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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 113, maio 2003 EDITORIAL N os primeiros dias deste mês encerra-se, em nossa cidade, a inte- ressante exposição intitulada “Freud para Todos”, que teve, entre outros, o mérito de situar as primeiras notícias da Psicanálise che- gadas ao Brasil e suas repercussões e influências no movimento literário e das artes plásticas junto ao modernismo brasileiro. A descontraída campanha publicitária da referida mostra produziu uma interessante imagem urbana, onde todos os transeuntes de uma rua de uma cidade qualquer tem seu rosto substituído pela fisionomia de Freud! “De Freud e de louco todo mundo tem um pouco”, diz a espirituosa adaptação do co- nhecido chavão popular sobre o humano desejo de curar. O sucesso da referida mostra denuncia o interesse que a Psicanálise convoca no sujeito moderno e o quanto ela faz parte da ficção que o consti- tui; prova disso são os inúmeros convites que os psicanalistas recebem para dar conta, na mídia, de questões que a contemporaneidade produz. Tal legi- timidade social, enfim!, deveria nos deixar tranqüilos! Mas assim, como Freud, não nos iludimos com a aparente queda das resistências. Se a demanda da mídia por respostas prescritivas vier a encontrar, desde a psicanálise, uma demanda de reconhecimento, o discurso psicana- lítico estará ameaçado de cair, como a moda da última estação (acessível e padronizadora). O psicanalista terá perdido seu lugar que é ser o guardião de um espaço de fala que autoriza a cada um buscar sua resposta singular aos seus conflitos, inventar e reinventar sua ficção, buscar seu lugar no mundo. É este lugar que mantém viva a Psicanálise, independente de qualquer mo- dismo ou legalização. Nesse quadro, a função da instituição analítica – de promover e sus- tentar o discurso analítico, responsabilizando-se pelo cuidado com a forma- ção dos analistas – tem seu trabalho reduplicado. É preciso promover a reflexão sobre os efeitos das palavras do psicanalista no âmbito social, já que ele, como qualquer outro sujeito desta sociedade, está imerso nas tra- mas do discurso vigente e também se depara com o mal-estar de sua épo- ca; e nada mais fácil do que fazer de sua saída pessoal, o modelo para o outro.

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Page 1: EDITORIAL N - APPOA · 2016-12-03 · 4 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 113, maio 2003 5 NOTÍCIAS ENCONTRO COM MARIE-JOSÉ LÉRÈS NA APPOA No próximo dia 26 de maio deste ano, uma

1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 113, maio 2003

EDITORIAL

Nos primeiros dias deste mês encerra-se, em nossa cidade, a inte-ressante exposição intitulada “Freud para Todos”, que teve, entreoutros, o mérito de situar as primeiras notícias da Psicanálise che-

gadas ao Brasil e suas repercussões e influências no movimento literário edas artes plásticas junto ao modernismo brasileiro.

A descontraída campanha publicitária da referida mostra produziu umainteressante imagem urbana, onde todos os transeuntes de uma rua de umacidade qualquer tem seu rosto substituído pela fisionomia de Freud! “De Freude de louco todo mundo tem um pouco”, diz a espirituosa adaptação do co-nhecido chavão popular sobre o humano desejo de curar.

O sucesso da referida mostra denuncia o interesse que a Psicanáliseconvoca no sujeito moderno e o quanto ela faz parte da ficção que o consti-tui; prova disso são os inúmeros convites que os psicanalistas recebem paradar conta, na mídia, de questões que a contemporaneidade produz. Tal legi-timidade social, enfim!, deveria nos deixar tranqüilos! Mas assim, como Freud,não nos iludimos com a aparente queda das resistências.

Se a demanda da mídia por respostas prescritivas vier a encontrar,desde a psicanálise, uma demanda de reconhecimento, o discurso psicana-lítico estará ameaçado de cair, como a moda da última estação (acessível epadronizadora). O psicanalista terá perdido seu lugar que é ser o guardião deum espaço de fala que autoriza a cada um buscar sua resposta singular aosseus conflitos, inventar e reinventar sua ficção, buscar seu lugar no mundo.É este lugar que mantém viva a Psicanálise, independente de qualquer mo-dismo ou legalização.

Nesse quadro, a função da instituição analítica – de promover e sus-tentar o discurso analítico, responsabilizando-se pelo cuidado com a forma-ção dos analistas – tem seu trabalho reduplicado. É preciso promover areflexão sobre os efeitos das palavras do psicanalista no âmbito social, jáque ele, como qualquer outro sujeito desta sociedade, está imerso nas tra-mas do discurso vigente e também se depara com o mal-estar de sua épo-ca; e nada mais fácil do que fazer de sua saída pessoal, o modelo para ooutro.

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NOTÍCIAS

CINE-DEBATEFILME: “EDIFÍCIO MASTER”

DEBATE: “O PÚBLICO E O PRIVADO”

A forma mais corriqueira que adotamos para dar corpo à discussãosobre o público e o privado é: casa/rua ou família/social. Quando o sujeitoconstitui um lugar social que não é mais somente aquele na família que oabrigava, os lugares parentais (pai/mãe/filho) se recolocam. Estes aparecemnas diferentes estruturas sociais, nas relações de trabalho, de amizade,acadêmicas, etc. Sabemos também que estes lugares têm função específi-ca na construção do sujeito, pois oferecem resistência à história e à tradiçãoque se colocam na transmissão.  

Nesse contexto, encontramos pelo menos dois problemas. Um é aconfiguração dos lugares de parentesco que ressurge no social trazendodificuldades como rivalidades, pedidos de reconhecimento amoroso, etc. Seo sujeito se reencontra com as figuras de pai, de mãe e de irmãos, se eletambém ajuda a reproduzir essas estruturas parentais no social, poderíamosperguntar então: sair de onde para onde? Sair inclui um dentro e um fora. Seo social também implica lugares parentais, de onde estaria saindo o sujeito?E entrando onde, quando da constituição do seu lugar social? 

O outro problema que se coloca é o fato da dimensão social colaborarna anulação da subjetividade ao dificultar o acesso à história e à tradição, namedida em que a sociedade moderna favorece o anonimato urbano e odesarraigamento cultural. Vide os meios de produção de massa, que fazemum constante apelo a uma reflexão geral, global, massificada, pública sobreacontecimentos privados. Então, assuntos privados deixam de ser da esferaexclusiva daquele que exerce a autoridade paterna na ordem privada paraserem legislados também pela ordem social, incluindo-se aí os saberes téc-nico-científicos. O que isso poderia dizer do sintoma social contemporâ-neo? 

Nesse sentido, o sujeito não faz passagem; ele seguirá no seio dessa“família-social”, numa tentativa de fundação de novas parentalidades no soci-

A genealogia de idéias e princípios éticos que define a legitimidade daposição do analista o obriga a dar lugar a uma alteridade radical onde atransmissão e a prática psicanalíticas não se operam por uma continuidadeentre pessoas mas, precisamente, por uma descontinuidade entre elas. Freuddesmascarou as genealogias imaginárias revelando como as filiações seestabelecem pelas formações inconscientes provocadas pelas marcas dodiscurso social. Nesse viés, Jacques Lacan ofereceu aos psicanalistas uminstrumento que os torna competentes para interpretar essa delicada articu-lação entre o individual e o coletivo: a lógica dos quatro discursos. Esse sutilbisturi é o que nos permite o registro e a análise das lacunas que a lingua-gem em movimento revela. Não é, então, por acaso que as nuanças sóciasdo sintoma vem ocupar, principalmente nas últimas décadas, a preocupaçãode algumas instituições psicanalíticas.

Os textos deste número do Correio estão atravessados pelas ques-tões e impasses que a transferência com a Psicanálise em geral e com cadaanalista em particular, produzem em nosso trabalho cotidiano.

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ENCONTRO COM MARIE-JOSÉ LÉRÈS NA APPOA

No próximo dia 26 de maio deste ano, uma segunda-feira à noite,teremos a satisfação de trabalhar na sede da APPOA com Marie-José Lérès,psicanalista que, seguindo Maud Mannoni, dirige as atividades da EscolaExperimental de Bonneuil, assim como dos psicanalistas da equipe de tra-balho Carole Dubus, Jean-Luc Bouguereau e Nicole Rabaud.

 Há muito tempo temos ouvido e lido sobre Bonneuil, um local em quea prática psicanalítica em extensão tem ecos significativos – seja pelo ladodas indagações sobre a direção clínica do trabalho, seja pelo lado da educa-ção de crianças e adolescentes que não encontram inserção possível nomodelo vigente, seja pelo lado do trabalho do psicanalista em sua formação.

Configura-se, portanto, numa oportunidade singular de dialogar compsicanalistas que, como nós, se defrontam diariamente com a educação eminterface com a psicanálise, ou, ainda, de como e até onde os psicanalistaspodem intervir na inserção social – aqui a educação não tem mais apenas osentido da formação intelectual e curricular –, de seus jovens pacientes.

 Para prepararmos uma interlocução interessante, há um cartel aber-to intitulado Educação e Psicanálise a reunir-se quinzenalmente às quartasàs 20h. Recomendamos, também, a leitura do Journal Français de Psychiatrieintitulado ‘’Maud Manonni’’, onde se encontram vários artigos sobre o tema.

I JORNADA DA CLÍNICA INTERDISCIPLINAR MAUD MANNONI“CENAS DA INFÂNCIA ATUAL: A FAMÍLIA, A ESCOLA E A CLÍNICA”

A discussão acerca da nebulosidade que paira sobre as tênues fron-teiras que demarcam o que cabe à família, à escola e aos especialistas naformação das crianças de nosso tempo vem tomando a frente de diferentesdebates no campo da educação e da saúde.

Não raro, pais e familiares, fragilizados nas suas funções educativas,interpelam as instituições escolares na expectativa de atos educacionais

al. Poderíamos ainda situar aqui a forma de parentalidade social, institucional,que é essa que delega os cuidados com os filhos ao estado, gerando “OsFilhos do Governo”?

Uma palavra a mais sobre essa questão da intrincada relação ou mis-tura mesmo entre o público e o privado, ou seja, quando o privado e o públicoconvergem e se confrontam, convivendo no cotidiano. A questão é poderestabelecer o limite claro entre aquilo que é ainda da ordem privada e aquiloque é parte do coletivo. A questão se confunde ainda mais quando sabemosque separar exatamente o particular e o coletivo é algo impossível, pois é doparticular que se forma o coletivo e vice-versa. 

Vive-se um reality show que apresenta a questão sob dois vieses: oprivado se expõe ao público e o público invade o privado, num convívio socialque é ao mesmo tempo familiar e que, por isso mesmo, é extremamentedelicado, pois move da mesma forma paixões e ódios. 

Estas são algumas das questões que estarão sendo debatidas juntocom a apresentação do filme “Edifício Master”.

Quando: 27/05/2003 (terça-feira), às 18h30minOnde: Cinema Universitário/UFRGS – Sala RedençãoDebatedor: Ana Maria Medeiros da CostaPromoção: Secretaria de Assuntos Estudantis/Casa do Estudante/UFRGSInstituto de Psicologia/UFRGSProjeto Cinema, Pesquisa e Extensão/PROREXT/PROPESQ/UFRGS Organização e Coordenação: Carmen Backes

Liliane FroemmingLuís Fernando de OliveiraValéria Rilho

 Obs.: o filme estará sendo exibido durante a semana de 26 a 30/05/2003 e odebate acontecerá somente no dia 27, com entrada franca.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

Data: 23/05/2003 – Tarde

14h - Dispositivos sociais na construção das diferentes cenas da infância atualCoordenador: Claudio Roberto BaptistaRosa Maria Bueno Fisher, Maria Regina Fay de Azambuja, Sérgio Capparelli eEda Tavares

15h30min - Debate

15h45min - Intervalo

16h - Os novos lugares da família e da escola na função educativaCoordenador: Adriana RublesckiSandra Corazza, Carole Dubus, Roselene Gurski e Marcelo Verdi

17h30min - Debate

Data: 24/05/2003 – Manhã

9h - A busca pelos especialistas: quem sabe de nossas crianças?Coordenador: Carla VasquesIranice Carvalho da Silva, Celso Gutfreind, Marta Pedó e Marcelo Victor

10h30min - Debate

10h45min - Intervalo

11h - As diferentes faces das interfaces entre a saúde e a educaçãoCoordenador: Roselene GurskiCarla Vasques, Adriana Rublescki, Nilson Sibemberg e Liliane Ferrari Giordani

12h20min - Debate

Data: 24/05/2003 – Tarde

que seriam, em outras épocas, próprias do campo familiar. Por sua vez, aescola e seus profissionais não cessam de se perguntar sobre as abrangênciase os limites de sua intervenção, fazendo do ponto em questão uma reflexãotão complexa quanto justa, acima de tudo, pelo risco de, nessa ampliação,esvaziar-se o ato educativo, colocando-o em plano secundário na própriainstituição escolar.

O espaço ocupado pelos especialistas também vem sendo questio-nado tanto pelas famílias quanto pelos profissionais da educação: quando éo momento de encaminhar uma criança para atendimento especializado,portanto, fora da instituição escolar? Quais os sinais importantes a seremobservados em uma criança que justifiquem a busca de ajuda profissional?Com qual atendimento essa criança pode se beneficiar? Essas e outrasquestões vêm circulando, cada vez mais, no âmbito da família e da institui-ção escolar.

Atenta a essa discussão e preocupada com a problemática decorren-te, a equipe da Clínica Interdisciplinar Maud Mannoni em parceria com oPrograma de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul propõe a Jornada “Cenas da infância atual: afamília, a escola e a clínica”.

PROGRAMA

Data: 23/05/2003 – Manhã

9h - AberturaRoselene Gurski, Claudio Roberto Baptista e Philippe Sibeaud

9h30min - Conferência de Abertura:A crise da educação no mundo contemporâneo: notas sobre a experiência deBonneuil – Marie-José Richer-LérèsDebatedora: Lenira Fleck11h - Debate

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

Ao longo da obra de Freud, tais “ficções” encontram diferentes ver-sões: cena primária, cena encobridora, fantasia de sedução, mito do herói,etc. Em todo caso, o que está em jogo é a organização da realidade psíquicae sua inscrição entre o que poderíamos chamar, com Lacan, objeto e Outro.As cenas e fantasias apresentam o movimento do sujeito do inconsciente,cindido entre os diferentes tempos da pulsão e suas representações narrati-vas. A questão, então, mais apropriada, seria a de indagar sobre as condi-ções reais e simbólicas a partir das quais uma dada fantasia (imaginária) seconstrói. A importância de tal questão deve-se a que essas “construçõesficcionais” se constituem no ponto de anolamento da estrutura. SegundoFreud, eles são a pré-condição do sintoma (1897).

Neste grupo de estudos, pretendo conduzir as indagações principal-mente no sentido de avaliar os efeitos de sujeito decorrentes das mudançasperpetradas pela ciência e pelas organizações sociais. Refiro-me notadamenteàs alterações reais que o desenvolvimento das técnicas reprodutivas temefetivado, como, por exemplo, o advento da reprodução assexuada. Paraleloa esse movimento, as modificações nos códigos civis, principalmente, obrasileiro e o francês, indicam importantes alterações no sistema de trans-missão do patronímico e na estrutura familiar.

Quais são os efeitos de sujeito decorrentes de tais alterações? Comoé que a comunidade analítica internacional tem reagido frente a elas? Comopensar a posição ética do analista diante de tais situações como clonagem,reprodução in vitro, etc.?

Coordenação: Maria Cristina PoliFreqüência: mensal, quinta-feira,19h.Início: 08/05/2003

15h - Alternativas e possibilidades educativas na atualidadeCoordenador: Sonia DalpiazClaudio Roberto Baptista, Jean-Luc Bouguereau, Maria Nestrovsky Folberg, Marie-José Richer-Lérès e Lenira Fleck

16h30min – Encerramento

LOCAL: Auditório da Fundação Faculdade Federal Ciências Médicas de PortoAlegre. Rua Sarmento Leite, 245 – Centro – Porto Alegre – RS.

INFORMAÇÕES: Clínica Interdisciplinar Maud MannoniRua Dona Laura, 204 – Cep: 90430-090 – Bairro Rio Branco – Porto Alegre – RSFone: (51) 3321.1814Fax: (51) 3388.7598e-mail: [email protected]: www.ufrgs.br/faced/pos

GRUPO TEMÁTICO

ATUALIDADES DO ROMANCE FAMILIAR

Em 1909, quando da publicação do livro “Mitos do nascimento doherói” de Otto Rank, Freud apresentava em um dos capítulos a formulaçãodos “Romances Familiares”. Ele retoma neste texto uma idéia já exposta aFliess no manuscrito M, em 1897, segundo a qual o púbere constrói umafantasia em que torna seus pais ilegítimos.

Nesta carta a Fliess, Freud revela ter a esperança de um dia poderpredizer todo o rol de fantasias, assim como já o fez em relação às “cenas”.Ele denomina as fantasias de “ficções inconscientes” que se produziriampela deformação dos traços mnêmicos. Os “traços mnêmicos” constituintesdas fantasias seriam provenientes da junção de fragmentos de cenas visuaiscom fragmentos de cenas auditivas.

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CONVERGÊNCIA – 2003JORNADA “A DIREÇÃO DO TRATAMENTO ANALÍTICO”

DATAS: 30 E 31 DE MAIO DE 2003

Hoje, em todas as áreas do conhecimento, paira no ar, mais do quenunca, uma pergunta sobre qual direção a tomar. Sabemos que são muitasas respostas possíveis a este desafio. Pode-se, por exemplo, respondercom a autoridade de um discurso programático que faz da técnica um aliadoirredutível deixando pouco espaço para a dúvida. Pode-se também respondercom o silêncio que revela uma inibição a agir diante da situação de incertezaem que o sujeito contemporâneo se encontra. A partir da psicanálise, acre-ditamos que outra direção se abre. Trata-se de recuperar o valor e, até mes-mo, a necessidade de um perder-se que nos ajude a orientar. Perder-se emrelação a qual ponto? Encontrar-se no caminho de qual horizonte?

Freud e depois Lacan nos deixaram, com suas experiências, pistassobre esta questão abrindo novos territórios de reflexão sobre o estatuto daverdade e do desejo. Como lembrava Walter Benjamin, saber orientar-senuma cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, comoalguém se perde numa floresta, requer instrução. A instrução que precisa-mos certamente não é a dos guias de vida que, sabemos, rapidamente enve-lhecem, como nos lembra Freud no seu clássico texto “Inibição, Sintoma eAngústia”. O desafio que a clínica psicanalítica coloca é de nos perguntar, atodo momento, sobre os lugares que ocupamos na transferência que nos éendereçada. Saber um pouco deste locus é essencial pois, como insistiaLacan, o analista deve dirigir a análise e não o paciente.

Trocar experiências interinstitucionais, inquietações e dúvidas se fazportanto fundamental para podermos saber um pouco do ato analítico quenecessariamente escapa às nossas tentativas de controlá-lo. Os temposatuais nos colocam diante de novos desafios, de novos formatos do sofri-mento humano. Esperamos com esta jornada poder compartilhar nossasdúvidas para trazermos elementos de resposta à pergunta deixada por Lacanno seu texto “A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder”: estamosà altura de sustentar as demandas que nos são dirigidas?

As instituições brasileiras convocantes de Convergência, MovimentoLacaniano pela Psicanálise Freudiana promovem em Porto Alegre:

JORNADA “A DIREÇÃO DO TRATAMENTO ANALÍTICO”

TRABALHOS JÁ CONFIRMADOS

– Carlos Augusto Remor - Faces da Transferência (Maiêutica Florianópolis)– Antonio Pinto de Oliveira Neto - O ser da linguagem é o não ser dos objetos(LAEP - MG)– Iaci Torres Pádua - Por que o ponto da identificação histérica é um pontode mistério, impasse e de chave até o campo dos desejos? (Práxis Lacaniana)– Doris Luz Rinaldi - A direção do tratamento na neurose obsessiva (IPB)– Marco Antonio Coutinho Jorge - Título a ser confirmado (Corpo Freudiano/RJ)– Jaime Betts - Adeuspaiuadeusarazão (APPOA)Debatedores: Marcia Antunes (RJ)

Inezinha Brandão Lied e Tania Nöthen Mascarello (SC)Antonia Portela Magalhães e Isabel Martins (RJ)

Local: NOVOTEL – Av. Soledade, 575 – Bairro: Três Figueiras – Porto Ale-gre/RSInformações sobre passagem e hospedagem com: BMZ Turismo Ltda.Site: www.bmztur.com.br – Fone: (51) 3321.1133

Informações sobre inscrições na secretaria da APPOA

INSTITUIÇÕES CONVOCANTES:Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOAColégio de Psicanálise da BahiaCorpo Freudiano do Rio de JaneiroEscola Lacaniana do Rio de Janeiro – ELRJIntersecção Psicanalítica do Brasil – IPBLaço Analítico Escola de Psicanálise – LAEP (RJ/MS/MG)Maieutica Florianópolis Instituição Psicanalítica – SCPráxis Lacaniana Formação em Escola – NITERÓI/RJ

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ENCONTROS COM WILLIAM RICHARDSON

A UNISINOS através do PPG Filosofia e Laboratório de Filosofia ePsicanálise está promovendo as conferências do Prof. Dr. William Richardson(Boston College) relacionadas a seguir:

 – O Nome-do-Pai: a Lei?, 22 de maio, às 19h30min, Auditório Maurício B.Berni - Centro 4 (UNISINOS)Debatedor: Prof. Dr. Charles E. Lang (UNISINOS e Psicanalista, APPOA)– A Psicanálise e a verdade do sofrimento, 23 de maio, às 19h30min, Audi-tório Central (UNISINOS)Debatedor: Prof. Dr. Mario Fleig (UNISINOS e Psicanalista, APPOA)– O caso Heidegger, 26 de maio, às 19h30min, Auditório Maurício B. Berni -Centro 4 (UNISINOS)Debatedor: Prof. Dr. Inácio Helfer (UNISINOS) – Heidegger e a Psicanálise, 27 de maio, às 20h, Instituto Goethe (PortoAlegre) – Atividade conjunta com o PPG-Filosofia da PUCRS e da UFSMDebatedores: Prof. Dr. Ernildo Stein (PUCRS)Prof. Dr. Mario Fleig (UNISINOS e Psicanalista, APPOA)

W. Richardson, professor de filosofia do Boston College, renomadointérprete do pensamento de Heidegger (que lhe endereça a famosa “Carta aRichardson” em abril de 1962), psicanalista, interessado no problema doinconsciente, sua relação com o desejo e suas implicações éticas, assimcomo na especificidade da ética da psicanálise e suas relações com a éticada prática médica e da psiquiatria. Nestas conferências no RS, Richardsonapresentará suas formulações a respeito da interpretação heideggeriana deFreud (desenvolvida nos “Seminários de Zollikon”, Vozes, 2001), a controvér-sia em torno do engajamento político de Heidegger, o tema da ética da psica-nálise abordado a partir de Lacan, assim como aspectos da relação de Lacancom Heidegger.

Informações no PPG de de Filosofia da UNISINOS: (51) 591.1121 e(51) 590.8112. O evento é gratuito.

JORNADA DE ABERTURA 2003

Manhã de nuvens dançando, trabalhando no céu azul. Sábado, 5 deabril. Poucos, ainda não são 9 horas, trabalhando no Parque da Redençãopara queimar aquelas calorias e alcançar o inalcançável. Muitos no trabalhode todos os outros dias, todas as outras feiras, segunda, terça, quarta...

No Novotel aconteceria a Jornada de Abertura da APPOA 2003. Tive-mos, desde o princípio, um certo trabalho para chegar até o local por viasnovas, que lembram outras cidades, outros espaços. Mas se trataria de umtrabalho não menos difícil: O Trabalho do Psicanalista.

Assim, depois de encontrarmos o lado certo da Soledade, pudemosassentarmo-nos e começar a escutar.

Robson de Freitas Pereira, Gerson Smiech Pinho, Marta Pedó e AlfredoJerusalinsky, com suas falas, nos lançaram no trabalho de pensar sobre acontemporaneidade da psicanálise, cada vez menos restrita a uma práticaclínica de consultório, cada vez mais confrontada com sofrimentos diversosdaqueles dos tempos de Freud e também de Lacan.

No final da tarde, quando do encerramento da Jornada, nos depara-mos com um céu diferente, cinza, e nas ruas o molhado da chuva ainda sefazia notar. Os resíduos da chuva estavam lá, e em nós os efeitos de umajornada de trabalho que, como pedras que caem na água, se farão reverberarnas outras feiras de nossos dias, segundas, terças, quartas, quintas... E nodia sem feira? No Domingo será possível tapar os ouvidos? Certamente não,os ouvidos internos não temos como tapá-los. Quanto maior resistência,maior a aproximação, afinal “não há paraíso no inferno” (como sentenciouAlfredo Jerusalinsky, ao encerrar sua fala).

Rosane Palacci Santos

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SEÇÃO TEMÁTICA

“Oh! Mas os neuróticos, eles são tão delicados, e como agir?Eles são incompreensíveis, essa gente, palavra de pai de família...”

Jacques Lacan

Os neuróticos não são os mais delicados nem os mais sofredoresdos humanos, apenas dão voz e discurso à fragilidades subjetivas de seutempo. Síndrome do pânico, angústia, depressão, desesperança, anorexiade desejo, são suas várias faces modernas. Talvez essa seja a grande novi-dade da clínica psicanalítica hoje: levar em conta essa delicadeza do ser.

Os herdeiros imediatos de Freud guiavam-se nos labirintos do desejopresos ao fio de Ariadne da transferência amorosa. A crença no amor dualentre paciente e analista repararia os tropeços evolutivos daqueles que nãoamadureceram o suficiente para o amor genital ou o vínculo com o objetoadequado.

A teoria lacaniana abriu espaço para nuances, devolvendo ao discursodo paciente o fio condutor da sua cura. Apreendemos a perscrutar os movi-mentos do significante e o quadro que se montava conforme sua posição nodiscurso. Descobrimos que o desejo é miragem, que não apenas se oculta edisfarça, como também se rarefaz, faz falta. Os lacanianos foram também

Acada ano que recomeça, a APPOA, a partir de um eixo temático detrabalho, convoca seus associados e a todos aqueles interessadospela psicanálise, para sua Jornada de Abertura.

Neste ano, o eixo temático foi dado pelo texto de Lacan A direção dacura e os princípios de seu poder. Sua discussão no cartel preparatório paraa Jornada relançou a questão, que insiste sempre, sobre a psicanálise e suainserção na atualidade.

Laços sociais diferentes demandariam uma psicanálise também ou-tra? A psicanálise fora dos consultórios exigiria um outro sujeito, outra éti-ca? Como colocar-se diante da demanda por felicidade total? Ou, ao contrá-rio, como situar-se frente a um sujeito que “deseja nada”?

Nesta seção temática poderemos acompanhar os diferentes questio-namentos sobre nossa prática clínica cotidiana e sobre os diferentes lugaresde inserção do trabalho psicanalítico nos dias de hoje. Por esta via se desdo-braram os trabalhos da Jornada de Abertura, editados neste número do Cor-reio junto à imagem e ao texto que convocaram para o evento.

Esperamos que este Correio possa operar como registro e referênciapara nosso trabalho no ano de 2003.

Ana Laura GiongoRosane Palacci Santos

PEREIRA, R. DE F. Serás que és psicanálise?

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SEÇÃO TEMÁTICA

SERÁ QUE AINDA ÉS PSICANÁLISE?

Robson de Freitas Pereira

Preliminares para uma abertura de questões.Ao reler o argumento da jornada e olhar para o “folder” já lançado emsua circulação pública, com ilustração e texto, sinto-me instado a

comentar – talvez algo de uma pulsão invocante – quem sabe? O trabalhofeito convoca o olhar e a voz, causas de desejo. Porém, antes, algumaspalavras sobre esse título em forma de interrogação e sua intervenção numajornada sobre o trabalho do psicanalista.

A palavra trabalho tem uma história em nossa cultura e, também, napsicanálise. Lacan lembra sua etimologia tripalium (seminário da Angústia)e sua função primeva de instrumento de tortura. Freud a utilizou, em diversosmomentos, para tentar situar o que era da ordem do inconsciente. Em a“Interpretação dos Sonhos”, podemos lembrar que “trabalho do sonho”(traumarbeit) designava o processo de construção que articulava os restosdiurnos com toda a cadeia de elementos necessários para a realização dosonho. “Elaboração psíquica” e “perlaboração”, ducharbeiten e verarbeiten,são outros conceitos caros à teoria da psicanálise.

Os psicanalistas sempre estiveram ocupados com seu trabalho. Tal-vez por vias indiretas, ao se preocuparem com a técnica, com a transferên-cia ou, mesmo, com a formação e seus avatares. Entretanto, colocar emcausa a prática e, mesmo, reconhecer que o psicanalista era uma formação doinconsciente – que uma suposta neutralidade se desmanchava no ato mesmoque o constituía – é uma situação mais recente na história da psicanálise.

Não poderíamos deixar de mencionar que o trabalho, em nossa histó-ria recente, também designa a alienação do sujeito, o trabalho que se ven-de, o trabalho escravo e a lembrança de que o discurso e a ciência podemestar a serviço da destruição: vide Arbeit macht frei (o trabalho liberta),dístico que encabeçava os portões de Auschwitz, um dos principais cam-pos de extermínio.

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aqueles que compreenderam que o desejo é o “desejo do Outro”, “quero queme queiras”, e perceberam seu caráter constituinte, dando formalização eexpressão clínica possível às tentativas inconclusivas de definir o que seriauma mãe suficientemente boa.

Os analistas de cada época procuraram oferecer alívio aos sofrimen-tos que os convocam e com isto produziram a cada tempo suas ilusões,como provavelmente estamos a fazer agora. O desafio de hoje não é peque-no: propor uma clínica condizente com uma época em que os pacientes nãovem se queixar da insatisfação do seu desejo, escamoteado em sonhos,atos falhos e amores, bons tempos aqueles...Hoje eles vem pedir soluçãopara um sentimento de vazio, para um desejo que, longe de ser inadmissível,é quase inexistente. São estes impasses, assim como nossas ilusões, omotivo da discussão em nossa Jornada de Abertura de 2003, intitulada “OTrabalho do Psicanalista”.

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alguém vê uma de minhas pinturas, faz para si mesmo esta simples questão: ‘oque isso significa?’ Não significa nada porque mistério significa menos ainda.É unknowable. Não-conhecível”. Não apreensível em sua totalidade.

Mistério é palavra-chave para o pintor. Efeito da pintura que buscaseu apoio na inspiração e na semelhança. Com a ressalva do autor: ela seopõe tanto à razão quanto ao absurdo. Mistério sempre há de pintar por aí.

Argumento e seus desafios: como situar o trabalho do psicanalistahoje? Quais são seus impasses. Como estamos lidando com as diversasdemandas que se instalam na transferência cotidiana. Sabemos que faze-mos muitas coisas. Soluções que, por vezes, nos horrorizam ou que temosvergonha de contar, ou ainda, de nos responsabilizarmos pelos atos e por suasconseqüências. Falar disso, sustentar essa diversidade dá muito trabalho enão sei se conseguimos dizê-la toda. Todavia, iniciamos o processo.

Os analistas ainda não decifraram o mistério da cor vermelha queescorre da pintura e das mulheres. Por vezes, ainda perguntam se suafunção se resume a olhar a gaiola das “loucas”. Ou se sua função ainda é(és?) soltar os passarinhos ou as pombinhas aprisionadas. Soltem asfrangas, gritaria um 68 passadista. Make love not war. Já notaram comoatualmente a maioria das manifestações pela paz são quase assexuadas?Queremos a paz pela paz. Somos contra a violência da guerra, contra aviolência do último império moderno (ou será pós-moderno? Depois de mim,o dilúvio, diria o arauto da guerra santa capitalista).

Talvez um dos efeitos mais nefastos da violência seja o de que elasubstitua um gozo real pelo gozo fora do corpo (fálico) que permite gozar docorpo com o outro.

Levar em conta a delicadeza do ser é reconhecer que, por vezes, sualeveza é insuportável, chegando às raias da violência, do esfacelamento doslaços, do despedaçamento do corpo.

Chico Buarque afirmou um dia (há tempos) que o Brasil era o país dadelicadeza perdida. A escalada da violência no Rio de Janeiro, o coração denossa delicadeza, onde a paisagem urbana fazia conviver escravos, senho-res, caçadores, comerciantes, brancos, mulatos e mamelucos, talvez seja

1. O TÍTULO – es – ça – isso – expressão consagrada por Freud ecunhada por Groddeck. Das es – o isso. Será que isso ainda se sustenta?Será que és a última flor do lácio, inculta e bela? O que é a psicanálise hoje?Quem tem medo de psicanalisar? Quem não teme sintomatizar, ser sintomade uma cultura que tenta fazer a equivalência geral das palavras e das coi-sas. Lacan fez suas afirmações a esse respeito, procurando situar para seusinterlocutores o lugar e o campo da psicanálise. A primeira, em 1974, emRoma, Itália, na véspera de fazer sua conferência “A Terceira”. Ele afirmou:“(...) a psicanálise é um sintoma. Participa do mal-estar da cultura”. Doisanos mais tarde, no decorrer de seu seminário intitulado “Le Sinthome”, osintoma do qual todo sujeito é efeito, ao responder as perguntas da penúlti-ma aula do ano, enfatizou: “(...) não é a psicanálise que é um sintoma. É opsicanalista que é sintoma da psicanálise”. Ou seja, somos efeito de umdiscurso, um sintoma em princípio não patológico, mas cujas determina-ções patológicas (pathos-sofrimento) precisam ser reconhecidas.

Poderíamos acusar que é apenas jogo de palavras. Mas somos efeitodisso, desse turbilhão e da garantia de que uma palavra vale. Desde Freud.No princípio era o verbo: tu és. O outro nomeia o sujeito, e a angústia sópode ser aplacada quando o Outro é nomeado, barrando a demanda inco-mensurável e abrindo espaço ao desejo. Verbo encarnado.

 2. MAGRITTE E SEU MISTÉRIO – AS INTENÇÕES E SEU ALÉM

 As escolhas não são casuais. Somos influenciados por nossa cultura,pelos seus discursos. O sujeito recebe do outro sua própria mensagem emforma invertida. Sabemos que Lacan se aproximou do surrealismo (chegou apublicar na Minotaure). Evocar isso é recordar as relações da psicanálise comos movimentos de vanguarda, com a arte contemporânea. Diferentemente deFreud, ele achava que os surrealistas tinham algo a nos dizer, a ser considera-do para o trabalho do psicanalista. René Magritte foi um dos mestres dosurrealismo. Não queria ser “carteiro”, não queria passar telegrama para nin-guém, vide sua declaração de princípios: “ (...) minha pintura é visível. Imagensque não concebem nada: elas evocam mistério e, ao mesmo tempo, quando

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neste, inquieta-se em seu foro íntimo, ou reage no foro do grupo através dapergunta automática que desponta de um ‘será que isso ainda é psicanálise?’”)

Há psicanálise na urgência, na velocidade dos novos sintomas?No início do século XX, um autor otimista poderia se regozijar de que,

com o advento do automóvel, o mundo agora tinha mais uma possibilidadede transporte: podia andar a cavalo, de charrete, de bicicleta, pois todos osmeios estavam disponíveis. Alguns poderiam pensar e advogar que aquelageringonça não tinha futuro, nem estética frente à beleza de um cavalo puro-sangue. O automóvel tomou as ruas.

Será essa história uma metáfora do futuro da psicanálise? Não sabe-mos. Ninguém sabe qual é o automóvel na história da psicanálise. Se osconsultórios acabarem, atropelados por um automóvel público ou por umaclientela potencial que não tem tempo para parar e deitar em um divã, esta-remos vendo o fim do mundo como o conhecemos.

Apesar de tudo, insistimos. Assim como reconhecemos que depoisde Freud não há psicanalista sem instituição psicanalítica. É como umsignificante de referência para um sujeito: o nome do pai, por exemplo.Podemos reivindicar uma filiação, podemos negá-la ou mesmo passar aolargo, não tomar conhecimento desta, ou mesmo padecer de sua foraclusão,mas sempre estaremos construindo nosso reconhecimento no embate comessa referência, em que as dimensões Real, Simbólica e Imaginária sãofundamentais para sua sustentação; tanto do nome quanto do sujeito.

Apesar de a religião ter futuro garantido, no dizer de Lacan, não quere-mos ser católicos.Tampouco ser como aqueles analistas que até hoje vêema novela do Édipo como chave universal (portanto católica). O pior cego é oque não quer ver; por isso ele optou por viver na cegueira quando pode enxer-gar sua tragédia.

Talvez a utopia possível seja a de desejar um lugar onde se possarespirar.

Trocar algo da experiência sem exigência de uma solução técnica,como tantos cursos que são oferecidos. Afinal, eles apenas seguem o“mainstream” dos tempos correntes.

o exemplo desse medo. De que a delicadeza, o fino trato, a possibilidade daconversa fique perdida definitivamente. É um paradoxo, mas que se enten-de: só quem foi escravo sabe o valor de ser tratado com respeito e educa-ção. A polidez não é somente fator de dissimulação da violência. Educaçãoé um fator civilizatório. “Os negros apresentam suas armas: as costasmarcadas, as mãos calejadas e a esperteza que só tem quem tá cansadode apanhar.” Hoje (depois de Hegel apropriado pela psicanálise), em deter-minados momentos, somos todos negros, todos escravos, todos impoten-tes à espera da morte ou do castigo. É preciso coragem para enfrentar ocotidiano. Inútil dormir que a dor não passa. Apostar na passagem, na errânciae na incerteza é um risco. O mesmo da douta ignorância que sustenta osujeito suposto saber.

 3. PERSPECTIVAS (OU AFINAL, PARA QUE SERVEM OSPSICANALISTAS E SUAS INSTITUIÇÕES?)

Os psicanalistas ou aqueles que fazem análise, supervisão, seminári-os de estudo diversos e seguem uma formação estão em todos os lugares.Nos consultórios, nos hospitais, nos ambulatórios particulares, nas clínicasde atendimento, nas escolas, no Estado e no município. Nos últimos quinzeanos, pelo menos no RS e em sua capital, os psicólogos começaram a sermuito mais requisitados pelo Estado/município. Claro, sua função não é depsicanalista, ela (Isso) não existe formalmente. Mas, de fato, as pessoasexistem e exercem suas funções, muitas vezes subvertendo a burocracia,enfrentando-se com a banalidade do mal (e do bem). Sofrem e se angustiamenormemente e retornam para suas análises, supervisões e cartéis, gruposde intercontrole, grupos de estudo com ou sem coordenador se questionan-do a respeito do que fazem ou deixam de fazer.

Será que Isso ainda é psicanálise? O texto de Lacan apontava aquestão desde 1955. (Variantes do tratamento padrão – Escritos, p.327 –“(...) assim, se admite a cura como um benefício adicional do tratamentopsicanalítico, ele se precavém contra qualquer abuso do desejo de curar, e ofaz de maneira tão habitual que, ao simples fato de uma inovação motivar-se

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OS CAMINHOS DA CURA ANALÍTICA HOJE

Gerson Smiech Pinho

Aexpressão “direção da cura” adquiriu um lugar de relevo em nossovocabulário cotidiano de trabalho. Com muita freqüência, nos referi-mos aos vetores que orientam nosso modo de intervir e operar em

uma análise como “a direção da cura” naquele caso particular. É comum,também, falarmos da direção da cura nas neuroses, nas psicoses, nos pro-blemas do desenvolvimento da infância, nas toxicomanias e assim por dian-te. Ao nos expressarmos dessa forma, procuramos delimitar certos pontosde referência fundamentais que permitem guiar nossa intervenção quandotrabalhamos com cada uma dessas questões específicas. Neste texto, pro-curo interrogar o tema da direção da cura, tomando como ponto de partida oescrito em que Lacan trabalhou a respeito dessa questão.

Segundo Elisabeth Roudinesco (1994), o texto A direção da cura e osprincípios de seu poder é uma das quatro grandes exposições, entre os anosde 1955 e 1960, em que Lacan se manifesta a respeito de seu método detrabalho, criticado por ser considerado inaceitável pelos padrões vigentes naIPA. Assim, juntamente com os escritos Variantes do tratamento-padrão (1955)e Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956 (1956) e oseminário sobre A transferência (1960-61), o texto sobre a direção da curanasce em um terreno de intenso questionamento em torno do trabalho de Lacan.

Esse período corresponde ao tempo de existência da Sociedade Fran-cesa de Psicanálise (SFP), fundada, em 1953, por um grupo que se demitiuda Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) e do qual faziam parte JacquesLacan e Françoise Dolto. Desde sua criação, os membros da nova socieda-de iniciaram um processo para que ocorresse sua reintegração à IPA, daqual haviam se desligado no momento da saída de sua antiga instituição.Para que sua filiação fosse aceita, era necessário provar que todos os seusdidatas obedeciam às regras padronizadas acatadas por todos os membrosde todas as sociedades filiadas à IPA. Lacan colocava em risco todo esse

No qual, independentemente do local (diferente) em que se trabalhe,haja espaço para um dizer sobre cada experiência. Em que esse lugar tenhaespaço para sustentação da palavra, tão castigada, tão emudecida nos tem-pos atuais, quando cada vez mais somos demandados a dar opiniões con-clusivas sobre assuntos sobre os quais a melhor resposta seria a perplexi-dade ou um honesto “não sei”; pois uma especialidade não dá conta dacomplexidade.

Esse lugar tem que acolher essa fala que está ameaçada de emude-cer frente às exigências atuais. Acolher o discurso dos “sobreviventes”, da-queles que seguem escutando, mesmo quando se sentem culpados porterem escapado da miséria, por um detalhe que lhes escapa, e que nãorecuam ante o desejo de sustentar uma escuta. De insistir num “tratamento”quando tudo parece perdido. O desejo do psicanalista implica que insistircom um desejo dá trabalho.

Talvez possamos fazer um acolouthia no sentido que lhe dá RolandBarthes (homenageado com exposição no Centro Georges Pompidou entrenovembro/2002 e março/2003. A palavra fazia abertura de um dos cincomomentos da mostra) – “(...) je voudrais désigner par ce mot ce champ rareoù les idées se pénètrent d’affectivité, où les amis par le cortège dont ilsaccompagnent votre vie vous permettent de penser, d’écrire, de parler”. Emtradução livre e apressada: “(...) eu gostaria de designar por esta palavra estecampo raro onde as idéias se penetram de afetividade, onde os amigos pelocortejo que fazem ao acompanhar nossa vida nos permitem pensar, escrevere falar”.

Mesmo com as ressalvas que pudéssemos fazer a respeito da amiza-de entre os psicanalistas; pois Freud e Lacan nos recomendaram bastantepara as armadilhas do amor, diríamos que acolouthia seria o acolhimento nosentido mais pleno e forte que pudéssemos fazer. Acolher o desejo de reco-nhecimento, de filiação simbólica e a possibilidade de cada um ter a confian-ça mínima(?), o pudor e a coragem para depositar suas armas e se deixarfalar sobre o impossível que organiza seu trabalho, seu ser. Para que o isso,o desejo, a falta ainda façam parte de nossa vida.

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Um exemplo claro da crítica que tece em relação a esses desvios é oextenso comentário que faz sobre o trabalho de Ernst Kris com um pacienteque sofria de uma inibição na vida intelectual e que era incapaz de publicarqualquer de suas pesquisas em função de um “impulso de plagiar”. A direçãoda intervenção de Kris vai no sentido de devolver a este sujeito o acesso à“realidade”, demonstrando a ele que não era um plagiário, embora acreditas-se sê-lo. A partir daí, o paciente declara que, há algum tempo, ao sair desuas sessões, circulava por uma rua em que observava, nos cardápios depequenos restaurantes, seu prato predileto: miolos frescos. Se Kris encon-tra neste ato a confirmação de sua intervenção, Lacan interpreta-o como umacting out que demonstra o caráter errôneo da mesma. Lacan afirma que “(...)não é o fato de seu paciente não roubar que importa aqui...; é que ele roubanada. E era isso que era preciso fazê-lo ouvir” (p. 606). Não é a defesa contra aidéia de roubar que o leva a crer que rouba, mas a possibilidade de que elepossa ter uma idéia própria, o que só acontece com grande dificuldade.

A direção da cura para a psicologia do ego, da qual Kris é um dosprincipais representantes, consiste em assegurar o domínio da pulsão peloreforço do Eu, buscando como fim a adaptação do indivíduo à realidade.Propondo as coisas por essa via, essa vertente da psicanálise “esquece” dealgumas considerações fundamentais feitas por Freud, como, por exemplo,em seu artigo sobre Análise terminável e interminável. Nesse trabalho, Freudpontua, de forma muito precisa, os limites da terapia analítica, cortando pelaraiz qualquer esperança de idealização que possamos ter em relação à pos-sibilidade de amenizar os efeitos da pulsão a partir do reforço do Eu. Freudafirma que “(...) um ego normal dessa espécie é, como a normalidade emgeral, uma ficção ideal” (p. 268).

Em seu escrito sobre a direção da cura, Lacan propõe uma críticaradical do próprio conceito de força do Eu e de todos aqueles aspectos queconsidera como parcialidades do debate psicanalítico. Considerar a psica-nálise como uma situação “a dois” serve apenas para articular um “(...) ades-tramento do chamado Eu fraco, por um Eu o qual há quem goste de conside-rar capaz de realizar esse projeto, porque é forte” (p. 594). A noção de ego

procedimento de reintegração, já que sua prática não se adequava em nadaaos padrões vigentes na IPA. Assim, em 1963, o desenlace da negociaçãoque vinha em andamento leva a uma nova cisão, com a ruptura definitiva deLacan e da maioria dos alunos da Sociedade Francesa de Psicanálise coma legitimidade da IPA.

É em meio a esse contexto, em julho de 1958, no colóquio deRoyaumont, organizado pela Sociedade Francesa de Psicanálise, que Lacanproferiu uma longa conferência cujo título era A direção da cura e os princípi-os de seu poder. As idéias desse escrito vão na direção oposta àquilo quevigorava como padrão na IPA – ali, Lacan faz um ataque direto à psicanálisedita “americana” e propõe uma concepção de tratamento que buscava reno-var a psicanálise a partir de sua origem freudiana.

O texto está dividido em cinco partes. As três primeiras têm seustítulos colocados em forma de perguntas, as quais levantam questões sobrea situação da psicanálise naquele momento: Quem analisa hoje?; Qual olugar da interpretação?; e Em que ponto estamos com a transferência? Jáas duas últimas partes têm a forma de indicações: Como agir com seu ser eÉ preciso tomar o desejo ao pé da letra. As questões colocadas são inúme-ras e, por esse motivo, decidi delimitar três que me parecem constituir cer-tos eixos dentro do texto, para poder examiná-las mais de perto e pensá-lasà luz daquilo que hoje escutamos em nossos consultórios:1. Os desvios em relação à proposta freudiana;2. A questão do ser e a posição do analista;3. O desejo e sua interpretação.

OS DESVIOS EM RELAÇÃO À PROPOSTA FREUDIANALacan situa e analisa uma série de desvios da psicanálise em relação

à doutrina freudiana. Afirma, logo no início do texto: “Pretendo mostrar comoa impotência em sustentar autenticamente uma práxis reduz-se, como écomum na história dos homens, ao exercício de um poder” (p. 592)1.

1 Os números entre parênteses indicam as páginas da tradução dos Escritos de Lacan parao português.

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– com o que há de essencial em seu juízo mais íntimo, para intervirem uma ação que vai ao cerne do ser.

Em oposição ao Ego autônomo do analista, em direção ao qual opaciente deveria se identificar, Lacan propõe a idéia de uma falta-a-ser, rela-tiva ao desejo e à linguagem. Ele considera “(...) a falta-a-ser do sujeito comoo cerne da experiência, como o campo mesmo em que se exibe a paixão doneurótico” (p. 619). Assim, a teoria do tratamento, em Lacan, afirma-se comoa realização de um sujeito que, ao contrário do eu como exigência de domí-nio, se constitui da hiância aberta pela referência do sujeito ao Outro. Otratamento não tem como finalidade preencher esta hiância, mas expô-la eexprimi-la pelas vias da sublimação.

O DESEJO E SUA INTERPRETAÇÃOÉ em torno do lugar da interpretação no trabalho analítico que Lacan

inicia a fundamentação de sua proposta em relação à cura, com base naestrutura radical de linguagem revelada pelo inconsciente. Segundo ele,“(...) nenhum indicador basta, com efeito, para mostrar onde age a inter-pretação, quando não se admite radicalmente um conceito da funçãosignificante que capte onde o sujeito se subordina a ele, a ponto de por eleser subornado” (p. 599). Para que a interpretação tenha a condição de pro-duzir algo novo, a única via que temos é inscrevê-la na doutrina dosignificante, no efeito que tem o significante na produção do significado.Nesse ponto, Lacan recorda o trabalho de Freud com o homem dos ra-tos, no qual o deciframento das linhas de destino do sujeito não concerniamem nada ao Eu ou à presentificação no “aqui e agora” da relação dual, masa toda a história que antecede seu nascimento e que regulou o casamentode seus pais.

Lacan volta a interrogar o texto freudiano, dessa vez A interpretaçãodos sonhos, para perguntar o que é o desejo. Trabalhando em torno do so-nho da “bela açougueira”, atesta a relação do desejo com a linguagem, de-monstrando a presença dos mecanismos da metáfora e da metonímia notrabalho de elaboração onírica.

autônomo introduziria na análise uma espécie de valor estável, uma norma,um padrão para a medida do real. É como se este ego autônomo pudesseservir de medida para um “bom” acesso à realidade. Daí parte a identificaçãoao analista como direção apontada pelo tratamento, erro baseado na redu-ção da análise a uma relação dual.

O geneticismo é outro desvio da psicanálise mencionado por Lacanem seu escrito. Ele se fundamenta na procura de uma correspondência en-tre os mecanismos de defesa ligados ao eu e as fases da emergência dapulsão e sua técnica tem como base a análise dessas defesas. Nesse caso,também temos uma norma, um pattern, em relação ao qual o sujeito neces-sita se conformar.

Segundo Lacan, a teoria das relações de objeto, inaugurada porAbraham, representa outro aspecto de degradação da psicanálise. Essa te-oria logo mostrou seus riscos ao se degradar na dicotomia grosseira queopõe o caráter pré-genital ao genital, idealizando a forma genital de relaçãoao objeto. Essa idealização é apontada por Lacan como uma proposta denormalidade delirante, que transforma-se em um fardo para o sujeito, e quedesconsidera toda a produção de Freud em torno das barreiras e degrada-ções que caracterizam a vida amorosa mais banal e mesmo a mais realiza-da. Ele questiona: “Caberá a nós camuflar Eros, o Deus negro, de carneirinhodo Bom Pastor?” (p. 613).

A QUESTÃO DO SER E A POSIÇÃO DO ANALISTAExaminemos, agora, um segundo eixo de trabalho, em relação ao

escrito de Lacan – a questão do ser do analista. Logo no início do escrito,encontramos esta questão indicada com a crítica a afirmação de que “(...) oanalista cura menos pelo que diz e faz do que por aquilo que é” (p. 593). Énesse ponto que somos lembrados de que um analista tem que pagar, pelomenos de três formas:

– com palavras, na medida em que elas tem o efeito de interpretação;– com sua pessoa, na medida em que o analista a empresta aos

fenômenos da transferência;

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OS CAMINHOS DA CURA ANALÍTICA HOJEE como falar dos “caminhos da cura analítica hoje”, título deste traba-

lho? Quando fala da direção da cura, Lacan é categórico: “O psicanalistacertamente dirige o tratamento (...) não deve de modo algum dirigir o pacien-te. A direção de consciência, no sentido do guia moral que um fiel do catoli-cismo pode encontrar neste, acha-se aqui radicalmente excluída” (p. 592). Éa série significante daquele que escutamos que aponta o caminho e abre astrilhas que percorreremos ao longo de uma análise. Se nossa intervençãoimprime aí suas marcas, o passo seguinte é sempre dado pelo discurso doanalisante. Assim, pensar a direção da cura em nossa clínica contemporâ-nea remete à escuta do tecido discursivo que constitui o laço social na atu-alidade e o modo como um analista pode, aí, se instalar e intervir. Implicatambém pensar nossa posição transferencial em relação a esse laço, já queé a partir deste lugar que seremos demandados e que nossa interpretaçãoserá escutada.

Todas as críticas feitas por Lacan à psicanálise de sua época dizemrespeito a uma normatização que situa o ideal em certa posição, seja eleligado à idéia de realidade ou a uma modalidade de relação de objeto. Tome-mos essas questões para interrogar o seguinte: em que pontos estaria situ-ado o ideal que remete à promessa de felicidade, hoje, em nossa cultura?

Pensando nessa questão, ocorreu-me a seguinte situação. Na sema-na passada, um paciente adolescente entrou em meu consultório carregan-do um livro bastante curioso, intitulado Pai rico pai pobre. Ele senta e explicaque aquele era um best seller de uma série que já tinha mais alguns títulostraduzidos, como Filho rico, filho vencedor e Pai rico – o guia de investimen-tos. Comenta também que, mesmo que ainda estivesse nas páginas iniciaisdo livro, indicado por um colega de sua turma de ensino médio, já haviapercebido o quanto aquela leitura seria importante e útil para seu futuro. Olivro ensinava a ter uma melhor “inteligência financeira”, referindo que “(...)está em nossas mãos, a cada dia, a cada nota, decidir se vamos ser ricos,pobres ou classe média”. Segundo esse adolescente, o autor havia passadopela experiência de ter dois pais em sua vida, um rico, o outro pobre. Enume-

Nesse sonho, uma paciente de Freud quer oferecer um jantar, mas sódispõe de um pouco de salmão defumado. Pensa em fazer compras e lem-bra que é domingo de tarde. Tem a idéia de ligar a alguns fornecedores, maso telefone está com defeito. Dessa forma, necessita renunciar à vontade defazer o seu jantar.

O desejo de que se trata, nesse sonho, é o desejo de ter um desejoinsatisfeito, o qual é significado pelo desejo de caviar2. Assim, o significantecaviar expressa o mecanismo da metonímia, cujo efeito é produto da combi-nação de um termo com outro, já que esse significante simboliza o desejocomo inacessível. Já a metáfora é produzida pela substituição de umsignificante por outro significante. O desejo que substitui um desejo – nosonho o desejo de salmão defumado próprio da amiga que vem substituir odesejo de caviar da paciente – constitui a substituição que leva ao efeito demetáfora.

Lacan define, então, o desejo como “a metonímia da falta-a-ser” (p.629).

No final do escrito, Lacan enumera seis pontos3, os quais indicam suaconcepção da cura analítica. Se são importantes diretrizes para nosso tra-balho, cabe ressaltar a necessidade de não serem tomados como prescri-ções, pois, nesse caso, seríamos capturados imaginariamente pelos mes-mos e procederíamos a sua idealização.

2 Prato preferido da paciente, que, no sonho, é substituído pelo salmão, prato preferido desua amiga.3 Os seis pontos mencionados por Lacan são os seguintes: “1. Que a fala tem aqui todos ospoderes, os poderes especiais do tratamento; 2. Que estamos muito longe, pela regra, dedirigir o sujeito para a fala plena ou para o discurso coerente, mas que o deixamos livre parase experimentar nisso; 3. Que essa liberdade é o que ele tem mais dificuldade de tolerar; 4.Que a demanda é propriamente aquilo que se coloca entre parênteses na análise, estandoexcluída a hipótese de que o analista satisfaça a qualquer uma; 5. Que, não sendo colocadonenhum obstáculo à declaração do desejo, é para lá que o sujeito é dirigido e até canalizado;6. Que a resistência a essa declaração, em última instância, não pode ater-se aqui a nadaalém da incompatibilidade do desejo com a fala (p. 647).”

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SEÇÃO TEMÁTICA

O desejo, é verdade, desloca-se de objeto em objeto sem nenhumaorientação “natural”. Porém, o que ensina a psicanálise é que, devido ao fatode falar, o homem não tem acesso direto aos objetos e encontra sua satisfa-ção nas entrelinhas da cadeia significante, nas formações do inconsciente.O sujeito representa-se por um significante junto a um outro significante, oque não ocorre sem a queda de um objeto, o objeto a. O que se encontraexcluído é o acesso direto ao objeto. Assim, tanto na realidade psíquicaquanto na realidade social, na medida em que a castração está instalada,existem objetos que não podem ser adquiridos ou consumidos. Não interes-sa o que o sujeito faça – o seio como objeto a está para sempre perdido.

Nos dias de hoje, encontramos uma tentativa de positivação do obje-to, sob diversas formas. Mesmo que o sujeito hoje não seja perverso, estáimplicado em certa perversão social, pois acredita que toda a questão subje-tiva pode ser resolvida por um objeto, cuja posse garantiria o gozo.

Por exemplo, a medicalização tem colocado de forma muito eficaz apromessa de um objeto que poderia conduzir a uma situação de supostafelicidade. Podemos mudar nosso humor, regular nossa vida sexual, tudo deforma simples e objetiva – basta consumir o conteúdo de um frasco.

Se a teoria da relação de objeto nos oferecia a imagem de um paraísosexual, hoje, essa mesma promessa surge através da medicação, com oViagra, por exemplo, o qual tem levado muitas pessoas a um consumo com-pulsivo, com base no uso indiscriminado, sustentado pela promessa ideal.

Como intervir, enquanto analistas, ao sermos demandados no sentidode ofertar mais um objeto ao sujeito? Penso que essa é uma questão cen-tral, com a qual nos confrontamos diariamente na clínica cotidiana, e cujodesdobramento pode nos oferecer alguns caminhos no sentido de pensar oscaminhos que trilhamos na direção da cura analítica hoje.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHEMAMA, Roland. Elementos lacanianos para uma psicanálise no cotidiano.Porto Alegre, CMC Editora, 2002.

FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: Obras completas. Rio de

ra, então, uma série de situações e quais seriam os conselhos que cada umdesses pais – o rico e o pobre – daria em cada uma delas.

A seguir, relata uma cena, na qual ele e seu pai vão consultar ummédico endocrinologista, já que ambos sofrem de um grave quadro de obesi-dade, sintoma que remete ao consumo compulsivo e indiscriminado de ali-mentos. No pulso do médico, chama sua atenção um relógio muito caro, damelhor marca. No pulso do pai, um relógio muito parecido, porém falsificado,uma imitação barata. “Os dois relógios são exatamente iguais”, dizia ele.“Só que no do meu pai, faltam umas letrinhas”.

Nesse breve fragmento de uma sessão, escutamos a interrogação deum adolescente acerca do lugar do pai. O que se transmite de um pai a umfilho, na atualidade? A leitura de meu paciente oferece uma espécie de cari-catura daquilo que seria a realização da imagem de um ideal que permitiria olivre acesso a todos os objetos. Se o lugar paterno é aquele que pode trans-mitir ao sujeito uma falta, o laço social contemporâneo parece obstruir essapossibilidade ofertando uma variedade indiscriminada e amorfa de objetosque são consumidos de modo instantâneo e compulsivo. O consumo se dáno ritmo de um vídeo clipe, em que as imagens se sucedem instantanea-mente e são absorvidas de modo quase descartável. Lugar de gozo, queteria como único efeito distanciar o sujeito de uma posição desejante.

Retornemos ao escrito sobre a direção da cura. Ali, Lacan faz a se-guinte afirmação: “(...) o ser da linguagem é o não-ser dos objetos” (p. 634).Essa frase me parece interessante, pois permite pensar uma série de ques-tões. Remete ao que o social nos oferece, hoje: um mundo ordenado emtorno dos objetos de consumo e coloca a interrogação sobre o lugar quepossa restar aí ao desejo.

Roland Chemama (2002) interroga-se acerca do sujeito com o qual apsicanálise lida hoje em dia, no mundo da economia de mercado, em queum bem extrai seu valor ao poder se vender. Nesse nível, tudo pode sertrocado; tudo se equivale. Um consumo uniformizado acompanha uma pro-dução em massa e não se sabe mais diferenciar uma coisa de sua falsifica-ção.

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SEÇÃO TEMÁTICA

ALGUMAS QUESTÕES SOBREO TRABALHO DO PSICANALISTA

Marta Pedó

Estou interessada em abrir algumas questões para nosso trabalho. Aprimeira, a partir dos efeitos surpreendentes na clínica, sobre o queopera as mudanças. A segunda, sobre o trabalho que representa

sustentar a posição do analista. E a terceira é uma pergunta relativa aocotidiano – ou seja, do dispêndio de tempo e palavras, assim como do custofinanceiro ao analisando – a faceta concreta do trabalho na análise.

Começarei de trás para frente.Então, é verdade que a empreitada de uma análise, para alguém, vai-

lhe custar tempo, dinheiro, e não é sem sofrimento. Por que alguém escolhese analisar? A resposta mais simples é a de que um sujeito paga muito maispelo seu sintoma do que por sua análise1. Paga muito, sem, contudo, podermensurar ao que se apega, por não saber mais de que se defende, e que,afinal, é aquilo a que já está habituado. A rotina, o trajeto que já anda sozi-nho, traz o sentimento de eu. É possível reconhecer-se como “eu” nas pe-quenas coisas que compõem uma rotina.

Tanto é assim, que os momentos de conquista costumam ser malsuportados.

Um cliente iniciava sua sessão, dizendo: “Foi uma semana descartável”.Depois de falar algum tempo sobre um sentimento de vazio cotidiano, dá-seconta de que nessa semana descartável recebera a notícia de umapremiação... medalha de ouro... concurso internacional. “Como fui esque-cer? Aquele sentimento de vazio talvez diga respeito ao que pensei, de que

1 Melman, Charles. Questões da Clínica Psicanalítica. In: Clínica Psicanalítica. Salvador,Agalma, 2000.

PEDÓ, M. Algumas questões sobre...

Janeiro, Imago, 1987.LACAN, Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escri-

tos. Jorge Zahar, 2000.KIYOSAKI, Robert e LESTER Sharon. Pai Rico Pai Pobre, Editora Campus, 2000.ROUDINESCO, Elisabeth. Jacques Lacan – Esboço de uma vida, história de um

sistema de pensamento. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Vou retornar a Freud em Análise Terminável e Interminável, porque aliele usa uma expressão que quero explorar melhor. Ele diz que nos casos emque nos propomos a uma análise “até o fim”, é preciso se deixar levar pelametapsicologia da feiticeira So muss denn die Hexe drann.

Que bruxa é essa que devemos deixar entrar?É certo que a referência aqui é ao não totalmente estabelecido na

psicanálise.As tentativas de formular critérios únicos e transparentes na psicaná-

lise resultaram, na história do movimento psicanalítico internacional, noengessamento da práxis numa burocracia – uma confusão entre formalizaçãoe formalismo.

Lacan3 criticou severamente essa posição durante todo o seu ensino.Para ele, o critério é apenas um: a análise é o tratamento que se espera deum analista.

Um analista se define como uma posição que o analisante coloca emcena, posição que é sustentada por alguém.

Assim, se o sujeito está em relação transferencial com um analista éporque ele cedeu a esse analista o lugar que sua estrutura comporta – cedeuenquanto na análise.

Mas, então, poderia a bruxa, a feiticeira de que Freud fala, referir-se àpossibilidade de sustentar a posição de analista?

Sabemos que a posição do analista no tratamento é tal que – pelatransferência – sua fala ou seu silêncio não são quaisquer. O analisandorecebe a fala ou o silêncio de acordo com sua relação ao Outro. Ou seja,uma vez que se é colocado nesse lugar, é nele que se está, com tudo o quevem transferido pelo analisando.

Uma análise tem seu começo na relação transferencial – um sujeitosupõe que outro, o analista, sabe... Sabe sobre seu sofrimento, sabe sobrecomo ele é, sabe como as coisas devem andar para ele melhorar... Enfim,sabe.

3 Lacan, J. Variantes do Tratamento Padrão. In: Escritos . Rio de Janeiro, Zahar, 1998.

PEDÓ, M. Algumas questões sobre...

“depois disso, o que fazer?” Mas, fora das luzes da ribalta, como ele descre-ve, há o dia-a-dia, há um sem número de problemas e preocupações. E,curiosamente, há um alívio em dar-se conta de que o cotidiano, os problemi-nhas, as coisinhas a fazer ainda estão todas ali.

Quanto tempo deve durar uma análise? Em Análise Terminável e In-terminável, Freud2 fala sobre sua preocupação com os pacientes que pareci-am perder tempo, sem ir adiante. Num desses casos, ele propôs uma datade término. Ao final de um ano, o paciente, que conhecemos como o Ho-mem dos Lobos, encerrou sua análise com Freud. A experiência teve algunsbons resultados, mas outros nada interessantes. O sujeito retornou a seussintomas e teve de procurar outro analista, e, nessa análise, a repetição seencontrava ao redor da transferência mal elaborada com Freud.

Enfim, Freud faz a tentativa genuína de buscar a abreviação do tempode uma análise. Pensa ele que talvez houvesse a possibilidade de tratarmais depressa as pessoas que nos procuram para determinados problemas.

As tentativas de encurtar o trajeto (ou o sofrimento) de uma análisepor parte dos psicanalistas resultaram num híbrido que não podemos maischamar de psicanálise – pois a psicologia do ego claramente se distancia dapsicanálise ao propor o controle das moções inconscientes por parte do eu.

Freud, assim, embora se pergunte sobre a possibilidade de um trata-mento mais adequado às condições modernas de pouco tempo e nem tantodinheiro, junto do imperativo de ser feliz, logo deixa o assunto para outros, eseu interesse vai para as análises ditas didáticas, em que o que se deveriaesperar é o ponto de cura, a higiene do analista.

Para minha terceira pergunta, assim, a resposta é mais ou menossimples – há dispêndio, não se sabe quanto tempo leva, a abreviação não émais psicanálise naquilo em que ela se define, mas paga-se menos por umaanálise do que pelos sintomas.

2 Freud, S. Análise Terminável e Interminável (1937). In: Obras Completas. Rio de Janeiro,Imago.

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SEÇÃO TEMÁTICA

O esquema L:

a-a’ relação imagináriaA – S

O esquema L é como um sujeito estirado, numa formação do incons-ciente. Na relação do sujeito com o Outro (eixo S – A) se interpõe, por quenão dizer, se intromete, a relação a-a’ imaginária.

O mal-entendido da compreensão é o de supor que a projeção de S-Asobre a-a’ funcione. Assim estaria criada a idéia do analista-reflexo.

A relação imaginária se cria na análise, e todo o trabalho consiste empassar, a partir da análise e interpretação das formações do inconsciente, doeixo imaginário ao eixo simbólico. Isto com o que Lacan chama de engasteda transferência.

a – a´ é o fechamento do inconsciente; a – A é a colocação em ato.

S (Es) a´ (outro)

inconsciente (eu) a A (Outro)

Engaste da transferência (issopassa quando está fechado)5

S (es)

.a´(eu) a A

5 Esta configuração do esquema L encontra-se em Allouch, J. Letra a Letra. Rio de Janeiro,Cia de Freud, 1995. p. 228.

PEDÓ, M. Algumas questões sobre...

Os bruxos, os profetas, os padres... os psicanalistas – autoridades quesaberiam interpretar o que vem do desconhecido, do Unbewusste.

A mitologia, religiosa ou não, está repleta de exemplos desses que ser-vem para interpretar as coisas humanas. Num exemplo da mitologia religiosa,está José, o sonhador, décimo primeiro filho de Jacó. Conta a história que elefoi vendido como escravo pelos irmãos quando lhes fala de um sonho seu querevela seu lugar de predileto. José, então, escravo, faz tudo com tamanha per-feição que logo chega a uma posição de confiança da família a que pertence.Em dado momento, a senhoria pede que ele interprete um sonho seu; cons-trangido, José lhe pergunta: “E se o que eu lhe disser não lhe agradar?”Mesmo sem a interpretação, a senhoria se apaixona e tenta seduzi-lo. Joséresiste, e ela inverte a história – diz ao seu marido que José a assedia. Semalternativa, o senhorio manda José à prisão dos que esperam a morte. Lá,ele retoma seu “transformar tudo em ouro” e termina por interpretar o sonhodo faraó – conhecido como o das sete vacas gordas e sete vacas magras.

O que acontece na cena com a senhoria? José não interpreta, e elapõe em cena seu amor-ódio – um acting out. Apaixona-se, procura seduzi-lo, busca sua condenação – atua. Toda a cena, de novela, revela o quanto oimaginário é o que conta nas cenas repetidas (José já fora vendido comoescravo).

O amor e o agieren, diz Freud, fazem parte da relação transferencial.Um acting out demanda interpretação, mas é também o ponto de resistência.

Lacan4 vai dizer que a resistência é do analista em ocupar a posiçãode analista.

Para que haja análise numa análise, o analista não joga com seu Eu.O que quer dizer isso? Abstinência de ser.

Vamos ver com Lacan e o esquema L, no qual algumas posições sãosituadas.

4 Lacan, J. A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder. In: Escritos . Rio deJaneiro, Zahar, 1998.

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SEÇÃO TEMÁTICA

senta-se na única cadeira que há e espera. O sr. Olivaras não pergunta muitosobre o que o cliente quer, pois não é o mago que escolhe a varinha, mas avarinha que o escolhe. Trata-se de uma escolha forçada.

Como no momento da alienação do sujeito, há escolha, mas ela vemde outra cena.

A analogia com o momento da alienação subjetiva vai além, e o sr.Olivaras comenta ... “Curioso... curioso... Lembro-me de cada varinha quevendi, Sr. Potter. De cada uma. Acontece que a fênix cuja pena está na suavarinha produziu mais uma pena, apenas mais uma. É muito curioso que osenhor tenha sido destinado para esta varinha porque a irmã dela, ora, a irmãdela produziu a sua cicatriz... É realmente curioso como essas coisas acon-tecem. A varinha escolhe o bruxo, lembre-se... Acho que podemos esperargrandes feitos do senhor, Sr. Potter... Afinal, Aquele-Que-Não-Se-Deve-No-mear realizou grandes feitos, terríveis, mas grandes” .

Harry não tinha certeza se gostava do Sr. Olivaras. Pagou e saiu.A cena toda é muito analítica no sentido da confrontação de Harry

com aquilo que o determina. O sr. Olivaras, esse analista-mago de quem nãotemos certeza de gostar, apenas conduz a varinha a seu dono, enunciando,ainda, que há algo que é da responsabilidade de Harry – o que ele fará comtanto poder.

Não temos varinha mágica. Como operamos?Se, na posição transferencial, há um se deixar levar – pela feitiçaria,

como diz Freud – através da incerteza da cena transferencial em todas suasnuances (seja a novela em tons de comédia, drama, aventura, suspense,horror...), deve haver passagem à dimensão simbólica.

Há certamente efeitos surpreedentes no nosso trabalho. Estes têm,contudo, mais a ver com o trabalho do significante do que com a bruxa. Háuma pérola no humano que é a possibilidade de passar do plano do imaginá-rio ao simbólico. É o que acontece numa linguagem.

O equívoco inerente à metáfora opera de tal forma que é possível osurgimento de um sujeito onde antes era algo próximo de nada. O humano éo simbólico e é nele que está nosso trabalho.

PEDÓ, M. Algumas questões sobre...

No diagrama, o circuito está fechado (como na cibernética), a e Aestão em mesmo ponto, o que permite a passagem de A – S, que nosinteressa6.

A relação analítica deve permitir ao sujeito reconhecer-se, além doeixo imaginário, além da novela, além da ferida oferecida ao gozo, a relaçãosimbólica.

Então, a posição do analista ocupa um lugar cedido pelo sujeito noqual ele não joga com seu Eu. Um dispositivo para que o sujeito possa,dialogando com seu Outro, passar da relação imaginária à simbolização.

Que mágica faz isto – como se opera a passagem do imaginário aosimbólico?

Mágica há em Harry Potter7, a quem recorro para ilustrar nossa dis-cussão.

Há um tempo venho acompanhando as crianças em sua paixão porHarry Potter. Além de eu transitar por esse meio da infância, também fuifisgada pelo fenômeno, que me parece transmitir um certo otimismo – eleme parece apontar nosso desejo de uma saída para a sociedade de trouxasconsumistas.

Acho preciosa a crítica ao Duda, irmão trouxa de Harry, glutãozinhomimado, na cena em que Duda tem um acesso de ira com seus pais porquerecebeu apenas 36 presentes de aniversário; o mínimo era 37, como no anoanterior.

Junto com a crítica, há a magia do Beco Diagonal. Para quem não selembra, Harry vai com o gigante Hagrid fazer suas compras de material paraa escola de bruxaria de Hogwarts. Numa viela repleta de pequenas lojinhascurvilíneas ou espremidas no meio de outras, há a loja do senhor Olivaras,Artesãos de Varinhas de Qualidade desde 382 a. C. Uma lojinha esquisitaem que tudo aponta ao Unheimlich, a uma certa estranheza familiar. Harry

6 Lacan, J. Psicanálise e Cibernética. In: O Seminário, livro 2. – O Eu na Teoria de Freude na Técnica da Psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar, 1985.7 Rowling, J. K. Harry Potter e a Pedra Filosofal, Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

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SEÇÃO TEMÁTICA

A GREVE DO PSICANALISTA

Alfredo Jerusalinsky

Confesso que estou com sede e vacilava acerca de beber água noinício. Porque estou sob os efeitos de uma sugestão provocada emmim por um paciente neurótico obsessivo que, entre outros relatos,

contou que tem medo de falar em público. Esse medo começou uma vezque, estando como palestrante numa mesa, para acalmar seu nervosismo,bebeu muita água. Logicamente, o tomou de assalto uma vontade irrefreávelde fazer xixi. Segurou o quanto pôde, mas no momento dele falar teve que selevantar precipitadamente, sem tempo de dar explicação alguma. Por outrolado, ele diz: “que explicação eu ia dar?”. Deixou todo mundo surpreso. Vol-tou em poucos minutos e quando sentou todo mundo percebeu, não que eletivesse molhado as calças, a razão do seu impetuoso gesto e estourou umagargalhada geral. De modo que, então, não vou beber água.

Sem dúvida, estou sob os efeitos da sugestão de que o analista pade-ce na transferência. Isto quer dizer que o analista, pela posição que eleprecisa ocupar, vai sofrer, inevitavelmente, um efeito residual – no campo doreal – da transferência de seu paciente1. E disso, vale a pena estarmosadvertidos, não tem como se defender. Porque se o analista vier a se defen-der desse resto, que inevitavelmente virá a ter conseqüências, ele não pode-rá exercer sua posição analítica. Proponho demonstrar nesta breve exposi-ção que as coisas assim acontecem.

Em seguida que surge essa questão, o primeiro que associamos éque se o analista, de algum modo, fica exposto às conseqüências desseefeito residual, em algum ponto ele não consegue se subtrair à demanda.Então, imediatamente também, vamos buscar a razão pela qual Lacan, numa

1 S. Freud mesmo argumentou, como uma das razões para adotar o divã, a dificuldade desuportar durante o dia todo o olhar de seus pacientes vigiando seus movimentos e suagestualidade, sabendo ele da dilatação imaginária das significações que era atribuída aesses seus movimentos.

JERUSALINSKY, A. A greve do psicanalista.

Vou lembrar de um exemplo da Jornada do ano passado, trazido porMaria Lúcia Stein. Ela relatava o caso de uma moça que, enredada no con-sumo de cocaína, seguia análise com ela. Essa moça, adita ao pó branco,fala num determinado momento do pó de arroz da mãe, espalhado sem mui-ta organização junto com os outros produtos de maquilagem. A analistaaponta então a conjunção de pó – do pó da cocaína, a paciente passa ao póde arroz.

Se uma metáfora produz uma significação – nova ou não – é possívelpassar.

Fórmula da metáfora:

Pó branco pó

Pó pó de arroz feminilidade

De pó a pó de arroz, uma passagem possível

Essa passagem, que tem mais a cara de uma roda d’água de moinhoinsistente em pequenos passos do que de queda d’água de uma cascata,marca o trabalho continuado com pontos. Como numa costura feita a mão, opontilhado representaria tanto a continuidade quanto os intervalos.

O efeito para o sujeito é o de ver a marca, cada vez que há essapequena passagem, do equívoco, do arbitrário, do projetado virtual.

Isso, às vezes, parece mágica, mas comporta muito trabalho fazerperceber que se trata de um equívoco.

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SEÇÃO TEMÁTICA

masculina no amor é a do amante. Portanto, Aquiles está na posição femini-na. Ele não suporta perder aquilo que nele representa o falo – ser amado –,sem isso sua vida de nada vale. E não podendo suportar a perda do que nelerepresenta o falo é precisamente aí que a castração advém: pela impossibi-lidade de suportá-lo. Comenta Fedro, depois do episódio, no Banquete, queos deuses premiaram mais a Aquiles porque é, diz ele – e diz Platão, é claro–, sem dúvida de uma ordem de sacrifício maior que o amado arrisque a suavida – gesto heróico – do que o amante se ofereça para morrer. Porque aposição natural do amante é morrer de amor. Em contra partida, a posiçãodo amado é a de ser satisfeito pelo outro. Por isso que o gesto de se oferecerem sacrifício mostra uma generosidade, diz Platão, para além do humano.Trata-se aí de responder com a própria vida, pela ordem que o amante engen-drou, oferecendo o falo. Não está em jogo nesse caso reaver nenhum bem.Não se trata de explorar nenhuma vantagem. Fica claro que o amado respon-de com lealdade àquilo que o amante deu, embora – realmente – não otivesse: o falo. Lacan retoma isso quando diz que amar é dar o que não setem, ou seja, algo humano e para além do humano.

O exercício de reflexão que Lacan nos propõe ao redor de O Banque-te, nesse fragmento, não é meramente destinado a uma análise literária.Está, sobretudo, endereçado a problemática da relação amorosa que natransferência se estabelece. Qual será, então, das duas posições a que oanalista ocupa? Evidentemente, a do amado. Se assim é, então, e se aanálise trata de resgatar o fio que organiza a vida do paciente - é como Freuddiz: “para entrar no campo da psicanálise é necessário estar disposto adescer ao inferno” –, eis ali que aparece esse efeito residual incontornável, eprecisamente ali que se mede a verdadeira magnitude do sujeito em ques-tão. Lacan lembra que a tarefa na qual estamos embrenhados exige umapostura ética de tal cunho e de tal dimensão que é nela que se coloca,definitivamente, à prova a qualidade daquele a que a isso se arrisca.

O que um analista enquanto sujeito sacrifica? Três coisas: amor, gozoe saber. Renuncia a exercer, na cena analítica, o amor de transferência; ogozo, qualquer que seja sua modalização, ou seja, o gozo do outro; e o

JERUSALINSKY, A. A greve do psicanalista.

frase que se tornou famosa, nos diz que na posição do analista, no que dizrespeito às análises dos neuróticos – com psicóticos é outra história – énecessário dizer “não” à demanda. Na obra de Lacan isso está explícito umaúnica vez. Vejamos o peso que deve ter tido essa frase na virada do percursoda prática analítica para que dita só uma vez ela tivesse tanta repercussão,a ponto que esse princípio esteja presente em todos os analistas lacanianos.Essa frase encontra-se no Seminário XII, “Problemas Cruciais da Psicanáli-se”, na aula número dezoito, pronunciada em dezesseis de junho de 1965.Algo parecido, se bem não de um modo igualmente explícito, podemos en-contrar no Seminário VIII – “A Transferência” – na aula número quinze, quese intitula “Oral, Anal e Genital”, proferida em 22 de março de 1961. NoSeminário VIII, isso aparece de um modo indireto, através da análise queLacan propõe sobre o texto de Platão, “O Banquete”. Particularmente, serefere à parábola de Alceste e Aquiles, retomada por Eurípides em 438 ac epor Antífanes em 354 dc, em respectivas obras teatrais.

É graças principalmente a Eurípides que esse fragmento do texto dePlatão vem ao nosso interesse. O que o atualiza é que Lacan chama aten-ção sobre como nele transparece a diferença de posição na questão do amor– do amor de transferência, então – entre o amante e o amado. Lembra que,na parábola de Alceste e Aquiles, os deuses premiam muito mais a Aquilesdo que o fazem com Alceste. E cabe fazer notar que Alceste – ela é umamulher – está em posição de amante, e seu marido, de amado. E Aquilesestá em posição de amado, ou seja, em posição oposta a de Alceste, e seuparceiro – Patroclos – de amante. Eis aqui que Alceste, resumidamente, seoferece – ou seja, a amante se oferece – para morrer em lugar de seu mari-do. Em câmbio, Aquiles, que está em lugar de amado e não de amante, elenão se oferece para morrer. Mas sabendo que se ele matasse Héctor suamorte seria inevitável, e que se não o matasse sua vida seria poupada, esco-lhe matá-lo assim mesmo para vingar o martírio de seu amante Patroclos. Éinteressante porque nós sabemos que essa é a lógica do amor entre o mas-culino e o feminino, ou seja, tipicamente. Lacan nos diz – no Seminário “ATransferência que a posição feminina no amor é a do amado, e a posição

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SEÇÃO TEMÁTICA

inteligente e sensato, o par benfeitor, não o leva a outro lugar senão ao deconfirmar a utilidade de seu trabalho oblativo (de oferta) para ocultar o que elesupõe ser: um falo excrementício. Interpretar-lhe a altivez de seu pênis, coi-sa que fazem os analistas de cunho instintivista, interpretar-lhe, então, umpretenso excesso instintivo constitui uma equivocação do analista2. Se inter-pretarmos, no neurótico obsessivo, que a multiplicação incessante de suasmulheres está motivada por uma espécie de necessidade de plenitude defuncionamento de seu pênis, originada num excesso instintivo, ou seja, numavoracidade – estou falando do Kleinismo –, o único que se consegue comisso é deixá-lo a salvo, ou seja, lhe oferecer essa circunscrição de uma zonade limpeza, uma zona neutra, na qual ele pode exercer livremente seus ritu-ais, já que isso que lhe acontece nada tem a ver com a sua condição desujeito. É uma ordem outra – real – que causa isso. A estupidez do analista,neste caso, consiste em não fazer a greve de seu silêncio diante de seme-lhante demanda. Ofuscado, o analista, pelo suposto de um saber prévio, ficaimpedido de perceber o momento em que, no discurso do paciente, aparece,retornando, o pai que ele acaba de matar, reaparecido sob as vestes femini-nas de cada mulher completa, que ele monta e remonta incessantemente.Essa mulher, não barrada, que vem no lugar do pai morto – quando o paimesmo não atina aparecer – aparece no fantasma com a finalidade de lhedevolver sua integridade moral, sob a forma de uma intumescência impoten-te, ou bem seja sob a forma de uma potência avassaladora.

No primeiro caso, sob a forma de uma intumescência impotente, elese exprime no enunciado de “Eu não matei ninguém, vejam só o desfalecimentode minha pequena arma. Como que com isto eu vou conseguir fazer qualquercoisa? Sou inocente. O pai morreu, mas eu sou inocente”.

Sob o outro viés, o de sua potência avassaladora, ele diz: “Esse cadá-ver não sou eu. Veja na vitalidade de meu pênis: eu estou a salvo. Estou aqui

2 No Filme “Frida” o roteirista faz dizer a Diego Rivera que o médico – amigo – diagnosticouque ele, por um excesso de libido, não pode ser fiel. Frida, que não é boba, contesta : “Umdiagnóstico muito conveniente”.

JERUSALINSKY, A. A greve do psicanalista.

saber dele enquanto sujeito, ou seja, o saber que o defende de seu fantas-ma. Eis ali que se encontra o efeito residual, já que, renunciando a exercer osaber que o defende de seu fantasma, este, inevitavelmente, replicará sobreo real de si mesmo. E quando algum amigo, não analítico, me pergunta:“como é que fazem vocês para suportar o relato de tanta tragédia todos osdias?” Respondo: “É uma questão de treinamento”. Eu sei que estou mentin-do porque não há treinamento que baste. É uma mentira piedosa comigomesmo, porque a resposta deveria ser: “e quem diz para você que eu supor-to?” Claro que ali teria que começar a lhe contar as desventuras que naminha vida isso causa, e não é isso que ele me perguntou.

Este é o primeiro assunto que queria tratar. O segundo assunto: em“A Direção do Tratamento Psicanalítico”, Lacan sublinha que não é o pacien-te que deve dirigir a sua análise, senão o analista. Mas como o analista sabeo caminho para operar essa direção? Já que não se trata do saber pessoal,nem tampouco da construção de um amor, nem habilitação ou treinamentode um gozo, ou seja, não é “sexoterapia”. O sabe pela demanda de seupaciente, sendo que ele – o analista – está precisamente em função de nãosatisfazê-la. Por quê?

Vamos fazer uma análise rápida de porque na neurose obsessiva, nahisteria e na fobia é necessário não satisfazer à demanda.

Tratando-se do neurótico obsessivo, sua demanda consiste em que oanalista aceite a merda que ele lhe oferece como se fosse ouro. Estou para-fraseando Lacan: “não se enganem: o que os neuróticos obsessivos ofere-cem é merda”. O neurótico obsessivo nos explica com detalhe esse procedi-mento com a finalidade de colocar à prova sua habilidade para se auto-pre-servar como falo. Há nisso um sorrateiro desafio na medida em que ele seapresenta como um educado colaborador. Assim, a sua demanda é de queacedamos fazer o par da sua razoável ladainha; que colaboremos em manteruma zona neutra e limpa, higienizada permanentemente pela via do discur-so, ao redor da escondida sujeira em que aposta sua potência: um faloexcrementício em permanente esgrima contra esse grande outro não barrado.Ou seja, o pai morto que se nega a morrer: o pai de Hamlet. Fazer-lhe o par

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SEÇÃO TEMÁTICA

ele de modo absolutamente completo e idêntico, só com uma pequena dife-rença: cem anos atrás. O fóbico é tão sensível e tão permeável a esse diag-nóstico porque vem alguém lhe dizer que aí tem um real (vem aceder a suademanda), e sua vida tem que se organizar em torno desse real, ou seja,isso é que vai lhe fazer função paterna. Então, o fóbico começa a viver orga-nizando sua vida em torno desse sintoma de angústia real. Os terapeutascostumam, então, dar uma série de recomendações para ir domesticandoseu sintoma que não termina nunca, porque como sua fonte é outra - é odesfalecimento do nome do pai, ou seja, a intumescência do ponto que, nacadeia significante, lhe permitiria reencontrar as significações de sua vida –é ali que ele se perde, e desmaia, ali que ele cai, ali que ele se sente cair nomeio da rua. A medicação na síndrome de pânico é eficaz até o primeiro ano,nos primeiros meses, e, depois, os recebemos em análise, medicados. En-fim, nada contra o chiclete. As novas medicações – nem todas – têm estecunho: algumas nos ajudam a analisar. Mas nesse caso me parece quefazem obstáculo, justamente porque cedem à demanda no ponto crítico.

Então, o analista teria que convocar, no que diz respeito à síndromede pânico, uma greve de psiquiatria. Claro que ali a psiquiatria entraria empânico e demandaria um real, e em seguida apareceria alguém disposto asê-lo. Seguramente algum laboratório farmacológico.

Na primeira época de Lacan, a cura apontava, segundo sua indicação,na possibilidade de dar consistência ao Nome do pai. Na segunda época –acho que podemos distinguir três, embora habitualmente se distingam duas– a cura consistia em dar prevalência ao simbólico. E na terceira, o real, osimbólico e o imaginário entram como equivalentes na articulação do sujeito,e a direção da cura alterna nos barramentos necessários. Na neurose ob-sessiva é necessário barrar o simbólico. Na histeria, o imaginário. Na fobia, oreal. Trata-se do barramento do que, respectivamente, está em excesso.

Esquema:Neurose Obsessiva R S IHisteria R S IFobia R S I

JERUSALINSKY, A. A greve do psicanalista.

com toda a potência para cumprir a missão – o imperativo de gozo do outro– a missão que o pai me encomendou, ou seja, matá-lo e ficar com suamulher”. Mas de que morto se trata? A interpretação é exatamente estaúltima: de que morto se trata, e não de insistirmos em nenhum excessoinstintivo. Pela via do Eu, ao neurótico obsessivo, que eu saiba, a ninguémocorreu jamais que se tratava de “reforçá-lo”, porque ele já o tem em exces-so. Nem aos psicanalistas do Eu ocorreu semelhante coisa. Em todo caso,o que lhes ocorreu foi “debilitá-lo”. Trata-se, em termos Lacanianos, de barraro Eu, ou seja, barrar o sujeito do enunciado e não o da enunciação.

Que nos demanda o histérico? O fato de a psicanálise ter se origina-do na descoberta do inconsciente através da neurose histérica na mulher,gerou, para os analistas, um modelo prototípico de referência à histeria nofeminino, por isso custa para nós analistas nos referir ao histérico. Mascomo as mulheres estão em alta, então, melhor se cuidar. Que nos deman-da o histérico? A confirmação de seu semblante. Enquanto o neurótico ob-sessivo acredita ser o semblante, o histérico sofre por não ser. E por isso olambuza o tempo todo. O mascara. O que demanda o histérico na análise éque lhe confirmemos seu semblante. Quer dizer, que sejamos babacas, ouseja, que nos deixemos enganar. Que lhe certifiquemos que ele pode sevaler de seu semblante para fazer acreditar ao outro que ele é isso. Essa é arazão pela qual não podemos aceder à demanda. Não pelo o cuidado de nãosermos babacas, que de qualquer modo precisamos sê-lo, senão que nãopodemos aceder a lhe confirmar que ele é o que não é. Porque esse é o meiopelo qual ele evita a castração.

O que demanda o fóbico? Um real, um objeto real, uma operação real,um ato que instale o nome do pai no pedestal e no nível de consistência e dereverência que lhe faltou. É por isso que o fóbico é tão sensível e tão perme-ável ao diagnóstico de síndrome de pânico, que como nós bem sabemos,não é mais que a fobia ou, na sua forma prévia, a neurose de angústia. Essequadro não foi descoberto agora. A imposição do nome “síndrome de pânico”se produz para agrupar sobre sua égide um conjunto de sintomas corporaisque são o que Freud chamava de angústia real e que estão enumerados por

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SEÇÃO DEBATES

Lacan, na seqüência das proposições freudianas, denominou de psi-canálise em extensão aquela prática que se estende para além dos limitesdo setting analítico, âmbito da psicanálise em intenção. Entre ambas, umconceito se impõe como articulador para o trabalho do psicanalista: o sinto-ma.

Se para Freud “sintoma” é um resto sobrevivente de sua formaçãomédica, desde Lacan estamos habituados a conjuga-lo também no coleti-vo, como sintoma social. A inspiração de Lacan, como é bem sabido, émarxiana. A formulação é de peso: Marx foi o inventor do sintoma. Istoporque, explica Lacan no seminário RSI, Marx produziu um saber sobre aforma de gozo impressa pela estrutura do capitalismo. A esta forma degozo, sintoma social, o filósofo-economista denominou “mais valia”. Lacanre-nomeia como “mais de gozar”, ficando o “mais” por conta de tratar-se deum acréscimo ao real infringido pela inscrição do simbólico. O “mais degozar” é, assim, uma extensão no registro simbólico dos impossíveis daestrutura. Enquanto sintoma que diz de uma estrutura, é o registro simbóli-co que repete o buraco real; é aquilo que, na estrutura, não cessa de seescrever.

A influência do pensamento marxiano sobre a obra de Lacan nãopara por aí. Valeria todo um livro – que falta a ser escrito – a pesquisa emtorno deste tema. No momento, contudo, meu interesse situa-se à mar-gem: gostaria de interrogar os restos da ideologia/utopia marxista, mais doque propriamente do pensamento marxiano, que vem em acréscimo à incor-poração na psicanálise de alguns de seus conceitos. Restos em relaçãoaos quais a alienação (para valer-me de outro destes conceitos que seriainteressante de se interrogar sobre a apropriação pelo campo analítico) aodiscurso impede que possamos avaliar criticamente o bem fundado, ou não,de seu recurso. Seria ele sintoma?

Situarei apenas dois pontos de crítica (e auto-crítica), a trabalhar:Primeiro: o recurso lacaniano a um tempo histórico – que inevitavel-

mente situa uma teleologia – para situar diferenças na posição do sujeito.Modernidade e pós-modernidade, o afamado “sujeito moderno”, estabele-

POLI, M. C. Mal-estar na psicanálise...

MAL-ESTAR NA PSICANÁLISE:SINTOMA MARXISTA?

Maria Cristina Poli

Quando, em 1929, Freud escreveu Mal-estar na civilização, suas pre-ocupações com os destinos da cultura vinham de par com a espe-rança de que um dia a psicanálise pudesse ter alguma serventia

neste domínio. Ele não sabia muito bem como, sendo o mais difícil conceberum trabalho de transferência que abarcasse uma coletividade. Porém, pare-cia-lhe que os analistas podiam ajudar também os grupos humanos a lidarcom os impossíveis que compõem as suas diferentes formas de organiza-ção.

Muitas destas formulações freudianas foram motivadas pela sua ex-periência pessoal com grupos. O texto “Psicologia das massas e análise doeu”, por exemplo, como assinala Lacan no seminário 8, seria impensávelsem as inquietações do fundador da psicanálise com a condução da Interna-cional Psicanalítica. As preocupações políticas de Freud, digamos assim,se situam na encruzilhada entre política pública – a geopolítica do mundo –e política psicanalítica, interna às instituições psicanalíticas.

Há, pois, um mal-estar compartilhado, sendo o discurso analítico –isto é, aquele que se espera que uma instituição psicanalítica sustente epromova – permeado pelos restos da geopolítica. Trata-se de uma alienaçãocompartilhada. O que não é necessariamente um problema: é um fato deestrutura. Pode-se reconhecer que, neste sentido, mais do que intérpretesdos determinantes inconscientes que dirigem o mundo, os psicanalistas pro-duzem a realidade; a ficção psicanalítica é co-autora do mundo. O problemaadvém quando esta interpretação impõe-se como solução, isto é, quando osanalistas pensamos poder resolver, com nossa versão, o mal que assola omundo.

Mal-estar na psicanálise, portanto.

***

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cendo um corte histórico que, diferentemente da proposição universalistafreudiana, inclui no inconsciente uma lógica temporal pautada por um antese um depois de sua invenção. Os ideais, por outro lado, ficando situados naatemporalidade própria ao arrazoado humanista, demonstram o caráter utó-pico de tal argumentação. Como efeito temos o capturante sentido do res-sentimento (res-sentido) com o que de “novo” se possa produzir.

Segundo: a politização do discurso analítico que, renunciando à im-parcialidade higienista de uma certa psicologia, acaba por reencontrá-lapela confusão que promove entre desejo, gozo e demanda. Tal é o efeito,sobretudo, da interpretação dirigida ao objeto que termina antes por produ-zi-lo no lugar da escuta do significante. Ou, ainda, da crítica ao narcisismoindividualista prêt-à-porter. A proposição denegada, nesta envergadura àesquerda do discurso psicanalítico, é a de uma padronização ideal na eco-nomia de gozo estipulada por sobre a regulamentação compartilhada de um“bom uso do fantasma”.

Estes “pontos críticos” me foram evocados pelo ensino de dois psica-nalistas, principalmente: Jean Allouch e Markus Zafiropoulos. O primeiro,indagando sobre a paulatina “etificação” da psicanálise que implica na to-mada de posição moral dos psicanalistas sobre modalidades de gozo, pro-punha uma correção de Lacan pela leitura de Foucault. A questão principalestando situada na crítica à forma de incorporação da História nos desen-volvimentos da psicanálise lacaniana. Acrescentamos a nosso risco que aarqueologia foucaultiana poderia permitir a re-apropriação da História pelodiscurso psicanalítico enquanto questão dirigida ao lugar de sua produção,isto é, as condições de enunciação de uma proposição histórica quebrandocom a noção teleológica de herança hegeliano-marxista.

Já Zafiropoulos, partindo da mesma interrogação, indicava a herançamarxista de psicanalistas que se colocam na defesa do “pai simbólico” co-adunando-o ao bem público por oposição, implícita, ao que seria um malprivado. Podemos talvez reconhecer nossas críticas ao narcisismo e aoindividualismo – ou ao liberalismo econômico de modo geral – comopermeados por estas concepções. O que aponta, me parece, a uma neces-

sidade imperiosa de retomarmos em psicanálise as concepções de gozo,desejo e demanda – enquanto diferentes registros, não-excludentes, da fal-ta, do signifi-cante e do objeto – de forma a situar a posição ética do discur-so analítico, para além de nossas simpatias e antipatias políticas.

Trago estas considerações como indicadores críticos de leitura. Aserem considerados ou contestados.

POLI, M. C. Mal-estar na psicanálise...

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feitos artísticos, ambas ilustram bem a questão das conseqüências da fragi-lidade nos vínculos parentais, a qual exploraremos no presente artigo.

Ao nos remetermos ao estudo da filiação em psicanálise, retomamosFreud em Totem e tabu (1913). Nesse texto, o autor ressalta a função do paienquanto interditor do desejo natural do incesto. O mito fala do pai primitivoque teria afastado os filhos da sua horda para que estes não tivessem rela-ções sexuais com as próprias mães e irmãs. Mais tarde, os mesmos filhosmatam o pai “tirano”. No entanto, sua lembrança continua a impedir que asmesmas relações, antes proibidas pelo pai morto, possam se realizar. Aomesmo tempo que marca a proibição do incesto, o mito do parricídiorememorado possibilita que os relacionamentos fraternais possam ter inícionas civilizações primitivas. A Lei foi assimilada e transmitida de geração emgeração, permitindo que os pais pudessem sobreviver juntamente com osfilhos. Estes últimos estariam livres e buscando naturalmente outras mulhe-res. O pai é interditor (da mãe) e libertador (do filho), pois possibilita queseus descendentes busquem outros objetos amorosos.

Aprofundando essas questões, a obra lacaniana desenvolve entre ou-tros o conceito de Nome-do-pai. Faria (1998)2 explora a função mediadoraque tem o pai diante da relação da mãe com a criança. Coloca que “...aintervenção do pai terá incidência tanto sobre a criança como sobre a mãe”(p. 56). O significante Nome-do-pai, no que se refere à triangulação edípica,diz respeito à marca do pai simbólico, enquanto lugar da Lei, incidindo sobreo próprio desejo, ou seja, a lembrança da existência do pai impede a realiza-ção do desejo da criança de ter a mãe só para si. O pai torna-se representan-te da Lei, no sentido em que impede a união total entre mãe-filho. É umterceiro na relação.

Quanto ao conceito de filiação, entende-se que identifica a instânciasimbólica da paternidade: aquilo que remete à função que os pais ocupam

2 FARIA, Michele Roman (1998) Introdução à Psicanálise de Crianças – o lugar dos pais.São Paulo: Hacker Editores: Cespuc:FAPESP.

A QUESTÃO DA FILIAÇÃO NA CLÍNICAPSICANALÍTICA COM CRIANÇAS NO SERVIÇO PÚBLICO

Lisiane Cavalheiro Dutra1

Mary Shelley, esposa do poeta Percy Shelley, escreveu a novelaFrankenstein, no ano de 1817, quando tinha dezenove anos. Ainspiração surgiu da reunião de amigos nas noites de inverno, quan-

do contavam histórias amedrontadoras para passar o tempo. Certa noite,inventaram um concurso onde escolheriam, entre eles, o texto maisaterrorizante. Com esse objetivo, a jovem autora acabou por lançar o maiorclássico do gênero de terror, inspirador de filmes e seriados, bem como daimagem do monstro a que nos remetemos até hoje.

No texto aqui apresentado, faremos referência tanto à obra literáriaoriginal quanto ao filme que foi dirigido por Kenneth Branagh, que tambéminterpreta o criador do monstro. Um dos produtores dessa versão cinemato-gráfica foi Francis Ford Copola, e a mesma constitui-se da reprodução maispróxima do texto original.

A possibilidade de nos remetermos ao filme, assim como poderia limi-tar os detalhes da obra literária, também poderá enriquecer a experiência deterror com que o leitor se depara ao ver as imagens horrendas, anteriormentedescritas no livro, reproduzidas na tela. O rosto desfigurado do monstro esua imagem depressiva nos remetem a sua origem, pois o jovem VictorFrankenstein teria se utilizado de restos de cadáveres para montá-lo. Muitatragédia e suspense completam o enredo, tornando o filme denso e impactante.

Tanto a novela quanto sua reprodução cinematográfica tratam comcriatividade do desenlace desastroso que a ausência de filiação e a falta deinscrição paterna pode desencadear. Excluindo-se os excessos próprios dos

1 Acadêmica de psicologia da Unisinos.

DUTRA, L. C. A questão da família...

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SEÇÃO DEBATES

costura são realizados, pois o monstro tenta entender que tipo de relaçãoune aquelas pessoas, que linguagem é utilizada, que sons são emitidos eque significados comuns são atribuídos a essas atitudes. Algumas identifi-cações ocorrem pela primeira vez em sua existência. Ele percebe que oancião é cuidado pelos mais jovens e que há um sentimento que os mantêmunidos, mesmo diante das grandes dificuldades financeiras que enfrentam.Passa a acompanhar o dia-a-dia da família e, assim, a entender como aspessoas vivem. (Como um bebê, que a partir de sua mãe vai constituindosignificações para o que percebe ao seu redor).

Quando o monstro aparece para o avô, é descoberto por toda a famíliade camponeses, sendo imediatamente abandonado por eles. Seus “paisadotivos” não suportam a imagem deformada do desconhecido, até entãoimaginado como um “anjo da floresta”, pela ajuda secreta que prestava commantimentos que deixava na porta da casa da família.

Atualmente, no Estágio Profissional em Psicologia5, lidamos com cri-anças que nem sempre têm um nascimento desejado assim como umaexistência conforme com os direitos mínimos da infância. Não estamos fa-lando somente de condições econômicas. Referimo-nos aos cuidados dis-pensados pelas suas mães e nas condições de paternidade que inscrevamessas crianças no social. As configurações familiares com que nos depara-mos no serviço público nos estarrecem tanto quanto as imagens do filmeFrankenstein, com o agravante de que são realidades muito próximas, desujeitos que nos chegam com uma demanda de socorro. O que é possívelrealizar com pais e/ou responsáveis para que não criem pequenosFrankensteins?

A organização familiar precária que observamos nos casos atendidosno serviço público é a realidade mais comum de nossos pacientes. Sãofreqüentes as situações de abusos sexuais ou histórias incestuosas com as

5 Estágio curricular do curso de Psicologia da Unisinos – Universidade do Vale do Rio dosSinos, realizado no Serviço de Atendimento à Criança e ao Adolescente – SACA FrançoiseDolto, do D.S.M. da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo.

na vida dos filhos, por se autorizarem a realizá-la. Segundo Joel Dör (1991)3

“...por se desenvolver num nível prioritariamente simbólico, a filiação, do pon-to de vista de suas incidências próprias, é prevalente sobre a paternidadereal” (p.15). A função do pai está potencialmente aberta a todo “agente diplo-mático” da realidade, podendo estar até distinta do pai genitor, o que signifi-ca, segundo o mesmo autor, o quanto a entidade paterna depende da repre-sentação simbólica.

Ao falar sobre os significantes do pai, Françoise Dolto (1990)4 colocaque é desde a concepção até a idade de três anos que o pai adquire todo oseu valor para a criança, tendo papel fundamental para a sexualidade damesma, bem como para o orgulho de seu sexo. Além disso, menciona queé o momento em que “o pai não pode faltar na humanização do filho ou dafilha” (p.75). O pai e a mãe confirmam ou não o lugar que à criança é reco-nhecido na sociedade. Eles atestam sua dignidade narcísica, mais tardefundamental para o adolescente e o adulto que virá a ser.

No filme, a falta de amarras familiares e dos laços psíquicos e sociaisque estruturam um sujeito, traça o destino horrendo do monstro, interpretadopelo ator Robert De Niro. O “filho” é abandonado pelo “pai”, expulso para ossubúrbios de Genebra. Não sendo aceito na cidade, é empurrado para osconfins da civilização, pois passa a viver num dos pólos gelados da Terra.Anteriormente, faz algumas tentativas frustradas de ser aceito pelos sereshumanos, porém só encontra a frieza.

Em dado momento da história, a criatura de Frankenstein encontra-se com uma família de camponeses que tem para ele um papel importante.É ao espiar um casal, uma moça e seu avô, pelas frestas do chiqueiro deporcos onde passou a viver, que Frankenstein aprende a ler, a escrever e queinicia-se no que seria uma idéia de amor e de família. Ali, alguns pontos de

3 DÖR, Joel (1991) O Pai E Sua Função Em Psicanálise. Tradução Dulce Duque Estrada;revisão técnica, Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.4 DOLTO, Françoise (1990) Seminário de Psicanálise de Crianças 2 . Rio de Janeiro: EditoraGuanabara.

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SEÇÃO DEBATES

SILVA, Ieda Prates da (2002) “Vista Bonita” – A cerca dos entraves na direção doprocesso educacional. In: L. Lajonquière e M. Cristina Kupfer (org.). Anais doIII Colóquio do LEPSI (p. 246 a 250) – Instituto de Psicologia da Universidadede São Paulo.

WINNICOTT, Donald W. (1975). O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: ImagoEditora Ltda.

ZIMMERMANN, Vera B. (1998). A Contribuição da Psicanálise Diante das Dificul-dades de Aprendizagem . Revista Graphein. Centro de Pesquisa-SP. Ano I.Volume 1.

quais as crianças têm de conviver. Elas, muitas vezes, atestam sua saúdeao desenvolverem os sintomas que as levam ao tratamento, pois assim fa-zem uma tentativa de sair daquela situação, ou de se rebelar contra ela.

A escuta e atendimento aos familiares de pacientes é inerente aotrabalho com crianças e adolescentes. Nesse contexto, questionamo-nossobre a demanda dos pais de que o setor público assuma suas funçõesparentais e de filiação. Há uma pulverização dessas funções, o que osdesautoriza a serem pais no sentido simbólico e real.

Retomando o filme que utilizamos como ilustração, o monstroFrankenstein cobra aquilo que lhe foi negado e que seria, na conceituaçãopsicanalítica – e na nossa experiência –, a base na estruturação de umsujeito: vínculos familiares, figuras parentais reais e simbólicas. A direção dotrabalho clínico, portanto, vai no sentido de gerar reflexão junto aos paissobre a importância do seu papel perante os filhos. As intervenções buscamproduzir interrogações nesses pais e/ou familiares sobre seu lugar e as mar-cas simbólicas que precisam assumir junto aos filhos, a partir da retomadada sua própria história.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOLTO, Françoise (1990) Seminário de Psicanálise de Crianças 2 . Rio de Janei-ro: Editora Guanabara.

DÖR, Joel (1991) O Pai E Sua Função Em Psicanálise. Tradução Dulce DuqueEstrada; revisão técnica, Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: JorgeZahar Editor.

FARIA, Michele Roman (1998) Introdução à Psicanálise de Crianças – o lugar dospais. São Paulo: Hacker Editores: Cespuc: FAPESP.

FREUD, Sigmund. (1913-1914) Totem e tabu. In: Obras completas. Rio de Janei-ro: Imago, v. XIII.

LACAN, Jacques O Estádio do espelho. In: Cadernos de Lacan. Publicação Inter-na da APPOA. Porto Alegre.

LACAN, Jacques (1987) Os Complexos Familiares na Formação do Indivíduo.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

DUTRA, L. C. A questão da família...

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RESENHA RESENHA

tificações na adolescência; o texto de Lúcia Mees, que nos ilustra o modode conexão dos adolescentes – com os outros, com as drogas – através daexpressão “tá ligado?!”, faz pensar sobre o lugar do adolescente hoje. MariaCristina Felippi utiliza o personagem central de “Lavoura Arcaica” em suafuga de casa (e posterior retorno) para articular a condição de enunciação dosujeito no ir e vir da adolescência, em sua tentativa de constituir-se fora dacasa paterna.

Passamos aos trabalhos que tratam da adolescência e suas associ-ações a outras formas clínicas. O texto de François Pommier traça umparalelo, na clínica, entre a problemática adolescente e a dos pacientes aidé-ticos; Analice Palombini problematiza, através do acompanhamento terapêuticode pacientes psicóticos, do difícil trânsito do quarto à rua, do familiar aosocial. Didier Lauru traz o relato de momentos psicóticos de um paciente,propondo uma formulação sobre a questão destes momentos na adolescência.

No próximo “bloco”, podemos escutar o que dizem aqueles que traba-lham com adolescentes em instituições. Olivier Douville, a partir da experiên-cia clínica em centros de atendimento a adolescentes na França, propõepensar a fundação do lugar para o adolescente e suas interseções comparticularidades dos espaços por eles habitados. Siloé Rey, traz o relatoclínico de uma menina que, apesar de sua experiência de institucionalização,pôde viabilizar seu acesso à rua, construindo uma outra condição de circula-ção. Ângela Becker, através de exemplos clínicos, contribui para uma refle-xão sobre a questão da parentalidade e como ela opera no caso de adoles-centes institucionalizados.

Na seção Recordar, Repetir, Elaborar, encontramos um texto clássicoda história da psicopatologia, datado de 1929. Minkowsky conduz uma inte-ressante reflexão sobre a noção do tempo, oferecendo-nos um belo e cuida-doso ensaio que faz pensar sobre a relação dos adolescentes com o tempo.Ainda, é uma lição de bem escutar, considerando o quanto fragmentos daclínica o fazem questionar a psicopatologia de seu tempo.

Neste número da Revista encontramos uma entrevista coletiva, reali-zada aproveitando a ocasião do Colóquio “Adolescência e construção de

REVISTA DA APPOA Nº 23CLÍNICA DA ADOLESCÊNCIA

ARevista da APPOA nº 23, com o título“Clínica da Adolescência” vem nos pro-porcionar a retomada de um tema já tra-

balhado no número 11, concebido no momentoem que nos preparávamos para o Congresso“Adolescência: entre o passado e o futuro”. Pas-saram-se sete anos durante os quais nossasinterrogações sobre este peculiar momento davida seguiram em ebulição, aquecidas tanto pornossa escuta nos consultórios e/ou nas insti-tuições quanto pelas discussões na própriaAPPOA. Voltamos a nos dedicar a esse tema, desta vez com o ColóquioInternacional “Adolescência e Construção de Fronteiras”, ocorrido no final de2002. Assim, a partir do trabalho da APPOA ao longo do último ano, foielaborada uma Revista que une dois elementos que nos são muito caros: aclínica e a adolescência.

Proponho uma visita rápida, mas observadora, à Revista, fazendo umpercurso através de seu tema. Ela inicia com dois textos que tratam doconceito de adolescência: Ana Costa trabalha situando-o contempora-neamente, localizando o que denomina o “gap” da passagem do não sexuadoao sexuado, e nominando algumas expressões através das quais os adoles-centes se servem para fazer essa passagem. Diana Corso, em seguida – eno mesmo momento de nosso percurso – propõe uma gênese da adolescên-cia, constituída a partir dos textos freudianos. Retoma o caminho da consti-tuição do sujeito desde o Édipo, passando pela latência e pela puberdade,considerando sempre a incompletude dessas passagens, culminando nacrise adolescente.

Seguimos com elementos intrínsecos ao tema: o trabalho de CarmenBackes traz um caso clínico a partir do qual trabalha a construção das iden-

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60 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 113, maio 2003

RESENHA

60 61C. da APPOA, Porto Alegre, n. 113, maio 2003

AGENDA

Reunião da Comissão de Eventos

Reunião do Serviço de Atendimento ClínicoReunião da Mesa DiretivaReunião da Comissão do Correio da APPOAReunião da Comissão de AperiódicosReunião da Comissão de BibliotecaReunião da Mesa Diretiva Aberta aos mem-bros da APPOA

8h30min

20h30min21h20h30min8h30min20h15min21h

PRÓXIMO NÚMERO

PSICOSE E EDUCAÇÃO

MAIO – 2003

Dia Hora Local AtividadeSede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOA

05, 12,19 e 2606 e 200812 e 2609 e 2308 e 2222

fronteiras”. O leitor tem, então, acesso ao raro registro dessa conversa entreos integrantes da equipe do Le Bachelier – Instituto de Psicanálise da Ado-lescência – e os interlocutores da APPOA. A entrevista apresenta uma sín-tese do que tem sido discutido recentemente a propósito do tema, passandopor pontos como o fim da adolescência, a relação com os estados-limites esua conceituação, as referências teóricas que podem auxiliar no pensar so-bre a adolescência, a noção de clivagem, a clínica da adolescência.

Finalmente, temos um ensaio literário de Márcio Belloc, concebidonum contexto de trabalho clínico em saúde, e que de certo modo nos lembrado caráter de construção e ficção de que se trata o trabalho da clínica e daadolescência.

Marieta Rodrigues

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EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Revisor: Breno SerafiniImpressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.

Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Maria Ângela Brasil e Robson de Freitas Pereira

Integrantes: Ana Laura Giongo, Fernanda Breda, Gerson Smiech Pinho, Henriete Karam, Liz Nunes Ramos, Marcia Helena de Menezes Ribeiro,

Maria Lúcia Müller Stein, Rosane Palacci Santos e Rossana Oliva

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2001/2002

Presidência - Maria Ângela Brasil1a. Vice-Presidência - Lucia Serrano Pereira2o. Vice-Presidência - Jaime Alberto Betts

1a. Tesoureira - Grasiela Kraemer2a. Tesoureira - Simone Moschen Rickes

1a. Secretária - Carmen Backes2o. Secretário - Gerson Smiech Pinho

MESA DIRETIVAAlfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Maria Gageiro, Ana Maria Medeiros da Costa,

Analice Palombini, Ângela Lângaro Becker, Edson Luiz André de Sousa,Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora,

Liliane Froemming, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack,Marta Pedó e Robson de Freitas Pereira.

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

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N° 113 – ANO XN° 113 – ANO X MAIO – 2003

O TRABALHO DO PSICANALISTAO TRABALHO DO PSICANALISTA

S U M Á R I O

EDITORIAL 1NOTÍCIAS 3SEÇÃO TEMÁTICA 14SERÁ QUE AINDASERÁ QUE AINDAÉS ÉS PSICANÁLISE?PSICANÁLISE?Robson de Freitas PereiraRobson de Freitas Pereira 1515OS CAMINHOS DA CURAOS CAMINHOS DA CURAANALÍTICA HOJEANALÍTICA HOJEGerson Smiech PinhoGerson Smiech Pinho 2323ALGUMAS QUESTÕES SOBREALGUMAS QUESTÕES SOBREO TRABALHO DO PSICANALISTAO TRABALHO DO PSICANALISTAMarta PedóMarta Pedó 3333A GREVE DO PSICANALISTAA GREVE DO PSICANALISTAAlfredo JerusalinskyAlfredo Jerusalinsky 4141SEÇÃO DEBATES 48MAL-ESTAR NA PSICANÁLISE:MAL-ESTAR NA PSICANÁLISE:SINTOMA MARXISTA?SINTOMA MARXISTA?Maria Cristina PoliMaria Cristina Poli 4848A QUESTÃO DA FILIAÇÃOA QUESTÃO DA FILIAÇÃONA CLÍNICA PSICANALÍTICANA CLÍNICA PSICANALÍTICACOM CRIANÇAS NOCOM CRIANÇAS NOSERVIÇO PÚBLICOSERVIÇO PÚBLICOLisiane Cavalheiro DutraLisiane Cavalheiro Dutra 5252RESENHA 58“REVISTA DA APPOA N° 23“REVISTA DA APPOA N° 23CLÍNICA DA ADOLESCÊNCIA”CLÍNICA DA ADOLESCÊNCIA” 5858AGENDA 61