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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 177, mar. 2009. EDITORIAL R e-início de atividades institucionais. Retomada de projetos no ano em que APPOA completa vinte anos. Tempo de continui dade e renovação. Renovação necessária para que uma insti- tuição possa seguir em sua aposta de sustentar o vigor e o rigor do discurso psicanalítico. A seção temática deste mês é um exemplo de abrir espaço para ques- tões fundamentais da experiência e sua elaboração: “Escrita e psicanálise” é a segunda parte do trabalho iniciado com “Escritas da experiência”, em janeiro. No âmbito dos projetos, temos várias atividades que estão relaciona- das em nosso programa de ensino: a Jornada de Abertura, que trata do ciúme em suas articulações clínicas. Relendo Freud, que discutirá a leitura freudiana de “Memórias de um doente dos nervos”, de Daniel Paul Schreber. Discussão que será acompanhada, ao longo deste ano, pela releitura do seminário “As psicoses”, de Jacques Lacan. Texto princeps para uma clínica das psicoses e da clínica psicanalítica em geral. Temos também o Congres- so Internacional de Convergencia, em Buenos Aires, com o título “A experiên- cia da psicanálise. O sexual: inibição, corpo e sintoma”. Além disto, seguem os trabalhos do Instituto APPOA e nossas articulações com as iniciativas de políticas públicas, bem como as áreas da literatura e cinema entre outras. Este rápido e conciso painel, está aí para afirmar que a implementação de um projeto, que neste 2009 está completando vinte anos, não se faz sem este movimento de continuidade e renovação. Sem descuidar da consolida- ção institucional que está intimamente articulada com responsabilidade fren- te a Polis, aos associados e a comunidade analítica. No final deste mês, realizaremos nova assembléia de membros que terá como pauta a renovação da Mesa Diretiva. Nas vésperas de uma mu- dança, podemos constatar o crescimento da APPOA. Em número de asso- ciados, em publicações, no relacionamento com a cidade e nos efeitos de transmissão. O reconhecimento destes efeitos possibilita que possamos confiar na renovação, nas surpresas, na capacidade de superar obstáculos e percalços como parte de uma trajetória comunitária e crítica simultaneamente. Como dizia o compositor: “ São as águas de março fechando o verão, é a promessa de vida no teu coração”.

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Page 1: EDITORIAL R - appoa.com.br · PSICANÁLISE E MÚSICA Coordenação: Heloisa Marcon Quinta-feira, 19h, quinzenal. ... NEUROCIÊNCIAS, PSICANÁLISE E DESENVOL VIMENT O INF ANTIL Coordenação:

1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 177, mar. 2009.

EDITORIAL

Re-início de atividades institucionais. Retomada de projetos noano em que APPOA completa vinte anos. Tempo de continuidade e renovação. Renovação necessária para que uma insti-

tuição possa seguir em sua aposta de sustentar o vigor e o rigor do discursopsicanalítico.

A seção temática deste mês é um exemplo de abrir espaço para ques-tões fundamentais da experiência e sua elaboração: “Escrita e psicanálise”é a segunda parte do trabalho iniciado com “Escritas da experiência”, emjaneiro. No âmbito dos projetos, temos várias atividades que estão relaciona-das em nosso programa de ensino: a Jornada de Abertura, que trata dociúme em suas articulações clínicas. Relendo Freud, que discutirá a leiturafreudiana de “Memórias de um doente dos nervos”, de Daniel Paul Schreber.Discussão que será acompanhada, ao longo deste ano, pela releitura doseminário “As psicoses”, de Jacques Lacan. Texto princeps para uma clínicadas psicoses e da clínica psicanalítica em geral. Temos também o Congres-so Internacional de Convergencia, em Buenos Aires, com o título “A experiên-cia da psicanálise. O sexual: inibição, corpo e sintoma”. Além disto, seguemos trabalhos do Instituto APPOA e nossas articulações com as iniciativas depolíticas públicas, bem como as áreas da literatura e cinema entre outras.

Este rápido e conciso painel, está aí para afirmar que a implementaçãode um projeto, que neste 2009 está completando vinte anos, não se faz semeste movimento de continuidade e renovação. Sem descuidar da consolida-ção institucional que está intimamente articulada com responsabilidade fren-te a Polis, aos associados e a comunidade analítica.

No final deste mês, realizaremos nova assembléia de membros queterá como pauta a renovação da Mesa Diretiva. Nas vésperas de uma mu-dança, podemos constatar o crescimento da APPOA. Em número de asso-ciados, em publicações, no relacionamento com a cidade e nos efeitos detransmissão. O reconhecimento destes efeitos possibilita que possamosconfiar na renovação, nas surpresas, na capacidade de superar obstáculos epercalços como parte de uma trajetória comunitária e crítica simultaneamente.

Como dizia o compositor: “ São as águas de março fechando o verão,é a promessa de vida no teu coração”.

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NOTÍCIAS

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NOTÍCIAS

OS VINTE CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE LACANCoordenação: Alfredo JerusalinskyQuarta-feira, 20h30min, quinzenal (1 e 3 quartas-feiras do mês).

SEMINÁRIOS RSI E SINTHOMA: CONSTITUIÇÃO E CORTE DO NÓCoordenação: Adão CostaSegunda-feira, 10h, semanal.

A PSICANÁLISE NA CLÍNICA COM CRIANÇASCoordenação: Alfredo JerusalinskyBimensal, em Buenos Aires.

A PSICOSSOMÁTICA NA INTERDISCIPLINA E TRANSDISCIPLINACoordenação: Jaime BettsSábado, 10h, mensal, em Novo Hamburgo.

DE FREUD A LACAN – CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISECoordenação: Alfredo JerusalinskyBimensal, em Belém do Pará.

NOVAS BATALHAS ENTRE A PSICANÁLISE E O POSITIVISMOCoordenação: Alfredo Jerusalinsky Sábado, 9h, mensal, dias 21/3, 18/4, 16/05, 27/06, 15/08, 12/09, 17/10 e 14/11,em São Paulo.

GRUPOS TEMÁTICOS

A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITOCoordenação: Carmen BackesSexta-feira,10h30min, quinzenal.

ADOLESCÊNCIA, EXPERIÊNCIA E LAÇO SOCIALCoordenação: Roselene GurskiSexta-feira, 12h30min, quinzenal.

QUADRO DE ENSINO 2009

EIXO DE TRABALHO DO ANOENCONTROS DE ESTUDO DO SEMINÁRIO

“AS PSICOSES” DE JACQUES LACAN

Reuniões sistemáticas de trabalho, que acontecerão ao longo do ano,para estudo do Seminário “As Psicoses”. Esse estudo envolverá toda a ins-tituição, inspirando também seus eventos.

Coordenação: Eda Tavares, Maria Lúcia Müller Stein e Otávio NunesQuintas-feiras, 21h, reuniões quinzenais, gratuitas e abertas aos inte-

ressados.

* As atividades que seguem (seminários, grupos de estudos, núcleose oficinas) têm início previsto para o mês de março – com exceção daquelasnas quais consta outra data de início.

SEMINÁRIOS

A TOPOLOGIA NA CLÍNICA DA NEUROSE E DA PSICOSECoordenação: Ligia VíctoraSexta-feira, 18h15min, quinzenal.

CLÍNICA PSICANALÍTICA NA CONTEMPORANEIDADECoordenação: Rosane RamalhoSegunda-feira, 20h30min, mensal.

O DIVÃ E A TELACoordenação: Enéas de Souza e Robson de Freitas PereiraSexta-feira, 19h, mensal.

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NOTÍCIAS

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NOTÍCIAS

O BEBÊ E OS PROCESSOS DE ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA – DO LAÇOPARENTAL AO LAÇO SOCIALCoordenação: Ana Paula Melchiors Stahlschmidt e Mercês GhazziTerça-feira, 10h, quinzenal.Início em maio.

O SUJEITO NAS FRONTEIRAS: DIÁLOGOS POSSÍVEIS ENTRE ABORDAGENSPSICANALÍTICAS E BIOLOGIZANTESCoordenação: Marcelo Victor e Roselene GurskiSexta-feira, 12h30min, quinzenal.

PSICANÁLISE DE CRIANÇAS – FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOSCoordenação: Marta PedóSegunda-feira, 10h30min, quinzenal. PSICANÁLISE E ANTROPOLOGIACoordenação: Verónica Pérez Terça-feira, 18h30min, quinzenal.

PSICANÁLISE E MÚSICACoordenação: Heloisa MarconQuinta-feira, 19h, quinzenal.

TEMAS ATUAIS NA CLÍNICA DA ADOLESCÊNCIACoordenação: Sandra D.Torossian e Tatiane Reis ViannaSexta-feira, 16h, quinzenal.

ANALISAR UMA CRIANÇA: CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA E CLÍNICA DA INFÂNCIACoordenação: Mercês Ghazzi e Siloé ReySábado, 10h, quinzenal, em Osório.

ADOLESCÊNCIA: ENTRE A CLÍNICA, AS INSTITUIÇÕES E OS SINTOMAS SOCIAISCoordenação: Ângela Lângaro Becker e Ieda Prates da SilvaSábado, 10h, mensal, em Novo Hamburgo.

ADOLESCÊNCIA, VIOLÊNCIA E LEICoordenação: Marcia Menezes Ribeiro e Norton Cezar da Rosa Jr.Sexta-feira, 14h30min, mensal.

AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTECoordenação: Gerson Smiech PinhoSexta-feira, 16h15min, quinzenal.

CLÍNICA PSICANALÍTICA: ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAISCoordenação: Carmen BackesSexta-feira, 14h30min, quinzenal.

FREUD E LACAN: A CLÍNICA PSICANALÍTICA E O SUJEITO CONTEMPORÂNEOCoordenação: Maria Ângela Brasil e Eduardo Mendes RibeiroSegunda-feira, 10h30min, quinzenal.

HISTÓRIAS DA PSICANÁLISECoordenação: Ana Maria Gageiro e Maria Lúcia Müller SteinSegunda-feira, 18h15min, quinzenal.Início em abril

LIDERANÇA E PODER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA LEITURA PSICA-NALÍTICACoordenação: Rosana CoelhoQuarta-feira, 19h30min, quinzenal.

LITERATURA E PSICANÁLISECoordenação: Marieta Madeira RodriguesQuarta-feira, 14h30min, mensal (2 quarta-feira do mês).Início em abril.

NEUROCIÊNCIAS, PSICANÁLISE E DESENVOLVIMENTO INFANTILCoordenação: Fernanda da Silva Gonçalves e Simone Mädke BrennerQuinta-feira, 18h15min, mensal (1° quinta-feira do mês).

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NOTÍCIAS

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE O LIVRO LACAN E A FILOSOFIA, DE ALAINJURANVILLECoordenação: Aidê Ferreira Deconte e Sonia Mara Moreira OgibaTerça-feira, 18h, quinzenal.

MOMENTO DE LER: Seminário XV de LacanCoordenação: Maria Auxiliadora SudbrackData e horário a confirmar.

SEMINÁRIO I DE JACQUES LACAN - OS ESCRITOS TÉCNICOS DE FREUDCoordenação: Norton Cezar da Rosa JrSexta-feira, 10h, quinzenal.

SEMINÁRIO XXIV DE LACAN - “O NÃO SABIDO QUE SABE DE UMAEQUIVOCAÇÃO” OU “O INSUCESSO DO INCONSCIENTE É O AMOR”Coordenação: Maria Auxiliadora SudbrackQuinta-feira, 14h, quinzenal. GRUPO DE ESTUDOS SOBRE O SEMINÁRIO X - A ANGÚSTIA DE LACANCoordenação: Sidnei GoldbergQuarta-feira, 20h30min, quinzenal, em São Paulo.

O SEMINÁRIO III DE LACAN – AS PSICOSESCoordenação: Charles Elias LangQuinta-feira, 19h, semanal, em Maceió.

ATIVIDADES EM CONJUNTO COM O INSTITUTO APPOACLÍNICA, INTERVENÇÃO E PESQUISA EM PSICANÁLISE

SEMINÁRIOS

CLINICANDOCoordenação: Ana CostaQuarta-feira, 20h, mensal.

A PSICANÁLISE, A INFÂNCIA E AS INSTITUIÇÕESCoordenação: Ieda Prates da Silva e Larissa Costa B. SchererTerça-feira, 19h30min, quinzenal, em Novo Hamburgo.

AS ESTRUTURAS CLÍNICAS NA PSICANÁLISE LACANIANACoordenação: Marianne Stolzmann Mendes RibeiroData e horário a confirmar, em Novo Hamburgo.

CLÍNICA PSICANALÍTICA DAS PSICOSESCoordenação: Rosane RamalhoTerça-feira, 15h, quinzenal, no Rio de Janeiro.

COMO NASCE UM SUJEITO? A INFÂNCIA EM SEUS PRIMÓRDIOSCoordenação: Simone Mädke BrennerQuinta-feira, 19h30min, mensal, em Novo Hamburgo (2 quinta-feira do mês).

ESPECIFICIDADES DA CLÍNICA PSICANALÍTICA NO CAMPO DA SAÚDE MENTALCoordenação: Volnei DassolerQuarta-feira, 18h30min, quinzenal, em Santa Maria.

INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE – CONCEITOS FUNDAMENTAISCoordenação: Walter CruzSegunda-feira, 19h, quinzenal, em Parnaíba (Piauí).

PROBLEMAS DE CLÍNICA PSICANALÍTICACoordenação: Alfredo JerusalinskySábado, 17h30min, mensal, em São Paulo (3 sábado do mês).

GRUPOS TEXTUAIS

A IMAGEM INCONSCIENTE DO CORPO, DE FRANÇOISE DOLTOCoordenação: Simone Mädke BrennerQuinta-feira, 18h15min, mensal (3a quinta-feira do mês).

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NOTÍCIAS

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NÚCLEO DE PSICANÁLISE DE CRIANÇASSábado, 10h, reuniões mensais.Responsáveis: Alfredo Jerusalinsky, Beatriz Kauri dos Reis, Eda Tavares, IedaPrates da Silva, Gerson Pinho, Marta Pedó, Siloé Rey e Simone Moschen Rickes.

OFICINAS

OFICINA DE TOPOLOGIACoordenação: Ligia VíctoraSábado, 10h, semestral.

EXERCÍCIOS CLÍNICOS

Atividade marcada em função da proposição de algum membro da Instituição, eque ocorre aos sábados pela manhã.Datas: 25/04 e 07/11.

LETRA VIVA

Atividade proposta pela Comissão da Biblioteca, com leitura e discussão detrabalhos elaborados por colegas da APPOA. Acontecerá aos sábados pela ma-nhã, datas a confirmar.

PRINCIPAIS EVENTOS DO ANO

JORNADA DE ABERTURA – CIÚMESData: 4 de abrilLocal: Santander Cultural – Porto Alegre – RS.

REUNIÃO DOS DELEGADOS DAS ASSOCIAÇÕES DE CONVERGENCIA JUNTOAO COMITÊ DE ENLACE GERAL1 [1]Data: 6 e 7 de maioLocal: Buenos Aires

DESEJO E INSTITUIÇÃOCoordenação: Eduardo Mendes Ribeiro e Simone PaulonTerça-feira, 14h, quinzenal.Atividade vinculada ao Instituto de Psicologia da UFRGS.

SEMINÁRIO: A ÉTICA DA PSICANÁLISECoordenação: Maria Cristina Poli e Simone Moschen RickesQuarta-feira, 14h30min, quinzenal (1a e 3a quartas-feiras do mês).

GRUPOS TEMÁTICOS

A PRIMEIRA INFÂNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAISCoordenação: Inajara Erthal Amaral, Sandra Torossian e Gilson FirpoQuinta-feira, 14h, mensal (segunda quinta-feira do mês).

OS DISPOSITIVOS CLÍNICOS NAS SITUAÇÕES SOCIAIS CRÍTICASCoordenação: Jorge BroideSábado, 10h, mensal.

NÚCLEOS DE ESTUDO

NÚCLEO PASSAGENS – SUJEITO E CULTURAResponsáveis: Ana Costa, Edson Sousa e Lucia PereiraSEMINÁRIO – A FICÇÃO NA PSICANÁLISE: FREUD, LACAN E OS ESCRITORES. Coordenação: Lucia Serrano PereiraData e horário a confirmar, mensal, início no segundo semestre.

NÚCLEO DAS PSICOSESResponsáveis: Ester Trevisan, Maria Ângela Bulhões, Mário Corso, NilsonSibemberg e Rosane RamalhoAPRESENTAÇÃO DE PACIENTES (com Alfredo Jerusalinsky)Atividade a ser desenvolvida em conjunto com o Cais Mental CentroDatas e horários a confirmar.

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NOTÍCIAS

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NOTÍCIAS

PERCURSO EM PSICANÁLISE DE CRIANÇAS Seminário compartilhado com o Núcleo de Estudos Sigmund Freud

TURMA: IIIPrimeiro e segundo semestres: Metapsicologia do sujeito infantil I e II; Constitui-ção do sujeito psíquico de acordo com as diferentes escolas; Metapsicologia dosujeito infantil III e IV.

[1] A APPOA é associação fundadora de Convergencia - Movimento Lacaniano para aPsicanálise Freudiana, movimento que reúne 41 instituições de diferentes países (8 brasi-leiras) há dez anos.

IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE CONVERGENCIA: A EXPERIÊNCIA DAPSICANÁLISE. O SEXUAL: INIBIÇÃO, CORPO, SINTOMAData: 8, 9 e 10 de maioLocal: Faculdade de Direito, Universidade de Buenos Aires, Buenos Aires

RELENDO FREUD E CONVERSANDO SOBRE A APPOA –O CASO SCHREBER (1911)Data: 29, 30 e 31 de maioLocal: Hotel Laje de Pedra – Canela – RS.

JORNADA DO INSTITUTO APPOA – PSICANÁLISE E INTERVENÇÕES SOCIAISData: 27 de junhoLocal: APPOA

JORNADA DO PERCURSO DE ESCOLAData: 8 de agostoLocal: APPOA

JORNADA DO PERCURSO DE PSICANÁLISE DE CRIANÇASData: 12 de setembroLocal: APPOA

JORNADA CLÍNICAData: 17 e 18 de outubroLocal: Centro de Eventos Plaza São Rafael

PERCURSO DE ESCOLATURMA: IXQuinto semestre: TransferênciaSexto semestre: Temas cruciais da psicanálise; história e formação

TURMA:XPrimeiro semestre: O inconscienteSegundo semestre: Édipo e castração

JORNADA DE ABERTURA 2009CIÚMES

Dia: 04 de abril de 2009Local: Santander CulturalEndereço: Rua Siqueira Campos, 1025 – Porto Alegre/RS - Brasil

Será o ciúme inerente ao humano?Freud respondeu que há um tipo de ciúme normal, o qual acompanha o

sujeito desde a rivalidade entre os irmãos, até o ciúme do amor entre os pais.Na outra ponta, entretanto, diz-nos Freud, há outra espécie: a loucura de

ciúme, formação delirante, acompanhada da convicção inabalável da traiçãodo outro.

No campo intermediário entre o ciúme comum e a loucura se descortinaum campo a mapear: o amor vem sempre acompanhado do desejo de possuiro objeto? O ciúme é a demonstração de tal anseio de posse? Serão as mulheresmais ciumentas que os homens? Quando o ciúme se torna sintoma? Há umciúme tipicamente masculino e um feminino?

O que se pode afirmar é que o ciúme flerta com a totalidade: a encontrada

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NOTÍCIAS

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NOTÍCIAS

na certeza delirante da loucura, a pretendida pelo ciumento(a) que quer tudosaber sobre o desejo do outro, ou ainda, a totalidade da idealização do objetoque o sujeito teme perder para um outro.

Na busca do domínio do objeto de amor e desejo, o ciumento éatormentado pela dúvida, o que a literatura tão bem demonstra, por exemplo,com Machado de Assis e sua enigmática Capitu. Dom Casmurro é a expressãoda dúvida do ciumento, só esclarecida na composição de uma teoria que podechegar a ser delirante.

PROGRAMA

9h30minAbertura

Lucia Serrano PereiraPresidente da APPOA

Ciúmes, eu?Maria Ângela Brasil

Do ciúme à inveja. Danos do amarMarcia Helena Ribeiro

14h30minDelírio de ciúmeNilson Sibemberg

Sobre os tipos de ciúmeLúcia Mees

EncerramentoCoordenação do Eixo de Trabalho do Ano.

INSCRIÇÕES E INFORMAÇÕESNO SITE OU NA SECRETARIA DA APPOA

Antecipadas, Após ouaté 21/03/09 no local

Associados R$ 60,00 R$ 70,00Estudantes R$ 70,00 R$ 80,00Profissionais R$ 80,00 R$ 90,00

Informações e inscrições:- Sede da APPOA- Horário de funcionamento da Secretaria da APPOA: De segunda à quinta-feira,das 13h30min às 21h30min e as sextas-feiras, das 13h30min às 20h. - Inscrições mediante depósito bancário para o Banco Banrisul: agência: 0032,conta-corrente: 06.039893.0-4 ou Banco Itaú, agência: 0604, conta-corrente:32910-2. Neste caso, enviar, por fax, o comprovante de pagamento devidamentepreenchido para a inscrição ser efetivada.- Estudantes de Graduação deverão apresentar comprovante de matrícula emcurso superior.- Inscrições pelo site: www.appoa.com.br, após efetuar a inscrição pelo site,enviar por fax ou email o comprovante de pagamento devidamente preenchido.- As vagas são limitadas.

ASSEMBLÉIA DA APPOA

Lembramos aos membros da Associação Psicanalítica de Porto Alegreque a Assembléia Geral de renovação da Mesa Diretiva será realizada nopróximo dia 03 de abril de 2009, na sede, em horário a ser definido.

A convocatória e a pauta da assembléia serão encaminhadas porcorrespondência oportunamente.

Trata-se de um momento muito importante da vida associativa e aparticipação dos membros neste trabalho da instituição é fundamental.

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15C. da APPOA, Porto Alegre, n. 177, mar. 2009.14 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 177, mar. 2009.

SEÇÃO TEMÁTICA

“que desde sempre foi reconhecido na Literatura e, principalmente na poe-sia, a saber, que palavras e cadeias de palavras podem se desfazer e serefazer em outras palavras e em outras cadeias.”

Sabemos que atravessar a leitura de Lacan é mesmo uma experiên-cia, uma experiência que pede companhia – de outros autores, de outrostextos, de uma escuta, dos pares – e nesta medida nos desafia na direçãodo projeto delineado por Lucy Linhares: a “articulação entre convivência ealteridade, na perspectiva daquela fraternidade discreta” referida no texto em“Agressividade em Psicanálise”.

Convidamos aos leitores que, assim inspirados em Willian Gaddis,deixem falar os textos numa bricolagem que permita desdobrar as questõesque a temática da escrita lhes suscita. Boa leitura.

Maria Cristina Poli e Simone Rickes.

A sessão temática deste número dá seguimento à discussãoiniciada no correio anterior sobre a “Escrita da experiência”.Como os textos dão a ver, múltiplas são as entradas possíveis

neste campo e diversas são as conseqüências para a Psicanálise de umatravessamento das questões que a reflexão sobre a escrita enseja.

O romancista William Gaddis, lembrado por Valéria Brisolara, “emuma de suas raras aparições públicas, para receber o importante AmericanBook Award, surpreendeu a todos aqueles que se aglomeravam para ouvirsua inesperada fala. Fiel a seu princípio, não falou. Deixou que suas obrasfalassem por si mesmas. Tirou do bolso uma pilha de folhas amarrotadas, asordenou calmamente, e leu trechos sublinhados”. Sua postura queria interrogara suposição de domínio de quem escreve sobre aquilo que está escrito. Ao sedeixar falar pelos textos, denunciava a sua peculiar inclusão no ato de escrita.

Seu ato/indagação ressoa em nosso campo, reverbera como umaquestão que se desdobra na direção da inclusão do analista na travessia datransferência que está disposto a acolher. Como lembra Ana Costa, “a expe-riência da clínica psicanalítica nos atesta que aquele que vai consultar umanalista está colocado na posição de precisar construir um leitor, que possaser incluído no endereçamento de sua letra, que, antes de tudo, é pulsional.Toda experiência – inclusive a transmissão da psicanálise – se inscreve numalógica temporal”.

“O empenho por incluir o sujeito instala um tempo de espera: umtempo de espera dos efeitos da linguagem,” tempo esse trabalhado por Milán-Ramos que nos lembra o quanto a “(...) linguagem teórica lacaniana contémesse germe. O estilo lacaniano mostra a entrada no desfiladeiro de umaexperiência de subjetivação: por via muito específicas ele franqueia a passa-gem do leitor para que uma experiência de subjetivação possa vir a aconte-cer.” Talvez tenha sido esta inclinação, que o texto lacaniano toma, no intuitode produzir efeitos de inclusão no leitor, uma das razões de sua paixão porJoyce. Claudia Lemos nos conduz pelos caminhos desta paixão:

“Lacan se próxima de Joyce ao fazer uso desse modo de estar nalíngua que fez corresponder a lalingua.” Seu fazer de escritor atualiza aquilo

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17C. da APPOA, Porto Alegre, n. 177, mar. 2009.16 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 177, mar. 2009.

SEÇÃO TEMÁTICA

psicanálise. Da mesma maneira que tantas outras similares, essa expres-são foi trazida por Lacan de outro campo, como algo que poderia fazer avan-çar na apresentação da clínica. No entanto, lendo todas essas produções decolegas com suficiente percurso conceitual e clínico, têm-se a impressãoque essa “importação” trouxe algumas confusões. Como centro da dificulda-de se coloca a impossibilidade de precisar a diferenciação entre letra esignificante, ampliando-se também para a questão do objeto.

Uma pergunta se impõe: se essas dificuldades se apresentam comtanta freqüência na teorização lacaniana, por que tomá-la para trabalhar aclínica? Na verdade, esta é uma falsa questão. Pode-se constatar que desdeos primórdios da fundação do campo analítico qualquer abordagem para de-finição desta clínica traz dificuldades. Estas fazem parte do próprio objeto aser definido. Freud aproximou-se disso com o conceito de resistência, di-zendo que, assim como os pacientes numa cura, a comunidade intelectualresistia às proposições teóricas da psicanálise. O que significava que resis-tiam a aceitar essas proposições por se reconhecerem nelas. Não precisoenumerar as críticas lançadas às colocações freudianas. Ainda que não com-partilhe dessas colocações, elas ressoam como uma forma de apresentaras dificuldades específicas ao campo. Tratarei de destacar outros elementosque penso estarem implicados em cada produção, e que trazem suas dificul-dades: a transferência e a lógica temporal. A clínica não se apresenta damesma maneira conforme o desdobrar destes termos nos diferentes percur-sos e tempos. Nesse sentido é preciso romper com a inclinação pela buscade uma essência, sempre presente em nossa forma de pensar. Toda experi-ência – inclusive a transmissão da psicanálise – se inscreve numa lógicatemporal. Essa lógica implica numa organização complexa, de onde deriva oassinalamento de que a clínica é movimento.

Esse movimento próprio à clínica situa-se na relação a um percursode repetição – sua entrada e saída. Inicialmente, interessa-me situar aquiessa letra que precisa ser transmitida, suas diferentes apresentações, se-gundo tempos e clínicas. Ou seja, para encontrar um ponto que me permitasua articulação, percorrerei alguns caminhos nos quais Freud e Lacan já

LETRA E INSCRIÇÃO

Ana Costa

Oque me proponho a abordar neste artigo é a retomada de questõesque tenho desenvolvido em outros trabalhos. Nesse sentido, con-templa mais uma volta ao tema, para melhor enunciá-lo. Assim, não

me pouparei a retomada de seus fundamentos. Mesmo que se trate de reto-madas, não são questões simples. É o que reconhecemos ao acompanhar otexto de Lacan “Lituraterra”, por exemplo. Dele, quero destacar o que dizrespeito à temporalidade implicada na relação entre inscrição e ato, ondetemos uma das maiores subversões que Lacan traz à psicanálise. QuandoFreud propôs dois registros de recalque – originário e secundário – deixou-nos com a dificuldade para análise da clínica na medida em que semprepodemos supor aí uma temporalidade progressiva. Desde o início Lacan vairomper com esse suposto, mas é somente em sua produção final que essaquestão melhor se coloca. Dessa produção podemos deduzir que o ato seinscreve na transposição de registros e não como sendo dois tempos de ummesmo registro.

É por essa dependência do ato como inscrição, na transposição deregistros heterogêneos, que a psicanálise arrisca perder sua especificidade,na medida em que se relaciona a outros campos do saber. Nessa relação elasempre precisa produzir o seu sujeito, que é o do inconsciente. Como sesabe, a produção desse sujeito se dá por uma disjunção entre enunciação ejogo de letras (lapso, sonho), onde uma escrita se mostra a uma leiturapossível. Por outro lado, é a leitura que inscreve esse mesmo sujeito no lugarde seu ato.

Numa publicação coletiva1 pode-se acompanhar a dificuldade que ospsicanalistas lacanianos têm para precisar a letra enquanto um tema da

1 Melman et alli – O significante, a letra e objeto. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, 2004.

COSTA, Ana . Letra e Inscrição

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vra). Muitas vezes, o que distinguia na escrita era o acréscimo de um dese-nho à palavra. Freud serve-se deste trabalho para indicar como as formaçõesdo inconsciente usam deste tipo de construção.

Numa primeira aproximação, e dialogando com este tema, os senti-dos antitéticos de palavras se ligam a alguns desdobramentos de questõesque não pertencem somente à psicanálise. Tanto a sociologia, quanto aantropologia transitaram pelo antitético relativo ao sagrado, como contendoem si o intocado e o impuro. Freud mesmo aborda amplamente essa verten-te do sagrado no seu texto “Totem e tabu4 ”. Seguindo essas proposições,esse antitético das palavras – que Freud associa ao “primitivo” – traz a me-mória da origem da criação das palavras por oposição. É muito curioso pen-sar nos termos que contém, em si mesmos, uma representação de oposi-ção. Mesmo que usemos palavras diferentes, “forte” – por exemplo – trazjunto uma representação de “fraco” evocada como parte dela mesma, e vice-versa. E assim podemos seguir: dia-noite, quente-frio, etc.

Lacan5 lembra que a condição primária do significante se constitui porpares opositivos, como os destacados. Diz, mesmo, que isso faz parte da“natureza”, que já nos brinda com a oposição. Posso situar, seguindo osautores, que nessa questão está colocada uma condição primária de dife-renciação. Ou seja, a diferenciação por oposição, faz parte do jogo simbólicoe está na base – na fundação – de nossos sistemas representacionais.Como não lembrar aqui o que representa luz e sombra na raiz mesma dopensamento filosófico? Da mais simples construção representacional à maiscomplexa, o uso da oposição muitas vezes parece suficiente para sustentarqualquer sistema. A luz da razão, por exemplo, é sempre ameaçada pelastrevas que ela própria contém.

Quero sublinhar, também, essa questão do primário nas formaçõesdo inconsciente e na própria formação de sintomas, como propõe Freud. Se

4 Freud, S. – “Toten y tabu”. In: op. cit.5 Lacan, J. – O Seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Riode Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

propuseram a inscrição do tema da letra na psicanálise. Acompanhemosessas diferentes circunscrições em sua articulação ao tema da escrita.

Em Freud esse tema se anuncia já desde os textos de 1900 sobre asformações do inconsciente. Não é uma relação direta, mas a proposição dosonho como um rébus, para decifração tal qual uma escrita hieroglífica, jádiz de uma aproximação. Desde seu trabalho sobre os sonhos, até suasconstantes retomadas, essa condição de escritura será associada à produ-ção onírica. Precisa ser sublinhado que o principal interesse freudiano nessaassociação da elaboração onírica com escritas antigas diz respeito à perma-nência de uma figurabilidade, situada a partir de elementos compostos emlinguagens distintas, tais como são a escrita da gramática e o desenho.Esta condição será retomada também nas “Lições introdutórias à psicanáli-se2 ”, onde ele se detém na apresentação da escritura chinesa. O principalinteresse de Freud aqui é a aproximação do sonho com uma escritura quenão apresenta um texto unívoco, mantendo sentidos antitéticos, bem comouma condição primária de figurabilidade na composição entre letra e desenho.

Detenhamo-nos um instante nessa especial condição, trazida pelotrabalho freudiano, da relação particular entre letra, figurabilidade e sentidosantitéticos. Há um elemento que merece ser destacado nos textos sobre asformações do inconsciente: o autor sublinha que, nestas, tanto existe umaaproximação entre letra e figura, quanto a palavra comporta sentidosantitéticos. O interesse pelo sentido antitético, ligado às palavras primitivas,é abordado por Freud em vários escritos. Num texto de 19103 , especialmen-te dedicado ao tema, ele se detém na análise desses duplos sentidos, tra-zendo o estudo de um lingüista chamado K. Abel, que posteriormente nãoteve grande expressão em sua área. Ele situa como no vocabulário egípcioantigo, por exemplo, uma palavra poderia servir para designar sentidos opos-tos entre si (forte e fraco, por exemplo, eram designados pela mesma pala-

2 Freud, S. – “Lecciones introductorias al psicoanalisis”. In: Obras Completas. Madrid:Biblioteca Nueva, 1972.3 Freud, S. – “El doble sentido antitetico de las palabras primitivas”. In: op. cit.

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complexidade da inscrição da letra nos diferentes campos de saber produzi-dos pela cultura. Essa dificuldade diz respeito a uma questão específica eque tem relação com a clínica da psicose: a letra pode ser produzida desa-marrada de um endereçamento ao laço social. Ou seja, não é certo que umescrito – independente de sua qualidade – tenha uma inscrição social peloendereçamento que sua leitura convoque. Uma escrita delirante não supõeuma leitura. Lidamos, nessa escrita, com um fechamento, que se apresentainicialmente – se não encontra uma produção de transferência – desamarra-da de qualquer relação ao outro.

Com isso, recortamos dois elementos que concernem à condição daletra, tal qual se apresenta na especificidade de sua abordagem pela psica-nálise: a condição de resto e a tentativa de inscrição. A dificuldade atinenteao tema da inscrição diz respeito à necessidade de transmitir uma experiên-cia que é – por princípio – intransmissível, na medida em que contém umapoio corporal. O tema do “apoio”, aqui, situa-se de par com a proposiçãofreudiana da pulsão. Desdobra-se nas referências às formações do inconsci-ente, ou mesmo na angústia e no delírio. Num primeiro momento, podemosmesmo surpreender-nos que seja possível transmitir essa ordem de experi-ências tão reduzidas. Mesmo que se tenha tornado um campo de expressãona psicanálise, não deixa de surpreender-nos que seja possível transmitir aexperiência solitária do sofrimento psíquico.

A experiência da clínica psicanalítica nos atesta que aquele que vaiconsultar um analista está colocado na posição de precisar construir umleitor, que possa ser incluído no endereçamento de sua letra, que, antes detudo, é pulsional. O que significa na possibilidade de encontrar um outro, aquem o sujeito se dirija, que não se posicione como exterioridade ao campoda transferência construída.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:FREUD, S. “Lecciones introductorias al psicoanalisis.” In: Obras Completas.

Madrid: Biblioteca Nueva, 1972._________ “El doble sentido antitetico de las palabras primitivas”. In: Obras

Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1972.

nossos sistemas de pensamento se erigem na diferenciação, cuja oposiçãoestá na base, as formações do inconsciente mantém a indiferenciação queestá na raiz da constituição dos símbolos. A produção freudiana sobre otema sempre ressaltou essa condição de maleabilidade das representaçõesinconscientes. De como no caso do sonho há uma utilização “do contrário”para fazer passar uma representação intolerável para o sujeito. De como oato sintomático no obsessivo contém o seu contrário, que interpela o sujeito,acossando-o na procrastinação.

Uma outra questão ligada ao tema da indiferenciação que me permiti-rá avançar nas proposições que me ocupam, situa-se nas representaçõesque toma a palavra “sagrado”. Como mencionado anteriormente, esse termotraz em si as significações de puro, intocado e, ao mesmo tempo, impuro.Originalmente, nas sociedades tribais (isso foi tratado por Freud em “Toteme tabu”) designava o interdito ao toque. O que ficava interditado era tanto oelevado – como o chefe, ou o sacerdote – quanto o excluído, como a mulhermenstruada, etc. Pode-se reconhecer, nesta especificidade de indiferen-ciação, a relação com o excluído do corpo. Ou seja: o tema da indiferenciaçãositua seus elementos tanto na palavra, quanto no corpo. É com esses ele-mentos que se constrói a pregnância do imaginário na constituiçãofantasmática. Eles também se fazem apresentar nos sonhos e nos peque-nos sintomas que vão compor estruturas. Tal como menciona Freud, no so-nho todos os elementos servem para representar o sonhador, as letras efonemas das palavras se transmutam metonimicamente, uma imagem podeser somente som, assim como todo signo pode “fazer corpo”. Essas ques-tões nos levam a pensar a razão de Freud ter associado o inconsciente auma escrita. A condição diferencial se dará a partir de uma possibilidade deinscrição, na transposição de registros que implica o fônico (homofonia) e aescrita.

Retomo, aqui, o termo colocado na abertura deste artigo, trazendo areferência ao neologismo “lituraterra”, inventado por Lacan. Nele, o autor re-toma uma colocação do escritor James Joyce de que ele produzia a letracomo lixo: “a letter” – “a litter”. O inusitado dessa colocação nos evoca a

COSTA, Ana . Letra e Inscrição

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PASSAR PELO ESCRITO: ANOTAÇÕESSOBRE O ESTILO LACANIANO1

J. Guillermo Milán-Ramos2

Pelo menos por um certo tempo, peguem o meu mel tal como eu lhesofereço, e se encarreguem de fazer alguma coisa dele.

Jacques Lacan, em Seminário 3, As psicoses

Ainda hoje os textos de Lacan conservam intacto o caráter subversivo.Eles continuam sendo muito lidos: há re-edições, traduções, estudos críticos, novas versões dos seminários inéditos, signos de uma

assombrosa vitalidade. Eles continuam a reacender as velhas novas pai-xões: admiração, espanto (“é genial!”), frustração, rejeição (“não dá para en-tender nada!”). O atribulado leitor de Lacan surpreende-se a si mesmo toma-do por sensações cruzadas, despreparado, desalinhado, com o sentimentocrescente de que sua formação prévia não resolve o problema. Amor e ódio,se não desprezo...

Que o diga um leitor iniciante de Lacan, suficientemente firme e des-temido: de um parágrafo a outro, da leitura à re-leitura, a exaltação e o entu-siasmo se cruzam com a inquietação e a angústia. Que o diga algum leitorde Lacan mais experiente: com uma ressalva aqui ou ali, condiria que ostextos lacanianos transmitem uma calculada dose de ceticismo, que a che-gada de qualquer certeza é precedida por uma fase de metódica incerteza.

1 O presente texto é um fragmento da Apresentação do livro Passar pelo escrito: Lacan, apsicanálise, a ciência – Uma introdução ao trabalho teórico de Jacques Lacan, lançado em2007 pela editora Mercado de Letras (Campinas, SP), com subsídio Fapesp.2 Licenciado em Lingüística pela Universidad de la República (Uruguai) é Mestre e Doutor emLingüística pela Unicamp. Atualmente é professor do programa de Mestrado da UniversidadeVale do Rio Verde (Unincor-MG) e pesquisador do Centro de Estudos Outrarte (Unicamp).

_________ “Toten y tabu” In: Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1972.Lacan, J. O Seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanáli-

se. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985._________ “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud” In:

Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999._________ De um discurso que não seria do semblante. (inédito)MELMAN, C. et alli – O significante, a letra e objeto. Rio de Janeiro: Cia. de Freud,

2004.

RAMOS, J. Guilhermo . Passar pelo escrito...

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na cena da teorização e na transmissão do saber em psicanálise. O movi-mento quase frenético que ele imprimia a seu pensamento; a diversidade eerudição das pressuposições de seu discurso; a não-compreensão e o non-sens que, intermitentes, apoderavam-se do ouvinte/ leitor; seus apelos aoauditório; a desorientação e o mal-estar que tudo isso muitas vezesprovoca(va)...; enfim, o conjunto de elementos constitutivos do seu estiloapelativo, apontam nesta direção: despejar o caminho do sujeito do desejona cena da teorização-transmissão. Eles pressagiam, antecipam, anunci-am, preparam o terreno, colocam em jogo..., são a primeira sombra do sujei-to do inconsciente. No fim das contas, fazem parte de suas vicissitudes, dacircunstância do sujeito.

Posso falar da minha experiência de leitor. Quando comecei a estudarLingüística5 me ensinaram uma espécie de chave de leitura, por assim dizer,uma forma de abordar e interrogar os textos. Essa chave de leitura consistiaem identificar, em primeiro lugar, qual é a noção de linguagem que é posta,ou pressuposta, no texto em questão; e em segundo lugar, qual é a concep-ção de sujeito, de subjetividade, também ali posta ou pressuposta.

Faço referência a isso porque quando comecei a ler Lacan... algumacoisa não dava certo, alguma coisa não fluía, travava. Resultava não ser tãosimples nem imediato deduzir uma noção de linguagem ou de sujeito. Nãohavia trânsito, não acontecia aquele nível de compreensão e apreensão dosignificado do texto – aquilo ao qual eu estava acostumado. As palavraspareciam funcionar de outro modo. Isso, é claro, produz uma tensão subjeti-va, traz desconforto – perplexidade, angustia. É um momento pleno emmi(s)tificações, cheio de fantasmas, de compromissos... O corpo fica com-prometido nesse mal-estar, e isso se prolonga, isso dura. Trata-se de umaforma do gozo – gozo na linguagem, gozo no sentido: o texto lacanianointerroga o desejo, e o sujeito responde como pode.

5 Em 1995 conclui estudos de graduação no programa de Licenciatura em Lingüística daFacultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, Universidad de la República, emMontevidéu, Uruguai.

Nessa fase, o amor-próprio de “leitor inteligente” é contrariado. Que aqueladefinição, aquela fórmula, aquela página..., não era isso... Essa foi minhaexperiência, do princípio ao fim.

Quais razões levaram Lacan a fazer desse “estilo provocador” umaparte constitutiva de seu ensino?

A psicanálise comporta uma relação de saber entre um sujeito e umobjeto. Essa é uma afirmação bastante genérica: de fato, a ciência modernatambém postula uma relação de saber. Em última instância, a ciência mo-derna e a psicanálise não se diferenciam pelos meios literais que usam parapostular uma relação de saber entre um sujeito e um objeto3. Elas se dife-renciam pelo destino que atribuem ao saber que resulta dessa relação (osaber do/ sobre o sujeito e o objeto).

Entre psicanálise e ciência há uma convergência e uma diferença.Lacan postula uma correlação estrutural de primeira magnitude entre o sujei-to da ciência e o sujeito da psicanálise. A diferença radica no destino conce-dido à dimensão da subjetividade: a ciência rejeita o saber do/ sobre o sujei-to do inconsciente4, não quer saber do saber inconsciente (de fato, essarejeição é condição essencial da instauração do saber científico); a psicaná-lise, pelo contrário, incessantemente procura criar e aperfeiçoar as vias deinclusão do sujeito na teoria.

O estilo performático “provocador” de Lacan é uma aposta para avan-çar nessa direção, é uma estratégia para a inclusão da dimensão subjetiva

3 Esses meios são a concepção sobre o Real e sobre as condições que garantem seu“acesso” e “transmissibilidade”. Segundo Lacan, a Psicanálise não é uma ciência maspertence ao campo da ciência: elas são comensuráveis, falam uma “linguagem comum”,sobretudo porque há uma correlação forte entre a escrita lógico-científica e a escrita psica-nalítica, meios de transmissibilidade da teoria.4 Na teoria lacaniana a dimensão do sujeito é o operador essencial da “comunhão-com-diferenças” entre ciência e Psicanálise. Nessa ordem, a afirmação essencial é que o sujeitodo inconsciente (o sujeito do desejo) é o sujeito da ciência. Mas – diz Lacan em “A ciência ea verdade” – se a Psicanálise se propõe incluir o sujeito na teoria, a ciência moderna(galileana) se define pela “impossibilidade do esforço” de cancelá-lo – pela “impossibilidadedo esforço” de fundar – através desse cancelamento – uma metalinguagem perfeita.

RAMOS, J. Guilhermo . Passar pelo escrito...

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tos daqueles que entram em contato com a psicanálise, de tal for-ma que os deixa menos inclinados a acreditar nela ou a interes-sar-se por ela. Conforme se poderá observar, os dois tipos de difi-culdade, afinal, equivalem-se. Onde falta simpatia, a compreensãonão virá facilmente. (Grifo do autor).

Alguns anos depois, em “As resistências à psicanálise”, Freud (1925[1924], p. 243) comenta:

Esse estado de coisas é suficiente para explicar a recepção relutantee hesitante da análise nos campos científicos. Ele contudo não explica asexplosões de indignação, derrisão e escárnio que, com desprezo de todopadrão de lógica e bom gosto, caracterizaram os métodos controversos deseus oponentes . Uma reação desse tipo sugere que outras resistências daspuramente intelectuais foram excitadas, e despertadas poderosas forçasemocionais. (Grifo do autor)

Os dois trechos citados colocam a ênfase nos obstáculos e resistên-cias externas que encontra a transmissão da psicanálise. Trata-se das re-sistências dos que, pela primeira vez, “entram em contato com a psicanáli-se”; trata-se dos “métodos controversos de seus oponentes”...

“Onde falta simpatia, a compreensão não virá facilmente”, diz Freud...Mas não é possível que ao mesmo tempo exista, por assim dizer, algo decontraditório, um embate, uma luta... talvez resistência-e-simpatia, obstá-culo-e-simpatia? (No fim das contas, são resistências do-sujeito!). Preci-samente essa é a aposta de Lacan: aquilo que num primeiro momentoaparece como obstáculo ou impedimento externo à teorização, no mo-mento seguinte transforma-se em condição de possibilidade interna aoato de teorizar.

É crucial lembrar aqui que em sua prática clínica Freud também incluino processo analítico as resistências do sujeito. Mas Lacan desloca essetraço essencial do método freudiano e o faz operar também na cena deteorização-transmissão representada no Seminário, e também nos Escritos.Isso ajuda a explicar as ferozes resistências provocadas pelo estilo lacanianode transmissão.

O mal-estar pode prolongar-se até certo momento, só-depois, em quecomeça-se a perceber que há um sentido em tudo isso, que o desconfortofaz parte do sentido do texto: começa-se a perceber que esse mal-estar é aprimeira forma do texto lacaniano nos incluir como sujeito. Esse gozo é aprimeira forma de subjetivar o texto lacaniano, e aí já entramos no jogo, jáfazemos parte da aposta de Lacan. Perguntávamos pelo sujeito... e o des-conforto pela não-compreensão nos inclui como sujeito no texto, na letrapsicanalítica. Perguntávamos pela linguagem... e o mal-estar da não-com-preensão já era a primeira forma de colocar-nos numa experiência eletiva delinguagem. Procurávamos uma resposta, e o desconforto de não achá-la eraa própria e essencial resposta.

É essencial compreender esse movimento no qual o desconforto danão-compreensão é condição de superação, reverte-se em condição de pos-sibilidade. O momento do gozo, da subjetivação do texto pelo desconforto, éseguido pelo momento de perda do gozo numa instância de escrita, quetambém é de castração-simbolização – e nesse sentido, de perda-de-gozo,também é um momento de dessubjetivação, de queda de um lugar de gozodo sujeito. Trata-se do momento em que uma letra se precipita. Pura contin-gência, fortuna do encontro: algo cessa de não se escrever. Trata-se domomento exato em que sujeito e teoria – sujeito e leitura teórica, sujeito ecriação teórica... – coincidem num mesmo ponto. Trata-se da subjetivaçãoda teoria em psicanálise, da teorização psicanalítica como experiência desubjetivação.

Lacan transforma o obstáculo em condição de possibilidade. Aquiloque muitas vezes foi identificado por Freud como “obstáculo”, “dificuldade”ou “resistência” externa à psicanálise, Lacan o re-significa como condiçãode possibilidade interna a seu processo teórico. Por exemplo, no texto “Umadificuldade no caminho da psicanálise”, Freud (1917, p. 147) afirma:

(...) não se trata de uma dificuldade intelectual, de algo que torne apsicanálise difícil de ser entendida pelo ouvinte ou pelo leitor, masde uma dificuldade afetiva – alguma coisa que aliena os sentimen-

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experiência de leitura-implicada-de-desejo reduz o sujeito-teórico-leitor a umaexperiência de ex-timidade com seu objeto. Este é o âmago da experiênciade subjetivação em questão: constituir as condições de possibilidade dopróprio sujeito no ato de ler-teorizar-decifrar-inventar o objeto, dando lugar àsingular experiência de castração/ subjetivação-da-teoria que chamamos aqui“passar pelo escrito”, orientada na direção do Real. A dimensão essencial dasubjetivação da teoria é de castração, enquanto construção pela qual tenta-mos dizer a falta encarnada na própria estrutura do sujeito e o objeto.

A linguagem teórica lacaniana contém esse germe. O estilo lacanianomostra a entrada no desfiladeiro de uma experiência de subjetivação: porvias muito específicas ele franqueia a passagem do leitor para que uma ex-periência de subjetivação possa vir a acontecer. Se isso dá certo, a própriateoria é subjetivada, e se produz o que neste livro chamamos subjetivação dateoria. (Por isso, para os psicanalistas, uma relação constantemente reno-vada com a escrita da teoria é o complemento indispensável da prática clíni-ca e da análise pessoal).

Uma cilada de linguagem..., um tempo de espera..., um estreito des-filadeiro... Uma cilada de estilo nos trilhos do sujeito do desejo; a espreitapelos efeitos da linguagem que não demoram em chegar; e logo logo a pres-sa por avançar, pelas brechas subjetivas da escrita da teoria. Mudou o golpeda palavra, o tempo da frase, o lugar da certeza? Uma experiência desubjetivação terá acontecido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:FREUD, S. (1917) “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”. In: Obras psico-

lógicas completas, vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.——————— (1925 [1924]) “As resistências à psicanálise”. In: Obras psicoló-

gicas completas, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.————— O Seminário (vários volumes). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

O original “estilo apelativo” de Lacan é um ato de reconhecimento: eledesloca e realça em ato os processos inconscientes (o recalque e o retornodo recalcado); ele mostra e faz operar no ato de teorização-transmissão ofato de que as resistências são internas à dimensão subjetiva, sãoconstitutivas do objeto da psicanálise.

Lacan arma uma cilada, prepara o terreno. Seu estilo apelativo eleva a“temperatura” subjetiva: é um modo de atualizar, de expor-se e expor-nos àdimensão subjetiva, de não apagá-la nem esquecê-la, e a partir dai, a partirda experiência e dos efeitos que essa exposição suscita, fica(mos) numaposição melhor para apreender, reconhecer, incorporar, “experimentar” a na-tureza e o funcionamento dos processos inconscientes enquanto elementosconstitutivos, determinantes e definitivos do pensamento teórico.

O estilo apelativo lacaniano prepara o terreno para a inclusão do sujei-to na escrita da teoria. Este é o cerne do materialismo lacaniano: a inclusãoem ato do sujeito na cena de teorização-transmissão é condição essencialpara a inscrição da dimensão subjetiva na escrita (na borda do Simbólico) dateoria.

Tudo menos excluir o sujeito, colocando-o na conta das resistênciasinconvenientes e/ ou “externas”; tudo menos deixá-lo suspenso no limboidealista dos “desvios subjetivos” ao “conhecimento objetivo”; tudo menos oempenho, próprio da ciência, de suturar sistematicamente a ferida subjetiva.

O empenho por incluir o sujeito instala um tempo de espera: um tem-po de espera pelos efeitos da linguagem, pela experiência de linguagem quesedimenta na leitura dos seminários e escritos de Lacan. A rotina de estudode muitos lacanianos se caracteriza por uma fidelidade quase obsessiva àpalavra – à letra – do mestre. Isso carrega um poderoso pressuposto: naspalavras de Lacan se declina uma singular experiência de linguagem.

Uma experiência de linguagem, quando genuína, constitui para o su-jeito uma “experiência de subjetivação”. Quando faz sentido para o sujeito epouco a pouco ganha densidade, a leitura teórica começa a precipitar umresiduu, um resto subjetivo, uma sobra subjetivante: transforma-se em uma“experiência de subjetivação”, que orienta o sujeito na direção do Real. Uma

RAMOS, J. Guilhermo . Passar pelo escrito...

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Que o encontro de Lacan com Joyce tenha incidido sobre os rumosdo pensamento lacaniano, testemunha-o todo um seminário, o XXIII, denomi-nado Le Sinthome. A recíproca, porém, fica para ser sustentada na sua dife-rença. Ler Lacan sobre Joyce é uma experiência transformadora da relaçãodo psicanalista tanto com Joyce quanto com Lacan. Isso indica que se tratade ler um com o outro. Ou como diz Lacan, a respeito do que é a “Filosofiada Alcova” de Sade para a “Crítica da Razão Prática” de Kant: a primeira énão só compatível com a segunda, como a completa e fornece sua verdade(op.cit.: 777)

Um segundo encontro que pode ressignificar retroativamente o primei-ro é indicado pelo mais – em Joyce mais Lacan – que coloca Lacan naposição de quem lança a obra de Joyce para além da literatura, tratando-acomo um saber-fazer com a língua/linguagem que escancara as brechas darelação entre ser e sentido. Um terceiro modo seria Joyce/Lacan, ou aindaJoyceLacan. Isto é, um no outro, Joyce em Lacan. Lacan, à moda de Joyce,despertando as palavras adormecidas nas letras ou nas sílabas de uma pa-lavra e convocando assim várias cadeias em sincronia, em uma espécie dedemonstração in vivo e in loco da homonímia radical que impele sua elabora-ção e, entre outras coisas, impede o leitor de restituí-la a algo que (re)conheça.

É mesmo em torno da homonímia que esses modos de encontro en-tre Joyce e Lacan são tratados aqui. Na Lingüística, que não sobrevive semunidades discerníveis, a homonímia tende a ser reduzida à homofonia, isto é,ao fato de haver palavras que coincidem em sua fonia e divergem em seusignificado, o que, de certa forma, restringe o fenômeno à fala em que ritmoe melodia dão contorno, unidade e uma suposta univocidade a cada palavra,tirando o som de sua errância. O que justifica o que se diz por aí: que oilegível de Finnegans Wake se torna mais legível lido em voz alta.

Assim, reduzindo a homonímia à homofonia ou mesmo à homografiaque deixa intacta a palavra enquanto unidade, descarta-se aquilo que desdeFreud interessa à Psicanálise e desde sempre foi reconhecido na Literaturae, principalmente na poesia, a saber, que palavras e cadeias de palavraspodem se desfazer e se refazer em outras palavras e em outras cadeias.

JOYCE COM LACAN, JOYCE MAIS LACAN, JOYCELACAN1

Cláudia T. G. de Lemos2

riverun, past Eve and Adam’s, from swerve of shore to bend of bay…James Joyce, Finnegan’s Wake.

riocorrente, depois de Eva e Adão, do desvio da praia à dobra da baía...(tradução de Haroldo de Campos)

Foi um rio que passou na minha vidaE meu coração se deixou levar...

Paulinho da Viola.

Otítulo desse trabalho deve ser lido como uma tentativa de traçar omovimento de Lacan em direção a Joyce a partir de algumas dasmarcas que dele ficaram na escrita lacaniana. Marcas a serem li-

das como encontros que se ordenam menos pela sua cronologia do quepelos seus diferentes graus de imbricação. O primeiro, designado pela ex-pressão Joyce com Lacan , se inspira no título do livro organizado por J.Aubert (1987) onde foram publicados, entre outros trabalhos, tanto a confe-rência Joyce, le symptôme I quanto o texto que a ela se segue e por issomesmo recebe o mesmo nome e o número II. É J.-A. Miller que, ao prefaciaro livro – Joyce avec Lacan – justifica o título por ele próprio sugerido a Aubert,referindo-o ao artigo de Lacan Kant avec Sade (Lacan 1998/1966) e qualifi-cando a relação de um autor com o outro como um modo de leitura porinterferência.

1 Trabalho apresentado no “Symposium Joyce-Lacan”, realizado em Dublin, de 16 a 19 dejunho de 2005, e publicado na coletânea que, organizada por Jacques Laberge (2007), deua público grande parte dos trabalhos do mesmo simpósio.2 Escola de Psicanálise de Campinas DL-IEL-UNICAMP.

LEMOS, Cláudia T .G. DE Joyce com Lacan...

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um disfarce para o desejo de que Finnegans Wake pudesse serrealmente mais domesticável e convencional do que parece ser.Mas outros leitores e críticos dão vivas ao experimentalismo deFinnegans Wake e se deleitam em tratá-lo como uma obra devanguarda [...]. Tais leitores se contentam em aceitar o Wake comoimpossível de ser dominado ou totalmente apreendido e a “ilegibi-lidade” do texto se torna para eles não um obstáculo mas causa deapreço.”(M. Norris 1990: 170, tradução minha)

Quanto ao que distancia Lacan de Freud, é preciso lembrar que, emcontraste com Freud que se colocou apenas como analista/intérprete desonhos, chistes e lapsos, isto é, de fenômenos do domínio da homonímia,sem nunca a ter “praticado” como escrita, Lacan se aproxima de Joyce aofazer uso desse modo de estar na língua que fez corresponder a lalingua.Chamo a atenção para o fato de “praticar” e “fazer uso” serem modos dedizer que qualificam essa prática como “metódica” tanto no sentido que aassocia a um método quanto no que aponta para uma insistência sistemáti-ca.

Já no “Seminário sobre a carta roubada”, apresentado em 1955 e pu-blicado pela primeira vez em 1957, saltam do texto expressões e frasesinteiras em que a homonímia multiplica sentidos fazendo-os tanto convergi-rem quanto se desencontrarem. Mas é no Seminário “O saber do psicanalis-ta” (1971-1972) que Lacan deixa entrever quanto essa “prática da homonímia”se aproxima de um método ainda que sob a roupagem de um estilo. É naprimeira lição desse seminário que ele faz de um lapso um nome – lalangue– que dá contorno a um conceito que consagra a homonímia comoequivocidade. É na terceira lição desse seminário que se assiste à mudançade rumo e de sentido, à perda de referência e de forma da expressão idiomá-tica “parler aux murs” (falar com as paredes). E a suas conseqüências teóri-cas.

Surgindo na fala de Lacan como uma queixa dirigida a seu auditóriono Hospital Sainte Anne, auditório esse que o faz sentir como se falasse

Nesse sentido a homonímia se dá como escrita que se presta a leiturasvárias, isto é, a diferentes segmentações, seqüências, pontuações.

“Leiam Finnegans Wake. Vocês vão perceber que é algo que joga,não a cada linha, mas a cada palavra, com o pun, um pun muitomuito particular. Leiam, não há uma só palavra que não seja feitacomo aquelas primeiras cujo tom eu tentei dar a vocês compodrespera (“pourspère”3 ), feita de três ou quatro palavras que, aose encontrar, por seu uso, faíscam, cintilam. É sem dúvida fasci-nante, ainda que na verdade, o sentido, no sentido que a ele da-mos habitualmente, se perde.”(J. Lacan, 1987: 25, tradução minha)

Essa citação termina com uma referência ao sentido e, mais precisa-mente, ao sentido que se perde na homonímia, o habitual, aquele que, as-sentada a pulverulência do real de lalíngua na cadeia, se apresenta comounívoco4. Seria essa referência um aceno a um sentido outro, a um sentidoque subsiste ao equívoco? O que, afinal, cintilando, por um instante, o equí-voco ilumina? O passo/passagem para um sentido outro ou a própria possi-bilidade da perda de sentido que Lacan revela na homonímia de pas-de-sens? É um ou outro, ou um e outro?

Essa é uma questão que tanto divide os estudiosos de Joyce quantoparece distanciar Lacan de Freud, na medida em que aproxima, pelo menosem parte, Lacan de Joyce. No que se refere aos estudos sobre Joyce, dizMargot Norris:

“Em alguns leitores e críticos, a dificuldade de Finnegans Wakeinspira uma vontade de domar seu sentido, impulso que pode ser

3 Por que não ler como “apodrece de (tanto) esperar?”?4 Não se pode deixar de apontar o efeito desse deslocamento de Lacan para o pun tem tantosobre a metáfora (ver, a propósito, Harari 1996), quanto sobre sua condição, a saber, asubstituição de uma palavra por outra em uma determinada posição (ver, a propósito, Milner2000, pág. 157).

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Paris: Navarin ( 21-29).MILLER, J.-AL.( 1987) “Préface”. Em J. Aubert (org.) Joyce avec Lacan. Paris:

Navarin (9-12).MILNER, J.-Cl. (2002) Le périple structural. Paris: Seuil.NORRIS, M. (1990) “Finnegans Wake”. Em D. Attridge (org.) The Cambridge

Companion to James Joyce. Cambridge: CUP (161-184).PONGE, F. & SOLLERS, P. (1970) Entretiens de Francis Ponge avec Philippe

Sollers. Paris: Gallimard/Seuil.

com as paredes, logo essa expressão – parler aux murs – cai no literal. Murspassa a designar superfícies – os muros do hospital, o muro de corpos quecompõem a assistência – onde as palavras repercutem, ecoam, ou colidemcom outras palavras, mas voltam e ressoam naquele que as proferiu. Assimmur (muro) vai colidir com amour (amor), que ressurge como amur (amuro),assim como toca em miroir (espelho), tornando-o muroir (espelho-muro).

Em um certo ponto dessa deriva, Lacan de certa forma explicita seu“método”, assimilando raison (razão) a réson (ressonância)5, reduzindo as-sim o sentido ao toque – eco, ressonância – de uma carta na outra quando ocastelo de cartas (carte ou lettre ?) desmorona. Não é essa a experiência dofim da análise?

Ao empurrar o sentido até o limite que lhe serve para justificar ao seuauditório porque “por um certo viés, que é o de uma lógica” (op.cit.:49), pôdechegar aos matemas, isto é, a operações que elidem o sentido, Lacan, nes-se mesmo seminário, se distancia de Joyce. É essa distância que talvez lhetenha permitido ver no uso particular que Joyce faz da homonímia “um exem-plo extremo e paradoxal do sintoma” (C. Soler 2001: 59). Sem por isso dei-xar de renovar seu encontro com Joyce no próprio sintoma. É o que ele,Lacan, diz no fim de seu segundo texto no livro “Lacan avec Joyce”:

“A partir daí, o ininteligível é o escabelo de que alguém se mostramestre. Sou suficientemente mestre de lalíngua, da que é chamada france-sa, para ter eu mesmo chegado a isso, o que é fascinante, por atestar ogozo próprio do sintoma. Gozo opaco, por excluir o sentido.

[...] Só há despertar por meio desse gozo, ou seja, desvalorizado pelofato de que a análise que recorre ao sentido para resolvê-lo não tem outrachance de consegui-lo senão se fazendo tapear...pelo pai, como indiquei.”

(J. Lacan 2003 : 566)

5 É a Francis Ponge que Lacan se refere como o poeta que escutou réson em raison e cujaescuta vai ao encontro do que ele, Lacan, reconheceu no significante ( ver, a propósito,Ponge et Sollers: 1970, pág. 158).

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outro, que o espelho tão vividamente veicula, Lacan refere:

“Esta é minha velha temática do estágio do espelho, onde vejouma referência exemplar, altamente significativa. Ela nos permitepresentificar os pontos-chave, ou os pontos de entroncamento, econceber a renovação desta possibilidade sempre aberta ao su-jeito, de um auto-quebramento, de um auto-dilaceramento, de umaauto-mordida, diante daquilo que é, ao mesmo tempo ele e umoutro. Existe uma certa dimensão de conflito, que não tem outrasolução além de um ou ..., ou... É necessário a ele ou tolerar o outrocomo uma imagem insuportável, que o arrebata de si mesmo, ouquebrá-lo imediatamente, inverter, anular a posição à frente, a fimde conservar aquilo que ele é, naquele momento, centro e pulsãode seu ser, evocado pela imagem do outro, seja ela especular ouencarnada. O laço entre a imagem e a agressividade é, aqui, intei-ramente articulável.” (1992, p.341)

Em trabalho bem anterior, publicado em 1933, “Motivos do crime para-nóico: o crime das irmãs Papin”, Lacan já situa a referência à alteridade naeconomia psíquica. Ali ele toma as elaborações de Freud, no artigo “Sobrealguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e na homossexualida-de” (1921), em que este mostra que, nos primeiros estádios da sexualidadeinfantil, quando se opera uma redução forçada da hostilidade primitiva entreos irmãos, pode se produzir uma inversão desta hostilidade em desejo, queestaria na base de algumas configurações da homossexualidade.

Numa formulação precisa, Lacan situa essa fixação amorosa comocondição primordial da primeira integração do que chama de “tensões soci-ais” nas tendências pulsionais. Diz ele:

“Integração dolorosa, em que já se marcam as primeiras exigênci-as de sacrifício que a sociedade nunca mais deixará de exercersobre seus membros: este é seu vínculo com esta intencionalidadepessoal do sofrimento infligido, que constitui o sadismo. Estaintegração se faz, contudo, segundo a lei da menor resistência, por

CONVIVÊNCIA E ALTERIDADE

Lucy L. da Fontoura

“Por que estou tentando soprar minha vida na sua boca roxa?Por que estou lhe dando uma respiração?

Somente para que ela ande, estou lhe dando os passos penosos?”Clarice Lispector

Ocolóquio sobre escrita e psicanálise, recentemente ocorrido emFlorianópolis, deu a ver, entre outros, uma grande variedade de dis-positivos e reflexões sobre o lugar de experiências de fala e teste-

munho hoje.Há algum tempo já, para a jornada “Narrativa e destino na clínica psi-

canalítica” da APPOA, trabalhei um romance de Domingos Pellegrini, “Ques-tão de honra”, escrito em intertextualidade com “A retirada da Laguna”, doVisconde de Taunay. Ali se intercalavam, em diálogo e contraste, duas narrati-vas testemunhais – uma histórica e outra ficcional. Através delas, dois persona-gens desdobravam seu percurso subjetivo, constituindo-se através de suas nar-rativas e nos tornando, enquanto leitores,testemunhas de seus percursos.

Nesse romance, o fio condutor era a rivalidade fraterna que se estabe-lecia entre os dois personagens, a partir da perspectiva de inveja e ressenti-mento de um deles. Posição que desse amargurava a vida inteira, até aredenção final, em que o personagem, pretendendo finalmente contar a ver-dade dos fatos e desmascarar o outro, justamente através da narrativa, emretrospecto, deslindava o fio de seu desejo enredado nas malhas da inveja e,a partir daí, podia produzir outra versão para sua história.

Encontramos nas elaborações psicanalíticas uma tomada fecunda daquestão eu – outro, a começar pelo lugar fundamental atribuído à alteridadena constituição do sujeito.

No seminário sobre a transferência (1960-1961), ao referir a posiçãoconflituosa do pequeno ser diante daquilo que é, ao mesmo tempo, ele e o

FONTOURA, Lucy L. DA. Convivência e Alteridade

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orientador, o do psicanalista e o do tradutor. O orientador, para que advenhaa escrita do outro; o psicanalista, para que a palavra do outro advenha, paraque este possa sustentar seu percurso simbólico e o tradutor, no sentido de“respeitar” as hiâncias, as lacunas do texto original. Trata-se, diz ela, decuidar da abertura para um lugar de enunciação.

Com os elementos desse breve percurso, apenas alinhavados aqui,pretendo propor um projeto que venho delineando há algum tempo. Trata-sede pensar a articulação entre convivência e alteridade, na perspectiva daque-la ”fraternidade discreta” referida por Lacan.

“No homem ‘liberado’ da sociedade moderna, eis que essedespedaçamento revela, até o fundo do ser, sua pavorosa fissura. É a neuro-se de autopunição, com os sintomas histérico-hipocondríacos de suas inibi-ções funcionais, com as formas psicastênicas de suas desrealizações dooutro e do mundo, com suas seqüências sociais de fracasso e de crime. Éessa vítima comovente, evadida de alhures, inocente, que rompe com o exí-lio que condena o homem moderno à mais assustadora galé social, queacolhemos quando ela vem a nós; é para esse ser de nada que nossa tarefacotidiana consiste em reabrir o caminho de seu sentido, numa fraternidadediscreta em relação à qual sempre somos por demais desiguais.” (1948 /1998, p. 126)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:LACAN. “Motivos do crime paranóico: o crime das irmãs Papin”. In: Da psicose

paranóica em suas relações com a personalidade. (1933) Rio de Janeiro:Forense-Universitária, 1987, p.381-390.

______ “A agressividade em psicanálise”. (1948) In: Escritos. Rio de Janeiro: J.Zahar, 1998.

______O Seminário: Livro 8. A Transferência. (1960 – 1961) Rio de Janeiro: J.Zahar, 1992.

LISPECTOR. “A legião estrangeira”. In: Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1975.

uma fixação afetiva ainda muito próxima do eu solipsista, fixaçãoque merece ser dita narcísica e na qual o objeto escolhido é o maissemelhante ao sujeito: tal é a razão de seu caráter homossexual.”(1987, p. 388-389)

A partir desses elementos, muito brevemente referidos, podemos situ-ar a inveja e, por extensão, o ciúme como relativos à pressão operada pelanecessária introdução da alteridade no campo do eu. Mais ainda, na pers-pectiva psicanalítica, o outro ocupa lugar fundamental para o sujeito: o deprovocar a emergência do desejo. A inveja e o ciúme, então, atestam a con-dição desejante de um sujeito.

A articulação entre alteridade e agressividade, situada de modo tãopontual por Lacan na referência ao espelho (vide a citação do semináriosobre a transferência, referida anteriormente), é outro elemento que se podedesdobrar da questão eu – outro.

No texto ”A agressividade em psicanálise”, de 1948, Lacan escreveque “o diálogo parece constituir em si mesmo uma renúncia à agressividade”,sublinhando que “o analista cura pelo diálogo” (p.21). Sua perspectiva vemna esteira da inovação freudiana de que “tomar a palavra pode não ser emvão” (Rinaldi, 1996, p. 9).

Do colóquio sobre escrita e psicanálise, que referi na abertura destetexto, recolhi algumas pontuações que me pareceram particularmente pro-dutivas para a questão que me ocupa.

Ao situar a questão do silêncio, Maria Cristina Poli indica que se tratade poder dar lugar a que o sujeito possa tomar a palavra. Com Freud, trata-sede constituir um lugar de silêncio, para que uma palavra singular possa terlugar.

Na formulação de Ana Costa, para tomar a palavra é necessário en-contrar a espera no lugar do outro.

Na recepção da conferência de Jeanne Marie Gagnebin, “Escrita, mor-te, transmissão”, Lucia S. Pereira situou a responsabilidade profunda decada um para com a sustentação de um lugar de palavra. Tomou como refe-rência a postura de Ulisses com os lotófagos, para reunir o trabalho do

FONTOURA, Lucy L. DA. Convivência e Alteridade

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UMA ANÁLISE DO INCIDENTE À LUZ DAS TEORIAS DA AUTORIA

O incidente acima lembra-nos que tanto a originalidade quanto a auto-ria são construtos. Antes do Romantismo e do advento das noções de autore de originalidade, os textos podiam circular mais livremente e as formascolaborativas de escrita eram ainda predominantes. Na Renascença, a auto-ria era relacionada à autoridade e nesse panorama ninguém dava muita im-portância a questões como o plágio (WOODMANSEE, 1994). Entretanto,após o Romantismo e a ênfase no sujeito trazida pelo individualismo, queincentivou a valorização de noções como a originalidade e o gênio, o escritorfoi promovido à figura de Autor com letra maiúscula. Para Woodmansee, noromantismo houve uma mistificação do autor em detrimento da autoria, coma ascensão da figura do gênio proprietário de suas obras (WOODMANSEE,1994). O autor deixou de ser aquele que supostamente autorizava a circula-ção de um texto, que era responsável pelo texto, para ser aquele que pos-suía o texto e suas palavras. Essa concepção baseada nas obras de Locketornou o autor, de certa forma, mais importante que o texto, ao ponto quesessões de autógrafos e entrevistas ganharam cada vez mais importância eo autor status.

Um exemplo claro dessa mudança é fornecido por Lajolo e Zilbermanquando chamam atenção para a quantidade e o tipo de informação que eracontido nas capas de livros. Antes do Romantismo, e do advento do direitoautoral, o nome do autor de um livro era difícil de ser encontrado entre tantainformação relacionada ao editor e impostos de publicação (LAJOLO,ZILBERMAN, 2001), depois passou a receber destaque gradativamente.

Ao mesmo tempo, ganhou força a noção de uma estética baseada naoriginalidade, que teve seu ápice no modernismo. A obra de arte foi colocadaem segundo plano, e o ato, a atitude ganharam papel de protagonista. Acrítica Martha Woodmansee refere-se a este período após o romantismocomo uma “apoteose da autoria”, mas a figura do autor tornou-se tão grandeque ofuscava as suas obras e foi necessário decretar a morte do Autor paraque a autoria voltasse à mesa de discussões. O decreto da morte do Autor,

A VOZ DOS LIVROS OU UMA FICÇÃO CHAMADA AUTOR

Valéria Brisolara1

UM INCIDENTE

Oromancista norte-americano William Gaddis costumava repetir queas obras de arte deviam falar por si mesmas. Reiterava a afirmaçãocada vez que era questionado acerca das razões pelas quais não

dava entrevistas, participava de programas de auditório ou comparecia a ses-sões de autógrafos.

Defendia, ecoando Roland Barthes, Michel Foucault e Séan Burke,ainda que muito antes, que a mão escreve linhas que não pertencem aoautor pois a relação entre autor e seu texto não é de propriedade nem deprecedência. Assim, Gaddis acreditava que devia dar oportunidade para queos seus livros falassem por si mesmos. Devia dar voz a eles e deixar quefizessem o seu papel, sozinhos. Baseava sua crença na concepção de quetexto e autor são construídos juntos quando a escritura se dá. Para ele, oautor era o resto, o bagaço, a casca, a borralha, o que sobrava após a escri-tura de uma obra e, o que, portanto, já não tinha mais poder sobre a obra,que devia trilhar seu caminho, sozinha.

Em uma de suas raras aparições públicas, para receber o importanteAmerican Book Award, surpreendeu a todos aqueles que se aglomeravampara ouvir sua inesperada fala. Fiel ao seu princípio, não falou. Deixou quesuas obras falassem por si mesmas. Tirou do bolso uma pilha de folhasamarrotadas, as ordenou calmamente, e leu trechos sublinhados. Os frag-mentos de suas obras, cuidadosamente ordenados, soaram como um dis-curso, e poucos notaram os personagens que falavam pela boca do autor. Avoz dos livros, ou a escritura, havia tomado a palavra.

1 Doutora em Letras. Tradutora.

BRISOLARA, Valéria . A voz dos livros ou uma ficção...

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Foucault, por outro lado, afirma que o objetivo de seu texto é lidar coma relação entre o texto e o autor e com a maneira em que o texto aparente-mente aponta para uma “figura” que parece existir fora e antes do texto (1984,p. 101). Portanto, remete a questões similares às propostas por Barthes.Ele afirma que o autor pode não existir fora do texto e pode não antecedê-lo,pois o autor é construído junto com o texto e o nascimento do autor é amorte do sujeito que escreve. De fato, pode-se dizer que Foucault está ques-tionando a necessidade que temos de procurar as origens de um texto, ten-tando ligar as palavras a autores ou indivíduos específicos.

Portanto, segundo a sua teoria, o homem tem que morrer para que oautor surja e, se o Autor pode estar morto, o autor não está. O Autor que estámorto é o Autor pertencente à tradição humanista, um sujeito autônomo queé a origem de textos originais. Desta maneira, o autor também é produto dotexto, o que sobra depois do texto, e não somente o texto produto do autor.

Ambos textos compartilham muitas idéias e permaneceram quaseinquestionáveis até a publicação de The Death and Return of the Author.Nessa obra, Séan Burke defende que ambos promoveram um retorno aosujeito autoral na medida em que proclamaram sua morte, pois o conceitode autor nunca está mais vivo do que quando declarado morto (1992). Essaaparente contradição é relevante. Se o autor está morto, e ressuscita quan-do dado por morto, é necessário perguntar como e porque retorna, pois podeser como uma sombra ou um fantasma de autor, ou como afirma o persona-gem Wyatt Gwyon, de The Recognitions, do escritor William Gaddis, como“a borralha de uma obra” (1955, p. 95) ou como o protagonista de Lorde, quesentia-se “uma assombração” (2004, p. 56) ou um “bagaço dos seus livros”(2004, p. 43), ou como Samuel Taylor Coleridge havia se sentido: “uma apa-rição”. Todas as afirmações ecoam a teoria de Burke de que o autor só poderessurgir como um espectro, já que nunca existiu, exceto como uma ficção,assim como o sujeito uno, porque era um mito, já que “o autor sempre esteveausente” (BURKE, 1992, p. 16). Com esse respeito, o psicanalista MichelScheneider, dedicado a questões ligadas à autoria, afirma que “o autor éuma ficção” (1990, p. 28), remetendo ao desejo de autoria.

com A maiúsculo, entretanto, foi simbólico, pois foi necessário um autor paradecretá-lo. Na verdade, foram necessários dois autores.

Roland Barthes e Michel Foucault foram capazes de perceber que oAutor era um construto e, se Roland Barthes decretou a morte do Autor emseu conhecido ensaio “A Morte do Autor”, publicado em 1968, o Autor foienterrado por Michel Foucault em seu “O que é um Autor?” de 1969. Entre-tanto, mesmo em tempos em que formas colaborativas de escrita, que seassemelham a formas renascentistas de escrita, vêm ganhando espaço, asnoções defendidas pelos autores, e compartilhadas por grande parte doscríticos contemporâneos, não são as que ocupam as manchetes das revis-tas ou levam milhões às sessões de autógrafos. São muito incômodas, poistiram da figura por trás da escrita todo glamour e geniosidade.

Em “A Morte do Autor” Barthes (1995) evoca uma novela de Balzac,intitulada “Sarrasine”, e toma uma frase da mesma. Após retirá-la do texto,pede ao leitor que identifique quem está realmente falando aquela frase, ouseja, questiona a sua origem. Questiona se é o herói do conto, o sujeitochamado Balzac, o autor chamado Balzac, a sabedoria universal ou mesmoa psicologia romântica. Logo responde que “Nunca saberemos, porque aescrita é a destruição de cada voz, de cada ponto de origem” (1995, p. 125).Continua afirmando que “A escrita é aquele espaço neutro, composto, oblí-quo, onde o sujeito escorrega, onde toda identidade é perdida, a começarpela própria identidade do corpo que escreve” (1995, p. 125). Continua adefender a perda da origem da voz na medida em que o ator morre no mo-mento em que a escritura começa. Assim, Barthes questiona essa relaçãoentre o autor e o texto e rejeita a precedência do autor sobre o texto damesma maneira que Heidegger (1994) rejeitava a precedência do artista so-bre a obra de arte.

E é nesse ponto em que se deve perguntar qual é o poder do escritor,então. Barthes explica que o único poder do escritor é misturar textos já escri-tos, contrapondo uns a outros (1995), que é exatamente o que ele mesmo fazanos mais tarde em “Fragmentos do Discurso Amoroso” e o que WilliamGaddis faz ao ler excertos de seus romances e torná-los um discurso.

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RESENHA

Com esta dupla inscrição, “paciente psicanalítica”, mesmo contra suavontade, e “homossexual”, contra a vontade de seu pai, seu caso clínico éextremamente divulgado nos estudos freudianos sem que se conhecesse

Construir novos textos, tomando por base textos já existentes, usarcomposições antigas e combiná-las em novas formas não é plágio, é origina-lidade. A originalidade não é invenção, mas lembrança, repetição e reconhe-cimento. É a repetição com diferença. A originalidade não é um absoluto,mas uma variável que depende do tempo, da tradição e do contexto. Rejeitara originalidade enquanto um absoluto é o que pode permitir que encontremosas nossas próprias vozes enquanto escrevemos e tornemos nossa a lingua-gem, pois “escrever é tornar sua a linguagem” (SCHNEIDER, 1990, p. 45).Somente rejeitando a noção de Autor e de originalidade enquanto absoluto edando voz às vozes, aos outros, que falam através de nós, é que podemosser autores de nossas próprias histórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:BARTHES. The Death of the Author. In: BURKE, Séan. Authorship: from Plato to the

postmodern. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1995.BURKE. The Death and return of the author: criticism and subjectivity in Barthes,

Foucault and Derrida. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1991.FOUCAULT. What’s an Author?. In: RABINOW, Paul. The Foucault Reader. New

York: Pantheon Books, 1984.HEIDEGGER. The Origin of the Work of Art. In: ROSS, Stephen David (Ed.). Art and

its Significance. New York: State University of New York Press, 1994.LAJOLO; ZILBERMAN. O Preço da Leitura: Leis e números por trás das letras.

São Paulo: Editora Ática, 2001.NOLL. Lorde. São Paulo: Francis, 2004.SCHNEIDER. Ladrões de Palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o

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Press, 1994.WOODMANSEE; JASZI (Eds). The Construction of authorship: textual appropriation

in law in literature. Durham and London: Duke University Press, 1994.

DESEJOS SECRETOS: A HISTÓRIADE SIDONIE C., A PACIENTEHOMOSSEXUAL DE FREUD

RIEDER, Inês e VOIGT, Diana. Desejossecretos: a história de Sidonie C., a pacientehomossexual de Freud. Editora Companhiadas Letras, 2008. 431p.

“Desejos secretos, a história de Sidonie C., apaciente homossexual de Freud”, de Inês Riedere Diana Voigt foi lançado em Viena em 2000.Com tradução de Laura Barreto, a narrativa des-liza suave, natural, correta, agradável,fazendo jus à confiança que o leitor projeta na Companhia das Letras, queo lançou nesse ano de 2008.

Quem foi Sidonie C. que mereceu ser historiada? Uma artista plásti-ca? Escritora austríaca de reconhecimento tardio? Cientista “nobelada”?Atriz talentosa? Filósofa? Militante política? Revolucionária? E este C. emseu sobrenome que nem ao menos se conhece?

Sidonie C., ou Sidonie Csillag, ou Sidi, nome fictício adotado na bio-grafia, ou Margarethe Csonka, seu nome de solteira, ou MargaretheTrautenegg, seu nome de casada ou ainda Gretl, como todos a chamavam,mereceu uma biografia porque seu verdadeiro “nome próprio” foi, e ainda é, “ajovem homossexual”. Sua notoriedade se deve ao fato de ter sido pacientede Sigmund Freud aos 18 anos, durante o curto espaço de seis meses, e dofato de Freud ter escrito um artigo em 1920 relatando esse tratamento e asrazões de seu fracasso: “A psicogênese de um caso de homossexualismonuma mulher”.

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RESENHA

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quase nada de sua vida. Sabe-se agora que viveu quase um século e quetestemunhou a mais cruel experiência humana do ocidente, o hitlerismo.Numa espécie de saga, consegue sobreviver ao declínio da família, à falênciae destruição de Viena, ao exílio, à ruptura do seu mundo, às desilusõesamorosas.

Os depoimentos que dá às autoras no fim da sua vida formam a colu-na vertebral da obra; no entanto, o livro ultrapassa muito o âmbito da biografiade uma mulher praticamente desconhecida fora do campo psicanalítico.

Rieder e Voigt iniciam no mesmo ponto escandaloso que levou Sidi aoconsultório do Dr. Sigmund Freud, arrastada por seu pai que não aceitava apaixão obstinada e indômita de sua filha, desde os 17 anos, pela baronesaLeonie Von Puttkamer.

Foi através desta dama - proveniente da aristocracia prussiana, reco-nhecida por sua beleza extraordinária, renomada por sua condição de pros-tituta de luxo, adornada de péssima reputação -, que Sidi descobre seudesejo de se apaixonar por mulheres. Para ela, amar uma mulher é tê-la noseu pensamento, fazer com que a dama amada aceite ser o alvo de suaatenção, se emocionar com a presença dela. Para a jovem, o sentimentoamoroso por lindas mulheres é muito mais precioso do que a necessidadeda relação carnal, que a interessava muito pouco. E mesmo no seu apogeufeminino e ao longo de toda sua vida ela nutriu esta espécie de amor cortês.

Filha de um rico industrial judeu foi batizada e criada no catolicismo efreqüentava a alta sociedade cristã de Viena. Recusou-se, até o último mo-mento a crer que de acordo com os critérios nazistas ela era judia. Sua fugana última hora e seu périplo até Cuba constituem um dos pontos altos dorelato.

Nesta obra que se propõe como uma biografia é impossível decidir sea reconstrução da época é o pano de fundo necessário para a história deSidi, ou se a sua história é a novela que anima a descrição dos tumultos quevitimaram a muitos, tal a competência com que as autoras mesclam umaimensa quantidade de dados – desde o que faz parte da história da humani-

dade ao que é do mais íntimo de Sidonie.Permeando esta montagem, a questão do lesbianismo proibido por

lei, sob pena de prisão, ganha um papel de destaque. Sob a ótica da questãoda homossexualidade as autoras montam um intrincado quebra-cabeça so-ciológico, econômico, histórico, sexual, religioso e moral, uma verdadeiracrônica dos costumes da Viena nos anos entre as duas grandes guerras.

Certamente Desejos secretos reabre as discussões em torno dos ar-tigos de Freud, de Lacan e de outros psicanalistas e suscita também umarenovada admiração pela visão clara, corajosa e contemporânea de Freud aoescrever, há quase cem anos, que para uma psicanálise transformar umapessoa homossexual em heterossexual é tarefa tão impossível quanto tentaro oposto.

Os efeitos dessa biografia já se fazem sentir na produção teórica psi-canalítica com o lançamento, em setembro de 2004, do livro de Jean Allouch,psicanalista francês, Ombre de ton chien, discours psychanalytique, discourslesbien cuja capa retrata Sidonie com seu inseparável cachorro Petzi. Som-bra de teu cão foi traduzido para o português em 2006 pela Companhia deFreud. Em 2020 o Arquivo Sigmund Freud da Biblioteca do Congresso, emWashington, será aberto. Novas fontes enriquecerão ainda mais a já densavida de Sidonie C.

Elaine Foguel

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MARÇO – 2009

Dia Hora Local Atividade05, 1219 e 26

19h30min

0506 e 20 Reunião da Comissão de Aperiódicos

06, 13,20 e 27

Sede da APPOA

09 e 23 Reunião da Comissão do Correio19

PRÓXIMO NÚMERO

PSICOPATOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

Reunião da Comissão de Eventos

Reunião da Mesa Diretiva

Reunião da Comissão da Revista

Sede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOA Reunião da Mesa Diretiva aberta aosMembros da APPOA

21h

14h30min8h30min

20h30min

21h

CALENDÁRIO DE EVENTOS 2009

Data Atividade

04 de abril Jornada de Abertura

08, 09 e 10 de maio Congresso de Convergencia

29, 30 e 31 de maio Relendo Freud

27 de junho Jornada do Instituto APPOA

08 de agosto Jornada do Percurso de Escola

21 de setembro Jornada do Percurso em Psicanálise de Crianças

17 e 18 de outubro Jornada Clínica

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S U M Á R I O

EDITORIAL 1NOTÍCIAS 2SEÇÃO TEMÁTICA 14LETRA E INSCRIÇÃOAna Costa 16PASSAR PELO ESCRITO:ANOTAÇÕES SOBRE OESTILO LACANIANOJ. Guilhermo Milán-Ramos 23JOYCE COM LACAN,JOYCE MAIS LACAN, JOYCELACANCláudia T. G. de Lemos 30CONVIVÊNCIA E ALTERIDADELucy L. da Fontoura 36A VOZ DOS LIVROS OU UMA FICÇÃOCHAMADA AUTORValéria Brisolara 40RESENHA 45DESEJOS SECRETOS: A HISTÓRIA DE SIDONIE C., A PACIENTE HOMOSSEXUALDE FREUD.AGENDA 48

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922

e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Gerson Smiech Pinho e Marcia Helena de Menezes Ribeiro

Integrantes: Ana Laura Giongo, Ana Paula Stahlschmidt,Fernanda Breda, Márcia Lacerda Zechin, Maria Cristina Poli,

Marta Pedó, Mercês Gazzi, Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior, Robson de Freitas Pereira e Tatiana Guimarães Jacques

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2007/2008

Presidência: Lucia Serrano Pereira1a Vice-Presidência: Lúcia Alves Mees2a Vice-Presidência: Nilson Sibemberg

1a Secretária: Lucy Linhares da Fontoura2a Secretárias: Maria Elisabeth Tubino e Ana Laura Giongo

1a Tesoureira: Ester Trevisan2a Tesoureira: Maria Beatriz de Alencastro Kallfelz

MESA DIRETIVAAlfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Laura Giongo, Ana Maria Medeiros da Costa

Ângela Lângaro Becker, Beatriz Kauri dos Reis, Carmen Backes,Emília Estivalet Broide, Fernanda Breda, Ieda Prates da Silva, Maria Ângela Bulhões,

Maria Ângela Cardaci Brasil, Maria Cristina Poli, Maria Lucia M. Stein,Otávio Augusto Winck Nunes, Robson de Freitas Pereira, Siloé Rey e Simone Kasper

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

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ESCRITA E PSICANÁLISE

N° 177 – ANO XVI MARÇO – 2009 ISSN 1983-5337