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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 85, nov. 2000 EDITORIAL Q uando se constata que surgem novas gerações de psicanalistas, que mantêm o sujeito do inconsciente como o endereçamento de seu ato e a orientação de sua ética, verifica-se que tem acontecido a transmissão dessa forma tão particular de saber que é a psicanálise. É porque os conceitos fundamentais têm sido ensinados fora de qual- quer molde acadêmico e inseridos na sua posição operatória que se torna possível traçar a borda do real, o simbólico e o imaginário. Mais do que um ensinamento, então, tem se enviado cada um a interrogar o limite entre o saber e a ignorância, que lhe permite ser às expensas do sentido, ou encon- trar um sentido às expensas do ser. O exercício de dar conta a seus pares daquilo que, pela torção parti- cular do fantasma, possibilita o ato analítico constitui uma tomada de res- ponsabilidade que se evidencia nos textos que seguem e constituem o eixo desse número do Correio. Os que têm percorrido alguns textos fundamentais de Freud e Lacan, e participaram nas jornadas de encerramento dessa trajetória que denomina- mos Percurso , testemunham essa persistência e essa transmissão. Por isso estamos gratos a eles.

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1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 85, nov. 2000

EDITORIAL

Quando se constata que surgem novas gerações de psicanalistas,que mantêm o sujeito do inconsciente como o endereçamento deseu ato e a orientação de sua ética, verifica-se que tem acontecido

a transmissão dessa forma tão particular de saber que é a psicanálise.É porque os conceitos fundamentais têm sido ensinados fora de qual-

quer molde acadêmico e inseridos na sua posição operatória que se tornapossível traçar a borda do real, o simbólico e o imaginário. Mais do que umensinamento, então, tem se enviado cada um a interrogar o limite entre osaber e a ignorância, que lhe permite ser às expensas do sentido, ou encon-trar um sentido às expensas do ser.

O exercício de dar conta a seus pares daquilo que, pela torção parti-cular do fantasma, possibilita o ato analítico constitui uma tomada de res-ponsabilidade que se evidencia nos textos que seguem e constituem o eixodesse número do Correio.

Os que têm percorrido alguns textos fundamentais de Freud e Lacan,e participaram nas jornadas de encerramento dessa trajetória que denomina-mos Percurso, testemunham essa persistência e essa transmissão.

Por isso estamos gratos a eles.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

NOVAS PUBLICAÇÕES INCORPORADAS AOACERVO DA BIBLIOTECA DA APPOA

(junho a agosto de 2000)

LIVROSAVANCINI, José Augusto. Expressão plástica e consciência nacional na crítica de

Mário de Andrade. Porto Alegre : Editora da Universidade, 1998. 222 p.BASTIDE, Roger. Brasil terra de contrastes. Tradução por Maria Isaura Pereira

Queiroz. São Paulo : Difusão Européia do Livro, 1973. 281 p. Tradução de:Brésil terre des constrates.

ENRIQUEZ, Micheline. Nas encruzilhadas do ódio : paranóia, masoquismo, apa-tia. Tradução por Martha Gambini. São Paulo : Escuta, 2000. 224 p. Traduçãode: Aux carrefours de la haine.

FONSECA, Joaquim da. Caricatura : a imagem gráfica do humor. Porto Alegre :Artes e Ofícios, 1999. 286 p.

JASTROW, Joseph. A psicanálise ao alcance de todos : o edifício que Freudconstruiu. Tradução por Almir de Andrade. Rio de Janeiro : José Olympio,1958. 273 p. Tradução de: The house that Freud built.

NUNES, Otávio Augusto Winck. A representação da subjetividade na escrita depacientes de toxicomania. Porto Alegre : UFRGS, 1999. 104 p. Dissertação(Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento) - Instituto de Psicologia,UFRGS, 1999.

OLIVEIRA, Luís Fernando Lofrano de. Les effets psychopathologiques de l´injuredans la clinique du sujet et du social. Paris : Université Paris 13, 1999. 316 p.Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Menção Psicologia) - UniversitéParis 13 - Paris Nord, 1999.

PEREIRA, Mario Eduardo Costa (Org.). Leituras da psicanálise : estéticas da ex-clusão. Campinas : Mercado de Letras / Associação de Leitura do Brasil,1998. 168 p.

RIO Grande do Sul. Secretaria de Cultura. Humores nunca dantes navegados : odescobrimento segundo os cartunistas do sul do Brasil. Porto Alegre : Secre-taria de Cultura, 2000. 70 p.

ROCHA, Zeferino. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo :Escuta, 2000. 169 p.

SANTOS, José Tavares dos; NERY, Beatriz Didonet; SIMON, Cátia Castilho (Org.).

CARTEL DO INTERIOR

Neste ano, o trabalho do Cartel do Interior teve um caráter um poucodiferente, pois suas atividades não se concentraram apenas em reuniões naAPPOA, mas se desdobraram em eventos preparatórios ao Congresso BRA-SIL: descoberta invenção. Foram realizadas jornadas com esta temáticaem várias cidades do nosso estado: Santa Maria, Bento Gonçalves, RioGrande, Caxias do Sul e, em novembro, acontecerá ainda em Ijuí.

Nestas jornadas, o tema do que é ser brasileiro perpassa as discus-sões sobre identidade, subjetividade, origens, história, imigrações, cultura,literatura, enfim, temas bastante caros a todos nós, psicanalistas, ao mes-mo tempo que singularizados no contexto sócio-cultural de cada cidade.

Como seguimento a esse instigante trabalho, os colegas do cartel deRio Grande, que organizaram a jornada “Outros Descobrimentos do Brasil:Psicanálise e História”, apresentarão, na próxima reunião do Cartel do Interi-or, questões sobre a temática de identidades e identificação, na qual elesvêm trabalhando.

 Convidamos todos os interessados, lembrando que as reuniões doCartel são abertas.Data: 25/11/00 – SábadoHora: 9h30minLocal: Sede da APPOA

Cartel do Interior  

v

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS46ª FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE

No dia 06 de novembro, segunda-feira, às 20 horas, estará acontecen-do a sessão de autógrafos do livro “O que é ser brasileiro?” da autora CarmenBackes.

Dia 12 de novembro, domingo, às 20 horas, os livros autografadosserão “Imigração e fundações” e “O valor simbólico do trabalho e o sujeitocontemporâneo”, editora Artes e Ofícios.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

TEMA DO PRÓXIMO NO DA REVISTA DA APPOADEPRESSÃO E MELANCOLIA

A depressão e a melancolia são temas recorrentes na atualidade. Oque a Psicanálise poderia ter a dizer sobre isso? Muito mais do que quadrosnosográficos, interessa-nos, tal qual Freud nos ensinou, lembrar o quanto adepressão e a melancolia contribuem na compreensão da relação sujeito/objeto, constituinte do ser falante.

Esta edição pretende, ainda, trazer ao leitor um debate atual entre aPsicanálise e as Neurociências, tendo em vista a relevância que estas últi-mas têm tomado na abordagem da depressão e melancolia.

Os textos devem ser enviados, até 15 de março, à Comissão da Re-vista.

Comissão da Revista

A palavra e o gesto emparedados : a violência na escola. Porto Alegre : SMED-PMPA, 1999. 177 p.

UNIVERSIDADE Federal do Rio Grande do Sul. Pró-Reitoria de Pesquisa. Cine-ma e pesquisa : história e memória. Porto Alegre : UFRGS, 1999. 53 p.

PERIÓDICOSAdverso - Jornal da ADUFRGS. Quem financia o conhecimento? - Tecnologia

made in RS - A frágil democracia brasileira - Água : de olho no aouro azul.Porto Alegre : ADUFRGS, n.61, 62, 63 e 65, maio, jun., jul. 2000.

Boletim de Divulgação da Associação Clínica Freudiana. Porto Alegre : ACF, v.1,n.1, maio 2000.

Boletim do Centro de Estudos Junglianos C. A. Meier. Porto Alegre : CEJ CAMeier,v.1, n.1-2, set.-nov. 1999 e n.3, jan. 2000.

Boletim do Tempo Freudiano Associação Psicanalítica. Fundação - Jornadas doseminário a angústia. Rio de Janeiro : TFAP, n.1, dez. 1998, n.2, abril 1999.

Boletín de la Convergencia, Movimiento Lacaniano por el Psicoanalisis Freudiano.Buenos Aires : CEBA, n.6, 2000.

Bulletin de l’Association Freudienne Internationale. Paris : AFI, n.87-88, 2000.Escritos da Criança. Porto Alegre : Centro Lydia Coriat, n.4, 1996.Falando Nisso... Informativo da Clínica de Psicologia da Unijuí. Ijuí : Unijuí, v.1,

n.2, abr. 2000.Informação, Informativo da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul. É

nosso aniversário : 41 anos da SPRGS. Porto Alegre : SPRGS, jul. 2000.Percurso - Revista de Psicanálise. São Paulo : Instituto Sedes Sapientiae, v.8,

n.24, 1º semest. 2000.Psychê. São Paulo : Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise, v.4, n.5,

2000.

HOME PAGE

Nossa Home Page está atualizada e disponível para navegação.Todos os interessados em integrar-se à Comissão, ou trocar idéias e

sugestões, estão convidados a participar da próxima reunião, dia 20 de no-vembro, às 20h e 30min.

Comissão da Home Page

MUDANÇA DE ENDEREÇOÂngela Lângaro Becker comunica o endereço de seu consultório:Rua Mostardeiro, 157/s. 802, Porto Alegre, Tel.: (51) 9971 2540.

CONGRESSO INTERNACIONAL DE ÉTICA E CIDADANIAII ENCONTRO BRASILEIRO DE DIREITO E PSICANÁLISE

Este evento, a ser realizado entre os dias 31 de outubro e 04 de novem-bro, em Curitiba, contará com a seguinte participação de Membros da APPOA:

Conferência: Os rumos da família e do laço conjugal - Contardo CalligarisMesa Redonda: Declínio da sociedade patriarcal e deslocamento do masculino e do feminino - Maria Rita KehlMesa Redonda: Violência política: crise familiar e repercussão social - Robson de Freitas Pereira

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SEÇÃO TEMÁTICA

SAÚDE MENTAL NA REDE PÚBLICA:POSSIBILIDADE DE INSERÇÃO PSICANALÍTICA?1

Márcia Goidanich

“Acidente de TráfegoNós vivemos a temer o futuro; masé o passado quem nos atropela e mata.”Mário Quintana

QUE PSICANÁLISE É ESSA?

Desde os primórdios de sua existência, a psicanálise tem percorridovariados caminhos, passando por uma série de releituras que so-frem influências do momento histórico e do contexto social. Muitas

questões foram repensadas ou sofreram distintas interpretações desde queFreud, na Viena do princípio do século, iniciou sua prática clínica e suaprodução teórica. Entretanto, certos conceitos e construções persistem,seguindo quase inalterados. A permanência destes traços garante que apsicanálise possa seguir existindo como tal, sem transformar-se em algoque se confunda com outras formas de trabalho clínico.

Que traço seria este que garantiria o reconhecimento da psicanálise?É possível “recriar”, reinventar a psicanálise a cada novo sujeito analisado,como o próprio Freud convoca a fazer, sem contudo afastar-se por demais desuas idéias centrais?

Em Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912)2,ao trabalhar questões da técnica psicanalítica, Freud refere que as regras aliapresentadas são fruto de sua experiência pessoal. Freud enfatiza que taltécnica é a única apropriada à sua individualidade e acrescenta: “(...) não mearrisco a negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente

1 Trabalho apresentada em julho de 2000 na Jornada do Percurso III.2 FREUD, S. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. (1912) In: _____.Obras Completas. Rio de Janeiro : Imago, 1980. v. 12

Ao pensar na abertura desta Seção Temática, ocorreram nos as pala-vras de Guimarães Rosa em Grande Sertão - Veredas: “a gente querpassar um rio a nado, e passa, mas vai dar na outra banda é num

ponto muito mais embaixo, bem diverso do que primeiro se pensou. Vivernem não é muito perigoso?”.

Neste número, tomamos quatro artigos que permitem perceber o quantoo Percurso de Escola, por mais que seja uma proposta de estudo sistemati-zado, acaba por produzir uma apropriação muito singular por parte daquelesque passam por esta experiência de formação. Assim como nas Jornadasdo Percurso, os textos que seguem permitem perceber que a travessia ésempre de um sujeito, que vai se sentir implicado desde sua história, dossignificantes que o interrogam e dos lugares nos quais seu trabalho se cons-trói.

Os textos que aqui trazemos, assim como outros que recebemos eque pretendemos seguir publicando, são diversos em seu conteúdo. Tratamda possibilidade de inserção da psicanálise em instituições, questionam olugar da psicanálise diante das demandas vindas do social, tecem hipóte-ses, interrogam e apresentam construções sobre a clínica. Todavia, guar-dam entre si um traço em comum: testemunham os efeitos de um percursosingular na prática destes sujeitos que se propõem “caminhantes”.

Ana Laura Giongo VaccaroMaria Lúcia Müller Stein

GOIDANICH, M. Saúde mental na rede pública...

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SEÇÃO TEMÁTICA

Há, sem dúvida, na clínica do ambulatório público alterações em diver-sos aspectos da técnica elaborada por Freud. O tempo de duração das ses-sões, a freqüência com que estas ocorrem, a ausência de um pagamentodos honorários diretamente àquele que realiza o atendimento, o setting dosatendimentos – sem divã nem poltronas –, a duração do tratamento em si, ofato do pedido de tratamento não ser dirigido a um nome específico, mas sima uma instituição, todos estes aspectos, trabalhados por Freud no artigoSobre o início do tratamento (op. cit.), sofrem alterações na clínica do ambu-latório público.

Seria, no entanto, o número de sessões, ou o tempo que estas têmde duração, ou a ausência de poltronas e divã pontos tão fundamentais, tãoinalteráveis da prática psicanalítica? Ou estas mudanças implicariam, sim,recriações, sem contudo impossibilitar a psicanálise de seguir como referên-cia do trabalho? Não estaria aqui, em questão, também, a resistência dospró-prios analistas, que se colam, muitas vezes, a padrões rigidamente es-tabelecidos e não se permitem trabalhar com o novo?

Lacan, ao mesmo tempo que defende o retorno a Freud, às origens dapsicanálise, questiona diversos padrões rígidos da técnica psicanalítica. EmVastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clínica psicanalítica noambulatório público (1997)5, Ana Cristina Figueiredo menciona a releituralacaniana da obra de Freud como uma possibilidade de redimensionar ofuturo da psicanálise. O texto de Lacan é, segundo a autora, um novo con-texto para a psicanálise. “Lacan rompe com a política, a teoria e a clínicainstituídas em seu tempo, arrancando na direção paradoxalmente retroativaa Freud, ao mesmo tempo que ´redefine´ a psicanálise”. (p. 33)

Figueiredo destaca ainda o que chama de condições mínimas paracaracterizar a especificidade da clínica psicanalítica: “(...) trata-se de umaclínica que diz respeito à realidade psíquica e, para isso, provoca um modopeculiar de fala que se dá a partir da transferência, numa relação também

5 FIGUEIREDO, A. C. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clínica psicanalítica noambulatório público. Rio de Janeiro : Relume Dumará, 1997.

possa ver-se levado a adotar atitude diferente em relação a seus pacientes eà tarefa que se lhe apresenta”. (p. 149)

No texto Sobre o início do iratamento (1913)3, Freud ressalta nova-mente que as regras que podem ser estabelecidas para o exercício do trata-mento psicanalítico acham-se sujeitas a sérias limitações. “Penso estar sendoprudente, contudo, em chamar estas regras de ´recomendações´ e não rei-vindicar qualquer aceitação incondicional para elas. A extraordinária diversi-dade das constelações psíquicas envolvidas, a plasticidade de todos os pro-cessos mentais e a riqueza dos fatores determinantes opõem-se a qualquermecanização da técnica (...)” (p. 164)

A psicanálise é, sem dúvida, efeito de uma cultura específica. JaquesLacan em seu seminário de 1964, Os quatro conceitos fundamentais dapsicanálise (1988)4, reforça tal noção. “A psicanálise não é nem uma ‘Wel-tanschauung’ nem uma filosofia que pretende dar a chave do universo. Ela écomandada por uma visada particular que é historicamente definida pela ela-boração da noção de sujeito. Ela coloca esta noção de maneira nova,reconduzindo o sujeito à sua dependência significante”. (p. 78)

Há, na atualidade, um aparente crescimento da preocupação relacio-nada à saúde mental em meios onde, há até pouco tempo, o interesse res-tringia-se essencialmente a questões da chamada saúde orgânica. Profissi-onais com variados graus de afinidade com a psicanálise passam a ser cadavez mais convocados, também no meio da saúde pública, a tentar dar contade questões que fogem do alcance da medicina. Tal inserção traz à tona aquestão: como é possível a psicanálise passar por todas as alterações im-postas pelas circunstâncias específicas da saúde pública sem perder suascaracterísticas fundadoras, sem deixar de ser psicanálise? É possível talinserção?

3 FREUD, S. Sobre o início do tratamento. (Novas recomendações sobre a técnica da psica-nálise I) (1913) In: _____. Obras Completas . Rio de Janeiro : Imago, 1980. v. 12.4 LACAN, J. O Seminário. Livro XI. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio deJaneiro : J. Zahar, 1988.

GOIDANICH, M. Saúde mental na rede pública...

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SEÇÃO TEMÁTICA

Ana Cristina Figueiredo (op. cit.), ao analisar os chamados gruposterapêuticos que reúnem sujeitos definidos a partir de uma identidade social,mais ou menos estigmatizante – patologia, gênero, faixa etária –, apontapara o paradoxo intrínseco a este tipo de trabalho. “A questão é como darconta das diferenças subjetivas, englobadas no recorte homogeneizador dasidentidades socialmente fixadas, que as constituem como grupos à parte.Paradoxalmente, a ética da interlocução pode reforçar a condição social aoinvés de diluí-la”. (p. 70) Tal paradoxo não deveria ser ignorado por aquelesque trabalham na saúde pública, para que, na tentativa de trabalhar com aética da interlocução, estes não acabem reforçando a lógica da exclusão.

O trabalho com profissionais de diversas áreas, que possuem muitasvezes paradigmas distintos, tem também suas conseqüências na clínica. Oparadigma médico de cura, de eliminação imediata dos sintomas faz comque o uso de medicação prevaleça em grande parte dos tratamentos. Imbu-ídos desta cultura médica, os pacientes reproduzem constantemente o pedi-do do remédio que dê conta de todos os seus problemas. Escutar a produ-ção dos sujeitos, suas construções delirantes, seus sintomas, tarefa bas-tante árdua por si só, torna-se muitas vezes impossível, quando se buscasempre no remédio a alternativa imediata de fazê-los calar.

Freqüentemente, o que se escuta nas primeiras entrevistas é um pe-dido de socorro, uma queixa de sofrimento intenso, que vem acompanhadada expectativa de uma solução mágica. Doutora, me dá um remedinho práeu poder viver mais tranqüilo. Repete-se, na fala dos sujeitos, uma mesmaqueixa: o ‘problema dos nervos’. A insistência desta fala surpreende, poisparece padronizar a possibilidade encontrada por esta população para ex-pressar seu sofrimento. No entanto, por trás desta verbalização do mesmo,condensado na queixa de ‘sofrer dos nervos’, encontra-se uma grandepluralidade de problemas. Eu acho que eu sofro dos nervos desde pequena.Desde criança eu sempre tive muitos medos e fui muito chorosa. Hoje emdia choro o tempo todo e não tenho mais ânimo prá fazer nada. Sou muitonervosa... Ou então: Minha mãe diz que eu tenho problema de nervos porqueeu vejo coisas que ela não vê e sei de verdades que ela não entende. Ou,

peculiar com o tempo, visando remanejar essa realidade por sucessivos des-locamentos”. (p. 126) Neste sentido, é possível pensar que, muito mais doque qualquer rigidez técnica, o que deve se manter para que algo de psicana-lítico se sustente na clínica é a possibilidade da escuta das produções doinconsciente que ocorrem na relação transferencial. Esta escuta, sustenta-da por uma ética singular, por uma compreensão de sujeito dividido, alienadode seu próprio desejo, parece ser o que – muito mais do que um divã, umnúmero mínimo de sessões por semana ou o pagamento de honorários es-pecíficos – indica a possibilidade de algum trabalho psicanalítico.

TRABALHANDO NA SAÚDE PÚBLICAAs questões que incitaram o presente artigo surgiram a partir da ex-

periência vivida em um posto de saúde da rede pública, que se caracterizacomo um centro de atenção integral à saúde mental – CAIS-Mental do muni-cípio de Viamão –, onde são realizados atendimentos ambulatoriais de psi-cologia, psiquiatria e assistência social. Trabalha, neste posto, uma equipemultiprofissional constituída por técnicos com embasamentos teóricos diver-sos. Mesmo tendo como prioridade o atendimento de psicóticos e de depen-dentes químicos, o CAIS acaba recebendo uma demanda mais ampla, quemuitas vezes não encontra outro local de endereçamento e é absorvida peloserviço.

A elevada demanda, que ultrapassa freqüentemente a possibilidadede atendimento, evidencia a difícil relação entre quantidade e qualidade. Háno serviço público uma forte pressão em relação à produtividade, ao aumentodo número de atendimentos e à passagem de grande número de pacientespara grupos como tentativa de “dar conta” da demanda. A saúde pública éum direito de todos e, como tal, teria de ser capaz de atender a todos. O quese percebe, no entanto, é que muitas vezes o elevado número de atendimen-tos acaba por comprometer a qualidade destes. A pressão para o aumentodo trabalho em grupos dificulta, muitas vezes, a possibilidade dos sujeitosserem escutados em suas particularidades e, talvez, reedite uma história demassificação, bastante característica da classe trabalhadora, onde a singu-laridade não tem vez nem voz.

GOIDANICH, M. Saúde mental na rede pública...

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SEÇÃO TEMÁTICA

1 Trabalho apresentado em julho de 2000 na Jornada do Percurso III.2 Clientela de 10 à 15 alunos.3 Clientela de 50 à 600 alunos.4 Prática que consiste em extração de madeira de florestas cultivadas.

TRIUNFO: OS TRAÇADOS DE UMA HISTÓRIA,AS HISTÓRIAS DE UM TRAÇO1

Tatiane Reis Vianna

Aimpressão que tive, quando cheguei a Triunfo pela primeira vez, foi deestar, de certa forma, voltando ao passado: a travessia de barco, oencontro com um pequeno nucleamento de casas em estilo colonial

português e, em meio a alguns carros, que denunciavam o meu devaneio,um típico gaúcho andando a cavalo.

Ao longo destes quase seis anos de viagens e trabalho junto à Comu-nidade Triunfense, fui percebendo que esta impressão não se dava por aca-so. A história, embora bastante recalcada e reificada no discurso oficial,parecia se fazer presente a cada instante no acontecer social, econômico,político e nas formações subjetivas da comunidade.

Neste estudo, busco, através do resgate da história de Triunfo, daescuta de algumas instituições e de uma criança que tomo em atendimento,entender como esta história vem marcar a história de um sujeito.

Parto da minha experiência como integrante de uma equipeinterdisciplinar na Secretaria de Educação (SEMAPE), onde fico conhecen-do um pouco desta comunidade, através das escolas que dela fazem parte.Nesta, deparo-me com escolas urbanas e rurais, pequenas escolasmultiseriadas2, escolas maiores3, com características bastante diversas depopulação e estruturação, acolhendo desde a elite intelectual e política dacidade até a população excluída do mercado formal como os filhos dos tra-balhadores do corte de mato4, etc.

Chama a atenção, nesta diversidade de contextos, a forma particularcom que o poder executivo constrói sua relação com estas escolas. Relação

ainda: O médico falou que a minha dor no peito e a pressão alta é só porproblema de nervos, que eu não tenho nada.

Os pacientes, imersos em uma cultura médica curativa, parecem buscaros serviços de saúde como quem quer comprar um produto, como quempretende adquirir algum objeto para voltar para casa mais tranqüilo, talvezmais ‘completo’. O problema é que o que as pessoas vêm buscar não é umobjeto tão facilmente adquirível. A ‘saúde’, objetalizada pela cultura moder-na, não é um produto de fácil acesso, não está a venda em ambulatórios enem mesmo nos consultórios particulares. O processo de desobjetalizaçãoda saúde não é nada fácil. A possibilidade de conviver com falhas e faltasintrínsecas nem sempre é suportada em uma sociedade onde o imperativode felicidade fala mais alto.

Tais questões, no entanto, parecem não ser exclusivas da clínica rea-lizada no serviço público. Também nos consultórios particulares o pedidoinicial dos sujeitos segue caminho similar. A diferença talvez ocorra no fatode que, enquanto nos consultórios particulares, o profissional pode dispor derelativa liberdade para trabalhar tais questões; no espaço, público há certapressão institucional para que a resolutividade dos problemas, daqueles queali buscam ajuda, realmente se dê do modo mais breve e contundente possí-vel. Parece ocorrer, neste sentido, uma sobreposição do pedido do pacientecom a demanda institucional. O profissional deveria ser capaz de efetiva-mente ‘curar’ os pacientes com a maior brevidade, já que muitos outrosaguardam vaga para também serem atendidos. Esta pressão dificulta, mui-tas vezes, uma escuta analítica, na qual o tempo lógico, singular de cadasujeito, necessita sim de certo tempo cronológico para poder produzir efei-tos.

Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas, é possível perceberque os pedidos por uma escuta seguem crescendo muito nos ambulatóriospúblicos. Por outro lado, existe uma queixa, por parte de muitos profissio-nais, em relação ao esvaziamento dos consultórios privados. Será este al-gum desencontro? Ou será um indicativo de que os psicanalistas talvez pre-cisem passar a ocupar este novo espaço para o qual estão sendo convoca-dos e nele construir algum lugar possível?

VIANNA, T. R. Triunfo: os traçados de uma história...

14 15C. da APPOA, Porto Alegre, n. 85, nov. 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 85, nov. 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

6 Até bem pouco tempo, 10% da população de Triunfo era funcionária da prefeitura, sendoque, destes, 3% eram em cargo em comissão.

inclusive como palco de várias batalhas.Em um momento mais recente da história, a cidade é escolhida para

abrigar um dos principais centros industriais do país, o III Pólo Petroquímico,que começa a operar em 1983. Triunfo, então, obtém um aumento substan-cial na arrecadação. Isto provoca, entre outros fatores, o acirramento dasdisputas políticas e da corrupção, colocando a cidade em notícias constan-tes na imprensa. Mudança financeira esta que, como é comum no Brasil,não se traduz em mudanças sociais, pois possui um grau de indigência dequase 20%. (Zero Hora, 1996).

Frente a esta realidade, o poder público municipal, também como umaestratégia de perpetuação, aparece como a grande fonte empregadora6.

Figura folclórica, o ex-prefeito de Triunfo, Bento Gonçalves dos San-tos, recentemente condenado à prisão, tem o mesmo nome do histórico“herói farroupilha”, Bento Gonçalves da Silva. Assim como o herói, é admira-do por boa parte da população pela sua generosidade para com os amigos,valentia e virilidade, que o levaram a conquistar o seu terceiro mandato, mes-mo estando sob processos judiciais. Estas ditas qualidades de Bento tradu-ziam-se em atos, que iam desde agredir fisicamente um adversário políticoaté o deboche pelas autoridades judiciais.

A despeito do uso da máquina pública e do poder econômico, pareceque Bento Gonçalves dos Santos, como parte e efeito desta história, perso-nificou no presente um mito do passado, que se apoiava nas balizes de umasociedade rural, essencialmente centrada na figura de um pai-estanceiro,detentor da propriedade e das benesses ali geradas, em troca, de proteção ereconhecimento.

Esta “figura mítica”, ao longo dos anos, vem perdendo sua força, jáque a necessidade de recompensa material direta em troca do apoio políticoparece se fazer cada vez mais presente. O aumento substancial da exclu-são, que se torna visível no grande contigente populacional que sobrevive

5 As estâncias, como refere Flores, eram grandes estabelecimentos dedicados à criação degado de diversos tipos, sendo que na sua estruturação prevalecia a figura do latifundiário,que, em troca de míseros salários, favores e proteção, mantinha sob seu jugo escravos,peões e agregados, estabelecendo com estes uma relação de fidelidade.

esta baseada na tentativa de deslocar para as mesmas cuidados com aclientela que extrapolam a educação formal, indo, às vezes, em detrimentodesta. Nesta realidade, a autoridade e responsabilidade dos pais em relaçãoaos seus filhos é colocada em segundo plano, gerando conseqüências sub-jetivas bastante importantes. Este assistencialismo se constitui como umdos principais aliados de outra prática bastante vigente, a prática clientelistaou patrimonialista, na qual a concessão de privilégios, bem como escolhasdos cargos de coordenação e direção, se dão mais em função das afinida-des pessoais e familiares do que de qualquer critério mais racional de com-petência ou habilidade. É relevante a ênfase dada não só pelo poder público,mas pela população, às questões de doação de materiais, transporte e ali-mentação, quase sempre justificadas pela generosidade daquele político ouautoridade.

Ao rever um pouco da história local e do Brasil, dou-me conta dalongevidade desta prática, extremamente enraizada na constituição das nos-sas instituições públicas, efeito da nossa colonização e estruturação.

A colonização de Triunfo inicia-se em 1752 como sesmaria Piedade.O seu povoamento vai se dando a partir da paróquia do Nosso Senhor BomJesus de Triunfo, o que veio também a inspirar, mais tarde, o nome da cida-de.

Tendo como base econômica a agropecuária, a organização social deTriunfo, como em grande parte do Rio Grande do Sul, foi, desde a sua ori-gem, inspirada na estância5. Os traços desta organização social marcaramtoda a história de Triunfo e estão presentes, ainda hoje, na falta de um espí-rito associativo da comunidade em defesa de seus interesses e na formacomo escolhe e se relaciona com as autoridades constituídas.

Tendo sido elevada a município ainda no ano de 1831, a cidade tem,pouco tempo depois, uma importante participação na Revolução Farroupilha,

VIANNA, T. R. Triunfo: os traçados de uma história...

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idade, encaminhado pela orientadora educacional da escola, que relatavasituações nas quais, após ser contrariado por algum motivo, desorganizava-se, destruindo objetos e agredindo colegas, professores e funcionários. Aolongo desses anos, Luciano teve idas e vindas na escola e no serviço atéque, no segundo semestre do ano de 1999, consegue encontrar um lugarjunto à sua professora na escola e vincular-se aos atendimentos. Simultane-amente, há uma diminuição de queixas a seu respeito.

Ainda na primeira entrevista, sua mãe conta um pouco da sua histó-ria: Luciano é filho da sua primeira união. Lembra que se separou do pai domenino ainda na sua gravidez, pois ele bebia e batia nas crianças. Aindagrávida, juntou-se com o atual marido vindo morar em Triunfo. Entretanto,este não assumiu a paternidade de Luciano, que foi registrado, ao nascer, sócom o sobrenome da mãe. Seu primeiro nome foi escolhido pela mesma emfunção do nome de um personagem principal de uma telenovela.

A mãe refere que nunca incentivou qualquer aproximação do padrastocom Luciano, já que este era muito “ruim” para o guri: as poucas vezes quetentou educá-lo foi através de laço, que resultava, quase sempre, em fe-rimentos.

Parece que, diante desta dificuldade objetiva da mãe de cuidar deLuciano e também de lhe transmitir traços que lhe auxiliassem a delimitar oseu lugar no mundo, há uma busca da creche e da escola como lugares quepudessem auxiliá-la, tanto no cuidado com menino como na estruturação dasua história: quem é, quem virá a ser.

Encontra instituições onde o tratamento das crianças se dá de formamassificada, onde as crianças só se diferenciam frente ao olhar dos educa-dores por incomodarem ou não, sendo que incomodar é uma forma de seremolhadas, terem algum lugar na instituição.

Uma das primeiras nomeações que Luciano recebe, por parte destasinstituições, foi o apelido de “bóia”, pois, quando chegava na creche, sempreperguntava pela “bóia”. Apelido este repetido pelos professores na escola eque foi tomado por Luciano como uma ofensa, já que lhe remetia a um lugarpassivo, de desamparo social. Passividade esta desvalorizada pela comuni-dade, onde a virilidade e a força são valores predominantes até como estra-

num regime quase escravo, evidencia a situação de desamparo social des-tas comunidades, nem sempre reconhecidas como formadas por cidadãosde Triunfo, tanto pela característica sazonal do trabalho, que implica o deslo-camento para outras cidades da região, quando na lembrança da cidade nãodo triunfo, mas do fracasso de um modo de organização social.

Associam-se a esta população situações de violência, quase sempreatuadas no contexto doméstico – espancamento de mulheres e crianças – ecomunitário – brigas com vizinhos e parentes. Notamos, em nosso trabalhono SEMAPE, que, em muitos dos casos atendidos, a fragilização da autori-dade dos pais em função da desvalorização social traz como conseqüênciaa busca de se fazer valer através de atos de violência.

Dentre estes casos, refletirei a seguir sobre a história de Luciano queprovocou, com os ruídos do seu sintoma, nosso questionamento, propician-do, também, que a própria instituição pudesse se questionar sobre o queeste revelava das verdades recalcadas da cidade.

A instituição referida é uma escola de primeiro grau incompleto. Apopulação atendida é constituída, na sua maioria, por filhos de trabalhadoresque ocupam-se do trabalho doméstico, biscates na construção civil ou cortede mato.

Esta instituição tem para com a comunidade uma relação bastantedifícil. Muitos professores e funcionários não supunham nos pais, algunsainda hoje não supõem, nenhum saber sobre como colaborar no aprendiza-do dos seus filhos, chamando-os na escola só quando os alunos estavamincomodando, por não estarem conseguindo acompanhar a turma ou porestarem agressivos com colegas e professores. Eram comuns comentáriosem que se afirmava que a solução para estas crianças era que pudessem seseparar totalmente do meio de onde vinham, a fim de construir novos valorese referências, já que seus pais eram analfabetos, sujos, enfim, não tinhameducação.

Luciano, o personagem desta reflexão, é filho de cortadores de mato,sendo que ele próprio já trabalhava neste ofício desde pequeno, razão estaque lhe levou a abandonar os estudos várias vezes.

Chegou ao serviço há quatro anos atrás, quando tinha oito anos de

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zar a escola no sentido de poder esperar do menino, que demonstra grandeinteresse pela aprendizagem, algo mais do que sua agressão.

Chama atenção que os períodos de maior dificuldade de Luciano, as-sim como de outras crianças de problemáticas parecidas, correspondam,algumas vezes, aos momentos de crise institucional. Num período em que aescola teve trocas sucessivas de direção, Luciano, durante os atendimen-tos, brinca de ligar para a diretora para ver se ela esta presente na escola.Em outro momento, aparecem no seu brincar os monstros que são criançasgigantes que ninguém consegue conter. A escola ao lado da Igreja e do circoaparecem constantemente em seus desenhos e histórias, bem como osapelidos e nomeações ali recebidos. E dentro destas instituições, constitu-ídas essencialmente pelas mulheres, as figura da direção/professor, do pa-dre e do pai-aço se fazem presentes nesta busca de uma figura paterna quepossa lhe propiciar um corte desse universo materno /feminino, constituindo-se como referência, assegurando, assim, seu lugar.

Luciano ainda hoje permanece em atendimento no SEMAPE. Já nãoé mais o “terror” da escola, embora suas dificuldades persistam sob umaoutra forma.

Suas idas e vindas ao serviço, essa sua busca insistente de filiaçãosuscitam-me a pensar neste eterno peregrinar dessa população itinerante docorte de mato em sua tentativa de achar um lugar de reconhecimento social.

Faz-me pensar, também, nesse encontro com uma organização so-cial e econômica capitalista que, na particularidade de Triunfo, utiliza-se defiguras como Bento Gonçalves dos Santos, encarnação deste pai-estanciei-ro do passado, para se perpetuar. Só que este pai não-castrado é capaz deceder alimentos, transporte e até de transmitir alguns traços de virilidade,mas não é capaz de lhes garantir um lugar enquanto cidadãos até porquecidadania não se ganha como uma esmola. Conquista-se no pagamento deuma dívida, que não é o oferecimento do corpo, porque é simbólica, e comotal, é contraída quando se é marcado por um nome, quando se pertence auma filiação.

Leva-me a pensar, também, no nosso trânsito como equipe no ir e virdas viagens, nesta condição de meio-triunfense, meio-estrangeira, que, ao

tégia de sobrevivência. Frente a esta nomeação, Luciano sempre reagiu comviolência, buscando um outro lugar para si.

Luciano, nesta época, trazia no seu brincar histórias do super-heróique vinha salvar a família de um fantasma que sempre chegava para agredira família e bagunçar tudo. Estes bonecos se revezavam: o que era super-herói, logo em seguida, virava fantasma, e vice-versa. Preocupava-se, tam-bém, em deixar marcas no consultório, assim como no seu corpo, talvez embusca de um traço que marcasse seu lugar no mundo, que o inserisse numafiliação.

Parece que, frente a fragilidade das referências paternas, Lucianobuscava fazer-se sozinho, apoiado nas pequenas referências existentes nafala de sua mãe, que sempre trazia os homens como pessoas violentas, pe-los traços transmitidos pelo padrastro, pela imagem desde onde era reco-nhecido na escola e comunidade, bem como pelos ideais sociais de virilida-de presentes na cidade.

Um dos aspectos que nos chama atenção em relação a este caso é olugar que, ao longo deste tempo, ele vai ocupar frente a esta instituição, queprocurará de todo jeito expulsá-lo ou enquadrá-lo numa categoria fixa – orade louco, ora de marginal –, fazendo um movimento de buscar uma lei encar-nada (conselho tutelar, psiquiatria) que seja capaz de silenciar o seu sinto-ma. Esta busca não traz efeitos simbólicos para Luciano, que continua pro-curando, através de seus atos, se fazer valer e reconhecer.

Durante os atendimentos, quando o risco de perder o lugar não estavamais colocado, consegue explicitar seus conflitos através das brincadeiras,conseguindo tolerar frustrações sem partir para agressão.

A mãe só comparece ao serviço nos momentos de crise, sendo queparece ter bastante dificuldades tanto de refletir sobre a sua história, comode se responsabilizar pelo menino. Espera que as providências venham defora, acatando o mandato da escola de afastá-lo e não conseguindo susten-tar as qualidades que percebe no mesmo (inteligente, afetivo, trabalhador),que necessitam ser reafirmadas e sustentadas por mim, psicóloga, que lheatendia.

Existe uma tentativa reiterada, por parte da assessoria, em sensibili-

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QUESTÕES SOBRE A CLÍNICA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA:

O QUE SE PODE ESCUTAR DE UMA DEPENDÊNCIAQUE SE DIZ ESPECÍFICA?1

Janine Mallmann Carneiro

Em nossa cultura estamos acostumados com a expressão “fulano detal é um dependente”. O que faz alguém tornar-se um dependente?Não seríamos todos dependentes de algo? E quanto à dependência

química, que especificidade é esta? Se a partir do referencial psicanalíticopensamos o sujeito constituído a partir de uma falta, se nos tornamos sujei-tos de linguagem e desejantes a partir de uma falta estrutural, ilustrada noimpossível da completude mãe/bebê, não seríamos necessariamente todosdependentes do que fomos para sempre privados? Partindo dessesquestionamentos, a minha intenção é discutir a clínica da dependência quí-mica que encontramos hoje em hospitais, fazendas e centros de atendimen-to onde o discurso é centrado na droga e a direção do tratamento é a absti-nência. Acreditando que esta dobradinha dependência/abstinência apontariauma verdade no objeto, reforçaria-se a idéia de que existiria um objeto pas-sível de completar-nos. Nesta condição, o objeto nomeia através do anoni-mato: “o alcoolista”, o “drogado”, funcionando como referência absoluta. Onde,então, escutar o Sujeito? Qual a possibilidade da angústia da subjetividadese fazer falar?

A Cruz Vermelha Brasileira de Porto Alegre(RS) se propõe como umlocal de tratamento de dependentes químicos, e durante um período fiz tria-gem e atendimento clínico neste serviço, o que me proporcionou algumasconsiderações a respeito deste trabalho. Os grupos de auto-ajuda tais comoAAs (Alcóolicos Anônimos) e NAs (Narcóticos Anônimos), entre outros, re-

1 Trabalho apresentado em janeiro de 1999 na Jornada do Percurso II.

mesmo tempo que possibilita o nosso trabalho; em outros momentos, difi-culta-o e no quanto essa condição nos incita a trabalhar com esta popula-ção.

Nos incita também a buscar que os ruídos, provocados por Luciano oupor outras crianças, possam se tornar palavras e, como tais, possam provo-car outros trânsitos e deslocamentos.

BIBLIOGRAFIAFLEIG, Mário. Os efeitos da modernidade: a violência e as figurações da lei na

cultura. In: SOUZA, Edson Luiz André et al. Psicanálise e colonização. PortoAlegre : Artes e Ofícios, 1994, p.128-134.

FlORES, Moacyr. A Revolução Farroupilha. Porto Alegre : Ed. Universidade, 1998.87p.

FREITAS, Fernando de Castro. Triunfo: história, gente e lugares. Porto Alegre :Martins Editora, 1985. 106p.

NEPOTISMO não envergonha Bento Gonçalves. Zero Hora, Porto Alegre, 27 jul.1996. Editorial de Política, p.6.

RIO GRANDE DO SUL. Triunfo: estudo para preservação do patrimônio históricoe paisagístico. Secretaria do Interior Desenvolvimento Regional e Obras Pú-blicas, Superintendência do Desenvolvimento Urbano e Regional e Compa-nhia Estadual do Desenvolvimento e Obras. Porto Alegre.

SANTOS, João Aníbal et al. Pesquisa PACT/FINEP. Porto Alegre, 1995. 49p.

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de 50. O encontro fisiológico/psíquico, a partir da noção de fármaco-depen-dência, é o que vai responder ao enigma da subjetividade doente. Um novosaber caracterizará uma dependência fisiológica duplicada por uma psicoló-gica. É este saber que irá se impor, e no qual os chamados “venenos doespírito” fornecerão a base para uma concepção bioquímica das perturba-ções mentais. A autora critica esta medicalização e psicologização que sub-meteram o psíquico às mesmas regulações lógicas que o fisiológico, o queseria uma redução e uma racionalização que tende a excluir o sujeito do seuato. É neste ponto que Le Poulichet centra seu argumento, onde a toxicoma-nia ou o toxicômano, como entidades, fundam a onipotência da substância,anulando a perspectiva de uma posição de sujeito, da subjetividade em suarelação com a linguagem, pois o produto estaria representando o sujeito.Lembra ainda que, em 1935, discípulos de Freud já se dedicavam a esteassunto criticando a noção de terapia por meio da privação. Refere, tam-bém, a figura plural da paixão que dominava no século XIX como explicaçãopara as toxicomanias, que não separava o corpo da alma, conservando a di-mensão subjetiva e enigmática da experiência. A alucinação tóxica permiti-ria uma interrogação sobre as comunicações entre corpo e espírito, sonho evigília, percepção e alucinação. Segundo Le Poulichet, teríamos nestes es-tudos uma base mais propícia para a reflexão psicanalítica. A autora criticaos psicanalistas, que também estariam convocados por esta visão de flagelosocial da droga, desnaturalizando conceitos analíticos, associando-os comfatores de comportamento, na pressa em concluir sobre este tema. Haveriauma urgência em responder ao enigma que o ideal da toxicomania, junto aoideal da medicina, trata de sedar a dor de existir.

Os locais de atendimento à dependência química em Porto Alegretêm, em geral, como terapêutica o uso de medicação e a intervenção com-portamental, buscando auxiliar o paciente a reorganizar sua vida, tendo comoideal e direção do tratamento a abstinência. Os grupos de auto-ajuda que,como já assinalado, em geral acontecem nestes locais de atendimento, têmum papel central nestes tratamentos. Depois de desintoxicações, ou parale-lamente aos atendimentos, estes funcionam como apoio, como uma manu-tenção do processo de cura. Leia-se aqui, abstinência.

únem-se neste local, como o fazem também em hospitais, igrejas e centroscomunitários. Com o tempo, pude perceber como a filosofia destes gruposperpassa a terapêutica da dependência química, formando este discursocentrado na droga. Estes grupos se caracterizam por um trabalho entre iguais,uma irmandade de usuários e ex-usuários, onde todos se reconhecem comodoentes. Acima de tudo, a dependência é uma doença e a única possibilida-de para a cura desse mal é a abstinência.

O que há de específico então? Alcoolistas, toxicômanos, comedorescompulsivos, dependentes de amor e sexo, todos sujeitos dependentes iden-tificados no anonimato da doença.

Há registros de uso de drogas em diferentes épocas e sociedades,seja em rituais sagrados ou como suspensão do mal-estar constitutivo davida civilizatória, como Freud lembrava em seu texto Mal-Estar na Civiliza-ção. Freud referia-se às drogas como “amortecedor de preocupações”, en-quanto medidas paliativas para tolerar as dificuldades da vida, um meio dealcançar a felicidade, evitando o sofrimento. É o que Melman, em seu livroAlcoolismo, Delinqüência, Toxicomania – uma outra forma de gozar, escre-ve a respeito do gozo toxicomaníaco, como uma abolição da existência, ain-da que transitória e momentânea. Segundo Melman: ...quando estamos cons-cientes, somos pessoas que se desgostam facilmente.” A droga proporcio-naria a suspensão de nossa mísera existência cotidiana. Ele compara oefeito do cinema às drogas, uma vez que num bom filme desaparecemosdiante da identificação aos personagens, suspendendo nossa existência porumas duas horas.

Que efeitos têm, então, considerar o uso de drogas hoje como sinto-ma social, enquanto uso/abuso generalizado? O que me interessa, a partirdesta visão de flagelo social, é como se responde a isto enquanto propostade tratamento. Acredito que estamos tão identificados a este discurso trági-co da droga como o paciente que se diz: “eu sou um alcoolista”, “eu sou umdrogado”.

Sylvie Le Poulichet, em Toxicomanías y psicoanálisis – Las narcosisdel deseo, trabalha o surgimento do discurso da toxicomania, que teria sefortalecido vinculado ao desenvolvimento da psicofarmacologia, na década

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Muitos, antes mesmo de dizer seu nome, se apresentam como“alcoolistas” ou “adictos”. (Isso quando não são os próprios pais que nomei-am dessa forma seus filhos adolescentes.) O que conduz a pensar no “anô-nimo” que consta na denominação dos grupos de auto-ajuda, onde todossão iguais nesta irmandade de usuários, em que nenhuma autoridade é legí-tima. Quanto ao “anônimo”, ou a dificuldade de se apresentar pelo nomepróprio, poderíamos pensar: o que comporta o nomear enquanto convocaçãoda diferença?

Ainda na triagem, tenho escutado uma queixa constante da falta doPai, seja porque está na realidade ausente, foi embora ou nunca esteve, sejaporque não se interessa e, quando intervém, é para bater. É constante tam-bém no discurso dos pacientes a queixa de que lhes faltaram limites, de quedesde sua tenra infância podiam tudo. Nos casos de adolescentes é comumaparecerem num momento de vida em que não estão trabalhando nem estu-dando, só se divertindo. Os pais buscam na instituição que alguém dê jeitoneles.

Por esta via chega a Mãe, e me interrogo se o que vem pedir não é umPai. São elas que se queixam de que o pai está ausente ou de que é um paitirano. São elas que dizem que eles não fazem nada ou que elas não osdeixam fazer, pois senão matariam os filhos. É tudo com elas. Muitas vezes,parece que, para além de uma falta de Pai, há um excesso de Mãe.

É a questão do limite que está sempre presente, talvez pelo grandenúmero de pacientes adolescentes e delinqüentes (para não dizer quasesempre acompanhados de suas mães). A adolescência nos coloca frente àdificuldade dos pais em lidar com este momento dos filhos, onde a identifica-ção acontece nos grupos de iguais, e a autoridade destes pais é posta emxeque. Não são poucos que trazem seus filhos porque encontraram um “ba-seado” na mochila, e se queixam de que eles estão estranhos, não conver-sam como antes. O que freqüentemente é simplesmente um momento deexperimentação, que é próprio do adolescer, pode se cristalizar num destinode exclusão e doença. Simplesmente poder testemunhar o estranhamentodos pais com seu filhos adolescentes, às vezes, é suficiente para que elespossam lidar com a angústia frente a estes estranhos filhos crescidos, que

Este vínculo, então, dependência/abstinência, pode ser lido como doislados da mesma moeda: se na dependência o sujeito desaparece na presen-ça da droga, na abstinência a droga se faz presente enquanto ausência re-verenciada. Nesta lembrança, continua representando o sujeito nos gruposde anônimos. De dependente passa-se a ser abstinente. Onde está o Sujei-to? A dimensão da falta está excluída, há o reparo de uma perda nessaonipresença da droga, e a angústia se aplaca, seja no consumo ou nosgrupos.

O não saber sobre o fenômeno da dependência angustia, pois apesarda abstinência e do remédio, há sempre um resto que se manifesta nasrepetidas recaídas.

É freqüente o dito nos locais de atendimento de que a psicanálise nãose presta enquanto tratamento desta problemática, pois haveria uma impli-cação do corpo, do biológico, da ordem da necessidade e uma desestruturaçãode vida tal que o indivíduo não poderia se submeter a um tratamento somentepela via da palavra, da livre associação, da transferência. O que faz lembrarque, por muito tempo, a psicanálise “não se prestava” ao atendimento de psi-cóticos. Talvez o que pareça impossível seja a proposição de escutar a an-gústia da falta sem a tentativa de preenchê-la.

O trabalho da triagem se caracteriza como a primeira escuta dos pa-cientes que chegam à instituição. Neste momento, é interessante a repeti-ção das falas, seja como uma apresentação ou como um pedido: “o que metraz aqui é a droga”, “o meu problema é a droga”, “quero um remédio que mecure”, “quero tirar isso de mim, ficar limpo”, “quero me internar e sair limpo”,“desta vez vou parar”...

Chega-se à instituição falando do que é oferecido por esta enquantolocal de atendimento à dependência química. O sujeito não aparece, nem asingularidade de seu sofrimento: está colado numa identificação à droga. Deque sujeira se trata? Que limpeza é esta que deve ser feita? Transformar-seem outro? É freqüente, em relação a intervenções que convoquem algo deum passado ou uma história, a posição de que disso não se quer saber, nemfalar, “a partir de agora quero ser um novo homem”. Sabemos para que fra-casso isso aponta.

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zes de escutar o que pode vir a ser o sofrimento de cada um, um pedido.Este discurso da toxicomania, centrado na droga, fascina na mesma medidaque a psicofarmacologia, pois, localizando respostas no corpo ou no objetopositivado, suprime o enigma de um desejo. Um discurso reforça o outro. Aespecificidade funciona como uma tentativa nesta via, de categorização dosmales psíquicos, se possível, vinculando-os aos físicos, para os quais háquase sempre um remédio. De resto, é sempre do mesmo que se trata,anular a diferença, fugir da castração, do enigma do desejo que uma subjeti-vidade em falta comporta. E afinal de contas, do que sofre este que é nome-ado dependente? Talvez devêssemos começar deixando-o falar, sem pressa.

possam falar de suas dificuldades, em vez de excluir-se de qualquer respon-sabilidade, centrando o problema na droga, sem nenhum deslizamento pos-sível.

São muito comuns, também, os encaminhamentos judiciais, ou seja,chega-se ao tratamento pela via de uma infração. Muitas vezes essa deter-minação pode parecer incompatível com uma demanda de tratamento, masacredito ser possível, em alguns casos, haver o efeito simbólico de limite.Penso que o cuidado que se deve ter é não desresponsabilizar um ato pelajustificativa de uma doença.

Nesta clínica, as questões são muitas, assim como as queixas, to-das escondidas atrás do objeto droga, o grande mal da humanidade, a pestede hoje. Discurso perfeito para manter qualquer implicação singular ou fami-liar à distância. Pregar o ideal de abstinência ou receitar um remédio parauma doença, por onde a medicina, como representante da ciência moderna,se guia hoje, não seria reforçar que o problema está no corpo? E o Sujeito?Em muitos casos, há um padecimento real, no corpo, não há dúvidas, e,muitas vezes, são necessários e imprescindíveis medicação e internaçãohospitalar. Porém, apesar de um real que se impõe, há um discurso ou atosque se repetem, numa tentativa de simbolização. (Desta falta de pai comsobra de mãe?) Em alguns casos, não poderia a drogadição, como sintoma,constituir um limite para esta mãe que tanto deseja e está tão presente, defazer valer um Pai? Penso que o que fracassa é sempre a possibilidade desimbolização da falta, do impossível da completude, e a toxicomania parecese produzir como possibilidade de lidar com o intolerável desta condição,como um reparo narcísico.

E, sem esquecer o que diz Le Poulichet: “...unicamente os aconteci-mentos e os dizeres que surgem dentro do campo da transferência podemcontribuir a fundar esta clínica”. No meu entendimento, para além de umaclínica psicanalítica da toxicomania, trata-se da clínica psicanalítica por sisó, já fundada em seu corpo teórico e que se reconhece e se refaz por suaprática.

Preocupa-me é que o discurso da toxicomania seja maior do que aqueixa em si, e que os terapeutas, tomados por este discurso, ficam incapa-

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ENVELHECIMENTO: INDAGAÇÕES A PARTIR DAEXPERIÊNCIA COM UM GRUPO1

Regina de Souza Silva

Para realizar este trabalho, reuni a vivência que tive com um grupo – emque os participantes são pessoas entre 55 e 75 anos de idade – algu-mas leituras que tenho feito sobre o tema, a participação no cartel sobre

o Envelhecimento e, principalmente, as observações do cotidiano.Em 1998, participei de um primeiro encontro com um grupo, de mais

ou menos 12 pessoas, cujos integrantes são pacientes cardíacos em umhospital de Porto Alegre. Estes encontros foram planejados com o objetivode aconselhar e orientar os pacientes para conviverem melhor com acardiopatia. A programação era para dez meses, contando, a cada mês,com a participação de um profissional de área diferente. Participei do penúl-timo encontro do ano, e o tema solicitado foi “auto-estima”. Talvez esperas-sem algo do tipo “orientação de auto-ajuda”, de “pensamento positivo”, “re-ceitas para ficarem de bem com a vida”, ou coisas do gênero; porém, nãosendo minha intenção orientar e aconselhar, propus que o encontro se de-senvolvesse de forma interativa e participativa. Então, os participantes fala-ram de suas experiências diante da doença, quando se depararam com oimpacto causado pelas limitações que a mesma lhes impôs.

Nessas colocações, pareceu evidente a singularidade de cada um, aoterem que encontrar novas formas de reorganizar suas vidas. Uma delas é ade um ex-policial, que diz ter passado toda sua vida profissional trabalhando“lado a lado” com a morte e, quando estava a seis meses de aposentar-se,acaba tendo que se submeter a uma ponte de safena – o que o coloca “frenteà frente” com a morte. Ele, que tinha o sonho de aposentar-se e organizarum time de futebol, fica impedido de jogar. Porém, tenta dar um outro rumo

ao seu sonho, tornando-se treinador de um time de futebol infantil.Partindo das próprias vivências, outros tomaram a palavra. Não eram

apenas “safenados” ou “cardiopatas”, que estavam ali para receber orienta-ção, mas podiam falar de si, de suas angústias, de suas perdas.

Falaram da angustiante proximidade com a morte, o que, como sesabe, é justamente o que não se quer saber para se conseguir viver. O poderfalar e compartilhar suas experiências, possibilitando simbolizá-las e, a par-tir daí, tomar a limitação física (em função da doença) não mais como umaimpotência paralizante, relança-os para outras possibilidades, ou seja, a pos-sibilidade de se fazer um luto das perdas – não dá mais para jogar futebol,mas dá para ser o técnico de um time, por exemplo.

Comecei a refletir sobre esse momento do ciclo vital, no qual o sujei-to, com mais idade, ao se deparar com o limite de seu corpo ou o limite daprópria vida, na iminência da morte, ainda tem vida.

A expressão “procedimento invasivo” é comumente utilizada na áreamédica, mas creio que esta “invasão” possa ter um sentido que vai além docorpo, pois coloca o sujeito frente ao impossível. Então, como fica o sujeito,sua subjetividade, seu desejo, seus ideais, a simbolização diante dessereal? Como relançar a vida? Que possibilidades existem quando algo vemmudar seu curso, quando esse real se impõe sem que possa ser feita umaescolha?

Esta é mais uma passagem entre outras do ciclo vital, mas pareceser uma das mais difíceis, pois já não há toda uma vida pela frente, a idadecontinua avançando e não há muito tempo para o futuro, ele está logo ali.Como diz Alfredo Jerusalinsky, no Correio da APPOA nº 42, de dezembro de1996: “...esse tempo real, aquele que não aceita dilatação se trata de umpostulado que, a rigor, sempre esteve ali, mas que nós sempre empurramosnuma dobra do tapete, na ilusão de que não chegará jamais... esse postula-do adquiri toda sua ressonância: é a velhice!”

Simone de Beauvoir, em seu livro “A velhice”, lembra a atitude da soci-edade em relação ao velho e ao jovem adolescente. Se este é admitido, logoque atinge 18 ou 21 anos, mediante “rituais de passagem”, que ela nomeia“rituais de transição”; para aquele não se encontram “rituais de passagem”,

SILVA, R. de S. Envelhecimento: indagações...

1 Trabalho apresentado em julho de 2000 na Jornada do Percurso III.

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que estabeleçam um novo estatuto para a velhice.Seguindo esta comparação, pode-se pensar que velhice e puberdade

colocam o sujeito num processo de mudança bem marcante (uma metamor-fose). Não há como parar ou impedir o que acontece com o corpo, é umapassagem obrigatória, sobre a qual não se tem controle e não se sabe noque vai dar, nem como vai acabar. Mas, é certo que o estará situando numaoutra posição diante da vida. Qual seu novo papel? Que sujeito advém daí?Como simbolizar esse real?

Na adolescência, certamente, são muitos os caminhos, possibilida-des de várias escolhas para seguir a vida. As apostas e esperanças deposi-tadas no adolescente lançam-no para a vida adulta, para o futuro. No entan-to, na velhice, os investimentos vão cessando, os velhos têm que sair docaminho para os mais jovens, que estão chegando, ocuparem seus lugares:Onde colocar os velhos? Onde eles serão aceitos?

Maud Mannoni, em o “Nomeável e o inominável”, lembra que, no iníciodo século, a idade média das pessoas era de 45 anos. Os, então, velhosencontravam um lugar na família, pois eram poucos em relação aos numero-sos filhos e parentes em atividade, não sendo um peso para os mesmos.Com o passar do tempo, a idade média foi para os 62 anos, quase coincidin-do com a aposentadoria fixada em 65 anos (1945). Atualmente, a perspecti-va de longevidade é de até 100 anos, originando-se, assim, uma “sociedadede velhos”.

Mesmo com todo o avanço da ciência e seus recursos dando umaperspectiva de vida mais prolongada, à velhice não é conferido nenhumglamour, o que parece é haver uma constante busca da eterna juventude,chamando atenção muitas vezes um certo prolongamento da adolescênciacomo que para ficar o mais distante possível de envelhecer.

Ao pensar este momento da vida, quando o sujeito, lentamente, temsuas capacidades físicas e mentais mais reduzidas, ocorre-me que há oencontro com outras mudanças, como a aposentadoria, os filhos que vãosaindo de casa (síndrome do ninho vazio), perda dos pais, do cônjuge, deamigos, perda do lugar de comando no trabalho e, muitas vezes, na família,além da redução dos ganhos e alteração no padrão de vida.

Como fazer estes lutos? Como situar e orientar o desejo nessa su-cessão de perdas?

Segundo Mannoni, lembrando Freud, o “luto normal” é um processolongo e doloroso, que acaba por se resolver por si mesmo, quando se encon-tram objetos de substituição para o que foi perdido.

No entanto, se, nesse processo de luto, há um apego ao que foi per-dido e uma atitude de revolta, sem disponibilidade para substituições, o su-jeito se vê perdido, como que, perdendo o objeto, perdesse a si também,entrando numa melancolia, não encontrando nada mais a desejar, o que, emalguns casos, poderá ser até sem volta, se levarmos em conta que, nesseperíodo do ciclo da vida, o tempo já não conta muito a favor.

Não é a intenção desenvolver aqui, luto e melancolia, contudo, creioque vale a pena esta breve alusão, como uma reflexão em torno das perdasno processo de envelhecimento.

Retomando as mudanças nesse processo, a aposentadoria é, numcontexto social, o tão esperado “grande sonho da vida”, aquele momento dedescanso, de poder fazer o que se quiser com todo o tempo disponível parasi. Será que tudo se encerra aí? Como fica o futuro após esse ideal alcança-do? Que vida tem para além do trabalho, para além do ninho vazio e quandocomeçam a aparecer as transformações físicas? Começa a surgir certa in-quietação. Que caminho seguir? Tentar novas descobertas e conquistas ouficar preso a coisas do passado não abrindo mão de sua antiga vida?

Na escuta de alguns relatos deste grupo e do cotidiano, pude consta-tar que são diversas as alternativas como cada um enfrenta essas questões.Alguns tentam seguir o sonho de aproveitar o tempo que têm, que era deixa-do para o futuro e esse já chegou, é agora.

Outros parecem sofrer um grande impacto, não sabendo mais o quefazer de suas vidas, sem ver um futuro possível, sentindo-se improdutivos,sem escolhas que possam dar um sentido a suas existências. Acabamcomo que saindo da vida, deixando cuidados pessoais e com a saúde delado. Vão se ausentando.

Há, ainda, aqueles que não aceitam os limites que os vão cercando,continuando com os mesmos hábitos e com certos excessos em atividades,

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SEÇÃO TEMÁTICA

que exigem ou requerem melhores condições físicas, tornando-se, muitasvezes, irreverentes e grosseiros, como que numa atitude de revolta.

Em trabalhos e reportagens sobre a aposentadoria, é comum a mes-ma ser relacionada à velhice. Aqueles que se aposentam bem cedo, antesdos 50 anos, já passam, ou sentem-se situados como velhos improdutivos,porque atividade e trabalho são associados à juventude.

Mannoni, falando sobre essa relação da velhice com aposentadoria,diz que podem ocorrer efeitos realmente traumáticos e devastadores com aparada compulsória da vida ativa, mas, com a sorte de encontrar atividadessubstitutas, a velhice pode se tornar mais serena, embora esta não seja aregra. Ela refere, ainda, a importância de mudar a mentalidade à cerca dosidosos, pois muitos dos que apresentam um estado depressivo mudam rapi-damente, desde que possam recuperar, na realidade, algo da ordem de umaauto-estima (aulas dadas às crianças doentes, procura de uma segundaocupação, encontros comunitários, cursos para a terceira idade nas univer-sidades).

De outro lado, chama atenção a relação do idoso com aqueles comos quais convive. Em certos casos, parece haver, na família, uma constantetentativa de “poupar os mais velhos”. Alguém passa a tomar conta de tudo,assume todas as decisões – até de suas rotinas mais simples –, reduzindo-os à condição infantil, destituindo-os do lugar de pais definitivamente, sendotratados como verdadeiras crianças. Esses “velhinhos”, que muitas vezesnem têm tanta idade, são cuidados e preservados como “peças antigas domobiliário da família, relíquias que às vezes não têm utilidade, mas fazemparte da casa”, passando de sujeitos desejantes à posição de objetos.

Há, também, quem fique procurando incessantemente, com a melhordas intenções, atividades ou programas que ocupem o idoso, para que estetenha um lugar participativo, não percebendo que há um sujeito que podefazer suas próprias escolhas.

É comum a angústia tomar conta daqueles que acompanham o fim doidoso, o que os pode levar a se decidirem por casas geriátricas, com a idéiade que lá o idoso estará bem cuidado e terá a atenção de que necessitam.

Na relação do idoso com seu meio, Simone de Beauvoir, citada por

Mannoni, enfatiza a dificuldade que se tem para lidar com o velho, principal-mente se doente. Este acaba não sendo mais tratado como sujeito, mascomo objeto de cuidado, sem uma possibilidade de fala, só conseguindo,muitas vezes, fazer-se reconhecer por atitudes de revolta. “Não há mais umancoramento do seu desejo no desejo do Outro...” É aqui que, despreparadosem nossa relação com os idosos, falhamos, na nossa surdez, em poderfazê-los se relançar como sujeitos desejantes.

O interesse em estudar e trabalhar o envelhecimento tem sido cres-cente em diversas áreas. Existe um mercado voltado para a 3ª idade. Aspropostas apresentadas e divulgados pelos meios de comunicação, no intui-to de criarem alternativas de ocupação para melhorar a qualidade de vida na3ª idade, são muitas: bailes para 3ª idade, esportes, cursos diversos, con-cursos, pacotes turísticos, grupos de convivência, etc.

A psicanálise tem seu espaço no sentido de possibilitar que um sujei-to, mesmo na 3ª idade, possa tomar a palavra e não ficar apenas numaposição passiva, de objeto.

Não desmerecendo o trabalho de outros profissionais – que cumpremsua função de dar um suporte com esclarecimentos sobre cuidados relativosà prevenção e preservação da saúde, e também daqueles que se empenhamem criar alternativas de ocupação para 3ª idade –, pode-se trabalhar no sen-tido de viabilizar a essas pessoas condições de simbolização diante daslimitações que esse real, velhice, lhes impõe, mesmo que para isso sejapreciso ir no sentido contrário de um pedido de orientação e aconselhamentopara, então, dar-lhes a palavra.

BIBLIOGRAFIABEAUVOIR, Simone. A velhice: a realidade incômoda. São Paulo : Difusão Euro-

péia do Livro, 1970.FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Comple-

tas. Rio de Janeiro : Imago, 1987.JERUSALINSKY, Alfredo. Psicologia do envelhecimento . Correio da APPOA, n.

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Janeiro : J. Zahar, 1995.

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SEÇÃO DEBATES

que apresenta ao mundo o arcabouço de uma nova Psicologia, aquela doinconsciente. Mas é em 1900, com a “Interpretação dos sonhos”, que Freudinaugura uma nova linguagem, deixando para trás o jargão médico. Cria umnovo campo de investigação da alma humana, através da hipótese do in-consciente. Na busca de desvendar seus mistérios, atraído pelo desconhe-cido, nasce um novo saber. O sonho terá um novo sentido, ocultará desejose será material para a investigação científica.

Assim, o cinematógrafo, registro do movimento, está para o “Projeto”,como “Viagem à lua”, nova linguagem, está para “Interpretação dos sonhos”.

Ambos os inventos assustaram as pessoas, fizeram-nas temer se-rem invadidas por um trem que saísse das telas de projeção, por registrosque tomassem forma e saíssem do estático. Em sua história, o cinemapercorreu um longo caminho. A psicanálise também. Dos filósofos, a caver-na de Platão é a primeira experiência de projeção, passando pela lanternachinesa até chegar à câmara escura da época do Renascimento.

Cinema e Psicanálise! É possível essa junção? Freud foi consultadopelo produtor americano Samuel Goldwin e disse não ser possível tal união.Não a queria. Karl Abraham, presidente da Sociedade Psicanalítica Interna-cional de Berlim, em 1925, recebeu, nessa mesma época, uma correspon-dência de Hans Neumann, diretor do departamento cultural da UFA (Universun-Film AG). A produtora cinematográfica alemã consultava sobre a possibilida-de de popularizar a psicanálise através da apresentação do seu corpo teóri-co em um filme. O presidente da Sociedade disse que sim, mas escreveu aFreud em busca de uma autorização. Freud respondeu que não, o projetonão lhe agradava. Lacoste (1992) informa a justificativa de Freud:

“Minha principal objeção é que não me parece possível fazer umaapresentação plástica minimamente séria de nossas abstrações. (...) O Sr.Goldwin era pelo menos suficientemente inteligente para ater-se ao aspectode nosso tema que permite perfeitamente uma apresentação plástica, a sa-ber, o amor.” (p. 25)

Freud, segundo Lacoste (1992), vai mais longe, tachando de ridícula epouco instrutiva a cena imaginada pelo cineasta a partir do que uma vezfalara sobre o recalque. O cineasta relata a forma como seria tratada a noção

CINEMA E PSICANÁLISE:UMA HISTÓRIA INTERLIGADA1

Denise Costa Hausen2

Éfinal do século XIX. Transcorre o ano de 1895. Em Paris, Auguste eLouis Lumière realizam a primeira sessão pública, no Gran Café, doinvento que chamaram “o cinematógrafo”. O filme apresentado é “A

saída das fábricas”. Trinta e três pessoas pagam um franco para assistir àsimagens que se movimentam. O tema é a saída dos operários das usinasdos irmãos cineastas em Lyon Mont-Plaisin.

Em Viena, neste mesmo ano, Sigmund Freud escreve o seu texto“Projeto para uma psicologia científica para neurólogos”.

No transcorrer da primeira sessão de cinema, espectadores se as-sustam, escondem-se embaixo das cadeiras, procurando proteger-se do tremque avançava, segundo seu temor, sobre eles.

Puderam, após, compreender que o trem não os ia esmagar: eramimagens que se expunham seqüencialmente diante de uma câmera imóvel.

Os irmãos Lumière criaram o invento, o Cinematógrafo, mas foi GeorgesMélies, em 1902, que deu um outro significado àquela invenção. Com seufilme “Viagem à lua”, tornou-se o inventor da arte cinematográfica.

Estava criado o cinema como linguagem. Neste século, foi surgindo ese instalando como essa nova linguagem, através do corte, da montagem,da edição.

“Saída das fábricas” foi o filme utilizado para apresentar ao mundo umaparelho que viabilizou, com “Viagem à lua”, a realização dessa nova mani-festação artística.

O “Projeto para uma psicologia científica para neurólogos” é o texto

1 O presente trabalho foi extraído da dissertação de Mestrado em Psicologia Clinica intitulada:Filha: um olhar da Mãe.2 Psicóloga, Psicanalista, Membro efetivo do CEP-PA.

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SEÇÃO DEBATES

se, para Abraham, ele parecer sério, “se o programa que lhe será apresenta-do caracterizar a seus olhos e, portanto, aos meus também, essa possibili-dade (de ser bom), estarei disposto a dar, a posteriori, minha autorização”(Lacoste, 1992, p. 25)

Nos créditos do filme, aparece, então, o nome de Karl Abraham, naépoca já gravemente doente, e de Hans Sachs como consultores. Na verda-de, Sachs é quem efetivamente deu a consultoria, muito embora Abraham,que morreu meses após, tenha se encarregado da interlocução com Freud.Abraham, já bem doente, com o ar faltando-lhe e dificultando sua expressãooral; Freud já não podendo com tanta facilidade articular sons. O filme mudofoi o desencadeante da última divergência entre ambos.

De alguma forma, a história desse filme mudo ajudou a introduzir a“imagem” da Psicanálise.

O filme que primeiro tentou tratar a Psicanálise em imagens é “Segre-do de uma alma”, que conta a história de uma fobia por objetos cortantes.Foi dirigido por Georg Wilhelm Pabst e provocou essa intensa polêmica en-tre Freud e o presidente da IPA, em 1925. O caso do filme foi a última oumesmo a única oportunidade de Abraham expressar com firmeza sua posi-ção.

Pabst (1885-1967), um dos maiores diretores do cinema mudo, austrí-aco, foi quase esquecido após a Segunda Grande Guerra: não se adaptouaos estúdios americanos, permanecendo na Alemanha nazista. Foi ele odescobridor de grandes atrizes (Greta Garbo, Marlene Dietrich, LouiseBrooks). A par desse atributo, é emblemático do cinema alemão, resumindoa sua própria história: o expressionismo, o Kammerspiel3, o idealismo huma-nitário, as produções internacionais, o nazismo, o vazio do pós-guerra. (Tulard,1996)

Em seu “Dicionário de cinema”, Tulard (1996), escrevendo sobre Pabst,refere ser ele um “homem de estúdio que deixava grande espaço para a

3 Numa tradução livre: o movimento de câmera.

de recalque, ilustrando-a, como Freud fizera anteriormente, pela figura de umintruso. Em suas conferências em Worcester, em 1909, querendo que en-tendessem seu conceito de recalque, Freud pediu à platéia que o escutavaque imaginasse um intruso querendo impedi-lo de fazer sua Conferência.Pede que imaginem o intruso sendo expulso pela porta e tentando entrarpela janela, pelo teto, enfim. Assim ilustrou a emergência do recalcado naconsciência.

Algumas biografias de Freud referem que, em 1909, quando ele viajoupela primeira vez aos Estados Unidos, foi levado a ver um filme mudo do qualnão gostou e que só guardou na memória várias perseguições dos atores.Esse episódio parece haver lhe deixado indisposto com o cinema por muitosanos.

Abraham, associado com Hans Sachs (outro pioneiro, contemporâ-neo de Freud), se oferece para ser o consultor técnico do filme de Neumann,origem da sua consulta ao mestre, muito embora fosse ele o presidente daAssociação Psicanalítica Internacional.

É uma idéia audaciosa, a de mostrar o pensamento e a fantasia medi-ante uma técnica nova.

O estudo de como se uniram, então, campos tão novos e tão comba-tidos, é também o tema do presente artigo.

O temor de Freud situava-se, quem sabe, no fato do desvirtuamento,da selvageria com que a psicanálise poderia vir a ser tratada a partir da suapopularização. Abraham argumenta:

“O projeto está de acordo com o espírito de nossa época e certamen-te será executado: senão conosco, com pessoas incompetentes. Temos emBerlim analistas que se agarrarão avidamente à oferta, caso a recusemos.Eles extrairiam disso os lucros materiais mas nossa causa seria prejudica-da”. (Lacoste, 1992, p. 24)

Freud titubeia, não cede. Teme a vulgarização da sua teoria. Temetambém que o meio científico tome essa vulgarização como mote para seracusado de utilizar-se do popular já que, no meio médico, a psicanáliseainda não se instalara como prática reconhecida. Escreve a Abraham, dizen-do-se contra o projeto. Refere, no entanto, que, se não for possível sustá-lo,

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sonho”, montar um sonho em imagens cinematográficas e em seguidainterpretá-lo segundo as regras da arte, levando em conta seus componen-tes elementares. Hans Neumann assumiu este risco e, no centro do filmepsicanalítico que concebeu, é apresentado um sonho (Lacoste, 1992, p. 28)

Cinema e psicanálise, variação da relação paciente e analista. A ima-gem e o que é dito sobre a imagem. O manifesto e o latente, a percepção ea percepção interna; fragmentos selecionados do que é projetado e a possi-bilidade da interpretação. A imagem, mesmo a do sonho, que dirá a projeta-da pelo cinema, não passa de um meio, de um instrumento.

Do ponto de vista do espectador, este cinema inaugurado para a psi-canálise com o filme de Pabst, segue sendo fonte de interesse dos psicana-listas.

Seu maior fascínio é, sem dúvida, propiciar ao espectador intrometer-se na vida dos personagens que vivem a cena filmada. Cena filmada que épermitida ver, ao contrário de outra cena, a cena primária, proibida de servista. Tome-se aqui o conceito de cena primária trazido por Zimerman (1999):

“Tanto por uma intuição, como por estímulos externos (barulhos notur-nos, insinuações dos pais ou cenas que vê na televisão), a criança imaginao que se passa no quarto fechado dos pais, fica muito excitada e usa orecurso das repressões. (...) A criança é levada a tomar imaginariamente, ede forma alternada, o lugar dos protagonistas da cena, com as diversasfantasias correlatas, inerentes ao ‘complexo de Édipo’. Quando os pais per-mitem, ou até induzem a uma participação concreta dela na cena primária,estarão provavelmente produzindo um futuro perverso.” (p. 94)

O filme do cinema permite identificações, permite o exercício pleno dapulsão parcial do olhar. A perversão é autorizada, deixando, portanto, de sê-la, já que o diretor cria algo que deve ser visto, olhado, gozado pelo especta-dor, por identificação, sem que seja ele o protagonista. Sem culpa, sem opeso do sintoma. Pode-se, tal como na produção onírica, permitir a realiza-ção de desejos.

Diz Fonseca (1998):“(...) somos convidados a participar do desenrolar de um drama, cons-

truindo em um tempo de desejos, afastados da realidade factual por uma

improvisação e que resolvia na última hora como fazer iluminação e comoorientar seus atores”. (p. 483)

Ele foi renovador, trouxe sangue novo ao cinema da Alemanha. Juntoa Berthold Brecht e outros intelectuais contemporâneos, integrou o movi-mento Nova Objetividade. (Sadoul, 1979)

O filme “Segredos de uma alma” que inaugura a relação entre a psica-nálise e o cinema, no entanto, não consta dentre suas principais obras.Outras se destacam, por exemplo a sempre atual “A Caixa de Pandora” e a“Ópera dos Pobres”.

O primeiro analisando no cinema foi interpretado por Werner Krauss.Baixo, troncudo, diz-se dele ter sido designado “ator do estado alemão”,“glória do Reich” (Lacoste, 1992, p 66). Sobre ele refere, em nota de rodapéda mesma obra, uma das apresentações arquivadas na Cinemateca de Berlim:“para encarnar um personagem acometido de perturbações psíquicas tãograves – a hesitação, a doença, a inibição, num único e mesmo homem – sóhavia um ator na Alemanha, e certamente no mundo inteiro: Werner Krauss”(Lacoste, 1992, p. 27).

Enquanto fisicamente Pabst se assemelhava a Hans Sachs, WernerKrauss lembrava um pouco Alfred Adler (outro estudioso da alma humana,contemporâneo e dissidente de Freud) “Um Adler de rosto clareado por ex-pressões de Ferenczi”, diz Lacoste (1992, p. 66), fazendo a relação entre ospsicanalistas e atores da época.

Werner trabalhou mostrando-se mais introspectivo do que em seusoutros filmes. A neurose, surgindo como foco central de um filme, contrastacom focos projetados sobre a silhueta e o rosto do ator principal.

O filme de Pabst, mudo, traz no seu bojo um marco freudiano: a lin-guagem das imagens, a linguagem do sonho.

O material ilustrativo e de divulgação feito circular à época do seulançamento questiona e enaltece o trabalho do “pesquisador da alma”, Freud,e o relaciona ao roteiro proposto para o filme.

Para aqueles que estão abertos à pesquisa, cada qual em sua espe-cialidade – e existem pessoas assim na indústria do cinema – teria mesmode ser uma idéia sedutora “tentar utilizar de forma consciente o trabalho do

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que os une.” (Freud [1908]1974, p. 153)Cinema e Psicanálise: uma história interligada. Duas criações em um

momento ditas mortas: o cinema, com o advento da televisão e do vídeo; apsicanálise, com as terapias alternativas, com as terapêuticas medicamen-tosas. Ambas vivas, nos envolvendo.

BIBLIOGRAFIAFONSECA, Paulo. O masculino e o feminino no cinema, ontem e hoje. Revista de

Psicanálise, Porto Alegre, 5 (2), set. 1998.FREUD, S. Escritores criativos e devaneios (1908). In: _____. Obras Completas.

Rio de Janeiro : Imago, 1974.LACOSTE, Paul. Psicanálise na tela. Rio de Janeiro : J. Zahar, 1992.RODRIGUÉ, Emilio. Sigmund Freud, o século da psicanálise. São Paulo : Escuta,

1995.TULARD. Dicionário do cinema. Porto Alegre: L&PM, 1996.ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos. Porto Alegre : Artmed, 1999.

temporária suspensão das faculdades críticas da mente... somos ‘voyeurs’de algo excitante, assumimos a visão do que foi proibido, satisfazemos nos-sa curiosidade, nos defrontamos com temores, mas os vencemos, identifi-cados com os heróis.” (p. 205)

O cinema é aquele veículo que permite a magia dos desejos realiza-dos.

Em contrapartida, do ponto de vista do diretor e do ator, é impossívelmostrar o que é a psicanálise, filmá-la propriamente dito, mostrar a essênciade uma relação analítica. O processo analítico, na sua profundidade, nãopode ser mostrado. O que, sim, o cineasta faz é buscar construir ou recons-truir (como no processo analítico) a verdade histórica dos personagens, aatualização das suas lembranças, das suas reminiscências. No entanto, amontagem cênica não dá conta, por si só, daquilo que se passa nessa rela-ção.

Refere Lacoste (1992): “nenhum procedimento de montagem pode ‘exi-bir’ o deslocamento rápido e a condensação de uma interpretação analítica,seu caráter de instante que reúne o passado e abre um devir de pensamento”(p. 67).

Em 1908, Freud (1974) escreve, em seu trabalho “Escritores criativose devaneios”, sobre a fantasia e o tempo. Tomou-se seu texto para ampliar aabordagem de Lacoste sobre a síntese buscada entre o passado, presente efuturo na montagem cênica. Diz ele:

“A relação entre a fantasia e o tempo é, em geral, muito importante. Écomo se ela flutuasse entre três tempos – os três momentos abrangidospela nossa ideação. O trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, aalguma ocasião motivadora no presente, que foi capaz de despertar um dosdesejos principais do sujeito. Dali, retrocede à lembrança de uma experiên-cia anterior (geralmente da infância) na qual este desejo foi realizado, crian-do uma situação referente ao futuro que representa a realização do desejo. Oque se cria então é um devaneio ou fantasia, que encerra traços de umaorigem a partir da ocasião que a provocou e a partir da lembrança. Dessaforma o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo

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que se baseie na pura expressão de uma prerrogativa a priori. Ele não sabeser autoridade, tanto quanto não acredita em sua eficácia.

O pai é hedonista, muito menos na prática do que no discurso. O paique passava os valores do trabalho e do sacrifício já era. A profissão e oestudo hoje devem ser um parque de diversões, um lugar de criatividade edesafios. A inteligência deve ser voltada para conseguir um “trabalho nãotrabalhoso”, ou melhor, um ofício que seja uma paixão tal que faça esquecerque dar duro seja um trabalho.

O lema do novo pai: o importante é ser feliz. A busca da felicidade é asaída para o vazio de opiniões. O mínimo que se espera de um pai é quequeira o melhor para os seus, mas a felicidade é intransitiva, é o caminhoque aponta para todas as direções.

O pai é saudosista, já é pai mas não resolveu seus dramas com aadolescência, considera que ela é o filé da vida e teme estar de fora, temmedo de envelhecer.

Quando precisa evocar algum tipo de essência, este pai não vacila emcomparar seus filhos consigo, acha-os moles e pouco persistentes, pedeque os filhos lhe sejam gratos pela educação menos rígida que lhes deu,mas aponta aquela severidade como a que teria sido capaz de fazer pessoasmais valiosas. Educa seus filhos para que gozem prazeres e direitos, mascobra-lhes esforço e deveres. Se não vacila em achar que seus filhos deveri-am ser “melhor educados”, vacila em achar que ele deveria parecer-se comseu próprio pai. Ao apontar como ideal um lugar que ele não ocupa, deixavazia a vaga do pai.

“Você é quem sabe”, quantos adolescentes já ouviram isso quandobuscaram uma opinião. O pai contemporâneo não tem muito a dizer, curio-samente esquece que, se pergunta, é porque o filho não julga ter a resposta.

O pai contemporâneo acredita que o tempo em que vive, seus hábitose modo de vida, serão radicalmente diferentes do tempo em que seu filhoviverá sua vida adulta, de tal modo que seus conhecimentos de nada valeri-am para ele. Trata-se de um paradoxo. Poucos séculos foram tão vertigino-sos em mudanças de costumes como o último e, mesmo assim, esse pai,

PAPAI SABE TUDO?1

Diana Lichtenstein Corso e Mario Corso

Havia um seriado americano intitulado: Papai Sabe Tudo. Tal seriadoera a banalidade do cotidiano elevado à categoria de pequenos dra-mas leves. O pai, como diz o título, tomava o centro dos dramas

para resolver os problemas: era árbitro, mediador e bom conselheiro dosproblemas de seus filhos adolescentes. Tudo isso se passava quando adécada de 60 ainda era inocente. Esse pai era quem sabia, a figura da sabe-doria tinha cabelos brancos, a experiência contava.

Progressivamente o pai vem perdendo seu trono, ou melhor, vem abdi-cando. A rápida transformação do mundo, desde o pós-guerra, deixou maisde uma geração atônita: mal se acostumava a uma mudança já chegavaoutra. O pai se deu conta de que sua sapiência já não servia e, no máximo,tinha um palpite sobre o porvir.

Já o pai de hoje sabe que não sabe nada. Numa tentativa de estarmais perto dos filhos aboliu a diferença; agora o pai é camarada, tenta viverna onda dos seus filhos adolescentes quando não na frente deles. Isso porque o lugar do saber mudou, estaria na frente e, mais do que isso, o ideal deser também estaria na frente, o ideal é ser jovem.

Mas tudo isso, como influiu na paternidade contemporânea? Quem éo pai de hoje? Que valores ele tem a legar aos seus filhos?

O pai é um crítico de sua filiação, não quer reproduzir a paternidade daqual foi objeto, quer ser diferente, o que o torna acima de tudo alguém quesabe o que não quer ser, mas pouco sabe do pai que poderia ser...

O pai moderno é democrático, ele se recusa a usar de uma autoridade

1 Texto originalmente publicado no Jornal Zero Hora, Caderno de Cultura, Porto Alegre, 12/08/2000.

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rente do anterior. O pai silencioso e sorumbático da família tradicionaltampouco sabia muito, a diferença é que ele acreditava em suas convicções.O novo pai viu suas certezas cairem com o muro de Berlim e o fim da missaem latim. A adolescência tardia que sente e quer compartilhar com o filho,talvez seja a de todos nós, órfãos de fés e utopias.

que já sofreu transformações radicais, tornou-se viável. Sendo assim, porqueacreditar que seu legado seria insuficiente para o futuro de seu filho?

O pai moderno é essencialmente culposo. Como pouco reconhece dovalor de seus ensinamentos e de sua jurisprudência, precisa realizar suaobra em ato. Já que não vale pelo pai que é, deve se provar no que é capaz defazer. Ativo e polivalente, ele também é mãe, deve saber trocar fraldas, dar demamar, dar banho e cuidar das crianças. Se isso não basta, deve jogarfutebol com o filho na praça, ir ao jogo e levar a filha para comprar roupas.Deve estar nas apresentação da escola das crianças e levantar à noite paraatender o bebê. É o fim do pai provedor, aquele que bastava com ascarraspanas e o salário entregue à mulher para as despesas da casa.

Se já era discutível o quanto um pai podia ensinar sobre o dever, comofica agora que ele quer ensinar o caminho do prazer? Isto coloca-nos frente aum problema: os humanos têm uma relação tortuosa com a obtenção de seuprazer, ele acontece melhor em condições adversas. Todo amante sabe dogosto de um prazer roubado. Mas como é que fica quando o dever invade acena do prazer? Impondo aos filhos o imperativo do gozo e da felicidadetornamos oficial aquilo que sempre teve sua cotação no paralelo. O escoa-douro dessa esperança é sempre o binômio amor-sexo, juntos ou separadossão a fonte de todas as expectativas de nosso tempo. Sendo assim, osfilhos do pai moderno têm o compromisso de ser grandes amantes.

O “papai que não sabe nada” também deposita grandes expectativasno amor. Chamado de idade do lobo, ou adolescência tardia, o fenômeno éque este homem resolve que a vida ainda lhe deve algumas promessasincumpridas (vide o filme Beleza Americana). Separações, enlaces commulheres mais jovens, fazem um alinhamento com a juventude dos filhos,apagam as marcas do tempo que poderiam preservar algum tipo de alteridade.

O desencontro de gerações que já se deu pela distância, hoje se dápor excesso de proximidade. O pai de hoje pode ser definido como o paiamigo. Para o filho, porém, o pai-adolescente-tardio surge como figuracaricatural e assim igualmente distante.

Trocando em miúdos, talvez o novo pai não seja essencialmente dife-

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RESENHA RESENHA

O material sobre o qual Venâncio realizou seu trabalho é todo eledocumental e pressupõe um árduo trabalho prévio de investigação. Já noinício de seu livro, o autor nos indica a dificuldade de pesquisar sobre umtema cujo principal material de análise não foi produzido por quem passoudiretamente pela experiência em questão. Isto é, não há registros realizadospor crianças abandonadas, por seus pais ou pelas famílias adotivas. O quehá são relatos provenientes das instituições assistenciais e jurídicas.

Nestes relatos o autor nos indica um primeiro ponto de análise. Elescaracterizam-se por indicarem sempre uma única interpretação para o fenô-meno do abandono, atribuindo-o à irresponsabilidade e desamor dos pais. Atese do Prof. Venâncio visa questionar exatamente este ponto: “procurare-mos ‘desmontar’ o discurso oficial, revelando, pela análise demográfica epela leitura dos textos de bilhetes que acompanhavam os expostos, o mun-do obscuro dos sentimentos familiares de meninos e meninas que iam pararna Roda” (p.17).

Conforme nos conta o autor, os termos “exposto” e “enjeitado” eram adesignação corrente para as crianças deixadas nas rodas; a expressão con-temporânea “criança abandonada” se popularizou a partir da última décadado século XIX e era inicialmente associada diretamente à infração e à delin-qüência. As “Casas de Roda”, por sua vez, foram dispositivos “importados”da Europa, onde já eram recurso corrente (sua origem, segundo pesquisasindicadas pelo autor, remontam a instituições italianas do século XIII). Se-gundo Venâncio, elas cumpriam dupla função: por um lado, permitiam àsfamílias, impossibilitadas de criar seus filhos, de terem um lugar “seguro”para lhes deixar, ou seja, a criança era entregue a uma Instituição e nãoexatamente “abandonada” à própria sorte; por outro, possibilitava aos cris-tãos abastados uma chance de professar sua fé e condolência por meio dacaridade.

Assim, a institucionalização das Casas de Roda tinha um lugarambivalente na consideração da sociedade. Mas, fundamentalmente, a aná-lise do discurso corrente na época permite ao autor assinalar que “o recursoà Roda dos expostos não era um ‘acontecimento’ excepcional, mas, sim,

FAMÍLIAS ABANDONADAS

VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias bandonadas : assis-tência à criança de camadas populares no Rio de Janeiroe em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas : Papirus,1999. 190 p.

Quem já não se impressionou com a ima-gem antiga das “Casas de Roda”, comaqueles dispositivos giratórios onde se

depositavam crianças, na maior parte dos ca-sos bebês recém-nascidos? Quem já não seperguntou sobre o que levava os pais a tomarema atitude de ali colocarem seus filhos, entregando-os à tutela do Estado?Pois, ao que parece, se estas imagens habitam nossas fantasias desde ainfância (Freud já indicava a universalidade da fantasia de ser adotado), elasnão têm suscitado muito trabalho aos nossos pesquisadores. De fato, umdos aspectos da história do Brasil ainda muito pouco estudado é justamentea história do abandono de crianças. Para preencher em parte essa lacuna, oprofessor de história da Universidade Federal de Ouro Preto, Renato Venâncio,defendeu, em 1993, uma tese de doutorado em Paris IV sobre o tema. Agoraeste material chega a nós em forma de livro.

As questões que o Prof. Venâncio procura responder são numerosas,mas giram em torno de um ponto central: o fenômeno do abandono de crian-ças no Brasil Colônia e no Brasil Império (séculos XVIII e XIX). Para tanto,Venâncio debruçou-se a trabalhar sobre uma série de documentos de época;documentos históricos para os quais a “história oficial” nunca deu muitaatenção. Como resultado, temos um trabalho extremamente interessante noqual o autor concilia dados historiográficos, analisados com forte rigormetodológico, com a vivacidade de uma narrativa que reporta o leitor à épocaretratada.

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lada. A morte lançava os frágeis núcleos domésticos em uma crise na qual orecurso à instituição de caridade aparecia como única solução possível” (p. 94).

Se, no entanto, as famílias recorriam à Roda em busca de uma vidapossível para seus filhos, o destino das crianças sob à tutela do Estado nãoera muito promissor. O altíssimo índice de mortalidade associado ao deméritosocial sofrido pelas crianças expostas não lhes dava muita chance. Aquelesque eram adotados pelas “criadeiras” (mulheres pagas pelo Estado para cui-dar dos expostos em suas próprias casas) tinham melhor sorte, mas tratam-se de casos excepcionais. Para as meninas restava o recurso do casamen-to, caso sobrevivessem até a adolescência. Na maioria dos casos “para umacriança que havia sobrevivido às extraordinárias taxas de mortalidade infantil,a saída do domicílio da criadeira certamente era vivida como uma mortesocial e afetiva, pois significava a destruição da única referência familiar quepossuía. (...) Uma vez rejeitada pela mãe-de-leite, a criança tomava consci-ência de sua condição de abandonada, tornando-se instável e rebelde, indomorar nas ruas e dando origem a mais uma geração de casais miseráveisque abandonavam os próprios filhos” (p.153).

Venâncio conclui seu livro analisando o destino das Instituições deassistência daquela época aos nossos dias. Conforme nos conta, as Casasde Roda entraram em declínio na segunda metade do século XIX. Não porqueas condições de vida das famílias tenham melhorado e o recurso à Casa deRoda diminuído. O que houve, segundo o autor, foi uma mudança de menta-lidade decorrente da “crise” do sistema escravagista. O término oficial daescravatura determinou que as crianças negras, até então minoria nas Ca-sas de Roda, se tornassem seu público principal. Com isto, as Casas deRoda passaram a ser vistas como “símbolos do passado colonial, institutosanacrônicos e (...) berços de raças inferiores” ( p.169). A primeira metade doséculo XX caracterizou-se pela transição dessas para novas formas de Insti-tuições asilares.

A conclusão do autor não é, no entanto, muito animadora: “o legadocultural que animou o funcionamento das instituições de socorro à infânciadesvalida não desapareceu com elas. Durante o século XX, foi mantida aperversa tradição de estigmatizar os pobres e de excluir qualquer possibili-

uma prática social inscrita nas estruturas das cidades coloniais” (p.46). Nãose tratava, portanto, de um recurso extremo e excepcional de algumas famí-lias com problemas ou passando por crises específicas. A regularidade dofenômeno e algumas manifestações paralelas fornecem outros indícios.

Entre estas manifestações, o autor dá especial atenção aos bilhetesque por vezes eram deixados junto às crianças quando lhes expunham naroda. O conteúdo dos bilhetes indica, segundo à análise de Venâncio, apreocupação dos pais e familiares com as condições de vida da criança e odesejo de futuramente poder recuperá-la. Em geral, registravam o nome dacriança e o fato dela já ser batizada ou não, caso no qual se solicitava que ofizessem. Estes elementos permitem ao autor concluir que: “enfim, os tex-tos dos bilhetes mostram de forma exaustiva o quanto o recurso à Casa deRoda foi, ao longo do tempo, incorporado às diversas estratégias de sobrevi-vência das camadas populares das antigas cidades brasileiras. Só um julga-mento anacrônico e moralista assimilaria o gesto ao desamor das mães”(p.82).

Contudo, não há menção direta nos bilhetes aos motivos que levavamos pais a abandonarem seus filhos. A este ponto de sua pesquisa o autorprocura responder através da análise demográfica. Para tanto, ele parte dealgumas hipóteses suscitadas por historiadores que atribuem o abandono:“a) à condenação social aos nascimentos ilegítimos; b) à miséria; c) a umaforma extrema de controle da dimensão das famílias em períodos de difusãode práticas contraceptivas; d) à morte dos pais; e) a estratégias de sobrevi-vência familiares em períodos de proletarização e urbanização aceleradas; f)a uma variável a mais de um sistema de socialização em que crianças detodos os níveis sociais ‘circulavam’ de família em família durante certas eta-pas da vida” (p.85).

Segundo os argumentos apresentados por Venâncio, apenas as hipó-teses “b” e “d” são interpretações adequadas ao contexto de época da histó-ria do Brasil. Assim, para o autor, “no Brasil antigo, o abandono de criançasdizia respeito aos pobres, mas não a todos os pobres indiscriminadamente.A maioria das famílias humildes resistia a enviar o filho à Roda. Contudo, porocasião da morte dos parentes próximos, essa decisão não podia ser prote-

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O DISCURSO MELANCÓLICO

LAMBOTTE, Marie-Claude. O discurso melancólico: dafenomenologia à metapsicologia. Rio de Janeiro : Cia. deFreud, 1997. 552 p.

Amelancolia ganhou com esta publica-ção um necessário e merecido trata-do. Depois de lidas as mais de 500

páginas desse livro, parece que pouco esca-pou à autora. Lambotte faz um extenso per-corrido teórico pelos conceitos vigentes na psi-canálise e psiquiatria desde o fim do séculoXIX até hoje, abordando a melancolia a partir de vários enfoques. Feito isto,aproveita alguns conteúdos para melhor analisar o tema à luz de, principal-mente, Freud e Lacan. Coteja, ao longo do texto, passagens de análises devárias pacientes, exemplificando e discutindo pontos conceituais importan-tes. Afora isso, faz somar bastante ao estudo das “patologias de borda”, asquais a Psicanálise está cada vez mais atenta. Parece que um redimensio-namento nas noções de estruturas clínicas tem permitido a alguns teóricosdar mais lugar ao estudo dos estados limítrofes da constituição do sujeito.Portanto, mais do que atender a um apelo da cultura em torno da faladadepressão, esse livro mostra ser fruto de um alargamento das noções do queestá além das patologias mais presentes nos estudos psicanalíticos atéhoje.

Segundo a autora, na melancolia a “moldura vazia” de seu espelhoprimordial não permitiu ao sujeito fundar uma imagem consistente de si, aomesmo tempo que os contornos do Outro ficaram imprecisos. A figura damãe é freqüentemente descrita como fria e mortal. Frieza e enorme intimida-de se misturam, recobertos pelo medo da toda-potência do personagem epelo poder mortífero de suas intervenções. A falta de identidade e a vastidão

dade de implantação de uma política assistencial voltada à família, seja elanuclear ou monoparental. Da mesma forma que no período colonial, as famí-lias pobres de nossos dias só encontram uma saída para socorrer os filhoscarentes: entregá-los a uma instituição mantida pelo Estado ou pela filantropiaprivada, abandonando-os assim à própria sorte” (p.170).

Para o Prof. Venâncio o recurso às instituições de assistência é, des-de o Brasil Colônia até nossos dias, a forma que as famílias pobres encon-tram de socorrer seus filhos. Parece-nos, no entanto, que na tentativa dedesculpabilizar as famílias pelo abandono de sua prole, o autor, por vezes,faz interpretações que forçam esta leitura. A nosso ver ela não está exata-mente errada. Apenas tangencia a questão sem resolvê-la, deslocando a“culpa” pelo abandono das famílias ao Estado ou à Sociedade.

Assim, o que leva as famílias (a mãe, o pai, os avós) a abandonaremseus filhos em instituições de assistência é uma questão que se mantém.Os analistas talvez possamos (e devamos) nos ocupar em tentar respondê-la.

Maria Cristina Poli Felippi1

1 Agradeço ao Centro Universitário La Salle (Canoas-RS) o apoio e financiamento à pesquisa“Psicopatologia do abandono: uma análise dos efeitos subjetivos do abandono familiar”.

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não pára de se defender dos efeitos sempre esperados da traição, e para oqual o único recurso passa pela recusa do investimento. A série de decep-ções que o próprio melancólico provocou terminou por fazê-lo recusar a prioria própria idéia de investimento libidinal e até mesmo a idéia de sua possibi-lidade. Delimita, assim, a incapacidade de elaborar um modo de relaçãocom o objeto que não seja de proximidade imediata e transparência absolu-ta. Pois, se ele sabe quem perdeu, não sabe o que perdeu: o ideal quepretendia incorporar a si. Na falta de uma imagem de si, o melancólico seagarra fortemente ao ideal do eu que o constitui como sujeito, sendo atravésdo deslocamento desse ideal para o objeto exterior que ele tenta, de modoregressivo, a incorporação a si mesmo. Porém, ele rejeita o objeto exterioradotando o papel de vítima traída. E é bem de uma verdadeira traição que setrata – segue a autora – mas cujo autor é o próprio sujeito, que arriscoumanchar seu modelo ideal com um objeto imperfeito, projetando para o outroa rejeição que ele mesmo se preparava para cometer sob a forma de umainfidelidade com o modelo ideal.

Esses são alguns pontos trabalhados por Lambotte ao longo de seulivro, o qual, já disse, percorre como poucos a problemática da melancolia,porém, vale ressaltar, sem muitas colocações sobre a intervenção do analis-ta no quadro clínico em questão. Se é muito difícil fazer indicações genéri-cas de interpretações possíveis (em qualquer quadro clínico, aliás), parece-ria que a autora, a partir dos casos apresentados ao longo do texto, poderia(eu teria gostado que ela o fizesse e acredito que os leitores de forma geraltambém) ter escrito sobre as direções de cura de cada um. Alguns indíciosaparecem no texto (“o paciente tenta, de toda forma, fazer o analista partilharda mesma sorte que ele (...), de maneira a confortar seu raciocínio e concluirantecipadamente a respeito de sua impotência comum” – p.511), entretanto,comparativamente ao que ela consegue descrever da patologia, são peque-nos. Resta aguardar que a autora siga se dedicando ao tema (ela já sededicara ao assunto em um texto sobre a melancolia e a estética) e alargan-do ainda mais a abordagem da melancolia.

Lucia Alves Mees

do Outro, com isso, espreitam o sujeito melancólico a ponto de poder vir a seassemelhar com a psicose. Entretanto, o quadro é de uma patologia debordas, nem psicose, nem neurose. Vítima de um primeiro olhar que o teriaatravessado sem circunscrevê-lo, o melancólico se fixa neste ponto paraonde o olhar do Outro aponta, pois crê que ele recobrirá sua imagem e res-ponderá sua questão identitária. Repete ativamente a desaparição de simesmo, em memória da brusca e primordial desaparição do objeto libidinalportador do desejo. Essa negação de si, assim como a desrealização, sãomodos melancólicos de rechaçar a realidade suscetível de renovar a experi-ência traumática original e pode levar até aos casos extremos da síndromede Cotard. Ao mesmo tempo, é essa lógica da negação que permite mantero melancólico distante da passagem ao ato, mediatizando a relação fatalcom a morte pelo símbolo do movimento circular que determina a série deseus raciocínios. Ele se prende à borda do vazio que ele significa pelo nadaatravés de uma lógica da negação. Nada vem delimitar o espaço do sujeitomelancólico, nada vem colorir o reflexo especular com as cores da afetividade;e este nada ao qual o sujeito diz se parecer é similar ao nada do aniquila-mento, o das pulsões de morte que, desprovidas de toda ligação libidinalerótica, manifestam-se como toda a força. Quanto ao real, desde a origem,ele foi inteiramente significado pela castração, a ponto de que ele não possaapresentar o mínimo interesse, a menor possibilidade de interesse. O regis-tro permanece inerte, marcado pelo significante do nada ou do dejeto, nosentido em que nem mesmo valeria a pena se ocupar dele.

Para Lambotte, afetado por uma desilusão precoce do objeto, o me-lancólico não o reveste de miragem. Crítico agudo das ilusões, de antemãoanuncia o desfecho de caída do objeto. Ele nega o que se assemelha a logroou mentira, em razão de uma verdade encontrada muito cedo, a saber, aficção que define o sujeito. Frente a um eu ideal evanescente e um ideal deeu aumentado compensatoriamente, vive um imperativo de verdade. Os ami-gos e amores só existem se forem perfeitos, conduzindo a uma exigênciaabsoluta ou à retração diante do outro. Tendo perdido, não o objeto, mas afunção, a qual mediatizaria a relação do sujeito com o objeto, o melancólico

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ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 1999/2000

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1o. Secretário - Jaime Alberto Betts2a.Secretária - Marta Pedó

MESA DIRETIVAAna Maria Gageiro, Ana Maria Medeiros da Costa, Ana Marta Goelzer Meira,

Cristian Giles, Edson Luiz André de Sousa,Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora, Liz Nunes Ramos,

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Mario Fleig, Robson de Freitas Pereira, e Valéria Machado Rilho.

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

NOVEMBRO – 2000

Dia Hora Local Atividade01, 08,22 e 2901, 08,22 e 290909 e 2311

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Seminário “O método psicanalítico”- Respon-sável: José Luiz CaonSeminário “A técnica psicanalítica”- Respon-sável: José Luiz CaonReunião da Mesa DiretivaReunião da Comissão de BibliotecaSeminário “Teoria e clínica psicanalítica naadolescência” - Responsável: RodolphoRuffinoSeminário “O trabalho das passagens...” -Responsáveis: Ana Maria da Costa, Edsonde Sousa e Lucia Serrano PereiraReunião da Comissão do Correio da APPOASeminário “A topologia fundamental deJacques Lacan” - Responsável: Ligia VíctoraSeminário “A psicossomática: interdisciplinae transdiciplina” - Responsável Jaime BettsReunião da Comissão da Home PageReunião da Mesa Diretiva aberta aos mem-bros da APPOASeminário “A determinação literária do sujei-to moderno” - Responsável: Maria Rita KehlReunião do Serviço de Atendimento Clínico

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PRÓXIMO NÚMERO

OS NOMES-DO-PAI

N° 85 – ANO IX NOVEMBRON° 85 – ANO IX NOVEMBRO – 2000 – 2000

TESTEMUNHOSTESTEMUNHOSDE UM PERCURSO DE ESCOLADE UM PERCURSO DE ESCOLA

S U M Á R I O

EDITORIAL 1NOTÍCIAS 2SEÇÃO TEMÁTICA 6SAÚDE MENTAL NA REDESAÚDE MENTAL NA REDEPÚBLICA: POSSIBILIDADE DEPÚBLICA: POSSIBILIDADE DEINSERÇÃO PSICANALÍTICAINSERÇÃO PSICANALÍTICAMárcia GoidanichMárcia Goidanich 7 7TRIUNFO: OS TRAÇADOS DETRIUNFO: OS TRAÇADOS DEUMA HISTÓRIA, AS HISTÓRIASUMA HISTÓRIA, AS HISTÓRIASDE UM TRAÇODE UM TRAÇOTatiane Reis ViannaTatiane Reis Vianna 1313QUESTÕES SOBRE A CLÍNICA DAQUESTÕES SOBRE A CLÍNICA DADEPENDÊNCIA QUÍMICA: O QUEDEPENDÊNCIA QUÍMICA: O QUESE PODE ESCUTAR DE UMASE PODE ESCUTAR DE UMADEPENDÊNCIA QUE SE DIZDEPENDÊNCIA QUE SE DIZESPECÍFICAESPECÍFICAJanine Mallmann CarneiroJanine Mallmann Carneiro 2121ENVELHECIMENTO: INDAGAÇÕESENVELHECIMENTO: INDAGAÇÕESA PARTIR DA EXPERIÊNCIAA PARTIR DA EXPERIÊNCIACOM UM GRUPOCOM UM GRUPORegina de Souza SilvaRegina de Souza Silva 2828SEÇÃO DEBATES 34CINEMA E PSICANÁLISE: UMACINEMA E PSICANÁLISE: UMAHISTÓRIA INTERLIGADAHISTÓRIA INTERLIGADADenise Costa HausenDenise Costa Hausen 3434PAPAI SABE TUDO?PAPAI SABE TUDO?Diana Lichtenstein Corso eDiana Lichtenstein Corso eMario CorsoMario Corso 4242RESENHAS 46“FAMÍLIAS ABANDONADAS”“FAMÍLIAS ABANDONADAS” 4646“O DISCURSO MELANCÓLICO”“O DISCURSO MELANCÓLICO” 5151AGENDA 54