em escolas primÁrias, habitus primÁrios

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 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL  ARTHUR RIBEIRO DIAS EM ESCOLAS PRIMÁRIAS, HABITUS PRIMÁRIOS Sociologia III: Novas sínteses teóricas Porto Alegre 20!

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Verificação do conceito de habitus de Pierre Bourdieu em uma escola infantil.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ARTHUR RIBEIRO DIAS

EM ESCOLAS PRIMRIAS, HABITUS PRIMRIOS

Sociologia III: Novas snteses tericas

Porto Alegre2015No trabalho A construo do feminino e do masculino no processo de cuidar de crianas em pr-escolas, a Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Professora Titular do Departamento de Enfermagem da Fundao Universidade Federal do Rio Grande(FURG), Vera Lcia de Oliveira Gomes, utiliza-se de conceitos empregados por Bordieu na anlise de relaes interpessoais em uma investigao que busca entender a construo de gnero em pr-escolas brasileiras. Para tal, contou com entrevistas semi-estruturadas com as cuidadoras, principais companhias adultas nas instituies, alm de observaes registradas em dirio de campo, em uma creche de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Como veremos a seguir, as propostas do socilogo francs acerca da diferenciao meio que involuntria enraizada culturalmente e, por isso, erroneamente justificada, facilmente observada nas diversas permisses prvias de atividades corriqueiras e brincadeiras das crianas, em um claro processo de endoculturao infantil com potencial reprodutor altssimo.Em escolas primrias, habitus primrios.A base das percepes acerca das relaes interpessoais comea a ser moldadas ainda na infncia. O crescimento e desenvolvimento de cada um de ns passam indubitavelmente pelas mos, ou mentes, de atores sociais de conscincia e ideias j estabelecidas, que retransmitiro suas convices nesse processo educacional, sejam eles familiares ou no. A busca por instituies fora do seio familiar para a educao infantil comeou a estabelecer-se e apresentar mais fora a partir da sada de casa da mulher, j que at ento seu trabalho, ofcio, responsabilidade, era manter o lar e ser responsvel pela educao dos filhos. Hoje, para vrias famlias, a tarefa educacional ento repassada para educadores e cuidadores de creches e pr-escolas. Aqui j podemos utilizar o conceito de habitus, afinada por Pierre Bourdieu a partir do conceito aristotlico de hexus. Prope uma capacidade de determinada estrutura social ser incorporada pelos agentes por meio de disposies para sentir, pensar e agir. Em termos durkheimianos, um cimento social, por permitir que os membros de qualquer sociedade possam aceitar sem maior resistncia os papis e lugares sociais que lhe so atribudos, engendrando as condutas indispensveis ao funcionamento da ordem e suas engrenagens, o que tambm pode ser chamado de convenes humanas, culturais e histricas.A partir das primeiras interaes, restries, aprovaes e reprovaes projetadas por outros agentes sociais, a criana vai moldando seus estigmas e preconceitos, sua autoimagem e suas percepes acerca de gnero, credo, raa, classe social, orientao sexual, etc, em sua imensa maiora das vezes, seguindo predisposies baseadas em aes geralmente conjuntas da famlia, da igreja, da escola e do Estado. E nessa hora que os esteretipos reprodutores da dominao masculina so inculcados, sob a forma de habitus primrios, que produzem e mantm prticas potencialmente ou genuinamente opressivas.A naturalizao da diferena uma parte facilmente observvel da manuteno da ordem patriarcal que vemos estabelecida desde sempre na sociedade em geral, e que dificulta uma possvel ruptura. Diferena essa que dividi-se entre aes ou atitudes de homens e de mulheres, definindo por meio de processos culturais o que natural e o que no o . Produzimos e transformamos a natureza e a biologia e, consequentemente as tornamos histricas. Por motivos bvios, o que nos iteressa aqui a construo sociocultural de gnero, e no a biolgica, no que estas sejam totalmente descartveis ou desinteressantes. Essa estrutura social naturalizada induz a uma enormidade de aes e decises inquestionveis. Assim, cabe mulher o cuidado dos filhos, do marido, e todas as atividades por vezes invisveis realizadas no mbito privado, j ao homem so atribudos quelas tarefas perigosas ou espetaculares do espao pblico, nos diz a autora, em concordncia com a apresento de Bourdieu em A dominao masculina e como colocado anteriormente. Tambm nesse mesmo livro temos na diviso sexual do trabalho outra evidncia dessa polarizao masculino/feminino em que o lado do homem considerado culturalmente superior ao da mulher, onde profisso de mesma tarefa prestigiada ao ser exercida por um homem e considerada ftil quando por uma mulher. Sobre essa ordem natural, Bourdieu prope que [...]cada vez que se diz natural, h manipulao da dominao. O discurso dominante naturaliza as coisas como elas so. Diz-se: deste jeito, sempre foi deste jeito.2 [...]ser mulher no apenas diferente de ser homem, como tambm implica inferioridade, desvalorizao, opresso. H um redutivismo que acaba por regular e encaixar atos e prticas em dois opostos extremos: masculino e feminino.Este estudo exploratrio-descritivo, de natureza qualitativa busca, ento, compreender e interpretar as aes referentes construo de gnero no campo pr-escolar de uma escola de educao infantil na periferia do municpio de Rio Grande/RS, onde so atendidas crianas entre trs meses e seis anos, divididas entre a creche e a pr-escola com referncia em suas idades. Trs cuidadoras, identificadas de uma a trs pela autora e aproximadamente cinquenta crianas participaram do exerccio de observao ou entrevista. Acreditando que as crianas da pr-escola, de faixa de idade entre quatro e seis anos, conseguiam expressar mais claramente suas aes e percepes acerca da construo de gnero, a Doutora Vera Lcia de Oliveira Gomes partiu da. O exerccio de observao ocorreu em situaes pr-definidas, como as refeies, o banho, escovao de dentes e atividades ldicas. J as entrevistas baseiam-se na premissa de que as cuidadoras so os agentes sociais de maior interao com as crianas, logo, de maior influncia em suas nuances, na formao de habitus. O roteiro foi moldado com questes semiestruturadas e previamente testadas, segundo a pesquisadora. A anlise final adota a hermenutica dialtica como referencial metodolgico como trilhadora do pensamento construdo a partir da obteno de tais dados, sua classificao e anlise final.Resultados e discussesA atuao das cuidadores sobre as crianas, vista de longe ou desatentamente, se d de forma similar para com meninos e meninas. Se por um lado so solcitas, atenciosas e carinhosas, por outro exercem sua autoridade por vezes energicamente quando necessrio. preciso um olhar mais atento e refinado para perceber as diferenas de tratamento, baseadas em justificativas biolgicas que levam o lado cultural e social em conta, onde o h uma construo social ligada ao homem e outra mulher, que diferem (ou buscam diferir) os comportamentos, numa tentativa pfia, porm de sucesso visvel ao longo da histria da humanidade No vou dizer que o homem e a mulher so iguais e que dependendo da formao que eles tiveram em casa ou na escola isso vai se tornar igual. No, no vai porque biologicamente eles so diferentes. Os meninos so mais agitados que as meninas, so menos tolerantes que as meninas. As meninas compreendem mais quando tu explica as coisas, os meninos no n, tem que falar mais de uma vez porque eles querem usar a fora, diz uma das cuidadoras, em uma clara apresentao da dicotomia empregada na relao de gneros masculino e feminino. Do masculino seria esperado mais euforia e agressividade, enquanto da menina so os comportamentos mais dceis e carinhosos. Tais comportamentos, entretanto, nem sempre so respeitados pelas crianas, em uma inverso de papis clara, se tomarmos como regra indubitvel tais comportamentos atrelados cada gnero, [...]mas existe meninas sapecas que gostam de brincar de jogar bola e de carrinho e tem meninos que so mais quietos, mais calmos que outros, diz outra educadora, que afirma observar com estranheza tais excees, que fugiriam do normal, e a que a interveno responsvel pela construo do habitus se d mais efusivamente. Tm umas guriazinhas que pedem: tia deixa eu jogar bola, deixa... Eu digo no, vamos brincar de boneca e eu pego, sento no cho com elas e tento fazer elas brincarem de boneca e casinha.[...]At no cruzar as pernas, tem uma guriazinha que cruza como homem e eu vou, digo: no, no cruza assim, tu tem que cruzar desse jeito [...], em mais outra clara normatizao e adequao de comportamentos e atitudes junto ao que manda a cartilha, onde comportamentos que perpassam de um gnero para outro so reprimidos e tentam ser extinguidos como se fossem algo abominvel, coisa que no o so. So nada mais que formas de inculcar nas crianas padres comportamentais com bases culturais sentadas no colo do patriarcalismo enraizado na sociedade. Tais diferenas acabam sendo consideradas naturais e acabam por legitimar uma relao de dominao. A prpria expresso corporal, mesmo que muda, caracterizada e jogada em um dos dois extremos. Tal forma de andar masculinizada, tal forma de sentar feminizada e no devem ser reproduzidas pelos atores do gnero contrrio sob risco de escrutnio social, numa forma particular da violncia simblica proposta por Bourdieu. Violncia esta que impe significaes, pondo-as como legtimas, de forma a dissimular as relaes de fora que sustentam a prpria fora.Essas concepes invisveis que chegam at ns nos levam uma formao de esquemas de pensamentos impensados, onde acreditamos ter a liberdade de pensar alguma coisa, sem enxergar que essa liberdade est marcada por interesses, preconceitos e opinies alheias. O socilogo afirma que uma relao desigual de poder comporta uma aceitao dos grupos dominados, no sendo necessariamente uma aceitao consciente e deliberada, mas principalmente de submisso pr-reflexiva. O corpo biolgico socialmente modelado um corpo politizado, ou se preferimos, uma poltica incorporada. Os princpios fundamentais da viso androcntrica do mundo so naturalizados sob a forma de posies e disposies elementares do corpo que so percebidas como expresses naturais de tendncias naturais, coloca o socilogo francs nA dominao masculina.H um padro de comportamento internalizado nas educadoras sob a forma de habitus, que no gera conflitos e por isso passa desapercebido. A reproduo de tais condutas a contribuio das instituies de ensino para a manuteno de tal ordem social, para a continuidade dessa dicotomia homem/mulher.H, ainda, uma presso do prprio grupo contra a transgresso de tais comportamentos. A pesquisadora relata uma observao na qual um menino diz estar fazendo um bolo de chocolate, quando interpelado por um coleguinha que, rindo, pergunta: tu faz bolo?, ao que o outro nega imediatamente e afirma estar fazendo uma moto, resposta no suficiente para o amigo, que o chama de mulherzinha. Outra: na fila do banheiro, uma menina ousa trocar de fila, e prontamente surge um coro que a chama de homenzinha. A menina , ento, conduzida pela educadora de volta para sua fila. Hbito que tambm observado nas cuidadoras, em ocasio que um menino cala um sapato feminino e chamado de bitoca pela responsvel, o que faz o menino retirar imediatamente o sapato, ao que a cuidadora ainda comenta: ainda bem que teus colegas no enxergaram.Assim, as oportunidades para questionar, junto s crianas que frequentam a pr-escola, os padres preestabelecidos de masculinidade e feminilidade, vo naturalmente sendo perdidas, e a reproduo das diferenas vai sendo incorporada desde as primeiras etapas do processo educacional., coloca a pesquisadora. A reproduo da ordem dos gneros aplicada crianas inquestionvel. Ainda que Bourdieu tenha trabalhado nesse campo com maestria, ele nos oferece uma teoria que, do ponto de vista poltico, esteriliza as possibilidades de mudanas: como quebrar a dominao masculina se ela est to imbricada no nosso inconsciente e nas formas mais simples de organizao do pensamento e da linguagem?

REFERNCIAS- GOMES, Vera Lcia de Oliveira. A construo do feminino e do masculino no processo de cuidar crianas em pr-escolas.Texto contexto - enferm.,Florianpolis , v. 15,n. 1,p. 35-42,Mar. 2006- Bourdieu, P. A dominao masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 1999.- Louro GL. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-estruturalista. 2a ed. Petrpolis: Vozes; 1998.- Bourdieu P. Pierre Bourdieu entrevistado por Maria Andra Loyola. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2002.- Scott J. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao e Realidade. 1990 Jul-Dez.; 16(2):5-22.- SOUSA FILHO, A. Cultura, ideologia e representaes. In: Maria do Rosrio de Carvalho; Maria da Conceio Passeggi; Moises Domingos Sobrinho. (Org.). Representaes sociais: teoria e pesquisa. 1 ed. Mossor: Fundao Guimares Duque/Fundao Vingt-un Rosado, 2003, v. 1376, p. 71-82. ISBN 85- 89888-01-0