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Parecer sobre o impacto do corte de árvores em Ilhéus/BA sobre Eupsittula aurea e medidas mitigadores No dia sete de julho do corrente ano, houve o início da retirada de amendoeiras (Terminalia catappa) da Avenida Soares Lopes, localizada no centro de Ilhéus, Bahia. Algumas autoridades manifestaram-se afirmando que as amendoeiras atrapalhavam o trânsito da cidade e são uma espécie exótica e, por isso, seriam substituídas por espécies nativas no futuro. Nestas árvores, no entanto, abrigavam-se entre outros animais nativos, aves da espécie Eupsittula aurea, conhecida popularmente por diversos nomes como maritaca, periquito-rei ou jandaia-estrela. A espécie que está classificada como pouco preocupante (IUCN), mede aproximadamente 30 centímetros de comprimento e pesa cerca de 90 gramas, possui uma ampla ocorrência no território nacional, onde habitam áreas de cerrado, manguezais e mata atlântica, além de áreas antrópicas urbanas e em cultivos agrícolas (Sick 1997). Alimentam-se principalmente por sementes, frutos e de insetos na fase alada (Sick 1997). Sua reprodução ocorre entre setembro e dezembro, quando buscam ocos de árvores de palmeiras ou cupinzeiros para nidificar (Parr & Juniper 2010). As maritacas buscam áreas com árvores de copas robustas para se abrigarem na dormida e, ao entardecer, bandos dessas aves voam de árvore em árvore em busca de acomodação (Lamm 1948). O corte das árvores, usadas por essas e outras aves em áreas urbanas, sem qualquer tipo de planejamento, tem como consequência a falta de local para refúgio, causando aumento do estresse dessas aves, que repentinamente não dispõem mais de seu abrigo natural e buscam, muitas vezes sem sucesso, por outros locais. A ausência de sítios de dormida pode resultar na migração dessas aves para outras áreas. Como consequência da expulsão das maritacas, ocorre entre outros fatores, o aumento de insetos na zona urbana (por exemplo, cupins na fase alada) e a diminuição na polinização, germinação e predação de sementes de algumas espécies de plantas das quais estas aves participam (Silva 2008, Oliveira et al. 2012), causando desequilíbrios a médio e longo prazo. Na data de 14 de julho do ano corrente, exemplares de E. aurea foram encontradas mortas (ver anexo) e inúmeros indivíduos enfraquecidos foram resgatados por moradores locais. As causas da morte desses exemplares estão sendo investigadas por veterinários que estão realizando necrópsica, no entanto, pode-se assegurar que o bem-estar destes animais foi comprometido ao terem perdido seus sítios de dormida e abrigo. A ausência de locais disponíveis para dormirem, pode levar ao aumento da atividade na busca por novos locais de abrigo, o que leva ao cansaço e estresse. O estresse gerado também pode aumentar a agressividade entre os indivíduos pela disputa de locais. A perda de penas avistada nos canteiros da av. Soares Lopes (ver anexo) pode ser tanto uma consequência da disputa por espaço como também automutilação devido ao estresse. Há possibilidade ainda da colisão e morte destas aves com os vidros das janelas dos apartamentos na tentativa de se abrigarem (fotos em anexo). A intenção deste parecer, sobre as possíveis causas de distúrbios comportamentais sofridos pelos bandos de E. aurea, é subsidiar as autoridades locais na tomada de decisões de curto, médio e longo prazo para mitigar o sofrimento das maritacas. Assim sendo, seguem listadas algumas medidas para este fim: 1. Necessidade de ofertar locais de pouso e dormida emergenciais. Sugerimos como medida urgente a instalação de tubos de metal ou postes de cimento, com altura suficiente para afastar os animais de gatos e pessoas, nos quais existam furos ou soquetes onde possa ser colocado galhos de árvores vivas. As folhas cairão, mas sendo suficientemente baixos, é possível trocar os galhos diariamente ou a cada 2 dias. Assim, os animais terão onde dormir de forma mais imediata, até que a solução definitiva seja adotada 2. Como alternativa a anterior, a colocação temporária de eucaliptos transplantados sem raiz, até que haja tempo viável para medidas a médio e longo prazo. 3. Como medida mais permanente, sugerimos o transplante de árvores adultas e robustas para o local onde as amendoeiras foram retiradas. 4. Há necessidade de criar-se uma equipe para atuar no recolhimento dos animais exaustos próximos as áreas de dormir. 5. Envolver membros do CCZ na equipe, para atuar na evitação da aproximação de cães e gatos na av Soares Lopes e arredores.

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Parecer sobre o impacto do corte de árvores em Ilhéus/BA sobre Eupsittula aurea e medidas mitigadores

No dia sete de julho do corrente ano, houve o início da retirada de amendoeiras (Terminalia catappa) da Avenida Soares Lopes, localizada no centro de Ilhéus, Bahia. Algumas autoridades manifestaram-se afirmando que as amendoeiras atrapalhavam o trânsito da cidade e são uma espécie exótica e, por isso, seriam substituídas por espécies nativas no futuro. Nestas árvores, no entanto, abrigavam-se entre outros animais nativos, aves da espécie Eupsittula aurea, conhecida popularmente por diversos nomes como maritaca, periquito-rei ou jandaia-estrela.

A espécie que está classificada como pouco preocupante (IUCN), mede aproximadamente 30 centímetros de comprimento e pesa cerca de 90 gramas, possui uma ampla ocorrência no território nacional, onde habitam áreas de cerrado, manguezais e mata atlântica, além de áreas antrópicas urbanas e em cultivos agrícolas (Sick 1997). Alimentam-se principalmente por sementes, frutos e de insetos na fase alada (Sick 1997). Sua reprodução ocorre entre setembro e dezembro, quando buscam ocos de árvores de palmeiras ou cupinzeiros para nidificar (Parr & Juniper 2010). As maritacas buscam áreas com árvores de copas robustas para se abrigarem na dormida e, ao entardecer, bandos dessas aves voam de árvore em árvore em busca de acomodação (Lamm 1948).

O corte das árvores, usadas por essas e outras aves em áreas urbanas, sem qualquer tipo de planejamento, tem como consequência a falta de local para refúgio, causando aumento do estresse dessas aves, que repentinamente não dispõem mais de seu abrigo natural e buscam, muitas vezes sem sucesso, por outros locais. A ausência de sítios de dormida pode resultar na migração dessas aves para outras áreas. Como consequência da expulsão das maritacas, ocorre entre outros fatores, o aumento de insetos na zona urbana (por exemplo, cupins na fase alada) e a diminuição na polinização, germinação e predação de sementes de algumas espécies de plantas das quais estas aves participam (Silva 2008, Oliveira et al. 2012), causando desequilíbrios a médio e longo prazo.

Na data de 14 de julho do ano corrente, exemplares de E. aurea foram encontradas mortas (ver anexo) e inúmeros indivíduos enfraquecidos foram resgatados por moradores locais. As causas da morte desses exemplares estão sendo investigadas por veterinários que estão realizando necrópsica, no entanto, pode-se assegurar que o bem-estar destes animais foi comprometido ao terem perdido seus sítios de dormida e abrigo. A ausência de locais disponíveis para dormirem, pode levar ao aumento da atividade na busca por novos locais de abrigo, o que leva ao cansaço e estresse. O estresse gerado também pode aumentar a agressividade entre os indivíduos pela disputa de locais. A perda de penas avistada nos canteiros da av. Soares Lopes (ver anexo) pode ser tanto uma consequência da disputa por espaço como também automutilação devido ao estresse. Há possibilidade ainda da colisão e morte destas aves com os vidros das janelas dos apartamentos na tentativa de se abrigarem (fotos em anexo).

A intenção deste parecer, sobre as possíveis causas de distúrbios comportamentais sofridos pelos bandos de E. aurea, é subsidiar as autoridades locais na tomada de decisões de curto, médio e longo prazo para mitigar o sofrimento das maritacas. Assim sendo, seguem listadas algumas medidas para este fim:

1. Necessidade de ofertar locais de pouso e dormida emergenciais. Sugerimos como medida urgente a instalação de tubos de metal ou postes de cimento, com altura suficiente para afastar os animais de gatos e pessoas, nos quais existam furos ou soquetes onde possa ser colocado galhos de árvores vivas. As folhas cairão, mas sendo suficientemente baixos, é possível trocar os galhos diariamente ou a cada 2 dias. Assim, os animais terão onde dormir de forma mais imediata, até que a solução definitiva seja adotada

2. Como alternativa a anterior, a colocação temporária de eucaliptos transplantados sem raiz, até que haja tempo viável para medidas a médio e longo prazo.

3. Como medida mais permanente, sugerimos o transplante de árvores adultas e robustas para o local onde as amendoeiras foram retiradas.

4. Há necessidade de criar-se uma equipe para atuar no recolhimento dos animais exaustos próximos as áreas de dormir.

5. Envolver membros do CCZ na equipe, para atuar na evitação da aproximação de cães e gatos na av Soares Lopes e arredores.

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6. Aparelhar um pequena unidade capaz de receber, cuidar e soltar os animais recolhidos (uma sala aquecida que seja, com um veterinário e tratador responsáveis.

7. Adquirir equipamentos mínimos para o manejo e cuidado dos animais (puçá, luva, caixas, aquecedores e alimento (ração e água).

8. Instalar comedouros em outros locais, para que os animais gradualmente sejam atraídos e se mudem para outros locais com disponibilidade de pousos.

Referências

Silva, P. A. (2008). Periquitos (Aratinga aurea e Brotogeris chiriri, Psittacidae) como potenciais polinizadores de Mabea fistulifera Mart.(Euphorbiaceae). Revista Brasileira de Ornitologia, 16(1), 23-28.

Lamm DW. 1948. Notes on the birds of the States of Pernambuco and Paraiba, Brazil. The Auk 65:261–283.

Oliveira, A. K. M., Nunes, A. C., & Farias, G. C. (2012). Predation of Curatella americana seeds by Aratinga aurea parrots. Revista Brasileira de Biociências, 10(4), 526.

Parr, M., & Juniper, T. (2010). Parrots: a guide to parrots of the world. Bloomsbury Publishing.

Sick, H. (1997). Ornitologia brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.

Equipe técnica responsável: Selene S. C. Nogueira Professora Pleno UESC, bióloga e doutora em Comportamento Animal pela USP. Cid Teixeira Neto Biólogo, analista ambiental do IBAMA/Coordenador do Centro de Triagem de animais Silvestres do IBABA em Porto Seguro/BA/ mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável. Lígia Ilg Bióloga, analista ambiental do IBAMA/ Centro de Triagem de animais Silvestres do IBABA em Porto Seguro/BA/ mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável.

Ilhéus, 14 de julho de 2020

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ANEXOS

Fotos de exemplares mortos de maritacas e penas espalhadas nos canteiros da av. Soares Lopes.

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