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vila brás | são leopoldo | maio/2013 | edição 139 Nesta edição temáca, conheça diversas personagens que constróem a comunidade Várias formas de Ser Vila Brás enfoque Beleza reconhecida Os 24 anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental João Belchior Marques Goulart foram comemorados com a escolha da primeira Garota João Goulart. O concurso aconteceu no dia 20 de abril e reuniu 41 candidatas, que foram analisadas nos quesitos desenvoltura, postura, simpaa, roupa adequada e melhor torcida. As vencedoras foram: Érica Campos (categoria Juvenil - do 7º ano a 8ª série), Ellen Santos (categoria Mirim - do 5º ao 7º ano) e Édina Pinheiro Marns (categoria Infanl - do 1º ao 4º ano). DIVULGAÇÃO

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Page 1: Enfoque 139

vila brás | são leopoldo | maio/2013 | edição 139

Nesta edição temática, conheça diversas personagens que constróem a comunidade

Várias formas deSer Vila Brás

enfoque

Beleza reconhecida

Os 24 anos da Escola

Municipal de Ensino

Fundamental João

Belchior Marques

Goulart foram comemorados com a escolha da primeira Garota João

Goulart. O concurso

aconteceu no dia 20 de abril e reuniu

41 candidatas, que

foram analisadas nos quesitos desenvoltura, postura, simpatia,

roupa adequada e

melhor torcida. As

vencedoras foram: Érica Campos (categoria Juvenil

- do 7º ano a 8ª série), Ellen Santos (categoria

Mirim - do 5º ao 7º ano) e Édina Pinheiro Martins

(categoria Infantil - do 1º ao 4º ano).

DIVULGAÇÃO

Page 2: Enfoque 139

2 Ser Vila Brás Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

enfoque

O Enfoque é um jornal direcionado aos moradores da Vila Brás, em São Leopoldo/RS. A produção é dos alunos das disciplinas de Redação Experimental em Jornal e Fotojornalismo do Curso de Jornalismo da Unisinos.

Fale conosco!

Confira quando circulam as edições deste primeiro semestre:

[REDAÇÃO] Orientação: professor Luiz Antônio Nikão Duarte. Textos: alunos Alessandra Ribeiro Fedeski, Ananda Franco Garcia, Andressa Barros (Editora), Angélica Pinheiro, Camila Capelão Vargas, Cristiane Abreu, Daiane Dalle Tese (Editora-chefe), Dyeison Gomes Martins, Fabrício Romio, Fernanda Gabriela Schmidt, Fernanda Kern (Editora de Fotografia), Gabriel dos Reis, Greice Nichele (Editora), Guilherme Endler, Helena Caliari (Editora), Jorge Leite, Juliana Fogaça de Freitas, Letícia da Silveira, Letícia Rossa, Luís Francisco Caselani, Marcos Reche Ávila, Mariana Staudt, Matheus Kiesling dos Santos (Editor), Maurício Montano Reis Ott (Editor), Nádia Regina Strate, Natália Martins Cunha Silveira, Priscila da Silva, Renata Rocha dos Santos, Rita de Cássia Rodrigues e Yngrid Lessa da Costa.

[FOTOGRAFIA] Orientação: professor Flávio Dutra. Fotos: alunos Amanda Moura, Amanda Nunes, Ana Elisa Oliveira, Bárbara Muller, Camila Weber, Cristina Link, Daiane Trein, Diego da Costa, Diogo Rossi, Eduarda Rocha, Fabricia Bogoni, Felipe Gaedke, Izadora Meyer, Jacson Dantas, Jéssica Pedroso, Joana Dias, Jonas Pilz, José Francisco, Luísa Zottis, Michele Mendonça, Midian Almeida, Natália Scholz, Nathalie Abrahão, Rayra Krajewski, Roberto Caloni e Vitor Matte.

[ARTE] Projeto gráfico e diagramação realizadas pela equipe de jornalismo da Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico e supervisão técnica: Marcelo Garcia. Diagramação: estagiária Amanda Heredia.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOSAv. Unisinos, 950, Bairro Cristo Rei - São Leopoldo/RSTelefone: (51) 3591 1122. E-mail: [email protected]: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Gustavo Fischer. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.

(51) 3590 8463 / 3590 8466

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13 de abril Junho4 de maio139 140

[email protected]

Av. Unisinos, 950 - Agexcom/Área 3 - São Leopoldo/RS

Carta ao leitorO conceito de Ser é utilizado para definir ou distinguir

algo ou alguém. Na segunda edição do Enfoque de 2013, a Vila Brás será apresentada a partir de seus moradores. Eles são a Brás.

Maio nos reserva duas datas importantes no calendário: dia do trabalho e dia das mães. A Brás é composta por tra-balhadores dos mais variados segmentos, nada mais justo que destinarmos nossas páginas para homenageá-los, ten-do a oportunidade de mostrar como seus ofícios são essen-ciais para o crescimento da comunidade.

Nesta edição, nossos repórteres procuraram contar his-tórias de sucesso e até mesmo inusitadas. Você será apre-sentado ao novo empreendedor Maicon, ao açougueiro que não gosta de comer carne, ao colecionador de carros... Co-nhecerá a médica, a padeira, a costureira, a artesã e muitas outras mulheres ativas no mercado de trabalho dentro da comunidade. Todas mulheres e mães, como Dona Pierian, de 90 anos, que emociona com sua linda história de vida.

Além disso, você vai saber como os jovens encontram na religiosidade uma forma de superar os obstáculos que a vida impõe. Você poderá também conferir três belas histó-rias de experiências vividas por idosos que viram o cresci-mento da comunidade.

Nas próximas páginas, veja a Vila com outros olhos. Sinta-se representado por cada história aqui contada. Então viva e seja a Brás!

Boa leitura!

DAiAnE DALLE TESEEditora-chefe

Em busca de boas histórias

“A fotografia mudou meu olhar sobre o mundo”

FERnAnDA SchMiDT (Texto)Diogo RoSSi (Foto)

Nádia Strate nunca teve dúvidas da pro-fissão que queria se-

guir: ser jornalista. A jovem de 25 anos sempre gostou de conhecer e contar his-tórias de pessoas. Depois de seis anos cursando Jor-nalismo e em seu último semestre na universidade, Nádia encontrou na ativi-dade acadêmica de Projeto Experimental em Jornal a oportunidade para conhe-cer boas histórias e colocar a teoria da sala de aula em prática.

O projeto desenvolvido pela disciplina tem como objetivo produzir um jornal impresso para os morado-res da Vila Brás, de São Le-opoldo, mostrando o que acontece e quem são seus habitantes. Já faz oito anos que os alunos saem de manhã cedo da Unisinos, em três sábados por semestre. Quando chegam a seu destino, têm o objetivo de des-cobrir o que é notícia. “O bacana da Brás é que é uma Vila enorme, quase uma cidade, em que a gen-

te descobre um mundo à parte, recheado de boas histórias e li-ções de vida.”, conta a estudante.

Para realizar esse trabalho, Nádia acompanha as aulas todas as sextas, das 19h30 às 22h20. Nos sábados determinados para a saída de campo, a estudante

busca colocar em práti-ca aquilo que aprendeu. Acompanhada de um fo-tógrafo, aluno da atividade de Projeto Experimental em Fotografia, no dia 13 de abril, data da última vi-sita, Nádia descobriu um exemplo de vida na história de Dona Pierian. Em mais de uma hora de conversa, entrevista e fotos, a estu-dante captou todas as in-formações necessárias para produzir a reportagem, que você confere na página três desta edição.

O trabalho desenvolvi-do pelos estudantes na Vila Brás vai além da edição im-pressa. Alunos como Gus-tavo Alencastro, 35 anos, aproveitam a experiência para desenvolver uma produção teórica, como o Trabalho de Conclusão de Curso. Hoje, já graduado,

Gustavo conta que estudou jor-nalismo comunitário para desen-volver a análise do jornal. “O En-foque é jornalismo comunitário, mas não é feito pelas pessoas que habitam a comunidade, elas são as fontes para as reportagens.”, explica o jornalista.

PRiSciLA DA SiLVA (Texto)JoAnA DiAS (Foto)

Determinação. Não existe pala-vra mais apropriada para descrever a personagem desta história. Solange Linhares, 38 anos, é um exemplo a ser seguido por todos aqueles que acre-ditam que sonhos podem se tornar realidade. Apaixonada por fotografia, a dona de casa conta que sempre quis fotografar, mas nunca teve condições financeiras para fazer cursos especia-lizados. Foi através dos ensinamentos recebidos pelo irmão e fotógrafo, Airton Batista, que ela resolveu criar coragem e registrar tudo o que acon-tecia ao seu redor.

Há pouco mais de dois anos, So-lange aprendeu a criar, editar convites e lembrancinhas, além de realizar cobertura fotográfica de eventos na comunidade, como casamentos, cul-tos e formaturas. Todo o material que produz, incluindo CDs e DVDs, é per-sonalizado.

Casada e mãe de dois filhos, ela conta que, se dependesse do marido, funcionário de uma construtora, não trabalharia. “Gosto de ter meu dinhei-ro para comprar as minhas coisas, sabe?” O valor cobrado pelas fotos e vídeos feitos por Solange não é alto se comparado ao padrão de mercado. Isso faz com que as pessoas tenham acesso ao trabalho que desempenha,

sem perder a oportunidade de regis-trar datas que, segundo ela, são extre-mamente importantes.

“Eu sou muito feliz, me sinto muito bem registrando momentos únicos na vida das pessoas. Será uma recordação guardada pra sempre por elas.” Solange armazena mais de cin-co mil arquivos no computador. Cada um dos seus amigos tem uma pasta devidamente identificada, na qual constam todas as fotos que ela tirou. “Meu marido diz que eu fotografo de tudo, desde pedra até os cachorros da casa”, diz, sorrindo.

Solange sempre carrega a câmera dentro da bolsa. É quase impossível que algum acontecimento escape dos seus “cliques”. Frequentadora da Assembleia de Deus, ela conta que na igreja sempre acontecem muitas festas, e que, como gosta de registrar tudo o que vê pela frente, tem fotos de praticamente todas as pessoas que conhece.

De todos os eventos que já foto-grafou, Solange conta que existe um especial: “Foi um aniversário de 15 anos, em setembro de 2011. Era uma menina lá da igreja que não tinha condições de fazer uma festa. Por isso, a gente se reuniu e cada um con-tribuiu da maneira que podia. Daí, a data não passou em branco.” Além das fotos e da filmagem, a aniversa-riante Cynd Cláudia foi presenteada com um DVD repleto de momentos especiais da festa.

O trabalho que a moradora rea-liza é tão valorizado dentro da comu-nidade, que ela foi convidada para fotografar a comemoração das Bodas de Prata do casal Vilson Ribeiro Leite e Vera Lúcia da Silva Leite, na Asso-ciação dos Moradores da Vila Brás, no dia 13 de abril. Toda orgulhosa, Solange diz: “É uma oportunidade rara para os fotógrafos. Não é qual-quer um que tem essa chance, e não é todo mundo que fica tanto tempo casado”.

Estudantes da Unisinos encontram na Brás uma oportunidade

para colocar em prática o que aprendem na Universidade

Nádia entrevista dona Pierian durante saída na Brás

Além de fotos, Solange também produz DVDs personalizados

Page 3: Enfoque 139

nÁDiA STRATE (Texto)FELiPE gAEDkE (Fotos)

Os cabelos grisalhos e a pele enrugada mostram a experi-ência de Pierian Oliveira. São

90 anos de muita história e, como ela mesma descreve, de luta e per-sistência. Nascida no Paraná, em ja-neiro de 1921 e de origem italiana, resolveu acompanhar o marido e se mudar para São Leopoldo. Chegan-do por aqui, muitos desafios a espe-ravam, entre eles, o de ter que lutar sozinha para criar os filhos.

Com 40 anos, decidiu ter o pri-meiro filho e logo, um ano e um mês depois, chegou o segundo. “Eu sempre quis ter filhos, era uma vontade que eu tinha. A primeira gravidez foi uma maravilha, estava grávida da primeira filha quando nos mudamos para São Leopoldo, mas na segunda gestação, perdi meu esposo, logo no dia das mães. Foi difícil, sofri muito e por isso, também tive um parto complicado, pois era muita tristeza”.

Dessa forma, Pierian teve que lutar sozinha para criar os filhos. Mesmo com a idade avançada, a dona de casa tem uma memória ad-mirável e nos contou muitas de suas

andanças pela cidade, principalmen-te pela Brás, onde vive há mais de 30 anos. Entre essas lembranças, descreveu como foi difícil o começo sem o marido e a luta para criar os fi-lhos. “Eu amamentei os dois no pei-to, trabalhava e cuidava das crianças ao mesmo tempo, com o auxílio da minha cunhada. Lutei sozinha e até ajudei a construir a minha casa”.

O filho, Antônio Jupir de 49 anos, diz sentir muito orgulho da mãe. “Ela sempre foi durona conos-co, pois queria o melhor para nós. Ela é mãezona mesmo, cuida dos filhos, dos sete netos e dos quatro bisnetos, bem como, de todas as pessoas do bairro, crianças e adul-tos. Além disso, ela ajudou na cons-trução de boa parte da Vila”.

A neta, Aniele Oliveira de 32 anos, se reveza com a mãe para acompanhar a vó nas atividades diárias. “Ela é lúcida, forte e mui-to ativa, vive na horta, limpando a casa, passeando. Sem contar que é muito caridosa, se bater na por-ta dela, ela ajuda. Estamos sempre acompanhando os passos dela, não que precise, mas por segurança”.

Pierian conta que vai passar o Dia das Mães com os filhos. “Prova-velmente vamos almoçar churrasco

na casa da minha filha, mas se não der, ela vai trazer o meu almoço aqui. A minha vida é muito boa, eu me sinto muito bem”. A “mãezona” do bairro aproveita para acrescen-

tar: “Eu rezo sempre e peço a Deus que dê força para todas as mães que estão lutando pelos filhos. É di-fícil, trabalhoso, mas por eles, tudo sempre vale a pena”.

Noventaanos de amorPierian é um exemplo de esforço e dedicação na criação dos filhos e nos auxílio aos moradores da Vila

MATHEUS KIESLING (Texto)cAMiLA WEBER (Foto)

A casa número 135 da Rua dos Hibiscos, antiga Rua 15, na Vila Brás, pode não ser um dos endereços mais conhecidos da comunidade, mas é o lugar onde vive uma mulher que traz uma história de vida com contornos de dramaturgia, repleta de força e superação. Mesmo com baixa escolaridade e vivendo de uma renda que, em muitas das vezes, é insuficiente, Jovilde Dias, de 47 anos, mostra que ser mãe é estar sempre disposta a ultrapassar as mais diferentes adversidades, acolhendo a tudo e a todos de braços bem abertos.

Catarinense, enfrentou dificul-dades logo após o nascimento de seu primeiro filho, que teve aos 18 anos de idade. Pouco tempo após ganhar a criança, viu termi-nar seu relacionamento com o pai do menino. Com um bebê para criar, a alternativa que encontrou na época foi mudar-se para São Leopoldo. “Vim para cá mesmo sem conhecer meu segundo ma-rido, pois em Santa Catarina não conseguia assistência médica para a criança”, diz.

Quando estava com três anos

de idade, Sidiney, seu filho mais velho, foi diagnosticado como deficiente cognitivo, fato que al-terou drasticamente a rotina de vida da dona de casa. “Ele não pode ficar sozinho. Procuro fazer o máximo que posso. Dou banho, preparo a comida e lavo as roupas dele todos os dias”, conta.

Moradora da Vila Brás há 25 anos, a dona de casa cuida de Si-diney, hoje com 29 anos e de suas duas netas, Nicole, de 8 anos, e Natália, de 6 anos. As meninas são filhas de Scheila, de 23 anos, sua filha mais nova. Além delas, Jo-vilde ainda encontra tempo para cuidar do pequeno Alex, de pouco menos de um ano, que é filho de uma jovem que trabalha duran-

te toda a semana e tem na dona de casa uma segunda mãe para o menino.

Para ter uma renda de cerca de 900 reais mensais, Jovilde se divide entre cuidar do pequeno Alex e a realização de serviços de limpeza em um condomínio na região central da cidade. Além disso, trabalha com artesanato há 25 anos e, recentemente, mon-tou um pequeno brechó dentro da própria casa que, segundo ela, trazem um acréscimo à renda. No entanto, Jovilde salienta que somente com remédios para Sid, como chama seu filho mais velho, gasta em torno de um salário mí-nimo por mês.

Divorciada há cinco anos, acredita na família como seu bem mais precioso. “A gente quer ser mãe presente, viver ao lado dos filhos. Deus me deu o Sid, porque sabia que eu tinha forças para cui-dar dele”, expõe.

Evangélica e integrante da Igreja Pentecostal Deus e Amor, diz que encontra apoio na religião para seguir em frente e auxiliar a quem esteja precisando de ajuda. “Sou pai, sou mãe, sou tudo. Mi-nha casa está sempre de portas abertas. O pouco que tenho, pro-curo repartir”, finaliza.

3Ser MãeEnfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

Mesmo com a idade avançada, Pierian guarda na memória detalhes da sua vida

Jovilde Dias acredita na família como base para tudo na vida

De braços bem abertos

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4 Ser Estudante Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

A guria que mora na Rua dos Beijos e faz EngenhariaYngRiD LESSA (Texto)LUíSA ZOTTIS (Foto)

“Vou estudar Engenharia”. Essa frase ainda é mais comum entre os ho-

mens, porém, o público feminino já representa uma parcela signifi-cativa entre os estudantes e profis-sionais do setor. Luana Alvares de Siqueira Fortes é um exemplo. Hoje com 21 anos, está correndo atrás do seu sonho de ser engenheira mecânica.

Influenciada pelo namorado que estuda no Centro Tecnológico de Mecânica de Precisão, em São Leopoldo, Luana começou a se de-dicar aos estudos para a realização do Exame Nacional do Ensino Mé-dio – Enem, em 2010.

Em fevereiro do ano seguinte, após a realização da prova, veio a boa notícia: Luana Fortes tinha sido pré-selecionada para uma bolsa de 100% pelo Programa Universidade para Todos – ProUni, na Universida-de Feevale, em Novo Hamburgo.

A partir daí, a vida da jovem, que desde pequena mora na Vila Brás, começaria a mudar. Primeira pessoa da família a estar cursando

uma graduação, Luana se sente realizada na futura profissão que escolheu. “Me descobri na Enge-nharia e, por incrível que pareça, não acho ruim ter poucas mulheres no meu curso” afirma a guria, que ainda tem em seu quarto diversos ursinhos de pelúcia.

Apaixonada por livros e filmes, Luana relata que não faz parte do perfil dos jovens da Vila Brás. Den-tre os seus amigos e conhecidos da escola, ela sabe apenas uma pessoa que está cursando ensino superior. “Aqui, a maioria das gurias da mi-nha idade estão grávidas, casadas, com filhos nos braços. Elas come-çam a ganhar dinheiro, trabalhar e pensam que não precisam mais estudar”, diz.

No seu quarto cor de rosa, Lu-ana se sente à vontade para dizer que uma das maiores dificuldades de se estudar na Brás é o barulho na rua. Para ela o domingo é o dia mais conturbado na Vila Brás. “O domingo aqui na Brás é bem complicado de estudar. As pessoas ficam escutando música alta, con-versando alto. Daí fica difícil de es-tudar”, conta.

Luana iniciou em junho do ano

passado como estagiária na Coes-ter, empresa especializada em so-luções inovadoras em automação e criadora do aeromóvel, que está em implantação entre o Salgado Fi-lho e a estação Aeroporto do Tren-

surb, em Porto Alegre.Estando apenas no quarto se-

mestre de Engenharia Mecânica, Lu-ana já trabalha na área e afirma que ser efetivada lhe deu mais seguran-ça sobre a profissão que vai seguir.

Afinal, como é ser estudante residindo na Vila Brás?

AnAnDA gARciA (Texto)DAiAnE TREin (Fotos)

A realidade da Vila Brás, es-tigmatizada pelo tráfico e pela drogadição, ao invés de gerar um empecilho, acaba motivan-do os jovens da região a buscar um futuro melhor através da educação. Conhecendo alguns estudantes da comunidade, é unânime a vontade de realizar um curso superior, independen-temente das dificuldades finan-ceiras e sociais. Algumas vezes, esta vontade é vencida pelo desânimo ou pelas más influên-cias que cruzam o caminho des-ses jovens. Mesmo assim, uma parcela deles se mantém firme, acreditando que através dos es-tudos, conquistarão seu espaço na sociedade.

ExPAnDiR oSHORIZONTES

Daiana dos Santos, de 15 anos, se divide entre as aulas do 2º ano do Ensino Médio técnico em finanças, o trabalho na loja de roupas da mãe e os poucos momentos de lazer. Demonstra ser uma adolescente pacata, que prefere o lar a agitação.

Nos finais de semana, colabo-ra em dois salões de beleza da vizinhança, fazendo penteados. Seu passatempo favorito não é a internet, mas livros de litera-tura. Estudando para prestar o Exame Nacional do Ensino Mé-dio (Enem), Daiana tem o sonho de ingressar no curso de Direito na universidade. “Também pen-so em fazer intercâmbio de in-glês, pois além de aprender um novo idioma, sei que isso será muito bom para o meu currícu-lo”, revela.

QUESTÃO DE PRioRiDADES

Ir à escola não é o que Andrei Vitor Blauth, de 15 anos, mais gosta de fazer. O aluno da 7ª série do Ensino Fundamental assume que prefere a internet ou andar de skate ao invés dos estudos. Apesar disso, hoje ajuda no co-mércio da família e garante que quer entrar na faculdade. “Ain-da não pensei qual curso seguir porque falta um bom tempo até eu me formar no colégio. Mas eu

gosto de matemática”. Andrei re-vela que a preocupação com uma carreira não está entre as priori-dades à maioria dos garotos. “O pessoal gosta de andar de skate e sair, mas sei que um dia vamos dar mais valor para essas coisas”, afirma.

INCENTIVO QUEVEM DE cASA

Fabiane Saraiva, de 17 anos, diz que deve aos pais o estímulo para buscar um futuro melhor.

“Aprendi que através dos estudos e do trabalho poderei conquistar várias coisas na vida”, revela. A jo-vem cursa o primeiro semestre do técnico em enfermagem e ainda trabalha em uma loja da Vila Brás. O gosto pela área da saúde a faz querer ir mais longe. “Penso em fazer medicina ou enfermagem. Não quero parar de estudar”, conta. No entanto, ela diz que é uma das poucas na comunidade com essa empolgação. “Muitos formam família cedo e acabam interrompendo a escola”, aponta.

Objetivos movem o futuro

Luana busca crescimento profissional através dos estudos

Daiana já se prepara para fazer o Enem e entrar no curso de Direito

Enquanto não decide seu futuro, Andrei ajuda no comércio da família

Após terminar o curso técnico, Fabiane quer entrar na faculdade

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Um desafio do tamanho da EducaçãoCRISTIANE ABREU (Texto)

Existe algo em comum entre os professores da Escola Muni-cipal de Ensino Fundamental

João Belchior Marques Goulart. Quase todos parecem gostar da mesma palavra: desafio. O colégio é um dos maiores do município, com 1.380 alunos divididos pelos turnos da manhã, tarde e noite. “Na época em que vim trabalhar aqui a João Goulart era a pior escola de São Le-opoldo”, revela a professora Juliana Fogaça Garbin, 39 anos.

Há casos de alunos em situação de extrema vulnerabilidade social e que, por causa disso, deixam a educação de lado. A estrutura físi-ca da instituição de ensino está em crescimento, mas ainda existem problemas que dificultam o funcio-namento da escola, como a falta de

computadores com internet. “Fal-tam muitas coisas na comunidade: lazer, segurança, moradia, informa-ção, etc. Então imagine o quanto é desafiador ajudá-los, podemos mo-dificar perspectivas de vida e isso é muito gratificante. Dou aula na Brás por opção”, afirma a professora Re-nata Garcia Marques, 32 anos.

Para modificar perspectivas é necessário, antes, enxergar o aluno e tudo o que o cerca. O diretor Cláu-dio Celso Hatje, 53 anos, assumiu o compromisso de olhar para ver. “Quando entrei na direção, eu sen-tia a necessidade de fazer uma es-pécie de EJA (Educação para Jovens Adultos) durante o dia para contem-plar os alunos multirrepetentes. Eu sabia que eles tinham um grande potencial, mas por vários motivos acabavam repetindo de ano”. E as-sim foram se delineando as primei-

ras linhas do que seria uma ideia de sucesso, copiada, inclusive, por ou-tras escolas do município.

Denominado “Seguindo em Frente”, o projeto atende os alunos multirrepetentes, jovens de 14 a 16 anos, que estão na 6ª e 7ª série. En-tre os motivos para a repetência es-tão baixa autoestima, dificuldades de aprendizagem, pouca persistên-cia e problemas familiares. Sendo muito mais velhos do que o restan-te da turma, esses alunos muitas vezes apresentavam má conduta em sala de aula, dificultando o an-damento da turma. A estratégia foi reunir em dois grupos os alunos desmotivados que ficavam deslo-cados no meio dos colegas bem menores do que eles. A professora Juliana ressalta que a “receita” foi apostar no estímulo da autoestima, ser incansável nas explicações e

metodologias de ensino e, sobretu-do, investir na afetividade e no vín-culo afetivo com o aluno. A colega Renata comemora

os resultados positivos: “Os problemas estão sendo superados! Tenho 60 alunos, dos quais já me orgulho, pois agora eles têm uma nova proposta de vida. Trabalha-mos juntos, em parceria! Eles não se sentem mais excluídos, inferio-rizados, ao contrário, vejo clara-mente a vontade que eles têm de vencer, recuperar o tempo perdido, sentir-se valorizado pela escola e pela família”.

A estudante Katrine Siqueira é um exemplo. Aos 14 anos, ela ain-da estava na quinta série (quando poderia estar na oitava). A aluna confessa que não gostou da ideia inicialmente, mas resolveu assistir uma aula e acabou ficando porque,

segundo ela, as professoras são muito “parceiras”. “O projeto veio em ótima hora. Eu não repeti por não gostava de estudar, mas por-que minha família mudava muito de cidade. Eu tinha pânico de ma-temática, mas agora eu vou para a aula sem medo. Não tem uma dú-vida que não seja esclarecida”. Gra-ças ao projeto no final deste ano Katrine terá recuperado o atraso em relação aos colegas da mesma idade, concluindo a 6ª, 7ª e 8ª sé-rie e ingressando no ensino médio aos 15 anos. Ao todo, os alunos recebem aulas de nove disciplinas (matemática, português, religião, artes, ciências, história, geografia, inglês e educação física) ministra-das pelas professoras Karen Bender Gallas, Cristiane Raquel Farias, Re-nata Garcia Marques e Juliana Fo-gaça Garbin.

O diretor Cláudio percebeu que tanto quanto valorizar a afe-tividade era importante estimu-lar a participação efetiva dos pais na vida escolar dos alunos. Então ele sugeriu, durante reunião pe-dagógica, que a professora De-lonir Hoffmann, 33 anos, fizesse visitas domiciliares às famílias de alunos da turma do segundo ano que apresentavam dificuldade de aprendizagem, problemas disci-

plinares e excesso de faltas. “Dessa forma, estreitamos os

vínculos. Nessas visitas a gente en-tende o porquê dos problemas, é possível ver com outros olhos a re-alidade em que eles vivem. Às vezes o aluno não tem nem uma mesa para fazer o tema de casa”. Duran-te as andanças pelo bairro, Delonir tenta desconstruir a ideia de que o professor é inatingível ou inacessível e busca a aproximação com os pais

dos alunos. “Olho no olho da mãe e digo: ‘eu quero que o teu filho venha para a escola, se a gente se ajudar as coisas vão começar a fluir’”.

Delonir acredita que ser pro-fessor na Vila Brás é sinônimo de ser afetivo e ter disponibilidade para entender as diferentes rea-lidades nas quais os estudantes vivem. “É um grande desafio. Eu aprendo demais com eles. É uma lição de vida por dia”.

Engajamento familiar é

importante

Professores recorrem ao vínculo afetivo em sala de aula para transformar a realidade dos alunos

5Ser ProfessorEnfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

DIVULGAÇÃO

/ ESCOLA JO

ÃO GO

ULART

Educadores não medem esforços para transformar as perspectivas de vida

dos alunos do projeto Seguindo em Frente

Page 6: Enfoque 139

6 Ser Costureira Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

A mulher empreendedora na BrásREnATA goMES (Texto)MATHEUS D’AVILA (Fotos)

Ao andar pelas ruas da Vila Brás é possível perceber a forte participação das mu-

lheres em posições de trabalho. Muitas delas buscam sua renda de forma autônoma, em salões de be-leza, lojas, brechós, venda de pro-dutos por revistas de catálogo ou ainda no oficio de costureiras.

É o caso da Dona Benvinda Dolores dos Santos, 60 anos, que exerce seu trabalho de costureira no bairro. Aprendeu a vocação ain-da aos 20 anos, com sua mãe, po-rém sentiu a necessidade de tornar o oficio uma profissão. Em Lagoa Vermelha, no nordeste do Estado, decidiu fazer um curso de corte e costura e assim se tornou uma cos-tureira profissional.

Dona Benvinda mora na Vila Brás há 24 anos, mas a maioria de seu pú-blico vem de fora do bairro. Por ter residido em outros lugares de São Leopoldo, como Feitoria, Campina e Centro, conquistou clientes fixas que comparecem frequentemente à sua casa em busca de serviços.

Diferente de muitas profissio-nais da área, Benvinda se restringe e opta por fazer apenas peças no-vas. Suas clientes levam revistas, modelos e até mesmo fotos de internet com as roupas que dese-jam. Ela se limita à produção por

Formada há mais de 30 anos, Benvinda dedica parte do seu tempo na confecção de roupas

nATÁLiA SiLVEiRA (Texto)MATHEUS D’AVILA (Fotos)

Uma vida entre tecidos, má-quinas, agulhas, botões e linhas. É assim que é possível definir a rotina de Marisa Silveira Soares, 60 anos. O gosto pela costura vem desde cedo, pois ela aprendeu a costurar aos 12 anos.

O primeiro trabalho foi o en-xoval dos sobrinhos e futuramen-

te dos seus filhos, mas ao contrá-rio do que pode se pensar, Marisa não aprendeu o serviço com nin-guém da sua família, como era o costume. “Aprendi por conta pró-pria, por minha vontade. Nunca fiz nenhum curso e nem tinha o costume de comprar revistas para copiar os moldes. Aprendi na prá-tica”, afirma.

Há 22 anos ela exerce a ativi-dade na Vila Brás e garante que

trabalho é o que não falta, pois cumpre expediente de segunda a sábado. Faz um ano que ela está localizada em uma sala na Rua Le-opoldo Wasun, mas anteriormen-te atendia em sua própria casa. A mudança aconteceu devido à demanda de trabalho que foi au-mentando e pela visibilidade que o novo ponto traz.

Sobre a clientela, ela afirma que a maioria procura por refor-

mas, como modificar o tamanho da peça, colocar um zíper, fazer bainha em uma calça. “Hoje em dia o pessoal tem uma condição financeira mais baixa, então a grande maioria procura por refor-mas, pois sai bem mais em conta. E todo mundo vai procurar o mais barato né. Existem outras costu-reiras aqui na Brás, mas o meu preço é o mais baixo”.

Realização pessoal, profissio-

nal e financeira, tudo isso veio com a sua profissão. “Gosto das minhas clientes, gosto de lidar com o público, e não posso re-clamar da minha condição finan-ceira”. O marido de Dona Marisa está doente, impossibilitado de trabalhar e é com suas costuras e reformas que ela traz o susten-to para a família. “Graças a Deus, ninguém passa necessidade lá em casa”.

Reparos ganham vida pelas mãos de Marisa

Benvinda dos Santos pratica o ofício há 40 anos e diz nunca ter pensado fazer outra atividade

acreditar que reformas não trazem lucro e muitas vezes dá muito tra-balho. E como tem muitas clientes fixas, ela prefere manter o padrão de produção. Apesar de manter essa proposta, a costureira procu-ra não se aproveitar dos preços, já que conquistou sua clientela assim. “Graças a Deus não me falta traba-lho, tenho muitas clientes que me acompanham há anos”.

Mesmo nunca tendo passan-do por dificuldades, sentiu que o salário do marido não seria su-ficiente. A renda de seu ofício de costureira proporcionou a criação de suas filhas, que hoje já são ca-sadas. “Não dá lá um dinheirão, mas quebra o galho. Controlando direitinho, dá certo”.

Dona Benvinda tem um sen-timento de felicidade por não ser uma mulher acomodada, que de-pende do marido. Se sente feliz em ser costureira, em ter sua profis-são. Ela comenta que muitas vezes quando está estressada por algum motivo, senta-se em frente à sua máquina e começa a costurar algu-ma coisa. Assim ela esquece seus problemas, relaxa como alguém que tem amor pelo que faz.

“Faço porque gosto e porque preciso. Eu fico feliz em conseguir viver sem ser só com o dinheiro do meu marido. Pago minhas contas, faço minhas compras e vivo bem com isso.”

Para sustentar a casa e cuidar do marido com câncer, Maria Soares fez de seu hobby sua profissão

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Arte como terapia e renda

gREicE nichELE (Texto)FABRíCIA BOGONI (Fotos)

Dilair Motta Cardoso, 42 anos, é uma artesã de mão cheia. Ela e o marido, José Manoel, 48

anos, tecem tapetes e Dila – como é chamada – completa o trabalho com suas pinturas. Residente há pouco tempo na Vila Brás, ela migrou de Torres para São Leopoldo, primeira-mente, para ficar mais próxima da fi-lha Fernanda, 21 anos, que reside no bairro Chácara dos Leões com o ma-rido. “E também porque a concorrên-cia lá era muito grande”, completa.

É claro que as mudanças são sempre difíceis. Dila comenta que em Torres, a vida era um pouco mais tranquila. “Lá, a gente podia deixar a casa aberta. Aqui, o pessoal que já mora há mais tempo, diz que a gente não deve facilitar...” Mesmo assim, as expectativas são favoráveis

em relação ao novo lar. Somente na primeira semana em que esteve na Brás, ela já vendeu aproximadamen-te cinco conjuntos de tapetes e tem mais três encomendas.

Profissional credenciada (Dilair possui carteirinha de artesã), ela co-meçou tecendo tapetes junto com uma amiga há cerca de cinco anos. Pela mesma época decidiu fazer um curso de pintura, para então unir as duas atividades. Hoje, o marido, a fi-lha e o enteado Gabriel, 13 anos, aju-dam com o tear e ela dedica a maior parte de seu tempo à pintura. “Sem-pre gostei de artesanato, sempre tive um fascínio. Vejo os desenhos e imagens nas ruas e fico pensando em como aquilo poderia ficar numa pintura. Até já trabalhei em outras coisas, em padaria, mas gosto mais do artesanato mesmo”, conta ela.

A artesã revela que pretende fa-zer outros cursos na área. Entretan-

to, os custos são muito altos. “Pro-curei me informar, mas por aqui, um curso de uma tarde custa cento e poucos reais”, conta. Mesmo assim, Dila tem planos de fazer mais tra-balhos artesanais e expandir a ati-vidade em família. “Quero começar a fazer mantas para sofá também. Mas focar somente nos tapetes e mantas. Se tiver uma aceitação boa, pode ser que meu genro também venha trabalhar junto”, explica.

Feliz com sua atividade, ela con-ta que quando trabalhou em uma padaria, por conta do choque tér-mico do forno quente e do contato com produtos frios, sua tendinite piorou muito. “Eu já tenho tendini-te, e mexer com o forno quente e os produtos gelados da padaria deixava minha mão e meu braço muito in-chados.” E completa, sorrindo, “tra-balhar em casa, para mim, é muito melhor. É uma terapia!”.

Residente há poucos dias na Vila Brás, Dilair fala de seu trabalho e suas expectativas

LETíCIA SILVEIRA (Texto)JéSSicA PEDRoSo (Fotos)

Uma profissão normalmente relacionada ao sexo masculino, surpreende por ser exercida por duas mulheres na Vila.

Preparar a massa, amassar, deixar ”descansar” para crescer, acordar cedo, colocar o pão no forno e esperar os clientes. Essas atividades fazem parte da rotina de inúmeros padeiros espalhados por aí. Relacionar essa profissão às mulheres não é muito comum. É aí que a Vila Brás surpreende.

É possível encontrar algumas padarias ao percorrer a Avenida Leopoldo Wasun. Dentre elas está a Doce Mel, fundada há um ano e meio pelo casal Eliza de Moura e Cleberson Ricardo Por-to. Ter uma padaria era o sonho de Eliza, que já tinha conheci-mentos como confeiteira. O dife-rencial do estabelecimento é que ele fica aberto até às 22 horas, horário que a maioria dos outros comércios já está fechado. Se-gundo Eliza, é o horário em que

ela mais vende. Exatamente por isso, os proprietários se preocu-param em disponibilizar alimen-tos que acompanham o consumo do pão, como por exemplo, sal-sicha, catchup e mostarda para o cachorro quente. Além disso,

vendem alimentos que acompa-nham o café da manhã.

Em outro estabelecimento, o mercado e padaria Irmãos do Sul, a padeira é Renata dos Santos. Re-cém-chegada na Vila Brás, a jovem de 26 anos veio de Itaqui com o

objetivo de alcançar a estabilidade financeira. Ela herdou a profissão do avô, que é mestre de padeiros em sua cidade. De acordo com Jo-natas Lima, filho do proprietário do local, as receitas de Renata fazem sucesso com os moradores. Ele diz

que as receitas trazidas do inte-rior pela padeira, como as cucas e a “vovó sentada” – um pão com um formato diferente conhecido pelos mais antigos – remetem aos moradores mais velhos a lem-brança de suas cidades de origem.

7Ser Artesã / PadeiraEnfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

Elas também colocam a mão na massa

Cleberson e Eliza preparam os pães para os clientes

“Vovó sentada” traz sentimento de nostalgia aos

moradores da Vila Brás

O gosto pela atividade manual fez com que Dila

se profissionalizasse em tapeçaria

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8 Ser Reciclador / Catador Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

JoRgE LEiTE (Texto)nAThALiE ABRAhão (Fotos)

“Ser reciclador na Vila Brás é manter o local limpo, é fa-zer o bem para comunida-

de”. Essas são palavras da Maria de Fátima de Camargo, mãe, avó e mo-radora da Vila Brás, que usa a recicla-gem do lixo para ajudar no sustento da família. Ela conta que sempre tra-balhou com os mutirões organizados pela prefeitura em troca de cestas básicas. A reciclagem surgiu de um sonho que teve. “Durante um perío-do de muitas dificuldades sonhei que ganhava dinheiro reciclando. Resolvi tentar e deu certo”.

Ela começou sozinha o recolhi-mento de materiais recicláveis, mas

logo ganhou o apoio dos moradores. Os mais próximos também foram es-senciais em seu começo. “Meus ami-gos tiveram muita paciência comigo. Me passavam as listas de materiais, assim, aos poucos fui aprendendo a identificar todos tipos, como plás-ticos leitosos, PVC, PET e alumínio” explicou Maria.

Com o tempo, seu filho Valter An-tônio de Camargo, 34 anos, começou a ajudá-la nesse trabalho. Ele conta que precisou trabalhar muito cedo para ajudar a família a se sustentar. Parou de estudar na 6ª série e nunca mais teve oportunidade de retomar os estudos. Trabalhou com carteira as-sinada em construções civis por muito tempo, mas teve que parar, pois pre-cisava cuidar de sua mulher Raquel

Madaelna, 27, que sofre de epilepsia. Desde então trabalha com reciclagem e ainda faz alguns bicos. “Sempre que surge uma oportunidade, eu faço. Limpo pátios, jardins, coleto podas de árvores, entulhos, restos de constru-ções, entre outras coisas”.

Do lixo reciclado, mãe e filho ti-ram em torno de R$600 por mês, sus-tento da família composta por sete membros. “O dinheiro dá apenas para necessidades básicas da casa, muito do que temos foram doações” completa Valter.

Entre tantas dificuldades, o re-ciclador, lamenta a falta de apoio à categoria por parte da prefeitura. Ge-ralmente não encontra dificuldades com os moradores, mas ainda sofre preconceitos por parte de alguns, que

confundem o lixo espalhado pelos ca-chorros de rua com o seu trabalho.

Mãe e filho concordam ao dizer que o papel do reciclador está muito além do trabalho, é uma forma de consciência e preservação. “Tirando o material da rua, evitamos que ele seja jogado em valas e esgotos. Sabemos o quanto esses materiais demoram para se decompor” completa Valter.

Na busca de otimizar o traba-lho, Valter procurou o auxílio de co-operativas de reciclagem. Não ob-teve sucesso. Hoje o único pedido da família é conseguir uma prensa para poder armazenar o material e aproveitar melhor o espaço, que já não é grande. Para contatar Valter, basta entrar em contato pelo tele-fone (51) 80277392.

Família tira o sustento dareciclagem de lixo

MARcoS REchE ÁViLA (Texto)AnA DE oLiVEiRA (Fotos)

Existem catadores de ma-terial reciclado que possuem objetivos diferentes com seu trabalho. Tânia Regina Castro de Oliveira, 43 anos, começou a catar material reciclado há 17 anos, com um carrinho de mão. Há pouco tempo comprou um carreto, à prestação, e ainda não terminou de pagar. Tem 13 filhos, todos sustentados, em algum momento, pelo trabalho da mãe.

“As pessoas dizem que não tem serviço. Tem! Tá aí o carre-to”, aponta. A catadora revela que mobiliou a casa e ganhou muitas roupas pelo trabalho que faz. Seus filhos pedem para que pare, por causa da sua ida-de e do desgaste. Tânia respon-de a eles que tudo saiu do car-reto. Para exemplificar, mostra um álbum de fotografias com os filhos e suas memórias cons-truídas graças ao trabalho.

Fabiano Rodrigues, 30 anos, começou catando latinhas há

tanto tempo que nem recor-da quando. Atualmente coleta todo tipo de material reciclá-vel. Sustenta sua família, com o suficiente para sobreviver. O ambiente que escolheu para o trabalho fica em Novo Ham-burgo, a região da Praça do Imigrante. Leva o material re-colhido, para um ferro velho localizado na Vila Brás.

Bruno Garcia, o Laranjinha, 52 anos, começou na atividade em 1993. Ajudou a fundar a As-sociação dos Carroceiros (como eram chamados) de São Leopol-do. Buscou apoio da União de Proteção do Ambiente Natural (Upan) e ajudou a fundar a Coo-peresíduos (Cooperativa de Resí-duos de São Leopoldo). Teve de ser aposentado após ficar cego.

Voltou a ser catador, junto com sua mulher, Vera. “Veio a outra parte, que é a parte da ‘Nice’, a ‘Nicissidade’ de com-plementar o orçamento”, brinca.

Garcia lembra da responsa-bilidade de não espalhar o lixo enquanto recolhe os resíduos,

e, faz graça com falta de cons-ciência de quem não tem esse cuidado: “Porque nós sabemos o seguinte: tem muita gente que faz na vida pública o que deveria fazer na ‘privada’”.

Laranjinha lamenta que co-legas da cooperativa onde tra-balhou não a levaram a sério. Descontente, propõe uma refle-xão metafórica sobre o motivo, como um moinho de reciclagem de garrafas “pet” pertencente a 20 catadores. O quilo deste tipo de plástico lavado vale 4,5 dó-lares. Imaginando que fossem produzidos de quatro a cinco toneladas por mês neste moi-nho, os resultados que teriam os catadores seriam positivos. “Tem que ter espaço, as pesso-as tem que conseguir sobrevi-ver para chegar a isto. Tem que ter maquinário”, explica. O mu-nicípio monta galpões e, segun-do Laranjinha, a direção ganha muito e os catadores pouco. “Não há uma divisão justa. Nos-so país ainda é um país de cada um por si e Deus por todos”.

Ajuda ao mundo e ao orçamento

Em situações precárias,

juntos trabalham por um futuro

melhor

Valter sente falta do apoio da prefeitura

Laranjinha, além de

catador, é envolvido

com questões sociais

Fabiano coleta materiais recicláveis na Praça do Imigrante

Tânia e suas memórias construidas graças ao trabalho

Ser recicladora é fazer bem para a comunidade

necessidade transformada em esperança

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A rotina de limpar para viverLETíCIA ROSSA (Texto)AMANDA MOURA (Fotos)

Ivanir Batista, de 54 anos, e Alzira Scheer, de 52, provavelmente nem se conhecem. A Vila Brás é seu palco de moradia. O espaço de trabalho das

mulheres, porém, está além das fronteiras do bairro. O que as une é a palavra-chave inserida em suas pro-fissões: limpeza. Enquanto Ivanir é auxiliar do setor de faxina de uma empresa, Alzira é diarista em uma residência e escritório de um casal do Vale dos Sinos.

Os pares de mãos destas mulheres, que hoje lim-pam casas e empreendimentos, são os mesmos que cuidam com afeto de filhos e netos. Estes, por sua vez, aprendem desde cedo a importância da profis-são dessas mulheres. “Sempre quis passar valores bons para os meus filhos. Às vezes imaginei que mi-nhas filhas fossem ter algum preconceito com o meu trabalho, mas na verdade elas se mostram orgulho-sas”, relata Alzira.

De segunda à sexta-feira, a diarista desperta jun-to com o nascer do sol para dar início à sua rotina. Ao seu lado está a bicicleta que a acompanha em todas as idas e voltas do expediente. “Sou muito feliz por ser diarista. Minha felicidade é ainda maior porque nunca sofri nenhum tipo de preconceito por causa da profissão”, garante.

“PREciSAMoS PASSAR PoRCIMA DO QUE é RUIM”

As palavras da auxiliar de limpeza Ivanir exem-plificam seu modo de pensar a profissão. Para ela, trabalhar em uma concessionária de veículos em Novo Hamburgo é motivo de felicidade. “Já vi pre-conceito com várias pessoas de todos os tipos, mas sempre ignorei. Estou satisfeita e isso é o que im-porta”, assegura.

A carência de reconhecimento com profissionais deste setor é outro aspecto apontado por Ivanir. Os direitos empregatícios da moradora da Brás, porém, estão todos em dia. Este também é o caso da diarista Alzira. “Minha carteira sempre foi assinada e recebo todos os benefícios desde que trabalho com meus atuais patrões”, declara.

Alterações na lei nacional da categoria defendem 44 horas de trabalho semanais e benefícios como auxílio-creche

cAMiLA cAPELão (Texto)MiDiAn ALMEiDA (Foto)

Poderia ser em qualquer ou-tro bairro da cidade, inclusive no Itapema, onde morava Irani José na época em que montou sua rá-dio. Escolheu a Vila Brás, e agora é diretor da rádio comunitária que conta com uma programação com mais de 15 atrações, todas feitas por voluntários. Como os locuto-res não recebem para trabalhar, os programas mudam de tempos em tempos. Os ritmos que mais tocam são os gauchescos e ser-tanejos, no entanto, tocar música não é a função principal de rádio Entre Rios, que está há sete anos no ar. “Tinha certeza de que na Vila Brás poderíamos fazer a di-ferença, quando cheguei aqui a violência era muito maior. Com o passar do tempo a Vila foi cres-cendo e se modificando, nosso trabalho também. Nosso foco é ajudar as pessoas, ajudar a comu-nidade”, diz Irani sobre o trabalho que classifica comunitário.

A rádio está provisoriamente em outro espaço, na esquina da rua 11. A antiga sede passará por reformas para facilitar o acesso, a fim de continuar o serviço e re-ceber mais visitas. “A escada que tínhamos dificultava o acesso dos cegos e cadeirantes. Nossa vonta-de é que todos possam participar da rádio que é para a comunida-de”, diz Irani. Os locutores Luis Carlos Gomes e Marco Antônio lembram junto com Irani algumas das histórias da rádio: “Já fizemos casamentos! Ouvintes se conhe-ceram através de um programa, trocaram contatos e agora estão nos preparativos do casamento”, diz Luis Carlos. “Ajudamos tam-bém uma família em que mãe e filho não se viam há mais de 30 anos, não se reconheciam mais. Foi através de um anúncio na rádio que ajudamos a se encon-trarem. Fui inclusive junto com a família fazer o reencontro”, diz Irani. “A rádio é de todos, há es-paço para o entretenimento, para o comercio e também para pedir

ajuda dos vizinhos. Quando anun-ciamos, logo tem retorno, isso é muito bonito”, diz Marco Antônio.

A estrutura da rádio também

conta com ajuda da comunidade, parte dos móveis que utilizam são doações. O nome Entre Rios veio de uma rádio do Paraná, estado

em que Irani nasceu, “Sonhava em abrir uma rádio e dizia que teria o mesmo nome, pois era minha inspiração, ouvi durante muito tempo”. Apesar de ainda não ser regularizada pelo Minis-tério das Comunicações, Irani não desiste de continuar trabalhando e ajudando a comunidade que, segundo ele, é o motivo do fun-cionamento. “Precisei de força de vontade para abrir a rádio e continuo com essa mesma força. Muitos dizem que no dia em que for regularizada nosso trabalho vai mudar, mas quero continuar ajudando a comunidade”, diz o diretor.

9Ser Doméstica / Diretor de rádioEnfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

As vozes que auxiliam a comunidade

LegislaçãoA lei que rege a forma

de trabalho de empregados domésticos brasileiros conteve alguns de seus termos altera-dos no início do mês de abril. Com as mudanças, a jornada do empregado (seja ele doméstico, caseiro, motorista, jardineiro ou babá) não pode ser superior a 44 horas semanais. Os traba-lhadores também passam a ter direito a uma carga horária diária que não supere oito horas – caso o período esteja acima do estabelecido, o pagamento de horas extras deve ser, no mínimo, 50% maior do que o da hora normal.

A advogada trabalhista Daia-ne Maciel da Rosa esclarece que, no Brasil, estas mudanças não se encaixam nas categorias de diaristas e trabalhadores autôno-mos. “Nosso país é referência para a Organização Internacional do Trabalho no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores domésticos, sendo este um avanço que merece ser come-morado e aplicado”, assegura.

A indenização no caso de despedida injusta, seguro--desemprego, fundo de garan-tia, adicional noturno, salário família, auxílio-creche e seguro contra acidentes de trabalho também são normas vigentes na nova lei nacional.

Entre Rios está provisoriamente em outra sede, mas o trabalho continua o mesmo

O que a doméstica deve saber

Ivanir Batista: a rotina diária começa com o nascer do sol

Alzira Scheer: profissão traz sustento e orgulho à família

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Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 201310 Ser Policial / Açougueiro

Todos apontam falta de segurançaDYEiSon MARTinS (Texto)MichELE MEnDonçA (Foto)

Qualquer um que pergunte para um morador de São Leopoldo sobre a Vila

Brás irá ouvir falar sobre a falta de segurança na região. No lo-cal, porém, existe já uma resig-nação com o fato.

Os moradores já se adap-taram a isso. Costumam ale-gar que “só encontra confusão quem procura”, numa vã tentati-va de se distanciar do problema. Só que a realidade uma hora en-contra a todos.

O problema é que o bairro é perigoso. Pior ainda, existe um sério descomprometimento do poder público. Salvo eventu-ais operações policiais, que são para combater o crime organiza-do – enraizado na Brás –, pouco é feito pela localidade.

Os delitos de pequena mon-ta (assaltos, venda de pequenas quantidades de drogas e arrua-ças em geral) seguem sem solu-ção. Para isso, seria preciso que policiais andassem nas ruas, que sua presença desencorajasse os pretensos bandidos e evitasse as transgressões em andamento. Seria preciso, pois, uma unidade policial no local.

Houve, alguns anos atrás, um posto da Brigada Militar dispo-

nível para a região. Porém, por motivos não muito claros, ele foi fechado. Boatos entre os mora-dores alegam que foi por motivo de corrupção. Os policiais te-riam se associado ao crime orga-nizado da região.

Policiais são um tema tão raro na região que é pratica-mente impossível encontrar um. Havia, até uns anos atrás, um policial civil morando na região. Porém ele já saiu da co-munidade.

Sobrou apenas o seu Antônio Albery Dias, de 58 anos. Policial militar aposentado, ele passou 30 anos na corporação, servindo na região do Vale dos Sinos, es-pecialmente São Leopoldo.

Albery é um homem engaja-do na política da comunidade, que, segundo o próprio, esteve prestes a concorrer a vereador para representar a Vila Brás na Câmara Municipal. Sua opinião, portanto vai além de apenas um técnico da segurança pública.

Segundo ele, a situação da região piorou de maneira alarmante nos últimos quatro anos. O que antes era um incô-modo apenas para aqueles que “procuravam problemas”, hoje se tornou um sério problema social.

Para a situação retornar ao controle, urge o poder público

aumentar o policiamento na re-gião, para tentar dar alguma es-tabilidade ao local.

Pensamento esse que é com-partilhado por Kleber da Silvei-ra, presidente da Associação dos Moradores da Vila Brás, que pro-cura, de alguma forma, usar a in-

fluência de seu cargo para tentar trazer o ponto de volta. Porém, para tal, seria preciso um inte-resse do poder público para que acontecesse.

Até o fechamento da edição, não foi possível contato com o comando da Brigada Militar.

O vácuo que abre espaço para a criminalidade

chico cASELAni (Texto)RoBERTo cALoni (Fotos)

A cultura do churrasco é tão apreciada na Vila Brás quanto em todo o Rio Grande do Sul. A maioria dos mercados do bairro apresenta balcões com os mais di-versos tipos de carne. E para aten-der a comunidade, se torna fun-damental o papel do açougueiro. Responsável pelo armazenamen-to, limpeza e corte desses alimen-tos, ele acorda cedo de segunda a domingo para arrumar os produ-tos e recepcionar seus clientes.

Para Celso Luis dos Santos, 46 anos, que já trabalha há mais de duas décadas na profissão, a re-lação com o cliente é o mais im-portante. “Mantemos um contato direto com as pessoas. Isso é legal no nosso trabalho, nós criamos amizades, o que torna o ambiente bastante familiar”, argumenta Cel-so. Os açougueiros concordam que a clientela aumenta nos finais de semana, com a compra de costelas e ripas para churrascos com a famí-lia. Celso, que começou a trabalhar na área a convite de um amigo, de-fine como o melhor horário para as vendas o período de final da ma-nhã. “As pessoas já compram pen-sando no almoço”, explica.

Já o açougueiro Edenir de Cas-tro, 31 anos, garante que, além de entender de sabores, cor e consistência de cada pedaço, é preciso ter carisma e sempre se preocupar com a procedência de seus alimentos. Morador de Novo Hamburgo, ele se dirige à cidade vizinha, São Leopoldo, todos os dias, trabalhando das 8 horas até o início da noite. “Para trabalhar com isso tem que gostar da pro-

fissão. Aprendi sobre o corte e a limpeza das carnes com meu ir-mão. Mas o mais importante é sa-ber que o cliente tem que ser bem atendido, para que ele volte com mais frequência”, comenta.

cASA DE FERREiRo,ESPETO DE PAU

Com o tempo, os açougueiros ganham a confiança de seus clien-

tes, que passam a pedir sugestões sobre que carne levar. No caso de Alex Sandro Alves de Andrades, 21 anos, as dicas não vêm do sa-bor das peças, mas de sua expe-riência na profissão. Sobrinho do dono do Mercado e Açougue Mül-ler, Alex Sandro trabalha há seis anos no local, mas conta que evita comer carne. “Desde criança eu nunca gostei muito do sabor da carne, seja ela qual for. Só como

carne moída”, explica.No entanto, Alex garante que

não titubeia quando alguém lhe pede ajuda. “Eu posso até não gostar, mas eu sei quando a car-ne é boa e irá agradar o cliente”, salienta. Buscando preço ou qua-lidade, os moradores da Vila Brás podem encontrar em seu próprio bairro os mais diversos cortes de carnes bovina, suína e frango para seu churrasco de domingo.

Seu churrasco passa por eles

Seu Albery vê com preocupação o aumento da violência

Edenir: carisma a serviço do atendimento Celso: amizade com os clientes é essencial Alex Sandro: “Não gosto muito de carne”

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Limpeza de veículos ganha espaço no bairro

DAiAnE DALLE TESE (Texto)AMANDA NUNES (Fotos)

Seja com auxílio de máquinas au-tomáticas ou realizada manual-mente, expressa ou mais com-

pleta, a limpeza interna e externa de veículos de passeio e utilitários nos grandes centros urbanos ou em es-tabelecimentos de pequenos bairros é serviço valorizado e até indispen-sável para atender um determinado segmento da clientela.

Muitos microempresários do ramo estão tentando conquistar seu espaço no mercado. Na Vila Brás não é diferente.

Maicon Robson da Silva, 27 anos, queria ser um empreen-dedor, ter seu próprio negó-cio e deixar de ser empregado. Após trabalhar durante dez anos como lavador em uma empresa de veículos de Novo Hamburgo, Silva poupou e conseguiu abrir, no primeiro dia de abril deste ano sua lavagem automotiva. “Quando se é dono, a dedica-ção e empenho no trabalho são maiores”, conta.

Por R$ 20 é possível reali-zar uma limpeza automotiva de qualidade na Lavagem do Amaral. O nome do estabele-cimento que está localizado na Rua 17 da Brás, surgiu do apelido que Silva ganhou dos amigos: “Quando jo-gava futebol nos fins de semana, me achavam pa-recido com o ex-jogador do Grêmio, Amaral. E o apelido pegou. As pesso-as já me conhecem as-sim, nada mais justo que

o nome da lavagem seja esse”, explica. Silva fez do pátio da sua casa seu negócio. Decidiu assim, juntar moradia com trabalho, para evitar o pagamento de alu-guel por um espaço privado.

Antes de virar patrão, Silva co-locou na ponta do lápis despesas com materiais, equipamentos, água e luz, além do tempo para gerir bem o negócio. Sua maior dificuldade no início era a conta de água, que chegava com valor

elevado. Agora que possui poço artesiano em sua residência, seu problema foi resolvido. Para que não haja aumento de gastos, ele não conta com funcionários. Sua esposa Laura da Silva o auxilia de modo a garantir a única fonte de renda da casa, onde moram com a filha pequena de três anos.

Lava aqui, passa pano lá, es-frega ali, joga água, retira a espu-ma... Assim é a rotina básica de um lavador de carros. São quase

50 minutos dedicados a limpeza de cada carro. Na lavagem de Sil-va, o preço é tabelado e se ba-seia pelo material e trabalho rea-lizado. Em média, são atendidos de 20 a 25 carros nos finais de semana, dias que o proprietário considera mais lucrativos. Silva sabe que se não oferecer o ser-viço esperado pela clientela, não obtém a renda desejável, por isso, trata com simpatia e humil-dade cada cliente atendido.

Eles chegam empoeirados e têm que sairbrilhando, limpos e com cheiro de novo

FABRíCIO ROMIO (Texto)JONAS PILZ (Foto)

Enquanto muitas pessoas veem em um carro apenas uma tonelada de metal e pneus, utilizado estri-tamente para se locomover, tem gente que mantém verdadeira pai-xão por seus carros, principalmen-te quando eles possuem anos de história. Desde o mais tradicional e elegante Puma, até o confiável Fus-cão 81, quem tem um carro antigo é unânime em comentar que possuí orgulho de suas relíquias.

Manter um carro antigo não é simples, nem barato. Como muitas peças pararam de ser fabricadas, são difíceis de serem encontradas. Na maioria das vezes é preciso se deslocar para outras cidades, ou procurar nos famosos encontros de carros antigos. Na Brás, Rogério dos Santos, dono de um VW Fusca, 81, com mais de 240 mil quilômetros rodados, conta que já gastou mais de R$ 6mil para arrumar o carro.

O resultado salta aos olhos. O Fusca customizado é o xodó de Rogério, que arrumou toda a lataria, trocou as rodas, acertou

o motor e o expõe no sábado de manhã para quem quiser ver. Ele recebeu o veículo como paga-mento de uma dívida há mais de oito anos, e decidiu reformá-lo.

“Já me ofereceram até outros car-ros na troca, mas o meu objetivo é ficar com ele. Só vendo o Fusca se me oferecerem uns R$ 9mil. Ele é o meu xodó”, comenta Rogério.

Dono de cinco carros anti-gos, Cid*, conta que começou sua coleção por achar os veículos exóticos e raros. “Era um sonho de criança, que realizei quando

adulto”, comenta. Há 17 anos, comprou seu primeiro Puma e até agora não parou. Com veícu-los que variam dos anos do ano de 73 até 82, o seu carro prefe-rido é mesmo o da Volkswagen.

Para ele, os carros antigos são como mulheres mimadas, custam muito para manter. “Já me pedi-ram R$ 10 mil só por uma peça, os preços para reforma são muito altos pela raridade em encontrar peças.” Porém todo o trabalho compensa. Ele conta a sensação de ter algo diferente e não esconde o orgulho de que todos que veem seus carros param para olhar.

O brio de sua coleção é um Puma GT Tubarão que comprou há sete anos e, aos poucos, está re-formando. Ele mesmo põe a mão na massa para deixar os veículos como novos. O motor é arrumado por um mecânico em sua própria residência. A pintura é por conta de José da Silva, conhecido como Uga, que, para Cid, é o melhor do Rio Grande do Sul.

* O nome foi alterado por solicita-ção da fonte.

11Ser Lavador / colecionador Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

Paixão que tem história

Os carros da Brás ganham tratamento especial no posto de limpeza automotiva montado por Maicon

Rogério dos Santos e seu Fusca 1981, com mais de 240 mil km rodados e cerca de R$ 6 mil investidos

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12 Ser Músico Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

Artistas passam por dificuldadesGUILHERME ENDLER (Texto)BÁRBARA MüLLER (Fotos)

Ser músico não é fácil. Além de dominar a técnica necessária para tocar um instrumento

ou cantar, é preciso paciência para conseguir um espaço no mercado. Na Vila Brás, diversos artistas pro-curam meios para unir a paixão pela música com o retorno financeiro.

Um exemplo é João Nunes da Luz, conhecido na comunidade como João Gaúcho, que dedicou 18 dos seus 60 anos de vida à música gauchesca. Inspirado em nomes como Gildo de Freitas, o cantor costumava se apresentar em cidades da Região Metropo-litana, e chegou a participar de programas da rádio Progresso, em Novo Hamburgo. Hoje, João canta em lanchonetes e restaurantes da Brás. “Agora estou meio parado, mas sempre foi uma brincadeira, nunca deu para viver da música. O meu sustento vem mesmo da construção civil”, conta.

Já Valmir Antônio da Silva, o Tuca, conseguiu ir além. Baterista desde a adolescência, o músico de 56 anos já integrou diversas ban-das e tem no currículo shows em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Uruguai. Atualmente participa do conjunto Estúdio, que anima fes-tas e bailes da Grande Porto Ale-gre com músicas próprias e covers.

Apesar dos anos de experiência, Tuca, que também trabalha como porteiro de prédio, considera a música um hobby. “Como tenho minha própria bateria, posso trei-nar as músicas que toco com a banda em casa mesmo. Mas tive que comprá-la como dinheiro do emprego, os shows pagam muito pouco”, explica.

Ivan e Roni Pens vivem uma situação parecida. Os irmãos são donos e integrantes do grupo Ga-rotos Show, o conjunto local que conseguiu maior popularidade nos últimos anos, mas passam di-ficuldades para manter o projeto. A banda, que existe há 17 anos e ficou conhecida por abrir shows de grandes nomes do sertanejo, sofre com a desvalorização dos artistas da região. Lira, mãe dos músicos, conta que os filhos pensam em acabar com a banda, pois não é possível cobrir os custos das via-gens e ainda pagar os outros inte-grantes – que são funcionários dos donos do grupo– somente com a renda dos shows. ”Meus filhos têm carteira de músico profissio-nal e nem assim são valorizados. As casas de shows pagam muito mais para artistas de fora do esta-do, que às vezes não são músicos formados. O Sindicato dos Músicos deveria tomar alguma providência para ajudar o pessoal daqui”, ex-clama Lira.

Talentos locais sofrem com desvalorização e baixo retorno financeiro

JULIANA FOGAÇA (Texto)SAiMon BiAnchini (Fotos)

A Vila Brás pode ser conside-rada outro centro dentro de São Leopoldo. E não é apenas pelos bares, mercados e bazares que se encontra nas ruas da comuni-dade. Assim como o centro, que disponibiliza os mesmos estabe-lecimentos e é possível encontrar muitos músicos tocando ao vivo, na Vila Brás também se encontra músicos de idades, estilos e luga-res diferentes.

Um desses artistas que com-partilha suas canções com os moradores da Vila Brás é Leonir Neto Antunes, de 59 anos. Há oito anos como músico profissional, ele segue a linha tradicionalista. Morando há 32 anos na Região Metropolitana de Porto Alegre, Antunes saiu de São Miguel das Missões porque, segundo ele, era muito difícil ser músico. “A dificul-dade maior é comprar um instru-mento. É muito caro”, diz Leonir, mais conhecido como “Gaúcho Missioneiro”.

Antunes começou tocando em casamentos e demais festas onde era solicitado e segue fazendo eventos até hoje. “Quando cha-mam, eu vou”, diz. Há seis meses,

gravou seu primeiro CD. Com dez faixas, o Gaúcho Missioneiro dei-xa bem claro que, além de tocar e cantar, ainda compõe. “Todas as músicas do CD foram compostas por mim. Só gravo as músicas que escrevo”, ressalta o tradicionalis-ta, que desde muito cedo gosta de música.

Com a sua gaita, voz e letras vai, sempre que é convidado, até

a rádio da comunidade para parti-cipar dos gaitaços. “É muito bom. Me sinto realizado”, revela. Além disso, ele conta que é muito bem recebido pela comunidade. Leo-nir mora no bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, mas sempre vem tocar na Vila Brás.

Com história e estilo comple-tamente diferentes, Sara e Brena, as meninas cantoras, sonham em

seguir na música. Sara Nogueira de Oliveira, de 10 anos, e Brena Mitieli, de 11, são cantoras na igreja onde frequentam.

Acostumadas com o ambiente desde muito pequenas, o gosto pelo louvor fez com que as duas acabassem participando ativa-mente dos cultos. “Nos sentimos bem, alegres e com Deus quando cantamos”, dizem as meninas.

Esse sentimento de bem estar e o gosto pela música faz com que as duas sonhem com um futuro promissor.

O avô das meninas, Adão de Oliveira, de 53 anos, gosta muito de ver as netas participando da igreja. “É um orgulho”, diz ele, com brilho nos olhos. Para o fu-turo, o comerciante deseja ver as jovens cantoras gravando um CD.

Um bairro, vários estilos

Apesar do gosto pela música e do profissionalismo, o sustento dos artistas vem de empregos fixos

Adão Oliveira sonha com um futuro promissor para as pequenas artistas Gaúcho Missioneiro compõe suas próprias músicas

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como prosperar no ramoALESSAnDRA FEDESki (Texto)JoSé FRAnciSco (Fotos)

Em princípio parece fácil iniciar o próprio negócio. Um salão de beleza, um restaurante ou uma

loja podem ser abertos por qualquer um que estiver interessado e, logica-mente, possuir condições para isso. Mas com o passar do tempo, a reali-dade aparece: longas horas de traba-lho, incertezas na segurança, clientes devedores, funcionários desonestos. Esse é o lado menos prazeroso de ser o próprio patrão. O lado bom é o relacionamento com a comunidade, a organização da própria rotina e a certeza de estar fazendo aquilo que se gosta. Assim vivem dois empresários da Vila Brás: Jonas Cônsul, 51 anos, proprietário da Agropecuária Cônsul e Aldemir Vieira, 43 anos, dono do Cen-tro Comercial Vieira, local que contém um supermercado, um restaurante/pizzaria e um amplo espaço de peças alugadas por outros comerciários.

Um empresário da Vila Brás preci-

sa, necessariamente, manter um bom relacionamento com a sua clientela. Seja explicando minimamente qual a ração mais adequada e o período de vacinas dos animais, ou ainda dispen-sando atenção e carinho para quem faz compras em um supermercado, o tratamento individual para cada clien-te é reconhecido. Essas são algumas das razões pelas quais os empresários Jonas Cônsul e Aldemir Vieira têm seus negócios consolidados, a fregue-sia garantida e um gosto pela ativida-de que exercem.

Ambos revelam que não larga-riam as suas atividades para traba-lhar em uma empresa privada. “Eu vivo há 22 anos para o meu negócio e tenho uma relação tão boa com os meus funcionários que acabo nem me sentindo patrão deles”, destaca Aldemir Vieira. Para ele, o único arre-pendimento foi o abandono dos es-tudos. Coisa que não aconteceu com Jonas Cônsul, que decidiu voltar ao ensino médio para melhorar seu ne-gócio. “As pessoas pensam que para

abrir uma agropecuária basta ter dinheiro, mas é preciso muito mais. Busco oferecer meus serviços da me-lhor maneira possível, de acordo com a lei e buscando sempre melhorar”, declara Jonas.

Assim eles se desenvolvem cada vez mais. Mesmo com o estresse que eventualmente surge, como um clien-te inconveniente ou um funcionário que não se mostra tão leal quanto parece, mas sempre com a certeza de que o relacionamento humano é o que os faz prosperar. “Eu sou ami-go de verdade das pessoas e faço isso porque gosto”, afirma Vieira, que hoje tem 20 funcionários e uma família que ajuda nos negócios. “Eu não trocaria a agropecuária por um emprego fixo”, destaca Cônsul, que escolheu a Vila Brás como local para a primeira filial da sua empresa há sete anos e hoje, com a mulher trabalhando na matriz em Novo Hamburgo, uma filha de 11 anos que quer ser veterinária e um filho chegando, vê na família a conti-nuidade do seu negócio.

A trajetória de quem é dono do próprio negócio

AnDRESSA BARRoS (Texto)MARCUS VON GROLL (Foto)

Eleito em 2012 pelo Partido Social Liberal (PSL) com 1.901 votos, o pastor Perci Pereira, 51 anos, conquistou 956 votos somente na Vila Brás. Natural de Anchieta, no estado de Santa Catari-na, mora no bairro há 32 anos. Casado com Maria Belli Pereira e pai de três filhos, “todos nascidos e criados na Brás”, destaca, também é pastor pre-sidente da igreja A Glória de Deus em São Leopoldo.

Hoje, o vereador trabalha em al-guns projetos importantes para a co-munidade, como a ampliação e criação de creches em parceria com o orça-mento participativo. Para o ginásio de esportes e lazer, onde é possível jogar futebol, o parlamentar pleiteia a cria-

ção de uma pista de skate também. Segundo ele, essas propostas, além de trazer benefícios para as mães da co-munidade, visam também combater o uso de drogas. “É uma ação preventiva às drogas, tirando o jovem da rua e in-centivando ele ao esporte”, conta.

Perci procura fazer trabalhos sociais e espirituais, pois “onde há fé, há espe-rança e onde há esperança, há amor”. O pastor acredita que esses trabalhos têm resultados positivos. “Antes a Vila Brás era vista com outros olhos, havia criminalidade, drogas e prostituição. Hoje as fábricas buscam trabalhadores daqui. As coisas mudaram”, comenta.

Ele ainda está em busca de parce-rias para montar um clube de mães, com curso de informática e aulas de ar-tesanato. “Amo a Brás. É a vila do meu coração”, finaliza.

13Ser Empresário / PolíticoEnfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

Comunidade ganha representante na Câmara

Cônsul vê na família a

continuidade do negócio

A diversidade de produtos permite

uma orientação adequada a cada cliente

O centro comercial Vieiratem espaço para novos empreendedores

Para Vieira, o bom atendimento é fundamental

Pastor Perci acredita em trabalhos sociais para livrar os jovens das drogas

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A devoção que une crençasMARIANA STAUDT (Texto)NATáLIA SCHOLZ (Fotos)

A Vila Brás é conhecida por seu grande número de igrejas – ao todo, são 24. Mesmo com

a diversidade de crenças, o objetivo de todas é um só, o de propagar o caminho da fé. As histórias de The-reza Almeida Mencina e Adriano de Oliveira também são contrastantes no que diz respeito às suas relações com os fieis, fazendo com que cada morador veja a religião de um jeito e tenha experiências diferentes.

Vinda de uma família tradicio-nalmente cristã, Thereza é cola-boradora na Igreja Católica Cristo Operário da Vila Brás há 16 anos, ajudando desde a limpeza do local até na hora da comunhão e sente--se realizada por isso. “Ajudamos quem tem necessidades, sem fazer distinção de ninguém. A fé é tudo na vida”, afirma.

A poucas quadras dali, fica lo-calizada a Assembleia de Deus Mi-nistério União, que divide o espaço com a casa e a estofaria do pastor Adriano de Oliveira, de 35 anos. Ele, que já foi morador de rua em São Paulo e viajou para vários lu-gares, concilia a atividade religiosa com a profissão de estofador há 20 anos. “Não vivo com salário da igre-ja. Nunca ninguém vai poder falar que faço isso por dinheiro, faço por amor”, conta.

A igreja traz uma grande preo-cupação com jovens, oferecendo diversas oficinas e eventos para a comunidade.“É gratificante ver jovens que saem do caminho das drogas, a partir do apoio carismáti-co. Eu vejo o futuro neles. Muitos jovens recuperados, hoje traba-lham. Conheço casais que brigavam muito e encontraram aqui um lugar para desabafar. O que faz diferença é o amor”, diz.

Independentemente da opção religiosa, comunidade encontra apoio para as dificuldades

hELEnA cALiARi (Texto)AMANDA NUNES (Fotos)

A Igreja Evangélica Assem-bleia de Deus (IEAD) – Ministério da União, situada na Rua Leopol-do Wasun, é o lugar de encontro de vários jovens na Vila Brás. “A nossa igreja é o lugar onde os ‘re-jeitados’ do bairro são acolhidos com amor. Aqui todo mundo é bem-vindo”, diz o pastor Adriano de Oliveira.

A dona de casa Aline Dutra Padilha, 20 anos, conheceu Gil-mar Eliseu Miranda, 23 anos, em um baile e logo começaram um relacionamento. “No início, ele bebia demais e usava tudo quan-to é tipo de droga, até depois de começarmos o namoro”, diz ao lado do filho do casal, Guilher-me Padilha Miranda, de um ano e meio. Segundo Aline, o que levou Gilmar a largar o vício foi o sofrimento que ela e a mãe do rapaz passaram a enfrentar. Ao procurar auxílio na igreja de Adriano, Gilmar abandonou am-bos os vícios. “Hoje, ele é um óti-mo pai de família. Foi um milagre ter tomado a iniciativa de passar a ir aos cultos”, relata.

O ajudante de motorista Douglas Oliveira Leão, 20 anos, teve uma história similar à de Gilmar e Aline. “Bebia demais, usava drogas, não parava em casa”, explica. A prisão por ferir o próprio irmão em uma briga foi o estopim para que rumasse outros caminhos na vida. “Des-de que entrei na igreja passei a prestar mais atenção à minha esposa e ao meu filho”, destaca. Douglas é casado há quatro anos com Jeniffer Costa, 18 anos, e a dedicação que dá à mulher e ao filho, Dereck Leandro Masser Leão, de um ano e oito meses, é um reflexo da nova vida que leva: de paz com a família, o irmão e com ele próprio.

Jovens encontram apoio em Deus

Adriano, da Assembleia de

Deus, e Thereza, da Igreja

Católica, pregam o amor de Cristo

na Brás

A fé mudou definitivamente a

história do casal Aline Dutra e Gilmar Miranda

Bruna e Vinícius: frequentadores assíduos dos cultos adventistas

Douglas Leão viu sua vida mudar ao seguir o caminho

da religiosidade

gABRiEL REiS (Texto)cAMiLA WEBER (Foto)

A Vila Brás abriga dois ir-mãos, de pais diferentes e et-nias completamente distintas. Ela, Bruna da Luz Rafo, de 16 anos, é filha de um descenden-te marroquino. Já o seu irmão, Vinícius da Silva, de 14 anos, tem os traços típicos de um italiano, apesar de sua timidez disfarçar o fato.

Os irmãos são frequentado-res assíduos dos cultos religiosos da Igreja Adventista do 7º Dia, que fica localizada na principal via da Vila Brás, a extensa aveni-da Leopoldo Wasun.

Segundo Vinícius, a religião tem um papel fundamental na sua vida. “Depois que come-

çamos a frequentar a Igreja Adventista, descobrimos que podemos ter uma vida mais digna e distante de eventuais problemas, como o uso de dro-gas, por exemplo”, explica.

Vinícius foi levado pelo irmão mais velho, Diego da Silva, com apenas oito anos. “A rotina na igreja é silencio-sa e serve como momentos de reflexão e busca pela.”, diz Bruna.

Os irmãos se dizem feli-zes com a rotina de leituras e estudos constantes da Bíblia. “Não fomos forçados a nada, foi uma escolha e uma decisão muito particular. Vivemos nos-sas vidas sob os cuidados de Deus e é Ele que nos conduz diariamente”, finaliza Vinícius.

A fé como estilo de vida

14 Ser Religioso Enfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

Page 15: Enfoque 139

Testemunha do crescimento da VilaREnATA SAnToS (Texto)cRiSTinA Link (Fotos)

A Rua Dona Margarida, na Vila Brás, possui um morador espe-cial. Aos 78 anos, Jurandir Alves

de Mello é só lembrança. Os cabelos grisalhos e os passos lentos contras-tam com a voz firme que relembra com cuidado todos os detalhes de uma história de vida. Jurandir saiu de Espumoso aos 30 anos de idade, fugin-do das precárias condições de trabalho no campo, onde desde jovem ajudou o pai na plantação de mandiocas, e em busca de solução para os problemas de saúde da esposa.

Junto com a família, primeiro foi em direção a Salto do Jacuí, onde mo-rou por 18 anos, dos quais, 12 traba-lhando no setor de topografia da CEEE. Na época chegava a ficar cerca de 30 dias viajando para realizar as medi-ções do nível das águas da barragem do Jacuí, função essa que ele recorda com muito orgulho e saudade.

Com a esposa doente, Jurandir decidiu trocar Salto do Jacuí e seguir rumo à Grande Porto Alegre, pois era preciso estar mais próximo dos recur-sos médicos de que ela necessitava. Há exatos 22 anos, o aposentado che-gava à Vila Brás e trazia consigo a es-perança de uma vida melhor.

Em frente a sua residência e mer-gulhado em memórias, por segundos, Jurandir deixa os olhos se perderem no horizonte, aponta para o fim da rua

e conta que acompanhou o desenvol-vimento da Brás. “Aqui na volta da mi-nha casa, existia um matagal imenso. Nessa rua tinha poucas casas. Hoje, a Brás se tornou uma cidade”, comenta. Foi na Brás que encontrou espaço para terminar de criar os filhos e cuidar da mulher, falecida há três anos.

Pai, avô e bisavô, o aposentado é muito conhecido onde mora, mas não pelo seu nome, e sim pelo apelido ca-rinhoso de “Pai Veio”. É em casa mes-mo, sob a sombra de uma árvore, que Jurandir reúne diariamente os amigos e vizinhos para um jogo de canastra. “Não jogamos por dinheiro, às vezes vale até um refrigerante, aqui a gente se reúne todos os dias, é um lazer pra todos nós”, ressalta ele.

Os vizinhos estão sempre batendo à sua porta, porque Jurandir afia facas e serrotes, uma prática que aprendeu sozinho. Filho mais velho de uma fa-mília de cinco irmãos, cultiva os cos-tumes gaúchos e não por acaso se veste a caráter, com bota, bombacha e chapéu. Desde que se tornou viúvo, mora sozinho e logo pela manhã cedo prepara o chimarrão, seu companhei-ro inseparável. O almoço e os afazeres domésticos são com ele mesmo. Bem humorado, não dispensa um feijão temperado e um churrasco no final de semana. O segredo do bom humor e da jovialidade para ele é simples: o passado e as experiências na vida lhe serviram como base para viver uma velhice com harmonia e felicidade.

Jurandir Alves de Mello trocou o Interior pela Grande Porto Alegre em busca de oportunidades e melhores condições de saúde

AngéLicA DiAS (Texto)DiEgo DA coSTA (Fotos)

Numerosos no bairro, os ido-sos da Brás têm muita energia e disposição. A maioria deles tem dificuldade de encontrar um entretenimento saudável e ade-quado às suas condições. Mui-tos passam o tempo em casa, como é o caso de Alípio Becker, de 65 anos, que mora com a es-posa, Cenilda, de 59 anos.

Becker teve um AVC (aciden-te vascular cerebral) no ano pas-sado e sofre do mal de Parkinson, o que limita suas idas e vindas. Para ele, um dos piores proble-mas são as crianças “arteiras” do bairro.

Outro morador acostuma-do ao lar é José Luis Godoi, de 77 anos. Aposentado há 17, Godoi se mudou há pouco para a Vila Brás e ainda não conhe-ce muitas pessoas nem muitas opções de lazer. Ele diz estar gostando muito do bairro e va-loriza as amizades. “Quem tem amizade tem tudo e devagar vamos conhecendo todo mun-do”, comenta.

CARTEADO

Os jogos de canastra na casa de Jurandir Alves de Mello, de 78 anos, são a principal atração en-tre os moradores de faixa etária mais avançada. “Aqui a gente se diverte, escuta um Teixeirinha, conta piada, bebe umas Pepsi e ri de montão”, relata Mello.

Alvício da Rosa, de 77 anos, amigo de Jurandir, frequenta o carteado desde o início dos en-contros, que antes aconteciam

no bar do Jairo. “Mas lá a música era muito alta e tinha muita gu-rizada se drogando. Aqui é mais tranquilo”, revela.

Durante a semana a casa de seu Jurandir é tomada pelos companheiros de idade. Aos fins de semana até os mais jo-vens se juntam à diversão. Ede-mar José Unzer, de 43 anos, é um deles. “Eu venho quase todo fim de semana pra cá, só não ve-nho quando a mulher não dei-xa”, brinca Unzer.

RITA RODRIGUES (Texto)RAYRA kRAJEWSki (Fotos)

Ao se aposentarem, as pessoas querem descanso. Tranquilidade e boa vizinhança é o que os morado-res mais velhos encontram na Brás.

“Moro no local por que gosto”. Assim Elduíno Pich, de 71 anos, explica porquê optou pelo bairro. Veio de Santa Rosa há 20 anos, hoje conhece muita gente. As amizades, entre outras coisas, o fazem gostar do lugar onde mora com a mulher e a filha. No início precisava cami-nhar muito e enfrentar o barro para pegar um ônibus. Hoje há asfalto e

calçamento na maioria das ruas.Pich lamenta a falta de lazer no

local, há anos luta por uma cancha de bocha. Vai até um bairro próxi-mo para praticar o esporte.

Eva de Oliveira, de 74 anos, veio de São Miguel do Oeste (SC) há 12 anos com o marido e filho. Encon-traram na Brás melhores empregos, tranquilidade, bons vizinhos e ami-gos. Por isso ela adora o local.

A falta de médicos no posto de saúde é a maior reclamação. Elduí-no diz que precisa ir até o hospital municipal, pois são poucos horários de atendimento e não abre aos fi-nais de semana.

15Ser idosoEnfoque - Vila Brás, São Leopoldo - Maio de 2013

Vivendo a melhoridade na Brás

Na maturidade, encontram descanso no bairro

Morador tem 78 anos e está há

22 na Brás

Alvício, José e Alípio: poucas opções de lazer

Elduíno Pich se diverte com seus amigos jogando bocha

Amizade e a boa vizinhança fazem com que Eva seja feliz

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As propostas e desafios do novo

presidenteFERnAnDA kERn (Texto)BÁRBARA MüLLER (Foto)

Desde 16 de março, Kleber da Silveira, 38 anos, adicionou mais um ingrediente à “sala-

da de frutas” que ele afirma ser. Na data, o funcionário público no Ser-viço Municipal de Água e Esgotos de São Leopoldo (SEMAE) e asses-sor do vereador Chico da Agafarma (PP), passou, também, a ocupar o cargo de presidente da Associação de Moradores da Vila Brás.

O novo presidente morou a vida toda na Brás. É lá, também, que vivem seu filho, Bruno, 12 anos, e sua mãe, Regina da Silveira da Rocha, que está na vila há mais de meio século. Seu envolvimento com a comunidade começou há muitos anos, mas há sete ele rea-liza trabalhos sociais junto com o vereador que apoia. “Quando tu entras na política, existem duas opções: fazer isso só para pegar o salário no final de mês ou se dedi-car a usar o poder que tu adquiriu para ajudar quem conseguires. Se eu só tirasse esse dinheiro no fim do mês, não ia ter graça”, explica. “Sendo presidente ou não, faria o trabalho para a comunidade que eu já fazia antes”, completa.

Kleber espera ter um mandato com grande participação de todos. “Para fazer tudo o que queremos, precisamos de parceiros que tam-bém pensem, em primeiro lugar, no melhor para a comunidade. Quem quiser ajudar, pode se sen-tir bem-vindo”, ressalta. “A asso-

ciação não é minha, nem de nin-guém. Ela é da Brás. Todos têm o direito de passar ideias, sugestões e reclamações.” Outra expectativa é atender antigas demandas. “A associação não pode abrir só para festas”, exemplifica.

Como inspiração, Kleber tem a frase de um autor desconheci-do que está pintada na parede da associação: “um dia comparece-remos diante do grande trono, para prestar conta do desempe-nho, com o talento a nós confia-do”. “Quando tu fazes um traba-lho sério, as coisas boas vêm ao natural”, enfatiza.

Kleber conversou com a equipe do Enfoque Vila Brás sobre os prin-cipais problemas apontados pela comunidade e as expectativas para este novo mandato.

Enfoque - Qual a importância da Brás para ti?kleber – Não tenho palavras para descrever a importância da Brás pra mim. Eu nasci e me criei aqui, ela é muito importante para a mi-nha vida.

E – O que a Brás tem de melhor?k – As pessoas. Isso é o que faz a vila ser o que ela é.

E – Qual o principal ponto que deve melhorar?k – A saúde, porque sem saúde tu não trabalhas, tu não te de-senvolves.

E – Qual o lugar que tu mais gosta

de ficar?k – A Lancheria do Jairo, que é onde normalmente está meu gru-po de amigos. Jantamos lá umas duas ou três vezes por semana.

E – Qual o lugar que mais precisa de atenção?k – É difícil, porque infelizmente ainda tem muita coisa para me-lhorar. Mas as ruas que costeiam as valas realmente precisam de um cuidado especial. Quem mora por lá sofre com o mau cheiro, os mosquitos e a ameaça de den-gue. Muitos só tem a casa, por-que ao redor é esgoto.

E – Qual a principal mudança ocorrida na Brás nestes teus 38 anos como morador?k – Mudou muito. Costumo brin-car que nasci no meio do banha-do e hoje isso aqui é quase uma cidade. Mas acho que a cultura se destaca. Hoje a gente tem muito mais acesso à informação, aos projetos sociais...

E – O que tu esperas para a tua gestão?k – Eu pretendo fazer um ótimo trabalho junto com o grupo que me apoia. Queremos trabalhar pensando na comunidade. Entre quase 18 mil moradores, pou-co mais de 500 participaram da eleição. Isto é muito pouco. Pre-tendemos envolver todos, para estimular a participação de cada vez mais pessoas nas atividades da associação.

O Enfoque Vila Brás entrevistou Kleber da Silveira para descobrir quais as prioridades da nova diretoria da Associação de Moradores

Ideias apresentadas à população

SAúDE – Agendamos uma reunião com o prefeito para tentar

amenizar o problema. Vamos batalhar por

um posto 24 horas aqui. A unidade poderia ser referência para esta região da cidade. Se tivéssemos pelo menos um posto que ficasse mais próximo e fechasse mais tarde, acredito que conseguiríamos desafogar nosso Hospital Municipal.

A PRAÇA – Nossa ideia é reformular. Queremos um

guarda para zelar pela conservação do

espaço para que a praça tenha horário de funcionamento. Saio para trabalhar de manhã cedo e fico triste ao ver os moradores, muitos deles de mais idade, caminhando na rua, quando existe um local específico para isso, que não pode ser usado por falta de conservação. Também estamos tentando implantar uma academia popular para a comunidade poder se exercitar de forma gratuita.

SEGURANÇA – Queremos trabalhar pensando no futuro,

investindo em projetos sociais para diminuir

a criminalidade e a violência. Atualmente, temos vários projetos aqui na Brás, mas a associação realiza apenas aulas de Karatê. Nossa sede poderia ser utilizada de uma forma muito melhor. Por exemplo, estamos em contato com a prefeitura para conseguirmos monitores, que possam dar oficinas e ocupar o espaço da biblioteca e dos computadores.

RUAS MAL conSERVADAS / ALAGAMENTOS –

Trabalho no SEMAE, o que faz com que eu

atue em dois momentos: posso ouvir e encaminhar as demandas da população, mas também vou trabalhar para auxiliar o problema. Algumas semanas atrás, estivemos aqui na vila realizando uma limpeza nas bocas de lobo, algo que não acontecia há muito tempo. Vamos tentar resolver os problemas desta área da melhor maneira possível.

ILUMINAÇÃO PúBLICA – A associação está se colocando a

disposição para centralizar esse tipo de demanda. Quem tiver problemas com iluminação, pode entrar em contato conosco, que vamos encaminhar isso e cobrar reparo rápido. Na próxima semana, a diretoria vai se dividir em dois grupos para verificar rua por rua onde estão os problemas atuais para encaminhá-los todos de uma vez.

ASSOCIAÇÃO – Temos como meta fazer uma “geral” da Associação.

Nossa sede precisa de reformas com urgência. Pretendemos realizar melhorias estruturais e pintar todo o prédio. Já ganhamos de um empresário o material para realizar a adaptação dos banheiros. A capela também está na nossa lista de prioridades e deve passar por adequação o quanto antes.

Vila Brás - São Leopoldo/RSMaio de 2013Ser Líder

Comunitário enfoque