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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD Entre a Foice e o Pêndulo: uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando a p licado à gestão de recursos criativos Autor: Marco Aurélio Cabral Pinto Mesado em Adsação Orientadora: Proia. Ora. Anna Maria Campos Rio de Janeiro 1996

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa

em Administração - COPPEAD

Entre a Foice e o Pêndulo:

uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos

Autor: Marco Aurélio Cabral Pinto

Mestrado em Administração

Orientadora: Proia. Ora. Anna Maria Campos

Rio de Janeiro

1996

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Entre a Foice e o Pêndulo:

uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos

MARCO AURíLIO CABRAL PINTO

Dissertação submetida corpo docente do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa

em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro -

COPPEAD IUFRJ - como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de

Mestre.

Aprovada por:

Professora Anna Maria Campos

COPPEAD I UFRJ

Professor

Professora Syl ia Constant vergar� IAG I PUC

Rio de Janeiro

1996

residente da Banca

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Pinto, Marco Aurélio Cabral.

Entre a Foice e o Pêndulo: uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos. Marco Aurélio Cabral Pinto. Rio de Janeiro: COPPEAD,1996.

xi, l20p. il.

Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAD.

1.Estratégia Empresarial. 2. Teoria Organizacional. 3. Tese (Mestr. - COPPEAD/UFRJ). I. Título.

2

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RESUMO DA TESE APRESENTADA À COPPEAD/UFRJ COMO PARTE DOS

REQillSlTOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO Do GRAU DE MESTRE EM CrtNClAS

(M. Se).

Entre a Foice e o Pêndulo:

uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos

MARCO AURfluo CABRAL PINTO

ABRIL/1996

ORIENTADORA: PROFA. ORA. ANNA MARIA CAMPOS

PROGRAMA: ADMINISTRAÇÃO

A partir do contexto de crise da modernidade, a noção de tempo linear e

progressiva é analisada sob a ótica de sua tradução no seio das organizações

produtivas e no âmbito da gestão do tempo de trabalho.

Diante da concepção da realidade corno essencialmente dinâmica e

complexa, a produção do novo se associa ao desenvolvimento de novos

discursos (conceitos e/ou produtos), cuja continuidade torna-se imperativa

para a manutenção da ordem que garantirá a sobrevivência de cada

organização particular.

O impacto dos conceitos clássicos de gestão e controle do tempo de

trabalho, quando associados a criatividade e aos requisitos para a inovação,

podem gerar efeitos inibidores sobre o processo de produção do novo,

conforme explorado no decorrer do texto.

3

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ABS1RACT OF THE THESIS PRESENTED TO COPPEAD / UFRJ AS PARTIAL

FULLFILMENT FOR THE DEGREE OF MASTER OF SCIENCE (M. SC.)

Entre a Foice e o Pêndulo:

uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos

MARCO AURÉLIO CABRAL PINTO

ABRILl1996

CHAIRMAN: PROFA. ORA. ANNA MARIA CAMPOS

OEPARTMENT: AOMINISTRATlON

Considering the well established context of the Crisis of Modernity, the

linear and progressive time concept is analysed under the perspective of its

translation to both productive organisations and time management of work.

As reality is conceived essentially as a dynamic and complex process,

any innovation can be related to the development of new products/concepts,

which degree of rupture with the existing paradigm is crucial to the success of

organisations.

The impact of the maintenance of classical concepts of time management

of work, when associated to both creativity and the requisites for innovation,

can give rise to inhibiting effects on the process of generation of new concepts,

as explored in the course of the texto

4

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Dedico o esforço e o resultado deste trabalho a minha companheira Luciane, que caminha a meu lado.

Aos meus pais Antonio e Yara, minha v6 Yara e meu irmão Luis Alexandre, meu reconhecimento e respeito pelo carinho que tenho recebido no curso da vida.

Meus sinceros agradecimentos aos amigos Anna Maria Campos, Jorge Ávila e Márcio Macedo, pelo infinito aprendizado.

Aos que já se foram, pelo exemplo que a lembrança traz.

5

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação

em Administração - COPPEAD

Dissertação de Mestrado

Orientadora: Profa. Ora. Anna Maria Campos

Entre a Foice e o Pêndulo

uma crítica ao conceito de Jornada de Trabalho quando aplicado à gestão de recursos criativos

Marco Aurélio Cabral Pinto

Rio de Janeiro

1996

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Prefácio

Ao longo do Curso de Mestrado, na medida em que cumpria os créditos

necessários para sua conclusão, pude perceber a existência de um leque de

interesses bastante diferenciado na pesquisa e no ensino da Administração. De

uma maneira geral, após dois anos de intensos estudos, acredito poder

classificar os diferentes assuntos (e mesmo as disciplinas que os abrangem)

segundo as seguintes grandes áreas: Finanças, Operações, Marketing, Sistemas

de Informação, Controladoria e Organizações. Na realidade, esta classificação

torna-se mais representativa na medida em que se assume a analogia direta

entre as diversas áreas encontradas nas empresas e a produção teórica

encontrada nas universidades. Desta maneira, por exemplo, diversos são os

periódicos que reproduzem este modelo, especializando-se em torno de temas

de interesse de determinada área, e com isso atingindo simultaneamente tanto

o público empresarial quanto o público acadêmico.

Ao lado da classificação em áreas, os assuntos apresentados ao longo do

curso podem ainda ser divididos segundo outro critério bem mais difícil de se

definir em termos formais. Devido a esta dificuldade, assume-se como

premissa sua aplicabilidade, sem contudo utilizá-lo. Este critério localiza os

assuntos, os artigos e/ou as disciplinas entre dois extremos: o primeiro, dito

técnico, visa formar e informar o profissional e/ou o pesquisador em termos do

aparato instrumental e vocabulário específico dispoIÚvel e atualmente em uso

corrente; o segundo extremo, dito acadêmico. visa despertar no profissional

e/ ou no pesquisador o interesse pela meta-reflexão, ou seja, pela reflexão crítica

operada sobre o assunto que se propõe a estudar. Esta reflexão nem sempre

obtém resultados conclusivos, nem tampouco há garantias de sua tradução

direta em termos produtivos. Contudo, conforme pude perceber ao longo do

curso, dependendo da trajetória do indivíduo na escolha das disciplinas e

seleção dos textos complementares, é possível obter-se livremente diferentes

pontos dentro do contínuo que une estes dois extremos, sem contudo

abandonar uma formação generalista com relação às áreas da Administração.

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Quando, no entanto, a classificação em grandes áreas (operações,

finanças, marketing etc) é confrontada com o critério que divide o técnico do

acadêmico, pode-se perceber um limite para a analogia antes estabelecida entre

as áreas encontradas nas empresas e a produção teórica nas universidades. Este

limite se situa na impossibilidade de se estabelecer analogia entre a área

conhecida como Organizacional e qualquer área encontrada nas empresas. Tal

impossibilidade resulta da natureza mesma do estudo das Organizações,

essencialmente acadêmica, portanto eminentemente meta-reflexiva.

A meta-reflexão, no caso do estudo contemporâneo das Organizações, se

volta para os fundamentos da ciência administrativa. A empresa, também

conhecida como organização produtiva, é colocada como caso particular de um

jogo de relações humanas em busca de ordem e sobrevivência.

Um caso particular da nossa própria existência, pois que outras relações

são importantes, para fora e para longe das empresas, neste jogo contínuo de

busca de ordem e sobrevivência.

Mas, uma vez aceito, o limite para a analogia entre a prática empresarial

e a pesquisa acadêmica impõe, ao menos à primeira vista, um desafio para os

interessados no estudo das Organizações. Cumpre a estes a tarefa de justificar

sua inserção junto à Administração, e para tanto cumpre também justificar um

papel relevante frente ao público voltado para a realidade das empresas. Do

contrário, mais apropriado seria sua inserção junto à Filosofia, dado o grau de

generalização que caracteriza a proposta.

No entanto, apesar do aparente distanciamento que alguns dos artigos e

dissertações da área possam guardar da realidade observada nas empresas,

apesar da não positividade aparente de algumas destas meta-reflexões, há hoje

um claro sinal que afirma a necessidade de se realizar uma revisão profunda

das estruturas, as quais vêm sendo afetadas por uma crise de grandes

dimensões. Este aparente distanciamento, esta aparente não positividade,

podem transformar-se em seu oposto no futuro que se aproxima célere.

Por outro lado, não pode ocultar-se a ineficácia presente de muitos

destes trabalhos no fórum de debates em torno dos problemas mais

II

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importantes atualmente enfrentados pelas empresas. Esta ineficácia se revela na

ausência de sentido percebida por aqueles indivíduos que experienciam a

extensão e a urgência dos problemas cotidianos, investidos de poder e imersos

na responsabilidade de (re)construir este mundo que nos cerca através de suas

ações administrativas.

A busca de maior conexão entre o estudo das Organizações e os

problemas colocados na ordem do dia pelas empresas julgo ser, desta maneira,

o esforço mais relevante que fiz junto à COPPEAD/UFRJ; um esforço, porém,

acompanhado de um grande prazer, o prazer de incluir em minha história

pessoal o relacionamento com pessoas extraordinariamente interessantes.

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Índice

1. Inuodução _____________________________ 2

1.1 Apresentação do tema ____________________ 2

1.2 Justificando o interesse pelo tema.,, ________________ 3

1.3 Metodologia adotada _______________________ 5

2. Questão-guia _______________________ 8

2.1 Enunciação _________________________ 8

2.2 Fronteiras de Controle Crítico _________________ 8

2.2.1 Jornada de Trabalho 8

2.2.2 Recursos Criativos 14

2.2.3 Produção do Novo e Inovação 17

3. Material de Apoio ______________________ 23

3.1 No âmbito da Administração de Empresas ____________ 24

3.2 A partir da Obra de Carlos Castanheda 26

3.3 A partir da obra de Henry Bergson 30

4. Discussão Teórica ______________________ 34

4.1 A noção de tempo geométrlco-galilaica _____________ 34

4.1 .1 O tempo clclico e irreversível 34

4.1.2 O tempo reversível, linear e progressivo. 40

4.2 A gestão do trabalho e o controle do tempo ____________ 46

4.2.1 A introdução da máquina no ambiente de trabalho 46

4.2.2 A busca de maximização da eficiência 48

4.2.3 A tcoria de tempos e movimentos 49

4.2.4 Atualidade da teoria de tempos e movimentos SS

4.3 A produção do novo em cenário de incerteza

e o controle do tempo de trabalho __________________ 58

4.3.1 A produção discursiva e uma episteme do não-linear: a teoria do caos S8

4.3.2 A criatividade em cenário de incerteza 62

4.4 Implicações para a gestão de recursos criativos _____________ 65

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4.4.1 O processo criativo e a policronia ________________ 65

4.4.2 A policronia e a noção de tempo moderna 68

4.4.3 Discussão do problema e crítica 69

5. Conclusões ______________________ 79

6. Bibliografia _____________________ ,87

Anexo I: Entrevista Com um Designer - Sérgio Liuzzi ________ 89

Anexo lI: Entrevista Com um Músico - Danilo Caymmi 101

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

Marco Aurélio Cabral Pinto

Capítulo 1

Introdução

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

1. Introdução

1. 1 Apresentação do tema

o tema mais genérico, no interior do qual procurou-se tecer a região, o

domínio, tratável nesta dissertação de mestrado foi a forma como se percebe o

tempo na modernidade - a noção de tempo moderna - vista sob o ponto de

vista do trabalho, do fazer produtivo. Menos do que crítica à conveniência de

se alocar maior ou menor quantidade de tempo ao fazer produtivo, o tema

genérico da presente dissertação pode ser definido em torno da reflexão sobre a

noção de tempo na modernidade, noção intimamente ligada à medida, à

grandeza mensurável com base em um padrão universaL A noção de tempo

moderna tem raízes históricas na Europa seiscentista, com os trabalhos de

Galileu Galilei, mas só alcançaria sua fase madura após a Revolução Industrial,

reforçada pela influência dos trabalhos de Taylor e Gilbreth no dia a dia das

empresas. Conforme apresentado ao longo da presente dissertação, a noção de

tempo moderna terá implicações profundas na administração do fazer

produtivo, seja em termos de planejamento, controle ou motivação para o

trabalho.

Marco Aurélio Cabral Pinto 2

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Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996

1.2 Justificando o interesse pelo tema ...

o interesse que motivou a escolha do tema da presente dissertação pode

ser definido em torno da insatisfação observada nas empresas quanto à

medida do trabalho em um padrão de tempo definido.

Sob o ponto de vista individual, esta insatisfação se manifesta através da

perda motivacional. Do lado dos profissionais diretamente ligados à produção,

a perda motivacional parece estar ligada à monotonia associada às atividades

que desempenham. Da parte da gerência, percebe-se a estreita associação entre

inúmeros males físicos e mentais e o estresse inerente à permanente corrida em

direção aos "objetivos organizacionais", os quais são usualmente definidos com

base em um horizonte temporal pré-definido: a agenda e o cronograma.

Em muitas empresas, esta insatisfação têm sido percebida com relativa

clareza por seus membros. Estes têm procurado discutir e adotar soluções

alternativas que usualmente envolvem a flexibilização do horário de trabalho,

seja com vistas a obter maior motivação por parte dos funcionários, seja com

vistas ao aproveitamento mais eficaz do equipamento produtivo. Percebe-se

assim a tentativa de, com a flexibilização do horário de trabalho, preservar-se

ou aumentar-se o ganho em termos de resultados objetivos por parte da

empresa.

No entanto, esta insatisfação pode resultar em fator restritivo no

contexto de produção do novo, de inovação. Mais do que isto, os efeitos do

controle do tempo de trabalho definido a partir da noção de tempo moderna,

além dos aspectos conhecidos de perda motivacional, poderiam, por hipótese,

induzir ao empobrecimento da capacidade criativa do fator trabalho,

prejudicando assim a originalidade de sua produção.

A teoria administrativa tem dedicado progressiva importância à questão

da criatividade humana, principalmente sob o enfoque motivacional. Esta

importância se justifica pela necessidade percebida hoje no seio das

organizações de busca de novos mercados/produtos através de inovações

essencialmente diferenciativas, bem como de melhoria nos processos

Marco Aurélio Cabral Pinto 3

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

operacionais. Neste ponto, reconhece-se que a produção do novo, enquanto se

apóia na criaitividade humana, está intimamente associada com aspectos

motivacionais. Daí a verificação de que o tema da criaitividade torna-se

progressivamente relevante para o estudo organizacional. Ao voltar-se para o

estudo dos fatores subjacentes à atuação criativa, torna-se possível desenvolver­

se um corpo teórico consistente sobre as alternativas de definição estratégica

para a gestão do trabalho humano. Dessa maneira, a presente dissertação

procura se inserir dentro deste movimento de revisão dos preceitos tradicionais

de gestão, com vistas a alinhar-se com as mudanças e os desafios enfrentados

pelas organizações na atualidade.

Marco Aurélio Cabral Pinto 4

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

1.3 Metodologia adotada

De maneira a encerrar o tema genérico no contexto tratável no nível de

dissertação de Mestrado procurou-se, no primeiro momento, formular uma

questão-guiaI ligada ao tema. Para tanto, tomou-se a precaução quase

obsessiva de restringir o tema genérico em torno de uma idéia simples porém

precisa. Uma idéia simples e precisa o bastante para que se pudesse trabalhá-la

de maneira segura segundo os padrões lógico-científicos em uso corrente.

Buscou-se com isto a precisão e a humildade da tese mono gráfica, evitando-se

os riscos normalmente encontrados em teses panorâmicas2.

No Capítulo 2, após a formulação da questão-guia, procurou-se traçar

algumas fronteiras de controle crítico, dentro das quais buscou-se o

encaminhamento para a questão-guia. Com essas fronteiras de controle crítico

objetivou-se o controle metodológico, de maneira a amarrar alguns conceitos

tirados do senso comum a significados precisos no âmbito do presente

dissertação. Por exemplo: o conceito de recursos criativos é utilizado amplamente

ao longo do texto. Julgou-se, desta maneira, necessário preceder sua utilização

da contextualização formal do que se entende por recursos criativos. Esta

contextualização foi realizada através da construção de algumas fronteiras de

controle crítico.

Em seguida à elaboração completa da questão-guia, no Capítulo 3

procedeu-se a apresentação de referências importantes que puderam ao mesmo

tempo se relacionar ao tema proposto e servir de amparo à discussão teórica.

Estas referências foram divididas entre trabalhos disponíveis no âmbito da

literatura administrativa, além de uma breve revisão da abordagem

desenvolvida por Carlos Castanheda e Henry Bergson.

1 Deve ser entendida como uma quase-hipótese: uma questão que será perseguida e

submetida ao crivo lógico de maneira a obter-se, senão sua demonstração, ao menos seu

campo de validade.

2 Para uma discussão sobre a escolha entre tese monográfica ou panorâmica ver Eco,

H. Como se Faz uma Tese, Perspectiva, São Paulo, 1992, 170 p.

Marco Aurélio Cabral Pinto 5

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No Capítulo 4, procedeu-se a discussão teórica, procurando-se

argumentar afirmativamente a perspectiva levantada na questão-guia, dentro

do domínio das fronteiras de controle crítico estabelecidas.

Por fim, no Capítulo 5 procurou-se estender as conclusões de maneira a

ocupar a maior área possível dentro deste reduzido domínio e, assim, ampliar a

esfera de alcance conclusivo sem contudo cair em generalização pobre de

qualidades científicas.

Os Apêndices I e II contêm a transcrição de duas entrevistas realizadas

com profissionais que, por força de seus oficios, se colocam diariamente diante

da criatividade, do novo e do tempo. Estes profissionais são Sérgio Liuzzi,

designer gráfico, e Danilo Caymmi, músico.

Marco Aurélio Cabral Pinto 6

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Marco Aurélio Cabral Pinto

Capítulo 2

Questão Guia

7

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Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996

2. Questão-guia

2. 1 Enunciação

Conforme apresentado no item Introdução, o presente trabalho tem por

objetivo perseguir a seguinte questão: em que medida o conceito de jornada

de trabalho pode ser restritivo no contexto de gestão de recursos criativos

voltados para a produção do novo, da inovação?

2.2 Fronteiras de Controle Cnlico

2.2.1 Jornada de Trabalho

o Trabalho tem sido concebido como uma das categorias humanas mais

fundamentais. O ser humano é um animal que modela suas ferramentas e,

assim, constrói o mundo. Por esta razão tem sido considerado como o único

animal que vive em (entre) duas esferas: o mundo natural, que reparte com os

outros seres vivos e aquela outra natureza, a Natureza Artificial (nature

artificielle), construida por ele mesmo. Uma vez que este segundo mundo,

construido pelo ser humano, constitui a base para qualquer conduta

reconhecida como humana, o processo pelo qual a base física do mundo é

construída torna-se de significação humana crucial. Isto pode ser afirmado

independentemente. da questão de que a edificação do edifício simbólico ou

conceitual, que necessariamente abarca o mundo humanizado, deve ser

entendida também como resultado do trabalho. Portanto, o trabalho mental

deve ser entendido como correlato ou mesmo derivativo do trabalho físico.

Dessa maneira, pode-se afirmar que trabalhar significa modificar o mundo tal

qual é encontrado.

No entanto, apesar de aceita essa concepção geral acerca do trabalho

humano, há que se estabelecer ainda o foco sobre a configuração específica que

o trabalho assumirá durante a Modernidade.

A Modernidade pode ser entendida como o período histórico que se

inicia no Renascimento europeu e que se estende até os dias de hoje. Durante

Marco Aurélio Cabral Pinto 8

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

este período observam-se essencialmente três ciclos epistemológicos

correlacionados: estabelecimento da Ciência como forma de saber dominante,

emergência do indivíduo como centro de preocupações privilegiado e

desenvolvimento do capitalismo mercantil-industrial-financeiro.

Estes três fatores interligados são hoje considerados como essenciais

para a caracterização desta configuração histórica inteiramente original

denominada Modernidade. Para aqueles historiadores que se baseiam no

princípio da ciclicidade (eterno retorno diferenciado) para sua descrição, a

dinâmica de transformação da ordem social está muito ligada à destruição de

determinada visão de mundo e sua substituição por outra. Assim, a crise por

que passa a sociedade ocidental neste final de século pode ser entendida não

como coincidência de crises econômicas, de má distribuição de riqueza, de

erupção da violência, das drogas etc, mas como uma crise maior, que

sinalizaria a substituição da cosmovisão Moderna por outra dita pós-Moderna.

Para que se possa avançar no entendimento sobre a natureza desta transição e,

consequentemente, sobre suas implicações para o trabalho humano, considera­

se importante o retorno do olhar ao período em que tudo começou: o

Renascimento e a substituição da cosmovisão Medieval pela Moderna.

As mudanças radicais observadas nas relações sociais que acompanham

o colapso da sociedade Medieval e a emergência do capitalismo, da sociedade

burguesa e do industrialismo, podem ser consideradas como pano de fundo

histórico-cultural para a chamada Revolução Científica. Durante este período

de transição, a ciência passa a se estabelecer como o saber dominante,

desenvolvendo-se com uma sucessão de acertos preditivos. A interpretação

Galilaica para o movimento, ainda que frágil, desloca definitivamente a

influência aristotélica na construção do saber. A ciência tem então diante de si

campo aberto para seu desenvolvimento.

A Revolução Científica tem desdobramento único quando comparada

com outros cortes epistemológicos observados na história da humanidade. Pela

primeira vez, um saber é traduzido com tanta perfeição em termos técnicos,

instrumentais.

Marco Aurélio Cabral Pinto 9

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

Assim, conforme será discutido a seguir, é sob o ponto de vista do

contraste epistemológico verificado entre a cosmovisão medieval e moderna

que se pode compreender a singularidade do trabalho pós-Revolução

Científica, uma singularidade marcada pela aplicação do conhecimento como

técnica em processo único na história da humanidade de produção de

excedentes em progressão ilimitada.

2.2.1.1 O trabalho no período pré-Revolução Científica: um projeto

existencial.

Imagine-se o mundo medieval. Campos verdes, famílias camponesas,

posseiros assentados em terras pertencentes a famílias mais ricas. As estações

eram acompanhadas com atenção. A respiração dos rios, a floração, a chegada

dos ventos do Norte, a época das chuvas. A vila, espaço de troca de

mercadorias. Coisas que vêm do porto, do além mar. À noite, o céu escuro e seu

imenso mistério. As festas religiosas, a missa e a comunhão entre os pares da

comunidade. Obviamente cidades maiores, centros onde se conhecia o talento,

o precioso, o monumental: Veneza, Florença, Roma, Lisboa. Cidades em que o

porto dinamizava a cultura, as artes e a troca de saber ...

Para o homo credens medieval, a posição no cosmos plenamente dotada

de significado era dado natural, independente de qualquer ato de sua vontade.

Havia identidade entre coisa e valor, entre epistemologia e ética. Todos os

eventos, coisas e seres observados eram percebidos como em concordância com

a vontade divina, portanto plenos de significado em razão de sua finalidade

imanente. Nesse contexto, o ganho de conhecimento sobre a natureza era então

operado através da busca de respostas para perguntas acerca do significado

metafísico das coisas, usualmente ligado a perguntas do tipo "por quê?".

Segundo Capra (1990:49):

A natureza da ciência medieval era muito diferente daquela da

ciência contemporânea. Baseava-se na razão e na fé, e sua

principal finalidade era compreender o significado das coisas e

não exercer a predição e o controle.

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 0

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

Este fato pode ser percebido através da irrepreensível lógica interna à

Física Aristotélica, a qual se baseava na relação qualitativa entre os diferentes

elementos que compõem o mundo. Uma relação permeada por afinidades e

oposições de origem metafísica.

Dessa forma, a tradução do saber como técnica não encontra na

cosmovisão medieval possibilidade de realização. As técnicas associadas ao

trabalho artesanal eram assim derivadas quase que exclusivamente da vivência

prática profissional, sendo transmitidas de forma oral através da relação

mestre-aprendiz. Esta relação estava calcada basicamente no processo de

tentativa e erro, compatível com a concepção do trabalho como processo

integrado com o projeto existencial de busca do aprendizado em direção à

perfeição.

Segundo Berger (1983):

Se trabalhar significa construir um mundo, então ele envolve,

numa perspectiva religiosa, a repetição ou imitação de atos

divinos pelos quais o mundo foi originalmente construído.

o trabalho para o ser medieval, então, pode ser entendido também como

o resultado do esforço de reviver a Criação. Neste contexto, a palavra latina labor

tem o duplo significado de trabalho e esforço fatigante, superação. Nesse

contexto, pode-se afirmar que a busca de produção de excedentes não

consistia objetivo relevante e orientador do fazer produtivo pré-moderno.

2.2.1.2 O trabalho pós-Revolução Científica: o circuito econômico­

técnico-científico

A impossibilidade de localização do marco histórico que, isoladamente,

represente a origem deste grande movimento ao qual chamamos modernidade

é aceita hoje pela maioria dos estudiosos. Na realidade, um conjunto de fatos e

tendências conjunturais e estruturais iriam somar-se e reforçar-se de modo a

conduzir a sociedade ocidental de sua configuração medieval em direção a

outra totalidade sintética a qual se denominou Modernidade. Entre essas

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 1

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tendências, a instituiçãO do saber científico a partir do século XVI, derivado da

combinação do método analítico cartesiano com o empirismo baconiano, teria

conseqüências significativas para a transição entre as concepções medieval e

moderna sobre o trabalho humano.

Segundo Capra (1983:25):

A divisão cartesiana permitiu aos cientistas tratar a matéria como

algo morto e inteiramente apartada de si mesmos, vendo o mundo

natural como uma vasta quantidade de objetos reunidos numa

máquina de grandes proporções.

Assim, o momento crítico para a emergência da cosmovisão da

modernidade é a separação entre coisa e valor, entre epistemologia e ética. As

coisas e os eventos, para o saber científico, não possuem nenhum valor que lhes

seja imanente, de maneira que o ganho de conhecimento em relação à Natureza

se constitui como a busca de respostas do tipo "como?". Assim, as respostas são

cegas diante do estabelecimento de vínculos entre o saber científico e normas

éticas de conduta.

Segundo Bartholo (1986: 36), essas respostas são:

" ... unicamente aptas para o estabelecimento de algo que se faz, e

não sobre o que deve ser feito. É estabelecida uma identificação

entre a verdade de sentenças científicas e sua operacionalidade, o

que faz com que o experimento, a quantificação, a predição e a

aferição se constituam em parâmetros da nova praxis científica".

Dessa maneira, a mensuração e o controle experimental se constituem

nos fundamentos da objetividade das proposições científicas, e o ato humano

de atribuição de valor se funde com o projeto de dominação da Natureza, que

visa colocá-la a serviço de anseios utilitaristas. Assim, o saber (científico) se

traduz em termos da técnica. Os rumos da investigação científica seguem os

passos da necessidade de desenvolvimento tecnológico, sendo sua motivação a

possibilidade da aplicação do conhecimento em termos objetivos.

Marco Aurélio Cabral Pinto 12

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996

Outro fator crítico para a transição da concepção do trabalho medieval

para o trabalho na modernidade seria a progressiva monetarização da

economia. A economia medieval era um sistema fechado, estável e auto­

suficiente, onde as idéias modernas de crescimento e expansão seriam

desprovidas de significado. A Revolução Comercial inicia o processo de

dissolução do sistema feudal, destruindo assim a teia de relações pessoais

responsável pelo poder das corporações de ofício, em movimento que tem seu

ponto de ruptura crítico na dinamização do sistema de trabalho por

encomenda, viabilizador da introdução do sistema de fábrica e impulsionador

do assalariamento progressivo da população camponesa.

Dessa maneira, a partir do estabelecimento da modernidade, o trabalho

passa a ser concebido dominantemente como meio para a acumulação de

riqueza/sobrevivência. Nesse sentido, na medida em que se aprofundam estes

princípios, observa-se o desenvolvimento da organização do trabalho

produtivo que aquartela no mesmo tempo/espaço muitos homens, mulheres e

coisas sob a forma de divisão do trabalho altamente diferenciada, com elevado

nível de especialização. Este tipo de organização será o paradigma fundador da

própria sociedade industrial moderna.

No entanto, de maneira a encontrar-se uma medida que pudesse

traduzir e quantificar o esforço produtivo de cada indivíduo e, ainda, como

meio de concatenar harmoniosamente as diversas partes constituintes de uma

cadeia funcional com começo, meio e fim, é necessário o controle do tempo

segundo um padrão bem definido: o tempo do relógio. O tique-taque do

relógio dita o ritmo das máquinas, que dita o ritmo do trabalho. Trabalho que

ocupa um espaço cotidiano bem definido entre o nascer e o pôr do sol.

Nesse momento, é possível definir-se, no âmbito da presente

dissertação e a partir do contexto apresentado, o conceito de Jornada de

Trabalho como a medida diária do tempo de trabalho na modernidade,

tomada em relação a um padrão, quantitativo e universal, o tempo do relógio.

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 3

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

2.2.2 Recursos Criativos

Ao longo do século XIX a criatividade foi concebida como dom, carisma,

talento inato e associado estritamente à produção artística. Um processo

psicológico misterioso, quase mágico e intimamente ligado à genialidade. Esta

visão romântica, característica do século passado, seria responsável, em parte,

pela ausência do interesse científico sistemático pelo estudo dos processos

criativos ao longo do período.

A partir do início do século XX, alguns pesquisadores isolados

iniciaram uma linha de investigação de base dominantemente

comportamentalista. Os primeiros resultados, no entanto, foram frustrantes

devido à insistência na busca do método de medição da grandeza de

criatividade. Os esforços para se alcançar uma medida quantitativa, tal como o

Q.I. (coeficiente intelectual) para a inteligência, esbarrou na dificuldade de

análise do processo criativo.

Enquanto que o processo racional evolui linearmente e pode ser

rastreado em etapas lógicas, o mesmo não se pode afirmar acerca do processo

criativo.

Mas apesar dos insucessos iniciais, estes primeiros pesquisadores

obtiveram ao menos um resultado positivo: a partir de então passou-se a

conceber que a criatividade, ao mesmo tempo em que se apoia na singularidade

do indivíduo e de suas experiências, pode ser observada como faculdade

universal, independentemente de aspectos culturais - intelectuais ou artísticos.

Assim, a criatividade pôde ser colocada, ao lado da racionalidade, como

faculdade nobre e universal, portanto instituidora da humanidade.

A este respeito, conforme observado por Sérgio Liuzzi3, o fato do

designer trabalhar com criatividade não transforma o resultado imediato de seu

trabalho em arte. Alternativamente, a criatividade pode se aplicar a qualquer

atividade. Assim, o designer, ou o arquiteto, parece estar mais envolvido com a

3 Ver entrevista no Anexo I

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 4

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criatividade porque a expressão formal do produto do seu trabalho é mais

aparente. O designer, ou o arquiteto, manipula a forma, a cor, a textura do

objeto. Isso faz com que a criatividade seja mais visível, mais aparente que em

outras ocupações produtivas.

A partir da década de cinqüenta, a pesquisa acerca dos processos

criativos toma outra direção. Percebeu-se que a distinção entre o processo

racional e seu equivalente criativo ia mais longe que a simples caracterização

em termos de complexidade do segundo em relação ao primeiro. Não era o

número de variáveis que estava em jogo, mas a natureza da função que o

presidia. Sendo baseado na lógica e na análise, o processo racional evolui

linearmente. O mesmo não se pode dizer dos processos criativos. A descrição

mais apropriada seria associá-los a processos não-lineares, portanto de controle

e predição extremamente improváveis.

Segundo as palavras de W. Gordon (1961:3):

" ... 0 único caminho para se aprender algo sobre o processo

criativo é tentar ganhar intuição sobre o fluxo não racional, livre­

associativo que se desenvolve por debaixo da superfície do

discurso articulado".

Desta maneua, a pesquisa alcançou o seu estágio e método

contemporâneos: a proposição de problemas e a observação de pessoas

tentando resolvê-los. Procurou-se com isto investigar algumas características

individuais que poderiam estar associadas com a maior capacidade criativa.

Segundo W. Gordon (1961), a pesquisa assume algumas premissas:

• a análise completa e precisa do processo criativo é considerada impossível,

uma vez que a partir do momento em que o indivíduo se concentre em auto­

examinar-se no decurso do processo, este cessa imediatamente e sua

descrição é arruinada;

Marco Aurélio Cabral Pinto 15

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• o fenômeno cultural de invenção, seja nas artes, na filosofia, nas diferentes

religiões ou na ciência são análogos e podem ser descritos pelo mesmo

processo psíquico;

• o processo criativo individual encontra analogia perfeita com aquele

experimentado em grupo.

Os resultados obtidos, conforme W. Gordon (1961), são bastante

positivos. Duas das hipóteses demonstradas ao longo do esforço científico

realizado são, porém, de fundamental importância para a presente dissertação,

a saber:

• no processo criativo, o componente emocional é mais forte que o intelectual e

o irracional mais importante que o racional.

• a obtenção de um nível geral de inovação (em oposição a incrementos

marginais de desenvolvimento) depende da diversidade no estoque de

conhecimentos, interesses e experiências individuais envolvidas no processo.

Para demonstrar a predominância do componente emocional sobre o

racional, bem como da importância do estoque de conhecimentos diversificado

para o processo criativo, os pesquisadores, ainda conforme W. Gordon (1961),

selecionaram pessoas segundo os seguintes critérios:

• capacidade metafórica: a linguagem do candidato foi cuidadosamente

examinada quanto a utilização de metáforas e analogias;

• capacidade de assumir riscos: importando que tipo de riscos o candidato

estava disposto a assumir, o quanto de incerteza suporta sem incorrer em

simplificações que reduzam os problemas a uma situação de conforto

interpretativo.

• maturidade emocional: pessoas criativas apresentam em sua postura traços

infantis, sem contudo implicar em imaturidade emocional. A imaturidade

emocional não permitiria o desenvolvimento conjunto do assombramento

abismal diante da experiência e do esforço construtivo e sistemático próprio

do adulto, que percebe a direção de seu aprendizado;

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 6

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• capacidade de generalização: identifica a facilidade de elaboração de

interpretações teóricas, da tradução da síntese original em conceitos, a partir

de fatos concretos, muitas vezes conflitantes e até então não relacionados;

• envolvimento: o candidato deveria apresentar interesse existencial pelos

desafios propostos, a ponto de se automotivar;

• não-orientação por status: nas culturas ocidentais, diversos são os símbolos

de status social, os quais identificam a posição do indivíduo. Os candidatos

foram escolhidos pelo seu desprendimento com relação a estes símbolos,

uma vez que o grupo a ser observado deveria criar seus próprios referenciais

de posição social, baseados dominantemente na contribuição para o grupo e

na independência do pensamento;

• senso ético e compromisso social: a liberdade para a criatividade deve ser

restrita por soluções que, aceitas pelo grupo, não revestidas de preceitos

doutrinários, porém de sentido ético coerente com a cultura do grupo.

Desta maneira, o conceito de Recursos Criativos, conforme definido no

âmbito da presente dissertação, se liga intimamente a indivíduos e grupos cujo

fazer produtivo se apoie fortemente sobre o processo criativo. Indivíduos e

grupos envolvidos na proposição e/ou solução de problemas não estruturados,

onde o componente emocional parece mais importante que o racional, onde a

diversidade no estoque de conhecimentos se apresenta mais eficaz que a estrita

especialização técnica.

Como características definidoras do perfil do profissional considerado

como recurso criativo, podem-se citar, conforme apresentado acima, a

capacidade metafórica, a capacidade de assumir riscos, a maturidade

emocional, a capacidade de generalização, o envolvimento, a não-orientação

por status e o senso ético.

2.2.3 Produção do Novo e Inovação

Desde os primórdios da Revolução Industrial, até as primeiras décadas

do presente século, o processo de competição entre empresas foi concebido

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 7

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como processo de eliminação de diferenças. Ao se enfrentarem no mercado, as

empresas utilizavam as variações de preço como artifício para abocanhar fatias

de mercado de seus concorrentes, tendo como limite inferior os custos

incorridos na produção e como limite superior a demanda por seus produtos.

Considerando-se os produtos vendidos por uma mesma firma homogêneos,

sem grandes diferenças qualitativas, a demanda era dada para cada firma, de

modo que a única forma de melhorar sua posição competitiva fosse reduzir seu

limite inferior de fixação de preços, isto é, seus custos. Acreditava-se que a

melhor forma de conseguir isso era através de ganhos de escala, obtidos pela

utilização mais intensiva dos equipamentos produtivos.

Com a disseminação dos oligopólios e seu poder de ditar preços, da

propaganda e da prática de diferenciação de produtos, procurou-se descrever o

processo competitivo com a incorporação destes novos elementos: as empresas

não mais buscam apenas reduções de custo, mas também novas formas de

produção, comercialização e/ou distribuição. Como desdobramento ad

infinitum da noção de progresso, as empresas embarcam numa corrida em

direção à produção do novo.

Neste contexto, a forma, muito mais que o conteúdo, assume lugar de

destaque como instrumento de diferenciação. Conforme ilustrado pelo designer

Sérgio Liuzzi4, a diferenciação começa a ser tão sofisticada que os designers se

especializam em cada área que se situa na borda do produto, na sua superfície,

de maneira a torná-lo mais competitivo. O maior exemplo disso, segundo

Sérgio, seriam as televisões. As televisões de 29, 28 polegadas não

apresentariam diferenças de projeto ou de fabricação significativas. A diferença

se daria basicamente no desenho. Segundo Sérgio, "o camarada vai comprar

uma televisão A, B, ou C, porque aquela atende mais a uma necessidade

estética, puramente estética".

A capacidade inovativa torna-se, assim, o instrumento central de

adaptação das empresas no ambiente competitivo em que se inserem, sendo

4 Ver entrevista no Anexo I

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 8

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responsável, em última instância, pela sua permanência no mercado. Como um

dos desdobramentos deste processo, os produtos e serviços passam a ter

horizonte temporal de validade funcional reduzido, dentro de uma lógica de

superação e de obsolescência. Segundo esta lógica, quanto mais simples e

original for a inovação, mais eficaz será sua tradução em termos produtivos.

A inovação, no entanto, não se reduz ao aspecto de diferenciação de

produtos. A capacidade inovativa pode ser hoje também percebida como

requisito relacionado à própria organização do trabalho. Diante de ambientes

progressivamente complexos e dinâmicos, diferentes organizações têm

apresentado dificuldades para a compreensão e interpretação de uma realidade

concebida como progressivamente fluida e multivariável. A produção de novos

conceitos que interpretem essa realidade torna-se então imperativo para a

gestão das empresas.

Neste contexto, algumas idéias têm-se sobressaído como diferenciadores

estratégicos, tais como aquelas ligadas à qualidade, reengenharia e outros. No

entanto, boa parte destas "tendências globais" carecem de formulação mais

formal e consistente, o que restringe sua incorporação dentro das empresas sob

a forma dominantemente utilitarista, com fins de aumento da capacidade

produtiva e/ou competitiva.

Por outro lado, a necessidade de ordem permanece como pré-requisito

para qualquer organização. Diante da perspectiva de crescente dificuldade de

predição e interpretação da realidade, a concepção do papel dos membros da

organização incorpora a produção de conceitos ao próprio fazer produtivo. A

produção continuada de novos discursos no seio das organizações passa então

a constituir-se em necessidade percebida por seus membros, não apenas

visando a melhor adequação das empresas a novas configurações definidas

pela matriz produtos-mercados, mas, sobretudo, sob o ponto de vista da

manutenção de uma visão de mundo que represente uma referência comum

para a interpretação dessa realidade pelos membros da própria organização.

Cabe ressaltar que o conceito de Organização aqui utilizado deve ser

definido em torno da relação (contratual ou não) entre duas ou mais pessoas

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 9

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com objetivos aparentemente semelhantes ou complementares. Com esta

definição, pode-se incluir qualquer tipo de relacionamento que vise construir

ordem na categoria de organização.

Neste ponto, torna-se necessário ainda fazer a distinção entre discurso

original, inovativo, e discurso incrementai, não inovativo. De acordo com

Kirton (1989), podem-se diferenciar duas categorias básicas associadas à

produção do novo: adaptação e inovação. Uma produção (discursiva) será

classificada como adaptativa sempre que referenciada ao paradigma

dominante, não propondo assim nenhuma ruptura com relação às crenças e

valores aceitos. Por outro lado, uma produção (discursiva) inovativa será

aquela que procurará (re)formular o problema de maneira independente,

distanciada do paradigma dominante.

Segundo Kirton (1989:7):

" ... uma adaptação tem uma clara relação com 'fazer melhor as

coisas', enquanto uma inovação apresenta-se associada com 'fazer

as coisas diferente"'.

Assim, diante de uma situação de crise, de complexidade e conseqüente

multiplicidade de alternativas para interpretação da realidade, as organizações

passam a apresentar, para sua sobrevivência, a necessidade de auto­

organização, de gerar novas ordens em um fluxo que encontre ressonância com

a dinâmica de mudanças percebidas na realidade. Daí a importância da

capacidade inovativa percebida como a capacidade de formulação de discursos

com vistas à manutenção de ordem.

Segundo Morgan (1986:235):

Se os sistemas se adaptam para manter sua própria identidade e,

se as relações com o ambiente são internamente determinadas,

então os sistemas podem evoluir e se transformar apenas através

de mudanças auto-geradas em sua identidade", onde "identidade

envolve a manutenção de um dado conjunto de relações.

Marco Aurélio Cabral Pinto 20

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Assim, a produção do novo, a inovação, deve ser entendida dentro desse

escopo mais genérico, o qual se apoia sobre a formulação de conceitos originais

com vistas a uma melhor adequação à realidade. Sejam produtos que atendam

a uma necessidade muda, sejam discursos que melhor interpretem a realidade,

a produção do novo, a inovação, poderá ser associada a qualquer síntese

original e interpretativa da realidade.

Marco Aurélio Cabral Pinto 21

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Capítulo 3

Material de Apoio

Marco Aurélio Cabral Pinto 22

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3. Material de Apoio

Apesar da abrangência do tema escolhido, encontrou-se forças para

percorrer-se a literatura administrativa com os olhos atentos a quaisquer

elementos que pudessem servir de apoio, como contraponto, à linha

argumentativa que pretendeu-se desenvolver mais adiante. Com isso, mais do

que esperar, deve-se afirmar que não se pretende cobrir exaustivamente as

inúmeras referências que se enredam pela questão do tempo, da criatividade

humana e da inovação.

Fora da literatura administrativa, o desafio parecia ainda maior. Com

relação aos autores selecionados contou-se com o benefício do tempo tido para

reflexão sobre o conteúdo de suas obras. Há alguns anos que o autor debruça,

mais ou menos sistematicamente, sobre os escritos de Henry Bergson e Carlos

Castanheda. Não poderiam deixar de serem incluídos nesta empresa, até

mesmo porque, pode-se dizer, inspiraram em muito o olhar que foi lançado

sobre leituras posteriores e mesmo sobre a escolha do tema da presente

dissertação.

Marco Aurélio Cabral Pinto 23

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3. 1 No âmbito da Administração de Empresas

A literatura administrativa reserva espaço significativo para a questão

do tempo, porém enfocando-a majoritariamente sob o ponto de vista da

"gestão" do tempo com vistas ao maior aproveitamento dos recursos

produtivos para o aumento da eficiência do trabalho. Ao longo de diferentes

trabalhos a questão do tempo é tratada a partir da noção de tempo moderna,

inteiramente associada a uma medida quantitativa que substitui, que

representa, a própria noção do fluir temporal. A lista de trabalhos que se

propõem a enumerar maneiras de como gerir melfwr o tempo, sem a preocupação

acadêmica de aprofundamento conceitual, é bem extensas. Assim, uma vez que

aqui procura-se colocar em xeque exatamente a pertinência da noção de tempo

moderna para a gestão do fazer produtivo, a contribuição destes trabalhos

estaria limitada à exemplificação dos procedimentos de aplicação de princípios

clássicos de gestão do tempo ao fazer produtivo. Dessa maneira, ao invés de

discorrer sobre as diferentes formas de como gerir melfwr O tempo, optou-se pela

crítica à teoria de tempos e movimentos sob o ponto de vista de sua

configuração atual, conforme discorrido mais a frente no texto.

Um outro grupo de trabalhos, classificados no âmbito da literatura

administrativa e ainda imersos dentro da concepção de tempo moderna e de

maximização da produtividade, admite porém a insatisfação do indivíduo com

o preço pago por uma excessiva e monótona jornada de trabalho. Neste

segundo grupo de trabalhos estuda-se a pertinência e os efeitos da

flexibilização da jornada de trabalho, observando-se um relativo consenso entre

os autores sobre:

• os acordos de reorganização do tempo de trabalho baseiam-se na

crença comum de que, ao distribuir-se a quantidade horária de trabalho

ao longo do dia, "dias diferentes um do outro" ocorrerão, conferindo

S Ver, a título de exemplo, Curta, J. L. A. Tempo do Executivo: problemas e soluções,

3a. Edição, C.O.P., Rio de Janeiro, 1985.

Marco Aurélio Cabral Pinto 24

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tanto maior grau de produtividade quanto maior bem-estar para o

indivíduo;

• buscou-se com estes acordos a maior utilização do equipamento

produtivo, de maneira a garantir-se o retorno do capital investido diante

da perspectiva de rápida obsolescência.

Neste contexto, alguns autores6 se destacam ao analisar criticamente as

bases dos chamados acordos para reorganização do tempo de trabalho. Estes acordos

são analisados segundo uma ótica mais ampla, do impacto da organização do

tempo de trabalho sobre a vida do indivíduo fora das organizações.

Segundo Boulin & Tadei (1991:6):

Os acordos relativos a reorganização do tempo de trabalho

parecem amplamente minoritários hoje em dia. Isto traduz,

parece-nos, uma hesitação por parte da administração e da mão­

de-obra de encetarem negociações que coloquem em questão não

só a organização e o ritmo de trabalho dos assalariados, mas

igualmente a sua vida fora do trabalho .

. . . do ponto de vista dos assalariados, organizar o tempo de

trabalho é, freqüentemente, organizar o tempo fora do trabalho.

Esta passagem de um enfoque puramente quantitativo do tempo

de trabalho para uma concepção mais qualitativa, que articula o

trabalho e o não trabalho, constitui, por outro lado, uma das

características essenciais dos projetos patronais que, de modo

geral, associam estreitamente e propõem à negociação objetivos

econômicos e as condições gerais de sua realização.

6 Ver, por exemplo, Boulin&Tadei listado na Bibliografia.

Marco Aurélio Cabral Pinto 25

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3.2 A partir da Obra de Carlos Castanheda

A Obra de Carlos Castanheda é reconhecida principalmente no âmbito

da Antropologia. Seu trabalho, apesar da irrepreensível lógica interna com que

coloca, entre outras, as questões do tempo e da criatividade, distancia-se em

muito da linha tradicional de trabalho aceita nos meios acadêmicos e

científicos. No entanto, para efeito de compilação das diferentes abordagens e,

ainda, com vistas ao enriquecimento da presente dissertação, considera-se

importante apresentar algumas considerações do referido autor sobre estes

temas.

Carlos Castanheda, através da descrição de seu relacionamento com seu

mestre, o índio Don J uan, nos conduz ao extremo da noção de construção social

da realidade. Para Castanheda, o que nos cerca e nós mesmos somos expressões

do Todo, do Real, de Deus Pai. Castanheda chama esta dimensão de Nagual. A

partir do Nagual as coisas que nos cercam adquirem uma configuração

específica à qual denominamos realidade. Uma mesa, uma montanha, um sinal

de trânsito seriam configurações do Nagual por nós reconhecidas como

realidade. Por outro lado, ao mesmo tempo em que a realidade e nós mesmos

somos essencialmente Nagual, será o reconhecimento comum desta realidade

que nos permitirá a existência. Esta desempenha um papel de elo de ligação

que nos permitirá fugir temporariamente do mergulho na dissolução do

Nagual. Assim, para Castanheda, a realidade que nos cerca passa a

desempenhar o papel de elo de ligação para a (sobre)vivência dos seres. Um

NaguaI configurado segundo aquilo que chamamos realidade e a realidade

como uma configuração que nos "prende" uns aos outros e às coisas.

Segundo Castanheda (1974:121):

- A totalidade de nós é um assunto muito espinhoso - disse D.

Juan. - Só precisamos de uma parte muito pequena dela para

cumprirmos as tarefas mais complexas da vida. No entanto,

quando morremos, morremos com a totalidade de nós. Um

feiticeiro faz a pergunta: "se vamos morrer com a totalidade de

nós, então porque não viver com essa totalidade?"

Marco Aurélio Cabral Pinto 2 6

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E segue Castanheda ainda citando D. Juan (1974:127):

- O Nagual não é experiência, nem intuição, nem consciência.

Estes termos e tudo o mais que você possa dizer são itens da ilha

[da realidade]. O Nagual, ao contrário, é apenas o efeito. O

Nagual não tem limites.

A partir dessa concepção, Castanheda introduz a idéia de que o que

chamamos realidade é uma entre muitas configurações possíveis para o Nagual.

Assim, a realidade do senso comum, esta que assumimos como a única

possível, seria apenas uma configuração entre muitas realidades possíveis. A

sua coerência, sua aparente universalidade, tem base na própria força da vida -

se não fosse assim, os diversos seres vivos não compartilhariam esta

experiência comum de se sentirem vivos: cheirar, tocar, ver e provar uma

mesma realidade material. No entanto, ainda segundo Castanheda, não haveria

nenhum impedimento para que qualquer um pudesse experimentar, em

ocasiões singulares, uma realidade que se apresentasse como inaceitável sob o

ponto de vista do senso comum. Uma realidade impossível de acontecer de

verdade. A realidade dos sonhos, por exemplo. Esta realidade nada mais seria

que uma outra configuração do Nagual, tão Real quanto a que experimentamos

todos os dias. No entanto, uma vez que ao experimentar outra configuração de

realidade enfraquecemos os laços que nos mantém unidos aos outros seres

vivos, há a ameaça de mergulho no Nagual, da dissolução do ser individual.

Dessa maneira, para Castanheda a noção de fluir temporal nada mais é

que a dinâmica de transformação da configuração-realidade do Nagual,

percebida unicamente através da intuição: a razão é inútil para a aquisição de

qualquer conheciment07, segundo o ele. O tempo é associado à modificação da

realidade que nos une. Porém, sendo esta uma entre outras possíveis, a

7 Conhecimento para Castanheda é relacionado à experiência - quanto maior a

diversidade de experiências, quanto maior a sua concentração e poder pessoal em evocá-las,

maior o seu conhecimento.

Marco Aurélio Cabral Pinto 27

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percepção do fluir temporal se torna algo que pode ser alterado, até o limite do

poder pessoal e da ameaça de mergulho no Nagual.

Ao lado de sua concepção de tempo, a noção de criatividade para

Castanheda também se relaciona com a extremização do conceito de construção

social da realidade. Na medida em que se aceita que a realidade pode ser

alterada pela percepção de outra configuração do Nagual, a capacidade de

modificá-la é concebida como criatividade. Esta afirmação alinha-se à

afirmação anterior sobre a criatividade como a capacidade de produzir

interpretações originais de uma realidade fluida e complexa. Para Castanheda,

a produção do discurso original é precedida da percepção mesma de uma outra

realidade, original, para a qual se construirá uma interpretação discursiva ex­

posto

Nas palavras de Castanheda (1974:128):

- Mas o que é criatividade, D. Juan ?

Ele ficou me olhando, os olhos apertados. Riu baixinho, levando a

mão sobre a cabeça e torceu o pulso numa sacudidela repentina,

como se estivesse torcendo uma maçaneta de porta.

- A criatividade é isso - disse ele, e levou a mão com a palma em

concha até o IÚvel dos meus olhos.

Levei um tempo enorme para focalizar meus olhos nas mãos dele.

Sentia que uma membrana transparente estava mantendo todo o

meu corpo numa posição fixa e que eu tinha que rompê-la para

poder focalizar minha vista na mão dele.

Esforcei-me até caírem gotas de suor em meus olhos. Por fim ouvi

um estalo e minha cabeça e meus olhos estavam livres.

Na palma direita dele estava o roedor mais estranho que já vi.

Parecia um esquilo de cauda peluda. A cauda, porém, parecia

mais de um porco espinho. Tinha espinhos duros.

- Toque nele ! - ordenou Don Juan baixinho.

Marco Aurélio Cabral Pinto 28

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Obedeci mecanicamente e passei meu dedo por seu dorso macio.

Don Juan aproximou sua mão dos meus olhos e aí reparei uma

coisa que me provocou espasmos nervosos. O esquilo tinha óculos

e dentes grandes.

- Parece um japonês - disse eu, e comecei a rir histericamente.

Marco Aurélio Cabral Pinto 29

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3.3 A partir da obra de Henry Bergson

o filósofo francês Henry Bergson viveu em período importante para o

desenvolvimento do pensamento humano. O início do século XX acompanhou

o desenvolvimento da teoria da relatividade e da teoria quântica, além das

transformações proporcionadas pela difusão tecnológica de produtos e

processos desenvolvidos no campo da química, termodinâmica, aeronáutica etc.

O mundo ao tempo de Bergson era já percebido como em mudança acelerada.

No entanto, esta aceleração era vista como ao longo de um eixo único: o eixo da

civilização ocidental. O progresso científico e tecnológico reforçava a idéia de

que a racionalidade científica era o caminho seguro rumo à Verdade.

Para Bergson, no entanto, o conhecimento não poderia ser produzido

sob outro método que senão através do uso sistemático da intuição. Bergson

contrapôs a atividade intelectual à atividade intuitiva. Ao longo das épocas o

ser ocidental trilhou o caminho da lógica racional. Ser lógico tornou-se poder

demonstrar, provar ao outro que o seu discurso aproxima-se da Verdade. A

razão tem sido, assim, instrumento de adaptação de nossa civilização ao mundo

que nos cerca, importante elemento na construção do entendimento a respeito

do infinitamente grande, do infinitamente pequeno e de todas as escalas que

preenchem as possibilidades do olhar humano. Bergson, como alguns poucos

outros, foi capaz de transmitir conhecimento que se reporta às raízes do próprio

conhecimento.

Para Bergson, a atividade lógico-racional consiste em tomar as coisas

como coisas inertes, estáticas, compostas de elementos que podem ser

decompostos em estados (fotografias). Neste contexto, segundo ele, a

inteligência racional (1948:1):

" ... é destinada a garantir a inserção perfeita de nossos corpos em

seu meio, a representar a descrição das coisas exteriores entre eles,

enfim a pensar a matéria".

A racionalidade percebe a realidade em estados isolados que podem ser

concatenados segundo a aplicação da lógica. O conhecimento científico utiliza

Marco Aurélio Cabral Pinto 30

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basicamente a inteligência racional: decompõe a realidade fluida em estados e

os concatena novamente, na esperança de reconstruir a essência mesma da

realidade. O cientista descreve os fenômenos através de relações que expliquem

a Sucessão entre estes estados. Assim, o cálculo infinitesimal se limitaria a

dividir o movimento em inúmeras fotografias (delta t), tantas quantas se

queira, mas ainda assim fotografias, estados congelados da realidade fluida. As

Leis físicas decorrentes seriam então a tentativa de reconstrução desta realidade

que escapa, do movimento que s6 pode ser apreendido via intuição.

Segundo Bergson, este aspecto da realidade a que o intelecto tem acesso

é o aspecto superficial e simplificado. Debaixo dessa realidade mecânica que

pode se decompor e recompor à vontade, está o Real indecompoIÚvel, uma

dimensão fluente, sem separações nem estancamento. É, pois, a dimensão do

tempo Bergsoniano, que escapa das mãos tão logo queremos aprisioná-lo. Uma

dimensão que só poderá ser alcançada pelos meios da intuição.

Segundo Bergson (1948:328)

La science moderne, comme la science antique, procede selon la

méthode cinématographique. Elle ne peut faire d'autrement; toute

science est assujettie à cette loi. 11 est de l' essence de la science, en

effect, de manipuler des signes qu'elle substitue aux objects eux­

mêmes. Ces signes differrent sans doute de ceux du langage par

leur précision plus grande et leur efficacité plus haute; ils n' en

sont pas moins astreints à la condition générale du signe, qui est

de noter sous une forme arrêtée un aspect fixe de la réalité. POU!

penser le mouvement, il faut un effort sans cesse renouvelé de

l'esprit. Le signes sont faits pour nous dispenser de cet effort en

substituant à la continuité mouvante des choses une

recomposition artificielle qui lui équivaille dans la pratique et qui

ait l'avantage de se manipuler sans peine."

Pode-se perceber que tanto Castanheda quanto Berson sedimentam seus

trabalhos na noção de que a realidade é fluida e complexa. Mais que isto, o

tempo deve ser compreendido como a sensação da duração de cada fenômeno.

Marco Aurélio Cabral Pinto 3 1

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Ambos expressam ainda a crença de que a realidade constitui-se de inúmeros

fenômenos em evolução temporal, cada qual com sua dinâmica particular, que

por sua vez é relacionada a todos os outros movimentos.

Para ilustrar a originalidade da perspectiva anunciada na obra dos

referidos autores, coloca-se a seguinte experiência conceitual:

Imagine-se a situação em um observador possua um tipo de visão que

seja tão profunda que só lhe permita ver átomos. Quando observada, os corpos

materiais se revelam como uma maior ou menor densidade de átomos. Em tal

circunstância, se colocado em uma cozinha onde haja um fogão aceso e uma

chaleira com água fervendo, o observador só pode perceber nuvens densas de

átomos e regiões mais rarefeitas, onde o movimento é intenso. Mas tudo que vê

está em movimento. Nota também que determinados volumes muito densos de

matéria estão quase inertes e solidários, outros desprendem átomos de sua

superfície que se elevam e se afastam inexoravelmente.

Esta experiência conceitual traz alguns aspectos que merecem ser

destacados. A vida, por exemplo, tal como definida pela biologia8, não é

passível de definição.

Outro aspecto importante refere-se ao tempo que flui e pode ser

percebido unicamente através da experiência individual, da duração subjetiva

de seu fluir. O tempo só pode ser percebido, neste contexto, através da intuição.

A realidade, então, pode ser configurada livremente segundo a forma como

denominamos as coisas que são vistas: fogão, chaleira, vapor. Depreende-se

assim que a realidade é construída socialmente através de signos que

representam determinadas configurações da matéria em movimento, baseado

na experiência comum de determinadas sensações.

8 A célula é o padrão, a unidade da Vida. A presença de uma ou mais células

caracteriza o ser vivo.

Marco Aurélio Cabral Pinto 32

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Marco Aurélio Cabral Pinto

Capítulo 4

Discussão Teórica

33

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4. Discussão Teórica

4. 1 A noção de tempo geométrico-galilaica

Para se compreender o significado da noção de tempo na modernidade,

torna-se necessário investigar um pouco acerca das condições em que foi

possível introduzi-la. Dessa maneira, ao compreender-se o contexto de seu

surgimento, avança-se rumo a um referencial a partir do qual os valores que

assumimos espontaneamente no nosso dia a dia, sem crítica ou estranheza,

possam ser postos em cheque (em branco).

As condições para o surgimento da noção de tempo moderna podem ser

encontradas ao longo das profundas transformações operadas na transição

entre o medievo e a modernidade da sociedade ocidental, especialmente no que

tange ao estabelecimento da ciência moderna enquanto saber dominante, em

contraposição ao caleidoscópio de saberes que conviveram harmoniosamente

durante os cinco séculos que a antecederam.

O tempo, a partir da ciência moderna, passa a ser reconhecido como

grandeza física objetiva, passível de quantificação precisa e, sobretudo, linear e

uniforme. O tempo do relógio. Esta noção de tempo só foi possível introduzir­

se devido aos trabalhos de Galileu Galilei, conforme visto mais adiante no item

4.1.2.

4.1.1 O tempo cíclico e irreversível

Durante os séculos XVI e XVII a ciência moderna se estabeleceu como

discurso dominante para a interpretação e predição dos fenômenos observados

no mundo natural. Porém, esse status não foi atingido espontaneamente, mas

como conseqüência do esforço de muitos pensadores que, isoladamente,

contribuíram para o estabelecimento do pensamento científico. Tal pensamento

se baseou na crença de que a razão, aliada à observação, consistia no único

caminho seguro para a aquisição do conhecimento.

À época, o ocidente passava por uma crise em muito comparável ao

avesso da que presenciamos hoje. O conhecimento no medievo europeu era

Marco Aurélio Cabral Pinto 34

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bastante rico e diversos discursos se superpunham na construção do saber, sem

conflito. A alquimia, a física aristotélica, a astrologia, a cabala e o tarô, entre

outros, se somavam em um conjunto de interpretações e predições igualmente

'verdadeiras' para os fenômenos: realidade objetiva e subjetiva eram então um

todo sintético. Para o pensamento medieval, o conhecimento se dava por

acúmulo de interpretações e informações, em processo circular de auto­

referência. O conhecimento seria sempre o conhecimento do mesmo,

cumprindo-se decifrar na realidade o conjunto de relações, de sinais, que nos

remetesse da realidade fluida e complexa, via intuição, à sínteses originais, que

se somariam àquelas já conhecidas. Conhecer era, pois, interpretar9.

Naquele tempo, nos idos do século XVI, podia-se ao menos identificar

uns poucos princípios científicos em meio a outras crenças de igual aceitação

em termos preditivos e interpretativos dos fenômenos. Assim, não se pode

afirmar a existência da origem para a ciência moderna, mas alguns momentos

esparsos e não sistematizados de aplicação do método que seria o princípio

instituidor do saber dominante anos mais tarde. Um exemplo poderia ser

tirado a partir do mais conhecido trabalho de Della Porta (1535-1615), hoje tido

como um dos precursores da óptica física. Esse trabalho denominou-se Magia

Natural. Segundo C. A. Ronan (1987:58):

"A Magia Natural tratava dos segredos da natureza, fruto de

notas que ele (Della Porta) começou a colecionar quando tinha

quinze anos; o título Magia Natural foi escolhido porque 'a magia

nada mais é do que o levantamento de todo o processo da

natureza'; segundo as crenças herméticas e as crenças mais

ortodoxas neoplatôIÚcas, havia uma ordenação natural das coisas,

e Della Porta usou um título que tirou máximo partido disto.

Quanto ao conteúdo, é uma impressionante mistura de

trivialidades e assuntos de genuíno interesse científico. Assim,

99 Ver Foulcault, M. As Palavras e as Coisas: urna arqueologia das ciências humanas.

Martins Fontes, Sâo Paulo, 5a edição, 1990, 400p.

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temos fórmulas de tintas invisíveis e uma para 'fazer mulher ficar

cheia de pústulas vermelhas', ao lado de sérias discussões sobre

agricultura, magnetita, métodos de endurecimento do aço e

experiências sobre estática e pneumática."

No entanto, ao invés de "mistura de trivialidades e assuntos de genuíno

interesse científico", e ainda mais surpreendente que isto, hoje aceita-se que

Della Porta considerava seus escritos como de genuíno interesse, senão

científico, porém como enriquecedores de um saber que não poderia ter uma

direção única, um saber que se construiria através de uma coleção de tudo o

que se viu, ouviu, ou se sabe a respeito de determinado assunto. A magia se

complementava harmoniosamente ao saber racional, sem disputa pela

supremacia da verdade, na medida em que se percebia que algo escapava à

racionalidade, como pode escapar ainda hoje.

Dessa maneira, utilizavam-se informações advindas das várias fontes de

experiência sensível: o cheiro, a aspereza ou maciez, o sabor etc. Toda

informação adicional acerca de um ser natural enriqueceria o conhecimento

acerca deste, especialmente porque seria mais um elemento para se relacionar

aos outros e assim possibilitar novas interpretações.

Neste contexto, a noção de tempo que atravessou o medievo até os

séculos XV e XVI pode ser compreendida a partir de três características

marcantes:

• seu efeito irreversível sobre todas as coisas;

• sua natureza cíclica, que faz com que os fenômenos "retornem" após

um período de tempo;

• a impossibilidade de sua decomposição, sendo o tempo considerado

uma unidade sintética.

No que diz respeito à irreversibilidade, o tempo era então concebido

como um fluir temporal em uma única direção, relacionando-se ao sentido do

movimento e à sua duração. Grandeza física, uma vez que atua sobre a matéria,

porém também grandeza subjetiva, sendo a sensação da dinâmica de

Marco Aurélio Cabral Pinto 36

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transformação das coisas. E, como tal, afetando tudo o que se conhece. O tempo

era associado ao movimento, que por sua vez era associado à duração da

passagem das coisas do desconhecido para o desconhecido, do inanimado 10

para o inanimado, uma passagem marcada pela impossibilidade de estancar o

próprio movimento. Daí a busca do eterno sobre a terra. Se algo resistisse ao

movimento, às aflições da transformação irreversível, ao fluir temporal, este

algo seria a evidência da presença de Deus no Mundo, e portanto fonte de

esperança e busca. É neste contexto que se pode compreender o esforço dos

alquimistas em alcançar a transmutação de minérios em ouro. O ouro era tido

como um material incorruptível, portanto imune ao efeito do tempo, eterno e

perfeito. Daí seu valor, daí sua adoração.

Segundo M. Vargas (1988:14):

"A arte techne dos alquimistas seria, assim, a de reproduzir em

suas oficinas os mesmos processos, embora acelerados, pelos

quais passariam os minérios na terra em sua lenta evolução até

atingir a forma definitiva dos metais. Como, no seio da terra, os

metais impuros almejariam e atingiriam, com o passar do tempo,

a forma incorruptível do ouro, assim também, simultaneamente

com a opus alchímica, a alma do alquimista atingiria a mesma

perfeição. "

Outra característica da noção de tempo dominante até o século XVII é

sua natureza cíclica. A observação dos fenômenos naturais conduzia à

percepção de padrões cíclicos nos movimentos: o sol, as fases da lua, o

movimento das marés e dos rios, as estações do ano etc. Estes ciclos

representavam o elo de ligação entre os diferentes fenômenos em evolução no

tempo: a periodicidade possibilitava a inserção harmoniosa do ser humano e de

seu fazer produtivo no Mundo. Assim, por exemplo, através do relacionamento

entre o movimento de 'respiração' periódica dos rios com o ciclo de vida de

10 A palavra tem origem no grego ãnimã que significa simultaneamente movimento e

alma.

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certas espécies vegetais, garantia-se a sobrevivência coletiva de sociedades

ribeirinhas. Porém, tão relevante quanto sua inserção harmoniosa no Mundo, a

percepção dos movimentos cíclicos corroborava a crença do recomeço após o

fim. A origem ligada ao fim. Os mitos do recomeço após o fim estão presentes

em quase todas as crenças da época: desde o cristianismo às ordens mágicas.

Segundo M. Eliade (1972:72):

" ... 0 fato essencial não é o Fim, mas a certeza de um novo começo.

Ora, esse recomeço é, mais especificamente, a réplica do começo

absoluto, a cosmogonia. Poder-se-ia dizer que também aqui

encontramos a atitude de espírito que caracteriza o homem

arcaico, ou seja, o valor excepcional atribuído ao conhecimento

das origens. Efetivamente, para o homem das sociedades arcaicas,

o conhecimento das origens de cada coisa (animal, planta, objeto

cósmico etc) confere uma espécie de domínio mágico sobre ela:

sabe-se onde encontrá-la e como fazê-la reaparecer no futuro.

Poder-se-ia aplicar a mesma fórmula a propósito dos mitos

escatológicos: o conhecimento do que aconteceu na origem

proporciona o conhecimento do que se passará no futuro. A

mobilidade da origem do Mundo traduz a esperança do homem

de que seu mundo estará sempre lá, mesmo que seja

periodicamente destruído no sentido estrito do termo. Solução ou

desespero? Não, porque a destruição do mundo não é, no fundo,

uma idéia pessimista. Por sua própria duração, o mundo se

degenera e se consome: eis porque deve ser recriado

periodicamente."

Apesar destas considerações, a enunciação do que se concebe (ou se

concebeu) acerca do tempo para as sociedades pré-revolução científica deve ser

acompanhada do comentário de que as características de irreversibilidade e

ciclicidade constituem a base canônica de um sistema ortogonal: a sombra

projetada sobre apenas uma não pode ser vista pela outra; e a soma das duas

Marco Aurélio Cabral Pinto 3B

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cria uma dimensão de ordem superior, colocando-nos face à face com o

Mistério.

I. Prigogine & I. Stenders (1990:229) colocam esta questão da forma

seguinte:

"O que é o tempo ? Aristóteles definiu-o como o número do

movimento na perspectiva do antes e do depois. Esta definição

operatória separava o tempo do devir, colocava face a face a

'alma' que conta, que estabelece relações, e o movimento

periódico dos astros, o 'eterno retorno' das coisas, expressão fiel

da imobilidade do primeiro motor, padrão comum permitindo a

medida qualitativa dos diferentes movimentos. Ela poderia

portanto suscitar a questão de quem determina a perspectiva do

antes e do depois. Será esta relativa à alma que conta ou estará ela

inscrita no movimento eterno a partir do qual a contagem é

possível ?"

Por fim, a concepção do tempo como grandeza indivisível impedia toda

e qualquer tentativa de estabelecimento de padrões quantitativos para sua

mensuração. Não que o relógio não existisse, pois há registros da existência de

relógios solares desde os primórdios da existência social humana, mas este era

usado como simples referência, o que difere em muito da busca da acuidade de

sua mensuração. Assim, a eternidade e o presente, ao contrário do que se coloca

hoje, não seriam a expressão do futuro (passado) infinito e do momento

infinitesimal, respectivamente. A percepção do presente, para a epistemologia

medieval, se relacionava com a duração de determinada sensação, que então

seria superada por outra, transportando a primeira ao passado, que por sua vez

retornaria em um momento futuro segundo outra configuração. O presente era

visto como a extensão da experiência e não como o momento infinitesimal

comprimido entre duas grandezas infinitas: passado e futuro.

Dessa maneira, conforme se poderia esperar, é no jogo entre a

irreversibilidade dos movimentos em uma única direção (singularidade), a

ciclicidade do mesmo que retoma (repetição) e a indivisibilidade

Marco Aurélio Cabral Pinto 39

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(continuidade) do tempo que se poderá compreender a complexidade da

cosmovisão que foi substituída com o advento da ciência moderna. Neste

contexto, a nova noção de tempo que se estabeleceu foi, sem dúvida, um dos

elementos centrais na construção da nova postura diante do mundo e da vida,

conforme mostrado a seguir.

4.1.2 O tempo reversível, linear e progressivo.

Galileu Galilei é tido como o Pai da ciência moderna.

Conta a lenda que Galileu Galilei, então um jovem estudante de

mediCina", contemplava, alheio ao ritual da missa que ao redor se

desenrolava, um castiçal que pendia do teto. Atento ao pulsar de suas

têmporas, e curioso por relacionar o movimento pendular daquele castiçal ao

seu ritmo cardíaco uniforme, Galileu realizou aquele que figura como um dos

mais extraordinários avanços científicos conhecidos até o presente momento:

descobriu12 que o período do movimento pendular independe da amplitude da

oscilação. Matematicamente, Galileu assim formalizou sua descoberta:

Onde:

T= 21t T: Período do pêndulo;

t : Comprimento da haste do pênd ulo;

g g : Aceleração da gravidade.

1 I Ver RESTON, J. Jr. Galileu:: uma vida .. José Olímpio. rio de Janeiro, 1994, 4QOp.

12Descoberta aqui tem o sentido de retirar o que cobre, o que esconde. Ao utilizar este

conceito, a Ciência revela a crença de que há uma verdade absoluta (a mesma para todos)

oculta a ser revelada e, mais que isso, a razão aliada à observação sistemática pode

progressivamente descobrir as leis que nos revelarão o Mistério.

Marco Aurélio Cabral Pinto 40

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Contado por um observador distante, marcado como o intervalo

observado de ida e volta do pêndulo que se move no vácuo, a grandeza do

tempo, aqui representada com a letra t, é função de apenas duas variáveis: da

distância até a origem do movimento e da aceleração que seria imprimida se

libertado o corpo de prova (descreveria uma trajetória assintótica) em um

afastamento da origem e em direção ao corpo material mais importante. O

corpo de prova seria influenciado positivamente por duas grandezas logo ao

início do movimento: a distância para o corpo material e a massa deste

(densidade e volume). A constante 11, um dos números intrigantes observados

na física-matemática, é característico de movimentos derivados do círculo.

Originalmente, o número pi é a razão entre o perímetro (a distância medida por

um observador que caminhe ao redor do círculo) e o diâmetro (entendido como

a maior distância possível de ser estabelecida entre dois observadores que

caminham no círculo). Número inexato por natureza, a razão entre duas

grandezas físicas supostamente finitas (distâncias), gera uma conta que,

surpreendentemente não termina nunca e, ao mesmo tempo, não apresenta

nenhuma lei entre os números que vão surgindo. Como diria o Dr. Spock13,

fascinante.

Por mais simples que possa parecer esta expressão, Galileu permitiu à

física moderna a quantificação precisa do tempo. Este princípio, o de "contar" o

número de oscilações do pêndulo sobre o qual é necessário conhecer-se apenas

o comprimento do fio (que pode ser medido com a precisão que se queira) e a

aceleração da gravidade, elimina o problema da subjetividade para a

mensuração do tempo - o relógio pode ser desenhado garantindo-se apenas que

o movimento pendular não cesse. Assim, o observador pôde-se destacar do

fluxo temporal em que supostamente estaria envolvido.

13 Dr. Spock é um dos personagens da série televisiva Jornada nas Estrelas. Neste

seriado, as questões científicas são tão importantes quanto a psicologia das relações humanas.

De fato, decorridos poucos milênios desde que as cavernas foram abandonadas e partiu-se

para a dominação do mundo, as sensações, estados emocionais tais como ódio, amor, ternura,

inveja etc, parecem não terem se transformado tanto assim.

Marco Aurélio Cabral Pinto 41

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

Esta é talvez a mais ambiciosa constatação de Galileu. A conseqüência

epistemológica de sua expressão matemática diz respeito à separação dos

movimentos de maneira a permitir que cada um possa ser analisado de forma

independente. O uso da geometria euclidiana, com a conseqüente

geometrização do espaço, já havia permitido o isolamento das trajetórias; agora,

a geometrização do tempo (como funÇão do espaço, do comprimento do fio)

seria o marco de abertura para o estudo individual de cada movimento isolado

em seu binômio fundamental: tempo e espaço. A partir de Galileu, a ciência

moderna assume o postulado de que os corpos descrevem trajetórias

individuais com dinâmicas também individuais. Porém, ambas podem ser

descritas e analisadas sob o ponto de vista de um observador distante, de um

observador que ambiciona sentar-se na poltrona de Deus.

A lei da queda dos corpos - a primeira das leis da física clássica,

antecede à descoberta da invariância do pêndulo - foi formulada por Galileu

em 1604. A lei da queda dos corpos é uma lei muito importante. É ao mesmo

tempo uma lei extremamente simples; esgota-se completamente em sua

definição: a queda dos corpos é um movimento uniformemente acelerado.

Porém, apesar de anunciar algo compatível com a física aristotélica, a lei da

queda dos corpos tem por referência novo e inovador conceito: o espaço

euclidiano aplicado ao mundo natural. Assim, o corpo que idealmente cai no

espaço euclidiano é concebido como representação fiel do corpo material,

abrindo-se a possibilidade do cálculo. É verdade que a experiência controlada

traria a vitória Galilaica. No entanto, a extensão da idéia de representação do

espaço material como espaço euclidiano teria conseqüências profundas para a

cosmovisão ocidental moderna.

Para A. Koyré (1986), a maior contribuição Galilaica foi o imenso esforço

de geometrização do tempo. O relógio moderno é basicamente a representação

espacial do tempo. Tempo que percorre um percurso infinito, tempo que pode

ser decomposto em unidades infinitesimais, tempo-medida.

Marco Aurélio Cabral Pinto 42

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

Segundo as palavras de Koyré (1986:28)

Em lugar de pensar o movimento, Galileu representa o

movimento. Vê-se a linha, o espaço percorrido com uma

velocidade variável. E é esta linha - trajetória - que ele toma por

argumento a função velocidade. O esforço de geometrização,

sustentado e corroborado pela imaginação, não entravado pelo

pensamento causal, ultrapassa o fim que se tinha determinado; o

fim da dinâmica era matematizar o tempo.

O passo seguinte foi a quantificação da duração do dia terrestre e de

suas frações - a hora e o segundo - obtendo-se, por conseqüência, sua relação

com a duração do ano solar etc em função de um padrão, da grandeza

universal e exata.

Dessa maneira, a descoberta da invariância do pêndulo por Galileu

permitiu a transição da noção de tempo pré-revolução científica para a noção

de tempo moderna, sendo a imagem mais representativa desta mudança

paradigmática a substituição da ampulheta e do relógio solar pelo relógio

pendular dos dias de hojel4.

A revolução deflagrada pela noção de tempo geométrico-galilaica se

insere em uma fase de transição maior, quando a sociedade ocidental já

apresentava inúmeros sinais de saturação acerca da cosmovisão medieval e se

encaminhava para sua substituição por algo, então, novo: a cosmovisão

moderna. Galileu permitiu à Ciência e ao racionalismo mais essa importante

vitória: a interpretação aristotélica foi definitivamente refutada diante da

exatidão com que a Ciência nascente profetizava os fenômenos e assim os

explicava em termos de leis. A questão do movimento há muito que era

colocada de forma central nos meios mais reflexivos, uma vez que se associava

com a medida da imperfeição do ser humano, conforme discutido

14 Cabe destacar que os relógios de pulso contemporâneos mantêm o prindpio

pendular, traduzido como a oscilação promovida pelo cristal de quartzo excitado

eletricamente.

Marco Aurélio Cabral Pinto 43

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anteriormente. A questão do movimento se associava à matéria e à maneira

como a mesma " procurava" seu lugar no mundo. Aristóteles, por exemplo,

afirmava que um corpo é tanto mais rápido quanto mais se aproxima do seu

fim (o fim do movimento). O pêndulo galilaico seria, assim, a representação

metafórica da própria natureza do tempo moderno: a fonte do eterno (infinito)

movimento sem sentido, que se repete no mesmo, situado só em meio ao nada

(vácuo sem atrito).

As conseqüências da afirmação do tempo galilaico na cosmovisão

moderna têm como principais efeitos a noção de linearidade e progresso. O

tempo galilaico, como o espaço euclidiano, não apresenta direção ou ponto

privilegiado. Ao contrário, o tempo na modernidade será marcado pelo avanço

ininterrupto e cadenciado de uma grandeza matemática, que pode ser

constatada por todos de forma uniforme através do avanço do relógio.

Este princípio se encaixa perfeitamente no, então, nascente capitalismo.

Apesar de encontrar-se totalmente inserida no paradigma moderno, a crítica

marxista descreve este período como característico da substituição do trabalho

artesanal pelo trabalho por encomenda. O tempo se converte em mercadoria

que pode ser trocada, dado que sua quantificação se torna possível. O

assalariado vende seu tempo de vida na forma da jornada de trabalho, ou seja,

a medida diária de esforço produtivo.

Nas palavras de Bartholo (1986:39):

. . . a economia monetária criou o ideal do cálculo numérico exato,

pois ela tem na idéia de uma interpretação matematicamente

exata do cosmos sua complementação teórica ao nível da

representação simbólica. Por outro lado, a aparente capacidade de

ilimitada multiplicação da riqueza monetária convergia com a

idéia de um universo ilimitado, reforçando-a. O lucro como móvel

da acumulação capitalista é a expressão da vontade de um

movimento progressivamente infinito.

Marco Aurélio Cabral Pinto 44

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Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRI 1996

o acento no aspecto quantitativo do tempo coloca ainda a indiferença

resultante entre o momento presente e o momento futuro como pressuposto

fundamental. A originalidade de cada um dos momentos é subordinada ao

fluxo geral e cadenciado do tempo em sua progressão infinita. O sacrifício

decorrente do trabalho assalariado, monótono e repetitivo da linha de

produção, encontrou sua metáfora significativa durante o ritual religioso na

modernidade. Como objeto da oferta (no momento da oferenda à Deus), a

moeda, depositário e recompensa do sacrifício da vida (e do tempo de vida)

dedicado ao trabalho, sucede o cordeiro, o qual teria no sacrifício de sua vida o

objeto da oferta nos rituais religiosos antigos.

Ainda segundo Bartholo (1986:59):

Quando o óbolo substitui o gado, a oferenda consagrada sofre

uma abstração real e o sacrifício primário é superado num

processo de generalização. Mas o ponto originário da moeda é o

sacrifício e não a troca mercantil.

Marco Aurélio Cabral Pinto 45

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4.2 A gestão do trabalho e o controle do tempo

A Revolução Comercial/Industrial, conforme já visto, recebeu grande

impulso com a possibilidade de quantificação do tempo. No entanto, a maneira

como este fenômeno se deu no detalhe, no interior das organizações

produtivas, revela-se como de interesse central para a presente dissertação. A

maneira como se desenvolveu o controle do trabalho na fábrica, sua motivação

e ambição, revela seu limite, principalmente no contexto em que se percebe

como importante sua revisão crítica.

A formação da fábrica, aqui entendida como o primeiro grande loeus da

produção capitalista, ganha sentido a partir do conjunto de conceitos que, a

partir da segunda metade do século passado, são introduzidos como diretrizes

para seu projeto organizacional. Com a invenção e a proliferação das máquinas

(bens de capital), fruto da tradução da ciência como técnica, a capacidade

produtiva é potencializada enormemente. Dessa maneira, a Revolução

Industrial traduziu-se no micro-universo da organização como a aplicação da

racionalidade ao trabalho humano com o objetivo de maximizar-se a eficiência

na relação ser humano-máquina, conforme já largamente explorado na

literatura administrativa 15.

No entanto, o interessante é sublinhar que, ao longo deste momento

histórico, dois importantes movimentos para o trabalho humano coincidem no

tempo e no espaço das organizações: a introdução da máquina no ambiente de

trabalho e a busca da maximização da eficiência na relação ser humano­

máquina.

4.2.1 A introdução da máquina no ambiente de trabalho

Primeiramente, deve-se fazer a distinção entre ferramenta e máquina. A

ferramenta é artefato para potencialização do trabalho humano, porém sem

15 Ver, por exemplo, G. Morgan (1986), para o interessante estudo das diferentes

metáforas organizacionais.

Marco Aurélio Cabral Pinto 46

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visar sua substituição. É vista como instrumento de auxílio, permitindo a

extensão do corpo humano e usualmente passiva no processo de produção: a

ferramenta, apesar de pressupor a função e o projeto, só realiza trabalho por

efeito da ação humana. Do médico ao marceneiro, do microscópio eletrônico à

chave de parafusos, a ferramenta permite a extensão dos sentidos humanos.

A introdução da máquina, por outro lado, visa substituir o trabalho

humano. A máquina reproduz o trabalho humano, portanto é ativa, permite a

comparação. A análise das etapas envolvidas no processo produtivo, o desenho

da máquina que desempenhe cada uma dessas etapas, seu sequenciamento na

linha de produção, permitem a progressiva automação do ambiente da fábrica.

No que diz respeito a tarefas que envolvam criatividade, vis a vis seu

caráter não-linear, portanto impeditivo de tratamento lógico, a automação, a

substituição do trabalho humano, torna-se inexeqüível, fora de questão.

Portanto, é de se supor que o fazer criativo defina apenas o uso estrito de

ferramentas, por mais sofisticadas que estas possam parecer. Segundo Sérgio

Liuzzi16, o uso do computador no design gráfico, por exemplo, permitiu a

manipulação dos elementos que compõe um determinado projeto de uma

forma mais livre. Assim, o profissional de design utiliza sua ferramenta para

superpor os pequenos insights que vai tendo, estabelecer livres associações,

tangibilizar o livre relacionamento entre os elementos.

Ao longo da história da industrialização, no entanto, o grau de

automação foi progressivo. As primeiras máquinas introduzidas no ambiente

da fábrica tornaram-se, desde o inicio, o centro da atenção. Percebia-se sua

superioridade em termos produtivos. Dessa maneira, a disposição e o papel das

máquinas na linha de produção determinou a forma como se redefiniu o

trabalho humano. O ser humano foi progressivamente instrumentalizado,

tornando-se não mais o centro do processo produtivo, mas a extensão da

máquina. O movimento de introdução da máquina na fábrica não visou, assim,

a substituição do trabalho humano, mas seu afastamento para uma posição

16 Ver entrevista com um designer no Anexo I .

Marco Aurélio Cabral Pinto 47

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

subordinada: a máquina ditaria a partir de então o ritmo e a forma de

desempenharem-se tarefas.

Como conseqüência, ocorre a verticalização da organização. A

necessidade de supervisão e controle (qualquer descontinuidade no processo

tem efeitos sobre toda a fábrica) resulta em múltiplos níveis hierárquicos. No

chão da fábrica, a engenharia emerge como a linguagem de tradução ser

humano-máquina. Não mais associada ao espírito inventivo, mas como

instrumento de mensuração e desenho, a engenharia adapta mutuamente o ser

humano à máquina. E é nesta adaptação, neste jogo de ajuste, que a regra se

torna fundamental. Daí a burocratização e a padronização, primeiro, de

processos, depois comportamentos e hoje também resultados. A criatividade

humana é renegada a um plano secundário quando a lógica deve ser

explicitada em todos os momentos.

A máquina assumiu, assim, a condição de instância definidora da

fábrica, ao ponto de impregnar a concepção mesma do fazer produtivo em seus

múltiplos matizes. A máquina tornou-se o paradigma fundador da organização

moderna.

4.2.2 A busca de maximização da eficiência

o outro movimento, de busca da maximização da eficiência na relação

ser humano-máquina, é concebido como decorrência direta da incorporação da

noção geral de tempo linear, progressivo e infinito, na cultura moderna,

conforme descrito no item 4.1.1. acima. A sincronicidade entre acumulação de

capital e progresso tecnológico confere ao fazer produtivo seu caráter de busca

de excedentes. O sentimento do avanço da riqueza e do conhecimento

instrumental no tempo assume o caráter de corrida: perde-se (ganha-se) tempo,

poupa-se tempo.

A prioridade de maximização de valor para as organizações produtivas

gera um conjunto de dimensões para as quais deve-se buscar o máximo

matemático (entendido no limite assintótico da quantidade) para diversas

dimensões. Tomando-se a organização dividida em subestruturas funcionais

Marco Aurélio Cabral Pinto 48

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perfeitamente identificadas e identificáveis, tem-se a busca da maximização

para, entre outras, as seguintes dimensões:

• crescimento de vendas (maximização das necessidades) ao mercado:

visto como a tradução da busca de maximização para o discurso e a

prática de vendas/marketing;

• maximização do valor econômico-financeiro: sob responsabilidade

última da área financeira e definido como valor presente dos fluxos

de entradas e saídas de recursos monetários para e da empresa;

• maximização da capacidade produtiva: entendida tanto como

aumento de eficiência como ampliação das plantas de produção.

Neste contexto a busca de maximização sob diferentes prismas tem

como mecanismo básico a especialização por tarefas. Assim, o controle do

tempo de trabalho no período pós-Revolução Industrial sofrerá profunda

influência da introdução da máquina e da busca ilimitada de maximização, o

que resulta na aplicação da racionalidade à gestão do tempo de trabalho,

conforme será observado a seguir.

4.2.3 A teoria de tempos e movimentos

A credencial de mestrando em administração me livra, acredito, do

dever de introduzir formalmente a teoria de tempos e movimentos. Dessa

maneira, com base nesta crença, optei pela discussão que assume como

premissa o bom conhecimento desse tão difundido discurso teórico.

Frederick W. Taylor e Frank B. Gilbreth eram ambos funcionários

incomuns. Trabalharam no chão da fábrica (o primeiro na Midvale Steel

Company e o segundo em uma construtora) na década de oitenta do século

passado, ombro a ombro com outros funcionários. No entanto, seus olhares se

voltaram para o verbo e não para o objeto do trabalho. Perceberam o fluxo de

trabalho ineficiente, observaram a máquina que espera, os estoques que se

amontoam e o distanciamento reinante com relação à ansiedade inerente aos

movimentos cadenciados e infinitos, às más condições de trabalho na fábrica.

Marco Aurélio Cabral Pinto 49

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Taylor e Gilbreth foram os grandes porta-vozes da monótona cadência da

máquina, representaram na forma de discurso o sentimento produtivista em

tempos de estabilidade.

Taylor e Gilbreth são na realidade a expressão de uma época cuja

tendência levaria a sociedade ocidental a desembocar na grande crise de

desemprego - a grande depressão americana - e em duas grandes guerras

mundiais anos mais tarde.

Mas Taylor e Gilbreth são também os engenheiros que perceberam a

jornada de trabalho extenuante, o conflito entre superior-subordinado, o poder

unilateral e as baixas remunerações.

Após rápida trajetória na empresa, convenceram-se e a outros da

necessidade de se investirem recursos no estudo do trabalho humano, estudo

este voltado para a resposta a duas perguntas fundamentais: Qual a melhor

maneira de se realizar este trabalho ? e Como definir a jornada de trabalho ?

A importância destas duas perguntas se encontra fundamentalmente no

desejo de maximização ilimitada das dimensões da organização.

4.2.3.1 Qual a melhor maneira de se realizar este trabalho ?

Gilbreth passava seus dias tirando fotografias de trabalhadores que

manipulavam tijolos. Depois, analisava cada movimento, a maneira como cada

operário levantava, botava aos ombros e descarregava mais adiante os tijolos.

Gilbreth então se dirigia ao laboratório e comparava as fotografias. Já havia,

porém, dividido cada atividade em tarefas, definidas como a menor unidade

no processo de trabalho. Independentemente, Taylor analisava o melhor ajuste

ser humano-máquina adotando o mesmo método. O uso da fotografia

seqüencial foi importante neste processo. Permitiu que Taylor e Gilbreth

pudessem imaginar urna maneira de demonstrar os movimentos inúteis,

garantindo a maximização (otimização) da produção com a especificação das

tarefas mas também diminuindo a fadiga física.

Marco Aurélio Cabral Pinto 50

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o uso da fotografia seqüencial torna-se caricatura na verificação da

noção de tempo geométrico-galilaica aplicada ao fazer produtivo. A relação

estabelecida entre a abordagem bergsoniana de que a razão só pensa estados e

a noção de tempo científica demonstra o quanto a razão lógica moldou a

cosmovisão moderna.

o método da teoria de tempos e movimentos consistiu em:

a. eliminar todo o trabalho desnecessário;

b. combinar operações ou elementos;

c. mudar a seqüência das operações;

d. simplificar as operações necessárias.

Para empreender-se a análise dos processos, desenvolveu-se também

uma linguagem que classifica, através de aproximadamente quarenta diferentes

símbolos, a natureza de cada etapa envolvida na tarefa. Por exemplo, havia um

símbolo específico para operação, transporte, inspeção e espera. O

estabelecimento desta linguagem visa a representação esquemática universal,

como encontrado em diferentes áreas da engenharia. A sua importância reside

na redução a elementos fundamentais, de maneira a permitir o cálculo.

Assim, teríamos para a situação hipotética em que a Sra. AMC, sentada

próxima ao portão de sua casa de campo, decidisse regar sua horta, a seguinte

representação:

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Outro aspecto complementar à análise de movimentos é o desenho do

espaço de trabalho, das ferramentas e instrumentos e da própria máquina, de

maneira a maximizar o ajuste do ser humano ao fluxo de trabalho concebido

como ótimo.

Assim, ao tentar responder à pergunta de qUi/I a melhor maneira de se

realizar este trabalho, Taylor e Gilbreth não se preocuparam com a demonstração

da unicidade da resposta. Sob o ponto de vista matemático (e isto é o que está

em jogo), o problema se equaciona em termos de busca do máximo para a

função produção. A crença na unicidade da solução implica em assumir que a

função seja linear, que se conhece todo o dominio e, sobretudo, que a função

está muito bem definida. Todas estas condições estão feridas quando o

componente humano no trabalho é importante.

Esta afirmação é particularmente aceita quando se depara com tarefas

humanas mais complexas, onde é importante que se experimentem maneiras

diferentes de fazer as coisas. A engenharia de movimentos de Taylor e

Gilbreth, ao contrário, poda a possibilidade da experimentação quando assume

a possibilidade de unicidade na resposta para sua questão.

Segundo Danilo Caymmi (ver entrevista no Anexo II), mesmo que lhe

oferecessem os melhores recursos instrumentais e de suporte, condicionado a

ficar confinado em regime de jornada de trabalho, o resultado de seu trabalho

não seria tão satisfatório comparado a liberá-lo para buscar sua intuição a seu

juízo.

Mesmo que o efeito da aplicação da engenharia de movimentos

apresente resultados mensuráveis, seus efeitos colaterais como maior

burocratização, perda motivacional, perda de flexibilidade, empobrecimento da

cultura organizacional etc, colocam em risco a sobrevivência das empresas

diante do desafio de mudança e auto-adaptação.

4.2.3.2 Como definir-se a jornada de trabalho ?

A análise dos movimentos e sua conseqüente tentativa de otimização

(vista como maximização da eficiência), aliada à especialização por tarefas, tem

Marco Aurélio Cabral Pinto 52

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como efeito principal a rotinização do fazer produtivo no ambiente da fábrica.

No entanto, é com a introdução da medida do tempo requerido para a execução

de cada tarefa que a análise dos movimentos ganha sentido na busca de

maximização da eficiência produtiva.

Segundo R. M. Barnes (1968:715), em seu trabalho publicado pela

primeira vez em 1937, a definição para o estudo do tempo para Taylor assume

a seguinte configuração:

Time study is the analysis of a job for the purpose of determining

the time that should take a qualified person, working at normal

pace, to do the job, using a defini te and prescribed method. This

time is called the standard time for the operation.

Evidentemente, o objetivo final é a maximização da eficiência produtiva.

Os estudos eram, então, conduzidos em condições controladas de laboratório,

onde o corpo de prova desempenhava a tarefa segundo o desenho ótimo prescrito

pela análise de movimentos, medindo-se o tempo levado para sua realização.

Este cálculo era repetido diversas vezes com pessoas diferentes, de maneira a

obter-se uma medida estatística que pudesse ser aplicada universalmente.

Assim, cada atividade poderia ser associada com um padrão de tempo,

tornando-se possível seu sequenciamento. A aplicação da racionalidade ao

trabalho humano somaria à substituição parcial do ser humano pela máquina a

mecanização do próprio fazer produtivo na crença de que, assim, seria possível

atingirem-se simultaneamente a máxima eficiência e o máximo grau de

previsibilidade e controle na organização.

O próximo passo foi definir-se jornada de trabalho como a maior

quantidade de tempo diária que poderia ser associada ao trabalho de forma

contínua, ou seja, garantindo-se que a fadiga no longo prazo não trouxesse

prejuízos à continuidade do processo.

Diversos foram os critérios utilizados para a definição da jornada de

trabalho. Dois deles, pelo menos, merecem ser citados. O primeiro, o critério da

fadiga física, era determinado para cada atividade como o descanso suficiente

Marco Aurélio Cabral Pinto 53

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para recompor o número de calorias necessárias ao desempenho da função. O

cálculo do número de calorias gastas em cada atividade, o tempo e a

quantidade de calorias dedicada a cada refeição, a estimativa do número de

calorias gastas fora do ambiente de trabalho, eram combinados em uma

equação que determinava a máxima duração possível do dia de trabalho.

Naturalmente, dependendo da natureza da atividade, trabalho em

escritório, por exemplo, este critério acabaria por ser superado por outro mais

sutil: a fadiga psico-física. Para medir-se a fadiga psico-física, Taylor fornece

uma resposta simples e direta: basta definirem-se indicadores universais e

associados com o cansaço físico-mental. Entre os indicadores utilizados, o

batimento cardíaco parece ter sido o mais aceito. Mede-se o batimento cardíaco

no repouso e durante a execução da atividade, repetidamente. Posto isso,

define-se a medida diária de trabalho aceitável.

Nas palavras de R. M. Barnes (1968:550):

The increase in heart rate during work may be used as an index of

the physiological cost of the job. Also, the rate of recovery

immediately after work stops can be utilized in some cases in

evaluating physiological cost. Incidentally, the total physiological

cost of a task consists not only of the energy expenditure during

work but also the energy expenditure above the resting rate

during the recovery period, that is, until recovery is complete.

O desenvolvimento de esquemas de incentivos variáveis com o número

de horas trabalhadas também foi aspecto chave para a gestão do fazer

produtivo. Estes esquemas de incentivos envolveriam não apenas remuneração

na forma dinheiro para as horas extras mas também outras formas, tais como

cartas de recomendação, comemorações, prêmios etc. Todo incentivo deveria

estar balizado na superação de objetivos previamente estabelecidos com base

em horizontes de tempo determinados, conforme planejamento prévio.

Evidentemente, este segundo passo, que envolveu a determinação e

aplicação da quantidade de tempo necessária ao desempenho de cada

Marco Aurélio Cabral Pinto 54

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atividade, amarra completamente a maneira como se deve desempenhar uma

determinada atividade. Com a engenharia do movimento, as trajetórias, as

únicas e melhores trajetórias foram definidas. Com a aplicação da quantidade

de tempo necessária ao desenvolvimento de cada uma destas trajetórias, o

trabalho humano com sua velocidade e a dinâmica de realização estava

eficientemente padronizado, descrito, aberto ao controle e à homogeneização.

A aplicação do padrão de tempo ao trabalho humano foi aspecto

essencial para garantir-se a sincronicidade da linha de montagem.

Fundamental para o estabelecimento da máquina definitivamente como o

centro das atenções na fábrica moderna, a representação pobre do grande e

complexo relógio da Vida.

4.2.4 Atualidade da teoria de tempos e movimentos

A teoria de tempos e movimentos foi desenvolvida no contexto histórico

do final do século passado onde, como já visto, a competição entre as empresas

foi concebida fundamentalmente como movimentos para reduções de custo.

Evidentemente, a diferenciação de produtos que se segue ao movimento do

pós-guerra, o aumento da percepção de incerteza e as conseqüentes adaptações

estruturais que se seguiram no interior das empresas, introduziram

complexidade maior no que tange à forma como é gerido o tempo de trabalho.

Este aumento de complexidade tem como causa e efeito o maior

envolvimento do tempo de vida dos agentes no jogo organizacional. A

historiadora francesa Anne Martin-Fugier17 nota que a hora do jantar avança

progressivamente ao longo do século XIX, mesmo antes da aparição da fada

eletricidade. Esta é uma informação importante. Significa que o ser humano se

envolveu progressivamente mais com o trabalho, dedicou mais de sua vida ao

fazer produtivo ao longo dos anos. Conforme descrito no item 4.2.1 acima, a

17 Ver Martin-Fugier, A. Os Ritos da Vida Privada Burguesa. em: História da Vida

Privada: da primeira guerra aos nossos dias, vol. 5, Companhia das Letras, São Paulo, 1992,

650p.

Marco Aurélio Cabral Pinto

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

teoria de tempos e movimentos seria a expressão máxima da aplicação da

noção de tempo moderna à gestão do fazer produtivo. Porém, até que medida

as duas perguntas levantadas por Taylor e Gilbreth seriam questões

relevantes para as empresas hoje ?

No chão da fábrica, na linha de montagem, no ambiente que se mantém,

em sua essência, invariável em relação ao início do presente século, as técnicas

oriundas da teoria de tempos e movimentos reinam sob os mesmos princípios.

A progressiva automação industrial intensifica este processo. No entanto, libera

também contingente significativo de mão-de-obra que passa a se envolver em

atividades de serviço, portanto de natureza interpessoal. Dessa maneira, é no

ambiente do escritório, não mais da fábrica, que se dará o embate discursivo

pelo novo, pela inovação. É neste ambiente que se procurará a resposta para a

pergunta acima.

A agenda e o cronograma

As empresas vivem a realidade do tempo do relógio. A importância da

agenda e do cronograma tangibilizam esta afirmação. A agenda pode ser vista

como o instrumento de divisão do tempo de trabalho individual por excelência.

Dada a complexidade do fazer produtivo, dado o grande conjunto de tarefas

que deve ser encaminhado simultaneamente, a agenda representa a forma

como são conduzidos estes processos: individualmente e de forma

fragmentada. Cada tarefa ocupa espaço de tempo definido no dia para que

receba encaminhamento. Ao longo do dia se encaminham diferentes processos

usualmente não relacionados: envolvem dinâmica, interesses e propósitos

diferenciados. A fragmentação deste encaminhamento conduz à postura de

enxergar as tarefas como individualizadas. Ao fim do dia, cada tarefa deve ter

avançado tanto na medida do tempo que se dedicou a cada uma delas quanto

da possibilidade de atuação, a qual usualmente se conhece a priori. A agenda

permite, assim, a formação da estrutura de divisão do tempo de trabalho em

unidades de atuação altamente fragmentadas. A técnica de tempos e

movimentos sublima-se da divisão (análise) do aparente (processos e

procedimentos) em direção ao imanente, à decomposição de cada tarefa com

Marco Aurélio Cabral Pinto 56

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c · Disserta@o de Mestrado: COPPEAD!UFRI 1996

começo, meio e fim em blocos de tempo diários. A história do sucesso de uma

determinada tarefa pode ser reconstruída a partir da engenharia de distribuição

do tempo de trabalho ao longo dos dias e registrada na agenda.

o cronograma, neste contexto, representa a agenda coletiva, a agenda do

grupo de trabalho. Para a execução das tarefas, cada personagem recebe seu

quinhão. A tarefa definida para a equipe é inicialmente dividida em sub-tarefas

(responsabilidadesI8) que se encadeiam ao longo do tempo. O cronograma

torna-se assim o quadro que expressa a relação temporal e de dependência

causal entre as tarefas. Determina a dinâmica de trabalho ao longo do tempo

(dias, meses). Atribui responsabilidades para cada membro da equipe de

trabalho na forma de sub-tarefas, que por sua vez devem ser incluídas em cada

agenda.

Percebe-se a partir deste comentário que o relógio dita ainda hoje o

ritmo do fazer produtivo. Permite a fragmentação e a sincronização das tarefas.

A máquina torna-se metáfora, com engrenagens que giram no ritmo cadenciado

do ponteiro que avança e extingue o tempo disponível.

18 A responsabilidade, definida em tomo do sentimento único de dever diante de

algo que deve ser feito ou zelado, é fragmentada, dando origem ao seu plural., que passa então

a ser associado itimimamente ao contexto de previsibilidade do trabalho.

Marco Aurélio Cabral Pinto 57

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4.3 A produção do novo em cenário de incerteza e o controle do tempo

de trabalho

Conforme já comentado, o movimento de diferenciação de produtos tem

influência sobre o aumento de demanda pelo novo, pela inovação. A busca de

novas configurações de produtos/mercados abre espaço significativo para a

criação de conceitos, com implicações sobre o próprio projeto organizacional,

que se divisionaliza. Outro . movimento importante, simultâneo ao de

diferenciação de produtos, diz respeito à crescente exigência de adaptação das

organizações produtivas ao ambiente percebido como progressivamente

dinâmico e complexo.

É então nesse jogo entre o novo e o incerto que se desenvolverá a

problematização da gestão do tempo voltado para o fazer produtivo. Tempo

este que não se decompõe mais linearmente em número de horas trabalhadas,

mas, alternativamente, se oferece como grandeza qualitativa a ser

experimentada, provendo ao acaso a dádiva da intuição (re) criadora.

4.3.1 A produção discursiva e uma episteme do não-linear: a teoria do caos

A capacidade adaptativa em cenário de incerteza tem como substância a

possibilidade de construção de modelos, de interpretações, que permitam tanto

a organização do trabalho, em tempo presente, quanto viabilizem a

coordenação de diferentes processos decisórios, com vistas a acertos futuros. A

dificuldade em lidar-se com ambos estes aspectos representa ameaça à

sobrevivência de muitas das organizações produtivas que, na ânsia de

resolverem problemas formulados a partir de um referencial determinístico,

envolvem-se em processos de restruturação usualmente associados a desfechos

imprevisíveis. Considera-se, portanto, essencial discutirem-se alternativas que

tenham por referência a não-lineaaridade do mundo real.

Assim como a teoria administrativa tem-se debruçado sobre o tema da

incerteza (como expressão do binômio complexidade-dinâmica), elevando-o à

categoria de desafio central para a adaptação das empresas ao ambiente

Marco Aurélio Cabral Pinto 58

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competitivo, as mais diferentes áreas da ciência parecem convergir para o

problema da incerteza com a mesma atribuição de importância. Dessa maneira,

um conjunto de "novas abordagens" têm surgido a partir da década de setenta,

de maneira mais ou menos independente transversalmente à matemática,

biologia, meteorologia, química, física etc. No entanto, uma vez confrontadas,

essas abordagens apresentam algumas características invariantes que,

aparentemente, apontam para um caminho comum. Em seu trabalho de

compilação sobre o que se convencionou chamar de TeorÚl do Caos, P. Gleick

(1990:5) assim descreve este movimento:

Onde começa o caos, a ciência clássica pára. Desde que o mundo

teve físicos que investigavam as leis da natureza, sofreu também

de um desconhecimento especial sobre a desordem na atmosfera,

sobre o mar turbulento, as variações das populações animais, as

oscilações do coração e do cérebro. O lado irregular da natureza, o

lado descontínuo e incerto, têm sido enigmas para a ciência, ou

pior: monstruosidades.

Na década de setenta, porém, alguns cientistas nos Estados

Unidos e na Europa começaram a encontrar um caminho em meio

a esta desordem. Eram matemáticos, físicos, biólogos, químicos,

todos eles buscando ligação entre diferentes tipos de

irregularidade.

O fundamento epistemológico de inserção destas "novas abordagens"

no paradigma moderno é a introdução da complexidade como fruto da não­

linearidade presente em todos os processos observáveis. Este fato novo, a

introdução da não-linearidade, pode ser visto como tentativa, por parte dos

cientistas do caos, de sofisticação do alicerce científico contemporâneo, composto

pelo tripé formado pelas teoria newtoniana-relativística, termodinâmica

clássica e eletromagnetismo. No entanto, logo no início dos trabalhos, os

pesquisadores do caos perceberam que se deparavam com uma situação

radicalmente diferente, situação esta que os levaria à revisão profunda de

muitos dos conceitos aceitos como conquistas irrefutáveis da ciência até o

Marco Aurélio Cabral Pinto 59

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presente. Algumas das constatações mais importantes e de interesse para a

presente dissertação são:

• Pequenos desvios no início de um processo podem gerar grandes

divergências nos resultados no tempo futuro. Em modelos

lineares, ao medir-se a variável de entrada, o input, com precisão

finita qualquer, garante-se que o comportamento ao longo do

tempo apresentará desvio constante e proporcional ao erro

cometido no início. O desvio com relação ao previsto é controlado

e determinável ao longo do tempo. Em sistemas não-lineares, uma

vez que a observação e a mensuração do input possuem erro

intrínseco, a perda de previsibilidade ocorrerá em um momento

mais ou menos distante, que será função tanto do grau de

linearidade do sistema quanto do erro cometido no início. Assim,

define-se o horizonte de previsibilidade a partir do qual qualquer

predição é inútil. Este horizonte estará mais perto ou mais longe

no tempo dependendo-se do grau de não-linearidade e do erro

cometido no início. Para sistemas altamente não-lineares, como o

que define as condições meteorológicas, por exemplo, o horizonte

de previsibilidade pode ser extremamente curto

(aproximadamente três dias para a previsão meteorológica).

• Existem padrões que se repetem em diferentes escalas, ao mesmo

tempo. Um dos problemas que permaneceram sem solução por

alguns séculos e que por isso intrigava os cientistas dizia respeito

à questão de quanto seria o exato comprimento do litoral da

Inglaterra. Como medi-lo ? A partir de fotos aéreas, o detalhe das

reentrâncias de uma praia específica seria apenas aproximado. Se

fosse escolhido realizar-se um programa de medição praia a praia,

encosta a encosta, as reentrâncias de cada pedra seriam um

obstáculo e assim por diante. Percebeu-se que os corpos reais

apresentam muitas vezes geometrias com padrões que se repetem

indefinidamente. Estas geometrias estariam associadas a uma

Marco Aurélio Cabral Pinto 60

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dimensão fracionada. Observadas em muitos dos fenômenos reais

(nuvens, vasos sangüíneos, preços de ações etc), o mesmo padrão

se repete em diferentes escalas para um mesmo instante de tempo.

A constatação a partir destas premissas de que, independentemente do

quanto se invista em informação e planejamento, qualquer processo tende a,

inexoravelmente, possuir horizonte temporal de previsibilidade finito, possui

profundas implicações para a realidade organizacional. No caso de ambientes

com elevado grau de complexidade e dinâmica, o processo de planejamento

deve ser revisto com base na sua aplicabilidade e custo. Alternativamente,

parece razoável supor que, neste contexto, a gestão flexível, que desencadeie e

se envolva com processos até seu amortecimento ou fim, seja um caminho mais

adequado para a gestão da incerteza.

Uma crença fortemente arraigada na tradição das organizações é a de

que informação implica em conhecimento (científico). No entanto, partindo-se

do pressuposto que o conhecimento (científico) está associado à forma como é

possível utilizar-se a experiência passada e a configuração presente para a

preparação para o (previsão do) futuro, a introdução da não-linearidade separa

claramente estas duas noções: não importa o nível de informação que se possa

ter em determinado momento, a perda da previsibilidade intrínsica aos

sistemas não-lineares implica em que o conhecimento independa até boa

medida do nível de informação. Mais que isso, implica em que os sistemas

não-lineares não possuem solução matemática determinável. Atinge-se

portanto, um limite para o conhecimento científico, o que claramente abre

espaço para outras formas de conhecimento que possam vir a somar o

entendimento da configuração presente e futura.

Quando pensada espacialmente, a não-linearidade conduz à idéia de

dimensão fractal. Sob este prisma, a teoria do caos se traduz na previsão de

uma reprodução de padrões, ao menos culturais, que percorre transversalmente

a menor das divisões até o todo organizacional e ao conjunto das organizações

em um determinado instante de tempo. Este aspecto é importante porque torna

evidente a impossibilidade de isolarem-se diferentes níveis organizacionais ou

Marco Aurélio Cabral Pinto 6 1

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mesmo organizações inteiras e, para cada uma, então efetuar-se a aplicação de

técnicas de gestão que suponham para seu sucesso este isolamento. Em outras

palavras, não é possível interferir-se na organização, no universo micro, sem

esperar-se uma modificação de configuração na escala macro, modificação esta

de natureza imprevisível. Reafirma-se, portanto, a idéia de que processos de

mudança organizacional podem ser deflagrados mas não controlados, previstos

ou planejados.

A abordagem fractal sugere ainda a unidade do estudo da economia­

adiministração. Há muito os economistas têm procurado, com relativo sucesso,

produzir uma teoria que una a macroeconomia19 à microeconomia20. O objeto

da administração, por sua vez, parte do indivíduo até o coletivo de indivíduos

(organização). Se há padrões que se repetem, espera-se que ambas disciplinas

devam convergir para analogias comuns. Mais que isso, deve-se esperar que

muitas das respostas para questões colocadas no âmbito da macroeconomia

encontrem encaminhamento nas questões intra-organizacionais, como poder e

tomada de decisão.

4.3.2 A criatividade em cenário de incerteza

A criatividade é vista neste contexto como a capacidade de produção de

novos discursos que, mesmo atuando no micro, vão inexoravelmente

influenciar no macro organizacional. Quanto maior a capacidade desse discurso

adequar-se às condições não-lineares do sistema ao longo do tempo, em

processo auto-adaptativo, mais poder estará associado a este. A capacidade

criativa caracteriza-se, assim, pela habilidade de produzir discursos que

interpretem a realidade fluida e complexa de maneira contínua, sem uma

preocupação exclusiva com a previsibilidade a longo prazo, mas com o objetivo

19 Tida como oestudo dos grandes agregados, das trocas entre paises, da produção

bruta de toda uma sociedade, do comportamento dos preços de forma relacionada etc.

20 Tida como o estudo não mais dos agregados de setores mas como do agregado das

empresas de uma determinada indústria.

Marco Aurélio Cabral Pinto 62

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de estabelecer-se como a interpretação mais adequada a qualquer nível de

generalização que se possa empreender na análise desta realidade. Como

exemplo, o grau de criatividade associado ao desenvolvimento de produtos

deve ser caracterizado como a diversidade de conceitos que um produto

particular possa representar, bem como ao grau de colamento destes conceitos

com o mundo micro (indivíduo-alvo) e macro (corpo social) simultaneamente,

de maneira fractal.

Conforme discutido no item 4.3.1 acima, somada à destruição da

possibilidade de gestão determinística (planejar, executar, controlar), a forma

de organização para a produção do novo representa um desafio adicional.

Desta maneira, para as empresas que se encontram na borda em que a inovação

é requisito para a sobrevivência, em que o ambiente é dinâmico e complexo,

coloca-se o desafio de encontrarem-se parâmetros para a gestão dos recursos

criativos, para dar vida a estes, para redefinir a própria dimensão do fazer

produtivo. Um dos parâmetros parece ser o emocional, aceito como essencial

no processo criativo. Neste caso, Danilo Caymmi21 lembra que durante os dez

anos em que trabalhou com um grupo grande, no caso administrando o grupo

do Tom Jobim, procurou fazer com que as pessoas tivessem conforto. Conforto,

segundo ele, emocional. Ao investir-se da responsabilidade de gerir o fazer

produtivo do maestro, Danilo afirma o quanto o aspecto emocional é

importante para a aparição do novo no curso do trabalho.

Neste contexto de atenção ao aspecto emocional, o enc1ausuramento

espaço-temporal do profissional responsável pela produção do novo é um

aspecto negativo e limitador da criatividade. Apesar de acreditar mais em

intuição que inspiração, Danilo Caymmi reconhece a importância de liberar-se

o profissional para outras ambiências em busca de intuição, seja uma corrida na

Lagoa, passeio no shopping center ou durante o engarrafamento, a quebra da

rotina pode revelar-se recurso de busca da intuição, de exposição do espírito

21 Ver entrevista com um músico no Anexo 11

Marco Aurélio Cabral Pinto 63

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que experimenta diferentes sensações, do emocional vivo, instrumento de

discurso.

Não é, no entanto, objetivo da presente dissertação enumerar os

diferentes aspectos que podem ser abordados na gestão dos recursos criativos.

Mais do que isso, interessa ao autor investigar mais profundamente os fatores

restritivos da forma clássica de gestão do tempo, principalmente diante do

desafio de produção do novo.

Marco Aurélio Cabral Pinto 64

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4.4 Implicações para a gestão de recursos criativos

Conforme já visto, recursos criativos são aqueles que estão distribuídos

entre os membros da organização, constituindo-se parte do recurso genérico

Trabalh022. Acredita-se que estes recursos assumam progressiva importância

nos próximos anos, frente tanto ao movimento de diferenciação de

produtos/mercados, no curto prazo, quanto à necessidade de produção de

novos discursos que interpretem a realidade concebida como progressivamente

dinâmica e complexa. A capacidade de produção da inovação original

depende, entre outros, da diversidade do estoque de conhecimentos e da

minimização da rotina. Esta rotina, por sua vez, está ligada ao aprisionamento

espaço-temporal do indivíduo quando na realização de suas atividades.

4.4.1 O processo criativo e a policronia

A criação de novos discursos tem como base a estranheza do olhar que

se volta para as bases do paradigma vigente: ocidental e moderno. Sob o ponto

de vista histórico, o desenvolvimento deste paradigma tem raízes no

Renascimento europeu, que estabeleceu a vitória da Ciência como saber

dominante. No final do século passado, a Ciência ocupava já o centro da

explicação do Mundo. Pouco escapava à possibilidade de investigação

científica. Houve tempos, inclusive, em que ser ateu era forma de expressar fé

absoluta na Ciência. Evidentemente, hoje já se aceita o fim destes tempos. A

Ciência admite seus limites, sua vulnerabilidade diante de outras

interpretações. Este fenômeno colocou a cultura moderna diante de grande

ameaça. Onde buscar a capacidade de predizer o futuro, questão tão

fundamental para a sobrevivência das empresas em ambientes competitivos?

A Ciência forneceu a resposta e o instrumento para o encaminhamento

desta questão durante aproximadamente três séculos. No entanto, pode-se

afirmar que a fragmentação dos discursos (aqueles que utilizam a lógica e

22 Trabalho definido no contexto econÔmico de recurso escasso ao lado de Terra e

Capital.

Marco Aurélio Cabral Pinto 65

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oferecem capacidade demonstrativa) constitui base canônica: muitas vezes, a

projeção de um sobre outro é nula, há divergência essencial entre muitos destes

discursos, diferenças que não permitem hoje a constituição de nenhum saber

dominante.

o que se observa hoje é a multiplicação dos discursos que competem

pela supremacia da interpretação da realidade. Esta fragmentação dá origem a

diferentes linguagens também. A maturidade da Ciência permitiu a

especialização do conhecimento em níveis impensáveis. Permitiu a formação de

profissionais que conhecem profundamente fragmentos específicos da

realidade. A construção de conceitos próprios a estes micro-universos dá

origem a verdadeiras estruturas discursivas, ininteligíveis ao não iniciado. A

composição final deste quadro torna-se então caleidoscópio de discursos, cada

um com seu domínio de validade definido e nem sempre compatível com os

demais.

Na outra ponta da produção discursiva está a realidade que lhes dá

origem. No entanto, como objeto que se oferece ao estudo, como esfinge à

decifração, a realidade é passível de múltiplos olhares. O desenvolvimento de

determinado discurso lança assim sombra sob possibilidades que não estão

previstas por tal discurso.

Por outro lado, a realidade é fluida e multivariável. Compõe-se de

inúmeros movimentos em evolução no tempo. A percepção destes movimentos

pode ser feita de duas maneiras fundamentais: monocrônica ou

policronicamente.

A percepção monocrônica envolve a experiência e a interpretação de

cada movimento individualmente. No período moderno, esta foi a maneira

escolhida sob o ponto de vista epistemológico. A experiência e a interpretação

dos fenômenos foram realizados dominantemente através da percepção e

estudo de cada movimento destacadamente, com base em sua referência ao

tempo do relógio, tido como o padrão quantitativo para a duração dos

movimentos. A crença subjacente a este processo é a de que é possível esgotar a

percepção e o estudo de cada movimento individual e, através do processo de

Marco Aurélio Cabral Pinto 66

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soma, reuni-los na interpretação consistente da realidade. Este seria o processo

de produção discursiva monocrônica.

No segundo processo, denominado policrônico, o indivíduo percebe

vários fenômenos em evolução no tempo de forma transversal. A percepção e a

interpretação de um dado evento são realizadas em relação a outro(s). O

observador sincroniza-se, sintoniza-se, com o movimento e seu lado emocional

experimenta sua dinâmica, dando origem à percepção de sua duração. Esta

perspectiva possibilita atingirem-se sínteses intuitivas que não seriam acessíveis

à postura monocrônica.

A imagem que melhor traduz esta abordagem é a musical. Tomando-se

qualquer peça polifônica, as Tocata e Fugas de Bach, por exemplo. Na

abordagem monocrônica o indivíduo se concentra em cada voz separadamente.

Depois, soma uma a outra, independentemente, até formar-se a multiplicidade

de vozes que evoluem no tempo da música. Por outro lado, a policronia

envolve o sentido da percepção de cada voz em relação à outra, no contexto da

harmonia. A percepção de todas as vozes simultaneamente cria então novo

discurso musical.

Quando confrontadas a fragmentação dos discursos e a tendência

monocrônica de formulação de discursos pela sociedade moderna, atinge-se o

limite para a formulação de novos discursos: esgotados os caminhos

individuais, multiplicadas as interpretações com igual validade, atinge-se o

cenário de complexidade e aparente confronto contemporâneo. A percepção de

cada movimento com base na duração definida pelo tempo do relógio, linear e

uniforme, leva à fragmentação da realidade em eventos desconectados,

relacionáveis unicamente pela comparação com a medida quantitativa definida

segundo o padrão de tempo. Assim, o paradigma moderno, que se apresenta

saturado, não encontra capacidade de auto-superação.

A capacidade de síntese, de tradução de um discurso em outro, pode ser

assim entendida como requisito para produção do originalmente novo. O

original passa a ser a nova configuração do saber, que passa a ser aceito por

mais de uma visão particular da realidade. Outro requisito é a flexibilidade do

Marco Aurélio Cabral Pinto 67

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discurso em permitir diferentes interpretações para a realidade, reduzindo-se

os pontos de conflito e concentrando-se em aspectos fundamentais, abertos à

intuição.

Esta formulação do novo vem a partir do olhar que percebe os vários

movimentos em evolução no tempo e que realiza sua síntese. Por isso, o

original nem sempre é traduzido em linguagem rebuscada, científica; ao

contrário, percebe-se o retorno diferenciado de muitas das formas de saber

holístico que haviam sido desprezadas progressivamente durante o período

moderno, as quais têm por fundamento a postura relacional de percepção

temporal dos movimentos.

4.4.2 A policronia e a noção de tempo moderna

Neste ponto, reconhece-se também a importância da intuição para a

produção de novos discursos. Esta intuição pode ser entendida como o

momento em que se alcança a síntese. Um pequeno passo onde se avança no

conhecimento sobre algo. Nem sempre a intuição é sensação traduzida em

palavras. Cumpre ao indivíduo, através da lógica, construir a ponte que separa

os argumentos que a sustentem. Esta é uma etapa claramente separada e

posterior ao insight.

A noção de tempo moderna encontra seu fundamento na própria

inteligência racional. Permite a divisão da realidade em períodos de tempo tão

pequenos quanto se queira, em fotografias ou estados. O movimento é

interrompido, já dentro da perspectiva monocrônica, e dividido em estados:

passados, futuros e presente. Com esta perspectiva, perde-se a sensação da

duração dos fenômenos, entendida com a experiência emocional e subjetiva do

fluir temporal.

A noção de tempo geométrico-galilaica apresenta assim a crença na

objetividade, o tempo é linear e universal, e que a percepção dos movimentos

não pode ser alterada segundo o observador que experimenta sua duração.

No entanto, afirma-se no âmbito da presente dissertação que a

percepção do tempo é subjetiva. Que a duração dos fenômenos é função do

Marco Aurélio Cabral Pinto 68

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estado emocional do indivíduo que a experimenta. Afirma-se que o tempo do

relógio é apenas a representação monótona e linear do fluxo que coloca o

Mundo em movimento. Fluxo este que nos consome, que encontra eco

emocional para cada experiência externa. Que nos proporciona a extrema

satisfação da experiência da Vida.

A postura policrônica é compatível com estas afirmações. Ao

perceberem-se os fenômenos através das suas diferentes durações, da

sincronicidade ou oposição de cada fenômeno em evolução no tempo, atingem­

se níveis de percepção progressivamente mais complexos. O limite seria a

própria experiência mística, experiência esta em que se atinge a percepção da

quase totalidade dos movimentos em evolução no tempo simultaneamente.

A postura policrônica, no entanto, se acompanhada de estoques de

conhecimento diferenciados, potencializa a geração de intuições compatíveis

com a síntese que se pode alcançar. O argumento em que se baseia esta

afirmação se apóia na crença de que a intuição é potencializada pelo

relacionamento de diferentes movimentos em evolução no tempo, pela

percepção simultânea de fenômenos que evoluem sincronicamente no tempo.

Pela experiência da originalidade da coincidência de situações, que passam a

criar novas configurações da realidade a todo momento. Assim, ter insight é

relacionar coisas díspares, ato provocado pelo olhar que enlaça

policronicamente diferentes movimentos. Por isso, talvez, o músico busque a

intuição durante seu jogging matinal na Lagoa Rodrigo de Freitas23.

4.4.3 Discussão do problema e crítica

No âmbito das empresas, das organizações produtivas, a noção de

tempo moderna encontra tradução através da forma como se dá a gestão do

tempo de trabalho.

23 Ver entrevista no Anexo II

Marco Aurélio Cabral Pinto 69

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Apesar da influência dos princípios definidos pela teoria de tempos e

movimentos, voltados para a maximização das dimensões da empresa, da

eficiência produtiva, dois aspectos importantes se apresentam como limitadores

à sua adoção mais abrangente no âmbito das empresas hoje. O primeiro, diz

respeito à mudança de pensamento acerca deste impulso produtivista. Ao

contrário do que se observou no passado, cérebros reconhecidos como

brilhantes procuram outras formas de vida que aquelas ligadas ao máximo

envolvimento com o trabalho e remuneração associados à vida nas

organizações produtivas.

Outro aspecto se refere à própria demanda por perfis de profissional que

apresentem a capacidade de produção do novo. Esta demanda cresce ao longo

dos anos e é afirmada na presente dissertação como tendência estrutural,

conforme discutido anteriormente.

No entanto, a aplicação de conceitos clássicos de gestão do tempo de

trabalho apresentam efeito de empobrecimento da capacidade criativa,

verificando-se como limitadores do potencial de produção de novos discursos.

A jornada de trabalho, concebida como o espaço de tempo diário e

quantitativo dedicado ao fazer produtivo, implica que o indivíduo devote à

organização quantidade de tempo definido e descompromissado com os

requisitos necessários à produção do novo. Esta quantidade usualmente

engloba boa parte do dia, resultando em grande espaço da existência.

A atualidade da tradução da noção de tempo moderna no âmbito das

empresas gera demandas para o progressivo envolvimento do indivíduo com

as metas organizacionais, definidas em termos de horizontes temporais

preestabelecidos. São as cenouras que devem ser perseguidas, as tarefas que

devem ser completadas. A agenda e o cronograma, conforme já visto,

representam as formas como o tempo do relógio se insere nas organizações

produtivas contemporâneas.

No entanto, apesar de discutida a forma como se organiza o tempo do

trabalho, pouco tem se levantado a respeito dos efeitos decorrentes desta

organização sobre a eficiência do trabalho humano diante do desafio de

Marco Aurélio Cabral Pinto 70

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produção do novo. Ao fragmentarem-se as atividades entre indivíduos

(cronograma) e entre compartimentos de tempo no dia (agenda), o que resulta é

a percepção intermitente da dinâmica de cada tarefa. A ação de cada indivíduo

torna-se pontual, fotográfica, em diferentes momentos específicos no curso da

tarefa. A duração de cada tarefa, neste contexto, corresponde à sensação

individual associada à sua alocação quantitativa de tempo na jornada de

trabalho. No caso do dia a dia das empresas, esta duração corresponderá senão

a um dos capítulos da novela.

Sob o ponto de vista individual, a mais rígida fragmentação

representada pela agenda conduz à postura de encararem-se as atividades

como não relacionadas. O indivíduo é estimulado a assumir postura

monocrônica em cada bloco de tempo ao longo de sua Jornada de Trabalho.

Cada espaço de tempo definido na agenda deve, assim, ser dedicado

exclusivamente ao desempenho daquela tarefa específica.

A conseqüência disso é a perda da percepção relacional dos diferentes

movimentos em evolução no tempo, com implicação para o empobrecimento da

capacidade de estabelecimento de relacionamentos entre diferentes dinâmicas

que se desenvolvem simultaneamente. Este aspecto torna-se mais sério na

medida em que considera-se o envolvimento emocional e o exercício da

estranheza do olhar, considerados essenciais para o estabelecimento do

processo criativo. A estrutura fragmentada da execução das tarefas no tempo

fecha portas para a experiência da duração, da dinâmica própria de cada tarefa,

que por sua vez será substituída pelo tempo da agenda.

A rotina também é fator essencial e colateral à aplicação da noção de

tempo moderna ao fazer produtivo. O sentimento de rotina está intimamente

associado à manutenção da jornada de trabalho. A repetição das situações

cotidianas, a monotonia da ambiência do escritório, o empobrecimento da

experiência em geral são usualmente associados ao embrutecimento da

capacidade criativa. A rotina da Jornada de Trabalho implica em que o fazer

produtivo encontre-se preso e inteiramente desvinculado de outras formas de

ocupação do tempo. Assim, a alternativa de se buscarem outras ambiências,

Marco Aurélio Cabral Pinto 7 1

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que permitam ao indivíduo experimentar policronicamente novos

relacionamentos, não encontra prática nas empresas hoje.

Dessa maneira, a perda de percepção relacional ganha espaço também

fora das organizações produtivas, onde observa-se que muitos indivíduos

passam a reproduzir o padrão de abordagem monocrônico com o mundo que

os cerca. Assim, ao perceber a realidade como fragmentada, desconexa no

tempo, a experiência simultânea de mais de um fenômeno em evolução no

tempo torna-se dimensão esquecida da existência. Consequentemente, reduz-se

a capacidade de produção de novos discursos diante de situações que exijam

inovação.

Ao contrário, a gestão de recursos criativos supõe a suspensão da

agenda e do cronograma, ao menos simbolicamente. O pensamento que se volta

para as bases do problema, que passeia livre pela percepção de diferentes

movimentos, apresenta melhores condições de gerar o novo. Diante de

problemas e situações em que se exige inovação, o confinamento espaço­

temporal e a conseqüente fragmentação das atividades podem implicar em

efeitos limitadores ao sucesso da adequada formulação do problema.

Da mesma maneira, quebrar a rotina parece ser condição essencial para

o fazer criativo. A quebra da rotina parece estar associada igualmente à

suspensão da aplicação da agenda e do cronograma. Ao fixarem-se datas-limite

(deadlines) e conceder-se a possibilidade de maior escolha na alocação de tempo

ao indivíduo pode resultar em potencialização para o surgimento do novo, da

inovação.

Neste ponto devem-se levantar as seguintes interrogações: por que há

necessidade de se estabelecerem datas-limite? Como coordenar o trabalho em

grupo, a partir da fixação de datas-limite? Não seria esta alternativa

essencialmente correlata à proposta pela teoria de tempos e movimentos? Que

efeitos negativos poderiam estar associados à fixação de metas temporais

associadas às datas-limite?

A sociedade moderna produz grandes feitos. A grandiosidade e a

sofisticação de muitas das realizações contemporâneas requerem um intenso

Marco Aurélio Cabral Pinto 72

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trabalho de coordenação de esforços e conhecimentos para sua realização. Os

exemplos vão desde filmes produzidos em hol1ywood até grandes projetos de

usinas hidrelétricas. Esta coordenação de esforços implica na instituição,

mesmo que temporária, de grandes organizações que envolvem usualmente a

interrelação de subconjuntos de organizações mais permanentes. Usualmente, a

realização destes empreendimentos, destes feitos organizacionais, está ainda

associada com o momento específico em que devem estar concluídos. A

definição de quando acontecerá este momento pode ser algumas vezes flexível,

outras vezes não. Adicionalmente, muitas vezes a realização de um

evento /projeto insere-se na sequência de outros eventos que dependem deste

para sua realização ou encaminhamento. Por estas razões, a fixação de datas­

limite constitui-se o instrumento mínimo de sustentação do complexo

mecanismo de produção contemporâneo, ligando a menor das realizações

organizacionais à maior obra, ao monumento. Dessa maneira, a produção do

novo, quando associado ao trabalho de um grupo de pessoas (devido à sua

dimensão ou à sua urgência24) justifica a adoção de datas-limite como

instrumento necessário à esta realização mesma.

A questão das alternativas para coordenação de trabalhos em grupo, no

contexto de produção do novo, da inovação, parece ser bastante complexa.

Aceita-se o fato de que o componente emocional constitui-se parte essencial do

processo criativo e, como tal, a fixação de datas-limite possibilitaria uma maior

liberdade na escolha por parte do profissional do momento em que este se

debruça sobre o fazer produtivo. No entanto, em trabalhos em grupo,

determinadas ações intermediárias irão derfinir o sequenciamento do trabalho,

exigindo-se do profissional um esforço de adequação do espírito a situações­

limite em que torna-se crucial atingirem-se soluções em um determinado

24 Tome-se o caso da busca pela cura da AIDS: aceita-se hoje que o que está em jogo é

a produção de novos conceitos que permitam à pesquisa sistemática a busca de soluções para

o problema. Claramente, este exercício criativo é realizado de forma a fixar datas-limite para

cada linha de encaminhamento, vis a vis o paradoxo urgênciaXcomplexidade do processo

científico de busca.

Marco Aurélio Cabral Pinto 73

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momento do tempo. No exemplo descrito por Danil025, em que este gerenciava

o "emocional criativo" do grupo do Tom Jobim, destaca-se a preocupação com

os objetivos a serem alcançados, o que indica a necessidade de enfatizar-se a

concentração dos indivíduos em torno da busca de sintonia interpessoal que

acompanha os processos criativos em grupo. Naturalmente, a maneira como

deve-se buscar esta motivação, este autêntico desejo pelas metas

organizacionais, irá depender fundamentalmente da situação específica. O que

se pode afirmar é que a coordenação do trabalho criativo realizado em grupo

deve levar em consideração a fixação de datas-limite simultaneamente à

negociação de objetivos que despertem o desafi026 pela busca do novo,

desencadeando assim a dinâmica de interação emocional entre os membros do

grupo.

Talvez a grande diferença entre a gestão clássica e aquela apontada na

presente dissertação seja a maneira como se concebe a dinâmica de controle do

fazer produtivo quanto ao seu aspecto temporal. Para a gestão clássica, o fazer

produtivo é controlado de fonna contínua: a todo o momento a tarefa pode ser

perfeitamente definida em termos do confronto entre o planejado e o realizado

(não apenas na linha de montagem como também para a agenda e o

cronograma). Sob a alternativa apontada no presente trabalho, a qual privilegia

a definição de datas-limite, o controle do tempo é realizado de forma discreta,

em momentos relativamente distantes no tempo. Esta sistemática implica na

dissolução da previsibilidade na condução das tarefas: nem mesmo o

profissional pode antecipar totalmente em que momentos estará mais

preparado para a produção do novo. A diferença entre os controles contínuo e

discreto do tempo de trabalho caracteriza, assim, a distância entre a concepção

clássica de gestão daquela apontada na presente dissertação.

Conforme destacado anteriormente, a noção de tempo moderna, objeto

da presente dissertação, encontra-se inserida no contexto mais geral que lhe dá

25 Ver Anexo II

26 Ver Anexo 11.

Marco Aurélio Cabral Pinto 74

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vida: o paradigma moderno. Como característica marcante destes últimos

quatrocentos anos, o fazer produtivo é intensificado até assumir um caráter

escessivo. A qualidade de vida tem sido resgatada, porém muito timidamente,

como valor: muitos ainda acreditam que a condição suficiente para conquistar­

se uma vida com qualidade envolve a propriedade de ativos materiais. Este

mito moderno leva as pessoas a engajarem-se no processo produtivo com o

máximo envolvimento Diante deste quadro, a produção do novo, que traz

consigo requisitos que conflitam abertamente com o preço pago por este

envolvimento escessivo, encontra na atualidade espaço limitado no seio das

organizações produtivas. Posto isto, qualquer técnica que vise resgatar o

humano nas organizações, porém ainda imersa em seu contexto

contemporâneo, apresentará eficácia limitada.

Finalmente, para avançar no entendimento de como o tempo é percebido

por profissionais que, aparentemente, estão envolvidos com tarefas onde

tipicamente a criatividade é aspecto fundamental, consultei dois profissionais

cujas atividades repousam fortemente sob o processo criativo: o primeiro,

Sérgio Liuzzi, designer gráfico. O segundo, Danilo Caymmi, músic027.

A seguir um resumo das idéias com breves comentários, de maneira que

a discussão desenvolvida anteriormente seja balizada pelas palavras de dois

profissionais amplamente consagrados em seus meios. Assim, as conclusões

estarão referenciadas também ao ponto de vista, à percepção mesma destes dois

profissionais.

Criatividade

O Sérgio se vê como prestador de serviço, trabalha por encomenda.

Concorda com o fato de que a criatividade é traço, não um dom, está presente

em todas as pessoas e em todas as atividades. Quanto mais criativo, melhor o

profissional. Para o designer, o arquiteto, o artista, a criatividade demonstra-se

27 Ver Anexo I e 11 para entrevista completa.

Marco Aurélio Cabral Pinto 75

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mais evidente devido ao resultado final do produto: a forma material, a cor, o

som. Algo dirigido diretamente aos sentidos.

O Danilo diferencia intuição e inspiração. Intuição seria o processo que

pode ser induzido, inspiração não. Pode-se criar o novo sem inspiração,

dificilmente sem intuição. Considera importante ir buscar a intuição em lugares

diferentes, diferentes atmosferas. O Danilo reconhece a importância da intuição

para o gerenciamento da sua estratégia profissional diante da incerteza.

Produção do novo e inovação

O Sérgio percebe claramente que o processo criativo, de produção do

novo, é fortemente baseado na diversidade do estoque de conhecimentos do

indivíduo ou do grupo. A intuição é uma soma de pequenos insights. Percebe

ainda que o novo é também novo discurso, nova linguagem. Nota ainda que o

novo é configuração da realidade trazida de nova forma.

O Danilo percebe seu trabalho como altamente competitivo, como parte

da mão-de-obra de uma indústria que movimenta bilhões por ano. No entanto,

apesar de trabalhar por encomenda, não acredita que o confinamento e a

determinação do número de horas de diárias possa trazer benefícios para seu

trabalho. Acredita mesmo que poderia arruinar sua produção criativa, não que

seu fazer produtivo não pudesse caminhar assim mesmo.

Tempo de trabalho

O Sérgio considera a questão da organização do seu tempo de trabalho

de extrema dificuldade. Seu ambiente, o mercado de design, é sazonal,

intermitente, com boa dose de imprevisibilidade. Considera importante ter

locais separados para o trabalho e a moradia. Segundo o Sérgio, a rotina

enfraquece a capacidade criativa, leva ao embrutecimento. Sérgio conta a

historia do artista e do velhinho, que é muito interessante, descreve a morte da

arte com sua burocratização. Há ainda o comentário de que a empresa deveria

adequar-se ao funcionário e não este à empresa. No seu caso, é importante que

as pessoas se cruzem no ambiente de trabalho, que haja a oportunidade para a

troca, mas longe de mensurar a quantidade de horas que cada um trabalha, de

Marco Aurélio Cabral Pinto 76

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regular seu fazer produtivo por isso. Afirma categoricamente que a gestão de

recursos com base na quantidade de tempo despendido afetaria a qualidade do

seu trabalho.

o Danilo percebe que o aspecto emocional é muito importante para o

trabalho criativo e que a carga horária, a pressão, a rotina, interferem com o

emocional. O trabalho confinado, por exemplo em estúdio, o irrita

profundamente. Empobrece sua criação artística.

Marco Aurélio Cabral Pinto 77

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Marco Aurélio Cabral Pinto

Capítulo 5

Conclusões

78

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

5. Conclusões

o tema da presente dissertação gira em torno da forma como se percebe

o tempo na modernidade - a noção de tempo moderna - vista sob o ponto de

vista do trabalho, do fazer produtivo. A escolha deste tema tem fundamento na

percepção de que hoje se observa entre as pessoas insatisfação quanto à gestão

quantitativa do tempo diário de trabalho, com conseqüências negativas

extensivas a todos os membros da organização.

A metodologia adotada baseou-se na formulação da seguinte questão­

guia: em que medida o conceito de jornada de trabalho pode ser restritivo no

contexto de gestão de recursos criativos voltados para a produção do novo, da

inovação?

Para melhor precisar a discussão acerca da validade da questão-guia,

procedeu-se a definição do seu domínio de validade através do estabelecimento

de fronteiras de controle crítico. Estas fronteiras foram desenhadas através da

contextualização dos três principais conceitos trabalhados no escopo do texto:

jornada de trabalho, recursos criativos e produção do novo.

A jornada de trabalho foi definida como a medida diária do tempo de

trabalho na modernidade, tomada em relação a um padrão, quantitativo e

universal, o tempo do relógio.

Como características definidoras do perfil de profissional considerado

como recurso criativo, admitiu-se: capacidade metafórica, capacidade de

assumir riscos, maturidade emocional, capacidade de generalização,

envolvimento, não orientação por status e senso ético.

A produção do novo foi associada a qualquer síntese original e

interpretativa da realidade. Nesse sentido, a produção discursiva original, a

formulação de novos conceitos, é assumida como inovação ao lado do

movimento criativo de diferenciação de produtos/mercados.

Como apoio à discussão procedeu-se rápida revisão dos enfoques

encontrados em trabalhos ligados à administração, com ênfase especial sobre a

idéia de flexibilização do horário de trabalho. Fora do contexto administrativo,

Marco Aurélio Cabral Pinto 79

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porém com relevância para a presente dissertação, resgatam-se algumas idéias

do antropólogo Carlos Castanheda sobre a criatividade, o tempo e o novo.

Neste contexto, a perspectiva radical de Castanheda sobre construção social da

realidade merece especial destaque. De maneira análoga, recorreu-se à crítica

bergsoniana sobre a noção de tempo moderna e a importância da intuição como

instrumento para o conhecimento.

Sob os ditames da Ciência a civilização moderna atinge o final do século

vinte com aparato tecnológico jamais experimentado nos cinco mil anos de

história da humanidade. Esta civilização aparentemente dominou e mesmo

colocou a seu serviço as mais poderosas forças da natureza. No entanto, o

orgulho de tal conquista esbarra na crise de grandes proporções que

experimenta-se hoje, crise esta de múltiplas faces. Ao menos uma mereceu

destaque no decorrer do texto: a ciência não encontra mais ocasião como

instrumento de interpretação única da realidade. A partir da constatação desta

crise, buscou-se confrontar a noção de tempo geométrico-galilaica e a noção de

tempo cíclica e irreversível, característica do período pré-revolução científica.

A noção de tempo pré-revolução científica foi caracterizada através de

três aspectos fundamentais: seu efeito irreversível sobre todas as coisas, sua

natureza cíclica, que faz com que os fenômenos retornem após um período de

tempo, e a impossibilidade da decomposição do tempo, considerando-o como

unidade sintética.

A noção de tempo moderna, por outro lado, tem fundamento na sua

possibilidade de quantificação, atingida com o esforço de Galileu Galilei. A

linearidade do tempo permite a introdução de idéias como progresso e

evolução. Mais do que isso, a indiferença matemática estabelecida entre os

diversos instantes de tempo, excluem a subjetividade de sua percepção,

colocando-se o presente como o instante infinitesimal espremido entre o

passado e o futuro infinitos.

Mas é no interior da fábrica que a noção de tempo moderna encontrou

sua tradução mais concreta quando relacionada ao fazer produtivo. Com a

proliferação do uso das máquinas a partir do início do presente século, fruto do

Marco Aurélio Cabral Pinto 80

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progressivo desenvolvimento da ciência como técnica, a capacidade produtiva

é potencializada enormemente. Dessa maneira, a Revolução Industrial

traduziu-se no micro-universo da organização como a aplicação da

racionalidade ao trabalho humano com o objetivo de maximizar-se a eficiência

na relação ser humano-máquina.

Neste contexto, a teoria de tempos e movimentos representa um marco

na busca de maxirnização de eficiência, tomando-se a grandeza do tempo como

variável crítica para assegurar-se a sincronicidade da linha de produção. Para

demonstrar a validade da teoria de tempos e movimentos, Taylor e Gilbreth

procuraram responder duas perguntas: Qual a melhor maneira de realizar este

trabalho?, e Como definir-se jornada de trabalho?

A primeira pergunta foi respondida através do desenvolvimento do

método de decomposição das atividades em número de tarefas simples. A estas

tarefas procedeu-se a otimização que visou eliminar os movimentos

considerados inúteis. Assim, ao tentar responder à pergunta de qual a melhor

maneira de se realizar este trabalho, Taylor e Gilbreth não se preocuparam com a

demonstração da unicidade da resposta. Sob o ponto de vista matemático (e

isto que estava em jogo), o problema se equacionou em termos de busca do

máximo para a função produção.

No entanto, foi com a introdução do tempo requerido para a execução

de cada tarefa que a análise de movimentos ganha sentido na busca da

eficiência produtiva. Assim, ao medir-se o tempo quantitativamente, cada

tarefa pode ser sequenciada, desenhada e planejada, de maneira a garantir-se

seu sequenciamento e sua sincronicidade com o equipamento produtivo. Neste

contexto, a jornada de trabalho foi definida como a maior quantidade de tempo

diária que poderia ser associada ao trabalho de forma contínua, ou seja, que a

fadiga no longo prazo não trouxesse prejuízos à continuidade do processo.

Entre os principais efeitos da aplicação da teoria de tempos e

movimentos ao fazer produtivo destaca-se o engessamento completo da forma

como se desempenha cada atividade, eliminando-se a ocasião da contribuição

Marco Aurélio Cabral Pinto 8 1

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individual criativa, bem como inserindo-se a rotina como elemento

característico do trabalho.

No entanto, a atualidade da praxis associada à teoria de tempos e

movimentos revela outras formas de controle do tempo de trabalho. Neste

contexto, a agenda e o cronograma desempenham papel de instrumentos de

sincronização das tarefas individuais e do coletivo de tarefas, respectivamente.

Dada a complexidade do fazer produtivo contemporâneo, dado o grande

número de tarefas que devem ser conduzidas simultaneamente, a agenda

representa a maneira como são conduzidos os diferentes processos:

individualmente e de forma fragmentada. Na agenda, cada tarefa ocupa espaço

de tempo definido no dia para que receba encaminhamento. O cronograma,

neste contexto, representa a agenda coletiva, a agenda do grupo de trabalho.

Assim, o relógio dita ainda o ritmo do fazer produtivo, permite a sincronização

e a fragmentação das tarefas. A máquina torna-se metáfora, com engrenagens

que giram no ritmo cadenciado do ponteiro que avança e extingue o tempo

disponível.

A produção do novo, por outro lado, exige que se trate o trabalho

humano e a própria organização em sua dimensão subjetiva e não-linear.

Princípios extraídos a partir de novas abordagens científicas, conhecidas

genericamente como teoria do caos, permitem afirmar que independentemente

do quanto se invista em informação e planejamento, qualquer processo irá,

inexoravelmente, possuir um horizonte temporal de previsibilidade finito. Este

horizonte de previsibilidade será função do grau de não-linearidade do

ambiente em que se situa a empresa e do erro intrínseco que se cometa no

início. Quando pensada espacialmente, esta não-linearidade conduz à idéia de

que qualquer processo de mudança (inovação) implica em considerar-se o

íntimo relacionamento entre o micro e o macro organizacional. Em outras

palavras, não parece possível interferir-se criativamente no micro-universo da

organização sem esperar-se mudanças no ambiente macro, mudança esta de

natureza imprevisível e incontrolável.

Marco Aurélio Cabral Pinto 82

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De maneira a encaminhar a discussão da adequa cidade da gestão

determinística do tempo de trabalho associada à produção do novo, procedeu­

se a exposição de duas posturas genéricas de interpretação da realidade:

monocrônica ou policrônica.

Aceito o fato de que a realidade é composta de um conjunto de

fenômenos que evoluem no tempo (objetivos e subjetivos), a forma com que se

percebe sua dinâmica de transformação é essencial à potencialização do

surgimento do novo. No caso da postura monocrônica, dominante durante a

modernidade, cada fenômeno da realidade é estudado separadamente, sua

dinâmica temporal é aferida com base em comparação com o padrão de tempo

quantitativo. Assim, a Ciência concentra seu olhar inquisidor em cada

movimento individual, decompondo-se fenômenos complexos em um conjunto

de diferentes fenômenos em evolução do tempo, característico da postura

monocrônica. Quando confrontadas a fragmentação dos discursos e a tendência

monocrônica de formulação de discursos pela sociedade moderna, atinge-se o

limite para a formulação de novos discursos interpretativos: esgotados os

caminhos individuais, multiplicadas as interpretações com igual validade,

atinge-se o cenário de complexidade e aparente confronto contemporâneo A

percepção de cada movimento com base na duração definida pelo tempo do

relógio, linear e uniforme, leva à fragmentação da realidade em eventos

desconectados, comparáveis unicamente através da medida quantitativa

referida ao padrão de tempo.

Segundo a postura policrônica, por outro lado, os diferentes movimentos

em evolução no tempo são percebidos uns em relação aos outros. O

estabelecimento de relacionamentos possibilita a síntese de diferentes

configurações da realidade, permitindo-se o surgimento do novo. A não

aplicação implícita da medida quantitativa do tempo tem como efeito o

surgimento do tempo subjetivo, da experiência intuitiva bergsoniana da

duração de cada fenômeno. Como mencionado ao longo do texto, esta

experiência conduz ao enriquecimento da vida emocional, que navega de

acordo com a sintonia estabelecida com os diferentes movimentos em evolução

Marco Aurélio Cabral Pinto 83

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diacrônica no tempo. A riqueza desta percepção será função da capacidade

intuitiva e de estabelecimento de relacionamentos, da aceitação de que um

determinado instante é qualitativamente único e diferenciado sob o ponto de

vista emocional, não podendo ser comparado para efeito do potencial criativo.

Dessa maneira, a aplicação de conceitos clássicos de gestão do tempo de

trabalho verificam-se inadequados quando aplicados à gestão de recursos

criativos. A jornada de trabalho, concebida como o espaço de tempo diário e

quantitativo dedicado ao fazer produtivo, implica que o indivíduo devote à

organização quantidade de tempo definido e descompromissado com os

requisitos necessários à produção do novo. Ao fragmentarem-se as atividades

entre indivíduos (cronograma) e entre compartimentos de tempo no dia

(agenda), o que resulta é a percepção intermitente da dinâmica de cada tarefa.

A ação de cada indivíduo torna-se pontual, fotográfica, em diferentes

momentos específicos no curso de cada tarefa. A duração de cada tarefa, neste

contexto, corresponde à sensação individual associada à sua alocação

quantitativa de tempo na jornada de trabalho. Sob o ponto de vista individual,

a mais rígida fragmentação monocrônica conduz à postura de encararem-se as

tarefas como não relacionadas.

A rotina também é fator essencial e colateral à aplicação da noção de

tempo moderna ao fazer produtivo. O sentimento de rotina está intimamente

associado à manutenção do conceito de jornada de trabalho. A repetição,

mesmo que marginalmente diferenciada das situações cotidianas, a monotonia

da ambiência do escritório (temperatura e luminosidade controladas e

uniformes), o empobrecimento da experiência em geral são usualmente

associados ao embrutecimento da capacidade criativa. A rotina da jornada de

trabalho implica em que o fazer produtivo encontra-se preso e inteiramente

desvinculado de outras formas de ocupação do tempo. Assim, a alternativa de

se buscarem outras ambiências, que permitam aos indivíduos experimentar

policronicamente novos relacionamentos do Real, não encontra prática nas

empresas hoje.

Marco Aurélio Cabral Pinto 84

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Finalmente, a fixação de datas-limite como alternativa de controle à

gestão clássica do tempo de trabalho demonstra-se, ao menos teoricamente,

como defensável no domínio das fronteiras de controle crítico anteriormente

estabelecidas. Talvez a grande diferença entre a gestão clássica e aquela

apontada na presente dissertação seja a maneira como se concebe a dinâmica de

controle do fazer produtivo quanto ao seu aspecto temporal. Para a gestão

clássica, o fazer produtivo é controlado de fonna contínua: a todo o momento

a tarefa pode ser perfeitamente definida em termos do confronto entre o

planejado e o realizado (não apenas na linha de montagem como também para

a agenda e o cronograma). Sob a alternativa apontada no presente trabalho, a

qual privilegia a definição de datas-limite, o controle do tempo é realizado de

fonna discreta, em momentos relativamente distantes no tempo. Esta

sistemática implica na dissolução da previsibilidade na condução das tarefas:

nem mesmo o profissional pode antecipar totalmente em que momentos estará

mais preparado para a produção do novo. A diferença entre os controles

contínuo e discreto do tempo de trabalho caracteriza, assim, a distância entre a

concepção clássica de gestão daquela apontada na presente dissertação.

Marco Aurélio Cabral Pinto 85

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Marco Aurélio Cabral Pinto

Capítulo 6

Bibliografia

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Marco Aurélio Cabral Pinto 87

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Marco Aurélio Cabral Pinto 88

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Anexo I

Entrevista com um Designer

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Anexo I: Entrevista Com um Designer - Sérgio Liuzzi

A entrevista a seguir foi realizada na residência do designer gráfico

Sérgio Liuzzi, situada no bairro carioca do Jardim Botânico e durante a noite de

9 de agosto de 1994. Sérgio é um dos mais respeitados designers gráficos do

cenário nacional, influenciando hoje toda uma geração de novos profissionais

com a sua sempre atual produção ao mesmo tempo intelectual e artística.

Marco - Pois é, Sérgio, eu vou conversar com você e com o

Danilo [Caymmi] sobre o trabalho de vocês, como é no dia a dia, a

importância da criatividade . . .

Sérgio - Eu acho que o trabalho do Danilo se diferencia muito

do meu trabalho, que s6 acontece por encomenda, quer dizer, o

trabalho de design, de design gráfico, ele é produto dessa racionalidade,

uma conseqüência da Revolução Industrial. A necessidade de

racionalização dos métodos para geração de produtos leva os

criadores, junto aos engenheiros, a criar uma metodologia que vai

desembocar na primeira escola de design que é a escola de Bauhaus, na

Alemanha. E, mais tarde, essa escola se transfere, aí vem a escola de

Ulhm, na Suíça. Aí você tem as escolas acontecendo na Europa e nos

Estados Unidos mesmo antes da Guerra, mas principalmente no p6s­

guerra. Agora, eu acho que o trabalho do designer . . .

Marco - Me fala um pouco do que é esse trabalho . . .

Sérgio - Esse é um trabalho cuja característica principal é ser

feito por encomenda. Ou seja, você é um prestador de serviço, nada

mais nada menos do que isso. Eu acho que existe uma fantasia muito

grande em torno disso. O fato do designer trabalhar com criatividade

não transforma o trabalho que ele faz numa coisa tão ideal, quer dizer,

criatividade pode se aplicar a qualquer atividade. O advogado, quanto

mais criativo melhor, o engenheiro, o economista, esses são os que se

destacam. Aparentemente, o design, ou o arquiteto, é mais criativo

porque a expressão formal do produto que ele gera é mais aparente.

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Um médico criativo é extremamente rico, tão rico quanto um designer,

s6 que o designer tem o lado da forma, da cor, do objeto, do produto.

Isso faz com que a criatividade seja mais visível. Agora, eu acho que a

gente ajuda a gerar exatamente a dinâmica da nossa sociedade

industrial. E, indo mais adiante, gera o diferencial, ou seja, por que

uma empresa me contrata ao invés de contratar um outro escrit6rio?

Porque talvez eu consiga atendê-lo na demanda de ser mais diferente

que o concorrente dele. E, não é s6 uma questão de uma racionalidade

para efeito de produção, mas uma racionalidade para efeito de

diferenciação. E aí entra o lado da criatividade. Isso, me parece, vem

em conseqüência do comportamento dos mercados. Os mercados, na

medida em que eles vão se estrangulando, vão surgindo nichos, os

produtos vão tendo que se adequar, e isso se torna cada vez mais

difícil. A diferenciação começa a ser tão pequena que você precisa de

especialistas em cada área que está na borda do produto, tá na

superfície dele, para que ele se torne mais competitivo. Eu acho que o

maior exemplo disso são as televisões. Essas televisões de 29, 28

polegadas são a mesma coisa, com pequenas diferenças. A diferença

está no desenho. O camarada vai comprar uma televisão A, B, ou C,

porque aquela atende mais a uma necessidade estética, puramente

estética. Tanto é que antigamente o que era considerado um

diferencial, a quantidade de botões, hoje a tendência é inversa, a

diminuição, a síntese para que haja uma interação maior entre o

consumidor e o produto.

Marco - Ainda com relação ao teu trabalho, como é que você se

baseia para produzir o diferente? Como é que você tem segurança de

que aquilo é uma inovação?

Sérgio - Olha, na verdade você trabalha em cima de dados que

você vai acumulando. Aí, depende muito do projeto e da quantidade

de informações que o cliente que está te encomendando o projeto

consegue te passar. Quanto mais informações ele te passa, metas que

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ele quer atingir, o mercado em que ele trabalha, o que ele já foi e não

quer ser mais, o que ele gostaria de ser etc, esse acúmulo de

informações faz com que a gente comece a raciocinar a partir daí.

Agora, nem sempre o cliente está com esta expectativa de ser diferente,

quase sempre está, mas as vezes ele está procurando estar na média . . .

Marco - Quando você faz um projeto, você apresenta uma

alternativa, você apresenta mais de uma alternativa .. . Quando é que

você para com as alternativas, esse processo de busca de alternativas é

teu ou existe uma técnica ?

Sérgio - Dependendo do projeto, a gente procura trabalhar com

ao menos duas ou três alternativas, a não ser que o cliente já passe

alguns pressupostos, algumas premissas que a gente vai partir dali. Aí,

não é que cerceie não, mas até facilita. A gente vai dar forma àquilo ali.

Aí entra o lado técnico, a escolha do papel, cor, tipografia . . . você junta

isso tudo e é o conjunto dessas coisas que faz com que o produto

funcione. É como se fosse uma linha de montagem, você vai escolher o

melhor carburador, com a melhor roda, com a melhor tinta para pintar

o carro, isso tudo dá um melhor produto final. Então, você na

realidade orquestra um pouco os dados que você tem.

Com relação às alternativas, a gente procura dar o máximo de

alternativas possível, porque nem sempre a gente tem com clareza o

que o cliente está querendo, nem ele sabe. Então, essas alternativas

funcionam da seguinte maneira: se você consegue agrupar as

alternativas em um conceito, você agrupa dois três conceitos diferentes

com duas ou três alternativas, isso organiza melhor a maneira de

pensar. Você as vezes está lidando com coisas abstratas, e nem sempre

quem está recebendo isso tá instrumentado com uma linguagem, então

não há ressonância. Então eu tento levar essa conversa para um plano

comum, e não para um plano de difícil entendimento, com uma

linguagem truncada. Cada ramo de especialização tem uma linguagem

específica e, se você quiser, pode se apropriar dessa linguagem e

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transformá-la numa arma, num instrumento que dificulte a penetração

naquele campo.

Marco - Me conta agora, se você pudesse imaginar um designer

ideal, que tipo de qualidades, de habilidades você botaria nesse cara?

Traça um perfil de um designer . . .

Sérgio - Eu acho que um designer hoje tem que estar

extremamente ligado na tecnologia, todo dia está aparecendo uma

coisa nova. Achar que essa tecnologia, a informática, subtrai algum

valor do designer, é besteira, é querer andar pra trás. Por incrível que

pareça, a informática democratizou o design no escritório. A tela é um

campo aberto, você está sob fogo cerrado o tempo todo. Uma tela de 17

polegadas é um campo aberto no teu escritório. Quando você está

trabalhando com design, você está lidando com formas, as pessoas tem

uma certa inibição, se sentem inseguras especialmente quando estão

começando.

Um outro lado. Nós somos prestadores de serviço. Tem que

olhar o cliente. Não é que Ah, o cliente é o patrão, não é isso. Mas

estabelecer uma relação de troca, de confiança. Confiança implica até

em você ouvir um não. Mas confia que aquele não é de verdade: o cara

não está querendo te sacanear, te humilhar, nada. Simplesmente não é

aquilo que ele está querendo. Esta situação do prestador de serviço tem

que estar sempre muito clara. E um contrato em que a gente recebe isto

para fazer aquilo. E aquilo é uma coisa meio imponderável. Tem horas

que a gente está flutuando em uma área um pouco nebulosa.

A terceira coisa: é importante trabalhar em equipe. Eu acho que

você trabalha por acúmulo. Assim como um escritor vai treinando a

pena, o designer vai trabalhando o olho. E vai criando uma massa

crítica de maneira a ir podando os próprios erros. Essa atenção de

quando um trabalho deve parar é muito o exercício que você vai

adquirindo ao longo do tempo, saber aparar e saber parar.

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Marco - E a importância da intuição?

Sérgio - É uma soma de pequenos insights. Eu não diria que é

uma coisa de inspiração, mas de estar sempre ligado na possibilidade

do que aquilo que você está fazendo pode gerar mais na frente. Como

se fosse um acúmulo de acertos. Você agrega um outro elemento

àquilo que já estava indo, e você percebe que aquilo gerou um terceiro

caminho. Depende, é lógico, da sua bagagem, do seu conhecimento

acumulado.

Marco - E a informática, quando ela multiplica os instrumentos

para a criação, ela não atrapalha?

Sérgio - De certa maneira, ala pasteurizou um pouco. Tem uma

espécie de nivelamento onde desde o estudante até o profissional mais

graduado tem acesso à informação e aos instrumentos. Mas eu acho

isso extremamente bom - desafia aqueles que se propõem a ser

melhores. Se você aprisiona um determinado conhecimento em um

determinado grupo, tende a uma esclerose, a um processo

esquizofrênico. Esses conhecimentos encastelados, a informática veio

para banalizar o designo Por isso o designer acaba obrigado a se

diferenciar disso, a procurar uma linguagem: a adequar essa

tecnologia, mais o conhecimento adquirido, a uma linguagem própria,

uma linguagem dele.

Marco - E como é que você vê isso no seu trabalho?

Sérgio - Eu vejo como um acúmulo desta tecnologia com um

conhecimento anterior a essa tecnologia.

Marco - E quais são os critérios para julgar-se um trabalho bom

ou um trabalho ruim?

Sérgio - Ah, são critérios extremamente subjetivos. O design, em

uma certa medida, e após um determinado tempo, ele passa a ser um

objeto cultural. Eu não acho que na prática diária ele é um objeto

cultural. Por exemplo, uma mesa, desenhada na década de trinta por

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fulano de tal, era simplesmente uma mesa quando hoje é um objeto

cultural. Com o design gráfico é a mesma coisa. Hoje já existem alguns

ícones, trabalhos feitos em uma determinadas época, as vezes um

folheto para vender não sei o quê, e se tornou uma peça de museu.

Tornou-se uma síntese daquele momento cultural. Eu passei por isso,

em uma pequena medida, mas passei. Na época do Cantão, quando a

gente começou a fazer as embalagens, as agendas, coisa e tal. . . dentro

do Cantão eu não tinha idéia da repercussão que aquilo estava tendo.

Foi o primeiro empresário que estava investindo em uma equipe de

designers para fazer embalagens, agendas, adesivos, promoções de

esportes e de eventos com esse tratamento gráfico. Só tinha a Fiorucci,

que era importado. Então, três anos depois do trabalho ter se iniciado,

estava dando uma repercussão enorme. As vendas aumentando, as

outras lojas começando a contratar outros designers para fazer a mesma

coisa . . . E hoje todas as lojas estão bem cuidadas, com suas marcas, isso

pra mim foi extremamente gratificante. Então o Cantão virou uma

espécie de paradigma para as outras empresas. Assim, eu acho

interessante essa passagem do design de um objeto utilitário para um

objeto cultural, um objeto de arte. Mas aí já distante no tempo do

contexto em que ele foi concebido. Por isso que eu acho difícil você ter

um julgamento do que está acontecendo, do que está sendo feito agora.

Existem afinidades, mas não é uma coisa consensual. Nas artes

plásticas, isso acontece de uma forma mais clara: são correntes,

tendências muito mais fortes. Em design isso é muito mais

fragmentado, isso não acontece com tanta clareza assim. Em alguns

países europeus e nos E.U.A., está acontecendo um movimento, o

deconstrutivismo, que vem lá da filosofia, mas que está promovendo

uma ruptura na maneira de você informar. Os dogmas da escola

européia, de uma informação clara, sucinta, limpa, isso já está

completamente detonado. Hoje a informação está muito mais truncada,

fragmentada, a imagem interage com a informação escrita e nisso a

informática contribuiu quase que 100%. Essa nova tendência veio via

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computador. As pessoas mais capazes começaram a utilizar o

instrumento não apenas para um aumento de produtividade, mas sim

como instrumento de formação de linguagem, alterando esses níveis

de comunicação. Eu até mandei uns recortes para o Boni. A TV Globo é

um desastre, muito pasteurizada, boba, sem graça. E com um potencial

enorme, eu trabalhei lá e sei disso. A MTV é sensacional.

Marco - O desenvolvimento dessa linguagem, se eu estou

entendendo, ela está ficando um pouco mais barroca. Como manter

uma identidade no meio de toda esta fragmentação?

Sérgio - O computador te permitiu a manipulação dos

elementos que compõe um determinado projeto de uma forma mais

livre. Você vai superpondo os pequenos insights que você vai tendo.

Vai estabelecendo livres associações. Você tangibiliza o livre

relacionamento entre os elementos.

Agora, o que acontece na prática, com isso que se chama

intuição, é a manipulaçãO dos dados que você tem. Exemplo: um

cartaz. Você tem a foto do Momix, por exemplo. Você tem o nome da

peça. Você tem um outro grupo que vai se apresentar junto com o

Momix. A foto deste outro grupo. Os dias e a hora. Marcas que vão ter

que entrar ali. Aí, você vai montando. A solução final ficou bem legal.

Eram quatro grupos. E nós demos quatro soluções diferentes, uma

superposição de letras com tipografia diferente, uma coisa bem

truncada, ficou como se fossem quatro marcas, quatro diferentes

identidades. A tipografia é para o designer gráfico a matéria prima mais

importante. Todas as outras são apropriações de outro universo.

Marco - Em algum momento você teve que procurar a

inspiração? Como é que foi isso?

Sérgio - Quando você tem dificuldade em dar o primeiro

arranco você sai pesquisando. Pega livros e olha, vê soluções que já

foram feitas em outra época, dali você parte. Os livros, em geral são da

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própria área. Eu busco livros de outras áreas quando o conceito já está

amarrado, então eu posso buscar, por exemplo, em um dicionário de

inglês do começo do século. Mas o problema é o conceito - com o

conceito bem amarrado, você caminha pelas próprias pernas.

Marco - Agora, mergulhando um pouco na questão do tempo,

como é que você organiza o teu tempo de trabalho?

Sérgio - Isso é a coisa mais difícil. O nosso trabalho tem um

começo, meio e fim. Etapas muito definidas. Tem uma primeira etapa

que é o briefing, onde num contato com o cliente você faz uma tomada

de informações. A segunda etapa é fazer uma proposta, que nem

sempre é uma coisa muito simples. Para alguns clientes, eu estou

fazendo uma proposta já conceitual. Aí, uma vez tudo isso aprovado,

entra a fase de layout, a fase que consome 80% do tempo.

Marco - E como é que você organiza o tempo nesta fase? Você

tem mais de um trabalho ao mesmo tempo, sai de um para o outro,

como é que é isso?

Sérgio - Tenho. Eu procuro dividir o trabalho na equipe sempre

dois a dois. Essa dinâmica de como as coisas vão acontecendo não tem

muita lógica. As vezes um dá início a um trabalho, daqui a pouco o

outro trabalha em cima daquilo, vai um pouco da disponibilidade de

tempo de cada um, aí os projetos vão andando meio que em paralelo.

Aí os projetos vão sendo resolvidos na medida em que o tempo vai

apertando. Há uma irregularidade muito grande no mercado, uma

hora tem muito trabalho, outra hora pouco trabalho - é uma sanfona,

tem que administrar essa sanfona, não é uma coisa muito linear, onde

você pode se organizar etc.

Marco - Você separa bem o tempo de lazer do tempo de

trabalho?

Sérgio - Eu gosto muito de trabalhar fora de casa. Gosto de sair

de casa e depois voltar para casa. Um ritual. Agora, eu gostaria de ter

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um computador em casa, para experimentar etc. Agora, eu me

considero um cara privilegiado. Eu não tenho nenhuma expectativa de

ganhar muito dinheiro, ainda mais aqui no Rio de Janeiro. Mas em

lugar nenhum do mundo se ganha muito dinheiro com o designo Eu

estava lendo uma matéria, nos E.V.A. são muito poucos os negros que

vão estudar designo Aí fizeram uma pesquisa, e descobriram porque.

Porque o design não oferece uma perspectiva de acúmulo de riquezas.

É uma profissão daquele cara que já tem uma estabilidade em casa e

tem o dom para aquilo, gosta etc. De repente, ser advogado,

engenheiro, as possibilidades de crescer, acumular riqueza, é muito

maior. Assim, meu trabalho não é uma coisa que me cansa, que eu diga

- mas que saco - e tudo o mais. Eu faço aquilo que eu gosto. Tem gente

que fica louco para chegar o fim de semana para poder fazer um

churrasco, para poder ir à praia.. . eu não. Se tiver que fazer um

trabalho, eu faço, vou me sentir super bem, não vai me violentar. Tem

um outro lado, de desgaste, que todo trabalho traz. Cliente enchendo o

saco, tempo apertado etc. Mas no balanço, vale a pena.

Marco - Como você relaciona rotina e criatividade?

Sérgio - Isso comigo aconteceu um fato. Eu trabalhava numa

empresa em que eu tinha uma relativa estabilidade, boa situação

financeira . . . mas chegou uma hora que eu bati a cabeça no teto. Eu

pensei: se eu não me mexer agora, eu não tenho mais o que fazer, vou

ficar aqui o resto da vida. E aí, aconteceu o seguinte. De certa maneira

havia uma rotina. Apesar de fazer projetos diferentes, mas o escopo era

o mesmo. O enfoque era o mesmo. Mudava-se o objeto mas o enfoque

era o mesmo. Aí, eu sai exatamente com o objetivo de quebrar essa

rotina. O tipo de cliente que eu menos procurei foi o cliente de moda,

que era o cliente mais óbvio. Mas eu queria trabalhar para bancos, para

indústria, para editora, todo tipo de negócio, e quanto mais diferente

fosse, melhor. Era isso o que eu queria e foi isso o que a gente

conseguiu. Isso quebra a rotina.

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Agora, eu acho que tem várias COlsa que interferem na

criatividade. A rotina é uma delas, pode levar a um embrutecimento.

Você passa a cumprir apenas o que está estabelecido. Agora, tem um

outro fator também. Até um amigo meu passou por isso. Ele ganhou

um prêmio, no Salão de Verão, patrocinado pelo Jornal do Brasil, lá no

MAM. Isso em 74. Aí, o presidente do júri, um holandês, crítico de

arte, um velhinho, que foi quem decidiu, estava entre ele e um outro .. . Aí, ele ganhou o prêmio, uma viagem à Europa. Foi pra Holanda,

começou a trabalhar na Holanda, mora até hoje lá. Aí, descobriu que,

se você apresentasse para o governo holandês um portfolio e disse: -

ah, minha produção é esta, faço gravuras etc, o governo holandês

bancava tua produção. Você tinha que apresentar por ano tantas

gravuras, ganhava tanto e aquilo dava para pagar a tua permanência

no país. Aí, ele procurou o velhinho. PÔ, eu brasileiro, aqui, tendo essa

garantia, né? Aí o velhinho pra ele - olha, eu assino sem problema.

Agora, você está condenando o seu trabalho à morte. Porque esses

artistas que vivem disso, olha como está a produção deles, atolada de

trabalhos medíocres. Esses caras perderam o estímulo. Quer dizer, foi

uma espécie de burocratização da arte. Eu acho que esse ponto, no

tocante à rotina, a rotina remunerada, quando você acaba com a

competitividade mata com uma cadeia importante. Quando o sujeito

não é estimulado a se mexer ele está condenado a afundar. Pode até

não ser bem sucedido, eu estou falando de uma outra coisa, existencial

e genérica. Eu, quando saí do Cantão, foi muito difícil, ganhei uma

insônia por causa disso, na época era o final do governo Sarney e início

do Collor, mas não me arrependo, eu queria quebrar com a rotina.

Agora, eu acho que nem todo mundo tem a veia empreendedora. Não

dá para obrigar todo mundo a ser assim. Essa política ultraliberal leva

até a essa coisa: todo mundo tem que ser empreendedor. Eu acho que

não.

Marco - E como é que você relaciona Jornada de Trabalho e esse

tipo de produção?

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Sérgio - Bom, eu tenho que ter essa carga de horário porque,

pelo tipo de serviço que a gente presta, as empresas funcionam assim.

É um espaço em que a gente resolve as coisas. É muito comum eu ir

para o trabalho no sábado porque o telefone não toca, a secretária não

fica atrás da gente e tudo o mais. Também, eu costumo trabalhar em

grupo, é importante estar junto ali durante um espaço do dia. No meu

caso, é importante ter esse tempo cumprido, mas não com rigor. Cada

um, lá no escritório, chega numa hora e sai numa hora diferente. O

importante é que a gente se cruze e, nesse momento haja uma troca. Eu

lí o livro do Sernler, uma flexibilização do tempo de trabalho etc. O

empregado se sentiu mais dono do seu tempo e, ao invés dele se

adequar à empresa, esta se adequou a ele. A rotina de uma linha de

produção é muito mais complexa de você harmonizar, do que um

escritório de uma empresa de serviço, onde você pode harmonizar com

muito mais facilidade. Mas ele conseguiu fazer isso com algum

sucesso.

Marco - E se uma lei divina dissesse que você tem que chegar às

oito da manhã e sair às seis da tarde, como é que isso impactaria a

qualidade do seu trabalho ao longo do tempo?

Sérgio - Do ponto de vista psicológico seria muito ruim. Ia ser

uma complicação, eu ia perder essa flexibilidade. Na qualidade, de

alguma maneira, ia afetar. Qualquer coisa que vai de encontro ao teu

temperamento, a tua maneira, afetaria o trabalho. De uma maneira

negativa, mas não ia liquidar. Esse negócio de você trabalhar usando a

criatividade, ao longo do tempo, uma interferência emocional começa a

ser administrada.

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 00

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Anexo 11

Entrevista com um Músico

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

Anexo 11: Entrevista Com um Músico - Danilo Caymmi

A entrevista a seguir foi realizada na residência do músico Danilo

Cayinrni, situada no bairro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, durante parte

da noite de 11 de agosto de 1994, portanto aproximadamente cinco meses antes

do falecimento do nosso aquariano Tom Jobim. Danilo é o segundo filho de

Dorival Caymmi, tendo constituído ao longo de mais de vinte anos de trabalho,

obra representativa e importante dentro do cenário da Música Popular

Brasileira.

Marco - Danilo, pode-se perceber hoje uma insatisfação muito

grande das pessoas com o trabalho, principalmente com relação ao

tempo de trabalho, um confinamento . . .

Danilo - É, quanto à liberdade que se dá às pessoas, eu tanto

busco essa liberdade dentro dos meus horários como dentro do meu

trabalho. Durante os dez anos em que eu trabalhei com um grupo

grande, no caso administrando o grupo do Tom Jobim durante dez

anos, eu sempre procurei fazer com que essas pessoas tivessem um

conforto. Não adianta você dar uma carga horária e dizer - olha, vamos

ensaiar milhares de dias e não sei quantas horas - às vezes você se

depara com uma pessoa que não está legal, não está rendendo, então

não adianta você forçar determinadas situações. E, no meu caso, eu

tinha que ter sensibilidade de ver esse rendimento, às vezes até do

próprio Tom, principalmente do próprio Tom. Então, na minha vida

pessoal, também, eu administro essas coisas, ou seja, eu não tenho

horário. As vezes calha de uma semana estar super congestionada,

então eu preciso mesmo de um gerenciamento. Eu uso muito o Lotus

Organizer, uso muito o computador como auxílio ao meu trabalho.

Veja que não é pra música, nada disso não. Eu uso especialmente para

o gerenciamento da minha vida, ou seja, de horários, de agenda, isso é

que é o fundamental. Outros colegas trabalham com softwares de

música mas no meu caso não.

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 02

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Dissertação de Mestrado: COPPEADIUFRJ 1996

E tem essa coisa. Acabei de gravar um disco agora. O trabalho

confinado nessa fase de estúdio me irrita profundamente.

Marco - E por: que? - � . . Danilo - Você vê, é pouco o tempo que eu paro no estúdio. Tem . ' .

gente que adora. Eu tenho um amigo, esse grande arranjador Ari

Sterlen, ele vive no estúdio. Passa seis meses direto, sabe, o sujeito nem

vê o sol. Tem gente que gosta desse trabalho. Eu não. Eu tenho hábitos

muito diurnos. Embora meu trabalho envolva fazer shows que

começam onze, onze e meia da noite, mas eu sou um homem que

acorda cedo, gosto de acordar cedo. E não sou s6 eu não, várias outras

pessoas, inclusive o Tom Jobim é um cara que acorda muito cedo e

trabalha muito cedo, usa a parte da manhã. Eu uso muito a parte da

manhã, ou seja, eu levanto, procuro fazer um exercício físico, eu corro

aqui na Lagoa sempre que não estou viajando. Aí venho e vou para o

telefone e o computador, vejo como é que está minha vida, se é um

ensaio, se tenho que me preparar para algum show, então a gente vai

administrando essas coisas. Mas, no caso do confinamento, o qual eu

vejo um paralelo com o trabalho no estúdio, não tem janela! é uma

caixa. Você canta voltado para uma parede. Você quer um troço mais

impessoal que isso? Porque a parede reflete o som melhor, né? Então

parece como se você estivesse horas ali dentro do estúdio. Mas é uma

coisa que a gente tem que passar, faz parte da profissão.

Eu fiz arquitetura, sou quase arquiteto, cheguei a trabalhar

como arquiteto um pouquinho, mas eu detestava aquele cotidiano.

Chegar em determinada hora e ficar, obedecer aquele horário. Não

adiantava nada, em termos de criação, não dava nem para criar, como

se você estivesse tolhido. Não tinha atrativos.

Marco - Mas eu vou te pedir para explorar isso aí um pouco

mais. O que atrapalhava sua criação?

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 03

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

Danilo - Você ficar olhando para uma parede, para �a

prancheta, ter que realizar um trabalho, uma coisa muito mecânica. E . embora a arquitetura já tenha outras conotações mas, naquele

momento, eu estava estU'dando, era estagiário e tinha que desenhar. _ . Mas esse é o cotidiano do arquiteto.

Marco - Mas mudando um pouco de assunto, você tem na

cabeça a imagem do músico, as habilidades que um músico tem que

ter. Me fala um pouco sobre isso.

Danilo - Olha, acho que atualmente no meu meio, meio de

música, vamos dizer que o sonho acabou. Ou você é essencialmente

profissional, ou não consegue sair do lugar. Por que? Porque é um

ambiente altamente competitivo. Voçê tem que ter uma performance

boa no palco, você cumpre uma série de compromissos. Se o cara chega

sempre atrasado, isso já é um problema terrível. Então, o próprio meio

vai expulsando as pessoas que não atendem essas necessidades. E que,

aparentemente, as pessoas que estão de fora não têm idéia, as

cobranças são em demasia. O caso do Tim Maia, um cara excepcional,

mas isso prejudica ele, e muito. Não são aceitos Tim Maias, as pessoas

vão sendo marginalizadas, fecham a porta de uma televisão, de uma

gravadora. Para um jovem músico hoje, as pessoas estudam muito

mais que eu estudei no meu tempo, porque o mercado é muito

fechado. Não só aqui como no exterior também, meu irmão [ Dori

Caymmi] conta. Isso é uma tendência mundial, o músico se

profissionalizou demais. E por que? Porque uma industria

fonoaudiomecânica movimenta bilhões de dólares ao ano. Então nós

somos a mão-de-obra de uma indústria onde há muito dinheiro

envolvido. A música é uma linguagem universal, então descobre-se

um camarada aqui e ele vai vender pelo mundo inteiro. Ou seja, entre

os meus pares eu sei reconhecer quando o cara é profissional ou não é

profissional.

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 04

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD!UFRJ 1996

E tem essa coisa. Acabei de gravar um disco agora. O trabalho

confinado nessa fase de estúdio me irrita profundamente.

Marco - E por que?

Danilo - Você vê, é pouco o tempo que eu paro no estúdio. Tem

gente que adora. Eu tenho um amigo, esse grande arranjador Ari

Sterlen, ele vive no estúdio. Passa seis meses direto, sabe, o sujeito nem

vê o sol. Tem gente que gosta desse trabalho. Eu não. Eu tenho hábitos

muito diurnos. Embora meu trabalho envolva fazer shows que

começam onze, onze e meia da noite, mas eu sou um homem que

acorda cedo, gosto de acordar cedo. E não sou só eu não, várias outras

pessoas, inclusive o Tom Jobim é um cara que acorda muito cedo e

trabalha muito cedo, usa a parte da manhã. Eu uso muito a parte da

manhã, ou seja, eu levanto, procuro fazer um exercício físico, eu corro

aqui na Lagoa sempre que não estou viajando. Aí venho e vou para o

telefone e o computador, vejo como é que está minha vida, se é um

ensaio, se tenho que me preparar para algum show, então a gente vai

administrando essas coisas. Mas, no caso do confinamento, o qual eu

vejo um paralelo com o trabalho no estúdio, não tem janela, é uma

caixa. Você canta voltado para uma parede. Você quer um troço mais

impessoal que isso? Porque a parede reflete o som melhor, né? Então

parece como se você estivesse horas ali dentro do estúdio. Mas é uma

coisa que a gente tem que passar, faz parte da profissão.

Eu fiz arquitetura, sou quase arquiteto, cheguei a trabalhar

como arquiteto um pouquinho, mas eu detestava aquele cotidiano.

Chegar em determinada hora e ficar, obedecer aquele horário. Não

adiantava nada, em termos de criação, não dava nem para criar, como

se você estivesse tolhido. Não tinha atrativos.

Marco - Mas eu vou te pedir para explorar isso aí um pouco

mais. O que atrapalhava sua criação?

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 03

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Danilo - Você ficar olhando para uma parede, para uma

prancheta, ter que realizar um trabalho, uma coisa muito mecânica. E

embora a arquitetura já tenha outras conotações mas, naquele

momento, eu estava estudando, era estagiário e tinha que desenhar.

Mas esse é o cotidiano do arquiteto.

Marco - Mas mudando um pouco de assunto, você tem na

cabeça a imagem do músico, as habilidades que um músico tem que

ter. Me fala um pouco sobre isso.

Danilo - Olha, acho que atualmente no meu meio, meio de

música, vamos dizer que o sonho acabou. Ou você é essencialmente

profissional, ou não consegue sair do lugar. Por que? Porque é um

ambiente altamente competitivo. Você tem que ter uma performance

boa no palco, você cumpre uma série de compromissos. Se o cara chega

sempre atrasado, isso já é um problema terrível. Então, o próprio meio

vai expulsando as pessoas que não atendem essas necessidades. E que,

aparentemente, as pessoas que estão de fora não têm idéia, as

cobranças são em demasia. O caso do Tim Maia, um cara excepcional,

mas isso prejudica ele, e muito. Não são aceitos Tim Maias, as pessoas

vão sendo marginalizadas, fecham a porta de uma televisão, de uma

gravadora. Para um jovem músico hoje, as pessoas estudam muito

mais que eu estudei no meu tempo, porque o mercado é muito

fechado. Não só aqui como no exterior também, meu irmão [ Dori

Caymmi] conta. Isso é uma tendência mundial, o músico se

profissionalizou demais. E por que? Porque uma industria

fonoaudiomecânica movimenta bilhões de dólares ao ano. Então nós

somos a mão-de-obra de uma indústria onde há muito dinheiro

envolvido. A música é uma linguagem universal, então descobre-se

um camarada aqui e ele vai vender pelo mundo inteiro. Ou seja, entre

os meus pares eu sei reconhecer quando o cara é profissional ou não é

profissional.

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Marco - E quanto ao papel da criatividade nessa coisa toda,

como é que você vê isso?

Danilo - Olha, é muito grande. Além da criatividade que você

tem que ter quando compõe, além da sua criatividade como intérprete

no palco, eu tenho que ter criatividade para gerenciar e conduzir a

minha vida profissional. O próprio marketing da minha vida

profissional.

Marco - Você desempenha dois papéis: o de intérprete e o de

compositor. E como é que a intuição entra no desempenho desses dois

papéis?

Danilo - Vou falar como compositor. Nós trabalhamos, eu e

Dudu Falcão, que é meu parceiro mais constante, com música sob

encomenda, por exemplo, para a televisão. Quando é um tema, vou

citar um caso: Tonho da Lua. Ah, como é que é o cara? Ah, o cara é um

sujeito meio besteirão, fica na praia fazendo uns castelos de areia, e tal.

E s6 isso. E aí que entra. Você tem que intuir um briefing, uma

atmosfera que não deram a você. E a partir disso sair para um

trabalho. E a intuição, eu acredito nela, mais que na inspiração. A

intuição eu acho mais importante que a própria inspiração, porque eu

tenho que compor se a inspiração estiver ou não.

Marco - E como é que você procura essa intuição quando ela

não vem?

Danilo - Como eu venho de um ambiente muito competitivo, eu

gosto de competir também. Então, quando vem uma encomenda que

eu não estou conseguindo fazer, eu persigo, eu gasto até a última

energia. Aconteceu isso numa música minha e do Dudu chamada

Paraíso, da novela Mulheres de Areia. Nós fizemos a música e não deu

certo. O Dudu desistiu, eu fui pra Lagoa e enquanto estava correndo,

na cabeça e tal, voltei com a melodia, harmonizei e falei é isso aqui. E

deu certo. Me provoca, a competição é muito importante.

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 05

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Dissertação de Mestrado: COPPEAD/UFRI 1996

A competição faz com que eu me aprimore. Eu estou torcendo

para que o SBT entre e invista em música de novela para que haja um

parâmetro. Como o que aconteceu com Pantanal, que puxou o Riacho

Doce, puxou uma outra visão, uma outra linguagem em televisão.

Marco - E essa coisa de você buscar a intuição em outros

ambientes, como é que é isso?

Danilo - Eu vou muito para a Lagoa. E vou muito para

Shopping Center também. Vou com o Dudu, a gente vai para discutir a

idéia, a abordagem de determinado tema. No Riacho doce, por

exemplo, eu fiz música em engarrafamento, esse do Humaitá. Uma das

músicas, O Sonho se Perdeu, a idéia bateu. Deu aquele clic, né, que é

muito em cima do estímulo que você tem. Eu quero acertar, eu quero

chegar nesse ponto aqui. Eu sou capaz de fazer isso aqui. Eu já fui

muito descansado, mas hoje não. Enquanto houver dez por cento de

possibilidades, ou menos até, eu vou atrás. Agora, o ambiente de

trabalho, essa intuição acontece ... quer dizer, eu venho da Lagoa, aí

chego em casa e da cabeça não sai a idéia enquanto não registrar.

Marco - E a questão do controle do teu tempo de trabalho. Você

já falou sobre como você organiza teu trabalho. Agora, como você o

controla?

Danilo - É, eu tenho uma certa rotina. O exercício é uma

prioridade, porque eu tenho que estar em forma por causa do palco.

Então é um patternzinho, o exercício é fundamental. Aí venho e vou

para o computador. É quando eu olho meu dia e vejo possibilidades de

usar aquele meu tempo. As vezes são coisas, por exemplo, direito

autoral fora do Brasil. Eu pertenço a uma organização arrecadadora

chamada SACEN, na França. Então como eu tinha tempo agora nessa

entressafra do disco, eu cuidei muito dessa parte de correspondência,

mandando fax, agilizando uma parte que eu não tenho um escritório

de pessoas que cuidem disso pra mim. Eu cuido da estratégia da

minha vida. Tanto que, de um tempo para cá, eu passei a me interessar

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 0 6

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por jogos de estratégia no computador. Eu tenho, aliás graças a Deus,

uma visão de cima da minha vida. Eu pego uma corda e olho minha

vida de cima. Sempre dando uma visão de tudo. Geralmente, no

cotidiano, a gente está trabalhando em cinco, seis, sete coisas ao mesmo

tempo. E as vezes intuir um caminho no meio desse troço, pra onde

você vai centrar mais a sua carreira, isso é bem coisa de jogo mesmo.

Marco - Você separa bem o teu tempo de lazer do teu tempo de /

trabalho?

Danilo - As vezes não. Embora a gente viaje muito, mas é uma

viagem a trabalho. Então eu conheço milhares de lugares no mundo

inteiro, mas você está com a cabeça, você tem que fazer um show. Você

pode se divertir, é lógico que você se diverte, mas você não tem aquele

lazer - não tenho obrigação de show, de trabalho, de nada. Embora eu

não esteja em período de show, e vamos chamar o show de trabalho

mais repetitivo, eu estou meio sem essa ação do show mas estou

trabalhando em outro negócio. Tecnicamente eu só tenho uma semana

de férias. É aquela entre o Natal e o Ano novo. Eu fiz uma tentativa de

ir para Araras esse fim de ano e não consegui. E olha que Araras é

pertinho daqui. Outros artistas, que já têm uma outra situação, já é

diferente. Gilberto Gil, por exemplo, programa uma fase em que ele

vai parar. No caso o parar é nada a fazer. O ideal seria julho e

dezembro.

Marco - Qual seria a sua percepção sobre essas duas palavras -

rotina e criatividade?

Danilo - As idéias andam comigo. Agora, essa experiência de

trabalhar em prancheta, foi muito difícil trabalhar confinado.

Marco - E por que?

Danilo - Eu não gosto, eu gosto de estar pensando muito em

movimento. Se bem que eu passo muito tempo no computador, mas aí

não é trabalho criativo. Eu faço muita letra em computador, mas aí não

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 07

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é meu cotidiano. Eu sou um letrista bissexto. Aí eu vou utilizar o

computador o tempo que for. Aí eu saio cansado. O trabalho do

escritório não é legal pra mim. Se chegasse alguém pra mim e falasse:

olha Danilo, você tem essa sala aqui, com esses instrumentos, o que

quiser, não sei se teria uma produção legal não, viu? Não sei se sairia

um resultado bom.

Marco - E então você não precisa nem do instrumento, é uma

liberdade também do instrumento .. .

Danilo - É, eu faço música popular. Então a música vem a partir

de uma melodia. E essa melodia vem no ouvido interno. Eu estou

conversando com você mas tem um canal ligado numa certa melodia.

Aí eu vou usar as máquinas todas, os instrumentos, apenas para

registrar. Vou citar o exemplo do Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, o

plano Piloto foi feito num guardanapo de botequim, num botequim do

posto Seis. E isso não acontece necessariamente se você chegar e dizer:

tem que chegar todo dia aqui às seis horas da manhã, e tal. Eu tenho

amigos que trabalham com essa rotina. Fazendo Globo Repórter, no

caso o Ogian Rie com o Fantástico. Eles têm que entregar uma

sonorização . . . Agora é legal, para você ver, eu tenho um respeito

enorme ... O que esta rotina, a rotina do trabalho, toda semana

sonorizar o Fantástico, o que o cara começa a criar de caminhos, de

artifícios, que ele encontra dentro da rotina. Aí vem o negócio da

encomenda. O Globo Repórter varia, são os assuntos os mais diversos.

Agora na situação de um autor, se você pegar o Caetano Veloso e

entregar um violão na mão dele, a menos que eu esteja muito

enganado, acho que dificilmente vai sair alguma coisa: Caetano, você

vai chegar aqui as oito horas da manhã, um break para o almoço e vai

sair às cinco horas.

Agora, se você der o estímulo, se as pessoas forem estimuladas,

elas reagem em qualquer situação. O que falta é o estímulo para a

criatividade, é o motivo. É o tesão. Se não tiver, não vai. E mais, o

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 08

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astral de pessoas que trabalham em grupo tem que ser perfeito. Eu

jamais, eu falei isso no jornal, eu jamais colocaria o Romário em algum

grupo que tivesse que trabalhar com a criatividade. É um caso atípico,

eu não sei o que ocorreu lá dentro, mas deve ter sido bastante difícil

administrar aquele negócio, aí eu passei a admirar o Parreira muito

mais por essa situação de jogo de cintura para segurar uma situação

dessa. Eu jamais colocaria . . . por que? Quando eu cheguei no meu disco

e a produção era do Roberto Menescal, e ele já mandou do lado de lá,

porque eu acho que o astral dentro do estúdio tem que ser uma coisa

legaL E no ambiente de trabalho, que eu acho que estressa muito as

pessoas, a competitividade, é uma porta só para passar todo mundo, o

uso indevido do poder . . . Você quer conhecer uma pessoa você dá um

cargo de chefia a ela. Essas relações humanas são diretamente ligadas

ao processo criativo. É diretamente proporcionaL São dez anos que eu

trabalho com o Tom e nunca houve uma briga.

Marco Aurélio Cabral Pinto 1 D9