educação superior

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De 26 de fevereiro a 3 de março de 2004 7 NACIONAL REFORMA UNIVERSITÁRIA REFORMA UNIVERSITÁRIA Letícia Baeta da Redação O s donos das universidades particulares são os maiores beneciados pela primeira proposta do novo ministro da Edu- cação, Tarso Genro, para o ensino superior. Essa é a análise de de- fensores da educação pública, que consideram a sugestão do ministro – reduzir impostos das instituições privadas, em troca de abertura de vagas especiais – uma ofensiva para ampliar a mercantilização do ensino no Brasil. Batizada de Programa Univer- sidade para Todos, a proposta abre 25% das vagas nas instituições privadas para estudantes de baixa renda, os vindos de escolas públi- cas, negros, índios, portadores de deciência física e ex-presidiários. Como contrapartida, as universida- des teriam isenção de impostos. PRIVATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA matrícula no setor privado Rep. Dominicana 71,2% El Salvador 69,1% Colômbia 64,1% Brasil 58,4% Chile 53,6% Paraguai 46,7% Peru 35,9% Venezuela 35,6% Guatemala 28,8% México 25,5% Nicarágua 34,2% Costa Rica 23,9% Equador 23,2% Argentina 20,3% Honduras 12,5% Bolívia 8,5% Panamá 8,4% Uruguai 6% Cuba 0% Fonte: Unesco - 1998 Ministro apóia privatização do ensino Proposta de Tarso Genro desvia recursos públicos para instituições privadas e legaliza lucro de filantrópicas Genro quer mexer também com as instituições lantrópricas e sem ns lucrativos, hoje proibidas de terem lucros. O ministro argumenta que isso não ocorre, na prática, e propõe como solução a legalização da distribuição de lucros em troca da abertura de vagas. Apenas a Associação dos Man- tenedores de Educação Superior, representante das entidades parti- culares, participou do debate sobre a proposta. Dentro de dois meses, Genro disse que decide se vai apli- cá-la via medida provisória ou se vai propô-la ao Congresso por um projeto de lei. MERCANTILIZAÇÃO Os críticos argumentam que a proposta não favorece os alunos po- bres, como parece à primeira vista, mas sim donos das escolas particu- lares. “A isenção dos impostos e o nanciamento estudantil ajudam as universidades privadas a conseguir alunos que, sozinhas, elas não con- seguiriam”, analisa o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Luiz Lucas. Depois de um período de expansão, incentivado pelo governo Fernando Henrique, o ensino superior privado atravessa diculdades nanceiras. Hoje, há 37,5% de vagas ociosas nas insti- tuições. Algumas possuem índice de inadimplência maiores que 40%. Se a sugestão for aprovada, o governo vai abrir mão de recursos que poderiam ser investidos no ensino gratuito e repassá-los para os donos das instituições privadas. Uma decisão que promete agravar a situação de universidades tradicio- nais, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que em 2002 não tinha recursos para pagar a conta de energia nem do hospital universitário (veja quadro). URGÊNCIA Para Vera Lúcia Chaves, coor- denadora do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, essa pro- posta não surgiu à toa. Segundo ela, o novo acordo rmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) im- põe ao país a privatização do ensino superior, por meio de uma reforma universitária. Um grupo de estudos teria sido montado no governo para estudar a questão. “A reforma vem criar condições para que, em janei- ro de 2005, o Brasil passe a incluir a educação como mercadoria na Organização Mundial do Comércio (OMC)”, arma Vera Lúcia. Para a deputada Luciana Genro (sem-partido), o PT está legalizan- do a “pilantropia”. “As universida- des lantrópicas cobram altas men- salidades, têm baixa qualidade e obtêm lucros que não sabemos para onde vai”, critica a parlamentar. A diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stunpf, acredita que a proposta do governo “atende a demanda imediata de ex- cluídos da educação superior”. Mas enfatiza que a reivindicação do mo- vimento estudantil é pelo fortaleci- mento da educação pública, “e isso o projeto Universidade para Todos não prevê”. Os investimentos em univer- sidades públicas têm diminuído a cada ano, agravando a situação de instituições tradicionais do ensino brasileiro. Vera Lúcia Chaves, do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, diz que a políti- ca de mercantilização do ensino coloca em risco a “única chance de o país produzir conhecimento e construir um país soberano”. Ela explica: “A universidade pública é um dos pilares essenciais para a construção de um Estado sobera- no. Quem detém o conhecimento, Públicas agonizam com descaso detém a política, a economia e a ideologia. Sem isso, somos levado à submissão”. Em 2004, o governo vai investir R$ 610 milhões nas universidades públicas, o que representa apenas 6% do total de investimentos em educação superior. Há 20 anos, o investimento público representava 20% do total. Sem verba, 11 insti- tuições federais de ensino superior (Ifes) de Minas Gerais fecharam o ano com um décit de R$ 42,8 milhões. Os efeitos do estrangu- lamento são hospitais universitá- rios sem equipamentos básicos, laboratórios ociosos por falta de componentes químicos, prédios com inltração, salas de aula dete- rioradas e pessoal terceirizado. Os professores não cam fora do contingenciamento. O ano leti- vo começa com oito mil vagas nas universidades federais esperando por docentes. “Dinheiro há, mas está sendo gasto com juros da dívi- da externa”, arma Vera Lúcia. Só esse ano, o governo desviou mais de 60% do orçamento para pagar R$ 144 bilhões de juros da dívida. (LB) “Aula de protesto” contra cortes nas verbas para o setor da educação Victor Soares/ABr Tatiana Merlino da Redação Ela tem 47 anos e há 30 trabalha na defesa dos direitos humanos no Espírito Santo. Marta Falqueto vive e trabalha no Estado onde o crime organizado mais se sosticou no país. Há 30 anos ela defende causas relacionadas à violação dos direitos humanos no Espírito Santo, onde têm vindo à tona escândalos de la- vagem de dinheiro, casos de violên- cia e a possível ligação de políticos com o narcotráco. Conselheira nacional do Movi- mento Nacional de Direitos Huma- nos e membro da coordenação do Fórum Reage Espírito Santo, Marta começou a militar nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), no muni- cípio da Serra, na década de 70. Mes- MULHERES MULHERES Líderes combatem a violência e a impunidade mo com a oposição da família, nunca pensou em desistir, até mesmo quan- do ouvia provocações como: “Por que não vai cuidar da sua casa e da sua lha? Isso aqui não é para você”, uma referência indireta ao fato de sua lha ser portadora de deciência. O Movimento Nacional de Direitos Humanos há mais de dez anos tem acompanhado e denuncia- do as ações do crime organizado no Espírito Santo. No nal do governo Albuino Cunha de Azeredo, do PMDB (1991-95), foi constatada a existência de grupos criminosos ligados e inltrados nos principais poderes do Estado. ARTICULAÇÃO SOCIAL Essa situação provocou uma arti- culação da sociedade civil capixaba, que criou em 1999 o Fórum Perma- nente contra a Violência e a Impuni- dade-Reage Espírito Santo, do qual participam representantes de cerca de 100 entidades de todos os setores. No Natal de 2001, após denún- cias contra o crime organizado, ela e outros representantes do Fórum foram ameaçados de morte, e não puderam sair de casa. Marta também trabalha- va em parceria com a equipe de repressão ao crime orga- nizado da qual fazia parte o juiz Alexandre Martins Castro Filho, assassinado em março de 2003, em Vila Velha, re- gião metropolitana de Vitória (ES). A militante indigna-se: “Temos procurado proteção para essas pessoas e não en- contramos. Aqui o crime afronta a Justiça”, diz, rearmando, contudo, que não vai desistir, “a não ser que sejamos impedidos”. LUTA POR MORADIA Representante da coordena- ção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Lucimeire Freire Oliveira nasceu no Ceará e vivia numa casa com nove irmãos, dos quais sete mulhe- res. “Dois deles morreram de morte severina”, diz, falando da fome e fazendo referência ao poema “Mor- te e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto. Quando tinha 15 anos, mudou- se para São Paulo. Nunca mais voltou. Trabalhou como empregada doméstica e metalúrgica e militou nas CEBs em Guarulhos. No nal de 2000 conheceu o MTST e há três anos realizou o sonho da casa pró- pria: mora no assentamento urbano Anita Garibaldi, em Guarulhos. Lucimeire orgulha-se do fato de a maioria dos representantes da co- ordenação do movimento e dos che- fes de família serem mulheres. “Elas são mais determinadas”, diz a líder, que foi ameaçada de morte diversas vezes. Em uma delas, um ocupan- te, que não precisava de moradia, levantou a camiseta e perguntou: “Você conhece isso aqui?”, mostran- do um revólver. “A fábrica que fez isso aí, não fez só essa”, respondeu. Também já recebeu telefonemas anônimos ameaçadores e “muita borracha” em manifestações. Analfabeta até cerca dos 20 anos, a coordenadora do MTST vai começar a cursar faculdade de pedagogia. E lembra um momen- to que marcou muito sua vida: o despejo do acampamento Carlos Lamarca, em Osasco, em janeiro de 2003. “Vi cenas muito fortes, mulheres que preferiram atear fogo em seus barracos a nos verem der- rubados pela polícia”, recorda. Lucimeire diz que a maior di- culdade de ser uma militante não está na polícia, nem nos despejos, mas dentro de casa: a conciliação da luta com a vida familiar. “Ago- ra trouxe meu marido para o movi- mento, mas antes tínhamos sérios problemas”. São Paulo, 19 de fevereiro de 2004 - Militantes do Movimento dos Sem- Teto do Centro protestam contra o governo do Estado de São Paulo. Eles reivindicam solução para o problema de cerca de 500 pessoas despejadas do Edifício Ana Cintra, no centro de São Paulo, em janeiro. As 97 famílias estão acampada nas vizinhanças do prédio, onde aguardam uma resolução do governo de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) Anderson Barbosa Marta Folguedo (no detalhe) e Lucimeire encaram de frente a violência Jorge Pereira Filho Divulgação

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Governo ameaça universidade pública

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Page 1: Educação superior

De 26 de fevereiro a 3 de março de 2004 7

NACIONALREFORMA UNIVERSITÁRIAREFORMA UNIVERSITÁRIA

Letícia Baetada Redação

O s donos das universidades particulares são os maiores benefi ciados pela primeira

proposta do novo ministro da Edu-cação, Tarso Genro, para o ensino superior. Essa é a análise de de-fensores da educação pública, que consideram a sugestão do ministro – reduzir impostos das instituições privadas, em troca de abertura de vagas especiais – uma ofensiva para ampliar a mercantilização do ensino no Brasil.

Batizada de Programa Univer-sidade para Todos, a proposta abre 25% das vagas nas instituições privadas para estudantes de baixa renda, os vindos de escolas públi-cas, negros, índios, portadores de defi ciência física e ex-presidiários. Como contrapartida, as universida-des teriam isenção de impostos.

PRIVATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA matrícula no setor privado

Rep. Dominicana 71,2%El Salvador 69,1%Colômbia 64,1%Brasil 58,4%Chile 53,6%Paraguai 46,7%Peru 35,9%Venezuela 35,6%Guatemala 28,8%México 25,5%Nicarágua 34,2%Costa Rica 23,9%Equador 23,2%Argentina 20,3%Honduras 12,5%Bolívia 8,5%Panamá 8,4%Uruguai 6%Cuba 0%

Fonte: Unesco - 1998

Ministro apóia privatização do ensinoProposta de Tarso Genro desvia recursos públicos para instituições privadas e legaliza lucro de fi lantrópicas

Genro quer mexer também com as instituições fi lantrópricas e sem fi ns lucrativos, hoje proibidas de terem lucros. O ministro argumenta que isso não ocorre, na prática, e propõe como solução a legalização da distribuição de lucros em troca

da abertura de vagas.Apenas a Associação dos Man-

tenedores de Educação Superior, representante das entidades parti-culares, participou do debate sobre a proposta. Dentro de dois meses, Genro disse que decide se vai apli-

cá-la via medida provisória ou se vai propô-la ao Congresso por um projeto de lei.

MERCANTILIZAÇÃO Os críticos argumentam que a

proposta não favorece os alunos po-bres, como parece à primeira vista, mas sim donos das escolas particu-lares. “A isenção dos impostos e o fi nanciamento estudantil ajudam as universidades privadas a conseguir alunos que, sozinhas, elas não con-seguiriam”, analisa o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Luiz Lucas. Depois de um período de expansão, incentivado pelo governo Fernando Henrique, o ensino superior privado atravessa difi culdades fi nanceiras. Hoje, há 37,5% de vagas ociosas nas insti-tuições. Algumas possuem índice de inadimplência maiores que 40%.

Se a sugestão for aprovada, o governo vai abrir mão de recursos que poderiam ser investidos no ensino gratuito e repassá-los para os donos das instituições privadas. Uma decisão que promete agravar a situação de universidades tradicio-nais, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que em 2002 não tinha recursos para pagar a conta de energia nem do hospital universitário (veja quadro).

URGÊNCIAPara Vera Lúcia Chaves, coor-

denadora do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, essa pro-posta não surgiu à toa. Segundo ela, o novo acordo fi rmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) im-põe ao país a privatização do ensino superior, por meio de uma reforma universitária. Um grupo de estudos

teria sido montado no governo para estudar a questão. “A reforma vem criar condições para que, em janei-ro de 2005, o Brasil passe a incluir a educação como mercadoria na Organização Mundial do Comércio (OMC)”, afi rma Vera Lúcia.

Para a deputada Luciana Genro (sem-partido), o PT está legalizan-do a “pilantropia”. “As universida-des fi lantrópicas cobram altas men-salidades, têm baixa qualidade e obtêm lucros que não sabemos para onde vai”, critica a parlamentar. A diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stunpf, acredita que a proposta do governo “atende a demanda imediata de ex-cluídos da educação superior”. Mas enfatiza que a reivindicação do mo-vimento estudantil é pelo fortaleci-mento da educação pública, “e isso o projeto Universidade para Todos não prevê”.

Os investimentos em univer-sidades públicas têm diminuído a cada ano, agravando a situação de instituições tradicionais do ensino brasileiro. Vera Lúcia Chaves, do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, diz que a políti-ca de mercantilização do ensino coloca em risco a “única chance de o país produzir conhecimento e construir um país soberano”. Ela explica: “A universidade pública é um dos pilares essenciais para a construção de um Estado sobera-no. Quem detém o conhecimento,

Públicas agonizam com descasodetém a política, a economia e a ideologia. Sem isso, somos levado à submissão”.

Em 2004, o governo vai investir R$ 610 milhões nas universidades públicas, o que representa apenas 6% do total de investimentos em educação superior. Há 20 anos, o investimento público representava 20% do total. Sem verba, 11 insti-tuições federais de ensino superior (Ifes) de Minas Gerais fecharam o ano com um défi cit de R$ 42,8 milhões. Os efeitos do estrangu-lamento são hospitais universitá-

rios sem equipamentos básicos, laboratórios ociosos por falta de componentes químicos, prédios com infi ltração, salas de aula dete-rioradas e pessoal terceirizado.

Os professores não fi cam fora do contingenciamento. O ano leti-vo começa com oito mil vagas nas universidades federais esperando por docentes. “Dinheiro há, mas está sendo gasto com juros da dívi-da externa”, afi rma Vera Lúcia. Só esse ano, o governo desviou mais de 60% do orçamento para pagar R$ 144 bilhões de juros da dívida. (LB)

“Aula de protesto” contra cortes nas verbas para o setor da educação

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Tatiana Merlinoda Redação

Ela tem 47 anos e há 30 trabalha na defesa dos direitos humanos no Espírito Santo. Marta Falqueto vive e trabalha no Estado onde o crime organizado mais se sofi sticou no país. Há 30 anos ela defende causas relacionadas à violação dos direitos humanos no Espírito Santo, onde têm vindo à tona escândalos de la-vagem de dinheiro, casos de violên-cia e a possível ligação de políticos com o narcotráfi co.

Conselheira nacional do Movi-mento Nacional de Direitos Huma-nos e membro da coordenação do Fórum Reage Espírito Santo, Marta começou a militar nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), no muni-cípio da Serra, na década de 70. Mes-

MULHERESMULHERES

Líderes combatem a violência e a impunidademo com a oposição da família, nunca pensou em desistir, até mesmo quan-do ouvia provocações como: “Por que não vai cuidar da sua casa e da sua fi lha? Isso aqui não é para você”, uma referência indireta ao fato de sua fi lha ser portadora de defi ciência.

O Movimento Nacional de Direitos Humanos há mais de dez anos tem acompanhado e denuncia-do as ações do crime organizado no Espírito Santo. No fi nal do governo Albuino Cunha de Azeredo, do PMDB (1991-95), foi constatada

a existência de grupos criminosos ligados e infi ltrados nos principais poderes do Estado.

ARTICULAÇÃO SOCIAL Essa situação provocou uma arti-

culação da sociedade civil capixaba, que criou em 1999 o Fórum Perma-nente contra a Violência e a Impuni-dade-Reage Espírito Santo, do qual participam representantes de cerca de 100 entidades de todos os setores.

No Natal de 2001, após denún-cias contra o crime organizado, ela

e outros representantes do Fórum foram ameaçados de morte, e não puderam sair de casa. Marta também trabalha-va em parceria com a equipe de repressão ao crime orga-nizado da qual fazia parte o juiz Alexandre Martins Castro Filho, assassinado em março de 2003, em Vila Velha, re-gião metropolitana de Vitória (ES). A militante indigna-se: “Temos procurado proteção para essas pessoas e não en-

contramos. Aqui o crime afronta a Justiça”, diz, reafi rmando, contudo, que não vai desistir, “a não ser que sejamos impedidos”.

LUTA POR MORADIA Representante da coordena-

ção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Lucimeire Freire Oliveira nasceu no Ceará e vivia numa casa com nove irmãos, dos quais sete mulhe-res. “Dois deles morreram de morte severina”, diz, falando da fome e fazendo referência ao poema “Mor-te e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.

Quando tinha 15 anos, mudou-se para São Paulo. Nunca mais voltou. Trabalhou como empregada doméstica e metalúrgica e militou nas CEBs em Guarulhos. No fi nal

de 2000 conheceu o MTST e há três anos realizou o sonho da casa pró-pria: mora no assentamento urbano Anita Garibaldi, em Guarulhos.

Lucimeire orgulha-se do fato de a maioria dos representantes da co-ordenação do movimento e dos che-fes de família serem mulheres. “Elas são mais determinadas”, diz a líder, que foi ameaçada de morte diversas vezes. Em uma delas, um ocupan-te, que não precisava de moradia, levantou a camiseta e perguntou: “Você conhece isso aqui?”, mostran-do um revólver. “A fábrica que fez isso aí, não fez só essa”, respondeu. Também já recebeu telefonemas anônimos ameaçadores e “muita borracha” em manifestações.

Analfabeta até cerca dos 20 anos, a coordenadora do MTST vai começar a cursar faculdade de pedagogia. E lembra um momen-to que marcou muito sua vida: o despejo do acampamento Carlos Lamarca, em Osasco, em janeiro de 2003. “Vi cenas muito fortes, mulheres que preferiram atear fogo em seus barracos a nos verem der-rubados pela polícia”, recorda.

Lucimeire diz que a maior difi -culdade de ser uma militante não está na polícia, nem nos despejos, mas dentro de casa: a conciliação da luta com a vida familiar. “Ago-ra trouxe meu marido para o movi-mento, mas antes tínhamos sérios problemas”.

São Paulo, 19 de fevereiro de 2004 - Militantes do Movimento dos Sem-Teto do Centro protestam contra o governo do Estado de São Paulo. Eles reivindicam solução para o problema de cerca de 500 pessoas despejadas do Edifício Ana Cintra, no centro de São Paulo, em janeiro. As 97 famílias estão acampada nas vizinhanças do prédio, onde aguardam uma resolução do governo de Geraldo Alckmin (PSDB-SP)

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