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ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA EMBASAR O PLANO NACIONAL DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS Eixo IV Governança na Gestão dos Recursos Hídricos Resumo Executivo Brasília DF Outubro de 2014 _________________________________________________________________________

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ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS

CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA

EMBASAR O PLANO NACIONAL DE

ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos

Resumo Executivo

Brasília DF Outubro de 2014

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© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse

público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da

Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de

processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A

atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão

do conhecimento.

Presidente

Mariano Francisco Laplane

Diretor Executivo

Marcio de Miranda Santos

Diretores

Antonio Carlos Filgueira Galvão

Gerson Gomes

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br

Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado

entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013

Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos

nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.

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GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão

Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães

Francisco Lobato (consultor)

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Resumo Executivo

O presente documento refere-se ao Eixo IV da Rede Água, voltado à Governança

da gestão dos recursos hídricos, tendo como objetivo principal elaborar propostas

para novas estratégias e possíveis adequações institucionais e jurídico-legais do

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) – assim

como, de alguns dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos

Hídricos (SEGREHs) –, levando em consideração o contexto do Plano Nacional

de Adaptação a Mudanças Climáticas.

Para tanto, estão sendo resumidos os conteúdos dos três relatórios elaborados,

com o primeiro voltado à identificação dos principais problemas, sejam presentes

ou previstos em cenários prospectivos. Com os problemas dispostos, o segundo

relatório concentrou-se em diretrizes e elementos norteadores, para que as

propostas pudessem ser formuladas como respostas aos perfis de problemas

identificados, até chegar ao terceiro relatório, com foco na devida integração entre

os diversos setores usuários das águas, para a qual foram formuladas estratégias

institucionais e proposto o conceito de uma devida coordenação regulatória, além

da identificação e destaques para as atuais frentes de atuação da Agência

Nacional de Águas (ANA), com ênfases para o Pacto das Águas e, também,

para os Acordos de Cooperação com os Estados, em pleno andamento.

Mesmo com o presente trabalho inserido no contexto do Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas, também foram consideradas outras

avaliações para adequações dos sistemas de gestão de recursos hídricos

vigentes no Brasil, portanto, sob uma ótica mais conjunta e articulada,

notadamente para certas adequações institucionais e jurídico-legais, vez que será

bem mais realista e pragmático considerar o necessário processo de abordagens

e negociações políticas junto ao Congresso Nacional, para que ocorra a desejada

aprovação de propostas.

Ou seja, cumpre ressaltar que muitas das recomendações elaboradas não

consideraram somente adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, houve o

entendimento de que seria importante considerar o atual contexto dos sistemas

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de gestão vigentes, cujas avaliações atuais ressaltam certa estagnação nos

últimos anos, a ser vencida, especialmente por muitos dos estados federativos,

além da incorporação de mais resiliência, flexibilidade e uma gestão mais

adaptativa aos cenários de possíveis mudanças climáticas.

Com isto posto, para resumir o primeiro relatório cabe lembrar conceitos e

procedimentos metodológicos apresentados, pertinentes à avaliação da

Governança na gestão de recursos hídricos, com ênfase para um Planejamento

Institucional Estratégico e para a Metodologia APEX, desenvolvida por estudos da

União Européia.

Sob tais conceitos metodológicos, surgiram questionamentos sobre a gestão dos

diferentes perfis regionais do Brasil, para os quais deveriam ser formuladas suas

respectivas diretrizes gerais e elementos norteadores, com a devida consideração

de adaptação a possíveis mudanças climáticas.

Como justificativa para tal abordagem de diferentes perfis regionais, foi lembrado

o inciso II do Art. 3º da Lei Nacional nº 9.433/1997, litteris:

Art. 3º Constituem diretrizes gerais ...

II - a adequação da gestão de recursos hídricos às

diversidades físicas, bióticas, demográficas,

econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do

País;

Esta “adequação” significa que, face à extensa dimensão do Brasil (8,5 milhões

de km2) e distintas características regionais, torna-se importante questionar se o

modelo institucional estabelecido para o SINGREH esteve sob uma tendência

uniformizadora ou com modelos ajustados de acordo com o perfil de cada região,

inclusive em decorrência de distintos cenários previstos para o clima.

Para chegar a respostas, outra referência metodológica muito inovadora foi

apresentada, sob o conceito da “geometria variável”, a ser empreendido mediante

a sobreposição de diferentes leituras territoriais, considerando biomas e

ecossistemas, uso e ocupação do solo, redes de cidades, infraestruturas

instaladas, sistemas produtivos e organizações institucionais vigentes, dentre

outras. A respeito, foi descrito o Mapa de Gestão da ANA, já elaborado em 2005,

o qual deve ser atualizado, além da Matriz para o Ordenamento de Escalas

Espaciais e Variáveis a Analisar.

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Com tais conceitos e abordagens, os estudos seguiram com um resumo dos

biomas do País, incluindo o da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga,

Pampa e Pantanal.

Na sequência, surgiu então a proposta de que sejam consideradas abordagens

mais próprias a três diferentes perfis regionais do País, quais sejam: da região

amazônica; do semiárido brasileiro; e, do conjunto das regiões sul, sudeste e

centro-oeste.

No que tange à amazônia, já houve a indicação de um Sistema Regional de

Gestão, tendo em vista a predominância de baixa densidade populacional, à

exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas

metropolitanas (a exemplo de Manaus e Belém). Ademais, definições de políticas

relacionadas ao ordenamento do uso e da ocupação territorial, incluindo a

indispensável criação de áreas protegidas e unidades de conservação.

Para o semiárido brasileiro, levando em consideração o seu perfil singular, foi

sublinhada a importância de identificar núcleos regionais estratégicos para um

desenvolvimento socioeconômico, com vistas a arranjos produtivos locais (APLs)

e cidades do interior, além da indicação de que sejam tratados muitos dos pontos

territoriais problemáticos relacionados aos recursos hídricos.

Estes pontos territoriais problemáticos devem envolver o gerenciamento das

disponibilidades, neste caso, incluindo: (i) a infraestrutura de armazenamento,

corretamente construída para mitigar efeitos de evapotranspiração; e, (ii) a

infraestrutura para transporte de água (canais e adutoras), definida segundo

eixos compatíveis com o desenvolvimento de atividades econômicas e estratégias

de consolidação e adensamento da rede urbana.

Também deve considerar o gerenciamento e o ordenamento espacial das

demandas, com uma indução positiva à migração intrarregional e consolidação

de redes urbanas, sem deixar de empreender alternativas de baixo custo para

sistemas localizados de abastecimento (cisternas, poços locais, barragens

subterrâneas e outras formas), além de eventuais reassentamentos involuntários,

notadamente no caso de comunidades rurais dispersas e muito críticas.

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Quanto ao conjunto das regiões sul, sudeste e centro-oeste, três leituras foram

efetuadas: a produção do agronegócio; as frentes de expansão produtiva; e, os

núcleos urbano-industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e

aglomerações de cidades, onde impactos relacionados a questões hídricas,

ambientais e a mudanças climáticas têm se tornados muito relevantes.

No que tange à produção do agronegócio, o documento registra as tendências

crescentes de serviços terceirizados e de um comando urbano, por

consequência, com um inexorável processo de urbanização. Já em relação às

frentes de expansão produtiva, destaca-se a diretriz de um ordenamento

consistente da ocupação do território sujeito a novas fronteiras agrícolas e

pecuárias, tendo em vista a proteção de certos biomas, a exemplo do Pantanal.

Para os grandes núcleos urbano-industriais recomenda-se a elaboração de

diagnósticos próprios à natureza e ao perfil de seus principais problemas, a

serem vistos em conjunto, para identificar o quadro de comprometimento do

meio ambiente urbano, uma devida sobreposição de diversos problemas hídricos

em pontos territoriais críticos e a inquestionável relação com o uso e ocupação

do solo nas cidades.

Enfim, trata-se da identificação dos chamados problem-sheds, tendo como

referências a bacia e o Comitê do Alto Tietê, assim como as bacias do Alto Rio

Iguaçu e do Alto Ribeira, ambas agregadas e com seu Comitê “unificado”, em

função da localização da Região Metropolitana de Curitiba. Sobre este aspecto,

um dos principais desafios refere-se à conjugação de abordagens com base em

áreas-problema e na coordenação de políticas no âmbito das bacias hidrográficas

como um todo. Em termos de estratégias institucionais, o documento ressalta que

o enfrentamento de problemas pode ser advindo, tanto de movimentos top-down,

quanto bottom-up, a serem definidos segundo conveniências de ordem tática.

Com isto posto, em termos conceituais entram em pauta o Princípio da

Subsidiariedade e o chamado Comitê de Integração, que não deve ser visto

como de agregação. Neste sentido, aparece a seguinte pergunta: cabe evitar que

em bacias de maior extensão territorial sejam instalados comitês em bacias de

afluentes, ou mesmo em trechos de rios, motivados por problemas específicos, a

exemplo do Alto Tietê? A resposta é não, fato que revela o entendimento de que

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as instâncias sub-regionais mencionadas não devem ser vistas como

concorrentes do comitê que abranja a totalidade da bacia, mas sim, como

possíveis parceiros estratégicos.

Por fim, no que concerne às abordagens regionais dispostas, conforme conceitos

e diretrizes advindas do Eixo I – Cenários, o relatório destaca que os sistemas de

gestão devem seguir com maior flexibilidade, para que ocorra melhor

resiliência face à indispensável adaptação a graus de risco advindos de

mudanças climáticas. Mais do que isto, recomenda-se que os instrumentos de

gestão não devem ser abstratos, mas sim ter como base dados mais reais e

consistentes, ou seja, com mais robustez.

Com os distintos problemas regionais do Brasil já dispostos, inclusive com a

formulação de algumas diretrizes gerais e a identificação de certos atores

considerados como estratégicos, entra em pauta uma descrição mais detalhada e

a análise dos sistemas de gestão de recursos hídricos vigentes, tanto do

SINGREH quanto de certos SEGREHs.

Para tal abordagem, destaca-se que “esta construção institucional é a condição

necessária, mas não é suficiente para obter o desenvolvimento sustentável dos

recursos hídricos e do meio ambiente, pois o marco institucional é um

processo e não um fim em si próprio” (Tucci, C.E.). Por conseguinte, há

questionamentos presentes sobre a efetiva aplicabilidade e pragmatismo do

SINGREH, em relação a abordagens de distintos problemas regionais.

Mesmo sob tais questionamentos, cabe reconhecer que a Lei nº 9.433/1997 deve

ser reconhecida como uma Lei Nacional, vez que a Constituição Federal

estabelece que compete à União “instituir sistema nacional de gerenciamento de

recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso” (Art. 21,

inciso XIX). Porém, tal como já registrado, o SINGREH deve adequar-se às

diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das

diversas regiões do País. Ou seja, mesmo considerando o contexto nacional da

Lei nº 9.433, há espaço para questionar meras reproduções ou eventuais

limitações de certos SEGREHs frente ao SINGREH.

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Também se pode afirmar que as unidades federativas não devem ficar

simplesmente submetidas ao desenho geral, deixando de observar seus perfis

regionais e problemas específicos.

Seguindo a frente, o relatório passa a considerar a necessidade de que ocorra

uma Governança – entendida como a indispensável interação participativa com

os diversos stakeholders, públicos e privados, envolvidos em processos

decisórios –, assim como uma devida Governabilidade – entendida como um

controle efetivo e consistente das relações entre causas e efeitos, propiciando a

definição de objetivos e metas associadas a variáveis e indicadores de

resultados.

Quanto a Governança, ressalta-se que a qualidade do meio ambiente é

socialmente construída, ou seja, é resultado da atuação de múltiplos atores

sociais. O Estado é um deles e, embora possa ser o mais importante, nem

sempre é o mais incisivo, fato que destaca a necessidade de que a gestão hídrica

e ambiental siga com modelos institucionais voltados a responsabilidades

compartilhadas.

No que tange às estratégias institucionais de modelos de gestão, são

esclarecidas as diferenças entre desconcentrar decisões ou descentralizá-las

efetivamente. Operar mediante instâncias regionalizadas, todavia, com núcleos

decisórios junto à União, revela baixa compreensão sobre o Princípio da

Subsidiariedade, que volta a entrar em pauta, sob o conceito de que toda e

qualquer decisão que possa ser assumida localmente e que não afete terceiros

e/ou áreas mais abrangentes, não deverá subir a instâncias hierárquicas

superiores.

Enfim, sem restrições aos sistemas de gestão vigentes e à sua Governança,

cabe lembrar que as modernas metodologias de planejamento institucional

destacam que modelos institucionais não devem constituir fins em si mesmo, mas

sim serem estruturados como respostas efetivas ao enfrentamento de

determinados problemas, o que significa que a Governança é uma frente

fundamental, todavia, não suficiente para se chegar a respostas concretas. Ou

seja, a Governabilidade também é essencial, para que ocorra um controle efetivo

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e consistente sobre as relações entre causas e efeitos, com destaque para a

importância do planejamento, inclusive para impIementar instrumentos de gestão.

Com isto posto, entraram em pauta debates atuais sobre a dupla dominialidade

das águas no Brasil. A propósito, sabe-se que este é um dos temas mais

complexos e difíceis, a ser abordado dentre as propostas formuladas pelo

segundo relatório. Como uma boa referência a respeito deste tema, destaca-se a

recente iniciativa da ANA voltada ao Pacto das Águas, que tem como um de

seus objetivos apoiar a estruturação dos órgãos estaduais gestores de recursos

hídricos, como forma de reduzir assimetrias institucionais e tendências de

centralização, mediante a implementação de programas de capacitação,

fornecimento de apoio técnico e, inclusive, a transferência de aportes financeiros.

O primeiro relatório é, então, encerrado com sucintas abordagens sobre

SEGREHs, destacando-se que:

a) no caso da região norte, ainda não há qualquer referência;

b) na região nordeste, o Ceará segue como a principal referência, especialmente

para temas relacionados às características do semiárido brasileiro;

c) no sudeste, a primeira referência foi a Lei Estadual de São Paulo, já aprovada

em dezembro de 1991, que inspirou a própria Lei Nacional nº 9.433/1997, no

presente, tendo a gestão do complexo Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ)

como um bom exemplo, além da devida integração entre os processos de

licenciamentos ambientais e da emissão de outorgas em Minas Gerais e da

consideração do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Rio de Janeiro;

d) na região sul, lembra-se que o Paraná deixou de ser referência, com o Rio

Grande do Sul abordando seu território em três distintas regiões, da bacia do

Rio Uruguai, do Rio Guaíba e do Litoral Leste, enquanto Santa Catarina

merece destaque quanto a iniciativas regionais próprias à bacia do Rio Itajaí-

Açu; e,

e) por fim, na região do centro-oeste, destacam-se atividades em Brasília,

relacionadas à despoluição do Lago Paranoá, além de programas do Mato

Grosso do Sul, voltados à conservação do bioma do Pantanal.

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Para iniciar o segundo relatório, voltado às propostas de adequações e avanços

dos sistemas de gestão vigentes no Brasil (SINGREH e certos SEGREHs), foram

registrados elementos norteadores e diretrizes gerais para uma estratégia

nacional voltada a Governança na gestão das águas e adaptação a mudanças

climáticas.

Estes elementos norteadores e as diretrizes gerais foram advindos da

publicação do GEO Brasil – Recursos Hídricos e do Plano Nacional de

Recursos Hídricos, a serem vistos em conjunto com: a atual situação dos

recursos hídricos e dos principais problemas presentes e previstos, com

abordagens regionais e suas respectivas diretrizes; sob uma avaliação crítica

construtiva, para um processo de continuados aprimoramentos institucionais e

legais; e, a consideração de diretrizes advindas de cenários prospectivos sobre

possíveis mudanças climáticas.

Segundo o GEO Brasil, é importante lembrar que a gestão de recursos hídricos

não detêm uma competência total ou instrumentos completos para uma atuação

substantiva sobre todas as variáveis que condicionam os cenários prospectivos e

o contexto do desenvolvimento macroeconômico do País. Assim, cabe assumir

um viés preventivo ou de atenuação de impactos econômicos, sociais e

ambientais. Ou seja, no mínimo é possível evitar determinadas consequências,

previstas em cenários tendenciais, além de definir como serão subsidiadas as

decisões ao longo do tempo, em particular, sobre como serão contornadas as

incertezas críticas.

Também destaca a importância dos gestores de recursos hídricos

compreenderem a lógica da atuação dos diversos setores usuários,

assegurando que incorporem, em seus processos de produção ou de oferta de

serviços, os custos de externalidades negativas, ou seja, o cômputo das

externalidades negativas deve ocorrer já na fase de planejamento dos setores

usuários das águas. Com isto posto, destaca-se a necessidade de ações

regulatórias mais substantivas, tal como foi abordado pelo terceiro relatório.

Em acréscimo, sobre o SINGREH, o GEO Brasil ressalta um aprimoramento da

devida articulação e dinâmica entre as instâncias que compõem o Sistema

Nacional de Gestão. Portanto, entende-se que o SINGREH deve ser visto em

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seu conjunto, ou seja, como um Sistema, e não apenas mediante suas

instâncias isoladas – no mais das vezes, com ênfase aos comitês de bacias. Além

disso, já em 2007 indicava a necessidade de um apoio para a organização dos

SEGREHs, fato que coloca em destaque a atual iniciativa da ANA voltada ao

Pacto das Águas.

Chegando a elementos norteadores advindos do Plano Nacional de Recursos

Hídricos, o segundo relatório menciona que cabe buscar uma certa convergência

entre as legislações nacional e estaduais, sem prejuízo da manutenção da

diversidade e de especificidades decorrentes de características regionais.

Ademais, também cabe harmonizar a legislação nacional com os Acordos e

Tratados Internacionais.

No contexto do Subprograma II.3 – Adequação, Complementação e

Convergência do Marco Legal e Institucional, elaborado pelos consultores

Gilberto Canali e Percy Soares Neto, registra-se o conceito do já mencionado

Comitê de Integração, a ser visto como de articulação e não como de

agregação, para que ocorra uma efetiva gestão descentralizada, porém, sem

que se deixe de celebrar acordos e cooperações entre instâncias coletivas locais

– notadamente estabelecidas em áreas-problema –, sob uma abrangência mais

estratégica e coletiva, em bacias hidrográficas compartilhadas.

Como outros elementos norteadores, o Plano Nacional registra que a gestão

em bacias com menores dimensões tem se apresentado com maior

consistência, no mais das vezes, devido à sua maior proximidade com os

problemas relevantes a serem enfrentados. Ademais, em tese, a visão de que a

gestão exige uniformidade de critérios na aplicação dos instrumentos na bacia

como um todo, talvez deva ser relativizada, em função de peculiaridades que

possam eventualmente facilitar o avanço e maior eficiência da gestão em sub-

bacias.

Sob tal abordagem, destaca-se a importância do traçado de unidades territoriais

estratégicas de gestão (UTEGs), para as quais se entende que deveriam ser

aplicados distintos critérios para a emissão de outorgas.

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Com isto posto, percebe-se que há uma elevada convergência com muitas das

diretrizes gerais que já foram dispostas, no sentido de que modelos de gestão

devem ser estabelecidos segundo a natureza dos problemas.

Assim, entra em pauta a possibilidade positiva da própria União delegar certos

encargos aos estados federativos, sempre que demonstrem capacidade

técnica e institucional para o desempenho das funções delegadas, também

contando com possíveis delegações a prefeituras municipais, considerando as

competências constitucionais dos municípios, com forte incidência sobre vários

dos aspectos da gestão dos recursos hídricos.

Surge, então, a necessidade de se buscar novos mecanismos para a

Governança na gestão de recursos hídricos, sempre com modos voltados a

uma atuação mais conjunta entre os entes federativos.

A necessidade de uma abordagem mais conjunta já foi recomendada por

Monica Porto e Carlos Eduardo Tucci, em 2006, a propósito do reduzido

alcance e, portanto, de baixa eficácia de planos de bacias hidrográficas. Ambos

mencionaram que “o país precisa fazer um esforço sério para avançar no

processo de Avaliação Ambiental Estratégica. São muitos os setores para os

quais a Avaliação Ambiental Estratégica traria mais objetividade e rapidez à

implantação de seus programas e projetos de desenvolvimento e, principalmente,

poderia abreviar o processo decisório nas instâncias dos Sistemas de Gestão de

Recursos Hídricos e do Sistema Ambiental”.

Com isto posto, percebe-se o entendimento de que qualquer abordagem sobre

adaptação às mudanças climáticas também deverá constar de Avaliações

Ambientais Estratégicas de bacias hidrográficas, sobretudo, quando for

considerada a nova Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, a qual

expressa que o gerenciamento de riscos e de desastres deve ser focado nas

ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.

Ademais, prevê a integração das políticas de ordenamento territorial, com o

desenvolvimento urbano, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de

recursos hídricos, geologia e infraestrutura.

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Esta nova Política Nacional de Proteção e Defesa Civil também dispõe sobre a

elaboração e implantação dos correspondentes Planos de Proteção e Defesa

Civil, previstos como necessários nos três níveis de governo.

Com tais méritos, esta Lei, desde que efetivamente implementada, poderá

contribuir para os propósitos de uma gestão conjunta do interesse comum, no

âmbito de bacias hidrográficas, inclusive e principalmente, levando em conta a

indispensável adaptação a mudanças climáticas.

Enfim, contando com diretrizes gerais e regionais e com os elementos

norteadores, torna-se possível propor uma estratégia para rearranjo do

arcabouço legal e institucional vigente, também considerando o compromisso do

Brasil junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do

Clima e com o Protocolo de Quioto.

Como primeiro tema das propostas, volta a entrar em pauta a questão relacionada

à dupla dominialidade das águas no Brasil. A propósito, o Dr. Benedito Braga,

atual Presidente do Conselho Mundial da água, fez as seguintes afirmações:

...se o domínio sobre os rios brasileiros fosse totalmente

federal, como ocorre no México, seria mais fácil evitar

conflitos, como o que ameaça irromper entre São Paulo e o

Rio de Janeiro, sobre o aproveitamento da bacia do Rio

Paraíba do Sul. O modelo no qual os rios são todos

nacionais seria o ideal.

Por seu turno, G. Canali sublinha a necessidade de uma gestão descentralizada,

além do princípio da subsidiariedade. Ademais, a gestão em bacias com

menores dimensões tem se apresentado com maior consistência, devido à sua

maior proximidade com os problemas. De fato, mesmo com a dupla dominialidade

das águas e não obstante a dimensão de certas bacias, devem ocorrer

abordagens diferenciadas segundo a natureza de problemas relacionados aos

recursos hídricos, inclusive daqueles que poderão ser advindos de mudanças

climáticas.

Além do perfil dos problemas, também cabe considerar as capacidades

institucionais presentes, portanto, tanto com apoios top-down quanto bottom-up,

em casos distintos. Muito resumidamente, levando em consideração a necessária

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adaptação a mudanças climáticas, recomenda-se que sejam desenvolvidas

estratégias próprias aos problemas que deverão ser equacionados, com uma

presença democrática e efetiva da União e dos estados federados e, também, dos

municípios, segundo a natureza dos problemas e as capacidades institucionais

presentes.

Como outra referência sobre a dupla dominialidade dos recursos hídricos no

Brasil, cabe registrar o artigo “Quem é responsável pela administração dos rios?”,

elaborado por Jerson Kelman e Bernardo Cabral. Neste artigo, foi registrado:

Sempre que possível, tudo o que puder ser resolvido pelo

governo do estado, ou por consórcio de governos estaduais,

não deve ser resolvido pela União.

Sob tais abordagens, de pronto pode-se afirmar que não deve ser alterada a

dupla dominialidade das águas, como forma fundamental para que ocorram

avanços na gestão.

Um segundo tema para propostas refere-se a ações e atividades mais conjuntas e

articuladas entre as esferas federativas do Brasil. Neste sentido, há uma

abordagem promissora da Lei Complementar nº 140 (08/dezembro/2011), onde

constam artigos voltados à cooperação entre a União, estados, DF e municípios,

com uma competência comum relativa à proteção do meio ambiente, além do

combate à poluição. Assim, há uma dificuldade reconhecida para a competência

da gestão das águas, em muitos casos, não se inscrevendo dentre as

competências comuns, como é o caso da gestão ambiental.

Resta, então, indagar: como a União poderá promover a articulação da Política

Nacional de Meio Ambiente com a de Recursos Hídricos, além de outras políticas

correlatas? Como resposta, entende-se que será fundamental considerar a leitura

de bacias hidrográficas, sempre sobreposta com outras diferentes abordagens

territoriais, sob o conceito de “geometria variável”. Ou seja, a abordagem de

bacias, em escalas adequadas, é essencial para muitas das ações,

especialmente, para a aplicação dos instrumentos de gestão, que certamente

estarão em pauta em decorrência da indispensável adaptação a mudanças

climáticas e, também, para fins da Política de Proteção e Defesa Civil, que se

apresenta com alta relevância social.

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Contando com tais abordagens, o segundo relatório apresenta as seguintes

propostas para adequações e novos avanços da gestão das águas no Brasil:

redefinir uma estratégia institucional, com maior ênfase em abordagens

locais de problem-sheds, tanto face a adaptação a mudanças climáticas,

quanto para equacionamento dos principais problemas interrelacionados aos

recursos hídricos, que sejam identificados em cada região;

aplicar o princípio da subsidiariedade, além de leituras territoriais

estratégicas;

considerar modelos mais próprios de gestão para a Amazônia, o Semiárido

brasileiro e o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste;

recomenda-se que seja atualizado o Mapa de Gestão da ANA;

no caso da região Amazônica, verificar a possibilidade de um Sistema

Regional de Gestão, pautado por um órgão regulador conjunto;

para o Semiárido brasileiro, empreender estudos e planejamentos estaduais

para ordenamento da ocupação do território e ao desenvolvimento da rede de

cidades, face ao inexorável processo de urbanização e núcleos de APLs, com

comunidades rurais menos dispersas, eventualmente reassentadas das áreas

de riscos mais críticos, inclusive em decorrência de mudanças climáticas;

seguindo sobre o Semiárido, com: (a) o gerenciamento das disponibilidades

(açudes, reservatórios, canais e adutoras); (b) o gerenciamento da demanda

(ordenamento espacial da demanda); e, (c) o gerenciamento de conflitos;

para o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, incentivar tecnologias mais

sustentáveis, tendo a referência do Programa Produtor de Águas;

quanto as atuais fronteiras de expansão do agronegócio planejar antecipado

um ordenamento consistente da ocupação do território;

para aglomerações urbanas, empreender Programas de Saneamento

Ambiental Urbano (PROSAMs), que devem chegar a modelos de gestão

próprios a áreas-problema, também incluindo as regiões metropolitanas do

Nordeste;

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os PROSAMs devem promover eventuais reassentamentos de moradores

localizados em áreas de risco – no mais das vezes, em favelas, cortiços e

ocupações desconformes;

também devem: (i) proteger certas áreas ambientais, notadamente no caso de

mananciais para abastecimento, identificados como relevantes; (ii) buscar a

redução de perdas e desperdícios, chegando a uma O&M mais consistente dos

sistemas de reservação e de distribuição de água; e, (iii) promover avanços nos

atuais níveis de coleta e tratamento de esgotos e no possível reuso das águas;

grande destaque para a iniciativa do Pacto das Águas, com ênfase inicial para

o fortalecimento dos órgãos estaduais gestores de recursos hídricos, com a

realização de estudos para um planejamento institucional estratégico;

neste sentido, recomenda-se um cruzamento entre as estruturas institucionais

dos órgãos gestores e os perfis dos principais problemas de recursos hídricos a

serem enfrentados;

maior integração com outras áreas, em particular, com a gestão do meio

ambiente, incluindo sistemáticas que articulem instrumentos, como sistemas de

informação, licenciamento ambiental e emissão de outorgas;

empreender estudos sobre o licenciamento de atividades com base na

capacidade de suporte de certas unidades territoriais, avançando em

relação ao mero controle tradicional, no mais das vezes, limitado somente a

padrões de emissão;

possíveis delegações de encargos e responsabilidades, para entidades

mais próximas aos problemas a serem enfrentados, com as eventuais

propostas de delegação tendo uma estratégia institucional consistente e

calibrada em função das mútuas capacidades técnicas e institucionais;

no caso de bacias compartilhadas com países vizinhos, a exemplo da bacia do

Rio Amazonas, torna-se indispensável ter acesso a dados e informações

hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante;

face a problemas mais graves advindos de possíveis mudanças climáticas,

recomenda-se articular a gestão de recursos hídricos com a Defesa Civil, a

qual se encontra identificando e mapeando áreas de risco, nas quais

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18

intervenções poderão ser necessárias e indispensáveis, sobretudo para

reassentamento de populações inadequadamente residentes;

uma inserção bem mais substantiva dos municípios nas estratégias de

gestão dos recursos hídricos, vez que muitas das variáveis decisivas

encontram-se sob sua competência (uso e ocupação do solo, posturas urbanas

de obras e edificações, serviços de saneamento, drenagem e disposição de

resíduos sólidos);

as prefeituras municipais devem ser consideradas: (a) de um lado, como

usuárias de recursos hídricos, especialmente mediante a atuação de certas

secretarias municipais executivas, com obras de drenagem; e, (b) de outro,

como entidades com certas funções regulatórias, no caso de secretarias do

meio ambiente, para fiscalizações e para emitir licenciamentos ambientais, na

maioria dos casos, mais locais;

possível revisão da composição do Conselho Nacional de Recursos

Hídricos (CNRH) e da necessária identificação de atores estratégicos, que

devem ser representantes junto a inúmeros dos comitês de bacias;

ampliar as alternativas para o perfil institucional de agências de bacias

hidrográficas, no presente, estabelecidas como “entidades delegatárias” – em

muitos casos, seguem problemas e restrições advindas de limites para

autossustentação financeira, vez que as “entidades delegatárias” estão sujeitas

ao limite de 7,5% das arrecadações via Cobrança pelo Uso da Água;

recomenda-se, então, que sejam mais flexibilizadas as alternativas para que

outras instituições possam atuar executivamente na gestão de recursos

hídricos, tanto para certas funções e encargos de agências de bacias, quanto

para empreendimentos previstos pelos planos de bacias;

ou seja, entende-se que não se deve limitar atuações somente a “entidades

delegatárias”, mas também considera órgãos estatais – ou até mesmo privados

ou de economia mista –, com os quais podem ser celebrados convênios ou

contratos de gestão;

para definir a melhor opção institucional, devem ser dispostas as respectivas

vantagens e desvantagens das alternativas;

_________________________________________________________________________

19

aprofundar conceitos e princípios legais sobre o Direito das Águas,

notadamente para o trato de eventos críticos, que poderão exigir, de forma

preventiva, um racionamento, suspensão de outorgas e/ou a realocação de

disponibilidades, no caso de quadros decorrentes de mudanças climáticas;

como última recomendação sob uma ótica de planejamento institucional

estratégico, interno à estrutura da ANA, recomenda-se que suas diretorias

sejam definidas com base em abordagens regionais do Brasil.

Com todas estas propostas já formuladas, o segundo relatório é, então, encerrado

com capítulos complementares que apresentam mais detalhes sobre: (a) o Pacto

das Águas a ser empreendido como um Pacto Federativo; (b) formas de maior

articulação com a Defesa Civil, com ênfase ao ordenamento da ocupação do

solo urbano e rural e ao combate da ocupação de áreas ambientalmente

vulneráveis e de risco, além da realocação da população residente nessas

áreas; (c) a consideração de Planos Estaduais de Defesa Civil, como também

de Planos Municipais, ambos ainda a serem elaborados, os quais também

deverão identificar as bacias de seus territórios, com risco de ocorrência de

desastres; e, (d) por fim, recomendações relativas a mais opções para

atividades executivas de agências de bacias hidrográficas, vez que os

comitês de bacias não têm personalidade jurídica e não se apresentam no dia-a-

dia necessário para empreender deliberações e intervenções previstas em planos

de recursos hídricos, fato que, s.m.j., tem gerado muitas das estagnações que

vêm ocorrendo no contexto do SINGREH e de muitos dos SEGREHs, em

decorrência da falta de entidades executivas mais consistentes.

Chegando ao terceiro e último relatório, tendo as propostas já formuladas para

adequações e avanços nos sistemas de gestão vigentes (SINGREH e certos

SEGREHs), entram em pauta questões mais próprias aos diversos setores

usuários das águas.

Neste sentido, cabe ressaltar recomendações metodológicas para uma devida

coordenação regulatória, além de estratégias institucionais para que ocorra

mais proximidade entre os setores usuários e algumas recomendações gerais

que orientem a tomada de decisão de gestores em situações críticas,

inclusive daquelas que forem advindas de possíveis mudanças climáticas.

_________________________________________________________________________

20

Quanto às estratégicas institucionais, há destaques para o planejamento de

recursos hídricos e para as devidas articulações verticais – entre as esferas

federativas do Brasil – e horizontais – entre as diversas entidades relacionadas

aos setores usuários das águas.

Percebe-se, portanto, que volta a entrar em pauta uma indispensável gestão

integrada dos recursos hídricos (GIRH), agora com maior ênfase e certos

detalhes e variáveis relacionadas com seus diversos setores usuários. Para tanto,

cabe lembrar que a GIRH deve considerar suas variáveis supervenientes (meio

ambiente e desenvolvimento regional) e, também, suas variáveis intervenientes

(os diversos setores usuários das águas).

Sob tal conceito muito relevante, deve-se sublinhar que a gestão de recursos

hídricos não deve ser vista como um setor isolado, mas sim sob uma ótica

transversal aos diversos usos das águas. Assim, torna-se importante

reconhecer a complexidade do tema em pauta. Com efeito, mesmo sob um

consenso geral, ainda há muitas dificuldades e restrições para que soluções

concretas sejam efetivamente alcançadas. Em muitos casos, a gestão integrada

permanece apenas como retórica.

Revela-se, então, a necessidade de uma atuação mais coordenada sobre dois

campos regulatórios importantes: (a) aquele mais amplo e transversal, que

abrange a temática ambiental e dos recursos hídricos; e, (b) dos setores

usuários, que apresentam seus aspectos operacionais mais específicos.

Entende-se que, entre ambos, deve necessariamente ocorrer uma coordenação

regulatória.

A respeito de encargos regulatórios, cabe sublinhar a importância de estabelecer

uma devida regulação independente, tanto no que tange ao papel dos

diferentes agentes privados, quanto de diversas empresas públicas – sobretudo,

voltadas à operação de sistemas e de infraestruturas, por vezes em campos de

monomercados –, vez que estas também apresentam seus interesses

particulares. Por conseguinte, demandam uma consideração muito próxima

daquela aplicada sobre usuários privados, requerendo suas atividades e serviços

igualmente submetidos à regulação.

_________________________________________________________________________

21

No caso mais próprio às agências regulatórias, para que haja esta independência

muito recomendada, recomenda-se que seu quadro de diretores tenham

mandatos permanentes por certos períodos, ou seja, sem que venham a ser

submetidos a interesses próprios ao governo em mandato.

Contando com os conceitos apresentados para a GIRH, em acréscimo a seus

encargos no contexto da gestão de recursos hídricos, a atuação da ANA e dos

órgãos estaduais correlatos deve ser devidamente articulada e coerente com os

órgãos regulatórios do meio ambiente, como o IBAMA e seus órgãos estaduais

correspondentes, para que não ocorram inconsistências entre decisões e

condicionantes advindos do licenciamento ambiental e da outorga para uso

da água.

Tal como já dito, também deve ocorrer uma coordenação regulatória entre o

espaço hídrico e ambiental, que é mais amplo, e aspectos específicos a cada

setor usuário das águas. Como um exemplo, sabe-se que a ANA deve tomar

decisões coerentes com a ANEEL e com o ONS, notadamente no que tange a

operação de reservatórios de hidroelétricas, cujos volumes hídricos também

devem considerar demandas de outros segmentos usuários das águas, como

perímetros de irrigação, controle de cheias e hidronavegação, além da

manutenção das vazões ecológicas necessárias.

Contudo, sob a atual predominância de políticas setoriais, surgem algumas

perguntas: como compatibilizar propostas locais e setoriais, com as regionais e

integradas? Quais os principais indicadores a serem observados? No caso de

possíveis mudanças climáticas, como os setores das águas deverão atuar, para

que novos perfis de problemas e áreas de risco adicionais venham a ser

consistentemente tratadas, no mais das vezes, sob a ótica de uma gestão mais

adaptativa?

Sob uma ótica integrada, deve-se identificar as diversas fontes de poluição

existentes, que causam impactos ambientais e sobre os recursos hídricos, por

consequência, com a identificação dos limites de resultados das ações

relacionadas aos investimentos em serviços locais, vez que o somatório

desses pontos pode ultrapassar a capacidade regional de suporte do

território.

_________________________________________________________________________

22

Portanto, cabe aos usuários – privados e públicos –, sempre sob o predomínio de

seus interesses particulares, reconhecerem que problemas de qualidade e de

disponibilidade hídrica não estão relacionados somente a sistemas locais, a

exemplo do saneamento básico, mas também com todos os demais setores

usuários das águas.

Com isto posto, o terceiro relatório apresenta um Quadro exemplificativo, que

demonstra genericamente como podem ser sistematizados objetivos e

indicadores, partindo de aspectos executivos, de operação e manutenção, da

prestação de serviços e de atividades produtivas, até chegar às abordagens

hídrico-ambientais, de modo a aplicar a pretendida coordenação regulatória.

Como outro conjunto de subsídios importantes para a devida coordenação

regulatória, o relatório apresenta descrições com dados e informações sobre os

seguintes setores usuários das águas: (i) saneamento básico, incluindo

abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos sanitários, macro e micro

drenagem e coleta e disposição final de resíduos sólidos; (ii) geração de energia

hidroelétrica; (iii) irrigação; (iv) setor industrial; e, (v) hidronavegação.

Chegando agora a questões relacionadas a estratégias institucionais, outro

conceito muito importante para a gestão das águas é um procedimento mais

pragmático sobre a forma de planejamento dos recursos hídricos, frente às

efetivas intervenções que são empreendidas, no presente, com a maioria dos

planos de bacias seguindo estagnados.

De fato, mesmo com muitos planos – Nacional, estaduais e de bacias

hidrográficas – já elaborados, persistem significativas dificuldades para suas

efetivas implementações, que seguem com muita morosidade, em inúmeros

casos, com distâncias entre os setores usuários, que tendem a atuar

isoladamente.

Assim, nota-se que, por vezes, a GIRH pode apresentar maiores dificuldades para

articulações institucionais horizontais, ou seja, no mesmo nível de governo, do

que para articulações verticais, entre as diferentes esferas federativas do Brasil.

_________________________________________________________________________

23

Sob tal contexto, foi reapresentada uma estratégia elaborada quando da

atualização do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), revisto em 2010,

baseada na seguinte Matriz Tridimensional:

Matriz Tridimensional da Estratégia para o PNRH 2011 – 2015

EEx = Demandas Nacionais

e Regionais para ações do PNRH

Interação 01 Interação 02

EEy =

Articulações Institucionais para Ações e

Programas Existentes e/ou a serem criados

Interação 03

EEz = Estrutura dos Componentes

e Programas do PNRH

No caso do EEy, voltado a articulações institucionais para ações e programas

existentes e/ou a serem criados, coube anotar que em inúmeras instituições

investigadas, relacionadas a diversos ministérios de setores usuários das águas,

foram identificadas muitas ações e programas relacionados aos recursos hídricos,

com potenciais contribuições junto ao PNRH. Assim, fica evidente uma histórica e

continuada dispersão institucional que caracteriza o setor público do Brasil, sem

que objetivos comuns possam ser negociados e convergidos em termos

executivos. Ou seja, de fato, a GIRH permanece apenas como retórica.

Sob uma ótica bem realista, cumpre reconhecer que será muito mais improvável

que os orçamentos do MMA, da SRHU e da ANA recebam todos os aportes

necessários à implementação do PNRH, do que admitir negociações em

programas a cargo de vários ministérios e instituições, já com orçamentos e

programas disponíveis em favor do PNRH.

Quanto ao Eixo EEz, referente à estrutura dos Componentes e Programas do

PNRH, recomenda-se que deve partir de sua última versão, todavia sujeitando-se

_________________________________________________________________________

24

às devidas adequações, seja pelo ajuste e/ou criação de novos programas que

tenham sido demandados por abordagens nacionais e/ou regionais (EEx), seja

para aproximar e convergir programas e projetos com iniciativas já existentes ou a

serem estabelecidas em outros ministérios e entidades (EEy).

Enfim, esta estratégia proposta ao PNRH deve ser vista como uma janela de

oportunidades, sob o entendimento de que o Plano Nacional de Recursos

Hídricos deve ser empreendido de forma transversal, em termos executivos e

institucionais.

Uma referência muito semelhante a respeito é apresentada pelo arranjo

institucional executivo do Programa InterÁguas, em pleno empreendimento pela

ANA, contando com financiamento do Banco Mundial, devidamente composto por

diversos ministérios, naturalmente com a presença do Meio Ambiente (MMA),

além do Ministério da Integração Nacional (MI), das Cidades (MCidades), das

Minas e Energia (MME), de Transporte, da Agricultura e da Saúde. Assim, o

InterÁguas se apresenta como um programa transversal a alguns dos setores

usuários.

Na sequência, como resposta a comentários e recomendações da Rede Espelho

da ANA, o terceiro relatório final apresenta descrições de outras referências de

atuação da Agência Nacional de Águas, em favor de avanços da Governança na

gestão de recursos hídricos, frente a possíveis mudanças climáticas. Estas

descrições incluem: o Programa Produtor de Águas; o Programa Despoluição

de Bacias Hidrográficas – PRODES; o Programa Nacional de Avaliação da

Qualidade da Água – PNQA; e, a elaboração de planos de bacias

hidrográficas, dentre os quais são mencionados o Plano Decenal e Estratégico

da Bacia do Rio São Francisco, o Plano Estratégico da Região Hidrográfica do

Araguaia-Tocantins, o Plano das Bacias Hidrográficas dos Afluentes da Margem

Direita do Rio Amazonas e o Plano da Bacia do Rio Paranaíba.

Além dessas importantes frentes de atuação da ANA, merecem um elevado

destaque, sob uma ótica muito positiva e pragmática, os Acordos de

Cooperação Técnica com os Estados Federados, com a instalação das

chamadas Salas de Situação. Trata-se de uma atuação mais recente, na qual é

considerada a indispensável necessidade de adaptação a possíveis mudanças

_________________________________________________________________________

25

climáticas, com grande convergência frente a muitas das recomendações que já

foram formuladas pelo presente trabalho, quais sejam:

(i) a identificação de problem-sheds, em muitos casos, a serem vistas como

áreas de risco, tal como consta nesta frente de atuação da ANA;

(ii) um monitoramento hidrometeorológico com mais dados e informações

sobre os recursos hídricos, para que possam ser desenvolvidos sistemas de

apoio à decisão e identificadas as relações entre causas e efeitos,

reconhecidas como fundamentais, igualmente previstas nesta frente da ANA;

(iii) repercussões sobre o devido ordenamento do território, com ajustes no

uso e ocupação do solo e com eventuais reassentamentos involuntários

de famílias e comunidades localizadas em áreas de risco, para que

eventos críticos não cheguem a afetá-las tão gravemente;

(iv) recomendação de que os sistemas de gestão de recursos hídricos

(SINGREH e SEGREHs) passem a atuar mais em conjunto com a Defesa

Civil, em decorrência de eventos críticos;

(v) avanços nas indispensáveis articulações verticais e ações mais integradas

entre os estados federativos do Brasil, considerando a importância da

iniciativa do Pactos das Águas, em cujo contexto podem ser vistos estes

Acordos de Cooperação, como uma ação já precedente; e,

(vi) a disponibilidade de um quadro de profissionais mais bem qualificados,

para que situações críticas relacionadas aos recursos hídricos venham a ser

abordadas, não somente pela ANA, como também, pelos órgãos estaduais

gestores das águas, aos quais cabem muitas das ações mais locais,

relacionadas a problemas decorrentes de crises e alterações climáticas,

possivelmente chegando até a receberem delegações de certos encargos,

competências e responsabilidades.

Como as últimas frentes de atuação da ANA, também são registradas: a

Cooperação Sul-Sul, voltada a bacias compartilhadas com certos países

vizinhos, nas quais é indispensável ter acesso a dados e informações

hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante; e, por fim, os

Estudos com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), com o título de Diálogo Político sobre a Governança da

_________________________________________________________________________

26

Água no Brasil, sendo que esta frente deve ser considerada sob uma ótica

articulada e conjunta com os presentes estudos do Plano Nacional de Adaptação

a Mudanças Climáticas, notadamente para propostas de ajustes institucionais e

jurídico-legais, do SINGREH e de alguns dos SEGREHs.

Por fim, o terceiro e último relatório é encerrado com respostas às seguintes

perguntas emitidas pela Rede Espelho da ANA:

- A estrutura atual (arranjos institucionais e ações de gestão de recursos

hídricos em curso) é suficiente para dar respostas, em tempo hábil, aos

efeitos da mudança do clima?

De pronto, pode-se afirmar que não. Mesmo com os anteriores avanços obtidos

pelo SINGREH, além de certos SEGREHs, segundo vários posicionamentos

entende-se que há certa estagnação, por consequência, com preocupações

voltadas à identificação de formas e estratégias para que a gestão das águas

no Brasil volte a seguir adiante, tanto no âmbito geral do País, quanto em vários

dos estados, notadamente nos casos sem avanços. Mais do que isto, também

cabe sublinhar a necessidade de que, nos passos à frente, sejam mais

abordados distintos perfis regionais e questões relacionadas com áreas-

problema, em muitos casos, devido às mudanças climáticas.

- Quais características precisam ser melhor desenvolvidas e como fazer

para desenvolvê-las?

Entende-se que arranjo institucional não deve ser visto como um fim em si

mesmo, ao contrário, deve ser concebido como resposta para certos problemas,

fato que indica especificidades frente à natureza do tema em pauta, tal como deve

ocorrer para a gestão das águas que, no caso do extenso e diverso território

brasileiro, exige a definição de diretrizes e orientações para que as formas de

gestão tratem dos problemas a serem enfrentados, com abordagens do quadro

regional presente e de cenários prospectivos. Enfim, o quadro presente e,

também, os cenários prospectivos, devem abordar articuladamente aspectos

hídricos e ambientais e o desenvolvimento socioeconômico, além das

possíveis mudanças climáticas previstas.

_________________________________________________________________________

27

- Quais as fragilidades identificadas? Quais as medidas propostas para

solucioná-las ou minimizá-las?

As fragilidades da gestão das águas no Brasil são muito variáveis, segundo cada

perfil regional e/ou dos estados federativos. Ou seja, cabe reconhecer que, no

caso de alguns dos estados, ocorreram certos avanços, enquanto em outros foi

verificada uma seguida estagnação. Além disso, na medida em que a ANA se

apresenta como uma instituição gestora muito mais à frente dos órgãos estaduais,

houve uma certa tendência de centralização, fato que já passou a ser vencido

pela própria ANA, em decorrência de sua iniciativa voltada ao Pacto das Águas.

Ademais, considerando os diagnósticos e as diretrizes próprias aos diferentes

perfis regionais do Brasil, muitas das medidas que foram propostas devem ser

consideradas como respostas, tal como consta nas páginas 13 a 16.

- Quais são as oportunidades identificadas? Há medidas a serem tomadas

capazes de reforçá-las ou potencializá-las?

Dentre as principais oportunidades identificadas, cumpre ressaltar o Pacto das

Águas, os Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados e,

também, os estudos junto à OCDE, intitulado como Diálogo Político sobre a

Governança da Água no Brasil. Sob este contexto, de importantes iniciativas da

ANA, recomenda-se que, periodicamente, sejam avaliadas e, eventualmente,

ajustadas as estratégicas e táticas em curso, para que os avanços sigam

continuadamente à frente.

- O PróGestão – que é uma forma de fortalecer os estados, de descentralizar

recursos e decisões – é o suficiente para enfrentar os efeitos da mudança

do clima? Ou, a depender do cenário previsto para cada região, o

PrÓGestão deve ser adaptado com especificidades que podem ajudar no

enfretamento dos eventos hidrológicos críticos previstos?

Como resposta, deve-se reconhecer que, mesmo em casos onde determinado rio

afluente esteja sob o domínio estadual, caso ocorram problemas mais a jusante,

relacionados a outros estados e a problemas mais regionais, a presença da

União pode ser necessária, sem que apenas interesses pontuais a montante

_________________________________________________________________________

28

sejam considerados, como a indefinição de vazões mínimas a serem

asseguradas entre as fronteiras dos estados em pauta.

Mais do que isso, além do perfil dos problemas, também cabe considerar as

capacidades institucionais presentes, frente à natureza dos desafios,

portanto, tanto com apoios top-down quanto bottom-up, em casos distintos.

Enfim, levando em consideração a necessária adaptação a mudanças climáticas

é muito recomendável que sejam desenvolvidas estratégias próprias aos

problemas que deverão ser equacionados, com uma presença democrática e

efetiva da União e dos estados federados, segundo a natureza dos problemas e

as capacidades institucionais presentes.

Como uma referência a respeito, o Dr. Rubem La Laina Porto apresentou o caso

dos EUA, fazendo a seguinte pergunta: há nos EUA um modelo nacional de

gestão de recursos hídricos? A resposta é não. Sob uma ótica pragmática, os

americanos definem soluções próprias, segundo a natureza de cada problema.

ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS

CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA

EMBASAR O PLANO NACIONAL DE

ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos

Relatório 01: Identificação dos Principais Problemas e

Desafios para o SINGREH

Brasilia DF

Outubro de 2014

________________________________________________________

______________________________________________________________________________

ii

© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse

público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da

Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de

processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A

atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão

do conhecimento.

Presidente Mariano Francisco Laplane

Diretor Executivo Marcio de Miranda Santos

Diretores Antonio Carlos Filgueira Galvão

Gerson Gomes

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br

Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado

entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013

Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos

nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.

______________________________________________________________________________

iii

GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão

Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães

Francisco Lobato (consultor)

______________________________________________________________________________

iv

Sumário

Introdução ____________________________________________________________ 1

1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da

Governança na Gestão de Recursos Hídricos _______________________________ 4

1.1. Planejamento Institucional Estratégico _______________________________ 4

1.2. Referência da Metodologia APEX ____________________________________ 8

2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais ______________ 14

2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais _ 14

2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais _____ 17

2.1.1. Referências a Considerar _______________________________________ 20

2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros ______________________ 24

2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a Mudanças

Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos ____________________ 35

2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica __________________ 35

2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro __________________________ 42

2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste ________________ 53

2.4.3.(i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio ______________ 53

2.4.3.(ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central ____ 58

2.4.3.(iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões

Metropolitanas e Aglomerações de Cidades ______________________________ 60

2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à

Governança na Gestão de Recursos Hídricos ____________________________ 75

3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs ______________ 77

3.1. Descrição Geral do SINGREH ______________________________________ 77

3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional ____________ 83

3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma Efetiva

______________________________________________________________________________

v

Gestão de Recursos Hídricos __________________________________________ 86

3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil

___________________________________________________________________ 93

3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs ___________________________ 94

3.5.1. Estados da Região Amazônica ___________________________________ 95

3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro ________________ 95

3.5.3. Estados do Sudeste ____________________________________________ 98

3.5.4. Estados da Região Sul ________________________________________ 105

3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro ______________________ 109

Anexo I – Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007)

sobre a Região Amazônica.

Anexo II – Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará

______________________________________________________________________________

1

Introdução

Tal como estabelecido no respectivo Termo de Referência e no Plano de Trabalho,

este Relatório 01 tem como objetivo principal a identificação dos principais

problemas e desafios voltados ao Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos (SINGREH) – também chegando a indicações sobre certos

Sistemas Estaduais (SEGREHs) –, tendo em vista a necessária adaptação às

mudanças climáticas, além de alguns problemas já existentes, que se tornaram

relevantes nos últimos anos.

Isto significa que o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, por certo

deve abordar o tema da Governança na Gestão de Recursos Hídricos, ou seja, o

Eixo IV dos estudos em tela.

Para tanto, como subsídios fundamentais para que ocorram propostas voltadas a

novas estratégias e adequações institucionais e legais do SINGREH e de certos

SEGREHs, o presente Relatório 01 apresentará abordagens sobre os diferentes

perfis regionais do Brasil, os quais serão cruzados com o modelo de gestão que foi

genericamente desenhado para o SINGREH.

Em termos regionais, serão abordadas: a região amazônica, com seu perfil

climático e sua elevada relevância em termos de preservação de ecossistemas,

importantes para todo o planeta; o semiárido brasileiro, com clima singular e com

frequentes problemas de escassez hídrica; e, o conjunto das regiões sul, sudeste

e centro-oeste, tendo em vista sua maior densidade em termos de desenvolvimento

socioeconômico.

Em todas as abordagens regionais serão efetuadas análises sobre o estado da arte

da Governança e, também, da Governabilidade sobre os recursos hídricos e as

principais fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade de

adaptações a mudanças climáticas. Ou seja, o presente Relatório 01 deverá

identificar nas mencionadas regiões a natureza dos principais problemas e seus

problem-sheds, indicando preliminarmente unidades territoriais estratégicas de

gestão, além dos principais atores envolvidos na gestão dos recursos hídricos, com

abordagem sobre suas capacidades e fragilidades para agir frente às incertezas

provenientes das alterações do clima.

______________________________________________________________________________

2

Com isto posto, percebe-se o entendimento de que as mudanças climáticas

constituem um problema complexo, com significativas repercussões sobre todas as

esferas de suas intervenções sobre a natureza e de seus impactos decorrentes.

Dessa forma, respostas aos seus impactos exigem diretrizes gerais que serão

formuladas segundo os diferentes perfis regionais, além de possíveis

recomendações e propostas para avanços na gestão e nos níveis da necessária

articulação entre os diferentes e múltiplos setores usuários das águas.

Isto significa que o presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança na gestão

dos recursos hídricos, mesmo estando sob o contexto do Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas, também deve considerar outras abordagens

voltadas a eventuais ajustes e adequações dos sistemas de gestão de recursos

hídricos vigentes no Brasil – tanto no caso do SIGREH, quanto de muitos dos

SEGREHs –, portanto, sob uma ótica mais conjunta e articulada, notadamente no

caso da formulação de propostas para certas modificações institucionais e jurídico-

legais, vez que será bem mais realista e pragmático considerar o necessário

processo de abordagens e negociações políticas junto ao Congresso Nacional,

para que ocorra a desejada aprovação de propostas.

Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que serão

elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV não devem considerar somente ou

isoladamente as adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, também devem

considerar e conceber em conjunto propostas para que os sistemas de gestão

vigentes (SINGREH e SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes em

seu conjunto, certamente com muitos deles voltados a mais resiliência, flexibilidade

e uma gestão mais adaptativa aos cenários de possíveis mudanças climáticas.

Sob tal entendimento, dentre muitas outras, algumas das diretrizes que serão

formuladas terão subsídios importantes advindos do Plano Nacional sobre

Mudança do Clima, já oficialmente apresentado em dezembro de 2008 e revisado

no 2º semestre de 2012, tendo como objetivo principal incentivar o desenvolvimento

e aprimoramento de ações de mitigação das emissões de gases de efeito-estufa,

bem como criar condições internas para lidar com os impactos das mudanças

climáticas globais, com adaptação, resiliência, mais flexibilidade, segurança e

robustez.

______________________________________________________________________________

3

Portanto, de forma geral, as diretrizes, insumos e recomendações em pauta irão

considerar oportunidades de mitigação, adaptações aos níveis identificados de

vulnerabilidades e, também, as necessárias sistemáticas de comunicação e

capacitação de todos os atores socioeconômicos que estejam interligados e

afetados com problemas advindos de mudanças climáticas.

Outros insumos também deverão ser advindos do próprio Grupo de Trabalho sobre

Adaptação (GT – Adaptação), criado para a elaboração do Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas. Além de sua atuação sobre a temática de

recursos hídricos, em frente de trabalho denominada como Rede Água, este GT –

Adaptação também vem atuando paralelamente em mais oito temáticas, a saber:

saúde, cidades, biodiversidade, zonas costeiras, segurança alimentar e

agropecuária, indústria, transportes e logística, energia e desastres naturais.

A propósito dessas temáticas, percebe-se que a gestão das águas é transversal a

muitas delas, notadamente no caso de: saúde sanitária; saneamento ambiental

urbano; biodiversidade; zonas costeiras; tecnologias voltadas à produção industrial,

agropecuária e de perímetros irrigados; sistemas de logística com hidrovias;

geração hidroelétrica; e, também, em desastres naturais como secas críticas e

grandes inundações.

Chegando agora a uma abordagem específica à própria Rede Água, deverá ocorrer

uma constante articulação e interligação, portanto, com muitos subsídios a serem

trocados entre os cinco eixos de trabalhos relacionados aos recursos hídricos,

quais sejam: i) cenários sobre possíveis mudanças climáticas; ii) geração de

conhecimento, com ênfase em dados e informações; iii) instrumento para a gestão

de recursos hídricos; iv) governança (objeto do presente Relatório 01); e, v)

interação com todos os setores usuários.

Enfim, iniciado por este Relatório 01, o Eixo IV – Governança na Gestão de

Recursos Hídricos deverá ser desenvolvido simultaneamente e com constantes

diálogos e articulações com os demais eixos da Rede Água, além dos demais oito

temas relacionados ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

______________________________________________________________________________

4

1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da

Governança na Gestão de Recursos Hídricos

1.1. Planejamento Institucional Estratégico

Para iniciar o trabalho sobre a avaliação da Governança na Gestão de Recursos

Hídricos, tendo em vista as adaptações que se mostrem necessárias frente às

mudanças climáticas, cabe lembrar que um conceito relevante refere-se ao fato de

que arranjos institucionais e modelos de gestão não devem ser constituídos como

um fim em si mesmo. Ao contrário, devem se apresentar como respostas

consistentes frente à plena natureza dos problemas a serem enfrentados.

Sob tal conceito, para que ocorra uma Governança efetiva e eficaz, deve-se aplicar

uma metodologia atualizada de Planejamento Institucional Estratégico, tal como

será disposta na sequência. Isto significa que, no contexto do presente trabalho,

antes de qualquer proposição devem ser abordados os diferentes perfis regionais,

tal como já mencionado na Introdução.

Assim, é possível antecipar que certos arranjos institucionais para a gestão das

águas, eventualmente deveriam ser distintos do formato genérico do SINGREH –

em alguns casos, também de SEGREHs definidos por suas leis estaduais

específicas –, tanto frente aos problemas hídricos, ambientais e socioeconômicos

diferenciados, quanto às opções que se mostrem mais possíveis e realistas, face

ao contexto político-institucional vigente.

Com isto posto, no que concerne aos conceitos e procedimentos metodológicos

mais avançados de um Planejamento Institucional Estratégico, sabe-se que não

implicam apenas em definir, como passo inicial, organogramas de sistemas e

entidades, mas sim, analisar contextos institucionais, atribuições e encargos, que

devem então instruir a estruturação de um sistema de gestão, com vistas a uma

indispensável Governança.

Em termos práticos, isto implica nos seguintes passos e questionamentos a serem

abordados:

diagnósticos sobre as naturezas distintas de problemas a serem

enfrentados, com a indispensável identificação de áreas-problema

______________________________________________________________________________

5

(chamadas de problem-sheds), para que modelos de gestão sejam

estruturados como respostas objetivas e consistentes frente às tipologias de

demandas e conflitos pelos usos múltiplos de recursos hídricos e ambientais,

para o presente trabalho com ênfase em casos onde devam ocorrer

adaptação a mudanças climáticas;

além de insumos dos diagnósticos, deve-se considerar o posicionamento de

órgãos públicos – federais, estaduais e municipais –, de usuários de

recursos hídricos e de organizações da sociedade civil, de modo a identificar

impressões e prioridades – em muitos casos, eventualmente distintas – que

atores identificados como estratégicos definam para o traçado de modelos

de gestão;

a consideração e análise sobre estruturas de gestão existentes em outras

áreas com problemas similares e, também, em outros países, tidos como

referências, com a investigação do background institucional, de modo a

considerar seus aprendizados como insumos para possíveis ajustes e

complementações sobre a organização institucional vigente; e,

a identificação e consideração das interfaces existentes com outras

instituições que apresentam interferências sobre a gestão de recursos

hídricos e ambientais, portanto, com implicações em termos da divisão de

encargos e trabalhos, de modo a evitar sobreposições e conflitos e

estabelecer um conjunto coerente e articulado de competências, atribuições

e atividades técnicas e operacionais.

Uma vez contando com tais subsídios, caberá então desenvolver uma proposta

mais detalhada para as adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de

alguns SEGREHs, eventualmente no contexto de um programa a ser empreendido

pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

A propósito, de acordo com o Termo de Referência genérico elaborado pela

Agência Nacional de Águas (ANA), cabe lembrar o seguinte, litteris:

O papel da Rede Água é trazer aporte técnico-científico

para a elaboração do Plano Nacional de Adaptação no que

diz respeito à água. Nesse sentido, a Rede iniciou seus

______________________________________________________________________________

6

trabalhos com um seminário no qual foram identificadas

propostas de objetivo, missão e estrutura do Plano no que

se refere à adaptação aos efeitos das mudanças climáticas

sobre os recursos hídricos, bem como atores que podem

contribuir para sua construção.

A partir dos consensos estabelecidos, a Rede Água, no

contexto do GT - Adaptação e sob a coordenação do núcleo

conformado por MMA (SMCQ e SRHU), MCTI e ANA, deverá

desenvolver insumos técnicos à construção do Plano

Nacional de Adaptação no que tange o conteúdo relativo aos

recursos hídricos.

Entre esses consensos, ficou acordado que o objetivo do

trabalho não é a elaboração de um plano de obras, mas

sim a construção de diretrizes de atuação estruturantes,

que possam servir de orientação para ações concretas dos

setores afetos diante das vulnerabilidades e potenciais

impactos identificados.

(destaques negritados e sublinhados)

Isto significa que, certamente, haverá limites no contexto do presente trabalho em

tela, que deve chegar apenas a diretrizes, insumos e recomendações gerais, sem

que diagnósticos e maiores detalhes sobre adequações institucionais e legais do

SINGREH e de alguns SEGREHs venham a ser formulados. Ou seja, tal como já

mencionado, “caberá então desenvolver uma proposta mais detalhada para as

adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de alguns SEGREHs,

eventualmente no contexto de um programa a ser empreendido pelo próprio Plano

Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas”.

Assim, como recomendações metodológicas gerais antecipadas a respeito de um

Planejamento Institucional Estratégico, deverão ser respondidas ou revisadas

respostas existentes para as seguintes perguntas:

- Quais as diretrizes gerais em pauta e quais as diretrizes específicas,

advindas dos mencionados diagnósticos – hídricos, ambientais,

socioeconômicos e politico-institucionais – que devem instruir as possíveis e

______________________________________________________________________________

7

necessárias adequações do SINGREH e de alguns dos SEGREHs, tendo

em vista uma adaptação a mudanças climáticas?

- No contexto geral do Brasil e, também, das regiões que serão abordadas,

qual será a missão principal de modelos de Governança na gestão de

recursos hídricos, considerando o objetivo de adaptação a cenários de

mudanças climáticas?

- Segundo cada perfil regional, quais são as inserções institucionais e quem

são os seus principais interlocutores e “clientes” – internos e externos ao

aparelho dos estados federativos e da União, em certos casos, também

considerando o contexto de municípios regionalmente relevantes?

- Para o cumprimento da missão principal estabelecida, quais as funções,

responsabilidades e encargos estruturantes e quais as atividades de apoio

e parcerias transversais demandadas para o sistema de gestão a ser

definido, tendo em vista as demandas advindas dos diagnósticos e de

cenários prospectivos relacionados a mudanças climáticas?

- Postas as diretrizes gerais e específicas, a missão principal de sistemas de

gestão das águas, a inserção institucional, as funções, encargos gerais e

atribuições específicas, além de potenciais parcerias, qual a estrutura

organizacional mais adequada à consecução das funções e atividades

identificadas para a necessária adaptação a mudanças climáticas, dentre

possíveis alternativas?

- A respeito desta estrutura organizacional retraçada – tanto para o SINGREH,

quanto para alguns dos SEGREHs –, quais as instâncias e instituições

componentes e suas respectivas funções, encargos e atribuições próprias,

a serem estabelecidas como uma consistente divisão de trabalho, chegando

a traçados mais específicos no caso de certos SEGREHs que estejam

sujeitos a potenciais mudanças climáticas mais críticas?

- No contexto dos sistemas de gestão das águas que foram retraçados,

considerando a necessária adaptação a mudanças climáticas, quais e como

desenvolver as fundamentais formas de parceria e interação com empresas

______________________________________________________________________________

8

e entidades – públicas e privadas – de setores usuários? E com

representantes da sociedade civil?

Tendo estas perguntas recomendadas como procedimentos metodológicos para

um eventual programa a ser desenvolvido, mais a frente, pelo próprio Plano

Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, percebe-se que para ter respostas

completas e consistentes, demanda-se bem mais tempo de trabalho, a ser

empreendido na sequência das diretrizes, insumos e recomendações gerais que

serão formuladas na sequência deste Relatório 01.

Ademais, algumas das respostas demandam subsídios relacionados aos outros

eixos com estudos em paralelo, abrangendo: os efeitos esperados a partir de

cenários de mudanças climáticas sobre os recursos hídricos (Eixo I); uma

sistemática consistente de dados e informações (Eixo II); formas para aplicação de

instrumentos de gestão das águas (Eixo III); e, diretrizes para interlocução com os

diversos setores usuários (Eixo V).

Em acréscimo, para abordagens próprias a Sistemas Estaduais de Gerenciamento

de Recursos Hídricos (SEGREHs), notadamente no caso daqueles que possam

estar submetidos a alterações mais críticas do clima, recomenda-se que estudos

do Plano Nacional de Adaptações a Mudanças Climáticas acompanhem as ações

e acordos relacionados ao Pacto das Águas, no presente, em pleno processo de

implementação pela ANA, que já conta com 24 convênios celebrados com unidades

federativas.

Mais do que isto, tendo em vista bacias compartilhadas com certos países vizinhos,

a exemplo da própria bacia do Rio Amazonas e do seu importante afluente Rio

Madeira, torna-se indispensável ter acesso a dados e informações

hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante, para que

projeções e diagnósticos relacionados a efeitos advindos de mudanças climáticas

possam ser abordados sob uma base consistente.

1.2. Referência da Metodologia APEX

Como última recomendação de procedimentos metodológicos para avaliação da

Governança na Gestão de Recursos Hídricos, notadamente para a formulação de

______________________________________________________________________________

9

diretrizes e recomendações sobre possíveis e necessárias adequações do

SINGREH e de certos SEGREHs, tendo em vista adaptação a mudanças

climáticas, cabe registrar a Metodologia APEX1, desenvolvida por estudos da

União Européia, a ser vista como uma base conceitual muito consistente para

avaliação de Políticas Públicas.

A aplicação da Metodologia APEX tem como objetivo identificar os espaços nos

quais ocorrem decisões efetivas relacionadas à gestão de recursos hídricos,

ambientais e do desenvolvimento urbano e/ou regional.

Ou seja, tendo em vista os desafios conceituais inerentes ao enfrentamento de

quadros complexos, em que se conjugam problemas relacionados a uma efetiva

gestão integrada entre os recursos hídricos e o meio ambiente e aspectos

decorrentes das dinâmicas socioeconômicas do desenvolvimento urbano e

regional, tornam-se relevantes referências metodológicas recentes, com particular

interesse em estudos conduzidos pela Comunidade Européia, no âmbito do Water

21 Project, que resultaram na denominada Metodologia APEX.

A sigla APEX sintetiza as três etapas de investigação metodológica que dão suporte

à avaliação e definição de Políticas Públicas, podendo ser perfeitamente aplicáveis

no caso do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

O primeiro estágio de investigação busca caracterizar o processo de formulação

das Políticas Públicas que são reais, e não de certos casos que seguem apenas

como ideais e/ou teóricas, fato que se pode anotar como uma das presentes

avaliações do SINGREH, que conta com seus princípios e fundamentos e com uma

formulação genérica consensual do modelo para gestão das águas, todavia, sem

que estejam ocorrendo muitas das respostas esperadas para uma efetiva

Governança sobre a gestão de recursos hídricos.

Sob uma referência mnemônica, este primeiro estágio de investigação trata dos 05

“As”, com investigações que podem ser sintetizadas pelos questionamentos

apresentados a seguir:

Arenas = Onde são tomadas decisões efetivas sobre as Políticas Públicas e

1 Fonte: Correia, Francisco Nunes et al., paper elaborado pelo Water 21 Project.

______________________________________________________________________________

10

a Governança para a gestão de recursos hídricos? Quais são os estágios

relevantes nos quais o processo decisório passa a ser efetivamente

empreendido? Quais são os fóruns - formais e informais - nos quais são

concebidas as propostas e feitas as escolhas?

Atores = No caso de sistemas de gestão de recursos hídricos há a devida

identificação e a efetiva presença dos principais atores estratégicos,

relacionados com as tipologias de problemas a serem enfrentados? Quais

instituições e atores individuais jogam papéis importantes em processos

decisórios? Quem é quem no processo de adoção de Políticas Públicas?

Objetivos (Aims) = Quais são os objetivos declarados e não declarados

perseguidos pelos diversos atores em jogo? Em que extensão eles coincidem

e em que extensão eles conflitam?

Ações = Por quais meios e instrumentos as Políticas Públicas são tornadas

como ações efetivas? Quais são os atores fundamentais para que sejam

instituídas e implementadas as ações necessárias? Como um real

enforcement pode ser assegurado?

Avaliação = Quais são os mecanismos para avaliar os resultados de adoção

de Políticas Públicas? Como estes resultados realimentam o processo de

formulação de ações de planejamento e da própria Política Pública? Como

são avaliados e reavaliados os mecanismos, de modo a conferir dinâmica às

Políticas adotadas? Qual o mecanismo de autoaprendizado inserido no

processo de formulação das Políticas Públicas? Quais os principais

indicadores?

O segundo estágio de investigação procura uma caracterização mais aprofundada

dos atores estratégicos em jogo. Novamente com uma referência mnemônica, trata-

se dos 05 “Ps”, com investigações sob os questionamentos que seguem:

Públicos = Qual a população envolvida nos problemas em questão? Como

participam do processo decisório? Qual o papel desempenhado pelos cidadãos

e por organizações não governamentais?

Privados = Qual o papel de negócios privados e como eles participam ou

interferem na formulação de Políticas Públicas? Quais os papéis particulares de

______________________________________________________________________________

11

atores mais estratégicos e relevantes dos diversos setores usuários das águas

na formulação de Políticas Públicas? Como empresas estatais ou de economia-

mista, com elevados interesses particulares, também participam e interferem em

Políticas Públicas?

Profissionais = Quais as principais visões e abordagens sobre questões

relacionadas à Governança na gestão de recursos hídricos, além de aspectos

do meio ambiente e de desenvolvimentos socioeconômicos (urbanos e

regionais), que influenciam os profissionais envolvidos nas atividades

relacionadas a esses temas? Quais são os valores, os objetivos e as atitudes

tomadas por profissionais (planejadores e projetistas) que atuam em planos,

programas e projetos relacionados aos recursos hídricos? Que tipos de

backgrounds e de especialidades profissionais são arregimentados para fazer

frente às questões em tela? Como caracterizar a atuação dos profissionais da

Administração Pública envolvidos, especialmente de órgãos gestores de

recursos hídricos? Qual a sua cultura institucional?

Políticos = Como os atores políticos abordam as questões em pauta? Como

estas questões são inseridas no discurso político? Como as matérias sobre a

gestão das águas e do meio ambiente e do desenvolvimento urbano e regional

são, direta ou indiretamente, abordadas nos programas políticos dos partidos da

situação e da oposição?

Imprensa (Press) = Qual o papel da mídia de massa, em relação ao tema em

tela? Como a imprensa reflete a opinião pública e, mais importante, como

impacta a opinião pública? Como contribui para estabelecer a agenda das

Políticas Públicas?

Por fim, o terceiro e último estágio envolve procedimentos metodológicos adicionais

voltados a analisar a consistência e a Sustentabilidade de Políticas Públicas

relacionadas aos recursos hídricos, ao meio ambiente e ao desenvolvimento

urbano e regional. Essas análises devem ser aplicadas nos três Eixos definidos

como essenciais à Sustentabilidade, a saber: o Ecológico, o Ético e o

Econômico, completando a referência mnemônica com os 03 “Es”, da sigla APEX.

Neste último estágio, dada a complexidade das investigações a serem conduzidas,

______________________________________________________________________________

12

cada vetor da Sustentabilidade deve ser focado em suas dimensões essenciais,

buscando equilíbrio entre cada uma das perspectivas de análise.

Assim, no vetor Ecológico, os questionamentos são dirigidos para a suficiência de

uma abordagem compreensiva dos problemas, que considere as principais

variáveis em questão. Por exemplo, preliminarmente, sabe-se que o Plano Nacional

de Adaptação a Mudanças Climáticas deve ter um de seus focos no trato integrado

de problemas de Governança e de Governabilidade sobre a gestão de recursos

hídricos, também abrangendo aspectos ambientais e de desenvolvimento urbano e

regional, por conseguinte, com eventuais proposições para (re)ordenamento do

território, que devem considerar as atuais dinâmicas socioeconômicas.

No que concerne ao vetor Ético, a preocupação essencial está na estruturação de

arranjos institucionais – a exemplo do próprio SINGREH e de SEGREHs – que

possibilitem a inserção equitativa dos diferentes interesses em questão, sejam

aqueles de entidades públicas, de objetivos próprios a atores privados ou, com

particular atenção, das populações envolvidas, em muitos casos, regidas por

modelos informais, não institucionalizados. Ou seja, este vetor deve tratar de

modelos de gestão, desenhados sob uma perspectiva de equidade social.

Já no vetor Econômico, cabe a valoração dos benefícios e custos envolvidos – a

economia política de programas e projetos –, em uma perspectiva de análise que

não esteja limitada aos fluxos financeiros diretos, mas que incorpore aspectos

sociais mais amplos, por intermédio de metodologias capazes de aferir efeitos

distributivos e valores monetários não tangíveis.

Com os três eixos da Sustentabilidade já descritos, torna-se muito importante

sublinhar que não devem ser vistos e abordados isoladamente, ou seja, caso um

deles não esteja presente, pode-se questionar a consistência de uma

Sustentabilidade. Mais propriamente ao tema do presente trabalho, voltado à

Governança das águas, isto significa que arranjos institucionais serão consistentes

e sustentáveis se – e somente se – forem articulados ao conjunto dos interesses

econômicos relacionados aos processos sociais de apropriação dos recursos

hídricos e ambientais.

Dizendo de outra forma, o conjunto dos interesses econômicos relacionados, direta

______________________________________________________________________________

13

ou indiretamente, aos processos sociais de apropriação de recursos hídricos e

ambientais, deve ser valorado e equanimemente distribuído, no contexto de um

arranjo institucional que compartilhe responsabilidades e possibilite a ancoragem

da gestão sobre tal conjunto de interesses socialmente identificados.

Assim, contando com tal concepção sofisticada e consistente, entende-se que será

possível depreender importantes aprendizados via Metodologia APEX.

Primeiramente, prevendo que intervenções na modalidade pretendida pelo Plano

Nacional em tela devem considerar abordagens diferenciadas entre as distintas

regiões do Brasil, com seus respectivos biomas e ecossistemas, infraestruturas

construídas e dinâmicas regionais de outra ordem, o que implica na identificação

de núcleos de problemas – os já mencionados problem-sheds –, com desafios

específicos para os sistemas de gestão e, por consequência, com arranjos

institucionais que respondam a tais naturezas diferenciadas de problemas.

Por fim, como outro aprendizado via Metodologia APEX, cabe reconhecer que o

Estado não detém poderes onipresentes que lhe permitam garantir a qualidade

ambiental e dos recursos hídricos, somente com base nos instrumentos tradicionais

de Comando & Controle (legislação e poder de fiscalização). Na perspectiva de

planos, programas e projetos voltados a um desenvolvimento sustentável, inclusive

em decorrência da necessidade de adaptação a mudanças climáticas previstas,

revela-se como fundamental adotar arranjos institucionais com responsabilidades

compartilhadas entre o Estado e a sociedade civil, que englobe sistemas

articulados e complementares.

______________________________________________________________________________

14

2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais

Seguindo à frente, de acordo com os conceitos e com certos passos dos

procedimentos metodológicos apresentados, agora entram em pauta as devidas

abordagens regionais, chegando a diagnósticos bem resumidos e a formulações

de diretrizes gerais, não considerando somente possíveis mudanças climáticas,

mas também, tendo como objetivo geral propor adequações para novos e seguidos

avanços do SINGREH e de certos SEGREHs, vigentes no Brasil.

2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais

Dentre os fundamentos, objetivos e diretrizes gerais que constam na Lei Nacional

nº 9.433, editada em 08 de janeiro de 1997, cabe destacar os seguintes tópicos

(negritados ou negritados e sublinhados), tendo em vista questões relacionadas

à adaptação a mudanças climáticas:

Art. 1º - A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se

nos seguintes fundamentos:

I - a água é um bem de domínio público;

II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor

econômico;

III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos

hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;

IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre

proporcionar o uso múltiplo das águas;

V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para

implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e

atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos;

VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser

descentralizada e contar com a participação do Poder

Público, dos usuários e das comunidades.

Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos

Hídricos:

I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária

disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados

______________________________________________________________________________

15

aos respectivos usos;

II. a utilização racional e integrada dos recursos hídricos,

incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao

desenvolvimento sustentável;

III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos

críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado

dos recursos naturais.

Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para

implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:

I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem

dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;

II - a adequação da gestão de recursos hídricos às

diversidades físicas, bióticas, demográficas,

econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do

País;

III - a integração da gestão de recursos hídricos com a

gestão ambiental;

IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos

com o dos setores usuários e com os planejamentos

regional, estadual e nacional;

V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do

uso do solo;

VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a

dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.

Art. 4º A União articular-se-á com os Estados tendo em

vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse

comum.

(negritados ou negritados e sublinhados pela consultoria)

Em relação ao Art. 1º e seus incisos II e III, as previsões da água como um recurso

natural limitado e possíveis situações de escassez já incentivam abordagens de

potenciais problemas relacionados a mudanças climáticas.

No inciso IV, ao tratar do uso múltiplo das águas, cabe destacar o Eixo V dos

estudos da Rede Água, com vistas à indispensável interação com os diferentes

______________________________________________________________________________

16

setores usuários de recursos hídricos.

O inciso V do Art. 1º estabelece que a bacia hidrográfica é a unidade territorial

para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Contudo, como uma das diretrizes gerais, o inciso II do Art. 3º registra a necessária

adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas,

demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País.

Em termos práticos, sem restrições ao fundamento estabelecido pelo inciso V do

Art. 1º, esta “adequação” significa que, face à extensa dimensão do Brasil (com

cerca de 8,5 milhões de km2) e distintas características regionais, torna-se

importante questionar se o modelo institucional estabelecido para o SINGREH está

sob uma tendência uniforme ou com modelos ajustados de acordo com o perfil

de cada região, inclusive em decorrência de distintos cenários previstos para

mudanças climáticas.

Neste sentido, o que poderá tornar o SINGREH e certos SEGREHs mais

consistentes em favor da gestão das águas será a definição de unidades

territoriais estratégicas para planejamento e gestão, na maioria dos casos

presentes, vistas apenas como certas bacias hidrográficas, as quais, geralmente,

não coincidem com os recortes administrativos municipais e estaduais, o que

dificulta o entrosamento entre as diferentes esferas de competência e de domínio

sobre as águas. Mais do que isto, deve-se perguntar: qual a escala de bacia que

deve ser abordada?

Seguindo a respeito deste tema, também cumpre questionar sobre quais os

conceitos e metodologias aplicadas no Brasil, para definir Unidades Territoriais

Estratégias de Gestão (UTEGs). Sob este questionamento, as abordagens

limitam-se apenas a leituras de bacias hidrográficas, neste caso, tal como já

questionado, em qual escala? Ou chegam a aplicar conceitos mais avançados,

como o de “geometria variável”, mediante o qual são sobrepostas diferentes

leituras territoriais (biomas e sistemas ecológicos, perfis climáticos distintos,

dinâmicas socioeconômicas regionais, divisão entre estados, infraestruturas

setoriais instaladas, redes de cidades, problem-sheds, etc.)?

______________________________________________________________________________

17

Isto significa que, no eixo de conhecimento caberá definir áreas de risco,

especialmente associadas a perfis de mudanças climáticas, com focos próprios de

gestão adequados ao planejamento e à intervenção nestas áreas.

Além disso, em relação aos SEGREHs verifica-se, comparativamente, que não há

um avanço similar, por vezes, com diferenças muito significativas quanto à

implementação de modelos de gestão das águas, mesmo em bacias hidrográficas

compartilhadas.

2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais

Voltando à Lei Nacional nº 9.433/1997, com uma leitura conjunta dos incisos III, IV

e V do Art. 3º (sequentes ao inc. II, já abordado com destaque), reitera-se a

necessidade de sobreposição de diferentes leituras territoriais, tendo como

diretrizes a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental,

a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores

usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional e, também, a

articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo.

Portanto, entra em pauta a chamada Metodologia de “Geometria Variável”, para a

sobreposição de diferentes leituras e para a definição de Unidades Territoriais

Estratégicas de Gestão (UTEGs), segundo diferentes naturezas de problemas e

do perfil de mudanças climáticas previstas.

Em consonância a conceitos já apresentados, isto significa que, de fato, deve ser

conferida uma transversalidade à temática dos recursos hídricos, frente às políticas

de desenvolvimento regional e de meio ambiente, ambas vistas como variáveis

supervenientes e, igualmente, às políticas dos diferentes setores usuários das

águas, vistas como variáveis intervenientes.

Em termos práticos, percebe-se que a leitura territorial não deve basear-se apenas

no traçado das bacias hidrográficas, a serem vistas e consideradas pelas variáveis

supervenientes e pelas intervenientes. Ao contrário, para que haja um mútuo

entendimento entre as diferentes políticas relacionadas com as águas, uma gestão

integrada dos recursos hídricos (GIRH) deve considerar outras abordagens e

leituras territoriais, de acordo com a lógica própria a cada segmento.

______________________________________________________________________________

18

Colocando como pergunta, será que apenas os demais segmentos devem

considerar a abordagem de bacias hidrográficas, ou também a GIRH deve entender

como cada setor usuário e as políticas de desenvolvimento regional e do meio

ambiente fazem suas abordagens territoriais?

Ou seja, não obstante a bacia hidrográfica ser a unidade de planejamento e gestão

de recursos hídricos, a abordagem e estudos dos diferentes setores usuários das

águas deve sobrepor outros recortes territoriais, uma vez que, por exemplo, a

dinâmica econômica não é determinada pelo perfil do relevo do território e pela lei

da gravidade. Mais do que isto, as perspectivas de mudanças climáticas não são

determinadas sobre territórios de bacias hidrográficas, mas sim, segundo diferentes

aspectos regionais, bem mais complexos.

Neste sentido, tornam-se indispensáveis leituras territoriais estratégicas, sob o

conceito inovador da “Geometria Variável”. Para tanto, recomenda-se que a Matriz

2.1, disposta na sequência, seja utilizada para organizar estas diferentes leituras

territoriais, com escalas distintas e conjuntos de variáveis a serem abordadas.

Dentre as escalas regionais, para o traçado de ações e intervenções voltadas a

adaptações a mudanças climáticas, por certo deve ser vista a inserção

macrorregional do Brasil, o conjunto de seu território, com distintos biomas e suas

regiões hidrográficas, até chegar à divisão entre as unidades federativas e bacias

de rios afluentes, além de menores escalas, relacionadas a UTEGs e áreas-

problemas, a exemplo de certas regiões metropolitanas, onde elevadas

concentrações populacionais e de atividades urbano-industriais deverão ser objeto

de abordagens do Plano em pauta.

Quanto aos conjuntos de variáveis a serem analisadas, podem ser ordenados

segundo a base natural e a infraestrutura construída, os perfis das atividades de

produção e de consumo, além de diferentes formas de organização, formal e

informal, da sociedade.

______________________________________________________________________________

19

Matriz 2.1 – Ordenamento de Diferentes Leituras Territoriais a serem Abordadas

PERSPECTIVAS

ESPACIAIS DE

ANÁLISE

BASE FÍSICA ATIVIDADES ORGANIZAÇÃO DA

SOCIEDADE

Natural Construída Produção Consumo Formal Informal

Inserção

Macrorregional

do País

Dimensão Global

do Brasil

Biomas

Macrorregionais

Regiões

Hidrográficas

Divisas entre os

Estados da

Federação

Bacias

Hidrográficas

(rios principais e

afluentes )

Abordagem de

UTEGs e de

áreas-problema.

De forma resumida, nas diferentes escalas espaciais, devem ser efetuadas as

seguintes leituras territoriais:

- de biomas e ecossistemas, notadamente aqueles com elevada

vulnerabilidade ambiental e com potenciais problemas advindos de

mudanças do clima, cuja abrangência regional, no mais das vezes, não

coincide com os limites de bacias hidrográficas;

- em relação a diagnósticos e cenários prospectivos de desenvolvimento, as

áreas identificadas como críticas, em termos de balanços hídricos e de

qualidade das águas, além do potencial comprometimento ambiental,

notadamente devido a mudanças climáticas;

- rede de cidades, com sua hierarquia e articulações socioeconômicas;

______________________________________________________________________________

20

- as regras operacionais de usinas hidroelétricas, notadamente em sistemas

interligados por linhas de transmissão, cuja reservação ou liberação de

vazões não é estabelecida apenas no contexto de cada bacia hidrográfica,

mas sim em decorrência do cenário presente e de perspectivas de todo o

conjunto do sistema de geração de energia – ou seja, mediante uma

“geometria variável”;

- a infraestrutura intermodal de transporte, envolvendo hidrovias, que não

devem ser vistas isoladamente, mas articuladas devidamente com os

demais meios de transporte;

- infraestruturas de serviços instalados, a exemplo de sistemas de distribuição

de água, cuja dimensão pode extrapolar as áreas de bacias, notadamente

na região do semiáridos, sujeita a escassez hídrica, que demandam

reservatórios, canais e adutoras para transporte de água a longa distância e

redes de distribuição, por vezes, com transposição de águas entre bacias –

portanto, com geometria distinta;

- no que concerne ao desenvolvimento regional, as áreas ocupadas e as

fronteiras de expansão de atividades do agronegócio, da produção industrial,

dos pontos de exploração mineral, dentre outras atividades econômicas e de

serviços; e,

- por fim, em termos institucionais, as divisas entre estados, municípios e as

áreas delimitadas para atuação de instâncias coletivas, como os comitês de

bacias, além de ONGs e de perfis de cultura da sociedade.

2.1.1. Referências a Considerar

Como referências a considerar, torna-se importante lembrar uma abordagem

similar, já empreendida pela Agência Nacional de Águas (ANA), intitulada como

Mapa de Gestão, apresentado a seguir:

______________________________________________________________________________

21

Figura 2.1 – Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas

Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).

A propósito deste Mapa de Gestão, que já foi aprovado pelo Conselho Nacional de

Recursos Hídricos (CNRH), a publicação GEO Brasil – Recursos Hídricos2

apresenta um resumo em seu Capítulo II, Item II.2.3 – Bases Territoriais para o

Planejamento e para a Gestão dos Recursos Hídricos, em parte transcrito a seguir:

[...] estudos recentes da ANA chamam a atenção para o

traçado de bases territoriais requeridas para a gestão

integrada dos recursos hídricos (GIRH), nos quais são

2 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).

A = Monitoramento e Planej. Estratégico

B = (A) + Outorga e Organismos de bacias

C = (B) + Fiscalização

D = (C) + Comitê, Plano de Bacia, Agência e Cobrança

Abrangência Estadual

______________________________________________________________________________

22

ponderados múltiplos fatores – hidrológicos, ambientais,

socioeconômicos e político-institucionais –, para delimitar

unidades geográficas e explicitar possíveis prioridades para a

gradativa e continuada implantação do SINGREH, em

convergência com os “recortes” espaciais adotados pelos

estados, sob a ótica de que não se justifica a adoção de

alternativas institucionais uniformes, para todo o território

nacional.

Assim, a metodologia proposta pela ANA, de modo bastante

flexível, permite que os “recortes” espaciais sejam ajustados

a diferentes ponderações dos fatores que interferem na

definição de unidades territoriais de gestão, o que

naturalmente repercute, de modo complementar, nas ênfases

adotadas para a implementação dos instrumentos de

gerenciamento dos recursos hídricos.

A matriz apresentada [na sequência] contém a sistematização

de tipologias, tal como proposta pela ANA, com os modelos

institucionais de complexidade crescente, segundo a

gravidade e prioridade dos problemas (Classes de “A” a “D”)

e os respectivos instrumentos de gestão a serem aplicados.

Ao fim e ao cabo, quando tais avanços forem

consubstanciados, o traçado resultante constituirá o “Mapa

de Gestão” dos recursos hídricos no Brasil, por vezes com a

sobreposição entre unidades espaciais (menores) com

ênfase em problemas locais e outras (mais abrangentes, até

o limite das doze regiões hidrográficas nacionais) nas quais

devem ser convergidas e coordenadas políticas públicas que

afetam os recursos hídricos.

Matriz 2.2 – Proposta de Tipologia para Sistemas Institucionais e para Instrumentos

de Gestão, Segundo Escalas Crescentes de Gravidade e Complexidade de

Problemas

______________________________________________________________________________

23

Classes

para

Gestão

Sistema de Gestão Instrumentos e Mecanismos de Gestão de

Recursos Hídricos

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CLASSE A

CLASSE B

CLASSE C

CLASSE D

Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).

A respeito deste Mapa de Gestão, por óbvio que não deve ser definido como uma

determinação unilateral da ANA, a respeito de arranjos institucionais e da forma de

aplicação dos instrumentos de gestão que devem ser instalados em cada bacia ou

região hidrográfica. Ao contrário, à época sua leitura procurou caracterizar uma

avaliação institucional sobre as prioridades que deveriam ser observadas e a

consistência das soluções a serem empregadas nas diferentes bacias e regiões,

sem prejuízo ou limitação prévia às iniciativas locais que podem, perfeitamente e

de modo legítimo, avançar em relação às alternativas inicialmente identificadas.

No presente, mesmo contando com elevados méritos dessa iniciativa, entende-se

que o Mapa de Gestão deve ser atualizado, inclusive em decorrência de

demandas para identificar adaptação a mudanças climáticas, que passaram a

entrar em pauta mais recentemente.

Neste sentido, duas outras referências devem ser consideradas. Primeiramente, a

tese de doutorado da Arquiteta Ana Carolina Coelho Maran, no presente ausente

da ANA, pautada por pesquisas em metodologias que se encontram adotadas por

______________________________________________________________________________

24

diversos países – como os Estados Unidos, França, Portugal, Espanha e

Alemanha. Nesta tese, houve avanços na abordagem inicialmente desenvolvida

pela ANA, mediante o acréscimo de mapas para as leituras territoriais e a inclusão

de fatores de ponderação que considerem a natureza dos problemas a enfrentar

em cada Unidade Territorial Estratégica de Gestão (UTEG).

Como outra referência, recomenda-se o Plano Estadual de Recursos Hídricos de

Minas Gerais, em cujo contexto foram traçadas UTEGs, inclusive com a

recomendação de critérios distintos para a emissão de outorgas para direitos de

uso da água. Neste caso, o território mineiro foi lido mediante a sobreposição de

cerca de 12 mapas (balanços hídricos quantitativos, problemas de qualidade das

águas, núcleos de vulnerabilidade do meio ambiente, rede de cidades,

infraestrutura hidroelétrica e de transporte, núcleos de produção industrial, mineral

e da agropecuária, com suas respectivas demandas sobre recursos hídricos, além

da fatores de organização institucional e social).

Os mapas puderam ser sobrepostos e relidos com base em microbacias

hidrográficas, a maioria na 8ª escala, onde foram distribuídos dados e informações

disponíveis. Ademais, também foram consideradas abordagens estratégicas

desenvolvidas pelo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) e pelo

Zoneamento Ecológico – Econômico de Minas Gerais (ZEE/MG).

Com isto posto, agora seguem insumos para diferentes leituras territoriais, voltadas

ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros

Como primeiro mapeamento importante para adaptação a mudanças do clima,

devem ser considerados os principais biomas do País, tal como traçados e

resumidamente descritos na sequência.

Segundo abordagens do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em

parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 2004 foi publicado um

mapa com os seis biomas continentais brasileiros.

Figura 2.2 – Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros

______________________________________________________________________________

25

Fonte: IBGE (2004).

Observando-se o Mapa da Figura 2.2, assim como o Quadro 2.1, a seguir, é

possível verificar que o bioma continental com maior extensão é o da Amazônia,

com quase 50% do território nacional, com o Pantanal sendo o menor. Bem

importante em sua extensão é o do Cerrado, cujo interesse é elevado quando são

projetados cenários para o desenvolvimento do moderno agronegócio brasileiro.

______________________________________________________________________________

26

Quadro 2.1 – Áreas dos Biomas Continentais Brasileiros

Biomas Continentais Brasileiros Área Aproximada

(km2)

Área / Área Total do Brasil

Bioma Amazônia 4.196.943 49,29 %

Bioma Cerrado 2.036.448 23,92 %

Bioma Mata Atlântica 1.110.182 13,04 %

Bioma Caatinga 844.453 9,92 %

Bioma Pampa 176.496 2,07 %

Bioma Pantanal 150.355 1,76 %

Bioma Brasil 8.514.877 100,00%

Fonte: IBGE/MMA (2004).

No sentido de adaptações a mudanças climáticas, cumpre ressaltar que mapas de

biomas e da vegetação do Brasil são de grande utilidade para análises de cenários

e tendências em diferentes regiões, servindo, assim, de referência para a adoção

ou adequação de políticas públicas diferenciadas, com destaques para o SINGREH

e certos SEGREHs, sempre com as devidas consultas aos múltiplos setores

usuários das águas e aos representantes da sociedade civil.

A respeito de biomas, o físico Fritjof Capra, falando num evento organizado pela

Itaipu Binacional, afirmou que não se pode promover um desenvolvimento

sustentável senão adaptado a cada bioma, o qual é definido como um conjunto de

vida vegetal e animal, “constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação

contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas

similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma diversidade

biológica própria” (IBGE, 2004, com palavras sublinhadas pelo presente

documento).

Seguem agora, breves descrições dos perfis dos seis biomas continentais,

identificados pelo Mapa do IBGE (Figura 2.2) 3.

3 Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e site do Ministério do Meio Ambiente

(MMA) - http://www.mma.gov.br/biomas, com abordagens dos seis biomas.

______________________________________________________________________________

27

a) Amazônia4

A Amazônia é quase mítica: um verde e vasto mundo de águas e florestas, onde as

copas de árvores imensas escondem o úmido nascimento, reprodução e morte de

mais de um terço das espécies que vivem sobre a Terra.

Os números são igualmente monumentais. A Amazônia é o maior bioma do Brasil:

num território de 4.196.943 milhões de km2 (IBGE, 2004), crescem 2.500 espécies

de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies de

plantas (das 100 mil da América do Sul).

A bacia amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo: cobre cerca de 6 milhões

de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para

desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 mil m3 de água a

cada segundo.

As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira tropical do mundo.

Seus recursos naturais – que, além da madeira, incluem enormes estoques de

borracha, castanha, peixe e minérios, por exemplo – representam uma abundante

fonte de riqueza natural. A região abriga também grande riqueza cultural, incluindo

o conhecimento tradicional sobre os usos e a forma de explorar esses recursos

naturais sem esgotá-los nem destruir o habitat natural.

Porém, cabe ressaltar que toda essa grandeza não esconde a fragilidade do

ecossistema local, fato que destaca este bioma para fins de adaptação a mudanças

climáticas. A floresta vive a partir de seu próprio material orgânico, e seu delicado

equilíbrio é extremamente sensível a quaisquer interferências, notadamente em

casos que têm ocorrido nos últimos anos, decorrentes das frentes de expansão do

agronegócio brasileiro (produção agrícola e pecuária).

Enfim, os possíveis danos causados por ações antrópicas são muitas vezes

irreversíveis neste bioma. Ademais, a riqueza natural da Amazônia se contrapõe

dramaticamente aos baixos índices sociais da região, de baixa densidade

demográfica e crescente urbanização. Desta forma, o uso dos recursos florestais é

estratégico para o desenvolvimento da região.

4 Fontes: Idem anterior.

______________________________________________________________________________

28

b) Cerrado

O Cerrado predomina em grande parte do território brasileiro, distribuindo-se quase

que integralmente pelos Estados de Tocantins e de Goiás, além do Distrito Federal,

e por parte do Mato Grosso (leste e sudeste), Mato Grosso do Sul (centro-leste e

nordeste), Maranhão (centro-sul), Piauí (extremo sudoeste), Minas Gerais (centro-

oeste) e Bahia (extremo oeste). Estas unidades federativas formam o chamado

Planalto Central Brasileiro (ver Figura 2.3).

Figura 2.3 – Área Ocupada pelo Cerrado no Brasil e nas Unidades da Federação

Fonte: IBGE (1993), citado em Conservação Internacional (2004).

Entre os rios formadores de grandes bacias hidrográficas brasileiras que nascem

no Cerrado, destaca-se o São Francisco. Como formadores do Rio São Francisco

no Cerrado estão o Urucuia e o Paracatu, na margem esquerda, e o Rio das Velhas,

na margem direita, os quais, junto com o Paraopeba, são os principais formadores

do seu alto curso.

Apesar do Cerrado contar com uma grande quantidade de água superficial, boa

parte deve ser reconhecida como advinda de camadas mais profundas do solo

(aquíferos), onde se encontram as maiores reservas de água desse bioma.

______________________________________________________________________________

29

No presente, mesmo com o Cerrado Brasileiro ainda sendo reconhecido como uma

das savanas mais ricas do mundo em biodiversidade, já se encontra sob uma forte

pressão, provocada pela expansão da pecuária e de atividades econômicas do

agronegócio, notadamente com novas frentes para plantio de soja, que teve fortes

expansões a partir da década de 1960. Nesta data, cabe lembrar que foi implantada

a nova capital federal – Brasília –, acompanhada com abertura de novas redes de

rodovias.

A propósito, vale lembrar que, de 1975 até início dos anos 1980, foram lançados

vários programas governamentais visando o desenvolvimento do Cerrado,

recorrendo aos mecanismos de subsídios para estimular o estabelecimento de

fazendas e melhorias tecnológicas para a agricultura, o que resultou no aumento

significativo da produção agropecuária da região. Neste contexto, grandes

extensões do Cerrado também são usadas para reflorestamento, destinado à

produção de polpa de celulose para a indústria de papel.

Segundo avaliações do IBAMA, já em 2008, cerca de 67% da área do Cerrado

encontrava-se altamente modificada, notadamente em decorrência da expansão de

atividades relacionadas ao agronegócio brasileiro.

Hoje o Cerrado já é responsável por 55% da produção de carne bovina no País.

Ademais, neste bioma localizam-se 14 milhões de hectares de culturas anuais e

3,5 milhões de hectares de cultura perenes. Essa produção tende a aumentar com

o uso de fertilizantes e, também, de muitos sistemas irrigados, para suprir a

necessidade de água na superfície cultivada, fato que demanda avaliações de

impactos ambientais sobre a região e potenciais mudanças climáticas decorrentes

deste novo perfil socioeconômico.

c) Mata Atlântica

A riqueza da biodiversidade dos ecossistemas do bioma Mata Atlântica, sua beleza

natural e seu valor universal para a humanidade fizeram com que as áreas

remanescentes fossem declaradas Reserva da Biosfera pela UNESCO, em 1992,

e inscritas como Patrimônio Mundial da Humanidade, em 1999.

Esse bioma distribui-se por mais de 17 estados brasileiros. De forma mais

marcante, compreende a região costeira, por vezes, expandindo parte de suas

______________________________________________________________________________

30

fronteiras para o interior, em extensões variadas. Atualmente, cabe destacar que a

maioria da área litorânea coberta pela Mata Atlântica é ocupada por grandes

cidades. Porém, apesar da devastação acentuada, ainda contem uma parcela

significativa da diversidade biológica do Brasil.

Da sua cobertura original de 1,3 milhões de km², representando 15% do território

brasileiro, hoje restam somente cerca de 6%, especialmente em certas porções dos

litorais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e do Paraná, além de uma

pequena parte no sul da Bahia. Há contradições quanto a este número, mas ainda

é o mais aceito entre os pesquisadores.

A Mata Atlântica é um bioma caracterizado pela elevada precipitação pluviométrica,

em virtude das chuvas de encostas provocadas pelo relevo montanhoso. As

florestas desse bioma são essenciais para a manutenção dos processos

hidrológicos que asseguram a qualidade e a quantidade das águas, portanto, torna-

se necessário considerar impactos advindos de possíveis desmatamentos, que

trarão evidentes repercussões sobre mudanças climáticas, por conseguinte, com

diminuições regionais das disponibilidades hídricas. Ou seja, a supressão da

vegetação deve provocar o assoreamento de rios e, por vezes, o desaparecimento

de mananciais, muito relevantes para grandes cidades e certas regiões

metropolitanas.

Por fim, ainda a respeito deste bioma da Mata Atlântica, cabe anotar que, em parte

de suas encostas, desenvolve-se uma agricultura voltada à produção local de

certos gêneros alimentícios, como vegetais e fruticulturas.

d) Caatinga

A Caatinga é o principal bioma da Região Nordeste. Abrange parte dos estados do

Maranhão e do Piauí, além do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,

Sergipe, Alagoas e Bahia, chegando até ao norte de Minas Gerais e estendendo-

se por área sob o domínio do clima semiárido, com uma vegetação que se distribui

de forma irregular, contrastando áreas semelhantes a florestas com outras de solo

quase descoberto. Entretanto, aqui e ali surgem ilhas de umidade – os chamados

brejos –, normalmente próximos às serras, onde a abundância de chuvas é maior.

No caso de Minas Gerais, esse bioma ocupa apenas uma pequena área ao norte,

______________________________________________________________________________

31

porém, contando com certas cidades importantes, como a de Montes Claros, cuja

população residente já supera 385 mil moradores (estimativa de 2013).

Revendo o Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros (Figura 2.2), percebe-se

que se trata de um bioma situado entre a Mata Atlântica, bem mais estreita a leste,

e o trecho centro-norte do Cerrado. Tal como já mencionado, a Caatinga se estende

pelo domínio do semiárido brasileiro, caracterizado pela presença de solos rasos,

embora férteis em certas porções territoriais, porém, sempre com elevados índices

de evaporação e baixos níveis anuais de chuvas, além de prolongados períodos de

estiagem, sempre com índices pluviométricos bastante irregulares.

Neste sentido, tendo em vista possíveis mudanças climáticas, por certo que este

bioma deve ser uma das prioridades do Plano Nacional em pauta. De fato, mesmo

considerando a existência de certas porções de solos férteis, seu maior problema

é o regime escasso e incerto de chuvas, onde a maioria dos rios seca no verão,

pois a área esta sujeita a períodos de estiagem que tendem a durar sete meses,

podendo chegar a cobrir períodos anuais e, até, plurianuais. Enfim, sabe-se que a

maioria de seus rios nasce nas bordas das chapadas, percorrendo depressões

entre planaltos quentes e secos, até o mar ou desaguando na bacia do rio São

Francisco.

A respeito desta relevante bacia, pode-se estabelecer uma diferença entre a

Caatinga mineira e a restante do país, pois seus afluentes em Minas Gerais são

grandes rios perenes, a exemplo do Carinhanha, Jequitai e Verde Grande. A partir

do trecho médio do rio São Francisco, muitos dos afluentes situados no polígono

das secas são intermitentes, alternando períodos em que seus leitos estão secos

e outros em que se transformam em torrentes provocadas pelas chuvas.

Por fim, no que tange à dinâmica produtiva regional, o potencial da Caatinga é

formado em certas áreas, onde ocorre a presença de solos férteis e de um relevo

mais plano, nas quais vêm ocorrendo mais um fator de conflito pelo uso da água,

tanto pela demanda provocada pela expansão de agricultura irrigada, quanto pela

formação e manutenção de pastagens para uma pecuária, com ambas

aprofundando demandas por recursos hídricos.

A par disso, há que levar em conta certas concentrações urbanas, que tendem a se

______________________________________________________________________________

32

expandir em função de um desenvolvimento regional em curso, que também geram

demandas para consumo humano e lançamento de esgotos não tratados.

Abordagens adicionais a respeito serão feitas no contexto da região do Nordeste e

do Semiárido brasileiro, mais a frente.

e) Pampa

O bioma do Pampa está restrito ao estado do Rio Grande do Sul, onde ocupa uma

área de 176.496 km² (IBGE, 2004). Isto corresponde a 63% do território estadual e

a 2,07% do território brasileiro. As paisagens naturais do Pampa são variadas, de

serras a planícies, de morros rupestres a coxilhas. O bioma exibe um elevado

patrimônio cultural associado à biodiversidade. As paisagens naturais do Pampa se

caracterizam pelo predomínio dos campos nativos, mas também com a presença

de matas ciliares, de encostas e de pau-ferro, além de formações arbustivas,

butiazais, banhados e afloramentos rochosos, dentre outras. A respeito de aspectos

hidrogeológicos, a maior parte do aquífero Guarani fica no Pampa.

Por ser um conjunto de ecossistemas muito antigos, o Pampa apresenta floras e

faunas próprias e grande biodiversidade, ainda não completamente descrita pela

ciência. Estimativas indicam valores em torno de 3.000 espécies de plantas, com

notável diversidade de gramíneas, que somam mais de 450 espécies. Nas áreas

de campos naturais, também se destacam as espécies compostas e de

leguminosas, que juntas somam 150 espécies. Por fim, nas áreas de afloramentos

rochosos podem ser encontradas muitas espécies de cactáceas.

A fauna é expressiva, com quase 500 espécies de aves. Também se verifica a

existência de mais de 100 espécies de mamíferos terrestres. Ademais, o Pampa

abriga um ecossistema muito rico, com muitas espécies endêmicas e algumas

ameaçadas de extinção.

Desde a colonização ibérica, a pecuária extensiva sobre os campos nativos vinha

sendo a principal atividade econômica da região. Além de promover resultados

econômicos importantes, proporcionava a conservação dos campos e ensejava o

desenvolvimento de uma cultura mestiça singular, de caráter transnacional

representada pela figura do gaúcho.

______________________________________________________________________________

33

Contudo, a progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens

com espécies exóticas, no presente, têm levado a uma rápida degradação e

descaracterização de paisagens naturais do Pampa. Estimativas de perda de

hábitat dão conta de que, em 2002, restavam 41,32% e, em 2008, passaram a

restar apenas 36,03% da vegetação nativa do bioma Pampa (CSR/IBAMA, 2010).

Em relação às áreas naturais protegidas no Brasil, o Pampa é o bioma que menos

tem representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),

representando apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por unidades

de conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil

é signatário, prevê dentre suas metas para 2020 a proteção de, pelo menos, 17%

de áreas terrestres representativas da heterogeneidade de cada bioma.

Por fim, um dos elementos essenciais para assegurar a conservação do Pampa

refere-se ao fomento para atividades econômicas de uso sustentável. A

diversificação da produção rural, a valorização da pecuária com manejo do campo

nativo, juntamente com o planejamento regional e com o devido zoneamento

ecológico-econômico, além de um respeito indispensável a limites ecossistêmicos,

são partes do caminho para assegurar a conservação da biodiversidade e o

desenvolvimento econômico e social deste bioma.

f) Pantanal

O bioma Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do

planeta, portanto, com grande importância, mesmo sendo o de menor extensão

territorial no Brasil. De fato, a sua área aproximada é de 150.355 km², assim

ocupando apenas 1,76% do território brasileiro.

Em seu espaço territorial, este bioma, a ser visto como uma planície aluvial, é

influenciado por rios que drenam a bacia do Alto Paraguai. Ademais, face à sua

localização (rever Mapa da Figura 2.2), o Pantanal sofre influência direta de dois

importantes biomas brasileiros: Amazônia e Cerrado. Além disso, sofre alguma

influencia da Mata Atlântica e, também, do bioma Chaco, nome dado ao Pantanal

localizado ao norte do Paraguai e a leste da Bolívia.

No presente, o bioma Pantanal ainda mantêm 86,77% de sua cobertura vegetal

nativa. A vegetação não florestal (savana do cerrado, savana estéptica do chaco,

______________________________________________________________________________

34

formações pioneiras e áreas de tensão ecológica ou contatos florísticos de

ecótonos e encraves) é predominante em 81,70% do bioma. Desses, 52,60% são

cobertos por savana do cerrado e 17,60% são ocupados por áreas de transição

ecológica ou ecótonos. Os tipos de vegetações florestais (floresta estacional

semidecidual e floresta estacional decidual) representam 5,07% do Pantanal.

Uma característica interessante desse bioma é que muitas espécies ameaçadas

em outras regiões do Brasil persistem sob formas avantajadas na região, como é o

caso do tuiuiú – ave símbolo do Pantanal. Estudos indicam que o bioma abriga os

seguintes números de espécies catalogadas: 263 espécies de peixes, 41 espécies

de anfíbios, 113 espécies de répteis, 463 espécies de aves e 132 espécies de

mamíferos, sendo 2 endêmicas. Segundo a Embrapa Pantanal, quase duas mil

espécies de plantas já foram identificadas no bioma e classificadas de acordo com

seu potencial, com algumas apresentando vigoroso potencial medicinal.

Apesar de sua exuberante beleza natural, nos últimos anos o bioma vem sendo

bem impactado pela ação humana, principalmente pela atividade agropecuária,

sobretudo nas áreas de planalto adjacentes do bioma. De fato, no que concerne a

alterações advindas de ações antrópicas, a maior parte dos 11,54% afetados no

bioma é utilizada para a criação extensiva de gado em pastos plantados (10,92%),

com apenas 0,26% usado para lavoura.

Mesmo sob tais frentes de pressão, como a fauna e flora da região são admiráveis,

há de se destacar a rica presença de comunidades tradicionais, como as indígenas,

os quilombolas, os coletores de iscas ao longo do Rio Paraguai e a comunidade

Amolar e Paraguai Mirim, dentre outras. Assim, no decorrer dos anos essas

comunidades têm influenciado diretamente a formação cultural da população

pantaneira.

Contudo, na medida em que apenas 4,4% do Pantanal encontram-se protegidos

por unidades de conservação, das quais 2,9% correspondem a UCs de proteção

integral e 1,5% a UCs de uso sustentável, mesmo com Reservas Particulares do

Patrimônio Natural (RPPNs), até o momento, ocorrendo apenas no Pantanal, cabe

uma abordagem desse bioma junto Plano Nacional de Adaptação a Mudanças

Climáticas, tendo em vista, potenciais impactos mais abrangentes.

______________________________________________________________________________

35

2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a

Mudanças Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos

Tal como já mencionado na Introdução, em termos regionais serão abordadas: a

região amazônica, com seu perfil climático e sua elevada relevância em termos de

preservação de ecossistemas, importantes para todo o planeta; o semiárido

brasileiro, com clima singular e com frequentes problemas de escassez hídrica; e,

o conjunto das regiões sul, sudeste e centro-oeste, tendo em vista sua maior

densidade em termos de desenvolvimento socioeconômico.

2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica5

Em relação aos recursos hídricos, a Amazônia é a região brasileira de maior

abundância hídrica, reunindo cerca de 74% das disponibilidades nacionais, que

somam algo como 48 mil m3/hab.ano. Essas disponibilidades decorrem tanto da

população rarefeita e da precipitação média regional de 2.240 mm/ano, quanto das

dimensões da bacia do rio Amazonas e de seus principais afluentes, não somente

em território nacional (com disponibilidades de 131.950 m3/s), como também nos

países a montante (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, responsáveis por aportes

de outros 86.320 m3/s).

Segundo abordagem já apresentada sobre o bioma da Amazônia, é reconhecida

sua elevada importância ambiental, dotada de enorme biodiversidade. As ameaças

(reais ou imaginárias) à integridade da Amazônia apresentam repercussão

internacional, notadamente em razão da exuberância, vastidão e, ao mesmo tempo,

da fragilidade da floresta, assentada, em toda a sua extensão territorial, em planície

sedimentar dotada de camada orgânica delgada e superficial, dependente da

manutenção da cobertura vegetal, para sua autorreprodução e para a estabilidade

dos solos.

Demais disso, segundo conceitos mais recentes, a reconhecida importância da

Amazônia está associada aos “serviços ambientais” prestados ao Planeta Terra,

em termos climáticos, principalmente pela reserva e difusão de umidade pela

floresta, e de captura de gás carbônico, ambos com repercussões globais, que

5 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.

______________________________________________________________________________

36

subsidiaram uma proposta brasileira para que países desenvolvidos, em

reconhecimento aos referidos “serviços ambientais”, se dispusessem a compensar

financeiramente países em desenvolvimento que empreendessem ações em favor

da manutenção de suas coberturas florestais.

Naturalmente, conceitos dessa ordem podem ser aplicados em outros biomas e

áreas naturais, sempre sob a perspectiva de reconhecer a importância dos

“serviços ambientais” prestados à sociedade e ao Planeta Terra.

Todavia, hoje seguem elevados riscos ambientais envolvendo a velocidade e a

amplitude do desmatamento da Amazônia, com repercussões potenciais

associadas a hipóteses de alterações climáticas do planeta, assim como,

significativos interesses relacionados à conservação e à exploração de sua reserva

de biodiversidade, ainda a ser mais amplamente conhecida.

No que concerne à utilização dos recursos hídricos, a Região Amazônica se

caracteriza pelas baixas densidades populacionais e pela ausência de

concentrações urbanas de grande porte, à exceção: (i) de Manaus, que passou a

abrigar cerca de 1,9 milhão de habitantes, em 2013, com um crescimento da ordem

de 6,5% neste ano, chegando a mais de 120 mil novos moradores, fato que fez esta

capital chegar a pouco mais de 50% dos habitantes do Estado do Amazonas; e, (ii)

da Região Metropolitana de Belém, no Estado do Pará, que compreende 2,360

milhões de moradores, com 1,485 milhões na própria cidade de Belém.

Dentre cidades de médio porte, cabe registrar Porto Velho, capital de Rondônia,

que já abriga 485 mil moradores, segundo estimativa do IBGE para 2013, com

crescimentos elevados mais recentes, tanto em decorrência de sua proximidade

com frentes de expansão do agronegócio brasileiro, quanto pela construção, em

pleno curso, das usinas hidroelétricas de Santo Antônio e de Jirau, ambas no Rio

Madeira, fato que proporcionou milhares de novos empregos.

Mesmo considerando estas cidades e seus contornos metropolitanos, não existem

limitações significativas relacionadas ao abastecimento doméstico, a não ser

algumas associadas a águas de boa qualidade nas cercanias de aglomerações

urbanas, além de muitos casos em pequenas cidades do interior, nos quais a falta

se refere à ausência de infraestrutura para uma distribuição eficaz e segura.

______________________________________________________________________________

37

Quanto a problemas de contaminação hídrica, são pontuais e localizados, em

cidades (esgotos domésticos em Belém e Manaus, particularmente graves pela

contaminação dos igarapés) e em empreendimentos de extração mineral

(deposição de sólidos e de mercúrio em garimpos) e florestal (desmatamentos, com

consequente erosão e perda das camadas férteis superficiais do solo).

Também cabe registrar que no trecho brasileiro da bacia, a jusante, já se acusam

traços de algumas das atividades desenvolvidas nos países a montante, onde se

originam, por exemplo, problemas com mercúrio utilizado nos garimpos, além de

agroquímicos conservativos amplamente aplicados nas plantações de coca.

Igualmente ocorrem alguns problemas de natureza sanitária, valendo lembrar que

o cólera reintroduziu-se no País, na década de 1990, por meio da presença do

vibrião na Amazônia peruana. Ademais, há problemas relacionados aos vetores de

doenças tropicais que dependem da água em, pelo menos, uma de suas fases de

desenvolvimento (malária, entre outras).

No que tange a questões regionais mais amplas, a importância dos recursos

hídricos está muito relacionada a características de navegabilidade, com os

maiores cursos d’água constituindo-se como os principais corredores de transporte

e comunicação da região. Deve-se, também, mencionar a pesca, não somente

como meio de subsistência, assim como para fins de abastecimento de mercados

locais e das demais regiões do País.

Em acréscimo, face às elevadas vazões e a ocorrência de transições de planaltos

para planícies, é muito expressivo o potencial de aproveitamento hidrelétrico da

região. Com efeito, no presente, mesmo com o Brasil contando com cerca de 72%

de sua infraestrutura para geração de energia mediante usinas hidroelétricas

(UHEs), cujo consumo, em alguns anos, chega a responder por 85 a 90% das

demandas, vale lembrar que apenas 35% do potencial já se encontra explorado,

enquanto outros países já passaram de 70%.

Isto significa que, tendo em vista formas mais sustentáveis para a geração de

energia, cabe considerar o grande potencial hidrelétrico que se encontra na

Amazônia, o qual chega próximo a 40% do total brasileiro, no presente, com sua

contribuição não superando mais do que 3%.

______________________________________________________________________________

38

Todavia, é importante reconhecer questionamentos sobre limitações a serem

aplicadas para o aproveitamento desse potencial remanescente, tanto no que tange

a impactos e intervenções sobre a navegação regional, no mais das vezes, com

barragens de UHEs não incluindo eclusas, fundamentais para a região, quanto pela

referência negativa da Usina de Balbina, que teve seu início operacional em 1989,

vista com muitos problemas decorrentes da elevada área florestal inundada pelo

reservatório, com nível um tanto baixo da barragem e da energia gerada, além da

falta de preocupações e abordagens consistentes sobre os impactos ambientais

que foram causados.

Olhando mais a leste da Região Amazônica, no Estado do Pará há certas frentes

importantes relacionadas a infraestruturas e atividades produtivas. A primeira a citar

refere-se à Usina de Belo Monte, prevista como a 4ª maior do mundo. Esta UHE

está sendo construída sobre o Rio Xingu, nas proximidades da cidade de Altamira,

no sudoeste do Pará. Sua potência instalada será de 11.233 MW, contudo, por

operar com um reservatório que foi bem reduzido, deverá produzir efetivamente

cerca de 4.500 MW, em média ao longo do ano, o que representa aproximadamente

10% do consumo nacional.

Quanto a atividades produtivas, grandes núcleos de mineração, especialmente com

iniciativas da Vale S.A., passaram a ser empreendidos nos últimos anos, os quais

também exigem abordagens consistentes sobre impactos ambientais.

Enfim, face aos perfis da Região Amazônica que foram abordados, incluindo o de

seu bioma, caberá maior rigor em termos da devida preservação ambiental,

inclusive em decorrência de preocupações com potenciais mudanças climáticas.

Neste sentido, fica o registro do período muito recente onde ocorreram inundações

significativas sobre os Estados do Acre e de Rondônia, com o nível do Rio Madeira

tendo superado sua altura média em mais de 20 metros, fato que resultou em

significativos impactos sobre as estradas locais, por conseguinte, com críticas

deficiências em serviços e produtos básicos a serem distribuídos pela região,

chegando ao ponto do Estado do Acre ficar isolado, por algumas semanas. Essas

inundações não devem ser vistas apenas em decorrência de chuvas mais fortes,

mas também como resultado das altas temperaturas que ocorreram a partir do

início de 2014, as quais devem ter resultado em degelos advindos da Cordilheira

______________________________________________________________________________

39

dos Andes, de onde saem muitas das nascentes da bacia do Rio Amazonas e do

próprio Rio Madeira.

Por fim, como mais um insumo advindo da publicação GEO Brasil – Recursos

Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), no Anexo I segue a transcrição de um Box voltado

a “Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos Recursos Hídricos da Bacia

Amazônia”.

Diretrizes Gerais

Chega-se, agora, à formulação de diretrizes gerais advindas do perfil da Região

Amazônica, voltadas a possíveis e necessárias adequações do SINGREH, tendo

em vista, tanto os objetivos próprios relacionados ao Plano Nacional de Adaptação

a Mudanças Climáticas, quanto para que ocorram novos e seguidos avanços na

gestão de recursos hídricos no Brasil. Sob tal abordagem, mais articulada e

conjunta, com essas diretrizes busca-se articular muitos dos aspectos e

singularidades regionais da Amazônia, que compõem a tipologia dos principais

problemas e desafios apresentados.

De pronto, deve-se reconhecer a importância de ações e atividades voltadas à

proteção e preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais

no trato de quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos.

Para tanto, no que concerne a um possível Sistema Regional de Gestão – tendo

em vista o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade populacional,

à exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas

metropolitanas –, cabe destacar a importância de uma estrutura institucional mais

consistente dos órgãos estaduais gestores do meio ambiente e dos recursos

hídricos, não somente para fins de fiscalização, como também para as devidas

articulações e definições de políticas relacionadas ao ordenamento do uso e da

ocupação territorial, incluindo a indispensável criação de área protegidas e

unidades de conservação.

Ou seja, cabe uma ênfase particular a ser conferida para a concessão de áreas de

florestas (Lei Federal nº 11.284, de 02 de março de 2006), que abre novas

perspectivas para o enfrentamento dos cruciais problemas derivados do

desmatamento ilegal, com vistas a um manejo sustentável da Amazônia. Neste

______________________________________________________________________________

40

sentido, projeções deverão ser formuladas para identificar áreas de risco,

notadamente para as sujeitas a certos períodos de escassez ou, principalmente,

para inundações críticas, tais como ocorreram neste ano de 2014.

De fato, há demandas importantes para a mitigação de impactos socioambientais

(diretos e/ou de cunho regional) decorrentes da implantação de grandes

empreendimentos na região. Seguindo a respeito, deve ser previamente

identificado um número restrito de áreas onde possam ser instaladas futuras usinas

hidroelétricas, sob uma perspectiva do Sistema Interligado Nacional, portanto,

também considerando a viabilidade e graus de risco de redes de transmissão, sem

que se deixe de considerar, sobretudo, os perfis de hidrovias presentes, além de

atividades produtivas locais, com destaque para a pesca.

Voltando a abordar um ideal Sistema Regional de Gestão, no que concerne a

instâncias sociais coletivas, frente à dispersão da população e grande extensão

territorial, tornam-se evidentes as dificuldades de instalação e funcionamento de

comitês de bacia hidrográfica na Região Amazônica.

Sob tal contexto, como possível agenda básica da gestão regional, pode-se anotar:

o mapeamento de áreas onde se localizam os principais usuários de recursos

hídricos e ambientais; a ampliação da rede hidrometeorológica, para mais

conhecimento das disponibilidades; instrumentos para prevenção de efeitos

deletérios de cheias, em especial, com o ordenamento do uso e da ocupação do

solo; pesquisas sobre a biodiversidade; apoio a consórcios com finalidades

específicas (serviços relacionados a recursos hídricos e proteção ambiental); e,

projetos para problemas localizados de saneamento (por exemplo, poluição de

igarapés e nas áreas urbanas de maior dimensão).

Por fim, sob tais diretrizes gerais, para que ocorram avanços e adaptações do

SINGREH, como também de SEGREHs – eventualmente com a constituição de um

Sistema Regional de Gestão, via Termos de Compromisso e um Convênio

Coletivo –, sem que se esqueça do Pacto das Águas, já em pleno empreendimento

pela ANA, devem estar presentes ao processo os seguintes atores institucionais,

identificados como estratégicos, face aos problemas e desafios apresentados:

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41

- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e

Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a

Mudanças Climáticas;

- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente

(CONAMA);

- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA) e sua instâncias regionais;

- Agência Nacional de Águas (ANA);

- Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE);

- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de

instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA);

- Ministério da Pesca e Aquicultura;

- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a hidrovias;

- Fundação Nacional do Índio (FUNAI);

- Secretarias de Estado de Planejamento (Amazonas, Pará, Roraima, Amapá,

Acre, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins6);

- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;

- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente;

- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais ou

do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água e

coleta e tratamento de esgotos sanitários;

- Principais Prefeituras Municipais, incluindo Manaus, Belém, Porto Velho, Rio

Branco, Macapá, Boa Vista e algumas outras, com suas Secretarias voltadas

ao planejamento urbano, com abordagem de uso e ocupação do solo;

- Departamentos municipais responsáveis pela coleta e disposição final de

resíduos sólidos;

6 Mesmo com Tocantins fazendo parte da Região Norte, será mais abordado e considerado como

frente de expansão do agronegócio brasileiro, portanto, mais articulado ao Cerrado Centro-Oeste.

______________________________________________________________________________

42

- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais

associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este

segmento produtivo;

- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais

associadas;

- Principais empresas de grande porte na região; e,

- Secretarias de Defesa Civil.

2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro7

Com maior desenvolvimento socioeconômico nas regiões Sudeste e Sul, e as

maiores expansões das fronteiras de agronegócios e de produção pecuária nas

regiões do Centro-Oeste, e já ao sul da Amazônia, no presente, o Brasil já

apresenta uma taxa média de urbanização da ordem de 86%, com a mais elevada

no Sudeste, que já deve superar os 92%, onde se concentra a maior parte da

população do País.

Especificamente em relação à região Nordeste, já ocupada a longos anos da

história, mesmo sujeita a problemas climáticos próprios com a sua significativa

porção semiárida – denominada como Polígono das Secas, abrangendo cerca de

1.350 municípios –, a taxa de urbanização deve limitar-se a 75%, portanto, bem

abaixo da média nacional, com sua população urbana concentrada nas regiões

metropolitanas, formadas ao entorno das capitais dos estados nordestinos (que

serão abordadas mais à frente, no item 2.4.3.(iii)), todas junto ao litoral e Zona da

Mata, tendo suas periferias dominadas por famílias de baixa renda, e com o interior

dos estados apresentando um pequeno número de cidades de porte significativo,

portanto, com poucos núcleos interiores de expansão urbana, tendo como

consequência boa parte da população nordestina mantendo-se dispersa no

semiárido, ainda que sigam ocorrendo muitas migrações.

De modo bem sintético, mesmo com algumas porções das demais regiões do País

demandando a devida instalação de sistemas de abastecimento de água potável,

7 Fontes: Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e Corrente (Bahia/2013), e GEO Brasil

- Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.

______________________________________________________________________________

43

seja em periferias ocupadas desordenadamente em grandes cidades ou em

municípios interiores de pequeno porte, pode-se afirmar que o problema mais

significativo do Brasil, sem dúvidas, concentra-se no semiárido, onde a escassez

de água é mais elevada do que em todas as demais regiões.

Ou seja, as regiões Norte e Centro-Oeste, mesmo com níveis socioeconômicos em

processos mais recentes de expansão, têm seus problemas de abastecimento de

água relacionados apenas à falta de infraestrutura e/ou à qualidade dos recursos

hídricos (de forma surpreendente, também na própria região Norte), com as regiões

Sudeste e Sul apresentando menores deficiências de infraestrutura sanitária em

áreas pontuais, notadamente em favelas e em periferias ocupadas, assim como em

determinadas regiões rurais, por vezes devido a conflitos entre usos múltiplos da

água.

Mais especificamente a respeito da região Nordeste, verifica-se que sua maior

porção abrange o semiárido brasileiro, tal como demonstra o Mapa apresentado

pela Figura 2.4, a seguir.

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44

Figura 2.4– Mapa da Porção Territorial do Semiárido Brasileiro

Fonte: SUDENE (2009).

Contando com tais perfis, por certo que a gestão de recursos hídricos nesta região

deve considerar objetivos articulados com elevação de renda social e

abastecimento de água essencial às populações de extrema pobreza, com atenção

particular para o atendimento às famílias e comunidades dispersas na zona rural,

sem deixar de considerar a oferta hídrica para a produção de alimentos e criação

de animais, além de perspectivas de problemas crescentes advindos de mudanças

climáticas, com secas mais frequentes.

Esta inequívoca prioridade do semiárido também advém da presença de um solo

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45

regional cristalino, no qual atividades agrícolas enfrentam desafios de elevar sua

produtividade. Outra questão importante, identificada sob a ótica do contexto

nacional da Região Nordeste, refere-se ao fato de que os extremos a leste e ao

nordeste do Cerrado brasileiro ocupam o oeste da Bahia, além do sudoeste do

Piauí e do centro-sul do Maranhão. Em termos da dinâmica econômica do Brasil,

particularmente das áreas de expansão de atividades agropecuárias e de

mineração, isto implica que tais porções dos estados mencionados encontram-se

sujeitas a estas dinâmicas de expansão, no mais das vezes, ocorridas ao longo dos

últimos 20 a 30 anos.

Trata-se, portanto, de uma vertente de avanços socioeconômicos não limitada a

iniciativas próprias aos estados nordestinos. Ao contrário, segundo uma

reportagem apresentada pelo programa Globo Rural, no presente, o Brasil conta

com uma importante região de expansão do agronegócio denominada como

MAPITOBA, nome composto pelas iniciais dos estados do Maranhão, Piauí,

Tocantins e Bahia8.

Assim, de acordo com o contexto sintetizado, mesmo no semiárido brasileiro é

importante considerar duas frentes paralelas de pesquisas e ações: (a) de um lado,

com a perspectiva de seguir com um desenvolvimento regional socioeconômico

mais consistente, identificando áreas com menores graus de risco do semiárido,

voltadas a arranjos produtivos locais (APLs), que atraiam as vertentes nacionais de

expansão; e, (b) de outro, para fins de Governança na gestão de recursos hídricos

e adaptação a mudanças climáticas, com abordagens adequadas para conferir

maior segurança hídrica, ambiental e social em áreas de risco (problem-sheds), por

vezes, a serem desocupadas por seus moradores e comunidades dispersas,

sempre submetidas a graves problemas de escassez.

Ambas as frentes mencionadas devem ser associadas a estratégias dos estados

nordestinos. Isto significa que uma das possíveis soluções mais abrangentes e

estratégicas, para facilitar o abastecimento de água às populações rurais dispersas

de elevada pobreza, pode ser concebida pela concentração desses moradores

rurais em núcleos de desenvolvimento – os Oásis do Semiárido Brasileiro –, por

8 Este programa pode ser visto no site http://www.youtube.com/watch?v=ICpjUOMebbg

______________________________________________________________________________

46

vezes, em algumas das cidades da região a serem selecionadas9.

Enfim, ainda que a maior parte da região Nordeste se concentre no semiárido

brasileiro, será muito importante identificar núcleos regionais estratégicos ao

desenvolvimento, com vistas à APLs e cidades do interior, além de definir áreas a

serem desocupadas, em decorrência de serem de mais elevados graus de risco.

Voltando ao contexto nacional, sabe-se que o semiárido brasileiro estende-se pelos

estados de Minas Gerais (somente em seu extremo norte e nordeste), Bahia,

Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, sem

abranger o Estado do Maranhão. Caracteriza-se pela escassez de recursos

hídricos, com precipitação anual média na casa dos 900 mm, chegando próxima a

400 mm, no interior da Paraíba, com elevada variabilidade na distribuição espacial

e temporal de chuvas na região (sazonalidade interanual), acompanhada de

limitações nas possibilidades de extração de águas subterrâneas, devido tanto à

formação cristalina, quanto à salubridade dos solos.

Essas características climatológicas, hidrológicas e geológicas, associadas à

conformação do relevo regional (que propicia escoamentos para a vertente

atlântica), dão origem a uma rede hidrográfica na qual são recorrentes cursos com

nascentes intermitentes, em geral, situadas no planalto do sertão semiárido e nos

trechos médios que começam a estabilizar suas vazões após vencer o agreste, até

assumir corpo e volume já próximos de seu deságue no litoral, ora ao Leste (da

Bahia ao Rio Grande do Norte), ora ao Norte brasileiro (do Rio Grande do Norte ao

Ceará e Piauí).

As condições climáticas implicam na dificuldade de disponibilizar água a partir do

simples armazenamento em açudes e reservatórios, não obstante seu expressivo

número regional, dada a significativa evapotranspiração potencial, que supera os

2.000 mm anuais em grande parte do Nordeste brasileiro.

Esse panorama regional é cindido pelo curso principal do Rio São Francisco, com

nascentes e alguns tributários de elevado porte em Minas Gerais, aliados à grande

9 A propósito, cabe registrar: (i) a Política e o Marco de Reassentamento Involuntário associado

ao Programa Águas de Sergipe; e, (ii) ações contra a desertificação do semiárido brasileiro.

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47

extensão territorial de sua bacia de contribuição, proporcionando-lhe perenidade e

vazão suficientes para transpassar o semiárido, possibilitando aproveitamentos

múltiplos – irrigação e geração de energia, principalmente –, mesmo com as

enormes perdas devidas à evaporação, pela amplitude dos espelhos d'água dos

reservatórios de usinas geradoras. Em seu trecho inferior, o Rio São Francisco

conta com vazões regularizadas da ordem de 1.850 m3/s, tendo sido definida sua

vazão mínima final em 1.100 m3/s.

Não obstante esse cenário, de adversidade climática e hidrológica somada a solos

de baixa fertilidade, persiste elevado contingente de população dispersa na região,

no meio rural ou em pequenos núcleos urbanos (cerca de 25% dos mais de 50

milhões de nordestinos), com amplo predomínio dos extratos inferiores de renda,

incluindo núcleos de quilombolas.

Tal como já mencionado, quando não rural, a população localiza-se em pequenos

núcleos do interior, sem que se verifique, em qualquer dos estados nordestinos,

uma malha urbana organizada10, em tipologia e hierarquia funcional, capaz de

ordenar espacialmente as demandas por serviços públicos essenciais (saúde,

educação e moradia, com destaque para o saneamento básico, no essencial,

limitado ao abastecimento de água potável).

Sem embargo de alternativas de baixo custo para fornecimento de água potável,

também cumpre reconhecer os limites decorrentes da incipiência das atividades

produtivas do semiárido (problemas de emprego e renda), restringindo a população

rural à mera sobrevivência, quando possibilitada por meios alternativos como poços

de pequeno porte, barragens subterrâneas e cisternas para captação das águas de

chuva.

O quadro incipiente do desenvolvimento regional resulta na manutenção de um

verdadeiro "exército rural de reserva", em equilíbrio instável, sustentado por

políticas compensatórias11, com significativo potencial de migração para as demais

10 Esta assertiva é atestada pela comparação de qualquer dos estados nordestinos frente à Santa

Catarina, p. ex., que conta com a rede urbana mais bem distribuída do país (número e população

de pequenas, médias e grandes cidades).

11 Em muitas cidades e pequenos núcleos urbanos, a aposentadoria e a Bolsa Família se constituem

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48

áreas do País (São Paulo, em um passado recente, e metrópoles regionais,

atualmente). A permanência implica em elevados custos sociais, seja para a

população em si, sujeita à miséria absoluta e castigada pelas adversidades

regionais, seja em termos de gastos governamentais em programas recorrentes de

cunho assistencialista (carros-pipa, cestas básicas e frentes de emergência).

O que se deduz, portanto, é que a problemática dos recursos hídricos no semiárido

brasileiro congrega ambas as frentes: no gerenciamento da oferta (estoques e

transporte de água) e na gestão da demanda (ordenamento espacial e eficiência

na utilização de um recurso escasso), podendo a disponibilidade de água, embora

necessária, não ser suficiente para imprimir dinâmica à economia regional,

persistindo uma questão subjacente de ordem social.

Diretrizes Gerais

Considerando este contexto nacional descrito do semiárido nordestino, é então

possível formular as seguintes diretrizes gerais, as quais são voltadas, tanto para

objetivos próprios ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, quanto

para que ocorram novos e seguidos avanços na gestão de recursos hídricos no

Brasil:

­ foco no gerenciamento das disponibilidades, incluindo: (i) a infraestrutura de

armazenamento corretamente construída (mitigar efeitos da

evapotranspiração e otimizar regularização); (ii) a infraestrutura de

transporte de água (canais e adutoras), definida segundo eixos com

localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e

estratégias de consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) o

desenvolvimento de alternativas de baixo custo para sistemas localizados de

suprimento (cisternas, poços locais, barragens subterrâneas e outras

formas); e, (iv) informações hidrometeorológicas, hidrogeológicas e sistemas

de apoio à decisão (SADs) para gerenciamento das disponibilidades (curvas

cota-áreas e volume de açudes), operados por instituições

nas principais fontes de renda regional.

______________________________________________________________________________

49

autossustentadas, capazes de garantir sua aplicação junto aos usuários e

comunidades rurais;

­ o gerenciamento da demanda, incluindo: (i) a redução de perdas e

desperdícios e a operação e manutenção de sistemas; (ii) o uso de

instrumentos econômicos (negociações relacionadas a alocação das

disponibilidades entre setores usuários); e, (iii) o ordenamento espacial da

demanda (indução positiva à migração intrarregional e consolidação de

redes urbanas);

­ a adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades regionais: (i) os

planos deverão estar centrados na construção e operação da infraestrutura

hídrica; (ii) o enquadramento qualitativo permanece distante da ordem do

dia, embora a proteção da qualidade da água disponibilizada pela

infraestrutura construída seja de grande relevância; (iii) a outorga deve ser

flexibilizada para a curta duração e sujeita a regimes de racionamento; (iv)

a cobrança deve ser efetuada na forma de tarifa pelos serviços de

fornecimento de água bruta e como mecanismo de compensação às

decisões de alocação de água para usos com maior valor agregado; (v) os

sistemas de informações são essenciais aos processos de tomada de

decisões;

­ sob a ótica de alternativas para arranjos institucionais: (i) as Unidades

Territoriais Estratégicas para Gestão de Recursos Hídricos (UTEGs) devem

ser traçadas segundo os perfis locais de conservação da biodiversidade ou

de potencial expansão socioeconômica, além de considerar a infraestrutura

instalada de reservatórios, açudes e adutoras; (ii) os comitês terão dinâmica

social centrada nos usuários-consumidores, apoiados pela operadora

(agência) de água bruta12; (iii) cabe estabelecer uma lógica particular para

empreendimentos econômicos, irrigação principalmente, com foco em

arranjos produtivos locais (APLs – clusters) e nas correspondentes cadeias

produtivas; (iv) deve-se incentivar e, eventualmente, subsidiar, a adequação

12 Principal referência, a Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), do

Estado do Ceará, cujo modelo de gestão é apresentado no Anexo II.

______________________________________________________________________________

50

do perfil de atividades ao meio físico regional; e, (v) em termos regionais,

deve ser destacado e reservado um papel fundamental para os SEGREHs,

devido a abordagens predominantes de núcleos de problemas (problem-

sheds), sem que se deixe de celebrar acordos em bacias hidrográficas

compartilhadas, a exemplos do conjunto da bacia do Rio São Francisco e da

bacia do Rio Piranhas - Açu (entre Paraíba e Rio Grande do Norte).

Como última diretriz geral, recomenda-se que sejam articuladas iniciativas em

conjunto com o Plano Nacional de Combate à Desertificação (PAN), importante

documento referencial a ser recuperado e reposto em pauta, para que surjam

diretrizes, ações e atividades voltadas à problemática dos recursos hídricos em

regiões mais críticas do semiárido brasileiro.

Sob tais diretrizes, para que ocorram avanços na Governança sobre a gestão de

recursos hídricos, devem estar presentes ao processo atores e instituições

identificadas como estratégicas, face aos problemas e desafios apresentados.

Neste sentido, tendo em vista que no semiárido é possível identificar inúmeros

pontos críticos, com ênfase em centenas de comunidades rurais dispersas, as

abordagens devem ocorrer segundo o perfil e as condições próprias a cada um dos

estados nordestinos, inclusive de seus SEGREHs e de suas instituições

relacionadas ao meio ambiente, aos recursos hídricos e a possíveis adaptações a

mudanças climáticas.

Isto significa que a estratégia será diferente do que se propôs na Amazônia, onde

predominou uma ótica mais abrangente e regional. Assim, no caso de problemas

do Nordeste, a abordagem deverá ser efetuada de forma própria a cada um dos

estados, mesmo naqueles com menores dimensões territoriais – Alagoas e Sergipe

–, uma vez que o foco tende a ser predominante sobre áreas-problemas, com

fatores críticos que impactam comunidades locais, a exemplo de quilombolas.

Mais do que isso, tendo em vista que há diferentes avanços nos SEGREHs, ações

e atividades voltadas à adaptação a mudanças climáticas devem levar em conta

potenciais frentes de trabalho que estão sendo definidas a partir do Pacto das

Águas, em pleno empreendimento pela ANA.

______________________________________________________________________________

51

Com isto posto, sem chegar a maiores detalhes próprios a cada um dos estados

nordestinos, sob uma forma geral devem estar presentes as seguintes instituições

e atores, vistos como estratégicos (stakeholders):

- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e

Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a

Mudanças Climáticas;

- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente

(CONAMA);

- Agência Nacional de Águas (ANA);

- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA) e sua instâncias regionais;

- Ministério da Integração Nacional e suas Secretarias de Desenvolvimento

Regional e de Infraestrutura Hídrica, além de importantes entidades

vinculadas – CODEVASF, DNOCS e SUDENE – e da Coordenação de

alguns programas, especialmente o “Água para Todos” e “Revitalização de

Bacias Hidrográficas”;

- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de

instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA);

- Ministério de Minas e Energia e a Operadora Nacional do Sistema interligado

(ONS), além da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e

do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM);

- Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), com operadores de

usinas de grande porte (Moxotó, Três Marias, Paulo Afonso, Sobradinhos e

Xíngó), além de algumas Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs);

- Petrobrás e superintendentes de suas refinarias localizadas na região;

- Comitê da Bacia do Rio São Francisco e a Agência AGB Peixe Vivo, além

de outros comitês federais e estaduais importantes, como o da bacia do Rio

Piranhas – Açu e do Rio Sergipe;

- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas ao transporte hidroviário

no Rio São Francisco;

______________________________________________________________________________

52

- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental;

- Fundação Nacional de Saúde (FUNASA);

- Secretarias de Estado do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, além de

algumas Secretarias de Planejamento (Minas Gerais, vez que tem trecho no

Semiárido; Bahia; Sergipe; Alagoas; Pernambuco; Paraíba; Rio Grande do

Norte; Ceará; Piauí; e, Maranhão), especialmente em casos onde haja um

planejamento para fins de ordenamento territorial;

- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;

- Empresas estaduais de economia mista, voltadas à operação de

infraestrutura de recursos hídricos e/ou de atividades regionais, a exemplo

da COGERH (Ceará) e da Companhia de Engenharia Ambiental e de

Recursos Hídricos (CERB/Bahia);

- Agências Estaduais Reguladoras sobre serviços de saneamento, e energia

e outros;

- Fundações de Ciência e Tecnologia, com ênfase na FUNCEME (Ceará);

- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais ou

do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água e

coleta e tratamento de esgotos sanitários;

- Principais prefeituras municipais, incluindo capitais e cidades

representativas de áreas de risco, muito preliminarmente com indicação de:

Montes Claros, Jequitinhonha e Divinópolis (MG); Salvador, Barreiras, Luis

Eduardo Magalhães, Santa Rita de Cássia, Santana, Buritirana e Nova

Redenção (BA); Aracajú, Pedra Mole e Poço Redondo (SE); Maceió,

Pariconha e Mata Grande (AL); Recife, Santa Cruz do Capibaribe, Petrolina,

Salgueiro, Dormentes e Ipubi (PE); João Pessoa, Campina Grande, Belém

do Brejo da Cruz e Santa Helena (PB); Natal, Mossoró, Apodi e Jardim do

Seridó (RN); Fortaleza, Juazeiro do Norte, Salitre e Quiterianópolis (CE);

Teresina, Fartura do Piauí e Queimada Nova (PI); e, São Luis, Balsas e São

Francisco do Brejão (MA), além de algumas outras;

______________________________________________________________________________

53

- Representantes de pequenas comunidades rurais dispersas em estados do

Nordeste;

- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais

associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este

segmento produtivo, a exemplo de associações de usuários das águas ou

de comissões gestoras de açudes e reservatórios;

- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais

associadas, com ênfase em representantes do setor produtivo de

mineração;

- Principais empresas de grande porte na região; e,

- Secretarias de Defesa Civil.

2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste

Tendo em vista sua maior densidade em termos de desenvolvimento

socioeconômico, além do entendimento de que deve haver grande proximidade

entre seus modelos de gestão voltados para uma Governança consistente sobre os

recursos hídricos, agora serão abordadas, em conjunto, as regiões Sul, Sudeste e

Centro-Oeste do território nacional.

Mesmo abordadas em conjunto, três leituras serão efetuadas, com base em

dinâmicas diferenciadas de atividades produtivas e de perfis socioambientais, a

saber: (i) primeiramente, as dinâmicas relacionadas à produção do agronegócio;

(ii), em segundo lugar, aspectos próprios a porções do Cerrado, onde frentes de

expansão produtiva ainda seguem em curso; e, (iii) a indispensável abordagem de

grandes núcleos urbano-industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e

aglomerações de cidades, onde impactos relacionados a questões hídricas,

ambientais e a mudanças climáticas têm se tornado muito relevantes.

2.4.3.(i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio

Como áreas territoriais voltadas às principais atividades do agronegócio brasileiro,

incluindo frentes de produção pecuária, devem ser consideradas: o interior dos

estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e do Paraná (Região Sul); a porções

do interior paulista, o triangulo mineiro e o centro-oeste de Minas Gerais, além de

______________________________________________________________________________

54

alguns núcleos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Região Sudeste); e, grandes

porções dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso (Região

Centro-Oeste), além da consideração do Estado de Tocantins.

Mais especificamente, sob uma forma muito resumida, cabe assinalar que: (a) no

Estado do Rio Grande do Sul merece destaque a produção de arroz com cultivo

inundado para irrigação, abrangendo cerca de 1,1 milhão de hectares, além da

pecuária e de cultivo para produção vinícola; (b) em Santa Catarina e no Paraná há

predomínio de cultivos de grãos (soja, milho e trigo), cana-de-açúcar e, junto ao

extremo oeste, a suinocultura; (c) em São Paulo e a oeste de Minas Gerais, maior

ênfase presente para o cultivo de cana-de-açúcar, voltado a usinas de

biocombustíveis (como o etanol), além de frentes de soja; (d) a leste de Minas

Gerais e em parte do Espírito Santo, grandes núcleos para a produção voltada a

papel e celulose, além de café; (e) já no trecho do centro-leste e do sudeste mineiro,

merece destaque a exploração mineral; e, (f) em Goiás, Mato Grosso do Sul e em

parte do Mato Grosso e de Tocantins, predominam grandes áreas com cultivos de

graus de soja, além das principais frentes pecuárias do País.

Todas estas e muitas outras atividades produtivas das regiões Sul, Sudeste e do

Centro-Oeste (mais Tocantins) sempre puderam contar com características

hidrometeorológicas bem favoráveis, com precipitação média anual da ordem de

1.450 mm, razoavelmente distribuída ao longo do ano, somadas à ocorrência de

solos com boa fertilidade, mesmo considerando certas singularidades, a exemplo

da porção mais central do Brasil, onde períodos com falta de chuva, entre abril a

outubro de cada ano, demandam relevantes sistemas de irrigação.

Sob tais condições regionais e climáticas, o Brasil pôde contar com uma agricultura

dinâmica, moderna e diversificada, composta por grãos (soja, milho e trigo), cana-

de-açúcar, algodão, café e fruticultura, a ser vista como resultado de um longo

processo associado ao próprio histórico da ocupação do território nacional e a ciclos

econômicos que marcaram o desenvolvimento do País. Contudo, deve-se registrar

que, no presente, há dificuldades significativas para o transporte de produtos a

partir do Centro-Oeste, na sua maioria absoluta dependente de rodovias.

A respeito desse processo histórico de desenvolvimento, cumpre lembrar que, já

no início do século passado (década de 1930), a expansão das fronteiras agrícolas,

______________________________________________________________________________

55

capitaneada pelo vetor dominante da cafeicultura, propiciava a ocupação do

sudoeste paulista, norte e noroeste paranaense, em um processo planejado e muito

veloz, que marcou a fundação da própria rede urbana de apoio àquela cultura de

exportação13.

Nas décadas seguintes (1950 e 1960), movimento similar, porém mais atenuado,

ocorreu a partir da colonização promovida pelos gaúchos, a oeste de Santa

Catarina e sudoeste do Paraná, espraiando-se até o Mato Grosso do Sul. Na

sequência, durante os anos de 1970 ampliou-se o movimento que passou a atingir

as novas fronteiras agrícolas do Brasil, hoje já superando o extremo noroeste do

Cerrado e fustigando parte da Região Amazônica, com ênfase em Tocantins, Mato

Grosso, sul do Pará e até em Rondônia e em parte do Acre14.

Sob tais processos de seguidas expansões da agricultura, com esgotamento das

fronteiras do Sul e do Sudeste, cabe considerar fatores crescentes e determinantes

de problemas relacionados à oferta de recursos hídricos, hoje muito observados na

zona rural do Centro-Oeste brasileiro, onde grandes perímetros de irrigação têm

sido instalados nas últimas décadas.

Neste sentido, por certo que há relevância para uma necessária adaptação a

potenciais mudanças climáticas, tanto no que concerne a áreas rurais de produção

agrícola – a exemplo da bacia do Rio São Marcos, onde há constantes conflitos

entre usos múltiplos da água, especialmente entre irrigação e geração de

hidroeletricidade –, quanto em grandes núcleos urbanos, que serão abordados

mais à frente, a exemplo da Grande São Paulo, onde o Sistema Cantareira chegou,

neste ano de 2014, a seu período mais crítico da história, com apenas 8,6% do seu

volume reservado para abastecimento de mais de 8 milhões de moradores, fato

que demandou o uso do chamado “volume morto”.

Ademais, além de potenciais conflitos crescentes nas regiões do Centro-Oeste e

do Sudeste, cabe lembrar que já ocorriam problemas sobre o uso das águas voltado

a agricultura na bacia do Rio Uruguai, no Rio Grande do Sul, em razão dos volumes

13 Fundação da cidade de Londrina em 1935, hoje com cerca de 540 mil habitantes.

14 Na porção do extremo leste e do nordeste do Cerrado, cabe lembrar a área de expansão

denominada como MAPITOBA, já mencionada no item sobre o semiárido brasileiro.

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56

expressivos aplicados ao cultivo de arroz por inundação, demandando, inclusive,

barragens para a regularização de vazões.

Seguindo a respeito desse panorama geral produtivo, predominante nas regiões

Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também deve ser considerada a sua estreita

vinculação com a chamada agroindústria, portanto, com tendências crescentes de

serviços terceirizados e de um comando urbano, fato que implica em menor oferta

de empregos rurais e mais possibilidades de servidores atenderem a apoios

produtivos mecanizados. Ou seja, no presente, nas regiões em pauta, a própria

expansão da produção agrícola, chamada de agronegócio, implica num inexorável

processo de urbanização, fato que se mostra inquestionável ao se verificar que a

taxa urbanizada da região do Sudeste brasileiro, já chegou a 92%.

Agora, sob uma ótica mais ambiental, na maioria absoluta das áreas aplicadas a

cultivos agrícolas, cabe lembrar os impactos gerados por plantios até a beira de

cursos d’água, com remoção quase completa da cobertura vegetal, inclusive de

matas ciliares, com vistas a explorar todo o potencial disponível nos terrenos, fato

que seguiu implicando em elevada mecanização e aragem dos solos, além de um

uso intensivo de agroquímicos (com pesticidas e fertilizantes) e de colheitas

sazonais sucessivas, tendo como consequência muitos impactos ambientais

decorrentes de tais procedimentos, os quais eram desconsiderados à época.

Assim, dentre as repercussões ambientais – e potencialmente climáticas – mais

graves, relacionadas a esse conjunto de atividades, deve-se anotar: (i) a perda das

camadas superficiais dos solos, em ciclo vicioso de menor fertilidade e uso mais

intensivo de nutrientes; (ii) o assoreamento decorrente nos cursos d’água, com

elevação da turbidez devida a sólidos suspensos; (iii) contaminação por

agroquímicos, inclusive conservativos; (iv) poluição das águas por dejetos de

animais in natura; e, (v) como consequência, a elevação generalizada dos custos

relacionados ao aproveitamento dos recursos hídricos, para abastecimento

doméstico ou insumo industrial, inclusive para a própria agroindústria alimentar.

Mais recentemente, contando com a referência de certas iniciativas que surgiram a

partir de meados da década de 1980, esse quadro de problemas ambientais passou

a ser parcialmente mitigado, mediante a difusão de práticas de plantio direto e de

manejo integrado entre solos e águas, em certas áreas de cultivo, especialmente

______________________________________________________________________________

57

no Paraná, após sucessivos programas de cooperação multilateral15, que

propiciaram reduções importantes em indicadores de carreamento de sólidos aos

corpos d’água.

Todavia, sem embargos a tais iniciativas, cumpre reconhecer que persistem

problemas generalizados de comprometimento das disponibilidades hídricas, em

razão das atividades agropecuárias desenvolvidas no meio rural das regiões Sul,

Sudeste e do Centro-Oeste, com largas margens para melhorias de desempenho

em termos ambientais, além das previstas adaptações necessárias a mudanças

climáticas.

Por fim, como outra forma de problemas mais específicos gerados por atividades

primárias, deve-se anotar casos pontuais de contaminação e de redução de fontes

de águas subterrâneas, advindas de núcleos voltados à exploração mineral, com

ênfase no chamado Vale do Aço, em Minas Gerais, e de atividades de carvão

mineral em Criciúma, ao sudeste de Santa Catarina.

Diretrizes Gerais

Contando com uma abordagem resumida dos principais problemas advindos de

atividades produtivas do agronegócio sobre as regiões do Sul, Sudeste e do Centro-

Oeste brasileiro, agora podem ser formuladas diretrizes gerais voltadas ao

enfrentamento de problemas relacionados aos recursos hídricos, quer seja para

avanços na atual gestão, como também em decorrência de possíveis e necessárias

adaptações a mudanças climáticas, sempre sob uma perspectiva de uma gestão

mais adaptativa, com mais flexibilidade, resiliência e robustez.

Neste sentido, políticas e programas do País deveriam voltar a conferir prioridade

para a difusão de práticas de manejo e conservação de solos e da água, incluindo:

o plantio direto e em curvas de nível; barreiras de contenção de erosão;

remanejamento de estradas rurais que geram escoamento do solo sobre corpos

d’água; programas para a recomposição de matas ciliares, tendo como referência

15 PMISA - Programa de Manejo Integrado de Solos e Água (1983-1989); Pró-rural (1982-1986);

Paraná Rural (1989-1997); e, Paraná 12 Meses (1997), além do Programa da Rede da

Biodiversidade (2002), aprovado pelo GEF (Global Environment Facility).

______________________________________________________________________________

58

principal o Produtor de Águas; a redução e controle da aplicação de agroquímicos

e do acondicionamento de embalagens usadas; o desenvolvimento e difusão de

controles biológicos; e, o monitoramento de indicadores da poluição por run-off

rural, segundo a tipologia adequada de solos, declividades e índices de

precipitação.

Além disso, muitas das intervenções regionais a serem empreendidas sempre

deverão ter como um de seus objetivos a consolidação de corredores da

biodiversidade, mediante a união, pela via de matas ciliares, de áreas de

conservação e de florestas nativas. A propósito, recomenda-se que ações dessa

natureza passem a ser inseridas em planos de bacias hidrográficas, de modo a

possibilitar sua viabilidade mediante subsídios cruzados, provenientes de maiores

preços unitários pagos pelos segmentos da indústria e de concessionárias de

serviços de saneamento e de energia, via Cobrança pelo Uso da Água e de outros

mecanismos financeiros para subsídios.

Mais propriamente no que tange a sistemas de gestão dos recursos hídricos, dos

vários estados e, também, do próprio SINGREH, tendo em vista diversas áreas de

conflitos entre usos múltiplos da água, recomenda-se incentivo à constituição de

associações de usuários, para que negociações internas sejam efetuadas, sob uma

perspectiva de limitações antecipadas para captações, decorrentes de cenários

previstos para períodos de escassez hídrica.

Por fim, mesmo tendo em vista as extensas áreas de atividades produtivas

abordadas, notadamente no caso do Centro-Oeste brasileiro, entende-se que

devem ser identificadas bacias de rios afluentes com maiores problemas críticos, a

serem vistas como problem-sheds, para que soluções específicas a seus casos

venham a ser definidas, sob o princípio da subsidiariedade, sem que se deixe de

tratar o conjunto da bacia do rio principal, a ser vista como espaço para a atuação

de um comitê de integração, com estes fatores negritados sendo mais

propriamente abordados no Cap. 3 deste Relatório 01, em pauta.

2.4.3.(ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central

Ainda com boa parte da elevada extensão do Cerrado brasileiro estando, nas

últimas décadas, sob um processo de ocupação pelas atividades produtivas do

______________________________________________________________________________

59

agronegócio, entende-se que devem ser abordados os atuais trechos de expansão

de novas fronteiras agrícolas, em termos de uma adequada gestão hídrica,

ambiental e de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas.

Neste sentido, cabe lembrar que esses trechos de expansão, localizados mais ao

norte e aos extremos leste e noroeste do Cerrado, se caracterizam pela

predominância de um relevo plano, típico do Planalto Central do Brasil, e por uma

precipitação média da ordem de 1.600 mm anuais, sujeita a variações sazonais

significativas, com períodos pronunciados de chuvas intensas, principalmente no

próprio verão, além de estiagens severas, com 4 a 6 meses de duração,

especialmente ao longo da primavera e do inverno, fato que tem causado situações

sazonais com baixa relativa da disponibilidade de recursos hídricos.

Assim, face às mencionadas estiagens sazonais, as frentes de expansão sempre

tendem a demandar perímetros de irrigação, fato que deve resultar em sobre-

exploração dos recursos hídricos, tem como resultados conflitos entre usos

múltiplos das águas. Por outro lado, na ocasião de chuvas intensas podem ser

previstos problemas de assoreamento e, por vezes, de contaminação por

agroquímicos, a serem bem mais graves caso ocorra uma indevida retirada de

matas ciliares, fato este já abordado pelo recente Novo Código Florestal

Brasileiro16.

Como outra das questões a serem abordadas nos trechos de expansão de novas

fronteiras agrícolas, deve-se anotar a definição de vias alternativas para transporte

maciço da produção regional, com destaque para a possibilidade de um

funcionamento viável e efetivo de hidrovias, com grande ênfase no Rio Tocantins-

Araguaia, que pode contemplar produtores com um acesso privilegiado ao norte do

País, para exportações via o Porto de Belém, do Pará, assim como de São Luis, do

Maranhão, e de Fortaleza, do Ceará, tendo em vista os mercados norte-americano

e europeu.

16 Este Novo Código Florestal foi estabelecido pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012,

além de outras providências pela posterior Lei Federal nº 12.727, de 17 de outubro de 2012, que

trouxe mais algumas alterações.

______________________________________________________________________________

60

Enquanto o Rio Tocantins já se encontra alterado por sucessivos aproveitamentos

hidrelétricos, o Araguaia reúne importante acervo ambiental, merecendo cuidados

e avaliação dos impactos potenciais sobre o meio ambiente, decorrentes de seu

eventual aproveitamento para novas usinas hidrelétricas e/ou como hidrovia.

Diretrizes Gerais

Sob tal contexto, como diretrizes gerais devem ser repetidas muitas das que já

foram dispostas no tópico anterior, com ênfase no sentido de que ocorra um

planejamento antecipado para um ordenamento consistente da ocupação do

território sujeito a novas fronteiras agrícolas, além de formas mais rigorosas para

fiscalização hídrica e ambiental, de forma a prevenir e evitar potenciais impactos

inadequáveis.

Ademais, tendo como referências algumas das diretrizes propostas para a Região

Amazônica, deve-se reconhecer a importância de ações voltadas à proteção e

preservação de certas áreas ambientais, identificadas como relevantes para o trato

de potenciais problemas relacionados aos recursos hídricos, inserindo em pauta a

criação de área protegidas e unidades de conservação.

Neste sentido e como última observação, ao olhar para o extremo oeste do

Cerrado, entra em pauta o Bioma do Pantanal, para o qual cabe registrar a

seguinte pergunta: tendo em vista a sua elevada importância como um ecossistema

ambiental e hídrico, esta região do Pantanal deve ser tratada em conjunto com a

abordagem de preservação da Amazônia, ou deve contar com um sistema próprio

e específico para sua gestão?

2.4.3.(iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões

Metropolitanas e Aglomerações de Cidades

Como terceira leitura do conjunto das regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste

brasileiro, torna-se muito importante abordar seus grandes núcleos urbano-

industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e aglomerações de cidades, as

quais demandam diagnósticos próprios à natureza e ao perfil de seus principais

problemas, no presente, com muitos já advindos de possíveis mudanças climáticas.

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61

De fato, mesmo que, em geral, as regiões em pauta contem com boas

disponibilidades hídricas, razoavelmente bem distribuídas ao longo do ano – um

pouco menos no Centro-Oeste, onde há meses com predomínio de chuvas e outros

com escassez –, aspectos próprios a grandes núcleos urbano-industriais devem

ser analisados mais especificamente, sobretudo, tendo em vista a ocorrência

esporádica de eventos críticos, a exemplo da estiagem que, neste ano, está

impactando significativamente a Região Metropolitana de São Paulo, além de

muitas cidades do interior.

Mais do que isso, caso eventos críticos passem a crescer em decorrência de

mudanças climáticas, tornar-se-á indispensável definir significativas intervenções

em muitas das cidades, para a redução de elevados graus de risco, sendo que: (a)

no caso da falta de chuvas, com a identificação de eventuais novos mananciais,

mais racionalidade no uso da água e com a redução dos atuais índices de perdas

em sistemas de distribuição; e, (b) em casos de períodos com muita chuva, com

ações votadas para evitar inundações ainda mais elevadas e deslizamento de

encostas, em muitos casos, indevidamente ocupadas por favelas, nas quais

pequenas moradias de famílias de baixa renda são bem frágeis, com acidentes

sempre significativos e inúmeras mortes.

A propósito, cabe lembrar que muitos desses problemas são inequivocamente

advindos de características dos processos de urbanização no Brasil, no mais das

vezes, sem um planejamento antecipado, ordenamento e fiscalização do uso e

ocupação do solo, fato que tem gerado muitas áreas de risco em cidades. Com

efeito, a malha urbana do País recebeu, em um lapso de 70 anos, algo como 120

milhões de novos moradores, partindo de uma taxa de urbanização da ordem de

35% na década de 1940, para os atuais 85% na média nacional, já prevista para

90% em 2020 (IBGE, 2013).

Em seu conjunto, todas as regiões metropolitanas17, incluídas as nordestinas, já

17 São 23 (vinte e três) as regiões metropolitanas definidas em leis estaduais, incluindo áreas de

expansão: Porto Alegre (RS); Florianópolis, Vale do Itajaí e Norte - Nordeste Catarinense (SC);

Curitiba, Londrina e Maringá (PR); São Paulo, Campinas e Baixada Santista (SP); Rio de Janeiro

(RJ); Vitória (ES); Belo Horizonte e Vale do Aço (MG); Goiânia (GO); Brasília (DF); Maceió (AL);

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62

representam mais de 50%, ou quase 87 dos 172 milhões dos habitantes das

cidades brasileiras (IBGE, 2010), concentrando-se em apenas 160.000 km2 do

território nacional, portanto, em menos de 2,0% dos 8,5 milhões de km2.

Ainda sobre as regiões metropolitanas, cabe destacar que somente a chamada

Macrometrópole Paulista (composta pela Grande São Paulo, Região Metropolitana

de Campinas e pela Baixada Santista) concentra perto de 65% do Produto Interno

Bruto (PIB) do Estado de São Paulo, chegando próximo a 23% do PIB Nacional,

em uma área pouco superior a 14.000 km2.

Números igualmente impressionantes são obtidos mesmo quando se amplia o

horizonte de análise para o eixo urbano-econômico que une as duas maiores

metrópoles nacionais – de São Paulo e do Rio de Janeiro –, margeando o Rio

Paraíba do Sul, ainda que sejam consideradas perspectivas mais recentes de

desconcentração de alguns segmentos industriais importantes (parque automotivo,

principalmente), com maiores articulações deste eixo SP-RJ com as regiões

metropolitanas de Curitiba (ao sul) e de Belo Horizonte (ao norte).

Sob este contexto, embora a taxa anual de crescimento urbano do Brasil tenha

decaído dos 4,4%, observados na década de 1970 a 1980, atualmente para algo

ao redor de 2,1%, indicando alguma atenuação do fluxo migratório rural – urbano,

o fato é que a elevada concentração nas áreas metropolitanas e nas maiores

aglomerações urbanas do País tende a manter seus significativos impactos hídrico-

ambientais, ainda que, já na década de 1990, tenha sido verificada uma tendência

de crescimentos maiores em cidades do interior, sobretudo no Estado de São

Paulo.

De fato, segundo consta na Parte II, item II.3 (p. 64) da publicação GEO Brasil –

Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), litteris:

..., no período 1991/96 as cidades com 100 a 499 mil

habitantes passaram a abrigar 11,3% da população total

contra 10,7% em 1991; as cidades com 50 a 99 mil hab.

passaram de 5,4% a 9,1%, muitas dessas localizadas no

entorno de áreas metropolitanas. Já as cidades com mais de

Salvador (BA); Recife (PE); Natal (RN); Fortaleza (CE); São Luiz (MA); e, Belém (PA).

______________________________________________________________________________

63

500 mil hab. passaram de 35,2% para 35,7%. Verifica-se essa

tendência mesmo nos estados com rede urbana bem

distribuída: Santa Catarina, por exemplo, onde a

concentração é crescente em Joinville; ou no Paraná, com a

Região Metropolitana de Curitiba reunindo 56% do PIB

industrial e mais de um terço da população do estado.

Ainda segundo esta publicação, em termos intrarregionais, o crescimento se dá,

marcadamente, nas periferias e em enclaves (favelas e cortiços) ocupados pelos

extratos inferiores de renda, em que as taxas de crescimento chegam a superar a

marca de 15% ao ano (!), em contraponto à relativa estabilidade dos núcleos

centrais (Tucci et al., 2001).

Assim, torna-se evidente que esse processo descrito, de um elevado crescimento

da urbanização no Brasil, teve como resultado um quadro de comprometimento do

meio ambiente urbano, não somente no que tange ao conjunto das regiões do Sul,

Sudeste e do Centro-Oeste, como também nas regiões metropolitanas do

Nordeste, todas localizadas junto ao litoral e na Zona da Mata (Salvador, Aracajú,

Maceió, Recife, João Pessoa, Natal e Fortaleza), por vezes, apresentando perfis

hídrico-ambientais e sociais também severos. Portanto, tal como já mencionado,

problemas próprios às regiões metropolitanas do Nordeste deverão ser abordados

neste tópico, mais à frente.

Sob tal processo inexorável de urbanização e tendo em vista os objetivos do

presente trabalho sobre a Governança na gestão de recursos hídricos, relacionados

ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, torna-se importante

sublinhar que não devem ser abordadas apenas questões relacionadas à

disponibilidade hídrica, ora com escassez ou com inundações, mas sim, uma

devida sobreposição de diversos problemas hídricos em pontos territoriais críticos

de núcleos urbanos, portanto, sob uma ótica transversal voltada à gestão integrada

dos recursos hídricos (GIRH).

Dizendo de outra forma, isto significa que também devem ser considerados fatores

próprios ao planejamento das cidades, a ser visto como uma das variáveis

supervenientes à GIRH. Enfim, cabe uma abordagem mais ampla e consistente,

em decorrência da elevada complexidade de problemas hídrico-ambientais

______________________________________________________________________________

64

urbanos, em sua maioria, sempre relacionados ao uso e ocupação do solo.

Com efeito, além de questões relacionadas à disponibilidade hídrica, na maioria

quase absoluta das cidades brasileiras – no presente, com certas exceções de

municípios do interior paulista, a exemplo de Itu e de Jundiaí, que já contam com

mais de 90% de seus esgotos coletados e tratados – também ocorrem agudos

problemas de qualidade, com forte poluição das águas e com intervenção e

redução dos potenciais aproveitamentos hídricos, assim como, com repercussões

negativas causadas sobre a própria saúde pública. Ou seja, seguem vários

problemas decorrentes de lacunas relacionadas à infraestrutura do saneamento

básico, que ainda persistem no Brasil18.

A propósito, sabe-se que a maioria das cidades apresenta inúmeras fontes

poluidoras, pontuais e dispersas, como resultado: da disposição de esgotos

domésticos não coletados e/ou tratados19; de resíduos sólidos também não

devidamente coletados ou sem uma disposição final adequada; além de efluentes

industriais igualmente não tratados. Por vezes, indevidos dejetos hospitalares

acabam repercutindo graves problemas sobre a saúde pública.

Ademais, no que tange a fatores relacionados a mudanças climáticas, cabe lembrar

que núcleos urbano-industriais são alguns dos principais pontos de onde ocorre a

emissão de gases de efeito estufa, portanto, sempre demandando intervenções

relacionadas a interesses do Plano Nacional em pauta, para que se tenha maior

Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos.

Todas essas fontes poluidoras ocorrem mais gravemente em encostas, fundos de

vale, áreas alagadas, várzeas e beiras de rios e córregos, geralmente ocupados de

modo irregular por favelas e loteamentos desconformes, configurando nichos onde

se conjugam a pobreza urbana, a ausência de serviços de infraestrutura básica, a

18 Segundo dados recentes do Plano Nacional de Saneamento Básico (dezembro de 2013), estima-

se que o montante necessário para a instalação da devida infraestrutura sanitária chega a mais de

R$ 500 bilhões.

19 Estima-se que algo como 90% das descargas de DBO nas grandes cidades seja de origem

doméstica, contra apenas 10% industrial. Em Contagem, na Região Metropolitana de Belo

Horizonte, estes percentuais são respectivamente de 93 e de 7%.

______________________________________________________________________________

65

degradação ambiental e o comprometimento de mananciais de abastecimento,

além de certas áreas que poderiam servir ao lazer (a exemplo de parques urbanos

atrativos).

Sob esse aspecto, ainda que as principais cidades do Sul e do Sudeste, além de

algumas do Centro-Oeste, notadamente no caso de Brasília, detenham maior

capacidade institucional, renda per capita e potencial de arrecadação e de

investimentos20, seguem convivendo com importantes problemas de saneamento

ambiental urbano, notadamente com desafios concernentes à disponibilidade

qualiquantitativa de recursos hídricos.

Como uma referência social e financeiramente importante, volta-se a mencionar

que, frente a possíveis mudanças climáticas, devem agravar-se os recorrentes

problemas de inundações, os quais, virtualmente, paralisam cidades, como a de

São Paulo, resultando em custos que se repercutem amplamente sobre toda a

sociedade, pela obstrução do tráfego, perdas patrimoniais e interrupção de várias

atividades, em geral.

Seguindo a respeito, como conhecidos exemplos vale lembrar que fatos dessa

ordem já ocorreram em Blumenau, cidade importante de Santa Catarina, onde

muitas inundações, advindas do Rio Itajaí-Açu, causaram substantivos impactos

durante vários anos; além de Angra dos Reis, localizada no litoral sul do Rio de

Janeiro, e de Teresópolis, na Serra Fluminense, com ambas submetidas a grandes

chuvas e deslizamentos de encostas, que afetaram muitos moradores locais e

alguns turistas, sempre com elevados impactos e gastos para a sociedade.

Enfim, agora sob uma abordagem genérica, destacam-se os seguintes fatores

como os de maior expressão na delimitação do quadro de problemas hídrico-

ambientais e sociais que ocorrem nos núcleos urbanos que estão sendo

abordados21:

(i) os baixos níveis de tratamento dos esgotos domésticos, mesmo em cidades

20 A renda per capita média nas cidades do interior paulista é substancialmente superior do que a

observada nas metrópoles do Nordeste; o orçamento da cidade de São Paulo é o terceiro do País,

superando muitos dos principais estados brasileiros.

21 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).

______________________________________________________________________________

66

já com altos níveis de coleta de águas servidas, o que implica em

lançamentos in natura concentrados;

(ii) a disposição inadequada de resíduos sólidos, em lixões a céu aberto,

quando não a ausência ou insuficiência de coleta em áreas de difícil acesso

natural ou sem vias de circulação, particularmente em favelas e ocupações

irregulares;

(iii) a impermeabilização crescente do solo urbano, com redução nos tempos de

concentração e interferência nas condições naturais de drenagem,

amplificando os efeitos de cheias, muitas vezes sem alternativas viáveis –

técnica e/ou financeiramente – para intervenções em macrodrenagem;

(iv) o comprometimento de mananciais próximos, com escassez de

disponibilidade hídrica com a qualidade adequada; e,

(v) a mútua interdependência entre todos estes e outros fatores, devido a

condições operacionais decorrentes dos próprios padrões inadequados de

urbanização e de uso e ocupação do solo, acarretando problemas para a

prestação de diferentes serviços de interesse público, como, p. ex., a

obstrução da rede de drenagem pelo lixo não coletado, ligações de esgotos

em galerias de águas pluviais (e vice-versa) e a inacessibilidade para a O&M

de redes e serviços, dentre as interferências mais comuns.

Em acréscimo, sabe-se que a carga potencial proveniente de run-off urbano é

igualmente relevante para fins de controle da poluição hídrica, não obstante ser

pouco conhecida no presente e ainda ausente da pauta prioritária das cidades,

tanto no Brasil, quanto na maioria dos demais países, lacuna esta que não deverá

perdurar por muito tempo, tendo em vista a necessária adaptação a mudanças

climáticas22.

Todavia, a mera identificação genérica dos fatores que foram descritos não torna

trivial o desafio das soluções reclamadas para um saneamento ambiental urbano

22 Estima-se que, em São Paulo, o aporte de nutrientes pela via difusa aproxime-se de um terço da

carga total, superando a 40% na bacia do reservatório do Guarapiranga, importante manancial de

abastecimento da Grande São Paulo, com cerca de 12 m3/s.

______________________________________________________________________________

67

consistente e para a desejada Governança na gestão de recursos hídricos, em

núcleos urbanos relevantes, tendo em vista uma adaptação a mudanças do clima.

Com efeito, a múltipla e complexa combinação desses fatores, frente a outras

variáveis de natureza geomorfológica, peculiares a cada espaço geográfico, bem

como, a questões institucionais, socioculturais e econômicas, exige esforços

analíticos e metodológicos importantes para o enfrentamento desses problemas,

dentre os quais os principais pontos de inundação, deslizamento de encostas,

poluição hídrica e de preservação de mananciais (qualidade versus escassez)

tendem a ocupar prioridade.

Por fim, para encerrar o diagnóstico dos núcleos urbano-industriais em pauta, agora

cabe destacar certas especificidades próprias às regiões metropolitanas do

Nordeste23. Neste sentido, sabe-se que a primeira consequência do quadro descrito

do Semiárido (ver item 2.4.2) consiste na migração da população, em percurso

direto da área rural para as periferias das grandes capitais (Fortaleza, João Pessoa,

Recife e Salvador, além de Natal, São Luis, Teresina, Maceió e Aracaju), onde são

notáveis os problemas ambientais urbanos, sempre associados à concentração de

pobreza em favelas e ocupações irregulares, notadamente em áreas de risco, tais

como alagados, encostas, várzeas e margens de rios e córregos.

De fato, no presente, grande parte da população nordestina ocupa uma estreita

faixa não superior a 100 km do litoral, o que justifica uma abordagem específica

desta zona costeira do Brasil. Na Grande Recife, por exemplo, parte ponderável da

população, que já supera 4,0 milhões de habitantes, reside em mais de 650 favelas,

onde a renda familiar média não supera dois salários mínimos.

Nessas áreas, localizadas nos trechos perenizados a jusante dos principais cursos

d'água, com precipitações médias anuais de 1.120 mm, as disponibilidades hídricas

são comprometidas, via de regra, pela conjugação de poluição urbana originada

por esgotos domésticos, disposição de resíduos sólidos e algumas descargas

industriais não tratadas, sobre a qual se sobrepõem cheias periódicas, amplificadas

pela impermeabilização crescente do solo urbano. Em acréscimo, a contaminação

23 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.

______________________________________________________________________________

68

dos mananciais superficiais é seguida da sobre-exploração de aquíferos, caso no

qual Recife novamente constitui um destacado exemplo negativo. Problema similar

também ocorre em Natal (RN).

Dado o grande potencial turístico do litoral nordestino, a ser visto como uma das

principais alternativas para o desenvolvimento socioeconômico da região, passam

a ser economicamente relevantes os problemas associados à ausência de

infraestrutura sanitária, muitas vezes resultando em comprometimento da

balneabilidade de praias e, quando menos, na perda de potencial paisagístico

(deságue de linhas negras e problemas de odor, dentre outros).

Finalmente, cabe mencionar que esse quadro das grandes capitais nordestinas é

reproduzido, com pequenas variações, sobre o número reduzido de cidades do

interior, algumas de médio porte, que se desenvolvem no Agreste e no Sertão,

originando focos localizados de poluição urbana. Sendo assim, algumas dessas

cidades do interior, por estarem localizadas a montante dos cursos d’água de

vertente atlântica, repercutem negativamente sobre as disponibilidades hídricas

das grandes concentrações litorâneas (caso de Feira de Santana, que apresenta

despejos sobre o reservatório de Pedra do Cavalo, manancial da Grande Salvador).

Diretrizes Gerais

Com esses complexos problemas hídrico-ambientais urbanos já dispostos, agora

devem ser elaboradas diretrizes gerais, tendo em vista o objetivo de Governança

na gestão das águas e adaptação a mudanças climáticas.

Todavia, cabe novamente lembrar que as abordagens a ser feitas em áreas urbanas

não devem considerar apenas questões relacionadas à disponibilidade hídrica, ora

com escassez ou com inundações, mas sim, com uma devida sobreposição de

diversos problemas hídricos em pontos territoriais críticos de núcleos urbanos,

portanto, sob uma ótica transversal voltada à GIRH. Isto significa que também

devem ser considerados fatores próprios ao planejamento das cidades, a ser visto

como uma das variáveis supervenientes à gestão de recursos hídricos.

Sob este entendimento, de pronto cabe sublinhar que, para resolver problemas

dessa ordem, procedimentos metodológicos não devem se limitar ao “o que fazer?”,

______________________________________________________________________________

69

mas também, na maioria dos casos, devem conferir destaque sobre “como fazer?”.

Isto significa que modelos de gestão próprios a áreas-problema (problem-sheds)

devem entrar em pauta.

Como referências a respeito, pode-se mencionar a bacia e o respectivo Comitê do

Alto Tietê, onde se localiza a Grande São Paulo, assim como as bacias do Alto Rio

Iguaçu e do Alto Ribeira, ambas agregadas e com seu Comitê “unificado”, em

função da localização da Região Metropolitana de Curitiba.

A propósito, entende-se que o SEGREH de São Paulo, definido pela legislação

paulista como Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos

(SIGRH), estabeleceu as suas 22 Unidades de Gerenciamento Integrado de

Recursos Hídricos (UGRHIs), em função de vários aspectos, inclusive de

associações históricas entre certos municípios, fato que indica uma visão de

diferentes leituras territoriais e de uma gestão realmente integrada dos recursos

hídricos24.

Mesmo sob tais abordagens com foco em problemas de núcleos urbanos,

recomenda-se que sejam previstos comitês de integração para o contexto geral de

bacias hidrográficas, quando estiverem em pauta balanços hídricos gerais e

problemas conjuntos, de montante para jusante e vice-versa.

Ainda sem chegar a detalhes mais próprios a sistemas de gestão, que serão

abordados no próximo Cap. 3, e voltando agora a diretrizes gerais relacionadas às

regiões em pauta, cabe registrar a relevância do posicionamento nacional do

Estado de Minas Gerais, entendido como a “Caixa d’água do Brasil”, uma vez que

muitas das nascentes dos principais rios do País, notadamente no caso do Rio São

Francisco, se localizam em território mineiro.

Em termos práticos, isto significa que Minas Gerais deve, de um lado, seguir com

a abordagem de suas 38 Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos

Hídricos (UPGREHs), para que núcleos de problemas estaduais possam ser

tratados, mesmo que algumas dessas UPGRHs sejam territorialmente revistas; e,

24 Esta leitura ocorreu sob o mérito do destacado profissional Flávio Terra Barth, principal

responsável pela proposição da Lei Estadual n º 7.663, publicada em 30 de dezembro de 1991, a

qual serviu como a base mais relevante para a própria Lei Nacional nº 9.433/1997.

______________________________________________________________________________

70

de outro, estar presente em comitês de integração, para que ocorram

convergências, acordos e cooperações com estados vizinhos e a jusante em bacias

hidrográficas compartilhadas.

De fato, como este estado federativo situa-se a montante dos principais rios

brasileiros, os problemas mencionados “poderão potencialmente impactar quase

todo País” (Tucci, 2001).

Com isto posto, percebe-se que um dos principais desafios em pauta refere-se à

conjugação de abordagens com base em problem-sheds (sub-bacias com

externalidades hídricas e ambientais negativas concentradas) e na coordenação de

políticas no âmbito das bacias hidrográficas como um todo. Neste sentido, o

enfrentamento de problemas pode ser advindo, tanto de movimentos top-down,

quanto bottom-up, a serem definidos segundo conveniências de ordem tática

(identificação de “janelas de oportunidade”).

Em termos práticos, essas diretrizes dispostas devem ser consideradas quando

estiver em plena pauta o imperativo de implementação de Programas de Ação, a

serem vistos como uma das frentes de trabalho de planos de bacias hidrográficas,

além de sempre definidos sob uma forma integrada no caso de núcleos urbano-

industriais, portanto, envolvendo: sistemas de abastecimento de água; coleta e

tratamento de esgotos domésticos; efluentes industriais; coleta e disposição de

resíduos sólidos; redes de micro e de macrodrenagem; além de certas

infraestruturas urbanas, inclusive com eventuais reassentamentos de moradores

localizados em áreas de risco, até chegar à indispensável proteção de certas áreas

ambientais, notadamente no caso de mananciais identificados como relevantes.

Em relação aos mencionados Programas de Ação, por certo que deverão ser

definidos e aplicados critérios para a priorização de investimentos, levando em

consideração: (i) o objetivo e metas voltadas à redução de impactos hídricos e

ambientais urbanos, além de aspectos sociais, também considerando a perspectiva

de cenários advindos de potenciais mudanças climáticas; (ii) a factibilidade de sua

implementação, em termos gerenciais e político-administrativos; e, (iii) a

distribuição social de benefícios econômicos associados a melhorias, segundo

relações entre custos/benefícios.

______________________________________________________________________________

71

Tal como já mencionado, cabe reafirmar que para esses Programas de Ação deve

ser conferida ênfase particular a práticas de gerenciamento de suas

implementações (como fazer?), por vezes mais desafiadora do que suas

concepções (o que fazer?). Mesmo assim, deve-se reconhecer a indispensável e

complexa visão para uma efetiva gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH),

fato que demanda articulações com outras políticas urbanas, com merecido

destaque para o planejamento do uso e ocupação do solo.

Ou seja, sempre deve ser considerada a inter-relação da gestão de recursos

hídricos com suas variáveis supervenientes, do meio ambiente e do

desenvolvimento urbano e regional, e das intervenientes, envolvendo os diversos

setores usuários das águas.

Chegando agora a diretrizes gerais para as regiões metropolitanas do Nordeste,

registra-se que, por certo, deve ser definido um modelo institucional distinto daquele

a ser empreendido no Semiárido brasileiro, portanto, com suas específicas

unidades territoriais para planejamento e gestão, sempre caracterizadas por suas

elevadas densidades populacionais, tal como foi proposto para os problem-sheds

das regiões do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste.

De fato, frente à elevada concentração da população lindeira ao mar, os problemas

estão vinculados ao uso e ocupação do solo e ao potencial comprometimento de

mananciais, inclusive de certos aquíferos. Sendo assim, também serão necessárias

abordagens integradas, no caso do Nordeste com ênfase em áreas de

concentração de pobreza (favelas, cortiços e ocupações desconformes). Isto

significa que as ações devem considerar um duplo objetivo, envolvendo o combate

à pobreza e a melhoria hídrico-ambiental urbana, o que é possível na medida em

que ambos os problemas encontram-se sobrepostos no território.

Com isto posto, no que tange aos mencionados Programas de Ação, cabe anotar:

(i) a infraestrutura de armazenamento corretamente construída, para mitigar efeitos

da evapotranspiração e otimizar a regularização, portanto, com reservatórios e

açudes com a maior profundidade possível e menores áreas inundadas; (ii) a

infraestrutura de transporte de água (canais e adutoras) definida segundo eixos

com localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e

com estratégias para ordenamento do território, por vezes, voltadas à consolidação

______________________________________________________________________________

72

e adensamento da rede urbana; (iii) o desenvolvimento de alternativas de baixo

custo para sistemas localizados de suprimento (cisternas, poços locais, barragens

subterrâneas e outras formas); (iv) informações hidrometeorológicas,

hidrogeológicas e sistemas de apoio à decisão (SADs), voltados ao gerenciamento

das disponibilidades e das demandas, a serem operados por instituições capazes

de garantir sua aplicação junto aos usuários e comunidades.

Em acréscimo, os Programas de Ação também devem tratar: da redução de perdas

e desperdícios, chegando a uma operação e manutenção mais consistente dos

sistemas de reservação e de distribuição de água; de negociações relacionadas à

alocação das disponibilidades entre os diferentes setores usuários; e, da

adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades regionais, por exemplo,

com a outorga sendo mais flexibilizada para curta duração, em certos períodos

sujeita a regimes de racionamento.

Por fim, em termos das UTEGs, tendo em vista a interligação de bacias mediante

reservatórios, açudes, canais e adutoras, será indispensável considerar a devida

O&M dessa infraestrutura hídrica.

Instituições e Atores Estratégicos

Para encerrar o presente item 2.4.3, com diagnósticos e diretrizes gerais

relacionadas às regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também incluindo as

áreas metropolitanas do Nordeste, agora serão listadas, de forma muito genérica,

as principais instituições e atores considerados como estratégicos para uma efetiva

Governança na gestão de recursos hídricos.

- Ministério do Meio Ambiente e suas Secretarias de Recursos Hídricos e

Ambiente Urbano (SRHU) e de Extrativismo e Desenvolvimento Rural

Sustentável, além da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade

Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a Mudanças

Climáticas;

- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente

(CONAMA);

- Agência Nacional de Águas (ANA);

______________________________________________________________________________

73

- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA), com suas instâncias locais próprias;

- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e suas Secretarias de

Política Agrícola, de Defesa Agropecuária e de Produção e Agroenergia,

além da presença de instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (EMBRAPA);

- Ministério de Minas e Energia, contando com a Empresa de Pesquisa

Energética (EPE), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),

Operadora Nacional do Sistema interligado (ONS), Companhia de Pesquisa

de Recursos Minerais (CPRM) e o Departamento Nacional de Produção

Mineral (DNPM), além da Eletrobrás, da Itaipu Binacional25 e, para

determinadas ações, da própria Petrobrás;

- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a redes logísticas de

transporte, com inclusão de hidrovias;

- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental;

- Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e sua

Secretaria do Desenvolvimento da Produção;

- Secretarias Estaduais do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos (Rio

Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas

Gerais, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Mato

Grosso, além de Tocantins), assim como seus respectivos Órgãos Gestores

do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, com interesse sobre a

experiência recente do Instituo Estadual do Ambiente (INEA/RJ) e das

Agências Reguladoras sobre Saneamento e Energia, com destaques para a

ARSESP (SP) e ADASA (DF), sem esquecer a abordagens de instituições

similares relacionadas com as regiões metropolitanas nordestinas;

25 Como referência da Itaipu Binacional, cabe lembrar o Programa Cultivando Água Boa, com

abordagem da bacia hidrográfica do Paraná III.

______________________________________________________________________________

74

- Secretarias de Estado de Planejamento, com inclusão de órgãos

coordenadores de regiões metropolitanas, a exemplo da COMEC -

Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba;

- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente e os

principais comitês de bacias, tanto estaduais quanto federais, tais como o

CEIVAP (Comitê do Paraíba do Sul), o do Piracicaba, Capivari e Jundiaí

(PCJ), do Alto Tietê, da bacia do Rio Doce, do Rio das Velhas (MG), do Rio

Gravataí (RS), do Rio Itajaí-Açu (SC) e do Rio Paranaíba (DF, GO, MG e

MS), além de muitos outros;

- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, departamentos e

empresas municipais ou do setor privado, responsáveis por sistemas de

abastecimento da água e coleta e tratamento de esgotos sanitários, com

destaques para a Sabesp (SP), Sanepar (PR), Cedae (RJ), Copasa (MG) e

Caesb (DF), além de muitas outras e das concessionárias nordestinas que

atendem as regiões metropolitanas, a exemplo da Embasa (BA), Compesa

(PE) e da Caern (RN);

- Companhias de Geração de Energia Elétrica, de economia mista ou privada,

com destaques para Furnas (MG), vinculada à Eletrobrás, Cemig (MG),

Copel (PR) e Light (privada), além da Itaipu Binacional (já listada), de muitas

Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs) e de empresas do Nordeste, como

a Coelba (BA);

- Principais Prefeituras Municipais, incluindo: Porto Alegre, Sapucaia do Sul,

Caxias do Sul, São Luiz Gonzaga e Santa Maria (RS); Florianópolis,

Blumenau, Joinvile e Chapecó (SC); Curitiba, Londrina, Cascavel e Foz do

Iguaçu (PR); São Paulo, Campinas, Piracicaba, Santos, Presidente

Prudente, Andradina e São José do Rio Preto (SP); Rio de Janeiro, Angra

dos Reis, Teresópolis, Resende e Macaé (RJ); Belo Horizonte, Contagem,

Uberlândia, Paracatu, Montes Claros, Jequitinhonha, Governador Valadares

e Juiz de Fora (MG); Vitória, Colatina e Itapemirim (ES); Brasília (DF);

Goiânia, Rio Verde e São Miguel do Araguaia (GO); Campo Grande,

Dourados, Ponta Porã, Sonora e Corumbá (MS); Cuiabá, Guarantã do Norte,

Juruena e Rondonópolis (MT); e, Palmas, Sandolãndia e Araguaína (TO),

______________________________________________________________________________

75

além das capitais nordestinas (Salvador, Aracajú, Maceió, Recife, João

Pessoa, Natal, Fortaleza, Teresina e São Luis) e de outras cidades, seja com

suas presenças voltadas ao planejamento urbano para uso e ocupação do

solo ou a respeito de áreas de expansão agropecuária;

- Departamentos municipais e empresas privadas responsáveis pela coleta e

disposição final de resíduos sólidos;

- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais

associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este

segmento produtivo, com destaque para cooperativas agroindustriais, a

exemplo da Cooperativa Mista de Prudentópolis e da Copagil, e de diversas

associações de produtores rurais;

- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais

associadas, com ênfase em industriais que demandem elevadas vazões de

recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos; e,

- Secretarias de Defesa Civil.

Por fim, pensando em passos executivos do presente estudo, a serem

empreendidos mais a frente, torna-se evidente que listagens bem mais específicas

e detalhadas sobre as instituições e atores deverão ser abordadas com óticas

próprias às três leituras regionais que foram apresentadas.

2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à

Governança na Gestão de Recursos Hídricos

Como último tópico do presente capítulo, além das leituras regionais que foram

feitas, devem ser considerados cenários prospectivos, notadamente em

decorrência de possíveis mudanças climáticas.

Neste sentido, cabe lembrar que a própria Lei Nacional nº 9.433, em seu Art. 2º,

retranscrito a seguir, menciona os seguintes objetivos:

Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos

Hídricos:

I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária

disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados

______________________________________________________________________________

76

aos respectivos usos;

II. a utilização racional e integrada dos recursos hídricos,

incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao

desenvolvimento sustentável;

III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos

críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado

dos recursos naturais.

(destaques negritados)

Para considerar futuras gerações e perspectivas, sob a ótica de um

desenvolvimento sustentável e com a previsão de eventos hidrológicos

críticos, fica destacada a importância do Eixo I dos estudos da Rede Água, voltado

a cenários sobre possíveis mudanças climáticas.

A propósito, cabe lembrar que dentre as diretrizes já dispostas pelos consultores

deste Eixo I, merecem ser anotadas as seguintes26:

- os sistemas de gestão devem seguir com maior flexibilidade, para que ocorra

melhor resiliência face à indispensável adaptação a graus de risco advindos

de mudanças climáticas; e,

- os instrumentos de gestão não devem ser abstratos, mas sim ter como base

dados mais reais e consistentes.

Com isto posto, percebe-se a complexidade do presente trabalho, com os estudos

em tela podendo consolidar suas proposições somente mais à frente, voltadas a

eventuais adequações da Governança sobre a Gestão de Recursos Hídricos,

sempre sob a visão de que não devem ser empreendidas de forma isolada e

pontual, mas sim, com as devidas articulações e considerações dos demais eixos

da Rede Água.

26 Diretrizes dispostas por Francisco de Assis Souza Filho, em debates que ocorreram durante o

Evento Adaptation Futures 2014, ocorrido entre 12 a 16 de maio de 2014, em Fortaleza, no Ceará.

______________________________________________________________________________

77

3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs

As abordagens regionais que foram apresentadas no capítulo anterior, já contando

com diretrizes gerais, agora serão cruzadas com o modelo de gestão que foi

genericamente desenhado para o SINGREH, assim como, com certos SEGREHs,

sob o intuito de avaliar o estado da arte da Governança e, também, da

Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos. Portanto, pretende-se

identificar as principais frentes de adequação, para reduzir deficiências e

fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade de adaptações

a mudanças climáticas.

3.1. Descrição Geral do SINGREH

Em termos do contexto do Aparelho do Estado, então vigente no País, cabe

ressaltar que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

(SINGREH), criado pela Lei Federal nº 9.433, publicada em 8 de janeiro de 1997,

estabeleceu um arranjo institucional inovador, com base em novos princípios

sociais de organização, com a intenção de estabelecer uma gestão compartilhada

das águas.

A publicação desta Lei Federal – provinda do Projeto de Lei nº 2.249/1991, proposto

pelo Poder Executivo, ainda sob um formato um tanto centralizador – teve como

principal referência o modelo francês para gestão de recursos hídricos, o qual já

havia sido transcrito e adaptado a condições locais do Brasil mediante a Lei

Estadual do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo (Lei nº

7.663/1991). Além disso, também foram considerados conceitos e referências

externas definidas em Dublin (1992), muitos dos quais tiveram destaques durante

o evento ECO-92, que ocorreu no Rio de Janeiro, onde esteve em pauta a Agenda

21.

Em sua formulação geral, existe relativa similaridade entre a legislação federal e a

grande maioria das leis estaduais vigentes, relativas aos sistemas de

gerenciamento de recursos hídricos. Com efeito, em todas é possível identificar três

blocos principais, cujos conteúdos podem ser assim sintetizados:

______________________________________________________________________________

78

fundamentos, objetivos e diretrizes gerais de ação, que expressam conceitos

amplamente aceitos, relativos a: visão abrangente dos problemas; usos

múltiplos dos recursos hídricos; água como recurso escasso dotado de valor

econômico; articulação e integração com outros setores, uso da bacia

hidrográfica como unidade de planejamento e gestão; e uma gestão

descentralizada e participativa, dentre outros;

um modelo institucional, composto de um colegiado deliberativo superior

(Conselho Nacional e seus correspondentes nos estados); colegiados regionais

deliberativos a serem instalados nas unidades de planejamento e gestão (os

Comitês de Bacia); e, as instâncias executivas das decisões dos colegiados

regionais (as agências de água de bacias hidrográficas); e,

um conjunto de instrumentos de gestão composto: dos planos nacional e

estaduais de recursos hídricos e de planos de bacias hidrográficas;

enquadramento dos corpos d’água em classes, sinalizando objetivos de

qualidade a serem alcançados quando da implantação dos planos de bacia;

outorga pelo direito de uso da água, como instrumento de regulação pública

(estatal) de uso, tornada compatível com os objetivos socialmente estabelecidos

nos planos e respectivos enquadramentos; cobrança pelo uso de recursos

hídricos, sinalizando que a água tem valor econômico e que sua disponibilidade

corresponde a um preço social (público); e, sistemas de informações de

recursos hídricos, onde estão reunidos, consistidos e disponíveis dados de

oferta (disponibilidades), de demandas (cadastros de usuários) e sistemas de

apoio à decisão.

A abordagem do modelo institucional adotado pelo SINGREH, apresentado pelo

Esquema 3.1, implica na enumeração das instâncias decisórias que o estruturam,

as quais não devem ser vistas isoladamente, mas sim com uma divisão de

encargos e de trabalhos conjuntos de um Sistema, assim composto:

Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH);

Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;

Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs);

______________________________________________________________________________

79

Agência Nacional de Águas (ANA) 27;

órgãos dos poderes públicos federal e estaduais, cujas competências se

relacionem com a gestão de recursos hídricos; e,

Agências de Água de Bacias Hidrográficas.

Esquema 3.1 – Estrutura Geral do SINGREH

Fonte: Agência Nacional de Águas (ANA)

No que concerne à gestão descentralizada e participativa do SINGREH, cabe

ressaltar que, após dezessete anos da promulgação da Lei Federal nº 9.433//97, já

27 A Agência Nacional de Águas (ANA) foi criada posteriormente, em 2000, segundo a Lei Federal

nº 9.984/2000, passando a exercer um papel de grande relevância junto ao SINGREH.

CONSELHO

NACIONAL DE

RECURSOS

HÍDRICOS - CNRH

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

SECRETARIA DE

RECURSOS

HÍDRICOS - SRH

Estrutura federal conforme

Lei Federal 9.433/97 e lei

9.984/00 da ANA; a SRH

exerce os papéis de

formuladora de políticas a

serem aprovadas pelo

CNRH e de sua secretaria

executiva; a ANA é a

entidade operacional do

sistema, responsável por

sua implantação.

AGÊNCIA

NACIONAL DE

ÁGUAS - ANA

COMITÊS DE

BACIAS

HIDROGRÁFICAS

DE RIOS

FEDERAIS

AGÊNCIAS DE

ÁGUA

Estrutura da bacia

hidrográfica conforme Lei

Federal 9.433/97

CONSELHO

ESTADUAL DE

RECURSOS

HÍDRICOS - CERH

COMITÊS DE

BACIAS

HIDROGRÁFICAS

DE RIOS

ESTADUAIS

SECRETARIA ESTADUAL COM ATRIBUIÇÕES EM

RECURSOS HÍDRICOS

ÓRGÃO

ESTADUAL

GESTOR DE

RECURSOS

HÍDRICOS

AGÊNCIAS DE

ÁGUA

Estruturas estaduais

variáveis em cada Estado,

conforme as leis

respectivas; a Autarquia ou

Empresa Paraestatal de

Recursos Hídricos é uma

tendência observada na

região nordeste, a ser

confirmada no restante do

país, de entidade

operacional do sistema,

responsável pela sua

implantação, no todo ou em

parte, a exemplo da ANA,

no âmbito federal.

AUTARQUIA OU

EMPRESA

PARAESTATAL DE

GESTÃO DE

RECURSOS HÍDRICOS

AMBITO FEDERAL

AMBITO FEDERAL

COMPARTILHADO COM

ESTADOS

AMBITOS ESTADUAIS

______________________________________________________________________________

80

foram instalados mais de 200 comitês, no âmbito de bacias em rios sob o domínio

da União ou sob o domínio dos estados federativos.

Assim, as dinâmicas em curso mostram que, havendo vontade política e não se

permitindo práticas de cooptação, o papel dos diversos atores e sua participação

na gestão hídrica tende a aprimorar os padrões de Governança, estabelecendo

novas mediações entre o Estado, usuários das águas e representantes da

sociedade civil, com base no aperfeiçoamento dos princípios de uma gestão

compartilhada, descentralizada e participativa dos recursos hídricos.

Mesmo assim, a propósito Carlos E. M. Tucci28 escreveu , litteris:

Após a criação da lei nacional de recursos hídricos em 1997,

o desafio foi de implementar e regulamentar as instituições

previstas e passar à descentralização setorial e espacial

(Estados e bacias) e à sustentabilidade econômica de longo

prazo. Esta construção institucional é a condição

necessária, mas não é suficiente para obter o

desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos e do

meio ambiente, pois o marco institucional é um processo

e não um fim em si próprio. Este processo deve ser

suficiente para criar os arranjos, as informações e as

decisões para que o desenvolvimento da água seja

sustentável.

(negritados e sublinhados pela consultoria)

Com isto posto, cabe ressaltar que essa abordagem de C.E.M. Tucci mostra-se

bastante convergente com muitos dos questionamentos dispostos pelos

procedimentos metodológicos que foram apresentados no capítulo 1,

nomeadamente com o Planejamento Institucional Estratégico e a Metodologia

APEX, além da devida consideração de outros procedimentos que deverão entrar

em pauta em decorrência da necessária adaptação a mudanças climáticas.

28 Artigo sob o título: Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no Brasil. In: Revista

REGA, vol. 2, nº 2, p. 81-93, jul/dez. 2005.

______________________________________________________________________________

81

Ademais, cabe ressaltar que, não obstante os avanços que já foram obtidos pelo

SINGREH, torna-se fundamental ao Brasil dar respostas consistentes a certos

questionamentos sobre a sua efetiva aplicabilidade e pragmatismo, tanto frente a

perspectivas de mudanças climáticas, quanto em decorrência da constatação

presente de que vêm ocorrendo certas estagnações e lacunas, portanto, sem que

muitos dos resultados necessários e soluções concretas estejam sendo

alcançados.

Isto significa que a legislação constitui um “veículo” (meio) para que sejam

consubstanciados conceitos e operacionalizados instrumentos para a gestão dos

recursos hídricos, segundo as bases teóricas e aprendizados práticos

desenvolvidos nas últimas décadas, no Brasil e em outros países.

Portanto, para que sejam mantidos e retomados objetivos inicialmente

apresentados, antes de seguir na mera aplicação mecânica da legislação, cumpre

um esforço adicional para recuperar e buscar o pleno entendimento dos conceitos

que conferem substrato à moderna gestão das águas, de modo a identificar

eventuais desvios ou perdas de conteúdo, seja na interpretação da base legal

vigente ou na aplicação prática das disposições da Lei Federal nº 9.433/1997.

Neste sentido, sob a ótica do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas,

cabe questionar se houve um pragmatismo do SINGREH para abordagens de

distintos problemas regionais, os quais podem se tornar ainda mais relevantes e

específicos em cenários prospectivos, portanto, com muitas das leis estaduais não

devendo apenas reproduzir genericamente a lei e o Sistema Nacional em pauta.

Ao contrário, entende-se que será preciso rever uma leitura territorial do País, sob

uma perspectiva própria ao gerenciamento dos recursos hídricos, tal como já

recomendado para a atualização do Mapa de Gestão elaborado pela ANA. Neste

sentido, pode-se afirmar que a mera divisão geográfica em macrobacias está longe

de responder à complexidade inerente ao tema.

Sendo assim, em plena consonância com procedimentos metodológicos já

apresentados, cabe lembrar como necessários:

o cruzamento da natureza dos problemas e de suas prioridades com os

conceitos identificados como úteis para seu enfrentamento, tendo em vista os

______________________________________________________________________________

82

limites e condicionantes do contexto legal e institucional vigente, para a

abordagem de questões e problemas atuais e futuros, a exemplo de

mudanças climáticas;

a formatação de um mapa hidrogeográfico nacional para gerenciamento dos

recursos hídricos no Brasil, com a identificação de núcleos de problemas (os

problem-sheds em bacias de afluentes e em sub-bacias) e de abordagens

mais regionais, que possam indicar referências para uma divisão de funções

e de trabalhos entre os níveis federal, estadual e, inclusive, municipal, em

conformidade com o processo decisório relacionado à gestão dos recursos

hídricos;

assim, este Mapa de Gestão deve possibilitar a definição de uma abordagem

institucional adequada para acessar os problemas, de acordo com sua

natureza e background específico (áreas de ação de políticas públicas e de

participação do setor privado);

o Mapa pode, também, auxiliar na identificação de instrumentos de

implementação, notadamente quanto à delimitação e traçado de planos de

trabalho, com o possível apoio financeiro da União (para problemas regionais

mais abrangentes) e dos próprios estados da federação (para problemas mais

específicos a seus territórios);

a respeito de leituras com base em bacias hidrográficas, que sempre serão

essenciais, cabe ressaltar que devem ser vistas como um espaço geográfico

natural de solidariedade, uma vez que atividades a montante impactam a

jusante (por vezes, vice-versa), sempre com essa leitura voltada para

convergência e coordenação de políticas, entre desenvolvimento regional,

questões de meio ambiente, gerenciamento de recursos hídricos e de setores

usuários; e,

por fim, sob tal abordagem, com base na sobreposição de diferentes leituras

territoriais estratégicas (com aplicação do conceito de “geometria variável”),

cabe ressaltar que tornar-se-á indispensável identificar diferentes unidades

territoriais para uma implementação pragmática de programas e projetos, quer

______________________________________________________________________________

83

sejam focados em áreas com problemas concentrados ou em questões mais

voltadas ao desenvolvimento regional e à proteção do meio ambiente.

Com isto posto, como resposta a um questionamento sobre os rebatimentos do

SINGREH sobre as legislações estaduais de recursos hídricos, será abordada a

leitura da Lei Federal nº 9.433, como sendo uma Lei Nacional.

3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional

Sob uma ótica jurídico-legal, principalmente levando em conta a Constituição

Brasileira, cabe ressaltar que a Lei Federal nº 9.433/1997 sobrepõe-se, enquanto

texto normativo, a todas as esferas de poder legislativo na convivência federativa

brasileira. Ou seja, não é uma restrita norma federal, mas deve ser vista como uma

Lei Nacional.

Por isso, na sua ementa está escrito que ela institui a Política Nacional de

Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos. É, pois, uma lei de observância nacional, inobstante ter, formalmente, a

característica de lei ordinária federal.

Esta questão, por sinal, evoca incursão de análise doutrinária aceita pelo direito

constitucional brasileiro, como bem demonstra o jurista Gabriel Ivo29, litteris:

O Estado Federal é aquele cuja ordem jurídica é composta do

subconjunto de normas centrais, vigentes para todo o

território e produzida por um órgão central, e do subconjunto

de normas locais, válidas para partes do território e

produzidas por outros órgãos que não o central. O conjunto

das normas centrais e normas locais – ambas parciais –

forma a ordem jurídica global do Estado.

(...)

O regime jurídico brasileiro possui quatro Sistemas: a) o

Sistema Nacional; b) o Sistema Federal; c) os Sistemas

Estaduais; e d) os Sistemas Municipais.

29 In: Constituição Estadual, São Paulo, Max Limonad, 1977, p. 83-84.

______________________________________________________________________________

84

Isto significa que o âmbito de validade de uma lei nacional é mais abrangente e

diverso do que leis federais específicas. Sendo assim, no caso do Brasil, as leis

estaduais, do Distrito Federal e dos municipais podem seguir com seus princípios,

voltando-se a abordagens locais mais próprias, mas não se confundindo ou se

contradizendo mutuamente.

Ao contrário, devem considerar e respeitar fundamentos, objetivos e diretrizes

gerais, tais como os que foram dispostos pela Lei Nacional no 9.433, ancorada nos

pressupostos constitucionais, próprios e exclusivos da Carta de 1988, sob uma

ordem pública e interesse coletivo, em que pese a vigente dupla dominialidade dos

recursos hídricos, hoje com certos reservatórios, lagos e rios federais e outros

estaduais.

Como exemplo a respeito, cabe lembrar que, segundo a Constituição Federal (CF),

somente o Aparelho do Estado pode e deve empreender certas atividades que se

caracterizam como funções públicas essenciais. Ou seja, por certo que o SINGREH

não pode ser visto ou estruturado como se estivesse por fora do Aparelho de

Estado, ainda que muitas deliberações significativas tenham sido delegadas, via a

Lei Nacional nº 9.433, a comitês e conselhos de recursos hídricos – instâncias

coletivas decisórias, sem personalidades jurídicas30.

Enfim, sempre cabe manter encargos regulatórios devidos sob uma

responsabilidade própria ao Poder Público, notadamente no caso da emissão de

outorgas para direitos de uso da água, além da tipificação de ações e atividades

sujeitas a advertências, infrações e penalidades.

Neste sentido, cumpre destacar o inciso XIX do Art. 21 da CF, transcrito litteris:

Art. 21. Compete à União:

30 Deve-se reconhecer que decisões definitivas a respeito da emissão de outorgas para direitos de

uso da água não devem ser dispostas sob a responsabilidade exclusiva de comitês de bacias e/ou

de conselhos de recursos hídricos, uma vez que tais instâncias coletivas podem ser dominadas por

determinados segmentos com interesses particulares, por conseguinte, com certas decisões

podendo ser questionadas e revistas por órgãos gestores de recursos hídricos, federal ou estaduais,

aos quais legalmente compete a emissão de outorgas, sob perspectivas do Aparelho do Estado, e

não sob interesses particulares, inclusive de um Governo em mandato.

______________________________________________________________________________

85

(...)

XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de

recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos

de seu uso;

(...)

(negritos pela consultoria)

Mesmo assim, em que pese a existência de uma Política Nacional de Recursos

Hídricos, cada unidade federativa (envolvendo todos os estados e o DF) pode e

deve elaborar sua própria política das águas, desde que esta não contrarie o

disposto pela legislação nacional. Ou seja, sem deixar de considerar o contexto

constitucional, é importante resublinhar uma das principais diretrizes da própria

Política Nacional de Recursos Hídricos, notadamente no caso do inciso II do Art.

3º, da Lei nº 9.433 (já destacada no início do Cap. 2), que menciona a necessária

“adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas,

demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País”.

Além disso, cumpre considerar o regime de atribuições legislativas concorrentes,

tal como fixado pela Constituição Federal, segundo a qual compete à União

estabelecer as diretrizes (normas gerais) sobre os temas arrolados no art. 24 do

texto constitucional, ao passo que cabe aos Estados e ao Distrito Federal (em

certos casos, também aos municípios) suplementar essas diretrizes, considerando

suas respectivas peculiaridades, tal como transcrito litteris:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito

Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,

defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio

ambiente e controle da poluição;

(...)

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao

consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico;

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência

da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

______________________________________________________________________________

86

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas

gerais não exclui a competência suplementar dos

Estados.

(itens negritados e sublinhados pela consultoria)

Portanto, segundo as abordagens jurídico-legais e conceituais dispostas, justifica-

se a edição de leis estaduais mais próprias às características regionais, vez que,

sob uma ótica mais pragmática e realista, devem ocorrer condições mais

compatíveis à aplicabilidade e efetividade da Política Nacional de Recursos

Hídricos. Assim, prevalece o entendimento de que pertence à União a competência

para legislar sobre águas, em sentido genérico (normas gerais), competência esta

que não deve constranger o espaço constitucional e a possibilidade dos entes

federados estabelecerem regras mais específicas e próprias sobre os recursos

hídricos que se encontram sob seu respectivo domínio, regras estas entendidas em

termos de guarda, gestão e administração de recursos hídricos, isso porque os

Estados e o DF podem suplementar as diretrizes gerais, de acordo com suas

peculiaridades regionais e culturais.

Enfim, mesmo considerando o contexto nacional da Lei nº 9.433, há espaço para

questionar algumas das meras reproduções ou de eventuais limitações de certos

SEGREHs frente ao SINGREH, podendo-se afirmar, de pronto, que as unidades

federativas não devem ficar simplesmente submetidas ao desenho geral do

Sistema Nacional, deixando de observar seus perfis regionais e problemas

específicos.

Isto não quer dizer que o SINGREH seja visto sob um aspecto negativo, mas sim,

com o objetivo de assegurar seus fundamentos e princípios genéricos, sempre

voltados a uma gestão descentralizada e participativa, abordado a seguir.

3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma

Efetiva Gestão de Recursos Hídricos

Contando com as abordagens jurídico-legais já dispostas, agora devem ser revistos

e considerados certos conceitos, entendidos como fundamentais para que ocorra

uma efetiva gestão dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista as necessárias

e possíveis adaptações a mudanças climáticas.

______________________________________________________________________________

87

Neste sentido, em relação ao SINGREH, cabe lembrar seu perfil, com base em

fundamentos e diretrizes para um Sistema descentralizado e participativo, tal como

consta no Inciso VI do Art. 1º da Lei Nacional nº 9.433/1997, transcrito a seguir:

VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser

descentralizada e contar com a participação do Poder

Público, dos usuários e das comunidades.

Com isto posto, torna-se evidente a intenção de que o SINGREH conte com uma

Governança para a gestão de recursos hídricos, a ser entendida como a

indispensável interação participativa com os diversos stakeholders, públicos e

privados, envolvidos em processos decisórios, de modo a conferir substância,

sustentabilidade e permanência para uma gestão integrada dos recursos hídricos.

Isto significa que a gestão das águas não deve ser tratada como um setor específico

e sob a predominância de interesses particulares, mas sim, como um campo de

atuação abrangente e transversal, portanto, envolvendo e incentivando todos os

setores usuários a se aderirem substantivamente ao Sistema de Gestão, sempre

considerando aspectos ambientais e dos ecossistemas presentes.

Neste sentido, cabe ressaltar que a qualidade do meio ambiente e dos recursos

hídricos é socialmente construída, ou seja, é resultado da atuação de múltiplos

atores sociais, com o Estado sendo um deles, na maioria dos casos, sempre o mais

importante, todavia, nem sempre o mais incisivo.

Assim, sob o contexto de um Governo autoritário e centralizador, os mecanismos

de Comando e Controle (C&C) costumam ser insuficientes, ainda que a regulação

pública deva ser reconhecida como essencial e entendida como uma instância do

Aparelho de Estado, equidistante do Governo em plantão, dos operadores de

sistemas e dos consumidores finais.

Sob tal entendimento e mediante uma concepção mais moderna, a GIRH deve ser

concebida na direção de modelos institucionais com responsabilidades

compartilhadas, mediante os quais objetivos e metas hídrico-ambientais são

convergidos e os próprios atores sociais assumem conjuntamente seus encargos.

Quanto a estratégias institucionais para Modelos de Gestão, uma abordagem

importante refere-se às diferenças entre desconcentrar decisões ou descentralizá-

______________________________________________________________________________

88

las efetivamente. De fato, operar mediante instâncias regionalizadas, todavia, com

núcleos decisórios junto a um Governo central, revela baixa compreensão do

chamado Princípio da Subsidiariedade, universalmente reconhecido como um

dos fatores fundamentais para uma eficácia na gestão dos recursos hídricos.

Segundo este princípio, toda e qualquer decisão que possa ser assumida

localmente e que não afete terceiros e/ou áreas mais abrangentes, não deverá subir

a instâncias hierárquicas superiores.

Assim, com o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

(SINGREH) apresentando o fundamento de uma gestão descentralizada – e não

apenas desconcentrada –, cumpre destacar que decisões locais sejam tomadas

mais próximas à base, em espaços institucionalizados. Portanto, os SEGREHs

tornam-se fundamentais para o Brasil, notadamente em decorrência da grande

extensão territorial do País e de suas distintas características regionais, já

abordadas, além de diferenças que poderão ocorrer devido a mudanças climáticas.

Sob tais conceitos, no que tange a uma Governança descentralizada e

participativa, devem ser novamente e mais profundamente abordados os perfis dos

chamados “comitês de integração”, sempre a serem constituídos sobre uma maior

abrangência territorial, que envolva e integre comitês mais locais, para que

negociações, acordos e decisões conjuntas venham a ser tomadas por estas

instâncias locais, sem que se deixe de considerar questões mais estratégicas e

conjuntas (ver Figura 3.1).

Figura 3.1 – Esquema Genérico de um Comitê de Integração

Unidades territoriais para enfrentar problemas em trechos e/ou sub-bacias

Coordenação e integração de políticas e de programas no âmbito do conjunto da bacia

______________________________________________________________________________

89

Seguindo a respeito, é importante destacar que a integração entre comitês mais

locais não deve ser vista como uma necessária agregação imperativa, muitas vezes

pretendida para uniformizar certos procedimentos, tendo como resultado potenciais

afastamentos das realidades próprias, inclusive de áreas-problema.

Com isto posto, entra em pauta a seguinte pergunta: cabe evitar que em bacias

hidrográficas de maior extensão territorial sejam instalados comitês em bacias de

afluentes, ou mesmo em trechos de rios, motivados por problemas específicos ou

por níveis mais elevados de mobilização social, a exemplo do Alto Tietê?

A resposta é não, fato que revela o entendimento de que as instâncias sub-

regionais mencionadas não devem ser vistas como concorrentes do comitê que

abranja a totalidade da bacia, mas sim, como possíveis parceiros estratégicos, com

maior potencial de representatividade social, na proporção de sua proximidade com

problemas, temas e interesses locais ou sub-regionais.

Assim, volta-se a sublinhar o Princípio da Subsidiariedade no trato de uma

pragmática divisão de encargos, sempre zelando para que os problemas sejam

resolvidos no âmbito mais próximo à sua gênese, sendo alçadas instâncias mais

abrangentes – como os comitês de integração – somente quando ocorrer a

impossibilidade de um equacionamento local tornar-se adequado e efetivo, seja em

razão de insuficiência de capacitação, seja em casos de impasses decisórios, de

falta de recursos ou, ainda, nos casos em que as instâncias locais não abrigam

todos os interessados das questões em pauta, a exemplo de temas regionais mais

abrangentes e estratégicos.

Como um exemplo a respeito, pode-se destacar a bacia do Rio São Francisco, com

área de 638 mil km2, na qual há muitos afluentes vistos como bacias mais críticas,

algumas delas já com seus comitês próprios, como no caso do Rio das Velhas, que

abrange boa parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a ser abordada

segundo perfis de problemas urbano-industriais predominantes, bem diferentes de

problemas de outras bacias de afluentes, notadamente daquelas onde predominam

populações rurais dispersas, em boa parte do semiárido (ver Figura 3.2).

______________________________________________________________________________

90

Figura 3.2 – Bacia do Rio São Francisco e de seus Afluentes

com Diferentes Níveis e Perfis de Conflitos

Fonte: Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (ANA, agosto de 2004)

Agora seguindo à frente, sem qualquer restrição à essencial Governança a ser

aplicada em Sistemas de Gestão, cabe lembrar, tal como já mencionado, que as

modernas metodologias para planejamento institucional estratégico destacam que

um modelo institucional não deve constituir um fim em si mesmo, mas sim, ser

estruturado como uma resposta efetiva ao enfrentamento de determinados

problemas, o que significa que a Governança é uma frente fundamental, porém,

não suficiente para se chegar a respostas concretas.

Isto significa que, mesmo com a constituição do SINGREH contemplando uma

indispensável Governança, entendida como a devida interação com a sociedade,

por meio da atuação de instâncias coletivas (conselhos e comitês de bacias), em

______________________________________________________________________________

91

acréscimo cabe ressaltar que é fundamental e também indispensável identificar as

relações entre causas e efeitos, com base em dados e informações técnicas e em

diagnósticos e planejamentos mais consistentes, ou seja, com maior

Governabilidade dos modelos para uma efetiva gestão de recursos hídricos,

notadamente em decorrência da perspectiva de possíveis mudanças climáticas.

Assim, para estabelecer tais relações entre causas e efeitos torna-se necessária:

uma consistência de dados e informações sobre disponibilidades hídricas, fato

que demanda uma rede adequada de monitoramento pluviométrico,

hidrológico, hidrogeológico e de qualidade das águas;

o cadastramento do perfil de usos e usuários das águas, além da devida

fiscalização de usos efetivos;

estudos e balanços hídricos para desenvolver Sistemas de Apoio a Decisões

(SADs); e,

também, um Marco Lógico para planejamento, com a conexão entre objetivos

geral e específicos, indicadores e produtos, intermediários e finais, a serem

alcançados em cada período dos planos de bacias hidrográficas.

Torna-se então evidente a importância da interação do presente trabalho com os

Eixos II e III definidos pela Rede Água, respectivamente voltados à consistência de

dados e informações e à aplicação de instrumentos de gestão de recursos hídricos,

além do Eixo V, voltados aos diferentes setores usuários.

Apenas como uma referência genérica sobre o chamado Marco Lógico, cabe

recomendar que seja pautado por uma Matriz que sintetize a conexão entre os

objetivos geral e específicos, associados a indicadores e produtos, intermediários

e finais, que deverão ser alcançados em cada período de implementação dos

componentes, subcomponentes e respectivos projetos de planos de bacias, com

alguns dos indicadores a serem relacionados a metas definidas para adaptação a

mudanças climáticas, no caso do Plano Nacional em pauta.

Os indicadores devem ser dispostos a partir da escala de macrorresultados,

descendo progressivamente a detalhes dos projetos e de suas respectivas ações

específicas, de modo a facilitar o monitoramento e a avaliação periódica da

execução e dos resultados previstos. Assim, como um mero exemplo, segue o

______________________________________________________________________________

92

formato geral da Matriz a ser aplicada para a formação de um Marco Lógico.

Matriz de Marco Lógico

Objetivo Geral do

Plano e de

programas e

Objetivos

Específicos e seus

respectivos

Componentes e

Subcomponentes

Projetos para

Ações e

Intervenções

Estruturais e

Não

Estruturais.

Frentes de

Trabalho dos

Projetos, com o

Cronograma das

Principais Ações

e Intervenções

Programadas.

Prazos

Estimados,

Produtos

Parciais e

Finais.

Para cada Frente

de Trabalho,

Entidades

Responsáveis

pela execução e

pelo

monitoramento

continuado.

No contexto de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas, tendo em

vista os conceitos já dispostos pelo Eixo I da Rede Água, cabe ressaltar que

diversos dos objetivos, metas e indicadores a serem alcançados devem ser

definidos sob uma ótica mais flexível e adaptativa, em decorrência do crescimento

de graus de incerteza, notadamente quanto a dados e informações

hidrometeorológicas.

Também é importante perceber que os atores intervenientes na implementação de

projetos componentes de planos de bacias, ou de certos programas regionais,

apresentam diferentes atribuições, segundo as etapas, o cronograma geral e os

resultados – locais e regionais – que traduzem a performance global desses planos

ou programas. Além disso, para que sistemas de gestão de recursos hídricos e

seus respectivos instrumentos tenham avanços sucessivos, com as devidas

adequações e inserção de novos conceitos, cabe manter um processo continuado

de avaliação, para o qual se deve criar o tal Marco Lógico que também corresponda

aos objetivos do sistema de gestão e de cada instrumento, com os períodos devidos

às suas implementações e aplicações, em termos de indicadores executivos e de

resultados.

Enfim, para que seja possível contar com um SINGREH consistente, realista e

pragmático, assim como no caso dos SEGREHs, ambas a frentes abordados, da

Governança e da Governabilidade, devem estar em plena pauta, inclusive para

fins das negociações, consensos e acordos que serão necessários para a

adaptação a mudanças climáticas.

______________________________________________________________________________

93

3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no

Brasil

Mesmo já contando com as devidas abordagens sobre um Sistema de Gestão

descentralizado e participativo (Governança) e da indispensável identificação das

relações entre causas e efeitos (Governabilidade), segue presente um dos

principais desafios sobre o gerenciamento das águas, inclusive a ser considerado

para fins de possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas: a dupla

dominialidade de recursos hídricos no Brasil.

A propósito, sabe-se que este é um dos temas mais complexos e difíceis, uma vez

que, segundo estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (CF):

(a) de um lado, tal como já transcrito, compete à União “instituir sistema

nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de

outorga de direitos de seu uso” (Inciso XIX do Art. 21); e,

(b) de outro, as águas podem estar sob os diferentes domínios da União, do

Distrito Federal e dos demais estados, fato que impõe uma indispensável

articulação entre os níveis federativos, para assegurar uma gestão

integrada e consistente no âmbito de muitas bacias hidrográficas que são

compartilhadas.

Sendo assim, mesmo considerando a CF, cumpre reconhecer que, no presente,

são os próprios estados e o DF que definem critérios para a emissão de outorgas

em águas sob seus domínios, na maioria dos casos, com a predominância de

interesses próprios, que podem resultar em critérios distintos e contraditórios,

mesmo em bacias hidrográficas que são compartilhadas, por conseguinte, com o

surgimento de certos conflitos e problemas entre estados.

Além de muitos outros casos, como um mero exemplo a respeito, cabe lembrar que

seguindo num rio sob domínio estadual, ao surgir um reservatório construído pelo

Governo Federal, as águas passam ao domínio da União, voltando a ser do estado

logo a jusante da barragem. Neste e em vários casos similares, diferentes critérios

para emissão de outorgas e distintos níveis de fiscalização podem resultar em

contradições e problemas em balanços gerais relacionados ao conjunto da bacia

hidrográfica.

______________________________________________________________________________

94

Vários fatos dessa ordem já ocorreram mesmo com a Lei Nacional nº 9.433 tendo

estabelecido, em seu Art. 4º, que “a União articular-se-á com os estados tendo em

vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum”.

Enfim, entra em pauta a relevante pergunta sobre a modificação ou continuidade

dessa dupla dominialidade das águas no Brasil, cabendo lembrar o recente caso

de crise no Sistema Cantareira, que abastece cerca de 42% da população da

Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), para cuja solução foi proposta, pelo

Governo paulista, a transposição de 5 m3/s a partir da represa Jaguarí, situada entre

os ribeirões das Palmeiras e da Boa Vista, portanto, em afluentes estaduais

localizados bem a montante da bacia do Rio Paraíba do Sul, cujas vazões são

consideradas muito relevantes a interesses próprios ao Estado do Rio de Janeiro,

fato que tem demandado a indispensável presença da ANA, para mediar acordos

entre ambos os estados, sob uma ótica mais abrangente e estratégica.

Possíveis alternativas e propostas a respeito da pergunta em pauta serão

abordadas no próximo Relatório 02, sem que se deixe de registrar o mérito sob a

iniciativa da ANA voltada ao Pacto de Gestão das Águas, que tem como principal

referência a Diretiva Quadro das Águas (DQA), desenvolvida pela União

Européia, com acordos entre países europeus baseados em objetivos e metas, sem

interferência na autonomia dos países, em termos legais e institucionais, fato que

revela que não deve ocorrer uma intervenção autoritária sobre como fazer, mas

sim, com um pragmatismo para que sejam efetivamente atendidos os objetivos e

metas, contando com apoios técnicos e de financiamento e, no caso de não

atendimento de acordos, com a aplicação de advertências e penalidades.

Por fim, como última observação do tópico presente, cabe registrar que, no mesmo

sentido, igualmente deverão ocorrer avanços relacionados à cooperação

internacional, dado que algumas das principais bacias hidrográficas do Brasil

apresentam suas águas compartilhadas com países vizinhos da América do Sul,

notadamente nos casos das bacias do Rio Amazonas e do Paraná - Prata.

3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs

Agora, para encerrar o presente Relatório 01, neste tópico serão feitas apenas

breves notas sobre alguns dos SEGREHs, tendo em vista referências sobre

______________________________________________________________________________

95

possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas e avanços na

Governança para gestão dos recursos hídricos.

Assim, em futuras frentes de trabalhos, recomenda-se que ocorram avaliações bem

mais detalhadas sobre todos os SEGREHs, eventualmente no contexto de um

programa a ser empreendido pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a

Mudanças Climáticas, tal como já mencionado.

Neste sentido, por certo que estas avaliações deverão procurar uma articulação

conjunta com o Pacto das Águas, no presente, em pleno processo de

implementação pela ANA, que já conta com 24 convênios celebrados com unidades

federativas.

3.5.1. Estados da Região Amazônica

Em relação aos SEGREHs da Região Amazônica, cabe reconhecer que não há

referências importantes, inclusive com o Acre ainda não tendo seu próprio

Conselho Estadual de Recursos Hídricos em plena atuação.

Sendo assim e levando em consideração o perfil regional já descrito (item 2.4.1),

cabe reafirmar a importância de uma abordagem mais ampla e regional, com o

reconhecimento da necessidade de ações e atividades voltadas à proteção e

preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais no trato de

quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos, não só para o Brasil,

como também para todo o Planeta.

Portanto, deve entrar em pauta um possível Sistema Regional de Gestão, tendo

em vista “o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade populacional,

à exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas

metropolitanas...”.

3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro

Em relação ao Nordeste e, principalmente ao semiárido brasileiro, cabe ressaltar a

referência do modelo de gestão desenvolvido pelo Estado do Ceará, cuja

descrição é apresentada no Anexo II.

Trata-se de uma abordagem conjunta para gerenciamento e operação da

infraestrutura hídrica que interliga bacias hidrográficas mediante reservatórios,

______________________________________________________________________________

96

açudes, canas e adutoras, para que haja reserva, transporte e entrega de água

bruta, voltada aos núcleos onde ocorrem as principais demandas, sem que se deixe

de considerar os usuários locais, no mais das vezes, voltados a produção agrícola

e familiar.

Ainda a respeito do Ceará, no que tange ao abastecimento de água para

comunidades rurais dispersas, outra referência advém do chamado Sistema

Integrado de Abastecimento Rural (SISAR), mediante o qual são definidas formas

estratégicas para ocupação do território e possíveis formas de um gerenciamento

conjunto desses sistemas, incluindo operação e manutenção (O&M).

Mais especificamente em relação à adaptação a mudanças climáticas, outra

significativa referência advém da Fundação Cearense de Meteorologia e

Recursos Hídricos (FUNCEME), tanto no que concerne a dados e informações

consistentes, quanto a SADs, para que ocorra uma distribuição mais segura das

disponibilidades hídricas, com base em acordos negociados entre os vários

usuários.

Mesmo assim, há recentes comentários de que, nos últimos anos, este Estado não

vem apresentando novos e seguidos avanços, em alguns casos, com certa

estagnação. Caso seja assim, é possível afirmar que a presença da FUNCEME no

contexto da elaboração do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas

tende a dar novo ressalte ao SEGREH do Ceará.

Outra potencial referência entre os estados do Nordeste poderá ocorrer no caso de

Sergipe, tendo em vista o significativo Programa Águas de Sergipe – no presente,

em pleno início –, que será empreendido mediante um Acordo de Empréstimo

celebrado junto ao Banco Mundial, contemplado tanto aspectos de infraestrutura,

quanto da gestão dos recursos hídricos, chegando aos instrumentos, dados e

informações necessárias, assim como, à constituição de um novo órgão estadual

gestor das águas e de uma agência regulatória de saneamento e energia.

Sob tal contexto de um Acordo de Empréstimo, entende-se que uma futura

atualização prevista para o Programa Águas de Sergipe poderá contemplar

aspectos relacionados à adaptação a mudanças climáticas, na medida em que

durante a concepção inicial dos programas e projetos componentes, que ocorreu

______________________________________________________________________________

97

em meados da década de 2000, esse tema não era tão considerado quanto no

presente.

Sob um contexto similar, também os Estados de Pernambuco e da Paraíba têm

apresentados certos avanços, inclusive como resultados de alguns Acordos de

Empréstimo, que proporcionaram o desenvolvimento institucional de seus órgãos

gestores das águas, além da criação de agências reguladoras estaduais.

Não obstante e salvo melhor juízo, ainda não chegaram ao patamar do Ceará, ou

seja, como referências regionais para uma consistente gestão de recursos hídricos,

com ambos seguindo frente a certos problemas, a exemplo dos volumes de água

para abastecimento da Região Metropolitana de Recife e, no caso da Paraíba,

especialmente de Campina Grande, onde o principal reservatório segue com certos

conflitos entre usos múltiplos, vez que volumes são captados para irrigação,

portanto, gerando graus de risco para esta cidade.

No caso da Bahia, cabe registrar que, nos últimos anos, o Instituto Estadual do

Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) tem contratado a elaboração de

vários planos de bacias hidrográficas, a exemplo das bacias dos rios Grande e

Corrente, afluentes da margem esquerda no trecho médio do Rio São Francisco,

porém, ainda com larga distância para que efetivamente ocorram suas

implementações.

Ademais, cabe lembrar que a Bahia também conta com uma empresa de economia

mista – portanto, com personalidade jurídica similar à COGERH do Ceará –

denominada como Companhia de Engenharia Ambiental e de Recursos

Hídricos (CERB), voltada a garantir oferta de água para abastecimento de certas

cidades do interior e de comunidades rurais, além de atividades agropecuárias.

Contudo, esta empresa é pouco reconhecida no Brasil, fato que revela certas

limitações e a falta de resultados relevantes, notadamente no caso da solução de

riscos próprios ao semiárido, quando períodos de escassez pluviométrica

apresentam rebatimentos negativos sobre comunidades rurais dispersas.

No caso do Rio Grande do Norte, ao final da década de 1990 e no início dos anos

2000 foram tomadas importantes iniciativas voltadas à gestão das águas, a

exemplo da construção da grande Adutora Monsenhor Expedito, que abrange mais

______________________________________________________________________________

98

de 200 km e transporta água tratada para centenas de municípios do interior

potiguar, além de comunidades rurais dispersas, alguns atendidos por estruturas

secundárias ou terciárias.

Na sequência, em outubro de 2003 houve a aprovação da Carta-Consulta para a

celebração de um Acordo de Empréstimo com o Banco Mundial, voltado à

implementação do Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável e

Convivência com o Semiárido Potiguar (PSP), porém, com este Acordo sendo

celebrado apenas em 20 de junho de 2008, cujos recursos financeiros aplicados

chegaram, em meados de 2013, a pouco mais de 60% dos gastos previstos por

seus inúmeros projetos, fato que demandou dois aditivos de prazo, um deles muito

recente e ainda vigente.

Assim, torna-se clara uma referência negativa quanto a implementação deste

Programa, que teve cerca de metade de seus projetos não implementados ou

“excluídos” do PSP, além de resultados bem mais modestos do que os previstos,

como no caso de três leis estaduais complementares de recursos hídricos, que só

foram aprovadas recentemente, em janeiro de 2013, ainda sem os seus devidos

decretos de regulamentação.

Por fim, em relação ao Estado do Piauí, cuja região a leste e ao sudeste aborda

parte do semiárido brasileiro, deve-se mencionar que, embora contando com apoio

da ANA, mediante um convênio, e tendo estudos de planejamento institucional

voltados a um novo órgão gestor de recursos hídricos, ainda não ocorreu sua nova

constituição, fato que volta a apontar diversos casos de estudos que seguem

estagnados em prateleiras.

3.5.3. Estados do Sudeste

Em termos de SEGREHs, cabe reconhecer a importância do Estado de São Paulo,

tanto em decorrência de sua legislação estadual já ter sido publicada em 30 de

dezembro de 1991, quanto pela referência que apresentou para o próprio

SINGREH, definido pela Lei Nacional nº 9.433, em 08 de janeiro de 1997.

A respeito deste Sistema paulista, é importante registrar que, em novembro de

2011, foi realizado um Seminário intitulado como Avanços e Desafios na Gestão

dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo, tendo em vista o elevado

______________________________________________________________________________

99

período de 20 anos após sua legislação ter sido aprovada e publicada. Sob tal

iniciativa, cabe destacar que São Paulo demonstrou uma elevada maturidade

institucional ao colocar seu Sistema Estadual como objeto de debates, solicitando

não somente a identificação dos avanços que foram obtidos, mas também dos

principais problemas existentes, sempre com vistas ao traçado de novas frentes de

trabalho que pudessem propiciar aprimoramentos e avanços em todo o Sistema,

em seus Instrumentos de Gestão e na interação com os diversos atores sociais

(stakeholders) com interfaces e interesses relacionados à temática dos recursos

hídricos.

Com efeito, é comum que muitos governos e entidades públicas tenham restrições

a avaliações críticas, priorizando somente eventos para elogios próprios. Já no

caso de São Paulo, sem dúvidas com um Sistema pioneiro e dos mais avançados

do país – ao lado do Ceará, que é referência ao semiárido brasileiro –, a iniciativa

de avaliação e identificação de frentes de trabalho reafirma a tendência para que

novos avanços venham a ocorrer, por consequência, sublinhando a maturidade e

o exemplo conferido às demais unidades da federação.

Neste sentido, como referência aos demais estados, consta no Relatório Geral do

evento, que o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH/SP) foi identificado

como uma das principais frentes para atuação, desde que, tal como parcialmente

transcrito:

“...seja revisto em sua concepção, contendo os tópicos que

seguem, além de um Marco Lógico, ligado a objetivos,

metas, prazos e entidades responsáveis por sua execução e

avaliação:

abordagens estratégicas nas relações com estados

vizinhos e bacias hidrográficas compartilhadas,

segundo a inserção macrorregional;

ações estruturais que extrapolam as capacidades e

interesses locais;

a transversalidade em problemas comuns aos diversos

planos de bacias, notadamente para estabelecer linhas de

crédito para tipologias de problemas definidos como

______________________________________________________________________________

100

prioritários para o Estado, tendo os planos locais como

contrapartidas e executores;

a efetiva implementação de IGs, ...;

a coordenação regulatória com todos os setores

usuários das águas;

(...)

avaliação institucional do SIGRH/SP, segundo a

Metodologia APEX;

com base nos resultados, a revisão da legislação e

aprimoramentos institucionais do SIGRH/SP, com

destaques para: (a) a figura jurídica das agências de

bacias (hoje, centradas em fundação de direito privado),

de modo a conferir maior atratividade aos usuários-

pagadores e aos municípios; e, (b) o percentual de

representatividade tripartite, com o reconhecimento de que

a sociedade civil deve ser separada em termos de ONGs,

usuários de recursos hídricos e outros segmentos;

(...)

uma estratégia interinstitucional para que o PERH/SP

seja estabelecido como um Programa de Governo, a

ser assumido, em termos executivos, pelos diversos

setores, suas secretarias de estado e entidades

vinculadas;

rever o traçado das UGRHIs, de modo estratégico e

segundo a profundidade de problemas e da dinâmica

dos comitês em atuação;

(...)

convergência entre o PERH/SO e o ZEE, como também

com os Planos Diretores Municipais, mediante a adoção

de indicadores comuns e complementares, para conferir

transversalidade à Política dos Recursos Hídricos.

(destaques negritados)

Além dessa referência geral, entende-se que o Comitê das bacias dos Rios

Piracicaba, Capivari e Jundiaí (vistas como o “complexo PCJ”), e sua respectiva

______________________________________________________________________________

101

agência, seguem como um dos principais exemplos ao País. De fato, cabe lembrar

que já em 1989 foi constituído um consórcio intermunicipal, no formato de pessoa

jurídica privada, sem fins lucrativos, contando com a essencial participação de

muitas das prefeituras municipais integrantes da bacia em tela, como também, com

os principais usuários de recursos hídricos, tanto sob a prevalência estatal – a

exemplos das empresas da Petrobrás e da Sabesp –, quanto do setor privado, fato

que tende a assegurar a presença dos principais atores estratégicos para uma

gestão regional consistente das águas, mediante um “consorciamento coletivo”, o

qual propiciou a aplicação da cobrança estadual pelo uso de recursos hídricos.

Também a recente versão atualizada de seu Plano de Bacia deve ser vista como

um bom exemplo, especialmente em termos da aplicação do instrumento de

enquadramento dos corpos d’água, para o qual o território do complexo PCJ, com

cerca de 15 mil km2, foi dividido em nada menos do que 350 unidades para

avaliação das relações entre causas e efeitos, fato que elevou a efetiva

aplicabilidade das classes definidas segundo os usos predominantes.

Seguindo a respeito, porém passando a considerar o perfil do Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas, por certo que os Planos Estaduais, em sua

maioria absoluta, devem ser revistos, sob a perspectiva de inclusão de novos

cenários que abranjam maiores graus de riscos e possíveis incertezas que serão

advindas das mudanças do clima, fato que demanda uma gestão adaptativa para

todos os SEGREHs.

Ainda sobre o caso do Estado de São Paulo, volta-se a sublinhar os atuais

problemas relacionados ao Sistema Cantareira, cuja elevada crise presente coloca

em pauta certos questionamentos sobre a atual consistência e capacidade

institucional do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE/SP), vez que

este órgão gestor de recursos hídricos poderia ter definido, antecipadamente,

certas regras operacionais para a captação de água pela Sabesp. Enfim, tal como

vem ocorrendo na maioria absoluta dos estados federativos, percebe-se a

necessidade de um fortalecimento – em alguns casos, com reestruturação – dos

órgãos estaduais gestores das águas, os quais devem ser submetidos a um

planejamento institucional estratégico, inclusive tendo em vista adaptações a

mudanças climáticas.

______________________________________________________________________________

102

Chegando agora a Minas Gerais, não obstante o reconhecimento de avanços

anteriores, especialmente os relacionados à bacia do Rio das Velhas, quando foi

constituída a Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas

(AGB Peixe Vivo), posteriormente aprovada como agência da bacia do Rio São

Francisco, deve-se registrar que a versão mais recente de seu Plano Estadual de

Recursos Hídricos (PERH/MG) foi aprovada em outubro de 2010, contando com

muitas das indicações mencionadas para o PERH/SP.

De fato, além de programas concebidos como mecanismos para um apoio à

execução de projetos de vários dos planos locais de bacias hidrográficas, esta

versão do PERH/MG chegou a indicar potenciais fontes para financiamentos, assim

como, determinados avanços quanto a critérios para a emissão de outorgas.

Mesmo assim, até o presente o PERH/MG segue em prateleira, sem que a maioria

de seus programas tenha sido empreendida, fato que repercute o atual perfil da

gestão das águas no Brasil, qual seja, com uma estagnação predominante.

Mesmo assim, como referência aos demais estados federativos do Brasil, cabe

anotar que, em Minas Gerais, o seu Plano Estadual foi abordado mediante os

seguintes volumes, a considerar:

Volume I: Diagnósticos de Problemas e Aspectos Estratégicos para a Gestão de

Recursos Hídricos, incluindo:

- as bases conceituais e metodológicas do PERH;

- a interação dialética entre o PERH e o Plano Nacional de Recursos Hídricos;

- a inserção macrorregional do Estado, com destaque para seus interesses

estratégicos relacionados aos recursos hídricos, limites e condicionantes de

bacias compartilhadas com outros estados;

- abordagens indispensáveis advindas de diagnósticos regionais atualizados e

de suas devidas complementações identificadas como necessárias, incluindo

balaços hídricos e a indicação de áreas críticas hídrico-ambientais e sociais;

- a identificação de insumos e compatibilidades com outros planos

desenvolvidos pelo Governo do Estado, a exemplo de Zoneamento Ecológico

e Econômico (ZEE);

- a identificação e insumos de políticas, programas e projetos de setores

______________________________________________________________________________

103

usuários de recursos hídricos; e,

- cenários prospectivos de desenvolvimento, assim como adaptações a

mudanças climáticas previstas, com as projeções de balanços hídricos e

identificação de Unidades Territoriais Estratégicas de Gestão (UTEGs).

Volume II: Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos, incluindo:

- conceitos gerais sobre instrumentos a serem aplicados pela moderna gestão

ambiental e dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista a adaptação a

mudanças climáticas;

- Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos;

- cadastramento de usos e usuários de recursos hídricos;

- monitoramento das águas, superficiais e subterrâneas;

- Outorga para Direito de Uso de Recursos Hídricos;

- Enquadramento dos Corpos D’Água em classes, segundo usos

preponderantes;

- Cobrança pelo Uso da Água e outras opções para Instrumentos Econômicos

de Gestão; e,

- mapeamento e diretrizes regionais voltadas à aplicação e integração entre os

Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos no Estado em estudo.

Volume III: Contexto da Legislação Vigente e Abordagem Institucional do

Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, incluindo:

- contexto das legislações vigentes – federal, estadual e dos principais

municípios –, próprias ou com importantes interfaces com a gestão dos

recursos hídricos;

- descrição do SINGREH e do contexto em que se insere o SEGREH;

- análise geral e avaliação do Sistema Estadual, incluindo a identificação de

seus principais problemas e deficiências genéricas – operacionais, estruturais

e estratégicas –, além de sua efetiva representatividade social e de resultados

objetivos que estejam sendo alcançados;

- propostas de uma estratégia institucional e de eventuais recomendações para

ajustes e aprimoramentos na estrutura e no funcionamento do SEGREH,

______________________________________________________________________________

104

inclusive tendo em vista mudanças climáticas previstas; e,

- estimativas sobre a sustentabilidade financeira do SEGREH, para custeio

administrativo e operacional.

Volume IV: Propostas de Programas, Projetos e Ações para Intervenções

Estruturais e/ou Estratégicas a empreender no Estado, incluindo:

- Marco Lógico e estrutura do Plano Estadual de Recursos Hídricos;

- Governabilidade sobre o gerenciamento de recursos hídricos;

- Governança e representatividade do SEGREH;

- propostas de programas, projetos e ações a serem implementados;

- proposta para o gerenciamento executivo do PERH e de sua avaliação

periódica e continuada; e,

- análises e simulações sobre as potenciais fontes de financiamento para

implementação dos programas, projetos e ações do PERH.

No que tange ao Rio de Janeiro, a principal referência tende a ser advinda da

experiência que segue ocorrendo, a partir da fusão entre os órgãos gestores dos

recursos hídricos e do meio ambiente, com o agora presente sendo denominado

como Instituto Estadual do Ambiente (INEA), com iniciativas similares também

ocorrendo no Estado do Espírito Santo e, mais recentemente, na Bahia.

A propósito, para que ocorra uma indispensável gestão integrada dos recursos

hídricos (GIRH), inclusive tendo em vista uma adaptação a mudanças climáticas,

cabe perguntar se os órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos hídricos

devem ser necessariamente fundidos?

Na verdade, sob a intenção de promover a integração entre a gestão ambiental e

dos recursos hídricos, duas alternativas se colocam: (i) a fusão das instituições que

detenham responsabilidades regulatórias sobre a gestão ambiental e a dos

recursos hídricos; ou, (ii) a integração e mútua complementação entre os

procedimentos para licenciamento ambiental e para a emissão de outorgas para

direito de uso das águas.

Contando com tais alternativas, cumpre reconhecer que a eventual fusão entre

instituições não necessariamente integra procedimentos, enquanto a devida

______________________________________________________________________________

105

integração entre os processos para licenciamento ambiental e para a emissão de

outorgas não necessariamente implica na fusão entre instituições.

De fato, uma referência positiva a respeito já ocorreu em Minas Gerais, cujos

procedimentos seguem sob um processo unificado, tendo em vista que dados de

outorga devem ser consistentes para um devido licenciamento ambiental. Por outro

lado, como referência negativa, em estudos realizados no Espírito Santo, em

meados de 2007, verificou-se que, ainda sob o contexto da mesma instituição – no

caso, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) –, havia

divergência entre os dados de licenciamentos e de outorgas, os quais não eram

cruzados, comparados e vistos em conjunto, como mútuos subsídios importantes.

Assim, segue a atual experiência do INEA do Estado do Rio de Janeiro como

referência a ser considerada, além da afirmação de que certos planos de bacias

estão sendo efetivamente implementados no contexto do RJ31.

Para encerrar as abordagens e as referências gerais dos SEGREHs da região

Sudeste, tendo em vista a dupla dominialidade das águas no Brasil, no caso das

bacias compartilhadas entre Minas Gerais (a montante) e o Espírito Santo (a

jusante), com ênfase para a bacia do Rio Doce, cabe questionar se um domínio

único da União facilitaria a resolução de problemas e conflitos? Ou, ao contrário,

seria mais pragmático tratar de acordos e consensos entre ambos os estados,

sempre contando com a mediação da Agência Nacional de Águas, quando se

mostre como necessária?

3.5.4. Estados da Região Sul

Em relação à região Sul, até o final dos anos 1990 e início da década de 2000, o

Estado do Paraná se apresentava como uma das principais frentes de avanços na

gestão de recursos hídricos, em paralelo e com mútua troca de aprendizados com

o Sistema CEIVAP – AGEVAP (bacia do Rio Paraíba do Sul) e, também, com o

31 Afirmações efetuadas pela Dra. Rosa Maria Formiga Johnsson, uma das coordenadoras do

INEA/RJ, durante o XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, realizado em Bento Gonçalves,

no Rio Grande do Sul, em novembro de 2013.

______________________________________________________________________________

106

complexo PCJ, cujo consórcio intermunicipal foi uma das principais referências para

o SEGREH do Paraná.

Sob este contexto, é importante lembrar que o primeiro Contrato de Gestão,

voltado à definição de responsabilidades e do plano de trabalho para uma agência

de bacia hidrográfica, foi celebrado no Paraná, em dezembro de 2002, entre o

Governo do Estado (Jaime Lerner) e a Associação de Usuários de Recursos

Hídricos das Bacias do Alto Rio Iguaçu e do Alto Ribeira, Contrato este que se

tornou referência para a Lei Federal nº 10.881, aprovada em junho de 2004,

mediante a qual a ANA pode delegar funções inerentes às agências de bacias

hidrográficas para as chamadas “entidades delegatárias”, desde que qualificadas

para tanto, a exemplo da AGEVAP, cujo Contrato de Gestão com a ANA já foi

celebrado em setembro de 2004.

No caso do Paraná, quando ocorreu a troca do Governo Estadual (janeiro de 2003),

houve um entendimento completamente equivocado de que estaria ocorrendo uma

“privatização” das águas, fato que gerou o rompimento do Contrato de Gestão que

tinha sido celebrado e, mais do que isto, com uma inadequada estagnação e um

continuado retrocesso no SEGREH/PR, o qual escorreu para o final da fila dos

demais estados federativos, em relação a uma consistente e avançada gestão das

águas.

No presente, mesmo contando com poucos avanços pontuais mais recentes, o

Paraná segue muito estagnado, inclusive com um significativo equívoco

institucional, relacionado ao atual Instituo das Águas do Paraná (criado como

Ipáguas), em cujo contexto institucional há: (a) de um lado, uma diretoria para

emissão de outorgas (ação regulatória e contratante); e, (b) de outro, uma diretoria

que exerce funções próprias à entidade executiva como agência de bacias (a ser

regulada e contratada), fato que explicita uma inadequada sobreposição de

responsabilidades, a exemplo da possibilidade de que fosse admitido para a ANA

o exercício de encargos de agências de bacias hidrográficas em rios sob o domínio

federal.

Com isto posto, além do rompimento do Contato de Gestão, no Paraná também

deixou de ocorrer a aplicação da Cobrança pelo Uso da Água, cujo valor – já

devidamente negociado com os principais usuários pagadores sobre recursos

______________________________________________________________________________

107

hídricos e aprovado pelo Comitê do Alto Iguaçu e do Alto Ribeira e, também, pelo

Conselho Estadual de Recursos Hídricos – estava estabelecido em valor 10 (dez)

vezes acima do que acabou sendo aplicado na bacia do CEIVAP.

Isto significa que, aplicando a Cobrança sobre uma área com cerca de 6 mil km2, a

arrecadação prevista poderia chegar a R$ 25 milhões/ano, enquanto que na bacia

do Paraíba do Sul, com 56 mil km2, o montante não superou R$ 12 milhões a cada

ano.

Portanto, percebe-se que houve uma perda na referência do Paraná, cujo Governo

Estadual (de 2003 a 2010) nunca admitiu que a gestão hídrica e ambiental deva ser

socialmente construída, demandando assim uma Governança efetivamente

democrática, descentralizada e participativa, fato que não coloca este Estado sob

uma perspectiva positiva para um modelo de gestão voltado à adaptação frente a

mudanças climáticas.

Quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, as abordagens de gestão referem-se a

três regiões hidrográficas que foram definidas, a saber: a do Rio Guaíba, a do Rio

Uruguai e a do Litoral, com ênfase ao extremo sudeste brasileiro.

No caso da região do Rio Guaíba, a principal referência diz respeito a um programa

para saneamento ambiental e gerenciamento, desenvolvido no início dos anos

1990, contando com um Acordo de Empréstimo celebrado junto ao Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), que propiciou intervenções estruturais,

especialmente voltadas a serviços de saneamento básico, portanto, com alguns

avanços importantes naquela época, especialmente voltados à bacia do Rio

Gravataí, que abrange boa parte da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Sobre esta bacia do Rio Gravataí, cumpre lembrar que teve um dos primeiros

comitês instalados no Brasil, já em fevereiro de 1989. Portanto, este Comitê vem

atuando há muitos anos, com uma adequação em 2004, porém, seguindo com

certas dúvidas sobre abordagens mais executivas, vez que segue predominando

no Rio Grande do Sul, a ideia de que agências de bacias sejam constituídas pelo

próprio Governo do Estado, no formato der autarquias públicas, para as três regiões

hidrográficas mencionadas.

______________________________________________________________________________

108

Mesmo assim, até o presente, essas autarquias ainda não foram constituídas e

instaladas, fato que segue demandando novos avanços institucionais para uma

gestão que passe a ser mais executiva, além das devidas consultas junto à

sociedade civil.

Em relação à bacia do Rio Uruguai, bem mais abrangente do que o território do Rio

Grande do Sul, portanto, sob o domínio federal, vale registrar a elaboração de seu

respectivo plano de recursos hídricos, o qual, a exemplo da maioria dos casos,

contou com poucas frentes de execução.

Por fim, quanto à região do Litoral gaúcho, segue sob a devida predominância de

abordagens ambientais sobre ecossistemas a serem protegidos e conservados,

especialmente nas margens e áreas próximas às Lagoas dos Patos e do Mirim.

Muito resumidamente no que tange a Santa Catarina, duas abordagens distintas

devem ser registradas. De um lado, sob uma abrangência mais estadual, mesmo

contando com sua Lei de Recursos Hídricos já aprovada em 1994, poucas

iniciativas de gestão ocorreram para o conjunto do Estado, inclusive no que tange

à operacionalização do instrumento da outorga para direito de uso das águas.

De outro, devido a sérios problemas de inundações que ocorreram no Rio Itajaí-

Açu, inclusive sobre a importante cidade de Blumenau, esta bacia foi objeto de

várias iniciativas próprias, não somente para a instalação de seu comitê, como

também para a constituição (em 2001) da primeira agência de bacia hidrográfica

do Brasil, neste caso, instituída no formato de direito privado como a Fundação

Agência de Água do Vale do Itajaí, além de diversas intervenções estruturais para

retenção de cheias, a exemplo de barragens a montante. Portanto, como certa

referência para planos voltados a problemas climáticos, o caso mais relevante de

Santa Catarina refere-se a essa bacia do Rio Itajaí-Açu.

Em acréscimo, depois de frentes de trabalho que foram abertas para a emissão de

outorgas – inclusive de outorgas coletivas voltadas a pequenos produtores rurais,

com ênfase para suinocultores –, mais recentemente o Governo do Estado vem

tratando de iniciativas relacionadas a um Acordo de Empréstimo junto ao Banco

Mundial, especialmente para o desenvolvimento de planos de bacias hidrográficas,

fato que poderá conferir outras referências a Santa Catarina.

______________________________________________________________________________

109

3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro

Chegando agora ao Centro-Oeste brasileiro, de pronto deve ser feita uma

abordagem específica sobre o Distrito Federal, notadamente em decorrência de

sua elevada concentração populacional, fato que destaca Brasília, e muitas de suas

cidades ao redor, como problem-sheds.

Com efeito, frente a seguidos meses sem chuvas, no mais das vezes, entre abril a

outubro de cada ano, além da proteção de mananciais voltados a grandes volumes

de abastecimento, também deve ser considerada a qualidade hídrica de rios e

lagos, com elevado destaque para o Lago Paranoá.

A propósito, cumpre reconhecer sua referência para a recuperação da qualidade

das águas, vez que houve um longo histórico de contaminação deste Lago, durante

o continuado processo de crescimento de Brasília, até que, em 1978, a proximidade

do Lago ficou inaceitável devido ao odor, mortandade de peixes e proliferação de

algas. Iniciou-se, então, um conjunto de intervenções, sobretudo relacionadas à

coleta e tratamento de esgotos, até chegar a preocupações mais detalhadas sobre

cargas difusas do meio urbano. Sob este aspecto, cabe lembrar que o Lago

Paranoá exerce uma função importante para a capital do País, onde turismo e lazer

merecem destaque.

Sob este contexto histórico, no presente, a par de um monitoramento rigoroso e de

fiscalização sobre ligações e lançamentos clandestinos de efluentes e de resíduos

sólidos, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal tem chegado

ao patamar de transposição de esgotos para outras bacias vizinhas, uma vez que

modelos de simulação indicam que a capacidade de recepção do Lago Paranoá

encontra-se no limite, quando posta frente à desejada qualidade das águas, onde

deve ser permitido banho e recreação aos moradores de Brasília.

Dizendo em outras palavras, a variável que passou a ser o grande desafio refere-

se a limites de uso e ocupação do solo, sem que o setor público tenha um domínio

completo, capaz de impedir novas expansões urbanas na bacia drenante ao Lago

do Paranoá. Nota-se, portanto, a reafirmação da importância de planos locais em

áreas-problema, como em grandes cidades e aglomerações urbanas.

______________________________________________________________________________

110

Conclui-se que preservar certos núcleos de recursos hídricos implica em limitar o

aporte de fósforo e de material sedimentável, e que a preservação da qualidade da

água é multidisciplinar, multifocal e multissetorial, ou seja, demanda uma gestão

integrada para interferir em diversas variáveis relacionadas aos recursos hídricos.

Em relação ao Estado de Goiás, bem como ao Mato Grosso e Mato Grosso do

Sul, devido à predominância de significativas frentes produtivas do agronegócio

brasileiro, incluindo a pecuária, os SEGREHs tendem a abordar bacias

hidrográficas mais abrangentes, com planos e ações que, por recomendação,

deveriam considerar muitas das diretrizes gerais que já foram dispostas nos tópicos

2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii).

Em todos os casos, embora muitos planos de bacias já tenham sido elaborados por

esses estados, segue em pauta um dos principais desafios dispostos ao Brasil, qual

seja, uma efetiva implementação de planos estaduais e/ou de bacias hidrográfica,

a serem reconhecidos e adotados como Programas de Governo.

No que concerne a referências para esta região – não restrita ao Centro-Oeste,

mas também incluindo porções de outros estados (MG e Tocantins), com partes

do bioma do Cerrado brasileiro –, deve-se registrar a recente elaboração do Plano

da Bacia do Rio Paranaíba, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (2012),

em cujo contexto cabe sublinhar: (i) a sua extensa dimensão territorial32, que chega

a 222.767 km2; (ii) o traçado de unidades territoriais estratégicas de gestão

(UTEGs), baseadas no perfil de certos aspectos regionais e de problemas

predominantes; (iii) a identificação dos principais atores estratégicos, relacionados

aos diferentes setores usuários de recursos hídricos; (iv) a consideração do

contexto jurídico-legal e institucional vigente, frente ao qual foram propostas

alternativas para estabelecer modelos de gestão, observando a abrangência de

toda a bacia, na qual deve atuar um “comitê de integração”, bem como, perfis de

gestão já estabelecidos33 ou a serem definidos para trechos mais locais de alguns

32 Esta bacia abrange parte dos Estados de: Goiás (65%); Minas Gerais (30%), com ênfase para a

bacia afluente do Rio Araguari, localizada no triângulo mineiro; Distrito Federal (3%); e, Mato Grosso

do Sul (2%), portanto, sem chegar ao Mato Grosso.

33 Sobretudo, no caso da Associação Multissetorial de Usuários da Bacia Hidrográfica do Rio

Araguari (ABHA), reconhecida como agência da bacia do Rio Araguari e, posteriormente, da

______________________________________________________________________________

111

de seus afluentes; (v) o traçado de futuros cenários alternativos; e, (vi) por fim, a

indicação de custos e fontes para financiamento do Plano da Bacia em pauta.

Além dessa referência, também é importante anotar que, no contexto dos Estados

do Mato Grosso do Sul (principalmente) e, também, do Mato Grosso (mais

secundariamente), uma das iniciativas mais relevantes diz respeito ao projeto

intitulado como Implementação de Práticas de Gerenciamento Integrado de

Bacias Hidrográficas para o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai, empreendido

entre outubro de 1999 a maio de 2003, contando com a presença do Programa

das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e, também, do Ministério

do Meio Ambiente (MMA), chegando a custos totais da ordem de US$ 16,5

milhões, voltados aos seguintes componentes: (i) qualidade da água e proteção

ambiental; (ii) conservação do bioma Pantanal; (iii) combate à degradação da terra;

(iv) envolvimento de interesses, com um desenvolvimento sustentável; (v)

estruturação organizacional; e, (vi) implementação do Programa de Gerenciamento

Integrado.

Não obstante esta relevante iniciativa, nos últimos anos não tem ocorrido notícias

sobre um conjunto de ações e intervenções continuadas, portanto, cabendo

preocupações relacionadas à preservação do Pantanal, tendo em vista cenários

prospectivos sobre possíveis mudanças climáticas.

Por fim, para encerrar o presente documento, resta uma leitura sobre o caso do

Estado de Tocantins, componente da Região Norte, porém sem um perfil

amazônico, mas sim, com seu território quase que totalmente ocupado pelo

Cerrado brasileiro, fato que explicita sua necessária abordagem junto ao Planalto

Central do Brasil e como uma das mais significativas frentes da atual expansão do

agronegócio brasileiro, portanto, com a presença das diretrizes gerais que já foram

dispostas nos tópicos 2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii).

própria bacia do Rio Paranaíba.

______________________________________________________________________________

112

Como referência a respeito, cabe registrar o seu Plano Estadual de Recursos

Hídricos, desenvolvido durante os anos de 2008 a 2009, o qual foi abordado

considerando34, litteris:

...a conceituação de (re)divisão do espaço territorial

geográfico, apresentando as condicionantes afetas, direta

ou indiretamente, aos recursos hídricos. Com o resultado

obtido, busca-se minimizar os conflitos gerados pela

incompatibilidade entre as divisões político-administrativa e

ambiental. A propósito, o PERH/TO consolida a divisão das

bacias hidrográficas do Estado na regionalização em Áreas

Estratégicas de Gestão (AEGs), áreas essas com

homogeneidade de problemas a serem enfrentados e,

portanto, com um conjunto diferenciado de alternativas de

soluções apropriadas e factíveis para cada região analisada.

Entende-se que a aplicabilidade dessa metodologia se

constitui em uma poderosa ferramenta de suporte à gestão

e de tomada à decisão, na medida em que está aberta à

inclusão de dados futuros, em um processo dinâmico em

constante retroalimentação das diversas variáveis -

supervenientes e intervenientes - pertinentes aos

recursos hídricos e áreas afins.

(destaques negritados)

34 Fonte: Artigo publicado no XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ocorrido em novembro

de 2009, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, intitulado como Desenvolvimento do

Diagnóstico do Plano Estadual de Recursos Hídricos de Tocantins, com autoria de C.E. Curi

Gallego, et al.

______________________________________________________________________________

113

BIBLIOGRAFIA

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Francisco. Brasília, 2004.

BANCO MUNDIAL. Estratégias de Gerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil: Áreas

de Cooperação com o Banco Mundial. Brasília, 2003. Autor: Lobato da Costa, F. J.

CONSÓRCIO OIKOS – COBRAPE. Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e

Corrente – Diagnóstico e Arranjos Institucionais para Gestão (versão preliminar). Salvador,

2013.

INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS – IGAM e GOVERNO DE MINAS

GERAIS. Plano Estadual de Recursos Hídricos. Belo Horizonte, 2011.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS

E AMBIENTE URBANO – SRHU. Plano Nacional de Recursos Hídricos (Revisão de 2010).

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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA –

UNESCO. Gestão da Água no Brasil. Brasília, 2001. Autores: Tucci, C. E. M., Hespanhol, I

e Cordeiro Netto, O. de M.

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NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e MINISTÉRIO

DO MEIO AMBIENTE – MMA. Projeto de Implementação de Práticas de Gerenciamento

Integrado de Bacias Hidrográficas para o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai. Campo

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REVISTA REGA – Volume 2. Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no

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PAULO. Relatório Geral sobre o Seminário Avanços e Desafios na Gestão dos Recursos

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______________________________________________________________________________

114

UNIÃO EUROPÉIA. Paper Water 21 Project. Lisboa/Portugal – 2001. Autores: Correia,

Francisco Nunes et al.

CONSULTAS

Site da Agência Nacional de Águas (ANA);

Site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);

Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA);

Site da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH).

______________________________________________________________________________

115

ANEXOS

______________________________________________________________________________

116

ANEXO I

Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007) sobre a

Região Amazônica.

Box Transcrito: Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos

Recursos Hídricos da Bacia Amazônia

A Bacia Amazônica tem uma enorme importância na dinâmica climática e no ciclo

hidrológico do planeta. A bacia representa aproximadamente 16% do estoque de água

superficial doce e consequentemente, uma importante contribuição no regime de chuvas e

evapotranspiração da América do Sul e do mundo. É também uma das mais úmidas regiões

da Terra, com pluviosidade média variando de 2.300 a 2.460 mm/ano (Fisch, 2006, e

Molinier et al., 1996). Mudanças regionais e globais têm provocado alterações no clima e

na hidrologia da região. Notadamente, transformações no uso do solo com a conversão de

mais de 600.000 km2 de florestas tropicais em pastagens e culturas agrícolas. De fato, o

regime de vazão deste sistema fluvial é relativamente pressionado pela ação antrópica e

está sujeito à variabilidade interanual e de longo prazo na precipitação tropical, o que

resulta grandes variações grandes no escoamento superficial (Marengo e Nobre, 2001).

A reciclagem da evaporação e precipitação local pela floresta responde por uma porção

considerável da disponibilidade hídrica regional, e como grandes áreas da bacia estão

sujeitas a intensas alterações de uso do solo, como perdas de florestas úmidas densas

para implantação de pastagens ou cultivos perenes como a soja, existe uma importante

preocupação como tais alterações do uso do solo e da biomassa podem afetar o ciclo de

hidrológico na Bacia Amazônica (cf. Marengo e Nobre, 2001, e Freitas, 2005). Assim

sendo, além da vulnerabilidade antrópica da bacia, que pode afetar a evapotranspiração e

o volume de sedimentos, será cada vez mais importante considerarmos a vulnerabilidade

climática que poderá sofrer a região Amazônica e seus recursos hídricos. Em outras

palavras, em uma bacia das dimensões continentais Amazônicas torna-se importante à

realização de estudos de previsão e avaliação de vulnerabilidade climática e seus efeitos

na precipitação, no gelo dos Andes, no nível do mar na foz do Amazonas, com destaque

para a avaliação das vazões afluentes a regiões de risco de cheias e a disponibilidade

hídrica nos períodos de eventos extremos de seca, como o que ocorreu na bacia em 2005.

Estes cenários serão fundamentais para definição dos riscos hidrológicos, e, portanto, para

antecipar medidas de adaptação conjunturais e estruturais de gestão da água. Com efeito,

______________________________________________________________________________

117

a mudança de temperatura pode levar a várias outras alterações do meio ambiente, dentre

elas, a intensificação do ciclo hidrológico global, o que provocará impactos sobre os

recursos hídricos a nível regional. De fato, mudanças diferenciadas de temperatura da

atmosfera, dos continentes e dos oceanos, levam a mudanças de padrões de pressão

atmosférica e de ventos. Portanto, poder-se-ia esperar mudanças nos padrões de

precipitação, conforme os modelos matemáticos de previsão global do clima do Hadley

Center para 2050, que apresentam variações médias de 150 a 250 mm/ano nas chuvas da

região. Além disto, o nível médio do mar à escala mundial registrou um aumento médio de

1 a 2 mm/ano no decorrer do século XX, o que pode alterar as áreas de inundação e de

influência das águas marinhas no teor de salinidade dos ecossistemas aquáticos da

Amazônia.

A título de exemplificação dos riscos das alterações regionais nos recursos hídricos pode-

se destacar os seguintes pontos: 1) Degelo dos Andes - as geleiras estão reduzindo a um

ritmo mais rápido do que previsto, devido à intensificação do efeito estufa. O efeito de

degelo, embora mais intenso na Antártida, afeta as geleiras Andinas, que segundo alguns

levantamentos já podem ter tido uma diminuição de mais de 20% nos últimos 20 anos

(Asuncion, 2006); 2) Variação do Nível do Mar na Bacia Amazônica - a faixa de variação

das marés é de até 10 m em certos locais e, portanto as correntes devidas às marés são

importantes. Os gradientes inferiores dos rios permitem às ondas se propagarem até 800

km rio acima. Problemas de salinização não têm sido relatados até o momento, mas

destruição em larga escala de manguezais na frente oceânica é relatada no setor norte.

Isto pode ser uma tendência de longo prazo ou somente um fenômeno cíclico, como

descrito por Proust et al. (1988, apud Muehe e Neves, 1995), para a costa de mangue da

Guiana Francesa. Para o setor sul, Franzinelli (1982, apud Muehe e Neves, 1995)

descreveu a presença de falésias em ativo processo de erosão na Praia de Atalaia em

Salinópolis. Falésias fósseis de até 7 m de altura são também encontradas em muitas

localidades em distâncias de cerca de 100 m do litoral, definindo um limite territorial dos

possíveis efeitos de um aumento do nível do mar; 3) Influência da Temperatura na

Superfície do Mar (TSM) no Regime de Chuvas da América do Sul e Amazônia – a

TSM tem sido um bom indicador para previsão de chuva sazonal, graças ao papel do

oceano no clima e pela sua inércia térmica. Muitos estudos usam as relações entre chuva,

descarga e TSM nos oceanos tropicais para elaborar previsões. Regiões tropicais que são

pólos de anomalias de chuva relacionadas significantes com a TSM são as regiões das

planícies da Bolívia e circunvizinhas. Em relação às anomalias de TSM do Oceano Pacifico,

as ocorrências de El Niño determinam eventos extremos de deficiência de chuva e por

______________________________________________________________________________

118

consequência, baixas descargas nos rios da região, sobretudo, na parte norte oriental da

Amazônia. Já o fenômeno La Niña tem se caracterizado por uma anomalia de aumento no

volume das chuvas registrados em estações pluviométricas na parte norte e central da

Amazônia.

Existe também, uma relação entre a alteração do volume de chuvas da Bacia Amazônica

e a anomalia TSM do Atlântico. No ano de 2005, entre os meses de setembro e outubro,

ocorreu uma importante seca na Bacia Amazônica, tendo sido decretado “estado de

calamidade pública” em diversos municípios da região. De fato, nesta época do ano é

normal ter uma estação seca na Bacia Amazônica, de três a cinco meses dependendo da

região, também denominada na região de “verão Amazônico”, que ocorre entre os meses

de maio a setembro. Todavia, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos

Climáticos (CPTEC/INPE) & o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), no período de

setembro de 2004 a setembro de 2005, a Temperatura da Superfície do Mar (TSM) esteve

entre 0,5ºC e 1,5ºC acima da média no Oceano Atlântico Norte, ou seja, foi registrada a

persistência de um aquecimento anormal. Este fenômeno, possível responsável pela seca

de 2005, acabou alterando as correntes de massas de ar úmidas da Amazônia,

principalmente em parcelas importantes das bacias dos rios Solimões, Negro, Madeira e

Juruá, dentre outros. Entretanto, esta não foi a pior seca já registrada nos rios da região.

Os dados hidrológicos demonstram que esta ocupa o quarto lugar em relação às cotas

mínimas do Rio Negro em Manaus. A cota mais baixa já registrada foi em 1963, quando foi

registrada uma cota de 13,64 m no Porto de Manaus. Segunda a Agência Nacional de

Águas (ANA), em outubro de 2005 o nível na margem do Rio Negro, em frente à Manaus,

estava em 14,41 metros.

É importante destacar que com o aumento considerável da população Amazônica, nos

últimos quarenta anos, o impacto da seca tornou-se mais significativo. Somente no Estado

do Amazonas, a seca de 2005 afetou mais de 914 comunidades, o que equivale a mais de

167 mil habitantes ou 32 mil famílias, segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil.

Todavia, embora não se tenha evidência cientifica clara que este aquecimento possa ter

relação com aquecimento climático do planeta, suspeita-se que este fenômeno de

aquecimento das águas dos oceanos poderá ter sua frequência mais elevada.

Fonte: Texto elaborado por Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas, Prof. da COPPE/UFRJ,

consultor do projeto GEF Amazonas ([email protected]).

______________________________________________________________________________

119

Anexo II

Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará35

1. Descrição Geral

A experiência do Estado do Ceará na gestão de recursos hídricos é marcada pela

busca de um modelo próprio ao semiárido brasileiro. Em grande parte de seu

percurso, apoiado por sucessivas operações de crédito com o Banco Mundial, o

modelo adotado no Ceará pode ser assim caracterizado:

administração de estoques de água reservados em açudes, dada a escassez

decorrente da sazonalidade plurianual das precipitações e a elevada

evapotranspiração presentes no semiárido;

alocação de água para usos múltiplos, respaldada em decisões socialmente

negociadas em colegiados de usuários (associações de utilizadores dos

açudes, principalmente), tendo como suporte à decisão o traçado de curvas-

chave (relações cota-volume) que oferecem projeções e estimativas

relativamente confiáveis para as disponibilidades, em horizontes de curto e

médio prazos;

transporte de água bruta a longas distâncias, vencendo os limites das bacias

hidrográficas rumo aos maiores centros de demanda, em especial para a

Região Metropolitana de Fortaleza, onde se concentram as grandes demandas

de consumo industrial e doméstico;

tarifação por serviços de reservação, transporte e distribuição de água

não potabilizada aos usuários industriais e à concessionária de saneamento

(portanto, diferenciada e não excludente da Cobrança pelo Uso de Recursos

Hídricos), com larga diferenciação entre preços unitários da Cobrança aplicada

em outros estados e pela União, hoje da ordem de R$ 1,00/m3 aos primeiros e

R$ 0,05/m3 ao segundo, caracterizando subsídio cruzado em favor do

abastecimento doméstico;

35 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.

______________________________________________________________________________

120

adoção de mecanismos de negociação entre segmentos de usuários, de modo

a permitir alterações na alocação das disponibilidades hídricas, para fins de

aumento na eficiência de uso (setores com maior valor agregado efetuam

pagamentos para subsidiar a redução ou suspensão de atividades – em

particular, irrigação com demandas elevadas – dos utilizadores com menor

capacidade de pagamento);

promoção do associativismo local de pequenos usuários, com vistas a facilitar

os processos de negociação relativos à alocação das disponibilidades hídricas;

o modelo é baseado na atuação de uma agência estatal única – a Companhia

de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), constituída como

sociedade de economia mista –, com ação sobre todo o território estadual, na

medida em que opera para além das bacias hidrográficas mediante a

interligação de sistemas de açudes e adutoras, com demandas relativas à sua

operação e manutenção;

permanecem com a Secretaria de Recursos Hídricos as competências próprias

ao Estado, notadamente quanto à emissão de outorgas e à sistemática de

fiscalização, devendo-se mencionar a existência complementar de uma

entidade com especialização na construção de obras civis (a Superintendência

de Obras Hídricas – SOHIDRA) e outra para coleta e sistematização de dados

hidrometeorológicos (a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos

Hídricos – FUNCEME); e,

atualmente, a COGERH aufere arrecadação anual da ordem de R$ 18 milhões,

parte substantiva da qual cobre despesas operacionais com sistemas de

reservação e transporte de água bruta.

2. Perfil da Estratégia e de Valores Adicionais

Nota-se que a estratégia do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos do Estado

do Ceará é voltada à conciliação de conflitos entre múltiplos usos da água no

semiárido brasileiro, tanto entre usos rurais (agricultura familiar e cultivos irrigados)

quanto da Região Metropolitana de Fortaleza (consumo urbano e industrial).

Portanto, aborda aspectos no atacado e no varejo, ou seja, sob uma ótica regional

de infraestrutura hídrica de maior porte em favor de todo o Estado, sem deixar de

______________________________________________________________________________

121

observar que projetos executivos devam ser adequados e negociados para cada

caso, com vistas a uma expansão local, em conformidade com os perfis dos usos

e usuários das águas.

Como valor adicional, cabe citar a consistência dos dados e insumos necessários

e o espaço institucional para que ocorram negociações entre usos e usuários, para

fins de (re)alocação da água para sistemas de produção que gerem maior valor

agregado.

Os custos efetivos, notadamente para operação e manutenção dos sistemas de

açudes, canais e adutoras, é coberto pela tarifação de água bruta, a ser entregue,

sempre com o devido monitoramento hidrológico.

Enfim, neste Sistema de Gestão há Governança, Governabilidade, consistência

financeira, além de uma estratégia para o devido desenvolvimento regional.

ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS

CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA

EMBASAR O PLANO NACIONAL DE

ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos

Relatório 02: Propostas para Avanços e Adequações do

SINGREH

Brasília DF Outubro de 2014

____________________________________________________________

_________________________________________________________________________

2

© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse

público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da

Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de

processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A

atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão

do conhecimento.

Presidente Mariano Francisco Laplane

Diretor Executivo Marcio de Miranda Santos

Diretores Antonio Carlos Filgueira Galvão

Gerson Gomes

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br

Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado

entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013

Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos

nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.

_________________________________________________________________________

3

Governança na Gestão dos Recursos Hídricos

Relatório 02: Propostas para Avanços e Adequações do

SINGREH

Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão

Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães

Francisco Lobato (consultor)

_________________________________________________________________________

4

Sumário

Introdução ____________________________________________________________ 5

1. Elementos Norteadores para uma Estratégia Nacional voltada a Governança na

Gestão de Recursos Hídricos e Adaptação a Mudanças Climáticas _____________ 6

1.1. Elementos Norteadores dispostos pelo GEO Brasil – Recursos Hídricos ___ 7

1.2. Insumos advindos de Estudos do Plano Nacional de Recursos Hídricos __ 11

2. Recomendações e Propostas para Novos Avanços na Governança e uma Gestão

Integrada dos Recursos Hídricos no Brasil, tendo em vista Adaptação a Mudanças

Climáticas ____________________________________________________________ 16

2.1. Propostas sobre a Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil __ 16

2.2. Propostas Gerais relacionadas ao SINGREH __________________________ 20

3. O Pacto das Águas a ser empreendido como um Pacto Federativo __________ 30

4. Articulações com a Defesa Civil, face a Problemas Críticos advindos de

Mudanças Climáticas __________________________________________________ 38

5. Ampliação da Possibilidade de Maiores Contribuições de Entidades Executivas,

em favor da Gestão de Recursos Hídricos _________________________________ 43

5.1. A Lei Federal nº 9.433/1997 como Norma de Âmbito Nacional ___________ 43

5.2. Ausência de Regulamentação ______________________________________ 44

5.3. As Agências de Água no contexto do Projeto de Lei nº 1.616/1999 _______ 46

5.4. A Lei Federal nº 10.881/2004 _______________________________________ 47

5.4.1. A Indispensabilidade das Agências de Água ou de Arranjos Organizacionais

Alternativos que as Substituam ________________________________________ 47

5.4.2. A Lei Federal nº 10.881/2004 e a Validade do Expediente Jurídico de

“Entidades Delegatárias” _____________________________________________ 48

5.4.3. Contrato de Gestão: Constitucionalização e Institucionalização no Brasil e

Aplicabilidade na Área dos Recursos Hídricos ____________________________ 52

5.5. Abordagens, Conclusões e Recomendações Finais ____________________ 55

Anexo I – Referências de Estudos sobre Alternativas de Entidades para o

Exercício de Encargos de Agências de Bacias Hidrográficas

_________________________________________________________________________

5

Introdução

De acordo com o estabelecido pelo Termo de Referência e pelo respectivo Plano

de Trabalho, este Relatório 02 tem como objetivo principal elaborar propostas

para estratégias e possíveis adequações institucionais e legais do Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) – assim como, de

alguns dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos

(SEGREHs) –, tendo em vista a Governança (interação com a sociedade) e uma

Governabilidade (relações entre causas e efeitos) mais consistente para uma

efetiva e pragmática gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH) no Brasil,

levando em consideração a necessária e possível adaptação a mudanças

climáticas.

Para tanto, devem seguir em pauta as referências metodológicas voltadas a um

planejamento institucional estratégico consistente, bem como, a identificação dos

principais problemas regionais do Brasil, já abordados pelo Relatório 01, para os

quais foram dispostas diretrizes que serão complementadas por elementos

norteadores, formulados sob uma ótica mais genérica e estratégica ao País.

Na sequência, o presente Relatório 02 também contará com alguns subsídios

importantes, advindos de avaliações anteriores do SINGREH – inclusive via o

próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos –, muitas delas a serem atualizadas

sobre as condições presentes, além da devida consideração de mudanças

previstas para o clima.

Contando com todos esses subsídios, o documento será então concluído com

proposições relacionadas a possíveis adequações institucionais e legais, voltadas

à Governança na gestão de recursos hídricos, com ênfase para estratégias mais

pragmáticas e próximas a diferentes perfis de problemas, sempre considerando

adaptações a mudanças climáticas, com destaque para aproximação junto aos

diversos setores usuários e aos estados federativos, neste caso, com uma

significativa importância reconhecida para o Pacto das Águas, no presente, em

pleno empreendimento pela Agência Nacional de Águas (ANA).

_________________________________________________________________________

6

1. Elementos Norteadores para uma Estratégia Nacional voltada a

Governança na Gestão de Recursos Hídricos e Adaptação a Mudanças

Climáticas

Para que haja uma estratégia nacional consistente, voltada à Governança na

gestão de recursos hídricos e adaptação a mudanças climáticas, estão sendo

considerados como elementos norteadores e fontes principais: a publicação GEO

Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007); e, o próprio Plano Nacional de

Recursos Hídricos (com sua versão inicial aprovada em janeiro de 2006 e

atualizada em 2010).

Ambas devem ser vistas em conjunto com:

(i) a atual situação dos recursos hídricos e dos principais problemas presentes

e previstos, com abordagens regionais e suas diretrizes gerais, tais como já

dispostas pelo Relatório 01;

(ii) uma avaliação crítica construtiva sobre certas “respostas” que têm sido

apresentadas, seja pelo SINGREH e/ou por alguns dos SEGREHs, com o

intuito de contribuir para um processo de continuados aprimoramentos

institucionais e legais, voltados a uma efetiva gestão integrada dos recursos

hídricos (GIRH), para tanto, considerando as referências metodológicas que

foram apresentadas no início do Relatório 01;

(iii) a consideração de princípios e diretrizes advindas de cenários prospectivos,

traçados sobre possíveis mudanças climáticas (Eixo I), sem deixar de

considerar o próprio desenvolvimento macroeconômico do País – a ser visto

como variável superveniente –, vez que ambos repercutirão de modo

significativo sobre as disponibilidades hídricas nacionais, em termos de

quantidade e de qualidade; e,

(iv) recomendações que forem dispostas pelos demais Eixos de trabalho da

Rede Água, a respeito de dados e informações (Eixo II), instrumentos de

gestão (Eixo III) e relação com todos os setores usuários das águas (Eixo V).

Mais especificamente quanto ao Eixo V, tendo em vista suas respectivas variáveis

relacionadas a impactos ecológico-ambientais e sobre o clima, também devem ser

considerados: (a) o comportamento próprio das principais atividades econômicas

do País (dimensão, forma, padrão tecnológico, ritmos de crescimento e áreas de

_________________________________________________________________________

7

expansão), notadamente em relação às fronteiras do agronegócio brasileiro e de

perímetros irrigados; (b) a matriz energética, com ênfase na construção de novas

usinas termoelétricas (padrão tecnológico e nível da emissão de gases efeito

estufa), assim como, de hidroelétricas (localização, dimensão de reservatórios e

padrões ambientais); (c) o saneamento básico urbano e rural (níveis de prestação

dos serviços de água, esgotos, resíduos sólidos e drenagem), com atendimento

ao passivo ambiental e às demandas sociais; (d) a infraestrutura logística de

transporte, com destaque para hidrovias; e, (e) a abordagem de áreas de risco,

tanto sujeitas a cheias quanto a escassez, com ênfase no ordenamento do uso e

ocupação do território.

1.1. Elementos Norteadores dispostos pelo GEO Brasil – Recursos Hídricos

Mesmo contando com abordagens dos tópicos mencionados, é importante

lembrar que a gestão de recursos hídricos não detêm uma competência total ou

instrumentos completos para uma atuação substantiva sobre todas as variáveis

que condicionam os cenários prospectivos e o contexto do desenvolvimento

macroeconômico do País.

Sendo assim, torna-se relevante reproduzir diretrizes e elementos norteadores já

formulados sob uma ótica mais genérica e estratégica ao País, transcritas a

seguir, segundo consta na publicação GEO Brasil – Recursos Hídricos, litteris:

...como orientação geral, quando as variáveis são afetas à

gestão das águas deve-se pensar em atitudes pró-

ativas; caso contrário, cabe assumir um viés preventivo

ou de atenuação de impactos econômicos, sociais e

ambientais indesejados, ou seja:- no mínimo pode-se evitar

determinadas consequências, previstas em cenários

tendenciais ou indesejados, atuando para que a gestão dos

recursos hídricos não seja licenciosa ou meramente

burocrática.

Sob tais considerações, pode-se traçar as seguintes

diretrizes gerais e princípios norteadores, vistos como os

primeiros elementos que orientam as propostas:

a adoção de uma atitude pró-ativa e não apenas

contemplativa, com vistas à “construção do futuro”,

_________________________________________________________________________

8

com reflexos na melhoria que deve pautar a atuação de

entidades responsáveis pela gestão das águas (cap.

IV.2);

a necessidade de se definir como serão subsidiadas as

decisões ao longo do tempo, em particular, sobre como

serão contornadas as incertezas críticas, de modo a

conduzir a área de recursos hídricos da melhor forma

possível, seja qual for o “cenário externo” que se

configure, explorando as oportunidades que se

apresentem para que seja alcançado o melhor “cenário

interno” plausível1 (PARTE V);

a perspectiva de gerenciar a gestão, em essência

mediante a consolidação do SINGREH, com suas

características de um sistema descentralizado e

participativo, capaz de assegurar uma inserção orgânica

dos diversos atores sociais afetos às questões de

recursos hídricos (PARTES III e IV, conjugadas);

a construção de uma agenda positiva, com vistas a

assegurar padrões adequados de disponibilidades

hídricas, em qualidade e quantidade, para a atual e

futuras gerações;

a importância dos gestores de recursos hídricos

compreenderem a lógica da atuação dos setores

usuários, assegurando que os mesmos incorporem, em

seus processos de produção ou de oferta de serviços, os

custos das externalidades negativas (ambientais e

sociais), em particular, daquelas que afetam os recursos

hídricos (capítulos IV.2 e IV.3.4, conjugados);

o cômputo das externalidades negativas deve ocorrer

já na fase de planejamento do uso das águas, como

forma efetiva de sua incorporação às políticas setoriais, e

1 Considerando “cenário externo” aquele que se realizará externamente à área de recursos

hídricos, e “cenário interno” como aquele que será construído na área de recursos hídricos pela

implementação de suas políticas e instrumentos.

_________________________________________________________________________

9

não como medida posterior, voltada apenas à mitigação

ou compensação de impactos (cap. IV.3.4);

a efetiva articulação entre política de recursos

hídricos e as dos setores usuários, para que

programas e projetos setoriais incorporem

transversalmente diretrizes e preocupações relativas ao

uso múltiplo das águas e aos aspectos ambientais e

ecológicos (capítulos IV.2 e IV.3.4, conjugados);

o apoio para que os setores usuários incorporem

todos os custos – sociais, ambientais, de integração

de usos múltiplos e de proteção das águas –

envolvidos em seus processos, como forma de incentivar

o uso sustentável e eficiente dos recursos hídricos e de

superar a tradicional atitude de mera imposição de

restrições e penalidades (cap. IV.3.4);

a combinação, em termos técnicos e conceituais, de

mecanismos tradicionais de comando e controle,

incorporando, de modo coordenado e complementar,

formas de gestão compartilhada, instrumentos de

incentivo econômico e alternativas que promovam a

adesão dos usuários a objetivos ambientais e de

proteção dos recursos hídricos (cap. IV.3.4);

o desenvolvimento, pela gestão de recursos hídricos,

de instrumentos consistentes, que orientem critérios de

proteção e aproveitamento múltiplo das águas,

notadamente para fins de elaboração de programas e

projetos setoriais, com repercussões positivas sobre os

pedidos de reserva de disponibilidade hídrica e da

posterior emissão da outorga (capítulos III.3.3 e III.3.4);

a articulação intersetorial, em uma perspectiva mais

ampla, que atinja o campo das políticas

macroeconômicas, que sofrem, no médio e no longo

_________________________________________________________________________

10

prazo, com custos derivados da deterioração ambiental e

das disponibilidades hídricas (capítulos II.2 e II.3)2;

o destaque dos temas da gestão e do planejamento,

notadamente quando entram em questão ações

regulatórias substantivas, como forma atrativa de

justificar, junto à área macroeconômica, bons

investimentos em recursos hídricos (capítulos II.2 e

III.3.2, conjugados);

ações de comunicação social, com vistas a disseminar,

junto aos setores usuários, o valor e a importância da

água para o desenvolvimento econômico e social,

conferindo ganhos ponderáveis de aceitação do

SINGREH, dos instrumentos e das ações de gestão dos

recursos hídricos, conformando um ambiente de parceria

e mútua sinergia, e não de confrontação (cap. IV.2);

a identificação de indicadores adequados ao

monitoramento e avaliação da implementação do

SINGREH, orientados para aferir objetivos e resultados,

intermediários e finais, de modo a conferir uma

consistente “accountability” e a consequente credibilidade

ao Sistema de Gestão (cap. IV.2); e,

por fim, a definição sobre como operar um processo

de constante ajuste na implementação e

funcionamento do SINGREH, pautado por

experiências, aprendizados, novas realidades,

evolução de indicadores e por novas diretrizes que

venham a ser observadas (PARTE IV).

(destaques negritados e sublinhados)

Em acréscimo a essas diretrizes gerais e princípios norteadores, algumas

recomendações adicionais também foram dispostas pelo GEO Brasil – Recursos

Hídricos, cabendo ressaltar as duas seguintes:

2 Em termos práticos, há necessidade de articulação dos sistemas ambiental e de recursos

hídricos com a Agenda Nacional de Desenvolvimento, produzida pelo Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

_________________________________________________________________________

11

(a) aperfeiçoar a implementação da Política Nacional de

Recursos Hídricos, qualificando e aprimorando a

articulação e a dinâmica das instâncias que

compõem o SINGREH (capítulos III.3.2 e III.3.3);

Isto significa que o SINGREH deve ser visto em seu conjunto, ou seja, como um

Sistema, e não apenas mediante suas instâncias isoladas – no mais das vezes,

com ênfase aos comitês –, sem uma devida divisão de encargos e trabalhos, para

a qual devem ser consideradas as habilitações legais e específicas, referentes

aos Conselhos (CNRH e CERHs), comitês de bacias, órgãos gestores de

recursos hídricos (ANA e correspondentes estaduais), além de agências de

bacias hidrográficas, que já estejam instaladas e em plena operação.

(b) apoiar a organização dos Sistemas Estaduais de

Gerenciamento de Recursos Hídricos, construindo e

consolidando capacidades locais, sempre que possível,

com vistas à descentralização de funções e

competências (capítulos III.3.4 e IV.3.3, conjugados);

Cabendo reconhecer que esta recomendação já se encontra em pleno curso, via

o Pacto das Águas, em cujo contexto recomenda-se que ocorra uma avaliação

institucional estratégica sobre a efetiva capacidade dos principais entes e

instituições envolvidos na gestão dos recursos hídricos estaduais, para que atuem

propondo possíveis adequações consistentes e que sejam necessárias, frente às

incertezas provenientes de alterações do clima.

1.2. Insumos advindos de Estudos do Plano Nacional de Recursos Hídricos

Chegando agora a elementos norteadores dispostos por estudos do Plano

Nacional de Recursos Hídricos, cabe registrar algumas leituras que foram feitas

sobre o contexto do Subprograma II.3 – Adequação, Complementação e

Convergência do Marco Legal e Institucional, integrante do Programa II,

intitulado como Desenvolvimento Institucional da Gestão Integrada de

Recursos Hídricos no Brasil, aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos

Hídricos (CNRH), em 2007, e publicado pela Secretaria de Recursos Hídricos e

Ambiente Urbano (SRHU), em março de 2008.

_________________________________________________________________________

12

Segundo documentos iniciais do PNRH, os objetivos geral e específicos deste

Subprograma II.3 procuravam, litteris:

Promover os ajustes que tenham sido identificados

como necessários na base legal que rege a GIRH no

Brasil, assim como, complementar lacunas e buscar

convergência entre as legislações nacional e estaduais, sem

prejuízo da manutenção da diversidade e de

especificidades decorrentes de características

regionais:

elaborar estudos para projetos de normativos legais e

infralegais, atendendo às demandas das lacunas jurídicas

dos demais subprogramas;

harmonizar as legislações estaduais com a legislação

federal; e,

harmonizar a legislação nacional com os Acordos e

Tratados Internacionais.

(destaques negritados)

Na sequência desse Subprograma II.3, em 2010 foram entregues ao CNRH um

conjunto de relatórios contendo estudos e propostas sobre estas matérias, os

quais foram elaborados pelos consultores especializados Gilberto Valente Canali

e Percy Soares Neto, ambos contratados pela Agência Nacional de Águas (ANA)

para essa finalidade.

Diversos aspectos relevantes para o funcionamento do SINGREH foram

levantados e, inclusive, debatidos com a Contratante, com muitos comitês de

bacias de rios federais e, também, com setores usuários, além de professores e

técnicos com reconhecida competência e participação junto ao processo de

concepção e implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos.

O elenco de propostas apresentadas foi colocado à disposição do CNRH, porém,

ainda não se tem conhecimento de pronunciamentos deste Colegiado a respeito.

Também é importante mencionar que dos debates realizados no contexto dos

trabalhos mencionados emergiram questões relevantes de interesse para o

CNRH e para as demais instâncias agentes do SINGREH, que ainda estão a

merecer maior aprofundamento.

_________________________________________________________________________

13

Sob tal contexto e objetivos de trabalho, é importante destacar aspectos relativos

à Governança do SINGREH, sob uma ótica federalista e descentralizada na

gestão das águas, temas estes que voltarão a ser abordados pelo presente

relatório. Assim, como exemplo dos temas tratados, a primeira Nota Técnica do

Relatório Técnico Parcial 3 3, daquele conjunto de estudos mencionados, refere-

se a “comitês de integração”. Segundo a Nota estes deveriam ser bem mais

entendidos como “comitês de articulação”, proposta que volta a destacar o

entendimento de que deve ocorrer uma efetiva descentralização participativa,

porém, sem que deixem de ocorrer acordos e mútuas cooperações entre

instâncias coletivas locais – notadamente estabelecidas em áreas-problema –,

sob uma abrangência mais estratégica e coletiva em bacias hidrográficas

compartilhadas. Destaca-se aqui, em complemento, que a articulação se torna

muito relevante, sobretudo quando conflitos e mútuos impactos estiverem

presentes, muitos previstos frente a mudanças climáticas.

Com efeito, na mencionada Nota Técnica consta, in verbis, que:

Descentralização e cooperação são, portanto, conceitos

inerentes ao federalismo brasileiro e estão presentes na

Política Nacional e no Sistema Nacional de Gerenciamento

de Recursos Hídricos, embora, por vezes ainda caibam

esforços no sentido de neutralizar a tendência

centralizadora, historicamente reconhecida, nas

instâncias superiores do Poder Público.

Tais conceitos, que em outras plagas integram o chamado

princípio da subsidiariedade, que não aparece

explicitamente no ordenamento jurídico nacional, dão como

resultado a noção de que tudo aquilo que pode ser

resolvido pelos cidadãos na menor célula de

convivência entre eles não deve ser levado à ou

capturado pela instância decisória que lhe é superior,

considerados os níveis de organização da administração

3 Fonte: Estudos sobre Elaboração de normativos legais, identificados como prioritários, visando à

adequação, complementação e convergência do marco legal e institucional da Gestão Integrada

de Recursos Hídricos no Brasil – GIRH, Relatório Técnico Parcial 3 (dezembro de 2009). Autor:

Gilberto Valente Canali, co-autor: Percy Baptista Soares Neto.

_________________________________________________________________________

14

pública.

(destaques negritados)

Ademais, a Nota Técnica também destaca a possibilidade positiva da própria

União delegar certos encargos aos estados federativos, a exemplo da emissão de

outorgas para direitos de uso da água, sempre que esses entes federados

demonstrarem ter capacidade técnica para o bom desempenho das funções

delegadas, também contando com delegação a prefeituras municipais, vez que

consideradas as competências constitucionais dos municípios, com forte

incidência sobre vários aspectos da gestão do uso dos recursos hídricos,

torna-se evidente a necessidade de cooperação entre os entes federados, em prol

do interesse público relacionado com o uso racional dos recursos naturais

de forma geral.

Como justificativa a respeito, consta no documento que a gestão em bacias com

menores dimensões tem se apresentado com maior consistência, no mais das

vezes, devido à sua maior proximidade com os problemas relevantes a serem

enfrentados, bem como, contando com a presença dos usuários interessados –

que podem ser mencionados como atores estratégicos (segundo a Metodologia

APEX) – e das comunidades afetadas, não obstante a elaboração de planos de

recursos hídricos, em muitas delas, não terem sido suficientes para avanços

significativos.

Chegando a uma abordagem voltada a instrumentos de gestão (Eixo III), consta

no tópico das Conclusões desta primeira Nota Técnica do Relatório Técnico

Parcial 3 (Canali, G. V.) que, litteris:

Em tese, a visão de que a gestão exige uniformidade de

critérios na aplicação dos instrumentos na bacia como

um todo talvez deva ser relativizada, em função de

peculiaridades que possam eventualmente facilitar o

avanço, e com maior eficiência, da gestão em sub-bacias.

(destaques negritados)

Percebe-se, portanto, uma elevada convergência com muitas das diretrizes gerais

que constam no Relatório 01, no qual há afirmações no sentido de que modelos

de gestão devem ser estabelecidos segundo a natureza dos problemas, fato que,

em relação a instrumentos de gestão, já foi abordado pelo Plano Estadual de

_________________________________________________________________________

15

Recursos Hídricos de Minas Gerais, em cujo contexto foram propostas unidades

territoriais estratégicas de gestão (UTEGs), para as quais deveriam ser aplicados

distintos critérios para a emissão de outorgas.

Também no tópico das Conclusões, consta que o possível alcance de resultados

concretos, quer seja em termos de modelos e dos instrumentos de gestão, assim

como de melhoria dos indicadores característicos de UTEGs, poderá proporcionar

ganhos de credibilidade ao Sistema. Ademais, consta que, in verbis:

...a dinâmica de implementação do Sistema Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos requer

flexibilidade para o enfrentamento das diversidades

encontradas nas diversas regiões do país, tornando

frágeis propostas de modelagem padrão para a composição

de colegiados no âmbito das bacias hidrográficas.

(destaques negritados e sublinhados)

Enfim, contando com essas diretrizes mais gerais, além de elementos

norteadores e das diretrizes regionais que foram dispostas pelo Relatório 01,

começa a tornar-se possível propor uma estratégia para rearranjo do arcabouço

legal e institucional vigente, para a qual também deve ser considerado o

compromisso voluntário do Brasil junto à Convenção-Quadro das Nações

Unidas sobre Mudanças do Clima e com o Protocolo de Quioto, para a

redução de emissões de gases de efeito estufa, com metas que foram definidas,

para 2020, segundo princípios, diretrizes, objetivos e instrumentos estabelecidos.

_________________________________________________________________________

16

2. Recomendações e Propostas para Novos Avanços na Governança e uma

Gestão Integrada dos Recursos Hídricos no Brasil, tendo em vista

Adaptação a Mudanças Climáticas

2.1. Propostas sobre a Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil

Para iniciar este principal capítulo do presente trabalho, de pronto será abordada

a questão sobre a dupla dominialidade dos recursos hídricos no Brasil, tema que

teve leituras sobre alguns de seus principais problemas e desafios, no item 3.4 do

Relatório 01.

De um lado, há posicionamentos de que as águas no Brasil deveriam concentrar-

se sob o domínio da União, tal como entende o destacado profissional Dr.

Benedito Braga, atual Presidente do Conselho Mundial da Água.

Com efeito, em recente entrevista ao Jornal Valor Econômico (24 de abril de

2014), dentre outras, entraram em pauta questões relacionadas: (a) de um lado, a

definição de que o 8º Fórum Mundial da Água deverá ocorrer no Brasil, em 2018,

tendo como tema principal o "Compartilhando as Águas", título que já explicita

seu entendimento a respeito; e, (b) de outro, a crise do Sistema Cantareira e a

proposta paulista de que sejam transpostos cerca de 5 m3/s a partir da represa

Jaguarí, situada entre os ribeirões das Palmeiras e da Boa Vista, afluentes

estaduais do Rio Paraíba do Sul.

Assim, o Dr. Ben. Braga fez as seguintes afirmações:

...se o domínio sobre os rios brasileiros fosse totalmente

federal, como ocorre no México, seria mais fácil evitar

conflitos como o que ameaça irromper entre São Paulo e o

Rio de Janeiro sobre o aproveitamento da bacia do Rio

Paraíba do Sul.

(...)

O modelo no qual os rios são todos nacionais seria o ideal

para nós, porque aí você poderia usar a bacia hidrográfica

como a sua unidade de planejamento, de gerenciamento

dos recursos hídricos. No Brasil, nós também utilizamos a

bacia hidrográfica, só que, constitucionalmente, temos essa

limitação.

_________________________________________________________________________

17

Mesmo sob tal abordagem, o Dr. Ben. Braga entende que atualmente São Paulo

tem total soberania sobre a represa Jaguari, com parte de seu volume devendo

ser transposto para o Sistema Cantareira, embora seja afluente do Rio Paraíba do

Sul, principal provedor da capital fluminense e de seu entorno.

Com isto posto, salvo engano, entende-se que, segundo o Dr. Benedito Braga, a

concentração do domínio das águas na União forçaria um compartilhamento das

águas, ou seja, acordos e compromissos mútuos entre os estados federados do

Brasil.

Porém, sem divergências extremas, mas com distintas estratégias de gestão, tal

como já disposto no capítulo anterior (item 1.2), em sua primeira Nota Técnica do

Relatório Técnico Parcial 3, Canali sublinha a necessidade de uma gestão

descentralizada, portanto, com os chamados “comitês de integração”, devendo

ser entendidos como “comitês de articulação”, para que haja um

compartilhamento das águas em bacias que abranjam mais de um estado, no

sentido de neutralizar a tendência centralizadora, historicamente reconhecida, nas

instâncias superiores do Poder Público.

Ademais, Canali também destaca o princípio da subsidiariedade, fato que explicita

discordância quanto à proposição de que haja uma alteração constitucional, para

que as águas sejam concentradas sob o domínio da União. Ao contrário, entende

que seria preferível a ocorrência de entendimentos entre os próprios estados

federativos, mesmo com a necessidade de contar com a União, a ser vista como

mediadora para acordos e compromissos, via seu órgão gestor de recursos

hídricos – a ANA.

Mais do que isso, coloca em pauta a possibilidade da própria União delegar certos

encargos aos estados federados, a exemplo da emissão de outorgas, além do

entendimento de que a gestão em bacias com menores dimensões tem se

apresentado com maior consistência, no mais das vezes, devido à sua maior

proximidade com os problemas relevantes a serem enfrentados.

Com efeito, no caso do Brasil, mesmo com a dupla dominialidade das águas,

segundo conceitos já apresentados pelo Relatório 01, não obstante a dimensão

de certas bacias, devem ocorrer abordagens diferenciadas, segundo cada

natureza de problemas relacionados aos recursos hídricos, inclusive daqueles

que poderão ser advindos de mudanças climáticas.

_________________________________________________________________________

18

Como um primeiro exemplo, no caso do Alto Rio Iguaçu, até 20044 visto como

trecho superior de rio federal, por certo que os problemas próprios à Região

Metropolitana de Curitiba não poderiam ser equacionados somente via Brasília.

Bem ao contrario, mesmo na época com o rio sob o domínio federal, somente

com a presença dos municípios – e de suas legislações – é que problemas de

uma aglomeração urbana poderiam ser solucionados, vez que o uso e ocupação

do solo torna-se uma variável indispensável para soluções efetivas, bem como a

prestação de serviços de saneamento básico. Sendo assim, na época de

2001/2002, foi celebrado um Convênio do Governo do Estado do Paraná com a

ANA, para delegação da emissão de outorgas, por conta do órgão estadual gestor

de recursos hídricos.

Como outro exemplo bem ao contrário, deve-se reconhecer que, mesmo em

casos onde determinado rio afluente seja de domínio estadual, caso ocorram

problemas mais a jusante, relacionados a outros estados e a problemas mais

regionais, a presença da União passa a ser necessária, sem que apenas

interesses pontuais a montante sejam considerados, como a indefinição de

vazões mínimas a serem asseguradas entre as fronteiras dos estados em pauta.

Mais do que isso, além do perfil dos problemas, também cabe considerar as

capacidades institucionais presentes, frente à natureza dos desafios, portanto,

tanto com apoios top-down quanto bottom-up, em casos distintos.

Muito resumidamente: levando em consideração a necessária adaptação a

mudanças climáticas, recomenda-se que sejam desenvolvidas estratégias

próprias aos problemas que deverão ser equacionados, com uma presença

democrática e efetiva da União e dos estados federados, segundo a natureza dos

problemas e as capacidades institucionais presentes.

Como outra referência importante sobre esta questão da dupla dominialidade dos

recursos hídricos no Brasil, cabe registrar o artigo intitulado “Quem é

responsável pela administração dos rios?”, escrito pelo Dr. Jerson Kelman, em

4 Neste ano, ocorreu a Resolução 399/2004 da ANA, quando foram revistos os domínios de rios,

com ênfase nas distâncias a partir de nascentes, no caso do trecho do Alto Rio Iguaçu, com a

identificação de um trecho menor do que o do Rio Negro, fato que o redeterminou como sendo

trecho de rio afluente sob o domínio estadual.

_________________________________________________________________________

19

conjunto com Bernardo Cabral5. Neste artigo, consta uma pergunta muito similar

ao título, com as respostas reproduzidas a seguir, in verbis:

Quais seriam então as responsabilidades de governos

estaduais na administração dos rios? A primeira

responsabilidade é óbvia: quando toda a bacia hidrográfica

estiver contida em território de um único estado, é evidente

que não existem externalidades para cidadãos de outros

estados e a administração de todos os rios da bacia deve

ficar sob a responsabilidade do correspondente governo do

estado. A segunda responsabilidade é de interagir com a

União no processo de descentralização das decisões.

Sempre que possível, tudo o que puder ser resolvido

pelo governo do estado, ou por consórcio de governos

estaduais, não deve ser resolvido pela União. Por

exemplo, seria desejável que a União delegasse a

administração da bacia do rio Z a consórcio formado

pelos estados A e B. A terceira responsabilidade é

participar, juntamente com a União e com os municípios,

nos comitês de bacia.

Conclusão: Um eventual confronto jurídico em torno

das alternativas aqui abordadas será de todo

desnecessário se efetivamente ocorrer a articulação

entre a União e os estados tendo em vista o

gerenciamento dos recursos hídricos de interesse

comum (Art. 4º da Lei Nacional nº 9.433/1997).

(destaques negritados e sublinhados)

Agora sob um ponto de vista mais jurídico-legal e voltando às abordagens de

Canali, ele entende que, por mais detalhista que tenha a presente Constituição

Federal, há questões ditas como metajurídicas, as quais devem ser explicadas no

âmbito da ciência própria, ou seja, não pertencem ao mundo das definições

estritamente legais, para então serem aplicadas em casos concretos.

No mesmo sentido, muito recentemente contanto com longos debates na Lista da

Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) sobre a dominialidade das

águas, o profissional da ANA, Luciano Meneses, afirmou que não precisamos

5 Revista Justiça e Cidadania, Rio de Janeiro, n. 36, jul. 2003.

_________________________________________________________________________

20

levar esta questão ao STF, pois a ANA está tratando deste tema de forma

adequada e com competência legal há 10 anos.

A propósito de um tema bem próximo e similar, em mensagem à Lista da ABRH,

Canali informou que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF)

manifestou-se sobre uma ação que já se desenvolvia há quase duas décadas,

tendo concluído que responsabilidade (competência) pela gestão dos assuntos de

interesse comum em áreas metropolitanas, inclusive o saneamento, deve ser

compartilhada paritária e compulsoriamente pelos estados e os municípios que as

compõem. O relator Ministro Gilmar Mendes se refere ao federalismo de

cooperação, como saída para querelas de competências.

Enfim, o saneamento sempre foi considerado sob a titularidade e como

competência municipal, entretanto, agora, nas regiões metropolitanas passa a ser

também dos estados.

Assim, contando com todos esses insumos e abordagens de profissionais, como

uma proposta para avanços na Governança da gestão dos recursos hídricos,

voltada ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, cumpre

registrar que não deve ser alterada a dupla dominialidade das águas, como

forma fundamental para que ocorram tais avanços na gestão. Ao contrário, os

acordos entre os estados federados e a União, além dos municípios, é o que deve

ser mais empreendido, tal como consta na presente pauta de trabalho da ANA, via

o Pacto das Águas, a ser abordado mais a frente.

2.2. Propostas Gerais relacionadas ao SINGREH

Sob o entendimento de que não devem ocorrer alterações a respeito da dupla

dominialidade das águas no Brasil, agora será possível registrar propostas

gerais relacionadas ao SINGREH, tendo em vista avanços na Governança e

possíveis adaptações a mudanças climáticas.

As propostas gerais são as seguintes, algumas a serem abordadas com maiores

detalhes em capítulos mais à frente:

redefinir uma estratégia institucional, com maior ênfase em

abordagens locais de problem-sheds, tanto face a adaptação a

_________________________________________________________________________

21

mudanças climáticas, quanto para equacionamento dos principais

problemas interrelacionados aos recursos hídricos, que sejam identificados

em cada região;

esta nova estratégia institucional deve ser baseada numa efetiva gestão

descentralizada, com aplicação do princípio da subsidiariedade, além

de leituras territoriais estratégicas;

no que tange às regiões, tal como consta no Relatório 01, devem ser

considerados modelos com perfis mais próprios de gestão para a

Amazônia, o Semiárido brasileiro e o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-

Oeste;

para todas essas regiões, recomenda-se que seja atualizado o Mapa de

Gestão da ANA, sob o conceito e a metodologia de “geometria

variável”;

no caso da região Amazônica, recomenda-se verificar a possibilidade de

um Sistema Regional de Gestão, pautado por um órgão regulador

conjunto, com ênfase na sua atuação sobre áreas de proteção e

conservação ambiental, com vistas a um efetivo controle sobre a retirada

de matas e florestas;

neste sentido, deve-se atuar em favor de convênios e/ou consórcios

coletivos entre os estados da região Amazônica, além de reler e aplicar as

diretrizes gerais que consta no item 2.4.1 do Relatório 01;

para o Semiárido brasileiro, empreender estudos e planejamentos

estaduais voltados ao ordenamento da ocupação do território e ao

desenvolvimento da rede de cidades, face ao inexorável processo de

urbanização e núcleos de Arranjos Produtivos Locais (APLs), com

comunidades rurais menos dispersas, eventualmente reassentadas das

áreas de riscos mais críticos e inseguros;

também devem ser relidas e aplicadas as diretrizes gerais que constam no

item 2.4.2 do Relatório 01, com maior destaque para:

(a) o gerenciamento das disponibilidades, incluindo: (i) a infraestrutura de

armazenamento corretamente construída (mitigar efeitos da

evapotranspiração e otimizar regularização); (ii) a infraestrutura de

_________________________________________________________________________

22

transporte de água (canais e adutoras), definida segundo eixos com

localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e

estratégias de consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) além de

mais consistência em sistemas localizados para suprimento de águas

voltadas a comunidades rurais; e,

(b) o gerenciamento da demanda, incluindo: (i) a redução de perdas e

desperdícios e a operação e manutenção de sistemas; e, (ii) o

ordenamento espacial da demanda (indução positiva à migração

intrarregional e consolidação de redes urbanas);

para as regiões do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, no que tange a zona

produtiva rural, cabe incentivar tecnologias mais sustentáveis em termos

ambientais, com as políticas e programas do País voltando a conferir

prioridade para a difusão de práticas de manejo e conservação de solos

e da água, tendo como principal referência o Programa Produtor de

Águas, a ser bem mais expandido;

além disso, muitas das intervenções regionais sempre deverão ter como

um de seus objetivos a consolidação de corredores da biodiversidade,

mediante a união, pela via de matas ciliares, de áreas de conservação e de

florestas nativas;

mais especificamente quanto as atuais fronteiras de expansão do

agronegócio brasileiro, cabe enfatizar um planejamento antecipado para

ordenamento consistente da ocupação do território, além de formas

mais rigorosas para fiscalização hídrica e ambiental, de forma a prevenir e

evitar potenciais impactos inadequáveis;

também entra em pauta a relevante proteção e conservação do Bioma do

Pantanal, tal como consta nas diretrizes gerais dispostas pelos itens

2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii) do Relatório 01, a serem relidas e consideradas;

quanto às redes de cidades dessas regiões, com ênfase para suas maiores

aglomerações urbanas, recomenda-se que voltem a ser empreendidos

programas de saneamento ambiental urbano (PROSAMs), os quais

devem chegar a modelos de gestão próprios a áreas-problema (problem-

_________________________________________________________________________

23

sheds) – neste caso, também incluindo as regiões metropolitanas do

Nordeste brasileiro;

no contexto desses programas, merecem destaques eventuais

reassentamentos de moradores localizados em áreas de risco – no

mais das vezes, em favelas, cortiços e ocupações desconformes –, assim

como uma indispensável proteção de certas áreas ambientais,

notadamente no caso de mananciais identificados como relevantes,

tendo em vista possíveis mudanças climáticas, que podem afetá-los;

além disso, os PROSAMs devem contemplar sistemas de saneamento

básico, incluindo: a redução de perdas e desperdícios, chegando a uma

operação e manutenção mais consistente dos sistemas de reservação e

de distribuição de água; avanços nos atuais níveis de coleta e tratamento

de esgotos; e, possível reuso das águas, além de outras indicações

dispostas pelas diretrizes gerais, a serem relidas e consideradas, tal como

constam no item 2.4.3.(iii) do Relatório 01;

voltando agora a recomendações mais gerais em favor do SINGREH, é

muito importante sublinhar a notável frente de atuação disposta pelo Pacto

Nacional pela Gestão das Águas, no presente, em plena iniciativa da

ANA, o qual deve ser empreendido sob a ótica de um Pacto Federativo

(ver próximo Capítulo 3), portanto, sob uma perspectiva de maior

descentralização da gestão e mais proximidade junto às áreas-problema;

mesmo lembrando das especificidades que tendem a ocorrer nos

convênios celebrados entre a ANA e os governos estaduais, como frente

inicial de trabalho do Pacto das Águas, pretende-se um fortalecimento dos

órgãos estaduais gestores de recursos hídricos, sendo que, para tanto,

recomenda-se a realização de estudos para um planejamento

institucional estratégico dessas entidades, tendo como referências

metodológicas as que já foram apresentadas no primeiro capítulo do

Relatório 01;

neste sentido, cabe lembrar que será necessário um cruzamento entre as

estruturas institucionais dos órgãos gestores e os perfis dos

principais problemas de recursos hídricos a serem enfrentados –

_________________________________________________________________________

24

inclusive para adaptação a mudanças climáticas –, vez que, tal como já

mencionado, arranjos institucionais não devem constituir um fim em si

mesmo, ao contrário, devem apresentar-se como respostas concretas e

objetivas às demandas para uma gestão consistente frente à natureza dos

problemas presentes e/ou previstos;

contudo, sem restrições a essa recomendação, cabe lembrar que, segundo

documentos da ANA sobre o Pacto das Águas, no que concerne às metas

de desenvolvimento institucional, acredita-se que devem ser estabelecidas

a partir das aspirações e preocupações dos próprios estados,

cabendo à União, neste caso, oferecer, quando solicitados, elementos de

subsídio à tomada de decisão no nível estadual;

mesmo assim, segue em pauta uma recomendação para que haja incentivo

aos estados federados, sobre a avaliação de metas indispensáveis ao

fortalecimento dos seus órgãos gestores de recursos hídricos,

incluindo: (a) a dimensão do quadro de pessoal, com sua qualificação,

capacitação e renovação periódica; (b) a indispensável operação das

redes hidrometeorológicas e hidrogeológicas, com dados

pluviométricos, fluviométricos e de qualidade da água; e, (c) a superação

de deficiências de bases técnicas requeridas para uma Governabilidade

(identificação das relações entre causas e efeitos) consistente para a

gestão das águas, a exemplo de cartografia básica, cadastros de usuários

e sistemas de apoio à decisão, dentre outros;

uma vez contemplada esta frente inicial de trabalho prevista pelo Pacto

das Águas, para que, de fato, ocorra uma GIRH, caberá promover maior

integração com outras áreas, em particular, com a gestão do meio

ambiente, incluindo esforços para a valoração dos serviços ambientais,

em ecossistemas e também no meio urbano, integração esta que deve ser

empreendida mediante sistemáticas que articulem instrumentos, como

sistemas de informação, enquadramento, licenciamento ambiental e

emissão de outorgas, sendo interessante empreender estudos sobre o

licenciamento de atividades com base na capacidade de suporte de

_________________________________________________________________________

25

certas unidades territoriais, avançando em relação ao mero controle

tradicional, no mais das vezes, limitado somente a padrões de emissão6;

ademais, já contando com fortalecimentos institucionais e com

reconhecidas competências de órgãos estaduais gestores de recursos

hídricos, para que haja uma efetiva gestão descentralizada e participativa,

com maior pragmatismo e aproximação junto às áreas-problema, muitas

delas a serem destacadas pelo perfil de mudanças climáticas, deve-se

pensar em possíveis delegações de encargos e responsabilidades,

inclusive no que tange a emissão de outorgas, caso possíveis problemas

relacionados a este instrumento de gestão sejam bem mais locais do que

compartilhados com outros estados ou países vizinhos;

ainda a respeito desta proposta de delegação, para que haja uma

estratégia institucional consistente em favor dos estados federados,

deve-se considerar, de um lado, as capacidades institucionais instaladas

em cada unidade federada e, de outro, a própria condição dos órgãos da

União, com ênfase para a ANA, de conferirem respostas às demandas

advindas das diversas bacias e regiões hidrográficas, ou seja, deve-se

empreender uma descentralização calibrada em função das mútuas

capacidades técnicas e institucionais, tanto top-down quanto bottom-up;

enfim, novamente recomenda-se aplicar o princípio da subsidiariedade

no trato dessas divisões de encargos, zelando para que, sempre que

possível, os problemas sejam resolvidos no âmbito mais próximo à

sua gênese, com demandas alçadas a instâncias mais superiores e

afastadas somente frente à incapacidade de um adequado

equacionamento local, por vezes, em razão de insuficiências

institucionais e/ou técnico-científicas locais, além da persistência de

impasses decisórios, da falta de recursos ou, ainda, nos casos em que as

instâncias locais não abrigam todos os interessados das questões sob

análise;

6 A integração entre meio ambiente e recursos hídricos não implica, necessariamente, na fusão de

instituições, uma vez que é importante preservar as ênfases diferenciadas entre a gestão das

águas (modelo de negociação social e capacidade de suporte de bacias) e a do meio ambiente

(prevalência do C&C, via licenciamento).

_________________________________________________________________________

26

sendo assim, no caso de bacias compartilhadas com certos países

vizinhos, a exemplo da própria bacia do Rio Amazonas e do seu

importante afluente Rio Madeira, torna-se indispensável ter acesso a

dados e informações hidrometeorológicas sobre suas nascentes e

perfis mais a montante, para que projeções e diagnósticos relacionados a

efeitos advindos de mudanças climáticas possam ser abordados sob uma

base técnica e com dados consistentes;

seguindo a frente com as propostas em pauta, face a problemas mais

graves advindos de possíveis mudanças climáticas, recomenda-se

articular a gestão de recursos hídricos com a Defesa Civil (ver mais

detalhes no Capítulo 4), a qual encontra-se identificando e mapeando

áreas de risco, nas quais intervenções poderão ser necessárias e

indispensáveis, sobretudo para reassentamento de populações

inadequadamente residentes;

ademais, também deve-se contemplar formas para uma inserção bem

mais substantiva dos municípios nas estratégias de gestão dos

recursos hídricos, uma vez que muitas das variáveis decisivas

encontram-se sob a sua competência (legislação de uso e ocupação do

solo, código de posturas urbanas, de obras e de edificações, titularidade de

serviços de saneamento, intervenções em drenagem e disposição final de

resíduos sólidos, dentre outras)7;

contudo, tendo em vista suas contínuas e inexoráveis intervenções

territoriais em bacias hidrográficas, as prefeituras municipais devem ser

consideradas: (a) de um lado e por vezes, como usuárias de recursos

hídricos, especialmente mediante a atuação de certas secretarias

municipais executivas, a exemplo das que empreendem obras para

microdrenagem, as quais interferem nas dinâmicas de vazões hídricas,

assim exigindo as devidas obtenções de outorgas; e, (b) de outro, como

entidades com certas funções regulatórias, na medida em que

constituem secretarias do meio ambiente, para fiscalizações e, com

7 Mediante os instrumentos legais mencionados, pode-se promover maiores sintonia e sinergia

entre a legislação municipal e a de recursos hídricos.

_________________________________________________________________________

27

relevância, para emitir muitos dos licenciamentos ambientais, na maioria,

mais locais;

chegando, agora, a recomendações mais próprias às instâncias

componentes do SINGREH, além de possíveis revisões sobre a

composição do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e da

necessária identificação de atores estratégicos que devem ser

representantes junto a inúmeros dos comitês de bacias, já instalados

no Brasil, cabe um elevado destaque para o perfil institucional de

agências de bacias hidrográficas, no presente, sob a ótica estabelecida

pela Lei Federal nº 10.881/2004, a qual estabeleceu a possibilidade de

celebração de Contratos de Gestão junto às chamadas “entidades

delegatárias”, definidas como associações civis de direito privado, sem fins

lucrativos;

não obstante esta importante possibilidade, que propiciou a criação de

entidades como a AGEVAP (Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia

Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), a qual celebrou o primeiro Contrato de

Gestão com a ANA, já em setembro de 2004, bem como a Associação

Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas (AGB – Peixe Vivo),

em muitos casos, seguem em pauta problemas e restrições advindas de

limites para autossustentação financeira, vez que as “entidades

delegatárias” estão sujeitas ao limite de 7,5% das arrecadações via

Cobrança pelo Uso da Água;

assim, salvo melhor juízo, recomenda-se que sejam ainda mais

flexibilizadas as alternativas para que outras instituições possam

atuar executivamente na gestão de recursos hídricos, tanto para certas

funções e encargos de agências de bacias, quanto para empreendimentos

previstos pelos planos de bacias, ou seja, entende-se que não se deve

limitar atuações somente a “entidades delegatárias”, mas também

considerando órgãos estatais – ou até mesmo privados ou de

economia mista –, com os quais podem ser celebrados convênios ou

contratos de gestão;

mais detalhes a respeito constam no Capítulo 5, além de uma referência a

respeito apresentada no Anexo I, na qual são dispostas as respectivas

_________________________________________________________________________

28

vantagens e desvantagens de alternativas para que entidades possam

exercer o papel de agência da bacia do Rio Corrente, localizado no oeste

da Bahia e afluente da margem esquerda do Rio São Francisco, onde

estimativas de arrecadação via Cobrança tornam evidente e inquestionável

a impossibilidade de constituir-se uma mera “entidades delegatária”, para o

exercícios das funções como agência dessa bacia;

para tanto, serão necessárias algumas alterações, ajustes e/ou

complementações dos dispositivos legais vigentes, que se mostrem

indispensáveis, seja em busca de maior eficiência no processo de

articulação dos entes envolvidos na gestão dos recursos hídricos, ou para

fins de adaptação a mudanças climáticas – algumas delas serão

mencionadas no Capítulo 5 do presente Relatório 02;

quanto a recomendações relacionadas a Instrumentos de Gestão (Eixo III),

cabe aprofundar conceitos e princípios legais sobre o Direito das

Águas, notadamente para o trato de eventos críticos que poderão

exigir, de forma antecipada e preventiva, racionamento, suspensão de

direitos de outorgas concedidas, realocação de disponibilidades e outras

eventuais disputas em quadros críticos que afetem os recursos hídricos8;

por fim, como última recomendação voltada para avanços na Governança

da gestão de recursos hídricos e adaptação a mudanças climáticas, sob

uma ótica de planejamento institucional estratégico, interno à

estrutura organizacional da ANA, recomenda-se que suas diretorias

sejam definidas com base em abordagens regionais do Brasil, e não

como no presente, quando são definidas com responsabilidades temáticas,

fato que, s.m.j., tem incentivado atuações isoladas de muitas de suas

superintendências, portanto, sem a devida integração temática e setorial

para a gestão de recursos hídricos;

ou seja, dizendo de outra forma, entende-se que tendo suas diretorias

definidas como responsáveis por certas regiões do Brasil, haverá um

8 Recomendação do Prof. Rubem La Laina Porto, o qual, em adição, apresentou o caso dos EUA

como uma das possíveis referências, fazendo a seguinte pergunta: Há nos EUA um modelo

nacional de gestão de recursos hídricos? A resposta é não. Ao contrário, sob uma ótica

pragmática, os americanos definem soluções próprias, segundo a natureza de cada problema.

_________________________________________________________________________

29

indispensável cruzamento continuado entre diversas de suas

superintendências, sem restrições para que seus Diretores troquem,

periodicamente, responsabilidades sobre as diferentes regiões do Brasil.

_________________________________________________________________________

30

3. O Pacto das Águas a ser empreendido como um Pacto Federativo9

Mesmo com as proposta gerais que já foram apresentadas e tendo em vista a

importante iniciativa do Pacto das Águas, torna-se inegável o reconhecimento de

que a gestão de recursos hídricos no Brasil contou com avanços significativos a

partir da promulgação da Lei Nacional nº 9.433, que instituiu a Política e o

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em 08 de janeiro de

1997.

Entretanto, decorridos 17 anos, hoje há um elevado consenso de que os

resultados efetivos são modestos e de que há necessidade de promover ajustes

que conduzam a um maior dinamismo para o Sistema e aos objetivos colimados

pela Política das águas, que apresenta um relevante interesse social. Assim, os

ajustes, sejam eles de natureza legal e/ou institucional, requerem iniciativas do

Poder Público, sempre com o envolvimento e compromissos conjuntos da União e

dos estados federados, ambos titulares do domínio das águas conforme

estabelecido na Constituição Federal, portanto, com um desafio que deve ser

vencido em ambas as esferas.

Com efeito, em termos realistas e pragmáticos a Política e o Sistema Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos demandam articulações indispensáveis,

ainda que o mandamento constitucional tenha incumbido à União a competência

privativa de legislar sobre as águas, vez que a Constituição também estabeleceu,

segundo definição já expressa, um duplo domínio das águas, tanto para a União

quanto para os estados federados, os quais dominam as águas subterrâneas.

Assim, entende-se que esta dicotomia entre o duplo domínio das águas e a

competência legal privativa da União impõe dificuldades para uma atuação

conjunta com os estados, fato que não é observado exclusivamente na gestão

das águas, vez que o modelo federalista trazido pelo Constituição de 1988 ainda

se apresenta como fator de certa tensão permanente entre a União e as unidades

federadas, portanto, exigindo continuados aperfeiçoamentos.

De fato, no âmbito da União, a gestão das águas vem sendo implementada sob

os ditames da referida Lei da Política Nacional e de seus regulamentos, em

9 Abordagem elaborada por Gilberto Valente Canali, como consultor subcontratado.

_________________________________________________________________________

31

especial, após o ano 2000, quando ocorreu a criação da Agência Nacional de

Águas, através da Lei Federal nº 9.984, do mesmo ano.

Já no âmbito dos estados e do Distrito Federal, verifica-se que todos

providenciaram suas respectivas leis, expressando suas políticas e seus sistemas

de gerenciamento das águas, fato que tem suscitado relativa perplexidade sob o

ponto de vista do ordenamento jurídico-constitucional, vis-a-vis à competência

privativa da União, sendo que, por ora, o entendimento pacificador da questão é

no sentido de que as leis estaduais e distritais não estabelecem direitos sobre o

uso das águas, pois estes estão sob a competência privativa da União, portanto,

com os estados federados sublinhando organizações administrativas em seus

âmbitos respectivos, as quais habilitam cada estado a exercer a gestão das águas

sob seu domínio.

Contudo, na maioria dos estados federados verifica-se uma inadequada lentidão

quanto a seguidos avanços institucionais de seus respectivos órgãos gestores de

recursos hídricos e, também, na aplicação mais consistente dos instrumentos de

gestão, por diversas razões, entre as quais se percebe uma relativa

desconsideração quanto à importância do gerenciamento das águas, para

assegurar sua quantidade e qualidade suficiente para os diferentes usos, da atual

e das futuras gerações.

Além dessa razão, observa-se que recursos financeiros insuficientes – por vezes

em decorrência dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual

todos estão sujeitos – os impedem de constituir equipes permanentes e mais

capacitadas para o exercício das suas competências legais na matéria.

Como resultado, constata-se uma enorme disparidade entre situações que se

caracterizam por maior ou menor capacidade para a gestão dos recursos hídricos

sob o domínio dos estados, bem como para articulação com a União, ou seja,

para a atuação conjunta no gerenciamento dos recursos hídricos de interesse

comum, conforme determina a Lei Nacional nº 9.433/1997. Também cabe ser dito

que o interesse comum se estabelece na maioria das bacias hidrográficas

brasileiras, dado que seus sistemas hídricos componentes, em geral, se

apresentam sob um duplo domínio, pressupondo-se, pois, que a gestão seja feita

conjuntamente, respeitadas as respectivas competências, porém, sempre com

_________________________________________________________________________

32

objetivos comuns pactuados e compartilhados, segundo compromissos formais a

serem celebrados.

Todavia, esta questão não tem sido simples, uma vez que, tendo a União bem

melhor equipada do que na maioria dos estados, tende a ser estabelecida uma

evidente hegemonia na definição de prioridades, não obstante já terem sido

constituídos mais de duas centenas de comitês de bacia, sempre para integrar

sistemas de gerenciamento – federal ou dos estados –, aos quais compete

promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos e articular a

atuação das entidades lá intervenientes, sempre sob uma forma descentralizada,

contando com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Seguindo a respeito, cabe ainda reconhecer que a abordagem determinada pela

legislação para a gestão dos recursos hídricos – isto é, a definição de que a bacia

hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional e

atuação do SINGREH – constituiu uma significativa inovação na administração

pública brasileira, vez que esta definição impõe, necessariamente, considerações

que ultrapassam os tradicionais espaços próprios de atuação, definidos pelos

territórios dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Para enfatizar este aspecto, cumpre lembrar que a Lei Nacional nº 9.433 dispõe,

entre suas diretrizes gerais, a integração da gestão das bacias hidrográficas com

a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras, os quais se observa que chegam a

extrapolar os espaços mencionados e, até mesmo, os limites próprios de bacias

hidrográficas.

A respeito do tópico em pauta, também torna-se importante reapresentar as

seguintes diretrizes gerais da Política Nacional de Recursos Hídricos, já

abordadas pelo Relatório 01, anterior, a saber:

a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação de aspectos

de quantidade e de qualidade das águas;

a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, tema

que, segundo a Constituição, é de competência comum da União, dos

estados, do Distrito Federal (DF) e dos municípios, cujas normas de

cooperação são fixadas por leis complementares;

_________________________________________________________________________

33

a articulação da gestão dos recursos hídricos com o ordenamento do

uso, da ocupação e da conservação do solo, tema este inserido na

competência legislativa concorrente da União, dos estados e do Distrito

Federal, bem como e principalmente, conforme expresso pela Lei Nacional

nº 9.433, com este tema a ser notadamente promovido pelos

municípios, juntamente com a integração das políticas locais de

saneamento básico, que inclui abastecimento de água potável, coleta e

tratamento de esgotos sanitários, coleta e disposição final adequada de

resíduos sólidos e sistemas de drenagem, além de outras varáveis

relacionadas à sustentabilidade socioambiental;

a indispensável articulação do planejamento de recursos hídricos

com planos de todos os setores usuários das águas (variáveis

intervenientes), além dos planejamentos regional, estadual e nacional

(variáveis supervenientes), para uma efetiva gestão integrada; e,

com grande ênfase, a adequação da gestão de recursos hídricos às

diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais

das diferentes regiões do País.

Por fim e adicionalmente, cabe lembrar que é competência comum da União, dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios registrar, acompanhar e fiscalizar as

concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais

em seus respectivos territórios.

Torna-se claro e inquestionável, portanto, que a gestão dos recursos hídricos no

âmbito de bacias hidrográficas é tarefa que exige uma indispensável atuação

conjunta da União, dos estados e do DF, além dos próprios municípios, para que

ocorra uma articulação integrada de determinadas matérias, notadamente nos

casos mais complexos, com a presença de diferentes variáveis.

De fato, novamente volta-se a repetir que a Lei Nacional nº 9.433 determina que a

União se articule com os estados e com o DF, tendo em vista o gerenciamento de

recursos hídricos de interesse comum. Porém, sabe-se que esta Lei não é

especifica em relação à articulação com os municípios, fato que pode ser

superado ao se recorrer a uma interpretação estendida da noção expressa, para

que também se contemple tais unidades federativas.

_________________________________________________________________________

34

Com esta visão, a questão da dicotomia do domínio das águas entre a União, os

Estados e o DF pode ser relativizada, restringindo sua importância a

determinadas competências – sobretudo, para a emissão de outorgas para direito

de uso das águas –, para que sejam postas em maior evidência e melhor

compreendidas as obrigações comuns de todos os entes federados,

especialmente na formulação de soluções para problemas de interesse das

comunidades de bacias hidrográficas, sempre contando com suas devidas

participações junto a um Sistema de Gestão descentralizado.

Em outros termos, tal como já registrado no item 2.1, entende-se que não será

necessário emendar a Constituição para alterar o domínio das águas, seja

concentrando todos os domínios no âmbito da União, tal como defendem alguns,

ou descentralizando o domínio das águas nacionais interiores para o âmbito dos

estados e do Distrito Federal, ressalvados apenas os rios fronteiriços ou

transfronteiriços, como defendem outros. A propósito, além da dificuldade própria

da promoção de uma emenda constitucional, a matéria não se apresenta urgente

ou prioritária perante outras questões mais cruciais, com as quais, no presente, já

se debate a sociedade brasileira.

Enfim, é muito mais importante buscar mecanismos de integração e articulação

de políticas públicas afins e de atuação da administração pública nos três níveis

federativos, com maior eficiência e efetividade. Neste sentido, torna-se necessário

entender o sentido da integração e da articulação, vez que no sentido comum tais

termos são usados como se sinônimos fossem, sem maior preocupação com o

sentido pretendido pelo legislador, quando ora determina a integração, ora a

articulação.

A propósito, entende-se que a distinção está no comando à articulação, cujo

significado seria a atuação conjunta mediante a contratualização de objetivos e

metas, com a definição das responsabilidades de cada parte e alocação

correspondente de recursos. Embora a prática corrente nas relações federativas

indique alguns poucos exemplos e instâncias bem sucedidas na administração de

interesse comum, o fato é que no âmbito da gestão dos recursos hídricos ainda

não se pode generalizar essa impressão, havendo várias razões para explicá-lo.

Com efeito, a demora na edição de leis complementares, que ordenem a forma de

cooperação para a realização das competências comuns aos entes federados e,

_________________________________________________________________________

35

até mesmo, para eventualmente autorizar os estados a legislarem em matérias

sob competências privativas da União, deve ser considerada, como fator a

explicar, a baixa performance da administração nas matérias aqui abordadas.

Neste contexto, em paralelo, um grande passo foi dado em 2011, com a edição da

Lei Complementar nº 140, que define as formas de atuação de cooperação

federativa, portanto, descentralizada, com vistas à gestão ambiental, mostrando

um bom caminho para a abordagem de outras matérias que ainda buscam saídas

para alcançar resultados efetivos na implementação das respectivas políticas

públicas.

Por outro lado, além das dificuldades impostas pela dupla dominialidade e pelo

dever de descentralizar a gestão, com participação do Poder Público, dos

usuários e das comunidades, a informação disponível na maioria das bacias

hidrográficas brasileiras ainda não permite realizar com segurança a identificação

precisa das relações entre causas e efeitos, associadas aos principais problemas

identificados, inclusive pelas próprias comunidades, portanto, sendo praticamente

inviável definir efetivos cursos de ação, prioridades e alocação de recursos para

as devidas abordagens e soluções, pelo menos enquanto não se tornarem

evidentes as capacidades para realizar a integração, a articulação e a

contratualização de responsabilidades que levem os entes federados a resolver

conjuntamente problemas de interesse comum.

Enfim, o quadro atual revela que se torna fundamental e premente resolver a

enorme disparidade constatada na capacidade institucional e administrativa, entre

a maioria dos estados, visando a capacitar seus órgãos gestores de recursos

hídricos e afins, para o exercício de suas funções e para a articulação

interinstitucional, seja no âmbito próprio da administração estadual, seja,

principalmente, nas relações entre a União e os municípios, com foco na gestão

por bacia hidrográfica (water-shed management) e na solução dos problemas de

interesse comum às comunidades (problem-shed management).

Igualmente, cabe reconhecer a importância de oferecer dados, informações e a

capacitação das próprias comunidades, tendo em vista uma participação

indispensável nos debates sobre as soluções, ou seja, com um acompanhar pari-

pasu à capacitação institucional e administrativa.

_________________________________________________________________________

36

A este respeito, para os fins do presente trabalho é preciso considerar que os

problemas e objetivos contemplados pela Política Nacional de Recursos Hídricos

passarão a ter maior complexidade em decorrência das mudanças climáticas que

venham a afetar todas as regiões do País, seja em maior ou menor grau,

emergindo daí a necessidade de capacitação das entidades e das comunidades

para a gestão e adaptação a novas realidades.

Portanto, são alvissareiras as iniciativas da Agência Nacional de Águas, já em

pleno curso, tanto ao promover a capacitação massiva de muitos agentes e

indivíduos interessados, potencialmente participantes de fóruns coletivos para

debates e tomadas de decisões, tal como previstos como componentes do

SINGREH, quanto ao propor aos estados um Pacto Nacional pela Gestão das

Águas, cujo objetivo maior é a construção de compromissos entre os entes

federados – União, estados e DF –, visando à superação de desafios comuns e à

promoção do uso múltiplo e sustentável dos recursos hídricos, sobretudo em

bacias compartilhadas.

Esse objetivo maior desdobra-se em outros dois mais específicos, quais sejam:

(i) promoção da efetiva articulação entre os processos de gestão das águas

e de regulação dos seus usos, conduzidos nas esferas nacional e

estadual; e,

(ii) fortalecimento do modelo brasileiro de Governança das águas, integrado,

descentralizado e participativo.

As premissas do Pacto das Águas incluem:

- o fortalecimento dos Sistemas Estaduais de Gestão de Recursos

Hídricos, tema a ser tratado prioritariamente;

- compromissos em torno de metas, intermediárias e finais, com clara

definição dos objetivos a serem atingidos e de parâmetros para sua

averiguação ao longo do tempo, definindo-se os respectivos responsáveis,

escopo, e prazos; e,

- metas associadas à visão de futuro, que envolvem metas de

desenvolvimento institucional e de controle de aspectos de qualidade e

quantidade de água, subentendidas aqui ações relativas ao enquadramento

_________________________________________________________________________

37

dos corpos d’água, que exigirão negociações e construção de consensos

entre os entes federados, usuários e comunidades.

Seguindo a respeito, entre os elementos para a implementação do Pacto das

Águas encontram-se: (a) uma devida harmonização entre as políticas e ações

administrativas da União, dos estados e do DF; (b) a indispensável articulação

com os diferentes setores usuários de recursos hídricos; e, (c), com grande

destaque, o Mapa de Gestão, que busca traduzir o perfil necessário e a situação

atual da gestão nos estados, portanto, propiciando uma visão de futuro, inclusive

em termos de metas de desenvolvimento institucional, a serem estabelecidas com

todos os estados federados, em acordos comuns.

Tal como já recomendado, cabe lembrar que este Mapa de Gestão deve ser

atualizado, segundo procedimentos metodológicos mais avançados, de acordo

com o conceito da sobreposição de diferentes leituras territoriais, ou seja, com a

aplicação do conceito da “geometria variável”.

Ademais, para a implementação do Pacto, segundo o documento propositivo 10,

os esforços exigirão, entre outros, revisões no planejamento orçamentário anual e

plurianual, da União e dos estados federados, além da identificação de

mecanismos para dar efetividade aos planos de recursos hídricos.

Com a devida vênia para a implementação do Pacto das Águas, no que diz

respeito à identificação de mecanismos para dar efetividade aos planos de

recursos hídricos, vislumbra-se a necessidade inexorável do envolvimento dos

municípios, tanto na concepção quanto na execução de plano de bacias

hidrográficas que abranjam seus respectivos territórios, em todo ou em parte. Isto

porque, tal como já mencionado, a gestão dos recursos hídricos deve considerar

todas as questões que dizem respeito à gestão ambiental, do uso e da ocupação

do solo, além do saneamento básico, elementos dentre os quais, em grande

medida, são de competência municipal.

Além disso, a visão da adaptação às mudanças climáticas não poderá deixar de

considerar essa esfera federativa, vez que todas as ações de proteção e defesa

civil a envolvem, na base do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil.

10 Pacto Nacional pela Gestão das Águas - Construindo uma Visão Nacional: Volume 1 - Aspectos

Conceituais. Documento Base (Agência Nacional das Águas, Brasília, Março/2013).

_________________________________________________________________________

38

Por este viés, a integração de políticas de recursos hídricos e correlatas deve

também levar em conta a prevenção, atenuação e convivência com efeitos

adversos da mudança do clima, os quais são objeto da Política Nacional de

Mudança do Clima, assim como da Política Nacional de Proteção e Defesa

Civil. Portanto, a par do desenvolvimento institucional, que agora deve envolver

também a esfera municipal, os planos de recursos hídricos se afiguram como

verdadeiros instrumentos de integração e articulação de ações, merecendo a

formalização dos compromissos para a sua implementação em todos os níveis.

Em conclusão, sob uma perspectiva favorável ao desenvolvimento institucional

dos estados, caberá ainda um esforço adicional para definir mecanismos voltados

a maior envolvimento e participação do Poder Público Municipal na gestão dos

recursos hídricos, incluindo todas as interfaces com os demais entes federativos,

no âmbito de bacias hidrográficas.

Neste sentido, entende-se que não é demasiado enfatizar a opinião de que só

assim a Governança dos recursos hídricos terá uma efetiva chance de êxito, nos

termos previsto pela Política Nacional de Recursos Hídricos.

4. Articulações com a Defesa Civil, face a Problemas Críticos advindos de

Mudanças Climáticas11

O Brasil, bem como todos os demais países, deve ser pródigo na formulação de

políticas públicas indiscutivelmente necessárias para ordenar a atuação da

administração pública, em todos os níveis federativos.

Assim, no quadro da elaboração de um Plano Nacional de Adaptação às

Mudanças Climáticas, com ênfase para os estudos do Eixo IV - Governança dos

Recursos Hídricos, convêm examinar as interfaces abertas entre as Políticas

Nacionais de Recursos Hídricos, de 1997, de Mudança do Clima, de 2009, e de

Proteção e Defesa Civil, de 2012, levando em conta que os efeitos das mudanças

climáticas, sobre o regime hidrológico das bacias brasileiras, estará sendo

abordado em paralelo, com o presente Relatório 02.

Neste sentido, em primeiro lugar, cabe destacar que entre os objetivos da Política

Nacional de Recursos Hídricos encontra-se a prevenção e a defesa contra

11 Abordagem elaborada por Gilberto Valente Canali, como consultor subcontratado.

_________________________________________________________________________

39

eventos hidrológicos críticos, de origem natural ou decorrentes do uso

inadequado dos recursos naturais, juntamente com a utilização racional de tais

recursos e a necessária disponibilidade de água assegurada à atual e às futuras

gerações, com os devidos padrões de qualidade adequados aos respectivos

usos.

Quanto a esse objetivo, a ANA já vem atuando em consonância com o Sistema

Nacional de Proteção e Defesa Civil, mormente fornecendo informações

hidrometeorológicas, quer seja quando da ocorrência de eventos que possam se

apresentar como adversos à população, como também segundo um mapeamento

– ainda preliminar – de certas áreas sujeitas a inundações, sobretudo, nas zonas

urbanas ocupadas por famílias de menor renda.

A propósito, dentre as diretrizes da Política Nacional de Mudança do Clima

encontram-se a identificação de vulnerabilidades e a adoção de medidas

adequadas para reduzir os efeitos adversos da mudança do clima e a

vulnerabilidade dos sistemas ambiental, social e econômico, bem como a

formulação e adoção de estratégias integradas de mitigação e adaptação às

mudanças climáticas, tanto no âmbito local, quanto regional e nacional.

Dentre seus instrumentos, encontram-se as medidas existentes, ou a serem

criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias que

contribuam para a redução de emissões e/ou remoções de gases de efeito estufa,

bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de

preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as

parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para

exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que

propiciem maior economia de energia, de água e de outros recursos naturais,

além da redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos.

Por sua vez, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituída em 2012,

dispõe que é dever da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios

adotarem as medidas necessárias à redução dos riscos de desastres, podendo

contar com a colaboração de entidades públicas ou privadas e da sociedade em

geral. Adicionalmente, dispõe que a incerteza quanto ao risco de desastre não

constituirá óbice para a adoção das medidas preventivas e mitigadoras da

situação de risco.

_________________________________________________________________________

40

Ademais, tem as seguintes diretrizes, transcritas litteris:

I. atuação articulada entre a União, os estados, o Distrito

Federal e os municípios para redução de desastres e apoio

às comunidades atingidas;

II. abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação,

preparação, resposta e recuperação;

III. a prioridade às ações preventivas relacionadas à

minimização de desastres;

IV. adoção da bacia hidrográfica como unidade de análise

das ações de prevenção de desastres relacionados a

corpos d’água;

V. planejamento com base em pesquisas e estudos sobre

áreas de risco e incidência de desastres no território

nacional;

VI. participação da sociedade civil.

(destaques negritados)

Dentre outros, tem os seguintes objetivos relacionados aos temas ora em apreço:

- reduzir os riscos de desastres;

- incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção e defesa

civil entre os elementos da gestão territorial e do planejamento das

políticas setoriais;

- promover a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e

vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua ocorrência;

- monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos,

biológicos, nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de

desastres;

- produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de

desastres naturais;

- estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em

vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos

hídricos e da vida humana;

- combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e

promover a realocação da população residente nessas áreas;

_________________________________________________________________________

41

- orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de prevenção

e de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção.

Constata-se, portanto, que tais diretrizes e objetivos são muito concordantes com

os da gestão de recursos hídricos, cabendo recomendar leituras de seus

conteúdos com uma visão pragmática, para levar a cabo ações articuladas de

cooperação que os integrem no âmbito de bacias hidrográficas.

Outros aspectos a se destacar pertencem ao elenco de competências da União,

dos estados, do DF e dos municípios, dentre os quais merecem ser registrados: o

mapeamento das áreas de risco; o monitoramento meteorológico e hidrológico;

o cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de

deslizamentos com grande impacto, inundações bruscas ou processos

geológicos ou hidrológicos correlatos; e, o Plano Nacional de Proteção e

Defesa Civil.

O referido Plano Nacional conterá a identificação dos riscos de desastres nas

regiões geográficas e em bacias hidrográficas do País, além das diretrizes para

ação governamental de proteção e defesa civil, no âmbito nacional e regional, em

especial quanto à rede de monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico

e dos riscos biológicos, nucleares e químicos e à produção de alertas antecipados

das regiões com risco de desastres.

Este Plano Nacional deverá ser acompanhado por Planos Estaduais, os quais

também deverão identificar as bacias hidrográficas de seus territórios com risco

de ocorrência de desastres, além da definição das diretrizes de ação

governamental de proteção e defesa civil no âmbito estadual, em especial, tal

como já registrado, no que se refere à implantação da rede de monitoramento

meteorológico, hidrológico e geológico das bacias com risco de desastre.

Já no âmbito municipal, o elenco de competências também é extenso, com ênfase

na execução das ações de proteção e defesa civil previstas nos planos, para os

quais deverão fornecer informações e fiscalizar áreas com risco de desastres,

com a devida vedação de novas ocupações irregulares e inadequadas nessas

áreas. Entre outras competências próprias, os municípios devem, ainda, manter a

população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem

como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em

circunstâncias de desastres.

_________________________________________________________________________

42

Para o exercício dessas competências, os estados e, sobretudo, os municípios

vêm se equipando, sendo importante destacar a capilaridade de um Sistema que,

ao fim e ao cabo, permita tomada de iniciativas e a realização de ações com

eficiência e eficácia, a partir da União para as demais esferas federativas e,

também, destas para o Poder Executivo Federal, para o atendimento das

necessidades das comunidades em situações de vulnerabilidade de eventos

críticos e adversos.

Enfim, a partir de uma visão ampla do conjunto de providências que ainda se

fazem necessárias para a implementação de uma Governança eficaz sobre os

recursos hídricos, torna-se evidente que há um amplo espaço para a articulação

da gestão dos recursos hídricos com outras políticas públicas afins no âmbito de

bacias hidrográficas, incluindo as três esferas federativas, sob a ótica da

obrigação de zelar pelo bem estar das comunidades, fato que, em tese, deveria

ser o mote para a superação dos entraves encontrados na implementação de

certas políticas de âmbito nacional, estadual e municipal.

_________________________________________________________________________

43

5. Ampliação da Possibilidade de Maiores Contribuições de Entidades

Executivas, em favor da Gestão de Recursos Hídricos12

Para que se possa discorrer acerca das chamadas “entidades delegatárias”, bem

como, acerca da possibilidade de se ter ampliadas as possibilidades de suas

respectivas ações executivas em prol da gestão de recursos hídricos, faz-se

necessário apontar, ainda que de forma perfunctória, alguns conceitos e princípios

que tangenciam o tema para, posteriormente, entender o contexto no qual estas

foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro.

5.1. A Lei Federal nº 9.433/1997 como Norma de Âmbito Nacional

Conforme o que já foi disposto no Relatório 01 do presente trabalho, relacionado

a adequações e possíveis avanços da Governança na gestão de recursos

hídricos, no contexto do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, a

Lei nº 9.433 sobrepõe-se, enquanto texto normativo, a todas as esferas de poder

legislativo na convivência federativa brasileira. Ou seja, não é uma norma federal,

nem estadual, nem distrital-federal, muito menos municipal: trata-se de uma

norma nacional. Por isto, na sua ementa está escrito que ela institui a Política

Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos (SINGREH). É, pois, uma lei de observância nacional,

inobstante ter, formalmente, a característica de lei ordinária federal.

Em que pese a assertiva dantes pontuada, cumpre considerar o regime de

atribuições legislativas concorrentes, tal como fixado pela Constituição Federal,

segundo a qual cabe à União estabelecer as diretrizes (normas gerais) sobre os

temas arrolados no art. 24 do texto constitucional, ao passo que aos estados e,

também, aos municípios cabe suplementar essas diretrizes, considerando suas

respectivas peculiaridades.

Assim, mesmo sob o mencionado contexto nacional da legislação vigente sobre a

gestão de recursos hídricos no Brasil, é importante sublinhar que os estados da

Federação podem definir especificidades – legais e/ou institucionais – próprias às

suas distintas características e condições regionais, desde que não afrontem os

fundamentos e diretrizes gerais da Política Nacional de Recursos Hídricos.

12 Abordagem elaborada pela Advogada Eliete Tedeschi, como consultora subcontratada.

_________________________________________________________________________

44

Portanto, os comandos jurídicos, somados às próprias diferenças físicas, bióticas,

demográficas, econômicas, sociais e culturais, existentes entre os diversos

estados e regiões do País, justificam a edição de leis estaduais sobre os recursos

hídricos, vez que a faculdade conferida, para que cada uma das coletividades

regionais institua sua política de recursos hídricos, resulta na criação de

condições compatíveis à aplicabilidade e efetividade da Política Nacional de

Recursos Hídricos.

Com isto, as leis estaduais pertinentes às normas de gestão de recursos hídricos,

meio ambiente e mudanças climáticas deverão, de um lado, observar o que

dispõe a legislação federal e, de outro, adequar a legislação estadual às

necessidades locais, contudo, sem conflitar com a norma geral. Nesse sentido, a

norma local poderá abordar certas especificidades e até restringir direitos, mas

nunca ampliá-los em conflito com o que dispõe a legislação federal.

Noutras palavras, o entendimento que prevalece é o de que a competência para

legislar sobre águas, em sentido genérico, é o que pertence à União (normas

gerais), competência esta que não deve ser confundida com a capacidade dos

entes federados estabelecerem regras mais específicas sobre os bens que se

encontram sob o seu respectivo domínio, regras estas entendidas em termos de

guarda, gestão e administração de recursos hídricos, isso porque os estados e o

DF podem suplementar as diretrizes gerais, de acordo com suas peculiaridades

regionais e culturais.

Ainda a respeito desse tema, por certo que o SINGREH não poderia ter sido

concebido e estruturado por fora do Aparelho de Estado, ainda que muitas

deliberações significativas tenham sido delegadas, via a Lei nº 9.433/1997, a

comitês e conselhos de recursos hídricos – instâncias coletivas decisórias, sem

personalidades jurídicas –, todavia, sempre mantendo, sob a responsabilidade

própria ao Poder Público, os devidos encargos regulatórios, notadamente a

emissão de outorga para direito de uso da água e as devidas fiscalizações e

punições.

5.2. Ausência de Regulamentação

Feitas as considerações acerca da divisão de competências, importa ressaltar os

constantes problemas funcionais que têm ocorrido, tanto na esfera nacional (Lei

_________________________________________________________________________

45

nº 9.433/1997) quanto em âmbito dos estados da Federação, em decorrência de

causas remotas e/ou atuais correspondentes a lacunas e inconsistências,

principalmente geradas a partir da origem de toda essa legislação.

No que se refere ao aprofundamento da questão que envolve as chamadas

“entidades delegatárias”, cumpre mencionar a falta do cumprimento, pelo Poder

Executivo Federal, da devida regulamentação da Lei Nacional nº 9.433/1997,

sobretudo, em dois dispositivos de grande repercussão, quais sejam, os artigos

53 e 55, adiante transcritos, litteris:

Art. 53 - O Poder Executivo, no prazo de cento e vinte dias

a contar da publicação desta Lei, encaminhará ao

Congresso Nacional projeto de lei dispondo sobre a criação

das Agências de Água.

(...)

Art. 55 - O Poder Executivo Federal regulamentará esta Lei

no prazo de cento e oitenta dias, contados da data de sua

publicação.

Na realidade, houve omissão do Poder Executivo Federal num e noutro

dispositivo que, ao deixarem lacunas abertas, desencadearam especulações e

análises para o seu pleno entendimento, sobretudo à orientação institucional

adequada quanto à personalidade jurídica de Agências de Água, também

mencionadas como Agências de Bacias Hidrográficas, em termos de encargos

executivos e de apoio aos seus respectivos comitês.

Ainda relativamente às Agências de Água, o art. 51 da Lei Nacional nº 9.433,

chama a atenção e deve ser levado em consideração, litteris:

Art. 51 - O Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os

Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos poderão

delegar a organizações sem fins lucrativos, relacionadas

no art. 47 desta Lei, por prazo determinado, o exercício de

funções de competência das Agências de Água,

enquanto esses organismos não estiverem constituídos.

(destaques negritados)

Da leitura desse artigo fica claro que o modelo inspirador daquilo que há de ser

institucional e operativamente uma Agência de Água (ou de Bacia Hidrográfica),

_________________________________________________________________________

46

dependeria do cumprimento do estipulado pelo art. 53 da Lei Nacional nº 9.433,

que apresentava o prazo de cento e vinte dias – a contar da publicação da Lei, tal

com já visto –, para que o Poder Executivo encaminhasse ao Congresso Nacional

um projeto de lei dispondo sobre a criação das Agências de Água.

Com muito atraso, mediante o Projeto de Lei nº 1.616/1999, preparado pelo Poder

Executivo Federal, uma concepção do modelo foi submetida ao Congresso

Nacional. Assim, o Governo Federal passou a sinalizar paradigmas para a

organização operacional e executiva do SINGREH, de modo especial para suas

próprias Agências de Água, relativamente aos rios sob o domínio da União.

Numa palavra, o prazo dado pelo art. 53 assinalado, infelizmente não foi

cumprido, ou melhor, se deu muito mais tarde, a destempo, porém, de forma mais

ampla como será descrito a seguir.

5.3. As Agências de Água no contexto do Projeto de Lei nº 1.616/1999

Embora sem mencionar o dever de propor um projeto de lei dispondo sobre a

forma de criação de Agências de Água, tampouco para cumprir a exigência de

regulamentar a Lei Nacional nº 9.433 (arts. 53 a 55), o Poder Executivo da União

encaminhou ao Congresso Nacional, através da Mensagem nº 1.269, de 2 de

setembro de 1999 – ou seja, há quase 15 anos –, um projeto de lei dispondo

sobre a gestão administrativa e a organização institucional do Sistema Nacional

de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), tal como previsto no inciso

XIX do art. 21 da Constituição Federal.

A mensagem citada baseou-se na Exposição de Motivos do então Ministro de

Estado do Meio Ambiente, José Sarney Filho (EM 94/99 MMA, de 25 de agosto de

1999) da qual cumpre destacar o item 6, vez que afirma, litteris:

6. As agências de bacia serão entidades de direito

privado, sem fins lucrativos, instituídas por comitês de

bacia hidrográfica para atuar como suas secretarias

executivas. As agências de bacia, assim constituídas,

estarão credenciadas para exercer as principais funções de

gerenciamento de recursos hídricos no âmbito da

correspondente bacia hidrográfica, podendo inclusive firmar

contratos de gestão com órgãos e entidades estaduais que

detenham poder de outorga dos recursos hídricos.

_________________________________________________________________________

47

(destaques negritados)

A proposta do Governo Federal, tal como vista, foi disposta no sentido de que

Agências de Água tenham personalidade jurídica de direito privado, sem fins

lucrativos. Com especial destaque, o projeto de lei em foco fez, dentre outros

temas igualmente relevantes, a seguinte positivação, litteris:

Art. 25 - As Agências de Bacia deverão ser constituídas,

preferencialmente, com natureza jurídica de fundação,

devendo constar de seus estatutos que a entidade não tem

fins lucrativos, que sua existência é por prazo indeterminado

e que, sem prejuízo do disposto no art. 44 da Lei nº 9.433,

de 1997, têm por finalidade:

(...)

Seguindo sob uma ausência de regulamentação, é importante salientar que o

Projeto de Lei nº 1.616/1999, em pauta, vem tramitando muito vagarosamente no

Congresso Nacional, sendo que a sua última movimentação (última ação

legislativa) se deu em 22 de agosto de 2011, tendo como atual situação:

“Aguardando Criação de Comissão Temporária pela Mesa”13.

Nesse contexto, s.m.j., acredita-se que a tendência predominante é a de que o

Projeto de Lei em comento não seja votado, até porque, em virtude do tempo

transcorrido, não mais reflete o contexto no qual se encontra inserida a

problemática afeta ao gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil.

5.4. A Lei Federal nº 10.881/2004

5.4.1. A Indispensabilidade das Agências de Água ou de Arranjos Organizacionais

Alternativos que as Substituam

A Teoria das Organizações, aplicável a órgãos e entidades da administração

pública ou empresarial, explica que as decisões de instâncias colegiadas, como

os comitês de bacias hidrográficas, para terem eficiência, eficácia e efetividade,

carecem de unidades organizacionais e gerenciais postas em linha para

execução, de modo a garantir suas decisões, deliberações e normas

operativas. Do contrário, elas permanecerão apenas no papel, sem permitir

acontecimentos de campo ou resultados de mérito.

13 In http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb, consultado no dia 16 de junho de 2014.

_________________________________________________________________________

48

Desse modo, são sumamente importantes, tal como previstas pela Lei Nacional

nº 9.433/1997, as funções e competências das Agências de Água (art. 41

usque 44, parágrafo único, incisos e alíneas). De fato, a bem da verdade, em

muitos casos as Agências de Bacias têm se mostrado como indispensáveis,

não apenas como implementadoras de decisões dos comitês, mas também

devido a sua extensa lista de atividades executivas em prol da respectiva bacia,

em especial aquelas inscritas no art. 44, incisos I a XI e alíneas a a d, com

destaque para a elaboração e coordenação executiva do correspondente plano

de recursos hídricos (inciso X), além de novas frentes de trabalho que deverão

surgir em decorrência de possíveis mudanças climáticas.

Dizendo em outras palavras, boa parte das estagnações que vêm ocorrendo no

contexto do SINGREH – e, também, em muitos dos SEGREHs –, parecem ser

advindas da falta de entidades executivas mais consistentes, vez que os

comitês de bacias não têm personalidades jurídicas, sendo instâncias coletivas

que apenas se reúnem em certas datas, portanto, sem o dia-a-dia indispensável

para que determinadas decisões e/ou deliberações venham a ser efetivamente

implementadas.

5.4.2. A Lei Federal nº 10.881/2004 e a Validade do Expediente Jurídico de

“Entidades Delegatárias”

Sob a análise da Lei Federal nº 10.881, de 09 de junho de 2004, vinda da

conversão da Medida Provisória nº 165/2004, verifica-se que a alternativa

positivada para constituir uma Agência de Água seria aquela registrada na ementa

da citada Lei, ao dizer, litteris:

Dispõe sobre contratos de gestão entre a Agência

Nacional de Água e entidades delegatárias das funções de

Agências de Água relativas à gestão de recursos hídricos

de domínio da União e dá outras providências.

(destaques negritados)

A propósito, importa ressaltar que houve, em âmbito do gerenciamento de

recursos hídricos, o descarte da aplicação direta do expediente estabelecido pela

Lei Federal nº 8.666/1993, que trata das licitações e da celebração de contratos

administrativos, ao dizer:

_________________________________________________________________________

49

Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que

couber, ao convênio, acordos, ajustes e outros instrumentos

congêneres celebrados por órgãos e entidades da

Administração.

A aplicação deste dispositivo contempla exigências formais descritas nos

parágrafos 1º ao 9º e respectivos incisos, ficando claro que a LF nº 12.349, de 15

de dezembro de 2010, alterou a redação do teor da LF nº 8.666/1993, para

rigidamente dizer, litteris:

Art. 1º. A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a

vigorar com as seguintes alterações:

(...)

Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do

princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta

mais vantajosa para a administração e a promoção do

desenvolvimento nacional sustentável e será processada e

julgada em estrita conformidade com os princípios básicos

da legalidade, da moralidade, da igualdade, da

publicidade, da probidade administrativa, da vinculação

ao instrumento convocatório (edital), do julgamento

objetivo e dos que lhe são correlatos.

§ 1º (...)

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de

convocação, cláusulas em condições que comprometam,

restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive

nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam

preferências ou distinções em razão da naturalidade, da

sede ou domicilio dos licitantes ou de qualquer outra

circunstância impertinente ou irrelevante para específico

objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12

deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de

1991;

(destaques negritados)

Mais especificamente no que tange às características e requisitos afetos às

instituições voltadas ao exercício de encargos próprios às Agências de Bacias,

convém ao presente Capítulo 5 salientar que as chamadas “entidades

_________________________________________________________________________

50

delegatárias”, aludidas na Lei Federal nº 10.881/2004, constituem uma

denominação genérica, que tem como espécies as organizações civis de recursos

hídricos, listadas no art. 47 e nos incisos de I a V, as quais, para integrarem o

SINGREH, devem ser legalmente constituídas, litteris:

Art. 47. São consideradas, para os efeitos desta Lei,

organizações civis de recursos hídricos:

I - consórcios e associações intermunicipais de bacias

hidrográficas;

II- associações regionais, locais ou setoriais de usuários

de recursos hídricos;

III - organizações técnicas e de ensino e pesquisa com

interesse na área de recursos hídricos;

IV - organizações não governamentais com objetivos de

defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade;

V - outras organizações reconhecidas pelo Conselho

Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos

Hídricos.

Art. 48. Para integrar o Sistema Nacional de Recursos

Hídricos, as organizações civis de recursos hídricos devem

ser legalmente constituídas.

(destaques negritados)

Tal integração, no entanto, em razão do Novo Código Civil Brasileiro, objeto da

Lei Federal nº 10.406/2002 e de modificações posteriores, teve estas espécies

reduzidas a apenas duas, quais sejam, as associações e as fundações privadas

(art. 44, incisos I e III), enquanto Consórcios Públicos atualmente submetem-se

às normas da Lei Federal nº 11.107/2005.

Ainda a respeito de organizações civis de recursos hídricos, Leme Machado14

explica que três características precisam estar presentes nas entidades que

pretendam receber a delegação de encargos por parte de comitês de bacias e

dos Conselhos, tanto Nacional como Estaduais de Recursos Hídricos, a saber:

14 In Revista de Interesse Público, Porto Alegre, ano 5, nº 26, págs. 19-28, jul/ago.2004, também, in

http://midia.pgr.gov.br/4CCR/sitegtagua/pdf/artigo-03.pdf - acesso em 26 de junho de 2014.

_________________________________________________________________________

51

a) ser uma organização civil de recursos hídricos15;

b) não ter fins lucrativos; e,

c) ser legalmente constituída.

Assim, também de acordo com Leme Machado16, como todo ato administrativo, a

opção de comitês de bacias e do respectivo Conselho, por alguma das

organizações civis de recursos hídricos, deve seguir o art. 37 da Constituição

Federal e a Lei Federal nº 9.784, de 20 de janeiro de 1999 (art. 2º)17, inclusive

apresentando e justificando uma sólida motivação, a exemplo de frentes de

trabalho decorrentes de mudanças climáticas.

Ou seja, teoricamente, todas as organizações civis de recursos hídricos de uma

bacia hidrográfica – desde que apresentem uma sólida articulação e

representatividade afetas à gestão de recursos hídricos –, podem candidatar-se

ao procedimento de seleção, independentemente do tempo de sua existência.

Ademais, importa ressaltar que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos poderá

estabelecer outros requisitos para essas organizações, desde que se permita a

eficiência, moralidade, plena publicidade e impessoalidade nos critérios de escolha.

Cumpre, ainda, frisar que o art. 37 da Constituição Federal é o que trata, no caput,

dos princípios que regem a Administração Pública, direta (órgãos) e indireta

(entidades), de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e

dos municípios, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência. Também merece destaque o princípio fixado no inciso XXI, quanto à

seleção do pretendente (organização civil), qual seja:

Ressalvados os casos específicos na legislação, as obras,

serviços, compras e alienações serão contratadas mediante

processo de licitação pública, que assegura igualdade de

condições a todos os concorrentes, com cláusulas que

estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as

condições efetivas da proposta, nos termos da lei.

(destaques negritados)

15 Nota da consultoria: desde que obedeça a terminologia do NCCB (LF nº 10.406/2002), ou seja,

associações e fundações privadas.

16 Idem Nota de Rodapé 14.

17 Regula o Processo Administrativo em âmbito Federal.

_________________________________________________________________________

52

Seguindo a respeito, a própria Lei Federal nº 10.881/2004 – mesmo para a

escolha de uma “entidade delegatária”, para o exercício de funções próprias a

uma Agência de Água, em bacia hidrográfica de rio sob o domínio da União –

exige a observância dos mencionados princípios do art. 37 da Constituição

Federal, para a seleção e recrutamento de pessoal, bem como, para compor a

contratação de obras e serviços, com emprego de recursos públicos (art. 9º e

parágrafo único).

Tudo isso foi disposto para afirmar que, neste contexto legal, embora tenha

ocorrido uma lacuna relativamente à devida regulamentação da Lei nº 9.433/1997,

o surgimento da Lei nº 9.984/2000 propiciou a criação e a instalação da ANA,

seguida de avanços importantes no SINGREH, especialmente depois da

promulgação da Lei nº 10.881/2004, com a subsequente celebração de

Contratos de Gestão, sob o conceito da “contratualização” de Planos de

Trabalho com Agências de Bacias Hidrográficas, genericamente definidas como

“entidades delegatárias”, constituídas por atores públicos e privados.

Dessa forma, entende-se que o resultado apresentado pela Lei nº 10.881/2004 foi

bastante interessante e pragmático, notadamente ao admitir que diferentes

alternativas possam ser adotadas, segundo a natureza dos problemas a enfrentar

e o contexto institucional de cada caso, o que explica a denominação genérica

das “entidades delegatárias”, que devem celebrar Contratos de Gestão com

órgão gestor de recursos hídricos.

Por fim, quanto ao contexto da legislação federal vigente, cabe lembrar que a

cobrança pelo uso da água sempre deverá ser implantada sob a responsabilidade

do órgão gestor com domínio sobre os corpos hídricos da bacia, sem deixar de

contar com os possíveis apoios executivos e operacionais por parte da Agência da

Bacia, para que tal instrumento de gestão venha a ser efetivamente aplicado.

5.4.3. Contrato de Gestão: Constitucionalização e Institucionalização no Brasil e

Aplicabilidade na Área dos Recursos Hídricos

A respeito da constitucionalização e da institucionalização de Contratos de

Gestão no Brasil e de sua aplicabilidade na área dos recursos hídricos, no

contexto da Lei Federal nº 10.881/2004 ficaram claros determinados dispositivos,

como os adiante transcritos litteris:

_________________________________________________________________________

53

Art. 1º - A Agência Nacional de Águas - ANA poderá firmar

contratos de gestão, por prazo determinado, com

entidades sem fins lucrativos que se enquadrem no

disposto pelo art. 47 da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de

1997, que receberem delegação do Conselho Nacional de

Recursos Hídricos - CNRH para exercer funções de

competência das Agências de Água, previstas nos arts. 41 e

44 da mesma Lei, relativas a recursos hídricos de domínio

da União.

§ 1º - Para a delegação a que se refere o caput deste artigo,

o CNRH observará as mesmas condições estabelecidas

pelos arts. 42 e 43 da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.

§ 2º - Instituída uma Agência de Água, esta assumirá as

competências estabelecidas pelos arts. 41 e 44 da Lei nº

9.433, de 8 de janeiro de 1997, encerrando-se, em

consequência, o contrato de gestão referente à sua área de

atuação.

(destaques negritados)

O art. 2º e seus incisos I a VIII ditou normas técnicas e operacionais conducentes

à celebração dos ditos Contratos de Gestão. Como novidade, sem desprezo aos

demais dispositivos, o Parágrafo único do art. 3º da citada lei estabeleceu, litteris:

Art. 3º - A ANA constituirá comissão de avaliação que

analisará, periodicamente, os resultados alcançados

com a execução do contrato de gestão e encaminhar

relatório conclusivo sobre a avaliação procedida, contendo

comparativo especifico das metas propostas com os

resultados alcançados, acompanhado da prestação de

contas correspondente ao exercício financeiro, à Secretaria

de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e aos

respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica.

Parágrafo único - A comissão de que trata o caput deste

artigo será composta por especialistas, com qualificação

adequada, da ANA, da Secretaria de Recursos Hídricos do

Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos e entidades

do Governo Federal.

_________________________________________________________________________

54

(destaques negritados)

Contudo, no seu remate introduziu relevante modificação no teor do art. 51 da Lei

Federal nº 9.433/1997, para dizer que, litteris:

Art. 10 - O art. 51 da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997,

passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 51 - O Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os

Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos poderão

delegar a organizações sem fins lucrativos relacionadas

no art. 47 desta Lei, por prazo determinado, o exercício de

funções de competência das Agências de Água, enquanto

esses organismos não estiverem constituídos.(NR)

(destaques negritados)

Desse modo, tornou-se institucionalizada e consagrada a figura instrumental do

Contrato de Gestão, para os níveis federal e estadual, inerentes ao

gerenciamento dos recursos hídricos.

A respeito, importa pontuar que a Constituição Federal de 1988, ao teor da

Emenda Constitucional nº 19/1998, que trata da reforma da administração pública,

aduziu aos seus princípios, previstos no art. 37, o § 8º tido como o da

constitucionalização do Contrato de Gestão no País, ou seja:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer

dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,

também, ao seguinte:

(...)

§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos

órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá

ser ampliada mediante contrato (de gestão), a ser firmado

entre seus administradores e o poder público, que tenha por

objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou

entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I - o prazo de duração do contrato;

II - os controles e critérios de avaliação de desempenho,

direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;

_________________________________________________________________________

55

III - a remuneração do pessoal.

Assim, uma vez havendo respaldo legal e, muito provavelmente, no intuito de

suprir o lento andamento do já abordado Projeto de Lei nº 1.616/1999, a

Presidência da República editou a Medida Provisória nº 165, datada de 11 de

fevereiro de 2004, cuja matéria converteu-se na Lei Federal nº 10.881, de 9 de

junho de 2004.

Diante disso, a ANA adquiriu condição de autonomia para celebrar Contratos de

Gestão e, dessa forma, flexibilizar a ação das Agências de Bacias conducentes

ao efetivo gerenciamento dos recursos hídricos, sob o domínio da União.

Por fim, importa ressaltar o fato de que a citada Lei alterou o art. 51 da Lei

Nacional nº 9.433/1997, sem estabelecer um único modelo de “entidade

delegatária”, muito menos um tipo preferencial de organização civil de recursos

hídricos, sem fins lucrativos.

5.5. Abordagens, Conclusões e Recomendações Finais

Contando com todos os insumos e abordagens apresentadas, para encerra o

presente Capítulo 5 e o Relatório 02, seguem conclusões e recomendações a

respeito da possibilidade de ampliar maiores contribuições de entidades

executivas, em favor da gestão de recursos hídricos, tendo em vista possíveis

problemas e novos encargos advindos de mudanças climáticas:

1. A estruturação conferida pela Lei Nacional nº 9.433/1997 ao Sistema Nacional

de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) não prescinde da existência

de uma lei específica para as Agências de Água. Pelo contrário, decorridos 17

anos desde a sua publicação, o Sistema deve ser adequado para que tenha mais

frentes de sua implementação, sob uma forma bem pragmática, mediante

soluções que possibilitem, em muitos casos, diferentes alternativas institucionais,

a depender do contexto regional, ecológico, administrativo e legal de bacias

hidrográficas, além de cenários previstos para possíveis mudanças climáticas, tal

como se pode verificar na referência de estudos apresentados pelo Anexo I do

presente Relatório 02.

2. Assim, a questão relativa às Agências de Água poderia ser sanada mediante a

inserção de um artigo (ou mesmo de parágrafos a artigos já existentes), definindo

_________________________________________________________________________

56

o regime jurídico destas, considerando a manutenção do amplo espectro de

possibilidades passíveis de serem utilizadas, sob a égide do ordenamento jurídico

brasileiro atual, bem como, de suas futuras mutações.

3. Tal definição – ampla e com vistas a diferentes tentativas que já foram

aplicadas em boa parte do território nacional –, corroboraria para uma maior

segurança jurídica, bem como, para o término de especulações infundadas e sem

amparo jurídico.

4. Nesse sentido, seria positivo e mais pacífico contar, a um só tempo, com a

existência: (i) de Agências de Água “puras”, ou seja, com a finalidade

específica de promover o gerenciamento dos recursos hídricos de determinada

bacia hidrográfica; (ii) de Agências de Água “mistas”, isto é, resultantes do

aproveitamento da atuação de entidades pré-existentes (públicas, privadas ou de

economia mista), desde que já inseridas no contexto que envolva a gestão de

recursos hídricos de determinada bacia; e, (iii) naturalmente, da atual opção de

“entidades delegatárias”, já no contexto, segundo a Lei Federal nº 10.881/2004.

5. No caso de se optar por “entidades delegatárias”, cabem duas afirmações, a

saber:

a) quanto às competências de caráter técnico-executivo, há que se

estabelecer uma divisão conceitual em relação aos órgãos gestores de

recursos hídricos, federal e estaduais, sendo que a estes compete o

exercício do Poder de Polícia, conceituado no art. 78 do Código Tributário

Nacional, como “atividade da administração pública que, limitando ou

disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou

abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à

segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e

do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de

concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao

respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

b) assim, no campo da gestão de recursos hídricos, mesmo considerando

mudanças climáticas e seus possíveis problemas, esse Poder de Polícia

refere-se à regulamentação da lei, à outorga para direito de uso da água, à

fiscalização e à aplicação de penalidades, portanto, trata-se de função

exclusiva do Poder Público, que somente pode ser delegada a outro ente

_________________________________________________________________________

57

público, mediante lei ou por convênio, desde que essa prática seja

autorizada por lei, fato que sublinha que o Poder de Polícia não pode ser

exercido, nem delegado a uma pessoa jurídica de direito privado.

6. Com isto posto, chega-se às seguintes conclusões:

1ª) em se optando por uma “entidade delegatária”, a ser estabelecida como

Agência da Bacia mediante o devido Contrato de Gestão, mesmo assim,

esta não poderá exercer o Poder de Polícia, ficando então submetida, em

sua jurisdição, aos órgãos competentes para o respectivo exercício de

Polícia das Águas, inclusive frentes a ações e intervenções relacionadas

com mudanças do clima;

2ª) em se optando pela adoção de um modelo próprio para “Agência de

Água pura”, ainda a ser legalmente estabelecido, desde que essa

entidade seja definida com a natureza jurídica de direito público, não há

óbice legal para que exerça funções pertinentes ao exercício do Poder de

Polícia, desde que devidamente previsto na lei de criação da entidade; e,

3ª) no caso de optar-se por uma “Agência de Água mista”, entendida como

sendo o aproveitamento da atuação de entidades pré-existentes (públicas,

privadas ou de economia mista), desde que já inseridas no contexto que

envolva a gestão de recursos hídricos de determinada bacia, não caberia

o exercício do Poder de Polícia, vez que seus encargos e atribuições já

estariam definidos, quando de sua criação anterior, salvo que esta

entidade seja de natureza pública e conte com a aprovação de uma nova

lei para exercer encargos de Polícia das Águas.

7. No que se refere à sustentabilidade das Agências de Águas, o limite imposto

pela lei federal, qual seja, o de 7,5% do total arrecadado via cobrança pelo uso da

água na bacia hidrográfica, apesar de ter seus reconhecidos intuitos, tem sido um

significativo limitador para a constituição e operação de certas “entidades

delegatárias”, haja visto não ser suficiente para cobrir os custos presentes na

maior parte dos casos.

8. Para sanar esta questão, há quem apregoe a opção institucional de uma

“Agência Única” em bacias muito amplas, como solução ideal para a sua

sustentabilidade financeira, ainda que diferentes perfis regionais estejam

_________________________________________________________________________

58

presentes – inclusive em termos climáticos –, em muitos casos, com distintos

problem-sheds, os quais tendem a demandar perfis institucionais próprios à

natureza dos problemas a serem enfrentados. Portanto, esta solução de

“Agência Única” deve ser muito questionada, vez que o modelo institucional a

ser adotado deve obedecer aos princípios norteadores da Lei Nacional, tanto em

termos de uma gestão descentralizada e participativa, quanto sob um ponto de

vista mais pragmático e realista, de adequação da gestão de recursos hídricos às

diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das

diversas regiões do País (art. 3º, inciso II da Lei Nacional nº 9.433/1997).

9. Torna-se claro, portanto, que a figura de uma “Agência Única” não tende a ser

uma unanimidade em bacias mais amplas e com distintos perfis regionais. Assim,

mesmo sendo óbvio que uma entidade, para existir no campo jurídico-

institucional, deve ter assegurada a sua sustentabilidade financeira, cabe indagar,

no caso específico de Agência de Bacia, se essa sustentabilidade deve ser

garantida tão somente via recursos advindos da cobrança pelo uso da água.

10. Como última conclusão, a resposta a esta indagação deve ser negativa, até

porque, segundo disposição legal, cabe às Agências de Bacias uma série de

atribuições de cunho técnico, sendo que, para fazer frente a tais atribuições,

torna-se indispensável uma estrutura administrativa compatível, assim como, um

quadro técnico bem preparado, treinado e apto para cumprir as funções

demandadas, as quais não se apresentam como simples, inclusive em

decorrência de possíveis mudanças climáticas previstas. Enfim, para tanto, deve-

se admitir a aplicação de outras fontes de recursos financeiros para certas

Agências de Bacias, na proporção das necessidades impostas pelas atribuições e

encargos legais. Em poucas palavras: a falta de sustentabilidade de uma Agência

de Bacia, propiciada unicamente por limites de arrecadação via cobrança pelo uso

da água, implica na sua não criação, com ausência e certas estagnações da

gestão de recursos hídricos no Brasil.

_________________________________________________________________________

59

BIBLIOGRAFIA

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio

São Francisco. Brasília, 2004.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Pacto Nacional pela Gestão das Águas -

Construindo uma Visão Nacional: Volume 1 - Aspectos Conceituais (Documento Base).

Brasília, Março/2013.

BANCO MUNDIAL. Estratégias de Gerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil: Áreas

de Cooperação com o Banco Mundial. Brasília, 2003. Autor: Lobato da Costa, F. J.

CONSÓRCIO OIKOS – COBRAPE. Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e

Corrente – Diagnóstico e Arranjos Institucionais para Gestão (versão preliminar).

Salvador, 2013.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS

E AMBIENTE URBANO – SRHU. Plano Nacional de Recursos Hídricos (Revisão de

2010). Brasília, 2010.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS

E AMBIENTE URBANO – SRHU. Relatório Técnico Parcial 3. Brasília, dezembro de

2009. Autor: Canali, G. V., co-autor: Soares Neto, P. B.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e AGÊNCIA

NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.

REVISTA DE INTERESSE PÚBLICO, ano 5, nº 26, Porto Alegre, julho/agosto de 2004.

REVISTA JUSTIÇA E CIDADANIA, n. 36. Rio de Janeiro, julho de 2003.

CONSULTAS

Site da Agência Nacional de Águas (ANA), com ênfase em documentos sobre o Pacto

Nacional pela Gestão das Águas;

Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Site da Câmara Federal do Brasil (tópico de proposições).

_________________________________________________________________________

60

ANEXO I

Referências de Estudos sobre Alternativas de Entidades para o Exercício de

Encargos de Agências de Bacias Hidrográficas

Neste Anexo serão meramente transcritas partes do Capítulo 7 de um dos

relatórios de estudos voltados a arranjos institucionais e legais para a gestão de

recursos hídricos da bacia do Rio Corrente (BHCorrente), localizada no oeste da

Bahia e afluente da margem esquerda do Rio São Francisco, mesmo com este

relatório ainda sendo preliminar, sem que tenha ocorrido a aprovação do

respectivo plano da bacia.

(...)

7. PROPOSTAS DE ALTERNATIVAS PARA ARRANJOS INSTITUCIONAIS DE

GESTÃO DA BHCORRENTE

7.1. Subsídios sobre a viabilidade financeira para uma entidade delegatária

assumir as funções e encargos da Agência da BHCorrente, com base na

cobrança pelo uso da água

Uma questão específica de interesse para as alternativas de arranjos

institucionais da gestão da Bacia do Rio Corrente refere-se com as suas

condições de sustentabilidade financeira como entidade delegatária, para o

exercício das funções e encargos como agência desta bacia.

Como subsídio para este tema, apresenta-se uma síntese de simulações a

respeito da BHSF, segundo Nota Técnica emitida pela ANA18.

Em relação à sustentabilidade financeira de uma entidade delegatária com as

funções e encargos de Agência da Bacia do Rio São Francisco, foram analisadas

duas possibilidades de organização institucional no âmbito da BHSF:

- a primeira delas considera, além de entidade delegatária com funções de

Agência da BHSF, a adoção de uma entidade como agência própria para

cada comitê de bacia de rio sob domínio estadual;

- a outra se constitui na adesão de todos os comitês de bacias de rios

18 Fonte: Nota Técnica nº 06/2010/SAG-ANA, emitida em 11 de fevereiro de 2010.

_________________________________________________________________________

61

afluentes a uma única entidade.

O Edital para a seleção de uma entidade delegatária para a BHSF estabelece que

a entidade deverá dar suporte técnico e operacional a todos os comitês da BHSF,

independentemente da capacidade de arrecadação de cada sub-bacia. Para

tanto, foi proposto um modelo que permite esse atendimento, sem ferir a previsão

legal de que seja gasto, no máximo, 7,5% dos valores arrecadados em custeio

administrativo da entidade. Este modelo consiste, além de uma sede central

atendendo a toda a BHSF, em quatro possibilidades de estrutura operacional de

secretarias executivas. Em todos os casos, essas secretarias executivas terão

condições plenas de funcionar atendendo à demanda dos respectivos comitês.

Assim, a entidade delegatária seria constituída não somente de uma sede, mas

todos os comitês de rios afluentes seriam contemplados com uma secretaria

executiva localizada em cada sub-bacia. Dessa forma, as responsabilidades

técnicas relativas a toda a BHSF, bem como a secretaria executiva do Comitê da

BHSF seriam atribuições da sede, enquanto que a secretaria executiva dos

comitês de bacias de rios afluentes seria exercida mediante as quatro

possibilidades de estruturas operacionais locais, conforme já mencionado.

A Tabela 7.1 mostra os valores necessários para o custeio dessas entidades,

assim como a correspondente arrecadação com a cobrança e os valores totais.

Sob tais valores, para a sede da entidade delegatária será necessário cerca de

R$ 1,5 milhão para o custeio anual, o que corresponde a uma arrecadação

necessária de R$ 19,9 milhões advinda da cobrança pelo uso de recursos

hídricos sob domínio da União, considerando-se a aplicação do percentual

máximo de 7,5 % dos recursos arrecadados em despesas de custeio.

Dentre as tipologias de instâncias locais apresentadas (rios das Velhas,

Paraopeba, Pará e Verde Grande e demais comitês), a do Tipo 4 teria a estrutura

mais simplificada, sendo instalada para comitês de rios afluentes, dentre os quais

incluí-se uma Secretaria Executiva do Comitê da Bacia do Rio Corrente, para cuja

atuação seria necessário um custo anual estimado de R$ 50,4 mil, que

corresponde a uma arrecadação de R$ 672,0 mil.

Tabela 7.1. Necessidade de custos das estruturas que compõem a Agência da

BHSF e as arrecadações correspondentes.

_________________________________________________________________________

62

Comitês de Bacias Tipologias Estimativa de Custos

Necessários (R$) Arrecadação

Correspondente

CBHSF Sede 1.494.000,00 19.920.000,00

Rio das Velhas 1 624.000,00 8.320.000,00

Paraopeba 2 300.000,00 4.000.000,00

Pará e Verde Grande 3 145.200,00 1.936.000

Demais Comitês 4 50.400,00 (cada) 672.000,00 (cada)

Totais - 3.168.000,00 42.240.000,00

No que concerne à viabilidade financeira de implantação da Agência da BHSF,

estimativas são apresentadas na Tabela 7.2, confrontando as duas alternativas

mencionadas de organização institucional: com uma agência para cada bacia; ou,

com uma agência única e as mencionadas secretarias executivas locais.

Tabela 7.2. Simulações sobre a sustentabilidade financeira dos custeios de entidades delegatárias no contexto da BHSF

Estados Comitês de

Bacia

Arrecadação Prevista

(mil R$)

Alternativa 1

Custeio Máximo (7,5%)

Alternativa 2

Custeio Necessário

Tipo de Sec.

Executiva União Estados

MG

CBHSF 20.452,4 1.533,9 1.494,0 Sede

Velhas 11.994,4 899,6 624,0 1

Paraopeba 4.822,3 361,7 300,0 2

Pará 1.844,2 138,3 145,2 3

Três Marias 251,0 18,8 50,4 4

Alto SF 487,4 36,6 50,4 4

Jequitaí/Pacuí 337,0 25,3 50,4 4

Paracatu 443,3 33,3 50,4 4

Urucuia 58,1 4,4 50,4 4

Médio SF 162,6 12,2 50,4 4

MG/BA Verde Grande 148,9 1.324,4 110,5 145,2 3

BA

Corrente 377,3 28,3 50,4 4

Grande 448,4 33,6 50,4 4

Entorno Sobradinho

246,5 18,5 50,4 4

Verde Jacaré 477,1 35,8 50,4 4

Salitre 94,5 7,1 50,4 4

AL/SE Baixo SF 192,3 14,4 50,4 4

Totais 20.601,3 23.560,7

3.312,2 3013,20 - 44.162,1

Para a primeira alternativa, são apresentados valores disponíveis para custeio de

cada entidade delegatária. Observa-se que apenas a arrecadação com a

cobrança de domínio da União e de domínio estadual na bacia do rio das Velhas

_________________________________________________________________________

63

teria condições de oferecer sustentabilidade a uma estrutura mínima de agência,

caso seja considerado um valor anual da ordem de R$ 500 mil.

Para a segunda alternativa, percebe-se que cada secretaria executiva seria

custeada respeitando-se ambas as condicionantes legais quanto aos percentuais

de distribuição dos recursos da cobrança: a despesa total anual de custeio da

entidade delegatária como um todo seria de cerca de R$ 3,3 milhões; e, 100%

dos valores arrecadados com a cobrança sob domínio estadual retornariam para a

sub-bacia de origem dos recursos.

Portanto, contando com estas simulações preliminares, verifica-se que, por conta

exclusiva da cobrança pelo uso da água – tanto em rios sob o domínio da União,

quanto dos estados –, somente seria assegurada a viabilidade da segunda

alternativa, com uma única Agência centralizada da BHSF e com as mencionadas

secretarias executivas dos demais comitês de rios afluentes estaduais.

Depois de dispostos estes fatores, os quais, sem dúvidas, interferiram em favor

da seleção da AGB Peixe Vivo como entidade delegatária para assumir os

encargos da Agência da BHSF, cabe registrar que, no âmbito do Plano Decenal

da Bacia, foi elaborado um programa de investimentos, contemplando ações a

serem executadas entre 2004 e 2013. Em média, foi estimado que a cada ano,

entre 2011 e 2013, os aportes do PBHSF, chegariam perto de R$ 514, 7 milhões,

dos quais apenas 8,58%, portanto, R$ 44,1 milhões seriam advindos da Cobrança

pelo Uso da Água em toda a BHSF.

Todavia, sem questionar a consistência de tais fatores, cabem as seguintes

perguntas estratégicas sob o interesse dos estudos em questão:

- Será que apenas a sustentação financeira via cobrança deve definir o perfil

e a natureza de uma entidade a exercer o papel de Agência da

BHCorrente?

- Ou devem ser consideradas outras variáveis, notadamente a natureza dos

encargos e problemas a enfrentar e do contexto institucional vigente?

7.2. Indicação do perfil de gestão a ser constituído na BHCorrente, em

decorrência dos problemas a enfrentar e das ações e intervenções a serem

implantadas

Seguindo sob uma abordagem pautada pela Metodologia APEX, com base em

_________________________________________________________________________

64

importantes subsídios obtidos sobre análises: do contexto da região Nordeste no

Brasil; do Plano da Bacia do Rio São Francisco; do resumo do diagnóstico da

bacia do Rio Corrente; e, do Plano Oeste Sustentável da Bahia –, pode-se

genericamente identificar o perfil dos principais problemas a enfrentar no escopo

do Plano da Bacia do Rio Corrente e das correspondentes ações e intervenções a

serem implantadas, como subsídios importantes para uma definição consistente

de alternativas para arranjos institucionais de gestão.

Assim, cabe anotar as seguintes frentes de trabalho associadas ao Plano da

Bacia:

abordagens estratégicas da rede de cidades da Bacia do Rio Corrente, para

que ocorra um reordenamento e uma ocupação territorial mais consistente e

sustentável, com uma divisão de trabalhos e funções mais adequada entre

os municípios;

a identificação das infraestruturas regionais a serem instaladas ou

ampliadas, a exemplo de linhas de transporte (rodovias, ferrovias e

hidrovias), como elementos relevantes, tanto para o desenvolvimento

regional, quanto para a proteção de certas áreas ambientais;

a identificação de áreas onde sejam possíveis avanços no desenvolvimento

regional, notadamente para expansão das fronteiras de atividades

agropecuárias, como também para a constituição de Arranjos Produtivos

Locais - APLs;

a identificação de áreas críticas e vulneráveis sob o ponto de vista hídrico e

ambiental, além de relevantes em termos de flora e fauna e, também,

turístico, para que sejam estabelecidos limites e sérias restrições às

atividades socioeconômicas nestes pontos, a serem considerados como

estratégicos;

a identificação de pontos específicos onde possam ser empreendidas

atividades de exploração mineral, em consonância com a proteção de áreas

ambientais e com as potenciais frentes de desenvolvimento regional;

ações voltadas ao reassentamento de populações rurais dispersas que

permanecem estagnadas em áreas mais críticas, em termos de

disponibilidades hídricas e fragilidades ambientais;

_________________________________________________________________________

65

a instalação ou ampliação de serviços básicos de saneamento, envolvendo:

abastecimento de água – notadamente para as famílias e comunidades

rurais dispersas, mediante programas ligados ao Água para Todos; coleta e

tratamento de esgotos sanitários; e, coleta e disposição adequada de

resíduos sólidos;

cobertura de demandas para serviços de saúde e educação sanitária, além

de capacitação de pequenos produtores rurais, para que APLs e outras

iniciativas sejam mais consistentes;

ações efetivas voltadas para a recuperação de áreas degradadas, como

mananciais, topos de morros, matas ciliares, núcleos de florestas e outras

das áreas ambientais identificadas como prioritárias à preservação, além da

criação de novas áreas de UCs e linhas para sua devida interligação;

avanços significativos sobre pontos de monitoramento, com informações

hidrometeorológicas e sistemas de suporte à decisão (SADs) para

gerenciamento das disponibilidades hídricas, como também das demandas

regionais.

Com tais demandas por ações e intervenções dispostas, percebe-se que as

alternativas de arranjos institucionais para a gestão da BHCorrente não devem

limitar-se apenas a aspectos pontuais e a atores e usuários locais, uma vez que a

região encontra-se sob um processo mais abrangente de desenvolvimento,

portanto, com algumas intervenções vindas externamente ao território da Bahia –

ou seja, de vetores de expansão agropecuária junto ao Cerrado brasileiro –, alem

de outras que se mostram relevantes ao país, a exemplo de áreas ambientais e

turísticas.

Sob tal contexto abrangente, cabe antecipar a observação de que as alternativas

de arranjos institucionais para a gestão da BHCorrente devem considerar a

presença importante de entidades mais amplas e com as atuações abrangentes,

como aquelas que foram sintetizadas neste item.

7.3. Esquema geral de arranjo institucional

(...)

7.4. Metodologia de planejamento institucional estratégico

_________________________________________________________________________

66

(...)

7.5. Propostas de alternativas para arranjos institucionais de gestão da

BHCorrente

No que se refere à formatação da Agência de Bacia do rio Corrente, importa

identificar quais poderão ser suas possíveis alternativas. De pronto, cumpre

lembrar do atual contexto vigente, qual seja, a aprovação da AGB Peixe Vivo

como agência da bacia do rio São Francisco, por conseguinte, atuando sobre a

região em estudo por conta de uma Secretaria Executiva de 4ª ordem.

Portanto, em termos práticos cabe considerar, como primeira opção, a

manutenção de tal arranjo institucional de gestão, seja em caráter temporário,

seja de forma definitiva, ainda que recomendações de ajustes e adequações

possam ser indicadas, tendo como base os estudos do Plano da BHCorrente.

Sob tal perspectiva, será necessário considerar os perfis e as dinâmicas – inicial e

atual – da AGB Peixe Vivo, que começou sua atuação como “entidade

delegatária” da bacia do rio das Velhas, com problemas e características bastante

distintas da bacia do rio Corrente, até que foi definida, adicionalmente, como

Agência Da Bacia do Rio São Francisco, com uma dimensão territorial muito

expressiva e distintas naturas de problemas e dinâmicas regionais.

Como segunda opção, considerando os diagnósticos apresentados e a

identificação de arenas decisórias e atores estratégicos, pode-se considerar a

Codevasf como entidade que venha a atuar na região da bacia como agência

executiva de programas e projetos componentes do Plano em elaboração.

A propósito dessa alternativa, cumpre reconhecer que são relevantes as

intervenções do Governo Federal sobre parte do Cerrado e, sobretudo, do

Semiárido brasileiro, principalmente via Codevasf, o que implica em significativos

aportes financeiros, em favor do oeste da Bahia.

De forma um tanto similar, como terceira alternativa pode-se considerar a atuação

da CERB como agência executiva da bacia, uma vez que esta entidade foi

constituída como empresa de economia mista e opera, de forma mais relevante,

sobre a região rural do interior da Bahia, portanto, com muitas de suas ações e

intervenções sendo compatíveis e potencialmente inseridas no contexto do Plano

da Bacia do Rio Corrente. Percebe-se que se trata de uma opção mais

_________________________________________________________________________

67

estadualizada do que a anterior.

Avançando entre as opções, uma quarta alternativa refere-se à constituição de um

Consórcio Público, ou seja, a criação de uma entidade que seja responsável pela

atuação conjunta do Governo do Estado e de municípios locais, eventualmente,

também do Governo Federal, tendo como encargo principal a convergência e

divisão de trabalho e os aportes financeiros relativos a ações e atividades

concernentes à Agência da Bacia do Rio Corrente.

A propósito desta opção, torna-se clara a possibilidade de que a constituição de

um Consórcio Público fosse ampliada para atuação no contexto da Bacia do Rio

São Francisco, eventualmente limitando os encargos da AGB Peixe Vivo a

porções próprias ao território mineiro, com ênfase na bacia do rio das Velhas, do

rio Paraopeba, além de outros trechos, como o próprio trecho do rio São

Francisco em Minas Gerais, porém, abrindo espaço para que outras entidades

atuem como agências nos demais estados, não somente sobre bacias de

afluentes, mas também sobre a calha do rio São Francisco, sempre mediante

convênios e/ou subcontratos com o mencionado Consórcio Público.

Essa quarta opção apresenta duas possibilidades: (a) de um Consórcio Público

limitado à Bacia do Rio Corrente; ou, (b) de sua atuação ampliada para a Bacia do

Rio São Francisco, tendo como encargo a definição de entidades locais a serem

subcontratadas ou atuantes mediante convênios, para o exercício de funções

relacionadas ao Plano da Bacia do Rio Corrente e de outras áreas.

Por fim, ainda de forma sucinta, como quinta opção pode-se considerar a

constituição de uma Associação Civil de direito privado, sem fins lucrativos,

composta, principalmente, por atores mais locais, com destaque para certas

prefeituras municipais, usuários de recursos hídricos e ONGs, sem restrições à

participação do próprio Governo do Estado, portanto, podendo ser mencionada

como um “Consórcio Local Público-Privado“.

Nesta opção, por certo que a representatividade será bem mais significativa,

porém, cabendo reconhecer que muitos desses atores ainda se encontram em

processos de expansão e dinâmica, por vezes, com relevância regional ainda

limitada. A propósito, cabe antecipar que esta quinta opção deve ser considerada

mais para o futuro, na medida em que se consolide o atual processo de expansão

socioeconômica regional.

_________________________________________________________________________

68

Com tais opções sintetizadas, o Quadro 7.1 apresenta alguns dos fatores a elas

relacionados, que serão tratados com maiores detalhes e observações na

sequência deste capítulo. Os fatores correspondem a: (i) personalidade jurídica e

perfil institucional da agência, com forma de gestão mais ou menos

descentralizada; (ii) finalidades das ações predominantes na agência

(abrangentes ou específicas); (iii) possibilidades de progressão no sistema de

gestão da bacia do rio Corrente e, também, do rio São Francisco.

Quadro 7.1. Resumo de fatores considerados para o traçado de alternativas para a Agência da Bacia do Rio Corrente.

Op

çõ

es

Personalidade Jurídica, Perfil

Institucional e Modelo de

Gestão da Agência da Bacia.

Ações Principais da

Agência da Bacia:

Abrangentes e/ou Locais.

Possibilidades de

Progressão no Sistema

de Gestão.

1ª.

Alt

ern

ati

va

AGB Peixe Vivo

Organização da Sociedade

Civil de direito privado, sem fins

lucrativos, qualificada como

“entidade delegatária”, atuando

como Agência Privada, com

gestão de integração para toda

a BHSF, mediante Contrato de

Gestão celebrado com a ANA.

Sua atuação na Bacia do Rio

Corrente ocorre mediante

Secretaria Executiva local.

Em princípio, ações

regionais abrangentes e

resposta a demandas de

suas instâncias locais,

como a Secretaria

Executiva da bacia do rio

Corrente, sem deixar de

reconhecer sua evidente

prioridade para o trecho do

Alto São Francisco.

Mesmo mantendo o atual

modelo de gestão, deve

ocorrer a possibilidade de

promover avanços

significativos de suas

instâncias locais, com mais

recursos e ações, em

decorrência do crescimento

econômico e da evolução

dos conflitos na bacia do

Rio Corrente.

alt

ern

ati

va

CODEVASF

Empresa Pública vinculada ao

MI, com ênfase em programas

e ações relativos à BHSF, com

gestão pautada por um

Convênio – ou Contrato de

Gestão – a ser celebrado com

o INEMA, sujeito à aprovação

pelo Secretário de Meio

Ambiente (SEMA/BA), depois

da devida manifestação

favorável por parte do Comitê

da BHCorrente, sendo que esta

alternativa tenha sido

autorizada pelo CONERH/BA.

Sua atuação nesta bacia

deverá ocorrer por meio de

uma Superintendência local, a

ser fortalecida.

Ações e respostas às

demandas próprias à bacia

do rio Corrente, com a

CODEVASF, por meio de

sua Superintendência local

fortalecida, podendo

coordenar e/ou

implementar programas

relativos ao Plano desta

Bacia. Trata-se de

alternativa semelhante à

seguinte, porém, mais

federalizada.

Esta alternativa mostra-se

como pragmática em

termos de execução de

programas e ações,

contudo, sem que ocorram

avanços institucionais

significativos junto ao

Sistema de Gestão, a

serem reconsiderados mais

para cenários futuros, no

âmbito da bacia do Rio

Corrente.

_________________________________________________________________________

69

Op

çõ

es

Personalidade Jurídica, Perfil

Institucional e Modelo de

Gestão da Agência da Bacia.

Ações Principais da

Agência da Bacia:

Abrangentes e/ou Locais.

Possibilidades de

Progressão no Sistema

de Gestão. 3ª.

Alt

ern

ati

va

CERB

Empresa de Economia Mista,

vinculada a SEMA, com ênfase

em programas e ações

relativos à zona rural e ao

oeste da Bahia, com possível

gestão pautada por um

Convênio específico – ou

Contrato de Gestão – a ser

celebrado com o INEMA,

sujeito à aprovação pelo

Secretário de Meio Ambiente

(SEMA/BA), depois da devida

manifestação favorável por

parte do Comitê da

BHCorrente, sendo que esta

alternativa tenha sido

autorizada pelo CONERH/BA..

Sua atuação nesta bacia

deverá ocorrer por meio de

uma Superintendência

fortalecida ou criação de uma

Diretoria local.

Ações e respostas às

demandas próprias à bacia

do rio Corrente, com a

CERB, por meio de sua

Superintendência

fortalecida ou de uma

Diretoria local, podendo

coordenar e/ou

implementar programas e

ações relativas ao Plano

desta Bacia. Trata-se de

alternativa semelhante à

anterior, porém, mais

estadualizada.

Também esta alternativa

mostra-se como pragmática

em termos de execução de

programas e ações,

contudo, sem que ocorram

avanços institucionais

significativos junto ao

Sistema de Gestão, a

serem reconsiderados mais

para cenários futuros, no

âmbito da bacia do Rio

Corrente.

4ª.

Alt

ern

ati

va

Consórcio Público (a)

Entidade a ser constituída

como Agência Pública da Bacia

do rio Corrente, composta por

municípios, pelo próprio

Governo da Bahia e, talvez,

pela União, atuando segundo

Contrato de Gestão, a ser

celebrado com o INEMA,

sujeito à aprovação pelo

Secretário de Meio Ambiente

(SEMA/BA), depois da devida

manifestação favorável por

parte do Comitê da

BHCorrente, sendo que esta

alternativa tenha sido

autorizada pelo

CONERH/BA.Sua gestão será

mais centrada na coordenação

de ações e programas locais

previstos pelo Plano da Bacia.

Suas ações teriam a

predominância de

coordenação e articulação

junto a outras entidades

executoras, portanto, de

acordos e definições da

divisão de trabalhos entre

os municípios e certas

entidades estaduais e

federais.

Os avanços em termos do

Sistema de Gestão

poderão ocorrer, sobretudo,

em termos da mútua

coordenação e integração

entre os municípios, o

Governo do Estado e a

União, até no sentido de

um posicionamento mais

firme e exigente junto à

AGB Peixe Vivo.

_________________________________________________________________________

70

Op

çõ

es

Personalidade Jurídica, Perfil

Institucional e Modelo de

Gestão da Agência da Bacia.

Ações Principais da

Agência da Bacia:

Abrangentes e/ou Locais.

Possibilidades de

Progressão no Sistema

de Gestão.

Consórcio Público (b)

Como perspectiva de futuro da

opção 4 (a), esta entidade seria

composta por municípios, Gov.

da Bahia e demais governos de

estados componentes da

BHSF, além da União. Este

Consórcio seria criado como

Agência Pública da Bacia do rio

São Francisco, portanto, com

retorno da atuação da AGB

Peixe Vivo apenas sobre o

território de Minas Gerais. A

gestão seria definida por um

novo Contrato de Gestão, a ser

celebrado com a ANA e,

também, com os órgãos

estaduais de recursos hídricos.

Ações regionais

abrangentes e

coordenação geral da

BHSF, com ênfase para

resposta a demandas de

Diretorias Regionais a

serem criadas em certas

porções desta Bacia,

notadamente no caso do rio

Corrente, sem impedimento

de que outros perfis de

agências locais sejam

constituídos, seguindo o

exemplo da AGB Peixe

Vivo, já existente e com

principal atuação sobre o

Alto SF.

Os potenciais avanços

futuros no Sistema de

Gestão referem-se à

indução de que agências

executivas ou Diretorias

locais do Consórcio Público

(b) sejam criadas, com as

devidas coordenações e

articulações entre

municípios, governos

estaduais e a União, para

que sejam consideradas

questões regionais e,

também, problemas

próprias a cada bacia

distinta de afluentes,

notadamente no caso do rio

Corrente.

5ª.

Alt

ern

ati

va

Associação Civil Local,

constituída como “Consórcio

Público-Privado”

Entidade criada como

associação civil de direito

privado, sem fins lucrativos,

composta principalmente por

atores locais, como municípios,

usuários das águas, ONGs e,

talvez, pelo Governo da Bahia,

que deverá reconhecê-la como

“entidade delegatária”. Sua

atuação será definida por um

Contrato de Gestão, a ser

celebrado com o INEMA,

sujeito a aprovação pelo

Secretário do Meio Ambiente

(SEMA/BA), depois da devida

manifestação favorável por

parte do Comitê da

BHCorrente, sendo que esta

alternativa tenha sido

autorizada pelo CONERH/BA.

As ações estariam focadas

em interesses e aspectos

mais locais, especialmente

voltadas a seus

associados, como usuários

de recursos hídricos, ONGs

e alguns municípios,

todavia, sem desconsiderar

as devidas negociações

junto à gestão da BHSF,

caso ocorram impactos

sobre trechos a jusante.

Quanto a potenciais

avanços no Sistema de

Gestão, por certo que esta

alternativa apresenta maior

potencial de

representatividade social,

todavia, cabendo

reconhecer que muitos

desses atores ainda se

encontram em processos

de expansão e dinâmica,

por vezes, com relevância

regional ainda limitada, o

que deixa claro que esta

opção deve ser pensada

mais para o futuro, talvez

com vinculação à

alternativa 4 (b), que pode

ser somada com agências

locais.

Para a definição da alternativa a ser adotada deve ser inicialmente consultado o

INEMA e a SEMA, logo em seguida com pauta deste tema junto ao Comitê da

BHCorrente e do próprio CERH/BA. Depois de manifestações a respeito, caberá

_________________________________________________________________________

71

ao INEMA definir uma estratégia para a alternativa que tiver sido selecionada,

inserindo na pauta uma articulação junto à ANA e à AGB Peixe Vivo, ao Comitê da

BHSF e, para o caso da 2ª opção, também ao Ministério da Integração.

Para todas as alternativas, recomenda-se que, como primeiro diploma legal, seja

elaborado um Protocolo de Intenções, ora com: a ANA e a AGB Peixe Vivo (1ª

opção); com a Codevasf e o MI (2ª opção); com a própria CERB (3ª opção); com

certos municípios, o Governo do Estado e, talvez, com a União, incluindo a ANA

(4ª opção); e, com certos usuários de recursos hídricos, ONGs, municípios e o

Governo da Bahia (5ª opção), registrando os passos seguintes a serem

empreendidos.

Os compromissos firmados mediante um Protocolo de Intenções propiciaria uma

constante avaliação e/ou as adequações necessárias, para quaisquer das

alternativas apresentadas. Na sequência deste Protocolo de Intenções, cumpre

ressaltar que, para as alternativas que propõem uma agência própria à bacia do

rio Corrente, dever-se-á celebrar um Convênio ou um Contrato de Gestão com o

INEMA, órgão estadual gestor do meio ambiente e dos recursos hídricos, além de

um recomendado Termo de Cooperação com a AGB Peixe Vivo, atual agência

para a totalidade da bacia do rio São Francisco, para que algumas de suas atuais

ações e atividades não deixem de ser realizadas.

Por fim, antes de descer a detalhes sobre as alternativas propostas, recomenda-

se que, tanto o Comitê da Bacia do Rio São Francisco, como também,

evidentemente, o Comitê da BHCorrente, sejam oportunamente consultados, para

fins de uma devida integração regional de gestão, cabendo lembrar que, segundo

a legislação vigente, caberá ao Comitê da BHCorrente debater e aprovar a

alternativa a ser definida, inclusive o correspondente Contrato de Gestão a ser

celebrado com uma “entidade delegatária”, ou um possível Convênio, a depender

da alternativa selecionada.

Como exemplos de critérios a este respeito, pode-se anotar: (i) a convergência na

implantação dos instrumentos de gestão entre bacias de afluentes; (ii) definições

convergentes para as vazões de referência, próprias a cada perfil de unidades

estratégicas de gestão – UEGs, a serem adotadas no processo de emissão de

outorgas; (iii) compatibilização dos planos locais com o Plano da BHSF;

(iv) compromissos dos estados para o desenvolvimento institucional local; e, (v)

_________________________________________________________________________

72

grau de mobilização dos usuários e de representantes da sociedade civil nas

bacias de afluentes, para fins de uma gestão com boa governança.

7.5.1. Primeira alternativa: manter o atual arranjo de gestão, com Base na

AGB Peixe Vivo como Agência Central de Integração da Bacia do Rio São

Francisco e sua Secretaria Executiva para a Bacia do Rio Corrente

Como primeira opção, foi considerado que a AGB Peixe Vivo pode atuar como

Agência da Bacia do Rio Corrente, desde que sejam requeridas maiores atenções

e considerações sobre as particularidades regionais, sobre os posicionamentos e

interesses próprios aos atores locais, obviamente, além dos diplomas legais

vigentes no Estado da Bahia.

Segundo insumos antecedentes já dispostos (item 4.5.1.d), de acordo com o art.

47 da Lei Federal nº 9.433/1997, a AGB Peixe Vivo enquadra-se como uma

associação civil de recursos hídricos, sob direito privado e sem fins lucrativos,

atendendo aos requisitos legais para que seja reconhecida como “entidade

delegatária”, para o exercício das funções de Agência de Bacia, conforme

disposto pela Lei nº 10.881//2004.

Sua atuação inicial foi dedicada à Bacia do Rio das Velhas, um dos principais

afluentes do Alto São Francisco, onde se localiza boa parte da Região

Metropolitana de Belo Horizonte. Atualmente, no âmbito do Estado de Minas

Gerais, a AGB Peixe Vivo também está legalmente habilitada a exercer as

funções de Agência para outros seis comitês estaduais, a saber: CBH Alto São

Francisco (SF1), CBH Pará (SF2), CBH Entorno da Represa de Três Marias

(SF4), CBH Jequitaí e Pacuí (SF6), CBH Paracatu (SF7) e CBH Urucuia (SF8).

Além de todos estes comitês estaduais mineiros, a partir de 2010, a AGB Peixe

Vivo foi reconhecida como “entidade delegatária” para exercer as funções de uma

Agência Central e Integradora da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco,

celebrando, então, um Contrato de Gestão com a ANA, devidamente aprovado

pelo CBHSF e pelo CNRH.

Assim, em decorrência do aumento de suas frentes de trabalho e das devidas

negociações com todos os comitês mencionados, tornou-se necessária uma

reestruturação da organização, mesmo com o perfil destas Unidades de

Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos – UPGRHs de Minas Gerais sendo

_________________________________________________________________________

73

mais próximas e conhecidas, do que porções mais a jusante da BHSF,

nomeadamente no caso da Bacia do Rio Corrente.

Não obstante ser uma boa referência para certas funções de agências de bacias,

para o exercício de encargos próprios à bacia do rio Corrente cabe indagar se o

atual perfil e a estrutura organizacional da AGB Peixe Vivo respondem

adequadamente à natureza e à dinâmica diferenciada das demais sub-bacias e

regiões que compõem a BHSF? Ou permanece sua predominância em temas e

interesses próprios ao Estado de MG, notadamente no caso da bacia do rio das

Velhas?

Reconhecida a validades desses questionamentos e caso seja definida esta

primeira alternativa como preferencial, cumpre identificar que dois

posicionamentos podem ser assumidos:

a) seguir na atual linha vigente, sem alterações ou acréscimos significativos

sobre contratos em vigor – particularmente sobre o Contrato de Gestão

celebrado entre a ANA e a AGB Peixe Vivo, além de seu respectivo Plano

de Trabalho –, além de solicitar avanços mais simplificados sobre a

estrutura organizacional desta entidade, restritos à sua Secretaria

Executiva local, portanto, sob uma forma mais limitada ao contexto

presente; ou,

b) procurar alterações bem mais robustas, sobretudo com acordos para

novos Contratos de Gestão – sendo a revisão do atual celebrado com a

ANA, além de outro a ser assinado com o INEMA/Governo da Bahia –,

com ambos propiciando interferências na própria estrutura interna da AGB

Peixe Vivo, como em seu Conselho Administrativo, quadro de pessoal e

na própria alocação de recursos.

Quanto ao primeiro posicionamento, mais modesto, é importante sublinhar seu

maior realismo, uma vez que a segunda atitude, bem mais agressiva e

pretensiosa, muito provavelmente geraria um desconforto, tanto para a AGB Peixe

Vivo quanto para a ANA, uma vez que os encargos e frentes adicionais de

trabalho desta “entidade delegatária” não seriam cobertos por uma elevação de

sua arrecadação via Corança pelo Uso da Água. Ao contrário, essa arrecadação

própria à Bacia do Rio Corrente será muito baixa, sem condições de

sustentabilidade própria de uma agência local, caso não sejam disponibilizadas

_________________________________________________________________________

74

outras fontes de recursos financeiros.

Ou seja, recomenda-se como passo inicial uma atitude mais realista e de

convergência com a AGB Peixe Vivo, sem descartar objetivos voltados a um novo

perfil da Secretaria Executiva local, contanto com mais recursos, melhor sede,

para tanto, passando a contar com apoio de entidades locais e do Governo do

Estado da Bahia. Mesmo sob tal posicionamento, em perspectivas mais futuras

caberá manter em pauta as mencionadas alterações mais significativas que foram

indicadas.

Enfim, ainda que sob uma ótica mais realista e limitada, para dar consistência e

assegurar maior representatividade e atuação regional da AGB Peixe Vivo na

BHCorrente, pelo menos devem ser empreendidos os seguintes passos:

abertura da entidade para novos associados, notadamente para atores

locais atuantes na BHCorrente;

negociações no âmbito do Comitê da BHSF para aprovação de possíveis

modificações no Estatuto da entidade, sem restrições a consultas junto aos

demais comitês existentes em outras bacias de afluentes – com destaque

para a do rio das Velhas –, portanto, sempre de forma consonante,

descentralizada e participativa;

possível indicação de novo(s) membro(s) do Conselho de Administração,

particularmente com interesse de representatividade de atores locais da

BHCorrente;

além da elaboração preliminar, debates e potencial assinatura de um futuro

Contrato de Gestão relativo ao exercício do papel de Agência da Bacia do

Rio Corrente, com anuências do Comitê da Bacia e do CERH/BA.

Mais do que isto, como uma perspectiva mais avançada e lembrando-se da

dimensão da BHSF e de sua diversidade territorial, por certo que a estrutura

institucional da AGB Peixe Vivo deveria ser objeto de um Planejamento

Institucional Estratégico, com a possibilidade de que sejam estabelecidas novas

instâncias internas, com especial interesse no caso da bacia do rio Corrente, onde

foram identificados problemas e objetivos específicos, próprios ao Plano desta

bacia.

Ainda a propósito desta 1ª opção, entende-se como uma das vantagens de

_________________________________________________________________________

75

instituir a AGB Peixe Vivo como Agência da Bacia do Rio Corrente sua maior

integração e coerência regional, com acordos e iniciativas comuns entre os atuais

comitês de bacias afluentes. Por outro lado, entende-se como uma de suas

potenciais desvantagens a consistência insuficiente de suas instâncias internas

para bacias de afluentes, devido à dimensão e diversidade da Bacia do São

Francisco, por consequência, dificultando a identificação adequada de núcleos de

problemas locais relacionados aos recursos hídricos, com destaque para o caso

da Bacia do Rio Corrente.

Em suma, vale lembrar que, no amplo contexto da BHSF, há muitas

considerações que assinalam o imperativo da promoção de estudos e medidas

específicas, sob duas perspectivas importantes e dialéticas entre si: de cima para

baixo (top-down) da bacia, como um todo e de suas áreas com problemas

prioritários; bem como, de baixo para cima (bottom-up), a partir de instâncias

locais para uma visão de sua inserção macrorregional.

Por fim, no que concerne a esta primeira opção – AGB Peixe Vivo, com sua

Secretaria Executiva local adequada como Agência da Bacia do Rio Corrente –, o

Quadro 7.2 sintetiza as suas principais vantagens e potenciais desvantagens.

Quadro 7.2. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens da Secretaria Executiva Local da AGB Peixe Vivo, como alternativa para os encargos da

Agência da Bacia do Rio Corrente.

Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens

Articulação entre a gestão local da Bacia do Rio

Corrente, com sua inserção macrorregional no

âmbito da BHSF;

Aproveitamento da referência da AGB Peixe

Vivo, como “entidade delegatária” no exercício

de funções como agência de bacia;

Manutenção do contexto institucional vigente,

com a adequada abertura de avanços,

notadamente da estrutura da Secretaria

Executiva local, de recursos financeiros de apoio

e de seguidas alterações e acréscimos em

contratos de gestão vigentes ou a serem

celebrados;

Elevação da representatividade social e de

usuários de recursos hídricos devido à

atratividade e proximidade com este perfil da

entidade e suas instâncias locais, constituída

como associação civil de direito privado, sem fins

Potencial manutenção do predomínio de

interesses próprios a sub-bacias

localizadas em MG, com destaque para a

do rio das Velhas e trechos do Alto SF;

Excesso de frentes de trabalho e

problemas muito distintos para a atuação

de uma Agência Única do amplo

contexto da BHSF;

Possíveis restrições e dificuldades na

reformatação institucional da AGB Peixe

Vivo, especialmente em sua Secretaria

Executiva local, por conseguinte, com

menor representatividade e articulação

com atores e interesses próprios à bacia

do rio Corrente;

Limitações para uma aplicação mais

uniforme e menos complexa para a

tramitação financeira da Cobrança, uma

_________________________________________________________________________

76

lucrativos;

Com avanços na Secretaria Executiva local, um

perfil mais descentralizado e participativo do

Sistema de Gestão, com menor burocracia e

procedimentos administrativos que devem ser

aplicados por uma Agência constituída como

órgão público.

vez que seguirá diferenciada e própria às

regras e atividades do INEMA (em rios

estaduais) e da ANA (calha principal do

SF), portanto, com possíveis

desconformidades em repasses para a

AGB Peixe Vivo.

7.5.2. Segunda alternativa: celebrar convênio ou contrato de gestão com a

Codevasf, para o exercício de ações e atividades próprias a uma Agência da

BHCorrente

A segunda opção refere-se à atuação da Codevasf como Agência da Bacia do Rio

Corrente, no sentido de sua implementação direta, ou coordenação junto a

terceiros, de programas, projetos e ações que serão propostas pelo Plano desta

Bacia.

Para tanto, sabe-se que a Codevasf tem uma atuação significativa junto à Bacia

do Rio São Francisco, inclusive em decorrência de sua dimensão como entidade

e dos substantivos aportes de recursos financeiros advindos do Orçamento Geral

da União (OGU). De fato, esta empresa pública, vinculada ao MI, empreende

diversos programas com objetivos convergentes com o Plano em elaboração, a

exemplo do Água para Todos e do Revitalização de Bacias Hidrográficas.

Sob tal contexto de seus programas e ações, cabe destacar a construção de

obras de infraestrutura, particularmente para o aproveitamento racional de

recursos hídricos, como também, para a implantação de projetos e de polos de

irrigação. Também investe na aplicação de novas tecnologias, diversificação de

culturas produtivas e recuperação de áreas ecologicamente degradadas, além da

capacitação e treinamento de produtores rurais.

Mais especificamente no que tange à BHCorrente, a CODEVASF tem buscado

viabilizar, por vezes mediante parcerias público-privadas (PPPs), importantes

projetos de irrigação em andamento, portanto, sendo um dos principais atores

estratégicos a considerar, contando com um consistente perfil executivo.

Assim, sendo possível contar com esta substantiva instituição da CODEVASF,

entra em pauta a possibilidade de que seja celebrado um Convênio – ou um

Contrato de Gestão – com o INEMA, órgão gestor do meio ambiente e dos

_________________________________________________________________________

77

recursos hídricos do Governo do Estado da Bahia, desde que ocorra a devida

aprovação pelo Secretário Estadual do Meio Ambiente, depois que o Comitê da

Bacia do Rio Corrente e, também, o CONERH/BA, tenham se manifestado a favor

desta alternativa.

Caso seja esta a opção selecionada, por óbvio que a atuação da CODEVASF irá

ocorrer mediante uma Superintendência local mais fortalecida. Neste sentido, no

presente já se conta com uma Superintendência Regional situada na cidade de

Bom Jesus da Lapa, um dos principais municípios da Bacia do Rio Corrente.

Todavia, para empreender as funções e encargos adicionais, que serão indicados

à Codevasf mediante um Plano de Trabalho específico, será indispensável que

ocorra o mencionado fortalecimento desta Superintendência local.

Ainda a respeito, nota-se que esta alternativa mostra-se bastante pragmática em

termos executivos de programas, projetos e ações, contudo, sem que ocorram

avanços institucionais mais significativos junto a um Sistema de Gestão local,

descentralizado, participativo e autossustentável, a ser reconsiderado mais para

um cenário futuro, no âmbito da Bacia do Rio Corrente. Ademais, cumpre

ressaltar que esta alternativa mostra-se um tanto federalizada, ou seja, com certa

dependência de iniciativas e de recursos do Governo Federal, via Ministério da

Integração.

Em suma, para esta segunda opção – Codevasf, com sua Superintendência local

atuando como Agência da Bacia do Rio Corrente –, o Quadro 7.3 sintetiza as

suas principais vantagens e potenciais desvantagens.

_________________________________________________________________________

78

Quadro 7.3. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens da superintendência local da Codevasf, atuando como Agência da Bacia do Rio Corrente.

Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens

Articulação entre a gestão local da bacia do rio

Corrente, com sua inserção macrorregional no

âmbito da BHSF;

Aproveitamento pragmático de programas e de

ações já existentes, além da elevada

consistência institucional da Codevasf para o

exercício de funções como agência de bacia;

Boa proximidade de suas principais atividades

com as ações prioritárias demandadas pela

bacia em tela;

Coordenação adequada com programas a

serem executados por terceiros;

Avanços na Superintendência local já existente

em Bom Jesus da Lapa, além da potencial

elevação de aportes financeiros advindos do

OGU;

Evidente independência de só receber aportes

advindos da Cobrança pelo Uso da Água para

viabilizar suas atividades como agência da

bacia em tela.

Tendência de federalizar as ações

executivas e decisões próprias a uma

agência local de bacia;

Falta de avanços no Sistema de Gestão,

em termos de sua descentralização e

maior representatividade social de atores

e de interesses locais;

Restrições ou dificuldades para o

fortalecimento de sua instância local já

existente na bacia do rio Corrente, como

Superintendência local;

Limitações para uma aplicação mais

uniforme e menos complexa para a

tramitação financeira da Cobrança, uma

vez que seguirá diferenciada e própria às

regras e atividades do INEMA (em rios

estaduais) e da ANA (calha principal do

SF), portanto, com possíveis

desconformidades em repasses para a

Codevasf.

7.5.3. Terceira Alternativa: celebrar convênio ou contrato de gestão com a

CERB, para o exercício de ações e atividades próprias a uma Agência da

BHCorrente

Na sequência, esta terceira alternativa apresenta uma boa semelhança com a

anterior, uma vez que se refere à atuação de uma empresa já existente, neste

caso, da CERB sendo selecionada como Agência da Bacia do Rio Corrente, no

sentido de sua própria implementação de programas, projetos e ações que serão

propostas pelo Plano da Bacia, por vezes coordenando serviços de terceiros.

Mesmo com tal semelhança com a segunda opção, cabe ressaltar que se trata de

uma alternativa bem mais estadualizada, portanto, com maior controle de

decisões e atividades sob interesses próprios ao Estado da Bahia, ainda que, com

esta opção, se possa abrir mão da possibilidade de contar com a elevação de

aportes financeiros advindos do OGU.

A CERB foi criada em 1971, sendo constituída como uma empresa de economia

mista, vinculada à SEMA, no presente operando de forma mais relevante sobre a

_________________________________________________________________________

79

região rural do interior da Bahia, portanto, com muitas de suas ações e

intervenções sendo compatíveis e potencialmente inseridas no contexto do Plano

da Bacia do rio Corrente. Novamente com proximidade da Codevasf, a CERB

também empreende ações relacionadas aos programas Água Para Todos e

Revitalização de Bacias Hidrográficas, ambos vinculados ao Ministério da

Integração, o que implica em sua devida articulação conjunta com a Codevasf.

Mais especificamente, hoje a CERB tem como missão garantir a oferta de água

para melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, com ênfase

no saneamento rural, sendo assim responsável pela execução de programas,

projetos e ações voltadas a populações carentes do semiárido baiano, sobretudo,

no que se refere à perfuração de poços tubulares profundos, construção de

sistemas integrados de abastecimento de água – convencionais ou simplificados

–, além do aproveitamento de energias renováveis e implantação de tecnologias

alternativas.

Neste sentido, a CERB vem se destacando no atendimento às populações

carentes, residentes em comunidades de pequeno porte, na faixa entre 100 a 500

moradores. Para exercer tais atividades, a CERB conta com uma equipe

especializada e formada, em sua maioria, por engenheiros, geólogos e técnicos,

capacitados para a elaboração e execução de projetos dessa ordem.

Os colaboradores estão distribuídos entre a sede, em Salvador, e mais 11 núcleos

regionais, com destaque para os municípios de Barreiras, na Bacia do Rio Grande

e de Santa Maria da Vitória, na Bacia do Rio Corrente.

Em acréscimo, ainda a respeito da atuação da CERB, quando se analisa a

chamada Política Ambiental da Bahia, são mencionadas várias outras frentes de

trabalho, chegando até a: prevenção da poluição, com redução de efluentes e

resíduos domésticos e industriais; a eliminação de passivos ambientais; e, a

própria implantação progressiva de um Sistema de Gestão ambiental (SGA),

mediante todos os seus núcleos regionais.

Assim, sob tal contexto institucional de encargos e de características da CERB,

torna-se possível contar com esta empresa de economia mista, que poderá

celebrar um Convênio – ou um Contrato de Gestão – com o INEMA, para que

exerça funções como Agência da Bacia do Rio Corrente, desde que seja

devidamente aprovada Secretário de Estado do Meio Ambiente, depois que o

_________________________________________________________________________

80

Comitê de Bacia do Rio Corrente e, também, o CONERH/BA, tenham manifestado

a favor desta alternativa.

Caso esta seja a opção, torna-se evidente que a atuação da CERB deverá ocorrer

mediante um Núcleo Regional bem mais fortalecido, para empreender as funções

e encargos adicionais, que serão indicados mediante um Plano de Trabalho

específico.

Também de forma similar com a alternativa anterior da Codevasf, nota-se que

esta opção mostra-se bastante pragmática em termos executivos de programas,

projetos e ações, contudo, sem que ocorram avanços muito significativos quanto

à descentralização e representatividade social de atores e interesses locais, cuja

atuação poderá ser mais considerada em perspectivas futuras, contanto com uma

possível autossustentabilidade no âmbito da bacia do rio Corrente.

Enfim, para esta terceira opção – CERB, com seu Núcleo Regional atuando como

Agência da Bacia do Rio Corrente –, o Quadro 7.4 sintetiza as suas principais

vantagens e potenciais desvantagens.

Quadro 7.4. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens do núcleo regional da CERB, atuando como Agência da Bacia do Rio Corrente.

Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens

Tendência de estadualização das ações

executivas e decisões próprias ao Estado da

Bahia, por meio de uma agência local da bacia

do rio Corrente;

Aproveitamento pragmático de programas e de

ações já existentes, via CERB, especialmente

daquelas voltadas a famílias pobres e

pequenas comunidades da zona rural do oeste

da Bahia;

Boa proximidade de suas principais atividades

com as ações prioritárias demandadas pelo

Plano da bacia em estudo;

Coordenação adequada com programas a

serem executados por terceiros;

Avanços institucionais no Núcleo Regional já

existente na bacia do rio Corrente;

Construção de referência para modelos de

gestão em outras bacias do Estado da Bahia,

com perfis regionais similares;

Evidente independência de só receber aportes

Possíveis limites na articulação devida

entre a gestão local da bacia, com sua

inserção macrorregional no âmbito da

BHSF;

Limites de avanços no Sistema de

Gestão, em termos de sua

descentralização e maior

representatividade social de atores e de

interesses locais;

Eventual limite ao fortalecimento de seu

Núcleo Regional já existente na bacia do

rio Corrente, além de menor acréscimo

de recursos financeiros advindos do

OGU;

Limitações para uma aplicação mais

uniforme e menos complexa para a

tramitação financeira da Cobrança, uma

vez que seguirá diferenciada e própria às

regras e atividades do INEMA (em rios

estaduais) e da ANA (calha principal do

SF), portanto, com possíveis

_________________________________________________________________________

81

Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens

advindos da Cobrança pelo Uso da Água para

viabilizar suas atividades como agência da

bacia em tela.

desconformidades em repasses para a

CERB.

7.5.4. Quarta alternativa: constituição de um Consórcio Público a ser

reconhecido como “entidade delegatária”, para celebrar contrato de gestão

com o INEMA, para o exercício de ações e atividades próprias a uma

Agência da Bacia do Rio Corrente

Como quarta alternativa, cabe abordar a instituição de uma Agência da Bacia do

Rio Corrente no formato de um Consórcio Público, para verificar suas

características e aspectos legais e estratégias de operacionalização.

A propósito desta quarta opção, é importante lembrar que, tal como já

mencionado, há duas perspectivas a considerar: (a) de um Consórcio Público

limitado à Bacia do Rio Corrente, sob o atual contexto presente; ou, (b) de sua

atuação ampliada para a Bacia do Rio São Francisco, em cenários mais futuros,

tendo como encargo a definição de entidades locais a serem contratadas ou

atuantes mediante convênios, para o exercício de funções especificas

relacionadas à Bacia do Rio Corrente e/ou de outras bacias de afluentes.

Esta opção de um Consórcio Público tem sido cogitada, notadamente pela ANA,

desde o advento da Lei Federal nº 11.107, de 2005, e do Decreto Federal nº

6.017, de 2007, que a regulamenta. Estes diplomas legais dispõem sobre as

normas gerais de contratação de um Consórcio Público, constituído como pessoa

jurídica, formada exclusivamente por entes da Federação, sendo criado como

uma associação sob uma personalidade jurídica de direito público e natureza

autárquica.

A propósito, no texto do Decreto nº 6.017/2007, que regulamenta a contratação de

Consórcio Público, o Artigo 39 cita que:

“A partir de 1º de janeiro de 2008, a União somente

celebrará convênios com consórcios públicos constituídos

sob a forma de associação pública ou que para esta forma

tenham se convertido”.

Portanto, este artigo passou a restringir as alternativas de consórcios formados

_________________________________________________________________________

82

como pessoa jurídica de direito privado, tal como foi constituído o conhecido

Consórcio Piracicaba, Capivari e Jundiaí – Consórcio PCJ, de São Paulo, sempre

visto como uma das melhores referências do país, não somente tendo municípios

como associados, como também empresas publicas e privadas e, também,

ONGs.

Mais do que isto, este Decreto, em seu Art. 3º, inciso VII, e no Art. 20, Parágrafo

2º, explicita duas particularidades importantes para a gestão dos recursos

hídricos, a seguir reproduzidos:

Art. 3º - Observados os limites constitucionais e legais, os

objetivos dos consórcios públicos serão determinados pelos

entes que se consorciarem, admitindo-se, entre outros, os

seguintes:

...

VII – o exercício de funções no sistema de gerenciamento

de recursos hídricos que lhes tenham sido delegadas ou

autorizadas;

...

Art. 20 - (...)

Parágrafo 2º - Os consórcios públicos poderão emitir

documentos de cobrança e exercer atividades de

arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela

prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de

bens públicos ou, no caso de específica autorização,

serviços ou bens de ente da Federação consorciado.

Não obstante esta legislação vigente, cumpre ressaltar que, caso um Consórcio

constituído com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica

seja a forma escolhida para a Agência da Bacia do Rio Corrente ou para a BHSF,

ainda há risco desta não ser a figura jurídica definitiva19.

19 É interessante registrar que a Lei Estadual nº 10.020/1998, de São Paulo, autoriza o Governo

do Estado a participar de “Fundação Agência de Bacia”, em rios sob sua domilialidade. Ou seja, de

forma diferenciada, pretende-se contemplar, ora a figura de um Consórcio Público, ora de uma

Fundação, como personalidades jurídicas definitivas para os exercícios próprios às agências de

bacias hidrográficas.

_________________________________________________________________________

83

De fato, sabe-se que ainda se encontra em tramitação, no Congresso Nacional, o

Projeto de Lei (PL) nº 1.616/1999, que “dispõe sobre a gestão administrativa e a

organização institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos”. Apesar de passados quase quatorze anos, este Projeto de Lei vem

tramitando muito lentamente e sem apoio político necessário, seja de órgãos do

próprio Executivo, como da sociedade civil organizada.

Portanto, a eventual promulgação de uma lei nacional sobre o SINGREH, que

defina claramente a figura das agências de bacias, ou a aprovação, com ou sem

alterações do atual PL nº 1.616/1999, acarretará a existência de um instrumento

legal bem mais forte do que a Lei nº 11.107/2005 ou do Decreto Federal nº

6.017/2007, que se tornaram vigentes sobre um tema mais específico, o

consorciamento público.

Enfim, entende-se que a apresentação de um projeto de lei ao Congresso

Nacional, para autorizar a instituição de um Consórcio Público como Agência da

BHSF, estará sujeito à comparação e tramitação conjunta com o Projeto de Lei

nº 1.616/1999, não havendo previsibilidade de seus respectivos desdobramentos.

Mesmo sob tal contexto, cabe considerar a viabilidade legal dessa quarta

alternativa, tendo a referência de uma minuta de Protocolo de Intenções para

constituir um Consórcio Público como agência de bacia (ver Anexo III). Para tanto,

seriam necessários os seguintes passos para a opção 4(a), voltados à criação de

uma “entidade delegatária” própria à Bacia do Rio Corrente, no território baiano:

(i) celebração de um Protocolo de Intenções do Consórcio Público, subscrito

pelo próprio Governo do Estado e certas prefeituras municipais, para as

quais a legislação permite adesão voluntária;

(ii) ratificação do Protocolo de Intenções pela SEMA, INEMA e pelo respectivo

Comitê da Bacia, além de manifestação favorável do CONERH/BA;

(iii) aprovação de lei estadual que ratifique o Protocolo de Intenções;

(iv) constituição de uma Assembleia Geral dos entes consorciados para eleger,

dentre eles próprios, o Presidente da Agência da Bacia do Rio Corrente,

aprovar o Regimento Interno e dar posse aos membros do Conselho de

Administração e ao Diretor-Geral; e,

_________________________________________________________________________

84

(v) assinatura do devido Contrato de Gestão com o INEMA, depois de sua

devida aprovação pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente e da

manifestação favorável advinda do CONERH/BA, além do registro das atas

e dos documentos legais e da abertura de uma conta bancária, com o início

de um funcionamento regular da entidade.

De forma similar, porém sob a perspectiva de cenários mais futuros, no caso da

opção 4(b) a mesma sequência de passos seria a seguinte, agora voltada para a

substituição da AGB Peixe Vivo por um Consórcio Público, constituído como

Agência da BHSF, portanto, abrangendo vários estados e o DF:

(i) celebração de um Protocolo de Intenções do Consórcio Público, subscrito

pela União e pelos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco,

Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal e de certos municípios, uma

vez que a legislação permite sua adesão voluntária;

(ii) ratificação do Protocolo de Intenções pelos órgãos gestores – ANA e seus

correspondentes estaduais e do DF –, NO CASO DA Bahia pela SEMA e

eplo INEMA, além de manifestação favorável do Comitê da BHSF e dos

comitês de afluentes, a exemplo do Comitê da BHCorrente como também

pelo CNRH, pelo CONERH/BA e demais Conselhos Estaduais e do DF;

(iii) aprovação de lei nacional e de leis estaduais e do DF, que ratifiquem o

Protocolo de Intenções;

(iv) constituição de uma Assembleia Geral dos entes consorciados para eleger,

dentre eles próprios, o Presidente da Agência da BHSF, aprovar o

Regimento Interno e dar posse aos membros do Conselho de

Administração e ao Diretor-Geral; e,

(v) assinatura de um único Contrato de Gestão com todos os órgãos gestores

de recursos hídricos relacionados com a BHSF – ANA e seus

correspondentes estaduais e do DF –, no caso da Bahia, depois de sua

devida aprovação pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente, pelo

Comitê da BHCorrente, e com a manifestação favorável advinda do

CONERH/BA, além do registro das atas e dos documentos legais e da

abertura de uma conta bancária, com o início de um funcionamento regular

da entidade.

Especificamente sobre a composição do Conselho de Administração, é importante

_________________________________________________________________________

85

recomendar que seja convenientemente pactuada, todavia, sem a participação de

órgãos gestores de recursos hídricos, uma vez que tais entidades devem atuar,

principalmente, sobre seus encargos de regulação, por conseguinte, evitando

associar-se a de um Consórcio Público constituído para atuar como agência de

bacia.

Enfim, a melhor alternativa será uma composição que reflita o caráter próprio do

Conselho de Administração, evitando-se possíveis divergências e conflitos de

interesse entre órgãos gestores e a agência da bacia. Dizendo de outra forma, o

Conselho, como uma instância superior da agência, receberá delegações dos

órgãos gestores, portanto, sendo necessário cumprir exigências, a serem

avaliadas periodicamente, com base no Contrato de Gestão a ser celebrado entre

as partes.

Uma vez dispostos procedimentos de ordem jurídico-legal e características

próprias à quarta opção, de um Consórcio Público, agora cabe seguir mediante

abordagens e questionamentos similares às opções anteriores, ou seja,

analisando as possíveis vantagens e desvantagens da presente alternativa.

De pronto, no que tange a uma comparação inicial entre as opções (a) e (b), por

certo que, no presente, deve-se começar pela constituição de um Consórcio

Público local, a partir do qual será possível abrir espaços para que, mais à frente,

a opção (b) passe a ser negociada com os demais estados e com o DF, além da

própria União, sabendo-se que a ANA teria posicionamento favorável a esta

alternativa.

A propósito da opção 4(b), deve-se lembrar que a BHSF tem uma dimensão

territorial muito abrangente, com grande diversidade em suas sub-bacias e

regiões, tanto no que se refere a aspectos do meio ambiente, quanto das

dinâmicas socioeconômicas e de núcleos urbanos das unidades federativas

componentes desta bacia.

Assim, para este caso 4(b), o Consórcio Público a ser constituído como Agência

Central da BHSF, por certo, irá necessitar de outras agências locais – mantendo-

se um destaque para a AGB Peixe Vivo que, muito provavelmente, seguirá com

suas atividades sobre a Bacia do Rio das Velhas e no trecho do Alto São

Francisco –, sobretudo para fins mais operacionais, em unidades de gestão

(UGHs) e núcleos de problemas, tendo a sua natureza jurídica de direito privado

_________________________________________________________________________

86

como principal diferença.

Entende-se que agências centrais de grandes bacias não podem refutar

instâncias locais voltadas para UGHs e núcleos de problemas, a exemplo de

agências particularmente criadas pelos estados em suas bacias de afluentes –

notadamente como pode ocorrer no caso do rio Corrente –, seja mediante as

opções já apresentadas, como a AGB Peixe Vivo, a Codevasf, a CERB ou um

Consórcio Público local 4(a) ou, ainda, como a quinta alternativa, que será

abordada na sequência.

Sob esta abordagem, cumpre enfatizar que, segundo recomendações de

consultores convidados para uma Oficina da Federação das Indústrias do Estado

de Minas Gerais (FIEMG) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI20), deve-

se conferir maior flexibilidade e atratividade aos arranjos institucionais, sempre de

forma descentralizada e participativa, para que ocorram avanços mediante

maiores preços unitários da Cobrança pelo Uso da Água, ao invés de optar-se por

arranjos mais estatais, uma vez que estes se mostram mais centralizadores,

passando a ser palatáveis aos usuários pagadores, por consequência, com

relativo afastamento e reações em favor de menores valores da Cobrança pelo

Uso da Água.

Assim, torna-se evidente, por exemplo, que os usuários de recursos hídricos,

notadamente os associados da AGB Peixe Vivo, terão bem menos atratividade

por um Consórcio Público, especialmente se tal entidade assumir encargos

executivo-estatais.

Enfim, estas observações são relevantes, sobretudo quando estiverem em pauta

assuntos relacionados aos preços e à distribuição de encargos e funções

concernentes à Cobrança pelo Uso da Água, com destaque para o papel que

pode ser exercido pela Agência Central e pelas instâncias locais de UGHs,

sempre sob os fundamentos de modelos de gestão descentralizados e

participativos.

20 Oficina sobre Cobrança pelo Uso da Água na Bacia do Rio Doce, realizada pela FIEMG/CNI em

23 de fevereiro de 2010, em Belo Horizonte, tendo como Tema “A Articulação entre o

Instrumento da Cobrança e Arranjos Institucionais Aplicados à Gestão de Recursos

Hídricos”.

_________________________________________________________________________

87

Em decorrência destas observações, há uma importante recomendação de que as

possíveis opção 4(a) e 4(b) tenham seus respectivos Consórcios Públicos, locais

ou da BHSF, instituídos sob finalidades específicas, limitando-se à devida

coordenação entre a União, unidades federativas e prefeituras municipais,

portanto, voltando-se mais a aspectos administrativos e legais, os quais

demandam negociações próprias aos governos, como deliberação, legislação,

normatização e fiscalização.

Assim, a formatação de um Consórcio Público sob finalidades específicas seria

bem mais pragmática, uma vez que pode haver divergências legais e

institucionais entre a União e diferentes estados ou municípios. Portanto, o

Consórcio Público funcionaria centrado em negociações e acordos próprios ao

Poder Público, ressaltando-se que estes encargos não se tratam de negociações

próprias a Comitês de bacias, seja o do Rio Corrente ou o Comitê do Rio São

Francisco, mas sim, daquelas limitadas a aspectos administrativos e legais.

De todo o modo, ao atuar sob finalidades específicas, uma das principais

vantagens da alternativa de um Consórcio Público seria a possibilidade de

delegação da Cobrança para essa entidade estatal, tanto pela União, quanto

pelos entes federados. De fato, ao invés de cada órgão gestor emitir a Cobrança

pelo Uso da Água, em rios sob seus correspondentes domínios, todos poderiam

delegar tal encargo ao Consórcio Público, facilitando em muito a

operacionalização e universalização da Cobrança no âmbito da bacia.

Ainda no que tange a estas finalidades específicas, cumpre reconhecer que um

Consórcio Público, composto por autoridades governamentais da União, dos

estados e do DF, além de certos municípios, passaria a ter muito mais peso e

poder político do que um comitê de bacia, portanto, podendo confrontar e intervir

em algumas decisões tomadas por essas instâncias coletivas, frente às quais

deveria atuar como uma secretaria executiva de apoio, submetendo-se a

manifestações de representantes da sociedade civil e de usuários de recursos

hídricos.

Em outras palavras, caso o Consórcio Público não tenha as mencionadas

finalidades restritas, seu peso específico poderá enfraquecer a representação

social, afastar a presença de representantes de ONGs e de usuários de recursos

hídricos – pagadores da Cobrança pelo Uso da Água –, tudo em função do peso

_________________________________________________________________________

88

político de um Consórcio Público, constituído como entidade estatal.

Com isto posto, no que tange a encargos operacionais, o Consórcio Público

proposto como agência de bacia, desde que restrito a finalidades específicas,

certamente precisaria contar com as referidas instâncias locais de sub-bacias,

como também, com outras entidades executoras que atuem em sua bacia, a

exemplo da Codevasf e da CERB.

Assim, para o caso da opção 4(a), um Consórcio Público local, constituído sob

finalidades específicas, deveria iniciar suas atividades mediante a coordenação e

negociações com entidades executivas que atuam na Bacia do Rio Corrente.

De forma semelhante, segundo a opção 4(b), também para um Consórcio Público

identificado como “entidade delegatária” da BHSF seria possível começar suas

articulações com agência locais, a exemplo da própria AGB Peixe Vivo, que

poderia ser prontamente contratada pelo Consórcio para encargos executivos de

certas UGHs, notadamente sobre o trecho do Alto São Francisco, assim como

teve suas primeiras atividades sobre a Bacia do Rio das Velhas, então contratada

pelo Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais – IGAM/MG.

Ou seja, esta quarta opção – seja na perspectiva (a) ou (b) – deve manter, de

forma pragmática, aspectos operacionais sob a responsabilidade de instâncias

executivas locais. Excepcionalmente, em algumas sub-bacias ou UGHs, onde não

forem constituídos comitês e criadas agências executivas locais, o próprio

Consórcio Público poderá estabelecer uma instância interna – tal como uma

diretoria ou como uma secretaria executiva –, para que toda a bacia tenha uma

gestão integrada e responda a demandas operacionais distintas de suas unidades

de gestão de recursos hídricos.

Enfim, esta recomendação de que um Consórcio Público seja estabelecido sob

finalidades específicas decorreu pela sobreposição entre suas possíveis

vantagens e potenciais desvantagens, sendo importante mencionar a flexibilidade

dessa opção para maior facilidade de adequação às especificidades da legislação

de cada estado e às suas demandas e características de problemas regionais e

locais de recursos hídricos.

Com isto posto, o Quadro 7.5 apresenta as referidas vantagens possíveis e

potenciais desvantagens que foram identificadas em relação a esta alternativa de

_________________________________________________________________________

89

constituição de um Consórcio Público como Agência da Bacia do Rio Corrente ou

da BHSF.

Quadro 7.5. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens do consórcio público, como alternativa para uma Agência da Bacia do Rio Corrente (4a) ou da BHSF (4b).

Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens

Sob a opção 4 (b) destaca-se a

articulação devida entre a gestão

local da bacia do rio Corrente, com

sua inserção macrorregional no

âmbito da BHSF;

Avanços importantes na aproximação

e nas devidas articulações entre o

Governo da Bahia e os municípios da

bacia do rio Corrente, no caso da

opção 4 (a);

Para o caso de Consórcio Público

constituído sob finalidades restritas,

um adequado equilíbrio de poder e

as devidas articulação entre a

Assembléia Geral e o Conselho de

Administração da Agência e os

membros do Comitê da Bacia, além

de uma coordenação e divisão de

trabalho com entidades executivas,

locais e/ou regionais, que atuem na

BHSF ou especificamente na bacia

do rio Corrente;

Delegação conjunta da Cobrança à

própria Agência da BHSF, constituída

como Consórcio Público, pela ANA e

pelos órgãos estaduais e do DF, por

conseguinte, envolvendo um fluxo

financeiro mais direto e objetivo, ou

seja, para a opção 4 (b), em toda a

BHSF a Cobrança estará a cargo do

Consórcio, como Agência Única

Integrada;

Convergência entre a base legal

vigente, tanto federal, estadual e do

DFR, quanto dos municípios

consorciados.

Para a opção 4 (a), podem haver possíveis

limitações na articulação devida entre a gestão

local da bacia do rio Corrente, com sua inserção

macrorregional no âmbito da BHSF;

No caso da opção 4 (b), ampla abrangência e

complexidade nas devidas negociações e acordos

entre a União, estados e o DF, com muitos ajustes

e aprovações legislativas devidas;

Assembléia Geral composta pelo Presidente e

Governadores e por determinados Prefeitos

Municipais (ou por Ministro e Secretários de

Estado e de certas Prefeituras), portanto, com

possível ocupação política e manipulação de

cargos no Conselho Administrativo e na Gerência

Executiva da Agência, por vezes, não sendo

considerados atores técnicos e instâncias

executivas locais;

Enfraquecimento de Comitês como instâncias

decisórias, tanto o da BHSF quanto do rio

Corrente, devido ao poder e à força política de um

Consórcio Público, caso não seja constituído sob

finalidades restritas, por consequência, com menor

representação de ONGs e de usuários de recursos

hídricos;

Menor disposição a pagar via Cobrança pelo Uso

da Água, devido à ausência dos usuários privados

na estrutura da Agência da Bacia, estabelecida

como Consórcio Público, e sem instâncias

executivas locais em UGHs e núcleos de

problemas;

Muitos procedimentos administrativos e

burocráticos, próprios a órgãos públicos;

Repercussões sobre a Agência da Bacia, quando

das constantes modificações no quadro político-

partidário de governos federal, distrital, estaduais e

municipais.

7.5.5. Quinta alternativa: constituição de uma Associação Civil de Direito

Privado, sem fins lucrativos, entre municípios, usuários de recursos

hídricos e ONGs, como se fosse um “Consórcio Público-Privado”, a celebrar

_________________________________________________________________________

90

contrato de gestão com o INEMA, para o exercício de ações e atividades

próprias a uma Agência da Bacia do Rio Corrente

Por fim, como quinta e última alternativa, cabe analisar a possibilidade de

constituição de uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos,

composta, principalmente, por atores mais locais, com destaque para certos

municípios, usuários de recursos hídricos e ONGs, sem restrições à participação

de algumas empresas estaduais, a exemplo da CERB, da Embasa e da

Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba), dentre outras.

Sob tal forma de associação, que tenderia a ser constituída a partir da iniciativa e

de interesses próprios a algumas das principais prefeituras municipais da bacia,

poder-se-ia menciona-la como se fosse um “Consórcio Local Público-Privado“ – a

exemplo do já referido Consórcio PCJ, de São Paulo –, com seu reconhecimento

como “entidade delegatária”, com vistas à celebração de um Contrato de Gestão

com o INEMA, voltado ao exercício de ações e atividades próprias a uma Agência

da Bacia do Rio Corrente, desde que devidamente aprovado pelo Secretário de

Estado do meio Ambiente, depois que o Comitê de Bacia do Rio Corrente e,

também o CONERH/BA tenham se manifestado a favor desta alternativa.

Sob esta opção, torna-se evidente que a representatividade social seria bem mais

significativa, o que implicaria em potenciais avanços de um Sistema de Gestão

mais descentralizado e participativo, contudo, cabendo reconhecer que muitos

desses atores ainda se encontram em processos de expansão e maior dinâmica,

por vezes, com relevância regional ainda limitada. Por consequência, esta quinta

opção deve ser considerada mais para o futuro, na medida em que se consolide o

atual processo de expansão socioeconômica sobre a bacia do rio Corrente.

Sob uma abordagem semelhante, também como uma de suas principais

vantagens é inquestionável sua maior proximidade com o próprio Comitê da

Bacia, ao qual compete definir prioridades e tomar decisões – notadamente a

exemplo da aprovação do respectivo Plano da Bacia.

Ademais, sob tal alternativa, as ações e atividades da entidade estariam mais

focadas em interesses e aspectos locais, especialmente voltadas a seus

associados, como usuários de recursos hídricos, ONGs e alguns municípios,

todavia, sem desconsiderar as devidas negociações junto à gestão da BHSF,

_________________________________________________________________________

91

caso ocorram impactos sobre trechos a jusante.

Não obstante a consideração dessas possíveis vantagens, é importante lembrar

que uma associação local criada na bacia do rio Corrente não seria

autossustentável por conta exclusiva de arrecadação via Cobrança pelo Uso da

Água – tal como consta na Nota Técnica nº 06, emitida em 11 de fevereiro de

2010 pela Superintendência de Apoio à Gestão da Agência Nacional de Águas –

SAG/ANA –, portanto, com sua dependência de outras fontes de recursos

financeiros.

Neste sentido, admite-se que um eventual “Consórcio Local Público-Privado”

possa ser mantido por conta de doações voluntárias, tanto advindas de prefeituras

quanto de usuários de recursos hídricos, tal como já ocorreu nos primeiros

tempos da própria AGB Peixe Vivo, no presente, sustentada somente pelo

percentual de até 7,5% da arrecadação advinda da Cobrança pelo Uso da Água,

no contexto da BHSF.

Enfim, para esta quinta opção – de uma associação civil privada, constituída como

um “Consórcio Local Público-Privado”, a exercer funções como Agência da Bacia

do Rio Corrente –, o Quadro 7.6 sintetiza as suas principais vantagens e

potenciais desvantagens.

Quadro 7.6. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens do “Consórcio Local Público-Privado”, como alternativa para os encargos da

Agência da Bacia do Rio Corrente.

Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens

Aproveitamento das referências do

Consórcio PCJ/SP e da AGB Peixe Vivo,

como “entidades delegatárias” no exercício

de funções como agências de bacias;

Criação de uma agência local, sem

problemas na manutenção do contexto

institucional vigente na BHSF, o que só

implicaria em acordos e articulações com a

AGB Peixe Vivo, que atua como Agência

da BHSF, sem a necessidade de novas

legislações;

Avanços no Sistema de Gestão, com maior

representatividade social de ONGs e de

usuários de recursos hídricos, devido à

atratividade e proximidade com este perfil

da entidade, criada como um “Consórcio

Possíveis limitações na articulação devida

entre a gestão local da bacia do rio Corrente,

com sua inserção macrorregional no âmbito

da BHSF;

Possível falta de consideração sobre ações e

intervenções que afetem os trechos a jusante,

com impacto sobre a calha principal do rio

São Francisco;

Potenciais problemas na composição dos

associados ao “Consórcio Local”, uma vez

que a região da bacia do rio Corrente ainda

se encontra em processo de desenvolvimento

de atividades socioeconômicas;

Limites na arrecadação via Cobrança pelo

Uso da Água, portanto, com dependência de

_________________________________________________________________________

92

Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens

Local Público-Privado”, ou seja, na figura

jurídica de uma associação civil de direito

privado, sem fins lucrativos;

Sob uma personalidade jurídica de direito

privado, a agência teria um perfil com

menor burocracia e procedimentos

administrativos que devem ser aplicados

por uma entidade constituída como órgão

público;

Maior proximidade com o próprio Comitê

da Bacia, além da predominância de ações

e atividades voltadas a interesses locais.

autossustentação financeira por conta de

doações voluntárias de seus associados –

PMs e usuários de recursos hídricos;

Limitações para uma aplicação mais uniforme

e menos complexa para a tramitação

financeira da Cobrança, uma vez que seguirá

diferenciada e própria às regras e atividades

do INEMA (em rios estaduais) e da ANA

(calha principal do SF), portanto, com

possíveis desconformidades em repasses

para este “Consórcio Público-Privado”.

7.6. Referências gerais para a estrutura organizacional de uma Agência da

BHCorrente

Cumpre sublinhar que os principais encargos da Agência da Bacia do Rio

Corrente, válidos para quaisquer das cinco opções já apresentadas, devem

concentrar-se sobre a implementação de ações e intervenções previstas pelo

presente Plano da Bacia em elaboração, o que implica em:

(i) analisar estudos, projetos e obras a serem empreendidos e identificar suas

possíveis fontes de financiamento, sem limitar-se apenas a recursos

advindos da Cobrança pelo Uso da Água, uma vez que, especialmente nas

opções 2, 3 e 4, parte de orçamentos próprios à Codevasf, CERB ou a um

Consórcio Público, poderão ser aplicados em favor de ações e

intervenções previstas pelo Plano da Bacia;

(ii) instruir a instituição financeira responsável por sua conta bancária, para

que repasse aos devidos executores – a fundo perdido ou mediante

operações de crédito – os montantes necessários à implementação de

programas, projetos e obras, sempre sob o requisito de prévia aprovação

por parte do Comitê da Bacia;

(iii) acompanhar a administração financeira de suas fontes de receitas, com

particular atenção a recursos arrecadados via Cobrança pelo Uso da Água,

em sua área de atuação;

(iv) celebrar convênios e contratar serviços que sejam requeridos para o

cumprimento de seus encargos e competências; e,

_________________________________________________________________________

93

(v) elaborar sua proposta orçamentária e submetê-la a apreciação do

respectivo Comitê da Bacia, além do INEMA, órgãos gestor do meio

ambiente e de recursos hídricos do Estado da Bahia, com o qual celebrou o

devido convênio ou contrato de gestão.

Por certo que todas as opções devem considerar tais encargos principais,

inclusive aquelas que já constam com estruturas de entidades já existentes, como

a AGB Peixe Vivo, a Codevasf e a CERB, respectivamente as opções 1, 2 e 3. No

que tange às outras alternativas, apenas referências gerais serão apresentadas

na sequência, a respeito de:

a) uma agência no formato de um Consórcio Público, apresentada como

quarta opção; e,

b) aspectos relativos à estrutura de uma associação civil de direito privado,

sem fins lucrativos, que deve ser considerada sobretudo para a definição

da estrutura de uma agência local, tal como consta na quinta opção.

7.7. Gestão integrada entre a União e os estados federados

Como última recomendação importante, merece destaque a importância de

relações institucionais mais estratégicas para a Bahia, especialmente com a ANA,

para que, de fato, ocorra uma gestão integrada entre a União e seus estados

federados.

Para tanto, desde os primeiros anos de atuação da ANA, foram concebidos dois

tipos de convênios a serem celebrados: (a) os Convênios de Cooperação com os

órgãos estaduais gestores; e, (b) os Convênios de Integração entre as unidades

estaduais componentes de bacias hidrográficas compartilhadas, a exemplo da

Bacia do Rio São Francisco.

A propósito, é importante registrar que, no presente, a Agência Nacional de Água

encontra-se com uma estrutura e capacidade muito mais avançada do que

qualquer dos órgãos estaduais, tanto em termos de seu quadro de técnicos,

quanto da disponibilidade orçamentária. Como consequência, sem obstruções à

atuação significativa da ANA, tal como já mencionado, cabe registrar que, sob tal

capacidade bem mais fortalecida, pode ocorrer uma tendência de centralização,

particularmente quando não houverem respostas adequadas dos estados e, por

_________________________________________________________________________

94

consequência, a gestão de recursos hídricos ficar majoritariamente sob a

responsabilidade e o controle da ANA.

Ademais, no caso específico da Bacia do Rio Corrente, sabe-se que muitas das

variáveis e fatores intervenientes sobre a dinâmica do desenvolvimento regional,

notadamente as frentes de expansão do agronegócio, são advindas do Cerrado

nacional, portanto, não limitadas a fatores internos e exclusivos ao Estado da

Bahia, fato que ratifica a recomendação de que ocorra uma gestão integrada e

estratégica entre o INEMA e a ANA.

Neste sentido, a favor do INEMA e para que não ocorra a possível tendência

mencionada de centralização, cabe a recomendação de que efetivamente seja

celebrado um Convênios de Cooperação com a ANA, incluindo repasses de

recursos financeiros e apoios técnicos com programas e sistemas de gestão, sob

o objetivo de uma boa divisão de trabalho, compatível com as diretrizes para que

o SINGREH seja efetivamente descentralizado e participativo.

Por fim, no que tange aos Convênios de Integração – no caso, relacionado com a

bacia hidrográfica do rio São Francisco, com seu Comitê há muito tempo em

plena operação –, vale registrar uma das principais conclusões advindas do

Seminário sobre a “Diretiva Quadro no Domínio das Águas (DQA) e o Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)”, realizado pela

ANA, em Brasília, nos dias 11 e 12 de maio de 2011, inserido no contexto do

Projeto Apoio aos Diálogos Setoriais Brasil – União Européia.

Nos debates finais e conclusões desse evento, depois de inúmeras manifestações

por parte dos palestrantes e da plateia presente, ficaram destacadas as seguintes

perguntas, muito similares e vistas como as mais desafiadoras e relevantes do

evento:

Deve ser estabelecida uma Diretiva Quadro das Águas no Brasil21?

Deve ser acordado um Pacto Nacional das Águas no Brasil22?

Enfim, em concordância com tais iniciativas de uma Diretiva Quadro ou de um

Pacto Nacional das Águas, tal como foi recentemente lançado (abril de 2013) e

21 SAG/ANA, Rodrigo Flecha.

22 Diretor atual da ANA, João Gilberto Lotufo Conejo.

_________________________________________________________________________

95

proposto pela própria ANA, reafirma-se os mencionados Convênios de

Integração, para que, de fato, ocorra uma gestão integrada entre a União e o

Estado da Bahia, além das demais unidades federativas componentes da Bacia

Hidrográfica do Rio São Francisco.

Como última observação, ainda advinda desse evento com a União Européia,

cabe considerar a possibilidade de “aprovação de uma legislação que formalize

acordos e compromissos interestaduais e com a União, compostos por benefícios

e sanções, tendo em vista a efetiva implementação de ações e atividades

relacionadas com a melhoria hídrica e ambiental”23, com objetivos e metas

concretas e factíveis, tal como se pretende no âmbito da Bacia Hidrográfica do

Rio São Francisco, com rebatimentos sobre a Bacia do Rio Corrente.

23 Sr. José Machado, Ex-Diretor Presidente da ANA.

ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS

CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA

EMBASAR O PLANO NACIONAL DE

ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos

Relatório 03: Coordenação Regulatória, Estratégias

Institucionais e Variáveis Relacionadas com Setores

Usuários de Recursos Hídricos

Brasilia DF Outubro de 2014

_________________________________________________________________________

ii

© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse

público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da

Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de

processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A

atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão

do conhecimento.

Presidente

Mariano Francisco Laplane

Diretor Executivo

Marcio de Miranda Santos

Diretores

Antonio Carlos Filgueira Galvão

Gerson Gomes

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br

Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado

entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013

Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos

nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.

iii

GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão

Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães

Francisco Lobato (consultor)

iv

Sumário

Introdução ____________________________________________________________ 1

1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos a serem Aplicados para Avanços da

Governança na Gestão de Recursos Hídricos, Frente aos Diversos Setores

Usuários das Águas ____________________________________________________ 3

2. A Devida Coordenação Regulatória para a Definição de Objetivos e Metas

Conjuntas entre os Setores Usuários das Águas ____________________________ 8

2.1. A Importância de uma Regulação Independente, tendo em vista Interesses

Setoriais Particulares e Privados sobre os Recursos Hídricos _______________ 8

2.2. Proposta de um Procedimento Metodológico para Aplicar a Devida

Coordenação Regulatória _____________________________________________ 10

2.3. Descrição, com Dados e Informações Relacionadas aos Setores Usuários

das Águas __________________________________________________________ 17

2.3.1. Setor de Saneamento __________________________________________ 18

2.3.2. Setor de Energia Hidroelétrica ____________________________________ 23

2.3.3. Setor de Irrigação _____________________________________________ 27

2.3.4. Setor Industrial ________________________________________________ 30

2.3.5. Hidronavegação _______________________________________________ 34

3. Referências de Estratégias Institucionais para uma Execução mais Articulada e

Conjunta do Planejamento de Recursos Hídricos, junto com os Diferentes Setores

Usuários das Águas ___________________________________________________ 36

3.1. Referência da Estratégia Institucional proposta para uma Efetiva Execução

do Plano Nacional de Recursos Hídricos ________________________________ 36

3.2. A Referência Institucional do Arranjo Executivo do Programa InterÁguas _ 42

3.3. Outras Referências da ANA, em Favor de Avanços na Governança da Gestão

de Recursos Hídricos, Frente a Possíveis Mudanças Climáticas _____________ 44

4. Perguntas Finais a serem Respondidas _________________________________ 56

v

ANEXO I - Programa Produtor de Águas

ANEXO II - Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas – PRODES

ANEXO III - Programa Nacional de Qualidade da Água – PNQA

ANEXO IV - Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados,

com as Salas de Situação

ANEXO V - Cooperação Sul-Sul

1

Introdução

Considerando os diagnósticos e abordagens sobre os principais problemas

hídricos do Brasil, de acordo com seus diferentes perfis regionais (Relatório 01),

e, também, as proposições já formuladas para ajustes e novos avanços no

modelo de gestão vigente (Relatório 02), algumas voltadas a maior flexibilidade,

resiliência e formas adaptativas, este último Produto do trabalho em pauta

pretende chegar a certos detalhes e variáveis mais específicas aos diversos

setores usuários dos recursos hídricos, com destaque para uma forma voltada à

devida coordenação regulatória, especialmente para que sejam definidos

melhores indicadores, a serem considerados em conjunto, e uma possível

flexibilidade para as negociações e ajustes que devam ocorrer entre os diferentes

usos da água, em decorrência das possíveis mudanças climáticas previstas.

Dizendo de outra forma, mais resumida, já contando com abordagens sobre a

gestão da oferta, de acordo com os distintos perfis regionais do Brasil, entra em

pauta a devida gestão da demanda dos diversos setores usuários das águas, a

qual também deve considerar a gestão de conflitos, especialmente os que forem

advindos de possíveis mudanças do clima.

Neste sentido, o presente Relatório 03 apresentará descrições sobre os perfis

dos principais setores usuários das águas, com certas situações nas quais as

negociações entre usuários, com ajustes na alocação das águas, sejam as mais

benéficas possíveis, tanto para aspectos socioeconômicos quanto

hidroambientais. Ademais, com base nestas descrições, deverá conter algumas

recomendações que orientem a tomada de decisão de gestores em situações

críticas, inclusive daquelas que forem advindas de possíveis mudanças

climáticas.

Portanto, trata-se de um produto final e complementar, tendo em vista que, de um

lado, o Eixo V dos estudos relativos à Rede Água trata exatamente deste tema

sobre os setores usuários das águas, enquanto, de outro, o Relatório 02 do

presente Eixo IV, se apresenta como mais relevante, considerando-se o objetivo

da proposição de ajustes e adequações que propiciem novos e seguidos avanços

2

adaptativos sobre a Governança na gestão dos recursos hídricos, no contexto do

Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

Assim, sob tal contexto, o presente Relatório 03 é então iniciado, no capítulo 01,

com certos conceitos e procedimentos metodológicos considerados como

relevantes, frente à existência de diversos setores usuários das águas, com

destaques para a já mencionada coordenação regulatória, para o planejamento

de recursos hídricos e para as devidas articulações verticais – entre as esferas

federativas do Brasil – e horizontais – entre as diversas entidades relacionadas

aos diferentes setores usuários das águas.

No capítulo 02, destaca-se a importância de uma regulação segura e

independente, frente a interesses particulares ou privados, chegando a detalhes

sobre os procedimentos metodológicos para a recomendada coordenação

regulatória, inclusive com uma listagem preliminar dos principais indicadores, os

quais devem ser considerados em conjunto e não vistos isoladamente.

Para que o perfil próprio a cada setor seja considerado, inclusive para a tomada

de decisão de gestores, especialmente em situações críticas, este capítulo 02 é

encerrado com descrições dos perfis e casos próprios aos principais setores

usuários das águas.

Na sequência, o capítulo 03 apresenta referências de estratégias institucionais

para uma execução mais articulada e conjunta do planejamento de recursos

hídricos, junto aos diferentes setores usuários das águas, iniciando com uma

proposta que foi formulada para o Plano Nacional de Recursos Hídricos, a ser

vista como bastante convergente com o arranjo institucional executivo do

Programa InterÁguas, até chegar às outras relevantes frentes de atuação da ANA.

Por fim, o documento é encerrado, no capítulo 04, com respostas resumidas aos

questionamentos que foram formulados pela Rede Espelho da ANA, a maioria dos

quais foi advinda de leituras dos Relatórios 01 e 02, anteriores.

3

1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos a serem Aplicados para

Avanços da Governança na Gestão de Recursos Hídricos, Frente aos

Diversos Setores Usuários das Águas1

Como um primeiro conceito geral bastante relevante, é importante sublinhar que

outras frentes de trabalho, voltadas a eventuais ajustes e adequações dos

sistemas de gestão de recursos hídricos no Brasil – tanto no caso do SIGREH,

quanto de muitos dos SEGREHs –, devem ser consideradas sob uma ótica

articulada e conjunta com os presentes estudos, do Eixo IV da Rede Água,

voltado ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, notadamente no

caso de propostas para certas modificações institucionais e jurídico-legais, vez

que será bem mais realista e pragmático considerar o necessário processo de

abordagens e negociações políticas junto ao Congresso Nacional, para que

ocorra a desejada aprovação de propostas.

Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que estão

sendo elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança da

gestão de recursos hídricos, não devem considerar somente ou isoladamente as

adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, também devem considerar e

conceber em conjunto propostas para que os sistemas de gestão vigentes

(SINGREH e SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes em seu

conjunto, certamente com muitos deles voltados a mais resiliência, flexibilidade e

uma gestão mais adaptativa aos cenários de possíveis mudanças climáticas.

Sob tal conceito geral e já contando com abordagens (ver Relatório 02) sobre a

indispensável articulação vertical e ações mais conjuntas entre as esferas

federativas do Brasil – União, estados, Distrito Federal e municípios –, volta a

entrar em pauta a mencionada gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH),

agora com maior ênfase e certos detalhes e variáveis relacionadas com seus

diversos setores usuários.

1 Fonte: Documento elaborado por Lobato da Costa, F.J., em 2011, em conjunto com a Agência

Nacional de Águas (ANA), sobre a Gestão Integrada de Recursos Hídricos e a Governança,

voltado ao 6º Fórum Mundial da Água, que ocorreu em março de 2012, em Marseille, na França.

4

Para tanto, cabe lembrar que, tal como já mencionado nos produtos anteriores, a

GIRH deve considerar suas variáveis supervenientes (meio ambiente e

desenvolvimento regional) e, também, suas variáveis intervenientes (os diversos

setores usuários, dentre outros, com maior ênfase para o saneamento básico, a

hidroeletricidade e as atividades produtivas da agropecuária, inclusive com seus

perímetros de irrigação, e da indústria, além da hidronavegação).

Sendo assim, tendo em vista que as abordagens sobre aspectos ambientais e de

desenvolvimento regional já constam no Relatório 01 (ver itens 2.3, p.24, e 2.4,

p.35), resta tratar de temas mais específicos relacionados aos setores usuários

das águas, tal como será apresentado na sequência.

Como um conceito muito relevante, deve-se sublinhar que a gestão de recursos

hídricos não deve ser vista como um setor isolado, mas sim sob uma ótica

transversal aos diversos usos das águas, superficiais ou subterrâneas.

Sob esta ótica, vista como fundamental e indispensável para uma efetiva gestão

dos recursos hídricos, torna-se importante reconhecer a complexidade do tema

em pauta. Com efeito, mesmo sob um consenso geral a respeito da importância

de conferir integração entre os setores usuários, ainda há muitas dificuldades e

restrições para que soluções concretas sejam efetivamente alcançadas. Em

muitos casos, a gestão integrada permanece apenas como retórica, sem que

muitos dos setores usuários das águas considerem e incorporem variáveis

advindas de outros segmentos relacionados aos recursos hídricos.

Portanto, cumpre reconhecer deficiências atuais e seguidos desafios para conferir

uma efetiva transversalidade à política de recursos hídricos, uma vez que a

disponibilidade hídrica, além de ser um dos elementos estruturantes para o

desenvolvimento regional e para a sustentabilidade ambiental, também deve

exercer a função de um fator relevante para a integração intersetorial, na

dimensão em que reflete os diversos processos de apropriação dos recursos

naturais, dadas suas múltiplas interfaces em cada bacia ou região hidrográfica.

Com isto posto, revela-se então a necessidade de uma atuação mais coordenada

sobre dois campos regulatórios importantes: (a) aquele mais amplo e transversal,

que abrange a temática ambiental e dos recursos hídricos; e, (b) dos setores

5

usuários, que apresentam seus aspectos operacionais mais específicos.

Ou seja, entende-se que, entre ambos, deve necessariamente ocorrer uma

coordenação regulatória (a qual será abordada no próximo capítulo), de modo a

manter uma coerência mútua entre metas e indicadores próprios a cada setor e

com as abordagens mais amplas, que são tratadas pela gestão ambiental e dos

recursos hídricos, sempre sujeitos a múltiplos impactos advindos de setores

usuários, além de outras crises que poderão ocorrer devido a mudanças

climáticas.

Enfim, sob o entendimento precedente é questionável que, sobretudo em bacias

ou regiões com elevada densidade urbana e grande dinâmica produtiva, as ações

a serem propostas possam restringir-se apenas àquelas de natureza setorial, até

mesmo a abordagens relacionadas ao meio ambiente, caso seja visto sob uma

ótica strictu sensu.

Ao contrário, mais apropriadamente, a gestão de recursos hídricos deve

perseguir, ainda que sob o formato de diretrizes que a conformem, a

compatibilidade possível com a natureza plena dos problemas próprios a cada

bacia ou região hidrográfica, até o limite de abrigar a complexidade de ações

integradas – sejam elas públicas e/ou privadas, voltadas ao desenvolvimento

regional ou à sustentabilidade do meio ambiente –, as quais se tornam peculiares

pelas questões relativas ao recurso água, por essa razão, exigindo instrumentos e

sistemáticas de gestão também peculiares a cada região-problema.

Com isto posto, no próximo capítulo, relacionado com a devida e recomendada

coordenação regulatória, serão feitas certas abordagens e descrições a respeito

de setores usuários das águas, como subsídios que propiciem uma

sistematização das etapas, dos atores e das metas e indicadores identificados

como necessários para uma regulação mais coordenada, eficaz e efetiva.

Como outro campo conceitual muito importante para a gestão das águas, a ser

estabelecido mediante um procedimento metodológico mais realista, consistente e

pragmático, deve-se avaliar a forma de planejamento dos recursos hídricos, frente

às efetivas intervenções que são empreendidas, no contexto presente, com a

maioria dos casos sempre ocorrendo sob uma forma setorial e isolada, pelos

6

diferentes segmentos usuários das águas.

De fato, no campo institucional próprio aos recursos hídricos ainda permanecem

certas lacunas a serem superadas para fins de um planejamento mais

consistente, que permita, além da indispensável gestão integrada das águas, uma

visualização mais conjunta sobre as perspectivas de cenários de médio e longo

prazo (tema do Eixo I dos estudos da Rede Água), os quais também devem ser

considerados para que ocorra um equacionamento mais seguro e continuado de

problemas e conflitos presentes.

Dizendo de outra forma, projeções de cenários relacionados às futuras

disponibilidades hídricas devem ser cruzadas com potenciais variações

adaptativas das demandas dos diversos setores usuários das águas, frente a

possíveis mudanças climáticas.

Mais do que isso, mesmo com muitos planos – tanto o nacional, quanto certos

planos estaduais e de bacias hidrográficas – já elaborados no País, persistem

significativas dificuldades para fins de sua efetiva implementação, que segue com

muita morosidade, em inúmeros casos, com distâncias entre os setores usuários,

que tendem a não atuar sob uma forma integrada e coordenada.

Neste sentido, apenas como uma referência geral, no caso do Brasil já foi

constatado que, em determinado exercício, apenas cerca de 5% dos

investimentos relacionadas aos recursos hídricos eram advindos do Ministério do

Meio Ambiente e de entidades a ele vinculadas – com destaque para a Agência

Nacional de Águas (ANA) –, enquanto algo como 95% estavam sendo

empreendidos por outros ministérios relacionados a setores usuários, sem as

devidas convergências e interações entre planos, programas e intervenções sobre

os recursos hídricos.

Com isto posto, nota-se que, por vezes, a GIRH pode apresentar maiores

dificuldades para articulações institucionais horizontais, ou seja, no mesmo nível

de governo, do que para articulações verticais, entre as diferentes esferas

federativas do Brasil.

Sob tal contexto, no capítulo 03 do presente Relatório 03 serão descritas

estratégias institucionais que podem propiciar uma forma mais articulada e

7

integrada entre os setores usuários das águas, notadamente no que diz respeito à

implementação de ações, intervenções e atividades relacionadas aos planos e

programas de recursos hídricos.

8

2. A Devida Coordenação Regulatória para a Definição de Objetivos e Metas

Conjuntas entre os Setores Usuários das Águas2

2.1. A Importância de uma Regulação Independente, tendo em vista

Interesses Setoriais Particulares e Privados sobre os Recursos Hídricos

Antes de chegar a mais detalhes e a dados estatísticos sobre os setores usuários

das águas, cabe sublinhar a importância de estabelecer uma devida regulação

independente, acompanhada pela indicação de certos procedimentos

metodológicos, tanto no que tange ao papel dos diferentes agentes privados,

quanto de diversas empresas públicas – sobretudo, voltadas à operação de

sistemas e de infraestruturas, por vezes em campos de monomercados –, vez

que estas também apresentam seus interesses particulares, por conseguinte,

demandando uma consideração muito próxima daquela aplicada sobre usuários

privados, requerendo assim suas atividades e serviços igualmente submetidos à

mesma regulação, em favor de uma atuação sustentável, em termos hídricos,

ambientais e socioeconômicos.

Expressando em outros termos, pode-se afirmar que, sem dúvidas, algumas

empresas estatais, ou de economia mista, com predominância e controle do

governo, também apresentam seus interesses particulares, inclusive em termos

setoriais, por conseguinte, devendo ser reguladas por entidades do Aparelho do

Estado, independentes do governo em mandato, notadamente no caso das

agências regulatórias, as quais devem ter seu quadro de diretores com mandatos

permanentes por certos períodos, ou seja, sem que venham a ser submetidos a

interesses próprios ao governo em plantão.

Com isto posto, uma vez que são os usuários – tanto privados, quanto públicos –

que interferem e impactam as águas, por certo que devem ser devidamente

regulados, além de assumirem certas adaptações e encargos em favor de uma

perspectiva mais sustentável, em termos hídricos, ambientais e socioeconômicos.

Esta afirmação cresce quando se pensa em possíveis mudanças climáticas, em

cujo contexto vários dos problemas podem crescer substantivamente.

2 Fonte: idem.

9

Inobstante esta importante atuação regulatória do Aparelho do Estado, cabe

lembrar que os sistemas de gestão vigentes no Brasil – tanto o SINGREH, quanto

os SEGREHs – abrem espaços para que diversos usuários participem de

instâncias coletivas decisórias (os conselhos e comitês de bacias hidrográficas),

expressando seus interesses para negociações e acordos coletivos, de modo a

convergir abordagens e interesses próprios com preocupações relacionadas a

variáveis sociais e, sobretudo, para uma sustentabilidade hídrica e ambiental.

Mesmo contanto com este contexto institucional de gestão coletiva, entende-se

que sempre caberá aos usuários propiciar uma crescente transparência quanto ao

seu comportamento hídrico e ambiental, assim, assegurando a realidade dos

dados e informações sobre suas atividades, como forma de atendimento às

demandas regulatórias advindas, sobretudo, do licenciamento ambiental e da

outorga para direito de uso da água, além de indicadores mais específicos

traçados para a prestação de serviços. Ou seja, contando com maior e crescente

qualidade em sua atuação em instâncias decisórias do sistema de gestão dos

recursos hídricos, a presença dos usuários poderá alcançar um maior peso

específico, apresentando a consequência de mais espaços para suas

contribuições em decisões dessas instâncias coletivas.

Com efeito, contando com um percentual de 40% assegurado para sua

representação em comitês de bacias – hoje, com mais de 200 já instalados no

Brasil –, torna-se evidente que a participação dos usuários das águas apresenta

um aspecto estratégico, inclusive para que ocorram negociações entre os próprios

setores usuários, com uma alocação mais inteligente das disponibilidades

hídricas, chegando até em variações sazonais e/ou advindas de possíveis

mudanças climáticas, sempre sob a consideração de menores impactos e a

definição das melhores alternativas para que a gestão das águas tenha mais

resiliência, flexibilidade e robustez adaptativa a novos cenários prospectivos.

Assim, esses espaços institucionais dos sistemas de gestão de recursos hídricos

(SINGREH e SEGREHs) propiciam o papel dos diversos stakeholders e sua

participação na gestão hídrica e em processos decisórios, com frentes de atuação

para que ocorram seguidos e continuados aprimoramentos voltados para uma boa

Governança da GIRH, por consequência, estabelecendo novas mediações entre o

10

Estado, representantes da sociedade civil e dos setores usuários, com base na

aplicação dos princípios de uma gestão descentralizada e participativa.

Voltando ao tema da regulação, não obstante a importância e o caráter inovador

de um sistema de gestão descentralizado e participativo, não se pode abrir mão

de atribuições próprias ao Estado, notadamente no que tange a encargos

regulatórios, que são exclusivos do Poder Público.

De fato, em casos específicos, um órgão gestor poderá até questionar e reverter

decisões advindas de comitês e conselhos, caso torne-se explícitos impactos

negativos sobre o meio ambiente e os recursos hídricos. Portanto, há uma

coordenação regulatória essencial a ser considerada, tanto no que concerne à

gestão ambiental com a dos recursos hídricos, quanto de ambas com os setores

usuários das águas.

2.2. Proposta de um Procedimento Metodológico para Aplicar a Devida

Coordenação Regulatória

Considerando os conceitos que foram apresentados, por certo que, em acréscimo

aos seus encargos e contribuições no contexto da gestão de recursos hídricos, a

atuação da ANA e dos órgãos estaduais correlatos deve ser devidamente

articulada e coerente com os órgãos regulatórios do meio ambiente, como o

IBAMA e seus órgãos estaduais correspondentes, para que não ocorram

inconsistências entre decisões e condicionantes advindos do licenciamento

ambiental e da outorga para uso da água.

Mais do que isso, tal como já mencionado, também deve ocorrer uma

coordenação regulatória entre o espaço hídrico e ambiental, que é mais amplo,

e aspectos específicos a cada setor usuário das águas.

Como um exemplo a respeito, sabe-se que a ANA deve tomar decisões coerentes

e conjuntas com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e com o

Operador Nacional do Sistema Interligado de Energia (ONS), notadamente no que

tange a operação de reservatórios de usinas hidroelétricas, cujos volumes

hídricos também devem considerar demandas de outros segmentos usuários das

águas, como perímetros de irrigação, controle de cheias e hidronavegação, além

da manutenção das vazões ecológicas necessárias. De forma similar, também

11

deve haver coerência entre indicadores advindos da ANA e órgãos regulatórios

próprios ao setor do saneamento, como a Agência de Saneamento e Energia do

Estado de São Paulo (ARSESP).

No entanto, a propósito desta desejada coordenação regulatória, cumpre

reconhecer que, muitas vezes, em políticas setoriais ainda predominam metas e

indicadores de cunho operacional – a exemplo do percentual da população a ser

atendida, da extensão de redes de distribuição de água e de coleta de esgotos,

dentre outras variáveis próprias ao setor de saneamento –, que devem ser

acrescidas e associadas a objetivos hídricos e ambientais, com vistas à promoção

de um planejamento mais integrado, o qual sempre deve abranger, de forma

intersetorial e interinstitucional, duas vertentes, a saber:

(i) primeiramente, uma ótica interna a cada setor usuário de recursos hídricos,

com suas especificidades técnicas e institucionais, tal como nos serviços de

água, esgotos, resíduos sólidos e drenagem, que pertencem ao setor de

saneamento; e,

(ii) em segundo lugar, sob uma abrangência mais ampla, as articulações com as

variáveis supervenientes e com múltiplos setores usuários de recursos

hídricos, junto aos quais deve-se participar de processos de negociação para

alocação das águas e medidas voltadas à proteção do meio ambiente e dos

corpos hídricos, inclusive em decorrência de possíveis mudanças climáticas.

Com efeito, sabe-se que há mútuos impactos e repercussões entre setores

usuários das águas – como o próprio saneamento, a irrigação, geração de

energia, produção industrial e exploração de minérios, dentre outros –, o que traz

em pauta o processo para uma efetiva gestão integrada dos recursos hídricos.

Sob tal abordagem, que extrapola a atual predominância de políticas setoriais,

surgem então algumas perguntas: como compatibilizar propostas locais e

setoriais, com as regionais e integradas? Quais os principais indicadores a serem

observados? No caso de possíveis mudanças climáticas, como os setores

usuários das águas deverão atuar, para que novos perfis de problemas e áreas de

risco adicionais venham a ser consistentemente tratadas, no mais das vezes, sob

a ótica de uma gestão mais adaptativa?

12

A este respeito, cumpre reconhecer que no planejamento de sistemas de

infraestrutura local predomina a preocupação com a prestação de serviços, ou

seja, com a factibilidade e operacionalização dos sistemas a serem instalados

e/ou ampliados. Sendo assim, o atual perfil predominante revela a existência de

regulações setoriais mais isoladas, com interesses específicos e sem uma visão

integrada para a gestão dos recursos hídricos.

Como um exemplo prático, salvo em alguns casos mais avançados, os Planos

Diretores Municipais e, mais especificamente, os indicadores do planejamento

urbano concentram-se em dados relacionados com a dimensão e taxas de

ocupação de terrenos, além do traçado das redes de vias e transportes, porém,

sem uma incorporação de metas e variáveis relacionadas à quantidade e

qualidade de corpos hídricos, além da elaboração de diagnósticos e de balanços

sobre problemas advindos da emissão de cargas, tendo como resultados a

identificação de áreas de risco e porções ambientalmente sensíveis do território.

Enfim, entende-se que os recursos hídricos devem ser assumidos como um dos

fatores fundamentais para a escolha de áreas de expansão urbana e da

localização de novos empreendimentos produtivos e de serviços, inclusive em

decorrência de possíveis mudanças climáticas, as quais tendem a elevar graus de

risco, notadamente em áreas urbanas desordenadamente ocupadas.

Por seu turno, quando entram em pauta aspectos regionais mais abrangentes –

não somente em pontos locais, mas também a montante e a jusante –, as

variáveis relacionadas ao meio ambiente e aos recursos hídricos tornam-se ainda

mais relevantes. Com efeito, sob tal contexto regional, sob uma ótica da chamada

“Economia Verde”, deve-se identificar as diversas fontes de poluição existentes,

que causam impactos ambientais e sobre os recursos hídricos, por consequência,

com a identificação dos limites de resultados das ações relacionadas aos

investimentos em serviços locais, vez que o somatório desses pontos pode

ultrapassar a capacidade regional de suporte do território.

Portanto, cabe aos usuários – privados e públicos –, sempre sob o predomínio de

seus interesses particulares, reconhecerem que problemas de qualidade e de

disponibilidade hídrica não estão relacionados somente a sistemas locais, a

13

exemplo do saneamento básico, mas também com todos os demais setores

usuários das águas, como cultivos irrigados e uso de agrotóxicos, produção

pecuária, indústrias e geração de energia hidroelétrica, dentre outros.

Com isto posto, o Quadro 2.1, apresentado a seguir, demonstra genericamente

como podem ser sistematizados objetivos e indicadores, partindo de aspectos

executivos, de operação e manutenção e da prestação de serviços e de

atividades produtivas, até chegar às abordagens hídrico-ambientais, sob a

pretendida coordenação regulatória. Os indicadores, apenas genericamente

apontados, referem-se aos usuários – privados e públicos – de recursos hídricos.

Quadro 2.1 – Sistematização das Etapas, Atores, Metas e Indicadores de

Setores Usuários das Águas

Sequência e

Objetivo Geral das

Etapas

Atores Previstos

Objetivos

Específicos

(frentes de trabalho)

Perfil dos

Indicadores

Construção e/ou

ampliação da

infraestrutura de

setores usuários

das águas

Empresas

contratadas

Operadores de

sistemas

Órgãos de meio

ambiente

Ministérios e suas

entidades (MINs)

Secretarias de

Estado (SEs)

Prefeituras

Municipais (PMs).

- projetos de

execução

- aprovação dos projetos

pelas PMs, SEs e/ou

pelos MINs

- licenciamento

ambiental

- licença prévia e de

instalação

- construção da

infraestrutura

- indicadores para cada

etapa da construção.

- instalação de

equipamentos.

- equipamentos para

iniciar operação dos

sistemas instalados.

Operação e

Manutenção da

Infraestrutura

instalada

Empresas e

Concessionárias

federais, estaduais

e/ou municipais

Empresas

produtivas e

operadores

privados.

- formas de produção

e/ou de prestação

adequada de serviços

- cobertura dos serviços,

a exemplo de água e

esgotos;

- produção agropecuária,

mineral e industrial;

- geração de energia;

- outros setores.

(segue...)

14

Quadro 2.1 – Sistematização das Etapas, Atores, Metas e Indicadores de

Setores Usuários das Águas

Sequência e

Objetivo Geral das

Etapas

Atores Previstos

Objetivos

Específicos

(frentes de trabalho)

Perfil dos

Indicadores

Operação e

Manutenção da

Infraestrutura

instalada

Empresas e

Concessionárias

federais, estaduais

e/ou municipais

Empresas

produtivas e

operadores

privados.

- viabilidade na

produção e na

prestação de serviços

- despesas de operação

e de produção;

- tarifas dos serviços

prestados;

- preços e demandas dos

produtos.

- O&M regular

- interrupções na

prestação de serviços

e/ou na produção, em

decorrência de

problemas na O&M.

Monitoramento e

ações para

regulação dos

serviços prestados e

de processos de

produção

Agências

Reguladoras de

Setores Usuários

(federais ou

estaduais)

Secretarias de

Saúde

Prefeituras

Municipais (com

eventuais agências

reguladoras

municipais)

- prestação adequada

dos serviços

- níveis justificados

das tarifas

- avanços na

eficiência dos

sistemas

- adequação e

avanços tecnológicos

em processos

produtivos

Indicadores básicos:

- cobertura do serviço;

- qualidade da

distribuição;

- índices de perdas e

níveis de eficiência na

produção.

Indicadores

complementares:

- extensão dos serviços;

- tarifas e preços médios;

- grau de endividamento

da empresa;

- níveis de investimentos

para expansão;

- interrupções nos

serviços e/ou na

produção;

- reclamações por

clientes.

(segue...)

15

Quadro 2.1 – Sistematização das Etapas, Atores, Metas e Indicadores de

Setores Usuários das Águas

Sequência e

Objetivo Geral das

Etapas

Atores Previstos

Objetivos

Específicos

(frentes de trabalho)

Perfil dos

Indicadores

Monitoramento dos

impactos e

resultados em

termos hídricos e

ambientais, além de

eventuais impactos

advindos de

mudanças

climáticas.

Órgãos gestores do

meio ambiente e/ou

dos recursos

hídricos, nas

escalas federal, dos

estados e dos

municípios.

Defesa Civil.

- rebatimento das

ações e da

infraestrutura

construída e operada,

nas escalas locais,

sub-regionais e

regional, incluindo

bacias hidrográficas.

- avanços na

definição de objetivos

e metas relacionados

aos resultados, em

termos hídricos e

ambientais, inclusive

frente a possíveis

mudanças climáticas.

- verificação da

consistência da rede de

monitoramento

pluviométrica, hidrológica

e de qualidade da água;

- indicadores

relacionados aos corpos

hídricos, como: OD,

DBO, coliformes, N, P,

cor, turbidez, sedimentos

e assoreamento,

pesticidas e metais

pesados, dentre outros;

- indicadores do meio

ambiente, a exemplo de

índices de gás efeito

estufa, dentre outros,

alguns relacionados a

questões climáticas.

Fonte: Documento elaborado por Lobato da Costa, F.J., em 2011, em conjunto com a ANA, sobre

a Gestão Integrada de Recursos Hídricos e a Governança, voltado ao 6º Fórum Mundial da Água,

com certas modificações voltadas ao trabalho sobre adaptação a mudanças climáticas.

Tendo a referência geral desses indicadores – os quais devem ser definidos para

todas as quatro etapas apresentadas e não apenas isoladamente para cada uma

delas –, cabe sublinhar a sua elevada importância, sempre contando com um

devido monitoramento, tendo em vista a necessidade indispensável de que sejam

identificadas as relações entre causas e efeitos que afetam os recursos hídricos e

ambientais, não somente para que se possa verificar sua mútua consistência,

como também, para que propostas de soluções sejam mais efetivas, em favor de

uma sustentabilidade mais segura, inclusive em decorrência de uma gestão mais

adaptativa em decorrência de possíveis mudanças climáticas.

Mais do que isto, cabe lembrar que muitos dos indicadores podem subsidiar

negociações e acordos entre os diferentes setores usuários das águas, como

16

também com a regulação hídrica e ambiental, sob uma ótica mais segura e

sustentável.

Em termos dessa visão mais integrada de gestão e tendo em vista a

recomendada coordenação regulatória, entra em pauta a seguinte pergunta:

será que os órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos hídricos devem ser

institucionalmente fundidos?

Como resposta à intenção de promover a integração entre a gestão ambiental e

dos recursos hídricos, duas alternativas se colocam: (i) a fusão das instituições

que detenham responsabilidades regulatórias sobre a gestão ambiental e a dos

recursos hídricos; ou, (ii) a integração e mútua complementação entre

procedimentos de licenciamento ambiental e da emissão de outorgas para direito

de uso das águas.

Contando com tais alternativas, deve-se reconhecer que, de um lado, a eventual

fusão entre instituições, tal como já ocorreu no Espírito Santo (Instituto Estadual

do Meio Ambiente – IEMA) e, mais recentemente, no Rio de Janeiro (Instituo

Estadual do Ambiente – INEA) e na Bahia (Instituto Estadual do Meio Ambiente –

INEMA), não necessariamente integra os procedimentos entre licenciamentos

ambientais e a emissão de outorgas.

De fato, em trabalhos de 2007 esta deficiência foi constata no Espírito Santo

(IEMA), onde dados de ambos os processos não eram cruzados e comparados

entre si, por vezes com significativas divergências, embora a integração entre os

procedimentos tenha sido mais bem empreendida no Rio de Janeiro.

Por outro lado, em Minas Gerais, embora os órgãos gestores do meio ambiente

(Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM) e dos recursos hídricos (Instituto

Mineiro de Gestão das Águas – IGAM) continuem institucionalmente separados,

ocorreu uma efetiva integração entre os processos de licenciamento ambiental e

de emissão de outorgas, os quais passaram a fazer parte de um procedimento

unificado, fato que não demanda seguidas emissões e entregas de documentos

em procedimentos sempre muito burocráticos, além de propiciar a identificação de

convergências indispensáveis entre dados e informações que subsidiam ambos

os processos em pauta.

17

Contando com estas abordagens, pode-se, então, recomendar que a tomada de

decisões de gestores, notadamente frente a situações mais críticas, inclusive em

decorrência de possíveis mudanças climáticas, considere tanto as repercussões e

impactos críticos mais locais, quanto variáveis e aspectos mais amplos e

regionais, que devem ser considerados em termos hídricos, ambientais e

socioeconômicos – com certa ênfase para as relações entre benefícios e custos

(B/C) para a sociedade –, não somente sob as perspectivas mais presentes,

como também sob a ótica de cenários prospectivos de desenvolvimento.

Com isto posto, percebe-se que os gestores devem colocar em pauta muitas das

variáveis indicadas pelo Quadro 2.1, assim cruzando aspectos operacionais mais

específicos com outros relacionados à dinâmica socioeconômica regional e,

principalmente, suas respectivas repercussões em termos da sustentabilidade

hídrica e ambiental.

2.3. Descrição, com Dados e Informações Relacionadas aos Setores

Usuários das Águas3

Chega-se, agora, à possível identificação das principais frentes de atuação junto

aos setores usuários das águas. Neste sentido, não caberia uma limitação

somente às áreas críticas que forem mapeadas. Ao contrário, uma atuação

voltada a novos avanços da Governança na gestão de recursos hídricos também

deve ocorrer sob outros aspectos e variáveis significativas associadas ao perfil

dos diferentes setores usuários, sejam os atores privados ou públicos, inclusive

em decorrência de que muitos dos conflitos surgem relacionados a usos múltiplos

das águas, alguns mesmo sem que ocorram demandas consuntivas, a exemplo

da geração hidroelétrica e da hidronavegação.

Mesmo nestes casos, no mais das vezes considerados como usos não

consuntivos, frente a possíveis mudanças climáticas os reservatórios de usinas

hidroelétricas devem ter seus balanços hídricos considerando os efeitos de

evapotranspirações, portanto, como um certo uso consuntivo.

3 Fonte: Recursos Hídricos e a Economia Verde – Setor Privado, elaborado por Lobato da Costa,

F.J, publicado pela Fundação Brasileira do Desenvolvimento Sustentável (2012) para o Rio + 20.

18

Assim, percebe-se que a gestão de recursos hídricos deve chegar a muitos dos

aspectos próprios e específicos a cada setor, para que muitas das variáveis que

entrarem em pauta possam ser abordadas sob uma forma mais consistente,

inclusive para fins de negociações que afetem os múltiplos usos de recursos

hídricos. Seguem, portanto, abordagens próprias sobre os setores usuários das

águas.

2.3.1. Setor de Saneamento

Em termos gerais, o setor de saneamento abrange o abastecimento de água

potável, a coleta e o tratamento de esgotos sanitários, a drenagem e a coleta e

disposição final de resíduos sólidos.

Abastecimento de Água

Este serviço de saneamento, por certo, é dos mais relevantes, inclusive em

decorrência de sua prioridade no uso das águas, tal como consta na legislação

nacional de recursos hídricos, tendo em vista a saúde pública.

No presente, o Brasil já alcançou um percentual de atendimento da ordem de

94,7% da população urbana, portanto, estando próximo à universalização no

abastecimento de água potável em cidades. Estima-se, segundo publicado no

Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água (ANA, 2011), que são necessários

investimentos de cerca de R$ 22,5 bilhões para que ocorra a universalização,

prevista para o ano de 2025.

Contudo, pensando em favor de avanços da Governança na gestão de recursos

hídricos, tendo em vista as possíveis mudanças climáticas previstas, isto não

significa que esteja em pauta apenas a universalização desse serviço, inclusive

face ao fenômeno observado, neste ano de 2014, na Região Metropolitana de

São Paulo, que apresenta graves problemas decorrentes da falta de chuvas,

portanto, com uma elevada probabilidade dessa população urbana, que já supera

20 milhões de moradores, ficar submetida a um racionamento.

Por conseguinte, frente a mudanças climáticas, também se deve pensar sobre

uma gestão mais adaptativa a situações críticas, que tendem a ocorrer mais

vezes, além de sublinhar a necessidade de mais atendimento à população rural,

19

especialmente no caso de comunidades dispersas do semiárido brasileiro, as

quais poderão subir suas repetidas situações com falta de abastecimento de

água.

Sob este novo contexto, advindo de possíveis mudanças do clima, também passa

a ser mais significativo reconhecer que existem níveis inadequados de utilização

em sistemas de abastecimento, nos quais os índices de perdas de água chegam

a uma média nacional superior a 45%.

De fato, seja pelas perdas físicas – por rompimentos e vazamentos nas redes de

distribuição, além de outros problemas operacionais, como o controle sobre a

pressão nos encanamentos –, ou pelas perdas financeiras – advindas de ligações

clandestinas e de baixos índices de micromedição –, há grandes espaços para

que tal índice de perdas seja progressivamente reduzido, até chegar ao redor de,

no máximo, 20 a 25%. Em países de primeiro mundo, este percentual encontra-se

abaixo de 15%, em alguns casos excepcionais, já estando na ordem 6 a 8%.

Em acréscimo, no contexto de planos diretores municipais e dos planos de

recursos hídricos de bacias hidrográficas, devem ser destacadas intervenções

com vistas à proteção de mananciais de abastecimento, não somente para

assegurar quantidade e qualidade adequada, mas também para que custos

associados à busca de água a longas distâncias sejam evitados.

No que concerne ao perfil dos prestadores de serviços, há o predomínio das

concessionárias estaduais de saneamento, a exemplo da SABESP, em São

Paulo, da COPASA, em Minas Gerais, e da SANEPAR, no Paraná, dentre todas

as demais dos estados da federação. Estas empresas de economia mista, que

seguem sob o controle majoritário dos governos estaduais, atendem a mais de

80% da população brasileira, em alguns estados com a prestação de serviços em

quase todas as cidades.

Outro perfil relevante é de serviços municipais autônomos, que atendem alguns

municípios de porte significativo, a exemplo de Campinas, onde atua a SANASA.

Já em cidades de menor porte, o saneamento segue com a predominância de

departamentos municipais.

Por fim, a partir do início dos anos 1990 e, mais recentemente, depois da

20

promulgação da Lei Federal nº 11.445, em 2007, que trata da Política Nacional de

Saneamento, ocorreu um incentivo maior à prestação de serviços por empresas

privadas, em boa medida, por conta das demandas para que os aportes de

expansão fossem viabilizados.

No presente, apresentando o Estado de São Paulo como exemplo, dentre os seus

645 municípios, a SABESP atende a 384, com empresas privadas tendo 229

contratos vigentes, alguns parciais (somente água ou esgotos) e outros

completos, para ambos os serviços.

Como última observação sobre sistemas de abastecimento de água, tendo em

vista possíveis cenários de mudanças climáticas, por certo que os operadores de

sistemas devem considerar formas de atuação mais seguras, com adaptações a

períodos críticos, os quais poderão demandar metas mais avançadas para a

redução de perdas, usos mais efetivos e, até, adequações de volumes de

captação advindos da emissão de outorgas, os quais tendem a ser modificados

em períodos de crises pluviométricas, tal como está ocorrendo neste ano.

Muitos outros detalhes e abordagens a respeito devem constar nos estudos mais

especializados do Eixo II, sobre dados e informações, do Eixo III, referente aos

instrumentos de gestão das águas e, também, do Eixo V, com foco nos múltiplos

setores usuários das águas, sob uma ótica de que todos estes Eixos da Rede

Água sejam coerentes, próximos e complementares entre si.

Coleta e Tratamento de Esgotos Sanitários

No que tange aos sistemas de esgotamento sanitário, devido aos baixos índices

de atendimento no Brasil, são muito expressivos os impactos sobre os recursos

hídricos, fato que destaca este segmento como uma das principais frentes de

investimentos e de intervenções estruturais, rumo a aspectos de sustentabilidade

hídrica e ambiental.

Com efeito, no presente, perto de 62% da população urbana brasileira conta com

a coleta de esgotos sanitários, sendo que apenas cerca de 50% das vazões

coletadas recebem o devido tratamento; ou seja, apenas cerca de 1/3 da

população das cidades tem seus esgotos tratados, sem que se chegue a

questionar a efetividade e o percentual de remoção das cargas poluidoras.

21

Por essa razão, muitos dos mapas anualmente divulgados pela ANA, na

Conjuntura de Recursos Hídricos, sublinham as áreas do País com a população

mais concentrada, como sendo críticas em relação à oferta hídrica, sempre

exigindo uma qualidade necessária.

Como referência, segundo o já mencionado Atlas Brasil – Abastecimento Urbano

de Água, apenas para que mananciais de abastecimento sejam protegidos, até

2025 estima-se que serão necessários aportes da ordem de R$ 47,8 bilhões,

voltados a ampliar a coleta e o tratamento de esgotos, localizados a montante dos

pontos de captação de cidades, também estando incluída, em tais investimentos,

a proteção de águas subterrâneas, das quais muitas das cidades brasileiras são

dependentes.

No que se refere ao perfil dos prestadores de serviços, pode-se repetir o que já foi

mencionado no tópico anterior, do abastecimento de água, apenas com uma

diferença pontual, qual seja, a de que os serviços para tratamento de esgotos

contam com maior contribuição por parte de empresas privadas.

Enfim, postos estes subsídios antecedentes sobre os serviços de água e esgotos,

torna-se evidente que este segmento apresenta um impacto importante sobre o

uso e a poluição de recursos hídricos, seguindo sob uma atuação majoritária de

empresas sob o domínio público.

Ou seja, mesmo sem o predomínio de agentes privados, este importante setor

usuário das águas deve ser devidamente regulado por agências estatais

independentes, além de estar presente e com uma participação muito substantiva

nas instâncias coletivas dos sistemas de gestão vigentes no Brasil (SINGREH e

SEGREHs), passando a assumir seus encargos e responsabilidades quanto à

proteção dos recursos hídricos e, notadamente, para que planos de bacias sejam

efetivamente implementados, quer seja em suas frentes executivas advindas de

demandas regulatórias, ou em novos trabalhos decorrentes de possíveis

mudanças climáticas, que tendem a elevar, em muitos casos, conflitos entre os

usos múltiplos das águas.

Com efeito, sabe-se que, na maioria dos planos de bacias, entre 60 a 70% dos

investimentos são destinados à coleta e tratamento de esgotos sanitários e ao

22

abastecimento de água potável, o que significa que prestadores de serviços de

saneamento, privados ou públicos, são essenciais para que o País caminhe rumo

a uma sustentabilidade mais consistente, notadamente considerando perspectivas

de mudanças climáticas, as quais devem demandar novos comportamentos de

prestadores de serviços de água e esgotos, os quais devem adaptar-se a

períodos mais frequentes de eventos críticos.

Drenagem

Em relação à drenagem, também sob a competência dos municípios, predominam

problemas locais de microdrenagem, no mais das vezes, por conta da ocupação

inadequada de áreas de risco, como à beira de rios e córregos e de encostas

sujeitas a deslizamentos, com ênfase sobre a crescente impermeabilização do

solo em cidades, fatos que geram sérios riscos de segurança e graves acidentes,

hoje muito comuns, sobretudo na maioria das capitais e aglomerações urbanas do

País.

Sob uma perspectiva regional mais abrangente, entram em pauta problemas de

macrodrenagem, cujo equacionamento deve ocorrer com uma gestão mais ampla

dos rios, podendo chegar a demandas para a construção de reservatórios

voltados à regularização de vazões. Trata-se, portanto, de um dos temas

relacionados aos planos de bacias hidrográficas, os quais, em certos casos de

sistemas de gestão mais adaptativos, devem chegar a certas frentes de ação

voltadas a reassentamentos involuntários de famílias e comunidades localizadas

em áreas de risco, para que eventos críticos não cheguem a afetá-las tão

gravemente.

Na prática, isto significa que, por exemplo, a operação de reservatórios de usinas

hidroelétricas também deve considerar os riscos de inundações nas cidades a

jusante, portanto, voltando a entrar em pauta a destacada GIRH. Em outras

palavras, as usinas não devem operar seus reservatórios apenas para otimizar a

geração de energia, mas também para atender a outros usos e demandas de

gestão das águas.

Resíduos Sólidos

Quanto aos resíduos sólidos, suas relações com a gestão de recursos hídricos

23

referem-se à disposição final adequada e à coleta e limpeza em cidades, para que

os resíduos não interfiram negativamente na qualidade dos corpos hídricos, em

geral, por conta de cargas negativas advindas de lixões (chorume) e, inclusive,

das interrupções que causam em redes de drenagem, impedindo a passagem das

vazões e elevando cheias e inundações.

Estes serviços estão sob a titularidade dos municípios que, na maioria absoluta

dos casos, atuam mediante departamentos próprios e a contratação de serviços

terceirizados, sempre sob um ponto de vista exclusivamente local, deixando de

considerar o contexto da bacia hidrográfica onde estão localizados, ou seja, sem

atenção a seus impactos nas águas locais e a jusante.

Portanto, rumo a uma sustentabilidade mais consistente dos recursos hídricos, os

serviços de resíduos sólidos, mesmo que não se apresentem como usuários

diretos das águas, devem ser considerados e abordados no contexto de planos

de bacias hidrográficas, para que ocorra a já mencionada identificação das

relações entre causas e efeitos que afetam os recursos hídricos.

Considerando as possíveis mudanças climáticas e a elevação de áreas e de

períodos de riscos, estes serviços seguem na pauta de sistemas de gestão das

águas, vez que se mostram como variáveis intervenientes sobre o comportamento

de corpos hídricos, por consequência, demandado ajustes para coletas mais

efetivas e, também, para sua disposição final adequada, inclusive sob uma ótica

regional, sob a qual podem ser instalados aterros sanitários intermunicipais.

2.3.2. Setor de Energia Hidroelétrica

Muitos dos países, inclusive os mais avançados da União Europeia, ainda

dependem largamente da produção de energia com base em termoelétricas,

principalmente com uso de carvão – portanto, com elevados níveis de emissão de

CO2 –, ou também de usinas nucleares, ainda que alguns tenham adotado

iniciativas importantes, a exemplo da Alemanha, para ampliar a geração de

energias reconhecidas como mais sustentáveis, tais como a eólica e a solar,

dentre outras alternativas mais “limpas”, rumo à chamada Economia Verde e

sustentável.

24

No caso do Brasil, há uma significativa diferença a respeito de sua matriz

energética, com nada menos de 84.294 MW provenientes da hidroeletricidade

(montante estimado no final de 2012), equivalentes a cerca de 70% do total

instalado, que chegou a 121.106 MW (também no final de 2012), segundo dados

que constam na Conjuntura de Recursos Hídricos (ANA, 2013), tendo como fonte

de dados o Plano Decenal de Expansão de Energia – 2012/20214.

Mesmo assim, por certo que não se deve deixar de reconhecer os impactos

socioambientais que são causados pela construção de barragens e reservatórios,

notadamente aqueles de grande porte, que inundam elevadas áreas e demandam

a realocação de comunidades, até de núcleos de moradores de pequenas

cidades, além da inundação de áreas de preservação, afetando aspectos

ambientais e biológicos.

Contudo, desde que as medidas para restrições e para a compensação dos

impactos sejam tomadas, além da escolha adequada dos pontos onde tais

empreendimentos possam ser instalados, a geração de hidroeletricidade também

deve ser vista como uma energia “limpa”, muito diferenciada de termoelétricas à

base de carvão.

A este respeito, as usinas já instaladas no Brasil representam perto de apenas

35% de todo o potencial hidroelétrico, estimado em nada menos do que 250 GW

de energia, com expectativas de que sejam alcançados 117 GW em operação, até

o ano de 2021, também segundo dados do Plano Decenal de Expansão de

Energia – 2012/2021.

Com efeito, sabe-se que grandes empreendimentos, a partir dos últimos anos

localizados na região Amazônica – tais como as Usinas de Santo Antônio e do

Jirau, ambas no Rio Madeira, e de Belo Monte, no Rio Xingu –, devem elevar

substantivamente a capacidade instalada no País, tendo como seus benefícios a

redução de riscos na falta de energia, por vezes devido a períodos sazonais e

plurianuais com níveis mais baixos de pluviometria.

4 Fonte: Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia

(MME), com o Plano Decenal de Energia 2012-2021, ainda em elaboração, no ano de 2012.

25

A propósito desses riscos da falta de energia, no ano presente (2014) torna-se

evidente que o País encontra-se sob um significativo grau de problemas devido a

alterações climáticas, com ênfase para a falta de chuvas sobre a região sudeste,

na qual se encontram instaladas muitas das principais usinas hidroelétricas do

Brasil.

Sobre este caso, cabe lembrar que, nos anos anteriores, mais de 90% da energia

efetivamente fornecida foi proveniente da hidroeletricidade, com as termoelétricas

existentes – a maioria delas construída em meados da década de 2000 – atuando

apenas de forma complementar, enquanto no presente (2014), a falta de volumes

em reservatórios tem demandado um funcionamento continuado e total das

termoelétricas, sem as quais, por certo, as usinas hidroelétricas não teriam

condições de atender às demandas de energia do País.

Em decorrência deste quadro atual, os custos para a geração de energia têm

aumentado bastante, vez que as termoelétricas se apresentam como bem mais

caras do que as hidroelétricas.

Contando com tais subsídios, é importante registrar que a Carta de Maceió,

referente ao XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, que ocorreu entre 27

de novembro e 02 de dezembro de 2011, dentre as suas recomendações,

apresenta as seguintes, litteris:

­ não considerar somente a abordagem da água como

recurso natural do meio ambiente, mas também sua

essencialidade como recurso fundamental para o

desenvolvimento econômico e social; e,

­ as abordagens e intervenções estruturais

relacionadas a uma maior segurança hídrica,

inclusive em decorrência de mudanças climáticas e

de eventos críticos de escassez e de cheias,

necessariamente envolvendo armazenamento hídrico.

(destaques negritados)

Percebe-se, portanto, que a Carta de Maceió ressalta o potencial de utilização

das águas para um desenvolvimento mais seguro e sustentável, sem um

abandono da construção de infraestruturas hidráulicas que colaborem para

26

armazenamentos e regularização de vazões, notadamente quando da ocorrência

de eventos críticos, os quais têm sido mais frequentes em decorrência de

possíveis mudanças climáticas.

Ademais, no que tange à GIRH, inúmeras vezes já sublinhada como fundamental

para uma gestão sustentável das águas, o setor de geração de energia deve

incorporar condicionantes, no contexto das atribuições institucionais do Operador

Nacional do Sistema Interligado de Energia (ONS), para que os despachos que

são emitidos aos operadores de usinas hidroelétricas também considerem os

demais usos de recursos hídricos, além da necessária adaptação a possíveis

mudanças climáticas, portanto, com medidas voltadas a controle de cheias,

regularização de vazões e demandas a jusante para abastecimento de água,

irrigação e hidronavegação, dentre outros usos potenciais.

Em outras palavras, é importante lembrar que a operação de reservatórios de

usinas hidroelétricas não deve ser determinada isoladamente e por interesses

exclusivos, mas sim, pelas respostas aos despachos emitidos pelo ONS, que tem

firmado acordos com a Agência Nacional de Águas (ANA), caminhando rumo ao

atendimento de condicionantes relacionados à GIRH.

Como outro elemento relevante em favor da geração de hidroeletricidade,

comparativamente com outras alternativas, entram em pauta os custos médios

por KWs gerados no Brasil, segundo os valores que seguem:

Hidroelétricas..............................................................US$ 65,00/KW

Energia Eólica.............................................................US$ 80,00/KW

Termoelétricas............................................................US$ 120,00/KW

Energia Solar.............................................................US$ 170,00/KW

Usinas Nucleares.......................................................US$ 280,00/KW

Pelos valores dispostos – alguns com elevadas variações junto à média

apresentada –, considerando o potencial ainda não explorado no Brasil, torna-se

evidente que, por certo, a geração hidroelétrica seguirá como a principal fonte de

energia do País, sem deixar o atendimento devido às restrições e atribuições

advindas dos impactos de seus reservatórios e a consideração de formas

27

operacionais voltadas a adaptação a cenários previstos de possíveis mudanças

do clima.

Sob tal entendimento, é importante reconhecer que deve ser aplicado um maior

rigor para a instalação de barragens e suas respectivas infraestruturas devidas,

notadamente com base nos Estudos de Impactos Ambientais (EIAs) e seus

respectivos Relatórios (RIMAs), tendo como referência negativa a instalação da

Usina de Balbina, na Amazônia, a qual teve seu início operacional em 1989, vista

com muitos problemas decorrentes da elevada área florestal inundada pelo

reservatório, com nível um tanto baixo da barragem e da energia gerada, além da

falta de preocupações e abordagens consistentes sobre os impactos ambientais

que foram causados.

Por fim, cabem algumas observações a respeito do perfil dos operadores de

usinas hidroelétricas, lembrando também das pequenas centrais (PCHs), que

geram energia sem reservatórios, com base nas vazões naturais.

De forma diferente do setor saneamento, na geração de energia há um equilíbrio

maior entre operadores privados e empresas de economia mista, que ainda

seguem sob o controle de governos dos estados federativos. Com efeito, além de

contar com empresas privadas como a Light, a Duke Energy e a Tractebel

Energia, algumas das antigas estatais foram privatizadas, com outras mantidas

por alguns estados, a exemplo da Cemig, em Minas Gerais, e da Copel, no

Paraná.

De modo independente do perfil privado ou público, cabe novamente lembrar que

tais empresas operam em resposta aos despachos do ONS, fato que significa

uma relativa igualdade entre as diferentes empresas, sempre com vistas à

otimização do Sistema Interligado Nacional (SIN), além de incentivos continuados

a inversões por parte de empresários privados, sem deixar o Estado com a

responsabilidade única de expandir a geração de energia no Brasil.

2.3.3. Setor de Irrigação

Dentre os usos consuntivos de água, o setor da agricultura irrigada é o maior do

Brasil, no presente já correspondendo a cerca de 65% do total, enquanto o

28

abastecimento público responde por volta de 19% e o consumo industrial por

16%.

No entanto, cabe ressaltar que há diferenças significativas entre os percentuais

consumidos nos estados da federação, com o Rio Grande do Sul concentrando

nada menos do que 83,5% por irrigação, com 6,2% para abastecimento humano e

10,3% pelo setor industrial, enquanto o Estado de São Paulo apresenta 41,2%

pela agricultura irrigada, 32,0% para o abastecimento público e 26,8% para a

indústria.

Ademais, há diferentes perfis regionais no contexto do próprio setor, com o Rio

Grande do Sul concentrando perto de 1,2 milhões de hectares para cultivos de

arroz por inundação, dentre o total da ordem estimada, para 2012, de 5,8 milhões

de hectares em áreas de produção agrícola irrigada, que corresponde a 19,6% do

potencial nacional previsto, o qual poderá chegar a 29,6 milhões de hectares

(IBGE, 2009).

Além do Rio Grande do Sul, a irrigação também aparece como bastante

significativa para a produção agrícola no semiárido brasileiro, notadamente a

partir da porção média da bacia do Rio São Francisco e no interior de estados

como Pernambuco e Paraíba, além da irrigação ter se expandido, durante as

décadas de 1990 e de 2000, na região centro-oeste, nos estados do Mato Grosso,

Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins, em decorrência da expansão das

fronteiras agrícolas, com ênfase em plantios de grãos, como a soja, tal como já

consta, em maiores detalhes, no Relatório 01.

A respeito de todos os cultivos irrigados, considerando a mencionada estimativa

do IBGE, de que o País tenha uma área potencial de até 29,6 milhões de hectares

– ainda sem abordagens mais próprias, em decorrência de possíveis mudanças

climáticas –, percebe-se uma tendência de seguidos e crescentes avanços das

áreas irrigadas, ao longo dos próximos anos.

Com efeito, mais recentemente, a partir de meados dos anos 2000, verificou-se

uma larga expansão de cultivos de cana-de-açúcar, relacionada à elevação dos

preços do petróleo e, por consequência, da maior competitividade por parte dos

biocombustíveis. Sob tal expansão, o Estado de São Paulo foi tomado por essa

29

produção, sempre associada a usinas sucroalcooleiras, até que houve ampliação

rumo ao noroeste do Paraná, leste do Mato Grosso do Sul, centro-sul de Goiás e

no sudoeste e oeste de Minas Gerais, onde o Triângulo Mineiro tem sido ocupado

por tal segmento produtivo, com sua produção pecuária seguindo rumo ao norte

do País.

A propósito, o Mapa 2.1, apresentado a seguir, com base em imagem de satélite

de 2009, confirma esta tendência, demonstrando que, em cenários prospectivos

de desenvolvimento, devem subir as demandas por cultivos irrigados de cana-de-

açúcar, em decorrência da ocupação de áreas que apresentam variações

sazonais de pluviometria, notadamente ao noroeste e ao norte de Minas Gerais.

Mapa 2.1 – Área com Produção de Cana-de-Açúcar, nos Estados de São Paulo,

Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul (Safra - 2008/2009)

Fonte: CANASAT (2009)

Mais especificamente quanto às tecnologias de irrigação, de acordo com dados

do IBGE (2009), ainda perto de 21% dos cultivos continuam por inundação

(sobretudo, arroz, no Rio Grande do Sul), com perto de 20% por pivôs centrais,

7,0 % por sulcos, 35% com outros métodos de aspersão e 17% com métodos

30

mais localizados e com “molhação” ou outras alternativas possíveis.

Quanto ao perfil predominante dos usuários de recursos hídricos neste setor de

irrigação, no presente há um elevado predomínio de empreendedores privados,

sobretudo nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do País, com o nordeste

mantendo projeto de perímetros que ainda seguem administrados por empresas

públicas, notadamente a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São

Francisco (CODEVASF) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

(DNOCS). De fato, segundo dados que constam na Conjuntura de Recursos

Hídricos (ANA, 2013), as iniciativas privadas atualmente respondem por 96,6%

das áreas irrigadas, enquanto apenas 3,4% estão contempladas em perímetros

públicos de irrigação.

Por fim, cabe ressaltar que, certamente, os perímetros de irrigação devem estar

sujeitos a uma devida regulação, sobretudo em decorrência da necessidade de

mais adaptação e flexibilidade frente a possíveis mudanças climáticas, além do

reconhecimento de seus impactos hídricos e ambientais. Portanto, caberá uma

aplicação mais firme dos instrumentos de gestão, não somente para que sejam

cadastrados e recebam as outorgas, de acordo com as disponibilidades hídricas

existentes e/ou previstas, sujeitas a variações sazonais ou plurianuais, mas

também, para que paguem pelo uso da água, com vistas à indução de maior

eficiência na utilização de recursos hídricos.

Um bom exemplo a respeito foi conferido pelo Projeto do Jaíba, perímetro irrigado

ao norte de Minas Gerais, que inicialmente solicitou e obteve uma outorga com

nada menos do que 40 m3/s. Depois de aprovada e na perspectiva de pagar pela

cobrança pelo uso da água na bacia do rio São Francisco, o empreendimento

revisou sua demanda, baixando para 18 m3/s, portanto, de acordo com sua

demanda efetivamente aplicada, para que não houvesse um pagamento mais

elevado.

2.3.4. Setor Industrial

Devido à sua grande amplitude e diversidade de produtos e de tecnologias

aplicadas, além das diferentes condições regionais e urbanas, o setor industrial

pode apresentar, de acordo com o perfil e a localização de seus inúmeros

31

empreendimentos, distintas condições para adaptação a mudanças climáticas,

tanto no que concerne à captação de água, quanto a usos consuntivos e ao

lançamento de efluentes.

No caso do abastecimento de água para o setor industrial, pode estar sendo

fornecido por prestadores de serviços de saneamento ou mediante captações

diretas em corpos hídricos, superficiais e/ou subterrâneos, segundo a localização

e disponibilidades regionais de recursos hídricos e das infraestruturas existentes.

Já em relação ao lançamento de efluentes, caso existam redes apropriadas de

esgotamento, por óbvio que ocorrerá o devido pagamento de tarifas, porém, em

muitas situações, com a emissão direta de cargas industriais em corpos hídricos,

por vezes, sem as restrições que devem ser estabelecidas pelo licenciamento

ambiental e pela própria outorga para o lançamento de cargas em rios e córregos,

fato que sempre tem causado diversos e significativos impactos sobre os recursos

hídricos, os quais devem ser bem mais considerados pelo setor industrial frente a

possíveis mudanças climáticas.

No caso de receber a prestação de serviços de água e de esgotamento sanitário,

o empreendimento de uma indústria não deve ser considerado como usuário de

recursos hídricos, mas sim como consumidor da operadora de saneamento. Ou

seja, neste caso, a indústria não precisa de outorga, com o real usuário sendo o

operador do sistema de saneamento. Por outro lado, caso haja captação direta

e/ou o lançamento de cargas, as indústrias terão que receber as correspondentes

outorgas, sendo então caracterizadas como usuárias de recursos hídricos.

Estas possibilidades ocorrem de acordo com as condições existentes em cada

cidade e região, sem que se deixe de considerar a necessidade de que sejam

incentivados, em todos os casos, seguidos avanços tecnológicos rumo a uma

sustentabilidade mais ampla e consistente, notadamente em decorrência de

possíveis mudanças climáticas, fato que também tenderá a reduzir a demanda

por água dos consumidores industriais, evitando assim muitos dos conflitos que,

no presente, ocorrem frente a outros setores usuários das águas.

Mais especificamente a respeito dos segmentos que compõem o setor industrial,

pode-se afirmar que os maiores usuários com demandas para uso da água são os

32

seguintes: a produção de alimentos, a indústria têxtil, a mineração, a siderurgia,

fábricas de papel e celulose, a indústria de petróleo e derivados, além de

empreendimentos voltados a produtos químicos.

Em decorrência do perfil destes segmentos industriais, os seus empreendimentos

tendem a não se localizar internamente em núcleos urbanos, portanto, com a

maioria adotando captações e lançamentos próprios, ainda que estejam próximas

ou em periferias de grandes aglomerações urbanas e de regiões metropolitanas,

por vezes, em função de variáveis relacionadas com facilidades para transporte,

acesso a mercados de exportação ou facilidade na prestação de serviços gerais

demandados para a sua produção.

Como um exemplo, cabe lembrar que as indústrias da mineração não determinam

suas localizações, as quais são estabelecidas pela existência dos minérios a

serem explorados. No caso das grandes siderúrgicas, a tendência é que estejam

localizadas na proximidade de portos litorâneos, para fins de facilidades na

exportação. Por outro lado, ao contrário do perfil destes segmentos, as

montadoras de automóveis que, em sua maioria, recebem peças prontas, tendem

a se localizar em núcleos urbanos, como nas regiões metropolitanas de São

Paulo, de Belo Horizonte e de Curitiba, dentre outras.

De todo o modo, tal como já mencionado, frente a possíveis mudanças climáticas

a gestão de recursos hídricos demanda continuados avanços tecnológicos para

todos os segmentos industriais, incluindo adaptação a novos perfis climáticos, os

quais tendem a incentivar a otimização e o reuso das águas recebidas e/ou

captadas, como também níveis elevados de remoção das cargas que são

emitidas. Neste sentido, apenas como referência geral, seguem alguns

indicadores sobre os níveis de consumo que são verificados no presente e

aqueles a serem assumidos como metas progressivas, tal como consta na

Tabela 2.1, apresentada na sequência.

Tabela 2.1 – Indicadores Gerais sobre Níveis de Consumo de Água e Metas a Serem

Alcançadas por Segmentos Industriais

Segmentos do Setor Industrial Níveis de Consumo de

Água

Metas a serem

Alcançadas

33

Produção de

Alimentos

- pescados 300.000 litros de

água/tonelada

30.000 litros de

água/tonelada.

- bebidas

(cerveja)

20.000 litros de

água/quilolitro

7.000 litros de

água/quilolitro

Indústria Têxtil

- preparo de

linho

40.000 litros de

água/tonelada

30.000 litros de

água/tonelada

- acabamento

de tecidos

150.000 litros de

água/tonelada

120.000 litros de

água/tonelada

Mineração

- minério de

ferro

6.000 litros de

água/tonelada

3.500 litros de

água/tonelada

- calcário 6.500 litros de

água/tonelada

200 litros de

água/tonelada

Siderurgia - produção de

aço

12.000 litros de

água/tonelada

7.000 litros de

água/tonelada

Papel e Celulose

- em pasta 700.000 litros de

água/tonelada

140.000 litros de

água/tonelada

- sulfite 700.000 litros de

água/tonelada

240.000 litros de

água/tonelada

- papel fino 1.000.000 litros de

água/tonelada

750.000 litros de

água/tonelada

Petróleo e Derivados

- gasolina 8.000 litros de

água/quilolitros

6.500 litros de

água/quilolitros

- óleo refinado

30.500 litros de

água/tonelada de óleo

cru

10.000 litros de

água/tonelada de óleo

cru

Produtos Químicos

- álcool 138 litros de água/litro

de álcool

50 litros de água/litro de

álcool

- polietileno 231.000 litros de

água/tonelada

8.400 litros de

água/tonelada

Automóveis - veículo 35.000 litros de

água/veículo

25.000 litros de

água/veículo

Fonte: Recursos Hídricos e a Economia Verde – Setor Privado, elaborado por Lobato da Costa,

F.J, publicado pela Fundação Brasileiro do Desenvolvimento Sustentável (2012) para o Rio + 20.

Por fim, para encerrar as observações gerais sobre o setor industrial, cumpre

reconhecer que o lançamento de efluentes ainda pode ser substancialmente

reduzido nas empresas de pequeno e médio porte, a serem submetidas à devida

fiscalização por parte de órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos

34

hídricos, enquanto as de maior porte, certamente já apresentam níveis de

remoção de carga da ordem de 90%, em decorrência de seus bem mais rigorosos

processos para licenciamentos ambientais, os quais, também deveriam ser mais

bem aplicados junto às concessionárias públicas de saneamento.

2.3.5. Hidronavegação

Como último setor usuário das águas a ser abordado frente a possíveis mudanças

climáticas, merece destaque o fato de que a hidronavegação tem sido objeto de

análises mais detidas nos últimos anos, com o início, em 2010, de um Plano

Hidroviário Estratégico, no qual foram consideradas, especialmente, as

interações entre as logísticas intermodais de transporte, uma vez que hidrovias

não devem ser vistas isoladamente, mas sim, como alternativas a serem

articuladas com outras opções, sempre considerando a infraestrutura já existente,

os respectivos custos, a origem e destino de cargas e os potenciais dos rios, em

termos de seus perfis sazonais de vazão.

Uma das razões que tem dado a este segmento uma importância crescente é a

expansão de alguns dos setores da economia rumo ao norte do País, com a

exploração de minérios e as exportações de alimentos e cultivos de grãos,

passando a serem transportados em novos portos, como em São Luiz, no

Maranhão, e em Fortaleza, no Ceará. Como consequência, rios como o Araguaia-

Tocantins sobem de importância para que novos segmentos de hidrovias sejam

explorados, além daqueles já existentes, notadamente a hidrovia do Tietê-Paraná,

na porção sul-sudeste do Brasil.

De fato, no presente, a rede de hidrovias no País já está chegando a

aproximadamente 30 mil km, com cerca de 16 mil km na região amazônica, onde

os rios são bem mais extensos, dentre eles, incluídos o próprio Rio Amazonas, o

Solimões e os Rios Madeira e Xingu, dentre outros, como o já mencionado

Araguaia-Tocantins, com hidrovias da ordem de 4 mil km, enquanto as hidrovias

da bacia do o Rio Paraná somam apenas 1,8 mil km, operadas nos Rios Paraná,

Tietê, Paranaíba e Ivaí.

Sobre este caso da hidrovia Tietê-Paraná, cabe registrar a atual crise presente,

advinda de um longo período de escassez pluviométrica em 2014, tendo como

35

consequência uma significativa queda dos níveis de rios afluentes e do próprio

Tietê, assim, sem propiciar que os graneleiros possam navegar transportando

muitos dos produtos cultivados para exportação, especialmente grãos de soja.

Torna-se evidente, portanto, que a logística de transporte, com certos trechos de

hidrovias, deve se definida com mais flexibilidade, para adaptação a períodos

críticos de escassez pluviométrica.

Por fim, cabe ressaltar que, embora este setor não tenha demandas consuntivas

pelo uso da água, a emissão de suas outorgas é absolutamente necessária,

notadamente para que os níveis dos rios estejam regularizados e propiciem a

viabilidade dos calados de barcos, balsas e graneleiros utilizados para transporte.

36

3. Referências de Estratégias Institucionais para uma Execução mais

Articulada e Conjunta do Planejamento de Recursos Hídricos, junto com os

Diferentes Setores Usuários das Águas

Tendo em vista as possíveis mudanças climáticas previstas, entram em pauta

duas questões relevantes, em termos de estratégias institucionais voltadas para

uma execução mais articulada e conjunta do planejamento de recursos hídricos,

junto com os diferentes setores usuárias das águas.

De um lado, tal como já destacado, devem ser superadas muitas das atuais

deficiências, para que se possa conferir uma efetiva transversalidade à política de

recursos hídricos, uma vez que a disponibilidade hídrica, além de ser um dos

elementos estruturantes para o desenvolvimento regional e para a

sustentabilidade ambiental (vistas como variáveis supervenientes), também deve

exercer a função de um fator relevante para a devida e indispensável integração

intersetorial entre os diferentes usos da água (vistos como variáveis

intervenientes), ou seja, para uma gestão integrada de recursos hídricos – a

GIRH.

De outro, considerando que haverá mais incertezas presentes, devido a possíveis

mudanças climáticas, a gestão das águas também deverá assumir mais

flexibilidade frente a condições de uma vulnerabilidade maior, portanto, com a

gestão sendo mais adaptativa, com vistas para a resiliência e robustez, tal como

já foi conceitualmente elaborado pelo Eixo I dos estudos em pauta, voltado a

cenários sobre o clima.

Com estas questões dispostas, cabe, então, definir e/ou identificar estratégias

institucionais, relacionados aos diversos setores usuários das águas, as quais

constam nos tópicos seguintes.

3.1. Referência da Estratégia Institucional proposta para uma Efetiva

Execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos

Como uma primeira referência bastante convergente com as abordagens já

dispostas pelo presente Eixo IV, cabe destacar a estratégia institucional que foi

proposta para uma efetiva implementação das ações e intervenções do Plano

37

Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), concebida durante a sua última revisão,

realizada em 2010 e disposta em 2011, expressa pela Matriz Tridimensional que

aparece na Figura 3.1, reproduzida a seguir:

Figura 3.1 – Matriz Tridimensional da Estratégia para o PNRH 2011 – 20155

EEx = Demandas Nacionais

e Regionais para ações do PNRH

Interação 01 Interação 02

EEy =

Articulações Institucionais para Ações e

Programas Existentes e/ou a serem criados

Interação 03

EEz = Estrutura dos Componentes

e Programas do PNRH

De acordo com o documento “Águas do Brasil: Estratégias 2011-2015”

(SRHU/MMA, abril/2011), relativo à mencionada atualização do PNRH, cabe

transcrever os seguintes parágrafos:

“O primeiro Eixo Estratégico – o EEx – refere-se às

demandas nacionais e regionais para ações do PNRH,

advindas:

- tanto de aspectos relacionados à inserção macrorregional

e ao desenvolvimento do país, tendo como insumos estudos

como os cenários prospectivos e abordagens da Secretaria

de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

5 Fonte: Documento “Águas do Brasil: Estratégias 2011-2015: Programa de Estruturação

Institucional para a Consolidação da Politica Nacional de Recursos Hídricos” (SRHU/MMA,

abril/2011).

38

(SAE/PR)6;

- quanto de demandas regionais, com tipologias comuns de

problemas identificados nas Oficinas promovidas pela SRHU

(...), sujeitas a critérios relacionados à transversalidade,

dimensão e importância própria ao PNRH.

O segundo Eixo Estratégico – o EEy – diz respeito a ações

e programas existentes em diversos Ministérios e entidades

federais, naturalmente relacionados com a temática dos

recursos hídricos, dentre os quais pode-se inicialmente

listar:

o próprio Ministério do Meio Ambiente, que inclui,

além da SRHU e da ANA, as Secretarias de Mudanças

Climáticas e Qualidade Ambiental, de Biodiversidade e

Florestas, de Extrativismo e Desenvolvimento Rural

Sustentável, como também o IBAMA, o Instituto Chico

Mendes e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB);

o Ministério das Cidades e, especialmente, a sua

Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental;

o Ministério da Integração Nacional e as Secretarias

de Infraestrutura Hídrica e de Programas Regionais;

o Ministério da Saúde, com destaque para a FUNASA;

o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

incluindo suas Secretarias de Política Agrícola, de Defesa

Agropecuária e de Produção e Agroenergia, além da

Embrapa;

o Ministério de Minas e Energia, com suas

Secretarias de Planejamento e Desenvolvimento

Energético e de Energia Elétrica, além da ANEEL, da

Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da CPRM, do

ONS, como também da Eletrobrás e, para determinadas

ações, da própria Petrobrás e da Itaipu Binacional;

6 Outras entidades, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), podem contribuir

para as demandas desse Eixo Estratégico do PNRH.

39

o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

Exterior e a Secretaria do Desenvolvimento da Produção; e,

o Ministério de Ciência e Tecnologia, com as Secretarias

de Políticas e Programas de Desenvolvimento e Pesquisa e

de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, além do

Centro de Tecnologias do Nordeste (CETENE), do Instituo

Nacional do Semiárido (INSA), do Centro de Tecnologia

Mineral (CTEM), do Instituo de Pesquisas na Amazônia

(INPA) e do Instituo Nacional de Tecnologia (INT).

Em todas estas instituições foram preliminarmente

identificadas ações e programas relacionados aos

recursos hídricos, por conseguinte, com potenciais

contribuições em favor do PNRH, sem restrições de que

novas iniciativas venham a ser colocadas a cargo de

algumas destas entidades, para que metas do Plano

Nacional sejam alcançadas.

Em termos pragmáticos, cabe reconhecer que será

muito mais improvável que os orçamentos do MMA, da

SRHU e da própria ANA recebam todos os aportes

necessários à implementação do PNRH, do que admitir

negociações e ajustes em programas a cargo de vários

Ministérios e suas instituições, por vezes já com

orçamentos e ações disponíveis em favor do PNRH.

Fica evidente uma histórica e continuada dispersão

institucional que caracteriza o setor público do país, sem

que objetivos comuns ou relativamente próximos possam

ser negociados e convergidos em termos executivos, com

possíveis ganhos em relação a orçamentos, recursos

humanos e resultados esperados.

A par de interagir com planos e projetos de diferentes

setores e instituições, este Eixo Estratégico EEy deve

conferir especial destaque a Programas como o PAC,

também cuidando da inserção de previsões orçamentárias

no PPA de 2012 a 2015.

40

O terceiro Eixo Estratégico – o EEz – refere-se à estrutura

dos Componentes e Programas do PNRH, que deverá partir

de sua atual versão, todavia, sujeitando-se às devidas

adequações, seja pelo ajuste e/ou criação de novos

programas que tenham sido demandados por abordagens

nacionais e/ou regionais (EEx), seja para aproximar e

convergir programas e projetos com iniciativas identificadas

como já existentes ou a serem estabelecidas em outros

Ministérios e entidades (EEy).

Em suma, a estratégia proposta exige que ocorram três

vertentes de interação entre os Eixos Estratégicos:

a Interação 01 deve ocorrer entre as demandas

nacionais e regionais (EEx) e a Estrutura do PNRH (EEz),

com vistas a aproximações e respostas, não somente para

as Oficinas que foram realizadas, como também, para outros

estudos e diagnósticos e para aspectos estratégicos

relacionados ao país e à sua inserção macrorregional;

já a Interação 02 terá seu foco na identificação de

possíveis vinculações e respostas que ações e projetos já

existentes nos Ministérios e respectivas entidades listadas

(EEy) possam conferir às demandas de Oficinas regionais e

temáticas e, bem assim, aos mencionados estudos,

diagnósticos e aspectos estratégicos para o país (EEx); e,

por fim, a Interação 03 refere-se aos mútuos ajustes e

aproximações entre ações e projetos já existentes em

Ministérios e organismos a eles vinculados (EEy) e os

componentes e programas do PNRH (EEz), com eventual

criação de novas iniciativas para demandas que não

estejam sendo atendidas por estes eixos.

A respeito desta estratégia proposta, deve ser vista como a

busca por uma janela de oportunidades, sob o

entendimento de que o PNRH deve ser empreendido de

forma transversal, em termos executivos e

institucionais.

41

Ou seja, seus programas devem ser executivamente

dispostos a conta de diversos Ministérios e instituições

e eles vinculadas, sob objetivos e metas que sejam

negociados e convergentes entre o MMA, SRHU e a ANA e

estes Ministérios e suas instituições, sempre com os

programas do Plano Nacional sujeitos à devida aprovação

pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), visto

como o espaço institucional de Governo para a validação

final da estrutura adequada do PNRH, de forma a assegurar

que objetivos e metas positivas relacionadas aos recursos

hídricos sejam efetivamente alcançadas.

Por certo que as mencionadas negociações e ajustes, para

que ações já existentes sejam articuladas a programas do

PNRH, não serão homogêneas. Ao contrário, dependerão

do perfil dos programas e dos Ministérios envolvidos.

Assim, ações relacionadas aos instrumentos de gestão, no

mais das vezes empreendidas pela própria ANA ou por

secretarias do MMA, necessitam apenas pequenas

adequações e convergências, enquanto intervenções

relacionadas, por exemplo, ao manejo de solo e água, no

âmbito de atividades agropecuárias, demandarão processos

e acordos bem mais complexos e de mais longo prazo,

como também deve ocorrer com inventários e no

planejamento de geração hidroelétrica.

Com isto posto, no contexto da estratégia proposta pode-se

antecipar que será possível identificar diferentes níveis de

negociação para que as Interações 02 e 03 ocorram, nas

linhas de maior facilidade, dificuldades intermediárias ou de

maiores desafios interinstitucionais”.

(destaques negritados e sublinados)

Contando com esta transcrição, salvo engano, entende-se que esta proposta se

apresenta como bastante realista e pragmática, para que ocorram ações e

intervenções bem mais integradas entre os diversos setores usuários das águas.

Todavia, sob o atual contexto institucional do Governo Federal em mandato,

42

cumpre reconhecer que mesmo esta proposta apresenta elevadas dificuldades

para a sua implementação, vez que hoje o Brasil conta com, nada menos, do que

39 ministérios, muitos deles vistos como “a portas fechadas”, em decorrência de

seu presente domínio sob interesses próprios a certos partidos políticos que

foram alinhados ao governo, via a entrega de ministérios.

Sendo assim, mesmo contando com a estratégia institucional proposta quando da

revisão do PNRH, em 2010-2011, não há como assegurar que ocorra a

pretendida gestão integrada de recursos hídricos, fato que tende a agravar

problemas que poderão ocorrer em decorrência de possíveis mudanças

climáticas.

3.2. A Referência Institucional do Arranjo Executivo do Programa

InterÁguas7

A respeito de outras estratégias institucionais importantes, também cabe registrar

o arranjo executivo do Programa InterÁguas, sob a responsabilidade executiva

da ANA e contando com o respectivo Acordo de Empréstimo celebrado junto ao

Banco Mundial, com este arranjo executivo dividido em dois níveis, a saber:

a) um nível deliberativo e decisório superior; e,

b) outro nível gerencial e operacional.

Ademais, neste arranjo foram instituídos:

(i) um Comitê Gestor do Programa - CGP;

(ii) uma Secretaria Técnica do Programa - STP; e,

(iii) três Unidades de Gerenciamento do Programa - UGPs.

O CGP é um colegiado composto por representantes dos três ministérios

executores, tendo as funções de: acordar e definir os temas transversais de

interesse comum, a serem apoiados através do Programa; supervisionar a

implementação; avaliar os resultados obtidos; e, definir critérios para a alocação

7 Fonte: Documento elaborado por Lobato da Costa, F.J., em 2011, em conjunto com a Agência

Nacional de Águas (ANA), sobre a Gestão Integrada de Recursos Hídricos e a Governança,

voltado ao 6º Fórum Mundial da Água, que ocorreu em março de 2012, em Marseille, na França.

43

dos recursos financeiros do Acordo de Empréstimo, em função da necessidade de

um fortalecimento institucional, de respostas à demandas e de avanços na

performance dos executores.

Três outros ministérios também fazem parte do Comitê Gestor do Programa

(CGP), porém, como membros consultivos, sendo eles: o Ministério das Minas e

Energia; o Ministério dos Transportes; e, o Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento.

A Figura 3.2, apresentada a seguir, resume a composição do arranjo institucional

que está sendo descrito:

Figura 4.2 - Arranjo Institucional do Programa InterÁguas

No contexto deste arranjo institucional executivo, para que fosse possível

coordenar e executar os aspectos de natureza operacional da implementação do

Programa, tornou-se necessária a instalação de uma Secretaria Técnica do

44

Programa (STP), no âmbito da própria estrutura da ANA, com profissionais de

outras instituições executoras também podendo participar desta Secretaria.

Assim, a STP passou a desempenhar as funções de uma secretaria executiva do

Comitê Gestor, além de exercer as devidas articulações próprias entre as

Unidades Gestoras (UGPs) e entre essas unidades e o Banco Mundial, neste

caso, naturalmente com seus encargos e ações próprias à entidade financiadora

do Programa.

A respeito das UGPs, por certo que já tinham sido previstas suas criações no

âmbito de cada ministério executor, com a finalidade de planejar, programar,

implementar, monitorar e avaliar os resultados dos programas componentes do

InterÁguas, sob a sua responsabilidade executiva.

Por fim, tendo como um de seus principais objetivos uma implementação sempre

bem articulada entre os diferentes ministérios presentes, definiu-se que a

Secretaria Técnica do Programa (STP) também deveria ter um Comitê de

Operação, o qual passou a ser composto pelos Coordenadores das UGPs

executoras. Este Comitê, além de acompanhar a execução das ações

transversais, segue com a finalidade de harmonizar, articular, integrar e otimizar a

operacionalização das ações do Programa, executadas pelas UGPs próprias.

Enfim, torna-se muito claro que, sob este significativo arranjo institucional, muito

inovador no contexto do Brasil, pretende-se uma execução bem mais integrada

entre ações intersetoriais, para tanto, contando com a presença e as respectivas

responsabilidades dos ministérios presentes, sejam eles executores ou

consultivos.

3.3. Outras Referências da ANA, em Favor de Avanços na Governança da

Gestão de Recursos Hídricos, Frente a Possíveis Mudanças Climáticas

Para encerrar este capítulo, são registradas algumas das frentes de atuação da

Agência Nacional de Águas (ANA), as quais têm se mostrado como bastantes

positivas para que ocorram seguidos avanços da Governança na gestão dos

recursos hídricos, inclusive, em alguns casos, frente a possíveis mudanças

climáticas.

45

Dentre as muitas frentes de atuação da ANA, são então descritas as seguintes:

O Programa Produtor de Águas8

Concebido e desenvolvido pela ANA, este Programa Produtor de Águas tem como

foco principal o estímulo à política de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA),

voltados à proteção hídrica no Brasil. Para tanto, o Programa apoia, orienta e

certifica projetos que visem à redução de erosão e do assoreamento de

mananciais no meio rural, propiciando a melhoria da qualidade, a ampliação e a

regularização da oferta de água em bacias hidrográficas de importância

estratégica para o País.

Por conseguinte, este Programa, com forte base no Pagamento por Serviços

Ambientais (PSA), tende a apresentar significativos resultados em favor de

necessárias adaptações a mudanças climáticas, vez que reforça uma gestão mais

adaptativa, com revisões em tecnologias e procedimentos relacionados com a

produção rural, a qual sempre se apresenta como um dos principais setores

usuários das águas.

Maiores detalhes a respeito são apresentados no Anexo I, do presente

documento, tendo como fonte o próprio site da ANA.

O Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas – PRODES9

Dentre os maiores desafios da gestão de recursos hídricos no Brasil está a

redução das cargas poluidoras nos corpos hídricos, principalmente em regiões

metropolitanas e em aglomerações urbanas, nas quais a degradação da

qualidade da água vem criando quadros insustentáveis sob o ponto de vista de

um desenvolvimento, tanto econômico quanto socioambiental.

De fato, os efluentes domésticos representam a principal fonte poluidora das

cidades brasileiras. No presente, apenas cerca de 30% do esgoto urbano recebe

algum tipo de tratamento, com o restante sendo lançado nos corpos d’água in

natura, colocando em risco a saúde dos ecossistemas e da população local.

8 Fontes: Site da ANA e documento já registrado sobre a Gestão Integrada de Recursos Hídricos

e a Governança, voltado ao 6º Fórum Mundial da Água, que ocorreu em 2012, na França.

9 Fonte: GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), Parte IV, Box 15, p.197.

46

Sob este contexto, por certo que, frente a possíveis mudanças climáticas, em

muitos casos com períodos mais longos de escassez – tal como vem ocorrendo

este ano, de 2014, no sudeste, com destaque para a Região Metropolitana de São

Paulo, onde há crise no Sistema Cantareira –, a melhoria da qualidade de rios e

córregos poderá elevar pontos para captação de água, minimizando problemas

que têm sido crescentes, propiciando, assim, uma gestão mais adaptativa, com

resiliência e robustez.

Deste modo, o tratamento de esgotos tende a se tornar ainda mais fundamental

em qualquer programa de despoluição e do aumento de ofertas hídricas. Em

grande parte das situações, a viabilidade econômica das estações de tratamento

de esgotos (ETEs) é reconhecidamente reduzida, em razão dos altos

investimentos necessários, em alguns casos, também com elevados custos

operacionais. Por tais motivos, mesmo países mais desenvolvidos têm apoiado

financiamentos de ETEs, a exemplo dos Estados Unidos e de muitos da União

Europeia.

No Brasil, o problema da viabilidade financeira de serviços de saneamento, em

particular do tratamento dos esgotos domésticos, tem sido ainda mais agudo,

especialmente em razão da elevada parcela de população urbana situar-se nos

extratos inferiores de renda. No entanto, vale ressaltar que a água de qualidade

também é um fator de exclusão social, vez que a população de mais baixa renda

dificilmente tem condições de pagar assistência médica para remediar doenças de

veiculação hídrica, decorrentes da ausência de saneamento básico.

Em decorrência deste baixo perfil sanitário do Brasil, já em 2001 a ANA concebeu

e iniciou este importante Programa PRODES, sobre o qual são apresentados

maiores detalhes no Anexo II do presente Relatório 03.

O Programa Nacional de Avaliação da Qualidade da Água – PNQA10

Considerando os potenciais resultados dos dois programas anteriores registrados,

além de outras eventuais intervenções estruturais concernentes aos recursos

10 Fonte: Site da Agência Nacional de Águas.

47

hídricos, por certo que passam a entrar em pauta questões e variáveis

relacionadas a metas e indicadores sobre a qualidade das águas.

Neste caso, a iniciativa da ANA, mediante o Programa Nacional de Avaliação da

Qualidade da Água (PNQA), torna-se uma forma de complementar muitas das

ações e atividades indispensáveis para o devido monitoramento dos recursos

hídricos, no mais das vezes, em muitos dos estados federativos do Brasil, com

elevadas deficiências na rede de monitoramento, com ênfase sobre a qualidade

das águas.

Assim, embora a qualidade das águas não apresente uma relação isolada e direta

com possíveis mudanças climáticas, muitos de seus indicadores tornam-se

relevantes para que sejam identificadas as relações entre causas e efeitos, ou

seja, para que modelos de simulação e de apoio a decisões possam ser

aplicados, permitindo uma gestão mais consistente e adaptativa.

Mais detalhes a respeito deste PNQA são apresentados no Anexo III do presente

documento.

Planos de Recursos Hídricos11

Outra relevante frente de atuação da ANA, em favor de avanços da Governança

na gestão de recursos hídricos, refere-se à elaboração de certos planos de bacias

hidrográficas, dentre as quais cabe destacar:

a) O Plano Decenal e Estratégico da Bacia do Rio São Francisco, que foi

elaborado pela ANA, em agosto de 2004, portanto, com sua revisão e

atualização prevista para o segundo semestre deste ano.

Esta BHSF tem 637 mil km2, tal como já mencionado, com vários tipos de

problemas regionais distintos e potencialmente agravados frente a

possíveis mudanças climáticas – a exemplo de boa parte do semiárido

brasileiro e de porções da Região Metropolitana de Belo Horizonte –, fato

que demanda abordagens mais amplas e estratégicas, inclusive para fins

de acordos e cooperação entre os 07 estados federativos (Minas Gerais,

Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas) que

11 Fontes: Site da Agência Nacional de Águas e anotações sobre relatórios dos planos de bacias.

48

apresentam parte de seus territórios nesta bacia, cujo plano, porém, não

chega a detalhes de intervenções mais locais de muitos dos problem-

sheds, os quais podem e devem ser tratados por planos de bacias de seus

afluentes, tais como: o Plano do Rio das Velhas, já elaborado por Minas

Gerais; do Verde Grande, disposto pela ANA; e, dos rios Grande e

Corrente, em pleno processo de elaboração pelo Estado da Bahia.

Assim, voltam a entrar em pauta conceitos sobre formas de abordagens e

uma divisão de trabalho entre os estados federativos e, também, entre

comitês de bacias, com ênfase para os chamados “comitês de integração”,

tal como deve ser visto o da BHSF.

b) O Plano Estratégico da Região Hidrográfica do Araguaia-Tocantins,

elaborado pela ANA entre janeiro de 2006 a novembro de 2008, tendo em

vista sua relevância como uma das principais frentes de expansão de

atividades produtivas do País, com ênfase para a agropecuária e para a

mineração.

De fato, esta região hidrográfica do Tocantins-Araguaia é a mais extensa

área de drenagem totalmente contida no território brasileiro. Com nada

menos do que 918.822 km2 (11% do País), abrange territórios dos estados

do Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso e do Distrito Federal.

Ademais, já apresenta uma população com cerca de 7,2 milhões de

habitantes, em 409 municípios, projetada para 10,5 milhões de moradores,

em 2025.

No presente, a agricultura de sequeiro ocupa 4,2 milhões de hectares desta

região, com a irrigação correspondendo a 124 mil hectares, sendo que o

potencial de solos aptos é da ordem de 5,3 milhões de hectares. A pecuária

tem um rebanho com 27,5 milhões de cabeças, enquanto na mineração há

importantes províncias minerais, como no caso de Carajás (PA), que detém

os maiores depósitos de ferro do mundo.

Em acréscimo, esta região hidrográfica é, ainda, a segunda maior do País,

em termos de potencial hidroenergético, tendo instalado nada menos do

que 11.563 MW (16% do total brasileiro), além de ter importantes rios

49

navegáveis, com destaque para o Rio Tocantins.

Sob tal perfil, com a presença, abundância e utilização dos recursos

naturais conferindo à região um relevante papel no desenvolvimento do

País, além da consideração de que muitas das exportações têm sido mais

enviadas a partir de portos do norte brasileiro, crescentemente por conta da

hidronavegação, percebe-se a importância estratégica desta região

hidrográfica, muito bem identificada pela ANA, com a presente necessidade

de uma revisão e atualização deste plano, tendo em vista possíveis

mudanças climáticas e, como consequência, agravamento de problemas.

Além disso, o seu caráter estratégico também é conferido pela busca de

minimizar futuros conflitos previstos, para tanto, estabelecendo diretrizes

para a compatibilização da utilização da água com as demais políticas

setoriais, para assegurar usos mais sustentáveis.

c) O Plano das Bacias Hidrográficas dos Afluentes da Margem Direita do

Rio Amazonas, o qual teve seu desenvolvimento em decorrência de

aspectos regionais também mais amplos e estratégicos, especialmente

para a definição da prioridade de certos usos da água, a exemplo de

pontos para a possível instalação de usinas hidroelétricas, frente a trechos

de rios voltados para hidronavegação.

Este plano foi desenvolvido pela ANA, no período entre 2007 a 2010, com

sua aprovação pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) em

sua 25ª Reunião Ordinária, ocorrida em 29 de junho de 2011.

O Plano teve o objetivo de produzir um instrumento que propiciasse aos

órgãos gestores de recursos hídricos – e demais componentes do

SINGREH, com responsabilidade sobre as bacias dos rios afluentes da

margem direita do Rio Amazonas – orientar uma gestão mais efetiva e

sustentável dos recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, de modo a

garantir o seu uso múltiplo e racional, em benefício das gerações presentes

e futuras. Assim, também acabou atuando em favor de melhores cenários

prospectivos, relacionados a possíveis mudanças climáticas.

50

Esta região, compreendida pelas bacias hidrográficas dos afluentes da

margem direita do Rio Amazonas, possui uma área próxima a 2,54 milhões

de km², estando localizada nas regiões norte e centro-oeste do Brasil,

abrangendo territórios dos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Mato

Grosso e Pará. Na porção brasileira, os principais tributários do Amazonas

pela margem direita são os rios Javari, Jutaí, Juruá, Purus, Madeira,

Tapajós e Xingu.

Este Plano mostra-se um tanto similar aos demais já descritos,

especialmente em termos estratégicos, porém, igualmente não chegando a

detalhes de intervenções mais locais. Foi estruturado em três volumes, a

saber: (a) Diagnóstico; (b) Cenários, Diretrizes e Intervenções; e, (c) Mapas

Temáticos.

d) O Plano da Bacia do Rio Paranaíba, contratado pela ANA em 2012, com

esta bacia abrangendo 222.767 km2, envolvendo partes territoriais de:

Minas Gerais, especialmente do triangulo mineiro, com sua nascente na

Serra da Mata da Corda; do sul de Goiás; do Distrito Feral; e, do extremo

nordeste do Mato Grosso do Sul.

Percebe-se, portanto, que também apresenta aspectos regionais distintos,

notadamente entre o DF e o extremo nordeste do MS, fato que demandou

o traçado de Unidades Territoriais Estratégicas de Gestão (UTEGs), as

quais tiveram como base as divisões hidrográficas estaduais, ou seja, as

que foram adotadas pelos próprios estados, para a gestão de seus

recursos hídricos.

Em acréscimo a esta abordagem, também foram definidas as escalas de

sub-bacias afluentes, como Unidades de Planejamento Hídrico (UPHs), nas

quais foram efetuados balanços hídricos mais pontuais e definidos pontos

estratégicos de monitoramento, chamados de “Pontos de Controle”. Estas

UPHs foram constituídas a partir de subdivisões da bacia hidrográfica do

Rio Paranaíba, agrupadas de maneira contínua, de acordo com a

homogeneidade de fatores hidrográficos e hidrológicos, para permitir um

planejamento adequado de cada unidade. Os critérios adotados para a

51

determinação das UPHs foram os limites das principais sub-bacias e os

principais pólos regionais da bacia do Paranaíba.

Quanto aos chamados “Pontos de Controle”, para fins de monitoramento

pluviométrico, fluviométrico e de qualidade dos recursos hídricos, cabe

ressaltar que têm como objetivos: (i) a agregação dos valores das

disponibilidades hídricas da bacia; (ii) a agregação dos valores de

demandas hídricas; e, (iii) um cálculo mais consistente do balanço hídrico.

Sob tais procedimentos, dentre as bacias de afluentes merece um elevado

destaque a do Rio São Marcos, vez que já apresenta um significativo

conflito entre a geração de hidroeletricidade frente ao uso da água para

irrigação, fato que tem destacado este bacia como um ponto para estudo

de caso.

Portanto, percebe-se que este Plano da Bacia do Rio Paranaíba se

apresenta como certa referência sobre procedimentos metodológicos,

alguns dos quais devem ser considerados para fins de planos para

adaptação a mudanças climáticas.

Enfim, seguem estes planos já desenvolvidos pela ANA, com certas referências

para avanços na gestão de recursos hídricos, por vezes, em decorrência de

possíveis mudanças climáticas. Além desses, alguns outros podem ser

considerados, a exemplo do Plano da Bacia do Rio Doce, com vinculação e

acordos entre Minas Gerais e Espírito Santo e o da Bacia do Rio Piranhas-Açu,

com vinculação e acordos entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte, sem que se

deixe de reconhecer diversos planos de bacias já elaborados por órgãos

estaduais gestores de recursos hídricos.

Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados, com as

Salas de Situação12

Considerando a indispensável necessidade de adaptação a possíveis mudanças

climáticas, esta frente de atuação da ANA mostra-se como a mais relevante,

12 Fonte: Documento enviado pela Agência Nacional de Águas, em 30 de julho de 2014.

52

positiva e pragmática.

De fato, estes Acordos de Cooperação com os Estados Federados, com

ênfase na instalação de Salas de Situação, mostram-se bastante pragmáticos e

responsáveis, sob uma ótica muito convergente com diversas das

recomendações que já foram formuladas pelo presente trabalho, a maioria delas

dispostas nos relatórios anteriores, sobretudo, no Relatório 02.

Dentre estas convergências com muitas das recomendações formuladas, cabe

lembrar: (i) da identificação de áreas-problemas (problem-sheds), em muitos

casos, a serem vistas como áreas de risco, tal como consta nesta frente de

atuação da ANA; (ii) de um monitoramento hidrometeorológico com mais dados e

informações sobre os recursos hídricos, para que possam ser desenvolvidos

sistemas de apoio à decisão e identificadas as relações entre causas e efeitos,

reconhecidas como fundamentais, igualmente previstas nesta frente em pauta;

(iii) de repercussões sobre o devido ordenamento do território, com ajustes no uso

e ocupação do solo e com eventuais reassentamentos involuntários de famílias e

comunidades localizadas em áreas de risco, para que eventos críticos não

cheguem a afetá-las tão gravemente; (iv) da recomendação de que os sistemas

de gestão de recursos hídricos (SINGREH e SEGREHs) passem a atuar mais em

conjunto com a Defesa Civil, em decorrência de eventos críticos, a exemplo de

alguns advindos de possíveis mudanças climáticas; (v) de avanços nas

indispensáveis articulações verticais e ações mais integradas entre os estados

federativos do Brasil, considerando a importância da iniciativa do Pactos das

Águas, em cujo contexto podem ser vistos estes Acordos de Cooperação, como

uma ação já precedente; e, por fim, (vi) a disponibilidade de um quadro de

profissionais mais bem qualificados, para que situações críticas relacionadas aos

recursos hídricos venham a ser abordadas, não somente pela ANA, como

também, pelos órgãos estaduais gestores das águas, aos quais cabem muitas

das ações mais locais, relacionadas a problemas decorrentes de crises e

alterações climáticas, possivelmente chegando até a receberem delegações de

certos encargos, competências e responsabilidades.

Para que todas estas convergências possam ser confirmadas e reconhecidas,

além de outros detalhes e aspectos, no Anexo IV do presente Relatório 03 há

53

mais informações a respeito destes Acordos de Cooperação Técnica com os

Estados Federados, inclusive detalhes sobre como foram e/ou estão sendo

instalas as Salas de Situação.

Cooperação Sul-Sul

Tendo em vista bacias compartilhadas com certos países vizinhos, a exemplo da

própria bacia do Rio Amazonas e do seu importante afluente Rio Madeira, torna-

se indispensável para uma efetiva gestão de recursos hídricos no Brasil ter

acesso a dados e informações hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis

mais a montante, para que projeções e diagnósticos relacionados a efeitos

advindos de mudanças climáticas possam ser abordados sob uma base técnica e

com dados consistentes.

De fato, tal como consta no Relatório 01 (ver item 2.4.1 - Gestão de Recursos

Hídricos na Região Amazônica, p. 37), transcrito in verbis:

...no trecho brasileiro da bacia amazônica, a jusante já se

acusam traços de algumas das atividades desenvolvidas

nos países a montante, onde se originam, por exemplo,

problemas com mercúrio utilizado nos garimpos, além de

agroquímicos conservativos amplamente aplicados nas

plantações de coca. Igualmente ocorrem alguns problemas

de natureza sanitária, valendo lembrar que o cólera

reintroduziu-se no País, na década de 1990, por meio da

presença do vibrião na Amazônia peruana. Ademais, há

problemas relacionados aos vetores de doenças tropicais

que dependem da água em, pelo menos, uma de suas fases

de desenvolvimento (malária, entre outras).

Sendo assim, também esta frente de atuação da ANA torna-se relevante,

especialmente quando chegar ao patamar de que dados e informações

hidrometeorológicas mais consistentes sejam dispostas e trocadas entre os

países vizinhos, para que sistemas de apoio a decisões possam subsidiar ações e

intervenções, muitas delas que serão necessárias, para fins de adaptação a

mudanças climáticas.

Com isto posto, mais detalhes a respeito de iniciativas previstas por esta

54

Cooperação Sul-Sul são apresentados pelo Anexo V do presente Relatório 03.

Estudos com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico – OCDE

Por fim, dentre as principais frentes de atuação da ANA, é muito importante

lembrar estudos em paralelo aos do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças

Climáticas, contando com a contratação da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual cabe identificar e avaliar lacunas

e problemas, para depois propor ajustes e adequações para que a gestão dos

recursos hídricos no Brasil volte a ter mais avanços e seja mais efetiva e

consistente.

Este trabalho é intitulado como Diálogo Político sobre a Governança da Água

no Brasil, tendo sido iniciado em março deste ano, com previsão de sua

finalização em abril de 2015.

Como frentes de trabalho, estão previstas duas escalas, com suas respectivas

abordagens e avaliações, a saber:

(i) a escala federal, na qual será abordado o mapeamento institucional para

ações e responsabilidades do Governo Central e, também, o Pacto

Nacional das Águas; e,

(ii) a gestão de recursos hídricos na esfera dos estados federados e do DF,

com tratamento de questões relacionadas com: um mapeamento

institucional dos órgãos estaduais gestores; a forma de coordenação entre

a União e os estados federados; a identificação dos estágios dos ciclos de

gestão de recursos hídricos, além de melhores acessos para capacitação;

as perspectivas dos estados frente ao Pacto Nacional das Águas; e, o

engajamento previsto dos stakeholders, ou seja, de representantes dos

diversos setores usuários das águas.

No contexto dessas frentes de trabalho, serão tratadas mais profundamente as

bacias do Rio São Francisco e do Rio São Marcos, como estudos de casos, além

de abordagens mais específicas sobre a gestão de recursos hídricos nos estados

da Paraíba, de Rondônia e do Rio de Janeiro.

55

Assim, percebe-se que esta frente de atuação da ANA deve ser considerada sob

uma ótica articulada e conjunta com os presentes estudos do Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas, notadamente no caso de propostas para

ajustes institucionais e jurídico-legais dos sistemas de gerenciamento dos

recursos hídricos no Brasil – tanto no caso do SINGREH, quanto de vários dos

SEGREHs –, vez que será bem mais realista e pragmático considerar o

necessário processo de abordagens e negociações políticas junto ao Congresso

Nacional, para que ocorra a desejada aprovação de propostas.

Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que estão

sendo elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança da

gestão de recursos hídricos, não devem considerar isoladamente adaptações a

mudanças climáticas. Ao contrário, também devem considerar e conceber em

conjunto propostas para que os sistemas de gestão vigentes (SINGREH e

SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes em seu conjunto.

56

4. Perguntas Finais a serem Respondidas13

Para encerrar o presente trabalho, relativo ao Eixo IV, da Governança na gestão

dos recursos hídricos, no contexto do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças

Climáticas, certas perguntas dispostas pela Rede Espelho da ANA devem ser

abordadas, tal como segue.

A estrutura atual (arranjos institucionais e ações de gestão de recursos

hídricos em curso) é suficiente para dar respostas, em tempo hábil, aos

efeitos da mudança do clima?

De pronto, pode-se afirmar que não, vez que, segundo vários posicionamentos de

consultores e de muitos dos stakeholders participantes do atual sistema de

gestão, mesmo com os anteriores avanços obtidos pelo SINGREH, além de

alguns dos SEGREHs, entende-se que há uma certa estagnação, por

consequência, com preocupações voltadas à identificação de formas e estratégias

para que a gestão das águas no Brasil volte a seguir adiante, tanto no âmbito

geral do País, quanto em vários dos estados, notadamente no caso dos que

seguiram sem avanços.

Mais do que isto, também cabe sublinhar a necessidade de que, nos passos à

frente, sejam mais abordados distintos perfis regionais e questões relacionadas

com áreas-problema, em muitos casos, devido às possíveis mudanças climáticas

previstas.

Quais características precisam ser melhor desenvolvidas e como fazer para

desenvolvê-las?

Tal como já conceitualmente disposto, entende-se que um arranjo institucional

não deve ser visto como um fim em si mesmo. Ao contrário, deve ser concebido

como uma resposta para a abordagem de certos problemas e desafios, fato que

indica algumas especificidades frente à natureza do tema em pauta, tal como

deve ocorrer para a gestão de recursos hídricos que, no caso do extenso e

diverso território brasileiro, deve exigir a definição de diretrizes e orientações para

que as formas de gestão tratem dos problemas a serem enfrentados, com

13 Perguntas enviadas pela Rede Espelho, da ANA, em 24 de julho de 2014.

57

abordagens do quadro regional presente e, também, de cenários prospectivos,

tanto no que concerne a aspectos hídricos e ambientais, quanto ao

desenvolvimento socioeconômico e a possíveis mudanças climáticas.

Quais as fragilidades identificadas? E quais as medidas propostas para

solucioná-las ou minimizá-las?

As fragilidades da gestão das águas no Brasil são muito variáveis, segundo cada

perfil regional e/ou dos estados federativos. Ou seja, cabe reconhecer que, no

caso de alguns dos estados, ocorreram certos avanços, enquanto em outros foi

verificada uma seguida estagnação.

Além disso, na medida em que a Agência Nacional de Águas (ANA) se apresenta

como uma instituição gestora muito mais à frente de seus correspondentes

órgãos estaduais, houve uma certa tendência de centralização, fato que já passou

a ser vencido pela própria ANA, em decorrência de sua iniciativa voltada ao Pacto

das Águas.

Com isto posto e considerando os diagnósticos e as diretrizes próprias aos

diferentes perfis regionais do Brasil, muitas das medidas que foram propostas

podem ser assim sintetizadas:

(i) a identificação de áreas-problemas (problem-sheds), em muitos casos, a

serem vistas como áreas de risco, tal como consta no Acordo de

Cooperação Técnica com os Estados Federados, empreendido pela

ANA, com ênfase para a instalação de Salas de Situação;

(ii) um monitoramento hidrometeorológico com mais dados e informações

sobre os recursos hídricos, para que possam ser desenvolvidos sistemas

de apoio à decisão e identificadas as relações entre causas e efeitos,

reconhecidas como fundamentais, igualmente previstas nos estudos do

Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas;

(iii) uma indispensável repercussão sobre o devido ordenamento do território,

com ajustes no uso e ocupação do solo e com eventuais reassentamentos

involuntários de famílias e comunidades localizadas em áreas de risco,

para que eventos críticos não cheguem a afetá-las tão gravemente;

(iv) a recomendação de que os sistemas de gestão de recursos hídricos

58

(SINGREH e SEGREHs) passem a atuar mais em conjunto com a Defesa

Civil, em decorrência de eventos críticos, a exemplo de alguns advindos de

possíveis mudanças climáticas;

(v) avanços nas indispensáveis articulações verticais e ações mais integradas

entre a União e os estados federativos do Brasil, considerando a

importância da iniciativa do Pactos das Águas, em cujo contexto também

devem ser vistos os Acordos de Cooperação com os Estados

Federados, como uma ação já precedente;

(vi) ademais, também devem ocorrer certas ações conjuntas e uma troca de

dados e informações com alguns dos países vizinhos, com os quais há

bacias hidrográficas compartilhadas, tal como está sendo iniciado via a

Cooperação Sul-Sul;

(vii) em paralelo, também deve ocorrer uma articulação horizontal mais

consistente e aproximada, entre os ministérios e entidades dos diversos

setores usuários de recursos hídricos, para que ocorra uma gestão mais

integrada e a devida transversalidade na gestão das águas;

(viii) sob esta ótica, voltada para mais integração entre os diversos setores

usuários das águas, recomenda-se uma significativa coordenação

regulatória, para que objetivos, metas e certos indicadores propiciem

verificar a consistência de suas ações múltiplas e formas de gestão e de

regulação; e,

(ix) por fim, voltando aos órgãos gestores, cabe recomendar a devida avaliação

e um planejamento institucional estratégico, além da disponibilidade de um

quadro de profissionais mais bem qualificados, para que situações críticas

relacionadas aos recursos hídricos venham a ser abordadas, não somente

pela ANA, como também, pelos correspondentes órgãos estaduais, aos

quais cabem muitas das ações mais locais, relacionadas a problemas

decorrentes de crises e alterações climáticas, possivelmente chegando até

a receberem delegações de certos encargos, competências e

responsabilidades.

Quais são as oportunidades identificadas? Há medidas a serem tomadas

59

capazes de reforçá-las ou potencializá-las?

Dentre as principais oportunidades identificadas, cumpre ressaltar o Pacto das

Águas, os Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados e,

também, os estudos junto à OCDE, intitulado como Diálogo Político sobre a

Governança da Água no Brasil.

Sob este contexto, de importantes iniciativas da ANA, recomenda-se que,

periodicamente, sejam avaliadas e, eventualmente, ajustadas as estratégicas e

táticas em curso, para que os avanços sigam continuadamente à frente.

O Progestão – que é uma forma de fortalecer os estados, de

descentralizar recursos e decisões – é o suficiente para enfrentar os efeitos

da mudança do clima? Ou, a depender do cenário previsto para cada

região, o Progestão deve ser adaptado com especificidades que podem

ajudar no enfretamento dos eventos hidrológicos críticos previstos?

Como resposta, deve-se reconhecer que, mesmo em casos onde determinado rio

afluente esteja sob o domínio estadual, caso ocorram problemas mais a jusante,

relacionados a outros estados e a problemas mais regionais, a presença da União

passa a ser necessária, sem que apenas interesses pontuais a montante sejam

considerados, como a indefinição de vazões mínimas a serem asseguradas entre

as fronteiras dos estados em pauta.

Mais do que isso, além do perfil dos problemas, também cabe considerar as

capacidades institucionais presentes, frente à natureza dos desafios, portanto,

tanto com apoios top-down quanto bottom-up, em casos distintos.

Enfim, muito resumidamente: levando em consideração a necessária adaptação a

mudanças climáticas, recomenda-se que sejam desenvolvidas estratégias

próprias aos problemas que deverão ser equacionados, com uma presença

democrática e efetiva da União e dos estados federados, segundo a natureza dos

problemas e as capacidades institucionais presentes.

60

BIBLIOGRAFIA

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Gestão Integrada de Recursos Hídricos e a

Governança. Brasília, 2011.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Pacto Nacional pela Gestão das Águas -

Construindo uma Visão Nacional: Volume 1 - Aspectos Conceituais (Documento Base).

Brasília, Março/2013.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio

São Francisco. Brasília, 2004.

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Plano Decenal de Energia 2012-2021.

Brasília, 2013.

FUNDAÇÃO BRASILEIRA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Recursos Hídricos

e a Economia Verde – Setor Privado. Rio de Janeiro, 2012. Autor: Lobato da Costa, F.J.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS

E AMBIENTE URBANO – SRHU. Plano Nacional de Recursos Hídricos (Revisão de

2010). Brasília, 2011.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS

E AMBIENTE URBANO – SRHU. Águas do Brasil: Estratégias 2011-2015: Programa de

Estruturação Institucional para a Consolidação da Politica Nacional de Recursos Hídricos.

Brasília, 2011.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e AGÊNCIA

NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.

CONSULTAS

Site da Agência Nacional de Águas (ANA).

Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Site do Ministério de Minas e Energia (MME).

Site do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

61

ANEXOS

62

ANEXO I

Programa Produtor de Águas14

Trata-se de um programa de adesão voluntária dos produtores rurais que adotam

práticas de manejo conservacionistas, com ênfase principal na recuperação de

matas ciliares e da cobertura vegetal, por consequência, com rebatimentos

ambientais positivos em termos da redução de erosão e do assoreamento de

mananciais no meio rural, buscando uma melhoria na qualidade da água e

aumento nas vazões dos rios.

Em função do serviço ambiental prestado a toda a bacia, o produtor de água

recebe uma remuneração, para tanto, sendo permanentemente avaliado em suas

ações, com o pagamento estabelecido por tais serviços ambientais (PSA) sendo

como uma compensação pelas receitas que deixou de receber por cultivos que

venderia ao mercado, os quais foram deixados produzir nas áreas

ambientalmente recuperadas – sobretudo, matas ciliares e cobertura vegetal.

Adicionalmente, o programa prevê apoio técnico e financeiro à execução de

ações como construção de terraços e de bacias de infiltração, readequação de

estradas vicinais, recuperação e proteção de nascentes, reflorestamento das

áreas de proteção permanente e reserva legal e saneamento ambiental.

Atualmente estão em andamento seis projetos do Programa Produtor de Água,

nas seguintes localidades: Extrema/MG, Bacias do PCJ/SP, Pipiriau/DF, Projeto

Produtor de Águas/ES, Apucarana/PR e Guandu/RJ.

Dentre estes, dois exemplos são mais detalhados na sequência: o Programa

Produtor de Águas no Município de Extrema/MG e no Estado do Espírito Santo.

Município de Extrema/MG

Desenvolvido na cidade de Extrema, em Minas Gerais, este Programa foi

estabelecido pela Lei Municipal n° 2.100/2005. Nesse contexto foram elencados

como objetivos específicos:

14 Fonte: site da Agência Nacional de Águas (ANA).

63

(i) aumentar a cobertura vegetal em sub-bacias hidrográficas e implantar

microcorredores ecológicos;

(ii) reduzir os níveis de poluição difusa rural, decorrentes dos processos de

sedimentação e eutrofização e de falta de saneamento ambiental;

(iii) difusão do conceito de manejo integrado de vegetação, solo e da água da

bacia hidrográfica do rio Jaguari; e,

(iv) garantir a sustentabilidade socioeconômica e ambiental dos manejos e

práticas implantadas, por meio de PSA aos proprietários rurais.

Como metas gerais, foram estabelecidas as seguintes:

Meta 1 = Adoção de práticas conservacionistas de solo, com a finalidade de

abatimento efetivo da erosão e da sedimentação.

Meta 2 = Implantação de sistemas de saneamento ambiental (sistema de

abastecimento de água, sistema de esgoto sanitário e coleta e disposição de

resíduos sólidos).

Meta 3 = Implantação e manutenção das áreas de preservação permanente

(APPs).

Meta 4 = Implantação, através de averbação em cartório, da Reserva Legal.

A remuneração dos produtores de água – viabilizada por aportes financeiros da

ANA, do Governo do Estado de Minas Gerais, da Prefeitura Municipal e dos

demais beneficiários diretos –, segue com critérios definidos pelo Departamento

de Serviços Urbanos e do Meio Ambiente (DSUMA), tendo 100 Unidades Fiscais

de Extrema (UFEX) por hectare/ano, como valor de referência (VR).

Projeto Produtor de Água no Espírito Santo

A Lei Estadual nº 5.818/1998, que institui a Política Estadual de Recursos Hídricos

do Espírito Santo, foi a pioneira no conceito “provedor-recebedor”. Com efeito, o

impacto dessa legislação foi a criação de um mercado de serviços ambientais na

vertente dos recursos hídricos, estabelecido entre beneficiados e beneficiários,

com mecanismos de compra de serviços de recuperação e manutenção de áreas

estratégicas do ponto de vista hidrológico.

64

O Projeto Produtor de Água ― coordenado pela Secretaria de Estado para

Assuntos do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEAMA), com a cooperação da

Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAG) ― tem

como um de seus propósitos criar mecanismos capazes de fazer retornar, aos

proprietários de áreas rurais, parte dos custos, na medida em que atuarem na

prestação dos serviços de melhoria de qualidade de água como, por exemplo, a

destinação da área útil de sua propriedade para a recuperação da cobertura

vegetal original.

A propósito, na maior parte do mundo, observa-se a não comercialização dos

serviços ambientais florestais, portanto, uma dificuldade encontrada é a falta de

possibilidade de mensurar seu valor diretamente através de preços de mercado,

requerendo métodos indiretos (PAGIOLA et al., 2005).

Para o PSA no status de política pública, faz-se necessária a consolidação de

ferramentas legais que respaldem o repasse de recursos financeiros aos

produtores rurais, sendo que, mediante esses instrumentos legais, os

mecanismos do PSA poderão ser efetivamente executados, dando subsídios para

a avaliação da eficácia da equação.

Em 15 de janeiro de 2010, o Governo do Espírito Santo concluiu a criação do

Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDÁGUA), que conta com a receita

oriunda dos royalties do petróleo, do setor elétrico e do orçamento do Estado,

para proceder com o repasse aos produtores de água.

Complementarmente, no âmbito do PSA dever-se-á articular e fomentar um

mercado de compra e venda de serviços ambientais, através da participação

efetiva dos produtores rurais (provedores), do setor privado (pagadores), bem

como do Poder Público.

65

ANEXO II

Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas - PRODES15

O PRODES visa a incentivar a implantação ou ampliação de estações de

tratamento, para reduzir os níveis de poluição em bacias hidrográficas, com

prioridade, em 2014, para as bacias dos rios São Francisco, Doce, Paraíba do

Sul, Paranaíba e Piranhas-Açu. Também conhecido como "programa de compra

de esgoto tratado", o PRODES paga pelo esgoto efetivamente tratado – desde

que cumpridas as condições previstas em contrato (metas de remoção de carga

poluidora) –, em vez de financiar obras ou equipamentos, sem a previsão de

resultados. A seleção dos empreendimentos corresponde a uma expectativa de

contratação, condicionada à disponibilidade financeira do Programa.

Podem participar do PRODES os empreendimentos destinados ao tratamento de

esgotos, com capacidade inicial de tratamento de, pelo menos, 270 kg de DBO

(carga orgânica) por dia, cujos recursos para implantação da estação não venham

da União. Só podem se inscrever estações ainda não iniciadas ou em fase de

construção, com até 70% do orçamento executado. Para 2014, não estão sendo

aceitas inscrições de ampliação de Estações e Tratamento de Esgotos (ETEs).

A seleção do PRODES também considera se o empreendimento está em

municípios nos quais o Atlas Brasil - Abastecimento Urbano de Água, da ANA,

tenha identificado a necessidade de aportes para tratamento de esgotos, voltados

à proteção de mananciais em sistemas de abastecimento de água, dentre outros

critérios. Segundo o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil

(2012), o Brasil trata apenas 30% dos esgotos domésticos urbanos produzidos.

Como informações adicionais, cabe registrar que, desde o seu início, em 2001, o

Programa contratou 69 empreendimentos. que atenderam a cerca de 7,6 milhões

de brasileiros, e desembolsou R$ 335,1 milhões pelo esgoto tratado. Esses

recursos alavancaram investimentos de R$ 1.379,32 milhões dos prestadores de

serviços de saneamento, na implantação das estações de tratamento de esgotos.

15 Fonte: site da Agência Nacional de Águas (ANA).

66

Após o lançamento do edital e a inscrição dos empreendimentos, as propostas

são analisadas pela ANA. Depois da fase de habilitação e seleção, o próximo

passo é contratar os projetos. Em seguida, os recursos são aplicados num fundo

de investimento do PRODES, na Caixa Econômica Federal. O dinheiro apenas é

liberado quando as ETE estão operando plenamente e atingindo as metas

definidas em contrato, o que é auferido pelas certificações periódicas – em geral,

trimestrais – realizadas pela ANA. Caso as metas não sejam atingidas o valor não

é pago.

Como calendário para o ano presente, de 2014, constam os seguintes eventos e

datas:

Evento Data

Período de Inscrições 05/05 a 04/07/2014

Habilitação, classificação e seleção dos empreendimentos 07/07 a 17/10/2014

Data máxima para deliberação dos comitês de bacia para aprovar

destinação de recursos ao Prodes até 30/09/2014

Divulgação dos empreendimentos selecionados para fins de

contratação

até 31 de outubro de

2014

Os empreendimentos inscritos serão selecionados e classificados segundo

critérios de pontuação e objetivos, conforme consta na Resolução nº 672, de

2014, emitido pela ANA, resumidos na sequência.

Critério Pontuação Máxima = 100

População atendida e eficiência no tratamento 50

Existência de Comitê de Bacia em funcionamento 5

Localização do empreendimento em bacia prioritária 15

Municípios priorizados pelo Atlas Brasil 5

Destinação de recursos ao PRODES pelos Comitês 10

Empreendimento previsto em planos de recursos hídricos,

programas de investimentos, etc. 5

Empreendimento situado em municípios de critério de criticidade

1 e 2 da Portaria 062/ANA, e listados no Anexo IV da Resolução

nº 644, de 20 de maio de 2013.

10

67

Após o processo de seleção, os empreendimentos selecionados serão

organizados por ordem de pontuação e contratados até o limite orçamentário. Os

critérios de pontuação estão relacionados ao objetivo de qualidade da água (porte

e eficiência de ETE) e aos instrumentos de gestão.

Tal como já mencionado, são consideradas prioritárias, no processo de seleção

de 2014, as seguintes bacias hidrográficas: do rio São Francisco, do rio Doce, do

rio Paraíba do Sul, do rio Paranaíba e do rio Piranhas-Açu.

Há também um critério, já utilizado em 2013, que é a inclusão da lista de

municípios e respectivos trechos de rios que se encontram em situação crítica do

ponto de vista da qualidade, conforme Portaria nº 062, da ANA.

68

ANEXO III

Programa Nacional de Avaliação da Qualidade da Água - PNQA16

O Programa Nacional de Avaliação da Qualidade das Águas (PNQA) surgiu a

partir de uma série de necessidades relacionadas ao monitoramento da qualidade

das águas no Brasil, que influenciam diretamente sobre a gestão dos recursos

hídricos e na solução de conflitos entre os diversos usos da água. Observa-se,

por exemplo, a existência de lacunas geográficas e temporais no monitoramento

de qualidade da água no Brasil em razão, principalmente, de limitações de

recursos.

Há problemas relacionados à falta de padronização e de informações sobre a

realização das coletas e análises laboratoriais, o que torna os resultados

existentes, muitas vezes, pouco confiáveis e de difícil comparação entre regiões

distintas. Essa realidade, somada ao fato da divulgação das informações para a

população e da atuação de tomadores de decisão ser insuficiente na maioria das

unidades da federação, gera dificuldades para uma análise efetiva da evolução da

qualidade das águas e elaboração de um diagnóstico nacional mais consistente.

Objetivando reverter essa situação, a ANA lançou o Programa Nacional de

Avaliação da Qualidade das Águas, que tem como meta geral oferecer à

sociedade conhecimento adequado da qualidade das águas superficiais

brasileiras, de forma a subsidiar os tomadores de decisão (agências

governamentais, ministérios, órgãos gestores de recursos hídricos e de meio

ambiente) na definição de políticas públicas para a recuperação da qualidade das

águas, assim contribuindo em favor de uma gestão mais sustentável dos recursos

hídricos.

Mais especificamente quanto a seus objetivos, são os seguintes: a eliminação de

lacunas geográficas e temporais no monitoramento da qualidade de águas; obter

mais dados e informações sobre a qualidade de águas, sob formas comparáveis

em âmbito nacional; aumentar a confiabilidade das informações sobre a qualidade

16 Fonte: site da Agência Nacional de Águas (ANA).

69

das águas monitoradas; e, avaliar, divulgar e disponibilizar, para a sociedade, as

informações sobre qualidade hídrica.

Por fim, registra-se que o PNQA está estruturado em 4 componentes, organizados

de acordo com o atendimento aos objetivos do Programa. As principais ações

estratégicas de cada componente são as seguintes:

Componente A - Rede Nacional de Monitoramento:

implementar, ampliar e otimizar a distribuição geográfica da rede de

monitoramento da qualidade de água;

tornar adequadas as frequências de monitoramento; e,

garantir a sustentabilidade financeira do sistema de monitoramento.

Componente B - Padronização:

acordar parâmetros mínimos de qualidade de água a serem monitorados

por todas as unidades da federação;

padronizar, entre as unidades da federação, os procedimentos de coleta,

preservação e análise das amostras de qualidade de água;

Componente C - Laboratórios e Capacitação:

ampliar o controle de qualidade dos laboratórios envolvidos em análises de

qualidade de água;

capacitar pessoas envolvidas como o monitoramento e análise de

qualidade de águas;

Componente D - Avaliação da Qualidade da Água:

criar e manter um banco de dados nacional e um portal na internet para

divulgação das informações de qualidade de água; e,

avaliar sistematicamente a qualidade das águas superficiais brasileiras.

70

ANEXO IV

Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados, com as

Salas de Situação 17

1. Apresentação

No cumprimento de sua missão institucional e como parte integrante dos esforços

para a implementação do Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a

Desastres Naturais, deflagrado em virtude de eventos críticos de grandes

impactos ocorridos nos últimos anos, muitos deles relacionados a enxurradas e

inundações, a Agência Nacional de Águas (ANA) vem trabalhando para a

melhoria do monitoramento de rios e reservatórios e no incremento da capacidade

de prevenção de eventos hidrológicos críticos, especificamente relacionados a

inundações ribeirinhas e secas, em decorrência de possíveis mudanças

climáticas.

Nesse sentido, destacam-se os esforços empreendidos para a instalação de

Salas de Situação, em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, a

exemplo da Sala de Situação da própria ANA, ambiente no qual é realizado o

acompanhamento da evolução das condições hidrológicas de rios e reservatórios

e da ocorrência de eventos críticos, relacionados à secas e inundações, em todo

território nacional. Esse acompanhamento visa a subsidiar, em especial, a tomada

de decisões dos responsáveis pela proteção da população, com vistas à

minimização dos efeitos desses fenômenos.

Assim, desde 2010, a ANA, por meio de Acordos de Cooperação Técnica

(ACTs), vem apoiando os estados na estruturação de Salas de Situação

próprias, as quais funcionam como centros de gestão de situações críticas, com

foco nos principais sistemas hídricos de cada um, de modo a identificar possíveis

ocorrências de eventos críticos e permitir a adoção antecipada de medidas

mitigadoras pelos órgãos gestores de recursos hídricos e pela Defesa Civil.

2. Embasamento Legal

17 Fonte: Documento enviado pela ANA, em 30 de julho de 2014.

71

De acordo com a Lei Federam nº 9.984/2000, em seu inciso X, art. 4º, cabe à

Agência Nacional de Águas (ANA) “planejar e promover ações destinadas a

prevenir e minimizar os efeitos de secas e inundações, no âmbito do Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em articulação com o órgão

central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios”.

Esta Lei Federal nº 9.984/2000 também atribui à ANA, no inciso XIII, art. 4º, a

responsabilidade de “promover a coordenação das atividades desenvolvidas no

âmbito da rede hidrometeorológica nacional, em articulação com órgãos e

entidades públicas ou privadas que a integram, ou que dela sejam usuárias”.

Assim, o programa de implantação das Salas de Situação estaduais vai ao

encontro do atendimento dessas atribuições legais, integrando a implantação e a

modernização da rede de monitoramento hidrometeorológico a um ambiente, com

adequada infraestrutura material e de pessoal, com o objetivo de atuar na

prevenção de eventos hidrológicos críticos.

3. Antecedentes

Por intermédio de sua Sala de Situação, que foi inaugurada, em novembro de

2009, em sua própria sede, no Setor Policial em Brasília, a ANA vem realizando o

acompanhamento das condições hidrometeorológicas de bacias hidrográficas

prioritárias e do armazenamento dos principais reservatórios do País, com vistas a

subsidiar, em especial, a tomada de decisões no que se refere à minimização dos

efeitos de secas e inundações. Para tanto, utilizam-se dados de monitoramento

de chuvas, de níveis e vazões de rios, de operação dos principais reservatórios,

de previsões de tempo e clima, de modelos hidrológicos e de registros de

ocorrências de situação de emergência ou estado de calamidade pública nos

municípios brasileiros.

Em junho de 2010, ocorreram eventos de inundação nos estados de Alagoas e

Pernambuco, notadamente nas bacias dos rios Mundaú, Paraíba, Una, Sirinhaém

e Capibaribe. Esses eventos críticos resultaram na perda de vidas humanas e

bens materiais, além de desalojarem e desabrigarem dezenas de milhares de

famílias. Àquela época, apesar de existirem estações fluviométricas na região,

poucas eram telemétricas, o que não permitia um acompanhamento da subida

72

dos níveis dos rios em tempo hábil para emissão de alertas às populações

ribeirinhas.

Por meio da Medida Provisória nº 498, de 29/07/2010, a União abriu crédito

extraordinário à ANA, para a aquisição de equipamentos que possibilitassem a

implantação de um sistema de prevenção de eventos hidrológicos críticos nos

dois estados. Foram, então, adquiridos plataformas de coleta de dados (PCDs),

veículos, equipamentos de medição de vazão e de informática, os quais foram

entregues aos estados, à exceção das PCDs, que foram instaladas pela própria

ANA em pontos estratégicos para o monitoramento hidrológico, com o apoio da

Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e dos órgãos gestores de

recursos hídricos estaduais.

Em atenção a estes fatos e com base nas suas atribuições legais e institucionais,

a ANA iniciou, então, um programa de implantação de Salas de Situação nestes

estados, nos moldes da Sala já existente na Agência, com ambos de forma

integrada a esta. Assim, em abril de 2011, foi implantada a Sala de Situação de

Alagoas, sob a responsabilidade da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e

dos Recursos Hídricos (SEMARH) e, em maio do mesmo ano, a Sala de

Situação de Pernambuco, coordenada pela Agência Pernambucana de Águas e

Clima (APAC).

Como resultado, as Salas de Situação estaduais já realizam o acompanhamento

de forma análoga à da ANA, diferenciando-se na escala espacial de análise. Esse

espaço funciona como um centro de gestão de situações críticas e subsidia a

tomada de decisão por parte do órgão estadual gestor de recursos hídricos,

identificando possíveis ocorrências de eventos críticos, por meio do

acompanhamento das condições hidrológicas dos principais sistemas hídricos do

estado. Dessa maneira, permite a adoção de medidas preventivas e mitigadoras

dos efeitos de secas e inundações.

O principal objetivo das Salas de Situação nos estados é acompanhar as

tendências hidrológicas, com análise da evolução das chuvas, níveis e das

vazões dos rios e reservatórios, da previsão do tempo e do clima, bem como a

realização de simulações matemáticas que auxiliem na prevenção de eventos

73

extremos.

As Salas de Situação se constituem em um espaço físico, provido de

equipamentos de informática, com conexão à rede mundial de computadores,

onde é possível integrar as áreas de hidrologia, meteorologia, radar, defesa civil e

sensoriamento remoto, em articulação direta com as áreas federal e estadual,

além da interligação permanente à Sala de Situação da ANA. Para lidar com

esses dados e informações, as Salas de Situação Estaduais devem reunir

especialistas das áreas de hidrologia, de meteorologia e de Defesa Civil.

A partir da boa avaliação dos resultados obtidos nas Salas de Situação de

Alagoas e Pernambuco – que permitiu o acompanhamento e a análise da

elevação dos níveis ao longo dos rios, combinados com a previsão meteorológica

e à difusão, pela Defesa Civil, nos municípios atingidos, além de uma maior

articulação entre os órgãos relacionados à ocorrência de desastres naturais –, a

ANA decidiu dar sequência à implantação de Salas de Situação nos demais

estados brasileiros.

Contando com este aprendizado antecedente, as etapas da ANA envolvidas na

implantação das Salas de Situação Estaduais passaram a ser as seguintes, até

o início de sua operação: formalização dos Acordos de Cooperação Técnica;

levantamento das áreas vulneráveis a inundações18; aquisição de equipamentos;

projeto da rede de monitoramento e alerta; treinamentos; e, montagem dos

equipamentos. Cumpridas essas etapas e alocados os recursos humanos

necessários, as Salas de Situação tornam-se, então, aptas a entrarem em

operação.

Em 2012, o programa de apoio à implantação das Salas de Situação passou a

integrar o Eixo Monitoramento e Alerta, componente do Plano Nacional de Gestão

de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, do Governo Federal, com sua

implantação sendo acompanhada pela Casa Civil. Além disso, o Centro Nacional

de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) passou a receber

informes das Salas e enviar avisos ao Centro Nacional de Gerenciamento de

18 A etapa de levantamento de áreas vulneráveis a inundações foi realizada, para todos os estados

brasileiros, no âmbito do Projeto Atlas de Vulnerabilidade a Inundações.

74

Riscos e Desastres (CENAD), a exemplo da interação alcançada entre o

CEMADEN e a Sala de Situação de Pernambuco.

Ademais, no presente, o Atlas de Vulnerabilidade a Inundações também possui a

participação dos estados em sua elaboração, os quais já auxiliaram na

identificação dos trechos de rios vulneráveis e na estimativa da frequência e do

impacto da ocorrência de inundações graduais. A partir dessas informações,

definiu-se a vulnerabilidade dos trechos de rio e das bacias mais críticas dos

estados. Esse estudo tem subsidiado a conclusão sobre a necessidade e

localização de estações hidrometeorológicas telemétricas complementares, que

passam a ser acompanhadas e mantidas pelas equipes das Salas de Situação

Estaduais.

Com isto, sob uma ótica de mais longo prazo, a ANA apoiará os estados na

elaboração de cartas de zonas inundáveis, de mapas de risco de inundação, de

níveis de alerta e do impacto da ruptura de barragens. Além disso, também

apoiará o desenvolvimento ou aprimoramento de sistemas de previsão

hidrológica.

4. Processo de Articulação com Órgãos da Esfera Federal

As ações de prevenção de eventos hidrológicos críticos, realizadas pela ANA,

fazem parte de um conjunto de ações realizadas, em nível federal, na área de

gestão de riscos e resposta a desastres naturais. Nos últimos anos, tem-se

observado, no Brasil, uma preocupação crescente com a identificação de riscos e

a prevenção de desastres naturais, em substituição ao tratamento

tradicionalmente dado ao tema, voltado predominantemente para respostas a

catástrofes.

Nesse sentido, foram cridas instituições voltadas à reunião e articulação de

especialidades relevantes ao enfrentamento de eventos extremos, notadamente o

Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e

o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD).

O CEMADEN reúne e produz informações e sistemas para monitoramento e

alerta de ocorrência de desastres naturais em áreas suscetíveis de todo o Brasil,

enquanto o CENAD tem por objetivo gerenciar ações estratégicas de preparação

75

e resposta a desastres, conforme ilustra a Figura 1. Nessa estrutura, o

CEMADEN envia ao CENAD alertas de possíveis ocorrências de desastres nas

áreas de risco mapeadas. O CENAD, por sua vez, transmite os alertas aos

estados, aos municípios e a outros órgãos federais e apoia as ações de resposta

a desastres.

Figura 1 – Ciclo do Gerenciamento de Riscos e Resposta a Desastres Naturais

Em agosto de 2012, foi lançado o Plano Nacional de Gestão de Riscos e

Resposta a Desastres Naturais, cujo objetivo é proteger vidas, garantir a

segurança das pessoas, minimizar os danos decorrentes de desastres e

preservar o meio ambiente. O Plano articula ações de diferentes instituições,

divididas em quatro eixos temáticos – prevenção, mapeamento, monitoramento e

alerta e resposta a desastres –, descritos a seguir:

Eixo Prevenção – A prevenção contempla as obras do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) voltadas à redução do risco de

desastres naturais, com destaque para obras de contenção de encostas,

drenagem urbana e controle de inundações, construção de sistemas de

captação, distribuição e armazenamento de água potável nas regiões do

semiárido, para enfrentamento aos efeitos da seca.

76

Eixo Mapeamento – Prevê o mapeamento de áreas de alto risco de

deslizamento, enxurradas e inundações em 821 municípios prioritários.

Nesses municípios, serão elaborados planos de intervenção, que

identificam a vulnerabilidade das habitações e da infraestrutura dentro dos

setores de risco, bem como propõem soluções para os problemas

encontrados, além do apoio à elaboração de cartas geotécnicas de aptidão

urbana, subsidiando as municipalidades no ordenamento territorial.

Contempla, na componente “Risco Hidrológico”, a elaboração do Atlas de

Vulnerabilidade a Inundações.

Eixo Monitoramento e Alerta – As ações previstas neste eixo têm como

objetivo o fortalecimento do Sistema de Monitoramento e Alerta,

especialmente por meio da ampliação da rede de observação e da

estruturação do CEMADEN e do CENAD. Contempla também a

implantação das Salas de Situação Estaduais para monitoramento

hidrológico.

Eixo de Resposta a Desastres – Este eixo envolve um conjunto de ações

voltadas ao aumento da capacidade de resposta frente à ocorrência de

desastres, tais como a criação da Força Nacional de Emergência e a

mobilização da Força Nacional de Segurança, no apoio aos estados e

municípios, quando ocorrerem desastres de grande magnitude, visando a

acelerar a execução das ações de recuperação e socorro.

O principal papel da ANA neste sistema, em conformidade com a Lei nº 12.608,

de 10 de abril de 2012, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e

Defesa Civil (SINPDEC) e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil, é

continuamente produzir e transmitir, ao CEMADEN e ao CENAD, informações

hidrológicas confiáveis, com frequência e antecedência adequadas, para permitir

a tomada de decisão em tempo hábil. No caso da ocorrência de eventos críticos

de inundações, mobiliza-se uma força-tarefa de geólogos e hidrólogos (entre eles,

alguns servidores da ANA), de caráter temporário, a fim de acompanhar mais

atentamente o evento em questão.

Paralelamente, a ANA elaborou o Atlas de Vulnerabilidade a Inundações,

77

concebido como uma ferramenta para diagnóstico da ocorrência e dos impactos

das inundações graduais, nos principais rios das bacias hidrográficas brasileiras.

Esse projeto consiste da identificação dos trechos de rios onde ocorrem

inundações graduais ou de planície, da avaliação da vulnerabilidade das regiões

afetadas e a definição das áreas críticas. Durante a sua elaboração, na medida

em que eram produzidas, as informações consideradas relevantes iam sendo

encaminhadas para o CEMADEN e para o CENAD. Assim, segue em pauta um

encargo para que o referido projeto seja periodicamente atualizado.

5. Estágio Atual de Implantação das Salas de Situação Estaduais

As Salas de Situação Estaduais, com instalações apoiadas pela ANA e

integradas com a própria Sala da Agência, funcionam como centros de gestão de

situações críticas. A escala de trabalho e o conhecimento ali reunido permitem a

detecção e atenção a eventos locais, diferentemente do que ocorre na Sala da

ANA, que trabalha com todo o território nacional, por conseguinte, sob uma

escala mais macro.

Nas Salas de Situação Estaduais devem estar presentes o órgão gestor de

recursos hídricos, o instituto de meteorologia e a Defesa Civil Estadual, que

buscam identificar ocorrências e permitir a adoção antecipada de medidas

mitigadoras dos efeitos de secas e inundações. Neste contexto, muitas das Salas

de Situação vêm sendo implantadas nos estados, por meio de Acordos de

Cooperação Técnica, entre a ANA e os órgãos estaduais gestores de recursos

hídricos.

Até o momento, 23 Salas de Situação, para o acompanhamento de eventos

hidrológicos críticos, já se encontram em operação, nos seguintes estados: Acre,

Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins,

Goiás, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte,

Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Paraná e

Sergipe. Duas Salas de Situação se encontram em fase final de implantação, no

Mato Grosso do Sul e em Minas Gerais, enquanto do Espírito Santo e no Distrito

Federal encontram-se em negociação, para assinatura do Acordo de Cooperação

Técnico.

78

Enfim, em 2014, tem sido fortalecido o apoio técnico às Salas de Situação

Estaduais, com diagnóstico da implantação dos planos de trabalho, levantamento

de necessidades de capacitação e suporte e definição de recomendações.

79

ANEXO V

Cooperação Sul-Sul19

1. Objetivo e Duração

Este Projeto de Cooperação Sul-Sul visa a apoiar a formação e a consolidação

das capacidades técnicas, institucionais e legais para a gestão integrada e o uso

sustentável dos recursos hídricos, nos países da América Latina e do Caribe e,

também, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de forma a

capacitá-los e instrumentalizá-los para o enfrentamento dos desafios desse tema

sobre as águas, à luz do cenário de crescimento mundial, assim como, dos

impactos sobre os recursos hídricos, resultantes de possíveis mudanças

climáticas e de outros aspectos de relevância nacional, macrorregional ou global.

A duração prevista para o desenvolvimento do Projeto é de 3 anos, tendo início

em 2014 e término em 2016.

2. Instituições Envolvidas

Este Projeto vincula a ação de 3 (três) instituições, a saber: a Agência Nacional de

Águas (ANA); a Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE); e, a Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

A ANA, como instituição executora do Projeto, fará as articulações técnicas

necessárias para fomentar o envolvimento das instituições responsáveis pela

gestão dos recursos hídricos, com países da América Latina e do Caribe, bem

como, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em especial.

Em relação ao papel técnico da ANA, a Agência se utilizará de avaliações

técnicas nos cursos de capacitação, nas missões e estudos técnicos, de modo a

contribuir para as ações afetas ao gerenciamento e implementação do Projeto.

No que se refere ao apoio do Projeto para a participação da ANA e de outras

instituições em eventos internacionais relevantes, especialmente quando voltados

ao atingimento dos objetivos específicos do próprio Projeto, o gerenciamento de

19 Fonte: Síntese do documento enviado pela ANA, em 30 de julho de 2014.

80

implementação irá considerar o cumprimento de tarefas e metas previamente

acordadas entre as instituições partícipes, de modo que os resultados dessas

ações efetivamente contribuam em favor de seus mencionados objetivos

específicos.

Por seu turno, a ABC será responsável pelo monitoramento da execução das

atividades previstas pelo Projeto, bem como, pela avaliação de seus resultados,

tendo em vista o alcance dos objetivos da Cooperação Sul-Sul, quais sejam, o

compartilhamento de experiências e conhecimentos brasileiros disponíveis, com

vistas à promoção do adensamento das relações entre os países, dentro do

marco de uma política externa solidária no campo da cooperação para o

desenvolvimento.

Já a UNESCO será responsável pelo gerenciamento financeiro e administrativo

do Projeto, cabendo à instituição as contratações de consultores e consultorias, o

pagamento dos gastos com viagens, a viabilização dos recursos necessários à

realização dos cursos de capacitação, dentre outras ações necessárias para a

concretização das atividades previstas. Também caberão à UNESCO o

monitoramento e a avaliação, em parceria com a ABC, do que será realizado no

âmbito do Projeto.

3. Abordagem e Metodologia

A estratégia da cooperação técnica prestada pelo Brasil está centrada, de acordo

com o Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul, elaborado pela ABC,

no fortalecimento institucional de seus parceiros, condição vista como

fundamental para que a transferência e a absorção dos conhecimentos sejam

efetivadas, por meio do compartilhamento de êxitos e melhores práticas nas áreas

demandadas pelos países parceiros.

A ANA, como agência governamental responsável pela implementação da Política

Nacional de Recursos Hídricos, vem se empenhando, no contexto de suas ações

de cooperação técnica internacional, em oferecer alternativas de gestão às

instituições responsáveis pelo tema em outros países em desenvolvimento,

notadamente nas regiões geográficas priorizadas pelo Projeto em pauta.

O mencionado fortalecimento das capacidades técnicas e institucionais

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possibilitará, então, estabelecer um ambiente propício para a construção de

alianças estratégicas em torno de temas globais afetos aos recursos hídricos,

promovendo assim, um aperfeiçoamento da Governança da água e das políticas

públicas voltadas à segurança hídrica, em apoio a um desenvolvimento mais

sustentável nos cenários nacional, regional e internacional.

Ao longo dos últimos anos, o Brasil, de modo geral, e a ANA, em particular,

receberam mandatos para contribuir com o fortalecimento técnico e institucional

das instituições de água nos países da América Latina e do Caribe, e nos países

da CPLP.

Como exemplos, podem ser citados: (i) o compromisso assumido pelo Brasil de

apoiar as ações de cooperação junto à Secretaria Geral Ibero-Americana

(SEGIB), no âmbito do Programa de Formação e Transferência Tecnológica em

matéria de Gestão Integrada de Recursos Hídricos, designando a ANA como

executora dessas ações amparadas pela Conferência de Diretores Ibero-

americanos de Água (CODIA); (ii) a Plataforma de Cooperação da Comunidade

dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) na área ambiental, pela qual os estados

membros designaram Brasil e Portugal para coordenar a temática da água,

visando, particularmente, ao fortalecimento da cooperação Sul-Sul; e (iii) a

participação da ANA na Comissão do Processo Regional para o 7º Fórum Mundial

da Água, contribuindo para o fortalecimento e a mobilização dos países da

América Latina e do Caribe no referido Fórum.

Diante desse cenário, percebe-se que este Projeto ajudará os países em

desenvolvimento, em favor da ampliação de suas capacidades técnicas,

institucionais e legais, para fazer frente aos desafios inerentes à gestão integrada

e ao uso sustentável dos recursos hídricos, associados aos efeitos potenciais das

diversas mudanças globais em curso, tais como, o crescimento urbano, pressões

populacionais, demanda energética e variabilidades climáticas.

Além disso, por meio da troca de experiências, conhecimentos e melhores

práticas, este Projeto contribuirá para o fortalecimento institucional nesses países

e para a adoção de políticas alinhadas com os objetivos de desenvolvimento do

milênio e com os objetivos de desenvolvimento sustentável, no contexto da

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Agenda de Desenvolvimento das Nações Unidas, pós-2015.

Para tanto, a estratégia de implementação do Projeto tem como base a utilização

e o fortalecimento de institucionalidades já operativas e que conferem prioridades

para cooperação em temas sobre a água, como é o caso da Conferência de

Diretores Ibero-americanos de Água (CODIA) e o da Comunidade de Países de

Língua Portuguesa (CPLP).

Especificamente no caso da CODIA, trata-se de um mecanismo no qual

participam os principais responsáveis pela gestão de água na região latino-

americana e que tem como principais funções atuar como instrumento técnico de

apoio ao Foro Ibero-americano de Diretores de Água, além de examinar e

instrumentalizar modalidades de cooperação na área de recursos hídricos.

Nesse sentido, a CODIA tem buscado fomentar planos e programas de ação

conjunta, promover o desenvolvimento e o intercâmbio de experiências, facilitar a

troca e a coordenação institucional, e desenvolver cursos e programas de

formação.

A abordagem utilizada no desenho e para a implementação do Projeto em pauta

se constitui em prover um instrumento que dê continuidade à atuação desse

mecanismo e busque, por outro lado, identificar e subsidiar o estabelecimento de

novos meios de apoio e fortalecimento, tais como a criação de um fundo de

financiamento para fomentar a gestão de recursos hídricos nos países da região.

Assim como a CODIA, a CPLP tem constituído prioridade para articulação e

cooperação em matéria de água, a qual terá muito a ganhar com a

implementação de ações que fortaleçam sua capacidade de atuação junto aos

países de língua portuguesa, em processos de desenvolvimento.

Particularmente, o Projeto também pretende apoiar ações previstas no Plano de

Formação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Matéria de

Recursos Hídricos, aprovado em 2012.