eduardo marcial ferreira jardim-curso de direito tributário

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EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Titular de Direito Tributário da Universidade Mackenzie. Advogado e Consultor Jurídico. CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO São Paulo 2013

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Curso de direito tributário

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  • EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIMMestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Professor Titular de Direito Tributrio da Universidade Mackenzie.

    Advogado e Consultor Jurdico.

    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    So Paulo

    2013

  • CIP - BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

    J373j Jardim, Eduardo Marcial Ferreira. Curso de Direito Tributrio / Eduardo Marcial Ferreira Jardim -- -- So Paulo : Noeses, 2013.

    Inclui bibliogra a

    373 p.

    1. Curso de Direito Tributrio. 2. Curso. I. Ttulo.

    CDU 340

    2013

    Todos os direitos reservados

    Editora Noeses Ltda.

    Tel/fax: 55 11 3666 6055www.editoranoeses.com.br

    Copyright 2013 By Editora NoesesEditor-chefe: Paulo de Barros CarvalhoCoordenao editorial: Alessandra ArrudaPreparao de texto: Semramis OliveiraCapa: Ney Faustini Produo editorial/arte: Denise Dearo

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    Captulo IVSISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTRIO

    1 NOO DE SISTEMA. ESPCIES DE SISTEMAS E SISTEMAS NORMATIVOS

    O aspecto conceptual de sistema representa pressuposto para a compreenso do direito, porquanto o direito um sis-tema de normas. Consoante as lies de Juan Manuel Teran (1980, p. 14), professor de filosofia da Universidade do Mxico, sistema um conjunto ordenado de elementos segundo um ponto de vista unitrio.

    Na mesma vereda, caminha a lio de Aurora Tomazini de Carvalho (2010), para quem o conceito de sistema antessu-pe um conjunto de elementos vinculados entre si mediante relaes de coordenao e subordinao, concepo, diga-se de passo, que melhor retrata os sistemas normativos. A emi-nente professora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo aduz que o conceito de sistema

    mais complexo do que as aglutinaes de elementos que se combinam em razo de conotaes comuns, como, por exemplo, a classe dos mamferos, dos rios, dos rgos digestivos, dos planetas, etc. Para termos um sistema preciso que os elementos de uma classe apresentem-se sobre certa estrutura, que se relacionem entre si em razo de um referencial comum. o caso, por exemplo

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    do sistema ferrovirio de um pas, que diferente do conjunto de suas ferrovias (p. 123).

    Dito de outro modo, pode-se dizer que sistema um conjunto de elementos interligados e agrupados em torno de elementos fundamentais, compondo, assim, um todo indecom-ponvel. Os aludidos elementos fundamentais so componentes basilares dos sistemas e ganham a denominao princpios.

    Por conseguinte, a ttulo de comparao, a compreenso de um sistema virio requer a noo da existncia de elemen-tos, vias e praas, interligados, os quais se encontram unifica-dos ao redor de elementos fundamentais perimetrais ou marginais e avenidas , perfazendo uma dada realidade, no caso, o sistema virio de uma cidade. Destarte, a identificao das vias mais importantes imprescindvel para se mover no sistema e encontrar o ponto almejado.

    No diferente num sistema normativo, pois o entendi-mento do sistema supe conceber que as regras so interliga-das, numa relao de horizontalidade e verticalidade, e gravi-tam ao derredor de regras diretoras princpios , compondo um todo indivisvel.

    Destarte, num sistema normativo de um direito nacional, as normas interligam-se direta ou indiretamente, todas entron-cadas no plano constitucional, bem como gravitam ao derredor de normas superlativas, que so os princpios constitucionais gerais, alm daqueles concernentes ao campo do direito sob exame. Esta a proposta tendente permanente reflexo do direito, objetivada a desvend-lo e a compreend-lo.

    Com efeito, ao lado da definio de sistema, foroso observar que cada sistema deve ser compreendido em seu aspecto unitrio, donde seria destitudo de qualquer sentido interpretar um sistema com elementos de outro sistema. Lo-gicamente, o guia da cidade de So Paulo no teria aplicabili-dade no Rio de Janeiro ou em Paris, pois so outros sistemas,

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    assim como o sistema normativo do direito francs no seria aplicvel no direito brasileiro.

    2 BREVE HISTRICO DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTRIO BRASILEIRO

    Ao longo da histria, desde a Constituio Imperial de 1824 at a Carta Magna de 1946, a tributao mereceu pouco espao no Texto Supremo, a exemplo, alis, do direito compa-rado. Ao lado desse aspecto, mesmo durante a vigncia da Ordem de 1946, o Brasil ressentia-se de uma tributao siste-matizada, ainda que no plano infraconstitucional.

    Diante disso, na dcada de 1950, o ento ministro Oswal-do Aranha incumbiu o saudoso professor Rubens Gomes de Sousa no sentido de elaborar um estudo com o desgnio de transform-lo num sistema tributrio moderno e compatvel com o projeto de desenvolvimento do pas.

    Assim, o eminente jurista deu pressa em cumprir a im-portante misso e elaborou um alentado estudo, sobremodo avanado e consistente, o qual, entrementes, permaneceu nos escaninhos do Congresso Nacional por anos afora. Conquanto a necessidade de mudana fosse evidente, as legislaturas su-cediam-se e nada decidiam no tocante a pautar o estudo, dis-cuti-lo e lev-lo votao.

    Esse estado de coisas perdurou at 1965, quando o ento governo do presidente Castelo Branco transformou o men-cionado estudo em projeto de emenda constitucional e o en-viou ao Congresso Nacional, que, a seu turno, o aprovou por intermdio da Emenda Constitucional n. 18, de 1 de dezem-bro de 1965.

    Destarte, a partir de ento, o pas ganhou um sistema tributrio sobremodo moderno, cujas estruturas e contornos persistem at os dias atuais, sendo recepcionado, portanto, por inmeras ordens constitucionais, assim como a Carta de 1967,

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    seno tambm a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, que instalou uma nova Constituio, e, finalmente, a Constituio da Repblica promulgada em outubro de 1988.

    Assim, o plano constitucional hospeda um quadro org-nico de normas tributrias de tal forma inter-relacionadas e conjugadas com normas-princpios, configurando, decidida-mente, um verdadeiro sistema tributrio. Alis, o Ttulo VI do Texto Magno, denominado Da Tributao e do Oramento, compreende um captulo, desdobrado em seis sees, dedica-do tributao e denominado Sistema Tributrio Nacional, conforme estampado no art. 145 e seguintes do aludido Cdex Mximo.

    O referido sistema tributrio nacional, inscrito no patamar da ordem excelsa, designado pela doutrina com o nomen juris sistema constitucional tributrio, o que, por sem dvida, vee-mentiza a sua dimenso constitucionalizada. A bem ver, a dou-trina nacional, bem como a estrangeira, em particular a argen-tina, uruguaia, portuguesa, espanhola e italiana, no hesita em afirmar em alto e bom som que o referido sistema afigura-se o mais bem elaborado da atualidade, tudo em virtude de suas peculiaridades, que sero examinadas no tpico subsecutivo.

    3 CONTRASTE COM O DIREITO COMPARADO E PECU-LIARIDADES

    Inicialmente, depara-se oportuno tecer um breve comen-trio acerca do direito comparado no tangente tributao no plano constitucional. Com efeito, as Constituies de outros pases pouco versam sobre a tributao e, mesmo assim, as disposies que tratam do assunto abrigam mandamentos genricos, a exemplo de investir o Parlamento com poderes para instituir tributos.

    o caso da Frana, em que o art. 34 estabelece compe-tncia para o Parlamento votar as leis concernentes coleta

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    de taxas e cobrana de quaisquer impostos. Deveras, o manda-mento afigura-se sobremodo genrico, vago e sucinto, donde o Texto Magno deixou ao talante da legislao ordinria a misso de gizar o sistema tributrio.

    No diferente a Constituio dos Estados Unidos da Amrica, proclamada em 1787, a qual, por meio da Seo VIII, investe o Congresso de poderes para estabelecer e cobrar taxas, direitos alfandegrios e impostos em prol do bem comum. Como se pode notar, a generalidade e a conciso caracterizam a tri-butao no direito constitucional norte-americano.

    A Constituio da Espanha, por sua vez, dedica dois mandamentos matria tributria, no caso, o art. 31, itens 1 e 2, os quais contemplam a capacidade contributiva, a igualdade e a progressividade, bem como a afetao equitativa das recei-tas pblicas. Como se v, trata-se de um texto mais detido, valorando princpios relevantes, mas, ainda assim, o Cdigo Mximo no foi alm dessas breves disposies.

    J a Constituio da Itlia cuida de tributao por meio de um nico comando, no caso, o art. 53, cujo texto obriga todos os cidados a concorrer para as despesas pblicas, levando em conta a sua capacidade contributiva, bem como estabelece que o sistema tributrio a ser implementado no plano legal deve ser informado pelo critrio da progressividade. Assim, na mes-ma vereda da Espanha, o Texto Italiano, conquanto sucinto, valoriza com a dimenso de princpios a igualdade, a capaci-dade contributiva e a progressividade.

    No seria de mister prosseguir na descrio de outras ordens constitucionais, porquanto o perfil ora apresentado exatamente aquele que permeia as Cartas dos demais pases, na medida em que algumas pouco ou quase nada dizem acer-ca de tributao, a teor da Constituio da Frana e dos Estados Unidos, enquanto outras, dispondo pouco embora, consagram princpios relevantes em termos de justia tributria e social, caso da Espanha e Itlia, que conferem status constitucional a valores superlativos, a exemplo da capacidade contributiva,

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    igualdade e progressividade, princpios, diga-se de passo, a serem examinados com detena nas dobras do sistema consti-tucional tributrio brasileiro.

    No plano comparado, merece ser lembrada a Gr-Breta-nha, pois sua tradicional Magna Charta Libertatum de 1215 foi a primeira na histria da civilizao que exigiu o consentimen-to de um conselho representativo da sociedade como requisito para a criao e cobrana de tributos, instalando, assim, um novo marco que norteou todo o evolver do constitucionalismo contemporneo.

    Ao contrrio do direito comparado, o sistema tributrio nacional encontra-se intensamente constitucionalizado, razo por que a doutrina qualifica-o com o ttulo de sistema consti-tucional tributrio.

    Em veras, enquanto alhures os Textos Magnos abrigam um ou dois comandos acerca de tributao, consoante prefa-lado, a Ordem Constitucional de nosso pas compreende mais de uma centena de comandos de ndole tributria, desdobrados em artigos, incisos e pargrafos, sobretudo insertos no art. 145 e seguintes, sob a rubrica Sistema Tributrio Nacional.

    Ademais, no se pode olvidar a existncia de outros man-damentos noutros ttulos da Constituio que tambm versam diretamente sobre a tributao, a exemplo do art. 195, seus incisos e pargrafos, bem como alguns inscritos no art. 177, afora outras regras que transversamente se entrelaam com a tributao.

    Assim, essa positivao sobreposse acentuada espraia-se numa partilha rgida de poderes entre as pessoas constitucionais, no caso, a Unio, o Distrito Federal, os Estados e os Municpios, bem como pormenoriza os meandros e a intimidade dos inme-ros tributos do sistema, comunicando uma singular clareza sem nvoas ao sistema tributrio em sua dimenso constitucional.

    Nessa trilha, cumpre enfatizar que o sistema sob exame instrumentou as pessoas constitucionais com o poder para

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    obter os recursos financeiros necessrios para a realizao da consecuo do bem comum, seno tambm limitou o exerccio desse poder, tanto que fixou fronteiras intransponveis, as quais protegem os destinatrios da tributao, vale dizer, os contri-buintes e os cidados.

    Sim, no demasia esclarecer que no s o contribuinte que sustenta o Estado por meio da tributao, ou seja, aquele que aufere rendas ou proprietrio de bens mveis ou imveis, entre outras situaes, uma vez que, no raramente, o valor do tributo repassado no preo final da mercadoria ou servio e, nessa etapa, todos acabam pagando indiretamente uma par-cela da carga tributria. Exemplo tpico do afirmado ocorre em tributos como o ICMS mercantil e as contribuies cobradas sobre o faturamento, entre outras hipteses.

    Por conseguinte, o detalhamento do sistema constitucio-nal tributrio ser examinado em seus desdobres na sequncia deste captulo.

    4 COMPETNCIA LEGISLATIVA E COMPETNCIA TRIBUTRIA

    Competncia legislativa

    A Constituio da Repblica concebe os tributos em tese, na dimenso em que descreve o seu perfil e investe uma das pessoas constitucionais de poderes para dar completude ao processo de criao. Ademais, incumbe o legislador de concre-tizar essa relevante misso, consoante estampado no comando inserto no art. 150, inciso I.

    Como cedio, o direito ptrio compreende como pessoas constitucionais a Unio, o Distrito Federal, os Estados e os Municpios, os quais, a bem ver, so dotados da competncia legislativa que lhes permite efetivar a instituio de tributos. A competncia legislativa, por sua vez, significa a prerrogativa de editar normas gerais e abstratas de observncia obrigatria

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    em qualquer rea do direito. Impende esclarecer que essa prerrogativa diz respeito no s s leis, seno tambm aos decretos e demais atos administrativos, mxime porque todos veiculam regras cujo contedo reveste a mesma materialidade.

    Todavia, cumpre distinguir o mbito das leis, enquanto exerccio da funo legislativa em relao ambitude dos de-cretos e atos administrativos, estes como forma de expresso da funo administrativa. A afirmao no se circunscreve tribu-tao, ao direito pblico ou ao direito privado, mas abriga uma dimenso universal, porquanto diz respeito ao regime jurdico tipificador das funes do Estado. Sim, como quer Renato Ales-si (1970), a funo legislativa caracteriza-se por inovar a ordem jurdica inauguralmente, ao passo que a funo administrativa, a exemplo dos decretos, fazem-no secundariamente. Como se v, tanto a legislao quanto a administrao produzem normas gerais e abstratas, porm o que qualifica com funo legislativa ou administrativa no o rgo ou poder produtor da norma, nem mesmo o contedo da norma, mas o regime jurdico subs-tanciado em inovar o direito em primeira ou segunda mo.

    Assim, no espectro tributrio, a locuo competncia legislativa ou legislao, em acepo lata, compreende no s as leis em geral, como tambm os decretos e atos adminis-trativos, na trilha, alis, do disposto no art. 96 do Cdigo Tri-butrio Nacional. Entrementes, na linguagem do direito tribu-trio, a competncia legislativa empregada com a denomina-o competncia tributria e diz respeito ao exerccio da funo legislativa, compreendida, diga-se de passo, com os matizes ora expostos.

    5 PARTILHA DE COMPETNCIAS TRIBUTRIAS

    Constituio Republicana de 1891 at Carta de 1969

    A diviso do poder tributrio, em nosso direito, so-bremodo antiga, pois exsurgiu com o advento da primeira

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    Constituio Republicana proclamada em 24 de fevereiro de 1891, a qual, em seu art. 7, inciso I, firmava competncia ex-clusiva da Unio para dispor acerca do imposto sobre a impor-tao de produto de procedncia estrangeira, enquanto o art. 9, inciso II, atribua poderes exclusivos aos Estados para instituir impostos sobre imveis urbanos e rurais.

    A Carta de 16 de julho de 1934 adotou a mesma frmula, tanto que, por exemplo, estipulou competncia privativa da Unio em relao ao imposto sobre a renda, estabelecendo, outrossim, competncia privativa aos Estados para legislar sobre os impostos incidentes sobre a transmisso da proprie-dade inter vivos e causa mortis. No foi diferente o modelo inscrito na Constituio de 10 de novembro de 1937, em que, por exemplo, a tributao do comrcio exterior e da renda representava competncia privativa da Unio, ao passo que os Estados desfrutavam de podres exclusivos para tributar a transmisso da propriedade, da mesma forma que a Carta precedente. A contar da Constituio de 1937, os Municpios tambm receberam poderes tributrios privativos, ganhando, assim, um grau maior de autonomia, pois at ento dependiam do repasse de receitas federais ou estaduais.

    A Constituio de 18 de setembro de 1946, por sua vez, restabeleceu o Estado Democrtico no pas e, na messe tribu-tria, manteve a rgida diviso de competncias entre as pessoas constitucionais. A referida repartio de poderes tributrios representava, por sem dvida, um componente importante na raia da tributao, embora o direito tributrio ressentisse-se de modernidade e de sistematicidade nos seus demais aspectos, o que perdurou at o advento da Emenda Constitucional n. 18, de 1 de dezembro de 1965.

    Por conseguinte, a partir da emenda citada, que instalou um sistema tributrio avanado, conforme relatado em itens anteriores, por bvio, a partilha de competncias no s foi preservada, como foi tambm redimensionada, na medida em que tributos anacrnicos foram expungidos da ordem jurdica,

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    dando lugar a gravames com perfil moderno, a teor do IPI, que substituiu o antigo imposto do consumo, bem como o ICMS, que ocupou o lugar do ento imposto sobre vendas e consignaes.

    6 PARTILHA DE COMPETNCIAS TRIBUTRIAS NA CONSTITUIO DE 1988

    Conforme j exposto, a Ordem Constitucional promulga-da em outubro de 1988 contemplou a rigidez como um dos traos caractersticos do sistema tributrio no tocante repar-tio de competncias tributrias, assim sublinhando que a regra norteadora em relao ao assunto consiste numa rgida partilha de competncias privativas e, mais do que isso, tambm indelegveis, as quais so distribudas entre a Unio Federal, o Distrito Federal, os Estados e os Municpios.

    Importa ressaltar que a apontada rigidez comporta uma exceo prevista no art. 154, inciso II, da Constituio, pois, em caso de guerra ou sua iminncia, a Unio tem poderes para instituir um imposto extraordinrio, o qual poderia ter o mes-mo perfil de impostos estaduais ou municipais. Portanto, a nica hiptese configuradora de bitributao no direito inter-no, pois um imposto federal com moldura estadual ou munici-pal pressupe duas pessoas tributantes diferentes instituindo e cobrando um mesmo tributo de uma mesma pessoa, com relao a um mesmo fato gerador.

    Tirante a aludida hiptese excepcionalssima, remanesce intangvel o primado da rgida discriminao de competncias tributrias, a qual, conforme anotado anteriormente, depara-se tambm indelegvel, o que comunica rigor extremo ao referi-do modelo de partilha de competncias no plano excelso. guisa de exemplo, quaisquer das pessoas constitucionais jamais poderiam delegar a sua competncia tributria em prol de outra, assim como a Unio outorgar poderes aos Estados para legislar sobre a renda ou vice-versa. Essa vedao reveste

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    gradao mxima e no comporta atenuao ou temperamen-tos, da a mencionada rigidez consubstanciar um trao singu-lar do sistema constitucional tributrio brasileiro.

    Por oportuno, fora obtemperar que, merc da rigidez em apreo, no h competncias comuns ou concorrentes em nosso direito, nem mesmo as taxas de polcia, taxas de servio, taxas de pedgio ou, ainda, as contribuies de melhoria. A observao justifica-se na proporo em que muitos se empe-nham em dizer o contrrio em relao aos tributos retrocitados. Ora, na verdade, a taxa de pedgio exigida numa rodovia fe-deral um tributo situado na competncia privativa da Unio, o mesmo ocorrendo em relao ao pedgio cobrado numa ro-dovia estadual, o qual, induvidosamente, um tributo exclusi-vo do Estado.

    Portanto, o comum o nomen juris genrico e no a es-pcie tributria em particular, cujo divisor de guas consiste no mbito competencial, que persiste privativo e indelegvel, tambm no tangente aos tributos in casu. Apenas para rematar, admitir que as taxas e contribuies de melhoria seriam tribu-tos de competncia comum implicaria admitir que os impostos tambm o so, hiptese, alis, despropositada.

    Retomando o cerne temtico, cumpre seja examinada e determinada a competncia exclusiva de cada uma das pessoas constitucionais, iniciando pela descrio dos tributos federais e culminando pela abordagem dos municipais. Importa assi-nalar que, no prximo tpico, os tributos sero analisados de uma forma sucinta, com nfase no seu mbito competencial e nos seus contornos, uma vez que o exame mais detido das modalidades tributrias ser efetuado no Captulo III, deno-minado Subespcies Tributrias.

    Tributos federais

    Com efeito, a Unio dotada de poderes para instituir os impostos elencados no art. 153, incisos I usque VII, bem como

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    aqueles contidos no art. 154, incisos I e II, ambos, obviamente, da Carta Magna. Ademais, competem-lhe ainda os emprstimos compulsrios previstos no art. 148, incisos I e II, seno tambm as contribuies previstas no art. 149, alm das taxas de polcia e taxas de servio previstas no art. 145, inciso II, da taxa de pedgio inscrita no art. 150, inciso V, e, finalmente, as contri-buies de melhoria do art. 145, inciso III, todos contemplados no Texto Supremo.

    Impostos

    A Carta da Repblica contempla-os por meio de dois comandos, no caso, os arts. 153 e 154, bem como os respectivos incisos. Os primeiros so os que incidem sobre: a importao, a exportao, a renda e proventos de qualquer natureza, pro-dutos industrializados, operaes de crdito, cmbio ou segu-ro, ou relativas a ttulos ou valores mobilirios, propriedade territorial rural e grandes fortunas. J os segundos representam uma competncia in albis, denominada residual, pois instru-menta a Unio no sentido de criar impostos novos, portanto no expressos na Constituio, condicionada sua instituio natureza no cumulativa do gravame. Entre os segundos, res-ta, ainda, o imposto de guerra, cujo pressuposto consiste na iminncia ou estado de guerra. Os referidos impostos sero objeto de esclios mais detidos no Captulo III, que versa sobre as subespcies tributrias.

    Emprstimos compulsrios

    Com fulcro no disposto no art. 148, inciso I, a Unio pode instituir emprstimo compulsrio extraordinrio para o atendi-mento de despesa de calamidade pblica ou guerra externa, tanto instalada quanto na sua iminncia. O art. 148, inciso II, a seu turno, trata do emprstimo de investimento pblico, desde que seja de carter urgente e de relevante interesse nacional.

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    Importa lembrar uma sutil observao de Aliomar Ba-leeiro (1981) ao dizer que o emprstimo somente poderia ser exigido de um signo de renda e no de propriedade, sob pena de tratar-se de requisio e no de tributao.

    Desde o advento da Constituio de 1988 e poca da fei-tura deste livro, no houve instituio de emprstimo compuls-rio, com o perfil de tributo, conforme objeto destas reflexes.

    Contribuies sociais, interventivas econmicas e profissionais

    So tributos cujo regime jurdico caracterizado pela destinao constitucional de suas receitas, at porque o pres-suposto que autoriza sua instituio preordena-se a gerar re-cursos financeiros para aplicar numa finalidade compatvel com seu nomen juris.

    Enunciadas no art. 149 da Constituio Federal, as pri-meiras destinam-se a gerar recursos financeiros para prover a ordem social, a exemplo da extinta CPMF, que tinha por es-copo produzir recursos para a sade pblica. Convm sublinhar que a Unio desfruta de competncia residual para instituir outras contribuies sociais de seguridade, afora aquelas des-critas no texto original da Constituio, com lastro e nos limites firmados no disposto no art. 154, inciso II, conjugado com o art. 195, 4, da Carta Magna.

    As segundas tm por desgnio tanto uma postura nega-tiva, a exemplo de corrigir distores no mercado, quanto uma atuao positiva, em que a Unio buscaria concretizar objetivos econmicos firmados no art. 170 da Carta Magna, consoante a lio de Lus Eduardo Schoueri (2004).

    Finalmente, as contribuies profissionais so objetivadas a produzir recursos financeiros com a finalidade de prover os cofres de entidades que realizam atividade de interesse pblico, a exemplo da OAB ou do CRM, ou ainda as contribuies sin-dicais de um modo geral.

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    Taxas de polcia, taxas de servio e taxas de pedgio

    Entre as taxas de polcia privativas da Unio, merece ser lembrada a Taxa de Controle e Fiscalizao Ambiental (TCFA), embora sua natureza jurdica seja questionvel, enquanto na Zona Franca de Manaus cobrada uma Taxa de Servio Ad-ministrativo (TSA), ao passo que o pedgio cobrado em rodovias federais assume a condio de taxa de pedgio federal.

    Contribuio de melhoria

    Com fundamento no art. 145, inciso III, da Constituio Federal, a Unio pode instituir contribuies de melhoria, desde que, direta ou indiretamente, realize obra pblica da qual decorra valorizao imobiliria. A redao original do Cdigo Tributrio Nacional, em seus arts. 81 e 82, trata do assunto, o qual foi tacita-mente revogado pelo Decreto-Lei n. 195, de 24 de fevereiro de 1967.

    Tributos estaduais e distritais federais

    Impostos

    O art. 155, incisos I, II e III, estabelece os impostos de competncia estadual e distrital federal; so eles: o ITCMD de quaisquer bens ou direitos, bem como o ICMS, alm do impos-to previsto no 3 do art. 155, o qual incide sobre operaes relativas energia eltrica, servios de telecomunicaes, derivados de petrleo, combustveis e minerais. Esse conjunto de cinco impostos encontra-se compreendido na sigla ICMS. derradeira, resta o IPVA, tambm situado no mbito de competncia estadual e municipal.

    Taxas de polcia, taxas de servio e taxas de pedgio

    Afora os impostos, os Estados e o Distrito Federal podem criar taxas de polcia, taxas de servio e taxas de pedgio. As

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    primeiras dizem respeito ao disciplinamento, controle e fisca-lizao de setores como segurana pblica, sade, alimentos, medicamentos e outros, a teor da taxa de registro de arma de fogo, da taxa de licena para desfile de blocos e escolas de samba ou mesmo da inspeo veicular, entre outras. J as se-gundas compreendem a prestao de servio pblico especfi-co e divisvel, a exemplo do fornecimento de 2 via de docu-mentos no Departamento de Trnsito ou mesmo o fornecimen-to de gua e tratamento de esgoto. Quanto ao pedgio, os Es-tados e o Distrito Federal podem cobrar a respectiva taxa em rodovias estaduais ou distritais.

    Contribuio de melhoria

    Outrossim, a atividade efetivada pelo Estado ou por quem lhe fizer as vezes autoriza-lhe a instituir a contribuio de melhoria, se presentes os requisitos da realizao de obra p-blica e decorrente valorizao imobiliria, nos termos precei-tuados no Decreto-Lei n. 195, de 24 de fevereiro de 1967.

    Contribuio previdenciria de servidores

    Por derradeiro, com supedneo no disposto no art. 149, 1, da Carta Magna, os Estados e o Distrito Federal podem criar contribuies previdencirias de seus servidores ativos, inativos e pensionistas, com o fito de garantir o respectivo custeio destinado aos encargos de aposentadoria e outros des-dobres de natureza previdenciria.

    Tributos municipais e distritais federais

    Impostos

    O Texto Magno cuida do assunto por meio do art. 156, incisos I, II e III, os quais dispem sobre trs impostos,

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    quais sejam, o primeiro relativo propriedade predial e terri-torial urbana, o segundo concernente transmisso inter vivos de bens imveis por ato oneroso e, finalmente, o terceiro ati-nente aos servios de qualquer natureza, excetuados aqueles de competncia estadual que incidem sobre os servios de transporte intermunicipal ou interestadual e o servio de co-municaes e de telecomunicaes.

    Outrossim, cumpre esclarecer que, embora a Constituio adote o ttulo Dos Impostos dos Municpios, consoante es-tampado na Seo V do Captulo I, os referidos gravames in-tegram tambm a competncia do Distrito Federal, porquanto o art. 32, 1, da Lei Maior atribui ao Distrito Federal as com-petncias legislativas reservadas aos Estados e aos Municpios, o que, no orbe tributrio, compreende no s os impostos, mas todos os tributos.

    Aspectos polmicos e controvrsias circundam os impos-tos em apreo, tanto na doutrina quanto na jurisprudncia, o que ser examinado com detena no item relativo aos impostos por espcie, contido na terceira parte deste livro.

    Taxas de polcia e taxas de servio

    Entre as taxas de polcia municipais e distritais, merece ser exemplificada a taxa de licena para localizao e funcio-namento, cujo pressuposto consiste no controle e fiscalizao de localizao de atividades industriais, comerciais ou de prestao de servios, as quais devem ser controladas e au-torizadas pela municipalidade, a fim de serem compatibiliza-das com o interesse pblico, em especial localizao resi-dencial ou comercial, alm de atender a requisitos relativos segurana, ao silncio, higiene, entre outros. Nesse senti-do so as lies sempre densas de Bernardo Ribeiro de Moraes (2007) em alentado estudo sobre as taxas. O prestigiado pro-fessor enumera uma srie de atividades cujo exerccio depen-de de prvia autorizao do Poder Pblico Municipal, a teor

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    de indstria, comrcio, operao financeira, diverses pbli-cas, entre outras.

    Quanto s taxas de servio, exemplo dos mais expressivos reside na taxa de limpeza pblica, a qual pode desdobrar-se em coleta de lixo domiciliar ou de estabelecimentos comerciais, industriais ou de prestao de servios, ou na taxa de gua e esgoto, consoante prelecionado por Bernardo Ribeiro de Mo-raes (2007). Ambas, a bem ver, tm por pressuposto a prestao de servio pblico especfico e divisvel, conforme o art. 145, inciso II, da Constituio, reproduzido pelo art. 7 do Cdigo Tributrio Nacional.

    Contribuio de melhoria

    No demasia dizer que, embora a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios possam instituir contribuies de melhoria, trata-se de tributo de competncia privativa e exclusiva de cada pessoa constitucional. Exemplificando, a realizao de obra pblica municipal que valorize o imvel autoriza o Municpio a instituir a contribuio de melhoria, o mesmo ocorrendo em qualquer nvel de governo.

    Cumpre advertir que o fato jurdico tributrio que legi-tima a criao do gravame consiste no binmio obra pblica-valorizao imobiliria decorrente, donde, a contrario sensu, a simples obra pblica no justifica a sua instituio, caso, alis, do Elevado Costa e Silva, no Municpio de So Paulo, pois, embora seja obra pblica, sobremodo importante para a flun-cia do trnsito, ao revs de produzir valorizao imobiliria, antes causou desvalorizao, logo ausente in casu o pressupos-to da contribuio de melhoria.

    Contribuio previdenciria de servidores

    Com fundamento no art. 149, 1, da Constituio Federal, os Municpios podem instituir contribuies previdencirias

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    de seus servidores ativos, inativos e pensionistas, tudo com o objetivo de assegurar o custeio preordenado a prover os en-cargos de aposentadoria e outros desdobramentos de cunho previdencirio. O Distrito Federal, por bvio, desfruta de igual competncia, a qual foi mencionada ao ensejo da anlise dos tributos estaduais e distritais federais.

    7 COMPARTILHAMENTO DE RECEITAS TRIBUTRIAS

    Preambularmente, impende ponderar que o tema abriga imensurvel relevo na rbita do direito financeiro, com impli-caes significativas na seara da tributao. Entrementes, trata-se de tpico pouco frequentado pela doutrina, salvo raros enfoques sobre o assunto, merecendo destaque a discriminao de receitas exemplarmente elaborada por Hamilton Fernando Castardo (2006) em seu dicionrio tributrio.

    Posto isso, cumpre observar que os arts. 157 a 159 do Texto Excelso dispem sobre a matria, a qual se encontra sob o ttulo Repartio de Receitas Tributrias, conforme estam-pa a Seo VI do Captulo I Sistema Tributrio Nacional.

    Importa obtemperar que a partilha de receitas tribut-rias representa matria de direito financeiro, premissa, a bem ver, que no se confunde com a afetao de recursos oriundos de tributos, a exemplo das contribuies sociais em que a causa de sua instituio consiste na gerao de recursos fi-nanceiros para prover os cofres da ordem social. Assim, o simples repasse da receita tributria no integra o regime jurdico tributrio, donde habita plano decididamente exge-no ao da tributao.

    H duas formas de compartilhamento de receitas tribu-trias. A primeira aquela em que uma pessoa constitucional recebe diretamente uma receita de tributo situado no mbito de competncia de outra pessoa, a exemplo do imposto sobre a renda, tributo federal por excelncia, cujas receitas retidas na fonte em relao ao pagamento de servidores pblicos,

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    desde logo, pertencem aos Estados e aos Municpios. Exempli-fica o asserto o disposto nos arts. 157, inciso I, e 158, inciso I, respectivamente, ambos da Lex Legum.

    A modalidade do repasse, por outro lado, aquela em que uma pessoa tributante distribui para outro uma parcela do valor recebido de seu prprio tributo. O art. 159, inciso I, por exemplo, determina que a Unio deve repassar aos Fundos de Participao dos Estados e dos Municpios o percentual de 48% das receitas do imposto sobre a renda e do IPI.

    A percentagem original desse repasse importava em to somente 20%, na exata conformidade com o sistema positivado por intermdio da Emenda n. 18, de 31 de dezembro de 1965, a qual alcanou o nvel de 27% at a Ordem Constitucional de an-tanho, sendo, ao final, elevada para 48% pelo constituinte de 1988.

    O pretexto da aludida majorao seria revigorar a auto-nomia financeira municipal, mas, na verdade, deu margem ao aumento da carga tributria, pois, ao perder receitas em face da elevao do repasse, a Unio majorou alguns tributos j existentes, alm de criar novos gravames. Ademais, essa pro-vidncia estimulou o surgimento de mais de mil Municpios no pas, os quais dependem exclusivamente dos aludidos repasses financeiros, o que mostra o aspecto negativo daquela medida.

    Com efeito, alm das receitas provenientes de seus pr-prios tributos, as receitas partilhadas so as seguintes:

    Participao dos Estados e Distrito Federal nas receitas federais

    a) Por meio do Fundo de Participao, recebem da Unio a percentagem de 21,5% das receitas do imposto sobre a renda e do IPI (art. 157, inciso I, da Constituio).

    b) Percentual de 29% das receitas da CIDE Combus-tveis (art. 159, inciso III, da Constituio).

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    c) Percentagem de 30% do Imposto sobre Operaes de Crdito, Cmbio e Seguro ou Relativas a Ttulos ou Valores Mobilirios (IOF) incidente sobre o ouro, defini-do como ativo financeiro ou instrumento cambial, em relao s operaes realizadas em seus territrios (art. 153, 5, da Constituio).

    d) 10% do IPI em relao aos produtos industriali-zados em seus territrios e destinados exportao.

    e) 20% da arrecadao dos impostos residuais (art. 157, inciso II, da Constituio).

    f) 100% do valor do imposto sobre a renda retido na fonte incidente nos rendimentos pagos a qualquer ttulo, seja pelo Estado ou Distrito Federal, bem como suas au-tarquias e fundaes.

    Participao dos Municpios nas receitas federais e estaduais

    Federais

    a) 23,5% das receitas do imposto sobre a renda e do IPI (art. 159, inciso I, alneas b e d, da Constituio).

    b) 50% do ITR (art. 158, inciso II, da Constituio).

    c) 70% do IPI arrecadado em seus territrios, inci-dente sobre o ouro considerado ativo financeiro ou ins-trumento cambial (art. 153, 5, da Constituio).

    d) 100% da receita do imposto sobre a renda retido na fonte incidente nos rendimentos pagos a qualquer ttulo, seja pelo prprio Municpio, seja por suas autar-quias e fundaes (art. 158, inciso I, da Constituio).

    Estaduais

    a) 25% do ICMS em relao s operaes realizadas em seus territrios (art. 157, inciso IV, da Constituio).

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    b) 50% do IPVA com referncia aos veculos automo-tores licenciados em seus territrios (art. 157, inciso III, da Constituio).

    c) 25% das receitas da CIDE Combustveis (art. 159, inciso III, 4, da Constituio).

    Fundos regionais

    O percentual de 3% das receitas do imposto sobre a renda e do IPI destina-se a prover os fundos regionais das regies Nor-te, Nordeste e Centro-Oeste, os quais devem aplicar os recursos pertinentes em programas de financiamento do setor produtivo na forma que a lei estabelecer; a propsito, a matria encontra--se disciplinada na Lei n. 7.287, de 27 de setembro de 1989.

    8 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS GERAIS E TRIBUTRIOS

    No seria despiciendo recordar que os elementos mais importantes de um sistema so denominados princpios, seja um sistema virio, fluvial ou normativo. Num sistema norma-tivo, os princpios habitam o patamar constitucional ao lado de outras normas, mas se distinguem destas em virtude do valor neles contido e pelo mbito de abrangncia racional de seus efeitos. Em singelo e contrastante exemplo, o mandamento inserto no caput do art. 217 da Carta Magna estipula como regra programtica o estmulo ao desporto formal e no formal, entre estes, por exemplo, o frescobol, como se sabe, uma mera atividade recreacional e que, por isso mesmo, abriga a condio de simples norma. Por outro lado, a forma federativa de Esta-do ou a forma republicana de governo ou o direito vida e os demais direitos e garantias elencados nos desdobres do art. 5 da Lex Legum hospedam valores superlativos e irradiam os seus efeitos em todos os quadrantes do direito nacional, da

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    revestirem a fisionomia de normas-princpios ou, simplesmen-te, princpios.

    Por sem dvida, ao lume da cincia do direito, os princ-pios no so apenas relevantes, mas imprescindveis para o labor exegtico que o processo de compreenso do direito. No sem razo que Paulo de Barros Carvalho (2007), jurista de prol, debrua-se sobre o tema em trabalho de sobremo, empreendendo suas argutas reflexes.

    Nesse rumo, sublinha que as imposies tributrias en-contram-se sob o plio de muitos princpios constitucionais, tanto os genricos, que propagam efeitos em toda a ordem jurdica, quanto os especificamente tributrios, voltados, ob-viamente, para o terreno dos tributos (CARVALHO, 2007).

    Sob essa ptica, portanto, o assunto tematizado ser examinado nas dobras deste tpico, em que sero analisados os princpios constitucionais genricos de contedo axiolgico mais expressivo e dotados de latitude mais ampla, os quais, direta ou indiretamente, repercutem ou podem percutir na seara da tributao. So os seguintes: segurana jurdica, fe-derativo, republicano, igualdade, legalidade, irretroatividade, direito de propriedade, liberdade de trabalho, universalidade da jurisdio, ampla defesa e devido processo legal, duplo grau de jurisdio, juiz natural, contraditoriedade, isonomia proces-sual, direito de petio, isonomia das pessoas constitucionais, supremacia do interesse pblico ao do particular e indisponi-bilidade do interesse pblico.

    Princpios gerais

    Segurana jurdica

    Se os princpios so regras diretoras de um sistema, h princpios que desfrutam de preeminncia em relao aos demais; so os denominados arquiprincpios ou sobreprincpios, conforme concepo pioneira de Paulo de Barros Carvalho

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    (2007). O renomado professor qualifica trs postulados com a dimenso de sobreprincpios, quais sejam, o princpio da jus-tia, da certeza do direito e da segurana jurdica.

    Em estreita sntese, o postulado da segurana jurdica consiste na possibilidade pela qual os destinatrios de normas jurdicas tenham conhecimento dos direitos e deveres estabe-lecidos no direito, podendo, assim, prever os efeitos jurdicos de suas condutas. Nesse sentido a lio de Jos Joaquim Gomes Canotilho (1987), para quem a segurana jurdica con-substancia a existncia de leis estveis e passveis de previsi-bilidade em relao aos seus efeitos. No diferente a viso de Emlio Fernandez Vasquez (1981), que a define como a garan-tia da aplicao objetiva da lei, de tal sorte que os indivduos sabem quais so os seus direitos e deveres.

    No entanto, o arquiprincpio da segurana jurdica ainda se encontra muito aqum de sua concepo ideal, pois, como obtempera Luis Recasens Siches (1973), toda ordem jurdica comporta inevitvel margem de incerteza e de insegurana. Deveras, a existncia de pontos lacunosos no direito positivo, o aspecto cambiante do direito em sua constante modificao, bem como o subjetivismo do labor exegtico, seno tambm a substituio de critrios objetivos pela opinio pessoal e sub-jetiva do magistrado ao prolatar uma sentena, enfim, esses componentes realmente reduzem a dimenso acalentada pelo primado sobranceiro ora examinado.

    Hans Kelsen (1974), o Mestre de Viena, sublinha que as decises dos tribunais com efeito erga omnes revestem a natu-reza de normas gerais e abstratas de observncia obrigatria e que, pela sua prpria natureza, no podem ser previstas pelos destinatrios do direito, vulnerando, assim, a segurana jurdica. o caso, em nosso direito, das smulas vinculantes e das decises do Pretrio Excelso em ao direta de inconstitu-cionalidade ou ao declaratria de constitucionalidade, que, decididamente operam efeitos de normas gerais e abstratas, confirmando, entre ns, a arguta observao do autor.

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    Assim, em que pese a sua relativizao, o primado da segurana jurdica simboliza pressuposto dos pressupostos e uma das razes de ser do direito, donde, sobranceiro, merece ser considerado em todo labor de produo de normas gerais e abstratas, bem como individuais e concretas, reafirmando, obviamente, que sua dimenso propaga efeitos em todos os domnios do direito.

    Justia

    No sentido formal, corresponde conformidade dos fatos ao direito, enquanto, no plano tico e moral, pressupe a equi-dade, a razo, como desgnio supremo do direito. Em Roma, Ccero averbou que justia consiste em atribuir a cada um o que seu, assim como Santo Agostinho reafirmou o mesmo axioma.

    Miguel Reale (2010), mestre dos mestres, emps empreen-der reflexes acerca das insuficincias de concepes clssicas do significado de justia, obtempera que, mesmo no alcan-ando uma ideia definitiva de justia, essa noo implica constante coordenao racional de relaes intersubjetivas, para que cada homem possa realizar livremente seus valores potenciais visando a atingir a plenitude de seu ser pessoal, em sintonia com os da coletividade. (p. 377).

    Assim, ao lado de habitar todos os quadrantes do texto constitucional, na condio de ditame implcito, a justia en-contra-se positivada no plano legislativo por meio de inmeras codificaes sob o nomen juris equidade, a exemplo dos arts. 127 e 1.109 do Cdigo de Processo Civil, do art. 5 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, seno tambm do art. 108, inciso IV, do Cdigo Tributrio Nacional.

    Certeza do direito

    Outro sobreprincpio exemplarmente pregoado por Paulo de Barros Carvalho (2007), para quem o trinmio

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    consubstanciado na segurana jurdica, na justia e na certe-za do direito simboliza postulados superlativos nos sistemas jurdicos, que, em veras, regem toda a ordem jurdica.

    A certeza do direito antessupe o aspecto imperativo do direito, pelo qual o legislador no se limita a descrever um dado fato tal como ele , mas determina que algo deva ser, com o estabelecimento de consequncias, tanto na hiptese de cum-primento ou de inadimplemento do contedo mandamental da norma jurdica, consoante o clssico magistrio de Miguel Reale (2010), em Lies preliminares de direito.

    Assim, o direito dotado de coero, a qual se conjuga com sua concreo no campo da aplicao e, no caso de obser-vncia da norma, opera-se a extino da obrigao, ao passo que, na hiptese contrria, d-se a sano, caracterstica, alis, peculiar ao direito, pois, embora todos os sistemas sejam do-tados de sano, somente no direito a sano ganha sua gra-dao mxima substanciada na privao da liberdade ou na execuo forada do patrimnio.

    Destarte, poder-se-ia dizer que as normas gerais e abs-tratas no representam conselhos ou sugestes acerca da conduta de seus destinatrios, assim como as normas concre-tas e individuais expressas em decises judiciais no significam uma recomendao ou um juzo de probabilidade, pois todas hospedam um dever-ser compulsrio suscetvel de execuo forada, peculiar e privativa do sistema normativo do direito.

    Federao

    O Estado, compreendido como a nao jurdica e politi-camente organizada, pode ser constitudo sob a forma unitria ou federativa. A primeira consiste no Estado em que o poder centralizado, embora existam regies, como na Itlia, ou departamentos, como ocorre na Frana. J a segunda frmula consubstancia o Estado Federal, que, ao contrrio do unitrio,

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    se caracteriza pela diviso do poder poltico, o qual se espraia entre entes federados dotados de autonomia, a teor dos Estados Unidos da Amrica do Norte, Sua, Alemanha, Brasil, entre outros. Alis, no direito ptrio, a lei maior denomina-se Cons-tituio da Repblica Federativa do Brasil, indicando, pois, de logo, a forma federal de Estado, reafirmada, diga-se de passo, no caput do art. 1, cujo mandamento define a forma federal de Estado e a forma republicana de governo.

    No Estado unitrio, naturalmente, sua configurao pressupe uma descentralizao meramente administrativa, por meio da qual o governo central delega poderes de gesto ao governo local, que no dispe de autonomia para eleger o chefe de governo, no dispondo de prerrogativas para eleger o seu Parlamento e no podendo, pois, criar direito prprio, nem ter receitas prprias para realizar seus desgnios. Nesses Estados, a Ordem Constitucional denomina-se Constituio Nacional.

    No Estado Federal, de revs, a autonomia das entidades federadas assegura a criao de direito prprio, a organizao de seus poderes, a eleio de seus governantes, Executivo e Parlamento, a obteno de recursos financeiros privativos, integrando, assim, um Estado composto por unidades regionais que convivem num mesmo livel e gravitam sob a gide de uma Constituio Federal. Destarte, no Estado Federal, afora a Constituio Federal, os governos locais tambm podem ado-tar uma Ordem Constitucional local, a exemplo das Cantonais na Sua, dos Landers na Alemanha ou das Constituies dos Estados e das leis orgnicas municipais em vigor no direito brasileiro. Todavia, de mister ponderar que os Municpios so dotados de autonomia, mas no tm assento no Senado da Repblica, donde, fazendo coro com Michel Temer (1987), foroso reconhecer que essas entidades no integram o pacto federativo.

    Consoante o magistrio de Michel Temer (1987), trs notas so essenciais para a configurao do Estado Federal, a

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    saber: a) descentralizao poltica firmada na Constituio plasmada na repartio constitucional de competncias; b) participao da vontade das ordens jurdicas parciais na von-tade criadora da ordem jurdica nacional; e c) possibilidade de autoconstituio por meio de constituies locais.

    Em que pesem os traos diferenais em relao s formas de Estado, seus efeitos so relevantes to somente no plano interno, conforme sutilmente observado por Michel Temer (1987), pois, no cenrio internacional, ambos so soberanos, tanto o Estado unitrio quanto o Estado Federal. Destarte, segundo o renomado professor, a soberania retrata um poder supremo e uma concepo da unidade estatal enquanto auto-nomia reside na prerrogativa pela qual, numa Federao, os governos locais podem se organizar, observado, obviamente, o balizamento constitucional.

    No se pode olvidar que o Distrito Federal ganhou esta-tura de pessoa jurdica de direito poltico interno com o adven-to da Carta promulgada em outubro de 1988. Assim, ao lado das demais entidades federadas, o Distrito Federal dotado de autonomia, tem assento no Senado da Repblica e encontra-se investido das competncias legislativas inerentes aos Estados e aos Municpios, nos termos, a bem ver, do disposto no art. 32 da Constituio.

    O postulado federativo reveste a condio de clusula ptrea, por fora do disposto no art. 60, 4, inciso I, pelo que no pode ser modificado nem mesmo por meio de emenda Constituio. Ademais, repercute diretamente na tributao, a exemplo de no compaginar-se com a federalizao do ICMS, pois essa hiptese pressupe retirar dos Estados uma parcela relevante de sua autonomia financeira, da o flagrante descon-certo com o pacto federativo. Alis, o pretexto da excogitada federalizao no menos equivocado, porquanto o discurso oficial sugere acabar com as diferenas tributrias entre os Estados, a chamada guerra fiscal, fato, alis, imanente forma federal, a exemplo do imposto estadual norte-americano, o

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    Sales Tax, cujas alquotas oscilam entre 0 e 8,5%, em conso-nncia com a lgica do Estado Federal.

    Republicano

    O postulado republicano diz respeito a uma das formas de governo por meio das quais o Estado organiza-se com o desgnio de exercer o seu poder em prol da sociedade. O con-ceito origina-se da cincia poltica que reconhece formas puras e impuras de governo, aquelas consubstanciadas nas formas republicanas e monrquicas, estas nas ditaduras e tiranias. A forma de governo, como bem atremado por Pinto Ferreira (1989), no se confunde com o regime de governo, a exemplo do parlamentarismo ou presidencialismo, distinguindo-se, tambm, do regime poltico, que pode ser democrtico direto, indireto ou misto, alm dos regimes no democrticos. Assim, consoante a memorvel lio de James Madison (apud FER-REIRA, 1989), a Repblica o governo cujo poder e gesto provm do grande corpo da sociedade.

    Ao lado do conceito ao lume da cincia poltica e sob o ponto de vista semntico, cumpre verificar a forma como a Repblica foi positivada no Cdigo Supremo, na esteira, alis, das lies de Roque Antonio Carrazza (2002) ao sublinhar que a compreenso do primado republicano deve ser aquilatada nos termos em que se encontra constitucionalizado. Nas pala-vras sempre candentes do reputado jurista, numa Repblica, o Estado no senhor dos cidados, mas protetor supremo de seus interesses materiais e morais, culminando por averbar que a Repblica no representa um risco para as pessoas, mas um verdadeiro penhor de suas liberdades.

    Ao consoar de Roque Antonio Carrazza (2002), Repblica o tipo de governo fundado na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder poltico exercem-no em carter eleti-vo, representativo, transitrio e com responsabilidade. As clu-sulas da primorosa definio merecem breves comentos, com o

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    fito de explicitar o contedo e os quadrantes da forma republi-cana de governo, segundo o magistrio do abalizado professor.

    A igualdade situa-se nas dobras da Repblica, pois, nela, a res publica de todos e para todos, da encontrar-se plasma-da no primado isonmico. Deveras, numa Repblica em que o povo o titular do poder, no teria sentido o mesmo povo con-sentir e tolerar o favorecimento de castas ou grupos de pessoas em detrimento dos demais, vale dizer, seria uma incompatibi-lidade lgica e ontolgica. Por iguais razes, a forma republi-cana de governo jaz entroncada com o postulado democrtico, caracterizado no governo do povo, pelo povo e para o povo.

    O aspecto eletivo e representativo perfaz-se por meio de pleitos eleitorais em que o povo escolhe os seus representantes por meio de sufrgio universal. Destarte, os eleitos para o exerccio de funes executivas e legislativas representam o povo, do qual so mandatrios. Nessa trilha, alis, a lio de Ccero (2011), que em sua clssica definio afirma que, nesse regime poltico, os governantes no so donos da coisa pblica, mas seus gestores. Na mesma vereda o pensamento de Joo Barbalho (1924) para quem o governo republicano exercido por mandatrios, representantes escolhidos pelo povo sobera-no e em nome dele.

    A representatividade, por sua vez, afigura-se obviamen-te indelegvel, consoante exemplarmente averbado por Roque Antonio Carrazza (2002) ao versar o assunto. So suas palavras:

    Corolrio indispensvel deste asserto que o eleito tambm no pode transferir para terceiro, o mandato que o povo lhe conferiu; se por mais no fosse, em vir-tude do princpio geral de direito pblico pelo qual de-legatur, delegare, non potest, ou seja, ningum pode de-legar o que recebeu por delegao (p. 57).

    Por decorrncia dessa premissa, ldimo seria acoimar a ilegitimidade de qualquer votao efetivada por meio de

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    lideranas ou qualquer outra frmula em que um parlamentar vote em nome de outro, fato que, a rigor, haveria de render margem inconstitucionalidade de diploma normativo apro-vado nessas condies. A bem ver, tal fato comum no direito tributrio, pois, no raramente, leis ordinrias, bem como leis complementares de ndole tributria, so aprovadas por meio de voto de lideranas dos partidos polticos, o que, induvido-samente, afronta o vetor delegatur, delegare, non potest.

    J a transitoriedade repousa na temporariedade no exer-ccio do mandato poltico, porquanto, no regime republicano, a assuno do poder sempre temporria, ao contrrio da Monarquia, em que ocorre a perpetuidade do soberano.

    Finalmente, a clusula da responsabilidade pressupe a possibilidade de responsabilizao civil, administrativa e crimi-nal em relao aos exercentes do poder, a exemplo do impeach-ment aplicvel aos chefes do Executivo, bem como da cassao de mandato parlamentar por quebra de decoro, alm de outros meios administrativos e judiciais tendentes a responsabilizar servidores dos trs poderes.

    Igualdade

    A Ordem Constitucional de outrora contemplava o cno-ne da igualdade por meio do comando imerso no art. 153, 1, da Emenda n. 1, de 17 de outubro de 1969, a qual, em verdade, ao revs de emendar o Texto de 1967, instituiu uma nova Cons-tituio. O referido mandamento proclamava genericamente a igualdade e proibia distines de sexo, raa, trabalho, credo religioso e convices polticas.

    A Constituio promulgada em outubro de 1988 redimen-sionou o primado da igualdade, comunicando-lhe infinitude, pois adota como premissa a igualdade de todos perante a lei, assim como a Carta antiga, mas probe distino de qualquer natureza, donde o princpio sub examen ganhou inegvel plenitude.

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    O vetor da igualdade lembra, de logo, a concepo aris-totlica relembrada por Ruy Barbosa (1949) em seu memorvel discurso Orao aos moos, segundo a qual o seu significado consistiria em aquinhoar desigualmente os desiguais, obser-vadas as suas desigualdades; dito de outro modo, equivaleria a tratar igualmente os iguais. Todavia, em que pese a inegvel autoridade intelectual de seus subscritores, essa afirmao no logra explicar ou revelar quem so os desiguais ou quem so os iguais. Em suma, nada diz em relao ao regime jurdico tipificador do axioma da igualdade.

    Alis, no raramente, as palavras de Aristteles e Ruy Barbosa (1949) so empregadas de maneira falaciosa, tanto que frequentemente utilizadas como se fossem um cheque em branco que poderia legitimar qualquer opinio ou ponto de vista objeto de um estudo ou de uma controvrsia. Exemplifi-ca o asserto invocar a igualdade como premissa para justificar a destinao de vagas em universidades em prol de alunos afrodescendentes. Ora, um certame dessa natureza somente poderia ser efetivado por meio de um processo seletivo de conhecimentos, jamais em virtude de qualquer outro aspecto em relao ao candidato, sob pena de, ao contrrio de home-nagear a igualdade, antes a ofender.

    Outro aspecto que permanece numa zona cinzenta aquele relativo a uma suposta e utpica igualdade absoluta em termos econmicos, intelectuais, sociais e tantos outros, ine-rente aos destinatrios das normas jurdicas em geral e do princpio sob exame em particular.

    Por conseguinte, a abordagem do tema suscita um escla-recimento prvio, pois, ao contrrio de uma viso ingnua que, por vezes, permeia o assunto, a legislao discriminatria, mas a discriminao per se no significa haver descompasso com o princpio da igualdade. A propsito, assim j salientava San Tiago Dantas, citado por Alexandre de Moraes (2009, p. 38), cujas palavras merecem ser transcritas:

    Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior o grau de diferenciao a que atinge seu sistema

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    EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM

    legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivduos, quase sempre atende as diferenas de sexo, de profisso, de atividade, de situao econ-mica, de posio jurdica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situao de todos os bens, quase sempre se distingue conforme a natureza, a utili-dade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo nico as mlti-plas ocorrncias de um mesmo fasto, quase sempre os distingue conforme as circunstncias em que se produ-zem, ou conforme a repercusso que tem no interesse geral. Todas essas situaes, inspiradas no agrupamen-to natural e racional dos indivduos e dos fatos, so es-senciais ao processo legislativo, e no refm o princpio da igualdade. Servem, porm. Para indicar a necessida-de de uma construo terica, que permita distinguir as leis arbitrrias das leis conforme o direito, e eleve at esta alta triagem a tarefa do rgo do Poder Judicirio.

    Decididamente, no pensar deste livro, a discriminao em si, alm de no atritar o contedo e o regime jurdico da igualdade, antes a integra. Sim, a assero acompanha o magistrio fecundo de Celso Antonio Bandeira de Mello (1984), para quem a igualdade perfaz-se na medida em que exista um nexo plausvel entre o critrio desigualador e a finalidade por ele perseguida. Por sem dvida, a lio pionei-ra do consagrado jurista traduz a mais expressiva contribui-o doutrinal em prol da teoria geral do direito em relao ao princpio examinado.

    Assim, em obsquio ao exposto, suponha-se que, num concurso para delegado de polcia, seja exigida do candidato a condio de ser exmio lutador de carat. Ora, ressalta eviden-te a afronta igualdade, porque inexiste relao lgica entre o discrimen lutador de carat e a funo de delegado de polcia, a qual deve ter conhecimento do direito em geral e do direito penal em particular, pois sua misso no lutar com criminosos, mas instaurar e presidir o inqurito policial. Ou-trossim, o mesmo discrimen teria toda pertinncia se o governo

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    estadual cogitasse criar uma polcia especial, a exemplo da unidade SWAT americana, e, para tanto, selecionasse agentes com esse perfil.

    Como se v, o nexo plausvel entre o discrimen e a fina-lidade tem o condo de traduzir o contedo do primado da igualdade, merecendo infirmado, outrossim, o vetusto ditame aristotlico que nada diz em relao ao regime jurdico desse sobranceiro princpio, que hospeda um dos mais relevantes direitos e garantias fundamentais.

    Legalidade

    A legalidade simboliza o primado e o imprio da lei e, nesse sentido, representa um princpio que abriga as leis em geral, incluindo os diplomas de igual categoria, entre os quais, o direito ptrio contempla as leis complementares, as leis or-dinrias, as leis delegadas, as medidas provisrias, os decretos legislativos e as resolues do Senado, nos estritos termos do disposto no art. 59, incisos II usque VII, da Constituio da Repblica. Cabe ponderar que as leis delegadas fazem parte da legalidade genrica ora examinada, mas no integram a legalidade especificamente tributria, conforme ser demons-trado ao ensejo do exame do referido princpio nas hostes da tributao.

    Est cristalizada no comando inserto no art. 5, inciso II, do Texto Supremo, assim averbado: Ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. Com efeito, trata-se de norma com estatura de princpio constitucional genrico, dotada da roupagem de direito e ga-rantia fundamental, cujo contedo alcana todos os domnios do direito.

    Uma advertncia preliminar merece ser anotada, pois a letra do art. 5, inciso II, da Constituio Federal estipula que somente a lei impe obedincia, o que daria margem a

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    supor que os diplomas sublegais, assim como os decretos e atos administrativo, no seriam dotados de cogncia, o que seria um rematado absurdo. Destarte, conquanto todo diplo-ma normativo requeira observncia obrigatria, somente a lei que pode inovar a ordem jurdica inauguralmente, con-forme a precisa lio de Renato Alessi (1970). No presente contexto, a referncia lei compreende todo o plano dos di-plomas legais, vale dizer, aqueles enumerados no art. 59, in-cisos II a VII, da Constituio.

    Consoante as lies de Paulo de Barros Carvalho (2007), em obsquio ao postulado da legalidade, somente a lei pode estabelecer a instalao de direitos subjetivos e corresponden-tes deveres jurdicos. A diretriz da legalidade espraia seus efeitos em todos os quadrantes do direito, conforme j falado, convindo observar que sua intensidade nas paragens tribut-rias sobremodo acentuada, tanto que o constituinte reafirmou a legalidade no captulo do sistema tributrio nacional, no caso, por meio do art. 150, inciso I, comunicando-lhe, assim, uma gradao redimensionada no campo da tributao.

    Irretroatividade

    Conforme cedio, as leis projetam-se para o presente e para o futuro, donde o passado escapa ao seu imprio. Segun-do memorvel reflexo de Paul Roubier (1960), a irretroativi-dade das leis integra o patrimnio dos povos civilizados. Im-pende anotar que, assim como os demais direitos e garantias fundamentais, o referido princpio representa direito do cida-do em relao ao Estado e, por via de consequncia, nada impede que a lei tenha eficcia retroativa, desde que no ins-titua deveres jurdicos pretritos, na trilha, alis, de sua rou-pagem constitucional consubstanciada nos dizeres: A lei no prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada, na estrita harmonia com o disposto no art. 5, inciso XXXVI, do Texto Magno.

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    Segundo Ruy Barbosa (1953), mais do que a inaplicabi-lidade aos fatos pretritos ou pendentes, a irretroatividade homenageia, sobretudo, o direito adquirido e, por via de con-sequncia, a segurana jurdica.

    O direito adquirido, a bem ver, mereceu reconhecimento na primeira codificao jurdica da histria da humanidade, nos anos 2123-2081 a.C., no caso, o Cdigo de Hammurabi, no direito mesopotmico. No direito romano, o cnone da irre-troatividade ressurgiu, num primeiro momento, controverso, a exemplo de testilha em que Ccero condena as leis retroativas, advogando a impossibilidade de lei nova mudar as regras da sucesso testamentria j em curso. Com Ulpiano e Paulo, ganhou vigor a noo da relao jurdica definitivamente es-tabelecida e, portanto, a salvo da lei nova. No ano de 393, a Primeira Regra Teodosiana tornou a irretroatividade expressa, a saber: Omnia constituta non praeteritis calumniam faciunt. (Cdigo Teodosiano, 1, 1, 3). Ao depois, a Segunda Regra Teo-dosiana ganhou explicitude no Cdigo de Justiniano, ao firmar que a lei aplica-se somente aos casos futuros, no aos fatos passados, nem aos negcios pendentes (TUCCI, 1977).

    No direito moderno dos sculos XVI, XVII e XVIII, o princpio da irretroatividade foi recepcionado, sobretudo, na legislao italiana, alem, francesa e norte-americana. O gran-de avano do postulado da irretroatividade deu-se na Carta Americana de 1787, cujo mrito consistiu em sua constitucio-nalizao (TUCCI, 1977).

    No direito brasileiro, a irretroatividade mereceu trata-mento constitucional desde a Constituio Imperial de 1824, tendo sido mantida pelos Cdices de 1881, 1934, 1967, 1969 e 1988. Como se v, apenas a Carta de 1937 fez tbula rasa em relao quele lema intertemporal de magna relevncia no plexo dos direitos fundamentais. A exceo guarda coe-rncia com o momento de ento, pois a Carta de 1937 insta-lou o chamado Estado Novo, num dos momentos lacunosos em nossa democracia.

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    O primado da irretroatividade produz efeitos em todos os meandros do direito nacional, com especial ressonncia na tributao, conforme ser visto ao ensejo do exame dos prin-cpios tributrios.

    Universalidade da jurisdio

    Gizada no Texto Excelso por meio do art. 5, inciso XXXV, com a seguinte redao: A lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito, sua magnitude desponta evidncia, pois assegura a qualquer pessoa fsica ou jurdica o direito sacramental de bater s portas do poder incumbido de produzir a norma concreta e individual, decidin-do um conflito de interesses. Em veras, o princpio in casu, tambm denominado indeclinabilidade da jurisdio, repre-senta um atributo impostergvel no Estado de Direito, tanto que, conjugado com o devido processo legal, assegura subme-ter ao crivo do Judicirio uma testilha que possa culminar com a privao da liberdade ou a perda de bens.

    Rogrio Laura Cruz e Jos Rogrio Tucci (1989) qualifi-cam-no como uma relao de direito judicirio material, em que o titular do direito subjetivo pode potencializ-lo por meio de seu exerccio de ao, o qual efetivado por intermdio do processo como meio de aplicao do direito nos casos levados aos rgos jurisdicionais.

    Na concepo desta obra, a primado da universalidade diz respeito tambm rbita administrativa, mxime porque uma viso contextual do art. 5 da Constituio revela que, ao lado do processo judicial, o processo administrativo integra o elenco de direitos e garantias fundamentais, tanto que h refe-rncias expressas acerca do assunto, a teor do disposto no in-ciso LV, que assegura a contraditoriedade, a ampla defesa e o duplo grau aos litigantes em processo administrativo ou judicial, alm de assegurar a razovel durao do processo no mbito judicial e administrativo, conforme quer o inciso LXXXVIII.

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    Destarte, como corolrio do expendido, foroso reco-nhecer que no s o Judicirio, mas a administrao tambm no poderia deixar de apreciar leso ou ameaa a direito, in-tegrando, assim, a plenitude do primado da universalidade da jurisdio.

    Trata-se de princpio sobreposse relevante nos pramos da tributao, uma vez que os conflitos de interesse rendem margem a frequentes litgios submetidos craveira de rgos julgadores do Poder Executivo.

    Princpios tributrios

    Capacidade contributiva

    Expressiva corrente doutrinal reconhece que a definio do princpio em apreo aquela constante do art. 145, 1, da Constituio e o seu alcance seria circunscrito aos impostos, a exemplo de Regina Helena Costa (2009, p. 73), para quem o princpio da capacidade contributiva encontra-se positivado, na acepo subjetiva do conceito, no art. 145, 1, CR, segundo o qual sempre que possvel os impostos tero carter pessoal e sero graduados consoante a capacidade econmica do con-tribuinte. No mesmo rumo, comunga Aniz Kfouri (2012) ao adscrever que o referido princpio estaria consagrado no refe-rido dispositivo constitucional, bem como compreenderia ba-sicamente os impostos.

    No entanto, a noo ora esposada no concernente defi-nio da capacidade no coincide com aquela positivada no art. 145, 1, da Carta Magna, mas corresponde a um conceito lgi-co, que, no dizer de Dino Jarach (1971, p. 87), a potencialida-de que os particulares tm de contribuir para os gastos pblicos por meio de tributos. No diferente a viso de Luigi Ferlazzo Natoli (1979) ao frisar que todos devem concorrer para a despe-sa pblica em razo de sua capacidade contributiva, na trilha, alis, do disposto no art. 53 da Constituio Italiana.

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    Essa concepo hospeda um contedo lgico-jurdico universal e, com esses matizes, jaz espraiada e inexpressa nas dobras de um conjunto de princpios constitucionais genri-cos e tambm tributrios que consagram direitos fundamen-tais e sociais. Ademais, a concepo neste momento propug-nada reconhece que a capacidade contributiva deve informar a tributao em todos os seus domnios, alcanando impostos, taxas, contribuies e emprstimos compulsrios, embora, evidentemente, os impostos sobre a renda e sobre o patrim-nio sejam os mais adequados para a realizao desse desgnio constitucional.

    A assertiva ora anotada comungada por abalizados doutrinadores, a teor de Roque Antonio Carrazza (2002) e Lu-ciano Amaro (2008). No diferente a convico de Argos Gregrio (2011), em exemplar monografia sobre o tema, ao atremar expressamente que a capacidade contributiva afigura--se aplicvel aos tributos vinculados, vale dizer, taxas e contri-buies de melhoria.

    Com referncia ao disposto no art. 145, 1, da Consti-tuio Federal, fora reconhecer que, ao tratar do assunto com a denominao capacidade econmica, o aludido coman-do no o define, mas estabelece uma diretriz no sentido de que as pessoas tributantes Unio, Distrito Federal, Estados e Municpios devem priorizar a criao de impostos pessoais, que so aqueles incidentes sobre a renda e sobre a proprieda-de, pois, certamente, so os que melhor espelham a capacida-de contributiva do contribuinte.

    Ademais, o mesmo comando abriga outra norma, a qual instrumentaliza a administrao tributria a controlar o cor-retismo ou a prtica de fraudes, regra, diga-se de passo, intem-pestiva na forma, uma vez que no guarda relao lgica com a chamada capacidade econmica, alm de mostrar-se incua no mrito, mxime porque o poder de fiscalizar j inerente Fazenda Pblica enquanto exerce a gesto tributria. Essa objurgatria no passou despercebida da arguta reflexo de

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    Roque Antonio Carrazza (2002), que critica com veemncia o referido dispositivo, invocando a acerbada observao de Jean Rivero ao dizer que o legislador, mesmo o constituinte, pode dar-se ao luxo de cometer erros que reprovariam um estudante de direito.

    A bem ver, os princpios constitucionais tributrios re-presentam uma limitao ao poder do Estado, bem como ex-primem um direito do contribuinte tributrio e do cidado que suporta o repasse econmico do tributo embutido no preo de mercadorias e servios. Assim, a capacidade contributiva con-siste numa tributao que tem como fronteira o respeito a valores consagrados no Texto Excelso, como a vida, a igualda-de, a propriedade, a vedao confiscatoriedade, a educao, a sade, o trabalho, a moradia, a segurana e o lazer, num rol exemplificativo de direitos fundamentais e sociais enumerados nos arts. 5 e 6 da Constituio da Repblica.

    dizer, a capacidade contributiva um direito que parametriza a quantificao da tributao, tendo como vrtice um conjunto de direitos e garantias fundamentais conjugados com direitos sociais. Deveras, esse plexo de valores exprime o mnimo existencial, tambm denominado mnimo necessrio ou mnimo vital, que corresponde a um mnimo suficiente para a manuteno do indivduo e de sua famlia, donde essa pre-missa identifica um dado valor insuscetvel de cobrana de tributos, representando, assim, uma verdadeira fronteira que impede o Estado de tributar, na esteira de lcida ponderao de Eduardo Sabbag (2009).

    Abriga um aspecto dualstico, um objetivo e outro subje-tivo, segundo Klaus Tipke e Joachim Lang (2008), a exemplo do montante tributvel dos rendimentos, que reveste um sen-tido objetivo, ao passo que a considerao pessoal do contri-buinte por meio de dedues compreende inegavelmente um trao subjetivo.

    Em veras, o referido princpio instrumentaliza o contri-buinte a questionar a tributao que porventura desatenda ao

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    referido primado constitucional, seja em termos objetivos ou no sentido subjetivo, em face da situao individual de um contribuinte, tanto no tocante carta tributria total quanto no tangente a um tributo isoladamente considerado. A assero ecoa no magistrio de Hugo de Brito Machado (2001, p. 41) ao averbar que o princpio em apreo

    pode ser objeto de controle tanto por ao direta, pro-movida perante o Supremo Tribunal Federal, por uma das pessoas indicadas no art. 103 da vigente Constituio Federal, como em qualquer das aes nas quais ordina-riamente so apreciadas as questes tributrias.

    Estrita legalidade

    Afora a legalidade em sentido genrico, conforme previs-ta no art. 5, inciso II, da Constituio Federal, o princpio ressurge no art. 150, inciso I, no captulo relativo ao sistema tributrio nacional. Em face dessa reafirmao da legalidade, a doutrina qualifica-a com a dimenso de estrita, revestindo, assim, um carter mais restritivo e de graduao mxima den-tro dos lindes da tributao.

    Algumas ponderaes merecem ser assinalas com rela-o ao adgio da legalidade, tanto em sua acepo lata quan-to estreita. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o regi-me jurdico da legalidade no direito pblico diametralmen-te oposto ao da legalidade no direito privado, tanto que na-quele o Poder Pblico somente pode fazer o que a lei deter-mina, enquanto neste o que no proibido est juridicamen-te permitido.

    Por outro lado, a legalidade representa expresso da funo legislativa, a qual consubstancia a produo de normas gerais e abstratas. Cumpre sopesar, contudo, que nem sempre a norma geral e abstrata reveste a fisionomia de lei, a exemplo de decretos e atos administrativos da lavra do Poder Executivo,

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    o mesmo ocorrendo em relao ao regimento dos tribunais, que tambm compreende normas com esse perfil.

    Como se v, o contedo geral e abstrato no espelha o trao tipificador da legalidade como expresso das leis. Melhor sorte no cabe ao poder produtor das normas, pois tanto o Legislativo quanto o Executivo e o Judicirio produzem normas gerais e abstratas. Com efeito, merece ser relembrada a lio de Renato Alessi (1970) no sentido de que o regime tpico da funo legislativa repousa no poder de inovar a ordem jurdica inauguralmente no plano ps-constitucional. Esse poder, sim, antes apangio dos reis, agora exprime funo privativa dos Parlamentos.

    Deveras, a legalidade, quer genrica, quer a especifica-mente tributria, simboliza um componente quintessencial do Estado de Direito Democrtico e gravita sobranceira sobre go-vernantes e governados. A afirmao justifica-se na medida em que a legalidade pressupe o povo governar a si prprio, por meio de seus representantes no Parlamento. A propsito, Sacha Calmon Navarro Colho (1996) sumariza o esprito da legalida-de ao dizer que o poder de tributar exercido pelo Estado por delegao do povo, que o titular do poder. Nesse sentido, a bem ver, pontua que o aludido princpio, a priori, de que o povo legisla para si prprio, consoante estampado em Comentrios Constituio de 1988. A mesma premissa aplica-se na constelao tributria, conforme sublinhado por Francisco Cavalcanti Pon-tes de Miranda (1974) ao dizer que o princpio significa o povo tributar a si mesmo, reflexo reiterada por Alberto Xavier (1981) ao adotar a expresso autotributao.

    Com efeito, essas premissas informam a legalidade no geral e na tributao em particular, s que, nas hostes tri-butrias, a sua gradao assume cores escarlates, pois, con-forme prefalado, o rigor que impregna o aludido princpio na rbita tributria comunica-lhe a denominao estrita legalidade, a qual, diga-se de passo, adotada pela doutrina nacional e estrangeira.

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    Destarte, segundo a literalidade do disposto no art. 150, inciso I, da Carta da Repblica, somente lei pode estabelecer a exigncia ou aumento de tributo. Impende ressaltar que a ver-dadeira dimenso da estrita legalidade transcende a letra do referido comando, mxime porque criar o tributo no se circuns-creve a faz-lo apenas em tese, firmando uma regra in albis.

    Por todas as veras, instituir um tributo significa descrever o fato jurdico suscetvel de tributao, bem como o territrio em que o fato produz os seus efeitos, seno tambm o momen-to em que se instala a obrigao, ou seja, o timo de tempo no qual se opera o nascimento do tributo. Ademais, o processo de criao do tributo requer que sejam identificados os sujeitos da relao jurdica e determinado o modus faciendi da respec-tiva quantificao.

    Ademais, alm da criao do tributo, a estrita legalidade engloba a majorao, reduo ou qualquer transformao concernente obrigao tributria, englobando, enfim, todos os estdios relativos ao nascimento, existncia e extino dos tributos, inclusive os mecanismos revisores da prpria legali-dade, conforme sutil reflexo de Eusbio Gonzlez Garca (1992) ao versar o tema ao lume da Constituio Espanhola.

    Outrossim, importa assinalar que o entendimento pre-ponderante na doutrina correlaciona a estrita legalidade lei em sentido estrito, ao passo que o ponto de vista sustentado nesta obra entrev no aludido princpio no s a lei, mas os diplomas legais do patamar legal, no caso, aqueles enumerados no art. 59, incisos II, III, V, VI e VII, vale dizer, lei complemen-tar, lei ordinria, medida provisria, decreto legislativo e reso-luo do Senado.

    Em exemplrio armado a propsito, no a lei propria-mente que transforma um tratado internacional em diploma legal, mas o decreto legislativo, bem como no cabe lei es-tabelecer a alquota mxima do ITCMD, porquanto se trata de matria privativa de resoluo do Senado Federal. Como se v, os diplomas mencionados desfrutam de igual estatura

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    das leis, cada qual dotado de competncia especfica, o que legitima reafirmar que a estrita legalidade tributria com-preende um espectro mais amplo do que apenas a lei especi-ficamente considerada.

    Por outro lado, a estrita legalidade afigura-se indelegvel, na proporo em que o legislador no pode transferir seus poderes para o Executivo, a exemplo do que ocorrera em rela-o contribuio de Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), na qual a Lei n. 8.212/91 incumbiu o Executivo de implementar a sua quantificao. Por induvidoso, a aludida delegao, in-constitucional por todas as luzes, foi objeto de inmeros estu-dos da lavra de doutrinadores de tomo, que demonstraram seus desconcertos com matrizes insertas na Carta da Repbli-ca, mas o Pretrio Excelso passou ao largo dos primados car-deais da cincia do direito e, na contramo do figurino consti-tucional, legitimou a exigibilidade do referido gravame. Ao consoar de Herbert Hart (1961), o direito o que o tribunal diz que , premissa com a qual esta obra no compactua, salvo se adicionado um epteto, segundo o qual o direito oficial o que o tribunal diz que , quer correta ou incorreta a deciso.

    No direito brasileiro, a estrita legalidade no comporta excees, salvo atenuaes, as quais consistem nas hipteses contidas no art. 153, 1, da Constituio Federal, cujo coman-do autoriza o presidente da Repblica a alterar para mais ou para menos as alquotas dos impostos sobre a importao e exportao, IPI e IOF, observados os limites previamente esta-belecidos em lei. Como se v, essa disposio no excetua os aludidos impostos do princpio da estrita legalidade, mxime porque instrumenta o Executivo com poderes de implementar aquilo que a lei inovou em primeira mo.

    Estrita igualdade

    A igualdade reveste a feio de princpio constitucional genrico, insculpido no caput do art. 5 da Carta Magna, com

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    a condio de direito e garantia fundamental. Ao lado dessa previso geral e abrangente, o constituinte reafirmou-a no captulo do sistema tributrio, fazendo-o por intermdio do art. 150, inciso II, cujo comando veda tratamento desigual en-tre contribuintes em situao equivalente, proibindo, outros-sim, qualquer distino em virtude de ocupao profissional ou funo, independentemente da denominao dos rendimen-tos, ttulos ou direitos.

    Assim, a igualdade merece ser compreendida com um rigor extremo, dada a sua reiterao no sistema tributrio e merc, tambm, de sua especificidade. A igualdade afigura-se compatvel com a estipulao de alquotas progressivas em relao a uma srie de tributos, caso do imposto sobre a renda, do IPTU, entre outros.

    Por outro lado, no Municpio de So Paulo, por exemplo, o imvel com destinao comercial gravado com alquota de IPTU superior em relao ao imvel residencial, o que, obvia-mente, descumpre o postulado da igualdade, mxime porque inexiste um nexo lgico e plausvel que justifique essa discri-minao. Ora, se o fato gerador do referido imposto consiste na conduta de ter a propriedade, logo o objeto da tributao circunscreve-se propriedade, no comportando, assim, uma desigualao que no seja o valor do imvel.

    A observncia do princpio da igualdade repudia privil-gios, tema, alis, impresso no direito constitucional comparado, a exemplo, entre outros, do art. 112 da Constituio da Blgica, que probe o estabelecimento de privilgios em matria tribu-tria, o mesmo ocorrendo no art. 182 da Carta dos Pases Bai-xos, que veda qualquer privilgio em matria impositiva, ou ainda no art. 3 do Texto Grego, que contempla a igualdade perante a lei e o dever de os cidados contriburem sem distin-o para os encargos pblicos, merecendo ser lembrado, ainda, o art. 10 da Carta Chilena, que dispe sobre a igual repartio dos impostos e contribuies entre todos os habitantes da Re-pblica (UCKMAR, 1976).

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    Anterioridade

    Demarcao intertemporal que limita o exerccio do po-der tributrio do Estado, de tal modo que os tributos submeti-dos ao referido cnone constitucional somente podem ser co-brados aps o decurso de um determinado lapso temporal entre a sua criao ou majorao e o momento da exigibilidade. Assim, afora os tributos constantes do sistema tributrio no plano legislativo, a instituio de novos tributos ou a majorao de alquotas daqueles j existentes s pode ser efetivada depois da fluncia de um marco de tempo.

    O princpio em apreo desdobra-se em mltiplas moda-lidades. A primeira delas, que representa uma diretriz genri-ca do sistema tributrio, denominada anterioridade ano ca-lendrio, conjugada com a noventena prevista no art. 150, in-ciso III, alneas b e c, da Constituio Federal. Com efeito, a referida frmula requer que, alm do ano calendrio, seja respeitado o mnimo de 90 dias entre a instituio ou majorao dos tributos e a sua respectiva exigibilidade.

    Obtempere-se que ano calendrio compreende o espao de tempo entre o dia 1 de janeiro e o dia 31 de dezembro, no se confundindo, pois, com ano civil, que a Lei n. 810, de 6 de setembro de 1949, define como o perodo de doze meses con-tado a partir de qualquer dia do ano, at o mesmo dia e ms do ano seguinte.

    A anterioridade ano calendrio conjugada com a noven-tena encampa os tributos em geral, salvo aqueles com relao aos quais o prprio Texto Magno estabelece outros regimes de anterioridade ou mesmo excees ao aludido princpio. Essa diretriz genrica compreende, por exemplo, o ICMS, o ITCMD, o ISS, as taxas e as contribuies de melhoria de um modo geral.

    De outro lado, o IPI, por fora do disposto no art. 150, inciso III, 1, da Constituio, bem como as contribuies de

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    seguridade social, ex vi do art. 195, 6, assujeita-se a um re-gime especfico de natureza intertemporal, designado anterio-ridade nonagesimal, a qual consiste num lapso de tempo de 90 dias corridos entre a criao ou majorao e cobrana, sem levar em conta a transcorrncia do ano calendrio, que se ve-rifica no dia 31 de dezembro de cada ano.

    Ademais, h tributos sujeitos apenas anterioridade ano calendrio, mas excetuados da noventena, a exemplo do im-posto sobre a renda, conforme dispe o 1 do art. 150 da Constituio, e tambm do emprstimo compulsrio de inves-timento pblico previsto no art. 148, inciso I, igualmente do Cdex Mximo. Com fulcro no mesmo comando, a majorao da base de clculo do IPVA e do IPTU est excepcionada da noventena, embora sujeita ao ano calendrio.

    O imposto sobre a importao, o imposto sobre a expor-tao e, ainda, o IOF, alm dos impostos extraordinrios de guerra e tambm o emprstimo compulsrio de calamidade pblica ou de guerra, so tributos que esto a salvo de qualquer anterioridade, tambm com supedneo no 1 do art. 150 do Texto Supremo.

    derradeira, a instituio ou majorao de impostos por meio de medida provisria sujeita-se anterioridade a contar da lei de converso, exceto os impostos sobre a importao e exportao, bem como o IPI e o IOF, seno tambm o imposto extraordinrio de guerra, tudo com fundamento no art. 62, 2, da Constituio da Repblica.

    Estrita irretroatividade

    Sob a perspectiva intertemporal, afora a anterioridade, a tributao encontra-se balizada tambm pelo princpio da irre-troatividade, diretriz que representa apangio dos povos civili-zados, conforme pregoado por Paul Roubier (1960). Ao lado de seus matizes genricos como direito e garantia fundamental,

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    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    consagrados no art. 5, inciso XXXVI, o constituinte versou sobre o assunto e reafirmou a presena da irretroatividade por meio do art. 150, inciso III, alnea a, comunicando-lhe nature-za especificamente tributria, da a sua denominao estrita.

    Por conseguinte, em face do primado da estrita irretroati-vidade, vedada a cobrana de tributos em relao a fatos jur-dicos anteriores lei que os tenha institudo ou majorado, con-soante disposto no mandamento constitucional retrocitado. Por outro lado, no orbe tributrio, como nos demais ramos do direito, a lei pode irradiar efeitos pretritos na hiptese de retroatividade bonam partem, a exemplo de perdo da dvida tributria ou per-do da multa tributria ou dos juros incidentes sobre o debitum.

    Outrossim, h hipteses controversas acerca da irretroa-tividade, como, por exemplo, a tributao do imposto sobre a renda ou da contribuio social sobre o lucro, situaes em que, para Misabel Derzi (2003), os referidos gravames subme-tem-se lei em vigor no primeiro dia do ano-base. Segundo a concepo contida na afirmao trazida colao, se majorado o imposto sobre a renda no ms de dezembro de um dado ano calendrio, no poderia a Fazenda Federal cobr-lo majorado no exerccio financeiro seguinte, pois, embora houvesse obser-vncia anterioridade, haveria manifesta afronta ao mencio-nado direito e garantia fundamental. Nessa vereda, alis, prelecionou Luciano Amaro (2008) com pena de ouro e pionei-ramente em estudos sobre o tema, posio, a bem ver, cristali-zada em seu curso de direito tributrio.

    No obstante, o Supremo Tribunal Federal faz tbula rasa dessa viso e, nesse sentido, continua a aplicar a orienta-o firmada na Smula 584, assim averbada: Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exerccio financeiro em que deve ser apresen-tada a declarao.

    Segundo o Pretrio Excelso, portanto, se o imposto sobre a renda fosse majorado no ano da entrega da declarao, a qual efetivada em relao aos rendimentos obtidos no ano calendrio

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    EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM

    anterior, ainda assim seria aplicvel a lei nova, o que, por sem dvida, ofende no s a anterioridade, como a irretroatividade, tanto genrica quanto especificamente tributria.

    Esse entendimento, reprochvel por todas as luzes, re-pudiado por Leandro Paulsen (2012), Paulo de Barros Carvalho (2007), Roque Antonio Carrazza (2002), Luciano Amaro (2008) e Misabel Derzi (2003), bem como expresso em votos vencidos de ministros e ex-ministros da Suprema Corte, a exemplo de Mar-co Aurlio, Celso de Mello, Carlos Veloso e Maurcio Correa (PAULSEN, 2006).

    Para rematar, fora fazer coro com Leandro Paulsen (2012) e acalentar que as vozes dissidentes, abalizadas, densas e eloquentes, tendam a ensejar o restabelecimento do postu-lado da estrita irretroatividade na seara tributria.

    Progressividade

    Representa um dos mecanismos de quantificao dos tributos, consistindo na estipulao de percentagens graduadas de forma ascendente na medida em que o valor tributvel seja mais elevado. Exemplo tradicional de progressividade verifica--se na legislao do imposto sobre a renda, especialmente em relao apurao efetivada na declarao anual de ajuste das pessoas fsicas, em que as alquotas so fixadas em 7,5, 15, 22,5 e 27,5%, de tal modo que, quanto maior a renda tributvel, maior ser a percentagem de tributao.

    Alis, a progressividade do imposto sobre a renda encon-tra-se expressamente prevista no art. 153, 2, inciso I, da Carta da Repblica, cujo comando estabelece que o referido imposto ser informado pelos critrios da generalidade, uni-versalidade e progressividade, na forma da lei. Destarte, a regra assume a fisionomia de princpio constitucional pontual com referncia ao imposto sobre a renda, revestindo, outrossim, a feio