ensino de msica para deficientes visuais - juci e aline

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Resumo: Esse relato se propõe apresentar uma experiência com ensino de música para deficientes visuais, em um projeto de extensão universitária. Para tanto toma como base o olhar de uma aluna da graduação que atua no projeto como monitora e ministrante, e de uma professora que atuou como coordenadora e orientadora do projeto. O texto traz as primeiras impressões e o sentimento de iniciar um trabalho até então novo para todos os participantes. O objetivo de trazer essa experiência é discutir o papel de iniciativas como essa na consolidação de um espaço de aprendizagens tanto para professores quanto para alunos dos cursos de licenciatura em música. Além disso, refletir sobre o trabalho com uma linguagem específica para o deficiente visual e sua importância nas discussões sobre música e inclusão.

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  • Ensino de msica para deficientes visuais: um espao de aprendizagens para professores e alunos da graduao

    Aline Clissiane Ferreira da Silva UEM Juciane Araldi UFPB

    Resumo: Esse relato se prope apresentar uma experincia com ensino de msica para deficientes visuais, em um projeto de extenso universitria. Para tanto toma como base o olhar de uma aluna da graduao que atua no projeto como monitora e ministrante, e de uma professora que atuou como coordenadora e orientadora do projeto. O texto traz as primeiras impresses e o sentimento de iniciar um trabalho at ento novo para todos os participantes. O objetivo de trazer essa experincia discutir o papel de iniciativas como essa na consolidao de um espao de aprendizagens tanto para professores quanto para alunos dos cursos de licenciatura em msica. Alm disso, refletir sobre o trabalho com uma linguagem especfica para o deficiente visual e sua importncia nas discusses sobre msica e incluso.

    Palavras-chave: Deficientes Visuais; Incluso Social; Educao Especial.

    Introduo

    Nesse texto falaremos sobre a experincia em participar como monitora e como

    professora orientadora no projeto de extenso Msica para deficientes visuais. Este projeto

    realizado pelo Departamento de Msica da Universidade Estadual de Maring (DMU-

    UEM), em parceria com o Programa Interdisciplinar de Apoio a Excepcionalidade (PROPAE)

    da mesma universidade.

    O projeto teve incio no ano de 2008 com um curso de vivncias musicais, em 2009

    com iniciao ao instrumento violo, piano e teclado. (ARALDI e FIALHO, 2009; HIROSE

    et. al 2009; SIMO et. al. 2009). No ano de 2010, conta com o ensino da Musicografia

    Braille1 bsica e avanada, e curso preparatrio para a prova de habilidades especficas para

    ingressar no curso de graduao em msica.

    O objetivo do projeto proporcionar a vivncia musical ao deficiente visual

    contemplando o desenvolvimento do senso rtmico e meldico, os princpios da notao

    musical alternativa e tradicional, a leitura e a escrita da Musicografia Braille, bem como a

    percepo e a compreenso dos elementos do som e da msica (SIMO, et. al., 2009, p.

    1510).

    1 Essa notao musical deriva do prprio Sistema Braille de leitura e escrita, que consiste na combinao de seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas verticais. Com esses pontos possvel fazermos sessenta e trs combinaes diferentes; so os sinais simples, que por sua vez combinam-se entre si, formando os sinais compostos (BERTEVELLI, 2007, p. 167).

  • Dentre os participantes do projeto, encontram-se pessoas com deficincia visual total

    e parcial, e assim o material utilizado na aula confeccionado de acordo necessidade,

    podendo ser em Braille ou ampliado. Houve a necessidade de confeccionar materiais

    didticos especficos para cada componente (Braille e partituras ampliadas) e alternativos

    tteis como monogramas com barbantes e E.V.A., cola em alto relevo, canudinhos e papel

    alumnio. (SIMO et al, 2009, p. 1510).

    Desde o seu incio em 2008, este projeto de extenso tem sido importante tanto para

    a formao musical dos alunos deficientes visuais da comunidade, quanto para a equipe

    gestora do projeto alunos da graduao atuando como monitores/professores e professores

    do curso de graduao atuando como orientadores.

    Neste relato de experincia, pretendemos destacar o nosso aprendizado do ponto de

    vista de professora orientadora do projeto em 2008 e 2009, e aluna monitora/ministrante

    desde setembro de 2009. Dessa forma, o texto trata das nossas impresses sobre as primeiras

    aes no projeto e seus desdobramentos nestes dois anos de existncia. As nossas falas no

    decorrer do texto aparecero vrias vezes no singular, representando a experincia a partir das

    nossas diferentes atuaes.

    Primeiras impresses

    Ingressei como aluna no curso de Graduao em Msica da UEM em 2009, e na

    ocasio, durante a apresentao do curso aos calouros, foram apresentados os projetos de

    extenso que eram realizados pelo Departamento de Msica, dentre eles o projeto Msica

    para Deficientes Visuais. No momento senti curiosidade em conhecer mais, especialmente

    por contemplar o aspecto da incluso, tema que sempre me despertou interesse.

    No decorrer do semestre, sempre que tinha oportunidade olhava algumas aulas pelo

    vidro das portas. Contudo, acreditava ser necessrio um conhecimento especifico para essa

    rea, de modo que no me sentia apta a participar de forma efetiva das aulas. No entanto, a

    partir do contato com os alunos que atuavam como monitores no projeto, fiquei sabendo que o

    projeto tinha tambm entre seus objetivos a formao de pessoas para trabalhar com

    deficientes visuais, no sendo necessrio um conhecimento prvio para ingressar no grupo. A

    prpria estrutura do projeto conduziria para que o aprendizado fosse ocorrendo na prtica,

    observando e monitorando primeiramente a equipe ministrante das aulas e posteriormente

    assumindo o papel de ministrante.

    Este projeto

  • [...] foi elaborado a partir de uma demanda de deficientes visuais que se dirigiram ao Departamento de Msica (DMU) da Universidade Estadual de Maring, em fevereiro de 2008, com o propsito de discutirem uma proposta de acessibilidade ao conhecimento sistematizado de msica. Desde ento, uma equipe de professores e acadmicos do Curso de Graduao em Msica, juntamente com os alunos do Projeto, vm realizando e efetivando essa proposta (SIMO et al, 2009 p. 824).

    Assim, cabe salientar que, enquanto equipe gestora, iniciamos o trabalho tambm na

    condio de aprendizes. Nossa proposta foi iniciar os estudos e medida que o trabalho

    fosse se desenvolvendo iramos fazer nossa capacitao, principalmente no que diz respeito a

    Musicografia Braille.

    Desmistificando as impresses e pr-conceitos sobre os deficientes visuais

    Comecei a participar efetivamente do projeto a partir de um curso de Musicografia

    Braille ministrado na UEM, cujo objetivo era capacitar a equipe que j desenvolvia o projeto

    e para os alunos deficientes visuais participantes do projeto de extenso. Esse curso foi

    ministrado pelo professor Rafael Vanazzi, que j estava contribuindo com a equipe

    virtualmente a partir da sua experincia com deficientes visuais e de seu projeto de acervo de

    partituras em Braille 2.

    Durante o curso tive contato com os alunos da graduao ministrantes do projeto e

    tambm com alguns deficientes visuais, que j participavam do projeto e outros que vieram

    para conhecer e agora em 2010 esto participando. Fiquei impressionada com a forma como

    se relacionam ativamente com a sociedade. Ou seja, no decorrer do projeto, e, em funo do

    mesmo, a turma j havia dado entrevistas para programas que tratam de incluses e aes

    educativas, tanto para televiso, quanto para rdios e jornais. (O Dirio do Norte do Paran -

    UEM faz curso de Musicografia Braille - 18/09/2009). Nessas oportunidades, falaram sobre

    o projeto e o papel da msica em suas vidas, explicitando a importncia de iniciativas como

    essa.

    Especificamente durante o curso pude estabelecer um primeiro contato com os d.v.s

    (utilizaremos essa sigla em partes do texto para indicar deficientes visuais). Estes se

    mostraram bastante comunicativos, considerando a relao que estabelecem com a sociedade.

    Fiquei sabendo de outras atividades que eles realizavam, como natao e ensino regular,

    entretanto, o que mais me chamou a ateno foi o fato de um deles j ser formado em Direito.

    2 Sobre este acervo, ver: www.musicografiabraile.com.br

  • Aquela fora de vontade que eles tinham de aprender, o esforo dos ministrantes em

    ensinar foi contagiante e em pouco tempo percebi que aquela vontade do inicio de apenas

    participar era passado e agora se tornara um objetivo. O trabalho com pessoas com

    necessidades especiais, sempre me interessou, porm ainda no tinha tido essa oportunidade

    que agora a universidade esta me oferecendo.

    Ministrando as primeiras aulas

    Aps o curso fui convidada a participar do projeto e na semana seguinte estava

    envolvida com as aulas. Esse entrar no projeto para aprender a funo de professor de msica,

    a partir da prtica, tambm foi idealizado pela equipe coordenadora do projeto. Para ns,

    professores do curso, envolvidos na orientao deste projeto, a participao dos alunos da

    graduao seria bem vinda em qualquer etapa. E nesse caso, como j havia uma equipe desde

    o incio em 2008, o fato de entrar nessa etapa teria todo o suporte da equipe ministrante,

    configurando assim na oportunidade de aprender a ensinar por meio da prtica.

    Inicialmente, os ministrantes me incumbiam de atividades que estavam mais

    relacionadas com a musicalizao. A primeira atividade que ministrei, tinha como objetivo

    facilitar uma msica que estava no nosso repertrio e que era composta com o acento mtrico

    deslocado. Assim, executamos ritmos com clavas (percusso), ao final da atividade, propus

    que a turma fosse divida em trs grupos, cada qual com a sua clula rtmica. Chegamos ao

    ponto desejado, que era trazer a rtmica utilizada na pea para uma execuo de forma ldica.

    O prximo passo era nos instrumentos musicais, onde auxiliei os professores monitores,

    oportunidade que me propiciou maior contato e familiaridade com os alunos.

    Nessa etapa pude perceber como me portava, sendo uma educadora, no que diz

    respetio a afetividade, disciplina e outros aspectos. Segundo Cruvinel (2005), O professor

    (tutor do grupo) tem papel importante no estabelecimento do clima social na sala de aula,

    exercendo tambm influncia na forma como os alunos se expressam artisticamente.

    (CRUVINEL, 2005, p.82).

    Dificuldades encontradas

    As atividades que ficavam sob meu comando eram executadas e atingiam o objetivo

    desejado, entretanto, sempre estavam presentes algumas questes:

    - Se eu falar dessa maneira vou ofend-lo?

  • - Ele entender quando eu comparar essa situao musical com algo mais visual do

    que ttil?

    -E se eu tocar nele sem antes falar, ele se assustar?

    Situaes que deveriam conter meu auxilio como para encaminh-los sada, ou

    cadeira eram difceis de ser realizadas, me sentia insegura por no saber como estabelecer

    esse relacionamento com eles. Em algumas aulas que ministrei, tinha o costume de dizer ao

    final das atividades: viram como fcil? E ento pensava: estou ofendendo eles por usar o

    verbo ver?

    Questes como essas foram resolvidas em um mini-curso, Educao Especial:

    musicografia braille, realizado no Encontro da ABEM de 2009, em Londrina, ministrado

    pela professora Brasilena Trindade Pinto. Segundo Brasilena, no devemos inferiorizar

    pessoas portadoras de deficincia visual. Atravs de experincias relatadas por ela durante o

    minicurso pude reconhecer a capacidade que eles tm. A continuidade nesse projeto fez com

    que esse conceito se aprimorasse na prtica.

    No decorrer do curso nos foi apresentado contedos equivalentes queles vistos no

    curso ministrado por Vanazzi, ou seja, a escrita das figuras e das notas musicais. Entretanto, o

    relato de experincia compartilhado por Brasilena me foi muito proveitoso. Assim como

    Vanazzi, Brasilena j havia ministrado aulas para deficientes visuais e a forma como relatou o

    contato estabelecido como educadora e alunos, contribuiu para o real sentido que a palavra

    incluso oferece, facilitando assim, o modo de relacionamento. A forma como lidar com

    parmetros de dilogos, de localizao e de relao foi esclarecida.

    Com isso, as aulas que seguiram foram desenvolvidas com mais facilidade. Neste

    momento, sabia como conduzi-los at o local desejado, como devia dialogar enquanto me

    movimentava, como cumpriment-los fora do ambiente de trabalho entre outros fatores que

    contriburam significativamente para a minha integrao no projeto.

    Consideraes finais

    Esse trabalho tm propiciado um conhecimento que vai alm da msica. Nele

    aprendemos que no devemos inferiorizar as pessoas qualquer que for a sua necessidade

    especial. Com esses alunos deficientes visuais temos aprendido muito, tanto do ponto de vista

    de contribuir para uma educao musical inclusiva, quanto de aprimorar nossas estratgias

    metodolgicas de ensino musical.

  • Durante a participao no projeto pude perceber uma certa mudana na forma como

    reconhecia os deficientes visuais, a viso de inferioridade que muitos tem e que eu temia ter

    se dissipou integralmente, a idia terica de que deficientes visuais so independentes se deu

    na prtica de maneira progressiva. Pude respeitar a capacidade que eles me demonstraram, e

    estabelecer uma relao mais natural.

    A experincia adquirida atravs das aulas para a realizao do projeto, as

    dificuldades encontradas no decorrer do processo, a maneira de abordar problemas

    particulares, so fatores de extrema importncia que vm contribuindo para formao

    profissional como educadora musical. Sendo um projeto de extenso, podemos contar com o

    apoio de professores orientadores, facilitando nosso trabalho e contribuindo imensamente para

    nossa formao profissional.

    Outro aspecto que gostaramos de destacar a incluso social, que tm estado

    ativamente no desenvolvimento deste trabalho, a participao ativa dos deficientes visuais e

    seus objetivos permitem uma viso mais ampla da realidade vivida por eles. Para o vestibular

    do curso de msica deste ano, temos previsto a participao de trs deficientes visuais. A

    entrada de um aluno deficiente visual na graduao ir possibilitar a prtica do que temos

    teorizado sobre a incluso social, contribuindo satisfatoriamente para a aquisio de

    conhecimento nessa rea. E esse aspecto, configura-se como um desdobramento do projeto de

    extenso. Embora j havia esse objetivo de prepar-los tambm para entrar no curso de

    graduao, a efetivao dessa entrada envolver no mais apenas os docentes do projeto mas

    sim todos os docentes do curso de graduao em msica da UEM.

    Tal realidade j apontada na pesquisa de Mello e Alves (2009) sobre um aluno

    deficiente visual que ingressou recentemente no curso de graduao em msica na UFRN, e

    na pesquisa de Bonilha (2007), que deficiente visual, bacharel em piano e esta concluindo o

    doutorado em msica. So apenas dois exemplos dentre tantos, que podem fortalecer nossa

    atuao na rea de msica para deficientes visuais, e todos os desafios que esta prtica nos

    coloca.

    Nesse texto enfatizamos nossas primeiras impresses e como desenvolvemos esse

    trabalho ao longo de dois anos, e ainda com muitas expectativas para este novo formato do

    projeto em 2010. Esperamos que essa temtica esteja cada dia mais presente na nossa

    formao, tanto como professores universitrios, quanto como alunos da graduao, em vistas

    a uma efetivao de aes que corroborem com o compromisso social da universidade na

    perspectiva da incluso.

  • Referncias

    ARALDI, Juciane. FIALHO, Vania Malagutti. Msica para deficientes visuais: primeiras aes do projeto de extenso desenvolvido pela Universidade Estadual de Maring. In: Encontro Regional da Abem Sul, 12., 2009, Itaja. Anais... Itaja: ABEM SUL, 2009. BERTEVELLI, Isabel. O ensino da Musicografia Braille dentro do contexto da incluso de cegos: desvendando a notao musical em relevo. In: SIMPSIO PARANAENSE DE EDUCAO MUSICAL, 13., 2007, Londrina. Anais... SPEM, 2007. BONILHA, Fabiana; CARRASCO, Claudiney. Ensino de Musicografia Braille: um caminho para a educao musical inclusiva. In: CONGRESSO DA ASSOSSIAO NACIONAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM MSICA, 17., 2007, So Paulo. Anais... ANPPOM, 2007. CRUVINEL, Flvia Maria. Educao Musical e Transformao Social: uma experincia com o ensino coletivo de cordas. Goinia: Instituto Centro-Brasileiro de Culturtra, 2005. HIROSE, Kiyomi; SIMO, Ana Paula Martos; ARALDI, Juciane; OTA, Raphael; FUGIMOTO, Tatiane. Musicografia Braille: instrumento de insero e formao profissional. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO MUSICAL,18., 2009, Londrina. Anais... Londrina: ABEM, 2009. p. 824-830. MELO, Isaac Samir Cortez de; ALVES, Jefferson Fernandes. Educao musical e deficincia visual: incluso escolar de um aluno cego em um curso superior de msica. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO MUSICAL,18., 2009, Londrina. Anais... Londrina: ABEM, 2009. p. 531-537. SIMO, Ana Paula Martos; ARALDI, Juciane; HIROSE, Kiyomi; OTA, Raphael; FUGIMOTO, Tatiane A. Da Cunha. Projeto de extenso msica para deficientes visuais: uma experincia na formao inicial do educador musical. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO MUSICAL,18., 2009, Londrina. Anais... Londrina: ABEM, 2009. p. 1509 1513 SOUZA, Rafael Moreira Vanazzi. Educao musical para deficientes visuais: experincias no ensino da Musicografia Braille. In. ENCONTRO DE PESQUISA EM MSICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING, 4., 2009. Maring: EPEM, 2009. p.1-8. O Dirio do Norte do Paran. UEM faz curso de musicografia braile. Publicado em 18 de set. Maring. 2009. VANAZZI, Rafael. Musicografia:Acervo digital de partituras em braile,2008. Disponvel em: . Acesso em: 05 de maio 2010.