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Estruturação de projetos de infraestrutura: experiência internacional e lições para o Brasil Fernando Tavares Camacho Bruno da Costa Lucas Rodrigues

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Estruturação de projetos de infraestrutura: experiência internacional e lições para o Brasil

Fernando Tavares CamachoBruno da Costa Lucas Rodrigues

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Sumário

Resumo 5

1. Introdução 7

2. Países de referência 9

2.1 Solicited proposals 11

2.1.1 Planejamento e identificação do projeto 11

2.1.2 Preparação do projeto 12

2.1.3 Procedimento licitatório 15

2.2 Unsolicited proposals 17

3. Países em desenvolvimento 18

3.1 Unsolicited proposals nos países em desenvolvimento 18

3.2 Os modelos chileno e sul-coreano 23

3.2.1 Estudo de caso: Chile 23

3.2.2 Estudo de caso: Coreia do Sul 24

4. Conclusão 25

Referências 29

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Resumo

Apesar dos investimentos realizados em infraestrutura nos últimos anos, no Bra-sil, por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPP), ainda há muito a ser feito para que os serviços públicos se tornem compatíveis com o tamanho da economia. Um dos principais gargalos da cadeia de infraestrutura brasileira é a etapa de estruturação do projeto, que envolve, por exemplo, a preparação de estudos que subsidiam os procedimentos licitatórios. O modelo brasileiro se baseia nos mecanismos de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e de Manifestação de Interesse Privado (MIP), em que, geralmente, um privado interessado em PPP ou concessão prepara os estudos que virão a ser utilizados no procedimento licitatório. Nos últimos anos, os resultados alcançados mostram-se insatisfatórios, já que poucos projetos são licitados e, quando isso ocorre, em geral há pouca concorrência, o que pode reduzir o bem-estar da sociedade. Este trabalho tem por objetivo analisar a experiência internacional em estruturação de projetos e extrair lições que poderão ajudar o Brasil a destravar e potencializar o mercado de projetos de infraestrutura.

Fernando Tavares Camacho é PhD em Economia pela University of Queensland, Austrália; e Bruno da Costa Lucas Rodrigues é mestrando em Administração Pú-blica pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas.

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1. Introdução

A atual conjuntura do setor de infraestrutura no Brasil mostra que, apesar dos investimentos realizados nos últimos anos, por meio de programas de concessão e parcerias público-privadas (PPP),1 tanto em âmbito nacional quanto em nível estadual e municipal, ainda há um longo caminho a percorrer para levar a qualidade e o estoque da infraestrutura brasileira a níveis adequados ao tamanho de sua eco-nomia. Uma análise mais detalhada do setor mostra que um dos principais gargalos reside na atividade de estruturação do projeto, que pode ser vista na Figura 1.

Figura 1. Fluxo de projetos de infraestrutura

Preparação do projeto

Procedimento licitatório

Planejamento e identificação do projeto Execução

Estruturação do projeto

Fonte: Elaboração própria.

Após as etapas de planejamento, identifi cação de um projeto prioritário e deci-são inicial pela licitação via PPP, dá-se início à etapa de estruturação, que engloba as atividades de preparação do projeto e procedimento licitatório. A preparação do projeto compreende todos os estudos necessários ao início do procedimento licitatório, ou seja, estudos técnicos (por exemplo, engenharia, meio ambiente e de-manda) e modelagem econômico-fi nanceira, além de minutas jurídicas de contrato e edital de licitação. Após a preparação desses estudos, o governo torna-se apto a apresentar o projeto ao mercado privado e tem início o procedimento licitatório. Essa etapa engloba todas as atividades relacionadas ao procedimento competitivo em si, ou seja, interação entre governo e potenciais licitantes, aprofundamento dos estudos, defi nição dos documentos fi nais de licitação, apresentação das propostas pelos licitantes e, por fi m, defi nição da empresa vencedora, que será a prestadora do serviço de PPP.

No Brasil, os principais mecanismos de estruturação de projetos de infraestrutura são denominados Processo de Manifestação de Interesse (PMI) e Manifestação de Interesse Privado (MIP). De acordo com esses mecanismos, o governo autoriza uma ou mais empresas a realizarem todos os estudos necessários ao início do procedimento licitatório. Desse modo, a responsabilidade pela preparação do pro-jeto é transferida ao mercado privado. Após a entrega desses estudos, o governo seleciona a empresa vencedora, que poderá ter a função de dar o suporte necessá-

1 Ao longo deste artigo, utiliza-se apenas o termo PPP, englobando tanto as PPPs como as conces-sões. Essa nomenclatura é compatível com a utilizada em nível internacional.

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rio ao governo durante o procedimento licitatório, ou seja, esclarecer as dúvidas de potenciais licitantes e dos tribunais de contas, aprofundar estudos e apoiar a preparação dos documentos finais de licitação. A empresa selecionada será remu-nerada apenas se o processo licitatório for bem-sucedido, já que o reembolso dos estudos está a cargo do vencedor da licitação. Ressalta-se que, de acordo com esses mecanismos, não há relação contratual entre o governo e a empresa selecionada, e qualquer uma das partes pode abandonar o processo sem a imposição de qualquer penalidade. A diferença básica entre os dois mecanismos consiste na identificação do projeto a ser preparado. Na PMI, o governo identifica o projeto e abre chama-mento para empresas interessadas, enquanto na MIP o privado identifica o projeto e pede autorização ao governo para prepará-lo.

Os resultados obtidos pelas PMIs e MIPs têm sido insatisfatórios, já que a maior parte dos projetos não é licitada. Além disso, dos poucos que chegam à fase final da licitação (leilão), não se verifica concorrência pelo projeto.2 Esses resultados podem, em parte, ser explicados por dois motivos.

Primeiro, o risco no negócio de PMIs e MIPs parece ser muito grande para em-presas cujo negócio consiste na preparação de estudos (por exemplo, consultorias), e não na execução do contrato de PPP. De fato, nesses processos, a concorrência ocorre após as etapas de desenvolvimento e entrega dos estudos, depois dos custos de preparação do projeto, e não pelo direito de preparar o projeto. Além disso, a remuneração é incerta, já que ocorre somente no caso de a licitação ter êxito. Por fim, o processo é frágil, pois não há compromisso entre o governo e a empresa privada, e as partes podem simplesmente desistir do processo a qualquer instante, sem nenhum custo de saída. O resultado final é que, naturalmente, o processo privilegia potenciais licitantes (seleção adversa) cujo foco seja a execução do contrato de PPP e cujos custos de preparação sejam incorridos de qualquer forma para participação no processo competitivo (custo afundado), em detrimento de empresas cujo foco seria a preparação de estudos.

A segunda razão decorre do risco do mercado de estudos e diz respeito ao fato de o governo depender de um potencial licitante para preparar o projeto e possivelmente apoiá-lo durante o procedimento licitatório – fase em que ocorre interação com as empresas concorrentes. Muitas vezes, o potencial licitante tem objetivos distintos do governo, podendo levar a um projeto e a regras contratuais que não privilegiem a concorrência nem maximizem o bem-estar da sociedade. A assimetria das informações cria a possibilidade de o ente privado vir a direcionar as premissas do projeto e as regras contratuais que regerão a PPP a seu favor, seja na forma de menores níveis de investimento, seja na maior remuneração pelo ser-viço, tendo como objetivo a maximização do lucro. Trata-se do problema clássico

2 Pereira (2013) contém estatísticas de projetos estruturados por PMI que mostram a pouca efeti-vidade desse instrumento jurídico.

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da necessidade de regulação econômica já na fase de preparação de projeto, no momento em que o projeto e as regras contratuais são definidos.

Entretanto, a despeito da falta de resultados e das dificuldades apontadas, no Brasil os governos continuam a se apoiar nesses mecanismos para estruturar os projetos de infraestrutura. A visão que impera é a de que tais mecanismos são comuns em nível internacional, sendo essa a forma mais utilizada na colocação de projetos de infraestrutura no mercado. Assim, visando entender as razões pelas quais a atividade de estruturação de projetos no Brasil não tem avançado a contento, este artigo descreve as principais características dos modelos de estruturação de projetos existentes em âmbito internacional. Desse modo, é possível destacar pon-tos de discussão importantes para o futuro desenvolvimento do modelo brasileiro.

Este artigo está estruturado em três seções além desta introdução. Na segunda seção, é apresentado o modelo de estruturação de projetos em países de referência, que se destacam pelos seguintes aspectos: contar com um setor de infraestrutura maduro e ter grande experiência regulatória em estruturação e licitação de projetos, além de uma extensa carteira de projetos de PPP. De acordo com esses critérios, foram selecionados Austrália, Nova Zelândia, Canadá, países do Reino Unido e da União Europeia. Na terceira seção, detalham-se os modelos de estruturação de pro-jetos nos países em desenvolvimento. Analisa-se a realidade de estruturação de projetos nesses países e apresentam-se, mais detalhadamente, os casos específicos do Chile e da Coreia do Sul, já que, nesses países, os modelos têm características bem particulares e importantes para se analisar o caso brasileiro. A quarta seção consiste na conclusão, que resume as principais lições da experiência internacional aplicáveis ao caso brasileiro.

2. Países de referência

Esta seção visa analisar os modelos de estruturação de projetos nos países de referência, ou seja, naqueles cuja experiência regulatória em infraestrutura seja significativa, com extenso portfólio de projetos de PPP. Na literatura econômica, é consenso que o Reino Unido foi pioneiro na área de infraestrutura com partici-pação do setor privado, iniciando o processo de privatização na década de 1980. Nas décadas seguintes, aperfeiçoou a estrutura institucional regulatória e deu início a extensos programas de PPP nos mais diversos setores, por intermédio da Partnerships UK (atual Infrastructure UK), com bastante sucesso. A experiên-cia britânica serviu de modelo para grande parte da União Europeia e também para países mais jovens, nos quais esse modelo pôde até ser aperfeiçoado, como Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Para fins de ilustração, a Figura 2 apresenta o grau de maturidade dos mercados de PPP, corroborando a escolha dos países de referência [Deloitte (2014)].

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Figura 2. Maturidade de mercados de PPPs

Sophistication

High

LowHighActivityLow

South Africa

Finland

Belgium

BrazilPoland

Albania

Mexico

PortugalGreece

Spain

Italy

Germany

Japan

France

Australia

UK

Stage Three

Stage Two

Stage OneChinaIndiaSlovakiaLatvia

HungaryCzech RepublicBulgariaCroatia

Russia

New Zealand

Ireland

Netherlands

Market DevelopmentCurve

Denmark

Potentialto Leapfrog US

Canada

Fonte: Deloitte (2014).

De fato, no estágio 3, de maior maturidade, temos Austrália e Reino Unido, enquanto no estágio 2 encontram-se Nova Zelândia, Canadá e grande parte dos países da União Europeia. A partir da análise da experiência internacional com a preparação de projetos de infraestrutura, observam-se dois modelos de estruturação de projetos: as solicited proposals e as unsolicited proposals, conforme Figura 3.3

Figura 3. Estruturação de projetos

Solicited proposals Governo Governo Processo competitivo

Unsolicited proposals Potencial licitante Potencial licitante

Negociação direta ou

processo competitivo

Identificação doprojeto

Preparação doprojeto

Procedimentolicitatório

Fonte: Elaboração própria.

As solicited proposals podem ser definidas como projetos de governo, ou seja, os projetos são identificados e preparados pelo governo, com o apoio de consulto-res independentes. Somente após a preparação do projeto é que o governo inicia

3 Em alguns casos, como a Coreia do Sul, os termos solicited e unsolicited projects são utilizados com o mesmo significado que solicited ou unsolicited proposals.

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a interação com os potenciais licitantes, por meio do procedimento licitatório. Portanto, nas solicited proposals os potenciais licitantes são isolados das etapas de identificação e preparação do projeto. Essa é a principal forma de estruturação de projetos nos países de referência.

As unsolicited proposals são projetos concebidos pelo mercado privado. De acordo com esse mecanismo, um potencial licitante identifica e prepara o projeto, desenvolvendo todos os estudos necessários ao início do procedimento licitatório. O governo, então, pode iniciar o procedimento competitivo ou negociar diretamen-te com a empresa que preparou os estudos (somente quando envolver elementos muito bem definidos de propriedade intelectual). Dados os potenciais conflitos de interesse existentes entre público e privado, as unsolicited proposals são proibidas em diversos países de referência, enquanto em outros são utilizadas em caráter de exceção para estruturar projetos inovadores que contem com elementos de propriedade intelectual e tecnologia únicos.

Como é possível notar pela descrição, os termos solicited e unsolicited não dizem respeito a uma parte específica do processo de contratação de projetos de infraestrutura. Uma análise literal dos termos poderia levar ao entendimen-to de que o foco da distinção desses modelos está na fase de procedimento lici-tatório, com a solicitação ou não de propostas. Entretanto, é na fase inicial do projeto, mais especificamente nas etapas de identificação e preparação, que se encontram as principais diferenças entre esses modelos. Observa-se, inclusive, que o recomendável é não haver distinção entre os modelos durante a fase lici-tatória, pois, mesmo no caso das unsolicited proposals, o ideal é que ocorra a licitação competitiva do projeto, abrindo espaço para o surgimento de propostas alternativas [UNCITRAL (2001)].

As seções a seguir detalham como os países de referência tratam as solicited proposals e as unsolicited proposals.

2.1 Solicited proposals

2.1.1 Planejamento e identificação do projeto

De modo geral, as solicited proposals têm início com um planejamento de lon-go prazo do governo, em que se compreende a atual situação da infraestrutura, determinam-se os objetivos de médio e longo prazo e identificam-se as possíveis soluções aplicáveis às necessidades verificadas. Com isso, é possível definir as prioridades estratégicas de investimento.

Esse planejamento também proporciona uma visão sistêmica de custo/benefício envolvidos e da contribuição e importância de cada projeto para o todo. Dessa for-ma, no setor de transportes, por exemplo, ferrovias, rodovias, portos, aeroportos e

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hidrovias são entendidos dentro de uma ótica integrada de otimização da logística do país. Do mesmo modo, metrôs, Bus Rapid Transit (BRT), obras viárias e barcas integram um planejamento de mobilidade urbana.

As informações resultantes da fase de planejamento permitem a identificação dos projetos capazes de resolver as necessidades prioritárias. Assim, são definidos os resultados esperados, bem como os requisitos e o potencial escopo do projeto, e tem-se a avaliação inicial dos benefícios, riscos e restrições a ele associadas. Com essa definição, tem-se uma carteira de projetos estrategicamente alinhada com o planejamento do país e parte-se para a fase de preparação de cada projeto [ver Vaughan-Morris (2012), HM Treasury (2013) e EPEC (2014)].

2.1.2 Preparação do projeto

A preparação do projeto, como já se definiu, diz respeito à etapa em que se realizam todos os estudos necessários ao início do procedimento licitatório, quando, então, haverá, em menor ou maior grau, interação do governo com potenciais licitantes para a formatação final do projeto.

Durante a fase licitatória, a interação entre mercado e governo torna eviden-te a assimetria de informações entre as partes. De fato, o mercado sempre terá maior conhecimento técnico do projeto do que o governo. Esse fato é agravado pelo conflito de interesses, em que o objetivo principal do privado é maximizar a rentabilidade para seu acionista, enquanto o governo busca atender ao interesse público. Assim, o desafio do governo é mitigar a assimetria de informações, a fim de interagir com os potenciais licitantes durante o procedimento licitatório. Nesse sentido, é preciso desenvolver um estudo-base robusto do projeto, com um adequado nível de detalhamento, antes de dar início ao procedimento competitivo, o que remete à importância da fase de preparação do projeto. A seguir, trazemos alguns exemplos de processos de preparação de projetos da Comunidade Europeia e do Reino Unido.

A Figura 4 mostra as três fases que compreendem a preparação de projetos no âmbito da Comunidade Europeia. Na primeira fase, são realizados estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental. A segunda aprofunda a viabilidade financeira e define, ainda que em caráter preliminar, a alocação de riscos, de modo a possibilitar o cálculo do Value for Money. Essa informação norteará a tomada de decisão sobre qual modelo de contratação utilizar: uma obra pública ou uma PPP, por exemplo. Definido o modelo de PPP, parte-se para a terceira fase de preparação do projeto, que compreende o detalhamento adicional dos estudos de viabilidade, a preparação dos documentos jurídicos preliminares (minutas de edital e contra-to), a escolha do modelo licitatório (tipo de processo competitivo) e a definição do critério de julgamento das propostas dos licitantes.

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Figura 4. Preparação e licitação de projetos de infraestrutura na Comunidade Europeia

Figura 4 Identificação do projeto

Viabilidade financeira Riscos Financiabilidade

Aprofundamento de estudos

Elaboração da minuta do

contrato

Fase 1: Seleção do projeto e definições

Fase 2: Avaliação da utilização de

PPP

Fase 3: Detalhamento

do modelo

Estudos de viabilidade

Fase 4: Procedimento

licitatório

Escolha domodelo licitatório:

com ou semnegociação

Definição docritério de

julgamento daproposta

Value for money

Preparação do projeto

Publicação doedital e pré-qualificação

Interação comlicitantes

Avaliação daspropostas e

seleção do licitantevencedor

Homologação doresultado e

celebração docontrato

Fonte: Elaboração própria, com base em HM Treasury (2008) e EPEC (2014).

A Figura 5 mostra o fl uxo de estruturação de projetos no Reino Unido, onde o governo desenvolve os estudos de viabilidade (Strategic Outline Case e o Outline Business Case) previamente à fase de licitação (Procurement Live) [HM Treasury and Infrastructure UK (2014)]. Esses estudos têm grande importância porque constituem a base para dar início ao diálogo com o mercado, e é a partir deles que se faz o detalhamento fi nal do projeto pelo governo durante o procedimento licitatório (Full Business Case). Os estudos (Outline Business Case) contribuem não só para mitigar a assimetria das informações, como também para a análise de custo-benefício (Value for Money) do modelo recomendado nas fases anteriores.

Figura 5. Fluxo de projetos de infraestrutura no Reino Unido

Figura 5

! !! ! ! !! ! ! !! !

Mersey Gateway Department for Transport (DfT) Halton Borough Council

Financial close reached in March 2014

P4

Project identified

Procurement concluded

S1 S2 S3

Loca

l Authorit

y developing SOC

DfT SOC Approval Point

Treasury SOC Approval P

oint

O1 O2 O3

Loca

l Authorit

y developing OBC

DfT OBC Approval Point

Treasury OBC Approval P

oint

C1

DfT Final FBC Approval Point

C2

Treasury Final FBC Approval P

oint

P3

Post preferre

d bidder - desig

n

development, financin

g, planning

P1

OJEU notice iss

ued

Pre close of d

ialogue draft final

bids submitt

ed

P4

Financial C

lose

DfT FBC Approval Point

Treasury FBC Approval P

oint

F1 F2 P2

Current status

Project Name Department Procuring Authority

Strategic Outline Case (SOC)

OutlineBusiness Case(OBC)

ProcurementLive

Full BusinessCase (FBC)

ProcurementLive

ConfirmedFBC

Fonte: Infrastructure UK (2014).

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Ambos os exemplos mostram que, antes de dar início ao procedimento licitatório e à interação com o mercado, o governo precisa desenvolver estudos de viabilidade robustos, a fim de mitigar a potencial assimetria de informações entre as partes. Entretanto, para elaborar esses estudos, o governo depende: (i) do desenvolvimento de expertise interna em infraestrutura; e (ii) da contratação de consultores externos com expertise técnica, financeira e jurídica.

No que diz respeito ao desenvolvimento de capacidade técnica, nos últimos anos os países de referência têm criado núcleos que reúnem a expertise em PPPs, como o Infrastructure UK (IUK) e o Infrastructure Australia. Isso permite que esses centros acumulem conhecimento sobre o assunto e, posteriormente, possam auxiliar outros entes do governo com a estruturação dos projetos.

Em razão da diversidade, da complexidade e da especificidade dos assuntos tratados, dificilmente o governo estará de posse de todo o conhecimento necessário à estruturação do projeto. Por isso, é importante contratar consultores externos nas áreas técnica, financeira e jurídica, o que possibilita a elaboração de estudos de viabilidade mais robustos. Muitas vezes, consultores externos independentes acompanham o governo desde a preparação inicial do projeto até a assinatura do contrato. Nesse sentido, participam, de forma decisiva, do processo, inclusive auxiliando o governo na interação com o mercado durante o processo licitatório [EIB (2014); EPEC (2014)].

A Figura 6 resume uma pesquisa realizada pelo Banco de Investimento Eu-ropeu, que conta com uma unidade especializada em PPP, sobre a utilização de consultores na estruturação de PPPs. Como já mencionado, conclui-se que, em-bora seja essencial o desenvolvimento de capacidade técnica interna, governos nos países de referência precisam apoiar-se na expertise de consultores técnicos externos independentes. Dada a relevância da contratação de consultores externos para agregar a expertise que o público não possui, há certa preocupação em evitar eventual conflito de interesses. Nesse sentido, um histórico de relacionamento próximo entre consultoria e potenciais licitantes pode gerar algum desconforto para o governo. De fato, buscando contornar esse inconveniente, algumas empresas trabalham exclusivamente para o setor público [EPEC (2014)].

Portanto, antes de iniciar o procedimento licitatório e a interação com o merca-do, o governo tem um longo dever de casa, que culmina com o estudo detalhado de um caso-base do projeto e os documentos jurídicos preliminares da licitação. Como já mencionado, esse trabalho prévio ao procedimento licitatório tem por objetivo mitigar a natural assimetria de informações entre governo e potenciais licitantes, além de comunicar ao setor privado, de forma ampla e clara, os requi-sitos do projeto. Com isso, o mercado conta com diretrizes mais claras de como

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desenvolver o projeto, evitando eventual desperdício de recursos relacionados ao desenvolvimento de soluções que não atendam às expectativas públicas.

Figura 6. Utilização de consultores em PPPs pela Comunidade Europeia

Figura 6Stages of the project

Roles of advisers (input days)

Total inputs (days)

Project management

Technical, market/demand Financial Legal

1.1 Project selection and definition 0 150 10 5 165

1.2 Assessment of the PPP option 20 45 85 30 180

2.1 Getting organised 20 3 6 4 33

2.2 Before launching the tender 20 62 38 45 165

3.1 Bidding process 55 83 55 73 266

3.2 PPP contract and financial close 6 5 20 22 53

4.1 Contract management 15 72 47 30 164

4.2 Ex post evaluation 2 20 20 5 47

Total inputs (days) 138 440 281 214 1073

Fonte: EIB (2014).

2.1.3 Procedimento licitatório

Nessa etapa, existem alguns modelos licitatórios – como o Diálogo Competitivo – que permitem um diálogo estruturado com empresas interessadas. Assim, o gover-no, com base nos estudos técnicos, econômicos e nas minutas jurídicas produzidas na fase de preparação, inicia uma discussão de pontos específicos do projeto com os potenciais licitantes. Nesse sentido, a quantidade e a profundidade dos pontos discutidos variam de acordo com a complexidade de cada projeto.

De fato, há relação direta entre o grau de complexidade do projeto e a necessi-dade de interação com o mercado. Um dos benefícios decorrentes dessa interação é a maior flexibilidade para estruturar um contrato com melhor alocação de ris-cos, que seja mais apropriado ao público e ao mercado. Dessa forma, há espaço para se ajustarem os termos ao longo da negociação, de modo que não se tornem impeditivos para nenhuma das partes. Como o mercado detém um conhecimento mais profundo do negócio, o diálogo também se torna um instrumento para o governo capturar essa expertise técnica e as potenciais inovações.

Um dos benefícios adicionais é melhorar a compreensão de cada parte na negociação, tanto em relação às expectativas públicas como naquilo que diz

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respeito às necessidades do parceiro privado. Dessa forma, consegue-se desenhar um contrato que seja atrativo para o governo e para o mercado, o que resulta em um leilão mais competitivo.4

O procedimento licitatório por um modelo negocial como o Diálogo Competiti-vo tem início com a pré-qualificação e a definição de uma lista curta de potenciais licitantes, que dialogarão com o público. De fato, para concretizar o diálogo de forma estruturada com o mercado, o governo precisa alocar recursos para esse fim. Esse processo é custoso tanto na preparação prévia como no curso da interação, quando o governo precisa analisar os materiais entregues pelo mercado. Dessa forma, a solução desenvolvida pelos países de referência para reduzir os custos de transação foi limitar o número de participantes nessa fase de diálogo, por meio da pré-qualificação. No Reino Unido e na Austrália, o número de participan-tes varia de quatro a seis, enquanto no Canadá é de três a quatro [KPMG (2014)]. Após limitar os participantes, ocorrem sucessivos estágios de negociação, com o objetivo de reduzir o número de soluções/licitantes em cada estágio (por exemplo, União Europeia), ou interações sucessivas até a seleção do licitante vencedor (por exemplo, Nova Zelândia e Austrália).5

O esforço para mitigar a assimetria de informações e o conflito de interesses é uma constante durante o diálogo. Para realizar uma análise mais crítica do que está sendo oferecido pelos licitantes, o governo, com o apoio das consultorias ex-ternas, atualiza o caso-base que foi desenvolvido na fase de preparação do projeto. O resultado final da interação com o mercado é o desenho final da PPP, que será a base para a apresentação das propostas finais pelos licitantes.

Diante da necessidade de haver ampla interação com o mercado, é imperioso que o processo seja transparente, a fim de reduzir o risco de captura e assegurar respeito aos direitos de propriedade intelectual e diferenciais competitivos dos licitantes. Nesse sentido, existe, nos procedimentos da Austrália e da Nova Zelândia, a figura do consultor de probidade (probity adviser) – um assessor externo contratado pelo governo para garantir a transparência e a lisura do processo.6

Empresas privadas se preocupam especialmente com a propriedade intelectual e as informações comerciais confidenciais, que podem representar seu diferencial competitivo em relação aos outros licitantes. O risco percebido é que o governo é capaz de selecionar bons itens de cada licitante para desenvolver sua solução preferida (problema conhecido como cherry picking) [KPMG (2010)]. A presença do consultor de probidade ajuda a minimizar essas preocupações. Esse profissional

4 A competição é elemento fundamental na regulação por contrato. Ver Camacho e Rodri - gues (2014).

5 Ver HM Treasury (2008), KPMG (2010), New Zealand Government (2013a) e Jornal Oficial da União Europeia (2014).

6 Ver, por exemplo, New Zealand Government (2013a).

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também tem a função de garantir isonomia de tratamento aos participantes, ou seja, assegura que todos receberão o mesmo conjunto de informações do governo. Além disso, identifica eventuais conflitos de interesses entre os licitantes na fase de licitação.

Exemplo adicional de transparência no processo é o relatório de status do projeto publicado periodicamente, on-line, no Reino Unido. Por meio deste, é possível saber exatamente em que estágio o projeto se encontra, o que facilita o acompanhamento pelos potenciais licitantes.

Outro mecanismo presente nos institutos de Diálogo Competitivo de alguns países é o reembolso dos custos incorridos por todos os licitantes participantes para elaborar seus estudos. Entretanto, no caso do Reino Unido e da Nova Zelândia, o reembolso dos custos é uma exceção, sendo permitido apenas em circunstân-cias muito especiais, quando realmente é um fator necessário para que se tenha uma competição mínima no certame, ou seja, quando o custo dos estudos é tão elevado que se torna uma barreira à entrada [HM Treasury (2010); New Zealand Government (2013a)]. Como regra, considera-se que esses custos de preparação do projeto são custos afundados do privado e fazem parte do negócio, razão pela qual o governo não deve arcar com eles. Além disso, prever o reembolso gera preocupação adicional ao governo, como o desenvolvimento de métricas objetivas para quantificar o valor do estudo apresentado pelo mercado.

2.2 Unsolicited proposals

Como já dito, a principal forma de estruturação de projetos nos países de refe-rência são as solicited proposals. Em alguns países, as unsolicited proposals não são consideradas ou até mesmo há previsão legal de proibição desse mecanismo na preparação de projetos – caso do Reino Unido [Infrastructure UK (2014)], do Canadá [NSW Parliamentary Research Service (2013)] e da União Europeia.7

Essa restrição à utilização das unsolicited proposals se deve aos problemas associados a essa forma de preparação de projeto. A IUK – núcleo de infraestrutura do Reino Unido –, por exemplo, entende que esse modelo traz pouca transparência e competição, facilitando a captura por interesses especiais, gerando projetos com relação custo-benefício ruim e concorrendo por recursos com projetos prioritários de governo identificados em seu planejamento. A IUK ainda aponta para o fato de que, embora existam mecanismos que podem mitigar os problemas citados, estes se mostram imperfeitos [Infrastructure UK (2014)].

Já em outros países como Austrália e Nova Zelândia, as unsolicited proposals são permitidas apenas em circunstâncias excepcionais. Em casos tais, o objetivo

7 As diretivas da União Europeia não consideram o uso de unsolicited proposals.

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é promover inovações na forma de novos conceitos e tecnologias. Por isso, ge-ralmente são caracterizadas por propriedade intelectual e tecnologia única. Esses projetos não podem integrar a carteira de projetos do governo, ou seja, aqueles que são considerados prioritários pelo governo não devem ser preparados pelo mercado. Por causa dos problemas de assimetria de informações e dos conflitos de interesses, estabeleceu-se que esses projetos não podem comprometer o orçamento público. Após receber e analisar a unsolicited proposal, o governo, muitas vezes, inicia negociação direta com o privado que apresentou a proposta. Consideran-do seu caráter único, assume-se que o projeto não seria passível de competição [NSW Government (2012); NSW Parliamentary Research Service (2013); New Zealand Government (2013b)].

3. Países em desenvolvimento

A análise dos países em desenvolvimento será dividida em duas partes: primei-ro, descrevemos as principais características do procedimento das unsolicited proposals que vem sendo utilizado em larga escala nos países analisados em dois estudos realizados pelo Banco Mundial.8 A principal mensagem desta seção é que o mecanismo inicialmente criado para estruturar projetos inovadores e identifica-dos pelo mercado privado vem sendo utilizado também em projetos prioritários identificados pelo governo, o que não se mostra adequado, em face dos eventuais conflitos de interesses. Essa afirmação é corroborada pelos resultados alcançados por esses países nos últimos anos: poucos projetos chegam a ser licitados e, quando o são, há pouca concorrência. Na segunda parte, examinamos mais detidamente os modelos chileno e sul-coreano, mostrando como esses países estão desenvolvendo mecanismos para aperfeiçoar o modelo padrão de unsolicited proposals ou/e se preparando para promover o maior número possível de solicited proposals, com o objetivo de aumentar a efetividade da contratação dos projetos de infraestrutura.

3.1 Unsolicited proposals nos países em desenvolvimento

Nos países em desenvolvimento, verifica-se que as unsolicited proposals desem-penham papel relevante na estruturação dos projetos de infraestrutura. Em tese, o mecanismo das unsolicited proposal aplicado nos países em desenvolvimento teria a mesma função que nos países de referência, ou seja, trata-se de um mecanismo que deveria ser utilizado de maneira pontual em projetos inovadores, não identi-ficados previamente pelo governo e caracterizados por elementos de propriedade intelectual. Dado esse contexto, desenvolveu-se, de maneira uniforme, em vários países, o seguinte processo [World Bank (2007)]:

8 Foram analisados em World Bank (2007; 2014) países em desenvolvimento da África, Ásia, América Latina e Caribe.

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Figura 7. Fluxo de unsolicited proposals em países em desenvolvimento

Figura 7 Unsolicited proposal presented to government

Preliminary assessment

Declaration of “public interest”; additional information or studies requested

Complete proposal submission

In-depth analysis

Proposal accepted or rejected

Call for public tender

Bid bond submission

Prop

onen

t M

inis

try/

Age

ncy

Preparation of bidding documents

Detailed studies completedTime

Fonte: World Bank (2007).

De acordo com esse mecanismo (Figura 7), o privado interessado no projeto apresenta uma proposta de estudo que é analisada pelo governo. Caso o pro - jeto seja declarado de interesse público, o privado recebe exclusividade para rea-lizar os estudos de viabilidade (não há competição no mercado de estudos). O governo, então, analisa e aprova os estudos, prepara os documentos jurídicos e decide se haverá ou não disputa pelo projeto através de processo competitivo. De fato, a experiência internacional mostra que duas alternativas têm sido utilizadas: negociação direta entre governo e proponente (direct bidding) ou estabelecimento de um processo competitivo em que essa empresa terá alguma vantagem com relação aos concorrentes, conforme Figura 8.9

Entre as vantagens concedidas para o proponente original no processo com-petitivo, estão:

• bônus – valor adicional aplicado à proposta técnica ou financeira do pro-ponente original (usualmente, de 5% a 10%); e

• Swiss challenge – o proponente original tem o direito de cobrir qualquer oferta superior.

9 Essa polêmica pode ser exemplificada por um relatório recente sobre unsolicited proposals, do Banco Mundial. De acordo com esse estudo, a amostra considerada continha não apenas os projetos classificados como unsolicited proposals, mas também aqueles com a classificação de negociação direta, ou seja, projetos em que não existe licitação e o governo negocia diretamente com a empresa que preparou os estudos. Como somente 15% dos projetos analisados estão ex-pressamente classificados como unsolicited proposals, não está claro se nos 85% restantes foi realmente o potencial licitante o responsável pela identificação de cada projeto. Isso evidencia que, em face da falta de transparência, muitas vezes é impossível saber se o projeto foi identificado pelo governo ou pelo potencial licitante. Ver World Bank (2014, p. 16).

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Figura 8. Vantagens concorrenciais dadas em unsolicited proposals

Figura 8

17%

31%

20%

60%

Other system

Direct bidding

Bonus mechanism

Swiss challenge

Fonte: Adaptada pelos autores com base em World Bank (2014). Nota: A figura mostra o percentual dos países analisados que utilizam cada mecanismo de incentivo. Foram 21 países na África, Ásia, América Latina e Caribe contemplados pelo estudo do Banco Mundial.

Por fim, a experiência internacional revela que as regulamentações desses países geralmente contêm previsão de reembolso dos custos. Nesse caso, o vencedor do leilão ou o governo paga os custos da estruturação do projeto ao proponente original.

A descrição feita aponta o mecanismo adequado a casos excepcionais, em que o projeto realmente não tenha sido vislumbrado pelo governo, contenha inovação relevante e atenda ao interesse público. Nesses casos excepcionais, o governo pode estar aberto ao recebimento de propostas que permitam ao privado a preparação dos estudos. Nesses casos ainda, havendo inovações relevantes, é razoável que o governo considere conceder algum tipo de vantagem ao proponente original, de modo a incentivar a criatividade do setor privado e a geração de novas tecnolo-gias. O objetivo consiste em atingir o balanço ideal entre encorajar as empresas privadas a preparar projetos inovadores e obter os ganhos de eficiência de um processo competitivo.

Entretanto, ao que tudo indica, nos países em desenvolvimento, as unsolicited proposals estão desempenhando papel mais relevante do que apenas incentivar a inovação. Como, em geral, esses países contam com baixa capacidade técnica e financeira e têm dificuldade em contratar consultores externos, torna-se difícil a preparação por solicited proposals, visto que, de acordo com esse modelo, é o go-verno que desenvolve os estudos de viabilidade do projeto. Dessa forma, é comum que os governos recorram aos potenciais licitantes para a preparação do projeto, ainda que este não tenha características de inovação [World Bank (2014, p. 34)]. Em resumo, o mecanismo de unsolicited proposals muitas vezes vem sendo utili-zado para preparar projetos prioritários identificados pelo governo.

De fato, nos países de referência, é possível notar uma distinção clara entre as solicited e as unsolicited proposals, ou seja, na primeira categoria o projeto

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é identificado e preparado pelo governo, enquanto na segunda é identificado e preparado por potencial licitante. Já nos países em desenvolvimento, esses dois modelos ideais não conseguem capturar a realidade da preparação dos projetos em sua completude.

Para entender a realidade dos países em desenvolvimento, é preciso flexibilizar o conceito de unsolicited proposals, dando maior enfoque à etapa de preparação de projetos, de modo a evitar a polêmica na determinação de quem identificou o projeto.10 De fato, acreditamos que as questões mais relevantes e os principais problemas estão associados à preparação em si do projeto, e não à sua identifica-ção. Assim, entendemos que a separação mais relevante ocorre entre os projetos preparados pelo governo e aqueles preparados por potenciais licitantes. Desse modo, a principal característica das unsolicited proposals nos países em desenvol-vimento é o fato de serem projetos preparados por potenciais licitantes, conforme mostrado na Figura 9.

Figura 9. Unsolicited proposals em países em desenvolvimento

Figura 9 Preparação do projeto

Procedimento licitatório

Identificação do projeto

Unsolicited proposals

nos países em desenvolvimento

Governo ou

potencial licitante

Potencial licitante

Negociação direta

ou processo

competitivo

Fonte: Elaboração própria.

Alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, já assumem explicitamente a alternativa de o governo identificar o projeto e, em seguida, o potencial licitante prepará-lo. Nesse sentido, há regramento específico que permite a utilização desse modelo.11 Mesmo que outros ainda não tenham formalizado esse mecanismo e não imprimam a transparência necessária, nossa hipótese é de que, na prática, esse procedimento é adotado na maioria dos países em desenvolvimento.12

Como os potenciais licitantes preparam o projeto, os problemas de assimetria de informações, conflito de interesses e risco de captura são agravados, tornando-se ainda mais críticos do que aqueles enfrentados pelos países de referência, já que países em desenvolvimento muitas vezes não possuem expertise interna e enfrentam dificuldade na contratação de consultores independentes. Na prática, os resultados

10 A competição é um elemento fundamental na regulação por contrato. Ver Camacho e Rodri - gues (2014).

11 Brasil, Tanzânia e Peru. Ver World Bank (2014). 12 Ver nota 9.

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da eficácia das unsolicited proposals nesses países têm sido muito discretos e podem ter sido influenciados pelas razões já citadas.

Figura 10. Performance de unsolicited proposals em países em desenvolvimento

Figura 10

4%

12%

44%

12%

Reached financial close

Procured

Under review

Accepted

Fonte: Adaptado pelos autores com base em World Bank (2014).Notas: A análise teve por base 21 países. Accepted: proposta não solicitada aceita pelo governo. Under review: proposta não solicitada sob revisão do governo. Procured: proposta não solicitada licitada. Reached financial close: proposta não solicitada com contrato assinado.

De fato, a Figura 10 indica que apenas 4% dos projetos de unsolicited proposals analisados em World Bank (2014) chegaram à fase final de licitação. World Bank (2007) aponta ainda a falta de competição e a falta de transparência nos processos competitivos gerados por unsolicited proposals. Alguns dados contidos nesse estudo revelam que, na Coreia do Sul, por exemplo, 90% das licitações foram vencidas pelo proponente original. Nas Filipinas, 92% das licitações foram vencidas pelo proponente original. Em Taiwan, dos 29 projetos licitados até aquele momento, apenas um teve mais de um licitante [World Bank (2007)].

Os resultados alcançados pelos países em desenvolvimento na estruturação e colocação de projetos de infraestrutura têm sido muito aquém daqueles obtidos pelos países desenvolvidos. Apesar da falta de transparência e informações que provêm desses países, os estudos sobre o tema apontam que poucos projetos chegam à fase de licitação e, dos poucos que chegam, há pouca competição nos certames. Alguns fatores podem estar contribuindo para essa pouca eficácia das unsolicited proposals.

No caso de projetos prioritários e identificados pelo governo, esse mecanismo nos parece inadequado, pois favorece, desnecessariamente, alguns concorrentes e agrava o conflito de interesses entre governo e potencial licitante. De fato, ao permitir que o potencial licitante prepare o projeto identificado pelo governo, essa empresa passa naturalmente a ter vantagem informacional frente a seus concorrentes. O mecanismo ainda acentua essa assimetria ao conceder vantagem ao proponente no processo competitivo, na forma de bônus ou Swiss challenge,

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por exemplo, sem que o proponente tenha tido qualquer ideia inovadora ou seja detentor de direitos de propriedade intelectual. Em outras palavras, o governo concede vantagem adicional a um proponente que já ocupa posição privilegiada frente a seus concorrentes. Além disso, como os governos têm dificuldade na con-tratação de consultores e baixa capacidade técnica in house, os projetos não são adequadamente avaliados e os vieses não são mitigados, prejudicando, portanto, o interesse público.

Por fim, um fator adicional que pode explicar a elevada taxa de insucesso é que, na maior parte dos países, não há qualquer compromisso do privado na en-trega de estudos e, ao fim, o governo pode ter despendido recursos públicos sem a contrapartida dos estudos pretendidos.

A seguir, detalhamos dois estudos de caso de países que vêm aperfeiçoando seus mecanismos de unsolicited proposals e/ou se preparando para promover maior número de solicited proposals, com o objetivo de aumentar a efetividade de colocação de projetos de infraestrutura.

3.2 Os modelos chileno e sul-coreano

3.2.1 Estudo de caso: Chile

O modelo chileno de colocação de projetos de infraestrutura se destaca positiva-mente de outros países da América do Sul e também de países em desenvolvimento analisados em World Bank (2007; 2014). A primeira diferença reside na existên-cia de um planejamento de longo prazo e na utilização do modelo de solicited proposals para a maioria dos projetos de infraestrutura. De fato, a partir dos anos 1990, o governo chileno deu início a um extenso programa de PPPs, capacitando-se internamente para essa tarefa. Concentrou esse esforço no Ministério de Obras Públicas (MOP), que conta com uma unidade funcional especializada em PPPs, e também no Ministério de Fazenda, além de contar com o apoio de consultores externos quando necessário. O MOP é responsável por elaborar os projetos de en-genharia que deverão ser implementados pelos concessionários, e o Ministério da Fazenda, pela modelagem financeira da PPP. O programa de PPPs chileno tem sido bem-sucedido, iniciando-se em projetos de infraestrutura clássica, como aeroportos e rodovias, e mais recentemente ocupando-se de projetos sociais como hospitais.

O Chile utiliza o instrumento de unsolicited proposals13 de forma complementar, mas com diferenças importantes em relação à média dos países em desenvolvimento analisados. Um diferencial do caso chileno é a própria existência do MOP, que é responsável não só pela estruturação de PPPs, mas também pelas obras públicas. Como já assinalado, essa unidade conta com uma equipe técnica qualificada, com

13 Modelo chamado no Chile de Iniciativas Privadas, correspondente a 37% da carteira dos projetos em licitação. Ver Chile (2012).

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experiência em projetos de engenharia, visto que é necessário desenvolver especi-ficações técnicas para a contratação e o acompanhamento de obras públicas. Dessa forma, sua equipe de engenheiros conseguiu acumular a expertise necessária para analisar os estudos das unsolicited proposals. Além disso, o papel do Ministério da Fazenda é decisivo, pois, mesmo no caso das unsolicited proposals, é responsável por analisar e aprovar a modelagem da PPP.

Outro ponto interessante diz respeito à falta de comprometimento do privado em entregar os estudos. De fato, vimos que, segundo o modelo tradicional de unsolicited proposals, o privado não arca com nenhum custo de saída caso decida não entregar os estudos solicitados pelo governo. Para evitar eventual falta de comprometimento do proponente original durante o processo, foi prevista na re-gulação chilena a possibilidade de o privado dar garantia financeira para a entrega dos estudos. Assim, caso não entregue o estudo da forma acordada, essas garantias poderiam ser executadas.

Entretanto, a despeito desses aperfeiçoamentos, o modelo chileno não está isento dos problemas enfrentados por outros países. Por exemplo, apesar de o mercado privado ter apresentado quase quatrocentos projetos até 2012, apenas 18 haviam sido licitados [Chile (2012)]. Além disso, no Chile, os processos de unsolicited proposals são caracterizados por um longo prazo de estruturação. Se fossem considerados os prazos legais, a previsão seria de aproximadamente quatro anos, levando-se em conta desde a autorização inicial para a realização dos estudos até o fim da licitação. Entretanto, o que se tem observado é um prazo de estruturação de seis anos [IFC (2011)].

3.2.2 Estudo de caso: Coreia do Sul

A Coreia do Sul é um exemplo importante no que diz respeito ao mecanismo de unsolicited proposals. Ao contrário da maioria dos países desenvolvidos, desde 2000 a Coreia decidiu promover esse mecanismo para incentivar os investimentos do mercado privado. De fato, a Figura 11 mostra que, desde 2003, as unsolicited proposals se tornaram o principal mecanismo utilizado para estruturação de proje-tos, sendo que, de 2005 em diante, o mecanismo de solicited proposals tornou-se residual [ADB (2011); KDI PIMAC (2014)]. Entretanto, os resultados quanto à competição não se mostraram satisfatórios. Cerca de 90% dos projetos estruturados por unsolicited proposals foram vencidos pelo proponente original.

Tendo em vista esse cenário, o governo tomou duas decisões: em primeiro lugar, redirecionar e empreender esforços para aumentar o percentual de solicited proposals, de modo a implementar projetos mais alinhados com seu plano de investimento em infraestrutura e com suas prioridades estratégicas de longo

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prazo [ADB (2011)]. A segunda decisão consistiu em alterar o processo de análise das unsolicited proposals, de modo a aumentar a efetividade e a qualidade dos resultados obtidos por esse instrumento.

Figura 11. Número de solicited e unsolicited proposals na Coreia do Sul

Figura 11

Solicited projects Unsolicited projects

Fonte: KDI PIMAC (2014).

Para alcançar esses dois objetivos, foi fundamental fortalecer a agência coreana de PPP (PIMAC), que tem atribuições nas diversas partes da cadeia de implantação dos projetos de infraestrutura, do planejamento à execução. A PIMAC funciona ainda como um centro de conhecimento em PPP, contribuindo para o fortalecimento institucional e para a acumulação e a disseminação de capacidade técnica no gover-no. À PIMAC, então, restou o objetivo de apoiar o planejamento, a identificação e a estruturação de projetos, seja na forma de solicited ou de unsolicited proposals.

No caso das unsolicited proposals, houve aperfeiçoamento no processo de aná-lise dos projetos apresentados pelo potencial licitante. Primeiro, cada unsolicited proposal passa basicamente pelas mesmas etapas processuais que uma solicited proposal. Mais ainda, para cada projeto, a PIMAC desenvolve robustos estudos de viabilidade alternativos ao apresentado pelo proponente original, permitindo, assim, que o governo calcule o Value for Money do projeto e tenha o conheci-mento técnico necessário para mitigar a assimetria de informações com o mercado privado [ADB (2011)].

4. Conclusão

No Brasil, aumentar o investimento em infraestrutura é de vital importância para o crescimento da economia no longo prazo. Entretanto, para isso acontecer, é preciso avançar na superação dos gargalos existentes na fase de estruturação de projetos.

O primeiro ponto importante aqui levantado é que a experiência internacional não é uniforme. Há uma clara distinção entre a forma de estruturação de projetos

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nos países de referência e aquela realizada nos países em desenvolvimento. Nesse sentido, o Brasil, com a regulamentação e a ampla utilização das PMIs e MIPs, reforçou a opção pelo modelo de estruturação dos países em desenvolvimento. Em ambos os casos, devido às dificuldades na contratação de consultores e à falta de capacidade técnica e financeira, os potenciais licitantes são os responsáveis pela preparação dos projetos.

Enquanto isso, nos países de referência, em que o mercado de PPP é mais maduro, o principal instrumento para estruturar projetos é o modelo de solicited proposals. Em outras palavras, o governo identifica e prepara o projeto, desen-volvendo um robusto estudo de viabilidade, com o apoio de consultores externos contratados desde o início do processo. Assim, os potenciais licitantes são isolados das etapas de identificação e preparação do projeto, participando apenas da dis-cussão dos pontos específicos no curso do procedimento licitatório. Portanto, di-ferentemente do modelo brasileiro, a interação com o privado ocorre apenas após a identificação e a preparação do projeto pelo governo.

Desse modo, observamos que tanto o modelo de estruturação como os resultados obtidos na experiência brasileira têm sido similares aos verificados nas unsolicited proposals dos países em desenvolvimento. Em ambos os casos, os resultados da estruturação de projetos têm ficado aquém do desejado. Como já abordado, a maior parte dos projetos não é licitada e, dos poucos que chegam à fase final da licitação (leilão), não se verifica concorrência pelo projeto. Além disso, a falta de transparência é um problema em ambos os casos.

De fato, quando os projetos são estruturados por potenciais licitantes, os pro-blemas de assimetria de informações, conflito de interesses e risco de captura são agravados. Por essa razão, parece-nos mais adequado que os projetos prioritários sejam preparados pelo governo e que o diálogo com o mercado, quando necessário, ocorra durante o procedimento licitatório. Em outras palavras, o recomendável seria buscar formas de promover e priorizar o modelo de solicited proposals. O governo da Coreia do Sul, por exemplo, empreendeu esforços para promovê-las após experimentar a falta de competição em muitos projetos que utilizam o me-canismo de unsolicited proposals.

Para conseguir promover as solicited proposals, ou seja, tornar o governo ca-paz de desenvolver estudos de viabilidade robustos, é necessário adotar algumas medidas. O foco da ação deveria ser o fortalecimento institucional, com o desen-volvimento da capacidade técnica interna do governo, e a criação de mecanismos eficientes de contratação de consultores externos.

Como mostrado nos casos da PIMAC na Coreia do Sul, a IUK no Reino Unido e a Infrastructure Australia, a criação ou o fortalecimento de uma unidade de PPP contribui para o acúmulo e a disseminação de conhecimento sobre o assunto. Es-

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sas unidades desempenham papel importante no apoio aos ministérios e agências reguladoras para a estruturação de projetos. Além disso, como possuem uma visão mais transversal das PPPs nos diferentes setores, podem auxiliar na padronização de contratos, o que facilita a replicação de alguns modelos já validados.

Do mesmo modo, ministérios e agências reguladoras com maior experiência na estruturação de projetos podem atuar na transferência desse conhecimento para outros órgãos técnicos. Vale destacar que a capacidade técnica referida não se res-tringe à fase de estruturação do projeto, compreendendo também a possibilidade de se realizar um planejamento centralizado e as claras priorização e identificação dos projetos.

Em níveis estadual e municipal, a criação de unidades de PPP pode gerar bene-fícios similares aos observados em nível federal. De forma geral, quanto maiores forem a interação e a transferência de conhecimento entre as unidades de PPP dos diferentes níveis e entre essas unidades e as áreas setoriais, maior será o desenvol-vimento da capacidade técnica interna dos governos. Além disso, para esses entes, há também o problema da falta de capacidade financeira. Nesse sentido, o governo federal poderia permitir o repasse de recursos para a estruturação de projetos de PPPs – e não só para sua execução.

Como destacado nos países de referência, mesmo com um corpo técnico bem preparado, é necessário contar também com o apoio de consultores externos. De fato, dadas a complexidade e a especificidade dos assuntos tratados, os governos precisam ter à sua disposição os melhores consultores nas diferentes áreas técnicas. Com isso, torna-se importante a discussão sobre a adequação do arcabouço legal existente na contratação de consultores no Brasil.

Com capacidade técnica interna e com o apoio de bons consultores externos, o governo estaria apto a desenvolver os estudos de viabilidade necessários, evitando, assim, os problemas advindos da preparação dos projetos por potenciais licitantes.

Entretanto, ressalta-se que as medidas citadas são de longo prazo. No curto prazo, os governos no Brasil ainda precisarão utilizar PMIs para estruturar seus projetos. Nesse sentido, é recomendável desenvolver mecanismos que mitiguem os problemas existentes. No Brasil, o mercado de PMIs é muito arriscado para consultores independentes, os quais competem com potenciais licitantes cujo principal retorno advém da execução do contrato de PPP, e não de sua preparação. De fato, os valores desembolsados com os estudos realizados pelos potenciais licitantes são custos afundados, que seriam incorridos de qualquer forma na for-matação da proposta pela empresa. Já no caso dos consultores independentes, o reembolso pelos estudos é a principal forma de remuneração. Dado esse elevado risco de mercado, a tendência é que a atuação dos consultores independentes não

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seja financeiramente sustentável e que o mercado seja dominado pelos potenciais licitantes – um claro problema de seleção adversa.

O conflito de interesses na elaboração dos estudos pelos potenciais licitantes é agravado pela assimetria de informações. Assim, no caso de projetos com menor complexidade, o governo poderia impedir a participação de potenciais licitantes, restringindo o processo a consultores independentes, isentos de conflitos de inte-resses. Já no caso de projetos com maior complexidade, em que há necessidade de maior interação com o mercado, o governo poderia permitir a participação de potenciais licitantes e contratar ou autorizar consultorias independentes para asses-sorá-lo na análise dos estudos. O governo da Coreia do Sul, por exemplo, desen-volve seu próprio estudo para compará-lo com o realizado pelo privado. Enquanto isso, no Chile, há uma unidade tecnicamente preparada para analisar e aprofundar os estudos apresentados pelo privado, o Ministério de Obras Públicas (MOP).

No Brasil, ao contrário das unsolicited proposals nos países em desenvolvimen-to, não há limite para o número de estudos entregues, o que gera elevado custo de transação para o governo. Em projetos de menor complexidade, uma única empresa poderia ser selecionada para realizar tais estudos. Nesse caso, as empresas compe-tiriam no momento do chamamento público pelo direito de executar o estudo. Para selecionar essa consultoria independente, o governo poderia analisar os planos de trabalho apresentados e a qualificação técnica de cada empresa interessada. Já no caso de projetos complexos, em que os potenciais licitantes participam da PMI, poderia haver limitação do número de estudos a serem entregues no PMI.

Além disso, é interessante observar as lições do caso chileno com a exigência de garantia do privado para entrega dos estudos. No caso brasileiro, quando hou-ver participação de potenciais licitantes, seria possível exigir deles um compro-misso de entrega dos estudos, na forma de garantia financeira ou até mesmo um pagamento pelo direito de realizá-los. Nos casos de PMIs restritas a consultores independentes, seria possível considerar o ressarcimento de parte dos estudos realizados caso o governo venha a desistir no curso do PMI. De fato, atualmente não existe comprometimento de nenhuma das partes, e tanto o governo como o privado podem sair do processo de PMI com facilidade.

Em suma, parece-nos mais adequado que o governo siga o exemplo dos países de referência e promova o modelo de solicited proposals, por meio do fortalecimento institucional, com o desenvolvimento da capacidade técnica interna do governo, e da criação de mecanismos eficientes de contratação de consultores externos. Em paralelo, de forma a viabilizar uma solução de curto prazo, tem-se a oportunidade de desenvolver uma nova regulação para PMIs, com o incentivo da participação de consultorias independentes.

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