da culpabilidade - direito penal ii

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DA CULPABILIDADE Texto baseado em aulas da disciplina Direito Penal II lecionada pela professora Luciana Telles Machado da Silva da UFMG Conceito- “Consiste na reprovabilidade da conduta ilícita (típica e antijurídica) de quem tem a capacidade genérica de entender e querer (imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao Direito”. (Heleno Cláudio Fragoso). Luiz Regis Prado: “ A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de um ação ou omissão típica e ilícita.” O delito, analiticamente, é a ação ou a omissão típica, ilícita e culpável. Doutrina Majoritária – Culpabilidade é sempre o fundamento (pois, liga-se à noção de retributividade prevista no artigo 59, in fine do CP) e limite de pena (prende-se ao princípio da culpabilidade), sendo possível sua gradação. Para Roxin, a culpabilidade é apenas limite da pena, em função da prevenção geral e especial, não sendo o fundamento da pena. A culpabilidade seria apenas uma das condições necessárias para a imposição da pena, ao lado da necessidade preventiva da sanção penal. A culpabilidade deve recair sobre o fato individual e não sobre uma conduta de vida individual (culpabilidade de caráter ou de autor). O ato reprovável seria um ato de livre autodeterminação? Operando com a idéia de “livre-arbítrio”, Hans Welzel analisou o tema por três critérios:

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Da Culpabilidade - Direito Penal II

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DA CULPABILIDADETexto baseado em aulas da disciplina Direito Penal II lecionada pela professora Luciana Telles Machado da Silva da UFMG

Conceito- “Consiste na reprovabilidade da conduta ilícita (típica e antijurídica) de quem tem a capacidade genérica de entender e querer (imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao Direito”. (Heleno Cláudio Fragoso).

Luiz Regis Prado: “ A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de um ação ou omissão típica e ilícita.”

O delito, analiticamente, é a ação ou a omissão típica, ilícita e culpável.

Doutrina Majoritária – Culpabilidade é sempre o fundamento (pois, liga-se à noção de retributividade prevista no artigo 59, in fine do CP) e limite de pena (prende-se ao princípio da culpabilidade), sendo possível sua gradação.

Para Roxin, a culpabilidade é apenas limite da pena, em função da prevenção geral e especial, não sendo o fundamento da pena. A culpabilidade seria apenas uma das condições necessárias para a imposição da pena, ao lado da necessidade preventiva da sanção penal.

A culpabilidade deve recair sobre o fato individual e não sobre uma conduta de vida individual (culpabilidade de caráter ou de autor).

O ato reprovável seria um ato de livre autodeterminação?

Operando com a idéia de “livre-arbítrio”, Hans Welzel analisou o tema por três critérios:

1) ANTROPOLÓGICO – Ele afirmou que o homem tem seu espírito vinculado aos princípios da verdade, do sentido e do valor, e, conforme tais valores, deve dirigir-se por meio de atos responsáveis. Isto o separaria do mundo animal.

2) CARACTERIOLÓGICO – Ele admitiu a possibilidade do controle dos impulsos pelo próprio indivíduo.

3) CATEGORIAL – Ele entendeu que a possibilidade de o homem ter o domínio de seus impulsos por meio de uma direção orientada no sentido - direção esta que pode fazê-lo responsável pela falta de autodeterminação conforme ao sentido -, assenta-se na “liberdade de vontade”.

Para Welzel, “ A culpabilidade não é um ato de livre autodeterminação, mas precisamente a falta de uma decisão conforme ao sentido em um sujeito responsável”.

Welzel afirma se afastar da orientação INDETERMINISTA (própria Escola Clássica) que entende que a decisão de cometer o delito advém de uma vontade livre, sem qualquer influência do mundo circundante.

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A corrente que se opõe ao INDETERMINISMO é a que propugna o DETERMINISMO (Escola Positiva), segundo o qual fatores internos e externos influenciariam o homem na prática de uma infração penal. O meio influiria fortemente no temperamento e no caráter do homem, não sendo, pois, a vontade livre. Isto levava a um contra-senso: a pena seria injusta. Contemporaneamente se fragilizou com o PRINCÍPIO DE INDETERMINAÇÃO DE HEISENBERG.

Teoria da CO-CULPABILIDADE- Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli - “todo sujeito age numa circunstância dada e com um âmbito de autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade - por melhor organizada que seja - nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em conseqüência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais aos sujeitos e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação da culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma “co-culpabilidade”, com a qual a própria sociedade deve arcar”.

Modernamente, Günther Jakobs sustenta que a reprovação jurídico-penal se fundamenta na tolerância social à conduta delitiva, e a tolerância ou intolerância social se manifesta independentemente da hipótese da liberdade da vontade do autor do fato-crime.

Professor Fernando Galvão: “Diante da necessidade de viabilizar a construção lógico-formal da repressão, presume-se o livre-arbítrio, que sendo uma ficção necessária ao Estado converte-se em construção normativa”.

Na Exposição de Motivos do CP de 1940, o Min. Francisco Campos afirma que “Rejeitado o pressuposto da vontade livre, o Código Penal seria uma congérie de ilogismos”.

EVOLUÇÃO DOGMÁTICA DA CULPABILIDADE

ANTECEDENTES RUDIMENTARES DA TEORIA DA CULPABILIDADE

PUFFENDORF (1634-1694), representante do Direito Natural, considerava que a imputação seria a atribuição da responsabilidade da ação livre a seu autor. Para os hegelianos, a imputação subjetiva se justifica porque sua vontade livre afastou-se da vontade geral, representada pela lei.

Em meados do século XIX, Adolf MERKEL e BINDING apresentaram as primeiras definições de culpabilidade.

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Na segunda metade do séc. XIX, a teoria da liberdade de vontade entra em declínio, tornando insustentável o conceito de culpabilidade do Direito Natural, surgindo, assim, a concepção psicológica da culpabilidade, própria do POSITIVISMO.

1) TEORIA PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE

Assim como o NATURALISMO-CAUSALISTA, fundamentou-se no POSITIVISMO CIENTÍFICO do final do séc.XIX ( Darwin, Spencer, Comte).

Na Itália, desenvolveu-se a Escola Positivista, essencialmente antropo-sociológica (criminológica).

Na Alemanha, construiu-se o primeiro sistema teórico-jurídico de delito, baseado no modelo naturalista (sistema Liszt- Beling).

Franz Von Liszt reduziu a ação a um processo causal provocado por um impulso voluntário. E definiu a CULPABILIDADE como “a responsabilidade do autor pelo ilícito que realizou”, como a “relação subjetiva entre o autor e o fato”. Essa relação subjetiva, PSICOLÓGICA, nomeou a teoria.

Von Liszt sustentava um conteúdo material para a culpabilidade que residia “no caráter associal do autor, cognoscível pelo ato praticado (conduta anti-social).”

A culpabilidade continha apenas elementos anímicos: dolo e culpa, que se contrapunham aos elementos objetivos: tipicidade e ilicitude.

“O ato culpável é ação dolosa ou culposa do indivíduo imputável”

A imputabilidade era entendida como capacidade de ser culpável. Seria o pressuposto da culpabilidade.

Essa teoria, em sua proposição original, somente admitia o afastamento da culpabilidade se houvesse causas que eliminassem o vínculo psicológico, como o “erro” (afastava o elemento intelectual) e a “coação” ( afastava o elemento volitivo do dolo).

Ernest Von Beling complementou tal teoria com sua Teoria do Tipo (1906). Ele que desenvolveu o conceito de tipicidade. O tipo Belinguiano, porém, tem um caráter meramente descritivo-objetivo, a mera descrição do aspecto externo da conduta, “por sua simplicidade e facilidade de manejo na prática jurídica, teve forte poder de atração e grande influência sobre juristas, juízes e advogados” (Francisco de Assis Toledo, Princípios básicos).

Por não conseguir explicar, principalmente, a culpa inconsciente, em que não há intencionalidade por parte do agente, esta teoria seria abandonada. Se não há, no caso da culpa inconsciente, vínculo psicológico, como pode haver culpabilidade?

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2) TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA (OU NORMATIVA COMPLEXA) DA CULPABILIDADE

Foi Reinhard Frank que propôs a teoria PSICOLÓGICO-NORMATIVA DA CULPABILIDADE em 1907. Ele concebeu culpabilidade como reprobabilidade sem afastar dela o dolo e a culpa. A culpabilidade, expressa no momento psicológico como dolo ou culpa, também precisava ser censurável.

Para Frank: “o estado normal das circunstâncias em que o autor atua” é elemento da culpabilidade.

CULPABILIDADE = RELAÇÃO PSICOLÓGICA + JUÍZO DE REPROVAÇÃO

Na evolução de suas proposições teóricas, Frank chega a “causas de exclusão da culpabilidade”.

Em 1930, James Goldschmidt estipulou dois conceitos distintos: norma jurídica→ injusto (caráter objetivo e geral) e norma de dever (ou de motivação) → culpabilidade (caráter subjetivo e pessoal).

CULPABILIDADE = JUÍZO DE CONTRARIEDADE AO DEVER.

Em 1922, Berthold Freudenttal trouxe a EXIXIBILIDADE como elemento diferencial entre CULPABILIDADE E INCULPABILIDADE.

CULPABILIDADE = É A DESAPROVAÇÃO DO COMPORTAMENTO DO AUTOR, QUANDOPODIA E DEVIA COMPORTAR-SE DE FORMA DIFERENTE.

Mezger foi o grande difusor da Teoria Normativa nos países latinos, por ter seu tratado traduzido para o espanhol.

CULPABILIDADE é tanto um determinado conteúdo quanto um juízo de valor sobre esse conteúdo.

A teoria psicológico-normativa da culpabilidade surge no momento histórico em que se abandona o positivismo-naturalista em favor da metodologia neokantiana do “conceito neoclássico de delito”. Acrescentou-se à construção anterior a teoria dos valores.

Dolo e culpa deixam de constituir as únicas espécies da culpabilidade para serem elementos da culpabilidade, ao lado de outros elementos. A conduta dolosa pode não ser culpável.

São elementos da culpabilidade psicológico-normativa:a) a imputabilidade;b) elemento psicológico normativo (dolo ou culpa)c) exigibilidade de conduta conforme ao Direito.

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Ocorre que o dolo, que na teoria psicológica da culpabilidade, era apenas psicológico (natural), passa a ser normativo e psicológico, contendo “vontade”, “previsão” e “consciência da ilicitude” (elemento normativo). Dolus malus = dolo normativo.

Se alguém agisse com vontade e previsão, mas sem a consciência da ilicitude de sua conduta, teria agido sem dolo e sem culpabilidade.

3) TEORIA NORMATIVA PURA OU FINALISTA DA CULPABILIDADE

Refuta-se, aqui, as teses POSITIVISTA E NEOKANTISTA.

É fruto da doutrina finalista da ação, criada por Welzel e seguida por Maurach, Kaufmann, Stratenwerth, Niese, Cerezo Mir e outros.

CULPABILIDADE É JUÍZO DE CENSURA PELA REALIZAÇÃO DO INJUSTO TÍPICO (quando podia o autor ter atuado de outro modo).

São extraídos da culpabilidade todos os elementos subjetivos que a integravam.

A culpabilidade (juízo de reprovação) se assenta sobre:1) a imputabilidade;2) a possibilidade de conhecimento da ilicitude;3) a exigibilidade de conduta diversa.

O dolo (dolo natural) e a culpa integram, respectivamente, os tipos de injusto doloso e culposo.

Para os finalistas, a culpabilidade não se esgota nessa relação de desconformidade entre ação e ordem jurídica, mas, ao contrário, a REPROVAÇÃO PESSOAL contra o agente do fato fundamenta-se na não-ommissão da ação contrária ao direito ainda e quando podia havê-la omitida.

CULPABILIDADE É REPROVABILIDADE DA FORMAÇÃO DA VONTADE.

Duas críticas foram feita à concepção Welzeliana pelo finalista Reinhart MAURACH:

1) o conceito normativo da culpabilidade não consegue fundamentar a aplicação de medida de segurança para o agente que praticou ação típica, ilícita e inculpável (pela inimputabilidade);

2) o elemento “exigibilidade de conduta adequada à norma”, quando não presente (inexigibilidade), não permite uma avaliação pessoal do agente, mas sempre referida ao atuar do homem médio.

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Maurach, procurando solucionar o problema, cria o elemento da ATRIBUTIVIDADE em dois graus:

1º grau ) Responsabilidade pelo fato - desaprovação que surge da idéia de que o agente se comportou “pior” do que os demais teriam se comportado.

Por este fundamento, poder-se-ia aplicar medida de segurança ao inimputável. Crítica: A medida de segurança se fundamenta na periculosidade e não na

desaprovação.

2º grau) Culpabilidade – pressupõe a responsabilidade pelo fato→ reprovação contra o autor, do qual se espera, por sua vez, a capacidade de conformar seus atos de acordo com o estabelecimento pelo Direito.

Por este fundamento, poder-se-ia aplicar pena.

CONCEPÇÃO NORMATIVO SOCIAL DA CULPABILIDADE

Busca um fundamento social, antes que psicológico para a culpabilidade. A culpabilidade deve expressar a responsabilidade social do autor do fato punível.

“O juízo de desvalor da culpabilidade é de base normativa, mas deve admitir espaço para o desenvolvimento de análise mais aprimorada sobre o particular ambiente social no qual o fato crime produziu, e a decisão judicial produzirá efeitos relevantes, considerando-se, fundamentalmente, a estrita necessidade de aplicação da pena.” (Fernando Galvão)

Liga-se ao conceito social da ação, que procurou ser uma via intermediária entre o causalismo e o finalismo.

Na década de 1930, Eb. Schimidt entende que ao Direito Penal interessa somente o sentido social da ação. Critica o conceito final de ação, sustentando que este determina o sentido da ação de forma extremamente unilateral em função da vontade individual, correndo o risco de se esquecer o desvalor do resultado.

Eb. Schimidt definiu ação como “uma conduta arbitrária para com o mundo social externo”.

Com Maihofer, afasta-se do naturalismo → “ ação é todo comportamento objetivamente dominável dirigido a um resultado social objetivamente previsível.”

Welzel criticou esse conceito, afirmando que se tratava de uma doutrina, preconizada por Mezger, de imputação objetiva resultado (segundo a qual, nem todo resultado causado é imputável à ação do agente, pois fundamenta-se no incremento do risco e no fim de proteção à norma), semelhante à teoria da causalidade adequada (segundo a qual, causa é a condição mais adequada para produzir o resultado).

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Observação: segundo a teoria de causalidade adequada (Johannes von Kries), causa é o antecedente necessário e idôneo à produção do resultado. A idoneidade é verificada se a produção do resultado pela atuação da causa for ordinária. Ficam excluídos da relação causal os acontecimentos extraordinários, mesmo que hajam concorrido para o resultado.

Maurach, Wessels e Jescheck reuniram no comportamento humano socialmente relevante, o atuar final do comportamento doloso e o comportamento objetivamente dirigível de natureza imprudente.

Apesar de ser posterior ao finalismo, essa corrente não teve muita acolhida, inclusive no Brasil.

CONCEPÇÃO FUNCIONAL DA CULPABILIDADADE

Advém da teoria sociológico-jurídica alemã moderna – Teoria Sistêmica da Prevenção Integradora.

Günther Jakobs e Claus Roxin, contemporaneamente, defendem uma concepção funcionalista para a culpabilidade.

As necessidades de prevenção integradora determinam os pressupostos da reprovação jurídico-penal. A responsabilidade penal é conseqüência da intolerância social ao comportamento do agente.

A causa de responsabilidade reside no déficit de fidelidade ao Direito. A pena é o instrumento por meio do qual se estabiliza a ordem jurídica que foi abalada pela conduta do autor que se comportou com defeito de motivação.

A capacidade para reagir diante das exigências normativas autoriza o juízo de reprovação, sendo certo que toda norma incriminadora cumpre FUNÇÃO de estímulo à não-realização de condutas consideradas socialmente indesejadas.

O funcionalismo critica o finalismo, por este permitir que a ênfase no elemento volitivo possa permitir a punição de tentativas completamente inofensivas.

Também, a existência empírica da culpa e da omissão culposa não podem ser explicadas através da finalidade.

Roxin propugna que a decisão político-criminal ultrapasse a idéia meramente retributiva, atentando para o que é preventivamente necessário. A culpabilidade não teria necessariamente que trazer consigo a imposição de uma pena.

A análise sistêmica permite novo marco teórico à idéia de legitimação ao castigo. A pena desempenha uma FUNÇÃO para o bom funcionamento do sistema. Não há mais

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objetivos “retributivos” de prevenção geral e especial que lhe foram atribuídos pela dogmática tradicional.

O funcionalismo sustenta que a pena aclara e atualiza exemplarmente a vigência efetiva de valores violados pelo delinqüente, reforça a convicção coletiva em relação à transcendência desses valores; fomenta e dissemina os mecanismos de integração e de solidariedade social frente ao infrator e devolve ao “cidadão honesto” sua confiança no sistema.

Virtude dessa corrente de pensamento: propugna a normalidade ao delito, sua inextirpabilidade, sem necessidade de invocar patologias individuais ou complexo conflitos sociais.

CRÍTICAS:

a) pode implementar flexíveis valorações político criminais, permitindo arbítrio estatal e enfraquecimento de garantias;

b) concepção indeterminada;c) é estranha ao direito positivo ou à sua dogmática ou sistemática. (é política

criminal).

Por mais que Roxin seja claramente contra o Direito Penal Simbólico e propugne a subsidiariedade do Direito Penal, críticos como Alessandro Baratta, acreditam que possa ocorrer um reforço à concepção simbólica do delito e da pena e que esta construção teórica apresenta vocação conservadora inclinada a legitimar o status quo, em função de critérios de política criminal empregados.

CONCEITO MATERIAL DE CULPABILIDADE

As diversas teorias que o propuseram enfrentam o problema da indemonstrabilidade de tal conceito. Assim ocorre com o poder de agir de outro modo, a personalidade, o caráter, o ânimo adverso ao Direito, a deficiência de motivação em face da norma penal, ou da finalidade de conduta delitiva contrastante com a finalidade protetiva da norma.

Estas duas últimas, de matriz funcionalista, permitem sua constatação, mas não importam automática e objetivamente necessidade de reprovação. Haveria que se verificar a tolerância social em relação a elas. Aliás, o funcionalismo não se preocupa com a responsabilidade pessoal, mas com o bom funcionamento do sistema.

ELEMENTOS DA CULPABILIDADE NORMATIVA PURA

I) IMPUTABILIDADEII) POTENCIAL CONHECIMENTO DA ILICITUDEIII) EXIGIBILIDADA DE CONDUTA DIVERSA

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I) IMPUTABILIDADE

É o conjunto de condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito de seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Trata-se de uma capacidade com dois aspectos:

1) cognoscitivo ou intelectivo (de compreender a ilicitude do fato);2) volitivo ou de determinação da vontade (de atuar conforme essa compreensão).

Imputável é o que possui capacidade de culpabilidade.

Há três sistemas que tratam da imputabilidade: (vide exposição de Motivos do CP de 1940):

1) SISTEMA BIOLÓGICO OU ETIOLÓGICO (Sistema francês)

Condiciona a responsabilidade à saúde mental e considera a doença mental como patologia clínica, exigindo a anomalia mental diagnosticada.

Exemplo: art.64 do Código Penal Francês de 1810: “Não há crime nem delito, quando o agente estiver em estado de demência ao tempo da ação”.

2) SISTEMA PSICOLÓGICO OU PSIQUIÁTRICO

Atém-se às conseqüências psicológicas aos estados anormais do agente, que devem ter existido no momento da prática da conduta.

O Código do Império (1830), no Brasil, acolheu esse sistema: “ art.10 – Também não se julgarão criminosos: § 2 – Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lucidos (sic) intervallos e nelles comettem o crime”.

3) SISTEMA BIOPSICOLÓGICO OU MISTO

É a combinação dos anteriores: exige a existência de uma patologia clínica, e também a completa incapacidade de entendimento.

Artigo 26 do CP→ É o sistema adotado na maioria das legislações penais (Itália, Alemanha, Espanha e Portugal).

Ao estabelecer os casos de inimputabilidade , o artigo 26 do CP finda por definir a IMPUTABILIDADE por exclusão:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (aspecto biológico), era, ao tempo da ação ou da omissão,

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inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fat ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (aspecto psicológico)”.

Tanto a falta de sanidade mental, quanto a falta de maturidade mental (menoridade) podem levar ao reconhecimento da inimputabilidade.

No que toca à menoridade, basta que se faça a comprovação da idade do menor, que a inimputabilidade se presume legalmente → o critério aqui é apenas biológico.

MENORIDADE

O art. 27 do CP traz uma presunção absoluta de inimputabilidade do menor de dezoito anos (também o art. 104 da Lei 8069/90 e o art.228 da CRFB).

O menor poderá praticar ato infracional análogo à conduta descrita como crime ou contravenção penal (art. 103 da Lei 8069/90). Ele poderá se sujeitar a medidas de proteção (art. 98 e 101 do ECA) se criança ou adolescente, ou a medidas sócio-educativas (art. 102 do ECA), se adolescente.

O ECA considera adolescente o menor entre 12 e 18 anos e criança, o menor de 12 anos (art. 2º da Lei 8069/90). Ambos jamais serão processados penalmente.

DOENÇA MENTAL E DESENNVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO

O art. 26 do CP, orientando-se primeiramente por um critério biológico, refere-se à doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

1) Doença mental – É uma alteração mórbida (enfraquecimento doentio) da saúde mental, independentemente de sua origem.

Exemplo: psicoses (esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar (psicose maníaco-depressiva), paranóia).

2) Desenvolvimento mental incompleto ou retardado – Desenvolvimento mental que não evoluiu ou não se concluiu.

Exemplo: oligofrenias (idiotia, imbecilidade, debilidade mental, surdo-mudez do não educado, silvícola não integrado).

A INIMPUTABILIDADE É CAUSA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE, impondo-se a absolvição, aplicando-se medidas de segurança ( art. 96 a 99 do CP).

Os casos fronteiriços de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado afetam a saúde mental do indivíduo sem, contudo, excluir a culpabilidade.

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O parágrafo único do art.26 do CP trata daquele que “ não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

A culpabilidade existe, mas fica DIMINUÍDA, em razão da menor reprovabilidade que recai sobre o agente (= SEMI-IMPUTABILIDADE). Exemplo: Psicopatias e outros.

O Código traz redução de um a dois terços para quem tenha a culpabilidade diminuída (art. 26, parágrafo único do CP), mas o art. 98 do CP prescreve que os semi-imputáveis condenados “necessitando (...) de especial tratamento curativo”, poderão ter a pena privativa de liberdade substituída pela internação ou tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de 1 a 3 anos . Ou seja, para os semi-imputáveis condenados aplica-se primeiro a pena privativa de liberdade e depois, se necessário, substitui-se a pena por internação ou tratamento ambulatorial.

Em caso de demonstrada necessidade o “pode” deve ser entendido como “deve”.

Só se imporá medida de segurança se o imputável não estiver amparado por excludente de ilicitude ou de culpabilidade (que não seja a imputabilidade), pois a medida de segurança estará no lugar da resposta da pena em função da periculosidade dele.

A jurisprudência fala que apesar de a lei ter trazido apenas prazos mínimos (1 a 3 anos), os princípios da legalidade e igualdade impõem que a medida de segurança só dure até o máximo de pena aplicada e substituída. Pela letra da lei, o prazo máximo de cumprimento, também neste caso, seria indeterminado. No sentido da jurisprudência dominante, que entende haver prazo máximo para o cumprimento dessa medida de segurança que substituiu a pena em caso de culpabilidade diminuída, posiciona-se Luiz Flávio Gomes (“Duração das Medidas de Segurança”). Contudo, há decisões também em sentido contrário (de que não há prazo máximo de duração), mas são minoritárias.

EMOÇÃO E PAIXÃO & EMBRIAGUEZ

OS ESTADOS EMOTIVOS OU PASSIONAIS E A EMBRIAGUEZ NÃO EXCLUEM A IMPUTABILIDADE.

O art. 28, I do CP trata da emoção e da paixão.

São perturbações da consciência, podendo ser conceituadas como:

1) EMOÇÃO: sentimento intenso e passageiro que altera o estado psicológico do indivíduo, provocando ressonância fisiológica. Exemplo: angústia, medo, vingança, tristeza.

2) PAIXÃO: sentimento contínuo e duradouro de perturbação afetiva. Implica uma idéia permanente por algo (amor, ódio, crime, cobiça, etc).

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Esses estados psicológicos fazem parte, em geral, da vida cotidiana e não há motivo para que excluíssem a culpabilidade. Entretanto, se decorrerem, e apenas neste caso, de um estado mental patológico podem afastar a imputabilidade.

A Exposição de Motivo do CP coloca o passionalismo dentro da psicologia normal.

Em certas circunstâncias, estados emocionais podem ser circunstâncias atenuantes (art. 65, III, c do CP), ou causas de diminuição de pena ( art. 121, § 1 do CP).

O art.28, II do CP trata da embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos, prescrevendo que estas espécies de embriaguez não excluem a imputabilidade.

A embriaguez por CASO FORTUITO (beber sem querer, por exemplo) ou FORÇA MAIOR (ser obrigado a beber, por exemplo) tratadas no art. 28,§ 1º e § 2º do CP excluirá a imputabilidade se for COMPLETA, determinando que o agente, no momento da ação ou omissão, torne-se inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A embriaguez por CASO FORTUIRO ou FORÇA MAIOR importará redução de pena se for INCONPLETA, determinando que o agente, no momento da omissão, não possuía a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento. NÃO EXCLUI A IMPUTABILIDADE.

A embriaguez, que é um distúrbio físico-mental que decorre da intoxicação por álcool ou substância análoga, pode ser:

1) incompleta – fase da excitação ( a partir de 0,8 g/ml de sangue);2) completa – fase de depressão ( cerca de 3 g/ml de sangue);3) comatosa – fase de letargia (cerca de 4 a 5 g/ml de sangue) – Equipara-se à

completa.

A embriaguez por CASO FORTUIRO ou FORÇA MAIOR também é chamada de ACIDENTAL.

A embriaguez voluntária ou culposa é chamada de NÃO ACIDENTAL.

1) VOLUNTÁRIA: Dolosa, querida. Se preordenada, constitui circunstância agravante (art. 61, II, l do CP).

2) CULPOSA: O estado de embriaguez é previsível.

Nesses casos, não se exclui a imputabilidade, tendo-se adotado (vide Exposição de Motivos do CP) a TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA (ação livre na causa, que remonta a Aristóteles, segundo Francisco Assis Toledo), que constitui exceção ao princípio de considerar o estado mental do agente ao tempo da prática do ato punível.

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Por esta teoria, a imputabilidade é transferida para o momento antecedente à prática delitiva (da embriagues voluntária ou culposa).

Nelson Hungria via uma “vontade residual” no agente embriagado (um resíduo de consciência e vontade que não lhe eliminaria a imputabilidade). No mesmo sentido, Edmund Mezger, Giulio Battaglini.

Zaffaroni e Francisco de Assis Toledo consideram que deveria haver apenas punição a título de culpa, se houver previsão legal disso, sob pena de haver responsabilidade penal objetiva.

Manzini defendia que o legislador do CÓDIGO DE ROCCO (de inspiração facista) não havia excluído a imputabilidade por questões de política criminal e não por ter acolhido a teoria da ACTIO LIBERA IN CAUSA.

Basileu Garcia, Heleno Cláudio Fragoso, Alberto silva Franco, José Henrique Pierangelli, Luiz Regis Prado, Damásio de Jesus entendem ser caso de responsabilidade penal objetiva, incompatível com o princípio da culpabilidade.

JURISPRUDÊNCIA MAJORITÁRIA→ É aplicável a teoria, tendo em vista que a reforma de 1984 ( Lei 7209/84) não reformulou a matéria, mantendo-a.

Os estados de embriaguez patológica (alcoolismo crônico e delirium tremens) são alcançados pela regra da inimputabilidade (art. 26, caput do CP).

II) POTENCIAL CONHECIMENTO DA ILICITUDE

Outro elemento da culpabilidade (intelectual) é a consciência ou conhecimento atual ou possível da ilicitude da conduta.

Para esse conhecimento potencial (e não real) da ilicitude, “consciência profana do injusto”, basta que o agente tenha condições suficientes para saber que o fato praticado está juridicamente proibido e que é contrário às normas mais elementares que regem a convivência.

O agente só age culpavelmente quando conhece ou pode conhecer a ilicitude de seu comportamento.

A ausência desse elemento enseja o erro de proibição (art. 21 do CP) que, se inevitável, é causa excludente de culpabilidade.

Ausência de conhecimento da ilicitude é diferente de ignorância da lei.

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O art. 21, caput, 1ª parte do CP traz o princípio ignorantia legis neminem excusat (o desconhecimento da lei é inescusável), consistindo apenas na circunstância atenuante prevista no art. 65, II do CP.

Por ficção jurídica, presume-se (iuris tantum) que a lei é conhecida de todos.

Alguém pode desconhecer os dispositivos legislados, a quantidade da pena cominada, etc e, ao mesmo tempo, contudo, conhecer a contrariedade ao Direito expressada por um comportamento.

A falta de potencial conhecimento da ilicitude, que, durante a prática de uma conduta, leva a erro o agente, será, em certos casos, escusável. Tal erro chama-se ERRO DE PROIBIÇÃO escusável.

ERRO DE PROIBIÇÃO

Erro é uma falsa noção ou um falso conhecimento de um fato ou de uma regra jurídica.

O erro é um estado positivo; a ignorância um estado negativo da consciência. Quem erra, vê mal. Quem ignora, não vê. Quem duvida, tem uma pluralidade de imagens, podendo uma ou nenhuma estar de acordo com a realidade. A ignorância equipara-se a “erro”.

A falsa percepção da realidade pode incidir sobre os elementos do tipo penal, ao qual o fato se subsume → ERRO DE TIPO.

Ou pode recair sobre a ilicitude da conduta → ERRO DE PROIBIÇÃO.

“ERRO DE DIREITO” e “ERRO DE FATO” são conceitos antigos que devem ser abandonados, por não contemplarem situações como a falsa idéia sobre os limites da legítima defesa.

O art. 21, parágrafo único do CP prevê que “considera-se evitável [pois houve um dever de informar-se que foi descumprido] o erro se o agente atua ou se omite sem consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência”. → ERRO DE PROIBIÇÃO.

Essa consciência é aurida da vida comunitária do próprio meio do agente.

O tratamento penal ao ERRO foi disputado por várias teorias que buscaram discerni-lo e fundamentar seus efeitos práticos.

1) ESQUEMA CAUSALISTA (Teoria do dolo)

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O conhecimento da ilicitude é elemento do dolo, situado na culpabilidade (dolo normativo/ dolus malus) . Tanto o erro de tipo quanto o erro de proibição excluem o dolo. A solução é unitária.

a) TEORIA ESTRITA OU EXTREMADA (ou extrema) DO DOLO

É a mais antiga e situa o dolo na culpabilidade e a atual consciência da ilicitude no próprio dolo (dolo normativo). Tal consciência deve ser atual. O erro de tipo e o erro de proibição são equiparados e classificados como “erro jurídico-penal”, que exclui o dolo, quando inevitável. Quando evitável, punia-se o agente por crime culposo, se houvesse previsão.

b) TEORIA LIMITADA DO DOLO

Procurou ser um aperfeiçoamento da anterior, procurando evitar lacunas de punibilidade que aquela possibilitava. Substituiu o atual conhecimento da ilicitude pelo conhecimento potencial. Além disso, exige a consciência da ilicitude material, não puramente formal. O erro evitável, implicava, como na teoria anterior, punição por culpa, se houvesse previsão desse crime culposo. O erro inevitável, excluía o dolo.

Mezger, na sua última fase, aderiu a essa corrente, acrescentando um tipo auxiliar de “culpa jurídica”, pela falta de informação jurídica do autor ou pela relevância jurídica da “cegueira jurídica” ou “inimizade ao Direito”. Mesmo se não se pudesse demonstrar o potencial conhecimento da antijuridicidade por parte do criminoso habitual, por sua indiferença aos valores do ordenamento jurídico, deveria ser punido por crime doloso. Identificava-se a culpa, mas se punia como se fosse doloso o crime.

Mezger, assim, criou a “culpabilidade pela condução de vida”, dando origem ao DIREITO PENAL DE AUTOR.

C) TEORIA MODIFICANTE DO DOLO

A única diferença para a teoria anterior é que, na TEORIA LIMITADA DO DOLO, o erro evitável implicava a punição do agente por crime culposo. Aqui, será punido com a pena do crime doloso, podendo ser atenuada.

Contemporaneamente, há quem a defenda, como uma nova teoria limitada do dolo. Na Espanha → Mir Puig (Santiago). No Brasil → Everardo Cunha Lima

TEORIA DA CULPABILIDADE (Esquema Finalista)

Ao contrário das teorias do dolo, de acordo com a doutrina normativa pura da culpabilidade, o dolo é concebido como DOLO DO FATO ou DOLO NATURAL, despojado da consciência do injusto, que está inserta na culpabilidade. Para essas teorias, o dolo é a mera consciência e vontade de realização do tipo objetivo – dolo valorativamente

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neutro. Como o dolo não exige o conhecimento normativo, a consciência da ilicitude não o integra, sendo alocada na culpabilidade, reduzida a simples juízo de censura.

São duas:

1) TEORIA ESTRITA OU EXTREMADA DA CULPABILIDADE

Considera que o erro sobre a ilicitude do fato é SEMPRE erro de proibição. Desse modo, o erro sobre as causas de justificação – DESCRIMINANTES PUTATIVAS – é erro de proibição e exclui a culpabilidade se for inevitável.

Os efeitos do erro, com essa nova estrutura, dependerão do seu objeto. Se o erro incidir sobre o ELEMENTO INTELECTUAL DO DOLO, o excluirá, chamando-se ERRO DE TIPO, por recair sobre um dos elementos constitutivos do tipo penal. O dolo viciado não atinge corretamente todos os elementos do tipo.

Entretanto, se o erro incidir sobre a POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE, o dolo continuará intacto, afastando, porém, a culpabilidade, pois a potencial consciência da ilicitude é elemento constitutivo da culpabilidade. Tem-se, aqui, ERRO DE PROIBIÇÃO.

Se o ERRO DE PROIBIÇÃO for evitável, atenua-se a pena, mas a condenação se impõe, por crime doloso, por não se admitir uma ação dolosa-culposa ao mesmo tempo.

Essa teoria impediu a impunidade de determinadas condutas praticadas com ignorância vencível da ilicitude, por ausência de previsão da modalidade culposa, ante a teoria extremada do dolo.

2) TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE

As diferenças em relação à TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE surgem apenas quando o erro recai sobre as chamadas CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO (DESCRIMINANTES PUTATIVAS).

Para a TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE, todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição, com as conseqüências desse tipo de erro;

Para a TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE, há distinção entre duas espécies de erro:

a) ERRO DE TIPO PERMISSIVO: recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação. Conseqüência do erro de tipo: isenta a pena, mas permite a punição por crime culposo, se previsto (art.20, § 1º CP);

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b) ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO: recai sobre a EXISTÊNCIA ou OS LIMITES LEGAIS DA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO. Conseqüência: exclui a culpabilidade, se inevitável, ou atenua a pena, se evitável (art. 21 do CP).

O CP de 40 adotou a TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE, conforme o item 19 da Exposição de Motivos do CP.

Heleno Cláudio Fragoso foi contra. Entendia que, no caso de descriminante putativa, à qual o nosso Código Penal prevê, no caso de ser o erro invencível, a punição pelo crime culposo, à semelhança do que ocorre com o erro de tipo, no qual o agente não sabe que pratica a figura reitora do tipo penal, “ O agente sabe o que faz, mas supõe erroneamente que estava permitido. Exclui-se, não a tipicidade, mas sim a reprovabilidade da ação”. Perfilhava a TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE

TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO

Como o Código Penal Alemão de 1871 não tratava das descriminantes putativas, mas sim apenas do erro de fato, Merkel e Frank criaram a TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO, para subsumí-las (as descriminantes putativas) ao artigo que tratava de erro de fato, objetivando o mesmo tratamento.

Criou-se, então, o TIPO TOTAL DE INJUSTO, o qual abrangeria as causas de justificação como elementos negativos do tipo. O dolo, nessas circunstâncias, deveria abranger não somente os elementos do tipo incriminador, mas também a ausência de causas justificantes.

O erro nas descriminantes putativas fáticas seria ERRO DE TIPO, excluindo o dolo.

Jescheck critica esta teoria, afirmando ser muito improvável que, no momento da ação, o autor pense na ausência de causas de justificação.

Wessels enxergou um mérito nessa teoria → enfatizou a recomendação de um tratamento especial do erro sobre as circunstância justificativas fáticas, ignorado pelo CP alemão revogado.

TEORIA DO ERRO ORIENTADA ÀS CONSEQUÊNCIAS

No erro sobre os pressupostos fáticos da causa de justificação, embora o autor tenha cometido um crime doloso, deve sofrer as conseqüências de um crime culposo. Essa equiparação ocorre somente em relação às conseqüências jurídicas da conduta. Fundamenta-se na diminuição do desvalor da ação do autor, que quer agir conforme o direito. Não se exclui propriamente o dolo, mas uma culpabilidade dolosa.

Culpabilidade dolosa afastada → circunstâncias imaginadas pelo agente reduzem a censurabilidade de sua conduta, porque a fidelidade subjetiva ao Direito fundamenta menor reprovação.

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O erro de tipo permissivo não exclui o dolo do tipo incriminador, mas afasta a culpabilidade dolosa, se for evitável, e igualmente a culposa, se for inevitável.

O erro de tipo permissivo evitável não produz crime culposo. O erro culposo é distinto do crime culposo. No primeiro, o resultado é querido, não tendo sua antijuridicidade sido captada com atenção. No crime culposo, o resultado nunca é querido, decorrendo da imprevisão de sua ocorrência previsível ou de sua não evitação, apesar de crer firmemente que o resultado não ocorreria (culpa consciente). Apenas se adota uma cominação penal do tipo culposo (Jescheck).

EXEMPLOS DE ERRO DE TIPO E DE PROIBIÇÃO

No ERRO DE TIPO, importa que o objeto do erro faça parte da estrutura do tipo penal (elementos descritivos e normativos).

Exemplo: alguém se apodera de coisa alheia, que erroneamente, considera sua (não sabe que subtrai coisa alheia).

O ERRO DE PROIBIÇÃO incide sobre a ilicitude de um comportamento.

Exemplo: alguém acredita ter o direito de fazer justiça pela próprias mãos e se apodera de coisa alheia.

MODALIDADES DE ERRO SOBRE ILICITUDE

1) DIRETO – O agente desconhece a norma proibitiva ou a conhece mal. O crime poderá ser comissivo doloso ou culposo. Neste último caso, pode equivocar-se sobre o dever objetivo de cuidado.

2) MANDAMENTAL – Ocorre nos crimes omissivos próprios ou impróprios. O erro recai sobre uma norma que manda fazer e está implícita nos tipos omissivos.

Se alguém, consciente da ausência de risco pessoal, deixa de prestar socorro porque acredita que não está obrigado porque este dever pertence apenas a médicos e bombeiros incriminador → ERRO DE PROIBIÇÃO, que recai sobre a ilicitude do fato, sobre norma mandamental. ESTE É UM EXEMPLO DE ERRO DE PROIBIÇÃO MANDAMENTAL.

ENTRETANTO, se alguém deixa de prestar socorro porque acredita erroneamente que essa prestação de socorro lhe acarretaria risco pessoal, erra sobre um elemento do tipo incriminador → ERRO DE TIPO (e não de proibição).

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TAMBÉM PODE HAVER ESSE TIPO DE ERRO EM CRIME COMISSIVO POR OMISSAO.

Se alguém garantidor, erra sobre a existência de seu dever ou de seus limites.

Exemplo: Crê que seu dever não existe se houver risco pessoal (sendo que o garantidor tem que enfrentar o risco pessoal), ou que depois de terminado plantão médico, seu dever acabou → ERRO DE PROIBIÇÃO.

ENTRETANTO, se alguém se engana sobre a identidade da pessoa em relação à qual é garantidor → ERRO DE TIPO.

3) INDIRETO (ERRO DE PERMISSÃO)

Erro sobre a existência ou limites da causa de justificação (norma permissiva).

Exemplos: alguém acredita haver a figura do homicídio piedoso, que consistiria em conduta amparada por excludente de ilicitude, e que não está previsto legalmente (erra sobre a existência dessa suposta causa de justificação); quem age acreditando estar em legítima defesa se defendendo com o desferimento de um tiro fatal no agressor, quando foi agredido com um tapa no rosto (erra sobre os limites da causa de justificação).

Uma outra questão interessante versando sobre erro de proibição é :O erro sobre os elementos normativos do tipo seriam erros de tipo ou de proibição?

Há três orientações:

1.ª) seriam erros do tipo porque estão no tipo (Sanzo Brodt, Jair Leonardo Lopes).

2.ª) Roxin, Jescheck → varia conforme o caso. Em um tipo penal que contivesse o elemento normativo “sem justa causa”, o agente pode sequer desconfiar que “não há justa causa”, quando haveria erro de tipo, ou acreditar firme mas equivocadamente que “há justa causa”.

3.ª)Welzel → seria um erro de proibição, pois o elementos normativos do tipo são elementos da ilicitude).

Assis Toledo elenca modalidades inescusáveis de Erro de Proibição por ignorância da lei:

1) Erro de Vigência – o agente desconhece a existência de um preceito legal ou ainda não pode conhecer lei recentemente editada;

2) Erro de Eficácia – o agente não aceita a legitimidade da norma, por supor contrariar preceito superior (Constituição).→ Haveria raras hipóteses de escusabilidade.

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3) Erro de Punibilidade – o agente faz algo que sabe proibido, ou devia e podia sabê-lo, mas supões inexistir pena comina para a conduta.

4) Erro de subsunção – o agente conhece a previsão legal do fato típico, mas supõe que sua conduta não se subsume a ele.

III) EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

A exigibilidade de conduta diversa, concomitante com dos demais elementos da culpabilidade, permite a formação de um juízo de reprovabilidade de uma conduta típica e ilícita.

A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA exclui a culpabilidade

O CP prevê, expressamente no art. 22, duas CAUSAS LEGAIS que excluem a culpabilidade em razão de inexigibilidade de conduta diversa:

1) Coação (moral) Irresistível;2) Obediência Hierárquica

CAUSAS EXTRA LEGAIS (Toledo) de exclusão da culpabilidade

A doutrina e algumas decisões jurisprudenciais também trazem as seguintes excludentes de culpabilidade:

1) Estado de necessidade EXCULPANTE;2) Excesso de legítima defesa EXCULPANTE;3) Outras causas supralegais de exclusão de culpabilidade.

O art. 22 do CP prevê: “ Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.

I - Coação (moral) Irresistível

A coação deverá ser moral (vis compulsiva) e não física (vis absoluta), a qual importaria a própria falta de dolo (conduta). Não há, no caso de coação física, qualquer escolha sobre a prática da conduta. Já na coação moral, há sempre uma escolha, difícil, mas há uma escolha.

Exemplo de vis absoluta: coloca-se, à força, o dedo do coagido no gatilho de uma arma de fogo, faz-se o movimento de disparo, puxando–lhe o dedo para trás e, com isso, causa-se a morte a vítima. Não houve qualquer escolha do coagido.

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Exemplo de vis compulsiva: alguém é obrigado a matar alguém, caso contrário, seu filho será morto. Há um espaço de escolha mínimo, mas há. Diferencia-se do estado de necessidade, já que, aqui, a coação é feita por uma pessoa, e não se trata, portanto, de perigo. Para ser estado de necessidade o perigo teria que ser atual ou iminente. Aqui, o mal grave e injusto prometido ao coagido só poderia ocorrer no futuro e poderia nem ocorrer (não há iminência, nem atualidade). É diferente, também, da legítima defesa, em que a reação se dirige contra o agressor.

Na coação moral irresistível, o fato é típico e antijurídico, mas apenas o autor da coação moral será punido, pois o coagido atua como mero instrumento do coator, que é autor mediato.

Alguns doutrinadores entendem haver concurso do crime praticado com o do art. 146 do CP, pois não poderia incidir a agravante (art.62, II do CP), já que não há concurso de pessoas (só autoria mediata) e esse artigo se refere a concurso de pessoas. Outros entendem que poderia haver a agravante sem o art.146 do CP, para que não se punisse duas vezes a mesma conduta de se coagir outrem, e Damásio de Jesus entende haver o concurso dos crimes praticados, mais o do art.146 do CP mais a agravante (art.62,II).

No caso de coação resistível, o fato é típico, ilícito e culpável, mas poderá ser aplicada a atenuante do art. 65, III, alínea c da 1ª parte do Código Penal.

II - Obediência Hierárquica

A obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, segundo CÉZAR ROBERTO BITENCOURT, seria uma espécie de erro de proibição, por ter o agente avaliado incorretamente a ordem ilegal recebida.

A DOUTRINA APENAS SE REFERE A ESSA CAUSA COMO EXCLUDENTE DA EXIGIBILIDADE DA CONDUTA DIVERSA.

Requisitos da Obediência Hierárquica:

→ Deve haver uma relação de direito público (e não privado). Exemplo: Líder religioso e seus fiéis.

→ A ordem não pode ser manifestamente ilegal, devendo ser apenas ilegal.→ O cumpridor da ordem deve se ater aos limites da ordem, caso contrário haverá

excesso, para Luiz Régis Prado, mesmo não havendo expressa previsão legal. Para a maioria, cai a excludente e o agente responde pelo crime praticado, sem a consideração do excesso.

Só será punível o autor (autor mediato) da ordem (superior hierárquico), salvo quando a ordem for manifestamente ilegal, quando responde também o inferior hierárquico, podendo incidir a atenuante do art. 65, III, alínea c, CP.

POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS E ATÉ JURISPRUDENCIAIS DE CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE EXTRALEGAIS.

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I- Estado de Necessidade Exculpante

Duas são as teorias que disputam o estado de necessidade:

1) TEORIA UNITÁRIA2) TEORIA DIFERENCIDORA

Nosso CP adotou a UNITÁRIA, que prevê que todo estado de necessidade é justificante, isto é, afasta a ilicitude da conduta típica. O estado de necessidade é apenas excludente de ilicitude e não também, em alguns casos, de culpabilidade.

A teoria diferenciadora, adotada pelo Direito Alemão e propugnada por Fragoso para ser usada no Direito Brasileiro, distingue o:

a) ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE (exclui a ilicitude);b) ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE (exclui a culpabilidade).

JUSTIFICANTE→ o bem que se quer preservar é de valor superior àquele contra o qual se dirige a conduta do agente. Nosso Código Penal só admitiu essa modalidade de estado de necessidade.

EXCULPANTE→ o bem que se quer preservar é de valor inferior (ou igual→ há divergências) ao agredido. A doutrina admite essa modalidade de estado de necessidade que não estaria regulado pelo artigo 24 do Código Penal, porquanto o estado de necessidade exculpante exclui a culpabilidade e não a antijuridicidade.

II – EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA EXCULPANTE (Toledo)

Nosso código prevê a legítima defesa justificante (art.25), a putativa exculpante (art.20, §1º CP) e os excessos puníveis a título de dolo ou culpa (art. 23, parágrafo único).

O excesso exculpante seria aquele decorrente do estado de confusão, susto ou medo, de que estava possuído o agente diante de injusta agressão, sendo-lhe humanamente impossível, no quadro emocional em que se debateu, medir e pesar, racionalmente, a agressão e a reação para ajustar a última, em peso e tamanho à primeira.

Este excesso seria apenas o intensivo→ imprime intensidade superior à necessária para a defesa. No denominado excesso extensivo, falta o requisito da “atualidade”.

III – OURAS CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE

Nossa legislação penal não proíbe a utilização do argumento de inexigibilidade de conduta diversa, fora das hipóteses expressamente previstas legalmente (coação moral irresistível e obediência hierárquica), ao contrário do que faz a legislação alemã, proibindo tal utilização.

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Jescheck e Wessels (admite apenas em situações excepcionais) são contra tais causas supralegais.

Exemplo: Alguém que mata uma pessoa que já matou três e jurou que o mataria futuramente.

→ No Júri, a jurisprudência, em sua maioria, é refratária a causas como estas, pois o art. 484,III, do CPP só admite CAUSAS LEGAIS que isentem o agente de pena ou excluam o crime, ou o desclassifique.

Toledo, Adriano Marrey e Alberto Silva Franco admitem as causas supralegais de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, pois o art. 5º, LV da CRFB garante a ampla defesa, não limitada às hipóteses previstas em lei, como a hipótese do artigo 484, III do CPP.