artur luiz santana moreira - coppead.ufrj.br · aos titulares das coordenadorias estaduais de...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAO
ARTUR LUIZ SANTANA MOREIRA
GESTO DE SISTEMAS ESTADUAIS OFICIAIS DE AJUDA HUMANITRIA NO
BRASIL: UMA PROPOSTA DE OBJETIVOS ESTRATGICOS E INDICADORES DE
DESEMPENHO
Rio de Janeiro, RJ Brasil
2015
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ARTUR LUIZ SANTANA MOREIRA
GESTO DE SISTEMAS ESTADUAIS OFICIAIS DE AJUDA HUMANITRIA NO
BRASIL: UMA PROPOSTA DE OBJETIVOS ESTRATGICOS E INDICADORES DE
DESEMPENHO
Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Ps-
Graduao em Administrao do Instituto COPPEAD de
Administrao, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessrios obteno do
ttulo de Doutor em Administrao.
Orientador: Prof. Dr. Kleber Fossati Figueiredo, PhD.
Rio de Janeiro, RJ Brasil
2015
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GESTO DE SISTEMAS ESTADUAIS OFICIAIS DE AJUDA
HUMANITRIA NO BRASIL: UMA PROPOSTA DE OBJETIVOS
ESTRATGICOS E INDICADORES DE DESEMPENHO
ARTUR LUIZ SANTANA MOREIRA
Tese de Doutorado submetida Banca Examinadora do Instituto COPPEAD de
Administrao, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos
requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Administrao.
Aprovada por:
_____________________________________________ (Presidente da Banca)
Prof. Kleber Fossati Figueiredo, Ph.D. - Orientador
(COPPEAD/UFRJ)
____________________________________________
Prof. Vicente Antonio de Castro Ferreira, D.Sc.
(COPPEAD/UFRJ)
____________________________________________
Prof. Eduardo Espndola Halpern, Ph.D.
(IBMEC)
____________________________________________
Prof. Nival Nunes de Almeida, D.Sc.
(UERJ)
____________________________________________
Prof. Jos Geraldo Pereira Barbosa, D.Sc.
(UNESA)
Rio de Janeiro
2015
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DEDICATRIA
minha famlia, pelo apoio durante os quatro anos necessrios obteno do ttulo de
doutor em Administrao e pela compreenso durante os momentos que deixei de ser filho,
marido e pai na plenitude que esses papeis merecem.
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AGRADECIMENTOS
Aos professores do programa de doutorado em Administrao do Instituto COPPEAD
da Universidade Federal do Rio de Janeiro pela generosidade com que transmitiram seus
conhecimentos e experincias pessoais.
Aos funcionrios administrativos desse mesmo instituto, por se mostrarem sempre
disponveis e motivados para facilitar e apoiar os trabalhos de pesquisa de cada doutorando
matriculado no programa. Agradeo especialmente a Ticiane de Albuquerque Lombardi,
Secretria Executiva do programa de doutorado em Administrao da COPPEAD, que esteve
sempre disponvel para facilitar e agilizar quaisquer processos burocrticos necessrios
consecuo desta pesquisa.
Ao Professor Kleber Figueiredo, por sua considerao e comprometimento com o
programa de doutorado da COPPEAD e comigo, ao se disponibilizar para terminar o processo
de orientao desta tese quando a relao anterior entre orientador e orientado no pde ter
continuidade.
Escola de Guerra Naval, pelo apoio que recebi durante esses quatro anos,
compreendendo os momentos que tive de dividir meu tempo com estudos e pesquisas e com
as minhas atividades normais naquela Escola. Agradeo especialmente aos seus diretores
nesse perodo, os Vice-Almirantes Almir Garnier Santos e Cludio Portugal de Viveiros, e os
Contra-Almirantes (RM1) Ricardo Albergaria Claro e Antonio Fernando Garcez Faria,
Diretor atual, bem como ao Chefe de Departamento de Ensino, Contra-Almirante (Ref.)
Reginaldo Gomes Garcia dos Reis e aos Chefes da rea de Logstica e Mobilizao, os
Capites-de-Fragata (IM) Carlos Eduardo Lopes de Oliveira e Renato Cruz Teixeira.
Ao Exmo Sr. General de Exrcito Adriano Pereira Jnior, por ter facilitado o acesso a
informaes e posies oficiais da Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil, bem como
aos titulares das Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil, listados no Apndice A, aos
quais tambm agradeo, pois, quando no disponibilizaram seu prprio tempo para responder
a esta pesquisa, indicaram os servidores mais adequados de suas coordenadorias para tal.
Aos respondentes da pesquisa, listados no Apndice B, por sua pacincia com tempo
que lhes foi exigido em funo das diversas interaes que o mtodo exigiu, e pela
competncia para contribuir significativamente com a construo do modelo final.
Ao Coronel Bombeiro Militar da reserva do Estado do Rio de Janeiro Joo Paulo Mori,
que, com suas experincias na Defesa Civil daquele estado e na Secretarial Municipal de
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Defesa Civil de Nova Friburgo RJ, contribuiu com suas crticas para o aperfeioamento dos
questionrios antes de eles serem submetidos aos respondentes.
graduanda em Administrao Pblica pela Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO) e monitora de pesquisa naquela instituio Marcella Andrade Lemos Silva,
por seu auxlio incansvel na manuteno dos prazos deste trabalho por meio de seus
constantes contatos com os Coordenadores Estaduais de Defesa Civil e respondentes da
pesquisa.
s bibliotecrias da Escola de Guerra Naval, a CF(RM1-T) Josiane Marques de Moura
Magalhes e a Servidora Civil Cremilda Santos pelo apoio prestado na reviso das referncias
bibliogrficas.
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RESUMO
MOREIRA, Artur Luiz Santana. Alinhamento estratgico entre processos e desempenho nos
sistemas estaduais oficiais de ajuda humanitria no Brasil em situaes de crise, 320 fl. Tese
(Doutorado em Administrao) - Instituto Coppead da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.
O objetivo desta tese foi identificar, com o auxlio da ferramenta de planejamento
estratgico e de gerenciamento de desempenho Balanced Scorecar (BSC), os macro processos
dos sistemas estaduais brasileiros de ajuda humanitria (Defesa Civil), que devem ser
alinhados com a misso estratgica desses sistemas, e indicar formas de aprofundar o
alinhamento organizacional dos mesmos, como consequncia direta da capacidade de se
criarem indicadores de desempenho adequados. Para tanto, foi realizada, inicialmente, uma
ampla reviso da literatura para buscar a origem da ajuda humanitria, as fases das aes
humanitrias, os indicadores de desempenho pertinentes, a coordenao de diversos atores
atuando nessas fases, a coordenao por um Sistema de Comando em Operao, o papel da
logstica humanitria, o conceito de BSC e seu uso em organizaes pblicas. A seguir, foi
apresentado um primeiro delineamento do sistema a ser liderado por cada estado, sua misso,
os objetivos do BSC, as relaes de causa e efeito entre estes processos, e os indicadores de
desempenho correspondentes. No momento seguinte, foi utilizada a metodologia Delphi para
levantamento de dados. Os 27 coordenadores estaduais de Defesa Civil (26 estados e Distrito
Federal), juntamente com a Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil foram ouvidos ao
longo de trs rodadas Delphi. Na primeira rodada, foi apresentado um questionrio
semiaberto aos respondentes, que tiveram a oportunidade de criticar e ampliar o modelo. O
modelo originalmente proposto foi revisto com essas contribuies. Na segunda rodada
Delphi, um novo questionrio foi aplicado, desta vez fechado, com cinco possveis escalas de
corcordncia/discordncia com cada proposio, para confirmar a aceitabilidade do modelo.
Apesar do carter exploratrio e qualitativo da pesquisa, trs sinalizadores quantitativos foram
utilizados nesta segunda fase para avaliar o grau de concordncia: proporo simples,
coeficiente de variao e teste qui-quadrado. Na terceira fase, uma nova consulta aberta foi
feita aos respondentes para que estes ratificassem e complementassem algumas questes
pontuais. Ao final da pesquisa, foram definidos: que organizaes pblicas e da sociedade
civil deveriam potencialmente participar do planejamento estratgico das Defesas Civis
estaduais; que misso essa organizaes virtuais deveriam seguir, quais as relaes de causa e
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efeito entre os objetivos dos BSC do modelo; e que indicadores de desempenho seriam mais
adequados para esses objetivos.
Palavras-chave: BSC, mtodo Delphi, Defesa Civil, Ajuda Humanitria, Logstica
Humanitria.
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ABSTRACT
This thesis aimed to identify with the use of a strategic planning and performance
management tool Balanced Scorecard (BSC), the macro processes of Brazilians state systems
of humanitarian aid (Civil Defense), which should be aligned with the systems strategic
mission, and to indicate measures to deepen their organizational alignment as a direct result of
the ability to create appropriate performance indicators. Thus, a comprehensive review of the
literature was initially held to find the origin of humanitarian aid, as well as the phases of
humanitarian actions, the relevant performance indicators, the coordination of various agents
working in those phases, the coordination by an Operations Command System, the role of
humanitarian logistics, the concept of the BSC and its use in public organizations.
Subsequently, a preliminary system design was presented to be led by each state, their
mission, BSCs macro process, cause and effect relation between these processes and
corresponding performance indicators. Afterwards, the Delphi method was used for data
collection. The 27 state coordinators of Civil Defense (26 states and the Federal District),
along with Nacional Protection and Civil Defense Secretaria were heard over three Delphi
rounds. In the first round, a semi-open questionnaire was presented to respondents, who had
the opportunity to criticize and enlarge the presented model. The originally proposed model
was revised including their considerations. In the second Delphi round, a new questionnaire
was applied, this time limited by five possible agreement / disagreement scales with each
proposition, intending to confirm the acceptability of the model. Despite the exploratory and
qualitative characteristic of this research, three quantitative flags were used in the second
phase to assess agreement degree: simple proportion, variation coefficient and chi-square test.
In the third phase, a new open consultation was made to the respondents so they could ratify
and complement some specific issues. At the end of the study, it was defined: that public and
civil society organizations should potentially participate in the strategic planning of state Civil
Defenses; which mission these virtual organizations should follow; what are the relations of
cause and effect between the strategic objetives of the models BSC; and which performance
indicators would be most appropriate for these strategic objetives.
Keywords: BSC, Delphi Method, Civil Defense, Humanitarian Aid, Humanitarian Logistics.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01E: Aes Integradas de Defesa Civil............................................................ 293
Figura 02: Tipologia de relacionamento de ajuda humanitria baseada em atores e
tendo as ONG como foco de anlise........................................................
56
Figura 03: Estrutura Principal do SCO...................................................................... 65
Figura 04F: Estrutura Possvel da Funo Operaes no SCO.................................... 299
Figura 05F: Estrutura da Funo Planejamento no SCO............................................. 301
Figura 06F: Estrutura da Funo Logstica no SCO.................................................... 302
Figura 07F: Estrutura da Funo Administrao no SCO........................................... 303
Figura 08: Relaes de causa e efeito da estratgia segundo o
BSC..........................................................................................................
74
Figura 09: As quatro perspectivas do BSC propostas por Kaplan e Norton.............. 76
Figura 10: Estrutura de mensurao para redes logsticas humanitrias................... 79
Figura 11: Estrutura de desempenho humanitrio..................................................... 82
Figura 12: Modelo de interao de atores para o planejamento de resposta a crises
humanitrias no Brasil..............................................................................
102
Figura 13: Mapa estratgico de BSC de reduo de riscos nos GC/GPPEC............. 115
Figura 14: Fluxo de Desenvolvimento da Pesquisa................................................... 128
Figura 15: Grfico Qui-Quadrado.............................................................................. 140
Figura 16: Novo Modelo para o GPPEC aps a primeira rodada Delphi.................. 147
Figura 17: Mapa Estratgico do BSC do GPPEC aps primeira rodada Delphi....... 189
Figura 18: Alinhamento entre processo e desempenho............................................. 212
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LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 01E: Evoluo das brigadas de incndio na antiguidade............................................. 257
Quadro 02E: Evoluo das brigadas de incndio na era moderna........................................... 258
Quadro 03E: Evoluo das brigadas de incndio na Gr-Bretanha......................................... 260
Quadro 04E: Desastres provocados por causas naturais.......................................................... 262
Quadro 05E: Desastres provocados por causas tecnolgicas................................................... 263
Quadro 06E: Evoluo dos corpos de bombeiros no Brasil..................................................... 264
Quadro 07E: Componentes e Atividades dos rgos Municipais de Defesa Civil................. 289
Quadro 08E: Informaes Levantadas para Estruturao ou Reestruturao de um
COMDEC...........................................................................................................
290
Quadro 09E: reas de Atuao das COMDEC e Atividades Desejadas................................. 290
Quadro 10: Principais fatos humanitrios do sculo XIX..................................................... 35
Quadro 11: Atividades tpicas de gerenciamento e operaes de desastre............................ 45
Quadro 12: Construo de relacionamento em cadeias logsticas humanitrias................... 59
Quadro 13: Principais caractersticas operativas das organizaes humanitrias.................. 60
Quadro 14: Classificao dos Desastres em termos de Intensidade, Evoluo e Origem. 64
Quadro 15: Matriz de Coordenao....................................................................................... 70
Quadro 16: Nveis de maturidade no gerenciamento de processos....................................... 83
Quadro 17: Fases e Atividades em Planos de Defesa Civil no Brasil.................................... 88
Quadro 18: Padres Bsicos Definidos pelo Sphere Project.............................................. 91
Quadro 19: Comparao entre cadeias de suprimentos comerciais e humanitrias.............. 95
Quadro 20: Medidas de desempenho comerciais do SCOR.................................................. 96
Quadro 21: Classificao dos indicadores quanto fase e modo de incio........................... 98
Quadro 22: Perspectiva financeira do BSC de reduo de riscos e ajuda humanitria......... 108
Quadro 23: Perspectiva aprendizado/crescimento do BSC de reduo de riscos e ajuda
humanitria.........................................................................................................
109
Quadro 24: Perspectiva processo interno do BSC de reduo de riscos e ajuda
humanitria.........................................................................................................
111
Quadro 25: Perspectiva cliente/cidado do BSC de reduo de riscos e ajuda
humanitria.........................................................................................................
113
Quadro 26: Passos de Elaborao de uma Pesquisa-ao...................................................... 124
Quadro 27: Resumo de sugestes de misses para o GPPEC aps a primeira rodada
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Delphi.................................................................................................................. 150
Quadro 28: Resumo das sugestes de indicadores de desempenho para diversas
perspectivas e objetivos do BSC do GPPEC aps a primeira rodada
Delphi..................................................................................................................
153
Quadro 29: Resumo das sugestes de objetivos financeiros para o GPPEC aps a primeira
rodada Delphi......................................................................................................
157
Quadro 30: Resumo de sugestes de indicadores de desempenho dos objetivos
financeiros do GPPEC aps a primeira rodada Delphi.......................................
161
Quadro 31: Perspectiva Financeira do BSC de Reduo de Riscos e Ajuda Humanitria
aps a primeira rodada de pesquisa Delphi.........................................................
163
Quadro 32: Resumo das sugestes de objetivos aprendizagem e crescimento para o
GPPEC aps a primeira rodada Delphi...............................................................
164
Quadro 33: Resumo das sugestes de indicadores de desempenho dos objetivos
aprendizado/crescimento do GPPEC aps primeira rodada Delphi...................
167
Quadro 34: Perspectiva Aprendizado e Crescimento do BSC de Reduo de Riscos e
Ajuda Humanitria aps a primeira rodada de pesquisa Delphi.........................
172
Quadro 35: Resumo das sugestes de objetivos processos internos para o GPPEC aps a
primeira rodada Delphi.......................................................................................
174
Quadro 36: Resumo de sugestes de indicadores de desempenho para o objetivo
processos internos do GPPEC aps a primeira rodada Delphi..........................,
176
Quadro 37: Perspectiva Processos Internos do BSC de Reduo de Riscos e Ajuda
Humanitria aps a primeira rodada de pesquisa Delphi....................................
180
Quadro 38: Resumo das sugestes de objetivos cliente/cidado para o GPPEC aps a
primeira rodada Delphi.......................................................................................
182
Quadro 39: Resumo de sugestes de indicadores de desempenho para o objetivo
cliente/cidado do GPPEC aps a primeira rodada Delphi................................
185
Quadro 40: Perspectiva Cliente / Cidado do BSC de Reduo de Riscos e Ajuda
Humanitria aps a primeira rodada de pesquisa Delphi....................................
187
Quadro 41: Objetivos ou indicadores com ampla aceitao que receberam sugestes de
aperfeioamentos na segunda rodada de pesquisa Delphi, sem necessidade de
serem reapresentados aos respondentes..............................................................
196
Quadro 42: Objetivos ou indicadores com alguma rejeio que foram eliminados ou mais
uma vez submetidos aos respondentes na segunda rodada de pesquisa
Delphi..................................................................................................................
199
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14
Quadro 43: Objetivos ou indicadores com alguma rejeio dos respondentes que foram
mantidos, sem a necessidade de serem mais uma vez submetidos aos
respondentes, na segunda rodada de pesquisa Delphi........................................
202
Quadro 44: Quadro 46 Modelo final do BSC para o GPPEC aps trs rodadas da
Metodologia Delphi............................................................................................
216
Tabela 01: Evoluo do nmero de desastres naturais e vtimas no mundo......................... 23
Tabela 02: Resultado Resumido do questionrio estruturado para a segunda roda Delphi
conforme questes listadas no Apndice I.....................................................
192
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI Atos Institucionais
ANA Agncia Nacional de guas
ARC American Red Cross
AVADAN Formulrio de Avaliao de Danos
BSC Balanced Scorecard
CEDECs Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil
CEMADEN Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais
CENAD Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres
CEPED Centro Universitrio de Estudos e Pesquisas sobre Desastres
CN Congresso Nacional
COMDEC Coordenao Municipal de Defesa Civil
CONDEC Conselho Nacional de Proteo e Defesa Civil
CONPDEC Conselho Nacional de Proteo e Defesa Civil
CPDC Carto de Pagamento de Defesa Civil
CPI Comisso Parlamentar de Inqurito
CPRM Compahia de Pesquisa de Recursos Minerais
CRED Centre for Research on the Epidemiology of Disasters
CW Concern Worldwide
DNOCS Departamento Nacional de Obras contra as Secas
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FCS Fatores Crticos de Sucesso
FIRESCOPE Firefighting Resources of California Organized for Potential Emergencies
ICS Incident Command System
IFOS Inspetoria Federal de Obras contra as Secas
IFRC International Federation of Red Cross and Red Crescent Societies
IOCS Inspetoria de Obras contra as Secas
FCS Fatores Crticos de Sucesso
FEANE Fundo de Emergncia e Abastecimento do Nordeste
FEMA Federal Emergency Management Agency
FIDENE Fundo de Investimento para o Desenvolvimento Econmico e Social do
Nordeste
FINOR Fundo de Desenvolvimento do Nordeste
FUNCAP Fundo Especial para Calamidades Pblicas
FUNOCS Fundo Nacional de Obras Contra as Secas
FURENE Fundo de Pesquisas e de Recursos Naturais do Nordeste
FAO Food and Agriculture Organisation
GADE Grupo de Apoio a Desastres
GC Gabinete de Crise
GPPEC Gabinete Permanente de Planejamento e Exerccios de Crise
GEACAP Grupo Especial para Assuntos de Calamidades Pblicas
HCR High Commissioner for Refuges
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ICRC International Committee of the Red Cross
ICS Incident Command System
IRO International Refugee Organisations
LRCS League of Red Cross Societies
MCTI Ministrio da Cincia Tecnologia e Inovao
MD Ministrio da Defesa
MI Ministrio de Interior
MIN Ministrio da Integrao Nacional
MPDC Manual de Planejamento em Defesa Civil
MS Ministrio da Sade
NIIMS National Interagency Incident Management System
NOPRED Formulrio de Notificao Preliminar de Desastre
NUDEC Ncleo de Defesa Civil
PNDC Poltica Nacional de Defesa Civil
REDEC Coordenadoria Regional de Defesa Civil
SCF Save the Children Fund
SCC Supply Chain Council
SCM Supply Chain Management
SCO Sistema de Comando em Operaes
SCOR Supply Chain Operations References
SEDEC Secretaria de Defesa Civil
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SNPDEC Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil
SIH Secretaria de Infraestrutura Hdrica
SINPDEC Sistema Nacional de Proteo e Defesa Civil
SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUS Sistema nico de Sade
SUVALE Superintendncia de Desenvolvimento do Vale do So Francisco
TCU Tribunal de Contas da Unio
UCL Universit Catholique de Louvain
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNICEF United Nations International Childrens Emergency Fund
UNISDR United Nation Office for Disaster Risk Reduction
UNHCR United Nations High Commissioner for Refugees
UNJLC United Nations Joint Logistics Center
UNRRA United Nations Relief and Rehabilitation
WHO World Health Organisation
WIR Workers International Relief
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SUMRIO
Captulo 1. INTRODUO.......................................................................................... 22
1.1 OBJETIVOS E PERGUNTA DA PESQUISA........................................... 28
1.2 JUSTIFICATIVA TERICA E RELEVNCIA DO TEMA..................... 29
1.3 DELIMITAO DO ESCOPO DO TEMA E LOCUS DA
PESQUISA...................................................................................................
31
Captulo 2. FUNDAMENTAO TERICA............................................................ 33
2.1 A ORIGEM DA AJUDA HUMANITRIA............................................... 33
2.2 AS CLASSIFICAES E FASES DE UM SISTEMA DE AJUDA
HUMANITRIA.........................................................................................
42
2.3 O SISTEMA BRASILEIRO DE AJUDA HUMANITRIA...................... 47
2.4 COORDENAO DE SISTEMAS DE AJUDA HUMANITRIA.......... 51
2.4.1 O Sistema de Comando em Operaes (SCO) na Coordenao de
Respostas Lideradas por rgos do Estado............................................
62
2.5 ALINHAMENTO ORGANIZACIONAL E SISTMICO NA AJUDA
HUMANITRIA.........................................................................................
67
2.5.1 Conceito de BSC e o Seu Uso em Organizaes Pblicas....................... 70
2.5.2 Mensurao de Processos Sistmicos e Organizacionais........................ 77
2.5.3 A Mensurao de Indicadores de Desempenho para a Ajuda
Humanitria................................................................................................
84
2.5.4 A Mensurao de Indicadores de Desempenho Especficos para a
Logstica Humanitria...............................................................................
93
2.6 O BSC ADAPTADO AOS SISTEMAS ESTADUAIS DE AJUDA
HUMANITRIA.........................................................................................
100
Captulo 3. METODOLOGIA...................................................................................... 117
3.1 O CARTER QUALITATIVO DA PESQUISA....................................... 118
3.2 PRIMEIRA ETAPA DE ENTREVISTAS COM ESPECIALISTAS.......... 119
3.3 SEGUNDA ETAPA DE ENTREVISTAS COM ESPECIALISTAS.......... 121
3.4 TERCEIRA ETAPA DE ENTREVISTAS COM ESPECIALISTAS......... 122
3.5 O USO DO DA PESQUISA-AO E DO MTODO DELPHI
CONJUNTAMENTE...................................................................................
123
3.6 O PERFIL DOS RESPONDENTES DA PESQUISA................................. 128
3.7 COLETA DE DADOS................................................................................. 131
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20
3.7.1 A Escala Likert de Coleta de Dados......................................................... 133
3.8 TRATAMENTO DE DADOS..................................................................... 135
3.8.1 O Coeficiente de Variao......................................................................... 136
3.8.2 O Teste Qui-Quadrado.............................................................................. 138
3.8.3 A Anlise de Proporcionalidade das Respostas....................................... 141
3.9 LIMITAES DA PESQUISA................................................................... 142
Captulo 4. RESULTADOS E ANLISES DA PRIMEIRA FASE DA
PESQUISA..................................................................................................
144
4.1 REDISCUSSO DO MODELO DO GPPEC E DO GC............................ 144
4.2 REDEFINIO DA MISSO DO GPPEC............................................... 150
4.3 INDICADORES DE DESEMPENHO DIVERSOS REDIRECIONADOS
PARA AS PERSPECTIVAS CORRETAS DO BSC.................................
153
4.4 PERSPECTIVA FINANCEIRA DO PLANEJAMENTO
ESTRATGICO DO GPPEC......................................................................
157
4.5 PERSPECTIVA APRENDIZADO E CRESCIMENTO DO
PLANEJAMENTO ESTRATGICO DO GPPEC.....................................
164
4.6 PERSPECTIVA PROCESSOS INTERNOS DO PLANEJAMENTO
ESTRATGICO DO GPPEC.....................................................................
173
4.7 PERSPECTIVA CLIENTE/CIDADO DO PLANEJAMENTO
ESTRATGICO DO GPPEC......................................................................
182
4,8 REDISCUSSO DO RELACIONAMENTO ENTRE AS
PERSPECTIVAS........................................................................................
188
Captulo 5. RESULTADOS E ANLISES DA SEGUNDA E TERCEIRA FASES
DA PESQUISA...........................................................................................
191
5.1 SEGUNDA RODADA DE INTERAO COM OS
RESPONDENTES.......................................................................................
191
5.2 TERCEIRA RODADA DE INTERAO COM OS
RESPONDENTES.......................................................................................
206
Captulo 6. CONCLUSES.......................................................................................... 210
6.1 CONJUNTURA ATUAL E RESUMO DO ESTUDO................................ 210
6.2 O MODELO FINAL DE PLANEJAMENTO ESTRATGICO DOS
CEDEC.........................................................................................................
214
6.3 CONTRIBUIES PRTICAS E TERICAS IDENTIFICADAS
DURANTE A PESQUISA...........................................................................
222
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21
6.4 SUGESTES PARA PESQUISAS FUTURAS.......................................... 229
REFERNCIAS......................................................................................... 231
APNDICES............................................................................................... 249
APNDICE A TITULARES DO SNPDEC E DOS CEDEC
PARTICIPANTES DA PESQUISA............................................................
249
APNDICE B REPRESENTANTES DO SINPDEC E DOS CEDEC
COMO RESPONDENTES DA PRESENTE PESQUISA...........................
252
APNDICE C - CRONOGRAMA DO PROJETO DE PESQUISA........... 255
APNDICE D - ORAMENTO DO PROJETO DE PESQUISA.............. 256
APNDICE E EVOLUO HISTRICA DA DEFESA CIVIL NO
MUNDO E NO BRASIL.............................................................................
257
APNDICE F ORGANIZAO ESTRUTURAL DAS FUNES
COMPONENTES DO SCO........................................................................
299
APNDICE G - REAS DE ATUAO E PADRES MNIMOS
ESPERADOS DEFINIDOS NO SPHERE PROJECT.............................
304
APNDICE H - QUESTIONRIO SEMI-ESTRUTURADO INICIAL.... 306
APNDICE I QUESTIONRIO ESTRUTURADO PARA A
SEGUNDA RODADA DELPHI.................................................................
312
APNDICE J - INDENTIFICAO NUMRICA DOS
RESPONDENTES REPRESENTANTES DO SNPDEC E DOS CEDEC
EM CADA RODADA DA PESQUISA DELPHI.......................................
317
ANEXOS..................................................................................................... 318
ANEXO A - OFCIO DA COORDENAO DA COPPEAD
ENCAMINHADO AO SECRETRIO NACIONAL DE DEFESA
CIVIL COM SOLICITAO DE APOIO..................................................
318
ANEXO B - EXEMPLO DO OFCIO CIRCULAR NR 06-2015 DA
SECRETARIA NACIONAL DE PROTEO E DEFESA CIVIL AOS
27 CEDECS COM SOLICITAO DE APOIO PARA
PESQUISA...................................................................................................
320
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22
CAPTULO 1. - INTRODUO
O mundo tem observado, nos ltimos anos, um maior nmero de desastres naturais
com vtimas. Entre 1959 e 20091, o nmero de desastres reportados cresceu mais de 1.000%.
O nmero de pessoas afetadas tem oscilado entre 200 e 300 milhes por ano, quando, em
1979, estava abaixo de 100 milhes2. Parte desse crescimento pode ser visualizado na Tabela
1. Analisando-a, percebe-se que o nmero mdio de desastres reportado em 1990 era de 278 e
chegou a 330 em 2013, como mdia acumulada de todo o perodo. J o nmero de vtimas
estava na casa dos 85 milhes em 1990 e chegou a 235,08 milhes em 2013, tambm como
mdia acumulada de todo o perodo (GUHA-SAPIR et al, 2014).
Para se ter uma melhor ideia da magnitude do desafio que o mundo vem enfrentando,
faz-se necessrio avanar um pouco mais no relatrio anual de Guha-Sapir et al (2014).
Quando analisam apenas a dcada anterior ao relatrio, verificam que a frequncia anual de
desastres observados de 2003 a 2012 foi de 388, com cerca de 106.654 mortos e 216 milhes
de vtimas por ano. O ano de 2013 foi, segundo esse prprio relatrio anual, o ano menos
dramtico nos ltimos 16 anos, bem abaixo da mdia histrica, com 330 desastres, quase 96,5
milhes de vtimas e 21.610 mortos. Mesmo assim, os custos econmicos decorrentes de
desastres naturais foram significativos e alcanaram o montante de 118.6 bilhes de dlares.
Em mdia, na dcada anterior, esses valores chegaram a 156,7 bilhes de dlares.
Contriburam bastante para essa mdia anual de vtimas fatais da dcada de 2003 a
2012 alguns terremotos que ocorreram em cinco anos distintos. Em 2004, 2008 e 2010,
registraram-se mais de 200.000 mortos. Os anos de 2003 e 2005 apresentaram nmeros mais
baixos, em torno de 100.000 mortes em cada um deles.
No ano de 2010, por exemplo, observou-se, logo em janeiro, o terremoto no Haiti, que
afetou mais de 39,1% da sua populao, atingindo 3,9 milhes de vtimas. Alm do Haiti,
muitas mortes foram reportadas tambm na Rssia, a qual foi afetada por temperaturas
1 A fonte destes dados j possui informaes compiladas integralmente at 2014. Optou-se por referenciar o ano
de 2009 porque este representou o pico de desastres reportados em toda a srie histrica. Os anos mais atuais
ficaram ligeiramente abaixo daquele valor. 2 CRED (Centre for Research on the Epidemiology of Disasters), centro de pesquisa colaborador com a WHO
(World Health Organization) e a UCL (Universit Catholique de Louvain) na Blgica, mantm um abrangente
banco de dados com o objetivo de prestar apoio a aes humanitrias internacionais. A iniciativa procura
racionalizar a tomada de deciso em preparao ao desastre, bem como prover avaliaes de vulnerabilidade e
priorizao de necessidades. O EM-DAT (Emergency Events Database) contm dados essenciais sobre a
ocorrncia e os efeitos de mais de 18.000 disastres no mundo, desde 1900 at a presente data. O banco de dados
construdo atravs de diversas fontes, incluindo agncias das naes unidas, organizaes no-governamentais,
empresas seguradoras, institutos de pesquisa e agncias de jornalismo.
-
23
extremas, enchentes e fogo em florestas, causando mais de 55.800 mortes. Esses dois mega
desastres fizeram de 2010 o ano mais mortal nas duas ltimas dcadas.
Algumas das possveis razes para a expressividade desses nmeros, mesmo em anos
considerados menos dramticos, passam por mudanas no clima e pelo aumento populacional
do planeta. A explicao reside no fato de que reas do planeta com alguma potencialidade de
risco, que antes no eram to ocupadas, passaram a ser. Associado a isso, houve tambm
melhorias nos processos de coleta dessas informaes. No cabe, entretanto, aqui discutir e
aprofundar a busca pelas causas desses eventuais aumentos relativos nesses nmeros, mas sim
reconhecer e evidenciar a magnitude do problema em termos absolutos, como boa parte dos
nmeros apresentados, j bem a demonstrou.
Tabela 01: Evoluo do nmero de desastres naturais e vtimas no mundo
Ano
Nmero de
Desastres
Reportados
Mdia
Acumulada
de
Desastres
Reportados
Aumento
Percentual
da Mdia
de
Desastres
Nmero
de
Vtimas
(Milhes)
Mdia
Acumulada
de Vtimas
(Milhes)
Aumento
Percentual
da Mdia
Acumulada
de Vtimas
1990 278 278,00 - 85 85,00 -
1991 239 258,50 -7,01% 292 188,50 121,76
%
1992 223 246,67 -4,58% 100 159,00 -15,65%
1993 273 253,25 2,67% 201 169,50 6,60%
1994 253 253,20 -0,02% 293 194,20 14,57%
1995 261 254,50 0,51% 268 206,50 6,33%
1996 234 251,57 -1,15% 233 210,29 1,83%
1997 266 253,38 0,72% 81 194,13 -7,69%
1998 303 258,89 2,18% 364 213,00 9,72%
1999 345 267,50 3,33% 302 221,90 4,18%
2000 431 282,36 5,56% 253 224,73 1,27%
2001 402 292,33 3,53% 243 226,25 0,68%
2002 428 302,77 3,57% 671 260,46 15,12%
2003 372 307,71 1,63% 270 261,14 0,26%
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24
2004 370 311,87 1,35% 179 255,67 -2,10%
2005 438 319,75 2,53% 161 249,75 -2,31%
2006 428 326,12 1,99% 147 243,71 -2,42%
2007 417 331,17 1,55% 214 242,06 -0,68%
2008 369 333,16 0,60% 226 241,21 -0,35%
2009 360 334,50 0,40% 226 240,45 -0,32%
2010 417 338,43 1,17% 342 245,29 2,01%
2011 349 338,91 0,14% 266 246,23 0,38%
2012 364 340,00 0,32% 128 241,09 -2,09%
2013 330 339,58 -0,12% 97 235,08 -2,49%
Fonte: Adaptado de Guha-Sapir et al (2014)
No se pode esquecer, ainda, que o drama acima relatado s uma parcela do
problema maior. No esto includos nesses nmeros os deslocamentos humanitrios, a
destruio, a fome e as mortes causados por guerras e conflitos em geral. No momento que
estas linhas eram escritas, em setembro de 2015, mais de quatro milhes de srios estavam em
deslocamento ou em acampamentos de refugiados por conta de uma guerra civil entre o
governo da Sria e o chamado Estado Islmico.
Os pases, de forma geral, procuram criar sistemas organizacionais capazes de
minimizar os riscos e lidar com as consequncias dos desastres. No Brasil, esta mesma
tendncia ocorre. O sistema brasileiro , na sua concepo, pensado para lidar com todo o
tipo de crise, combinando as diversas causas e consequncias conforme apontam, em diversos
momentos, o seu Manual de Planejamento em Defesa Civil (MPDC), organizado por Castro
(1999) e as suas diversas Polticas Nacionais de Defesa Civil (PNDC), que se sucedem desde
1994.
As propostas pensadas para este trabalho estaro voltadas para os desastres
classificados como de grande porte ou de muito grande porte conforme classificao da
prpria PNDC mais recente e descrita em (BRASIL, 2012). So normalmente as situaes nas
quais o poder pblico se v obrigado a classificar o desastre como sendo causador de uma
situao de emergncia ou, alternativamente, de estado de calamidade pblica. A Instruo
Normativa n 01 de 24 de agosto de 2012 orienta estados e municpios quando devem solicitar
tais declaraes (BRASIL, 2012b).
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25
Muitos acidentes so restritos e os danos so de pouca importncia para a coletividade
como um todo. Os desastres de mdio porte apresentam danos recuperveis com recursos
disponveis na prpria rea sinistrada. Desastres de grande porte exigem reforo de recursos
na rea sinistrada, atravs do aporte de recursos regionais, estaduais e mesmo federais.
Desastres de muito grande porte, para garantir uma resposta eficiente e cabal recuperao,
exigem a interveno coordenada dos diversos nveis do Sistema Nacional de Proteo e
Defesa Civil (SINPDEC) e, eventualmente, de ajuda externa.
A Instruo Normativa n 01 do Ministrio da Integrao Nacional, diferentemente de
legislao anterior, que classificava os desastres em quatro nveis, do menos srio para o mais
srio, limitou-se a definir apenas dois nveis j srios o suficiente para justificar a declarao
de estado de emergncia ou calamidade pblica respectivamente. Seriam os nveis 3 e 4 de
uma classificao anterior. Define tambm critrios bem objetivos para a declarao desses
estados (BRASIL, 2012b).
A maioria das crises humanitrias3 naturais no Brasil decorrente de uma modalidade
especfica de desastre natural. Ou trata-se de excesso de gua, causando enchentes e
desmoronamento de encostas, ou de falta de gua, levando a secas prolongadas. Dessas,
costumam merecer especial ateno da mdia aquelas que ocorrem tradicionalmente no
interior do nordeste brasileiro, e agora, de forma mais atpica, a que vem assolando a regio
Sudeste do Brasil desde 2014 e que vem levando a grande So Paulo a uma importante crise
hdrica, podendo atingir tambm, nos prximos anos, as regies metropolitanas do Rio de
Janeiro e de Belo Horizonte.
Os nmeros destes desastres no territrio brasileiro no so irrelevantes. Entre 2000 e
2010 foram 60 ocorrncias, 1711 mortes e 7.543.687 afetados segundo Guha-Sapir (2011).
Ou seja, os custos sociais e econmicos justificam que se planeje melhor a relao do homem
com o ambiente que lhe abriga e alimenta para mitigar riscos e lidar melhor com os eventos
quando esses ocorrem, aumentando a resilincia da comunidade.
3 Uma crise humanitria entendida como uma situao na qual h uma ameaa excepcional e generalizada para
a vida, sade ou subsistncia humanas. Crises humanitrias normalmente aparecem dentro de situaes nas quais
faltam proteo. Desastres naturais ou conflitos armados exarcerbam fatores pr-existentes tais como probreza,
desigualdade e falta de acesso a servios bsicos, multiplicando os efeitos destrutivos. Um tipo especial de crise
humanitria a emergncia complexa. So crises criadas pelo homem quando situaes violentas levam a
mortes, deslocamentos forados, epidemias e fomes. Essas consequncias se combinam com o colapso da
economia e das estruturas polticas, por vezes com a presena de desastres naturais. Emergncias complexas vo
alm de uma simples crise humanitria porque exigem, alm do trabalho das organizaes humanitrias, misses
de manuteno de paz, diplomacia e aes polticas. (OCHA, 2014)
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Esto sendo realadas aqui as crises decorrentes de desastres naturais, mas outras
possibilidades provocadas pela ao e tecnologias humanas em interao com o ambiente
tambm podem gerar desastres. Os sistemas de mitigao e preveno devem estar preparados
para lidar com todas elas; alocando-se recursos obviamente nas mais comuns.
O sistema brasileiro para lidar com estas situaes de crise preponderantemente
baseado em recursos governamentais das trs esferas de governo. A liderana inicial aps
uma situao de crise pode ficar no mbito municipal se essa for relativamente pequena.
Entretanto, quando a crise aumenta de magnitude causando colapso logstico e perdas
significativas de vidas e patrimnio, o mais indicado que esta coordenao fique sob a
responsabilidade do Governo Estadual. Essa esfera de poder no estaria normalmente perto
demais do caos gerado pela crise, nem distante demais ao ponto de perder a sensibilidade do
problema.
O SINPDEC pode ser considerado hoje um sistema preventivo e no apenas reativo,
visto que num momento passado, as atividades de defesa civil visavam apenas minimizar as
consequncias dos desastres (prestao de socorro depois da ocorrncia de desastres);
atualmente, suas atividades tambm visam, por meio de trabalhos preventivos, reduzir as
causas dos acontecimentos. (NETO, 2007, p. 8).
H, portanto, a necessidade de se manter viva na mente dos diversos atores envolvidos
que este sistema nacional existe e que o seu aprimoramento contnuo deve ser buscado.
Trabalhando desta forma, estar-se-ia mantendo o sistema alinhado com os prprios princpios
identificados na construo da ento verso do Sistema Nacional de Defesa Civil (SNDC), em
2005, antes mesmo de receber a palavra proteo em sua denominao, (BRASIL, 2005),
que entendia a ocorrncia e a intensidade dos desastres como algo diretamente relacionado
com as aes de preveno, preparao, respostas e reconstruo. Essas aes tendem a
diminuir as consequncias dos desastres e, em alguns casos a evit-los e se alinham quilo
que os estudiosos vm preconizando como as fases tpicas para se lidar com uma situao de
desastre, preventivamente ou reativamente, como ser visto mais frente.
O presente trabalho tem como objetivo apresentar um modelo sistmico embrionrio
que oriente os gestores estaduais do sistema brasileiro de ajuda humanitria a combinarem a
eficincia operacional de suas atividades com o aperfeioamento estratgico dos sistemas
estaduais como um todo. A eficincia operacional entendida como um aspecto diretamente
relacionado ao gerenciamento dirio e significa fazer as coisas corretamente. J a estratgia
responsvel por fazer as coisas mais adequadas, que torne o sistema cada vez melhor em
relao a ele mesmo ou em relao a sistemas semelhantes.
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27
Como este modelo deve estar preparado para lidar com sistemas que so dinmicos
por definio, de forma equilibrada e balanceada, buscou-se adaptar os princpios de
acompanhamento do planejamento estratgico preconizados no Balanced Scorecard (BSC)
(Kaplan e Norton, 1992, 1993, 1996, 2000, 2004a, e 2004b) associados aos indicadores de
desempenho e aos fatores crticos de sucesso normalmente presentes em uma situao de
ajuda humanitria.
Em entrevista prvia com o Secretrio Nacional de Proteo e Defesa Civil em janeiro
de 2015, o seu titular, o General de Exrcito Adriano Pereira Jnior no reportou a existncia
de modelo semelhante com esse fim, sendo formulado ou implementado no territrio
brasileiro. As relaes de causa e efeito do modelo foram formuladas a partir das indicaes
eventualmente existentes sobre as mesmas na literatura pertinente. Em um primeiro momento,
na ausncia de parte dessas indicaes, essas relaes foram deduzidas a partir da lgica
argumentativa do prprio autor. Em um segundo momento, os prprios especialistas
consultados contriburam para completar essas relaes ou ratificar aquelas feitas pelo autor.
Espera-se, com este modelo, gerar uma ferramenta de gerenciamento, passvel de ser
utilizada pelos gestores dos sistemas estaduais e, consequentemente, aperfeioada por
acadmicos ou pelos prprios gestores, ampliando assim a sensao de segurana do cidado
brasileiro, a ser comprovada pela reduo de indicadores de mortalidade em situao de
desastres, pela minimizao do tempo de sofrimento das vtimas e pela rpida restaurao das
atividades econmicas, privadas ou pblicas.
Para este modelo, entretanto, ter sido considerado pronto para uma utilizao emprica,
fez-se necessria sua devida validao pelos principais usurios e gestores do sistema, com
interaes com o autor, em trs fases distintas, que duraram quase nove meses e que so
integralmente descritas neste trabalho.
O desenvolvimento do trabalho apresenta-se dividido em seis captulos. O primeiro
captulo inclui esta introduo; o segundo captulo apresenta o referencial terico relativo
ajuda humanitria, suas origens e fases conceituais, cadeia de suprimento humanitria e
como coorden-la, e ao uso do BSC como ferramenta de acompanhamento do planejamento
estratgico com o uso de indicadores de desempenho; o terceiro captulos descreve o uso
parcial da metodologia de pesquisa-ao empregada em associao com a tcnica Delphi de
levantamento de dados, alguns conceitos estatsticos de mensurao e os caminhos
percorridos durante a pesquisa de campo; o quarto captulo apresenta os resultados da
pesquisa e as anlises pertinentes da primeira fase da pesquisa; o quinto apresenta os
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resultados e as anlises das segunda e terceiras fases da pesquisa; e, no sexto captulo, so por
fim apresentadas as concluses deste trabalho.
1.1 OBJETIVOS E PERGUNTA DA PESQUISA
Objetivo Principal
O objetivo principal deste trabalho foi identificar, com o auxlio da ferramenta
estratgica gerencial de mensurao de desempenho Balanced Scorecard (BSC), os objetivos
dos sistemas estaduais de ajuda humanitria, que devem se alinhar com a misso estratgica
desses sistemas, e indicar formas de aprofundar o alinhamento organizacional dos mesmos
como consequncia direta da capacidade de se criarem indicadores de desempenho
adequados.
A adequao desse modelo proposto e a intensidade do alinhamento organizacional
por ele promovido foram aperfeioadas e aprofundadas, secundariamente, pelos elementos de
ligao designados pelas organizaes participantes da pesquisa. Tais organizaes e os
servidores pblicos no papel de titulares das mesmas so listados no Apndice A. No
Apndice B, so listados os servidores designados para responderem a essa pesquisa por
seus titulares. Em alguns casos, os prprios titulares se propuseram a ser os representantes da
organizao durante esta pesquisa.
Para se chegar a esse objetivo maior, este trabalho teve ainda os seguintes objetivos
secundrios:
Descrever a estrutura do sistema de ajuda humanitria no Brasil e nos
respectivos Estados federados;
Identificar quais so os objetivos mais adequados de ajuda humanitria
conforme a literatura e a legislao pertinente;
Verificar o nvel de institucionalizao desses processos nos Estados
federados;
Identificar que indicadores de desempenho so mais adequados para mensurar
cada um desses marcroprocessos, bem como, os resultados finais esperados dos
sistemas estaduais de defesa civil;
Apresentar uma modelo que aumente as possibilidades de alinhamento entre
marcroprocessos e a misso dos sistemas estaduais de ajuda humanitria no Brasil
e as respectivas mtricas de desempenho;
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29
Validar e ampliar esse modelo por meio de consultas a especialistas no tema.
A partir dos objetivos supracitados, esta pesquisa se props a responder seguinte
pergunta: Que misso e objetivos so adequados contruo de um sistema de ajuda
humanitria e defesa civil nos estados federados do Brasil e que relaes de causa e efeito
devem ser estabelecidas entre estes objetivos para se maximizar os benefcios desse sistema a
serem mensurados por meio de indicadores de desempenho tambm adequados?
Os Apndices C e D apresentam respectivamente o cronograma e o oramento
deste trabalho de pesquisa para o atingimento dos objetivos acima e para a reposta desta
pergunta da pesquisa
1.2 JUSTIFICATIVA TERICA E RELEVNCIA DO TEMA
Este tema possui uma relevncia pragmtica, ao aplicar conhecimentos acadmicos na
soluo de desafios reais. Procurou-se saber como possvel tornar um sistema de ajuda
humanitrio mais flexvel, gil, adaptvel e efetivo, mesmo em situaes de difcil
previsibilidade e altamente mutveis. um desafio para os estudiosos preocupados em
aumentar a eficcia de grandes sistemas com fortes relaes de interdependncia entre seus
subsistemas. Merece realce, por exemplo, o subsistema responsvel pelo fluxo de produtos na
cadeia de suprimentos de ajuda humanitria, cuja gesto muito tem a ensinar para os
estudiosos de cadeias comerciais tradicionais, que se preocupam em criar teorias que
expliquem como manter cadeias logsticas flexveis e geis diante de mercados globalizados,
exigentes, volteis e repletos de incertezas. A soluo apresentada ao final do trabalho
constitui-se de um modelo novo para a gesto estratgica das defesas civis estaduais no Brasil.
Diante do aumento de magnitude nas consequncias dos desastres, mais do que nunca
se faz necessrio que os bens e servios cheguem rapidamente aos indivduos afetados, de
forma a mitigar a crise humanitria, diminuindo o nmero de vidas perdidas e minimizando as
sequelas no cotidiano dos sobreviventes.
O processo de ajuda para uma regio que esteja nestas condies passa por duas
grandes fases, distintas e interdependentes. Na primeira fase, busca-se salvar pessoas, evitar a
fome, curar eventuais ferimentos e doenas, e precaver futuras doenas associadas aos
ambientes de desastre. Na segunda fase, procura-se restabelecer o ritmo normal da economia.
Assim, quanto menor for o tempo para a economia local retomar s suas condies anteriores
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de funcionamento, menores sero os prejuzos para a indstria e o comrcio, no apenas do
local, mas tambm das demais regies com as quais h interaes de troca de alguma
natureza.
O rpido retorno normalidade reduz ainda o fardo que colocado sobre os ombros
das diversas esferas governamentais em situaes como estas, por serem obrigados a arcar
com todos os tipos de problemas sociais decorrentes, tais como desagregao familiar,
mendicncia, violncia urbana etc.
Se a recuperao e resposta eficaz aos desastres importante, evitar a suas ocorrncias
e mitigar os seus efeitos quando estes so inevitveis ainda mais relevante. Assim, a ajuda
humanitria se torna mais ampla que a sua logstica de resposta, envolvendo a participao de
uma mirade de atores e reas de atuao pblicas e privadas, o que torna primordial um
efetivo planejamento estratgico.
Conforme o problema vem ganhando relevncia para a sociedade, os estudos
acadmicos sobre o tema vm tambm crescendo proporcionalmente. Estes estudos buscam
no s tentar entender as prprias causas desses fenmenos naturais mais intensos ou das
razes sociais daqueles provocados pelo homem, mas tambm como lidar com as
consequncias dos mesmos. Neste ltimo aspecto, aparecem conceitos tais como, alvio
humanitrio, ajuda humanitria, logstica humanitria e de gerenciamento de cadeias de
suprimento humanitrias e de sistemas de ajuda humanitria. Este trabalho se insere
justamente dentro desta perspectiva de reduo dos impactos iniciais de um desastre e da
capacidade de mitigar os seus efeitos, por meio de um melhor gerenciamento do sistema. Essa
melhoria dever ser alcanada com a elaborao e validao de uma ferramenta de
planejamento a ser disponibilizada para os gestores dos sistemas estaduais de defesa civil no
Brasil, que em ltima instncia so os sistemas mantidos com recursos pblicos para aliviar o
sofrimento nessas condies extremas.
Em muitos estados brasileiros, parece haver uma carncia de ferramentas que
garantam aes mais ordenadas de defesa civil e que contribuam para os propsitos da ajuda
humanitria, com maior integrao entre rgos municipais, estaduais e federais. Faz-se
necessrio um planejamento estratgico institucionalizado e alinhado com a realidade vivida
nos desastres conforme podemos depreender das palavras de um profissional da rea, que atua
no Estado do Cear:
(...) os gestores utilizam essa ferramenta (sic planejamento) de forma emprica,
pois nas suas falas confundem o planejamento estratgico com planejamento ttico
e/ou operacional. Alm disso, no verificada meno ao planejamento
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31
participativo, embora este ltimo tipo de planejamento seja aplicado principalmente
nas organizaes civis. (NOBRE, 2010)
1.3 DELIMITAO DO ESCOPO DO TEMA E DO LOCUS DA PESQUISA
A legislao brasileira define que os trs nveis de governos, municipal, estadual e
federal, possuem a responsabilidade de liderar os sistemas de ajuda humanitria existentes em
cada um desses nveis. No sendo o Municpio capaz de lidar com seus prprios recursos com
os problemas que vier a enfrentar, deve solicitar apoio do nvel estadual e este por sua vez
far o mesmo em relao ao nvel federal. Em casos muito graves, pode-se pedir ajuda
internacional. A maioria dos problemas graves ou muito graves so gerenciados pelos estados
federados com ajudas pontuais de outros estados ou da Unio. Os sistemas municipais da
maioria dos municpios lidam to somente com pequenos desastres e acidentes locais que
podem ser contornados com os recursos disponveis no local. Para estes, as defesas civis
municipais esto relativamente bem preparadas para dar a resposta esperada.
Nos grandes desastres, o nmero de vtimas maior e a responsabilidade para
coordenar o esforo de ajuda tende a ficar com os estados nos quais ocorreram. Assim, o
escopo deste estudo estar limitado ao sistema liderado pelas Coordenadorias Estaduais de
Defesa Civil (CEDECs)4. Ao final da apresentao do referencial terico sobre o tema deste
trabalho, haver a oportunidade de se discutir a coordenao de um sistema de ajuda
humanitria e de se esboar em maiores detalhes este sistema liderado pelas CEDECs.
Este sistema considerado uma organizao em si, apesar de envolver diversos rgos
de vrios nveis de governo, entidades privadas com ou sem fins lucrativos. Por isso, a nfase
deste estudo na gesto organizacional e seu alinhamento interno, ou seja, na relao dos
recursos internos com o desempenho operacional.
O foco no mbito estadual justificvel na legislao brasileira mais atual ao listar o
que se espera dos CEDECs, e ao se realar a importncia do planejamento e da coordenao
com a Unio e os Municpios:
Compete aos Estados: I - executar a PNPDEC em seu mbito territorial; II -
coordenar as aes do SINPDEC em articulao com a Unio e os Municpios; III -
instituir o Plano Estadual de Proteo e Defesa Civil; IV - identificar e mapear as
4 O termo CEDEC vem sendo utilizado h mais de 20 anos. A legislao atual, datada de 2012, no utiliza
este termo, mas as responabilidades aos estados foram mantidas e a terminologia ainda continua
tradicionalmente em uso.
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32
reas de risco e realizar estudos de identificao de ameaas, suscetibilidades e
vulnerabilidades, em articulao com a Unio e os Municpios; V - realizar o
monitoramento meteorolgico, hidrolgico e geolgico das reas de risco, em
articulao com a Unio e os Municpios; VI - apoiar a Unio, quando solicitado,
no reconhecimento de situao de emergncia e estado de calamidade pblica; VII -
declarar, quando for o caso, estado de calamidade pblica ou situao de
emergncia; e VIII - apoiar, sempre que necessrio, os Municpios no levantamento
das reas de risco, na elaborao dos Planos de Contingncia de Proteo e Defesa
Civil e na divulgao de protocolos de preveno e alerta e de aes emergenciais.
(BRASIL, 2012 a, art. 7)
O CEDEC , portanto, um rgo pertencente aos estados da federao que pode
receber esse nome de Coordenao Estadual de Defesas Civil ou nomes alternativos como:
Superintendncia, Departamento ou Secretaria Estadual de Defesa Civil. O importante que,
independente do nome recebido, o rgo seja responsvel pelas competncias listadas acima.
Os 27 CEDECs estaduais sero o foco das indagaes desta pesquisa. So 27 porque o
Distrito Federal recebe o status de estado na federao brasileira e no de municpio. Ser
participante ainda da pesquisa a Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil, visto ser uma
de suas obrigaes apoiar os Estados, o Distrito Federal e os Municpios no mapeamento das
reas de risco nos estudos de identificao de ameaas, suscetibilidades, vulnerabilidades e
risco de desastres e nas demais aes de preveno, mitigao, preparao, resposta e
recuperao. (BRASIL, 2012 a, Inc. IV, art. 6)
Os municpios no foram indagados, pois o foco foi o planejamento estratgico dos
estados. Entretanto, reconhece-se que tudo aquilo que planejado nos estados possui reflexos
muito claros nos municpios. Da mesma forma, alguns dos indicadores de desempenho dos
estados tendem a melhorar quando os municpios desempenham bem os seus papis na rea
de Defesa Civil.
Antes de se avanar para o referencial terico que deu respaldo a esta pesquisa,
recomenda-se a leitura do Apndice E, no qual relatada a evoluo histrica da Defesa
Civil no mundo e, mais particularmente no Brasil, desde as primeiras brigadas de incndio.
Especial ateno dada aos marcos evolutivos do atual modelo organizativo brasileiro, visto
que a presente pesquisa propor uma forma de planej-lo de forma sistmica e alinhada, no
mbito de cada Estado, com os conceitos mais atuais sobre a logstica e a ajuda humanitria,
utilizando-se para tal o Balanced Scorecard (BSC), conforme se ver a seguir no Captulo 2.
-
33
CAPTULO 2. - FUNDAMENTAO TERICA
Neste Captulo, buscou-se identificar como os principais autores entendem a ajuda
humanitria desde suas origens, as diversas fases em que se dividem os processos desta ajuda,
como esta pode ser coordenada de forma mais eficiente e eficaz, como o Brasil procurou
organizar seu sistema pblico de Defesa Civil para tambm cumprir bem estas atividades.
Buscou-se demonstrar tambm que desempenhos elevados podem ser alcanados por meio do
alinhamento entre diversos processos, todos baseados em indicadores de desempenho, a
exemplo do que a ferramenta do Balanced Scorecard (BSC) preconiza. Deu-se especial
ateno identificao de objetivos e indicadores de desempenho de ajuda humanitria
disponveis na literatura e nos diplomas legais, com especial ateno para os indicadores de
logstica humanitria. Por fim, o Captulo termina esboando uma primeira aproximao de
um modelo de BSC para as defesas civis estaduais, delineando os principais atores
envolvidos, os objetivos estratgicos esperados, as relaes ente estes, os indicadores de
desempenho associados e uma definio da misso desse sistema.
Este captulo organizado, portanto, de uma abordagem geral para uma bem particular
e se divide em 6 partes. Na primeira, apresenta-se um breve histrico e definio do que vem
a ser a ajuda humanitria; na segunda, discorre-se sobre as fases em que se divide um sistema
de ajuda humanitria; na terceira, descreve-se como organizado o sistema brasileiro de ajuda
humanitria; na quarta, discute-se como um sitema de ajuda humanitrio pode ser
coordenado; na quinta, como a ferramenta Balanced Scorecard (BSC) de planejamento
estratgico e indicadores de desempenho adequados podem contribuir para esta coordenao;
e na sexta, finalmente apresentado um modelo de BSC adaptado aos sistemas estaduais de
defesa civil brasileiros.
2.1 A ORIGEM DA AJUDA HUMANITRIA NO MUNDO
Em 2015, as operaes humanitrias se desdobram em todo o globo e assumem
diferentes facetas, tais como: resposta a necessidades impostas por conflitos ou desastres
naturais, suporte a populaes deslocadas em crises agudas e prolongadas, reduo de riscos e
preparao para situaes adversas, recuperao precoce de desastres sofridos, apoio
produo e manuteno de vveres, resoluo de conflitos e construo da paz.
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34
Entretanto, o desejo de aliviar o sofrimento alheio por meio de gestos humanitrios
provavelmente milenar e genuinamente global. O desenvolvimento de um sistema
humanitrio internacional como conhecemos hoje tem uma data de nascimento e um local de
origem bem definidos. Seu incio se d na sociedade europeia dos sculos XIX e XX diante
de sua experincia com suas guerras e desastres naturais (DAVIES, 2012).
De acordo com Davies (2012), foi somente na ltima dcada do sculo XX que o
termo humanitrio se tornou de uso frequente e amplo, embora j se possa identific-lo no
sculo XIX. De acordo com Barnett (2011), o entendimento de humanitrio que se tornou
dominante nos anos 90 do sculo passado definiu a ajuda humanitria como uma ao
necessariamente imparcial, independente e neutra durante o ato de prover alvio para aqueles
em perigo imediato ou dor.
Barnett (2011) divide a histria da ajuda humanitria em trs perodos cronolgicos
que seriam tomados por ideologias distintas: um perodo humanitrio imperial, que vai desde
o incio do sculo XIX at a Segunda Guerra Mundial; um perodo neo-humanitrio que vai
desde o fim da Segunda Guerra at o fim da Guerra Fria; e um perodo humanitrio liberal,
que se inicia aps a Guerra Fria e se estende at os dias de hoje.
Walker e Maxwell (2009) viram as guerras mundiais como causadoras de mudanas
distintas na histria do setor humanitrio. Eles caracterizam ainda o perodo da Guerra Fria
como sendo de compaixo e manipulao e os anos 90 do sculo XX como o perodo de
globalizao do humanitarismo.
Randolph Kent (1987) v a Segunda Guerra Mundial como um ponto de inflexo,
argumentando que foi somente em meio quela guerra que os governos comearam a entender
mais claramente a necessidade de maior interveno internacional quando as pessoas so
vtimas de desastres.
J Aeberhard (1994), Ryfman (2008), e Davey (2012) ressaltam a importncia da
Guerra Fria, em funo da experincia francesa na Guerra Civil de Biafra e Nigria entre
1967 e 1970.
Davey (2013), diferentemente de alguns desses autores acima, identifica quatro
diferentes perodos de caracterizao do conceito de ajuda humanitria. O primeiro vai de
meados do sculo XIX at o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918, quando as concepes
daquele perodo dirigiram a ao humanitria; o segundo seria o perodo wilsoniano que vai
do fim da Primeira Guerra Mundial at o incio da seguinte, quando nasceu a noo de
governana internacional; o terceiro perodo corresponderia a toda durao da Guerra Fria,
quando os atores humanitrios se voltaram para o mundo no ocidental e o paradigma do
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desenvolvimento emergiu; e o quarto perodo, aps a Guerra Fria, quando mudanas
geopolticas refizeram o terreno dentro do qual os profissionais de ajuda de humanitria
trabalhavam.
No primeiro perodo, segundo Davey (2013), uma srie de fatores contribuiu para o
florescimento das iniciativas humanitrias. As tecnologias das naes industrializadas
aumentaram os custos humanos nos conflitos; e as melhorias nos transportes e comunicaes
tornaram o mundo menor. Com as notcias sobre as guerras viajando mais rapidamente, os
governos tiveram um incentivo maior para minimizar os seus impactos sobre os soldados de
forma a no gerar descontentamentos em suas bases sociais. A criao do ICRC em 1863
permanece como o mais poderoso smbolo desse perodo.
Foi tambm no sculo XIX que a medicina militar apresentou uma srie de inovaes
tais como a prtica da triagem, muito utilizada em desastres at os dias de hoje, a qual havia
sido instituda pela primeira vez nas Guerras Napolenicas, bem como o refinamento do
transporte mdico e de evacuao de feridos, eficientemente realizados na Guerra Civil
Americana de 1861 a 1865, conforme ressalta Haller (1992). A eficincia marcante das
equipes de enfermeiras, na Guerra da Crimeia de 1854 a 1865, faria com que esse tipo de
organizao viesse para ficar em situaes de crise com diversos feridos.
A ao da Red Cross/Red Crescent Movement (ICRC) foi marcante para as origens da
ajuda humanitria sistmica no sculo XIX, ao apoiar-se em acordos internacionais, que do a
estrutura de ao tanto em benefcio de estrangeiros quanto de nacionais. Nesse sentido, a
ICRC faz parte do objetivo maior de minimizar o impacto da guerra, colocando regras sobre a
conduta das hostilidades. O Quadro 10 apresenta mais alguns dos fatos marcantes desse
perodo do nascedouro da ajuda humanitria no sculo XIX.
Quadro 10 Principais fatos humanitrios do sculo XIX
ANO FATO
Sc. XIX e
parte do XX
Colnias serviram de laboratrio para as potncias ocidentais para as tcnicas de ao
humanitria em reas como combate fome, assistncia em dinheiro, e servios de
sade, inicialmente para as populaes de origem europeia, mas a seguir para garantir a
integridade da prpria fora de trabalho. Segundo Waal (1989, apud DAVEY, 2013),
no imprio ingls, havia uma poltica de aliviar o sofrimento sem que levasse a
desmotivao pela busca de trabalho.
Para Barnett e Weiss (2008, apud DAVEY, 2013), prticas humanitrias religiosas, seculares e estatais ocorriam nas colnias, nem sempre perfeitamente alinhadas com as
polticas coloniais.
1850 Primeira Conferncia Sanitria Internacional; outras se tornam comuns a partir de
ento.
1864 Conveno de Genebra para a melhora das condies de feridos no campo de batalha.
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1868 A Sociedade do Crescente Vermelho Otomana fundada e proveria alvio ao conflito
Russo-Turco de 1877 a 1878, segundo Checkland (1994, apud DAVEY, 2013).
1871 A Cruz Vermelha e o Movimento do Crescente Vermelho tornam-se um frum de
liderana para a cooperao humanitria graas a seu trabalho durante a Guerra Franco-
Prussiana de 1870 a 1871.
1877 A Sociedade Nacional Japonesa fundada e proveria alvio para a Guerra Russo-
Japonesa de 1904 a 1905, segundo Checkland (1994, apud DAVEY, 2013)
1880 A Inglaterra vitoriana procura definir parmetros do que vem a ser um indivduo
realmente necessitado, segundo Kalpagam (2000, apud DAVEY, 2013), embora os critrios fossem mais rgidos para os pobres das colnias do que para os pobres
ingleses.
1881 Um grupo de quarentena martima internacional foi estabelecido em Alexandria, o qual
se tornaria mais tarde no Escritrio Regional do Mediterrneo Oriental da World Health
Organisation (WHO)
1865 Com o final da Guerra Civil Americana, desloca a American Red Cross (ARC) para
desastres naturais.
1906 a 1908 Os terremotos em So Francisco em 1906, Kingston em 1907 e Itlia em 1908 tiveram
apoio de navios britnicos, americanos e franceses com assistncia imediata e cuidados
mdicos.
1908 Primeiro Congresso Internacional de Salvamento de Vidas e Primeiros Socorros, no
caso de acidentes, teve lugar em Frankfurt.
1914
Segundo Forsythe (2005, apud DAVEY, 2013), os desafios da Primeira Guerra Mundial foram muito maiores que a capacidade de ao da ICRC para atender os
prisioneiros de guerra, mesmo contando com a cooperao das igrejas protestantes e da
catlica e de pases neutros. As tarefas eram muitas, segundo Moorehead (1998, apud DAVEY, 2013): comunicaes entre presos e familiares, campanha de repatriamento
de soldados gravemente feridos ou doentes, ajuda para reunir famlias, e contribuio
para a manuteno das leis de guerra da Conveno de Genebra.
Fonte: Adaptao de Davey (2013)
Para Davey (2013), diferentemente de outros autores, uma nova fase na ajuda
humanitria no se inicia aps a Segunda Guerra Mundial, mas sim aps a Primeira Guerra. O
final daquela Guerra teria demonstrado a falncia do sistema em vigor para lidar com
situaes de tamanha envergadura. Aps aquela Guerra no faltavam problemas a resolver no
campo humanitrio: segurana alimentar, doenas, como a epidemia de gripe, deslocamento
de populaes em massa, indivduos sem estados, e a crise econmica de 1929 que logo
chegaria. A institucionalizao da ajuda humanitria, que uma caracterstica marcante de
todo o sculo XX, teria comeado no perodo entre guerras e no aps a Segunda Guerra. Este
autor concorda com Watenpaugh (2010) quando o mesmo afirma que, diferentemente do
modelo anterior, os esforos de ajuda deveriam agora ser estruturados para serem
permanentes, transnacionais, institucionais e seculares de forma a identificarem e combaterem
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as causas primrias do sofrimento humano. Esse sofrimento estava j requerendo abordagens
mais sistemticas e cientficas, tais como polticas nutricionais e de sade pblica.
O Tratado de Versalhes de 1919 marcou o incio dessas reformas humanitrias ao
regular o fim da Primeira Guerra e incentivar a criao de organizaes internacionais para
enderear questes humanitrias. A partir desse tratado, foi criada a Liga das Naes como a
primeira organizao internacional permanente, cuja misso era manter a paz mundial por
meio de negociaes, desarmamentos e arbitragens. De acordo com Pedersen (2007), a liga e
seus tratados relacionados cobriram questes como condies de trabalho, tratamento das
populaes endgenas das colnias e a proteo de minorias e pessoas deslocadas na Europa.
Uma das mais importantes reformas da Liga da Naes no perodo entre guerras foi a
criao do posto de Alto Comissariado para Refugiados da Liga das Naes (High
Commissioner for Refuges HCR), sobre a liderana do Dr. Fridjot Nansen, um bem
conhecido explorador polar noruegus e cientista. Segundo Skran (1995), aps sua morte em
1930, a Liga criou o Nansen International Office para Refugiados como um corpo autnomo,
que teve papel fundamental no tratado de 1933 sobre os direitos de refugiados, marcando a
emergncia de um regime para o alvio e proteo de refugiados.
O mesmo padro de organizao e institucionalizao ficou evidente em outras reas.
Segundo Weindling (1995), na rea de sade, por exemplo, houve uma transio da fase de
tratados e convenes entre estados-nao para se estabelecer um novo mundo de
organizaes internacionais, designadas para promover sade e bem-estar.
Segundo Schilde, Hering e Walde (2003), a coordenao e institucionalizao da
prtica humanitria ganhou fora com a criao da Liga das Sociedades da Cruz Vermelha em
1919, antecessora da Federao Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. A
variante sovitica de 1922 seria o Alvio Internacional dos Trabalhadores (Workers
International Relief WIR) da recm constituda Unio Sovitica, que passou a ser chamada a
partir de 1923 de Ajuda Internacional Vermelha (International Red Aid)
O ps-Primeira Guerra marcou tambm o nascimento da primeira Organizao No
Governamental (ONG) transnacional. Segundo Walker e Maxwell (2009), a Save the
Children Fund (SCF) foi formada na Gr-Bretanha em 1919 com a viso de que todas as
crianas, incluindo os filhos de antigos inimigos, so elegveis para o recebimento de alvio
humanitrio. Segundo Trentmann e Just (2006), a criao dessa ONG tambm parte do
padro de organizao institucional que procurava reconfigurar as mentalidades civis, que
haviam sido organizadas em torno de ideias de soberania nacional, na direo de alguma coisa
mais prxima de uma sociedade civil global com direitos e responsabilidades compartilhados.
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Essa reconfigurao no se deu sem algumas contradies com o modelo colonialista que
ainda vigoraria por um bom tempo.
Segundo Davey (2013), conforme se adentrava pela dcada de 30 do sculo passado,
uma srie de mudanas geopolticas alterou um pouco o perfil das operaes humanitrias. A
depresso econmica reduziu os recursos e a vontade para levar a cabo operaes de alvio
internacionais, embora tenha incentivado uma atuao dos Estados para maiores gastos
pblicos internos de forma a se contrapor crise conforme o receiturio macroeconmico de
Keynes. A prpria Liga das Naes se enfraqueceria por conta das tenses existentes entre as
principais naes que a compunham ou que a deixaram de compor como consequncia dessas
tenses.
Esse perodo foi tambm difcil para a Cruz Vermelha e para o Movimento do
Crescente Vermelho. Apesar de ela ter atuado razoavelmente bem na Guerra Civil Espanhola
de 1936 a 1939 segundo Bartels (2009), deixou a desejar no uso indiscriminado de gs
mostarda pela Itlia na invaso da Etipia em 1935 e pouco falou contra as atrocidades
praticadas pelos nazistas contra judeus, ciganos, homossexuais, prisioneiros polticos e de
guerra, entre outros, em seus campos de concentrao ou de prisioneiros. Ainda durante a
Segunda Guerra, os russos chegaram a defender que a ICRC fosse dissolvida e suas funes
transferidas para a League of Red Cross Societies (LRCS) segundo Bugnion (2000).
A futura Organizao das Naes Unidas (ONU) de 1947 deu seus primeiros passos
ainda durante a Segunda Guerra Mundial, com a criao da United Nations Relief and
Rehabilitation (UNRRA) em 1943, que tinha o objetivo de prover ajuda, reabilitao e
assistncia no reassentamento de populaes. Buscava, tambm, manter todas as experincias
da Primeira Guerra e do entre Guerras.
Aps a Segunda Guerra Mundial, inicia-se uma nova fase para a Ajuda Humanitria
no mundo. Foi justamente a criao da ONU que trouxe um novo marco normativo, em
especial a partir da Declarao Universal dos Direitos Humanos com esta simples afirmao:
Todos tm o direito vida, liberdade e segurana da pessoa (Declarao Universal dos
Direitos Humanos, 1948, Art. 3).
Esse perodo foi o comeo de uma preocupao internacional sem precedentes com a
proteo de direitos humanos segundo Clapham (2007). Ainda em 1948, a assembleia geral
adotou a Conveno sobre Preveno e Punio para o crime de genocdio. Em 1949, a
conveno de Genebra foi ampliada para incluir conflitos armados no internacionais na
proteo de populaes civis. Novas agncias so criadas com os ativos e pessoal da antiga
UNRRA, tais como a United Nations International Childrens Emergency Fund (UNICEF), o
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Food and Agriculture Organisation (FAO), a World Health Organisation (WHO) e a
International Refugee Organisations (IRO), que seria substituda pela UNHCR em 1951.
Entretanto, segundo Barnett (2011), boa parte das aes do perodo posterior
Segunda Guerra Mundial no foram decorrentes apenas da paixo ou da compaixo, mas
tambm da inteno de usar a ajuda humanitria como instrumento poltico, econmico e
estratgico das grandes potncias, como ficou evidente na ajuda americana Coria do Sul
para evitar a expanso comunista na regio ou no prprio plano Marshall de reconstruo da
Europa entre 1947 e 1951.
Infelizmente, esse sistema de ajuda humanitria reforava as estruturas de poder
mundial segundo Trentmann (2006), pois ao invs de, por exemplo, estimular o conhecimento
local e os centros locais de produo de alimentos, preferia transformar os pases necessitados
de ajuda alimentar em dependentes da importao da superproduo de alimentos americana.
Segundo Davey (2013), aos poucos a ajuda humanitria foi migrando dos pases mais
afetados pela Guerra para o Terceiro Mundo em formao, visto que muitos pases ganharam
a independncia de suas metrpoles aps a Guerra. A proliferao de ONGs contribui para
essa assistncia com campanhas de levantamento de recursos, demonstrando as mazelas do
Terceiro Mundo. A expanso do setor humanitrio entraria nos anos 50 com muitos elementos
reconhecveis ainda hoje: mecanismo de governana internacional, agncias multilaterais
especializadas, uma linguagem de direitos das ONGs, uma estrutura legal, engajamento em
conflitos, desastres naturais e epidemiologias, alimentao e nutrio e a busca do
desenvolvimento generalizado.
As ONGs tiveram tudo para se expandir nesse perodo. O dinheiro e servios prestados
por essas organizaes eram muito bem recebidos nos novos Estados do Terceiro Mundo
dotados de precria infraestrutura e recursos. Segundo Minear (2012), essas tinham certa
autonomia dentro do espao deixado pelos dois blocos em conflito e as demandas desses
novos Estados, embora muitas vezes houvesse fortes laos entre as polticas da Guerra Fria de
seus Estados de origem.
O maior exemplo dessa relativa autonomia das ONGs nesse arranjo poltico ente Leste
e Oeste foi o combate fome decorrente da guerra civil de Biafra em 1967. A ONU e a ICRC
estavam impedidos de agir. Segundo De Waal (1997, apud DAVEY, 2013), a Guerra de
Biafra foi a experincia formativa da ajuda humanitria contempornea. Essa crise foi
primordial para a formao de pelo menos duas ONGs: Mdicos Sem Fronteiras (MSF) e a
Concern Worldwide (CW). Essa ltima se envolveu intensamente no gerenciamento da
chegada de suprimentos por meio areo.
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Uma outra crise no bojo da Guerra Fria foi marcante para o sistema atual. A crise do
antigo Paquisto Oriental, que viria a ser chamado de Bangladesh, comeou com um severo
ciclone e tempestade nas reas costeiras e no Delta do Ganges, a qual matou cerca de 300.000
pessoas em novembro de 1970. Essa crise se transformou em uma crise poltica e numa guerra
civil em 1971 com mais de dez milhes de refugiados. A escala do problema encorajou a
ONU a designar a UNHCR como o ponto focal para coordenar a assistncia das Naes
Unidas, dando-lhe poderes distintos dos que tradicionalmente vinha exercendo. Isso pode ser
visto como uma espcie de organizao precursora do sistema de clusters que ser formaria
aps 2005 e, segundo Chen e Northrup (1973), a soluo no poderia ter sido melhor.
Para Terry (2002), os ltimos anos da Guerra Fria ainda foram marcados por uma srie
de crises com forte ateno da mdia e manipulao ou instrumentalizao da ajuda seja por
governos afetados, seja por grupos armados ou ainda por Estados Ocidentais. Isso ocorreu nos
campos de refugiados em Honduras, Camboja, Etipia e Afeganisto.
Segundo Davey (2013), o fim da Guerra Fria, com a desintegrao da antiga Unio das
Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) em 1991, parece ter sido bom para a ao
humanitria no comeo devido diminuio de tenses. Exemplos de cooperao, porm, j
haviam surgido ainda em 1988 no terremoto da Armnia, ou, em 1989, no corredor
humanitrio do Sudo, quando a antiga URSS j procurava buscar novos caminhos para seus
problemas econmicos, diminuindo as tenses nas relaes Leste e Oeste. Entretanto, to logo
as tenses entre as duas grandes potncias se reduzem, uma srie de conflitos armados, na sua
grande maioria guerras civis, eclodem em diversas partes do mundo, visto que as partes em
conflito j no se sentiam to constrangidas por uma possvel ao repressora das
superpotncias, como bem lembra Hobsbawm (1994).
O perodo ps-Guerra Fria gera um novo consenso de como poderia se atuar nas
chamadas emergncias complexas, definidas como:
(....) essencialmente polticas na origem: elas so crises polticas expandidas
resultantes de respostas sectrias ou predatrias em resposta a estresse
socioeconmico e marginalizao. Diferentemente de desastres naturais,
emergncias complexas tm a habilidade singular de erodir ou destruir a integridade
cultural, civil, poltica e econmica de sociedades estabelecidas. (MARK
DUFFIELD, 1994 apud DAVEY, 2013, pag. 13)
Os membros do Conselho de Segurana da ONU passaram a demonstrar mais
disposio para autorizar operaes militares para frear ou prevenir a generalizao de
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sofrimento ou mortes de civis, mesmo que sem o consentimento do governo local. Passou a
haver um consenso, segundo Wheeler (2000), de que a comunidade mundial poderia, em
defesa de nossa humanidade comum, interferir nas relaes nacionais de um estado nacional
soberano. Para se ter uma ideia, ainda segundo esse autor, de 1948 a 1988, a ONU levou a
cabo somente cinco misses mantenedoras de paz, enquanto de 1989 a 1994, esse nmero foi
de 20 misses.
Diante dessa nova realidade, a Resoluo 46/182 de 19 de dezembro de 1991 da
Assembleia Geral da ONU procurou fortalecer a coordenao da assistncia humanitria de
emergncia daquela organizao. Em adio a isso, essa resoluo tornou possvel um maior
envolvimento em conflitos internos.
As ONGs aps 1990 se tornaram atores ainda mais importantes, canalizando recursos
significativos. Os Estados em geral tambm se envolveram mais no alvio de catstrofes. As
agncias da ONU passaram a se preocupar mais com atividades de alvio e menos com as de
desenvolvimento, segundo Clay (2003). Uma srie de crises humanitrias de grande
envergadura nos anos 90 contribuiu para essa tendncia como os Curdos no Iraque em 1991, o
esfacelamento da antiga Iugoslvia, a Guerra Civil na Somlia e o genocdio em Ruanda. O
grande nmero de refugiados a serem assistidos em decorrncia dessas catstrofes no poderia
dar outra alternativa s aes humanitrias naquele momento.
A magnitude das catstrofes, em especial o elevado nmero de refugiados de Ruanda
gerou uma preocupao com o uso mais efetivo dos recursos doados. Segundo Dabelstein
(1996), as organizaes doadoras para essa crise criaram o Joint Evaluation of Emergency
Assistance to Rwanda (Avaliao Conjunta da Assistncia de Emergncia para Ruanda). Uma
iniciativa subsequente seria o Sphere Project, o qual em maio de 1998 resultou em um
rascunho de manual de padres mnimos e uma carta humanitria. Esses padres mnimos
esto sintetizados no Apndice G deste trabalho, conforme a ltima verso desse manual.
Essa crise de Ruanda, tambm conhecida como a crise dos Grandes Lagos, deu, portanto, a
forma de conduta das prticas humanitrias at hoje.
Passa a surgir uma presso para relativizar as soberanias estatais em nome da ajuda
humanitria e dos direitos humanos. Praticamente todas as 11 operaes de manuteno de
paz de 2001 a 2011 incluram a proteo a civis nos seus mandatos, em especial em pases
que at a pouco tempo atrs eram colnias das potncias europeias.
O Brasil, como qualquer outra regio do mundo est sujeito a desastres, mas o seu
Estado vem se apresentando forte o suficiente para que tais desastres no avancem para uma
situao caracterizada como emergncia complexa, onde todo o este aparato de ajuda
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internacional aqui discutido poderia ser acionado. Mas, antes de se verificar como o Estado
brasileiro se organiza para as situaes de desastre, faz-se necessrio entender como,
mundialmente, uma situao de desastre / crise se subdivide em fases.
2.2 AS CLASSIFICAES E FASES DE UMA SITUAO DE AJUDA
HUMANITRIA
De acordo com Altay e Green (2006), a maioria dos estudos de gerenciamento de
desastres est concentrada nas Cincias Socia