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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO ARTUR LUIZ SANTANA MOREIRA GESTÃO DE SISTEMAS ESTADUAIS OFICIAIS DE AJUDA HUMANITÁRIA NO BRASIL: UMA PROPOSTA DE OBJETIVOS ESTRATÉGICOS E INDICADORES DE DESEMPENHO Rio de Janeiro, RJ Brasil 2015

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  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAO

    ARTUR LUIZ SANTANA MOREIRA

    GESTO DE SISTEMAS ESTADUAIS OFICIAIS DE AJUDA HUMANITRIA NO

    BRASIL: UMA PROPOSTA DE OBJETIVOS ESTRATGICOS E INDICADORES DE

    DESEMPENHO

    Rio de Janeiro, RJ Brasil

    2015

  • 2

    ARTUR LUIZ SANTANA MOREIRA

    GESTO DE SISTEMAS ESTADUAIS OFICIAIS DE AJUDA HUMANITRIA NO

    BRASIL: UMA PROPOSTA DE OBJETIVOS ESTRATGICOS E INDICADORES DE

    DESEMPENHO

    Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Ps-

    Graduao em Administrao do Instituto COPPEAD de

    Administrao, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

    como parte dos requisitos necessrios obteno do

    ttulo de Doutor em Administrao.

    Orientador: Prof. Dr. Kleber Fossati Figueiredo, PhD.

    Rio de Janeiro, RJ Brasil

    2015

  • 3

  • 4

    GESTO DE SISTEMAS ESTADUAIS OFICIAIS DE AJUDA

    HUMANITRIA NO BRASIL: UMA PROPOSTA DE OBJETIVOS

    ESTRATGICOS E INDICADORES DE DESEMPENHO

    ARTUR LUIZ SANTANA MOREIRA

    Tese de Doutorado submetida Banca Examinadora do Instituto COPPEAD de

    Administrao, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos

    requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Administrao.

    Aprovada por:

    _____________________________________________ (Presidente da Banca)

    Prof. Kleber Fossati Figueiredo, Ph.D. - Orientador

    (COPPEAD/UFRJ)

    ____________________________________________

    Prof. Vicente Antonio de Castro Ferreira, D.Sc.

    (COPPEAD/UFRJ)

    ____________________________________________

    Prof. Eduardo Espndola Halpern, Ph.D.

    (IBMEC)

    ____________________________________________

    Prof. Nival Nunes de Almeida, D.Sc.

    (UERJ)

    ____________________________________________

    Prof. Jos Geraldo Pereira Barbosa, D.Sc.

    (UNESA)

    Rio de Janeiro

    2015

  • 5

    DEDICATRIA

    minha famlia, pelo apoio durante os quatro anos necessrios obteno do ttulo de

    doutor em Administrao e pela compreenso durante os momentos que deixei de ser filho,

    marido e pai na plenitude que esses papeis merecem.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Aos professores do programa de doutorado em Administrao do Instituto COPPEAD

    da Universidade Federal do Rio de Janeiro pela generosidade com que transmitiram seus

    conhecimentos e experincias pessoais.

    Aos funcionrios administrativos desse mesmo instituto, por se mostrarem sempre

    disponveis e motivados para facilitar e apoiar os trabalhos de pesquisa de cada doutorando

    matriculado no programa. Agradeo especialmente a Ticiane de Albuquerque Lombardi,

    Secretria Executiva do programa de doutorado em Administrao da COPPEAD, que esteve

    sempre disponvel para facilitar e agilizar quaisquer processos burocrticos necessrios

    consecuo desta pesquisa.

    Ao Professor Kleber Figueiredo, por sua considerao e comprometimento com o

    programa de doutorado da COPPEAD e comigo, ao se disponibilizar para terminar o processo

    de orientao desta tese quando a relao anterior entre orientador e orientado no pde ter

    continuidade.

    Escola de Guerra Naval, pelo apoio que recebi durante esses quatro anos,

    compreendendo os momentos que tive de dividir meu tempo com estudos e pesquisas e com

    as minhas atividades normais naquela Escola. Agradeo especialmente aos seus diretores

    nesse perodo, os Vice-Almirantes Almir Garnier Santos e Cludio Portugal de Viveiros, e os

    Contra-Almirantes (RM1) Ricardo Albergaria Claro e Antonio Fernando Garcez Faria,

    Diretor atual, bem como ao Chefe de Departamento de Ensino, Contra-Almirante (Ref.)

    Reginaldo Gomes Garcia dos Reis e aos Chefes da rea de Logstica e Mobilizao, os

    Capites-de-Fragata (IM) Carlos Eduardo Lopes de Oliveira e Renato Cruz Teixeira.

    Ao Exmo Sr. General de Exrcito Adriano Pereira Jnior, por ter facilitado o acesso a

    informaes e posies oficiais da Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil, bem como

    aos titulares das Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil, listados no Apndice A, aos

    quais tambm agradeo, pois, quando no disponibilizaram seu prprio tempo para responder

    a esta pesquisa, indicaram os servidores mais adequados de suas coordenadorias para tal.

    Aos respondentes da pesquisa, listados no Apndice B, por sua pacincia com tempo

    que lhes foi exigido em funo das diversas interaes que o mtodo exigiu, e pela

    competncia para contribuir significativamente com a construo do modelo final.

    Ao Coronel Bombeiro Militar da reserva do Estado do Rio de Janeiro Joo Paulo Mori,

    que, com suas experincias na Defesa Civil daquele estado e na Secretarial Municipal de

  • 7

    Defesa Civil de Nova Friburgo RJ, contribuiu com suas crticas para o aperfeioamento dos

    questionrios antes de eles serem submetidos aos respondentes.

    graduanda em Administrao Pblica pela Universidade Federal do Estado do Rio de

    Janeiro (UNIRIO) e monitora de pesquisa naquela instituio Marcella Andrade Lemos Silva,

    por seu auxlio incansvel na manuteno dos prazos deste trabalho por meio de seus

    constantes contatos com os Coordenadores Estaduais de Defesa Civil e respondentes da

    pesquisa.

    s bibliotecrias da Escola de Guerra Naval, a CF(RM1-T) Josiane Marques de Moura

    Magalhes e a Servidora Civil Cremilda Santos pelo apoio prestado na reviso das referncias

    bibliogrficas.

  • 8

    RESUMO

    MOREIRA, Artur Luiz Santana. Alinhamento estratgico entre processos e desempenho nos

    sistemas estaduais oficiais de ajuda humanitria no Brasil em situaes de crise, 320 fl. Tese

    (Doutorado em Administrao) - Instituto Coppead da Universidade Federal do Rio de

    Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.

    O objetivo desta tese foi identificar, com o auxlio da ferramenta de planejamento

    estratgico e de gerenciamento de desempenho Balanced Scorecar (BSC), os macro processos

    dos sistemas estaduais brasileiros de ajuda humanitria (Defesa Civil), que devem ser

    alinhados com a misso estratgica desses sistemas, e indicar formas de aprofundar o

    alinhamento organizacional dos mesmos, como consequncia direta da capacidade de se

    criarem indicadores de desempenho adequados. Para tanto, foi realizada, inicialmente, uma

    ampla reviso da literatura para buscar a origem da ajuda humanitria, as fases das aes

    humanitrias, os indicadores de desempenho pertinentes, a coordenao de diversos atores

    atuando nessas fases, a coordenao por um Sistema de Comando em Operao, o papel da

    logstica humanitria, o conceito de BSC e seu uso em organizaes pblicas. A seguir, foi

    apresentado um primeiro delineamento do sistema a ser liderado por cada estado, sua misso,

    os objetivos do BSC, as relaes de causa e efeito entre estes processos, e os indicadores de

    desempenho correspondentes. No momento seguinte, foi utilizada a metodologia Delphi para

    levantamento de dados. Os 27 coordenadores estaduais de Defesa Civil (26 estados e Distrito

    Federal), juntamente com a Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil foram ouvidos ao

    longo de trs rodadas Delphi. Na primeira rodada, foi apresentado um questionrio

    semiaberto aos respondentes, que tiveram a oportunidade de criticar e ampliar o modelo. O

    modelo originalmente proposto foi revisto com essas contribuies. Na segunda rodada

    Delphi, um novo questionrio foi aplicado, desta vez fechado, com cinco possveis escalas de

    corcordncia/discordncia com cada proposio, para confirmar a aceitabilidade do modelo.

    Apesar do carter exploratrio e qualitativo da pesquisa, trs sinalizadores quantitativos foram

    utilizados nesta segunda fase para avaliar o grau de concordncia: proporo simples,

    coeficiente de variao e teste qui-quadrado. Na terceira fase, uma nova consulta aberta foi

    feita aos respondentes para que estes ratificassem e complementassem algumas questes

    pontuais. Ao final da pesquisa, foram definidos: que organizaes pblicas e da sociedade

    civil deveriam potencialmente participar do planejamento estratgico das Defesas Civis

    estaduais; que misso essa organizaes virtuais deveriam seguir, quais as relaes de causa e

  • 9

    efeito entre os objetivos dos BSC do modelo; e que indicadores de desempenho seriam mais

    adequados para esses objetivos.

    Palavras-chave: BSC, mtodo Delphi, Defesa Civil, Ajuda Humanitria, Logstica

    Humanitria.

  • 10

    ABSTRACT

    This thesis aimed to identify with the use of a strategic planning and performance

    management tool Balanced Scorecard (BSC), the macro processes of Brazilians state systems

    of humanitarian aid (Civil Defense), which should be aligned with the systems strategic

    mission, and to indicate measures to deepen their organizational alignment as a direct result of

    the ability to create appropriate performance indicators. Thus, a comprehensive review of the

    literature was initially held to find the origin of humanitarian aid, as well as the phases of

    humanitarian actions, the relevant performance indicators, the coordination of various agents

    working in those phases, the coordination by an Operations Command System, the role of

    humanitarian logistics, the concept of the BSC and its use in public organizations.

    Subsequently, a preliminary system design was presented to be led by each state, their

    mission, BSCs macro process, cause and effect relation between these processes and

    corresponding performance indicators. Afterwards, the Delphi method was used for data

    collection. The 27 state coordinators of Civil Defense (26 states and the Federal District),

    along with Nacional Protection and Civil Defense Secretaria were heard over three Delphi

    rounds. In the first round, a semi-open questionnaire was presented to respondents, who had

    the opportunity to criticize and enlarge the presented model. The originally proposed model

    was revised including their considerations. In the second Delphi round, a new questionnaire

    was applied, this time limited by five possible agreement / disagreement scales with each

    proposition, intending to confirm the acceptability of the model. Despite the exploratory and

    qualitative characteristic of this research, three quantitative flags were used in the second

    phase to assess agreement degree: simple proportion, variation coefficient and chi-square test.

    In the third phase, a new open consultation was made to the respondents so they could ratify

    and complement some specific issues. At the end of the study, it was defined: that public and

    civil society organizations should potentially participate in the strategic planning of state Civil

    Defenses; which mission these virtual organizations should follow; what are the relations of

    cause and effect between the strategic objetives of the models BSC; and which performance

    indicators would be most appropriate for these strategic objetives.

    Keywords: BSC, Delphi Method, Civil Defense, Humanitarian Aid, Humanitarian Logistics.

  • 11

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 01E: Aes Integradas de Defesa Civil............................................................ 293

    Figura 02: Tipologia de relacionamento de ajuda humanitria baseada em atores e

    tendo as ONG como foco de anlise........................................................

    56

    Figura 03: Estrutura Principal do SCO...................................................................... 65

    Figura 04F: Estrutura Possvel da Funo Operaes no SCO.................................... 299

    Figura 05F: Estrutura da Funo Planejamento no SCO............................................. 301

    Figura 06F: Estrutura da Funo Logstica no SCO.................................................... 302

    Figura 07F: Estrutura da Funo Administrao no SCO........................................... 303

    Figura 08: Relaes de causa e efeito da estratgia segundo o

    BSC..........................................................................................................

    74

    Figura 09: As quatro perspectivas do BSC propostas por Kaplan e Norton.............. 76

    Figura 10: Estrutura de mensurao para redes logsticas humanitrias................... 79

    Figura 11: Estrutura de desempenho humanitrio..................................................... 82

    Figura 12: Modelo de interao de atores para o planejamento de resposta a crises

    humanitrias no Brasil..............................................................................

    102

    Figura 13: Mapa estratgico de BSC de reduo de riscos nos GC/GPPEC............. 115

    Figura 14: Fluxo de Desenvolvimento da Pesquisa................................................... 128

    Figura 15: Grfico Qui-Quadrado.............................................................................. 140

    Figura 16: Novo Modelo para o GPPEC aps a primeira rodada Delphi.................. 147

    Figura 17: Mapa Estratgico do BSC do GPPEC aps primeira rodada Delphi....... 189

    Figura 18: Alinhamento entre processo e desempenho............................................. 212

  • 12

    LISTA DE QUADROS E TABELAS

    Quadro 01E: Evoluo das brigadas de incndio na antiguidade............................................. 257

    Quadro 02E: Evoluo das brigadas de incndio na era moderna........................................... 258

    Quadro 03E: Evoluo das brigadas de incndio na Gr-Bretanha......................................... 260

    Quadro 04E: Desastres provocados por causas naturais.......................................................... 262

    Quadro 05E: Desastres provocados por causas tecnolgicas................................................... 263

    Quadro 06E: Evoluo dos corpos de bombeiros no Brasil..................................................... 264

    Quadro 07E: Componentes e Atividades dos rgos Municipais de Defesa Civil................. 289

    Quadro 08E: Informaes Levantadas para Estruturao ou Reestruturao de um

    COMDEC...........................................................................................................

    290

    Quadro 09E: reas de Atuao das COMDEC e Atividades Desejadas................................. 290

    Quadro 10: Principais fatos humanitrios do sculo XIX..................................................... 35

    Quadro 11: Atividades tpicas de gerenciamento e operaes de desastre............................ 45

    Quadro 12: Construo de relacionamento em cadeias logsticas humanitrias................... 59

    Quadro 13: Principais caractersticas operativas das organizaes humanitrias.................. 60

    Quadro 14: Classificao dos Desastres em termos de Intensidade, Evoluo e Origem. 64

    Quadro 15: Matriz de Coordenao....................................................................................... 70

    Quadro 16: Nveis de maturidade no gerenciamento de processos....................................... 83

    Quadro 17: Fases e Atividades em Planos de Defesa Civil no Brasil.................................... 88

    Quadro 18: Padres Bsicos Definidos pelo Sphere Project.............................................. 91

    Quadro 19: Comparao entre cadeias de suprimentos comerciais e humanitrias.............. 95

    Quadro 20: Medidas de desempenho comerciais do SCOR.................................................. 96

    Quadro 21: Classificao dos indicadores quanto fase e modo de incio........................... 98

    Quadro 22: Perspectiva financeira do BSC de reduo de riscos e ajuda humanitria......... 108

    Quadro 23: Perspectiva aprendizado/crescimento do BSC de reduo de riscos e ajuda

    humanitria.........................................................................................................

    109

    Quadro 24: Perspectiva processo interno do BSC de reduo de riscos e ajuda

    humanitria.........................................................................................................

    111

    Quadro 25: Perspectiva cliente/cidado do BSC de reduo de riscos e ajuda

    humanitria.........................................................................................................

    113

    Quadro 26: Passos de Elaborao de uma Pesquisa-ao...................................................... 124

    Quadro 27: Resumo de sugestes de misses para o GPPEC aps a primeira rodada

  • 13

    Delphi.................................................................................................................. 150

    Quadro 28: Resumo das sugestes de indicadores de desempenho para diversas

    perspectivas e objetivos do BSC do GPPEC aps a primeira rodada

    Delphi..................................................................................................................

    153

    Quadro 29: Resumo das sugestes de objetivos financeiros para o GPPEC aps a primeira

    rodada Delphi......................................................................................................

    157

    Quadro 30: Resumo de sugestes de indicadores de desempenho dos objetivos

    financeiros do GPPEC aps a primeira rodada Delphi.......................................

    161

    Quadro 31: Perspectiva Financeira do BSC de Reduo de Riscos e Ajuda Humanitria

    aps a primeira rodada de pesquisa Delphi.........................................................

    163

    Quadro 32: Resumo das sugestes de objetivos aprendizagem e crescimento para o

    GPPEC aps a primeira rodada Delphi...............................................................

    164

    Quadro 33: Resumo das sugestes de indicadores de desempenho dos objetivos

    aprendizado/crescimento do GPPEC aps primeira rodada Delphi...................

    167

    Quadro 34: Perspectiva Aprendizado e Crescimento do BSC de Reduo de Riscos e

    Ajuda Humanitria aps a primeira rodada de pesquisa Delphi.........................

    172

    Quadro 35: Resumo das sugestes de objetivos processos internos para o GPPEC aps a

    primeira rodada Delphi.......................................................................................

    174

    Quadro 36: Resumo de sugestes de indicadores de desempenho para o objetivo

    processos internos do GPPEC aps a primeira rodada Delphi..........................,

    176

    Quadro 37: Perspectiva Processos Internos do BSC de Reduo de Riscos e Ajuda

    Humanitria aps a primeira rodada de pesquisa Delphi....................................

    180

    Quadro 38: Resumo das sugestes de objetivos cliente/cidado para o GPPEC aps a

    primeira rodada Delphi.......................................................................................

    182

    Quadro 39: Resumo de sugestes de indicadores de desempenho para o objetivo

    cliente/cidado do GPPEC aps a primeira rodada Delphi................................

    185

    Quadro 40: Perspectiva Cliente / Cidado do BSC de Reduo de Riscos e Ajuda

    Humanitria aps a primeira rodada de pesquisa Delphi....................................

    187

    Quadro 41: Objetivos ou indicadores com ampla aceitao que receberam sugestes de

    aperfeioamentos na segunda rodada de pesquisa Delphi, sem necessidade de

    serem reapresentados aos respondentes..............................................................

    196

    Quadro 42: Objetivos ou indicadores com alguma rejeio que foram eliminados ou mais

    uma vez submetidos aos respondentes na segunda rodada de pesquisa

    Delphi..................................................................................................................

    199

  • 14

    Quadro 43: Objetivos ou indicadores com alguma rejeio dos respondentes que foram

    mantidos, sem a necessidade de serem mais uma vez submetidos aos

    respondentes, na segunda rodada de pesquisa Delphi........................................

    202

    Quadro 44: Quadro 46 Modelo final do BSC para o GPPEC aps trs rodadas da

    Metodologia Delphi............................................................................................

    216

    Tabela 01: Evoluo do nmero de desastres naturais e vtimas no mundo......................... 23

    Tabela 02: Resultado Resumido do questionrio estruturado para a segunda roda Delphi

    conforme questes listadas no Apndice I.....................................................

    192

  • 15

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AI Atos Institucionais

    ANA Agncia Nacional de guas

    ARC American Red Cross

    AVADAN Formulrio de Avaliao de Danos

    BSC Balanced Scorecard

    CEDECs Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil

    CEMADEN Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais

    CENAD Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres

    CEPED Centro Universitrio de Estudos e Pesquisas sobre Desastres

    CN Congresso Nacional

    COMDEC Coordenao Municipal de Defesa Civil

    CONDEC Conselho Nacional de Proteo e Defesa Civil

    CONPDEC Conselho Nacional de Proteo e Defesa Civil

    CPDC Carto de Pagamento de Defesa Civil

    CPI Comisso Parlamentar de Inqurito

    CPRM Compahia de Pesquisa de Recursos Minerais

    CRED Centre for Research on the Epidemiology of Disasters

    CW Concern Worldwide

    DNOCS Departamento Nacional de Obras contra as Secas

  • 16

    FCS Fatores Crticos de Sucesso

    FIRESCOPE Firefighting Resources of California Organized for Potential Emergencies

    ICS Incident Command System

    IFOS Inspetoria Federal de Obras contra as Secas

    IFRC International Federation of Red Cross and Red Crescent Societies

    IOCS Inspetoria de Obras contra as Secas

    FCS Fatores Crticos de Sucesso

    FEANE Fundo de Emergncia e Abastecimento do Nordeste

    FEMA Federal Emergency Management Agency

    FIDENE Fundo de Investimento para o Desenvolvimento Econmico e Social do

    Nordeste

    FINOR Fundo de Desenvolvimento do Nordeste

    FUNCAP Fundo Especial para Calamidades Pblicas

    FUNOCS Fundo Nacional de Obras Contra as Secas

    FURENE Fundo de Pesquisas e de Recursos Naturais do Nordeste

    FAO Food and Agriculture Organisation

    GADE Grupo de Apoio a Desastres

    GC Gabinete de Crise

    GPPEC Gabinete Permanente de Planejamento e Exerccios de Crise

    GEACAP Grupo Especial para Assuntos de Calamidades Pblicas

    HCR High Commissioner for Refuges

  • 17

    ICRC International Committee of the Red Cross

    ICS Incident Command System

    IRO International Refugee Organisations

    LRCS League of Red Cross Societies

    MCTI Ministrio da Cincia Tecnologia e Inovao

    MD Ministrio da Defesa

    MI Ministrio de Interior

    MIN Ministrio da Integrao Nacional

    MPDC Manual de Planejamento em Defesa Civil

    MS Ministrio da Sade

    NIIMS National Interagency Incident Management System

    NOPRED Formulrio de Notificao Preliminar de Desastre

    NUDEC Ncleo de Defesa Civil

    PNDC Poltica Nacional de Defesa Civil

    REDEC Coordenadoria Regional de Defesa Civil

    SCF Save the Children Fund

    SCC Supply Chain Council

    SCM Supply Chain Management

    SCO Sistema de Comando em Operaes

    SCOR Supply Chain Operations References

    SEDEC Secretaria de Defesa Civil

  • 18

    SNPDEC Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil

    SIH Secretaria de Infraestrutura Hdrica

    SINPDEC Sistema Nacional de Proteo e Defesa Civil

    SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste

    SUS Sistema nico de Sade

    SUVALE Superintendncia de Desenvolvimento do Vale do So Francisco

    TCU Tribunal de Contas da Unio

    UCL Universit Catholique de Louvain

    UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

    UNICEF United Nations International Childrens Emergency Fund

    UNISDR United Nation Office for Disaster Risk Reduction

    UNHCR United Nations High Commissioner for Refugees

    UNJLC United Nations Joint Logistics Center

    UNRRA United Nations Relief and Rehabilitation

    WHO World Health Organisation

    WIR Workers International Relief

  • 19

    SUMRIO

    Captulo 1. INTRODUO.......................................................................................... 22

    1.1 OBJETIVOS E PERGUNTA DA PESQUISA........................................... 28

    1.2 JUSTIFICATIVA TERICA E RELEVNCIA DO TEMA..................... 29

    1.3 DELIMITAO DO ESCOPO DO TEMA E LOCUS DA

    PESQUISA...................................................................................................

    31

    Captulo 2. FUNDAMENTAO TERICA............................................................ 33

    2.1 A ORIGEM DA AJUDA HUMANITRIA............................................... 33

    2.2 AS CLASSIFICAES E FASES DE UM SISTEMA DE AJUDA

    HUMANITRIA.........................................................................................

    42

    2.3 O SISTEMA BRASILEIRO DE AJUDA HUMANITRIA...................... 47

    2.4 COORDENAO DE SISTEMAS DE AJUDA HUMANITRIA.......... 51

    2.4.1 O Sistema de Comando em Operaes (SCO) na Coordenao de

    Respostas Lideradas por rgos do Estado............................................

    62

    2.5 ALINHAMENTO ORGANIZACIONAL E SISTMICO NA AJUDA

    HUMANITRIA.........................................................................................

    67

    2.5.1 Conceito de BSC e o Seu Uso em Organizaes Pblicas....................... 70

    2.5.2 Mensurao de Processos Sistmicos e Organizacionais........................ 77

    2.5.3 A Mensurao de Indicadores de Desempenho para a Ajuda

    Humanitria................................................................................................

    84

    2.5.4 A Mensurao de Indicadores de Desempenho Especficos para a

    Logstica Humanitria...............................................................................

    93

    2.6 O BSC ADAPTADO AOS SISTEMAS ESTADUAIS DE AJUDA

    HUMANITRIA.........................................................................................

    100

    Captulo 3. METODOLOGIA...................................................................................... 117

    3.1 O CARTER QUALITATIVO DA PESQUISA....................................... 118

    3.2 PRIMEIRA ETAPA DE ENTREVISTAS COM ESPECIALISTAS.......... 119

    3.3 SEGUNDA ETAPA DE ENTREVISTAS COM ESPECIALISTAS.......... 121

    3.4 TERCEIRA ETAPA DE ENTREVISTAS COM ESPECIALISTAS......... 122

    3.5 O USO DO DA PESQUISA-AO E DO MTODO DELPHI

    CONJUNTAMENTE...................................................................................

    123

    3.6 O PERFIL DOS RESPONDENTES DA PESQUISA................................. 128

    3.7 COLETA DE DADOS................................................................................. 131

  • 20

    3.7.1 A Escala Likert de Coleta de Dados......................................................... 133

    3.8 TRATAMENTO DE DADOS..................................................................... 135

    3.8.1 O Coeficiente de Variao......................................................................... 136

    3.8.2 O Teste Qui-Quadrado.............................................................................. 138

    3.8.3 A Anlise de Proporcionalidade das Respostas....................................... 141

    3.9 LIMITAES DA PESQUISA................................................................... 142

    Captulo 4. RESULTADOS E ANLISES DA PRIMEIRA FASE DA

    PESQUISA..................................................................................................

    144

    4.1 REDISCUSSO DO MODELO DO GPPEC E DO GC............................ 144

    4.2 REDEFINIO DA MISSO DO GPPEC............................................... 150

    4.3 INDICADORES DE DESEMPENHO DIVERSOS REDIRECIONADOS

    PARA AS PERSPECTIVAS CORRETAS DO BSC.................................

    153

    4.4 PERSPECTIVA FINANCEIRA DO PLANEJAMENTO

    ESTRATGICO DO GPPEC......................................................................

    157

    4.5 PERSPECTIVA APRENDIZADO E CRESCIMENTO DO

    PLANEJAMENTO ESTRATGICO DO GPPEC.....................................

    164

    4.6 PERSPECTIVA PROCESSOS INTERNOS DO PLANEJAMENTO

    ESTRATGICO DO GPPEC.....................................................................

    173

    4.7 PERSPECTIVA CLIENTE/CIDADO DO PLANEJAMENTO

    ESTRATGICO DO GPPEC......................................................................

    182

    4,8 REDISCUSSO DO RELACIONAMENTO ENTRE AS

    PERSPECTIVAS........................................................................................

    188

    Captulo 5. RESULTADOS E ANLISES DA SEGUNDA E TERCEIRA FASES

    DA PESQUISA...........................................................................................

    191

    5.1 SEGUNDA RODADA DE INTERAO COM OS

    RESPONDENTES.......................................................................................

    191

    5.2 TERCEIRA RODADA DE INTERAO COM OS

    RESPONDENTES.......................................................................................

    206

    Captulo 6. CONCLUSES.......................................................................................... 210

    6.1 CONJUNTURA ATUAL E RESUMO DO ESTUDO................................ 210

    6.2 O MODELO FINAL DE PLANEJAMENTO ESTRATGICO DOS

    CEDEC.........................................................................................................

    214

    6.3 CONTRIBUIES PRTICAS E TERICAS IDENTIFICADAS

    DURANTE A PESQUISA...........................................................................

    222

  • 21

    6.4 SUGESTES PARA PESQUISAS FUTURAS.......................................... 229

    REFERNCIAS......................................................................................... 231

    APNDICES............................................................................................... 249

    APNDICE A TITULARES DO SNPDEC E DOS CEDEC

    PARTICIPANTES DA PESQUISA............................................................

    249

    APNDICE B REPRESENTANTES DO SINPDEC E DOS CEDEC

    COMO RESPONDENTES DA PRESENTE PESQUISA...........................

    252

    APNDICE C - CRONOGRAMA DO PROJETO DE PESQUISA........... 255

    APNDICE D - ORAMENTO DO PROJETO DE PESQUISA.............. 256

    APNDICE E EVOLUO HISTRICA DA DEFESA CIVIL NO

    MUNDO E NO BRASIL.............................................................................

    257

    APNDICE F ORGANIZAO ESTRUTURAL DAS FUNES

    COMPONENTES DO SCO........................................................................

    299

    APNDICE G - REAS DE ATUAO E PADRES MNIMOS

    ESPERADOS DEFINIDOS NO SPHERE PROJECT.............................

    304

    APNDICE H - QUESTIONRIO SEMI-ESTRUTURADO INICIAL.... 306

    APNDICE I QUESTIONRIO ESTRUTURADO PARA A

    SEGUNDA RODADA DELPHI.................................................................

    312

    APNDICE J - INDENTIFICAO NUMRICA DOS

    RESPONDENTES REPRESENTANTES DO SNPDEC E DOS CEDEC

    EM CADA RODADA DA PESQUISA DELPHI.......................................

    317

    ANEXOS..................................................................................................... 318

    ANEXO A - OFCIO DA COORDENAO DA COPPEAD

    ENCAMINHADO AO SECRETRIO NACIONAL DE DEFESA

    CIVIL COM SOLICITAO DE APOIO..................................................

    318

    ANEXO B - EXEMPLO DO OFCIO CIRCULAR NR 06-2015 DA

    SECRETARIA NACIONAL DE PROTEO E DEFESA CIVIL AOS

    27 CEDECS COM SOLICITAO DE APOIO PARA

    PESQUISA...................................................................................................

    320

  • 22

    CAPTULO 1. - INTRODUO

    O mundo tem observado, nos ltimos anos, um maior nmero de desastres naturais

    com vtimas. Entre 1959 e 20091, o nmero de desastres reportados cresceu mais de 1.000%.

    O nmero de pessoas afetadas tem oscilado entre 200 e 300 milhes por ano, quando, em

    1979, estava abaixo de 100 milhes2. Parte desse crescimento pode ser visualizado na Tabela

    1. Analisando-a, percebe-se que o nmero mdio de desastres reportado em 1990 era de 278 e

    chegou a 330 em 2013, como mdia acumulada de todo o perodo. J o nmero de vtimas

    estava na casa dos 85 milhes em 1990 e chegou a 235,08 milhes em 2013, tambm como

    mdia acumulada de todo o perodo (GUHA-SAPIR et al, 2014).

    Para se ter uma melhor ideia da magnitude do desafio que o mundo vem enfrentando,

    faz-se necessrio avanar um pouco mais no relatrio anual de Guha-Sapir et al (2014).

    Quando analisam apenas a dcada anterior ao relatrio, verificam que a frequncia anual de

    desastres observados de 2003 a 2012 foi de 388, com cerca de 106.654 mortos e 216 milhes

    de vtimas por ano. O ano de 2013 foi, segundo esse prprio relatrio anual, o ano menos

    dramtico nos ltimos 16 anos, bem abaixo da mdia histrica, com 330 desastres, quase 96,5

    milhes de vtimas e 21.610 mortos. Mesmo assim, os custos econmicos decorrentes de

    desastres naturais foram significativos e alcanaram o montante de 118.6 bilhes de dlares.

    Em mdia, na dcada anterior, esses valores chegaram a 156,7 bilhes de dlares.

    Contriburam bastante para essa mdia anual de vtimas fatais da dcada de 2003 a

    2012 alguns terremotos que ocorreram em cinco anos distintos. Em 2004, 2008 e 2010,

    registraram-se mais de 200.000 mortos. Os anos de 2003 e 2005 apresentaram nmeros mais

    baixos, em torno de 100.000 mortes em cada um deles.

    No ano de 2010, por exemplo, observou-se, logo em janeiro, o terremoto no Haiti, que

    afetou mais de 39,1% da sua populao, atingindo 3,9 milhes de vtimas. Alm do Haiti,

    muitas mortes foram reportadas tambm na Rssia, a qual foi afetada por temperaturas

    1 A fonte destes dados j possui informaes compiladas integralmente at 2014. Optou-se por referenciar o ano

    de 2009 porque este representou o pico de desastres reportados em toda a srie histrica. Os anos mais atuais

    ficaram ligeiramente abaixo daquele valor. 2 CRED (Centre for Research on the Epidemiology of Disasters), centro de pesquisa colaborador com a WHO

    (World Health Organization) e a UCL (Universit Catholique de Louvain) na Blgica, mantm um abrangente

    banco de dados com o objetivo de prestar apoio a aes humanitrias internacionais. A iniciativa procura

    racionalizar a tomada de deciso em preparao ao desastre, bem como prover avaliaes de vulnerabilidade e

    priorizao de necessidades. O EM-DAT (Emergency Events Database) contm dados essenciais sobre a

    ocorrncia e os efeitos de mais de 18.000 disastres no mundo, desde 1900 at a presente data. O banco de dados

    construdo atravs de diversas fontes, incluindo agncias das naes unidas, organizaes no-governamentais,

    empresas seguradoras, institutos de pesquisa e agncias de jornalismo.

  • 23

    extremas, enchentes e fogo em florestas, causando mais de 55.800 mortes. Esses dois mega

    desastres fizeram de 2010 o ano mais mortal nas duas ltimas dcadas.

    Algumas das possveis razes para a expressividade desses nmeros, mesmo em anos

    considerados menos dramticos, passam por mudanas no clima e pelo aumento populacional

    do planeta. A explicao reside no fato de que reas do planeta com alguma potencialidade de

    risco, que antes no eram to ocupadas, passaram a ser. Associado a isso, houve tambm

    melhorias nos processos de coleta dessas informaes. No cabe, entretanto, aqui discutir e

    aprofundar a busca pelas causas desses eventuais aumentos relativos nesses nmeros, mas sim

    reconhecer e evidenciar a magnitude do problema em termos absolutos, como boa parte dos

    nmeros apresentados, j bem a demonstrou.

    Tabela 01: Evoluo do nmero de desastres naturais e vtimas no mundo

    Ano

    Nmero de

    Desastres

    Reportados

    Mdia

    Acumulada

    de

    Desastres

    Reportados

    Aumento

    Percentual

    da Mdia

    de

    Desastres

    Nmero

    de

    Vtimas

    (Milhes)

    Mdia

    Acumulada

    de Vtimas

    (Milhes)

    Aumento

    Percentual

    da Mdia

    Acumulada

    de Vtimas

    1990 278 278,00 - 85 85,00 -

    1991 239 258,50 -7,01% 292 188,50 121,76

    %

    1992 223 246,67 -4,58% 100 159,00 -15,65%

    1993 273 253,25 2,67% 201 169,50 6,60%

    1994 253 253,20 -0,02% 293 194,20 14,57%

    1995 261 254,50 0,51% 268 206,50 6,33%

    1996 234 251,57 -1,15% 233 210,29 1,83%

    1997 266 253,38 0,72% 81 194,13 -7,69%

    1998 303 258,89 2,18% 364 213,00 9,72%

    1999 345 267,50 3,33% 302 221,90 4,18%

    2000 431 282,36 5,56% 253 224,73 1,27%

    2001 402 292,33 3,53% 243 226,25 0,68%

    2002 428 302,77 3,57% 671 260,46 15,12%

    2003 372 307,71 1,63% 270 261,14 0,26%

  • 24

    2004 370 311,87 1,35% 179 255,67 -2,10%

    2005 438 319,75 2,53% 161 249,75 -2,31%

    2006 428 326,12 1,99% 147 243,71 -2,42%

    2007 417 331,17 1,55% 214 242,06 -0,68%

    2008 369 333,16 0,60% 226 241,21 -0,35%

    2009 360 334,50 0,40% 226 240,45 -0,32%

    2010 417 338,43 1,17% 342 245,29 2,01%

    2011 349 338,91 0,14% 266 246,23 0,38%

    2012 364 340,00 0,32% 128 241,09 -2,09%

    2013 330 339,58 -0,12% 97 235,08 -2,49%

    Fonte: Adaptado de Guha-Sapir et al (2014)

    No se pode esquecer, ainda, que o drama acima relatado s uma parcela do

    problema maior. No esto includos nesses nmeros os deslocamentos humanitrios, a

    destruio, a fome e as mortes causados por guerras e conflitos em geral. No momento que

    estas linhas eram escritas, em setembro de 2015, mais de quatro milhes de srios estavam em

    deslocamento ou em acampamentos de refugiados por conta de uma guerra civil entre o

    governo da Sria e o chamado Estado Islmico.

    Os pases, de forma geral, procuram criar sistemas organizacionais capazes de

    minimizar os riscos e lidar com as consequncias dos desastres. No Brasil, esta mesma

    tendncia ocorre. O sistema brasileiro , na sua concepo, pensado para lidar com todo o

    tipo de crise, combinando as diversas causas e consequncias conforme apontam, em diversos

    momentos, o seu Manual de Planejamento em Defesa Civil (MPDC), organizado por Castro

    (1999) e as suas diversas Polticas Nacionais de Defesa Civil (PNDC), que se sucedem desde

    1994.

    As propostas pensadas para este trabalho estaro voltadas para os desastres

    classificados como de grande porte ou de muito grande porte conforme classificao da

    prpria PNDC mais recente e descrita em (BRASIL, 2012). So normalmente as situaes nas

    quais o poder pblico se v obrigado a classificar o desastre como sendo causador de uma

    situao de emergncia ou, alternativamente, de estado de calamidade pblica. A Instruo

    Normativa n 01 de 24 de agosto de 2012 orienta estados e municpios quando devem solicitar

    tais declaraes (BRASIL, 2012b).

  • 25

    Muitos acidentes so restritos e os danos so de pouca importncia para a coletividade

    como um todo. Os desastres de mdio porte apresentam danos recuperveis com recursos

    disponveis na prpria rea sinistrada. Desastres de grande porte exigem reforo de recursos

    na rea sinistrada, atravs do aporte de recursos regionais, estaduais e mesmo federais.

    Desastres de muito grande porte, para garantir uma resposta eficiente e cabal recuperao,

    exigem a interveno coordenada dos diversos nveis do Sistema Nacional de Proteo e

    Defesa Civil (SINPDEC) e, eventualmente, de ajuda externa.

    A Instruo Normativa n 01 do Ministrio da Integrao Nacional, diferentemente de

    legislao anterior, que classificava os desastres em quatro nveis, do menos srio para o mais

    srio, limitou-se a definir apenas dois nveis j srios o suficiente para justificar a declarao

    de estado de emergncia ou calamidade pblica respectivamente. Seriam os nveis 3 e 4 de

    uma classificao anterior. Define tambm critrios bem objetivos para a declarao desses

    estados (BRASIL, 2012b).

    A maioria das crises humanitrias3 naturais no Brasil decorrente de uma modalidade

    especfica de desastre natural. Ou trata-se de excesso de gua, causando enchentes e

    desmoronamento de encostas, ou de falta de gua, levando a secas prolongadas. Dessas,

    costumam merecer especial ateno da mdia aquelas que ocorrem tradicionalmente no

    interior do nordeste brasileiro, e agora, de forma mais atpica, a que vem assolando a regio

    Sudeste do Brasil desde 2014 e que vem levando a grande So Paulo a uma importante crise

    hdrica, podendo atingir tambm, nos prximos anos, as regies metropolitanas do Rio de

    Janeiro e de Belo Horizonte.

    Os nmeros destes desastres no territrio brasileiro no so irrelevantes. Entre 2000 e

    2010 foram 60 ocorrncias, 1711 mortes e 7.543.687 afetados segundo Guha-Sapir (2011).

    Ou seja, os custos sociais e econmicos justificam que se planeje melhor a relao do homem

    com o ambiente que lhe abriga e alimenta para mitigar riscos e lidar melhor com os eventos

    quando esses ocorrem, aumentando a resilincia da comunidade.

    3 Uma crise humanitria entendida como uma situao na qual h uma ameaa excepcional e generalizada para

    a vida, sade ou subsistncia humanas. Crises humanitrias normalmente aparecem dentro de situaes nas quais

    faltam proteo. Desastres naturais ou conflitos armados exarcerbam fatores pr-existentes tais como probreza,

    desigualdade e falta de acesso a servios bsicos, multiplicando os efeitos destrutivos. Um tipo especial de crise

    humanitria a emergncia complexa. So crises criadas pelo homem quando situaes violentas levam a

    mortes, deslocamentos forados, epidemias e fomes. Essas consequncias se combinam com o colapso da

    economia e das estruturas polticas, por vezes com a presena de desastres naturais. Emergncias complexas vo

    alm de uma simples crise humanitria porque exigem, alm do trabalho das organizaes humanitrias, misses

    de manuteno de paz, diplomacia e aes polticas. (OCHA, 2014)

  • 26

    Esto sendo realadas aqui as crises decorrentes de desastres naturais, mas outras

    possibilidades provocadas pela ao e tecnologias humanas em interao com o ambiente

    tambm podem gerar desastres. Os sistemas de mitigao e preveno devem estar preparados

    para lidar com todas elas; alocando-se recursos obviamente nas mais comuns.

    O sistema brasileiro para lidar com estas situaes de crise preponderantemente

    baseado em recursos governamentais das trs esferas de governo. A liderana inicial aps

    uma situao de crise pode ficar no mbito municipal se essa for relativamente pequena.

    Entretanto, quando a crise aumenta de magnitude causando colapso logstico e perdas

    significativas de vidas e patrimnio, o mais indicado que esta coordenao fique sob a

    responsabilidade do Governo Estadual. Essa esfera de poder no estaria normalmente perto

    demais do caos gerado pela crise, nem distante demais ao ponto de perder a sensibilidade do

    problema.

    O SINPDEC pode ser considerado hoje um sistema preventivo e no apenas reativo,

    visto que num momento passado, as atividades de defesa civil visavam apenas minimizar as

    consequncias dos desastres (prestao de socorro depois da ocorrncia de desastres);

    atualmente, suas atividades tambm visam, por meio de trabalhos preventivos, reduzir as

    causas dos acontecimentos. (NETO, 2007, p. 8).

    H, portanto, a necessidade de se manter viva na mente dos diversos atores envolvidos

    que este sistema nacional existe e que o seu aprimoramento contnuo deve ser buscado.

    Trabalhando desta forma, estar-se-ia mantendo o sistema alinhado com os prprios princpios

    identificados na construo da ento verso do Sistema Nacional de Defesa Civil (SNDC), em

    2005, antes mesmo de receber a palavra proteo em sua denominao, (BRASIL, 2005),

    que entendia a ocorrncia e a intensidade dos desastres como algo diretamente relacionado

    com as aes de preveno, preparao, respostas e reconstruo. Essas aes tendem a

    diminuir as consequncias dos desastres e, em alguns casos a evit-los e se alinham quilo

    que os estudiosos vm preconizando como as fases tpicas para se lidar com uma situao de

    desastre, preventivamente ou reativamente, como ser visto mais frente.

    O presente trabalho tem como objetivo apresentar um modelo sistmico embrionrio

    que oriente os gestores estaduais do sistema brasileiro de ajuda humanitria a combinarem a

    eficincia operacional de suas atividades com o aperfeioamento estratgico dos sistemas

    estaduais como um todo. A eficincia operacional entendida como um aspecto diretamente

    relacionado ao gerenciamento dirio e significa fazer as coisas corretamente. J a estratgia

    responsvel por fazer as coisas mais adequadas, que torne o sistema cada vez melhor em

    relao a ele mesmo ou em relao a sistemas semelhantes.

  • 27

    Como este modelo deve estar preparado para lidar com sistemas que so dinmicos

    por definio, de forma equilibrada e balanceada, buscou-se adaptar os princpios de

    acompanhamento do planejamento estratgico preconizados no Balanced Scorecard (BSC)

    (Kaplan e Norton, 1992, 1993, 1996, 2000, 2004a, e 2004b) associados aos indicadores de

    desempenho e aos fatores crticos de sucesso normalmente presentes em uma situao de

    ajuda humanitria.

    Em entrevista prvia com o Secretrio Nacional de Proteo e Defesa Civil em janeiro

    de 2015, o seu titular, o General de Exrcito Adriano Pereira Jnior no reportou a existncia

    de modelo semelhante com esse fim, sendo formulado ou implementado no territrio

    brasileiro. As relaes de causa e efeito do modelo foram formuladas a partir das indicaes

    eventualmente existentes sobre as mesmas na literatura pertinente. Em um primeiro momento,

    na ausncia de parte dessas indicaes, essas relaes foram deduzidas a partir da lgica

    argumentativa do prprio autor. Em um segundo momento, os prprios especialistas

    consultados contriburam para completar essas relaes ou ratificar aquelas feitas pelo autor.

    Espera-se, com este modelo, gerar uma ferramenta de gerenciamento, passvel de ser

    utilizada pelos gestores dos sistemas estaduais e, consequentemente, aperfeioada por

    acadmicos ou pelos prprios gestores, ampliando assim a sensao de segurana do cidado

    brasileiro, a ser comprovada pela reduo de indicadores de mortalidade em situao de

    desastres, pela minimizao do tempo de sofrimento das vtimas e pela rpida restaurao das

    atividades econmicas, privadas ou pblicas.

    Para este modelo, entretanto, ter sido considerado pronto para uma utilizao emprica,

    fez-se necessria sua devida validao pelos principais usurios e gestores do sistema, com

    interaes com o autor, em trs fases distintas, que duraram quase nove meses e que so

    integralmente descritas neste trabalho.

    O desenvolvimento do trabalho apresenta-se dividido em seis captulos. O primeiro

    captulo inclui esta introduo; o segundo captulo apresenta o referencial terico relativo

    ajuda humanitria, suas origens e fases conceituais, cadeia de suprimento humanitria e

    como coorden-la, e ao uso do BSC como ferramenta de acompanhamento do planejamento

    estratgico com o uso de indicadores de desempenho; o terceiro captulos descreve o uso

    parcial da metodologia de pesquisa-ao empregada em associao com a tcnica Delphi de

    levantamento de dados, alguns conceitos estatsticos de mensurao e os caminhos

    percorridos durante a pesquisa de campo; o quarto captulo apresenta os resultados da

    pesquisa e as anlises pertinentes da primeira fase da pesquisa; o quinto apresenta os

  • 28

    resultados e as anlises das segunda e terceiras fases da pesquisa; e, no sexto captulo, so por

    fim apresentadas as concluses deste trabalho.

    1.1 OBJETIVOS E PERGUNTA DA PESQUISA

    Objetivo Principal

    O objetivo principal deste trabalho foi identificar, com o auxlio da ferramenta

    estratgica gerencial de mensurao de desempenho Balanced Scorecard (BSC), os objetivos

    dos sistemas estaduais de ajuda humanitria, que devem se alinhar com a misso estratgica

    desses sistemas, e indicar formas de aprofundar o alinhamento organizacional dos mesmos

    como consequncia direta da capacidade de se criarem indicadores de desempenho

    adequados.

    A adequao desse modelo proposto e a intensidade do alinhamento organizacional

    por ele promovido foram aperfeioadas e aprofundadas, secundariamente, pelos elementos de

    ligao designados pelas organizaes participantes da pesquisa. Tais organizaes e os

    servidores pblicos no papel de titulares das mesmas so listados no Apndice A. No

    Apndice B, so listados os servidores designados para responderem a essa pesquisa por

    seus titulares. Em alguns casos, os prprios titulares se propuseram a ser os representantes da

    organizao durante esta pesquisa.

    Para se chegar a esse objetivo maior, este trabalho teve ainda os seguintes objetivos

    secundrios:

    Descrever a estrutura do sistema de ajuda humanitria no Brasil e nos

    respectivos Estados federados;

    Identificar quais so os objetivos mais adequados de ajuda humanitria

    conforme a literatura e a legislao pertinente;

    Verificar o nvel de institucionalizao desses processos nos Estados

    federados;

    Identificar que indicadores de desempenho so mais adequados para mensurar

    cada um desses marcroprocessos, bem como, os resultados finais esperados dos

    sistemas estaduais de defesa civil;

    Apresentar uma modelo que aumente as possibilidades de alinhamento entre

    marcroprocessos e a misso dos sistemas estaduais de ajuda humanitria no Brasil

    e as respectivas mtricas de desempenho;

  • 29

    Validar e ampliar esse modelo por meio de consultas a especialistas no tema.

    A partir dos objetivos supracitados, esta pesquisa se props a responder seguinte

    pergunta: Que misso e objetivos so adequados contruo de um sistema de ajuda

    humanitria e defesa civil nos estados federados do Brasil e que relaes de causa e efeito

    devem ser estabelecidas entre estes objetivos para se maximizar os benefcios desse sistema a

    serem mensurados por meio de indicadores de desempenho tambm adequados?

    Os Apndices C e D apresentam respectivamente o cronograma e o oramento

    deste trabalho de pesquisa para o atingimento dos objetivos acima e para a reposta desta

    pergunta da pesquisa

    1.2 JUSTIFICATIVA TERICA E RELEVNCIA DO TEMA

    Este tema possui uma relevncia pragmtica, ao aplicar conhecimentos acadmicos na

    soluo de desafios reais. Procurou-se saber como possvel tornar um sistema de ajuda

    humanitrio mais flexvel, gil, adaptvel e efetivo, mesmo em situaes de difcil

    previsibilidade e altamente mutveis. um desafio para os estudiosos preocupados em

    aumentar a eficcia de grandes sistemas com fortes relaes de interdependncia entre seus

    subsistemas. Merece realce, por exemplo, o subsistema responsvel pelo fluxo de produtos na

    cadeia de suprimentos de ajuda humanitria, cuja gesto muito tem a ensinar para os

    estudiosos de cadeias comerciais tradicionais, que se preocupam em criar teorias que

    expliquem como manter cadeias logsticas flexveis e geis diante de mercados globalizados,

    exigentes, volteis e repletos de incertezas. A soluo apresentada ao final do trabalho

    constitui-se de um modelo novo para a gesto estratgica das defesas civis estaduais no Brasil.

    Diante do aumento de magnitude nas consequncias dos desastres, mais do que nunca

    se faz necessrio que os bens e servios cheguem rapidamente aos indivduos afetados, de

    forma a mitigar a crise humanitria, diminuindo o nmero de vidas perdidas e minimizando as

    sequelas no cotidiano dos sobreviventes.

    O processo de ajuda para uma regio que esteja nestas condies passa por duas

    grandes fases, distintas e interdependentes. Na primeira fase, busca-se salvar pessoas, evitar a

    fome, curar eventuais ferimentos e doenas, e precaver futuras doenas associadas aos

    ambientes de desastre. Na segunda fase, procura-se restabelecer o ritmo normal da economia.

    Assim, quanto menor for o tempo para a economia local retomar s suas condies anteriores

  • 30

    de funcionamento, menores sero os prejuzos para a indstria e o comrcio, no apenas do

    local, mas tambm das demais regies com as quais h interaes de troca de alguma

    natureza.

    O rpido retorno normalidade reduz ainda o fardo que colocado sobre os ombros

    das diversas esferas governamentais em situaes como estas, por serem obrigados a arcar

    com todos os tipos de problemas sociais decorrentes, tais como desagregao familiar,

    mendicncia, violncia urbana etc.

    Se a recuperao e resposta eficaz aos desastres importante, evitar a suas ocorrncias

    e mitigar os seus efeitos quando estes so inevitveis ainda mais relevante. Assim, a ajuda

    humanitria se torna mais ampla que a sua logstica de resposta, envolvendo a participao de

    uma mirade de atores e reas de atuao pblicas e privadas, o que torna primordial um

    efetivo planejamento estratgico.

    Conforme o problema vem ganhando relevncia para a sociedade, os estudos

    acadmicos sobre o tema vm tambm crescendo proporcionalmente. Estes estudos buscam

    no s tentar entender as prprias causas desses fenmenos naturais mais intensos ou das

    razes sociais daqueles provocados pelo homem, mas tambm como lidar com as

    consequncias dos mesmos. Neste ltimo aspecto, aparecem conceitos tais como, alvio

    humanitrio, ajuda humanitria, logstica humanitria e de gerenciamento de cadeias de

    suprimento humanitrias e de sistemas de ajuda humanitria. Este trabalho se insere

    justamente dentro desta perspectiva de reduo dos impactos iniciais de um desastre e da

    capacidade de mitigar os seus efeitos, por meio de um melhor gerenciamento do sistema. Essa

    melhoria dever ser alcanada com a elaborao e validao de uma ferramenta de

    planejamento a ser disponibilizada para os gestores dos sistemas estaduais de defesa civil no

    Brasil, que em ltima instncia so os sistemas mantidos com recursos pblicos para aliviar o

    sofrimento nessas condies extremas.

    Em muitos estados brasileiros, parece haver uma carncia de ferramentas que

    garantam aes mais ordenadas de defesa civil e que contribuam para os propsitos da ajuda

    humanitria, com maior integrao entre rgos municipais, estaduais e federais. Faz-se

    necessrio um planejamento estratgico institucionalizado e alinhado com a realidade vivida

    nos desastres conforme podemos depreender das palavras de um profissional da rea, que atua

    no Estado do Cear:

    (...) os gestores utilizam essa ferramenta (sic planejamento) de forma emprica,

    pois nas suas falas confundem o planejamento estratgico com planejamento ttico

    e/ou operacional. Alm disso, no verificada meno ao planejamento

  • 31

    participativo, embora este ltimo tipo de planejamento seja aplicado principalmente

    nas organizaes civis. (NOBRE, 2010)

    1.3 DELIMITAO DO ESCOPO DO TEMA E DO LOCUS DA PESQUISA

    A legislao brasileira define que os trs nveis de governos, municipal, estadual e

    federal, possuem a responsabilidade de liderar os sistemas de ajuda humanitria existentes em

    cada um desses nveis. No sendo o Municpio capaz de lidar com seus prprios recursos com

    os problemas que vier a enfrentar, deve solicitar apoio do nvel estadual e este por sua vez

    far o mesmo em relao ao nvel federal. Em casos muito graves, pode-se pedir ajuda

    internacional. A maioria dos problemas graves ou muito graves so gerenciados pelos estados

    federados com ajudas pontuais de outros estados ou da Unio. Os sistemas municipais da

    maioria dos municpios lidam to somente com pequenos desastres e acidentes locais que

    podem ser contornados com os recursos disponveis no local. Para estes, as defesas civis

    municipais esto relativamente bem preparadas para dar a resposta esperada.

    Nos grandes desastres, o nmero de vtimas maior e a responsabilidade para

    coordenar o esforo de ajuda tende a ficar com os estados nos quais ocorreram. Assim, o

    escopo deste estudo estar limitado ao sistema liderado pelas Coordenadorias Estaduais de

    Defesa Civil (CEDECs)4. Ao final da apresentao do referencial terico sobre o tema deste

    trabalho, haver a oportunidade de se discutir a coordenao de um sistema de ajuda

    humanitria e de se esboar em maiores detalhes este sistema liderado pelas CEDECs.

    Este sistema considerado uma organizao em si, apesar de envolver diversos rgos

    de vrios nveis de governo, entidades privadas com ou sem fins lucrativos. Por isso, a nfase

    deste estudo na gesto organizacional e seu alinhamento interno, ou seja, na relao dos

    recursos internos com o desempenho operacional.

    O foco no mbito estadual justificvel na legislao brasileira mais atual ao listar o

    que se espera dos CEDECs, e ao se realar a importncia do planejamento e da coordenao

    com a Unio e os Municpios:

    Compete aos Estados: I - executar a PNPDEC em seu mbito territorial; II -

    coordenar as aes do SINPDEC em articulao com a Unio e os Municpios; III -

    instituir o Plano Estadual de Proteo e Defesa Civil; IV - identificar e mapear as

    4 O termo CEDEC vem sendo utilizado h mais de 20 anos. A legislao atual, datada de 2012, no utiliza

    este termo, mas as responabilidades aos estados foram mantidas e a terminologia ainda continua

    tradicionalmente em uso.

  • 32

    reas de risco e realizar estudos de identificao de ameaas, suscetibilidades e

    vulnerabilidades, em articulao com a Unio e os Municpios; V - realizar o

    monitoramento meteorolgico, hidrolgico e geolgico das reas de risco, em

    articulao com a Unio e os Municpios; VI - apoiar a Unio, quando solicitado,

    no reconhecimento de situao de emergncia e estado de calamidade pblica; VII -

    declarar, quando for o caso, estado de calamidade pblica ou situao de

    emergncia; e VIII - apoiar, sempre que necessrio, os Municpios no levantamento

    das reas de risco, na elaborao dos Planos de Contingncia de Proteo e Defesa

    Civil e na divulgao de protocolos de preveno e alerta e de aes emergenciais.

    (BRASIL, 2012 a, art. 7)

    O CEDEC , portanto, um rgo pertencente aos estados da federao que pode

    receber esse nome de Coordenao Estadual de Defesas Civil ou nomes alternativos como:

    Superintendncia, Departamento ou Secretaria Estadual de Defesa Civil. O importante que,

    independente do nome recebido, o rgo seja responsvel pelas competncias listadas acima.

    Os 27 CEDECs estaduais sero o foco das indagaes desta pesquisa. So 27 porque o

    Distrito Federal recebe o status de estado na federao brasileira e no de municpio. Ser

    participante ainda da pesquisa a Secretaria Nacional de Proteo e Defesa Civil, visto ser uma

    de suas obrigaes apoiar os Estados, o Distrito Federal e os Municpios no mapeamento das

    reas de risco nos estudos de identificao de ameaas, suscetibilidades, vulnerabilidades e

    risco de desastres e nas demais aes de preveno, mitigao, preparao, resposta e

    recuperao. (BRASIL, 2012 a, Inc. IV, art. 6)

    Os municpios no foram indagados, pois o foco foi o planejamento estratgico dos

    estados. Entretanto, reconhece-se que tudo aquilo que planejado nos estados possui reflexos

    muito claros nos municpios. Da mesma forma, alguns dos indicadores de desempenho dos

    estados tendem a melhorar quando os municpios desempenham bem os seus papis na rea

    de Defesa Civil.

    Antes de se avanar para o referencial terico que deu respaldo a esta pesquisa,

    recomenda-se a leitura do Apndice E, no qual relatada a evoluo histrica da Defesa

    Civil no mundo e, mais particularmente no Brasil, desde as primeiras brigadas de incndio.

    Especial ateno dada aos marcos evolutivos do atual modelo organizativo brasileiro, visto

    que a presente pesquisa propor uma forma de planej-lo de forma sistmica e alinhada, no

    mbito de cada Estado, com os conceitos mais atuais sobre a logstica e a ajuda humanitria,

    utilizando-se para tal o Balanced Scorecard (BSC), conforme se ver a seguir no Captulo 2.

  • 33

    CAPTULO 2. - FUNDAMENTAO TERICA

    Neste Captulo, buscou-se identificar como os principais autores entendem a ajuda

    humanitria desde suas origens, as diversas fases em que se dividem os processos desta ajuda,

    como esta pode ser coordenada de forma mais eficiente e eficaz, como o Brasil procurou

    organizar seu sistema pblico de Defesa Civil para tambm cumprir bem estas atividades.

    Buscou-se demonstrar tambm que desempenhos elevados podem ser alcanados por meio do

    alinhamento entre diversos processos, todos baseados em indicadores de desempenho, a

    exemplo do que a ferramenta do Balanced Scorecard (BSC) preconiza. Deu-se especial

    ateno identificao de objetivos e indicadores de desempenho de ajuda humanitria

    disponveis na literatura e nos diplomas legais, com especial ateno para os indicadores de

    logstica humanitria. Por fim, o Captulo termina esboando uma primeira aproximao de

    um modelo de BSC para as defesas civis estaduais, delineando os principais atores

    envolvidos, os objetivos estratgicos esperados, as relaes ente estes, os indicadores de

    desempenho associados e uma definio da misso desse sistema.

    Este captulo organizado, portanto, de uma abordagem geral para uma bem particular

    e se divide em 6 partes. Na primeira, apresenta-se um breve histrico e definio do que vem

    a ser a ajuda humanitria; na segunda, discorre-se sobre as fases em que se divide um sistema

    de ajuda humanitria; na terceira, descreve-se como organizado o sistema brasileiro de ajuda

    humanitria; na quarta, discute-se como um sitema de ajuda humanitrio pode ser

    coordenado; na quinta, como a ferramenta Balanced Scorecard (BSC) de planejamento

    estratgico e indicadores de desempenho adequados podem contribuir para esta coordenao;

    e na sexta, finalmente apresentado um modelo de BSC adaptado aos sistemas estaduais de

    defesa civil brasileiros.

    2.1 A ORIGEM DA AJUDA HUMANITRIA NO MUNDO

    Em 2015, as operaes humanitrias se desdobram em todo o globo e assumem

    diferentes facetas, tais como: resposta a necessidades impostas por conflitos ou desastres

    naturais, suporte a populaes deslocadas em crises agudas e prolongadas, reduo de riscos e

    preparao para situaes adversas, recuperao precoce de desastres sofridos, apoio

    produo e manuteno de vveres, resoluo de conflitos e construo da paz.

  • 34

    Entretanto, o desejo de aliviar o sofrimento alheio por meio de gestos humanitrios

    provavelmente milenar e genuinamente global. O desenvolvimento de um sistema

    humanitrio internacional como conhecemos hoje tem uma data de nascimento e um local de

    origem bem definidos. Seu incio se d na sociedade europeia dos sculos XIX e XX diante

    de sua experincia com suas guerras e desastres naturais (DAVIES, 2012).

    De acordo com Davies (2012), foi somente na ltima dcada do sculo XX que o

    termo humanitrio se tornou de uso frequente e amplo, embora j se possa identific-lo no

    sculo XIX. De acordo com Barnett (2011), o entendimento de humanitrio que se tornou

    dominante nos anos 90 do sculo passado definiu a ajuda humanitria como uma ao

    necessariamente imparcial, independente e neutra durante o ato de prover alvio para aqueles

    em perigo imediato ou dor.

    Barnett (2011) divide a histria da ajuda humanitria em trs perodos cronolgicos

    que seriam tomados por ideologias distintas: um perodo humanitrio imperial, que vai desde

    o incio do sculo XIX at a Segunda Guerra Mundial; um perodo neo-humanitrio que vai

    desde o fim da Segunda Guerra at o fim da Guerra Fria; e um perodo humanitrio liberal,

    que se inicia aps a Guerra Fria e se estende at os dias de hoje.

    Walker e Maxwell (2009) viram as guerras mundiais como causadoras de mudanas

    distintas na histria do setor humanitrio. Eles caracterizam ainda o perodo da Guerra Fria

    como sendo de compaixo e manipulao e os anos 90 do sculo XX como o perodo de

    globalizao do humanitarismo.

    Randolph Kent (1987) v a Segunda Guerra Mundial como um ponto de inflexo,

    argumentando que foi somente em meio quela guerra que os governos comearam a entender

    mais claramente a necessidade de maior interveno internacional quando as pessoas so

    vtimas de desastres.

    J Aeberhard (1994), Ryfman (2008), e Davey (2012) ressaltam a importncia da

    Guerra Fria, em funo da experincia francesa na Guerra Civil de Biafra e Nigria entre

    1967 e 1970.

    Davey (2013), diferentemente de alguns desses autores acima, identifica quatro

    diferentes perodos de caracterizao do conceito de ajuda humanitria. O primeiro vai de

    meados do sculo XIX at o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918, quando as concepes

    daquele perodo dirigiram a ao humanitria; o segundo seria o perodo wilsoniano que vai

    do fim da Primeira Guerra Mundial at o incio da seguinte, quando nasceu a noo de

    governana internacional; o terceiro perodo corresponderia a toda durao da Guerra Fria,

    quando os atores humanitrios se voltaram para o mundo no ocidental e o paradigma do

  • 35

    desenvolvimento emergiu; e o quarto perodo, aps a Guerra Fria, quando mudanas

    geopolticas refizeram o terreno dentro do qual os profissionais de ajuda de humanitria

    trabalhavam.

    No primeiro perodo, segundo Davey (2013), uma srie de fatores contribuiu para o

    florescimento das iniciativas humanitrias. As tecnologias das naes industrializadas

    aumentaram os custos humanos nos conflitos; e as melhorias nos transportes e comunicaes

    tornaram o mundo menor. Com as notcias sobre as guerras viajando mais rapidamente, os

    governos tiveram um incentivo maior para minimizar os seus impactos sobre os soldados de

    forma a no gerar descontentamentos em suas bases sociais. A criao do ICRC em 1863

    permanece como o mais poderoso smbolo desse perodo.

    Foi tambm no sculo XIX que a medicina militar apresentou uma srie de inovaes

    tais como a prtica da triagem, muito utilizada em desastres at os dias de hoje, a qual havia

    sido instituda pela primeira vez nas Guerras Napolenicas, bem como o refinamento do

    transporte mdico e de evacuao de feridos, eficientemente realizados na Guerra Civil

    Americana de 1861 a 1865, conforme ressalta Haller (1992). A eficincia marcante das

    equipes de enfermeiras, na Guerra da Crimeia de 1854 a 1865, faria com que esse tipo de

    organizao viesse para ficar em situaes de crise com diversos feridos.

    A ao da Red Cross/Red Crescent Movement (ICRC) foi marcante para as origens da

    ajuda humanitria sistmica no sculo XIX, ao apoiar-se em acordos internacionais, que do a

    estrutura de ao tanto em benefcio de estrangeiros quanto de nacionais. Nesse sentido, a

    ICRC faz parte do objetivo maior de minimizar o impacto da guerra, colocando regras sobre a

    conduta das hostilidades. O Quadro 10 apresenta mais alguns dos fatos marcantes desse

    perodo do nascedouro da ajuda humanitria no sculo XIX.

    Quadro 10 Principais fatos humanitrios do sculo XIX

    ANO FATO

    Sc. XIX e

    parte do XX

    Colnias serviram de laboratrio para as potncias ocidentais para as tcnicas de ao

    humanitria em reas como combate fome, assistncia em dinheiro, e servios de

    sade, inicialmente para as populaes de origem europeia, mas a seguir para garantir a

    integridade da prpria fora de trabalho. Segundo Waal (1989, apud DAVEY, 2013),

    no imprio ingls, havia uma poltica de aliviar o sofrimento sem que levasse a

    desmotivao pela busca de trabalho.

    Para Barnett e Weiss (2008, apud DAVEY, 2013), prticas humanitrias religiosas, seculares e estatais ocorriam nas colnias, nem sempre perfeitamente alinhadas com as

    polticas coloniais.

    1850 Primeira Conferncia Sanitria Internacional; outras se tornam comuns a partir de

    ento.

    1864 Conveno de Genebra para a melhora das condies de feridos no campo de batalha.

  • 36

    1868 A Sociedade do Crescente Vermelho Otomana fundada e proveria alvio ao conflito

    Russo-Turco de 1877 a 1878, segundo Checkland (1994, apud DAVEY, 2013).

    1871 A Cruz Vermelha e o Movimento do Crescente Vermelho tornam-se um frum de

    liderana para a cooperao humanitria graas a seu trabalho durante a Guerra Franco-

    Prussiana de 1870 a 1871.

    1877 A Sociedade Nacional Japonesa fundada e proveria alvio para a Guerra Russo-

    Japonesa de 1904 a 1905, segundo Checkland (1994, apud DAVEY, 2013)

    1880 A Inglaterra vitoriana procura definir parmetros do que vem a ser um indivduo

    realmente necessitado, segundo Kalpagam (2000, apud DAVEY, 2013), embora os critrios fossem mais rgidos para os pobres das colnias do que para os pobres

    ingleses.

    1881 Um grupo de quarentena martima internacional foi estabelecido em Alexandria, o qual

    se tornaria mais tarde no Escritrio Regional do Mediterrneo Oriental da World Health

    Organisation (WHO)

    1865 Com o final da Guerra Civil Americana, desloca a American Red Cross (ARC) para

    desastres naturais.

    1906 a 1908 Os terremotos em So Francisco em 1906, Kingston em 1907 e Itlia em 1908 tiveram

    apoio de navios britnicos, americanos e franceses com assistncia imediata e cuidados

    mdicos.

    1908 Primeiro Congresso Internacional de Salvamento de Vidas e Primeiros Socorros, no

    caso de acidentes, teve lugar em Frankfurt.

    1914

    Segundo Forsythe (2005, apud DAVEY, 2013), os desafios da Primeira Guerra Mundial foram muito maiores que a capacidade de ao da ICRC para atender os

    prisioneiros de guerra, mesmo contando com a cooperao das igrejas protestantes e da

    catlica e de pases neutros. As tarefas eram muitas, segundo Moorehead (1998, apud DAVEY, 2013): comunicaes entre presos e familiares, campanha de repatriamento

    de soldados gravemente feridos ou doentes, ajuda para reunir famlias, e contribuio

    para a manuteno das leis de guerra da Conveno de Genebra.

    Fonte: Adaptao de Davey (2013)

    Para Davey (2013), diferentemente de outros autores, uma nova fase na ajuda

    humanitria no se inicia aps a Segunda Guerra Mundial, mas sim aps a Primeira Guerra. O

    final daquela Guerra teria demonstrado a falncia do sistema em vigor para lidar com

    situaes de tamanha envergadura. Aps aquela Guerra no faltavam problemas a resolver no

    campo humanitrio: segurana alimentar, doenas, como a epidemia de gripe, deslocamento

    de populaes em massa, indivduos sem estados, e a crise econmica de 1929 que logo

    chegaria. A institucionalizao da ajuda humanitria, que uma caracterstica marcante de

    todo o sculo XX, teria comeado no perodo entre guerras e no aps a Segunda Guerra. Este

    autor concorda com Watenpaugh (2010) quando o mesmo afirma que, diferentemente do

    modelo anterior, os esforos de ajuda deveriam agora ser estruturados para serem

    permanentes, transnacionais, institucionais e seculares de forma a identificarem e combaterem

  • 37

    as causas primrias do sofrimento humano. Esse sofrimento estava j requerendo abordagens

    mais sistemticas e cientficas, tais como polticas nutricionais e de sade pblica.

    O Tratado de Versalhes de 1919 marcou o incio dessas reformas humanitrias ao

    regular o fim da Primeira Guerra e incentivar a criao de organizaes internacionais para

    enderear questes humanitrias. A partir desse tratado, foi criada a Liga das Naes como a

    primeira organizao internacional permanente, cuja misso era manter a paz mundial por

    meio de negociaes, desarmamentos e arbitragens. De acordo com Pedersen (2007), a liga e

    seus tratados relacionados cobriram questes como condies de trabalho, tratamento das

    populaes endgenas das colnias e a proteo de minorias e pessoas deslocadas na Europa.

    Uma das mais importantes reformas da Liga da Naes no perodo entre guerras foi a

    criao do posto de Alto Comissariado para Refugiados da Liga das Naes (High

    Commissioner for Refuges HCR), sobre a liderana do Dr. Fridjot Nansen, um bem

    conhecido explorador polar noruegus e cientista. Segundo Skran (1995), aps sua morte em

    1930, a Liga criou o Nansen International Office para Refugiados como um corpo autnomo,

    que teve papel fundamental no tratado de 1933 sobre os direitos de refugiados, marcando a

    emergncia de um regime para o alvio e proteo de refugiados.

    O mesmo padro de organizao e institucionalizao ficou evidente em outras reas.

    Segundo Weindling (1995), na rea de sade, por exemplo, houve uma transio da fase de

    tratados e convenes entre estados-nao para se estabelecer um novo mundo de

    organizaes internacionais, designadas para promover sade e bem-estar.

    Segundo Schilde, Hering e Walde (2003), a coordenao e institucionalizao da

    prtica humanitria ganhou fora com a criao da Liga das Sociedades da Cruz Vermelha em

    1919, antecessora da Federao Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. A

    variante sovitica de 1922 seria o Alvio Internacional dos Trabalhadores (Workers

    International Relief WIR) da recm constituda Unio Sovitica, que passou a ser chamada a

    partir de 1923 de Ajuda Internacional Vermelha (International Red Aid)

    O ps-Primeira Guerra marcou tambm o nascimento da primeira Organizao No

    Governamental (ONG) transnacional. Segundo Walker e Maxwell (2009), a Save the

    Children Fund (SCF) foi formada na Gr-Bretanha em 1919 com a viso de que todas as

    crianas, incluindo os filhos de antigos inimigos, so elegveis para o recebimento de alvio

    humanitrio. Segundo Trentmann e Just (2006), a criao dessa ONG tambm parte do

    padro de organizao institucional que procurava reconfigurar as mentalidades civis, que

    haviam sido organizadas em torno de ideias de soberania nacional, na direo de alguma coisa

    mais prxima de uma sociedade civil global com direitos e responsabilidades compartilhados.

  • 38

    Essa reconfigurao no se deu sem algumas contradies com o modelo colonialista que

    ainda vigoraria por um bom tempo.

    Segundo Davey (2013), conforme se adentrava pela dcada de 30 do sculo passado,

    uma srie de mudanas geopolticas alterou um pouco o perfil das operaes humanitrias. A

    depresso econmica reduziu os recursos e a vontade para levar a cabo operaes de alvio

    internacionais, embora tenha incentivado uma atuao dos Estados para maiores gastos

    pblicos internos de forma a se contrapor crise conforme o receiturio macroeconmico de

    Keynes. A prpria Liga das Naes se enfraqueceria por conta das tenses existentes entre as

    principais naes que a compunham ou que a deixaram de compor como consequncia dessas

    tenses.

    Esse perodo foi tambm difcil para a Cruz Vermelha e para o Movimento do

    Crescente Vermelho. Apesar de ela ter atuado razoavelmente bem na Guerra Civil Espanhola

    de 1936 a 1939 segundo Bartels (2009), deixou a desejar no uso indiscriminado de gs

    mostarda pela Itlia na invaso da Etipia em 1935 e pouco falou contra as atrocidades

    praticadas pelos nazistas contra judeus, ciganos, homossexuais, prisioneiros polticos e de

    guerra, entre outros, em seus campos de concentrao ou de prisioneiros. Ainda durante a

    Segunda Guerra, os russos chegaram a defender que a ICRC fosse dissolvida e suas funes

    transferidas para a League of Red Cross Societies (LRCS) segundo Bugnion (2000).

    A futura Organizao das Naes Unidas (ONU) de 1947 deu seus primeiros passos

    ainda durante a Segunda Guerra Mundial, com a criao da United Nations Relief and

    Rehabilitation (UNRRA) em 1943, que tinha o objetivo de prover ajuda, reabilitao e

    assistncia no reassentamento de populaes. Buscava, tambm, manter todas as experincias

    da Primeira Guerra e do entre Guerras.

    Aps a Segunda Guerra Mundial, inicia-se uma nova fase para a Ajuda Humanitria

    no mundo. Foi justamente a criao da ONU que trouxe um novo marco normativo, em

    especial a partir da Declarao Universal dos Direitos Humanos com esta simples afirmao:

    Todos tm o direito vida, liberdade e segurana da pessoa (Declarao Universal dos

    Direitos Humanos, 1948, Art. 3).

    Esse perodo foi o comeo de uma preocupao internacional sem precedentes com a

    proteo de direitos humanos segundo Clapham (2007). Ainda em 1948, a assembleia geral

    adotou a Conveno sobre Preveno e Punio para o crime de genocdio. Em 1949, a

    conveno de Genebra foi ampliada para incluir conflitos armados no internacionais na

    proteo de populaes civis. Novas agncias so criadas com os ativos e pessoal da antiga

    UNRRA, tais como a United Nations International Childrens Emergency Fund (UNICEF), o

  • 39

    Food and Agriculture Organisation (FAO), a World Health Organisation (WHO) e a

    International Refugee Organisations (IRO), que seria substituda pela UNHCR em 1951.

    Entretanto, segundo Barnett (2011), boa parte das aes do perodo posterior

    Segunda Guerra Mundial no foram decorrentes apenas da paixo ou da compaixo, mas

    tambm da inteno de usar a ajuda humanitria como instrumento poltico, econmico e

    estratgico das grandes potncias, como ficou evidente na ajuda americana Coria do Sul

    para evitar a expanso comunista na regio ou no prprio plano Marshall de reconstruo da

    Europa entre 1947 e 1951.

    Infelizmente, esse sistema de ajuda humanitria reforava as estruturas de poder

    mundial segundo Trentmann (2006), pois ao invs de, por exemplo, estimular o conhecimento

    local e os centros locais de produo de alimentos, preferia transformar os pases necessitados

    de ajuda alimentar em dependentes da importao da superproduo de alimentos americana.

    Segundo Davey (2013), aos poucos a ajuda humanitria foi migrando dos pases mais

    afetados pela Guerra para o Terceiro Mundo em formao, visto que muitos pases ganharam

    a independncia de suas metrpoles aps a Guerra. A proliferao de ONGs contribui para

    essa assistncia com campanhas de levantamento de recursos, demonstrando as mazelas do

    Terceiro Mundo. A expanso do setor humanitrio entraria nos anos 50 com muitos elementos

    reconhecveis ainda hoje: mecanismo de governana internacional, agncias multilaterais

    especializadas, uma linguagem de direitos das ONGs, uma estrutura legal, engajamento em

    conflitos, desastres naturais e epidemiologias, alimentao e nutrio e a busca do

    desenvolvimento generalizado.

    As ONGs tiveram tudo para se expandir nesse perodo. O dinheiro e servios prestados

    por essas organizaes eram muito bem recebidos nos novos Estados do Terceiro Mundo

    dotados de precria infraestrutura e recursos. Segundo Minear (2012), essas tinham certa

    autonomia dentro do espao deixado pelos dois blocos em conflito e as demandas desses

    novos Estados, embora muitas vezes houvesse fortes laos entre as polticas da Guerra Fria de

    seus Estados de origem.

    O maior exemplo dessa relativa autonomia das ONGs nesse arranjo poltico ente Leste

    e Oeste foi o combate fome decorrente da guerra civil de Biafra em 1967. A ONU e a ICRC

    estavam impedidos de agir. Segundo De Waal (1997, apud DAVEY, 2013), a Guerra de

    Biafra foi a experincia formativa da ajuda humanitria contempornea. Essa crise foi

    primordial para a formao de pelo menos duas ONGs: Mdicos Sem Fronteiras (MSF) e a

    Concern Worldwide (CW). Essa ltima se envolveu intensamente no gerenciamento da

    chegada de suprimentos por meio areo.

  • 40

    Uma outra crise no bojo da Guerra Fria foi marcante para o sistema atual. A crise do

    antigo Paquisto Oriental, que viria a ser chamado de Bangladesh, comeou com um severo

    ciclone e tempestade nas reas costeiras e no Delta do Ganges, a qual matou cerca de 300.000

    pessoas em novembro de 1970. Essa crise se transformou em uma crise poltica e numa guerra

    civil em 1971 com mais de dez milhes de refugiados. A escala do problema encorajou a

    ONU a designar a UNHCR como o ponto focal para coordenar a assistncia das Naes

    Unidas, dando-lhe poderes distintos dos que tradicionalmente vinha exercendo. Isso pode ser

    visto como uma espcie de organizao precursora do sistema de clusters que ser formaria

    aps 2005 e, segundo Chen e Northrup (1973), a soluo no poderia ter sido melhor.

    Para Terry (2002), os ltimos anos da Guerra Fria ainda foram marcados por uma srie

    de crises com forte ateno da mdia e manipulao ou instrumentalizao da ajuda seja por

    governos afetados, seja por grupos armados ou ainda por Estados Ocidentais. Isso ocorreu nos

    campos de refugiados em Honduras, Camboja, Etipia e Afeganisto.

    Segundo Davey (2013), o fim da Guerra Fria, com a desintegrao da antiga Unio das

    Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) em 1991, parece ter sido bom para a ao

    humanitria no comeo devido diminuio de tenses. Exemplos de cooperao, porm, j

    haviam surgido ainda em 1988 no terremoto da Armnia, ou, em 1989, no corredor

    humanitrio do Sudo, quando a antiga URSS j procurava buscar novos caminhos para seus

    problemas econmicos, diminuindo as tenses nas relaes Leste e Oeste. Entretanto, to logo

    as tenses entre as duas grandes potncias se reduzem, uma srie de conflitos armados, na sua

    grande maioria guerras civis, eclodem em diversas partes do mundo, visto que as partes em

    conflito j no se sentiam to constrangidas por uma possvel ao repressora das

    superpotncias, como bem lembra Hobsbawm (1994).

    O perodo ps-Guerra Fria gera um novo consenso de como poderia se atuar nas

    chamadas emergncias complexas, definidas como:

    (....) essencialmente polticas na origem: elas so crises polticas expandidas

    resultantes de respostas sectrias ou predatrias em resposta a estresse

    socioeconmico e marginalizao. Diferentemente de desastres naturais,

    emergncias complexas tm a habilidade singular de erodir ou destruir a integridade

    cultural, civil, poltica e econmica de sociedades estabelecidas. (MARK

    DUFFIELD, 1994 apud DAVEY, 2013, pag. 13)

    Os membros do Conselho de Segurana da ONU passaram a demonstrar mais

    disposio para autorizar operaes militares para frear ou prevenir a generalizao de

  • 41

    sofrimento ou mortes de civis, mesmo que sem o consentimento do governo local. Passou a

    haver um consenso, segundo Wheeler (2000), de que a comunidade mundial poderia, em

    defesa de nossa humanidade comum, interferir nas relaes nacionais de um estado nacional

    soberano. Para se ter uma ideia, ainda segundo esse autor, de 1948 a 1988, a ONU levou a

    cabo somente cinco misses mantenedoras de paz, enquanto de 1989 a 1994, esse nmero foi

    de 20 misses.

    Diante dessa nova realidade, a Resoluo 46/182 de 19 de dezembro de 1991 da

    Assembleia Geral da ONU procurou fortalecer a coordenao da assistncia humanitria de

    emergncia daquela organizao. Em adio a isso, essa resoluo tornou possvel um maior

    envolvimento em conflitos internos.

    As ONGs aps 1990 se tornaram atores ainda mais importantes, canalizando recursos

    significativos. Os Estados em geral tambm se envolveram mais no alvio de catstrofes. As

    agncias da ONU passaram a se preocupar mais com atividades de alvio e menos com as de

    desenvolvimento, segundo Clay (2003). Uma srie de crises humanitrias de grande

    envergadura nos anos 90 contribuiu para essa tendncia como os Curdos no Iraque em 1991, o

    esfacelamento da antiga Iugoslvia, a Guerra Civil na Somlia e o genocdio em Ruanda. O

    grande nmero de refugiados a serem assistidos em decorrncia dessas catstrofes no poderia

    dar outra alternativa s aes humanitrias naquele momento.

    A magnitude das catstrofes, em especial o elevado nmero de refugiados de Ruanda

    gerou uma preocupao com o uso mais efetivo dos recursos doados. Segundo Dabelstein

    (1996), as organizaes doadoras para essa crise criaram o Joint Evaluation of Emergency

    Assistance to Rwanda (Avaliao Conjunta da Assistncia de Emergncia para Ruanda). Uma

    iniciativa subsequente seria o Sphere Project, o qual em maio de 1998 resultou em um

    rascunho de manual de padres mnimos e uma carta humanitria. Esses padres mnimos

    esto sintetizados no Apndice G deste trabalho, conforme a ltima verso desse manual.

    Essa crise de Ruanda, tambm conhecida como a crise dos Grandes Lagos, deu, portanto, a

    forma de conduta das prticas humanitrias at hoje.

    Passa a surgir uma presso para relativizar as soberanias estatais em nome da ajuda

    humanitria e dos direitos humanos. Praticamente todas as 11 operaes de manuteno de

    paz de 2001 a 2011 incluram a proteo a civis nos seus mandatos, em especial em pases

    que at a pouco tempo atrs eram colnias das potncias europeias.

    O Brasil, como qualquer outra regio do mundo est sujeito a desastres, mas o seu

    Estado vem se apresentando forte o suficiente para que tais desastres no avancem para uma

    situao caracterizada como emergncia complexa, onde todo o este aparato de ajuda

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    internacional aqui discutido poderia ser acionado. Mas, antes de se verificar como o Estado

    brasileiro se organiza para as situaes de desastre, faz-se necessrio entender como,

    mundialmente, uma situao de desastre / crise se subdivide em fases.

    2.2 AS CLASSIFICAES E FASES DE UMA SITUAO DE AJUDA

    HUMANITRIA

    De acordo com Altay e Green (2006), a maioria dos estudos de gerenciamento de

    desastres est concentrada nas Cincias Socia