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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa
em Administração - COPPEAD
Entre a Foice e o Pêndulo:
uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos
Autor: Marco Aurélio Cabral Pinto
Mestrado em Administração
Orientadora: Proia. Ora. Anna Maria Campos
Rio de Janeiro
1996
Entre a Foice e o Pêndulo:
uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos
MARCO AURíLIO CABRAL PINTO
Dissertação submetida corpo docente do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa
em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
COPPEAD IUFRJ - como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre.
Aprovada por:
Professora Anna Maria Campos
COPPEAD I UFRJ
Professor
Professora Syl ia Constant vergar� IAG I PUC
Rio de Janeiro
1996
residente da Banca
Pinto, Marco Aurélio Cabral.
Entre a Foice e o Pêndulo: uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos. Marco Aurélio Cabral Pinto. Rio de Janeiro: COPPEAD,1996.
xi, l20p. il.
Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAD.
1.Estratégia Empresarial. 2. Teoria Organizacional. 3. Tese (Mestr. - COPPEAD/UFRJ). I. Título.
2
RESUMO DA TESE APRESENTADA À COPPEAD/UFRJ COMO PARTE DOS
REQillSlTOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO Do GRAU DE MESTRE EM CrtNClAS
(M. Se).
Entre a Foice e o Pêndulo:
uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos
MARCO AURfluo CABRAL PINTO
ABRIL/1996
ORIENTADORA: PROFA. ORA. ANNA MARIA CAMPOS
PROGRAMA: ADMINISTRAÇÃO
A partir do contexto de crise da modernidade, a noção de tempo linear e
progressiva é analisada sob a ótica de sua tradução no seio das organizações
produtivas e no âmbito da gestão do tempo de trabalho.
Diante da concepção da realidade corno essencialmente dinâmica e
complexa, a produção do novo se associa ao desenvolvimento de novos
discursos (conceitos e/ou produtos), cuja continuidade torna-se imperativa
para a manutenção da ordem que garantirá a sobrevivência de cada
organização particular.
O impacto dos conceitos clássicos de gestão e controle do tempo de
trabalho, quando associados a criatividade e aos requisitos para a inovação,
podem gerar efeitos inibidores sobre o processo de produção do novo,
conforme explorado no decorrer do texto.
3
ABS1RACT OF THE THESIS PRESENTED TO COPPEAD / UFRJ AS PARTIAL
FULLFILMENT FOR THE DEGREE OF MASTER OF SCIENCE (M. SC.)
Entre a Foice e o Pêndulo:
uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos
MARCO AURÉLIO CABRAL PINTO
ABRILl1996
CHAIRMAN: PROFA. ORA. ANNA MARIA CAMPOS
OEPARTMENT: AOMINISTRATlON
Considering the well established context of the Crisis of Modernity, the
linear and progressive time concept is analysed under the perspective of its
translation to both productive organisations and time management of work.
As reality is conceived essentially as a dynamic and complex process,
any innovation can be related to the development of new products/concepts,
which degree of rupture with the existing paradigm is crucial to the success of
organisations.
The impact of the maintenance of classical concepts of time management
of work, when associated to both creativity and the requisites for innovation,
can give rise to inhibiting effects on the process of generation of new concepts,
as explored in the course of the texto
4
Dedico o esforço e o resultado deste trabalho a minha companheira Luciane, que caminha a meu lado.
Aos meus pais Antonio e Yara, minha v6 Yara e meu irmão Luis Alexandre, meu reconhecimento e respeito pelo carinho que tenho recebido no curso da vida.
Meus sinceros agradecimentos aos amigos Anna Maria Campos, Jorge Ávila e Márcio Macedo, pelo infinito aprendizado.
Aos que já se foram, pelo exemplo que a lembrança traz.
5
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação
em Administração - COPPEAD
Dissertação de Mestrado
Orientadora: Profa. Ora. Anna Maria Campos
Entre a Foice e o Pêndulo
uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos
Marco Aurélio Cabral Pinto
Rio de Janeiro
1996
Prefácio
Ao longo do Curso de Mestrado, na medida em que cumpria os créditos
necessários para sua conclusão, pude perceber a existência de um leque de
interesses bastante diferenciado na pesquisa e no ensino da Administração. De
uma maneira geral, após dois anos de intensos estudos, acredito poder
classificar os diferentes assuntos (e mesmo as disciplinas que os abrangem)
segundo as seguintes grandes áreas: Finanças, Operações, Marketing, Sistemas
de Informação, Controladoria e Organizações. Na realidade, esta classificação
torna-se mais representativa na medida em que se assume a analogia direta
entre as diversas áreas encontradas nas empresas e a produção teórica
encontrada nas universidades. Desta maneira, por exemplo, diversos são os
periódicos que reproduzem este modelo, especializando-se em torno de temas
de interesse de determinada área, e com isso atingindo simultaneamente tanto
o público empresarial quanto o público acadêmico.
Ao lado da classificação em áreas, os assuntos apresentados ao longo do
curso podem ainda ser divididos segundo outro critério bem mais difícil de se
definir em termos formais. Devido a esta dificuldade, assume-se como
premissa sua aplicabilidade, sem contudo utilizá-lo. Este critério localiza os
assuntos, os artigos e/ou as disciplinas entre dois extremos: o primeiro, dito
técnico, visa formar e informar o profissional e/ou o pesquisador em termos do
aparato instrumental e vocabulário específico dispoIÚvel e atualmente em uso
corrente; o segundo extremo, dito acadêmico. visa despertar no profissional
e/ ou no pesquisador o interesse pela meta-reflexão, ou seja, pela reflexão crítica
operada sobre o assunto que se propõe a estudar. Esta reflexão nem sempre
obtém resultados conclusivos, nem tampouco há garantias de sua tradução
direta em termos produtivos. Contudo, conforme pude perceber ao longo do
curso, dependendo da trajetória do indivíduo na escolha das disciplinas e
seleção dos textos complementares, é possível obter-se livremente diferentes
pontos dentro do contínuo que une estes dois extremos, sem contudo
abandonar uma formação generalista com relação às áreas da Administração.
Quando, no entanto, a classificação em grandes áreas (operações,
finanças, marketing etc) é confrontada com o critério que divide o técnico do
acadêmico, pode-se perceber um limite para a analogia antes estabelecida entre
as áreas encontradas nas empresas e a produção teórica nas universidades. Este
limite se situa na impossibilidade de se estabelecer analogia entre a área
conhecida como Organizacional e qualquer área encontrada nas empresas. Tal
impossibilidade resulta da natureza mesma do estudo das Organizações,
essencialmente acadêmica, portanto eminentemente meta-reflexiva.
A meta-reflexão, no caso do estudo contemporâneo das Organizações, se
volta para os fundamentos da ciência administrativa. A empresa, também
conhecida como organização produtiva, é colocada como caso particular de um
jogo de relações humanas em busca de ordem e sobrevivência.
Um caso particular da nossa própria existência, pois que outras relações
são importantes, para fora e para longe das empresas, neste jogo contínuo de
busca de ordem e sobrevivência.
Mas, uma vez aceito, o limite para a analogia entre a prática empresarial
e a pesquisa acadêmica impõe, ao menos à primeira vista, um desafio para os
interessados no estudo das Organizações. Cumpre a estes a tarefa de justificar
sua inserção junto à Administração, e para tanto cumpre também justificar um
papel relevante frente ao público voltado para a realidade das empresas. Do
contrário, mais apropriado seria sua inserção junto à Filosofia, dado o grau de
generalização que caracteriza a proposta.
No entanto, apesar do aparente distanciamento que alguns dos artigos e
dissertações da área possam guardar da realidade observada nas empresas,
apesar da não positividade aparente de algumas destas meta-reflexões, há hoje
um claro sinal que afirma a necessidade de se realizar uma revisão profunda
das estruturas, as quais vêm sendo afetadas por uma crise de grandes
dimensões. Este aparente distanciamento, esta aparente não positividade,
podem transformar-se em seu oposto no futuro que se aproxima célere.
Por outro lado, não pode ocultar-se a ineficácia presente de muitos
destes trabalhos no fórum de debates em torno dos problemas mais
II
importantes atualmente enfrentados pelas empresas. Esta ineficácia se revela na
ausência de sentido percebida por aqueles indivíduos que experienciam a
extensão e a urgência dos problemas cotidianos, investidos de poder e imersos
na responsabilidade de (re)construir este mundo que nos cerca através de suas
ações administrativas.
A busca de maior conexão entre o estudo das Organizações e os
problemas colocados na ordem do dia pelas empresas julgo ser, desta maneira,
o esforço mais relevante que fiz junto à COPPEAD/UFRJ; um esforço, porém,
acompanhado de um grande prazer, o prazer de incluir em minha história
pessoal o relacionamento com pessoas extraordinariamente interessantes.
111
Índice
1. Inuodução _____________________________ 2
1.1 Apresentação do tema ____________________ 2
1.2 Justificando o interesse pelo tema.,, ________________ 3
1.3 Metodologia adotada _______________________ 5
2. Questão-guia _______________________ 8
2.1 Enunciação _________________________ 8
2.2 Fronteiras de Controle Crítico _________________ 8
2.2.1 Jornada de Trabalho 8
2.2.2 Recursos Criativos 14
2.2.3 Produção do Novo e Inovação 17
3. Material de Apoio ______________________ 23
3.1 No âmbito da Administração de Empresas ____________ 24
3.2 A partir da Obra de Carlos Castanheda 26
3.3 A partir da obra de Henry Bergson 30
4. Discussão Teórica ______________________ 34
4.1 A noção de tempo geométrlco-galilaica _____________ 34
4.1 .1 O tempo clclico e irreversível 34
4.1.2 O tempo reversível, linear e progressivo. 40
4.2 A gestão do trabalho e o controle do tempo ____________ 46
4.2.1 A introdução da máquina no ambiente de trabalho 46
4.2.2 A busca de maximização da eficiência 48
4.2.3 A tcoria de tempos e movimentos 49
4.2.4 Atualidade da teoria de tempos e movimentos SS
4.3 A produção do novo em cenário de incerteza
e o controle do tempo de trabalho __________________ 58
4.3.1 A produção discursiva e uma episteme do não-linear: a teoria do caos S8
4.3.2 A criatividade em cenário de incerteza 62
4.4 Implicações para a gestão de recursos criativos _____________ 65
4.4.1 O processo criativo e a policronia ________________ 65
4.4.2 A policronia e a noção de tempo moderna 68
4.4.3 Discussão do problema e crítica 69
5. Conclusões ______________________ 79
6. Bibliografia _____________________ ,87
Anexo I: Entrevista Com um Designer - Sérgio Liuzzi ________ 89
Anexo lI: Entrevista Com um Músico - Danilo Caymmi 101
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Marco Aurélio Cabral Pinto
Capítulo 1
Introdução
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
1. Introdução
1. 1 Apresentação do tema
o tema mais genérico, no interior do qual procurou-se tecer a região, o
domínio, tratável nesta dissertação de mestrado foi a forma como se percebe o
tempo na modernidade - a noção de tempo moderna - vista sob o ponto de
vista do trabalho, do fazer produtivo. Menos do que crítica à conveniência de
se alocar maior ou menor quantidade de tempo ao fazer produtivo, o tema
genérico da presente dissertação pode ser definido em torno da reflexão sobre a
noção de tempo na modernidade, noção intimamente ligada à medida, à
grandeza mensurável com base em um padrão universaL A noção de tempo
moderna tem raízes históricas na Europa seiscentista, com os trabalhos de
Galileu Galilei, mas só alcançaria sua fase madura após a Revolução Industrial,
reforçada pela influência dos trabalhos de Taylor e Gilbreth no dia a dia das
empresas. Conforme apresentado ao longo da presente dissertação, a noção de
tempo moderna terá implicações profundas na administração do fazer
produtivo, seja em termos de planejamento, controle ou motivação para o
trabalho.
Marco Aurélio Cabral Pinto 2
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
1.2 Justificando o interesse pelo tema ...
o interesse que motivou a escolha do tema da presente dissertação pode
ser definido em torno da insatisfação observada nas empresas quanto à
medida do trabalho em um padrão de tempo definido.
Sob o ponto de vista individual, esta insatisfação se manifesta através da
perda motivacional. Do lado dos profissionais diretamente ligados à produção,
a perda motivacional parece estar ligada à monotonia associada às atividades
que desempenham. Da parte da gerência, percebe-se a estreita associação entre
inúmeros males físicos e mentais e o estresse inerente à permanente corrida em
direção aos "objetivos organizacionais", os quais são usualmente definidos com
base em um horizonte temporal pré-definido: a agenda e o cronograma.
Em muitas empresas, esta insatisfação têm sido percebida com relativa
clareza por seus membros. Estes têm procurado discutir e adotar soluções
alternativas que usualmente envolvem a flexibilização do horário de trabalho,
seja com vistas a obter maior motivação por parte dos funcionários, seja com
vistas ao aproveitamento mais eficaz do equipamento produtivo. Percebe-se
assim a tentativa de, com a flexibilização do horário de trabalho, preservar-se
ou aumentar-se o ganho em termos de resultados objetivos por parte da
empresa.
No entanto, esta insatisfação pode resultar em fator restritivo no
contexto de produção do novo, de inovação. Mais do que isto, os efeitos do
controle do tempo de trabalho definido a partir da noção de tempo moderna,
além dos aspectos conhecidos de perda motivacional, poderiam, por hipótese,
induzir ao empobrecimento da capacidade criativa do fator trabalho,
prejudicando assim a originalidade de sua produção.
A teoria administrativa tem dedicado progressiva importância à questão
da criatividade humana, principalmente sob o enfoque motivacional. Esta
importância se justifica pela necessidade percebida hoje no seio das
organizações de busca de novos mercados/produtos através de inovações
essencialmente diferenciativas, bem como de melhoria nos processos
Marco Aurélio Cabral Pinto 3
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
operacionais. Neste ponto, reconhece-se que a produção do novo, enquanto se
apóia na criaitividade humana, está intimamente associada com aspectos
motivacionais. Daí a verificação de que o tema da criaitividade torna-se
progressivamente relevante para o estudo organizacional. Ao voltar-se para o
estudo dos fatores subjacentes à atuação criativa, torna-se possível desenvolver
se um corpo teórico consistente sobre as alternativas de definição estratégica
para a gestão do trabalho humano. Dessa maneira, a presente dissertação
procura se inserir dentro deste movimento de revisão dos preceitos tradicionais
de gestão, com vistas a alinhar-se com as mudanças e os desafios enfrentados
pelas organizações na atualidade.
Marco Aurélio Cabral Pinto 4
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
1.3 Metodologia adotada
De maneira a encerrar o tema genérico no contexto tratável no nível de
dissertação de Mestrado procurou-se, no primeiro momento, formular uma
questão-guiaI ligada ao tema. Para tanto, tomou-se a precaução quase
obsessiva de restringir o tema genérico em torno de uma idéia simples porém
precisa. Uma idéia simples e precisa o bastante para que se pudesse trabalhá-la
de maneira segura segundo os padrões lógico-científicos em uso corrente.
Buscou-se com isto a precisão e a humildade da tese mono gráfica, evitando-se
os riscos normalmente encontrados em teses panorâmicas2.
No Capítulo 2, após a formulação da questão-guia, procurou-se traçar
algumas fronteiras de controle crítico, dentro das quais buscou-se o
encaminhamento para a questão-guia. Com essas fronteiras de controle crítico
objetivou-se o controle metodológico, de maneira a amarrar alguns conceitos
tirados do senso comum a significados precisos no âmbito do presente
dissertação. Por exemplo: o conceito de recursos criativos é utilizado amplamente
ao longo do texto. Julgou-se, desta maneira, necessário preceder sua utilização
da contextualização formal do que se entende por recursos criativos. Esta
contextualização foi realizada através da construção de algumas fronteiras de
controle crítico.
Em seguida à elaboração completa da questão-guia, no Capítulo 3
procedeu-se a apresentação de referências importantes que puderam ao mesmo
tempo se relacionar ao tema proposto e servir de amparo à discussão teórica.
Estas referências foram divididas entre trabalhos disponíveis no âmbito da
literatura administrativa, além de uma breve revisão da abordagem
desenvolvida por Carlos Castanheda e Henry Bergson.
1 Deve ser entendida como uma quase-hipótese: uma questão que será perseguida e
submetida ao crivo lógico de maneira a obter-se, senão sua demonstração, ao menos seu
campo de validade.
2 Para uma discussão sobre a escolha entre tese monográfica ou panorâmica ver Eco,
H. Como se Faz uma Tese, Perspectiva, São Paulo, 1992, 170 p.
Marco Aurélio Cabral Pinto 5
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
No Capítulo 4, procedeu-se a discussão teórica, procurando-se
argumentar afirmativamente a perspectiva levantada na questão-guia, dentro
do domínio das fronteiras de controle crítico estabelecidas.
Por fim, no Capítulo 5 procurou-se estender as conclusões de maneira a
ocupar a maior área possível dentro deste reduzido domínio e, assim, ampliar a
esfera de alcance conclusivo sem contudo cair em generalização pobre de
qualidades científicas.
Os Apêndices I e II contêm a transcrição de duas entrevistas realizadas
com profissionais que, por força de seus oficios, se colocam diariamente diante
da criatividade, do novo e do tempo. Estes profissionais são Sérgio Liuzzi,
designer gráfico, e Danilo Caymmi, músico.
Marco Aurélio Cabral Pinto 6
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Marco Aurélio Cabral Pinto
Capítulo 2
Questão Guia
7
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
2. Questão-guia
2. 1 Enunciação
Conforme apresentado no item Introdução, o presente trabalho tem por
objetivo perseguir a seguinte questão: em que medida o conceito de jornada
de trabalho pode ser restritivo no contexto de gestão de recursos criativos
voltados para a produção do novo, da inovação?
2.2 Fronteiras de Controle Cnlico
2.2.1 Jornada de Trabalho
o Trabalho tem sido concebido como uma das categorias humanas mais
fundamentais. O ser humano é um animal que modela suas ferramentas e,
assim, constrói o mundo. Por esta razão tem sido considerado como o único
animal que vive em (entre) duas esferas: o mundo natural, que reparte com os
outros seres vivos e aquela outra natureza, a Natureza Artificial (nature
artificielle), construida por ele mesmo. Uma vez que este segundo mundo,
construido pelo ser humano, constitui a base para qualquer conduta
reconhecida como humana, o processo pelo qual a base física do mundo é
construída torna-se de significação humana crucial. Isto pode ser afirmado
independentemente. da questão de que a edificação do edifício simbólico ou
conceitual, que necessariamente abarca o mundo humanizado, deve ser
entendida também como resultado do trabalho. Portanto, o trabalho mental
deve ser entendido como correlato ou mesmo derivativo do trabalho físico.
Dessa maneira, pode-se afirmar que trabalhar significa modificar o mundo tal
qual é encontrado.
No entanto, apesar de aceita essa concepção geral acerca do trabalho
humano, há que se estabelecer ainda o foco sobre a configuração específica que
o trabalho assumirá durante a Modernidade.
A Modernidade pode ser entendida como o período histórico que se
inicia no Renascimento europeu e que se estende até os dias de hoje. Durante
Marco Aurélio Cabral Pinto 8
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
este período observam-se essencialmente três ciclos epistemológicos
correlacionados: estabelecimento da Ciência como forma de saber dominante,
emergência do indivíduo como centro de preocupações privilegiado e
desenvolvimento do capitalismo mercantil-industrial-financeiro.
Estes três fatores interligados são hoje considerados como essenciais
para a caracterização desta configuração histórica inteiramente original
denominada Modernidade. Para aqueles historiadores que se baseiam no
princípio da ciclicidade (eterno retorno diferenciado) para sua descrição, a
dinâmica de transformação da ordem social está muito ligada à destruição de
determinada visão de mundo e sua substituição por outra. Assim, a crise por
que passa a sociedade ocidental neste final de século pode ser entendida não
como coincidência de crises econômicas, de má distribuição de riqueza, de
erupção da violência, das drogas etc, mas como uma crise maior, que
sinalizaria a substituição da cosmovisão Moderna por outra dita pós-Moderna.
Para que se possa avançar no entendimento sobre a natureza desta transição e,
consequentemente, sobre suas implicações para o trabalho humano, considera
se importante o retorno do olhar ao período em que tudo começou: o
Renascimento e a substituição da cosmovisão Medieval pela Moderna.
As mudanças radicais observadas nas relações sociais que acompanham
o colapso da sociedade Medieval e a emergência do capitalismo, da sociedade
burguesa e do industrialismo, podem ser consideradas como pano de fundo
histórico-cultural para a chamada Revolução Científica. Durante este período
de transição, a ciência passa a se estabelecer como o saber dominante,
desenvolvendo-se com uma sucessão de acertos preditivos. A interpretação
Galilaica para o movimento, ainda que frágil, desloca definitivamente a
influência aristotélica na construção do saber. A ciência tem então diante de si
campo aberto para seu desenvolvimento.
A Revolução Científica tem desdobramento único quando comparada
com outros cortes epistemológicos observados na história da humanidade. Pela
primeira vez, um saber é traduzido com tanta perfeição em termos técnicos,
instrumentais.
Marco Aurélio Cabral Pinto 9
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Assim, conforme será discutido a seguir, é sob o ponto de vista do
contraste epistemológico verificado entre a cosmovisão medieval e moderna
que se pode compreender a singularidade do trabalho pós-Revolução
Científica, uma singularidade marcada pela aplicação do conhecimento como
técnica em processo único na história da humanidade de produção de
excedentes em progressão ilimitada.
2.2.1.1 O trabalho no período pré-Revolução Científica: um projeto
existencial.
Imagine-se o mundo medieval. Campos verdes, famílias camponesas,
posseiros assentados em terras pertencentes a famílias mais ricas. As estações
eram acompanhadas com atenção. A respiração dos rios, a floração, a chegada
dos ventos do Norte, a época das chuvas. A vila, espaço de troca de
mercadorias. Coisas que vêm do porto, do além mar. À noite, o céu escuro e seu
imenso mistério. As festas religiosas, a missa e a comunhão entre os pares da
comunidade. Obviamente cidades maiores, centros onde se conhecia o talento,
o precioso, o monumental: Veneza, Florença, Roma, Lisboa. Cidades em que o
porto dinamizava a cultura, as artes e a troca de saber ...
Para o homo credens medieval, a posição no cosmos plenamente dotada
de significado era dado natural, independente de qualquer ato de sua vontade.
Havia identidade entre coisa e valor, entre epistemologia e ética. Todos os
eventos, coisas e seres observados eram percebidos como em concordância com
a vontade divina, portanto plenos de significado em razão de sua finalidade
imanente. Nesse contexto, o ganho de conhecimento sobre a natureza era então
operado através da busca de respostas para perguntas acerca do significado
metafísico das coisas, usualmente ligado a perguntas do tipo "por quê?".
Segundo Capra (1990:49):
A natureza da ciência medieval era muito diferente daquela da
ciência contemporânea. Baseava-se na razão e na fé, e sua
principal finalidade era compreender o significado das coisas e
não exercer a predição e o controle.
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 0
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Este fato pode ser percebido através da irrepreensível lógica interna à
Física Aristotélica, a qual se baseava na relação qualitativa entre os diferentes
elementos que compõem o mundo. Uma relação permeada por afinidades e
oposições de origem metafísica.
Dessa forma, a tradução do saber como técnica não encontra na
cosmovisão medieval possibilidade de realização. As técnicas associadas ao
trabalho artesanal eram assim derivadas quase que exclusivamente da vivência
prática profissional, sendo transmitidas de forma oral através da relação
mestre-aprendiz. Esta relação estava calcada basicamente no processo de
tentativa e erro, compatível com a concepção do trabalho como processo
integrado com o projeto existencial de busca do aprendizado em direção à
perfeição.
Segundo Berger (1983):
Se trabalhar significa construir um mundo, então ele envolve,
numa perspectiva religiosa, a repetição ou imitação de atos
divinos pelos quais o mundo foi originalmente construído.
o trabalho para o ser medieval, então, pode ser entendido também como
o resultado do esforço de reviver a Criação. Neste contexto, a palavra latina labor
tem o duplo significado de trabalho e esforço fatigante, superação. Nesse
contexto, pode-se afirmar que a busca de produção de excedentes não
consistia objetivo relevante e orientador do fazer produtivo pré-moderno.
2.2.1.2 O trabalho pós-Revolução Científica: o circuito econômico
técnico-científico
A impossibilidade de localização do marco histórico que, isoladamente,
represente a origem deste grande movimento ao qual chamamos modernidade
é aceita hoje pela maioria dos estudiosos. Na realidade, um conjunto de fatos e
tendências conjunturais e estruturais iriam somar-se e reforçar-se de modo a
conduzir a sociedade ocidental de sua configuração medieval em direção a
outra totalidade sintética a qual se denominou Modernidade. Entre essas
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 1
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
tendências, a instituiçãO do saber científico a partir do século XVI, derivado da
combinação do método analítico cartesiano com o empirismo baconiano, teria
conseqüências significativas para a transição entre as concepções medieval e
moderna sobre o trabalho humano.
Segundo Capra (1983:25):
A divisão cartesiana permitiu aos cientistas tratar a matéria como
algo morto e inteiramente apartada de si mesmos, vendo o mundo
natural como uma vasta quantidade de objetos reunidos numa
máquina de grandes proporções.
Assim, o momento crítico para a emergência da cosmovisão da
modernidade é a separação entre coisa e valor, entre epistemologia e ética. As
coisas e os eventos, para o saber científico, não possuem nenhum valor que lhes
seja imanente, de maneira que o ganho de conhecimento em relação à Natureza
se constitui como a busca de respostas do tipo "como?". Assim, as respostas são
cegas diante do estabelecimento de vínculos entre o saber científico e normas
éticas de conduta.
Segundo Bartholo (1986: 36), essas respostas são:
" ... unicamente aptas para o estabelecimento de algo que se faz, e
não sobre o que deve ser feito. É estabelecida uma identificação
entre a verdade de sentenças científicas e sua operacionalidade, o
que faz com que o experimento, a quantificação, a predição e a
aferição se constituam em parâmetros da nova praxis científica".
Dessa maneira, a mensuração e o controle experimental se constituem
nos fundamentos da objetividade das proposições científicas, e o ato humano
de atribuição de valor se funde com o projeto de dominação da Natureza, que
visa colocá-la a serviço de anseios utilitaristas. Assim, o saber (científico) se
traduz em termos da técnica. Os rumos da investigação científica seguem os
passos da necessidade de desenvolvimento tecnológico, sendo sua motivação a
possibilidade da aplicação do conhecimento em termos objetivos.
Marco Aurélio Cabral Pinto 12
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
Outro fator crítico para a transição da concepção do trabalho medieval
para o trabalho na modernidade seria a progressiva monetarização da
economia. A economia medieval era um sistema fechado, estável e auto
suficiente, onde as idéias modernas de crescimento e expansão seriam
desprovidas de significado. A Revolução Comercial inicia o processo de
dissolução do sistema feudal, destruindo assim a teia de relações pessoais
responsável pelo poder das corporações de ofício, em movimento que tem seu
ponto de ruptura crítico na dinamização do sistema de trabalho por
encomenda, viabilizador da introdução do sistema de fábrica e impulsionador
do assalariamento progressivo da população camponesa.
Dessa maneira, a partir do estabelecimento da modernidade, o trabalho
passa a ser concebido dominantemente como meio para a acumulação de
riqueza/sobrevivência. Nesse sentido, na medida em que se aprofundam estes
princípios, observa-se o desenvolvimento da organização do trabalho
produtivo que aquartela no mesmo tempo/espaço muitos homens, mulheres e
coisas sob a forma de divisão do trabalho altamente diferenciada, com elevado
nível de especialização. Este tipo de organização será o paradigma fundador da
própria sociedade industrial moderna.
No entanto, de maneira a encontrar-se uma medida que pudesse
traduzir e quantificar o esforço produtivo de cada indivíduo e, ainda, como
meio de concatenar harmoniosamente as diversas partes constituintes de uma
cadeia funcional com começo, meio e fim, é necessário o controle do tempo
segundo um padrão bem definido: o tempo do relógio. O tique-taque do
relógio dita o ritmo das máquinas, que dita o ritmo do trabalho. Trabalho que
ocupa um espaço cotidiano bem definido entre o nascer e o pôr do sol.
Nesse momento, é possível definir-se, no âmbito da presente
dissertação e a partir do contexto apresentado, o conceito de Jornada de
Trabalho como a medida diária do tempo de trabalho na modernidade,
tomada em relação a um padrão, quantitativo e universal, o tempo do relógio.
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 3
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
2.2.2 Recursos Criativos
Ao longo do século XIX a criatividade foi concebida como dom, carisma,
talento inato e associado estritamente à produção artística. Um processo
psicológico misterioso, quase mágico e intimamente ligado à genialidade. Esta
visão romântica, característica do século passado, seria responsável, em parte,
pela ausência do interesse científico sistemático pelo estudo dos processos
criativos ao longo do período.
A partir do início do século XX, alguns pesquisadores isolados
iniciaram uma linha de investigação de base dominantemente
comportamentalista. Os primeiros resultados, no entanto, foram frustrantes
devido à insistência na busca do método de medição da grandeza de
criatividade. Os esforços para se alcançar uma medida quantitativa, tal como o
Q.I. (coeficiente intelectual) para a inteligência, esbarrou na dificuldade de
análise do processo criativo.
Enquanto que o processo racional evolui linearmente e pode ser
rastreado em etapas lógicas, o mesmo não se pode afirmar acerca do processo
criativo.
Mas apesar dos insucessos iniciais, estes primeiros pesquisadores
obtiveram ao menos um resultado positivo: a partir de então passou-se a
conceber que a criatividade, ao mesmo tempo em que se apoia na singularidade
do indivíduo e de suas experiências, pode ser observada como faculdade
universal, independentemente de aspectos culturais - intelectuais ou artísticos.
Assim, a criatividade pôde ser colocada, ao lado da racionalidade, como
faculdade nobre e universal, portanto instituidora da humanidade.
A este respeito, conforme observado por Sérgio Liuzzi3, o fato do
designer trabalhar com criatividade não transforma o resultado imediato de seu
trabalho em arte. Alternativamente, a criatividade pode se aplicar a qualquer
atividade. Assim, o designer, ou o arquiteto, parece estar mais envolvido com a
3 Ver entrevista no Anexo I
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 4
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
criatividade porque a expressão formal do produto do seu trabalho é mais
aparente. O designer, ou o arquiteto, manipula a forma, a cor, a textura do
objeto. Isso faz com que a criatividade seja mais visível, mais aparente que em
outras ocupações produtivas.
A partir da década de cinqüenta, a pesquisa acerca dos processos
criativos toma outra direção. Percebeu-se que a distinção entre o processo
racional e seu equivalente criativo ia mais longe que a simples caracterização
em termos de complexidade do segundo em relação ao primeiro. Não era o
número de variáveis que estava em jogo, mas a natureza da função que o
presidia. Sendo baseado na lógica e na análise, o processo racional evolui
linearmente. O mesmo não se pode dizer dos processos criativos. A descrição
mais apropriada seria associá-los a processos não-lineares, portanto de controle
e predição extremamente improváveis.
Segundo as palavras de W. Gordon (1961:3):
" ... 0 único caminho para se aprender algo sobre o processo
criativo é tentar ganhar intuição sobre o fluxo não racional, livre
associativo que se desenvolve por debaixo da superfície do
discurso articulado".
Desta maneua, a pesquisa alcançou o seu estágio e método
contemporâneos: a proposição de problemas e a observação de pessoas
tentando resolvê-los. Procurou-se com isto investigar algumas características
individuais que poderiam estar associadas com a maior capacidade criativa.
Segundo W. Gordon (1961), a pesquisa assume algumas premissas:
• a análise completa e precisa do processo criativo é considerada impossível,
uma vez que a partir do momento em que o indivíduo se concentre em auto
examinar-se no decurso do processo, este cessa imediatamente e sua
descrição é arruinada;
Marco Aurélio Cabral Pinto 15
•
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
• o fenômeno cultural de invenção, seja nas artes, na filosofia, nas diferentes
religiões ou na ciência são análogos e podem ser descritos pelo mesmo
processo psíquico;
• o processo criativo individual encontra analogia perfeita com aquele
experimentado em grupo.
Os resultados obtidos, conforme W. Gordon (1961), são bastante
positivos. Duas das hipóteses demonstradas ao longo do esforço científico
realizado são, porém, de fundamental importância para a presente dissertação,
a saber:
• no processo criativo, o componente emocional é mais forte que o intelectual e
o irracional mais importante que o racional.
• a obtenção de um nível geral de inovação (em oposição a incrementos
marginais de desenvolvimento) depende da diversidade no estoque de
conhecimentos, interesses e experiências individuais envolvidas no processo.
Para demonstrar a predominância do componente emocional sobre o
racional, bem como da importância do estoque de conhecimentos diversificado
para o processo criativo, os pesquisadores, ainda conforme W. Gordon (1961),
selecionaram pessoas segundo os seguintes critérios:
• capacidade metafórica: a linguagem do candidato foi cuidadosamente
examinada quanto a utilização de metáforas e analogias;
• capacidade de assumir riscos: importando que tipo de riscos o candidato
estava disposto a assumir, o quanto de incerteza suporta sem incorrer em
simplificações que reduzam os problemas a uma situação de conforto
interpretativo.
• maturidade emocional: pessoas criativas apresentam em sua postura traços
infantis, sem contudo implicar em imaturidade emocional. A imaturidade
emocional não permitiria o desenvolvimento conjunto do assombramento
abismal diante da experiência e do esforço construtivo e sistemático próprio
do adulto, que percebe a direção de seu aprendizado;
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 6
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
• capacidade de generalização: identifica a facilidade de elaboração de
interpretações teóricas, da tradução da síntese original em conceitos, a partir
de fatos concretos, muitas vezes conflitantes e até então não relacionados;
• envolvimento: o candidato deveria apresentar interesse existencial pelos
desafios propostos, a ponto de se automotivar;
• não-orientação por status: nas culturas ocidentais, diversos são os símbolos
de status social, os quais identificam a posição do indivíduo. Os candidatos
foram escolhidos pelo seu desprendimento com relação a estes símbolos,
uma vez que o grupo a ser observado deveria criar seus próprios referenciais
de posição social, baseados dominantemente na contribuição para o grupo e
na independência do pensamento;
• senso ético e compromisso social: a liberdade para a criatividade deve ser
restrita por soluções que, aceitas pelo grupo, não revestidas de preceitos
doutrinários, porém de sentido ético coerente com a cultura do grupo.
Desta maneira, o conceito de Recursos Criativos, conforme definido no
âmbito da presente dissertação, se liga intimamente a indivíduos e grupos cujo
fazer produtivo se apoie fortemente sobre o processo criativo. Indivíduos e
grupos envolvidos na proposição e/ou solução de problemas não estruturados,
onde o componente emocional parece mais importante que o racional, onde a
diversidade no estoque de conhecimentos se apresenta mais eficaz que a estrita
especialização técnica.
Como características definidoras do perfil do profissional considerado
como recurso criativo, podem-se citar, conforme apresentado acima, a
capacidade metafórica, a capacidade de assumir riscos, a maturidade
emocional, a capacidade de generalização, o envolvimento, a não-orientação
por status e o senso ético.
2.2.3 Produção do Novo e Inovação
Desde os primórdios da Revolução Industrial, até as primeiras décadas
do presente século, o processo de competição entre empresas foi concebido
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 7
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
como processo de eliminação de diferenças. Ao se enfrentarem no mercado, as
empresas utilizavam as variações de preço como artifício para abocanhar fatias
de mercado de seus concorrentes, tendo como limite inferior os custos
incorridos na produção e como limite superior a demanda por seus produtos.
Considerando-se os produtos vendidos por uma mesma firma homogêneos,
sem grandes diferenças qualitativas, a demanda era dada para cada firma, de
modo que a única forma de melhorar sua posição competitiva fosse reduzir seu
limite inferior de fixação de preços, isto é, seus custos. Acreditava-se que a
melhor forma de conseguir isso era através de ganhos de escala, obtidos pela
utilização mais intensiva dos equipamentos produtivos.
Com a disseminação dos oligopólios e seu poder de ditar preços, da
propaganda e da prática de diferenciação de produtos, procurou-se descrever o
processo competitivo com a incorporação destes novos elementos: as empresas
não mais buscam apenas reduções de custo, mas também novas formas de
produção, comercialização e/ou distribuição. Como desdobramento ad
infinitum da noção de progresso, as empresas embarcam numa corrida em
direção à produção do novo.
Neste contexto, a forma, muito mais que o conteúdo, assume lugar de
destaque como instrumento de diferenciação. Conforme ilustrado pelo designer
Sérgio Liuzzi4, a diferenciação começa a ser tão sofisticada que os designers se
especializam em cada área que se situa na borda do produto, na sua superfície,
de maneira a torná-lo mais competitivo. O maior exemplo disso, segundo
Sérgio, seriam as televisões. As televisões de 29, 28 polegadas não
apresentariam diferenças de projeto ou de fabricação significativas. A diferença
se daria basicamente no desenho. Segundo Sérgio, "o camarada vai comprar
uma televisão A, B, ou C, porque aquela atende mais a uma necessidade
estética, puramente estética".
A capacidade inovativa torna-se, assim, o instrumento central de
adaptação das empresas no ambiente competitivo em que se inserem, sendo
4 Ver entrevista no Anexo I
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 8
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
responsável, em última instância, pela sua permanência no mercado. Como um
dos desdobramentos deste processo, os produtos e serviços passam a ter
horizonte temporal de validade funcional reduzido, dentro de uma lógica de
superação e de obsolescência. Segundo esta lógica, quanto mais simples e
original for a inovação, mais eficaz será sua tradução em termos produtivos.
A inovação, no entanto, não se reduz ao aspecto de diferenciação de
produtos. A capacidade inovativa pode ser hoje também percebida como
requisito relacionado à própria organização do trabalho. Diante de ambientes
progressivamente complexos e dinâmicos, diferentes organizações têm
apresentado dificuldades para a compreensão e interpretação de uma realidade
concebida como progressivamente fluida e multivariável. A produção de novos
conceitos que interpretem essa realidade torna-se então imperativo para a
gestão das empresas.
Neste contexto, algumas idéias têm-se sobressaído como diferenciadores
estratégicos, tais como aquelas ligadas à qualidade, reengenharia e outros. No
entanto, boa parte destas "tendências globais" carecem de formulação mais
formal e consistente, o que restringe sua incorporação dentro das empresas sob
a forma dominantemente utilitarista, com fins de aumento da capacidade
produtiva e/ou competitiva.
Por outro lado, a necessidade de ordem permanece como pré-requisito
para qualquer organização. Diante da perspectiva de crescente dificuldade de
predição e interpretação da realidade, a concepção do papel dos membros da
organização incorpora a produção de conceitos ao próprio fazer produtivo. A
produção continuada de novos discursos no seio das organizações passa então
a constituir-se em necessidade percebida por seus membros, não apenas
visando a melhor adequação das empresas a novas configurações definidas
pela matriz produtos-mercados, mas, sobretudo, sob o ponto de vista da
manutenção de uma visão de mundo que represente uma referência comum
para a interpretação dessa realidade pelos membros da própria organização.
Cabe ressaltar que o conceito de Organização aqui utilizado deve ser
definido em torno da relação (contratual ou não) entre duas ou mais pessoas
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 9
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
com objetivos aparentemente semelhantes ou complementares. Com esta
definição, pode-se incluir qualquer tipo de relacionamento que vise construir
ordem na categoria de organização.
Neste ponto, torna-se necessário ainda fazer a distinção entre discurso
original, inovativo, e discurso incrementai, não inovativo. De acordo com
Kirton (1989), podem-se diferenciar duas categorias básicas associadas à
produção do novo: adaptação e inovação. Uma produção (discursiva) será
classificada como adaptativa sempre que referenciada ao paradigma
dominante, não propondo assim nenhuma ruptura com relação às crenças e
valores aceitos. Por outro lado, uma produção (discursiva) inovativa será
aquela que procurará (re)formular o problema de maneira independente,
distanciada do paradigma dominante.
Segundo Kirton (1989:7):
" ... uma adaptação tem uma clara relação com 'fazer melhor as
coisas', enquanto uma inovação apresenta-se associada com 'fazer
as coisas diferente"'.
Assim, diante de uma situação de crise, de complexidade e conseqüente
multiplicidade de alternativas para interpretação da realidade, as organizações
passam a apresentar, para sua sobrevivência, a necessidade de auto
organização, de gerar novas ordens em um fluxo que encontre ressonância com
a dinâmica de mudanças percebidas na realidade. Daí a importância da
capacidade inovativa percebida como a capacidade de formulação de discursos
com vistas à manutenção de ordem.
Segundo Morgan (1986:235):
Se os sistemas se adaptam para manter sua própria identidade e,
se as relações com o ambiente são internamente determinadas,
então os sistemas podem evoluir e se transformar apenas através
de mudanças auto-geradas em sua identidade", onde "identidade
envolve a manutenção de um dado conjunto de relações.
Marco Aurélio Cabral Pinto 20
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
Assim, a produção do novo, a inovação, deve ser entendida dentro desse
escopo mais genérico, o qual se apoia sobre a formulação de conceitos originais
com vistas a uma melhor adequação à realidade. Sejam produtos que atendam
a uma necessidade muda, sejam discursos que melhor interpretem a realidade,
a produção do novo, a inovação, poderá ser associada a qualquer síntese
original e interpretativa da realidade.
Marco Aurélio Cabral Pinto 21
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Capítulo 3
Material de Apoio
Marco Aurélio Cabral Pinto 22
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
3. Material de Apoio
Apesar da abrangência do tema escolhido, encontrou-se forças para
percorrer-se a literatura administrativa com os olhos atentos a quaisquer
elementos que pudessem servir de apoio, como contraponto, à linha
argumentativa que pretendeu-se desenvolver mais adiante. Com isso, mais do
que esperar, deve-se afirmar que não se pretende cobrir exaustivamente as
inúmeras referências que se enredam pela questão do tempo, da criatividade
humana e da inovação.
Fora da literatura administrativa, o desafio parecia ainda maior. Com
relação aos autores selecionados contou-se com o benefício do tempo tido para
reflexão sobre o conteúdo de suas obras. Há alguns anos que o autor debruça,
mais ou menos sistematicamente, sobre os escritos de Henry Bergson e Carlos
Castanheda. Não poderiam deixar de serem incluídos nesta empresa, até
mesmo porque, pode-se dizer, inspiraram em muito o olhar que foi lançado
sobre leituras posteriores e mesmo sobre a escolha do tema da presente
dissertação.
Marco Aurélio Cabral Pinto 23
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
3. 1 No âmbito da Administração de Empresas
A literatura administrativa reserva espaço significativo para a questão
do tempo, porém enfocando-a majoritariamente sob o ponto de vista da
"gestão" do tempo com vistas ao maior aproveitamento dos recursos
produtivos para o aumento da eficiência do trabalho. Ao longo de diferentes
trabalhos a questão do tempo é tratada a partir da noção de tempo moderna,
inteiramente associada a uma medida quantitativa que substitui, que
representa, a própria noção do fluir temporal. A lista de trabalhos que se
propõem a enumerar maneiras de como gerir melfwr o tempo, sem a preocupação
acadêmica de aprofundamento conceitual, é bem extensas. Assim, uma vez que
aqui procura-se colocar em xeque exatamente a pertinência da noção de tempo
moderna para a gestão do fazer produtivo, a contribuição destes trabalhos
estaria limitada à exemplificação dos procedimentos de aplicação de princípios
clássicos de gestão do tempo ao fazer produtivo. Dessa maneira, ao invés de
discorrer sobre as diferentes formas de como gerir melfwr O tempo, optou-se pela
crítica à teoria de tempos e movimentos sob o ponto de vista de sua
configuração atual, conforme discorrido mais a frente no texto.
Um outro grupo de trabalhos, classificados no âmbito da literatura
administrativa e ainda imersos dentro da concepção de tempo moderna e de
maximização da produtividade, admite porém a insatisfação do indivíduo com
o preço pago por uma excessiva e monótona jornada de trabalho. Neste
segundo grupo de trabalhos estuda-se a pertinência e os efeitos da
flexibilização da jornada de trabalho, observando-se um relativo consenso entre
os autores sobre:
• os acordos de reorganização do tempo de trabalho baseiam-se na
crença comum de que, ao distribuir-se a quantidade horária de trabalho
ao longo do dia, "dias diferentes um do outro" ocorrerão, conferindo
S Ver, a título de exemplo, Curta, J. L. A. Tempo do Executivo: problemas e soluções,
3a. Edição, C.O.P., Rio de Janeiro, 1985.
Marco Aurélio Cabral Pinto 24
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
tanto maior grau de produtividade quanto maior bem-estar para o
indivíduo;
• buscou-se com estes acordos a maior utilização do equipamento
produtivo, de maneira a garantir-se o retorno do capital investido diante
da perspectiva de rápida obsolescência.
Neste contexto, alguns autores6 se destacam ao analisar criticamente as
bases dos chamados acordos para reorganização do tempo de trabalho. Estes acordos
são analisados segundo uma ótica mais ampla, do impacto da organização do
tempo de trabalho sobre a vida do indivíduo fora das organizações.
Segundo Boulin & Tadei (1991:6):
Os acordos relativos a reorganização do tempo de trabalho
parecem amplamente minoritários hoje em dia. Isto traduz,
parece-nos, uma hesitação por parte da administração e da mão
de-obra de encetarem negociações que coloquem em questão não
só a organização e o ritmo de trabalho dos assalariados, mas
igualmente a sua vida fora do trabalho .
. . . do ponto de vista dos assalariados, organizar o tempo de
trabalho é, freqüentemente, organizar o tempo fora do trabalho.
Esta passagem de um enfoque puramente quantitativo do tempo
de trabalho para uma concepção mais qualitativa, que articula o
trabalho e o não trabalho, constitui, por outro lado, uma das
características essenciais dos projetos patronais que, de modo
geral, associam estreitamente e propõem à negociação objetivos
econômicos e as condições gerais de sua realização.
6 Ver, por exemplo, Boulin&Tadei listado na Bibliografia.
Marco Aurélio Cabral Pinto 25
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
3.2 A partir da Obra de Carlos Castanheda
A Obra de Carlos Castanheda é reconhecida principalmente no âmbito
da Antropologia. Seu trabalho, apesar da irrepreensível lógica interna com que
coloca, entre outras, as questões do tempo e da criatividade, distancia-se em
muito da linha tradicional de trabalho aceita nos meios acadêmicos e
científicos. No entanto, para efeito de compilação das diferentes abordagens e,
ainda, com vistas ao enriquecimento da presente dissertação, considera-se
importante apresentar algumas considerações do referido autor sobre estes
temas.
Carlos Castanheda, através da descrição de seu relacionamento com seu
mestre, o índio Don J uan, nos conduz ao extremo da noção de construção social
da realidade. Para Castanheda, o que nos cerca e nós mesmos somos expressões
do Todo, do Real, de Deus Pai. Castanheda chama esta dimensão de Nagual. A
partir do Nagual as coisas que nos cercam adquirem uma configuração
específica à qual denominamos realidade. Uma mesa, uma montanha, um sinal
de trânsito seriam configurações do Nagual por nós reconhecidas como
realidade. Por outro lado, ao mesmo tempo em que a realidade e nós mesmos
somos essencialmente Nagual, será o reconhecimento comum desta realidade
que nos permitirá a existência. Esta desempenha um papel de elo de ligação
que nos permitirá fugir temporariamente do mergulho na dissolução do
Nagual. Assim, para Castanheda, a realidade que nos cerca passa a
desempenhar o papel de elo de ligação para a (sobre)vivência dos seres. Um
NaguaI configurado segundo aquilo que chamamos realidade e a realidade
como uma configuração que nos "prende" uns aos outros e às coisas.
Segundo Castanheda (1974:121):
- A totalidade de nós é um assunto muito espinhoso - disse D.
Juan. - Só precisamos de uma parte muito pequena dela para
cumprirmos as tarefas mais complexas da vida. No entanto,
quando morremos, morremos com a totalidade de nós. Um
feiticeiro faz a pergunta: "se vamos morrer com a totalidade de
nós, então porque não viver com essa totalidade?"
Marco Aurélio Cabral Pinto 2 6
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
E segue Castanheda ainda citando D. Juan (1974:127):
- O Nagual não é experiência, nem intuição, nem consciência.
Estes termos e tudo o mais que você possa dizer são itens da ilha
[da realidade]. O Nagual, ao contrário, é apenas o efeito. O
Nagual não tem limites.
A partir dessa concepção, Castanheda introduz a idéia de que o que
chamamos realidade é uma entre muitas configurações possíveis para o Nagual.
Assim, a realidade do senso comum, esta que assumimos como a única
possível, seria apenas uma configuração entre muitas realidades possíveis. A
sua coerência, sua aparente universalidade, tem base na própria força da vida -
se não fosse assim, os diversos seres vivos não compartilhariam esta
experiência comum de se sentirem vivos: cheirar, tocar, ver e provar uma
mesma realidade material. No entanto, ainda segundo Castanheda, não haveria
nenhum impedimento para que qualquer um pudesse experimentar, em
ocasiões singulares, uma realidade que se apresentasse como inaceitável sob o
ponto de vista do senso comum. Uma realidade impossível de acontecer de
verdade. A realidade dos sonhos, por exemplo. Esta realidade nada mais seria
que uma outra configuração do Nagual, tão Real quanto a que experimentamos
todos os dias. No entanto, uma vez que ao experimentar outra configuração de
realidade enfraquecemos os laços que nos mantém unidos aos outros seres
vivos, há a ameaça de mergulho no Nagual, da dissolução do ser individual.
Dessa maneira, para Castanheda a noção de fluir temporal nada mais é
que a dinâmica de transformação da configuração-realidade do Nagual,
percebida unicamente através da intuição: a razão é inútil para a aquisição de
qualquer conheciment07, segundo o ele. O tempo é associado à modificação da
realidade que nos une. Porém, sendo esta uma entre outras possíveis, a
7 Conhecimento para Castanheda é relacionado à experiência - quanto maior a
diversidade de experiências, quanto maior a sua concentração e poder pessoal em evocá-las,
maior o seu conhecimento.
Marco Aurélio Cabral Pinto 27
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
percepção do fluir temporal se torna algo que pode ser alterado, até o limite do
poder pessoal e da ameaça de mergulho no Nagual.
Ao lado de sua concepção de tempo, a noção de criatividade para
Castanheda também se relaciona com a extremização do conceito de construção
social da realidade. Na medida em que se aceita que a realidade pode ser
alterada pela percepção de outra configuração do Nagual, a capacidade de
modificá-la é concebida como criatividade. Esta afirmação alinha-se à
afirmação anterior sobre a criatividade como a capacidade de produzir
interpretações originais de uma realidade fluida e complexa. Para Castanheda,
a produção do discurso original é precedida da percepção mesma de uma outra
realidade, original, para a qual se construirá uma interpretação discursiva ex
posto
Nas palavras de Castanheda (1974:128):
- Mas o que é criatividade, D. Juan ?
Ele ficou me olhando, os olhos apertados. Riu baixinho, levando a
mão sobre a cabeça e torceu o pulso numa sacudidela repentina,
como se estivesse torcendo uma maçaneta de porta.
- A criatividade é isso - disse ele, e levou a mão com a palma em
concha até o IÚvel dos meus olhos.
Levei um tempo enorme para focalizar meus olhos nas mãos dele.
Sentia que uma membrana transparente estava mantendo todo o
meu corpo numa posição fixa e que eu tinha que rompê-la para
poder focalizar minha vista na mão dele.
Esforcei-me até caírem gotas de suor em meus olhos. Por fim ouvi
um estalo e minha cabeça e meus olhos estavam livres.
Na palma direita dele estava o roedor mais estranho que já vi.
Parecia um esquilo de cauda peluda. A cauda, porém, parecia
mais de um porco espinho. Tinha espinhos duros.
- Toque nele ! - ordenou Don Juan baixinho.
Marco Aurélio Cabral Pinto 28
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
Obedeci mecanicamente e passei meu dedo por seu dorso macio.
Don Juan aproximou sua mão dos meus olhos e aí reparei uma
coisa que me provocou espasmos nervosos. O esquilo tinha óculos
e dentes grandes.
- Parece um japonês - disse eu, e comecei a rir histericamente.
Marco Aurélio Cabral Pinto 29
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRJ 1996
3.3 A partir da obra de Henry Bergson
o filósofo francês Henry Bergson viveu em período importante para o
desenvolvimento do pensamento humano. O início do século XX acompanhou
o desenvolvimento da teoria da relatividade e da teoria quântica, além das
transformações proporcionadas pela difusão tecnológica de produtos e
processos desenvolvidos no campo da química, termodinâmica, aeronáutica etc.
O mundo ao tempo de Bergson era já percebido como em mudança acelerada.
No entanto, esta aceleração era vista como ao longo de um eixo único: o eixo da
civilização ocidental. O progresso científico e tecnológico reforçava a idéia de
que a racionalidade científica era o caminho seguro rumo à Verdade.
Para Bergson, no entanto, o conhecimento não poderia ser produzido
sob outro método que senão através do uso sistemático da intuição. Bergson
contrapôs a atividade intelectual à atividade intuitiva. Ao longo das épocas o
ser ocidental trilhou o caminho da lógica racional. Ser lógico tornou-se poder
demonstrar, provar ao outro que o seu discurso aproxima-se da Verdade. A
razão tem sido, assim, instrumento de adaptação de nossa civilização ao mundo
que nos cerca, importante elemento na construção do entendimento a respeito
do infinitamente grande, do infinitamente pequeno e de todas as escalas que
preenchem as possibilidades do olhar humano. Bergson, como alguns poucos
outros, foi capaz de transmitir conhecimento que se reporta às raízes do próprio
conhecimento.
Para Bergson, a atividade lógico-racional consiste em tomar as coisas
como coisas inertes, estáticas, compostas de elementos que podem ser
decompostos em estados (fotografias). Neste contexto, segundo ele, a
inteligência racional (1948:1):
" ... é destinada a garantir a inserção perfeita de nossos corpos em
seu meio, a representar a descrição das coisas exteriores entre eles,
enfim a pensar a matéria".
A racionalidade percebe a realidade em estados isolados que podem ser
concatenados segundo a aplicação da lógica. O conhecimento científico utiliza
Marco Aurélio Cabral Pinto 30
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
basicamente a inteligência racional: decompõe a realidade fluida em estados e
os concatena novamente, na esperança de reconstruir a essência mesma da
realidade. O cientista descreve os fenômenos através de relações que expliquem
a Sucessão entre estes estados. Assim, o cálculo infinitesimal se limitaria a
dividir o movimento em inúmeras fotografias (delta t), tantas quantas se
queira, mas ainda assim fotografias, estados congelados da realidade fluida. As
Leis físicas decorrentes seriam então a tentativa de reconstrução desta realidade
que escapa, do movimento que s6 pode ser apreendido via intuição.
Segundo Bergson, este aspecto da realidade a que o intelecto tem acesso
é o aspecto superficial e simplificado. Debaixo dessa realidade mecânica que
pode se decompor e recompor à vontade, está o Real indecompoIÚvel, uma
dimensão fluente, sem separações nem estancamento. É, pois, a dimensão do
tempo Bergsoniano, que escapa das mãos tão logo queremos aprisioná-lo. Uma
dimensão que só poderá ser alcançada pelos meios da intuição.
Segundo Bergson (1948:328)
La science moderne, comme la science antique, procede selon la
méthode cinématographique. Elle ne peut faire d'autrement; toute
science est assujettie à cette loi. 11 est de l' essence de la science, en
effect, de manipuler des signes qu'elle substitue aux objects eux
mêmes. Ces signes differrent sans doute de ceux du langage par
leur précision plus grande et leur efficacité plus haute; ils n' en
sont pas moins astreints à la condition générale du signe, qui est
de noter sous une forme arrêtée un aspect fixe de la réalité. POU!
penser le mouvement, il faut un effort sans cesse renouvelé de
l'esprit. Le signes sont faits pour nous dispenser de cet effort en
substituant à la continuité mouvante des choses une
recomposition artificielle qui lui équivaille dans la pratique et qui
ait l'avantage de se manipuler sans peine."
Pode-se perceber que tanto Castanheda quanto Berson sedimentam seus
trabalhos na noção de que a realidade é fluida e complexa. Mais que isto, o
tempo deve ser compreendido como a sensação da duração de cada fenômeno.
Marco Aurélio Cabral Pinto 3 1
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
Ambos expressam ainda a crença de que a realidade constitui-se de inúmeros
fenômenos em evolução temporal, cada qual com sua dinâmica particular, que
por sua vez é relacionada a todos os outros movimentos.
Para ilustrar a originalidade da perspectiva anunciada na obra dos
referidos autores, coloca-se a seguinte experiência conceitual:
Imagine-se a situação em um observador possua um tipo de visão que
seja tão profunda que só lhe permita ver átomos. Quando observada, os corpos
materiais se revelam como uma maior ou menor densidade de átomos. Em tal
circunstância, se colocado em uma cozinha onde haja um fogão aceso e uma
chaleira com água fervendo, o observador só pode perceber nuvens densas de
átomos e regiões mais rarefeitas, onde o movimento é intenso. Mas tudo que vê
está em movimento. Nota também que determinados volumes muito densos de
matéria estão quase inertes e solidários, outros desprendem átomos de sua
superfície que se elevam e se afastam inexoravelmente.
Esta experiência conceitual traz alguns aspectos que merecem ser
destacados. A vida, por exemplo, tal como definida pela biologia8, não é
passível de definição.
Outro aspecto importante refere-se ao tempo que flui e pode ser
percebido unicamente através da experiência individual, da duração subjetiva
de seu fluir. O tempo só pode ser percebido, neste contexto, através da intuição.
A realidade, então, pode ser configurada livremente segundo a forma como
denominamos as coisas que são vistas: fogão, chaleira, vapor. Depreende-se
assim que a realidade é construída socialmente através de signos que
representam determinadas configurações da matéria em movimento, baseado
na experiência comum de determinadas sensações.
8 A célula é o padrão, a unidade da Vida. A presença de uma ou mais células
caracteriza o ser vivo.
Marco Aurélio Cabral Pinto 32
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
Marco Aurélio Cabral Pinto
Capítulo 4
Discussão Teórica
33
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
4. Discussão Teórica
4. 1 A noção de tempo geométrico-galilaica
Para se compreender o significado da noção de tempo na modernidade,
torna-se necessário investigar um pouco acerca das condições em que foi
possível introduzi-la. Dessa maneira, ao compreender-se o contexto de seu
surgimento, avança-se rumo a um referencial a partir do qual os valores que
assumimos espontaneamente no nosso dia a dia, sem crítica ou estranheza,
possam ser postos em cheque (em branco).
As condições para o surgimento da noção de tempo moderna podem ser
encontradas ao longo das profundas transformações operadas na transição
entre o medievo e a modernidade da sociedade ocidental, especialmente no que
tange ao estabelecimento da ciência moderna enquanto saber dominante, em
contraposição ao caleidoscópio de saberes que conviveram harmoniosamente
durante os cinco séculos que a antecederam.
O tempo, a partir da ciência moderna, passa a ser reconhecido como
grandeza física objetiva, passível de quantificação precisa e, sobretudo, linear e
uniforme. O tempo do relógio. Esta noção de tempo só foi possível introduzir
se devido aos trabalhos de Galileu Galilei, conforme visto mais adiante no item
4.1.2.
4.1.1 O tempo cíclico e irreversível
Durante os séculos XVI e XVII a ciência moderna se estabeleceu como
discurso dominante para a interpretação e predição dos fenômenos observados
no mundo natural. Porém, esse status não foi atingido espontaneamente, mas
como conseqüência do esforço de muitos pensadores que, isoladamente,
contribuíram para o estabelecimento do pensamento científico. Tal pensamento
se baseou na crença de que a razão, aliada à observação, consistia no único
caminho seguro para a aquisição do conhecimento.
À época, o ocidente passava por uma crise em muito comparável ao
avesso da que presenciamos hoje. O conhecimento no medievo europeu era
Marco Aurélio Cabral Pinto 34
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
bastante rico e diversos discursos se superpunham na construção do saber, sem
conflito. A alquimia, a física aristotélica, a astrologia, a cabala e o tarô, entre
outros, se somavam em um conjunto de interpretações e predições igualmente
'verdadeiras' para os fenômenos: realidade objetiva e subjetiva eram então um
todo sintético. Para o pensamento medieval, o conhecimento se dava por
acúmulo de interpretações e informações, em processo circular de auto
referência. O conhecimento seria sempre o conhecimento do mesmo,
cumprindo-se decifrar na realidade o conjunto de relações, de sinais, que nos
remetesse da realidade fluida e complexa, via intuição, à sínteses originais, que
se somariam àquelas já conhecidas. Conhecer era, pois, interpretar9.
Naquele tempo, nos idos do século XVI, podia-se ao menos identificar
uns poucos princípios científicos em meio a outras crenças de igual aceitação
em termos preditivos e interpretativos dos fenômenos. Assim, não se pode
afirmar a existência da origem para a ciência moderna, mas alguns momentos
esparsos e não sistematizados de aplicação do método que seria o princípio
instituidor do saber dominante anos mais tarde. Um exemplo poderia ser
tirado a partir do mais conhecido trabalho de Della Porta (1535-1615), hoje tido
como um dos precursores da óptica física. Esse trabalho denominou-se Magia
Natural. Segundo C. A. Ronan (1987:58):
"A Magia Natural tratava dos segredos da natureza, fruto de
notas que ele (Della Porta) começou a colecionar quando tinha
quinze anos; o título Magia Natural foi escolhido porque 'a magia
nada mais é do que o levantamento de todo o processo da
natureza'; segundo as crenças herméticas e as crenças mais
ortodoxas neoplatôIÚcas, havia uma ordenação natural das coisas,
e Della Porta usou um título que tirou máximo partido disto.
Quanto ao conteúdo, é uma impressionante mistura de
trivialidades e assuntos de genuíno interesse científico. Assim,
99 Ver Foulcault, M. As Palavras e as Coisas: urna arqueologia das ciências humanas.
Martins Fontes, Sâo Paulo, 5a edição, 1990, 400p.
Marco Aurélio Cabral Pinto 35
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
temos fórmulas de tintas invisíveis e uma para 'fazer mulher ficar
cheia de pústulas vermelhas', ao lado de sérias discussões sobre
agricultura, magnetita, métodos de endurecimento do aço e
experiências sobre estática e pneumática."
No entanto, ao invés de "mistura de trivialidades e assuntos de genuíno
interesse científico", e ainda mais surpreendente que isto, hoje aceita-se que
Della Porta considerava seus escritos como de genuíno interesse, senão
científico, porém como enriquecedores de um saber que não poderia ter uma
direção única, um saber que se construiria através de uma coleção de tudo o
que se viu, ouviu, ou se sabe a respeito de determinado assunto. A magia se
complementava harmoniosamente ao saber racional, sem disputa pela
supremacia da verdade, na medida em que se percebia que algo escapava à
racionalidade, como pode escapar ainda hoje.
Dessa maneira, utilizavam-se informações advindas das várias fontes de
experiência sensível: o cheiro, a aspereza ou maciez, o sabor etc. Toda
informação adicional acerca de um ser natural enriqueceria o conhecimento
acerca deste, especialmente porque seria mais um elemento para se relacionar
aos outros e assim possibilitar novas interpretações.
Neste contexto, a noção de tempo que atravessou o medievo até os
séculos XV e XVI pode ser compreendida a partir de três características
marcantes:
• seu efeito irreversível sobre todas as coisas;
• sua natureza cíclica, que faz com que os fenômenos "retornem" após
um período de tempo;
• a impossibilidade de sua decomposição, sendo o tempo considerado
uma unidade sintética.
No que diz respeito à irreversibilidade, o tempo era então concebido
como um fluir temporal em uma única direção, relacionando-se ao sentido do
movimento e à sua duração. Grandeza física, uma vez que atua sobre a matéria,
porém também grandeza subjetiva, sendo a sensação da dinâmica de
Marco Aurélio Cabral Pinto 36
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
transformação das coisas. E, como tal, afetando tudo o que se conhece. O tempo
era associado ao movimento, que por sua vez era associado à duração da
passagem das coisas do desconhecido para o desconhecido, do inanimado 10
para o inanimado, uma passagem marcada pela impossibilidade de estancar o
próprio movimento. Daí a busca do eterno sobre a terra. Se algo resistisse ao
movimento, às aflições da transformação irreversível, ao fluir temporal, este
algo seria a evidência da presença de Deus no Mundo, e portanto fonte de
esperança e busca. É neste contexto que se pode compreender o esforço dos
alquimistas em alcançar a transmutação de minérios em ouro. O ouro era tido
como um material incorruptível, portanto imune ao efeito do tempo, eterno e
perfeito. Daí seu valor, daí sua adoração.
Segundo M. Vargas (1988:14):
"A arte techne dos alquimistas seria, assim, a de reproduzir em
suas oficinas os mesmos processos, embora acelerados, pelos
quais passariam os minérios na terra em sua lenta evolução até
atingir a forma definitiva dos metais. Como, no seio da terra, os
metais impuros almejariam e atingiriam, com o passar do tempo,
a forma incorruptível do ouro, assim também, simultaneamente
com a opus alchímica, a alma do alquimista atingiria a mesma
perfeição. "
Outra característica da noção de tempo dominante até o século XVII é
sua natureza cíclica. A observação dos fenômenos naturais conduzia à
percepção de padrões cíclicos nos movimentos: o sol, as fases da lua, o
movimento das marés e dos rios, as estações do ano etc. Estes ciclos
representavam o elo de ligação entre os diferentes fenômenos em evolução no
tempo: a periodicidade possibilitava a inserção harmoniosa do ser humano e de
seu fazer produtivo no Mundo. Assim, por exemplo, através do relacionamento
entre o movimento de 'respiração' periódica dos rios com o ciclo de vida de
10 A palavra tem origem no grego ãnimã que significa simultaneamente movimento e
alma.
Marco Aurélio Cabral Pinto 37
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
certas espécies vegetais, garantia-se a sobrevivência coletiva de sociedades
ribeirinhas. Porém, tão relevante quanto sua inserção harmoniosa no Mundo, a
percepção dos movimentos cíclicos corroborava a crença do recomeço após o
fim. A origem ligada ao fim. Os mitos do recomeço após o fim estão presentes
em quase todas as crenças da época: desde o cristianismo às ordens mágicas.
Segundo M. Eliade (1972:72):
" ... 0 fato essencial não é o Fim, mas a certeza de um novo começo.
Ora, esse recomeço é, mais especificamente, a réplica do começo
absoluto, a cosmogonia. Poder-se-ia dizer que também aqui
encontramos a atitude de espírito que caracteriza o homem
arcaico, ou seja, o valor excepcional atribuído ao conhecimento
das origens. Efetivamente, para o homem das sociedades arcaicas,
o conhecimento das origens de cada coisa (animal, planta, objeto
cósmico etc) confere uma espécie de domínio mágico sobre ela:
sabe-se onde encontrá-la e como fazê-la reaparecer no futuro.
Poder-se-ia aplicar a mesma fórmula a propósito dos mitos
escatológicos: o conhecimento do que aconteceu na origem
proporciona o conhecimento do que se passará no futuro. A
mobilidade da origem do Mundo traduz a esperança do homem
de que seu mundo estará sempre lá, mesmo que seja
periodicamente destruído no sentido estrito do termo. Solução ou
desespero? Não, porque a destruição do mundo não é, no fundo,
uma idéia pessimista. Por sua própria duração, o mundo se
degenera e se consome: eis porque deve ser recriado
periodicamente."
Apesar destas considerações, a enunciação do que se concebe (ou se
concebeu) acerca do tempo para as sociedades pré-revolução científica deve ser
acompanhada do comentário de que as características de irreversibilidade e
ciclicidade constituem a base canônica de um sistema ortogonal: a sombra
projetada sobre apenas uma não pode ser vista pela outra; e a soma das duas
Marco Aurélio Cabral Pinto 3B
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
cria uma dimensão de ordem superior, colocando-nos face à face com o
Mistério.
I. Prigogine & I. Stenders (1990:229) colocam esta questão da forma
seguinte:
"O que é o tempo ? Aristóteles definiu-o como o número do
movimento na perspectiva do antes e do depois. Esta definição
operatória separava o tempo do devir, colocava face a face a
'alma' que conta, que estabelece relações, e o movimento
periódico dos astros, o 'eterno retorno' das coisas, expressão fiel
da imobilidade do primeiro motor, padrão comum permitindo a
medida qualitativa dos diferentes movimentos. Ela poderia
portanto suscitar a questão de quem determina a perspectiva do
antes e do depois. Será esta relativa à alma que conta ou estará ela
inscrita no movimento eterno a partir do qual a contagem é
possível ?"
Por fim, a concepção do tempo como grandeza indivisível impedia toda
e qualquer tentativa de estabelecimento de padrões quantitativos para sua
mensuração. Não que o relógio não existisse, pois há registros da existência de
relógios solares desde os primórdios da existência social humana, mas este era
usado como simples referência, o que difere em muito da busca da acuidade de
sua mensuração. Assim, a eternidade e o presente, ao contrário do que se coloca
hoje, não seriam a expressão do futuro (passado) infinito e do momento
infinitesimal, respectivamente. A percepção do presente, para a epistemologia
medieval, se relacionava com a duração de determinada sensação, que então
seria superada por outra, transportando a primeira ao passado, que por sua vez
retornaria em um momento futuro segundo outra configuração. O presente era
visto como a extensão da experiência e não como o momento infinitesimal
comprimido entre duas grandezas infinitas: passado e futuro.
Dessa maneira, conforme se poderia esperar, é no jogo entre a
irreversibilidade dos movimentos em uma única direção (singularidade), a
ciclicidade do mesmo que retoma (repetição) e a indivisibilidade
Marco Aurélio Cabral Pinto 39
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
(continuidade) do tempo que se poderá compreender a complexidade da
cosmovisão que foi substituída com o advento da ciência moderna. Neste
contexto, a nova noção de tempo que se estabeleceu foi, sem dúvida, um dos
elementos centrais na construção da nova postura diante do mundo e da vida,
conforme mostrado a seguir.
4.1.2 O tempo reversível, linear e progressivo.
Galileu Galilei é tido como o Pai da ciência moderna.
Conta a lenda que Galileu Galilei, então um jovem estudante de
mediCina", contemplava, alheio ao ritual da missa que ao redor se
desenrolava, um castiçal que pendia do teto. Atento ao pulsar de suas
têmporas, e curioso por relacionar o movimento pendular daquele castiçal ao
seu ritmo cardíaco uniforme, Galileu realizou aquele que figura como um dos
mais extraordinários avanços científicos conhecidos até o presente momento:
descobriu12 que o período do movimento pendular independe da amplitude da
oscilação. Matematicamente, Galileu assim formalizou sua descoberta:
Onde:
T= 21t T: Período do pêndulo;
t : Comprimento da haste do pênd ulo;
g g : Aceleração da gravidade.
1 I Ver RESTON, J. Jr. Galileu:: uma vida .. José Olímpio. rio de Janeiro, 1994, 4QOp.
12Descoberta aqui tem o sentido de retirar o que cobre, o que esconde. Ao utilizar este
conceito, a Ciência revela a crença de que há uma verdade absoluta (a mesma para todos)
oculta a ser revelada e, mais que isso, a razão aliada à observação sistemática pode
progressivamente descobrir as leis que nos revelarão o Mistério.
Marco Aurélio Cabral Pinto 40
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Contado por um observador distante, marcado como o intervalo
observado de ida e volta do pêndulo que se move no vácuo, a grandeza do
tempo, aqui representada com a letra t, é função de apenas duas variáveis: da
distância até a origem do movimento e da aceleração que seria imprimida se
libertado o corpo de prova (descreveria uma trajetória assintótica) em um
afastamento da origem e em direção ao corpo material mais importante. O
corpo de prova seria influenciado positivamente por duas grandezas logo ao
início do movimento: a distância para o corpo material e a massa deste
(densidade e volume). A constante 11, um dos números intrigantes observados
na física-matemática, é característico de movimentos derivados do círculo.
Originalmente, o número pi é a razão entre o perímetro (a distância medida por
um observador que caminhe ao redor do círculo) e o diâmetro (entendido como
a maior distância possível de ser estabelecida entre dois observadores que
caminham no círculo). Número inexato por natureza, a razão entre duas
grandezas físicas supostamente finitas (distâncias), gera uma conta que,
surpreendentemente não termina nunca e, ao mesmo tempo, não apresenta
nenhuma lei entre os números que vão surgindo. Como diria o Dr. Spock13,
fascinante.
Por mais simples que possa parecer esta expressão, Galileu permitiu à
física moderna a quantificação precisa do tempo. Este princípio, o de "contar" o
número de oscilações do pêndulo sobre o qual é necessário conhecer-se apenas
o comprimento do fio (que pode ser medido com a precisão que se queira) e a
aceleração da gravidade, elimina o problema da subjetividade para a
mensuração do tempo - o relógio pode ser desenhado garantindo-se apenas que
o movimento pendular não cesse. Assim, o observador pôde-se destacar do
fluxo temporal em que supostamente estaria envolvido.
13 Dr. Spock é um dos personagens da série televisiva Jornada nas Estrelas. Neste
seriado, as questões científicas são tão importantes quanto a psicologia das relações humanas.
De fato, decorridos poucos milênios desde que as cavernas foram abandonadas e partiu-se
para a dominação do mundo, as sensações, estados emocionais tais como ódio, amor, ternura,
inveja etc, parecem não terem se transformado tanto assim.
Marco Aurélio Cabral Pinto 41
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Esta é talvez a mais ambiciosa constatação de Galileu. A conseqüência
epistemológica de sua expressão matemática diz respeito à separação dos
movimentos de maneira a permitir que cada um possa ser analisado de forma
independente. O uso da geometria euclidiana, com a conseqüente
geometrização do espaço, já havia permitido o isolamento das trajetórias; agora,
a geometrização do tempo (como funÇão do espaço, do comprimento do fio)
seria o marco de abertura para o estudo individual de cada movimento isolado
em seu binômio fundamental: tempo e espaço. A partir de Galileu, a ciência
moderna assume o postulado de que os corpos descrevem trajetórias
individuais com dinâmicas também individuais. Porém, ambas podem ser
descritas e analisadas sob o ponto de vista de um observador distante, de um
observador que ambiciona sentar-se na poltrona de Deus.
A lei da queda dos corpos - a primeira das leis da física clássica,
antecede à descoberta da invariância do pêndulo - foi formulada por Galileu
em 1604. A lei da queda dos corpos é uma lei muito importante. É ao mesmo
tempo uma lei extremamente simples; esgota-se completamente em sua
definição: a queda dos corpos é um movimento uniformemente acelerado.
Porém, apesar de anunciar algo compatível com a física aristotélica, a lei da
queda dos corpos tem por referência novo e inovador conceito: o espaço
euclidiano aplicado ao mundo natural. Assim, o corpo que idealmente cai no
espaço euclidiano é concebido como representação fiel do corpo material,
abrindo-se a possibilidade do cálculo. É verdade que a experiência controlada
traria a vitória Galilaica. No entanto, a extensão da idéia de representação do
espaço material como espaço euclidiano teria conseqüências profundas para a
cosmovisão ocidental moderna.
Para A. Koyré (1986), a maior contribuição Galilaica foi o imenso esforço
de geometrização do tempo. O relógio moderno é basicamente a representação
espacial do tempo. Tempo que percorre um percurso infinito, tempo que pode
ser decomposto em unidades infinitesimais, tempo-medida.
Marco Aurélio Cabral Pinto 42
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Segundo as palavras de Koyré (1986:28)
Em lugar de pensar o movimento, Galileu representa o
movimento. Vê-se a linha, o espaço percorrido com uma
velocidade variável. E é esta linha - trajetória - que ele toma por
argumento a função velocidade. O esforço de geometrização,
sustentado e corroborado pela imaginação, não entravado pelo
pensamento causal, ultrapassa o fim que se tinha determinado; o
fim da dinâmica era matematizar o tempo.
O passo seguinte foi a quantificação da duração do dia terrestre e de
suas frações - a hora e o segundo - obtendo-se, por conseqüência, sua relação
com a duração do ano solar etc em função de um padrão, da grandeza
universal e exata.
Dessa maneira, a descoberta da invariância do pêndulo por Galileu
permitiu a transição da noção de tempo pré-revolução científica para a noção
de tempo moderna, sendo a imagem mais representativa desta mudança
paradigmática a substituição da ampulheta e do relógio solar pelo relógio
pendular dos dias de hojel4.
A revolução deflagrada pela noção de tempo geométrico-galilaica se
insere em uma fase de transição maior, quando a sociedade ocidental já
apresentava inúmeros sinais de saturação acerca da cosmovisão medieval e se
encaminhava para sua substituição por algo, então, novo: a cosmovisão
moderna. Galileu permitiu à Ciência e ao racionalismo mais essa importante
vitória: a interpretação aristotélica foi definitivamente refutada diante da
exatidão com que a Ciência nascente profetizava os fenômenos e assim os
explicava em termos de leis. A questão do movimento há muito que era
colocada de forma central nos meios mais reflexivos, uma vez que se associava
com a medida da imperfeição do ser humano, conforme discutido
14 Cabe destacar que os relógios de pulso contemporâneos mantêm o prindpio
pendular, traduzido como a oscilação promovida pelo cristal de quartzo excitado
eletricamente.
Marco Aurélio Cabral Pinto 43
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
anteriormente. A questão do movimento se associava à matéria e à maneira
como a mesma " procurava" seu lugar no mundo. Aristóteles, por exemplo,
afirmava que um corpo é tanto mais rápido quanto mais se aproxima do seu
fim (o fim do movimento). O pêndulo galilaico seria, assim, a representação
metafórica da própria natureza do tempo moderno: a fonte do eterno (infinito)
movimento sem sentido, que se repete no mesmo, situado só em meio ao nada
(vácuo sem atrito).
As conseqüências da afirmação do tempo galilaico na cosmovisão
moderna têm como principais efeitos a noção de linearidade e progresso. O
tempo galilaico, como o espaço euclidiano, não apresenta direção ou ponto
privilegiado. Ao contrário, o tempo na modernidade será marcado pelo avanço
ininterrupto e cadenciado de uma grandeza matemática, que pode ser
constatada por todos de forma uniforme através do avanço do relógio.
Este princípio se encaixa perfeitamente no, então, nascente capitalismo.
Apesar de encontrar-se totalmente inserida no paradigma moderno, a crítica
marxista descreve este período como característico da substituição do trabalho
artesanal pelo trabalho por encomenda. O tempo se converte em mercadoria
que pode ser trocada, dado que sua quantificação se torna possível. O
assalariado vende seu tempo de vida na forma da jornada de trabalho, ou seja,
a medida diária de esforço produtivo.
Nas palavras de Bartholo (1986:39):
. . . a economia monetária criou o ideal do cálculo numérico exato,
pois ela tem na idéia de uma interpretação matematicamente
exata do cosmos sua complementação teórica ao nível da
representação simbólica. Por outro lado, a aparente capacidade de
ilimitada multiplicação da riqueza monetária convergia com a
idéia de um universo ilimitado, reforçando-a. O lucro como móvel
da acumulação capitalista é a expressão da vontade de um
movimento progressivamente infinito.
Marco Aurélio Cabral Pinto 44
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
o acento no aspecto quantitativo do tempo coloca ainda a indiferença
resultante entre o momento presente e o momento futuro como pressuposto
fundamental. A originalidade de cada um dos momentos é subordinada ao
fluxo geral e cadenciado do tempo em sua progressão infinita. O sacrifício
decorrente do trabalho assalariado, monótono e repetitivo da linha de
produção, encontrou sua metáfora significativa durante o ritual religioso na
modernidade. Como objeto da oferta (no momento da oferenda à Deus), a
moeda, depositário e recompensa do sacrifício da vida (e do tempo de vida)
dedicado ao trabalho, sucede o cordeiro, o qual teria no sacrifício de sua vida o
objeto da oferta nos rituais religiosos antigos.
Ainda segundo Bartholo (1986:59):
Quando o óbolo substitui o gado, a oferenda consagrada sofre
uma abstração real e o sacrifício primário é superado num
processo de generalização. Mas o ponto originário da moeda é o
sacrifício e não a troca mercantil.
Marco Aurélio Cabral Pinto 45
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
4.2 A gestão do trabalho e o controle do tempo
A Revolução Comercial/Industrial, conforme já visto, recebeu grande
impulso com a possibilidade de quantificação do tempo. No entanto, a maneira
como este fenômeno se deu no detalhe, no interior das organizações
produtivas, revela-se como de interesse central para a presente dissertação. A
maneira como se desenvolveu o controle do trabalho na fábrica, sua motivação
e ambição, revela seu limite, principalmente no contexto em que se percebe
como importante sua revisão crítica.
A formação da fábrica, aqui entendida como o primeiro grande loeus da
produção capitalista, ganha sentido a partir do conjunto de conceitos que, a
partir da segunda metade do século passado, são introduzidos como diretrizes
para seu projeto organizacional. Com a invenção e a proliferação das máquinas
(bens de capital), fruto da tradução da ciência como técnica, a capacidade
produtiva é potencializada enormemente. Dessa maneira, a Revolução
Industrial traduziu-se no micro-universo da organização como a aplicação da
racionalidade ao trabalho humano com o objetivo de maximizar-se a eficiência
na relação ser humano-máquina, conforme já largamente explorado na
literatura administrativa 15.
No entanto, o interessante é sublinhar que, ao longo deste momento
histórico, dois importantes movimentos para o trabalho humano coincidem no
tempo e no espaço das organizações: a introdução da máquina no ambiente de
trabalho e a busca da maximização da eficiência na relação ser humano
máquina.
4.2.1 A introdução da máquina no ambiente de trabalho
Primeiramente, deve-se fazer a distinção entre ferramenta e máquina. A
ferramenta é artefato para potencialização do trabalho humano, porém sem
15 Ver, por exemplo, G. Morgan (1986), para o interessante estudo das diferentes
metáforas organizacionais.
Marco Aurélio Cabral Pinto 46
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
visar sua substituição. É vista como instrumento de auxílio, permitindo a
extensão do corpo humano e usualmente passiva no processo de produção: a
ferramenta, apesar de pressupor a função e o projeto, só realiza trabalho por
efeito da ação humana. Do médico ao marceneiro, do microscópio eletrônico à
chave de parafusos, a ferramenta permite a extensão dos sentidos humanos.
A introdução da máquina, por outro lado, visa substituir o trabalho
humano. A máquina reproduz o trabalho humano, portanto é ativa, permite a
comparação. A análise das etapas envolvidas no processo produtivo, o desenho
da máquina que desempenhe cada uma dessas etapas, seu sequenciamento na
linha de produção, permitem a progressiva automação do ambiente da fábrica.
No que diz respeito a tarefas que envolvam criatividade, vis a vis seu
caráter não-linear, portanto impeditivo de tratamento lógico, a automação, a
substituição do trabalho humano, torna-se inexeqüível, fora de questão.
Portanto, é de se supor que o fazer criativo defina apenas o uso estrito de
ferramentas, por mais sofisticadas que estas possam parecer. Segundo Sérgio
Liuzzi16, o uso do computador no design gráfico, por exemplo, permitiu a
manipulação dos elementos que compõe um determinado projeto de uma
forma mais livre. Assim, o profissional de design utiliza sua ferramenta para
superpor os pequenos insights que vai tendo, estabelecer livres associações,
tangibilizar o livre relacionamento entre os elementos.
Ao longo da história da industrialização, no entanto, o grau de
automação foi progressivo. As primeiras máquinas introduzidas no ambiente
da fábrica tornaram-se, desde o inicio, o centro da atenção. Percebia-se sua
superioridade em termos produtivos. Dessa maneira, a disposição e o papel das
máquinas na linha de produção determinou a forma como se redefiniu o
trabalho humano. O ser humano foi progressivamente instrumentalizado,
tornando-se não mais o centro do processo produtivo, mas a extensão da
máquina. O movimento de introdução da máquina na fábrica não visou, assim,
a substituição do trabalho humano, mas seu afastamento para uma posição
16 Ver entrevista com um designer no Anexo I .
Marco Aurélio Cabral Pinto 47
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
subordinada: a máquina ditaria a partir de então o ritmo e a forma de
desempenharem-se tarefas.
Como conseqüência, ocorre a verticalização da organização. A
necessidade de supervisão e controle (qualquer descontinuidade no processo
tem efeitos sobre toda a fábrica) resulta em múltiplos níveis hierárquicos. No
chão da fábrica, a engenharia emerge como a linguagem de tradução ser
humano-máquina. Não mais associada ao espírito inventivo, mas como
instrumento de mensuração e desenho, a engenharia adapta mutuamente o ser
humano à máquina. E é nesta adaptação, neste jogo de ajuste, que a regra se
torna fundamental. Daí a burocratização e a padronização, primeiro, de
processos, depois comportamentos e hoje também resultados. A criatividade
humana é renegada a um plano secundário quando a lógica deve ser
explicitada em todos os momentos.
A máquina assumiu, assim, a condição de instância definidora da
fábrica, ao ponto de impregnar a concepção mesma do fazer produtivo em seus
múltiplos matizes. A máquina tornou-se o paradigma fundador da organização
moderna.
4.2.2 A busca de maximização da eficiência
o outro movimento, de busca da maximização da eficiência na relação
ser humano-máquina, é concebido como decorrência direta da incorporação da
noção geral de tempo linear, progressivo e infinito, na cultura moderna,
conforme descrito no item 4.1.1. acima. A sincronicidade entre acumulação de
capital e progresso tecnológico confere ao fazer produtivo seu caráter de busca
de excedentes. O sentimento do avanço da riqueza e do conhecimento
instrumental no tempo assume o caráter de corrida: perde-se (ganha-se) tempo,
poupa-se tempo.
A prioridade de maximização de valor para as organizações produtivas
gera um conjunto de dimensões para as quais deve-se buscar o máximo
matemático (entendido no limite assintótico da quantidade) para diversas
dimensões. Tomando-se a organização dividida em subestruturas funcionais
Marco Aurélio Cabral Pinto 48
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
perfeitamente identificadas e identificáveis, tem-se a busca da maximização
para, entre outras, as seguintes dimensões:
• crescimento de vendas (maximização das necessidades) ao mercado:
visto como a tradução da busca de maximização para o discurso e a
prática de vendas/marketing;
• maximização do valor econômico-financeiro: sob responsabilidade
última da área financeira e definido como valor presente dos fluxos
de entradas e saídas de recursos monetários para e da empresa;
• maximização da capacidade produtiva: entendida tanto como
aumento de eficiência como ampliação das plantas de produção.
Neste contexto a busca de maximização sob diferentes prismas tem
como mecanismo básico a especialização por tarefas. Assim, o controle do
tempo de trabalho no período pós-Revolução Industrial sofrerá profunda
influência da introdução da máquina e da busca ilimitada de maximização, o
que resulta na aplicação da racionalidade à gestão do tempo de trabalho,
conforme será observado a seguir.
4.2.3 A teoria de tempos e movimentos
A credencial de mestrando em administração me livra, acredito, do
dever de introduzir formalmente a teoria de tempos e movimentos. Dessa
maneira, com base nesta crença, optei pela discussão que assume como
premissa o bom conhecimento desse tão difundido discurso teórico.
Frederick W. Taylor e Frank B. Gilbreth eram ambos funcionários
incomuns. Trabalharam no chão da fábrica (o primeiro na Midvale Steel
Company e o segundo em uma construtora) na década de oitenta do século
passado, ombro a ombro com outros funcionários. No entanto, seus olhares se
voltaram para o verbo e não para o objeto do trabalho. Perceberam o fluxo de
trabalho ineficiente, observaram a máquina que espera, os estoques que se
amontoam e o distanciamento reinante com relação à ansiedade inerente aos
movimentos cadenciados e infinitos, às más condições de trabalho na fábrica.
Marco Aurélio Cabral Pinto 49
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
Taylor e Gilbreth foram os grandes porta-vozes da monótona cadência da
máquina, representaram na forma de discurso o sentimento produtivista em
tempos de estabilidade.
Taylor e Gilbreth são na realidade a expressão de uma época cuja
tendência levaria a sociedade ocidental a desembocar na grande crise de
desemprego - a grande depressão americana - e em duas grandes guerras
mundiais anos mais tarde.
Mas Taylor e Gilbreth são também os engenheiros que perceberam a
jornada de trabalho extenuante, o conflito entre superior-subordinado, o poder
unilateral e as baixas remunerações.
Após rápida trajetória na empresa, convenceram-se e a outros da
necessidade de se investirem recursos no estudo do trabalho humano, estudo
este voltado para a resposta a duas perguntas fundamentais: Qual a melhor
maneira de se realizar este trabalho ? e Como definir a jornada de trabalho ?
A importância destas duas perguntas se encontra fundamentalmente no
desejo de maximização ilimitada das dimensões da organização.
4.2.3.1 Qual a melhor maneira de se realizar este trabalho ?
Gilbreth passava seus dias tirando fotografias de trabalhadores que
manipulavam tijolos. Depois, analisava cada movimento, a maneira como cada
operário levantava, botava aos ombros e descarregava mais adiante os tijolos.
Gilbreth então se dirigia ao laboratório e comparava as fotografias. Já havia,
porém, dividido cada atividade em tarefas, definidas como a menor unidade
no processo de trabalho. Independentemente, Taylor analisava o melhor ajuste
ser humano-máquina adotando o mesmo método. O uso da fotografia
seqüencial foi importante neste processo. Permitiu que Taylor e Gilbreth
pudessem imaginar urna maneira de demonstrar os movimentos inúteis,
garantindo a maximização (otimização) da produção com a especificação das
tarefas mas também diminuindo a fadiga física.
Marco Aurélio Cabral Pinto 50
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
o uso da fotografia seqüencial torna-se caricatura na verificação da
noção de tempo geométrico-galilaica aplicada ao fazer produtivo. A relação
estabelecida entre a abordagem bergsoniana de que a razão só pensa estados e
a noção de tempo científica demonstra o quanto a razão lógica moldou a
cosmovisão moderna.
o método da teoria de tempos e movimentos consistiu em:
a. eliminar todo o trabalho desnecessário;
b. combinar operações ou elementos;
c. mudar a seqüência das operações;
d. simplificar as operações necessárias.
Para empreender-se a análise dos processos, desenvolveu-se também
uma linguagem que classifica, através de aproximadamente quarenta diferentes
símbolos, a natureza de cada etapa envolvida na tarefa. Por exemplo, havia um
símbolo específico para operação, transporte, inspeção e espera. O
estabelecimento desta linguagem visa a representação esquemática universal,
como encontrado em diferentes áreas da engenharia. A sua importância reside
na redução a elementos fundamentais, de maneira a permitir o cálculo.
Assim, teríamos para a situação hipotética em que a Sra. AMC, sentada
próxima ao portão de sua casa de campo, decidisse regar sua horta, a seguinte
representação:
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Marco Aurélio Cabral Pinto
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5 1
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Outro aspecto complementar à análise de movimentos é o desenho do
espaço de trabalho, das ferramentas e instrumentos e da própria máquina, de
maneira a maximizar o ajuste do ser humano ao fluxo de trabalho concebido
como ótimo.
Assim, ao tentar responder à pergunta de qUi/I a melhor maneira de se
realizar este trabalho, Taylor e Gilbreth não se preocuparam com a demonstração
da unicidade da resposta. Sob o ponto de vista matemático (e isto é o que está
em jogo), o problema se equaciona em termos de busca do máximo para a
função produção. A crença na unicidade da solução implica em assumir que a
função seja linear, que se conhece todo o dominio e, sobretudo, que a função
está muito bem definida. Todas estas condições estão feridas quando o
componente humano no trabalho é importante.
Esta afirmação é particularmente aceita quando se depara com tarefas
humanas mais complexas, onde é importante que se experimentem maneiras
diferentes de fazer as coisas. A engenharia de movimentos de Taylor e
Gilbreth, ao contrário, poda a possibilidade da experimentação quando assume
a possibilidade de unicidade na resposta para sua questão.
Segundo Danilo Caymmi (ver entrevista no Anexo II), mesmo que lhe
oferecessem os melhores recursos instrumentais e de suporte, condicionado a
ficar confinado em regime de jornada de trabalho, o resultado de seu trabalho
não seria tão satisfatório comparado a liberá-lo para buscar sua intuição a seu
juízo.
Mesmo que o efeito da aplicação da engenharia de movimentos
apresente resultados mensuráveis, seus efeitos colaterais como maior
burocratização, perda motivacional, perda de flexibilidade, empobrecimento da
cultura organizacional etc, colocam em risco a sobrevivência das empresas
diante do desafio de mudança e auto-adaptação.
4.2.3.2 Como definir-se a jornada de trabalho ?
A análise dos movimentos e sua conseqüente tentativa de otimização
(vista como maximização da eficiência), aliada à especialização por tarefas, tem
Marco Aurélio Cabral Pinto 52
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
como efeito principal a rotinização do fazer produtivo no ambiente da fábrica.
No entanto, é com a introdução da medida do tempo requerido para a execução
de cada tarefa que a análise dos movimentos ganha sentido na busca de
maximização da eficiência produtiva.
Segundo R. M. Barnes (1968:715), em seu trabalho publicado pela
primeira vez em 1937, a definição para o estudo do tempo para Taylor assume
a seguinte configuração:
Time study is the analysis of a job for the purpose of determining
the time that should take a qualified person, working at normal
pace, to do the job, using a defini te and prescribed method. This
time is called the standard time for the operation.
Evidentemente, o objetivo final é a maximização da eficiência produtiva.
Os estudos eram, então, conduzidos em condições controladas de laboratório,
onde o corpo de prova desempenhava a tarefa segundo o desenho ótimo prescrito
pela análise de movimentos, medindo-se o tempo levado para sua realização.
Este cálculo era repetido diversas vezes com pessoas diferentes, de maneira a
obter-se uma medida estatística que pudesse ser aplicada universalmente.
Assim, cada atividade poderia ser associada com um padrão de tempo,
tornando-se possível seu sequenciamento. A aplicação da racionalidade ao
trabalho humano somaria à substituição parcial do ser humano pela máquina a
mecanização do próprio fazer produtivo na crença de que, assim, seria possível
atingirem-se simultaneamente a máxima eficiência e o máximo grau de
previsibilidade e controle na organização.
O próximo passo foi definir-se jornada de trabalho como a maior
quantidade de tempo diária que poderia ser associada ao trabalho de forma
contínua, ou seja, garantindo-se que a fadiga no longo prazo não trouxesse
prejuízos à continuidade do processo.
Diversos foram os critérios utilizados para a definição da jornada de
trabalho. Dois deles, pelo menos, merecem ser citados. O primeiro, o critério da
fadiga física, era determinado para cada atividade como o descanso suficiente
Marco Aurélio Cabral Pinto 53
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
para recompor o número de calorias necessárias ao desempenho da função. O
cálculo do número de calorias gastas em cada atividade, o tempo e a
quantidade de calorias dedicada a cada refeição, a estimativa do número de
calorias gastas fora do ambiente de trabalho, eram combinados em uma
equação que determinava a máxima duração possível do dia de trabalho.
Naturalmente, dependendo da natureza da atividade, trabalho em
escritório, por exemplo, este critério acabaria por ser superado por outro mais
sutil: a fadiga psico-física. Para medir-se a fadiga psico-física, Taylor fornece
uma resposta simples e direta: basta definirem-se indicadores universais e
associados com o cansaço físico-mental. Entre os indicadores utilizados, o
batimento cardíaco parece ter sido o mais aceito. Mede-se o batimento cardíaco
no repouso e durante a execução da atividade, repetidamente. Posto isso,
define-se a medida diária de trabalho aceitável.
Nas palavras de R. M. Barnes (1968:550):
The increase in heart rate during work may be used as an index of
the physiological cost of the job. Also, the rate of recovery
immediately after work stops can be utilized in some cases in
evaluating physiological cost. Incidentally, the total physiological
cost of a task consists not only of the energy expenditure during
work but also the energy expenditure above the resting rate
during the recovery period, that is, until recovery is complete.
O desenvolvimento de esquemas de incentivos variáveis com o número
de horas trabalhadas também foi aspecto chave para a gestão do fazer
produtivo. Estes esquemas de incentivos envolveriam não apenas remuneração
na forma dinheiro para as horas extras mas também outras formas, tais como
cartas de recomendação, comemorações, prêmios etc. Todo incentivo deveria
estar balizado na superação de objetivos previamente estabelecidos com base
em horizontes de tempo determinados, conforme planejamento prévio.
Evidentemente, este segundo passo, que envolveu a determinação e
aplicação da quantidade de tempo necessária ao desempenho de cada
Marco Aurélio Cabral Pinto 54
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
atividade, amarra completamente a maneira como se deve desempenhar uma
determinada atividade. Com a engenharia do movimento, as trajetórias, as
únicas e melhores trajetórias foram definidas. Com a aplicação da quantidade
de tempo necessária ao desenvolvimento de cada uma destas trajetórias, o
trabalho humano com sua velocidade e a dinâmica de realização estava
eficientemente padronizado, descrito, aberto ao controle e à homogeneização.
A aplicação do padrão de tempo ao trabalho humano foi aspecto
essencial para garantir-se a sincronicidade da linha de montagem.
Fundamental para o estabelecimento da máquina definitivamente como o
centro das atenções na fábrica moderna, a representação pobre do grande e
complexo relógio da Vida.
4.2.4 Atualidade da teoria de tempos e movimentos
A teoria de tempos e movimentos foi desenvolvida no contexto histórico
do final do século passado onde, como já visto, a competição entre as empresas
foi concebida fundamentalmente como movimentos para reduções de custo.
Evidentemente, a diferenciação de produtos que se segue ao movimento do
pós-guerra, o aumento da percepção de incerteza e as conseqüentes adaptações
estruturais que se seguiram no interior das empresas, introduziram
complexidade maior no que tange à forma como é gerido o tempo de trabalho.
Este aumento de complexidade tem como causa e efeito o maior
envolvimento do tempo de vida dos agentes no jogo organizacional. A
historiadora francesa Anne Martin-Fugier17 nota que a hora do jantar avança
progressivamente ao longo do século XIX, mesmo antes da aparição da fada
eletricidade. Esta é uma informação importante. Significa que o ser humano se
envolveu progressivamente mais com o trabalho, dedicou mais de sua vida ao
fazer produtivo ao longo dos anos. Conforme descrito no item 4.2.1 acima, a
17 Ver Martin-Fugier, A. Os Ritos da Vida Privada Burguesa. em: História da Vida
Privada: da primeira guerra aos nossos dias, vol. 5, Companhia das Letras, São Paulo, 1992,
650p.
Marco Aurélio Cabral Pinto
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
teoria de tempos e movimentos seria a expressão máxima da aplicação da
noção de tempo moderna à gestão do fazer produtivo. Porém, até que medida
as duas perguntas levantadas por Taylor e Gilbreth seriam questões
relevantes para as empresas hoje ?
No chão da fábrica, na linha de montagem, no ambiente que se mantém,
em sua essência, invariável em relação ao início do presente século, as técnicas
oriundas da teoria de tempos e movimentos reinam sob os mesmos princípios.
A progressiva automação industrial intensifica este processo. No entanto, libera
também contingente significativo de mão-de-obra que passa a se envolver em
atividades de serviço, portanto de natureza interpessoal. Dessa maneira, é no
ambiente do escritório, não mais da fábrica, que se dará o embate discursivo
pelo novo, pela inovação. É neste ambiente que se procurará a resposta para a
pergunta acima.
A agenda e o cronograma
As empresas vivem a realidade do tempo do relógio. A importância da
agenda e do cronograma tangibilizam esta afirmação. A agenda pode ser vista
como o instrumento de divisão do tempo de trabalho individual por excelência.
Dada a complexidade do fazer produtivo, dado o grande conjunto de tarefas
que deve ser encaminhado simultaneamente, a agenda representa a forma
como são conduzidos estes processos: individualmente e de forma
fragmentada. Cada tarefa ocupa espaço de tempo definido no dia para que
receba encaminhamento. Ao longo do dia se encaminham diferentes processos
usualmente não relacionados: envolvem dinâmica, interesses e propósitos
diferenciados. A fragmentação deste encaminhamento conduz à postura de
enxergar as tarefas como individualizadas. Ao fim do dia, cada tarefa deve ter
avançado tanto na medida do tempo que se dedicou a cada uma delas quanto
da possibilidade de atuação, a qual usualmente se conhece a priori. A agenda
permite, assim, a formação da estrutura de divisão do tempo de trabalho em
unidades de atuação altamente fragmentadas. A técnica de tempos e
movimentos sublima-se da divisão (análise) do aparente (processos e
procedimentos) em direção ao imanente, à decomposição de cada tarefa com
Marco Aurélio Cabral Pinto 56
c · Disserta@o de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
começo, meio e fim em blocos de tempo diários. A história do sucesso de uma
determinada tarefa pode ser reconstruída a partir da engenharia de distribuição
do tempo de trabalho ao longo dos dias e registrada na agenda.
o cronograma, neste contexto, representa a agenda coletiva, a agenda do
grupo de trabalho. Para a execução das tarefas, cada personagem recebe seu
quinhão. A tarefa definida para a equipe é inicialmente dividida em sub-tarefas
(responsabilidadesI8) que se encadeiam ao longo do tempo. O cronograma
torna-se assim o quadro que expressa a relação temporal e de dependência
causal entre as tarefas. Determina a dinâmica de trabalho ao longo do tempo
(dias, meses). Atribui responsabilidades para cada membro da equipe de
trabalho na forma de sub-tarefas, que por sua vez devem ser incluídas em cada
agenda.
Percebe-se a partir deste comentário que o relógio dita ainda hoje o
ritmo do fazer produtivo. Permite a fragmentação e a sincronização das tarefas.
A máquina torna-se metáfora, com engrenagens que giram no ritmo cadenciado
do ponteiro que avança e extingue o tempo disponível.
18 A responsabilidade, definida em tomo do sentimento único de dever diante de
algo que deve ser feito ou zelado, é fragmentada, dando origem ao seu plural., que passa então
a ser associado itimimamente ao contexto de previsibilidade do trabalho.
Marco Aurélio Cabral Pinto 57
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
4.3 A produção do novo em cenário de incerteza e o controle do tempo
de trabalho
Conforme já comentado, o movimento de diferenciação de produtos tem
influência sobre o aumento de demanda pelo novo, pela inovação. A busca de
novas configurações de produtos/mercados abre espaço significativo para a
criação de conceitos, com implicações sobre o próprio projeto organizacional,
que se divisionaliza. Outro . movimento importante, simultâneo ao de
diferenciação de produtos, diz respeito à crescente exigência de adaptação das
organizações produtivas ao ambiente percebido como progressivamente
dinâmico e complexo.
É então nesse jogo entre o novo e o incerto que se desenvolverá a
problematização da gestão do tempo voltado para o fazer produtivo. Tempo
este que não se decompõe mais linearmente em número de horas trabalhadas,
mas, alternativamente, se oferece como grandeza qualitativa a ser
experimentada, provendo ao acaso a dádiva da intuição (re) criadora.
4.3.1 A produção discursiva e uma episteme do não-linear: a teoria do caos
A capacidade adaptativa em cenário de incerteza tem como substância a
possibilidade de construção de modelos, de interpretações, que permitam tanto
a organização do trabalho, em tempo presente, quanto viabilizem a
coordenação de diferentes processos decisórios, com vistas a acertos futuros. A
dificuldade em lidar-se com ambos estes aspectos representa ameaça à
sobrevivência de muitas das organizações produtivas que, na ânsia de
resolverem problemas formulados a partir de um referencial determinístico,
envolvem-se em processos de restruturação usualmente associados a desfechos
imprevisíveis. Considera-se, portanto, essencial discutirem-se alternativas que
tenham por referência a não-lineaaridade do mundo real.
Assim como a teoria administrativa tem-se debruçado sobre o tema da
incerteza (como expressão do binômio complexidade-dinâmica), elevando-o à
categoria de desafio central para a adaptação das empresas ao ambiente
Marco Aurélio Cabral Pinto 58
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
competitivo, as mais diferentes áreas da ciência parecem convergir para o
problema da incerteza com a mesma atribuição de importância. Dessa maneira,
um conjunto de "novas abordagens" têm surgido a partir da década de setenta,
de maneira mais ou menos independente transversalmente à matemática,
biologia, meteorologia, química, física etc. No entanto, uma vez confrontadas,
essas abordagens apresentam algumas características invariantes que,
aparentemente, apontam para um caminho comum. Em seu trabalho de
compilação sobre o que se convencionou chamar de TeorÚl do Caos, P. Gleick
(1990:5) assim descreve este movimento:
Onde começa o caos, a ciência clássica pára. Desde que o mundo
teve físicos que investigavam as leis da natureza, sofreu também
de um desconhecimento especial sobre a desordem na atmosfera,
sobre o mar turbulento, as variações das populações animais, as
oscilações do coração e do cérebro. O lado irregular da natureza, o
lado descontínuo e incerto, têm sido enigmas para a ciência, ou
pior: monstruosidades.
Na década de setenta, porém, alguns cientistas nos Estados
Unidos e na Europa começaram a encontrar um caminho em meio
a esta desordem. Eram matemáticos, físicos, biólogos, químicos,
todos eles buscando ligação entre diferentes tipos de
irregularidade.
O fundamento epistemológico de inserção destas "novas abordagens"
no paradigma moderno é a introdução da complexidade como fruto da não
linearidade presente em todos os processos observáveis. Este fato novo, a
introdução da não-linearidade, pode ser visto como tentativa, por parte dos
cientistas do caos, de sofisticação do alicerce científico contemporâneo, composto
pelo tripé formado pelas teoria newtoniana-relativística, termodinâmica
clássica e eletromagnetismo. No entanto, logo no início dos trabalhos, os
pesquisadores do caos perceberam que se deparavam com uma situação
radicalmente diferente, situação esta que os levaria à revisão profunda de
muitos dos conceitos aceitos como conquistas irrefutáveis da ciência até o
Marco Aurélio Cabral Pinto 59
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
presente. Algumas das constatações mais importantes e de interesse para a
presente dissertação são:
• Pequenos desvios no início de um processo podem gerar grandes
divergências nos resultados no tempo futuro. Em modelos
lineares, ao medir-se a variável de entrada, o input, com precisão
finita qualquer, garante-se que o comportamento ao longo do
tempo apresentará desvio constante e proporcional ao erro
cometido no início. O desvio com relação ao previsto é controlado
e determinável ao longo do tempo. Em sistemas não-lineares, uma
vez que a observação e a mensuração do input possuem erro
intrínseco, a perda de previsibilidade ocorrerá em um momento
mais ou menos distante, que será função tanto do grau de
linearidade do sistema quanto do erro cometido no início. Assim,
define-se o horizonte de previsibilidade a partir do qual qualquer
predição é inútil. Este horizonte estará mais perto ou mais longe
no tempo dependendo-se do grau de não-linearidade e do erro
cometido no início. Para sistemas altamente não-lineares, como o
que define as condições meteorológicas, por exemplo, o horizonte
de previsibilidade pode ser extremamente curto
(aproximadamente três dias para a previsão meteorológica).
• Existem padrões que se repetem em diferentes escalas, ao mesmo
tempo. Um dos problemas que permaneceram sem solução por
alguns séculos e que por isso intrigava os cientistas dizia respeito
à questão de quanto seria o exato comprimento do litoral da
Inglaterra. Como medi-lo ? A partir de fotos aéreas, o detalhe das
reentrâncias de uma praia específica seria apenas aproximado. Se
fosse escolhido realizar-se um programa de medição praia a praia,
encosta a encosta, as reentrâncias de cada pedra seriam um
obstáculo e assim por diante. Percebeu-se que os corpos reais
apresentam muitas vezes geometrias com padrões que se repetem
indefinidamente. Estas geometrias estariam associadas a uma
Marco Aurélio Cabral Pinto 60
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
dimensão fracionada. Observadas em muitos dos fenômenos reais
(nuvens, vasos sangüíneos, preços de ações etc), o mesmo padrão
se repete em diferentes escalas para um mesmo instante de tempo.
A constatação a partir destas premissas de que, independentemente do
quanto se invista em informação e planejamento, qualquer processo tende a,
inexoravelmente, possuir horizonte temporal de previsibilidade finito, possui
profundas implicações para a realidade organizacional. No caso de ambientes
com elevado grau de complexidade e dinâmica, o processo de planejamento
deve ser revisto com base na sua aplicabilidade e custo. Alternativamente,
parece razoável supor que, neste contexto, a gestão flexível, que desencadeie e
se envolva com processos até seu amortecimento ou fim, seja um caminho mais
adequado para a gestão da incerteza.
Uma crença fortemente arraigada na tradição das organizações é a de
que informação implica em conhecimento (científico). No entanto, partindo-se
do pressuposto que o conhecimento (científico) está associado à forma como é
possível utilizar-se a experiência passada e a configuração presente para a
preparação para o (previsão do) futuro, a introdução da não-linearidade separa
claramente estas duas noções: não importa o nível de informação que se possa
ter em determinado momento, a perda da previsibilidade intrínsica aos
sistemas não-lineares implica em que o conhecimento independa até boa
medida do nível de informação. Mais que isso, implica em que os sistemas
não-lineares não possuem solução matemática determinável. Atinge-se
portanto, um limite para o conhecimento científico, o que claramente abre
espaço para outras formas de conhecimento que possam vir a somar o
entendimento da configuração presente e futura.
Quando pensada espacialmente, a não-linearidade conduz à idéia de
dimensão fractal. Sob este prisma, a teoria do caos se traduz na previsão de
uma reprodução de padrões, ao menos culturais, que percorre transversalmente
a menor das divisões até o todo organizacional e ao conjunto das organizações
em um determinado instante de tempo. Este aspecto é importante porque torna
evidente a impossibilidade de isolarem-se diferentes níveis organizacionais ou
Marco Aurélio Cabral Pinto 6 1
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
mesmo organizações inteiras e, para cada uma, então efetuar-se a aplicação de
técnicas de gestão que suponham para seu sucesso este isolamento. Em outras
palavras, não é possível interferir-se na organização, no universo micro, sem
esperar-se uma modificação de configuração na escala macro, modificação esta
de natureza imprevisível. Reafirma-se, portanto, a idéia de que processos de
mudança organizacional podem ser deflagrados mas não controlados, previstos
ou planejados.
A abordagem fractal sugere ainda a unidade do estudo da economia
adiministração. Há muito os economistas têm procurado, com relativo sucesso,
produzir uma teoria que una a macroeconomia19 à microeconomia20. O objeto
da administração, por sua vez, parte do indivíduo até o coletivo de indivíduos
(organização). Se há padrões que se repetem, espera-se que ambas disciplinas
devam convergir para analogias comuns. Mais que isso, deve-se esperar que
muitas das respostas para questões colocadas no âmbito da macroeconomia
encontrem encaminhamento nas questões intra-organizacionais, como poder e
tomada de decisão.
4.3.2 A criatividade em cenário de incerteza
A criatividade é vista neste contexto como a capacidade de produção de
novos discursos que, mesmo atuando no micro, vão inexoravelmente
influenciar no macro organizacional. Quanto maior a capacidade desse discurso
adequar-se às condições não-lineares do sistema ao longo do tempo, em
processo auto-adaptativo, mais poder estará associado a este. A capacidade
criativa caracteriza-se, assim, pela habilidade de produzir discursos que
interpretem a realidade fluida e complexa de maneira contínua, sem uma
preocupação exclusiva com a previsibilidade a longo prazo, mas com o objetivo
19 Tida como oestudo dos grandes agregados, das trocas entre paises, da produção
bruta de toda uma sociedade, do comportamento dos preços de forma relacionada etc.
20 Tida como o estudo não mais dos agregados de setores mas como do agregado das
empresas de uma determinada indústria.
Marco Aurélio Cabral Pinto 62
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
de estabelecer-se como a interpretação mais adequada a qualquer nível de
generalização que se possa empreender na análise desta realidade. Como
exemplo, o grau de criatividade associado ao desenvolvimento de produtos
deve ser caracterizado como a diversidade de conceitos que um produto
particular possa representar, bem como ao grau de colamento destes conceitos
com o mundo micro (indivíduo-alvo) e macro (corpo social) simultaneamente,
de maneira fractal.
Conforme discutido no item 4.3.1 acima, somada à destruição da
possibilidade de gestão determinística (planejar, executar, controlar), a forma
de organização para a produção do novo representa um desafio adicional.
Desta maneira, para as empresas que se encontram na borda em que a inovação
é requisito para a sobrevivência, em que o ambiente é dinâmico e complexo,
coloca-se o desafio de encontrarem-se parâmetros para a gestão dos recursos
criativos, para dar vida a estes, para redefinir a própria dimensão do fazer
produtivo. Um dos parâmetros parece ser o emocional, aceito como essencial
no processo criativo. Neste caso, Danilo Caymmi21 lembra que durante os dez
anos em que trabalhou com um grupo grande, no caso administrando o grupo
do Tom Jobim, procurou fazer com que as pessoas tivessem conforto. Conforto,
segundo ele, emocional. Ao investir-se da responsabilidade de gerir o fazer
produtivo do maestro, Danilo afirma o quanto o aspecto emocional é
importante para a aparição do novo no curso do trabalho.
Neste contexto de atenção ao aspecto emocional, o enc1ausuramento
espaço-temporal do profissional responsável pela produção do novo é um
aspecto negativo e limitador da criatividade. Apesar de acreditar mais em
intuição que inspiração, Danilo Caymmi reconhece a importância de liberar-se
o profissional para outras ambiências em busca de intuição, seja uma corrida na
Lagoa, passeio no shopping center ou durante o engarrafamento, a quebra da
rotina pode revelar-se recurso de busca da intuição, de exposição do espírito
21 Ver entrevista com um músico no Anexo 11
Marco Aurélio Cabral Pinto 63
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
que experimenta diferentes sensações, do emocional vivo, instrumento de
discurso.
Não é, no entanto, objetivo da presente dissertação enumerar os
diferentes aspectos que podem ser abordados na gestão dos recursos criativos.
Mais do que isso, interessa ao autor investigar mais profundamente os fatores
restritivos da forma clássica de gestão do tempo, principalmente diante do
desafio de produção do novo.
Marco Aurélio Cabral Pinto 64
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRJ 1996
4.4 Implicações para a gestão de recursos criativos
Conforme já visto, recursos criativos são aqueles que estão distribuídos
entre os membros da organização, constituindo-se parte do recurso genérico
Trabalh022. Acredita-se que estes recursos assumam progressiva importância
nos próximos anos, frente tanto ao movimento de diferenciação de
produtos/mercados, no curto prazo, quanto à necessidade de produção de
novos discursos que interpretem a realidade concebida como progressivamente
dinâmica e complexa. A capacidade de produção da inovação original
depende, entre outros, da diversidade do estoque de conhecimentos e da
minimização da rotina. Esta rotina, por sua vez, está ligada ao aprisionamento
espaço-temporal do indivíduo quando na realização de suas atividades.
4.4.1 O processo criativo e a policronia
A criação de novos discursos tem como base a estranheza do olhar que
se volta para as bases do paradigma vigente: ocidental e moderno. Sob o ponto
de vista histórico, o desenvolvimento deste paradigma tem raízes no
Renascimento europeu, que estabeleceu a vitória da Ciência como saber
dominante. No final do século passado, a Ciência ocupava já o centro da
explicação do Mundo. Pouco escapava à possibilidade de investigação
científica. Houve tempos, inclusive, em que ser ateu era forma de expressar fé
absoluta na Ciência. Evidentemente, hoje já se aceita o fim destes tempos. A
Ciência admite seus limites, sua vulnerabilidade diante de outras
interpretações. Este fenômeno colocou a cultura moderna diante de grande
ameaça. Onde buscar a capacidade de predizer o futuro, questão tão
fundamental para a sobrevivência das empresas em ambientes competitivos?
A Ciência forneceu a resposta e o instrumento para o encaminhamento
desta questão durante aproximadamente três séculos. No entanto, pode-se
afirmar que a fragmentação dos discursos (aqueles que utilizam a lógica e
22 Trabalho definido no contexto econÔmico de recurso escasso ao lado de Terra e
Capital.
Marco Aurélio Cabral Pinto 65
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
oferecem capacidade demonstrativa) constitui base canônica: muitas vezes, a
projeção de um sobre outro é nula, há divergência essencial entre muitos destes
discursos, diferenças que não permitem hoje a constituição de nenhum saber
dominante.
o que se observa hoje é a multiplicação dos discursos que competem
pela supremacia da interpretação da realidade. Esta fragmentação dá origem a
diferentes linguagens também. A maturidade da Ciência permitiu a
especialização do conhecimento em níveis impensáveis. Permitiu a formação de
profissionais que conhecem profundamente fragmentos específicos da
realidade. A construção de conceitos próprios a estes micro-universos dá
origem a verdadeiras estruturas discursivas, ininteligíveis ao não iniciado. A
composição final deste quadro torna-se então caleidoscópio de discursos, cada
um com seu domínio de validade definido e nem sempre compatível com os
demais.
Na outra ponta da produção discursiva está a realidade que lhes dá
origem. No entanto, como objeto que se oferece ao estudo, como esfinge à
decifração, a realidade é passível de múltiplos olhares. O desenvolvimento de
determinado discurso lança assim sombra sob possibilidades que não estão
previstas por tal discurso.
Por outro lado, a realidade é fluida e multivariável. Compõe-se de
inúmeros movimentos em evolução no tempo. A percepção destes movimentos
pode ser feita de duas maneiras fundamentais: monocrônica ou
policronicamente.
A percepção monocrônica envolve a experiência e a interpretação de
cada movimento individualmente. No período moderno, esta foi a maneira
escolhida sob o ponto de vista epistemológico. A experiência e a interpretação
dos fenômenos foram realizados dominantemente através da percepção e
estudo de cada movimento destacadamente, com base em sua referência ao
tempo do relógio, tido como o padrão quantitativo para a duração dos
movimentos. A crença subjacente a este processo é a de que é possível esgotar a
percepção e o estudo de cada movimento individual e, através do processo de
Marco Aurélio Cabral Pinto 66
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
soma, reuni-los na interpretação consistente da realidade. Este seria o processo
de produção discursiva monocrônica.
No segundo processo, denominado policrônico, o indivíduo percebe
vários fenômenos em evolução no tempo de forma transversal. A percepção e a
interpretação de um dado evento são realizadas em relação a outro(s). O
observador sincroniza-se, sintoniza-se, com o movimento e seu lado emocional
experimenta sua dinâmica, dando origem à percepção de sua duração. Esta
perspectiva possibilita atingirem-se sínteses intuitivas que não seriam acessíveis
à postura monocrônica.
A imagem que melhor traduz esta abordagem é a musical. Tomando-se
qualquer peça polifônica, as Tocata e Fugas de Bach, por exemplo. Na
abordagem monocrônica o indivíduo se concentra em cada voz separadamente.
Depois, soma uma a outra, independentemente, até formar-se a multiplicidade
de vozes que evoluem no tempo da música. Por outro lado, a policronia
envolve o sentido da percepção de cada voz em relação à outra, no contexto da
harmonia. A percepção de todas as vozes simultaneamente cria então novo
discurso musical.
Quando confrontadas a fragmentação dos discursos e a tendência
monocrônica de formulação de discursos pela sociedade moderna, atinge-se o
limite para a formulação de novos discursos: esgotados os caminhos
individuais, multiplicadas as interpretações com igual validade, atinge-se o
cenário de complexidade e aparente confronto contemporâneo. A percepção de
cada movimento com base na duração definida pelo tempo do relógio, linear e
uniforme, leva à fragmentação da realidade em eventos desconectados,
relacionáveis unicamente pela comparação com a medida quantitativa definida
segundo o padrão de tempo. Assim, o paradigma moderno, que se apresenta
saturado, não encontra capacidade de auto-superação.
A capacidade de síntese, de tradução de um discurso em outro, pode ser
assim entendida como requisito para produção do originalmente novo. O
original passa a ser a nova configuração do saber, que passa a ser aceito por
mais de uma visão particular da realidade. Outro requisito é a flexibilidade do
Marco Aurélio Cabral Pinto 67
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
discurso em permitir diferentes interpretações para a realidade, reduzindo-se
os pontos de conflito e concentrando-se em aspectos fundamentais, abertos à
intuição.
Esta formulação do novo vem a partir do olhar que percebe os vários
movimentos em evolução no tempo e que realiza sua síntese. Por isso, o
original nem sempre é traduzido em linguagem rebuscada, científica; ao
contrário, percebe-se o retorno diferenciado de muitas das formas de saber
holístico que haviam sido desprezadas progressivamente durante o período
moderno, as quais têm por fundamento a postura relacional de percepção
temporal dos movimentos.
4.4.2 A policronia e a noção de tempo moderna
Neste ponto, reconhece-se também a importância da intuição para a
produção de novos discursos. Esta intuição pode ser entendida como o
momento em que se alcança a síntese. Um pequeno passo onde se avança no
conhecimento sobre algo. Nem sempre a intuição é sensação traduzida em
palavras. Cumpre ao indivíduo, através da lógica, construir a ponte que separa
os argumentos que a sustentem. Esta é uma etapa claramente separada e
posterior ao insight.
A noção de tempo moderna encontra seu fundamento na própria
inteligência racional. Permite a divisão da realidade em períodos de tempo tão
pequenos quanto se queira, em fotografias ou estados. O movimento é
interrompido, já dentro da perspectiva monocrônica, e dividido em estados:
passados, futuros e presente. Com esta perspectiva, perde-se a sensação da
duração dos fenômenos, entendida com a experiência emocional e subjetiva do
fluir temporal.
A noção de tempo geométrico-galilaica apresenta assim a crença na
objetividade, o tempo é linear e universal, e que a percepção dos movimentos
não pode ser alterada segundo o observador que experimenta sua duração.
No entanto, afirma-se no âmbito da presente dissertação que a
percepção do tempo é subjetiva. Que a duração dos fenômenos é função do
Marco Aurélio Cabral Pinto 68
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
estado emocional do indivíduo que a experimenta. Afirma-se que o tempo do
relógio é apenas a representação monótona e linear do fluxo que coloca o
Mundo em movimento. Fluxo este que nos consome, que encontra eco
emocional para cada experiência externa. Que nos proporciona a extrema
satisfação da experiência da Vida.
A postura policrônica é compatível com estas afirmações. Ao
perceberem-se os fenômenos através das suas diferentes durações, da
sincronicidade ou oposição de cada fenômeno em evolução no tempo, atingem
se níveis de percepção progressivamente mais complexos. O limite seria a
própria experiência mística, experiência esta em que se atinge a percepção da
quase totalidade dos movimentos em evolução no tempo simultaneamente.
A postura policrônica, no entanto, se acompanhada de estoques de
conhecimento diferenciados, potencializa a geração de intuições compatíveis
com a síntese que se pode alcançar. O argumento em que se baseia esta
afirmação se apóia na crença de que a intuição é potencializada pelo
relacionamento de diferentes movimentos em evolução no tempo, pela
percepção simultânea de fenômenos que evoluem sincronicamente no tempo.
Pela experiência da originalidade da coincidência de situações, que passam a
criar novas configurações da realidade a todo momento. Assim, ter insight é
relacionar coisas díspares, ato provocado pelo olhar que enlaça
policronicamente diferentes movimentos. Por isso, talvez, o músico busque a
intuição durante seu jogging matinal na Lagoa Rodrigo de Freitas23.
4.4.3 Discussão do problema e crítica
No âmbito das empresas, das organizações produtivas, a noção de
tempo moderna encontra tradução através da forma como se dá a gestão do
tempo de trabalho.
23 Ver entrevista no Anexo II
Marco Aurélio Cabral Pinto 69
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
Apesar da influência dos princípios definidos pela teoria de tempos e
movimentos, voltados para a maximização das dimensões da empresa, da
eficiência produtiva, dois aspectos importantes se apresentam como limitadores
à sua adoção mais abrangente no âmbito das empresas hoje. O primeiro, diz
respeito à mudança de pensamento acerca deste impulso produtivista. Ao
contrário do que se observou no passado, cérebros reconhecidos como
brilhantes procuram outras formas de vida que aquelas ligadas ao máximo
envolvimento com o trabalho e remuneração associados à vida nas
organizações produtivas.
Outro aspecto se refere à própria demanda por perfis de profissional que
apresentem a capacidade de produção do novo. Esta demanda cresce ao longo
dos anos e é afirmada na presente dissertação como tendência estrutural,
conforme discutido anteriormente.
No entanto, a aplicação de conceitos clássicos de gestão do tempo de
trabalho apresentam efeito de empobrecimento da capacidade criativa,
verificando-se como limitadores do potencial de produção de novos discursos.
A jornada de trabalho, concebida como o espaço de tempo diário e
quantitativo dedicado ao fazer produtivo, implica que o indivíduo devote à
organização quantidade de tempo definido e descompromissado com os
requisitos necessários à produção do novo. Esta quantidade usualmente
engloba boa parte do dia, resultando em grande espaço da existência.
A atualidade da tradução da noção de tempo moderna no âmbito das
empresas gera demandas para o progressivo envolvimento do indivíduo com
as metas organizacionais, definidas em termos de horizontes temporais
preestabelecidos. São as cenouras que devem ser perseguidas, as tarefas que
devem ser completadas. A agenda e o cronograma, conforme já visto,
representam as formas como o tempo do relógio se insere nas organizações
produtivas contemporâneas.
No entanto, apesar de discutida a forma como se organiza o tempo do
trabalho, pouco tem se levantado a respeito dos efeitos decorrentes desta
organização sobre a eficiência do trabalho humano diante do desafio de
Marco Aurélio Cabral Pinto 70
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
produção do novo. Ao fragmentarem-se as atividades entre indivíduos
(cronograma) e entre compartimentos de tempo no dia (agenda), o que resulta é
a percepção intermitente da dinâmica de cada tarefa. A ação de cada indivíduo
torna-se pontual, fotográfica, em diferentes momentos específicos no curso da
tarefa. A duração de cada tarefa, neste contexto, corresponde à sensação
individual associada à sua alocação quantitativa de tempo na jornada de
trabalho. No caso do dia a dia das empresas, esta duração corresponderá senão
a um dos capítulos da novela.
Sob o ponto de vista individual, a mais rígida fragmentação
representada pela agenda conduz à postura de encararem-se as atividades
como não relacionadas. O indivíduo é estimulado a assumir postura
monocrônica em cada bloco de tempo ao longo de sua Jornada de Trabalho.
Cada espaço de tempo definido na agenda deve, assim, ser dedicado
exclusivamente ao desempenho daquela tarefa específica.
A conseqüência disso é a perda da percepção relacional dos diferentes
movimentos em evolução no tempo, com implicação para o empobrecimento da
capacidade de estabelecimento de relacionamentos entre diferentes dinâmicas
que se desenvolvem simultaneamente. Este aspecto torna-se mais sério na
medida em que considera-se o envolvimento emocional e o exercício da
estranheza do olhar, considerados essenciais para o estabelecimento do
processo criativo. A estrutura fragmentada da execução das tarefas no tempo
fecha portas para a experiência da duração, da dinâmica própria de cada tarefa,
que por sua vez será substituída pelo tempo da agenda.
A rotina também é fator essencial e colateral à aplicação da noção de
tempo moderna ao fazer produtivo. O sentimento de rotina está intimamente
associado à manutenção da jornada de trabalho. A repetição das situações
cotidianas, a monotonia da ambiência do escritório, o empobrecimento da
experiência em geral são usualmente associados ao embrutecimento da
capacidade criativa. A rotina da Jornada de Trabalho implica em que o fazer
produtivo encontre-se preso e inteiramente desvinculado de outras formas de
ocupação do tempo. Assim, a alternativa de se buscarem outras ambiências,
Marco Aurélio Cabral Pinto 7 1
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
que permitam ao indivíduo experimentar policronicamente novos
relacionamentos, não encontra prática nas empresas hoje.
Dessa maneira, a perda de percepção relacional ganha espaço também
fora das organizações produtivas, onde observa-se que muitos indivíduos
passam a reproduzir o padrão de abordagem monocrônico com o mundo que
os cerca. Assim, ao perceber a realidade como fragmentada, desconexa no
tempo, a experiência simultânea de mais de um fenômeno em evolução no
tempo torna-se dimensão esquecida da existência. Consequentemente, reduz-se
a capacidade de produção de novos discursos diante de situações que exijam
inovação.
Ao contrário, a gestão de recursos criativos supõe a suspensão da
agenda e do cronograma, ao menos simbolicamente. O pensamento que se volta
para as bases do problema, que passeia livre pela percepção de diferentes
movimentos, apresenta melhores condições de gerar o novo. Diante de
problemas e situações em que se exige inovação, o confinamento espaço
temporal e a conseqüente fragmentação das atividades podem implicar em
efeitos limitadores ao sucesso da adequada formulação do problema.
Da mesma maneira, quebrar a rotina parece ser condição essencial para
o fazer criativo. A quebra da rotina parece estar associada igualmente à
suspensão da aplicação da agenda e do cronograma. Ao fixarem-se datas-limite
(deadlines) e conceder-se a possibilidade de maior escolha na alocação de tempo
ao indivíduo pode resultar em potencialização para o surgimento do novo, da
inovação.
Neste ponto devem-se levantar as seguintes interrogações: por que há
necessidade de se estabelecerem datas-limite? Como coordenar o trabalho em
grupo, a partir da fixação de datas-limite? Não seria esta alternativa
essencialmente correlata à proposta pela teoria de tempos e movimentos? Que
efeitos negativos poderiam estar associados à fixação de metas temporais
associadas às datas-limite?
A sociedade moderna produz grandes feitos. A grandiosidade e a
sofisticação de muitas das realizações contemporâneas requerem um intenso
Marco Aurélio Cabral Pinto 72
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
trabalho de coordenação de esforços e conhecimentos para sua realização. Os
exemplos vão desde filmes produzidos em hol1ywood até grandes projetos de
usinas hidrelétricas. Esta coordenação de esforços implica na instituição,
mesmo que temporária, de grandes organizações que envolvem usualmente a
interrelação de subconjuntos de organizações mais permanentes. Usualmente, a
realização destes empreendimentos, destes feitos organizacionais, está ainda
associada com o momento específico em que devem estar concluídos. A
definição de quando acontecerá este momento pode ser algumas vezes flexível,
outras vezes não. Adicionalmente, muitas vezes a realização de um
evento /projeto insere-se na sequência de outros eventos que dependem deste
para sua realização ou encaminhamento. Por estas razões, a fixação de datas
limite constitui-se o instrumento mínimo de sustentação do complexo
mecanismo de produção contemporâneo, ligando a menor das realizações
organizacionais à maior obra, ao monumento. Dessa maneira, a produção do
novo, quando associado ao trabalho de um grupo de pessoas (devido à sua
dimensão ou à sua urgência24) justifica a adoção de datas-limite como
instrumento necessário à esta realização mesma.
A questão das alternativas para coordenação de trabalhos em grupo, no
contexto de produção do novo, da inovação, parece ser bastante complexa.
Aceita-se o fato de que o componente emocional constitui-se parte essencial do
processo criativo e, como tal, a fixação de datas-limite possibilitaria uma maior
liberdade na escolha por parte do profissional do momento em que este se
debruça sobre o fazer produtivo. No entanto, em trabalhos em grupo,
determinadas ações intermediárias irão derfinir o sequenciamento do trabalho,
exigindo-se do profissional um esforço de adequação do espírito a situações
limite em que torna-se crucial atingirem-se soluções em um determinado
24 Tome-se o caso da busca pela cura da AIDS: aceita-se hoje que o que está em jogo é
a produção de novos conceitos que permitam à pesquisa sistemática a busca de soluções para
o problema. Claramente, este exercício criativo é realizado de forma a fixar datas-limite para
cada linha de encaminhamento, vis a vis o paradoxo urgênciaXcomplexidade do processo
científico de busca.
Marco Aurélio Cabral Pinto 73
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
momento do tempo. No exemplo descrito por Danil025, em que este gerenciava
o "emocional criativo" do grupo do Tom Jobim, destaca-se a preocupação com
os objetivos a serem alcançados, o que indica a necessidade de enfatizar-se a
concentração dos indivíduos em torno da busca de sintonia interpessoal que
acompanha os processos criativos em grupo. Naturalmente, a maneira como
deve-se buscar esta motivação, este autêntico desejo pelas metas
organizacionais, irá depender fundamentalmente da situação específica. O que
se pode afirmar é que a coordenação do trabalho criativo realizado em grupo
deve levar em consideração a fixação de datas-limite simultaneamente à
negociação de objetivos que despertem o desafi026 pela busca do novo,
desencadeando assim a dinâmica de interação emocional entre os membros do
grupo.
Talvez a grande diferença entre a gestão clássica e aquela apontada na
presente dissertação seja a maneira como se concebe a dinâmica de controle do
fazer produtivo quanto ao seu aspecto temporal. Para a gestão clássica, o fazer
produtivo é controlado de fonna contínua: a todo o momento a tarefa pode ser
perfeitamente definida em termos do confronto entre o planejado e o realizado
(não apenas na linha de montagem como também para a agenda e o
cronograma). Sob a alternativa apontada no presente trabalho, a qual privilegia
a definição de datas-limite, o controle do tempo é realizado de forma discreta,
em momentos relativamente distantes no tempo. Esta sistemática implica na
dissolução da previsibilidade na condução das tarefas: nem mesmo o
profissional pode antecipar totalmente em que momentos estará mais
preparado para a produção do novo. A diferença entre os controles contínuo e
discreto do tempo de trabalho caracteriza, assim, a distância entre a concepção
clássica de gestão daquela apontada na presente dissertação.
Conforme destacado anteriormente, a noção de tempo moderna, objeto
da presente dissertação, encontra-se inserida no contexto mais geral que lhe dá
25 Ver Anexo II
26 Ver Anexo 11.
Marco Aurélio Cabral Pinto 74
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
vida: o paradigma moderno. Como característica marcante destes últimos
quatrocentos anos, o fazer produtivo é intensificado até assumir um caráter
escessivo. A qualidade de vida tem sido resgatada, porém muito timidamente,
como valor: muitos ainda acreditam que a condição suficiente para conquistar
se uma vida com qualidade envolve a propriedade de ativos materiais. Este
mito moderno leva as pessoas a engajarem-se no processo produtivo com o
máximo envolvimento Diante deste quadro, a produção do novo, que traz
consigo requisitos que conflitam abertamente com o preço pago por este
envolvimento escessivo, encontra na atualidade espaço limitado no seio das
organizações produtivas. Posto isto, qualquer técnica que vise resgatar o
humano nas organizações, porém ainda imersa em seu contexto
contemporâneo, apresentará eficácia limitada.
Finalmente, para avançar no entendimento de como o tempo é percebido
por profissionais que, aparentemente, estão envolvidos com tarefas onde
tipicamente a criatividade é aspecto fundamental, consultei dois profissionais
cujas atividades repousam fortemente sob o processo criativo: o primeiro,
Sérgio Liuzzi, designer gráfico. O segundo, Danilo Caymmi, músic027.
A seguir um resumo das idéias com breves comentários, de maneira que
a discussão desenvolvida anteriormente seja balizada pelas palavras de dois
profissionais amplamente consagrados em seus meios. Assim, as conclusões
estarão referenciadas também ao ponto de vista, à percepção mesma destes dois
profissionais.
Criatividade
O Sérgio se vê como prestador de serviço, trabalha por encomenda.
Concorda com o fato de que a criatividade é traço, não um dom, está presente
em todas as pessoas e em todas as atividades. Quanto mais criativo, melhor o
profissional. Para o designer, o arquiteto, o artista, a criatividade demonstra-se
27 Ver Anexo I e 11 para entrevista completa.
Marco Aurélio Cabral Pinto 75
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRJ 1996
mais evidente devido ao resultado final do produto: a forma material, a cor, o
som. Algo dirigido diretamente aos sentidos.
O Danilo diferencia intuição e inspiração. Intuição seria o processo que
pode ser induzido, inspiração não. Pode-se criar o novo sem inspiração,
dificilmente sem intuição. Considera importante ir buscar a intuição em lugares
diferentes, diferentes atmosferas. O Danilo reconhece a importância da intuição
para o gerenciamento da sua estratégia profissional diante da incerteza.
Produção do novo e inovação
O Sérgio percebe claramente que o processo criativo, de produção do
novo, é fortemente baseado na diversidade do estoque de conhecimentos do
indivíduo ou do grupo. A intuição é uma soma de pequenos insights. Percebe
ainda que o novo é também novo discurso, nova linguagem. Nota ainda que o
novo é configuração da realidade trazida de nova forma.
O Danilo percebe seu trabalho como altamente competitivo, como parte
da mão-de-obra de uma indústria que movimenta bilhões por ano. No entanto,
apesar de trabalhar por encomenda, não acredita que o confinamento e a
determinação do número de horas de diárias possa trazer benefícios para seu
trabalho. Acredita mesmo que poderia arruinar sua produção criativa, não que
seu fazer produtivo não pudesse caminhar assim mesmo.
Tempo de trabalho
O Sérgio considera a questão da organização do seu tempo de trabalho
de extrema dificuldade. Seu ambiente, o mercado de design, é sazonal,
intermitente, com boa dose de imprevisibilidade. Considera importante ter
locais separados para o trabalho e a moradia. Segundo o Sérgio, a rotina
enfraquece a capacidade criativa, leva ao embrutecimento. Sérgio conta a
historia do artista e do velhinho, que é muito interessante, descreve a morte da
arte com sua burocratização. Há ainda o comentário de que a empresa deveria
adequar-se ao funcionário e não este à empresa. No seu caso, é importante que
as pessoas se cruzem no ambiente de trabalho, que haja a oportunidade para a
troca, mas longe de mensurar a quantidade de horas que cada um trabalha, de
Marco Aurélio Cabral Pinto 76
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
regular seu fazer produtivo por isso. Afirma categoricamente que a gestão de
recursos com base na quantidade de tempo despendido afetaria a qualidade do
seu trabalho.
o Danilo percebe que o aspecto emocional é muito importante para o
trabalho criativo e que a carga horária, a pressão, a rotina, interferem com o
emocional. O trabalho confinado, por exemplo em estúdio, o irrita
profundamente. Empobrece sua criação artística.
Marco Aurélio Cabral Pinto 77
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Marco Aurélio Cabral Pinto
Capítulo 5
Conclusões
78
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
5. Conclusões
o tema da presente dissertação gira em torno da forma como se percebe
o tempo na modernidade - a noção de tempo moderna - vista sob o ponto de
vista do trabalho, do fazer produtivo. A escolha deste tema tem fundamento na
percepção de que hoje se observa entre as pessoas insatisfação quanto à gestão
quantitativa do tempo diário de trabalho, com conseqüências negativas
extensivas a todos os membros da organização.
A metodologia adotada baseou-se na formulação da seguinte questão
guia: em que medida o conceito de jornada de trabalho pode ser restritivo no
contexto de gestão de recursos criativos voltados para a produção do novo, da
inovação?
Para melhor precisar a discussão acerca da validade da questão-guia,
procedeu-se a definição do seu domínio de validade através do estabelecimento
de fronteiras de controle crítico. Estas fronteiras foram desenhadas através da
contextualização dos três principais conceitos trabalhados no escopo do texto:
jornada de trabalho, recursos criativos e produção do novo.
A jornada de trabalho foi definida como a medida diária do tempo de
trabalho na modernidade, tomada em relação a um padrão, quantitativo e
universal, o tempo do relógio.
Como características definidoras do perfil de profissional considerado
como recurso criativo, admitiu-se: capacidade metafórica, capacidade de
assumir riscos, maturidade emocional, capacidade de generalização,
envolvimento, não orientação por status e senso ético.
A produção do novo foi associada a qualquer síntese original e
interpretativa da realidade. Nesse sentido, a produção discursiva original, a
formulação de novos conceitos, é assumida como inovação ao lado do
movimento criativo de diferenciação de produtos/mercados.
Como apoio à discussão procedeu-se rápida revisão dos enfoques
encontrados em trabalhos ligados à administração, com ênfase especial sobre a
idéia de flexibilização do horário de trabalho. Fora do contexto administrativo,
Marco Aurélio Cabral Pinto 79
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
porém com relevância para a presente dissertação, resgatam-se algumas idéias
do antropólogo Carlos Castanheda sobre a criatividade, o tempo e o novo.
Neste contexto, a perspectiva radical de Castanheda sobre construção social da
realidade merece especial destaque. De maneira análoga, recorreu-se à crítica
bergsoniana sobre a noção de tempo moderna e a importância da intuição como
instrumento para o conhecimento.
Sob os ditames da Ciência a civilização moderna atinge o final do século
vinte com aparato tecnológico jamais experimentado nos cinco mil anos de
história da humanidade. Esta civilização aparentemente dominou e mesmo
colocou a seu serviço as mais poderosas forças da natureza. No entanto, o
orgulho de tal conquista esbarra na crise de grandes proporções que
experimenta-se hoje, crise esta de múltiplas faces. Ao menos uma mereceu
destaque no decorrer do texto: a ciência não encontra mais ocasião como
instrumento de interpretação única da realidade. A partir da constatação desta
crise, buscou-se confrontar a noção de tempo geométrico-galilaica e a noção de
tempo cíclica e irreversível, característica do período pré-revolução científica.
A noção de tempo pré-revolução científica foi caracterizada através de
três aspectos fundamentais: seu efeito irreversível sobre todas as coisas, sua
natureza cíclica, que faz com que os fenômenos retornem após um período de
tempo, e a impossibilidade da decomposição do tempo, considerando-o como
unidade sintética.
A noção de tempo moderna, por outro lado, tem fundamento na sua
possibilidade de quantificação, atingida com o esforço de Galileu Galilei. A
linearidade do tempo permite a introdução de idéias como progresso e
evolução. Mais do que isso, a indiferença matemática estabelecida entre os
diversos instantes de tempo, excluem a subjetividade de sua percepção,
colocando-se o presente como o instante infinitesimal espremido entre o
passado e o futuro infinitos.
Mas é no interior da fábrica que a noção de tempo moderna encontrou
sua tradução mais concreta quando relacionada ao fazer produtivo. Com a
proliferação do uso das máquinas a partir do início do presente século, fruto do
Marco Aurélio Cabral Pinto 80
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
progressivo desenvolvimento da ciência como técnica, a capacidade produtiva
é potencializada enormemente. Dessa maneira, a Revolução Industrial
traduziu-se no micro-universo da organização como a aplicação da
racionalidade ao trabalho humano com o objetivo de maximizar-se a eficiência
na relação ser humano-máquina.
Neste contexto, a teoria de tempos e movimentos representa um marco
na busca de maxirnização de eficiência, tomando-se a grandeza do tempo como
variável crítica para assegurar-se a sincronicidade da linha de produção. Para
demonstrar a validade da teoria de tempos e movimentos, Taylor e Gilbreth
procuraram responder duas perguntas: Qual a melhor maneira de realizar este
trabalho?, e Como definir-se jornada de trabalho?
A primeira pergunta foi respondida através do desenvolvimento do
método de decomposição das atividades em número de tarefas simples. A estas
tarefas procedeu-se a otimização que visou eliminar os movimentos
considerados inúteis. Assim, ao tentar responder à pergunta de qual a melhor
maneira de se realizar este trabalho, Taylor e Gilbreth não se preocuparam com a
demonstração da unicidade da resposta. Sob o ponto de vista matemático (e
isto que estava em jogo), o problema se equacionou em termos de busca do
máximo para a função produção.
No entanto, foi com a introdução do tempo requerido para a execução
de cada tarefa que a análise de movimentos ganha sentido na busca da
eficiência produtiva. Assim, ao medir-se o tempo quantitativamente, cada
tarefa pode ser sequenciada, desenhada e planejada, de maneira a garantir-se
seu sequenciamento e sua sincronicidade com o equipamento produtivo. Neste
contexto, a jornada de trabalho foi definida como a maior quantidade de tempo
diária que poderia ser associada ao trabalho de forma contínua, ou seja, que a
fadiga no longo prazo não trouxesse prejuízos à continuidade do processo.
Entre os principais efeitos da aplicação da teoria de tempos e
movimentos ao fazer produtivo destaca-se o engessamento completo da forma
como se desempenha cada atividade, eliminando-se a ocasião da contribuição
Marco Aurélio Cabral Pinto 8 1
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
individual criativa, bem como inserindo-se a rotina como elemento
característico do trabalho.
No entanto, a atualidade da praxis associada à teoria de tempos e
movimentos revela outras formas de controle do tempo de trabalho. Neste
contexto, a agenda e o cronograma desempenham papel de instrumentos de
sincronização das tarefas individuais e do coletivo de tarefas, respectivamente.
Dada a complexidade do fazer produtivo contemporâneo, dado o grande
número de tarefas que devem ser conduzidas simultaneamente, a agenda
representa a maneira como são conduzidos os diferentes processos:
individualmente e de forma fragmentada. Na agenda, cada tarefa ocupa espaço
de tempo definido no dia para que receba encaminhamento. O cronograma,
neste contexto, representa a agenda coletiva, a agenda do grupo de trabalho.
Assim, o relógio dita ainda o ritmo do fazer produtivo, permite a sincronização
e a fragmentação das tarefas. A máquina torna-se metáfora, com engrenagens
que giram no ritmo cadenciado do ponteiro que avança e extingue o tempo
disponível.
A produção do novo, por outro lado, exige que se trate o trabalho
humano e a própria organização em sua dimensão subjetiva e não-linear.
Princípios extraídos a partir de novas abordagens científicas, conhecidas
genericamente como teoria do caos, permitem afirmar que independentemente
do quanto se invista em informação e planejamento, qualquer processo irá,
inexoravelmente, possuir um horizonte temporal de previsibilidade finito. Este
horizonte de previsibilidade será função do grau de não-linearidade do
ambiente em que se situa a empresa e do erro intrínseco que se cometa no
início. Quando pensada espacialmente, esta não-linearidade conduz à idéia de
que qualquer processo de mudança (inovação) implica em considerar-se o
íntimo relacionamento entre o micro e o macro organizacional. Em outras
palavras, não parece possível interferir-se criativamente no micro-universo da
organização sem esperar-se mudanças no ambiente macro, mudança esta de
natureza imprevisível e incontrolável.
Marco Aurélio Cabral Pinto 82
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
De maneira a encaminhar a discussão da adequa cidade da gestão
determinística do tempo de trabalho associada à produção do novo, procedeu
se a exposição de duas posturas genéricas de interpretação da realidade:
monocrônica ou policrônica.
Aceito o fato de que a realidade é composta de um conjunto de
fenômenos que evoluem no tempo (objetivos e subjetivos), a forma com que se
percebe sua dinâmica de transformação é essencial à potencialização do
surgimento do novo. No caso da postura monocrônica, dominante durante a
modernidade, cada fenômeno da realidade é estudado separadamente, sua
dinâmica temporal é aferida com base em comparação com o padrão de tempo
quantitativo. Assim, a Ciência concentra seu olhar inquisidor em cada
movimento individual, decompondo-se fenômenos complexos em um conjunto
de diferentes fenômenos em evolução do tempo, característico da postura
monocrônica. Quando confrontadas a fragmentação dos discursos e a tendência
monocrônica de formulação de discursos pela sociedade moderna, atinge-se o
limite para a formulação de novos discursos interpretativos: esgotados os
caminhos individuais, multiplicadas as interpretações com igual validade,
atinge-se o cenário de complexidade e aparente confronto contemporâneo A
percepção de cada movimento com base na duração definida pelo tempo do
relógio, linear e uniforme, leva à fragmentação da realidade em eventos
desconectados, comparáveis unicamente através da medida quantitativa
referida ao padrão de tempo.
Segundo a postura policrônica, por outro lado, os diferentes movimentos
em evolução no tempo são percebidos uns em relação aos outros. O
estabelecimento de relacionamentos possibilita a síntese de diferentes
configurações da realidade, permitindo-se o surgimento do novo. A não
aplicação implícita da medida quantitativa do tempo tem como efeito o
surgimento do tempo subjetivo, da experiência intuitiva bergsoniana da
duração de cada fenômeno. Como mencionado ao longo do texto, esta
experiência conduz ao enriquecimento da vida emocional, que navega de
acordo com a sintonia estabelecida com os diferentes movimentos em evolução
Marco Aurélio Cabral Pinto 83
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
diacrônica no tempo. A riqueza desta percepção será função da capacidade
intuitiva e de estabelecimento de relacionamentos, da aceitação de que um
determinado instante é qualitativamente único e diferenciado sob o ponto de
vista emocional, não podendo ser comparado para efeito do potencial criativo.
Dessa maneira, a aplicação de conceitos clássicos de gestão do tempo de
trabalho verificam-se inadequados quando aplicados à gestão de recursos
criativos. A jornada de trabalho, concebida como o espaço de tempo diário e
quantitativo dedicado ao fazer produtivo, implica que o indivíduo devote à
organização quantidade de tempo definido e descompromissado com os
requisitos necessários à produção do novo. Ao fragmentarem-se as atividades
entre indivíduos (cronograma) e entre compartimentos de tempo no dia
(agenda), o que resulta é a percepção intermitente da dinâmica de cada tarefa.
A ação de cada indivíduo torna-se pontual, fotográfica, em diferentes
momentos específicos no curso de cada tarefa. A duração de cada tarefa, neste
contexto, corresponde à sensação individual associada à sua alocação
quantitativa de tempo na jornada de trabalho. Sob o ponto de vista individual,
a mais rígida fragmentação monocrônica conduz à postura de encararem-se as
tarefas como não relacionadas.
A rotina também é fator essencial e colateral à aplicação da noção de
tempo moderna ao fazer produtivo. O sentimento de rotina está intimamente
associado à manutenção do conceito de jornada de trabalho. A repetição,
mesmo que marginalmente diferenciada das situações cotidianas, a monotonia
da ambiência do escritório (temperatura e luminosidade controladas e
uniformes), o empobrecimento da experiência em geral são usualmente
associados ao embrutecimento da capacidade criativa. A rotina da jornada de
trabalho implica em que o fazer produtivo encontra-se preso e inteiramente
desvinculado de outras formas de ocupação do tempo. Assim, a alternativa de
se buscarem outras ambiências, que permitam aos indivíduos experimentar
policronicamente novos relacionamentos do Real, não encontra prática nas
empresas hoje.
Marco Aurélio Cabral Pinto 84
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Finalmente, a fixação de datas-limite como alternativa de controle à
gestão clássica do tempo de trabalho demonstra-se, ao menos teoricamente,
como defensável no domínio das fronteiras de controle crítico anteriormente
estabelecidas. Talvez a grande diferença entre a gestão clássica e aquela
apontada na presente dissertação seja a maneira como se concebe a dinâmica de
controle do fazer produtivo quanto ao seu aspecto temporal. Para a gestão
clássica, o fazer produtivo é controlado de fonna contínua: a todo o momento
a tarefa pode ser perfeitamente definida em termos do confronto entre o
planejado e o realizado (não apenas na linha de montagem como também para
a agenda e o cronograma). Sob a alternativa apontada no presente trabalho, a
qual privilegia a definição de datas-limite, o controle do tempo é realizado de
fonna discreta, em momentos relativamente distantes no tempo. Esta
sistemática implica na dissolução da previsibilidade na condução das tarefas:
nem mesmo o profissional pode antecipar totalmente em que momentos estará
mais preparado para a produção do novo. A diferença entre os controles
contínuo e discreto do tempo de trabalho caracteriza, assim, a distância entre a
concepção clássica de gestão daquela apontada na presente dissertação.
Marco Aurélio Cabral Pinto 85
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
Marco Aurélio Cabral Pinto
Capítulo 6
Bibliografia
86
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRJ 1996
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Marco Aurélio Cabral Pinto 88
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Anexo I
Entrevista com um Designer
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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRJ 1996
Anexo I: Entrevista Com um Designer - Sérgio Liuzzi
A entrevista a seguir foi realizada na residência do designer gráfico
Sérgio Liuzzi, situada no bairro carioca do Jardim Botânico e durante a noite de
9 de agosto de 1994. Sérgio é um dos mais respeitados designers gráficos do
cenário nacional, influenciando hoje toda uma geração de novos profissionais
com a sua sempre atual produção ao mesmo tempo intelectual e artística.
Marco - Pois é, Sérgio, eu vou conversar com você e com o
Danilo [Caymmi] sobre o trabalho de vocês, como é no dia a dia, a
importância da criatividade . . .
Sérgio - Eu acho que o trabalho do Danilo se diferencia muito
do meu trabalho, que s6 acontece por encomenda, quer dizer, o
trabalho de design, de design gráfico, ele é produto dessa racionalidade,
uma conseqüência da Revolução Industrial. A necessidade de
racionalização dos métodos para geração de produtos leva os
criadores, junto aos engenheiros, a criar uma metodologia que vai
desembocar na primeira escola de design que é a escola de Bauhaus, na
Alemanha. E, mais tarde, essa escola se transfere, aí vem a escola de
Ulhm, na Suíça. Aí você tem as escolas acontecendo na Europa e nos
Estados Unidos mesmo antes da Guerra, mas principalmente no p6s
guerra. Agora, eu acho que o trabalho do designer . . .
Marco - Me fala um pouco do que é esse trabalho . . .
Sérgio - Esse é um trabalho cuja característica principal é ser
feito por encomenda. Ou seja, você é um prestador de serviço, nada
mais nada menos do que isso. Eu acho que existe uma fantasia muito
grande em torno disso. O fato do designer trabalhar com criatividade
não transforma o trabalho que ele faz numa coisa tão ideal, quer dizer,
criatividade pode se aplicar a qualquer atividade. O advogado, quanto
mais criativo melhor, o engenheiro, o economista, esses são os que se
destacam. Aparentemente, o design, ou o arquiteto, é mais criativo
porque a expressão formal do produto que ele gera é mais aparente.
Marco Aurélio Cabral Pinto 90
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Um médico criativo é extremamente rico, tão rico quanto um designer,
s6 que o designer tem o lado da forma, da cor, do objeto, do produto.
Isso faz com que a criatividade seja mais visível. Agora, eu acho que a
gente ajuda a gerar exatamente a dinâmica da nossa sociedade
industrial. E, indo mais adiante, gera o diferencial, ou seja, por que
uma empresa me contrata ao invés de contratar um outro escrit6rio?
Porque talvez eu consiga atendê-lo na demanda de ser mais diferente
que o concorrente dele. E, não é s6 uma questão de uma racionalidade
para efeito de produção, mas uma racionalidade para efeito de
diferenciação. E aí entra o lado da criatividade. Isso, me parece, vem
em conseqüência do comportamento dos mercados. Os mercados, na
medida em que eles vão se estrangulando, vão surgindo nichos, os
produtos vão tendo que se adequar, e isso se torna cada vez mais
difícil. A diferenciação começa a ser tão pequena que você precisa de
especialistas em cada área que está na borda do produto, tá na
superfície dele, para que ele se torne mais competitivo. Eu acho que o
maior exemplo disso são as televisões. Essas televisões de 29, 28
polegadas são a mesma coisa, com pequenas diferenças. A diferença
está no desenho. O camarada vai comprar uma televisão A, B, ou C,
porque aquela atende mais a uma necessidade estética, puramente
estética. Tanto é que antigamente o que era considerado um
diferencial, a quantidade de botões, hoje a tendência é inversa, a
diminuição, a síntese para que haja uma interação maior entre o
consumidor e o produto.
Marco - Ainda com relação ao teu trabalho, como é que você se
baseia para produzir o diferente? Como é que você tem segurança de
que aquilo é uma inovação?
Sérgio - Olha, na verdade você trabalha em cima de dados que
você vai acumulando. Aí, depende muito do projeto e da quantidade
de informações que o cliente que está te encomendando o projeto
consegue te passar. Quanto mais informações ele te passa, metas que
Marco Aurélio Cabral Pinto 9 1
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
ele quer atingir, o mercado em que ele trabalha, o que ele já foi e não
quer ser mais, o que ele gostaria de ser etc, esse acúmulo de
informações faz com que a gente comece a raciocinar a partir daí.
Agora, nem sempre o cliente está com esta expectativa de ser diferente,
quase sempre está, mas as vezes ele está procurando estar na média . . .
Marco - Quando você faz um projeto, você apresenta uma
alternativa, você apresenta mais de uma alternativa .. . Quando é que
você para com as alternativas, esse processo de busca de alternativas é
teu ou existe uma técnica ?
Sérgio - Dependendo do projeto, a gente procura trabalhar com
ao menos duas ou três alternativas, a não ser que o cliente já passe
alguns pressupostos, algumas premissas que a gente vai partir dali. Aí,
não é que cerceie não, mas até facilita. A gente vai dar forma àquilo ali.
Aí entra o lado técnico, a escolha do papel, cor, tipografia . . . você junta
isso tudo e é o conjunto dessas coisas que faz com que o produto
funcione. É como se fosse uma linha de montagem, você vai escolher o
melhor carburador, com a melhor roda, com a melhor tinta para pintar
o carro, isso tudo dá um melhor produto final. Então, você na
realidade orquestra um pouco os dados que você tem.
Com relação às alternativas, a gente procura dar o máximo de
alternativas possível, porque nem sempre a gente tem com clareza o
que o cliente está querendo, nem ele sabe. Então, essas alternativas
funcionam da seguinte maneira: se você consegue agrupar as
alternativas em um conceito, você agrupa dois três conceitos diferentes
com duas ou três alternativas, isso organiza melhor a maneira de
pensar. Você as vezes está lidando com coisas abstratas, e nem sempre
quem está recebendo isso tá instrumentado com uma linguagem, então
não há ressonância. Então eu tento levar essa conversa para um plano
comum, e não para um plano de difícil entendimento, com uma
linguagem truncada. Cada ramo de especialização tem uma linguagem
específica e, se você quiser, pode se apropriar dessa linguagem e
Marco Aurélio Cabral Pinto 92
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
transformá-la numa arma, num instrumento que dificulte a penetração
naquele campo.
Marco - Me conta agora, se você pudesse imaginar um designer
ideal, que tipo de qualidades, de habilidades você botaria nesse cara?
Traça um perfil de um designer . . .
Sérgio - Eu acho que um designer hoje tem que estar
extremamente ligado na tecnologia, todo dia está aparecendo uma
coisa nova. Achar que essa tecnologia, a informática, subtrai algum
valor do designer, é besteira, é querer andar pra trás. Por incrível que
pareça, a informática democratizou o design no escritório. A tela é um
campo aberto, você está sob fogo cerrado o tempo todo. Uma tela de 17
polegadas é um campo aberto no teu escritório. Quando você está
trabalhando com design, você está lidando com formas, as pessoas tem
uma certa inibição, se sentem inseguras especialmente quando estão
começando.
Um outro lado. Nós somos prestadores de serviço. Tem que
olhar o cliente. Não é que Ah, o cliente é o patrão, não é isso. Mas
estabelecer uma relação de troca, de confiança. Confiança implica até
em você ouvir um não. Mas confia que aquele não é de verdade: o cara
não está querendo te sacanear, te humilhar, nada. Simplesmente não é
aquilo que ele está querendo. Esta situação do prestador de serviço tem
que estar sempre muito clara. E um contrato em que a gente recebe isto
para fazer aquilo. E aquilo é uma coisa meio imponderável. Tem horas
que a gente está flutuando em uma área um pouco nebulosa.
A terceira coisa: é importante trabalhar em equipe. Eu acho que
você trabalha por acúmulo. Assim como um escritor vai treinando a
pena, o designer vai trabalhando o olho. E vai criando uma massa
crítica de maneira a ir podando os próprios erros. Essa atenção de
quando um trabalho deve parar é muito o exercício que você vai
adquirindo ao longo do tempo, saber aparar e saber parar.
Marco Aurélio Cabral Pinto 93
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
Marco - E a importância da intuição?
Sérgio - É uma soma de pequenos insights. Eu não diria que é
uma coisa de inspiração, mas de estar sempre ligado na possibilidade
do que aquilo que você está fazendo pode gerar mais na frente. Como
se fosse um acúmulo de acertos. Você agrega um outro elemento
àquilo que já estava indo, e você percebe que aquilo gerou um terceiro
caminho. Depende, é lógico, da sua bagagem, do seu conhecimento
acumulado.
Marco - E a informática, quando ela multiplica os instrumentos
para a criação, ela não atrapalha?
Sérgio - De certa maneira, ala pasteurizou um pouco. Tem uma
espécie de nivelamento onde desde o estudante até o profissional mais
graduado tem acesso à informação e aos instrumentos. Mas eu acho
isso extremamente bom - desafia aqueles que se propõem a ser
melhores. Se você aprisiona um determinado conhecimento em um
determinado grupo, tende a uma esclerose, a um processo
esquizofrênico. Esses conhecimentos encastelados, a informática veio
para banalizar o designo Por isso o designer acaba obrigado a se
diferenciar disso, a procurar uma linguagem: a adequar essa
tecnologia, mais o conhecimento adquirido, a uma linguagem própria,
uma linguagem dele.
Marco - E como é que você vê isso no seu trabalho?
Sérgio - Eu vejo como um acúmulo desta tecnologia com um
conhecimento anterior a essa tecnologia.
Marco - E quais são os critérios para julgar-se um trabalho bom
ou um trabalho ruim?
Sérgio - Ah, são critérios extremamente subjetivos. O design, em
uma certa medida, e após um determinado tempo, ele passa a ser um
objeto cultural. Eu não acho que na prática diária ele é um objeto
cultural. Por exemplo, uma mesa, desenhada na década de trinta por
Marco Aurélio Cabral Pinto 94
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
fulano de tal, era simplesmente uma mesa quando hoje é um objeto
cultural. Com o design gráfico é a mesma coisa. Hoje já existem alguns
ícones, trabalhos feitos em uma determinadas época, as vezes um
folheto para vender não sei o quê, e se tornou uma peça de museu.
Tornou-se uma síntese daquele momento cultural. Eu passei por isso,
em uma pequena medida, mas passei. Na época do Cantão, quando a
gente começou a fazer as embalagens, as agendas, coisa e tal. . . dentro
do Cantão eu não tinha idéia da repercussão que aquilo estava tendo.
Foi o primeiro empresário que estava investindo em uma equipe de
designers para fazer embalagens, agendas, adesivos, promoções de
esportes e de eventos com esse tratamento gráfico. Só tinha a Fiorucci,
que era importado. Então, três anos depois do trabalho ter se iniciado,
estava dando uma repercussão enorme. As vendas aumentando, as
outras lojas começando a contratar outros designers para fazer a mesma
coisa . . . E hoje todas as lojas estão bem cuidadas, com suas marcas, isso
pra mim foi extremamente gratificante. Então o Cantão virou uma
espécie de paradigma para as outras empresas. Assim, eu acho
interessante essa passagem do design de um objeto utilitário para um
objeto cultural, um objeto de arte. Mas aí já distante no tempo do
contexto em que ele foi concebido. Por isso que eu acho difícil você ter
um julgamento do que está acontecendo, do que está sendo feito agora.
Existem afinidades, mas não é uma coisa consensual. Nas artes
plásticas, isso acontece de uma forma mais clara: são correntes,
tendências muito mais fortes. Em design isso é muito mais
fragmentado, isso não acontece com tanta clareza assim. Em alguns
países europeus e nos E.U.A., está acontecendo um movimento, o
deconstrutivismo, que vem lá da filosofia, mas que está promovendo
uma ruptura na maneira de você informar. Os dogmas da escola
européia, de uma informação clara, sucinta, limpa, isso já está
completamente detonado. Hoje a informação está muito mais truncada,
fragmentada, a imagem interage com a informação escrita e nisso a
informática contribuiu quase que 100%. Essa nova tendência veio via
Marco Aurélio Cabral Pinto 95
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
computador. As pessoas mais capazes começaram a utilizar o
instrumento não apenas para um aumento de produtividade, mas sim
como instrumento de formação de linguagem, alterando esses níveis
de comunicação. Eu até mandei uns recortes para o Boni. A TV Globo é
um desastre, muito pasteurizada, boba, sem graça. E com um potencial
enorme, eu trabalhei lá e sei disso. A MTV é sensacional.
Marco - O desenvolvimento dessa linguagem, se eu estou
entendendo, ela está ficando um pouco mais barroca. Como manter
uma identidade no meio de toda esta fragmentação?
Sérgio - O computador te permitiu a manipulação dos
elementos que compõe um determinado projeto de uma forma mais
livre. Você vai superpondo os pequenos insights que você vai tendo.
Vai estabelecendo livres associações. Você tangibiliza o livre
relacionamento entre os elementos.
Agora, o que acontece na prática, com isso que se chama
intuição, é a manipulaçãO dos dados que você tem. Exemplo: um
cartaz. Você tem a foto do Momix, por exemplo. Você tem o nome da
peça. Você tem um outro grupo que vai se apresentar junto com o
Momix. A foto deste outro grupo. Os dias e a hora. Marcas que vão ter
que entrar ali. Aí, você vai montando. A solução final ficou bem legal.
Eram quatro grupos. E nós demos quatro soluções diferentes, uma
superposição de letras com tipografia diferente, uma coisa bem
truncada, ficou como se fossem quatro marcas, quatro diferentes
identidades. A tipografia é para o designer gráfico a matéria prima mais
importante. Todas as outras são apropriações de outro universo.
Marco - Em algum momento você teve que procurar a
inspiração? Como é que foi isso?
Sérgio - Quando você tem dificuldade em dar o primeiro
arranco você sai pesquisando. Pega livros e olha, vê soluções que já
foram feitas em outra época, dali você parte. Os livros, em geral são da
Marco Aurélio Cabral Pinto 96
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
própria área. Eu busco livros de outras áreas quando o conceito já está
amarrado, então eu posso buscar, por exemplo, em um dicionário de
inglês do começo do século. Mas o problema é o conceito - com o
conceito bem amarrado, você caminha pelas próprias pernas.
Marco - Agora, mergulhando um pouco na questão do tempo,
como é que você organiza o teu tempo de trabalho?
Sérgio - Isso é a coisa mais difícil. O nosso trabalho tem um
começo, meio e fim. Etapas muito definidas. Tem uma primeira etapa
que é o briefing, onde num contato com o cliente você faz uma tomada
de informações. A segunda etapa é fazer uma proposta, que nem
sempre é uma coisa muito simples. Para alguns clientes, eu estou
fazendo uma proposta já conceitual. Aí, uma vez tudo isso aprovado,
entra a fase de layout, a fase que consome 80% do tempo.
Marco - E como é que você organiza o tempo nesta fase? Você
tem mais de um trabalho ao mesmo tempo, sai de um para o outro,
como é que é isso?
Sérgio - Tenho. Eu procuro dividir o trabalho na equipe sempre
dois a dois. Essa dinâmica de como as coisas vão acontecendo não tem
muita lógica. As vezes um dá início a um trabalho, daqui a pouco o
outro trabalha em cima daquilo, vai um pouco da disponibilidade de
tempo de cada um, aí os projetos vão andando meio que em paralelo.
Aí os projetos vão sendo resolvidos na medida em que o tempo vai
apertando. Há uma irregularidade muito grande no mercado, uma
hora tem muito trabalho, outra hora pouco trabalho - é uma sanfona,
tem que administrar essa sanfona, não é uma coisa muito linear, onde
você pode se organizar etc.
Marco - Você separa bem o tempo de lazer do tempo de
trabalho?
Sérgio - Eu gosto muito de trabalhar fora de casa. Gosto de sair
de casa e depois voltar para casa. Um ritual. Agora, eu gostaria de ter
Marco Aurélio Cabral Pinto 9 7
Dissertação de Mestrado: COPPEADIVFRJ 1996
um computador em casa, para experimentar etc. Agora, eu me
considero um cara privilegiado. Eu não tenho nenhuma expectativa de
ganhar muito dinheiro, ainda mais aqui no Rio de Janeiro. Mas em
lugar nenhum do mundo se ganha muito dinheiro com o designo Eu
estava lendo uma matéria, nos E.V.A. são muito poucos os negros que
vão estudar designo Aí fizeram uma pesquisa, e descobriram porque.
Porque o design não oferece uma perspectiva de acúmulo de riquezas.
É uma profissão daquele cara que já tem uma estabilidade em casa e
tem o dom para aquilo, gosta etc. De repente, ser advogado,
engenheiro, as possibilidades de crescer, acumular riqueza, é muito
maior. Assim, meu trabalho não é uma coisa que me cansa, que eu diga
- mas que saco - e tudo o mais. Eu faço aquilo que eu gosto. Tem gente
que fica louco para chegar o fim de semana para poder fazer um
churrasco, para poder ir à praia.. . eu não. Se tiver que fazer um
trabalho, eu faço, vou me sentir super bem, não vai me violentar. Tem
um outro lado, de desgaste, que todo trabalho traz. Cliente enchendo o
saco, tempo apertado etc. Mas no balanço, vale a pena.
Marco - Como você relaciona rotina e criatividade?
Sérgio - Isso comigo aconteceu um fato. Eu trabalhava numa
empresa em que eu tinha uma relativa estabilidade, boa situação
financeira . . . mas chegou uma hora que eu bati a cabeça no teto. Eu
pensei: se eu não me mexer agora, eu não tenho mais o que fazer, vou
ficar aqui o resto da vida. E aí, aconteceu o seguinte. De certa maneira
havia uma rotina. Apesar de fazer projetos diferentes, mas o escopo era
o mesmo. O enfoque era o mesmo. Mudava-se o objeto mas o enfoque
era o mesmo. Aí, eu sai exatamente com o objetivo de quebrar essa
rotina. O tipo de cliente que eu menos procurei foi o cliente de moda,
que era o cliente mais óbvio. Mas eu queria trabalhar para bancos, para
indústria, para editora, todo tipo de negócio, e quanto mais diferente
fosse, melhor. Era isso o que eu queria e foi isso o que a gente
conseguiu. Isso quebra a rotina.
Marco Aurélio Cabral Pinto 98
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Agora, eu acho que tem várias COlsa que interferem na
criatividade. A rotina é uma delas, pode levar a um embrutecimento.
Você passa a cumprir apenas o que está estabelecido. Agora, tem um
outro fator também. Até um amigo meu passou por isso. Ele ganhou
um prêmio, no Salão de Verão, patrocinado pelo Jornal do Brasil, lá no
MAM. Isso em 74. Aí, o presidente do júri, um holandês, crítico de
arte, um velhinho, que foi quem decidiu, estava entre ele e um outro .. . Aí, ele ganhou o prêmio, uma viagem à Europa. Foi pra Holanda,
começou a trabalhar na Holanda, mora até hoje lá. Aí, descobriu que,
se você apresentasse para o governo holandês um portfolio e disse: -
ah, minha produção é esta, faço gravuras etc, o governo holandês
bancava tua produção. Você tinha que apresentar por ano tantas
gravuras, ganhava tanto e aquilo dava para pagar a tua permanência
no país. Aí, ele procurou o velhinho. PÔ, eu brasileiro, aqui, tendo essa
garantia, né? Aí o velhinho pra ele - olha, eu assino sem problema.
Agora, você está condenando o seu trabalho à morte. Porque esses
artistas que vivem disso, olha como está a produção deles, atolada de
trabalhos medíocres. Esses caras perderam o estímulo. Quer dizer, foi
uma espécie de burocratização da arte. Eu acho que esse ponto, no
tocante à rotina, a rotina remunerada, quando você acaba com a
competitividade mata com uma cadeia importante. Quando o sujeito
não é estimulado a se mexer ele está condenado a afundar. Pode até
não ser bem sucedido, eu estou falando de uma outra coisa, existencial
e genérica. Eu, quando saí do Cantão, foi muito difícil, ganhei uma
insônia por causa disso, na época era o final do governo Sarney e início
do Collor, mas não me arrependo, eu queria quebrar com a rotina.
Agora, eu acho que nem todo mundo tem a veia empreendedora. Não
dá para obrigar todo mundo a ser assim. Essa política ultraliberal leva
até a essa coisa: todo mundo tem que ser empreendedor. Eu acho que
não.
Marco - E como é que você relaciona Jornada de Trabalho e esse
tipo de produção?
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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Sérgio - Bom, eu tenho que ter essa carga de horário porque,
pelo tipo de serviço que a gente presta, as empresas funcionam assim.
É um espaço em que a gente resolve as coisas. É muito comum eu ir
para o trabalho no sábado porque o telefone não toca, a secretária não
fica atrás da gente e tudo o mais. Também, eu costumo trabalhar em
grupo, é importante estar junto ali durante um espaço do dia. No meu
caso, é importante ter esse tempo cumprido, mas não com rigor. Cada
um, lá no escritório, chega numa hora e sai numa hora diferente. O
importante é que a gente se cruze e, nesse momento haja uma troca. Eu
lí o livro do Sernler, uma flexibilização do tempo de trabalho etc. O
empregado se sentiu mais dono do seu tempo e, ao invés dele se
adequar à empresa, esta se adequou a ele. A rotina de uma linha de
produção é muito mais complexa de você harmonizar, do que um
escritório de uma empresa de serviço, onde você pode harmonizar com
muito mais facilidade. Mas ele conseguiu fazer isso com algum
sucesso.
Marco - E se uma lei divina dissesse que você tem que chegar às
oito da manhã e sair às seis da tarde, como é que isso impactaria a
qualidade do seu trabalho ao longo do tempo?
Sérgio - Do ponto de vista psicológico seria muito ruim. Ia ser
uma complicação, eu ia perder essa flexibilidade. Na qualidade, de
alguma maneira, ia afetar. Qualquer coisa que vai de encontro ao teu
temperamento, a tua maneira, afetaria o trabalho. De uma maneira
negativa, mas não ia liquidar. Esse negócio de você trabalhar usando a
criatividade, ao longo do tempo, uma interferência emocional começa a
ser administrada.
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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Anexo 11
Entrevista com um Músico
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Anexo 11: Entrevista Com um Músico - Danilo Caymmi
A entrevista a seguir foi realizada na residência do músico Danilo
Cayinrni, situada no bairro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, durante parte
da noite de 11 de agosto de 1994, portanto aproximadamente cinco meses antes
do falecimento do nosso aquariano Tom Jobim. Danilo é o segundo filho de
Dorival Caymmi, tendo constituído ao longo de mais de vinte anos de trabalho,
obra representativa e importante dentro do cenário da Música Popular
Brasileira.
Marco - Danilo, pode-se perceber hoje uma insatisfação muito
grande das pessoas com o trabalho, principalmente com relação ao
tempo de trabalho, um confinamento . . .
Danilo - É, quanto à liberdade que se dá às pessoas, eu tanto
busco essa liberdade dentro dos meus horários como dentro do meu
trabalho. Durante os dez anos em que eu trabalhei com um grupo
grande, no caso administrando o grupo do Tom Jobim durante dez
anos, eu sempre procurei fazer com que essas pessoas tivessem um
conforto. Não adianta você dar uma carga horária e dizer - olha, vamos
ensaiar milhares de dias e não sei quantas horas - às vezes você se
depara com uma pessoa que não está legal, não está rendendo, então
não adianta você forçar determinadas situações. E, no meu caso, eu
tinha que ter sensibilidade de ver esse rendimento, às vezes até do
próprio Tom, principalmente do próprio Tom. Então, na minha vida
pessoal, também, eu administro essas coisas, ou seja, eu não tenho
horário. As vezes calha de uma semana estar super congestionada,
então eu preciso mesmo de um gerenciamento. Eu uso muito o Lotus
Organizer, uso muito o computador como auxílio ao meu trabalho.
Veja que não é pra música, nada disso não. Eu uso especialmente para
o gerenciamento da minha vida, ou seja, de horários, de agenda, isso é
que é o fundamental. Outros colegas trabalham com softwares de
música mas no meu caso não.
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 02
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRJ 1996
E tem essa coisa. Acabei de gravar um disco agora. O trabalho
confinado nessa fase de estúdio me irrita profundamente.
Marco - E por: que? - � . . Danilo - Você vê, é pouco o tempo que eu paro no estúdio. Tem . ' .
gente que adora. Eu tenho um amigo, esse grande arranjador Ari
Sterlen, ele vive no estúdio. Passa seis meses direto, sabe, o sujeito nem
vê o sol. Tem gente que gosta desse trabalho. Eu não. Eu tenho hábitos
muito diurnos. Embora meu trabalho envolva fazer shows que
começam onze, onze e meia da noite, mas eu sou um homem que
acorda cedo, gosto de acordar cedo. E não sou s6 eu não, várias outras
pessoas, inclusive o Tom Jobim é um cara que acorda muito cedo e
trabalha muito cedo, usa a parte da manhã. Eu uso muito a parte da
manhã, ou seja, eu levanto, procuro fazer um exercício físico, eu corro
aqui na Lagoa sempre que não estou viajando. Aí venho e vou para o
telefone e o computador, vejo como é que está minha vida, se é um
ensaio, se tenho que me preparar para algum show, então a gente vai
administrando essas coisas. Mas, no caso do confinamento, o qual eu
vejo um paralelo com o trabalho no estúdio, não tem janela! é uma
caixa. Você canta voltado para uma parede. Você quer um troço mais
impessoal que isso? Porque a parede reflete o som melhor, né? Então
parece como se você estivesse horas ali dentro do estúdio. Mas é uma
coisa que a gente tem que passar, faz parte da profissão.
Eu fiz arquitetura, sou quase arquiteto, cheguei a trabalhar
como arquiteto um pouquinho, mas eu detestava aquele cotidiano.
Chegar em determinada hora e ficar, obedecer aquele horário. Não
adiantava nada, em termos de criação, não dava nem para criar, como
se você estivesse tolhido. Não tinha atrativos.
Marco - Mas eu vou te pedir para explorar isso aí um pouco
mais. O que atrapalhava sua criação?
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 03
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Danilo - Você ficar olhando para uma parede, para �a
prancheta, ter que realizar um trabalho, uma coisa muito mecânica. E . embora a arquitetura já tenha outras conotações mas, naquele
momento, eu estava estU'dando, era estagiário e tinha que desenhar. _ . Mas esse é o cotidiano do arquiteto.
Marco - Mas mudando um pouco de assunto, você tem na
cabeça a imagem do músico, as habilidades que um músico tem que
ter. Me fala um pouco sobre isso.
Danilo - Olha, acho que atualmente no meu meio, meio de
música, vamos dizer que o sonho acabou. Ou você é essencialmente
profissional, ou não consegue sair do lugar. Por que? Porque é um
ambiente altamente competitivo. Voçê tem que ter uma performance
boa no palco, você cumpre uma série de compromissos. Se o cara chega
sempre atrasado, isso já é um problema terrível. Então, o próprio meio
vai expulsando as pessoas que não atendem essas necessidades. E que,
aparentemente, as pessoas que estão de fora não têm idéia, as
cobranças são em demasia. O caso do Tim Maia, um cara excepcional,
mas isso prejudica ele, e muito. Não são aceitos Tim Maias, as pessoas
vão sendo marginalizadas, fecham a porta de uma televisão, de uma
gravadora. Para um jovem músico hoje, as pessoas estudam muito
mais que eu estudei no meu tempo, porque o mercado é muito
fechado. Não só aqui como no exterior também, meu irmão [ Dori
Caymmi] conta. Isso é uma tendência mundial, o músico se
profissionalizou demais. E por que? Porque uma industria
fonoaudiomecânica movimenta bilhões de dólares ao ano. Então nós
somos a mão-de-obra de uma indústria onde há muito dinheiro
envolvido. A música é uma linguagem universal, então descobre-se
um camarada aqui e ele vai vender pelo mundo inteiro. Ou seja, entre
os meus pares eu sei reconhecer quando o cara é profissional ou não é
profissional.
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Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRJ 1996
E tem essa coisa. Acabei de gravar um disco agora. O trabalho
confinado nessa fase de estúdio me irrita profundamente.
Marco - E por que?
Danilo - Você vê, é pouco o tempo que eu paro no estúdio. Tem
gente que adora. Eu tenho um amigo, esse grande arranjador Ari
Sterlen, ele vive no estúdio. Passa seis meses direto, sabe, o sujeito nem
vê o sol. Tem gente que gosta desse trabalho. Eu não. Eu tenho hábitos
muito diurnos. Embora meu trabalho envolva fazer shows que
começam onze, onze e meia da noite, mas eu sou um homem que
acorda cedo, gosto de acordar cedo. E não sou só eu não, várias outras
pessoas, inclusive o Tom Jobim é um cara que acorda muito cedo e
trabalha muito cedo, usa a parte da manhã. Eu uso muito a parte da
manhã, ou seja, eu levanto, procuro fazer um exercício físico, eu corro
aqui na Lagoa sempre que não estou viajando. Aí venho e vou para o
telefone e o computador, vejo como é que está minha vida, se é um
ensaio, se tenho que me preparar para algum show, então a gente vai
administrando essas coisas. Mas, no caso do confinamento, o qual eu
vejo um paralelo com o trabalho no estúdio, não tem janela, é uma
caixa. Você canta voltado para uma parede. Você quer um troço mais
impessoal que isso? Porque a parede reflete o som melhor, né? Então
parece como se você estivesse horas ali dentro do estúdio. Mas é uma
coisa que a gente tem que passar, faz parte da profissão.
Eu fiz arquitetura, sou quase arquiteto, cheguei a trabalhar
como arquiteto um pouquinho, mas eu detestava aquele cotidiano.
Chegar em determinada hora e ficar, obedecer aquele horário. Não
adiantava nada, em termos de criação, não dava nem para criar, como
se você estivesse tolhido. Não tinha atrativos.
Marco - Mas eu vou te pedir para explorar isso aí um pouco
mais. O que atrapalhava sua criação?
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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
Danilo - Você ficar olhando para uma parede, para uma
prancheta, ter que realizar um trabalho, uma coisa muito mecânica. E
embora a arquitetura já tenha outras conotações mas, naquele
momento, eu estava estudando, era estagiário e tinha que desenhar.
Mas esse é o cotidiano do arquiteto.
Marco - Mas mudando um pouco de assunto, você tem na
cabeça a imagem do músico, as habilidades que um músico tem que
ter. Me fala um pouco sobre isso.
Danilo - Olha, acho que atualmente no meu meio, meio de
música, vamos dizer que o sonho acabou. Ou você é essencialmente
profissional, ou não consegue sair do lugar. Por que? Porque é um
ambiente altamente competitivo. Você tem que ter uma performance
boa no palco, você cumpre uma série de compromissos. Se o cara chega
sempre atrasado, isso já é um problema terrível. Então, o próprio meio
vai expulsando as pessoas que não atendem essas necessidades. E que,
aparentemente, as pessoas que estão de fora não têm idéia, as
cobranças são em demasia. O caso do Tim Maia, um cara excepcional,
mas isso prejudica ele, e muito. Não são aceitos Tim Maias, as pessoas
vão sendo marginalizadas, fecham a porta de uma televisão, de uma
gravadora. Para um jovem músico hoje, as pessoas estudam muito
mais que eu estudei no meu tempo, porque o mercado é muito
fechado. Não só aqui como no exterior também, meu irmão [ Dori
Caymmi] conta. Isso é uma tendência mundial, o músico se
profissionalizou demais. E por que? Porque uma industria
fonoaudiomecânica movimenta bilhões de dólares ao ano. Então nós
somos a mão-de-obra de uma indústria onde há muito dinheiro
envolvido. A música é uma linguagem universal, então descobre-se
um camarada aqui e ele vai vender pelo mundo inteiro. Ou seja, entre
os meus pares eu sei reconhecer quando o cara é profissional ou não é
profissional.
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 04
Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996
Marco - E quanto ao papel da criatividade nessa coisa toda,
como é que você vê isso?
Danilo - Olha, é muito grande. Além da criatividade que você
tem que ter quando compõe, além da sua criatividade como intérprete
no palco, eu tenho que ter criatividade para gerenciar e conduzir a
minha vida profissional. O próprio marketing da minha vida
profissional.
Marco - Você desempenha dois papéis: o de intérprete e o de
compositor. E como é que a intuição entra no desempenho desses dois
papéis?
Danilo - Vou falar como compositor. Nós trabalhamos, eu e
Dudu Falcão, que é meu parceiro mais constante, com música sob
encomenda, por exemplo, para a televisão. Quando é um tema, vou
citar um caso: Tonho da Lua. Ah, como é que é o cara? Ah, o cara é um
sujeito meio besteirão, fica na praia fazendo uns castelos de areia, e tal.
E s6 isso. E aí que entra. Você tem que intuir um briefing, uma
atmosfera que não deram a você. E a partir disso sair para um
trabalho. E a intuição, eu acredito nela, mais que na inspiração. A
intuição eu acho mais importante que a própria inspiração, porque eu
tenho que compor se a inspiração estiver ou não.
Marco - E como é que você procura essa intuição quando ela
não vem?
Danilo - Como eu venho de um ambiente muito competitivo, eu
gosto de competir também. Então, quando vem uma encomenda que
eu não estou conseguindo fazer, eu persigo, eu gasto até a última
energia. Aconteceu isso numa música minha e do Dudu chamada
Paraíso, da novela Mulheres de Areia. Nós fizemos a música e não deu
certo. O Dudu desistiu, eu fui pra Lagoa e enquanto estava correndo,
na cabeça e tal, voltei com a melodia, harmonizei e falei é isso aqui. E
deu certo. Me provoca, a competição é muito importante.
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 05
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
A competição faz com que eu me aprimore. Eu estou torcendo
para que o SBT entre e invista em música de novela para que haja um
parâmetro. Como o que aconteceu com Pantanal, que puxou o Riacho
Doce, puxou uma outra visão, uma outra linguagem em televisão.
Marco - E essa coisa de você buscar a intuição em outros
ambientes, como é que é isso?
Danilo - Eu vou muito para a Lagoa. E vou muito para
Shopping Center também. Vou com o Dudu, a gente vai para discutir a
idéia, a abordagem de determinado tema. No Riacho doce, por
exemplo, eu fiz música em engarrafamento, esse do Humaitá. Uma das
músicas, O Sonho se Perdeu, a idéia bateu. Deu aquele clic, né, que é
muito em cima do estímulo que você tem. Eu quero acertar, eu quero
chegar nesse ponto aqui. Eu sou capaz de fazer isso aqui. Eu já fui
muito descansado, mas hoje não. Enquanto houver dez por cento de
possibilidades, ou menos até, eu vou atrás. Agora, o ambiente de
trabalho, essa intuição acontece ... quer dizer, eu venho da Lagoa, aí
chego em casa e da cabeça não sai a idéia enquanto não registrar.
Marco - E a questão do controle do teu tempo de trabalho. Você
já falou sobre como você organiza teu trabalho. Agora, como você o
controla?
Danilo - É, eu tenho uma certa rotina. O exercício é uma
prioridade, porque eu tenho que estar em forma por causa do palco.
Então é um patternzinho, o exercício é fundamental. Aí venho e vou
para o computador. É quando eu olho meu dia e vejo possibilidades de
usar aquele meu tempo. As vezes são coisas, por exemplo, direito
autoral fora do Brasil. Eu pertenço a uma organização arrecadadora
chamada SACEN, na França. Então como eu tinha tempo agora nessa
entressafra do disco, eu cuidei muito dessa parte de correspondência,
mandando fax, agilizando uma parte que eu não tenho um escritório
de pessoas que cuidem disso pra mim. Eu cuido da estratégia da
minha vida. Tanto que, de um tempo para cá, eu passei a me interessar
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 0 6
Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996
por jogos de estratégia no computador. Eu tenho, aliás graças a Deus,
uma visão de cima da minha vida. Eu pego uma corda e olho minha
vida de cima. Sempre dando uma visão de tudo. Geralmente, no
cotidiano, a gente está trabalhando em cinco, seis, sete coisas ao mesmo
tempo. E as vezes intuir um caminho no meio desse troço, pra onde
você vai centrar mais a sua carreira, isso é bem coisa de jogo mesmo.
Marco - Você separa bem o teu tempo de lazer do teu tempo de /
trabalho?
Danilo - As vezes não. Embora a gente viaje muito, mas é uma
viagem a trabalho. Então eu conheço milhares de lugares no mundo
inteiro, mas você está com a cabeça, você tem que fazer um show. Você
pode se divertir, é lógico que você se diverte, mas você não tem aquele
lazer - não tenho obrigação de show, de trabalho, de nada. Embora eu
não esteja em período de show, e vamos chamar o show de trabalho
mais repetitivo, eu estou meio sem essa ação do show mas estou
trabalhando em outro negócio. Tecnicamente eu só tenho uma semana
de férias. É aquela entre o Natal e o Ano novo. Eu fiz uma tentativa de
ir para Araras esse fim de ano e não consegui. E olha que Araras é
pertinho daqui. Outros artistas, que já têm uma outra situação, já é
diferente. Gilberto Gil, por exemplo, programa uma fase em que ele
vai parar. No caso o parar é nada a fazer. O ideal seria julho e
dezembro.
Marco - Qual seria a sua percepção sobre essas duas palavras -
rotina e criatividade?
Danilo - As idéias andam comigo. Agora, essa experiência de
trabalhar em prancheta, foi muito difícil trabalhar confinado.
Marco - E por que?
Danilo - Eu não gosto, eu gosto de estar pensando muito em
movimento. Se bem que eu passo muito tempo no computador, mas aí
não é trabalho criativo. Eu faço muita letra em computador, mas aí não
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 07
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
é meu cotidiano. Eu sou um letrista bissexto. Aí eu vou utilizar o
computador o tempo que for. Aí eu saio cansado. O trabalho do
escritório não é legal pra mim. Se chegasse alguém pra mim e falasse:
olha Danilo, você tem essa sala aqui, com esses instrumentos, o que
quiser, não sei se teria uma produção legal não, viu? Não sei se sairia
um resultado bom.
Marco - E então você não precisa nem do instrumento, é uma
liberdade também do instrumento .. .
Danilo - É, eu faço música popular. Então a música vem a partir
de uma melodia. E essa melodia vem no ouvido interno. Eu estou
conversando com você mas tem um canal ligado numa certa melodia.
Aí eu vou usar as máquinas todas, os instrumentos, apenas para
registrar. Vou citar o exemplo do Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, o
plano Piloto foi feito num guardanapo de botequim, num botequim do
posto Seis. E isso não acontece necessariamente se você chegar e dizer:
tem que chegar todo dia aqui às seis horas da manhã, e tal. Eu tenho
amigos que trabalham com essa rotina. Fazendo Globo Repórter, no
caso o Ogian Rie com o Fantástico. Eles têm que entregar uma
sonorização . . . Agora é legal, para você ver, eu tenho um respeito
enorme ... O que esta rotina, a rotina do trabalho, toda semana
sonorizar o Fantástico, o que o cara começa a criar de caminhos, de
artifícios, que ele encontra dentro da rotina. Aí vem o negócio da
encomenda. O Globo Repórter varia, são os assuntos os mais diversos.
Agora na situação de um autor, se você pegar o Caetano Veloso e
entregar um violão na mão dele, a menos que eu esteja muito
enganado, acho que dificilmente vai sair alguma coisa: Caetano, você
vai chegar aqui as oito horas da manhã, um break para o almoço e vai
sair às cinco horas.
Agora, se você der o estímulo, se as pessoas forem estimuladas,
elas reagem em qualquer situação. O que falta é o estímulo para a
criatividade, é o motivo. É o tesão. Se não tiver, não vai. E mais, o
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 08
Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996
astral de pessoas que trabalham em grupo tem que ser perfeito. Eu
jamais, eu falei isso no jornal, eu jamais colocaria o Romário em algum
grupo que tivesse que trabalhar com a criatividade. É um caso atípico,
eu não sei o que ocorreu lá dentro, mas deve ter sido bastante difícil
administrar aquele negócio, aí eu passei a admirar o Parreira muito
mais por essa situação de jogo de cintura para segurar uma situação
dessa. Eu jamais colocaria . . . por que? Quando eu cheguei no meu disco
e a produção era do Roberto Menescal, e ele já mandou do lado de lá,
porque eu acho que o astral dentro do estúdio tem que ser uma coisa
legaL E no ambiente de trabalho, que eu acho que estressa muito as
pessoas, a competitividade, é uma porta só para passar todo mundo, o
uso indevido do poder . . . Você quer conhecer uma pessoa você dá um
cargo de chefia a ela. Essas relações humanas são diretamente ligadas
ao processo criativo. É diretamente proporcionaL São dez anos que eu
trabalho com o Tom e nunca houve uma briga.
Marco Aurélio Cabral Pinto 1 D9