estratÉgia e finanÇas corporativas: um teste...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO
MICHEL ALFREDO ABRAS
ESTRATÉGIA E FINANÇAS CORPORATIVAS: UM TESTE EMPÍRICO SOBRE ELOS DE LIGAÇÃO
ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci
BELO HORIZONTE
2002
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO
MICHEL ALFREDO ABRAS
ESTRATÉGIA E FINANÇAS CORPORATIVAS: UM TESTE EMPÍRICO SOBRE ELOS DE LIGAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Administração da PUC-Minas, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci
BELO HORIZONTE
2002
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Dissertação defendida e aprovada, em 19 de dezembro de 2002, pela banca
examinadora constituída pelos professores:
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Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci - Orientador
_______________________________________________
Prof. Dr. Francisco Vidal Barbosa
_______________________________________________
Prof. Dr. Paulo Tarso Vilela Resende
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À Rosa, Letícia e Ana Luísa
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AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos ao Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci, meu orientador, pela
dedicação técnica ao trabalho, incentivo e motivação ao vasto e, talvez, pretensioso
caminho por mim escolhido.
Meus agradecimentos à Economista Ana Luísa Gouvêa Abras, minha filha,
mestranda em Economia pela USP, pelo suporte técnico ao tratamento estatístico
dos dados da pesquisa
Meus agradecimentos a todos os professores e colegas de turma, que, através de
nossas intensas discussões e digressões, contribuíram para a realização deste
estudo.
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RESUMO
Este estudo buscou verificar o relacionamento entre ambiência de mercado,
estratégia e finanças quanto à influência que exercem conjuntamente na
performance de empresas brasileiras, de modo a aferir se por conta disto pode-se
inferir que modelos comuns de gestão se estabelecem no interior de determinados
setores da economia brasileira, a saber: têxtil, petroquímico, comércio, papel e
celulose, telecomunicações e siderúrgico. Ainda dentro deste objetivo maior, buscou-
se levantar a existência de nexos causais individuais entre cada uma daquelas três
dimensões e a performance de empresas e dos setores apontados. O pressuposto
básico era de que as variáveis proxies relativas a cada uma das dimensões
analisadas apresentam elos de ligação entre si, os quais são passíveis de ser
identificados e testados por meio de ferramentas estatísticas. Os resultados obtidos
apresentaram evidências estatísticas da existência de tais elos, delineando e
confirmando a ocorrência de padrões na condução geral dos negócios, ou seja, que
modelos de gestão parecem se estabelecer de acordo com as especificidades de
cada setor. Assim é que, quando consideradas em conjunto, as variáveis relativas ao
ambiente, à estratégia e à estrutura de capital revelaram força explicativa da
performance das empresas. Entretanto, observou-se o fato perturbador de que os
testes de Granger não confirmaram haver relação causal entre cada uma das
variáveis tomadas isoladamente e a performance. De fato, a consideração conjunta
destes dois resultados implica na necessidade de ampliação do escopo deste
estudo, talvez com a consideração de novas variáveis proxies das dimensões
levantadas.
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ABSTRACT
The aim of this work is to present a model of articulation between brazilian business
environment, strategy and capital structure of the firm in order to verify whether
commom models of management can be found in brazilian firms. The model was
specified considering the textile, oil-producing, trade, paper and cellulose,
telecommunications and steelworks sectors of the economy. In that context, we
looked for causality relations between three dimensions of the "firm- environment",
"strategy" and "structure of capital"- and its performance. We admitted that the
variables related to each dimension analysed have mutual links that can be
statistically tested.We have seeked formal statistical models that could explain a
social science fenomena - the firm - instead of using a pure descriptive analysis that
is usual in this area of research. The empirical results were in favour of the existence
of this links - we cannot reject their models of management, considering the mains
features of each sector of the economy. The proxies variables for "enviroment",
“strategy" and "structure of capital" were highly correlated with the "performance of
the firm" but we were not able to find evidence of strong relation between them or
either confirm all the directions of causality expected in theory.
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13 2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ................................................................................... 15 2.1 Definição do problema .................................................................................................. 16 2.2 Objetivos ........................................................................................................................ 19 2.3 Justificativa .................................................................................................................... 20 2.4 Hipóteses ....................................................................................................................... 21 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 22 3.1 Aspectos iniciais ........................................................................................................... 23 3.2 O foco da estratégia ...................................................................................................... 28 3.3 O foco das finanças ....................................................................................................... 39 3.4 As pesquisas empíricas ................................................................................................ 46 4 METODOLOGIA .............................................................................................................. 55 4.1 Aspectos gerais ............................................................................................................ 56 4.2 Métodos e objetivos ...................................................................................................... 57 4.3 Processo de modelagem ............................................................................................... 59 4.4 Variáveis da pesquisa .................................................................................................. 62 4.5 Métodos estatísticos ...................................................................................................... 65 4.5.1 Motivações descritivas – regressões lineares múltiplas ............................................ 66 4.5.2 Motivações exploratórias - teste de causalidade de Granger ................................... 69 4.6 Unidade de análise ........................................................................................................ 72 4.7 Amostra ......................................................................................................................... 72 5 RESULTADOS ................................................................................................................. 75 5.1 Aspectos iniciais ............................................................................................................ 76 5.2 Testes preliminares ....................................................................................................... 77 5.3 Análise descritiva .......................................................................................................... 83 5.4 Análise exploratória ....................................................................................................... 94 5.5 Comentários .................................................................................................................. 99 6 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 107
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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Primeiro esboço do trabalho ............................................................................ 60
FIGURA 2 - Esboço do modelo qualitativo .......................................................................... 61
FIGURA 3 - Variáveis explicativas da variável performance (repetida na p. 84) ................ 62
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LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - Diagrama de métodos e tipos de pesquisa ................................................... 57 QUADRO 2 - Empresas por setores amostrados ................................................................ 73 QUADRO 3 - Participação % dos setores amostrados no faturamento total de setor e das 500 maiores empresas ........................................................................... 74
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LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Modelo de regressão do setor têxtil ................................................................. 79 TABELA 2 - Modelo de regressão do setor petroquímico ................................................... 79 TABELA 3 - Modelo de regressão do setor de comércio .................................................... 80 TABELA 4 - Modelo de regressão do setor de telecomunicações ...................................... 80 TABELA 5 - Modelo de regressão do setor de papel e celulose ......................................... 80 TABELA 6 - Modelo de regressão do setor siderúrgico ...................................................... 80 TABELA 7 - Teste de raiz unitária para os modelos de regressão ..................................... 82 TABELA 8 - Modelo de regressão restrito para o setor têxtil .............................................. 85 TABELA 9 - Modelo de regressão restrito para o setor petroquímico ................................ 87 TABELA 10 - Modelo de regressão restrito para o setor de comércio ................................ 88 TABELA 11 - Modelo de regressão restrito para o setor de telecomunicações ................. 89 TABELA 12 - Modelo de regressão restrito para o setor de papel e celulose .................... 90 TABELA 13 - Modelo de regressão restrito para o setor siderúrgico .................................. 91 TABELA 14 - Resultados do teste de causalidade de Granger ......................................... 95 TABELA 15 - Os p-values da regressão, análise descritiva, e os p-values de Granger ....................................................................................................100
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADF Augment Dickey-Fuller
ALAV Alavancagem
CAPM Capital Asset Pricing Model
CPV Custo de Produtos Vendidos
DCP Dívidas de Curto Prazo
DEPREC Depreciação
DLP Dívidas de Longo Prazo
DW Durbin-Watson
JB Jarque-Bera
LAJIRDA Lucros antes dos Juros do Imposto de Renda, da Depreciação e Amortização
LBO Leverage by out
PL Patrimônio Líquido
VPL Valor Presente Líquido
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1 INTRODUÇÃO
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O objetivo desta pesquisa é estudar a articulação entre estratégia e finanças
corporativas, no ambiente brasileiro de negócios. Para tanto, serão mapeadas na
literatura técnica existente as variáveis que permitam mensurar a turbulência e o
crescimento desse ambiente de negócios, a estratégia e a estrutura de capital da
firma, avaliando o impacto conjunto dessas dimensões sobre a performance das
organizações.
A importância deste estudo está ligada, pelo lado prático, às suposições, levantadas
nas constantes afirmações do empresariado nacional, de que a turbulência do
ambiente de negócios brasileiro é prejudicial às suas organizações. Essas
afirmações, quase sempre, procuram mostrar ao governo e alertá-lo sobre as
precárias condições operacionais que esse ambiente de negócios apresenta. A
ausência de regras claras e estáveis promovidas pelo governo, aliada às constantes
modificações das políticas macroeconômicas, são exemplos sempre citados da falta
de parâmetros operacionais que orientem o ambiente de negócios do País. Acresce
isto o fato da concentração única nas questões monetárias de sua economia.
Inexistem, por exemplo, iniciativas claras, consistentes e contínuas em prol de uma
política industrial para o País, e a última data dos planos econômicos tomando como
base a substituição de importações do final dos anos 80. Os pontos aqui abordados,
e outros nessa mesma direção, estão apresentados nas críticas que se transformam
em lugares comuns na imprensa brasileira, e que motivam o lado prático deste
estudo.
Pelo lado teórico, além da atualidade do tema nos campos da estratégia e das
finanças corporativas, principalmente no que tange às questões relativas à
articulação entre o ambiente, a estratégia, as estruturas de financiamento e a
performance das organizações, a importância do estudo se dá pela quase ausência
deste tipo de estudo no País. Acredita-se, portanto, que o estudo dessas questões
aplicadas sobre os dados empíricos das organizações do Brasil, poderá trazer
algumas contribuições para seu melhor entendimento e compreensão no País. Além
disso, avaliar a direção e a amplitude dessa turbulência e desse crescimento, bem
como seu real impacto sobre as atividades empresariais, é de uma conseqüência
prática importante para o melhor esclarecimento das práticas de gestão empresarial.
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2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
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2.1 Definição do problema
A avaliação conjunta da influência das três dimensões − ambiente, estratégia e
finanças corporativas −, com vistas a explicar comportamentos e a avaliar resultados
empresariais, embora gradativamente ocupe espaço cada vez maior na literatura
estrangeira, é nova no Brasil. Em termos práticos, a motivação desta pesquisa é
comprovar que a turbulência e o crescimento do ambiente em que as empresas
atuam exercem influência definitiva sobre estratégias e estruturas de financiamento
estabelecidas visando ao sucesso dessas organizações.
Em termos mais estritos, a dimensão de finanças é assimilada pela consideração da
estrutura de financiamento das empresas, ao passo que a estratégia é abordada via
aspectos que se atenham a posicionamentos de custos para as organizações. Por
último, a análise da dimensão do ambiente de negócios no qual a empresa se insere
se dá a partir de sua decomposição nas variáveis de turbulência e de crescimento.
Enfim, essa avaliação do impacto conjunto do ambiente, da estratégia e das
finanças sobre performances corporativas busca levantar características inerentes a
diferentes setores da economia nacional quanto a modelos de gestão.
Uma limitação que se enfrenta no campo do conhecimento teórico é ver, de forma
bastante ampla, as questões de estratégia e de finanças serem tratadas como
disciplinas separadas. Quando muito, categorias de análise financeira, como retorno
sobre capital, são usadas como parâmetros para avaliação de desenhos
estratégicos formulados. Especificamente sob a perspectiva da estratégia, as teorias
desse campo de conhecimento não consideram as questões financeiras relevantes o
suficiente para incluí-las em seu processo de formulação, focando aspectos de
posicionamento no mercado ou de criação de recursos únicos e exclusivos que
gerem valor para a empresa.
Nesse sentido, uma classificação possível das teorias sobre estratégia empresarial é
dada por Vasconcelos e Cyrino (2000, p. 15), que distinguem dois corpos teóricos
distintos, a saber: "...teorias que consideram a vantagem competitiva como um
atributo de posicionamento... derivado da estrutura da indústria ... ", e "...as que
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consideram a performance superior como um fenômeno decorrente primariamente
de características internas da organização". Complementarmente, características
internas da organização têm a ver com o equilíbrio entre demandas dos diferentes
stakeholders envolvidos com a firma, conforme modelo de racionalidade restrita
proposto por Simon (1958), em que a busca de otimização da organização como um
todo se dá à custa de subotimizar parcelas específicas desta.
Especificamente quanto à segunda corrente teórica citada acima, denominada teoria
de recursos, constata-se que estudos como os de Wernerfelt (1984) representam um
padrão de análise em que o capital financeiro, embora reverenciado como
importante, é abordado de maneira ligeira e superficial. De qualquer forma, uma
exceção interessante a tal comportamento está presente em Teece, Pisano e Shuen
(1997), que afirmam que o fluxo de caixa e o grau de endividamento das
organizações exercem influência marcante sobre os seus investimentos, revestindo-
se, portanto, de características estratégicas importantes. Nesse aspecto, estratégias
e finanças, segundo os autores, caminham juntas.
Por outro lado, a moderna teoria de finanças se alicerça sobre as teorias de portfólio
de Markowitz, o modelo Capital Asset Pricing Model – CAPM - de Sharpe, Lintner e
Mossim, as hipóteses de eficiência dos mercados de Fama e French, bem como o
teorema de Modigliani e Miller acerca da irrelevância de estruturas de capital das
empresas. Para Miller (1999), o ponto comum a todos eles é o da busca de modelos
delineados em termos basicamente quantitativos, em que os decisores buscam
otimizar funções-objetivo precisas, definidas em torno de variáveis como custo de
capital, retorno de ativos e de geração de valor para o acionista.
Entretanto, em que pese a importância conferida a modelos que se apegam ao
paradigma da racionalidade perfeita, justificando atitudes de teóricos da área de
organizações em desconsiderar a dimensão financeira na formulação de modelos de
gestão, a síntese de Harris e Raviv (1991), acerca de determinantes da estrutura de
capital de empresas, aponta a importância crescente de correntes teóricas dentro do
campo de finanças que se direcionam pelo paradigma da racionalidade restrita. A
este propósito, a contribuição de Jensen e Meckling (1976) para a formulação da
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teoria da agência e a de Myers e Majluf (1984) na consideração de posse
assimétrica de informações entre agentes internos e externos às organizações
surgem como exemplos definitivos de rejeição do princípio da racionalidade perfeita
em prol da racionalidade restrita. Ainda a propósito desta atitude, Grinblatt e Titman
(1998) assinalam que uma confirmação da teoria da agência ocorre exatamente pelo
fato de que gerentes nas organizações freqüentemente pautam suas atitudes pelos
interesses dos diversos stakeholders destas e não apenas os de seus acionistas.
Entretanto, ao procurar estudar o relacionamento conjunto entre dimensões tão
diversas como ambiência de negócios, estratégia e estrutura de capital de empresas
no Brasil, constatam-se dificuldades marcantes quando se compara a economia
daqui à americana, na qual a turbulência é ditada pelo ritmo da modernização, ao
passo que o ambiente socioeconômico-político brasileiro impõe que a turbulência de
sua economia se dê em meio à instabilidade institucional, em que a edição
sucessiva de planos econômicos de estabilização e outras formas de intervenção
governamental são antes a regra do que a exceção.
Outras expressões de uma ambiência instável são dadas por níveis ainda
inquietantes de inflação, de déficit nas contas externas e internas do País, além de
uma inserção na economia global feita de forma algo inapropriada em termos de
velocidade. Enfim, o Brasil está no meio do processo de internacionalização de sua
economia. Buscando definir o papel do governo na regulação do mercado,
reconstruir e consolidar suas instituições, ao mesmo tempo em que se requer níveis
superiores de performances das empresas brasileiras.
Em função dessa instabilidade intrínseca ao ambiente de negócios no Brasil, o
problema que se coloca é o de buscar entender o seu impacto sobre a performance
da firma e de como esta reage ao ambiente por meio de decisões estratégicas e de
escolhas de estruturas de financiamento de capital.
Tudo isto leva a formular a seguinte pergunta:
Como se articula no Brasil o ambiente de negócios, tomado em suas
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dimensões de turbulência e de crescimento, com a estratégia e estrutura de capital, e qual o impacto exercido conjuntamente por essas três variáveis sobre a performance das empresas no Brasil? Uma segunda questão que se procura responder diz respeito ao grau de importância
atribuído à escolha da estrutura de capital no processo decisório das firmas. De
forma objetiva, deseja-se saber se a composição entre capitais de terceiros e
próprios no financiamento das empresas brasileiras envolve questões de natureza
estratégica, com essas se envolvendo de forma ativa para determinação de níveis
ótimos ou se, pelo contrário, esta decisão é de natureza passiva, envolvendo tão-
somente atitudes que mantenham essas composições nos mesmos patamares de
empresas atuantes nos mesmos setores.
Enfim, estas preocupações podem se apresentar, mais uma vez sob forma da
seguinte pergunta:
O papel atribuído às finanças corporativas nos modelos de gestão adotados por empresas no Brasil é de natureza estratégica ou operacional?
2.2 Objetivos
O objetivo global estabelecido para esta pesquisa foi o de compreender a articulação
existente entre o ambiente, a estratégia e estrutura de financiamento, quanto aos
impactos sobre as performances de empresas brasileiras. Em termos específicos,
pretende-se avaliar a real dimensão da turbulência e do crescimento do ambiente
brasileiro de negócios, sua direção e impacto sobre suas empresas.
Para consecução deste objetivo, é forçoso que, diante da turbulência e crescimento
do ambiente, se aprofunde em questões relativas às estratégias, buscando revelar
sua importância na formulação de modelos de gestão. Além disso, insere-se a
dimensão financeira na análise, procurando confirmar se ela é importante no
processo de, conjuntamente com as outras duas dimensões, influenciar as
performances de empresas brasileiras.
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2.3 Justificativa
A importância desta investigação prende-se, pelo lado teórico, à sua proposição de
abrangência em relação às duas áreas de estudos envolvidas: estratégia e finanças
corporativas. No decorrer do desenvolvimento de suas extensas literaturas, essas
disciplinas sempre se tangenciaram por meio de várias colocações de diferentes
autores, mas nunca foram abordadas, prioritariamente, em conjunto, a não ser nas
iniciativas que ora vêm surgindo, mapeadas e sintetizadas, por exemplo, no trabalho
de Harris e Haviv (1991) dentre outros. Seguindo esta linha de pesquisa, este estudo
apresenta, portanto, proposições que se julgam importantes, nesse sentido, para o
melhor conhecimento dessas organizações.
Do ponto de vista prático, ele se propõe aprofundar sobre a natureza e os
mecanismos de funcionamento da turbulência do ambiente brasileiro de negócios,
podendo trazer à luz contribuições importantes para o empresariado nacional, no
que diz respeito ao seu melhor entendimento e compreensão.
Além disso, como essa pesquisa visa estudar e determinar os pontos de articulação
entre o ambiente de negócios e as estratégias e estruturas de capital das firmas no
Brasil, ela poderá contribuir ainda mais para solucionar as questões relativas à
gestão empresarial, como as de crescimento, por exemplo. De fato, a recente e cada
vez mais consolidada integração do País à economia mundial coloca essas
empresas em uma situação de fragilidade diante dos novos concorrentes que se
apresentam. A expansão do parque empresarial brasileiro torna-se, portanto, uma
necessidade premente, pondo as questões de investimento e financiamento no topo
das prioridades das empresas e do país. Investimento e financiamento ou estratégia
e finanças são o ponto central deste estudo, levando-o, portanto, a contribuir para o
melhor entendimento desses assuntos.
Assim que essas contribuições forem validadas e bem formuladas, estender-se-ão
muito além, colaborando para as mais diferentes ações em nosso ambiente de
negócios, ligadas aos mais diferentes interlocutores, tais como governo, bancos
comerciais, bancos de desenvolvimento, agências de fomento, instituições de ensino
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e pesquisa, sindicatos e instituições empresariais e de empregados, entre outros.
Sob essa perspectiva, este estudo pode ser considerado na linha de pesquisa útil,
conforme diversas manifestações correntes no meio acadêmico.
2.4 Hipóteses
1a Hipótese: Turbulência e crescimento do ambiente, estratégias voltadas para
custos e estrutura de financiamento guardam relação com as performances das
empresas brasileiras, até mesmo, delineando modelos de gestão.
2a Hipótese: Cada uma das dimensões a serem analisadas, a saber, ambiente,
estratégia e alavancagem financeiras relaciona-se isoladamente com as
performances das empresas brasileiras.
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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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3.1 Aspectos iniciais
Diversos autores têm tratado dos aspectos relativos à interdependência entre
estratégia e finanças. Em seu modelo acerca de forças competitivas, Porter (1986)
estabelece uma relação entre as duas disciplinas no horizonte de longo prazo,
afirmando que diferenças de rentabilidade observadas entre as indústrias ocorrem "à
medida que o conjunto das forças difere" (PORTER, 1986, p. 22), e que tendem a se
reduzir a longo prazo.
Da mesma forma, Donaldson (1998) estabelece uma relação dinâmica entre a
rentabilidade da firma e o amadurecimento do mercado, pontuando que em um mercado de novos produtos, as empresas com uma posição proprietária quando de sua entrada no mercado podem demandar maiores retornos como condição de investimento. À medida que a competição destrói essa posição, contudo, as empresas conseguem obter sucesso apenas se continuam a poder arcar com os investimentos necessários para manter uma participação saudável no mercado, mesmo quando isso for acompanhado de ROI em declínio (DONALDSON, 1998, p. 124).
As proposições desse autor apóiam-se sobre a lógica da alavancagem financeira e
das diferenças entre a rentabilidade dos ativos e os custos para financiá-los,
propondo a busca de equilíbrio entre as diferentes metas estabelecidas no processo
de planejamento de uma firma, com o objetivo de crescimento e o de endividamento,
claramente concorrentes entre si, precisando ser contidos em um processo de
tradeoffs contínuos.
Já no aspecto do envolvimento entre finanças e estratégia, Rappaport (1998, p. 397)
acrescenta a restrição de que "um dos objetivos principais do planejamento
estratégico corporativo é criar valor para o acionista". Ademais, a maneira pela qual
as empresas devem buscar esse objetivo começa pelo abandono de relações
contábeis do tipo lucro/ação, retorno/investimento, retorno/patrimônio líquido, dentre
outras, em favor de análises sobre fluxos de caixa descontados, pois "o valor
econômico de qualquer investimento é simplesmente o fluxo de caixa previsto
descontado pelo custo de capital" (RAPPAPORT, 1998, p. 398). Outra afirmação
elucidativa do autor é que estratégias de negócios podem ser vistas como conjunto
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de produtos ou investimentos ligados ao mercado, sendo a própria empresa vista
como um conjunto dessas estratégias.
Mudanças radicais na forma de financiamento de organizações que operam em
ambientes com baixas taxas de crescimento a longo prazo e com geração de fluxos
de caixa livre maiores que suas oportunidades de novos investimentos é o tema de
Jensen (1998). Para esse tipo de firma, sua proposição é de que elas não mais se
financiem como empresas de capital aberto, negociadas em bolsas de valores, mas
como organizações do tipo Leverage by out – LBO -, com uma superalavancagem.
Dessa forma, os fundos gerados em suas operações não mais se destinarão a
ampliar o caixa das corporações, gerando conflitos de agência entre acionistas e
administradores. Pelo contrário, os recursos serão destinados ao pagamento de
encargos aos financiadores da LBO, que decidirão quais devem ser suas aplicações.
O endividamento nesse tipo de firma, para ele, é benéfico na medida em que "a
superalavancagem cria a atmosfera de crise que os gerentes precisam para cortar
programas de investimentos ruins, para enxugar custos indiretos, e dispor de ativos
que sejam mais valiosos se fora da empresa" (JENSEN, 1998, p. 481).
Partindo de sua clássica visão do processo estratégico empresarial, que se expressa
pela proposição de que "a inovação e o aprimoramento decorrem de investimentos
constantes em ativos fixos e intangíveis", Porter (1998, p. 451) aborda o lado do
financiamento da firma, analisando todo o sistema americano de alocação de
capitais, o qual considera como fonte de instabilidade nas relações entre acionistas,
corporações e gerentes, impedindo a alocação dos recursos nos melhores projetos e
não os alinhando com os interesses do país. Para ele, é forçoso que se reformule o
sistema, atuando sobre os determinantes dos investimentos, os quais podem ser
agrupados em três categorias distintas: ambiente macroeconômico, mercado de
capitais externos e mercado de capitais internos.
O ambiente macroeconômico é o contexto no qual operam as empresas como um
todo, ao passo que o segundo envolve os mecanismos de alocação de capital aos
projetos, enquanto o terceiro diz respeito aos mecanismos de análise e de decisão.
Os mecanismos de alocação de recursos aos projetos englobam os acionistas e
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seus agentes, os financiadores de capitais de empréstimos e as próprias diretorias
corporativas, funcionando em um processo conjunto, obedecendo aos ditames
clássicos de análise e decisão de investimentos de capital.
Segundo o autor, a ampla reformulação do sistema se faz necessária na medida em
que agentes extremamente importantes como os investidores institucionais visam ao
curto prazo em suas aplicações, concentrando-se sobre atributos mais fáceis de
mensurar, em substituição à análise do valor da empresa. As técnicas de orçamento
de capital utilizadas pelas empresas em seus processos internos de alocação de
recursos, via análises de projetos de investimentos, por sua vez, consistem
basicamente em exercícios numéricos, que tão-somente os justificam.
Vimos, portanto, por meio dos textos citados, que tanto nas escolhas de fontes de
financiamento quanto nas estratégias de investimentos, a dinâmica do mercado é
sempre considerada como um processo mediador entre elas e a performance da
firma e que um alinhamento entre estratégia e finanças ocorre naturalmente. Em
outros termos, investimento, financiamento e mercado caminham juntos ao longo do
processo decisório da firma.
Em um sentido mais amplo, essa questão já tinha sido suscitada por Coase (1937, p.
388), quando de sua clássica indagação: "Por que existem empresas?", questão
esta que confrontava a teoria econômica neoclássica que então defendia o
mecanismo de preços como único ordenador do processo de alocação de recursos
na economia. A seu ver, a firma exercia um papel importante nesse processo de
alocação de recursos, e sua simples existência funciona como indicador dessa
importância, até porque elas proliferam devido a ambientes propícios ao seu
surgimento. Indo mais além, a empresa se distinguia por sua capacidade de
substituir o mecanismo de preços, por promover com vantagens a redução de seus
custos relativamente à situação na qual tivesse de transacionar com todos os
fornecedores de fatores de produção por um lado, e com todos os compradores dos
produtos ou serviços, por outro. A este propósito, seu resumo da situação se dá
conforme citação a seguir:
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Do lado da empresa, os movimentos de preços direcionam a produção, a qual é coordenada através de uma série de transações de troca com o mercado. Dentro da empresa, estas transações do mercado são eliminadas e no lugar da estrutura complicada do mercado com transações de troca aparece o empreendedor coordenador, o qual dirige a produção (COASE, 1937, p. 387).
A firma surge, portanto, sempre que o custo de se organizar um determinado
número de transações sob coordenação única é menor que o custo de se
transacionar diretamente no mercado. Nesses casos, a organização do processo de
produção via mecanismo de preços é substituída pela firma sob o comando de um
empreendedor a quem cabe trazer para dentro dela aquelas transações cujos custos
de realização sob seu comando sejam menores que o custo de realizá-las sob o
mecanismo de preços do mercado. A firma cresce e se desenvolve, segundo Coase
(1937), via esse mecanismo e tendo em conta que a questão é, sempre, "se vale a
pena trazer uma operação externa para o comando de uma autoridade
organizadora". Esta última questão, por sua vez, coloca todo o problema estratégico
da firma, na medida em que as decisões de crescimento se colocam no centro da
discussão para formulação da estratégia, que, segundo Porter (1986), se expressa
por questões sobre até quanto crescer e como crescer.
Assim é que, para Coase (1937), o empreendedor decide com o olhar sobre o
mecanismo de preços do mercado, escolhendo o que trazer para dentro da firma e o
que deixar por conta do próprio mercado. Portanto, tem sentido afirmar que decisões
estratégicas são tomadas nessa fronteira entre o interno e o externo à firma, tendo
em conta o mecanismo de preços do mercado.
A questão de Coase (1937) − por que existem empresas? − abriu e definiu o campo
da chamada economia institucional. Até então, o ponto de vista hegemônico da
teoria neoclássica considerava a firma como um dado, submetida à mão invisível do
mercado. Para Rumelt, Schendel e Teece (1994), ao questionar esse saber
estabelecido, Coase (1937) abriu toda uma perspectiva de pesquisa da firma
enquanto sujeito ou ator econômico e não apenas como um ente submetido às
forças do mercado.
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O argumento de Coase (1937), que acabamos de desenvolver, deixa pistas
importantes para os propósitos de alinhamento entre estratégia e finanças desta
pesquisa. Afinal, se no processo de decisão sobre estrutura de capital da firma, o
empreendedor deve optar pela absorção de recursos de capital via mecanismo de
preços, este fato poderá caracterizá-la como decisão estratégica, o que alinha
automaticamente os campos de estratégia e de finanças. Entretanto, cabe a
advertência de Bromiley (1990) sobre a dificuldade efetiva de integração entre esses
dois campos do conhecimento, visto que cada um se sustenta sobre paradigmas
diferentes.
Nesse sentido, a área de finanças admite que a firma age racionalmente com o claro
objetivo de maximizar o valor para o acionista. Para a obra Strategor (1993, p. 297),
nessa visão do mundo a organização confunde-se com um ator único, homogêneo,
racional, consciente de si próprio e do seu contexto, e dotado de objetivos e/ou de
preferências relativamente estáveis. A ação deriva dos objetivos formulados ou das
preferências manifestas, claramente definidas, confrontados contra um dado
contexto. No entanto, sua ação é executada como se fosse um só homem em busca
de seus objetivos, com a tomada de decisão seguindo um processo já definido,
cujos passos são a definição do problema, o levantamento de alternativas de ação,
a avaliação de cada uma delas e a escolha daquela que maximiza o resultado,
segundo critérios de preferências do tomador de decisão.
Por outro lado, a área de estratégia admite que a firma dispõe de vários
constituintes, com objetivos diferentes e, às vezes, conflitantes, sendo impossível
maximizá-los em conjunto. A conseqüência desse estado de coisas para Bromiley
(1990) é a adoção de um modelo da firma diferente e mais complexo daquele de
finanças .
O campo da estratégia, ao desenhar um modelo mais complexo, fruto de sua visão
multifacetada do macroambiente e dos múltiplos constituintes da firma, aproxima-se
mais do modelo proposto por Simon (1958), o qual implicava em um reconhecimento
dos limites da cognição humana na busca de soluções maximizadoras, sob os
critérios da racionalidade limitada (STRATEGOR, 1993).
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28
No modelo de Simon (1958), a firma é vista como uma organização coordenada por
uma diretoria única, que dirige um conjunto de subunidades responsáveis por partes
da decisão total. O objetivo global da decisão é dividido por ela em subobjetivos
atribuídos que são a cada uma das partes da organização. Esta, em seus processos
normais de trabalho, busca suas soluções parciais atendendo suas práticas de
decisão e critérios de preferência, que são aceitos pela direção se entendidos como
motivadores de desempenhos corporativos satisfatórios (STRATEGOR, 1993).
Voltando à área de finanças, esta adota um modelo simplificado, concedendo ênfase
maior às questões de eficiência do mercado, o qual, naturalmente, deriva de seu
viés microeconômico no qual está implícita a presunção da racionalidade perfeita.
Entretanto, unificar os campos de conhecimentos de finanças e de estratégia
conforme crença de Simerly e Li (2000), é uma questão de método, já indicado pela
prática das organizações. Para eles, a escolha de uma estrutura de capital para a
firma é mais a expressão de uma busca de alternativas em um macroambiente
complexo e incerto do que o cálculo de alternativas pré-definidas segundo um dado
modelo.
3.2 O foco da estratégia
Do lado da estratégia, acredita-se que a integração entre as duas disciplinas
encontra campo fértil e vários pontos a partir dos quais é possível iniciar este
processo, até porque a articulação com as demais áreas da firma tem sido um
objetivo perseguido por diferentes autores. Por exemplo, quando Chandler (1986)
lança sua máxima de que a estrutura segue a estratégia, isto representou um
rompimento com a tradição clássica de se buscar a máxima eficiência da
organização olhando só para os seus elementos internos de uma maneira estática.
Pelo contrário, o autor buscava nova maneira de se olhar a organização, em que a
análise da interdependência entre ela e outras variáveis do ambiente passa a ser o
ponto central.
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29
De fato, o desenvolvimento do campo de estudos da estratégia pode ser mapeado
desde os textos de economia da década de 30 do século passado. As dificuldades
econômicas do mundo naquela época fizeram surgir teorias de concorrência
imperfeita, assim Joseph Alois Schumpeter lançava sua concepção de
empreendedor e de destruição criativa, que marca importantes contribuições
contrárias à concepção estática da eficiência competitiva dos demais economistas.
Mas a linha principal de argumento da teoria econômica sempre ignorou a atividade
executiva intra-organizacional, com ênfase mínima sobre a atividade de gestão da
firma, e como pontuam Rumelt, Schendel e Teece (1994, p. 14), na concepção
tradicional da economia, "todas as empresas são essencialmente parecidas, tendo o
mesmo acesso a informações e tecnologia, e suas decisões são essencialmente
racionais e previsíveis, virtualmente compelidas por condições de custos e
demanda".
De qualquer forma, já houve estudos nos anos 30 sobre o trabalho e a eficiência,
que forneceram bases para a concepção do papel do gerente e de suas escolhas
estratégicas. Por exemplo, Barnard (1938) foca seu estudo nas funções do
executivo, estabelecendo a diferença entre eficiência e efetividade da firma,
fundamental para o conceito de estratégia, elevando o estudo do trabalho das
atividades operacionais para aquelas próprias do gestor.
Diversos estudos elaborados na década de 60 sobre o campo da teoria
organizacional delinearam o conceito de contingência, o qual, por sua vez, propiciou
o surgimento do conceito de estratégia. Dentre eles, sobressaem os estudos de
March e Simon (1958), caracterizando a cibernética como metáfora para o trabalho
do gestor; Cyert e March (1963) e o comportamento da firma; Burns e Stalker (1961)
contrastando organizações mecânicas e orgânicas; Woodward (1965) assinalando a
influência da tecnologia sobre a organização; Lawrence e Lorsch (1967) propondo
que a organização era contingente à incerteza do ambiente. Além destes, Chandler
(1962), Ansoff (1977) e Andrews (1965) estabeleceram com seus trabalhos a linha
do campo de estudo da estratégia (RUMELT, SCHENDEL e TEECE, 1994, p. 14).
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30
De fato, Chandler (1986, p. 385) delimita o campo de trabalho do
administrador/gestor, que "inclui ação executiva e ordens, bem como decisões
tomadas por meio de coordenação, análise e planejamento do trabalho da empresa
e alocação de seus recursos". Além disso, o autor se ocupou em separar as ações
desse agente em dois componentes, sendo o primeiro denominado de estratégia, o
qual é definido como "a determinação das metas e objetivos de longo prazo da
empresa, e a adoção de cursos de ação e alocação de recursos...", enquanto que o
segundo é direcionado à estrutura da firma, definida como o "desenho da
organização, através do qual a empresa é administrada" (CHANDLER, 1986, p. 8).
Ainda segundo Chandler (1986), as estruturas administrativas das firmas analisadas
seguiam uma trajetória de conseqüência na seguinte ordem: primeiro, o
entendimento da nova forma alcançada pela organização remetia a sua estrutura
anterior e a toda a sua história administrativa; segundo, as mudanças das estruturas
de organização estavam intimamente relacionadas às diferentes maneiras que elas
utilizaram para se expandir; terceiro, os padrões de crescimento refletiam todas as
mudanças por que passava a economia americana, notadamente aquelas
relacionadas aos mercados dos produtos das empresas; quarto, a reorganização era
influenciada pelo estado da arte da administração no país.
A dinâmica do processo descrito pelo autor mostrava-lhe que à medida que a
gerência de topo tomava decisões quanto à fixação dos objetivos e metas a serem
perseguidos pela organização – o que denominou estratégia –, seguia-se a
necessidade de rearranjos em todo o processo administrativo essencial ao
cumprimento do fixado – o que chamou estrutura. Mais especificamente, a
concatenação das diferentes estratégias de crescimento adotadas pelas
organizações – expansão do volume, dispersão geográfica, novas linhas de
produtos – e suas diferentes combinações geravam diferentes arranjos
organizacionais ou diferentes estruturas. Essa nova forma de analisar a organização,
que hoje é denominada raciocínio estratégico, passou a conduzir os estudos da
disciplina, e o fundamental que ficou de Chandler (1986) é que as diferentes formas
organizacionais das firmas derivam das diferentes estratégias de crescimento que
elas adotaram, em um processo que culmina em sua conhecida proposição de que
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31
"a estrutura segue a estratégia e o tipo mais complexo de estrutura é o resultado da
concatenação de diversas estratégias básicas" (CHANDLER, 1986, p. 14).
Ansoff (1977) articulou o conceito de estratégia em torno da proposição de "elos
comuns", no lugar de conceitos vindos da economia, como "setor de transporte" ou
"setor energético", os quais ele considerava pobres e deficientes para definir o
campo de atuação e a orientação de crescimento da firma.
Para Ansoff (1977), o que especificava o elo comum de uma dada organização
podia ser enquadrado em um conjunto de quatro componentes: 1. o escopo de
atuação da firma, ou o seu "conjunto de produtos e mercados"; 2. o "vetor de
crescimento" escolhido para o seu conjunto de "produtos e mercados"; 3. a
"vantagem competitiva" da firma, ou as "propriedades específicas e combinações
individuais de produtos e mercados que dão à empresa uma forte posição
concorrencial"; 4. a "sinergia", ou a "medida da capacidade da empresa para tirar
proveito de sua entrada numa nova área de produtos e mercados" (ANSOFF, 1977,
p. 88).
Por sua vez, Andrews (1965) define estratégia como "o padrão de objetivos,
propósitos ou metas bem como as mais importantes políticas e planos para se
alcançarem tais metas – tudo isso enunciado de forma tal a definir o negócio atual
ou futuro da empresa e o tipo de empresa que ela é ou almeja ser" (Andrews, 1965,
p. 3). Esssa definição implica que a firma deverá ser capaz de identificar os quatro componentes da estratégia, a saber: (1) a oportunidade mercadológica, (2) a competência e os recursos corporativos, (3) os valores e aspirações pessoais, e (4) o reconhecimento de obrigações para com outros segmentos da sociedade que não os acionistas (ANDREWS, 1965, p. 5).
Além disso, havia a considerar que todo esse processo envolve dois aspectos da
estratégia da firma, a formulação e a sua implementação.
Chandler (1986), Ansoff (1977) e Andrews (1965) deram forma ao conceito de
estratégia no campo teórico, ao passo que a dimensão prática empresarial se
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32
estabeleceu com firmas de consultoria, dentre as quais a Boston Consulting Group,
com seus instrumentos e conceitos como a growth-share matrix e a curva de
experiência.
Enquanto esses três primeiros autores adotaram uma linha mais descritiva das
proposições sobre estratégia, os estudos a partir da década de 70 buscaram colocar
à prova este conjunto de construtos e proposições sobre como as estratégias eram
formuladas e como elas afetavam a performance dos negócios. De um enfoque com
ênfase descritiva sobre como a estratégia era formada e implementada, ou seja, o
seu processo, eles evoluíram para uma observação sistemática, análise dedutiva e
modelagem, buscando compreender o eixo estratégia – performance, ou seja, o seu
conteúdo.
Esses estudos de cunho mais sistemático e científico tomaram três diferentes
ramificações. A primeira, seguindo a linha de Chandler (1986), buscou testar as
proposições acerca de crescimento e estratégias de diversificação. A segunda foi à
cata de relacionamentos entre estratégias e performances, ao passo que a terceira,
usando a perspectiva da economia industrial, culminou nos trabalhos de Michael
Porter, com suas análises sobre estratégia e vantagem competitiva.
Os trabalhos empíricos dos seguidores de Chandler (1986) culminaram em
demonstrações da inter-relação entre a estratégia de crescimento, forma da
organização e expectativa de performance da firma. Rumelt (1974) contribuiu nessa
linha de pesquisa apontando medidas de diversificação e testando o seu impacto
sobre a estrutura de organização e a performance (RUMELT, SCHENDEL e TEECE,
1994, p. 16)
O Strategor (1993) segue também essa linha de pesquisa, integrando à estratégia,
além da estrutura, mais dois elementos determinantes da política da empresa, a
decisão e a identidade, propugnando que a articulação entre eles se dá por
influência recíproca, ou seja, não apenas a estratégia determina a estrutura como é
também por ela influenciada. Nesse sentido, a integração entre todos os elementos
do modelo pode-se dar por meio da figura do tetraedro, onde cada uma de suas
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33
faces, correspondentes a cada um dos elementos propostos (estratégia, estrutura,
decisão e identidade), apresenta uma interface contígua com os outros três,
influenciando-se reciprocamente.
Retornando a Michael Porter, Rumelt, Schendel e Teece (1994) assinalam que o
modelo de interação das forças competitivas, que tem como base os conceitos da
economia industrial, deu forma e conteúdo ao amplo e vago constructo denominado
ambiente econômico competitivo. Em seguida a isso, Michael Porter propõe a cadeia
de valores em complementação às questões centrais em estratégia relacionadas à
atratividade da indústria e à posição competitiva da firma. Com este modelo, ele se
propõe a criar uma ponte entre a formulação e implementação da estratégia da
firma, indo além do tratamento destas enquanto questões separadas. De fato, Porter
(1989), com a descrição das atividades da firma, alcança explicar o processo de
formulação e implementação de sua metodologia.
Por outro lado, as diferenças entre as firmas, quando olhadas pelo lado do mercado,
são explicadas por outros fatores, tais como os grupos estratégicos que seriam
agrupamentos de empresas produzindo as mesmas linhas de produtos e que foram
constituídos a partir das barreiras de entrada geradas pelas próprias firmas
competidoras, que, inclusive, geram barreiras à mobilidade entre os grupos de
empresas. Ainda mais, essas mesmas barreiras à mobilidade criam as condições
para surgir diferenças entre as constituintes desses grupos estratégicos em face de
possíveis candidatos. A sustentabilidade dessas diferenças, por sua vez, depende
das barreiras à imitação que são geradas mediante investimentos contínuos para
melhorar posições e mantê-las a salvo de concorrentes (PORTER,1986 e 1989).
Ainda segundo Michael Porter, evidências empíricas sugerem que as diferenças de
rentabilidade encontradas entre as firmas dependem da indústria. Em uma amostra
de 38 indústrias, em 15 delas as firmas com estratégias consideradas seguidoras
apresentaram taxas de retorno maiores que as líderes da indústria, naqueles casos
em que elas não apresentavam economias de escala significativas ou que eram
altamente segmentadas. Nas indústrias em que o líder de mercado apresentava as
mais altas taxas de retorno, as economias de escala estavam presentes, assim
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34
como maiores gastos em publicidade e pesquisa. Em outros termos, essas indústrias
revelam barreiras atuantes e efetivas à mobilidade.
Ghemawat (1998) relata que os investimentos irreversíveis e duráveis em economias
de escala e de escopo, assim como os efeitos da experiência, tornam as vantagens
do tamanho em elementos de convencimento sobre pequenos concorrentes para
que assim se mantenham. O acesso superior aos mercados de insumos, clientes e
know-how proporciona aos detentores uma assimetria de investimentos que mantém
os concorrentes afastados. E, finalmente, as opções dos concorrentes podem estar
afetadas em sua livre concorrência ou por investimentos passados, ou mesmo pela
falta de agilidade de realizar novos movimentos estratégicos.
Outra afirmação do autor é que o conceito de economia de escopo abriu novas
perspectivas para a utilização da tradicional visão de recursos da microeconomia,
onde as análises são conduzidas por meio de categorias muito amplas como terra,
trabalho e capital. Na teoria de recursos, por sua vez, eles são melhor analisados e
detalhados, ampliando seu entendimento e possibilidades de aplicação prática, via
utilização em múltiplos produtos, mesmo quando não compartilham os custos
comuns.
A questão relativa ao posicionamento competitivo da firma, uma outra perspectiva
para a formulação de sua estratégia, foi também analisada por Ghemawat (1998),
com vista a responder ao difícil desafio de criar e sustentar suas vantagens
competitivas. Em seu estudo, ele defende que uma vantagem sustentável decorre
do porte no mercado-alvo, do acesso superior a recursos e/ou de restrições
impostas às opções do concorrente. Para ele, esse conjunto de fatores afeta a
sustentação da vantagem competitiva, mas a distância entre uma situação
sustentável e outra contestável é uma questão de grau. Além disso, "nem todos os
setores oferecem oportunidades iguais para sustentar uma vantagem competitiva", e
a firma deverá buscar um equilíbrio entre o "comprometimento para competir de uma
certa maneira e reter flexibilidade para competir com eficácia de outras maneiras"
(GHEMAWAT, 1998, p. 40).
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35
Os trabalhos de Porter abriram, também, um importante caminho além do paradigma
da "structure-conduct-performance" e cabe a observação de RUMELT, SCHENDEL
e TEECE (1994) de que a crítica de Chicago sobre a teoria tradicional de barreiras à entrada, a qual sustenta a visão alternativa de que altos lucros são retornos para capacidades ou recursos especializados de alta qualidade, tornou-se uma inspiração importante para a teoria da firma baseada em recursos. (RUMELT, SCHENDEL e TEECE, 1994, p. 18).
Por sua vez, a teoria de recursos, tomando eco na questão de Coase (1937, p. 388)
"Por que existem em empresas?", coloca de forma ampla a indagação "Por que as
empresas são diferentes?" como o questionamento básico em sua perspectiva de
estudos. De fato, esse questionamento chama a atenção para as características
intrínsecas das firmas frente ao conceito de mercado, tão caro à teoria econômica
clássica, e coloca foco nos fenômenos que produzem e sustentam a
heterogeneidade entre as firmas.
Observações empíricas mostram que às vezes as firmas se diferenciam umas das
outras, mesmo quando atuantes na mesma indústria. Rumelt (1994) demonstra que
as variâncias nos retornos sobre o capital das firmas em uma mesma linha de
negócios podem ser distribuídas nas seguintes parcelas: 0,8% devido aos efeitos
derivados da corporação, 8,3%, à estabilidade da indústria e 46,4%, à unidade de
negócios, revelando que os maiores fatores de heterogeneidade derivam das
próprias firmas, a despeito da intensa imitação entre elas, fruto do ambiente
competitivo em que operam. Por sinal, este é entendido como homogeneizador
delas, reforçando a indagação acerca do que sustenta a heterogeneidade em
recursos e performances entre empresas competidoras a despeito de tentativas de
competição e de imitação (RUMELT, SCHENDEL e TEECE, 1994, p. 16).
Na teoria de recursos, estes são vistos como quaisquer fatores que impliquem força
ou fraqueza de uma dada firma, podendo conferir vantagens competitivas
duradouras a esta face sua concorrência. De fato, Wernerfelt (1984), tomando o
modelo das forças competitivas como base para suas análises, propõe uma nova
visão da firma baseada em recursos a qual revitaliza a tradicional análise
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microeconômica dos fatores de produção ao agregar o conceito de economia de
escopo. Sua afirmação de que "para a empresa, recursos e produtos são dois lados
da mesma moeda" (WERNERFELT, 1984, p. 171), pode levar ao entendimento de
que o posicionamento da firma pode ser visto tanto do ponto de vista do mercado,
da forma como tradicionalmente o assunto é tratado nas abordagens de estratégia,
como pelo lado dos recursos.
Com a perspectiva aberta pelo conceito de economia de escopo ou de recursos
compartilhados em mercados distintos, novas questões se abrem para a formulação
de estratégias de diversificação, como: 1. em quais recursos se basear a
diversificação; 2. como desenvolvê-los mediante a diversificação; 3. qual a
seqüência de entrada em novos mercados; 4. qual o tipo de negócio a adquirir.
Essas questões colocadas por Wernerfelt (1984) suscitam novas proposições para
as firmas, como a existência de barreiras de recursos análogas às barreiras de
entrada, com as quais elas podem construir o seu posicionamento. Em
conseqüência, seu desenvolvimento passa a ser uma questão de equilíbrio entre
recursos existentes e outros a desenvolver, podendo-se ainda pensar em termos de
uma matriz de produtos/recursos à semelhança daqueles de produtos/mercados.
Esse conjunto de proposições de Wernerfelt (1984), em conseqüência, motiva a
entender o gestor como alguém que olha a empresa como um portfólio de recursos e
não apenas como um de produtos. Outrossim, a gestão de recursos passa a ser a
escolha de caminhos de desenvolvimento desses mesmos recursos, tendo em vista
a seqüência de entradas em novos mercados definida pela estratégia de
diversificação buscada pela firma. Em síntese, tem-se a migração do conceito de
gestão estratégica da firma a partir de um foco em mercados para outro baseado em
recursos.
Entretanto, cabe a observação de Barney (1991) de que os recursos que criam e
sustentam vantagens competitivas devem apresentar certas especificidades como
barreiras à mobilidade, visto que eles são distribuídos de forma heterogênea entre
as firmas. Outro ponto importante é que os recursos não são homogêneos entre
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empresas diferentes, pois se o fossem, nenhuma vantagem seria obtida pela
primeira ao exibir determinada característica, já que rapidamente outras firmas a
imitariam. Enfim, para serem fontes de criação e sustentação de vantagens
competitivas da firma, os recursos sob o controle desta devem apresentar
características que sejam entendidas como valiosas, únicas, inimitáveis e
insubstituíveis.
De acordo com Collins e Montgomery (1995), recursos são valiosos para as
empresas quando considerados em seu contexto de mercado, tanto setorial como
temporalmente. Um recurso inimitável, ou único, difícil de copiar, durável e
reconhecido pelo cliente, confere uma vantagem sustentável à firma que o detém.
Hamel e Prahalad (1995) reforçam as exigências, apontando que os recursos devem
ser competitivamente únicos e proporcionar capacidade de expansão, ou seja,
"podendo ser aplicados em novas arenas de produtos". Em suma, os recursos da
firma, quer como ativos tangíveis, quer como ativos intangíveis ou como
capacidades, estão no âmago da questão de criar e sustentar sua vantagem
competitiva.
Quanto à forma, Collins e Montgomery (1995) apontam que os recursos podem assumir uma variedade de formas... Às vezes ... são tangíveis, como a fiação da casa... também são intangíveis, como nomes de marcas ou know how tecnológico ... também é possível que os recursos valiosos sejam capacidades organizacionais, impregnadas nas rotinas, processos e cultura da empresa (COLLINS e MONTGOMERY, 2001, p. 40).
Mas, qualquer que seja a forma, eles devem ser avaliados em sua interação com o
mercado, nunca de forma isolada, pois, "ao ignorar o mercado, os gerentes correm o
rico de efetuar investimentos vultosos em recursos que não gerarão retornos"
(COLLINS E MONTGOMERY, 2001, p. 41).
Embora já esteja alinhada entre os paradigmas da teoria da estratégia, como
posicionamento, teoria dos jogos, capacidades dinâmicas, a teoria de recursos deita
suas raízes nos primeiros textos da área. O modelo SWOT, proposto por Andrews
(1965), sugeria a criação da estratégia da firma por meio da exploração das forças
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internas da organização, do aproveitamento das oportunidades de mercado,
superação das fraquezas internas e em evitar as ameaças do ambiente de negócios.
Pode-se dizer que, sob a perspectiva interna da organização, o modelo SWOT já
propunha uma abordagem de recursos para a firma, ao passo que externamente à
firma, ele antecipava modelos orientados para o mercado.
Teece, Pisano e Shuen (1997) notam que o modelo de forças competitivas seguiu
exatamente essa linha de pensamento de Andrews (1965), tratando a estratégia em
termos da estrutura da indústria e do posicionamento da firma. Complementarmente,
o modelo que desenvolvem, de capacidades dinâmicas, está em linha com estas
análises na medida em que se propõe a integrar essas duas perspectivas, por meio
da "capacidade de renovar competências", no front interno, e de "atender as
exigências de um ambiente em mutação" no externo (TEECE, PISANO e SHUEN,
1997, p. 515).
Ainda segundo os autores, essa proposição encontra-se em linha com a visão de
Coase (1937), de que a essência da firma é que ela substitui algumas funções
externas e organizativas próprias do mercado, dentro da própria organização. Esta
característica a distingue, portanto, pois ela modela domínios internos de atividades
com seus recursos, competências e capacidades, em uma lógica própria e diferente
do mercado. Dessa maneira, os processos organizacionais modelados pelo
posicionamento de ativos da firma e desenvolvidos em sua trajetória de evolução
configuram e definem suas capacidades dinâmicas e a sua vantagem competitiva.
Aliás, esses processos organizacionais são as diferentes maneiras que a empresa
assume na execução de suas atividades, ou seja, suas rotinas, práticas correntes e
de aprendizagem. Por sua vez, posicionamentos são os seus ativos específicos,
como tecnologias, patentes, ativos complementares, sua base de clientes e suas
relações externas com os fornecedores e firmas complementares. Sua trajetória
repousa sobre o grau de dependência a seus padrões de evolução, que resultaram
em suas alternativas de estratégias disponíveis e nos retornos alcançados.
No que interessa mais de perto ao campo das finanças, Teece, Pisano e Shuen
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(1997) afirmam que os ativos financeiros alinham-se entre aqueles que definem
posicionamento, e o fluxo de caixa e o grau de alavancagem da empresa
apresentam importantes implicações estratégicas, pois levantar fundos
externamente implica difundir e disseminar informações internas importantes a seus
investidores. No longo prazo, portanto, o fluxo de caixa e a alavancagem da firma
podem ser determinantes em suas escolhas estratégicas.
3.3 O foco de finanças
Muito embora a pesquisa em finanças nos últimos 40 anos possa ser enquadrada
em duas grandes linhas, com sua tradicional divisão em asset pricing e corporate
financing, há de se atentar para a afirmação de Miller (1999) de que as abordagens
originadas das escolas de negócios acerca das funções e objetivos das empresas
são, por excelência, micronormativas, entendendo que estas buscam melhores
decisões. Dessa forma, seus modelos de decisão se estabelecem visando à
maximização de uma função-objetivo qualquer, seja o retorno esperado ou o valor
para acionista, tendo-se os preços dos títulos no mercado como um dado que
referenda desempenhos.
Ainda quanto a isso, é interessante notar que as abordagens das escolas de
economia seguem a máxima de Marshall, de que "não é da conta dos economistas
ensinar o mestre cervejeiro a fazer cerveja", sendo, portanto, macronormativas. As
empresas são vistas como unidades microotimizadoras e participantes de algo maior
chamado mercado, que é dirigido via mecanismo geral de preços.
Exemplos da natureza macronormativa de finanças podem ainda ser buscados na
teoria de portfólio de Markowitz, com seu modelo baseado na média e variância dos
dados, o qual vê o investidor como um decisor que se baseia em dados e
estatísticas passadas de médias e variâncias de retornos de ativos, assim como de
covariâncias entre estes. Na mesma linha macronormativa, o modelo Capital Asset
Pricing Model – CAPM - mensura riscos de ativos como função de sua covariância
com os retornos do portfólio de mercado.
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A hipótese de eficiência dos mercados, conforme enunciada por Fama (1970),
estipula que "nenhuma regra simples baseada em dados e informações já
publicados e disponibilizados pode gerar taxas de retornos acima do normal", o que
implica a afirmação de nova abordagem de natureza macronormativa de finanças
(MILLER, 1999).
Entretanto, as proposições de Modigliani e Miller (1958 e 1961) ilustram a tensão
entre as abordagens macro e micronormativas no campo das finanças, embutindo-
as, pelo lado micro, com sua busca do custo de capital, que sirva como taxa de
retorno para análise dos projetos de investimentos da firma; pelo lado macro, com a
expressão da demanda por investimentos se estabelecendo em função do custo de
capital das firmas no lugar da taxa dos títulos de longo prazo do governo. Em
especial, a abordagem micronormativa de que o custo de capital da empresa
depende apenas da classe de risco dos projetos sob análise, portanto independendo
de seus instrumentos de financiamento, colocou uma enorme dificuldade para o
entendimento das teorias de finanças corporativas, o que é apontado pelo próprio
Miller (1999). Aliás, um trabalho seminal desse autor (Miller, 1977), deixa clara a
posição de que o equilíbrio no mercado de capitais se dá em nível agregado,
embora cada empresa tenha sua preferência acerca da estrutura de financiamento
que agrada a seu público investidor-alvo. Para tanto, o autor se expressa
exatamente na última linha desse texto, dizendo: "... afinal, cada clientela é tão boa
quanto outra qualquer" (MILLER, 1977).
O trabalho de Jensen e Meckling (1984) expressa muito bem a tensão entre as
abordagens micro e macronormativas, com sua argumentação de que o
balanceamento tradeoff entre custos de falência e subsídios tributários invalida a
proposição de irrelevância de estrutura de capital de MM, na medida em que
probabilidades de ocorrência de falência guardam relação direta com índices de
alavancagem financeira (capital de terceiros/capital próprio), o que afeta a
distribuição futura dos prováveis fluxos de caixa da firma.
Na proposição dos autores, os custos de agência fundam-se no mesmo pressuposto
de maximização de uma função utilidade das finanças, amplo senso: "De nossa
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41
parte, mantemos a noção de um comportamento maximizador por parte de todos os
indivíduos na análise a seguir" e que "se ambas as partes na relação são
maximizadores de utilidade, há boa razão para acreditar que o agente (gerentes)
nem sempre agirá nos melhores interesses do principal (acionistas)" (JENSEN e
MECKLING, 1984, p. 191).
Esse conflito de caráter permanente no processo decisório da firma, no qual os
protagonistas são os acionistas (os principais) e seus agentes (os gerentes), leva à
questão básica: a quem os gestores realmente servem? Naturalmente que essa
pergunta sintetiza uma negativa definitiva à pretensão de se ater exclusivamente ao
caráter micronormativo das finanças, até porque as respostas vão desde posições
críticas que apontam os próprios gerentes como beneficiários a outras que colocam
os gerentes como protagonistas de processos que atendem aos interesses de
diversos stakeholders como acionistas, clientes, fornecedores e empregados
(GRINBLATT e TITMAN, 1998).
Por certo a importância da abordagem normativa emerge na análise e a raiz desse
comportamento dos gestores encontra explicação no trabalho clássico de Berle e
Means (1932), os quais tratam do fenômeno da separação entre propriedade e
controle nas grandes corporações americanas. Por sua vez, Donaldson e Lorsch
(1983) sugerem que os gestores entendem a si próprios como representantes dos
mesmos stakeholders citados no parágrafo acima (acionistas, credores, clientes,
fornecedores e os próprios empregados).
Do ponto de vista do acionista, a grande questão posta é como exercer controle
sobre os atos dos gestores da firma, e uma influência direta pode ser exercida
quando seu bloco de ações é proporcionalmente grande o suficiente para se fazer
ouvido e obedecido. Entretanto, nas grandes corporações americanas, o controle é
essencialmente exercido por gestores que possuem uma parcela mínima das ações
da firma. Além disso, seus interesses não estão sempre e necessariamente
alinhados aos dos acionistas.
Do lado da escolha dos novos projetos da firma, os gestores preferem investimentos
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42
ligados a sua expertise pessoal e que aumentem seu poder e influência na firma e
diminuam o risco futuro de serem descartados. Ademais, eles revelam preferências
por investimentos que aumentem o tamanho da firma, que a diversifiquem, que
retornem mais rapidamente, bem como almejam redução de níveis de
endividamento, mesmo à custa da perda de possibilidade de dedução dos juros do
imposto de renda a pagar (GRINBLATT e TITMAN, 1998).
Enfim, esse conjunto de preferências dos gestores representa conflitos de agência
na firma e influencia fortemente sua estrutura de governança, impactando a escolha
de projetos de investimentos e afetando seu processo de criação de valor. De forma
definitiva, não tem sentido a aplicação exclusiva da lógica inerente à abordagem
micronormativa de buscar entender a empresa apenas como a geradora de
benefícios a seus proprietários.
Por essa visão, esses custos de agência estendem-se também para as dívidas
contraídas pela firma. Os custos de falência induzem os credores a incorrer em
custos de monitoramento de seus recursos aplicados nas empresas, os quais
derivam dos incentivos associados à alavancagem. Como sistematizam Grinblatt e
Titman (1998), o acionista pode assumir estratégias que transfiram riqueza do credor
para si mesmo, que se manifestariam de diferentes formas, como:
• adoção de estratégias de subinvestimentos, com a recusa de projetos com alto
Valor Presente Líquido – VPL - porque seus benefícios serão capturados em sua
maior parte por financiamentos anteriores, com cláusulas de precedência. Por
sua vez, essas cláusulas desincentivam novos credores a colocar mais dinheiro
na firma, reduzindo seu funding para novos projetos;
• orientação de curto prazo, o que significa que as empresas escolhem projetos
geradores de caixa a curto prazo, mesmo que seu VPL não seja atrativo;
• escolha de projetos com maiores taxas de risco, desde que a expectativa de
retorno para o acionista seja maior do que de projetos com menor risco,
aumentando a probabilidade de perda total para o credor, no caso de insucesso
do projeto;
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• postergação de liquidação da firma no caso de falência, porque o fluxo de caixa
poderá remunerar de alguma forma o acionista e manterá, certamente, os
salários dos gestores. Cabe ainda lembrar que, no caso de liquidação, os
acionistas são os últimos a receber valores no processo legal, o que os incentiva
ainda mais a comportamentos espúrios.
Como enfatizam Grinblatt e Titman (1998), custos de falência, subsídios tributários e
custos de agência são manifestações típicas do mundo real do mercado, e as inter-
relações entre elas influenciam decisivamente as escolhas de estruturas de capital,
as formas e a extensão da distribuição de resultados aos acionistas, além de
interferir nas relações entre os stakeholders da organização.
No caso específico dos stakeholders, verifica-se que estratégias de investimentos da
firma têm relação com graus de dificuldades financeiras, o que pode levar clientes e
fornecedores, por exemplo, a evitar fazer negócios com essa firma, por medo das
conseqüências de uma possível falência. Esta situação pode levar também a perda
de qualidade dos produtos ou redução dos serviços de assistência técnica pós-
venda para os clientes, afastando-os da empresa. Essa mesma situação pode levar
à postergação dos pagamentos a fornecedores e, ainda, no caso dos empregados, a
perda de emprego ou privação de oportunidades de crescimento profissional
(GRINBLATT e TITMAN, 1998).
Ainda mais, os investimentos em imagem e credibilidade da sua reputação e
produtos seguem nessa mesma trilha, e Grinblatt e Titman (1998) apontam que "sob
dificuldades financeiras, o valor a longo prazo de uma boa reputação pode ser
menos importante para gerentes que a necessidade de geração de caixa a curto
prazo com o intuito de evitar a falência" (GRINBLATT e TITMAN, 1998, p. 582).
Muito embora os custos de falência impostos por uma firma a seus stakeholders
retornem na forma de restrições sobre sua capacidade de elaborar estratégias, essa
mesma situação gera alguns benefícios como, por exemplo, o de dissuadir
sindicatos de empregados de demandas diversas e o de sensibilizar governos
quanto a disponibilizar concessões para evitar situações falimentares de empresas.
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Os custos de falência de uma grande firma incidentes sobre uma comunidade na
forma de baixa da atividade econômica reduzem, também, a capacidade de recolher
impostos dessa mesma comunidade. É claro que esse efeito representa um
catalisador da boa vontade governamental para este tipo de negociações.
Myers e Majluf (1984) desenvolvem um modelo de equilíbrio para a decisão de
emitir-investir baseado nas seguintes suposições: a empresa tem uma oportunidade
valiosa de investimento e existem informações assimétricas entre gerentes e
investidores. Concordam, ainda, que a firma opera em um mercado de capitais
eficiente onde o VPL dos títulos emitidos é zero visto que é compensado pelo VPL
dos investimentos pretendidos.
Isto é de fato um equilíbrio complexo que envolve muitas variáveis e demonstra a
interligação entre a estrutura de capital e decisões de escolha dos projetos de
investimento da firma. Ao contrário da irrelevância da estrutura de capital sobre o
valor dos ativos, conforme proposto por MM, o modelo mostra sua conexões.
Eles propõem nas conclusões de seu estudo que a firma deve evitar financiar seus
investimentos via emissão de capital. Ela deve, também, fixar uma meta de
dividendos compatível com possíveis investimentos de capital e com a geração
interna de recursos.
De qualquer forma, o poder discricionário dos gestores é reduzido pela alavancagem
financeira, na medida em que exerce pressão sobre o fluxo de caixa da empresa,
deixando pouca margem de manobra decisória. Neste quadro, o gestor dispõe-se a
investir menos, pois se veria com poucos recursos para novos projetos. Além disso,
uma estrutura de capital alavancada introduz outro stakeholder no sistema de
governança da firma, qual seja, a instituição financeira. O aumento de sua
participação na estrutura de capital dá-lhe poderes de monitorar as decisões dos
gestores, via controle de suas linhas de crédito adicionais.
Assim é que, como afirmam Myers e Majluf (1984), a estrutura de governança,
desenhada pela estrutura de capital da firma é, portanto, um dado da realidade que
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afeta a geração de valor para ela. Dito de outra forma, as decisões de finanças
afetam a estratégia da firma, e a formulação desta deve levar em conta as finanças
corporativas, representando, ambas, os dois lados de um mesmo processo
decisório.
Por outro lado, esses mesmos conflitos entre acionistas e credores suscitam a busca
de sua superação e uma das maneiras encontradas é a de financiar a firma somente
com capitais próprios. No entanto, essa forma radical de eliminar os conflitos
desaparece também com os benefícios decorrentes do endividamento como as
economias de impostos. Desta maneira, os gestores buscam formas de minimizar
esses conflitos lançando mão de artifícios como cláusulas restritivas nos contratos
de financiamento ou a busca de instituições privadas – companhias de seguro ou
fundos de pensão – como provedores de crédito, no lugar de emitirem títulos
públicos de dívidas. Essas instituições privadas de crédito podem monitorar mais de
perto os novos créditos da firma, protegendo os contratos com cláusulas restritivas,
reduzindo os conflitos de interesse entre credores e acionistas.
Vimos, portanto, que a escolha da estrutura de capital não é uma questão de
indiferença para o valor da firma, conforme proposto por Modigliani e Miller (1958),
até porque, nas questões relacionadas às decisões de financiamento desta, o gestor
se vê envolvido com toda uma gama de variáveis imbricadas entre si, exercendo
impactos fortes e contraditórios sobre o processo decisório. Naturalmente, quando a
isso somamos as dificuldades inerentes às decisões de pagamento de dividendos, a
própria natureza das finanças corporativas muda vivamente de contorno, e as
pretensões de se ater apenas à abordagem micro ou macronormativa, no sentido de
entender o processo de decisões das organizações, perdem sentido. Enfim, todo
esse processo acaba por tornar mais próximas as decisões de gestão financeira da
formulação de estratégias da firma.
Dessa forma, as proposições sobre a inter-relação entre estratégia e finanças vêm
hoje ganhando contornos cada vez mais nítidos e precisos com trabalhos e
pesquisas sobre o tema. Na síntese que empreenderam sobre o estado da arte na
área denominada teoria da estrutura de capital, Harris e Raviv (1991) apontaram um
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conjunto de cerca de 150 papers sobre o assunto, justificando os quatro
agrupamentos adotados com base em determinantes de estruturas de capital, os
quais seriam para eles:
1. conflitos de agência da firma;
2. assimetria de informações entre agentes internos e externos às organizações, no
contexto da seleção adversa de ativos;
3. características dos mercados de produtos e insumos das empresas;
4. disputa pelo controle corporativo.
Em outro trabalho de síntese do estado da arte sobre estrutura de financiamento de
empresas, Balakrishnan e Fox (1993, p. 14) adotam agrupamentos sobre os títulos
de "níveis de deduções tributárias financeiras", "níveis de deduções tributárias não
financeiras", "teoria de agência e endividamento", "fluxo de caixa livre,
endividamento e falência", "estrutura de capital por indústria". Além disso, os autores
adotam as perspectivas da transaction costs economics de Coase (1937) e da
resource based view da economia industrial, como base para pesquisas acerca dos
elos entre estratégia de negócios e estrutura de capital.
Encerrando, os trabalhos assinalados nesta seção revelam o grande potencial de
estudo que deriva desta busca de elos entre finanças e estratégia, o que significa
trabalhar em campos teóricos fundados sobre paradigmas diferentes e que se
expressa na frase de Harris e Raviv (1991, p. 300) de que modelos de estrutura de
financiamentos baseados nas interações dos mercados de produtos e de insumos
estão ainda em sua infância.
3.4 As pesquisas empíricas
Os primeiros estudos empíricos no campo da estratégia, dentre os quais se
sobressaem os de Andrews (1965), Ansoff (1977) e Chandler (1986), tinham um
caráter mais normativo, fruto de observações não sistematizadas da realidade. No
entanto, a partir da década de 70, os estudos tomaram um rumo mais pragmático,
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em que se buscavam por meio de observações empíricas as comprovações acerca
de conclusões retiradas de modelos teóricos. Por exemplo, estudos sobre as
cervejarias americanas propiciaram comprovar os elos entre estratégia e
performance da firma.
O estudo da arte estratégica recebeu em Child (1972) uma síntese das questões
empíricas envolvidas à época nas pesquisas, ao mesmo tempo em que fazia sua
proposição de abordagem ao ambiente da firma sistematizada segundo três grandes
dimensões de análise: variability, complexity e illiberality. A seu ver, essas
dimensões propostas poderiam suprir uma lacuna conceitual no estudo da disciplina,
que se tinha até então, e que ele expressava nos termos seguintes: Até o momento presente, alguns dos modelos mais influentes de organizações explicam pouco mais do que associações positivas entre dimensões de estrutura organizacional e fatores "contextuais", tais como ambiente, tecnologia e escala de operação (CHILD, 1972, p. 2).
Seguindo esta mesma linha, a integração das variáveis de estratégia e ambiente foi
proposta por Bourgeois (1981), a qual se daria por meio de uma estrutura que
articulava proposições da literatura de Business Policy e Organization Theory. Da
primeira é retirado o conceito de estratégia e sua subdivisão em duas partes:
estratégia corporativa, relativa à escolha dos domínios de atividades da corporação
como um todo, e estratégia do negócio, com foco na competição em mercados-
produtos de uma indústria específica. Da segunda, é retirado o conceito de ambiente
e sua subdivisão também em duas partes: ambiente geral e ambiente da tarefa. No
geral, identificam-se as oportunidades de negócios com o ambiente geral, ao passo
que a navegação estratégica da firma é associada à tarefa. Prosseguindo, o autor se
propõe a integrar as estratégias corporativas ao ambiente geral e as estratégias do
negócio ao ambiente da tarefa.
Essa abordagem permanece na literatura técnica da área e pode-se mapeá-la em
diferentes autores da disciplina. Em 1984, Dess e Beard apresentaram em seu
estudo "uma abordagem para mensurar o ambiente de tarefa das organizações..."
utilizando dados objetivos. Segundo os autores, o principal objetivo de sua análise
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era a mensuração das variações das transações entre organização e ambiente,
especificando o que se denominava ambiente da tarefa.
As dimensões elencadas do ambiente foram denominadas munificence, dynamism e
complexity. Por munificence definiram a capacidade de o ambiente sustentar o
crescimento das vendas de suas organizações; dynamism respondia pela
turbulência do ambiente de negócios, pela ausência de padrões, pela sua
imprevisibilidade e estabilidade-instabilidade; complexity era o termo para expressar
a heterogeneidade e abrangência das atividades das firmas.
Em termos práticos, os autores utilizaram um conjunto de 17 variáveis como proxies,
destacando-se as Vendas, Margem Bruta, Total de Empregados, Valor Adicionado e
Total de Estabelecimentos como as mais representativas, tendo es