circunstâncias concretas da causa521.

De regra, no que diz respeito à prisão cautelar, tem-se que para a sua

concessão, indispensável apenas que elementos processuais a fundamentem,

despindo-se de considerações estranhas ao Direito, ou relativas ao Direitomaterial, isso em obediência à Carta da República, supedâneo anterior e lógi

co de todas as liberdades públicas522.

Esta afirmação mostra-se atual em face da instabilidade política, social e

 judiciária que vive o país, protagonizando escândalos e inconformismos no

seio da sociedade, sendo certo que a figura do simbolismo extravasa o âmbito

 penal para também encontrar guarida no Direito Processual Penal, ou noutra

consideração, “na retórica do combate à criminalidade, dos movimentos de lei

e ordem, no falso sentimento de garantia de ordem pública e de paz social, é

o processo penal aviltado, como também são aviltadas as regras processuais,

ocorrendo um grande distanciamento da dogmática com a pragmática”523.

Para a satisfação do Direito Processual Penal simbólico no que diz res peito às prisões cautelares, servem-se seus defensores da antecipação do juízo

normativo de culpabilidade, obviamente que em termos contrários à tutela daliberdade, antecipando o futuro por meio da presunção de julgamento conde-

natório como instrumento de pacificação da opinião pública. Sob esta verten

519 GOMES FILHO , Antonio Magalhães. Presunção de ino cência e prisão cautelar,  p. 32-33.520 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional,  p. 283.521 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional,  p. 283 e FRANCO , Alberto

Silva et a lii. Código de processo penal e sua interpretação jurisprudên cia!, p. 222.522 MACHADO , Fábio Guedes de Paulá. Considerações sobre a prisão cautelar. RT,  ne 773, p. 449.523 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Considerações sobre a prisão cautelar. RT,  n®773, p. 448.

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F á b i o  G u e d e s  d e  P a u l a  M a c h a d o  - 211

5.3 A d o u t r in a  b r a s i l e i r a  c o n t e m p o r â n e a  

a c e r c a  d a  c u l p a b i l i d a d e

Acerca da culpabilidade, seus elementos e discussões, a maioria da doutrina penal brasileira mantém-se fiel ao finalismo welzeniano525. Contudo, já

se vislumbra o prosseguimento do desenvolvimento epistemológico sobre otema, ainda que de modo tímido526.

Reformulando antigo posicionamento doutrinário, reconhece Miguel

Reale Júnior a impossibilidade de determinação do poder agir diversamente,

apontando como elementos da culpabilidade o conhecimento do tipo, a possibilidade de consciência da ilicitude e o juízo da negatividade da opção con

tra o direito nas circunstâncias concretas do fato527.A construção não fica isenta de críticas. Impor ao agente o conhecimento

do tipo para vê-lo culpável significa revitalizar no sistema o dolo normativo deconcepção neoclássica, passível aqui de colacionar as críticas lançadás por Welzela este sistema. Já quanto ao elemento do juízo da negatividade da opção contrao direito nas circunstâncias concretas do fato, onde se produz uma valoraçãosobre a situação, “como situação de necessidade ou de coação”, para em seguida

 prosseguir-se a “uma avaliação da opção realizada em função de um valor que,

naquela situação, assume relevância, perante o valor do direito como deve ser”,significa, de certo modo e a princípio, renomear as circunstâncias concomitantes

do fato, proposta inicialmente por Frank, fundida com a base doutrinária do poder agir de outra maneira. Isto porque, para a realização das valorações sobrea situação e sobre a opção, mantém-se presente a denominada teoria simpatéti-ca, caracterizada pelo fato de o juiz se colocar na situação do agente para julgar

a sua opção, que em verdade decorre da teoria do poder agir de outra maneira,daí sobrevindo todas as críticas já lançadas em face da indemonstrabilidade do

 poder agir diversamente, tal como inclusive reconhecido pelo próprio autor528.

525 Entre outros, AZEVEDO, David Teixeira de. Dosímetria da pena,  p. 66-67; NUCC1, Guilherme deSouza. Individualização da pena, p. 51 e Código pena! comentado, 7a ed., p. 213; PRADO, Luiz Régis. Curso de direito p enal brasileiro, 5a ed., p. 424 e ss.; BÍTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 8a ed., p. 276 e ss.; JESUS, Damásio E. Direito penal, p. 455 e ss. Conforme já discutido anteriormente, este autor considera a culpabilidade como pressuposto da pena, op. c it, p. 456.; BRANDÃO, Cláudio, Introdução ao direito penal, p. 141 e ss., e mais recentemente em Teoria ju rídica do crim e,  p. 142 e ss.; GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio e BIANCHINI, Álice, Direito pena l introdução e princípios fundamentais, v. 1, p. 539.

526 Destaca-se Paulo de Souza Queiroz, D ireito pen al introdução crítica , p. 211 e ss.527 Instituições de d ireito p enal —parte geral,  p. 188-189.

528 Idem, p. 188-190.

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2 1 2 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

Mais modernamente e aproximando-se dos postulados funcionalistas,

sustenta Antonio Luís Chaves Camargo, com amparo em Habermas, a fun

damentação material da culpabilidade a partir do agir comunicativo; isto é, dodiálogo e da interação dos indivíduos com o grupo social, coordenando desta

forma as ações dos indivíduos dentro do grupo529.

Como conseqüência dessa interação surge o consenso, traduzido pela

coincidência na motivação da norma penal nos âmbitos geral e individual,

notadamente acerca dos valores vigentes. Nessa concepção, a culpabilidade se

manifestará pelo dissenso havido entre os indivíduos em se considerando a

ação antijurídica realizada e conseqüentemente o delito530.

Mantém o autor, na sua construção dogmática, os mesmos elementos da

culpabilidade existentes no finalismo, contudo e até mesmo antes disso, dele

distancia-se para adotar a base geral do modelo funcionalista penal, assim se

compreendendo em razão de que nesta particular construção, o sistema penal

 permite receber contribuições de outras ciências humanas, em especial a filo

sofia, daí ser entendido como sistema aberto, não obstacularizando o desen

volvimento social e jurídico, ao contrário, favorece-o, adaptando-se a ele.

Por sua vez, Juarez Tavares posiciona a culpabilidade como um juízo pessoal de atribuição de responsabilidade ao agente, tendo por base o cometi-

mento de um fato típico e antijurídico531. Ressalta o autor que esta atribuição

não possui conotação de retribuição ou censura moral, e sim é normativa pelo

fato de ter o agente violado o âmbito de atuação da norma, “embora tivesse a

capacidade e pudesse concretamente agir de outra maneira”, e está sujeito a

sofrer a intervenção do Estado por meio de uma medida coercitiva532.

Aqui a culpabilidade é juízo de atribuição pessoal de responsabilidade, e

funciona como condição ou etapa final da análise da conduta com vistas a

coibir as intervenções coercitivas irracionais. Logo, a conduta injusta pratica

da será sempre a base de configuração desse juízo. Por isso, este, ao ser realiza

do, não pode recair sobre a conduta de vida, o caráter, a personalidade ou o

defeito de motivação533. Assim, atem-se o juiz aos elementos configuradores

529 Culpab ilidade e reprovação penal, p. 137 et seq.

530 Culpabilidade e reprovação penal,  p. 132-137.531 D ireito penal da neg ligência, p. 375.

532 D ireito penal da negligência,  p. 376.533 Idem, p. 376.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 1 3

da norma penal para expressar eventual punição, considerando-se, também,

que no Estado Democrático de Direito a norma penal incriminadora delimita

o âmbito da atuação estatal534.Em síntese ao pensamento de Juarez Tavares, destaca-se que o elemento

capacidade possui grande importância na configuração da atribuição pessoalde responsabilidade. Já a conduta, justifica a incidência de normas jurídicas

 para qualificá-la como proibida ou permitida535.

 Neste discurso, Juarez Tavares caracteriza “a culpabilidade como culpabi

lidade do ato volitivo, em que se destaca o valor da vontade como fator determi

nante e condicionante da eleição do emprego e da manipulação dos meios causaisdisponíveis à integração dessa ação à atividade global do sujeito”536. Não obstan

te a essas considerações, pondera o autor que a questão não está vinculada à

demonstração de uma liberdade de vontade abstrata, mas à capacidade concreta

de poder dirigir a conduta no sentido de um objeto de referência que deve ser a

norma de proibição ou de determinação. Logo, o sujeito que não tenha capaci

dade de dirigir o processo causai por si mesmo não será culpável.

Luiz Flávio Gomes, por sua vez, mantém-se fiel à concepção tradicional

que expressa ser a culpabilidade o juízo de valor (de reprovação) que recai

sobre o agente do fato punível que podia agir de modo diverso (conforme o

Direito) e não agiu537. Alinha-se, definitivamente ao finalismo welzeniano ao

estabelecer a tríplice função da culpabilidade; isto é, como fundamento da

 pena, como limite da pena e como fator de sua graduação538.

5 .4 A FUNÇÃO E A VERIFICAÇÃO DA CULPABIL IDADE NO SISTEMA

PENAL BRASILEIRODemonstradas as diversas concepções acerca da culpabilidade, pode-se

afirmar sobre esta e com amparo em Zaffaroni, que “não há sequer um acordo

534 TAVARES, juarez. D ireito penal da neg ligência, p. 376.535 Idem, p. 376.536 Idem, p. 377. Próxima a esta compreensão, porém mais arraigado ao pensamento entorno do

livre arbítrio, André Luís Callegari, ao sustentar que a culpabilidade consiste na capacidade de 

adotar uma resolução de vontade diferente, de acordo com as exigências do ordenamento   jurídico, ou seja, o sujeito será reprovado pela má formação de vontade. Teoria ge ra! do d elito, pp. 91-92.

537 D ireito pena l parte geral, p. 345.538 Idem, p. 346. Mais recentemente, e juntamente com Antonio Garcia Pablos de Molina, 

reafirma a posição em D ireito penal —parte geral, v. 2, p. 570.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 1 5

nal e não o contrário, como desejam alguns operadores do Direito, para somente

então analisarmos as questões circunscritas à efetivação da culpabilidade.

Diz-se assim por se entender que, para a averiguação da culpabilidade

no sistema moderno de Direito Penal, indispensável que esta análise se dêempiricamente a partir do respeito absoluto à Constituição Federal, ou seja,

deve o Direito Penal adequar-se à Constituição Federal e não o contrário,

conforme muitos equívocos proporcionados pela doutrina no afã de justificara legalidade-constitucionalidade de determinados dispositivos.

Feitas as primeiras colocações, pode-se afirmar, desde logo, que a Cons

tituição Federal de 1988 não recebeu o termo “reprovação” contido no art. 59

do Código Penal no sentido de retribuição moral, e sim, unicamente, como

retribuição jurídica voltada à prevenção do delito.

Já no preâmbulo da Constituição Federal promulgada em 5 de outubro

de 1988, reconheceu-se legitimidade popular à Assembléia Nacional Consti

tuinte para instituir o Estado Democrático, assegurando entre outros direitos

a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade frater

na, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, manuseando

soluções pacíficas das controvérsias.

Em seqüência, no art. Io, III, é reconhecida a dignidade da pessoa humanacomo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, materializando

este fundamento em diversos dispositivos do texto constitucional v.g. os incisos

do art. 5o, pertencentes ao título II, “dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

Estipulados os princípios e objetivos em que se deve pautar a sociedade

 brasileira, tem-se igualmente que a sua regulação penal siga obrigatoriamente

estes postulados, de maneira a legitimar-se a intervenção penal nesta socieda

de com o instrumento da “pena” em suas espécies privativa de liberdade, restritivas de direito e multa.

Violada a lei penal e consubstanciado o regime como sendo o Democrático de Direito, tem-se que a pena só pode fundamentar-se como legítima nas

suas acepções preventivas geral e especial positivas, respectivamente, assegu

rando a consecução do fim útil de prevenção do delito mediante a convicção

coletiva em tomo da vigência das normas, reforçando os laços de integração e

solidariedade social. Quanto à figura concreta do delinqüente, deve a pena

atuar de maneira que este não recaia na prática de delitos, levando em consideração em ambas as situações, as individualidades e limitações naturais do

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2 1 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

sujeito, pertencentes em sua maioria a um universo de carências e mazelas

sociais, não possuindo como objetivo concreto único a ressocialização, mas

também de integrar o sujeito à sociedade, possibilitando-lhe uma vida digna, pois somente assim ele será capaz de respeitar a lei penal.

Percebe-se, assim, que esta concepção é inteiramente divergente da concepção retribudonista de pena, que tinha, a propósito na culpabilidade, o seu fundamento. Acerca desta culpabilidade, há de se entendê-la no seu sentido dássico etradidonal, sedimentada na liberdade de vontade ou livre-arbítrio, afirmando-setoda vez que o homem fizer mal uso de sua liberdade quando reunia condições defazer o bem, constituindo-se a pena como pagamento de forma a imperar a justiça.

Em face do modelo constitucional adotado pelo Brasil, transforma-se oseu Direito Penal em Direito Penal preventivo, repudiando-se os desdobramentos trazidos pelas concepções moral e retribudonista.

Portanto, no que tange à natureza da pena, o art. 59 do Código Penal brasileiro, ao atestar que esta deverá ser sufidente à reprovação jurídica e prevenção do crime, não o faz em manuseio da acepção dássica (moral) do termoreprovação, que como visto se antagoniza com os postulados do Estado Democrático de Direito, mas sim no aspecto preventivo. Esta interpretação se

apresenta possível, a partir da compreensão normativa que se dê à expressãoou termo, mantendo-lhe atualizado e atrelado às reformas sociais.

Portanto, de maneira a melhor servir os propósitos do regime democrático,entende-se que nenhuma pena deva ser fixada sob a natureza retributiva, aguar-dando-se a oportunidade de uma reforma penal par^ se adequar a legislação

 penal aos prinrípios constitudonais próprios do Estado Democrático de Direito,tolhendo qualquer dúvida acerca da acepção do vocábulo, que a propósito induz

alguns tratadistas brasileiros a reconhecerem a natureza retributiva da pena.Em face desta argumentação, entende-se como compatível o escopo fir

mado pela finalidade preventiva da pena em manuseio das teorias preventivasgeral e espedal, ambas na modalidade positiva, como critérios hábeis a legitimar a pena e o próprio Direito Penal.

Este reconhecimento possibilita apontar a face democrática do DireitoPenal e da culpabilidade. Contudo, não define o seu conteúdo, devendo adogmática penal apresentá-la em consideração às peculiaridades de cada cul

tura, de cada povo e de cada Nação. Nesta ordem de análise empírica iniciada a partir dos fundamentos consti-

tudónais atribuídos ao Direito Penal, à pena e, agora, à culpabilidade, devem

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2 1 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

também dados de política criminal e que demonstrem essas desigualdades e a

melhor maneira de transpô-las.

Com o intuito de particularizar a dogmática brasileira e valendo-nos dos

desenvolvimentos teóricos já realizados, em especial pela dogmática alemã, partimos da concepção constitucional e filosófica para a formulação deste novo

sistema penal para o Brasil, ou como bem frisa Luiz Flávio Gomes, “tudo

resulta de uma feliz combinação de várias idéias, teorias e princípios extraídosde um denominador comum: a Constituição que, como máxima expressão

normativa, constitui o norte de todo o ordenamento jurídico”543.

A partir da constatação humanista inscrita no preâmbulo e demais dis

 positivos da Constituição Federal, reconhece-se que o Direito Penal sobrevindo da base constitucional vigente, apresenta-se como Direito Penal preventivo,

e, agora sob a vertente dogmática e valendo-se dos conteúdos traçados pelas

teorias preventivas geral e especial positivas da pena, temos que num Direito

Penal preventivo a intervenção penal do Estado não se legitima apenas pela

culpabilidade, mas também pelas necessidades preventivas de pena544.

Segundo esta concepção, a categoria dogmática da culpabilidade deve

estar acompanhada das necessidades preventivas geral e especial positivas da pena, e com isto posicionamos a responsabilidade como sendo elemento do

conceito de crime ao lado do injusto. Portanto, culpabilidade e necessidade

 preventiva são pressupostos da responsabilidade jurídico-penal545, isto é, “a

responsabilidade depende de dois dados que devem assinalar-se ao injusto: da

culpabilidade do sujeito e da necessidade preventiva /de sanção penal”546.

 Nesta construção dispensamos tratamento distinto aos institutos que

eram concebidos unicamente sob o conceito de culpabilidade.

Ainda no que tange aos fundamentos constitucionais-penais, permite-

se afirmar que estes dão autorização inicial para reconhecermos a possibili

543 Teoria constitucional do delito no limiar do 3Bmilênio. Bol.IBCCR IM ,  ne 93, p. 3.544 Ao propormos a reconstrução do sistemapenal brasileiro, não nospassadesapercebido a

penúria que vive o seu sistema penitenciário, e não acreditando na sua recuperação a pequeno  ou médio prazo, e em se considerando que as proposituras aqui descritas apegam-se à realidade momentânea, abandona-se esta modalidade preventiva devido a manifesta falta de idoneidade dos instrumentos e dos predicados advindos da teoria da prevenção especial negativa. Destarte, firmamos o entendimento de que as penas restritivas de direito são o melhor critério de realização ida prevenção especial positiva.

545 ROXIN. Derecho penal, p. 791 et seq.

546 ROXIN. Derecho p enal,  p. 792.

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dade do D ireito Penal ser visto como moderno. C om esta afirmação quer sedizer que a sua função é entendida como de proteção da liberdade e dasegurança social do indivíduo, bem como das condições de existência da

sociedade. Isso indica que o pressuposto de toda punibilidade não é a infração ética, mas sim um dano social. Por meio desta verificação, autoriza-se

concluir que a função do Direito Penal foi limitada à proteção subsidiáriade bens jurídicos.

Sob a base da concepção político criminal, o Direito Penal tem de se

orientar pelo objetivo da melhor conformação social possível. Sobre esta, não

se pode olvidar que são finalidades do Estado de Direito a proteção da socie

dade e a salvaguarda da liberdade. Isso significa que o Direito Penal tem de

ser estruturado com base no impedimento do crime (prevenção).

Motivado o legislador constituinte primariamente com o princípio da

dignidade da pessoa humana, insere-se seus reflexos também no que tange à

teoria da prevenção especial positiva da pena, sendo esta uma tarefa socialfrente ao delinqüente. Deste modo, conserva-se a possibilidade de reincorpo-

rar o sujeito infrator à sociedade.

Diz a Constituição Federal brasileira no seu preâmbulo, no seu art. Io,

III, no seu art. 3o, incisos I (objetivo fundamental da República Federativa doBrasil é de construir uma sociedade livre, justa e solidária), III (objetivo da

RFB é de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais) e IV (promover o bem de todos, sem preconceitos etc.),

além dos dispositivos inseridos no art. 5o, que o elemento social impede que

uma pessoa condenada seja excluída da sociedade, devendo permanecer à sua

disposição as possibilidades de integração social.

Disso resulta que o Direito Penal tem, além da função preventiva, uma

função social em relação aos delinqüentes, voltada à prevenção socializadoraou ressocializadora (prevenção especial positiva).

 Neste aspecto, por fim, concluindo a conotação política criminal no sis

tema, os direitos da vítima e a sua indenização pelos danos sofridos em razão

do delito praticado, são metas que devem ser incluídas na elaboração da dog

mática jurídico-penal. Em suma, conciliar a prevenção geral e a especial, com

a limitação da pena, e com a satisfação dos direitos da vítima, são as metas de

 política criminal para um Direito Penal democrático, sem contudo afastar-seda precisão e da demonstração lógica advinda da dogmática.

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2 2 0 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

 No que se refere às polêmicas em tomo da possibilidade de agir de outra

maneira e das causas de exclusão da culpabilidade, embora reconhecido que o

sujeito poderia agir de outra maneira, tem-se afastada a sua responsabilidade, podendo-se citar o estado de necessidade exculpante e o exemplo do bombei

ro que, por imperativo legal, deve enfrentar o perigo, mas que se recusa a tal para não ter que sacrificar a sua própria vida, embora inegavelmente ele pu

desse enfrentá-lo, tem-se afastada a sua responsabilidade por razões político-

criminais. Daí explicar Schünemann que o legislador nestes casos não só renuncia

a pena quando a liberdade de decisão do autor está excluída de modo comple

to, senão já quando a liberdade de decisão do autor se reduziu até o ponto em

que as perspectivas preventivas gerais não justificam uma sanção para a salvaguarda do bem jurídico, pois que se mantém incólume a fidelidade ao Direito

 por parte da coletividade que não vê nesta situação maculado o Direito547.

Tem-se aqui adotada a teoria de que as causas excludentes da culpabilida

de só podem ser entendidas sob o fundamento da renúncia da pena por parte doEstado em atendimento à ausência da necessidade de pena em razão de critérios

de prevenção geral e especial positivas, com prevalência da primeira sobre a se

gunda, isso, ao nosso entendimento, e sob esta concepção possibilita-se a conver

são do Direito Penal tradicional e retributivo em Direito Penal preventivo.

Contudo, diferente é a situação em tomo da medida de segurança, posto

que esta persegue fins exclusivamente preventivos especiais e não se compatibi

lizam com a concepção de culpabilidade no que tange ao sujeito inimputável.

Tomando-se agora o fato concreto, e constatando-se p. desnecessidade de uma

intervenção preventiva sobre o autor, por conseqüência, medida de segurança

mostra-se inadmissível nesta situação, podendo-se reforçar a argumentação de

que a exclusão da responsabilidade tanto pode se dar por razões preventivasgerais como pelas razões preventivas especiais, ambas positivas, não havendo de

se deixar de reconhecer a desnecessidade preventiva especial positiva para a me

dida de segurança em face da ausência da prevenção geral positiva548.

547 SCHÜNEMANN, Bernd. La función del principio de culpabilidad en el derecho penal preven

tivo. E l sistema moderno d el derecho penal: cuestiones fundamentales,  p. 159.54 8 No mesmo sentido: Knut Amelung, Contribuición a la crítica del sistema jurídico-penal de 

orientación político-criminal de Roxin. E l sistem a m oderno de l derecho penal: cuestiones fundam entales,  p. 106.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 221

Reformulado o conceito inerente a esta categoria do conceito analítico de

delito, tem-se que a culpabilidade “segue sendo o pressuposto decisivo (ainda

que não o único) da responsabilidade jurídico-penal”549. Deste modo, como bem afirma Roxin, “o fazer depender a punibilidade da culpabilidade do sujeito tem como finalidade por um limite ao poder punitivo do Estado”550.

A afirmação feita acima espelha a idéia de reprovação penal, sem contu

do, destinar-lhe o conteúdo material, sendo esta a nossa missão em atenção às peculiaridades brasileiras.

Também é verdade que a valoração da conexão entre autor e ação como

questão subjetiva pessoal é um problema próprio da teoria da culpabilidade ereflete a necessidade de se levar em consideração todos os aspectos pessoais do

delito, desde a autonomia da decisão até as relações sociais do autor materiali

zadas no fato, tais como defeitos educativos, pobreza, marginalização etc.

Em busca da concepção de culpabilidade monolítica e plural que possi bilite adequar-se ao povo brasileiro e suas particularidadès, o problema aindase agrava em face da impossibilidade de se averiguar se a pessoa estava capaci

tada no momento do ato para decidir entre várias alternativas, até porque jáverificamos que a conduta humana não é possível de constatação empírica.Tampouco reunimos condições de precisar a possibilidade de motivação pelas

normas jurídicas ou de se influenciar pelas penas.

O modelo a ser cunhado ante a grande diversidade brasileira deve levar em

consideração a relação concreta entre a pessoa e a sua ação antijurídica, para somen

te então fixar os critérios de valoração jurídica em que consiste a culpabilidade.

 Nesta base de valoração, deve se ter presente as qualidades biopsíquicas do

sujeito, a se manifestar pela sua maturidade mental e saúde psíquica, sua inserção

na família e na sociedade, suas carências educativas e dificuldades laborais-econô-

micas, a consciência real da antijuridicidade e a verificação de causas que afastem

a formulação do juízo de culpabilidade. Estes são os elementos que devem figu

rar na base da culpabilidade e que possibilitarão a análise individualizada e per

sonalizada do sujeito do delito, posto que não se considera o sujeito abstrato edotado de livre arbítrio, nem tampouco um tipo criminologicamenté prefixado,

mas um ser humano peculiar, que deve ser entendido a partir de razões jurídicas.

549 ROXIN. Derecho penal,  p. 798.

550 ROXIN. Derecho pena l,  p. 798.

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2 2 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Só assim se reunirão condições suficientes de conhecimento das propriedades particulares da realidade, podendo, a partir de então, ser objeto de consideração

científica e de opção à reação penal devida como solução ao conflito.

Podemos reconhecer o conteúdo material da culpabilidade a partir da acessibilidade intelectual do sujeito à norma, isto é, uma norma será compreensívelao sujeito desde que ele tenha acesso intelectual a ela no sentido de que suascapacidades intelectuais sejam suficientes para compreendê-la, ou seja, é necessário precisar se a norma penal incriminadora era compreensível ao sujeito no

momento da prática do fato. Noutras palavras, busca-se estabelecer se a complexidade da norma está ao alcance da pessoa, daí podendo-se concluir que estaacessibilidade normativa é a relação entre a capacidade de compreensão do su

 jeito e a complexidade da norma.

Acerca desta nova concepção, não se trata de reformular o teorema do poder agir de outra maneira por outro correlato e igualmente indemonstrável,

 pois considera-se que esta estrutura baseia-se em fenômeno científico de com provação empírica pela Psicologia e Psiquiatria áo constatar as restrições dacapacidade de autocontrole, podendo-se medir a sua gravidade551.

Igualmente é verdade que, a partir da constatação da acessibilidade normati

va do sujeito, parte-se da presunção jurídica de que este possui capacidade decomportar-se conforme a norma, tomando-se culpável quando não adotar nenhu

ma das alternativas de conduta impeditivas do delito e que lhe eram possíveis em

atenção à sua individualidade. A liberdade que se apresenta ao sujeito para escolher

entre as alternativas que lhe eram possíveis não se confunde ou tampouco é oriunda do livre arbítrio, mas é concebida a partir da presunção normativa de acessibili

dade à norma por parte das pessoas normais, que são aquelas que possuem

autocontrole, assim reconhecidas a partir dos estudos psicológicos e psiquiátricos.Acerca desta “liberdade”, diz Roxin “que a suposição de liberdade é uma

asserção normativa, uma regra social do jogo, cujo valor social é independente

do problema da teoria do conhecimento e das ciências naturais”552.

Trasladada a questão para o ambiente brasileiro, onde as desigualdades

do povo são marcantes, como já ressaltado, os critérios de hiposuficiência de

verão ser considerados a favor do sujeito que nestas condições praticar o delito,

551 ROXIN. Derecho penal, p. 807.

552 ROXIN. Derecho penal,  p. 808.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 2 3

 pois a culpabilidade com a função de limitação da pena impede que se tomemem consideração todas as circunstâncias que o autor não pode conhecer e que,

 portanto, não podem ser utilizadas para lhe reprovar.

 Neste sentido é esclarecedor o exemplo dado por Juarez Tavares ao proferir palestra no I Congresso Internacional de Ciências Penais, em Io de junho de 2000, em Belo H orizonte , ao se referir aos “Sem Teto” que habitam asruas, pontes e viadutos das grandes cidades, e lá vivem, comem, dormem, fazem as suas necessidades fisiológicas e procriam aos olhos da sociedade que

 prefere não enxergar a sua co-responsabilidade naquela mazela social. Enfim,ao menos em tese, este comportamento percorre o tipo penal descrito no art.233 do Código Penal brasileiro —ato obsceno, por conseguinte, como enten

der culpáveis os sujeitos que realizam este tipo de comportamento?Pelas concepções doutrinárias demonstradas ao longo deste trabalho, certa

mente haveria de se reconhecer a culpabilidade destes agentes com a conseqüenteaplicação de pena, mas poderia se indagar se assim agindo em face do hipossufi-cente, estaria a culpabilidade e o Direito Penal cumprindo os seus papéis sociais.

O exemplo citado por Juarez Tavares talvez seja de difícil compreensão paraos autores alemães. De outro lado, acredita-se que tal comportamento não seja

 passível de comoção jurídica e social, daí surge a necessidade de construirmos um

Direito Penal adequado à população brasileira e ao nível de desenvolvimento desta, destinando o Direito Penal ao absolutamente indispensável na seara sodaL

Entende-se, portanto, que o princípio da culpabilidade deve servir de proteção à pessoa contra os abusos punitivos do Estado, cabendo inicialmenteao membro do Ministério Público exercer esta função de proteção do cida

dão, consistente em não iniciar o processo penal, e, se iniciado, a função degarantia destes direitos passa ao juiz.

Tendo sido reconhecida a responsabilidade como elemento do conceitode delito, pode-se entendê-la como sendo a “base da imposição da pena, pois

esta, além das finalidades preventivas, deve indicar na pessoa do sujeito a ne

cessidade e adequação da sanção a ser imposta”553, e vimos que a culpabilidadeainda continua sendo seu pressuposto fundamental, ainda que por si só não

 baste para o reconhecimento da responsabilidade, necessitando a presença da

exigências preventivas de pena.

553 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito pena / brasileiro,  p. 37-38.

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2 2 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

 Nesta construção é parte integrante do pressuposto necessidade preven

tiva de pena, as concepções dadas pelas teorias da prevenção geral e especial

 positivas. A prevenção geral negativa» que é aquela consistente na idéia de quea aplicação da pena intimida o cidadão, motivando-o a não praticar delito., fica

afastada de adoção na estrutura proposta.

 Neste aspecto divergimos da construção roxiniana e, ao longo do traba

lho, já havíamos nos manifestado a respeito, por entender que a intimidação à

sociedade macula as liberdades próprias do regime democrático de direito,

necessariamente ao incutir medo na população, constituindo-se como um fim

da pena absolutamente ilegítimo, assegurando a “tendência ao terror esta

tal”554, razão pela qual perfilamos o sistema penal apenas a partir dás exigências preventivas positivas, geral e especial.

Acerca das necessidades preventivas geral e especial positivas, estas então

fundamentam a pena e terão como limite critérios advindos da política criminal

em consideração às particularidades de cada povo e nação. Destarte, as mazelas

sociais típicas dos países latino-americanos e outros de 3o mundo, serão levadas

em consideração a favor desta população face à vulnerabilidade; portanto, quan

do maior a vulnerabilidade da pessoa, menores serão as necessidades de pena, demaneira que um Estado negligente no trato das questões sociais não se volte

 justamente contra aqueles que experimentam os dissabores da indignidade hu

mana. Este pensamento coaduna-se com o preâmbulo da Constituição brasilei

ra e com os fundamentos do Estado Democrático de Direito admitido no Brasil.

Disto resulta que o Direito Penal tem além d& função preventiva, uma

função social em relação aos delinqüentes, voltada à prevenção socializadora

ou ressocializadora (prevenção especial positiva).

Como bem afirma Roxin, “não se pode afirmar que a ressocializaçãonão seja possível enquanto não for tentado tudo o que pode ser feito no

sentido de uma aprendizagem social bem sucedida e do afastamento de

efeitos dessocializadores”555.

Ainda, “a boa política criminal consiste, portanto, em unificar da melhor

maneira possível a prevenção geral, a prevenção especial centrada na integração

554 ACHENBACH, Hans. Imputación individual, responsabilidad, culpabilidad. E l sistema moder-no del derecho p en al: cuestiones fundamentales,  p. 139.

555 ROXIN, Claus. Sobre a evolução da política criminal na Alemanha após a II guerra mundial, p. 24.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 2 5

social e a limitação da pena decorrente do Estado de Direito”556. Neste sentido,

a idéia de reparação no sistema sancionatório atende as três finalidades centrais

e especificamente restabelece a ordem jurídica e a força impositiva do Direito,comprovada de modo claro para a população, sem se falar que o autor é forçadoa debater-se interiormente com o fato e com as suas conseqüências, inclusive emcolaborar com a vítima por meio de prestações, e, portanto, de atuar ele próprio

de modo ressocializador. A reparação evita os efeitos dessocializadores de outras

sanções, propiciando mais uma vez a ressocialização557.

5.4.2 A ESTRUTURA DA CULPABILIDADE

Afirma Roxin que o sujeito atua culpavelmente quando realiza um in justo penal, em que pese a existência de acessibilidade normativa, ou seja, o

 poder alcançar o efeito de chamada de atenção da norma segundo o seu estado

mental e anímico na situação concreta e possuir a capacidade de autocontrole,de modo que lhe era psiquicamente acessível uma alternativa de conduta (pos

sibilidade de decisão) conforme o Direito558.

A constatação de que o sujeito podia decidir-se por uma conduta orien

tada conforme a norma alcança-se através dos métodos psicológicos ou psiquiátricos (elementos volitivo e intelectual); ou seja, as restrições da capacidade

de autocontrole e sua gravidade são mensuráveis cientificamente.

Para explicar a afirmativa, serve-se Roxin da hipótese de que ultrapassar

o semáforo vermelho é crime. Um observador vê um motorista parado aguar

dando o sinal verde. Após alguns poucos instantes, o motorista avança o sinalvermelho porque precisa pegar um trem. Neste caso, está claro que o motoris

ta entendeu a declaração normativa “você tem que parar no sinal vermelho”, e

ele podia controlar o seu comportamento desde esta dedução. Logo, o sujeito

é acessível à norma. Em sentido contrário, se uma pessoa, por qualquer razão,

não tem condições de interpretar o significado do sinal vermelho, então ela

não é acessível à norma e não age com culpa559.

556 Idem, op. cit., p. 25.55 7 Idêntica compreensão se faz para a pena restritiva de direito na modalidade prestação de

serviço à comunidade.558 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschrift für G .A . M angakis,  p. 240; eDerecho

penal,  p. 792 e 807.559 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschrift für G .A . M angakis,  p. 240.

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2 2 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Esta acessibilidade normativa não se prova a partir do livre arbítrio, mas

sim a partir da idéia de que o sujeito possui capacidade de comportar-se con

forme a norma. Por esta teoria, não se diz que o sujeito poderia agir de outra

maneira, o que não se pode saber, mas sim que havia uma capacidade decontrole intacta, e com ela a acessibilidade normativa.

A liberdade e a sua consciência decorrem de uma convenção social, e exte-rioriza-se pela assertiva de que as pessoas que geralmente podem se orientar

 pelas normas, possuem capacidade de decidir-se a favor ou contra seu cumpri

mento. Para Roxin, a suposição de liberdade é uma “regra social do jogo”560.

Desse modo, afirma-se que a culpabilidade compõe-se de dados em

 pírico e normativo, e põe um limite ao poder punitivo do Estado. Logo, aculpabilidade é uma suposição de garantia da liberdade dirigida contra os

excessos punitivos do Estado. A capacidade geral de autocontrole e a aces

sibilidade normativa que com ela se produz são empiricamente constatá-

Vèis. Já a normatividade, isto é, a possibilidade de conduta, conforme o

Direito é atribuída.

5.4.2.1. A CAPACIDADE DE CULPABILIDADE

Elemento histórico e sempre presente nas formulações da culpabilidadeé o da capacidade do sujeito.

Hodiernamente, po r este elemento compreende-se a idéia de que o indi

víduo adulto é normal, logo será capaz de culpabilidade por reunir condições

 para entender a natureza proibida de sua ação. Presyme-se, assim, ser ele por

tador de desenvolvimento biológico e normalidade psíquica.

Pelo teor da legislação brasileira, art. 27, do Código Penal, mister que o

indivíduo tenha completos 18 anos de idade. Aqui, entende-se que pessoas a partir desta idade compreendam, a partir das regras e máximas de experiência

e conhecimento da vida contemporânea, a natureza criminosa de suas ações, e

que possam se motivar pela prática de atos permitidos, portanto, dado bioló

gico. Também, não se pode olvidar o caráter de política criminal erguido en

torno desta idade, agora reforçado com a declaração da capacidade civil fixada

no art. 5o, caput , do Código Civil.

560 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschrift für C .A . Mangakis,  p. 246.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 2 7

Senão o bastante, ao critério da idade penal deverão somar-se aspectosadvindos da normalidade psíquica. Acerca desta normalidade, expõe Juarez Cirino

dos Santos, que “a Lei penal brasileira pressupõe indivíduo portador de apare

lho psíquico tivre de defeitos funcionais ou constitucionais, capazes de excluirou de reduzir a capacidade de compreender a natureza proibida de suas ações,

ou de orientar o comportamento de acordo com essa compreensão”561.

A exceção à capacidade de culpabilidade se constatará, quando possível,

 pelos métodos biológico e psíquico-normativo, lembrando-se que casos sur

girão em que não será possível diagnosticar, por exemplo, os estados psicológicos defeituosos562.

Por conseguinte, a capacidade penal é excluída para indivíduos que não possuam idade penal fixada pela Lei, como também será excluída ou reduzi

da em pessoas portadoras de transtornos mentais que impliquem na exclusão

ou redução da compreensão sobre o objeto da proibição. Aos sujeitos menores

de 18 anos e que realizarem injusto penal serão aplicáveis os dispositivos da

Lei n° 8.069/89 —Estatuto da Criança e do Adolescente.

Aos sujeitos maiores e declarados como absolutamente incapazes que prati

carem injusto penal, reconhecidos, portanto, como inimputáveis, conforme reda

ção havida no art. 26, caput, do Código Penal brasileiro, medida de segurança seráaplicada, devendo o mesmo ser internado em estabelecimento próprio e adequa

do, ou submetido a tratamento ambulatorial, conforme art. 96, do Código Penal.

Quanto às causas em espécie que acarretarem o reconhecimento do de

senvolvimento mental ou incompleto, estas não serão aqui analisadas por se

referirem, inexoravelmente, à área médica, além de serem, passíveis de cons

tantes aperfeiçoamentos e discussões.

Em continuação, é também possível graduar-se a capacidade de querer ecompreender, ou de agir conforme essa compreensão, determinada pela maior

ou menor dificuldade de dirigibilidade normativa pelo sujeito autor do injus

to563, conforme disposição contida no art. 26, § único do Código Penal. Tra

tam-se, em suma, de perturbações da saúde mental e situações congêneres que

561 A moderna teoria do fato punível,  4a ed., p. 212.562 ROXIN, Claus. Derecho pen al,  p. 823.

563 Santos. Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato puníve l, 4a ed., p. 217.

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2 2 8 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e i t o  P e n a l

não impossibilitam totalmente o sujeito de dirigir-se conforme preceitua a

norma, e assim são declarados pelo corpo de perícia médica.

Diferentemente da situação jurídica atribuída ao inimputável, este dispositivo legal contempla para estes indivíduos autores de injusto penal a redução

obrigatória da pena, dada a manifesta capacidade relativa ou reduzida de culpa bilidade, ex vi  do parágrafo único do art. 26, do CP. Em obediência a esta

 particular anomalia do estado mental tanto poderá o sujeito cumprir a pena

 privativa de liberdade, ou em outras palavras ser submetido à regra processualatribuível ao imputável, p. ex. o cumprimento dos dispositivos colacionados

 pela Lei dos Juizados Especiais Criminais —n° 9.099195, como também pode

rá ser objeto de medida de segurança fixada em sentença judicial.

Sublinha-se que tanto a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do

sujeito, deverá ser auferida no momento em que ele realizar a ação ou omissão,em obediência à regra fixada no art. 4o, e repetida no art. 26, do Código Penal.

Por fim, e propositadamente, deixo de adentrar à análise pormenorizada dosestados anormais e suas correspondências com a inimputabilidade ou semi-impu

tabilidade por se tratarem de temas médicos e ainda em franco desenvolvimento.

5.4.2.1 .1 . A ACTIO LIBERA IN CAUSA

A actio libera in causa (alie) é o instituto penal em que se atribui respon

sabilidade penal ao sujeito, seja a título de dolo ou culpa, que deliberadamen

te (dololculpa) se posicionou em situação de anormalidade mental, ou

anormalidade motivacional, ou de ausência de liberda<|p, no momento da ação

ou da ação delituosa. Ou seja, ainda que no momento da prática da ação ou

omissão delituosa ainda assim o indivíduo será considerado capaz de culpabi

lidade. Não obstante ao indicado até aqui, a estrutura da alie pode ser estruturada em dois tempos: pelo primeiro tempo, o sujeito provoca dolosa ou

imprudentemente uma situação defeituosa, seja a de incapacidade de culpa

 bilidade, seja a de incapacidade de ação. Imediatamente em seguida, portanto,segundo tempo, o sujeito ataca, sob este estado defeituoso, o bem jurídico.

 Não se trata de reconhecer a responsabilidade penal objetiva da pessoa,mas sim de se compreender buscar a fundamentação a partir de regras dog

máticas que legitimem a intervenção do Direito Penal.

A primeira teoria esboçada pela doutrina argumenta que se trata de uma

exceção à capacidade do sujeito —teoria da exceção — ausnahmenmodell , que

deveria ser auferida no momento da atividade (arts. 4o e 26, do Código Penal

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 2 9

 brasileiro) com base na regra no direito consuetudinário. Pune-se, pois, o su

 jeito pela conduta realizada durante a embriaguez, sem se olvidar, paralela

mente, que no curso desta ele ainda não era inimputável.Tal como se mostra a primeira vista, esta teoria é insustentável. Primeiro,

 porque a regra consuetudinária incriminadora não pode se sobrepor ao princípio da legalidade, nullum crimen sine lege.  Ademais, esta concepção teóricadispensa a conexão causai da conduta prévia com o resultado como base da

imputação. E mais, o dolo e a culpa perdem a sua relação com o fato e não poderão fundamentar uma reprovação de culpabilidade pelo fato. Neste as

 pecto, significa o mesmo que punir o sujeito por suas atitudes internas, ou pelo cometimento da ação defeituosa564.

Sob outra concepção é construída a teoria do tipo, Tatbestandsmodell , mo

delo do injusto típico ou de tipicidade. Por ela, consiste-se em aplicar as regras

gerais da imputação delitiva, independentemente na formulação do conceito

analítico do crime, sendo que é por meio da ação precedente (actio praecedens) é  

a que reúne os requisitos. Noutras palavras, “teoria do tipo fundamenta a atri

 buição do resultado típico ao autor no momento de capacidade de culpabilida

de anterior ao fato, como determinação de resultado típico doloso ou imprudente —e não no momento posterior (de incapacidade de culpabilidade) do fato”565.

Ainda assim, esta construção teórica permite a formulação de críticas, em

especial a que considera atos executivos fatos que em realidade não podem supor

um perigo para o bem jurídico. Em verdade, a questão dependerá para a sua

resolução da teoria da tentativa que se adote, pois se se utilizar a teoria subjetiva,

a simples ingestão de substância já seria vista como início da tentativa. Em con

trário, se for manuseada a teoria objetiva, nada poderia ser imputado ao sujeito.Diferentemente, se se adotar a teoria objetivo-subjetiva, pois aqui devem-se

conjugar ambos critérios. Inicialmente, o plano de ação do autor deve ser valorado

externamente e objetivamente, para em seguida considerar a situação e conheci

mento do autor. Isto acarreta a compreensão que o sujeito somente poderá ser

objeto de Direito Penal quando a partir da realização de sua ação (alie)  aproxi

564 ROXIN, Claus. Derecho penal, op. cit, p. 850-851, e SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato pu níve l, p. 220-221. Acerca da ação defeituosa: Ujala Joshi Jubert, La doctrina de la actio /ibera in causa en derecho penal, p. 279.

565 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 220.

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2 3 0 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

mar-se de lesionar o bem jurídico. E mais, não é toda provocação da situação

defeituosa que se convola automaticamente em ação de, tentativa, sendo certo que

além da provocação relevante devem estar igualmente presentes os demais requi

sitos da tentativa566. Adotar-se entendimento que não este significará punir-se osatos preparatórios, e estes, em regra não são puníveis a partir da teoria do delito.

5.4.2.2 A c o n s c i ê n c i a  d o   i n j u s t o

 A priori, por este requisito, o sujeito sabe que o que fez não é juridica

mente permitido567. Porém esta formulação é imprecisa e nitidamente formal,merecendo detalhamento sobre o objeto da consciência da ilicitude.

Sobre o tema, sustenta Roxin que para a consciência da ilicitude não basta a consciência da danosidade social, ou a contrariedade sobre a moral da

 própria conduta, ou a consciência da punibilidade568. Neste aspecto, inclusi

ve, afirma que a consciência da antijuridicidade se vinculará com a consciência

da punibilidade, pois o cidadão comum em regra não consegue distinguir os

ramos do Direito, e entende a proibição na maioria das vezes como proibição

 jurídico-penal569. Para o citado autor, e com apoio do BGH, a consciência daantijuridicidade existe quando o sujeito reconhece como injusto a específica

lesão do bem jurídico protegido pelo tipo respectivo570.Outra importante teoria sobre o tema é a representada por Harro Otto,

citada por Juarez Cirino dos Santos571, e vista aqui como a correta a ser segui

da. Nesta, a punibilidade do fato é o objeto do conhecimento do injusto.

Logo, consciência do injusto significa o conhecimento da punibilidade do

comportamento por meio de uma norma legal positiva. Significa dizer que o

sujeito para ter contra si reconhecido este elemento da culpabilidade ao atuar

deve ter consciência de que infringiu uma proibição penal, ainda que não selhe exija o conhecimento preciso da norma violada572.

Precisa é a constatação feita por Juarez Cirino dos Santos ao reconhecer

que a teoria representada por Claus Róxin em verdade se iguala à sustentada por 

566 JOSHIJUBERT, Ujaia. La doctrína de Ia "actio libera in causa" en derecho penal, p. 377 e ss.567 ROXIN, Claus.Derecho penal,  p. 866.

568 Derecho penal,  p. 866.569 Idem, p. 868.

570 Idem, p. 869.

571 A moderna teoria do fato punível, p. 228.572 Idem, p. 228.

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2 3 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

Decompondo com maior precisão os conceitos, identificam-se causas de

exclusão da culpabilidade e de ausência de necessidade de prevenção ou das

exigências preventivas de punição.Fala-se em causa excludente da culpabilidade em se verificando circuns

tâncias que atestem totalmente a incapacidade de culpabilidade, v.g.  a inim- putabilidade, ou o erro invencível de proibição, pois nestas causas o sujeito é

incapaz de dirigir-se conforme a determinação normativa, ou de conhecer a punibilidade do fato.

5.5.1. A AUSÊNCIA DE IMPUTABILIDADE

Tal como já apreciado anteriormente acerca da imputabilidade, ela é presumida ao sujeito normalmente, e se exclui excepcionalmente. Sobre a

exclusão, os peritos médicos terão que dizer até que ponto o sujeito era aces

sível à norma no momento do fato; ou seja, se a norma jurídica teve a possibi

lidade de surtir efeito no processo de motivação do sujeito. Em suma, a

inimputabilidade depende da falta de capacidade de controle, que, por sua

vez, é conseqüência da falta de capacidade de compreensão.

Da inimputabilidade resulta que a aplicação do Direito Penal é desne

cessária e inadequada quando a suposição de que uma pessoa era motivável pelo Direito resulta infundada pelo seu estado mental ou anímico, ou pelas

circunstâncias da situação. Isto ocorre com as pessoas mentalmente enfermas

ou gravemente perturbadas em sua capacidade de motivação, ou que não reu

niam condições de alcançar ou conhecer as normas. Se elas infringem a lei, não

se defrauda nenhuma expectativa social e a consciência social não se comove.

Para a exculpação, exige-se do sujeito a não provocação culpável, e se

nega a inimputabilidade quando defeitos de caráter ou deslizes morais conduzem ao fato575.

5.5.2. O e r r o

O erro que recai sobre a consciência da ilicitude, é aquele em que osujeito se equivoca sobre a proibição específica do tipo. Ainda sobre ele, como

causa de exclusão da culpabilidade, há de se entender que quem não tem a possibilidade de anuir ao conhecimento da norma, ou o conhecimento sobre a

575 . ROXIN, Claus. Derecho penal,  p. 830.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 3 3

 punibilidade do fato, não é normativamente exigível, e assim não pode ser

considerado culpável576. Já quanto à reprovação, esta surge quando o agente

desatende conscientemente proibições e mandatos jurídicos.Partindo-se da adoção da teoria limitada da culpabilidade, o erro poderá

recair sobre a existência de uma proibição; sobre a existência ou os limites de

uma causa de justificação; de subsunção ou de validez.

Acerca do primeiro, que a propósito é o clássico erro sobre a culpabilidade,

ele estará presente quando o sujeito representa positivamente que não atua de

modo antijurídico, ou quando lhe falta a consciência da antijuridicidade por

nunca ter refletido sobre o fato tido como ilícito. Em suma, o erro de proibiçãocaracteriza-se pela falta de compreensão de que o sujeito fez algo injusto577.

Acerca do erro sobre a existência ou os limites de uma causa de justifica

ção, ocorre na hipótese em que o sujeito imagina uma causa de justificaçãoque em verdade não existe. Ocorre, também, na situação em que o sujeito

ultrapassa o limite havido para uma causa de justificação existente no ordena

mento positivo.

Traduz-se o erro de subsunção como sendo um erro de interpretaçãoque recai sobre um elemento típico. Esta modalidade de erro, conforme o caso

 pode ser inserido também como sendo erro de tipo. No âmbito da culpabili

dade, ele recairá sobre conceitos normativos complexos, e a interpretação con

creta a ser feita indicará a permissão ou proibição de uma conduta.

Por fim, quanto a espécie erro de proibição pelo erro de validez, o sujeitoconhece a norma proibida, e até mesmo em muitos casos a própria lei penal

incriminadora, porém a considera nula, isso em adoção de uma argumentação

teórica, e realiza a conduta antijurídica.

Diferente é a denominada consciência eventual de antijuridicidade, pois

nela o sujeito encontra-se em dúvida acerca da permissão ou proibição de sua

conduta, ou sobre os limites jurídicos da causa de justificação. O entendimento

dominante é o de que o sujeito terá reconhecida a sua culpabilidade, em razão

de que representando que cometeria um injusto ainda assim realiza a sua con

576 O erro sobre a punibilidade do fato pode recair sobre todo o tipo penal; ou em parte deste, na hipótese em que o tipo penal exemplifique lesão a mais de um bem jurídico, ex. roubo; ou  ainda quanto à circunstância qualificadora do respectivo tipo penal.

577 ROXIN, Claus. Derecho penal,  p. 871.

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2 3 4 - C u l p a b il id a d e n o D i r e it o P e n a l

duta, esta posição não se insere nas hipóteses de erro de proibição578. Porém,também é verdade que há entendimento de atenuação ao sujeito, no que se

refere ao Direito Penal especial, à hipótese dele poder consultar úm advogado

ou de poder buscar a resolução de sua dúvida através de outra fonte de pesquisa.

Exceção a esta regra se dará na hipótese em que o sujeito identifica dois

comportamentos puníveis, o qual um deles ele necessariamente deverá reali

zar. Cita-se o exemplo de um policial que não sabe se pode ou deve impedir a

fuga de um criminoso para o estrangeiro mediante o disparo de arma de fogo,

 pois se o atingir poderá ser imputado por lesões corporais, e se não atirar

significaria favorecimento pessoal. Não haverá punição por aplicação do erro

de proibição inevitável579.Pela regra contida no art. 21, do Código Penal brasileiro, o erro de proi

 bição inevitável exclui a culpabilidade, pois se o sujeito não pode alcançar o

conhecimento do injusto, logo ele não será acessível para o mandato normati

vo. Ainda, também assim o será quando o agente possua razões sensatas para

supor o caráter permitido de seu fato.

Destarte, se evitável, a culpabilidade será diminuída. Aqui o que se dis

cute é que o erro evitável acontece freqüentemente durante a comissão dofato, e que para buscar a reprovação do sujeito tem-se que socorrer a uma

 provocação culpável e anterior à realização do fato. Ou seja, se indaga se é um

retorno à culpabilidade de autor ou pela condução de vida.

5.5.3. A COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL E A OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA

Estas causas de exculpação estão elencadas no art. 22, do Código Penal.

Pela coação moral irresistível entende-se como o emprego de força ou ameaça

idônea, atual ou iminente, séria, contra o sujeito, não suprimindo-lhe a vontade,a fim de que este realize um injusto. Destarte, entende-se que o emprego de

força física, vis absoluta, para que o coagido pratique o injusto significa subtrair-

lhe a própria vontade, e portanto faz desaparecer a própria ação ou omissão.

Para reconhecer-se esta causa exdudente mister que a força ou ameaça

utilizada em desfavor do coagido para que este realize o injusto seja irresistí

578 Neste sentido: Claus Roxin, Derecho penal, p. 875. Sobre o tema, refere-se juaírez Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato punível, p. 231, denominando-o de "conhecimento condicionado do injusto".

579 ROXIN. Derecho penal,  p. 875.

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F á bio G u e d e s de P a u l a M a c h a d o - 2 3 5

vel, insuportável, assim declaradas pela conjugação de fatores objetivo e subje

tivo. Pelo primeiro, apura-se o teor da força ou ameaça empregada pelo coator.Em seguida, considera-se a influência desta força no psiquismo do coagido.

Pela obediência hierárquica, instituto advindo das relações de direito público, em especial de Direito Administrativo, quando se refere à relação desubordinação entre agente superior e inferior. O objeto central desta temática

é a ordem, que pode ser expressa através de comunicações oficiais, tais como

instruções, memorandos etc., como também poderá ser verbal.

A ordem, portanto, trata-se de verdadeiro ato administrativo, e a ela de

vem se referir os atributos deste, tais como competência, objeto lícito etc.Impõe-se, em particular, o princípio da hierarquia e sua devida obediência,

desde que presente a legalidade.

Tem-se como causa de exculpação na hipótese em que o subordinado cumpre

ordem dada pelo agente superior hierárquico, e em razão desta obediência realiza

um injusto. Estará o agente inferior hierárquico acobertado quando a ordem nãofor reconhecidamente ilegal, havendo dúvidas que deverão ser idôneas. Nesta

hipótese, há de se imputar apenas ao superior a prática do injusto e sua

culpabilidade. Tradicionalmente, sustenta a doutrina que esta cláusula deexculpação advém da inexigibilidade de conduta diversa580.

Porém, e até mesmo antes disso, não se pode olvidar que quando o infe

rior hierárquico cumpre a ordem não manifestamente ilegal, em verdade, ele

não será culpável por desconhecer a ilicitude constante na ordem, ou por não

ser acessível a ela.

A questão que surge é a de apurar o âmbito dê conhecimento do inferior

quanto à ordem ilegal, e sua adesão, o que necessariamente impõe ao julgador

uma reflexão maior.

Já na hipótese da ordem ser manifestamente ilegal e a ela aderir o inferiorhierárquico, vindo a realizar o injusto, não se admitirá exculpar o fato, reco-

nhecendo-se o dolo perpetrado e a conseqüente reprovação.

5.5.4. O MOTIVO DE co n sc iên c ia

Sem pertencer à tradição jurídico-penal brasileira, o motivo de consciência

como causa de exculpação encontra aceitação e proteção em nosso ordenamento

580 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível,  p. 255.

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2 3 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

 jurídico conforme disciplina contida no art- 5o, VI e VIII, da ConstituiçãoFederal. Relaciona-se o motivo de consciência com a liberdade de crença. Aqui

as decisões da pessoa vinculam-se, necessariamente, à obediência às ordens morais ou religiosas. Ou seja, a norma constitucional assegura à liberdade de crençae de consciência liberdade de formação e manifestação, limitando-a apenas emrespeito a outras garantias fundamentais, tais como a vida, a liberdade, a integridade corporal, a paz interna, o respeito do Estado Democrático de Direito etc.

 No âmbito penal, a questão ganha importância quando o sujeito realizao injusto penal movido por pressão psíquica consistente no dever de obediência de um sentimento interior. Isto é, diz-se que esta causa tem caráter exis

tencial, revelado pelo sentimento interior da pessoa de estar incondicionalmenteobrigada a realizar determinada conduta fiel a sua consciência.

Entre nós, a questão periodicamente surge na mídia envolvendo pessoas

adeptas da religião Testemunhas de Jeová, em razão de que nesta crença não se permite a transfusão de sangue, e nestes casos há a recusa dos genitores em permitir que filho seja submetido a ela.

Para Roxin, “um fàto realizado por motivos de consciência deve resultarnecessariamente impune quando seu castigo atenta contra a liberdade consti

tucionalmente garantida”581.

Em verdade, assiste razão a Roxin a partir da consideração de que o

Estado Democrático de Direito não apenas defende o pluralismo político,ideológico e religioso, como também não deve apenas proteger esta liberdadeno âmbito formal. A demonstração da tutela desta liberdade não permite queseja a mesma valorada, apenas constatada em virtude da neutralidade ideoló

gica assumida pelo Estado Democrático de Direito.

Desde a visão clássica da culpabilidade, o sujeito seria culpável se agissesob o motivo de consciência, isso porque poderia o mesmo agir de outra ma

neira582. Como já ressaltado anteriormente, este critério advém de uma ficção

581 Derecho pen al,  p.943.582 Sobre este tema, ressalta Juarez Cirino dos Santos, com apoio na doutrina alemã, que a isenção

de pena do fato de consciência é controvertida."Por um lado, exclui a tipicidade, se existealternativa neutra de proteção do bem jurídico, ou exclui a antijuridicidade, porque o exercíciode direito fundamental não pode ser antijurídico; por outro lado, não exclui a antijuridicidade, 

porque decisões de consciência contrárias ao direito não podem ser antijurídicas. Na dogmática  contemporânea, atitudes contrárias ao direito —expressão do princípio democrático da maioria - não são autorizadas, mas podem ser exculpadas por situações anormais exdudentes ou redutoras da dirigibilidade normativa". Moderna teoria do fato punível, p. 261-262.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 3 7

e se orienta pelo entendimento dos demais membros da sociedade, aproxi-

mando-se da autodeterminação moral em repúdio às bases de um Direito

Penal democrático. A sua não-admissão anularia a decisão de consciência emfavor de determinada ideologia. Não considerando o agente culpável, salva-

guarda-se a liberdade individual frente aos interesses da coletividade.

5 .5 .5 A DESOBEDIÊNCIA ClVIL

Fruto também das liberdades públicas próprias do Estado Democrático

de Direito, é a possibilidade de pessoas realizarem ações de protesto, tais comoinvasões, ocupações ou bloqueios contrários às regras estabelecidas com o ob

 jetivo de formação de opinião pública em questões de interesse, ou defesa do bem comum. Esta causa decorre do direito fundam ental do ato de manifestação, art. 5o IV, c.c. XVI, da Constituição Federal.

Em regra, estes atos são realizados por minorias que podem realizar oinjusto, mas que não devem ter os seus sujeitos reprovados penalmente, isso

em virtude da desobediência civil servir como causa de exculpação da respon

sabilidade penal583.

 Nestas aparentes novas causas de exculpação da responsabilidade penal, percebe-se um a diminuição da culpabilidade que une-se à falta de necessida

de preventiva de punição. Sobre elas, pode-se dizer que a culpabilidade, além

de estar prevista na Constituição Federal, está solidamente constituída noâmbito dogmático jurídico-penal, e a partir do desenvolvimento da sociedade

e da multiplicação das relações entre os seus componentes, novas situações poderão fundamentar a criação de um a nova causa de exclusão da responsabi

lidade, servindo-se dos postulados estabelecidos pelo princípio da utilidade

ou proveito social preponderante.Soma-se a isso a percepção de que estes injustos são mínimos desde o

âmbito da ofensividade, como também a consciência pública não vê abalada a

motivação sobre a norma com a ocorrência destes fatòs, sem se falar que os

sujeitos da desobediência, em regra, não são criminosos.

Especificando o tema, urge deduzir que estas “novas” causas são de natureza extrapenal e não supralegal, e suas verificações não devem partir do poder

agir de outra maneira, mas sim se a atuação antijurídica, evitável e culpável do

583 ROXIN, Claus. Derecho penal,  p. 953-954.

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2 3 8 - C u l p a b il id a d e n o D i r e i to P e n a l

agente precisa de pena. Sobre esta, será resolvida a partir de considerações

 político-criminais relativas aos fins da pena e estabelecidas em lei.

Afirma Roxin, “que o juiz não está impossibilitado de apreciar hipóteses

de exclusão da responsabilidade quando parâmetros valorativos que devam serextraídos da lei vigente permitam reconhecer com segurança a falta de necessidade preventiva de pena”584.

 Noutro sentido, estas causas são verificadas quando exigências político-

criminais atestam a desnecessidade da pena, pois nestes casos, a pena não re

sulta exigível desde os pontos de vista das prevenções gerais e especiais. Nestas,

 percebe-se uma certa culpabilidade, um mínimo de liberdade de decisão, v.g. 

a desistência voluntária, art. 15, do Código Penal, pois o autor, por impulso próprio e sem ter consumado o seu intento, retoma à situação de normalida-

de-legalidade e, com isso, desde o ponto de vista preventivo-geral e preventivo

especial, não existe exigência alguma suficiente de sanção penal para o resul

tado então pretendido, isso em manifesto emprego de considerações político-

criminais relativas aos fins da pena.

 Não se pode deixar de anunciar que há uma certa contradição afirmar-se

que uma determinada causa exclui a punibilidade, quando em verdade ela

tem o seu fundamento na responsabilidade. Por sua vez, a culpabilidade tradicional não pode alcançar esta questão porque há de se reconhecer que ela

está presente, restando apenas excluir a punibilidade ao argumento de aqui

adotar-se razões de política criminal.

5 . 5 . 6 O CONFLITO DE DEVER ^

Ao discorrer sobre o tema conflito de deveres e sua inexigibilidade, leciona

Juarez Cirino dos Santos tratar-se de casos em que o sujeito escolhe o mal

menor, e, em face desta anormalidade de situação, há de se entender que estaação ocorreu em situação de exculpação supralegal585. Os exemplos de extermí

nio dos doentes mentais graves para salvar a minoria dos doentes mentais, sem o

que todos seriam mortos; ou a da escolha pelo agente ferroviário, que desvia

trem de carga desgovernado para a direção onde há alguns trabalhadores, eis que

se assim não o fizesse ele se chocaria com trem de passageiros, causando maior 

584 Derecho penal,  p. 961.585Moderna teoria do fato pu níve l,  p. 263-264.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 3 9

número de mortes e feridos; ou, por último, do médico que substitui paciente

com menores chances de sobrevivência por paciente com maiores chances de

sobrevivência em máquina de respiração artificial, são situações de conflito de

deveres e que são tratadas como estado de necessidade exculpante586.Contudo, ouso divergir destes ensinamentos. Nas hipóteses que se amol

dam sob esta rubrica não existe a possibilidade de eliminar o perigo, toman-

do-se por referência o exemplo do trem. O que de fato fez o sujeito foi diminuir

a potencialidade do dano já previamente existente. Logo, esta ação é benéfica

 para o bem jurídico. Não se trata aqui de excluir a culpabilidade, mas sim de

negar a causalidade do dano efetivamente havido (morte de trabalhadores) ao

sujeito. E m verdade, o que ele fez foi diminuir o risco e, por conta disso, e em

adoção à teoria da imputação objetiva, há de se negar a causalidade, e, portan

to, o próprio tipo penal objetivo587.

5 .5 .7 O ESTADO DE NECESSIDADE E A LEGÍTIMA DEFESA EXCULPANTES

O estado de necessidade exculpante não se confunde com o justificante.

 Neste, o sujeito comete um fato típico para proteger a si ou outrem, de um

 perigo que não pode ser evitado de outra forma, e que não criou, desde que o

 bem jurídico ofendido seja de mesma importância ou menor do que aquele

 bem protegido. Em suma, há uma ponderação de interesses.

Como representante do finalismo no Brasil, sustentava Francisco de Assis

Toledo sobre o estado de necessidade exculpante, cujo reconhecimento se dá quando

o bem sacrificado for de igual ou maior importância ao bem protegido e circuns

tâncias do fato revelarem um quadro de inexigibilidade de outra conduta588.

Em breve análise do Código Penal brasileiro, é certo que ele adotou apenas

o estado de necessidade justificante, em obediência à teoria unificadora, confor

me se depreende dos arts. 23, II e 24. Contudo, noutro sentido seguiu o CódigoPenal Militar brasileiro, Decreto-Lei n° 1.001/69, pois em adoção da teoria

58 6 Idem, op. cit., p. 263-264. Citando o mesmo exemplo da "eutanásia" de Hitler, ver Hans Welzel, Derecho penal alemán,  p. 256.

58 7 No mesmo sentido, Luís Greco, Um panorama da teoria da imputação objetiva, p. 36. Expressamente revela o autor que "alguns poucos autores, mesmo entre os adeptos da imputação objetiva, recusam de todo a idéia de diminuição do risco, considerando tais hipóteses casos de estado de necessidade". Acerca da diminuição do risco como causa excludente da imputação, ver Roxin, Derecho penal,  p. 365.

588 Princípios básicos de d ireito pena l,  p. 178.

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2 4 0 - C u l p a b i li d a d e n o D i r e it o P e n a l

diferenciadora descreveu o tipo de estado de necessidade justificante no art. 43,

e o exculpante no art. 39. Reza a norma sob a rubrica “Estado de necessidade,

com excludente de culpabilidade”: Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas rela

ções de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao

direito protegido, desde que não lhe era razoàvelmente exigível conduta diversa.

Da simples leitura do tipo exculpante pode-se atestar que o sujeito tem

 presente a culpabilidade, ele tem liberdade de autodeterminação conforme a

norma, porém assim mesmo tem isenção de pena. Diga-se que a concepção

tradicional defende a isenção da pena em razão da redução da capacidade de

conduta conforme a norma, ou seja, em razão da pressão anímica, e também

 pelo fato de, mesmo tendo lesionado um bem jurídico, ainda assim outro foi

 protegido, e não por ausência de necessidade preventiva de punição.

Desdobra-se que, havendo a proteção de um bem jurídico, reduz-se o

injusto realizado, e com isso e imediatamente, a sua culpabilidade. Logo, esta

dupla redução acarretaria a impunidade589.

Discute Roxin se a redução do injusto seria um critério central para a isençãode pena, pois “a quantidade do injusto realizado não depende unicamente do que

o agente preserva, senão da magnitude do plus de bens jurídicos que lesiona”590.

A legítima defesa só justifica aquelas ações necessárias para repelir um

ataque antijurídico atual ou iminente, desde que o ofendido tenha optado£

 pela lesão menos ofensiva ao agressor. Contudo, se ele ao se defender ultrapas

sa os limites da proporcionalidade e de tempo, atua antijuridicamente. E mais,

se presentes os demais requisitos do delito, o sujeito será punível.Acerca da legítima defesa exculpante, opera-se na hipótese em que há o

excesso sobre a causa justificante, devido a alterações no psiquismo do sujeito.

Estas ocorrerão por medo, susto ou perturbação, também chamados de afetos

astênicos, ou fracos591.

Por assim dizer, são também consideradas causas de exculpação da res

 ponsabilidade criminal o estado de necessidade exculpante, a legítima defesa

589 ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 898-899.590 Idem, p. 899.

591 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível,  p. 255-256.

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F á b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 241

 putativa exculpante (art. 20, § I o, do Código Penal brasileiro), e o excesso delegítima defesa por confusão, susto ou medo, contudo se perdoa o autor592.

E mais, na parte especial do Código Penal brasileiro, pode-se tambémafirmar que o § 2°, do art. 348, é uma causa de extinção da responsabilidade

 penal, porque nela há uma situação de conflito interno que dificulta a motivação e a imposição de pena, sendo esta prescindível desde a perspectiva preventiva, pois não há a demonstração de uma atitude hostil ao Direito.

E certo que estes estados implicam na redução dos controles psicológicosque toda pessoa normal possui, e por natureza não são controláveis conscien

temente. Diferentemente, os afetos estênicos ou fortes, que são estados deatividade, de força física, tal como o ódio ou a ira, que considerados isoladamente não exculpam, porém se concomitantes com os afetos astênicos, e com

 preponderância deste, em razão destes se dará a exculpação.

Leciona a doutrina que o excesso de legítima defesa pode ser classificado

de acordo com os âmbitos objetivo e subjetivo. No aspecto objetivo, o excesso poderá ser intensivo ou extensivo. Já no aspecto subjetivo, poderá ser inconsciente ou consciente.

O âmbito objetivo intensivo caracteriza-se pela exteriorização do excesso, notadamente pela desproporcionalidade, p. ex. na utilização do meio necessário à defesa, seja ele inconsciente ou consciente, desde que produzidos

 pela interferência dos afetos astênicos.

Pelo excesso extensivo, o mesmo é determinado, v.g. pela não coincidênciatemporal entre a repulsa (defesa) e aquela que seria a injusta agressão. Ocorre que situação como esta não revela a presença de causa justificante precedente,

notadamente pela não verificação da presença de seus requisitos, ex v i do art. 25,do Código Penal brasileiro, e isso, por si só, impede a constatação de possívelexcesso. Ou seja, se o fato praticado for manifestamente oposto aos requisitos dalegítima defesa, exdui-se não apenas a inddênda da causa de exculpação, comotambém o próprio antecedente analítico, qual seja a causa justificante593.

Quanto ao aspecto subjetivo do excesso de legítima defesa, tal como já

apontado adm a, sustenta a doutrina majoritária que ele será inconsdente (culpa)

592 ROXIN, Claus. Causas de justificacion, causas de inculpabilidad y otras causas de exclusion de la pena. CPC, n2 46, 1992, p. 191.

593 No mesmo sentido, Juarez Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato puníve l,  p. 256-257, e Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de derecho penal, p. 527-528.

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2 4 2 - C u l p a b ili d ad e n o D i re i to P e n a l

ou consciente (dolo), destacando-se a dificuldade de distinguir uma hipótese da

outra em casos de necessidade de ação rápida, e condicionada sob o medo, sus

tou ou perturbação. Nestes casos ocorrerá a exculpação pela redução da capaci

dade de compreensão e controle594. Frisa-se que a culpabilidade está presente,

ainda que diminuída, e ainda assim sequer atingiu-se a necessidade mínima de

impor-se pena. Em sentido semelhante ao lançado aqui, sustentam Jescheck e

Weigend, que no excesso de legítima defesa por perturbação, medo ou pânico,

“o desvalor do resultado diminuiu sobre a base do valor que supõe o bem jurí

dico protegido pelo autor, o desvalor da ação está amplamente compensado pela

situação defensiva e a vontade de salvação, e a culpabilidade se mostra desta

forma sob uma luz distinta de modo que a turbação, o temor ou o pânicodificultaram essencialmente a formação de uma vontade adequada à norma”595.

Destarte, se reconhece a incidência da causa de exculpação apenas para o

excesso inconsciente, pois se o defensor ultrapassa conscientemente a medida

da defesa necessária ou seus limites temporais, então ele será responsável por

um fato doloso596.

Percebe-se da análise atenta sobre estas causas, que elas não pertencem a

uma situação prévia, ao contrário, aproximam-se da pena, em razão de que elasocorrem após a constatação de que a culpabilidade do agente está presente.

Pode-se assim dizer que, somente um comportamento culpável

(Schuldhãftes Verhalten) é merecedor de pena (strafwürdiges Verhalten)

se exigências político-criminais de punição assim o demonstrarem.

 Nota-se que este posicionamento é diverso da doiitrina finalista que ba

seia-se exclusivamente no critério ausência de culpabilidade para fundamen

tar a sua exclusão.

Já quanto ao excesso de legítima defesa, assevera que embora o direito

legislado brasileiro não o contemple por perturbação, medo ou susto (excesso

intensivo), tal como fez o StGB, a matéria comporta idêntica orientação. So

 bre estas causas, afirma “não se poder falar em exclusão da ilicitude, por estar

ausente a moderação exigida. Não obstante, não se pode igualmente censurar

o agente pelo excesso, por não lhe ser humanamente exigível que, em frações

594 SANTOS, op. cit., p. 257.595 Tratado de derecho penai p. 528-529.

596 JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal,  p. 528.

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F á bio G u e d es de P a u l \ M a c h a d o - 2 4 3

de segundo, domine poderosas reações psíquicas - sabidamente incontomá-veis —para, de súbito, agir, diante do perigo, como um ser irreal, sem sangue

nas veias e desprovido de emoções”597.

Em conclusão quanto ao estado de necessidade e legítima defesa exculpan-tes, ocorre que o conceito tradicional traz junto a si algumas impropriedades ao

negar a culpabilidade, em especial quando tuna culpabilidade diminuída possa ser

afirmada (v.g. no caso de enfermidade mental), em se considerando que o autor

em determinada situação seja ainda normativamente suscetível de exigências e

tenha a possibilidade de eleger uma entre várias alternativas de comportamento.

De qualquer modo, para verificar-se a presença de uma causa de exclu

são da responsabilidade criminal, necessita que o sujeito esteja motivado nela,

sem o que o fato por ele praticado será punível.Segue que o que chamamos normalmente de exclusão de culpabilidade

é baseada na inexistência ou na diminuição de culpa, em parte também nas

considerações especiais e gerais sobre as possibilidades de uma desistência de

 punição. Isso significa que para o reconhecimento da responsabilidade, tem-

se que juntar a culpa do autor e a necessidade de punição preventiva.

Esta concepção traz reflexos importantes para o fundamento dogmático do

Direito Penal, mas também para o alcance prático das possibilidades de isenção de

 pena: sob o pensamento aqui exposto, a pena somente se justifica em havendo a

constatação de culpabilidade e de necessidade de prevenção. Isso significa, para o

cálculo da pena, que a culpabilidade é sua, e aquela não pode ultrapassar o grau da

culpa. Mas também uma pena, preventiva, tem que ser sempre indispensável.

Portanto a pena pode ficar abaixo do grau da culpabilidade, se por necessidades

 preventivas, não se precisa usar todo o seu grau ou se ela não é indicada.

E ainda, permite-se explicar, com sucesso, as causas excludentes da responsa

 bilidade subjetiva, a partir da constatação de que aspectos preventivos as envolve.5.6 A CULPAB ILIDADE INTEGRA O C ON CE ITO DE DEL ITO?

Ainda sobre a culpabilidade e a fixação da pena, uma pequena parte da

doutrina e da jurisprudência referem-se à primeira como pressuposto da pena,

não integrando, portanto, o conceito analítico de delito.

597 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de d ireito pena l,  p. 330.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 245

Quanto à antijuridicidade, o art. 23, do Código Penal, expõe o rol das

causas excludentes da ilicitude, e afirma: “Não há crime quando o fa to é cometido 

em legítima defesa  etc. Conclui-se, assim, que a antijuridicidade integrado conceito analítico de delito. '

Por sua vez, o Código Penal ao disciplinar as causas excludentes da cul

 pabilidade nos arts. 26, caput   (inimputabilidade por doença mental) e 28, §

Io (embriaguez acidental), não afirma que “não há crime”. Ao contrário, diz

que “não há pena”: “E isento de pena quem(...)”.  deduzindo-se então que a

expressão “é isento de pena” significa “não é culpado”, como se a lei estabele

cesse: “Não éculpado quem comete o crime(...)”.Por derradeiro, e citando o elemento da culpabilidade exigibilidade de

conduta diversa, este é um puro juízo de valor de que não recai sobre o fato,

mas sim sobre o sujeito, que podia agir de modo diverso ou conforme o Direi

to e não agiu, e ela é de elaboração do julgador. Portanto, não pertence à teoria

do delito. Neste raciocínio teórico, há crime quando o sujeito pratica o fato

acobertado por causa excludente da culpabilidade. Esta construção, muito

 pessoal e típica dos citados autores brasileiros, não está isenta de críticas599.

E certo que a estruturação do delito parte do princípio da legalidade, ini

cialmente para estabelecer que o fato indesejado está previsto em lei, tipicidade.

Em segundo lugar, que também seja este fato antijurídico, isto é, contrário ao

Direito, e lesivo ao bem jurídico protegido. Até aqui, então, defrontamo-nos

com o Direito Penal do ato. E a declaração do ato como delitivo.

Conclui-se, até aqui, que o delito é um ente abstrato. Necessário agora,

atribuir o fato à pessoa, e tem a culpabilidade desde uma vertente clássica, a

função de conjugar o fato típico e antijurídico ao seu autor. E mais, concebero delito sem a culpabilidade toma impossível atribuir a pena ao sujeito.

Formalmente, a impropriedade do raciocínio reside em que a tipicidade

e a antijuridicidade também são pressupostos da pena, obviamente anteriores

599 É importante frisar que Hans Welze l, ideal izador do finalismo, sustentava a culpabilidade como elemento integrante do delito, Derecho pen al alem án, p. 197. Disso decorre que alguns brasileiros, aparentemente, adeptos do pensamento finalistas, e que posicionam a culpabilidade fora do conceito de delito, em verdade rompem com a metodologia welzeniana. Entre nós, sustenta Juarez Tavares que a culpabidade é atribuição pessoal de responsabilidade, confi- gurando-se como etapa final da análise da conduta, buscando-se evitar intervenções coercitivas irracionais. D ireito pena / da negligência,  p. 376.

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2 4 6 - C u l p a b i li d a d e n o D i re i to P e n a l

à própria culpabilidade. Com amparo em Guilherme de Souza Nucci, “pressu

 posto é fato ou circunstância considerado antecedente necessário de outro, mas

não, obrigatoriamente, elemento integrante. Considerar a culpabilidade como

 pressuposto da pena é retirar o seu caráter de fundamento da pena, pois fundamento é base, razão sobre a qual se ergue uma concepção”600. Com isso, conclui-

se que, se presente a culpabilidade, fomece-se a razão da aplicação da pena.

Senão o bastante e independente da teoria utilizada para fundamentar o

núcleo da culpabilidade, esta é um critério de atribuição, um filtro que se permite atribuir um fato típico e antijurídico a seu autor, e assim nos permite

 passar à conseqüência jurídica - a pena. Independentemente deste juízo, como

 bem anota David Teixeira de Azevedo a partir da concepção normativa da cul pabilidade, esta não recai apenas sobre o agente, mas inclusive e necessariamente

sobre a ação601. Ou ainda, na lição de Antonio Luís Chaves Camargo, em se

considerando que a culpabilidade tem um conteúdo material, “o ordenamento jurídico está obrigado a comportar-se diante de um autor, considerando-o pes

soa que ocupa uma posição no seu interior”602.

Também contrário ao argumento de se posicionar a culpabilidade fora

da teoria do delito, Juarez Tavares assevera que tal prática “representa uma

visão puramente pragmática do Direito Penal, subordinando-o de modo exclusivo à medida penal e não aos pressupostos de sua legitimidade”603. Afirma

ainda este autor que a culpabilidade a ser vista como juízo de atribuição pes

soal de responsabilidade funciona como condição ou etapa final da análise daconduta com vistas a coibir as intervenções coercitivas irracionais. Ou seja, a

 base de configuração desse juízo deve ser a conduta injusta. A reflexão, então,

recai sobre os elementos configuradores da norma penal, e esta no Estado

Democrático de Direito delimita o âmbito da atuação estatal604. Na mesma seqüência crítica, agora no que se refere à mensuração da pena, na

grande maioria dos casos, o juiz ao invés de refletir os parâmetros que lhe são

transmitidos socialmente, manuseia seus valores pessoais para quantificá-la, até

600 Ind ividua lização da pena,  p. 52.

601 A culpabilidade e o conceito tri-partido de crime. RBCC, ns 2, p. 49.602 Im putação objetiva e d ireito penal brasileiro,  p. 115.

603 Teorias do d elito,  p. 109, nota 13. No mesmo sentido: David Teixeira Azevedo, Aculpabilidade e o conceito tri-partido de crime, RBCC, nfi 2, p. 49-50, e José Cirilo deVargas, Institui-ções de d ireito pena l - parte geral, t. 1, p. 157-159 e 343.

604 D ireito pena I dá negligência,  p. 376.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 4 7

mesmo ante a ausência de parâmetros objetivos quanto às exigências preventivas de

 pena, acarretando grandes desigualdades de pena para fatos similares. Melhor seria

se a lei apontasse critérios a partir da base da relevância social do fato para a comu

nidade jurídica, sem se olvidar que a culpabilidade como limite da pena impedeque se tomem em consideração as circunstâncias que o autor não pode conhecer, e

 por conseguinte não se pode reprovar. Desse modo, se expressaria que a conduta do

autor não correspondeu às expectativas de conduta traçada pela comunidade.

A partir das críticas deduzidas, é correto afirmar que o princípio da

culpabilidade como manifestação do fundamento democrático da dignidade

humana é posto em plano inferior de importância ao que realmente possui. O

mesmo há de se falar quanto à teoria do delito.

5 . 7 C u l p a b i l i d a d e e p en a  m í n im a

Tomando-se por base os tipos penais inseridos na parte especial do Có

digo Penal e nas leis extravagantes, tem-se a previsão de pena mínima e máxi

ma. Diante desta previsão, parte da doutrina tradicional entende que esta

fixação se refere à culpabilidade, logo, o juiz, ao elaborar a sentença penal

condenatória, fica restrito a estes limites. Outra posição existente e que logo

abaixo apreciarei é a que considera estes limites advindos da proporcionalida

de frente à lesão ou perigo de lesão do bem jurídico protegido por lei.

A par disso, muitos são os julgados que se referem ao juízo de “pequena”

culpabilidade para fundamentar a aplicação de pena mínima. Outros apontam

 para a desnecessidade de fundamentação da sentença condenatória quando for

reconhecida a culpabilidade mínima, isso em contrariedade ao ordenamento

constitucional que a determina expressamente, ex v i do art. 93, IX

 Nesta visão tradicional, entende-se que a pena tem de corresponder à

medida da culpabilidadé, traçando-se dois marcos, superior e inferior de penaadequada à culpabilidade. Neste espaço, o juiz tem o poder de determinar a

 pena atendendo a critérios preventivos certo de que os limites máximos e

mínimos não poderão ser ultrapassados605. A partir desta possibilidade de

movimentação do juiz ao fixar a pena, é que esta teoria foi denominada de

teoria do espaço de jogo.

605 SCHÜNEMANN, Bernd. La función del principio de culpabilidad en el derecho penal preventivo. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales,  p. 173-175.

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E mais, corolário deste entendimento é o de que em havendo uma cir

cunstância atenuante a favor do réu e a culpabilidade declarada pelo juiz ser a

mínima, entertda^se, pena mínima, ainda assim a pena concreta não poderáser aplicada abaixo do mínimo legal, o que significa dizer que a circunstância

atenuante é desprezada para fins de cômputo de pena. Neste sentido, mani-

festou-se o Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula 231, in verbis:

“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução 

da pena abaixo do mínimo legal.”606

Há de se ressaltar que esta tese, a propósito, muito aplicada atualmente,

 parte da concepção do Direito Penal da retribuição, pressupondo que a pena é aresposta lógica à culpabilidade. Daí falar-se em pena adequada à culpabilidade.

Desde logo, afirma-se que esta teoria, bem como a Súmula 231, do Superior

Tribunal de Justiça, não se ajustam ao Estado Democrático de Direito, notada

mente no que tange ao garantismo penal, e ao moderno Direito Penal preventivo.

Quanto ao garantismo penal, é evidente que ao não se considerar uma

circunstância atenuante em favor do réu quando efetivamente ocorrida, tem-se a desobediência no limite de intervenção estatal na aplicação da resposta

 penal, sem se falar na quebra do princípio da igualdade. E mais, se se partir da

consideração de que uma pena que sirva unicamente à função preventiva,

 banido, portanto, o castigo e o retributivismo, só pode ser determinada unica

mente pelo seu conteúdo preventivo. Logo, negar a declaração e reconheci

mento de uma circunstância atenuante significa negar,jpara os neokantistas e

finalistas, a culpabilidade reduzida, e portanto a pena mais justa”, e por der

radeiro expõe a tão propalada crise do Direito Penal.

Em verdade, o marco penal abstrato estabelecido pelo legislador nos ti pos penais da parte especial e extravagante, nada tem a ver com o juízo de

culpabilidade. Relaciona-se, preliminarmente, com o bem jurídico protegido,

sua gravidade e alcance, dependendo da magnitude da ameaça à ordem social

e não na confiança da fidelidade ao Direito, e nos efeitos da pena sobre a vida

futura do autor na sociedade.

Aqui, negar o reconhecimento de uma circunstância atenuante pelo sim

 ples fato de a pena ter sido fixada no mínimo legal significa negar a própria

2 4 8 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

606 Ainda, JSTJ 14/289, RSTJ 131/149 e RT 769/524.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 4 9

garantia de intervenção mínima atribuída ao Direito Penal, sem se falar nanegativa de aplicação de lei federal.

Por conseguinte, para a escorreita aplicação do Direito Penal preventivo,mister que não houvesse a imposição legal de pena mínima, aliás, tal como

ocorre com o Código Penal francês de 1994. Entretanto, valendo-se do pre

sente, isto é, da fixação legal de pena mínima e máxima, e levando-se em

consideração os postulados do Estado Democrático de Direito, em especial a

 possibilidade de dispensar a desiguais tratamento desigual, proveniente do

 princípio da igualdade, tem-se que o patamar máximo de pena não pode ser

ultrapassado servindo de limite à intervenção estatal na vida em sociedade.O limite mínimo, porém, deve ser entendido apenas como referência às

exigências preventivas de pena, possibilitando-se ao juiz reduzir a pena além

do mínimo legal quando circunstâncias pessoais do sujeito apontem para a

imprestabilidade e irracionalidade do marco mínimo, antagônicos com os fins

do Estado atual. Ainda, considerar-se irredutível o patamar mínimo, consti-

tui-se como severa limitação à desenvoltura judicial, e, conseqüentemente, à

realização de julgamentos mais justos, levando-se em consideração o necessá

rio equilíbrio com a prevenção geral e especial.

Senão o bastante, para justificar a aplicação de pena aquém do mínimo

legal, leciona Claus Roxin, partindo do ordenamento jurídico alemão, que

neste aspecto encontra paradigma no ordenamento positivo brasileiro, e refi-

ro-me às hipóteses fáticas que se amoldam no permissivo do art. 74 da Lei n°

9.099195, que uma grande porcentagem de delitos cometidos culpavelmentesão simplesmente arquivados. Portanto, inexiste argumento racional no senti

do de que a aplicação da pena não possa desvincular-se da medida da culpabilidade “para baixo”, quando expressamente assim o determinar as necessidades

 preventivo-especiais, desde que acordes com as exigências preventivo-gerais607.

5 . 8 C u l p a b i l i d a d e e o Ju i z a d o   E s p e c i a l  C r im in a l

Sob o pretexto de reformular o sistema jurídico brasileiro proporcionan

do a possibilidade de conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis

de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, median

607 Acerca de la consolidación político-criminal del sistema de derecho penal. Dogm ática pena l y p o lítica crim inal,  p. 34.

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2 5 0 - C u l p a b il id a d e n o D i r e it o P e n a l

te a adoção de procedimento oral e sumaríssimo, instituiu entre nós a Constituição Federal de 1988, no art. 98,1, o Juizado Especial Criminal, ao enten

dimento de que a sociedade atual é pluralista, aberta e tolerante, reconhecendo

internamente a necessidade de se alcançar métodos que possibilitem decisõesrápidas e eficazes, particularmente no que tange aos interesses da vítima, corroborado por valores de política criminal.

A proposta constitucional inovou o sistema penal e processual penal,

instaurando entre nós o sistema de desburocratização e resolução dos peque

nos delitos pelo “consenso”, mostrando-se a priori como um poderoso instrumento processual contra o moroso e complicado modelo tradicional de Justiça

Criminal, fundado no princípio da busca da verdade material, ainda que não passe em realidade da simples satisfação da verdade processual.

A favor do novo modelo traçado pela Lei n° 9.099/95, afirma-se que

não existem recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, que suportem os gastos do modelo clássico de judiciário.

 Neste sistema, a possibilidade de transação penal (composição dos danos) entre vítima e agressor nas infrações de menor potencial ofensivo (art. 72

a 74), proposta de pena restritiva de direito (art. 76) e suspensão do processonos crimes com pena cominada igual ou inferior a um ano (art. 89), são as suasgrandes inovações, representando, à luz do pensamento adepto à inovaçãolegislativa a via despenalizadora, reclamada há tempos pela moderna Crimi-

nologia, em vista da comprovação da ineficácia da pena de prisão em recuperar

os infratores penais, acrescendo-se também os benefícios de solução rápida do

conflito e satisfação por parte das vítimas do delito dos prejuízos por ela experimentados, em razão de que se permite a reparação dos danos em prazo inferior àqueles verificados antes da vigência da Lei n° 9.099/95.

Os defensores da inovação sustentam ã.verificação da ressodalização do infrator com a utilização do novo modelo, pois além de o infrator se ver frente a frente

com a vítima, sente com rapidez as conseqüências do seu ato. Acrescenta-se ainda

aos argumentos favoráveis ao novo modelo processual, o descongestionamento dosescaninhos dos juízos e Tribunais criminais, em se considerando que o Poder Judi

ciário, o Ministério Público e as Secretárias de Segurança Pública não conseguem

se aparelhar suficientemente para fazer frente ao aumento da criminalidade, causando alarmante congestionamento na prestação da atividade jurisdidonaL

São princípios da Lei dos Juizados Criminais a desburocratização, a ce

leridade, a economia processual, o fim das prescrições, a solução rápida dos

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F á b i o  G u e d e s  d e  P a u l a  M a c h a d o  - 2 5 1

litígios, a melhor imagem da Justiça, a reparação em favor das vítimas e aressocialização alternativa.

Acerca do impacto verificado no sistema penal e processual penal, como

 bem acentuam Ada Pellegrini Grinover et alii, em sua aparente simplicidade,a Lei n° 9.099/95 significa uma verdadeira revolução no sistema processual-

 penal brasileiro ao estabelecer a aplicação imediata de pena não-privativa de

liberdade antes mesmo do oferecimento da acusação, rompendo com o siste

ma tradicional do nulla poena sine judicio, possibilitando a aplicação da penasem antes discutir a culpabilidade608.

Fundamentando a inovação, sustentam os defensores desta lei que a acei

tação da proposta do Ministério Público de aplicação de pena restritiva de

direitos sem a aferição da culpabilidade, não significa reconhecimento da cul pabilidade penal. Tampouco havendo inconstitucionalidade do dispositivo

legal, ao argumento de que “é a própria Constituição Federal que possibilita atransação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, deixan

do o legislador federal livre para impor-lhe parâmetros”609.

Sem pretender abordar os aspectos dogmáticos da Lei dos Juizados Es

 peciais Criminais por fugir ao núcleo estabelecido, analisaremos apenas algumas questões, em especial as relacionadas com a culpabilidade.

Dispõe o art. 76 da Lei n° 9.099/95 que, havendo representação ou

tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de

arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de

 pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.

Esta redação ensejou a realização de severas críticas por parte da doutrina,

reconhecendo-a como inconstitucional, ao arrepio dos princípios do devido processo legal, da presunção de inocência, aò realizar-se um juízo antecipado de culpabi

lidade com lesão ao princípio nulla poena sinejudicio, informador do processo penal610.Em adoção ao posicionamento esboçado por Miguel Reale Júnior, vale

ressaltar que “o direito à não consideração prévia de culpabilidade, incisiva

608 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO , Antonio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antonio e GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais crim inais,  p. 14.

609 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO , Antonio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antonio e GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais crim ina is,  p. 14.

610 REALE JÚNIOR, Miguel et a lii. Pena sem processo. Juizados especiais crim inais —interpretação e crítica, p. 27.

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a submissão à instrução ou à sentença criminal. Fica de fora intencionalmenteo “risco da absolvição”. Mais grave: a hipótese relevante da absolvição fica

dissolvida no risco do processo, como se o vetor deste não se dirigisse tambémao órgão acusador, mas exclusivamente à defesa”612.

Pela crítica deduzida, nota-se que apenas uma das partes cede, que é a

 justam ente mais frágil, a do imputado, em se considerando que no sistema

 jurídico penal-processual brasileiro, dada a falência do sistema prisional, a

aplicação de penas restritivas em substituição à pena privativa de liberdade já

é uma máxima de operacionalização, por conseguinte, correta a afirmação que

faz David Teixeira de Azevedo, ao expor que a acusação obtém todos os frutosdo seu trabalho, qual seja, a pena criminal613.

Ainda que entendamos a busca da celeridade por meio do rito processu

al abreviado, a descarceirização etc., como metas do microssistema instituído

 pela Lei n° 9.099/95, resta afirmarmos que o conteúdo material da culpabi

lidade, tal como adotado neste trabalho e de acordo com os fundamentos do

Estado Democrático de Direito, não foi ainda objeto de análise.

 No primeiro plano, reconhecendo na culpabilidade a função de limiteda intervenção penal nas relações sociais e, paralelamente, na necessidade de

 pena o seu critério de dosimetria, ambos os conceitos integrantes da definição

reitora de responsabilidade, têm-se que a imposição de pena restritiva de di

reitos ao suposto infrator da norma sem o reconhecimento explícito de sua

necessidade ou, com a antecipação de sua necessidade sem nenhuma análise

empírica a partir da pessoa, impõe-se sob esta óptica como agressão aos direi

tos civis do cidadão, em razão da inexistência de argumentos válidos de polí

tica criminal ao caso concreto.

E mais, não se pode afirmar que este sistema está divorciado completa

mente da figura da culpabilidade e das exigências preventivas de pena, pois ao

aplicar e fixar a pena de multa ou restritiva de direitos, o juiz deverá se valer de

algum critério e este só poderá ser dado a partir dos elementos que integram o

conceito de responsabilidade (culpabilidade e exigências preventivas de pena).

Conseqüentemente, resta ao juiz a obrigação de fundamentar a decisão, e

F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 5 3

612 A culpa penal e a lei 9.099/95. RBCCRIM  n° 16, p. 131.613 A culpa penal e a lei 9.099/95. RBCCRIM  ne 16, p. 131.

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2 5 4 - C u l p a b il id a d e n o D i r e it o P e n a l

como se observa neste sistema tal obrigação é desnecessária, ferindo a norma

contida no art. 93, IX, da Constituição Federal614.

 No sistema penal brasileiro, a aplicação da pena restritiva de direito, seja

 pela substituição da pena privativa de liberdade, seja pela aceitação da proposta ministerial, está divorciada de sua real aferição pelo magistrado, em eviden

te automatismo pragmático. Não encontra nos fins da pena qualquer razão

 plausível, ou seja, a precocidade da intervenção não atende aos fins desejados

da pena no Estado Democrático de Direito, traçados pelas teorias da preven

ção geral e especial positivas, para em seu lugar atender a fins retributivos

incertos e inseguros. Já no âmbito da política criminal, tem sido utilizada

apenas como alternativa à descarceirização e seus efeitos, o que não deixa deser importante, porém sem qualquer conteúdo dogmático.

Ainda que a conclusão seja no sentido de repúdio à transação penal tal

como posta na lei infraconstitucional, alargamos a controvérsia para reconhe

cermos que a pena ou se se preferir o resultado da transação, tal como conce

 bida na Lei n° 9.099/9 5, não se relaciona com as modernas teorias da

culpabilidade, o que nos faz crer que a clássica estrutura da culpabilidade

como fundamento da pena de natureza retributiva, permaneça entre nós, ainda que tenhamos em vigência uma Constituição democrática e que tem na

dignidade da pessoa humana seu maior fundamento.

Argumentos em prol da celeridade, da economia processual e do estabele

cimento da Justiça consensual, não podem se desenvolver e encontrar respeito

na sociedade, na doutrina e na jurisprudência, a partir dé  instante em que lesam princípios pétreos estabelecidos na Carta da República. Há ainda o argumento

de que impossibilitar-se a transação, ainda que manifestada a aquiescência do

agente em realizá-la, estar-se-ia impondo um processo autoritário.

Em repúdio a esta colocação, tem-se que a possibilidade legal de realiza

ção da transação penal não implica que o indivíduo assuma uma prestação de

serviço à comunidade ou pagamento de multa sem processo formal, por mais

que o próprio queira desistir das garantias processuais, aliás, estas fazem parte

do Estado de D ireito e são indissociáveis da pessoa humana.

614 No mesmo sentido, David Teixeira de Azevedo, A culpa penal e a Lei ns 9.099195. RBCCRIM  na 16, p. 136.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 5 5

Para não macular a diretriz constitucional promulgada, bastar-se-ia con

siderar a transação como possibilidade de acordo civil entre as partes interessadas, distante da imposição de qualquer penalidade, ainda que de natureza

restritiva de direitos. E mais, quanto a transação, esta poderia se dar após prolação de sentença condenatória no processo abreviado e concentrado de

competência do Juizado Especial, constatando-se a presença do delito, a desnecessidade da aplicação de pena e o cumprimento das garantias processuais.

Tomando-se como exemplo o tipo penal lesão corporal de natureza leve, art.129, caput , do Código Penal, a princípio de competência originária do Juizado

Especial Criminal, nos termos do art. 61, da Lei n° 9.099195, tem-se como possível eximir o autor da responsabilidade criminal do fãto, se se compreender que a

 punição não é conseqüência lógica da constatação da culpabilidade do mesmo, isto porque o funcionalismo racional-teleológico esculpido sob as bases da política cri

minal, conforme anteriormente já avençado, reconhece a culpabilidade e as necessidades preventivas de pena como elementos do conceito responsabilidade. Com

isso, tem-se que a necessidade de pena só surge com a indispensabilidade preventi

va da sanção, ainda que se atribua ao fato praticado uma pena restritiva de direitos.

Quanto ao exemplo citado, se a pertubação da ordem social perpetrada pelo

cometimento do fato típico descrito pode ser resolvida por meio da compensação

civil, ainda que esta não logre êxito em sua concretização, carece legitimação àintervenção com base na necessidade de pena, e melhor sorte não restará ao fato

culposo que nos termos da Lei n° 9.099199 se ajustar, sendo adequada a mesmaresposta, contudo sob outra fundamentação, a se considerar que mesmo a pessoa

mais cuidadosa não tem condições de evitar todos os resultados advindos de seu

comportamento, pois comportar-se com extrema exatidão em todos os momentosda vida está além da natureza humana, e como dito, para a pessoa que assim se

compreender, evidente a ausência da necessidade de impor-se pena615.

615 No Boi. IBCCRIM na 75 - encarte especial sobre a Lei ne 9.714198, p. VI, sustentei a crítica de que a pena sob a óptica da pós-modernidade deveria ter finalidade ressocializadora, ao passo que na modernidade se cultuava o caráter retributivo. Ocorre que a pós-modernidade serve-se da simulação do real, e a se considerar que dadas as dificuldades notórias v.g. do cumprimento da Lei de execução penal, tal como a ausência de estabelecimentos próprios ao cumprimento da pena etc., simula-se uma suposta ressocialização, não sendo a causa em nada afetada. Portanto, se Direito Penal mínimo é princípio por todos reconhecido, é chegada a hora de purificar-se o Direito Penal com a descriminalização de certas condutas que só servem ao propósito de 

obtenção de uma situação iníqua e opositora ao reconhecimento do Direito Penal como ultim a ratio, ao invés de serem adotados subterfúgios, inclusive a favor do próprio réu, contribuindo na  declaração de que na pós-modernidade a pena tem caráter retributivo oculto.

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2 5 6 - C u l p a b i li d a d e n o D i r e it o P e n a l

Por tais considerações é que se entende que a proposta ministerial

apontada no art. 76, da Lei n° 9.099/95, não possui qualquer fundamen

to inerente aos fins da pena (à necessidade de pena ao autor), e por conseqüência, se mostra a posição legal ajustada às antigas posições da

culpabilidade que uma vez reconhecida, implicava na imediata punibilidade do agente. Reconhecer-se a punibilidade sem qualquer base utilita-

rista, significa não só aderir à teoria retributiva pura, mas negar que a pena

só está legitimada quando ela se mostre necessária à obtenção da tarefa de

 prevenção que assiste ao Direito Penal.

Como afirmado, o sistema vigente possui críticas não-sujeitas à supera

ção. Em substituição, apenas ad argumentandum, melhor seria a institucionalização entre nós de juízos rápidos, concedendo-se ao imputado um processo

sem dilações indevidas, a fim de ser concluído num prazo razoável, levando-se

em consideração a complexidade do objeto litigioso, margens de duração do

 processo, conduta processual das partes, além de prever conseqüências devidas

a partir da demora processual.

A proposta de estabelecer os juízos rápidos motivados nos direitos do acu

sado, responde à concepção do processo como um âmbito institucional de dis puta entre o Estado, que trata de garantir a vigência e eficácia das normas penais,

e o acusado que resulta amparado pela obediência irrestrita às garantias consti

tucionais, tomando-se imune às ingerências abusivas do poder público.

Os juízos rápidos harmonizam-se com as finalidades de prevenção geral

 positiva do Direito Penal, sem contudo macular o sistfema constitucional esta

 belecido a partir de garantias constitucionais. Uma resposta jurisdicional rá

 pida reforça a confiança do cidadão na vigência da norma penal, hoje tão

abalada pela morosidade da persecução criminal e pela sensação social de im punidade que tal percepção gera.

Em suma, a Justiça penal deve primar pela rapidez, eficácia e qualidade,

isto é, uma Justiça que garanta os direitos dos cidadãos e imponha um proces

so contra o sujeito em um prazo razoável, para tanto concentrando as diligên

cias, comprimindo toda a investigação num lapso de tempo de poucas horas,

em especial nos casos de flagrância delitiva, com julgamento instantâneo para

determinadas figuras penais, com a simplificação da forma, em manifesto em

 prego da oralidade.

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F áb io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 5 7

5.9 A p l i c a b i l i d a d e d a  n o v a  d o u t r in a

Ao longo de todo o trabalho foram abordadas concepções doutrinárias em

tomo da culpabilidade até alcançarmos e desenvolvermos os postulados traçados

 pela Constituição Federal, que indicam ser o método funcional teleológico-

racional de base político-criminal o critério apto a satisfazer as exigências constitucionais primárias de Direito Penal de um Estado Democrático de Direito.

Sob a base da concepção político-criminal, o Direito Penal tem de se

orientar pelo objetivo da melhor conformação social possível. Acerca da conformação social possível, não se pode olvidar que são finalidades do Estado

Democrático de Direito, a proteção da sociedade e a salvaguarda da liberdade.Isso significa que o Direito Penal tem de ser estruturado com base no impe

dimento do crime. A partir desta concepção, são os critérios ditados pela pre

venção que melhor atendem aos fins democráticos. A propósito, esta regra se

ajusta aos arts. Io e 3o, da Constituição Federal.

 Não obstante a construção doutrinária realizada delinear a face da nova

teoria entre nós, necessário se faz que a mesma ganhe contornos claros no que

diz respeito a sua aplicabilidade. Para tanto, é forçoso afirmar-se que suaefetivação exorbita os limites da dogmática jurídico-penal para também inci

dir, inicialmente, no ensino jurídico e na praxis forense, a partir da configura

ção de um processo penal funcionalista.

5.9.1 O ENSINO JURÍDICO

Quanto ao ensino jurídico, este é pautado na tecnização e na preparação

dos alunos para a prática forense, em desprestígio de uma formação doutriná

ria ampla e calcada na evolução da dignidade humana. Não se pode olvidarque há também o distanciamento do Direito com as demais ciências616. Par

ticularmente quanto ao Direito Penal, isto acarreta a formação de técnicos

despreparados para os questionamentos científicos, v.g. livre arbítrio, exigibi

lidade de conduta diversa etc., conseqüentemente, profissionais e estudiosos

despidos de posicionamento crítico, que se cercam dos argumentos de autori

616 CAMARGO , Antonio Luís Chaves. Direitos humanos e direito penal. Estudos crim inais em homenagem a Evandro Lins e Silva, p. 77. No mesmo sentido, manifesta-se o autor na obra Sistem as de penas, dogmática juríd ico pen al e po lítica crim inal,  p. 159, ao afirmar que "os cursos de Direito se mantêm fiéis às aulas magistrais, expositivas dos institutos penais, sem preocupação com a evolução das Escolas Penais, enquanto decorrentes das idéias filosóficas que predominam em determinada época".

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2 5 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

dade dados pela jurisprudência casuística e de interesses, sem se falar ainda na

“extrema praticidade dos métodos massificando o aluno e que tem o condão

de inviabilizar a formação de juristas”617.

Como bem exalta Antonio Luís Chaves Camargo, o Direito Penal brasileiro “sofre a influência do positivismo-jurídico de inspiração neokantiana,com repentes tímidos ao finalismo welzeniano”618. Com isso quer o autor

afirmar a existência entre nós de uma lógica formal manifestada por meio de

um raciocínio de subsunção do fato, carreado pela gravidade da sanção, e esteselementos se apresentam como sendo os instrumentos qualificados de com

 bate à crescente criminalidade.

5.9.2 P r o b le m a s de p o l ít ic a c r im i n a l

Superadas as acepções acadêmicas clássicas que se verificam como pró prias de um sistema fechado, e que dificultam a modernização do estudo da

dogmática jurídico-penal, a gênese da moderna teoria da função da culpabili

dade deve ser buscada nas estruturas próprias do Estado Democrático de D i

reito, sem contudo descuidar das contribuições dadas pela política criminal.

Para tanto, apresentadas algumas constatações metodológicas hodiemas,

urge afirmar que a mudança de sentido para a aceitação dos postulados dogmáticos delineados neste trabalho surge a partir da releitura do texto constitucional, afastando-se desde logo o instituto da pena de sua natureza retributiva,

 para em seu lugar aceita-la como instrumento de prevenção do delito, ao enten

dimento que a Constituição Federal brasileira não recepciona a partir dos seus

 postulados e princípios a natureza retributiva da pena, uíilizando-se em substi

tuição a construção teórica acerca das prevenções geral e especial positivas.

Interiorizado o Direito Penal advindo do respeito à dignidade humana, portanto, de acepção preventiva, conseqüentemente, a teoria do delito a ser

construída estará vinculada a este princípio reitor, e será legítima a intervir nasrelações sociais, visto que ao seu lado estarão presentes os pilares do Estado

Democrático de Direito e a demonstrabilidade dogmática de seus elementos.

Disso decorre em face do tema abordado, a confecção de uma articulação

demonstrativa da aplicabilidade desta nova teoria, sem se olvidar que para o

-617 CAMARGO , Antonio Luís Chaves. Contradições da modernidade e direito penal. RBÇCR,  n° 16, p. 115.

618 Direitos humanos e direito penal, Estudos crim ina is em homenagem a Evandro Lins e S ilva, p. 76.

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F á b io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 5 9

sucesso de qualquer construção dogmática, mister que se proceda à estrita obe

diência metodológica, zelando-se pela coerência sistemática e sua ordenação

como critério formal de legitimação do Direito Penal619, desde que interioriza

dos os fundamentos filosóficos e os princípios de Direito Penal de um EstadoDemocrático de Direito, e considerados os aspectos de política criminaL

a. A aceitação de que a culpabilidade compõe ao lado das necessidades

 preventivas de pena o conceito reitor da responsabilidade, sendo este, a propó

sito, o segundo elemento do conceito bipartido de delito, depende inicial

mente do brusco rompimento acadêmico com as doutrinas anteriores, ou seja,

com o causalismo e com o finalismo, em razão de que estes métodos deposita

vam no pensamento retribucionista a formulação da culpabilidade.

 Nestes métodos, como largamente visto, a pena deve corresponder à cul

 pabilidade (limite), mas deve igualmente ser o seu fundamento e funcionarcomo critério de medição. Por suposto, a pena não pode ultrapassá-la ou mesmo ficar aquém.

Diz-se, pois, que esta concepção não é recebida pela Constituição Federal

em face do antagonismo manuseado quanto ao princípio da dignidade humana

e suas conseqüências, tampouco podendo aceitar-se que a pena retributiva da

culpabilidade seja o melhor instrumento para a repressão da criminalidade.Partindo da idéia de que a culpabilidade por si só não é suficiente para

embasar a pena, exigindo para a concretização desta a confirmação das neces

sidades preventivas geral e especial positivas de pena, tem-se que, ausente um

destes elementos, impõe-se o não-reconhecimento da responsabilidade e con

seqüentemente, a aplicação da pena resta frustrada.

Ainda no campo da pena, reitera-se aqui a argumentação lançada anterior

mente e que fundamenta a dissociação de culpabilidade e pena, importando

reconhecer-se a necessidade preventiva de pena aquém do seu mínimo legal previsto para determinado tipo penal.

 b. Isto quer dizer que, se se constatar que a aplicação da pena não trará

conseqüências que repercutam positivamente na vida futura do autor em sociedade, mostrando-se ausente o critério necessidade de pena, impõe-se afir

mar que, em sendo desnecessária a pena, esta não deve ser aplicada. A assertiva

619 Neste sentido: Fábio Guedes de Paula Machado, A teoria da imputação objetiva e a fidelidade ao método. Boletim do Instituto de C iên cias Penais, ns 9, p. 4.

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2 6 0 - C u l p a b i li d a d e n o D i r e it o P e n a l

refere-se à política criminal, e para tanto deve ser levado em consideração todo

o contexto social e penal de um Estado.

O Brasil experimenta atualmente um crescente aumento da criminalidade, advindo da soma de vários fatores, tais como a deficiência intelectual, ou

estruturas de caráter psicopático que impedem a integração do agente com asociedade, ou provém por meio das relações familiares instáveis, traduzidas

 pela ausência de segurança emocional e que transformam crianças em homens

criminosos, isto sem se falar na miséria econômica e nas mazelas sociais.

Ademais, a pena privativa de liberdade é um meio particularmente pro

 blemático na luta contra a criminalidade, em especial frente ao pequeno delinqüente, e aqui a política criminal deve ser levada em consideração: primeiro

 porque para educar-se alguém a uma vida responsável, é necessário que se lhe

ofereçam condições de vida melhor do que aquelas já experimentadas pelo

delinqüente; segundo, porque com a prisão o delinqüente perde o seu vínculo

social e familiar permanecendo à margem da sociedade quando em liberdade,

tornando-se ainda mais perigoso do que antes de cumprir a pena; em terceiro, porque no cárcere o autor tende a associar-se àqueles que comandam a crimi

nalidade, possibilitando posteriores operações conjuntas; e em quarto, porquea larga soma de recursos financeiros postos à disposição do sistema prisional,além de ser sempre insuficiente, mostra-se também ineficaz à obtenção do

objetivo que fundamentou a despesa620, qual seja, a ressocialização, conforme

atesta o art. Io, da Lei de execução penal brasileira.

Reconhecido que a pena privativa de liberdade causará um mal ainda maior

à sociedade, há de se possibilitar que o juiz deixe de impor pena ao agente ainda

que presente a sua culpabilidade, desde que ausente o juízo de necessidade.

 Nesta esteira, o art. 47 do Código Penal alemão (StGB), reconhece a excepdo-nalidade das penas breves de privação de liberdade, ou seja, pela lei alemã, a pena

 privativa de liberdade inferior a 6 meses só é imposta sob caráter excepdonal.

A implantação desta construção teórica obriga, necessariamente, a reali

zação de uma reforma da legislação processual brasileira, de maneira a flexibi

lizar-se, v.g.j o princípio da necessidade da ação penal pública por parte do

Ministério Público, tal como ocorre com a legislação processual alemã (StPO)

nos arts. 153 e 154, de maneira a transparecer no processo penal a racionali

620 ROXIN, Claus. Problemas atuais da política criminal. RlACP, nB 4, p. 11-13

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F á bio G u e d e s de P a u l a M a c h a d o - 261

dade teleológica do método funcional baseado na política criminal, podendo-se prescindir da persecução criminal em se verificando litígios de mínima

intensidade, atrelado à culpabilidade ou necessidade de pena de pouca consideração e desde que inexistente o interesse público.

 Neste sentido, contribui com a assertiva a falência do sistema penitenciário brasileiro, inserindo-se aqui a comprovada inexeqüibilidade da Lei de execução penal pelo fato da permanente incúria do Estado em incrementá-la integralmente, o que necessariamente obriga ao juiz, observadas as circunstâncias doautor e do injusto, deixar de reconhecer o elemento do delito responsabilidade,

 por ausência de necessidades preventivas de pena.

Pelo exposto, fica estabelecido que o Direito Penal não pode ser compreen

dido unicamente a partir de suas regras. E necessário que o aplicador da Leitenha a sensibilidade de fazer cumprir o conteúdo constitucional atual e que

 privilegia o cidadão, pois “a humanização do Direito Penal é atingida quandoseus instrumentos cumprem seu objetivo, ajudando a garantir a proteção forma

lizada dos interesses fundamentais”621.

5.1 0 A REDUÇ ÃO DA IDADE PENALEm continuação, as estatísticas criminais mostram que é também cres

cente o número de menores inimputáveis que aderem à vida criminal.

Esta triste constatação reacendeu na sociedade e no Congresso Nacional odebate sobre a redução da idade penal, propondo-se a redução da capacidade

 penal para os 16 anos de idade. Sob o argumento apoiado nas regras de experiên

cia, de que estas pessoas são detentoras de capacidade de culpabilidade, por terem

consciência do caráter ilícito do fato e possibilidade de determinar-se de acordocom esta consciência (poder agir de outra maneira), os autores deste discurso

 pleiteiam a redução da idade penal. Noutros termos, parte dos adolescentes sa bem que determinados fatos não são permitidos, e eles estão em situação de poder

se motivar por essas proibições, desse modo, a culpabilidade estaria afirmada.

Quanto à opinião pública, pesquisas são periodicamente refeitas, e elas apontam a vontade popular de incriminar os jovens com idade entre 16 e 18 anòs.

E certo que a força simbólica do Direito Penal e a demagogia estatal

empregada no que diz respeito ao discurso de segurança pública, nutrem

621 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito pena! brasileiro,  p. 34.

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2 6 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

o debate, servindo de argumento suplementar a necessidade de prevenção

mais eficaz.

Destarte, não se descobriu uma nova culpabilidade para os atuais inim-

 putáveis que ensejasse a mudança legal. Sobre o tema, como muito bem ex plana Roxin, “será tarefa da Criminologia mostrar quais instrumentos de

educação e de controle social podem ser aqui aplicados, sendo certo que o

Direito Penal não é o meio idôneo para disciplinar e socializar crianças”622.

Enfocando a problemática a partir da teoria esboçada, e privilegiando as

diretrizes sobrevindas do estudo das necessidades de pena, resta afirmarmos

sobre o tema que inexiste necessidade de prevenção geral negativa, porque,

como se sabe das pesquisas acerca das cifras negras, grande parte dos crimessão cometidos por pessoas com idades de 14 a 16 anos, independentemente

de o limite de maioridade ser mais ou menos elevado, mostrando-se que elas

são menos suscetíveis à intimidação. Isso demonstra que os adolescentes são

menos acessíveis à norma no momento do fato.

Com relação à necessidade de prevenção geral positiva, a sua verificação é

igualmente duvidosa em face de se saber de antemão que a maior parte dos

comportamentos contrários à lei praticados por adolescentes fica impune, aindaque tenhamos entre nós uma legislação destinada a estes jovens que é o Estatuto

da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069/90. Também, a partir da regra de

experiência brasileira, não se acredita nas medidas sócio-educativas e na capaci

dade de correção dos estabelecimentos. Tampouco a sociedade deixa de confiar

na norma quando esta é violada (consciência jurídica Coletiva), podendo-se até

dizer que a consciência social está acostumada a considerar parte das infrações

cometidas por adolescentes como “brincadeiras”, constituindo-se algumas vezes

na imaturidade do indivíduo, de modo que não se desestabiliza a confiança doscidadãos na vigência dos valores tutelados pela norma penal.

 Não obstante ao que foi dito até aqui, não se pode afirmar que postu

lados inerentes à prevenção especial negativa consolidem a redução da capa

cidade penal, pois é também de conhecimento público a ocorrência dos

desastrosos efeitos que a intervenção penal provoca sobre a personalidade

dos adolescentes, reunindo condições mais do que suficientes de traumati-

622 Acerca de la consolidación político-criminal del sistema de derecho penal. Dogmática pena! y p o lítica crim ina l,  p. 36.

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F á bio G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 6 3

zá-los, estigmatizando-os, e possibilitando o aliciamento destes por partede agentes criminosos.

Por fim, há de se frisar que tais constatações empíricas e racionais só se

tom am possíveis desde as contribuições advindas do sistema funcional políti-co-criminal, pois este permite a absorção de conhecimentos e experimenta

ções de outras ciências, daí relacionar-se com a Criminologia no que diz respeito

ao tema redução da idade penal.

5 . 1 1 C u l p a b i l i d a d e  e r e s p o n s a b i l i d a d e  p e n a l

DA PESSOA JURÍD ICA

Quando se estabeleceu no art. 225, § 3o, da Constituição Federal que

condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitariam osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, in

dependentemente da obrigação de reparar os danos causados, timidamente a

doutrina penal brasileira se debruçou sobre o problema. Naquele momento,

ora reconhecendo a inovação, ora efetuando interpretação no sentido de que

apenas as sanções administrativas seriam destinadas às pessoas jurídicas, man-

tendo-se apenas a responsabilidade penal às pessoas físicas.

Com a promulgação da Lei n° 9.605/98, que trata dos crimes ambientais,houve definitivamente a consolidação no ordenamento jurídico brasileiro da

responsabilidade penal da pessoa jurídica a título formal623, restando agora ne

cessário estabelecer-se o método dogmático-penal aplicável a esta inovação624.

A partir de então, instaurou-se, definitivamente, a polêmica em tomo da

responsabilidade penal da pessoa jurídica entre nós, e a partir de uma consta

tação empírica, observa-se no âmbito doutrinário, é majoritário o entendi

mento contrário a esta inovação. Alicerça tal opinio na concepção das estruturas

dogmáticas advindas em grande parte do positivismo neoclássico ou neokan-tiano e finalista, e conseqüentemente revitaliza o princípio Societas delinquere 

non potest. Sobre isso, argumentando-se em favor da incapacidade de ação, de

623 Neste sentido: Édis Miiaré, Direito do ambiente, p. 450-453, e Paulo Affonso Leme Machado, D ireito am bienta! brasileiro, p. 660-666. Ainda, vale consultar o voto do Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4 Região, José Luis Germano da Silva, lançado no julgamento do 

Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-01PR, e que fundamentou o acórdão.624 Adotando idêntica posição: STJ, Recurso Especial nQ564.960 - SC (2003/0107368-4), Relator: 

Ministro Gilson Dipp.

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2 6 4 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

consciência e vontade delitiva, de incapacidade de culpabilidade e de incapa

cidade de pena por parte da pessoa moral. Há ainda discussões sobre a possi

 bilidade de a sanção a ser atribuída à pessoa jurídica ser considerada pena.Entre outras concepções há a posição que reconhece na pessoa física a

única capaz de ser destinatária da norma, pois é ela que poderá ser a autora da

infração e sujeita à sanção625.

Portanto, ainda que pioneiramente a C onstituição Federal tenha apon

tado para a responsabilidade penal da pessoa jurídica no que se refere à

tutela ambiental, tem-se que, quando falamos em responsabilidade penal

da pessoa jurídica, estamos nos referindo aos delitos socioeconômicos come

tidos no âmbito das atividades de uma empresa; ou seja, são delitos cometi

dos pela empresa, ou através de si, ou em seu interesse, e se lesionam bens

 jurídicos e interesses externos. Acredita-se que, como corolário da contem-

 poraneidade, não só no Brasil mas noutros países de tradição dogm ática

 jurídico-penal germânica, a possibilidade de criminalização da pessoa ju rí

dica se estenderá para todos os delitos econômicos, como forma de se evi

denciar a tutela destes bens jurídicos difusos.

5 . 1 1 . 1 F u n d a m e n t o s   p o l í t i c o -c r im i n a i s   d a   r e s po n s a b il i z a ç ã o

PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Antes de prosseguir na análise dogmática acerca da responsabilidade

 penal da pessoa jurídica, tem-se que determ inar os fundamentos que jus

tificam a sua própria existência. Sobre esta, como^bem assevera Sérgio

Salomão Shecaira, remontam os argumentos a partir do século XIX por

meio das teorias de Savigny e Gierke626.

Savigny foi o idealizador da teoria da ficção, tendo como idéia central ade que apenas o homem é capaz de ser sujeito de direitos, razão pela qual a

 personalidade jurídica é fictícia, ou seja, é um ente criado através da possibili

dade legal com o intuito de exercer direitos patrimoniais. Desdobra-se ainda

a ficção por se conceber a vontade de seus representantes como sua627.

625 GRACIA MARTÍN, Luis. La responsabilidad penal del directivo, órgano y  representante de la empresa en el derecho espanol. Hacía un Derecho Pena! Econôm ico Europeo, p. 88-89; e La cuestión de la responsabilidad de las propias personas jurídicas. RPCP, nQ4, p. 496.

626 Responsabilidade pena! da pessoa ju ríd ica , p. 84.627 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade pena! da pessoa ju rídica , p. 86.

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F áb io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 6 5

Oposta a esta concepção é aquela defendida por Gierke, nominada de

teoria da realidade objetiva, ou orgânica ou da vontade real, conceituando que

 pessoa não é somente o homem, mas todos os entes dotados de existência real.A partir desta concepção, reconhece-se a possibilidade de responsabilização

da pessoa jurídica por ser a mesma capaz de vontade628.

Estabelecidas as primárias concepções acerca da pessoa jurídica, cabe-

nos fazer algumas considerações de âmbito geral sobre a contemporaneidade e

a importância da pessoa jurídica no contexto atual.

E importante ressaltar que, com o desenvolvimento das relações sociais e

a aceleração dos processos advindos da época pós-industrial, surgem fatoresque caracterizam a nossa sociedade como sendo de risco. Este risco pode ser

considerado desde o início do processo de produção industrial de produtos, a

 partir da exposição do trabalhador, sua vida e sua saúde no desempenho de

atividades perigosas.

Com o produto final acabado e sua conseqüente comercialização em

diversos níveis, tem-se o desdobramento de processos causais que acarretam

dificuldades na identificação de responsabilidades por produtos defeituosos,sem se falar nos resíduos advindos desta produção industrial capazes de gerar

grandes riscos ao ser humano, ao meio-ambiente, aos patrimônios histórico e

urbanístico, através da emissão de dejetos líquidos, sólidos e gasosos.

E correto afirmar-se que a empresa por si só constitui-se como uma das

 principais fontes de risco para os bens jurídicos fundamentais do homem,

como a vida, a saúde e o meio-ambiente. Esta afirmação parte da concepção

de que estas empresas são aquelas que exploram atividades lícitas desde obje

tivos e fins lícitos, visto que à margem do risco admitido pela sociedade pós-

industrial, deparamo-nos com atividades ilícitas realizadas por empresas ilícitas

e, em muitos casos, tais atividades são desenvolvidas até mesmo por empresas

lícitas. Ainda mais se se considerar que suas ações, normalmente encontram-

se disponíveis nos mercados de valores.

Acerca das atividades ilícitas realizadas por empresas lícitas ou não, de-

 paramo-nos com a Máfia, com a criminalidade organizada através de redes de

tráfico de armas, de crianças, de prostituição, de drogas, de lavagem de dinhei

628 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade pena! da pessoa ju ríd ica , p .  87.

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2 6 6 - C u l p a b i li d a d e n o D i r e it o P e n a l

ro, até alcançarmos comportamentos que lesam o meio-ambiente, v.g. com otransporte e estocagem de resíduos tóxicos e radioativos, devastação de flores

tas (Amazônia), emissão de dejetos poluentes etc629. Tais fatos surgem da

compatibilização de interesses financeiros e políticos das sociedades modernas, e, tomando-se como parâmetro as investigações feitas pelo Max-Planck- 

 In stitut fu r auslãndisches und International Strafrecht, em  Freiburg itn Breisgau,

Alemanha, constatou-se que 80% dos delitos cometidos naquele país eram

cometidos no interior das empresas630.

Sobre o apontado acima, e as experiências havidas confirmam, tomou-secomum as associações criminais imiscuirem-se em empresas ou grupos econô

micos sanos, por meio da injeção de capital “negro”, isto é, dinheiro advindode fònte ilícita, tornando difícil o desmembramento entre as duas.

Diante desta premissa, a discussão em torno da pessoa jurídica e sua crimi-

nalização ganhou grande destaque e conscientização acerca da sua relevância,

em especial através dos desastres ecológicos verificados pelo planeta, e pela cons

tatação nociva ao ser humano de seus efeitos, corroborado pela irresponsabilida

de de nosso modelo social e econômico em utilizar os recursos da natureza,

gerando com isto situações de perigo aos interesses sociais e individuais.

Conferências como as de Estocolmo, na Suécia, e Rio de Janeiro, no

Brasil, entre outras, reconheceram o meio ambiente como bem jurídico e asse

guraram à relevância e aplicação do Direito Ambiental, ainda que degrada

ções ambientais de toda espécie continuem avançando de maneira alarmante,

apontando para a ineficácia desta nova modalidade de^Direito em solucionar

a crise que se instaurou em tom o do conceito de desenvolvimento sustentável.

A partir disso, em obediência às considerações dadas pelos princípios da

fragmentariedade e subsidiariedade, investe-se o Direito Penal com a possibi

lidade de reacionar frente à lesão ao bem jurídico. Isto é, frente ao dano cau

sado por uma conduta a um interesse juridicamente protegido. A conseqüência

deste juízo é a possibilidade de criminalização da pessoa jurídica, que igual

mente se apresenta como solução aparente, mostrando-se pressionados os le

629 MACHADO , Eábio Guedes de Paula. Prescrição penal prescrição funciona lista,  p. 63.

630 ACHENBACH, Hans. Sanciones con las que se puede castigar a las empresas y a las personas que actuán en su nombre en el derecho alemán. Fundamentos de un sistem a europeo del derecho p enal,  p. 357.

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F á b io G u e d e s de P a u l a M a c h a d o - 2 6 7

gisladores pela opinião pública ou por certos grupos a criminalizá-la, e, assim,

acalmar a opinião pública. Inegável, portanto, a utilização das normas penais

como instrumento hábil a criar a conscientização coletiva sobre determinado

 problema em obediência ,às novas exigências sociais, reconhecendo-se o efeitosimbólico da norma penal para toda a coletividade.

 Na margem deste discurso e nesta compreensão, acredita-se que o Direi

to Penal deva intervir apenas quando manifesta a necessidade de pena para a

solução do conflito, isto é, como última ou extrema ratio.

Sob o plano político de intervenção do Direito Penal, é indispensável

reconhecer-se que o sistema penal não está constituído única e exclusivamen

te por normas estáticas. Ao contrário, se perfaz por meio de um sistema dinâ

mico de funções que compreende, em especial, os mecanismos de criação,aplicação e execução das normas631.

Argumentos favoráveis à responsabilização da pessoa jurídica são dados

também pelos estudos da Criminologia, levando-se em consideração a reali

dade em que vivemos, ao reconhecer que a pessoa jurídica é um ente real e

independente dos indivíduos que a compõem, possuindo vontade própria,

com capacidade de agir e de praticar ilícitos penais632.

Reconhece-se que, no âmbito empresarial, são gerados estímulos, aindaque inconscientes a todos os seus membros, a fim de alcançar os objetivos e

metas empresariais, reduzindo-se sobremaneira o efeito preventivo geral da

 pena sobre um membro diretor, até mesmo porque normalmente é o mesmo

fungível. Caso contrário, tom a-se impossível rastrear a responsabilidade ind i

vidual na complexa organização das sociedades industriais, ainda mais se a

mesma tiver caráter transnacional.

Senão o bastante haver inúmeras dificuldades para se rastrear a responsa

 bilidade individual nestes casos, há a favor dos autores destes delitos os fatoresde caráter social (prestigio dos autores e conivência entre a classe política e

agentes econômicos, o efeito não-estigmatizante, o despreparo das autorida

631 Pela criação das normas incriminadoras, há expressa consideração sobre o 'proibido', podendo se verificar no próprio Código Penal ou através de leis extravagantes. No que se refere à  aplicação, toma-se necessário que a dogmática se reestrute para atender a novação legislativa,  cabendo normalmente às estruturas internas do Poder judiciário ou do Poder Executivo,  propiciar condições para a efetiva execução das normas.

632 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito pena! brasileiro,  p. 157-161.

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2 6 8 - C u l p a b i li d a d e n o D i r e i to P e n a l

des policiais, dos membros do Ministério Público e do Poder Judiciário para proceder a este tipo de investigação, instrução e julgamento criminal)633. De

caráter formal (condutas realizadas por meio de órgãos coletivos dotados de personalidade própria, em que há uma cadeia de mandos e desmandos que

impedem a aplicação do Direito Penal idealizado apenas para condutas indi

viduais), há ainda a favor deste tipo de criminalidade fatores advindos do

 poder econômico, manifestado por meio de melhores defesas ou, em especial,

 pela possibilidade de exercício de pressões sobre os denunciantes.

Portanto, diante da comprovação do conjunto de circunstâncias que condi

cionam a efetividade das normas penais face à criminalidade aqui denominada de

difusa, é o Direito Penal clássico injusto e desigual, mostrando-se hábil apenas à persecução de condutas normalmente realizadas pelas classes mais desfavorecidas.

Em face do quadro atual e afora a tomada de consciência política, em

especial pelos problemas afetos ao meio-ambiente, mister que também os

 problemas econômicos e sociais tenham tratamento comum no que tange à

 pessoa jurídica, isto em face da constatação da preponderante incidência das

atividades ilícitas perpetradas por empresas.

De maneira a mostrar-se atualizada e capaz de enfrentar os problemasadvindos da sociedade contemporânea, deve a doutrina realizar uma revisão so

 bre os seus tradicionais e restritivos princípios que excluem a hipótese de crimi-

nalização da pessoa jurídica, ainda mais se se considerar que noutros ramos do

Direito são as pessoas jurídicas titulares de direitos, e a partir do Direito Penal

Econômico há uma expressa conexão com os demais raníos do Direito634.

Destarte, sendo função do sistema dogmático penal evitar incoerências

sistemáticas, deve o mesmo zelar para que pessoas físicas e jurídicas sejam punidas quando tenham realizado o delito.

5 . 1 1 . 2 F u n d a m e n t a ç ã o  d o g m á t i c a  c o n t r á r i a  à  r e s po n s a b il id a d e

PENAL DA PESSOA JURÍDICA

A partir do princípio societas delinquere nonpotest , centraliza-se a doutri

na conservadora em dois aspectos principais para rechaçar a responsabilidade

633 MA CHADO, Fábio Guedes de Paula. Crise do direito penal. RT, nfi 765, p. 431.634 ZUNIGA RODRÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar ia criminalidad 

de empresa. RPCP, nB 7/8, p. 994.

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2 7 0 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

do em si, v.g., uma reprovação ético-social, com um conteúdo de tratamento do

delinqüente, o que obviamente implicaria a impossibilidade de sua aplicação637.

A partir das críticas lançadas dentro de um sistema clássico de Direito

Penal, é evidente que esta construção teórica se mostra incompatível com anatureza da pessoa jurídica, razão pelas quais muitos são os autores que repe

lem esta nova responsabilização criminal.

Alinhando-se a esta posição, porém com argumentos outros, exsurgem

Günther Jakobs e Bernardo Feijóo Sánchez638. Embora concorde com o fato de

que sobre a pessoa jurídica são depositadas expectativas normativas, tais como o

de que ela cumprirá o seu contrato, ou que não vai realizar contratos fraudulentos,

ou que não vai poluir o meio ambiente, porém ela não pode descumprir ou desautorizar uma norma, pois esta é afeta à pessoa natural. E a pessoa física que possui

consciência, e não há de se confundir a sua identidade com a da pessoa jurídica.

Isto é, só o autor, pessoa física, toma uma posição frente à norma em razão de seu

ato ter significado comunicativo. Há, aqui, uma consciência com uma exterioriza

ção, e esta consciência representa no plano da comunicação a capacidade do sujei

to de apreender o significado da norma, agindo conforme ela ou não.

Logo, disso resulta que, apenas e unicamente uma pessoa a que se imputa uma consciência própria é competente no plano comunicativo para com-

 portar-se de forma culpável639.

Enquanto a pessoa natural se determina pela consciência, a pessoa jurí

dica se determina pela unidade de sua constituição. Não se pode, pois, falar

em transferência de culpabilidade por parte do órgão da pessoa jurídica para a

 própria empresa. E o órgão que infringiu deveres próprios, e em conseqüência

não é livre para decidir negócios alheios. E mais, os comportamentos delitivossó podem ser atribuídos a quem atua para si, e a culpabilidade atribui-se aos

fatos daqueles que participaram.

Diante disto, e sob a concepção de Jakobs, se a pessoa jurídica tem que

reconhecer como culpa própria a culpa do órgão, então esta culpa é sua pró

637 D ireito pena l sup raind ividu al,  p. 196-197.

638 Punibitidad de Ias personas jurídicas? e Culpabilidad y punición de Ias personas jurídicas? E l funcionalism o en derecho penal (libro homenaje al profesor Günther Jakobs), vol. I, p. 325- 347 e 349-384.

639 JAKOBS, Günther. Punibilidad de Ias personas jurídicas? E l funcionalism o en derecho penal (libro homenaje al profesor Günther Jakobs), vol. 1, p. 338.

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F á bio G u e d e s de P a u l a M a c h a d o - 271

 pria culpa, e não há de se falar em resto de culpa individual, o que acarretariaa dissolução da pessoa natural, eis que não poderia ser culpada por nada, e isto

não é o que deseja a dogmática penal atual640.

Trata-se, então, de se reconhecer que a culpabilidade da pessoa jurídica éa culpabilidade pelo fato ou decisão de outro, e se esta teoria é adotada no

Direito Civil, já no Direito Penal careceria de legitimidade por ser contrária

aos seus postulados básicos, em especial afrontaria os princípios da culpabilidade e da personalidade das penas641.

Muito mais poderia ser destacado a partir da concepção de Jakobs e

discípulos acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica, porém, porrestrição óbvia, limito-me às considerações gerais.

5 . 1 1 . 3 F u n d a m e n t a ç ã o   d o g m á t i c a  d a   r e s po n s a b i l id a d e   pen a l   d a

PESSOA JURÍDICA 

Quando se pensa em dogmática jurídico-penal e, por conseqüência, emseus dogmas, a partir da compreensão que interpreta o sistema penal como

sendo aberto, temos de considerar no que diz respeito àqueles, que sua cons

trução se dá através de decisões e eleições advindas de conclusões argumenta-

tivas, sujeitas às reformulações próprias do desenvolvimento social, não

 possuindo o caráter impositivo ou autoritário de excluir outras argumentaçõesdesde que, racionalmente fundamentadas, não havendo, assim, o conceito cer

to ou errado, mas aquele que exprime melhor uma realidade fruto da consta

tação científica e, no caso do Direito Penal, fruto da política criminal.

Concebida como fruto do modernismo e das agressões a bens jurídicos

difusos, a responsabilidade penal da pessoa jurídica nasceu como imperativo

de combate a estas agressões, sem contudo ser desenvolvida integralmente

uma teoria do crime própria a ela. Em razão disso, no plano dogmático proli

feraram discussões sobre se a pessoa jurídica tem ou não capacidade de ação,

de culpabilidade e de pena, e mais, se as sanções impostas são penas, medidas

de segurança ou sanções administrativas. No plano político criminal, questio-

na-se a idoneidade de se impor penas ou outras sanções às pessoas jurídicas

640 Idem, p. 338.

641FEIJÓ SÁNCHEZ, Bernardo. Culpabilidad y punición de Ias personas jurídicas? E l funcionalis-mo en derecho penaI (libro homenaje al profesor Günther Jakobs), vol. 1, p. 354.

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2 7 2 - C u l pa b il id a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

como forma de prevenir a ocorrência de lesão aos bens jurídicos compreendi

dos a partir de sua característica metaindividual.

Frente às exigências de se legitimar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, algumas concepções são esboçadas como forma de ultrapassar as con

trovérsias dogmáticas:

a) Expansão dos conceitos tradicionais do Direito Penal para abri

gar as novas necessidades de criminalização;

 b) Criação de um novo ramo do Direito denominado de Intervenção;

c) Reformulação do sistema penal, tornando-o único às pessoas fí

sicas e jurídicas;d) Criação de um sistema penal à margem do sistema tradicional

exclusivamente para pessoas jurídicas.

a) A meu juízo, expandir os conceitos penais tradicionais para possibilitar

a responsabilização da pessoa jurídica eqüivale a instalar no sistema penal uma

forte carga de insegurança jurídica, capaz de gerar a ilegitimidade do Direito

Penal para intervir nestas novas relações socioempresariais, manifestando-se por

meio de uma grande gama de julgamentos contraditórios e de uma doutrina

incompreensível a partir dos postulados do Estado Democrático de Direito.

Partindo das concepções dogmáticas traçadas pelo causalismo ou pelo

finalismo tradicionais, tem-se como conseqüência da adoção da responsabili

dade penal da pessoa jurídica, a renúncia aos princípios da culpabilidade e da

 personalidade das penas, impondo-se, necessariament^ uma revisão absoluta

da dogmática jurídico-penal, até hoje elaborada com base na pessoa física,

 para possibilitar a criação de instrumentos dogmáticos para a luta contra a

criminalidade cometida pela empresa642.Sobre este tema, categoricamente, afirmava Welzel que só pode incorrer em

culpabilidade o indivíduo por estar dotado de vontade, porém não uma corpora

ção ou òutro ente coletivo643, embora Klaus Tiedemann afirme que o finalismo

atual não negue a possibilidade de imputar atos humanos à pessoa moral644.

642 MACHADO , Fábio Guedes de Paula. Prescrição penaI - prescrição funcionalista,  p. 59.643 WELZEL, Hans. E l nuevo sistema de derecho penal, p. 80.644 Responsabilidad penal de personas jurídicas , otras agrupaciones y empresas em derecho 

comparado. Jornadas sobre la reforma de la justicia , p. 38.

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F á b io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 7 3

Em realidade, a doutrina, ao sustentar posição contrária à responsabili

zação criminal da pessoa jurídica, o faz com amparo na concepção tradicional

e dominante do delito entendido como ação penal pessoal (injusto) e reprovável a um sujeito (culpabilidade), ou seja, a dogmática constrói-se a partir da

concepção de que o delito se constitui na abstração de uma conduta de um

sujeito individual que vulnera um bem jurídico individual e causa dano a

uma vítima. Diante do reconhecimento da vigência desta concepção no siste

ma penal, este não tem como solucionar os problemas advindos de um com

 plexo concurso de autoria (p lura lidade de sujeitos ativos com divisão e

distribuição de tarefas), de sujeitos passivos múltiplos (as vítimas nestes tipos

de delito costumam ser múltiplas e indeterminadas), complexidade no nexo

causai (pluralidade de situações de risco que se produzem no iter criminis 

deste tipo de delito, manifestando-se através da produção, distribuição e co

mercialização dos produtos e de bens jurídicos coletivos645.

Em face desta constatação, o Direito Penal tradicional mostra-se incapaz

de solucionar os problemas advindos da complexa sociedade pós-industrial,

em que pese os esforços legislativos realizados para a sua atualização, notada-

mente no que se refere à antecipação da intervenção penal centrada na tutelados bens jurídicos por meio dos delitos de perigo etc.

A partir da compreensão de que a responsabilidade penal da pessoa

 jurídica é estranha ao espírito do Direito Penal, observa Roxin que “as san

ções a pessoa jurídica desempenharão um grande papel no futuro. Pois as

formas socialmente mais lesivas da criminalidade econômica e ambiental

têm sua origem nas grandes e poderosas empresas; também a venda dos

mais diversos produtos lesivos à saúde será um problema cada vez maior para o direito penal”646.

Assevera ainda Roxin que quando se realiza um tipo penal, é freqüente

mente difícil, senão impossível, descobrir os responsáveis na empresa, pois a

responsabilidade distribui-se por várias pessoas, e a culpabilidade de uma de

las dificilmente pode ser provada. Já sobre a função de evitar a ocorrência

destes tipos de delito, entenda-se prevenção delitiva eficaz, resta a mesma

645 ZUNIGA RODRÍGUEZ , Laura. Modelos de imputación penal para sancionar Ia criminalidadde empresa en el CP espanol de 1995. RPCP, ne 7/8, p. 967, 970-971.

646 ROXIN, Claus. Tem futuro o direito penal? R T 790, p. 473.

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2 7 4 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

 prejudicada, pois não se consegue evitar a prática destes fatos apenas por meioda punição do indivíduo substituível647.

Em suma, as maiores dificuldades centralizam-se na imputação do fato ao

autor e na culpabilidade648, razão pela qual o discurso de que outros ramos doDireito se mostram mais eficientes na tutela dos bens difusos do que o Direito

Penal ganha grande aceitação no seio dos adeptos da tradicional doutrina finalista.

 b) Defende Winfried Hassemer a criação do Direito de Intervenção comosendo o mais adequado a responder aos problemas específicos das sociedades

modernas, posicionando-se entre “o Direito Penal e o Direito sancionatório ad

ministrativo, entre o Direito Civil e o Direito Público, com um nível de garan

tias e formalidades processuais inferiores ao do Direito Penal, porém com menosintensidade nas sanções que poderiam impor-se aos indivíduos”.

En tende Hassemer que a vantagem deste Direito seria a de não ter contra si a incidência dos princípios garantísticos, tais como o da culpabilidade

ou da imposição de cumprimento de formalidades na obtenção da prova lícitaetc., haja vista que não haveria de se falar em culpabilidade penal, demons

trando que o escopo desta concepção é o da prevenção e impedimento de

resultados danosos aos bens difusos649.

Criar um ramo do Direito sob a rubrica de Intervenção, não me pareceadequado, levando-se em consideração à própria gênese do D ireito que é sem

 pre de intervenção. Quanto ao conteúdo da estrutura proposta, entende-se

que a mesma já faz parte do próprio Direito Administrativo, sendo, pois dis pensável uma nova construção neste sentido.  / 

c) Reconstruir os conceitos dogmáticos do Direito Penal tradicional para

dar uma resposta adequada aos problemas da sociedade contemporânea, surge

como necessidade não apenas para possibilitar a responsabilização da pessoa jurídica, mas inclusive para garantir ao Direito Penal maior legitimidade e

eficácia no combate ao delito.

Para a consecução deste escopo, faz-se necessário, no que tange à responsa bilidade penal da pessoa jurídica, reelaborar todo o sistema dogmático esque-

647 Idem, p. 473.648 Dentre inúmeras questões em torno da imputação penal da pessoa jurídica,podemosdestacar

a que recai em se precisar se apenas a pessoa jurídica privada figura como sujeitoativo, ou sea pessoa jurídica pública também pòde ser imputada; questões sobre a transformação, fusão e  dissolução da empresa em vias de ser processada etc.

649 HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad,  p. 72.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 7 5

matizado a partir do comportamento humano de uma pessoa física (injusto pessoal), pois sancionar a todos da mesma forma significaria infringir o princípio de

culpabilidade, que reza que cada pessoa deve responder por seus próprios atos.

Além da impropriedade da concepção do injusto penal fundamentadona pessoa física não poder fundamentar a responsabilidade penal da pessoa

 jurídica, cabe afirmar que sequer a mesma corresponde ao desenvolvimento

atual da dogmática jurídico-penal alemã e espanhola, que, aliás, tendem à

funcionalização dos conceitos de acordo às considerações político-criminais

de prevenção de condutas650.

Senão o bastante, estudos criminológicos realizados apontam para a ne

cessidade de o Direito Penal mostrar-se eficaz frente aos delitos cometidos no

seio de aparatos organizados.

Para a estruturação de uma concepção suficientemente capaz de susten

tar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, é necessário obter a legitima

ção da intervenção penal a partir dos fundamentos materiais da imputação

 penal, ou seja, através da teoria dos fins da norma penal, da prevenção geral de

condutas para a proteção de determinados bens jurídicos considerados im

 portantes para a sociedade651.

d) Esta concepção sustenta a mantença do tradicional sistema do delito para a responsabilidade individual com seus próprios princípios e regras, e, a

criação de um sistema penal à margem do sistema penal tradicional para abarcar

a pessoa jurídica, igualmente submetendo-se aos princípios penais fundamen

tais (intervenção mínima, legalidade, lesividade, proporcionalidade e culpabili

dade), porquanto são estes princípios que definem o caráter penal, seja para as

 pessoas física ou jurídica652, embora se sustente com amparo na doutrina tradi

cional que se se considerar pena a sanção dirigida à pessoa jurídica, tem-se que

650 Propõe o funcionalismo a flexibilização dos conceitos de ação e omissão, a reformulação da função da culpabilidade de limite e fundamentação da pena para considerá-la como limite da intervenção estatal, cabendo às necessidades preventivas a fundamentação da pena, posicionando-as lado a lado sob o conceito reitor de responsabilidade e modificando-se o  objetivo da pena de retribuição e compensação da injustiça para a prevenção do dano, isso  entre outras providências a seguir apontadas.

651 ZUNIGA RODRÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar la criminalidad de empresa. RPCP, ns 7/8, p. 990.

652 ZUNIGA RODR ÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar la criminalidad de empresa. RPCP, ne 7/8, p. 995.

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2 7 6 - C u l p a b i li d a d e n o D i r e i to P e n a l

renunciar ao princípio da culpabilidade e ao da personalidade das penas653. De

fato, merecem as classes dogmáticas ser concebidas de outro modo, caso contrá

rio elas servirão sempre como forte argumentação em sentido contrário ao doreconhecimento desta forma de responsabilização penal.

Como conseqüência da adoção deste modelo, ter-se-á destinado ao Di

reito Penal, apenas os casos mais graves e, ao Direito Administrativo sanciona-

dor, os casos menos graves.

A idéia é bastante atraente, conquanto que dificuldades acerca dos crité

rios de imputação possam recair sobre a sua aplicação, isto porque conforme a

opção doutrinária classicamente manejada, “a pessoa jurídica atua por inter

médio de pessoas físicas, já que por si só não pode atuar, necessitando, pois, de

um fato de uma pessoa física culpável, ou em prejuízo desta concepção, trata-

se em realidade de uma culpabilidade social de toda a empresa, daí resultando

desnecessário estabelecer-se inicialmente a culpabilidade individual”654.

A opção manejada apresenta conseqüências diversas, em especial quanto

ao erro, pois que, adotando-se a primeira concepção e verificado o erro indivi

dual, por conseqüência este haveria de se estender à pessoa jurídica, ao passo

que, pela segunda concepção, o erro não teria incidência.Somos da opinião que se ajusta melhor aos critérios de funcionalidade

 penal a construção de um sistema próprio para abrigar a responsabilidade

 penal da pessoa jurídica, não se confundindo com a já concebida estrutura

destinada que é exclusivamente à pessoa fisica655./Contudo, a título de esclarecimento prévio, alguns países vêm tratando

o problema de maneira intermediária, instituindo uma causa de extensão do

tipo ou de autoria, dotando a pessoa física de condições exigidas para serautor de um delito especial próprio, sendo que estas originariamente pertencem à pessoa jurídica.

 Na Alemanha se observa um im portante avanço do Direito Adm inistra

tivo sancionador ou contravencional, que admite a imposição de sanções à

653 BAJO FERNÁNDEZ, Miguel. Hacia um nuevo derecho penal: el de las personas jurídicas. Doctrina penal, t. 9 A, p. 117.

654 ZU NIGA RODR ÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar Ia criminalidad de empresa. RPCP, n2 7/8, p. 995.

655 Neste sentido: Claus Roxin, Tem futuro o direito penal? RT ne 790, p. 474.

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Fá b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 7 7

 pessoa jurídica (Lei sobre contravenções — Ordnungswidrigkeiten), prevendo a

imposição de multa administrativa (Geldbusse) às pessoas jurídicas não só por

contravenções mas também por delitos cometidos por seus representantes em benefício da empresa656.

Acompanhando o modelo alemão, a Espanha adotou modelo intermediário preconizado a partir do sistema das conseqüências acessórias e da atua

ção por outro, conforme arts. 31 e 129 do Código Penal de 1995, ao estabelecer

 penalidades semelhantes às previstas na Lei brasileira n° 9.605198.

Em síntese, a aplicação destas conseqüências acessórias tem a finalidade de

 prevenir a continuidade da atividade delitiva e seus efeitos. Nos termos do CódigoPenal espanhol, o “atuar por outro”, alarga a possibilidade da pessoa física ser

considerada responsável criminalmente, compreendendo não só a atuação em nome

de uma pessoa jurídica, senão também a realizada a favor de outra pessoa natural,

alcançando tanto o representante legal como o voluntário ou fático657.

5.11.3.1 O MODELO JURÍDICO-PENAL DE IMPUTAÇÃO PENAL

 À PESSOA JURÍD ICA 

Em face das inúmeras possibilidades dos bens difusos serem lesados, já se faznecessário a introdução de um Direito Penal Difuso ou coletivo entre nós. Diante

desta premissa, melhor se ajusta aos critérios de funcionalidade penal a construção

de um sistema próprio para abrigar a responsabilidade penal da pessoa jurídica,

não se confundindo com a já concebida estrutura destinada à pessoa física.

Este método, que deriva das bases fundonalistas, é apoiado no ideal de radò-

nalidade e está disposto a dar ao caso concreto uma solução mais adequada, sem

contudo separar-se do dentifidsmo. Ainda, propõe-se a reconstrução do sistema penal, não apenas para ser mais eficaz no combate à criminalidade clássica, que é

inerente à pessoa física, mas também para responder as questões criminais surgidas

com o modernismo, v.g., a criminalidade cometida pela pessoa jurídica.

Ao se prescrever este Direito Penal coletivo ou da pessoa jurídica, deve-se

atentar à necessária delimitação de fatos que podem ser imputados à pessoa

 jurídica, bem como ao círculo de autores cujos atos podem ser imputados

como próprios, ou como atos da pessoa jurídica, conforme compreensão teóri

656 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição pena! - prescrição fundonalista,  p. 59.

657 Idêntica previsão consta no Códigò Penal alemão no seu art 14.

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2 7 8 - C u l p a b il id a d e n o D i r e it o P e n a l

ca manejada. Isso quer dizer que a pessoa jurídica não pode responder por

qualquer fato delitivo que ocorra dentro de si, mas apenas aqueles que te

nham uma relação funcional com a sua atividade, ou seja, que tenham uma

relação entre o comportamento delitivo e o âmbito de deveres e obrigaçõesconcretas do órgão ou dos representantes.

Para tanto, vale dizer que as elaborações dogmáticas dos conceitos de

ação e de culpabilidade devem depender da idéia que se tenha sobre o sujeito,

e seus conteúdos devem ser dados em consideração da função do Direito Pe

nal. Assim, possibilita-se a modificação dos conceitos a partir da evolução dasociedade através da renormatização dos conceitos. Deste ponto de vista, v.g., 

sujeito não é apenas quem tenha ocasionado um resultado, senão aquele queseja competente para produzi-lo.

Quanto a pessoa jurídica, mister que este sistema surja levando em consi

deração a sua própria natureza, evitando-se um inadequado tratamento iguali

tário para coisas essencialmente desiguais (pessoa física e jurídica). Alguns autores

 propugnam não renunciar a concepção geral de ação e de culpabilidade658, ou

melhor, sem renunciar a uma equilibrada e harmoniosa teoria do delito própria.

Sobre este tópico, vale dizer que a criação de um sistema paralelo ao clássico, já não é mais novidade entre nós. O Estatuto da Criança e do Adolescente,

o tratamento dado aos inimputáveis e semi-imputáveis que tenham contra si

aplicada a medida de segurança, ou até mesmo o microssistema processual ins

taurado pela Lei dos Juizados Especiais Criminais —Lei n° 9.099/95, são bons

exemplos da coabitação de subsistemas dentro do sistejüia jurídico.

 No intuito de apresentar um esboço de teoria do delito destinada à pes

soa jurídica, indispensável que o injusto e a responsabilidade pertinentes a ela

sejam delineados.

Primeiramente, a necessidade de tutela de um bem jurídico, surge desde

logo através de manifesta opção pautada em política criminal, e em harmonia com

os princípios da subsidiariedade e fragmentariedade, envoltos pela razoabilidade.

658 Concordam neste sentido: Feijóo Sánchez, argumentando que a pessoa juríd ica tem sua 

própria personalidade e culpabilidade. La responsabilidad penai de Ias personas jurídicas, un meio eficaz de protección del meio ambiente? RPCP, nQ9, p. 265, e Sérgio Salomão Schecaira, asseverando acerca da dicotomia responsabilidade individual e responsabilidade coletiva, que cada qual assume sua própria autonomia, afirmando que todo o Direito sancionatório  relativo às pessoas jurídicas "poderá cair no âmbito do Direito Penai de raízes éticas mas sim num ramo de direito diferente". Responsabilidade pena! da pessoa ju ríd ica ,  p. 82.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 28 1

O argumento de que em verdade não se trata de uma ação genuinamente

da pessoa jurídica, pois é o seu representante que a realiza, fica superado quando

se estabelece que se trata de uma forma de ação determinada pela própriaestrutura da corporação.

Descaracterizada a subjetividade do tipo já tão criticada e alvo de intran-qüilidades doutrinária e jurisprudencial664, à pessoa jurídica impõe-se a re

construção funcionalista para a formatação de um dolo puramente normativo.

 Neste dolo de pretendida construção, o elemento volitivo é afastado, per

manecendo o elemento cognitivo, agora sob o entendimento de que o conhe

cimento de impedir o resultado danoso ao bem-jurídico difuso é implícito à pessoa jurídica em face até mesmo das atividades que esta realiza, e a nãotomada de posição em relação a sua não-ocorrência eqüivale a afirmar a acei

tação do risco, ou de implementá-lo se já existente, de causar o dano.

Partindo de um sentido social, assevera Ramon Ragués I Vallès que este

recurso “implica que a consideração de uma conduta corrió dolosa não dependa de determinados dados psíquicos, cuja apreensão resulta impossível, tanto

 para o juiz como para os cidadãos, senão que dita conduta de acordo com assuas características externas e perceptíveis, valore-se socialmente como negação consciente de uma concreta norma penal”665.

Destarte, no curso da persecução criminal, deve o membro do Ministério

Público consultar as atribuições dos órgãos, representantes e membros elenca-

dos no estatuto da pessoa jurídica, a fim de apurar se este realizou ou não uma

ação conforme as atribuições lá disciplinadas. Com esta cautela, o titular da ação penal pública poderá elucidar se se trata de uma ação típica da pessoa jurídica, e

 por isto a mesma lhe poderá ser imputada, ou se se refere a uma ação exclusivado órgão ou membro enquanto pessoa, a partir de uma inobservância de regra

de evitabilidade do resultado ou desvio de responsabilidade, oportunidade em

que o concurso de pessoas será ou não estabelecido. Pragmaricamente, o Minis

tério Público concluirá pela ocorrência ou não de uma ação de interesse penal,

664 São freqüentes no processo penal os debates em torno da resolução ao caso concreto da 

aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente, advindo obviamente ao erro, sem se considerar a impossibilidade do órgão acusador introjetar na psique do agente para apontar com precisão se este agiu com dolo ou culpa, sendo usual a formulação da "verdade construída", onde se constata que o agente realizou um fato doloso a partir da união de indícios. No  mesmo sentido: Ramon Ragués i Vallès, Et doto y su prueba en e l proceso penal, p. 302.

665 E l dolo y su prueba en e l proceso penal,  p. 324.

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28 2 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

socorrendo-se da relação funcional entre o comportamento delitivo e o âmbitode deveres e obrigações do órgão ou dos representados666.

Para manter o sistema equilibrado e harmônico, mister que seja elabora

do um novo microssistema processual adequado às particularidades da em

 presa, mantendo-se intocável as garantias constitucionais do processo, inclusive

 para propor medidas cautelares reais adequadas à pessoa formal, v.g.  interdi

ção prévia, como forma de garantir a tutela do bem-jurídico quando elemen

tos processuais indiquem esta necessidade, além de outras já concebidas nos

ordenamentos como a proibição de contratar com o Poder Público e a suspen

são das atividades nocivas ao bem-jurídico tutelado etc.

Contudo, enquanto a inovação legislativa de natureza processual não vêm,nada impede que se faça uso da analogia do Direito Processual Civil (v.g.  art.

12, VI, do CPC, que trata da representação em juízo da pessoa jurídica) e dos

 princípios gerais de Direito, regulando o procedimento correspondente667.

5 .1 1 .4 . Q u e s t õ e s   em  t o r n o   d a  c u l p a b i l i d a d e

Conforme leciona Miguel Bajo Fernández acerca da culpabilidade e da

responsabilidade penal da pessoa jurídica, é correto afirmar que, nos paísesonde não há o limite constitucional da culpabilidade (Dinamarca, França,

Grécia, Holanda, Irlanda e Reino Unido), não existe mais objeção quanto aeste tipo de criminalização, restando discussões apenas em tomo dos tipos de

sanções e sobre a vinculação exigível entre a pessoa física que atua e a pessoa

 jurídica668. Por sua vez, diversa é a posição adotada pelos, países seguidores da

dogmática alemã, fiéis ao princípio  societas delinquere non potest.

Pelas colocações feitas até aqui e em especial no que tange à culpabilidade,têm-se a centralização dos argumentos dogmáticos contrários ao reconhecimento

da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a partir de dados ontológicos,

 próprios que são do causalismo e do finalismo, pois em se considerando que a

mesma é destinada essencialmente às pessoas físicas, referi-la à pessoa jurídica

seria o mesmo que torná-la culpada pelo fato de outro, em que pese a

666 BACIGALUPO , Silvina. La responsabilidad penal de Ias personas jurídicas,  p. 166.

667 No mesmo sentido: Ada Pelegrini Grinover, Aspectos processuais da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e Qireito Penal,  p. 46-50.

668 Hacia um nuevo derecho penal: el de Ias personas jurídicas. Doctrina penal,  t. 9 A, p. 115.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 8 3

unanimidade em punir as pessoas jurídicas desde a óptica da política criminal,constituindo a oposição entre dogmática e política criminal quando, em

verdade, a dogmática penal deve ser o veículo e não o obstáculo para a realização

dos necessários fins de política criminal em relação à prevenção do delito.Acerca da aplicação dos institutos do sistema penal tradicional para a pessoa

 jurídica, já nos posicionamos contrários a esta posição669, em especial porque as

categorias do delito foram elaboradas a partir do indivíduo e de suas capacidades

 pessoais, reunindo uma série de elementos psicológicos (v.g. volitivos). Portanto,

a única solução para evitarmos um inadequado tratamento igualitário para coisas

essencialmente desiguais é a construção de um sistema que abrigue as peculiari

dades da pessoa jurídica, sem prostituir a concepção geral de culpabilidade670.

Em repúdio às bases ontológicas, o funcionalismo penal, apoiado no idealde racionalidade e disposto a dar ao caso concreto uma solução mais adequada,

sem contudo separar-se do cientificismo, propõe a reconstrução do sistema pe

nal (tal como visto anteriormente), não apenas para ser mais eficaz no combate

à criminalidade clássica, que é inerente à pessoa física mas, agora também pararesponder às questões surgidas com o modernismo, isto é, a criminalidade co

metida pela pessoa jurídica.

Esboçadas ao longo deste trabalho as principais vertentes do funciona

lismo penal e reconhecida a concepção dogmática de Roxin como aquela que

se integra aos postulados do Estado Democrático de Direito, e que reconhece

na pessoa humana o seu centro de importância, somos da opinião que este

sistema não possibilita a penetração de suas estruturas na pessoa jurídica, embora

como já apontado o próprio autor tenha se manifestado favorável à responsa

 bilização penal da pessoa jurídica, não conseguindo solucionar com precisão

as questões em tomo da capacidade de ação e de culpabilidade, renovando-se

aqui a crítica de que é o mesmo concebido para a pessoa humana.

669 No mesmo sentido: Bernardo Feijóo Sánchez, La responsabilidad penal de las personas  jurfdicas, un meio eficaz de protección del meio ambiente? RPCP, ns 9, p. 26

670 Concordam neste sentido: Feijóo Sánchez , argumentando que a pessoa juríd ica tem sua própria personalidade e culpabilidade. La responsabilidad penal de las personas jurídicas, un meio eficaz de protección del meio ambiente? RPCP, n2 9, p. 265, e Sérgio Salomão Schecaira, asseverando acerca da dicotomia responsabilidade individual e responsabilidade coletiva, que cada qual assume sua própria autonomia, afirmando que todo o Direito sancionatório 

relativo às pessoas jurídicas "poderá cair no âmbito do Direito Penal de raízes éticas mas sim num ramo de direito diferente". Responsabilidade penal da pessoa jurídica,  p. 82.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 28 5

antijuridicidade ou de seus motivos para infringir a norma penal, visto serem

elementos psicológicos ou antropológicos estranhos à personalidade jurídica.

A partir desta concepção, os atos dos órgãos da pessoa jurídica se convertem em ações próprias da pessoa jurídica, em razão de que estes pertencem ao

sistema pelo qual a sociedade tratou de se organizar672.

 No que tange à culpabilidade, conforme explica Zulgadía Espinar ba

seado nas tradições dos países europeus, existem três formas distintas de

fundamentar a responsabilidade penal da pessoa jurídica:

Pela primeira, que denomina de forma imprópria, permite-se que as con

seqüências econômicas do delito cometido por uma pessoa física (multa, indenização etc), sejam atribuídas à pessoa jurídica, se em seu nome e interesse

tenha agido a pessoa natural.

A segunda forma é denominada de “própria indireta”, que se verifica na

hipótese do delito ser praticado pela pessoa física e que dependendo do caso,

se permite que o mesmo seja imputado também à pessoa jurídica através de

sanções específicas. Dependerá que a ação humana apareça como demonstra

ção do ter atuado em nome e interesse da pessoa jurídica no contexto social.

Por fim, a forma “própria direta” de exigir a responsabilidade penal das

 pessoas jurídicas é a que permite perseguir e sancionar de maneira imediata as

 pessoas jurídicas, independente da responsabilidade, persecução e condenação

do seu representante legal673.

Tendo como meta a prevenção e proteção dos bens difusos, é inegável

que a sua tutela se tome mais eficaz a partir do momento que pessoa física e

 jurídica sejam possíveis de serem alcançadas pela ação penal, afastando-se o

inconveniente de se compreender a responsabilidade penal da pessoa jurídica

a partir do reconhecimento preliminar da responsabilidade penal individual

Para Jakobs, resulta mais difícil determinar a culpabilidade da pessoa

 jurídica674. Afirma o autor que a culpabilidade de seus órgãos não vincula a

responsabilidade da pessoa jurídica, pois esta não pode ser responsabilizada pelos atos realizados por seu órgão desde que não previstos no estatuto, ou por 

672 JAKOBS, Günther. Derecho pena l parte general,  p. 183.

673 ZULGADÍA ESPINAR, José Miguel. Capacidad de acción y capacidade de culpabilidad de Ias personas jurídicas. CPC, n° 53, p. 620.

674 Derecho penal - parte general,  p. 183.

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2 8 6 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

ato cometido por pessoa estranha a ela. Deste modo, a pessoa jurídica se toma

culpável com relação à lesão dos bens jurídicos difusos, quando omite a ado

ção das medidas de precaução que lhe são exigíveis para garantir o desenvolvi

mento organizado e não delitivo dos propósitos da empresa, daí falar-se em

culpabilidade orientada às categorias sociais e jurídicas, podendo ser denomi

nada de culpabilidade por “defeito de organização”675.

Como bem aponta Zulgadía Espinar, deste modo não se pode afirmar

que a pena imposta à pessoa jurídica afeta a terceiros não-implicados na ativi

dade delitiva (ex. grupo de acionistas), já que a pessoa jurídica responderá porsua ação e culpabilidade676.

O núcleo desta culpabilidade, que é instrumental, reside na assertiva de

que a pessoa jurídica é responsável pelos fatos realizados por indivíduos, por

que ela e seus órgãos ou representantes não tomaram as medidas suficientes

de cuidado e que são necessárias para garantir um negócio ordenado e não

delitivo. Disso decorre que o delito cometido pela empresa surge como um

erro seu, em razão de que a mesma omitiu a adoção das medidas necessárias de

 prevenção para garantir o desenvolvimento não-delitivo de sua atividade, as

sim se justificando a sua reprovação.Sobre a concepção de acoplar as sanções à pessoa jurídica pela falha de

organização, manifestou-se Roxin que esta produz “intensos efeitos preventi

vos”. Deste modo, pode-se observar que mesmo penalizando criminalmente a

 pessoa jurídica, o Direito Penal aqui desenvolvido não perde a sua natureza

 preventiva e ajusta-se aos ditames constitucionais eni  vigor.

5 .11.5 Q u e s t õ e s  em  t o r n o  d a  pen a

Vistas até aqui algumas das questões em torno da teoria do delito que

norteiam o incessante debate sobre o tema da responsabilidade penal da pes

soa jurídica, necessário se faz que outras reflexões, agora referentes à sanção

 penal,, sejam colacionadas.

Desde logo, no que se refere à pena e ao Estado Democrático de Direito,

deve a mesma guardar natureza preventiva geral e especial, a ser aplicada por órgão

675 ZULGAD ÍA ESPINAR, José Miguel. Capacidad de acción y capacidade de culpabilidad de las personas jurídicas. CPC,  nfi 53, p. 624.

676 ZULGAD ÍA ESPINAR, José Miguel. Capacidad de acción y capacidade de culpabilidad de las personas jurídicas. CPC,  n®53, p. 624.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 8 7

 jurisdicional penal, em se considerando que a responsabilidade civil resulta insu

ficiente desde o ponto de vista preventivo para impedir a ocorrência de danos.

Assevera Schünemann, que legitima-se a sanção à pessoa jurídica basea

do num estado de necessidade de prevenção. Explica o autor que para seimpor pessoa jurídica uma sanção, deve estar presente uma real situação denecessidade de pena, verificada a partir de uma verdadeira ameaça ao bem-

 jurídico, e que não se resolve com as habituais medidas existentes (sentença

cível e administrativa). Em consideração adversa, pode-se justificar a pena à pessoa jurídica como critério de fortalecimento do seu controle interno, al-

cançando-se o efeito preconizado pela prevenção especial.

Afastada mais uma vez a base ontológica deste sistema, aqui para a preven

ção geral negativa (teoria da coação psicológica ou intimidação), a pena possuiráa natureza preventiva, pois a sua aplicação fortalecerá o controle interno da em presa, alcançando-se assim o efeito pretendido, qual seja: a prevenção especial.

Contrário ao disposto neste esboço, e no sentido de sé destinar às pessoasfísicas e jurídicas o mesmo tratamento, a Lei n° 9.605/98, em manuseio de

técnica legislativa deficiente, destina às pessoas física e jurídica o mesmo tra

tamento legal, qual seja, equiparam as pessoas morais às pessoas naturais. Deste modo ambas devem estar amparadas pelas mesmas garantias formais. Com

isso se quer dizer que, para as pessoas jurídicas não basta uma cláusula geralque estabeleça as penas possíveis para este tipo de pessoa, necessitando, ou-

trossim, que sejam estas penas previstas taxativamente — numerus clausus —, em

acatamento ao princípio da legalidade, ou seja, cada fato típico deve contem

 plar sua correspondente sanção para a pessoa jurídica.

 Neste escopo, o art. 6o, I, da Lei n° 9.605/98, leva em consideração para

as pessoas física e jurídica os motivos da infração para impor e graduar a pena. Não obstante a isto, como bem assevera Klaus Tiedemann, introduzir por via

legislativa o conceito de culpabilidade da pessoa jurídica ao lado da culpabilidade tradicional é impossível desde o ponto de vista ideológico677.

 Noutro aspecto, e considerando-se as penas em espécie, não se verifica

qualquer mácula pelo fato de não ser possível de aplicação à pessoa jurídica a

 pena privativa de liberdade. E fato notório, desde Beccaria, que as penas de

677 Responsabifidad penal de personas jurídicas, otras agrupaciones y empresas em derecho 

comparado. Jornadas sobre la reforma de la justicia, p. 41.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 8 9

Em suma, os princípios do Direito Penal são aplicáveis ao Direito Adminis

trativo sandonador por serem manifestação do poder punitivo do Estado. Quanto

ao princípio da culpabilidade, este também é pertinente ao Direito Administrativo sandonador por ser inadmissível um regime de responsabilidade objetiva.

Com a proposição de soludonar a questão, propõe Tiedemann, com o apoiode Otto, alargar o conceito de culpabilidade, denominando-a de culpabilidade

 por defeito de organização (categoria sodal e jurídica). Sustenta esta teoria que os

fatos individuais (fatos de conexão) são vistos como fatos da corporação porque a

corporação omitiu (por meio de seus órgãos ou representantes), tomar as medidas

de precaução necessárias para garantir uma operação comerdal ordenada e nãodelitiva. Sobre este pressuposto, formula-se a reprovação à pessoa jurídica.

Uma segunda questão deduzida propõe a substituição da pena criminal

 pela medida de segurança. A idéia que se verifica nesta concepção, é a de que

nos casos em que se envolvem as pessoas jurídicas, existe uma perigosidade

objetiva que justifica a aplicação de uma medida de segurança. Exemplos

surgem a partir da paralisação das atividades da empresa ou fechamento etc.

A Lei brasileira de proteção ambiental (Lei n° 9.605/98) segue tambémesta perspectiva ao enumerar algumas medidas de segurança, entre elas a proi

 bição de contratar com o Poder Público, participar de licitações (art. 10),suspensão de atividades (art. 11) etc.

Contudo, surge a polêmica uma vez que pressupondo o estado de peri

gosidade fruto da ação ou da omissão realizada, esta é necessariamente indivi

dual. Portanto, se não há um fato de contato entre a pessoa física e a jurídica,

não se pode imputar a esta a medida de segurança.Enfim, várias são as razões que sustentam a imposição de penas criminais

às pessoas jurídicas. Fundamentalmente, são razões de índole preventiva geral e

espedal, de força simbólica que desenvolve o Direito Penal, do significado do

 processo penal e da sentença penal condenatória, não sendo, de nenhum modo

alcançáveis pelo Direito Administrativo, tampouco pelas medidas de segurança.

Vale ressaltar que a imposição de pena à pessoa jurídica deve partir da

realidade sodal, isto é, do papel social desenvolvido pelas empresas, denominado pelos anglo-saxões de “corporate identiy”, independentemente da iden

tidade dos órgãos ou das pessoas que as compõem. Não se pode olvidar que é

a empresa que cria expectativas de comportamento nos membros da coletivi

dade, e não são os seus membros que a defraudam, senão a própria empresa.

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2 9 0 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

Portanto, se a sociedade atribui à empresa comportamentos reprováveis e

socialmente danosos, então a vigência do ordenamento jurídico deve reafir

mar-se por meio de medidas contra a própria pessoa jurídica, pois só assim a

norma estará restabilizada.Quanto à pena, levando-se em consideração a própria natureza da pessoa

 jurídica, está só poderá ser de caráter patrimonial, categorizando deste modo asua função preventiva.

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2 9 2 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D ir e it o  P e n a l

6.1 As RELAÇÕES ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO 

PROCESSUAL. O PROCESSO PENAL FUNCIONALISTA

As questões e as dúvidas em tomo das relações entre o direito material e odireito processual não são novas. Interpretações conflitantes acerca da natureza de

institutos criminais682, historicamente, possibilitam a formação de concepções de

dependência ou autonomia do Direito Processual Penal frente ao Direito Penal.

Viu-se, com freqüência, ao longo do desenvolvimento das dogmáticas

 jurídico-penal e processual penal uma notável desvinculação metodológica,

embora acredita-se, desde logo, que as relações entre o Direito Penal e o Di

reito Processual Penal sejam muito mais próximas do que as declaradas por

 parte da doutrina. Para buscar a demonstração desta afirmação deve-se partir

da confrontação das funções destas duas áreas das ciências penais.

Tradicionalmente, ressalta a doutrina processual a função de atuação do

 juspuniendi como instrumento da jurisdição de exercício exclusivo por parte

do Estado. Evita-se, assim, a autotutela pelo particular. Noutras palavras e no

mesmo âmbito de compreensão, submetem estes autores como objetivo do

 processo penal a aplicação do direito material, ou seja, a punição do agente

culpável. E assim o processo instrumento do direito material683.Sob a vertente procedimentalista, busca-se uma atuação do processo pau

tada na economia, na celeridade processual e concentração dos atos instrutórios.

Destacando-se a configuração de um Estado Democrático de Direi

to, a função do processo penal não pode identificar-s^ exclusivamente com

a aplicação do jus puniendi, mas deve guardar respeito à proteção do direi

to à liberdade. Vê-se que o processo penal será neutro, pois tanto será o

instrumento do direito material como também restabelecerá a liberdade,garantia superior que é além de ser fundamento do regime democrático,

advindo da dignidade humana, ex vi   do art. Io, III, da CF684. Por conse

682 O instituto da prescrição é exemplo marcante do dissenso doutrinário acerca de sua natureza, conforme Fábio Guedes de Paula Machado, in Prescrição pena!—prescrição fundonalista, p. 135-142.

683 DALIA , Andrea Antonio e FERRAIOLI, Marzia. Manuale d i diritto pnocessuale penale, p. 27. No mesmo sentido: Emst Beling, Derecho procesal penal, p. 19; Girolamo Bellavista, Lezioni di diritto processuale penale, p. 2; e Vincenzo Manzini, Istituzioni d i direitto processuale penale,  p. 12.

684 GIMENO SENDRA, Vicente; MORENO CATENA, Vfctor; e CORTÉS DOM INGUES, Valentfn. Derecho procesal pena l,  p. 26.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 9 3

qüência, privilegia-se a aplicação do princípio da igualdade na aplicação

da lei processual aos cidadãos685.

Mais recentemente, a proteção dos direitos da vítima mereceu maior im portância e atenção dos legisladores, fundamentando a reforma parcial do siste

ma penal e processual, orientando-os à satisfação de seus interesses, notadamente

o econômico, conforme se observa no microssistema processual estabelecido pela

Lei n° 9.099/95, além das inovações concebidas na Lei n° 9.714/98. Conver-

te-se o processo penal em um instrumento útil para a reparação da vítima.

Por fim, não se pode olvidar que a reabilitação do imputado é função

que assume o processo embora esta mais se aproxime da pena e da medida desegurança.  Kg., vê-se na praxis que é no processo que desde logo se pode evitar

um contágio criminal entre imputados de diferente periculosidade no cum

 primento de uma medida cautelar pessoal, ou no instante de aplicação de uma

 pena privativa de liberdade curta etc. Ainda, há o processo de execução da pena que estabelece em seu art. I o, da Lei n° 7.210/84, ser seu objetivo a

integração social do condenado.

Em verdade, a multiplicidade de funções ou perspectivas do processo pe

nal apenas aparentemente se mostra inconciliável. Poder-se-ia cogitar que um

mesmo mecanismo jurídico, no caso, o processo penal, não poderia satisfazer, no

mesmo instante, tanto os direitos da sociedade ou do ofendido pelo delito, com

o do imputado. Entretanto, tal premissa não é verdadeira, e decorre que as

relações ou funções postas até aqui entre o direito material e o processual são

congruentes e se autocompletam, sem contudo perder o caráter formal.

Contudo, e acompanhando os avanços ocorridos na dogmática jurídico-

 penal, mormente para superar os entraves ontológicos impregnados na teoria dodelito pelo causalismo e finalismo, a nova concepção jurídico-penal funcionalista

dota o sistema não apenas de valorações calcadas em política criminal, funciona-

lizando-o por completo, buscando uma melhor aplicação sem despreocupar-se

com a exatidão dogmática material. Correto que esta nova filosofia não deve ser

relegada exclusivamente ao Direito Penal.

Hoje, o Direito Penal e o Direito Processual Penal não devem guardar

distância entre si, ou absoluta independência de compreensão. Ao contrário,

685 LONZI, Gilberto. Lezion i di procedura penale, p. 4.

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2 9 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

devem pautar-se conjuntamente sob estrita obediência dos princípios consti

tucionais formais e materiais. Neste aspecto, acentua Fernando Fernandes,

“que sob os aspectos da política criminal as duas regulamentações estão numa

relação de complementariedade686, ou de relação mútua de complementarie-dade funcional, conforme prescreve Figueiredo Dias, ao asseverar que “a con

formação teleológica fundamental do direito substantivo exercerá influência

decisiva na concepção de Direito Processual Penal”687.

Diante desta premissa, pode-se junto com Roxin afirmar que a meta do

 processo penal é proferir uma decisão sobre a punibilidade do imputado mate

rialmente correta, obtida de acordo com o ordenamento jurídico democrático, e,

 por fim, que restabeleça a paz jurídica perturbada com a ocorrência do delito688.Sobre esta meta, vislumbram-se algumas possibilidades: as sentenças podem ser

obtidas de um modo irreparável desde o ponto de vista das garantias, porém ser

incorreta em seu conteúdo; podem ser corretas em seu resultado, porém em

infração ao ordenamento jurídico-processual, além da possibilidade de se obter

uma sentença incorreta no aspecto formal e material689.

Pode-se ainda assim dizer que a realização no processo penal garantista

do conteúdo preconizado pela moderna dogmática-jurídico penal ainda é asua maior meta.

6 .2 . É POSSÍVEL COMPATIBILIZAR O PROCESSO PENAL GARANTISTA 

COM UM PROCESSO PENAL FUNCIONALISTA?

Concebido num Estado Democrático de Direito qòmo instrumento ga-

rantidor da liberdade, há de se indagar se o processo penal pode também ser

igualmente funcional.

Quanto às garantias, estas são instrumentos de restrição da violência e do

 poder punitivo estatal, impondo a limitação dos tipos penais, do arbítrio dos

 julgamentos e da aflitividade das sanções. O garantismo, como leciona Luigi

Ferrajoli, significa precisamente a tutela dos direitos fundamentais cuja satis

686 O processo pena l como instrumento de política criminal,  p. 38. Leciona Roxin que sob 

aspectos condutores da política criminal as relações de Direito Penal e do Direito Processual  Penal estão sob uma relação necessariamente complementar. Derecho procesal penal,  p. 6.

687 Direito processual penal,  p. 28-29.688 ROXIN, Claus. Op. cit., p. 2-3.689 ROXIN, op. c it , p. 3.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 29 5

fação, ainda que contra os interesses da maioria é o escopo justificante do

Direito Penal. E a imunidade do cidadão contra a arbitrariedade das proibi

ções e das punições; é a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para

todos; significa respeitar a dignidade da pessoa do imputado e, portanto, ma-terializando-se como garantia de sua liberdade690.

Acerca das garantias não se pode dizer que todas pertençam ao mesmo

 patamar de importância de defesa do cidadão. Em sentido estrito, garantias

são aquelas que se referem diretamente, imediatamente, à pessoa. Em verda

de, urge acrescentar que no ordenamento jurídico sobressaem como corolário

do sistema garantista, garantias formais e materiais, sendo esta aquela que

retrata a necessidade de tutela da dignidade humana. As formais, que não se

vinculam a este tipo de tutela, podem dar espaço a uma maior operacionaliza-ção do processo em obediência a uma melhor política criminal. Pode-se assim

dizer que “garantias” necessárias são aquelas advindas da tutela da dignidade

humana, e que tomam-se eficazes para o funcionamento do sistema de justiça penal. Ao contrário, as denominadas garantias que apenas o são sob funda

mentação formal, são superpostas ou obtidas por derivação às reais garantias

 processuais, e nem sempre se verificam diretamente e em respeito à pessoa.

Isto eqüivale a dizer que a não obediência a esta “garantia formal” afasta

a alegação de nulidade do processo, dado que o imputado terá, v.g., real opor

tunidade de defesa. Neste aspecto, v.g.,  a não ocorrência da possibilidade de

defesa preliminar pelo juízo criminal nas espécies de rito que a prevê691, não

enseja nulidade, em se considerando que o contraditório e a ampla defesa

terão a sua hipótese de incidência abrigadas pelo rito.

Desde o âmbito de um processo penal fundonalista, decorre que a norma

 processual não está unicamente diredonada às limitações e garantias atribuídas

ao acusado, mas será estruturada de modo que não se tome obstáculo aos objetivos de política criminal de bons resultados. Entre Direito Penal e Direito

Processual Penal é certo que há uma unidade funcional, e que acarreta a aplica

ção simultânea de princípios. Por isto, no caso concreto, a melhor solução pro

690 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, p. 851-854. Paulo Rangel ao abordar o tema afirma que a Constituição ao estatuir a liberdade não a restringiu, logo o intérprete não pode fazê-lo. Direito penal penal,  p. 2.

691 Procedimentos: Lei ns 8.6663Í93, art. 104; Código de Processo Penal, art. 514 etc.

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2 9 6 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e i t o  P e n a l

cessual é aquela dada em harmonia com os postulados funcionalistas de Direito

Penal e em estrita observância às garantias materiais de processo ao cidadão.

Esta política criminal é cunhada a partir dos denominados princípios de

Direito Penal democrático. Princípios como o da intervenção mínima, ultima 

ratio, da proporcionalidade, do direito penal mínimo, postos à disposição do

órgão público acusador, somados às teorias que afastam as bases ontológicas

do sistema penal, tomando-o meramente objetivo nos moldes das teorias da

imputação objetiva, ou da responsabilidade de Claus Roxin, permitem a ela boração de um juízo de censura sobre a intervenção do Estado, de qualquer

modo, diminuindo o seu âmbito de intervenção, conseqüentemente, obstan-

do a expansão do Direito Penal já denunciada por Silva Sánchez692, e manifestada pela “indústria legiferante” do Direito Penal simbólico ou demagógico.

6 .3 A NOVA FACE DO PROCESSO PENAL

Absorvidos os novos postulados para um processo penal funcionalista, mister

que se proceda a uma reforma legislativa, sem a qual impossível a adoção do

novo modelo. A argumentação de que a realização do direito material é um dos

fins essenciais do processo penal, exige que haja administração da justiça penal

funcionalmente eficiente. A simplificação dos procedimentos a serem estruturados pela racionalidade, oralidade, uma revisão do papel do Ministério Público

etc., são exigências não apenas para a real concretização do direito material, mas

são argumentações técnicas eficientes ao combate da criminalidade.

 Na instrumentalização dos denominados princípios^penais democráticos,

faz-se necessário flexibilizar a regra orientada pelo principio da necessidade da

ação penal pública. Se é verdade que a Lei n° 9.099/95, estabeleceu entre nós

um microssistema processual voltado à justiça consensual, e em havendo recusa

à consensualidade previu um rito concentrado e pautado na celeridade e oralidade, é certo igualmente que o fim deste rito recai sobre a falácia da imposição

de “pena” sem a realização de um juízo de culpabilidade ou de necessidade de

 pena, elementos integrantes do conceito reitor de responsabilidade de Roxin, e

que apontam para os fins da pena. Estes, aliás, não reclamam a punição de todoinjusto culpável, mas exigem uma reprovabilidade qualificada. Em sentido sis

temático, deve referir ao injusto e a culpabilidade como níveis valorativos, ao

692 La expansión de l derecho penal, p. 63-88.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 9 7

invés da aceitação de condições objetivas de punibilidade apenas693. Daí não

aderirmos ao formato da legislação hoje vigente.

O controle sobre a ação penal a partir da disciplina estabelecida no art.129, I, da Constituição Federal, deve ser exclusivo do Ministério Público,

cabendo aos órgãos superiores da sua administração a revisão sobre os casos dearquivamento, isto em correlação à matéria disciplinada aos inquéritos civis

 públicos. Entende-se que, num processo de partes advindo de um sistema

acusatório pleno, o monopólio da “opinio  sobre a formação prévia da culpa(lato sensu)”, é de exclusiva função do Ministério Público, que presidirá e

direcionará o trabalho de investigação policial.Por sua vez, não apenas a função jurisdicional do Estado terá a missão

garantista, também o Ministério Público a utilizará em sua máxima, notada

mente ao laborar juízo de admissibilidade a partir dos fins da pena. Esta base de

 pensamento começa a motivar o legislador a reformar a lei processual penal.

 Na Itália, a se ver pelo art. 125, da norma de atuação dò Código de Processo

Penal, e pelo art. 408, deste codex, estabeleceu-se uma discricionaridade “modera

da” ao Ministério Público, podendo o órgão estatal prescindir da acusação desdeque a investigação preliminar não apontasse elementos suficientes para mantê-la

em juízo. A afirmativa legal italiana é voltada aos casos de prova insuficientes.

Já na Alemanha, entende-se uma maior discricionariedade dada ao Mi

nistério Público, ao afirmar que as investigações que não oferecerem suficien

te motivos para o exercício da ação penal pública poderão ser arquivadas,

comunicando-se o sujeito desta providência, como disciplina o § 170, n° 2,

do Código de Processo Penal alemão (StPO).

Outros modelos apontam para uma redução do controle jurisdicional so

 bre o inquérito policial ou peças de investigação, senão até mesmo uma divisão

deste controle com o órgão acusador. Porém, a nosso aviso, e em qualquer modo,

não pode e não deve a função jurisdicional do Estado controlar ou dividir o

controle sobre quem deva ser processado, em manifesta manobra de desrespeito

à função garantista notabilizada pela Carta da República ao Judiciário. Deve o

 juiz manter-se afastado da formação do juízo de acusação, cabendo-lhe restrin

gir o exercício abuso de eventual ação penal em obediência aos mesmos princí

693 SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: Estado de la cuestión. Sobre el estado de la teoria de l delito,  p. 115.

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 pios de política criminal já apontados, jamais acentuar a acusação ou dela tomar

 parte direta ou indiretamente. Deve o juiz ser o fiel servo do direito de liberda

de, aqui entendido na sua máxima plenitude, inclusive para afastar a incidência

no sistema punitivo de processos sem justa causa.Além da revisão sobre a iniciativa da ação penal, tal como no processo

alemão, neste momento paradigma às discussões em tomo do novo perfil do

Ministério Público, fundamentalmente deveria o mesmo conduzir a investi

gação criminal694, ordenando detenções cautelares, seqüestros, ainda que por

abreviado espaço de tempo, com imediata comunicação ao juízo. Estas prer

rogativas estão alinhadas no Código de Processo Penal alemão (StPO) em

seus arts. 160 e seguintes.Tramitam no Congresso Nacional brasileiro algumas propostas de refor

ma do Código de Processo Penal, entre outras a que destina ao Ministério

Público o controle da investigação policial. Tema polêmico entre nós, sua

consecução ainda tardará dado aos interesses em tela, neste momento de abor

dagem desnecessária. Quanto à ordenação de detenções cautelares, para a sua

efetivação, somente após uma reforma da Constituição Federal por meio de

um processo originário, dada a exclusividade da função jurisdicional em de

terminar a custódia da liberdade do cidadão, excepcionando os casos de fla

grante delito onde qualquer um do povo pode, e a autoridade policial deve,

efetuar a autuação, conforme art. 5o, inciso LXI, da Constituição Federal.

Tecer críticas ao atual modelo processual brasileiro não é difícil. Apontar

excesso de formalidades no processo, ou a grande crimijàalidade, ou a escassez

de policiais, de membros do Ministério Público, da Magistratura e de serven

tuários, fazem parte de um discurso crítico diário. Atentando para a necessi

dade de reformular a estrutura processual penal, os “juízos rápidos” surgemcomo importante alternativa a superar as tão propagadas mazelas do sistema

 processual penal brasileiro, e tendem a satisfazer algumas necessidades, carac

terizados que são pelos princípios da oralidade, imediação e concentração do

 procedimento, sempre em respeito às garantias materiais do cidadão no pro

cesso. No plano processual, a sua implantação garante os direitos do imputa

do. Já na concepção de direito material, a sua verificação garante a aplicação de

2 9 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

69 4 ROXIN, Claus. Posición jurídica y tareas futuras del ministério público. El ministério público en e l proceso penal, p. 54 e ss.

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 2 9 9

determinadas necessidades de política criminal, possibilitando a prolação de

decisão materialmente correta sobre a punibilidade do agente. Por fim, no

âmbito jurisdicional, possibilita a prestação de um serviço dotado de eficácia

em função da tutela dos direitos do cidadão.E cediço que a demora no processo penal é aproveitada pelos sujeitos

infratores para subtrair-se do alcance da autoridade judiciária e, sobretudo,

 para reiterar condutas criminosas, contribuindo para o sentimento geral de

impunidade e de flagrante desrespeito aos direitos civis. Noutros casos, o que

se vê é um excesso de prisão cautelar ao imputado, e não raras são as vezes em

que o sujeito é absolvido por qualquer uma das razões previstas em lei. Por

conseguinte, se o processo não fosse excessivamente lento, e, por conseguinte,

 prejudicial à cidadania, não haveria de se pugnar pela imposição de um pro

cesso rápido, sem dilações probatórias indevidas, tornando-se, assim, hábil a

concretizar os fins da pena elencados pelo Direito Penal moderno.

Acerca da brevidade desejada no sistema brasileiro, estabeleceu a Lei n°

9.099195, a sua instalação apenas para os delitos com previsão de pena máxi

ma de 2 anos, contudo, permanece sob o processo “ortodoxo”, o julgamento

de sujeitos que se encontram presos cautelarmente, além de outras infrações

 penais que não se inserem no contexto da Lei dos Juizados Especiais Criminais. Em sentido contrário a este, o Código de Processo Penal francês estabe

lece em seus arts. 393-397, que o detido seja julgado no mesmo dia de sua

autuação, desde que assistido por advogado, e que aceite fazer a defesa sem a

verificação de um prazo para a sua preparação. Isto porque naquele país, cons-

tatou-se a preferência a um julgamento rápido a aguardar uma prisão de du

ração incerta. Isto sem se falar na possibilidade de consenso entre as partes do

 processo, o que implica numa mudança de postura do Ministério Público de

sujeito passivo quanto à aplicação da lei, a efetivo mediador do conflito esta belecido entre o Estado e o delinqüente.

Enfim, neste momento, o que se aponta é uma reforma substancial do processo penal, adotando em seu corpo critérios de funcionalidade. Aqueles

delitos com previsão de pena máxima a 8 anos, sugere-se o emprego do pro

cesso rápido, destarte, destinando às infrações mais graves uma marcha mais

 prudencial e dilatada.

Esta mudança no sistema exige que o papel do Ministério Público no processo penal seja reformulado, a partir da superação a entraves constitucio

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Fá b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 301

delitos contra bens jurídicos difusos é necessário à sua tutela eficaz a amplia

ção das cautelares reais, em especial quanto a modalidade de seqüestro, po

dendo fazê-lo incidir em respeito ao injusto havido, assegurando,monetariamente, a futura reparação.

6.4 A VERIFICAÇÃO DA CULPABILIDADE E DA TEORIA DOS FINS DA 

PENA NO PROCESSO PENAL.

Outro tema de grande importância para a teoria tradicional da culpabi

lidade é o que se refere ao momento de se determinar e individualizar a pena,

ex vi  do art. 59, do Código Penal. E de se indagar o que deve influir na

valoração do acontecimento junto ao injusto do fato? Seguramente, a valora

ção não só se determina pelo resultado do fato e pelas circunstâncias concomi

tantes que conformam o injusto de ação, senão também, e de maneira essencial,

 pelo conteúdo semântico e a importância que se atribua à culpabilidade pes

soal do autor. Precipuamente para estabelecer, empiricamente, uma pena jus

ta, e que por sua vez atenda a fins democráticos.

Para as concepções causai e final, a culpabilidade do autor é também o

fundamento da medição da pena. Ainda, indaga-se se fatores estranhos aofato podem ser levados em consideração na formulação da culpabilidade, ou

se isto acarretaria na renúncia total ao Direito Penal do fato e o retorno à

culpabilidade pela condução de vida ou de caráter. Por estas concepções, em

suma, o julgador analisa os móveis e fins do autor, a atitude que se despren

de do fato, a vontade empregada no fato, o grau de infração do dever, os

modos de execução e os efeitos culpáveis do fato, a vida anterior do autor,

suas circunstâncias pessoais e econômicas, assim como o seu comportamen

to posterior ao fato, e se o autor esforçou-se para reparar o ofendido, tal

como prescreve o art. 59, do Código Penal brasileiro, e no mesmo sentido o

§ 46, do Código Penal alemão (StGB). Enfim, trata-se de uma declaração

geral sobre a relação existente entre a determinação e os fins da pena, tam

 bém chamadas de “causas finais de determinação da pena”697.

entendo que em se tratando de medida cautelar, e portanto de exceção, seu emprego apenas pode se dar a partir de sua previsão legal, até mesmo porque no sistema penal democrático efetuar analogia in matam parte é vetado.

697 Neste sentido: Claus Roxin, La determinación de Ia pena a Ia luz de Ia teoria de los fines de Ia pena. Culpabilidad y prevención en derecho penal,  p. 93.

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3 0 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

Quanto aos fins da pena, e de maneira genérica, exsurgem as teoriasabsoluta e relativas da pena. Pela primeira, a pena serve à retribuição pelo

delito cometido. A pena é castigo. A partir do advento das teorias relativas,

alterou-se o objetivo da pena. Inicialmente, pelos positivistas, a pena foi vistacomo instrumento de prevenção, dado que o ser-humano delinqüente era um

ser anormal, daí advindo a necessidade de cuidados, entre outros através dainstituída medida de segurança, atribuindo-a como critério da prevenção es

 pecial positiva, esta também vista pela (res) socialização pretendida.

Pela prevenção geral, inicialmente a modalidade negativa, destaca-se a

teoria da coação psicológica ou da intimidação de Feuerbach, servindo a pena

como instrumento de inibição ao cidadão que não perpetrou o crime. A meu

aviso, inconstitucional com a atual ordem democrática de proteção das liber

dades públicas. Quanto à acepção positiva, sobressaem as teorias motivacio-

nais, contratuais, além de outras que recebem conteúdos ditados pela dogmática penal, pela sociologia de Luhmann e pela filosofia de Habermas.

Com estas considerações, exalta-se uma incompatibilidade entre as concepções da culpabilidade na moderna teoria do delito e o conceito de culpabi

lidade para a medição da pena, tampouco aqui repercute a polêmica entorno

do determinismo ou indeterminismo698.

 Noutro sentido, ao debater a aplicação dos postulados dogmáticos fiinciona-

listas no processo penal, nota-se uma dificuldade por parte de alguns profissionais

das ciências penais na sua plena compreensão. Praticamente porque alguns auto

res isolam as novas teorias do delito e da pena do Direito^Processual Penal, apli

cando o último tal como já se fazia no passado, em que a dogmática jurídico-penal

ainda não tinha sido depurada tal como é hoje, à exceção do aperfeiçoamento dos

mecanismos de garantias processuais do imputado.Concentram os pragmáticos seus esforços na busca da autoria e da materia

lidade em respeito ao devido processo legal, postergando ao segundo plano a veri

ficação “das teses excludentes da responsabilização penal”. Sem conseguir

compreender as novas teorias penais, as quais, aliás, exigem esforços e meditação,

os operadores da ciência penal não as conduzem à efetividade através do processo

 penal, tomando-as próprias dos “professores de Direito Penal”.

698 Também: Tatjana Hõmle, La concepción anticuada de la culpabilidad en la jurisprudência y doctrina tradicionales de la medición de la pena. ADPCP,  vol. LIV, 2001, p. 412.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 3 0 3

Buscando aproximar a dogmática penal funcionalista ao processo penal,

e no aspecto da já citada complementariedade, cita Fernando Fernandes a

 precisão contida no § 153, do Código de Processo Penal alemão (S tPO), de

que o Ministério Público pode prescindir do processo penal com a autorização do Tribunal, se a culpa do autor for de pequena importância, e se não

existir interesse público na persecução. E, sequer precisará da aprovação do

Tribunal se o delito não estiver ameaçado com uma pena superior ao mínimo

legal combinado com as conseqüências mínimas ocasionadas pelo ato699.

O fundamento material da possibilidade de disponibilizar o exercício da

ação penal reside no fato de que a culpabilidade e a teoria dos fins da pena são

relevantes para o Direito Processual Penal, neste instante, particularmente no

que tange ao embate estabelecido com o princípio da obrigatoriedade700. Isso porque, constatada a culpabilidade diminuída, ou como prefiro, ausente a

responsabilidade penal através da falta de necessidade preventiva de pena, e

 por conseguinte ausente o interesse público na persecução penal dos delitos

de iniciativa pública, dada a não-verificação de exigências preventivas geral

(positiva e negativa) e especial positiva de pena, caberia ao membro do M inis

tério Público utilizar a oportunidade de oferecer ou não a denúncia.

Em continuação, quanto à suspensão do processo, esta igualmente pode

se dar por razões político-criminais, ou como estratégia de persecução para se

alcançar um êxito maior na investigação criminal.

Se ao Ministério Público, nesta concepção, é facultada a disposição sobre

o exercício da ação penal, o Juiz não precisa, necessariamente, aguardar o pro

nunciamento ministerial para empregar as soluções ditadas pelo método fun

cionalista. Ou seja, em contrapartida, poderá o juiz rejeitar a denúncia ofertada

através do controle sobre a oportunidade, quando se convencer da desnecessi

dade de ulterior aplicação de pena em obediência à teoria dos fins da pena, emvista de que o fato narrado na peça acusatória, em conjunto com outros dados

trazidos pela investigação criminal realizada, assim apontam. Igualmente, poderá

fazer uso do mesmo raciocínio quando da prolação da sentença, oportunidade

699 O processo pena! como instrumento de política criminal,  p. 38.----

700 Neste aspecto, o Código Penal austríaco (StGB), em seu § 42, contempla a possibilidade de o membro do Ministério Público utilizar da oportunidade para o não exercício da ação penal em caso de escassa culpabilidade.

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3 0 4 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e i t o  P e n a l

em que discorrerá, na motivação, sobre as razões de imprestabilidade ou ine

ficiência para a aplicação de uma pena701.

 Não obstante ao exposto até aqui, serve esta complementariedade igualmente para manter regras e orientações próprias de cada uma destas ciências, até

 porque aspectos próprios de cada qual não convergem entre si, em especial cita-

se as normas puramente procedimentais. Deste modo, mantém-se a autonomia

dos princípios específicos, e, por conseguinte, do próprio processo penaL

 No Brasil, se críticas podem ser fartamente lançadas ao microssistema

 processual inaugurado pela Lei do Juizado Especial Criminal, é certo que as

suas disposições surgem também da complementariedade de natureza políti-co-criminal das teorias do delito e da pena; isto é, dos institutos de Direito

Penal, notadamente quando o microssistema processual assimila uma solução

“menos gravosa” ao sujeito do que aquela anteriormente prevista pelo. ordena

mento processual ortodoxo, entenda-se: ação penal pública mitigada.

Quanto ao papel desenvolvido pela dogmática penal no âmbito funcio

nalista, discorre Rudolphi que o conteúdo das normas penais de conduta ou

sanção, devem determinar-se a partir dos fins e objetivos que se propõem a

realizar702. Com isso quer se dizer que o objetivo da intervenção penal recaisobre a resolução dos casos ocorridos no m undo real, a partir da adoção de um

modelo foijado em bases de política criminal, sem se olvidar da necessária

efetividade que se deve dar e reconhecer ao sistema criminal.

Sobre o tema, sustenta Mario Chiavario que “o conteúdo político crimi

nal deve, necessariamente, estar contido no processo jpenal, tornando-o da

mesma forma um instrumento eficaz na obtenção das finalidades primárias

do sistema punitivo estatal”703. Ou seja, a efetividade da dogmática jurídico- penal somente poderá ser alcançada se a mesma corresponder-se com um

modelo processual penal simétrico. A congruência entre ambos formará uma

unidade expressada através da relação de complementariedade funcional, que

701 Sem atentar especificamente ao ponto aqui esboçado, sustenta Antonio Magalhaes Gomes 

Filho, a estruturação da motivação, p. 115-130.702 RUDOLPH I, Hans-Joachim. El fin del derecho penal del estado y Ias formas de imputación 

 jurídico-penal. Et sistema modemo de! derecho penal; cuestiones fundamentales,  p. 81.703 Qu alche sollecitazione per un confronto. // nuovo codice de procedura penale visto  

dalVestero,  p. 18.

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F á b i o  G u e d e s  d e  P a u l a  M a c h a d o  - 3 0 5

deverá ser somada pela execução penal, constituindo o que denomina Figueiredo Dias de “direito penal total”704.

 Neste aspecto, leciona Roxin que uma ordem de Direito Penal será tão boa (eficiente) na prática quanto lhe permita o procedimento para a sua rea

lização. E , ao inverso, uma regulação processual satisfatória não é possível quan

do não está concebida para o direito material705. Exemplificando, aponta Roxin

“que se a sanção deve ser aplicada principalmente segundo critérios preventi-

vo-especiais, isso deve ser tomado em consideração pelo Direito Processual

Penal por meio de uma configuração do procedimento concebida para inves

tigar a personalidade do autor, como precisamente o prevêem os planos dereforma para a nova regulação do juízo oral”706.

Percebe-se, pois, a necessidade de estabelecer-se entre a dogmática jurídi-

co-penal e o Direito Processual Penal uma comunicação, em razão de que este

não poderá deixar de atentar aos fins do Direito Penal. E, se o modelo que ora se

opta é o cunhado nas bases de um sistema teleológico-racional, esta comunica

ção igualmente será teleológica e valorada nas estruturas da política criminal.

Mesmo após a aproximação teórica dos Direitos Penal e Processual Pe

nal, resta afirmar que o momento de maior exaltação desta combinação refor

mulada é o da sentença, notadamente na sua motivação. Como leciona Antonio

Magalhães Gomes Filho, com o apoio de M anuel Atienza, “a motivação tem

a natureza de um discurso justificativo da decisão judicial, não apenas ampa-

rando-se nos antecedentes causais para explicar a decisão, mas sim de dar

razões que justifiquem a solução encontrada num contexto intersubjetivo”707.

Estas razões poderão ser fundadas no livre convencimento do juízo. Não

aquele que recai sobre a verdade dos fatos, mas sim o que recai sobre umaopção teórica dentre várias existentes. O juiz, ao estabelecer como base do seu

 pensamento o funcionalismo teleológico-racional, decorrendo de seus postulados um contexto teórico aplicável ao caso concreto, entenda-se, v.g., teorias

da imputação objetiva ou da responsabilidade (Verantwortlichkeit), como ele

mento do delito ao lado do injusto, ou dos fins da pena no Estado Democrá

704 Direito processual penal, p. 23e ss.705 Derecho procesal penal,  p. 6.706 Idem, p. 7.

707 A motivação das decisões penais,  p. 116.

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306 - Cu lpab i li dade n o  D i re i to P e n a l

tico de Direito, não apenas reafirma a função política da motivação das decisões judiciais708, mas estabelece o liame entre a dogmática jurídico-penal e o

 processo penal através do discurso argumentativo.

Ultrapassadas as primeiras barreiras, centralizam-se as dificuldades dosestudiosos das ciências penais, e em particular dos processualistas penais e dos

 juizes, em caracterizar na sentença a teoria dos fins da pena. O que se vê na praxis forense, em regra, é a repetição de dispositivos legais na sentença (art.59, do CP), e a manifesta ausência de fundamentação quanto aos fins da pena

que se impõe. Igualmente ausente a exposição de critérios quanto a própriadeterminação do quantum de pena.

Sobre este tema, Pallin, Albrecht e Fehérváry, efetuaram investigaçãoempírica e apuraram claramente a distância existente entre a teoria e a prática,afirmando, inclusive, que a dogmática exerce uma influência escassa no pro

cesso prático de decisão. Para estes autores, os práticos não desejam ver-se

limitados no campo da decisão devido a edificação de barreiras dogmáticas?09.

6.5 A DETERMINAÇÃO DA PENA

Quanto à determinação da pena ressalta-se a sua importância no contex

to geral, sendo que ela busca obter a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo delito, como também de poderfortalecer a consciência jurídica da comunidade, impondo ao autor do delito

não apenas uma sanção que “mereceu”, ou que corresponda à gravidade do seu

delito. Noutra vertente, a determinação ou a individualização da pena é amaterialização da teoria dos fins da pena. Alcançam-se tais fins a partir daelaboração de um processo psicológico, valorativo, mutável, e que absorve a

valoração da comunidade em dado momento político. E , não raras vezes, pautada em raízes moralistas, o que se rechaça, a propósito.

A partir do posicionamento de Roxin, constatada a culpabilidade e antes

de o juiz fixar concretamente a pena, deve verificar a sua necessidade. Quando

desnecessária, deverá dispensá-la710.

708 Idem, p. 79.709 A pena e a sua fixação na criminalidade grave na Aústria, p. 276, apud Hans-Heinrich 

Jescheck, Evolución del concepto jurídico-penal de culpabilidad en Alemania y Áustria, op. cit., p. 13.

710 Pioneiramente no Brasil, Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina sustentam que o juiz poderá dispensar a pena se não se verificar a sua necessidade, nos termos do art 59, do

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 3 0 7

Outrossim, aparentemente, este processo pode parecer impróprio em face da

dogmática jurídico-penal funcionalista, que pretende racionalizar ou fundonali-

zar a elaboração científica do processo de determinação da pena, e afasta qualquer

conotação moralista ou ontológica radical, pará então apegar-se à normatividade.Para a plena compreensão do tema, indispensável abordarmos alguns

aspectos acerca das principais teorias da medição da pena, para então infor

marmos uma concepção que oriente o juiz a determinar a pena com funda

mento no Estado Democrático de Direito.

A.) A teoria da margem de liberdade ou teoria do espaço de jogo

(Spielraumtheorie), dominante na doutrina e jurisprudência alemã sobre medição

da pena, considera que “não se pode determinar com precisão qual a pena

correspondente à culpabilidade”711, não porque exista uma magnitude penal que

se corresponda com o exato grau de culpabilidade e que, por nossas limitações não

 possamos vê-la com claridade, mas em verdade porque esta magnitude não existe,

e por isto os adeptos desta teoria afirmam que ela se ajusta melhor à realidade do

ato de determinação da pena712.

Disso resulta que há uma margem de liberdade limitada em seu grau

máximo pela pena adequada à culpabilidade. Assim, o juiz não pode impor

uma pena que ultrapasse o limite máximo, isto é, que em sua magnitude ounatureza seja tão grave que se tome inadequada à culpabilidade713.

Sob outro sentido teórico, pode-se dizer que esta teoria afirma a existên

cia de imagem de pena adequada à culpabilidade714, e mais, o espaço de jogo

é composto por considerações preventivas especiais e gerais.

Código Penal. Neste sentido, cita que o perdão judicial é exemplo de dispensa judicial da  pena. In D ireito pena! parte geral, v. 2, p. 574. Ocorre que esta afirmativa trás conseqüências metodológicas, ou seja, filiam-se os autores, a'nosso juízo, à concepção funcionalista roxiniana, que a propósito, estabelece o conceito reitor de responsabilidade, sendo este preenchido pela  culpabilidade e necessidade preventiva de pena, como elemento integrante do conceito de delito ao lado do injusto. Rompe-se, portanto, com a adesão ao finalismo welzeniano, visto que esta concepção não contempla juízo de valor sobre a necessidade ou não de pena no seio da teoria do delito.

711 ROXIN. La determinación de la pena a la luz de la teoria de los fines de la pena. Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 95-96.

712 ROXIN, La determinación de la pena a la luz de la teoria de los fines de la pena. Culpabilidad y prevención en derecho penal,  p. 96.

713 ROXIN, idem, p. 96.

714 HÕRNLE, Tatjana. La concepción anticuada de la culpabilidad en la jurisprudência y doctrina tradicionales de la medición de la pena. ADPCP, 2001, p. 402.

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3 0 8 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

Ou seja, esta teoria surge para explicar o fenômeno em tomo da determi

nação da pena e da retribuição da culpabilidade. Isto é, o juiz ao aplicar a pena

não pode ultrapassar a culpabilidade do fato, porque só deste modo se consegue atingir a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica

 perturbada e fortalece a consciência jurídica da comunidade impondo ao autor do delito uma sanção que mereceu. Trata-se, então, de uma sanção que

corresponda à gravidade do delito715, embora o conceito de merecimento sejaalgo que surja naturalmente de forma individualmente considerada, baseada

na formação psico-social ou nos valores internos de cada pessoa, algo, portan

to, quase metafísico de se precisar.

Quanto a esta argumentação, é grande a distância havida entre a teoria e a

 práxis, pois se numa construção teórica é fácil afirmar que a pena correta é aque

la que corresponde à culpabilidade, quantitativamente, deparamo-nos frente a

um problema sem solução, onde o julgador, a partir da análise do fato, e acresci

dos um conjunto de dados internos, fixará a pena, não tendo como explicar

 pequenas variações na dosimetria da mesma, pouco importando no que se refere

à prevenção geral, mas sim no âmbito da prevenção especial. Aqui, pois, temos a

figura do condenado e da liberdade especificamente considerada, e qualquerfração de liberdade é de grande importância não apenas para o próprio condenado, mas principalmente para um Estado garantidor da liberdade do homem.

A pena adequada à culpabilidade, para esta teoria, é o instrumento de alcan

ce à finalidade politico-soáal, isto é, serve à prevenção geral no sentido de que a

condenação seja aceita pela sociedade como sendo justa, cofeborando na estabili

zação da consciênda jurídica716. E mais, enquanto a culpabilidade é o fundamen

to concreto para a determinação da pena, na margem de liberdade as considerações preventivas são verificadas, e estas deddem sobre a magnitude da pena.

Desse pensamento, é fácil perceber que, obviamente, é proibida a impo

sição de uma pena acima da culpabilidade, pois ela é o fundamento da deter

minação da pena. O problema reside, diz Roxin, em saber se é possível a

imposição da pena em grau inferior ao da culpabilidade, quando conveniente para obter a ressodalização do imputado717.

715 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 96-97.716 ROXIN. Culpabilidad...,p.  97-98.

717 ROXIN. Culpabilidad...,p.  104-105.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 3 0 9

Em bora a primeira resposta, por estrita coerência metodológica fosse da

 proibição, mutatis mutandis, diz Roxin que os juizes alemães consideram a

culpabilidade como fundamento e não como ponto de referência da determinação da pena. Assim, esta situação é permitida por razões de prevenção espe

cial, possibilitando que uma pena inferior à culpabilidade seja aplicada nos

casos em que a pena correspondente à culpabilidade tenha um caráter preju

dicial à ressocialização, sendo o limite máximo da diminuição o necessário

 para a defesa do ordenamento. Salienta-se que esta teoria não contém o res

 paldo do Tribunal Supremo Federal alemão, que se m antém adepto da teoria

da pena adequada à culpabilidade, como sendo a teoria mais apta a manter a

confiança da população no direito718.

Conseqüência deste último posicionamento dogmático é que a proteção

de bens jurídicos só pode garantir-se em razão da adoção da teoria da pena

adequada à culpabilidade.

Percebe-se nesta teoria uma possibilidade de flexibilização no quantum 

de pena fixada pelo juiz, e esta legitima a imposição de penas diferentes em

casos semelhantes dadas as variações estabelecidas a partir do convencimento

de cada juiz.Entretanto, fortes críticas são apresentadas a esta concepção teórica. In i

cialmente, porque a medição da pena determ inada pela prevenção (práventive

Strafzumessung) é vaga e imprecisa, a se perceber, v.g. no âmbito da crimina

lidade leve ou média, oportunidade em que dada a condição do autor a eficá

cia preventivo-geral e especial não ocorreria. Outra crítica argumenta que esta

construção esconde valorações subjetivas, e em determinadas circunstâncias

impregnadas de emoções e parcialidades do juiz penal. Enfim, a fundam enta

ção de uma pena adequada à culpabilidade é só o asseguramento posterior de

uma decisão que realmente dá assento às necessidades psicológicas de pena

(Strafbedürfnisse) para quem falha719.

Diz Tatjana Hõrnle que a teoria do espaço de jogo contribuiu de forma

relevante à precária situação de compreensão do conteúdo semântico do § 46,

Io, I, do StGB, que para nós corresponde ao art. 59, do Código Penal. Isto

718 Idem, op. cit., p. 105-107 e 117.

719 HÕRNLE, Tatjana. La concepción anticuada de la culpabilidad en la jurisprudência y doctrina tradicionales de la medición de la pena. ADPCP,  2001, p. 405.

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310 - C u l p a b i l i d a d e n o  D ir e it o  P e n a l

 porque a presente teoria sugere a possibilidade de se alcançar uma harmonia

entre medida da pena e considerações preventivas, enquanto que, faticamente,

o operador jurídico necessita critérios para determinar a pena adequada à cul

 pabilidade em uma determinada medida de pena720.

B.) Em contrapartida à teoria da margem de liberdade, sustenta a teo

ria da pena exata (Punktestrafe), que a culpabilidade só pode corresponder

a uma pena exatamente determinada. Aqui, justifica-se a diferença de opi

nião entre juristas quanto à fixação da pena dadas as diferenças do conheci

mento humano.

Certo é que precisar uma magnitude penal que corresponda com exatidãoao grau de culpabilidade é impossível de auferir. Isso porque o sentimento de

 justiça da comunidade, ou a individualidade de cada juiz, e o seu conhecimento

humano, apontam distintas configurações. Neste contexto, também não se ob

serva a relevância a ser destinada à prevenção. Poder-se-ia considerar que os fins

 preventivos seriam perseguidos apenas no processo de execução da pena, restan

do ausentes da própria cognição ou convencimento do juiz.

C.) Noutro sentido, ressalta Roxin que a teoria do valor do emprego, deHeinrich Henkel, leva em consideração duas perspectivas sucessivas e inde

 pendentes no momento da aplicação da condenação: a retribuição da culpabi

lidade e a prevenção. Porém, atribuindo a cada qual um valor de emprego na

lei completamente diferente721.

Pela retribuição, baseia-se na determinação da magnitude da pena, isto é,

leva em consideração apenas o grau de culpabilidade, enquanto que a deter

minação da pena em sentido amplo, v.g. fixação de pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa, suspensão condicional da pena e liberdade

condicional, leva em consideração apenas aspectos preventivos.

 Noutras palavras, a determinação judicial da pena (determinação da

magnitude da pena), abstrai qualquer critério preventivo, fixando-se apenas

conforme o grau de culpabilidade. Entendem os seus adeptos de que não é

 possível empregar de modo cientificamente seguro considerações preventivas

na hora de se determinar a magnitude da pena.

720 Idem, p. 404.

721 ROXIN. Culpabilidad.../   p. 117.

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F á b io  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 311

Pode-se, então, concluir que a retribuição da culpabilidade e os aspec

tos de prevenção surgem como graus sucessivos e independentes da deter

minação da pena.

Esta teoria também não está isenta de críticas. A primeira que se apresenta, é a que afirma as dificuldades em retribuir a culpabilidade e a prevenção em

diferentes estágios da determinação da pena. Isso porque se a determinação da

 pena se rege pelos fins que esta deve alcançar, não há, em contrapartida, qualquer critério que possa justificar esta integral separação, haja vista que se a cul

 pabilidade do réu só deve ser fundamento da determinação da pena, logo, os

aspectos de natureza preventiva se darão a partir de outros dados.

E certo que a lei alemã não categorizou neste sentido722, e, não obstante

a isso, no caso alemão e igualmente no brasileiro, há a previsão legal de umasérie de circunstâncias (comportamento anterior ou posterior do acusádo, da

vítima, motivos, fins etc.), que não determinam unicamente o quantum  de

culpabilidade, mas orientam as necessidades preventivas. Assim, mais uma

vez a citada teoria fere a legalidade estabelecida.

Outra crítica afirma que o juiz ao formar o juízo condenatório, deve

considerar os efeitos da pena para a vida futura do réu em sociedade, portanto,

fins especiais. Então , a teoria do valor do emprego não pode ser utilizada, em

razão de que no momento da fixação do quantum, esta não se utiliza dosaspectos preventivos especiais, pois para si a culpabilidade do réu é o funda

mento da determinação da pena. Por conseguinte, a própria lei não dá suporte

à teoria do valor do emprego.

Acerca deste tema, d iz Roxin, que do ponto de vista teleológico, é difícil

conceber uma divisão em momentos diversos na análise entre retribuição da

culpabilidade e prevenção na determinação da pena, pois se a determinação da

 pena se rege pelos fins da pena, não há nenhum critério normativo-valorativo

que justifique esta pluralidade, embora os defensores da teoria atacada con-tra-argumentem na assertiva de que não é possível empregar de modo cientí

fico e seguro, considerações preventivas no momento de se determinar a

magnitude da pena. Isto é, afirmam que num mesmo momento, o juiz não

tem como revestir-se de caráter repressivo e preventivo ao mesmo tempo.

722 ROXIN. Culpabilidad.../   p. 120.

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3 1 2 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

D.) Ao argumento de que as normas relativas à determinação judicial

da pena devem interpretar-se na linha de uma teoria normativa e comuni

cativa da prevenção geral positiva, afirma Bernardo Feijóo Sánchez a inexistência de uma medida ou quantificação universal sobre o que é uma

 pena adequada à culpabilidade pelo fato, já que cada sociedade te m as

suas próprias necessidades preventivas. Por assim dizer, o princípio da cul

 pabilidade só serve como limite aos aspectos que podem ser tidos em conta para incrementar uma pena723. Com isso quer se dizer que o m áximo da

 pena dete rmin ado pelo ord enamento ju rídico não é condicionado pela

idéia de culpabilidade pelo fato, mas sim pelas necessidades preventivo-

gerais condicionadas por determinados valores da sociedade. Com isso o princípio da culpabilidade só exige que o sujeito esteja relacionado com o

fato delituoso para que seja aplicado. Já quanto à individualização da pena

serão utilizados dados inerentes ao delito, o que significa dizer que a teo

ria da determinação da pena serve-se de fatores relacionados com o injusto

e a culpabilidade, selecionando os dados ou fatores relevantes para efeito

de determinar a pena. Outrossim, significa dizer que dados que não tenham relação com o fato delitivo não podem ser considerados na fixação

da pena, ex.: reincidência, clamor público etc724.

E.) Na linha pautada na política criminal, compreende-se que na sen

tença condenatória, declarada pelo juiz a culpabilidade do réu, junto a esta

alcança-se a prevenção geral positiva, pois é ela quem tem por objetivo confir

mar à sociedade a inviolabilidade da ordem jurídica, e assjpi fortalecer a fide

723 Retribución y prevención general,  p. 679.

724 Em sentido contrá rio, e desde a concepção psico lógica de Kõhíer, se sustenta que ahabitualidade de uma modalidade delitiva é elemento que incrementa o injusto ao aumentar o significado do fato para a coletividade. Eqüivale a dizer que o autor conhece o seu injustocomo sendo agravado, por estas razões a sua culpabilidade será maior. É o que ocorre nocaso do crime continuado e nos delitos cumulativos, onde há a acumulação de diversos delitos e reiteração de condutas. Para este autor o decisivo é só que o autor conheça o contexto social no qual realiza o seu fato. Aqui a pena será agravada em razão do significado para a vigência do ordenamento jurídico. Contudo, excepciona-se quando os autores das infrações reiteradas estão motivados por problemas advindos da própria sociedade, e se vêem obrigados a delinqüir para cobrir as suas necessidades básicas, v.g.,  furtos famélicos, 

crises econômicas etc. Quanto à reincidência pode-se sustentá-la em obediência a considerações preventivo-gerais relacionadas com a maior quebra da confiança da norma por parte do reincidente, o  que aqui se considera melhor do que justificá-la por considerações preventivo-especiais baseadas na perigosidade do autor. In  Bernardo Feijóo Sánchez, Retribución y prevención general,  p. 682-684.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 3 1 3

lidade ao Direito pela população, e dela decorre os efeitos de aprendizado, deconfiança e de pacificação.

Tal como já exposto, a prevenção geral positiva alcança-se independente do quantum  de pena a ser destinado ao réu, o que conduz a uma

 pena moderada, diferentemente da noção que se empresta à prevenção

geral negativa, que necessariamente importa uma majoração de pena. A

luz da prevenção especial positiva, o juiz deve ter a sensibilidade de esti

mar a pena diante das necessidades do réu para se recompor à sociedade.

Aqui, destacam-se a composição autor-vítima, a reparação do dano com

esforço pessoal do réu, o trabalho de utilidade pública, a terapêutica res-socializadora da personalidade do condenado, formação profissional em

obediência à geografia econômica etc. Enfim, como anteriormente apon

tado, nesta estrutura o condenado é levado a sério como pessoa, havendo

um impulso motivacional que jamais receberia um condenado apenas sub

metido à reação estatal.

E certo também que amparar-se nos dispositivos da prevenção geral po

sitiva para a formação do juízo condenatório e sua fixação, faz surgir algumas

interessantes questões. Vejamos: se o autor está integrado socialmente masrealiza um injusto e a consciência popular mantém-se motivada a cumprir a

norma, por razões de prevenção geral não há porque impor-se uma pena pelo

ato cometido, v.g. estado de necessidade exculpante. Aqui o sujeito fica im

 pune, embora tivesse condições de agir de outra maneira. Igual fundamento

recai sobre a inimputabilidade e o erro de proibição, ou seja, a falta de neces

sidade de prevenção jurídico-penal.

Esta teoria explica porque, em alguns casos o legislador castiga e emoutros não, em que pese o agente v.g. poder agir de maneira diferente a como

agiu, além de não se fundamentar na clássica polêmica do livre-arbítrio, tal

como fazem as já vistas teorias sobre a culpabilidade.

Analisando o famoso caso do pós-guerra, em que médicos a serviço do regi

me nazista mataram diversas pessoas portadoras de doenças mentais com o obje

tivo de salvar outro número indeterminado de pessoas, reconhece Roxin que subsisteo injusto em tais casos, embora figure posicionamento de exclusão da causalidade

 pela diminuição do risco. Isso porque nada pode justificar que se mate um ino

cente, até mesmo porque não há como se saber se a ordem seria efetivamente dada

 pelo responsável do extermínio. Daí por diante, reconhece-se a culpabilidade e a

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3 1 4 - C u l p a b i l i d a d e  n o  D i r e it o  P e n a l

 punibilidade, porque o autor estava em perfeitas condições de cumprir o manda

mento jurídico e se negar a participar da morte dos inocentes725.

Para a doutrina majoritária reconhecer a culpabilidade, diz Roxin, basta

que o autor estivesse em condições de empreender outra conduta, desviando-

se, portanto, das regras do Direito, não estando Welzel com razão quando, na

análise desta mesma questão, reconhecia a antijuridicidade, excluindo, entre

tanto, a culpabilidade na assertiva de que a ordem jurídica tem de se mostrar

indulgente, porque qualquer outro cidadão agiria como o autor726.

Para tal problema, a saída apresentada por Roxin é muito mais simples

de compreender, pois bastaria perguntar se esta conduta, reconhecida comoantijurídica, requer uma sanção penal por razões de prevenção geral ou espe

cial? A resposta seria não, seja pela singularidade do caso, seja pela finalidade

do autor em preservar bens jurídicos, exduindo-se, assim, a responsabilidade

 penal, ainda que os autores fossem culpáveis727.

 No exemplo a seguir, Roxin esclarece a dúvida em tomo do tema: “Se a

 pena adequada à culpabilidade oscila entre dois e três anos, e se se parte do

 ponto de visa preventivo, dois ou três anos são absolutamente equivalentes,assim, o juiz deverá manter-se no limite mínimo que lhe permite o marco de

culpabilidade e não poderá impor mais de dois anos de privação de liberdade,

 pois quando um a pena de larga duração não assegura mais vantagens que uma

de menor duração, fica exduída sua aplicação pelo critério da proibição de

 penas excessivas, porque dois anos de privação de liberdade são suficientes

 para retribuir a culpabilidade”728. ^

E mais, no que tange à culpabilidade na determinação da pena, afirmaRoxin que esta tem um conteúdo diverso daquele inserido como fundamento

da pena, embora estejam unidas. Isto é, na culpabilidade como fundamento

da pena, discute-se se o autor deve ser ou não castigado, a partir da indagação

de se saber se pode o mesmo atuar ou não de outro modo, ou se é necessário

sancionar o seu comportamento729.

725 ROXIN. Culpabilidad...,  p. 88.726 Idem, op. cit., p. 88.

727 Idem, op. c it , p. 88-89.

728 ROXIN. Culpabilidad.../   p. 127.

729 Idem, op. c it , p. 181.

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F á b i o  G u e d e s  d e P a u l a  M a c h a d o  - 3 1 5

Em confronto com as posições tradicionais da culpabilidade, vale ressaltarque se pode perceber que Roxin não se afasta completamente da indemonstrável

“capacidade de reacionar frente as exigências normativas”. Contudo, a meu juízo, procura diminuir sua influência e importância no reconhecimento da culpabili

dade e das causas de sua exclusão e, por conseguinte, do próprio juízo de imputação subjetiva, sendo este o ponto de maior contradição do seu sistema. Tanto é

verdade, que o próprio Roxin afirma que a pena é a reação necessária sob o pontode vista preventivo a um comportamento que, apesar do autor possuir a capacidade de reacionar frente às exigências normativas, infringe a norma penal730, e mais,

 para a constatação da capacidade de culpabilidade, requer-se “uma certa generali

zação normativa, orientada na exigência do ordenamento jurídico”731.

 Na concepção roxiniana, um a vez encerrado o juízo de reprovabilidade,

não deve o juiz efetuar o mesmo raciocínio ao arbitrar a pena, mas sim realizarum novo raciocínio motivado com finalidades preventivas, pois a pena adequada à culpabilidade é um instrumento de prevenção geral, consolidando a

 paz jurídica e a vigência das normas.

Por derradeiro, o princípio da culpabilidade requer que a pena não supere

a medida da culpabilidade,  porém não exige que a pena deva alcançar em todocaso a medida da culpabilidade, podendo-se atribuir ao acusado uma pena ra

zoável desde a óptica da política criminal. Assim, nesta concepção, apenas a

conjugação da culpabilidade com a necessidade preventiva pode justificar a pena.Daí afirmar Roxin que “o Direito Penal mais adequado para a repressão do

delito na sociedade de um Estado liberal de Direito não é nem o Direito Penalretributivo nem o Direito Penal puramente preventivo, senão uma síntese de

ambos. Não se pode castigar nunca além das necessidades preventivas, porém

tampouco mais além da culpabilidade. A prevenção aparece limitada no DireitoPenal pela culpabilidade, porém a pena adequada à culpabilidade só pode im-

 por-se nos limites da necessidade e conveniência preventiva”732.

Com o intuito de compatibilizar o texto de lei à teoria tradicional, parteda doutrina recorre à função indiciária destas circunstâncias para determinar a

culpabilidade no momento do fato, e, como alternativa a esta posição, se pro põe utilizar um conceito mais amplo do termo “fato” para a individualização

730 Idem, op. cit., p. 174.731 Idem, op. c it , p. 177.

732 ROXIN . Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPC,  nQ30, p. 692.

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da pena, tornando possível outorgar relevância às condutas anteriores e posteriores vinculadas ao fato à culpabilidade733.

F) Em obediência a posição já manifestada, não há que se permitir oinchaço da concepção de culpabilidade com dados que não se constituamcomo integrantes do núcleo do fato, ainda que periféricos a este, tais como as

circunstâncias e conseqüências do crime. Se assim o fizermos estaremos reco

nhecendo no bojo do sistema que se pretende seguir a culpabilidade pelacondução de vida (Lebensfuhrungsschuld) e pelo caráter (Charaktersschuld),

concepções, a propósito, antagônicas à culpabilidade do fato.

Porém isso não quer dizer que as informações de natureza subjetiva e obje

tiva do imputado não sejam consideradas. A posição que sustentamos e que seharmoniza com o princípio constitucional e com a dogmática da culpabilidade, éa de que os dispositivos do art. 59 do Código Penal brasileiro referem-se aos

critérios da medição da pena, e estão centralizados nas circunstâncias pessoais do

autor, ainda que se refiram à instrumentalização dos fins preventivo-especiais.Também é verdade que os antecedentes do sujeito e o comportamento da vítima

referem-se unicamente à necessidade preventiva especial positiva de pena, e não aoconceito de culpabilidade como limite à função estataL Aqui, orienta-se o juiz na

fixação da pena servindo-lhe como limite, amparado nos postulados da políticacriminal, levando-se em consideração a vulnerabilidade do sujeito e a sua necessidade de se recompor perante a sociedade.

Outrossim, e lamentavelmente, não se pode olvidar que na práxis judiciária a medição da pena recai sobre os danos derivados do f^to, os antecedentes

 penais do sujeito, a contrariedade ao dever, a vida anterior e o comportamento

 posterior ao delito, o que exalta a apreciação da personalidade do autor (culpa bilidade pelo caráter e pela conduta de vida). Tem-se aqui, então, uma valoração

introspectiva da personalidade do autor. Ainda, o comportamento pré e pós-delitivo é citado na lei penal, e deve ser considerado enquanto atitude interna doautor no contexto da prevenção especial positiva.

De qualquer modo, e com o escopo de garantir uma harmonização entre a

teoria do delito e da medição da pena, a pena aplicável no caso concreto é fixada

 pela reprovação dada ao injusto. O que significa dizer que a prevenção geral positiva foi alcançada, primeiramente com o decreto de condenação, em segundo

31 6 - C u l p a b i l i d a d e n o  D i r e it o  P e n a l

733 ZIFFER, Patricia S. La discusion en tomo al concepto de culpabilidad. RPCP, n9 3, p. 287.

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lugar, com a fixação da pena base. A partir daí o que pode ocorrer é a sua dimi

nuição se presentes circunstâncias atenuantes ou causas de diminuição de pena.

Permitir-se tal como faz a legislação brasileira que fixada a pena base,que é aquela proporcional à reprovação do injusto, seja elevada por circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena significa manter o abismoque separa a teoria do delito da medição da pena, pois neste esquema circunstâncias pessoais negativas do imputado sobreporão à medida de reprovação doinjusto. Nota-se que, conseqüentemente, bane-se do sistema a acepção pre

ventiva especial negativa. Ainda que se pudesse justificar o acréscimo por necessidade de pena, ainda assim o limite da reprovação teria sido ultrapassado.

Isso quer dizer que na medição da pena volta a influenciar a valoração acercada atitude interna, não obstante esta teoria já tenho sido superada.

Posicionando-se o injusto do fato em primeiro plano e limitando as va-

lorações relativas à reprovação apenas quanto a sua diminuição, diz TatjanaHõnrle que a medição da pena será previsível e a prática judiciária será uniforme734. Neste aspecto, e partindo da legislação brasileira, o art. 59, do CódigoPenal, notadamente quanto aos móveis, fins do autor, vida anterior etc. deve

rão ser lidos como fatores de diminuição da culpabilidade, entenda-se medição da pena. Somem-se as circunstâncias atenuantes descritas no art. 65, doCódigo Penal. Não menos importantes serão as circunstâncias judiciais pró-réu, tais como sua adesão cultural, que fundamenta a sua capacidade de com

 preensão e condução, estados de excitação, necessidade econômica etc., o quetambém pode ser entendida como culpabilidade diminuída.

Esta tomada de direção tendo por núcleo as circunstâncias pessoais doautor é denominada por Tatjana Hõrnle como “concepção personalizada da

culpabilidade”735, e tem a virtude de apaziguar a tensão dogmática existenteentre a culpabilidade como fundamento e medida da pena, isto porque o

injusto é o fator determinante da medida da pena e não haverá qualquer

influência da primeira sobre a segunda.

734 La concepción anticuada de Ia culpabilidad en Ia jurisprudência y doctrina tradicionales de Ia medición de Ia pena. ADPCPI/  vol. LIV, 2001, p. 419.

735 La concepción anticuada de Ia culpabilidad en Ia jurisprudência y doctrina tradicionales de Ia medición de Ia pena. ADPCPI, vol. LIV, 2001, p. 419. Sustenta ainda a autora que em sua concepção, a culpabilidade carece de importância para a medição da pena, ainda que pertença à nomenclatura usual. O mesmo ocorre com a expressão pena adequada à culpabilidade, ao invés, propõe as expressões "injusto culpável do fato" ou "pena adequada ao injusto e à culpabilidade", p. 424.

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C o n c l u s ã o

O surgimento da idéia de culpabilidade é um marco fundamental nodesenvolvimento histórico do Direito Penal, vista como autêntico instrumen

to de resistência ao poder ditatorial. Noutras palavras, a evolução da culpabilidade significou um freio complementar à coação penal e à realização detutela mais efetiva da liberdade humana, isso no âmbito político.

Acerca da primeira parte do desenvolvimento da culpabilidade, é certoque as suas raízes romanas fixaram-se na vigência do Direito Canônico, o qualacentuou a espiritualização do direito de castigar, destacando o momento sub

 jetivo do delito. Diante desta premissa, o Iluminismo acéntou o nullum crimen  sine culpa entre as garantias essenciais do Direito Penal liberal, visando afastar o

reconhecimento objetivo da responsabilidade penal do sistema jurídico-penal,não obstante o binômio responsabilidade moral e pena retributiva fundamentaram o sistema então vigente. Iniciada a segunda fase do desenvolvimento daculpabilidade com a estruturação dogmática em fins do século XIX e início doséculo XX, percorre-se uma crescente evolução em consonância com as modificações políticas e científicas experimentadas.

A partir da fundamentação dada pelo positivismo como modelo de su peração das concepções clássicas, desenvolveu-se o sistema clássico do delito,

também conhecido como sistema Liszt-Beling, construído a partir das constatações positivistas naturalistas, para o qual ciência é somente aquilo que se pode apreender através dos sentidos. De lá para cá diversas teorias acerca daculpabilidade foram concebidas, e todas receberam críticas, o que afasta qualquer composição doutrinária entorno do assunto.

O positivismo neokantiano e o finalismo welzeniano, no que tange aos fundamentos da culpabilidade, serviram-se da liberdade da vontade e do poder atuarde outro modo, para basear o juízo de reprovação. Sendo livre, o homem responde

rá pela responsabilidade de seus atos. Assim, o sujeito será culpável porque podiater se comportado de outra maneira, porém optou pelo injusto. Nesta conjuntura,culpabilidade é a reprovação que se faz ao autor porque ele se decidiu pelo mal, emque pese ter capacidade de eleger o caminho do Direito. A culpabilidade, nestateoria, é o juízo de reprovação baseado na estrutura lógico-real do livre arbítrio, do

 poder agir diferente, em razão de que o homem é capaz de comportar-se de acordocom o Direito, e é responsável quando não age desta forma.

Críticas recaíram sobre esta metodologia de culpabilidade. Reconheceu-

se a indemonstrabilidade de sua estrutura material (liberdade e poder agirdiferente), seja porque empiricamente esta liberdade é impossível de verifica

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ção no processo, ou porque a culpabilidade é reconhecida a partir da atribuição do fato a outras pessoas (imaginárias) ao invés de fazê-la ao autor, para

somente então firmar-se o juízo de reprovação. Esta insegurança conceituaigerou a tão propagada crise da culpabilidade, trazendo junto a si a crise da pena, não havendo pena sem culpabilidade, tampouco Direito Penal legítimo.

Como forma de tentar superar a crise no conceito material de culpabilidade e do próprio Direito Penal, diversas foram as teses apresentadas com arrimona Filosofia e na Sociologia, entre outras a que destaca a participação cidadã no

 processo legislativo. No campo dogmático jurídico-penal foram formuladas construções de união ou interrelação da culpabilidade com os postulados das teorias

relativas aos fins da pena, em manuseio de um discurso democrático.O modelo de culpabilidade proposto a partir da pessoa individual e da

 política criminal, tem o apoio da estrutura democrática. Seu intuito é o deresponder desde considerações de prevenção geral e especial, à questão normativa de se estabelecer em que medida um comportamento ameaçado em princípio com uma pena requer em determinadas circunstâncias uma sanção penal.

Como conseqüência desta afirmação, tem-se, preliminarmente, a necessidade de reformulação do ensino jurídico, afastando-se deste o sistema fe

chado e de raízes neokantianas, que inibem a argumentação jurídica e privilegiam a praxis forense e os argumentos de autoridade.

A obediência ao método jurídico-penal concebido a partir das estruturas básicas do Estado Democrático de Direito deve ser buscada pelo estudioso doDireito, em especial do Direito Penal, zelando-se pela coerência sistemática eteórica, funcionando como critérios legitimadores desde é  âmbito material eformal do Direito Penal.

Corolário da nova concepção é a reformulação do conceito de delito, inse-

rindo-se a responsabilidade como sua nova categoria. Esta alteração que não éapenas formal, tem também o objetivo principal de eliminar o problema daliberdade de vontade, já que somente trata de estabelecer se existem razões que

 justifiquem a necessidade de se impor uma pena (Strafbedürftigkeir). Estasrazões devem ser determinadas a partir de aspectos de política criminal, ou seja,sob aspectos de prevenção. Assim, responde-se se o autor merece a pena emrazão do injusto cometido. Disso percebe-se que para o reconhecimento daimposição de pena, é necessário que as duas categorias estejam presentes.

Presente a culpabilidade, a sanção será necessária se estiverem presentes asexigências mínimas de prevenção geral, ou seja, será preciso considerar que a pena

deva ser suficiente para restabelecer a paz jurídica. Por outro lado, devem estar 

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igualmente presentes as exigências de prevenção especial em favor do réu, isto é, desua reabilitação sodal. Com esta concepção, repudia-se a idéia de retribuição da

 pena, propondo em seu lugar a idéia de uma prevenção integradora, que atuesobre o autor e que vise impedir a comissão de fatos futuros restaurando a paz

 jurídica, dando ao povo a confiança de que sua “segurança” está salvaguardada,reafirmando-se as regras de convivênda humana contra as perturbações graves.

A culpabilidade deve ser entendida como a ação contrária ao Direito, apesarda existência de uma receptividade normativa por parte do autor. A culpabilidadedo autor será afirmada desde a presunção de que ele dispunha de constituição

 psíquica capaz de lhe possibilitar compreender a norma, ou seja, evidenda-se seera possível ao autor psiquicamente e segundo as suas possibilidades de dedsãoum comportamento orientado na norma, sempre que dispunha das capaddadesfísicas que costuma ter uma pessoa adulta normal na maioria das vezes.

Esta hipótese é constatável empiricamente e responde à ciênda da experiên-da, pois analisa as capaddades motrizes intactas (Steuerungsfãhigkeit) e de acordo com a receptividade normativa (normative Ansprechbarkeit), e não como nomodelo anterior do “poder agir de outra maneira”, aliás, artífice da crise do concei

to de culpabilidade e, por conseguinte, da própria pena e do Direito Penal. Frisa-se que, na receptividade normativa, o agente é tratado como se fosse livre.

Pode-se assim afirmar que o conteúdo material da culpabilidade será

reconhecido a partir da acessibilidade intelectual do sujeito à norma, privile-giando-se a capacidade intelectual de cada ddadão para compreender a nor

ma penal no momento da prática do fato.

Para a consecução deste conteúdo, parte-se da presunção jurídica de que ocidadão possui capaddade de dirigir-se ou comportar-se conforme a norma (énecessário pressupor a liberdade e a capaddade de autodeterminação do homem, elementos advindos da idéia de dignidade da pessoa humana. Portanto, aresponsabilidade implica o reconhecimento da autonomia da pessoa frente aoEstado, como algo inerente à sua dignidade humana), tomando-se culpávelquando não adotar nenhuma das alternativas de conduta impeditivas do delito

e que lhe eram possíveis em atenção à sua individualidade.

 Na metodologia aqui empregada, a culpabilidade não fundamenta mais a pena,

apenas possui a função de limitação da intervenção penaL A fixação da pena levaráem consideração a idéia de necessidade e critérios de propordonalidade de pena.

A prevenção geral positiva obtém-se com o dispositivo da sentença, isto

é, com a condenação, independentemente do quantum.

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Diante da confrontação da culpabilidade com as exigências preventivasde pena, é correto afirmar-se que os conceitos limitam-se, ou seja, ainda que

 presente a necessidade de pena superior em obediência à prevenção, a culpa

 bilidade a limitará, instalando-se no conceito de responsabilidade o autocontrole de cada qual de seus elementos.

Portanto, a função que deve cumprir a culpabilidade no sistema contem porâneo de Direito Penal é de delimitar a intervenção estatal na aplicação de pena, contribuindo para tornar o Direito Penal mais humano e ajustado ao

Estado Democrático de Direito. Desse modo, outras funções anteriormente atri buídas à culpabilidade, como a de fundamentar e dosar a pena, são atribuídas à

necessidade preventiva especial. Por conseqüência, para reconhecer-se a responsabilidade penal do agente, é necessário que a culpabilidade e as necessidades

 preventivas verifiquem-se conjuntamente. Esta mudança de opinião proporcio

na, também, a reformulação do conceito analítico de delito.

A reforma do Código Penal brasileiro realizada em 1984, adotou o princípio da culpabilidade, o mesmo fazendo a Constituição Federal de 1988, contudo, não sendo pacífico doutrinariamente a sua exata origem, isto é, se advinda

do princípio da dignidade dà pessoa humana (art. Io, III, CF), ou da igualdade(princípio da igualdade real, que possibilita tratar desigualmente os desiguais — art. 5o, caput), ou do princípio da presunção de não-culpabilidade (art. 5o, LVII),havendo em comum que sua presença se faz obrigatória no Estado Democráti

co de Direito. Adota-se aqui o posicionamento de âmbito material de que surge

o princípio por meio do princípio da dignidade humana./

De acordo com os princípios reitores da nossa Constituição Federal no quetange ao Direito Penal, tem-se que a pena só pode fundamentar-se como legítima

nas suas acepções preventivas geral e especial positivas, assegurando a consecuçãodo fim útil de prevenção do delito mediante a convicção coletiva em tomo davigência das normas, reforçando os laços de integração é solidariedade social.

A partir desta verificação e, em se considerando o âmbito dogmático daculpabilidade, esta não pode mais ser compreendida como em épocas anteriores,

isto é, não é a mesma mais útil para a função assecuratória da retribuição moralque a tinha como fundamento da pena, sem ainda conseguir com sucesso res

 ponder às críticas relativas às causas exdudentes da culpabilidade.Com isso toma-se necessário construir-se um critério dogmático harmô

nico com a atual estrutura constitucional, e esta estrutura não pode se legiti

mar apenas com a culpabilidade, mas também devem estar presentes as

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necessidades preventivas geral e especial positivas de pena. Esta constatação obrigaa reforma do já clássico conceito analítico de crime para considerar a culpabilidade e as necessidades preventivas de pena como institutos integrantes do conceito maior que é o de responsabilidade. Com isso, afasta-se do sistema qualquerconcepção de aplicação de pena ou sanção sem o reconhecimento destes conceitos. Em oposição a esta afirmativa, tem-se a peculiar situação prescrita na Lei n°9.099/99, ao atribuir “pena”, ou se preferir “sanção”, sem a presença da culpabilidade e das necessidades preventivas.

Para a efetiva aplicação da construção teórica apresentada neste trabalho,necessário se faz uma reformulação a partir do ensino jurídico, em especial daciência jurídico-penal, afastando-se os postulados positivistas, em troca inter

 pretando o sistema como aberto e dependente dos princípios do Estado Democrático de Direito. Quanto à culpabilidade, o art. 59 do Código Penal deve serrelido normativamente, compreendendo os antecedentes do sujeito até alcan-çar-se o comportamento da vítima como dados referentes à determinação da

 pena, servindo-lhe como limite os postulados da política criminal.

Marcando o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, a pessoa jurídica passou a ser tema de grande importância para o Direito Penal, notadamente pelasreincidentes agressões aos denominados bens jurídicos de interesse da coletividade

(bens difusos), em destaque o meio-ambiente. Proliferaram-se teorias a favor e contra a responsabilização penal da pessoa jurídica, tampouco havendo consenso argu-

mentativo nas teorias pro  responsabilidade penal. De qualquer modo, a decisão político-criminal de introduzir a responsabilidade penal da pessoa jurídica é correta.

 Necessário se faz a construção de um sistema penal e processual penal aptosa abrigar esta inovação, sendo impossível atribuir à pessoa jurídica o mesmo siste

ma penal atribuído à pessoa humana, visto que este foi concebido a partir decaracterísticas humanas. Esta reformulação deve partir do conceito de sujeito, su

 perando o dogma advindo das capacidades do indivíduo. Para o Direito Penalmoderno, o sujeito é aquele que seja competente para a ação, e não necessariamen

te o sujeito que realizou a ação. Logo, se as ações foram impostas pela pessoa jurídica ao seu órgão, as ações deste são ações da pessoa jurídica e não suas. Nestecontexto, as disposições contidas nos estatutos são condições indispensáveis e indisponíveis da ação da pessoa jurídica. Por exclusão, se a ação não se atém aoestabelecido no estatuto da pessoa jurídica, estas devem se encontrar desculpadas.

De acordo com a interpretação sistemática, ressaltando-se que noutros cam

 pos do Direito é reconhecida a titularidade da pessoa jurídica para desempenhar 

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atividades e obrigações, notadamente em se considerando que consubstancia-se oDireito Administrativo sancionador como uma das manifestações do jus puniendi 

do Estado, faz-se necessário a comprovação da. culpabilidade administrativa paraa imposição de uma sanção administrativa, inadmitindo-se um regime de respon

sabilidade objetiva. Precisamente no âmbito penal tem-se reconhecida a culpabi

lidade da empresa, quando esta omite a adoção das medidas de precaução que lhe

eram exigíveis para garantir o seu desenvolvimento organizado, daí falar-se emculpabilidade orientada à categoria jurídica, podendo ser denominada de culpabi

lidade por defeito de organização.

A pena a ser aplicada à pessoa jurídica pela prática do delito, também

tem natureza preventiva, pois busca necessariamente evitar que futuros fatosdelitivos sejam praticados pelo sujeito, e não poderá ser imposta à pessoa jurí

dica se esta não omitiu a adoção das medidas de precaução previstas para

garantir o desenvolvimento legal de sua atividade.

A conseqüência prática da estrutura aqui esboçada permite explicar que as

tradicionais causas de exculpação estão envolvidas por acepções preventivas, daí a

teoria neodássica ou finalista de a culpabilidade não conseguir explicar com suces

so o estado de necessidade exculpante, o limite de idade da responsabilidade criminal, a ação por consdênda, a desobediênda dvil, entre outras. Teoricamente, o

 próprio eiro de proibição pode ser afastado do sistema se se atenta à possibilidade

de consulta pelo sujeito, e mesmo assim o agente realiza o comportamento ilídto.

Permite esta construção dogmática estabelecer a cooperação entre culpa

 bilidade e prevenção, além de, satisfatoriamente, explicar cé casos de exclusão

da responsabilidade criminal que não estejam previstos em lei, e que possuam

condições de agir diferente. Esta nova teoria permite entender o Direito de

maneira certa, radonal e constitudonal.

Por fim, ante a imprestabilidade de a culpabilidade servir à fixação da

 pena, em destaque a redação do art. 59, do Código Penal, tem-se que repsovado

o injusto e acessível o sujeito à norma, fixa o juiz o quantum de pena a se consi

derar as necessidades preventivas de pena, em espedal atenção à pessoa do infra

tor, pormenorizadamente, porém limitada que estará à impossibilidade de

majorá-la por meio de circunstândas agravantes. Isso implica dizer que a repro

vação do injusto estabelecerá o máximo da pena atribuível ao caso concreto, emestreita vinculação à particular situação do sujeito, a qual não poderá ser elevada.

Para tanto, há de se reformar o art. 61, do Código Penal, ou negar-lhe eficácia.

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