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editorial.
Como a Jornada, a edição do Correio deste mês está voltada ao Insti-
tuto APPOA, com textos de colegas que adentram a saúde pública e seus
desafios ao trabalho do psicanalista.
São trabalhos que trazem o vivido da experiência com a intensidade
do que se coloca à psicanálise na Saúde Pública, que hoje está no momen-
to de buscar a articulação do trabalho dentro e entre os Centros de Assis-
tência. As demandas ao analista num contexto assim, no mais das vezes, o
colocam frente a desafios e à necessidade de repensar a práxis.
Os autores reportam como criar possibilidades e construir dispositi-
vos em espaços outros que os consultórios, como exemplificam as rodas
de conversa, as crônicas e as oficinas, que se constituem em mais do que
ferramentas no operar clínico ao trilhar caminhos para além das fronteiras
já estabelecidas em nosso meio.
Márcia Goidanich e Marta Conte abordam o trabalho de supervisão
clinico-institucional a CAPS. As questões levantadas reiteram a aposta
na alteridade como possibilidade de construção na rede da saúde coleti-
va, lembrando a singularidade do sofrimento, esteja ele na clientela ou
na equipe.
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editorial.
Anamaria, Cláudia, Denis e Josiane nos convidam a conhecer mais
sobre a crônica enquanto elemento de trabalho na psicanálise que se es-
tende, quiçá se potencializa, na diversidade. A escrita, entendida como
experiência de quem vive e narra a história, testemunha movimentos
transferenciais e resistenciais, identifica sintomas e seus efeitos. O cronista
escuta para escrever, dispondo-se a uma tarefa cujo desafio está em promo-
ver de seu punho a circulação da palavra.
Renata Almeida, assim como Sandra Torossian e Janete Soares, escre-
vem sobre o trabalho do Instituto APPOA. Renata conta de sua experiência
em rodas de conversa na Escola de Saúde Publica, num momento em que
as práticas médicas integrativas foram o foco do debate, apontando clara-
mente que há ganhos substanciais à Saúde, pública e de cada um, com a
implementação desta .
Sandra e Janete, por sua vez, falam diretamente da criação do novo –
uma Oficina “Diálogos sobre a Complexas Facetas da Exclusão”, em que as
experiências compartilhadas questionam a teoria. Num exemplo, as autoras
nos trazem a invenção em torno do provocador “resto humano” – deslizado
para “Reinventar os restos de cada um”, que contou com momentos como,
por exemplo, sair pela cidade e fotografar, ou mesmo trazer objetos guarda-
dos para com eles construir algo outro.
Fica aqui o convite à leitura.
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notícias.
II Jornada do Instituto APPOAII Jornada do Instituto APPOAII Jornada do Instituto APPOAII Jornada do Instituto APPOAII Jornada do Instituto APPOA“Psicanálise e intervenções sociais”“Psicanálise e intervenções sociais”“Psicanálise e intervenções sociais”“Psicanálise e intervenções sociais”“Psicanálise e intervenções sociais”
Data: 30 de setembro e 1 de outubro de 2011
Local: Ritter Hotéis – Largo Vespasiano Julio Veppo, 55
Centro – Porto Alegre/RS
Ao tecermos nossa prática em diferentes organizações, orientados
pela ética psicanalítica, somos levados a sustentar um lugar no laço social
onde algo da história singular de cada um poderá se inscrever. Assim,
não somos portadores de um saber prévio sobre o sujeito.
Nas instituições e espaços inter-institucionais, inserimo-nos em um
processo de construção coletiva, nos quais encontramos formações dis-
cursivas diversas, em tensionamento constante. Torna-se necessário
encontrar um ponto mínimo, algo de um projeto comum que reúna os
diferentes saberes.
Buscamos inscrever nas práticas sociais as questões que a clínica do
sujeito coloca à psicanálise. É o real que decanta dessa clínica que nos leva
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a sustentar o ato analítico em intervenções que se dão em espaços outros,
não somente no do consultório. Em algumas circunstâncias, é preciso dar
asilo, dar abrigo aos que são, por excelência, estrangeiros, estranhos, apar-
tados do laço social. Trata-se de uma clínica que frequentemente passa a
exigir respostas que vão para além do intercâmbio da fala, e são essas exi-
gências que impõem que o trabalho se dê entre vários.
Que significantes encontramos nestes contextos que justificam a pre-
sença da escuta e da intervenção da psicanálise? Quais as incidências sub-
jetivas, sociais e políticas do ato analítico?
A II Jornada do Instituto APPOA propõe avançar na articulação entre
clínica, intervenção e pesquisa em psicanálise, no campo das práticas soci-
ais e das políticas públicas. Convidamos a participar todos aqueles que se
sentem concernidos pela psicanálise em intensão e extensão.
PROGRAMA
Dia 30/09
18:00 Inscrições
18:30 Abertura
Ana Costa – APPOA – Diretora do Instituto APPOA-UERJ
Norton da Rosa Jr – APPOA – Instituto APPOA
19:00 Mesa 1:
Intervenções clínicas em contextos de exclusão: reassentamento,
um lugar a construir
Luciane Susin e Marisa Batista Warpechowsky – FASC/PMPA
Poder e violência nas relações de trabalho contemporâneas
Rosana Coelho – APPOA
Debatedora: Marta Conte – Instituto APPOA – ESP/RS
Conferência:
Confins da Psicanálise
Paulo Endo – Psicanalista USP
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Instituto APPOA.
Dia 01/109:00 Conferência:
Oficinas em saúde mental: costuras entre real, simbólico e imaginárioAndréa Guerra – Psicanalista UFMG
Mesa 2:Oficinas terapêuticas: um trabalho gerúndioSimone Moschen Rickes – APPOA – UFRGS
Caminhos de oficina no encontro com o outroIeda Prates – APPOA – CAPSI NHDebatedor: Jaime Betts – APPOA – Instituto APPOA
14:00 Mesa 3:Construções da clínica em um CAPSEster Trevisan APPOA – Instituto APPOA – CAPS Centro
A histerização do discurso na enfermaria psiquiátricaLuciane Loss Jardim – SP – APPOADebatedor: Robson de Freitas Pereira – APPOA – Instituto APPOA
Coffee break
Mesa 4:O que retorna na clinica da atenção primária à saúde?Eliana Dable de Mello – APPOA – GHCEscutando mães e bebês num psf: uma aposta de prevençãojunto à rede básica de saúdeMercês Sant’Anna Ghazzi – APPOA – ULBRA TorresCentro Lydia CoriatDebatedor : Eduardo Mendes Ribeiro – APPOA – Ministério da Saúde
Conferência:Psicanálise implicada: vicissitudes das práticas clínico-políticasMiriam Debieux Rosa – Psicanalista USP – PUCSP
Encerramento:Eduardo Mendes Ribeiro – APPOA – Ministério da Saúde
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INSCRIÇÕES
Categorias Valores*
Associados R$ 80,00
Estudantes e recém formados** R$ 90,00
Profissionais R$ 100,00
* Se houver vagas;** Estudantes de Graduação e formados até 2 anos que efetivarem inscri-ções antecipadas
devem enviar o comprovante de pagamento e matrícula ou certificado de conclusão docurso. Grupos de 6 estudantes pagam valor de associado.
• Inscrições na sede da APPOA. Horário de funcionamento da Se-
cretaria da APPOA: de segunda a quinta-feira, das 8h30min às
21h30min e as sextas-feiras das 08h30m às 20h.
• Inscrições mediante depósito bancário, para Banco Itaú, agência
0604, conta-corrente: 32910-2 ou Banco Banrisul, agência 0032,
conta-corrente 06.039893.0-4. Neste caso, enviar, por fax ou e-mail,
o comprovante de pagamento devidamente preenchido, para a
inscrição ser efetivada.
• Inscrições pelo site www.appoa.com.br, após efetuar a inscrição
pelo site, enviar por fax ou por e-mail o comprovante de pagamento
devidamente preenchido.
• As vagas são limitadas.
57ª Feira do Livro de Porto AlegreNa esteira das produções reunidas no livro Autoridade e violência,
organizado pela Appoa, convidamos para uma reflexão e debate sobre o
bullying: o que caracteriza o fenômeno? Em que contexto ele acontece?
Que condições do laço social propiciam sua produção?
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Instituto APPOA.
DIA: 12 DE NOVEMBRO (sábado) – Às 16 horas
Mesa redonda: Bullying: sintoma de quem?
Participantes: Eduardo Mendes Ribeiro (APPOA)
Gérson Smiech Pinho (APPOA)
Ieda Prates da Silva (APPOA)
Local: Sala dos Jacarandás, Memorial do Rio Grande do Sul
Às 17h30min
Sessão de autógrafos: livro Autoridade e violência (org. APPOA)
Revista da Appoa – Tempo, ato e memória, n. 39
Local: Praça Central de Autógrafos
Publicações APPOA
Oficinas de topologia LacanianaCoordenação: Ligia Gomes Víctora
A TOPOLOGIA DO SEMINÁRIO A IDENTIFICAÇÃO - PARTE II
O plano-projetivo, ou o cross-cap de Lacan
Data: 08/10/2011, sábado
Horário: das 10h às 12h
Local: APPOA
Material: tesoura; retalhos de tecido, agulha e linha.
Nas oficinas da APPOA tratamos de continuar o que Freud e Lacan
fizeram em sua época: avançar na formalização dos conceitos da Psicanáli-
se, através do recurso a outras ciências, como a Topologia e a Teoria dos
Nós. Acreditamos que a teoria e a clínica psicanalíticas fazem parte de um
só e único tecido, que deve ser compreendido e interpretado.
Cuidando sempre para não topologizar a Psicanálise, nem analisar a
Topologia... o manejo dos materiais é fundamental para seu entendimento.
Convidamos a todos para mais esta oficina. Aberta aos interessados.
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V CONGRESSO INTERNACIONAL DE CONVERGENCIA
O ato psicanalítico e suas incidências clínicas,políticas e sociais
22, 23 e 24 de junho de 2012
Porto Alegre/RS – Brasil
A Psicanálise é uma prática discursiva cujos efeitos podem ser obser-
vados na clínica e também na vida cotidiana há mais de um século. Suas
posições inovadoras, mesmo subversivas, sempre foram objeto de discus-
são dentro e fora das instituições psicanalíticas. As incidências do trabalho
com o inconsciente mostram que a escuta do sintoma é possível conside-
rando que este é sinal do sujeito e não manifestação de doença. Ora, nestes
tempos de exigência de gozo imediato e de discursos fundamentalistas,
face ao inevitável mal-estar na cultura, um tratamento que não ofereça cura
milagrosa ou consolo permanente coloca-se como referência ética de que os
atos de palavra são transformadores.
As associações e os psicanalistas reunidos em Convergencia – movi-
mento lacaniano para a psicanálise freudiana – consideram que as arti-
culações entre o sujeito e sua polis são indissociáveis; pois o psicanalista
é permeável aos discursos e, para que a psicanálise possa avançar em sua
prática e teoria, faz-se necessário um exame permanente das consequên-
cias de seus atos.
No V Congresso Internacional de Convergencia que acontece em
Porto Alegre, teremos oportunidade de renovar esta aposta. Um momento
de encontro e debate sobre os efeitos do ato psicanalítico na clínica das
neuroses, das psicoses e das perversões. Acontecimento onde os psica-
nalistas podem dar conta da sustentação de seu ato nos mais diversos
âmbitos – consultórios, ambulatórios, hospitais e outros cujo lugar de
reunião é uma oportunidade para compartilhar a experiência. Além disto,
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temos espaço para verificar os efeitos do ato no social, a experiência do
encontro do discurso psicanalítico com as políticas públicas, sejam elas
educacionais, culturais, ou de saúde mental.
Um significante lançado ao mundo não é mais individual, afirmava
Jacques Lacan em diversos momentos ao retomar o legado de Freud. Cada
analista tem responsabilidade com a psicanálise ao sustentar em sua es-
cuta os desdobramentos do fantasma na atualidade. Ao mesmo tempo,
interrogar a política dos enlaces no campo psicanalítico faz parte de sua
formação. Além disto, a transmissão do discurso psicanalítico está aberta
às incidências do ato criativo, fazendo eco à potencia do discurso em seu
esburacamento do real.
Convidamos a participar deste evento, no qual psicanalistas de dife-
rentes línguas, formações e transferências estão dispostos ao diálogo e a
relançar o ato inaugural que nos faz sustentar o que é a psicanálise.
Eixos de trabalho• As formas do tratamento psicanalítico na atualidade – o ato analíti-
co. (Incidências Clínicas)
• A intervenção clínica da psicanálise nas políticas públicas; a políti-
ca das instituições psicanalíticas; a política do desejo in-mundo.
(Incidências Políticas)
• Como formular o mal-estar na cultura hoje? O ato analítico frente ao
mal-estar contemporâneo. O laço social frente ao individualismo,
gozo e sofrimento. (Incidências Sociais)
• O ato e a criação do novo na cultura.
Instituições convocantesApertura(Espanha), Après-Coup Psychoanalytic Association (EUA),
Acte Psychanalytique (Bélgica), Analyse Freudienne (França), Associação
Psicanalítica de Porto Alegre (Brasil), Círculo Psicoanalítico Freudiano
(Argentina), Cartels Constituants de L’Analyse Freudienne (França), Centre
Psychanalytique de Chengdu (China), Colégio de Psicanálise de Bahia
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noticias.
(Brasil), Corpo Freudiano do Rio de Janeiro Escola de Psicanálise (Brasil),
Dimensions de la Psychanalyse (França), Escola Lacaniana de Psicanálise
do Rio de Janeiro (Brasil), Escuela Freud-Lacan de La Plata (Argentina),
Escuela de Psicoanálisis Lacaniano (Argentina), Escuela de Psicoanálisis
de Tucumán (Argentina), Escuela de Psicoanálisis Sigmund Freud-Rosario
(Argentina), Escuela Freudiana de Buenos Aires (Argentina), Escuela
Freudiana de la Argentina (Argentina), Escuela Freudiana de Montevideo
(Uruguai), Escuela Freudiana del Ecuador (Equador), Espace Analytique
(França), Espaço Psicanálise (Brasil), Fédération Européenne de Psychana-
lyse et École Psychanalytique de Strasbourg (França), Grupo de Psicoanálisis
de Tucumán (Argentina), Insistance (França), Intersecção Psicanalítica do
Brasil (Brasil), Laço Analítico Escola de Psicanálise (Brasil), Lazos Institución
Psicoanalítica (Argentina), Le Cercle Freudien (França), Letra, Institución
Psicoanalítica (Argentina), Maiêutica Florianópolis (Brasil), Mayeutica-
Institución Psicoanalítica (Argentina), Nodi Freudiani Associazione Psi-
canalítica (Itália), Praxis Lacaniana Formação em Escola (Brasil), Psy-
chanalyse Actuelle (França), Seminario Psicoanalítico (Argentina), Trieb
Institución Psicoanalítica (Argentina), Triempo Institución Psicoanalítica
(Argentina).
Realização: Convergencia – Movimento Lacaniano para a Psicanálise
Freudiana
Informações e inscrições: Associação Psicanalítica de Porto Alegre –
APPOA – www.appoa.com.br
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temática.
Supervisão Clínico-Institucionalem um CAPS AD no RS
Marta Conte
Este artigo focaliza a atenção integral em saúde mental voltada aos usu-
ários de álcool e outras drogas a partir da prática de supervisão clínico-
institucional, desenvolvida durante 13 meses, no ano de 2009, em um CAPS
Álcool e Drogas (A.D.) de um município de grande porte do Estado do Rio
Grande do Sul. Neste artigo nos propomos a articular psicanálise e saúde
coletiva indo ao encontro do que é essencial para ambas, isto é, a criação de
condições favoráveis à fala, à escuta e ao trabalho de inclusão da subjetivi-
dade, tanto dos trabalhadores quanto dos usuários dos serviços nas ações
desenvolvidas no CAPS AD.
Na trajetória de duas décadas de implantação dos CAPS no Brasil
observa-se uma variedade de práticas institucionais, bem como uma diver-
sidade na composição das equipes, na construção de modelos de inter-
venção e nos referenciais teóricos que orientam as práticas dos CAPS.
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Para fazer frente a estas diversidades e promover a qualificação da atenção
nos CAPS, o Ministério da Saúde (2002, 2003, 2005B, 2009) desenvolveu
uma gama de programas e portarias que visam qualificar a atenção aos
usuários de álcool e outras drogas e fortalecer a rede de ser viços através de
incentivo financeiro para implantação de CAPS e outros dispositivos de
cuidado, ações de educação permanente, constituição de redes e centros de
referência e supervisão clínico-institucional para CAPS.
Cabe situar que a Política de Saúde Mental (Ministério da Saúde, 2005)
está sustentada nos eixos da formação, da supervisão clínico-institucional
e da avaliação permanente dos CAPS. Esse modelo de atenção coloca como
central o sujeito, a rede e o território, bem como o Programa Terapêutico
Institucional (PTI) e os Planos Terapêuticos Singulares (PTS).
A maioria dos CAPS apresenta um “cardápio” de atividades, muitas
vezes desconexas, sugeridas pela legislação, em três diferentes modalida-
des: intensivo, semi-intensivo e não intensivo, mas sem uma lógica pauta-
da por uma direção do tratamento, na qual estariam engajados os usuários,
a família, a equipe e a rede intersetorial. Uma proposta de um espaço
terapêutico, permeada pela lógica da psicanálise e da saúde coletiva, pre-
cisaria traduzir um conjunto de atividades em um Programa Terapêutico
Institucional, discutido pela equipe e organizado a partir de objetivos e
etapas do tratamento. Além disto, é necessário algum consenso que permi-
ta associar o PTI com determinada concepção de alcoolismo e toxicomania,
na qual estejam contemplados os determinantes sociais em saúde, e sejam
considerados os recursos diversificados presentes no território para enri-
quecer a composição de cada PTS.
Foi nesta perspectiva que, em supervisão clínico-institucional com a
equipe do CAPS AD de um município da região central do RS, foi propos-
to repensar o objetivo do serviço na rede desse município, e rever os obje-
tivos do tratamento oferecido para então se construir com a equipe o PTI.
Entre os aspectos considerados nessa construção situamos a dinâmica
das toxicomanias e do alcoolismo, as comorbidades (depressão, melanco-
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lia, estados limites, delinquências, entre outros) ligadas às práticas de con-
sumo prejudicial de álcool e outras drogas, o imaginário social construído
historicamente em torno do usuário e das drogas/álcool, bem como os re-
cursos comunitários e da rede intersetorial que pudessem ser acessados
para colaborar com a proposta do serviço.
Analisamos no processo o resgate do sujeito que trabalha no próprio
processo de trabalho e o tipo de relação transferencial que se estabelece
entre equipe, usuário e sua família (Conte, Plein, Silveira, 2009) Há uma
aposta na alteridade como possibilidade da construção de saúde coletiva
no CAPS AD, e na singularidade nas propostas de tratamento, uma vez que
os sujeitos não se repetem em série.
A supervisão propriamente ditaPara ilustrar o resgate do sujeito no processo de trabalho e no processo
de atenção integral em saúde mental iniciamos a supervisão clínico-
institucional com questões que permitissem analisar o pedido e as concep-
ções que circulavam na equipe. Para isto lançamos algumas questões que
orientaram o primeiro encontro no estilo de roda de conversa. As pergun-
tas eram as seguintes: O que cada um entende por supervisão clinico-
institucional? Qual a expectativa voltada para este espaço? Quais as ques-
tões a serem discutidas em supervisão? E como posso contribuir com a
construção deste espaço?
Entre as principais ideias deste momento ficou pactuado que o espaço
de supervisão serviria para trocas, aprendizado, reflexão e avaliação das
práticas, e que a meta seria a de mobilizar a equipe a ponto de alterar sua
forma de funcionamento e propor novas formas de ações em saúde.
Na medida em que os profissionais se posicionavam iam aparecendo
diferentes concepções sobre o alcoolismo, a toxicomania e as formas de
abordagem, gerando assim a necessidade de que essas diferenças fossem
compartilhadas na equipe, considerando efeitos e limites nos processos
terapêuticos. Esse segundo momento se caracterizou em dar visibilidade as
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diferentes concepções dos membros da equipe sobre o trabalho clínico e
verificar os efeitos destas concepções nos processos terapêuticos e na rela-
ção transferencial com cada usuário e familiar para ir compondo uma pro-
posta institucional que pudesse ser assumida e reconhecida pela equipe.
Em uma terceira rodada as seguintes perguntas orientaram o debate
remetido à constituição da relação do CAPS com a rede de serviços do
município: De onde vêm os encaminhamentos que chegam ao CAPS AD?
Qual o horário de atendimento? Como é acolhida a crise? Qual o lugar da
família no atendimento? Que rede intersetorial é acessada durante o trata-
mento (educação, cultura, esporte, geração de renda, etc.)? Qual o número
de pacientes atendidos por demanda espontânea e qual a estimativa da
demanda reprimida (aquela que não chega ao serviço), tendo em vista que é
o único CAPS AD da cidade (à epoca)?
Desenhada a rede, passou-se a focar a organização dos processos que
compõe o tratamento propriamente dito. Neste momento, trabalhou-se so-
bre os argumentos que fundamentavam as regras e combinações, instituí-
das no ano anterior sob outra supervisão. Também foi analisado como as
regras e combinações funcionavam no cotidiano do CAPS AD e quais as
sugestões de cada membro da equipe sobre sua permanência ou suspensão.
Para isto, retomou-se o significado das regras e combinações no enqua-
dre institucional, como referência e parâmetro, o que exige repactuar, de tem-
pos em tempos, as significações e funções a partir de certa flexibilidade. Para
refletir sobre a pertinência e a função das regras e combinações no programa
terapêutico institucional, o princípio da equidade precisou ser considerado,
e pode ser definido como o cuidado necessário a ser destinado a cada um,
contemplando riscos, necessidades, possibilidades e o desejo do sujeito.
A avaliação da supervisãoNo penúltimo mês de supervisão propusemos à equipe do CAPS AD
que realizasse uma avaliação do percurso e para esta tarefa os objetivos
iniciais foram retomados através de um instrumento. Como produção re-
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sultante desse instrumento chegou-se às seguintes respostas: a qualificação
do espaço, baseada na discussão conceitual e na elaboração do plano
terapêutico institucional, trouxe objetividade e resolutividade nas decisões
inerentes ao serviço em relação aos planos terapêuticos singulares e às prá-
ticas de acolhimento.
A supervisão permitiu novos olhares para a prática e novas formas
criativas de solucionar dificuldades e desafios. Ainda foi possível, através
da supervisão, mobilizar o papel de cada um na equipe, quanto às resistên-
cias e às potencialidades.
Para qualificar o espaço de supervisão foi sugerido ainda que uma im-
portante estratégia é olhar para além do CAPS AD, reforçar a ligação do
serviço com a rede e trazer profissionais de diferentes áreas de atuação para
rodas de conversa colaborando com novas visões interdisciplinares.
Concluindo...Ao colocar na prática da supervisão a proposta de trabalhar com o
conceito de clínica ampliada (Tenório, 2001), à qual nos referenciamos,
significou incluir na escuta, além do sujeito, o coletivo, a instituição CAPS
AD, a rede e o território (Figueiredo, 2004). Numa prática clínico-institucional
não se escuta somente o profissional ou o relato do que diz sobre o usuário
e sua família, mas escutam-se os sujeitos que emergem da intersecção com
os coletivos (profissionais/gestores, comunidade, usuários, etc), das rela-
ções institucionais, das relações políticas, das relações midiáticas, entre
outras. Consideram-se na análise clínico-institucional as diferentes instân-
cias nas quais o sujeito busca inscrição e reconhecimento. Para este enfoque
a principal ferramenta de trabalho é a leitura transdisciplinar, que rompe
fronteiras disciplinares e práticas fragmentadas.
Nesse movimento constante de aproximar diferenças buscamos estra-
tégias e alternativas para mobilizar recursos que permitissem abrir vias de
escuta, espaços de criação e autoria para todos os envolvidos na promoção
da saúde e no cuidado de si e dos outros. Entre essas estratégias situam-se
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a participação em fóruns, conferências (SUS, 2011), encontros e debates no
município, na região e em nível nacional, como é o caso da Conferência
Nacional de Saúde Mental (SUS, 2011) da qual participou profissionais e
usuários do CAPS AD.
Outra estratégia utilizada foi o engajamento dos diferentes segmentos,
a saber: trabalhadores em saúde, instituições formadoras, gestores e contro-
le social nos processos de mudanças nas práticas profissionais com vistas
à corresponsabilização na proposição de ações de saúde coletiva para o
campo do consumo prejudicial de álcool e outras drogas em nível do muni-
cípio e da região.
Esse movimento de implicação dos profissionais, que transitam no
campo da psicanálise e da saúde coletiva, os desloca da posição de aliena-
ção, sobre os determinantes sociais em saúde no tema do consumo prejudi-
cial de álcool e outras drogas, para uma posição crítica e de construção de
alternativas voltadas à coletividade na qual estão inseridos.
Referências bibliográficasCONTE. M.; PLEIN, F.; SILVEIRA, M. Saúde Coletiva, Psicanálise e Educação Permanente em Saúde. Boletim da Saúde. Secretariade Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: SES/Escola de Saúde Pública Publicação RS. V. 23, número 2, jul./dez. 2009.
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão Organizadora da IV CNSM. Relatório Final da IV Con-ferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 2010. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2011.
FIGUEIREDO, A. C. A Construção do Caso Clínico: uma contribuição da psicanálise à psicopatologia e à saúde mental. Revista deLatinoamericana de Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Escuta, 2004.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria/GM nº. 336 de fevereiro de 2002. Define e estabelece diretrizes para o funcionamento dos Centrosde Atenção Psicossocial, 2002.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST e AIDS. A Política do Ministério da Saúde para aAtenção Integral a usuários de álcool e outras drogas. Série B. Textos Básicos de Saúde, Brasília, DF, 2003.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil, 2005a.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM 1174, de 07de julho de 2005. Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas.Edital IV Chamada para Supervisão Clínico-Institucional dos CAPS e Rede de Atenção Psicossocial, 2005b.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria MS/GM, Nº 1.190, de 4 de junho de 2009, que institui o Plano Emergencial de Ampliação do Acessoao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde – SUS (PEAD 2009-2010) e define suas diretrizesgerais, ações e metas, 2009.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Saúde. Guia de Serviços de Saúde Mental, 2002.
TENÓRIO. F. A psicanálise e a clínica da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
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Em busca das tantas ilhas desconhecidasNotas sobre uma experiência em supervisão
clínico-institucional de Centros de Atenção
Psicossocial – CAPS
Márcia Goidanich
Havíamos nos sentado todos em um círculo, e propus que cada um
pudesse se apresentar e falar um pouco sobre si, sobre sua caminhada e
sobre como havia chegado àquele serviço. “Eu caí aqui de pára-quedas”,
logo diz uma moça sentada à minha esquerda. “Quando eu vim para cá
pela primeira vez eu não sabia muito o que era esse serviço. Pra falar a
verdade eu nem sabia o que era um CAPS” afirma um homem sentado à
minha frente. “Eu também nunca tinha ouvido falar de CAPS. Tive de
perguntar que serviço era esse pro pessoal que me encaminhou para cá”,
complementa outra moça. “Eu cheguei e me mandaram vir aqui. Aí eu vim,
mas eu não sabia se iria me adaptar a esse tipo de trabalho”, fala uma
mulher na sequência. Quando todos os presentes terminam de se apresentar
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eu estou surpresa. Quase a totalidade deles deixou bem claro que sua pre-
sença ali no serviço tratava-se de qualquer coisa, menos de uma escolha
sustentada minimamente por algum tipo de desejo. Por que de minha sur-
presa? Porque não se tratava de um grupo de usuários, mas sim dos profis-
sionais que compunham toda uma equipe de um Centro de Atenção
Psicossocial. Sim, e a surpresa se ampliava na medida em que vários mem-
bros da equipe seguiam referindo que nunca haviam trabalhado antes com
saúde mental, que só tinham experiência de trabalho em hospital ou em
ambulatórios ou ainda na saúde privada. Outros eram recém formados e
afirmavam que sua graduação não os preparara para trabalhar em um
serviço como o CAPS e que quase nada haviam estudado sobre a Reforma
Psiquiátrica ou mesmo sobre o Sistema Único de Saúde.
Este foi o contato inicial com uma das equipes de um CAPS onde
realizei uma caminhada de supervisão clínico-institucional. Percebi ime-
diatamente que as idéias de trabalho que eu havia previamente planejado
estavam distantes do que inicialmente seria possível ou preciso fazer ali.
Eu vinha entusiasmada com o convite para trabalhar com uma equipe de
CAPS, ocupando um lugar distinto daquele que até então já havia ocupa-
do. Eu já trabalhara em duas equipes de CAPS de municípios distintos
como psicóloga concursada, mas a supervisão de um serviço que até en-
tão não conhecia, em um município para mim também desconhecido, era
um desafio novo e instigante.
Pensava em inúmeras possibilidades para contribuir com o enrique-
cimento do trabalho da equipe interdisciplinar e com as pontes que deve-
riam ser reforçadas com os demais serviços da rede de saúde e outros
setores do município. Lembrava de Ana Cristina Figueiredo (2011), que
na Iª Jornada do Instituto APPOA “Psicanálise e Intervenções Sociais”,
em junho de 2009, destacara que, ao longo da última década, o novo e
grande desafio da Reforma Psiquiátrica era o de desenvolver o trabalho
em rede, em uma perspectiva intersetorial. Ou seja, eu pensava em como
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poderia ajudar o serviço, que não deveria mais permanecer restrito à saú-
de, mas precisava percorrer caminhos que tecessem a rede entre educa-
ção, assistência, habitação, trabalho, justiça, cultura e lazer. Este seria, no
entendimento de Figueiredo, o terceiro tempo da Reforma Psiquiátrica
brasileira. Antes dele um primeiro momento, na década de 80, o havia
precedido, tendo realizado investimentos nos atendimentos ambulatoriais
que buscavam prevenir ou reduzir as internações hospitalares. Já na déca-
da de 90, um segundo momento foi o de investir na implementação dos
CAPS, objetivo que segue se consolidando até hoje.
Parecia-me que uma das funções centrais da proposta das supervi-
sões clínico-institucionais, sustentada pelo Ministério da Saúde desde
2005, seria a de auxiliar tanto na consolidação deste segundo tempo da
Reforma – a efetivação dos CAPS – como, e principalmente, na do tercei-
ro tempo, tramando a rede intersetorial. As chamadas dos editais lançadas
pelo Ministério para a elaboração dos projetos de supervisão enfatizavam
a importância de constituir espaços de discussão e estudo das equipes
técnicas a respeito de casos clínicos, de projetos terapêuticos, da dinâmi-
ca dos serviços, das articulações com o território onde o CAPS se situa
como referência, dos processos de trabalho, da gestão e da clínica em uma
perspectiva intersetorial.1
No entanto, a impressão inicial que tive daquele serviço foi a de que,
de fato, não havia ainda ali nem sequer algo que poderia ser nomeado
efetivamente como uma equipe de trabalho, muito menos qualquer coisa
que se aproximasse à proposta de equipe interdisciplinar, base e funda-
mento diferencial dos serviços considerados estratégicos na implemen-
tação da Reforma Psiquiátrica brasileira, ou seja, os Centros de Atenção
Psicossocial – CAPS.
Talvez vocês possam estar pensando que o caso específico do serviço
descrito acima caracterizava-se como uma exceção, como um serviço que
1 Conforme Portaria GM 1.174 de 07 de julho de 2005.
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temática.
ainda estava se constituindo ou que possuía mais dificuldades do que os
demais. Sim e não. O serviço era bastante jovem, mas já existia como um
CAPS credenciado há mais de três anos. Certo era que esta equipe havia
sofrido muitas trocas de profissionais, sendo que o grupo que ali estava
presente era quase totalmente distinto daquele que havia inaugurado o
serviço. Porém, percebi no contato que mantive com outros CAPS, na
experiência de supervisão clínico-institucional, que a realidade daquele
serviço se aproximava em alguns pontos ao que também encontrei em
outras equipes.
Evidentemente que cada grupo possuía características singulares,
mas, mesmo aqueles com uma caminhada mais longa e que evidenciavam
trabalhos que me pareciam consistentes e criativos, referiam enfaticamen-
te suas inúmeras dificuldades. No contato que tive com diversos CAPS,
de municípios do interior do estado do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina, foi possível encontrar serviços que apresentavam desde proble-
mas estruturais, como o caso de serviços que funcionavam claramente
como grandes ambulatórios de saúde mental – não possuíam uma orga-
nização voltada para a atenção diária, cotidiana, dos pacientes – até a
evidência, de modo bastante generalizado, de equipes extremamente
queixosas, referindo muito cansaço, desânimo, frustração frente ao que
entendiam como reiterados fracassos, principalmente em relação aos ca-
sos considerados mais graves.
Enfim, ficava-me cada vez mais evidente que as equipes se apresenta-
vam bastante identificadas às falas dos próprios usuários do serviço. Ou
seja, a fala dos profissionais, muitas vezes, parecia estar muito próxima
àquela sustentada pelos sujeitos que ali buscavam ajuda e deveriam en-
contrar algum tipo de acolhimento. Pareceu-me, então, que o desamparo,
não apenas social, mas também discursivo2, tão frequente nos pacientes e
familiares que chegavam aos CAPS, era muito similar ao que eu podia
2 Conforme PUJÓ (2000).
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escutar daqueles profissionais. Sentiam-se sozinhos, perdidos, pouco pre-
parados e muito cobrados: cobrados pelos pacientes, pelas famílias des-
tes, pela comunidade como um todo e pelos gestores que, por sua vez,
pareciam preocupar-se acima de tudo com a “produção”, quantitativa, do
serviço e com o fato de não receberem reclamações da população em rela-
ção aos atendimentos em saúde mental, muito mais do que colocarem-se
como parceiros das equipes na construção de uma rede de serviços para o
município.
Pude perceber, conforme já destacara Miriam Debieux Rosa (2002), que
algumas equipes, principalmente aquelas que compunham os serviços mais
fragilizados, com menor sustentação de enlace entre os colegas e menos
apropriação da proposta de trabalho, respondiam às demandas cotidianas
ora com reações de revolta, ora com desânimo e impotência. Irritavam-se
com os pedidos dos pacientes ou com o fato destes não seguirem as pres-
crições e orientações fornecidas, ou ainda com a chegada de pacientes que
supostamente buscavam o serviço errado e “não seriam para CAPS”.
Criavam estratégias punitivas, como suspensões do serviço por determi-
nado período de tempo, caso os pacientes gerassem problemas dentro do
serviço. Ou, por outro lado, mostravam-se totalmente esgotados, impo-
tentes, referindo que não tinham o que fazer para ajudar aqueles sujeitos.
A identificação com o desamparo da população acolhida ficava, assim,
muito evidente.
As equipes expressavam, frequentemente, que um dos problemas era
não possuírem recursos para ajudar os usuários, referindo-se à falta de
material para a realização de oficinas, falta de alimentos, de passagens de
ônibus, de veículos, de salas. Eu, por minha vez, não podia deixar de me
perguntar de que recursos tratava-se ali. Quais eram os recursos que verda-
deiramente faziam falta? Parecia-me, sim, que, para além de qualquer falta
material, que, em alguns casos, até poderia também ser problemática, o que
estava ali fundamentalmente em questão era a dificuldade de tolerar a falta
intrínseca de cada um de nós. Esta falta, muito mais do que inibir, do que
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temática.
impossibilitar a continuidade do trabalho, justamente deveria ser aquilo
que o potencializaria, pois a equipe só abriria brechas para a entrada dos
sujeitos – usuários - caso se entendesse como não toda, como essencial-
mente faltosa. Trabalhar a partir desse entendimento da falta parecia-me ser
um dos pontos que precisava ser resgatado.
Também chamava-me a atenção o fato das equipes não reconhecerem,
ou parecerem não se apropriar claramente, das inúmeras propostas cria-
tivas evidenciadas, dos trabalhos que conseguiam realizar verdadeiramente
em parceria, das construções singulares articuladas em determinados casos,
enfim, tais relatos pareciam perder-se no meio das queixas. Era como se a
beleza, a delicadeza desses trabalhos fosse arrasada pela pressão cotidiana
das demandas, não sendo suficiente para dar sustentação aos profissionais.
Neste sentido, uma outra fala repetia-se muito: a demanda era grande demais
e as equipes – quase todas – estavam incompletas, tinham menos profissio-
nais do que o exigido como equipe mínima para credenciamento de um
CAPS pela própria Portaria 336/023.
Foi apenas depois de um certo tempo de trabalho com variadas equi-
pes de CAPS, que consegui perceber a dimensão da importância da pro-
posta das supervisões clínico-institucionais sustentada pelo Ministério da
Saúde. Se os CAPS são os equipamentos entendidos como estratégicos
para a construção e consolidação de um novo paradigma da atenção em
saúde mental, marcando uma diferença radical ao modelo hospitalocêntrico,
hegemônico durante séculos, como tal tarefa poderia ser sustentada por
equipes desfalcadas, desmotivadas, com uma alta rotatividade de trabalha-
dores e constituídas por profissionais que pouco conheciam ou não ti-
nham afinidade com essa proposta? Como seria possível que esses serviços
responsabilizassem-se pela organização da demanda e da rede de cuidados
em saúde mental no âmbito do seu território, conforme prevê a referida
3 Portaria GM 336 de 19 de fevereiro de 2002 regulamenta as características dos distintos tipos de CAPS e determina suas funções.
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Portaria 336/02, se grande parte de suas equipes desconhecia ou não se
identificava com estes objetivos?
Percebi, então, que para que a Reforma pudesse avançar era preciso,
antes de tudo, trabalhar com as equipes, ou talvez melhor dizendo, em
muitos casos ajudar mesmo a constituir as equipes que compunham os
CAPS, já que mesmo os profissionais estando reunidos ali isso não signi-
ficava necessariamente que eles fundavam uma equipe. Ficava evidente que
os dispositivos – CAPS – a priori não poderiam assegurar por si só a sus-
tentação da nova perspectiva da saúde mental. Mas para que os CAPS pu-
dessem pelo menos começar a trabalhar neste sentido era essencial que as
equipes se constituíssem, se fundassem, fossem capazes de realizar algum
trabalho integrado, interdisciplinar.
Neste sentido um dos aspectos que precisa ser resgatado é o da incom-
pletude que perpassa cada especialidade em seu campo de saber. Sem
reconhecer a falta de cada campo específico, a construção de um trabalho
interdisciplinar não se sustenta. Reconhecer e tolerar essa parcialidade
são pressupostos necessários para trabalhar com a diferença. A interdis-
ciplina surge contra a ilusão de completude, diz Nilson Sibemberg (2011,
p. 126), e segue, apontando que a construção de equipes multiprofissionais
não assegura o preenchimento da falta, pois o somatório das intervenções
não realiza a ilusão absolutista, não produz totalidade.
No entanto, se esse ideal imaginário de plenitude nunca é atingido,
isso não deveria justificar a paralisação, a inibição do trabalho, mas sim
abrir brechas para o trabalho possível. Só entende que não pode fazer nada
por um paciente a equipe que se amarra em uma exigência idealizada de
tudo fazer por ele. Neste último caso, sim, é que a equipe estaria aniquilan-
do qualquer possibilidade de protagonismo do sujeito, ou seja, impedindo
que o sujeito do desejo pudesse advir. A falta, aqui, muito mais do que um
problema ou um impeditivo, mostra-se, assim, como a propulsora mesmo
de todo o trabalho possível: trabalho em equipe interdisciplinar, trabalho
com o usuário que busca o serviço e trabalho intersetorial.
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temática.
Pensando ainda na constituição das equipes, cabe destacar o fato dos
grupos serem formados por profissionais que ali chegam sem se escolhe-
rem, sem uma caminhada prévia de trabalho comum e mesmo, não poucas
vezes, sem possuírem nenhuma afinidade teórica. É neste sentido que Ana
Cristina Figueiredo (2000) destaca a proposta lacaniana de transferência de
trabalho. A transferência de trabalho, distintamente do conceito clássico de
transferência, não se referiria ao instrumento da clínica, mas sim poderia
ser um instrumento viabilizador do trabalho entre pares. Segundo a autora
a transferência de trabalho:
Seria a condição de estabelecimento de um laço produtivo entre
pares visando, por um lado, a produção de saber e, por outro, o fazer
clínico. [...] A transferência que deve operar no trabalho em equipe
deve ser norteada pelo fato de que há um objetivo comum às dife-
rentes profissões, e esse objetivo converge para a clínica em seu
sentido amplo (Figueiredo , 2000, p. 126).
Assim a transferência de trabalho seria um laço produtivo entre pares
que permitiria o estabelecimento de direções para o tratamento e o cuida-
do dos sujeitos. É ainda Figueiredo (2000) que refere que a escolha pelo
trabalho segue na direção do sentido atribuído por Freud para a sublima-
ção, ou seja, da possibilidade da criação e do conhecimento avançarem
no campo da arte e da ciência. O tratar, diz a autora, poderia bem situar-se
aí entre ambas.
Parece-me, neste momento, que o dispositivo da supervisão clínico-
institucional é um dos equipamentos potencializadores da constituição de
uma transferência de trabalho e, consequentemente, de uma equipe que
funcione de modo interdisciplinar. A escuta da equipe, que pode ser sus-
tentada na supervisão, viabiliza o ato enunciativo, a ação falante. “A ação
falante tem efeitos no desejo do sujeito que a articula, e esses efeitos se
produzem por retroação” (Lacan, 1999, p. 529). O sujeito se singulariza
pela enunciação do discurso e só pode fazer isso sempre na relação com o
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Outro, pois este está presente na própria fala. Por isso a importância de
poder falar o trabalho, os casos atendidos, as relações internas da equipe
e as relações com outros serviços. Por isso, também, a necessidade das
equipes sustentarem reuniões regulares com a participação de todos os
profissionais. As reuniões de equipe também se evidenciam como um
dispositivo necessário, mesmo que não necessariamente suficiente, para
o estabelecimento de uma transferência de trabalho, pois se caracterizam
como mais um espaço onde a equipe pode falar-se.
Ilhas desconhecidas não fundam continentes. Para que as pontes pos-
sam ser construídas é preciso antes descobrir, fundar, criar as ilhas. Os
arquipélagos que existem, tanto no interior de cada serviço, como entre os
distintos serviços que deveriam compor as redes de saúde e de saúde men-
tal só poderão se tramar, só poderão aproximar seus territórios, caso cada
ilha desperte e assuma sua importância, seu valor na trama. Um valor que
tem grande parte de seu fundamento justamente no fato de ser não todo.
Neste sentido, parece fundamental resgatar, ou mesmo construir, a dignida-
de do trabalho de cada profissional, de cada serviço. É preciso lembrar,
como bem destaca Contardo Calligaris (2009), que os CAPS têm consegui-
do realizar, frente ao imenso desafio da Reforma Psiquiátrica, empreitadas
humildes e grandiosas. Talvez seja neste sentido que possamos dar um
importante passo para o resgate dos sujeitos trabalhadores, dos sujeitos
profissionais que estão na linha de frente desta árdua, mas bela missão.
Referências bibliográficas
CALLIGARIS, C. Conversando com Ferreira Gullar. In: Folha de São Paulo - Ilustrada. São Paulo, 23 de julho de 2009.
FIGUIREDO, A. C. Do atendimento coletivo ao individual: um atravessamento na transferência. In: Cadernos do IPUB. Nº 17, Rio deJaneiro: UFRJ/IPUB, 2000.
FIGUEIREDO, A. C. Psicanálise e Atenção Psicossocial: clínica e intervenção no cotidiano. In: Psicanálise e Intervenções Sociais/ Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre: APPOA, 2011.
LACAN, J. O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. (1957-1958). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
PORTARIA 336/02 In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúdemental: 1990-2004. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
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correio APPOA l outubro 201126.
temática.
PORTARIA 1.174/05 In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações ProgramáticasEstratégicas. Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
PUJÓ, M. Trauma e Desamparo. In: Clinica do Desamparo. Revista Psicoanálisis y el hospital. Vol. 17, Buenos Aires, 2000. apud:ROSA, M. D. Uma Escuta Psicanalítica das Vidas Secas. In: Revista de Psicanálise Textura. N. 2, 2002.
ROSA, M. D. Uma Escuta Psicanalítica das Vidas Secas. In: Revista de Psicanálise Textura. N. 2, 2002.
SIBEMBERG, N. Contribuições psicanalíticas para as construções de equipes interdisciplinares nos equipamentos da refor-ma psiquiátrica. In: Psicanálise e Intervenções Sociais Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre: APPOA, 2011,p. 126.
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temática.
Roda de conversa: um dispositivode intervenção
Renata Almeida
As rodas de conversa entre o Instituto APPOA e a Escola de SaúdePública acontecem já há quase dois anos. Uma vez ao mês, colegas psica-nalistas são convidados a debater com profissionais do campo da SaúdePública algum tema pertinente à saúde mental e seus desdobramentos naestrutura própria ao atendimento público. Irei relatar, de forma breve e jáadulterada pelas elaborações e pela passagem do tempo, algumas ques-tões de uma das rodas de conversa na qual participei como debatedora deSílvia Csermainski, farmacêutica e coordenadora do Núcleo de Estudos ePesquisas em Assistência Farmacêutica da Escola de Saúde Pública e daRede Fito Pampa, tendo como tema: Tratamentos Integrativos e Comple-mentares e a Saúde Coletiva.
Primeiramente, tecerei um pequeno apanhado histórico a respeitodestas práticas na saúde pública brasileira e depois levantarei algumas
das questões que permearam a roda de conversa.
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temática.
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)
no SUS é resultado de uma ampla discussão entre Ministério da Saúde e
representantes das Associações Nacionais de Fitoterapia, Homeopatia,
Acupuntura e Medicina Antroposófica iniciada em meados de 2003, tendo
sua aprovação final por unanimidade no Conselho Nacional de Saúde em
17 de julho de 2006. Já no final da década de 70, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) contempla sistemas médicos complexos por ela denomina-
dos de medicina tradicional e complementar/alternativa como forma de es-
tímulo à prevenção e recuperação da saúde. Estão aqui legitimadas a Medi-
cina Tradicional Chinesa-Acupuntura, Homeopatia, Fitoterapia, Medicina
Antroposófica e, como práticas complementares de saúde, o Termalismo-
Crenoterapia. No Brasil, após a descentralização da saúde pública, em
meados dos anos 80, os estados e municípios receberam maior autonomia
e muitas experiências pioneiras ocorreram. A primeira implantação de um
serviço de Homeopatia na Saúde Pública aconteceu em 1985, sob a forma
de um convênio entre o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previ-
dência Social (INAMPS), Fiocruz, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
e Instituto Hahnemaniano do Brasil. Depois deste convênio inicial, vários
serviços foram sendo implantados por outros municípios, de forma isolada
e sem a definição de uma política pública específica. Lentamente, em todo
o Brasil, a discussão de um modelo de atenção humanizada e centrada na
integralidade do indivíduo foi tomando corpo e letra. Conferências nacio-
nais de saúde, de vigilância sanitária, de assistência farmacêutica, de
ciência tecnologia e inovações em saúde legitimaram e institucionalizaram
estas abordagens de atenção à saúde, até que em 2006, foi elaborada a po-
lítica nacional vigente. A política nacional que norteia tais práticas (PNPIC)
é muito recente e muitos são, ainda, os problemas enfrentados: reduzido
número de profissionais concursados nas áreas, insuficiente número de
farmácias públicas de manipulação, desconhecimento entre os profissio-
nais de saúde de quais são estas práticas e quais os seus benefícios à popu-
lação, entre outros. Segundo dados do Ministério da Saúde em 2004, ape-
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nas 9,6% dos municípios que ofertavam serviço de homeopatia possuíam
farmácia pública de manipulação. E a situação não é muito diferente com os
dispensários de plantas medicinais.
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS
é uma política que propõe uma estratégia diferenciada, pois está centrada
num modelo que prioriza a saúde e o sujeito. O sujeito é recolocado como
o centro do paradigma da atenção, subvertendo a ordem até então vigente,
o tratamento das doenças. Promover a saúde requer muito mais que médi-
cos receitando medicamentos, requer um trabalho multidisciplinar onde o
sujeito possa ser questão para quem o atende.
Recolocar o sujeito como paradigma de um processo de atenção à saú-
de compreende bem mais que promoção e prevenção da saúde, compreen-
de também a construção de cidadania. Se um indivíduo, ao procurar um
atendimento médico, encontra um profissional que o escuta, fazendo uma
anamnese detalhada, auxiliando-o a compreender o processo de padeci-
mento físico ou mental em que se encontra, quais serão as repercussões
políticas desta forma de atendimento?
A psicanálise nos ensina que para um sujeito se autorizar a escrever
sua própria história terá que percorrer um longo caminho. Será necessário
que se desaliene do Outro, faça-se cargo de si mesmo. Numa cultura onde
políticos ainda compram votos e prometem eternamente a melhoria da saú-
de pública como um presente e não como um direito, como promover cida-
dãos alienados num lugar de espera a sujeitos da cidadania? A escuta deste
sujeito e de seu padecimento, em serviços públicos de atenção à saúde,
podem fazer a diferença para este cidadão. Estas práticas médicas aqui
chamadas de integrativas têm o fortalecimento da relação médico-paciente
como um dos elementos fundamentais de suas terapêuticas. E será na
transferência do laço com estes profissionais que estes sujeitos poderão
se apoderar de seus padecimentos e de suas escolhas, de suas vidas,
reescrevendo histórias e também suas cidadanias. Estas práticas médicas
têm em seus sistemas terapêuticos a compreensão do processo de
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adoecimento como uma resposta do sujeito às intempéries da vida. Quan-
do tratados desta forma, os sujeitos podem adquirir uma nova leitura sobre
si e sobre a vida que constroem, assim como sobre os serviços que lhe são
oferecidos. É no laço social que o sujeito poderá reconstruir-se. Outra im-
portante aquisição para os sujeitos em questão é a diminuição do risco da
excessiva medicalização e a possibilidade de uso de medicamentos muito
mais baratos, porém ainda de difícil acesso na rede pública. Esta política
permite ainda uma quebra com a hegemônica indústria de medicamentos e
suas perversas e sedutoras formas de distribuição e marketing.
Tais práticas podem promover assim uma mudança no território onde
a população tem acesso a elas. População que sofre ação de uma política
pública cujo centro do paradigma é o sujeito, será uma população com
maiores possibilidades de mudanças, pois o exercício da cidadania supõe
sujeitos capazes de dizer a que vieram, o que desejam e buscam.
E a roda de conversa como dispositivo de intervenção?
Penso que nós, psicanalistas, quando ocupamos este lugar de discus-
são com diferentes práticas relativas à saúde pública, podemos contribuir
com a perspectiva de quem escuta a dor e nela intervém pela via da escuta
do sujeito do inconsciente. Quando Freud iniciou sua prática, foi às his-
téricas de sua época que ele deu voz. Ele supôs em seus quadros
histriônicos e aparentemente sem sentido, todo o apelo do sexual recalcado
e pode através do “talking cure” propor uma nova e revolucionária tera-
pêutica. Quando estamos, numa psicanálise em extensão, escutando as
dificuldades de um sistema seja ele de saúde ou de qualquer outra forma
de trabalho, e nesta escuta, estamos implicados com a ética que nos
concerne, não há aqui uma intervenção promotora ou propiciadora ao
surgimento do sujeito?
Acredito que as rodas de conversa são verdadeiros espaços poten-
ciais à criatividade, espaço privilegiado de troca e questionamentos, onde
os sujeitos implicados em todas as formas de atendimento em saúde públi-
ca podem se haver com os três desejos impossíveis de se realizarem, segun-
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Instituto APPOA.
do Freud: tratar, governar e analisar. E, a partir deste impossível, podem
deixar a mola do desejo inventar algo novo lá onde os sujeitos estão oculta-
dos ou submetidos ao discurso da ciência.
Referências bibliográficasPNPIC Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaçoes/pnpic.pdf
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temática.
Diálogos sobre as complexas facetasda Exclusão: percurso de uma oficina
Janete Nunes SoaresSandra D. Torossian
Narraremos, neste trabalho, o percurso da Oficina que coordenamos
no Instituto APPOA, intitulada “Diálogos sobre as Complexas Facetas da
Exclusão”. A organização deste dispositivo de trabalho surgiu do nosso
desejo de aproximar o saber acadêmico do saber de quem executa a clínica
ligada às políticas públicas. Constatamos que esses dois campos nem sem-
pre caminham juntos ou mesmo dialogam.
No campo da Política de Assistência Social, a clínica pode ficar ex-
cluída quando se enfatiza um determinado dizer – “aqui não se deve fazer
clínica” – frequentemente escutado por quem busca alternativas de traba-
lho para o psicólogo que ingressa em serviços da Assistência. Por sua vez,
na Universidade há sempre questionamentos e problematizações sobre a
possibilidade de transmitir a clínica.
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temática.
A partir do imbricamento destas duas questões, em associação com o
referencial e ética da Psicanálise, discutíamos, inicialmente, como abordar
assuntos relacionados à exclusão e miséria. A queixa e o sofrimento que
os trabalhadores sociais trazem, vem da desvalia e pouco reconhecimento
referido a esse trabalho. Pensávamos se seria possível estudar e discutir
o trabalho desenvolvido em diversos serviços de Saúde, de Assistência
Social, de Educação, de Justiça, com sujeitos expropriados e alijados da
vida na cidade. Isso tudo de um modo que nos afastasse da rigidez e
engessamento que pode ser produzido pelo sofrimento que emerge dos
limites do trabalho. E, mais ainda, tornar esse processo lúdico, quiçá pra-
zeroso. Daí nascia o formato do grupo: uma oficina.
Tomamos a oficina como um dispositivo coletivo, no qual as expe-
riências compartilhadas colocam questões à teoria. Trata-se de uma práxis
na qual teoria e experiência encontram pontos de interlocução. A oficina
nos garante a liberdade para brincar, imaginar, trazer novos elementos,
criar novas possibilidades, reinventar o trabalho sem que este esteja con-
figurado numa metodologia formal de estudo nem tampouco formatado
nas ações cotidianas que o trabalho exige. Propõem-se estratégias que nos
auxiliam a deslocar e ressignificar nossas intervenções. As interlocuções
são intermediadas pelo humor, uma forma de brincar, um modo de dizer.
As oficinas foram se constituindo como um espaço entre a supervisão e o
grupo de estudos, onde o dia a dia do trabalho, geralmente doloroso e
sofrido, encontra um espaço de invenção no qual se pode falar, estando
atravessado pela criatividade. Em oficinas reinventamos o nosso saber e
fazer a cada encontro.
A riqueza e a potência das discussões têm sido bem aproveitadas quando
o grupo se constitui com uma diversidade de pessoas trabalhando em fun-
ções e campos diferentes. Essa perspectiva passa a ser uma possibilidade
de aliar diversos saberes que muitas vezes compõem um mesmo trabalho e
ainda assim não conseguem se articular. Daí a noção de rede e de coletivo,
como aquilo que sustenta o fazer, através de pontos de compartilhamento
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Instituto APPOA.
da experiência. A oficina funciona como espelho do cotidiano: o reconhe-
cimento mediado pelo outro. Semelhante ao conceito de espelho elaborado
por Lacan, na oficina há uma mediação pelo coletivo que devolve a cada
participante uma imagem dos efeitos das suas intervenções e serve como
superfície de inscrição simbólica no processo de construir-se trabalhador.
Utilizando estes elementos citados, e sempre com um texto de referên-
cia, iniciamos as oficinas no Instituto APPOA – fora do espaço formal da
Universidade e também do espaço de trabalho. Um lugar intermediário,
suficientemente arejado para levar nossa proposta adiante.
Vidas Desperdiçadas, de Zygmunt Bauman (2005), contribuiu com a
discussão sobre a produção do lixo, incluindo o lixo humano. Restos de
coisas e pessoas que estão sendo produzidas, diariamente, pela sociedade.
Bauman analisa o descarte feito pela sociedade de consumo em que vive-
mos, ressaltando não haver um compartimento reservado para o “refugo
humano” nessa sociedade. A discussão nos colocou a questão de pensar os
nossos próprios descartes. Fizemos uma oficina artística sobre o descarte, a
partir de materiais e objetos guardados, que por algum motivo não tinham
sido ainda descartados. Reunimos os objetos-lixo trazidos por todos e cons-
truímos, com eles, outros materiais.
A possibilidade de reinventar os restos de cada um apontou a alterna-
tiva de repensar, criar novas formas de perceber as situações com as quais
trabalhamos. Estabelecer claramente o que está em jogo: o processo de ex-
clusão, mas também a criação de outras possibilidades. A metáfora coloca-
da na oficina nos remete diretamente para a intervenção com a população
excluída. De que forma podemos, a partir de nossa clínica, recompor, res-
taurar, restabelecer os restos humanos que chegam para o atendimento?
O conceito de resiliência, cunhado por Boris Cyrulnik (2006), em Falar
de Amor à beira do Abismo nos auxiliou nos passos seguintes . Esse autor
propõe a resiliência, como uma capacidade construída a partir da atribui-
ção de sentido a um evento traumático. A possibilidade de o sujeito narrar,
falar de sua historia, contar sua tragédia e sofrimento permite uma nova
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temática.
elaboração, uma reconstrução dos fatos que ainda são feridas. A capacida-
de de resiliência depende, então, da sustentação dada pelo entorno do
grupo afetivo que o acolhe e também do discurso cultural que atribui
sentido àquele trauma. Outra questão vai se delineando na oficina nesse
momento: como podemos ser tutores de resiliência (termo proposto pelo
autor) para as pessoas que atendemos? Seria essa uma de nossas funções
na clínica?
Naquele momento, a oficina também se apresenta como uma importan-
te sustentação do trabalho de todos. Passa a ser uma forma potente de cons-
truir resiliência relativa ao fazer de cada um, viabilizando a escuta dos
sujeitos para alem das tragédias que os acometem. O compartilhamento das
experiências cria ali um espaço rico para podermos falar do nosso sofri-
mento ao escutarmos sujeitos com formas de viver tão precárias. Nós mes-
mos nos tornamos tutores de resiliência uns dos outros.
No andamento das oficinas trabalhamos o texto “A Clínica Ampliada
na Assistência Social”. O texto problematiza a intervenção clínica na Polí-
tica de Assistência Social, os sujeitos que ali encontramos, as demandas
que eles nos trazem, os efeitos de resistência provocados pelos atendi-
mentos, a condição não humana em que as pessoas vivem, o lugar de lixo
que elas ocupam na cidade, a violência cotidiana a que elas estão subme-
tidas, enfim, algumas facetas da exclusão e miséria. Fomos trazendo casos
clínicos e debatendo as questões que nos suscitavam. E, assim, através
das narrativas do trabalho de cada um, fomos dando visibilidade às inter-
venções e dificuldades cotidianas, tecendo a rede que compõe a oficina,
sustentada pelo reconhecimento do outro e pela aposta de novas possibi-
lidades de trabalho.
Fomos permeando elementos de discussão teórico-clínica com dispo-
sitivos lúdicos. Assistimos o Filme Estamira, documentário de Marcos Pra-
do1, no qual Estamira, personagem principal, narra sua historia de vida e
1 Estamira. Direção e roteiro Marcos Prado. Distribuição: Riofilme/Zazen Produções Audiovisuais, Brasil, 2006.
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trabalho num lixão do Rio de Janeiro. Discutimos o filme a partir de ele-
mentos destacados por cada participante: a música, imagens, algumas falas
da personagem, a velocidade da filmagem, a sensação angustiante de algu-
mas cenas, elementos recortados do filme conforme a associação livre de
cada um. À medida que trazíamos para o grupo alguns dos elementos su-
blinhados, o debate ia se constituindo com a singularidade dos recortes
específicos e sensações vividas. A leitura das situações modificava-se com
o toque singular de cada olhar.
As diferenças produzidas fazem parte e se tornam fundamentais para
compor o trabalho de uma equipe. O olhar, a leitura e interpretação de cada
um enriquecem a intervenção recheando o sujeito de possibilidades.
Passamos para outro texto: “Educação e crise ou as vicissitudes do
ensinar” no qual a autora, através da literatura, trabalha o testemunho e a
narrativa a partir de alguns autores da literatura mundial. Shoshana
Felman(2000) ressalta, nesse texto, que o testemunho carrega em si uma
prática discursiva além da própria experiência vivida. O ato de dar teste-
munho se compõe de algo que se excedeu em relação aos nossos referenciais,
pequenos fragmentos de memória que não foram assimilados pelo sujeito.
O quanto um ato traumático pode ser transmitido ou falado através do
testemunho. Ele conjuga alguns aspectos: a narrativa da experiência vivida
onde algo da verdade escapa, ao mesmo tempo a impossibilidade de passar
esta tarefa a outrem, sem perder sua função essencial.
Estamira nos possibilitou fazer emergir cenas de testemunho da nossa
circulação pela cidade. Cenas urbanas de exclusão, miséria, violência e
non sense, ao lado da diversidade, riqueza, criatividade e beleza que o
espaço urbano carrega. Nos propusemos a fotografar cenas urbanas, dar o
testemunho daquilo que vivemos no dia a dia, por onde caminhamos, para
onde olhamos. O que suscita nossa atenção? O que gostaríamos de regis-
trar? Ao trazer para a oficina as cenas registradas, transmitia-se também
algo da história de quem fez o registro. Através da apresentação dessas
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temática.
imagens urbanas podemos pensar como a cidade acolhe e se oferece para
cada um que nela vive ou transita.
Esse trabalho encontra-se ainda num processo de produção, mas des-
de já podemos registrar que o dispositivo dessa oficina, do modo como
vem se desenvolvendo, contribui para tornar possível o trabalho de cada
um dos integrantes do grupo, especificamente ali onde todas as possibili-
dades parecem fugir, ali onde se esgotaram os recursos. Trata-se da cons-
trução de alteridade num trabalho coletivo.
A idéia de brincar, imaginar e criar alternativas, assim como compar-
tilhá-las num grupo, nos coloca a perspectiva de estudar, repensar o tra-
balho e o saber construído a partir de notas e experiências divididas,
como apostas em possibilidades futuras.
Parte deste trabalho foi apresentado no CONLAPSA2, no sub-tema
Novas recomendações aos que exercem a psicanálise. Nessa via, então,
apontamos que a psicanálise tem muito a contribuir tanto ao saber acadê-
mico quanto à escuta dos sujeitos que solicitam atendimento nos serviços
associados às diversas políticas públicas. P essoas que geralmente se apre-
sentam pela sua desvalia. Mas ressaltamos que isso só será possível se os
que exercem a psicanálise construírem novas interrogações justamente ali
onde o trabalho excede, ali aonde teremos que propor novos contornos.
Referências bibliográficasBAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
CYRULNIK, Boris. Falar de amor à beira do abismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
FELMAN, Shoshana. Educação e crise, ou as vicissitudes do ensino. In: NESTROVSKI, A. e SELIGMANN-SILVA, M. (orgs.). Catás-trofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000.
SOARES, Janete, SUSIN, Luciane e WARPECHOWSKI, Marisa. A clínica ampliada na assistência social. In: CRUZ, L. e GUARESCHI,N. (org.). Políticas públicas e assistência social. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
2 I Congresso latino-americano de psicanálise na universidade, VII simpósio do programa de pós-graduação em psicanálise daUERJ, agosto 2011.
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temática.
Cronista: um lugar em construção –a escuta inscrita e escrita em uma função
Anamaria Brasil de Miranda1
Cláudia Odiléia Müller2
Denis Saffer3
Josiane Noveli Vieira4
Afinal, os próprios escritores criativos gostam de diminuir a dis-
tância entre a sua classe e o homem comum, assegurando-nos
com muita freqüência de que todos, no íntimo, somos poetas, e
de que só com o último homem morrerá o último poeta (Freud,
1976 [1908]).
1 Psicóloga, Mestranda em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Psicóloga, Especialista em Saúde Pública.
3 Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
4 Psicóloga, Membro participante da APPOA.
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temática.
Acompanhando a passagem do tempo, no deslizar do cenário contem-
porâneo, os sujeitos embarcam em novos papéis, as coletividades ora se
diluem, ora se massificam e, nesse ritmo, convidam o saber psicanalítico a
se atualizar. E, assim, passamos a transitar desde as clássicas quatro pare-
des até às labirínticas instituições. Ora, isso já não é novidade, diriam
alguns. É verdade, o trabalho em instituições vem sendo construído, não
sem polêmicas, há algumas décadas.
Pensar a abrangência das possíveis áreas de atuação profissional do
psicanalista para além da clínica tradicional e sua inserção em espaços
privilegiados de formulação de políticas públicas abre espaço para reflexão
clínica como forma de tensionamento de saberes. Esse tensionamento emerge
na práxis e nos confronta com um em falta em relação ao saber. É a ética
com a qual se trabalha que dá suporte à emergência de um sujeito do dese-
jo, seja grupal ou individualmente. E é na diversidade que a proposta da
psicanálise se estende e potencializa.
Pensando a possibilidade de instauração de dispositivos de escuta clí-
nica nas instituições, trazemos aqui a contribuição da crônica enquanto
aporte metodológico psicanalítico que entrelaça a escuta e a escrita pondo
em relevo a palavra. Crônica é uma palavra de origem grega – ÷ñüíïò ou
chrónos (tempo) – e é considerada um gênero que paira entre o jornalismo
e a literatura. No entanto, o uso que fazemos dela, no momento em que a
propomos enquanto instrumento de análise, atravessa e transgride os limi-
tes de sua conceituação.
Nossa proposição no presente artigo é tanto situar a crônica como ele-
mento e ferramenta do psicanalista no trabalho clínico nas instituições,
quanto elaborar a função do cronista ao transformar sua escuta em escrita.
Nesse sentido, as questões aqui expostas partem de um trabalho de con-
sultoria5 realizado junto à FASC (Fundação de Assistência Social e Cida-
dania de Porto Alegre).
5 A equipe consultora é coordenada pelos psicanalistas Emília e Jorge Broide e composta por mais três psicólogas cronistas(Anamaria Brasil, Josiane Noveli e Cláudia Müller) e um estagiário de psicologia (Dênis Saffer).
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Instituto APPOA.
A tarefa da consultoria é formular e implementar um plano de ação
para a população adulta em situação de rua na cidade de Porto Alegre. O
trabalho se desenvolve em três momentos principais: reunião com o comitê
gestor, capacitação das equipes técnicas e educadores da FASC e um grupo
com a população de rua.
A temática das crônicas não é nova para o grupo6. A crônica parte da
conceituação que Pichon Rivière propôs ao nomear o observador nos gru-
pos operativos, mas é subvertida na versão de cronista. Tanto o observador
quanto o cronista não participam verbalmente das reuniões e têm como
tarefa registrar suas impressões: “recolher todo o material verbal e não ver-
bal, com o objetivo de ‘realimentar’ o coordenador facilitando a utilização
das suas técnicas de condução.” (Pichon Rivière & Pampliega, 1995)
Para Pichon Rivière, o observador deveria estar atento aos processos
de transferência que podem dificultar a meta da objetividade. Já a função de
cronista permite uma maior fluidez e heterodoxia. Não se almeja a objetivi-
dade (sempre impossível), uma vez que se parte do pressuposto de que
sempre estamos enlaçados na transferência do grupo.
A função do cronista comporta também a análise da dinâmica ins-
titucional, tanto na sua estrutura de poder, quanto na dinâmica discursiva
que a atravessa e dentro da dinâmica institucional mais estendida, tanto na
estrutura do estabelecimento quanto nos discursos sociais que nele se
atravessam7. Nesse sentido, o cronista transgride a rigidez da posição de
6 A equipe de cronistas e de consultores já trabalhou anteriormente na consultoria realizada através do Instituto APPOA para aimplantação do Projeto Justiça para o Século XXI. Este Projeto prevê a promoção de práticas restaurativas no sistema brasileirode justiça e conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (Broide, 2011).
7 Para sistematizar nossa análise, em um primeiro momento, buscamos a categoria de emergente, formulada por Pichon-Rivière(2009), que pode ser definida como a enunciação de um conteúdo implícito do inconsciente do grupo, que apresenta um novomaterial a ser interpretado e abre caminho à mudança. Porém, acabamos por também elencar “emergentes” mais amplos, ligadosàs relações de poder dentro do estabelecimento e as linhas discursivas que atravessavam o trabalho. Assim, recorremos aoconceito de analisador espontâneo (Lourau 2004), que consiste em um índice/catalisador que revela os atravessamentosinstitucionais. O conceito parte da idéia de que as instituições atuam de forma transversal e invisível, sendo a argamassa de um“inconsciente político”. Aliando essas duas dimensões de entendimento chegamos a uma visão mais abrangente do processogrupal e de sua posição em uma estrutura social maior.
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temática.
observador para poder transitar mais livremente em seu entendimento e
interpretação do grupo.
Estar à escuta dos processos dos/nos grupos, testemunhar os movi-
mentos transferenciais e as resistências, identificar os sintomas e seus efei-
tos de atravessamento nem sempre é uma experiência fácil. A escuta do
analista na clínica, embora se dê pela via da atenção flutuante, em algum
momento desemboca numa intervenção - que costumamos chamar de corte
na fala do analisando. Esse corte se dá de forma a produzir uma ruptura
necessária no discurso, um ponto na repetição no intuito de produzir dife-
rença, de instaurar um lugar de alteridade no fluxo discursivo do analisan-
do. Já a escuta do cronista não se destina a uma intervenção direta, falada,
mas intermediada pela escrita e pelo coordenador do grupo – o que a torna
inquietante: ela se dirige primeiramente ao papel. Uma escuta destinada
originalmente para a escrita8
Entendemos a escrita como uma experiência, necessariamente, de quem
vive a história e de quem narra. “O narrador retira da experiência o que ele
conta: (...) [a] própria ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas
narradas à experiência dos seus ouvintes”, diz Benjamin (1994 [1936]).
O que se revela aqui é a verdade do inconsciente dos sujeitos envolvi-
dos nessa narrativa, por isso privilegiamos a interpretação da coisa narra-
da. Assim “se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do
oleiro na argila do vaso” (Benjamin, 1994 [1936]).
8 Aqui talvez caiba narrar um pouco o efeito que causou em nós os primeiros retornos de nossos escritos. A insegurança que nosinvadia, a incerteza de que nossas crônicas estavam realmente sendo significativas se dissipou quando ouvimos, nas interpre-tações dos consultores durante os grupos, que nossas crônicas estavam presentes em suas falas. Ficamos exultosos, lançávamosolhares entre nós – já que não podíamos falar – e leves sorrisos se estampavam discretamente em nossos rostos. Então era isso?Assim que funcionava? Escrevíamos freneticamente, cada um com uma narrativa completamente diferente do outro – o que, porvezes, nos fazia dar muitas gargalhadas, pois era hilário como o mesmo evento observado por pessoas diferentes poderia serrelatado de forma tão desigual – e tudo se conjugava na leitura atenta e na escuta perspicaz dos consultores. Os momentos iniciaisde vertigem não só se deviam à presença dos consultores, mas também à nossa dúvida de como sustentar esse lugar calado frenteaos fervilhantes grupos que acompanhávamos. Nos primeiro encontros sentíamos que representávamos ao grupo um papel deespiões que, silenciosos, registravam tudo o que era falado para levar a alguma instância misteriosa, a qual eles não tinhamacesso. Nervosos, recebíamos – ou imaginávamos que recebíamos – olhares tortos; éramos saltados na roda de chimarrão ou,na melhor das hipóteses, nos passavam rente. Porém, com o desenvolver do trabalho, as tensões se diluíram e passamos a servistos (ou a nos ver) como parte integrante de um processo.
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Instituto APPOA.
Não oferecemos garantias ou certezas. Em lugar destas, o que pode-
mos oferecer é o nosso próprio testemunho a quem proferiu o testemunho
de sua vida, desejos e fantasias - neste caso, desde as pessoas que fazem
parte do grupo gestor da FASC, passando pelos trabalhadores, até os
moradores de rua. Recolhemos estes testemunhos e os interpretamos pela
via da escuta-escrita.
A escrita da crônicaEscrever é imprimir uma marca que fala de uma pertença de algo que
concerne ao sujeito, algo que lhe é próprio, a tarefa de escrever em asso-
ciação livre, deixando fluir a cadeia significante entre os dedos em dire-
ção ao papel. Em contato com nossa atenção flutuante o que se imprime,
não é o imediatamente óbvio, mas o resto: o não dito, o não visto, o não
compreendido. A crônica, portanto, é principalmente um espaço de re-
gistro dos movimentos grupais e oferece aos consultores/coordenadores
vias diferentes de compreensão e intervenção, a partir do levantamento
do material clínico.
A crônica escrita é acompanhada pelo registro fotográfico que o estagi-
ário conduz. A experiência vivida no grupo por vezes é de tamanha inten-
sidade que precisamos buscar recursos de outra ordem, de outras repre-
sentações para descrevê-la.
E assim surgem, tanto as fotografias como os versos, letras de músicas,
poesias em meio às crônicas numa tentativa de apropriação de algo
irrepresentável.
Sobre isso, Freud nos questiona: “Acaso é realmente válido comparar o
escritor imaginativo ao ‘sonhador em plena luz do dia’, e suas criações com
os devaneios?” (l976 [1908]). O manipular do lápis ou do teclado do com-
putador, o conjugar dos verbos, a criação de personagens, o engendramento
de uma história ocupam um espaço de criação de sentido.
Pela fotografia, busca-se um registro pictórico que revele algo: um olhar,
uma posição, uma inclinação, um jeito, um trejeito, algo do inconsciente
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no(s)/do(s) sujeito(s) no grupal, assim como linhas discursivas que se atra-
vessam; levando em conta o poder de afetação da imagem em seu caráter
surpreendente, sua capacidade de nos pungir (Barthes, 1984); furar a apre-
ensão familiar, mas distante, com a qual muitas vezes nos anestesiamos
frente ao outro. Além disso, a fotografia também tem a função de ilustrar a
fala dos participantes, buscando em suas expressões corporais e no am-
biente circundante índices para outra visão desse enunciar, diferente da
que temos ao registrar por escrito – quando mantemos os olhos focados no
papel. Para explicitar essas relações, são elaboradas legendas, ressaltando a
intenção da fotografia. A própria presença da câmera já engendra um
estranhamento entre os fotografados: por um lado traz à tona desconfian-
ças quanto ao uso da imagem, por outro permite um reconhecimento pelo
registro, visibilidade e valorização do sujeito participante.
A leitura de todos estes registros produzidos, como experiência de
alteridade, tem a função de reordenar os significantes, propondo um
rearranjo da cadeia associativa e uma reelaboração do conteúdo. Após a
escrita da crônica, o ato de ler causa um estranhamento e produz reflexões.
O produto final do registro, a crônica que finalmente enviamos aos colegas
e consultores, já é fruto do distanciamento, da construção de um lugar de
onde queremos ser lidos.
Mas não só de dar sentido à vivência se constrói uma crônica, mas
também da elaboração teórica desta. As questões levantadas nos levam a
visitar autores e rechear as crônicas de apontamentos e reflexões teóricas a
partir destas leituras. Mais uma vez a diversidade de percurso teórico e
prático de cada cronista, sua singularidade de saber, aparece como testemu-
nho de vivência. Desta forma, parágrafos são redigidos com leituras de psi-
cologia institucional, políticas públicas, psicanálise e filosofia. Assim, a
escrita da crônica também passa a ser uma construção de saberes advindos
da práxis da escuta.
Autorizar-se a escrever em meio ao entrecruzamento transferencial tam-
bém exige um movimento que, à primeira vista, parece se contrapor à livre
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Instituto APPOA.
circulação da palavra criativa desta construção. É preciso um foco na tarefa,
a tarefa para a qual nos sentimos convocados. O enquadre da função do
cronista, por sua originalidade, requer um laço de confiança entre estes e
os consultores e precisa ser trabalhado continuamente.
A circulação da palavra precisa estar alicerçada na capacidade de su-
portar a queda do lugar de suposto saber que os consultores podem ocupar
na relação transferencial. Isso significa fazer frente ao desamparo radical da
dissipação das miragens, das certezas do sujeito (Lacan, 1978), perante o
ato analítico dos consultores no grupo, ao “Sostener una pregunta, ponerla
a trabajar, darle vida, tratarla con matices, sin arrasarla con fundamentalismo”
como diz Jasiner (2007). Mas também significa suportar a relatividade de
sua experiência singular na escrita, portanto que lhe é própria, em contato
com a produção singular do outro cronista. Esse encontro de diferenças
acaba de vez com nossas miragens e produz uma abertura para a escuta
retro-alimentando a própria clínica, que de singular e individual torna-se,
pela via da transferência, uma produção coletiva.
A escuta do cronista, pelo tanto que necessita aprender a verdadeira-
mente escutar sem intervir, ou seja, aprender a calar, é estrangeira, porque,
aparentemente fora de cena, agrega outras funções que não estão presentes
na clínica individual, onde escutamos ao paciente e atentamos ao nosso
próprio inconsciente. O que acabamos por fazer é a escuta da escuta do
analista! A transferência, nesse caso, é massiva e carregada de significantes!
É uma experiência rica, mas também desestabilizadora!
O cronista, esse que escuta para escrever, vive de se expor nas palavras
ora candentes, ora insípidas que escolhe. Dispor-se a essa tarefa é um desa-
fio constante, mas irrecusável. Nosso desejo pela questão da escrita está à
flor da pele, e precisa estar, para suportar os desafios de um novo lugar em
construção, um outro espaço de circulação da palavra – e de desejos.
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Referências bibliográficasBARTHES, R. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BENJAMIN, W. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e Técnica, Arte e Política (1936). São Paulo:Brasiliense, 1994.
BROIDE, Jorge et al. Clínica, Intervenção e Pesquisa em Psicanálise no trabalho com grupos: experiência de consultoria naimplantação da Justiça Restaurativa em Porto Alegre. In Psicanálise e Intervenções Sociais. Porto Alegre: APPOA, 2011.
FREUD, Sigmund. Escritores criativos e Devaneios (1908 [1907]). In: “Gradiva” de Jensen e outros trabalhos. Edição StandartBrasileira das Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, l976. Vol. IX.
JASINER, G. Coordinando Grupos: Una lógica para los pequeños grupos. Buenos Aires: Lugar Editorial S.A., 2007.
LACAN, J. Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1978.
LOURAU, R. Analista Institucional em Tempo Integral. In: S. Altoé (Org.), São Paulo: Hucitec, 2004.
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
PICHON RIVIÈRE, E. & PAMPLIEGA, A. Aprendizaje del rol de observador en el grupo. Buenos Aires: Cinco, 1995.
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agenda.
agenda
dia hora atividade
próximo número
Cinema e psicanálise: ficção científica e realidade
06, 13, 20 e 27 19h30min Reunião da Comissão de Eventos
07, 14, 21 e 28 14h Reunião da Comissão da Revista
06 14h Reunião da Comissão da Biblioteca
06 21h Reunião da Mesa Diretiva
10 e 24 20h30min Reunião da Comissão do Correio
20 21h Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Membros
eventos do ano
2011 2011 2011 2011 2011
data local evento
30/09 e 01/10 Ritter Hotéis – Porto Alegre/RS II Jornada do Instituto APPOA
outubro. 2011outubro. 2011outubro. 2011outubro. 2011outubro. 2011
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normas editoriais do Correio da APPOA
O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe umtrabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pelaAssociação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clí-nica –, bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefade programação editorial.
Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elabo-rado, quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leiturainteressante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com osaspectos editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual.
Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que se-jam respeitadas as seguintes normas:
1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, SeçãoEnsaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria daAPPOA ([email protected]);
2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas:– Fonte Times New Roman, tamanho 12– O texto deve conter, em média, 12.000 caracteres com espaço– Notas de rodapé em fonte tamanho 10
3) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé;4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da
obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume(se for o caso);
5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do
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palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05, para
publicação no mês seguinte;10) o autor, não associado a appoa, deverá informar em uma linha como
deve ser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugeriralterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem neces-sárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão dasprovas gráficas;
11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do
Correio e à disponibilidade de espaço para publicação.
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