educação vadiagem e discursos juridicos
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EDUCAÇÃO VADIAGEM E DISCURSOS JURiDICOSBrasilSéculo XIXTRANSCRIPT
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IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL
Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5
2091
EDUCAO,VADIAGEMEDISCURSOSJURDICOS:ACASADEDETENODACORTECOMOESPAOEDUCACIONAL(18801889)
JailtonAlvesdeOliveira
[email protected](UERJ)
ResumoOpresentetrabalhotemcomoprincipalobjetivodiscutircomoaantigaCasadeDetenodaCorte,idealizadaparaserumlugarparapresoscorrecionais,podeserconsideradacomoumespaodeeducaoparamilharesdehomens(livreselibertos),mulheresecrianas,queaselitesimperiaisconsideravampertencentesaomundodarua,portantoeramvadiosempotencial.Para tanto,concentramonosemperceber imbricaesentreeducao,vadiagemeainstituio,emdiscursos jurdicosdoperodo imperial,sobretudoemdispositivos legaiscomooCdigoCriminaldoImprioeoCdigodePosturasMunicipais.ApartirdasanlisesdoRegulamento,destinadoaobomfuncionamentoda instituio, e dos Livros deMatrculas deDetentos eDetentas, percebemos tentativas de educar os presos,produzindo comportamentos desejveis e incitando a produtividade a partir do trabalho nas oficinas internas.Cumpririam,assim,umpapel importantenaconstituiodeuma sociedademaiscivilizada.O referencial tericometodolgico est imbricado com asnoesde poder disciplinar, propostas porMichel Foucault.Nesse sentido,tentamospercebercomoasrelaesdepoderintraeextramurosconstituamfatorescivilizatrios,educacionais,paraosconsideradosvadios.ApartirdasanlisesdosLivrosdeMatrculas,tentamosconstruirosperfisdospresosquederamentradanainstituio.Palavraschave:Educao.Vadiagem.Priso.
1Consideraesiniciais
Koselleck (1999), problematizando a respeito das contribuies da crtica da razo aos
movimentossociopolticosdoregimeabsolutista,salientaqueaexpansodapolticaburguesa,a
partir do sculo XVIII e para alm do continente europeu, com uma filosofia do progresso,
propiciariaao restantedahumanidadeumaespciedecaminhada rumoaum futuromelhor
(p.12). Os conceitos foram sendo construdos ao longo do tempo, no sentido de dirigirem
humanidadenos caminhos doque tem sido cunhado como civilidade,prosperidade, ordem e
progresso.Umaespciedesolidez,queatravessandoossculos,continuaadeslumbraratodos.A
ideologia da modernidade est alicerada na ideia de que, com a fragmentao, possvel
compreenderavida.Noentanto,comopassardotempoarepresentaodeumamodernidade
slida foi cessandode existir, chegando aos nossos dias como uma espciede modernidade
lquida (BERMAN, 1997, p.55), onde tudo voltil. As relaes humanas no seriam mais
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tangveis.Avidaemconjunto familiar,decasais,degruposdeamigos,deafinidadespolticas,
entreoutrosperderiamconsistnciaeestabilidade.
Para Santos (2010), os contextos gerados pela expanso europeia atualizase
permanentementesobformasvariadas(p.32),emtemposeespaosdiferenciados.Omovimento
expansionistaeuropeu,iniciadonosculoXV,podeserconsideradocomooelementoprincipalna
formaodoqueconhecemossobremodernidade,globalizaoemodernizao.As identidades
americanas ao Sul do Equador foram sendo construdas a partir de construes ideolgicas
Ibricase,nesse sentido, civilizao,nao, cultura, raa,etniae tribos (p.33) foram apenas
algumasdessasconstruesideolgicas.ParaDeCerteau(1994),oseuropeus,apsasconquistas
das novas terras, procuraram escrever a histria (p.63) dessas a partir da construo de
representaes que as legitimassem. O Novo Mundo teria sido uma espcie de pgina em
branco (loc. cit.),ondeoseuropeusescreveram todoum quererocidental (p.64). Incluiros
americanos na histriaoficial europeia significava exclulos do direito de reviver e legar suas
memriasehistrias,anterioreschegadadoscolonizadores.
Ahistriaeuropeizadaapontaparafatodoscolonizadoresportuguesesteremconstrudo,
em solos tupiniquins, um sistema econmicopoltico complexo onde os protagonistas foram
homensbrancosque implantaram as suasestruturas globais [...]enredadase coexistentesno
espaoenotempohierarquiadeclasse,tnicoracial,sexual,espiritual,epistmica,lingustica.
(GUAS,2011,p.38).Transformandocolonizadoembrbarooseuropeusdesejaramimporoque
consideravamsercivilizado.
Osdiferentesprocessosdeassimilaodosideais liberaiseuropeus,ligadosquestoda
modernidade,encontraramsolofrtilnoBrasilImprio.Vainfas(2002)assinalaqueasdiscusses
sobreo termoestiverampresentesentreestudiososnacionaisque sedebruaram, apartirda
dcadade1970,sobreestudosda[...]independnciaedaformaodoImprio(p.476).Havia
umgrupoqueapoiavaanoodequeoliberalismoestavaforadolugar(loc.cit.)noBrasilpor
serincompatvelcomamanutenodaescravido(loc.cit.).Poroutrolado,estariamaqueles
quedefendiamaideiadeumliberalismonumasociedadeescravista,porterseneleancoradoa
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formaodo Estadoedaprpriaescravido (loc. cit.).Noentanto, assim comona Europa,1o
processodamodernidadenopasfoimltiploedescontnuo.Osliberaiseconservadores,quese
revezaram no poder central durante todo o Imprio, percebiam o liberalismo de formas
diferentes.Paraosprimeiros,liberalismosetornaraumimpassepornoconseguirresolvercomo
dariamsentidoescravido.Osconservadoresafirmavamasdesigualdadesnaturais,emdotese
habilidades, entre os seres humanos, as quais [...] legitimavam as desigualdades (loc. cit.).
Portanto,concluiVainfas,adiscusso finalnoestariaem tornoapenasdaimplantaoouno
dessas ideias liberaisauma realidadeescravistaesimda[...]diversidadeecomplexidadeque
marcaramoiderioliberalemterrastupiniquins(p.477).
Adinmicadamodernidade,noentanto,comeariaasofrer,apartirdasegundametade
dosculo,umprocessoinverso.ParaOliven(2001),essadinmicadamodernidadeconsistiuem
importarmodusvivendieuropeu.Noentanto,sobdiversosaspectos,essemecanismofoisofrendo
umreversoquandointelectuaiseaselitesvalorizamoqueseriamaisautenticamentebrasileiro
(p.3).Noentanto,avalorizaodonacional tambmesteve,segundooautor,envolvidacoma
importaodaculturaeuropeia.Retratavase,porexemplo,ondiodotipobomselvagem(p.4),
quandonaverdadeapopulaoindgenabrasileirajsofriahmuitoasconsequnciasdocontato
com o homem branco. Nesse caminho, o termomodernidade, a partir dessemomento, em
virtude da liberao de capitais do comrcio negreiro e a consequente possibilidade de
investimentosemoutrossetoreseconmicos(Vainfas,op.cit.p.477),ganhariaoutrosignificado:
modernizao. Os investimentos financeiros feitos no pas, expanso cafeeira no Vale do
Paraba, a consolidao do Imprio, a ampliao gradativa do trabalho livre, justificariam essa
posio.
O pas, com todas essas transformaes econmicas, teria sado do marasmo dos
primeiros decnios do sculo e aparecia como tendo escolhido o seu destino, o de um pas
essencialmenteagrcola (LINHARES,1979,p.150). Apartirda segundametadedo sculoXIX,
inmerastransformaesjeramtangveisnasociedadebrasileirarelacionadas,particularmente,1 Vainfas acredita queo liberalismo europeunasceumltiplo e contraditrio. Sendoo processo de formao dasociedade burguesa marcado por ritmos diversos e descontnuos. Acrescenta, com isso, que a implantao doliberalismonas sociedades coloniais sofreu reinterpretaes. Consultar: VAINFAS, Ronaldo. Dicionrio do BrasilImperial,18221889.RiodeJaneiro:Objetiva,2002,p.476.
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expanso do capitalismo e aoprocesso deurbanizao. A lei doVentre Livre, a crescente
chegadadetrabalhadoresestrangeiros,aconstituiodopartidoabolicionista,ascensoedeclnio
daproduodocafnoValedoParaba,o fimdaguerradoParaguai,aspressesdediferentes
setores, a resistncianegra, alteraram significantementeo comportamentodo Estado imperial
queseviudiantedainadiveldecisodeporfimaosistemaescravistanopas.
AcidadedoRiodeJaneiro,nadcadade1870,eraconsideradaa[...]maisrica,populosa,
comerciale industrialde todoo ImprioedaAmricadoSul.2Acorte foiembelezada:muitas
ruas caladas, implantao de redes de esgotos, criao de servios de limpeza pblica e de
transportesurbanos,iluminaoags.Somaseaissoachegadadeempresasindustriais,bancos,
caixas econmicas, companhias de navegao a vapor e companhias de seguros que foram
instaladas (BENCHIMOL, 1992). Os espaos geopolticos da cidade haviam se transformado,
permitindoouproduzindo relaesambguasondehomens livres,escravos fugidoseaoganho,
alforriadosmisturavamseacomerciantes, intelectuaisepolticos. Acidadecivilizadapromove
encontrodosdesiguaisevaisendoconstitudacomolugarperigoso.Amodernidadedopaseda
cidade contribuiu,dentreoutras coisas, com a faltade integrao social (PECHMAN, 2002). A
cidadecorteeraumlugarparaencontrodosdesconhecidos(FAORO,2001,p.187).
2Relaoentrevadiagemecrime
Michel Foucault (2003), em seus estudos sobre a verdade e as formas jurdicas,
particularmentenoscasosdaFranaeInglaterra,diztersurgidoumfenmenoquedenominoude
espectrodapericulosidade(p.28),emsociedadesquedenominoudedisciplinares(p.29).Esse
fenmenoteriaacontecidoemvirtudedacrescenteurbanizaodascidades,emconsequnciado
desenvolvimento do capitalismo. Queria demonstrar como, a partir desses dois fatores,
determinadossujeitoseuropeusforamsendoincludosemummundodapericulosidadesemque
tivessem cometido algum crime. Por serem considerados perigosos ordem vigente, j eram
criminososempotencial.Todaapenalidade,aindasegundoFoucault,apartirdeento,passariaa
2BorjaCastro,diretordasobrasdaAlfndega,falandosobreocrescimentodacidadedoRiodeJaneiro.Consultar:BENCHIMOL,JaimeLarry.PereiraPassos:UmHaussmannTropical.1ed.2tiragem.BibliotecaCarioca,1992,p.49.
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terumcontrole,no tantosobreseoque fizeramos indivduosestemconformidadeouno
comalei,masaonveldoquepodemfazer,doquesocapazesdefazer,doqueestosujeitosa
fazer,doqueestonaiminnciadefazer(p.30).ApartirdosculoXIX,aindasegundoofilsofo,
ocrimepassaano teve termaisnadahavercoma faltamoralou religiosa;eocriminoso
aquelequedanifica,perturbaasociedade (p.31).Ocriminosoo inimigosocial.O indivduo,
nessasociedadedisciplinar,precisaservigiadoporqueeleumsuspeitoempotencial;deveser
controlado,paraquenovenhacometernadaquefujaordemvigente.Odiscursojudiciriono
visa,comoantes,castigarocriminosocomvistasaumasupostarecuperao,massimexercerum
controleindividualsobreohomem.
Naordemliberalosatossetransformamemautos(NOGUEIRA,2007p.15). Aruptura
polticadePortugal representavaparaoBrasil apararos resquciosdeumpassado coloniale,
ancorados por ideais liberais de igualdade, fraternidade, trabalho, ordem e progresso, novas
formasderepresentaesforamdesencadeadasnosentidodedeslocamentosdecolnianao.
As elites nacionais, que tomam posse do aparelho polticoeconmico, procuram incluir os
cidadospassivosnessemodelodenao.Modelo,porm,estranhoaessacamadadapopulao
uma vezque, sem cidadania, tinhaquepreencheros requisitosexigidospelos vriosdiscursos
apresentadossociedade.Noentanto,construirumanaosignificavatambmmonopolizarno
apenasocomrcio,mastambmossditos.Paratanto,osdiscursosdeverdadeeramproduzidos
no sentido de controlar e reformular todo o espao urbano e rural do pas, procurando a
constituiodeumaunidadenacionalondeaeliteagrriapudessecircularnosespaosmuitobem
distintos,ordenadosehierarquizadosdacidade.
EmboranosculoXIXaindanoexistissem formasdeproduocapitalista,massimuma
inserodoBrasilemumquadrodeeconomiamundial,muitoparticularmenteapsaaboliodo
trfico transatlntico,a importaodos ideais liberaisdeprogresso, igualdade,tica, trabalho,
estavampresentesnoquadrosocial,poltico,culturaleeconmicodopas(NEDER,1995,p.39).
Idealizarummercadode trabalhonacionalestavadiretamente ligadocomaquestodanao,
pois ambos deveriam vir acompanhados de uma populao adestrada, trabalhadora, til,
produtivaedcil. Transformar vadioem sujeitotileprodutivopassou a serumdos grandes
problemas das elites nacionais. Ideologicamente, viuse uma diviso entre os mundos do
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governo, trabalhoe rua.Esoessesltimos, tidos comoperigososque, invariavelmente,vo
darentradanainstituio.
A construo ideolgicada figura do vadio esteve intimamente ligada com a tambm
produoideolgicacapitalistadoquesignificava trabalho.Souza (2004) lembraquenosistema
deproduocapitalistaotempoprecisaestardisponvelparaotrabalho(p.123)eoesseparao
mercado. Portanto, trabalho, produo e ociosidade estariam intimamente ligados.No Brasil
imperialo trabalhoera concedido como coisaparaescravo,portanto somenteaselites tinham
direito ociosidade. Eosbrancospobres,quenoeramescravosenem senhores,queviviam
soltos pela cidade em busca de ocupao, bebendo em bares, conversando em voz alta, em
ajuntamentos,eramvistoscomoperigososaordem.Nessesentidoasdiferentesregulamentaes
postasemprticaaolongodosculovoprocurarnormatizarocomportamentodessessujeitos.
Anecessidadedepoliroscomportamentosdosconsideradosvadiosestavaimbricadacom
o fatodaselitesnoos considerarempertencentes aomundodo governoenemdo trabalho.
Numasociedade,ondeo trabalhodesprezadoevistocomocoisaparaescravo,ocioestava
disponvel apenas para os pertencentes boa sociedade. Qualquer outra manifestao de
trabalhoera imediatamente combatidaequalquerdesviodessaordemdeveria serpunidoeo
infratorreiteradoaopadrodominante.Aaceitaodessarealidade,construdaideologicamente
pelaselites,acabavapordarsignificadoaomundosocial,legitimandooetendoocomonaturale
espontneo (PINTO, 2011, p.102). Na cidadecorte, portanto, podiase perceber amarca da
convivnciaentreosmundosdavisibilidadecomodamisria,dolixo,doodoredomercadode
peixes(p.103).Acorte,constituiopolticadoimprio,eacidade,constituioadministrativa,
interagiam,masno se confundiam. Ohomembranco,pobree livre, ao semovimentarpela
cidadeembuscadeocupaooudo seuprprio sustento,acabavapor ser considerado como
quemandavaa[...]vadiar,istoandaociosamentedeumaparteparaoutra(PECHMAN,op.cit.,
p.65).
FariaFilho (2003),em seusestudossobreapolticaautoritriabrasileiraeasuaestreita
relao do povo, parte do princpio de que as propostas educativas estiveram vinculadas
necessidadedeseconstruirumanaonostrpicos.Asfontesutilizadasderamaelepistassobre
diferentesmovimentosinteressadosemgarantiraordemvigente,apartirdaeducaodasclasses
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ditasperigosas. Aeducaoeravistacomo formadesubservinciadessessujeitosenocomo
formadeemancipaosocial.Aideologiadavadiagempassavapelanecessidadedamanuteno
daordemescravocratavigente.Aartedepreveniredecurar,comonoslembraFoucault(2004),
no caso do Brasil imperial, estava imbricada com a necessidade de educar uma populao
consideradaperigosaordemvigente.Aconcepodepunioapontaparaideiadepreveno,
ouseja,preveniromalseriaasoluoparaseevitarcrimes.Oscdigosdeveriamapontarpara
um ideal civilizatrio. Nesse sentido, assumem carter correcional e preventivo de ordem e
seguranapblica.Umconjuntodeordensqueestabelecemregrasdecomportamentoeconvvio
deumadeterminada comunidadee sociedade,portanto, assumemumaesferanormativa.Aos
brancospobreselivres,portanto,aeducaoseriaimpostapeloshomensdaboasociedade3a
partirdeumaortopediasocial(p.89).
Quandopensamosarespeitodascondiesdeproduodeumdiscurso,somoslevadosa
consideraroqueafirmaFoucault:
A produo do discurso ao mesmo tempo controlada, selecionada,organizada e redistribudapor certonmerodeprocedimentosque tmporfuno conjurar seus poderes e perigos, dominarem seu acontecimentoaleatrio[...](FOUCAULT,op.cit.,p.9).
Para o filsofo, o discurso no simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o
desejo; tambmaquiloqueoobjetododesejo (p.10). Seria, segundoele,aquilopelo
quese lutaopoderdoqualnosqueremosapoderar (p.11). Discursosque,dentreoutros,
podemserentendidoscomoconjuntode leis,decretos, regulamentos,edemaismecanismos
de controle social. Nesse sentido, procuramos perceber como esses cdigos jurdicos
contriburam educao dos homens brancos pobres e livres.O que silenciavam? A quem
desejavamalcanareproteger?Comoeporqueforamproduzidos?
NoBrasil imperial,oscdigosdePosturas (1838)eoCriminal (1830) surgemapartirda
necessidadedeumnovodelineamentojurdicoquedessecontadasrelaessociais,deproduo
edeumanovaordemnascidades.Oidealcivilizatrio,desejadoparaopasdesdeostemposda
3AExpressoprocuradesignarareduzidaeliteeconmica,polticaeculturaldoImprio,quepartilhavacdigosdevaloresecomportamentomodeladosnaconcepoeuropeiadecivilizao.Consultar:VAINFAS,Ronaldo (org.).op.cit.,p.95.
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psindependncia, trazia consigo a higienizao de todo espao urbano, fosse de cortios,
logradouros; de vadios e prostitutas; dosmendigos e demais personagens da cidade. Polir os
comportamentos requeria no apenas a polcia,para polir,mas tambm a construo de um
aparato administrativoburocraticojudicirio que tomasse como parmetro os modelos de
dominaopresentesnosestadosnacionaisburgueseseuropeus.Modelofundamentadoemuma
concepo liberalde Estado e de justia, e que serviria de base ideolgica e poltica para a
construo do Estado e da formao social brasileira (NEDER, op.cit.p. 46). Podese pensar,
portanto, que as instituies judicirias estiveram mais empenhadas em enaltecer trabalho e
disciplinadoqueproduziremumaaojudicialqueestivessepreocupadacomaregeneraode
presos.
Freire (1999) lembra que o processo civilizatrio deveria ser iniciado pelas famlias
brasileiras e, nesse caminho, a famlia urbana carioca oitocentista, na luta a favor da
construodeumestadoforte,deveriaseruma famliaprontaaamaroEstado,ouseja,uma
famliaestatizada. Rago (1999)destacaqueno sculo XIX apreocupaodosdiscursosdos
mdicosbrasileirossedeslocadosodoresdaterra,daguaestagnada,dolixodoquechama
de odores da misria (p.87) fedor do pobre e sua populao infecta: Deslizamento da
vigilncia olfativa da natureza para o social, do exterior para o interior, que deduz uma
estratgica disciplinar na qual desinfeco e submisso so assinalados simbolicamente: o
sonho de tornar o pobre inodoro sugere a possibilidade de construir o trabalhador
comportadoeprodutivo(loc.cit.).
O Cdigo de Posturas da cidade do Rio de Janeiro (1838), como um conjunto de
discursosjurdicos,objetivavaorganizar,separar,dividir,paramelhorcontrolarosmoradores
nosdiferentes cantosdacidade.Encontramos consideraesquantosadepblica,polcia,
calamentos, trfegoda cidade,pinturasemplacamentodas casas, tamanhodosmurosdas
residncias,prdioscomerciaisepblicos.
Todos os habitantes desta cidade sero alistados nas freguesias de suasresidncias. Todos os chefes de famlia deveriam listar seus habitantes comnome, ocupao, nome da rua, nmero, parentes, agregados, escravos,idades, empregos, e estados de origem. Eles, os chefes, assignam e soresponsveispelosdados.Ochefedequarteirocomumacpiaeoutroparaojuiz.EumaoutranaCmara(CDIGOSDEPOSTURAS,op.cit.,p.124).
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Assim, os moradores da cidade tambm deveriam ter seus nomes e demais dados
arroladosemlivrosde registros.Sobumolharhierrquicoquecontavacomaparticipaodo
MinistrodaJustia,dojuizdepaz,dochefedepolcia,dochefedequarteiroedoinspetorde
quarteiro.Livros,mapase relatrioseramusadosparaesquadrinharosespaos,classificare
distribuircadamoradorou forasteironosdiferentescantosda cidade.Nada fugiaaoolhar
desses mecanismos de controle. Esse aparato servia para cadastrar moradores e recm
chegados cidade. E eram os inspetores de quarteires, ltimos da hierarquia citada
anteriormente, os homens responsveis pelo cadastro e controle de todos os moradores.
Existiam tambmmapasparacontroledeforasteiros,ouseja,paravisitantesquechegavam
cidade para visitar parentes ou simplesmente para procurar trabalho. E qualquer um que
desejassemudardeveria se apresentar ao inspetorparaqueesse lhedeuma guiaemque
declareseunome,nmerodacasaqueresidiaeaquevaimorar(Ibid.,p.125).
TodaPessoadequalquersexo,corou idade,que forencontradavadio,oucomotalreconhecida,semoccupaohonestaousufficienteparasuasubsistncia,sermultadoem10$000,esoffrer8diasdecadeia,sendopostaemcustodiaatadecisodoauto,edepoisremetidaaochefedepolciaparalhedardestino(Ibid.,p.127).
OCdigoassociavadesocupado,oumesmo trabalhadores, figurado vadio.Alertava
para que nenhuma pessoa tivesse uma casa ou loja de comprar e vender trastes e roupas
usadas, semqueassine termonestaCmaradeno comprarnadadeescravosoudepessoas
suspeitas(CDIGODEPOSTURAS,1870,p.167).DiferentementedaEuropa,ondeosmeiosde
produocapitalistaesboavamodesejoporumtipodetrabalhadorlivre,noBrasilimperialo
perigoso ordemeram todosqueno se inserissemnos padresde trabalhoditadospela
obteno do lucro imediato (SOUZA, 2004). Era obrigao dos diferentes inspetores de
quarteires registrarem,nosmapasdemoradores,quaisquerdesconfianas,quehaja sobre
suaconduta,osociosos,osvadios,osbbados,mendigos,ossemprofisso,turbulentos[...]e
achando desconfiana proceda sobre elles como perturbadores pblicos (CDIGO DE
POSTURAS, 1870, op.cit., p. 179). Atitudes, antes consideradas corriqueiras, passam a ser
marginalizadas. No se podia mais perturbar o sossego pblico nas horas de silncio, com
gestos,palavres,vozerias,assobios[...](p.180).
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Tendo vigorado entre 1831 e outubro de 1890, o Cdigo Criminal do Imprio (1830),
imbudo pelo ideal de modernizao do sistema jurdicopenal, veio em substituio s leis
contidas no livro V dasOrdenaes Filipinas que, emboramuito alteradas, aindamantiveram
algumasdisposiesemvigncianoBrasilatoanode1916,quandodapromulgaodoCdigo
Civilbrasileiro(FILHO,1996).Juridicamente,oCdigoumaobservnciadaConstituioImperial
de1824quepreviaaconstituiodeumCdigoCriminal,fundadonasslidasbasesdajustiae
daequidade(CDIGOCRIMINAL,op.cit.,p.107).Nocampodasideologias,oCdigofoibaseado
nas ideias liberais, iluministas, onde a escola classista de Beccaria teve grande participao e
influnciasobrenossoslegisladoresimperiais(NEDER,2000).
Os discursos encontrados no Cdigo Criminal do conta da necessidade ordenar uma
camadapopulacional, com intuitoseducacionais.O simples fatodeno tomarumaocupao
honesta,tildequepossasubstituir[...]erasuficienteparaenquadrarqualquerumnomundo
da vadiagem,poisdepoisde [...] ser advertidopelo juizdepaz,no tendo renda suficiente,
penadeprisocom trabalhodeoitoavinteequatrodias, simplesmentepor servadio [...].
(CDIGOCRIMINAL,op.cit.,p.110). E continua apedagogiaeducacionalquando informaque
haverpenadeprisocom trabalhosegundooestadode forasdomendigo,deoitodiasa
um ms, por estar simplesmente andar mendigando (p. 111). Interessante notar que o
Cdigo no especifica claramente se o criminoso um vadio. Apenas trs formulaes
subjetivas sobre quem deveria ser o criminoso. O crime definido como toda aco, ou
ommissovoluntriacontrrias leispenaes (p.117)eoscriminosossoososautores,os
que commeterem, constrangerem ou mandarem, algum commeter crimes (loc.cit.). Os
decretosquecompemcategoriadecrimepolicial,porexemplo,sodestinadosamantera
civilidade e os bons costumes (SOARES, 1994) e isso inclua perseguio a vadios,
desordeiros,capoeiras,prostitutasesociedadesecreta(p.85).
OCdigoCriminalfoioresponsvelporcriminalizaravadiagem.Associaafaltadetrabalho
oumendicncia,figuradovadio,doperigososocial,daquelequesupostamenteburlariaopacto
social.Oespectrodapericulosidade recai,ento,sobreaquelequeno temocupaocertaou
viveperambulandopelasruassujas,becosevielasdacidade.Odesocupado,agoraoficialmente
transformadoemvadio,passouavigorarnoroldasprisesmaisfrequentesregistradasnosLivros
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de Matrculas. O Cdigo Criminal, corroborando com o Estado no sentido de civilizar pela
produodeumcomportamentoconsideradodesejadoordemconstituda,permitequeapolcia
prenda emande para aCasade Detenoda Cortemilhares de transeuntes pertencentes ao
mundodadesordem.
3Oespaoeducativoparaosvadios
Emquantono forconstrudooedifcioparaaconstruodaCasadeDeteno,servirparaeste fimapartedoprimeiroRaiodaCasadeCorreoqueseachadesoccupada,contandodasmansardaseandartrreo[...]Asmulheres,escravosemenores sero recolhidos em prises separadas, guardadas as convenientesdivises(COLEODASLEISDOIMPRIO,1856,p.294).
ACasadeDetenofoicriadaeinstaladanasdependnciasdaCasadeCorreodaCorte,
atualPenitenciriaLemosdeBrito.4Ela faziapartedocomplexopenitenciriodo Imprio5e foi
criadaparasubstituiroAljube.Emborapudesseabrigarpresoscondenados,suaprincipalfuno
era manter detidos aqueles que ainda no tivessem sido condenados ou tivessem cometido
pequenosdelitossempena.
Houve apenas, durante o Imprio, mais um decreto modificando o regulamento da
instituio (COLEODASLEISDO IMPRIO,1881).Noentanto,nohouvemuitasmodificaes
emrelaoaoanterior.Apenasdeterminavaqueodiretorfossechamadodeadministrador,eque
suasatribuiesevantagens fossemmantidas. Outrasalteraes,noentanto, foramdecarter
administrativo,comoamudanadasatribuiesdomdicoeasupressodefraseserevogao
deartigosdodecretoanterior(Ibid.,p.154156).
Ainstituionoteveumasedeprpria,bemcomoumRegulamentoprprio.ODecreto
de criao informa que [...] Sero aplicveis ao regime econmico e disciplinar da casa de
deteno asmesmas regras e disposies estabelecidas ao regulamento da penitenciria [...]
(COLEODAS LEISDO IMPRIO,1856,op.cit.,p.295). Duas condiesdiferentesdividindoo
mesmo espao prisional. Aproximados pela lei, esses espaos simblicos diferenciamse pela4AtualmenteainstituioencontraselocalizadadasdependnciasdocomplexopenitenciriodeBanguI.Disponvelem:.Acessoem:15dejaneirode2012.
5AtransfernciadaprisodoCalabouo,em1874,paraasdependnciasdaCasadeCorreofezcomqueoRiodeJaneiropassasseaabrigarumcomplexopenitencirio,compostopelasCasasdeCorreo,DetenoeoCalabouo.
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condio socialdos seushabitantes,pela relaode trabalhocioentreos apenadoseosque
aguardavamdeciso judicial. Foucault (apudNOGUEIRA,2007,p.11),problematizando sobre a
questodaheterotopia,dizqueexistemduas,ouseja,adecriseededesvio.Aprimeiraseriaa
dos lugaresprivilegiados; reservadosa indivduosqueestoemvistados lugaresemquevivem
numasituaodecrise.Asegundadiz respeitoaos indivduosdesviantesem relaosnormas,
queestoemprises,hospitaiseemcasasderepouso.Aprisocomoumlugardeheterotopia,
constituise um lugar visvel; um lugar que, atravs de seus regulamentos, busca separar,
classificar,ordenar,orientareanalisar.Ospresos,adespeitodotempoedocrimecometido,eram
submetidos aos mesmos mecanismos disciplinares. Eram submetidos aos mesmos rituais de
passagem.
ParaFoucault(2004)avigilnciahierrquicaeasanonormalizadoracombinadascomum
procedimentodeexameformaminstrumentosaosquaissedeveosucessodopoderdisciplinar.O
exame exerce [...] uma vigilncia que permite qualificar, classificar e punir [...] (p.155)
estabelecendo,nesse sentido,umavisibilidade constante sobreos indivduos fazendo comque
sejamdiferenciadosesancionados.Portanto,noregimedisciplinar,deveseformaremtornodos
presos,[...]umaparelhocompletodeobservao,registroenotaes,constituirsobreelesum
saberqueseacumulaecentraliza(loc.cit.).
Logoaochegarospresoseramclassificadosdeacordocomoscrimescometidos.Osque
cometiamdelitosmaisbrandosouaindanotinhamsidocondenadosficavamnoprimeiroandar,
enquanto os presos condenados por qualquer delito, os de comportamento violento, os
condenadosmorteeosacometidosdedoenascontagiosas ficavamno trreo.Poderiahaver
ainda,outrasdivisesentreospresosqueo textonomeiacomoconvenientes (COLEODAS
LEISDOIMPRIO,1856,op.cit.,p.295).Otermo,noentanto,serefereposiosocialdodetido,
deixandoclarohavertratamentodiferenciado,poisaodarentradanainstituioopresopassava
porumatriagemcompostapordoisitens:averiguaodocrimeeacondiodopreso(Ibid.,p.
296).O objetivodamesma seriadiscriminar osdetentosque iriam para este ou aquele lugar
dentroda instituio.Aexpressocondiodopreso (p.297), queprimeiravista remeteao
fato de ser homem ou mulher, escravo ou livre, nacional ou estrangeiro, pode tambm dar
margemseparaopelaorigemsocialdaquele.Ofatodeumpresopodermanterumescravoou
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criadodentrodaprisosconfirmaessahiptese,bemcomoaautorizaoque tinhamalguns
presosparatomarvinho.
Quantosatisfaoenecessidadesbsicasdospresoshaviaduascategorias:sustentados
porsuaprpria famlia (p.298)ousustentadospeloEstado. (loc.cit.). Osprimeiros recebiam
alimentao, vesturio, roupa de cama e utenslios de higiene pessoal a expensas de seus
familiares,somenteemhorriosdeterminadospelainstituio;ossegundosdeveriamsedeclarar
pobres,oquelhespermitiareceberuniformeedemaisobjetosnecessrios,almdaalimentao.
Essainclusodospresosnainstituiopareciaumareproduodalgicapraticadanasrelaesno
espaogeopolticodacidade.Umaespciedeinclusopelaexcluso.
Muito embora fossem separados pelosmotivos do crime, correcionais e apenados, na
prtica,acabavammesmopordividiramesmacela.Eissopoderiaserporumdiacomoporanos.
Barbosa(apudChazkel),aovisitarainstituionaprimeiradcadadosculoXX,dcontadeum
lugar problemtico e que envolviam a convivncia entre crianas, rapazes do comrcio e
vendedoresdejornais(p.16).Umdadointeressantequenostrazofatode,emcertomomento,
relatarquesvezes19homenscondenados [...] (p.17)dividiamamesmacela.Os jornalistas
OrestesBarbosaeErnestoSenna(apudChazkel,op.cit.),quevisitaramainstituionasprimeiras
dcadasdosculoXX,docontadeumavidasocialvibrante6dentrodainstituio.Umaespcie
de microcosmo da cidade (p.18), onde se encontra comrcio, jogo do bicho, autoridades,
poltica,bagunas,amores,eatmesmoliteraturaemocional(p.19).
NasltimasduasdcadasdoImprioaCasadeDetenodaCorteeraconsideradaapriso
mais importante da cidade, pois era para l, e no para as cadeias da cidade, que a polcia
encaminhavaaesmagadoramaioriadaquelesquecaamnamalhafinadopoderjurdicojudicirio
(HOLLOWAY, 1997).No anode 1885, por exemplo, os livros de registros de presos acusam a
entradadeaproximadamenteoitomilequatrocentospresos,emumainstituioidealizadapara
comportar apenasduzentos. Para resolveroproblemade superlotao,que acompanhava as
cadeiasdacidadedesdeostemposcoloniais,odiretordeveriaficaratentoparaque[...]nenhum6 No ultimo livro de registros de presos do regime imperial, como exemplo de caso, encontramos 662 prisesefetuadas.Dessas,70presos,maisde10%,ficarammaisdeumaanopresosna instituio.Denotando,portanto,queolocalnoeramesmodepassagem.Consultar:FundoCasadeDetenodoRiodeJaneiro.LivrosdeMatrculasdePresosdaCasadeDetenodaCorte.Notao61,p.01250.
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preso ficassemaisdeoitodiasdetido semque seuprocesso tivessedado incio (p.225). No
entanto,ajulgarpelonmeroelevadodepresosqueficaramanosaesperadejulgamento,dentro
dainstituio,podemosdeduzirqueessatarefaficouapenasnocampodateoria.JooRottas,n
3655,branco,31anos,naturaldaGrcia,casado,ostreiro,foipresonodia24deoutubrode1889
esoltosomentenodia30dejaneirode1891.JoodaSilva,n3656,22anos,vulgobranquinho,
solteiro,carregador,sabialereescrever,presonomesmodiadeJoo,massoltosomenteumano
depois.ManoelRottas,n3654, vulgo gregodasostras,26 anos,naturaldaGrcia, solteiro,
presonomesmodia24,sfoisoltonodia17dejaneirode1891.7Ouseja,maisdeumanoapsa
suapriso.Soapenasdoisexemplos,devriosoutrosencontradosnosregistrosdoslivros,que
nosajudamaconfirmarahiptesedequerealmentehouvedistanciamentoentreteoriaeprtica.
Ocasodasuperlotao incomodouoMinistroda Justia,preocupadocomoestadode
civilidadenopas (p.229),que solicitou sdemais autoridades [...] a construodeumnovo
prdio [...]. (loc. cit.).Noentanto,oproblemano foi resolvido. No anode1888,omesmo
Ministro, solicitou s autoridades judiciais para que as pessoas presas fossem formalmente
acusadasdecrimeouliberadas(p.230).Esseepisdionosdalgumamargemparapensarcomo
asautoridades judiciais tinhamconhecimentodequeainstituionoeranecessariamenteum
lugardepassagem.
MoreiradeAzevedo(1877)entendequeoproblemadasuperlotaonainstituioestava
diretamente ligado justia,queconsiderava lenta,eaosprocessos judiciaisque[...]nodo
custas, e aspretoriasdeixamdormir empaz a formao da culpa, enquanto a indolncia dos
cubculos,nocontatocomocrime,rapazes,diasanteshonestos,fazemomaiscompletocursode
delitoseinfmiasquehnamemria[...](p.396).Aovisitarainstituionadcadade1870,a
fimdeprepararalgunstrabalhossobremonumentosdacidade,diztervisto[...]desprotegidosda
sorte,assassinos,gatunos,crianas ingnuas, rapazesdocomrcio,vendedoresde jornais,uma
enormequantidadedeseresqueodesleixodaspretoriasotornacriminoso[...](p.398)dividirem
amesmacela. Eacrescentaque [...]acasadedetenoaescolade todasasperdiesede
todasasdegenerescncias(loc.cit.).Interessantenotaroqueelechamadedesprotegidosda
7Consultar:FundoCasadeDetenodoRiodeJaneiro.op.cit.,125.
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sorte (loc. cit.). Supostamente todos aqueles includos no mundo da desordem pelas elites
imperiais, via discursos jurdicos. Nesse contexto, a instituio parece ter sido um lugar de
depsitodegenteedetodasortedeconflitos.Enonecessariamenteumlugardepassagem.
Concluso
Disciplinar para educar a populaopareceu ser um dos principais ingredientes para o
enviodetantagenteprisodacorte.Nessadireo,ainstituiodeveriaserumprolongamento
dosacontecimentossociais,polticoseeconmicosdoespaodacidade.Deveriaseaescolapara
educar, produzir comportamentos desejveis, ensinar o vadio a ser produtivo, mediante as
oportunidadesdetrabalhosnasdiversasoficinasdainstituio.Deveriacontribuircomoprocesso
de construodanao. Enopor acasoa instituio chega ao finaldo imprio superlotada;
correcionaiseapenados,namesmacela,participantesdeuma teiadepoderondeasmltiplas
relaes ocasionassem, por exemplo, em motins, assassinatos, promiscuidade, jogos de azar,
suborno apoliciais,brigasentreoutros.A instituio comoumaescolade todas asperdies,
segundoAzevedo(1877,op.cit.).
Atravsdoprocessodecriminalizaodiferentesdiscursossoencaminhadosnosentido
de disseminar uma ideologia burguesa de trabalho, elemento constitutivo de um sujeito til,
civilizadoecidado.Aomesmo tempoas instituiesdecontrolesocialvisam lembrarosujeito
sobreasconsequenciasdeseusatos,bemcomodissuadirosdesocupadosacometeremdelitosou
crimesfacesnecessidades.
Enquantosujeitoshistricos,quando,demaneirageral,osconsideradosvadiossaramdo
espaoapropriao/violncia?Qualfoiopontodeviragem?Elerealmenteexistiu?Estetrabalho
notrazrespostasatodasessasperguntas,maspropereflexesposterioressobrealgunspontos.
Osistema legaldestinadoamantervadiagempermaneceuapsesseperodo?Essa associao
entrecrimeevadiagempersistirianoBrasilRepblica.OcdigoPenalde1890tambmtipifica
a vadiagem como crime quando previa pena de recluso para aqueles que deixassem de
exercerprofisso,ofcio [...]proversubsistnciapormeiodeocupaoproibidapor lei [...]
(MENEZES,1996,p.132).
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