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FichaTécnica:EDUCAÇÃOAMBIENTALEPOLÍTICASPÚBLICAS:CONCEITOS,FUNDAMENTOSE

VIVÊNCIASOCA–LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbientaldaESALQ/USP

EditoraApprisLtda.2ªEdição-Copyright©2018TodososDireitosReservados.

EditorChefe:VanderleiCruz

[email protected]çãoEditorial:

[email protected]çãoAdministrativa:

[email protected]

DiagramaçãoeProjetoVisual:SaraCoelhoBrunoBraz

CatalogaçãonaFonteElaboradoporSôniaMagalhães

BibliotecáriaCRB9/1191

E242018

Educaçãoambientalepolíticaspúblicas:conceitos,fundamentosevivências/MarcosSorrentino(org.).–2.ed.–Curitiba:Appris,2018.–(Sustentabilidade,Impacto,Direito,GestãoeEducaçãoAmbiental).499p.;23cmVáriosautoresIncluibibliografiasISBN978-85-473-1900-71.Educaçãoambiental.2.Políticapública.3.Sustentabilidade.4.Políticaambiental.I.Sorrentino,Marcos.II.Série.

CDD20.ed.–363.7

EditoraeLivrariaApprisLtda.Av.ManoelRibas,2265–Mercês

Curitiba/PR–CEP:80810-002Tel:(41)3156-4731|(41)3030-4570

http://www.editoraappris.com.br/

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COMITÊCIENTÍFICODACOLEÇÃOSUSTENTABILIDADE,IMPACTO,DIREITO,GESTÃOEEDUCAÇÃOAMBIENTAL

DIREÇÃOCIENTIFICA BelindaCunha

CONSULTORES Dr.JoséRenatoMartins-UniversidadeMetodistadePiracicaba

Dr.JoséCarlosdeOliveira-UniversidadeEstadualPaulista-UNESP

FernandoJoaquimFerreiraMaia-UFRPE

SérgioAugustin-UniversidadedeCaxiasdoSul(UCS)

Prof.Dr.JorgeLuísMialhe-UNESP/UNIMEP

JoséFariasdeSouzaFilho-UFPB

ZysmanNeiman-UniversidadeFederaldeSãoPaulo(Unifesp)

MariaCristinaBasílioCrispimdaSilva-UniversidadeFederaldaParaíba

Iranicegonçalves-UNIPÊ

ElisabeteManiglia-UNESP

Prof.Dr.JoséFernandoVidaldeSouza-UNINOVE

HerthaUrquiza-UFPB

TaldenFarias-UFPB

CaioCésarTorresCavalcanti-FDUC

INTERNACIONAIS EdgardoTorres-UniversidadGarcilasodelaVeja

AnaMariaAntãoGeraldes-FaculdadedeCiênciasdaUniversidadedeLisboa

MariaAméliaMartins-CentrodeBiologiaAmbientalUniversidadedeLisboa

DionisioFernándezdeGattaSánchez-FacultaddeDerecho.UniversidaddeSalamanca

AlbertoLucarelli-UniversitàdegliStudidiNapoliFedericoII

LuizOosterbeek-InstitutoPolitécnicodeTomar

DenisseRocaServat-UniversidadPontificiaBolivariana

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Depalavraempalavra

Com alegria leio e apresento a outros leitores este livro sobre Educação Ambiental e PolíticasPúblicas.Seusconceitos,práticaseexperiênciassãopreciososecontribuemparaoenfrentamentodacriseambiental,estimulandoapotênciadeaçãodosindivíduosecomunidadesembuscadafelicidadedeseredaressignificaçãodaexistência.

Um universo de ideias e conceitos envolvem as políticas públicas e, em especial, a EducaçãoAmbiental: participação, aprendizagem, identidade, comunidade, mudança social, comunicação,direitos,construçãode territórios,ofíciossocioambientais,áreasdeconservação,entreoutros.Todossãoabordadosedesenvolvidosnosmuitosartigosquecompõemambososvolumes.

Emergedeste trabalhoumaespéciede localizaçãodaEducaçãoAmbientalnacentralidadedosesforços sistemáticos para simbolizar nova visão de mundo e também uma nova constelação devalores para a sociedade contemporânea. A orientação desses esforços é participar –e partejar- nonascimentodeumnovoparadigmacivilizacional.

Dentre os conceitos apresentados, quero chamar a atenção especialmente para aquele queremeteaodiálogo,quepermitepactuarafetivamenteacaminhada,socializarutopiasecompartilharresponsabilidadesnaconstruçãodasmesmas.

Diálogocomobaseparaumaeducaçãoambientalcomprometidacomaconstruçãodesociedadessustentáveis para além da própria idéia atual de sustentabilidade. Sociedades com uma dimensãoética evidente, incrustada não apenas em seu sistema educacional,mas numapedagogia própria àvidapública,umacidadaniacapazdepropiciarpermanenteaprendizadoexistencial.

Tenhoditoeescritoemdiversasocasiões:“aspalavrassempreforamosmelhorespresentesquerecebi.Quenãonosiludaaprofusãodeimagensdigitais,dasTVsdeúltimageração-trêsdimensões-e dos tantos efeitos especiais. O que nos constitui são as palavras. Elas são, ao mesmo tempo,sementeefruto.

Semprecultiveienormefascíniopelapalavra,ditaouescrita,sussurradaoucantada,rústicaouerudita,demultidõesoudepoucasvozes.

Hoje, reafirmoque as palavras forammesmomeusmelhores presentes. Aindaque emafiadaslâminasepontiagudassetas,elasjamaisdeixaramdeser,paramim,asmelhoresinstrutorasdemeutrilharpersistente.”

“Palavrasescritas,silenciadasouditassãoasnossasmaisfirmessuperfíciesdesustentação.”Dessas superfícies os escritoresdestaspáginaselevamumamensagemque convidaapensar,

aprender,ressignificar identidades,remodelar ideaisdesere,assim,resgataraschancesdoplanetadeseguirhabitadopelasmaisvariadasespéciesdevida.

AEducaçãoAmbiental falae tratade relacionamentos:daspessoas,dossistemasdevida,dospaíses, das culturas, das subjetividades. O ofício de educador ambiental não se realiza de formacompartimentadaemalgumaestruturainstitucionaloficial,masétransversalatodososprocessosemquesebuscaconstruirumasociedaderegidapelasustentabilidadeesuaéticadocuidadocomavida.

DesdeaideiadefelicidadecomointegridadedoseratéaformadeorganizaçãodosserviçosdoEstado, a Educação Ambiental tem umpapel e uma contribuição a dar, conforme fica expresso emcada artigo desta coletânea, com suas mais variadas abordagens sobre processos educativos emexperiências locais, em pesquisas acadêmicas, em formulação de novas perspectivas para aconstruçãodeidentidadedegrupossociais.

Essa contribuição é extremamente oportuna neste importante ano em que, como anfitrião, oBrasilacolheuacomunidadeinternacionalemumaConferênciaque,referenciadanaRio92echamadadeRio+20,sedebruçounovamentesobreostemasdarelaçãoentreeconomiaeecologia,dajustiçasocialedasustentabilidade.Umnovoideárioque,comosacúmulosedesafiosqueaépocanoscoloca,instala-sedefinitivamentenoterceiromilênio.

Essacontribuição,aqui reunida, jávemsendo feitaporessesautoreshá temposuficienteparaquealgumassementesbrotemefloresçam.Acompanho-asdesdequeoorganizadordestesvolumes,oprof.MarcosSorrentino,faziapartedaequipequeformamosnoMinistériodoMeioAmbiente,dirigindoaáreadeEducaçãoAmbiental,ajuntandoaspalavras-conceitos,experiênciasepráticas-detantosquantosselançaramnaconstruçãodessanovautopiaparaosnovostempos.

Depalavraempalavra,vamos fazendonovassemeadurasecolheitas,apreciando,emmeioaoruído dosmuitos sinais de alerta, emitidos pela crise de nossos dias, o perfumedas flores que nosaprazefascina,semprecisarnegaranecessidadedofrutoquenosalimentaesacia.

MarinaSilva

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 11

COMUNIDADE,IDENTIDADE,DIÁLOGO,POTÊNCIADEAÇÃOEFELICIDADE:FUNDAMENTOSPARAEDUCAÇÃOAMBIENTALMarcosSorrentinoet.al.

21

ODESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVELEMQUESTÃO:CORRENTESEPOLÊMICASEMTEMPOSDIFÍCEISViriatoSoromenho-Marques

63

APRENDERASABER,PARTILHAROSABER:ALGUMASIDEIASCOMOUMCHÃOPRONTOPARASEMEARPROPOSTASDEUMAEDUCAÇÃOAMBIENTAL

CarlosRodriguesBrandão71

SABERPARASI,SABERCOMOSOUTROSCarlosRodriguesBrandão 89

OCONCEITODE‘COMUNIDADE’NAEDUCAÇÃOAMBIENTALAndréaQuirinodeLuca

ThaísBrianezi109

O‘DIÁLOGO’COMOOBJETODEPESQUISANAEDUCAÇÃOAMBIENTALAndréaQuirinodeLuca

DanielFonsecadeAndrade119

SUSTENTABILIDADESOCIOAMBIENTALEAPRENDIZAGEMSOCIAL–ODESAFIODEPROMOVERCOOPERAÇÃOECORRESPONSABILIDADENASPOLÍTICASAMBIENTAIS

PedroRobertoJacobi131

QUALARELAÇÃOENTREODIREITOÀCOMUNICAÇÃOEAEDUCAÇÃOAMBIENTAL?ThaísBrianezi 143

APRENDERCOMESPINOSA:EDUCAÇÃOEAMBIENTEAlessandraBuonavogliaCosta-Pinto 153

ESPINOSA,UMAFILOSOFIADAVIDA,UMAFILOSOFIADEVIDAMariaLuísaRibeiroFerreira 169

ATEMÁTICADAFELICIDADEEABUSCADEINDICADORESDESUSTENTABILIDADESOCIOAMBIENTALDeniseMariaGândaraAlves

MarcosSorrentino191

FELICIDADEEESPIRITUALIDADEDeniseMariaGândaraAlves

MarcosSorrentino203

APROXIMANDOEDUCADORESAMBIENTAISDEPOLÍTICASPÚBLICASDanielFonsecadeAndrade

MarcosSorrentino215

EDUCAÇÃOAMBIENTALNAFORMAÇÃODEJOVENSEADULTOSSimonePortugal

MarcosSorrentinoMoemaViezzer

225

CONTROLEJUDICIALDEPOLÍTICASPÚBLICAS,MEIOAMBIENTEEPARTICIPAÇÃOPOPULARIsisAkemiMorimotoMarcosSorrentino

245

IMAGINÁRIOPOLÍTICOECOLONIALIDADE:DESAFIOSÀAVALIAÇÃOQUALITATIVADASPOLÍTICASPÚBLICASDEEDUCAÇÃOAMBIENTAL

LuizAntonioFerraroJúniorMarcosSorrentino

263

PARTICIPAÇÃOEMANCIPATÓRIA:REFLEXÕESSOBREAMUDANÇASOCIALNACOMPLEXIDADECONTEMPORÂNEAEdaTerezinhadeOliveiraTassara

OmarArdans281

AAMBIENTALIZAÇÃODAESCOLA:AEXPERIÊNCIADOPROGRAMAESCOLASSUSTENTÁVEISFernandaBelizárioJuscelinoDourado

JúliaTeixeiraMachadoAlineMeneses

RicardodeUrrutiaMouraRachelAndriolloTrovarelli

295

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DIÁLOGOEPARTICIPAÇÃOEMAÇÕESCOLETIVAS:CAMINHOSPARAAEDUCAÇÃOAMBIENTALMariaIsabelG.C.Franco

SimonePortugal

303

FORMAÇÃOEMEDUCAÇÃOAMBIENTAL:UMAEXPERIÊNCIADESESTABILIZADORAMariaRitaAvanzi 315

PROJETOCAXIMBA:RECONHECENDONOSSAREALIDADEECONSTRUINDONOSSOFUTUROPedroMelloBourroul

SilviodoCarmoJunior327

EDUCAÇÃOAMBIENTALEMUNIDADESDECONSERVAÇÃOAndreaAbdalaRaimo 339

EDUCAÇÃOAMBIENTAL,SOCIOAMBIENTALISMOEIDENTIDADE:POSSIBILIDADEDENOVOSOFÍCIOSSOCIOAMBIENTAISEMÁREASPROTEGIDAS

YaninaMicaelaSammarcoMarcosSorrentino

JavierBenayas

349

DIÁLOGOECONFLITONAÁREADEPROTEÇÃOAMBIENTAL(APA)EMBU-VERDEMariaEugêniaCamargo 365

PARTICIPAÇÃOSOCIALEDIÁLOGOENTREAGRICULTURAEMEIOAMBIENTENACONSTRUÇÃODEPOLÍTICASPÚBLICASVOLTADASÀRESTAURAÇÃODEMATASCILIARES

MariaCastellano375

METODOLOGIASPARTICIPATIVASEMEDUCAÇÃOAMBIENTALHaydéeTorresdeOliveira 389

COLETIVOSEDUCADORESNACONSTRUÇÃODETERRITÓRIOSSUSTENTÁVEIS:AEXPERIÊNCIADOCOLETIVOEDUCADOR

PIRACICAUÁ

IsabelaKojinPeresSimonePortugal

ValériaM.FreixêdasVivianBattaini

399

CURSODEFORMAÇÃOEMEDUCAÇÃOAMBIENTALEPOLÍTICASPÚBLICAS:UMAEXPERIÊNCIADAUNIVERSIDADECOMAREDEMUNICIPALDEENSINODEAMERICANA

SemiramisBiasoliDeniseGândaraAlves

409

POLÍTICADEEDUCAÇÃOAMBIENTALDESUZANO/SP:ALGUMASDIMENSÕESPARAREFLEXÃOMariaHenriquetaAndradeRaymundo 421

POLÍTICAPÚBLICAEEDUCAÇÃOAMBIENTAL:POSSIBILIDADESEDIFICULDADESDAAGENDA21ESCOLARMariadeLourdesSpazziani

BárbaraSuleimandeMacedo433

DENTRODACRISÁLIDAOUDOCOURODODRAGÃO?DILEMASDOEDUCADORAMBIENTALQUANDODENTRODOESTADOLuizAntonioFerraroJúnior 451

POT-POURRIDAECOLOGIADERESISTÊNCIAMichèleSato

461

AINCLUSÃODADIMENSÃOAMBIENTALEMUMESPAÇOEDUCADOR:AEXPERIÊNCIADAOCAVivianBattaini

JúliaTeixeiraMachado485

SOBREOSAUTORES 491

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APRESENTAÇÃO

ÉvozcorrenteaafirmaçãosobreadifícilsituaçãodaTerraparasuportarahumanidadeetodasasformas de vida que nela habitam. Cientistas,meios de comunicação, professoras e professores e opovo em geral, apontam inúmeros e distintos problemas socioambientais que colocam em risco acapacidadedesuporteeasustentabilidadeparatodosnoPlaneta.

Aquecimentoglobal,mudançassocioambientaisplanetárias,extinçãodeespécies,faltadeáguacomqualidadeequantidadesuficienteparaatenderàsnecessidadesdosdiversosgruposhumanosemtodasaspartesdaTerra, carênciadealimentose condiçõesbásicasdeexistênciaparamaisdeumbilhãodehumanos,guerras,poluiçãodetodosostipos,depressão,estresse,alteraçõesclimáticas,sãoalgunsdostemasquenosdistanciamdossonhosdeumahumanidadefeliz,pacíficaededicadaaoseuaprimoramentoespiritual.

Diversos caminhos sãoapontadosparaa superaçãodessesedeoutrosproblemas.Alguns sãoimpostos comoa “salvaçãodapátria”e logo semostramcomomaisumaaventuraautoritária,queacabasacrificandoinúmerasvidashumanasedegradandoaindamaisascondiçõesdeexistência.

Uma necessidade de consenso parece emergir: os caminhos para a construção dos sonhoshumanospassampelademocraciaepelaparticipaçãodetodos.Pelainclusãoradical,nadiversidade,ou seja, por processos de inclusão comprometidos com a diversidade de pensamentos, saberes,sabores,histórias,culturas,etnias,raçaseopçõesdecadaumdosseusparticipantes.

Nessesentido,noBrasil,algunsafirmamaimportânciaeanecessidadedesermosmaisde193milhões de pessoas educando-se ambientalmente. Nenhum a menos! Outros respondem ser issoinviáveleutópico.DizemserimpossívelaexistênciadepolíticaspúblicasdeEducaçãoAmbiental(EA)inclusiva, democrática e transformadora, sem antes ocorrer uma revolução social e econômica,superandoafome,amisériaeaalienaçãoconsumistafomentadapelomododeproduçãocapitalista.

Opontodeconvergênciapareceserodacompreensãodequeaquestãoprecisatomarocoraçãodos governos de transição, pactuados por distintas forças sociais, acumulando-se energia paratransformaçõesmaisprofundas.Torna-senecessáriaadestinaçãoderecursosparaa implantaçãodepolíticaspúblicasquevãoda formaçãodeespecialistas,estruturaçãodosorganismosdeEstadoporelas responsáveis, ao financiamento de projetos da sociedade que estejam em sintonia com taispolíticas.

Nessecontexto,àacademianãocabeapenasrealizaracríticaaosgovernoseàspolíticas–quasesempre transitórias – para constatar o frequente autoritarismo e desonestidade ideológica que ospermeiam, gerando frustração e diminuindo a potência de ação de indivíduos e grupos. Cabe a elatambémenvolver-senareflexãosobreaelaboraçãoeimplantaçãodepolíticaspúblicas,contemplandoatoresantesimpensáveisparaessepapel.Emsuaatribuiçãodeproduzirpesquisa,ensinoeextensão,podecontribuirparapotencializarasociedadenasinergiaentreiniciativasquedialoguemcomasreaisdemandasedesejosdosdiversosgrupossociaisquecompõemestegrande,diversoeaindadesigualpaís.

A presente Coletânea se insere dentro deste desafio de uma missão acadêmica engajada eampliada.Osartigosforamelaboradosporautoraseautoresdedistintasáreasdeatuação,atendendoao convite feito pela Oca, para a construção de uma obra que colabore com o enfrentamento delacunasqueobstaculizamomaioramadurecimentoerealizaçõesdaEducaçãoAmbientalentrenós.

AOca – LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental – funcionanoDepartamentodeCiênciasFlorestaisdaEscolaSuperiordeAgriculturaLuizdeQueiroz(ESALQ/USP)hámaisdevinteanos.Maisdoqueumaestruturafísica,éumconceitocultivadoporestudantese,posteriormente,adensadocomaparticipaçãodeservidoresdessa instituiçãoeporcolaboradoresdePiracicabaedediversosoutroslocais do país, que nela encontraram acolhimento para realizarem trabalhos de pesquisa, ensino eextensão,bemcomoparadialogaremlivrementesobreseusprojetosdevidaesobrecaminhosparaaconstruçãodesociedadessustentáveis.

Umconceitodeespaçoabertoatodosaqueleseaquelasquedesejamseencontrarparadialogarefortalecer-senaaçãopeloBemComum.ComonumagrandeOcademuitosdospovosnativosdestaregião,procuraserumaestruturaeumespaçoeducador,revitalizadorepotencializadordoagir.Semdoutrinasdomesticadoras,cultivaaautonomiaeaautogestãocrítica,buscanexosdecausalidadedadegradação socioambiental e procura construir caminhos educadores que contribuam para odesenvolvimentoeafelicidadedetodososseresemsociedadessustentáveis.

Tais sociedadessustentáveisnãosãoutopiasacríticas, sinônimodeequilíbrioeharmoniaa seralcançadacomopontofinal,ilhaparadisíacanaqualterminaahistória.Asuaconstantebuscafuncionacomoumautopiamotivadoradocaminhar,daexpressãoediálogosobreasesperançasdecadaumedecadagruposocial.

Não significa uma adesão fanática a uma nova religião, ignorando-se ummundo dividido emcastas e classes sociais, ou em hemisférios e sociedades desiguais e em culturas e esperançasprojetuaisdiversas,masbuscamotivaraçõesvoltadasaoaprendizadosobreeàsuperaçãodetodasasformasdeexploraçãoentrehumanosedessescomasdemaisespéciescomasquaiscompartilhamosoPlaneta.

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Nas suas tensões e contradições, lutas e desigualdades sociais, e nos projetos voltados à suacompreensãoesuperaçãonadireçãodeumpresentecompartilhadoedeumfuturomelhorparatodos,residem inúmeras possibilidades de desenvolvimento humano a serem trabalhadas pela EducaçãoAmbiental.

Para o processo de amadurecimento e qualificação da EA que se pensa e faz no Brasil, éimportanteoenfrentamentodequatroordensdedesafios,colocadosparatodosaquelesquedesejamiralémdesuasjámeritóriasaçõeseducadoraseambientalistas.Sãoeles:

1. Defundamentação,explicitaçãoediálogossobreconceitos,ideologias,utopias,filosofias,queanimamasdistintaspráticasnessecampo;

2. De políticas públicas multissetoriais, que enfrentem os fatores impeditivos de sua realização ecompreendamaimportânciadosdistintosatoresparasuaformulação,implantaçãoeavaliação;

3. De desenvolvimento de uma pedagogia que compreenda sua dimensão política e dialogue com asdiversas ciênciasdo campodaeducação, traduzindo-as empráticasparao cotidianoescolar enãoescolarizado;

4. Deapresentaçãoeanálisedeexperiênciasqueemergemnocampo,tendo-ascomoreferênciaparaaformulação,implantaçãoeavaliaçãodaspolíticaspúblicas.

Emtodaselasénecessáriosedefrontarcomquestõesque,sobopontodevistadasexperiênciasdesenvolvidasouacompanhadas,colocam-sedeformaprioritárianocampodaspolíticaspúblicasdeEA:

1. A produção participativa de documentos de referência e sua institucionalização na estrutura doEstado,aexemplodaPolítica,doProgramaedoSistemaNacionaldeEducaçãoAmbiental,omesmoocorrendonosâmbitosestaduais,regionaise/oumunicipais;

2. Popularização/democratização, capilaridade e enraizamento das políticas públicas, por meio deComissões Interinstitucionais de EA, Coletivos Educadores, Salas Verdes, escolas e da formação deespecialistaseeducadorespopulares,cominvestimentonoapoioparaaautoformação,autonomiaeautogestão;

3. ComunicaçãoeEducomunicação, trabalhando-sena implantaçãode instrumentos comoobancodedados–SistemaBrasileirodeEducaçãoAmbiental,oinformativoColeciona,asRedeseobservatóriosemredesdeEA,dentreoutros.

Esta Coletânea de artigos organizados pela Oca, objetiva contribuir para o desvelamento delacunasepistemológicas,depolíticaspúblicasedediálogosavaliativos sobre inúmerasexperiênciasqueocorrememtodoopaís,buscandocompreendersuascausaseconsequências,seusfundamentosteóricos,conceituaisemetodológicos,acompatibilidadeeincompatibilidadeentreprincípios,diretrizese objetivos e as técnicas de intervenção educadora eleitas para a superação dos problemasdetectados.

Oprimeiroartigo,“Comunidade,Identidade,Diálogo,PotênciadeAçãoeFelicidade:Fundamentospara Educação Ambiental”, de Marcos Sorrentino et al., aborda os cinco pilares que podemfundamentar processos educadores comprometidos com a sustentabilidade socioambiental. TecidojuntoaogrupodepesquisadoresdaOca,aolongodeumanodeestudoscoletivos,dialogacomtextosde Boaventura de Sousa Santos, Manuel Castells, Zygmunt Bauman, Carlos Rodrigues Brandão,Enrique Leff,MartinBuber,DavidBohm,EdaTassara, Paulo Freire, Espinosa, Krishnamurti, FernandoPessoa,dentreoutros.

No ensaio “O Desenvolvimento Sustentável em Questão: Correntes e Polêmicas em TemposDifíceis”, o filósofo e ambientalista português Viriato Soromenho-Marques procura estabelecer umbreve“estadodaarte”emtornodatemáticadodesenvolvimentosustentável,mostrandoquetambémno interior da demanda pela sustentabilidade se registra um apaixonante e, por vezes, dilacerantedebate de ideias, tendo por pano de fundo o agravamento dos indicadores da saúde ambiental donossoPlaneta.

Em seu texto “Aprender a saber, partilhar o saber: algumas ideias como um chão pronto parasemear propostas de uma Educação Ambiental”, Carlos Rodrigues Brandão argumenta que a purateoriaetodoumarcabouçodepropostasexclusivamentedidáticasnãosãosuficientesparagerarumaeducaçãoqueliberteoserhumanodesimesmo,paratorná-lolivreobastante,afimdeestabelecercom seus outros e com seu mundo uma nova maneira não apenas de pensar, mas de sentir, dedialogar,devivereconviver.

Osegundotextodomesmoautor,“Saberparasi,sabercomosoutros”,trazaideiadepensaremEducaçãoAmbientalcriando-seformasradicalmente inovadorasde lidarcomaquestãodosaber,doaprenderasaber.Somentepormeiodeumaeducaçãofundadanoadensamentodetrêsdimensõesdediálogo–oquevivocomigomesmo,oqueeuvivocomosmeusoutroseoqueeuvivocomomeu

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mundo–épossível“pensarumpensamento”que,salvandooserhumanodoindividualismopredatórioedominantedasociedadeatual,salve,comele,omundodenatureza-sociedadeemquevive.

Procurandodesconstruirodiscursodamodernização,oartigodeAndréaQuirinodeLucaeThaísBrianezi, “O Conceito de ‘Comunidade’ na Educação Ambiental”, apresenta um aprofundamentoconceitual do termo ‘comunidade’, como contribuição para a fundamentação teórica do campo desaber da Educação Ambiental. Pormeio de pesquisa bibliográfica e debates realizados junto com oGrupo de Estudos da Oca, o texto amplia potencialidades já sinalizadas no primeiro capítulo destaobra.

Andréa Quirino de Luca e Daniel Fonseca de Andrade, no artigo “O ‘diálogo’ como objeto depesquisa na Educação Ambiental”, sugerem abordagens para pesquisas e práticas realizadas emprocessoscoletivosedialógicos,indicandotambémalgumasdificuldadeselocalizandopontosemqueelasprecisamavançar.AfinalidadedotrabalhoécontribuircomorobustecimentopráticoeconceitualdosprocessosdialógicosdeEducaçãoAmbiental.

No artigo “Sustentabilidade Socioambiental e Aprendizagem Social – o desafio de promovercooperaçãoecorresponsabilidadenaspolíticasambientais”,PedroRobertoJacobienfatizaopapeldemetodologias participativas a fim de promover, contribuir e sensibilizar para ampliação dacorresponsabilidade na gestão dos recursos naturais, por meio de processos coletivos e práticasinovadoras,apoiadosemmetodologiasqueestimulamlógicascooperativas.

A partir da pergunta título “Qual a relação entre o direito à comunicação e a EducaçãoAmbiental?”, Thaís Brianezi defende a hipótese de que o reconhecimento e o exercício do direito àcomunicaçãosãofundamentaisparaofortalecimentodaEducaçãoAmbientalcríticaedialógica.Esteensaiosistematizareflexõesteóricasmotivadasporexperiênciasempíricasvividasnoanode2011.

No texto “Aprender com Espinosa: educação e ambiente”, Alessandra Buonavoglia Costa-Pintoobjetiva apresentar alguns elementos do pensamento de Espinosa e fazer, a partir deles, ilaçõesconcernentes a uma prática pedagógica preocupada com o desenvolvimento integral das/osestudantes. Apresenta também um caso concreto de execução de processo educador, que tem noconceitodepotênciadeagirespinosanopartedeseusfundamentoseperspectivas.

Em “Espinosa, uma filosofia da vida, uma filosofia de vida”, Maria Luísa Ribeiro Ferreira,professoraefilósofaportuguesa,pretendemostraracentralidadedoconceitodevidanopensamentodo autor da Ética. A vida é espontaneidade orientada que semanifesta de diferentesmaneiras nosdiferentesmodos.Emboraofilósofonemsempreuseotermo‘vida’,elaestápresentenoseuconceitodeNaturezabemcomoemtodasassuasmanifestações.Por isso lhepodemoschamaro filósofodavida,essaprodutividadequesedesenrolasegundoleis.

Perseguida pelos seres humanos ao longo de sua História, a temática da felicidade chega àciência contemporânea sob as diversas óticas de economistas, psicólogos, psiquiatras, sociólogos eeducadores,emestudossobrebem-estar.Noartigo“ATemáticadaFelicidadeeaBuscadeIndicadoresde Sustentabilidade Socioambiental”, os autores Denise Alves e Marcos Sorrentino incluemaproximações com a questão da espiritualidade não institucionalizada, baseada em valores ético-morais cuja perspectiva vem sendo aplicada ao desenvolvimento de indicadores complexos dequalidadedevida.

No artigo “Felicidade e Espiritualidade”, os mesmos autores apresentam relancestransdisciplinaressobreessascomplexastemáticas,perpassandoporaspectospsicológicosdaloucurae sanidade, sob perspectivas transrelacionais entre filosofia oriental, mística religiosa, movimentossociais,dentrodeumcontextodialógiconãolinearentreOrienteeOcidente.

DanielFonsecadeAndradeeMarcosSorrentinopromovemumaaproximaçãoentreocampodaEducação Ambiental e aspectos teóricos de políticas públicas. O texto “Aproximando educadoresambientaisdepolíticaspúblicas”colocaeensaia respostasparaduasquestõesdepolíticaspúblicasconsideradas fundamentais para educadores e educadoras ambientais que estão se inserindo nestecampo:oquesãopolíticaspúblicaseoquecompõeumapolíticapública.

Simone Portugal, Marcos Sorrentino e Moema Viezzer abordam a importância de inclusão da“EducaçãoAmbientalnaformaçãodejovenseadultos”,edemonstramarelevânciaeanecessidadedaconvergênciaentreasações,políticas,programaseprojetosdeEducaçãoAmbientaledeEducaçãodeJovenseAdultos.

Isis Akemi Morimoto e Marcos Sorrentino, em “Controle judicial de políticas públicas, meioambienteeparticipaçãopopular”,trazemdoDireitoumareflexãosobreocontrolejudicialdepolíticaspúblicaseaimportânciadaparticipaçãopopularnestecontrole,segundoosautores,fundamentalparaque as políticas públicas na área ambiental e de Educação Ambiental possam ocorrer dentro darealidadebrasileira, comescassezde recursos,mádistribuiçãode renda, poucoounenhumdiálogoentreosentespúblicoseprivados,dentreoutros.

No artigo “Imaginário Político e Colonialidade: Desafios à Avaliação Qualitativa das PolíticasPúblicasdeEducaçãoAmbiental”,osautoresLuizAntonioFerraroJúnioreMarcosSorrentinoprocuramenunciar ometaprojeto que orientou a formulação e implantação de políticas públicas de EducaçãoAmbiental no Ministério do Meio Ambiente e no Órgão Gestor da Política Nacional de EA no Brasil,durante a gestão da Ministra Marina Silva. Reafirmam a importância de se promover processos dearqueologiavirtualdopresente,visitandooimaginário,comocampomaisprofundodacriaçãopolítica,comoestratégiaessencialparaoamadurecimentodosdebatesquepossibilitamacríticaeatomada

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dedecisões.Em “Participação emancipatória: reflexões sobre a mudança social na complexidade

contemporânea”, Eda Terezinha de Oliveira Tassara e Omar Ardans, a partir de uma distinçãoconceitual entre racionalidade e racionalização, tecem uma precisão dos campos semânticos dostermos‘participação’e‘emancipação’,mostrando-oscomoatributosnecessáriosdeumaracionalidadeética, comprometida com a aceitação dos valores da liberdade e da democracia. Conclui-se pelanecessidade de instauração de processos de reflexividade da socialização e ressocialização, comocatalisadoresdaautonomiaindividualedaemancipaçãocoletiva.

FernandaBelizário, JuscelinoDourado, JúliaTeixeiraMachado,AlineMeneses,RicardodeUrrutiaMouraeRachelAndriolloTrovarellinosbrindamcom“Aambientalizaçãodaescola:aexperiênciadoprogramaEscolas Sustentáveis”. O texto sintetiza as ações de primeiro ano de funcionamento doprogramaemPiracicaba(SãoPaulo)easliçõesaprendidas.

No artigo seguinte, Maria Isabel G. C. Franco e Simone Portugal apresentam, em “Diálogo eparticipação em ações coletivas: caminhos para a Educação Ambiental”, uma reflexão sobre aEducaçãoAmbientalescolardialógicaeparticipativa.Asperguntaseconsideraçõestomamcomobasedois estudos de caso: umemumaescola deEnsino Fundamental deBrasília e outro daAgenda21escolardeEmbu(SãoPaulo).

MariaRitaAvanzi, em“FormaçãoemEducaçãoAmbiental:umaexperiênciadesestabilizadora”,desenvolvereflexõessobrecontributosdeumaexperiênciaformativadepesquisadoras-educadorasàEducação Ambiental. Baseia-se na perspectiva da hermenêutica filosófica, em que o processo decompreensãopressupõeamodificaçãosujeito-objeto.Osaber formativoéabordadocomoumsaberencarnado,integradoàsexperiênciasdevidaequeseconstróiapartirdeumprocessodeatribuiçãodesentidos.

O“ProjetoCaximba: reconhecendonossarealidadeeconstruindonosso futuro”contaahistóriadeumainiciativadeumgrupodeestudantesdegraduaçãodaESALQ/USPnoParqueEstadualdoAltoRibeira (PETAR). Pedro Mello Bourroul e Silvio do Carmo Junior, que fizeram parte desse coletivo,compartilhamumdetalhadorelatodessaexperiênciadedoisanos,associadaàelaboraçãodoplanodemanejodareferidaunidade.

Andrea Abdala, no artigo “Educação Ambiental em Unidades de Conservação”, ressalta aimportânciadesse casamento temático. Eladefendequeoestímuloaodiálogoe àparticipação sãofundamentaisparaaefetivacontribuiçãodascomunidadesnagestãodaschamadasáreasprotegidas.

Em “Educação Ambiental, socioambientalismo e identidade: possibilidade de novos ofíciossocioambientaisemáreasprotegidas”,YaninaMicaelaSammarco,MarcosSorrentinoeJavierBenayassedebruçamsobreos serviços socioambientaisemáreasprotegidas.Sem ignorara controvérsiadotema,ostrêsautorescomemoramapossibilidadedecaptaçãoderecursosextrasparaaconservaçãoambiental,inclusiveparaasfamíliasresidentesemáreasprotegidas.

Apropostadoartigo “DiálogoeconflitonaÁreadeProteçãoAmbiental (APA)Embu-Verde”,deMaria Eugênia Camargo, é tecer algumas considerações acerca das possibilidades do diálogo numambientedeconflito,emmeioàproblemáticadaefetivaçãodeumaÁreadeProteçãoAmbiental,emplenaregiãometropolitanadeSãoPaulo.QuaisaspossibilidadesdaEducaçãoAmbientalnocontextodaproblemáticadaAPAEmbu-Verde?AsreflexõesaquienunciadasfazempartedeumaproblemáticamaiorqueorientaapesquisadeDoutoradodaautora.

MariaCastellano, noartigo “Participação social ediálogoentreagriculturaemeioambientenaconstrução de políticas públicas voltadas à restauração de matas ciliares”, demonstra um caso deimplantação conjunta de uma política pública de matas ciliares entre as Secretarias de Estado daAgricultura e Meio Ambiente, de uma unidade federativa brasileira e os obstáculos encontradosjustamentepelaincapacidadedeestabelecimentodediálogoentreasduasSecretariase,ainda,entreessaseosdemaispúblicosenvolvidosnoprojeto(proprietáriosruraiseinstituiçõesexecutoras).

Em seu texto “Metodologias Participativas em Educação Ambiental”, Haydée Torres deOliveiratratadediferentesabordagensdepesquisasparticipativasquepodemserencontradasnostrabalhosdeEducaçãoAmbientalnoBrasil,comênfase,tantonahistória,quantonasdiferençasconceituaisqueexistem entre elas, visando colaborar com a fundamentação de escolhas pedagógicas paraintervençõeseducadoraseinvestigativasemEducaçãoAmbiental.

Em “Coletivos Educadores na construção de territórios sustentáveis: a experiência do ColetivoEducador Piracicauá”, Isabela Kojin Peres, Simone Portugal, Valéria M. Freixêdas e Vivian Battainicontam a história da formação e funcionamento desse importante espaço em que se exercita amáxima do “somos todos aprendizes”. As autoras abrem para o leitor vivências dessa construçãocoletivacotidiana,recheadadeiniciativaseprojetosemandamento,tendocomoeixoaformaçãodeeducadores ambientais e como principal desafio o de construir uma agenda comum com entidadesparceiras.

No texto “CursodeFormaçãoemEducaçãoAmbiental ePolíticasPúblicas:UmaexperiênciadaUniversidade com a Rede Municipal de Ensino de Americana”, Semiramis Biasoli e Denise AlvesdescrevemumaexperiênciadaOcanodesenvolvimentodeumcursodeaperfeiçoamentoeformaçãodeeducadoras(es)ambientaisemparceriacomaPrefeituradeAmericana,paraprofessoresdaRedeMunicipaldeEnsinoeatoresdaáreasocioambientaldomunicípio.Sãodescritososobjetivos,estruturaeresultadosobtidos,comcomentáriostecidosàluzdareceptividadedosparticipantes.

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Maria Henriqueta Andrade Raymundo esmiuça o campo das políticas públicas municipais. Em“PolíticadeEducaçãoAmbientaldeSuzano/SP:algumasdimensõesparareflexão”,aautorarevelaasetapas,obstáculosevitóriasdaconstruçãodaPolíticadeEducaçãoAmbientaldeSuzano,no interiordeSãoPaulo.

MariadeLourdesSpazzianieBárbaraSuleimandeMacedofazemumaanálisedaimplantaçãodeuma política pública federal de Educação Ambiental, o programa “Vamos cuidar do Brasil com asescolas”,propostopeloMEC,apartirdepesquisarealizadacomgestores,educadoreseeducandosemescolas participantes do programa, em ummunicípio do interior do Estado de São Paulo. No artigo“Política Pública e Educação Ambiental: possibilidades e dificuldades da Agenda 21 Escolar”, osresultados, apesar de enfatizarem o impacto positivo de tais projetos, apontaram para a baixasustentabilidadedeprogramasgovernamentais,porcontadafragmentaçãoemseusdesdobramentos.

Luiz Antonio Ferraro Júnior identifica aspectos importantes relativos ao exercício da função degestor público de Educação Ambiental no Brasil em seu texto “Dentro da crisálida ou do couro dodragão?DilemasdoeducadorambientalquandodentrodoEstado”.Oautorremeteàscontradiçõesdeuma posição que busca trazer mudanças (a crisálida) dentro de uma estrutura rígida, violenta epatrimonialistaqueéoEstadobrasileiro(odragão),eindicaalgunslocaisnosquaisessascontradiçõessematerializam.

Em“Pot-pourridaEcologiadeResistência”,MichèleSatoabreasportasdoGrupoPesquisadoremEducaçãoAmbiental,ComunicaçãoeArte(GPEA),noMatoGrosso.Pormeiodasnarrativasdeváriosprojetos, em forma de manifesto poético, o artigo entrelaça os sonhos de um grupo pesquisadormilitante,dandotestemunhodachamada‘ecologiaderesistência’.

VivianBattaini e Júlia TeixeiraMachado,em“A inclusãodadimensãoambiental emumespaçoeducador: a experiência da Oca”, relatam a experiência do Laboratório de Educação e PolíticaAmbientalnasuaconstituiçãocomoumespaçoeducadorambientalista.Ofocodaanálise,feitadentrodeumcontextohistóricoqueéporelasexplicitado,enfatizasuabuscapelaautogestão,contribuindocomaformaçãodepessoascomprometidascomprocessoseducadoresambientalistaseaconstruçãodesociedadessustentáveis.

Convidamosvocêsaodiálogoeàreflexão,apartirdostextosaquiapresentados,queesperamosser,alémdeprovocativos,tambémdeleituraprazerosa!

EquipedaOca

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COMUNIDADE,IDENTIDADE,DIÁLOGO,POTÊNCIADEAÇÃOEFELICIDADE:FUNDAMENTOSPARAEDUCAÇÃOAMBIENTAL1

PorMarcosSorrentino,EdnaFerreiraCostadoSim,LauraVidottoSacconi,AndreaAbdalaRaimo,SimonePortugal,SandraMariaNavarro,JúliaTeixeiraMachado,IsisAkemiMorimoto,AndréaQuirinodeLuca,LéoEduardodeCamposFerreira,CintiaGüntzel-Rissato,AlessandraBuonavogliaCosta-Pinto,AnaPaulaCoati,

ThaísBrianezi,VanessaMinuzziBidinoto,SemiramisAlbuquerqueBiasoli,CibeleRandiBarbosa,DanielFonsecadeAndrade,DeniseMariaGândaraAlves.

IntroduçãoO presente texto resulta do ciclo de estudos coletivos do Laboratório de Educação e Política

Ambiental (Oca), realizado entre maio de 2009 e início de 2010, visando a sustentabilidade deprocessos educadores ambientalistas. O ciclo teve como objetivo a melhor compreensão de cincoconceitos considerados pelaOca comopilares para a EducaçãoAmbiental (EA): identidade, diálogo,comunidade,felicidadeepotênciadeação,transitandodaFilosofiaàPedagogiapormeiodaPolítica.

Dentrodessecontexto,portanto,decriaçãocoletiva,esteartigoapresenta-secomoummosaicodecontribuiçõesfeitasapartirdasdiferentesleiturasediálogosdogrupo.

Assim,oartigodesenvolve-seemcincopartesquesãointerdependenteseseretro-referenciam,mas que mereceram olhares específicos visando a uma melhor compreensão da EA, a partir dosdiferentes e idiossincráticos olhares do grupo sobre as seguintes questões: como garantir acontinuidadeesustentabilidadedeprocessoseducadoresemEA?Queestratégiaspodemserpensadaspara dar continuidade às ações de uma intervenção educacional? Quais os caminhos que podemcontribuirparaoaprimoramentodeprocessosdeEducaçãoAmbientaleparasuaautogestãopolítica?

Pensar e realizar uma Educação Ambiental adequada às particularidades de cada pessoa e decadagrupo,e seuscontextos socioambientaisexigequeoprocessoeducadorpotencializeosatoresnele envolvidos, promovendo a ampliação de sua conectividade com instituições educadorasambientaisdiversaseofortalecimentodesseprocesso,possibilitandoassimasuacontinuidade.Essaconexão possibilita o diálogo entre teoria e prática, comunicação e educação, opensar/planejar/informar/agir/avaliar/estudarese realizapresencialmenteeàdistância,permitindoocontatoentreumadiversidadedeatores,de locaisedetempos. Issoaproximadecadapessoaedecadagrupoodesafiodeseeducarambientalmente,relacionandosubjetividadeepolíticapública,entreaaçãomicrolocaleumaaçãomaisabrangente.

Nessesentido,acontinuidadedeumprocessoeducadorambientalistarequeraconstruçãoe/oufortalecimentodeespaçosdemediação,produçãoearticulaçãodeconhecimentosesaberes,pautadospelodiálogoesintonizadoscomatransformaçãohumanaesocial.Espaçosquepropiciemmomentosde reflexão consigo mesmo e com o outro, fundamentados no encontro Eu-Tu (BUBER, 1974), nadescobertadaplenitudedaessênciahumana.

PartimosdoconceitodeComunidade,emquecadaqualbuscaeexercitasuaprópriaIdentidade,individual e coletiva, a partir do Diálogo, cujas descobertas incrementam a Potência de Ação,permitindo que sejamos capazes de iniciar e manter processos que possibilitem a tão almejadaFelicidade.

Épreciso destacar que entendemosComunidade não como sinônimode localidadegeográfica,mas como conceito existencial organizador da relação das pessoas com o grupo, do sentimento deidentidadecomumedoestímuloàsolidariedade.

OquenosmotivouécompreendercomoosindivíduosveemasieaopróximoeconstroemumaIdentidadecoletiva,ecomocadaumdenósserelacionacomoplaneta.Aquipensamosnaconstruçãoda Identidade enquanto um processo que não tem fim ou destino, sendo um projeto incompleto.Precisamos buscar a construção de identidades, a partir de leituras da totalidade, abandonandoingenuidades e reconhecendo asmúltiplas influências que sofremos, demodoa sermos capazes deextrairoquedefatoconsideramosimportantedouniversode“bombardeio”culturalaoqualestamosexpostos.

AconstruçãodenossaIdentidadeenfrentainúmerasdificuldades,entreasquaisestáaarmadilhadenosanularmos,jáqueénecessáriomergulharnooutroparacompreendê-loemsuatotalidade.Noentanto, para avançar rumo ao seu universo subjetivo, sem nos levar à autoanulação, é precisoinicialmentenosconhecermos,reconhecermosefortalecermos.AquipartimosparaareflexãodoquechamamosdeDiálogo.

Segundo Bohm (2005), a palavra Diálogo provém do grego dialogos, significando em últimainstância,“umacorrente(oufluxo)designificados”(dia:atravésde;logos:osignificadodapalavra).Ofluirdesignificadospropiciaaconstruçãodealgonovo,nãoexistenteanteriormente,umsignificadocompartilhadocoerente,queéaculturaequeéoquemantémpessoasesociedadesunidas.

Dialogando, expomos nossa essência e ganhamos mais consciência de nós mesmos, nossasfragilidades e fortalezas, virtudes e falhas, o que queremos e com o que não concordamos,encontrandonossolugarnasociedade,quenadamaiséqueaexpressãodanossaIdentidade.

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Porfim,oDiálogobuscaoaprendizado“docontextoedanaturezadosprocessospelosquaisaspessoasformamseusparadigmas”(ISAACS,1993:38),fazendocomqueaspessoassejamcapazesdeperceberem-secomoparticipantesdeumconjuntodesignificadoscompartilhados.

AemergênciadacapacidadedeagiremdireçãoàtransformaçãoquequeremosestárelacionadaàPotência deAção, “à passagem da passividade à atividade, da heteronomia passiva à autonomiacorporal”(SAWAIA,2001:125).Éimportantelembrarque,paraEspinosa,“serlivrenãosignificafazeroque se quer nomomento emque se quer, e simempreender demaneira responsável e conscienteaçõescoletivas”(SANTOS&COSTA-PINTO,2005:299).

E a Felicidade? Onde se encontra? Essa é uma pergunta que deixaremos para você, leitor,responder.Opresenteartigoéumconviteàreflexãoeàsdescobertasoriundasdamesma,exigindodetodosnóscoragemeiniciativaparaamudançanecessária,nabuscadafelicidadedeummundonovo.

Boaleitura!

1.COMUNIDADES1.1Diferentesabordagens

Oconceitode ‘comunidade’nasceunaSociologia.Seuhistóricoe, consequentemente,achaveparasuacompreensão,vemdaoposiçãoaoconceitodesociedade.Em1887,FerdnandTönnies(2002)definiucomunidadecomosendoolugardasrelaçõesnaturais,nãoracionais,baseadasemsentimento,como a amizade ou a vizinhança. Já a sociedade era fruto de associações deliberadas para finsracionais,baseadaseminteresse,comooscontratoseconômicosouospartidospolíticos.

Na mesma linha e época, Émile Durkheim (2008) distinguiu a solidariedade mecânica dasolidariedade orgânica. Enquanto a primeira estaria para a comunidade, por ser caracterizada pelocompartilhamentode tradiçõeseatividadesque caracterizamopequeno (a vila), a segundaestariapara a sociedade, por constituir-se de uma diversidade de habilidades, ideias e funçõescomplementares.

Nasduasperspectivas,háapredominânciadeumtomromântico, saudosista:acomunidadeéidealizadacomoespaçodeconsensoedecooperaçãoplenos,ameaçadosdeextinção.Háaindaumaoutravertente,quetambémabordaoconceitodecomunidadeemcontrasteaodesociedade,masapartir deumângulooposto: odaglorificaçãodopresente.Nessaabordagem,amodernidadeéquepassaaserexaltadaeacomunidadeévistacomoalgoprimitivoeultrapassado(BRIANEZI,2007).

É importante que se ressalte, no entanto, que idealização e preconceito são faces damesmamoeda: a caricatura. São entendimentos que resultam de classificações externas arbitrariamenteimpostas aos seres classificados, que costumam legitimar discursos de dominação, mas podem setornar bandeiras de luta. Por exemplo, as ditas comunidades tradicionais amazônicas são vistas pormuitospreservacionistascomoessencialmenteprotetorasdosrecursosnaturais,maisdoquesujeitoscom cultura dinâmica e cidadãos portadores de direitos (DIEGUES, 1996). Por outro lado, para osideólogos do progresso, elas são núcleos de atraso e pobreza, a serem extintos ou modernizados(BRIANEZI,op.cit.).

Porém,oquedefatonosinteressasãoasautodenominações:comoosindivíduosveemasieaopróximo e constroem uma identidade coletiva. Os moradores da floresta adotaram a denominaçãocomunidadecomobandeiradelutae,nãoporacaso,apolíticapúblicacriadaem2007pelogovernofederal,comintensaparticipaçãodeles,intitulou-sePolíticaNacionaldeDesenvolvimentoSustentáveldosPovoseComunidadesTradicionais,deslocandootermo“populações”,maisapolítico,provenientedocampodademografia(ALMEIDA,2007).

Nocontextodesteartigo,comunidadenãoéentendidacomosinônimodelocalidadegeográfica,mas sim, comocolocaGusfielld (1995), umconceito existencial organizador da relaçãodaspessoascomo grupo, do sentimento de identidade comume do apelo à solidariedade. Emoutras palavras,comocritériodeaçãogovernadopelopertencimentocomumenãocomoaarenafísicaondeaaçãoocorre.

Nesta linha,umautorquenos inspiraéZygmuntBauman.Emseu livro,“Comunidade:abuscapor segurança nomundo atual” (2003), o autor aborda a tensão entre liberdade e segurança, doisvaloresurgentesenecessáriosquenuncaforamajustadospornenhumaformadeuniãohumana.Nummundo privatizado e individualizado, onde tudo se desloca numa velocidade sem precedentes, ascomunidadessãoavidamentedesejadascomoumanecessidadedesegurança.

NaanálisedeBauman(Op.cit.),aRevoluçãoIndustrialeacriaçãodoEstado-naçãogeraramumnovo ambiente de trabalho, que não estava mais vinculado aos ciclos da natureza. Pessoas foramdespidasdosantigoshábitoscomunitariamentesustentados,resultandonadestruiçãodeseuspapéissociais, de sua individualidade e condensadas namassa trabalhadora. A naturalidade dos trabalhosvivenciadosesuarededeinterações,queeradotadadesentidoepertencimento,nãofoireproduzidanoambientefriodetrabalhodasfábricas,propiciandoumregimedecomando,obediênciaepunição,terminandoporexterminarascomunidadespormeiododesenraizamentodesuasteias.

Apesardisso,Bauman (Op.cit.) sustenta que o termo continuanos remetendo a algo cálido econfortável,umlugarseguro,umamemóriadeparaísoperdidoquenãofazparteda“durarealidade”em que vivemos. Enquanto humanos, sentimos necessidade de enfrentar, coletivamente, medos eansiedades.Daíofocona“comunidadeperdida”.

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ParaBauman(Op.cit.),abuscaporpertenceraumacomunidadeconstitui“guetosvoluntários”e“guetosverdadeiros”.Oprimeirocasoseriaodoscondomíniosfechados,queaoinvésdefomentaracomunidade,estimulamumamaiorindividualidade.Osegundocasoseriailustradopelasfavelas,ondeoódioeahumilhaçãoindividuaissãopartilhadoscomoutrossofredores.Emambososcasosexisteapercepção do homogêneo de ‘dentro’ separado do heterogêneo de ‘fora’, desfavorecendo adiversidadedentrodacomunidade.1.2Recuperandoosentidocomunitário

AEducaçãoAmbientalquepropomosbuscadesconstruirodiscursodamodernizaçãoerecuperaro sentido comunitário, por meio da construção de coletivos educadores ambientais. Segundo Leff(2002), frente ao processo de globalização, regido pela racionalidade econômica e pelas leis demercado, está emergindo uma política do lugar, das diferenças, do espaço e do tempo, quecentralmente traz os direitos pelas identidades culturais de cada povo e legitimando regras maispluraisedemocráticasdeconvivênciasocial.Éumapolíticadoser,quevalorizaosignificadodautopiacomodireitodecadacomunidadeparaforjarseuprópriofuturo.

ManuelCastells(2007)defendequeestamosvivendoumnovoparadigmadeorganizaçãosocial:a chamada sociedade informacional, que substituiu a sociedade industrial. Nela, a informação viramatéria-primaemercadoriaprimordiais,asnovastecnologiasmoldamatividadeshumanas(masnãoasdeterminam)eaproduçãoeorganizaçãosocialseguealógicaderedes(ondenãodesapareceramasassimetrias,maspredominaainterdependência).Nestanovacultura,asbasesprincipaisseriamo“espaçodefluxos”(quesubstituiuo“espaçodelugares”)eo“tempo intemporal”,noqual“passadopresente e futuro podem ser programados para interagir na mesma mensagem” (CASTELLS, op.cit.:462).

O autor salienta que o espaço de fluxos e o tempo intemporal não são as únicas formaçõesespaciaise temporaisexistentes,masdestacaqueelas sãoasatualmentehegemônicas.Eécontraestahegemoniaexcludenteque,deacordocomEnriqueLeff(Op.cit.),ospovosecomunidadesestãoseinsurgindo,reinventandoapolíticadoespaçoedotempo.

MiltonSantos(2004)tambémcriticaoideáriodaaldeiaglobal,dasupostasupressãodoespaçoedo tempo.Ele lembraquepoucaspessoas,mesmonospaíses ricos, beneficiam-seamplamentedosnovosmeiosdecirculaçãoequeasinformaçõesqueconstituemabasedasaçõessãoseletivas,nãoincidem igualmente sobre todos os lugares. Para o geógrafo, o espaço ainda constitui, ao mesmotempo,“condição,estruturadecontrole,limiteeconviteàação”(SANTOS,op.cit.:321).

Mas como seria a realização e a reconstrução de uma ideia de comunidade nestacontemporaneidade? Que características ela teria? Como seria recriá-la e desenvolvê-la? Isto seriapossível? Se a segurança que a comunidade pode propiciar é umaqualidade fundamental para nóshumanossermosfelizes,paraquepossamosenfrentarcoletivamenteosdesafiosdavida,éaquique,segundoBauman(2003:134)“resideachancedequeacomunidadevenhaaserealizar(...)tecidaemconjuntoapartirdocompartilhamentoedocuidadomútuo”.

Neste sentido de construção coletiva, Santos (2007) nos traz a perspectiva das comunidadesinterpretativas, que seriam baseadas num novo senso comum ético para a construção de um novoparadigma: a solidariedade como forma de saber. Tais comunidades seriam a experimentação desociabilidades alternativas, onde há espaços para campos de argumentação em direção à vontadeemancipatória, funcionando como uma construção microutópica de acrescentar força no poderargumentativodosgruposquepretendemrealizá-lo.Aconstruçãodestas‘neocomunidades’avançariaàmedidaqueaargumentaçãointroduzisseexercíciosdesolidariedadecadavezmaiores.

O princípio da solidariedade é também o princípio da responsabilidade para além daspreocupações e consequências imediatas, é uma responsabilidade, compartilhada, pelo futuro. Ascomunidades interpretativasabarcariamasolidariedadecomomarcaética, identificandonosmoldesde sociabilidades colonialistas a ignorância. Como marca política, estas comunidades trariam adimensãodaparticipaçãonummovimentoderepolitizaçãodavidacoletiva,acreditandonoprincípiode que, quantomais vasto for o domínio da política,mais teremos liberdade humana (SANTOS,op.cit.).

ParaSantos (Op.cit.), taiscomunidades,baseadasnasolidariedadeenaparticipação,poderãoauxiliarnaconstruçãodeumnovosensocomumqueponhafimaomonopóliodeinterpretação,ouàrenúnciadesse,comportamentotãoreproduzidoduranteamodernidade.Tambémpodemseconstituircomoespaçosprivilegiadosquenosajudemasuperarodualismocultura/natureza,sujeito/objeto.

Outraperspectivadeaçãocoletiva sãoas comunidadesaprendentesque, juntoaoquepropõeSantos (Op. cit.), agregam a dimensão da aprendizagem. Para Brandão (2005:88), as comunidadesaprendentessãoespaçosondeaoladodoquesefazcomoummotivoprincipal(vocação),aspessoastambém estão intertrocando saberes entre elas, estão se ensinando e aprendendo: “pois estamossempre,deummodoououtro,trabalhandoem,vivendocomouparticipandodeunidadessociaisdevidacotidiana onde pessoas aprendemensinando e ensinam aprendendo”. Este aprender e ensinarconstante se dá porque, segundo o mesmo autor, na vida experienciamos duas dimensões deacontecimentos de socialização: a socialização primária, que acontece desde o nosso nascimento,ondeaaprendizagemocorreem“diferentesdimensõesdenós,emnós,entrenósnostornandoserescapazesdeinteragircomumaculturaeemumasociedade”;easocializaçãosecundária,queacontece

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nas unidades sistemáticas de ensinar-e-aprender (instituições de ensino), onde aprendemos a lidarcomoutrasdimensõesdoconhecimento(conhecimentotécnico-científico)(BRANDÃO,op.cit.).

Longedeserumatarefasimples,taisideiasnosajudamadelinearsaberesevaloresquepodemser mirados como estratégias de construção de um modelo teórico-metodológico que fortaleça asenergiasemancipatórias,nodesenvolvimentodeprocessospedagógicosemEducaçãoAmbiental.ParaqueaEducaçãoAmbientalvivenciadaemcomunidadespossacriarconhecimento-emancipaçãoeumnovosensocomuméticoeestético,énecessárioquesuperemosaincapacidadedeconceberooutroanão ser como objeto, o que é típico do Colonialismo tão hegemonicamente imposto durante amodernidade. É neste ponto que a solidariedade é vista como forma de saber, obtida no processosempre inacabado de irmos nos tornando capazes de construir e reconhecer intersubjetividades,reinventando territorialidadese temporalidadesespecíficasquepossamnospermitir concebernossopróximo numa teia intersubjetiva de reciprocidades, substituindo o objeto-para-o-sujeito pelareciprocidadeentresujeitos(SANTOS,op.cit.).

A expressão ‘comunidades interpretativas’ e ‘comunidades de aprendizagem’ já foramaproximadas ao campo da Educação Ambiental pelos autores Avanzi & Malagodi (2005) e Brandão(2005).

Avanzi & Malagodi (Op. cit.) apresentam a comunidade interpretativa como o encontro entrediferentes interpretações da realidade, o que permite que seja construída uma compreensão maisampladoqueseriaalcançadoindividualmenteporumúnicointérprete.Centralmentetrazanoçãodaimportânciadooutroemnossomovimentodeproduzirsignificadosesentidos,nareciprocidadeentreindivíduos que partilham territórios físicos e simbólicos. O encontro fecundo entre as práticas deEducaçãoAmbientaleapromoçãodecomunidades interpretativas trabalhanaperspectivadialógicadalinguagem,desenvolvendoopotencialdecomunicaçãoeoentendimentodooutro,edevegarantira igualdade de acesso ao discurso argumentativo, mesmo sendo diferentes as habilidades deargumentação de cada envolvido, o que nos traz um desafio pedagógico (AVANZI & MALAGODI,op.cit.).

ParaBrandão(2005),ascomunidadesaprendentessãoespaçoseducadoresquetêmumanovaconcepçãodeviverpelapartilha,pelacooperaçãoepelasolidariedade.Sãoespaçospermeadospelodiálogo,ondeoconhecimentocientíficoepopularandamjuntos,poisossaberessãodiferentesporémnãodesiguais.Éolugarondesepropõeo“justoopostodeumaeducaçãoregidapeloindividualismo,pela competição, pelo exercício do poder e pelo interesse utilitário que transforma pessoa emmercadoriaeaprópriavidaemmercado”(BRANDÃO,op.cit.:91).

Assimpropomos,inspiradostambémemBrunoLatour(2004),aretomadapoéticadosentidodocomum,daprocuraemcomumdomundo,apartirdasuperaçãodaduplarupturaplatônica:jánãohá,deuma lado,ascoisascomoelassãoe,deoutro,as representaçõesque fazemosdelas.Emoutraspalavras:osfatoslegitimadospelasCiências,inquestionáveis,eosvaloresconstruídospeloshomens,imprecisos.Apartirdaecologiapolítica,humanosenãohumanosrecusam-seaseremtratadoscomoobjetos: ”A criseecológica, lembramosmuitas vezes, apresenta-seantesde tudo comouma revoltageneralizadadosmeios”(LATOUR,op.cit.:351).

A lógica instrumental, portanto, dá lugar à construção de coletivos, sempre imperfeitos eprovisórios,queseconstituempelaexperimentação.Nolugardotempolinear,daideiadeprogresso,temosacircularidade;nolugardaobjetividade,aligação.

DessaformaaEducaçãoAmbientalnãodeveficarpresaapenasaoscírculoscientíficos,massimservivenciadaporcadaindivíduo,pelascomunidades,cadagrupoàsuamaneira.Começandocomareflexão sobre como cada um de nós se relaciona com a pequena porção que ocupa do planeta,podemoschegaraotodo,melhorandoasrelaçõesentreaspessoaseomundoqueascerca.

Em cursos organizados pela Oca, ao não definir-se previamente o que é Educação Ambiental,colhe-se dos participantes constantes tentativas de elaborarem as suas próprias definições. Numadelas,umagrônomo,extensionistaruralatuandonointeriordaBahia,disse:

Então essa Educação Ambiental que vocês fazem é catingueira! Tem as características doscomportamentos dos humanos da Caatinga, que não batem de frente, contestando ouaceitando de cara as orientações que o agrônomo lhe passa. Ele ouve,muda de assunto eencerraa conversa semumaconclusão.Noencontro seguinte,nomeiodaconversavoltaatocarnoassuntoetambémnãomanifestaasuaopinião.Depoisdealgumtempoeencontros,progressivamentevaisentidoconfiançanarelaçãoesentindosegurançaparaseapropriardenovaspropostas,transmutando-asdeacordocomasuarealidade.

Outro participante, de um programa de especialização, quase ao final do curso, definiu aEducação Ambiental que fazíamos como democrático-circular: “Vocês vão nos provocando, dandoinsumoseestímulosparaagenteprogressivamenteelaborarasnossasprópriasdefiniçõesepropostasdeatuação”.

Aformaçãodepessoasquesaibamequeiramatuarnaconstruçãodesociedadessustentáveis,comoescrevemSorrentinoeNascimento(2010),éa

expressãodeumademocracia radicalmente inclusiva,ondea totalidadedoshumanospossaestabeleceros seuspactosdegovernabilidadeegovernança, tendoacessoaproduzir eaosresultados da produção de conhecimentos elaborados por todas as humanidades nos maisdistintosespaços/tempospossíveis(SORRENTINO&NASCIMENTO,2010:17).

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Umademocracia,naspalavrasdeLatour(Op.cit.:33),quenãosejarefémdalógicadacavernaplatônica,formadaporduascâmaras,aprimeiraconstituídapelatotalidade dos humanos falantes, os quais se encontram sem nenhum poder, senão o deignoraremcomum,oudecrerporconsensonasficçõesplenasdetodarealidadeexterior(...)ea segunda sendo a realidade de fora, apenas acessível e acessada por um bem pequenonúmero de pessoas, únicas capazes de fazer a ligação entre as duas assembléias e deconverteraautoridadedeumanadaoutra.

Istoexige,emprimeirolugar,odesejoderompercomestalógicadaselitesqueseautointitulamhermeneutas,tradutoresdosconhecimentosqueestãoláfora,comosdeuses.Ecomprometer-se,emseguida, com a construção de processos capazes de resgatar ou desenvolver a autoestima e acapacidadedediálogoprofundoemeentrecadapessoaegruposocial,nosentidodeestabeleceremas suas agendas de prioridades e os seus pactos de governabilidade e de governança para e nosterritóriosondeconstroemosseusprojetosde futuro.Assim,acomunidadenãopressupõeo fimdaindividualidade,masumprocessode complementação e de interconexão entre os seres (vivência econvivência)apartirdofortalecimentodesuasidentidadesindividuaisecoletivas.2.IDENTIDADE2.1Aquestãodaidentidade

Osdesafiosdesefirmarumaidentidadedentrodadiversidadeéalgopresentenosdiasatuais,principalmente devido às múltiplas influências às quais a sociedade contemporânea está exposta.Vivemos em um planeta em que as distâncias encurtaram, as transformações são cada dia maisrápidasecompletaseasfronteirasentreospaísessãocadadiamaistênues.Ahistóriaquerecaisobrecada indivíduo hoje, inevitavelmente, é a históriamundial (MILLS, 1965). Com apenas um clique épossívelnavegar pelo mundo, atualizar-se sobre as fofocas domomento, as últimas tendências damodaoumesmoacompanharemtemporealosacontecimentosdeumadeterminadaregião.Vivemosafinalnaeradaglobalização,emque “cadapartedomundo faz,maisemais,partedomundoeomundo, como um todo, está cada vezmais presente em cada uma das partes. Isto se verifica nãoapenasparaasnaçõesoupovos,masparaosindivíduos”(MORIN,2003:67).

O autor Boaventura de Sousa Santos (2003) aponta para existência de não apenas um, masalguns tipos de globalização: um dos quais, seria o localismo globalizado, que segundo o autor écaracterizado por aspectos de uma cultura específica de determinada nação ou território, difundidaatravésdomundo,comooqueobservamoscomadisseminaçãodofastfood,típicodaculturanorte-americana ou, ainda, a transformação da língua inglesa em língua universal. Outra forma deglobalização seria a globalização localizada, a qual se consiste no impacto específico de questõestransnacionais nas condições locais, desestruturadas e reestruturadas demodo a responder a estasquestõestransnacionais.Nestecaso,pensamoscomoexemploacrisefinanceiramundial,queemsuaimensaproporção,vemafetarasgarantiasindividuaisinterferindonaaposentadoriadotrabalhadordeumapequena ilhagrega.Bauman (2001e2005) caracterizaaatual fasedahistóriaModerna comoLíquidaejustificaousodametáfora:

Os fluidos,porassimdizer,não fixamoespaçonemprendemo tempo.Enquantoossólidostêm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem asignificaçãodotempo,osfluidosnãoseatêmmuitoaqualquerformaeestãoconstantementeprontos(epropensos)amudá-la(BAUMAN,2001:8).

Para Giddens (2002), a questão da autoidentidade é um problema moderno, originado noindividualismoocidental.Segundoesteautor,amodernidade,emespecialamodernidadetardia,geradiferenças na maneira como as pessoas pensam, constroem e vivem suas identidades. Assim, aconstruçãodaidentidadeéumprocessoquenãotemfimoudestino,ésempreumprojetoincompleto.Para Ortiz (2006), não existe uma identidade legítima, mas uma pluralidade de identidades,construídaspordiferentesgrupos sociais emdiferentesmomentoshistóricos (ORTIZ,op.cit.). Nestesentido,Morin(2003)afirmaquenaeraplanetáriaemquevivemoscultivamosapoli-identidade,que,segundooautor,éaintegraçãoda“identidadefamiliar,aidentidadenacional,aidentidaderegional,aidentidadeétnica,aidentidadereligiosaoufilosófica,aidentidadecontinentaleaidentidadeterrena”(MORIN,2003:78).Assim,nestelequedepossibilidades,épermitidocomparar,escolheredecidir:qualidentidadepegarnaestante?Masaidentidadeescolhidaétransitória,deixadadeladologoquepassea satisfação de tê-la consumida, afinal, como observa Bauman (2005:96), as “identidades são parausareexibir,nãoparaarmazenaremanter”.

Existem comunidades de vida e de destino, cujos membros, segundo a fórmula de SiegfriedKracauer,“vivemjuntosnumaligaçãoabsoluta”,eoutrasquesão“fundidasunicamenteporidéiasoupor uma variedade de princípios” (KRACAUER, 1963 apud BAUMAN, 2005:17). Bauman localiza aorigem dos questionamentos em relação à identidade com omomento em que as comunidades doprimeirotiposãoenfraquecidase,aomesmotempo,sefortalecemasdosegundotipodescritoacima.

Énesta transiçãoquea identidadeperdea suaproteção social quea fazia “parecer ‘natural’,predeterminadaeinegociável”(BAUMAN,op.cit.:30).Assim,aidentidadepassaaser“ummantoleveeprontoaserdespidoaqualquermomento”(BAUMAN,op.cit.:37).

Afluidezdaidentidadenosrevelaumsentimentodedesenraizamento,denãopertencimentoe

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queSá(2005)conectadiretamentecomacrisesocioambiental.Naspalavrasdaautora:A ideologia individualista da cultura industrial capitalista moderna construiu umarepresentação da pessoa humana como um sermecânico, desenraizado e desligado de seucontexto, que desconhece as relações que o tornam humano e ignora tudo que não estejadiretaeimediatamentevinculadoaoseuprópriointeresseebem-estar(SÁ,2005:247).

ManuelCastells(1999:24)propôsaseguinteclassificaçãodasidentidades,deacordocomolugardelas nas relações sociais de poder: “identidade legitimadora” (a dominante, mais valorizada),“identidade de resistência” (estigmatizada) e “identidade de projeto” (revolucionária). O autorobservou que o estigma,muitas vezes, pode funcionar como fator demobilização. Assim, não raro,identidadesderesistênciaconvertem-seemidentidadesdeprojeto.

Podemos afirmar que estamos vivenciando esta transição no Brasil, no caso dosautodenominadospovosecomunidadestradicionais.Elesvêmcadavezmaisseafastandodoestigmapreservacionista e, desta forma, contribuindo para politizar a arena ambiental. Em outras palavras:identidades coletivasemergentesestão seobjetivandona formademovimentos sociais, de sujeitossociais organizados: raizeiros, quebradeirasde cocobabaçu, seringueiros, faxinalenses, quilombolas,ribeirinhos,paraficaremapenasalgunsexemplos(ALMEIDA,2008).

Apesardaexposiçãodeum lequedepossíveis identidades, odireitoàescolhanão competeatodos os seres humanos igualmente, contrariando a aparente homogeneização que a globalizaçãodemonstra ter. Bauman (2005) inclui os indivíduos que têm o direito à identidade (ou identidades)negadaemumasubclasse:

Osignificadoda‘identidadedasubclasse’éaausênciadeidentidade,aaboliçãoounegaçãodaindividualidade,do‘rosto’(...).Vocêéexcluídodoespaçosocialemqueasidentidadessãobuscadas,escolhidas,construídas,avaliadas,confirmadasourefutadas(BAUMAN,2005:46).

Em um período histórico caracterizado pela desestruturação das organizações, as ditasidentidades primárias (religiosas, étnicas e territoriais) funcionam como importante fator demobilizaçãosocial.Emmuitoscasos,elasrompemcomobiologismoeressignificamanaturezacomofruto de relações sociais e de antagonismos. Podem, portanto, ser consideradas identidades deresistência (estigmatizadas) em um movimento rumo à identidade de projeto (revolucionária)(CASTELLS,1999).

Assim, enquanto uma pequena parte da humanidade encontra-se no circuito planetário deconforto, de ‘poli-identidades’, a grande parte está restrita nos limites planetários de miséria, de‘identidade da subclasse’. E, embora amundialização seja “evidente, subconsciente e onipresente”(MORIN,2003:68),elatambémoédesigual.Énestecontextoqueestãoosdesafiosparaaeducaçãodofuturoe,consequentemente,paraaEducaçãoAmbiental.2.2EducaçãoAmbientaleidentidade

Nesta perspectiva, o papel da(o) educadora/educador ambiental na consolidação de umaidentidade individual ou coletiva é o de fornecer, durante o processo educador ambientalista,elementosparaabuscadeumaidentidadeplanetáriaquenospermitaenfrentarosdesafioscolocadospelas questões ambientais em escala global, sem se sobrepor à identidade microlocal, a qual éresponsável,porsuavez,pelosurgimentodeformascriativasdeenfrentamentoàcrisesocioambientalcomtodaaespecificidadedecadalocaledecadacultura.NaspalavrasdeMorin(2003:64):

Oplanetaexigeumpensamentopolicêntricocapazdeapontarouniversalismo,nãoabstrato,mas consciente da unidade/diversidade da condição humana; um pensamento policêntriconutridodasculturasdomundo.Educarparaestepensamentoéa finalidadedaeducaçãodofuturo,quedevetrabalharnaeraplanetária,paraaidentidadeeaconsciênciaterrenas.

Estabelecendoassim,umprocessodialéticoentreidentidadeplanetáriaeemmenorinstânciaaidentidade individual, tendo um gradiente de identidades intermediárias neste “espectro” deidentidades.Duranteoprocessoeducadorambientalista,nocontextodaformaçãodasidentidades,éimportanteresgatarmososcomponenteslocaisdaculturaedaidentidade.Esteselementosdevemsertrabalhadosparaqueolocalnãosejaentendidocomooatrasado,oultrapassadoeparaquepossamosassim,manternossaconexãocomainfinidadedeinfluênciasculturais,semnecessariamenteanularoscomponentes locais de nossa cultura, conciliando a ansiedade da conectividade comomundo e aomesmotempomantendoaessênciada“prosacaipira”2.

Desta forma,precisamosbuscara construçãode identidadesapartir de leiturasda totalidade,abandonandoingenuidadesereconhecendoasmúltiplasinfluênciasquesofremos,demodoasermoscapazesdeextrair oquede fato consideramos importantedouniversode “bombardeio” cultural aoqualestamosexpostos:

Aeducaçãoambientalserealizarádeformadiferenciadaemcadameioparaqueseadapteàsrespectivas realidades, trabalhando com seus problemas específicos e soluções próprias emrespeito à cultura, aos hábitos, aos aspectos psicológicos, às características biofísicas esocioeconômicas de cada localidade. Entretanto, deve-se buscar compreender e atuarsimultaneamente sobre a dinâmica global (...) para que não haja uma alienação e umestreitamentodevisãoquelevemaresultadospoucosignificativos(GUIMARÃES,1995:37).

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Aconstruçãodenossaidentidadeenfrentainúmerasdificuldades,entreasquaisestáaarmadilhade nos anularmos no outro. É necessário mergulharmos no outro para compreendê-lo em suatotalidade,mas para avançar rumo ao universo subjetivo do outro sem nos levar à autoanulação épreciso inicialmente nos conhecer, reconhecer e fortalecer enquanto nós mesmos. Buber (1974)apontaparaaexistênciadeduasformasdeexistiroudesernomundo,quesealternamaolongodaexistênciahumana:asatitudesEu-TueEu-lsso.Trata-sededuasposturaspresentesemtodosnós,emnossarelaçãocomooutro,comascoisasecomomundo.Naspalavrasdoautor:

Apalavra-princípioEU-TU,sópodeserproferidapelosernasuatotalidade.Auniãoeafusãonumser totalnãopodemser realizadaspormimenempodeserefetivadasemmim.EUserealizanarelaçãocomoTU;étornandoEUquedigoTU(BUBER,1974:13).

NoqueconcerneaosdesafiosdaEducaçãoAmbientalnaformaçãodesta identidadeplanetária,salientamosaimportânciadesetrabalharanecessidadedeenfrentamentodacriseambiental.Nestaperspectiva a Educação Ambiental deve estar disseminada na sociedade, estando disponível epresentenomomentoemqueasdiferentespessoasestejamemseusuniversosindividuais,abertasaodiálogomaisprofundo,podendo,assim,exercer significativopapelna reavaliaçãodenossa inserçãonestasociedade,naconsolidaçãodestaidentidadeplanetáriaquenãoanulaasespecificidadeslocaiseindividuais, nesta unidade dentro da diversidade que propicia, sobretudo, a partir das diferenças,reconheceroquenosuneeoquenosfaznósmesmos.

Apartirdaconsolidaçãodeidentidadespreocupadascomasresponsabilidadespessoaisperantea busca pela sustentabilidade da vida, estaremosmais próximos de alcançarmos a sustentabilidadedosprópriosprocessoseducadores.3.DIÁLOGOEEDUCAÇÃOAMBIENTAL

AEducaçãoAmbientalrealiza-senarelaçãocomoOutro.Comonosrelacionamoscomosoutroshumanosecomasoutrasformasdevidaquenossoplanetasustenta?Ecomonosrelacionamoscomos rios, mares, florestas? É valorizando as relações e a forma como percebemos o Outro que aEducaçãoAmbientaltrazumaperspectivadequalidade,decuidado,deresponsabilidadepartilhada.E,como diz Paulo Freire (1996), ensinar exige disponibilidade para o diálogo. É quando ouço o que oOutro fala, as ideias do Outro, que posso organizarminhas ideias, saber comome colocarmelhor,reconhecer as diferenças. No diálogo não há como se fechar ao mundo. Ao contrário, construímossaberesenosreconhecemoscomoseresinacabados.

Seres inacabados no sentido mais orgânico da palavra: estamos sempre em construção, emprocesso, em movimento. Nas interações, com e no mundo, encontrando significados e novossignificantes.

Rompendocoma ‘educaçãobancária’, tãobemexplicitadaporPauloFreire (1987),aeducaçãolibertária que alimenta a Educação Ambiental traz como primeiro princípio em seu documento dereferência, no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e ResponsabilidadeGlobal,oseguintetermo:“Aeducaçãoéumdireitodetodos,somostodosaprendizeseeducadores”.

Quandoestamosconscientesdenossonãoacabamento,percebemoscommaior facilidadequehá espaços para mudança e para aceitar o diferente. E a perspectiva do conviver com diferentesformas de ver o mundo, na diversidade das identidades, é também a perspectiva de trabalharcoletivamente. A Educação Ambiental nos oferece esse desafio: agir coletivamente, justamente oopostodo‘serindividual’,tãoarraigadonaspráticasdiáriasdenossasociedade.

No processo educativo de construção de uma nova identidade planetária, o diálogo temimportânciaprimordial,enquantomeioparaseformarumaamálgamaentreasdiversidades,entreosmodosdeviver,pensar,sentireagir,individualecoletivamente.Épossíveldiminuirbarreirasespaciaisecognitivaseconciliarcontradições inerentesàvida,semdescaracterizarouanularaessênciaeasespecificidadesdecadapessoaougrupo,promovendoeampliandoacomunicaçãoeainteraçãoentreosdiversos.

O diálogo é um exercício profundo de desvelamento (TASSARA e ARDANS, 2005) que não temlimitefinaloupontodechegada,poisavidaestásempreemtransformação.Desvendar-seedesvelaroOutro,numeternoentrelaçardesignificados.Dialogandoexpomosnossaessênciaeganhamosmaisconsciênciadenósmesmos,nossasfragilidadesefortalezas,virtudesefalhas,oquequeremosecomoquenãoconcordamos,encontrandonossolugarnasociedade,quenadamaiséqueaexpressãodanossa identidade. A partir do diálogo é que se formarão as conexões necessárias à construção nãosomente de uma identidade, mas de uma consciência e responsabilidade planetárias, que nãoconstituemumprodutoprontoeacabado.Elassãosempreresultadodeummovimentoconstantedeavaliaçãoereavaliaçãodanossaposturaperanteomundo.

EstimularoexercíciododiálogoéumdesafioeumanecessidadeparaaEducaçãoAmbientalquequeremosrealizar:aquelaquefortaleceeconfereautonomiaeconfiançaaosindivíduos,quepromoveacoexistênciaequilibradaentreasrealidadesecontextospessoaisecoletivos,entreomodernoeastradições, entre a tecnologia e o jeito simples de ser. O diálogo é a via de acesso para ademocratizaçãodasidentidadesesaberesdiversos.

Ainda,deacordocomPauloFreire(1987),reconhecemosqueodiálogonãoexistesemareflexão,mas traz em sua essência uma interação íntimae indissociável desta coma ação, semexclusivizarnemaação(evitandoativismoquenegaareflexão)nemsomenteareflexão(evitandoapalavraoca,o

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bláblábláalienado/alienante).Odiálogo,comesteselementosconstitutivos,éaPráxis,quepretendetransformar o mundo, problematizá-lo e pronunciá-lo, para além da relação Eu-Tu, no encontro demulheres e homens que se comprometem com esta pronúncia de mundo e, assim, ganhamsignificaçãoenquantohumanos:“...odiálogoéumaexigênciaexistencial”(FREIRE,1987:45).

A sustentabilidade de processos educadores ambientais exige uma atitude sensível da(o)educadora(or)-aprendiz perante o Outro, reconhecendo na alteridade sua via de ação, pois cadapessoa/grupo/comunidade num certo tempo/momento/situação é único na sua visão de mundo. O“certo,obom,omelhor”nuncaestáprontoepassíveldeser“entregueoutransmitido”poruma/umeducadora/educadorambiental,eestedeveromperdeformaradicalcomaculturaocidentaldodesejodecolonizarooutro.

O conteúdoprogramáticoeos temasgeradoresdevempartir da situaçãopresentee concreta,refletindo o conjunto de aspirações peculiares de cada povo/cultura, a partir de problemas que osdesafiam,paraqueareflexãopossaestarvinculadacomaaçãopolítica,dialogandoospontosdevistadas(os) educadoras(es)-educandas(os) e das(os) educandas(os)-educadoras(es). Pois a atitude dedefender um “modelo” é sempre uma “invasão cultural”, mesmo nas melhores intenções (FREIRE,1987).

EducaçãoAmbiental dialógica traz humildadena escuta da pronúncia demundodoOutro. E éautoconhecimento, pois traz a ação de reconhecimento de meus outros “eu”, de minha própriaignorânciaqueprocuronãomaisalienar.Traztambémafénasmulheresehomensenoseupoderdefazererefazer.Nãoumaféingênua,masdialógicaecrítica,quesabequeohomeméumserhistóricoetemopoderdetransformaraoagircoletivamentenalutapelasualibertação,pautadonaesperançadeseufazer,quevemdenossaessênciadeimperfeiçãoequesemprenoslevaaumaeternabusca(FREIRE,1987).3.1Oqueédiálogo?

A complexidade e interdependência dos problemas institucionais e globais exigem a busca derespostascompartilhadas.Osimplesfatodepessoasconversaremnãosignificaaocorrênciadodiálogorumoà resoluçãodessesproblemas, jáqueas falhasde comunicaçãoedesentendimentos culturaisque ocorrem, não permitem a abordagem das questões de forma comum. Isso motiva odesenvolvimento da capacidade de se pensar junto, desenvolver pensamento colaborativo e açãocoordenada(ISAACS,1993).

SegundoBohm(2005),apalavradiálogosignifica“umacorrente(oufluxo)designificados”entrenóseatravésdenós,contrariandoosensocomum,queatribuiàpalavraanoçãode“dois”(di).Destaforma,odiálogopodeacontecercomqualquernúmerodepessoas,inclusivedeformaindividual,dadoque as condições para sua ocorrência estejam presentes. O fluir de significados propicia, então, aconstruçãodealgonovo,nãoexistenteanteriormente,umsignificadocompartilhadocoerente,que,deacordo com o autor, é a cultura, que é o que mantém pessoas e sociedades unidas. Quando ossignificadoscompartilhadosnãosãocoerentes,háentãoproblemasnaorganizaçãosocial,porqueseperdeacapacidadedecomunicaçãocomprofundidade.

Emgeral,diálogoéconfundidocomdebate,consenso,discussãoounegociação.Entretanto,umaanálisemaisaprofundadadestesquatroconceitosdemonstrarapidamenteadiferença. Isaacs(1993)abordao“debate”elucidandosuaraiz,“bater”,processoemquenecessariamenteumladoganhaeooutroperde,ambosmantêmseuspressupostosenãoháreflexãomaisaprofundadasobreeles.Abordatambémoconsenso,cujaraizsignifica“sesentirjunto”,quetemcomoobjetivoencontrarumavisãoque reflita o que a maioria possa tolerar. Da mesma forma que o debate, não altera os padrõesfundamentaisquelevaramaspessoasadiscordaremnoprimeiromomento,ouseja,tambémnãotemaambição de explorar os padrões de significado presentes. Já discussão provémdamesma raiz deconcussãoepercussão,quesignifica“partirascoisas”,eéumprocessoemqueosdiferentespontosde vista serão analisados em separado com objetivo, também, de ganhar o jogo. Finalmente, nanegociação,oqueocorreéumprocessodeajustedetodasaspartesenvolvidasdeformaasatisfazera todos. Apesar de importante, também não toca nos aspectos fundamentais para a ocorrência dodiálogo(BOHM,2005).

Osprocessosacimaabordadospossuem,todos,umaspectoemcomum.Emnenhumdelestoca-senoqueBohm(2005)chamadepressuposiçõesderaiz:pressuposiçõesprofundasformadasaolongoda experiência de vida das pessoas com as quais constroem senso da vida e da realidade. Essaspressuposições de raiz são, em geral, defendidas com vigor quando desafiadas, pois as pessoasidentificam-se a si mesmas com suas pressuposições e qualquer oposição a elas soará como umaofensa pessoal. A resposta esperada a isso é, então, uma forte reação emocional, que impede acomunicação posterior, pois quando defendemos uma opinião não conseguimos pensar juntos. Poroutrolado,quandoalguémnãoescutanossaspressuposições,entãoissonospareceumaviolência.Esedoisladosopostospossuemcertezasintocáveis,comocompartilhar?

EesseéumdosobstáculosaodiálogodiscutidosporSchein(1993).Emseutexto,oautorcolocaquenóssomosculturalmentetreinadosparaesconderinformaçõesquedealgumaformaameaçariama“ordemsocial”,ouseja,preferimossereducadosasinceros,oquecriaoqueChrysArgyris,citadopelo autor, chama de ‘rotina defensiva’. Se por um lado isso permite o convívio social e a nãoexternalização de conflitos, por outro impede o diálogo mais aprofundado e a compreensão das

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pressuposiçõesde raiz queembasamas opiniões. Sacrifica-se a comunicaçãoe o entendimentoemnomedeumaposiçãosocial(SCHEIN,op.cit.).

Outro obstáculo ao diálogo são os papéis que as pessoas assumem para si a partir de suasexperiências de vida. Algumas se colocarão como dominantes, outras nem tanto, e esses papéisemergirãonoprocessodeconstruçãododiálogo (BOHM,2005).A fragmentaçãodopensamentoeadefesadaspartesé tambémumadificuldade reconhecidaparaoprocesso (ISAACS,1993).Por isso,convicção e persuasão não seriam indicadas para estarem presentes em um diálogo. Ao se tentarvencer por meio de palavras – convencendo com uma “conversa dura” ou persuadindo com uma“conversa suave” – não se constroem pensamentos coerentes. Da mesma forma, não se espera aparticipação de princípios de hierarquia e autoridade num diálogo, o que traria bloqueios (BOHM,2005).

Diferentementedosprocessoselucidadosacima,nodiálogoninguémestáquerendoganharou,quando alguém ganha, todos ganham (BOHM, 2005). Segundo Buber (1974), o diálogo está noreconhecimentodosernooutro,escondidoemseuspapéissociais,que,porsuavez,oobjetificameconferem ao ser uma utilidade, uma função. Buber (Op.cit.) diferencia, então, a relaçãoEu-Tu, deencontro entre a essência dos seres, da relação Eu-Isso, fundamentalmente utilitária. A primeirapropiciaumarelação,quepodesedaremtrêsesferas;avidacomanatureza,avidacomoshomense, finalmente,avidacomosseresespirituais.Asegunda,porsuavez,propiciaumaexperiência,nosentido em que coisifica o outro, tornando-o um objeto, e permite sua exploração, manipulação econtrole.Aprimeiraocorrenapresença,noencontroenarelação.Presença,noentanto,que“aguardaepermanece” (BUBER,op.cit.:14), quenãoépassageira. Já a segundaévividanopassado,pois oobjetoéestagnado,interrompido,desvinculado,“privadodepresença”(BUBER,op.cit.:14).

Para Bohm (2005), o diálogo está passivo de ocorrer quando as partes forem capazes dereconhecersuaspressuposiçõeseasdosoutrose,emumprocesso,deixá-lasemsuspenso,ouseja,semtrabalhá-lasousuprimi-las,semacreditá-lasoudesacreditá-las,semjulgá-lasboasoumás,massimplesmenteveroqueelassignificam.Nãosetrataaquideseignoraremosconflitosexistentes,massimdenão tornar-se refémdeles.Assim,dialogar significaencontrar tempoparaperceberoquesepassanasnossasmentesedosoutros,semfazerjulgamentosouchegaraconclusões.Schein(1993)éainda mais preciso em sua colocação, deixando claro que na maioria dos casos em que esteveenvolvidoemprocessosdediálogo,utilizouamaiorpartedotempotentandocompreenderoqueassuasprópriaspressuposiçõeseram,maisdoqueprestandoatençãonasdosoutros.

Ao se observar o que todas as opiniões significam, estará se formando um conteúdocompartilhado comum e menor importância se dará às opiniões individuais, pois será possível severificar que tais opiniões são apenas opiniões derivadas de pressupostos. O processo de revelarpressuposições permite também que as pessoas livrem-se delas ou sejam capazes de analisá-lascriticamenteparairalémdelas.Precisaríamosbuscarcompartilharumsignificadocomum,paraentãoparticiparmos juntos do mesmo pensamento. A direção a ser tomada é para algo novo e criativo(BOHM,2005).

Porfim,odiálogobuscaoaprendizado“docontextoedanaturezadosprocessospelosquaisaspessoas formam seus paradigmas” (ISAACS, 1993:38), é a forma coletiva de aliviar julgamentos eavaliarpressuposições(BOHM,2005),fazendocomqueaspessoassejamcapazesdeperceberem-secomoparticipantesdeumconjuntodesignificadoscompartilhados(ISAACS,1993).

Para que o diálogo seja incentivado é necessário, então, a criaçãodeumespaço ou ambientepropíciopara isso,ondesãoouvidas todasasopiniõessemnadaser feito,semagendaouobjetivosespeciais ou necessidade de concordância. O ouvir compartilhado fará com que as pessoas fiquemjuntas,pois formaráumasensaçãodeconfiançaentreelas (BOHM,2005).Énecessária,noentanto,umaposturacolaborativaentreosparticipantesparaqueodiálogoocorra,decorrentedeumaescolhaindividualemcolaborar,comafinalidadedeseconseguiromáximodeumaconversa(SCHEIN,1993).

Mesmo sabendodas dificuldades que se pode enfrentar, e destacandoa importância para quenãocedamosàs frustrações,Bohm(2005)dizquesepudessemserdeixadosemsuspenso todososimpulsoseaspressuposições,esefossepossívelolharcomumaposiçãoobservadoraparaelas,todososenvolvidosnodiálogoatingiriamomesmoestadodeconsciência,estabelecendo-seaconsciênciacomum.Seoprocessopossibilitarqueaspessoassetornemconscientesdosmecanismospelosquaisformamsuaspressuposiçõesesuascrençasesejam,dealgumaforma,recompensadasporisso,entãoestaránascenteumaforçaecapacidadeparatrabalharecriarcoisasemconjunto.

Oespaçodediálogoé,portanto,umespaçode investigaçãocomafinalidadedetransformaraqualidadedaconversae,principalmente,opensamentosubjacenteaela(ISAACS,1993).Aopropiciaras condições em que as influências sutis e tácitas sobre o pensamento sejam alteradas, o diálogopossibilitaumatransformaçãodanaturezadaconsciência,permitindoaemergênciadenovostiposdeinteligências individuais e coletivas, em substituição dos padrões mentais existentes quando asquestõessurgiram.Eessenovotipode inteligênciapodepotencializaraação,conformeserávistoaseguir.4.POTÊNCIADEAÇÃO

Satisfação consigomesmo é uma alegria que surge porque o homemconsidera a sipróprioesuapotênciadeagir(EIII3,definiçõesdosafetos25).

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Este texto pretende fazer uma breve introdução ao conceito de potência de ação ou de agir,trazido pelo filósofo holandês do século XVII Bento de Espinosa, relacionando as ideias aquiapresentadas com a construção de processos educadores. A educação como processo formadorcomprometidocomasustentabilidadesocioambientalexigeaparticipação, individualecoletiva,daspessoasneleenvolvidas.

Para Sawaia (2001:17), até os anos de 1980 o sentido da participação caracterizava-se pelaênfasenocoletivo,naobjetividadeenaracionalidade,eapartirdesteperíodoobserva-seumaênfasemaiorao“subjetivoemenosestrutural,eaobjetividadeeocoletivocedemlugaràpreocupaçãocomaindividualidadeeaafetividade.Autonomia,emancipaçãoediversidadetornam-sevaloreséticosmaisaplaudidosemsubstituiçãoàliberdadeeàigualdade”.

Se, por um lado, essa mudança possibilita a superação da dicotomia entre razão e emoção,público e privado, por outro, é necessário que, ao se incorporar a subjetividade no espectro daparticipação,tenha-seocuidadodenãodesconsideraroutrasdimensõesdessaparticipação,evitando,assim, o subjetivismo, que a tudo relativiza para justificar qualquer coisa. Não podemos cair naarmadilhadepensarmosqueaparticipaçãoéalgodeforoexclusivamenteíntimo,comoseoespaçodeliberdade e felicidade estivesse apartado do mundo material, político, econômico e social no qualestamosinseridos.

ParaEspinosa,aparticipaçãoé imanenteàcondiçãohumana,portanto,sãomuitosossentidosquepodemestaragregadosaesseconceito:participardoslucrosdaempresa,dasdecisõesfamiliares,dosmovimentossociais,dapolíticagovernamental,entreoutros.Outroaspectoimportanteéofatodeque,segundoSawaia(Op.cit.),háumavariaçãonaintensidade,naespacialidadeenosmotivosdessaparticipação.

As formas de participação variam de intensidade, desde simples adesão até a absorção doindivíduo; de espacialidade, participação ‘face a face’, anônima, virtual, local, global; demotivo, por obrigação, por interesse, por imposição, por afeto; de temporalidade, longaduração, imediata. (...) [A autora traz também] a função social da participação: excludente(voltadaao‘statusquo’)ouintegrativa(visandoàrevolução)(SAWAIA,2001:119).

Independentemente dessa variedade, “quando discutimos participação, estamos nosposicionando sobre concepções de sociedade, de cidadania, de ética e de justiça” (SAWAIA, op.cit.:120).Lembrandoqueparticipaçãocomopotênciadeaçãorefere-seaoencontrocomooutroequeodesejodeparticiparnãovemdefora,mas,deacordocomEspinosa,éumanecessidadenaturaldosujeito,umabuscapela liberdadeepela felicidade independentementedeobrigaçãooumoralidade.“Participarparanãosergovernado,paraviveremalegriadenãosercomandadoeparaevitarqueodesejodenãosergovernadodeunstransforme-seemdesejodegovernareopodersepersonalize”(SAWAIA,op.cit.:125).

ParaCosta-Pinto (2003),aodefinirmosaparticipaçãocomopotênciadeação,podemosafirmarqueoquemoveaparticipaçãoéavontadedeserfeliz,cujaaçãoreflete,no limite,naaçãopolíticatransformadora.Masomotordessaaçãonãoéapenasaconsciênciapolítica:étambémadescobertade potencialidades, talentos e capacidades individuais, pois estas descobertas trazem o estímulo àaçãoeàparticipação.

Essaparticipação,vistasobaperspectivade formaçãodosujeitoecológico (CARVALHO,2004),implica na capacidade do ator social de, ao identificar os problemas ambientais, mobilizar-se ecomprometer-secomatomadadedecisõesquese façanecessária.Aemergênciadacapacidadedeagiremdireçãoàtransformaçãoquequeremos,estárelacionadaàpotênciadeação,“àpassagemdapassividadeàatividade,daheteronomiapassivaàautonomiacorporal”(SAWAIA,2001:125).

Potênciadeaçãoé a capacidadede ser afetadopelo outro, numprocessodepossibilidadesinfinitasdecriaçãoedeentrelaçamentonosbonsemausencontros.Équandometornocausademeusafetosesenhordeminhapercepção(SAWAIA,op.cit.).

Trata-se de fortalecer o sujeito através da ampliação e do aprofundamento da consciência dascapacidades, talentosepotencialidadesquepossuieconstróiparamodificara realidade,bemcomoconsciênciadesuasituaçãosocial(COSTA-PINTO,2003).

Percebe-se, assim, que a associação dos humanos em grupos – cooperativas, associações,sindicatosetc.,“(...)[aumenta]oseudireitonaturaldeexistir,jáqueseunemparasuplantaromedo,o ódio e todas as coisas e sentimentos que possam trazer sofrimento e reduzi-los ao estado deservidão(...)”(SANTOS&COSTA-PINTO,2005:298).

Aampliaçãodapotênciadeagir residenatomadadeconsciênciadacausaprimeiradenossosafetosousentimentos,pois,paraEspinosa,construímosideiasreflexivasapartirdoquesentimos.Ocaminhopropostopelofilósofoexigeestarmoscotidianamenteatentos:

exige-nos buscar a compreensão da causa dos afetos que são gerados em nós a partir darelação com o outro, seja este outro um parente, um amigo, um conhecido, o ilustredesconhecidoqueseencontranaruaounosupermercado,aárvorequeflorescenacalçada,umacachoeiradeáguascristalinas,oriopoluídodeumacidadeetc.(COSTA-PINTO,2010:4-5).

Ointuitoéque,apartirdaclarezadesuaspotencialidades,osujeitopasseaseenvolvercomasregras sociais demaneira ativa e crítica, atuando não apenas como um cumpridor de papéis,masbuscando caminhos para exercer sua potência de modo a transformar a realidade, visando sua

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felicidade(COSTA-PINTO,2003).Participar,portanto,mobilizaossujeitospara,dentreoutrascoisas,oencontroconsigomesmoe

comooutro,àpercepçãodonossomodusoperandi,dasnossasvirtudesedasnossas limitações,oquemuitasvezespodefazeremergirsentimentosdeinsegurança,dúvidaeconflitos.DeacordocomPortugal (2008), um caminho possível para o enfrentamento dessas questões pode ser trilhado namedidaemqueossujeitosbusquemrespostasparasuas(in)certezas,abrindo-separaodiálogoeseaprimorando interiormente. A experiência renovadora desse encontro que, segundo a teoriapsicodramática criada por Moreno (1984), é a vivência plena de troca e compreensãomútua, abrepossibilidadesdeaprimoramentoperceptivodo indivíduo.Énoencontroena trocadepapéisqueatransformaçãoacontece“tornandoumpróximodasprofundidadesdointeriordooutro”(GONÇALVES,1988:57)e, comonumespelho, talvez sejapossívelperceberos reflexoseadimensãodasprópriasações.

Nessesentido,é importantequesecompreendaoconceitoespinosanodepotênciadeação,apartir damaneira como esse filósofo concebe os encontros éticos. Ele descreve primeiramente doistiposdeencontros:bons–aquelesqueaumentamnossapotênciadeaçãoeque,portanto,compõemconosco, são encontros ativos; e maus – aqueles que diminuem nossa potência de ação e que,portanto,nosdecompõem,degeneram,sãopassivos(COSTA-PINTO,2003e2010).

Nenhumaação, considerada sóemsimesma,éboaoumá (ÉTICA IV, proposição59, outrademonstração)4(...)Umaúnicaemesmacoisapodeserboaemáaomesmotempoeainda indiferente.Porexemplo,amúsicaéboaparaomelancólico;máparaoaflito;nemboa,nemmáparaosurdo(ÉTICAIV,prefácio).

SegundoFerreira(1997:474),“oquefazacoisaboaoumáéoafetodequederiva”.Osencontrospassivospodemseralegresoutristes,compatíveisouincompatíveis,ouseja,podemgerarafetosdealegria ou de tristeza, enquanto que os encontros ativos geram afetos (sentimentos ou “um tipoparticulardeidéia”)sendosemprealegres(DELEUZE,2002).

Apossibilidadequetemosdeaumentarnossapotênciadependedomodocomonosrelacionamoscomascoisas,comoasusamosemproveitopróprio.“Osafetos(...)[apresentam-se]comocritériodediferenciaçãoindividual(...)”(FERREIRA,op.cit.:474).

ParaEspinosa,aúnicamaneiradeseconheceralgoverdadeiramenteé“conhecerpelacausa”e,portanto,sefazfundamentalaconsciênciadacausaprimeiradenossosdesejos,pois,segundoele,osdesejos impulsionam nossas ações, tendo a alegria e a tristeza o papel de direcionar omovimentoiniciado, podendo ser em direção ao incremento ou diminuição de nossa potência de agir (COSTA-PINTO,2003).

Abuscapelamudançadecomportamentos,valores,conhecimentos,atitudes,écultivadaatravésdeeparaumidealecológico,queleveàconstruçãonãoapenasdeumanovasociedade,mastambémdeumnovo sujeito, que se vê comoparte dessamudança na sociedade e que abrange tambémapercepçãodeumarevoluçãodecorpoealma,ouseja,umareconstruçãodomundoincluindoosestilosdevidapessoalecoletiva(COATI,2006).

Éimportantelembrarque,paraEspinosa,“serlivrenãosignificafazeroquesequernomomentoemquesequer,esimempreenderdemaneiraresponsáveleconscienteaçõescoletivas”(SANTOS&COSTA-PINTO,2005:300).

Espinosanosdizainda,queopapeldobomgovernonãoéodegarantira justiçaeaequidade,massimodegarantiraexpressão da potência de todos, pois uma vez que estar potente é realizar ações coletivastendoumentendimentoadequadodascausasdenossossentimentos,a justiçaeaequidadesãoumaconsequênciadaexpressãodaspotênciasindividuais(COSTA-PINTO,2010:5).

Práticaseducadorasconstruídasapartirdebonsencontrospossibilitamaossujeitosenvolvidoscompartilhar suasexperiênciase sãopromotorasdo incrementodapotênciadeação,neste sentidoespinosano do termo, exigindo o envolvimento dialógico (BOHM, 2005), comprometido com asustentabilidade do processo. Essa sustentabilidade está relacionada com a construção de novosvalores,noplanoindividualecoletivo,estimulandoumareflexãogeradoradeconhecimentos,sobresipróprio, sobre omundo e sobre a relação com o outro, seja este outro uma pessoa, um objeto ouqualquerservivo.Sendo,paraEspinosa,felicidadeapróprialiberdadedepensareagirporsipróprioapartirdacompreensãodaorigem/causadossentimentos/afetosquenosmobilizam.5.FELICIDADEESUSTENTABILIDADEDEPROCESSOSEDUCADORESAMBIENTAIS5.1Afelicidadenaconstruçãocivilizatóriadamodernidade–contextohistórico

Vários são os autores que lidam com a caracterização da modernidade. Segundo Lipovetsky(2004),porexemplo,aeramodernadiferencia-sedaeraanterior,medieval,porumarupturadevisãodemundocausadapelaemergênciadetrêsfundamentosprincipais:avalorizaçãodatecnociência,doindivíduoedasliberdadesindividuais,edomercado.

Oavançodatecnociênciasedeuapartirdarevoluçãocientífica,noséculoXVII,epraticamente

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condicionou a formatação do paradigma ocidental de pensamento, com a emergência da filosofiamoderna.Osegundofundamento,oreconhecimentodoindivíduoedasliberdadesindividuaisdeformamais crescente se deu a partir da Revolução Francesa, foi impulsionado pelo Romantismo e peloLiberalismoeseconsolidouuniversalmenteem1948,comapromulgaçãodaDeclaraçãoUniversaldosDireitos do Homem. Por fim, o mercado, que se difundiu globalmente e se tornou cada vez maisinterdependenteeinfluenciadordosmodosdevidaindividualesocialemdiferentespartesdomundo.

ParaSantos(2007),oparadigmadaeramodernacriouedifundiuumavisãodemundoapartirdacentralidadedaciêncianascente,quepormeiodaracionalidadeedatécnicaseriacapazdepromoverformasdecontrolesobreanaturezaearesoluçãodasquestõesqueafligiamahumanidade,trazendo,portanto,maisconfortoemelhoriasàscondiçõesdevidahumanas.

É nesseperíodohistórico, conhecido como Iluminismo, que surge a ideia deprogresso, que sefundamentanaexpansãodoconhecimentopropiciadapelopassardotempoeageraçãodeummaiorpoderparaoshomens, tornandosuasvidasmais “tranqüilase confortáveis” (GIANETTI, 2002:25).Anoção de progresso, então, inverte a visão de futuro que prevalecia nas sociedades europeiasmedievais,quevalorizavama“glóriaeesplendor”(HEIDELMANN,2009:23)doestadoanteriordevidaemdetrimento do futuro de decadência, para umapercepção de que “os acontecimentos históricosdesenvolvem-senosentidomaisdesejável,realizandoumaperfeiçoamentocrescente”(HEIDELMANN,op.cit.:23).

Assim, o avanço do saber científico e consequente emancipação dasmentes após séculos deopressão religiosa, superstição e servilismo, o domínio crescente da natureza pela tecnologia, oaumentoexponencialdaprodutividadeedariquezamaterial,atransformaçãodasinstituiçõespúblicasembasesracionaiseoaprimoramentointelectualemoraldoshomenspormeiodaaçãoconjuntadaeducação e das leis, tornaram-se os princípiosmentais sobre os quais a civilização do futuro seriaconstruídaequeofereceriamascondiçõesessenciaisàemergênciadafelicidade(GIANETTI,op.cit.).

Entretanto, tais princípiosmentais, que por um lado levaram a um inegável avanço científico,tecnológicoeeconômicoparaoplaneta,poroutroproduziramumasériedeconsequênciasqueagorasão inerentes à era moderna. Santos (2007), por exemplo, destaca a exploração excessiva edespreocupadadosrecursosnaturais,quelevouàcatástrofeecológicaeàconsequenteconversãodocorpohumanoemmercadoriaúltima.Também,abordaapromessadeumapazperpétua,baseadanocomércio e na racionalização científica dos processos de decisão e das instituições, que levou aodesenvolvimentotecnológicodaguerraaaoaumentodeseupoderdestrutivo.

Assim,Santos (2007)mencionaapromessadeumasociedademais justae livre,assentadanacriaçãodariquezatornadapossívelpelaconversãodaciênciaemforçaprodutiva.Forçaqueconduziuà espoliação do chamado ‘Terceiro Mundo’ e a um abismo cada vez maior entre o Norte e o Sul,promovendo-se,porexemplo,noséculoXX,amaiorocorrênciademortesemdecorrênciadafomedoqueemqualqueroutrodahistóriadehumanidade.

Destamaneira, os benefícios do progresso foramdistribuídos desigualmente, enquanto que osônus de tal processo foram e são distribuídos generosamente pela humanidade – poluição,aquecimentoglobal,fomeetc.(GIANETTI,op.cit.).ConformeapontadoporMarx,maisquesubjugaranatureza,subjugamosanósmesmos:

Ao mesmo passo que a humanidade se assenhora da natureza (...) o homem parece ficarescravizadoaoutroshomensouà suaprópria infâmia.Mesmoapura luzda ciênciapareceincapazdebrilharexcetoporsobreastrevasdeumvastopanodefundodeignorância.Todoonosso engenho e progresso parecem resultar na incorporação de vida intelectual às forçasmateriais enaestultificaçãoda vidahumanaem forçamaterial. (SCHMIDTapudGIANNETTI,op.cit.:47)

Porconsequência,pode-seinferirquedentrodosobjetivosdamodernidadeemconstrução,desepromoverafelicidadeeoconfortopormeiodasuplantaçãodaslimitaçõeshumanasedanaturezapelatécnicaetecnologia,avidapassouaseartificializar.Aomesmotempo,essatransiçãodemododevidavempromovendoumainfluênciasocialenormenassociedadesemqueseinsere,poisàmedidaquepromove umamodificação na relação do humano com a natureza, com outros humanos e consigomesmo,afetaacoesãodosagrupamentossociais,comunidadese,comisso,asidentidadesdaquelesqueascompõem.

Nesse sentido, pode-se dizer que o Iluminismo não foi capaz de cumprir o que, em últimainstância,foisuaprincipalpromessaoriginária:obemviver,umaexistênciaindividualecoletivamaisfeliz. Mais ainda: ao desvalorizar a dimensão subjetiva e cultural dos indivíduos e sociedades,contribuiu para aprofundar o abismo entre desejos e a realidade ou, em outras palavras, paraaumentarainfelicidade.Enfim,transformouafelicidadeemproduto,emumprojetoqueseimpõedeformahomogeneizante,excluindo-lheovigordialógicoeemancipatório.

Gianetti(Op.cit.)forneceduaspossíveisexplicaçõesparaafalhadoprojetoiluministanoqueserefere ao alcance da felicidade. A primeira se enquadra na chamada ‘tese da incompletude’, o quesignificaqueotripécompostoporprogressocientífico,educaçãoegovernoracionalnãoavançouemequilíbrio.Asegundaexplicaçãoseencaixana‘tesedapermutacivilizatória’,queseriaofatodequeoavançodaracionalidadeobjetivaeamelhoriadascondiçõesmateriaisdeproduçãocobraramopreçoda reduçãodobem-estar espontâneo,natural, quase ingênuo.Nãoé, noentanto, preciso concordarinteiramente comumadessas tesespara seperceberanecessidadede se superar essavisão, hoje

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aindapredominante,que levaàcompetiçãodesenfreadaeàbuscada felicidadepeladiferenciação.Ainda segundo o autor, o iluminismo transformou os ideais de felicidade da antiguidade clássicamantidospelosestoicos,nosideaisdesebuscartransformararealidadeemfunçãodosseusdesejos.Os estoicos defendiam que para ser feliz era preciso adequar os desejos à realidade por meio dacontemplaçãodomundointerioredaquietude.

NoiníciodoséculoXXI,avaliaçõesdepoucomaisdemeioséculodesdeofimdasegundaguerramundialdemonstramquenãosóaspromessasdoprogressoedodesenvolvimentonãosecumpriram,como também as situações envolvidas nelas piorou: a distância entre os países mais ricos e maispobresdomundoaumentou(UNDP,1999)eacorrelaçãoentrefelicidadeeacúmuloderiquezasnãosematerializou (GIANETTI,op.cit.).Mesmodiantedasevidências, a concepçãodeumprogresso linearquepressupõeasaídadeumacondiçãoprimitivarudimentarparaumamaismoderna,civilizada,aindapredomina. Damesma forma, a proclamação do prazer e da felicidade como propósito supremo davida, guiada pela insaciabilidade regulada, tornaram-se a motivação principal da participação doindivíduonasociedade(BAUMAN,2008).Comoconsequência,cadavezmaisseconfundeabuscadafelicidadecomabuscadoprazer,emquealgoexternoaoserpreencheráseuvazioexistencial,algooportuno aosmeios de comunicação demassamodernos que promovem o consumismo emantêmumafalsademocracia.

Diantedasreflexõesapresentadas,percebe-sequeotema‘felicidade’,abordadodeformamaisabrangente, pode ser importante porta de entrada e aprofundamento nos processos de EducaçãoAmbientaldialógicoseemancipatórios,possivelmentecontribuindoparasuasustentabilidade.5.2Felicidade:umadifícilconceituação

Apesardotema“felicidade”estarpresentenasdiscussõesereflexõesdoocidentedesdeaGréciaantiga,atéosdiasatuaisnãofoiconstruídoumconsensosobreoseusignificado.Asrazõesparatalsão várias, como a variedade de significados atribuídos à palavra e, portanto, à falta de disciplinaconceitualetambémàsimplicaçõesideológicasveladasnadiscussão.

ParaVeenhoven(1991),orefinamentoconceitualcomeçouasedarapenasnasúltimasdécadasdoséculoXX,comumamelhorcompreensãoeorganizaçãodovocabulárioenvolvidonesseuniversodepesquisaeassim,comdiferenciaçãodosconceitos.Umpossível resultadodessaorganizaçãoéaideia de que felicidade é o “grau ao qual um indivíduo julga a qualidade geral de sua vidafavoravelmente”(VEENHOVEN,op.cit.:10),ouseja,oquantoalguémachaqueasuavidaéboa.Nessesentido,felicidadeéumconceitoquepodesertambémdenominadodesatisfaçãodevida.

Aindasegundooautor,aavaliaçãogeralqueumapessoafazdesuavidapartededuasfontesmais ou menos discretas de informação, que ele denomina componentes da felicidade: o nívelhedônico (o grau em que os vários afetos que uma pessoa experimenta são agradáveis), e o nívelcognitivo (o grau com o qual um indivíduo percebe que suas aspirações são alcançadas), tambémdenominado contentamento. Argyle & Martin (1991) associam a felicidade a três componentesparcialmente independentes: a frequência e grau de afetos positivos (prazer – emocional), o nívelmédio de satisfação emumdeterminado período (cognitivo, resultado de reflexão) e a ausência desentimentosnegativos,comodepressãoeansiedade.

Osautores,apósrevisaremumasériedeestudossobreoefeitodeatividadesprazerosassobreafelicidade, destacaram sete principais causas de prazer: contato social com amigos ou outros emrelações próximas; atividade sexual; sucesso e conquista; atividade física, exercício e esportes;natureza, leituraemúsica;comidaebebidas;álcool(ARGYLE&MARTIN,1991).Asatisfação,porsuavez,possuisuaprincipalfontenasatisfaçãoobjetiva,quenãopossuiaindamedidasdiretas,masqueéexplicadaporteoriascognitivas,comoateoriadacomparação(comosoutros)eateoriadaadaptação(nos tornamosadaptadosaumdeterminado tipodesituaçãoe,portanto,necessitamosdeaumentonosestímulos).Taisaspectossãodiscutidosemmaioresdetalhesnotexto.

Diener, Sandvik & Pavot (1991) associam felicidade à frequência de afetos positivos einfrequênciadeafetosnegativos. JáCsikszentmihalyi&Wong(1991),abordamoconceitoapartirdeduasdimensõesinterconectadas,adimensãodapeculiaridade,queseriaumadisposiçãopermanentedoindivíduodeexperimentarobem-estarindependentementedecondiçõesexternasedoestado,ouumaexperiênciasubjetivatransitóriaemrespostaaeventosmomentâneosoucondiçõesdoambiente.

Para finalizar, Giannetti (Op. cit.) discute que a ideia de felicidade encerra pelo menos trêscondições relevantes: ser consequênciadeum fatoconcretoqueaumentouoníveldesatisfaçãodeumapessoaporumdeterminadotempo;asatisfaçãoocorrenteemumdeterminadoespaçodetempoesemaocorrênciadefatosconscientesquelevemalguémaisso;oresultadodeumaavaliaçãoglobalsobreascondiçõesdevidadeumadeterminadapessoa.Asduasprimeirassãoestadostransitóriose,portanto,levamaosentimentode‘estarfeliz’.Jáaterceiraremeteaumacondiçãodevidae,assim,aosentimentode‘serfeliz’.

Emseutexto“Ishapinessrelative?”(Afelicidadeérelativa?),Veenhoven(1991)fazumarevisãocríticasobreumateoriacomumqueéadafelicidaderelativa,quepodeserresumida,segundooautor,emtrêspostuladosbásicoseemquatroinferências(VEENHOVEN,op.cit.:2-3):

Postulados:•Felicidadeéresultadodecomparação:avaliaçãodograuaoqualaspercepçõesdavidacomoelaé,alcançaospadrõesdavidacomodeveriaser.

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•Padrões de comparação se ajustam à situação: padrões seguem a percepção da realidade. Se ascondições de vida melhoram, os padrões aumentam. Se as condições de vida pioram, os padrõesdiminuem.

•Os padrões de comparação são arbitrários: os padrões de comparação são construções mentaisindividuaisenãonecessariamenteseencaixamemqualquerrequerimentorealparaumavidaboa.

Dadosospostuladosacima,asinferênciasquedelesderivamestãoindicadasabaixo:•Afelicidadeéinsensívelàqualidadedevidareal:jáqueospadrõesdecomparaçãosãoarbitrários,osjulgamentosbaseadosnelesserãoarbitráriostambém.Assim,aspessoaspodemsesentirfelizesemcondiçõesarbitráriasetristesemboascondições.

•Afelicidadenãopodeserelevadapormuitotempo:Jáqueospadrõesseajustam,asmudançasparamelhoroupiortêmapenasumefeitocurtosobreafelicidade.

•A felicidade é construída na dificuldade: Já que os padrões de comparação se ancoram emexperiências passadas, pessoas serão mais felizes após tempos difíceis. Quanto pior a vida foi nopassado,maisbaixosserãoospadrõesemaisfavoráveisosjulgamentosdavidaatual.

•A felicidade tende a ser neutra: já que os padrões se ajustam continuamente, as pessoas sãotipicamenteneutrassobresuasvidas.

Fossem tais postulados realmente reais, ou seja, se a felicidade não dependesse de aspectosobjetivos, mas de comparações subjetivas apenas, ela seria fútil e evasiva: fútil porque não seriaassociadaaumavidaboaeevasivaporqueafelicidadeproduzidaporumdeterminadosucessoseriafugaz,oquetrariapoucosentidoemtentarbuscá-laoupromovê-la(VEENHOVEN,op.cit.).Hálimitesàimportânciadacomparaçãonaformaçãodafelicidade(ARGYLE&MARTIN,1991).

Costa (2004:161) aborda a questão da felicidade pelo prisma histórico social, indicando que acontemporaneidade é marcada por uma “redefinição em nossos ideais de felicidade”, agoracentralizadanosignificadodocorpo.Segundooautor,asociedademidiáticatransformouavidadosricosefamososemalgoaseradmiradoeimitado.Entretanto,diantedadificuldadedaascensãosocialparaamaioria,aimagemdocorposetornaoúnicoitempassivode“inclusão”nesseuniverso,doqualestará,deoutraforma,excluído.Comaemergênciadocorponacentralidadedosideaisdefelicidade,desvia-se a atenção da vida sentimental para a vida física e altera-se o tipo de prazer ao qual seaspira,dafelicidadesentimentalparaasensorial.Aprimeiraéduradouraeexistente,napresençaouausência do outro, seja ele coisa ou pessoa, por lembrança ou rememoração. A segunda é fugaz eabsolutamente dependente da presença do outro, como fonte de estímulo e excitação (COSTA, op.cit.).

Ovalordoprazerna felicidade temsido temaparaoutrospsicólogosepsiquiatrasnosúltimosanos. Seligman et al. (2005) apontam três componentes essenciais mas que são individualmenteincapazesdeassegurarafelicidade:oprazer(ouemoçõespositivas),oengajamentoeosignificado.Oprazer, embora presente, é consequência do engajamento e do significado. O engajamento é oenvolvimentoemqualqueratividadequetrazprazer.Jáosignificado,osentimentodepertencimentoaalgoquefaçasentidoalémdomaterial,elevaafelicidadeaumoutropatamar.

Seligmanetal.(Op.cit.),estudandoadurabilidadedobem-estarpsicológicoem40paísescomsignificativas diferenças culturais, chegaram ao que é considerado essencial a cada cultura econcluíram que algumas virtudes estão onipresentes nas diferentes culturas estudadas. São elas:sabedoria/conhecimento, coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência, que, por suavez,desdobram-seemmais24característicasàsquaischamamdeforçadecaráter.

Interessante observar que estas virtudes/forças de caráter encontram-se descritas no Manual“VivendoValores”,preparadonaocasiãodascomemoraçõesdos50anosdaONU(BRAHMAKUMARIS,1995),comosendoessenciaisàconstruçãodeumaculturadepaz.Apartirdestaobraindiana,aqualsepropõeaumauniversalidade,nota-senãosóumaconvergênciaentrediferentesvisõesdemundocomotambémareceptividadedasociedadecontemporâneaocidentalnasuabuscaintensificadaporsignificados e respostas às inquietações humanas, promovendo assim, uma troca cultural,principalmentereligiosaeespiritualcomoOriente.5.3AFelicidadeInternaBrutaeoencontrodesaberesparaconstruçãopolítica

Neste contexto social receptivo ao pensamento oriental, unido a uma preocupação cada vezmaiorcomasconsequênciasambientaisdaatividadehumanapós-industrial, surgemalternativasnabuscadeindicadoresdequalidadedevidaglobal,comoadoreinobudistadoButão.Jáimplementadapelogovernodessepaís,propõe-seaorientarodesenvolvimentosustentávelconcretamenteapartirde questões subjetivas, mas transformadas em vários parâmetrosmensuráveis e cruzados para sechegar ao índice chamado Felicidade Interna Bruta (FIB). Os parâmetros são um conjunto deindicadores contidos em nove dimensões: bem-estar psicológico, uso do tempo, saúde, educação,diversidade e resiliência cultural, boa governança, vitalidade comunitária, diversidade e resiliênciaecológica,padrãodevidaparaodesenvolvimentoholístico.NoBrasilhácertamobilizaçãoemdireçãoaoindicador,que,noentanto,carecedeestudosepesquisasdefundamentaçãoevalidação.

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O “Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and SocialProgress”(STIGLITZ,SEN&FITOUSSI,2009),umrelatóriosolicitadopelogovernofrancêsdeSarkozyaoslaureadoscomoNobeldeEconomia,incluiuoconceitode“felicidade”nabuscadeindicadoresdebem-estar,demonstrandoa tendênciadaFrançaem incorporaresteconceitoàs regrascontábeisdopaís.

O FIB pretende construir um novo conceito de progresso, que vá além do desenvolvimentopautadonocrescimentoeconômico(FELICIDADEINTERNABRUTA,2009).

Esteenfoquenospossibilitapensarnasustentabilidadedosprocessoseducadores,namedidaemqueabarcadimensõesdasociedadeedoambiente.

Umaspectoquecontribuipara facilitara implementaçãodeste tipode indicadorcomplexo,éocrescimento de grupos filosófico-religiosos que trazem no centro de diferentes discursos, umaeducaçãovoltadaparafinspacíficos,paraoincentivoedivulgaçãodeatitudesrealmentesustentáveis,açõeshumanitáriaseparaavalorizaçãodesaberes tradicionais.Dentreas inúmeras tendênciasemfortalecimento, sejam vindas da Índia, China ou Japão, a grandemaioria centra-se na educação devaloreseconstruçãodeumaculturadepazuniversal.

No entanto, o diálogo entre Ocidente e Oriente dificilmente foi reconhecido pela comunidadecientífica.Porém,encontrouespaçonos“DiálogoscomDavidBohm”, ondeopensador indiano JidduKrishnamurti notabilizou-se pela maneira despojada e desprovida de teor cultural, proselitismo,negando religiões institucionalizadas e o método enquanto agente limitador do potencial humano,acessando-nosumasíntesedabuscadoSer.

ParaKrishnamurti(2009):Asupremafelicidade–nãoaoriundadoprazer,masaquepromanadessaquietude interiorque é a segurança da tranquilidade, a realização da inteireza. Em tal estado não existeprogresso,massimrealizaçãocontínua,naqualtodososproblemas,todasascomplexidadesseesvaecem.Essaverdade,essaintegridadeinterna,existeemtodasascoisas;emtodooserhumano;eessarealidadeinternajamaisestáausentenoqueémínimocomotambémjamaisseexaurenoqueémáximo.Paramim,averdade,essa integridadedequefalo,acha-seemtodasascoisas.Portanto,aideiadequenecessitaisprogrediremdireçãoàrealidade,éumaidéiafalsa.Nãosepodeprogredirnadireçãodeumacoisaquesempreestápresente.Nãosetratadeavançarparaoexterioroudevoltar-separao interior,massimdese libertardessaconsciência que se percebe a si mesma como separada. Quando houverdes realizado talintegridade (unidade), vereis que tal realidade não têm ela futuro nempassado; e todos osproblemas relacionados com tais coisas desaparecem inteiramente. Uma vez que o homemrealizeisso,vem-lheatranquilidade,nãoadaestagnação,porémadacriação,adosereterno.Paramimarealizaçãodestaverdadeéafinalidadedohomem(KRISHNAMURTI,2009:1).

Aqui,osujeitoencontrasuapazinteriorpercebendo-senoTodo,numaidentidadeatemporal,naqualeleéúnico.Odiálogotransforma-seemsilênciopreenchidodesignificado,emqueEueTu(oumesmo eu e a Natureza) se fundem, embora cientes de que são distintos, sustentam-sesimultaneamentenacriaçãocoletivademútuaapreciação.

Krishnamurti (Op. cit.) pontua que para ocorrer a transformação, uma grande quantidade deenergia é necessária. Essa energia torna-se disponível e é liberadaquando o observador torna-se oobservado,paraalémdaspalavras,naapreciaçãogenuínacriadapelosilênciounificador,quandoháconexão de olhares, conectividade profunda entre seres. Como nessa consciência não há conflito,grandequantidadedeenergiatorna-sedisponível,ecomestaenergiacriativaaumenta-seapotênciadeação,opotencialhumanomanifesto.Nasceapossibilidaderealdeumatransformaçãosustentável,porque está centrada na percepção consciente do sujeito que assume a si próprio como sendo amudançaquequervernomundo,comodisseGandhi.6.CONSIDERAÇÕESFINAIS:UMAABORDAGEMSOCIOPOÉTICA

A busca de uma identidade planetária desenrola-se numa síntese-integrativa damultiplicidadecultural, por meio de uma ponte dialógica e da ressignificação de conceitos, na qual os sujeitosdesvendam-seemsuasidentidadesindividuais,reconhecendo-senoespectroidentitáriocoletivo,nasidentidadeslocais,regionais,aténaidentidadeplanetária,sendotodasintrínsecasaopensar/agir.

O caminho percorrido nesta busca lembra a poesia ‘Mar Salgado’, de Fernando Pessoa (2009),que narra a trajetória do viajante português ao deixar o VelhoMundo (o conhecido) e atravessar ooceano(odesconhecidoobstáculo),enfrentandodesafioseperigos.Nofimdajornada,elesedeparanãoapenascomumnovomundo(odesconhecidoatraente),mas,depoisdemuitosofrer,encontra-seasimesmo:

Comduasmãos–oAtoeoDestino–Desvendamos.Nomesmogesto,aocéuUmaergueofechotrêmuloedivinoEaoutraafastaovéu.FosseahoraquehaverouaquehaviaAmãoqueaoOcidenteovéurasgou,FoiaalmaaCiênciaecorpoaOusadiaDamãoquedesvendou.FosseAcaso,ouVontade,ouTemporal

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Amãoqueergueuofachoqueluziu,FoiDeusaalmaeocorpoPortugalDamãoqueoconduziu.(...)OsDeusesdatormentaeosgigantesdaterraSuspendemderepenteoódiodasuaguerraEpasmam.PelovaleondeseascendeaoscéusSurgeumsilêncio,evai,danévoaondeandoosvéus,Primeiroummovimentoedepoisumassombro.Ladeiam-no,aodurar,osmedos,ombroaombro,Eaolongeorastrorugeemnuvenseclarões.Embaixo,ondeaterraé,opastorgela,eaflautaCai-lhe,eemêxtasevê,àluzdemiltrovões,OcéuabriroabismoàalmadoArgonauta.(...)Valeuapena?TudovaleapenaSeaalmanãoépequena.QuemquerpassaralémdoBojadorTemquepassaralémdador.Deusaomaroperigoeoabismodeu,Masneleéqueespelhouocéu.

Chegandoaqui,o“velhoeuropeu”refresca-senaságuaslímpidasdestenovomundo,embrenha-se namata, alimenta-se da cultura nativa e da importada africana, gerando dentre outros, o saborcaipira,doqualsomosdegustadoresantropofágicos.

“Antes de os portugueses descobriremoBrasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”: Seria asimplicidadeeatranquilidade,presentesnaalmacaipira,resquíciosdafelicidadepontuadaporOswalddeAndrade(2009)?

Numaatmosferaintensadereflexão,comabuscasinceradesoluçõesinternasqueseconvertamem ações, encerramos com mais perguntas que respostas, lembrando que Érico Veríssimo (2005)também nos convida a “fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu”. O escritorlembra-nos que “há na terra um grande trabalho a realizar”, que “é tarefa para seres fortes, paracoraçõescorajosos”,diantedaqual“nãopodemoscruzarosbraços”.Essaspausaspodemnosindicara importânciadaobservaçãoe reflexão,paraque,atravésdelas,possamosencontrarnossa ligaçãocom o ambiente e, assim, ao nos identificarmos com ele, reavaliarmos nossas atitudes e quiçá,transformá-las.REFERÊNCIASALMEIDA, Alfredo BernoWagner de. Antropologia dos archivos da Amazônia.Rio de Janeiro: Casa 8 / FUA,2008._______.Apresentação.In:SHIRAISHINETO,Joaquim(Org.).DireitodospovosedascomunidadestradicionaisnoBrasil.Manaus:UEA,2007.ANDRADE,O.PiratiningaAno374daDeglutiçãodoBispoSardinha.RevistadeAntropofagia,Ano1,N.1,Maiode1928.In:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Antrop%C3%B3fago>.Acessoem:02/12/2009.ARGYLE,M.;MARTIN,M. The psychological causes of happiness. In: STRACK, F.; ARGYLE,M.; SCHWARZ, N.Subjectivewell-being:aninterdisciplinaryperspective.Oxford:Pergamon,1991,pp.77-100.AVANZI,M.R.eMALAGODI,M.A.S.Comunidadesinterpretativas.In:FERRAROJÚNIOR,L.A.(Org.).Encontrosecaminhos:formaçãodeeducadoras(es)ambientaisecoletivoseducadores.Brasília:MMA,2005,pp.95-102.BAUMAN,Z.Comunidade.RiodeJaneiro:JorgeZahar,2003._______.Identidade:entrevistaaBenedettoVecchi.RiodeJaneiro:JorgeZaharEditor,2005._______.ModernidadeLíquida.TraduçãoPlínioDentzien.RiodeJaneiro:JorgeZaharEditor,2001._______.Vidaparaconsumo:atransformaçãodaspessoasemmercadoria.RiodeJaneiro:JorgeZahar,2008.BOHM,D.Diálogo:comunicaçãoeredesdeconvivência.SãoPaulo:PalasAthena,2005.BRAHMAKUMARIS,Organização.VivendoValores–UmManual.BrahmaKumaris:SãoPaulo,1995.BRANDÃO,C.R.ComunidadesAprendentes. In:FERRAROJÚNIOR,L.&SORRENTINO,M.(Orgs.).Encontrosecaminhos:formaçãodeeducadoras(es)ambientaisecoletivoseducadores.Brasília–MMA,DepartamentodeEducaçãoAmbiental,2005,pp.85-91.BRIANEZI, T. A reforma agrária ecológica na Floresta Nacional de Tefé. Somanlu – Revista de EstudosAmazônicos.Ano7,n.1,jan./jun,2007.Manaus:EDUA.BUBER,Martin.EueTu.SãoPaulo:Cortez&Moraes,1974.CARVALHO,IsabelCristinadeMoura.EducaçãoAmbiental:aformaçãodosujeitoecológico.SãoPaulo:Cortez,2004.

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ODESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVELEMQUESTÃO:CORRENTESEPOLÊMICASEMTEMPOSDIFÍCEIS

ViriatoSoromenho-MarquesViveremépocashistóricasébastantemaisdolorosodoqueestudá-las.Osleitoresdestaslinhas

jáaprenderam,àsuacusta,averdadeprofundadestamáximadasabedoriadospovos.EmPortugal,naEuropa,noMundo,asplacastectônicasdosistemaeconômicoefinanceirocomeçaramamover-sedeformavisívelem2007,edemodoostensivo,potencialmentecatastrófico,desde2008,coma“crisedosubprime”,que,originadanosEUA,sedisseminoupeloplanetaatravésdasartériasfinanceiras,edepoisde2010,pelaeclosãodacrisedas“dívidassoberanas”,quepartiudaEuropaparaomundo.

Amudançaédeumadimensãoedeumadensidadequeultrapassamtantoanossacapacidadedecompreensãocomoonossopoderdeavaliação.Oquesabemoséqueamudançaé tãooumaisprofunda,comoacrise iniciadanosanosde1920,quecausouaGrandeDepressão,aascensãodostotalitarismos,eaSegundaGuerraMundial.Hoje,crescemaosmilhõesonúmerodepessoasquesãoafastadas dos seus postos de trabalho e as famílias que são forçadas a recorrer a uma segurançasocial,cadavezmaisdescapitalizada,parasatisfazerassuasnecessidadesbásicasdesobrevivência.

Anarrativaultraliberalestáemrápidadecadêncianoterrenoprático,masnãoencontrouaindaalternativa teórica coerente, e muito menos uma narrativa suficientemente robusta para inspirarpolíticaspúblicasefetivascapazesnãosóderelançaraeconomiacomodereconstruirumasociedadeondeosseusmembrospossamvivercomsentidodepropósito,eaesperançadequeaestabilidadedoseumododevidanãovaiserceifadadebaixodasondasdechoquedapróximacrisecíclica.Aquestãocentraldesteartigoconsisteemsabercomoéqueasdiferentesdoutrinaseinterpretaçõesassociadasaoconceitodedesenvolvimentosustentávelpoderãofazerpartedessanarrativadequeassociedadesatuaisestão,urgentemente,carecidas.1.TRANSIÇÃOGLOBALSUAVE

Desde 1987 que o conceito de desenvolvimento sustentável (doravante, DS) entrou no “main-stream” dos discursos que procuram cruzar economia e ambiente. O Relatório Brundtland e aautoridade moral das Nações Unidas foram decisivos para uma progressiva difusão, primeiro nosuniversosdaspolíticaspúblicas,edepois juntodo tecidoprodutivoenaspróprias rotinasdagestãoempresarial. É claro que a procura pela articulação entre economia e ecologia (o nexo central dasustentabilidade,aoqualsedevemassociaradimensãosocialeasvertentesinstitucionalecultural)nãocomeçouem1987.Pelocontrário,desdeJohnStuartMill(1848)aSchumacher(1973),passandopor Boulding (1966), são muito numerosos os pensadores de formação econômica que tentarampercebercomosendoessencial–oimpactoambientaldaatividadeeconômica–aquiloqueaeconomiaconvencionalremetiaparaodomíniodeumaesferadenegligenciávelexternalidade5.

A fixação do conceito de DS tem sido um processo complexo, criativo, marcado por amplaspolêmicas, manifestando uma evidente marca de pluralidade. Contudo, a corrente mais importanteestáligadaaoquemeproponhodesignarcomoaescolaquedefendeaviabilidadedeumatransiçãopara uma economia mais sustentável sem rupturas, mantendo e aprofundando, com reformas nosentidodemaiorsustentabilidadeemaiortransparência,aarquiteturadaglobalização.Nosanos90,essa corrente caracterizava-se pelas apostas na alteração das políticas produtivas e industriais(WALLACE, 1995; AIRES, 1998), uma preocupação que é hoje liderada pela OCDE na sua linha de“Green growth” (crescimento verde). Outro aspecto relevante era constituído pela aposta no“decoupling” e no “Capitalismo natural”, o que conduzia à procura de uma radical diminuição doconsumo de energia e de matérias na produção de cada unidade de PIB (WEIZÄCKER, 1994;MCDONOUGH,2002;HAWKEN,2004).Masamaispoderosaeinfluentecorrente,nestaprimeiraescola,foi sem dúvida a que se destacou no vínculo entre reforma das políticas e tecnologias energéticas,aproveitando a crescente relevância da temática das alterações climáticas a partir de meados daprimeiradécadadesteséculo.

OsconhecidosalertasdeSterneAlGore,em2006,foramdecisivosparaqueaspolíticaspúblicassetivessemvoltado,comímpetorenovado,paraaurgênciadedarcombateàameaçaclimática.Entre2007e2009aUniãoEuropeialiderouosesforçosinternacionaisparaque,emDezembrode2009,nodecurso da Conferência de Copenhague (COP 15), tivesse sido possível encontrar um regimeinternacionalnoâmbitodaConvençãodasNaçõesUnidasparaasAlteraçõesClimáticas(UNFCCC,nasiglainglesa).Foramtraçadasverdadeirasestratégiasglobais(STERN,2009;ALGORE,2009).Mesmodepois do amargo falhanço de Copenhague, a crença numa viragem estrutural da economia, nestecasoaoníveldaUniãoEuropeia,alimentadapelocombateàsalteraçõesclimáticas,continuouareunirinteligênciaseamobilizaresforços(ECF,2010).2.COLAPSO:PARAALÉMDAESPERANÇA

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Acredibilidadedeuma transiçãogradual –muitoenfraquecidapelomodocomoabandeiradasustentabilidadetemsidoabandonadapelosEstadosapósoiníciodacriseeconômicaglobalemcurso–temsidocontestadaporumacorrenteque,emboracomvariaçõesdistintas,consideraqueanossacivilização acordou demasiado tarde para a possibilidade do DS. Alguns autores cimentam o seuceticismona incúriacomonosdeixamosarrastaratéao“picodopetróleo”semqualqueralternativaenergéticaválida.Anossa civilização sucumbiria,mesmoantesde se começara sentiremospioresefeitos das mudanças climáticas, sob o frio e o gelo da atrofia energética (HEINBERG, 2003, 2004;KUNSTLER, 2005). Para outros, esticamos a corda muito tensamente e mesmo as mais virtuosasrespostas parecem ser insuficientes para fazer regredir a inércia perversa de um ecossistema cujaresiliênciasearriscaatersido irremediavelmentequebrada(LOVELOCK,2007).Paraoutros,ainda,acorridacontraacatástrofeclimáticajáfoipraticamenteperdida.ATerracorreoriscodeficarcomumaatmosfera cada vez mais próxima da de Marte, comprometendo, com isso, a sobrevivência dahumanidade(HANSEN,2009).

A probabilidade do colapso foi colocada de modo rigoroso e fundamentado, a partir de umaperspectivadehistóriacomparada,por JaredDiamond(2004).ElemostrouquemúltiplascivilizaçõestêmsidoconfrontadasaolongodaHistóriacomdesafiosde(in)sustentabilidade.Umassãocapazesdeencontrarasrespostaspolíticasetecnológicasadequadas,eprosperam.Outras,pelaincúriaefaltadevisãoestratégica,acabampor“escolher”ocolapso.Asingularidade,contudo,resideemqueanossacivilização tecnológica é a primeira de dimensão planetária. Um colapso hoje teria dimensõesdantescasecustoshumanosemateriaisastronômicos.3.PARAALÉMDASUSTENTABILIDADE:ODECRESCIMENTO

A contestação mais séria, contudo, do DS é proveniente de uma linha de pensamento eintervenção, também ela diversa e polifacetada que, embora comungando das preocupaçõesambientais do DS, acaba por criticar aquilo que é considerado ser ainda um compromisso com aeconomiaclássica.Estouareferir-meaosproponentesdeumaeconomiadodecrescimento.Trata-sedeumacorrentecomumafortecomponenteacadêmica,procurandofundar-senumacríticaprofundadosfundamentos da modernidade tecnológica (GRAS, 2008; FLAHAULT, 2008). Para estes autores, o“desenvolvimento”acabaporserumamáscaradocrescimento.Ora,ocrescimentoéoproblemaenãoa solução. Um proponente particularmente relevante desta via é a do francês Serge Latouche. Eleavançacomumanovateoriaeconômica,ado“decrescimentosereno”,baseadaem8R’s: reavaliar,reconceitualizar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reduzir e reutilizar/reciclar (LATOUCHE, 2007).OutroautorimportanteéobritânicoTimJackson,quepropõeumareestruturaçãodaspolíticaspúblicasbaseando-se na perspectiva da “prosperidade sem crescimento”, retomando a distinção clássica deJohnStuartMill entre crescimentomaterial (que tinha limites físicos) e o crescimento qualitativo daculturaedetodososelementosdoqueeledesignavacomo“artedeviver”(artofliving),ilimitadopornatureza(JACKSON,2009).

Apresençamaisfortedealgunsseguidoresdestatendência,céticaemrelaçãoaoDS,situa-senoplanoprático.NalinhadeRobHopkins,fundadordoMovimentodaTransição,apreocupaçãocentraljánãoé adepropor grandes reformasanível governamental,masade intervir nas agendas locais emunicipais, mobilizando os cidadãos para pequenos passos, reduzindo o consumo de energia ematérias-primas,reduzindo,adependênciadoconsumoexcessivo,envolvendoosmunicípiosemlutasconcretas, no sentido de uma mudança radical do modelo econômico e social (HOPKINS, 2008;CHAMBERLIN, 2009). No fundo, mesmo que o sistema internacional venha a entrar em colapso, areconstrução terá de começar a partir do espaço onde se encontram as pessoas concretas. Nessamedida,apolíticaqueimporta,ésempreapolíticalocal.4.OFUTUROESTÁEMABERTO

Nummundoemmudançaacelerada,asquestõesdasobrevivênciadahumanidadepassampelacapacidade de as diferentes nações e culturas não perderem a capacidade de se afetarempositivamenteumasàsoutras.Oagravamentodacrisefinanceirainternacionalpoderáconduziraumprocesso patológico de protecionismo e/ou a uma degradação das tensões que poderá fazer ofenômenodaguerraemtodaasuaviolência.Precisamosmanteroscanaisabertos,tantodocomérciocomodas ideias e dos valores.Necessitamos reforçar asNaçõesUnidas e todas asmodalidades decooperação no sistema internacional. A reconstrução da economia passará tanto pela escala localcomo também da capacidade de incluirmos estritos critérios de salvaguarda ambiental e de justiçasocialnastrocasinternacionais.

Nosdiasquecorremootimismo,nãoécertamenteumsinaldeinteligência.Masopessimismo,porseuturno,tenderáasubestimaraspossibilidadesescondidasderomperasinérciasqueparecemcondenaranossacivilizaçãoauma implosãoouaumcolapso.Sóquemacreditarque jásabemososuficiente para poder definir o futuro tombará numa atitude de paralisante prostração. Para quemrecusar a arrogância, o futuro estará em aberto, por mais difícil que seja rasgar uma frincha deesperança razoávelna sombradosdias.A incertezaemmatériadeconhecimentoacercadoestadofuturodomundonãonosdispensadodeveréticodesalvaguardarmosoplanetacomocasahabitávelparaasgerações futuras6.A lutapelasustentabilidade,emqualquerdosváriosnomesqueela temvindoaassumirnasúltimasdécadas,eemqualquerdasfrentesondeelasejoga–naspolíticas,nas

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empresas,noespaçodoméstico–permanecerácomooterrenodelutaprivilegiadoparatodosaquelesquenãodesistemdoqueéjustoenecessário.REFERÊNCIASAIRES, Robert U. (Ed.). Eco-restructuring: Implications for Sustainable Development. Tokyo/New York/Paris:UnitedNationsUniversityPress,1998,pp.46-49.ALGORE,A.A.JR.ANossaEscolha:UmPlanoparaResolveraCriseClimática.ColecçãoGulbenkianAmbiente.Lisboa:EsferadoCaos,2009.BORDEYNE,Philippeetal.(Eds.).ÉthiqueetChangementClimatique.Paris:LePommier,2009.BOULDING, Kenneth E. The economics of the coming spaceship Earth. Environmental Quality in a GrowingEconomy,H.Jarrett(Ed.).WashingtonD.C.:TheJohnHopkinsPress,1966,pp.3-14.BROWN,LesterR.PlanB.RescuingaPlanetunderStressandaCivilizationinTrouble.NewYork/London:W.W.Norton&Company,2003.CATO,MollyScott.GreenEconomics.AnIntroductiontoTheory,PolicyandPractice.London:Earthscan,2009.CHAMBERLIN,Shaun.TheTransitionTimeline.ForaLocal,ResilientFuture.Totnes:GreenBooks,2009.COSTANZA,Robert&D’ARGE,Ralphetal.Thevalueof theworld’secosystemservicesandnaturalcapital.Nature,vol.387,15deMaiode1997,pp.253-269.DALY,H.andCOBB,J.FortheCommonGood.Boston:MA,BeaconPress,1990.DIAMOND,Jared.Collapse–HowSocietiesChoosetoFailorSucceed.NewYork:VikingPenguin,2004.DIEFENBACHER, H. The Index of Sustainable Economic Welfare: a case study of the Federal Republic ofGermany.In:COBB,C.andCOBB,J.JR.(Eds.).TheGreenNationalProduct:AProposedIndexofSustainableEconomicWelfare,1994.EUROPEAN CLIMATE FOUNDATION (ECF). Roadmap 2050: A Practical Guide to a Prosperous Low-CarbonEurope,2010.FLAHAULT,François.LecrépusculedeProméthée:Contributionàunehistoiredeladémesurehumaine.Paris:MilleetUneNuits,2008.GRAS,Alain.Fragilitédelapuissance:Selibérerdel’emprisetechnologique.Paris:Fayard,2008.HANSEN,James.StormsofmyGrandchildren.London:Bloomsbury,2009.HAWKEN, Paul; LOVINS, Amory B. e LOVINS, L. Hunter. Natural Capitalism: The Next Industrial Revolution.London:Earthscan,2004.HEINBERG,Richard.Powerdown.OptionsandActionsforaPost-CarbonWorld.ForestRow:Clairview,2004._______.TheParty’sOver:Oil,WarandtheFateofIndustrialSocieties.GabriolaIsland,BritishColumbia:NewSocietyPublishers,2003.HISKES,RichardP.TheHumanRight toaGreenFuture.EnvironmentalRightsand Intergenerational Justice.NewYork:CambridgeUniversityPress,2009.HOPKINS,Rob.TheTransitionHandbook.FromOilDependencytoLocalResilience.Totnes:GreenBooks,2008.JACKSON, T. Measuring Sustainable Economic Welfare – A Pilote Index 1950-1990. Stockholm: StockholmEnvironmentInstituteincooperationwiththeNewEconomicsFoundation-UK,1994._______.ProsperitywithoutGrowth.EconomicsforaFinitePlanet.London:Sterling,VA,2009.KUNSTLER,JamesHoward.TheLongEmergency–SurvivingtheConvergingCatastrophesoftheTwenty-FirstCentury.NewYork:Grove/Atlantic,Inc.,2005.LATOUCHE,Serge.Petittraitédeladécroissancesereine.Paris:MilleetUneNuits,2007(ediçãoportuguesa:PequenoTratadodoDecrescimentoSereno.Lisboa:Edições70,2011).LINAS,Mark.SixDegrees.[2007].London:HarperCollins,2008.LOVELOCK, James. The Revenge of Gaia: Why the Earth is Fighting Back – and How We Can Still SaveHumanity.London:PenguinBooks,2007.MAX-NEEF,M.Human ScaleDevelopment – Conception: Application and further Reflections. New York: TheApexPress,1991.MCDONOUGH, William e BRAUNGART, Michael. Cradle to Cradle: Remaking the Way We Make Things. NewYork:NorthPointPress,2002.MILL, JohnStuart.PrinciplesofPoliticalEconomywithsomeoftheirApplicationstoSocialPhilosophy.1ªed.1848.NewYork:ReprintsofEconomicClassics,AugustusM.Kelley,1965.

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APRENDERASABER,PARTILHAROSABER:ALGUMASIDEIASCOMOUMCHÃOPRONTOPARASEMEARPROPOSTASDEUMAEDUCAÇÃO

AMBIENTAL

CarlosRodriguesBrandãoOhomemestánomundoecomomundo.Seestivesseapenasnomundo,nãohaveriatranscendência nem se objetivaria a si mesmo. Mas como pode objetivar-se, podetambémdistinguirentreumeueumnão-eu.Issootornaumsercapazderelacionar-se; de sair de si; de projetar-se nos outros; de transcender. Pode distinguir órbitasexistenciaisdistintasdesimesmo.Estas relaçõesnãosedãoapenascomosoutros,mas se dão no mundo, com o mundo e pelo mundo (FREIRE, Paulo, Educação emudança,p.30).

Adescobertadooutro–odiálogoEntrefinaldosanos50eosprimeirosanosdadécadade60,vivemosumtempodegrandese

fecundas inovaçõesnaeducação. Entre asmaisdiferentesdireções começamosa compreenderquepara dizer algo às pessoas de seu tempo e para acompanhar todo um esforço de efetivademocratização ética e política, a educação deveria mudar não apenas alguns conteúdos e gradescurriculares,masaprópria intimidadedesuasestruturasedeseusprocessos.Amesmacoisavinhaacontecendoemoutros camposdas relaçõeshumanas, da terapia à dinâmicadosgruposedela àsaçõessociaisemcomunidadespopulares.

“Educaçãohumanista”,“pedagogiacrítica”,“ensinocentradonoaluno”,“educaçãopermanente”,“educação libertadora”, “educação e direitos humanos”, “educação e desenvolvimento”, “educaçãopopular”, “educação ambiental” são alguns nomes entre vários outros que traduzem apassagemdeumapedagogiacentradanoensinarparaumapedagogiacentradanoaprender.Apassagemdeumaeducaçãocentradana transmissãodiretaememorizáveldeconteúdosdeensinoparaumaeducaçãorecentradaemprocessosdeaprendizagem.Umaeducaçãoquetransfereopoderde quem sabe e transmite ou transfere um conhecimento, para uma educação da comunidadeaprendente,quepartilhademaneiraativaesolidáriaacriaçãodeseuprópriosaber.

Sim,lembremosoqueaconteceuaquinoBrasilquandoPauloFreirecria,naauroradosanos60,aexpressão “educação bancária”. E ele “inventa” esta expressão vinda do âmago do mundo dosnegócios,parafazeracríticadeumensinofundadonafiguradoprofessorcompetente,autoritárioedisciplinador, colocado diante e acima de uma “turma de alunos” passiva, ouvinte, repetitiva edisciplinada, que o ouve (quando ouve) e recebe como uma dádiva ou um dever submisso, o seuconhecimento“dado”.Umensinoemque ‘quemsabeeensina’ transfereconhecimentosparaquemnão‘sabeeaprende’.Umaeducaçãodescoladadarealidadedomundoequeeraexercidaeque,porconsequência, preparava indivíduos competentes para adaptarem-se produtivamente à suasociedade, ao invés de buscarem formar pessoas conscientes capazes de criativamentetransformaremomundoemqueviviam.

O fundamento das ideias que Paulo Freire partilhou com educadoras e educadores de todo omundo,estavaemalgomuito simples.Estavanadescobertadooutro.Emprimeiro lugar,umoutropessoal, singular. A pessoa única, original e irrepetível da menina ou do rapaz que, como meusestudantes,tenhodiantedemim.Sejamelesquemforem,sãopessoashumanasaseremformadasapartirdesimesmo,dedentroparafora,edeacordocomsuasvocaçõesindividuais.Poiscadapessoaéuma fonteúnicadevida,desentimentos,desentidosdevidaedesaberes.Tudooqueposso fazercomoumapessoaqueeducaécolocar-meaoseuladoedialogarcomela.Trocarvivências,afetosesaberes. E, assim, partilhar com ela a experiência dialógica, inclusiva, solidariamente interativa, departilharacriaçãodesaberesapartirdosquaiselaeeu,cadaumaseumodo,realizaoseuaprender.

Aquelesaquemnosdirigimosenquantoeducadoressãopessoascomonós,eestãodiantedenósparaaprenderasaberporquesãodiferentesdenós.Ointervaloentreasnossasdiferençassechamaeducação. São crianças e são jovens, às vezes adultos e idosos, que mesmo quando ainda muitopequenos,chegamanósempapadosdevivênciasesaberes;são“João”ou“Maria”,criançaspobresdeumaperiferiadacidade,massãotambémumadimensãopessoaldeseusmundosdevida.Malsabemfalardiantedenóseaindanãosabemlereescrever,massãojásujeitossociais,identidadespessoais,culturaiseétnicas. São, emsuas comunidades,atoresculturais e, como tais, são tambémativos ecriativos construtores populares de cultura. Seres através de quem uma cultura ou uma fraçãodiferencialdeumaculturafoi,éeseguesendorealizadaedadaaservistaetrabalhada.

Descobrimosnaauroradosanos60,primeiroooutro,osujeitoeasubjetividade,naeducação,ondeantesvíamosapenasumnomeimpessoal,umnúmerodematrícula,um“casoatrabalhar”,umalguém logoaseguirclassificávelcomo“bom”ou“mau”alunoe,daíemdiante, tratadoatravésdeseu rótulo. Estamos aprendendo pouco a pouco agora a lidar com a inteireza do sujeito desta“subjetividade”. Estamos aprendendo a perder o temor de sermos menos confiáveis por estarmossendomaispessoaisnomodocomotrabalhamos,inclusivequandonocolocamosativamenteaoladode“nossosalunos”epartilhamoscomelesoqueacentuaasnossasdiferençaseminimizaasnossas

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desigualdades.Poisesteéumdosrealistasmilagresdaexperiênciadosereducador.Vivemostodososdiasapossibilidadedeumdosencontrosmaisprofundoseverdadeirosentreduaspessoashumanas:odiálogoentredoisatores/autoresdealgomaisimportante–porquemaishumano–doqueosgrandesfeitosdesteoudaqueleheróiqueaindateimamosemlembraremnossasaulasdehistória.Oinaugurardiáriodeumencontro ‘EueTu’7,umaprofessoraeumestudanteemumasaladeaula,comopodeabrigarumaturmadealunos,umcírculodeculturaouumacomunidadeaprendente.

Quandonoencontroentrevocêeeuexiste,emalgumamedida,uma intençãodeamorou, sequisermos, de aceitação do outro em si mesmo e tal como ele é, então é quando, em sua maiortransparência, o eu do outro aparece em mim e para mim. O meu outro é, inicialmente, umsemelhanteamim:falaaseumodoaminhalíngua,participaaseumododeminhaprópriacultura,crêaseumodonomesmoDeusqueeu;etomanocairdatardedeumaquinta-feiraomesmorefrigerantegeladoqueeu. Interajocomele,dentroe foradasaladeaula,dentroe foradosmuros (quandohámuros)daescola,acolhendoooutroemmeuafetonãoporqueeleéaminhaimagem,oqueseriaumdesejonarcisistademevernosoutrosaquemamo;nãoporqueéumalguémque,comomeualuno,euvou“moldar”comoeuquero,paraqueele,aseumodo,reproduzapelomundooserqueeusou...ouqueeugostariadeser.Euoaceitodemaneiraincondicionalpeloqueneleencontroderessonânciaemmim.Por isso tambémPauloFreire repetia semcessarquesomos todosaprendentes-ensinantesunsdosoutros.

Ofundamentaléqueoprofessoreosalunossaibamqueaposturadeles,doprofessoredosalunos,édialógica,abertaecuriosa,indagadoraenãoapassivada.Enquantofalaeenquantoouve.(FREIRE,1967apudPADILHA,2004,epígrafedolivro).

Anãoserqueeu trabalheemumaunidadedeaçãosocialouemumaescolasituadaemmeubairro, e que acolhe pessoas e estudantes “da mesma classe que eu” (que hoje em dia sãoclassificadasde “A”a “E”),namaiorpartedasocasiõesestamosdiantedepessoasquenão sãodealgummodo“comonós”,sãotambémamedidavisíveldenossasdiferençasculturaise,infelizmente,de nossas desigualdades sociais. Não moramos no mesmo bairro e nem as nossas roupas são asmesmas.Nossossaláriospodematénãosermuitodiversosdosdeseuspais,desiguais,masosnossosmodos de vida cotidiana são bem outros. E é nas chamadas “diferenças culturais” que nosacostumamosaveroquenostorna–emumasociedadedualeexcludentecomoanossa–desiguais.Falamosamesmalíngua,masnãodomesmomodo,eéprovávelqueabibliotecademinhacasatenhamaislivrosdoqueasdetodasascasasdacomunidadedeacolhidademinhaescola.

Emsegundolugar,umoutroplural:cultural.Onome“círculodecultura”,quepretendiasubstituira“turmadealunos”,erabemosímbolode

umanovaconsciência.Adequeosaberessencialdasdiferentesculturasqueentramemcontatoesecomunicam não é hierarquicamente desigual; ele é socialmente diferente. O mesmo quereconhecemos para o caso de uma pessoa, cada pessoa com quem entramos em relaçãoreconhecemos para um grupo humano e sua cultura. Um e a outra são fontes originais de saber esentido. Podem entrar em diálogo comigo,meumodo de ser eminha cultura.Mas demodo algumpodem,pormeiodequalquertipodeaçãopedagógicaousocial,ser“reduzidos”amim,aomeumododeser,depensar,desentir,decrer,decompartir,detrabalhare,assim,“reduzidos”àminhaprópriacultura. Quando, anos mais tarde, o multiculturalismo surgiu na cena da educação, diversasexperiênciasbastantemaisradicaisdeacolhidadodiferentehaviamsidojárealizadas.Adescobertadotodo–ocomplexo

Podemosdaragoraumsaltoaumfuturoprevistoeimaginado,paraentãovoltarmosdopassadoaonossopresente.Masantesdestesalto,querotranscreveraquiumaoutrapassagemdePauloFreire.Elafoiescritaemumdosseusúltimoslivros,mastambémumdosmaisconhecidos.UmlivroemquePaulofaladiretamenteàpessoadaprofessora,doprofessor.Seeuescolhoestapequenapassagem,épara mostrar como, ao retomar ideias suas... “dos primeiros tempos”, ele antecipa em boa medidatoda esta “revolução” do pensamento, das ciências e da educação com que nos vemos envolvidosagora.

Jáhámuitosanos,desdeinstituiçõesinternacionaiscomoaUNESCOatépensadoresdaeducaçãoe educadores de sala de aula, viam-se obrigados a pensar o que significa ‘ensinar e aprender’ emnossos novos tempos. Já nos anos 60 aUNESCO lançava umaproposta universal de umaeducaçãopermanente.Osseusargumentoseram,então,osmesmosquevieramaaparecercombastantemaisdadosemaisforçanumlivrojánossoconhecido:Educação–umtesouroadescobrir.Umdocumento,não esqueçamos, dirigido a educadores de todo o mundo, com as propostas essenciais para uma“educaçãoparaoséculoXXI”.

Vivemos cadavezmais emummundoemconstantemudança.As transformaçõespelasquaispassamosnasúltimasdécadasenvolvemnãoapenasa facemaismateriale tecnológicadavidadepessoas, de comunidades e de povos. Elas envolvem também as dimensões mais imateriais, maisinteriores ao ser, sentir e viver de cada uma e de cada um de nós. Tanto os equipamentos queutilizamos – sobretudo após a criação dos microcomputadores e da Internet – quanto as ideias, osvalores,ascrençaseasteoriasque,desdealgumtempoatrás julgávamosseremestáveisemnóseentrenós,evalerem“portodaavida”,tudoaonossoredoreemnósmesmosmudaesetransforma.

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Eoconhecimento?Eaeducação?Aoserproduzido,oconhecimentonovosuperaoutroqueantes foinovoese fezvelhoese‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer oconhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção doconhecimentoaindanãoexistente.(FREIRE,Paulo.PedagogiadaAutonomia.SãoPaulo:PazeTerra,p.37).

Ora, de acordo com alguns estudiosos do presente/futuro, a humanidade “de agora” estariaingressando,atravésdediferentesesinuososcaminhos,horizonteseportasabertas,emumaEradoConhecimento. No entanto, esta porta aberta a horizontes inimagináveis, logo ante os primeirospassos, abre-se a dois caminhos: um deles submete o conhecimento à informação, e desloca, dainterioridadedohomemparaaexterioridadedasmáquinaseletrônicas,osrumosedestinosdaEradoConhecimento;ooutrorecuperaaideiaancestraldeque,seumagrandeepoderosatransformaçãodetodaahumanidadeestáaí,diantedenós,elasópodeacontecerdesdedentrodenósenasváriasecrescentessolidáriasrelaçõesdo“entrenós”.

Estaéadireçãoemque, desdePierreTeilharddeChardine, entrenós, Paulo Freire, emesmoantes,oconhecimentoépensadoevividocomoconsciência8.Lembremosque,seistoéverdadeiro–eesperemosquesaibamoscuidardaVidanaTerraparaquehajavidahumanae tempohumanoparaque isto se realize – ,a educação já é agora, hoje, e virá a ser cada vez mais no futuro próximo eremoto,oeixocentraldasmaisdiversasatividadeshumanaseculturalmentesociais.

A inovaçãomaispresentenaeducaçãodeagora chegadebaixodeváriosnomesnovosenemsemprefáceis.AlgunsdelesestãoemEducação,umtesouroadescobrir.Outros,emlivroseartigodecientistasdasciênciasdouniverso(comoosfísicos),davida(comoosbiólogos),dapessoahumana(comoospsicólogos)oudasociedadeedacultura(comosociólogoseantropólogos).Outrosescritosimportantes são de educadoras(es) e algumas delas, como Maria Cândida Moraes, conseguiramrealizarexcelentes sínteses “doqueestáacontecendo”em livros comoOparadigmaeducacionalemergente.

Aideiacentralpresenteemtodososestudosrenovadoresarespeito,éadequeestamosvivendoagora um tempo de uma completa descoberta de novas formas de pensar, de criar conhecimentosatravésdasciências,dasfilosofias,dasartes,dasespiritualidadesetambémdastradiçõesancestrais,indígenasepopulares.Maisebemmaisdoqueisto,estamosnocomeçodeumtempodeaprendizado,decriarmosnovaspautasdeintegração,deconexãoedeinteraçõesentreosmaisdiferentesdomíniosecamposdenossossaberes,nossossentidosevaloresdevida,nossossignificadosparacompreendertudo,nossassensibilidadeseasnossassociabilidades.

Esta seria a principal característica de uma nova Era do Conhecimento. E ela chegaria a nósatravés de novos paradigmas ou de paradigmas emergentes. Expressões como “visão holística”,“pensamento complexo”, “inter”, “poli”, “multi” e “transdisciplinaridade” invadem o mundo daeducação e a desafiam a transformar-se completamente, para vir a ser o que dela espera o nossopresenteeofuturodasnovasgerações.Deixemosque,porummomento,EdgarMorin,umdosmaisconhecidosanunciadoresde “novos tempos, novas ciências, novospensareseumanovaeducação”nosexpliquealgumasdiferençasimportantes.

Ainterdisciplinaridadepodesignificar,porexemplo,quediferentesdisciplinasencontram-sereunidas comodiferentes nações o fazemnaONU, sem, entretanto, poder fazer outra coisasenão afirmar cada uma seus próprios direitos e suas próprias soberanias em relação àsexigências do vizinho. Mas interdisciplinaridade pode também querer dizer troca ecooperaçãoe,dessemodo,transformar-seemalgoorgânico.Apolidisciplinaridadeconstituiumaassociaçãodedisciplinasemtornodeumprojetooudeumobjetoque lhesécomum.Asdisciplinassãochamadasparacolaborarnele,assimcomotécnicosespecialistasconvocadospararesolveresteouaqueleproblema.Demodocontrário,as disciplinas podem estar numa profunda interação para tentar conceber um objeto e umprojeto,comojáseviunoestudodahominização.Enfim, a transdisciplinaridade se caracteriza, geralmente por esquemas cognitivos queatravessam as disciplinas, ás vezes com uma virulência tal que as coloca em transe. Emresumo, são as redes complexas da inter, poli e transdisciplinaridade que operam edesempenhamumpapelfecundonahistóriadasciências.(MORIN,1999:36).

O que nós, os seres humanos do momento presente, podemos produzir e criar com novasintegrações,interaçõeseindeterminações(istomesmo!)denossosmúltiplosconhecimentostorna-se,acadadia,algocompreendidocomodeumalcance inacabávele inimaginável.SehouvertempodevidahumananoplanetaTerraporséculosepormilêniosainda,estealcancepoderátomaradireçãodeuma compreensão de profunda harmonia entre todas as coisas – pessoas e sociedades humanasincluídas–eotododequetudoéparte.Estepoderiaviraserocaminhodarealizaçãodosabercomoplenahumanizaçãoeconsagraçãodaexperiênciahumanacomoumafecundaeassumidapartilhadoprópriomistériodavida.Oquenóspodemosgerarefazercomobomusodenossosaprendizadosedenossosconhecimentosrepresentanadamenosdoqueaconstruçãodeummundodesolidariedade,dejustiça,deigualdade.Enfim,dapartilhaentretodasaspessoasepovosdaquiloquedeveriaserodommaisbemdistribuídoentretodasetodosnós:afelicidade.

Entretodososestudiososdosnovosparadigmasexistemalgumasdiferençaseváriosconsensos.

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Um deles é a descoberta de que a razão do conhecimento científico e, de maneira especial, dasciências da pessoa, da cultura e da sociedade (pedagogia incluída) não é estabelecer certezasirremovíveis, e nem explicar dimensões da realidade através de leis e teorias inquestionáveis. Elasdevemestar francamente abertas a campos conectivos, interativos e transformáveis de busca e decriaçãodesignificados.

Nãocabeàsnovasciênciasafirmarcategoricamenteoqueháecomoéoqueexiste,segundoversões únicas e autoproclamadas como definitivas, mesmo quando aperfeiçoáveis. Cabe a elas otrabalhodeestabeleceremdiálogosdefertilidadeecomplexidadecrescentesentrenósetudooqueexiste; entre nós e as diferentes formas e alternativas de compreensão do que existe; e entre nósmesmos–seresdanatureza,daculturaedasociedade–atravésdosmúltiplostiposdeconhecimentossobreoqueexiste e sobre aquilo queprecariamente construímospara realizar umaentre as váriaspossíveis compreensões humanas do que existe. Do que existe e do que imaginamos, múltipla ediversamente,queexistedentrodenós, entrenós, eentrenóseasváriasdimensõesdavidaedocosmos.

Qualquerquesejaocampopreferencialemqueelaopere,nenhumaciênciaéneutraou“pura”,ou“neutra”emsimesma.Qualquerciência“fala”atravésdepessoasquesãoindivíduoscomassuasescolhasepreferências.Assim, a ciência fala “emnomede”. Portanto, fala sempredesdeum lugarsocial, como uma confraria de especialistas, uma comunidade relativamente autônoma, o poderpolíticodeumEstado,omercadodebensouainteraçãoentrepelomenosdoisdesteslugaressociaisdeconstruçãoededestinodosaber.

Emsociedadesregidaspeladesigualdade,peloarbítrioepelocontrole ilegítimoda liberdade,aexclusãodos“outrosquenãonós”easubmissãodosaberedotrabalhohumanoafontesdepoderedeinteressesituadosforadosdireitosessenciaisdapessoa,nãoexisteapossibilidadedeumaciênciaisentaeobjetivamenteneutraeimparcial.

Devemoscompreenderque,seosaberexiste,étambémouessencialmenteeleoquenostornahumanos.Osaber,aemoçãoeabuscasemlimitesdesentidosedesignificadosparanósmesmos,paraosmundosquecriamos,paraavidaeouniverso,eisoquenostornapessoashumanasesempremais humanizáveis, como seres do diálogo e da reciprocidade. Eis os termos em que o próprioconhecimento e todas as alternativas culturais de sua recriação, para além de critérios apenasepistemológicos, só fazem sentido quando representam alguma forma de trabalho dialógico edestinadoaocompartir“crescendos”decompreensãodavidaedafelicidadenavida.

Devolvidas a comunidades humanas regidas pelo direito à diferença, à escolha livre e àreciprocidade responsável, a ciência, a pesquisa e a educação aspiram serem plurais. Aspirammultiplicaratoreseautores,ampliarcenáriosdecirculaçãocriativadosaberentrecírculosdodomedatroca.O que é o exato oposto dos circuitos sociais do ganho, da posse e do poder. Aspirama umamultiplicidadeconvergentedasdiferenças.Esonhamtemposdenovas integraçõesentreosdiversoscamposedomíniosdasciências (asdanatureza,davida,dapessoaedasociedade),enovas (ouaredescobertadasantigas) interaçõesentreosabercientíficoeoutrasesferasdeconhecimentoedesensibilidade. Esferas do saber como as das artes, das espiritualidades, da filosofia e das tradiçõespopulares.Aquelasqueadiantenosesperamcomonomede“conhecimentodosensocomum”.Umanovaeducaçãoparaformarpessoascriadorasdeumnovomundohumano

Lembremosquea razãodeousarmos criarumaoutraeducação, fundadanãoapenasemumaoutraposturapolítica–tãoreclamadaporPauloFreire,desdehá50anos–ouemumanovaética,mastambém em novos e interativos sistemas de saber e de sentido, está situada no fato de queprecisamosurgentementealcançarumanovacompreensãodequemsomos.Umaoutravisãodoqueéouniverso,doqueéavidanaTerraedequemsomosnós,comoparcelasdeleedela.E,apartirdaí,alcançarmosumarenovadoraposturadiantedoTododequesomosparte,diantedavidadequesomospartilhaedenossooutro,comquemcompartimosomilagredavida.

Por aparentemente limitado que seja qualquer trabalho de uma pessoa dedicada a educar,fazendointeragiremsaberesevaloresentrepessoas,quequemeducadeveorientar,umtalofíciodoconhecimentonãodeveaspirarmenosdoquesomar-seatodoofluxodecriaçãoedeestabelecimentodobemedapazatravésdosaber.

Eograndedesafiodenossotempoéquevemosaeducaçãopodendotomarumrumoouooutro.Sabemosqueédesumanooquepodemos,comoeducadores,criarefazercircularcomoconhecimentoe comovalor, quandoo pensamento quepoderia gerar o domdapartilha e a compreensãodapazajudaagerarsentimentosevaloresfundadosnodesejodopoder,dacobiçaedoprimadodalógicadointeresse instrumental,edomercadosobreavocaçãodeumaéticadacomunicaçãoamorosaentrepessoas e povos. Todo o saber gerador do mal que, após haver extinguido o direito humano àcompreensãoeàfelicidade,pretenderátambémascondiçõesdereproduçãodavidanaTerra,precisatercomocontraparteumavocaçãodeestudo,deensinoedeaprendizagemdesaberesedesentidosevalores que venham a ser o exato oposto de um desvio utilitário e meramente instrumental daeducação.

Assim, podemos pensar que a razão de ser da educação não é apenas o ato de capacitarinstrumentalmenteprodutoreshumanosatravésdatransferênciadeconhecimentosconsagradoseem

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nome de habilidades aproveitáveis. Antes disto, e para muito além disto, ela é o gesto de formarpessoas na inteireza de seu ser e de sua vocação de criar-se a si mesma e partilhar com outros aconstruçãolivreeresponsáveldeseuprópriomundosocialdevidacotidiana.

Destinadaapessoashumanasnosingularenoplural,bemmaisdoqueaomercadodebensedeserviços ou mesmo a um poder de Estado, a educação não é uma atividade provisória eantecipadamente calculável segundo princípios de uma utilidade instrumental. A educação é umaexperiênciasocialmentepereneepessoalmentepermanentedecadaumdeseussujeitos:pessoasepovos. Assim sendo, o seu sentido é mais o de recriar continuamente comunidades aprendentesgeradoras de novos saberes e, de maneira crescente e sem limites, abertas ao diálogo e àintercomunicação.Aeducaçãonãogerahabilidades,elacriaconectividades.Eoquepossahaverdenecessariamente instrumentaleutilitárionelaéapenasasuadimensãomaiselementar.Écomoumalicercesobreoqualsepisaaoandareacimadoqualrestaconstruirtodaacasadoser.

Aindaquerepresenteumaescolhadesaberes,edevaloresentreoutras,aeducaçãonãopodepreestabelecer de maneira restrita “modelos de pessoas”. Não pode pré-criar “padrões de sujeitos”como atores sociais antecipados e treinados para realizarem, individual e coletivamente, um estilosocialdeser.Sóéhumanooqueé imprevisível,etodaaeducaçãoquehumanizatrabalhasobreassuas incertezas a respeito não tanto dos seus princípios, mas do destino daqueles a quem educa.Considerada como uma prática social destinada a gerar interações de criação do saber através deaprendizagens onde o diálogo livre e solidário é a origem e o destino do que se vive e do que seaprende, a educação deve começar por tornar os educandos progressivamente coautores dosfundamentos dos processos pedagógicos e da construção das finalidades do próprio aprender. Pelamesma razão, a educação deve formar pessoas livres e criativas o bastante para se reconheceremcorresponsáveis pelas suas próprias escolhas. Inclusive aquelas que, fruto do diálogo com oseducadores,sejamdiversasoumesmoopostasàsdeles.

Vivemos um momento de redescoberta da reciprocidade, da formação de cooperativas detrabalho e de troca de bens. Vivemos um difícil tempo de fortalecimento e da dispersão dosmovimentossociais resistentesaosecontestadoresativosdos interessesdomercadoedopoderdoEstadoaelesubordinado.Estedeveseromomentodenosperguntarmossenãoestamosmadurosobastante para incorporarmos o saber, a ciência, a tecnologia e a educação a essas redes de vidacomunitáriacujossujeitoseelossãonadamenosdoque“nósmesmos”.Seestenãoéomomentodepensarmososaberquesecriacomopensar,queseviveatravésdeseaprenderapraticaraciência,como umbeme umdompreciosos demais para estarem continuamente sob o controle de eternos“outros”,alheiosàsuapráticaesenhoresdeseusresultadoseproveitos.Aquelesparaquemosaber,aciênciaeaeducaçãosão,noseulimite,umamercadoriacomooutraqualquer.

Em termos bastante concretos e abertamente operativos, Paulo Roberto Padilha elabora umasíntese de princípios e valores que deveriam ser fundamentos de uma proposta de uma educaçãocentrada na pessoa, e de um currículo intertranscultural, como ele próprio o denomina. Querotranscrevê-laaqui,naíntegra.

1. Englobar,noconceitodecurrículo, todasasaçõeserelaçõesdesenvolvidasnaescola, inclusivesua

organização democrática dinâmica, direta, participativa e representativa e aberta à comunidadeescolar.

2. Tornar a escola significativa e alegre para a vida dos educandos e de todas as pessoas que nela

convivem.3. Valorizaraescolacomoespaçodeconstruçãoindividualecoletivadeaçãopedagógicaedastrocas

interculturais.4. Visaràeducaçãopermanentedetodasaspessoasqueparticipameatuamdiretaouindiretamentena

escola,paraoexercíciodacidadaniaplanetária.5. Assumir uma postura dialógica-dialética e complexa diante da realidade, abrindo-se para toda

manifestaçãodesensibilidade,expressividade.6. Questionar todoequalquerdiscurso, informação,conhecimentoeprocessodeensino-aprendizagem

que se autodenomine neutro ou que se apresente numa perspectiva homogeneizadora. Valorizar ointercâmbioeodiálogoentreosgruposculturaiseseumútuoenriquecimento,questionarebuscarsuperaçãodequalquermanifestaçãoquepretenda,sobqualqueralegação,naturalizaropredomíniodeumaculturasobreaoutra.

7. Trabalharoconhecimentonaescolacombasenasrelaçõesenastrocasintertransculturaisevalorizar

osCírculosdeCulturacomoseusespaçosprivilegiados.8. Promover a superação de toda e qualquer lógica binária e analisar amultidimensionalidade do ser

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humano.9. Criar novos contextos educativos para a integração criativa, cooperativa, solidária, emancipatória e

humanizadoraentreosdiferentessujeitos,gruposdepessoasecomunidades.10. Posicionar-se frontalmente contra qualquer tipo de manifestação preconceituosa, etnocêntrica,

violenta,quepromovaadesigualdadeeaexclusãosocial.11. SuperaromodelodecontroledaexclusãosocialporumEstadoque‘pilota’aspolíticassociaiscomo

‘tutelador’ e não como gestor, alterando as formas de relação entre Estado educador e educaçãoescolar.

12. Trabalhar os processos de reconstrução do conhecimento sempre visando à justiça social e à

humanizaçãodaeducação,estimulandoaaprendizagemcomoformadeintercâmbioepartilha.13. Respeitar aDeclaraçãoUniversal dosDireitosHumanos, osprincípiosdaCartadaTerra, bemcomo

todosaquelesjáconsagradosnascartasenosdocumentossurgidosnasamplasdiscussõesnacionaiseinternacionais,comodemandadospovos,bemcomoincentivarapermanenteatualizaçãocríticadosreferidos princípios, de acordo com as exigências e necessidades das sociedades contemporâneas,respeitados os limites éticos da convivência humana justa, pacífica, solidária, sustentável eemancipadora(PADILHA,2004:313/314).

Sepretendemosestenderasexperiências,osfundamentoseosvaloresdeumanovaeducaçãocentradanovalor-pessoaenovalor-vida,acírculosdeeducandos-educadorescadavezmaisamplosefecundos,podemospartirdealgunspontosdeconhecimento,deaçãoedeesperançafundadoresdeumanovaeducação.

Quaisseriameles?Vejamos:1º) Podemos acreditar, comos diversos inspiradores dos novosmodelos de pensamento e dos

diferentes paradigmas emergentes, que a razão de ser do pensamento e da ciência desta Era doConhecimento não é mais, com prioridade, apenas o criar, através de experiências de altacompetênciaeespecialização,conhecimentos tãoespeciaiseespaciaisquenãopossamestabelecerredesdeinterlocuçãosequercomcamposvizinhosdosaber.

Todo o conhecimento que como educadores ensinamos, serve à criação de saberes, e o saberserve à interação entre saberes. A interação dialógica entre campos, planos e sistemas deconhecimento serve ao adensamento e ao alargamento da compreensão de pessoas humanas arespeito do que importa: nós mesmos, os círculos de vida social e de cultura que nos enlaçam demaneirainevitável,avidaquecompartimosunscomosoutrosetodososseresdavida,omundoeosinfinitoscírculosderealizaçãodocosmosdequesomos,nossapessoaindividual,nossascomunidades,avida,onossomundo,parteepartilha.

Assim sendo, todo o conhecimento competente não voltado ao diálogo entre saberes e entrediferentescriadoresdesaberes– inclusiveossituadosforadocampodasciênciasacadêmicasedossaberes autoproclamados como cultos e/ou eruditos – não tem mais valor do que o de sua própriasolidão.Qualquerteoriacientíficaéumainterpretaçãoentreoutrasevalepeloseuteordediálogo,nãopeloseuacúmulodecertezas.Todoomodelodeciênciafechadoemsimesmoéumaexperiênciadepensamento fundamentalista, como o de qualquer religião ou qualquer outro sistema de sentidofanático.

2º) Podemos acreditar, com Boaventura de Souza Santos que, ao contrário do que vimosaconteceraolongodosúltimosséculos,omodelodasciênciassociaisnãoéumacópiaimperfeitadasciências naturais. As ciências da natureza aprendem a relativizar, a pluralizar compreensões, asubjetivarmétodoseadescobrirecompreenderatravésdodiálogoentre leiturase,não,atravésdemonólogosdecertezas.Tomam,portanto,comomodelodeteoriaeprática,aatualidadedosdilemasdas ciências humanas. Isto não significa uma inversão de domínio, pois o sentido de domínio devedeixar de existir aqui. Significa que, de um lado e do outro – até não existirem mais lados, comomargens que separam, o avanço da compreensão está relacionado a um progressivo e irreversívelabandono das variantes do positivismo científico e lógico, da redução da compreensão àexperimentaçãoedaexperimentaçãoàmanipulaçãodesujeitossobreobjetos.

3º) Podemos acreditar que a finalidade do conhecimento é também, e principalmente, a deproduzirrespostasàsverdadeirasnecessidadeshumanas.PodemosmesmolembraraideiadeBertoldBrecht, partilhadapor tantas outraspessoas: a finalidadeda ciência é aliviar amiséria da condiçãohumana.Masistonãosignificaqueaciênciadevaseroriginalmenteutilitária.Seexisteumautilidadefundamentaldaciência,elaestánacriaçãoeampliaçãodacompreensãohumanaarespeitodosedasintegraçõesentreosmistériosdaprópriapessoa,domundoemqueelavive,davidaemqueelaeoutros seres da vida se realizam e de totalizações diferenciadas em que tudo isto existe e a queconverge,semperderdimensõesdesuaidentidade.

4º)Podemosdefenderaideiadeque,assimcomotodasasoutraspráticassociais,aciênciaea

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educação que sonhamos praticar, e através das quais descobrir e ampliar ad infinitum sujeitos ecampossociaisdediálogocriadoreemancipatório,pretendemestar falandodesdeo lugarsocialdacomunidade humana concreta e cotidiana. E pretendem se dirigir a comunidades humanas decriadoresdavidadetodososdiasedahistóriaqueestavidamúltiplaentreteceeescreve.

5º)PodemoslembrarqueaPauloFreiresemprefoicaraumapalavrahojeinfelizmentemeioforademoda:práxis,umpensardialógicoecríticoarespeitodeumarealidadequeumaaçãoreflexiva–ela própria o pensamento tornado atividade coletiva e subversivamente consequente – trata detransformar como e através de um processo inacabado e sempre actancial e reflexivamenteaperfeiçoável ao longo da história humana. E a própria história deve tender a ser práxis, cria etransforma.

6º)Podemosredirecionaraeducaçãocomoumvalordestinadoapessoashumanasnosingularenoplurale,não,aomercadodebensedeserviços,oumesmoaumpoderdeEstado.Umaeducaçãocompreendidanãocomoumaatividadeprovisóriaeantecipadamentecalculávelsegundoprincípiosdeuma utilidade instrumental. Uma utilidade instrumental cujo lugar de destino é apenas o trabalhoprodutivo,principalmentequandooexercíciodestetrabalhoserveaopodereaosinteressesdomundodos negócios. Uma educação vivida e pensada como uma experiência socialmente perene epessoalmentepermanentenavidadecadaumdeseussujeitos:pessoasepovos.

7º) Podemos imaginar e praticar uma educação sujo sentido seja o de recriar continuamentecomunidades aprendentes geradoras de saberes e, demaneira crescente e sem limites, abertas aodiálogoeàintercomunicação.Aeducaçãonãogerahabilidades,elacriaconectividades.

8º)Podemosnosabriraumalargamentodenossacompreensãoarespeitodasrelaçõesentreapesquisaeoensinonaescola,escancarandoolequedenossasleituras,denossosestudos,denossasreflexões e de nosso ensinos. Podemos aprender a nos abrir às diferentes alternativas de pesquisacientíficaedainvestigaçãoemoutroscampos,comoapsicoterapia,afilosofia,aliteratura,amúsica,oteatro, o cinema, as artes plásticas, as tradições populares. Insisto em lembrar que, de maneiraindireta, mas convergente com os propósitos da pesquisa qualitativa em educação, alguns dosmelhoreslivrossãotextosarespeitodacriaçãodepeçasteatrais,devídeosdocumentais,ederoteirosdecinemaede ficção. Infelizesosquenãopodemcontemplararealidadedeseumundo,anãoserolhando para fora (e às vezes tambémpara dentro) desde umúnico lugar e através de uma únicajanela.Podemos,então,“ouvir”FaygaOstrowerumavezmais:

Nãohádeseconfundircomplexidadecomcomplicação.Aoseremcomplexas,ascoisasnãosetornamcomplicadas,esim,maisespecíficasemsuadiferenciação,maisverdadeiras.Anoçãodecomplexidaderefere-seaograudeorganizaçãodeumfenômeno,físicooumental,aomodoespecíficopeloqualseinterligamseuscomponentes,estabelecendo-seumequilíbriodinâmico– um equilíbrio novo, nunca passivo ou mecânico. Em vez de uma combinação de fatoresaleatóriosedesconexos–quesemdúvidaseriacomplicado, lidamoscomconfiguraçõesqueapresentamumaltograudeintegraçãocoerente.Aoserelacionaremosdiversoscomponenteseaspossíveisinteraçõesemníveismaiselevadoseaotornaremarealidademaisdiferenciada,tambémossignificadosserãomaissutisediferenciados.(OSTROWER,1998:197).

ComFaygaOstrower,eoutrosartistaseeducadoras,podemospensarqueo trabalhodequemeduca (o ofício de mestre, de Miguel Arroyo) deve objetivar ser um passo a mais no caminho daplenitude da realização humana. Deve ser alguma forma de compreensão mais alargada, maisprofundaarespeitodealgonãoconhecido,imperfeitamenteconhecidooupassíveldeser,atravésdeumaoutra fraçãodeconhecimentoconfiáveledialogável, incorporadoaum“tododecompreensão”maisfecundo.

Mais fecundo como conhecimento integrado “a respeito de” e também como possibilidade derealizaçãodoconhecimentocomoumprojetodetransformaçãodealgoemalgumacoisamelhor.Todoobomsabertransformaoquehánoquepodehaver.Todooconhecimentodequalquerciênciavoltadaaoalargamentododiálogoeàcriaçãodeestruturassociaisedeprocessosinterativos–econômicos,políticos,científicos,tecnológicosouoqueseja–sempremaishumanizadores,integraantes,dealgummodo,sujeitoseobjetosemumprojetodemudançaemdireçãoaobem,aobeloeaoverdadeiro.

9º)Podemos,finalmente, lembrarqueodestinodoconhecimentohumanoéestarperenementecirculando.Érealizar-secomoumfluxosem-fimentrepessoaseentregruposdepessoas.Tudooqueahumanidadecrioueseguecriando,entreasciências,asarteseasfilosofias,deságuanaeducação.Porisso,lembremos:maisdoque“aquelequeensina”,oprofessoréum“portadordosaber”.Eleéaquelequeatodoomomentocolheosaberrealizadoe,deixadoemumlivro,emumcaderno,emumCD,otrás de volta à vida, ao “dizer e ouvir” em e entre as comunidades aprendentes com que convive,partilhandoosaber.

10º)Finalmente,podemosencerrarcomalembrançasábiadeumantigoditochinês:“Sevocêfazplanosdevidaparaumano,semeiearroz.Sevocêfazplanosparadezanos,planteárvores.Sevocêpensaplanosparacemanos,eduqueopovo”.REFERÊNCIASANTÔNIO, Severino. Educação e Transdisciplinaridade – crise e reencantamento da aprendizagem. Rio deJaneiro:EditoraLucerna,2002.ARRUDA,Marcos.HumanizaroInfra-Humano.Petrópolis:EditoraVozes,2007.

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BETTO,Frei.Asinfoniauniversal.Petrópolis:EditoraVozes,2011.BRANDÃO,CarlosRodrigues.Acançãodas setecores –educandoparaapaz.SãoPaulo:EditoraContexto,2003._______.AsFloresdeAbril.Campinas:EditoraAutoresAssociados,2000.D’AMBROSIO,Ubiratan.Transdisciplinaridade.SãoPaulo:EditoraPalasAthena,1997.FREIRE, Paulo. Criando métodos de pesquisa alternativa. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisaparticipante.SãoPaulo:Brasiliense,1981._______.EducaçãoeMudança.SãoPaulo:Editora21,1997.GARDNER,Howard.Overdadeiro,obeloeobom.RiodeJaneiro:EditoraObjetiva,1999.MORAIS,MariaCândida.Oparadigmaeducacionalemergente.Campinas:Papirus,2000.MORIN,Edgar.Complexidadee transdisciplinaridade –a reformadauniversidadeedoensino fundamental.Natal:EditoradaUFRGN,1999.OSTROWER,Fayga.AsensibilidadedoIntelecto–visõesparalelasdeespaçoetemponaarteenaciência–abelezaessencial.RiodeJaneiro:EditoraCampus,1998.PADILHA,PauloRoberto.Currículointertransdisciplinar–novositineráriosparaaeducação.SãoPaulo:EditoraCortez/IPF,2004.SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice – o social e o político na pós-modernidade. São Paulo:CortezEditora,2000._______.Umdiscursosobreaciência.12.ed.Porto:EditoraAfrontamento,2001.TEILHARDDECHARDIN,Pierre.Ofenômenohumano.SãoPaulo:EditoraCultrix,1978.

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SABERPARASI,SABERCOMOSOUTROS

CarlosRodriguesBrandãoOhomempodeteroquequer.Ohomemsónãopodeéquereroquequer.Parapensarnãobastaquerer.Éprecisoaprender.Eseaprendeapensar,esperandooinesperado.Nestaespera,apaciênciaéquasetudo.

(EmmanuelCarneiroLeão)9

“Queesteescritosejauma lembrançaeumahomenagemaHugoAssmann,quenosdeixouháalgunsanos.Aprendimuitocomele,empessoaenaleituradeseuslivros.Boapartedasideiasescritasaquisãomaisdelesdoqueminhas”.

AprendereintegrarosaberSabemosbemque,emboraumacertatendênciafuncionaleutilitárianaeducaçãosejacrescente

e seja um bom espelho dos tempos que vivemos, o “esquecimento” de um sentido bastante maishumanistae integraldaeducaçãopoderepresentarumenormeempobrecimentonopresenteeumarealameaçaparao futuro.Oqueesperardeummundoemqueopatrãosubstituiopai,aempresasubstituiafamília,omercadosubstituiacomunidade,osucessosubstituiafelicidadeeacompetiçãodoindivíduocentradoemsimesmosubstituiacooperaçãodapessoavoltadaaosoutros?

Tomada no seu todo e em sua compreensão mais ampla e mais humana, sabemos já que oaprender e a aprendizagem não são processos gradativos de aquisição e de acumulação deconhecimento.Nãosãotambém,desdeumpontodevistaneuropsicológico,umprocessodereforçodememória,decapacidadeoperatóriaespecialmentedirigidaaumplanoououtrodosaber.Acadamomentodavidao‘aprenderasaber’temavercomimportantestransformaçõesqualitativasdetodoosistemaqueconstituiumorganismovivo.Assim,quasesepodedizerque,aoaprender,nãose“sabemais”,maissesabe“deumaoutramaneira”.Quandoumacriançaaprendealgosignificativoquenãoconheciaantes,elanãoaprendeuapenas“aquilo”.Através“daquilo”elaalteroudealgummodotodooseusistemacognitivo.Istopodesignificarqueelamodificouqualitativamentetodaasuavivênciavital.

Do ponto de vista de uma teoria de inteligências múltiplas, como a de Howard Gardner, porexemplo, aprender significa integrar graus mais complexos de experiência, conhecimento esensibilidade.Significamodificaraqualidadede todoumplanoouumadimensãoespecíficadoqueexistedecognitivoemnós.

Porqueéqueumacriançapequeninanamedidaemquecresceeaprende...muda?Porque,semdeixardeser ‘elamesma’,elase transforma?Tantoassimquequandonãovemosporumanoumacriançapequenatendemosaexclamar:“comoelamudou?”.Elamudounãoapenasporqueaprendeucoisasnovas, ouporque seuaparatobiopsicológico “evoluiu”, “maturou”. Elamudouporquea cadamomentodeseucrescimento-aprendizagemelaintegrou,deformascadavezmaiscomplexasemaisflexíveis,todooconjuntodesensações,saberes,significados,sensibilidadesesociabilidadesquepassoapassoafazemtransitardeumindivíduobiopsíquicoaumapessoasocial.Oqueatornadiferentedeumpequeninomacacodemesmaidade,éo fatodequeelanãoapenasaprendemaisesabemais,mas ela integra a totalidade do que aprende de forma muito mais interligada, aberta, flexível ecomplexa.

Em nós, seres humanos, cada um dos diferentes planos de interações-integrações altera-sequalitativamenteatravésdecadaatopedagógicodeaprendizagem. Istoéomesmoquedizerqueacada novo conhecimento tudo o que somos e sabemos de algum modo e em medidas variáveis,desequilibra-seedenovosereequilibraemumnovoplanodeintegração,deinteraçãoeatémesmodeindeterminação.Sim,indeterminaçãomesmo,porquenãosomosanimaistreinadoseprevisíveis,enemsomosrobôs.Emnóstudooquemudaesetransformapodetomarcaminhosdiversosemesmoinesperados. É mais ou menos o que acontece quando, para desespero dos pais (espero queprovisório),umfilhoquerido“preparado”duranteanosparasermédico,abandonaocursonoterceiroanoeresolveser...músico.

Assim, sempre que algo novo é aprendido, não é só este “algo novo” que é acrescentado ouacumuladoacomplexossubjetivosdeconhecimentojáadquirido.Oqueocorreéumaconfiguraçãodetodoosistemapessoalpensantecomoalgocomplexo,interligado,interdependenteedinâmico.

Nósrealizamos“isto”todavezqueouvimosmúsica.Quandoouvimos“boamúsica”equandoa“ouvimos bem”. Nós não nos apoderamos de um determinado acorde ou frase e pedimos para aorquestracontinuartocando-oorestodanoite.Pelocontrário,pormaisquepossamosgostardaquelemomentomusicalemespecial,sabemosquesuaperpetuaçãointerromperiaematariaacontinuidadedamelodia.

Estas ideias nos devem levar a pensar que amaneira como tradicionalmente constituímos osnossosconhecimentosepensamosoquepensamos,estáalgoequivocado.Tendemosaimaginarqueéatravésdesucessõesdeimagensqueimaginamos.Tendemosapensarqueécomrepresentaçõesde

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pensamentoquepensamosapartirdoquesabemos.Noentanto,oconhecimentoaconteceemnóseentrenóspormeiodeumfluxoprocessualecontínuo.Todoosaberéumdom,todoaprenderéumatroca

Oconhecimentoé,portanto,opróprioprocessodesuaaquisição.O ‘aprender a saber’ não envolve um acúmulo ou uma estocagem de representações

manipuláveisemseusconjuntos,namedidaemquepensamosouquandomemorizamosalgumacoisa.Isto pode acontecer quando aprendemos um novo “programa de computador”. Mas, mesmo nestecaso,bemsabemosqueàmedidaqueaprendemosmaise“dominamosoprograma”deumamaneiramaispessoal,transformamosumaprendizadomecânicoefuncionalemumsabercriativoeatémesmocheio de arte. O saber não é umamatéria do pensar que possa ser acumulada ou que possa serpassadaemunidadesdeumplanoparaooutro.

Conclusão:emseusplanosmaishumanosemaisdensoseprofundos,osaberpodeserensinado–epor issoexistemeducadoraseeducadores–,maselenãopodesertransmitido.Umapessoanão“passa”,não“dá”,não“transmite”,conhecimentoparaumaoutra.Nemmesmoomelhorprofessor.Oumelhor,principalmenteumbomprofessor.Oqueocorreéque,emummomentodeumprocessode‘ensinar e aprender’, todas as pessoas envolvidas e participantes estão situadas no interior e noslimitesdesituaçõesedecontextos interativosde trocas.Quemensinaaprendendoequemaprendeensinando.Estãoempontosequivalentes,masdiferentesderelaçõesinterativasdeintercâmbiodeeentre saberes, sentidos e significados situados. Algo que está a todo o momento presente e emmovimento:a)Nomundointeriordecadapessoaenvolvidaemumarelaçãodeensino-aprendizagem;b)Nointeriordosistemainterativorealizadonaquelemomentoentreelas;c)Nointeriordeumsistemaigualmentepresenteeinterativo,entreelaseoentornonaturalesocialdolugarsocialedomomentoquecompartem.

Podemos figurar duas imagensmuito simplificadas, mas que ajudam bastante a compreenderposiçõespedagógicasopostasarespeitodoquesejasabereaprender.Emumadelas,acriançaéaimagemdeumalousavazia,semcoisaalgumaescrita.Edamãeàprofessora,quemensinaeeduca,escreveepreenchedesaberesamente-lousadacriançaque“aprende”oquelheétransmitido.Um“saberoutro”,deoutraspessoas,quepassaasertambémseu,semser,noentanto,umaconstruçãoprópria.

Naoutra,acriançaéaimagemdeumasementecolocadanaterradeumjardim.Oeducador,um“jardineirodosaber”,cuidadocontextoeprocuraosmeiosparaqueacriança-sementecresçaesedesenvolva por simesma. Ela depende “dela própria”,mas “ela própria” depende da qualidade daterraemqueestásemeada,daáguaquerecebe,daspodasoportunasemseusgalhos,doscuidadosparaquesejanutridaeaspragasnãoacontaminem.Semoscuidadosdo jardineiro coma terra,aágua,osnutrienteseospesticidas(naturais,sepossível),aplantanãocresce,oucrescemuitoaquémdecomodeveriaser.Mas,“bemcuidada”,éelaquemcresceesedesenvolve...dedentroparafora.

Cadapessoaaprendenteéumarquiteto-construtordeseupróprioconhecimento.Maséalguémqueapenas“seconstrói”quandoemrelaçãocomosoutros.Ésobreabasedeinterações,edeumahistória compartilhada de trocas, de reciprocidades, de criações fruto de diferentes situações dediálogos,quecadaestudante‘criacomoutros’umaexperiênciade‘conhecimentoemcomum’,apartirdoqualeleseapropriadaquiloaquedamosonomede“oseuprópriosaber”.Assim,atravésdesuaparticipação ativa e criativa num acontecer que torna a “turma de alunos” uma “comunidadeaprendente”,cadaeducando,orientadooumesmocoordenadoporumaprofessora,criaepartilhacomosoutrosummomentodeconstruçãodesaberesapartirdoqualeleinternaliza“oseuprópriosaber”.Assim, a aquisição pessoal de novos conhecimentos, mesmo quando parece algo simples ou“virtualmentesimplificado”,éalgosemprecriativo,mais livreemais indeterminadodoquesupomosquando“ensinamos”.Seemtodooprocessodeaprenderháumalógica,emtodaalógicadoaprenderexisteumahistóriadepartilhas.

EmseulivroAsrelaçãocomosaber,BernardCharlotlembraumoutropensadorparaestabelecerumadiferençaquepoderia ser bastante fecundaaqui10.Umadimensãodoque incorporamosa/emnóséadainformação.Elaéoquefuncional,práticoeutilitárioeu“adquiro”quandoleioomanualdefuncionamentodeumamáquina,ouaprendoemumlivrodereceitascomofazerumbolodenozes.Eua adquiro, aprendo e incorporo aomeu estoque de “coisas que eu sei”. Em ummundo regido pormaquinários, receituários emanuais, a todo omomento estamos colocando dentro de nós – ou damemóriadenossocomputador–“novasinformações”.Eélastimávelconstatarque,paraumnúmerocrescentedepessoas,todoosaberqueimportalimita-seaumaestocagemdeinformações.

Outra dimensão é a do conhecimento. Para além da informação que eu adquiro e possuo, oconhecimentome desafia a... conhecer. Ele se abre amim através de um diálogo entremim e umoutro.Umdiálogoquepodeserfaceaface,quepodeserdiantedeumlivrooumesmodiantedeumvídeo.Euapenasconheçoaquilosobreoquereflito.Aquiloque,antesdecolocardentrodemim–ounocursomesmodesteprocesso–,passaporminhasensibilidade,pelosmeussentimentos,pormeusoutrosconhecimentos,pelossignificadosqueatribuoaomeumundodevida,pelossentidosquedouàminhaprópriaexistência.Comestoquesdeinformação,euaprendoaentrareletronicamenteemuma“redesocial”.Comosmeusconhecimentos,eudouumsentidoaoque leioali e, sobretudo,aoqueescrevocomo“minhasmensagens”.

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Mashá,ainda,umaterceiradimensão–eeladealgummodonosrecordaumavezmaisaPauloFreire. Ela é a do saber. Eu uso uma informação que sei. Eu penso e dialogo com os meusconhecimentos.Maso saberme transcende.Nos transcende. Elenãoépossuído como “algomeu”,masépartilhadocontínuaelivrementeemeentreredesvivaseinterativasde“sabedoresdealgo”.Possoacumular informações(eatualizá-lasemmimeemmeucomputador).Posso integraremmimconhecimentos através dos quais posso progressivamente passar de um “especialista em”, a um“sábiode”.Eporquenão?Masosaberexisteapenasentrecírculosde“entrenós”.Ele, comoalgosensívelepensantementevivoeinterativo,fluientrenós.

QuandonoslançamosemumtrabalhodeEducaçãoAmbiental,emumadimensãomaisrasteira,“passamos informações” a outras pessoas. Mais a fundo, dialogamos conhecimentos que são ofundamento mais profundo e significativo das próprias informações que processamos. Mas quandofalamos em “criar uma nova consciência” a respeito de nós mesmos, da vida, da natureza, doambienteedenossacorresponsabilidadediantede“tudoisto”,édosaberdetodosedeninguémqueestamosfalando.

Ora,mesmonasegundadimensão–edemododiferentedoqueocorrenadimensãodamerainformação–nãopodemospassarconhecimentosdeumladoparaooutro.Oconhecimentoseconstróisempre sobre a base de um novelo de ações, e é sobre a lógica desse entremeado de ações esignificadosqueéprecisoagirparapoder,justamente,abri-loparaaflexibilidadeeatransformação.

Sóensinacomoumeducador,comoumaeducadoraquem“convidaaosaber”.Quemabreportase janelasemmúltiplasdireções.Quemapontaoscaminhosedeixaaooutroa liberdadedaescolha.Quem,aoinvésdedizeraosseusalunosquejáchegouaumlugardefinitivo(dosaber,doconhecer,do“dominarosseusassuntos”),declaraque tambémsesente incompleto, inacabado.Que tambémestá estudando enquanto ensina e, portanto, aprendendo comos outros e não apenas ensinando aeles.

EsteeraomodocomoSócrates,hámilharesdeanos,dialogavacomosseusdiscípulos.EsteéodizerdePauloFreire:“Ninguémseeducasozinho,mastambémninguémeducaaninguém.Aspessoasseeducamumasàsoutrasmediatizadaspelomundo”.

Por outro lado, quando as pesquisas revelam que nossos alunos de Segundo Grau sãosemianalfabetos em uma proporção assustadora, e quando lidamos com “pequenos gênios eminformática”, que mal sabem se expressar (o “dizer a sua palavra”, de Paulo Freire) e têm com aculturadequalidade–aquevaideMáriodeAndradeaCecíliaMeireles,deTom JobimaMozart,deJoão Guimarães Rosa a Federico Fellini – ummínimo contato, será que os “nossos problemas” sãoapenas ‘curriculares e metodológicos’, ou será que estamos perdendo dia a dia uma qualidade derelação conectivamente pessoal, inteligentemente interativa e amorosamente dialógica essencial, equemetodologiaalgumasubstitui?

Nodiálogoqueasaladeauladeveestarsemprecriandoerecriando,nãoexistesaberalgumquepossavira ‘fazerpartedemim’senão forodespertardealgonovo“dentrodemim”.E,naminharelaçãodocentecomosmeusalunos:“dentrodenós”.Esteéumoutromododedizerquetodooatodeconhecimentoéumgestodecriaçãoatravésdeumamultiaprendizagem–umaprenderpartilhadoporváriaspessoasquevivem‘aquiloqueseestáaprendendo’desdeoseupontopessoaldevista.Deacordo com o seu ritmo de aprender e apreender. E, finalmente, dentro de processos pessoais deintegração do que eu estou aprendendo agora com os meus saberes e as minhas aprendizagensanteriores.

Poistudopodesercomparadocomumalmoçodedomingo.Umgrandealmoçofestivoesolidário,emquecadaqualtrouxedecasaasuacontribuição;emquecadaumaportaoseuquinhãodeajudanacopaenacozinha;emquecadaumprocuradaroseutoquepessoal.E,depois,umalmoçoemquecadaumolha“oquefizemosjuntos”,fazopratoqueescolhe,comenoseuritmoedeacordocomasuafome,edigeresegundoaalquimiadeseucorpo.

Umaoutraimagempoderiadarumaideiamelhor.A sala de aula da comunidade aprendente não é como um grande barco, em que alguns

trabalhampara levantaraâncora,para inflarasvelaseparadirigiro leme,enquantooutrosapenassão levados. São conduzidos sem saber bempara ondee por que. Ela se parecemais comveleiro,dentrodoqualtodossãoatripulaçãoerespondempelodestinodobarco,realizandojuntoseentreassuas diferenças aquilo que dá ao barco o seu rumo, e às velas o seu sentido. Um barco em que opróprio comandante reconhecequeéumentre todos.E sabequeaviagemsomenteavançacomotrabalhocomum,deque todosparticipam.Umtrabalhoemequipee,portanto,diferenciadoemquecadaumfaz,“cadaalguns”fazemasuaparteevivemaviagemdesdeoseupontodevista.

Pode-sepensaraténumaviagemmaisousada.Obarcosónavegaporque,alémdo“trabalhodetodos”, ele leva em conta omar, as correntesmarinhas, o vento, o sol, o rumo das estrelas e atémesmoaordenaçãocósmicadouniverso,talcomoelaestáeseprocessa“ali”,emcadamomentoelugardotrajetodaviagem.Autopoiesiseautopoiética

Umadasconsequênciasmais importantesdocaminhoquepercorremosatéaqui,éopodermostrazerumaideiatãofecundaquantopropriamentepoética.A ideiacientíficadeautopoiesispodeserinicialmentepensadacomoalgoquerespondeporregerqualquersistemaemequilíbrio.E,commais

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propriedade,qualquerorganismodaVidae,maisainda,aquelessituadosnaesferaemqueaVidasetornaconscientedesimesma,atravésdenós:vocêeeu.

Somos,comotudooqueévivo,serescapazesdegerarascondiçõesdemanutençãoendógenade nossa própria equilibração. Mas, à diferença dos outros seres da vida, possuímos um tipo deconsciênciaquetransformaestapropriedadeessencialdavida.

Vimos já o quanto somos seres dotados de formas geradoras de autoconsciência, de trocasmisteriosamente interiores entre o corpo e a mente, entre a bioquímica dos nervos e o etéreo doespírito.Emnossasfronteirascomosoutroseonossomundo,entreanossaprópriaindividualidade–apartirdasdimensõescomplexasdenossaprópriainterioridade–easredesinterligadasdesímbolosedesignificadosdecujomundosocialeculturalfazemosparte.

Ao mesmo tempo em que estamos em uma contínua interação criadora e também auto ealterequilibradoradenósmesmosedenossoentornonatural, estamos tambémemumacomplexa,múltipla, diferenciada e contínua interação com as “teias e ramas”, e com as redes eintercomunicações dosmundos culturais que envolvem e permeiam cada um e todos os planos denossavidasocial.

Um fator bastante esquecido entre educadores é a extraordinária capacidade humana de criarmundospróprios;deinternalizarsentidosesentimentos;deanteciparcriativamentesituações.Enfim,de realizar todo um riquíssimo e muito complexo trabalho intenso e profundo, dirigido à nossaautoequilibração.

Ora, sabemos que aprender é integrar novos dados, novos fatos, novas sensibilidades, novossaberes.Eintegrá-losnãoaregiõesoulugaresespecíficosemnossocérebro,ouondequerqueseja–inteligência corporal, inteligência emocional, inteligências múltiplas etc. –, mas em uma totalidadeinteriorqueseenriqueceacadanovosaber,namesmamedidaemquesereintegraesereequilibraemumadimensãomaisdensaecomplexa,acadaconhecimentosignificativo.

Seestailimitabilidadedoaprenderedosabervaleparaopensamentoquepensaracionalmenteo real, como o da geometria, valerá bem mais ainda quando ousarmos considerar a imaginaçãohumanacomoumaformafértilecriativamenteimprevisíveleconfiáveldepensamento.

Pois a imaginação (aquilo que antes até se proibia, e ainda hoje mal se tolera em algumasescolas)quersempreiralémdelamesma.Seosaberdaciênciaempíricaeoconhecimentoracionalnãodesejamconhecerlimites,aimaginaçãoemabsolutonãoostolera.Elaécomoumvoodepássaro,que uma vez iniciado desde um ponto único num galho de árvore, pode tomar qualquer direção,mesmoquenãopossairatodasdeumavez.Elaé,emcadaumdenós,acriançaaindanãosaídada“idadedosporquês”.Aoladodopensamentocríticoquebuscaaprecisãoeaverdade,aimaginaçãoabremãodeserjustamenteprecisa.E,porser“precisa”,limitada.

Não sendo um aparelho interior de pesquisa objetiva destinado a criar ideias “reais” sobre arealidade,elaemnadaserveparadizercomoascoisassão.Serveparasugerircomoelaspoderiamser, como seriam ou serão, se vistas, sonhadas e “imaginadas” de outras maneiras, de múltiplasmaneiras, de maneiras não convencionais. Sendo o “outro lado” da inteligência que pensa oracionalmenteobjetivo,a imaginaçãonãoserveacontarascoisas.Elaéumconviteacantaravidainteriordecadacoisaeasinterioridadedasrelaçõesimagináveisrealizadasentreelas.

Seoraciocíniológicodevesermaisoumenoscomoumaboafotografia,aimaginaçãocriativaéumdesenhoàmão livre.Esta faculdademaisamorosamentehumanaequeasmodernas teoriasdaPsicologiaedaPedagogiadescobremecolocamnocentrodo‘ensinareaprender’talveznãosejanemsequeruma“faculdadehumana”.Elaseriaolimitedacombinaçãointeriordetodasascapacidadesdeumapessoaque‘aprendeesabe’.Eelaseria,então,aalternativa limite,emcadaumdenósenascomunidades de ideias e de imaginários em que nós estamos envolvidos, de se estender opensamentohumanoasseusmáximoslimites.Aoqueporserjustamentemaisimprevisívelemenossubordinadoaregras,éoquehádemaisfecundoeimprevisivelmentehumanoemnós.

Pois estamos continuamente nos autoproduzindo, nos auto-reequilibrando, como pessoas.Estamossemprecriandoalgo.Enossascrianças,maisainda.Esteprocessoédinâmico.Éincessanteeéininterrupto.Mesmoànoite,dormindo,umsonhoéumnovosaber.Assimcomoavidaorgânicadoservivoseesgotaquandoeledeixaderealizartrocasneoequilibradorascomoseumeioambiente,damesma maneira vida interior não pode sequer se manter “viva” sem estar a todo o instanteaprendendo. Sem estar, ininterruptamente, internalizando, interiorizando e reintegrando novossaberes.

Esteétambémosentidoemque,quandoumsábio,comoSócrates,dizia:“sóseiquenadasei”,nadahavianestaconfissãodealgumafalsasabedoria.Aocontrário,oaprendernosdeveriaabriraumforte e sincero sentimento e sentido de humildade. Quando aprendemos a passar da ideia de que“possuímos saberes” e, portanto, sabemosmais do que os outros –mas sempre haverá outros quesaberão“maisdoquenós”–paraaideiadequeosaberéumdom,algoqueexisteentrenósequepassa por mim e em mim está por algum tempo como algo que partilho com os meus outros,compreendemosquetudooque‘aprendemosesabemos’éapenasummomentodoimensoquenosfaltaaindaa‘sabereaprender’.

Este é também o sentido em que devemos pensar que não se “adquire conhecimento”, damesmamaneiracomonãose“dá”ounãose“transmiteosaber”.Oquedevemosestaréprocurandocriar sempre novas situações em que cada um, a cada momento, à sua maneira, no seu ritmo e

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segundoos seusmodosprópriosde interiorizaçãodeexperiência intersignificativas, integreemsi oseuconhecimento.

Comonão“sedá”conhecimento,todooconhecimento“adquirido”é,narealidade,umacriaçãopessoalvividaemumarelaçãointerpessoal(mesmoqueo‘outroquemeensina’estejaescritoemumlivro).Aprenderecriarsãosinônimosabsolutos.Emesmoemumasituaçãopequenina,criarécomopronunciar pela primeira vez a fórmula mágica que torna real a própria magia. Hannah Arendt,pensadoraalemã,escreveucertafeitaestaideiaverdadeiraebela:todoonascimentoéumaespéciedemilagre.Deumamaneirasemelhante,podemosousarpensarquetodooatodecriaçãocontidonogestodeaprender,étambémumaespéciedemilagre.Aprenderaoredordamesadosaber

Em uma passagem, logo no começo demeu livroO que é educação, eu ousava lembrar que“ninguém escapa da educação”. É uma maneira simples de dizer que, ao longo da vida, de umamaneira inevitável, nós nos envolvemos literalmente com um belo, sinuoso emulticomplexo tecidoculturalque,atravésdasocializaçãoprimáriaeda socialização secundária, nos transformanoautorculturalenoatorsocialdenossasprópriasvidas.Este“mundocultural”dequesomosparteéalgocuja história, cujo futuro, cuja lógica, cuja estrutura e cuja dinâmica nos transcendem. Nuncaabarcamostudooqueestácontidonele.Nuncacompreenderemosasrazõesdetudooqueelecontéme,noentanto,somosquemsomosporquevivemosdentrodele.Terrametafóricaondenascemos,casadepartilhasondevivemos,navequenoslevaparaumrumoquehumildementepodemosantever,semnuncatercertezasdequandovamoschegaredeondeiremosaportar.

Mesmo aquilo que consideramos como sendo as nossas ideias e os nossos pensamentos, asnossas crenças e as nossas convicções “próprias”, constitui de um modo ou de outro algumasvariaçõesdepalavrasjáditas,deideiasjáesboçadas,desistemasdesentidojáelaboradosalgumdia,emalgumlugar.Assim,tantoemseuâmbitomaisafetivamenteinterativocomonarelaçãoentreumaprofessoraeumúnicoaluno,atéasuadimensãomaisabertaeestendida,comoquandoleioolivrodeumpensadordoséculoXVIIsabendoque,aomesmotempo,emoutrosvárioslugaresdoplanetaenasmais diferentes línguas, outras diversas pessoas o estarão também lendo, toda a experiência do‘aprendereensinar’ésempredialógica.

UmdosdocumentosmaisimportantesdenossosdiaséoManifestodaTransdisciplinaridade11.Jáquase ao final, em seu artigo décimo primeiro, ele declara o seguinte a respeito de um par deaparentesopostosemrelaçãoàeducação:asuaconcretude,oseuenraizamentoemumtempoeumlugar,eaaberturadoaprenderparaa intuição,a imaginaçãoeasensibilidade.Algoqueapenassevivequandoemrelaçãocomooutro.

Umaeducaçãoautênticanãopodeprivilegiaraabstraçãodoconhecimento.Eladeveensinaracontextualizar, concretizar, e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel daintuição,daimaginação,dasensibilidadeedocorponatransmissãodosconhecimentos.

Emumcapítulodelivroescritoháalgunsanos,acrescenteiistocomoumcomentário12:Todoaquelequeensinaaprendecomquemaprende.Todooqueaprendeensinaaoqueensina.Todaaeducaçãoéumavocaçãododiálogo.Odiálogodecadapessoacomtodasasinstânciasdeseupróprioeu,nocorpo,namenteenoespírito. O diálogo com o outro, com os seus outros, os que ensinam, os que aprendem. Odiálogo concreto e vivenciado comaVidade seumundo cultural e comanaturezade seusambientesdevida.Saber é algo que transforma quem aprende a cadamomento do gesto de aprender. Sabernuncaéoresultadodeumaacumulaçãodeconhecimentosedehabilidadestransmitidosporumoutro,foradeumdiálogo.Saber é criar conhecimentos e aprender e participar de situações e de processos ativos decriaçãodosaber.Aprendemosotempotodocomotododenósmesmoseéotododapessoaquesomosquemsetransformaacadamomentosignificativodoatodeaprender.Uma educação humanista deve estar atenta a realizar-se como uma permanente oficina deexperiências interativasdecriaçãopartilhadade saberes.Umaoficinadecriação, reflexãoeatividade postas em diálogo, ali onde o valor dos sentimentos, das intuições e da inteirezainterativa de cada pessoa e de cada grupo da comunidade aprendente devem sersubstantivamentelevadosemconta.

Conhecer é algo tão pessoal! Compreender,mais ainda! Mas ‘conhecer e compreender’ são ocaminhoparaosaber,e,comotal,existemapenasnaexperiênciadodiálogoedapartilha.

Relembremosquecadapessoa,quemquerqueseja,qualquerquesejaoseu“grauescolar”eoseu“nívelcultural”,éumafonteúnica,irrepetíveleoriginaldesaberes,desentimentos,desentidosdevida. No entanto, todo o saber é uma experiência de partilha. Algo semelhante acontece com amorfologia e a dinâmica de nosso próprio corpo. De uma formamuito pessoal, íntimamesmo, eleaprendeaadaptar-seaoseumeioambientenatural.Aprendemostudo.Aprendemosasaberpoucoapoucocomodeitaresentar,comoandareparar,comomanter-seemequilíbrio,comoreagiraofrio,ao

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calor, ao perigo e à fome. Assim também outras esferas de nossamente aprendem a lidar com aculturadeque“elas”enóssomosparte.Aprendemaadaptar-se,aprendemaconvivere,maisdoquetudo, aprendem criativamente a equilibrarem-se, contínua e dinamicamente, nos/com os seussocioambientesculturais.Eelesnãosãonuncauma“coisa”pronta,acabadaeconsagrada.Elessão,antes, comovimos já, fluxos, eixos e feixes dinâmicos e atémesmo imprevisíveis de símbolos e designificados com que entretecemos a cada instante, ao mesmo tempo, os mundos de que somospessoaseaspessoasquesomosnestesmundos.

Eestepontodeve ser “insistido”bastante,porquecadavezmais vemosprogramaseprojetoscurricularestratando“aquiloqueseaprendenaescola”comosefossem“coisas”enão“fluxos”;comose fossem “matérias” e não “energias” de saber e sentido; como se fossem “posses” dequequemaprendeseapropriaenão“bens”e“dons”quesetrocamreciprocamente.

Somosnós,seresinteligentes,receptivosaonovo,eternamenteabertosainovar,atentaroutravezesemprea“zerar”(quandoistoépossível)ofeitoefazeronovo,aaprendersemparar,aquelaspessoasquecriamomundodos tecidossociaisesimbólicosquenoscria...nuncadeumavezparasempre,massempreumpoucomais...adiante.

Aprenderé, também,sabercomo lidardemaneira inteligenteeprogressivamenteautônoma(oopostodeautômata)comessesváriosfiosentrelaçados,essesváriospadrõesdecores,detonsedeefeitosdetoquesmetafóricosdotecidoculturaldequemsomos.Masaprenderé,também,sabercomoparticipardosprocessosatravésdosquaisestetecidoseretece,essascoresseretingem,essetonsserecriam.Poisoquenostornahumanoséofatodequeentrenóséimpossívelaprenderereequilibrarinteriormenteavidaeainteligênciaatravésdecadasaberadquirido,sem,comisto,nãoparticipar,dealgumamaneira, do fluxo de sentidos e de ações que reequilibram nossos contextos de vida e depensamento.

Sabemosque,deumlado,aculturaemquevivemos“apaga”outornaopacaàconsciênciaumaboa gama do que nós aprendemos e seguimos, ao vivê-la. Assim, saber viver bem em umacomunidadeénãoprecisarestaratodoomomentoperguntandoaosoutroscomoéquesefaz“istoouaquilo”.Mas,deoutrolado,podemosimaginarquenahistóriasocialdeumaculturanadaseapagadetudooquefoivividoepensado.Detudoaquiloque,umavezpensadoevivido,viveuoseumomentode diálogo entre duas vidas: entre pai e filho, entre professor e aluno, entre companheiros de umaequipe,enfim,entrepessoasdeumaqualquercomunidadededestino.

Oquealguémpensouumdiaecolocouemdiálogopodeatémesmoseresquecido,masnuncamaisseapaga.De todoobompensamento–aquelequecriaalgoaosercriadocomoumgestodeaprender – sempre algo subsiste, mesmo quando nada deles tenha sido escrito ou registrado dealgumaoutramaneira.Porquetodoobompensamentosaltadoseubrevemomentoparaumaduraçãouniversal.Nãoseriaumametáforafantásticaimaginarqueumpensamentocarregadodesentidovoadeseu‘aquieagora’,deseulugardeorigem,deseumomentodegestonascido,paraaimensidãodosespaçosculturaisdepartilhadesentidoondehaverãodeestarospensamentosqueoacolhem.

Voltemosporummomentoaalgumaslinhasacima.Dealgummodo,tudooqueeupensoacadainstanteoutudooqueeuacabodepensarpossuiquasenadadeumacriaçãominha,absolutamenteoriginal.Nãoéalgodeminhaexclusivaautoriae,portanto,sequerpodeserminhaposse.Eubemseiquepensoosmeuspensamentos,mascomquecuidadodevodizer:“estepensamentoémeu!”,poiscadaumdospensamentos“meus”fazpartedeumfluxoculturaldesaberesesentidosdemundosquevãodeminhafamíliaatéumacomunidadeuniversaldepensamento.

Dentrodemundosdecultura,oquesecria,assimcomoaquelequecriaalgoàsuavolta,fazemparte de e constituem uma comunidade de imaginários de que cada um de nós é mais umcompanheirodesentidodoqueumhospedeiro,doqueumproprietáriodeideias;maisumconvidadodoqueumproprietário;émaisreticênciasdoqueumpontofinal.

Tudo o que aconteceu e segue acontecendo ao longo da história da humanidade, ao longo dahistóriadeumpovo,aolongodahistóriadeumacidade,aolongodahistóriadeumafamília,aolongoda história de uma pessoa, pode ser visto e pensado, também, como algo que ocorre como umaaprendizagem.Comoformascomunsàvidaecomomaneirasespeciaisdelidarcomaaprendizagem.Comoaprender.Poisaadaptaçãoaomundoeàssuasmudanças,domesmomodocomoacapacidadede transformar-se para seguir “dentro da vida”, tudo isto significa um trabalho de aprender-saber-reaprender. E mesmo quando este múltiplo processo de aprendizagem-transformação-adaptação-reaprendizagem-retransformaçãopareçaserumtrabalhoindividual,eleésempreaindividualizaçãodealgosemprecoletivo,partilhado.

Emumaescala aindamais generosamente aberta e pedagógica – dando a esta palavra o seusentidomais amplo, mais envolvente –, podemos imaginar que viver significa estar continuamenteparticipando de situações de reciprocidades de saberes e de aprendizagens. Viver e conviver épartilharecontribuirparaumcontínuotrabalhodeintercâmbiosde‘algobomparasaber’.E,algoque,umavezsabidoecompreendido,possuiodomdenostransformaremumalguémsemprealgomelhor.

Somosseresaprendentes,éprecisorelembrar.Eistonosdefinemuitomaiscomosereshumanosdoqueosermosseresracionais.Aprópriaracionalidadeéumaoperaçãocontínuadoaprendizado.Émuito importante distanciar a inteligência da pura racionalidade e opô-la à emoção e à vida. Aocontrário,nossocorpoenossamente,nossocérebroenossoespíritoaprendememtodososplanosparaserem,emtodasasdimensões,apessoaquerealizamosemnósacadamomento.

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Tudooqueestáemnós:ocorpo,océrebronocorpo,amentenocérebro,oespíritohumanonamente, as diferentes modalidades de inteligências (palavra que não deve ser dita no singular),inclusive a inteligência emocional, acontece em nós como o resultado de um imenso e complexotrabalhodemultiaprendizagemdaespéciedequesomosumarealizaçãopessoal.Deoutrolado,cadaumdenósestáconstantementese transformandoemparteeno tododesimesmoaovivenciardemaneirapessoaleinterativacadasituaçãosignificativadeaprendizagem.

Em cada ser vivo e, demaneira peculiar, em cada ser humano, o cérebro é um órgão a todoinstante evolutivo. Ele está integrado ao corpo por infinitas teias de sentido e sentimento, e estáinterligadotambémaoseuentorno,aomundocomoqualcontinuamenteestáinteragindoatravésdaaprendizagemeatravésdoquefazcomoqueseaprende.

Tudo o que acontece comele em termos de aprender-reaprender não acrescenta apenasmaissaber,nãodesenvolvemaishabilidades,nãoacumulamaisdiscernimento.Sobreofazercomqueistocontinuamente aconteça, o cérebro, o todo da pessoa que o abriga e, de maneira convergente esolidária, todo o entorno de vida e de energia irradiante de seu ambiente, estão sendo capazes deprocessar reequilíbrios em níveis e sob formas mais complexas, mais diferenciadas, maisaperfeiçoadas,portanto,emumadireçãofrancamenteascendente.

A natureza própria do cérebro humano é a instabilidade. Ele não se estabiliza a partir domomentoemqueatingeumpontodeequilíbrioedeadaptaçãoprovavelmenteidealparaoexercíciodeseutrabalho,desuasfunçõesinterativas.Elenãoécomoodenteouonariz.Aocontrário,sendooperativamente instável, aberto ao novo e capaz de integrar sempre novos conhecimentos, e deintegrar-se emnovas esferas de equilíbrio autopoiético, o seu cérebro e a suamente tendema serinstânciasaprendentesdevocêsemprecapazesde iralémdesimesmos.Noentanto,amedidadovalordetodoosaberéasuadialogicidade.Saberalgoparasimesmopodeserumatodehumildadeoudedesejo puro e simples de ‘conhecer paramimmesmo’.Mas a vocaçãohumanado saber é apartilhadosentido.Sabereaprenderasaber,paratornaromeudiálogo,aminhaconversa,aminhaaula,atémesmoaminha“prosa”,algomaispessoalmentebom,beloeverdadeiro.

Uma realidadedo senso comumedas culturas populares tem sido difundidahoje emdia pelaprópriaPsicologia.Eeladeveriaserumexcelentepontodepartidadotrabalhopedagógico.Desdequesempre trabalhadaeadequadaemotivadamenteexercida,amentehumanaenvelhecemuito tarde.Muitodepoisdoprópriocorpoqueaabriga.Elaamadurecemuitolentamente,eesteéumfatorquedeveria ser levado bastante mais em conta na educação. Um estudante pode sair de um cursouniversitário razoavelmente “preparado para o exercício de uma profissão” aos vinte anos. Ele teráadquirido um quantum de conhecimentos que poderão torná-lo um “profissional competente” empoucotempo.

Porumoutro–masnãotãodiverso–caminho,retornemosaoconhecimentoeaosaberqueseadquire,queseaprende,quesepartilha.

Estabeleçamosagoraumadiferençaentreoconhecimentoeasabedoria.Algodistofoisugeridoacima, quando separei o “especialista” do “sábio”. Resultado de um constante esforço para a suaaquisição,oconhecimento–qualquerqueseja–podeparar,noentanto,nocomeçodaestradaquelevaumapessoaaosabere,dele,àsabedoria.Tememoshojeestaestranhapalavraquecadavezmaisnoaparececomoalgodesereshumanosepensadoresdopassado.Algoque ficaemSócrates,masnãotantoemEdgarMorin.Eporque?

Ora, a sabedoria pode ser entendida como fruto de um lento amadurecer não apenas deinformações,conhecimentosesaberes,masdeexperiênciaspessoaiseinterativasdeinteraçõesentre“tudoisto”emmimenoscírculosde“entrenós”.Experiênciasdialógicasacontecidasaolongodetodaumavidaeque,justamenteatodooinstanteeemtodooseupercurso,integrem‘saberevida’,‘teoriaeprática’.

Deacordocompesquisas recentes, realizadascomprofissionaisdevárias regiõesdomundo,aidademaduradomaior proveitode saber edocênciadeumprofessor oudeumaprofessora chegaapósos50anos.Omomentoáureodavidadeummédicoestáporvoltados60anos.OsdoutoresZerbini e Pitangui que o digam. Um artista genial pode gerar suas melhores obras na aurora da“velhice”.OscarNiemeyerdeclarou,aocompletarosseuscemanosde idade,quenãopensaemseaposentar.Efestejouemseuescritóriooseuaniversário.

Nummundomutável–paraonossobemenossomal–quemultiplicaevertiginizainformaçõeseacrescentanovosconhecimentosemtodososcamposdosaberacadamês,acadasemana,acadadia, mais do que nunca estamos convocados a dois desafios. O primeiro: o nos abrimos a umpersistenteepereneesforçodeseguirmosaprendendo,namesmamedidaemqueprosseguimosnoseducandoecoeducandooutraspessoas.Osegundo:oprocurarmosviverdemaneiracadavezmenossolitáriaecadavezmaissolidáriaaexperiênciadotrabalhodeaprender.Gruposdeestudo,equipesdetrabalhoquefazemdo“tambémestudo”ummomentoconstantedeencontros,comunidadesvirtuaispodem ser caminhos bastante viáveis. E, com isto, conspirarmos contra a corrente produtivista epragmaticamente (e também curricularmente) individualista que parece invadir todos os campos edomíniosdoconhecimentoedaeducação.

Podemos agora encerrar estas reflexões, lembrando que o pensamento humano não é umaestaçãoaque se chegaedesembarca. Ele é aprópria viagemque se faz. E ele aconteceemcadamomento do percurso. E, mesmo que a viagem que vai da informação ao conhecimento e do

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conhecimentoaosaberpossatermuitas“paradas”,elaé,paraousarvivê-laporinteiro,umaviagemsem-fim.Umaviagemquepodetertidoumpontodepartidaprevisível,masumaaventuradamenteedoespíritosemumpontoprevistodechegada,aindaqueeladevaepossa,etalvezdevapossuirum“planodeviagem”.

Opensamentoéaaventuradesimesmo.Éumaperguntaembuscaderespostas.Éumeixo,umfeixe,umemaranhadoquefazerefazobordadodostecidosdamente,semfim.Um‘panodosaber’aquesemprepodemseracrescentadosnovosfios,eparaoqualsemprepodemserimaginadasnovasformasenovasurdiduras.

Pensar,comoacontecequandoumfilósofopensaassuasquestões,éestarabertoaestarsemprereaprendendo a ‘ver o mundo’. O exercício de pensar começa no reconhecimento da própriaimperfeição,assimcomoaciênciaavançaquandoerrae,então,secorrigeeavançaumpassomais.Ela para e pode estagnar quandopensa que chegou a descobertas e a teorias definitivas. Todas asteoriasdofenômenohumanoedahistóriaqueviraram“dinossaurosdosaber”forameseguemsendomaneirasdepensarquese imaginamexclusivas(todasasoutrasestãoerradas)eperenes(todasasoutraspassamparaque“esta”seeternize).

Quantomaisumapessoaaprende,maisécapazdepensarporcontaprópria.Masaíéquandomais ela descobre que precisa dos outros para existir, e que só avança através do diálogo e pararealizar-secomodiálogo.

Se todas estas ideias são pertinentes, então o trabalho do educador deveria ser bastanterepensado. A começar pela redescoberta de que, ao contrário do que poderia parecer, justamenteagoraquando se fala tantoem“crisedaescola”eatémesmoem“fimdaescola”, a educaçãoe aescolarecobramemtodoomundoumvalorredobrado.

Vimos o tempo todo, aqui, que o aprender não é uma acumulação provisória e utilitária deconhecimentos dirigidos com prioridade ao exercício de habilidades parceladas, restritas eperigosamente“mecanizáveis”,quandoelasnão sãocolocadasa serviçoe sobos cuidadosdeumamentepensante,crítica,ativa,participanteecriativa.

O aprender é, como vimos, uma atividade inerente a tudo o que é vivo e que responde pelatotalizaçãodoserdecadapessoaepela realizaçãodecadacultura.Eo trabalhodapessoaqueseeducaganhaadimensãodeumverdadeiroagentenoacontecerhumanomaisimportantedetodaumavida: aprender a saber, aprender a criar saberes em/entre diálogos; e saber para seguir sempreaprendendoepartilhandocomosoutrososaber,osentidoeasabedoria.REFERÊNCIASASSMANN,Hugo.Reencantaraeducação–rumoàsociedadeaprendente.Petrópolis:EditoraVozes,1998.BRANDÃO,CarlosRodrigues.Acançãodas setecores –educandoparaapaz.SãoPaulo:EditoraContexto,2005.CHARLOT,Bernard.Darelaçãocomosaber:elementosparaumateoria.PortoAlegre:EditoraArtmed,2000.DELORS,Jacquesetal.Educação–umtesouroadescobrir.SãoPaulo:EditoraCortez,1997.FREIRE,Paulo.Aimportânciadoatodeler.35ªed.SãoPaulo:EditoraCortez,1992.GADOTTI,Moacir.Bonitezadeumsonho.NovoHamburgo:Feevale,2003.GARDNER,Howard.Inteligência–umconceitoreformulado.RiodeJaneiro:EditoraObjetiva,2000._______.Overdadeiro,obeloeobom–osprincípiosbásicosparaumanovaeducação.RiodeJaneiro:EditoraObjetiva,1999.IZQUIERDO,Ivan.Aartedeesquecer.RiodeJaneiro:EditoraVieira&Lent,2004.LARROSA,Jorge.Estudar.BeloHorizonte:EditoraAutêntica,2003.LEÃO,EmmanuelCarneiro.Aprendendoapensar.Petrópolis:Ed.Vozes,1991.LELOUP,Jean-Yves.Aartedaatenção–paravivercadainstanteemsuaplenitude.Campinas:EditoraVerus,2001.MORIN,Edgar.Ossetesaberesdaeducaçãodofuturo.Brasília:EditoraCortez/UNESCO,2002.OSTROWER,Fayga.Asensibilidadedointelecto.RiodeJaneiro:EditoraCampus,1998.

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OCONCEITODE‘COMUNIDADE’NAEDUCAÇÃOAMBIENTAL13

AndréaQuirinodeLucaThaísBrianezi

‘Comunidade’, conceito vindodaSociologia e que se opõeao termo ‘sociedade’, foi definido edesenvolvidoporautorescomoFerdnandTönnies(2002)eporÉmileDurkheim(2008)14.Comumente,estetermotrazumtomromânticoesaudosista–acomunidadeélugardeconsenso–ousignificaalgoultrapassado,aocontráriodasociedade,queémarcadamodernidade(BRIANEZI,2007).

Foi neste sentidoqueMarxeEngels, em1848, usaramno “ManifestoComunista”a expressão“tudooqueésólidosedesmanchanoar”,afimdecaracterizaraaltaintensidadedetransformaçãodosmodos de vida ancestrais pelamodernidade eCapitalismo, nosmais diferentes setores da vidasocial,instalando-se,então,umoutroparadigma(SANTOS,2008).

Procurandodesconstruirodiscursodamodernização,este trabalhoapresenta reflexõessobreanoção de ‘comunidade’ como contribuição para a fundamentação teórica do campo de saber daEducação Ambiental, através de pesquisa bibliográfica e estudos analíticos voltados aoaprofundamentoconceitual, realizados juntocomoGrupodeEstudosdoLaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental(Oca)daESALQ/USP.

Frenteaoprocessodeglobalização,regidopelaracionalidadeeconômicaepelasleisdemercado,temos comocentral apropostadeapoiar a construçãodeumapolíticado lugar, dasdiferenças, doespaçoedotempo,quetrazosdireitospelasidentidadesculturaisdecadapovoelegitimaregrasmaispluraisedemocráticasdeconvivênciasocial.

Como seria, assim, a realização e a reconstrução de uma ideia de comunidade nestacontemporaneidade? Que características ela teria? Como seria recriá-la e desenvolvê-la? Isto seriapossível? Se a segurança que a comunidade pode propiciar é umaqualidade fundamental para nóshumanos sermos felizes, para que possamos enfrentar coletivamente os desafios da vida, aquipropomosdiscutira“comunidade interpretativaedeaprendizagem”comoespaçodeexperiênciadeuma nova sociabilidade sustentada pela solidariedade como forma de saber. E identificamos oscoletivos educadores de caráter ambientalista como espaços de aprofundamento e materializaçãodesteconceito.Odiscursodamodernização

A modernidade ocidental surgiu entre os séculos XVI e XVIII. Com ela veio a promessa dedominaçãodanatureza,elevandoaciênciaaopapeldenovareligiãoedifundindoacrençadequeatecnologiapoderesolverosproblemasdahumanidade(SANTOS,2007).Esseideáriomodernoajudaaexplicartrêsgravesproblemasqueenfrentamoshoje:

1. A exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, que desemboca em catástrofesecológicasenaconversãodavidaemmercadoria;

2.O desenvolvimento tecnológico da guerra e o aumento de seu poder destrutivo, contrariamente àpromessa inicial de uma paz perpétua, baseada no comércio e na racionalização científica dosprocessosdedecisão;

3.Aespoliaçãodochamado‘TerceiroMundo’eoabismocadavezmaiorentreoNorteeoSul,apesardoanseioporumasociedademaisjustaelivre,pormeiodatãofalada(porémnãocumprida)divisãodariquezageradapelaconversãodaciênciaemforçaprodutiva.

Amodernidade,paraSantos(2008),assenta-seemdoispilaresfundamentais:odaregulaçãoeodaemancipação,cadaumsendoconstituído,respectivamente,portrêsprincípios:Estado,mercadoecomunidade,etrêslógicasderacionalidade:estético-expressiva,daArteedaLiteratura;racionalidademoral-prática,daÉticaedoDireito;eracionalidadecognitivo-instrumental,daCiênciaedaTécnica.

Paraestesociólogo,namodernidadeocorreuumexcessodopilardaregulaçãoemrelaçãoaodaemancipação, e houve vinculação de ambos os pilares “à concretização de objetivos práticos deracionalização global da vida coletiva e individual”, o que demonstra a possibilidade de que estesprincípios e lógicas dissolvam-senesse projeto global de racionalizaçãoda vida social (SANTOS,op.cit.:78).

Oextensodesenvolvimentodoprincípiodemercadoeaatrofiadoprincípiodecomunidade,jánoséculoXIX,reduziramacomunidadeemdoiselementos:

sociedadecivil,concebidacomoagregaçãocompetitivadeinteressesparticulares,suportedaesferapública,eoindivíduo,formalmentelivreeigual,suportedaesferaprivadaeelementoconstitutivobásicodasociedadecivil(SANTOS,op.cit.:81).

FoinestaconcepçãoempobrecidaqueodualismoEstado-sociedadecivil,dopensamentopolíticomoderno,foisustentado,gerandodespolitizaçãodavidacotidianaecomunitária.

Jáo ideáriodoprogressofoigestadoapartirdoséculoXVII,nofinaldoperíododaRenascença(HEIDEMANN, 2009). É nesse período histórico, conhecido como Iluminismo, que surge a ideia de

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progresso, que se fundamenta na expansão do conhecimento propiciada pelo passar do tempo e ageração de ummaior poder para os homens, tornando suas vidasmais “tranqüilas e confortáveis”(GIANETTI, 2002: 25). A noção de progresso então inverte a visão de futuro que prevalecia nassociedadeseuropeiasmedievais,quevalorizavama“glóriaeesplendor”doestadoanteriordevidaemdetrimento do futuro de decadência, para uma percepção de que “os acontecimentos históricosdesenvolvem-senosentidomaisdesejável, realizandoumaperfeiçoamentocrescente” (HEIDEMANN,op.cit.:23).

Tantooprogressoquantoodesenvolvimentosãoconstruções,comovisto,daEraModerna,quese assenta sobre três fundamentos principais: a valorização da tecnociência, do indivíduo e dasliberdades individuais, e domercado.O avanço da tecnociência teria se dado a partir da revoluçãocientífica no século XVII e formatado o paradigma ocidental de pensamento. O reconhecimento doindivíduoedasliberdadesindividuais,deformamaiscrescente,sedeuapartirdaRevoluçãoFrancesa,e se consolidou em 1948 com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.Finalmente, as relações de mercado são acirradas e também promovem a ampliação dos doisfundamentosanteriores(LIPOVETSKYeCHARLES,2004).

Aideologiadamodernidadeé,finalmente,levadaparaosquatrocantosdoPlanetanoséculoXXe,deformamaisveloz,apartirdaSegundaGuerraMundial,ancoradanodiscursododesenvolvimento(SACHS, 1993). Onde ele entra, coloca-se como uma possibilidade única de futuro, negandoalternativasetrazendoa inevitabilidadedofuturodeterminado(REZENDE,2009).Comisso,agrideopodertransformadordohomemeinibeasuapotênciadeação.Aooferecerumaúnicapossibilidadedefuturocristalizada,aprisionaohomemaummododevidaeaumaformadepensamento.

NoiníciodoséculoXXI,avaliaçõesdepoucomaisdemeioséculo,desdeofimdaSegundaGuerraMundial,demonstramquenãosóaspromessasdoprogressoedodesenvolvimentonãosecumpriramcomoassituaçõesenvolvidasnelaspioraram:adistânciaentreospaísesmaisricosemaispobresdomundo aumentou (UNDP, 1999) e a correlação entre felicidade e acúmulo de riquezas não sematerializou.Destamaneira,osbenefíciosdoprogresso foramdistribuídosdesigualmente,enquantoqueosônusde talprocesso foramesãodistribuídospor todahumanidade –poluição,aquecimentoglobalefomesãoexemplos(GIANETTI,op.cit.).

Aomesmopassoqueahumanidadeseassenhoradanatureza,ohomempareceficarescravizadoa outros homens ou à sua própria infâmia. Mesmo a pura luz da ciência parece incapaz de brilharexceto por sobre as trevas de um vasto pano de fundo de ignorância. Todo o nosso engenho eprogressoparecemresultarnaincorporaçãodevidaintelectualàsforçasmateriaisenaestultificaçãodavidahumanaemforçamaterial(SCHMIDTapudGIANNETTI,2002:47).

Ressalta-sequeesseprocessopromoveuma significativa influência nas sociedades emque seinserem,poisàmedidaquemodificaarelaçãodoserhumanocomanatureza,comoutroshumanoseconsigomesmo,afetaacoesãodosagrupamentossociaisecomissofragmentaidentidadesdaquelesqueascompõem,fragilizandoacapacidadecriativadeagireserfeliz.Umprocessoderetomadadetodosessesvalores,pormeiodeprocessoseducadoressustentáveis,éproposto.Opré-modernoétambémpós-moderno?

Sobreo‘SocialeoPolíticonaTransiçãoPós-Moderna’,Santos(2008)afirmaqueaModernidadejácumpriuaspromessasquepodia,sendoodéficitapresentadoirremediávelnoatualparadigma.Afirma,ainda, que no ‘princípio de comunidade’ as estruturas familiares e as redes de solidariedadeconstituídasnabasedoparentescoedavizinhançaque,sobodomíniodosprincípiosdamodernizaçãosão considerados atraso, na verdade são tecnologias materiais e simbólicas sob formas desociabilidadequefortalecematransiçãoparaumparadigmapós-moderno.

Esse olhar para as redes de parentesco e vizinhança favorecem a proximidade, sendo oconhecimento pós-moderno local, como concebe Santos (Op. cit.:107), uma rede de sujeitos quecombinam muitas subjetividades; somos um arquipélago de subjetividades, uma coletividade desubjetividades.

Paraesteautor(Op.cit.),quantomaisglobalforumproblema,maislocaldeveserasolução,ouseja, as soluções pós-modernas são radicais no seu localismo, que devem ser formuladas pelascomunidadesinterpretativas,apartirdaproliferaçãodestas.

Ofimdosmonopóliosdeinterpretação,queseiniciaemprocessosdedesmantelamentodessasinterpretações, deve ser atividade central das comunidades interpretativas que, organizando ascríticas,podemreconstruirumarquipélagoderacionalidadeslocais,adequadasàsnecessidadeslocais,formuladasdemocraticamente(SANTOS,op.cit.).

Aincertezae,consequentemente,odiálogosão,portanto,intrínsecosaoconceitodecoletivo.Eéneste sentido (de abertura ao inexato, ao não humano e ao imaterial) que os povos indígenas daBolívia e do Equador reafirmam o “paradigma comunitário da cultura da vida para viver bem”(MAMANI,2010:11),conceitoqueconquistouespaçonasconstituiçõesnacionaisdosdoispaíses.Aqui,a comunidadeé umcoletivo que inclui não apenas humanos,mas todos os seres vivos, entendidoscomo todos os animais, plantas e também minerais, em seus elementos físicos e espirituais. Acomunidadeampliadanãosignificaofimdaindividualidade,masoreconhecimentodeumprocessodecomplementaçãoedeinterconexãoentreessesseres,devivênciaeconvivência(MAMANI,op.cit.).

Em2008e2009,respectivamente,oEquadoreaBolíviaaprovaramconstituiçõesnacionaisem

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queseafirmamcomoEstadosplurinacionaisedestacamobienvivir(nalegislaçãoequatoriana)evivirbien (no texto boliviano) como princípios que se contrapõem ao ideal capitalista de acumulação eprogresso. Ambos os termos têm a mesma origem: o suma qamaña da língua aymara e o sumakkawsay do quéchua – que, em tradução literal, significam ‘vida emplenitude’ (MAMANI,op.cit.). Ofilósofo aymara Fernando Huanacuni Mamani (Op. cit.:46) revelou quais são os treze princípiosperseguidosporseupovoparaalcançaroviverbem:sabercomer,saberbeber,saberdançar,saberdormir, saber trabalhar, sabermeditar, saberpensar, saberamareseramado,saberescutar, saberfalar,sabersonhar,sabercaminhar,saberdarereceber.

Esteconceitodospovosorigináriosandinos, revisitadopelomovimentosocial latino-americano,podeser consideradoexemplodeumsaberpré-moderno,desvalorizadonaModernidade,queagoracomeça a ser reafirmado como ideal (e, neste sentido, está se tornando pós-moderno). No ayllu(sistematradicionaldeorganizaçãodosaymara)nãohálugarpara“recurso”,porque“setodosvivemoqueexiste,sãoseres,nãoobjetos”(MAMANI,op.cit.:20).

Nesse movimento de retomada do sentido comunitário, há a trajetória em direção ao‘conhecimento-emancipação’,queconsisteemduasestratégias:reafirmarocaoscomoformadesabere não de ignorância, junto à noção de não linearidade, que suspeita da capacidade de ação dosrecursostecnológicos,numaideiadeconhecimentoprudente;revalorizarasolidariedadecomoformadesaberqueseconquistasobreoColonialismo,queéaignorânciadareciprocidadeeincapacidadedereconhecerooutro,anãosercomoobjeto(SANTOS,op.cit.).

O ‘conhecimento-emancipação’ é formado pelo seu caráter local e argumentativo, que sãoinseparáveis,eavançamnadireçãodofimdosmonopóliosdainterpretação,ouainda,darenúnciaàinterpretação,permitindooexercíciodenovassociabilidadesquantoàcidadaniaindividualecoletiva,radicalmenteconstruídanointeriordas“comunidadesinterpretativas”(SANTOS,op.cit.).Aproliferaçãode‘comunidadesinterpretativasedeaprendizagem’apartirdaPolíticaPúblicadeEducaçãoAmbiental

OÓrgãoGestordaPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental,criadoapartirdoartigo14daLeiFederalnº9.795,de1999,apresentaoProFEA–ProgramaNacionaldeFormaçãodeEducadoras(es)Ambientais: por um Brasil educado e educando ambientalmente para a sustentabilidade – (BRASIL,2006),queestáemconsonânciacomoProNEA–ProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental–ecomoTratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, escrito amuitasmãosnoFórumdeONGsduranteaConferênciadaONUnoBrasil,aRio-92(BRASIL,2005a).

BuscandocriarumapropostametodológicadetrabalharepraticarEducaçãoAmbiental,pautadapelasconcepçõesteóricasde“comunidadesinterpretativas”,trazidadosociólogoBoaventuradeSouzaSantos, e “círculos de aprendizagem”, trazidos do educador Paulo Freire, o ProFEA traz as“comunidadesinterpretativasedeaprendizagem”comoeixodeformaçãodeeducadoresambientais.

Os“círculosdecultura”,métodocunhadoporPauloFreire,seriamespaçoscriadosparaouvirooutro e, assim, educá-lo e educar-se. Educação popular, dita libertadora (em oposição à ideia dealienadora),porquebuscaenraizaroserhumanonocontextohistórico,políticoeideológico,baseadona prática dialógica. Os deslocamentos propostos por Freire nestametodologia são: de professor(a)paracoordenador(a)dedebates,deauladiscursivaparadiálogo,dealunoparaparticipantedogrupo(FREIRE,2009).

ParaSantos(2007),asnovasformasdeconhecimentodas“comunidadesinterpretativas”passampeloresgatedoprincípiodecomunidade,representaçãoestaque,conformeasideiasdesteautor,ficouinacabadapelamodernidade15,equesãoformasdeconhecimentoassentadasnasolidariedadeenaparticipação.

Oconhecimentoquetemossobrenósmesmos,sobreooutroesobreomundosãoincompletospor si. Como confrontodediversas formasde saberesdentrodas “comunidades interpretativas”, épossível construirmos uma compreensão mais ampla, que não seria alcançada por um intérpreteindividualmente(AVANZI&MALAGODI,2005).

Talconfrontocomumentegeraadesestabilizaçãodenossascertezas,enemsempreépossívelalcançarmos um acordo coletivo sobre o que o mundo é ou deveria ser. Porém, desde que haja ahorizontalidadeentreasinterpretaçõesexistentesnas“comunidadesinterpretativas”enenhumasejasilenciada, estes espaços permitem o desenvolvimento de habilidade argumentativa e comunicativaemdireçãoàconstruçãodoconhecimentoemancipatório(AVANZI&MALAGODI,op.cit.).

ComoapresentadopeloProFEA,talpropostametodológicanãopossuiumarranjoouumformatofixo, devendo este ser decidido pelos participantes do grupo, bastando fazer sentido a eles. Afirma,ainda, que nas comunidades os sujeitos de saberes (que já possuem suas memórias), com suashistóriasdevidaedeseulugar,praticamodiálogo.Estesgruposdevemconstruirnestascomunidadesambientepropícioàreflexãocríticaquantoàcomplexidadesocioambientalesobreossignificadosdesuaspráticassocioeducacionais(BRASIL,2006).

Valecolocaraquiquecriarespaçosdialógicosprivilegiadosquebuscamprocessosemancipatóriosdos sujeitos e dos lugares é objetivo da proposta do ProFEA, ressaltando, ainda, que o termo‘emancipar’ refere-se a emancipar-se de uma situação de educação comportamental com efeitomoralista, doutrinário, autoritário e paternalista, em direção à ressignificação das questõessocioambientaisedeinjustiçassociaiscomoprocessossócio-históricos.

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A construção dessa proposta de Política Pública de EA, inspirada pelo Tratado de EducaçãoAmbiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, pode contribuir para umaeducação política de cidadania atuante na esfera pública, superando a ação individual na esferaprivada, garantindo condições de sociabilidades alternativas, onde ao Estado compete estimular eapoiar as forças sociais envolvidas a se autoavaliarem como “comunidades interpretativas e deaprendizagem”.REFERÊNCIASAVANZI,MariaRita&MALAGODI,MarcoAntônioSampaio.Comunidadesinterpretativas.In:FERRAROJÚNIOR,L.A.(Org.).Encontrosecaminhos:formaçãodeeducadoras(es)ambientaisecoletivoseducadores.Brasília:MinistériodoMeioAmbiente/DiretoriadeEducaçãoAmbiental,2005,p.93-102.BRASIL.ProFEA–Programade formaçãodeeducadores(as)ambientais:porumBrasileducadoeeducandoambientalmente para a sustentabilidade. Brasília: Ministério do Meio Ambiente/Diretoria de EducaçãoAmbiental,MinistériodaEducação/Coordenação-GeraldeEducaçãoAmbiental,2006._______.ProNEA–ProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental.MinistériodoMeioAmbiente,DepartamentodeEducação Ambiental; Ministério da Educação, Coordenação-Geral de Educação Ambiental. 3. ed. Brasília:MinistériodoMeioAmbiente/DiretoriadeEducaçãoAmbiental,MinistériodaEducação/Coordenação-GeraldeEducaçãoAmbiental,2005.BRIANEZI, T. A reforma agrária ecológica na Floresta Nacional de Tefé. Somanlu – Revista de EstudosAmazônicos.Ano7,nº1,jan./jun.Manaus:EDUA,2007.DURKHEIM,E.DaDivisãoSocialdoTrabalho.3.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,2008.FERREIRA,M.L.R.AdinâmicadarazãonafilosofiadeEspinosa.Lisboa:FundaçãoCalousteGulbekianeJuntaNacionaldeInvestigaçãoCientífica,1997.FREIRE,P.Educaçãocomopráticadaliberdade.32.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,2009.GIANETTI,E.Felicidade:diálogossobreobem-estarnacivilização.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2002.HEIDEMANN,F.G.Dosonhodoprogressoàspolíticasdedesenvolvimento. In:HEIDEMANN,F.G.;SALM,J.F.(Orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UNB,2009,p.23-39.LIPOVETSKY,G.;CHARLES,S.Ostemposhipermodernos.SãoPaulo:Barcarolla,2004.MAMANI, FernandoH.VivirBien/BienVivir: filosofía, políticas, estrategias yexperiencias regionales. LaPaz:InstitutoInternacionaldeIntegración,2010.REZENDE,U.S.Comentário:antropologiafundamentaleteoriadasorganizações.In:HEIDEMANN,F.G.;SALM,J.F.(Orgs.).Políticaspúblicasedesenvolvimento:basesepistemológicasemodelosdeanálise.Brasília:UNB,2009,p.79-84.SACHS, Ignacy.Estratégiasde transiçãoparaoséculoXXI:desenvolvimentoemeioambiente.Trad.MagdaLopes.SãoPaulo:StudioNobeleFundaçãodoDesenvolvimentoAdministrativo,1993.SANTOS,BoaventuradeSouza.Acríticadarazãoindolente–contraodesperdíciodaexperiência.6.ed.SãoPaulo:Cortez,2007._______.PelamãodeAlice:osocialeopolíticonapós-modernidade.12.ed.SãoPaulo:Cortez,2008.SCHMIDT, A. The concept of nature inMarx. Trad. B. Fowkes. Londres, 1971 apudGIANETTI, E. Felicidade:diálogossobreobem-estarnacivilização.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2002.TÖNNIES,F.CommunityandSociety.NovaIorque:DovePublication,2002.

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O‘DIÁLOGO’COMOOBJETODEPESQUISANAEDUCAÇÃOAMBIENTAL16

AndréaQuirinodeLucaDanielFonsecadeAndrade

Essetrabalhotrata,apartirdateoriadodiálogoexpostanocapítulo inicialdeste livroedesuaconexãocomumapolíticapúblicadeEducaçãoAmbiental(EA)doBrasil,depesquisasepráticasqueabordem processos coletivos e dialógicos. Procura-se contribuir com essa questão anunciandodificuldadesepontosqueaindadevemavançarparaque tenhamosumarcabouçomaisconsistentenosprocessosdialógicosdeEA.ReconheceraspotencialidadesdodiálogoparaaEAdemandatambémreconhecer as suas limitações e os desafios inseridos nesses processos. Algumas dessas questõesserãoapresentadasnoitemaseguir.O‘Diálogo’apartirde‘comunidadesinterpretativasedeaprendizagem’

O Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, criado a partir da Lei Federal nº9.795, de 1999, criou o ProFEA – Programa de Formação de Educadores Ambientais: por um Brasileducadoeeducandoambientalmenteparaasustentabilidade–(BRASIL,2006).Esseprogramapropõeumametodologia para se trabalhar e praticar EA, as chamadas “comunidades interpretativas e deaprendizagem”,queseriamespaçosdialógicosquefortalecemaparticipaçãoeasolidariedadeentreossujeitosenvolvidos.

Talmetodologianãotemumdesenhofixo,devendosermoldadopelosprópriosparticipantes,quesão sujeitos que trazem suas histórias, seu tempo e seu lugar, para construir saberes de formacompartilhada.Sabendoqueoentendimentodemundoque temos, comoseres inacabados, semprepode ser complementado com outros saberes, estes espaços trazem a possibilidade de trocas desabereseexperiências,oquepodetambémapoiaroaumentodahabilidadeargumentativadeseusparticipantesenospermitir vivenciar aexperiênciada coletividade: saberouvir, saber ser solidário,sabernosrespeitarerespeitarooutro.

As “comunidades interpretativas e de aprendizagem” permitem abertura à horizontalidade deações e devem se fechar à hierarquia de poderes e saberes, favorecendo, assim, o diálogo comoproposto neste artigo. Esta metodologia de trabalho está baseada nos conceitos de “comunidadesinterpretativas”,dosociólogoportuguêsBoaventuradeSouzaSantos,enos“círculosdecultura”,doeducadorbrasileiroPauloFreire.

Os‘círculosdecultura’seriamgruposdediálogoondetodososparticipantespoderiameducareeducar-se,baseadonapráticadialógicaquebuscaaaçãoereflexão,enraizandoohomemnocontextohistóricoe,portanto,políticoeideológico(FREIRE,2009).

Nolugardeumprofessor,Freire(Ibid)sugereafiguradeumcoordenador,quenãoimpõe,mascoordena.Nolugardeumaeducaçãoautoritária,umapedagogialibertadora:gruposdetrabalhoededebate,decrítica,departicipação,exercíciodedemocracia.Mulheresehomensdopovoque,apartirde situações desafiadoras, aqui tidas como questões socioambientais produzidas historicamente,passam pela ação dialogal e ativa, num viés que busca a profundidade na interpretação dosproblemas.

EssemétododeensinodeFreire(Ibid),queseassentanapráticadodiálogoenãodapolêmica,passatambémpelaconquistadasegurançanaargumentação.Ocaminhododiálogoéaquitambémoprocesso de transformar dimensões de consciência ingênua, que aceita condições mágicas, numaconsciênciacrítica,integradacomarealidade,quedesembocaemaçãoenovareflexão,eque,assim,colaboracomaorganizaçãoreflexivadopensamento.

Muitas das ideias de Freire e de seu ‘círculo de cultura’ caminham na mesma direção das‘comunidades interpretativas’, de Santos (2007), que também seriam espaços de aumentar acapacidade argumentativa e comunicativa dos participantes na direção de conhecimentosemancipatórios,baseadosemaçõesquesepautamnasolidariedadeenaparticipação.

Outros aspectos igualmentedialogamcomas ideias colocadaspor Freire: Santos (2007) traz anoção de que nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo são incompletos por si, epodemosterumacompreensãomaisamplanahorizontalidade,nasinterpretaçõesapartirdocoletivo,do Outro, da ‘comunidade interpretativa’ em si, que contribuem para a repolitização da vidacomunitária.

Fica claro que a busca na ‘comunidade interpretativa’ não é a do consenso. Porém, é adesestabilizaçãodascertezas,oquepodenospermitirconstruiralgonovo,oquepodenosdarumacompreensãomaisprofundadasquestõessocioambientaisdenossotempoelugar,fazer-nospercebernossos traços, por exemplo, de colonialismos, herançasdopensamentoocidental. Podenospermitirdeslocarnossasaçõesnosentidodeconceberasolidariedadecomoformadesaber,portanto,comoumvalor.Oexercícioparaodiálogo:oconflitoeospressupostosderaízes

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Considerando, então, que a questão do ‘diálogo’, como objeto de pesquisa, nas bases aquimencionadas,éaindaincipiente,acredita-senecessárioaprofundaroutrosconceitosvinculadosaeste,queinteragemmuitosubstancialmentecomaspráticasdialógicasdaEAcrítica.

Inicialmente, trazemos a abordagem da transdisciplinaridade, que busca tratar de um temacomumatravésdoestabelecimentodaintercomunicaçãopormeiodefóruns,diálogoentresaberes,demetodologiasparticipativas,nadireçãodacriatividadeecooperaçãoparaenriquecimentomútuo,semperderdevistaaquestãodasincertezas(OLIVEIRA,2005).

Esta abordagem está sustentada pela complexidade, pelo entendimento de que existemdiferentesníveisdereconhecimentoderealidadee,finalmente,alógicadoterceiroincluído17,sendoquesãoestesfatoresquedevemnortearapesquisaeapráticatransdisciplinar(Ibid).

Devemosconsiderarquea criaçãodeespaçosparaodiálogode saberes inclui adimensãodoconfronto de saberes, ainda que não explicitado (Ibid). Esse conflito e essa disputa podem, porém,pautar-se no princípio da complementaridade de saberes e práticas, num constante exercício deressignificaçãodasquestõesempauta(FLORIANI,2007).

Temos, assim, a necessidade da ressignificação da questão dos conflitos que necessariamenteestão presentes na convivência de coletivos educadores, e reconhecemos aqui a necessidade demanejar noções a esse respeito, a fim de dar suporte a essas práticas, visando a sustentabilidadedessesprocessos.

Malagodi(2007),citandoMoscovici&Doise(1991),équemcontribuicomessaressignificação:“oconflitoéaalavancadamudança”.Concordamosqueaexpressãoespontâneadevaserestimuladaeque o silêncio deva ser combatido, ou seja, os membros de um coletivo devem, numa relaçãohorizontal e numa atitude dialógica, encorajar opiniões diferentes sobre um mesmo tema, numaatitudederespeitopelapluralidadedogrupo.

A isso, somamos o conceito de inacabamento do ser, trazido por Freire (2000, 2009) e adesestabilização das certezas de Santos (2007), com a noção de construção coletiva de algo novotrazidoporBohm(2005):assimsemanifestaoverdadeiroexercíciododiálogoaquidiscutido.

A ordem e o consenso são valores trazidos pelo discurso da modernidade, mas quando nosconscientizamos de nossa finitude como ‘seres inacabados’, podemos nos colocar abertos a esseexercício. Voltamos às questões trazidas inicialmente neste artigo: saber ouvir, saber ser humilde,reconhecer o Outro pelo Outro. Também nos deparamos novamente com a necessidade de deixarnossos‘pressupostosderaiz’suspensos,comonosdizBohm(Ibid).

O conflito é inerente ao processo de aprendizagem, aqui considerado como processos designificaçãoe ressignificação, tomandocomobasequesomosanimaissimbólicosem interação,poisnossarelaçãocomomundoémediadapelosimbólico.

A implementação de processos coletivos que se transformem em efetivas ‘comunidadesinterpretativasedeaprendizagem’depende,entretanto,doreconhecimentodaslimitaçõesdodiálogoedosobstáculosqueemergem.ComocolocaYankelovich(2001),odiálogocomoconsideradoaquinãosurgeemtodasasocasiões.Oextremoéquandoháumconflitoentreinteressesquesão,aprincípio,irredutíveis,ouseja,osparticipantesnãoqueremabrirmãodesuasposiçõesdemaneiranenhuma.Tem-seaíumapolarizaçãoqueimpedeodiálogoemabsoluto.Outrapossibilidadeéquandooconflitoemergedentrodeumprocessocoletivoequepodelevaradiferentessituações.Umadelaséoracha,a divisão do grupo (como ocorreu no Coletivo Educador Ambiental de Ribeirão Preto18) ousimplesmentesuadissolução.Aoutraéogruporesistiresobreviveràscrises,comoocorreuduranteoprocessodeformaçãodoColetivoEducadorAmbientaldeCampinas(COEDUCA).Apesardoconflitoterpermeadoasrelaçõesedecisõesnoprocessodeformação,houveaconstruçãodevínculosafetivosedepertencimento,ecrescentequalidadedeparticipaçãodeseus integrantes,conformerelatadoemLucaetal.(2009)eemCosta-Pintoetal.(2008).

Quandooconflitoéencaradocomo“umproblemaaserresolvido”,oesforçodeumcoletivoparagarantir o consenso pode passar a ter sentido de força coercitiva, controle e vigilância (MALAGODI,2007).O agir democrático traz o conflito como constitutivo, pluralidade de histórias de pessoas, desuasformasdeinteragircomsuasquestõesindividuaisecoletivas.Nãosetrata,portanto,dabuscadoconsensoqueanula,masdapercepçãodoconflitocomomeioenãocomofim.Considera-seaquiqueumconflito determinadopossa ter vários desdobramentos e não apenas necessariamente um, o doracha.Énecessário,portanto,aprendizadosobrecomoselidarcomsituaçõesdotipo.

Cabe ressaltar que, entre todos os desafios que podemos encontrar, dois são especialmentecomunsemerecematençãodogrupoquesepretendediálogo, jáquesão fortementearraigadosaoparadigmaquevivenciamos:afaltadetempodosparticipanteseanecessidadedenosapegarmosaosresultadoseprodutos(hábitorelacionadoaoutilitarismo)aoinvésdeteratençãoàaprendizagemdoprocesso.

Para enfrentar essas questões, os grupos devem entender o planejamento do projeto e osobjetivos dos encontros (transparência no processo) e um certo grau de flexibilidade é necessário.Exercícios de autoanálise e diálogos sobre a autogestão nos ajudam a desenvolver adequadasferramentasparaavançarnestasquestões.

Experienciar ‘novas sociabilidades’, como nos fala Santos (2007), passa por enfrentarmoscoletivamenteosgargalosencontradosaolongodocaminhodeexercíciododiálogo.Nessesentido,o

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diálogonãopodeserlimitadoaumamerametodologiaderesoluçãodeconflitos,mascompreendidocomoumespaçoquepropiciaaconvivênciaseguranadiversidade(ISAACS,s.d.).Desenraizarmosossaberesindividualistasecompetitivostãocotidianamenteexperimentadosnesseparadigmaocidental,ouainda,lidarmoscomasnoçõesdehierarquiaserelaçõesdepoderesdaformacomofuncionamemnossa sociedade não é tarefa fácil ou corriqueira. Assim, podemos ter a escolha de assumir nossocomprometimento com esse novo saber: contribuirmos com a criação de sentidos e saberes decoletividade.Pesquisandoo‘diálogo’naEducaçãoAmbiental

Métodos qualitativos de pesquisa podem responder a questões particulares com um nível derealidade que não pode ser quantificado, pois trabalham com o universo de significados, motivos,aspirações,crenças,valoreseatitudes,correspondendoaumespaçomaisprofundodasrelações,dosprocessosedos fenômenosquenãopodemser reduzidosàoperacionalizaçãodevariáveis (MINAYO,1998).

As pesquisas participativas são adequadas para que o ‘diálogo’ seja tomado como objeto deestudo na Educação Ambiental. Têm como princípios e ações a promoção de avaliação sobre aspróprias práticas, a formação de processos pedagógicos a partir das bases, a consideração dosaspectosdejustiçasocialquepermeiamoscontextos,odesenvolvimentodeprojetoseprogramasdepesquisacomabaseempíricadeumasituaçãorealeodesenvolvimentodeinstrumentosdetrabalhocom coletividades que, de fato, garantam a participação efetiva dos envolvidos. Através de umprocesso espiral de ação-reflexão-ação, promovem a qualificação das ações, contribuindo para aampliação da consciência das bases sociais em relação à situação socioambiental em que estãoinseridas, valorizando o conhecimento popular (BARBIER, 1985; THIOLLENT, 1985; BRANDÃO, 1986,1999,2005;TOZONI-REIS,2005;VIEZZER,2005).

A pesquisa-intervenção se afirma como um ato político, visando a transformação da realidadesocial(ROCHA&AGUIAR,2003).

A observação participante requer do pesquisador uma atitude de simpatia, sensível àpersonalidadedaspessoas(BARBIER,1985).Estemétodopermiteocontatodiretodopesquisadorcomo fenômeno a ser observado, assim como obter informações sobre a realidade dos atores sociaisinseridosemseuprópriocontexto(MINAYO,1998).

SegundoValles (1997), técnicasdeobservaçãoparticipantesãoaquelasemqueo investigadorpresencia diretamente o fenômeno que estuda não se atendo apenas às informações indiretasfornecidasporentrevistasoudocumentos,nabuscaderealismoeconstruçãodesignificado,contandocomopontodevistadossujeitosestudados.

Osdadosdasobservaçõesparticipantesdevemsercoletadospormeiodeumcadernocompostopornotasdecampo,quesão“orelatoescritodaquiloqueoinvestigadorouve,vê,experienciaepensanodecursodacoletaerefletindosobreosdadosdeumestudoqualitativo”(BOGDAN&BIKLEN,1994,p.150).Aíseincluem

adescriçãodepessoas,objetos,lugares,acontecimentos,atividadeseconversas.Emadiçãoecomo parte dessas notas, o investigador registrará idéias, estratégias, reflexões e palpites,comcomoospadrõesqueemergem(Ibid).

Deacordo comos autores, as notas de campopossuemumcomponente descritivo, emque apreocupaçãoé“captarumaimagemporpalavrasdolocal,pessoas,açõeseconversasobservadas”(p.152)eumcomponentereflexivo,queapreendemaiso“pontodevistadoobservador,suas idéiasepreocupações”(Ibid).

Os grupos focais podem ser compostos em diferentesmomentos do processo do exercício dodiálogo:porexemplo,umnoiníciodoprocessodeintervençãoe,umsegundo,aofinaldoprocessodeintervenção, com o intuito de estabelecer se a participação no processo dialógico colaborou para oenraizamentodossujeitosparticipantesnoscoletivospesquisados.

SegundoNeto,MoreiraeSucena(2002),ogrupofocaléuma técnica de pesquisa na qual o pesquisador reúne, num mesmo local e durante certoperíodo, uma determinada quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suasinvestigações,tendocomoobjetivocoletar,apartirdodiálogoedodebatecomeentreeles,informaçõesacercadeumtemaespecífico(p.5).

Oenraizamentodosatoresparticipantesdoprocessode‘diálogo’emcoletivospodeseravaliadodediversasformas,eaquiapontamosduasmaneiras:

1. Durante os processos de intervenção, por meio de indícios que demonstrem o enraizamento,presençaefrequêncianosdiasdeatividades,aparticipaçãonogrupo,questõesfeitas,envolvimentocomasdiscussões,sugestõesoferecidasearesponsabilizaçãopelodesempenhodeatividades/tarefaselencadaspelogrupo;

2. Por meio dos depoimentos e impressões coletadas com os grupos focais, no início e ao final doprocesso,tambémnabuscadeindíciosdetalenraizamento.

ConsideraçõesFinaisArelaçãoentreodiálogoeaEducaçãoAmbientalémuitonítidaeseapresentacomoabasede

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diversos documentos internacionais, como o Tratado de Educação Ambiental para SociedadesSustentáveis e Responsabilidade Global (FÓRUM INTERNACIONAL DE ORGANIZAÇÕES NÃOGOVERNAMENTAISEMOVIMENTOSSOCIAIS,1992),comonacionais–oProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental (BRASIL, 2005) e ProgramaNacional de Formação de Educadoras(es) ambientais: por umBrasileducadoeeducandoambientalmenteparaasustentabilidade(BRASIL,2006)–,alémdeoutros.AEApropõe,pormeiodaformaçãodecomunidadesinterpretativasedeaprendizagem,aconstruçãodeespaçosemqueconversasacercadeaspectossocioambientaispossamsermediadorasdeumarealdemocratizaçãopolítica(SANTOS,2008).

Apromoçãodeespaçosdediálogodemanda,noentanto,odesvelamentodopróprioconceito,afimdequeasuamelhorcompreensãoorienteasaçõessubsequentes.Partedapropostadesteartigosedeunessesentido,dequalificaroconceitocomoformadenorteamentodepráticas.

Oqueseencontrou,noentanto,foiqueainserçãododiálogocomoobjetodepesquisaéumfatorelativamenterecenteeremonta,deformamaisintensiva,aoiníciodosanosde1980(YANKELOVICH,2001).Issosignificaqueumateoriaoperacionalestáaindaemprocessoinicialdeconstrução(ISAACS,1993).Foidentrodestecontextoqueopresenteartigofoiidealizado.

Um dos aspectos fundamentais, no entanto, para um melhor aprofundamento da teoriaoperacionaldodiálogoéa criaçãode indicadoresquedemonstrema suaemergência.Bohm (2005)abordaaimportânciadoseventosdesuspensãodepressupostos.Yankelovich(2001)faladaocorrênciadeeventosdeigualdadeeempatiadentrodogrupo.Buber(1979)eFreire(1987)chamamaatençãopara a necessidade de horizontalidade. Isaacs (1999) aborda quatro habilidades a seremdesenvolvidas:aprenderafalar,aouvir,asuspender(ospressupostos)earespeitar.Faz-senecessário,assim,queessassugestõessejamaprofundadasempiricamentenosentidodesuaconfirmaçãoeaindaqueoutrosindicadorespossamserlevantados.

Considera-se aqui, portanto, que pesquisas participativas, mas especificamente aquelas comcaráterdeintervençãoeducadora,oferecemcondiçõesprivilegiadasparaaaveriguaçãodaocorrênciadeprocessosdialógicoseestabelecimentodeindicadores.REFERÊNCIASBARBIER,R.Pesquisa-açãonainstituiçãoeducativa.RiodeJaneiro:JorgeZahar,1985.BOGDAN,R.C.&BIKLEN,S.K.Investigaçãoqualitativaemeducação:umaintroduçãoàteoriaeaosmétodos.Coimbra/Lisboa:Porto,1994.BOHM,D.Diálogo:comunicaçãoeredesdeconvivência.SãoPaulo:PalasAthena,2005.BRANDÃO,C.R.“Pesquisaparticipante”.In:FERRAROJÚNIOR,L.A.(Org.).Encontrosecaminhos:formaçãodeeducadoras(es)ambientaisecoletivoseducadores.Brasília:MMA,2005,p.257-266._______.Re-pensandoapesquisaparticipante.8.ed.SãoPaulo:Brasiliense,1999._______.Sabereensinar.3.ed.SãoPaulo:Papirus,1986.BRASIL.ProgramaNacionaldeFormaçãodeEducadoras(es)ambientais:porumBrasileducadoeeducandoambientalmenteparaasustentabilidade.SérieDocumentosTécnicosn.8.Brasília:ÓrgãoGestordaPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental,2006.BUBER,M.EueTu.2.ed.SãoPaulo:CortezeMoraes,1979.COSTA-PINTO,A.B.;LUCA,A.Q.;CASTELLANOM.ColetivoEducadorAmbientaldeCampinas(COEDUCA):umaanálisepreliminardesuadinâmicainternadeparticipação.In:EncontroNacionaldaANPPAS,4,2008,Brasília.Anais...Brasília,2008.FLORIANI,D.Diálogodesaberes:umaperspectivasocioambiental.In:FERRAROJÚNIOR,L.A.(Org.).Encontrosecaminhos:formaçãodeeducadoras(es)ambientaisecoletivoseducadores–volume2.Brasília:MMA,2007,p.105-116.FÓRUM INTERNACIONAL DE ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS. Tratado dasONGs.RiodeJaneiro,1992,p.198-201.FREIRE,P.Educaçãocomopráticadaliberdade.32.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,2009._______. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra,2000._______.Pedagogiadooprimido.26.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1987.ISAACS,W.N.Dialogueandtheartofthinkingtogether:apioneeringapproachtocommunicatinginbusinessandinlife.NewYork:Doubleday,1999._______.Takingflight:dialogue,collectivethinkingandorganizational learning.OrganizationalDynamics,Vol.22,Issue2,Autumn1993,p.24-39._______. The Dialogue Project Annual Report 1993-1994, s.d. Disponível em:<http://www.solonline.org/res/wp/8004.html>.Acessoem:30/07/2010.

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SUSTENTABILIDADESOCIOAMBIENTALEAPRENDIZAGEMSOCIAL–ODESAFIODEPROMOVERCOOPERAÇÃOE

CORRESPONSABILIDADENASPOLÍTICASAMBIENTAIS

PedroRobertoJacobiIntrodução

Umdosmaioresdesafiosdaeducaçãoparaasustentabilidadesocioambientaléodepromoverumaperfeiçoamento das práticas participativas na gestão compartilhada dos recursos naturais. Istodemandaoaprofundamentodoconhecimentodosprincipaisaspectosquerequeremaampliaçãodorepertóriodascomunidadesedopoderpúblicoparaoaperfeiçoamentodasrelaçõesdosparticipantes,epode,assim,contribuirparamelhoraracolaboraçãoeinterconexõesdosatoresenvolvidosvisandoumfuturocadavezmaissustentável.

Otextoenfatizaopapeldemetodologiasparticipativasparapromover,contribuiresensibilizar,paraampliaracorresponsabilidadenagestãodosrecursosnaturaispormeiodeprocessoscoletivosepráticasinovadorasapoiadoemmetodologiasqueestimulamlógicascooperativas.

Aodestacara ideiadeAprendizagemSocial,sepropõecontribuirparaqueosdiferentesatoresenvolvidospossamaprofundarseuconhecimentosobrecomoampliarosdiálogos,estabelecerlaçosdeconfiançaecooperação,administrareresolverconflitos,buscarsoluçõesconjuntasquesejamtécnicae socialmente adequadas, e possam ser implementadas visandopromover o engajamento domaiornúmeropossíveldeatoresquetenhamcompromissocomagestãodosrecursosnaturais.

Para que este processo seja bem-sucedido, se coloca a necessidade de pôr em prática umadinâmica de planejamento participativo, o que demanda contato estreito com os principais atoresenvolvidos no sentido de garantir a consulta das partes interessadas durante todo o processo. Oprincípionorteadoréquehajaumenvolvimentoativo,aconsultaeoacessopúblicoàparticipação.Aparticipação ativa implica que os atores relevantes sejam convidados e participem no processo deplanejamentoabordandotodosostemasecontribuindoativamentenosdebatesnabuscaderespostasesoluções.AprendizagemSocial–umconceitoemdesenvolvimento

Destaca-senestapartedotexto,omarcoconceitualeaimportânciaquetemadquiridooconceitode Aprendizagem Social nos discursos sobre questões relacionadas ao meio ambiente,desenvolvimento e gestão de recursos naturais. Este tem sido relacionado com a ideia de gestãoadaptativaqueapresentaainteressanteperspectivadecombinarorigordométodocientíficocomasrealidades existentes das políticas e da política. Cabe destacar que a gestão adaptativa é partecomponentedaabordagemecológicahámaisdetrêsdécadas(HOLLING,1978),aindaqueconstituídasobre uma base conceitualmuito fluida, provavelmente devido ao fato de apoiar-se em campos deconhecimentoaindabastanteincipientescomoAprendizagemSocialedesenhoinstitucional,aindaemplenafasededesenvolvimentoeaperfeiçoamento(PAHL-WOSTL,2002).

AprendizagemSocial refere-se a um conjunto de ações que estimulam as pessoas amudaremsuas práticas, gerindo processos ambientais mais sustentáveis, tanto socialmente comoeconomicamente.Combinatambéminformaçãoeconhecimentos,assimcomocapacitação,motivaçãoeestímulosparaamudançadeatitudes.Nocontextodagestãodosrecursosnaturais,aAprendizagemSocial também se refere às habilidades adquiridas para participar de processos de negociação eavançoparaaçãocompartilhadaeconcertada.

Porexemplo,nocontextodaGovernançadaÁgua,processoscomoaAprendizagemSocial(SocialLearning)compõemumconjuntodeestratégiasinstitucionaisdeaprendizadoemBaciasHidrográficaspara o fortalecimento da tomada de decisão e, portanto, com impacto na política pública. Estaabordagem de Aprendizagem Social não se centra apenas na obtenção de um conhecimentosuplementarenoaperfeiçoamentodacompreensãodeproblemasinter-relacionadoscomplexos,comoocorre nos temas vinculados com a gestão da água, mas permite que os diferentes atoresintervenientescompreendammelhoraspercepçõesdosoutrossobreosproblemasquesãoessenciaisparamelhorarasrelaçõesdosparticipanteseproporcionamabaseparaumacooperaçãoconsistenteearticulada.

AAprendizagemSocialconsideraacrescentecapacidadedosmúltiplosatoresdeumarede,comoaquela relacionada a uma Bacia Hidrográfica, de desenvolver ações coletivas relacionadas com agestão de Bacias. Os problemas são identificados e enquadrados, se realiza um diagnóstico, sepropõemsoluções,algumassãoescolhidas,implementadasemonitoradasnumcontextosocial,comoresultados de interações entre diferentes atores que detêm diferentes representações da realidade(PAHL-WOSTL, 2002). A Aprendizagem Social também implica que os participantes reconheçam adiversidade de interesses, de argumentos, de conhecimento, e que também percebam que umproblema complexo como a gestão de Bacias poderá ser mais bem resolvido através de práticascoletivasquesesustentamnadisseminaçãodeinformação,conhecimentoeatividadesemrede.

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AAprendizagemSocialéumprocessointerativo,etantoaestruturadegovernançaassimcomoomeio ambiente afetam e podem ser afetados por este processo. Da mesma forma, o contexto daestruturadegovernançaeomeioambientenaturalinterferemnoprocessodegestão.Nesteprocesso,oengajamentodosatores(taiscomoodesenvolvimentodecapitalsocialounovaspráticassociais)eodesenvolvimentodeconteúdosemetodologias(criaçãodenovosconhecimentoseutilizaçãodenovasferramentasdegestãocomoéocasodemodelos)sãomuitorelevantes(PAHL-WOSTLeHARE,2004;ROLING,2002).

O arcabouço teórico da Aprendizagem Social nos demonstra que o aprendizado conjunto éfundamentalparaqueastarefascomunseaconstruçãodeumacordoparaaBacialevandoemcontao processo no qual está inserida, seu contexto e seus resultados, levem ao entendimento dacomplexidadedasquestõesambientaisqueprecisamserdecididas.Nãopodeserensinadoporalguémde fora do contexto, mas é a reflexão prática entre todos os atores envolvidos que permitem oaprendizado e intervenção conjunta. Isso reforça a dimensão da participação, compartilhamento ecorresponsabilizaçãoparadecidirquaiscenáriosdesustentabilidadesequer.Nestesentido,Pahl-Wostl(2002) argumenta sobre a necessidade de incorporar a concepção de “Aprendizagem Social”,buscandoiralémdosimplesprocessoracionaldetomadadedecisão.

Oconceitopretendeintegrarosseguintesfatores:umareflexãocrítica;odesenvolvimentodeumprocessoparticipativo,múltiploedemocrático;aconstruçãodeumapercepçãopartilhadadoproblemaem relação ao grupo de atores sociais envolvidos; o reconhecimento das interdependências einterações dos atores (PAHL-WOSTL, 2002; WILDERMEERSH, 2007; JIGGINS, 2007). As origens doconceito de “Aprendizagem Social” remetem à psicologia social, tendo sido o termo proposto porAlbertBandura (1971)para referir-seaoprocessodedesenvolvimentocognitivo (aprendizagem)dosindivíduosnocontextosocial.Atualmenteoconceitoperpassadiversascorrentesdasciênciassociais,epretendecontribuirparaexplicitarosobjetivosdetodososatoresenvolvidosnoprocesso;alcançarmelhores soluções (mais democráticas) para as questões socioambientais e melhores maneiras degerenciarosconflitos(WALS,2007;HART,2007;GLASSER,2007;ROLING,2002).

Os conceitos de aprendizadoorganizacional eAprendizagemSocial receberamdiversas críticassendo frequentemente considerada uma abordagem demasiado instrumentalista e orientada aodesenvolvimentode técnicasdegestão.Entretanto, se for consideradaconjuntamenteaquestãodaconstrução social do conhecimento e da realidade, as reflexões sobre a Aprendizagem Social sãoaprofundadasaopensarasinter-relaçõesentreciência,sociedadeeambiente.

No atual quadro urbano brasileiro, é inquestionável a necessidade de implementar políticaspúblicasorientadasparatornarascidadessocialeambientalmentesustentáveis,comoumaformadese contrapor ao quadro de deterioração crescente das condições de vida. Assim, entende-se queestratégiasdenegociaçãoe intervençãoadequadasdeaprendizadopermitirãoexplorarediscutiroscenáriosparaconstruçãodosrespectivosacordossobreagovernançaambiental,eespecificamentedaágua.Mas tambémcabeenfatizara importânciadeaprendercoletivamenteparaomanejoeparaatomadadedecisõesemconjunto,demodoaviabilizarmudançasqualitativasnagestãodosrecursosnaturais. Basicamente, a estratégia de aprendizado é que todos devem conhecer o contexto decriticidade e condições de governança para intervirem juntos em contextos caracterizados pelacomplexidadenagestão(WARNER,2007).

AconstruçãodePlataformadeMúltiplosGruposdeInteresses,porexemplo,podepotencializaraintervenção, sem perder de vista o processo de democratização (participação para todos) e deemancipação e potencialização dos atores; da resolução de conflitos e da gestão integrada derecursos. Isto possibilita a formulação de diversas metodologias visando tanto a educação comodestinadosaprepararparanegociaçãosobreasquestõessocioambientais.

Agestãoparticipativajáéexperimentadaemumadiversidadedecolegiadoslocaiseregionais,aindaquetratadademaneiranãosistematizada.Aemergênciadessasexperiênciasparticipativasdeplanejamento e controle social é hoje parte componente da engenharia institucional vinculada àspolíticaspúblicasambientais,representandoabuscapornovosmodelosdegestãopública.

Segundo Culpepper (2005), uma das mais proeminentes inovações ocorridas nos paísesdesenvolvidos nos últimos 20 anos é o surgimento e a proliferação de instituições de governançacolaborativa descentralizada (institutions of decentralised collaborative governance), que sedistinguempor três característicasbásicas: a) Promovem interações rotineirasemumdadodomíniopolíticoentreatoresgovernamentaisenãogovernamentais;b)Operamfundamentalmenteemníveissubnacionais; e c) Os atores estatais não monopolizam a definição dos problemas ou métodos deimplementação.ComoconcretizarAprendizagemSocial

Odesenvolvimentoeaimplementaçãosatisfatóriaassimcomoarevisãodaspolíticasrequeremum planejamento colaborativo e de interações entre uma ampla variedade de participantes com oobjetivo de promover um entendimento comum. Toma-se como exemplo o caso da assessoria e doplanejamentopactuadono contextoda implementaçãodaDirectivaMarcodaÁgua (2000/60/CE)19.Nesse sentido, dentro deste marco, os especialistas dos Estados-membros da UE, da indústria,agricultura,especialistaseacadêmicos,têmabordadováriostemascomoobjetivodesistematizarecompartilhar o conhecimento e a compreensão dos problemas sob diferentes perspectivas. Este

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enfoque, embora demande um investimento de tempo significativo, tem garantido umaperfeiçoamento do conhecimento e a construção de uma interpretação comum das principaisquestõesedisposiçõescolocadaspelaDirectivaMarcodaÁgua.

Alémdisso, tem se caracterizado como uma importante ferramenta para compartilhar as boaspráticas, pois além de compartilhar informação e boas práticas na gestão da água entre os que asimplementam,osespecialistasdapolítica,aimplementaçãodaDMAseapoianainformação,consultaeenvolvimentodopúblico.Promove,portanto,aparticipaçãoativadeumconjuntodeatoresnoseuprocessodeimplementaçãoeabrepossibilidadesparainteragircomosagentesdecisoresnosdiversosníveisdeplanejamentonagestãodasBaciasHidrográficas.

A AprendizagemSocial promove a premissa “aprender juntos para gerir juntos”, enfatizando acolaboraçãoentreosdiferentesatoressociais, iniciandooprocessoomaiscedopossível,namedidaemque isto contribuiparacriar confiança,desenvolverumavisãocomumde todososaspectosemjogo,resolverconflitosechegarasoluçõesconjuntasquesejamtecnicamentecorretaseimplementá-lasefetivamentenaprática(MOSTERTetal.,2007).

Estapodeserdesenvolvidatomandocomobasealiteraturaexistentesobreparticipaçãopúblicaemultiatores,eosprocessosdeAprendizagemSocial,queincluemosseguintestemas:

1) A participação como sequência de negociações face os múltiplos atores que analisam situações,desenvolvemadefiniçãodeproblemas,buscamsoluçõesalternativaseasimplementam;

2)O desenvolvimento de uma compreensão compartilhada de um determinado problema através doaprofundamentodediferentesquadroseperspectivas;

3)Odesenvolvimentodeprocedimentosobjetivosparaadministrarproblemasrelacionadoscomgestãoderecursosnaturais;

4)Odesenvolvimentodeumafunçãodegovernança,gestãoeconsultanocontextodeumarealidadesocioambiental;

5) O acordo em bases e regras que garantam condições favoráveis ao fortalecimento de laçosinterpessoaisedeconfiança;

6) A conexão de diferentes tipos de conhecimento (Especialistas, Práticos, Gerais, Abstratos, Local,Contextual,Interdisciplinar,Intersetorial);

7)Odesenvolvimentodemarcosconceituaiseintervençõesparaumagestãoconstrutivadoconflito;8)Umprocessoparticipativopautadopelalógicafacilitadoraearticuladora;9)Aconstruçãoemanutençãodeumcompromissoentreatores,apesardemarcadosporassimetriasemtermosdecompetências,ganhoseperdas;

10)Oestabelecimentoderelaçõessubstantivasentreatoresnasdiferentesescalas.Numa leitura mais crítica, essas práticas se baseiam em promoção de uma atitude

problematizadora, compreensão complexa e politizaçãoda problemática ambiental, participaçãodossujeitos,oqueexplicitaumaênfaseempráticassociaismenosrígidas,centradasnacooperaçãoentreosatores(JACOBIetal.,2006).Nessecontexto,aadministraçãodosriscossocioambientaisimpõecadavezmaisanecessidadedeampliaroenvolvimentopúblicopormeiodeiniciativasquepossibilitemumaumentodoníveldeconsciênciaambiental.Issoconfiguraumprocessointelectualcomoaprendizadosocial baseado no diálogo e na interação em constante processo de recriação e reinterpretação deinformações,conceitosesignificados,originadosdoaprendizadoemcursosdecapacitaçãoeformaçãoparaaprimorarpráticasdasociedadeciviledopoderpúbliconumaperspectivadecooperaçãoentreosatoresenvolvidos.

Omaiordesafioédepromoverumpapelarticuladordosconhecimentosnumcontextoemqueosconteúdos são ressignificados. Ao interferir no processo de aprendizagem e nas percepções erepresentaçõessobrearelação indivíduos-ambientenascondutascotidianasqueafetamaqualidadede vida, promovem-se práticas que contribuem para a construção de uma sociedade sustentável(JACOBIetal.,2006).

A Aprendizagem Social é um conceito que pode contribuir e reforçar aspectos sobre como aparticipaçãopúblicapodeajudaraatingirestesobjetivos.

UmajustificativaoperacionalparaaAprendizagemSocialapontaparaacomplexidadeeincertezadasatuaisrealidadesecontextosdegestãoquedemandamnovasformasdegovernança,substituindoas tradicionais formas de sistemas baseados em lógicas hierárquicas orientadas por comando econtroleporsistemasflexíveiseparticipativos,baseadosnaexperimentaçãoenaAprendizagemSocialentremúltiplosatores(WOODHILL,2002).

Entende-se, portanto, que a definição de sustentabilidade associada com Aprendizagem Socialimplica num contínuo processo reflexivo de questionamento, recusa ou reavaliação de algumas daspremissascriadassocialmente,taiscomoasnoçõesdetempo,espaço,naturezaesensaçõespessoais,visandoalcançarumamelhoranaqualidadedevida, reduzindoos impactosnegativosnos sistemassocioambientais. E também implica em aprendizagem sobre a dinâmica de mudança do sistemahumanoedoecossistema,osquadrosmentaisquedefinemoprocessodecisório,easconsequências

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biofísicasdasmudançasnumsistemaeminteração(PAHL-WOSTL,2002).Assim,nolugardeestratégiasdecontrole,existeanecessidadeporinovaçãoemudança,gestão

adaptativaeflexível.Portanto,paraatingirosefeitosesperadosquantoàgestãoeàdemocratizaçãona sustentabilidade dos recursos naturais, não se trata apenas dos atores estarem estruturalmenteenvolvidosnoprocessodecisório,mas sobre aqualidadedas relaçõesquepodemser estabelecidas(JIGGINSetal.,2007).Destaforma,talvezsecomecealterarasformastradicionaisdeparticipaçãoepossampromoverefetivamudançanalógicaprevalecente.

Todoatorcontrolaalgumtipoderecurso.Osrecursospodemserpolíticos,humanos,cognitivos(de conhecimento), institucionais, materiais, simbólicos, financeiros, organizacionais etc.. Por outrolado, a gestão do recurso água, baseada no envolvimento dos múltiplos stakeholders, demanda aconvergência de três premissas-chave: a) Nem todos os atores isoladamente têm as informaçõesnecessárias,ascompetênciaslegaiseosrecursosparaagestãosatisfatóriadorecurso,oqueexigeacolaboraçãoentreeles;b)Agestãode recursosnaturais requeruma formadeorganização,ouseja,parafacilitaracolaboraçãoecoordenarassuasaçõesprecisa-seestabelecerumprocessocooperativoorientadoaolongoprazo;ec)Todooprocessodegestão,comdestaqueparaosrecursosnaturais,éum processo de aprendizagem de longo prazo, o que demanda o desenvolvimento de novosconhecimentos,atitudes,habilidadesparalidarcomasdiferençasdeformaconstrutiva,adaptar-seàsmudançaseenfrentaraincerteza.

A Aprendizagem Social considera a crescente capacidade dos múltiplos atores de uma dadarealidadeambiental,dedesenvolveraçõescoletivas relacionadascomagestãode recursosnaturaisnassuasespecificidades.Osproblemassãoidentificadoseenquadrados,emdinâmicasqueenvolvemdiferentesatoresquedetêmdiferentesrepresentaçõesdarealidade(PAHL-WOSTL,2002).Concluindo

A administração dos riscos socioambientais impõe cada vezmais a necessidade de ampliar oenvolvimento público pormeio de iniciativas que possibilitem um aumento do nível de consciênciaambiental. Isso configura um processo no qual a Aprendizagem Social é base para o diálogo e ainteração em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos esignificados,originadosdoaprendizadoemcursosdecapacitaçãoeformaçãoparaaprimorarpráticasdasociedadeciviledopoderpúbliconumaperspectivadecooperaçãoentreosatoresenvolvidos.Omaior desafio é de promover um papel articulador dos conhecimentos num contexto em que osconteúdos são ressignificados. Ao interferir no processo de aprendizagem e nas percepções erepresentaçõessobrearelação indivíduos-ambientenascondutascotidianasqueafetamaqualidadede vida, promovem-se práticas que contribuem para a construção de uma sociedade sustentável(JACOBIetal.,2006).

Acriaçãodeespaçosdeaprendizagempoderepresentarumapropostapedagógico-metodológicaqueconsideracomocontextosdevivênciaeconvivênciaocotidianodeumarealidadequeseabreaolocal e ao planetário. Essas estratégias podem ser entendidas como espaços de convivência e deformação de conhecimentos sobre Aprendizagem Social na gestão compartilhada e participativa nocontexto socioambiental. Estas se configuram como espaços de cooperação, mobilização eparticipaçãoemprocessosqueampliamopotencialdeinstaurarpactosentreosprotagonistaslocais,desenvolvendorelaçõesdeconfiançamaissolidáriasehorizontalizadas.

Trata-se, portanto, de um processo interativo que considera que, através do diálogo e dacomunicação entre atores envolvidos (stakeholders), existe a possibilidade e a predisposição parareconhecer a legitimidade de um processo, compartilhando a responsabilidade pelos resultadosobtidos.Atravésdediálogos,participantespodemquestionarsuasprópriascertezaseestarabertosàsopiniões dos outros, pois as soluções passam pela construção de um modelo coletivo sensível àcomplexidadedossistemassocioambientais.REFERÊNCIASBANDURA,A.SocialLearningTheory.NewJersey:Prentice-Hall,1977.CULPEPPER, P. Re-Embedding Public Policy: Decentralized Collaborative Governance in France and Italy. In:CHRISTIANJOERGES,BOSTRÅTHandPETERWAGNER.TheEconomyasaPolity:ThePoliticalConstitutionofContemporaryCapitalism.London:UCLPress,2005,pp.137-157.GLASSER,H.Mindingthegap–theroleofsocial learninginlinkingourstateddesireforamoresustainableworld to our everyday actions and policies. In: WALS, A. Social Learning – towards a sustainable world.Wageningen:AcademicPublishers,2007,pp.35-61.HART, P. Social learning as action inquiry: exploring education for sustainable societies In:WALS, A. SocialLearning–towardsasustainableworld.Wageningen:AcademicPublishers,2007,pp.313-329.HOLLING,C.S.Adaptiveenvironmentalassessmentandmanagement.London:Wiley,1978.JACOBI, P. R.; GRANJA, S. I. B.M.; FRANCO,M. Aprendizagem Social: práticas educativas e participação dasociedadecivilcomoestratégiasdeaprimoramentoparaagestãocompartilhadaembaciashidrográficas.SãoPauloemPerspectiva,v.20,n.2,2006,p.5-18.

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JACOBI,P.R.;TRISTÃO,M.;FRANCO,M.I.AfunçãosocialdaEducaçãoAmbientalnaspráticascolaborativas:participaçãoeengajamento.CadernosCedes,Campinas,v.29,n.77,2009,pp.63-79.JIGGINS, J.etal.2007.Social learning insituationsofcompetingclaimsonwateruse. In:WALS,A. (Editor).Social Learning – towards a sustainableworld. In:WALS, A. Social Learning – towards a sustainableworld.Wageningen:AcademicPublishers,2007,pp.419-433.MOSTERTetal. Social Learning in European River-BasinManagement: Barrieres and FosteringMechanismsfrom10RiverBasins.EcologyandSociety,v.12,n.1,2007.PAHL-WOSTL, C. 2002. Towards sustainability in the water sector: the importance of human actors andprocessesofsociallearning.AquaticSciences64:394-411.PAHL-WHOSTL, C.; HARE, M. Processes of social learning in integrated resources management. Journal ofCommunity&AppliedSocialPsychology,Wiley,v.14,3,2004,p.193-206.ROLING,N.2002.Beyondtheaggregationof individualpreferences. In:LEEUWIS,C.andPYBURN,R. (Eds.).Wheelbarrowsfulloffrogs.Assen:KoninklijkeVanGorcum.WALS, A. Social Learning – towards a sustainable world. Wageningen, Netherlands: Wageningen AcademicPublishers,2007.WARNER,J.Multi-StakeholderPlatformsforIntegratedWaterManagement.Aldershot,UK:Ashgate,2007.WILDERMEERSCH,D.2007.Sociallearningrevisited:lessonslearnedfromnorthandsouth.Pages99-116.In:A.Wals,editor.Sociallearning:towardsasustainableworld.Wageningen,Netherlands:WageningenAcademicPublishers.WOODHILL,J.Sustainability,sociallearning,andthedemocraticimperative:lessonsfromAustralialandscapemovement. In: LEEUWIS, C.; PYBURN, R. (Orgs.). Wheelbarrows full of frogs: social learning in ruralmanagement.Assen:KoninklijkevanGorcum,2002,p.317-31.

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QUALARELAÇÃOENTREODIREITOÀCOMUNICAÇÃOEAEDUCAÇÃOAMBIENTAL?

ThaísBrianeziIntrodução

Este ensaio sistematiza as reflexões sobre direito à comunicação que exercitei, em 2011, nasdiversasatividadesdeEducaçãoAmbientalnasquaisestiveenvolvida.Entreelas,destaco:ocursode“EducationThroughNatureExperienceFocusedonWaterside”20, realizadode26de janeiroa11demarço, no Japão, a convite da Agência Japonesa de Cooperação Internacional – JICA; o trabalhovoluntário no curso de ativismo e mobilização para a sustentabilidade; o minicurso de jornalismocidadão,queministreidentrodoCursodeFormaçãoemEducaçãoAmbientalePolíticasPúblicas,frutodeumaparceriaentreaprefeituradeAmericana,o InstitutoAmbienteemFocoeaUniversidadedeSãoPaulo(USP),nafiguradaOCA–LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental(ESALQ)edoNúcleodeComunicaçãoeEducação(ECA);aparticipaçãonoIVCongressoBrasileirodeJornalismoAmbiental,queaconteceuemnovembro,noRiodeJaneiro;easaulasministradasnaFaculdadedeEducaçãodaUSP,aconvitedoprofessorPedroJacobi,enoMBAemGestãoSocioambientaldaFundaçãoInstitutodeAdministração(FIA),aconvitedacoordenadoraAnelisePianna.DireitoàComunicação

O paradigma mecanicista descreve a comunicação como um processo unilateral no qual umemissor,atravésdeummeio,passaumamensagemaserdecodificadaporumreceptor.EssavisãoreducionistafundamentouadoutrinadoFreeFlowofInformation21,quedominouaConferênciadasNaçõesUnidassobreLiberdadedeExpressão, realizadaem1948,emGenebra (MATTELLART,2009).Nãopor acaso, nessemesmoano, aDeclaraçãoUniversal dosDireitosHumanos, em seuartigo19,estabeleceuque:

Todooindivíduotemdireitoàliberdadedeopiniãoedeexpressão,oqueimplicaodireitodenãoser inquietadopelassuasopiniõeseodeprocurar,receberedifundir,semconsideraçãodefronteiras,informaçõeseidéiasporqualquermeiodeexpressão(MATTELLART,op.cit.:38).

Odireitoàcomunicação,nestecaso,resumiu-seàdefesadaliberdadedeopiniãoedeexpressão.Esse corte alinha-se ao ideário liberal da suposta igualdade perante a lei, que tem servido paracamuflarasrelaçõesdedominaçãoeasdesigualdadeseconômicaseculturaisdecorrentesdelas.Porisso, seguindo esta perspectiva de eclipsar questões políticas com abordagens técnicas, o referidoartigoignorouanecessidadededemocratizarosmeiosdeproduçãoededifusãodeconteúdos.

Décadas depois, já nos anos de 1970, graças à influência dos chamados Estudos Culturais,fortaleceu-seumnovoparadigmadeComunicação,ummodelo“dialógicoerecíproco,noqualoacessoeaparticipaçãotornaram-sefatoresessenciais”(MATTELLART,op.cit.:38).Sobreestepanodefundo,odireitohumanoàcomunicaçãopassouaserreconhecidoapartirdeumavisãomaisampla:em1977,o relatório MacBride, fruto do trabalho da comissão criada pelo Diretor-geral da Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), afirmou que não há garantia dodireitoàcomunicaçãosempolíticaspúblicasdecomunicaçãoecultura(MATTELLART,op.cit.).

Essa dinâmica de reflexão sobre as relações entre cultura, comunicação e democracia, porém,esfriou nas décadas de 80 e 90, período de hegemonia neoliberal e de consolidação dosconglomerados econômicos. No século XXI, o reconhecimento da comunicação como um direitohumano fundamental tem, aos poucos, novamente ganhado força. Cada vez émais generalizado oentendimento de que sem comunicação não há garantia do direito à saúde, alimentação,moradia,trabalho ou educação. O contrário também é verdadeiro, já que todos os direitos humanosfundamentaissãointerdependentes.Possotersaúde,estarbemalimentado,terumtetoseguroeterfrequentado a escola. Mas sem conhecer quais empresas têm vagas para novos trabalhadores, porexemplo,comovouarrumarumemprego?Poroutrolado,meubairropodeterrádiocomunitária,masseeuestivercomfomeoudoente,dificilmentesereiumcomunicadorativo(BARBOSAeBRANT,2005).

Assim,entenderacomunicaçãocomoumdireitohumanosignificaopor-seàsuatransformaçãoemmercadoria,reconhecendoqueelaé imprescindívelparaarealizaçãoplenadacidadania. Implicatambém ver a comunicação como campo público, de lutas sociais, em oposição à visão privada,tecnocrática,dequeelaconstituiumaarenadeproprietárioseespecialistas.

Nestesentido,odireitoàcomunicaçãovaialémdodireitoàliberdadedeexpressãoedadifusãodeinformação,englobandotambémasesferasdoacessoaosmeiosdeproduçãoecompartilhamentodeinformação.Ouseja,paraquesejagarantidopeloEstado,taldireitonecessitadepolíticaspúblicasquepromovamascondiçõestécnicaseoconhecimentonecessárioparaqueochamado‘público’(quecostumaser reduzidoaopapelde leitores,ouvintese telespectadoresautômatos)possaestabeleceruma relação autônoma e independente com os meios de comunicação, sendo ele próprio tambémprodutoredifusordeconteúdos(INTERVOZES,2005).

Comoosdemaisdireitoshumanos,acomunicaçãotambémtemsidovítimadamercantilização.

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Guiadapelalógicadolucroaqualquerpreço,rádiosetelevisõesdefinemsuaprogramaçãoapartirdaaudiência.Quantomaisouvintesoutelespectadores,maisanunciantes–emaioropreçopagoporelespara veicular suas propagandas. O resultado é um incentivo avassalador ao consumismo, desde ainfância, e a pasteurização de conteúdos e abordagens. O que pouca gente sabe é que os canaisabertosde rádio e televisãonoBrasil são concessõespúblicas, com função social estabelecidapelaConstituiçãoFederalde1988,cujosconcessionáriostêmdeveresacumprir.Umdeleséaexibiçãodepelomenos30%deconteúdoregionalnasprogramações.Trocandoemmiúdos:ocanaldaGlobonãoédafamíliaMarinho,assimcomoodaRecordnãopertenceà IgrejaUniversal.Emais:vaicontraa leiessa imagem do Brasil que ambos exibem, quase exclusivamente restrita à realidade urbana doSudeste(INTERVOZES,2007).

O problema é que essas obrigações constitucionais das rádios e televisões abertas não estãoregulamentadas.Eéfácilentenderomotivo:nossosparlamentares,alémdenãotereminteresseemcomprarbrigacomosgrandesempresáriosdacomunicação,muitasvezessãoelesprópriosdonosderetransmissorasregionaisderádioetelevisão.AmaiorpartedessasconcessõesfoidistribuídaduranteaDitaduraMilitar.Elasdeveriamserrenovadasacada10anos(nocasodasrádios)ou15anos(paraas TVs). Mas, novamente, por falta de regulamentação, a renovação tem acontecido de maneiraautomática,semavaliaçãonemdebatepúblico.E,cadavezqueomovimentopelademocratizaçãodacomunicação pressiona para que esses artigos constitucionais sobre a comunicação social sejamregulamentados,osmeiosdecomunicaçãocomerciais,descaradamente,dizem-sevítimasdecensura(INTERVOZES,op.cit.).

OutrasbandeirasconcretasdomovimentopelodireitoàcomunicaçãonoBrasilsão:ocombateàconcentração de mídia22; a defesa das rádios comunitárias; a batalha pelo sistema público decomunicação,complementaraosistemaestataleaoprivado;adiversidadecultural,comestímuloàproduçãoedifusãodeconteúdos regionais;apopularizaçãodoacessoàs tecnologiasmultimídias;eum regime de propriedade intelectual que estimule a criatividade e o compartilhamento doconhecimento.

Umcasodesucessonessalutaaconteceuentre2005e2006,quandoaRedeTV!exibiuasérie“Direito deResposta”. Ela foi fruto de umaação civil públicamovidapeloMinistério Público Federal(MPF)contraoconteúdohomofóbicodoprograma“TardeQuente”,apresentadoporJoãoKleber.ComoaRedeTV! inicialmente se recusouaatenderadecisão judicialde concederumdireitode respostaconvencional às associações civis que protestavam contra amaneira preconceituosa como os gayseram retratados, oMPF pediu – e o Judiciário concedeu – o corte do sinal da emissora.Durante 25horas a Rede TV! simplesmente ficou fora do ar. Para que pudesse retomar a transmissão, elaconcordouemassinarumTermodeAjustamentodeConduta(TAC)noqualsecomprometeuafinanciareveicularumasériede30programas,demeiahoracada,feitospelasociedadecivil.Nasérie“DireitodeResposta”,ostelespectadorespuderamassistiratemasdeinteressepúblicoquecostumamestarausentesdaprogramação,comoareformaagrária(BARBOSAEMODÉ,2007).

Masodireitoàcomunicaçãoéaindamaisamplodoqueodebatesobreademocratizaçãodoscanais de comunicação já instituídos ou a criaçãodenovos, aindaque comunitários. Ele passa, porexemplo, pela obrigação de explicitar no rótulo dos alimentos e produtos de higiene os eventuaisingredientestransgênicos,batalhadomovimentocamponêseambientalistanaConferênciadasPartesdaConvençãodaBiodiversidade,realizadaem2006,emCuritiba.Ou,ainda,pelosEstudosdeImpactoAmbientaleRelatóriosdeImpactoaoMeioAmbiente(EIA/Rima)queosempreendedoressãoobrigadosaapresentarparaobteralicençaambientalqueautorizesuaobra,conformeestabelecidonaPolíticaNacionaldeMeioAmbiente.Enquadramentoevalores

OexemplodarotulagemdosprodutosquecontêmorganismosgeneticamentemodificadosoudoEIA/Rima conduz ao debate sobre o acesso à informação ambiental. Como gosta de repetir VilmarBerna, fundadordaRedeBrasileirade InformaçãoAmbiental (REBIA),nãobastadivulgarqueaágualimpadoplanetacorreo riscodeacabar.Eupossoouvir issoepensar: “Caramba!Então temosquedespoluirosrios,protegerosmananciais,revernossaspráticas”.Outrapessoapodesesensibilizardemaneira diferente: “Caramba! Que baita oportunidade de negócio! A água vai virar produto raro,valioso.Voumontarumaempresaparavenderáguapotável”.

Tãoimportantequantoodadoconcretoéaabordagemdele.Emoutraspalavras:omodocomoenquadramosainformaçãoeosvaloresqueesseenquadramentocarrega.Comoalinguagemnemdelongeéneutra,aescolhadaspalavrasjáésignificativa.Porexemplo:nãofoiporacasoqueotermo‘mudança climática’ passou a ser mais usado do que ‘aquecimento global’. O começo de suapopularizaçãoveiocomorelatório“WinningtheGlobalWarmingDebate:AnOverview”23,escritoem2003 pelo consultor Frank Luntz, sob encomenda da administração norte-americana de George W.Bush.Oreferidodocumentorecomendavaexpressamenteaadoçãodotermo‘mudançaclimática’emsubstituição a ‘aquecimento global’, porque o primeiro soaria menos assustador e estaria menosassociadoàscausashumanasdacriseclimática(LAKOFF,2010).

Nascampanhasambientais,porém,écomumacrençadequeosegredoparasemudarhábitosecomportamentos é uma comunicação eficiente, objetiva. Essa visão apoia-se em um pensamento

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pragmáticovoltadoaocurto-prazo,quecontinuatratandoosreceptorescomodecifradoresautômatose não reconhece a interdependência entre racional e emocional. A diferença é que, no lugar de“consuma”, a mensagem costuma ser “feche a torneira” ou algo do gênero. Ou seja, a mesmaestratégiadooponenteéusadaparatemporariamenteabatê-lodentrodoseuprópriojogo(“ofeitiçocontraofeiticeiro”),semdefatopromoverumamudançagenuína(naanalogia,questionarasbasesdafeitiçaria)(BRULLE,2010).

O verdadeiro desafio dos movimentos sociais, aí incluídos os ambientalistas, seria, portanto,desconstruir categorias e lógicas naturalizadas que suportam o campo hegemônico e tornarhegemônicasnovascategoriaselógicaspropostas.NaavaliaçãodaescritoraNaomiKlein(2011),essedesafiofoiparcialmentealcançadopeloExércitoZapatistadeLibertaçãoNacional(EZLN),emChiapas,noMéxico.DeacordocomKlein (Op.cit.:89-90):“Ouvimoscomfrequênciaqueamelhor armadoszapatistaséaInternet,massuaverdadeiraarmasecretaésualinguagem.[...]Esteéummovimentoprofundamenteconscientedopoderdaspalavrasedossímbolos.”Oporta-vozcarismáticodoEZLN,osubcomandanteMarcos, é intelectual urbano,mascarado, que assumiu a identidade zapatista. Seusdiscursospoéticosesuafiguramisteriosatornaram-seconhecidosmundoafora:“TodaviaoparadoxodeMarcos e os zapatistas é que, apesar dasmáscaras, dos não-eus, domistério, sua luta trata doopostodoanonimato–tratadodireitodeservisto”(KLEIN,op.cit.:88).

ManuelCastells(1999)parececoncordarcomaavaliaçãodeKlein,aoterafirmadodeantemãoque o Zapatismo foi o primeiro grande movimento de guerrilha informacional. Para o sociólogoespanhol, o uso estratégico da comunicação é uma das características mais fortes do movimentoambientalistadosanos1970e1980,commanifestações lúdicaseumasimbiosecomosveículosdecomunicação de massa. Um exemplo nacional deste período são os empates realizados pelosseringueiros sindicalistas do Acre que, organizados em torno da figura de Chico Mendes, iam parafrentedas árvores e, comcoberturada imprensa, impediamqueelas fossemderrubadas (ALMEIDA,2004).Educaçãoparaacomplexidade

Qualé,enfim,arelaçãoentreodireitoàcomunicaçãoeaEducaçãoAmbiental?Partedarespostaestá no 14º princípio do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis eResponsabilidade Global, fruto dos encontros paralelos da sociedade civil durante a Rio-92, que jáexplicitavaque“aEducaçãoAmbientalrequerademocratizaçãodosmeiosdecomunicaçãodemassaeseucomprometimentocomos interessesde todosossetoresdasociedade”.Masoquepropomosnesteensaiovaialém:oreconhecimentodacomunicaçãocomoumdireitohumanoeacompreensãodequeelanãoéumprocessomecânico,massimumaviademãodupla,intersubjetiva.

Este reconhecimento está intrinsecamente ligado à chamada ‘educação para a complexidade’,quebuscadesconstruirtrêsincapacidadesdestacadasporPedroJacobi(2009:27):

Os problemas e os desafios socioambientais da atualidade são o claro reflexo de trêsincapacidadesreforçadaspelomodelosocialcorrente:aincapacidadedeconsiderarhorizontestemporaismaislongoscomumasobrevalorizaçãodoagora,aincapacidadedereconhecerasinterdependências entre os sistemas, criando uma sobrevalorização das especificidades e aincapacidadedepromoveracolaboração,sobrevalorizandooindivíduoperanteocoletivoeatémesmooplanetário.

AEducaçãoAmbiental,nestaperspectiva,éumprocessopermanente,quedevedialogarcomaspaixões e inquietações mais profundas dos sujeitos e dizer respeito à realidade local. Nessa linha,Enrique Leff (2006), um dos estudiosos de referência em Educação Ambiental, escreveu que aconstrução da racionalidade ambiental demanda um diálogo de saberes e requer formas maisdemocráticas de produção e distribuição do conhecimento. Isso envolveria não apenas maiordiversidadedeconteúdosemcontraposiçãoàmonotoniadosdiscursoshegemônicos,comotambémprocessosmais interativos,deaprendizagemcoletiva.Nãoéumaideianova,principalmenteparaoseducadoresbrasileiros, familiarizados comapedagogiadePaulo Freire.Maséumaabordagemque,infelizmente, encontra muitas resistências, principalmente daqueles que não aceitam abrir mão dopoderdeseremosdonosdaverdade.

Acontecequeacomplexidadeéacaracterísticamaismarcantedacrisesocioambientalnaqualvivemos.Passamosdomundodascertezasobjetivasparaodasprobabilidades(FUNTOWICZeRAVETZ,2002;LATOUR,2004).Sim,cadavezmaispessoaseinstituiçõesconcordamqueseguirnestemodeloinsustentável de produção e consumo é assinar uma carta coletiva de suicídio. Na hora de apontarsoluções e alternativas concretas, porém, as abordagens variam emuitas vezes são contraditórias.Longe de desanimar diante das contradições, correndo o risco da apatia, o ambientalista emconstruçãodeveaguçarseuespíritodepesquisadorpermanente.Emoutraspalavras,eledevebuscarnãosórespostasexistentes,masprincipalmentefazernovasperguntas.

UmexemplodecomoessaposturadeestranhamentoengajadopodeserincentivadanapráticavemdoMuseudeMeioAmbientedaprovínciadeKinki,noJapão.Aexposiçãosobreembalagens,nolugar do tradicional “agora faça isso e não façamais aquilo”, desconstrói demaneira interativa osdiscursossimplistassobrereutilizaçãoereciclagem.Émelhorparaomeioambientequeoleitevolteaservendidoemgarrafasdevidroretornáveisouemcaixinhasdescartáveis(aindaquerecicláveis)?Ovisitante é convidado a responder à pergunta feita emumpainel eletrônico. Eu, convicta, escolhi a

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primeiraopção.Algunspassosadiante,porém,deparei-mecomumaminiaturadedoiscaminhõesdetransporte,umcheiodegarrafaseoutroabarrotadodecaixasdeleite.Umnovopainelexplicavaque,porseremmaisdifíceisdetransportarearmazenar,asgarrafasdevidrotendemagastarmaisenergiaqueascaixasdepapelão.Ouseja,amelhorrespostaàpergunta inicialseria“depende”,seguidadequestionamentos:ondeéproduzidoesteleite?Eondeseráconsumido?Emquantotempo?

Dúvidas como estas e a coragem de explicitá-las são a essência do ambientalismo ativista. Oetanoldecanaémaissustentávelqueagasolina.Pontoouinterrogação?Sustentabilidadeésóreduzirasemissõesdegasesdeefeitoestufa?Ouétambémrespeitarosdireitosdostrabalhadoreseasterrasindígenas? Plantações de eucalipto são positivas, porque significam reflorestamento. Será mesmo?Monocultura é floresta? Para aprofundamento neste debate, recomendo a leitura das matérias erelatórios do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil(<http://www.reporterbrasil.org.br/agrocombustiveis/>).

AEducaçãoAmbientalqueincorporaodireitoàcomunicaçãonãopodepressuporsuperioridadede quem possui a informação a ser compartilhada nem acontecer como se fosse uma transmissãomecânica de dados, mera extensão. A busca deve ser pela promoção de diálogos que envolvam“sujeitosinterlocutores,quebuscamasignificaçãodossignificados”(FREIRE,1985:46).REFERÊNCIASALMEIDA,M.N.B.DireitoàFlorestaeambientalismo–osseringueirosesuaslutas.RevistaRBCS,vol.19,nº55,junho.SãoPaulo:ANPOCS,2004.BARBOSA, B. e BRANT, J. Direitos humanos e comunicação democrática: o que vem antes? São Paulo:Intervozes, 2005. Disponível em:<http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/direitos_humanos_comunicacao.pdf>.BARBOSA,B.eMODÉ,G.ASociedadeocupaaTV:ocasodoDireitodeRespostaeocontrolepúblicodamídia.SãoPaulo:Intervozes,2007.BRULLE,R. J.FromEnvironmentalCampaignstoAdvancingthePublicDialog:EnvironmentalCommunicationforCivicEngagement,EnvironmentalCommunication:AJournalofNatureandCulture,4:1,2010,82-98.CASTELLS,M.OPoderdaIdentidade.AEradaInformação:economia,sociedadeecultura.VolumeII.3ªed.SãoPaulo:PazeTerra,1999.FREIRE,Paulo.ExtensãoouComunicação.RiodeJaneiro:EditoraPazeTerra,1985.8ªedição.FUNTOWICZ,S.eRAVETZ,J.R.Lacienciaposnormal:cienciaconlagente.Barcelona:Icaria,2002.INTERVOZES.ConcessõesderádioeTV:ondeademocraciaaindanãochegou.SãoPaulo,Intervozes,2007._______.RelatóriodaPesquisaDireitoàComunicaçãonoBrasil.SãoPaulo:FundaçãoFord,2005.JACOBI, P. R.; MONTEIRO, Fernando; FERNANDES, Maria L. B. Educação e Sustentabilidade: caminhos epráticasparaumaeducaçãotransformadora.SãoPaulo:EvoluirCultural,2009.KLEIN,Naomi.RebeliãoemChiapas.In:CercaseJanelas.Traduçãodomovimentodeculturalivre.Disponívelem: <http://www.nacorrenteza.jor.br/blog/wp-content/uploads/2010/03/cercas_e_janelas_-_klein_naomi12.pdf>.Acessoem:01/09/2011.LAKOFF, G. Why it Matters HowWe Frame the Environment?Environmental Communication: A Journal ofNatureandCulture,4:1,2010,70-81.LATOUR,B.Políticasdanatureza–comofazerciêncianademocracia.SãoPaulo:Edusc,2004.LEFF, E. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2006.MATTELLART,A.Aconstruçãosocialdodireitoàcomunicaçãocomoparte integrantedosdireitoshumanos.Intercom–RevistaBrasileiradeCiênciasdaComunicação.SãoPaulo,v.32,nº1,p.33-50,jan./jun,2009.

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APRENDERCOMESPINOSA:EDUCAÇÃOEAMBIENTE24

AlessandraBuonavogliaCosta-Pinto25

Este textoemergedeuma investigaçãoqueestáemcurso26, tendo comoobjetivo apresentaralguns elementos do pensamento de Espinosa e fazer, a partir deles, ilações concernentes a umaprática pedagógica preocupada com o desenvolvimento integral dos estudantes, sendo estaexemplificada através da apresentação de um caso concreto de um processo educativo que visarealizar a formação de futuros formadores (professores) na área de ambiente (Educação Ambientalpara a sustentabilidade), o qual tem o conceito de potência de agir espinosano como um de seusfundamentos e uma de suas metas. A experiência a ser apresentada é a do Coletivo EducadorAmbientaldeCampinas(COEDUCA),SãoPaulo/Brasil.

Cabeesclarecerque tal formação temcaráter interemultidisciplinar.Trabalhacomumpúblicoadultoquepossuiníveise formaçõesdiversificadas–dealunoseprofessoresuniversitáriosa líderescomunitários.Pretendearealizaçãodeintervençõeseducativassocioambientaisquetêmoobjetivodetransformararealidadelocal/regionalnadireçãodaconstruçãodasustentabilidade,tendoemvistaoatual estado de degradação do ambiente e a consequente necessidade de alteração dosmodos deproduçãoeconsumodassociedadeshumanas.

Todo o processo de formação parte da concepção de que a Educação Ambiental (EA) é umaproposta pedagógica que pretende desenvolver a consciência crítica do sujeito (individual e/oucoletivo)pormeiodeumprocessocontinuadodesensibilização,construçãodevalores,descobertaefortalecimentodehabilidades/competênciasecapacidades.Estapropostadevetambémadequar-seàscaracterísticas individuais de sentir/perceber/pensar a realidade, com o objetivo de estimular oempreendimento de ações que busquem amelhoria da qualidade de vida da população e domeioambiente,tendocomofundamentoeperspectivaaedificaçãodasustentabilidadeplanetária.UmcomeçodeconversacomEspinosa…

O pensamento filosófico espinosano se move num terreno em que tudo é absolutamentedeterminado, existe uma ordem no Cosmo, as coisas são como são e não poderiam ser de outramaneira(EI,apêndiceeprop.33),poisháleisgeraisqueregemtodooUniverso.Porexemplo,umcãojamais dará origem a um peixe, os cães só podem dar à luz a outros cães, pois esta é suadeterminação,assimcomoéaquantidadedevapordeáguapresentenaatmosferaquedeterminaaocorrênciaounãodechuvas.

Espinosa identifica Deus com a Natureza (EIV, pref.), definindo-a como a infinita potência deproduçãodetudooqueexiste,sendoaúnicacoisalivre/autônoma,queécausadesi(EI,defs.1e3).Ela é eterna (EI, def. 8), infinita (EI, def. 6), sua ação não obedece a nenhuma finalidade, atendeapenasàsnecessidadesdesuaprópriaessência(EI,prop.17)easuaessênciaconsisteemexistir(EI,def.1).

Tudo omais que existe sãomodos oumodificações dinâmicas da Natureza que se encontramnumarelaçãodeinterdependêncianecessária/obrigatória(EI,def.5).Destaforma,ossereshumanosnão sãomaisqueummodo finito e singular daNatureza, contudo, diferenciadonamedidaemquepossuemafaculdadedecogniçãoreflexivaeconscientemaiscomplexadoqueosdemaisseres.Estaconcepçãodemeioambientequeentendeaspessoascomointrínsecasànaturezaéfundanteparasepensar umaEducaçãoAmbiental que busca a construção da sustentabilidade, pois isto possibilita orompimentocomomodelodedesenvolvimentoutilitaristavigentequepercebeo serhumanocomoextrínsecoàcadeiaecológica.

Aosefalaremsustentabilidade,éimprescindívelpensarnosmodosdeproduçãoeconsumodenossas sociedades, umavezqueas suas vertentes e consequências sociais, políticas, institucionais,econômicas,culturaiseecológicasestãotodasinterligadas,constituindo-sedeumacadeiacausal,nãofugindodaordemestabelecidapelasleisqueregemoUniverso,porqueasregrasconfeccionadaspeloshumanosparageriras suas sociedadesnãoescapamàs leisuniversaisnamedidaemqueos sereshumanos sãoparte daNatureza e, portanto, estão a elas submetidos.No casohumano, tais leis seexpressamnodinamismodosnossosafetos,oquenosconferepossibilidadesdemudançasdentrodeum Universo absolutamente determinado, pois é a partir da dinâmica da cadeia dos afetos queconstruímosideias/pensamentos/teoriasquedãosuporteàestruturaçãoeaomododefuncionamentodetodasasesferasdenossassociedades.

Emassimsendo,pode-sedizerqueasvariaçõesdeânimo/ideiassedãodeacordocomosafetosquenossãogeradospeloencontrocomoutroscorposequeapotênciadeagirhumanaédaordemdoencontro,poisserelacionacomasinfinitaspossibilidadesdecomposiçãoentreosafetosnosencontrosativos (alegres,potencializadores)epassivos27 (tristes, despotencializadores), ou seja, comanossacapacidadedeafetaredeserafetado(EIII,prop.59,esc.).

Destemodo, Espinosa nos desafia a compreender como somosdeterminados a agir de acordocomnossasnecessidadesafetivas.Poisosafetos/sentimentosnãosãonemcertosnemerrados,são

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uma maneira de pensar, um tipo particular de ideia, por mais confusa que possa ser. E deve-setrabalhar essas ideias (sentimentos) através de um processo interpretativo/reflexivo para torná-lasmenos confusas e, assim, passarmos do registro das imagens/imaginação para o registro da razão(ideiasadequadas/verdadeiras)edesteparaoconhecimentointuitivo.

A constituição prática da razão em Espinosa dá-se pelo processo interpretativo/reflexivocontinuadodosafetos,pois sepensamosomundoem funçãodoquesentimos,ao realizarmosumareflexãoquebuscacompreenderoquesentimoseporquetemosdeterminadosentimentoemrelaçãoàs coisas, podemos construir, a partir desta compreensão, novas ideias sobre omundo e sobre nóspróprios,operandoassimajunçãodosaspectoscognitivoseafetivosnoatodeconhecer/saber.

Estamaneiradecompreenderarelaçãoentrefuncionamentopsíquicoeformadepensar/produzirconhecimento (cognição) coaduna-se não só com teorias da psicologia da educação como tambémcoma concepçãodeEA trazidaacima,que temcomoelemento fundanteomodocomoaspessoassentem/percebem/pensam o mundo, pois é a partir daí que elaboraram propostas de intervençãoadequadas, ou não, para contribuir para a construção da sustentabilidade, sendo justamente esteprocessointerpretativo/reflexivodosafetosquepossibilitaráaconstruçãodevalores,adescobertaeofortalecimentodehabilidades/competências,edecapacidadesindividuaisecoletivasparaintervirnarealidadenadireçãodesejada.FelicidadeePotência

Oprojetodesalvaçãooudefelicidadehumana,emEspinosa,podeserpercebidocomoanossacapacidadedegerirosafetosapartirdapotênciadamente(EV,pref.),deixando-nosmenossujeitosàspaixões28e,portanto,colocando-nosnoregistrodaação(consciente).Deacordocomofilósofo,esteprocesso de amadurecimento emocional, que vem necessariamente acompanhado de umamadurecimento intelectual29, nos deixará mais seguros de nós mesmos, pois esta condição nospermitirá reconhecer/terconsciênciadequeo lugarqueocupamosnaNaturezaéodemaisumelocausal,edequaissãoosoutroselosaqueestamosligados/emrelaçãonasmaisdiferentessituaçõese,portanto,quaissãoasnossaspossibilidadesdeaçãoeomelhormomentoparaempreendê-las.

Estaconsciência–compreensãodascoisasnoregistrodoconhecimentointuitivo,queseconstituicomofelicidade–nosdeixamenossujeitosafrustrações,poisfazcomqueprojetemos/criemosmenosexpectativasemrelaçãoàsoutraspessoasecoisas,umavezque imediatamentecompreendemososeumododefuncionamentoequeesteénecessário/obrigatório/incontornável.

Por exemplo, ter a expectativa de colher peras de umamacieira é frustração certa, pois nãoocorrerá. E, de maneira análoga, não é possível esperar que uma pessoa que tem/está com um‘comportamentopadrãonarcísico’, tenhaparacomoutremumaatituderespeitosaemdeterminadassituações–respeitosanosentidodeverooutroeteremconsideraçãoaformadooutrolidarcomascoisas30.

Parausaraspalavrasdofilósofo,quandoamentecompreendequetodasascoisassãonecessárias,equesãodeterminadasaexistireaoperaremvirtudedeumaconcatenaçãoinfinitadecausas,àmedidaquecompreendeisso,amentepadecemenosdosafetosqueprovêmdestascoisaseémenosafetadaporelas31.(…)Comefeito,vemosqueatristezaadvindadaperdadeumbemdiminuiassimqueohomemqueaperdeusedácontadequenãohavianenhummeiodepoderconservá-lo32.

Naproposição2,daparteV,daÉtica,Espinosanosdizquese separarmos uma emoção do ânimo, ou seja, um afeto do pensamento de uma causaexterior,ligando-aaoutrospensamentos,entãooamorouoódioparacomacausaexterior,bemcomoasflutuaçõesdoânimo,queprovêmdessesafetos,serãodestruídos.

Sedesvincularmosasnossasemoções/sentimentosdascoisasquenosafetameasconectarmoscomoutras ideias,estasemoções/sentimentosserãopornós ressignificados,deixandoassimdenosafetar.

Porexemplo,aopensarnumdesencontroamoroso,nocasodeumrompimentoqueaconteceuanosso contragosto, ao imaginarmos que a outra pessoa está muito bem sem a nossa presença econvívio, nos entristecemos, mas se imaginarmos que aquela pessoa sofre com a nossa ausência,acabamospornosalegrardecertamaneira,poisachamosqueanossafaltaésentida,somostidos,nanossa imaginação, como importantes e desejados. Ou seja, o nosso sentimento de alegria ou detristezarefere-seànossaimaginação,àsimagensqueformamos,independentementedarealsituação(o fatodea outrapessoaestar feliz ou triste comanossaausência). E, ao compreendermosqueorompimento se deu em virtude dos contornos adquiridos pelo próprio relacionamento33 e que, emfunçãodisto,orompimentoseriainevitável,talsituaçãodeixadenosafetardealegriaoutristeza,noscolocandonoregistrodarazãoespinosana.

Contudo, ele nos alerta para a impossibilidade de controlarmos por completo nossasemoções/sentimentos,umavezqueestamos todos sempre sujeitosapaixões,porémapontaparaapossibilidade de gerimos nossos afetos demodo a estarmosmenos sujeitos às reações emocionaisimpensadas, impulsivas,ouseja,anãoestarmosàderivacomojoguetedaspaixões,emespecialas

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tristes, “sabendo-sequeaspaixõesalegres sãocatalisadorasdonossoprocessodeauto-realização”(FERREIRA,1997:475)equeosafetossãocoisasinevitáveisnaexistênciahumana.

Omundomaterial(enossomododelidarcomele)estáemconstantetransformação,contudoasregras que o regem são eternas e imutáveis. Ao compreendermos estas regras, somos capazes deperceberoeternonofinito,istoé,ofuncionamentodasleisuniversaisquesãoeternaseimutáveisematonaexistênciadosseresfinitos.Porexemplo:numasituaçãocotidiana,umapedra,aoserlançadadeumajanela,sempreteráumatrajetóriaemdireçãoaosoloenuncaemdireçãoaocéu,istosedáem funçãodoqueatualmente sedenominapor ‘lei dagravidade’. Assimcomoumapessoaque foivítima de forte agressão física e/ou psicológica, carregará para sempre consigo a marca destaagressão.Epormaisqueestasituaçãopassadaestejaemocionalmentebemresolvida,oacontecidodeterminaráasuamaneiradese relacionarcomcoisasepessoas.Ouseja, influenciaráasescolhasfeitasemtodasasesferas34dasuavidamaterial,cotidianaefinita.

O funcionamentodoUniverso,deacordocomEspinosa, faz-sepelonexodeumacadeiacausal(EI, prop. 36) – uma causaquegera umefeito, que se constitui em causa e, desta forma, gera umefeito, que se torna causa e assim sucessivamente. Damásio (2003:87), ao se referir ao modo defuncionamentodossentimentoseemoçõeshumanas,nosapresentaummodelocompatívelaotrazidopelo filósofo35:umestímuloemocionalmentecompetente (EEC)desencadeiaumaemoção,que,porsua vez, gera um sentimento36, que pode constituir-se como um outro EEC, que gerará uma outraemoção,que,porsuavez,podegeraroutrosentimentoeassimpordiante,atéoapaziguaremocional,isto é, até que consigamos mudar de registro e nos posicionarmos de modo a estarmos menosafetados por estes sentimentos/emoções. O que corrobora as colocações de Espinosa sobre ofuncionamento do Universo, pois se como dito anteriormente, os humanos são modos finitos esingularesdaNatureza,nãopoderiamoperardemododistintodadeterminaçãouniversal.EducaçãoAmbientalparaaSustentabilidade:umprocessodeformação

OprocessoformativodesencadeadopeloColetivoEducadorAmbientaldeCampinas(COEDUCA),aquiapresentado, temcomoobjetivo ilustrarcomosepodeoperacionalizarumapráticaeducacionalqueéanimadapelopensamentoespinosano,equevisaodesenvolvimentointegraldoseducandosedoseducadores.Seráaquiapresentado,primeiramente,ocontextoconceitualemqueesteprocessoformativoestáinseridoe,numsegundomomento,elementosdaformaçãoemsi.

Os Coletivos Educadores (CEs) são um instrumento de uma política pública federal doDepartamentodeEducaçãoAmbientaldoMinistériodoMeioAmbientebrasileiro(DEA/MMA),quenumaperspectiva libertária e emancipatória, busca formar cidadãos críticos eproativos, comoeducadoresambientais para sociedades sustentáveis. Atualmente existem 48 CEs atuantes em todo o territóriobrasileiro,abrangendo372municípiose96.060pessoasformadasouemprocessodeformação37porColetivosEducadores(BRASIL,2010).

UmColetivoEducadornadamaisédoqueauniãodepessoasque trazemconsigooapoiodesuasinstituiçõesparaimplementarumprocessodeatuaçãocoletivaeducacionalnumdadoterritório,balizadaporconceitosquefundamasuaformação/estruturaçãoeseumododeatuar(BRASIL,2007).O objetivo maior é promover transformações no tipo de intervenção social, política, econômica,ecológicaeculturaldassociedadeshumanas,atravésdaconstruçãoeoperacionalizaçãodeconceitosevaloresquecaminhemnadireçãodobem-estarcoletivoedaconstruçãodesinergiaentrepolíticaspúblicas,disseminandopreceitosdasustentabilidadeemtodootecidosocial.

ApropostametodológicaparaatuaçãodoColetivoEducador trazconsigooconceitoconhecidocomoPAP–Pesquisa-Ação-ParticipanteouPessoasqueAprendemParticipando(ouAtuando).Aopçãometodológica dos PAPs remete à estratégia38 de capilarização de cada Coletivo à luz do desafio eanseiodeatingira totalidadedepessoasnoseurespectivo territóriomedianteprocessos formativoscontinuados e permanentes. O desafio é a constituição de um grupo que lida com um processopermanentedeação-reflexão,depesquisaeintervenção,deanálise,dedelineamentoparticipativodeestratégiasadotandoprocedimentosdemocráticosehorizontais.

Aproposta formativaPAP3baseia-sena ideiadeCardápios39deAprendizagem:oprocessodeformação deve oferecer diferentes estratégias educativas, chamadas Itens de Cardápio (IC), que oseducadores em formação (PAP3) escolhem atendendo às suas próprias necessidades para realizarações educativas socioambientais, as quais têm o objetivo de promover a formação de outroseducadores (PAP4).Os temas/conteúdos a seremdesenvolvidos/oferecidos nos processos formativosnão devem limitar-se aos conteúdos técnicos,mas também se utilizar de técnicas que estimulemoconhecimentosensível(subjetivo,dosafetos).Ouseja,oprocessoeducativodeveserentendidonãoapenas como um acúmulo de conhecimentos, mas e principalmente, como um processo deautoconhecimento visando uma maior capacidade de ação individual e coletiva. Para isso, éfundamentalqueoeducadorconheçasuaregiãodevivência,ampliesuacapacidadedepercepçãoeexpressão sobre omundo e se reconheça como possuidor de conhecimentos importantes para suacomunidade.Comosedesenrolouoprocessoformativo?

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Oprocessode formação40 teve início comaconstituiçãodoColetivo.NocasodoCOEDUCA,ogrupo PAP2 se constituiu como um coletivo de instituições públicas e privadas, organizações dasociedadeciviledepessoasmilitantesdaEducaçãoAmbiental.

Em linhas gerais, a estratégia adotada pelo COEDUCA, composto inicialmente por cerca de 30PAP2 provenientes de diferentes instituições e com formações diversas, foi de, primeiramente,consolidar a estruturação domesmo, através da realização de diferentes atividades formativas quepropiciassemaseusmembrosatrocadeexperiênciaseconhecimentosarespeitodaspráticasdeEAquejáocorriamemCampinas,bemcomosobreascondiçõessocioambientaisdomunicípio,paraqueseusintegrantesnãosóoconhecessemmelhor,mastambémparapossibilitaraarticulaçãodeoutrasparceriasqueviabilizassemaformaçãodoseducadoresPAP3.

Taisatividadesaconteceramcomdiferentesformatos.Primeiramentefoifeito,deformacoletiva,um estudo detalhado domunicípio de Campinas, com base em pesquisas bibliográficas e visitas acampo.Foramrealizadasreuniõessemanaisdeliberativasedeplanejamentocoletivodasatividadesaseremrealizadas,tantoparaaformaçãodosPAP2comoparapensarapropostadeformaçãodosPAP3.

Oficinasdeaprofundamentoconceitualaconteceramemdiferentesmomentoscomo intuitoderefinaroentendimentodeconceitos,trazidospeloDEA/MMAnapropostadeCEs,queosprópriosPAP2consideraramimportantesparaobomandamentodostrabalhos.Nestasoficinasforamfeitasleiturasediscussõescoletivasdetextosbemcomoatividades lúdicasedesensibilizaçãoquesepropunhamatrabalhar as subjetividades dos participantes com o objetivo de promover experiências quepossibilitassemavivênciadealgunsconceitos.

OpassoseguintefoiaimplementaçãodoprocessoformativodosPAP3,queteveaduraçãode18meses.Talprocessofoidividoemtrêsfasesdeseismesescadauma.

A Fase 1 foi composta pela apresentação da proposta a todos os inscritos no processo; pelaformação dos Coletivos Locais de ação socioeducativa (CLs); pela vivência de itens de cardápioestruturantesedeaprofundamentoconceitual,comunsatodososeducandos,chamadonúcleobásico.

Foram oferecidos quatro ICs: PAP – Pesquisa-Ação-Participante ou Pessoas que AprendemParticipando(ouAtuando):teveoobjetivodeapresentaroconceitodePAPeaprofundaradiscussãosobresustentabilidadeesobreoconceitodeEducaçãoAmbiental;RelatosdeAprendizagem:procuroudesmistificar e aprimorar o processo da escrita estimulando/orientando os educandos a produziremtextos escritos sobre conceitos e conteúdos estudados e experiências vivenciadas; (Re)conhecendoCampinas:realizaçãodeestudodomeionasdiferenteszonasdomunicípiodeCampinas, levantandoseus aspectos e conflitos socioambientais; Caminhos: teve o intuito de trabalhar as subjetividades(conhecimentosensível)apartirdevivênciasartísticas,lúdicasedesensibilização41.

Na Fase 2, foram oferecidos itens de cardápio opcionais, acreditando que cada CL saberiaescolher quais ICs seriam mais adequados, tanto no sentido de apoiar o planejamento e aimplementaçãodaaçãosocioeducativacomoparacomplementaraformaçãoetrajetóriaprofissionaldecadaumdeseusintegrantes.DoisICsforamobrigatóriosatodososPAP3:CaminhoseElaboraçãodeprojetos–queauxiliavaosCLsaescreveremseusprojetosdeaçãosocioeducativa.

Foram oferecidos 23 ICs: Oficina de bonecos, Caminhos, Saberes necessários à educação dofuturo, Com-Vidas, Mudanças Ambientais, Análise energética, Legislação ambiental, Elaboração deprojetos,HistóriadaEducaçãoAmbiental,Mapeandoeidentificandoárvores,Consumoeconsumismo,Reflorestar Campinas, Conhecendo o estresse, Planos diretores, Permacultura, Acidentes químicos,Rural de Campinas, Economia solidária, Área de Preservação Permanente (APP), Conhecendo umacooperativa,Áreasverdes,EducomunicaçãoeÁreadeProteçãoAmbiental(APA).

NaFase3,foramoferecidositensdecardápioespecíficos,comaintençãodedarsuporteàaçãodosCLs. Estes ICs foramdemandados e/ou oferecidos pelos educandos (PAP3). Nesta fase, dois ICsforamobrigatórios: Caminhos e Acompanhamento de projetos – que dava suporte à implementaçãodasaçõesdosCLs.

Foramoferecidos19 ICs:Caminhos,Acompanhamentodeprojetos,Planosdiretores,Noçõesdeinformática,Consumoeconsumismo,Políticaspúblicas, Legislação I, Percepçãoespaço-tempo,Ruralde Campinas, Teatro do Oprimido, A vontade coletiva, Indicadores de Educação Ambiental,Educomunicação,Saberesnecessáriosàeducaçãodofuturo,Movimentossociais,Introduçãoapolítica,LegislaçãoII,Permacultura,Energiasrenováveis.

ÉimportanteressaltarqueoprocessodeconstruçãodoCardápiodeAprendizagemdoCOEDUCAfoitranspassadoporquatroatençõesconstantes:

-Conterumadiversidadedeitens,trazendodiferentesposturasfrenteàformaçãodeeducadoresambientaisemCampinas;

-Cada ICdeveriaabrigarumadiversidadedeolhares,portanto,seroferecidopormaisdeumainstituição/pessoa,demodoqueoconhecimentoassimconstruídofossemaiscomplexo,portanto,maispróximodarealidadevivida;

- Cada IC não deveria se apresentar como uma “única verdade” (e nem, tampouco, supor aexistênciade“uma”verdade),fatoqueimpossibilitariaodiálogocomoutrospontosdevistatrazidospelosPAPs3;

-CadaICdeveriaserdesenvolvidocomousodediferentestécnicasdidático-pedagógicas,com

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especial atenção àquelas provenientes de metodologias participativas e àquelas preocupadas emestimular o conhecimento sensível (subjetividades/sentimentos e emoções), buscando propiciar avivência/trazerparaocorpoosconhecimentos/conceitosemquestão,semprequepossível.Espinosa:umainspiraçãopedagógica

Tendo em vista o acima exposto, perguntamos: Como operacionalizar uma prática pedagógicaquenosauxilieadesvelar/compreenderoinfinitoprocessocausaldeproduçãodoUniversoeassimnosconduzirà felicidade?Comoumprocessoeducativopodenosauxiliaraaumentarnossapotênciadeagirdeformaanosconduziremdireçãoaoconhecimentointuitivo?

Noescóliodaproposição20,daparteV,daÉtica,oautorfazumacompilaçãodos“remédiosparaosafetos,ouseja,(…)opoderdamentesobreosafetosconsiste”em:1.Conhecerosprópriosafetos;2.Promoveraseparaçãodosafetosprovocadosemnósdasimagensqueformamosdascoisasquenosafetam, pois assim podemos refreá-los; 3. Perceber que os sentimentos/emoções que provêm doconhecimentodesuascausas,ouseja,darazão,perdurammaisnotempodoqueaquelesqueprovêmde nossa imaginação/de nossas projeções; 4. Perceber que quanto maior o número de causasconhecidas verdadeiramente (não imaginativas/projetivas, mas sim reflexivas) um afeto tem, maisforte ele é; 5. Ter a capacidade de organizar e compreender a causa primeira de nossosafetos/sentimento/emoções.

Pode-se, a partir deste ponto, pensar que, se a educação implica numa adesão voluntária, ouseja,seo indivíduosó incorporaaquiloemqueacreditaequecorrespondeànecessidadesentida,opapeldoseducadores/professoresdeveserodecriarcondiçõesparaqueoseducandossemotivemese tornemabertos àsmudanças, facilitando, assim, o processo de aprendizagemnos seus aspectoscognitivos (informações, encadeamento lógico de ideias) e afetivos (equilíbrio emocional,conhecimentodesi).

E como fazê-lo, uma vez que professores não são, em sua grande maioria, psicólogos oupsicanalistas?

O processo educativo desenvolvido pelo COEDUCA operacionalizou alguns dos preceitosapresentadosporEspinosa,comoos“remédiosparaosafetos”,namedidaemqueteve,eaindatem,ao longo dos seus sete anos de funcionamento42 a declarada intenção de estimular os aspectoscognitivoseafetivosnoprocessodeconhecimento.

Apartirda ideiadeCardápiodeAprendizagem,asdiferentesatividades formativasprocuraramsempreterosconhecimentosexploradoscomotemasgeradoresdereflexãosobreomundoesobresimesmo.Istofoioperacionalizadopormeiodavivênciadosmesmos,ouseja,atravésdaexperienciaçãosensorial/corpórea/emocional de situações/atividades criadas com o objetivo de provocar umdesacomodar das ideias preconcebidas trazidas pelos participantes. Trata-se de um estímulointencionalàreflexãoacercadasinformações/conteúdosexploradosapartirdasituaçãoexperienciada,que sentimentos/emoções/pensamentos foramdespertados, o seu por que (causa) e a relação distocomasintervençõeseducacionaissocioambientaisemcursoecomoobjetivodasmesmas.

Istopodeserilustrado,porexemplo,comoconceitodeparticipação.Sóseaprendeaparticiparparticipando.Émuitoimportantelersobreparticipaçãoparaconhecerteoricamenteelementosdasuaprática e refletir a respeito, mas se não for executado/experienciado, não passa de teoria, não sematerializanomundo.TodooprocessodeformaçãodosPAPsfoiparticipativo–tomadasdedecisões,elaboração e desenvolvimento dos ICs e outras atividades, por parte dos PAP2, e a elaboração eexecução das ações socioeducativas dos coletivos locais PAP3. O tema participação foi/éconstantemente invocado nas reuniões, para uma reflexão coletiva, sempre que algum participantesentiu-se/sente-seincomodadocomoprocesso,colocandoempráticaumdosobjetivosdaformação,queéjustamenteaoperacionalizaçãodeconceitos,ouseja,abuscapelacoerênciaentreateoria(oquesesente/pensa)eaprática(oqueecomosefaz).

As entrevistas feitas com participantes bem como as observações realizadas durante osdiferentes tipos de encontros formativos do COEDUCA, ao longo dos três anos emeio de formaçãoinicial dos PAPs, apontam para um incremento de potência tanto dos indivíduos como do próprioColetivo, pois além deste continuar ativo, obteve-se uma mudança significativa do seu modo defuncionamentointernonadireçãodeumaumentoqualitativo,tantonaparticipaçãodosindivíduosnasações desenvolvidas como no tipo de intervenção educativa socioambiental delineada e noprazer/motivação advindo destamudança. Sendo este último fomentado pelo tipo de sinergia/trocacriadaentreosparticipantes.

Destemodo,expressou-seumamudançadevisãodemundodos indivíduos,oqueéomesmoque dizer que houve uma alteração da forma destes compreenderem a relação entre as coisasexistentes,oqueincluiarelaçãodosindivíduosentresi,dosindivíduoscomcoisas/situaçõesedecadapessoaconsigomesma,obtendo-semaisprazerdofazercoletivo,assinalando,assim,ocaminharnadireçãodopercurso imaginação-razão-fecidade/intuição,quesósedesenrolaporviadeumaumentodepotência,oqueécatalisadopelasalegrias.

Esteéumdosfrutos43colhidosapartirdeumprocessoqueteve,eaindatemcomoobjetivoaeducação integral, isto é, uma educação que pense o ser humano por inteiro, nas suas dimensõescognitivas, afetivas e espirituais, visando a sua felicidade. Contudo, é importante frisar que as

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mudançasocorridas–oincrementodepotênciadecadaindivíduo–édiferente,poiscadaumpartiudeumponto/patamardistintoemfunçãodatrajetóriaparticulardesuavida/existência.

OqueestáemsintoniacomasafirmaçõesdeEspinosaacercadaconstituiçãopráticadarazão,enquantojunçãodosaspectosafetivosecognitivosdoconhecimento,queseconstituicomoocaminhoparaalcançaroconhecimentointuitivo/felicidade,quenadamaisédoqueaalegria44provenientedacapacidadedecada indivíduopensareagirpor sipróprio. Istoéoqueseconstitui como liberdade,comoexpressão/afirmaçãodapotênciadeagirouforçadeexistir,comorealizaçãodosernomundo,comocapacidadedeempreenderaçõesconscientesparaatransformaçãodarealidaderumoaoquesedeseja. O que se dá por via da construção e desenvolvimento de projetos de vida (profissionais,afetivos,sociais,políticosetc.)quecaminhemaoencontrodobem-estarcoletivo(vidanaconcórdia).

Emsíntese,emEspinosa,osábio,ouaquelequealcançouoconhecimentointuitivo/felicidade,éaqueleque,mesmoestandosujeitoapaixões,temapercepçãoimediatadomododefuncionamentodascoisas/pessoas/situaçõescomasquaisse relaciona,poisconheceas leiseternase imutáveisdaNatureza, sendo assim capaz de reconhecer o eterno no finito. É aquele que tem uma quantidademaiordeideiasverdadeiras/reflexivasdoquedeideiasconfusas/inadequadase,por isso,criamenosexpectativas/projeções acerca das coisas/pessoas/situações, estando assim menos sujeito àsfrustrações.Istolheconferemaisautoconfiançaeserenidade/tranquilidadeparalidarcomeintervirnoqueestáaoseuredor,possuindo,então,umamaiorcapacidadedefazerescolhasquepropiciamumresultadopositivo/esperado relativamenteàsaçõesempreendidas,emsuma,alcançandoa condiçãoqueéaexpressãomáximadapotênciadeagirouforçadeexistirhumana.Ou,poroutraspalavras,éaqueleque ‘estádebemcomavida’, pois sabequais são suas capacidadese suas limitações,nãoteme os próprios afetos e necessidades, mas os encara e os trabalha na busca por ampliar suashabilidades/competências de modo a permitir-lhe aumentar a sua capacidade deexpressão/intervençãonomundo.

Espinosaadmitequeaspessoas têmapossibilidadedepensaradequadamenteapartirdeumesforço reflexivo sobre os seus afetos e a guiarem-se pela razão, podendo assim alcançar afelicidade/conhecimento intuitivo. O percorrer deste caminho se faz buscando os bons encontros,aquelesquesãoalegres,estruturadores,estimulantes,potencializadoresdonossolivrefazerepensar.Oquerelaciona-secomanossacapacidadedepercebereevitarosmausencontros,aquelesquesãotristes, desestruturadores, desestimulantes, que inviabilizam/diminuem a nossa capacidade dereflexão/discernimento para fazer escolhas e de ter atitudes éticas – aquelas voltadas ao bem-estarcomum,oqueincluianósmesmos.

Tendoistoposto,ficaaquioconvite/provocaçãoparaqueoseducadores/professoresdetodasasáreas do conhecimento, incluindo asmulti e interdisciplinares, coloquem em prática, namedida desuaspossibilidades,ainspiraçãopedagógicatrazidapeloautordaÉtica,naintençãodepossibilitaraescolha de bons encontros e, assim, a formação de um número maior de ‘sábios’ em nossassociedades,paraqueestaspossamser,umdia,sustentáveis;ouseja,tercondiçõespolíticas,sociais,econômicas, institucionais, culturais e ambientais/ecológicas, que tenham na felicidade individual ecoletivaseusfundamentosesuasperspectivas.REFERÊNCIASBRASIL. Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Volume 2.Brasília:MinistériodoMeioAmbiente,2007._______. Relatório descritivo e analítico contendo o estado atual das Salas Verdes e Coletivos Educadores.Acordo de Cooperação Técnica entre o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura e oMinistériodoMeioAmbiente,2010.DAMÁSIO, A. Ao encontro de Espinosa: as emoções sociais e a neurologia do sentir. Lisboa: PublicaçõesEuropa-AméricaLda,2003.FERREIRA,M.L.R.AdinâmicadarazãonafilosofiadeEspinosa.Lisboa:FundaçãoCalousteGulbekianeJuntaNacionaldeInvestigaçãoCientífica,1997.SPINOZA,B.de.Ética.TraduçãoenotasdeThomazTadeu.BeloHorizonte:AutênticaEditora,2007.

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ESPINOSA,UMAFILOSOFIADAVIDA,UMAFILOSOFIADEVIDA

MariaLuísaRibeiroFerreiraAvida,umtermopoucousadonaobradeEspinosa

Propus-me escrever um texto onde ficasse patente a centralidade do conceito de vida nopensamento do autor da Ética. É verdade que, quando falamos de “filosofias da vida”, comumenteevocamos um conjunto de pensadores que sobrevalorizam o instinto, a intuição, o sentimento, aimaginação e a criatividade, secundarizando a razão, a dedução e a lógica em prol de vivênciasimediatas e de impulsos irracionais. Os românticos apropriaram-se do conceito de vida e sãogeralmenteconsideradoscomoosseusgrandesdefensores,opondoavidaàrazão,ànormaeàregra.Contudo, a expressão “filosofias da vida” ultrapassa grandemente o romantismo e aplica-se“oficialmente” a múltiplos pensadores, de Empédocles a Ortega y Gasset, incluindo filósofos tãodísparescomoHerder,Goethe,Schelling,Schopenhauer,Nietzsche,Dilthey,Simmel,Bergson,WilliamJameseoutrosmais.Une-osumaconstantecomum–todosrecusamumaapropriaçãoracionalistadoreal,propondo-sealcançá-lo imediatamenteatravésde trilhosqueampliamealteramoconceitoderazão,chegandomesmoaprescindirdelacomomediadoraparaaverdade.

Entre os “filósofos da vida”, Nietzsche ocupa um lugar cimeiro, pela viragem axiológica queimprimeaoconceito,entendendoavidacomovalorsupremoqueseafirmaparaalémdobemedomal e conferindo-lhe um papel determinante na transmutação dos valores. Hoje são habituais asleituras nietzschianas de Espinosa, mas na realidade há, entre ele e Nietzsche, mais pontos dedivergênciadoqueafinidades.De fato,opensamentodeEspinosaéperpassadoporumabeatitudeserena que não resulta do culto das paixões nem de qualquer furor dionisíaco, antes advindo davivência e gestão passional através da razão, uma conquista progressiva que todo o homem éconvidadoaempreender,emborasóalgunssedecidamafazê-lo.Portanto,estoudeacordoemexcluiroautordaÉticadogrupodosfilósofosvitalistas,oquenãoquerdizerquenãoatribuaaotemadavidaumpapelcentralnoseusistema.

Paranosapercebermosdopesoqueumconceito temnoconjuntodosescritosdeum filósofo,nada mais útil do que um dicionário especializado. Ao consultarmos o Lexicon Spinozanum(GIANCOTTI-BOSCHERINI,1970:106-108),verificamosqueaentrada“vita”nãoocupamaisdoquetrêspáginas,contrastandoestaparcimôniacomodesenvolvimentodadoaoutrosconceitosfundadores.Talfatonãosignificaumamenorimportânciaatribuídapelofilósofoaoconceitodevida,antesassinalaapluralidadesemânticadomesmo,diluídanoutrosvocábulosqueigualmenteoidentificam.Naverdade,estamosperanteumaideiacentraldoseusistema,queporissomesmoassumediferentescambiantesediversasmanifestações.MasquerazãolevouEspinosaanãomanterovocábulovida?Porqueteráusadooutrostermosparaexpressarummesmosentido?

Sabemosqueofilósofoprezavaasideias,masquepoucoseinteressavapelosvocábulosqueasexpressavam. No longo escólio que termina o livro II da Ética (escólio da proposição 49), Espinosaadverte-nosparaoestatutodaspalavrasalertando-nosparaodesajustedasmesmasrelativamenteàsideias,poisnemsempreasconseguemexprimiradequadamente.Asideiassãoconcepçõesdamente,enquanto que as palavras são instrumentos forjados pelos homens. Utilizamo-las para podermoscomunicarunscomosoutros,masentreideiasepalavrasexisteamesmadistânciaqueentreideiaseimagens. Confundir ideias com palavras é dar a estas um poder que realmente não têm. Ideias,palavraseimagenspertencemaregistrosdiferentesqueimportanãomisturar.Asprimeirassituam-senum plano conceitual e concernem à mente; as outras são meras “afecções” corpóreas que nãoimplicampensamentoesereferemàsvicissitudesdocorpo.

O termo vida é usado por Espinosa com alguma contenção. Masmesmo assim é tomado emdiferentesacepções.Selecionamosumaououtrapassagemparaquefiqueclaraasuaplurivocidade.

O sentido mais frequente situa-se no registro biológico. “Esta vida”, “a nossa vida”, sãodesignaçõesfrequentesparaindicarotempoquedecorreentreonascimentoeamorte,significandooconjunto de propriedades responsáveis pela persistência ou duração de um ser. Assim, no final daÉtica, Espinosa refere-se-lhe como umamutação sucessiva de estádios que dão ao corpo cada vezmaispoderes:“Nestavidaesforçamo-nos,sobretudo,paraqueocorpodainfânciamude...”;tambémacartaXXI, aBlyenbergh, explicita omodo tranquilo comoEspinosaprocuraatravessar a vida (Et.V,escólio da proposição 39, G. II, p. 305)45. Esta assume a dimensão de uma conduta, ummodo decomportamentosobreoqualseemitemjuízosdevalor,comoficavisívelnoTratadoTeológicoPolítico(cap.XVII,G.III,p.213)comaexpressão“probataevitae”46.

Masoconceitodevidanãoseesgotanocampobiológiconemnodaatuaçãoquotidiana.Háumadimensãoéticadamesmaquelevaofilósofoausaraexpressão“condutaretadavida”(“rectavivendiratione”). O já mencionado escólio final do livro II, da Ética, fala da “sábia ordenação da vida”, ocapítuloIV,do livro IV,daÉtica, faladogozodavidadaquelesquemelhoradesfrutam,eassimpordiante,eminúmeraspassagens,sefaladanecessidadedefruiravidaatravésdocultivodarazãoedaprocuradaverdade,coincidentescomautilidadeprópriae,consequentementecomocrescimentodo

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serdecadaum47.Viveréagir,éconservareaumentaroserpróprio,éalgodepositivoedeafirmativoquejustificaumameditação,consoantenoséditonaprop.LXVII,dolivroIV,daÉtica,livroessequeinsistenasvantagensdafruiçãodeumavidaracional.Essaéaverdadeiravida(“veravita”)daqueleque possui uma mente forte (“Fortitudo”), e que é dotado de força anímica (“Animositas”) e degenerosidade(“Generositas”).Neleoamorvenceoódio(Et.IV,escóliodaproposição73,G.II,p.265).

A vida humana tem uma dimensão diferente das outras vidas, pois “não se define só pelacirculação do sangue e outras coisas que são comuns a todos os animais,mas acima de tudo pelarazão, verdadeira virtude e vida damente” (T.P., capítuloV, parágrafo 5, G. III, p. 296)48. De ondetambémasconotaçõespolíticasdotermovidaquandoaplicadoaoshomens.Estesprocurammelhoraras suas condiçõesde vidaunindo forças e construindo sociedades civis. Essadimensão comunitáriaaparece logo nas primeiras obras. Assim afirma-se explicitamente noTratado Breve: “Omeu únicoobjectivoégozardaunião comDeuseproduzir emmim idéias verdadeirasepartilhar estas coisascom os outros” (K.V. II, capítulo 26, G. I, p. 111-112)49. É uma tese que reaparece no Tratado daReformadoEntendimento, quando nos fala do bem supremoque é fruir da união comaNatureza,sendodesejávelqueofilósofopartilhetalfruiçãocomosoutrosindivíduos(T.I.E.,parágrafo13)50.

OlivroIV,daÉtica,apresentaosbenefíciosdavidacomunitária,considerando-aessencialparaarealizaçãodecadaum.Eo filósofodedicaoTratadoPolíticoàvidaemcomunidadeeàs formasdegoverno, analisando os diferentes Estados, tentando encontrar aquele que é mais propício àsexigênciasdoshomens,naconvicçãodeque“omelhorEstadoéaqueleemqueoshomenspassamavidaemconcórdia”51(T.P.,capítuloV,parágrafoV,G. III,p.290).Apaze tranquilidadeaquetodosaspiramnãoseobtêmporumaimposição,massimpordeixarfluirnaturalmenteaforçaqueemtodoshabita e que todos devem cultivar. O Estado que melhor permite a realização humana deverá serinstituídoporumamultidãolivreenãoimpostopelaforça.

Ora,noentenderdeEspinosa,oquedistingueumamultidãosubjugadadeumamultidãolivreéqueaprimeirasedeixaguiarpelomedoeoseuobjetivoéescaparàmorte,enquantoqueasegundase conduz pela esperança e procura cultivar a vida. No primeiro caso, os homens são servos, nosegundo,sãosúditos.Entreumaeoutrasituação,adiferençaéabissal,mesmoquenapráticaasleispossamserasmesmas(T.P.,capítuloV,parágrafoVI,G.III,p.290).

A vida é espontaneidade orientada que se manifesta de diferentes maneiras nos diferentesmodos.Emboraofilósofonemsempreuseotermovida,elaestápresentenoseuconceitodeNaturezabemcomoemtodasassuasmanifestações.SylvainZac(1963e1979:10-32)nãohesitaemidentificá-lacomapotênciadeDeus,considerando-aparteconstitutivadasuaessência.Pierre-FrançoisMoreau(1975:89)chamaaEspinosa‘ofilósofodapotência’.Porigualrazão,lhepoderíamoschamar‘ofilósofodavida’,essaprodutividadequesedesenrolasegundoleis.Edadoqueofilósofousafrequentementeaequivalência“seu”ou“sive”paraidentificartermospermutáveis,nãohesitaríamosemconsideraraequivalência“vitaseupotentiaseuconatus”comoumtemadeterminantenopensamentoespinosano.AvidaemDeus,avidadeDeus

Aexemplificar asequivalênciasacimaexpressas, temosum texto chavedeumadasprimeirasobrasdofilósofo,ocapítuloVIdosPensamentosMetafísicos,dedicadoàvidadeDeus52.Demarcando-sedoconceitoaristotélicodevidacomassuastrêsalmas,cadaumadelasresponsávelpordiferentesfaculdades,ofilósofoapresentaumaposiçãodiferentequantoaestetema.Paraele,oconceitodevidaélato,poisincluisereshabitualmentedesignadoscomoinanimadosbemcomoespíritosseparadosdecorpos.Nesteexcerto,faladavidadeDeus,considerando-acomoafonteondetudovaibuscarasuaorigem:“Entendemos,portanto,porvidaa forçapelaqualascoisasperseveramnoseuser;ecomoessa forçaédistintadaspróprias coisasdizemosapropriadamentequeaspróprias coisas têmvida”(C.M.II,capítuloVI,G.I,p.260)53.Ficamos,portanto,autorizadosapermutar“vida”e“conatus”,pois,comodesenvolveránaÉtica, este nadamais é do que o esforço pelo qual as coisas semantêmnaexistênciaoutorgando-lhespossibilidadedecresceredeseaperfeiçoar.

Tambémpercebemosqueessavida (ouesforço)nãoéautônoma,poisas coisasnão sãovida;antesarecebemdealgoquedelassedistingue.Háumadiferençaqualitativaentreaquiloquetemavidaemsimesmo,doqualdizemosqueéavida,eoque,nãosendovida,arecebedeoutrem.Porissoo filósofo prossegue: “Mas a força pela qual Deus persevera no seu ser nadamais é do que a suaessência;portanto falambemosquedizemqueDeuséavida”54.É-nos lícitodizerqueavidaéaessênciadeDeuseassimpodeserpermutávelcomaquiloquenaÉticaserádesignadocomopotência(potentia).Note-seque, nosCogitata, há já um cuidado de distinguir potência e poder, negando-sequalqueraproximaçãoentreadivindadeeummonarca(C.M.II,cap.VI,G.I,p.260)55.

Épossívelqueaamplitudedotermovidaeoseucaráterpolissêmicotenhamlevadoofilósofoapreferir outros vocábulos para designá-la, comopotentia (aplicado à Substância) e conatus (no queconcerneaosmodos).PorelespercebemosquesóDeusévida,emboraascoisastambémapossuam.Tervidaimplicaqueestasepodeperdere,quandotalocorre,osmodosfinitosmorrem,poissealteraasua figurabemcomoas relaçõesparticularesentreosseusdiferenteselementos.Sóqueessa forçanãoseperde,poisétransferidaparaoutrosmodos,nosquaisodinamismodaSubstânciaseexpande

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eexpressa.Destemodo,seéverdadequeotermo“vidadeDeus”nãoaparecenaÉtica,talausêncianãosignificaqueoconceitotenhadeixadodeserusado,massimqueaexpressãofoisubstituídaporoutras,maisafastadasdomundoculturalhebraicoondeeracomumjurar“peloDeusvivoenãopelavidadeDeus”56.

Deuséavidae tudoquantoexisteésuamanifestação.NaproposiçãoXVI,do livro I,daÉtica,Espinosa fala da natureza dinâmica de um Deus/Substância que necessariamente se manifestaproduzindoinfinitosseresoumodos:“DanecessidadedaNaturezadivinadevemresultarinfinitamentemodos infinitos (...)”. E na proposição XXXIV, domesmo livro, afirma: “A potência de Deus é a suaprópriaessência”57.NolivroII,chamaaDeusuma“essênciaactiva”58(Et.II,escóliodaproposição3,G.II,p.87.),considerandoquesereagir lhesãonecessariamenteinerentes,equenegar-lheaaçãoseriaomesmoquenegar-lheaexistência.

Sendo tão importante o conceito de vida, interrogamo-nos por que razão o filósofo não aconsidera um atributo. Percebemos que a vida não é uma propriedade (proprium), pois isso seriarelegá-la a um predicado (entre outros) deDeus. Osproprianada nos revelam de substantivo, sãomeras qualidades não essenciais à existência do Deus/Substância. A vida é diferente, pois casofaltasse, Deus não existiria. Mas por que não confere Espinosa à vida o estatuto de atributo daSubstância,talcomofezcomaextensãoeopensamento?ArazãoestáprecisamentenofatodeDeusnãoseconfundircomnenhumdosseusatributos,queodizemdeumadeterminadamaneira,quesãoinfinitos insuogenere enãodeummodoabsoluto.ÉverdadequesãoconstitutivosdaSubstância,mas,noentanto,cadaumdelesapenasrepresentaumadasmúltiplasentradaspossíveisnarealidadedivina,nãoaesgotandonemadizendoabsolutamente,porquenãoa identificanatotalidade.Ora,avidaéDeus,confunde-secomoseuTodo,nãoéumamaneiraderevelaraSubstância,poiscoincidecomela.

A Substância não é um suporte ou sujeito de inerência, subjacente a toda amudança. É purodinamismo,forçaatuantequesemanifesta,expansãoincontrolávelquenecessariamenteseconcretizanosmodos, pois Deus não pode deixar de se revelar,modificando-se e exprimindo-se, atuando pordentrodascoisascomosuacausaimanente59(Et.I,proposição18,G.II,p.63.).Sercausaimanenteenãotransitivadascoisassignificaquelhesdávidaapartirdesimesmo.TudopartilhadavidadeDeus,poiseleproduz,organizaeanimatodososmodos.

O tema da vida aparece logo nas primeiras obras, como oTratadoBreve ou osCogitata, e érecorrente em obras posteriores. O livro I, da Ética, dá-lhe um lugar central. O Tratado TeológicoPolítico defende que “As leis universais da natureza segundo as quais tudo se produz e tudo édeterminadonadamaissãodoqueosdecretoseternosdeDeusqueenvolvemsempreumaverdadeenecessidadeeternas”(T.T.P.,capítulo3).AcartaLXXIII,aOldenburg,recorreaS.PauloparareforçaratesedequetodasascoisassãoemDeusesemovememDeus.PorissoEspinosavalorizaosfilósofosantigos e os hebreus que, de certa maneira, tinham intuído aquilo que ele considera um eixofundamentaldasuametafísica(Ep.LXXIII,aOldenburg).

TudoviveemDeus,nadaéisoladoouinerte.Amanifestaçãodavidadivinatorna-se-nospatenteatravés dosmodos finitos. Estes são expressão de um Ser que se revela aos homens sob as duasformasqueestestêmcapacidadedeperceber–opensamentoeaextensão.AdefiniçãoII,deÉticaInos fala dos corpos e dos pensamentos como realidades diferentes que pertencem a duas ordensdistintas do real. O filósofo afirma que “um corpo não é limitado por um pensamento nem umpensamentoporumcorpo”60(Et.I,definição2,G.II,p.62).AdefiniçãoIV,domesmolivro,fala-nosgenericamente dos atributos considerando-os constitutivos da Substância, mas só nas proposiçõesiniciais do livro II são explicitamente apresentados os dois atributos que nos é dado conhecer: opensamentoeaextensão.

A vida está presente no atributo pensamento. Deus pensa-se, e ao pensar-se, age produzindotudoaquiloquepodecaberousercontidonoseu intelecto infinito (“quaesub intellectum infinitumcaderepossunt”),comonoséditonaproposiçãoXVI,deÉticaI,umadasmaissignificativasdestelivropornosconfrontar comapujançadavidadivina.DaíDeusser tambémcausaeficientede todasascoisasqueoseuintelectoinfinitopodepensar(Ibidem,corl.I).Háneleumaatualizaçãopermanenteeirreversível, consequência da sua onipotência e manifestação do seu dinamismo. Numa carta aOldenburg,Espinosaexplicitaessapotênciainfinitadepensar,considerandoquedeladependequeraprodução dos diferentes pensamentos quer a maneira como eles mutuamente se encadeiam eorganizam:

Efectivamentecreioquehánanaturezaumapotênciainfinitadepensarequeessapotênciacontém,objectivamente,nasuainfinitude,todaaNatureza,ospensamentosparticularesqueela formaencadeando-sedamesmamaneiraqueaspartesdaNaturezaqueéoobjectodaqualelaéideia(Ep.XXXII,aOldenburg).

O filósofo recusaa ideiadeumDeusqueprimeiropensaedepoisproduz.Combatea ideiadeumacriaçãoexnihilo.Estaéacarinhadapelos teólogos,queaapresentamcomoexemplificativadeumDeuslivre,dealguémquecriaomundoporumatogratuitodeamor,quesecolocaparaalémdassuas próprias leis e que poderia alterar estas a seu bel-prazer devido ao poder de uma vontadeabsoluta.ParaEspinosa,“aomnipotênciadeDeusestáemactodesdetodaaeternidadeemantém-se

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eternamentenamesmaactualidade”61(Et. I,escóliodaproposição17,G. II,p.62).AaçãodeDeustemamesmaamplitudequeasuapotência,eéabsurdodizerqueDeusnãoesgotaasuacapacidadedeproduzir,reservando-aemfunçãodesteoudaqueleobjetivo.Emboraofilósofonãocontinueausarotermo“vidadeDeus”,substituindo-oporvocábuloscomoatividadeeprodutividade,eleapresenta-nosumDeusvivoedinâmicoque,aopensar-seconstantemente,serenovaemodifica.

Encontramosomesmodinamismovivonoatributoextensão,oprincípiodeexpansãodascoisasmateriais,amatrizcomumondetodasvãobuscarosereainteligibilidade.Talcomoopensamento,aextensãoéinfinitanoseugênero,poissóDeus/Substânciaesgotaaperfeição.Espinosadizqueelaéeterna,simpleseindivisível.Enquantoatributo,aextensãonãoseconfundecomosmodosextensos.Ela não é só aquilo de que são feitas as coisas,mas sim o princípio expansivo que as produz e asconserva no ser. Enquanto princípio dinâmico, é indivisível, contrastando com os corpos extensos,suscetíveisdedivisão.Amatériasósealcançapeloentendimento,enquantoosmodoscorpóreossãopercebidospelasensibilidadeepela imaginação62.Estruturam-naomovimentoeorepouso,acujasleisoscorposobedecem.

DiferentementedeDescartes,queconsideraamatériacomomassainerteanimadaporumDeusque lheé extrínseco, Espinosadefendeumaextensãoviva, diluindoa fronteira entre aBiologia e aFísica. A vida da extensão revela-se nos modos. Primeiro, no modo infinito imediato, que é omovimentoeorepouso–Deusenquantoextensãoproduzumaquantidadeinfinitademovimentoederepouso;depois,nomodoinfinitomediato,queéa“faciestotiusuniversi”,ouseja,oconjuntodetodosos corpos físicos que interatuam, originando constantemente novas combinações e sendo a causaeficiente de novos corpos. Finalmente nos corpos. Estes não sãomerasmáquinas ou agregados depeças. Há neles uma “ratio” ou proporção, uma estrutura organizada que lhes dá individualidade,poderdeadaptaçãoecapacidaderelacional.Avidanosmodos,avidadosmodos

Asdiferentesacepçõesdo termovidaaparecem logonosprimeirosescritos,ondesecomeçaaconstruirumléxico.AssimacontecenoTratadoBreve,nocapítulointitulado“DaProvidênciadeDeus”(VanGodsVoorzienigheid, I, V).Nele, o filósofo usa o termoprovidência, ainda eivadode um certoantropomorfismoeprofundamenteenraizadonatradiçãohebraica.Comele,designaessa“tendênciaqueencontramosemtodaanaturezaenascoisasparticulares,quetemporobjetoamanutençãoeaconservaçãodoseuserpróprio”63(K.V.I.,capítuloV,G.I,p.40).

Eparaquenãoseconfundamasdiferentesmaneirascomoessatendênciasemanifesta,chama“providênciauniversal”arelaçãoqueDeusestabelececomtodasascoisasqueproduziu,acentuandoadependênciadasmesmasrelativamenteàNatureza,querporquedelasãopartesquerporquedelacarecemparasemanteremnoser.Noentanto,cadaumadessaspartesconstituiumtodocomalgumaautonomia, cadaumapode ser consideradaemsimesmae, neste caso, interessa verificar oqueaconservanoser.Nãopodemosfalardaautossuficiênciadosmodos,porqueelessópermanecemnoserpela participação que têm na Substância. Espinosa encontra neles umamesma força ou tendência(diríamosumavida)queos levaaconservaroserpróprioeaafastaroqueconstituiameaçaàsuaintegridade.Porissoescreve:

éevidentequenenhumacoisapode,pelasuapróprianatureza,tenderparaoaniquilamentodesimesma,masque,pelocontrário,cadacoisa tememsimesmaumatendênciaparasemanternomesmoestadoeparaseelevaraumestadomelhor64(K.V.I.,capítulo.V,G. I,p.40).

OtemadarelaçãoentreoTodoeaspartes,recorrentenaobradofilósofo,temnoTratadoBreveumprimeiroesboço.OcapítuloVdestaobraapresenta-nosaimagemdeumcorpohumanoformadopor uma série de partes que entre si estão ligadas, mas que não deixam de constituir-se comoindivíduos (Ibidem). Mais tarde a Ética demonstrará exaustivamente que só a Substância éautossuficiente,sóelatempotênciaouvidaemsimesmaeporsimesma.Oserdosrestantesmodos,sejamelesinfinitosoufinitos,dependedeumduplorelacionamento:comaSubstância,semaqualnãoexistiriam;comosoutrosmodos,comosquaisformamsériesinfinitasdasquaissãoelos.

Assim,paraalémdedependerdeDeus,adeterminaçãodeummododependetambémdomodoqueoantecedee,porsuavez,temconsequênciasnaquelequelhesucede.Háumasequencialidadenascoisasmateriaisqueestabelecementresirelaçõesnecessáriasdeantecedenteaconsequente.E,paralelamenteaessaorganização, redobrando-a,encontramosamesmasequencialidadenas ideias,pois “a ordem e a conexão das idéias é a mesma que a ordem e conexão das coisas”65 (Et. II,proposição7,G.II,p.89).

O funcionamento de cada ser é explicado pela cadeia de causas particulares na qual estáinserido.Masparaalémdessainserção,háumaoutracausaqueofazatuar–odinamismoquenelehabitaequeconstituiasuaessência.Nafasedemaiormaturidade,queéaÉtica,Espinosaencontraovocábuloadequadoparadesignaressaessência–oconatus,umesforçoqueexprimeavidadeDeusemcadaserparticular.Eofilósofoidentificaesseesforçocomaessênciaatualdascoisasindividuais66(Et.III,prop.VII,G.II,p.146).

Cadamodo é umDeus determinado, umDeus “enquanto que” (quatenus). Comodos infinitos

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atributosqueconstituemDeusapenasconhecemosdois,acedemosàessênciadecadaserparticularporumaduplaentrada–aextensãoeopensamento.Matériaeespíritonão interatuam,poisambosdependemdoTododoqualsãoexpressão.Assim,oconatus(ouvida)decadamodopodeserlidonoâmbitodacorporeidadeetraduzir-senumesforçoparaviver,ounodaespiritualidadeemanifestar-senum desejo de conhecer. No primeiro caso, o conatus surge como uma determinada proporção demovimentoederepouso,propíciaàmanutençãonaexistência,sempreameaçadapelosmodoscomquesecruza.Noregistrodopensamento,oconatusmanifesta-senaideiaqueacompanhaaproporçãodemovimentoede repouso.Avida individualdependedesseequilíbrio.Nocasodoshomens,podetornar-seconsciente,constituindoamentedecadaum67.

O que define um modo finito e nos permite classificá-lo como mais ou menos perfeito é acapacidade que ele tem para afirmar o seu ser, escolhendo osmodos quemelhor permitam o seucrescimentoeperfeição.Note-sequeoaumentodesertantodizrespeitoaocorpomaterialcomoàsideias. Estas não são pinturas mudas, pois não têm um caráter meramente representativo. Sãoexpressivas e como tal, dinâmicas –mesmo as ideias inadequadas são importantes, patenteando odinamismodamentequeasprovoca(Et.II,escóliodaproposição43).LogonoTratadodaReformadoEntendimento (parágrafos 30 e 31), percebemos que cada homem tem uma potência inata paraproduzir instrumentos intelectuaissuscetíveisdeaumentarassuasforças.Os livros IIIe IV,daÉtica,analisamaspaixões,identificandoasquesãosuscetíveisdeproduzirumincrementodonossosereasqueoenfraquecem.Aprimeirapartedo livroVdesenvolveuma terapiapassionalquenosensinaomelhor caminho para gerir as paixões e delas tirar partido. O objetivo é transformar tanto quantopossívelaspaixõesemações,oqueéconseguidoatravésdoconhecimentoadequadodasprimeiras.Conhecimentoeafetividadedesempenhamumpapeldeterminantenavidadoshomens.

Na demonstração da prop. VII, do livro III, da Ética, Espinosa permuta termos como potência(potentia),esforço(conatus)eessênciaatual(essentiaactualis).Apresentaroconatuscomopotênciaémostrarqueeleépartedodinamismodivino,cujaatualizaçãosefaznasessênciasematoquesãoosdiferentesmodos.EnquantomanifestaçãodavidadeDeus,cadamodoparticipadaeternidadee,comotal,nadahánoseu interiorqueprovoqueamorte.Daío filósofofalardeumtempoindefinido(tempusindefinitus).Qualquerlimitaçãoàduraçãodeummodovem-lhedoexterior,ouseja,deoutrosmodos que pela sua força o aniquilam. A morte depende sempre do conatus dos outros e não doesforço próprio. A essência de Deus é a sua existência, a sua vida. A essência das coisas estádependentedainserçãodasmesmasnacadeiamodalaquepertencem.

Nessaperspectiva,morremedeixamdeexistiroudeviver.AtéporquenaNaturezaaexistênciadeumacoisa implicasempreaexistênciadeoutramais fortequeadestrua.Ateseespinosanaqueidentifica direito e poder (T.T.P., capítuloXVI) atesta que cada ser temo direito de se defender dosoutrosedeusá-losparaosseusfinspróprios,namedidadapotênciadequedispõe.Avidaéumalutaemqueosmodosseafirmamconsoanteopoderquepossuem.Amortedeumindivíduonãodependedele,mas das leis da Natureza que regulam os diferentes encontros. Contudo, todas as coisas sãomanifestaçãodapotênciaouvidadeDeuse,narelaçãoquesustentamcomEle,sãoeternas.

O conatus, essa outramaneira de identificar a vida das coisas, implica uma interatuação dosindivíduos,poisoaumentode serdecadaumdependedo tipodecontatosqueestabelececomosoutros.DaíDeleuzerelevara importânciadosbonsedosmausencontrosparaamanutençãodoserpróprio. A vida ou conatus é o esforço permanente para manter a coesão e perseveração daidentidade,alimentadopeloscontatosquevaiestabelecendo.

TudosecompõeedecompõesemquesepercaoequilíbrioorgânicodoTodo.Avidanãotemumsentido estritamente biológico, identifica-se com força, produtividade, ação, dinamismo,transformação,animaçãodetodasascoisas.Osseressemodificamdevidoaoesforçoqueoshabita.Daí o filósofo afirmar que “todas as coisas são animadas”68 (Et. II, prop. XIII, sch., G. II, p. 96),incluindo,nestaexpressão,osmodoscorpóreos.Nãoquerdizerquetodasascoisastenhamalma,massimquetodassemovememDeus,participandodaunidadedasuapotênciaouvida,queexprimemnodesenrolardosseusconatusindividuais.Avidaéinerenteatudoquantoexiste:Deuseosmodos.Háumgraudecomposiçãofísicaquecorrespondeaograude“animação”.DetudoDeustemumaideia,mesmoquenosmodosmateriaismaissimplesestanãosejaconsciente.Talcomonãomaterializaopensamento, Espinosa também não espiritualiza a matéria. Pensamento e matéria, enquantoconstitutivosdeumaessentiaactuosa,originamcontinuamentenovosmodosquedelesdecorrem.

Note-sequeessavidaouesforçoquepercorretodasascoisasmanifesta-sediferentemente,poisosmodosdistinguem-sepelacomplexidadedasuaorganização.Aumdadograudecomplexificaçãofísica corresponde um tipo de animação. O que distingue um ser vivo de um não vivo é o grau desofisticaçãoedeinclusãodeumtodo,masemprincípiopodemosdizerquetodaaNaturezaéviva,ouquetodaéanimada.Oescóliodaprop.LVII,dolivroIII,daÉticaéparticularmentesignificativo.Nãosóporque há uma identificação dos termos essência, vida e alma dos modos69 (Et. III, escólio daproposição 17, G. II, p. 187), mas porque acentua a diferença de natureza que existe entre osindivíduos. O gozo (gaudium) experimentado por um cavalo distingue-se do gozo fruído por umhomem,masogozodoébriotambémédiferentedogozodofilósofo.

Pelo conceito de conatus, Espinosa estabelece uma continuidade entre as ciências físicas e asciências da vida, antecipando concepções biológicas atuais. Contesta a fronteira entre o físico e o

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mentalquepassamaserduasmaneirasdeclassificarosmodosexistentes,consoanteseatendaaumou outro dos atributos da Substância. Há um corte com o modelo cartesiano de ser vivo, no qualdominamasconcepçõesmecanicistas.EmDescartes,avidaéexplicadaemtermosfísicos,mecânicos.Omecanicismosustentaumarelaçãodeexterioridadeentreosdiferenteselementosconstitutivosdeumtodo,quesãoconcebidoscomopeçasdeumamáquina.Éverdadequeinteragem,masparaalémdeseremelementosdeumamesmaestrutura,poucotêmaverunscomosoutros.

EmEspinosa,oselementosoupartestêmumaessênciacomumdaqualsãoexpressão.Háentreeles uma familiaridade que não existe entre as partes de umamáquina. Omecanicismo cartesianotorna desnecessário o recurso à vida para percebermos a origem e o desenvolvimento dos corpos.Centradonohomem,Descartesdá-lheumestatutoàparteentretodososseres;considera-ooúnicoserdotadodeideiasedesentimentos.Paraele,osfenômenosvitaissãoconsequênciadadisposiçãodos órgãos, sendo estes responsáveis por todos os movimentos que não sejam determinados pelopensamento e pela vontade. De onde apresenta os autômatos como modelo explicativo dos seresvivos.

Espinosa censuraDescartes por não ter atendido à coesão internadaspartes que formamumindivíduofísico.Demarca-sedasexplicaçõescartesianas,queconsideraseremfrutodeumaconcepçãoerradadoatributoextensão:

Daextensão,talcomoaconcebeDescartes,querdizercomoumamassaemrepouso,nãoéapenas difícil, tal como dizeis, mas completamente impossível tirar por demonstração aexistência dos corpos. Com efeito, a matéria em repouso, perseverará no seu repousoenquanto dependa de simesma e não será posta emmovimento a não ser por uma causaexteriormaispoderosa.Poressa razãonão tivemedode terafirmadoanteriormentequeosprincípiosdascoisasdanaturezaadmitidosporDescartes,sãonulos,paranãodizerabsurdos(CartaLXXXI,aTschirnhaus)70.

SegundooautordaÉtica,odinamismodosseresnãodependedequalquer forçaexterior,massim do seu conatus. Este está presente em sistemasmecânicos, mas é mais sofisticado nos seresvivos.Sebatermosnumapedraelaofereceresistência,enissoficapatenteaexistênciadeumesforço.Noentanto,oconatusnãoésomentereativo,étendênciaparacrescer,parasedesenvolvereganharcomplexidade,oqueémuitomaisvisívelnosseresaquecomumentechamamosvivos,sobretudonoshomens. A perfeição de um modo depende da sua organização e estruturação internas. Tambémdependedoseupoderdeinteraçãoedecomunicaçãocomosoutrosmodos,comacapacidadedeserafetadoporeles.Porqueummodoéumaestruturaquesedeterminaduplamenteemfunçãodoseuconatusedasrelaçõesqueestabelececomosseuspares.

Noesforçoquedesenvolveparaseconservar,éconfrontadocomaatuaçãodeoutrosmodosqueneleinterferemequeincrementamoudiminuemoseupoder.Háumaespéciedeconflitoentreoseuesforço de sobrevivência e as causas exteriores que permanentemente o ameaçam. A vida nosindivíduosprocessa-senestadialéticaentreasuaabertura,asuaautonomiaeasuadependênciaouligaçãocomoTodo.

Espinosa nos oferece uma teoria que relaciona o grau de racionalidade com o grau deorganização.Umaorganizaçãomais complexa tornaummodomaisdiferenciadoe leva-oa suportarmelhoras“afecções”.Acomplexidadedosseresestánumarelaçãodiretacomasuaperfectibilidadeeestaseencontrafortementedependentedasuacapacidadederelacionamentocomosoutrosmodos,bemcomodasuaestruturaçãointerna.Oservivodeixadeserentendidocomoumsistemafechadoemcujointerioraspartesinteragem.Eleéumsistemaaberto,variável,cujaspartessemodificamsemqueasuanaturezaseperca.Otodonãoéigualàsomadassuaspartes,vistoqueestaspodemvariarenquantoestenãosealtera.

Ummodosemantémvivonãosópelaconstantetrocaentreoselementosqueoconstituem,mastambémpelasrelaçõesqueestabelececomosoutrosmodos.Asua identidadeepersistêncianoserdepende desta troca. Há nele uma unidade orgânica, uma identidade própria que leva Espinosa adesigná-lo como um “indivíduo”. Este é um agregado de corpos que entre si se distinguem peladiferenteproporçãodemovimentoederepouso.Umcorpodefine-secomoindivíduoquerpelaleiqueexisteentreosmovimentosdas suaspartesquerpelaarticulaçãodos seusmovimentoscomoutrosindivíduos.Estamosperanteumaverdadeirateoriadoorganismo.

Emboraotermoorganismonãosejausado,ossetelemascontidosentreasproposiçõesXIIIeXIV,do livro II, da Ética, representam uma teoria da estrutura que explica as operações de um corpocomplexoapartirdoscorpossimplesqueocompõem.Ocorpoouindivíduoéumconjuntointegradodediferentesindivíduos.Porisso,nodizerdeHansJonas,oslemasemcausamostram-nosque,pelaprimeiraveznopensamentomoderno,umindivíduoorgânicoéencaradocomoumatotalidadeenãocomouma interatuaçãomecânicadepartes.Ograudecomplexidadedosmodosnãosemedepelavariedade de uma atuaçãomecânica,mas pelasmúltiplasmaneiras como comunica com os outrosmodos,ouseja,pelamaneiracomoépartedeumtodo(JONAS,1979:259-278).

Ocorpohumanoéuma realidadenatural, situadanocorpodomundo.Esteéum indivíduoouorganismocujaspartesvariaminfinitamentesemqueatotalidadesealtere:“ANaturezainteiraéumsóindivíduocujaspartes,istoé,todososcorpos,variamdeinfinitasmaneiras,semqualquermudançadoIndivíduonasuatotalidade”71(Et. II,escóliodolemaVII,G. II,p.102).Asuperioridadedosseres

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humanosrelativamenteaosoutrosmodosdeve-seàcomplexidadeesofisticaçãodosseuscorposbemcomoàsideiasigualmentecomplexasqueosrepresentam.Prende-setambémcomasuacapacidadereflexiva,ouseja,comapossibilidadedepossuira“ideiadeumaideia”,oudeumconjuntodeideias.Aissoofilósofochama“mens”econsidera-aexclusivadoshumanos72.Avidanohomem,avidadohomem

Como referimos, a vida humana não é ummero acontecimento natural que se desenrola semumaparticipaçãoativadohomem.Elatemumobjetivo,umametaquearealizaplenamenteeparaaqualtodossãoconvidadosadirigirosseusesforços–aexperiênciacognoscitivaeafetivadeDeusquelevaráàuniãocomaNatureza.Enquantoconatus,ohomempartilhadacondiçãodosoutrosmodos,exprimindoavidadivinadaqualémanifestação.Talcomoosrestantesseres,conservaa identidadedevidoaesseesforçodemanutenção.

Podemos dizer que o conatus é o elo entre os seres e Deus, pois o esforço que os define émanifestaçãodapotênciadivina.Contudo,essaligaçãocomoTodoassumeumapeculiaridadepróprianocasodoshumanosque,aoviveremoseuconatus,procuramincrementá-lo.Odesenrolardestesnãoémecânico,dependedosafetosbemcomodacapacidadedeconhecimento.Deondealinhadivisóriaque distingue os humanos dos restantes modos. Por isso Espinosa define a essência humana pelodesejo,ouseja,peloapetitetornadoconsciente73.Sóoshomenstêmpossibilidadederefletirsobreoesforçoqueosconstitui,oqueimplicaumavivênciaprogressivaquerdasuaracionalidadequerdasuacapacidadeafetiva.Asalvaçãonãoexige renúncianeméumapeloà transcendência.Consistenumdesejovitaldeautoafirmação,elevandooconatuspróprioaoseuexpoentemáximo.

Aidentidadedomodohumanotantodizrespeitoaocorpocomoàmente,poisodesejodeseredeaumentaroserimplicatodoohomem.Espíritoecorpoconstituemummesmoindivíduoqueéuno.Nãohá,emEspinosa,umparalelismopsicofisiológico.Quando,nolivroII,daÉtica,nosfaladauniãodamenteedocorpo,nãoaludeaumaatuação recíproca,poisexplicitamentea recusa.Menteecorponãoconstituemduassériesparalelasquesecorrespondampontoaponto;antessãoduasmaneirasdeexplicar a atuaçãodoconatus humano. As “afecções” do nosso corpo sãomodificações do atributoextensão,constitutivodaSubstância.Asideiasquedelastemosderivamdofatodeamentehumanaserumapartedainteligênciadivina,deserDeusquatenus,umDeusquesemanifestaparticularmentenoserhumano,equenesteapenasrevelaalgunsdosseusaspectos(Et.II,coroláriodaproposição11).

No livro II, da Ética, Espinosa apresenta amente a partir do corpo, como ideia dele que é, eenfatizaqueissolhebasta:“Oobjectodaidéiaqueconstituiamentehumanaéocorpo,ouseja,ummododeterminadodaextensão,existenteemacto,enãooutracoisa”74(Et.II,proposição13,G.II,p.96).Amenteéocorpoenquantorealidadepensadaeocorpoapresenta-se“emacto”,ouseja,vivoedinâmico,domesmomodoqueamente“enquanto”ideiadocorpomanifestaavidadeDeus.

Háumavitalidadeeumdinamismoqueacompanhamodesenrolardoconatus,podendodizer-seque a tarefa primordial da mente humana é manifestar a vitalidade do corpo, afirmando a suaexistência. Daí o filósofo recusar o suicídio como um ato legítimo, antes o considerando como umaaberraçãológicaeontológica.Quandonoscolocamosnoregistrodoconhecimentoracional,umgênerocognitivo superior à sensação e à imaginação, não podemos desejar a morte. A razão não podeordenar uma diminuição de ser, pois ela nunca se coloca contra a natureza, e a natureza humanadefine-sepelasuaperseveraçãonoser:“Nenhumacoisapodeserdestruídaanãoserporumacausaexterior”75(Et.III,proposição4,G.II,p.145).

Nenhumser, emuitomenosohomem, tememsi umprincípio demorte.Odesejonatural deviver está presente em todas as coisas, é inerente à essência das mesmas. A autodestruição éabsolutamenteincompatívelcomoconatus.Trata-sedeumaimpossibilidadenãosódeordemfática,mastambémlógica,poisnãopodemcoexistirnummesmoserdoisprincípiosincompatíveis.Ohomemnãodesejamorrer, porqueé incapazde formar tal ideia, a não ser que seja loucoouentãoque seencontrepontualmente foradesi.Admitiroatosuicidaseria introduzira irracionalidadenosistema,pois é tão absurdo aceitar que alguém pretende morrer como defender que algo pode provir donada76.Osuicídioverifica-sequandoumhomemévencidoporcausasexternasouécoagidoporelas(Et.IV,escóliodaproposição20).

Espinosa falade“causasexternasocultas”77queafetamocorpoeodesregulam, levando-oaescolheraquiloquelheénocivo.AmesmaatitudedecensuraaquemsemataaparecenacartaXXIII,a Blyenbergh. Este levanta-lhe algumas questões, entre as quais, a do suicídio. O filósofo respondepacientemente a essas perguntas, fazendo-nos perceber que o seu correspondente está noutroregistro, pois por elas revela uma incompreensão do seu pensamento. Relativamente ao suicídio,Espinosa insiste na tecla do absurdo – atentar à vida é contraditório com a natureza do homem.Contudo,ironizaadmitindoapossibilidadedepessoasnasquaisexistesemelhantedesejo:“(...)seumhomemvirquepodevivermais comodamente suspensodeuma forca,porque razãonão sehádeenforcar?”78(Ep.XXIII,aBlyenbergh,G.IV,p.152).Nãodeixadenotarqueumaatuaçãodessegêneroésemprefrutode“umanaturezapervertida”,poucorepresentativadohomemcomumqueseafirmapelavontadedeviver.Umafilosofiadevida

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Equedizerdofilósofo?Seráquetambémomoveessedesejodeviveredevivermelhor?Aideiaque temosdosábioédealguémquesecolocanumplano intelectualeque,consequentemente, seretiradomundo secundarizandoos seusprazeres.NadamaisestranhoaEspinosadoqueo filósofoeremita. Para ele, o sábio realiza-se com os outros, de quem precisa, pois eles contribuem para odinamismodoconatuspróprio.Consideraque“(...)ohomemdirigidopelarazãoémaislivrenacidadeonde vive segundo o decreto comum, do que na solidão onde só a si mesmo obedece”79 (Et. IV,proposição73,G.II,p.264).Ofilósofo,enquantohomemqueé,estámelhoremsociedadedoquesó;aconvivênciacomosoutrosolibertadeumconstanterecomeço:

A sociedade é extremamente útil e também absolutamente necessária, não só porque nospermiteviversegurosdos inimigoscomotambémnosfaztirarproveitodemuitascoisas;defacto,seoshomensnãoquisessementreajudar-se,faltar-lhes-iatempoecapacidadepara,namedidadopossível,sesustentaremeconservarem...80(T.T.P.,cap.V,G.III,p.73).

Por isso conclui que “(...) nada émais útil ao homem do que o homem”81 (Et. IV, escólio daproposição18,G.II,p.223).

Vivermelhoréviversegundoasleisdoconatuseestasincluemasociabilidade.Éarelaçãocomosoutrosqueprovocaemnóspaixões,semasquaisanossaessênciasemanteriainalterável,oquecontrariariaodinamismoquenosmantémvivos.Odesenvolvimentoharmoniosodoconatusindividuallevaaleissociaisracionais,aosdictaminarationis.Éasociedadequedáaoconatusapossibilidadedesedesenvolver.Éelaqueconfereaohomemasuadimensãointegrativa,essencialparaumavidaexducturationis.Háumatendêncianaturaldesociabilidadeinerenteatodoohomem:

(...) porque nenhum homem na solidão tem força para se defender e obter as coisasnecessáriasàvida,daí resultaqueoshomenstêm,doestadocivil,umdesejonaturalequenuncapodedar-sequetalestadosejainteiramentedissolvido82(T.P.,cap.VI,parágrafo1,G.III,p.297).

Masseaconvivênciasocialeadimensãopolíticasãofatoresimportantesderealização,elasnãobastamparaalcançarmosaplenitude.EstaédesignadaporEspinosacomo“averdadeiravida”,etemavercomoconhecimentoverdadeiroecomavirtude.NoTratadoPolítico,háinúmeraspassagensaenfatizaradistinçãoentre“vida”e“verdadeiravida”.Averavitaéaartedebemviver–“arazãodeviverbem,istoé,averdadeiravida”–queasuperstiçãoabomina,pois“odeiaacimadetudoosquecultivamaverdadeiraciênciaeaverdadeiravida”83.

E o filósofo lembra que “por vida, em termos absolutos, entende-se emhebraico a verdadeiravida”84(T.T.P.cap.IV,G.III,p.66),identificadapeloconhecimentoracionalepelavirtude.Nãoháumauniformidadenasnormasdevidaeoshomens tendemaemitir juízosnegativos sobreaquelesque,pelasuaconduta,selhesafiguramdiferentes.Espinosadistancia-sedestaatitudecrítica,poisparaele,anaturezahumananãoéúnica.TodososhomenssãopartesdaNaturezaeasnormasdevidadiferemconsoante omodo como cada um é parte85. Se tivéssemos que escolher um critério comum parademarcar“vida”e“verdadeiravida”,elegeríamosoconhecimentoracional.

Oesforçoparacompreenderconstituio fundamentodavirtude.Umavidavirtuosanãosepodepautar por conjecturas, mas pela descoberta da verdade ou da lei divina inscrita no nossoentendimento.AleidivinanãoéumcódigojurídicoouéticoprescritoporumDeuslegislador.ÉumaregradevidaquedecorredaideiadeDeus,contidanonossoentendimentosobaformadelei.Essalei“quetornaoshomensfelizeselhesensinaaverdadeiravida,éuniversal”86(T.T.P.,cap.V,G.III,p.69).Aquele que cultiva o conhecimento racional e a ciência intuitiva é necessariamente virtuoso e feliz,poispensabemeageretamente,oquelhetrazumcontentamentointerior.

OlivroV,daÉtica,mostra-noscomooconhecer,oagireabeatitudesecruzam,identificandooconhecimentoemDeuscomasupremavirtudeeabeatitude.Quemchegaaessepatamaralcançatambém a eternidade e a salvação. Estas se revelam a quem consegue entender a sua vida comomanifestaçãodavidadeDeus.Ohomemqueviveessaidentificaçãoéverdadeiramentelivreepisaoterrenodasabedoria.Asabedoriacultiva-secompensamentospositivosquelevemaoincrementodoconatus.Osábionãoseentregaapensamentosqueponhamemcausaasuasobrevivência,nãopensanamortenemnosuicídio;nãosesenteatraídopelosacrifíciooupelaascese;nãocultivaaangústianempensamentosobscurosqueopossamdeprimir.Procurandoultrapassaraspaixõestristes,colocaalibertação comometa a alcançar. E alcançado esse estádio, os seus pensamentos nunca o levamadiminuirouaniquilaroseuser,pois:“Umhomemlivreemnadapensamenosquenamorte,easuasabedorianãoéumameditaçãodemorte,masdevida”87(Et.IV,proposição67,G.II,p.261).REFERÊNCIASCOHEN,D.ElSuicidio:DeseoImpossibleolaparadojadelamuertevoluntariaenBarujSpinoza.BuenosAires:EdicionesdelSigno,2003.ESPINOSA.SpinozaOpera,hersg.vonKarlGebhardt,Heidelberg,CarlWinters,1972,5vols.FERREIRA, M. L.; AURÉLIO, D.; FERON, O. (Coord.). Spinoza. Ser e Agir. Lisboa: Centro de Filosofia daUniversidadedeLisboa,2011.

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GIANCOTTI-BOSCHERINI,E.LexiconSpinozanum.LaHaye:MartinusNijhoff,1970,2vols.JONAS,J.“SpinozaandtheTheoryofOrganism”.In:GREENE,M.(Ed.).Spinoza.ACollectionofCriticalEssays.NotreDame,Indiana:UniversityofNotreDamePress,1979.MOREAU,P.F.Spinoza.Paris:Seuil,1975,p.89.ZAC,Sylvain.L’IdéedeViedanslaPhilosophiedeSpinoza.Paris,Vrin,1963._______.“Vie,conatus,vertu”.In:Philosophie,Théologie,Politiquedansl’OeuvredeSpinoza.Paris:Vrin,1979.

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ATEMÁTICADAFELICIDADEEABUSCADEINDICADORESDESUSTENTABILIDADESOCIOAMBIENTAL88

DeniseMariaGândaraAlvesMarcosSorrentino

IntroduçãoAfelicidade,umbemsubjetivoperseguidopelossereshumanosaolongodasuaHistória,chegaà

ciência contemporânea sob as diversas óticas, de economistas, psicólogos, psiquiatras, sociólogos eeducadores,particularmenteemestudossobrebem-estarequalidadedevida.Aabordagemconceitualdefelicidade,bemcomodeidentidade,comunidade,diálogoepotênciadeação,nacompreensãodaOca (Laboratório de Educação e Política Ambiental – ESALQ-USP), promove a sustentabilidade dosprocessoseducadoresdecorrentesdeumanovaracionalidadenãohegemônica.

Atualmente, o conceito vem sendo associado a indicadores complexos de qualidade de vida.Conforme descrito por Veiga (2009), em sua retrospectiva histórica da busca por indicadores desustentabilidade socioambiental, nos últimos 40 anos o conceito assumiu notoriedade após apublicaçãodoReportby theCommissionon theMeasurementofEconomicPerformanceandSocialProgress(STIGLITZ-SEN-FITOUSSI,2009).

OBrasil foipioneirocomotemafelicidadenapolíticapública,comoseuProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental,de2004,cujamissãoera“AEducaçãoAmbientalcontribuindoparaaconstruçãodesociedadessustentáveiscompessoasatuantesefelizesemtodooBrasil”.

Nopresenteartigo,observamosumcrescenteinteressepelatemáticacomaumentoquantitativode trabalhos publicados na literatura internacional (indexada pela Web of Science), e tecemosconsideraçõesacercadesuaaproximaçãocomaquestãodaespiritualidadenãoinstitucionalizada,sobperspectivadevaloresético-morais.AComplexidadedaAbordagem:EducaçãoAmbientaleSustentabilidade

Astemáticasdefelicidadeedeindicadoressocioambientaissãoabordadasaquiapartirdeduasáreasquemerecemumdetalhamentodenossoenfoque:aEducaçãoAmbientaleaSustentabilidade.

AEducaçãoAmbiental (EA) comaqual trabalhamosé integral, no sentidoproposto porWilber(2006), propondo-se a expandir canais dialógicos e propiciar uma síntese sinérgica com as váriascorrentes de Educação Ambiental que possam existir, pois, de acordo com Sauvé (Apud CZAPSKI,2007), existiriam quinze distintas correntes de EA. É a Educação Ambiental descrita no ProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental (2004),que temcomomissão “AEducaçãoAmbiental contribuindoparaaconstruçãodesociedadessustentáveiscompessoasatuantesefelizesemtodooBrasil”.Paraalcançar tal objetivo, é necessária uma abordagem complexa, cujos múltiplos referenciais teóricospodemserexemplificadosnaexortaçãodeSorrentino(2006,p.15):

Qualéonossoreferencialteórico?ÉaBíbliaeoAlcorão!ÉBudaeLao-Tsé!ÉMarxeThoreau,GandhieMalatesta,TrotskyeMaoTsé-Tung,AnthonyGiddenseBoaventuradeSouzaSantos.PauloFreireeCarlosBrandão,RubemAlveseEdaTassara.RousseaueComenius,FreineteFerraro,TamaioeSilva.Unsconhecidos,outrosnemtanto.Unsanarquistasoutrosliberais.Unscomunistasoutrossocialistas.Certamentehumanistas,românticoseradicais.Ecologistasouambientalistas,educadoresambientais,popularesouimpopulares.Fermentamidéiaseapaixonamcorações.Desafiamintelectualmenteaconstruirmosocaminhoaoandar.HámuitosreferenciaiseoprincipaldeleséodocompromissocomaVida.Compromissocomo‘genteéprabrilhar’.Comaeducaçãodedentroparaforaedeforaparadentro.Comaemancipaçãohumananasrelaçõessociais.Trêsconvicções:Todaeducação,ouéambientalounãoéeducação!Todaaçãoambientalista,ouéeducadoraounãoéambientalista!Todaeducaçãoambiental,ouépopularounãoétransformadora!

Comesteenfoque,oProgramadeEducaçãoAmbientaldoBrasilexpandiufronteiras,exercendoinfluênciaemoutrospaíses,comoporexemplo,emAngola,quetemcomoobjetivodeseuprograma“AEAcontribuindoparaaconstruçãodesociedadessustentáveiscompessoasatuantesefelizesemtodaAngola”(CZAPSKI,2007,p.177).

Quantoàsustentabilidade,comoobservadoexaustivamentenamídia,oconceitosubjacentemaisdivulgado pelas empresas, e já absorvido pela sociedade em geral, é a do triplebaseline (tripé do“ecologicamentecorreto,economicamenteviável,socialmentejusto”).Navisãoquepropomosaqui,asustentabilidade vai além dessa apropriação pelo modelo econômico vigente, que dificilmentegarantiriaumasustentabilidadeintegral.

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Asociedadenecessitacompreenderaseriedadedoprocessogeradordoconceito.Esteprocessopropiciou,pelaprimeiraveznaHistóriadahumanidade,umencontrodaEscatologia religiosacomaCiênciaacadêmica,consagradapeloPrêmioNobeldaPaz(recebidopeloIPCC,em2007),cujasvisõesdemundosão tãodiversas,maschegaramavisõesde futuro semelhantes,epreocupantes.Ambasalertamparaoriscodedestruiçãodeinúmerasvidasnoplaneta,eressaltamafragilidadedaprópriaexistênciadoserhumanonaTerra.

Assim, a sustentabilidade que consideramos vai muito além das buscas das empresas porcertificação, sendo algo mais complexo e urgente. Por essa razão, talvez, esse modelo foi sendoexpandido com novas propostas de pilares e dimensões. Por exemplo, Sachs (1992) incluiu asustentabilidade cultural e espacial no contexto do ecodesenvolvimento, e a estas, Caporal eCostababer(2002),nocampodaagroecologia,aindaincluíramadimensãoéticaeapolítica.

Tratamos aqui do que chamamosde sustentabilidade integral, quemantémo conceito originaldostrêspilareseincluitodasasdemaisdimensõespropostas,emconfluênciaaumpontoconvergentecomum, ao qual chamamos de dimensão espiritual. Importante salientar que esta tem o sentido“experiencial” do Self no encontro Eu-Tu (BUBER, 1974), num contexto independente dainstitucionalizaçãoreligiosa.

Comooconceitodesustentabilidadeintegralnascedaabordagemcomplexaemultidimensional,amaneirapelaqualsuaaçãovenhaaseefetivar tambémnecessitademétodose fundamentaçõescomplexas.Aquiseinsereaexperiênciapráticadonovoparadigma,queatuanoshábitos,conceitos,valoresdecadaumdenós,sendoumexercícioativo,emqueensinamospeloexemploeaprendemosfazendo.Nãohá fórmulasnemcontrole,poisparamudarmosomundoemquevivemosecocriamoscoletivamente,énecessáriomudarmosanósmesmos.

ComointuitodeincluirquestõesdeespiritualidadeevirtudesnodebatedevaloresnaEducaçãoAmbiental,pretendemosconvergir, tantoquantopossível, algunsaspectosdediferentesvisões (quechamamos genericamente deOcidente eOriente, salvaguardando o perigo de generalizações) e dedistintas culturas, para colaborar com a busca de indicadores de sustentabilidade socioambiental ecomodesenvolvimentodemétodosdeintervençãofocadosnodesenvolvimentohumano.

Partimosdasperspectivascomplexaeintegral,baseadasnonovoparadigmadaCiênciadescrito,respectivamente,porMorin(2002)eWilber(2006).

A visão acadêmica convencional não poderia ser excluída, uma vez que o desenvolvimentotecnológicodecorrentetrouxeàhumanidadevariadasconquistasdasquaissomosdependentes.Pode-seconsiderá-laumaevoluçãodopensamentocientíficoreducionista,masavisãocomplexaapercebe-lheoslimiteseasfronteirasapartirdasquaisessaciênciatorna-seincompleta(porissoàsvezesatéimperfeita), comprovadamente, pelos efeitos colaterais expostos com a crise socioambiental queenfrentamos. Estes efeitos não foram previstos antes, por não termos uma visão sistêmica. Afinal,éramosmodernos...

Nestaabordagem,avisãodeexpansãoeinclusãoéconsideradacomopartedaevoluçãodoSerHumanoe,portanto,daCiência.Destamaneira,procuremos iniciarabuscacientíficadosustentávelentre a confluência do Ocidente e Oriente, entre países ricos e pobres, em direção à harmonia eevoluçãodoserhumano.Assim,paraalémdavisãolineardoOcidente,incluímosumnovoolharsobreumaantigavisãobuscadaporIlyaPrigogine,PrêmioNobeldaFísico-químicade1977,equepodeserobservadanaseguintecitaçãodeMorin(2002,p.212):“Anossaciêncialiquidaratodaainterrogação(...)Entretanto,podemosapenasencontrarmaterialparadevanearnasgrandescosmogoniasarcaicas,comoachinesa,asemíticaouagrega(...)”.FelicidadeemNúmerosnasDiferentesAbordagens

O interessecrescentena temáticada felicidadeparaasCiênciasHumanaseSociaisAplicadas,emartigospublicadosnalínguainglesa,podeserdemonstradosobdoisaspectos:oquantitativoeoqualitativo.

ConsiderandoumabuscabibliográficapreliminarpelabasededadosdaWebofSciencecomoverbetehappiness (felicidade), encontramos 7.307 artigos publicados desde 1903 até 2010, assimdistribuídos: psychology, multidisciplinary (701), sociology (555), psychology, social (543), socialsciences,interdisciplinary(489),economics(424),entreoutrasáreasdoconhecimento.

Partiu-sedeumaúnicapublicaçãoem1903,eaindaem1956haviacercadedezpublicações.Seconsiderarmoso intervalodetempodesdeo iníciodabasededadosdaWebofScience (1903,comapenasumacitação)atéoano2000,abuscatotaldapalavrahappinessresultavanonúmerode2103artigos. Isto significaqueos restantes5204artigos (diferençados7307 totais) forampublicadosde2000 a 2010, e representavam 71% de todos os trabalhos indexados na língua inglesa contendo apalavrafelicidade.

Dentre todos os resultados, 196 artigos contendo “felicidade” encontravam-se especificamenteemtrabalhossobreindicadoresdebem-estar,eénestecampoqueháascontribuiçõesmaisnotórias,inter-relacionando as chamadas Psicologia Positiva, Ciência Hedônica, ou Bem-estar Subjetivo, comEconomia.Estaabordagemtemampliadoasdimensõesdos indicadoresdequalidadedevida, tendoconsequêncianosindicadoresdedesenvolvimentodospaíses.Valores,EspiritualidadeeIndicadores

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Seligman et al. (2005) apontam três componentes essenciais, mas que são individualmenteincapazesdeassegurarafelicidade:oprazer(ouemoçõespositivas),oengajamentoeosignificado.Oprazer, embora presente como componente da felicidade, é consequência do engajamento e dosignificado.Aqui,oengajamentoéoenvolvimentoemqualqueratividadeque trazprazer,comoumtimede futebol, porexemplo. Jáo significado, segundooautor, éo sentimentodepertencimentoaalgoquefaçasentidoalémdomaterial,queelevaafelicidadeaoutropatamar.

Num levantamento da durabilidade do bem-estar psicológico em 40 países com significativasdiferençasculturais,osautoreschegaramaoqueéconsideradoessencialacadaculturaeconcluíramque algumas virtudes estão onipresentes nas diferentes culturas estudadas. São elas:sabedoria/conhecimento, coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência, que, por suavez,desdobram-seemmais24características,àsquaischamamdeforçadecaráter.

Seligmanetal.(2005)colocamqueaquestãodafelicidade,perseguidadesdeAristóteles,esteveforadaclínicadepsicólogosepsicanalistasatéhápoucosanos,emqueaquestãoaserrespondidacentrava-seem“comopodemos reduzirosofrimento?”,enãoemvalorizaras forçasdecaráterdospacientes. O autor e seus colaboradores são os introdutores da Psicologia Positiva para ofortalecimento do caráter humano, cujos números de trabalhos na área vêm crescendosignificativamentenosúltimosanos.

No entanto, a observação acima – “perseguida desde Aristóteles” – exclui a reflexão de comopodemosperceberascontribuiçõesvindasdoantigoOriente,cujarelaçãocomaFelicidadeédiferenteda ocidental, e possivelmente mais complexa, por abranger aspectos da espiritualidade daquelasculturasremotas.

Noseulivro“Felicidade”,EduardoGianetti(2002)contextualizacomooOcidentesedeixoulevarpelasfalsaspromessasdefelicidadepormeiodoconsumoedosvaloressuperficiaisdamodernidade.Destamaneira,aassociaçãodoprazermaterialcomafelicidadeéexaltadapelamídia,umavezqueacaracterística da sociedade capitalista é o estímulo ao consumo para escoamento dasmercadoriasproduzidas,afimdemanterlucroscrescentes.Etaltemsidoopoderdesteparadigmadecrescimento,queultrapassouasfronteirasparaospaísesorientais,exercendo-lhestambémforte influência,comopodeserobservadopelainvasãodeprodutoschinesesnomercadoocidental.

OfilósofofrancêsLipovetsky(2007),emsua“FelicidadeParadoxal:EnsaiosobreaSociedadedeHiperconsumo”, aborda o surgimento e expansão deste fenômenodo pós-guerra como resultado daparadoxalbuscadafelicidadepormeiodoconsumopautadonodesejo,noqualasociedadetransfereseus valores morais para o consumo, na falsa ideia da liberdade de escolha. Desta maneira, tãosuperficial torna-se a busca que, como num vício, necessita de aumento constante (hiperconsumo).Tão intensoéesteprocessoqueamercantilizaçãochegaa instituições improváveis,comoa família,igrejas,emesmoàética.

Taléaimportânciaqueaespiritualidadeeoresgatedevaloresvêmassumindoparaaquestãodaqualidadedevida,quetemsidotemacrescentedepesquisasdePsicologiacognitivaepositiva,comimpactos comprovados na saúde física,mental, na autogestão e controle de estresse,motivação, etambém em organizações, com melhoria de desempenho pessoal e organizacional, bem comoinúmerasoutrasabordagensrevistasporEmmonsePaloutzian(2003).

Consequentemente,háumclamordasociedadepor resgatedevaloresmorais.No relatóriode2009-2010dedesenvolvimentohumano (RDH) realizadonoBrasil peloPNUD (ProgramadasNaçõesUnidasparaoDesenvolvimentoHumano),foiressaltadoque“valoresmorais(comorespeito,justiçaepaz) e a formação do caráter das pessoas figuram como os mais frequentes temas transversais,permeandoasrespostaseescolhassubstantivas”,cujasmensagensprincipaisseresumemna“sededemudançasenavalorizaçãohumana”(PNUD,2010,p.41).

DefinitivamenteistonãoénovidadenocampodaEducaçãonemnaHistóriadahumanidade.Há2.500 anos, na China, um educador já centrava seus ensinamentos nos valores morais de suasociedade e nas virtudes do ser humano de caráter superior. Este educador chinês instruía seusdiscípulos para tornarem-se virtuosos, bons governantes, e tal foi sua influência na política e naeducação da época que permanece até hoje no pensamento asiático, influenciando um quinto dapopulaçãomundial.FoieleKongQiu(ouKung-Fu-Tsé),maisconhecidoentrenóscomoConfúcio.

Osábiodefendiacincoqualidadesbásicasdoserhumanovirtuoso:benevolência,probidade(àsvezes traduzida por justiça ou coragem), decoro (às vezes traduzido por respeito), sabedoria ehonestidade(ZHOU,2008).

Outro ensinamento vindo do Oriente, desta vez da Índia, também é centrado no cultivo dasvirtudes.Uma lista de virtudes/forças de caráter, pode ser encontradanoManual “VivendoValores”(BRAHMA KUMARIS, 1995), preparado na ocasião das comemorações dos 50 anos da ONU,consideradasessenciaisàconstruçãodeumaculturadepaz.

A Ásia tem 60% da população mundial, portanto, mais da metade da sociedade planetáriadesenvolveu-seàmargemdopensamentomodernodecorrentedo Iluminismo.Eemboraestejacadavez mais se ocidentalizando, sua base cultural é muito diferente. Agora, frente às transformaçõesplanetárias,algumastradiçõesespiritualistasfazemumareleituradeseusvaloresmilenares,tambémperdidosatravésdotempo.

Observando-sequeacrisemoraléglobal,assumimosqueacrisedevaloresestáemtodasassociedades,erelacionadacomoserhumanoemsi.Naperspectivadoencontroentrediferentesvisões

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unidasporvalores,hápossibilidadedehaversinergiasqueresultemnapazeharmoniaentretodosospovos,apartirdadescobertadeumaidentidadeplanetária.

Partindodestesdoisexemplos,provenientesdepaísesorientais,podemosobservarsemelhançasemsuauniversalidadedeensinamentosaoentehumano,notando-seaconvergênciaentrediferentesculturas. Dentro do contexto contemporâneo, parte da nossa sociedade, exaurida pelo“hiperconsumo”,abre-secomgrandereceptividadeaumabuscaintensaporsignificadoserespostasàsinquietaçõeshumanas,permitindotrocascomoOriente.

Comeste cenário, procuramos desenvolver nosso objetivo de favorecer a sustentabilidade dosprocessos educadores, fundamentando-os em virtudes/valores que permitam a potencialização dafelicidade,aproximandoaespiritualidadeànossarealidade.

Diener (2000) propôs um índice nacional para o bem-estar subjetivo baseado na “Ciência daFelicidade”,abordagemtambémdepesquisasde laureadoscomoNobeldaEconomia,dentreelesopsicólogoDanielKahneman,eoseconomistasStiglitzeSen(STIGLITZet.al.,2009).

Conforme descrito por Veiga (2009), em sua retrospectiva da busca por indicadores desustentabilidade socioambiental, nos últimos 40 anos o conceito assumiu notoriedade após apublicaçãodoReportby theCommissionon theMeasurementofEconomicPerformanceandSocialProgress(STIGLITZet.al.,2009),relatórioapresentadosobsolicitaçãodogovernofrancêsdeSarkozy.

Louette (2009) organizou um compêndio de 25 indicadores, dentre os quais destaca-se umexemplo vindo do Oriente, idealizado há 15 anos, o FIB (Felicidade Interna Bruta ou GNH –GrossNationalHappiness),conceitodesenvolvidonoButão.OsparâmetrosdoFIBconsistememindicadorescontidosemnovedimensões: bem-estar psicológico; saúde; educação; usodo tempo;diversidadeeresiliência cultural; boa governança; vitalidade comunitária; diversidade e resiliência ecológica; epadrãodevidaparaodesenvolvimentoholístico(ARRUDA,2011).

Noentanto,pelasenormesdiferençasculturaisentrepaísesorientaiseocidentais,umapropostacomo a do FIB não deveria ser aplicada sem estudos prévios mais aprofundados de viabilização evalidaçãodosparâmetrosutilizados.Ou talvez, a partir dadiversidadee abundânciade indicadoresqueestãosendopropostos,partir-sedodebate/diálogo,paraabuscadeumasíntese integrativa.Dequalquermodo,importantesefazincluiraFelicidadecomoparâmetro.ConsideraçõesFinais

Pouco apareceu na base da Web of Science que contemplasse as relações buscadas nestetrabalho. Assim, os conceitos de felicidade precisam ser muito discutidos não apenas entre aracionalidadeocidentaleaoriental,mastambémentreasvisõesdemundodospaísesricosepobres,noenfoquedavaloraçãocultural,idiossincráticaeemsuacontextualizaçãohistórica.

Emborahajaumareconhecidaproduçãoacadêmicanalínguainglesa,estaaindanãoassumiuumconteúdointrinsecamentetransversal.Poroutrolado,noqueconcerneàsinter-relaçõesentreasáreasdoconhecimento levantadas,emtermosnuméricos,aproduçãodematerialem línguaportuguesaeespanholasãoprolíferasquandoobservamosasproduçõesdeONGsambientalistasedemobilizaçãodasociedadecivil.

Com a produção acadêmico-científica neste campo de conhecimento, fortalece-se afundamentação teórica dos cursos, intervenções e ações de Educação Ambiental na proposição demetodologiaseindicadoresparaavaliaçãodosprocessos.

Considerando a técnica dameditação, quepode ser utilizada como técnica de intervenção, nabuscadeliteraturaencontramos,em2010,naWebofScience,3.928artigoscomapalavrameditation(meditação),sendo462relacionadosàsaúdemédica,25àeducaçãoeespiritualidadeeapenas22aobem-estar. Pelo menos até 2010 não foram encontrados trabalhos de meditação relacionados àEducaçãoAmbiental,emborahouvessenoveartigosquecruzaramaspalavrasEAcomreligiãoesetede EA com espiritualidade. Por um lado, isto se torna bastante relevante às novas propostasmetodológicas relativas aos métodos e técnicas relacionados às mudanças de hábitos e àexperimentaçãodafelicidadepormeiodaintervenção.

Finalmente, conforme visto anteriormente, o Brasil foi pioneiro em incluir o tema felicidade napolítica pública, como seu ProgramaNacional de EducaçãoAmbiental (2004). Esperamos colaborarcom a materialização desta utopia, para podermos chegar num futuro próximo a uma identidadeplanetáriapautadanasustentabilidadeintegral,ecomahumanidadefelizemsuatotalidade.REFERÊNCIASARRUDA, M. As nove dimensões do FIB. Disponível em:<http://www.fbes.org.br/biblioteca22/arruda_dimensoes_fib.doc>.Acessoem:25deJaneirode2011.BUBER,M.EueTu.SãoPaulo:CortezeMoraes.1974.CAPORAL,F.R.;COSTABABER,J.A.Análisemultidimensionaldasustentabilidade:umapropostametodológicaapartirdaAgroecologia.AgroecologiaeDesenvolvimentoRuralSustentável,v.3,n.3,p.70-85,2002.CZAPSKI,S.OsDiferentesMatizesdaEducaçãoAmbientalnoBrasil:1997-2007.Ref.:BOC914BRA2047,MMAEducaçãoAmbientalPNEA,03.2007.DIENER, E. Subjective well-being: The science of happiness and a proposal for a national index. American

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FELICIDADEEESPIRITUALIDADE

DeniseMariaGândaraAlvesMarcosSorrentino

MevejonoquevejoComoentrarpormeusolhosemumolhomaislímpidomeolhaoqueeuolhoéminhacriaçãoistoquevejoPerceberéconceberÁguasdepensamentosSouacriaturadoquevejo.(OctavioPaz)

Desistidetrabalharebuscarsustento,Emvezdisso,escrevopoesia.

Minhavisão,meucoraçãoeminhavida,pertencemaEle.

Todastrêspalavras,teciemuma,AMOR89.

(Rumi)Introdução

AopropormosoconceitodeFelicidadecomoumdospilaresdaEducaçãoAmbientaldesenvolvidoà luz da espiritualidade, trouxemos a proposta de que essa seja uma prática (auto)transformadoraemancipatóriado ser, potencializadorade sujeitos emseuagir comunitário, apartir deumapráticadialógica(verartigogeradornoiníciodestelivro).

O objetivo nosso é trazer ao campo da Educação Ambiental um diálogo sobre temáticasdificilmentetratadasnapautacientífica,questõessobreaespiritualidaderelacionadasàfelicidade,sobas interações transculturais com o Oriente. Objetivo ousado pela exiguidade de espaço, tempo eprofundidadenecessáriosaoempenhoquelhesfazemjus.Experimentemos,apenasduranteumbreverelance, tentar a Arte de aproximar Ciência e Espiritualidade sem cairmos na banalidade do lugar-comum (enquanto queremos um lugar de Bem Comum!). Arte, porque é esta que ultrapassa asfronteirasdoracional,cujosensocomumconsideraseuopostoa irracionalidade,quetocaa loucura.Mas...nãoseriaafaltadeliberdade,aloucuramaior?

A redenção mental de parte dessa angústia aparece na forma de artigo do professor CarlosRodriguesBrandão,neste livro (verartigo“Aprenderasaber,partilharosaber:algumas ideiascomoum chão pronto para semear propostas de uma EducaçãoAmbiental”), especificamente no descritocomoo8ºpontodeconhecimento,deaçãoedeesperançafundadoresdeumanovaeducação:

podemos aprender a nos abrir às diferentes alternativas de pesquisa científica e dainvestigação em outros campos, como a psicoterapia, a filosofia, a literatura, a música, oteatro,ocinema,asartesplásticas,astradiçõespopulares.

Foi como se lâmpadas se acendessem sobre rascunhos feitos àmeia-luz. Não apenas por seuconteúdoeformalibertadora,maspelomomentoemquesurgiu,iluminando-o.RumandoaoOrienteevoltandoaoOcidente

NemJung,aodesbravaroconhecimentooriental,seconsideravaconfortávelaotrazeraspectospoucoounadaaceitospelacomunidadecientíficadaépoca,oquepodeserpercebidoemseuprefáciodoIChing90paraaversãodeRichardWilhelm(2006,p.23):

Seiqueanteriormentenãoteriaousadoexpressar-medeformatãoexplícitasobreassuntotãoincerto. Posso correr esse risco porque estou agora emminha oitava década e as volúveisopiniõesdoshomensjánãomaismeimpressionam;ospensamentosdosvelhosmestressãomaisvaliososparamimqueospreconceitosfilosóficosdamenteocidental.

Jung assume no texto que suas experiências com o I Ching resultaram no que ele chamou deprincípiodasincronicidade,eexprimesuaadmiraçãoaosreferidos“pensamentosdosvelhosmestres”,citandoConfúcioeLao-Tsé.

Confúcio, sem aqui buscar razões, émenos considerado em aproximações teóricas feitas peloOcidente, embora seja amplamente utilizado de forma isolada em citações de provérbios de cunhomoral.

SegundoZimmer(1986),nãosepoderiarelegaraspalavrasdeConfúciosobreeducação,políticaeéticaemnenhumtrabalhoquepudesseserumahistóriauniversaldopensamentohumano,enestadeveriamserincluídasfilosofiasdaChinaeÍndia.

HockeMendoza(2000)afirmamqueConfúcioéomaisconhecidopensadoreeducadordetodaaHistóriadaChina,cujosensinamentostrazemaNaturezacomoespelhodoprincípioUniversal,oTao.A

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Natureza aparece aqui como caminho, um caminho para o despertar da consciência, em que asmanifestaçõesnaturaisestariamimbuídasdevaloresintrínsecosaosujeito.EramestasmanifestaçõesqueJungqueriatraduzirparaaprofundar-senoautoconhecimento.

Jung, ainda no prefácio do I Ching, aproxima Confúcio e Sócrates ao afirmar que ambos“concorrem para o primeiro lugar no que se refere a uma perspectiva racional e uma atitudepedagógicadiantedavida(...)”(WILHELM,2006,p.22).

MasapedagogiadeConfúcioéumtanto“indigesta”aoocidental.Noentanto,SimSoonHock91afirma que os ensinamentos de Confúcio contêm oTao da Educação,muito necessário nos dias dehoje.NoGrandeAprendizado,ConfúcioapontacaminhosparasuavisãodePazMundial.OserhumanoconectaoCéueaTerrapelocoraçãooriginalque,paraConfúcio,éocoraçãosincero,umaspectodamente,nutridaporvirtudesepelapráticadacompaixão.Masénecessárioumolhar transcendente,livredepreconceitosderivadosdosrumosqueoconfucionismotomou(lembrandoqueCristonãoeraadeptoaoCristianismo...),paranosabriraoaprendizadodeConfúcio.

NoscomentáriosdeConfúcio,noIChing,oautoconhecimentodialogacomacondutasocial,comas relações familiares e políticas entre o indivíduo e o Estado, com a vida em comunidade, com aharmonia e beleza, vindas a partir da contemplação daNatureza (céu, terra,montanha, lago, fogo,vento,trovão,água).Umaverdadeiraloucuraparaamenteocidental!NãoéporacasoquefoiapartirdessaobraqueseaprofundaramosestudosdoinconscientefeitosporJung.

Aabordageminter-relacionaldanaturezacomohumanodoeducadorepolíticochinêschamouaatençãodeHenryThoreau.Este,porsuavez,foi influenciadopelomovimentotranscendentalistaeonaturalismo de Emerson (KIRK, 2004). No manifesto da “Desobediência Civil”, encontramos asseguintescitações:

Confúciodisse:SeumEstadoégovernadopelosprincípiosdarazão,apobrezaeamisériasãomotivosdevergonha;seumEstadonãoégovernadopelosprincípiosdarazão,asriquezaseashonrassãomotivosdevergonha.(KIRK,2004,p.48).

Emoutro trecho, Thoreau afirma: “Até o filósofo chinês foi sábio o bastante para considerar oindivíduoabasedoimpério”(KIRK,2004,p.53).

No discurso de Thoreau, aparece a questão do direito à busca da Felicidade, que para ospensadores políticos da época de Jefferson significava viver a “boa vida”, uma ideia coletivarelacionadaao“bem-estarpúblico”.EThoreau“preocupava-seintensamentecomanoçãodevivera‘boa vida’, defendendo a importância de cada indivíduo buscar por si mesmo, a real mensageminerenteaessaexpressão”(KIRK,2004,p.13).

AsideiasdeThoreauexerceraminfluênciadefinitivaeamplamentedeclaradasobreGandhiesuasatyagraha, mais conhecida como “resistência civil” (KIRK, 2004p). Entre ambos, observamos aindissociável relação entre espiritualidade e mobilização política no viés do autoconhecimento eautotransformação,respaldadosporvaloresético-moraisdepacifismo,inseridosemumpanodefundoambientalindireto(refúgionanatureza,nocasodeThoreau,ourespeitoportodososseresvivos,nocasodeGandhi).

AtrocadesaberesentreOrienteeOcidentevemsendoconduzidaemumaviadeduasmãos,ehá, ainda, um vasto campo interpretativo para aproximações mais consistentes. Por exemplo, acompreensãodofatoqueo indivíduobuscaporsimesmoafelicidadeémuitodiferentesobasduasóticas.AFelicidadenoLimiardaLoucuraeSanidade

Emnossaculturaocidental,osimplesfatodeestarmosfelizessemmotivoaparenteérazãodeestranhamento. Uma felicidade não induzida por prazeres materiais é vista com preconceito edesconfiança por tratar-se de fronteiras desconhecidas, além da racionalidade linear causal. Afelicidade não causal pode parecer relacionada à loucura e a problemas de saúde mental (PAIVA,1999).Reconheceo“boboalegre”?

OpsiquiatraPaiva(1999,p.117)afirmaquenecessitamosentrarem‘nossaloucura’paraatingirmososeunúcleopsicótico.(...)paraisso,precisamos nos decidir, nos arriscar, mudar de estágio, isto é, passar para o outro plano(estágios kierkegaardianos, planos de lamaísmo, da filosofia da ioga, da vivência doinconscienteduranteapsicanáliseetc.).

Em processos como esses, podemos encontrar sentido na vida e superar neuroses, segundoWatts(2002,p.81):

Diz-secomumentequea raizdegrandeparteda infelicidadehumanaéqueavidanão temnenhum sentido. Suponho que é dito com mais freqüência nos círculos interessados empsicoterapia,porquemuitasvezesasensaçãodefaltadesentidoécomparadaaexistênciadeneuroses.

Destemodo,hápossibilidadedepassarmosdainfelicidade(“doença”)àfelicidade(“saúde”)pormeio de um processo interior curativo, a meditação. Entretanto, é importante qualificar o que seentendepormeditação.AlveseBrandão(2006,p.49),naspalavrasdeAlves,explicamque

meditaçãoparaoocidentaléumpensamentorigoroso,comoasmeditaçõesdeDescartes,porexemplo. Mas no Oriente é diferente, Octavio Paz conta isso. Lá, a meditação é parar de

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pensar.Oquepodeserparacurardaloucura,porquealoucuramoranopensamento.Sãoospensamentosquenosenlouquecemnãosãoascoisas.

Eis aqui, a chave da questão. Excesso de pensamentos parece pesar e cansar, como se ointelectoficasse“empedrado”,eosujeito,imobilizado.ParaKrishnamurti(1969,p.91),pensamentoématéria:

Os que pensam muito são autênticos materialistas, porque o pensamento é matéria. Opensamentoématériatantoquantoosoalho,aparede,otelefonesãomatéria.Aenergiaquefuncionanumpadrãose tornamatéria.Háenergiaehámatéria,é issoqueavidaé.Podeispensarqueavidanãoématéria;masé.Opensamentocomo ideologia,ématéria.Ondeháenergia,estaseconverteemmatéria.Matériaeenergiaestãorelacionadasentresi.Umanãopodeexistirsemaoutra.Equantomaisharmoniaháentreambas,tantomaisequilíbrioexiste(...)Despendemosumagrandesomade tempoedesperdiçamosumagrandequantidadedeenergiaatravésdetodaavida,enãoapenasnaescola,controlandonossospensamentos(...).

Aperdadeenergiaporexcessodopensar(conceitosdesprovidosdesuaaçãosubsequente)levaàdespotencializaçãodosujeito,quesetorna incapazdeagir.A imobilizaçãodecorrenteafetaavidacomunitária,conquantodesagregaconexõesinterpessoaispelarupturadialógicadosujeitofatigadoedeprimido,apegadoaosseus(pre)conceitos,fragmentosdeideiassemcoesãointerior.Atentativadealiviar a tensão entre os fragmentos conflituosos ou solucionar questões por meio do pensar, sóexacerbaociclovicioso.

Uma solução aponta-nos Galtung (2004), no transcender para transformar: rompendo o ciclovicioso,podemosmudaradireçãodasatitudesinternasedasaçõesexternas,rumoaumciclovirtuosoconstrutivo.

A meditação propicia a experiência de transcendência, propiciando a percepção de totalidadealémdosconceitos.Zimmer(1986,p.306),descrevendoumaspectodapráticada filosofiaVedantadentrodatradiçãodoBramanismo,coloca:

Mas,noestadotranscendente,asdiferenciaçõesconhecidaspelopensamentosedesvanecem(...) Esta idéia grandiosa apenas tinha por objetivo inspirar o iniciante e guiar o discípuloadiantadonocaminhorumoàverdadeiraexperiênciaaniquiladoradeconceitos.

FicaevidenteporqueoOcidente racional rejeitouessasabordagensdurante tanto tempo.Elasnunca poderiam ser compreendidas pela razão através do pensamento (um grande paradoxo!).Atualmente, porém, a utilização da meditação na Medicina como técnica complementar aostratamentos psíquicos está amplamente consolidada e respaldada por vasta literatura médica, queindicaaltosíndicesdecuraemelhorasnobem-estargeraldospacientes(CLONINGERetal.,2010).Seo excesso de pensamentos desequilibra a harmonia interna, sua redução por meio dos processosmeditativosarecupera.MeditaçãoeEspiritualidade

ConsideramosaquiumadistinçãoentreEspiritualidadeeReligião,descritanarevisãodeStroppaeMoreira-Almeida(2010,p.50),emquea“espiritualidadeéumabuscapessoalpelacompreensãodasquestõesúltimasacercadavida,do seu significado,eda relaçãocomo sagradoeo transcendente(...)”,enquantoqueReligiãoé“oaspectoinstitucionaldaespiritualidade”.

Stroppa e Moreira-Almeida (2010) apontam os dois lados da religiosidade (aspecto prático deambososconceitoscitados).Umdelescontribuicomasaúdementalpelofortalecimentodocaráter,eoutro se torna gerador de culpa, dúvidas, autocrítica, ansiedade e depressão. Mesmo dentro desseespectrodepossibilidades,osestudosepidemiológicoscomprovamuma relaçãopositivaconsistenteentreareligiosidadeeosindicadoresdesaúde.

Mas a prática de meditação dentro de algumas tradições religiosas vai além da visão damanutenção de saúde. A busca de sentido à vida conduz a experiênciasmais raras, de uma outraqualidade: a Felicidade conhecida como um êxtase suprassensorial. Chamada de Ananda, emsânscrito, é encontrada noHinduísmo e no Budismo, sem tradução direta para o português, é algocomo o blissful, do inglês. Essa Felicidade pode ser identificada também nas descrições deexperiências místicas dos santos católicos Teresa D’Ávila e João da Cruz, e de Rumi, no SufismoIslâmico,entreinúmerosexemplos.

OfervordaFéimpulsionouasexpediçõesmissionáriasnummundopré-globalizadoquinhentistada Contrarreforma e suas aspirações hegemônicas. Época prolífera de santos, o fundador daCompanhia de Jesus, Santo Inácio de Loyola, exortava seus asseclas propelindo-os à loucura santa:“Insaniendumest,sivisesseperfectus”(“Hásdetefazerdoidosequeressersanto”)(PAIVA,1999,p.177).

No original, ele parece falar de perfeição,mas, de certa forma, doidos eram necessários paraencarar aventuras em viagens rumo aos longínquos e desconhecidos continentes, como fizeramlegiões de jesuítas espanhóis e portugueses.Dentre suas façanhas, incluem seremestes últimos osprimeiroseuropeusapisaremnosolodoButão,ondeouviram falardeShambala (emsânscrito, umlugardepaz/tranquilidade/felicidade),depoisconhecidonoOcidenteporShangri-La92.Foramtambémjesuítasquefizeramasprimeirastraduçõesdetextosorientais,comoosdeConfúcio.

O Butão hoje é conhecido por ter desenvolvido o FIB (Felicidade Interna Bruta), um indicador

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complexo de riqueza do país. Karma Ura93, Diretor do Centro de Estudos do Butão, explica que oEstado tem o dever de fornecer todas as condições para que os cidadãos sejam felizes,mas aindaassimafelicidadedecadauméumaconquistaindividual.ImportanteressaltarqueoButãoéumpaísbudista,oquedeterminasuaprópriaperspectivaemétodosdebuscadaFelicidade.

ObviamentenãonosreferenciamosaoButãoinadvertidamentecomoumexemploaserseguido.Ainda necessitamos do testemunho da história e da verificação diacrônica do tipo de efeito que aexposição aos olhares curiosos do mundo globalizado exercerá sobre o antigo reino esquecido, o“ParaísoPerdido”sobreaTerra.

Seocenáriocontemporâneo,sobcertaperspectiva,podenosserdesmotivadorapontodenostornarcéticos(Butão–Seráverdade?Irádurar?),sobaperspectivadeumanova(meta)racionalidade,podetornar-semotivadoràmedidaqueasensibilidadedoolharseapercebadasilenciosarevoluçãoqueseprocessa,semqueavejamoseasintamosexplicitamente.

Acreditar na materialidade das utopias para mantermo-nos sonhando e mobilizando-nos paraperseguir ideais, ao contráriodoquepossapareceraoolharnãoconstrutivo,nãoéalgocomouma“síndromedePollyanna”,ingênuaepueril,masumnovoparadigmadesereestarnomundo.

SegundoosociólogonorueguêsGaltung(2004),pesquisaraPazéirmuitoalémdeestudaranãoviolência,ésalvaguardarincondicionalmenteasnecessidadesbásicasdosindivíduos:asobrevivência,aidentidade,aliberdade,eobem-estar.Estassãomaisprofundasqueosvalores,dizoautor,poissãoinegociáveisetêmqueserrespeitadas.Sesãodescartadas,condena-seasieaosoutrosaumavidaindigna,oqueéumapráticadaviolência.Osvalores,porsuavez,compõemnossa identidade,cujaescolhafazpartedaliberdade,esãoessenciaisparaodesenvolvimentodeumaCulturadePaz.DestaemergiráaFelicidadeindividualecoletiva.

Seaexperiênciaindividualpersepodenãosignificarmuitacoisa,pelomenosao“estarmoscomos pés no chão” ainda temos o discernimento para enfrentar a realidade com suas possibilidadestransformadoras que se nos apresentam no coletivo. O poder das ações resultará dos valoresintrínsecosa elas. Seaqualidadedestes valores seaproximardeuma riqueza imaterial que tocaocoraçãohumanoemsuasprofundezas,maispróximosepareceestardaconcretizaçãocoletivadeumbemcomum,porqueseráalgoalmejadoportodos94.ValoresessesintrínsecosàEducaçãoAmbientalparaaconstruçãodesociedadessustentáveiscomresponsabilidadeglobal.

Gostamosdeacreditar queessenovomundoestejamais próximo.Assim, finalizamos comumexemplo de sincronicidade junguiana, que mesmo que em si não contenha uma finalidade ouconclusão,podeindicarumespectrodepossibilidades(GROF,2006).Utilizamo-nosdesteexemplodeforma utópica e simbólica, mesmo que o desdobramento dos fatos históricos decorrentes possademonstrarocontrário...Seguiremosacreditandoqueumoutroenovomundoépossível.

Nodia18deMaiode2011, osprotestosdos jovensespanhóis conhecidosporLos IndignadosmobilizaramtodaaEspanha,demaneirapacífica,contraacorrupção,contendováriasreivindicaçõescomo saúde, direitos, liberdade e participação. O evento ficou conhecido pelo caráter pacífico eorganizado,emquefoisolicitadoquenãoseconsumissembebidasalcoólicasnemquesejogasselixonasruas95.

NoBrasil,nomesmodia,houveumacampanhaemváriascapitaisdopaís–emcomemoraçãoaoDiaNacionaldaLutaAntimanicomial–pelasaúdemental,identidade,autonomia,liberdadeeextinçãodos manicômios. Nas ruas, vários cartazes e faixas eram carregados, entre eles, uma dizia: “AFelicidadevai...desabarsobreoshomens”96.

Foto1:FaixadacampanhaemcomemoraçãoaoDiaNacionaldaLutaAntimanicomial.

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2004,245p.GROF, S. Quando o Impossível Acontece. Histórias Extraordinárias que Desafiam a Ciência. São Paulo: Ed.Heresis,2006,296p.HOCK,S.S.eMENDOZA,I.AsSeteRiquezasdoHomemSanto.Fé.Vol.1.SãoPaulo:AxisMundi/AdLumen,2000,110p.KIRK,A.DesobediênciaCivildeThoreau.RiodeJaneiro:Ed.Zahar,2004,127p.KRISHNAMURTI,J.AÚnicaRevolução.2.ed.RiodeJaneiro:Ed.TerraSemCaminho,2001,190p._______.Liberte-sedoPassado.SãoPaulo:Ed.Cultrix,1969,110p.MAFI,M.eKOLIN,A.M.(Trad.).Rumi:WhispersoftheBeloved.London:Thorsons,1999,128p.PAIVA,L.M.Felicidade,EquidadeeFantasiasInconscientes.SãoPaulo:Ed.Nacional,1999,160p.STROPPA,A.eMOREIRA-ALMEIDA,A.EvidênciasdoImpactodaEspiritualidadesobreaSaúde.In:EducaçãoeEspiritualidade–InterfacesePerspectivas.INCONTRI,D.(Org.).BragançaPaulista:Ed.Comenius,2010,p.48-58.WATTS,A.OTaodaFilosofia:transcritoseditados.RiodeJaneiro:Ed.Fissus,2002,117p.WILHELM,R.IChing.OLivrodasMutações.SãoPaulo:Ed.Pensamento,2006,546p.ZIMMER.AsFilosofiasdaÍndia.SãoPaulo:Ed.PalasAthena,1986,481p.

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APROXIMANDOEDUCADORESAMBIENTAISDEPOLÍTICASPÚBLICAS

DanielFonsecadeAndradeMarcosSorrentino

IntroduçãoO objetivo deste texto é promover uma aproximação entre o campo da Educação Ambiental e

alguns aspectos teóricos de políticas públicas. Essa necessidade é justificada por pelo menos duasrazões:1)Pelacrescentepercepçãodequeascondiçõesde insustentabilidadeexistentesnãoserãoenfrentadas em escala e profundidade por uma somatória de iniciativas individuais (realizadas nasescolas, nas empresas, na cidade e no campo, por ONGs ou outros atores sociais) que não visemtransformaçõesna“coisapública”,istoé,noqueconcerneaobemcomum;2)Peloreconhecimentodeque,subjacenteàsquestõesambientaisobjetivascomumenteabordadaspelaspráticasdeEducaçãoAmbiental(EA)–lixo,água,mudançasclimáticas,dentreoutras–,existeumobjetivoestruturante,queé a formação da cidadania (SORRENTINO, TRAJBER E FERRARO-JÚNIOR, 2005), que promove aradicalização da dimensão democrática da vida, conforme propõe Santos (2007). Isso pressupõe aincorporaçãodaaçãopolíticaparaaformaçãoderesponsabilidadepeloplaneta.

Assim,háumacrescentedemandaparaqueeducadoreseeducadorasambientaistranscendamseus espaços de atuação e participem de processos que pensem a EA como política pública, e nãoapenas como ação ou projeto. Se, por um lado, isso abre uma porta relevante para o aumento daabrangênciadesuasações,poroutro,descortinaa limitaçãodestacadaporSorrentinoeNascimento(2010)sobreacarênciadeprofissionaishabilitadosparaatuarcompolíticaspúblicasdeEAnopaís.Suprir essa carência é foco da atuação dos trabalhos de ensino, pesquisa e extensão da Oca –LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbientaldaESALQ/USP–,assimcomocontribuirparaareflexãoetransformaçãodessarealidade.

Sãováriasasquestõesqueemergemquandoeducadoreseeducadorasambientaissãocolocadosdiante da tarefa de lidar com políticas públicas de EA, seja como participantes de ONGs, deuniversidades, de empresas privadas, instituições públicas ou ainda como cidadãs e cidadãos semafiliação institucional. Algumas delas são básicas, e outras, mais complexas. Porém, todas elaslegítimasdiantedesuasformaçõesque,emgeral,nãocontemplamessecampo.Oobjetivodestetextoé justamente colaborar com a construção de sentido acerca de duas97 perguntas e de sugerir,também, leituras complementares que certamente trarão mais profundidade ao tema. As questõescentrais podem ser sintetizadas por meio de duas perguntas: O que são políticas públicas? O quecompõeumapolíticapública?Oquesãopolíticaspúblicas?

A compreensão dessa resposta demanda uma contextualização histórica. Conforme abordaHeidemann (2009), as políticas públicas surgiram na primeira metade do século XX, no períodocompreendido entre as duas grandes Guerras Mundiais, de 1918 a 1939. Segundo o autor, adecadênciado liberalismopredominantenoséculoXIX,cujoápicesedeucomaquebradaBolsadeValores de Nova Iorque, em 1929, gerou uma demanda crescente para que o Estado passasse ainterferirnavidasocialenaeconomia.Aospoucos,pormeiodeleis(açãoindireta)epelacriaçãodeempresas estatais (ação direta), começaram a surgir as políticas governamentais, que serãochamadas,posteriormente,depolíticaspúblicas.

Nesse novo contexto, então, o governo deixa de ter uma função exclusiva de autogestãoadministrativa e passa a ser também um prestador de serviços, envolvido com questões setoriais eglobais ligadas ao bem comum. Assim, as políticas públicas nasceram dentro do universo estatal egovernamental(oquepodejustificar,atéosdiasdehoje,apercepçãocomumdequequemfazpolíticapúblicaéexclusivamenteoEstadoougovernos),sobresponsabilidadedasuaburocracia(SALM,2009).

Comotempo,entretanto,maisespecificamentediantedastransformaçõessociaisepolíticasemprocessoaolongodasegundametadedoséculoXX,começaramasurgiroutrasinstituiçõescomaçãovoltada à construção do bem comum, como empresas concessionárias, ONGs, entre outras, quecomeçaramacompartilharoespaçodaspolíticaspúblicascomoEstado(SALM,2009;RAMOS,2009;HEIDEMANN,2009),sejaemparceriacomele(HEIDEMANN,2009)ouindividualmente(KEHRIG,2006;HEIDEMANN,2009)98.

Esseaumentodecomplexidadenaspráticasdedelineamentoeimplantaçãodepolíticaspúblicasilustra bem a multiplicidade do campo, que é também contraditório e cheio de disputas.Conceitualmente, portanto, não existe uma unidade na descrição de o que são “políticas públicas”,masváriaspossibilidadesdeexplicaçãoquedependerãodorecorteaplicadoaoobjetoanalisado,dopontodevistadosujeito(HEIDEMANN,2009)edoseuposicionamentosobreaexclusividadeounãodoEstado na produção dessas políticas. Heidemann (2009), Bernardoni, Souza e Peixe (2008) e Souza(2006), por exemplo, são alguns dos autores que fazem essa abordagem conceitual e ilustram um

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poucoadiversidadedeconceituaçõespossíveisparaaspolíticaspúblicas.Na Oca, os trabalhos partem, em geral, de uma percepção ampliada, que concebe as políticas

públicascomo intençõesdeconstruçãodobemcomumquesãotransformadasemumaaçãoouemumconjuntodeações,concordando,portanto,comaposiçãodeHeidemann(2009).Deumamaneiramaisespecífica,comocolocamSorrentino,TrajbereFerraro-Júnior(2005,p.289),

apolíticapúblicapodeserentendidacomoumconjuntodeprocedimentosformaiseinformaisqueexpressamarelaçãodepoderesedestinaàresoluçãopacíficadeconflitos,assimcomoàconstruçãoeaoaprimoramentodobemcomum.

Portanto,aposturatomadanaOcaéadapossibilidademúltipladeatoresnaconstruçãodobemcomum, inclusive como um exercício de aprendizado e fortalecimento democrático, já que, comocolocaLewin (1951),aspessoas rapidamenteseadaptamaosambientesautoritários,masprecisamaprenderaviverdeformademocráticaemambientesdemocráticos.

Assim, a construção do bem comum pode se dar por iniciativas exclusivamente privadas.Entretanto, só aquelas assimiladas pelo Estado atingem uma condição de legitimidade(obrigatoriedadelegal),universalidade(alcancedetodososcidadãos)ecapacidadecoercitiva(puniçãoaos violadores) perante a sociedade (DYE, 2009). Por isso, dependendo do alcance que se pretendeparaapolíticapública,éimportantequeelasejaassumidapeloEstado.Oquecompõeumapolíticapública?a)Osprocessos

É comum a percepção de que uma política pública é um documento, em geral, uma lei. Já foiapontado, no item anterior, que não. Dye (2008) aborda esse tema em seu trabalho e defende queumapolíticapúblicanãopodeserreduzidaaoseuconteúdo(ouseja,aosdocumentos,comoumalei),masdeveserampliadaeincorporarosprocessosqueacontecemdentrodosistemapolítico(istoé,asrelações),pormeiodosquaisosconteúdossãoproduzidos.Comaintenção,entreoutrascoisas,desecaptarem esses fenômenos inseridos nos processos, foram criadosmodelos de análises de políticaspúblicas, que são abordados por diferentes autores (DYE, 2008, 2009; SOUZA, 2006; FREY, 2000;LABRA,1999).Apesardeseremvariadosnoescopoenoenfoque,oesforçodetodoseleséodetornarmaisvisível“ocarátererráticodaaçãopública”(ARRETCHE,1998,p.2),istoé,darenquadramentoeorganizaçãoaumprocessoqueé,naprática,difuso.

A título de ilustração, e para colaborar com a resposta da questão acima, um desses modelosseráabordado,oquelevaemconsideraçãoasdimensõesdaspolíticaspúblicas.ConformemostraFrey(2000), os conteúdos materiais concretos representam apenas uma dimensão da política pública, edevem ser pensados como uma resultante de forças de outras duas: a institucional e a política. Adimensãoinstitucionalserefereàsinstituiçõeseàsdinâmicasdasinstituiçõesenvolvidasnoprocesso;e a dimensão política, às relações políticas e aos interesses presentes. Para o autor, em qualquersituaçãode elaboraçãoe implantação depolíticas públicas, sobremaneiraaquelas participativas queenvolvem um conjunto diverso de atores, todas essas três dimensões precisam ser consideradas, jáque estarão presentes implícita ou explicitamente e exercerão influências sobre os conteúdosproduzidos.

Na Oca, as experiências de pesquisa e extensão com políticas públicas têm sugerido, ainda, aincorporaçãodeduasoutrasdimensõesàstrêslistadasacima,queenglobemosaspectosindividuais(cognitivosepsicológicos)dosparticipantesepsicossociais(relativosaogrupoemsi).

Processosdedelineamentoeimplementaçãodepolíticaspúblicasnosquaisosatoresignoramadimensão institucional, política, psicossocial e individual, e concebem apenas os aspectos técnicospresentes nos conteúdos, tendem a ser rapidamente surpreendidos por entraves e questõesprovenientes delas, que, por sua vez, precisarão ser incluídas, aumentando a complexidade e ademandadehabilidadesdeseusparticipantes.b)Osconteúdos

Em termos de conteúdos, entretanto, uma política pública desejável para um determinadoterritório – completa na sua capacidade de explicitar motivos, propor ações e implantá-las – deveconterumalei,umprogramaeumadotaçãoorçamentária.Ouseja,osconteúdossãomeioscriadoscomoobjetivodegarantir,ouaumentarasgarantiasdeimplementaçãoplenadapolítica,eorquestrarasuaconsecução.

A lei, como colocado acima, traz a legitimidade, a universalidade e a capacidade coercitiva àsintençõespresentesnapolítica.Apesardenãogarantirseuprópriocumprimento(poisháleisquenão“pegam”),eladárespaldoparaaquelesquereivindicamaconsecuçãodaação.Oprograma,porsuavez,temcomofunçãodetalhareorganizarasuaimplantação.Eledevedeixarclaroocontextodentrodo qual a política está sendo proposta, explicitando as utopias (aonde se quer chegar), a situaçãosocioambientaldoterritórioaoqualsedestina,osconceitosutilizados(paraqueseevitempalavraseexpressões vazias de sentido e significado, abundantes nos discursos ambientalistas), os propósitos(objetivos)easformasdeimplantação.

O ProFEA (BRASIL, 2006) traz em seu bojo uma excelente visualização para a criação de umprograma de Educação Ambiental, com a distinção de três marcos: o situacional (situaçãosocioambiental atual), o conceitual (o detalhamento semântico dos conceitos e a determinação dos

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princípiosevaloresaseremconstruídospeloprocessoeducativo)eooperacional(ocomofazer).Porfim, a dotação orçamentária é essencial para o cumprimento de qualquer ação, e precisa estarexplicitadaeassegurada,seoobjetivoéosucessonoprocessodeimplantação.

Acondiçãoideal(apresençadostrêsitensacima,concomitantemente)deveservistacomoumhorizonte a ser alcançado em um determinado território, apesar de nem todas as políticas públicascontaremcomela(muitasvezesnãoháumalei,apenasoprograma;outras,háumaleieoprograma,masnãooorçamento;eainda,nãoháalei,oprogramaouoorçamento,eapolíticasedáapenascoma consecução de ações). Da mesma forma, é importante também ressaltar que a conquista desseestágiodesejado(ostrêsitens)nãonecessariamenteocorresimultaneamente,masqueascondiçõesdevem ser semeadas para que a completa implantação da política pública seja alcançada com otempo.

Mais uma vez, é essencial que não se perca de vista que a construção da condição idealexplicitada acima é resultante de um processo entrecortado por diferentes vozes, interesses edinâmicas institucionais que, muitas vezes, colocam-se como obstáculos para que o processo sejarealizado na sua totalidade. Isso significa, a rigor, que a “condição ideal” não será suficiente, porexemplo, se os atores envolvidos no processo de implantação não forem capazes de conviver edialogar,ousenãoforemconstruídascondiçõesparaqueasinstituiçõesatuemconformepreconizado.

Assim,ocaminhoparaaconstruçãodeumapolíticapúblicadeEAprecisaserencaradotambémcomo um contexto de aprendizado sobre essas dinâmicas individuais, coletivas, políticas einstitucionais, aprendizado que representa justamente o refinamento das relações democráticas dasociedade.ComentáriosFinais

Cadavezmais,educadoreseeducadorasambientaisestãosendorequisitadosparaparticipardeprocessosdedelineamentoeimplementaçãodepolíticaspúblicas,sejacomofuncionáriospúblicosoucomoeducadoreseeducadorasambientais,afiliadosounãoaoutras instituições.Arealidadeéque,independentementedasfunçõesassumidas,essesprofissionaistêmpercebidoassériaslimitaçõesdasações individualizadas e, portanto, o caminho das políticas públicas deverá ficar cada vez maispresenteemsuasvidas.

Entretanto, isso os insere em um universo que não faz parte de suas formações, em geral.Consequentemente, são necessárias iniciativas que facilitem seus trânsitos dentro dessa nova (paramuitos)seara.MuitodoesforçofeitonaOca,atualmente,énessesentido:entendermelhorcomosedão os processos de políticas públicas nas suas linhas gerais e também nas peculiaridades decontextosespecíficos.

Oobjetivodestetextofoiodeapresentareelaborarrespostasparaduasquestões,quepodemser consideradas básicas, mas que são fundamentais para que os educadores e as educadorasambientaiscompreendammelhorseuspapéisnosprocessosdepolíticaspúblicasqueparticipam.Defato,sãoduasquestõesque,pormuitotempo,perturbaramumdosautoresdotexto.

Éclaroqueasduasquestõeslevantadaseasformulaçõesdesuasrespostasnãosolucionamcomprofundidade o assunto tratado. São apenas convites para que o leitor, já com uma sugestão deorganizaçãodotema,aprofunde-seemcadaumadelaseseenveredepelo“carátererráticodaaçãopública”,deArretche(1998,p.2),levanteetraganovassugestõesderespostasparaquestões.Nestesentido, sugere-se aqui a leitura completa da obra “Políticas Públicas e Desenvolvimento: basesepistemológicasemodelosdeanálise”,daqualváriasreferênciasadotadasnestetextoforamtiradas(HEIDEMANNeSALM,2009).Seoresultadoparaoleitorforomesmoqueparaosautoresdestetexto,a obra descortinará um universo interessante, levará à busca de outras referências e, na prática,colaborará para a compreensão dos fenômenos que ocorrem nos processos de elaboração eimplementaçãodepolíticaspúblicas.

Além disso, sugere-se também o estudo de outros textos que abordam a Educação Ambientalenquanto política pública no Brasil. Apesar de relativamente recentes, já há uma históriainstitucionalizada das políticas públicas de EA no país que precisa ser conhecida. Para tal, indica-seaqui,parauminício,aleituradoProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental(ProNEA)(BRASIL,2005),quefazumaboaabordagemhistóricadaspolíticaspúblicasemEA,alémdosdoistextoscoautoradospor Sorrentino, presentes nas Referências. Desses três, certamente surgirão novos caminhos deinteresse.

Porfim,oaprofundamentonasdimensõesindividualepsicossocial–sugeridasnestetextoparacomporemocampodeanálisedepolíticaspúblicasaoladodasdimensõespolítica,institucionaledeconteúdos–podesedarcomumaaproximaçãocomocampodapsicologiasocial,doqualdestacam-se,porora,Lewin(1951,1989)eTassaraeArdans(2005);ecomateoriaoperacionaldodiálogo,notextodeaberturadestaobra.REFERÊNCIASARRETCHE,M.T.S.Tendênciasnoestudosobreavaliação.In:RICO,E.M.(Org.).Avaliaçãodepolíticassociais:umaquestãoemdebate.SãoPaulo:Cortez,1998.BERNARDONI,D.L.;SOUZA,M.C.de.;PEIXE,B.C.S.Fortalecimentodafunçãoavaliaçãodepolíticaspúblicas:estudodecasodoprocessodeavaliaçãodapolíticadeempregoerendadaSecretariadoEstadodoTrabalho,

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Emprego e Promoção Social do Paraná. In: PEIXE, B. C. S. et al. Gestão de políticas públicas no Paraná.ColetâneadeEstudos.Curitiba:Progressiva,2008,p.381-393.BRASIL.ProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental.MinistériodoMeioAmbiente.DepartamentodeEducaçãoAmbiental.MinistériodaEducação,Coordenação-GeraldaEducaçãoAmbiental.3.ed.Brasília:MMA,2005._______.ProgramaNacionaldeFormaçãodeEducadoras(es)ambientais:porumBrasileducadoeeducandoambientalmenteparaasustentabilidade.SérieDocumentosTécnicos,n.8.Brasília:ÓrgãoGestordaPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental,2006.DYE,T.R.Mapeamentodosmodelosdeanálisedepolíticaspúblicas.In:HEIDEMANN,F.G.;SALM,J.F.(Orgs.).Políticaspúblicasedesenvolvimento:basesepistemológicasemodelosdeanálise.Brasília:UNB,2009,p.99-129._______.Understandingpublicpolicy.12.ed.NewJersey:PearsonPrenticeHall,2008.FREY, K. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticaspúblicasnoBrasil.Planejamentoepolíticaspúblicas,n.21,p.211-259,jun.2000.HEIDEMANN,F.G.Dosonhodoprogressoàspolíticasdedesenvolvimento. In:HEIDEMANN,F.G.;SALM,J.F.(Orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UNB,2009,p.23-39.HEIDEMANN,F.G.;SALM,J.F.(Orgs.).Políticaspúblicasedesenvolvimento:basesepistemológicasemodelosdeanálise.Brasília:UNB,2009.KEHRIG,R.T.PolíticasPúblicas.3.ed.Palhoça:UnisulVirtual,2006.LABRA,M.E.Análisedepolíticas,modosdepolicy-makingeintermediaçãodeinteresses:umarevisão.Rev.SaúdeColetiva,RiodeJaneiro,v.9,n.2,p.131-166,1999.LEWIN,K.Fieldtheoryinsocialscience.NewYork:Harper&Row,1951._______.Problemasdedinâmicadegrupo.9.ed.SãoPaulo:Cultrix,1989.RAMOS,A.G.Amodernizaçãoemnovaperspectiva:embuscadomodelodapossibilidade.In:HEIDEMANN,F.G.; SALM, J. F. (Orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise.Brasília:UNB,2009,p.41-79.REZENDE,U.S.Antropologiafundamentaleteoriadasorganizações.In:HEIDEMANN,F.G.;SALM,J.F.(Orgs.).Políticaspúblicasedesenvolvimento:basesepistemológicasemodelosdeanálise.Brasília:UNB,2009,p.79-91.SALM, J.F.Comentário:TeoriasPeasalternativasparaco-produçãodobempúblico. In:HEIDEMANN,F.G.;SALM,J.F.(Orgs.).Políticaspúblicasedesenvolvimento:basesepistemológicasemodelosdeanálise.Brasília:UNB,2009,p.84-91.SANTOS,B.deS.Acríticadarazãoindolente:contraodesperdíciodaexperiência.6.ed.SãoPaulo:Cortez,2007.SORRENTINO, M.; NASCIMENTO, E. P. do. Universidade e políticas públicas de Educação Ambiental. RevistaEducaçãoemFoco,v.14,n.2,set.2009/fev.2010.SORRENTINO,M.;TRAJBER,R.;FERRARO-JÚNIOR,L.A.EducaçãoAmbientalcomoPolíticaPública.EducaçãoePesquisa,SãoPaulo,v.31,n.2,2005.SOUZA,C.Políticaspúblicas:umarevisãodaliteratura.Sociologias.PortoAlegre,ano8,n.16,p.20-45,jul.-dez.2006.TASSARA, Eda T. de O. & ARDANS, Omar. Intervenção psicossocial: desvendando o sujeito histórico edesvelando os fundamentos da Educação Ambiental crítica. In: FERRARO JÚNIOR, Luiz Antonio (Org.).Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA/DEA,2005,p.203-216.

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EDUCAÇÃOAMBIENTALNAFORMAÇÃODEJOVENSEADULTOS99

SimonePortugalMarcosSorrentino

MoemaViezzerOobjetivodestetextoéapresentarargumentosquereforcemaurgentenecessidadedeseincluir

decididamenteaEducaçãoAmbientalnaformaçãodejovenseadultos,demonstrandoarelevânciaeanecessidadedeconvergênciaentreações,políticas,programaseprojetosdeEducaçãoAmbiental(EA)edeeducaçãodejovenseadultos(EJA).

Acentralidadedeambas,edeumaparaaoutra,sejustificanãoapenasconjunturalmente,mashistoricamente,tendoemvistaaurgênciaeafragilidadedasperspectivasdesustentabilidadeparaahumanidadenoPlanetaTerra.

Não bastam alguns adultos falando para as crianças serem diferentes deles, a fim de que oPlanetasobrevivaouparaqueelas tenhampossibilidadedeumfuturomelhor.Nãohácomoeducarcrianças,asnovasgerações,paraoenfrentamentodasmudançassocioambientaisglobais,semqueosadultosseeduquem.

Énecessárioqueas sociedadeshumanasdeemo testemunhode umprofundo compromisso edisposiçãonaconstruçãodessasmudançasparaofuturodaespécie.Mudarcomportamentosevaloresexigeeducaçãopermanenteecontinuada,portodososporos,emtodososmomentosesituaçõesdenossaexistência.Issopareceóbvioenãoprecisariaserditoaeducadoraseeducadores.Noentanto,ahistóriadeeventosedocumentosrelacionadosàeducaçãodejovenseadultosrevelaqueessetemaaindamerecepequenaatenção.

O que tem a ver a Educação Ambiental com processos migratórios e com a educação dasmulheresehomensimigrantes?QuecontribuiçãopodetrazeraEAnoenfrentamentodapobreza,dadesigualdade econômica, social e cultural e na aprendizagem de pessoas jovens e adultas? Comoambientalizaraeducaçãodejovenseadultos,particularmenteemprocessosdealfabetização?Qualoverdadeiro preço da Educação Ambiental transformadora no delineamento e implantação de novaspolíticaselegislaçõesdeEJA?Retornaremosaessasquestõesaolongodoartigo.OTratadodeEducaçãoAmbientalparaSociedadesSustentáveiseResponsabilidadeGlobal

O “Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”resultouda1ªJornadadeEducaçãoAmbiental,realizadanoRiodeJaneiro,em1992,duranteoFórumGlobal,eventoparaleloà2ªConferênciadasNaçõesUnidassobreMeioAmbienteeDesenvolvimento,aRio92.

Produzido durante um ano de trabalho internacional, o Tratado contou com a participação deeducadoras e educadores de adultos, jovens e crianças de oito regiões domundo (América Latina,América do Norte, Caribe, Europa, Ásia, Estados Árabes, África e Pacífico do Sul) e foi inicialmentepublicadoemcincoidiomas:português,francês,espanhol,inglêseárabe.

Alémdeservirdeapoioàaçãoeducadora,inspirouacriaçãodeOrganizaçõesdaSociedadeCivileRedesdeEducaçãoAmbiental.

OsprincípiosqueconstamnoTratadoequehojeinspiramaatuaçãodeinúmerasiniciativasdeEAemtodooPlanetasão:

1.Aeducaçãoéumdireitodetodos;somostodosaprendizeseeducadores.2.Aeducaçãoambientaldeve ter comobaseopensamentocríticoe inovador,emqualquertempooulugar,emseusmodos,formal,nãoformaleinformal,promovendoatransformaçãoeaconstruçãodasociedade.3. A educação ambiental é individual e coletiva. Temo propósito de formar cidadãos comaconsciêncialocaleplanetária,querespeitemaauto-determinaçãodospovoseasoberaniadasnações.4.Aeducaçãoambientalnãoéneutra,masideológica.Éumatopolítico.5.Aeducaçãoambientaldeveenvolverumaperspectivaholística,enfocandoarelaçãoentreoserhumano,anaturezaeouniverso,deformainter-disciplinar.6.Aeducaçãoambientaldeveestimularasolidariedade,aigualdadeeorespeitoaosdireitoshumanos,valendo-sedeestratégiasdemocráticasedainteraçãoentreasculturas.7.Aeducaçãoambientaldevetratarasquestõesglobaiscríticas,suascausaseinter-relações,em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiaisrelacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais como população, saúde, paz,direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e da fauna, devem ser abordadosdessamaneira.8. A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos processos dedecisão,emtodososníveiseetapas.9. A educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e utilizar a históriaindígenaeculturaslocais,assimcomopromoveradiversidadecultural,lingüísticaeecológica.Isto implica uma revisão da história dos povos nativos para modificar os enfoques

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etnocêntricos,alémdeestimularaeducaçãobilíngüe.10. A educação ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas populações,promovendo oportunidades para as mudanças democráticas de base, que estimulem ossetorespopularesdasociedade.Istoimplicaqueascomunidadesdevemretomaraconduçãodeseusprópriosdestinos.11.Aeducaçãoambientalvalorizaasdiferentesformasdeconhecimento.Esteédiversificado,acumuladoeproduzidosocialmente,nãodevendoserpatenteadooumonopolizado.12. A educação ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem osconflitosdemaneirajustaehumana.13. A educação ambiental deve promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos einstituições, com a finalidade de criar novos modos de vida, baseados em atender asnecessidades básicas de todos, semdistinções étnicas, físicas, de gênero, idade, religião ouclasse.14.Aeducaçãoambientalrequerdemocratizaçãodosmeiosdecomunicaçãodemassaeseucomprometimentocomos interessesdetodosossetoresdasociedade.Acomunicaçãoéumdireito inalienável e os meios de comunicação de massa devem ser transformados em umcanalprivilegiadodeeducação,nãosomentedisseminandoinformaçõesembasesigualitárias,mastambémpromovendointercâmbiodeexperiências,métodosevalores.15.Aeducaçãoambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudeseações.Deveconvertercadaoportunidadeemexperiênciaseducativasdesociedadessustentáveis.16. A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas asformasdevidacomasquaiscompartilhamosesteplaneta,respeitarseusciclosvitaiseimporlimitesàexploraçãodessasformasdevidapelossereshumanos.(VIEZZEReOVALLES,1995,p.31).

AlgumasdiretrizesparaaaçãoforampropostasnoTratado:1.Modelarosprincípiosdotratadoemmateriaisdidáticosparaseremutilizadosnosdiferentesníveisdosistemaeducativo;2. Atuar a partir das realidades locais, tratando, porém, de conectá-las com os problemasglobaisdoplaneta;3.Desenvolveraeducaçãoambientalemtodososâmbitosdaeducaçãoformal,informalenãoformal;4.Capacitarespecialistasparamelhoraragestãodomeioambienteeparaobterumamaior‘coerênciaentreoquesedizeoquesefaz’;5. Exigir aos governos que destinem percentagens significativas do seu orçamento para aeducaçãoemeioambiente;6. Transformarosmeiosde comunicaçãoem instrumentoseducativospluraisque sirvamdeplataformaaosprogramasgeradospelascomunidadeslocais;7.Promovermudançasnaprodução,noshábitosdeconsumoenosestilosdevida;8.Reconheceradiversidadecultural,osdireitosterritoriaiseaauto-determinaçãodospovos;9. Fomentar a educação e a investigação superior sobre a educação ambiental. (CARIDE eMEIRA,2001,p.199ApudPORTUGAL,2008,p.43).

Em2006,oTratado foi revisitadonoVEncontro Ibero-americanodeEA,em Joinvile/SC–Brasil.Também foi tema, em 2007, deWorkshop do Conselho Internacional de Educação de Adultos emNairóbi/Quênia,efoidivulgadoemAhmedabad/Índia,noCongressoInternacionalsobreos30anosdaPrimeiraCartadeEducaçãoAmbientaldeTbilissi(VIEZZEReOVALLES,2006).Pormeiodesseseventosinternacionais foi possível constatar a atualidade do Tratado, o que deu origem à 2ª JornadaInternacionaldeEducaçãoAmbiental.

A decisão por realizar a II Jornada do Tratado, tendo como ponto culminante a Rio 92/Rio+20,além de uma determinação daqueles que participaram da I Jornada, apontando a necessidade demonitoramento continuado e avaliação periódica do Tratado, fundamentou-se no simbolismo e naoportunidade política do ano de 2012, no delineamento dos caminhos que a humanidade deverápercorrernospróximosséculos.DesdeasprofeciasMaiasatéopaineldoIPCC,passandopeladecisãoda ONU e do governo brasileiro de realizar a Conferência, todas as projeções e cenários de futuroapontamparaaimportânciadessemomento.

Portanto, o desafio é construir um processo de debates e manifestações públicas que possacolocaraEAnocentrodaspolíticaspúblicas,capitaneadopororganizaçõesdaSociedadeCivil,comaparticipaçãodaUniversidade,doEstadoedeoutrosatoressociais.EAeEJA:encontrosecaminhos

Tomando como referência distintos exemplos de políticas, programas e projetos de EducaçãoAmbientalemdiversosespaçosetempos,pode-seafirmarapertinênciaeaspossibilidadesqueaEAcriaparaoenfrentamentodequestõesrelacionadasàeducaçãodejovenseadultos.

A busca pela transformação humana e social, e o estímulo à formação de sociedades justas eecologicamenteequilibradas,princípiosexpressosnoTratado,exigemoenfrentamentodascausasdadegradaçãohumanae social, emumaperspectivaglobal e sistêmica, apartir das realidades locais.Promover a diversidade cultural, valorizando as diversas formas de conhecimento e criando novosmodosdevida,emulandoexperiênciasdeautogestãodotrabalho,dosrecursosedosconhecimentos,

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deproduçãoeconsumosustentáveis.ParaPauloFreire(1987),éaconscientizaçãoquepossibilitaàspessoasinserirem-senahistória,

superandooconhecimentoimediatodarealidadeembuscadesuacompreensãoetransformação.A educação é um direito de todos e precisa ser vivenciada no sentido dialético/dialógico de

compreenderarealidade,transformando-aesendotransformadoporela,propiciandoasuperaçãodasestruturasinjustascomvistasàmudançadomundo(FREIRE,1997).

AEducaçãoAmbiental“temopropósitodeformarcidadãoscomaconsciêncialocaleplanetária,querespeitemaauto-determinaçãodospovoseasoberaniadasnações”(VIEZZEReOVALLES,1995,p.30).Atua“paraerradicaroracismo,osexismoeoutrospreconceitos(...)econtribuirparaumprocessodereconhecimentodosdireitosterritoriais”(Idem).

Igualmente importante é o papel das políticas públicas deEAe deEJA, paraqueasseguremodireito à aprendizagem sem discriminação por idade, gênero, raça, etnia, classe, orientação sexual,religião e aproximem os atores envolvidos, em direção à sinergia de ações e ao intercâmbio deinformações,aprimorandoasdiversaspráticasereflexõesexistentes.

UmabreveanálisededocumentospodeexemplificarademandaexistenteporEAnaEducaçãodePessoasJovenseAdultas(EPJA)easua,ainda,pequenarepercussãonaárea.

NoeditorialdaRevistaConvergência(2006)dedicadaàEA,BobHill,daUniversidadedaGeórgia,citaosartigosdessaedição,queforamapresentadosnoWorkshopsobreEAcoordenadoporMoemaL.Viezzer,comoparteda7thWorldAssemblyoftheInternationalCouncilforAdultEducation,intitulada“Adults Right to Learn: Convergence, Solidarity and Action”. Essa Assembleia, realizada emNairóbi/Quênia,emjaneirode2007,enfatizouaimportânciaquevemganhandoatemáticadaEAeoTratadoelaboradonaRio92,naEducaçãodePessoasJovenseAdultas(EPJA),elevouoICAEaretomarseucompromissocomaEA,particularmentecomoTratadodeEA.

Nessa Revista, além do próprio Tratado e das recomendações advindas do Workshop:“Environment, Ecology and Sustainable Development”, realizado na mencionada Assembleia,encontram-sealgumas resenhasde livroseartigosqueauxiliama conheceroestadodaartedestatemática. É o caso, por exemplo, da resenha do livro “Temas Mundiales y Educación de Adultos:PerspectivasparaAméricaLatina,SurdeÁfricayEstadosUnidos”(MERRIAMetal.,2006),naqualMingYeh-Leeapontaque,especialistasemeducaçãocontinuadaeeducaçãodeadultos,deváriaspartesdomundo, desenvolvem um discurso crítico sobre a globalização, e na terceira parte, sobre meioambienteesaúde,mencionamquetemascomo“educaçãoeativismoambiental”,dentreoutros,“têmsidomenosvisíveisnaliteraturadeeducaçãodeadultos(...)sendomuitoimportanteoseducadoresdeadultoscomeçaremaincorporarestalinhadeinvestigação”(p.143).

No artigo “Environmental Adult Educator Training: Suggestions for Effective Practice”, CaitlinSecrestHaugen(2006)escrevesobreaEducaçãoAmbientalcomo

un campo nuevo y emergente que se enfrenta a constantes cambios y desafios. (...) En untiempoenelquelaglobalizaciónamenazaeldesarrollosustentableentodoelmundo,esmáscrucialquenuncacomunicarideasclarassobrelaeducaciónmedioambientaldelaspersonasadultas, y sobre cómo ésta contribuye a la lucha contra la degradaciónmedioambiental (p.105).

Aautoraainda salientaqueumaanálisehistóricada literatura sobreEducaçãoAmbientalparapessoasadultas,revelaqueaáreadeformaçãoapresentasériascarências.

O relatório enviadopor Internet por Alberto Croce, da Fundação SES, enfatiza os princípios daEPJAbemcomoocaráteremancipatórioeinclusivoaelarelacionado.ProduzidonoFórumMundialdeEducação, realizado emBelém, em janeiro de 2009, nomarco do FórumSocialMundial, emeventosobreotema“Educaçãoparajovenseadultos,apartirdaperspectivadaeducaçãopopular”,resultoudereuniãoplenáriaquereuniumaisde500pessoas.

A necessidade de uma formação específica e continuada dos profissionais ligados à EPJA e daarticulaçãoentreoconhecimentopopulareoconhecimentohistoricamentesistematizadoéapontadaaolongodorelatório.Noentanto,aquestãoambientaleaEducaçãoAmbientalnãosãomencionadasnosprincípios,assimcomoemnenhumadasmuitasrecomendaçõesapresentadasnessedocumento:

Apartirdeestosprincipios,laacciónpedagógicadelaEPJAdebediferenciarsedelasprácticasymodalidadesdeenseñanzadesarrolladasaotrosnivelesydebeserorganizadaapartirdeunconceptocríticoqueseajustealafranjaetariadelaspersonas,sininfantilizarlas.Estosignificaque debe ser articulada con losmovimientos sociales para garantizar el engranaje entre elconocimientopopularyelconocimientosistematizadohistóricamente.

O meio ambiente é citado por Schemmann (2007) ao analisar os documentos e atividadespolíticasresultantesdaVConferência InternacionaldeEducaçãode JovenseAdultos,naperspectivada organização política mundial. O autor elenca as áreas temáticas para as quais se deve prestarparticular atenção, segundo a Declaração de Hamburgo e a “Agenda de Futuro”, documentos queforamadotadosnessaConferência.Nessesentido,meioambienteesaúdesãotemas,dentreoutros,presentesnaAgenda:

1.Educacióndeadultosydemocracia:eldesafiodelsigloXXI.2.Mejorarlascondicionesylacalidaddelaeducacióndeadultos.3.Garantizarelderechouniversalalaalfabetizaciónylaenseñanzabásica.4.Educacióndeadultos,igualdadyequidademlasrelacionesentrehombreymujerymayor

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autonomiadelamujer.5.Laeducacióndeadultosyelcambiantemundodeltrabajo.6. La educación de adultos em relación com el medio ambiente, la salud y la población...(SCHEMMANN,2007,p.174).

Para Tanvir (2007), questões contemporâneas como mudanças climáticas e alfabetizaçãoecológica, apesar de propostas por alguns para serem vinculadas ao contexto da alfabetização depessoasadultas,podemtirarofocodaquestãocentral–aalfabetização.

Emartigoqueanalisaosdesafioseoestadodaartedaalfabetizaçãodessaspessoas,oautorfaladadificuldadeembuscarumadefiniçãodealfabetizaçãoque seja reconhecidade formaunânimeelevantaalgunselementosparaessareflexão.

Paraele,emduasvisõesopostas,porumlado,existeumatendênciaemsesubestimarovaloreempoderamentopossibilitadospeloacessoàalfabetizaçãoeaprendizagemdaleitura,daescritaedocálculo:

Lagentepiensaqueelcontextodelaalfabetizacióndepersonasadultasnecesitaredefinirseyvincularse con cuestiones contemporâneas y emergentes como el cambio climático, lamigración,lasociedaddelconocimiento...(...)Dadosestoscontextos,huboumasugerenciadeincluir en la alfabetización de personas adultas temas como el calentamiento global, laalfabetización ecológica, la pedagogia ecológica y otros que tendrán que lidar con lasrealidadesdelcambioclimático(TANVIR,2007,p.139).

Poroutro lado,segundooautor,essaposturapodeenfraqueceradefesadeumfinanciamentoadequadoparaaalfabetização:

Noesútilintegrartodoloquelaspersonaspobresnecesitanaprender,yaquelaalfabetizaciónnoerradicalapobreza,aunqueayudaalaspersonasadirigirmejorsusvidas.Asíquemezclaralfabetización cuando nos referimos a otras competencias puede desdibujar o debilitar ladefensadeuna finaciaciónadecuadade la alfabetizacióndepersonasadultas como labaseparalaeducacióndeadultos(TANVIR,2007,p.139).

Tambémabordando os desafios da alfabetização de adultos, Soriano (2007) cita o fato de queorganizações da sociedade civil, como as organizações não governamentais, organizações deautoajudaefundaçõesdeempresas,definiramaalfabetizaçãodepessoasadultascomoacapacidadede utilizá-la para permitir a uma pessoa ser produtiva do ponto de vista econômico e participar deformasignificativadavidapolíticacomunitária.

Muitas inovações nessa perspectiva têm combinado a alfabetização com “el desarrolloempresarial,habilidadespara lavida,derechosde lamujer,agriculturasostenible,derechos legales,médio ambiente y demás temas importantes para la vida de las personas” (Ibidem, p. 197). Noentanto,paraaautora,aamplitudedessasintervençõesrequerarticulaçãodasnecessidadesbásicasdaaprendizagemdaspessoasadultaseasmedidasnecessáriasparaseterêxito.Umexemplocitadoacontece em programas de alfabetização do Timor Oriental, nos quais as mulheres aprenderam amelhoraraqualidadedevida,pormeiodacriaçãodecabras,masnãoadquiriramashabilidadesdealfabetizaçãoesperadas.

Essesdoisúltimosexemploscolocamumaquestãopertinente,masequivocada,sobreodilemade ampliar-se a abrangência da alfabetização de adultos para além dos aprendizados básicos daescritaedosnúmerose,comisso,perder-seofocoeaeficiência.

Fundamentados em distintos alfabetizadores de adultos, compreende-se que a leiturainterpretativa do mundo, nesse caso, especificamente, da problemática socioambiental, auxilia nosaprendizadosespecíficosdoferramentalbásicodaalfabetização.Seaeducaçãoautênticasedápelacomunhão dos indivíduos, mediatizados pelo mundo (FREIRE, 1987), fazendo emergir temassignificativosàbasedosquaisdeveseconstituiroseuconteúdoprogramático,“umdosequívocosdeumaconcepçãoingênuadohumanismoestáemque,naânsiadecorporificarummodeloidealde‘bomhomem’,seesquecedasituaçãoconcreta,existencial,presente,doshomensmesmos”(Ibidem,p.84).

É imprescindível o conhecimento crítico dessa situação presente e existencial, bem como areflexão sobre amaneira de estar e se inserir nomundo, a fim de se pensar a ação educadora epolítica,pois“existir,humanamente,épronunciaromundo,émodificá-lo.Omundopronunciado,porsuavez,sevoltaproblematizadoaossujeitospronunciantes,aexigirdelesnovopronunciar”(FREIRE,1987,p.78).

Aquestãosocioambiental,alémdetemagerador,podeedeveinduzirprocessosdealfabetizaçãoe de educação continuada, reforçando a permanência e incorporação das habilidades adquiridas epropiciandoacontinuidadedaalfabetizaçãonomundoeparaomundodaVida.

A partir dessas leituras, pode-se sintetizar a interpretação feita desses documentos em trêspontos:

1. A demanda explícita, porém genérica, em alguns textos e autores, por introduzir-se a questãoambientaleaEAnaformaçãodejovenseadultos.

2. As carências e lacunas epistemológicas, metodológicas, de técnicas e materiais de EA na EPJA,detectadapelaausênciadamençãoàtemáticaemmuitostextoseautores,ouempoucoscasos,pelaexplicitaçãodisto.

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3.Apequenapresençadeexemplosdeatividadesedepropostasconcretasde introduçãodaEAnaEPJA.

REAJA–umaverdadeiraRededeEducaçãoAmbientaldeJovenseAdultosEstesubtítulosintetizaapropostacontidanosparágrafosabaixo,deumconviteàarticulaçãodas

educadoras e educadores de jovens e adultos, e dos educadores e educadoras ambientais parainteragiremnocumprimentodesuasmissões.

REAJA, mais do que a sigla em português para “Rede de Educação Ambiental de Jovens eAdultos”, é um convite à ação; uma convocação ao atuar; à potência de ação; ao apoderar-seindividualmenteecoletivamentedestedesafiodeconstruirummundomelhor.

Reagiràmarédedesânimoeàssoluçõesautoritáriasouescatológicas,pormeiodoestímuloeapoioàpopulaçãode jovenseadultosdetodosospaísesecomunidadesdoPlanetaaassumiremacausaambientalista,asealfabetizaremnessesentidoeaseenvolveremcomaeducaçãoaolongodavida, permanente e continuada, com todos e de forma a articular distintos atores sociais naconsecuçãodesteobjetivo.

Aprenderaleromundoeapalavra,comodiziaPauloFreire;melhorarascondiçõesdevidaedossistemas de suporte à vida; capacitar-se para trabalhos que sejam sustentáveis e promovam aconstrução de sociedades sustentáveis; conhecer e transformar o ambiente como um processo demelhoriadassuasprópriascondiçõesdeexistênciaecomoumatodesolidariedadecomospróximosedistantesno tempoenoespaço,humanosenãohumanos.Enfim,educaçãoao longodavidacomoeducaçãoparaqueaVidacontinueaexistiresejacadadiamelhorparatodaseparacadaumadaspessoas,cidadãsecidadãos,quehabitameste“pequenoeaindabeloPlaneta”.

Autopiaserealizaquandoaspessoastêmosseussonhosesentem-seàvontadeparaenunciá-los e ouvir os dos outros, dialogando sobre eles,mapeando e diagnosticando os problemas que asdistanciam da sua materialização, definindo participativamente os passos de uma caminhada quepromovaastransformaçõesquenosaproximemdessessonhosque jánãosonhamossozinhosequeentão,comodizopoeta,tornam-serealidade.

Oenfrentamentodasmudançassocioambientaisglobaisemcurso,edasprevistas,nãoserealizasemEA. AsMetas doMilênio, aDécada da Educação para oDesenvolvimento Sustentável e outrasdistintas convenções e programas definidos como prioritários pelo conjunto das nações, não sematerializamsemEJA.

Acimade tudo, é umexcelentemomento para se questionar uma simplificação recorrente naspráticasdeEA,comoaexpressana frase“EAtemqueser feitacomcrianças,poisadultosnão têmmais solução”. Essa transferência de protagonismo dos adultos para as crianças nas tarefasrelacionadasàconstruçãodesociedadessustentáveisenodelineamentoe implementaçãodenovasmodalidadesdedesenvolvimento,écomplementada,emgeral,comaresponsabilizaçãodaescolapelamissãodeeducá-lase,muitasvezes,acompanhadapelodesejorepletodeculpaoudesacrifíciosdecolocarosfilhosemescolasprivadas,capazesdepromovertalredenção.

Éprecisoeducarascrianças,poiselas“sãoofuturodoplaneta”,mas,nãosefazaeducaçãodecriançassemaeducaçãodeadultos.

Equandoorecursoépoucoeprecisaserpriorizado:aquemdestiná-lo?Àeducaçãodascriançasouàdejovenseadultos?

Essa é uma falsa questão. A opção é por se educar os adultos na educação de crianças, naeducaçãoentrepessoasadultasenaformulaçãoeimplantaçãodepolíticasvoltadasàconstruçãodesociedadessustentáveisemqueascriançaseosadultospossamsereducadoseseeducaremnodiaadia.

Comisso,nãoseadvogaumretrocessonasconquistasdemocráticas,aindanãocompletamenterealizadas, de ensino fundamental universalizado para todas as crianças e jovens. Pelo contrário,afirma-sequesóhaverágarantiadessaconquistasehouverumadecididaaçãodoEstadoedetodososatores sociaisnaeducaçãode jovensepessoasadultas.A tesedefendidanesteartigoé sobreaessencialidadedaeducaçãodejovenseadultosparaaEducaçãoAmbiental(evice-versa)e,portanto,a importânciadessaseradotadacomoumpontocentraldeatuaçãodaspolíticaspúblicasdeEJA,epela Jornada do Tratado de EA, para que as sociedades aprimorem-se em direção aos ideaishumanistasdetodosostemposeespaços.

Estamos falando de ideais democráticos, socialistas, libertários, cristãos, taoistas e outrosenunciadosporprofetas,utopistasesonhadores,capazesdeapresentarcenáriosdefuturoepropostasde caminhos e procedimentos para materializá-los. Ideais que já mobilizaram imensas massashumanasemconquistasimportantes,masinsuficientesparagarantiramelhoriadaqualidadedevidadetodosedecadaumadaspessoasquehabitam,habitaramouvirãoaviveraqui.

A superação de diferentesmodalidades de imperialismos, colonialismos e invasões armadas, eimposiçõesculturais,aescolapúblicauniversalnoensino fundamental,adiminuiçãodamortalidadeinfantil,aampliaçãodasexpectativasdevida,ovoto livreeademocracia,podemserconsideradasimportantesconquistasdahumanidade.Maselasaindanãoestãopresentesnatotalidadedospaísesecomunidadesevêmacompanhadasdeumpacotedemodernidade (oCapitalismodehiperconsumo,sobre o qual nos fala Gilles Lipovetsky, em “A Felicidade Paradoxal”), que homogeneíza culturas eelimina a diversidade (dando supremacia à relação Eu-Isso em detrimento da relação Eu-Tu, como

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delasnosfalaMartinBuber),colocandoemriscoasobrevivênciadetodaaespéciehumana,alémdejáterpromovidoaextinçãooucomprometimentodasobrevivênciadediversospovos,línguaseinúmerasespéciesesistemasnaturais.

Jovenseadultosserão,cadavezmais,convocadosadefender,proteger,conservaroupreservaroseumeio,oambienteemquevivemeconstroemosseussonhosdefuturo.Semeles,nãoseráfeitaaeducaçãodascriançasenemsecriarãocondiçõesparaqueascriançasseeduquem.

Noentanto,ossentimentosdefuturoroubado,deausênciadeperspectivasdeexistêncianesteplaneta,deimpotênciaparaagir,dealienação,sonambulismoeangústiaqueextravasadastelasdetelevisão, que se desdobram em todos os tipos de niilismo, depressão e drogadição, sequestramnossos sonhos e potência de ação, e nosmantêmnum ciclo catatônico e individualista, incapaz dereverter o atual quadro de degradação socioambiental. É disso que fala Roger Garaudy (1981), em“ApeloaosVivos”,ouZygmuntBauman,em“Comunidade”(2003)eem“ModernidadeLíquida”(2001),ou de ‘cegueira branca’, como expressa Saramago em seu livro filmado por Fernando Meireles –“EnsaiossobreaCegueira”.

Asinformaçõesfragmentadassobreo“aquecimentoglobal”eseusnexosdecausalidadecomomodo de vida hegemônico na contemporaneidade podem nos despertar? Ou, pelo contrário, otratamentodadopelamídia,oexcessode informaçõeseo individualismoconsumistacadavezmaisnos distanciam da atuação transformadora, individual e coletiva, pelo Bem Comum e pela causapública?

Comoépossívelquegovernosdepaíses inteiros,grandescorporaçõesedistintasorganizaçõesda sociedade civil não invistam na educação de pessoas adultas? E como permanecer ignorando aquestãoambientalnaformaçãodejovenseadultos?

Essa questão traz outras, em decorrência: Como abrir espaços para a realidade, local eplanetária, social e ambiental, para que a educação de jovens e adultos seja para a Vida, para aconstruçãodamelhoriadaqualidadedevidadetodosedecadaum?ComotransformaraEJAempré-requisitoparatodasasdemaiseducaçõeseparatodososprogramaseprojetosdedesenvolvimento,culturaisesociais?ComonãolimitaraEJAàalfabetizaçãonalínguaoficial,aoaprendizadobásicodeMatemáticaeaalgunspoucosoutrosconhecimentosgerais?OqueseesperadaEJA?

Espera-seque,alémdedifundiroTratadodeEAparasociedadessustentáveiseresponsabilidadeglobal, levando-o para o conhecimento e debate crítico de jovens e adultos, onde estiverem, a EJApromova o envolvimento participativo deles, como educadores e educadoras ambientais, junto aosseus grupos sociais. Espera-se também e, principalmente, que a EJA promova a interpretação e odebate sobre asdistintas realidades socioambientais, locais e globais, e o compromisso individual ecoletivo com ações voltadas à sua transformação no sentido do Bem Comum – da conservação,recuperação,emelhoriadomeioambienteedaqualidadedevidadetodosetodas.Portanto,espera-sequeaEJA:

1.Propicieodiálogoeodebatecríticosobrearealidadesocioambientalentrepessoasjovenseadultas,eoscaminhosparaaparticipaçãoindividualecoletivanaconstruçãodesociedadessustentáveis;

2. Utilize o Tratado de EA como oportunidade para a formação de Círculos de Cultura para aAprendizagem Participativa sobre Meio Ambiente e Qualidade de Vida, relacionando-o com outrasCartasqueahumanidadeconstruiuemâmbitoplanetário, comvistasaum futuro sustentável, emparticularaCartadaTerra;

3.Promovaaformaçãoe/oufortalecimentodeColetivosEducadoresqueaproximemeunamesforçosde organizações ambientalistas e educadoras, e elaborem e implementem projetos político-pedagógicos territoriais, voltados a incrementar a potência de ação dos educadores e educadorasambientaispopulareseminterfacecomosdiversosatoressociais.

PolíticasPúblicasdeEAnãopodemsermonoculturais.Issosignificaquenãobastaencontrarboaspropostaseconsiderá-lasúnicas,masfaz-seurgentelidarcomadiversidade,nadiversidadeeparaadiversidade de atores e suas necessidades, demandas, propostas e alternativas de solução para aconservação,recuperaçãoemelhoriadomeioambienteedaqualidadedevidadetodosedecadaumdosindivíduos,espécies,sociedadesesistemasnaturais.

Nesse sentido, algumas propostas implantadas no campo escolar nos últimos anos, no Brasil,merecemsercitadas,taiscomo:PlanoCurricularNacional(PCN),PlanosCurriculares(PCNs)emAção,Com-Vidas (Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida nas Escolas), Educação AmbientalSequencial,ConferênciaNacionalInfanto-JuvenildeMeioAmbiente,propostasdetransversalidadepormeio de projetos ou estudos domeio, Centros de EA, dinâmicas de grupo sobre temas ambientais,arte-EducaçãoAmbiental,clubesdeecologia,ouaretomadadeumadecisãoquejápareciasuperada:adecriarumadisciplinadeEA.

Na educação não escolarizada, outro tanto de propostas podem ser mencionadas, tais como:Salas Verdes (telecentros de Educação Ambiental), Coletivos Educadores (com representação dediferentes atores sociais), Educação na Gestão Ambiental, Educação Ambiental no Licenciamento,Educação Ambiental em Unidades de Conservação, Círculos de Aprendizagem Participativa sobre

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AmbienteeQualidadedeVida,legislaçãoefiscalizaçãoambientaisaprimoradas,dentreoutras.Mas todas essas propostas não são e nem serão suficientes para promover uma simples

afirmação:somostodoseducadosambientalmente.Educaçãoéprocesso,ecomotal,deveserpermanenteecontinuado,portodaavida,promovido

de forma articulada por todas as instituições e pessoas que atuam em cada território, semprebuscandoatotalidadedosparticipantesdessesterritórios.

OpapeldapolíticapúblicadeEAéaproximaradiversidadedeatoresdessecampoequecomelepodemcontribuirepropor-lhes,dentrodaslimitaçõesepotencialidadesobjetivasesubjetivasdecadarealidade,asinergiadeaçõeseointercâmbiodeinformaçõesquepossibilitemoaprimoramentodasdiversas práticas e reflexões existentes. É procurar atuar de forma integrada e integradora,promovendotodaadiversidadedeiniciativasestruturantesquepossibilitemcadaterritóriopromoverasuaEducaçãoAmbiental.

É a partir da realidade local que precisa ser exercitada constante e continuadamente asolidariedadesincrônicaediacrônica,ouseja,asolidariedadecomamanutençãoemelhoriadavidadetodasetodososqueagoracompartilhamesteplanetaecomaquelesqueaindavirãoahabitá-lo.Daíaimportânciadesebuscarmodosdeproduçãoedeconsumosustentáveis.

“Umoutromundoépossível!”.SobreessaafirmaçãoqueacompanhatodasasediçõesdoFórumSocialMundialdesdesuacriação,pairammuitasdúvidas,especialmenteemtemposdecrisefinanceirae econômica planetária, mudanças socioambientais globais associadas ao aquecimento da Terra,guerrase investimentosemarmamentosemtodososcontinentes,ampliaçãodonúmerodepessoasmiseráveiseabaixodalinhadepobreza,etantosoutrosdadosquenosdesanimam.

Mascomonapalavra‘dúvida’(emportuguês)estáabrigadaapalavraVida,eenquantohouvervida, haverá dúvida e esperança, é possível acreditar que sim, um outromundo é possível, outrassociedadeshumanassãopossíveis,massãoeserão forjadaspelossereshumanosnoseudiaadia.Não haverá OVNIs ou seres extraterrestres que mostrarão os caminhos, nem soluções milagrosastiradasdacartolaporumoualgunsdosaproximadamente200chefesdosEstados-naçõesquehojefalam em nome do planeta. As soluções terão que ser construídas, pactuadas entre nações, entredistintosatoressociais,entreenascomunidadeslocais,emcadafamíliaeentreindivíduos.“Umoutromundoépossível”,sim.Mas,paraconstruí-lo,precisamosdeeducaçãoparatodosetodas.

Essa afirmação reitera a esperança de que pela educação se contribui para esse outromundopossível, ou seja, seoutromundoépossível, é inequívocaa contribuiçãodaeducaçãopara forjá-lo.Parecequedissonãorestamdúvidas,masquandosepensasobrequaleducaçãoecomoelainteragecom os distintos modos de produção e consumo, com os desejos e utopias, com as necessidadesmateriais,simbólicasounão,comasideologiasesistemaspolíticos,aíodebateesquenta.

É urgente a necessidade de transformar cada escola em centro de irradiação de processos deeducação permanente, continuada, ao longo de toda vida, complementando processos deescolarizaçãodepessoas jovenseadultas,masacimade tudo,propiciando-lhesacessoaprocessoseducadores, como os que são fomentados pelo espírito dosCírculos deCultura propostos por PauloFreire. A criaçãodeCírculos ouComunidades deAprendizagemParticipativa sobreMeioAmbiente eQualidadedeVida, sediadanasescolas,oudeoutrosequipamentossociaispúblicosecomunitários,podepossibilitartaissituaçõesde interpretaçãocríticadosocioambiente,dentrodeumaperspectivadeincrementodapotênciadeagir,individualecoletiva,pelamelhoriadaqualidadedevida.

O delineamento e a implantação de políticas públicas comprometidas acontecem com ofortalecimento das bases organizadas da sociedade, estimuladas a se articularem em ColetivosEducadores em cada um dos diversos territórios de cada país. Coletivos, capazes de elaboraremProjetos Políticos Pedagógicos Participativos com as instituições e os habitantes desses territórios,destinadosa fomentareapoiara formaçãodaseducadorasedoseducadoresambientaispopulares,pormeiodasComunidadesouCírculosdeAprendizagemmencionadosnoparágrafoanterior.

AarticulaçãodessesatorespormeiodeumaimensaRedeplanetáriadestinadaa interligareafortalecer as ações de Educação Ambiental de pessoas Jovens e Adultas, são alguns doscompromissosquepodemcontribuirnessesentido.

Aquientramosnumoutro terrenoqueexigeaprofundamentoediálogo:aDécadadaEducaçãoparaoDesenvolvimentoSustentável (EDS),promovidapelasNaçõesUnidas.ConformeosdebatesedocumentosaprovadosduranteaConferênciasobre30anosdeTbilissi,emAhmedabad/Índia(2007),bemcomooutros textos queprocuramabsorver as energias contestadoras e libertáriasmobilizadaspelo Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, essaDécada não logra propor, sob a égide do desenvolvimento sustentável, a promoção dastransformações profundas que o momento exige. Sequestrando tais energias e movimento para ocampo da manutenção do “status quo”, com medidas mitigadoras e adaptativas, em geral vemdesenvolvendo ações que permitirão apenas uma recomposição das forças de mercado e o nãoenfrentamentodascausasmaisprofundasdadegradaçãoambiental,socialehumana.

É preciso a introdução e o desenvolvimento da EA na EJA (ou EPJA), trabalhando-a com aprofundidade que a educação popular exige, comprometida com a criação de políticas públicasdestinadas ao fortalecimento de Coletivos Educadores e Círculos ou Comunidades de AprendizagemParticipativa sobre Meio Ambiente e Qualidade de Vida em todos os campos da educação e,explicitamente,emprocessoseprogramasEJA,ecomapoioàcriaçãodeumaRedeInternacionalde

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CONTROLEJUDICIALDEPOLÍTICASPÚBLICAS,MEIOAMBIENTEEPARTICIPAÇÃOPOPULAR

IsisAkemiMorimotoMarcosSorrentino

1.INTRODUÇÃOAo iniciarmos o estudo sobre o controle judicial de Políticas Públicas, interessava-nos

compreenderofuncionamentodeumprocessoquenospareciatratar-sedemaisumaalternativaouinstrumentovoltadoàproteçãoambientalnoBrasil,nocaso,aviajudicialvisandoàelaboraçãoe/ouimplementaçãodePolíticasPúblicasnaáreaambiental.

Nodecorrerdapesquisa,tivemosaconfirmaçãodequeaefetividadedosdireitosfundamentaisconstitucionalmenteinstituídos,dentreeles,odomeioambienteecologicamenteequilibrado(Art.225da CF/88), está diretamente relacionada às prestações positivas do Estado. No entanto, o uso docontrole judicial para a garantia destes direitos encontra-se cercado de uma série de questõesessenciaisquenosapontamacomplexidadedaquestão,dasquaisdestacamos:discussõessobreumapossível ofensa à Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu, que considera primordial aindependênciadasfunçõesjudicial,legislativaeexecutivadoEstadoparaamanutençãodaliberdadesocial;aEficáciadasNormasConstitucionais,discutindo-seaautoaplicabilidadeounãodosdireitosfundamentaisestabelecidospelaConstituiçãoFederal; anecessidadedeestabelecer-seum limiteàsdemandas que podem ser reclamadas ao Estado através de ações judiciais, abordado por diversosautorescomosendooMínimoExistencialquegarantavidadignaaoscidadãos;aescassezderecursospor parte da Administração Pública para atender a todos os direitos previstos constitucionalmente,adotando-se o conceito de Reserva do Possível; a Razoabilidade das demandas, buscando-se oequilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados; e finalmente, a Eficácia dasDecisõesJudiciaisnoControledePolíticasPúblicas.

Compreendendo melhor este instrumento, aparentemente dissociado daqueles usualmentetrabalhadosemEducaçãoAmbiental(sensibilização,reflexãointerna,exercíciodacidadaniaativaetc.)e orientados pelos pilares balizadores dos processos educadores para sociedades sustentáveis,adotados pelo Laboratório de Educação e Política Ambiental (OCA)100, tivemos a grata surpresa deverificar que a Participação Popular configura também um aspecto primordial para que o controlejudicialdePolíticasPúblicaspossaocorrerdeformacoerentecomarealidadedenossopaís,ondeháescassez de recursos públicos, má distribuição de renda, pouco ou nenhum diálogo entre os entespúblicoseprivadosetc..

Destemodo,pretendemosdiscorrersobreasquestõesrelacionadasacimacomosendoessenciaisparaacompreensãodacomplexidadedocontrolejudicialdePolíticasPúblicas,bemcomoassociá-lasaos temas ligados à pesquisa que desenvolvemos junto ao Programa de Pós-Graduação emCiênciaAmbiental (PROCAM/USP), quais sejam: Educação e Popularização do Direito Ambiental e PolíticasPúblicasdeMeioAmbiente.2.BREVEHISTÓRICOEAQUESTÃODASEPARAÇÃODOSPODERES

Pretende-se iniciaresteestudoporumaanálisedocontextohistóricoemquesurgeoControleJudicialdePolíticasPúblicasnoBrasil.Acomeçar,destaca-seque,conformenosensinaoProf.DalmoDallari (2007),aTeoriadeSeparaçãodosPoderes,deMontesquieu, foiconsagradaemummomentohistórico, o Liberalismo, em que se objetivava o enfraquecimento do Estado e a restrição de suaatuação em nome de uma liberdade individual, ou seja, buscava-se a proteção do indivíduo daingerênciadoEstado.Noentanto,comaRevoluçãoIndustrial,asmassasoperáriaspassaramaassumirmaiorrelevâncianocenáriosocial,apresentandodiversasreivindicações.

Ocorreu, então, um processo de transição do Estado Liberal para o Estado Social, quando apostura de não intervenção por parte do Estado modificou-se para um posicionamento voltado aatender às obrigações de prestação de serviços direcionado ao bem comum e a busca por umaigualdade material entre os componentes do corpo social (GRINOVER, 2009). Surgiram, assim, asPolíticas Públicas, aqui entendidas como programas, ações ou conjunto de medidasarticuladas/coordenadas,cujoescoposeriamovimentaramáquinadogoverno,nosentidoderealizaralgumobjetivodeordempúblicaou,naóticadosjuristas,concretizarumdireito(BUCCI,2006).

No entanto, com o passar do tempo, notou-se que alguns serviços oferecidos pelo Estado nãoestavam sendo suficientes para garantir o atendimento das necessidades dos cidadãos em suaintegridade.Passou-se,assim,aoquestionamentosobreoquepoderiaserfeitoparainstigaracriaçãoouamelhoriadePolíticasPúblicasemdiversasáreasdeinteressesocial.

ComoadventodaAçãoPopularedaAçãoCivilPública,diversosprocessosforamabertoscomointuitodesolicitardoEstadoprestaçõesqueatendessemàsdemandasmaisurgentesdoscidadãoseda coletividade, tais como: a distribuição de remédios, a construção de escolas, o oferecimento deleitos em hospitais, a disponibilização de rampas em locais públicos para garantir o acesso aos

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portadoresdenecessidadesespeciaisetc..MaspoucoslitígiosdemandavamacriaçãooumelhoriadePolíticasPúblicasqueestendessemosbenefíciosdestasdecisõesparatodaasociedade.

Naáreaambiental,não foidiferente.EmboramuitasaçõestenhamsidomovidasporentidadesambientalistasoupeloMinistérioPúbliconosentidodeprotegeralgumrecursoouserviçoambiental,comoporexemplo,adespoluiçãodeumcursod’água,acontençãododesmatamentoemdeterminadaáreaetc.,poucosefeznosentidodetornarasPolíticasAmbientaisexistentesmaisefetivas,ouparaquenovasPolíticasfossemelaboradas.BastapensarnaPolíticaNacionaldoMeioAmbiente(PNMA)ena Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), ambas instituídas por Lei, para comprovar quemuitasmais prestações positivas do Estado seriam necessárias para viabilizar a implementação dediversosdeseusdispositivosque,apesardos30anosdaPNMA(Leinº6.938,de31/08/1981)emaisde10anosdaPNEA(Leinº9795,de27/04/1999),aindanãosaíramdopapel,ou,quandoexecutados,muitasvezestenhamocorridodeformamenosabrangentequeonecessário.

Neste contexto, o Controle Judicial de Políticas Públicas poderia parecer a solução natural embusca da efetividade das políticas instituídas. Porém, enfrentam-se algumas divergências sobre suaadequação.Umadelascertamenteestá ligadaàpossívelofensaàTeoriadaSeparaçãodosPoderes,queapenasfoiamenizadaapósamanifestaçãodealgunstribunais:entenderamosmagistrados,emseusacórdãosproferidos,queoControleJudicialdePolíticasPúblicasnãosignificaumaintervençãodoJudiciárionaesferaAdministrativademodoaferiraTeoriadaSeparaçãodosPoderes,esim,apenasocontrole do cumprimento de legislação específica ou de preceito fundamental apresentado pelaConstituiçãoFederalde1988.

Comoexemplos,destacam-sedoisacórdãosproferidospeloTribunaldeJustiçadeSãoPaulo:noprimeiro, Agravo de Instrumento nº 412.973-5/7-00, interposto no TJ/SP, solicitando antecipação detutela junto à Fazenda Pública para o fornecimento de medicamentos diferentes daquelesdisponibilizados pela rede pública de saúde para tratamento de portador do vírus HIV. Deu-seprovimento ao recurso por voto unânime, com base no art. 5°, caput, da Constituição Federal, queasseguraaoscidadãosodireitoàvida,enoart.196, tambémdaCF,que reconhecea saúdecomodireitodetodoseobrigaçãodoEstado.ArgumentouorelatorMagalhãesCoelho:

OEstadodeSãoPaulonãocompreendeubem,oqueéprofundamentelamentável,queoqueestáemcausaéodireitoàvida,bemsupremo,queétuteladoconstitucionalmente.[...]Nãoestá,aqui,absolutamenteoPoderJudiciárioseinvestindodecogestordoorçamentodoPoderExecutivo.Estátão-somentefazendocumprirumcomandoconstitucional.

O segundo acórdão que merece destaque trata-se da Apelação Cível nº 244.253-5/2-00,interpostapeloMinistérioPúbliconoTJ/SP,solicitandoquefossedeterminadaaobrigaçãodefazerporpartedoEstado,consistenteemprocederàsdevidasreformaseadaptaçõesnoprédiodedeterminadaEscola Estadual, demodo a garantir o pleno acesso das pessoas portadoras de deficiência física. AApelaçãodoMinistérioPúblicobaseou-senodispostonosarts.227,§2°e244daCF/88,bemcomonasLeis Estaduais nº 5.500, de 31/12/1986 e nº 9.086, de 03/03/1995, que determinam que todos osedifícios,praçaseestádiospúblicosestaduaisdevemterafacilidadedeacessoparadeficientesfísicos,e que a Administração direta e indireta do Estado deverá adequar-se às Normas NBR 9050, daAssociaçãoBrasileiradeNormasTécnicas.

Aargumentaçãodeixa claroodeverdoEstadoemassegurar prioridadeabsolutaàproteçãoeperfeita integração social dos portadores de deficiência, e que este dever não se trata de meravaloração dos aspectos subjetivos da oportunidade e da conveniência da realização de obrasfranqueadorasdoacessodeportadoresdedeficiênciafísicaousensorialaosprédiospúblicos,masdeverdadeiraimposiçãolegalàqualoEstadonãosepodefurtar,aindaqueomissivamente.

Destaque para a questão da separação dos Poderes, quando o Desembargador Relator GamaPellegrini,acompanhadopelovotodoDesembargadorMagalhãesCoelho,concordoucomoMinistérioPúbliconaafirmaçãoque,nocasoemanálise,nãosevislumbra indevidamente ingerênciadoPoderJudiciárionastípicasatividadesdoExecutivo,pois,comojádito,aabsolutaprioridadenaasseguraçãodos direitos dos deficientes é ditada por normas, constitucional e legal, impostas ao administradorpúblico como dever, não faculdade. Fundamentando esta tese, o Relator cita, ainda, a doutrina deGilmarFerreiraMendes(2009),queafirmaque,davinculaçãodajurisdiçãoaosdireitosfundamentais,resulta para o Judiciário não só o dever de guardar estrita obediência aos chamados direitosfundamentaisdecaráterjudicial,mastambémodeasseguraraefetivaaplicaçãododireito.

Ainda em relação ao temada separação e independência dos Poderes Legislativo, Executivo eJudiciário(Art.2°daCF/88)frenteà intervençãodoJudiciárioemquestõesdaAdministraçãoPública,bemnos ensina a douta ProfessoraAda PellegriniGrinover (2009), analisando que, anteriormente àConstituiçãode1988,ostribunaisseautolimitavam,entendendonãopoderadentraroméritodoatoadministrativo,eque,noentanto,aLeideAçãoPopularabriuocaminhodoJudiciárioemrelaçãoaocontroledoméritodoatodiscricionário.AautoraapresentatambémcitaçõesdeCândidoDinamarco(2000,apudGRINOVER,2009),quecorroboracomesteentendimento,OswaldoCanela Júnior (2009,apudGRINOVER,2009),queentendequecabeaoPoderJudiciárioinvestigarofundamentodetodososatosestataisapartirdosobjetivosfundamentaisinseridosnaConstituição,eTércioSampaioFerrazJr.(1994,apudGRINOVER,2009),quandoafirmaquesemprequeosdemaispoderescomprometeremaintegridade e a eficácia dos fins do Estado – incluindo as dos direitos fundamentais, individuais oucoletivos–,oPoderJudiciáriodeveatuarnasuafunçãodecontrole.

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Tambémnomesmotexto,emanálisesobreaposiçãoatualdostribunaisarespeitodotema,aProfessoraGrinover(2009:40)citaoSupremoTribunalFederal,queatravésdadecisãomonocráticadoMinistroCelsodeMellonaADPF45-9,assimsepronunciou:

(...) Como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivocomportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjuntoirredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essencial à própriasobrevivência do indivíduo, aí então, justificar-se-á, como precedente já enfatizado – e atémesmoporrazõesfundadasemumimperativoético-jurídico–,apossibilidadedeintervençãodoPoder Judiciário,emordemaviabilizar,a todos,oacessoaosbenscuja fruição lheshajasidoinjustamenterecusadapeloEstado.

Concluiaautora,apartirdesteposicionamentodoSTF,seremnecessáriosalgunsrequisitosparaqueoJudiciáriointervenhanocontroledePolíticasPúblicas,atécomoimperativoético-jurídico,quaissejam:(1)Olimitefixadopelomínimoexistencialasergarantidopelocidadão;(2)Arazoabilidadedapretensão individual/social deduzida em face do Poder Público; e (3) A existência de disponibilidadefinanceiradoEstadoparatornarefetivasasprestaçõespositivasaelereclamadas(GRINOVER,2009).3.EFICÁCIADANORMACONSTITUCIONALEOSDIREITOSFUNDAMENTAIS

FerreiraFilho(1988)abordaaquestãodaeficáciadasnormasconstitucionais,fazendoaseguintedistinçãosobreoquecaberiaacadaenteverificar:aaplicabilidadeéapartedaeficáciaquedeveserverificadapelo juiz, já a executoriedadeé a parte da eficácia quedeve ser verificadado ângulo doadministrador,eaexigibilidade,deveseraeficáciavistadoângulodotitulardodireito.TambémparaLuísFranciscoAguilarCortez (2011),cabeao Judiciárioassegurara tuteladosdireitos fundamentais,semprejuízodosoutrosmeiosdeatuaçãodemocrática.Afirmaoautor:

O Judiciário (...) está igualmente vinculado [referindo-se ao Poder Público], dentro de suasatribuiçõesconstitucionais,àpromoçãodepolíticaspúblicasqueconduzamaefetivaçãodosobjetivos estabelecidos constitucionalmente e dos valores ligados à proteção da vida, dadignidadedapessoahumanaedaordemdemocrática,aimporabuscadoequilíbrioentreosideaisdeliberdadeeigualdade(CORTEZ,2011:4).

Discute-se,ainda,aquestãodaautoaplicabilidade(eficácia imediata)dosdireitos fundamentaisprevistos na Constituição Federal de 1988 versus a necessidade de estabelecimento de normaregulamentadora dos dispositivos constitucionais (em caso de norma programática). Neste sentido,discorre o Desembargador Magalhães Coelho no TJ/SP, em acórdão já citado anteriormente (éimportantecitaraquinovamenteoconteúdodesseacórdão–acessibilidade,pararelembraro leitor)(AgravodeInstrumentono412.973-5/7-00):

Oart.196daCFreconhecequeasaúdeédireitodetodoseobrigaçãodoEstado(...).Longedese ver aqui, uma norma programática, recurso pelo qual, usualmente os administradorespúblicosseescusamdecumprirasobrigaçõesquelhessãodirigidaspelaConstituiçãoFederal,há que se ver uma norma impositiva de eficácia plena, que objetiva tornar real e nãomeramenteretóricoodireitoàvidaproclamadonoart.5°daConstituiçãoFederal.

Em contraponto, na decisão proferida também pelo TJ/SP, embora concedido o pedido daApelaçãoCívelnº244.253-5/2-00interpostapeloMinistérioPúblico,ovotovencidodoDesembargadorLaerteSampaiotraziaaseguinteconsideração:enquantocorriaoprocessoemquestão,foieditadaaLeiEstadualn°11.263,de12/11/02,estabelecendoprazosdeaté5anosparaa implementaçãodasadaptaçõesdosedifícios.TalLei,consideradainconstitucionalpeloMinistérioPúblico,porentenderqueo direito a acessibilidade tratava-se de umagarantia constitucional autoaplicável, foi abordada peloreferidoDesembargadorcomoperfeitamenteplausíveldentrodosprincípiosdaproporcionalidade,poisomesmoentendiaqueo§2°,doart.227daCF/88tratava-sedeumanormaprogramática,queaoserregulamentadapela LeiEstadual, veioaoencontrodos fundamentospostospelaFazendadoEstado(principalmentenoquediziarespeitoànecessidadedeprevisãoorçamentáriaelicitaçãoparaobrasdeadaptação).

Apesardeconsideraçõesdestanatureza,temprevalecidonostribunaisoentendimentoqueversapelaautoaplicabilidadedosdireitosfundamentaispresentesnaConstituiçãoFederal.DestaqueparaoposicionamentodoSTF,representadopeladecisãomonocromáticadoMinistroCelsodeMellonaADPF45-9, defendendo que, embora o encargo de formular e implementar políticas públicas sejaprimariamente dos Poderes Legislativo e Executivo, o Judiciário, em bases excepcionais, poderáassumirtalincumbênciaquandoosórgãosestataiscompetentesvieremacomprometeraeficáciaeaintegridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda quederivadosdecláusulasrevestidasdeconteúdoprogramático.AcrescentaaindaoMinistrorelator:

Cabeassinalar,presenteestecontexto–consoantejáproclamouestaSupremaCorte–queocaráterprogramáticodasregrasinscritasnotextodaCartaPolíticanãopodeconverter-seempromessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justasexpectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, ocumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidadegovernamentalaoquedeterminaaprópriaLeidoEstado(RT175/1212-1213,Rel.Min.CELSODEMELLO.In:GRINOVER,2009:41).

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No entanto, surge a inevitável indagação: será que é possível adotar a eficácia imediata paratodos os Direitos e Garantias Fundamentais presentes na Constituição Federal? Esta é a grandequestãoquetrazàbarcaosdebatessobreMínimoExistencial,ReservadoPossíveleRazoabilidadequandodaaplicabilidadedoControleJudicialdePolíticasPúblicas.4.OMÍNIMOEXISTENCIAL

Para os Professores KazuoWatanabe e Ada Pellegrini Grinover (2010), oMínimo Existencial éconsiderado o direto às condições mínimas de existência humana digna. Assim, as demandas quevisemgarantirodireitoàvida,taiscomoasdaáreadesaúde,queincluemdistribuiçãoderemédios,disponibilização de leitos em hospitais, construção de centros de tratamento especializados, dentreoutras, têm sido concedidas pelo Judiciário. Também, as ações solicitando acesso à educação e àmoradiacostumamseenquadrarnoprincípiodadignidadedapessoahumana.Nestecontexto,umaindagaçãoquepodesurgiréaseguinte:seráentãoqueasquestõesambientaispodemser incluídasnesteMínimoExistencial?

Como se sabe, as relações ecológicas presentes no planeta demonstram que os diversoselementos da Natureza estão interligados e são interdependentes (ODUM, 1986). Assim, para queelementosfundamentaisrelacionadosàintegridadehumanasejamdisponibilizadosparaaspresentesefuturasgerações,éessencialqueoequilíbrioambientalsejaconservado.Emoutraspalavras,paraque haja água potável, qualidade de ar, conforto climático, alimentos diversificados,medicamentosnaturaisetc.,asflorestasefontesdeáguadevemserpreservadas,osesgotosdevemsertratados,oaquecimentoglobalcontido,abiodiversidadeprotegida.Afinal,nãohaverávidahumanasenãohouverágua,ar,alimento,medicamentosetc..

NaafirmaçãodePauloSérgioDuartedaRochaJúnior(2009,apudGRINOVER,2009),observa-setaltendência:

Costuma-se incluir nomínimo existencial, entre outros, o direito à educação fundamental, odireito à saúde básica, o saneamento básico, a concessão de assistência social, a tutela doambiente,oacessoàjustiça(ROCHAJÚNIOR,2009:21).

Deste modo, parece ser algo tranquilo a definição de direitos fundamentais que devem sergarantidospeloEstado.Noentanto,frenteàescassezderecursosenecessidadedeestabelecimentodeprioridadesparaaplicaçãodasverbaspúblicas,nosdeparamoscomadificuldadequehabitaemsedefiniroquedeveserexcluídodestenúcleocentral,que justificariaa intervençãodo Judiciáriocasohouvesse descumprimento ou insuficiência na implementação de Políticas Públicas. Surge então, aReservadoPossível.5.ARESERVADOPOSSÍVEL

Podeparecer,depronto,chocanteaafirmaçãoapresentadanotextodeBucci(2006),quetrazoposicionamentodealgunscríticosàpresençadeumgrandenúmerodedireitossociaisnaCFde1988.Dizemeles:“AConstituiçãoFederalnãocabenoPIB!”.Noentanto,ninguémpodenegarque,emumpaís em desenvolvimento como o Brasil, a escassez de recursos, a pobreza e amá distribuição derenda são evidentes. Basta observar as favelas, as filas em hospitais públicos, os mendigos dasgrandes cidades, a falta de saneamento urbano etc.. E o Poder Público não tem dado conta deimplementartodasasPolíticasnecessáriasparaasatisfaçãodegrandepartedasnecessidadesbásicasdapopulação.

Abre-se, assim, o debate sobre a Reserva do Possível, visando gerenciar o conflito entre adisponibilidade de recursos para implementar uma Política Pública e as diversas demandasapresentadasaoJudiciário.Nestesentido,discorreoautorSabino(2011)sobrea“LógicadoCobertorCurto”, fazendo uma analogia sobre o dito popular quando conceitua como perversa e delicada arelação que pode haver ao se conceder judicialmente um benefício a um demandante, deixandodesamparados tantos outros. O mesmo autor cita o professor Otávio da Motta Ferraz (2007, ApudSABINO,2011),aoafirmarque,noexemplodosremédios,oPoderPúblicoquesevirinstadoaproverdeterminadomedicamento,pordecisãojudicial,teráqueobterrecursosdeoutrosmedicamentos,quepoderiambeneficiaroutraespéciededoentes,“puxandoocobertor”edeixandoessesoutrosdoentessemacessoaoJudiciário,“descobertos”.

Além da escassez de recursos, há também as questões relacionadas ao PlanejamentoOrçamentáriodosGovernos.Emcumprimentoapreceitostambémconstitucionais,oPoderPúbliconãopode dispor dos recursos oriundos da arrecadação como bem desejar. O respeito às finalidades deaplicaçãodasverbas(rubricas)previstasnoorçamento,ocumprimentodosprocessoslicitatórios(Leinº8.666/93),oplanejamentoplurianualetc.,sãoexigênciaslegaisqueprecisamserrespeitadas.

Nestecontexto,aReservadoPossível seapresentacomosendoumanecessáriaponderaçãoaser feita pelo magistrado durante a tomada de decisão. Porém, não pode ser utilizada pelaAdministração Pública como justificativa para o não cumprimento de sua obrigação de fazer. BemanalisaaprofessoraAdaPellegriniGrinover:

Observa-se,emprimeirolugar,quenãoserásuficienteaalegação,peloPoderPúblico,defaltaderecursos.Estadeveráserprovada,pelaprópriaAdministração,vigorandonessecampoqueraregradainversãodoônusdaprova(CDC,art.6°,VIII),aplicávelporanalogia,queraregradadistribuiçãodinâmicadoônusdaprova,queflexibilizaoart.333doCódigodoProcessoCivil,

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para atribuir a carga da prova à parte que estiver mais próxima dos fatos e tiver maisfacilidadedeprová-los(GRINOVER,2009:48).

ComonosensinaoMinistroCelsodeMello(ADPF45-9,RTJ175/1212-1213),oscondicionamentosimpostospelacláusuladaReservadoPossível traduzem-seemumbinômioquecompreende,deumlado,aexistênciadedisponibilidadefinanceiradoEstadoparatornarefetivasasprestaçõespositivasdelereclamadase,deoutro,aRazoabilidadedapretensãoindividual/socialdeduzidaemfacedoPoderPúblico.6.ARAZOABILIDADE

OpreceitodaRazoabilidadedeveestarpresenteemtodososatosedecisõesdoPoderPúblico.Aeleassocia-seoutropreceitoconstitucional,odaproporcionalidade,que,emúltimaanálise,buscaojustoequilíbrioentreosmeiosempregadoseosfinsaseremalcançados(GRINOVER,2009).Nomesmosentido, afirma Cortez (no prelo): “há nítida relação entre a busca de eficiência e o princípio darazoabilidade/proporcionalidade”.

Algumasdecisõesforamproferidassobreotema,conformepesquisarealizadaporNilvaAntônio(2009:13):

Nos Embargos Infringentes 181.741.5/3-01 (fls. 15), o Desembargador Mariano Siqueiraressalta:‘NãoháquesefalaremingerênciadoJudiciárionoméritodoatoadministrativo,maspodeo Judiciário intervirquandoaomissãodoPoderPúblicofoialternativa ilegal,cujaopçãonão lheerapermitida, localizando-sealémdos limitesdadiscricionariedade, jáque todoatodestanaturezadevemanterrespaldocomaleiecomosditamesdarazoabilidade’.NaApelaçãoCível244.253-5/2-0,afirmouoDesembargadorLaerteSampaiodoTJ/SPemseuvotovencido: ‘Oprincípiodaproporcionalidadevisaa inibireaneutralizaroabusodoPoderPúblico no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho daatividade de caráter legislativo. (...) Um juízo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade damedida há de resultar de rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para oatingidoeosobjetivosperseguidospelolegislador’.

Destemodo,conclui-seque,diantedaobrigatoriedadedeprestaçõespositivasdoEstadovisandoproporcionaratodososbrasileirosaefetividadedeseusdireitosfundamentaiseagarantiadomínimonecessário a uma existência digna, sem porém desrespeitar as limitações orçamentárias daAdministração e o equilíbrio das relações jurídicas, faz-se necessária a aplicação da razoabilidade.Apenas com este raciocínio, será possível atingir amáxima eficácia desejada para a utilização dosrecursospúblicosnaexecuçãodePolíticasSociais.7.AEFICÁCIADASDECISÕESJUDICIAISNOCONTROLEDEPOLÍTICASPÚBLICAS

Admitidaapertinênciaeaforma(razoabilidade)emqueoJudiciáriodeveexerceroControledePolíticas Públicas, vale efetuar breves considerações sobre a efetividade das decisões judiciais notocanteaotema.

Brasil Júnior e Castello (2011), no estudo sobre o enforcement101 das decisões judiciárias,iniciam sua abordagem salientando que a prestação jurisdicional efetiva exige a implementaçãopráticadasdecisõesjudiciáriasnosentidodeconcederplenasatisfatividadeàparteemfavordaqualoprovimento foi emanado. E reafirmam, ao citar a professora Ada Pellegrini Grinover: “Nenhumautilidade teriam as decisões, sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos de força aoJudiciárioéomesmoquenegarsuaexistência”(GRINOVER,2005).

Noentanto,percebe-sequenoscasosrelativosàimplementaçãodasdecisõesjudiciaistocantesàsPolíticasPúblicas,osmeiosusualmenteempregados–multas,prisões,responsabilizaçãodoagenteporatodeimprobidadeadministrativa,intervençãofederaletc.–nãopossuemefeitostãosatisfatóriosquantodeveriam.

Nestesentido,acrescentamBrasilJúnioreCastello(noprelo):Dada a complexidade fática, a interferência de diversos fatores estruturais, operacionais eorçamentários na execução da política pública e, ainda, o tempo demandado para suaimplementação,amerapuniçãodoagenteouaaplicação isoladadedeterminadoelementocoercitivopodenãosersuficienteeadequadoàefetivaçãodadecisãojudiciária.Reformas institucionais ou sociais, dentre elas, a reformulação de projetos educacionais, areorganizaçãodaprestaçãodeserviçoshospitalares,arecuperaçãodeumaáreadegradada,oremanejamentodepresos,exigemsoluçõesglobais, comaavaliaçãodemúltiplos interessesenvolvidos, em uma realidade de recursos limitados, fato que pode repercutir em outrasesferasgovernamentais.(...)Nessescasos,nemaimposiçãodeumamedidapunitiva,nemoestabelecimentodemedidascoercitivasisoladas,sãosuficientesparafazercessaracondutaadministrativaincompatívelàsmetas constitucionaisou,ainda, coagir aAdministraçãoPúblicaàadoçãodasaçõesestataisnecessáriasàconsecuçãodasaludidasmetas.

De fato, punições poderiam ser aplicadas à Administração,mas o encargo recairia fatalmentesobre os cofres públicos. E ainda que as sanções fossem dirigidas aos técnicos responsáveis pela

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implementaçãodedeterminadaPolíticaPública, seriabastantedifícil provarodolode tal agentenodescumprimento da ordem judicial. Alegar-se-ia falta de recursos financeiros, ausência de estrutura,carênciaderecursoshumanosetc..Enadadistolevariaàfinalidadeprimordial:aprestaçãodoserviçodemandado.

Comoalternativa,osautorescitadossugeremqueosmagistradosadotemumaposturaativaeflexível, focandomaisnaaferiçãodemedidasoperacionaisadequadasaocumprimentodasdecisõesjudiciais do que no estabelecimento de sanções, o que no Direito norte-americano é chamado decontemptofcourt102.

Com a aplicação do contempt of court, a atuação do juiz não se encerra com a prolação dasentença.Aaçãojudicialseprolonganotempo,medianteoacompanhamentodiretoecontinuadodaimplementaçãodaPolíticaPública(SALLES,2006,ApudBRASILJÚNIORECASTELLO,2011).8.ARELEVÂNCIADAPARTICIPAÇÃOPOPULAR

Vimos a pouco, que ao vislumbrar-se o Controle Judicial de Políticas Públicas pautado nosprincípios de razoabilidadeeefetividade, é preciso que haja, sobretudo, uma atitude por parte dosmagistrados em considerar questões orçamentárias e operacionais da Administração Pública aoproferirsuasdecisões,bemcomoanecessidadedoJudiciárioacompanharoplanejamentoeexecuçãodassentençasquevisamàelaboraçãooucorretaimplementaçãodePolíticasPúblicas.

Noentanto,arealidadequeseapresentaéadaausênciadeumaculturanestesentidoporpartedo Sistema Judiciário brasileiro. Com todo o respeito que se pode ter nesta afirmação, não há umcostumeporpartedosnossosmagistradosemconsiderarosaspectosoperacionaisdaimplementaçãodesuassentençasparaalémdassançõesemcasodedescumprimento.Assim,aperguntaqueficaéaseguinte:oquepodemotivaroJudiciárioaadotarmedidasdirecionadasàgestãodoplanejamentoeexecuçãodassentençasvoltadasàimplementaçãodePolíticasPúblicas?

AParticipaçãoPopularpodeserumaresposta.Entende-secomoParticipaçãoPopular,de formageral,asmúltiplasaçõesquediferentes forças

sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticaspúblicas e/ou serviços básicos na área social (saúde, educação, habitação, transporte, saneamentobásico etc.) (VALLA, 1998). Assim, a Participação Popular no Controle Judicial de Políticas Públicasrepresentarianãoapenasaparticipaçãoindividualecoletiva(organizações,associaçõesesindicatos)na exigência veemente do atendimento aos seus Direitos e Garantias Fundamentais através dasprestações positivas do Estado, mas também o monitoramento das ações do Poder Público pelacoletividade.Destemodo,tantooPoderJudiciáriocomooLegislativoeExecutivoestariammotivadosaencararaefetivaçãodePolíticasPúblicasdeformainovadora.

Valeressaltarqueaparticipaçãonestescasos,nãodeveriaservistaapenascomoumafaculdade,massimcomoumaoportunidadeaserasseguradapeloPoderPúblicoatodasaspessoas.Conformeressalta o Professor Paulo Affonso Leme Machado (2011), ao citar a Declaração do Rio de JaneiroprovenientedaConferênciadasNaçõesUnidasparaoMeioAmbienteeDesenvolvimentode1992:“nonívelnacional,cadapessoadeveterapossibilidadedeparticiparnoprocessodetomadadedecisões”(MACHADO,2011:106).Omesmoautorensinaaindaque,odireitoàparticipaçãocaminhajuntocomodireito à informação (MACHADO, 2006:265), assegurado pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º,XXXIII).

Neste sentido, o investimento em Políticas Públicas voltadas ao preparo dos cidadãos paraexigiremseusdireitospoderia seroprimeiropasso. Instrumentos jurídicoscomoaAçãoPopulareaAção Civil Pública seriam melhor divulgados e utilizados. A implementação da Política Nacional deEducaçãoAmbiental,porexemplo,seriaprioridademáximanosinvestimentosdaáreaambiental,poisincentivaria o exercício da cidadania ao tempo que estimularia a adoção de ações preventivas dedanosambientais,conformedispostonaLeinº9.795,de27/04/99:

Sãoobjetivosfundamentaisdaeducaçãoambiental(Art.5º):I–odesenvolvimentodeumacompreensãointegradadomeioambienteemsuasmúltiplasecomplexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,econômicos,científicos,culturaiseéticos;II–agarantiadedemocratizaçãodasinformaçõesambientais;III–oestímuloeofortalecimentodeumaconsciênciacríticasobreaproblemáticaambientalesocial;IV–oincentivoàparticipaçãoindividualecoletiva,permanenteeresponsável,napreservaçãodo equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como umvalorinseparáveldoexercíciodacidadania.(...).

Oprocesso de elaboração de decisões pelo Judiciário adotaria asConsultasPúblicas nãomaiscomoexceções,esimcomoregra,emaçõesrelacionadasà implementaçãodePolíticasPúblicasporpartedoEstado.

Também pertinente seria a criação de instâncias populares voltadas ao acompanhamento dosatos públicos (planejamento, orçamento e execução) que, em parceria com o Poder Judiciário,poderiampropiciarummelhorgerenciamentodas sentençasaplicadasàAdministraçãoPública.NãohaveriaaíqualquerquestionamentosobreinterferênciaentreosPoderesdaUnião,esimaprevalência

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doPoderqueemanadoPovo103,pelopróprioPovo.9.CONCLUSÕESARTICULADAS

OControleJudicialdePolíticasPúblicaspodeserumimportanteinstrumentonabuscapormaiorefetividadenaimplementaçãodeserviçosvoltadosàgarantiadosdireitosfundamentaisdapopulação,incluindoaí,aproteçãoambientalnoBrasil.

Noentanto,algumasquestõesdevemserconsideradasnosentidodeaprimoraraadoçãodesteprocedimento. Com o estudo de decisões de diversos tribunais sobre a questão da não ofensa aoPrincípiodaSeparaçãodosPoderes,alémdeartigosedoutrinasqueabordamaEficáciadaNormaConstitucional,oMínimoExistencialeaReservadoPossível,acredita-senagrandepotencialidadedoControleJudicialdasPolíticasPúblicas,desdequeaplicadocomRazoabilidade.

Nestecontexto, tal instrumentosóatingiráplenaefetividadequandoaParticipaçãoPopular forum elemento não apenas indutor das ações judiciais, mas também uma realidade no processo deplanejamento e execuçãodas sentenças proferidas. Assim, ações do Estado voltadas ao incentivo eapoioàParticipaçãoPopulardevemreceberprioridademáximanosinvestimentosdaáreaambiental,poispodemestimularoexercíciodacidadaniaaotempoquepropiciamaadoçãodeaçõespreventivasdedanosambientais.

Asconsultaspúblicas,bemcomoacriaçãode instânciaspopularesdemonitoramentodosatospúblicos, podem representar um grande avanço no enfrentamento dos conflitos presentes nasdemandasdePolíticasPúblicasfrenteàslimitaçõesdaAdministraçãoematendertaisnecessidades.REFERÊNCIASANTÔNIO,N.M.L.OsLimitesdoJudiciárionoControledePolíticasPúblicas.TrabalhodeMestradoemDireitoComercialpelaUSP,2009.BRASIL.Leis,decretosetc..ConstituiçãodaRepúblicaFederativadoBrasil,promulgadaem5deoutubrode1988:Artigonº225,CapítulodoMeioAmbiente.29.ed.SãoPaulo:Saraiva,2002.BRASIL JÚNIOR, S. M.; CASTELLO, J. J. B. Cumprimento Coercitivo das Decisões Judiciárias no Tocante àsPolíticasPúblicas.In:GRINOVER,A.P.;WATANABE,K.(org.).Ocontrolejurisdicionaldaspolíticaspúblicas.RiodeJaneiro:Forense,2011,p.467-488.BUCCI,M.P.D.(Org.).PolíticasPúblicas:reflexõessobreoconceitojurídico.SãoPaulo:Saraiva,2006.CORTEZ,L.F.Aguilar.OutroslimitesaocontrolejudicialdePolíticasPúblicas.In:GRINOVER,A.P.;WATANABE,K.(org.).Ocontrolejurisdicionaldaspolíticaspúblicas.RiodeJaneiro:Forense,2011,p.285-308.DALLARI,D.deA.ElementosdeTeoriaGeraldoEstado.26.ed.SãoPaulo:Saraiva,2007.FERREIRA FILHO, M. G. Aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais.RevistadaProcuradoria-GeraldoEstadodeSãoPaulo,n.29,jun.1988,pp.35-44.GRINOVER,A.P.OcontroledepolíticaspúblicaspeloPoderJudiciário.In:Oprocesso–EstudosePareceres,2.ed.SãoPaulo:EditoraDPJ,2009,pp.36-57._______.OProcesso–EstudosePareceres.SãoPaulo:Perfil,2005.MACHADO,P.A.DireitoàinformaçãoeMeioAmbiente.SãoPaulo:Ed.Malheiros,2006._______.DireitoAmbientalBrasileiro.19ªed.SãoPaulo:Ed.Malheiros,2011.MENDES,G.F.DireitosFundamentais:EficáciadasGarantiasConstitucionaisnasRelaçõesPrivadas.AnálisedaJurisprudênciadaCorteConstitucionalAlemã.In:CadernosdeDireitoConstitucionaleCiênciaPolítican°27,EditoraRevistadosTribunais,2009.ODUM,E.Ecologia.RiodeJaneiro:Guanabara,1986.SABINO,M.A.daC.Quandoo JudiciárioUltrapassa seusLimitesConstitucionaise Institucionais:o casodaSaúde.In:GRINOVER,A.P.;WATANABE,K.(org.).Ocontrolejurisdicionaldaspolíticaspúblicas.RiodeJaneiro:Forense,2011,p.353-386.VALLA,V.V.Sobreparticipaçãopopular:umaquestãodeperspectiva.Cad.SaúdePública,14(Sup.2).RiodeJaneiro,1998,pp.7-18.WATANABE,K.;GRINOVER,A.P.Aulasexpositivasdadisciplina“OControleJurisdicionaldePolíticasPúblicas”.FaculdadedeDireitodaUSP,1°Semestrede2010.

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IMAGINÁRIOPOLÍTICOECOLONIALIDADE:DESAFIOSÀAVALIAÇÃOQUALITATIVADASPOLÍTICASPÚBLICASDEEDUCAÇÃO

AMBIENTAL104

LuizAntonioFerraroJúniorMarcosSorrentino

Introdução“D.P.–Então,osenhoréafavordodiálogoe,aomesmotempo,da‘briga’?PauloFreire–Sim.Houvequempensasseque,pordefenderodiálogo,eunegasseoconflito. Não. Eu jamais neguei o conflito. O conflito está aí e é fundamental noprocesso de desenvolvimento, no processo histórico. A briga me faz, a briga meconstitui,abrigame forma;elaépedagógica.Oqueeuachoéque,comoabrigaéhistórica,aformadebrigarmuda”(FREIRE,1996,p.12).

Inicia-seestetextocomapergunta:háconflitospolítico-ideológicosentreasdiferentespessoas,gruposepossíveisvertentesquetêmdivergidonocenáriodaspolíticaspúblicasdeEA?

Sehá,elesaindanãoforamcompreendidosemprofundidade,empartepelafaltadeavaliaçõesqualitativas ou sistemáticas das políticas públicas de Educação Ambiental, em parte pelodistanciamento do diálogo entre as pessoas e grupos que se dizem portadores de compreensõesdiversas sobre o fazer educacional voltado à questão ambiental. As críticas e sugestões que têmpovoadooconflitosãosuperficiaiseporissopropiciampoucaaprendizagem.

Semavaliaçãoqualitativa,pensadaemediada intencionalmente comoprocessoemancipatório,nãohácondiçõesparapolíticaspúblicasdeEducaçãoAmbientalcondizentescomaperspectivacríticaeemancipatória.

HáumdissensopoucoqualificadoentrepossíveisvertentesdepolíticaspúblicasdeEAquemalconseguemexplicitarpublicamenteasbasesdesuasdiferenças.SeusatorespolarizamesedigladiamcomfunestasconsequênciasparaaEAbrasileira.

Alguns educadores ambientais ligados à EA no licenciamento, ou que se afirmam educadoresambientais críticos (LOUREIRO, 2009), têm considerado que os educadores ambientais que seenvolveram, direta ou indiretamente, com a Política Nacional de Educação Ambiental, entre 2003 e2008, representam seu oposto e, no limite, seus adversários. De um lado, estariam os educadoresambientaiscríticos,quelutampelajustiçasocial,queafirmamoconflitodeclassesedesejamumaEApública a partir do Estado. De outro, estariam os educadores ambientais originados nas ONGsburguesas,quesupervalorizamasociedadecivilemdetrimentodoEstado,quenegamouomitemoconflitodeclassesequenãopostulamumaperspectivacríticadasociedade.Talposiçãosópoderiaestarcalcadanaaliançacomocapitaleosdetentoresdopoder,ounainocência,ounaignorância.

É óbvio que os educadores ambientais ligados à perspectiva dos coletivos educadores nãodesejamestaspechas.Consideram-seigualmentecríticosedefensoresdajustiçasocial.Odesafioquese apresenta é o da busca das diferenças, de modo a não gerar antinomias e desqualificações. Sóassimadialéticaésustentável.

EsteartigofoiescritoapartirdaparticipaçãodiretadosautoresnaelaboraçãoeimplantaçãodapolíticadeEAentre2003ejunhode2008;daobservaçãodosdebatesocorridosnasredesdeEAeemconversas com diversos educadores ambientais que participaram ou observaram o processo deformulaçãoeimplantaçãodepolíticaspúblicasnopaísatéoiníciodaprimaverade2009.

Arendt(1989)afirmaqueénecessárioquecadaumestejadispostoacorreroriscodarevelação,equeaqualidadereveladoradodiscursoedaaçãosóvemàtonanodiálogoquandoaspessoasnãoestãopróoucontraasoutras.

Sema revelaçãodo agente no ato, a açãoperde seu caráter específico e torna-se um feitocomooutroqualquer.Naverdade,passaaserapenasummeiodeatingirumfim,talcomoafabricaçãoéummeiodeproduzirumobjeto(ARENDT,1989,p.193).

Nossabuscaseráadetentarexplicitarosfundamentosdeumfazerpolíticoquetemmobilizadoeducadoraseeducadoresambientais,procurandoestimularos leitoresaanalisaremeaconstruíremsuasinterpretaçõessobreconflitosque,aindaquepossamterdescambadoparadiscordânciastolaseprocedimentos mesquinhos de busca de poder, têm nas suas raízes diferenças que podem serprofundas. Tal profundidade não significa a impossibilidade de diálogo, mas indica a absolutanecessidadedeumaavaliaçãoqualitativaquetragataisdiferençasàtona.Explicitadasasdiferenças,estas podem se tornar material para diálogos mais profícuos. Trata-se do potencial pedagógico dosconflitos,apontadoporGadotti(1982)ecujodesbloqueiodeveserumadasbuscasdoseducadoresedaseducadorasambientais(MALAGODI,2007).

NãoconsideramosoportunaasegmentaçãodosfazeresereflexõesdocampodaEAemvertentesestanques,mesmolevandoemconsideraçãoassuasvirtudesdidáticaseheurísticas,quefacilitamacompreensão de diferenças. A tais taxionomias, já recorremos em outros artigos e trabalhos

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(SORRENTINO,2000;SORRENTINO;FERRARO JR.;PORTUGAL,2005),maselas incorremnoperigodasimplificação (MORIN, 2000) e da polarização acrítica. Ainda que possam ser mobilizadoras efacilitadoras de adesões, especialmente quando se trata da arena política, tendem a serempobrecedoras da reflexão crítica e escamoteadoras das sutilezas das divergências. Dificultam aemergênciadedistinçõesquepossibilitariamcaptararealidadeemsuasinúmerasdimensões,asereminterpretadas e analisadas pela Psicologia Socioambiental, Sociologia, Geografia, Antropologia,Economia, Filosofia, Política, Ecologia e Ciências Biofísicas emgeral, e por outros saberes intuitivos,espirituais,religiososounãocientíficosqueexercemmuitainfluênciasobreoshumanos.

Umavezqueosmarcos teóricosdeclaradospor autoresdo campodaEAmuitas vezes sãoosmesmos e é difícil perceber-se uma incompatibilidade entre os métodos e técnicas utilizados, podeaflorar a compreensão dos conflitos como disputa mesquinha, mas seria um tanto inócuo quantodesrespeitosolimitá-losaisto.Sugere-seaquiqueaavaliaçãoqualitativadevepermitiraexplicitaçãodoshorizontespolíticos implícitosnasvertentes teóricas,nosdiscursosenaspráticas.Abuscapeladiferenciação das perspectivas se volta, aqui, não mais para a superfície dos discursos, mas paracamposmaisprofundose radicais,paraas raízesdacriaçãopolítica,o imaginário.ComodisseRilke(2009,p.17):

Nãosedeixeenganarpeloqueé superficial; nasprofundezas tudo se torna lei. (...).Não sedeixe confundir pela multiplicidade dos nomes e pela complicação dos casos. Talvez seencontreacimadetudoumagrandematernidade,comoanseiocomum.

CrisedoImaginárioeColonialidade:limitesàEAnaGestãoPúblicaHáumacrisedoimagináriopolíticotípicadamodernidade.Nãoéporacasoqueressurgiu,apósa

quedadomuro,atristeideiade“fimdahistória”.Oconceitode“fimdahistória”,previstoporHegel(1999)comoapogeudoracionalismo,foiapresentadoporFukuyama(1992)comorealidadedecorrentedahegemoniadademocracialiberalocidental.

BoaventuradeSousaSantos(2002)apresenta,comotragédia,a ideiade“utopismoautomáticoda tecnologia”.Oshumanossonhariameprojetariamnaexatamedidadaexpansãodas tecnologiasmodernas.Étambémumavariaçãode“fimdahistória”.Épossíveliludir-secomosmúltiplossaltosqueasociedademodernadá, calcadanacriatividadedeseusengenheiros.Estes saltosdamodernidadenão possuem imaginação social. Eles apenas refletemos desdobramentos automáticos do utopismotecnológico(FERRAROJR.,2008).

Castoriadis(1982)denominaalienaçãoàautonomizaçãoedominânciadomomentoimaginárionainstituição da sociedade. É como se as instituições aí estivessem desde sempre, com mecanismospróprios e independentes. Ideologia, mistificação e alienação são faces do mesmo processo quenaturalizaarealidadeeocultaosaspectosdasrelaçõessocioeconômicasepolíticasque,seexpostos,seriamcontestados (MARX;ENGELS,1998a).Aocontestara separaçãoentrematerialismoehistóriaemFeuerbach,MarxeEngels(1998a),fundamaideiadapráxiscomointerpretaçãoquedesmistificaedesconstrói a ideologia do Capitalismo. Nesta concepção está embutido o conceito de classe e obinarismodominado-dominante.Éaburguesiaquemcompeliriaopovoaoseumododeprodução,àsuaconcepçãodecivilizaçãoe,assim,criariaummundoàsuaimagem(MARX;ENGELS,1998b).

EstacrisedoimagináriopolíticonãoéumamarcadoCapitalismo,masdamodernidade,daqualosocialismo real foi umadasmáximas expressões. É o que nos apontaBerman (2007) ao considerarMarxumdosprimeirosegrandesmodernistascujavisãoprometeicaomiteasalegriasdaquietudeedapassividade,“oenlevomístico,asensaçãodeunidadecomanatureza,preferívelaobemsucedidodomínio sobre esta” (BERMAN, 2007, p. 154). Castoriadis, Lukács e Gramsci foram alguns dospensadoresdoSocialismoqueapontaramosriscosdeumabandonodasdimensõespsicossociaisdaluta.

O marxismo científico compartilha os valores positivistas do progresso e da confiança nosbenefíciosdodesenvolvimentodasforçasprodutivas(LANDER,2007).Atecnologiaseriapoliticamenteneutra. Portanto, as bases tecnológicas do Capitalismo e do Socialismo seriam similares (LANDER,2007).Haveria,assim,umlimiteaoenfrentamentodaalienaçãoatravésdalutadeclasses,umavezquenãosebuscaalibertaçãodoimagináriopolítico.

Para Chauí (2007), a objeção central de Castoriadis (1982) à teoria da história de Marx é aausênciadaaçãoconscienteeautônomadoshomens,numahistóriacujomotoréacontradiçãoentreo desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção que simplesmente osinstrumentalizapararealizar-seàcustadeles.ParaCastoriadis(1982),afilosofiadahistóriamarxistaperdedevistaahistóriacomocriação.Nestesentido,aformulaçãodatransformaçãosocialcalcadanaluta de classes seria potencialmente ideológica e alienante, tendendo a negar a liberdade doimagináriopolítico,oucomosugereLefort:

[...] desse ser estranho, o proletariado, ao mesmo tempo puramente social, puramentehistórico e, de certamaneira, fora da sociedade e fora da história –classe que deixa de serclasseporqueéadestruidoradetodasasclassesnãocaberiaperguntarseeleéodestruidordo imagináriosocialouoúltimoprodutoda imaginaçãodeMarx(LEFORT,1978apudCHAUÍ,2007,p.17/18).

AColonialidade,comoconceito,transcendeaacepçãomaterialistadeideologia.Trata-sedeumconceito fundamentalparacorrigiroequívocodedualistas-funcionalistasquesópercebemomundo

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emumalógicabinária,comodominados-dominantes(SAHLINS,1979).Nemaclasse,nemacivilização,masoprópriohomemocidentaléquembuscaordenaromundoàsuaimagemesemelhança,pormeiodaexpansãoracionalizadora,civilizadoraecolonizadora(LARROSA;SKLIAR,2001).

Asociedadecontemporâneaconstrói,nasmaisdiversasdimensões,umaorganização,economia,subjetividadeeeducaçãohegemonizantes.Éamonoculturadaracionalidadedaciência,acusadaporSantos (1999, 2007). O imaginário social de nossa época reveste-se, assim, de uma aparenteneutralidade da técnica e da ciência, criando condições para uma adesão sem crítica à imagemoferecida pelo sistema, processo que omantémpor aquilo que ele é (CASTORIADIS; COHN-BENDIT,1981). Desta forma, dominantes e dominados partilham das mesmas representações e reforçam odomínioenquantoconsensosobreasubordinação.

Com o final político da subordinação colonial, houve uma manutenção do Colonialismo comorelaçãosocial.Éoquesedenomina‘colonialidade’,sustentadaemdoispilares:dopoderedosaber(SANTOS,2005).Elaéumsistemasimbólico,umpoderinvisívelexercidocomacumplicidadedetodos(BOURDIEU, 2006). Só o reconhecimento da colonialidade, implícita na modernidade, permite apercepçãodosaspectosconflitivosdoimaginárioesuaoposiçãoàdiversidadesocial(MIGNOLO,2005).Buscar uma justiça social qualificada simplesmente como melhor distribuição do imaginário damodernidadeé,emcertamedida,umreforçoàcolonialidade.

A colonialidade, antes que fosse desconstruída, foi aprofundada com a modernidade urbano-industrial. Trata-se de um reforço ao encolhimento público; do ponto de vista dos interesseseconômicos,umalargamentodoprivado,tornandoasociedadepresafácildoNeoliberalismoeporelefascinada(CHAUÍ,1995).Assim,buscartransformaçõessociaissemenfrentaracrisedoimagináriodamodernidadeeacolonialidadepodefortalecerosmecanismosdosistema-mundomoderno-colonial.

Para Chauí (1995), existem três poderosos mecanismos que determinam as operações,funcionamentos e reproduções do imaginário social e político no Brasil: o mecanismo mitológico, oideológicoeopolítico.

Amáquinamitológicatemcomoeixocentralomitodanãoviolênciabrasileira,dopovoordeiroepacífico.Todaviolênciaédesvio,origina-seempessoasquenãosãoverdadeirosbrasileiros(exclusão),ouéincidental(distinção)oucriminalidade(aserreprimida),éfrutodeumacircunstânciatemporáriadamigraçãoepobrezaqueaindaestáporseacomodarduranteatransiçãoparaamodernidade,oufinalmente,aviolênciaéconvertidaemnãoviolênciaporumainversãodoreal,graçasàproduçãodemáscarasquedissimulamcomportamentos, ideiasevaloresviolentoscomose fossemnãoviolentos(CHAUÍ,1995).Omachismonãoéviolência,masproteçãoànatural fragilidade feminina;opoderepaternalismo brancos são proteção para auxiliar a natural inferioridade dos negros; a homofobiadecorredaproteçãoaosvaloresdafamíliaeadegradaçãoambientalindicaprogressoecivilização.

Assim,aviolênciaqueestruturaeorganizaasrelaçõessociaisbrasileirasénaturalizadaenquantoconservamosomitodanãoviolência (CHAUÍ, 1995).Nega-sequeoEstadoea sociedadebrasileirasejamvisceralmenteautoritários.

Einsteindisseumdiaquenãoépossívelresolverumproblemacomomesmopensamentoqueocriou.FundamentarlutassociaisnosmecanismoseespaçosdeparticipaçãogeradosemediadospeloEstadobrasileiropodereforçaressemitodenãoviolênciaquesustentaoimagináriomoderno-colonial.AlutaporumEstadoDemocráticonãopodeestarrestritaaosespaçosdeparticipação, instrumentosde controle social e mecanismos legais criados por um Estado visceralmente patrimonialista eautoritário. Este Estado brasileiro é o momento (posterior) da estrutura, numa compreensãogramscianadarelaçãodialéticasociedade-Estado.

O imaginário político transformador é omomentoda superestrutura, queGramsci define comosendoaprópriasociedadecivil(ApudBOBBIO,1982).Éomomentodacatarseemqueanecessidadese resolve em liberdade. A sociedade civil, em Gramsci (Apud BOBBIO, 1982), refere-se a todo oconjuntodavidaespirituale intelectual,quemuitoalémdas relaçõeseconômicas,envolve todasasorganizaçõesespontâneasevoluntárias. ParaBobbio (1982), éestaadiferençade compreensãodaSociedade Civil que distingue Gramsci e Marx, e está na base da polêmica de Gramsci contra oeconomicismo.

Para Gramsci, a “confusão entre sociedade civil e estrutura gera o erro do sindicalismo e aconfusãoentresociedadecivilesociedadepolíticageraoerrodaestatolatria”(ApudBOBBIO,1982,p.44). O foco exclusivo no plano estrutural levaria o operariado a uma luta estéril, não decisiva eassociadaaconquistasefêmeras.EsteequívocoéaindamaisgraveaocompreendermosaconstituiçãohistóricadoEstadobrasileiro,comoapontadoporChauí(1995)eFaoro(1958).AnecessidadedaUtopiaedosColetivoshumanos

A colonialidade do saber sustenta o niilismo cultural, e a colonialidade do poder, o niilismopolítico. O encontro entre o niilismo cultural e o niilismo político dá origem ao niilismo projetual(MALDONADO, 1992). A projetação é o ninho mais sólido que une o ser humano à realidade e àhistória; a capacidade de projetar, como a capacidade de fazer, pertencem ambas ao universooperativodoshumanos(MALDONADO,1992).

O típico fazer semprojeto é o jogo; o típico projetar sem fazer é a utopia; ambas, o jogo e autopia,sãocompreensíveisemtalcontextocomoatividadelivreeespontânea;sãocaracterizadaspelagratuidadeeambassãoexercíciospreparatórios:o jogoparaofazereautopiaparaaprojetação;a

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utopiapossui,entretanto,umcomponenteamaisquefaltaaojogo,queéaesperança(MALDONADO,1992).

Oimagináriofazusodosimbólicoparapassardomomentumimagéticoparaoreal.Umaimagemprecisa derivar em símbolos, assim como o simbolismo requer capacidade imaginária. Capacidadeimaginária é a capacidade de evocar imagem significante. Os símbolos comportam componentesracionais-reaisindispensáveisparaopensareoagir.Umasociedadesósereúnequandooimaginárioentrecruza o simbólico, e só se viabiliza quando se entrecruzam imaginário e econômico-funcional.Qualquer sociedade que se imagine, precisa organizar a produção de sua vida material e suareproduçãocomosociedade(CASTORIADIS,1982,p.175).

Aprojetaçãoimplicaemprojeçãoconcreta:umprocessodialéticodeformaçãoecondicionamentorecíprocosdacondiçãoeentornohumanos;ohomemnãopodeviversemaprojeçãoconcreta,porquecomprometeriaseuprópriofuturo(MALDONADO,1992).

Aprojetaçãopermiteexpressõesdopessimismoconstrutivo,comosobreaquestãoambiental;aprojetação privada de uma consciência crítica – ecológica ou social – nos conduz sempre à fuga darealidade contingente: a gestão é o comportamento que transforma a informação em ação(MALDONADO,1992).

Emcada tentativadeagir contra as causase os efeitosdenossa situaçãoambiental, sedevesempre começar por recuperar a esperança projetual. Trata-se de reconstruir sobre novas bases anossaconfiançadafunçãorevolucionáriadaracionalidadeaplicada.Adescolonizaçãodoimaginárioea desuniversalização das formas coloniais do saber aparecem, assim, como condições de todatransformaçãodemocráticaradicaldassociedades(LANDER,2007).

Falando do desafio de um governo popular, Chauí (1995) afirma que o desafio imposto pelascondiçõeshistóricas(sociaiseeconômicas)epeloimagináriopolítico(fortementeconservador)exigeainvençãodeumanovaculturapolítica.Trata-sedeestimularformasdeauto-organizaçãodasociedadee, sobretudo, das camadas populares, criando o sentimento e a prática da cidadania participativa(CHAUÍ,1995).

Uma significação social imaginária requer novos significados coletivamente disponíveis(CASTORIADIS,1982,p.174-175).Odesafioparaqualquersignificaçãoimagináriaécomporrespostassatisfatórias àsperguntas fundamentais para toda sociedade: “Quemsomosnós como coletividade?Quemsomosnósunsparaosoutros?Ondeeemquesomosnós?Quequeremos,quedesejamoseoquenosfalta?”(CASTORIADIS,1982,p.177).Sóofazersocialdeumacoletividadepodeencarnarasrespostasaestasperguntas.

O novo a ser construído depende da construção de uma subjetividade coletiva, estabelecidadentro de comunidades interpretativas, que se debruçam sobre o mundo real para transformá-lo(FERRAROJR.,2008).Odesafioemquestãoéodaproduçãode“espaçosdelocução”ou“instânciasdereflexividade”,queredescobremoscaminhosdadesejabilidadeepossibilitamumaPolíticaAmbiental.Umapolíticaengajadaemprocessosda(re)construçãointencionaldaorganizaçãohumanaedofuturoemseusdiferentesespaçosdevida(TASSARA,1998,2005,2006).

Aheteronomia,entendidacomoinclusãopassivanumaordempreexistente,sópodesersuperadapela reflexão crítica e pela constituição de espaços públicos de atuação e realização humanas(CASTORIADIS;COHN-BENDIT,1981).Nessaconstruçãopolítica,cadaindivíduoestá,aomesmotempo,emcondiçãodeautonomiaederesponsabilidade.

O sentido coletivo depende da capacidade imaginária e da possibilidade de estabelecer umespaço para selecionar argumentos e práticas. A coletividade deve ser capaz de ultrapassar todapredeterminação inicial, elaborando novas formas e conteúdos (CASTORIADIS, 1982). “Umacoletividadeduráveldesujeitos”sópodeencontrarumaunidadeparasuaaçãoseestaunidadeexiste em primeiro lugar para si, independente de sentidos prático-teóricos atribuídosexternamente.Emtermosdapráxis,trata-sedacondiçãodesetornarumaunidadeabertafazendo-seasimesmademodopermanenteedemocrático(CASTORIADIS,1982,p.110).Oautor se refere à permanência e dialética entre o instituído e o instituinte, entre osignificadoeosignificante.

ParaHeberle (ApudGOHN, 2002), umadas funções de ummovimento social é a formação davontade política comum ao grupo. Esta leitura se aproxima do processo de arregimentação eorganizaçãodesenvolvido, sistematicamente,poralgunsmovimentosbrasileiros (NAVARRO,2002).Aformação da vontade política do outro é um ato homólogo ao conceito leninista de “agitação epropaganda”.Taismovimentospodemsepautarpelomesmoprojetodesociedadedosatoresaquesecontrapõem(mesmaimagemestagnadadamodernidade).Ofocodaaçãoéoequilíbriodistributivoeajustiça social, que visa à melhor distribuição de elementos da imagem da sociedade moderna(FERRAROJR.,2008).Aconstruçãodemocráticadeumprocessodeinstituiçãoimagináriadasociedadesetornatãodesnecessáriaquantopostergadoradaação.Avanguardaestácertadequesabeoqueémelhorparaasmassas.Encontra-seaíaquestãoéticaentreumcoletivoprojetadodeforaparadentrooudedentroparafora.

Outro aspecto a se considerar é a abertura dos coletivos ou seu fechamento em função dascategorizaçõesqueospredeterminam.Suaaberturapodeserconsideradacomocondiçãoéticafrenteatodosquepartilhamdessemesmomundo.Ocoletivo-redetambémdevepermanecerabertopelosmesmosmotivosquesuasinstituiçõesdevempermanecer.Suaaberturaimplicanaaberturaanovos

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conteúdos e na consequente “sustentabilidade” de seu estado instituinte. É o aspecto conjuntivo(conectivo) que caracteriza o tecido social da sociedade imaginária de Castoriadis (1982), quepermanece aberta a novos conhecimentos, novas práticas e a novas pessoas/grupos. A noçãoconjuntiva do magma de significações remete à ideia da cultura como sistema aberto, capaz deampliaraprópriaautonomia(MORIN,2003).Avaliaçãoqualitativaeaexplicitaçãodasesperançascontidas

Metaprojetoéumprojetoquetematizaoutrosprojetos.Eleorientaedásentidoàsaçõesdetododia,assimcomosugereumatranscendênciadoatoprojetual(MORAES,2006;GIANELLA,2008).Quaisos metaprojetos das vertentes de EA no cenário político brasileiro? Socializados no sistema-mundomoderno-colonial,emmeioàcrisedo imagináriopolíticodamodernidade,oseducadoresambientaisbrasileirostendemareproduziraspectosdestesistemaedestacrise.

Asuperaçãodestesistema-mundomoderno-colonialedestacrisedo imagináriodepende tantodacompreensãodestesfenômenosquantodarejeiçãoatodasassuasimplicaçõesviolentas,objetivase simbólicas (anomia, degradação ambiental, injustiça socioambiental, racismo, desigualdade social,alienação,colonialidadeetc.).Trata-sedeumprocessopsicossocialquedependedapesquisasobreaspráticas. Faz-se necessário avaliar as práticas em termos dos seus horizontes políticos e de suasesperançasprojetuais.Quaisosseusmetaprojetos?

CompreendemosqueháhojenocenáriopolíticoinstitucionalgovernamentaldaEA–emfunçãoda vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores e das características do governo Lula e dasespecificidadesacolhidas,gestadasegeradaspelosdoisministrosquesesucederam,noseugoverno,naáreaambiental–duasvertentesqueexpressammetaprojetosdistintos,quepodemseridentificadossumariamentecomo“coletivoseducadores”,ouvertente1,e“EAno licenciamentoenagestão”,ouvertente2.

A enunciação destas distinções tem por objetivo potencializar um diálogomenos polarizado. AmerapolarizaçãotemfomentadoadesõesquepoucocontribuemcomaspolíticaspúblicasdeEA.Éoque demonstra a recente (2009) desmobilização da política de Coletivos Educadores, com efeitosnefastos para milhares de instituições e militantes comprometidos com a EA e que estavamtrabalhandoporestapolítica.

Épossívelsistematizaroseguintequadroanalíticoinicialparaavaliarasdiferenças,defato,entredois possíveis metaprojetos que fundamentam as políticas públicas de EA no Brasil. O Quadro 1sintetizaasdiferençasentreasduasvertentesem termosde seus focos,estratégiaseperspectivaspolíticas.

Quadro1:SíntesedasdiferençasentreasduasvertentesdeEA.

Categoriadeanálise Vertente1:ColetivosEducadores Vertente2:EAnagestãoenolicenciamento

ResoluçãodoConflitode

classesNãoéopontodepartida.Pesoeformadalutade

classesdependerãodecadacoletivo Central.Condiçãoparaajustiçasocialeambiental

TransformaçãodoEstado

Éresultadodatransformaçãodasociedadecivil.Usam-sesuasbrechasparafortaleceraSociedadeCivil(em

Gramsci,nãoequivaleaONGs)

OfocodaEAéoenfrentamentododomíniodoEstadopelocapital,apartirdopróprioEstado,

seusmecanismosefuncionáriosResoluçãoda

questãoambiental

Subordinaçãodosprocessoseconômicosaosinteressescoletivos

Fimdaeconomiacapitalistaedamais-valiaambiental

Sociodiversidade Central.Pontodepartidaedechegada Nãoécentral.Possível(desejável)pontodechegada

Emancipaçãoecrítica Refere-seatodosistema-mundomoderno-colonial Refere-seàcondiçãodeclasse

Imagináriopolítico Maisaberto–Democraciaradical Maisfechado–Socialismo

Colonialidade Enfrentadapelaemancipaçãofrenteosistema-mundomoderno-colonial Seriaenfrentadapelaigualdadesocial

Fonte:Sistematizaçãodosprópriosautores.

EsperançaprojetualdosColetivosEducadores(vertente1)AesperançaprojetualdaEApautadaemColetivosEducadoreséadamobilizaçãodasociedade

emgrupos articulados de pesquisa-ação-participante, as comunidades de aprendizagem sobremeioambiente e qualidade de vida, que têm nos círculos de cultura, presentes na proposta política epedagógica de Paulo Freire, um forte referencial. Busca-se a instauração de espaços públicoscomunicativos que permitam a desalienação e a instituição imaginária de sociedades sustentáveis.Trata-se de uma imagem calcada na diversidade e na democracia radical. Visa a instauração domomento superestrutural indispensável à produção de novos consensos para o confronto com aestrutura. A disponibilização de novos significados e práticas sociais em uma esfera emancipada,

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libertadaestruturadepensamentovigente,suscitaamobilizaçãoautônomadetodosedecadaum.A ideia de sociedades sustentáveis, mais forte nesta vertente, indica que o futuro requer

sociodiversidade,comomeioecomofimemsimesmo.Adiversidadeculturaldependediretamentedaemancipaçãoemrelaçãoaosistema-mundomoderno-colonial,quelimitaestadiversidadeemvirtudede seu eurocentrismo e da subordinação dos lugares à função necessária ao sistema. Asociodiversidade é destino e caminho da esperança deste projeto. Cada contexto sócio-históricocontémum“magmadesignificações”distintoeésobreestabasequeserãoliquefeitoseconsolidadosos sonhos e fazeres transformadores. Fazer emergir a sociodiversidade é uma estratégia parapromoveraemancipaçãoeodesenvolvimentodemodosalternativosdevida,produçãoeconsumo.

Aparentemente, a vertente 1 incorre no risco do taticismo, do diversionismo, da dispersão ematividades.Comosenãohouvesseumaestratégiadetransformação.Esteriscopercebidoé,emparte,resultadodocompromissodemocráticoassumido.EsperançaprojetualdaEAnoLicenciamentoenaGestão(vertente2)

O “cenário final”, a esperança projetual da EA no licenciamento e na gestão é a resolução doconflitodeclassescomavitóriadaclassetrabalhadoraearesoluçãodaproblemáticaambientalpelofimdosaspectosviolentos,injustoseirresponsáveisdoCapitalismo.Trata-sedeumaimagemcalcadanajustiça,naigualdadesocialenaconservaçãoambiental.

A injustiça social, objetivaematerial é opontodepartidaparaamobilizaçãodaspessoasemtornodeumprojetodetransformação.Perceber,compreender,interpretaredesnaturalizaracondiçãodeclassesãoaspartesdoprocessoemancipatórioquealavancamatransformação.Aigualdadesocialeofimdamáquinaideológicaburguesaseriamcondiçõessuficientesparaenfrentarasubalternizaçãodasculturasnãoeuropeias(colonialidade).OEstado,entendidocomosociedadepolítica,passariadeummomentocoercitivo,contraopovo,paraummomentopopular.

A vertente 2 assumeumaperspectivamarxista de emancipação e crítica, podendo sermelhordefinida como EA do conflito de classes.O foco no conflito de classes ajuda a definir os conteúdos(percepção dos antagonistas, dos recursos em disputa, das arenas do conflito, das estratégias dosatores,dasalianças).

Paradoxalmente,aestratégiadeseoperarpelaEAno licenciamentoenagestãoparececonteruma perspectiva inocente da configuração do Estado brasileiro. Os espaços de luta são aquelesdefinidospelopróprioEstadogerencial,partilhandodootimismodeBresser-Pereira(2001)emrelaçãoàsuperaçãodoEstadopatrimonialapartirdasreformasiniciadasnogovernoCollor.ÉtambémopostaàscompreensõesdeGramsci(2001)eCastoriadis(1982)emrelaçãoaomomentorelativoàproduçãodoimagináriopolítico.ConsideraçõesFinais:Refletindosobreasdiferenças

EsteconflitoentrevertentesdaEA,seminterpretação,temsidoum“mauencontro”nosentidoespinosano. Na produção desta análise, sentimos o quanto a interpretação das causas fortalece as“paixõesalegres”emdetrimentodas“paixõestristes”.Esperamosquea leituradoartigoalimentemprocessos interpretativos que minimizem os joguetes vazios. Compreender o conflito político exigecompreender o metaprojeto, aquilo que move os sujeitos, que aumenta sua potência de ação, suavontadedesereagirnomundo.

Mas, ao final das contas, seemnossa leitura, navertente2háummetaprojetoexpressopelapretensãodeinterpretaçãodaverdadedoproletariado,pode-sedizerqueháumreferencialteóriconavertente1?Ouháreferenciaismúltiplos,umamultirreferencialidadequeacarretaemum“vale-tudo”,ondeaspessoas ficambatendoas cabeças semsaber para onde caminhar, sem terempalavrasdeordemclarasedidáticas,quefacilitamamobilizaçãoealuta,propiciandocomistoamanutençãodo“statusquo”?

O metaprojeto que fundamenta a vertente 1, ao apontar para a diversidade de referenciaisteóricos, objetivos, utopias, princípios e caminhos para a sua construção, estaria desfocando eimpossibilitandoosavançoshumanistaselibertáriospropostos?

Utopias e utopistas de todas as épocas e espaços geográficos, no campo das religiões, daspolíticasedasciências,enunciaramverdadesquesensibilizaramoscoraçõesemobilizarammultidões,dispostas a dar suas vidas nabuscapor essas verdades, pelamaterializaçãodelas, possibilitandoamelhoriadavida,afelicidadeeobemcomum.Sãobuscasvinculadasàcultura,aoimagináriocoletivoeàconjunturaondeemergiram;sãodiversas,emuitasvezeslutamentresipelaconquistadeespaços,depoderpolítico,religioso,científicoououtrosqueviabilizemsuasconquistaseconômicasebem-estarmaterial.

Imensasmassasdomesticadasdehumanos,décadaseséculosdepois,muitasvezesse limitamaosdogmas,rituais,normaseestatutos,oudeterminaçõesdesuasliderançasechefias,esucumbemamortizadas pelo consumismo e pelos meios de comunicação ao diversionismo cotidiano(SORRENTINO,2006),incapacitadosdebuscaremassuasprópriasverdades.

DeveriamaspolíticaspúblicasdeEA,segundoavertente1,optarporumaVerdade?Anossover,se não optassem, estariam impossibilitadas de serem políticas públicas, pois estas exigem direção,saber para onde se deseja caminhar, e os caminhos e papéis que competem aos distintos atoressociais!

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Talopção(davertente1)temporreferencialteóricoummetaprojetoqueacolhediversasutopias.Elaestimulaeapoiaasuabuscaematerializaçãoproativapelaspessoasqueenunciameconstroem,como cidadãs e cidadãos, os seus sonhos e projetos de futuro, dialogando criticamente com oconhecimento historicamente construído e atuando desde os seus microespaços cotidianos depoder/fazer. Tal compreensão condiz com a compreensão gramsciana de que o momento dasuperestruturacontémuma liberdadequeeledenomina“catarse”.Catarsenãoporquecaótica,masporquepodeinstigaracriatividade.Sóassimépossívelrompermoscomoimagináriocolonizado,comoprojetoindustrializadodeumasociedadesemsonhos.

Neste século XXI que apenas se inicia, a compreensão e construção do grande desafio dacidadaniaplanetáriasugerebuscarnoEstado-naçãosuacapacidadecomoatorparaofortalecimentoda Sociedade Civil, conectando seus distintos protagonistas e potencializando-os para agovernabilidadeegovernançadaTerra,edassuasprópriasvidas.REFERÊNCIASARENDT,H.Acondiçãohumana.4.ed.RiodeJaneiro:Forense,1989,352p.BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia dasLetras,2007,360p.BOBBIO,N.Oconceitodesociedadecivil.RiodeJaneiro:Graal,1982.BOURDIEU,P.Opodersimbólico.9ªed.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2006,322p._______.Razõespráticas:sobreateoriadaação.4.ed.Campinas:Papirus,1996,232p.BRESSER-PEREIRA,L.C.Doestadopatrimonialaogerencial.In:PINHEIRO,P.S.;WILHEIM,J.;SACHS,I.(Org.).Brasil:umséculodetransformações.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2001,p.222-259.CASTORIADIS,C.Ainstituiçãoimagináriadasociedade.3.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1982,418p.CASTORIADIS,C.;COHN-BENDIT,D.Daecologiaàautonomia.SãoPaulo:Brasiliense,1981,87p.CHAUÍ,M.AhistórianopensamentodeMarx.In:BORON,AtilioA.;AMADEO,J.;GONZALEZ,S.(Org.).Ateoriamarxista hoje: problemas e perspectivas. Disponível em:<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/cap.5.doc>.Acessoem:10/2/2010._______.Culturapolíticaepolíticacultural.Estudosavançados,SãoPaulo,v.9,n.23,p.71-84,1995.FAORO,R.Osdonosdopoder:formaçãodopatronatopolíticobrasileiro.PortoAlegre:Globo,1958.FERRAROJR.,L.A.Entreainvençãodatradiçãoeaimaginaçãodasociedadesustentável:estudodecasodosfundos de pasto na Bahia. 2008. 459f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro deDesenvolvimentoSustentável,UniversidadedeBrasília,Brasília,2008.FREIRE,P.EntrevistadePauloFreireaNyeRibeiroSilva.RevistaDoisPontos,BeloHorizonte,v.3,n.24,p.6-13,jan./fev.1996.FUKUYAMA,F.Ofimdahistóriaeoúltimohomem.Riodejaneiro:Rocco,1992.GADOTTI, M. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 3. ed. São Paulo: Cortez; Campinas:AutoresAssociados,1982.GIANNELLA,V.Baseteóricaepapeldasmetodologiasnãoconvencionaisparaaformaçãoemgestãosocial.In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL, 2., 2008, Palmas. Anais... CD-ROM.Palmas,2008,19p.GOHN,M.daG. Teoriadosmovimentos sociais: paradigmasclássicose contemporâneos.3. ed.SãoPaulo:Loyola,2002,383p.GRAMSCI,A.CadernosdoCárcere.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1999-2002,6v.HEGEL,F.FilosofiadaHistória.Brasília:UnB,1999.LANDER,E.Marxismo,eurocentrismoecolonialismo.In:ATILIO,B.;AMADEO,J.;GONZALEZ,S.(Org.).Ateoriamarxista hoje: problemas e perspectivas. Disponível em:<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/marix.html>.Acessoem:10/02/2010.LARROSA, J.;SKLIAR,C.Babilônios somos.Amododeapresentação. In: ______ (Org.).HabitantesdeBabel:políticasepoéticasdadiferença.BeloHorizonte:Autêntica,2001,p.7-30.LOUREIRO, C. F. B. Mundialização do capital, sustentabilidade democrática e políticas públicas:problematizando os caminhos da Educação Ambiental. Ambiente & Educação – Revista de EducaçãoAmbiental,RioGrande-RS,v.14,n.1,p.11-22,2009.MALAGODI, M. A. S. Conflitos: conflitos, discórdias, polêmicas, desentendimentos... Estorvando a “ordem”conformista e desbloqueando a aprendizagem social. In: FERRARO JR., L. A. (Org.). Encontros e caminhos:formaçãodeeducadoras(es)ambientaisecoletivoseducadores.Brasília:MMA,2007,v.2,p.73-84.

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PARTICIPAÇÃOEMANCIPATÓRIA:REFLEXÕESSOBREAMUDANÇASOCIALNACOMPLEXIDADECONTEMPORÂNEA

EdaTerezinhadeOliveiraTassaraOmarArdans

Antearacionalidadedominante,desejosadetudoconquistar,pode-se,deumpontodevista dos atores não beneficiados, falar de irracionalidade, isto é, de produçãodeliberada de situações não-razoáveis. Objetivamente, pode-se dizer também que, apartir dessa racionalidade hegemônica, instalam-se paralelamente contra-racionalidades(SANTOS,2002,p.309).

Aambiguidadedotermoparticipaçãoficaevidentedeimediatoquandosepergunta:participaçãoemque?Paraque?Ainda,sepostosadecidir(quemdecide?)quemvaiparticipardoqueeparaque,ficam expostas uma série de questões as quais, a maioria das vezes, estão implícitas ou, caberiamelhordizer,permaneceminquestionadas.Alguémqueéconvidadoaparticipardaorganizaçãodeumevento,queaceitaelogomaisquestionaosentidodetalevento,ouquermodificá-losubstancialmentepode,afinal,serquestionadoarespeitodequeparticipaçãoseriaesta:elenãofoiconvidadoadecidirnadaarespeitodoevento,masapenasacolaborarouajudar,outraexpressãotípica,atravésdesua“participação”.

Outros,solicitadosafazerdiagnósticosdedeterminadassituações,logoqueosfazem,percebemcomespantoquenadadoquediagnosticaramfoiconsideradonahoradasdecisões;oquesebuscavaera apenas “subsídios” para tomadas de decisões para as quais não tinham sido realmenteconvidados. Na linguagem coloquial, ao se falar deste tipo de situações, muitas vezes, aparece aexpressão ‘carregar o piano para outro’ (ou outros) para designá-las, sendo o pianista o verdadeiroprotagonista(sobreoqualosholofotesserãodirigidos)quemexecutasuamelodia,pois,afinal,éeleodonodaresponsabilidadepeladecisãoe,emúltimainstância,dopoder.

Estesexemplosbanais,conhecidosdetodososquealgumavezforamconvidadosouconvidaramoutrosaparticipardealgumacoisa,evidenciamque,quandosetratadeparticipação,háumasériedequestões envolvidas (nem todas elas serão tratadas aqui) que se constelam em torno do eixoparticipação-poder,queemmodoalgumpodeserlido,inocentemente,comoparticipaçãonopoderouparticipação do poder. A problemática do poder e da participação remete à questão dos direitospúblicosfundamentais.

O Zeitgeist da contemporaneidade apresenta uma realidade complexa, implicando emdificuldades em se delimitar a análise de um objeto social no interior das fronteiras de um campodisciplinar.Essacomplexidadeculminaporexigircontextos,naanálisedosfatossociais,corporificandoosistema-mundoemsuatotalidadeextensiva.NesteZeitgeist,jazemcomoinquestionáveisosvaloresda democracia e da liberdade, como universais. Dessa forma, assim considerados, nunca sãocriticados.Talausênciadecríticatempelomenosduasconsequências:deumlado,umacristalizaçãodas ideias de democracia e liberdade em estereótipos, levando à pressuposição de que ambas játeriam alcançado a plenitude de sua realização social e política, tendo como consequência quequalquer questionamento sobre asmesmas é visto como um problema a exigir a restauração ou amanutenção da ordem pública; de outro, a ausência de crítica dificilmente torna possível acompreensão do significado da democracia (situada no plano do coletivo) centrada na autonomia(situadanoplanodaliberdadeindividual).

Aassociaçãodemocracia/autonomiaconduz,dopontodevistalógico,àdefiniçãodedireitosquese compatibilizem com essa representação de justiça, como direitos públicos fundamentais. Auniversalizaçãodobinômioliberdade-democraciasecorporifica,então,naaceitaçãododireitodeseroqueseésendoeodireitodeconviver,poissendoohomemumsersocial,paraseroqueédeveráconviverconformeeleé,oqueimplicanodireitodeparticiparnadefiniçãodasregrasdeconvívio.Osdireitosdeser,convivereparticiparvãopermitiraeleser,noslimitesdaspossibilidades,oqueeleé.

Sob tal perspectiva, a análise das condições de produção da participação-emancipação devedesenvolver-se no interior desse sistema lógico: uma ética da racionalidade no Zeitgeist dacomplexidade.Nestecontexto,éticaapresenta-secomodecorrênciaracionalconduzindoaformasdeparticipaçãoquesevinculemaumaaproximaçãomaiorentreodireitodeseroqueseéeodireitodeconviver. Trata-se, portanto, de uma construção: a produção intencional de uma participaçãoemancipatóriaconsideradaracionalmentecomocondiçãoderespeitoaodireitodeseseroqueseé.Comoproduzircondiçõesquepropiciemtalparticipaçãoassimqualificada?

Ao refletir sobre este tema, é essencial não perder de vista, de um lado, osatores envolvidosnestaconstrução:opróprioEstado,emprimeirolugar,sededopoderplanejadordaspolíticaspúblicas;os cidadãos (individualmente ou enquanto membros de associações, ONGs etc., integrantes dasociedadecivil),convocadosporaqueleaparticipar,eostécnicosque,fazendopartedomecanismoestataldeplanejamento,execuçãoeavaliaçãodaspolíticaspúblicassão,aomesmotempo,cidadãosdessemesmoEstado,delicadaposiçãonessadialéticadopodereparticipaçãoqueatodosimplica;deoutrolado:osprocessosnosquaisessesatoresestãoenvolvidos.

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Destemodo, tratar-se-ánesteensaiodeparticipaçãoemancipatóriaentendidacomoaaçãodeser(fazer)partedeprocessosdetransformaçãosocialquesuponhamnãoumapassividadedosatores(convocadosdecimaedefora,merosreceptoresdasconsequênciasdaspolíticaspúblicas),mas,pelocontrário,umaaçãoenquantoagentesdoprocessoem todasas suas fasesepara todososefeitos.Vale salientar que o termo emancipação, caro à tradição iluminista, em geral, e marxista, emparticular, é inicialmente utilizado por J. Habermas que, após uma série de considerações críticas,decidiu servir-se dele apenas para se referir a situações biográficas individuais, o que acaba poraproximá-lobastantedeautonomia.

No lugar daquele termo, Habermas acabou cunhando, para situações coletivas, a expressãointersubjetividade ilesa (HABERMAS, 1990, p. 106). Contudo, conserva em seu significado o caráterutópicoquejácaracterizavaotermoemancipação.Nãoescaparáaoleitoratentoqueestaimplicaçãodos agentes envolve diversas questões, entre as quais cabe referir, sem intenção exaustiva, asoberania, a representaçãopolítica, o papel do Estado, o exercício de direitos e deveres políticos, aconstruçãodeumacidadaniaquetornepossívelaefetivaassunçãodaquelepapeldeagenteetc..

Decorre,entreoutrostópicos,aemergênciadoprocessodesocialização/individualizaçãodessessujeitos (na infância) e/ou sua ressocialização (na idade adulta) nos casos em que isto se torneimprescindível,eatéondesejapossível,eaeducação,entendidacomoreflexividadedasocialização.Distanciando-nosdeDurkheim(DURKHEIM,1926,p.32),queentendiaqueeducaçãoéasocializaçãodacriança,conceituamoseducação,nocontextodadinâmicacomplexadasociedadecontemporânea,comoumprocessoadinfinitum,contínuo,ininterrupto,abertoparaofuturoeparaoexteriorsocial,noqualocorreintensasinergiaentreracionalidade,deumlado,edeoutro,aracionalização.

MiltonSantos,no textoescolhidoparaepígrafe (SANTOS,2002),colocaohorizontedaquestãoapoiando-se em Habermas (1968), que retoma, por sua vez, as teses de MaxWeber a respeito daracionalizaçãoocidental.SegundoHabermas,racionalizaçãosignifica,paraWeber,

em primeiro lugar, a extensão dos domínios da sociedade que se acham submetidos aoscritérios de decisão racional. Paralelamente assistimos a uma industrialização do trabalhosocial,oquefazcomqueoscritériosdaatividadeinstrumentalpenetremtambémemoutrosdomínios da existência (urbanização do modo de vida, tecnicização das trocas e dascomunicações). Nos dois casos, o que se vai impondo é um tipo de atividade racional comrespeito a um fim: emum, refere-se à organização de certosmeios; em outros, trata-se daescolhaentreostermosdeumaalternativa.(HABERMASapudSANTOS,2002,p.289n).

A partir desse conceito de racionalização, Milton Santos formula o que caracteriza como sua“afirmaçãocentral”(SANTOS,2002,p.289-90):

amarchadoprocessoderacionalização,apóshaver(sucessivamente)atingidoaeconomia,acultura,apolítica,asrelaçõesinterpessoaiseospróprioscomportamentosindividuais,agora,nestefimdeséculoXX,estaria instalando-senoprópriomeiodevidadoshomens, istoé,nomeio geográfico. A questão crucial é saber se é lícito falar de uma racionalidade do espaçogeográfico, aomesmo título com que nos referimos à racionalidade ou à racionalização deoutrasfacetasdarealidadesocial.(Idem,p.290,grifosnosso).

Émister reparar – onossogrifo assimpretendeapontá-lo – que racionalidadee racionalizaçãonão são suficientemente distinguidas nesta afirmação deMilton Santos, comoacreditamos que sejanecessárioproceder.

Racionalidade faz referência a processos lógicos e epistemológicos nos quais, a partir dedeterminadaspremissasepelaviadaargumentação,derivam-seconsequênciaslegítimas,dopontodevistaformal;arelaçãológicaimplicaque,seforaceitaumaafirmação,estaráseaceitandoipsofactoassuaspremissas.Aracionalidadeexige,precisamente,tornartransparenteessaderivaçãológicapelaviaargumentativa,oquetornapossívelacrítica,sejadopontodevistaformal,sejadopontodevistado conteúdo da afirmação em questão. Deste modo, crítica e racionalidade são componentesinseparáveisdomesmoprocessoepistemológico.

Racionalização, por sua vez, refere-se a afirmações cujas premissas são desconhecidas oudeliberadamenteescamoteadas,impedindooconhecimentodaargumentação(quelevadaafirmaçãoàs suas premissas) e impossibilitando, por consequência, a crítica. “Verdades” cujo fundamento sedesconhecesãoideologia,pois,aoseremapagadasaspremissas,sãoasmesmasincorporadascomoconhecimentoestabelecido,absoluto,atemporal,oque,entretanto,éilegítimo,porficardesvinculadaa“verdade”desuafundamentaçãológica.

Deste modo, o racionalismo ocidental pode ser entendido como o solapado trânsito daracionalidadeàracionalização,outalvezmaisapropriadamente,comofazerpassarracionalizaçãoporracionalidade, processo ideológico em que são dadas como verdades afirmações cuja origem foideliberadamente escamoteada no processo demodernização social a serviço do poder: entende-secomoracionalidadeoqueéapenasracionalização.

Retomando a epígrafe, então, a questão que se coloca é a seguinte: aquilo queMilton Santosdenomina como racionalidade dominante, é (nos termos que aqui se propõem) racionalizaçãodominante.Talracionalizaçãodominante,peloexercíciodopoderquedispõe,chamadeirracionaltudoaquiloquenãosecompõecomela,ounaspalavrasdoautor,situaçõesnãorazoáveis,evidentementedopontodevistadessaracionalizaçãodominadora.Masessassituações,precisamenteporquenãosãorazoáveisdopontodevistadadominação, trazemconsigoapossibilidadeda racionalidade,mesmo

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quepelaviadecontrarracionalizações,cujovalorpoderiaseravaliadonumaespéciedegradientederacionalização. Pensamos este gradiente a partir dos quatro modos de percepção espinosanos,sinteticamenteexpostosporCristianoNovaesdeRezendenestestermos:

1)Conhecimentoporouvirdizer(ouporalgumoutrosinalconvencional);2)Conhecimentoporexperiência errante (aquela que se mantém às custas de uma ausência externa defalseamento); 3) A inferência da causa a partir do efeito ou da essência a partir daspropriedades;4)Eoconhecimentodaessênciasingularafirmativadeumarealidadeexistenteem ato. A esses quatro modos de percepção correspondem os chamados gêneros deconhecimentoapresentadosporEspinosaemsuaobramagna,aEthica. (REZENDE,2004,p.62ess.).

Embora estesmodos espinosanospossamser vistos apenas comouma taxonomia, trata-sedeuma taxonomia que poderia auxiliar num processo de reflexão da socialização (educação). Essagradiente,essesmomentosespinosanos,podeoferecerparaoagenteintencionaldasocializaçãoedaeducaçãouma referênciaanalíticaque faciliteosprocedimentosde conduçãoda reflexividade tantoparaosujeitoquerefletecomoparaosujeitoquerefletesobreareflexão.

Se se estabelecerem as condições para a desinstrumentalização dos preconceitos, o sujeitoreflexivo poderá distanciar-se da doxa dirigindo-se à decifração da metadoxa, ficando exposta aracionalidadeoculta.Essataxonomia,portanto,estaordenaçãoracionaldemomentos(umasequênciaevolutiva,segundoEspinosa)poderiasuscitarareflexão,fundamentandoacríticaepistêmicaatravésdo estabelecimento de uma correspondência entre o referencial do objetivo socializador(emancipatório)eoprocesso reflexivodosujeitoquesesocializa (autonomia) –umadialética tendocomo substrato o sujeito epistêmico. Assim, comunicar-se-ia o elo social, mediante a transmissãocríticadasexperiênciasvividas,produzindooencontroentreaquelequecomunicaaexperiência(que,porhipótese,produziráumareflexãodasocialização)eaquelequerefletesobreela.

Por outro lado, mesmo considerando-se a participação como um direito que vai permitir ocumprimentoracionaldosdireitosdesereconviver,elenãoseproduziráespontaneamente.Consisteem um processo político definidor do caminho de condução da leitura racional destascontrarracionalizações. O conhecimento desse gradiente e de seus fundamentos lógicos tornariapossíveltransformarcontrarracionalizaçõesefetivaselegítimasnadireçãodaracionalidade,poisestasnecessitamargumentare, apoiadas em argumentos, criticar,para se opor (commaior legitimidadequeela)àracionalizaçãodominante,exigindodesta,porsuavez,argumentos.

Caberia, talvez, falar em processos de metarracionalização para o caso dascontrarracionalizaçõesquealcancem–viaargumentaçãoecrítica–sucessoepistemológicoelógicoenão meramente existencial (reivindicativo). Tal jogo – de racionalização dominante econtrarracionalizaçõesderesistênciaemergentes(contrarracionalidadesdeMiltonSantos)–podeservistocomoumjogodeação-reaçãoentreumaeoutras,emquearupturasópodeaconteceremtornoda racionalidade a que se venha a ter acesso. Do contrário, estar-se-á em plena circularidadeideológicasustentando-searacionalizaçãodominante.NaspalavrasdeStarobinski:

Ascircunstânciaseosantecedentespermitemexplicar,atémesmocompreender,asdecisõesracionais assim como as escolhas criminais. De qualquer forma, o estabelecimento de umanecessidadecausalnãopermiteprejulgaremnadaquantoàpertinênciaética.Seumesforçoracional permite compreender a necessidade causal subjacente a uma reação, disto nãoresultaqueestareaçãosejarazoávelejustificável.Amesmaracionalidadenãoestáimplicadanopensamentoqueconjecturaapossibilidadeeagênesedeumato,enopensamentoquejulgaosentidoeovalordesseato.Apalavra‘razão’,talcomoseaempregacorrentemente,énotoriamenterecobertademúltiplossentidos.Seelaéfundamentodeinteligibilidade,elanãoé, contudo, fundamento de legitimidade. (A psicologia nos habituou a isto: ela quercompreender racionalmente as pulsões irracionais.) Há meios de jogar com as palavras, equando a argumentação defensiva busca reduzir a responsabilidade de um indivíduo que‘reagiu’, não lhe faltam subterfúgios. Considerando a provocação como a desculpa-álibiadmissíveldareação,elatentarámostrarnareaçãooprolongamentodoatoimputávelaumator antecedente; e simultaneamenteapresentará o fundamentode inteligibilidade (de fato)comoseele fosseaomesmotempouma legitimação (dedireito). (STAROBINSKI, J.,1999,p.340-1).

A grande utopia continuaria sendo, porém, compartilhar a convicção de que o intelecto possaconduziresteprocessopolítico,nãopelaviasemsaídadeumracionalismocontidoemumsistemadealternativaspreestabelecidas,maspelaviaespinosana–dentrodeumaracionalidadefundadasobreaética; porque, aonão se comunicar aquilo doque se é depositário (e cadaumédepositário do elosocial),nãohaverátransmissãoeexpansãodesteelo.“Noquerespeitaàvidaemsociedade”,afirmaLívioTeixeira:

Espinosaaconsideracomoomaisaltofeitodarazão, istoé,aquiloquedemelhorohomempodeconstruirquandobuscaseuprópriointeresseeutilidadee,portanto,aquiloquemaisquetudocontribuiparaavirtude.(...)Arazãosedesenvolvenoplanodaservidãonamedidaemquepensaohomemabstratamente, isto é, separado de tododoqual é somente parte (...).(TEIXEIRA,2001,p.186e188,grifosnosso).

Racionalmente, só há essa solução. Só há uma possibilidade ética dentro da cultura da

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racionalidade:a comunicaçãoargumentativa ilesaque tornepossível ser-seoque seé, convivendo.Umethos,outrosethos...

Sobtalperspectiva,poder-se-iaafirmarqueosujeitodeumaculturaautóctonenãoéalienado.Mas,seeleentraremcontatocomaracionalizaçãodominante,seráabsorvidopelamesma,tornando-se um alienado na medida em que essa racionalização o obrigue a se despojar de seu ethos, arenunciaraele,produzindoseuesmaecimento.Estaausênciadeethostorna-sesubstratododomínioedo esvaziamento da participação criativa da subjetividade na construção simbólica. Será sempre areprodução do símbolo alheio, nunca uma recriação. Esse processo de expansão da racionalização,portanto,nãoseráéticoporqueeleproduziráalienaçõesquegeramarupturadacomunicaçãono(edo) ethos e, portanto, do elo social. Dessa forma, em um Iluminismo legítimo, a procura daracionalidadeeacondiçãoéticaseimplicammutuamente.

Expandir a racionalidade significa a secularização da ciência e não a sua vulgarização, queimplicariaemretirardooutroseuethossoboargumentodequealinguagem,osímbolocientífico,nãopodesercompartilhadapelasuacomplexidade,exigentede iniciação.Mas,comolinguagem,poderáserentendidaemseus fundamentos,entreoutros, linguísticos, filosóficose institucionais.Emoutraspalavras:contrarracionalidades (Milton Santos) – ou (como preferimos) contrarracionalizações – semsustentabilidade psíquica, não se mantêm. Ter-se-ia que distinguir o espaço (entendido como) nãorazoável ou irracional, pela racionalização dominante, do espaço racional entendido como espaçolegítimo,aomesmotempo,dopontodevistaepistemológico(apoiadoemargumentaçãoecrítica)eético-psicossocial (sustentabilidadeemvaloresemergentesecompartilhadospelacomunidade,osercomum,e emprocessos democráticos que alicercemessa sustentabilidade) emuma cultura que seproponhapacifistae,portanto,respeitadoradadiversidadehumana,emtodasassuasexpressões:

Talvirtualidadedelimitaumcampodeforçassociaisemconflitotendoemvistainteressesdeaproveitamento do patrimôniomaterial e não-material comumàs humanidades da Terra. Asforças em conflito visam a exercer influências imediatas sobre a construção da sociedade,plasmadas segundo seus interesses determinados, particulares e setoriais, portanto, seusinteresses não-generalizáveis e nem tematizáveis na esfera pública. Velados os verdadeirosconflitos, corporificam-se osmesmos na colocação emmovimento de forças de informação,contra-informação e desinformação estratégicas, as quais, com maior ou menor grau desistematização, objetivam influenciar as formas de representação da realidade históricacompartilhadas pelos diferentes grupos sociais, na luta pela imposição de uma alternativacomosolução.Assim,aesferadaopiniãopública,alargadadefatocontemporaneamentepeladifusão da informação nas mídias eletrônicas e por suas conseqüências sobre as relaçõeshumanas, políticas e sociais, esvazia-se de poder: de um lado mantém latente a naturezaparticular dos interesses em conflito que se concretizam em imposições de caminhosalternativos;deoutro,produzindoapropagaçãoveladadeinteresses,reduzaparticipaçãodoscidadãos à aclamação de escolhas políticas pré-confeccionadas. (TASSARA e DAMERGIAN,1996,p.297).

Mas, é possível cogitar-se de uma utilização de métodos comuns para se propiciar umaparticipação emancipatória em uma criança que aprenderá, a partir de uma racionalidade in statunascendi, submetida à ação de diversas modalidades de racionalização presentes, uma série derespostas,p.ex.,aquestõessocioambientais(fornecidaspelosadultosapartirjá,provavelmentemaisdoquedaracionalidade,dasracionalizaçõespresentes),queparaobteraadesãoreflexivaeracionaldeumadultoaomesmoprograma.

Nestadinâmicaentreadultose crianças –entre seresqueaindaestão seconstruindoeoutrosque estão se ampliando e reformulando –, embora cada umpossa ter particularidades com relaçãoàquele gradiente de racionalização que implicitamente vai conduzir o processo de socialização,estandoambosemummesmouniversocultural,areflexãodasocializaçãoterádepassarpelareflexãodo processo de construção do ser social – esta individualidade substrato dos sujeitos epistêmico,psicossocialepsicológico.Osujeitoqueestáemconstrução,estáemconstruçãonaesferapsicológica,naesferapsicossocialenaesferaepistêmica.Eéjustamentenaesferaepistêmicaquesedáagrandediferençaentreoadultoeacriança.

Paraascrianças,asesferasepistêmica,psicossocialepsicológicaconsistememumatotalidade,namedidaemquenãopodedescentrar:nãotendoareversibilidadeoperatória,nãopodepensarsobrehipóteses. Não pensando sobre hipóteses, a verdade para ela não pode ser parcial, não pode sercondicionada por premissas, tendo que, necessariamente, ser total. Este fato, que está inscrito naimpossibilidade do sujeito epistêmico estar constituído na racionalidade a partir do seu nascimento,oferece mais um elemento na dinâmica da reflexividade. Oferece outra dimensão a ser explorada,dimensão diacrônica sobre a qual caberia falar, como F. Braudel conceitua (BRAUDEL, 1966), em“temporalidadesdiferenciadas”:otempodagestaçãodasideias,otempodasinstituiçõessociaiseotempodaexistência.

Refletir significaria refletir sobre a socialização comoumprocesso histórico, social, psicológico,cultural, político; refletir sob referência de temporalidades múltiplas constituintes de diferentescamadasasuscitardecifração.Nessesentido,háaspectosque,somenteolhando-separaaconstruçãohumana da criança, podem ser apreendidos. Elementos ocultos presentes no processo socialevidenciam-se na protoargumentação infantil, de cuja decifração emergiria um outro nível de

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reflexividade.Haveria,então,umadimensãodareflexividadedasocializaçãodesenvolvidasobreosprocessos

sociais,culturais,políticos,eoutrasobreoqueresultadointer-relacionamentoentreopsicossocial,opsicológicoeoepistêmico.EstasduasdimensõesvãopossibilitarsepararracionalmenteaquiloaqueGiorgio Agamben (1995) se refere como se constituindo em um processo de alienação, que é aindistinçãosemântica,produzidaaolongodaexpansãodacivilizaçãoocidental,entreostermosgregoszoeebios,utilizadosparadesignarvida:avidanua(pura)eaexistênciasingular.Refletirsobreestaindissociação poderia gerar contrarracionalizações assentadas sobre a análise dos significados dosreferidostermos.

Asocialização reflexivadacriançaestaria jáembutindomodalidadesderacionalização que lheserão exigidas subsequentemente e queguardariamalgum tipode relação (legítimaounão) comaracionalidade. Se o processo de descentração domundo (Piaget) é fundamental para que a criançaalcanceacondiçãodeadultoracional,capazdelinguagemedeaçãoe,portanto,capazderesponderpelos seus atos (Habermas), haveria de se prestar a máxima atenção ao modo como os adultosoperam sobre essa socialização, para que asmetamorfoses do pensamento da criança, submetidasàquelasmodalidadesde racionalização,nãoa levem,no futuro,adefenderprecisamenteàquiloqueprocura torná-las,apenas,entornodosistema.Mas,acriança– infelizmenteparaoadultoquedeveenfrentá-las–fazperguntas.

Para o adultocentrismo, que também faz parte da racionalização dominante na sociedade, aperguntadacriançainauguraadialéticaentrearacionalidadeearacionalização,dialéticadaqualsequer excluí-la, fazendo com que a racionalização passe por racionalidade, como se (as if) fosseracionalidade.Aperguntadacriança,nasuaingenuidade,percebeasincoerênciasdaracionalização.Aceitarasperguntasdacriança, comouma teseousada,poderia implicaremsecolocar naprópriacriançaoembriãodacrítica,porquenela, racionalizaçãoe racionalidade têmomesmoestatuto,ouseja, são indiferenciadas. Conforme referido, não existindo nela, ainda, a reversibilidade operatóriacompleta,acriançanãoraciocinaporhipótese;destemodo,oraciocíniodacriançanãosedesvinculada verdade: sendo sempre verdade, a criança procura os nexos que não estão, pergunta e constróiargumentos.Oadultodesestimaperguntaseargumentosinfantisdestruindoacomunicaçãocomelaeapartirdela,eimpõe,dessemodo,asua“razão”(racionalização).

No caso do adulto, deve-se considerar que este já desenvolveu uma modalidade deracionalização que será favorável ou não à racionalidade. Ela (racionalização) estará presente nomomentoemqueesseadultovierafazerpartedeprocessosdeparticipaçãoemancipatóriaequeseconstituirãoemdesafios(paraeleeparaosoutros),dadoqueseuenvolvimentocomatransformaçãoda sociedadee da vida dos outros supõe, caso seja levada a sério, a transformaçãode suaprópriavida.Ograudereflexividadepresentenasocializaçãodesseadultoéque,constituindo-seemalicerce,lhe possibilitará inserir-se em processos participativos não egocêntricos nem particularistas (quecontribuem para o jogo de ação-reação ideológico), possibilitando-lhe perceber, como lucidamenteentendiaAdorno,quenãoépossívelavida(individual)verdadeiranomeiodavida(coletiva)falsa;ou,como entendia Espinosa, que a verdade é índice de si mesma e do falso, e a recíproca não éverdadeira:ofalsonãoéíndicedaverdade.

Nãohácomopôremdúvidaqueareflexividadedasocializaçãocorraorisco,cadavezmais,dedeixardeexistiremumasociedadecaracterizadaporumairracionalidadedominante.Istoimplicaemqueaparticipaçãoemancipatóriadeverá incluir, tambémenecessariamente,esforçosnadireçãodeuma reflexividade para os adultos que nela se envolvem e que poderão dar sustentação àscontrarracionalizaçõesquepretendamoperarcomoresistênciaàracionalizaçãodominante,atravésdeinstânciasdelaemuladoras.

Destemodo, seja para a criança, seja para o adulto, a participação emancipatória implica emdesafios que, embora semelhantes, são diferenciados; semelhantes: a construção de umaracionalidade socioambiental não poderá propiciar uma sustentabilidade presente e futura sem quesejamincluídosnelaosagentesdehojeeosdeamanhã;diferentes:otratamentodonúcleointuitivo-dogmáticodopensamento(HABERMAS,1981,p.174),responsávelpelasracionalizações(epelamaioroumenordistânciadestasdaracionalidade),presenteemcriançaseadultos,nãopodesemmaisserigualada. As racionalizações presentes para cada geração e para cada indivíduo são dinâmicas eoperamdiferentementeparacadasociedadeemcadamomentohistórico,emborasempreaserviçodaordemdominante.

O acesso à racionalidade, pela via da participação emancipatória, coloca em pauta diferentesdesafios.Noentanto,indivíduosegrupostêmaseufavoroqueEspinosadenominouconatus,aquelaforçaque, surgindodasprofundezasdavidaepresenteem todavida, fazpersistir na existênciae,para o homem, na vida em sociedade. Antonio Negri o apresenta assim: “potência contra poder”(NEGRI, 1981, p. 248). Como fazer para que o conatus, presente nas contrarracionalizações e emapostasporsoluçõesnãoindividualistas,porsuavez,alimentearacionalidade?Comofazerparaqueessas contrarracionalizações se sustentem argumentativamente e perdurem psicológica epsicossocialmente, como verdadeiros focos racionais de resistência? Como tornar psiquicamenteduradouras essas energias de resistência (quais processos psicossociais deveriam ser promovidos)paraseremsocialepoliticamentepossíveis?“Apaznãoéausênciadeguerra,masumavirtudequenascedaforçadaalma”(ESPINOSAapudNEGRI,op.cit.,p.257-8).Negriexplicita:

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Sóaliberdadefundamentaapaz,ecomelaomelhorgoverno.Mas,veja-sebem,aliberdadenão é simplesmente liberdade de pensamento, mas expansividade do corpo, sua força deconservaçãoede reprodução,comomultitudo.Éamultitudoqueseconstituiemsociedadecomtodasassuasnecessidades.Nemapazésimplesmentesegurança,maséasituaçãonaqualoconsensoseorganizaemrepública.Éregulamentaçãointernaentreantagonismos.(...)Aúnicaimagemverdadeiradeliberdaderepublicanaéaorganizaçãodadesutopiaeaprojeçãorealista das autonomias dentro de um horizonte constitucional de contra-poderes. (Ibid,ibidem).

A participação emancipatória como um direito racional se justifica eticamente na razão e semostra no coletivo, aonde sobrevive como elo social. O conatus teria que ser alimentadocontinuamente,parapoderatuarcomoforçamotivacionalderesistência,pelareflexão.Essareflexão,nolimite,retirariaaparticipaçãodeumameraracionalidadetransferindo-aparaocoletivo,comoúnicapossibilidadelógicadoalimentoracional,umaéticadaracionalidade.

Se o conatus é central na filosofia política de Espinosa, as reflexões oferecidas neste textoapontam para umaproto-ontologia da participação associando-a à ideia do conatus que, enquantomotivação de resistência, teria que ser cultivada e alimentada na (e pela) reflexividade; é essealimento na reflexividade, que transcenderia (terceiro gênero de conhecimento para Espinosa) àprópria racionalidade, no momento em que ela se tornasse uma posse do coletivo, necessidaderacionalparasegerarumagirsolidárioquenãoestejaapoiadonacaridade.

Comoconcretizarestaspreconizações?Comoproduzirumareflexividadeilesa,semsubterfúgiose sem domínios obscuros? Como mudar a cultura política? Como gerar a resistência política parasuperarasdificuldadescolocadaspelosagentesdopoderearesistênciapsicológicaparasemanteraação?Comogarantirametamorfoselógicadetodoseparatodos?Sãoobstáculosaseremsuperadosnaconstruçãoestratégicadecaminhosainventar.Oprocesso,cujabuscaéutopia,serásuahistória.“Ah!Masafénemvêadesordemaoredor.Asgentes...asareias...”(GuimarãesRosa,“GrandeSertão:Veredas”).REFERÊNCIASAGAMBEN, Giorgio. (1995). Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. BeloHorizonte:Ed.UFMG,2002.BRAUDEL,Fernand. (1966). LaMediterranée et lemondemediterranéen a l’époquede Philippe II.Paris: A.Collins,2v.CHAUÍ,Marilena.(1999).Anervuradoreal.SãoPaulo:CompanhiadasLetras.DURKHEIM,Émile.(1906).Éducationetsociologie.2.ed.Paris:Alcan,1926.HABERMAS,Jürgen.(1968).Conhecimentoeinteresse.Trad.JoséHeck.RiodeJaneiro:Guanabara,1987._______. (1981). “Dialéctica de la racionalización”. In: ______. (1994). Ensayos políticos. Trad. RamónGarciaCotarelo.Barcelona:Península,p.137-176._______.(1990).Passadocomofuturo.Trad.FlávioB.Seibeneichler.RiodeJaneiro:TempoBrasileiro,1993.NEGRI, Antonio. (1981). A anomalia selvagem. Poder e potência emSpinoza. Trad. Raquel Ramalhete. SãoPaulo:Ed.34,1993.REZENDE,CristianoNovaesde. (2004). “Osperigosda razão segundoEspinosa: a inadequaçãodo terceiromodo de perceber no Tratado da emenda do intelecto”. Disponível em:<http://www.cle.unicamp.br/cadernos/pdf/Cristiano%20Novaes%20de%20Rezende.pdf>.SANTOS,Milton.(2002).Anaturezadoespaço.SãoPaulo:EDUSP.STAROBINSKI, Jean. (1999). Ação e reação: vida e aventuras de um casal. Trad. Simone Perelson. Rio deJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,2002.TASSARA, Eda Terezinha de Oliveira etal. (2001). “Propostas para a instrumentalização de uma EducaçãoAmbiental transformadora”. In: COSTA, Larissa Barbosa da e TRAJBER, Rachel (Orgs.). (2001). Avaliando aEducaçãoAmbientalnoBrasil.Peirópolis,InstitutoECOARparaacidadania/FundaçãoPeirópolis,2001,p.29-51.TASSARA,EdaTerezinhadeOliveiraeDAMERGIAN,Sueli.(1996).“Paraumnovohumanismo:contribuiçõesdaPsicologiaSocial”.In:EstudosAvançados10(28),1996,p.291-316.TEIXEIRA, Lívio. (2001). A doutrina dos modos de percepção e o conceito de abstração na filosofia deEspinosa.SãoPaulo:Ed.UNESP.

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AAMBIENTALIZAÇÃODAESCOLA:AEXPERIÊNCIADOPROGRAMAESCOLASSUSTENTÁVEIS

FernandaBelizárioJuscelinoDourado

JúliaTeixeiraMachadoAlineMeneses

RicardodeUrrutiaMouraRachelAndriolloTrovarelli

OqueéoprogramaEscolasSustentáveis?OpresenteartigosepropõeaapresentaraexperiênciadoprogramaEscolasSustentáveis,que

foirealizadopeloLaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental(Oca)daESALQ/USPeoInstitutoEstrede Responsabilidade Socioambiental, com o apoio da Secretaria Municipal de Educação dePiracicaba/SP.

Apropostadoprogramaésomar-seaumasériedeoutrasiniciativasquefomentemummodelodeEducaçãoAmbiental(EA)dentrodasescolasquenãoseresumaaeventosouiniciativasisoladasdeuma disciplina ou de um ou outro professor. Mas ummodelo que se integre à cultura escolar, quepenetrenocotidianodaescolaetransbordeparaacomunidadeescolarexpandida.

Sabemos que, embora o contexto atual seja de universalização da EA nas escolas brasileiras(BRASIL,2007),asúltimaspesquisassobreoestadodaartedaEAnosterritóriosescolaresapontamque a dimensão ambiental ainda é incorporada pelas escolas demaneira fragmentada, superficial,isolada e descontínua. Portanto, fomenta atividades igualmente pontuais, fragmentadas e isoladas,tocando apenas nas pontas da grade curricular, através de projetos, datas comemorativas ou dosconteúdosdasdisciplinasditas‘ambientais’(MACHADO,2007).

Tendoessehorizontecomocontexto,oprogramaEscolasSustentáveis secolocouodesafiodecolaborarcomasiniciativasquebuscamenfrentaressarealidade,queseapresentacomohegemônicanas escolas, ao apresentar um modus operandi que estimula a avaliação crítica da realidade eempoderaparaqueoscoletivosescolaresbusquemalternativasemancipatóriasdetransformaçãodesuasvidasrumoaumasociedadejusta,solidáriaefraterna.PremissasdoprogramaEscolasSustentáveis

A criação do projeto teve como premissas fundamentais os cinco conceitos que permeiam asreflexõeseaçõesdostrabalhosdeEArealizadospelaOca:identidade,comunidade,diálogo,potênciade ação e felicidade105. E também se inspirou no conceito de Escolas Sustentáveis que tem sidodesenvolvidopeloMinistériodaEducação(MEC)106comescolasdeEnsinoMédioparacriarumanovamaneiradepensara instituiçãoescolar,quecompreendeaprofundidadedasmudançasnecessáriasparasuperarosimpedimentosburocráticos,pedagógicos,sociais,culturaiseemocionaisqueenvolvemocompromissogenuínodoespaçoeducadorambientalistacomasuacomunidade.

ParaTrajbereSato(2010,p.71),espaçoseducadoressustentáveissão:(...)aquelesquetêmaintencionalidadepedagógicadeseconstituiremreferênciasconcretasde sustentabilidade socioambiental. Istoé, sãoespaçosquecontribuempara repensarmosarelação entre os indivíduos e destes com o ambiente. Compensam seus impactos com odesenvolvimentodetecnologiasapropriadas,permitindoassim,maisqualidadedevidaparaasgeraçõespresentesefuturas.

Os espaços educadores estão articulados sob quatro eixos: gestão, currículo, edificação ecidadania. Esses quatro eixos, quando interligados, criam sinergia para ressignificar a gestão, ocurrículo,aedificaçãoeacidadaniadentrodaescola.

AgestãodeumaEscolaSustentávelécoerentecomoquepreconiza.Aomesmotempoemquepromove, por exemplo, a diminuição do desperdício, a destinação adequada do lixo produzido pelaescolaoua realizaçãodecomprasconscientes,encorajaaconvivênciaentreaspessoas,garantindoespaçosemomentosdeencontros,arenasdediscussãoetomadasdedecisõescoletivas.

Assim,aescolaélócusprivilegiadoparaoexercíciodacidadaniaedodiálogoquandovivenciaarealidadedacomunidadeaqualpertence,trazendoaspautassocioambientaislocaisparadentrodosespaços escolares. A cidadania é entendida, em uma Escola Sustentável, como pertencimentocorresponsável,aoeducarpessoasquesaibamentenderseusproblemaseresolvê-los.

Debaterocurrículoédiscutirumaperspectivademundo,desociedadeedeserhumano.Tudoque se vive na escola, oculta ou nitidamente, forma pessoas, por isto, é currículo. Uma EscolaSustentávelnãoétransmissoradeconhecimentos,masconstróiseupróprioconhecimentoatravésdodiálogo entre os saberes científicos com os outros saberes, fazendo o uso desse conhecimento naparticipaçãopolíticadodiaadia(REIGOTA,2002).Assim,entendemosocurrículoparaalémdasaladeaula,éumcurrículovivo,comprometidocomaleituradomundoesuatransformação.

A edificação de uma Escola Sustentável está de acordo com a concepção de um ambiente

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convidativo para se viver e conviver. Respeita as tecnologiasmais adequadas para a localidade decada escola, preocupando-se com o uso racional da água, de energia elétrica, como também sepreocupandocomaconstruçãodeestruturaseducadorassustentáveis.Osespaços físicosdaescola,quando são educadores sustentáveis, guardam em si a dimensão pedagógica, pois possibilitam aaprendizagemdocuidadocomavidaatravésdocuidadodasaladeaula,dopátio,dasplantas,doscolegasedesimesmo.OpercursoformativodoprogramaEscolasSustentáveis

Em2011,oprogramaEscolasSustentáveis foi realizadona cidadedePiracicaba/SPatravésdeumpilotodesenvolvidocomtrêsespaçoseducadores107.Cadaumdessesespaçosformouumaequipedetrabalhocomdezpessoasdacomunidadeescolar,queparticipoudopercurso formativopropostoentreosmesesdeabrilanovembro.

Noprimeiroanodeatuação,oprogramapromoveuumcursode210horas,direcionadoparaacomunidadeescolar.Ocursotevecomofinalidadeauxiliarascomunidadesaelaborarem,executaremeavaliaremseupróprioprogramadeEscolasSustentáveis.

Opercursoformativotinhaoseguinteesquemadetrabalhomensal:a)Momentosconceituais:eramapresentadosconceitosfundamentaisepropostosexercíciosa

partirdomarcoteóricodoscincoconceitosdaOcaedasEscolasSustentáveis.Essesmomentoseramconstituídospor umencontromensal de8horas com todas as equipesdoprojeto emais umaaulaabertade4horas,compalestrasdeespecialistasnostemastrabalhadosduranteopercursoformativo.Essasaulaseramabertasaqualquer interessadoe tinhamampladivulgaçãodentrodacomunidadeacadêmicadaESALQ;

b)Momentosdetrabalho:aconteciamdentrodecadaespaçoeducador,comcadaGrupodeTrabalhomaisaequipegestoradoprojeto,comduraçãode2horasporsemana.Nessesmomentos,asreflexões coletivas facilitadas pelos momentos conceituais davam vida aos planos de ação, quepropunham mudanças nos espaços físicos e simbólicos em direção à sustentabilidade refletida nagestão,nacidadania,naedificaçãoenocurrículo.

Cadamêsdopercursoformativo(queestavadivididoconformeacima)correspondiaaumciclo,ecada grupo de ciclos formava uma das três etapas de trabalho, que chamamos de identidades,identificaçõesepolíticaspúblicas.

A primeira etapa, Identidades, teve o objetivo de pensar e agir sobre as identidades quedefinemoespaçoescolar,compreendendo-ocomoumespaçosocialproduzidoporpessoasemrelaçãoentresiecomomundo.Estaetapafoiconstituídaportrêsciclos:árvoresdossonhos,diagnósticodarealidade escolar e preparação do plano de ação. Nessemomento, também, introduzimos os cincoconceitosdeEAdaOcaeconstruímoscoletivamenteoconceitodeEscolasSustentáveis.

Asegundaetapa,Identificações,tevecomofinalidaderepensarasidentidadesquedeterminamosespaçoseducadores.Nostrêsciclosquecompuseramestaetapa,aprofundamosoconceitocoletivode Escolas Sustentáveis, discutindo as dimensões gestão, edificação e currículo. Neste momento,também, abordamos conceitualmente os temas de comunidade escolar e de projeto políticopedagógico.

AterceiraetapaencerrouocursotrazendoadiscussãodePolíticasPúblicas.Nesteúltimociclo,atemáticadiscutidafoiacidadania.Oobjetivodessaetapaeradepotencializaraequipedetrabalhoaagirjuntamentecomasuacomunidade.

Cadaequipedetrabalhofinalizouocursoreunindo,emumúnicodocumento,todasasatividadesrealizadas.Esteéformadoporcincopartes,asaber:apresentaçãodacomunidadeescolar,oconceitocoletivodeEscolasSustentáveis,aescoladossonhos,odiagnósticodarealidadeescolareoplanodeação. Esse documento constitui-se como importante para a continuidade e sustentabilidade doprocesso educador ambientalista iniciado pelo programa Escolas Sustentáveis, na medida em queconsegueenvolveracomunidadeescolaredialogarcomoprojetopolíticopedagógicodaescola.

OrelatóriofoiumreflexodoprocessovividoporcadagrupoeporcadaindivíduoqueparticipoudaexecuçãodosplanosdeaçãoedetodasasatividadesenvolvidasparacriarEscolasSustentáveis.Cadagrupofezumrecorteespecíficodesuasnecessidades iniciaise,portanto,cadagrupoalcançouresultados diversos; alguns optaram por pensar na violência dentro do espaço escolar, outrosinvestiram na participação de outros atores, como os alunos, nos processos de decisão, e outrosespaçossevoltaramaoprojetopolíticopedagógicocomomarcoinicialdeconstruçãodatrajetóriaqueestavamcomeçandoadelinear.ConstruindoEspaçosEducadoresSustentáveisapartirdoscincoconceitosdeEducaçãoAmbientaldaOca

Fundamentamo-nosnacompreensãodequeaEAdeveserconcebidaparaalémdoseuaspectoracionaleconteudista,masdentrodeumaperspectiva filosóficaquenospermita trazeradimensãoéticaquenorteiaa relaçãodoserhumanocomanaturezaea relaçãodoshumanosentresi.Nessesentido,acreditamosqueacontinuidadeesustentabilidadedosprocessoseducadoresambientalistasdesenvolvidospelascomunidadesescolares terãoêxitonamedidaemqueocorraaapropriaçãodosconceitosdeidentidade,diálogo,comunidade,potênciadeaçãoefelicidade.

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Sabemos que sem a disponibilidade para o diálogo, não há processo de ensino-aprendizagem(FREIRE,1996).Porém,asescolasmostram-sepoucoférteisemfomentararelaçãodialógicaentreaspessoas que atuam em seu espaço. Entendemos o diálogo não como uma conversa, debate oudiscussãoentrepessoas,masoreconhecimentodosernooutro(BUBER,1979).Promoverencontrosperiódicos entre os participantes do curso, principalmente entre as equipes de trabalho, foiimprescindívelparaqueaspessoasseconhecessem,seaproximassem,formassemlaçosdeamizadesecriassemumambienteacolhedorparaconversarerefletirsobreoseuespaçoescolar.Nessesentido,osmomentosdeconvivênciaentreosparticipantesdocursoforamimportantesparainiciarodiálogoentreaspessoasquecompunhamaequipedetrabalho,comotambémparadarinícioàformaçãodaidentidadedessegrupo.

A construção de identidades é um processo que envolve a aprendizagem de viver e conviver,“aprender a ser, viver, dividir e comunicar como humanos do planeta Terra” (MORIN, 2003, p. 76).Nesse sentido, os momentos de encontros entre os participantes do curso, principalmente os queocorriam nos territórios escolares, e o fato de construirmos o conceito de Escolas Sustentáveiscoletivamente, cumpriram o papel de aproximação das pessoas através de um objeto comum,contribuindoparateceraidentidadedecadaequipedetrabalho.

A construção da identidade planetária se faz em comunhão coma construção das identidadeslocais, resgatando a cultura, hábitos, valores, características biofísicas e socioeconômicas locais,fazendo a leitura de mundo dentro da totalidade global (ALVES et al., 2010). É aí que entra aimportânciadaescolapensareconstruirasuaidentidade.

O surgimento de uma identidade possibilita trazer à tona o sentimento de pertencimento, deenraizamento,do compartilhar, do cuidadomútuo,da solidariedade.Estes sãoelementosessenciaispara a formação de uma comunidade, não entendida como localidade geográfica, mas como umconceitoorganizadordaidentidadecomum(GUSFIELLD,1995apudALVESetal.,2010).

A perspectiva de comunidades interpretativas (SANTOS, 2007) ou comunidades aprendentes(BRANDÃO, 2005) quando trazida para o campo escolar, abre a possibilidade de romper com omonopóliodosabercientifico,criandoalternativasdeconstruçãodoconhecimentodaprópriaescolabaseado na solidariedade e participação, elegendo todas e todos da comunidade escolar comoeducadores e aprendizes. No entanto, uma das grandes dificuldades das equipes de trabalho nopercorrer do curso foi envolver a sua comunidade escolar. Isto se deu por conta de obstáculos jáconhecidos nos territórios escolares, como falta de tempo e espaços de encontros, e a falta deinteressepordesconhecere/ounãoentenderosobjetivospropostospelocurso.

Buscamosnosprocessoseducadoresambientalistasoincrementodapotênciadeaçãoindividualecoletiva.Entendemosapotênciadeaçãocomovontadedeparticiparparatransformararealidadeda“passagemdapassividadeaatividade,daheteronomiapassivaaautonomiacorporal”(SAWAIA,2001,p. 125 apud ALVES et al., 2010). Segundo ESPINOSA (Apud ALVES et al., 2010), os bons encontrosfortalecememocionaleintelectualmente,nosparticipantesdeumgrupo,avontadedeparticiparparatransformar a realidade. Acreditamos que os momentos presenciais do curso promoviam os bonsencontros. Realizar algumas das ações planejadas pelas equipes ainda durante o curso também foiimportanteparaosparticipantesperceberemoquantoaescolaécapazdeagirparatransformarasuaprópriarealidade.

Enfim,oquealmejamoscomoprocessoeducadorambientalistaéresgataroencantamentocomomundo,oolharapaixonadoparaaescola,obem-estarindividualecoletivo,oquetraduzimoscomofelicidade.Daíaimportânciadeiniciarmosoprocessoformativopelasutopiasindividuaisecoletivasdetodasetodosquefazempartedaescola,eodesafiodealinhavá-lasàsreflexõeseàsaçõesrealizadaspelosparticipantesdurantetodoopercorrerdocurso.Conclusão

O esforço educador ambientalista, quando apropriado pelas pessoas que atuam nomundo daescola,acabaporpotencializaredaroutrosentidoparaasiniciativasquejáacontecem,fomentandoacriação de um espaço em que a melhoria da qualidade de vida das pessoas pode efetivamenteacontecer.

A ideia de Escolas Sustentáveis traz a possibilidade do reencantamento com a escola e daconstruçãocoletiva.Dessaforma,oespaçoeducadoralinhasuasaçõeseconstruçõescomosvaloresedesejosdacomunidade,aumentandoapotênciadeaçãonatransformaçãosocial.

Desejamos que as escolas formem pessoas que queiram e saibam atuar na construção desociedadessustentáveis.Destamaneira,almejamosqueaescolaeseusatoressejamprotagonistasdasuaformaçãoe,porconseguinte,sejamprotagonistasdassuasvidas.EsteéolegadoqueoprogramaEscolas Sustentáveis busca deixar para as comunidades escolares que participam do processoeducadorambientalistaporelepromovido.REFERÊNCIASALVES,D.M.G.etal.Embuscadasustentabilidadeeducadoraambientalista.Ambientalmentesustentable,v.1,n.9-10,2010,p.7-34.BRANDÃO, C. R. Comunidades Aprendentes. In: FERRARO JÚNIOR, L. A. (Org.). Encontros e Caminhos:formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação

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Ambiental,2005.BRASIL.MinistériodaEducação.SecretariadeEducaçãoContinuada,AlfabetizaçãoeDiversidade.EducaçãoAmbiental: aprendizes de sustentabilidade. Brasília, 2007. (Cadernos Secad, 1). Disponível em:<http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMAtxt_importante/caderno_educacao_ambiental_26.02.pdf>.Acessoem:27jul.2007.BUBER,M.EueTu.SãoPaulo:Cortez&Moraes,1974.FREIRE,P.PedagogiadoOprimido.Saberesnecessáriosàpráticaeducativa.SãoPaulo:PazeTerra,1996.MACHADO, J. T. Um estudo diagnóstico da Educação Ambiental nas escolas do ensino fundamental domunicípiodePiracicaba/SP.Dissertação(MestradoemEcologiaAplicada)–Interunidadesda“EscolaSuperiordeAgriculturaLuizdeQueiroz”(ESALQ)edoCentrodeEnergiaNuclearnaAgricultura(CENA),Piracicaba,SãoPaulo,2007.MORIN,E.Ossetesaberesnecessáriosàeducaçãodofuturo.8.ed.SãoPaulo:Cortez,2003.REIGOTA,M.Aflorestaeaescola:porumaEducaçãoAmbientalpós-moderna.2.ed.SãoPaulo:Cortez,2002.SANTOS,B. S.A críticada razão indolente: contra odesperdício deexperiências. 6. ed. SãoPaulo:Cortez,2007.

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DIÁLOGOEPARTICIPAÇÃOEMAÇÕESCOLETIVAS:CAMINHOSPARAAEDUCAÇÃOAMBIENTAL

MariaIsabelG.C.FrancoSimonePortugal

(...)Oshomenssãoseresdapráxis.Sãoseresdoquefazer,diferentes,poristomesmo,dosanimais,seresdopurofazer.Osanimaisnão‘admiram’omundo.Imergemnele.Oshomens,pelocontrário,comoseresdoquefazer‘emergem’dele,e,objetivando-o,podemconhecê-loetransformá-locomseutrabalho(FREIRE,1987,p.121).

DiversasiniciativasdeEducaçãoAmbiental(EA)têmsidodesenvolvidasnaescola,comointuitodecontribuirparaamelhoriadasrelaçõesentreaspessoasecomoambienteporelascompartilhado.

Pautadaspelacompreensãodaessencialidadedodiálogocomocaminhoparaessaconstrução,enfatizam a necessidade da participação da comunidade escolar, no delineamento de ações e natomada de decisões, o que corrobora os princípios de uma educação para além do aprendizado deconteúdos.

Umaeducaçãopautadapelapromoçãododiálogo,quedesperteosentimentodepertencimentoaoambiente,fortalecendoapotênciadeagireosvínculosidentitárioscomaescola,obairro,acidadeeoPlanetacomoumtodo.

Nessesentido,afilosofiadodiálogo,deMartinBuber(2001),emsuaontologiadarelação,ampliaaperspectivadaEducaçãoAmbientalparaasrelaçõesetessiturasdoconteúdovividonocotidianodaexperiênciahumana,por indivíduosenquantosujeitos-autores108,perspectivaontológicadesujeitosdediálogo,de reflexividade,de inteligência,deaprendizagem, sociabilidade, criatividadeevontade.Conduz ao esforço constante de olhar, perceber, escutar; de considerar esses sujeitos-autores eminterações dinâmicas e constantemente transformadoras de si e entre si, e com o seumeio social,culturaleafetivo.

Essa perspectiva no campo da Educação Ambiental orienta o pensar e o fazer educador,desvelandoque,emmúltiplasinterações,aspessoassereconstroemcotidianamentenasrelações,nasinstituições,nofazercotidiano.

A Educação Ambiental, em sua vertente crítica, aparece nesse cenário como possibilidade decomporumeixo temáticoestimulantedeumaculturaescolardeparticipação,diálogoeaberturaaoentorno.EssapossibilidadesedáemvirtudedeaEAsertransversalatodasasáreasdoconhecimento,estar relacionada intrinsecamente a problemas econômicos, sociais e culturais, ser essencialmentepolítica e significativa para os processos de aprendizagem, valorizando o saber e a prática dediferentesatoressociais.

Neste artigo serão apresentadas duas experiências, que ocorreram em contextos bastantedistintos,concebidasnessaperspectiva,queculminaramcomaconstruçãodaAgenda21nasescolasemqueforamdesenvolvidas.EssasexperiênciasforamobjetosdosestudosdeMestradoeDoutoradodasautoras(PORTUGAL,2008;FRANCO,2010).

Tendo por objetivo contribuir para a incorporação da EA, e guiadas pelo sonho de uma escolacomprometida como cuidadoe respeito comoambienteem todasas suasdimensões, elaspodemoferecersubsídiosparaaproduçãodeconhecimentos,bemcomodetécnicasemétodosparticipativosemprocessoseducadores,comênfasenopapeldodiálogoedaparticipação.Diálogoeparticipaçãocomocaminhos

SegundoogrupodepesquisadorasepesquisadoresdaOca–LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental(ESALQ/USP),identidade,comunidade,diálogo,potênciadeaçãoefelicidadesãoconceitosqueestãonabasedasustentabilidadedeprocessoseducadores(SORRENTINOetal.,2010).

Maisdoquedifundirconceitosouestimularatitudesderespeitoàvida,umaEducaçãoAmbientalcomprometida com a superação dos problemas e dificuldades contemporâneos é um convite aodiálogoeao fortalecimentodapotênciadeagir,possibilitandoacadapessoaexercer suacidadaniaambientalplanetária,apartirdoencontroconsigomesmoecomooutro,tendocomopontodepartidaoslocaisdevidacotidianabemcomoasrelaçõescomelesestabelecidas.

Essa Educação Ambiental crítica, relacionada com a transformação do pensamento e da açãodentro da escola, deve possibilitar que as pessoas relacionem-se aprendendo, compreendendo etransformandoarealidadequeascercaesendo,aomesmotempo,transformadasporela.

QuantoàEducaçãoAmbientalcrítica,A apropriação crítica dos saberes sobre ambiente na educação ambiental parte de umaconcepçãodeambientequeconsideraseucaráter–social,históricoepolítico–contraditórioecomplexo entendendo o ambiente como síntese de múltiplas determinações no sentido desuperar as concepções reducionistas presentes na sociedade atual. (TOZONI-REIS, 2007, p.214).

Atemáticaambiental,quandoabordadademaneirareflexivaemqualquerdisciplinaouconteúdo,trazàtonaasquestõesemergentesderiscoedegradação,omodelodedesenvolvimentoexcludente

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dassociedadesmodernas,asquestõeséticasemrelaçãoàexpropriaçãodebenserecursos.Emsuadimensãopedagógica,aEducaçãoAmbientalcríticaepropositivafavoreceeestimulaa

reflexão em torno de propostas de construção de um currículo aberto, portanto participativo edemocrático,deabordageminterdisciplinar,emtodasasinstânciasdaescolaformal,desdeoprocessodeformaçãodeprofessores,àspráticasdidático-metodológicasdocotidiano.

Para que isso aconteça, é necessário diálogo paciente e acolhedor que permita a abertura aooutro, o planejar e avaliar juntos, buscando a superação das posturas e ações competitivas,intolerantes,homogeneizadoras,massificantes.Diálogoqueestimuleaparticipação,incrementandoapotência de agir e fortalecendo emocional e intelectualmente cada pessoa envolvida no processo.Participaçãocomodesejodeparticipar,quenãovenhadefora,massejadecorrêncianatural,porumavontadedeserfelizelivre(SAWAIA,2001).Coerentescomessavisão,équeforampensadasasduasexperiênciasdetalhadasaseguir.AvivênciadeBrasília:umaconstruçãofeitaaváriasmãos

“Éaprimeiravezqueeuachoqueagenterecebeaquidentrodaescolaumelementoda comunidade, mãe de aluno e que diz ‘eu posso contribuir nesse assuntopedagógico’. Ele não é só pedagógico, curricular, pedagógico, não sei. Porque vejabem,agenteachaque issoésódoprofessor;paipodecontribuirajudando,atéumartesanato,arrumaçãodaquilooudaquilooutro,fazendooutrotipodeatividade.Essaatividade,nóstínhamosissoaquinaescola,queessaatividadeintelectualentreaspasou pedagógica, era estritamente nossa. E pode ser por convidados que tenhamformaçãodentrodessaárea,masa escoladificilmente seabrepara receber issodacomunidade, algo que vai interferir diretamente no seu trabalho pedagógico.Dificilmenteseabreparaisso!”(ProfessoraIasmim).

A referida intervenção teveporobjetivo contribuir paraa incorporaçãodaEAnaescola, sendoque a participação da autora se deu enquanto mãe de dois estudantes e presidente do ConselhoEscolar.Ela foiconduzidaemumaescolapúblicade1ªa4ªsériedoEnsinoFundamental, localizadaemBrasília–DF.

Foramdesenvolvidasváriasações,construídasempiricamente,emprocessoabertodediálogo,apartir das falas, ideias e sugestões nascidas em encontros do grupo de professoras. A intervençãoenvolveu instrumentos de coleta de dados como questionários, entrevistas, análise documental doProjetoPolíticoPedagógicodaescola,registrosresultantesdaobservaçãoparticipante,alémdosdadosobtidosnaOficinadeFuturo.

Vale lembrar que a técnica metodológica Oficina de Futuro (OF) foi criada pela ONG InstitutoEcoar para a Cidadania – São Paulo, e tem contribuído para o desenvolvimento de processosparticipativos,sendoutilizadaparadeflagraraconstruçãodaAgenda21.

OficinadeFuturoéumatécnicaqueajudaaconduzirospassosdepreparaçãodaAgenda21na escola e de qualquer outro projeto coletivo. Consiste emuma série de passos ou etapascomduraçãoquepodevariardeacordocomoritmoeoaprofundamentoqueogrupodeseje.(BRASIL,2004,p.15).

A Agenda 21 é um programa de ação global assinado por representantes de 179 paísesparticipantesdaConferênciadasNaçõesUnidasparaoMeioAmbienteeDesenvolvimento,conhecidacomoRio-92,emqueestãomarcadososcompromissosdahumanidadeparaoséculoXXI.Tambémfoiproposta nessa Conferência a criação de Agendas 21 nacionais, estaduais, municipais, nos bairros,comunidadeseescolas.OBrasiljátemasuadesde2002.

Além da construção da Agenda 21 da Escola, elaborada com a participação, em momentosdistintos,detodacomunidadeescolar,pormeiodaOF,tambémforampropostosjogoscooperativos,estudosde textos, palestrasedinâmicas, pensadas comoobjetivodepromoveraaproximaçãoeamelhoriadasrelaçõesinterpessoais.

ParaconstruiraAgenda21daEscola, foielaboradaumaárvoreefolhasdepapel,sendoqueaperguntaqueguiouoprocesso,dirigidaatodosossegmentos,foi:“Qualéaescolaquequeremos”?

AOFdirigidaaogrupodeprofessorasfoiaprimeiraaserrealizadaeteveaparticipaçãodaquasetotalidadedogrupo, sendoqueapenasumaprofessoranãoquis participar. Posteriormente, o grupodecidiu que a oficina seria feita também com os estudantes, pais e servidores, visto que não seriapossívelficarcomoidealdeescolasomentedosprofessores.Umaprofessorasugeriuquecadaumafizessecomasuaturmae,depois,quefosseenviadoumquestionárioparaospais,sintetizandotodasasetapasdaOficina,oquefoifeito.

Aoficinadosservidorestambémprecisouserrealizadaemdoismomentosdistintoseossonhosdessesegmento revelaramumagrandesemelhançacomoque foi levantadonasdemaisoficinas.Aconcretizaçãodosonhodeduasservidorastrouxegrandealegriaparatodoogrupo:aaquisiçãodeumcarrinho para carregar o lanche. Outro momento significativo, que pode indicar a repercussão davivênciadaoficina, foio fatodeduasservidorasescolheremfazerumcursodeaperfeiçoamentoemEA,fornecidopelaSecretariadeEducaçãodoDF.

Foimuitobomperceberaseriedadeeadequaçãopresentesnas ideiasdascriançasde1ªa4ªsérie, que souberam expressar seus sonhos de escola com profundidade, pertinência e muitasensibilidade.Ideiastraduzidasemsonhos,comoterumlanchemaisgostoso,terauladeinglês,quea

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briga vire par ou ímpar, que a desobediência vire educação, com um pequeno canteiro para ascriançascuidarem,comcorbembrilhante,combanheirolimpoecheiroso,maislivrosnabibliotecaemaishoráriosdeleitura,quesejacomoumarco-íris,comcachorronavaranda.

Os sonhos de pais e mães foram revelados em propostas como aumento dos salários dosprofissionais da educação, garantia de turmas reduzidas nos casos previstos em lei, contratarprofissionalespecializadoparaatuarnaBiblioteca,melhoriadalimpezaeorganizaçãodaescola,ondeosentimentodepertencimentoaogrupoestejaacimadequalquerindividualismo.

O conteúdo resultante da finalização das oficinas realizadas com todos os segmentos dacomunidadeescolar,queconstituiuaAgenda21daEscola,serviudebaseparaareformulação/revisãodaPropostaPedagógica2004/2005,quegerouoProjetoPolíticoPedagógico2006(PORTUGAL,2008).

Asinergiade ideiasrepresentativasdossonhosdeescola,expressospormeiodarealizaçãodaOF,demonstraqueacompetênciaemdiagnosticarproblemaseproporsoluçõesparaamelhoriadaescola não se limita apenas aos profissionais da educação. Representa também a importância enecessidadedesedarvozaospais,estudantes,servidores,alémdosprofessoreseespecialistasemeducação, propiciando o envolvimento e a participação de todos no delineamento de ações para amelhoriadoambientequecompartilham.

Sobaóticadasprofessorasenvolvidasnoprocesso,acontemplaçãodealgumasquestõespodefacilitarepromoveroenraizamentodaEAnocotidianoescolar,sendoelas:

1.Estímuloedesenvolvimentodeprojetosdetrabalho,queenvolvamtodaacomunidadeescolar;

2.Envolvimentocoletivocomasquestõeserumosdaescola;

3.Maiorapoioadministrativo/operacionalparaotrabalhoindividualecoletivo;

4.MaioradensamentoconceitualeteóricosobreEA;

5.MaiordisponibilizaçãodebibliografiasemateriaisdeinformaçãodocampodaEA;

6.Respeitoàsdiferentessubjetividadeseritmos;e

7. Capacidade de compreender a educação como uma dimensão maior, processual, permanente econtinuada(PORTUGAL,2008,p.156).

A análise dos demais dados coletados nesta pesquisa indica que o enraizamento da EducaçãoAmbientaléprocessualesóserá realizadode fatoseconseguiroenvolvimentodecorpoealmadetodaacomunidadeescolar.Sabe-sequetransformarpráticas,apartirdacompreensãodarealidadee,em direção à inserção dentro dela (FREIRE, 1997), é exercício da práxis, pensar sobre a própriacondição de existir. Dos horários de coordenação pedagógica às reuniões do Conselho Escolar, épossível praticar uma EA sintonizada com a transformação humana e social. EA permanente,continuada e articulada com toda a organização do trabalho pedagógico, compreendida em suasinterfaces: sala de aula, organização global do trabalho da escola e projeto político pedagógico(FREITAS,2005).

Para tanto, o estímulo a processos dialógicos e participativos, de tomada de decisão e gestãoescolar democrática, talvez seja o primeiro passo em direção a uma educação verdadeiramentetransformadora.AAgenda21EscolardeEmbu:amediaçãodaescolanaorganizaçãocomunitária

AAgenda21EscolardeEmbudasArtes(AG21EE)109constituiu-sedeumprojetodeintervenção,com a elaboração coletiva de uma agenda socioambiental para o município de Embu, na RegiãoMetropolitanadeSãoPaulo,comopropósitodequesetornassematerialdidáticoedeconsultaparaosprofessores e lideranças que participaramdo projeto, bem como a construção das agendas locais –escolaebairro–,queforamconstruídaspormeiodediagnósticoscoletivosepropostasdesolução.Ummovimentoqueenvolveudesdeassalasdeaula,ampliando-separaosdemaisespaçosdaescolaeparaforadeseus“muros”,aoconvidaracomunidadedobairroaparticiparativamentedaconstruçãodasagendas.

Pelaperspectivadapedagogiacrítica,apropostadeelaboraçãodaAgenda21EscolardeEmbunasceucomodesejodeincitarprocessosdeconstruçãodeumaculturaparticipativa,ampliandoseusprojetosparaalémdassalasdeaulaedaescola,etrazendooconhecimentodomunicípioparaoseuinterior(FRANCO,2005).Istoimplicouempropostasdeaprendizagemcoletivapormeiododiálogo,deleituras e reflexão crítica sobre a realidade vivenciada, do desenvolvimento da capacidade decomprometimento, elementos desencadeados pela experimentação de metodologias ativas, com aparticipaçãodediferentesatores,aanáliseconjuntadosdesafiosepotenciaisdaescolaedobairro,aidentificação de prioridades por meio da hierarquização de problemas, a elaboração de planos deaçõespactuadoscoletivamente.

A elaboração da AG21EE, como uma proposta pedagógico-metodológica, foi orientada pelosreferenciais da pesquisa-ação participante (MORIN, 2004; BRANDÃO, 1999; BARBIER, 1996) econsiderou,desdeo iníciodeseuplanejamento,osdiferentescontextosdeaprendizagem.Nãosóoambiente escolar,mas o entorno, a realidade local, onde se propôs a elaboração da AG21EE como

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prática educativa e democrática, tendo a escola como mediadora da proposta de construção decomunidadeseducativas.

Neste projeto, considera-se comunidade educativa aquela que se constitui pelo conjunto desujeitos-autores,atoreslocais:representantesdaescolaedobairrosereúnemparaaidentificaçãodeproblemas e propostas de soluções, geradas em contextos de diálogo e participação. Todas asexperiênciaseconhecimentossãoconsiderados,eocoletivoescolhe,emnegociação,queprocessos,estratégiaseplanosdeaçãoproduzembenefíciosàcomunidadeondevivem,atuame/outrabalham,quaisosprocessosdecolaboraçãoequeespaçosserãoenvolvidos(FRANCO,2010).

Obairroeaescola,guardadasasdiferentesdimensões,sãoespaçospotencialmenteformadoresde uma nova cultura, de uma nova consciência ambiental, social e política. O bairro, em suadiversidade, apresenta uma dimensão educativa importante de ser reconhecida pela escola e pelosseusmoradores,enquantoabrigainstituiçõesformaisenãoformaisdeensinoeaprendizagem,aoladodesuacultura,suapaisagem,seusprocessoseconômicosesociais,oconjuntodasrelaçõesentreseusmoradores:suasexperiências,seussonhoseanseios,suaslutas.

OprojetodaAG21EdeEmbu,desenvolvidoem2005,comaduraçãode12meses,contoucomaparceria entre a ONG “Sociedade Ecológica Amigos de Embu”, a Prefeitura Municipal de Embu dasArtes,pormeiodesuasSecretariasdeEducação,SaúdeeMeioAmbiente,efinanciamentodoFundoEstadualdeRecursosHídricos(FEHIDRO),emvirtudedeomunicípiodeEmbuter60%deseuterritórioemáreadeproteçãoaomanancial.

O programa foi proposto para se desenvolver emduas fases.Na primeira, fase de atuação noâmbito institucional, tevepor objetivo a formaçãodeprofessores-educadoresambientais, concebidacom a intenção de que se tornassemmultiplicadores desses espaços de diálogo nas escolas, comofóruns de aprendizagens, discussões e estratégias de projetos coletivos para a prática consciente eresponsáveldoconceitodesustentabilidade.

Essa fase de informação e sensibilização dos professores e professoras desenvolveu-se com arealização do Seminário de Lançamento da Agenda 21 na Escola e o programa de Encontros deFormação em Educação Ambiental para a Sustentabilidade, no primeiro semestre de 2005, com aduraçãode64horas.TivemosoitoEncontrosquinzenais,de8horascadaum,sendodoisdelesparaasatividadesdepesquisadecamponomunicípio.

Os encontros contaram com a participação de 100 professores da rede pública de ensino etiverampormetaacoconstruçãodaAgenda21escolardomunicípio.Noprocessodeformação,foramabordadasquestõesteóricas,conceituaisemetodológicasdeEducaçãoAmbiental,eastemáticasdasustentabilidade, economia, políticas públicas e legislação ambiental. Os Encontros de Formação,direcionadosàelaboraçãodaAgenda21EscolardoMunicípiodeEmbudasArtes(formação,pesquisae elaboração de material), tiveram como eixo os princípios da Educação Ambiental para asustentabilidade, conforme o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis eResponsabilidadeGlobal110.

Na segunda fase do projeto, de agosto a dezembro de 2005, o processo contou com aparticipaçãode10escolas(cincoescolasestaduaisecincomunicipais,emprojeto-piloto),quetiveramseusrepresentantes,professores,diretores,coordenadoresnosEncontrosdoprimeirosemestre.Nestafase, cada escola envolveu a comunidade de entorno convidando representantes do bairro para aformaçãodasComissõesdaAG21E,paraconstruirasuaprópriaagenda.

EstaetapatevecomometaaconstruçãodaAgenda21decadaunidadeescolarparceira.Esseprocesso se desenvolveu com a elaboração de agendas de ação, partindo-se da análise dascaracterísticas ambientais, sociais, culturais e históricas de cada contexto, para a identificação dosdesafiosepotencialidadesdaescolaedarealidadedesuacomunidade.

Comobasedasmetodologiascolaborativas,utilizou-seasOficinasdeFuturoeosdadosdecampocoletados por meio da Caminhada Diagnóstica, nas duas fases do projeto – no município, com oseducadoreseeducadoras,enosbairros,nostrabalhoscomasescolas-piloto.

ACaminhadaDiagnóstica (FRANCO,2010)constitui-sedeumacaminhadacoletiva, intencional,numespaçolimitado,queenvolveuosdiferentesatoressociaisconvidadosaparticipardaconstruçãodeumDiagnósticoColetivo:liderançasdobairro,representantesdeassociações,alunos,educadores,moradores,representantesdocomérciolocal,representantesdopoderpúblico.

Essas estratégias, ampliadas por fotos tiradas pelos próprios participantes da caminhada,desenhos e entrevistas com os moradores do bairro ao longo do trajeto, tiveram como objetivoidentificar os desafios e os potenciais locais. Os desafios identificados: água contaminada, falta desaneamento no bairro, várzeas ocupadas, falta de mata ciliar, excesso de lixo, falta de coleta dosresíduos, praças abandonadas, ausência ou insuficiência de arborização, espaços ociosos e malaproveitadosnobairro, faltade calçadasouespaçosparapedestres, inexistênciadeáreasde lazer,indústriaspoluentesetc..Identificaram-setambémosespaçospossíveispara“sonhar”mudanças,commelhoriaparaaqualidadedevidadosmoradores–aspraças,osespaçoseterrenosbaldios,avárzeadoscórregoserioscomoespaçospotenciaisparaarborização,recomposiçãodamataciliar,plantioempraças,espaçosparahortascoletivas,comunitáriaselazer.

Num processo aberto, foram convidados à participação atores dos diferentes segmentos dacomunidade (escola, famílias, representantes de associações de bairro, de instituições religiosas,agentesdesaúde,comérciolocal).Nosdiálogosentretecidosduranteosváriosencontros,pararefletir

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ediscutirsobreosdesafiosambientaisesociaisdobairro,emergiramosconflitoslocais,asrelaçõesdepoder,asrelaçõesafetivas,osinteresses.

Os temas essenciais foram propostos coletivamente, para que a escola encontrasse suaidentidade como uma instituição social do bairro, imersa em seus problemas e potenciais,considerandoossujeitosdeseuinterioredeseuentornocomoautoresnoprocesso,integrando-osemtodasasfasesnecessáriasparaaelaboraçãodoprojeto.

Aconstruçãocoletivadasagendasconstitui-se,assim,deumprocessoeducativoaberto,ondesedistingue participação de simples consulta ou informação à comunidade local, conforme acontececorrentementenasrelaçõesentreopoderpúblicoeasociedadecivil.Aescolacumpreo importantepapeldearticuladoradosprocessosdeorganizaçãocomunitária,divulgandoconhecimentosteóricoseabrindoespaçosparaqueasexperiênciaseosconhecimentoslocaisincrementemepotencializemaspropostas e planos de ação desses autores e atores, imersos na tarefa comum de buscar soluçõessustentáveisequalidadedevidanogerenciamentodeseuespaçocotidiano.ConsideraçõesFinais

Diálogoeparticipação,orientandoprocessoseducadores,representamummovimentoinovador,fortalecendoopapelpolíticodaescolaaoenvolverasbasesdacomunidade.

Essaconstruçãocoletivaconstitui-seemferramentadidáticaeestratégicaparaapotencializaçãodo pensamento crítico e da aprendizagem significativa, do envolvimento, participação e senso depertencimento, bem como para a consolidação e enraizamento da Educação Ambiental na escolapública.

O exercício de diagnosticar coletivamente os problemas socioambientais no cotidiano e suarelaçãocomasatividadeshumanaseaqualidadedevida,edebuscarconjuntamentesoluçõesparaosproblemasdaescolaedeseuentorno,temdemonstradoqueaescolapodeconfigurar-secomoespaçopossível para aprendizagem de processos participativos e democráticos, em uma sociedadefragmentadaedivididapeladominaçãoeconômicaecultural.

Envolvida nessa proposta coletiva de trabalho educador, a escola tende a desenvolvercompetências para empreender ações contextualizadas e integradas ao cotidiano, à vida real dosestudantesedacomunidade,auxiliando-osaproblematizaremarealidadeesentirem-seprotagonistasda sua história de vida, tanto coletiva quanto individual, reelaborando currículos e conteúdos quevalorizem a diversidade ambiental, cultural, social e econômica de cada região, o senso ético e acorresponsabilidade.REFERÊNCIASARDOINO, J. Abordagem Multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In:Multirreferencialidadenasciênciasenaeducação.CoordenadoporJoaquimG.Barbosa.SãoCarlos:EdUFSCar,1998.BARBIER,R.LaRechercheAction.Paris:Anthropos,1996.BRANDÃO,C.R.(Org.).RepensandoaPesquisaParticipante.SãoPaulo:Brasiliense,1999.BRASIL.FormandoCOM-VIDA.Brasília:MEC/MMA,2004.BUBER,M.EueTu.SãoPaulo:Centauro,2001.FRANCO,M.I.G.C.(Coord.).Agenda21EscolardeEmbudasArtes.PublicaçãoSociedadeEcológicaAmigosdeEmbu.SEAE/FundoEstadualdeRecursosHídricos–FEHIDRO.Embu,SãoPaulo,2005._______.EducaçãoAmbientalePesquisa-AçãoParticipante:registroanalítico-críticodeumapráxiseducativa.TesedeDoutoradoaprovadapelaFaculdadedeEducação.SãoPaulo:UniversidadedeSãoPaulo,2010.FREIRE,P.PedagogiadoOprimido.RiodeJaneiro:PazeTerra,1987.FREITAS,L.C.CríticadaOrganizaçãodoTrabalhoPedagógicoedaDidática.Campinas:Papirus,2005.MORIN,A.Pesquisa-açãointegralesistêmica:umaantropopedagogiarenovada.RiodeJaneiro:DP&A,2004.PORTUGAL, S. Educação Ambiental na escola pública: sua contribuição ao processo de construçãoparticipativadeumaculturaemancipatória.DissertaçãoaprovadanocursodePós-GraduaçãoemEducação.Brasília:UniversidadedeBrasília,2008.SAWAIA,B.ParticipaçãoSocialeSubjetividade.In:SORRENTINO,M.(Coord.).AmbientalismoeParticipaçãonaContemporaneidade.SãoPaulo:EDUC/FAPESP,2001.SORRENTINO, M. et al. Em busca da sustentabilidade educadora ambientalista. In:AmbientalMENTEsustentable. Revista Científica Galego-Lusófona de Educación Ambiental. Serviço dePublicaçõesUniversidadedaCoruña.CentrodeExtensãoUniversitáriaeDivulgaçãoAmbiental–CEIDA.JuntadeGalícia.RevistaSemestral,AnoV,volumeI,nº9-10,janeiro-dezembro,2010.TOZONI-REIS,M.F.deC.ContribuiçõesparaumapedagogiacríticanaEducaçãoAmbiental:reflexõesteóricas.In: LOUREIRO, C. F. B. A questão ambiental no pensamento crítico: natureza, trabalho e educação. Rio deJaneiro:Quartet,2007.

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FORMAÇÃOEMEDUCAÇÃOAMBIENTAL:UMAEXPERIÊNCIADESESTABILIZADORA

MariaRitaAvanziDrogadodesaber?Gostoqueosaberfaçaviver,cultive,gostodefazerdelecarneecasa,queajudeabeberea comer,a caminhar lentamente, amar,morrer,por vezesrenascer,gostodedormirentreosseuslençóis,queelenãomesejaexterior.Oraeleperdeuessevalorvital;éprecisocurarmo-nosdosaber(SERRES,1985apud FINGER,2010,p.121).

O propósito deste texto é refletir sobre contribuições teórico-metodológicas que a prática depesquisa-intervenção em Educação Ambiental, numa perspectiva compreensiva, possa trazer àformaçãodeeducadoreseeducadorasambientais.

Umpressupostoepistemológicoqueembasaestareflexãoéa intrínsecarelaçãoentresujeitoeobjeto do conhecimentono esforçode interpretar omundo.Noprocessode compreensão, sujeito eobjeto sofrem modificação. São contribuições da hermenêutica filosófica que instauram umquestionamentosobreapossibilidadedeoconhecimentoqueseproduzsobrearealidaderepresentá-latalcomoelaé.AEducaçãoAmbientalé,portanto,tratadanessaabordagemcompreensiva“desdeadimensão do engajamento como pertencimento ao mundo, em contraponto à externalidade queconfiguraomundocomoobjetodeumsujeitoforadele”(CARVALHO,GRUN&AVANZI,2009,p.101).

Relacionadoaesse,apresentooutropressupostodeste trabalho:oquestionamentodoestatutode verdades que possam ser transmitidas a partir de um ator ou prática social supostamentedetentoresdoconhecimento,aoutremque,porcontraponto,sejaconsideradoignorante.Portanto,háaquioreconhecimentodaexistênciadeumadiversidadedesaberesqueseconstroemnabuscaporexplicar a realidade. Reconhece-se também o potencial de se deflagrar aprendizagens noencontro/confronto comunicativo desses saberes em comunidades interpretativas (SANTOS, 2001;AVANZI&MALAGODI,2005).

Outroaspectomarcadonestetextoéa indissociabilidadeerecursividadeentreaçãoereflexão,teoriaeprática,noprocesso formativo.Esta reflexãoserádesenvolvidaapartirda interpretaçãodaformaçãodepesquisadoras-educadoras,queenvolveaelaboraçãoteórico-metodológicadepropostasdepesquisa-intervençãoeoseuexercício juntoaoutrosgrupos.Osaber formativoéaquiabordadonão como uma informação externa à pessoa, mas como um saber encarnado, integrado às suasexperiênciasdevidaequeseconstróiapartirdeumprocessodeatribuiçãodesentidos.Ajudam-menesta reflexão trabalhos que investigam o papel das narrativas autobiográficas no processo deformação,emespecialodeMarie-ChristineJosso(2010)edeMathiasFinger(2010).Notecerdeumgrupo-pesquisador,umsabervivoemformação

Asreflexõessãotrazidasapartirdeumaexperiênciadeaprendizadovivenciadacomointegrantede um grupo de pesquisadoras em suas atividades de pesquisa-intervenção com moradores emoradorasdoValedoRibeirapaulista,duranteodesenvolvimentodoprojetoFloresta&Mar111.

Quais elementos presentes no processo de formação, nesta experiência particular, poderiamtrazer contributos a outros grupos cuja intencionalidade seja a de formar educadores e educadorasambientais?

EssecoletivosereuniuemtornodoobjetivodedesenharumapropostadeEducaçãoAmbientalnoprojetoFloresta&Mar.Naquelemomento,suaconstituiçãocomogrupoaindaera incipiente,comobjetivosalheiosàsdemandasdeformaçãodaquelasqueseriamsuasintegrantes.Comaritmicidadequinzenaldosencontros,cadaparticipantetraziasuasperspectivasedemandasformativaspróprias,partilhando-as no coletivo. Com o tempo, passamos a reconhecer, nas necessidades da outra quecompunhaaquelegrupo,nossaprópriabuscaemtornodeumobjetivocomum.

Aintencionalidadedaaçãoquepassouanosreunirnaquelecoletivoeradeflagraraprendizagensapartirdeencontrosentrediferentesperspectivasdeinterpretaçãodomundo.Umabuscapor“bonsencontros”112 no sentido espinosano, tal como tratado em outro artigo desta obra e como nosensinava Alessandra Costa-Pinto, que escolheria essa abordagem filosófica em seu mestrado. Aaprendizagem se dava a partir de uma relação recursiva entre familiaridade e estranhamento,promovidapelatrocacomooutro.Ooutroéaquiconsideradocomoacolegadogrupodepesquisa,aequipemaior do projeto temático, osmoradores emoradoras do Vale do Ribeira.Mas também sãotratadasaquicomoum“outro”doprocessocompreensivoasrealidadescontraditórias,marcadasportensãoeconflitosrelacionadosàconservaçãoderemanescentesdeMataAtlânticanaslocalidadesdoValedoRibeira.

Construoestatramanarrativaapartirderelatosoraiseescritoscolhidosduranteaatuaçãodogrupo e também a partir das dissertações demestrado, trabalhos de conclusão de curso e artigosescritosporsuasintegrantes.

Desdeaidealizaçãoatéodesenrolardotrabalhodogrupo-pesquisador113haviaumaposturade

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não impor um conhecimento para aqueles moradores e moradoras, mas construir conjuntamentecaminhosparacompreendereatuaremsuasrealidades.Porisso,busconestanarrativaumafusãodehorizontescomalgunsprincípiosdahermenêuticagadameriana.Somosdiálogo114

Na perspectiva da hermenêutica gadameriana, é através da abertura ao outro que se dá acompreensão.Elaincluioencontroentreopiniões,supõeuma“fusãodehorizontes”dosenvolvidosnoprocesso.

Areflexãohermenêutica implicaqueemtodacompreensãodealgooudealguémseproduzumaautocrítica.Oquecompreendenãoadotaumaposiçãodesuperioridade,masreconheceanecessidadedesubmeteraexameasupostaverdadeprópria(GADAMER,1994,p.117).

ParaGadamer, “educar é educar-se” (HERMANN, 2003; AGUILAR, 2003). Nessa expressão estámarcado o caráter reflexivo do processo formativo: “Compreender, entender é compreender-se,entender-se nomundo. Entender-se nomundo significa entender-se uns com os outros, entender ooutro”(AGUILAR,2003,p.15).Assim,odiálogogadamerianoestáafinadocomumaideiadeexpansãoda individualidade. Ainda que reconheça que aquilo que um indivíduo capta em sua experiência nomundoé intransferível,propõe justamenteabuscadaampliaçãodeste“pontodevista intransferíveldo indivíduo” para o encontro com outras visões de mundo, experimentando uma “possívelcomunidade a que nos convida a razão” (GADAMER, 2002, p. 246). O diálogo do ponto de vistagadamerianoéaquiloquenosdeixouumamarca,quepermitiuqueviesseaonossoencontroalgoquenãohavíamosacessadoemnossaexperiênciapróprianomundo.

Reconheçonatrajetóriadogrupo-pesquisadorexpressõesdessesaspectoscarosàhermenêutica.Autilizaçãodotermo“grupo”enão“equipe”paramereferiraestecoletivoeàquelescomosquaisinteragiu no Vale do Ribeira está embasada na confluência desta perspectiva hermenêutica com ostrabalhosdePichon-Rivière.Paraessepsicólogosocial,umgruposediferenciadeoutrosaglomeradosdepessoaspeloreconhecimentoepercepçãodooutrocomosignificativoemseuprocessoprópriodeaprendizagem.Enfatizaopapeldogruponaproduçãosocialdoconhecimento,emqueaaprendizagemsedápelo contraste e pela contradição, pela heterogeneidadede contribuições e interpretações doreal(QUIROGA,1991).

Éimportanteressaltarquenãosetratadeatribuirumahomogeneidadeaosgruposousuporqueo desenrolar dos processos formativos seja harmônico, isento de tensões e conflitos. O processoformativoéumaaberturaaoinesperado.Oencontrocomooutro,comodistantepressupõeasaídadesiparapartilharessa instânciadedesequilíbrio.Essazonade tensãodeflagra-sequandonosvemosdiante de algo que é estranho aonosso horizonte de sentido. A distância da alteridade solicita-nos,colocaemquestãonossospressupostosecertezas.Passamosentãoareconheceroestranhonaquiloque é próprio, procurando uma refamiliarização (HERMANN, 2003). No entanto, a compreensãohermenêuticanãopressupõedominaroquesebuscacompreendernemmesmoumaautoanulação,masaberturaeampliaçãodehorizontes.

Esse movimento de estranhamento e familiarização esteve presente no estabelecimento dosvínculos internosdogrupo-pesquisador.Aritmicidadedosencontroseaposturadeaberturadesuasintegrantesmarcavamaconstruçãodesaberesefazeres,apartilhadeideiaseopiniõesnodesenhodeumprojetoquearticulasseasváriaspropostasdepesquisa-intervenção.Umprocesso(a)morosodefazererefazer,teceredesfiar.Formação:umadesestabilizaçãodascertezas

ArelaçãocomosgruposnoValedoRibeiracolocavaemriscoconceitosemétodosdesenhadosapartir dos estudos coletivos do grupo-pesquisador. Vários foram os aspectos que explicitam essetensionamentoentresaberesteóricosesuaaplicaçãoprática.Dentreessesmomentos,situa-seodeformaçãodegruposnoValeoudecomposiçãodeaçõescomgruposjáformados.

Aquirecorronovamenteaosaportesteóricosdahermenêutica,ànoçãode“círculohermenêutico”da compreensão (GADAMER, 1994, 2002). A compreensão se dá no acontecer da tradição, naconstante mediação entre passado e presente, o que estabelece os vínculos do intérprete com omundo. O sujeito que compreende não pode escapar da história, e estar na história pressupõe serocupadoporpré-conceitos,osquaispodemsermodificadosnoprocessodaexperiência.Partedapré-compreensão sobre determinado tema, em que projeta um sentido para o que busca compreender.Esse primeiro sentido manifesta-se porque leva expectativas prévias. A compreensão não buscaconfirmarsimplesmenteasantecipações,mastrazerà luzospré-conceitosqueaorientam.Assim,oprojetoestásempresujeitoaumredesenhoqueresulteemumaampliaçãodesentido.

Chegamos ao Vale com amesma postura de abertura. O intuito fora captar leituras que seusmoradores e moradoras, organizados ou não em coletivos, faziam da complexa realidade daslocalidades emque trabalharíamose, a partir disso, construir coletivamentepropostas deEducaçãoAmbiental.Pelaperspectivaaquitratada,pensoqueestejaclaroquenãolançávamosumolharisentodepré-conceitosconstruídosdesdenossainserçãohistóricacomopesquisadorasemformaçãoemumcontextoacadêmico.Nasvozesqueecoavamdevales,montanhasebarrasderios,oRibeiraeseusafluentes,eragritanteumdescontentamentocomaformaqueasregrasdeconservaçãoambientalse

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impuseramerestringiramofazerhistóricodaquelagente.Cabelembrar,comFlickinger(1994,p.205),queolharparaasrelaçõesentrehumanoseambientesobumaperspectivahermenêuticaimplicaem“revincularasquestõesambientaisaoagirhumanoqueasoriginou”.

Construímos um entendimento de que, subjacente a uma imposição cultural, operava umaimposiçãoepistemológica,emquesaberesconstruídosemumcontextohistórico-cultural, o técnico-científico, se sobrepunha a outras formas locais de interpretar o ambiente. Mas era desse universoacadêmico que chegávamos e o olhar que os habitantes do Vale lançavam para nosso grupo depesquisadoraseratambémsituadonospré-conceitosdeumasociedadeque,historicamente,temdadomaior legitimidade ao saber acadêmico na relação com outros tantos saberes de práticas sociais(SANTOS,2001).

AindaqueGadamer considere que esses pré-conceitos nãopossam ser liquidados, não seria aprópria busca por reconhecê-los também um potencial de emancipação epistêmica e política dosujeito? Na tarefa de formar e atuar junto a grupos, os pré-conceitos nossos e dos moradores emoradoraslocaisrevelavam-se.Notrabalhosobreeles,reprojetávamosnossaspropostasdeatuação.

Deinícioerareconhecidaaheterogeneidadesocioculturalentreosgruposenointeriordecadagrupo:professoreseprofessorasdeduasescolas,umanoAltoRibeira,BairrodaSerra,municípiodeIporanga,outraondeoRioRibeiraencontra-secomomar,achamadaBarradoRibeira,emIguape;naIlha Comprida, um grupo composto de agricultores e agricultoras residentes em Pedrinhas, um dospoucosbairroscaiçarasquesemantémnailha,tambémumaassociaçãodeextratoreseextratorasdeplantasnativas.Nodecorrerdotrabalho,passamosareconhecerquehavíamosprojetadoumsentidodegrupocombasenadinâmicaquevivenciávamosnogrupo-pesquisador.Foipossívelnotarqueasideias de Pichon-Rivière falavam de grupo como um devir, uma idealização. Os grupos queencontrávamos,ouqueajudávamosaformar,eramdiferentesdaimagemprojetadainicialmente.

Anoçãodegrupo foi reconfigurada, abrindo-sedeumapreconcepçãodealgo coesoparaumanoçãomaisdifusa.Para torná-losoperativos,nosentidodePichon-Rivière,a soluçãoencontrada foi,em alguns casos, um trabalho com pequenos grupos articulados para, a partir deles, atuar emcoletivosmaisdispersos,difusos.FoiocasodaBarradoRibeira,ondearelaçãocomaescolasedeupermeadapelasaçõesdosjovensdaAssociaçãodeMonitoresAmbientaisdeIguape(WUNDER,2002)oumesmonoBairrodaSerra,ondeaideiainicialdeÉricaSpeglichseencontroucomumprojetoantigodeduasprofessorase,apartirdaí,passouaagregarnovosatores.

Foiformado,então,outrogrupo,deoutraformaecomoutradinâmica:Cecília,Lígia115eeu,com o objetivo de finalizar um projeto já em andamento, uma proposta escolhida pelasprofessoras e aceita pormim: um ‘resgate histórico cultural do Bairro da Serra’ (SPEGLICH,2003,p.27).

Numoutrocenário,AlessandraB.Costa-Pintoexercitavaodiálogonaformaçãodeumgruponacomunidade caiçara de Pedrinhas, Ilha Comprida. Compunham o “grupo do plantio” moradores emoradorascomalgumhistórico relacionadoàagriculturaouàspráticasdeajudamútua,mutirõeseajutórios. Sem negar os tensionamentos e conflitos, as relações que se estabeleceram entre osintegrantesdogrupocompuseramsaberesnodesenhodeumobjetivocomum.Apartirdapropostapreliminar de retomadadaspráticas de ajudamútua, partirampara a aplicaçãodesses ajutórios nafabricaçãodeumahortacomunitária(COSTA-PINTO,2003).

Nogrupodeextratoraseextratoresdeplantasnativas,ocontextoeraoutro.VivianG.Oliveirapretendia refletir sobreaspotencialidadesdaAssociaçãodeManejadoresdePlantasNativasda IlhaComprida no aprendizado de participação. No entanto, o acompanhamento das atividades dessecoletivoprovocourevisãodeconceitosprévios.Os integrantespertenciamacontextossocioculturaisdesiguais e atribuíam sentidos diversos ao que se apresentava como um objetivo comum daassociação.Famíliascaiçaras,quedesenvolviamaextraçãodesamambaiasdesdeo iníciodoséculoXX,integravamaassociaçãocommigrantesrecém-residentesnaIlhaecomrepresentantesdopoderpúblicomunicipal.Asregrasdomanejoeramestabelecidaspelopoderpúblicocombaseemcritérioscientíficos e de mercado – biologia das samambaias e quantidade mínima para venda (OLIVEIRA,2002).

NobairrodePedrinhas,Vivianretomouarelaçãohistóricadasmulherescaiçarascomaextraçãode samambaia.Apartir disso, compreendeuoutro sentidodapráticaextrativista.Os conhecimentosqueasextratorasapreenderamdoofíciodeváriasgeraçõesorientavamsuaatividadenocampo:umamulheradentraa restingaparacoletadesamambaiassempreemparceriacomoutra(s)mulher(es),organizamasfolhasemmaçosquetransportamnacabeçaemsuacaminhadadequilômetrosdevoltaà casa. No momento de estabelecer as regras nas reuniões da associação, elas silenciavam seusconhecimentos.Outrosargumentosprevaleciamaoestabeleceraquantidadeaserretirada,ocustodotrabalhodiário,osmeiosdotransporteecomercialização.

A rememoração da experiência pelas mulheres extratoras, ao narrar sua prática para apesquisadora-educadora,vai seabrindoemuma reflexãoeavaliaçãodomanejo implementadopelaprefeitura. O contar sobre a experiência vivida passa a se configurar como possível caminho pararequalificaraparticipaçãodaquelasmulheresnaassociação,peloreconhecimentoda legitimidadedeseussistemasdeconheceremanejaressaeoutrasespécies.Asnarrativascomoabordagemmetodológicadeformação

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“Narrarasexperiênciasvividas”foitemadeestudo,discussãoeexercícioconstantenatrajetóriadogrupo-pesquisador.Comomanternaexperiêncianarradaaintensidadedovivido?Houvemomentosde ação junto aos grupos do Vale do Ribeira em quemais de uma pesquisadora-educadora estavapresente.Comotecernanarrativaasperspectivasdiferentesdoqueseexperienciou?

RetomocomJosso(2010a)opapeldasnarrativasnoprocessodeformação.Aindaqueduranteostrabalhos do grupo essa abordagem metodológica, tal como sistematizada pela autora, não forapreviamente assumida, reconheço nos relatos uma busca de cada integrante em descrever ecompreender sua trajetória no processo coletivo. Isso marcava a atmosfera reflexiva do grupo epermite-me reconhecer um encontro com o argumento de Josso (Op. cit.) de que, ao narrar suasexperiências,osujeitoaprendenteseapropriadoprocessoedossaberesenvolvidosemsuaformação.

Compunham nosso objeto de reflexão: a elaboração de propostas de pesquisa-intervenção emEducação Ambiental e o preparo de cada integrante do grupo para pô-las em prática, tudo issopermeado pela busca por compreender as realidades do Vale do Ribeira em sua complexidade. Asnarrativas expressam as “aprendizagens experienciais” (JOSSO, 2010b) dessas pesquisadoras-educadoras, ou seja, sua busca por conectar um saber-fazer, uma fundamentação teórico-metodológicaeaproduçãodesentidossobreoprocesso.

AnarrativadeCarolineLadeiranosconvidaalerummomentomarcanteemsuaexperiêncianoValedoRibeirarelacionadaàsuaformação:

Ali,conheciDonaJoanaeSeuLino,casaldemoradoresdoVale,eaprendicomelesafazerumpequenocestodeumcipóchamadodetimbopeva.Desenharotrançadodocestoexigetempo,paciência,cuidadoetranquilidade.Eexigegenerosidadepararefazer,quandonecessário,estatramade sabedorias...Aprendi comSeuLinoadesfazero trançadosepreciso for.Emesmocomseusanosdeexperiênciaemdesenharformascomafibradatimbopeva(ou,talvez,porcausa de seus anos de experiência...), Seu Lino não hesitava em voltar atrás, desfazendo erefazendosuassabedoriasdecesteiro.Efui,destamaneira,aprendendoqueconhecimentosseconstroemcomasdúvidas,semapretensãodaverdade.(OLIVEIRA,2001,p.34).

Inicialmente, contar sobre o vivido estevemarcado por um tomdescritivo, por certa busca deobjetividade e por expressar uma linearidade temporal. A dinamicidade da experiência, osquestionamentossuscitados,odestinoheterogêneodasescritas–domeioacadêmicoàsbarrasdosrios–alémdabuscaporoutraslinguagensexpressivas–afotografia,ovídeo,acantoria–passaramaimprimiroutrasmarcasnasnarrativasdogrupopesquisador.ÉoquenoscontaAlikWunder:

Estes registros traziamodesenhodeumbordado,oprocessodapesquisa-intervenção,easdecisões e atuações coletivas que foram se conformando durante o trabalho. (...) Mas noavesso, outros desenhos se formavam, descontínuos na mudança de cores e pontos,interrompidosporespaçosvaziosefiossoltos,cadaumapontadoparaumadireçãodiferente.Adesconexãodocotidiano.Issomepediaumaoutraescrita,umsegundoexercícionarrativo,noqualtambémcoubessemasdescontinuidadesdotempo,ascircularidadesdamemória,osfragmentos,osacontecimentossemantesenemdepois.(WUNDER,2002:67).

Josso (2010b) também encontra, nas narrativas iniciais de cada participante dos trabalhosformativosporela conduzidos,umapreocupação “tanto comaobjetividadedoquevai narrar comocomaexaustividadedesuasnarrativas”(p.68).Nametodologiaquepropõe,aaudiçãoéumaetapaimportante para que os participantes tomem consciência da rememoração como um processoassociativo que se refina e se enriquece pelo entretecer das narrativas e pelas questões por elassuscitadas. Ao narrar para outro, as emoções, sentimentos, imagens e ideias mobilizadas pelaexperiênciasubjetivasãoordenadase traduzidasemuma linguageminteligívelparaoouvinte.Comisso, há o encontro entre uma subjetividade, que marca esta abordagem, com um “trabalho deobjetivação” na passagem da experiência à linguagem e, posteriormente, na interrogaçãocompreensivaassumidapelosouvintes.ConsideraçõesFinais

Caberia indagar sobre a relação entre esta experiência apresentada, e a proposição eimplementaçãodepolíticaspúblicasde formaçãodeeducadoreseeducadorasambientais.Aqui,emespecial,recorroaosargumentosdeMathiasFinger(2010),quenosprovocamapensarcaminhosparatransformarosprocessos formativosdasmarcasdatransmissãodeumsabermoderno,construídoemoldado pelas ciências e pelos especialistas, para a valorização e incorporação de outro saber. Umsaberencarnado,produzidoapartirdarelaçãocomasvivênciaseexperiênciasdosujeitoaprendente.Naatribuiçãodesentidoàsprópriasexperiências,emqueosujeitotomaconsciênciadesuainserçãono contexto histórico-cultural, reside uma possibilidade para a constituição de um saber crítico,reflexivoehistórico.REFERÊNCIASAGUILAR,LuisArmando.Conversarparaaprender:Gadamerylaeducación.Sinéctica:Revistaelectrónicadeeducación,n.23,enero,2003.AVANZI,MariaRita&MALAGODI,MarcoAntonioSampaio.Comunidadesinterpretativas.In:FERRAROJÚNIOR,L.A.(Org.).EncontroseCaminhos:formaçãodeeducadoras(es)ambientaisecoletivoseducadores.Brasília:DEA/MMA,2005,pp.93-102.

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PROJETOCAXIMBA:RECONHECENDONOSSAREALIDADEECONSTRUINDONOSSOFUTURO

PedroMelloBourroulSilviodoCarmoJunior

1.IntroduçãoDurante o ano de 2010, a OCA foi convidada para a realização do programa de Educação

AmbientaldoplanodemanejodoParqueEstadualdoAltoRibeira,oPETAR.Paraaelaboraçãodestedocumento,foramdesenvolvidasoficinascomascomunidadesdoentornodoparquecomointuitodeconhecersuasrealidades,compreendersuasnecessidadeseelaborarummaterialquecontemplasseorealcontextonoqualseriaaplicado.

UmadestasoficinasocorreunobairroCaximba,emApiaí–SP,apontadopelagestãodoPETARcomoumacomunidadeproblemática,extremamenteresistenteaoparquee,principalmente,resistenteàexistênciadazonadeamortecimento.Duranteesteprimeirocontato,muitopoucomaterialconcretopôdeserobtido,maspermaneceunosmembrosdogrupoaimpressãodequeládeveriaserrealizadoum trabalho mais delicado de Educação Ambiental, para a conscientização dos moradores daimportânciadaforçadacomunidadeedodiálogosobreoquepossivelmenteviriaaocorrer.

ACaximbaé umbairro rural, localizado nos arredores deApiaí, extremo sul do Estadode SãoPaulo. Localiza-se à beira da estrada que conecta Apiaí ao resto do Estado (SP-250) e, assim, vê otrânsitoirevirdacidade,masquasenadaficarporali.Avegetaçãonativaabundantenoentornodobairro fornece o principal sustento para a comunidade há gerações: o extrativismo, sobretudo daTaqura (Bambusasp), espécie de bambu utilizada nasmuitas produções de tomate da região, e dopalmitojuçara(Eutherpeedulis),queéproibido.

A única escola existente no bairro atende somente os jovens até o primeiro ciclo do EnsinoFundamental, o que deixa osmuitos filhos das quase 80 famílias carentes de educação local. Elesdevemiratéacidadeparaestudar,ondesãotratadoscomocaipirasediscriminadosporviveremnocampo.Apesardeserumlocalhabitadohámaisdecemanos,naCaximbaháaindamuitochoquecomaculturaurbanaepoucanitidezdovalordaculturalocal.Nosjovensistoficamaisclaro,jáqueelesseidentificammuitomaiscomaquiloqueveemnascidadesetendemamenosprezaroquepossuemnacomunidade.

Pela faltadeoportunidadesdeemprego,é comumveros jovenspartindoparaoutras cidades.Muitas famílias vivem no bairro somente compostas pela mãe e os filhos pequenos, sendo que osmaridos e os filhosmaiores estão na cidade em busca de uma fonte de renda. São poucos os queesperampermanecernacomunidadeaofinalizaroensinomédio,emenosaindaosqueambicionamcursarumafaculdade.

OValedoRibeira,regiãoondeestásituadaApiaí,éondeseencontra,aomesmotempo,omaiorremanescente preservado de Mata Atlântica do Estado e os menores Índices de DesenvolvimentoHumano (IDH). A região vive constante conflito entre as comunidades e os órgãos reguladores,principalmente os ambientais. Devido à falta de oportunidades de emprego, as fontes de rendadependem do turismo e do extrativismo. A população tende a viver na pele o conflito de ver asatividades,quedesenvolvemhámuitotempo,destruíremoentornodeondevivem.

Nestecontexto,oGEEOCA(GrupodeExtensãoeEducaçãodaOCA)começouadesenvolversuasatividades no bairro da Caximba ainda no primeiro semestre de 2010, através do projeto“Aprimoramento do Ensino pela Educação Ambiental: Integrando Estudantes Universitários eComunidadesRurais”,peloqualseorganizouogrupoGEEOCA,etambémrealizouoDiagnósticoRuralParticipativo(DRP)noprimeiroencontrodogrupoGEEOCAcomacomunidade.ODRPforneceubaseparaestruturaçãodemaisdoisnovosprojetosdogrupoaindanoanode2010,eem2011,outrostrêsprojetos também foram realizados. Esses compuseram um projeto “guarda-chuva”, ou seja, umprograma de projetos que foi chamado de “Projeto Caximba: Reconhecendo Nossa Realidade eConstruindoNossoFuturo”,comduraçãodedoisanos.Foramelaboradasrodasdeconversaeoficinas,demandadaspelaprópria comunidade,em importanteexercíciodediálogoparamelhorentenderasrelaçõesjáexistentesetentararticularaorganizaçãolocal.

Nasprimeirasidas,apresençadogrupofoiassociadaàpresençadoparque,oquecausoualgunsconflitosemuitadesconfiançadacomunidade.Existemdistintosinteressesdentrodacomunidade:háaquelesquepossuemotítulodaterraebuscamolucro,eviamnestegrupoapossibilidadedeganharmais,aquelesquequeriamsomenteterumcoletivoorganizadoparaconquistarsuasmudançaseatéosquesomentequeremteralguémparacontarsuashistórias.Mas,de formageral, se tratadeumpovoextremamentedesassistidoque,aospoucos,abriusuasportasparaasatividadespropostas.

ApesardadistânciadaviagementreApiaíePiracicaba,ondelocaliza-seaESALQ/USPeogrupoGEEOCA,queéde350km,foipossívelrealizarencontrosmensais,queduraramumfinaldesemana,mas, por vezes, se estenderam por vários dias. A imersão na comunidade se deu lentamente,masmuitasportasseabriramaolongodesteperíodo.Nocomeço,eramenviadasascriançasparaconferirosespaçosqueocorreriam;depoisosadultoscomeçaramaseapoderardoprocesso.

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Duranteoanode2010,ofocodotrabalhofoipromoverodiálogopormeioderodasdeconversa,tanto com os jovens quanto com os adultos. Estas geraram a confiança necessária para odesenvolvimentodoprojetoefizeramemergirasprincipaisdemandasdacomunidade.

Ocorreram, separadamente, oficinas com jovense comadultos.Osprimeiros, como intuitoderecuperaraidentidadeculturalebuscaraexpressãodeseuspontosdevistadeformainterativa,tantocomofornecimentoeusodeequipamentosaudiovisuaisquantonoincentivoàescrita,aodesenhoequalquer manifestação cultural que tivessem interesse. Foi assim desenvolvido o sentimento depertencimento ao local que habitam, o que gerou grande união e passaram a se articularindependentementeparaconseguirsuasdemandas.

Jácomosadultos,o trabalhodas rodasdeconversa foi importanteparapromoverodiálogo,epara que percebessem a necessidade de se escutarem e respeitarem as posições e opiniõesdivergentes.Noinício,eramconflituosasasrelações,mas,aolongodasidas,surgiramdemandasemcomumquepuderamsertrabalhadasparadesenvolverobairro.

Logo de início foi apontada a necessidade de se organizar uma associação. Foram entãoelaboradas trêsoficinassobreo tema“associativismo”,comconvidadosexternosaogrupoGEEOCA,envolvendo também a prefeitura de Apiaí. A diretoria da associação, porém, foi indicada pelainterferênciadeumagenteexternoàcomunidadeeaogrupoGEEOCA,nãotendoocorridoumaeleiçãoabertacomodeterminaopróprioEstatuto.Essefatogeroupolosde interessesopostos, individuaisepolíticos,queacaboupordesestruturaradiretoria.Entãosurgiramnovosinteresseselideranças,eapartirdaí,aassociaçãofoireerguidapelaprópriacomunidade.

Outrasoficinasemergiramduranteesteperíodo,sobretudoparaageraçãodetrabalhoerenda.Porém,ao longodoanode2011,seestruturouumpequenogrupodeprodutorescom interesseemdesenvolver projetos de agricultura orgânica, e com este grupo ocorreram outras atividades,muitomais específicas a seus interesses. O grupo de adultos pôde se encontrar frente a frente e discutirtemasqueanteseramignorados,masafetavamatodos.Promoverodiálogofoi fundamentalparaarealizaçãodesteprocesso.

Apráticadeextensãouniversitáriaéumprincípioestimuladoportodasasuniversidadescomointuito de transmitir o conhecimento acadêmico à população fora dela. O projeto, porém, buscoudialogarcomacomunidadeparaqueassimpudesseentendercomoestacompreendesuarealidade,eentãoelaborar conjuntamenteumavisãocrítica.Para isso, foiprecisoestimulá-losaorganizar-senabuscadaresoluçãodeseusconflitos.

Nessa perspectiva de trabalho, o grupo passou por diversas dificuldades, como: superar alentidão da burocracia acadêmica, a inserção do grupoGEEOCAde forma sincera na comunidade ecriarumvínculodeconfiançacomosmoradores.

Para a realização de tal projeto, os conceitos trabalhados junto à OCA foram utilizados a todotempo e embasaram a realização consciente dos trabalhos de campo. Serviram, assim, como baseteóricaparatodaaatividadepráticaeparaosestudosrealizadospeloGEEOCAdentrodauniversidade.2.Comunidades

OdesenvolvimentodoconceitodecomunidadesemprefoicentralnaorganizaçãodostrabalhosdogrupoGEEOCA,mesmoqueosplanejamentosprecisassemseralteradosdeacordocomaaplicaçãodasatividades.OconceitodecomunidadeesuaestruturaçãoforamtrabalhadosemtodososcontatospresenciaisdogrupoGEEOCAcomosmoradores.Tantonasdiscussõescomosadultosquantocomosjovens,aarticulaçãodacomunidadefoitidacomofundamentalparaoandamentodoprojeto.

Buscamos,aomesmotempo,estimularacriaçãodeumacomunidadeautogestionadaeserumgrupo com o mesmo princípio de autogestão. Com a ideia de se aprofundar nos processoseducacionais, foi compreendido que tudo aquilo que pretendíamos trabalhar deveria ser iniciado noprópriogrupodeextensão,partindodaconsciência individual, oqueestruturariaumgrupocríticoeativo.Somenteaoiniciaroprocessocomoprópriogrupofoipossívelperceberasdificuldadesdelidarcompessoaseposturasdistintasnaconstruçãodeumtrabalhocomumcomumobjetivo.Mesmocomoestabelecimentodessenorteadordotrabalho,foicomplicado,oqueserepetiudentrodacomunidadecomtamanhadivergênciadeinteresses.

Dessaforma,buscou-se,primeiramente,formarumacomunidadeentreosparticipantesdogrupoGEEOCAcomosmoradoresdobairroe,consequentemente,estimularosmoradoresdaCaximbaaseorganizaremefetivamente comouma comunidade. Buscou-se consolidar estas comunidades atravésdoaprendizadosolidário,pautadonodiálogo,quepossibilitouestabelecerumarelaçãohorizontal.

Aolongodoprojeto,muitosedesenvolveudasduascomunidades,reforçandoosvaloresreaisdecadauma,oquepossibilitouaprofundarasrelaçõeseorganizarcadaambiente.Acomunidadepassouamelhorsereconhecercomocomunidadenesseperíodoemuitascoisasmudaram.Foiestabelecidaarotina de diálogo e preocupação com a região, mas, sobretudo, passou a existir a noção depertencimento,conceitosdecomunhãoesolidariedade,quesempreexistirameforamreavivados.

AcomunidadedogrupoGEEOCAfoicriadaapartirdesseprocesso,aolongodasmuitashorasdereuniãoedasmuitashorasdeimersãonostrabalhosdecampo.Aideiadeparceriaesolidariedadefoisendoconstruídaemcadaespaço,oquepossibilitouacriaçãodeumcoletivoorganizadoerespeitoso,onde cada indivíduo sabia seu papel e buscava compreender os demais. Já na relação entre ascomunidades, surgiu umnovo elemento capaz de ampliar esses conceitos, uma comunidademaior,

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quenãonecessariamenteviviamjuntas,masqueseuniamparadialogaredividirsuasrealidades.Oprocessosemostroumuitopositivojustamenteporpossibilitaraconstruçãosólidadecomunidadestãodistintasefazê-lasbuscaralgoemcomum.3.Identidade

A busca pela real identidade sempre foi umameta para o grupo. Procuramos, desde o início,trabalhar com o conceito de identidade cultural e fazer a comunidade reconhecer os valores etradições que estavam se perdendo. Com o intuito de reafirmar a identidade com a terra, semprepareceuserumpontodepartida resgatarahistóriada regiãonaperspectivadosmoradoresatuais,parafazê-losperceberabelezadesuacultura.

Começamos conversando com os mais velhos, ouvimos suas histórias e contamos as nossas.Muitacoisainteressantesurgiu:históriasdeoutrostempos,receitasdecomida,conhecimentossobreanatureza e as pessoas, danças, festas e costumes. Com o estímulo à escrita,muita coisa emergiu,resultandonaproduçãodeum livrocomhistóriasepontosdevistadosparticipantes.Osadultosseviramcomodetentoresdeenormeconhecimento;tiveramaoportunidadederelataraomundopartedesuarealidade,oqueajudouarecuperarvaloreshámuitotempoesquecidos.

Comogrupodejovens,foidecididoinvestirnotrabalhodeidentidadecultural,justamenteparatentarlembrá-losdariquezadesuaprópriaculturaedaimportânciadasuamanutenção.Duranteumaatividade, foi perguntadoqual programade televisãomais representavaa realidadedeles, emuitosnãosouberamresponder.Osquearriscaram,seidentificaramcomprogramaspoliciaisounovelas,quegeralmentetratamdeumarealidadeurbana.Mostrou-seimportantecriarmeiospararesgataremsuaculturaeostornaraptosacontarsuashistórias.

O caminho da escritamostrava péssimos resultados, já que, em geral, os jovens passavam asemanatodadentrodasaladeaulaeprecisavamdofinaldesemanaparainteragircomomeio.Foramdesenvolvidas diversas atividades externas, aliadas com incentivos de Educomunicação para tentarincentivaressegrupoaseretratardemaneiramaisinterativa.Depoisdeumaoficinadefotografia,aresponsabilidadede retratarosencontrospassoua serdos jovens,queseenvolverammuitocomatécnica. Alguns filmes foram elaborados, inclusive um em que eles de fato escreveram o roteiro,filmaram,atuarameeditaramomaterial.

Dequalquer forma,avaliávamosqueousodematerialaudiovisualseriaumaalternativaválidapara resgatar a cultura de seus antepassados.Muitos jovens vivem diretamente em contato com anaturezaenãopercebemaimportânciademanteraculturarelacionadaàmesma.Asmúsicasantigas,oshábitosetradiçõesdosmaisvelhosvinhamseperdendo,epareciafundamentalresgatartudoissopara construir uma identidade sólida. Dessa forma, foi realizada, pelo grupo de jovens, a festa decentenáriodobairro,quecontoucommúsicastradicionais,comidastípicas,dançaseparticipaçãodetodaa comunidadeem formademutirão. Tudo foimuitoemocionante,principalmenteparaosmaisvelhos.

Mastodaessabuscaderesgatecontrastamuitocomosentimentodosjovens.Esses,quevivemboapartedotemponacidade,ouvemrap,assistemmuitatelevisão,possuemcelular,sevestemcomroupas demarca e sonham em ter um carro. Osmeninos sãomuito bons em um esporte francês,tipicamente urbano, chamado Le Parkour, que aprendem por vídeos no Youtube, mesmo sem terInternetnobairro.Estarealidademostracomoaculturatemcaminhadoeapontaosreaisinteresseseconflitosdessesjovens.

Com essa experiência, foi possível esclarecer a adaptabilidade da identidade. É claro que éimportantemanterastradiçõeslocais,construídasatravésdegerações,quefundamentamavidaemsociedade naquela região. É claro, também, que os jovens possuem diferentes gostos. A cidadeproporciona esse choque cultural que se mostra emmovimento. O desafio é fazer com que essesjovens se entendam como detentores de uma identidade, fundir de fato a cultura antiga de seusantepassadoscomaculturaurbana,criandoaidentidaderuralmoderna.4.Diálogo

Esse conceito foi fundamental para embasar todas as atividades desenvolvidas ao longo doprojeto.Foi tambémummovimentoemdoismomentos, jáque foinecessáriodesenvolverodiálogodentrodogrupo,paraentãoaprofundá-locomacomunidade.Aonosdesprenderdeopiniõesformadas,certezasrelativasenoscolocarnaposiçãodeaprendizes,foipossívelescutarosoutrosemostrarquetodossãoaprendizeseprofessores.

OdiálogodentrodogrupoGEEOCAfoiumprocessobastantedemorado,jáquetodosvinhamcomgrandecargadeconhecimentoequeriamaplicá-lo.Foramnecessáriasmuitashorasdereuniãoparaseesclarecercomosedariamosdiálogos,paraquenãofossememformadedebate.Oaprendizadodeouvirooutrocomeçounessesmomentosdereunião,eosmembrosdogrupotiveramqueaprenderacederàsvontadesesabedoriasdosoutrosparaobteremorealaprendizadoqueseconstruía.

O diálogo veio como um estímulo, fazendo com que as pessoas da comunidade contassem eouvissemassuashistóriasedogrupo.Dessaforma,foramdesenvolvidas,narelaçãoentreogrupoeacomunidade,aconfiançaeaintimidade.Oesforçoemfazercomqueaspessoasfalassemdentrodosencontrosgerououtras correntesdediálogo,poisosmoradorespassarama seouvir. Taisencontrospossibilitaramacontinuidadedoprojeto,permitindoaogrupoGEEOCAtrabalharoutrosconceitos.

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Ocorreu a geração de dois grupos autônomos de diálogo, que se encontraram periodicamenteparaaprenderunscomosoutrosegerarumconhecimentomaior.Essesseencontravamumavezpormês, o que gerou outro ambiente muito rico de diálogo, onde os dois grupos podiam trocar suasrealidadesegerarumanovarealidadedeconvivência.

O desenvolvimento do diálogo como um princípio se mostrou essencial para a realização daextensão universitária proposta. Ao final do trabalho, a relação era tão próxima que foi possívelquebraraopiniãogeneralizadadequeosestudantessabemtudo,eassoluçõespassaramaemergirda própria comunidade.Omaior incentivo deixado na comunidade, pelo projeto, foi a promoção dodiálogo entre eles, passo fundamental para a real consolidação dos conceitos de comunidade,identidade,potênciadeaçãoefelicidade.Eleshojedialogam.5.Potênciadeação

Apotênciadeaçãoapresenta-se,nessecontexto,comoalgofundamentalparaefetividadedeumprojeto de extensão. Nos parâmetros da Física, potência é a energia gasta para ativação de umprocesso.Damesmaforma,umprojetodeextensãouniversitária,pautadonoprincípiodepotênciadeação, precisará de energia direcionada para ativar processos transformadores na sociedade ou nacomunidadeenvolvida.

Dentrodeumorganismovivo,sejaelevegetalouanimal,opotencialdeaçãoéresponsávelpelotransporte rápido de informações, que promove a comunicação, sendo responsável por transmitirinformações de um tecido para outro dentro de um organismo, através das membranas celulares.Durante processos de extensão universitária, faz-se necessária uma transmissão rápida deinformações,porém,éprecisoqueasociedadeoucomunidadeestejambemorganizadas,assimcomoestãoosorganismos,paraqueofluxode informaçõessejarápidoevánadireçãodeconcretizarumobjetivocomum.Nessepontodevista,oeducadorambientalteráopapeldeestimularacomunicação,queaconteceráatravésdodiálogo,etambémfornecerelementosparaqueacomunidadeseorganizeeobtenhaumacomunicaçãobemdirecionada.

Dentro do projeto realizado, buscou-se trabalhar com uma potência de ação direcionada aestimularospotenciaisdeaçãopresentesnacomunidade,demaneiraqueumpotencialtransformadoemaçãogerassenovospotenciais,numprocessocontínuoderetroalimentação.Esteproporcionouageraçãodefrutos,quesetraduziramdediversasmaneiras.

Nessa perspectiva, grupos com interesses individuais diversos se articularam pautados numobjetivocomum,que,demaneirageral,setraduziunabuscapormelhoriasnascondiçõesdevida.Umexemploéaformaçãodeumgrupodeartesãoscomoestratégiadegeraçãodetrabalhoerenda,quesearticuloudemaneiraautônomanacomunidade.

Nessecaso,apotênciadeaçãoprimáriafoigeradapelogrupodeeducadores,comautilizaçãodeferramentas e técnicas para promoção de diálogo, por exemplo, rodas de conversa e oficinas. Emalgunsdessesespaços,acomunidadeobteveumaaproximaçãodiretaepessoalcomagentes locais,como a prefeitura, o PETAR, assentamento vizinho e associações de comunidades vizinhas, entreoutros.

A criação desses espaços para ocorrência de diálogo entre comunidade e agentes locaispromoveuaoportunidadenecessáriaparaacomunidadediagnosticarosproblemasdeordemcomume assim buscar as soluções mais adequadas à sua própria realidade, como ocorreu no caso daformaçãodaassociaçãodobairroedogrupodeartesãos.

A ocorrência de articulação e organização comunitária de forma autônoma e, portanto,independentedoeducador,semostroudefundamentalimportânciaparaqueocorraumacontinuidadedosprocessosdetransformação.Seissoocorrerdefato,oprojetorealizadopoderáserfinalizadocomgarantiasdeque,apartirdapotênciadeaçãoquefoidedicada,novospotenciaisforamestimulados,eesses estimularão outros, formando uma reação em cadeia, dando continuidade à açãotransformadora.6.Felicidade

Ohomemsempreprocurouafelicidade.Muitosfilósofos,religiosos,sociólogostentaram,aolongodahistóriadahumanidade,definirsobreotermo“felicidade”eencontrarumafórmulaoureceitaparaseobteratãodesejada.

Para alguns pensadores, a felicidade pode ser definida como um estado durável de plenitude,satisfação e equilíbrio físico e psíquico. Felicidade vemdo latim “Felix”, que significaria literalmente“fértil”, “frutuoso” (que dá frutos), “fecundo”, sendo, muitas vezes, confundido com a realizaçãopessoal através da construção de uma família, ter filhos e bens de consumo para si e para osfamiliares. A felicidade é comumente relacionada à conquista de algum desejo. Porém, essa buscanormalmentegerafrustrações:serfértileterfilhos,porexemplo,nãopareceserasoluçãoparatodasas angústias da vida. Alémdisso, condicionar a felicidade a conquistas futuras dificulta que se vivaplenamenteopresente.

No projeto que foi realizado pelo grupo GEEOCA, com a comunidade do bairro Caximba,trabalhamos comoprincipio da felicidade como sendoumestadode satisfação, de contentamento,resultantedaaceitaçãoecompreensãodaquiloqueseé,edequemaneirasepodetransformarseupróprioUniverso,paraatingirseubem-estar.Considerandoquetodamudançaefetivadomeioocorre,

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apriori,comamudançasinceradoUniversoÍntimo,esselogosetornariaumagentetransformador.Afelicidadenascerianaturalmentedoautoconhecimento,naperspectivadeque,sabendoquemeusou,possofluirnavida,possoatuardemaneiramaisautônomaeconsciente.

Aaceitaçãonãodeveserconfundidacomindulgênciaoucomodismo;nãoestamosmumificados,mas em movimento contínuo de melhoria do mundo à nossa volta e de nós mesmos, dentro dasresponsabilidadesquecriamosesustentamos,comoporexemplo:serresponsávelaoconsumiraáguado planeta, separar o lixo, educar as crianças, cuidar da própria saúde, proporcionar um ambienteagradávelemnossaatividadeprofissionaletc..

Foi baseado nesse pensamento que o primeiro encontro do grupoGEEOCA coma comunidadeconstituiu-se no minicurso “Reconhecendo Nossa Realidade e Construindo Nosso Futuro”, que foi oDiagnóstico Rural Participativo (DRP). Esse teve por objetivo estimular a comunidade a fazer umreconhecimentoprofundodesuarealidade,numprocessodeestímuloaoautoconhecimento,tantononíveldacomunidadecomodoindivíduo.Oprocessogerouumamaioraceitaçãodoscomunitárioscomrelação às condições de sua existência e, partindo dessa análise, motivou a buscar melhoriasnecessáriasparaseobterqualidadedevida.

Esse processo de mergulho na própria realidade foi trabalhado ao longo de todo o projeto,principalmenteatravésdasrodasdeconversa. Issofortaleceuaidentidadeculturaldaspessoasedacomunidade, e o sentimento de pertencimento ao local. Esse fato ficoumarcado pela festa que foirealizadapelacomunidade,demaneiraautônoma,emcomemoraçãoaocentenáriodobairro,ondesepôdeobservaraalegriaexpressadapelosmuitossorrisoseabraços,quemostraramaconcretizaçãodoresgatedaautoestimadosmoradores,etambémnaprópriaassociaçãodemoradoresdobairro,quefoinomeadaporelescomo“AssociaçãoSouCaximba”.

Da mesma forma, os participantes do grupo GEEOCA se viram na necessidade de fazer ummergulho na própria realidade para entender e reconhecer omotivo da existência dos objetivos dogrupo e do projeto, que levou seus integrantes a realizarem uma investigação profunda de seusobjetivos,interessesevaloresindividuais,paraentãocompreenderqualeraamotivaçãocomumaosintegrantes,levandoaoreconhecimentodaidentidadedogrupoGEEOCA.

Oprocessocontinuadodebuscarreconhecerasrealidadesvividasemseusdiferentesaspectos,contextosemomentos trouxeaosparticipantesacompreensãodequeser felizédescobrir-secomoaprendiz,umserqueviveemconstanteaprendizadoconsigo,comosoutrosecomavida.7.Conclusão

Foramdoisanosdeprojeto,dirigidoporumgrupodeestudantesdegraduaçãodediversasáreas,quesepropuseramaadentrarnumarealidadecompletamentedistintadavivenciadanaUniversidade,comoobjetivodedialogareassimsomar.

Atrocadeaprendizadosemprefoiameta,mesmocomaexistênciadegrandesambições,comotransformarobairrodaCaximbanumacomunidadeautossustentável.Porém,ficouclaronesteprojetoque,parahavertransformaçõesdeumarealidadecoletiva,eladeverápartirdoindivíduo.Efoiassimque se presenciou uma transformação na realidade das pessoas que se envolveram, tanto dacomunidadedobairroquantodacomunidadedosestudantes(GEEOCA).

A proposta do grupo foi de propiciar espaços para o diálogo, aproximar pessoas de todos osgruposdeaçãolocaledeixarqueacomunidadelevantasse,porcontaprópria,seusproblemas,sonhosesoluções,eassim,comautonomia,transformarsuarealidadedoseujeito.Istotornouoprocessodetransformaçãoindependentedaaçãooupresençadogrupodeextensãonacomunidade,epossibilitouqueocorressemmuitasmudanças e transformaçõesquenão forampredeterminadas,mas foramasnecessáriasepossíveis.REFERÊNCIASORRENTINO,M.etal.Embuscadasustentabilidadeeducadoraambientalista.AmbientalMENTEsustentable.Ediçãodejaneiro-dezembro2010,Espanha,anoV,vol.I,n.9-10,pp.7-35.

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EDUCAÇÃOAMBIENTALEMUNIDADESDECONSERVAÇÃO

AndreaAbdalaRaimo1.INTRODUÇÃO

OpresentetrabalhoexploracomoaEducaçãoAmbiental (EA)podecontribuirparaagestãodeUnidadesdeConservação(UC)edemaisÁreasprotegidas(AP),trazendoreflexõesteóricasapartirdeduasexperiências:aconstruçãodoProgramadeEAdoPlanodeManejodoParqueEstadualTurísticodoAlto Ribeira – SP; e a elaboração e aplicação de um Diagnóstico Rural Participativo na Reserva deDesenvolvimentoSustentávelAmanã–AM.Apartirdequestõesabordadasnosresumosapresentadosem 2011, no Congresso Nacional de Educação Ambiental (João Pessoa-PB)116 e no V SeminárioBrasileiro sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social (Manaus-AM)117, o texto sinaliza caminhos quereúnem o aprofundamento teórico de pesquisas individuais e coletivas junto ao Laboratório deEducaçãoePolíticaAmbiental(OCA)daESALQ-USPeemnecessidadesvivenciadasnaprática.

AprincipalquestãoquesecolocaéasuperaçãodosconflitossocioambientaisnasUCs,umavezquesãoterritóriosdearenapolítica,ondeconceitosepráticasestãoemdisputapordiversosatores.Équandoosentidodepertencimentoaumlugarespecífico,aliadoàconstruçãodeterritorialidadesdascomunidades,sedeparacomumcontextopolíticocontemporâneodepolíticasambientaisvoltadasàconservaçãodabiodiversidade.

Comoépossível,atravésdodiálogoeducadoretransformador,queenunciaosconflitos,superaro modelo de desenvolvimento e de ecologismo118 – no qual os eixos de desenvolvimento estãopautadosemplanosdeaceleraçãodocrescimentoeconômicoeaconservaçãoestárestritaàsilhasdebiodiversidade(UnidadesdeConservação)?ComotransformarasÁreasProtegidas,quemuitasvezesreproduzemummodelodeEstadocomnoçõesdecontroleeplanejamento(LITTLE,1992apudLITTLE,2002), em Unidades Socioambientais (SAMMARCO, 2005) de gestão integrada, compartilhada,democrática, com alianças e parcerias? Como produzir um modelo de cogestão pautado não nanegociaçãodeforçaspolíticasdesiguais,masnodiálogopropulsordeautonomia?2.CONTEXTO2.1EducaçãoAmbiental

Atravessamos uma crise socioambiental que é fruto de uma estrutura social pautada emmonoculturas,hierarquiaselinearidade,guiadaporumaracionalidadeinstrumentaletecnicista.AEA,preconizada pelo ProgramaNacional de Educação Ambiental (2004), entende a educação como atopolíticoquepossibilitaao/àeducando(a)acompreensãodeseupapelnomundoedesuainserçãonahistória(FREIRE,1987),despertandoparaacapacidadedetransformaçãodestarealidadeemcrise.Aintenção final é a transformação, emancipação e autonomia que, segundo Bartolomé (1995), é oexercíciodopoderdedecisão local,emterritórioouregião,sobreaescolhadeparceiros,bemcomosobreousodosrecursosnaturais,políticos,fiscaiseculturais.

Paratal,deve-sevalorizaradiversidade(desaberes,deconhecimentos,deculturas,dehabitats,depaisagens,deconstruçõessocioambientais)eodiálogo.DeacordocomPauloFreire(1983),oquese pretende com o diálogo, seja em torno de um conhecimento científico e técnico, seja de umconhecimento‘experiencial’,éaproblematizaçãodopróprioconhecimentoemsuaindiscutívelrelaçãocomarealidadeconcretanaqualsegeraesobreaqualincide,paramelhorcompreendê-la,explicá-laetransformá-la.

DeacordocomLima(2004:106),A Educação Ambiental emancipatória parte de um diagnóstico de que a crise ambiental éresultantedoesgotamentodeumprojetocivilizatórioqueentendeuprogressoeconhecimentocomodominaçãoecontroleefezdarazãoinstrumentaloatalhomaiseficienteàconquistadopodereconômicoepolíticoquecolonizaedegradaavidahumanaenão-humana.

AeducaçãopropostaparaocontextodasUCsdeveconduziràtomadadeconhecimento,porconseguinte,deconsciência,dacondiçãocomumatodososhumanos e damuito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas,sobrenossoenraizamentocomocidadãosdaTerra.(MORIN,2000:61).

Deve contribuir para a construção do olhar para a complexidade a partir de práticas quetrabalhemasteiasderelações,promovamodiálogo,construamumaracionalidadeambientalpautadana diversidade e na transdisciplinaridade, culminando na real intenção de compreender a criseambiental e superá-la. Cada oportunidade deve ser convertida em experiência educativa dassociedadessustentáveis(AVANZI,2004).2.2Povosecomunidadestradicionais

Arelaçãodospovos119tradicionais120comasáreasprotegidaspassouaterimportânciafrenteaosconflitoseimpactosdecorrentesdaimplantaçãodasmesmasemáreasúmidas(MORSELLO,2000).

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Esta evidência surge do seguinte fato: 80%dasUCs têm populações tradicionais e 25% têm povosindígenas, segundo uma estimativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade(ICMBio) (2011)121. É, na atualidade, um campo de discussão entre os diversos posicionamentospolíticosacercadaConservação,umavezquearelaçãodestespovoscomaNaturezaéestritamentedivergentedarelaçãoconstruídanasociedadehegemônicacontemporânea.

Atualmente, uma nova área do conhecimento, a etnoconservação, defende a ideia de que asrelações Homem/Ambiente são mediadas pela cultura, pelas experiências acumuladas das diversasconstruçõessimbólicaseculturais.Pauta-senanoçãodequeaspráticaseestratégiasadaptativasdospovos tradicionais constituem riquezas que podem oferecer soluções à problemática de comocompatibilizarodesenvolvimentocomaConservação(COSTA,2010).Estariquezaadaptativarevela,segundodiversosestudos,queaspopulaçõeshumanas foramresponsáveispelamanutençãoouatéincrementodabiodiversidade(BALÉE1989;POSEY,1983;DIEGUES,2005).

A gestão e manejo estão profundamente ligados à visão de mundo e conhecimentos122 dascomunidades123 tradicionais. A biodiversidade “não é simplesmente um conceito pertencente aomundo natural. É também uma construção cultural e social” (DIEGUES, 1999:4). Está intimamenteconectada à diversidade cultural, culminando o termo ‘sociobiodiversidade’, que se legitimaquandoconsideradaenquantopatrimônioculturalimaterial.Dessaforma,éfortalecidaenquantorealidadedasobrevivência dos povos e conservação ambiental, apontando para sua indissociabilidade com asaçõesdegestãodeumaáreaprotegida.

Os povos tradicionais das áreas úmidas, que envolvem uma grande diversidade de saberes,comunidades,povos,culturas,estruturassimbólicas,práticasdemanejoeagricultura,seassemelhamnomomento em que divergem do pensamento científico dominante e dominador. São culturas queconstituem paisagens, territórios sociais e territorialidades imateriais. Segundo Diegues (1999:9),“muitas áreas habitadas por populações tradicionais tinham se conservado florestadas e com altabiodiversidade pela ação manejadora ligada ao modo de vida dessas comunidades”, tornando ascomunidadesparceirasnecessáriasaosesforçosdaConservação(DIEGUES,2000).2.3GestãoeTerritório

Aquestãoterritorialparaospovostradicionaiséumapráticarecorrentedeordenamento,naqualas relações familiarese sociaisestabelecemas formasespecíficasdecompartilhamento,ounão,doespaçoedos recursosnaturais.SegundoErikaPinto124(2011),o territórioéuma terra comculturaassociada, isto é, possui uma identidade. Quando colocada sob a ótica das políticas ambientais,confronta-se com a visão centralizadora da lógica do Estado e com a identidade que se atribui,equivocadamente,aestespovos.

Nesteponto,surgeanecessidadede inovaçõesnasformasdecogestão,pautadana lógicadosdireitos dos povos tradicionais, na conservação do patrimônio imaterial, de forma autônoma, e dasociobiodiversidade, tornando-se uma questão de defesa dos territórios, de luta pelos direitos dospovos.

De acordo com Little, no contexto ambientalista, o conceito dos povos tradicionais125 serviucomo mecanismo de integração entre os socioambientalistas e estes diversos grupos “quehistoricamentemostraramterformassustentáveisdeexploraçãodosrecursosnaturais,assimgerandoformasdeco-gestãodeterritório.”(2002:23).

Nestaperspectiva,asformasdecogestãobuscamsuperarométodoanalíticoelineardegestãoque impossibilita a conservação, a inclusão social e a possibilidade da sustentabilidade (LOUREIRO,2006). De acordo com Pinto (2011)126, os projetos de desenvolvimento do Governo não têm dadoespaço a outrosmodelos, restringindo-se a uma lógica de “gestão de conflitos” e desperdiçando apossibilidadedeumagestãodepotencialidades.

A gestão deve ser um processo de emancipação dos sujeitos locais, os quais devem terautonomiaparaas tomadasdedecisão.Agestãoécompreendidaaquicomoumprocessoeducadorcontínuoepermanenteque,atravésdodiálogo,buscaexplicitarosconflitosparasuperá-losapartirdepropostas concretas, de alternativas e novos modelos de manejo e desenvolvimento; um processoeducador de envolvimento dos diferentes atores na elaboração, execução e avaliação deprojetos/programas da AP culminando na construção de territorialidades (LITTLE, 2002), que éantropológica,culturalesocial.Assim,agestão,aliadaàEA,volta-seàsobrevivênciadospovoseàvalorizaçãodasociobiodiversidade, trazendopossibilidadesdeusodos recursosde forma inovadora,comoomanejosustentável,formasalternativasdeenergiaeoutrasatividadesculturaisdopatrimônioimaterialdospovostradicionaisemsuadimensãoterritorial127.3.AVANÇOS

Osprincipaisavançosencontram-seaindaemcampoteóricoedepolíticaspúblicas.Háumvastomarcolegalarespeitodospovostradicionais,daEA,dagestãodeUCeinter-relações.Podemoscitarosmaisrelevanteseatuais:

a)ConvençãosobreDiversidadeBiológica(CDB),primeiraratificaçãoem1994;

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b)PolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental(Leinº9.795/99);

c)SistemaNacionaldeUnidadesdeConservação(SNUC/Leinº9.895/00);

d)ProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental(ProNEA,2005);

e)PlanoEstratégicoNacionaldeÁreasProtegidas–PNAP,peloDecretonº5.758,de2006;

f)PolíticaNacionaldeDesenvolvimentoSustentáveldepovosecomunidadestradicionais,Decretonº6.040,de2007;

g) Cartilha da Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental no âmbito do SNUC(ENCEA),publicadaaversãofinalem2010;

h)PolíticaNacionaldeBiodiversidade(Decretonº7.302,de2010);

i)PlanoEstratégicoCDB2020,publicadoem2011.

Podemoscitaroutrosavanços,apontadosno4ºrelatórioparaCDB(MMA,2011):umaumentonadocumentação dos conhecimentos tradicionais; aumento em investimento para estudos e pesquisasemAP; aumentoquantitativonasáreasdasAP; contribuiçãodasUCsparaaEconomiaNacional128(PlanosdeManejocertificados)129.4.DIFICULDADES

Os principais entraves para a gestão efetiva das AP e os problemas com a conservação dabiodiversidadeconectam-sediretamentecomos‘porquês’daEAserimplantadanestasmesmasáreasdeformasuperficial,sememergiradimensãopolíticaeterritorial.Aprincipalproblemáticaencontra-senavisãodemundo,pautadanodesenvolvimentoeconômico,naexploração,nasrelaçõesdepoder.Asdificuldadesresidemnacomplexidadedecompreenderomundodeumaoutramaneira,maisorgânica,holística,integraleespiritual.Podemoscitaralgunsexemplos:

O 4º relatório para a CDB (2011) analisa que as metas para 2010, de redução da perda dabiodiversidade, não foram atingidas. Menciona que, embora haja avanços, há uma dissociação dasaçõesdeconservaçãocomocontexto local e cultural.Contudo, não explicita comoesta associaçãopoderiaocorrereoqualopapeldosdiversospovosnesteprocesso.

Omesmo documento trata, comometa, sobre o respeito às populações tradicionais,mas nãodetalhaoque istoquerdizer.Muito se falaaeste respeitoe sobre representatividade como fatoresimportantes, mas difíceis de se atingir. Neste ponto, dá-se abertura à discussão do que érepresentatividade. Isto é, em nenhum momento fala-se em autonomia destes povos, mas sim departicipação representativa, trazendo as Consultas Públicas como os principais instrumentos parademocraciaegovernança.

Um outro estudo, realizado por World Wildlife Fund (WWF) e pelo Instituto Brasileiro do MeioAmbienteedosRecursosNaturaisRenováveis(IBAMA)(2007apudWEIGAND;DASILVA;SILVA,2011),analisa a efetividade na gestão de UC. Não traz a relação da baixa efetividade com a falta deempoderamento por parte das comunidades ou com o papel da sociobiodiversidade. Cita ascomunidadesapenasnoquedizrespeitoaosdireitosasseguradosdosresidentesdeUC,revelandoaproblemática da questão fundiária que, como já vimos, está relacionada à questão territorial, deidentidadeegestão.

O Plano Estratégico CDB para 2020 (WEIGAND; DA SILVA; SILVA, 2011) apresenta 5 objetivos.Quando refere-seàscausas fundamentaisdeperdadabiodiversidade,nãoexplicita, por exemplo, arelaçãocomomodelodedesenvolvimentoeocupaçãodosolo.Istoé,nãoenunciaosreaisconflitos,restringindo-se aomodelo que conserva em “ilhas de biodiversidade”. Automaticamente, o possívelpapeldeagentesdaconservaçãodospovostradicionaiséesquecido.

Este Plano trata também, como objetivo, da promoção do uso sustentável dos recursos. Aquinasceumaoutradificuldade:adefiniçãode‘sustentabilidade’.Fala-seemrealizaçãodospotenciaisdecrescimentodasAP,incentivosfinanceiroseprojetos.Agestãoficarestritaàcertificaçãoegeraçãodeprodutosqueagreguemvalorpor serem“produtosda floresta”, com“selos verdes”.Aproblemáticaestáemqualnoçãodedesenvolvimentoélevada–decimaparabaixo–paraestasáreasepovosqueali vivem.Há umagrande preocupação, legítima, comgeração de renda, sobrevivências dos povos,inclusãosociale reduçãodapobreza.Masháumadelicada tendênciadestapreocupação traduzir-seemprojetosexternos,deatorescominteressesdivergentesaosdascomunidades.Istoé,sãorarososcasosemqueascomunidadestêmautonomia,comojádefinida,paradecidirasparcerias,planejareexecutar projetos. Na maioria deles, os atores vêm com ideias prontas, de algum produto que omercadodemanda, dealgumapatentee, posteriormente, recorre à repartiçãodebenefícios, queé,muitasvezes,desigual.5.CONSIDERAÇÕESFINAIS:ASPOTENCIALIDADES

UmaAPconstituiumcenáriosocialquedevecumprirseupapelfrenteàConservaçãoe,paraisto,devepromoveraparticipação,odiálogoeinteratividade,despertaropertencimentoeopensamentocrítico rumoà construçãodeumaéticaambiental (ENCEA,2010).Éexplícitoopapelestratégicodo

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envolvimento e participação das comunidades locais, por meio da facilitação dos processosorganizacionaisdascomunidades,juntamenteaosoutrosatoressociais,paraosprocessosdetomadadedecisão.

AsUCssãolocaisondeaEAdevequalificarcidadãosecidadãsparaumaleituracríticaepolíticadarealidadeeosempoderarparaaintervençãoemespaçosdeparticipação,possibilitandoocontrolesocialnaelaboraçãoeexecuçãodepolíticaspúblicas (ENCEA,2010).Devem,portanto, fortalecerasestruturascomunitárias,estimularaorganizaçãoeparticipação,oportunizandoespaçosepromovendoprocessosdeaprendizagemcoletivaeexercíciodacidadania,apartirdoestímuloaopertencimento,estreitandoos laçosde identificação como território, alémdeexplicitar os conflitose interessesdecadaatorsocialenvolvidos,demodoasuperá-los.

AUCdeveserumespaçoeducadorambientalista.Espaçofísico,histórico,situadopoliticamente,comcaracterísticasculturaisespecíficaseconstruídosocialmente;educadornosentidodepromoverprocessos de emancipação, revelador das potencialidades e fundamentador da sustentabilidade;ambientalista,poisredimensionaopapeldaNaturezanasrelaçõessociais,estandonãosópreocupadocomapreservaçãodeecossistemaseusosustentávelderecursosnaturais,mascomaconsolidaçãodeumaracionalidadeambiental(LEFF,2007).REFERÊNCIASAVANZI, M. R. Ecopedagogia. In: PHILIPPE, P. L. (Coord.). Identidades da Educação Ambiental brasileira.Brasília:MinistériodoMeioAmbiente,2004.BALÉE,W.ThecultureofAmazonianforests.In:POSEY,D.A.;BALÉE,W.ResourceManagementinAmazonia:indigenousandfolkstrategies.NewYork:NewYorkBotanicalGarden,1989.BARTOLOMÉ,M.A.Movimentosetnopolíticoseautonomias indígenasenMéxico.AméricaIndígena,55(1-2),1995,361-382.BRASÍLIA–DF.ProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental,ProNEA,2005.COSTA, E. M. L. Uma Floresta Politizada: relações políticas na Reserva Extrativista do Alto Juruá, Acre.Campinas:EditoraUnicamp,2010.DIEGUES, A. C. (Coord.). Biodiversidade e comunidades tradicionais no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec,1999._______(Coord.).DesmatamentoemodosdevidanaAmazônia.SãoPaulo:EditoraHucitec,2005._______(Coord.).Etnoconservação.SãoPaulo:EditoraHucitec,2000.FREIRE,P.Extensãooucomunicação?7.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1983._______.Pedagogiadooprimido.17.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1987.LEFF,E.EpistemologiaAmbiental.4.ed.SãoPaulo:Cortez,2007.LIMA,G.F.daC.Educação,emancipaçãoesustentabilidade:emdefesadeumapedagogialibertadoraparaaEducação Ambiental. In: PHILIPPE, P. L. (Coord.). Identidades da Educação Ambiental brasileira. Brasília:MinistériodoMeioAmbiente,2004.LITTLE,P.E.TerritóriossociaisepovostradicionaisnoBrasil:porumaantropologiadaterritorialidade.Brasília:SérieAntropologia,2002.LOUREIRO, C. F. B. e AZAZIEL, M. Áreas Protegidas e “Inclusão Social”: problematização do paradigmaanalítico-lineareseuseparatismonagestãoambiental.In:IRVING,M.deA.(Org.).ÁreasProtegidaseInclusãoSocial:construindonovossignificados.RiodeJaneiro:Aquarius,2006.MINISTÉRIODOMEIOAMBIENTE(MMA).EstratégiaNacionaldeComunicaçãoeEducaçãoAmbientalnoâmbitodoSistemaNacionaldeUnidadesdeConservação.Brasília,2010.MORSELLO,C.ÁreasProtegidasPúblicasePrivadas:SeleçãoeManejo.SãoPaulo:Annablume/FAPESP,2001.MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:UNESCO,2000.POSEY, D. A. O conhecimento entomológico Kayapó: etnometodologia e sistema cultural. AnuárioAntropológico,81,1983,109-124.SAMMARCO,Y.M.PercepçõesSocioambientaisemUnidadesdeConservação:OJardimdeLilith?DissertaçãodeMestradoaprovadapeloProgramadePós-GraduaçãoemEngenhariaAmbiental.Florianópolis:UFSC,2005.WEIGAND,R.JR.;DASILVA,D.C;SILVA,D.deO.MetasdeAichi:situaçãoatualnoBrasil.Brasília:UICN,WWF-BRASILeIPÊ,2011.

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EDUCAÇÃOAMBIENTAL,SOCIOAMBIENTALISMOEIDENTIDADE:POSSIBILIDADEDENOVOSOFÍCIOSSOCIOAMBIENTAISEMÁREAS

PROTEGIDAS

YaninaMicaelaSammarcoMarcosSorrentino

JavierBenayas

Muito temse faladosobreanecessidadedemodificaraspaisagensquevêmsendodestruídasdentrodaevoluçãosociedadeenatureza,principalmentedentrodosconceitosdaocupaçãoocidental(KESSELRING, 1992). Não restam dúvidas de que as coberturas florestais remanescentes não sãosuficientesparaavisibilidadedeumfuturopromissorparaahumanidade.Édentrodestediálogoentrenatureza e sociedade que esta leitura visa refletir sobre a necessidade emergente do quedenominaremos aqui de serviços socioambientais em áreas protegidas. Isto é, muito se fala daspossibilidadesdosserviçosambientaisqueasáreasprotegidaspodemoferecer,masaindasediscute,comreceios,dequeestasáreassejamumapossibilidadediferenciadadegeraçãodetrabalhoerenda.Mas, mais do que isso, seja a possibilidade de gerar ofícios e serviços socioambientais para umasociedadeemcrise.

Dentro do escopo das discussões sobre as Áreas Protegidas (APs), percebe-se que a partir dosanos 90 há um esforço na construção de normativas que, além de tentarem adequar as políticasambientaisàsespecificidadesregionaiseculturaisdosterritóriosbrasileiros,tambémtêmcontribuídoparaqueestasáreassetornemcadavezmaisespaçosdeparticipaçãosocial.Porexemplo:temosopróprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), que atualmente regulamentamais categorias de manejo de Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável do que UCs deProteçãoIntegral,naqualalgumasdestascategoriassãotãoespecificasàssingularidadesdoterritóriobrasileiro que não encontram equivalente em outros países. OCódigo Florestal (1965)130, emboramaisantigo,aindaéummarcodecorresponsabilidadeentrepoderpúblicoesociedade,aotercriadonormas das Reservas Legais (RLs) e das Áreas de Preservação Permanente (APPs), em que aresponsabilidade se expande à toda população no que se refere à conservação dos patrimôniosambientaisnoâmbitopúblicoeprivado.

Ainda,orecentePlanoNacionaldasÁreasProtegidas(2006)tambémrepresentaumdocumentodealtarelevânciaaoapresentarpremissaseestratégiasdeumarelaçãomaisdiretadosocialcomoambiental.Neste,nosinteressa,comparticularidade,aspremissasquesereferemaoEixo2,Objetivo2.5,quebuscam“Potencializaropapeldasunidadesdeconservaçãoedemaisáreasprotegidasnodesenvolvimento sustentável e na redução da pobreza”, na qual se aproxima do objetivo destadiscussão sobre a possibilidade de trabalho e renda através das áreas legalmente designadas àproteçãodanatureza.

Aliados a estes documentos, também ocorrem, atualmente, vários fóruns e encontros queprocuramdiscutiraimportânciadaparticipaçãosocialemáreasprotegidas.Entreeles,destacamosoSeminário Brasileiro sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social (SAPIS)131, que tem sido umaoportunidade de reunir trabalhos técnico-científicos e relatos de experiências sobre o tema “ÁreasProtegidas e Inclusão Social” (IRVING, 2006). A própria Convenção sobre a Conservação daDiversidade Biológica (CDB, 2000), referindo-se à partilha equitativa dos benefícios dos recursosbiológicosemÁreasProtegidas,corroboraquehaverádesemostrarsensibilidadeaoscostumeslocaisefavorecerosmodoslocaisdeganharavida.Nestesentido,principalmenteaodialogarsobrerecursosbiológicos, muito se fala dos possíveis serviços ambientais oferecidos por áreas protegidas. Sabe-sequeosserviçosambientais,outambémchamadosserviçosecossistêmicos,sãoospossíveisbenefíciosque as pessoas/sociedade podem obter dos ecossistemas. Temos alguns exemplos: a água doce,madeira, peixes, regulação do clima, proteção contra riscos naturais, controle da erosão, recreação,entremuitosoutros.

As primeiras definições destes serviços a nível mundial, dentro da área da Ecologia, foramdefinidasporDaily(1997)emseulivrointitulado“ServiçosdaNatureza”.Desdeentãosetemevoluídomuito nas discussões e construções de diretrizes sobre o tema, tendo atualmente como principalreferencialaAvaliaçãodosEcossistemasdoMilênio(MA,2003,2005)132.

Este estudo define os serviços ambientais como os benefícios que as pessoas obtêm dosecossistemas, incluindo aqueles benefícios que as pessoas percebem e aqueles que não percebem(COSTANZA,2008).Tambémclassificaemquatrotiposdeserviços:1)Osserviçosdeabastecimento,quesãoprodutosobtidosdiretamentedosecossistemas,comooalimento,amadeira,aáguapotável,energia etc.; 2) Os serviços de regulação, que são os benefícios obtidos de maneira indireta dosecossistemas,comoapurificaçãodaágua,ocontroledeerosãodosolo,controleclimáticoetc.;3)Osserviços culturais, que são os benefícios não materiais que se obtêm através das experiênciasestéticas,ócio,educação,turismoouoenriquecimentoespiritualetc.;e4)Osserviçosdesuporte,quemantêmtodososdemaisserviços (ciclodenutrientes, formaçãodosolo)equeatualmentenão

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têmsidoutilizadosnamaioriados trabalhosdeavaliaçãodevidoaosproblemasdedupla contagemassociada(FISHERetal.apudMARTIN-LOPEZ&MONTES,2010).

Na discussão de Martin-Lopez & Montes (2010), das funções e serviços dos ecossistemas quepodem servir como uma ferramenta para a gestão dos espaços naturais, estes serviços dosecossistemas têm consequências na prosperidade da sociedade humana, e não somente na suaeconomia,comotambémnasaúde,nasrelaçõessociais,liberdadesousegurança(MA,2005).

Em nível brasileiro e regional, a Política Estadual das Mudanças Climáticas (PEMC, 2009), doEstadodeSãoPaulo,vaimaisalémaodeclararqueosserviçosambientaissãoserviçosecossistêmicosquetêmimpactospositivosalémdaáreaondesãogerados,demonstrandoqueobenefíciodeveriaterumaprojeçãomaisdoquelocal,umimpactonaqualidadedevidaregionaleatéglobal.Contudo,noBrasil, a maioria das políticas públicas vinculadas aos serviços ambientais fortalece programas eprojetos – por exemplo, o “Mina da Água” (SMA/SP) – que beneficiam diretamente propriedadesprivadasquepossuemumpatrimônionaturalpassíveldeofereceremessesserviços.Istoé,existeumprovedor-receptor,quesãoaquelesproprietáriosquefornecemosserviçosambientaisequesãopagosparaprovê-los,eexisteumusuário-pagador,quesebeneficiadosserviçosambientaisepagaporsuaprovisão(PEMC,2009).

Por enquanto, aindahápoucaspolíticasemqueprevaleçaa inserçãodegruposminoritários emarginalizados como beneficiários e incluídos socialmente nestes serviços ambientais133. Vemos,portanto, que há uma necessidade de ampliar esta discussão dos serviços que as áreas protegidaspodem oferecer, principalmente relacionadas às políticas públicas, ao tentar demonstrar que, assimcomoosbenefíciosambientais,estasáreastambémpodemoferecerbenefíciossocioambientais,comogeraçãodetrabalhoerendaaosoutrosatoressocioambientais.Mas,maisdoqueisso,queosserviçossocioambientais vinculados a processos de Educação Ambiental podem fomentar a capacidade deproduzir experiências técnicas, intelectuais e sensitivas de recuperação e autorregulação dosecossistemas através de novos ofícios socioambientais em áreas protegidas, pois a EducaçãoAmbiental é um potente instrumento de comunicação no qual sociedades e ecossistemas dialogamparaoenvolvimentonaconservaçãodeambos.

Exemplificamosisso,naspalavrasdeBenayasetal.(2011)sobreaexperiênciadaavaliaçãodosserviços que os ecossistemas oferecem, e que está sendo realizada na Espanha, ao afirmar que,compartiresseconhecimentocomasociedadeeresponderàsinquietudesdamesma,éfundamentalpara envolvê-la diretamente em sua conservação, e que neste caminho não se pode esquecer deferramentascomoaEducaçãoAmbiental.

Estes ofícios socioambientais, como discutiremos mais adiante, representam a união de umanecessidade social degeraçãode trabalho, rendae reduçãodapobrezaà uma demanda ambientalatual denecessidadede recuperaçãodosecossistemas, naqual as áreasprotegidas sãooprincipalespaço de atuação e um dos poucos ainda garantidos por lei. Mas para que este serviço sejaentendido,oferecidoemultiplicado,comoveremos,nãobastaráumacapacitaçãomeramentetécnicadestes trabalhadores para atuar nestas áreas naturais. As identidades destes grupos sociais tãoespecíficos de uma realidade atual só podem ser construídas se envolvermos estes atoressocioambientais em um processo de Educação Ambiental, de pesquisa-ação, de pertencimento, depolíticas públicas, de socioambientalismo, nas quais os caminhos de diagnóstico, envolvimento,conhecimento, formação, participação, entre outros, serão valorizados numa perspectivahumana/afetivaenãosótécnica/mecânica.

Dentro das áreas protegidas, muitas Unidades de Conservação já vêm integrando ascomunidadesdoentornoemsuasatividadesdegestão.Vê-seque já existemexemplosde sucesso,quanto a projetos que integrem possibilidades de economia vinculadas às UCs, como o manejoadequado de recursos naturais com valor comercial em categorias de Uso Sustentável (MORSELLO,2008)oumesmocomodesenvolvimentodoturismosustentável(KINKER,2002).Jáumpoucomenosconhecidasoucaracterizadassãoalgumas iniciativasquevêmsendodesenvolvidasemoutrasáreasprotegidas,comoasÁreasdePreservaçãoPermanenteeasReservasLegais,queapresentamamesmapotencialidadedegerarofíciossocioambientais.TrazemosocasodosPlantadoresdeFlorestas,comoumexemploaseranalisado.OsPlantadoresdeFlorestas

OEstadodeSãoPaulo,nãomuitodiferentedarealidadedetodooterritóriobrasileiro,possuiumcenáriode relevantedegradaçãoambientale social.Sabe-sequeacobertura florestaldoEstadodeSãoPaulo,emsuagrandemaiorianodomíniodaMataAtlântica,representava,nocomeçodoséculo,90% da área total do Estado, e atualmente cobre apenas 20,3% dessa área, segundo o InventárioFlorestaldaVegetaçãoNaturaldoEstadodeSãoPaulo,de2005.

Esse desmatamento, ocorrido em grande escala, muito embora tenha produzido riquezas,provocouumavançoexageradoemáreascríticas (áreas íngremes, topodemorros,matasciliaresenascentes), consideradas como Áreas de Preservação Permanente (APPs), com grandes prejuízosambientaisesociais,econsequentemente,comprometendoaqualidadedevidadaspopulações.Alémdisso, a falta de políticas socioambientais ainda demonstra uma realidade de êxodo rural com aemigraçãodohomemedamulherdocampo,tendocomoconsequênciaagradualperdadasprofissõesvinculadasà natureza e, portanto, a consequente perda das relações da paisagem e sentimento de

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pertença às mesmas. Por exemplo: analisando o cenário socioeconômico das regiões produtoras decana-de-açúcar do centro-oeste paulista, vimos que, se por um lado a mecanização da cana (assimcomodeoutrasmonoculturas)éumenormeavançoambientalporacabarcomasqueimadas134,poroutro,desvinculadoaumapolíticasocial,deixaráumrastrodedesempregoemarginalizaçãorural.

É nesta realidade – na qual há uma grande necessidade de recuperação ambiental e fortedesemprego rural – que o Instituto Pró-Terra, uma organização não governamental sediada em Jaú,vem, desde 1997, interferindo nesta paisagem, buscando mudanças socioambientais por meio doprojeto chamado Plantadores de Florestas, que se localiza na Bacia Hidrográfica do Tietê-Jacaré(UGRHI 13)135. Isto é, se por um lado há uma necessidade cada vez maior de recuperar áreasdegradadas, exigindo mão de obra qualificada para atuar principalmente em áreas protegidas, poroutro, vemos cada vez mais um aumento significativo do desemprego pela desvalorização dostrabalhosrurais.

Nestecontexto,sabendodograndepotencialdaregiãonarecuperaçãodeflorestastropicaisedogrande desemprego, este projeto teve como objetivo pesquisar sobre os trabalhadores rurais dalavoura de cana-de-açúcar que estão desempregados (por motivos da sazonalidade e mecanizaçãodestaculturaagrícola),parafomentarsuascapacidadesehabilidadesnaatuaçãoderecuperaçãodeáreasdegradadas,compondo,comestesofícios,umaformaalternativadeemprego,trabalhoerenda,e de serviços oferecidos em projetos de recuperação de mata ciliar, reserva legal ou outras áreasprotegidas,queestãoemdesenvolvimentonestaregiãobrasileira.Foramrealizadastrêsexperiênciascom o apoio e financiamento de diferentes entidades136, que resultaram em um processo muitointeressantedepesquisaeaçãonarelaçãodegeraçãodetrabalhoerendaenvolvendooserhumanoeasflorestas.

Após terminados e avaliados os trabalhos, não restaram dúvidas que a parte executiva desteprojetofoibem-sucedidaetemtodaapossibilidadedeserreplicado.Noentanto,caberessaltarqueisso só foi possível vinculado a um processo de Educação Ambiental, de socioambientalismo e deconstrução da identidade, que ocorreu principalmente através de um processo de pesquisa-ação(THIOLLENT,2003)naqual,alémdeumestudodascaracterísticassocioambientaisdestegruposocial,asdiferentesetapaseintervençõescomogrupoforamavaliadas.EducaçãoAmbiental,SocioambientalismoeIdentidade

UmdosdesafiosdetrabalharcomosPlantadoresdeFlorestasfoiprimeiroobterrespostasaestasquestões:Quemeleseram?Oqueachavamdeseustrabalhos?Quaiseramseusmodosdevida?Quaiseramsuas identidades individuaisequaiseramsuas identidadescomogrupo?Comosesentiamemrelaçãoàpaisagemdetrabalho?

Estasperguntas tiveramumpapel fundamentaldedelinearosobjetivosdestapesquisa,dentrodoobjetivoprincipal,queédiscutirconstantementeaspossibilidadesqueanatureza/paisagemoferecepara mudar realidades socioambientais; conseguir, também, levantar dados que possibilitem criardiretrizes na intervenção educativa com estes trabalhadores para atuarem em áreas protegidas, ouseja, primeiramente conhecer as percepções e a identidade deste grupo social para depoiscontextualizarestasespecificidadesàsaçõeseducativasesocioambientaisdemudança.

Este processo de pesquisa-ação teve, portanto, duas etapas principais, sendo a primeira umapesquisa sobre o perfil e características destes atores socioambientais; e a segunda, na qual seussaberes, entendimentos, percepçõeseaté representações fundamentaramumcursode capacitaçãoquefoiexecutado/testadoeavaliado.

Para a primeira etapa, a partir de um grupo de aproximadamente 20 plantadores que vinhamtrabalhando com a Instituição na recuperação de áreas degradadas, foram realizadas entrevistascoletivaseentrevistasindividuais.Asentrevistascoletivastiveramcomoobjetivoprincipalaproximarogrupo ao método de entrevista, esclarecer dúvidas, “quebrar o gelo”, mas também observarcomportamentoscoletivos,relaçõesdealteridade(ARRUDA,2002),fenômenosdegrupo,percepçõesetraçosdeidentidadecoletiva.

Nestesencontros,foramimportantesafiguradomediadoreafiguradoobservadorparaobterosdadose,posteriormente, realizaromáximodeanálisesqualitativas.Asentrevistas individuais foramconstruídas para serem realizadas em dois momentos: o primeiro, através do método adaptado deHistóriasdeVida(COLOGNESE&MELO,1998;LANG,2001),eosegundo,atravésdeumdiagnósticodeconhecimento por imagens (BAUER & GASKELL, 2002). Para as Histórias de Vida, foi construído umroteirodeentrevistacomperguntasabertasqueseguiamumalinha lógicadetrêsfases importantesdaVida.Istoé,apartirdodiálogoinformal,oentrevistadocomeçavaadescrever:

•Sua “origem”, modos de vida, suas primeiras paisagens vividas pela infância, suas lembranças,cheiros,gostos,memórias,seussonhosdevida;

•Apósaspossíveismudançasdestapaisagemnaadolescência,continuandogeralmentepelamudançasignificativa de casamentos, filhos, primeiro emprego, que com frequência também estão muitovinculadasamudançasdepaisagem;

•As últimas perguntas deste roteiro referiam-se ao trabalho atual, seus gostos e desgostos, suaspercepçõessobreoofíciocotidianodeplantarflorestas,seusconhecimentosempíricoseadquiridos

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atéestemomentodevida,ecomrelaçãoàpaisagematual.

Para o segundo momento das entrevistas individuais, com o intuito de aprofundar sobre ossaberesempíricosdestestrabalhadores,foiaplicadoodiagnósticodeconhecimentoporimagens.Istoé,aoacabardediscorrersobresuahistóriadevida,eramapresentadasfigurasefotosdiversasnaqualeles poderiam expressar suas percepções e saberes, como por exemplo: fotos de água, sementes,viveiros, áreas degradadas, ser humano na natureza, pessoas reflorestando, entre outros. Após asentrevistasrealizadas,osdiscursosforamanalisadosqualitativamente(HAGUETTE,1997)nointuitodecaracterizarumperfilsocioambientaldestesplantadores.

Dentrodos resultadosobtidos,observou-sequeestegruposocialécomposto,emsuamaioria,portrabalhadoresrurais(jovens,homensemulheres)–geralmenteprovindosdomonocultivodacana-de-açúcar – mais conhecidos como “boias-frias”, os quais estão em situação de desemprego pelaentressafraemecanizaçãodocortedacana-de-açúcardacidadedeJaúeregião(BaciaHidrográficadoTietê-Jacaré). Pessoas com faixa etária entre 18 e 60 anos, na sua maioria migrantes de áreassemiáridasbrasileiras,queestãodistantesdeseuterritóriodeorigemeseencontramemsituaçãodepobrezaeexclusãosocialnopaísdevidoaoseucontratoapenassazonalnosmonocultivos.

Asituaçãofrágildestacomunidade,alémdafaltadetrabalho,rendaestávelecontínua,produzum contexto de doenças, acidentes, violências, falta de escolaridade e moradias, além dediscriminação–principalmenteàsmulheres,quesãoconsideradas,muitasvezes,“poucoprodutivas”nocampo.Amaioriadessaspessoaspossuivocaçãoparatrabalharnomeioruralegostariadeumapossibilidadedecontinuarnocampo.

Grandepartedosdiscursos coletivose individuaispôde ser agrupadaemquatro categoriasdeanálise. Esta categorização foi fundamental para conseguir contextualizar a segunda etapa deintervençãoeducativa.

Na primeira categoria, dos conhecimentos biogeográficos e as relações ecológicas,percebemosqueelesconhecembemasespéciesesuadiversidade,maspossuemmaissimilaridadecomascaracterísticasdoquecomasfunçõeserelaçõesecológicas,alémdeteremdificuldadecomamaioriadasnomenclaturastécnicas.

Na segunda categoria, sobre o entendimento da restauração, eles sabem que ocorremproblemasambientais,masnãosabemcomoocorrem,quaissãoasrelaçõesecológicasenvolvidasdecausae efeito, e dequemaneira o trabalhodeles, atravésdasdiferentes técnicas, pode solucionarproblemasambientaisnãoapenasdiretamente.

Jácomoexemplodaterceiracategoria,sobreareconstruçãodaidentidade,grandepartetementendimentosobreoseutrabalho,sabendoquesetratade“recuperaranatureza”,emboraamaiorianão tenha a percepção da magnitude das consequências, a importância regional, nacional einternacional,assimcomoovalorqueseusserviçostêmparaasociedade.

Em relaçãoà quarta categoria, queanalisa apercepçãodaEducaçãoAmbiental, amaioriapercebe como sendo mudanças de hábitos ou cursos oferecidos, e a visão da coletividade e aproatividadeaindanãosãomuitoreconhecidascomoumbemcomum,comoumaidentidadecoletiva.

Como comentado, este levantamento foi fundamental para servir como base às diretrizes deconstruçãoparticipativadeumapossívelintervençãoeducativaatravésdaconstruçãodeumcursodeformação de Plantadores de Florestas. Conhecer este grupo social, quais são suas percepções,conhecimentosprévios,necessidades,saberesempíricoseadquiridossãofundamentaisparaenvolverestes atores socioambientais em um processo de aquisição conjunta de novos entendimentos, defomentodas capacidades, naqual a construçãoda identidade coletivapoderia caracterizá-los comoumacomunidadedeaprendizagem(BRANDÃO,2005).

Este curso foi elaborado e testado para que pudesse se criar uma metodologia possível dereplicar frente ao imenso número de desempregados neste setor; um processo de formação quelevasseemconsideraçãoasespecificidadesdarelaçãosocialeambientaldestestrabalhadores.Mas,maisdoqueisso,umaexperiênciadequeestaidentidadepudessesemultiplicaraoserentendidapelasociedadeerequeridaemseusserviçossocioambientais.

Para tanto, foi necessário envolvê-los em um processo de formação não apenas dosconhecimentostécnicos,mastambémdedesenvolvimentohumanoedeEducaçãoAmbiental.Nocasodosplantadoresdeflorestasparticipantesdesteprojeto,osmesmos,alémdeseremcapacitadosnosserviçosde restauração florestal, aprendendoasdiferentes técnicasde recuperaráreasdegradadas,tambémparticiparamdeencontrossobreassociativismo,segurançaesaúde, integraçãoeEducaçãoAmbiental que, através de oficinas de entendimento e interpretação da paisagem, visaram oempoderamento e pertencimento socioambiental. Neste sentido, buscou-se que os encontros osmotivassem a ser participativos em tomadas de decisões e multiplicassem seu conhecimentoconstruído/adquirido.

Quantoàsmetodologiasque foramadotadas,é importante ressaltarqueasestratégicas foramdelineadasatravésdosresultadosobtidosnafasedediagnósticoecaracterizaçãodestesatoresnoquese refere às quatro categorias analisadas. Isto é, o perfil dos mesmos e seus saberes empíricoscontextualizaramaconstruçãodeoficinasemateriaisadaptadosàs suashabilidades,dificuldadesediferentes necessidades, através de uma linguagem fácil, maquetes, jogos que facilitaram oentendimentoememóriadasnovasinformações.

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Todoesteprocesso–depesquisaediagnósticodaspercepções,perfileidentidades,assimcomoaelaboração,testeeexecuçãodocurso–levoupraticamentetrêsanos.Durantetodooperíodo,foramfeitas avaliações parciais. Porém, de extrema relevância foi a avaliação realizada com eles após aexecuçãodocursodeformação.Estaavaliação, feitaatravésdeumaoficinacoletiva,alémdeobterresultadossobresuaspercepçõesevalores,permitiu,atravésdousodeimagenstemáticas,testarosconhecimentosadquiridose,posteriormente,asadaptaçõesaseremrealizadas.

Porúltimo,atravésdeseusdiscursos,pudemosobservaralgumasrepresentaçõesnaconstruçãodasnovasidentidadesindividuaisecoletivasrelacionadasaosseusnovosofíciossocioambientais:osPlantadores de Florestas. Estas avaliações, assim como os dados obtidos, foram analisadas epermitiramalgumasdiscussõesparaaelaboraçãoereplicabilidadedesta intervençãoeducativa,queexplanaremosaseguir.OsOfícioseServiçosSocioambientaisnasÁreasProtegidas

As definições mais informais determinam um ofício como qualquer atividade especializada detrabalho, profissão, emprego, ocupação, habilidade ou, inclusive, “meio de vida” e “modo de vida”.Estas duas últimas definições dialogam diretamente com a identidade dos plantadores de florestascomassuaspaisagens.O“meio”ou“modo”,naverdade, reproduzemapercepçãoe representaçãosocialdoespaçosimbólicodaqualelesproveemsuavida.

Segundo Cosgrove (1998), estas apropriações simbólicas do mundo produzem estilos de vida(genresdevie)distintosepaisagensdistintas,quesãohistóricaegeograficamenteespecíficos.Estasespecificidadeséquepodemcaracterizar uma identidade social particular a umofíciopraticadoemuma determinada paisagem/natureza. Além disso, as áreas naturais (paisagens) que contêm essesecossistemas sãoosmecanismosdanaturezaquemantêmnossas vidas, e são o substrato doqualcriamoserecriamosnossaestruturabiológicaeculturalconstantemente(CAMARGO,2002).

É neste sentido que Sammarco (2005) propõe um reolhar às Áreas Protegidas como possíveispaisagenssocioambientais,naqualafirma, frenteàs funçõessociaiseambientaisdestasáreas,queseria mais apropriado chamar as Unidades de Conservação de Unidades Socioambientais, já quepraticamente todas elas permeiam relações evolutivas entre sociedade e natureza. Ampliando estadiscussãoatodasasáreasprotegidas,estesespaçosnaturaisouecossistemasadquiremnãosomenteovalorambiental,mastambémmultifunçõessociais,entreelas,aoportunidadedecriarnovosofícioseserviçossocioambientais.

Comojácomentado,algumascomunidadesjáparticipamdaspossibilidadesqueosrecursosquepertencem às paisagens/natureza das Unidades de Conservação proporcionam; algumas, inclusive,muitoantesdasUCsexistirem.Sãocomunidadestradicionais,extrativistas,entreoutras,que,alémdepossuírem sua sobrevivência diretamente vinculada aos recursos naturais, estão cada vez maisenvolvidasnasdiscussõessociopolíticasdostemasambientaisrelacionadosaosseusmodosdevidaouàatuaçãodeseusofícios,comodiscutimosaqui.

ParaSorrentinoetal.,maisdoquegrupos socioeconômicos, estas comunidades têmperdido oestigma preservacionista. Em outras palavras: identidades coletivas emergentes, como seringueiros,quilombolas, raizeiros, estão se objetivando na forma de movimentos sociais, de sujeitos sociaisorganizados(ALMEIDA,2008apudSORRENTINO,2010).Pode-sedizerqueestascomunidadesexercemseusofíciosnumarelaçãohistóricademanejodanatureza,naqualvidaetrabalhoparecemsefundirem uma coisa única, e o ambiente é o meio onde está centrada toda vida do sujeito. São ofíciosambientaisqueevoluíramdurantedécadasentreasdiferentespaisagens/territórios, seus recursosesuascomunidades.Asproblemáticassociaiseambientaisdacriseatualforaminseridas,nãofazmuitotempo,emseusvalores,discursoseopiniões,havendoanecessidadedereconstruiridentidadescomasnovasrealidades.

Noentanto,essesofíciossetornamsocioambientaisnestenovoâmbitonaqualestesgruposnãosomentetiramseusustento,mastambémestãoimersosecadavezmaisparticipantesnasdiscussõeseproblemasdarelaçãodosocialcomoambientalemâmbito local, regionaleatéglobal.Sãonovosofícios que se diferem por não necessariamente extrair um recurso da natureza, como os ofíciosambientais mais conhecidos e já citados. São ofícios que exercem a restauração da natureza, comgrupossociaiscadavezmaisconscientesdaimportância,responsabilidadeevalordesuaocupação.

Nestadiscussão, trouxemoscomoexemplodeumnovoofíciosocioambientalaexperiênciadosplantadores de florestas. Aqui, não estamos considerando como parte dos novos ofíciossocioambientais somente aqueles atores que, através de suas mãos, podem manipular os recursosnaturais e transformá-los em subprodutos de venda. Estamos considerando, como um novo ofíciosocioambientalaquelequetem,porexemplo,ahabilidadedetransformarumapaisagemdegradadaemumespaçoderecuperaçãonatural,porexemplo,umafloresta.

A sociedade atual necessita destes trabalhadores, ou como estamos refletindo, destes novosofícios socioambientais,paraatuarem frenteauma realidadeurgentede restauraçãoemanutençãodas áreas naturais. Mais especificamente, a sociedade precisa recuperar as suas áreas degradadasimediatamente,eamaioriadoscidadãosnãotemtemponemafinidadeparaisso,oquecriaumanovademandademercado,mastambémumanovademandasocial.Estademandapassaporumarelaçãodetrabalhadoresemespaçosnaturais,namaioriadasvezesdentrodeáreasprotegidas,osquaisestãotirandoseusustento,criandosuaidentidadeeoferecendoserviçosàsociedade.

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O que fortalece chamar estes novos ofícios de socioambientais, da atuação já conhecida dotrabalhador rural,éexatamenteodiálogoentreo socioambientalismoeosnovosdireitos (SANTILLI,2004).Istoé,estesofíciosnãovêmdonada.Elesemergemdeumanecessidadeurgentedasociedadefrenteàcriseambiental.Háumanecessidadedestamãodeobraqualificada,mas,maisdoqueisso,há a necessidade de uma mão de obra humanizada a partir do momento em que se lida comecossistemas sensitivos, energéticos e extremamente orgânicos. Para a implementação de umaverdadeira floresta, que possua uma identidade com a sua comunidade, não bastam máquinas emudas. São necessários mãos e olhares cuidadosos. Existe a necessidade da construção de umaidentidadedoserhumanoeasflorestas.

Ainda,dentrodadiscussãodosnovosdireitos,noâmbitodareduçãodapobreza,citadonoPlanoNacionaldeÁreasProtegidas,osofíciossocioambientaissãoumapossibilidadedeinclusãosocialemáreas protegidas. No entanto, ao revisarmos a pouca bibliografia específica que há sobre o tema,percebe-sequeamaiorpartedosdiálogosaindaestácentradanaparticipaçãodoentornonagestãodeUnidadesdeConservação,ouseja,amaioriadostrabalhosepesquisastrataapalavra“inclusão”comosinônimode“participação”,comoseagestãoparticipativadosrecursosdestasáreasprotegidasfossesuficienteparaquesuasvidaserealidadesestivessemincluídasnessapaisagem.

Torna-se necessária uma reflexão mais abrangente desta chamada “inclusão social” em áreasprotegidas,nosentidodedemonstrarque,paraisso,nãobastaapenasparticipardagestão.Éprecisotambém criar oportunidades de mudanças na relação entre ser humano e natureza, na qual aspaisagenssetornemcadavezmaismultifuncionais.Entreelas,afunçãode“restaurar”temumvalorsocial, ambiental e econômico extremamente importante, mas se torna fundamental em seu valorsimbólico,noqualsebuscamastransformaçõessocioambientaisnos“modosdevida”,naconstruçãodeidentidadesquesejamexemplosdemudanças.

Portanto,ainclusãosocialestáalémdapresençadasociedadecivilemfórunslegaisdediscussãodemanejodos recursos,comoConselhosGestoresouPlanosdeManejo.A inclusãosocialnasáreasprotegidasdevepartir dapremissadequeháouhaveráuma identidade construídadestaspessoascom estas áreas, seja por uma evolução histórica antecedente, seja por um processo atual deconstruçãodopertencimento(SÁ,2005).

Quanto aos processos de pertencimento, a Educação Ambiental também tem sido umas dasprincipaisferramentasaocontextualizarterritórioseatoressocioambientaisnadialógicaentreolocaleo global, pelo surgimento de formas criativas de enfrentamento à crise socioambiental com toda aespecificidadedecadalocaledecadacultura(SORRENTINOetal.,2010).

Estainclusãosocialemáreasprotegidas,quedialogacomaidentidadepormeiodeumprocessodepertencimento,alémdeterumarelaçãodiretacomaspesquisaseaçõesdaEducaçãoAmbiental,precisa tambémdeuma forte intervençãodePolíticasPúblicas.Umapolíticapúblicaque fortaleçaacriaçãoevalorizaçãodenovosofíciossocioambientaisnestasáreaseque incentiveosprocessosdeformação deste grupo social, pois a exemplo dos plantadores de florestas, os mesmos poderão serinseridos na sociedade em empregos formais e não marginalizados, como também formarcooperativas, fortalecendoasustentabilidadeeautogestão local.SegundoSorrentinoetal. (2010), apartirdaconsolidaçãodeidentidadespreocupadascomasresponsabilidadespessoaisperanteabuscapela sustentabilidade da vida, estaremos mais próximos de alcançarmos a sustentabilidade dosprópriosprocessoseducadores.

Estasáreasprotegidas–alémdeserumapossibilidadedeoferecerserviçosambientaisparaasociedade, como água, oxigênio, conforto climático entre outros – podem também oferecer umaoportunidadedegeraçãodetrabalhoerenda,atravésdosserviçossocioambientais,principalmentenoqueserefereàrecuperaçãoemanutençãodabiodiversidadeesociodiversidade.DentrodaAvaliaçãodos Ecossistemas do Milênio (MA, 2005), poderíamos, inclusive, dizer que os novos serviçossocioambientais, como os dos plantadores de florestas, se enquadram tanto no serviço deabastecimento quanto nos serviços de cultura que os ecossistemas podem oferecer, já que darestauraçãodaflorestaestestrabalhadoresobtêmbenefíciosmateriaisenãomateriais.Seanalisarmosalongoprazo,contribui,ainda,paraoserviçoderegulaçãojáque,aoproduziremanterflorestasempé,beneficiaindiretamenteasociedadeemgeralcomoaumentodoconfortoclimático,qualidadedaáguaesolo,entreoutros.

Portanto,aexperiênciadosplantadoresdeflorestasnostrouxeadimensãodanecessidadenãosomente de que trabalhadores abram berços e plantem árvores, mas também que percebam eentendam seu espaço de atuação, assim como construam em sua identidade a importância econsequênciadeseutrabalho.Noentanto,issosóserápossívelsefortesPolíticasPúblicasfomentaremoredimensionamentodasáreasprotegidascomopaisagensquepermitamoferecer,dentrodosseusserviçosecossistêmicos,estesnovosserviçossocioambientais,efomentaremageraçãodetrabalhoerendacomoumaalternativadeinclusãosocialemespaçosnaturais.REFERÊNCIASARRUDA,A.(Org.).Representandoaalteridade.2.ed.Petrópolis,RJ:Vozes,2002.BAUER, M. & GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis:Vozes,2002.

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DIÁLOGOECONFLITONAÁREADEPROTEÇÃOAMBIENTAL(APA)EMBU-VERDE

MariaEugêniaCamargo

“Pedagogia:diálogoeconflito”éotítulodeumlivroquenarraumdiálogoentreoseducadoresPaulo Freire, Moacir Gadotti e Sérgio Guimarães sobre os temas fundamentais da educação. Nestaobra,osautoresfalamdosdesafiosdaeducaçãobrasileiranaperspectivadeumapedagogiadialógicaemoposiçãoaumapedagogiadooprimido(FREIRE;GADOTTI;GUIMARÃES,2008).

Esteartigopretende:(1)Teceralgumasconsideraçõesacercadaspossibilidadesdodiálogonumambiente de conflito; (2) Apresentar a problemática da efetivação de uma APA em plena regiãometropolitana de São Paulo; e (3) Refletir sobre o papel da Educação Ambiental no contexto daproblemáticadaAPAEmbu-Verde.

Consideramos importantesituaras reflexõesaquienunciadascomopartedeumaproblemáticamaior que orienta a nossa pesquisa de Doutorado, com o projeto intitulado Construindo umterritório de sentidos através do diálogo: análise de uma práxis educativa na APA Embu-Verde,regiãometropolitanadeSãoPaulo,iniciadoemagostode2011,naFaculdadedeEducaçãoFEUSP.Aproblemáticadaconstruçãodeumterritóriodesentidos

QualosentidodeumaAPA137(ÁreadeProteçãoAmbiental)emplenaregiãometropolitana?AoperguntarsobreosentidodeumaAPA,buscamoscompreendercomosedáaconstruçãode

umterritóriodesentidos138,ouseja,paraqueumaAPAse torne realidade,éprecisoqueestasejaapropriadaereconhecidapelosmoradoreslocais,eprincipalmentepelopoderpúblico,comoáreadeproteçãoambiental.NãobastaqueexistacomoLeiMunicipal,éimprescindívelseuentendimentocomoum território de sentidos. Território evidenciado nos mais recentes documentos de referência quedevemorientaraspolíticaspúblicasdeEducaçãoAmbiental–OProFEA139eoMAPPEA140.

OconceitodeterritórioaquiutilizadosegueasdefiniçõestraçadaspeloMAPPEA(2005),emqueoterritório da APA é mais do que um território político, uma região administrativa definida peloEstado/município.

Oespaçoéumfato,éumcenárioqueseencontra.Oterritórionãoéencontrável,eleéumapeçaconduzidaporatores-autoressociais,queusufruiemodificaoprópriopalco.Ummesmoespaço é palco de inúmeros territórios, são territorialidades em disputa, que expressamdiferençasdepoder,deperspectiva,dedesejoedeprojeto.(MAPPEA,2005,p.2).

Milton Santos, em suas considerações acerca da dimensão social inerente a toda e qualquerproblemática ambiental, vê, no território brasileiro, a possibilidade de análise e compreensão dasdesigualdadessociaisdopaís(SANTOS,2007).

Os remanescentes deMata Atlântica, a intensa rede hídrica e a riqueza de sua biodiversidadefazem do Embu um município que abriga um patrimônio ambiental de fundamental importância,integrandoaReservadaBiosferadoCinturãoVerdedeSãoPaulo141.

PorestarsituadanumaregiãometropolitanadeintensocrescimentourbanoefácilacessodadopelasRodoviasdegrandeporte(BR-116–RégisBittencourteRodoanel),osdesafiosdeconservaçãodas áreas verdes frente à pressão do desenvolvimento econômico, especulação imobiliária,crescimentopopulacionaleexpansãodamanchaurbanasãopermanentes.ApressãodeurbanizaçãoqueomunicípiodeEmbusofredosmunicípiosvizinhosestáilustradanafiguraabaixo:

Figura1:MapailustrativodapressãourbanasobreomunicípiodeEmbu.

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Fonte:PlanoDiretordeEmbu,2002.

Isabel Franco, em sua tese de Doutorado intitulada Educação Ambiental e pesquisa-açãoparticipante:registroanalítico-críticodeumapráxiseducativa(FRANCO,2010),analisaoprocessodeconstruçãodaAgenda21EscolardeEmbudasArtes,ummovimentoessencialparaoreconhecimentodomunicípio e para o fortalecimento do vínculo dosmoradores como ambiente, que possibilitou aformaçãodeumacomunidadeeducativa.Atualmente, comoprojetoDiagnósticoSocioambiental daAPAEmbu-Verde:EducaçãoAmbientalparaasustentabilidadenaBaciadoRioCotia142,osdesafiosestão maiores, uma vez que a efetivação da APA está diretamente relacionada ao zoneamento domunicípio.

As discussões recentes, originadas pela revisão do Plano Diretor do município, colocaram emevidênciaummodeloautoritáriodopoderpúblico,queestáseutilizandodamanipulaçãodosfórunsdeparticipação e diálogo para esvaziar e desestruturar a participação da sociedade civil. O conflito foideflagradocomapropostadezoneamentoapresentadapelaprefeitura,queprevêainstalaçãodeumcorredorindustrialemplenaregiãodaAPAEmbu-Verde,gerandograndeimpactoambiental,numfalsoeultrapassadodiscursodeque“osambientalistasqueremimpediroprogressodacidade”.AEducaçãoAmbientalesuasdimensões

Martha Tristão (2005), em seu artigo “Tecendo os fios da Educação Ambiental: o subjetivo e ocoletivo,opensadoeovivido”,analisaaEAemsuastrêsdimensões:(1)Ética,noquedizrespeitoàsolidariedade; (2)Política, noqueconcerneàparticipação;e (3)Estética, relacionadaaoolhar eaoreencantamentodomundo.

Nestecenário,adimensãoéticaestárelacionadaaosvalores,aoethos,naspalavrasdeLeonardoBoff,nasrelaçõesentreossereshumanosedestescomoambiente:

Oethosseriaprotegeravidaapartirdequemmaisprecisadevida,nãosóemescalahumana,masdetudooqueexiste,doqueé,quesemove,detodooser.Odesafiodenossaética,hoje,não seria tanto criar atos preservativos,mas uma atitude fundamental que vire cultura, emque isso penetra todos os poros. Todas as práticas humanas em sua diferenciação vêmimbuídasdaveneração,daafirmaçãodavidaapartirdequemmaisprecisadavida,dequemmaisprecisadaexistênciaedessecultivodaveneraçãodetodoente.(BOFF,1990,p.44).

A dimensãopolítica da Educação Ambiental (EA) encontra respaldo nas reflexões deMaffesoli(2001)acercadopoderepotência,nummovimentode tensãoentreumpoderpúblicoautoritárioeorientado pela lógica do desenvolvimento econômico (e pelo mito heroico do progresso e dodesenvolvimento), e a potência da sociedade civil e de toda a rede de educadores ambientais quedesenvolvem trabalhos inovadores de Educação Ambiental numa perspectiva crítica etransformadora143.

A Educação Ambiental, entendida como educação estética ou do sensível, requer uma atitudeestética,deumolharquebusqueaestesiaparaumreencantamentodomundo,deformaaatribuir-lheumsentido.DuarteJr.resgataoconceitogregodeestesia(aisthesis),comoacapacidadehumanadesentiromundo,arelaçãoprimeiracomomundoapartirdossentidos,oquealicerçatodososoutrosconhecimentos(DUARTEJR.,2010).

Guimarães (2005) afirma que a “intervenção educacional é um movimento numa perspectivarelacional de transformações individuais e coletivas”. Citando Gutierrez, esse autor argumenta que“educar-seéimpregnardesentidoaspráticasdavidacotidiana”(GUTIERREZ,1999apudGUIMARÃES,2005,p.195).

O que faz sentido é aquilo que me toca, que move a minha ação, onde eu posso vivenciarplenamenteosprincípiosdaminhaaçãoeomeupropósitonessaação,ondeeuconsigoestabelecerasrelações dos conceitos naminha vida cotidiana, nos lugares por onde atuo. Conhecer o sentido danossa ação nos remete à necessidade de uma educação de sensibilidade. Conhecemos através dosnossossentidos,eparaperceberoambiente,éprecisodespertarossentidosatéentãosilenciadosporumarazãoinstrumentaleporumacrisedosnossossentidos:anestesia(DUARTEJR.,2006).

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DeacordocomBachelard(1990),temosapropostadeumatopoanálise:umestudopsicológicosistemático dos lugares físicos de nossa vida íntima. Nesse sentido, surge também o conceito detopofilia, ou seja, uma afeição pelo lugar que se dá por uma grande valorização e vínculo com omesmo,arepresentaçãodoespaçovivido.

Oconceitodetopofilia foicunhadopelogeógrafoYi-FuTuan(1980)ecorrespondeà relaçãodeafetividade estabelecida com o lugar em que se vive (topos – philia), que orienta as percepções,atitudesevaloresqueseestabelecememrelaçãoaumdeterminadoambiente.

Contemplarapaisagem,caminharpelas ruas144,questionarosporquêsdaconservaçãooudadegradaçãodesteambiente,buscarascausase raízesdosproblemasambientais, reunirogrupodeeducadoresnoambiente,sejaeleumfragmentodemataconservadoouumcórregodegradado,sãoatividadesquepromovemumencontrocomolugar,umpasseiopordentrodapaisagem145.

Foto1:CaminhadadiagnósticanaAPAEmbu-Verde,realizadaem07/05/2011.

Queimagensdeambientehabitamonossoimaginário?Queimagenshabitamanossapaisagem?Comoseconfiguraestapaisagem?

Quediálogoestabeleçocomapaisagemdaminhamemória,dosmeussonhos,comapaisagemexteriorqueseapresentaamim?OdiálogocomoMetodologiadePesquisa:CafésdaAPAEmbu-Verde–Criandoespaçostopofílicosdediálogo

Diante desses conceitos e desafios que os conflitos socioambientais nos apresentam é que ametodologiadediálogo–WorldCafé,selecionadaparaacoletadedadosnessapesquisa–nospermitevisualizarevivenciaramaterializaçãodeumasériedeprincípios,conceitosevaloresdeumprocessoeducativoquealmejaaformaçãodesujeitosconscientesdesuarealidadeedeseupotencialdeação,além de trazer elementos para a análise das relações que se estabelecem doSer com oOutro nomundo.

OWorld Café ou Café Mundial é um método que integra um conjunto de metodologias cujoobjetivoéfacilitarodiálogoentreaspessoas,demodoafazeremergirumasabedoriacoletivaparaoentendimento e resolução de problemas complexos. Integra ummovimento que se configura numaredemundial constituída como uma comunidade de pesquisa e de prática, com representantes devárias partes do mundo, atuando em locais diversos (empresas, comunidades, instituiçõesgovernamentaisenãogovernamentais,centrosdepesquisa)(www.theworldcafe.com).

Nãoé umametodologia nova; “oWorldCafé nos reapresenta ummundo do qual esquecemos(...),emqueasabedoriadequeprecisamospara resolvernossosproblemasestádisponívelquandoconversamosemconjunto”(WHEATLEY,2007apudBROWN,2007).

UmdospressupostosdoWorldCaféresidenofatodequeacapacidadecriativasemanifestacommais facilidade num ambiente acolhedor, em que as pessoas podem expor suas ideias de formaverdadeira.Nesse sentido, umambiente topofílico de “café” – emqueas conversasacontecemempequenosgrupos,pequenasmesascomumvasode flornocentro, com toalhasdepapelecanetascoloridasparaqueaspessoaspossamrabiscar,desenhareanotarsuasideiasesuasdescobertasdeformalivre–apresentaumpotencialparaacriaçãocoletiva.

Foto2:PrimeiroWorldCafédaAPAEmbu-Verde,realizadoem11/06/2011.

Neste processo de investigação através do diálogo, pretendemos buscar os saberes sobre oterritórioe,apartirdestessaberes,resgatarosolharesqueosmoradorestrazemsobrearegião.Desta

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forma,serápossívelestabelecer relaçõescomapaisagemdemodoaconstruirumdiálogoque façasentidoparaogrupo,paraqueavisãodoterritóriomaisamplodaAPA,domunicípiocomoumtodoedasualocalizaçãoemmeioàregiãometropolitanapossasercontextualizada,vivenciadaeaprendida,sensibilizandoeenvolvendoaspessoascomoagentesdeEducaçãoAmbiental.REFERÊNCIASAGENDA21ESCOLARDEEMBUDASARTES.PublicaçãoSociedadeEcológicaAmigosdeEmbu–SEAE/FundoEstadualdeRecursosHídricos–FEHIDRO.Embu,SãoPaulo,2006.APAEMBU-VERDE. Lei complementarnº108,de11dedezembrode2008.CriaaUnidadedeConservaçãoMunicipaldeusoSustentável–ÁreadeProteçãoAmbiental –APAEmbu-Verdeedáoutrasprovidências.CâmaraMunicipaldaEstânciaTurísticadeEmbu,EstadodeSãoPaulo.BACHELARD,G.Aterraeosdevaneiosdorepouso:ensaiosobreasimagensdaintimidade.SãoPaulo:MartinsFontes,1990._______. Imaginação eMatéria. In:A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação damatéria. São Paulo:MartinsFontes,1989.BOFF, L. Natureza e sagrado: a dimensão espiritual da consciência ecológica. In: UNGER, N. M. (Org.).Fundamentosfilosóficosdopensamentoecológico.SãoPaulo:EdiçõesLoyola,1992.BRASIL. MAPPEA: Mínima Aproximação Prévia para elaboração de Programas de Educação Ambiental.MinistériodoMeioAmbiente,DiretoriadeEducaçãoAmbiental–DEA.Brasília,2005._______. ProFEA – ProgramaNacional de FormaçãodeEducadoras(es) Ambientais: por umBrasil educadoeeducandoambientalmenteparaasustentabilidade.MMA/DEA,Brasília,DF,2005.BRITO,M.C.W.UnidadesdeConservação:intençõeseresultados.SãoPaulo:Annablume/FAPESP,2000.BROWN, J. et al. O World Café: dando forma ao nosso futuro por meio de conversações significativas eestratégicas.SãoPaulo:Cultrix,2007.CARVALHO, I. C. M. e GRUN, M. Hermenêutica e Educação Ambiental: o educador como intérprete. In:FERRARO JR., L. A. (Org.). Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivoseducadores.Brasília:MMA,DiretoriadeEducaçãoAmbiental,2005,p.175-188.DIEGUES,A.C.S.Omitomodernodanaturezaintocada.SãoPaulo:NUPAUB/USP,1994.DUARTEJR.,J.F.Amontanhaeovideogame:escritossobreeducação.Campinas,SP:Papirus,2010._______.Osentidodossentidos:aeducação(do)sensível.Curitiba:CriarEdiçõesLtda.,2006.FERREIRA-SANTOS,M.ACulturadasCulturas:MythoeAntropologiadaEducação.ConferênciadeAberturado“IColóquioInterinstitucionalImaginário,CulturaeEducação–SabereseImaginários”.FaculdadedeEducaçãodaUniversidadeFederaldePelotas/RS,2002._______.Música,Memória&EspaçonoCortiçoVivo.EditoraZouk,textoscomplementares,2004._______. “Novas Mentalidades e Atitudes: Diálogos com a Velha Educação de Sensibilidade”. Conferênciaapresentada no XV Encontro Estadual da APASE:O cotidiano, o presente e a construção do futuro – umhorizonteparaasupervisãodaeducação.SãoPaulo:Parlatino,01dejunhode2001,CICE/FEUSP._______. Oikós: topofilia, ancestralidade e ecossistema arquetípico.Anais do XIV Ciclo de Estudos sobre oImaginário –Congresso Internacional:Asdimensões imaginárias danatureza.Recife: UFPE/Associação YlêSetí,2006,pp.41-71.Disponívelem:<http://www.marculus.net/textos/oikos.pdf>.FRANCO,M.I.G.C.EducaçãoAmbientalepesquisa-açãoparticipante:registroanalítico-críticodeumapráxiseducativa.Tesededoutorado.FaculdadedeEducação,USP,SãoPaulo,2010.FREIRE,P.Àsombradestamangueira.SãoPaulo:EditoraOlhoD’Água,1995._______.PedagogiadaAutonomia:saberesnecessáriosàpráticaeducativa.SãoPaulo:PazeTerra,1996.GUIMARÃES,M. Intervençãoeducacional: do “degrão emgrão a galinha enche o papo” ao “tudo junto aomesmo tempo agora”. In: FERRARO JR., L. A. (Org.). Encontros e Caminhos: formação de educadoresambientaisecoletivoseducadores.Brasília:MMA,DiretoriadeEducaçãoAmbiental,2005,p.189-199.MACHADO,R.Acordais:fundamentosteórico-poéticosdaartedecontarhistórias.SãoPaulo:DCL,2004.MAFFESOLI,M.AViolênciatotalitária:ensaiodeantropologiapolítica.PortoAlegre:Sulina,2001.MORIN,E.Areligaçãodossaberes:odesafiodoséculoXXI.4.ed.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2004.PLANODIRETORDEEMBU–LEITURACOMUNITÁRIAETÉCNICADACIDADE.PrefeituraMunicipaldaestânciaturística de Embu – Secretaria de Planejamento eMeio Ambiente, Polis – Instituto de Estudos, Formação eAssessoriaemPolíticasSociais,2002.SANTOS,M.Territórioesociedade–entrevistacomMiltonSantos.Entrevistadores:OdeteSeabra,Mônicade

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PARTICIPAÇÃOSOCIALEDIÁLOGOENTREAGRICULTURAEMEIOAMBIENTENACONSTRUÇÃODEPOLÍTICASPÚBLICASVOLTADASÀ

RESTAURAÇÃODEMATASCILIARES

MariaCastellano1.INTRODUÇÃO

OpresenteartigoresultadeumapesquisaqueanalisouaimplementaçãoeosresultadosdeumprogramavoltadoàconservaçãoerestauraçãodematasciliaresrealizadoemumEstadodaFederaçãoBrasileira. Tal programa visava desenvolver instrumentos, métodos e estratégias que pudessemviabilizar o incremento de matas ciliares nesse Estado, bem como embasar a elaboração de umapolítica pública voltada à conservação e restauração dos ecossistemas ciliares. Foi conduzido pelaSecretaria de Meio Ambiente em parceria com a Secretaria de Agricultura do Estado onde foiimplementado146.

Compreendendo a necessidade de diálogo e integração entre as áreas de agricultura e meioambiente para formular a política pública em questão, o principal órgão financiador do Programaincentivou, ao longo de todo o processo de negociação do contrato, a aproximação entre as duasSecretariasresponsáveisporessasáreasnoEstadoparafinsdesuacondução.A intençãoeraqueoPrograma fosse implementado de forma coordenada comumoutro programaestadual que já vinhasendo desenvolvido pela SA e que previa também, dentre outras ações, o apoio à conservação dematasciliares.

A operacionalização do Programa foi estruturada em cinco componentes, sendo que um delesestavarelacionadoàEducaçãoAmbiental.Nesseâmbito,tinhaentreseusobjetivosodetrabalharparaa conscientizaçãoda sociedade sobrea importânciada conservaçãoeuso sustentável dos recursosnaturais, tendocomo focoespecialosecossistemasciliares,bemcomopromoveraparticipaçãodascomunidades,ondefoiimplementado,naformulaçãoeimplementaçãodeagendaslocaisvoltadasaodesenvolvimento sustentável. Em seus documentos de referência, o Programamostrava a intençãode envolver os atores sociais locais não apenas nas ações, mas também na causa relacionada àrecuperaçãodeecossistemasciliares.

Emboraconhecendoessaintencionalidade,apesquisapartiudahipótesedequeosprogramaseprojetosvigentesnesseEstado,orientadosàrestauraçãodeecossistemasciliares,aindanãotêmtidoa efetividade desejada, e que, entre osmotivos do insucesso, estaria o fato de que, na prática, osesforços frequentemente têm sido centrados em ações relacionadas aos aspectos técnicos darestauração.Outrasdimensõesquesão fundamentaisparaseusucesso, taiscomoasocioeducativa,queincluiaparticipaçãosocialeaintegraçãointereintrainstitucionalnecessárianessecontexto,nãoteriamrecebidoadevidaatenção.

A discussão aqui apresentada centra-se na capacidade da SMA e da SA de estabelecerem umdiálogoentresi,noâmbitodoPrograma,mastambémcomosatoresnasdiversaslocalidadesondefoiimplementado,nosentidodecriarsinergiaparaa formulaçãoe implementaçãodepolíticaspúblicasvoltadasàconservaçãoerestauraçãodematasciliares.

A orientação parte de alguns princípios que se inter-relacionam. O primeiro deles é que osgovernos não deveriam tomar para si a responsabilidade exclusiva pela elaboração de políticaspúblicasnaáreasocioambiental,devendoasociedadeser,emalgumamedida,corresponsávelporsuaformulaçãoeimplementação.Osegundoéqueoprocessodeelaboraçãoconjuntadepolíticaspúblicase de corresponsabilização por sua implementação deve propiciar e ao mesmo tempo ser fruto doestreitamentododiálogoentrecomunidades locaise instânciasdegovernabilidadeemescalasmaisamplas.OterceiroéqueessediálogodeveestarembasadoemumprocessodeEducaçãoAmbientalquecontribuaparadirecionar,de formacrescente,asociedadeou,aomenos,osgrupossociaisquesãosujeitoeobjetodessaspolíticaspúblicasparaasustentabilidade.

Paraaconsecuçãodapesquisa,cujosresultadosparciaisaquiseapresentam,foramrealizadas,alémdepesquisadocumental,entrevistassemiestruturadascomproprietáriosruraisqueaderiramaoPrograma;comrepresentantesdasorganizaçõesnãogovernamentaiscontratadasparaaexecuçãodosserviçosderecuperaçãodematasciliaresnasmicrobacias-pilotoondeessefoi implementado(nessecontexto, chamadas de “entidades executoras”); com atores-chave das coordenadorias da SMA queforamenvolvidasnoProjeto,ecomatoresdaSA.2.DIÁLOGO,PARTICIPAÇÃOEEDUCAÇÃOAMBIENTALNACONSTRUÇÃODEPOLÍTICASPÚBLICAS

Ainserçãodeumtemanaagendadaspolíticaspúblicasdeumdeterminadogovernopassapeloprocessodesedefini-locomoprioritárioparaqueestecomeceatomardecisõeseimplementaraçõesa seu respeito. Isto, por sua vez, implica na necessidade de negociação entre uma diversidade deinteresses e atores que reivindicam causas a serem contempladas nas agendas governamentais(SOUZA, 2006). Os atores que representam esses interesses podem estar situados em diferentes

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esferasdogoverno,bemcomoemsetoresorganizadosdasociedadeciviledainiciativaprivada.Assim,nãoapenasduranteoprocessodeinserçãodedeterminadotemanaagendadaspolíticas

públicas, mas também durante a implementação de um programa ou projeto a elas referentes, énecessário umesforço para se obter cooperação entre os atores incumbidos de promovê-las, o quepressupõeumaabordagemdecisóriadenaturezaparticipativaedialógica(HEIDEMANN,2009).

NocasodoProgramaaquiapresentado,osprincipaisatoresnãogovernamentaisenvolvidoscomotemadaconservaçãoerestauraçãodematasciliaressãoasprópriascomunidadeslocaisondeestefoi implementado, e ONGs e associações de produtores que se envolveram como “entidadesexecutoras”doProjeto. Já as instânciasgovernamentaisque se relacionammaisdiretamente comotemasão,conformecitadoanteriormente,aSMAeaSA,quetêminteresseshistoricamenteentendidoscomo conflitantes. Essa compreensão sobre a existência do conflito tem se refletido na posturaadotada por essas instituições até recentemente, sendo que o Programa aqui analisado representa,possivelmente,umadaspoucastentativasdetrabalhoconjuntoentreelas.

A formulação e implementação de uma política pública nessa área demanda, portanto, acapacidade,porpartedequemapropõe,depromoverodiálogoentreessesdiferentesatoresesuarealparticipaçãonesseprocesso–entendendoaquiodiálogodaformacomofoiexpostonocapítulo“Comunidade, Identidade, Diálogo, Potência de Ação e Felicidade: Fundamentos Para EducaçãoAmbiental”,quecompõeapresentepublicação.

Ao considerarmosasdiferençashistoricamente construídasentre as instânciasgovernamentaisenvolvidas no contexto do Programa, bem como a falta de conhecimento, de confiança e os pré-conceitosdessasinstituiçõesentresi,eentreelaseosatoreslocaisenvolvidosnoProjeto,vemosquesomente com uma disposição de todas as partes para se “desarmarem” e se envolverem numverdadeiroprocessodialógicoseriapossívelrealizarabuscadeobjetivoscompartilhados.

O estabelecimento de processos dialógicos implica também, neste caso, na necessidade deaberturaparaaparticipação,poisodiálogoentreosdiferentesatoressomenteserápossívelsehouverespaços onde cada parte possa escutar e conhecer o outro, para depois poder revisitar seuspressupostos de raiz e buscar novas soluções que contemplem objetivos comuns. A participação,segundoGeilfus(1997),estárelacionadaaograudepoderdedecisãoqueaspessoastêmdentrodeumprocesso,sendoque,paraDemo(1988),aconquistadaparticipaçãoconstituiumprocessosempreinacabadoe,portanto,dinâmico,deautopromoção,emancipaçãoeconquistadepoder.

Ao considerarmos a questão da participação e do diálogo no contexto das políticas públicas,lembramosaafirmaçãodeSantos (1995)aoapontarque,noprocessodetransiçãodamodernidadepara a pós-modernidade, será inevitável que as práticas políticas “velhas” (da democraciarepresentativaedospartidos)seampliemeseconsolidememdiálogoeempartilhacomaspráticaspolíticas“novas”(dademocraciaparticipativaedosnovosmovimentossociais)147.

Para o autor, durante o século XIX a comunidade foi reduzida a dois elementos abstratos: asociedade civil, que seria uma agregação competitiva de interesses particulares, e o indivíduo, queseriaosuportedaesferaprivadaeelementoconstitutivobásicodasociedadecivil.Contrariamenteaessareduçãodoconceitoedopotencialdascomunidades,aopensarmososentidodaparticipaçãonocontexto aqui abordado, o papel das comunidadespode ser refortalecidoemsua constituição comocomunidades interpretativas, tornando-se peças fundamentais na construção de políticas públicasatravésdodiálogoedaparticipação.

Analogamente à ideia colocada por Santos (1995) sobre a sociedade portuguesa, acreditamosque também no Brasil as sociedades são ricas “em tecnologias familiares, tanto materiais comosimbólicas, e em formas de sociabilidade face-a-face baseadas sobretudo no parentesco e navizinhança”(Ibid,p.99).IstoestárelacionadoaoqueBourdieu(2001),Coleman(2000),Putnam(1996)eOstrom&Ahn(2001),dentreoutrosautores,têmchamadode“capitalsocial”,quetemcomoideiacentral o fato de que as relações sociais têm valor, e de que estas desempenham um papelfundamentalnaspossibilidadesdedesenvolvimentodecomunidades,regiõesoumesmodeumpaís.

Fomentaraparticipaçãode comunidadesna formulaçãoe implementaçãodepolíticaspúblicasambientais por meio de processos dialógicos e participativos significa não apenas propiciar umprocessodeemancipaçãoeaquisiçãodepoderdascomunidades,devolvendo-lhesapossibilidadedecontribuir para a definição de projetos de desenvolvimento em escalas locais e ampliadas, mastambémaumentaraqualidadedaspolíticaspúblicasconstruídasaolongodesseprocesso.

Nesse contexto, a Educação Ambiental tem o papel de contribuir para processos dialéticosEstado-sociedade civil que possibilitem a definição de políticas públicas a partir do diálogo(SORRENTINOetal.,2005)–enãoqualquerdiálogo,masaqueleorientadoàconstruçãodesociedadessustentáveis,embasadoemumprocessoeducativocríticoeemancipatório.

A necessidade de que existam espaços dialógicos que abriguem discussões públicas sobre ostemas socioambientais ganha força frente aos diferentes entendimentos sobre os elementos quecontribuempara o desenvolvimento, e sobre quais seriam os critérios que definem, por exemplo, obem-estarouaqualidadedevida(SEN,2000).

Nessesentido,concordamoscomEvans(2003)eSen(2000),aorechaçaremasabordagensquereduzem esses termos (e consequentemente os objetivos do desenvolvimento) a uma medida doProdutoNacionalBruto.Nãohá,necessariamente,umahomogeneidadenoselementosquecompõemobem-estar,sendoqueestesdependemdocontextosocial,cultural,edepreferências individuaise

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coletivas.Oscritériosparaseavaliaraqualidadedevida(ouobem-estar)devemser,portanto,objetodediálogoeescolhafeitospormeiodeprocessospúblicos,abrangentesecríticos.

Nesses processos, temas como o aquecimento global, água, florestas, saúde, esportes, culturaetc., podem emergir na medida em que as comunidades têm a oportunidade de dialogar sobre econstruir seu próprio projeto de desenvolvimento, relacionando-o da forma como mais lhes fizersentidocomosdiversosaspectosquecompõemsuarealidade.

Noqueserefereàrestauraçãodeecossistemasciliares,aaberturadeespaçosdediálogovisapropiciar às comunidades o acesso à informaçãoe aos processos de tomadadedecisão sobre essetema.Istoabririaapossibilidadedequeascomunidadespassassemdopapeldemeroobjetoparaodesujeito das políticas públicas, conferindo-lhes maiores chances de sucesso. Uma política públicaconstruída de forma compartilhada entre Estado e sociedade tende a corresponsabilizar as partesparticipantes em seu processo de implementação, bem como na busca de sustentabilidade dosobjetivospropostos.

Aresponsabilidade,porsuavez,exigeautonomiaparaaparticipaçãonodiálogosobrepolíticaspúblicas(SORRENTINOetal.,2005),enesseprocessodecorresponsabilização,aEducaçãoAmbientaldeveseroelementofundamentalparaformarumacoletividadequesejaresponsávelpelomundoquehabita.

OcaráterformativodaEducaçãoAmbientaldeveapontarparaodespertar,emcadapessoaeemcada comunidade, do anseio de participar da construção de sociedades crescentemente voltadas àsustentabilidade,aomesmotempocontribuindoparao incrementodequalidadeemsuacapacidadedeintervirnarealidadequeascerca.Essecaminhosetraduzemumaprofundamentodademocracia,aogalgarespaçosparaodiálogoentreasociedadeeopoderpúblico,numesforçocorresponsáveldeconstruçãoconjuntadepolíticaspúblicasvoltadasàsustentabilidade.3.PARCERIAINSTITUCIONALEPARTICIPAÇÃOSOCIALNOPROGRAMA

Aparceria entre a SMAe a SA para a realização do Programa foi umaproposta ambiciosa, namedida em que estaria lidando com uma relação complexa cujo histórico dificulta as possibilidadesdessasinstituiçõestrabalharemdeformacooperativa.

O incentivo dado à parceria entre esses dois órgãos pela principal agência financiadora aoPrograma foi compreendido, por alguns atores, quase comouma imposição deste órgão para que ofinanciamentofosseviabilizadoe,emboraaestratégiadetrabalhoconjuntotenhasidoacordadaporparte da coordenação de ambas as instituições, sua implementação enfrentou uma série dedificuldades.Essasvãodesdediferençasdecultura institucionalentreessasSecretarias,dificuldadesestruturaisparaimplementaçãodoPrograma,ausênciadediálogointereintrainstitucional,atéafaltade condições para promover uma efetiva participação social na formulação e implementação doPrograma,econsequentemente,daspolíticaspúblicas,cujaformulaçãoestepretendesubsidiar.

Avisãomútuaentreessesórgãos,ondeaSMAseriaumainstituiçãoessencialmentefiscalizadorae punitiva, que se opõe aos interesses dos produtores rurais, e a SA seria o órgão que defende osinteresses dessa classe a qualquer custo – incluindo aí os custos ambientais – é uma síntese que,emborabastantesimplificada,paraopresentecasoilustraocernedoconflito.

Noqueserefereàsdificuldadesestruturais,aprincipaldelasdizrespeitoàfaltadequadrosnasinstituiçõesparaoestabelecimentoeaconduçãodasrelaçõesentreoPrograma,osprodutoresruraiseparceiros locais, gerando grande rotatividade de pessoas nessa função e dificultando oestabelecimentoderelaçõesdeconfiançaemtornodomesmo.

Por fim, interessa-nos aqui centrar o foco no que concerne às duas últimas questões acimacitadas, que se referemmais diretamente às possibilidades de diálogo, bem como de participaçãosocial no processo de formulação e implementação de políticas públicas voltadas à restauração deecossistemasciliaresnoEstadoemquestão.3.1Ausênciadediálogointereintrainstitucional

Parte da estratégia adotada, visando facilitar o trabalho conjunto das duas instituições, foipriorizar a implementação de projetos-piloto do Programa em localidades onde já se desenvolviamatividadesrelacionadasaoprogramaconduzidopelaSAequefaziainterfacecomessetema.

Entrevistasapontam,entretanto,quenãohouveumtrabalhoprévioporpartedaSMAnosentidode buscar compreender e adequar a introdução do Programa ao contexto desse outro programa jáexistente, considerandoas dificuldadesqueeste vinhaenfrentando, bemcomoas possibilidadesdeelaboraçãodeumplanejamentocompartilhadoparaospassosseguintes.

Essasituaçãogerou,emalgunscasos,desconfiançasedisputasentre funcionáriosdosquadrosdasduasinstituições,quetiveramconsequênciasnegativasparaobomfuncionamentodoPrograma,sendoque,noscasosemqueessasrelaçõesforampoucoounadaconflituosas,aintegraçãoentreosdoisprogramasfoisensivelmentemaisprodutiva.

Oestabelecimentoderelaçõesdeconfiançacomosproprietáriosrurais,pormeiodeumprocessodialógicoeeducativoquepropiciasseseuenvolvimentoecomprometimentocomoPrograma,tambémfoiumdesafioquealcançouresultadoslimitados.Emprimeirolugar,caberessaltarqueainserçãodaEducaçãoAmbientalnoProgramatambémresultoudeumdirecionamentofeitopelaprincipalagênciafinanciadora durante a fase de negociações. Assim sendo, a Educação Ambiental foi inserida no

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planejamentodoPrograma“nopapel”,semquehouvesseumainstânciadentrodaSMAquepudesseassumiressademandaadequadamente.

Semquadrostécnicossuficientesnemcapacitadosparaessafunção,esemumapriorizaçãocoma correspondente atribuição de funções e responsabilidades entre os diferentes departamentos ecoordenadorias ligados ao Programa dentro da instituição, a Educação Ambiental e a participaçãosocialnãoforam,narealidade,priorizadasemseuplanejamentoeimplementação.Contrariamente,ostemas foram compreendidos como demandas “extras”, e não foram incorporados ao planejamentoestratégicododepartamentoquedeveriaserresponsávelporconduziressasquestões.

Istorefleteumafaltadediálogoentreasdiferentesinstânciasdentrodamesmainstituição(SMA),sendoque,historicamente,a relaçãoentreas instânciaserapraticamente inexistente,eosavançosgeradospeloProgramanessesentidoforamtímidos.

Noqueserefereàparceriaentreasduasinstituições(SMAeSA)paraviabilizaraimplementaçãodeumprocessodeEducaçãoAmbientalemobilizaçãolocal,segundoentrevistas,tampoucohouveumesforço, por parte da SMA, de conhecer as ações que vinham sendo realizadas pelo programavinculado à SA e integrá-las às novas ações propostas no âmbito do Programa aqui analisado. Umexemplodesta faltade integraçãoéo fatodequepúblicos,nascomunidades locais,que jávinhamsendoformadosemtemasrelacionadosàEducaçãoAmbiental,conservaçãoerestauraçãodematasciliares, pela SA, não tiveram continuidade em sua formação nem tampouco foramaproveitados nosentidodepotencializaracriaçãodevínculosentreoProgramaeascomunidadesrurais.3.2Dificuldadesparaaparticipação

AsdiversaslacunasnodiálogointereintrainstitucionaltiveramcomoumadesuasconsequênciasgerarfaltadeclarezaquantoaopapeleatribuiçõesdasváriasinstânciasquecompõemasSecretariasde Meio Ambiente e Agricultura do Estado, em seus diversos níveis hierárquicos e geográficos,sobretudonoquese referiaà responsabilidadepor fomentarumprocessocontínuoeconsistentedeEducaçãoAmbiental junto aos atoresdas localidadesondeo Programa foi implementado, que fossecapazdegeraroenvolvimento,aparticipaçãoeaapropriaçãodomesmoporpartedessesatores.

Entrevistasrealizadasduranteapesquisaapontamqueaparticipaçãodosprodutoresruraisficoumais restritaaquestõespontuaiseoperacionais referentesaosprojetosexecutivossobreasáreasaserem restauradas em suas propriedades, do que em relação ao Programa como um todo e suaintençãode subsidiar a formulaçãodeumapolítica pública para a restauraçãodematas ciliares noEstado.AjustificativaapontadapelaSMAparaessaquestãorefere-seàescassezdetempoedeequipepara se realizar um diálogomais profundo com os proprietários rurais, que pudesse abordar essestemas de forma contínua. Por outro lado, a instituição reconhece que nas localidades onde osextensionistas vinculados à SA conseguiam estabelecer relações de confiança com os proprietáriosrurais,oProgramatevemelhoresresultados.Istoindicaque,seaparceriaentreasSecretariastivessesido planejada e implementada de forma a contemplar uma aproximação institucional nos diversosníveis – e aqui chamamos a atenção para a necessidade dessa parceria nos níveis técnicos, querealizam o trabalho “na ponta” –, os resultados quanto ao envolvimento dos proprietários rurais noProgramapoderiamtersidosignificativamentemelhor.

Noqueserefereàsentidadesexecutoras,segundoentrevistados,emalgunsmunicípiosarelaçãodessasinstituiçõescomaSMAtornou-semuitocomercialepoucocooperativa,sendoque,emalgunslocais,houveoportunismopolíticoeeconômico,ondeasentidadessecolocavamapenasnopapeldeprestadorasdeserviço,combaixograudecompromissocomoProjeto.Poroutrolado,nosmunicípiosemqueasentidadesexecutoraserammaisenraizadasnacomunidadeemaiscomprometidascomacausaambientale/oucomosagricultores,arelaçãofuncionavadeformamaissinérgica.

Nessesentido,umacríticalevantadaporentrevistadosquantoaestratégiadetrabalhoadotadapeloProgramaéadequeacontrataçãodessasinstituiçõesparaaexecuçãodosserviçosrelacionadosà restauração das matas ciliares não contribui para que as comunidades locais se envolvam e secomprometamcomoPrograma,eque,contrariamente,acontrataçãodosprópriosprodutores ruraispararealizaressesserviçosseriamaisadequadaparageraresseenvolvimentoecomprometimento.Valelembrar,entretanto,queeraintençãodoProgramanãoapenasgerarenvolvimentodepartedosprodutoresrurais,mastambémdeoutrosatoreslocais,taiscomoasentidadesexecutoras–oque,deacordocomdadosdapesquisaqueembasouopresenteartigo,foiparcialmentealcançado.4.CONSIDERAÇÕESFINAIS

Opresenteestudodecasoapontouumasériededificuldadesquantoàtentativadeserealizarum trabalho conjunto e sinérgico entre as duas principais instituições governamentais responsáveispelaagriculturaeomeioambientenoEstadoemqueoProgramafoiimplementado,noqueserefereao tema de conservação e restauração de matas ciliares em áreas rurais. Entretanto, há tambémavançosnessecontextoquesãomenosexplícitos,porémnãomenosimportantesequemerecemserdestacados.

Oprimeiro deles é reconhecermosque a disposição de ambas as instituições para realizar umtrabalhoconjunto–aindaquefomentadaporumagenteexternoeessencialmenterestritaaosníveisgerenciais–émeritória.Certamentefaltaavançarnessesentido,masoprimeiropassojáfoidado.Épreciso,emprogramasfuturos,queacontinuidadedessaparceriasejaconstruídadeformaaenvolver

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todo o quadro funcional dessas instituições, com a participação dos níveis gerenciais, técnicos eadministrativos. De outra forma, novos programas provavelmente incidirão nos mesmos erros jácometidos, contando com uma parceria acordada entre os “altos escalões” das duas instituições,porém que será artificial para as pessoas que trabalham dentro delas nas diversas localidades doEstadoenosdistintosníveisfuncionais.

Asquestõesquegeramconflitoshistóricosentreessasinstituiçõestêmqueserobjetodediálogo– no sentido colocado por Bohm (2005) –, para que desse processo dialógico emerjam soluçõescompartilhadas. As soluções, entretanto, não devem emergir apenas dos níveis gerenciais. Umtrabalho prévio à implementação de um novo programa deveria incluir reuniões entre as duasinstituições, com a participação de todos os níveis do quadro funcional (gerencial, técnico eadministrativo).

Paraalémdisso,éprecisoreconhecerque,demodogeral,osfuncionáriosdessasinstituiçõesnãoestão preparados para ter uma abordagem socioeducativa junto a seus interlocutores (sejam estesprodutoresrurais,membrosdeONGsououtros)emseutrabalhocotidiano.Algunsofazemmelhorqueoutros,porémdeformamuitointuitiva.Segundoodepoimentodeumdosatores-chaveentrevistados,

Nenhumaescola (Universidade)preparaextensionistas...nósnãoqueremosmaisumtécnicoespecialista,massimumarticuladordepolíticaspúblicas,alguémquetenhaumavisãomaisampla dos processos que ocorrem no local, saiba fazer o ‘meio de campo’, a interação e aintegraçãoentreaspolíticaspúblicas,sejamelasmunicipais,estaduaisoufederais,paraquechegueaosagricultoresoqueelesrealmenteprecisam.Essavivênciaéoquefaltoumuitoaostécnicos...

A questão aqui colocada, que envolve a formação de pessoas que compõem os quadrosfuncionaisnossetorespúblicosemdiversosníveis, temsérios reflexossobreaspossibilidadesdesedesencadearemprocessos de educação, envolvimento e participação “naponta” da política pública.Como tal, precisa ser enfrentada seriamente – e não como algo secundário, como tem ocorridofrequentementeemprojetosgovernamentaisvoltadosaquestõesambientais–,tantonasinstituiçõesdeensino,que formamprofissionaisque irãopotencialmenteocuparcargospúblicos, como tambémdentrodasinstituiçõespúblicas,ondeseencontramosatuaisprofissionaisquetrabalhamnaárea.

Aopensarmosanecessidadedeumprocessodediálogointerinstitucionalcomaparticipaçãodepessoas dos diferentes níveis funcionais dentro de cada uma delas, bem como da formação dessaspessoasparaincluíremadimensãosocioeducativaemseucotidiano,devemosconsiderar,comocolocaSantos (1995),queadiferenciaçãodas funçõeseespecializaçãodascompetênciaséumaarmadilhacriadapelasociedademodernaparamanterashierarquiaseimporasformasaosconteúdospormeiodas“tecnologiasdosaber”.

Assim, no contexto do caso aqui apresentado, cabe a inserção de um processo dialógico quequestione, por exemplo, as inúmeras formas de desenvolvimento possíveis: Em que consiste odesenvolvimento?Quaissãooselementos,dentrodecadacomunidade,quedefinemaqualidadedevidaeobem-estar?Quaissãoosvaloresrelativosdoasfalto,daInternet,deveículosmotorizados;edoar,dacomidadequalidade,doespaço,dapaisagememseusdiversossentidos?

Ainda seguindo a linha de raciocínio de Santos (1995), o que se propõe aqui é que sejamdesfeitososmonopóliosdeinterpretação,dandolugaradiversascomunidadesinterpretativas.Nocasoaquiestudado,ascomunidadesinterpretativaspodemestarconstituídasdentrodasinstituições(tantodoEstado–SecretariasdeMeioAmbienteeAgricultura–comoemníveislocais–prefeituras,ONGseassociaçõesdeprodutores),nascomunidadesruraiseemintersecçõesentrediversosatoresdecadaumadelas.

Énavalorizaçãodasdiferentestecnologiasdosaberedacapacidadedecadaumdessesatoresde interpretar o mundo que, por meio de um processo de diálogo, essas capacidades podem serampliadaseasrelaçõesentreosatoresfortalecidas,aumentandoocapitalsocialdascomunidadesesuacapacidadedepromoverodesenvolvimentoemrelaçãoaostemasquevenhamaestarempauta.

Umapolíticapúblicaquesejaformuladaeimplementadacomaparticipaçãodediversosatores,estandoemconexãocomosanseiosdascomunidades locais,emcomumacordocomelas,ecomaresponsabilidadedistribuídademaneira justa–emproporçãoaoacessoà informaçãoeaopoderdecada indivíduo e instituição –, deve ter melhores resultados do que aquelas formuladas eimplementadasunilateralmente.

Conforme coloca Frey (2000), os processos de construção de políticas públicas são sempredinâmicose implicamemconstantenegociaçãoentreosatoresenvolvidos, istoé,a inserçãodeumtemanaagendapolíticaemdeterminadomomentonãogarantesuamanutençãoaolongodotempo.Nessesentido,aarticulaçãoentrediversosatoresemtornodeumapolíticapúblicatambémcumpreafunção de lhe conferir legitimidade e força, para fazer com que esta se torne uma política deEstado148,nãoficandoàmercêdasdescontinuidadesentreumgovernoeoutro.

Dada a complexidade da questão ambiental, comos diferentes atores e interesses envolvidos,sobretudonoqueconcerneaosjácitadosconflitoshistóricosentreaagriculturaeomeioambiente,énecessárioquesedêcontinuidadeaoesforçodetrabalhodialógicoeconjuntoentreessasáreas,sendoqueeste pode representar uma forma inovativa de construçãodepolíticas públicas, quepode vir arompercomideiaspreestabelecidassobreaspossíveisformasdesepromoverodesenvolvimento.

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METODOLOGIASPARTICIPATIVASEMEDUCAÇÃOAMBIENTAL

HaydéeTorresdeOliveiraParafalardaimportânciadasmetodologiasparticipativasnaspesquisaseinteraçõeseducativas

em Educação Ambiental (EA), vou recorrer tanto à minha prática como a fundamentos queencontramos na literatura, seja no campo da Educação, da Sociologia ou da própria EducaçãoAmbiental, pois é especialmente nestes três campos que vamos encontrar elaborações teóricasimportantesparaonossofazereducativo.

Nestebrevetexto149,aintençãoétãosomenteindicaralgunscaminhos/fontesondepodemserencontradossubsídiosquenosauxiliemanosposicionarnumcampocomplexoediverso.Partindodopressuposto de que uma abordagem investigativa da realidade é desejável, seja numa simplesinteração educativa, seja na pesquisa sobre ou acerca destes processos, trataremos aqui dasdiferentesabordagensdepesquisasparticipativasquepodemserencontradasnostrabalhosemEAnoBrasil.

Naminha ótica, a opção por abordagens que valorizam a participação é bastante intuitiva namaioriadaspráticasdepesquisaedeintervençãoemEA,eestárelacionadacomumprofundosensocríticodaseducadoraseeducadoresambientaisnoqueserefereà interpretaçãodanossarealidadesocial,tãoeivadadedesigualdadesdetodaordem.Abuscapelarelevânciasocialdosnossostrabalhosé também uma busca pela construção de uma nova ordem social, um novo mundo, mais justo esolidário. No entanto, embora a adoção de metodologias participativas seja crescente, tanto nasintervenções educativas como na pesquisa em EA – um fato de fácil constatação –, a falta deconsistência e coerência teórica, e de esforços avaliativos destas práticas ainda predominam namaioriadasexperiências.

Foinumcontextomarcadopelosprotestoscontraregimesautoritáriosnopaís,eemoutrospaísesda América Latina, e pela retomada da liberdade de expressão que esta perspectiva depesquisa/intervençãosociológicaeeducacionalemergeeseconsolida,aindaque,dopontodevistadapesquisa, haja pontosmal resolvidos em termos da sua relação com a pesquisa tradicional e seuscritériosderigorcientífico.

De acordo com Campos & Fávero (1994), durante os anos 70 e após este período ocorrerammudançasimportantesnocampodasorientaçõesteóricasemetodológicasdapesquisaemeducação.Num contexto político-social de reconquista de liberdades democráticas, são evidentes aspreocupaçõescomasdesigualdadessociaisea reorganizaçãodosmovimentossociais,muitosdelesligados a experiências de educação popular e fortalecimento de abordagens críticas da realidade.Passam a predominar os estudos de caso, de caráter exploratório, com ênfase nas metodologiasqualitativaseestudosetnográficos,especialmenteosestudosempequenaescala,comoporexemplo,a busca pela compreensão de aspectos da realidade escolar. As bases para esta última abordagemvêm principalmente da Antropologia e da Psicologia social. De interesse para este texto, é aconstataçãodestesautoresdequenesteperíodose intensificaousodemetodologiasparticipativasnaspesquisaseducacionais.

Na sua vertente educacional, a pesquisa participante surge como uma reação ao positivismopedagógico,ouseja,àsformastradicionaisdeentenderefazereducação,quepassaaserentendidaeexplicitada como instrumento de luta ideológica, desenvolvendo-se uma concepção de educaçãoconscientizadoraelibertadora.

Um aspecto de destacada importância nos debates que se estabelecem é a implicação dopesquisadorcomarealidadepesquisada,ou,ditodeoutraforma,passa-seadiscutirsobreapretensaneutralidade do(a) pesquisador(a). Gajardo (1986) postula que, na perspectiva participativa dapesquisasocialeeducacional,aproduçãodeconhecimentospode/deveaconteceraumsótempocomacomunicaçãodosconhecimentosproduzidoseressignificados,integrandopesquisadorepesquisado,ciência e atuação prática, pesquisa e ação, num processo de aprendizagem coletiva, no qual ascrenças,ideologias,desejos,enfim,visõesdemundodosparticipantes(pesquisador(a)eossujeitos–enãomais ‘objetos’depesquisa) são levadosemconta.SegundoAndaloussi (2004),apesquisa-açãobusca articular teoria e prática, ordem e desordem, simples e complexo, objetivo e subjetivo,quantitativoequalitativo,alémdodistanciamentoe/ouimplicaçãodo(a)pesquisador(a).

DeacordocomGajardo,baseadaemumaanálisecuidadosadeexperiências latino-americanas,nãosepodefalardeumaúnicadefiniçãooudeexperiênciasrepresentativasdepesquisaparticipante,indicando o fato de coexistirem, sob esta denominação, diversas experiências com diferentesorientações.EntreosestilosdepesquisaparticipantepraticadosnaAméricaLatina,temosapesquisa-ação, inspirada no pensamento de Paulo Freire, que está inserida no mesmo movimento decontestaçãodosmodeloseducacionaisvigentes,nosquaisasrelaçõeseducativassãoverticalizadaseatribuempoucoounenhumvaloràbagagemdeconhecimentos,habilidadeseaptidõesjáadquiridospeloseducandos.

Neste sentido, há uma aproximação interessante entre as metodologias participativas e aabordagemtransdisciplinardaEA,quepropõeodiálogocriativoentreosdiferentescamposdosaber

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humano (DEMO, 1992). Segundo Thiollent (2000), a pesquisa-ação é uma pesquisa social de baseempírica,concebidaerealizadaemestreitaassociaçãocomumaaçãoouresoluçãodeumproblemacoletivo,noqualpesquisadoreseparticipantesestãoenvolvidosdemodocooperativoeparticipativo,comosujeitossociaisehistóricos.

A tentativa de diferenciação da pesquisa participante da pesquisa-ação representa um terrenopantanoso,havendoaquelesque,comoDemo(1999),consideramestatarefaimpossível,poisambastêmcomopremissaocompromissocomaprática,assimcomoBrandão(1984,p.15),quandodizque“...mudam os nomes daquilo que, na verdade, procede de origens, práticas e preocupações muitopróximasequepareceapontarparaummesmohorizonte”.SegundoThiollent,

existemdiversostiposdepesquisaparticipanteediversostiposdepesquisa-ação.Umaclaradistinção é necessária. A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participante,mas nem todapesquisaparticipanteéumapesquisa-ação.(1999,pp.82-83).

Na pesquisa participante, a problematização central se dá em torno do papel do(a)investigador(a),enquantoque,napesquisa-ação,alémdestapreocupação,estariaemfocoarelaçãoentreapesquisaeaação,comforteênfasenestaúltima.

Osdiversosenfoquesnaspesquisasderecortequalitativoeparticipativodiferemquantoaograude participação que se pretende/promove dos grupos envolvidos: pode dar-se na devolução dasinformações produzidas/coletadas; na recompilação/levantamento dos dados; ao longo do processo,centrado num tema proposto por eles ou pelos pesquisadores; ao longo do processo,mas baseadanumtemacolocadoporumgrupoouorganizaçãoparticular.

De acordo com Gajardo (1986), a ênfase maior na década de 80 era na participação dosenvolvidos desde a formulação do problema até a análise dos resultados das ações empreendidas.Andaloussi(2004),porsuavez,distingue3possibilidadesdeabrangênciaparaapesquisa-ação:aquegera saber, aquela que gera ações e a que gera pesquisa e ação. Em capítulo no livro “PesquisaParticipante” (BRANDÃO, 1984),Orlando Fals Borda, importante pesquisador colombiano nesta área,defende a pesquisa participante como aquela em que os participantes estejam envolvidos emdiferentes fases da pesquisa, inclusive na própria definição do problema a ser pesquisado, visandotantoaconscientizaçãodogruposobresuacondiçãodedominadocomotorná-locapazdeaprenderafazerpesquisa(ANDRÉ,2002).

Estes são fundamentos importantes no contexto de pesquisas vinculadas a propostas dedesenvolvimentocomunitário,bemcomonodesenvolvimentodepráticasescolarescontextualizadaseintegradas com seu entorno biofísico e sociocultural, cada vez mais presentes nas experiências deEducaçãoAmbiental,sejaescolar,sejapopularoucomunitária.

Para Sauvé (2005), a pesquisa-ação-participativa associada a fóruns de discussão é ametodologia privilegiada quando se trata de uma tipologia de meio ambiente como projetocomunitário,emquea relaçãoentreeducandoseeducadoresédeenvolvimentocomosproblemasambientais locais, e que apresenta como principais características a análise crítica das relaçõessociedade-natureza e a participação política da comunidade. Como paradigma sociocultural queinformaestalinhadeabordagem,temosoparadigmasimbiosinérgico,noqualseencontrasimbioseesinergia entre as relações humanas, sociais e naturais, em associação com o paradigma inventivo,tendocomocaracterísticafundamentalaconstruçãocríticadeconhecimentosparaastransformaçõessociais e aprendizagem cooperativa. Esta abordagem é chamada pela mesma autora de EAsocialmentecrítica.

Naorigemdasabordagensparticipativasdoprocessoeducacional,sustentadaporprincípiosdeparticipaçãoerelaçõesdemocráticas,tinha-seaintençãodepromoveramelhoriadaqualidadedevidados setores afetadospor determinadoproblema, emsituaçõesde fortes conflitos políticos, sociais eeconômicos. Gradativamente, e namedida em que as condições sociopolíticas vão se alterando aolongodasúltimas2ou3décadas,aapropriaçãodestasabordagenstambémsealteraesediversifica.

André (2002), ao discorrer sobre a etnografia da prática escolar, destaca entre os tipos depesquisaqualitativaapesquisa-ação(p.31).Segundoela,muitosreconhecemonorte-americanoKurtLewincomoo“criadordessalinhadeinvestigação”,jánadécadade40.Paraareflexãosobreousodapesquisa-açãoemcontextoseducacionais,háváriosautoresaosquaispodemosrecorrer,comoBarbier(1985),que jáescreverasobreoassuntonofinaldadécadade70,Elliott (1993,1994),Carr(1994),cujasproduçõessobreapesquisa-açãonaformaçãodeprofessoresdatamdofinaldadécadade80einício da década de 90 (várias delas publicadas em periódico específico deste campo). Robottom&Sauvé (2003, entre várias outras publicações) são outros autores de referência, especialmente emtermos de EA, assim como Gayford (2003). Tanto Robottom como Gayford estiveram conoscoparticipandodo Ie IIEncontrosdePesquisaemEA (em2001e2003, respectivamente), conduzindooficinassobreestasabordagens.

No Brasil, a perspectiva freireana de educação, bastante presente especialmente entre as(os)educadoras(es) ambientais que se dedicam ao âmbito não escolar, propõe uma relação educativahorizontalizada, que promova a participação e o aproveitamento do potencial autoeducativo daspessoasedos recursosqueosprópriosgruposecomunidadesdispõem.Abuscademecanismosdecriaçãocoletiva,quevalorizemaculturalocalearealidadedecadagrupooucomunidade,sãopontosfundamentaisdoprocesso.

SegundoGajardo(1986),apropostadetemas-geradores,apresentadoscomounidadestemáticas

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quesãodesenvolvidas,exploradaseaprofundadasemreuniões/encontrosparasuadiscussão,reflexãoe ação, deve levar a um processo de problematização, que se desenvolve a partir de um enfoquetriplo:identificaçãoedetalhamentodoproblemadarealidadelocal;análiseproblematizadadaquestãocolocada e o desenho de uma ação ou ações na direção da superação do problema (FREIRE, 1979,1980).EsteselementoscondizemcomoutrapremissadaEA,queéacontextualizaçãodostemase/ouproblemasemfoco.

Esta abordagem é bastante frequente hoje em inúmeras experiências de EA, seja visando oempoderamentodemulheresparaoenfrentamentodasdesigualdadessociaisedegênero(STOREY,2003), no desenvolvimento comunitário frente ao processo histórico de desigualdades sociais epolíticas, num contexto de escassez de um recurso ambiental essencial, como a água no sertãonordestino (FIGUEIREDO, 2003), na implantação de um equipamento educativo, como trilhasinterpretativas do meio (DI TULLIO, 2005), ou na formação de professores/educadores reflexivos ecríticos (tomada como pesquisa-ação-participativa) (TOZONI-REIS & DINIZ, 2003), entre inúmerosoutrosexemplosdepesquisa-ação-participativaquepoderiamseraquicitados.

Gajardo(1986),assimcomo,posteriormente,Demo(1999),ressaltamasfragilidadesteóricasdosestilosparticipantesdepesquisa, asquaisaindaparecem tambémpersistir napesquisa-intervençãoemEA.Essascríticassãoembasadasapartirdeduasperspectivas:anaturezaeintensidadedaação,eafaltaderigorcientífico,empautahojenocampodapesquisaacadêmicanaárea.SegundoGajardo,

a natureza microcósmica dessas experiências, a falta de sistematização, a freqüenteimpossibilidadedeconstruirsobreojáelaborado,contribuemparadificultaralegitimaçãodosestilosparticipantesnocampodapesquisasocialeeducacional(1986,p.82).

Emencionacomopontosdetensãoopredomíniodaaçãosobreapesquisa;apoucaclarezasobreo papel da teoria nessas estratégiasmetodológicas; a falta de análise, avaliação e explicitação dosaspectos teóricos subjacentes à prática; a não verificação dos resultados dessas experiências emtermosdemodificaçãodevalores,percepções,atitudesecomportamentosdosgruposenvolvidos;aausência de formulação de propostas gerais que pudessem ser utilizadas como base para outrosprojetossemelhantes,entreoutrascríticas.

Umadasfontesparaumaatualizaçãodeconceitosafetosàesferadaparticipaçãopoderiaserolivro“Ambientalismoeparticipaçãonacontemporaneidade”(SORRENTINO,2001),noqualasrelaçõesentre participação, subjetividade, afetividade, potência de ação, emancipação, entre outros, sãorefletidosecolocadosempauta,bemcomoaosaspectosnãomenospolêmicosrelativosàavaliaçãodaparticipação.

Outrosconceitosconvergentespoderiamsermencionados,masapenasatítuloderecomendaçãoparaoaprofundamentosobreaimportânciadaparticipaçãonosprocessosdeEA,valecitaroconceitode ação política de Hanna Arendt, em seu livro “A condição humana” (Apud CARVALHO, 2001),segundoaqual

...acapacidadedeagiremmeioàdiversidadede idéiaseposiçõeséabasedaconvivênciademocrática,daliberdadeedapossibilidadedecriaralgonovo.Destaforma,oAgirhumanoéo campopróprio da educação enquanto prática social e política quepretende transformar arealidade.

SegundoTàbara(1999),“aprenderaparticiparnãoéoutracoisaqueaprenderatransformar”.Ecom esta indicação, finalizo este breve texto, no qual busquei, com a ajuda de outros autores eautoras,agregaralgunsdentretantoselementosquepodemfundamentaraescolhapedagógicaquevaloriza e aceita o desafio de agir na perspectiva demetodologias participativas tanto nas práticaseducativasquantoinvestigativasemEducaçãoAmbiental.REFERÊNCIASANDALOUSSI,K.El.Pesquisas-ações:ciências,desenvolvimento,democracia.SãoCarlos:EdUFSCar,2004.ANDRÉ,M.E.D.A.Etnografiadapráticaescolar.8.ed.Campinas:Papirus,2002.BARBIER,R.Apesquisa-açãonainstituiçãoeducativa.RiodeJaneiro:Zahar,1985.BRANDÃO,C.R.Repensandoapesquisaparticipante.3.ed.1.reimpressão.SãoPaulo:Brasiliense,1999._______.(Org.).Pesquisaparticipante.4.ed.SãoPaulo:Brasiliense,1984.CAMPOS,M.M.;FÁVERO,O.ApesquisaemeducaçãonoBrasil.CadernosdePesquisa.SãoPaulo,vol.88,pp.5-17,1994.CARR,W.Whateverhappenedtoactionresearch?EducationalActionResearch,v.2,n.3,1994.CARVALHO,I.C.M.QualEducaçãoAmbiental?ElementosparaumdebatesobreEducaçãoAmbientalpopulareextensãorural.Rev.AgroecologiaeDesenvolvimentoRuralSustentável.PortoAlegre:v.2,n.2,pp.43-51,2001.DEMO, P. Elementos metodológicos da pesquisa participante. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). Repensando apesquisaparticipante.3.ed.1.reimpressão.SãoPaulo:Brasiliense,1999._______.MetodologiaCientíficaemCiênciasSociais.2.ed.SãoPaulo:Atlas,1992.

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DI TULLIO, A. Biodiversidade e Educação Ambiental: abordagem participativa na construção de uma trilhainterpretativadomeioemSãoJosédoRioPardo,SP.DissertaçãodeMestrado.SãoCarlos:PPGSEA-EESC-USP,2005.ELLIOTT,J.Researchonteacher’sknowledgeandactionresearch.EducationActionResearch,v.2,n.1,1994._______.Whathavewelearnedfromactionresearchinschool-basedevaluation?EducationActionResearch,v.1,n.1,1993.FIGUEIREDO, F. B. A. EducaçãoAmbiental dialógica e representações sociais da água em cultura sertanejanordestina:umacontribuiçãoàconsciênciaambientalemIrauçuba–CE(Brasil).TesedeDoutoramento.SãoCarlos:PPGERN/UFSCar,2003.FREIRE,P.Conscientização:teoriaepráticadalibertação.SãoPaulo:Moraes,1980._______.Apedagogiadooprimido.RiodeJaneiro:PazeTerra,1979.GAJARDO,Marcela.PesquisaparticipantenaAméricaLatina.SãoPaulo:Brasiliense,1986.GAYFORD,C.ParticipatorymethodsandreflectivepracticeappliedtoresearchinEducationforSustainability.CanadianJournalofEnvironmentalEducation,8,2003,pp.129-142.ROBOTTOM, I.; SAUVÉ, L. Reflecting on participatory research in Environmental Education: some issues ofmethodology.CanadianJournalofEnvironmentalEducation,8,2003,pp.111-128.SAUVÉ, L. Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável: uma análise complexa. Disponível em:<http://www.ufmt.br/evista/arquivo/rev10/educacao_ambiental_e_desenvolvim.htm>.Acessoem:20demaiode2005.SORRENTINO,M.(Org.).Ambientalismoeparticipaçãonacontemporaneidade.SãoPaulo:EDUC/FAPESP,2001.STOREY,C.RepresentaçõesSociaiseMeioAmbiente:participaçãodeumgrupodemulheresnoplanejamentodeumaintervençãodeEducaçãoAmbientalpopularurbanaemManaus,Amazonas.TesedeDoutoramento.SãoCarlos:PPGERN/UFSCar,2003.TÀBARA,J.D.AcciónAmbiental.Barcelona:Di7Edición,1999.THIOLLENT,M.Metodologiadapesquisa-ação.SãoPaulo:Cortez,2000._______. Notas para o debate sobre pesquisa-ação. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). Repensando a pesquisaparticipante.3.ed.1.reimpressão.SãoPaulo:Brasiliense,1999.TOZONI-REIS,M.F.C.&DINIZ,R.E.S.Aformaçãodoseducadoresambientaisnauniversidade:contribuiçõesda metodologia da pesquisa-ação-participativa. II Encontro Pesquisa em Educação Ambiental: abordagensepistemológicasemetodológicas.De27a30dejulhode2003.Anais...CD-ROM.SãoCarlos:UFSCar,2003.

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COLETIVOSEDUCADORESNACONSTRUÇÃODETERRITÓRIOSSUSTENTÁVEIS:AEXPERIÊNCIADOCOLETIVOEDUCADOR

PIRACICAUÁ150

IsabelaKojinPeresSimonePortugal

ValériaM.FreixêdasVivianBattaini

AformaçãodeColetivosEducadoresfoipropostapeloMinistériodoMeioAmbiente(MMA)apartirdo Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) e do Programa Nacional de Formação deEducadoras e Educadores Ambientais (ProFEA), e começou a se consolidar por meio da primeirachamadapúblicaparaoMapeamentodePotenciaisColetivosEducadoresparaTerritóriosSustentáveis.

Foi em 2006 que a então Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente(DEA/MMA)implantouapolíticapúblicadosColetivosEducadores,pautadapelacompreensãodeque“ofoconoscoletivoslocaisdeve-seaoseureconhecimentocomosujeitosprotagonistasdocontextoede seu conhecimento profundo da realidade, dos valores que a permeiam e das práticas sociaiscorrentes”(BRASIL,2006,p.14).

Assim,ColetivoEducador(CE)éumgrupoformadoporeducadoras(es)dediferentesinstituiçõesqueplanejam, implementameavaliamprocessosdeformaçãonocampodaEducaçãoAmbiental,daeducação popular e da mobilização social, compartilhando observações, visões e interpretações(BRASIL,2006).Atualmente,hácercade150coletivosnoterritórionacional.OColetivoEducadorPiracicauá

OColetivoEducadorPiracicauáiniciousuasatividadesemsetembrode2006efoiconstituídoporpessoaseinstituiçõesqueatuavamnaBaciaHidrográficadoRibeirãoPiracicamirim.Seuterritóriodeatuaçãoabrangia93.000habitantesetinhaumgrupoarticuladohácincoanos,pormeiodeiniciativasdo Projeto Pisca – ESALQ/USP151. Em 2007, na retomada de suas atividades, o grupo sentiu anecessidadedeampliarseuterritóriodeatuação,devidoàssugestõesdoDEA/MMAedaabrangênciadasaçõesdeseusparceirosemoutrasáreasdomunicípio.Comaampliaçãodo território,passouaincluir35subemicrobaciasdomunicípiodePiracicabaecercade400.000habitantes.

DiversasinstituiçõesfizerampartedoColetivoaolongodesuahistóriae,atualmente,algunsdeseus participantes são: Laboratório de Educação e Política Ambiental/OCA – ESALQ/USP; IMAFLORA;Iandé – Educação e Sustentabilidade; USP RECICLA – ESALQ/USP; Instituto TerraMater/Educomunicamos!PontodeCultura;NúcleodeEducaçãoAmbiental–NEA/SecretariaMunicipaldeDefesadoMeioAmbientedePiracicaba;CentroRuraldeEducaçãoAmbiental“Dr.Kok”–SecretariaMunicipal de Educação de Piracicaba. Vale ressaltar que o Coletivo está sempre aberto a novosparticipanteseparcerias.

OobjetivodoColetivoEducadorPiracicauáéampliareefetivaraçõeseducadorasconjuntasquepossibilitem sinergia de recursos e competências pessoais e institucionais, voltadas para asustentabilidadesocioambientaldasBaciasdomunicípiodePiracicaba.Alémdisso,buscapotencializarprocessos de formação de educadores ambientais e colaborar na instituição de políticas públicasambientaisnomunicípioeregião,contribuindoparaareflexãosobresuarealidadesocioambiental.

PiracicauávemdePiráSykauá,nomedadopelosprimeiroshabitantesdePiracicaba–os índiosderaízesPaiaguásqueviveramàsmargensdorio,próximoaoSaltodoRioPiracicaba–,quesignificaem tupi “lugar que, por acidente natural no leito dos rios (salto), impede a passagem dos peixes,favorecendo a pesca” (DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, 2011) e, consequentemente, era oestabelecimentodatribo.

Dessaforma,onomeescolhidopeloColetivodeve-seaofatodoRioPiracicabaestarlocalizadonaregiãocentraldacidadeeàforteligaçãoemocionaldapopulaçãocomele.PormeiodoRioPiracicaba,muitasrelaçõesseformaramesetransformaram.EcomooColetivorepresentaeducadoresqueatuamnessaBacia,acredita-seque,assimcomoa influênciaqueo rioexercenavidadospiracicabanos,oColetivotambémpossacontribuirparatransformarideiaserealizarações.

Devidoaotamanhodaárea,evisandoviabilizaraatuaçãodogruponatotalidadedesseterritório,foramelencadasasseguintesetapasdetrabalhonaatuaçãodoColetivo:

•Etapa1–AtuaçãonasBaciasHidrográficaslocalizadasprioritariamentenaáreaurbanaequeestãototalmenteinseridasnomunicípiodePiracicaba;

•Etapa2–AtuaçãonasBaciasruraistotalmenteinseridasnomunicípio;

•Etapa 3 – Atuação nas Bacias urbanas e rurais que tenham parte de sua área em municípiosvizinhos.

Somostodosaprendizes:valores,princípioseorganizaçãodoColetivoEducadorPiracicauá

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O Coletivo Educador se constrói cotidianamente pelo debate dialógico, buscando formas deatuação e caminhos que contribuam para o enfrentamento dasmudanças socioambientais, locais eglobais,pormeiodaformaçãodeparceriasedasinergiadeesforçoserecursos.AlgunsdosvaloresdoColetivoPiracicauásãoexplicitadosaseguir,assimcomosuaformadeorganização.

A construçãode sociedades sustentáveis deve ser pautadapelo cuidadonas relações entre aspessoas,comanaturezaecomolugaremquesevive,dentrodeumclimadeliberdadeerespeitoàsdiferenças.

Tendoaparticipaçãocomofundamentoeacompreensãodequetodossomoseducadoras(es)eeducandas(os), tomadoras(es) de decisão e agentes de mudanças socioambientais, busca-setranscenderasrelaçõesdedominaçãodasociedade.

A educação como prática de liberdade (FREIRE, 1987), dialógica e transformadora, exige aapropriação do conhecimento e se dá pela ação/reflexão e pelo engajamento individual e coletivo,rumoàmudançadesejada.Paraumaaçãopautadanoaprenderfazendo,énecessárioumconstanteolharcríticosobreela,compreendendo-acomoumprocessoprofundodetransformaçãosocial,emqueaEducaçãoAmbientalatuenaraizdosproblemassocioambientaisetrabalhecomacomplexidadedasquestões.

Busca-se reconceituar as relações entre as pessoas, seus valores, sua história e seumodo deser/estarnomundo,bemcomocompreenderetrabalhararealidadedeformacomplexa,observandotodassuasvariáveis,nãofragmentandooconhecimento.

Paraqueumprocessoeducadorsejacondizentecomarealnecessidadedopúblicotrabalhado,énecessáriopartirdeumasituaçãocontextualizada,aproximando-seaomáximodarealidadecotidianadesse público, tendo em vista amelhoria domeio ambiente e da qualidade de vida. Isso demandaenvolvimento e comprometimento do educador, que deverá promover uma reflexão crítica darealidade vivenciada e procurar respostas em direção a essa transformação. Dessa forma, sãonecessárias a abertura ao diálogo e a valorização dos conhecimentos prévios dos participantes doprocesso.

ÉessencialparaaEducaçãoAmbientalqueaspessoasobservemeinterfiramemseuambiente,sentindo-separteresponsávelepertencenteaele,ebusquemestruturarefortaleceraidentidadelocalpormeiodoaprimoramentodasrelaçõesdaspessoascomseumeioedaformaçãodecomunidadesdeaprendizagem,nasquaisaconvivênciasejaharmônicaeemancipadora.

Acomunicaçãoéfundamentalemprocessoseducadores,desdequeestejacomprometidacomatransformaçãosocialeaemancipaçãodossujeitos.Odiálogoéformativo,empoderadorepossibilitaoaprendizadoemumaviademãodupla,emqueaquelequefalatambémescutaeaquelequeescuta,fala.

Objetiva-sea comunhãodeesforçosparaa construçãode sociedades sustentáveis, emqueosinteressessejamcolocadosàmesaparaumaconstruçãoconjunta,embuscadealternativasviáveisatodososatoresenvolvidos.

Todosdevemter igualpoderdedecisãonoquetangeaodestinodacomunidade,nãohavendohierarquiadeconhecimentosoupoder.

Cada pessoa é dotada de conhecimentos e saberes, e possui plena capacidade de agir paramodificar sua realidade. O papel da educação, nesse contexto, é o de fortalecer e ampliar essapotência de ação em torno da realidade socioambiental, fortalecendo intelectual e emocionalmentecadapessoaenvolvidanoprocesso.

AEducaçãoAmbientaléumprocessodeaprendizagempermanente,continuada,articuladaequedeveenvolveratotalidadedoshabitantesdeumterritório.

Os processos educadores articulados buscam o engajamento crítico, produtor de significadosexistenciais,capazesdeproporcionaromencionadosentimentodepertençaeresponsabilidadecomaconstruçãodeummundomelhorparatodoseparacadapessoa,reforçandoasolidariedadesincrônicaediacrônica,ouseja,umacidadaniaplanetáriacomprometidaapartirdopensareagircotidiano,comtodososhumanos,nãohumanosesistemasnaturais,próximosedistantes,notempoenoespaço.

A coerência entre o discurso e a prática é fundamental para propiciar envolvimento e darcredibilidade às iniciativas que se pretende desenvolver. A ação de umeducador, quando engajadacomatransformaçãosocial,deveestaralinhadacomosseus ideais,poisdenadaelavalerásenãohouverorealcomprometimentodesseeducador,seeleversarsobrealgoquenãovivencia,quenãoacredita.

Dessa forma, a organização adotada pelo Coletivo é bastante horizontal, na qual não existefunção específica,mas as pessoas assumem as responsabilidades nas reuniões de acordo com suadisponibilidade,vontadeetempoparaexecutá-las,alémdocompromissocomumprojetocoletivo.

Os membros interagem e se comunicam pelo grupo de e-mails – onde são compartilhadoseventos,organizadas reuniões,montadosgruposde trabalho, repassadasatas, relatosde reuniõesetrabalhosrealizados–etambémpormeiodereuniõesqueocorremperiodicamente,deacordocomasdemandas existentes, nas quais são abordados trabalhos mais específicos, como a elaboração deprojetoseaorganizaçãodeeventosecurso.

OColetivopossuiseuProjetoPolíticoPedagógico(PPP),documentoelaboradoparticipativamenteequenorteiaseufazereducador.OProjetoPolíticoPedagógicoépolítico,namedidadocompromissocom a transformação da realidade para a qual foi construído, e é pedagógico, pois possibilita a

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efetivaçãodaintencionalidadeepropósitosdaaçãoeducadora.OPPPdoColetivoEducadorPiracicauáé constituídode trêsmarcos –Conceitual, Situacional e

Operacional.OmarcoConceitual contéma idealização,o sonhode futuro,osprincípiosevalores,aética,aconcepçãodesociedadeedeserhumanopartilhadapelogrupo;omarcoSituacionalrefere-seao diagnóstico da realidade socioeducacional local; e no marco Operacional, encontra-se oplanejamentoobjetivodasestratégiasedasaçõesaseremdesenvolvidas.

É importante destacar que o PPP está em permanente construção por seusparticipantes e em permanente diálogo com as práticas e reflexões decorrentes do seupróprioprocessodeimplantação.

Acadasemestreéescolhido,dentreosmembrosparticipantes,umanimador(oumais)dogrupo,responsável pelas reuniões e pelo relato compartilhado, embora todas as decisões sejam tomadascoletivamente.

OCEPiracicauátambémdialogacomosprincípios,ecomasdiretrizeseobjetivosprevistosnaPolítica e no Programa Nacional de Educação Ambiental e nas Políticas de EA, definidas em lei, doEstado de São Paulo e domunicípio de Piracicaba. Esse diálogo inspira e fundamenta as seguinteslinhasdeação:a)Articulaçãoparaaconstruçãodeumaagendacomumcominstituiçõesparceiras

Algumas ações comuns foram realizadas com instituições do município, como a criação deespaços de diálogo (Fórum de Resíduos de Piracicaba, Fórum de Mobilidade Urbana, Simpósio deEducaçãoeMeioAmbiente)earealizaçãodeeventosintegrados(I,IIeIIISIMAPIRA).Aideiaéavançarnessa direção e elencar temas para a atuação integrada com instituições, iniciativas e grupos dePiracicaba e região, como o COMDEMA, o Projeto Piracicaba Sustentável, a Câmara Técnica deEducaçãoAmbientaldoComitêdasBaciasdosRiosPiracicaba,Capivarie Jundiaí (CT-EA/CBH-PCJ),oProjetoPira21,oConselhodaCidade,assimcomoONGseorganizaçõesgovernamentais.b)Fortalecimentodeiniciativaseprojetosemandamentonoterritório

O Coletivo Educador pretende contribuir com o compartilhamento de conhecimentos ehabilidades por meio do estímulo e do fortalecimento de espaços e processos educadores para asustentabilidade, da participação em atividades, eventos e cursos e de visitas às instituições paraarticulaçãodeações.

AlgumasiniciativascomasquaisoColetivoEducadorPiracicauáesteveenvolvido:•ApoionaelaboraçãodasCartilhas“SérieMeioAmbiente:Cuidando,eleficainteiro”(Temas:Resíduos,Água e Solos) – ACIPI; “De olho na Bacia” – TERRA MATER / NACE-PTECA-USP e “Repensando osprocessosdeEAnoEnsinoBásico”–USPRecicla/ProjetoPonte/DEPiracicabaeNEA-SEDEMA;

•ApoionarealizaçãodosCursos“RepensandoosprocessosdeEAnoEnsinoBásico”(2009/2010);“EAeResíduosSólidos–FormaçãodeProfessoresnoEnsinoFundamentaleMédio”(2008);

•ApoionarealizaçãodoFórumdeGestãodeResíduosdePiracicaba(2010/2011);•Realizaçãoda I, II e III SIMAPIRA –Semana IntegradadeMeioAmbientedePiracicaba,nosanosde2009,2010e2011.

c)FormaçãodeEducadoresAmbientaisEmcoerênciacomasorientaçõesdoProNEA,queestabelececomolinhadeaçãoaformaçãode

educadoresambientais,oColetivoEducadorPiracicauáconstruiuapropostado“CursodeFormaçãodeEducadores Ambientais: ConstruindoCaminhos para a Sustentabilidade Socioambiental”. EsseCursoobjetiva contribuir paraumaEducaçãoAmbiental (EA) permanente, continuadae articulada, junto àtotalidadedoshabitantesdasBaciasHidrográficasdomunicípiodePiracicaba,pormeiodoestímuloeapoioàconstruçãodeconhecimentosteóricosepráticosdeEA.

Aideiaéviabilizarqueoutrosgruposdacidadepossamteracessoàstecnologiassimplificadas,trazendoimpactosefetivosemseucotidiano,estimulandoareflexãosobreosignificadodessasações,ideias e iniciativas, noqueelas implicamea serviçodequemedeque sãopropostas.Alémdisso,objetiva-sequeoCursopropicieumaformaçãopermanenteecontinuadadeeducadoresambientais,quepossamterautonomiaeapoioparaaformaçãodenovoseducadores,implicandodiretamentenatransformaçãodarealidadedosparticipantes.

OCursoéconstituídoporseismódulos,sendooprimeirodenominadode“MóduloBásico”eoscincorestantesdenominadosde“MódulosTemáticos”.OMóduloBásicotem40horasdeduraçãoeosMódulosTemáticos,60horas,aseremrealizadosnascincoregiõesurbanasdoMunicípiodePiracicaba–Leste,Oeste,Norte,SuleCentro–,visandointroduzirosparticipantesnocampodaEAeincentivá-losadesenvolverpropostasdeintervençãolocal.

Osmódulostemáticossãoconstituídosporumroldeoficinasdistribuídasnosseguintestemas:técnicas participativas de trabalho em grupo/redes; práticas sustentáveis; políticas públicas eplanejamento; segurançaalimentar; economia solidária; cultura, saúdeemeio ambiente. Podemseragregadosnovostemasconformeasofertasforemsurgindo.Cadamódulodisponibilizaráde30a40vagasporregiãodacidade,contemplandoummínimode300liderançasdomunicípio.

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Acapilaridadedametodologia seráatingidapormeiodaconstruçãode intervençãoeducadoraambientalpelosparticipantes,emcadaumdosmódulos,comestímuloàmobilizaçãodedezpessoasporintervenção,chegandoaumnúmerodetrêsmilpessoasenvolvidasindiretamente.

A construção de “centros demonstrativos” ou “centros de referência” de sustentabilidade, pormeio da ação solidária, será estimulada e apoiada, com vistas à transformação da realidadesocioambientaldecadaregiãourbana.

A inter-relação entre a educação e a comunicação, ou seja, a Educomunicação, objetivando oconhecimento do uso dos meios e processos de comunicação e informação, numa perspectiva depráticadacidadania,seráutilizadacomoferramentanodesenvolvimentodestapropostadeformação,enfatizandoaimportânciadequeoespectadorsejatambémoprodutoreveiculadordeinformações.

ParaoColetivoEducadorPiracicauá,educaçãoéalimentodamenteedoespíritohumano,açãoereflexão, práxis, transformação e trabalho, compromisso, diálogo e exigência existencial. É tambémpronunciaromundoparamodificá-lo.Nessecontextoéquefoipensadoo“CardápiodeAprendizagem”–propostaempermanenteconstrução,apresentandoumlequedeopçõesdeatividadeseoficinas,quevão desde a orientação – contendo o passo a passo para a realização da atividade, respeitando ascondiçõeseelementoslocaisdisponíveis–passandopelaofertadeinstituições,indivíduos,materiaiseelementosquecolaboremcomodesenvolvimentoindividual,institucionalelocal.

Pormeiodeumaanalogiacomum“cardápiode restaurante”,emquesepodeescolheroquemais lhe dá vontade, apetite e “cai melhor” em determinada situação para saciar a fome, foramsistematizadas as principais instituições, indivíduos e temas oferecidos no território ou na região,oferecidospormeiodeumalistaquepodeseracessada,visandooenriquecimentoeofortalecimentodaaçãodeEducaçãoAmbientalnoterritórioabrangidopeloColetivoPiracicauá.

O Cardápio de Aprendizagem difere-se do convencional cardápio de restaurante por buscar acooperação, permitindo que o(a) educador(a) ambiental, ao mesmo tempo em que acessa itens,tambémpossaoferecê-los,eassim,pormeiodapráxisedaavaliaçãocoletiva,busca-seoconstanteaprimoramentodasatividadesofertadas.Essaéabaseparaacontinuidadeeparaaautogestãodoprocessoeducador.ConsideraçõesFinais

EstepequenorelatodaexperiênciadoColetivoEducadorPiracicauáalmejaestimularacriaçãoeofortalecimentodeoutroscoletivosnopaís.Paraalémdasconquistascitadas,comoaconstruçãodoProjetoPolíticoPedagógico,arealizaçãodecursoseaparticipaçãoemeventos,háalgomuitoespecialquealimentaagestãoeaatuaçãodoColetivo,quesãoosmomentosdebonsencontros.Momentosque fortalecemapotênciadeagirdecadapessoa, revelandoacapacidade individualecoletiva,eadisposiçãoparaoenfrentamentodosdesafiossocioambientaislocais,comvistasaobemcomum.

Assim se constrói cotidianamente uma comunidade de aprendizagem participativa sobremeioambienteequalidadedevida,umColetivoEducador,quedáotestemunhodecompromissocomummundo melhor, promovendo diálogo e cooperação entre indivíduos e instituições, valorizandodiferentesconhecimentosesaberes,assumindoparasiodesafiodecontribuirparaaimplementaçãodepolíticaspúblicasquefortaleçamasbasesorganizadasdasociedade.

As políticas públicas de EA, em especial, devem ser vivenciadas a partir da realidade local,fomentando e apoiando a formação de educadores ambientais de forma permanente, continuada earticuladacomatotalidadedehabitantesdecadaterritório.ÉissoqueoColetivoEducadorPiracicauábuscarealizareoquesetraduzemtodasassuasações.REFERÊNCIASBRASIL. Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental. Programa Nacional de Formação deEducadoras(es) Ambientais: por um Brasil educado e educando ambientalmente para a sustentabilidade.Brasília: MMA/MEC, 2006. Série Documentos Técnicos – 8, 52p. Disponível em:<http://www.cdcc.sc.usp.br/CESCAR/Material_Didatico/ProFEA.pdf>.Acessoem:15/11/2011.______.ProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental–ProNEA.Brasília:MinistériodoMeioAmbiente,DiretoriadeEducaçãoAmbiental;MinistériodaEducação,Coordenação-GeraldeEducaçãoAmbiental,2005.COLETIVOEDUCADORPIRACICAUÁ.ProjetoPolíticoPedagógico(noprelo).DICIONÁRIOONLINEDEPORTUGUÊS.Piracicaba.Disponívelem:<http://www.dicio.com.br/piracicaba>.Acessoem:05/11/2011.FREIRE,P.PedagogiadoOprimido.RiodeJaneiro:PazeTerra,1987.TERRA MATER. De olho na Bacia: Material Didático de Educação Ambiental para a Bacia do RibeirãoPiracicamirim(noprelo).

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CURSODEFORMAÇÃOEMEDUCAÇÃOAMBIENTALEPOLÍTICASPÚBLICAS:UMAEXPERIÊNCIADAUNIVERSIDADECOMAREDE

MUNICIPALDEENSINODEAMERICANA

SemiramisBiasoliDeniseGândaraAlves

ODesafiodaPropostaUmdospapéisdaUniversidadenaimplantaçãodePolíticasPúblicasdeEducaçãoAmbientaléo

deformarprofissionaishabilitadosparaatuaremnaformulaçãoeimplantaçãodepolíticaspúblicasdeEA.Aoportunidadedecooperarcomprefeiturasmunicipais,comofoiocasodeumaparceriarealizadacomomunicípiodeAmericana-SP,éumcaminhoparaaformaçãodeprofissionaisdauniversidadeede profissionais da prefeitura que trabalhem diretamente com a gestão pública e a formação deprofessores, posto que, durante o curso universitário, estes tiveram pouco ou nenhum acesso aocampodaEAemenosaindaaodepolíticaspúblicasnaárea.

Deve-se destacar, ainda, o papel da Universidade na realização de estudos e técnicas quepossibilitem o desenvolvimento da Educação Ambiental (EA) no cotidiano da sociedade. Tecnologiassociais que estimulem a participação de todos e a inclusão da Educação Ambiental noscomportamentos,atitudesevaloresdecadapessoaegruposocial.

Nestesentido,aOca–LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbientaldaESALQ/USP–tematuadobuscando cumprir a missão institucional de realizar atividades de ensino, pesquisa e extensão nocampodaEA.Comesteobjetivo, forammuitasas iniciativasnosanos recentes,mascabedestacar,nesteartigo,apropostapolítico-pedagógicadoCursodeAperfeiçoamentoemEducaçãoAmbientalePolíticasPúblicas implementadonomunicípiodeAmericana,pelaOcaeseusparceirosapoiadores;oInstitutoAmbienteemFocoeoNúcleodeComunicaçãoeEducação(NCE)daEscoladeComunicaçãoeArtes–ECA-USP.

Procuramos conciliar o desafio de contribuir na proposição da política municipal de EA aoenvolvermos a rede municipal de ensino na formação de comunidades escolares atuantes nessecampo, com a formação de profissionais cidadãs/cidadãos mobilizados na construção de uma EAcotidiana.Estapropostaperpassaodiaadiaescolar, impactandooseucurrículoeseusespaçosdeconvivencialidade,suasrelaçõesinterpessoaiseassuasdeliberaçõesinstitucionais,deondesepodedestacaropróprioprojetopolíticopedagógicodecadaescola.

O desafio que se apresentou, e que já vem sendo enfrentado desde o início dos trabalhos nomunicípio, é o da formação continuada dos educadores ambientais de Americana, numuniverso deatuação“militanteeambientalista”.Aliás,militanteéopróprioprocessodeformulaçãodessapropostaque,desdeoinício,sobiniciativadaPrefeituraMunicipal,atravésdasSecretariasdeMeioAmbienteedeEducaçãodeAmericana,vemsendoconstruídacomaparticipaçãodiretadaOcaeseusparceiros.Trata-se, portanto, de uma nova semente para a Política Municipal de Educação Ambiental deAmericana(PMEA).

APMEAenvolveaçõeseimplicaçõesnosâmbitoslocaiseglobais,masasuaeficáciaprecisaserviabilizadaaoconsubstanciar-senaspessoasocompromissotécnicoeéticocomagestãoadequadadopatrimônionaturaledaqualidadesocioambiental.Demosumprimeiropasso–graçasàgenerosidadeeperseverançadeumgrupomuitoespecialdeprofessoraseprofessores,técnicosdaáreaambiental,educomunicadores e ambientalistas, que se dedicaram a construir esse processo educador emAmericana–,queéapenasumpontodepartida.

ImplementaroCursodeFormaçãoemEducaçãoAmbientalePolíticasPúblicasdeAmericanafoiumdesafio por acreditarmosqueo planejamentodeumprocesso educador ambientalista se faz aocaminhar conjuntamente com as pessoas e com o território que o compõem e, portanto, estesprocessossãosempresingulareseinovadores.APropostadeFormação:ObjetivoseEstruturadoCurso

AtravésdarealizaçãodeumCursodeaperfeiçoamento,comcargahoráriade180horas,tivemosasescolascomopontosdereferênciaparaprocessoseducadoresambientalistas.Comisso,focamosnaformação de círculos de aprendizagem participativa sobre meio ambiente e qualidade de vida emgrupos territoriais, para propiciar a formação de Educadores Ambientais junto aos vários setores dasociedade.

Opúblicoenvolvidonoprocessode formaçãoeraconstituídopor80educadoraseeducadores,oriundos de onze escolas municipais de ensino fundamental, e 20 outros integrantes, oriundos dasSecretariasdeMeioAmbiente,Educação,Planejamento,SaúdeeCulturadaPrefeituraMunicipal,bemcomodeONGs,MovimentosSociaiseAssociaçõesdebairrodomunicípio.

O objetivo geral do curso foi o de contribuir para a construção de uma Educação Ambientalabrangente,processualepermanentenoMunicípiodeAmericana.

Para este desafio, tomamos como norte o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades

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SustentáveiseResponsabilidadeGlobal,quetemcomoobjetivosespecíficos:1)ContribuirparaaconstruçãodeconhecimentosemEAcríticaeparticipativanasescolas;

2)Propiciaracriaçãodegruposcooperativosquepermaneçamtrabalhandoemseuterritório,mesmocomotérminodocurso,constituindoComunidadesInterpretativaseAprendentes;

3)Propiciaroconhecimentodarealidadelocal,daescolaeseuentorno;

4)Estimulareapoiarodesenvolvimentodeprojetosvoltadosàinternalizaçãodaquestãoambientalnaescolaeseuentorno;

5) Propiciar aos participantes o sentimento de pertencimento sobre a Bacia Hidrográfica onde acomunidadeescolarestáinserida;

6) Propiciar o conhecimento da história do município de Americana e região como forma decompreensãodarealidadesocioambientaldomunicípio;

7)IdentificarespaçosdeparticipaçãopolíticanomunicípiodeAmericana,estimulandoaparticipaçãodetodosnaconstruçãodobemcomum;

8)Propiciarodiálogocomasquestõespostaspeloambientalismoesustentabilidade,fomentandoumavisãocríticaquecontribuacomamelhoriadaqualidadedevida.

Partimos de um Projeto Político Pedagógico (PPP) construído sob quatro pilares que seinterconectam e se fortalecem no diálogo entre eles: o das Políticas Públicas; o das questõesconceituais relacionadas ao ambientalismo, utopias, sociedade e educação; o da constituição degruposoutrabalhoscoletivos;eporfim,orelacionadoàconstruçãodaMochiladoEducadorAmbientalPopulardeAmericanaeasdiferenteslinguagensoupráticaseducomunicativasqueacompõem.

Construímos cinco categorias de carga horária para totalizar 180 horas do Curso deAperfeiçoamento:umaprimeiracategoriafocadanosencontrospresenciaiscomaequipeformadora,quetotalizaram36horaseaconteceramquinzenalmente.AsegundacategoriaforamosencontrosnosTerritórios Escolares, que objetivaram a constituição dos grupos de forma autônoma e ocorreramquinzenalmente,deformaalternadacomosencontrosjuntoàequipeformadora,totalizando36horas.A terceira categoria foram os encontros aos sábados, que se destinaram preferencialmente àrealizaçãodaspráticaseducomunicativaseàsaídaacamponoRoteiroEcogeográfico,totalizando36horas.Aquartacategoria,denominadaAçãoCidadãDocumentada,totalizou32horasdeparticipaçãoem Seminários, aulas abertas e instâncias coletivas do município de Americana. Por fim, a quintacategoria foi de estudos dirigidos individuais, que totalizaram 40 horas de leituras e produção dosregistros.

Durante todo o processo, os participantes receberam “roteiros orientadores” que traziam osreferenciaisteóricoseleiturassugeridas,bemcomoorientaçãoparaosestudosindividuaiseparaasatividadesemgruposaseremdesenvolvidas.OsPilaresdoProjetoPolíticoPedagógicodoCurso

1.PolíticasPúblicas:AçãoCidadã152

Aqui se buscou propiciar aos participantes a compreensão sobre o que são Políticas Públicas,comoparticipar de sua construção e implementação, de que formaa EducaçãoAmbiental pode serexercitadaatravésdaparticipaçãocidadã,bemcomorefletirsobreacontribuiçãodaEA individualecoletivaparaastomadasdedecisãodosrumosedesafiosdasquestõessocioambientaisdomunicípioeemescalaplanetária.

Aabordagemdaspolíticaspúblicaspermearamtodooprocessoformativodastemáticastratadasnos encontros com a equipe formadora, passando pelosmapeamentos e diagnósticos, chegando àsaçõescidadãs.

Foi dada atenção especial à Minuta de Lei da Política Municipal de Educação Ambiental,viabilizando que os integrantes do curso dessem suas contribuições e se aproximassem desteinstrumentodepolíticapública.Umfocoimportantequeocursotrouxefoiapropostadeinserçãodomunicípionomovimentoglobalda2ªJornadaInternacionaldeEducaçãoAmbientalrumoàRio+20.A1ªJornadafoiummovimentoiniciadoantesdaEco-92,responsávelpelaconstruçãocoletivadoTratadodeEducaçãoAmbientalparaSociedadesSustentáveiseResponsabilidadeGlobal.

Os participantes do Curso de Formação foram convidados a contribuir com a Carta Aberta deEducadoreseEducadorasporumMundoJustoeFelizrumoaSociedadesSustentáveis,quevemsendoconstruída a muitas mãos pela 2ª Jornada, reforçando os princípios e os valores do Tratado eorientandoaçõesparaalémdaRio+20.Comisto,oprocessoeducadorambientaldeAmericanatemumaperspectivafuturamuitopositiva,comoumcírculovirtuosodeconexõesalimentadasentreolocaleoglobal.2.Conceitual:EducaçãoeAmbientalismo

Neste pilar, o foco foi conhecer e refletir sobre teorias e práticas relacionadas ao ambiente e

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sociedade (SORRENTINO, 1997), partindo-se das utopias individuais e coletivas com referenciaisteóricos inspiradores153 que pudessem estimular o diálogo sobre as utopias de cada um dospresentes. Um aprofundamento das questões colocadas pela contemporaneidade em relação aomovimentoambientalistaeàcomunidadeplanetáriafoifeito,soboviésdaeducaçãonatransiçãoparasociedadessustentáveis,pormeiodeleituras,palestrasdeconvidadosexternos154eemcírculosdediálogo.3.ConstituiçãodosGruposdeTrabalhoColetivos:IdentidadeComunitária

A“espinhadorsal”doPPP foiadivisãodosparticipantesnosdiferentes territóriosescolaresoubairroseasdiferentescomunidadesqueosconstituem.Foramformadosonzegruposquetiveramasonzeescolasmunicipaiscomoreferênciaparasetrabalharoterritórioescolar,ouseja,aEAdentrodaescola e fora dela, contemplando seu entorno e uma escalamaior, que seria omunicípio comoumtodo. O processo pautou-se no estímulo à constituição de efetivas “comunidades aprendentes”(BRANDÃO,2005).

Na constituição dos coletivos dos territórios escolares, buscou-se mesclar o perfil de seusintegrantes entre os profissionais do ensino, oriundos das escolas, e integrantes das demaisinstituições locais –ONGs,movimentossociaisegestorespúblicos–de formaapropiciara trocadesaberes e o respeito à diversidade de olhares e propostas para o território. Os grupos foraminstrumentalizados para fazerem trabalhos vinculados aos seus territórios, na perspectiva deconectarmosaçõeslocaiscomumavisãoglobaldasquestõessocioambientais,tendoporreferênciaaCom-Vida155.

Iniciamos a aproximação dos grupos com o território de Americana a partir de diferentesferramentas, tais como as atividades com mapas mentais e reais do município e a saída a campo(Roteiro Ecogeográfico), pautados no objetivo de (re)conhecer Americana sob a perspectiva dodespertardesentidos,privilegiando,destaforma,osensíveldecadaindivíduo.

Propusemosomapeamentodosterritóriosescolares,queseinicioudentrodaescolaeextrapolouseusmuros,indoparaobairrodoentorno,ouoquechamamosde‘territórioescolar’.Omapeamentoabarcouomunicípioe foiadquirindoumacaracterísticadediagnósticoao identificare interagircompráticas, pessoas e lideranças, com grupos ativos e potenciais espaços educadores para a questãosocioambiental.

Foram identificadospontos fortes, fragilidadessocioambientais,grupospotencialmenteativosepossibilidadesdeintervenção,utilizando-sedediferenteslinguagens:entrevistas,fotos,levantamentodedadosepesquisasemgeral,tendocomoobjetivos:1)AprofundaroconhecimentodoterritóriodeAmericana; 2) Deflagrar processo de diagnóstico socioambiental; e 3) Apoiar o planejamentoestratégicodaspráticaseducomunicativasedosPlanosdeAçãodosgrupos.

Cabe ressaltar que, nesta etapa, a aproximação como Projeto Político Pedagógico passa a servisualizada pelos participantes que, ao disporemdas informações e conhecimentos que não tinhamantes, referentes ao bairro do entorno de sua escola, morada ou trabalho, passam a sentir aimportânciadodespertardesentidosparasefazerEA.

O planejamento participativo feito pelos grupos e apoiado no mapeamento (um processo quedeve ser contínuo) foi muito importante para lançar um novo olhar sobre Americana. Este foi feitoatravés da Oficina de Futuro, com a construção da Árvore dos Sonhos de cada território escolar,chegandoàÁrvoreColetivadomunicípio.Atécnicavisouverificarsonhos,obstáculoseaçõespossíveispara construir um município educador sustentável. Trabalhar com a Árvore dos Sonhos traz umprincípio fundamental: é necessário sonhar para planejar. Precisamos de utopias e sonhos de ummundo“novo”paracaminharmosemsuadireção.

Eassim,tendoossonhoseutopiasereconhecendoarealidade,osgrupospuderamcaminharnadefiniçãodeprioridadesdeaçãoparaoenfrentamentodosdesafiosmapeadosenabuscadassuasutopias. Cada grupo, então, construiu o seu Plano de Ação/Intervenção, e são esses planos quecontribuirão para o caráter de continuidade que se pretende conferir às iniciativas de EA emAmericana.

OsEncontrosdeFormaçãoforambuscandooequilíbrioentreostrabalhos,encontroseavaliaçõescomaequipe formadorae os trabalhosautônomosdosgrupos territoriais. Estadinâmica temcomofundamento conceitual a autogestão, autoconhecimento e autoanálise dos grupos, o que refleteconceitosdoPPPemtermosdeimplementaçãodeumaEducaçãoAmbientalcríticaeemancipatória.

Pelaavaliaçãodosgrupos,vemosumpoucodoqueoprocessode formaçãopodeproporcionarnestadireção:

“Possibilitou-nos refletir sobre nossas ações enquanto educadores e cidadãos, e repensarnossosconteúdosecurrículos”.“Nocoletivo,podemosfazermuitomaisparaomeioambiente”.“Refletir a importância de nos envolvermos profundamente com uma educação ambientalcrítica,emancipadora”.“Enriquecimentodenovossaberesepossibilidadesdeaçõesnumaperspectivadeparceriaemobilizaçãojuntamentecomacomunidade”.

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“Foi uma mostra que o caminho a ser seguido é o que temos que construir e também aconfirmação de que estamos na direção certa. Com toda certeza, serviu para ampliar,enriquecer as atividades que já realizo junto aos alunos e aos professores com os quaistrabalho;trouxenovaspossibilidadesdetrabalho,foimotivador”.

4.MochiladoEducadorAmbientalPopulardeAmericana:PráticasEducomunicativas

A comunicação é uma ferramenta essencial para a reflexão e busca de novas formas deconvivermosemnossoplaneta.Nãoacomunicaçãocomotradicionalmenteentendemos,“massificada,manipuladoraoumarketeira”,masacomunicaçãoeducadora,pautadano respeitoaosque fazemacomunicação e aos que acessam a produção; a comunicação feita de forma coletiva e através dediferentes linguagens que buscam fazer sentido artístico e dar voz crítica ao ato de comunicar, naperspectivada“Educomunicação”.AEducomunicaçãodirecionaesteprocessoparaodesenvolvimentode ecossistemas comunicativos em espaços educativos, observados os princípios de dialogicidade,horizontalizaçãodasrelaçõeseestímuloaoprotagonismodiscente,entendendoacomunicaçãocomoumdireitohumanofundamentalesuarelaçãocomaEducaçãoAmbiental.

A construção da racionalidade ambiental demanda diálogo entre os diferentes tipos decomunicação.Acomunicaçãomidiática,porexemplo,privilegiaacriaçãodeconteúdoscomoprocessode intervenção sobre a realidade, conhecimento e requer formas mais democráticas de produção edistribuição de conhecimentos. No campo da Comunicação, isso envolve não apenas uma maiordiversidadedeconteúdosemcontraposiçãoàmonotoniadosdiscursoshegemônicos,comotambémprocessosmaisinterativosquepromovamaprendizagemcoletiva.

AspráticaseducomunicativasfizerampartedoprocessomaisamplodeformaçãoemEducaçãoAmbientalvivenciadopelosparticipantesdocurso,eporissoprocuraramdialogarcomosconteúdosereflexõespréviasdosgruposematerializá-las.Foramtrabalhadasdesdeatradicionallinguagemescritana perspectiva de jornalismo colaborativo, ou jornalismo cidadão, passando pelo rádio, áudio elinguagemdevídeo,chegandoà linguagemvirtualdosblogsenaexpressãosensíveldas imagensefotografias.OsblogscriadospelosparticipantesdoCursoreuniramasdiferentespráticastrabalhadasnosminicursos,epermitiramaosgruposdosonzeterritóriosaconstruçãocompartilhadadeumanovaimagemdeAmericanaapartirdoolhardaEducaçãoAmbiental.

Foram20horasdocursodestinadasaestaspráticas,quebuscaramconciliarváriasestratégiaseações práticas, integrando-as num contexto educativo de leitura e produção midiática, com aexercitação da escuta inteligente, conteúdos expositivos, bate-papos, exibição e debate de vídeoscurtoscomreflexãoemgrupo,queculminaramnafinalizaçãoeanálisecríticadasprópriasproduçõesdosparticipantes.Riquíssimosmateriaisforamproduzidospelosdiferentesgrupos,equecompõemaMochiladoEducadorAmbientaldeAmericana.

A avaliação dos integrantes do Curso em relação às práticas educomunicativas como parteintegrante da formação em Educação Ambiental e políticas públicas foi extremamente positiva,inclusive com o pedido de uma maior carga horária para estas atividades práticas. Abaixo, duasavaliaçõesfeitaspelosparticipantes:

“Sãooficinasinterativas,práticasedinâmicasquenosacrescentamconhecimentoeenriquecemotrabalhoemsaladeaula”.

“Acreditoquemuitacoisadessesminicursosoupráticaspodeser incorporadanos trabalhosdeEducaçãoAmbiental,poisatravésdessesmeiosdecomunicaçãoéquepodemosdisseminarsementesdeajudapeloMeioAmbiente”.ConsideraçõesFinais

De todo o processo de formação, o que “encantou” foi o envolvimento dos grupos que seformaram.Avontadedeparticipardeaçõescidadãsnomunicípio,de trazernovosolhares sobreasPolíticasPúblicas,deampliarequalificarosbelostrabalhosque jáocorremnasescolas,revelaramopotencialeducadorambientalistadosenvolvidos.

TemosindíciosquedemonstramquefazerEducaçãoAmbiental,sejanaescolaouforadela,trazacomplexidadeemseucerne,equeprocessosdeformaçãodepessoasconectadasaoseuterritórioeque busquem constituir-se em processos coletivos, ganham força e qualidade. No entanto, éfundamentalquePolíticasPúblicasmunicipaisfaçampartedessesprocessosequeosgestorespúblicosdas diferentes áreas – educação, meio ambiente, saúde e cultura, entre outras – entendam que aurgênciadasmudançassocioambientaisrequercompartilhamentodedecisõesedeações.

Éurgenteaaberturadeespaçosdediálogoeconstruçõescoletivas,desdeaescolaatéasdemaisinstânciasdomunicípio,queafetempositivamenteosrumosqueoscidadãosecidadãsclamamparaseus territórios.É tambémurgenteumamploapoioà formaçãodepessoas,aexemplodestecurso,bemcomooutras iniciativasquebusquemconectaraação localcomaglobal,demonstrando,destaforma, que o território de Americana dá passos em direção a uma sociedade sustentável e deresponsabilidadeglobal.

Com esta experiência de Americana, pudemos exercitar a busca de uma pedagogia dofortalecimentocomunitário.Algumasperguntasemergem:emsociedadesindividualistas,consumistase competitivas, pautadas por demandas materiais simbólicas, como fortalecer os indivíduos para a

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açãocoletiva?Comoequilibrarotrabalhointeriorparaaconsolidaçãodeaçõescidadãscomprometidacom o atendimento de demandasmateriais de sobrevivência? Como umprocesso pedagógico podecontribuirparaomergulhoprofundoemsimesmoenavidacomunitária,localeplanetária?Eainda,paraacooperação,odiálogo,a identidadeindividualecoletiva,apotênciadeagir,aparticipação,osentimentodepertença,amelhoriadascondiçõesexistenciais,afelicidadeetantosoutrosvaloresquenosanimam?Comocultivar istoemprocessoseducadores juntoacada indivíduo,coletivosdiversos,movimentossociaisenaspolíticaspúblicas?

Observamos, durante o curso, a emergência destes conceitos e valores que, embora nãoverbalizadosdesdeoinício,foramficandoevidentesatéofinaldosencontros.

Nestadireção,acreditamostercontribuídocomoprocessodeFormaçãoemEducaçãoAmbientale Políticas Públicas implementado em Americana, mas agora, como já dissemos neste artigo, seránecessária uma atuação militante e ambientalista, contínua e permanente dos munícipes deAmericana.

Essaatuaçãofocadanoprocessodecontinuidadeseriaaúnicaformade,numprimeiromomento,garantirsubstratoàconstituiçãodeumColetivoEducadorautogestionado,atuandopermanentementenomunicípio.Estesimpodecontribuirefetivamenteparaatransformaçãodarealidadelocaleglobal,poissustentabilidadenãopodesertratadasuperficialmente,massomenteemambasasfrentes,paraquearealidadepossasertransformadacomoumtodo.REFERÊNCIASAB’SABER,A.N.(Re)ConceituandoEducaçãoAmbiental.MuseudeAstronomiaeCiênciasAfins,MAST/CNPQ,1991.BRANDÃO, C. R. Comunidades aprendentes. In: FERRARO JÚNIOR, L. A. (Coord.). Encontros e caminhos:formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de EducaçãoAmbiental,2005.PEEASP–PolíticaEstadualdeEducaçãoAmbientaldoEstadodeSãoPaulo.Leinº12.780,de30deNovembrode2007.SAUVÉ,L.UmacartografiadascorrentesemEducaçãoAmbiental. In:SATO,M.eCARVALHO,I.C.M.(Org.).EducaçãoAmbiental.PortoAlegre:Artmed,2005.SORRENTINO, M. Vinte anos de Tbilisi, cinco da Rio 92: A Educação Ambiental no Brasil. DebatesSocioambientais,CEDEC–SãoPaulo,v.2,n.7,1997.SORRENTINO,M.; TRAJBER,R. e FERRARO JR., L. A. EducaçãoAmbiental comopolítica pública. Educação ePesquisa,SãoPaulo,v.31,n.2,2005.VAMOS CUIDAR DO BRASIL COM AS ESCOLAS. Formando Com-Vidas – Comissões de Meio Ambiente eQualidade de Vida, Construindo Agenda 21 na Escola. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao7.pdf>.Acessoem:27deFevereirode2012.

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POLÍTICADEEDUCAÇÃOAMBIENTALDESUZANO/SP:ALGUMASDIMENSÕESPARAREFLEXÃO

MariaHenriquetaAndradeRaymundoA Constituição Federal concede autonomia aos municípios brasileiros em diversos processos.

Assim, as políticas públicas municipais possuem muitas peculiaridades, caracterizando-se numavastidãoeriquezaaseremanalisadas.

Segundo Frey (2000), estudos de políticas públicas municipais exigem a realização delevantamentos primários sobre as dimensões das instituições e processos políticos, indo, dessamaneira,alémdadimensãomaterialdaspolíticas.

DeacordocomFrey(2000,p.243),àmedidaquecresceonúmerodeestudosespecíficosrealizadosnosvárioscamposdepolítica,aumenta não apenas o conhecimento referente às políticas específicas, mas também oconhecimento teórico referente às inter-relações entre estruturas e processos do sistemapolítico-administrativoporumladoeosconteúdosdapolíticaestatalporoutro.

Pretende-se,nesteartigo,apontaralgumasreflexõesapartirdeumbrevedescritivodaPolíticadeEducaçãoAmbientalqueseconstróiemSuzano-SP,numaprovocaçãoparaanecessidadedeanálisesdaformulaçãoeexecuçãodepolíticaspúblicasmunicipaisdeEducaçãoAmbiental.

OmunicípiodeSuzanotem300.000habitantes.Está localizadonaregiãometropolitanadeSãoPaulo.Cercade70%doseuterritórioabrangeáreasdeproteçãoaosmananciaise7%estáinseridonaÁreadeProteçãoAmbientaldaVárzeadoRioTietê.Aotodo,80%doterritóriosãoáreasprotegidas.

Comomaterialaseranalisado,apresentam-seaquialgunselementosdoscaminhospercorridosnoperíodode2009a2012,emSuzano-SP,apartirdagestãopúblicamunicipalnumexercíciodiáriodaEducação Ambiental (EA), com as representações do poder público, setor privado, sociedadeorganizadaepopulação,pelaconstruçãoeinstituiçãodaPolíticaMunicipaldeEducaçãoAmbiental.

DasperspectivasdeconstruçãodaPolíticaMunicipaldeEducaçãoAmbientaldeSuzano(PMEA-Suzano)atéasuaconcretização,sãomuitososentrelaçamentosarevelar.ObstáculosebelezasquemobilizarameaindamobilizamparateorizarepraticaraEAemconsonânciacomaPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental–PNEA,oProgramaNacionaldeEducaçãoAmbiental–ProNEA,considerando,emespecial,oTratadodeEducaçãoAmbientalparaSociedadesSustentáveiseResponsabilidadeGlobal,alémdetodoohistóricodomovimentoambientalista.

Para chegar nesta apresentação da construção da PMEA-Suzano, partiu-se de um cuidado naadoçãoeestabelecimentode trêsaspectos:1)Conceitual-metodológico;2)Eixosestruturantes;e3)Legais/institucionais.Estestrêsaspectosforamvistos,emseuconjunto,comoograndedesafioparaseefetivaraspolíticaspúblicasdeEAnoâmbitolocal,conectadaaoregional,estadual,nacionaleglobal.

ComoespinhadorsaldabuscapelaconstruçãodaPolíticaMunicipaldeEducaçãoAmbientalemSuzano, os três aspectos imbricados propiciaram as condições de traçar as metas, com odesenvolvimentodeaçõesque,pormenoremaissingelasquefossem,tivessemsempreofocodaquiloqueestavasendoconstruído.

Nas reflexões intensas e extensas que levaram à consolidação destes três aspectos, foraminternalizadosebuscadosossonhosdepolíticaspúblicasencontradasemSorrentino(2002,p.21),quediz:

(...) as políticas públicas devem assumir o compromisso com a inclusão na diversidade equestionamentodosvaloreseobviedadedasociedadedeconsumo,peloestímulodogrupoedo indivíduo ao debate e à busca de respostas para a melhoria da qualidade de vida e afelicidadematerial,físicaeespiritual.

Com a utopia da revelação dos silêncios contidos nas inúmeras possibilidades de diálogos napluralidade, buscou-se uma construção coletiva pela transformação daquilo que se coloca emdescompassocomaqualidadedevidaefelicidadedesejada.

Pelas convicções de uma prática histórica da Educação Ambiental, exercida pelos educadoresambientais e coordenadores do processo da PMEA-Suzano, adotou-se como aspecto conceitual-metodológicoosreferenciaisteóricosdaEducaçãoAmbientalcrítica,cidadãeemancipatória,capazesdepromoveracidadaniaapartirdaautonomiadossujeitosetransformaçãopolíticalibertadora.Paraalimentarocaminhar,quenecessitavadoexercícioematerializaçãocotidianadessasconcepçõesdeEducação Ambiental, bebeu-se diretamente em fontes revigorantes (FREIRE, 1987, 1996; BRANDÃO,2001,2002;SORRENTINO,2002;SORRENTINOetal.,2005;CARVALHO,2004;LIMA,2004eTAMAIO,2007).

DeacordocomLima(2004,p.99),“apedagogiafreireana,aoproporumaeducaçãolibertadora,traz uma rica contribuição teórica e metodológica para a prática da Educação Ambientalemancipatória”,queaodeixaraflorarasdemandassocioambientaisdapopulação,possibilitacolocara“educaçãoambientalaoladodasforçasintegrantesdeumprojetodecidadaniademocrática,ampliadapelaidéiadejustiçaambiental”(CARVALHO,2004,p.169).

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Foram adotadas as concepções de diálogos que permitem conhecer, reconhecer, integrar eacolher a diversidade de saberes e caminhares, em processos individuais, coletivos, institucionais,comunitários,públicoseprivados,apartirde“círculosdediálogos”inspiradosemBrandão(2002),noqual os diálogos iniciam-se internamente num processo individual de autoconsciência, para desteseguirrumoaodiálogocomooutro,representando,assim,doiscírculosdediálogosnecessáriosparachegarnumterceiro,queéodiálogodocoletivo,daexperiênciadacidadanialocalàplanetária.

Ainda,nesteaspectoconceitual-metodológicodaPMEA/SuzanodeEducaçãoAmbientalcríticaeemancipatória, com experimentos dos círculos de diálogos de Brandão, foi impresso também oreferencialteóricoda“sociologiadasausênciaseemergências”,deSouzaSantos(2002),queafirmaexistirapossibilidadedediálogosjustamenteporhaveraincompletudedetodosossaberes.

Oque cada saber contribui para esse diálogo é omodo como orienta uma dada prática nasuperaçãodeumacertaignorância.Oconfrontoeodiálogoentreossabereséumconfrontoediálogo entre diferentes processos, através dos quais práticas diferentemente ignorantes setransformamempráticasdiferentementesábias(SOUZASANTOS,2002,p.250).

Portanto, assumiu-se a construção de uma política municipal de Educação Ambiental deconcepçõesteórico-metodológicasque implicamnavozdossilenciados,na leituracríticadahistória,noafloramentodosconflitos,narupturadepadrõesenaproblematizaçãodarealidade,propiciandoaaberturaaodiálogoplural,transparente,democráticoeaomesmotempoincisivo.

Todavia,amaterializaçãodessaabordagemconceitualemumcenáriodegovernoécomplexa,poisestáintegradaaumapropostaestruturantedoEstadoefunciona,muitasvezes,comoumsistemadereproduçãodosconflitosdeinteressespresentesnasociedade.Porisso,configura-se como um processo não-linear, heterogêneo, com brechas e ruído, não isento decontradições(TAMAIO,2007,p.47).

No enfrentamento às contradições, ruídos e obstáculos impostos pelo sistema político,administrativo,social,culturalehistóricodominante,delineou-seosaspectosestruturantesdaPMEA-Suzanosemperderdevistaasconcepçõesconceituaisbasedestapolítica.Osaspectosestruturantesforam pensados, forjados e criados para que os aspectos conceituais-metodológicos estivessempresentes na materialização utópica da Educação Ambiental. Neste contexto, os aspectosestruturantesconsistememquatroeixos:

a)CISEA–ComissãoIntersetorialdeEducaçãoAmbiental;b)EducaçãoAmbientalNãoEscolarizada;c)EducaçãoAmbientalEscolar;ed)CIMEA–ComissãoInterinstitucionalMunicipaldeEducaçãoAmbiental.Estes quatro eixos estruturantes não inventam a roda, orientam-se pelas estruturas,

institucionalidades, diretrizes e objetivos da Política e Programa Nacional de Educação Ambiental.Salienta-se que o ProNEA (BRASIL, 2005) tem caráter permanente e prioritário, devendo serreconhecidoportodososgovernos,comapoioàspolíticasdescentralizadasnosEstadosemunicípios,destacando-seaquiumadesuasdiretrizes:

A descentralização espacial e institucional também é diretriz do ProNEA, por meio da qualprivilegiaoenvolvimentodemocráticodosatoresesegmentos institucionaisnaconstruçãoeimplementação das políticas e programas de educação ambiental nos diferentes níveis einstânciasderepresentatividadesocialnopaís(BRASIL,2005,p.36).

Com todohistóricode construçãoe consolidaçãoda Política e ProgramaNacional deEducaçãoAmbiental,mostrava-secoerentee importanteestabelecerosaspectosestruturantesapartirdestesquatroeixos,queseapropriamdasestruturaseinstitucionalidades,referênciasdestaconsolidaçãodaEAbrasileira,sendofeitas,éclaro,adaptaçõesparaarealidadedagestãopúblicamunicipal.

Conforme Sorrentino et al. (2005, p. 287), “a abordagem do Programa Nacional de EducaçãoAmbiental reitera um entendimento, historicamente construído, dos desafios desta como processodialéticodetransformaçãosocialecultural”.

Visualizou-senosaspectosestruturantesapossibilidadedeabrangeroterritóriomunicipal,vistoaquicomoo lugarconcretodasrelaçõessociais, institucionais,dastrocas,dasexperimentações,dashistórias,dacultura,dapolítica,enfim,davidadecadamorador,cadaestudante,cada trabalhador,cadasujeitoquepudesserelacionar-secomSuzano. Imaginou-senesteterritóriomunicipal,conformeSantos (2009, p. 114), “o papel determinante do lugar, como umquadro de vida, como umespaçovivido.Aexistêncianesteespaçoexerceumpapelreveladorsobreomundo”.

Osquatroeixospoderiamabarcartodoomunicípio,comaciênciadequeestetodoérecheadode infinitos outros todos, não encerrando nele mesmo a riqueza de tudo que habita e existe noterritório, porém seria uma oportunidade de amostra da diversidade presente neste espaço, deexperiênciasincompletasembuscadeoutrasexperiênciasincompletasparaseenriqueceremjuntas,nodiálogointernoqueseexpande.

DeacordocomSouzaSantos(2002,p.246),“qualquertotalidadeéfeitadeheterogeneidadee[que]aspartesqueacompõemtêmumavidaprópriaforadela”.Efoiassimquesepensoucadaumdosquatroeixos,comoumatotalidadecompletamenteheterogêneae incompleta,paraadentrarem

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mundosderazõesdesconhecidasqueampliariamacapacidadedecadaumsecolocarnoterritório.Apartirdessasconcepções,criou-seaCISEA–ComissãoIntersetorialdeEducaçãoAmbiental,

formadapor representantes titulares e suplentes dasSecretarias da PrefeituraMunicipal deSuzano,representandoatotalidadeheterogêneadaAdministraçãoPúblicaMunicipal,formadaporcaixinhasdecompetênciasexercidas,emsuagrandemaioria,deformaisoladaemsuaprópriarazão.

A CIMEA – Comissão Interinstitucional Municipal de Educação Ambiental, criada como umaamostra da totalidade institucional atuante em Suzano, mesmo trazendo apenas uma parte muitopequenadatotalidadegovernamentalenãogovernamental,apresentaumpotencialeriquezaimensadesaberes,experiênciaserazõesquenossacapacidadeaindanãoatingiuatotalidadedaspartesquecompõemestaComissão.

Segue-se,nasequência,comaEducaçãoAmbientalNãoEscolar,quebuscaaimensidãodeumapopulação,dacoletividadeemsuasmaistenrasraízesatéaquelasmaisvisíveisealcançáveis.Enestabuscapelapopulação,pormeiodesteeixoestruturante,diversificadasestratégiasforamcriadasparareunir uma amostra de educadores ambientais populares adormecidos ou aflorados, formados paraatuareexplorarsuasavidezesdeação,reflexão,informaçãoevalorizaçãodesuasrazõessilenciadasaolongodahistória.

Por fim, temos o eixo estruturante daEducaçãoAmbientalEscolar, pensadopara abranger oscurrículosdatotalidadedasescolasmunicipais,incluindoadimensãosocioambientalnagestãoescolarquepossainternalizaremseusprojetospolíticospedagógicosasexperiênciasdiversificadasimbuídasdasdiferentesrealidadesenecessidadesquearazãodagestãopúblicadesconhece.

Cabe salientar que, os aspectos estruturantes pensados para esta política municipal a partirdestes quatro eixos, reforçam não só a necessidade de se estabelecer a governança local comotambém a importância de estudos e pesquisas sobre como se dão estes processos nas políticaspúblicaslocaisdeEducaçãoAmbiental.

SegundoFrey(2000,p.252),vistoqueoprocessodegovernançaémultifacetado,aciênciadevelevaremcontaoconcursodestasváriasfacetasque,porsuavez,sãoresultadodeumainteraçãocadavezmaisdinâmicaentreelementosinstitucionais,processuaiseosconteúdosdaspolíticas.

Postos os quatro eixos estruturantes, era necessário garanti-los; por isso, simultaneamente, aopensar nestes eixos, foi pensado também, como desafio da PMEA-Suzano, nos aspectoslegais/institucionais.Adotou-seaestratégiade formulaçãoeaprovaçãodedecretosmunicipaisparainstitucionalizar alguns eixos estruturantes que necessitavam deste aparato jurídico para ganharexistência, força e legitimidade. Foi apenas com o Decreto Municipal que a CISEA passou a existir,enquantoque,aCIMEA,nasceuantesdoDecreto,masnecessitoudestalegalidadeparaganharforçaelegitimidadenassuasações.

“Pegandoumacarona”nodecretomunicipalqueinstitucionalizouaCIMEA-Suzano,aproveitou-seestrategicamenteparainstitucionalizaroÓrgãoGestordaPolíticaMunicipaldeSuzano,queatéentãoera citado vagamente, manifestado timidamente, exercido na prática de forma sutil. No mesmodecreto da CIMEA, portanto, instituiu-se este Órgão Gestor, formado pelas Secretarias do MeioAmbiente e daEducação, quepassaram, a partir daí, a aprofundar seus círculos dediálogo, açãoetomadadedecisãoconjunta.

Aindaquantoaosaspectos legais/institucionaisdaPMEA-Suzano,apresenta-seaestratégiafinalpara instituir a PMEA-Suzano em seu todo, ou seja, a elaboração da Lei Municipal de EducaçãoAmbiental. Para isso, a CIMEA elaborou aMinuta de Lei que está em processo de consulta pública,devendoirparaoLegislativoatémarçode2012.

Dessaforma,apresenta-seaquiaPolíticaMunicipaldeEducaçãoAmbientaldeSuzano/SPcomostrêsaspectosrelevantesparaasuaformulação,execuçãoematerializaçãodesonhoseutopias.

Oexercício de integraçãodos três aspectosmaterializou a EducaçãoAmbiental intencionadaaconstruirumgrandemovimentoemSuzano,colocandoadiversidadedeatoresesetoresnumaroda-vivadeinformações,reflexões,açõesetrocasinfinitas.UmfacilitardediálogosparaaapropriaçãodaEducaçãoAmbientalqueresultassenapermanentecapacidadedeindignação,napotênciadeação,naressignificaçãodavidaquelevaàsustentabilidadesocioambiental.

Dentrodosdiversoslimitesdessaconstruçãoetambémdaapresentaçãonesteartigo,chama-seaatençãoparaoslimitesimpostosnaturalmentepelarelaçãosociedade-naturezaedessadiantedaspolíticaspúblicas.DeacordocomSorrentinoetal.,

quando entendemos política a partir da origem do termo, como limite, não falamos deregulaçãosobreasociedade,masdeumaregulaçãodialéticasociedade-Estadoquefavoreçaapluralidadeeaigualdadesocialepolítica(SORRENTINOetal.,2005,p.288).

Nomundo da concretude da Educação Ambiental, a construção da PMEA-Suzano resultou, até2011, na formação de mais de 200 educadores ambientais populares por meio de um programamunicipal de caráter contínuo, permanente e descentralizado espacialmente. Foram oito cursos deEducaçãoAmbientalpopular,cadaumcom80horas/auladeteoriaeprática,propiciandoaformaçãonatural de uma Rede de Educadores Ambientais populares em Suzano – criada e fortalecida peloacesso facilitado às informações que, até então, eram silenciadas. Portanto, estes educadoresambientaispopulares,quehojeatuamemRedenomunicípioeregião,formaram-seapartirdoscursos

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mencionados, seguidos de oficinas de comunicação comunitária, visitas técnicas, credenciamento erecebimentodemateriaisdeapoiodidático-pedagógico,alémdoestabelecimentodepontosdeapoioàssuasintervençõessocioambientais.

Nessaconstruçãoemandamento,denominaram-se“pontosdeapoio”aquelesespaçosfísicosjáexistentes, como: centros de cultura, bibliotecas, salas de algumas escolas geograficamenteestratégicas, as possíveis Salas Verdes em fase de estruturação e outros espaços que pudessemacolherdealgumaformaasdemandasdoseducadoresambientaispopulares.Atéomomento foramassegurados, como pontos de apoio, quatro centros culturais que estão distribuídos nas regiões deSuzano. Nesses espaços, os educadores ambientais populares realizam suas frequentes reuniões,centralizammateriaisquedevemserretiradosparacomunicaçãoedivulgação,utilizam-sedaInternet,deequipamentoaudiovisual,dabibliografiaexistenteearticulamsuaspropostasautonomamente.Atéabrilde2012serãoestabelecidosoutroscincopontosdeapoio,capilarizadospelomunicípio.

Cita-se a CISEA como instância da gestão ambiental integrada e transversal, que assumiu afunção e responsabilidade de transformar a Prefeitura de Suzano numa Administração PúblicaSocioambiental educada e educadora, que já deu início à elaboração e implementação da AgendaAmbientaldaAdministraçãoPública(A3P),àformaçãoemobilizaçãodosfuncionários,eàsocializaçãoeintegraçãodasaçõesedossetores.

DentreosinúmerostrabalhosrealizadospelaCISEA,destaca-seacolunadaEducaçãoAmbientalno“EspaçoAberto”,queéum jornal internodedicadoedistribuídomensalmenteaosmaisde4.000funcionários da Prefeitura. Neste Espaço Aberto, todos os meses, a CISEA reflete um assuntosocioambiental,convidandoeestimulandoosfuncionáriospúblicosàparticipaçãopormeiododiálogoeatitude.

Aponta-seaconcretudedaEducaçãoAmbientalEscolarque,aindatímida,apresentou-secomaEducaçãoAmbientalnaperspectivadaconstruçãodaPMEA-Suzano inseridana formaçãocontinuadadosprofessores,nosseusmateriaisdidáticosimpressosecomoficinasparatodososseusdiretoresecoordenadorespedagógicos,oquepermitiuummapeamentodasaçõesrealizadasnasescolasedaspercepçõesdeEducaçãoAmbientaldestesprofissionais.

Por fim, destaca-se a CIMEA, que já passou por um processo de autoformação intenso de 60horas, e dá continuidade de acordo com as características das concepções de Educação Ambientaladotada. A CIMEA assumiu o compartilhar de suas potencialidades e a função de contribuir naconstrução,departicipar, apoiar eacompanhara PolíticaMunicipal deEducaçãoAmbiental. E comosuaprimeiraaçãoexterna,organizouecoordenouumprocessodeconsultapúblicadaLeiMunicipaldeEducação Ambiental com a realização de encontros espalhados por Suzano, reunindo cerca de 300pessoas,quecontribuíramparaoaprimoramentodesteanteprojetodelei.

Apartirdessaconcretude,notam-seosentrelaçamentosdosaspectosconceitual-metodológicos,estruturais, legais e institucionais, evidenciando a importância de analisar a complexidade dasdimensões das políticas públicas. Esta concretude pode ser vista a partir do que diz Frey (2000, p.220):

Damesmamaneira como a dimensãomaterial dos problemas ambientais tem conduzido àcristalizaçãodeconstelaçõesespecíficasdeinteresse,osprogramasambientaisconcretos,porsua vez elaborados por agentes planejadores, devem ser considerados o resultado de umprocesso político, intermediado por estruturas institucionais, que reflete constelaçõesespecíficasdeinteresse.

Apresentandoasconsideraçõesfinaisdesteartigo,caberessaltarque,nestaconstruçãocoletivada PMEA-Suzano, uma coisa é certa: o caminhar, que trouxe a riqueza do cotidiano da EducaçãoAmbiental, revelando um mundo de diálogos a se fazer, de entraves e desafios a superar, deesperanças sentidas, vividas e compartilhadas na rede de atores envolvida em tantas descobertas,inovações,contradiçõesesonhosemcomum.

DeacordocomTamaio(2007,p.35),a ação política de governo é gerida, negociada e implementada num campo de conflitos einteresses que se contradizem e se complementam de acordo com as condições históricassituadas, pois retratam de forma complexa as aspirações de grupos representativos dasociedade,comosseussentidosevisõesdiferenciadasdemundo.

Continua-se nessa caminhada, que pode ser interrompida a qualquer instante por motivospolíticos e/ou administrativos diversificados, podendo chegar a algum outro lugar desejado ouindesejado.

Segundo Frey (2000), a análise de políticas públicas na arena da política municipal encontragrandes dificuldades pelas habituais modificações em suas forças políticas, além das regrasfundamentaisqueestabelecemnarelaçãoentreExecutivoeLegislativoetambémnoqueserefereaosmúltiplosregulamentossobreainserçãodacomunidadelocalnoprocessopolítico.

Acredita-se que, na prática histórica dos educadores ambientais, durante muitos períodos eespaços,experimentou-se,naconstruçãodaspolíticaspúblicas,a“pedagogiadaexistência,apartirdoobedecerparasubsistireresistirparapoderpensarnofuturo”(SANTOS,2009,p.116).

Portanto, espera-se que a PMEA-Suzano, se for necessário em algum momento, adote esta“pedagogiadaexistência”comoestratégiadesobrevivência,continuidadeefortalecimento,buscando

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a criatividade e a esperança para ampliar a capacidade de ação e resistência, encontrando, dessaforma, caminhos para subsistir por meio da avaliação, organização, planejamento, metodologias eestratégiasdesuperaçãodoslimiteseentravesimpostospelossistemas.REFERÊNCIASBRANDÃO,C.R.Aeducaçãopopularnaescolacidadã.RiodeJaneiro:Vozes,2002._______(Org.).PesquisaParticipante.SãoPaulo:EditoraBrasiliense,2001.BRASIL. ProNEA – Programa Nacional de Educação Ambiental. Ministério do Meio Ambiente, Diretoria deEducaçãoAmbiental;MinistériodaEducação,Coordenação-GeraldeEducaçãoAmbiental.3.ed.Brasília,DF:MMA,2005.CARVALHO,I.C.M.EducaçãoAmbiental:aformaçãodosujeitoecológico.SãoPaulo:Cortez,2004.FREIRE,P.Pedagogiadaautonomia:saberesnecessáriosàpráticaeducativa.SãoPaulo:PazeTerra,1996._______.Pedagogiadooprimido.RiodeJaneiro:PazeTerra,1987.FREY, K. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticaspúblicasnoBrasil.In:PlanejamentoePolíticasPúblicas,n.21,2000,p.211-259.LIMA,G. F.C. Educação,emancipaçãoe sustentabilidade:emdefesadeumapedagogia libertadoraparaaEducaçãoAmbiental. In:LAYRARGUES,P.P. (Coord.). IdentidadesdaEducaçãoAmbientalBrasileira.Brasília:MinistériodoMeioAmbiente,2004,p.85-111.SANTOS,M.Porumaoutraglobalização:dopensamentoúnicoàconsciênciauniversal.18.ed.RiodeJaneiro:Record,2009.SORRENTINO,M.DesenvolvimentoSustentáveleparticipação:algumasreflexõesemvozalta.In:LOUREIRO,C.F.B.;LAYRARGUES,P.P.;CASTRO,R.S. (Orgs.).EducaçãoAmbiental: repensandooespaçodacidadania.SãoPaulo:Cortez,2002.SORRENTINO,M.etal.EducaçãoAmbientalcomopolíticapública.In:EducaçãoePesquisa.SãoPaulo.Revista,v.31,n.2,2005,p.285-299.SOUZASANTOS,B.Paraumasociologiadasausênciaseumasociologiadasemergências.RevistaCríticadeCiênciasSociais,n.63,outubrode2002,p.237-280.TAMAIO, I. A política pública de Educação Ambiental: sentidos e contradições na experiência dosgestores/educadores da Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente – Gestão doGoverno Lula (2003-2006). Tese de Doutorado. Universidade de Brasília. Centro de DesenvolvimentoSustentável,Brasília,2007.

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POLÍTICAPÚBLICAEEDUCAÇÃOAMBIENTAL:POSSIBILIDADESEDIFICULDADESDAAGENDA21ESCOLAR

MariadeLourdesSpazziani156BárbaraSuleimandeMacedo157

IntroduçãoAexpansãodaEducaçãoAmbientaléconstatadanosdiferentesdiscursoseespaçosdasociedade

brasileira. Muitos são os movimentos impulsionadores deste campo, desde a atuação dasuniversidadesbrasileiras–quetêmpromovidoformaçãodeespecialistasepesquisadores,eproduzidoconhecimentoparaesobreestaárea–atéasredessociais,quecontribuemmobilizando,articulandoefortalecendoasiniciativasdeatoreseeducadoresambientais,permeandoeagregandoemterritóriospróximos com alcance nacional e internacional. As políticas públicas têm sido responsáveis peloreconhecimento e valorização da Educação Ambiental, especialmente nos campos formais einstitucionalizados,eestatemsidorecomendadaparatornar-separteessencialdaeducaçãodetodososcidadãos(VASCONCELLOSetal.,2009).

Éjustamentenocampodaspolíticaspúblicasfederaisquetemhavidomaiorvisibilidadedeaçõesem Educação Ambiental na esfera escolar. A natureza e o desempenho dessas ações se tornamimportantesparaentendermosseupapelnaimplantaçãodeprogramaseprojetosparaaáreaesuasconsequências. Portanto, este trabalho procura identificar a contribuição de um programa propostopeloMinistériodaEducação(MEC)paraimplementaçãodaEducaçãoAmbientalemescolasbrasileiras.

AconjunturasociopolíticaapresentadapelogovernoLula,nasuaprimeiragestão(2003-2006),éentendidaeidentificadacomoumcenárioquepromovedesejoseexpectativasparaoestabelecimentoda abordagem crítica e emancipatória da Educação Ambiental, emergente das ideias da educaçãopopulartrazidaporPauloFreire(1983).Portanto,éoportunaarealizaçãodesteestudonosentidodecontribuirparaverificarapotencialidadedeumdiscursodebasesociodemocráticana realizaçãodepolíticaeducacionalquepromovatransformaçõesnafunçãopolíticadasescolasdeeducaçãobásica.

UmdosprogramaspropostospeloMEC,apartirdacomposiçãopolíticadaprimeiragestãopetistanainstânciafederal,é“VamosCuidardoBrasilcomasEscolas–VCBE”.Adimensãodesteprogramaéconstatada pelo número de escolas e alunos que participaram, em todo o país158, do processo deorganização das conferências, e constitui indicativo importante para investigar a contribuição dapolíticapúblicanasaçõeseducativassocioambientaisnoterritóriobrasileiro.Opresenteartigoanalisaa contribuição para a implantação da Agenda 21 Escolar em escolas públicas, de uma cidade dointeriordeSãoPaulo,queparticiparamdaIIConferênciaInfanto-JuvenildoMeioAmbiente.

Para tanto, partindo de algumas considerações sobre políticas públicas, Educação Ambiental easpectosgeraisdoprogramaVCBE,analisa-seodesenvolvimentodomesmoemescolaspúblicasdacidade de Ribeirão Preto, a partir de depoimentos de gestores, educadores e educandos, e deobservaçõesrealizadasemescolasqueparticiparamdoSemináriodeFormaçãonoanode2006.PolíticasdeEducaçãoAmbiental:oProgramaVCBEeaAgenda21

NaprimeiragestãodogovernoLula(2003-2006),açõesdereestruturaçãodaEducaçãoAmbientalganham visibilidade e normatização com a oficialização do Órgão Gestor, já previsto em lei,representado pelo MMA e MEC. A Coordenadoria-Geral de Educação Ambiental (CGEA) do MEC e oDepartamentodeEducaçãoAmbiental(DEA)doMMAcompõemaestruturapolítico-administrativadasaçõesemEducaçãoAmbientaldogovernofederal.ACGEAseexpressapormeiodoprogramaVCBEeprocura viabilizar políticas públicas para o sistema formal de ensino. Ainda neste período, foramdesenvolvidos 17 projetos ou programas do governo federal. Deste total, três são lideradosexplicitamentepelaCGEAenovedelestêmàfrenteoDEA(BRASIL,2006).

O Programa VCBE está dentro de um sistema contínuo de implementação das políticas deEducação Ambiental acordada entre o DEA/MMA e a CGEA/MEC (BRASIL, 2006). A metodologia daimplantaçãodoreferidoProgramasepautouutilizandoamodalidadedifusa,pormeiodecampanhascomoasConferênciasdeMeioAmbientenasEscolas,comaparticipaçãodacomunidadeescolaredoentorno. As ações presenciais envolviamorganização de ciclos de seminários nacionais, estaduais elocaisdeformaçãodeprofessoresealunosparaaprofundarconceitualmentetemasrelevantessobrecidadania ambiental. A educação a distância era realizada pormeio da divulgação dos documentoselaborados pelos jovens nas conferências e da divulgação desse Programa nos veículos decomunicaçãodemassa.ACGEApropunhaoseguinte:

essesistemasefortalecenamedidaemqueestimulaodiálogodaescolacomacomunidadeemovimentossociaispormeiodeumtrabalhoarticuladodeSecretariasdeEducação,ONGseColetivos JovensdeMeioAmbiente,queatuamnacriaçãoe implementaçãodeCom-Vidas –ComissõesdeMeioAmbienteeQualidadedeVidanasEscolas.Todasassuasdimensõessãoretroalimentadas com conteúdos ligados às questões socioambientais relevantes e atuais,globaise locais,quepropõemumareorientaçãodosestilosdevidacoletivoseindividuaisna

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perspectivadeumaéticadesolidariedade,cooperação,democracia,justiçasocial,liberdadeesustentabilidade(BRASIL,2006,p.21).

Este Programa, criado após a realização da I Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo MeioAmbiente,em2003,éfrutodeanálisesdepropostasinduzidaspelopróprioMECaescolasdetodoopaís.Dessaparticipaçãoinicialdasescolas,sãoselecionados400jovenspararepresentarsuasescolaseseusEstados.Nesseevento,elaborou-seumaCartachamada“Carta JovensCuidandodoBrasil”ealgunsprodutosdecomunicação,comoespaçonorádio.NestaCarta,hárecomendaçõesdecomoosjovensdevemcuidardoBrasiledoecossistema,pormeiodeestudossobreaágua,osseresvivos,osalimentosdanossacomunidadeedanossaescola.NaCarta,osjovenspropõemaconstruçãodeuma“Agenda 21 Escolar” e a criação de umConselho na escola que se comprometa com a questão daqualidadedevidadoentornopróximoedesuasrepercussõesnocontextobrasileiro.

A Agenda 21 é um importante compromisso socioambiental em prol do desenvolvimentosustentávelfirmadoduranteaConferênciadasNaçõesUnidassobreMeioAmbienteeDesenvolvimento(CNUMAD), conhecida como Rio-92, pois estabelece ações e metas para enfrentar os problemasambientais no mundo. Os países signatários da Agenda 21 comprometeram-se em implantá-la emdiferentesníveispolíticosesociais–nocasodoBrasil,donívelnacionalaosestaduaisemunicipais.

Dessaforma,aimplantaçãodaAgenda21EscolaréassumidatambémpeloMEC.Estapropostaprevêadensamentoconceitualpormeiodeummaterialchamado“CadernodeConsumoSustentável”,paraotrabalhocomosprofessores.Comosalunos,foipropostaaAgenda21EscolarparaacriaçãodaComissãodeMeioAmbienteeQualidadedeVida(Com-Vida)naEscola.Assim,cadaEstadofazassuasFormações F2 para formar os multiplicadores que darão continuidade para as Formações F3. EssaetapaF3envolveaformaçãodedoisalunosedoisprofessoresdecadaescolaemcadamunicípio.

EmSãoPaulo,osmultiplicadoresdoprocessoformativojuntoàsescolasforamjovensenvolvidosementidadesambientalistas,órgãospúblicos,universidadeseligadosaomovimentoestudantil.Estesforam responsáveis por fazer essa formação nos municípios agrupados por regiões ou BaciasHidrográficas.OprocessoformativononíveldaFormaçãoF3,noEstadodeSãoPaulo,realizou-secomoapoiodasDiretoriasdeEnsinodoEstadoe,emalgunslugares,conseguiram-searticulaçãocomasSecretarias municipais e com algumas escolas particulares, envolvendo 1.200 escolas. O objetivocentraldaetapaF3éacriaçãodasCom-Vidasesuaarticulaçãocomasquestõessocioambientais,afim de serem trabalhadas commaior atenção, de uma forma interdisciplinar, e que atinja todos osníveisdeensinoformal(BRASIL,2006).

NaIIConferênciaNacional Infanto-JuvenilpeloMeioAmbiente,realizadaemBrasília,de23a28de abril de 2006, participaram 667 delegados entre 11 e 14 anos de idade, selecionados pararepresentar seu Estado. Nesta Conferência, foi elaborada a “Carta de Responsabilidades”, que foientregueaoPresidentedaRepúblicaeaosMinistrosdaEducaçãoedoMeioAmbiente,juntamentecomosprodutosdeEducomunicação–rádio,vídeo,jornalemultimídia.

É importante notar que a Educação Ambiental é entendida pormuitos educadores ambientaiscomoumdosgrandes referenciaisdemudançanocampodaeducação,especialmentedaeducaçãoescolar. Portanto, as ações emanadas peloMEC, pormeio do programaVCBE, creditamà EducaçãoAmbiental,nocenáriodeumaproposiçãodeumgovernoestruturadocomdiscursosociodemocrático,ser propulsora de ações e transformações em aspectos específicos do fazer educativo, como naformaçãodaconsciênciaenaidentidadedoseducandos(SPAZZIANI,2006).

Maisdoqueoferecer“serviços”sociais,entreelesaeducação,asaçõespúblicas,articuladascomasdemandasdasociedade,devemsevoltarparaaconstruçãodedireitossociais(HÖFLING,2001,p.40).

Refletindo sobre o viés da Educação Ambiental crítica, é importante retomar as perspectivasdessavertenteparaareflexãoeproposiçãodetransformaçõesnaeducaçãoescolar.

Sendoessencialmenteumaaçãopolítica,aEducaçãoAmbientaléumprocessodeapropriaçãocríticadeconhecimentos,atitudesevalorespolíticos,sociaisehistóricos,queimplicamemconstruir,eivado de participação, um processo de construção pelos sujeitos, das qualidades e capacidadesnecessárias à ação transformadora responsável diante do ambiente em que vivem (TOZONI-REIS,2007,p.134).

Portanto, a Educação Ambiental crítica se qualifica quando ocorrem reuniões nas escolas queextrapolem os conteúdos curriculares tradicionais, ou seja, que estes sejam transversalizados pordiscussõesdeconteúdosconcretos,oriundosdeproblemasexistentesnoentornoimediatoouregional,comoporexemplo:odesperdíciodeágua,odesperdíciodealimentos,anãoreciclagemdospapéis,arelaçãoprofessor-aluno,todosostiposdepreconceitoseestratificaçãosocial.Essasaçõesereflexõessobresuasproblemáticaspodemedevempromovertransformaçõesnosmodosdepensareatuardossujeitosenvolvidos(VYGOTSKY,2001).

Paraquesetenhaumnovoolharaomeioambiente,énecessáriovalorizarasrelaçõeshumanas,porque por meio de atitudes que valorizem a cooperação e a visão crítica e propositiva dentro daescola, forma-se uma corrente consciente e mobilizadora que pode tomar proporções maiores,começando a cuidar das necessidades da comunidade local, regional e nacional (SPAZZIANI eGONÇALVES,2005).

Com esta perspectiva, entendemos que a Agenda 21, estruturada em quarenta capítulosagrupadosemquatroseções –dimensões sociais e econômicas;conservação e gestão dos recursos

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para o desenvolvimento; fortalecimento do papel dos principais grupos locais e meios deimplementação–,constitui-senumapropostaestratégica,visandopromover,emescalaplanetária,asustentabilidade.Éumaagendaparaaconstruçãodeumnovopadrãodedesenvolvimento.

Noquese refereàeducação,ocapítulo36daAgenda21, intitulado“PromoçãodoEnsino,daConscientizaçãoedoTreinamento”,propõeumesforçoglobalparafortaleceratitudes,valoreseaçõesque sejam ambientalmente saudáveis e que apoiem o desenvolvimento sustentável por meio dapromoçãodoensino,daconscientizaçãoedotreinamento.

AEducaçãoAmbientalnaAgenda21recontextualizaeampliaosprincípioserecomendaçõesjáindicadosparaestaárea,desdeTbilisi(1975),sendoaintegraçãoentredesenvolvimentoeambienteoprincípio básico e diretor da educação e da Educação Ambiental. A proposta é reorientar o ensinoformaleinformal,modificandoatitudesecomportamentospelaaquisiçãodeconhecimentosevalores.

Assim,emvistadealgunspressupostosdaEducaçãoAmbientalcríticaeemancipatória,retoma-seoobjetivodesteestudo,quesepropõeverificaremquemedidaoprograma“VamosCuidardoBrasilcomas Escolas” contribui para a implantação daAgenda 21 Escolar nas escolas de uma cidade dointeriordeSãoPaulo.ODesenvolvimentodaPesquisadeCampojuntoàsEscolasPúblicasdeEducaçãoBásica

A pesquisa empírica, realizada em 2007 e 2008, compõe-se de duas etapas: a primeira,identificou como foi o envolvimento das escolas públicas no Seminário de Formação F3, a partirdeentrevistascomosgestoresdas40escolaspúblicasexistentesnaqueleanonomunicípio;asegunda,envolveu entrevistas com docentes e alunos de 17 escolas, selecionadas na primeira fase, paraidentificareanalisarodesdobramentodoprogramanointeriordaescola.Osdadoscoletadosemtodasas fases foramorganizados, tabulados e analisados emcategorias que emergiramdo referencial doestudooudomaterialempírico(MINAYO,1998).

Os sujeitos participantes das entrevistas e dos questionários deram anuência e permissão deacessoparaaobtençãodas informações investigadas.Foramconsiderados,alémdos relatosoraiseescritos, obtidos nos depoimentos formais, os registros das observações intencionais no diário decampo,asconversasinformaiseasproduçõesdeimagensdoslocaisinvestigados.AparticipaçãodasescolasnoSemináriodeFormação

O seminário de Formação F3, na cidade pesquisada, envolveu representantes das 40 escolaspúblicasdistribuídasportodoomunicípio,masfoipossívelrealizarentrevistas,naprimeiraetapa,comdiretores ou coordenadores de apenas 34 escolas. As demais alegaram desconhecimento daparticipaçãodaescolanoprograma.

Dos dados obtidos na primeira etapa da pesquisa, 20 respondentes são diretores ou vice-diretores,13sãocoordenadorespedagógicose,emumcaso,asinformaçõesforamcoletadascomumalunoqueparticipoudoseminário.

Quantoàáreadisciplinardos48docentes,queforamdeclaradospelasescolascomoenvolvidosnosemináriodeformação,pode-seidentificarque21sãodeCiências/Biologia;13deGeografia;5deHistória; 3 da Coordenação; 2 de Educação Física; 1 de Português; 1 de Inglês; 1 de Física; e 1 deEducaçãoArtística.Essesdadosnosinformamsobreapredominânciadaáreabiológica,emdetrimentodeoutrasáreas,seguidadaáreageográfica.Ouseja,essasduasáreassomamaparticipaçãode34docentes(71%).

Muito se tem discutido sobre a necessidade da multidisciplinaridade e principalmente dainterdisciplinaridadeparaarealizaçãodaEducaçãoAmbientalnaescola.Paratanto,hánecessidadedequehajaoenvolvimentoefetivodetodasasáreaseequipedaescola.Noentanto,opredomíniodasáreas identificadas neste estudo confirma que ainda prevalece o entendimento de que a EducaçãoAmbientalestádirecionadaparaoconhecimentodasCiênciasBiológicasedaTerra,enfraquecendoodiscursoepráticasinterdisciplinaresnocontextoescolar.

Assim, nos parece que prevalece o entendimento de que Educação Ambiental atrela-se aprofessores de determinadas áreas. Também podemos inferir que, na chamada realizada peloprograma VCBE e no processo de seleção dos docentes, não se deu ênfase necessária para queocorresseamultidisciplinaridadedeáreasdaequipeenvolvida.

Quantoaosalunosenvolvidos,hápredominânciadosquefrequentamas7ase8asséries(8ºe9ºanos)doensino fundamental. Éumaetapadavidados jovensqueestãovivenciandoummomentomuitointeressantenoqueserefereaodesenvolvimentodaadolescênciaedaformaçãodacidadania.Engajá-los em processos de formação para além da rotina escolar tradicional é fundamental nesseestágiodedesenvolvimentoescolar.Poroutrolado,podecomprometeracontinuidadedotrabalhonaescola,umavezque,paramuitos jovens, a 8a série (9º ano) é a finalizaçãodos estudos ou de suapermanêncianareferidaescola.

Entendemos que promover a diversidade de alunos com relação à série, idade e gênero ésignificativo para o desenvolvimento de ações em Educação Ambiental que sejam sustentáveis,participativaseenvolventesnocontextoescolar.

A partir das falas dos gestores das escolas, pôde-se depreender que apenas 17 escolas estãodesenvolvendo atividades relacionadas ao desdobramento do programa, e destas, apenas 8 escolas

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estãopreocupadascomaelaboraçãodaAgenda21.Assim,pode-seafirmarqueas34escolastiveramaoportunidadedeentraremcontatocomosconteúdoseametodologiadoprogramanosemináriodeformação,noentanto,emsomente50%dasescolashápessoasmobilizadasparadarcontinuidadeaostrabalhosnestaáreatemática.

Umapolíticaeducacionalquepromoveaçõespontuaisecombaixacontinuidadepodeevidenciareficiência e eficácia nos números quantitativos iniciais de envolvimento e justificar a aplicação derecursos,maséinsuficienteparacaracterizarumaalteraçãodafunçãopolíticadosetor.

Enquantonãoseampliarefetivamenteaparticipaçãodosenvolvidosnasesferasdedecisão,de planejamento e de execução da política educacional, estaremos alcançando índicespositivos quanto à avaliação dos resultados de programas da política educacional,mas nãoquantoàavaliaçãopolíticadaeducação(HÖFLING,2001,p.42).

Muitos projetos são compreendidos como mais uma tarefa a ser cumprida, e em vista dascondições atuais das escolas públicas brasileiras, pode-se compreender a baixa receptividade deprogramasvindosdeórgãoscentraiseasdificuldadesdearticulaçãocomasações já realizadasnaescola.DesdobramentodoProgramanasEscolas

Entrevistamosdocentesealunosqueparticiparamdoseminárionas17escolasselecionadasparaaprofundamento da pesquisa. Identificamos, pelas respostas dadas, contribuições para o processoformativo(promoçãodaconsciênciadeprofessoresealunos)epresençadeatividadesdiferenciadasnaescola.

Em relação ao aspecto formativo, destacamos algumas frases que representam as falas dossujeitosentrevistados:

“Foimuitobom,porquemeajudoumuitoaterconsciênciasobreomeioambiente”(Alunoda8ªsérie,15anos).

“Esseprogramaserviuparaaprimorarosmeusconhecimentos,pois tudooque foidiscutido jáerapraticadopormim.Éevidentequeissomedespertouasemearessasideiasparaosmeusalunos”(P.deCiências,20anosdedocência).

“Gosteimuito, pois através desse projeto demeio ambiente éque pude refletir sobre o nossoplaneta”(P.deGeografia,30anosdemagistério).

O programa serviu também para atualizar novos conceitos da Educação Ambiental para osprofessores, trocar experiências entre eles e, principalmente, fortalecer projetos de EducaçãoAmbientalquejávinhamsendodesenvolvidosnasescolas.Percebe-sepelasfalasdossujeitosquefoiummomentodereflexãoparaalunosedocentes,proporcionandonovosolhares–microemacro,aomesmotempo–paraasquestõesambientais.

Os alunos da escola afirmam que aprenderam brincando na Oficina de Futuro realizada noseminário,edivulgaramparaosseuscolegasasexperiênciaseconhecimentosadquiridos.

Esse programa, na opinião dos entrevistados, contribuiu para a discussão de questõesambientais, para a noção de que ambiente saudável inclui relações humanas saudáveis e que umaatitude local pode tomar proporções globais. A construção de valores e comportamentos sobre oentorno compreendeu o atual estágio de esgotamento dos recursos naturais, o baixo intercâmbioorgânicoentrehomemenatureza,eadisponibilizaçãodeelementosambientaisprecáriosparaavidahumanaeoutrasformasdevida.

OspontosdestacadosacimatêmsidoomotorparaodesenvolvimentodaEducaçãoAmbientalcrítica,quepropõeorepensardosmodosdevidadossereshumanosnassociedadesatuais,tendoporbase a construção de sociedades realmente humanizadas, solidárias e que revejam a relação einterdependênciadohomemcomoseuambienteplanetário.Modificandoeampliandoaspercepçõesestabelecidaspormeiodeoutrasenovasexperiências,aspessoaspodemrevereatuarsobreoseuprocessodeaprendizado.

Assim, a Educação Ambiental, por meio de projetos ou programas específicos, deve serorganizada de tal modo que não se eduque o aluno com modelos tradicionais de educação queenfocamoaprendizadocomoalgo separadodavidade relações.Oprocessoeducativo sóacontecequandoaspessoasseeducamentresi,nainteraçãocomosoutros(FREIRE,1983).

ComodizPauloFreire(1983):“osabersedápelatrocaeprincipalmentepelaexperiênciavivida,assimoalunotemcondiçõesdecriarsuasprópriashipóteses,tirarsuasconclusõessobreumassuntoeformar-secomopessoa”.

Umaalunade13anos,da7ªsérie,afirma:“FoimuitobomparticipardoSemináriodeFormação,poisaprendiacuidardaminhaescolacom

oProgramaVCBEeacuidardoMeioAmbienteemquevivemos,daminhacasa,daminhacidade,domeupaís”.

Esseaspectodaformação,evidenciadopelasopiniõesdossujeitos,validaasoficinasrealizadaspelo programa, no aspecto conceitual e metodológico, que ofereceram oportunidades de ampliarconceitos relacionados à Educação Ambiental, como por exemplo, a inclusão das relações humanasentreosseusconteúdos.Essaamplitudenaexperiênciaformativacontribuiparaaapropriaçãodeum

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mododeserdosujeitosocioambiental.Essa característica da construção de conhecimentos é validada por Vygotsky (1998), quando

identifica que o aprendizado em uma determinada área curricular contribui para a compreensão deaspectosemoutroscomponentesourelações“comoresultadodealgumaconexãosecreta”entreosdiferentesconceitosdeáreasdisciplinares(p.107).Atividadesdesenvolvidasnasescolas

Emrelaçãoaodesdobramentodoprogramanasescolas, somenteoitoconfirmamcontinuidade(na época da pesquisa). Os entrevistados dizem que desenvolvem atividades de preservação daescola, trabalham a conscientização dos alunos e dão prosseguimento às ações iniciadas após oseminário.ApenascincoescolasafirmaraminiciativasparaaconstruçãodaAgenda21.

Nos relatos dos professores e dos alunos, foi possível perceber vários pontos em comum. Umdeles refere-se à “Cartilha Com-Vida” (Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida), utilizadapassoapasso, e que temcomoobjetivos fazer daescola umambiente sustentável – paraquenãoocorra desperdício da água, do papel, da energia, da merenda – e promover a preservação dabiodiversidadeeorespeitoàdiversidadeétnico-racial.

AssimdizumprofessordeHistória,com3anosdemagistério:“Passei a me preocupar mais com o desperdício, evitar consumir produtos com embalagens

plásticasetambémsepararomeulixo”.Alunosda6ªsériedizem:“OqueaprendemosnesteprogramaéqueoMeioAmbienteabordatemascomoabiodiversidade,

asmudançasclimáticasnonossoplaneta,adiversidadeculturaleasegurançaalimentar”.JáaprofessoradeEducaçãoFísica,com15anosdemagistério,diz:“Nossapropostafoipropiciarencontrosrecreativoseculturaisentrediferentesfaixasetárias”.Identificamosqueoprojetofoitrabalhadoatravésdecartazes,maquetesedebatesnassalasde

aula.MuitosprofessoresaproveitavamsuasdisciplinasparainseriraEducaçãoAmbientalcomotematransversal. Assim, ela pôde ser trabalhada em diversas disciplinas através de textos, recortes,maquetes,brincadeirasetc..

“Procuroterumavisãomaisamplae,quandopossível, insirootemadepreservaçãoambientalemminhasaulasdeHistória”(P.deHistória,3anosdemagistério).

Umalunode13anos,da7ªsérie,diz:“Aprendiasermaissolidáriocomoscolegaseprincipalmentecomaspessoasdaterceiraidade”.Naentrevista,umaalunade14anos,da8ªsérie,diz:“Aprendimuitas coisas importantes do nosso planeta brincando na Oficina de Futuro e com a

ÁrvoredosSonhos”.AprofessoradeCiências,com38anosdeMagistério,diz:“Oprograma foi desenvolvidoatravésdaÁrvoredosSonhos, e teveo envolvimentode todaa

escola,comacolaboraçãodadireção,professoresealunos”.Emalgumasescolashouveaparticipaçãodetodososfuncionários,alunos,professoresedireção,

e isso, segundo os sujeitos, faz toda a diferença no desenvolvimento do programa, afinal, é com amobilizaçãodetodaacomunidadeescolarqueocorreatransformaçãocoletiva.

Em outras escolas, pudemos constatar somente pequenas transformações pessoais,especialmente das pessoas que participaram do Seminário de Formação. Alguns dos sujeitospesquisados declaram que gostariam de ter visto o desdobramento do projeto na sua escola, masfaltou colaboração dos outros docentes. A fala de uma professora de Ciências, com 20 anos demagistério,apontaisso:

“Como todo projeto, uns abraçam a causa e outros ignoram. Portanto, uns ajudaram adesenvolvereoutrossimplesmentenãoderamatenção”.

Houve predomínio de temas sobre água, alimentação, preservação da escola e de seres vivos(biodiversidade), justamente os que foram sugeridos pela “Cartilha Com-Vida”. Apenas uma dasescolas trabalhou a diversidade étnico-racial, como relata a professora de Educação Física, com 15anosdemagistério,quejustificaessaescolha:

“Diversidadeétnico-cultural,porquesabemosquetodososseressãodiferentesesãoparecidos”.O programa VCBE propõe-se a trabalhar a Educação Ambiental nas escolas para que ocorra a

consciência nos indivíduos da comunidade escolar e, posteriormente, uma consciência mundial.Portanto, deve incentivar a inclusão de temas sociais de grande relevância para contribuir com adiscussão das relações de dominaçãoda sociedadehumananão só sobre a natureza,mas tambémsobreoutroshumanos.

O desenvolvimento desse programa tem o propósito de fortalecer a formação do aluno e doprofessordentrodaescola,paraqueessessejammaisatuantesepossamterumavisãomaisamplasobrequestõessocioambientais.Noentanto,aAgenda21Escolar,namaiorpartedasescolas,nãofoi

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implantada.Osprofessoresalegaramfaltadetempo,outrosdisseramqueéporfaltadeinteressedaescola.

Dototalde40escolasqueparticiparaminicialmentedoSeminário,apenas5indicamimplantaçãodaAgenda21Escolar,poisháumaequipecompostapordocentesealunosquesemobilizamparatal.VejamodepoimentodoprofessordeGeografiadeumadestasescolas:

“A participação doGrêmio e das famílias que compareceram regularmente na escola ajudou aconstruiraAgenda21Escolar”.

Eoutrodiz:“Nãoéalgoqueestásendosistematizado,mas temos faladomuitosobreoque fazerpara ter

umaescolaatuanteeecologicamentecorreta”(P.deEducaçãoFísica,15anosdemagistério).Emumadestasescolas,houveaparticipaçãodoGrêmioEstudantile tambémdas famíliasdos

alunos, que compareceram na escola para discutirem temas socioambientais importantes para acomunidadee, assim, construíremaAgenda21Escolar.Numaoutra, a construçãodaagenda “estásendorealizadabemdevagar”,comodizumdocenteentrevistado,ecompletaafirmandoque:

“O focomaior é a preservação domeio em que vivemos, nossa escola, nosso bairro e nossomundo”.

AAgenda21Escolarémuitoimportantenasescolas,porqueéatravésdelaqueserãotraçadoscaminhoseprojetosaseremrealizadosaolongodosanos,embenefíciodetodaacomunidadeescolar,pelaaçãocotidianadossujeitosenvolvidos.

OprogramaVCBEparecetertidoumagrandeimportâncianavidaescolarenacompreensãodaEducaçãoAmbientalemalunosedocentes.Emsuasfalas,identifica-seoentusiasmopeloprograma:

“Esse programa [VCBE] veio para intensificar minhas atitudes em defesa do meio ambiente,porqueencontreiváriaspessoasidealistasnesseprograma”(P.deGeografia,25anosdecarreira).

“Fiquei motivada a incentivar a preservação do nosso espaço” (P. de Geografia, 30 anos demagistério).

“Acredito muito que estamos todos unidos na teia da vida; nossas diferenças são apenasaparenteseemessência somos todos iguais. Eesseprogramaveio reforçar aminha crença” (P.deEducaçãoFísica,15anosdecarreira).

Apreocupaçãosobreomeioambientepassoupelatransformaçãopessoal.Nasentrevistas,foramcitadas diversas preocupações: com o lixo e as embalagens recicláveis; com a preservação doambiente; com a biodiversidade e o desperdício da água; com respeito aos outros humanos eprincipalmenteàdiversidade.

“Euaprendiarespeitarnãosóosanimais,comoossereshumanos”(Alunada8ªsérie,14anos).Aparticipaçãonesseprojeto,segundodepoimentodeumaluno,foideimportânciaímpar,porque

atravésdesseprogramaelepôdetomarconsciênciadomeioemqueviveedeseupapelparacuidá-lo.“Esseprograma influenciouaminhavidapessoal,poisanteseumatavapassarinhos,estragava

asplantasenãomepreocupavacomo lixo.Masagora tiveumamudançanomeu jeitodeagir;naminhavidaescolartambémocorreuumatransformação,poisagoraeusouumalunomaisinteressado”(Alunoda8ªsérie,15anos).

Tambémos professores ficaramempolgados comesse programa, porque alguns perceberamapossibilidade de inserir Educação Ambiental em qualquer conteúdo. A transformação pessoal dosdocentes é necessária para, assim, ensinar os alunos commais entusiasmo, fazendo comque essatransformaçãooscontagie.

“Esseprograma[VCBE]émuito importante,poisnosauxiliaemnossaprática;eopapeldesseprogramaédetrazeraconscientização,açãoereflexãoparadentrodaescola”(P.deCiências,18anosdeMagistério).

“Senãoinfluenciaavidapessoal,nãodáparapassarparaosalunos...nãotemverdade”(P.deCiências,20anosdecarreira).

“Deu-meesperançaaoverjovensenvolvidosecomprometidoscomofuturo”(P.deCiências,38anosdemagistério).

O professor de hoje tem uma função muito importante, diferente daquele que só passavaconteúdo,poiseleprecisaparticiparfortementedaformaçãosocialdosalunose,paratanto,temqueconheceromundodoaluno,oseuambiente. “Aeducaçãoproduzaseleçãosocialdapersonalidadeexterna.Apartirdoserhumanocomobiótipo,aeducação,pormeiodaseleção,formaoserhumanocomotiposocial”(VYGOTSKY,2001,p.79).

Dependendodomeioemqueacriançaviva,elateráumapersonalidade.Éaeducaçãoeomeioque influencia o ser humano. “Tudo pode ser educado e reeducado no ser humano por meio dainfluênciasocialcorrespondente”(VYGOTSKY,2001,p.200).Afinalohomeméumserreflexivoe,pormeio de processos educativos interativos, ele refletirá profundamente sobre suas ações e as dosoutros,suasconsequênciaseosrumosquepodemsertomados.Aprópriapersonalidadenãodeveserentendida como uma forma acabada, mas como uma forma dinâmica de interação que flui

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permanentementeentreoorganismoeomeio(VYGOTSKY,2001).Apersonalidade sofrealteraçõesduranteavidado indivíduo, sendo influenciadapelo contexto

socioambiental.Entãoénecessárioqueoalunose“jogue”,quequeiraaprenderdeverdade,porqueéatravés da ação, das experiências vividas e das relações sociais que se adquire o conhecimento.“Portanto,oprofessortemumnovoeimportantepapel.Eletemdesetransformaremorganizadordoambientesocial,queéoúnicofatoreducativo”(VYGOTSKY,2001,p.296).

A participação viva, o exemplo e a consciência de que não deve ser apenas um simplestransmissordeconteúdossãoprincípiosnecessáriosparaaatuaçãodocentenaEducaçãoAmbientalquedefendemosnaescolaenasociedade.

Enaescoladofuturoessasjanelasestarãoabertasdeparempar,eoprofessornãosóolhará,mas tambémparticiparáativamentedos ‘deveresdavida’.Ocheirodemofoepodridãoemnossa escola devia-se ao fato de que, nela, as janelas para o amplo mundo estavamhermeticamente fechadas e, sobretudo, fechadas na alma do próprio professor (VYGOTSKY,2001,p.301).

Opapeldoprofessorficamaisimportante,porqueeledevefazerumamudançanaprópriavidaparapoder transformaraeducaçãoemumacriaçãodavida.Nessesentido,é importante incentivarprojetos,especialmentenaáreadaEducaçãoAmbiental,quecreditaaestamodalidadetemáticaumaforma de contribuir para a transformação dos sujeitos (consciência e ação) por meio da inserçãoconstantenoscontextossocioambientaisdoentornopróximoedistante.

Identificamosacontribuiçãodoprogramaparaaformaçãodepessoaspreocupadascomomeioambientefísicoecultural,equeestarãoconstruindoumpaísmelhor.

A prática desenvolvida no interior dessas escolas, a partir dos depoimentos dos sujeitosentrevistados, nos sugere aquilo que Vygotsky (1998) conceitua de “Zona de DesenvolvimentoProximal”.

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona dedesenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos dedesenvolvimento,quesãocapazesdeoperarsomentequandoacriançainteragecompessoasemseuambienteequandoemcooperaçãocomosseuscompanheiros (VYGOTSKY,1998,p.117e118).

OdesenvolvimentodoprogramaVCBEemRibeirãoPretopromoveu capacidades, potencializouideiasepromoveutransformaçõesemalgumasestruturasescolares.Poroutrolado,demonstroubaixasustentabilidadeenquantopolíticapúblicaqueatendaamplamenteaossetoresdasociedadeparaosquaisforamdirecionados.ConsideraçõesFinais

Os resultadoseanálisesdesteestudocorroboramcomestudosdeWegrzynovski (2008)eOffe(1991),entretantosoutros,queapontamabaixasustentabilidadedeprogramaseprojetosoriundosdecimaparabaixo,quesefragmentamnoseudesdobramento.Talvez,sehouvessefavorecimentodeprogramas e projetos localizados em cada escola, com especificidades temáticas e metodológicas,facilitariaopertencimentoeautoriadasaçõeseseuenraizamento.

Há algumas experiências nesta linha de promoção de políticas públicas com foco central nademanda local, como o ProFEA (Programa de Formação de Educadores Ambientais), proposto peloDepartamento de Educação Ambiental doMMA, que instituiu os Coletivos Educadores em inúmerosmunicípios e regiões brasileiras.Ou seja, programas e projetos oriundos de base comunitária sendofortalecidos pelas políticas públicas sociais, para que cada comunidade, escolar ou não, se sinta“empoderada”,edeemvisibilidadeàssuasnecessidadeseinteresses.

O desdobramento do programa nas escolas de Ribeirão Preto atingiu apenas 20% do total deescolasquetiveramcontatocomoProgramaVCBE.Noentanto,nãosepodenegaroimpactopositivopara a construção de conceitos relacionados à Educação Ambiental, e nota-se a emergência dediscursosdesujeitossocioambientais.

ApresençadeprojetosdeEducaçãoAmbientalnasescolasé fundamental,porquevivemosemuma sociedade que enfrenta diversos problemas e desafios, como fome, doenças, degradaçãoambiental, corrupção, guerras e outros mais. A Educação Ambiental crítica e transformadora estácomprometidacomavisãodatotalidadedascoisasetemnosmostradoquetudoestáinterligado;queas coisas existentes no nosso planeta (e quem sabe no sistema solar) fazem parte de um únicoconjunto.

Portanto, os educadores devem simensinar aos seus alunos o que sabem.Devem também seatualizarparadaromelhordesieestaremabertosparaouviremeaderiremàsnovasideiastrazidaspelosalunos.Atransformaçãodoindivíduosóocorrecomatrocadeexperiênciaseodesenvolvimentodeações,nãosónocampoeducacional,masnocamposocial,dapolíticaeprincipalmentedosvaloreséticos,quenóssereshumanosdeveríamostrabalharmais.

Umaadministraçãopública identificadaporumaconcepçãocríticadeEstadoequepriorizeemsuas ações o atendimento e oferecimento de serviços essenciais – como saúde e educação – àsociedadecomoumtodo.

Deve estabelecer como prioritários programas de ação universalizantes, que possibilitem aincorporaçãodeconquistassociaispelosgruposesetoresdesfavorecidos,visandoàreversão

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dodesequilíbriosocial(HÖFLING,2001,p.42).Políticas setoriais, como as direcionadas para a Educação Ambiental, não estão apartadas do

contextomacropolítico. Portanto, o desafio que se coloca é como aproximar proposições críticas daeducação a materialidades terrenas vivenciadas por professores e alunos das escolas públicasbrasileiras.REFERÊNCIASBRASIL.ÓrgãoGestordaPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental.Portfólio.SérieDocumentosTécnicos,nº7(ÓrgãoGestordaPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental).Brasília,2006.FREIRE,P.PedagogiadoOprimido.2.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1983.HÖFLING,E.M.EstadoePolíticas(públicas)Sociais.In:CadernosCedes,55,2001,p.30-41.MINAYO, M. S. C. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; Rio deJaneiro:Abrasco,1998.OFFE, C. Algumas contradições do Estado Social Moderno. Trabalho & Sociedade: Problemas estruturais eperspectivasparaofuturodasociedadedotrabalho,vol.2.RiodeJaneiro:TempoBrasileiro,1991.SPAZZIANI,M.L.OMeioAmbientepara jovensdoGrêmioEstudantil:umacontribuiçãoaosestudossobreasubjetividade.In:SICCA,N.A.L.(Org.).CulturaePráticasEscolares.Florianópolis:Insular,2006.SPAZZIANI,M.L.;GONÇALVES,M.F.C.ConstruçãodoConhecimento.In:FERRAROJR.,L.A.(Org.).Encontrosecaminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria deEducaçãoAmbiental,2005.TOZONI-REIS,M. F.C.Apesquisa-ação-participativa e a EducaçãoAmbiental: umaparceria construídapelaidentificação teórica e metodológica. In: TOZONI-REIS, M. F. C. (Org.). A pesquisa-ação-participativa emEducação Ambiental: reflexões teóricas. São Paulo: Annablume/FAPESP; Botucatu: FUNDIBIO, 2007, p. 121-162.VASCONCELLOS,H.etal.EspaçoseducativosimpulsionadoresdaEducaçãoAmbiental.CadernosCedes,v.29,p.29-48,2009.VYGOTSKY,L.S.PsicologiaPedagógica.SãoPaulo:MartinsFontes,2001._______.AFormaçãoSocialdaMente.SãoPaulo:MartinsFontes,1998.WEGRZYNOVSKI, R. Ainda vítima das iniqüidades. In: Revista Desafios do Desenvolvimento, Fev. 2008.Disponívelem:<http://desafios2.ipea.gov.br/sites/000/17/edicoes/40/pdfs/rd40not05.pdf>.

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DENTRODACRISÁLIDAOUDOCOURODODRAGÃO?DILEMASDOEDUCADORAMBIENTALQUANDODENTRODOESTADO

LuizAntonioFerraroJúniorEstetextodiscuteacomplexidadedagestãodaspolíticasdeEducaçãoAmbiental.Aindaquejá

tenhamos leis e decretos, tanto federal quanto estaduais, as condições e as estratégias para aspolíticasdeEAnãoestãodadas.

Este artigo foi escrito a partir da experiência nas políticas de Educação Ambiental no primeirogoverno Lula, junto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), e no segundo governo Wagner, naSecretariadoEstadodoMeioAmbiente-BA(SEMA).Osdesafios relacionadosàexperiênciadecorremdas características históricas do Estado brasileiro e da dispersão/contradição política entre asabordagensdaEducaçãoAmbiental.Umadifícil questãoqueanimao texto é: cabeouquanto cabeuma perspectiva de Educação Ambiental crítica e transformadora em um Estado historicamenteresistenteàmudança?QuandodentrodoEstado, nãohá como ter certeza seestamosdeglutidosealimentando um velho dragão imutável ou se dentro de uma crisálida, que pode transformar-setambémdedentroparafora.

Marx(2006)demonstrouqueoEstadomodernoéumaparatoparadominaçãodeumaclasseporoutra. Chauí (1995) assinalou o caráter violento do Estado brasileiro e seu impacto sobre a culturapolítica. Faoro (2001) disse que o Estado brasileiro é ummonstro patrimonialista que se constituiucomobraçodaeliteecontraopovo.Bourdieu(1998)assinalavaacentralidadeeforçadoEstadopró-Capitalemdetrimentodafrágildimensãosocialdomesmo.AteoriamarxistaeasteoriascríticassobreoEstadomodernoapontamessecaráterassociadoàmanutençãodostatusquoedos interessesdaclassedominante.

ÉpossíveldesfilarumainfinidadededadosquedemonstramofatodequeoBrasiltemterríveisfundamentoshistóricosquesereeditamaolongodotempo:háoabismodedesigualdadeeconômica(ÍndicedeGINIentreospioresdomundo),apéssimadistribuiçãodeterras,asenormestransferênciasderendadopovoparaosmaisricospormeiodopagamentodejurosdadívidapública,umpaísqueseguecomoexportadordecommodities,comohá500anos.Esteúltimofatoéagravadoereforçadopela adoção de um modelo industrial energo-intensivo, que demanda mais e mais produção deenergia, pela desindustrialização ou reprimarização da economia e pela crescente competitividadeeconômicaglobal,dependentedaprecarizaçãodascondiçõesdetrabalhoedadegradaçãoderecursosambientaiscomoexternalidadenoscustosdeprodução.

O Estado brasileiro,mesmo nos poucos períodos em que é conduzido por grupos que queremmudarocenário,nãoconsegueexorcizarestesfantasmascentenários.Apesardisso,mesmoaosmaisobstinadoscompanheiros, insistoemdizerquenãomepareceadequadoou justoconsiderarqueosgovernossejamtodosiguais.HágovernosquepossibilitammaisoumenosatransformaçãodoEstadoedasociedade.Esseétemaparamaismuitasconversas,nãoparaesteartigo.OfatoéqueoBrasilnãomudasimplesmentecomcanetadasouvontadedegovernantes.Certamente,oBrasilnãomudacomavelocidadequegostariaumaboaparceladoseducadoresambientaisbrasileirosedamilitânciadosmovimentossociais.

Algunsaspectossignificativosdosgovernosrecentes(2003-2012)merecemdestaque:oíndicedeGINI fez uma inflexão apontando a redução da desigualdade; o Brasil tem o maior programa detransferênciaderendadomundo–28milhõesdepessoassaíramdafaixadapobrezaextrema;oBrasilpassou de devedor a credor externo; tem-se aberto universidades públicas emum ritmo acelerado;concursos públicos tomam lugar de cargos temporários e contratações discricionárias; osinvestimentosemhabitação,água,esgotoeluzestãomudandoocenárioemmuitoslugaresdopaís.Aindaquehajamuitooque fazer,equealgunsaspectosestruturaispareçam inamovíveis,há fortessinaisdemelhora.

OpapeldaEducaçãoAmbiental,nestecenário,variaconformeacompreensãoquesetemdelaedopróprioprocessodedesenvolvimentobrasileiro.Estetextotratarádestaedeoutrasdificuldadesdodesenvolvimento das políticas de Educação Ambiental sob uma perspectiva crítica, popular etransformadora.AfortetendênciaemorientaraspolíticasdeEAcomonovaEMC159

Paraquemnasceuapósadécadade80ficadifícilentenderestesubtítulo:EducaçãoAmbientalcomonovaEducaçãoMoraleCívica.Estadisciplina,EMC,foicriadanoregimemilitareimpostaatodoocurrículobrasileiroentre1969e1993.AEMCensinavaaHistóriadoBrasil comoumcaminharnadireçãodagrandezaedoprogresso,asociedadebrasileiracomoumharmônicocaldeirãoderaçaseexortava cada jovem a tomar seu lugar nessa construção. A EA como nova EMC concentra-se naalfabetização ecológica, na instrução do povo para seguir determinadas normas consideradasecologicamente corretas. Parte-se da falsa premissa que o problema ambiental é decorrência docomportamentodaspessoas.

Não tentareiaquiaprofundaresta reflexão.Elanãoé tãosimplescomoparece.Carvalhoetal.

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(2010)demonstramqueaEAcaminhaentreanormaeaantinormatividade,equeodesafionãoéatrivialescolhaentremodelosmoralistase libertários.Paraprosseguircomestedebate, recomendoaleituradestetexto.

No que tange às políticas de Educação Ambiental, a dificuldade é lidar com uma expectativaconcentrada neste caráter moralista e normatizador da Educação Ambiental. A maior parte dostécnicos do sistema de meio ambiente espera que se promova uma Educação Ambientalecocivilizatória, com todos os conteúdos prontos. Se o gestor da política de Educação Ambientaltrabalhar nesta perspectiva moral e cívica, será mais facilmente compreendido e apoiado. Casopretendaoutracoisa,teráquetrabalharmuitoparaconvencerosistema(administradores,superiores,técnicos,procuradoriajurídica).

AEducaçãoAmbientalnoBrasilviveumparadoxo:porumladoconseguiuavançarnaformulaçãodas leis – de algumaestrutura para desenvolvimento das políticas e de certo “consenso” sobre suaimportância–,masporoutro,eladeveseateraumpapelrestritoesecundário.TodososprogramaseprojetosdegovernotendemaincluirEducaçãoAmbientalcomoumcondimento,queagregaalgumasoficinas e palestras sobremeio ambiente. Apesar de todos considerarem (no discurso) a EducaçãoAmbientalcomofundamentalparaagestãoambiental,paramuitosdentrodaestruturadoMMAoudaSEMA não se espera dela mais do que se espera dentro das grandes empresas. Se a EducaçãoAmbientalpudergerarboasfotografiasebomefeitodemídia,tantomelhor.Oimportanteéquenãoincomodeemtermosdevolumedepessoalerecursosdemandados.OpadrãoONGdasPolíticasAmbientais,eemespecial,daEducaçãoAmbiental

Váriosgestoresdaáreaambiental tendemapensaroEstadocomoseeste fosseumaONG,sóquemaispoderosaqueamédiadelas.SenaONGeletentavaplantar50hectaresdeflorestasematasciliaresporano,noEstadoelesimplesmentemultiplicaestevalorpor100emandacolocarnoPlanoPlurianual.Elesóesquecequeodesafioédaordemdemilhõesdehectaresequeascausasquelevamàreduçãodabiodiversidadecontinuamatuandoemritmosuperioràrestauração.

Se já é difícil fazer os gestores ambientais compreenderem que precisam mudar a forma depensar, mais difícil ainda quando se trata da Educação Ambiental. Das “políticas” de EducaçãoAmbientalesperam-secursos,oficinasepalestrasnasescolas(depreferência), tudoartesanal,cheiode crianças e muito lúdico. Esquece-se que, mesmo um curso para 30 professores, não estariaatendendo nem um milésimo do quadro. O outro tipo de abordagem esperada é o das grandescampanhas,geralmentecarregadasde“moralecívica”enormatividade.Alémdafaltadecriatividadeedafaltadecompreensãodosdesafiosdentrodogoverno,há,muitasvezes,afaltaderecursosedepessoalparatrabalharnaescaladoterritórioestadual.Oinamistosolugardacríticae,porconseguinte,daEducaçãoAmbientalcrítica

Nãoseesperaquequemestejadentrodogovernocritique-oempúblico,masissonãosignificaque não se possa ou não se deva pensar criticamente o desenvolvimento de um governo e dasociedade.Adificuldadeemproduzircrítica,internamenteaogoverno,estáemdoisaspectoscentrais:aexistênciadeumatrupeufanista, fisiológica,agressivo-competitiva,quenãoperdeaoportunidadepara,nocontatocomacrítica,acusartraiçãoouvacilooposicionista;eahegemoniadopragmatismodoEstadogerencial.Nãohátempopara“viajar”,“temosmuitoafazer”.Eopioréqueissoéverdade!Hámuito o que fazer emelhorar pormeio da boa gerência do aparelho do Estado, emuita dessasações,meramentegerenciais,sãoimportantesedecisivas.

Outroargumentocontundenteéodosucessoderendaepúblicodomodelodesenvolvimentista.Oditado “em timeque está ganhandonão semexe” domina os sentidos e empurra paramanter opadrãodejogo.Poroutrolado,ainstauraçãodacríticadaSociedadeedoEstadofazpartedoprocessode uma EA crítica. Cada ato merece ser escrutinado, indagado quanto aos seus benefícios,beneficiários,prejuízoseprejudicados.Oproblemaéqueopensamentodogmáticoestáàsolta.Seeudigoque tenhodúvidassobrea transposiçãodoSãoFrancisco, recebocríticas (epouca informação)tantodoscompanheirosdegovernoquantodoscompanheirosquemilitamcontraoprojeto.OmesmovaleparaBeloMonte.Frenteàmanifestaçãodadúvida,osquesãoafavormeperguntamseprefeririaUsinasNucleareseTermoelétricas,eosquesãocontraperguntamseeusoucontraosindígenaseafloresta.

ComonosapontaLourenço(2010),discutiroconceitodocivismoensinadonasdécadasde70e80,paraoqualenvolver-se,erapermanecerpassivoecomumaatitudementalconfianteeotimista.Entre o dogmatismodo ambientalismodasONGse o pragmatismodo ambientalismodeEstado,hápoucoespaçoparaconstruçõescríticas.OqueseriaumaPolíticaPúblicaparaumaEAcríticaetransformadora?

Esta é uma pergunta que não quer calar. Não há consenso sobre ela. Até 2003, a EducaçãoAmbiental, que atendia pelos codinomes de crítica, transformadora e/ou popular, se encontravabastante coesa. O único espaço dela, dentro do Estado, era o curso conduzido no âmbito daCoordenação-Geral de Educação Ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos

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Naturais(CGEAM/IBAMA).AtentativadedesenvolverumapolíticadeEAtransformadorapormeiodoscoletivoseducadores,duranteagestãodeMarcosSorrentinonoMMAfoi,emminhaopinião,oesforçomais contundente nesta direção. Entretanto, segundo outras opiniões, esta estratégia revelaria umalinhamento com o Neoliberalismo e uma intenção de fortalecimento das ONGs em detrimento doEstado.ApolíticadeEApautadanoscoletivoseducadoresfoiabandonadasemavaliaçãosuficienteeimparcial,umavezquesuaextinçãofoidecididanoprocessoqueresultounasubstituiçãodoprofessorSorrentino.

OscríticosdaabordagemdoscoletivossemprepropuseramcursosdeEAcríticaparatécnicoseanalistasdoIBAMA.EstaeraaestratégiaparaqueumaEAcríticapercolassepelagestãoechegasseàbasedapopulação.Acapacidadedeelaboraracríticasocialtinhaumlócuscentral,aCGEAMdoIBAMAealgunsacadêmicosqueparticipavamdoscursosministrados.

Nãomeparecequeacapacidadecríticasejaensinadapormeiodecursosetampoucoqueelaseja prerrogativa de intelectuais. Acho que está em questão a perspectiva de Teoria Crítica e aconfiançanacapacidadeeinalienabilidadedacríticaformuladapelopovo,aoanalisareinterpretaromundoporsimesmoecomapoiodeseusprópriosintelectuais.

Outra questão é o alcance de uma estratégia que só pode emergir a partir de uma dúzia decabeças.Parece-meumaperspectivaelitista,tantodeEducaçãoAmbientalcomodeaçãopolíticaedemundo.Ouseentendequeháumconhecimentocríticoaserrepassadodosintelectuaisparaopovo,ouseentendequeoconhecimentocríticosópodeserproduzidopelosujeitohistórico,noprocessodeinterpretaromundoeseulugarnele.

OgraudeconflagraçãopolíticadocampodaEducaçãoAmbientalémotivodechacotadentrodaestruturadegoverno.Paraalguns,écomoseduascriançasestivessembrigandoporalgomenor.Bem,oimportanteénãoperderdevistaoquesebusca;nãoconfundirosmeioscomosfins.Hoje,parecequealguns importanteseducadoresambientaisestãoocupadosemobterahegemonia,aaclamaçãode seus meios e em denunciar os diferentes. Secundarizaram os fins libertários e se ocupam deconvencerosoutrosdeseusmeiosedesuasposições.Algoquesepode tristementeafirmaréqueuma política de EA de caráter crítico e transformador não tem naufragado pelo seu grau depericulosidade para o Capital ou porque o Estado é impermeável e rejeita abordagens críticas etransformadoras. Os cursos da CGEAM e os coletivos educadores foram prejudicados por outrosmotivos,menosnobresemenosinstigantes.

Voltemos nossa atenção para este desafio ainda posto: o de pensar estratégias para políticaspúblicasdeEA.OobjetivodaEAcríticanãoéaaclamaçãooureprovaçãodeBeloMonte,HidrelétricasdoMadeira,usinasnucleares,transposiçãodoSãoFrancisco,produçãodeetanol,exportaçãodesojaeminério, Ferrovia de Integração Oeste-Leste, Porto Sul, privatização da Vale, mudanças do CódigoFlorestal,transgênicos,gastosmilitaresouexploraçãodoPré-Sal.

Rigotto(2002)eBermann(1992)acusam,respectivamente,aimportaçãodeindústriassujaspeloCeará e de indústrias com alta demanda energética pelo Brasil. Rigotto aponta três aspectos quefavorecemesteprocessosemquehajareaçãodapopulação:afaltadeinformaçãoclara,aeducaçãopúblicadeficienteeadesigualdade.Opoucoacessoainformaçõesclarasimpedequeapopulaçãosejaconvidadaapensarsobreosassuntosquelhesdizemrespeito.Aeducaçãopúblicadeficientedificultaainterpretaçãodas(poucas)informaçõespertinentesacessadas(qualidadeambiental,efeitossobreasaúde, relações socioeconômicas e geopolíticas implícitas emumempreendimento). A desigualdadeleva a umaabsurdadiferenciaçãonadistribuição debenefícios e prejuízos de umempreendimento.Comtalabismodesignificadosocial,umempreendimentotendeaseraclamadoporalguns,aindaqueprejudiquegravementeumamaioriadesinformadaedesorganizada.Osprejuízosambientaisaindatêma“vantagem”decriarmercadosocupadosprivadamentepelosfavorecidos,comoaáguamineral,osclubes,osparques,osalimentosorgânicos,oscondomínios,etambémpodeampliaraofertademãodeobrabaratapeladesterritorializaçãodosprejudicados.

Frente a esta realidade, que desafia a Educação Ambiental, os papéis de uma política públicarelacionam-se à informação, à capacidade de interpretação coletiva e à organização social. Umapolítica de EA crítica tem, por conseguinte, a função de multiplicar espaços de ação e reflexãocoletivas. Tal compreensão fundamenta-se tanto na perspectiva das comunidades interpretativas,propostasporSantos(2002),quantonapesquisa-ação,defendidapor importantesautoresbrasileiroscomo Eda Tassara, Moema Viezzer, Carlos Brandão e Marília Tozoni-Reis. Não há, sob estasperspectivas,qualquersentidoemcontrolarosconteúdoseasconclusõesdestesespaçosdereflexão.Só a crítica que nasce do processo de construção do conhecimento a partir da interpretação darealidadepodegeraraçãoeemancipaçãosocial.Desafios,brechaseoportunidades

A partir da década de 90, o Estado brasileiro deu início a um processo de descentralização ediálogoqueoriginouosmuitosespaçosdeparticipaçãoempolíticaspúblicasexistentes.Essesespaçospodemcontribuirsobremaneiracomaqualidadedagestãopúblicaecomoconteúdodemocráticodaprópriasociedade.Naáreaambiental,destacam-seosComitêsdeBaciaeosConselhosdeUnidadesdeConservaçãocomoespaçosdeparticipaçãonagestão.NestesComitêseConselhos,apopulaçãopodeteracessoainformaçõespertinentesparaavidanaregiãoeadiscussões/decisõesqueafetamatodos. Tais processos comunicativos e decisórios detêm grande potencial educador, desde que não

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sejamafetadosporumdosgrandes limitesdosquaisestesespaçospadecem:abaixaqualidadedaparticipação.

Aqualidadedaparticipação,segundoDemo(1999),dependedetransparênciadeprocedimentos,participação da base, representatividade e planejamento participativo, características nem sempreencontradas nos Conselhos e Comitês. São comuns o absenteísmo, o personalismo, a hierarquia deposiçãoedeconhecimento,adesigualdadedeforça,arepresentaçãosemcomunicaçãocomabaseeaalienaçãodapopulaçãorepresentada.

O estabelecimento de Grupos de Trabalho (ou Câmaras Técnicas) de Educação Ambiental,reunindo os interessados empromover o enorme potencial educador ambiental no âmbito da BaciaHidrográfica ou da Unidade de Conservação, pode ser uma oportunidade tanto para ampliar ainformação,capacidadedeinterpretaçãoeorganizaçãodabasedasociedade,comoparaaprimoraraqualidade da participação nos Conselhos e Comitês. Estes Grupos de Trabalho requerem apoio eorientação permanentes para sua estruturação, para diagnósticos e planejamentos voltados àelaboração e o desenvolvimento de programas territoriais de Educação Ambiental, com caráterpermanente,continuado,críticoetransformador.

OlicenciamentoambientaleosprojetosdoPACrequeremeoferecemaoportunidadedeampliaro acesso à informação pela população e de financiar processos que favoreçam a constituição decomunidadesinterpretativasjuntoàbasedapopulaçãodiretaouindiretamenteafetada/atendidapelosprojetos ou empreendimentos. O desafio de orientar os projetos socioambientais e educacionais,derivadosdascondicionantesdelicença,écomplexo.Aquantidadedeprojetos,aimportânciarelativadaEducaçãoAmbiental,acapacidadedos técnicosquantoàEA,apermeabilidadedaempresaparaprojetosquepossamimplicarcustosmaisaltosouaorganizaçãosocialcomcarátercríticoepopulardificultamaintervençãodaspolíticaspúblicasdeEducaçãoAmbientalsobreesteuniversotãoplenodepotenciais.Hánecessidadedeintervençõespermanentescomcursos,oficinas,discussões,elaboraçãode materiais, acompanhamento de alguns casos desde a elaboração dos projetos (PAC), dascondicionantes,atéafiscalização.

Outra oportunidade interessantíssima é a formação em Educação Ambiental de técnicos queatuam com extensão/educação nos lugares da vida das pessoas, como é o caso dos agentescomunitários de saúde, agentes de endemia, professores, extensionistas rurais e brigadistas. Adificuldadeéagrandequantidadedestespúblicos,suasagendasrepletas,suadispersãoterritoriale,porvezes,opoucointeresseemprocessosformativos.

Como já foi apontado anteriormente, estas oportunidades e brechas para estabelecimento depolíticasdeEducaçãoAmbiental crítica têmque lidar, cotidianamente, comomodelo de “educaçãomoralecívica”queaspessoasdoprópriosistemademeioambientepossuememrelaçãoàEA,comopadrãopontualdemuitaspolíticasambientaisecomosriscosdeacusaçãoàCrítica(entendidacomooposicionismooumesmotraição).Háquesedestacaraexistênciadealgunsdesafiosadicionais,comoaburocracia,oorçamento,aconstituiçãodeumaequipedetrabalho,acomunicaçãocomterritóriosamplos e atores sociais dispersos. As demandas pontuais, caracterizadas por uma compreensãonormativadeEA,muitasvezesvindasdeorganizaçõesimportantesparaogoverno, levamatensõesouaogastodetempoerecursoscomaçõespoucoestruturantesousignificativas.ConsideraçõesFinais

Como aponta o texto, há inúmeras brechas e oportunidades para o desenvolvimento de umapolíticadeEducaçãoAmbientalcrítica,ampla,continuada.Essasbrechaseoportunidades,noentanto,são cercadas por limites, incompreensões e dificuldades. Um gestor motivado não é condiçãosuficiente. Sozinho, fica necessariamente preso no couro do dragão, cercado de incompreensão,insatisfaçãoecrítica.

Alémdadisposiçãoparaotrabalho,duascondiçõesiniciaisesinequanondevemserdestacadas:aconfiançaeapoiodoschefesimediatos(ministros,secretários,superintendentes)edeumgrupodetécnicosdispostoatrabalharjunto;eaformaçãodeumaequipeapartirdestegrupodetécnicos.Estatalvez seja a principal arte necessária ao gestor. Um gestor que busca implantar uma política deEducação Ambiental crítica encontrará um grupo com outras compreensões e origens dentro docampo.A fortehierarquianasestruturasdegovernopodeserumobstáculoaodebatenecessárioàdefesaeconvencimentorealsobreaEducaçãoAmbientalcrítica.Assim,odiálogoeosprocessosquelevam à constituição de uma equipe coesa e focada são marcados por idas e vindas, silênciosresistentes,desencontrosdecompreensõeseresistênciasdeclaradas.Éclaroqueháumlimiteparaaarte e, muitas vezes, é necessária a recomposição da equipe, o que no limite extremo significademissõesecontratações.Essepassoé,obviamente,silenciadorderesistênciasquedeveriamaflorarnodebate.

Atendidasestascondições, há, certamente, possibilidadededesenvolver políticas deEducaçãoAmbiental crítica. O Estado monstro, violento, patrimonialista, arrimo do Capital, braço da classedominante não é ummonólito, e a transformação deste Estado, de dentro para fora, é tantomaispossívelquantomaispopularforogoverno.Assim,arespostaàquestão“sedentrodocourododragãooudacrisálida”é:“depende”.Dependedequemestádentro,nãosódogestor,masdesuaequipe,dosdemaisgestoresdosistemaedopróprioviésdogovernovigente.REFERÊNCIAS

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POT-POURRIDAECOLOGIADERESISTÊNCIA

MichèleSatoPartilhemos somente o que em nós se continua: a singeleza, a luta e a esperança(OridesFontela).

1.DASMARGENSIMPERFEITASDOPANTANALOPantanaléumapaisagemimperfeitaeinacabada:jádeformadapreteritamente,oraempleno

processodetransformaçãoparaqueofuturotenhaalgumachancedeserviável.Apaisagemnaturalédeabundânciade rios,corixose lagoas,manchadospelas folhasdeumhorizontearborescentecomtroncos enormes de Cambará, nas matas ripárias das margens de estradas, que na seca tornam-semarrons,embotadaspelaspoeirasquesãovarridaspelaaragemqueparecelevantaroprópriochão.Na seca, avistam-se mais espécies da biodiversidade – na essencialidade do canto das aves –, queencontranoPantanalsuamaiorconcentraçãomundial.Umenormeipêamareloévisitadopelasararasvermelhaseosentremeiosdavazanteedaenchenteenriquecem-sedeflores.Éotempodaprimaverapantaneira,queencheoardearomaseosolhosdematizesvariados.

Na cheia, entretanto, as mesmas ruas que serviam de caminhos empoeirados na seca,transformam-seemcorixos–pequenosriosquepreenchemaangústiadaterraemcederseuespaçoàságuas.Atensãoaumentapelasondas,frutosdeumbarcomaiorque,detemposemtempos,passacommaispressa.Parecequeaáguaexercitaumaatividadeexternadasuacalmaria,eapósocaos,remodelamasmargenseoprópriocorixo,compensandoadegradaçãodossolos,numabraçodeaçõesdestrutivas,mastambémreconstrutorasparaacomodaraspaisagens.Masacanoasuavizaoleito,noseudeslizardelicadoqueabrecaminhosnaságuas,fazendocomqueáguaeterrasejamabençoadaspelasbrisasqueserenamosolescaldante.

Namedidaemqueochãoéroídopelaságuas,asraízesdeseusvegetaisosprendem,evitandoqueodramáticomovimentoerosivo –quemuitasvezesnãose limitaaosmovimentosdanatureza,mastambémaosmovimentossociais–destruatudo.Eassim,nadinâmicadelutas,completam-seosciclos,quenãosãocircularesfechados,masespiralizadosincompletos,comoum“caracol”,deManoeldeBarros (1999),acolhendohumanosentreumabiodiversidadesingular,notadamentepelos répteisdeumaimpressãopaleontológicaaquedamosonomede“jacaré”.Osreflexosnaáguasãoperigosos,poisasimagenscircundamaimaginaçãocomopinturassurrealistas,quepropositadamenteentortamasimagensnopequenocaosdaondulação.Enganamosolhoseesvaziamqualquertentativadedefinirapiruetaqueumsentidoepistemológicopossacausar.

SertransportadopelaságuasdoPantanalécomomirarumapassarelaquedesfilacores,formas,aromasesensaçõesflorais.Umcenárioespetaculardediferentesflores,amaioriadasquaisnemsesabemosnomes,masoencantamentoqueelascausambastaparaaquelemomento.Écomoescreverum haikai pressionando o botão para capturar a fotografia do instante. O transporte por estasmiragenspodeserapé,porbarco,canoa,cavalo,tratorouquadriciclo–esteúltimoéumtransporteinventado‘certeauniamente’paraoPantanal(CERTEAU,1984),queporsermais levequeumtrator,causa menos prejuízo ambiental no solo, embora consiga carregar uma quantidade grande demochilas, garrafas de água, câmeras fotográficas, chapéus, repelentes, frutas e sonhos depesquisadores.2.DOSCENTROSINCOMPLETOSDAPESQUISA

SomososestudiososdoGrupoPesquisadoremEducaçãoAmbiental,ComunicaçãoeArte(GPEA),queseaventuramnosterritóriosmato-grossensestentandointerpretaromosaicohumanoemcontatocomoambiente.Construímossonhospara“umoutromundopossível”pormeiodepolíticaspúblicas,aliandoconceitos,teoriasecamposepistemológicos;tateandonaprática,criandométodos,errandoeconstruindo atos praxiológicos, mas que, no fundo, buscam alicerçar a pesquisa no substratoaxiomáticodevalores, fé, ideologiaeéticadequemnãosecansaem tentarcombateras injustiçassociais, reconhecendo que elas estão intrinsecamente conectadas ao mundo biofísico que,lamentavelmente, para muitos, virou mero mercado sob a égide da denominação de “recursosnaturais”.

NãotemosapretensãodeintroduzirumhistóricosobreatrajetóriadaspesquisasemEducaçãoAmbientalemovimentossociais,masnosinteressaenfatizarsobreomovimentoderupturacontraosaspectospositivistasdainvestigaçãoedasreflexõeseducativas.Afinal,foiestemovimentomaistardioquereconheceualgumméritonaeducaçãopopular;todavia,estaeducaçãoaindasofrecertodesprezoatéosdiasatuais.

No imaginário simbólico da maioria, ainda residem certos preconceitos sobre termos como“popular”ou“tradicional”,poisconotamalgo“fácil”ou“atrasado”.Movidaporumalógicaracionalistaehierarquizante,aordemsocialdaModernidade,aindabastantevigenteatéosdiasatuais,émarcarclaramenteodistanciamentoentreaculturaeruditaeaculturapopular(CHARTIER,1990),paraqueaeliteseapropriedopodermaterialemantenhaostatusquo.

Entendemos que a elite não é somente uma casta social, mas aquela também impregnada no

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âmbitodasciênciase,infelizmente,nomundodaspesquisasdasciênciashumanas,queaindatêmaeducaçãopopularcomo:

em alguns momentos foi tida como a educação dos movimentos anarquistas sindicais, emoutros adquiriu o sentido de educação veiculada pelo Estado, que tinha a dimensão deassegurar a educação para todos. Portanto, educação popular como expressão de umaeducaçãodebaixaqualidade,quepoderiaatenderaosreclamosdopovo,oumesmoatenderaalguma tendênciadapolíticaeducacional localouaténacional,masdequalidadediscutível.Nas seis últimas décadas, todavia, educação popular adquire derivação de metodologia, delinguagem,deexpressãopedagógica,políticaeatémesmodetécnicasdidáticas,comviesesnosmaisdistintosmovimentos sociais revolucionários, sobretudo,no séculopassado (MELO-NETO,2011,p.3).

Oquenosmotiva,entretanto,éexatamenteestaoutrapartequeninguémse interessamuito,porque marginalizada, tanto do ponto de vista econômico como social, pulsa um poder político eimaterialqueofereceumdensoarcabouçoteóricodepesquisa.Éprecisoadmitir,nestecontexto,quenão temosapenasumapretensãocientífica, temos tambémumcompromissomarcadamente social.Paraalguns,fazemosmilitânciaaoinvésdepesquisa.SituaçãosimilarsofreuograndeeducadorPauloFreire (2000).Apósa suamorte, suamulherAnita colheuosmanuscritosainda inéditoseos reuniunumaúnicaobra,ondeháum“desabafo”domestreque,porremeteraeducaçãoconstantementeaocampopolítico,eramuitocriticadoporalgunsacadêmicos:

(...) Certos críticos da direita insistem em dizer que não sou educador, ou um pensador daeducação, mas um ativista político. É importante afirmar que os que negam em mim apedagogicidade,afogadaeanulada,segundoeles;nopolítico,sãotãopolíticosquantoeu.Só,obviamente,queemopçãodiferentedaminha(p.89).

Nãohá,porcerto,nenhumjulgamentolivredetendências,jáqueaténocampodaarte,“muitasvezes, as atribuições de beleza ou feiúra eram devidas não a critérios estéticos, mas a critériospolíticosesociais”(ECO,2007,p.12).

Por isso,pretendemosdebatero ladoquegeralmenteénegado, comona “História da Feiura”,apresentadoporUmbertoEco (Op.cit.), porque talveza feiura sejamais interessanteepropositiva.Provocando certo mal-estar na “História da Beleza” (ECO, 2010) da Educação Ambiental, queremosadentrarnumjogodeespelhos,eoqueestánamiraéanovamaneiradesefazer,pensaresentiraEducação Ambiental. Assim posto, anunciamos que, o que nos interessa neste texto, são as novasformasdeseinterpretarfenômenos,aindaquepossamserosmesmosfenômenos.

É uma troca de lentes para retirada do holofote das hierarquias ou dos velhos métodos de serepetirciências:queremosmuitomaisdoqueaanálisefriadorigorquefetichizaoconhecimentopormeio de comprovações e testes para que o produto seja instituído como novo paradigma científico.Aliás, duvidamos deste ou de qualquer outro modelo, e não temos nenhuma querência em instalaroutroprotótipoqueaniquilaasdiferenças,senãoodelibertaroespíritoereinventarnovasmaneirasde se construir conhecimentos. Aqui, talvez, nem o caos consiga impor o arranjo para ordenar opensamento.Arazãopuraeisoladanosdesorientaeprecisamosmesclá-laentreosvaloreséticoseasboasdosesdesentimentos.

Precisamosda“artequeentrelaçaoserbrutoeoespíritoselvagem(...)abraçadosnovisível,noindizível e no impensável” (CHAUÍ, 1994, p. 469) de uma pesquisa em Educação Ambientalfenomenológica,capazderevirarosaberhierárquicoinstituído,adicionandoosentirinstituinte.Nãosetratadedestruirumladoparavalorizarooutro,poissearacionalidadeformesmointeligente,saberáreconhecerqueaéticaexigediálogosenãoaniquilamento.Diálogos tensivos,porvezes,emanadosporgenteteimosaqueinsistenaesperança,semtemerocaos.

E exatamente por isso, os movimentos sociais de Mato Grosso buscam também incorporar aespiritualidade como pauta nas lutas que constroem as políticas públicas. E valem também outrosvaloresdefé,narrativas,“causoseassombrações”deentidadesencantadasquepovoamoshabitatsmato-grossenses, em cartografias do imaginário que suscitem boas doses de espiritualidade comoconstituinte da luta política, pois é parte intrínseca da trama que movimenta a rede de diálogos(MANGUEL&GUADALUPI,2003;SATO,2005).

Assim,dividimosotextoemquatrograndeseixosquetentassemseaproximaraosdesafiosdos“direitos humanos, sujeitos e movimentos sociais: educação do campo, quilombola,ambiental e relações de gênero”, tema amplo e genérico que agrega os debates na AssociaçãoNacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd) e em demais congressos, instâncias einstituições.

Embora não tenhamos a mínima pretensão de dar conta de abordar todos estes aspectos demaneirafecunda,atéporquecadaumdestesitensofereceriamotivoparadiversosartigosedebatesinfindáveis,arriscamostecercertasconsideraçõesemfunçãodenossasvivências,numapropostade“pot-pourri” que, sem querer ser superficial, não consegue se adensar em cada item, senão pelaagregaçãoem4eixosdeformação,demilitância,depesquisaedeinternacionalização,conformeossentidos construídos em algumas vivências junto aos movimentos sociais, ora sendo a protagonistadireta,oradialogandocomaspautasdosmovimentossociais.

Assim,ancoramosnossasexperiênciasem:1. UmaVIVÊNCIA FORMATIVA, comomarco da experiência em se construir uma proposta de um

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CursodeGraduaçãodaEducaçãodoCampoeumCursodeEspecializaçãoemEducaçãoAmbiental,provocada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ora em plenodesenvolvimentopelaUFMT;

2.UmaVIVÊNCIAMILITANTE,comonarrativadeumaexperiênciademobilizaçãosocialeacriaçãodeumGrupodeTrabalhodeMobilizaçãoSocialqueagregaossujeitosdosmovimentossociaisnaconstrução de um mapa social de MT, cujos frutos e seus desdobramentos corroboram com aComissãoEstadualdeDireitosHumanosedaTerra;

3.UmaVIVÊNCIAINVESTIGATIVAnoquilomboMataCavalo,cujoprojetotambémabarcavaestudossobre as relações de gênero e as lideranças femininas, mas contêm diversos outros enredos doracismoambiental,dadançadocongoderesistênciaoudaartepopularedaEducomunicaçãocomotáticasdepesquisadeumgrupopesquisadormilitante;

4.EfinalmenteumaVIVÊNCIAINTERNACIONAL,queagregatodasasdimensõesacimanomarcodeconvênio internacional com a Organização das Nações Unidas (ONU). Sob o guarda-chuva doInstituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Áreas Úmidas (INAU), coordenado pelo Centro dePesquisa do Pantanal (CPP) e diversas universidades localizadas no Pantanal, o GPEA é líder doLaboratórioSocialnº5,queversasobreas“práticasculturais,socioeconomiaeeducação”.

2.1VIVÊNCIAFORMATIVA:EducaçãodoCampoeoMST“AmarchadoMSTcontestaostatusquodoBrasil (...)OMSTsubvertepercepções,normasecostumestradicionais.Eleperturbaa‘ordemnaturaldascoisas’”(CARTER,2010,p.36).

Na análise política de Miguel Carter (2010), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST)temumasofisticadaorganizaçãopopular,abarcandotodoterritórionacional,hojecomescolasdenívelfundamental,médioesuperior,comdiversosmeiosdecomunicação.Eapósadécadade90,tomouforçaevisibilidade,tornando-seumdosprincipaiscríticoscontraoprojetoneoliberalinstituídonoBrasil.Acreditandoqueoprocessoformativofortalecealutacontraocapital,oMSTtornou-seumainspiraçãodelutaaosdiversosmovimentosdaAméricaLatina.

OMSTéumsegmentodasociedadecivil, forteemseus“articulamentos”160políticos,atuantenaspolíticaspúblicas,eparticipantedosmovimentossociais,essencialmenteligadosaoscontextosdesituações vulneráveis e de exclusão social. Há, todavia, uma orientação política que o tornaindependente e com dificuldade em definir se o MST é um novo ou velho movimento social, ou seambos (FERNANDES,1999).O importanteéquesedinamizae consegueestarpresentedemaneiramuito intensa nos processos de mobilização social. Na sua natureza de talento, faltam, ainda,processosformativosformais,comotodoserhumanonaTerra,atéporquePauloFreire(1986,p.34)jádiziaque“estudaréumatorevolucionário”.

Noanode2010,oMSTprocurouareitoriadaUniversidadeFederaldeMatoGrosso(UFMT),comumalistadeprofessoresporelesescolhidos,paraapresentarasolicitaçãodacriaçãodeumCursodeGraduaçãovoltadoàformaçãoemEducaçãodoCampo,etambémdeumCursodeEspecializaçãoemEducaçãoAmbiental.

Apoiada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES), acomissãoresponsávelpromoveuoSeminárioNacionalemjunhode2010,convidandoespecialistasesujeitosatuantesnasdiversasexperiênciasespalhadaspeloBrasil,mantendocomometanãoapenasadivulgação,visibilidadeecompartilhamentodasexperiênciasprévias,mastambémasaprendizagensadquiridasparaaprópriaousadiaempropornovosprojetosaostrabalhadoresruraisdocampo.E,defato, as ricas experiências narradas contribuíram significativamente ao debate e às sugestões queparcialmenteseencerramnapropostadeumCursodeEspecialização,devendoseconsolidarnofuturopormeiodeumcursodegraduaçãointrinsecamenterelacionadoàviacampesina.

Odebate sobreas concepçõespolíticaseepistemológicas tomouumano inteiro, e finalmente,julgamosadequadoiniciarmoscomumCursodeEspecialização,quetambémserviriacomoumespaçoeducador para se gerar ideias e construir uma proposta de graduação. Assim, a complexidadecurriculardoCursodeEspecializaçãoseancoraem4círculosdeculturadoPauloFreire,com90horascadacírculo,contendodiversostemasgeradores,amaioriade15horas:(a)Teoriasdoconhecimento;(b)EducaçãoAmbientalcampesina;(c)Política,ciênciaetecnologia;e(d)Políticadoensinosuperior.

OTrabalhodeConclusãodoCurso(TCC)poderáserumamonografia,frutodeumapesquisaoudeensaioteórico;ummaterialpedagógico,comofascículooujornal;ouainda,umartigoquepoderáser submetido à publicação. No contexto da proposta ainda em marcha, o articulamento destaproposta chega ao sentido de fortalecer a função social das ciências estabelecendo a dimensãoambiental como núcleo, sem se limitar a ser multidisciplinar entre as diversas áreas do saber, mastambémnatransversalizaçãodeváriasentidades,pessoasesonhos.

Demaneirageral,osobjetivosdocursovisamfomentarodebateparageraracapacidadecríticade definir as linhas políticas, contribuindo para a implantação e difusão nas bases, em suas açõescotidianasenasinstânciasdaorganizaçãodopróprioMST.SegundoaCartilhasobreosprocessosdeformação(MST,2009),éprecisoextrairdaculturaummeiodeaprenderaresistênciaea liberdade,incentivandopequenasaçõescotidianascapazesdefomentaraguinadaconceitualrumoàsmudanças.

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Entrediversosobjetivos,destaca-seapreocupaçãoemindignar-secontraasinjustiças,lutandocontraelas com ética e valores socialistas, que constituem o objeto de pesquisa de um doutorando emEducação161.

OCursodeEspecializaçãoestáemplenoprocesso,eosresultadosdeverãoserdivulgadosnumaetapaposterior.Eleéoferecidopresencialmente,nosmesesdefevereiroenovembro,no“CentrodeFormaçãoOlgaBenárioPrestes”(Foto1)etemapoiofinanceirodoProgramaNacionaldeEducaçãonaReformaAgrária(PRONERA).

Foto1:ReuniãodoFórumdeDireitosHumanos.

Foto:MichèleSato.

Oqueesperamoséqueasvirtudesformativascorroboremcomosentidoéticodocompromissoemmanteraposturacríticacontraahegemoniadocapital, subvertendoanormalidade,paraqueaapariçãodenovossujeitospossacriarerecriaromovimentodoMSTnomarcodesualuta.2.2VIVÊNCIAMILITANTE:OMapaSocialeosConflitosSocioambientais

“Uma unidade social (...), por seus desígnios peculiares, tem o acesso aos recursosnaturaisparaosexercíciosdeatividadesprodutivas,quesedánãoapenasatravésdastradicionais estruturas intermediárias do grupo étnico, dos grupos de parentes, dafamília, do povoado ou da aldeia, mas também por um certo grau de coesão esolidariedadeobtidofaceaantagonistaseemsituaçõesdeextremaadversidadeedeconflitoquereforçampoliticamenteasredesdesolidariedade”(ALMEIDA,2004,p.03).

A Secretaria de Estado de Planejamento (SEPLAN) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente(SEMA) fizeram um estudo de 20 anos sobre o zoneamento do Estado de MT, e o projeto foiencaminhadoàAssembleiaLegislativa(AL)noanode2008,paraapromoçãodasaudiênciaspúblicasnas 12 regiões políticas do Estado, incluindo um seminário formativo de 3 dias, que antecedia asaudiênciaspúblicas.

O Zoneamento Socioeconômico Ecológico (ZSEE) apresentava a proposição social de maneirafrágil e logo a Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental (REMTEA) promoveu uma oficina paradebater o projeto, lançando a proposta de um mapa social, com vistas a identificar as diferentesidentidades,umavez conhecidoo território, e sobopretextodeque “aspolíticaspúblicas só serãodemocraticamenteconstruídassehouverintencionalidadeespecíficaemcadaterritórioquecontempleasmúltiplasidentidades”(SATOetal.,2008,p.06).

Entreasdiversasarticulaçõesearticulamentos,foicriadoumGrupodeTrabalhodeMobilizaçãoSocial(GTMS)comoobjetivodeacompanharasmovimentaçõesetrâmitesdozoneamentodemaneiraparticipativa.Epelaprimeiraveznahistóriadamilitânciamato-grossense, inúmerasorganizaçõesesujeitossealiaramparaquealeiterritorialcontemplasseasproposiçõesdasociedadecivil.Apóstrêsanosdelutas,inúmerasreuniões,fóruns,materiaispedagógicos,atospúblicos(Foto2),manifestoseabaixo-assinados,finalmente,em2010,oprojetofoiaprovadopelosdeputadoscomumnovodesenhoextremamente alterado (substitutivo 3), e que nem de longe contemplava as proposições ereivindicaçõesdoGTMS.

Foto2:Manifestaçãopúblicaafavordozoneamentoparticipativo.

Foto:MichelleJaber.

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Alterando normas e até invadindo terras indígenas de envergadura legal federal, o projeto foisancionado pelo governador em 2011 e hoje enfrenta a Promotoria Pública Estadual, além daresistênciadomovimentoqueconseguiuintegrarpessoasdetodoEstado,dediferentesorganizaçõesetendências.Assim,oprojetoaprovadonãocontemplouaspropostasfeitaspelaamplaparticipaçãoda sociedade e nem reconheceu as diversidades de ocupação dos territórios mato-grossenses; aocontrário,conduziuaumordenamentoterritorialvoltadoexclusivamenteparaatenderasnecessidadesdeumaminoriavampirescadoagronegócio.

Valeriatranscorrermaisdensamentesobreaessênciadapalavra“PARTICIPAÇÃO”,apregoadapormuitoscomoachavedosprocessosdemocráticos,comosegarantisseossonhosdasociedadecivilemfunção do envolvimento popular. Aprendemos, a duras penas, que nem sempre se faz históriademocrática por meio da participação. Nunca tivemos tantos momentos de partilha, coletividade,mobilizaçãoecuidado,e,noentanto,nossasvozesnãotiveramaudiênciadesejadaaogovernoeaosparlamentaresligadosàhegemoniadoagronegócio.

Sucumbidosporumaamargaderrota,talvezaguinadaconceitualtivesseaprendizagensemduasfaces:aprimeira,emaprenderquenemsempreseganhapormeioda forçasocial,equeapalavra“participação” carece de mais compreensão por parte de quem toma decisões, seja Executivo, sejaLegislativo.Asegundaliçãoaprendidafoitentarconvivercomogostoamargodo“fracasso”,palavraodiadapelamaioriaquebuscao sucesso, na realizaçãodeumsonho,dramaticamentematerial – osucessocompreendidocomobemmaiordeumaação,naintolerávelatitudedeexclusãoaoperdedor,ao mais fraco ou ao mais mortiço. Mas para quem escolheu estar junto com os grupos sociaisvulneráveis,aprenderaperdertambéméumaextraordináriasabedoriaquenãoseencontraemlivros,senãopelacoragemdeselançareseenvolver,deinexoravelmentelutarpeloprocessoderevelaremqualladoseluta,semaguardarqueofinalsejasomenteodavitória.

Nesse processo, nossa maior aprendizagem veio por meio de três pesquisas essenciais àspolíticas públicas de MT, sob o projeto “Identidades e territórios: caminhos para uma cartografiasocioambiental”, com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico(CNPq).Anterioraesteprojetodepesquisa,paraaconcreçãodomapasocial,oGPEAteveapoiofinanceirodoMinistériodoMeioAmbiente(MMA),doInstitutoChicoMendesdeConservaçãodaBiodiversidade (ICMBio) e, essencialmente, o apoio significativo da Secretaria de Estado dePlanejamento(SEPLAN),notadamentesobaregênciadosecretárioYênesMagalhães.

Destesprojetos,resultaram:umadissertaçãodeMestradoqueabordaoprocessodeconstruçãodoGrupodeTrabalhodeMobilizaçãoSocialedetodapolíticadeparticipaçãodasociedadecivil162;uma tese de Doutorado que traçou o mapa social, identificando os habitantes e seus hábitos noshabitatsmato-grossenses163;eumaoutra tese,aindaemcurso, sobreomapeamentodosconflitossocioambientais, identificando os principais dilemas e fragilidades164. As duas teses, hoje, sãoreconhecidascomoinstrumentosdaspolíticaspúblicas,inclusivepelaProcuradoriadoEstado,alémdefazerum importanteaporteaoFórumdosDireitosHumanosedaTerradeMatoGrosso.EambasasautorasfazempartedaComissãodeRelatoriadoano2011.

Apenasatítulodeinformaçãoebeleza,comoingressodoGPEAnoFórumdeDireitosHumanos,este coletivo busca redesenhar seu próprio nome. E a grande inovação é a retirada doantropocentrismoeaaceitaçãoparaqueofórumpasseaserchamado“FórumdeDireitosHumanosedaTerra”165.2.3VIVÊNCIAINVESTIGATIVA:MataCavaloeJustiçaAmbientalnasRelaçõesdeGênero

“Dizerqueasmulheressãoamaioriacomumnívelmaisaltodeescolaridadeéalgoimportante, mas implica em reconhecer que é necessário incentivar os homens,principalmenteosmaisjovens,paraquetambémpassemaestudareaparticiparmaisdas decisões políticas do quilombo. Foi e continua sendo muito importante que asmulheresestudem,tomemposiçãodecomandoesejamemancipadas,masoshomensprecisam caminhar juntos nessa emancipação ou ela continuará gerandodesigualdade”(MANFRINATE,2011,p.146).

ParticipantesdaRedeBrasileiradeJustiçaAmbiental(RBJA)166,oGPEAcomeçousuapesquisanoquilombo Mata Cavalo, em 2006, por meio do projeto “Territorialidade e temporalidade de MataCavalo”,sobofinanciamentodaFundaçãodeAmparoàPesquisadeMatoGrosso(FAPEMAT).Diversasdissertações foram defendidas no âmbito deste projeto, mas o foco aqui será nas relações degênero167.

MataCavalotemdiversosconflitosculturais,étnicos,políticosetambémsocioambientais.Grandeparte dos danos ecológicos existentes na área da antiga terra de sesmaria foi causada pelosfazendeirosda localidade, tais como:assoreamentodos rios,desmatamentodeextensasáreasparacriação de gado, destruição das nascentes, desmatamento das matas ciliares nos córregos e rios,queimadas,pescacomredeecontaminaçãodosrios.Garimpeiros,grileirosesem-terratambémforamresponsáveispeladegradaçãodoambientebiofísicodalocalidade,oraperfurandoosoloàprocurademinério,causandoosurgimentodeextensaserosões,oradestruindonascentesedesmatandoamata

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ciliarderiosecórregos(SATOetal.,2008).Paralelo ao processo de degradação ambiental, há também um conjunto de síndromes da

patologia social. Na esperança de Porras (2008), o combate ao racismo ambiental está além dasciências e legislações, e é preciso um amplo movimento internacional de base (grassroots) onde aeducação tenha seu papel destacado, para que estas comunidades consigam ser autônomas nogerenciamento do ambiente, por meio das táticas preventivas de saúde e de empoderamentosocioeconômico.Paraumajustiçainclusiva,Elzinga(1997)evidenciaaeducaçãocomoessencialparaquea comunidade compreendaos fatores de riscos, buscando táticas quepossamdesafiar o poderhegemônicodaexclusãosocial,construindoconhecimentoàcompreensãodequeaculturalocalestánacompletaeintrínsecaaliançacomanatureza.

Em Mata Cavalo, a liderança é essencialmente feminina, marcadamente por professoras. Paratentarconheceraorigemdestaslideranças,recorremosàsdiversasliteraturas:algumascorrentesqueafirmavamquealiderançaeranatadasmulheresafricanas,principalmentedastribosmatriarcais;dopoderdasmulheresportrabalhardentrodascasasdosbrancos,ondeouviaminformaçõespreciosas;daLeidoVentreLivre,de1871,que,aopermitirliberdadeaosnascidosapósaqueladata,conferiaàsmãesodireitodereceberemumapensãoparasustentarosfilhoseissolhesdavacertaautonomiaepoder;atédasnarrativasdasprópriasmulheresdeMataCavalo,quealegavamqueospactospolíticoseram melhor tratados pelas mulheres por suas índoles não agressivas, sabendo dialogarprincipalmente com os fazendeiros, agentes que causam maiores conflitos na região em função dadisputadeterras.

Percorrendoamemóriadealgumasmulheres,ametaeratentarentenderestestatusnointeriordoquilombopormeioda compreensãodoqueelas sentiama identidadeemser afrodescendentes.Para Manfrinate (2011), a liderança das mulheres em Mata Cavalo não foge da dinâmica mundialimpressadaemancipaçãofeminina,principalmentenomundoocidental.Especificamentenocontextolocal,oníveleducacionaldasmulheresqueastornaramprofessoras,astornaramtambémtalentosasno uso da palavra, na oratória imprescindível aos pactos e negociações existentes nos labirintoscotidianosdevidasemsofrimento,nacapacidadedabarganhaquecertascircunstânciasexigiam;edadignidadeemsemanterdepénaluta,mesmocomtantosanossódepromessasparalegalizaçãodasterras.

AmortededonaTereza(Foto3),15diasantesdadefesadeumaDissertaçãosobreasuavida(MANFRINATE, 2011), abalou todo o GPEA. Mas a memória registrada apresenta um elementoagregador e estimulador de novas lideranças e, de fato, sua filha Gonçalina vai tomando contornospróprios de luta, dando sinais claros de que o legado negro ainda pulsa forte, assim como omatriarcadocomoqualconviveunatrajetóriadesuavida.

Foto3:DonaTerezaemMataCavalo.

Foto:MichèleSato.

SeHannaArendt(1993)estivercorreta,háqueserecuperaradicotomiaentreocéueaterra;eentreareligiãoeapolítica,construindomaneirasdelibertaroserhumanodesuasgradesprisioneiras,pelacapacidadepolíticadesedescobrirumnovouniverso.OcompromissopolíticodoGPEAnãonegaseu papel acadêmico enquanto produtor de conhecimentos, porém expande seus horizontes,abraçandoadocênciaeacomunidadenobojodesuasproposições.

O projeto Mata Cavalo, assim, implica em sujeitos livres que reconstroem o mundo, em suasexistências inacabadas, fenomenologicamente incompletas, e por isso, vai construindo seuconhecimentosignificativo,conformeoslimitesepossibilidadesdoterritórioquesepropõeatuar.RenéMagritte, um pintor surrealista belga, foi consistente quando expressava que a liberdade é apossibilidadedeser,masjamaispoderáseraobrigaçãodeser.2.4VIVÊNCIAINTERNACIONAL:OInstitutoNacionaldeCiênciaeTecnologiadeÁreasÚmidas(INAU)eaAvaliaçãoEcossistêmicadoMilênio

“Euentendoqueàsvezeséprecisosefazergestosquesãoassistenciais.Sóqueestesnãopodemsubstituirnemareformaagrária,nematributária,nemadaprevidência.Muitosficamemdúvidasobredaropeixeouensinarapescar.Eudigoquetemque

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darpeixe,ensinarapescar,àsvezestemdeensinarondeestáorioetemdeajudaraconquistar o rio também, pois ele geralmente está nas mãos de três ou quatrooligarcas”(CASALDÁLIGA,2003,p.03).

Noanode2009,oCentrodePesquisadoPantanal (CPP),emconvêniocomváriasentidadeseuniversidades,assumeacoordenaçãodo InstitutoNacionaldeCiênciaeTecnologiadeÁreasÚmidas(INAU),potencializandoaspesquisasnoPantanal.EsobaforterecomendaçãodoEditaldoMinistériodaCiênciaeTecnologia(MCT),eranecessáriofortalecera“divulgaçãocientífica”.Sobotítulo“Ciênciase Cultura na Reinvenção Educomunicativa”, o GPEA iniciou sua participação no marco de um vastoprogramacomcincolaboratórios:Lab.1:HABITAT–compesquisassobreohabitatpantaneiro;Lab.2:SOLOSEÁGUA–especialmentenavazanteeenchentedoPantanal;Lab.3:BIODIVERSIDADE–degrandesportesaosmicroscópicos;Lab.4:BIOPROSPECÇÃO–deFarmacologiaeQuímicafina;eoLab.5:SOCIAL,atualmentecomtrêssubprojetosdoGPEA.

Ostrêssubprojetosseentrelaçam:oprimeiro,comênfasenacomunicaçãoearte;osegundo,nosterritórios e trabalho; e o terceiro, é agregado ao “Sub-Global Assessment” da United NationsUniversity (UNU) e do Programa das Nações Unidas do Meio Ambiente (PNUMA), responsáveis pelaAvaliaçãoEcossistêmicadoMilênio(AEM).Eésobreesteúltimosubprojetoqueaquidaremosatenção.AAEMbuscarelacionaraculturaeanaturezapormeiodaeconomia,masnãonosentidoperversododesenvolvimento sustentável, senão por uma troca de lentes para se avaliar as relaçõesecossistêmicas com a qualidade de vida humana. Ainda que tenha uma face antropocêntrica, abiodiversidade é essencialmente considerada e permeada nos quatro serviços ecossistêmicos: desuporte,deprovisão,deregulaçãoedecultura.

Embora a vasta literatura sobre o tema concentre-se mais nos três primeiros serviços, nósinterpretamosqueaeducaçãopudesseterpapeldestacadonosserviçosculturaiseemaliançacomumoutroprojeto,oraemdesenvolvimento,emparceriacomaOperaçãoAmazôniaNativa (OPAN)esob o financiamento da Petrobrás. Temos então trabalhado com duas regiões: em São Pedro deJoselândia,complexocomunitáriodeBarãodeMelgaço,etambémnonoroestedoEstadodeMT,ondeestá o berço das águas. Em Joselândia, nosso foco são as pessoas da comunidade; enquanto nonoroestedeMT,trabalhamoscomastrêsetniasindígenas:Myky,NambikwaraeManoki.

Aliando estes dois projetos, buscamos compreender os serviços ecossistêmicos à luz designificadosdasexpressõesculturaise tendoaeconomiacomoumdoscomponentes, semadentrarem propostas de geração de renda, muito menos de incubadoras de microempresas. Aliás,reivindicando o ecossocialismo como pauta central, Martinez (1998, p. 362) acredita que a aliançaentreoMarxismoeoEcologismo traduz-senautilizaçãodasciênciasecológicaspara interpretação,intervençãoelutapolítica.Paraele,“ariquezaéumaameaçamaiorparaoambientequeapobreza”(p.118),e,portanto,osprogramasepolíticasambientaisdevemcombateraacumulaçãodariquezapormeiodoecossocialismo.

Ainda construindo uma metodologia dos aspectos culturais da AEM, estamos construindopropostasparaqueaartepopular, festas, instrumentos culturaise toda simbologiaetnográfica sejaconsideradacomobem imaterialdacomunidade,no traçadoqueaeducaçãopermite ligaçãocomaecologiaeaeconomia.Osrituaisdafesta,porexemplo,sãopistasetnográficasquepodemosvalorar,contudo,semanecessidadeinsanadeagregarvaloresmonetários,maspotencializá-loscomo“poderda arte” (CHIPP, 1996; SCHAMA, 2010). Lefebvre (1991, p. 18) diria que o surrealismo tem gigantecontribuiçãoparacompreendera“alquimiadopoder”quesedánoespaçosocial.

Uma das propostas, no sentido surrealista de permitir o sonho, é fazer um mapeamento doimaginário,cartografandoosmitos,as lendas,osespíritoseaespiritualidadeindígenanosterritóriosmato-grossenses, com vista a suscitar guerreiros que possam ajudar no combate às injustiçassocioambientais. Circunscrevendo-nos na arte em aliança com os mitos, temos certeza de que aespiritualidade deve ser incorporada como um componente essencial das políticas públicas,principalmente quando lidamos com comunidades pobres, quilombolas ou povos indígenas, entreoutros. “O poder da arte (...) é como uma claridade feérica que ilumina o parque e cervos, com asgalhasenredadas,lutamcomoumaencarnaçãomíticadeguerreirosenfeitiçados”(SCHAMA,2010,p.12).

Paraalémdeumpreçoeconômico,MatoGrossoéaindaum lugarmisterioso,queunegenteenatureza(Foto4),entreáguaseterrasqueserevezamparaformarestradas,depaixõesqueardemno pôr do sol, e de pássaros que cortam o ar no acalento da brisa. A cultura torna-se íntima danatureza,eaartesealiaaocotidianodelutas.

Foto4:Dragonfly(oulibélula).

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Foto:MichèleSato.

3.DOSHÉLICESINACABADOSEDAECOLOGIADERESISTÊNCIANa sofisticada era de caos que nos traz enormes dificuldades para se compreender a crise

planetária, Liudvik (2011) considera que o mal-estar no mundo é um dado inerente à existência dequalquer ser, sob a perspectiva de Kierkegaard, Heidegger, Sartre e Camus. Para ele, todos nósfazemos escolhas e inventamo-nos a nós mesmos, “projetando uma imagem normativa dahumanidade” (p. 27). Aqui caberia uma “pergunta que não quer se calar”: teremos todos dahumanidade,brasileiros,franceses,chinesesousudaneses,omesmopoderdeescolha?

Michel de Certeau (1984) afirmaria que não, e por isso, ele distancia o poder instituído doinstituinte,supondodoiseixosdeação:oprimeiroeixoéodasESTRATÉGIAS,queseconstituipelossetoressocialmentemais fortesqueoperamoscamposdepoder,comoumgeneraldeguerra,umaoperaçãodaBolsadeValoresoudeumapropagandamidiáticaqueincitaoconsumodesenfreadodocapitaldegiro.Osegundoeixocompreendeaspessoasmarginalizadasdopoder instituído,masquelutam para golpear o domínio hegemônico, aproveitando-se das brechas para surpreender os maisfortespormeiodasTÁTICASderesistência,numareinvençãodocotidiano.

De maneira semelhante, mas mantendo a diferença, Gallo (2010), ao buscar a aliança daeducaçãocomafilosofiadadiferençadeDeleuze,compreendequeháduas“educações”inscritasnasciências: uma ciênciaMAIORhegemônica, queditanormas, concentrapoder e “queproduz saberessegundo cânones instituídos” (p. 60), em contraponto a uma ciência MENOR instituinte, e por estarazão, “com uma produção mais livre, que frequentemente subverte estes cânones e criapossibilidadesatéentãoinsuspeitadas”(p.60).

TomandoManuelCastells comoplataformaepistemológica,Rodriguez&Serantes (2010, p. 54)consideramquehátrêsformasdeconstruçãodeidentidade:

a)IdentidadeLegitimadora–sãopessoasquepertencemacertas instituiçõeshegemônicasebemestruturadasdopontodevistamaterialoupolítico,quenumsentidomaisgramsciano,éumaparceladasociedadecivilquelegitimaadinâmicaeopoderdogovernoporqueháinteressespessoais;

b)IdentidadedeResistência–sãogruposdeoposiçãoquegeralmentelutamcontraostatusquoporumajustiçasocialmaisamplaecommaisbasecoletiva,distantedoindividualismo;c)IdentidadedeProjeto–sãoosgruposemergentesquesentemanecessidadedeconstruirnovasidentidades,muitasvezesquerendoprovocartransformaçõesnasociedade.

Noestudosobreterritórioeidentidadescomosgrupossociaisvulneráveis,Silva(2011,p.77)seapoiaemCarlosWalterPorto-Gonçalves,masotranscendequandopropõecincoagrupamentos:

a)Tradição – são os povos e comunidades tradicionais, como os quilombolas, indígenas, ciganos etantosoutrosquemantêmaidentidadenumaculturaprópria,transcendendoolocalquehabitaouotrabalhoquerealiza;

b)Habitat–percebendoolocalcomoexpressãodacultura,sãopovosquetêmidentidadeterritorial,como os pantaneiros, ribeirinhos, fronteiriços ou morroquianos, além de outras identidades emligaçãocomaterra,naconstruçãomuitopróximaàsteoriasbiorregionais;

c)Trabalho – talvezumdos critériosmais conhecidosna construçãode identidades, esta categoriaestábempresentenasconvençõesdaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho(OIT)eérepresentadapelos retireiros do Araguaia, os agricultores familiares, os pescadores, os artesãos, ou osarticuladoresdaeconomiasolidária,alémdeoutrosprodutoresdalabuta;

d) Driving Forces – são identidades construídas alheias às vontades, pois os envolvidos sãomarginalizados por algum fenômeno desenvolvimentista, tal como os atingidos da barragem,atingidosdacopaoufavelados;

e)Escolhas–gruposcomidentidadesconstruídasemmovimentos,religião,arte,oucausaespecífica,como os ecologistas, as Pastorais da Igreja Católica, o movimento negro, que se diferencia dosquilombolas,ouoshippiesdacontracultura,entreoutrosrepresentantes.

Sem a tentativa de engavetar a humanidade neste ou naquele perfil, engessado nas

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possibilidades,nascartografiasdeopçõespolíticas,masapenastentaridentificaralgumasestruturasdopensamento, temospensadonumapropostadeecologiaderesistência.Aindatateandoemfiaretecerconceitos,esemnenhumapretensãodelançaralgumparadigma,temosidentidadenosegundoeixo tático de Certeau (1984); na ciência menor de Gallo (2010); na identidade de resistência deRodriguez&Serantes(2010);enogrupodeescolhasdeSilva(2011).Estaspreferências,demaneirageral, caracterizam-se por aquilo que chamamos de “ecologia de resistência”. Sem relacionar-sediretamentecomasciênciasecológicas,masaproximando-semaisdasciênciaspolíticas,aecologiaderesistênciabuscareligartrêsgrandesdimensõesfilosóficasdateoria(episteme),daação(práxis)edaética(axioma),natentativadetransformaromundoemváriasdimensões:

a)Remarcontraamaré–compreenderqueahumanidadesemovepelabuscadodesenvolvimento,geralmentematerial, e que oCapitalismo frenético seduz pessoas domundo inteiro a consumir oplanetaemnomedoíndicedequalidadedevida,eassim,lutarcontraestepensamento;

b) Ter uma consciência socioambiental – realmente perceber que os dilemas sociais sãointrinsecamenteligadosaosdanosambientaiseque,parasalvarumafloresta,éprecisosalvarasuagente(evice-versa);

c)Atuarparticipativamentedocontrolesocial–capacidadedesomaresforçosemarenascoletivasdeluta,sendocapazdefraternizar-senadoralheiatantoquantobuscarsualutaespecífica,estandocientedequenemsempreteremosconsensos,masquecertasrupturaseconflitosestarãoàespreita;

d)Educar-sedemaneiraespiralizada–capacidadedeafastar-sedajanelaindividual,quetodosnóstemos direito, mas sobremaneira esforçar-se para plantar uma árvore coletiva, num movimentodialéticoentreoeu,ooutroeomundo;

e) Considerar o âmbito biorregional – reconhecer algumas vantagens do processo globalizador,entretanto,adotarposturasquefavoreçamolocaldacultura;

f)Assumirasdiferenteslinguagens–estarcientedequeaciênciaprivilegiouaescrita,masqueasdemaislinguagensesentidossãoimportantesàconstruçãode“confetos”(conceitoseafetos);

g)Lutarpelaesperança–compreenderquenãolutamosparaganharsempre,equeocaos,oserroseasperdasfazempartedeumprocessodeaprendizagem,servindocomoestímuloparaquenovasnarrativaspossamteraudiência.

Avolubilidadedapropostapodecontagiaraspessoaspelaecologiaderesistência:oobservadorerrantequepercorreo iníciodeumajornadaemEducaçãoAmbiental, iniciandoasvivênciasepresoem um itinerário fechado, pode considerar a Educação Ambiental um labirinto, mas há saída. Nocaminho,possivelmentesesentiráaflorandoàsuperfíciedeumriocomcontornosindecisos,curvasecataratas,numdramáticomovimentodeumquaseafogamento.Masentreosmovimentosconvulsivos,alternandoentreimersãoeascensão,asraízesdavegetaçãoestarãoporláparaassegurarumapoioemformaderizomaportodooleitodorio.Easuperaçãodomal-estar,inerenteounãonasangústiasexistenciaissartreanas,certamentetomarácontadesteseremconstantetranse,entresuasdúvidaseverdades.Éaguinadadojogoqueagoraseincidenaságuasenossonhos(BACHELARD,2002),enapossibilidade de sair da crise histórica e ter direito à narrativa que constroem as novas Nações(BHABHA,2000).

VivernumEstadocomoMatoGrossoexigeumaposturapolíticaquevazadocotidianoacadêmicodesimplesmentefazerciências.Impossívelaleijar-sedasdoresdomundoqueaquiincidemdeformalatente,negandooespaçodamilitância,eessencialmentedaescolhapolítica inscritanaética.Parasuportarasderrotas,apoesiaéessencialmentevorazparanãosecriardesertos.Representa,nesteuniverso de sangria, uma reminiscência tática não apenas de sobrevivência, mas de acalento doespírito,numaexteriorizaçãotangíveldecontornos idealizados.Éumaespéciedetransposiçãoondese cria novos instantes de carícias contra a tirania da eternidade trágica. É na vertigem doesgotamentotemporaldoserqueesteserefaz,multiplicandoasesperançasnosterritóriosondeaindapulsaumaecologiaderesistência.

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AINCLUSÃODADIMENSÃOAMBIENTALEMUMESPAÇOEDUCADOR:AEXPERIÊNCIADAOCA

VivianBattainiJúliaTeixeiraMachado

IntroduçãoA crise civilizatória tem sua origem na concepção de mundo, na qual se baseia a civilização

ocidental (LEFF, 2001). Para além da dimensão ecológica, essa crise temmúltiplas facetas, como asocial,aeconômicaeapolítica.Aprópriarelaçãoentreossereshumanosédiscutida.Assim,esteéummomentopara repensarmosa relaçãoentreaeducação,a sociedadeeomeioambiente.Nestecontexto,aEducaçãoAmbiental (EA)emergecomoumaresposta,naáreaeducacional,aosdesafiostrazidospelacrisecivilizatória.

OLaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental–Oca, instaladonaUniversidadedeAgriculturaLuizdeQueiroz(ESALQ/USP),temnaEAePolíticasPúblicasoseufocodeatuação.Adiscussãoacercada EA na ESALQ iniciou-se nos anos 80, e em 1992, a Oca foi inaugurada. Em 2009, houve areinauguraçãodolaboratório168,quedefiniucomoumdosseusnovosdesafiosodecontribuircomadiscussãodaambientalizaçãodasInstituiçõesdeEnsinoSuperior(IES),assimfomentandoumespaçoderesistênciadentrodaUniversidade.DeacordocomSorrentinoeNascimento,

Nessesprocessosde formação,permanentesecontinuados,aEAnas IESpodecumprirdoispapéis: o de educar a própria instituição, para ela incorporar a questão ambiental em seucotidiano–aambientalizaçãodaInstituição,presenteemtodasassuasatividadesdeensino,pesquisa,extensãoegestão;eodecontribuirparaeducarambientalmenteasociedade–umprojetoambientalistadepaíseaçõeseducadorascomelecomprometidas(2010,p.25).

Nesse artigo, pretende-se dar o testemunho da inclusão da dimensão ambiental num espaçoeducador – a Oca – e a perspectiva educadora das suas estruturas destinadas a promover asustentabilidade socioambiental. Para nós, ambientalizar os espaços e estruturas educadoras écompreenderaproblemáticaambientalapartirdeumaperspectivafilosófica,baseadanaapropriaçãoteórica e prática dos conceitos “identidade”, “comunidade”, “diálogo”, “potência de ação” e“felicidade”169.

ParaMatarezi (2005),a inclusãodaEAemtodososníveiseesferasdasociedadepodeocorrertambémnaperspectivadosespaçoseestruturaseducadoras,namedidaemqueestas“sãodotadasde características educadoras e emancipatórias, que contenham em si o potencial de provocardescobertasereflexões,individuaisecoletivassimultaneamente”(p.163).PensaraOcacomoespaçoeducador, coloca um desafio aos seus pesquisadores: de fazer uso do conhecimento produzido naparticipaçãopolíticadodiaadiaenaconstruçãodesociedadessustentáveis.

O termo“espaçoseducadores sustentáveis”,quando referidoaosespaçosescolares,apresentaquatroeixosarticulados,quesão:gestão,currículo,edificaçãoecidadania170.Oenfoqueselecionadoparaadiscussãodessetrabalhoéoeixodagestão,pois“ofocodagestãoocorrepelaoportunidadedesedarotestemunhodaquiloquesepropõeparaasociedade.Oseuefeitodemonstrativoepedagógicoparaosestudantesesociedade”(SORRENTINO&NASCIMENTO,2010,p.26).

Paraanálisedoprocessodeambientalizaçãodolaboratório,optou-sepelareflexãodaautogestão.SegundoBaremblitt,

Esse processo de auto-análise das comunidades é simultâneo ao processo de auto-organização,emqueacomunidadesearticula,se institucionaliza,seorganizaparaconstruirdispositivosnecessáriosparaproduzir,elamesma,ouparaconseguirrecursosdequeprecisaparaamanutençãoemelhoramentodesuavidanaTerra(BAREMBLITT,2002,p.17).

OLaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbientalpropõe-seaexercitaraautogestãoemumespaçoeducadorsustentávelcomaperspectivadaparticipaçãodemocrática,coerentecomoquepreconiza,promovendoespaçosemomentosdeconvivênciaediálogoentreaspessoas,eencorajandotodosacuidaremdobem-estardoambientecoletivoeindividual.

A Oca coloca-se como um espaço educador e demonstrativo, no qual estimula as pessoas apraticaremdesdeatividadessimples,comofazerumcaféelavarapróprialouça,atéapoderarem-sede responsabilidades coletivas, como fazer registros de reuniões e participar da produção de textoscoletivos.Maisqueoaspectooperacionaldasatividades,busca-seadimensãopedagógica.Ouseja,existe a intenção de refletir sobre as ações, e que as ações permitam igualmente as reflexõeseducadoras ambientalistas. Por isto, a gestão tambémeduca as pessoas que conviveme atuamnoespaçoeducadoràmedidaqueseusgestoresassumemopapeldeeducadores.

Para a análise da autogestão da Oca foram considerados os dados coletados através daobservação participante durante as reuniões da Oca entre agosto e dezembro de 2010, da análisedocumentaldasatasdasreuniõesde2009a2011,dequestionáriosreferentesàOca,suasestruturaseducadoras e sua gestão, aplicados junto aos membros do laboratório171, além da pesquisa

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bibliográficasobreaproblemáticaestudada.Foram criados quatro parâmetros de análise da autogestão: estruturas, espaços de diálogo,

projetoscoletivoserelaçõesentreaspessoas.Paracadaumdosparâmetros,foramconsideradostrêseixos:criar,cuidareeducar(agirparaqueoutroscuidem).

Asestruturaseducadorassustentáveis,citadasnosquestionáriosaplicadoscomosmembrosdaOca, são: janelas grandes, espaço dividido por vidros, biblioteca, reuniões quinzenais, aquário,canteiros de flores, o espaço compartilhado entre osmembros da Oca e seus parceiros, produçõescoletivas,banheiro,cozinha,minhocárioegrupoeletrônicodediálogos.Atualmente,foramfeitasduasnovas aquisições: um forno solar e um biodigestor. É importante ressaltar que a maior parte dasestruturasfoiinstaladaporiniciativadeumúnicomembrodaOca,indicandoqueaindaéprecisoqueocorraaapropriaçãodosdemaismembrosaoespaçocoletivo.

Osparticipantesdolaboratórioforaminvestigadosparasabercomoasestruturasdoespaçosãomantidas.Obtivemosasseguintesrespostas:

“ComaboavontadedecadaumquevemparaOca.Comospactosestabelecidosnasreuniõessemanais, mas ainda sem a definição dos objetivos educacionais, forma de funcionamento,responsabilidadeetc.”(Membro3daOca).

Comodemonstraestaresposta,agestãodosespaçoscoletivoséumaprendizadocontínuoeque,rotineiramente, é (re)construído pelo grupo. A Oca busca exercitar a autogestão, no modo comocompartilhaoespaço,promovendo-ademaneirademocráticaeparticipativa,epactuandoosacordosemreuniõesquinzenais.

“Participando, cumprindo minhas demandas no tempo definido e com atenção. Sendo sincerosobreminhaslimitaçõesebuscandoapraticidadenaspropostasquetraço”(Membro4daOca).

Apesar de considerar que o laboratório apresenta um número significativo de estruturassustentáveis com potencial de serem educadoras, é ainda necessário avançar na questão damanutençãodasmesmascomvistasàautogestãoesustentabilidadedoespaçoeducador,poistemosqueenfrentarofatodestasteremseucuidadodiáriofeitosapenaspelosestagiários.

Osespaçosdediálogosão:reuniõesquinzenais,deplanejamentoedeavaliação,grupoeletrônico(e-mail)esítioeletrônico172.Acriaçãodessesespaçosfoifeitademodocompartilhadonasreuniõesquinzenais, sendo difícil nomear os propositores. O cuidado com os espaços de diálogo pode serrepresentadopeladisponibilidadedosparticipantesparaestarempresente(virtualoupessoalmente).Aparticipaçãoévariávelaolongodoano,edaspessoasparticipantes,sendoonúmerodepessoasnasreuniõespresenciaisederetornosvirtuaisumindicadordaligaçãodaspessoascomolaboratórioeaatuaçãodomesmo.Ocuidadotambéméexercitadonainclusãodenovosmembrosnaredevirtualenoacolhimentopresencialdosmesmos.

Osencontrosediálogospossibilitamaconsolidaçãoeo fortalecimentoda identidadedogrupo,assimcomoasproduçõescoletivasdaOca,oqueenriqueceasconversaseaspropostasdeatividadesdesenvolvidas.Entretanto,sabemosqueofortalecimentodaidentidadedolaboratóriopodedificultarainclusãodenovosmembrosqueprecisamdeumtempoparaseambientalizarnoespaço,àspessoaseaosideaiscompartilhados.

Osprojetoscoletivossãomaterializadosnaformadetextosepropostasdeintervenção.Ostextoscoletivos são sistematizações das conversas nas reuniões presenciais e nos grupos de estudo. OprimeirotextocoletivoconstruídopelospesquisadoresdaOcafoigestadodurantetodooanode2009.Tornou-se a referência conceitual do laboratório, teve uma versão reduzida publicada (ALVES et al.,2010)eagoraabreestaobra.Umsegundotextocoletivofoiiniciado,sendopautadogrupoem2012.

Para além dos textos coletivos, o laboratório incentiva o que chamamos de “orientaçõescruzadas”,ouseja,estimulamosorientaçõescoletivas.Essasorientaçõescruzadassãomaterializadasemproduçõesconjuntasecolaborativas,comoessepróprioartigoeoutrospresentesnessaobra.Háum esforço do exercício da cooperação através da existência de subgrupos de estudos, e auxílio erevisãodetextosatravésdogrupodee-mails,desenvolvidosporvoluntários.

Dessa forma,pretendemos fomentarcadavezmaisumaculturacooperativaentreosmembrosdaOca.A cultura cooperativa tambémé fortalecidapela intensa relaçãoafetivados seusmembroscom o laboratório, o que fortalece os princípios defendidos pela mesma: identidade, comunidade,diálogo,potênciadeaçãoefelicidade.Arelaçãodosmembrosdogrupoéregidacomrespeito,amor,cuidadoeencantamentoentresi,conformedemonstradonaseguinterespostadadaàquestão“Vocêcolaboracomamanutençãodasestruturas?Como?”:“Comminhaparticipação,empenho,respeitoeamor”(Membro4daOca).

O exercício da autogestão ainda é um desafio para a Oca, e torna-semais desafiador, pois aparticipação democrática não faz parte da nossa cultura. Essemodo de agir e partilhar precisa seraprendidoeincorporadononossodiaadia,oquelevatempo.Esseéumprocessoemconstrução,eàmedidaqueoconstruímos,estamosaprendendo,reconstruindoefazendonovamente.ConsideraçõesFinais

Trazer a questão ambiental para o processo educativo é incorporar nas ações e reflexõespedagógicas a discussão da problemática da intervenção humana no ambiente. A ideia de espaçoseducadores sustentáveis é um convite para a transformação do espaço com o desejo que ocorram

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transformações em seu currículo, gestão, edificação e cidadania. É um convite, portanto, paradesconstrução e reconstrução do nosso papel enquanto educador e/ou educando através daressignificaçãodousodoespaçoedesuasestruturas.

AOca temduas frentes de atuação: omicrocosmodo laboratório, buscando contribuir comastransformaçõesdomacrocosmo,oplanetaTerra.Nomicrocosmo,olaboratóriopretendecontribuircoma formaçãode cidadãos comprometidos coma sustentabilidade local eplanetária. Soma-sea issoofato da Oca situar-se no ambiente universitário, celeiro de formação de gestores públicos. Destamaneira, o laboratório contribui com a formação de pessoas comprometidas com processoseducadoresambientalistaseaconstruçãodesociedadessustentáveis.

Aodaressetestemunhodesuasreflexõeseaçõesenquantoespaçoeducadoredemonstrativo,aOca oferece a oportunidade para que outras instituições, incluindo a ESALQ, ressignifiquem seusespaçosàluzdeseusideaisdeeducaçãoesociedadeemdireçãoàsustentabilidade.REFERÊNCIASBAREMBLITT,G.Compêndiodeanáliseinstitucionaleoutrascorrentes.Teoriaeprática.5.ed.BeloHorizonte,MG:InstitutoFélixGuattari,2002.LEFF,E.SaberAmbiental:Sustentabilidade,Racionalidade,Complexidade,Poder.Petrópolis,RJ:Vozes/PNUMA,2001.MATAREZI, J. “Estruturas e espaços educadores: quando espaços e estruturas se tornam educadores”. In:FERRARO JÚNIOR, L. A. (Org.). Encontros e Caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivoseducadores.Brasília:MMA,DiretoriadeEducaçãoAmbiental,2005.SANTOS,B. S.A críticada razão indolente: contra odesperdício deexperiências. 6. ed. SãoPaulo:Cortez,2007.SORRENTINO,M.; NASCIMENTO, E. Universidade e políticas de EducaçãoAmbiental. In: Educação em foco:revistadeeducação,v.14,n.2,set.-fev.2009-2010,242p.

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SOBREOSAUTORES

AlessandraBuonavogliaCosta-PintoDoutorandaemEducaçãoAmbientalnaUSP/BrasileFilosofiadaNaturezaedoAmbientenaUniv.deLisboa(UL)/Portugal.MestreemEducaçãoAmbiental(USP).PesquisadoradoCentrodeFilosofiadaULedo Laboratório de Educação e Política Ambiental (OCA/USP). Parecerista da Revista Educação &Realidade.ConsultoradoMMAemprojetosdedesenvolvimentolocalsustentável.Professoradoensinodofundamentalaouniversitário.E-mail:[email protected]átimaRochaMenesesGraduanda do 5º semestre de Gestão Ambiental. Estagiária acadêmico-administrativa da Oca em2010.EstagiáriadoProjeto“EscolasSustentáveis”em2011.AtualmenteéestagiáriadaAgênciadasBaciasPCJ.AnaPaulaCoatiAnaPaulaCoatiépsicólogaformadapelaFaculdadeRiopretensedeFilosofia,Ciências e Letras e Mestre em Ecologia de Agroecossistemas pela ESALQ/USP de Piracicaba.AtualmenteéestudantededoutoradoemEcologiaAplicadanoCENA/USP,emPiracicaba.AndreaAbdalaRaimoGraduandaemGestãoAmbientalpelaUniversidadedeSãoPaulo–EscolaSuperiordeAgricultura“Luizde Queiroz”. Educadora e permacultora. Pesquisadora da OCA – Laboratório de Educação e PolíticaAmbiental(ESALQ/USP).AndréaQuirinodeLucaBióloga pela PUC-Campinas (1998) eMestre em Recursos Florestais pela ESALQ – USP (2002), estácursandoDoutoradoemCiênciaAmbientalnaUSP/PROCAM.AtuoucomoCoordenadoradoNúcleodeEducaçãoAmbientaldaUCMatadeSantaGenebra,emCampinas,por cincoanos.Atuou,ainda,dejaneiro de 2005 a dezembro de 2009, como parceira formadora do COEDUCA (Coletivo EducadorAmbientaldeCampinas).BárbaraSuleimandeMacedoPedagoga, Professora PEB-I daRedeMunicipal de Pradópolis. Rua José Ferraz da Fonseca, 276. CEP:14070-610–RibeirãoPreto–SP.Tel.:(16)3638-8848ou9175-4446.E-mail:[email protected]ãoPsicólogo (PUCRJ/1966); Mestre em Antropologia Social (UNB/1974); Doutor em Ciências Sociais(USP/1979);LivreDocenteemAntropologiadoSimbolismo(UNICAMP/1989);Pós-DoutoradoemPerúgia(Itália) e Santiago de Compostela. Comendador do Mérito Científico (CNPq), atualmente professorcolaborador-efetivodoProgramadePós-GraduaçãoemAntropologia,daUNICAMP.ProfessorvisitantesêniordaUniversidadeFederaldeUberlândia.Autorde65livrosecriadordaRosadosVentos–casadeacolhida.Jáplantoumaisde200árvoresemseus71anosdevida.CibeleRandiBarbosaAdvogadado J.BuenoeMandalitiSociedadedeAdvogados,professorauniversitáriadadisciplinadeDireitoAmbiental,especialistaemGestãoAmbientalpeloCentroUniversitárioBarãodeMauá.CintiaGüntzelRissatoBiólogapelaUniversidadedePassoFundo(RS),especialistaemEducaçãoAmbientalpelaUniversidadede Campinas (SP) e Mestranda em Ecologia Aplicada (PPGI-EA) pela USP. Coordenou projetos deEducaçãoAmbientalemONGse,atualmente,éintegrantedoCOEDUCA(ColetivoEducadorAmbientaldeCampinas).ParticipadaequipedoprojetodecooperaçãointernacionalentreaUSPeaUniversidadeAutônomadeMadri(UAM).DanielFonsecadeAndradeBiólogo pela FFCLRP/USP (Ribeirão Preto),Mestre emCiência Ambiental pela Universidade de SouthBank (Londres), Doutorando em Ciência Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em CiênciaAmbiental (PROCAM)daUSP (SãoPaulo), pesquisadorassociadoàOca – LaboratóriodeEducaçãoePolítica Ambiental do Departamento de Ciências Florestais da ESALQ-USP (Piracicaba). Docenteuniversitário na UNIP e no Centro Universitário Barão de Mauá (Ribeirão Preto) e consultor emEducaçãoAmbiental.DeniseMariaGândaraAlvesEngenheira Agrônoma (ESALQ-USP), Licenciada em Agronomia (Universidade Técnica deLisboa/Portugal), Mestre e Doutora em Ciências – Bioquímica Aplicada (USP e UNESP) e EducadoraAmbientalemfasedePós-DoutoramentoepesquisadoracolaboradoranoLaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental(Oca/ESALQ/USP).AtualmenteexerceafunçãodeDiretoradeEducaçãoAmbiental,ProjetoseAgriculturadaSecretariadeMeioAmbientedeAmericana.

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EdaTerezinhadeOliveiraTassaraFísicaeProfessoraTitulardePsicologiaSocialnaUniversidadedeSãoPaulo.ProfessoravisitantedasUniversidades de Pisa e Paris V. Coordenadora do Laboratório de Psicologia Socioambiental eIntervenção(LAPSI)doIP-USP.CoordenadoradoGrupodeEstudossobrePolíticaAmbientalePsicologiadoInstitutodeEstudosAvançados(IEA-USP).PresidentedoIBECC–ComissãoEstadualdeSãoPaulo.E-mail:[email protected]óloga e especialista em Gestão Ambiental. Educadora, atua em diversosmovimentos, coletivos eredes, em particular a REPEA (Rede Paulista de Educação Ambiental), REBEA (Rede Brasileira deEducaçãoAmbiental)eoColetivoEducadorIpêRoxo,deRibeirãoPreto.ParticipadaOca–ESALQ/USP.FernandaBelizárioGerentedeEducaçãodo InstitutoEstredeResponsabilidadeSocioambiental,éMestraemSociologiadoConsumoeGraduadaemCiênciasSociaiseRelaçõesPúblicaspelaUniversidadedeSãoPaulo.HaydeéTorresdeOliveiraBióloga (1982),Mestre emEcologia (1988),Doutora emCiências da EngenhariaAmbiental (1993) ePós-Doutora em Educação Ambiental pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha (2004). ÉprofessoraassociadadoDepartamentodeHidrobiologiadaUFSCar,orientaerealizapesquisasemEAecoordenaoGEPEA–GrupodeEstudosePesquisaemEducaçãoAmbiental.ÉumadaseditorasdaRevista Pesquisa em Educação Ambiental. Participa de redes-movimentos coletivos [email protected]ãoAmbiental(ESALQ/USP)eestagiáriadoColetivoEducadorPiracicauáatravésdoProjeto de Cultura e Extensão da ESALQ/USP “Rede de formação de agentes educadoressocioambientaisemPiracicaba”.IsisAkemiMorimotoEcóloga,mergulhadora,viajantedoepeloMundo.Aventura-se,ainda,nasáreasdeDireito,PolíticaeEducação Ambiental, participando da Oca, fazendo Doutorado no PROCAM/USP e trabalhando noIBAMA.JavierBenayasdelÁlamoDoutoremCiênciasBiológicaspelaFacultaddeCienciasdelaUAM.ProfessorTitulardoDepartamentodeEcologiadaUniversidadAutônomadeMadrid(UAM).SecretarioEjecutivodelaComisióndeCalidadAmbiental,SostenibilidadyPrevencióndeRiesgosdelaConferenciadeRectoresdelasUniversidadesEspañolas.JúliaTeixeiraMachadoPossuiLicenciaturaeBachareladoemCiênciasBiológicaspelaUniversidadedeFederaldeSãoCarlos(2003) e Mestrado em Ecologia Aplicada pela Universidade de São Paulo (2007). Atualmente épesquisadoradaOca,DoutorandaemEcologiaAplicada (ESALQ/USP)ecoordenadorapedagógicadoprograma“EscolasSustentáveis”(Oca/InstitutoEstre).JuscelinoDouradoDiretorExecutivodoInstitutoEstreeconsultornaáreadeGestãoAmbiental.Atuoucomoprofessordoensino médio e realiza pesquisa sobre Gestão Para a Sustentabilidade. Tem um blog sobre GestãoAmbientaleapresentoutrabalhossobreEducaçãoAmbientalnoBrasilenoexterior.TemformaçãonasáreasdeQuímica,AdministraçãodeEmpresaseGestãoAmbiental,passandoporuniversidadescomoUSP,UnicampeUniversidadedeLomonosov(Rússia).LauraVidottoSacconiBióloga (PUCCamp) e Especialista em Gerenciamento Ambiental (Fealq/ESALQ). Estagiou: no IAC(Plantasmedicinais)enaMatadeSantaGenebra(VegetaçãoeEducaçãoAmbiental),emCampinas;naempresaBIOMÉTRICA(MeioAmbiente)enaOCA/ESALQ(projetosdeEducaçãoAmbientaleGrupodeEstudos).FoiRevisoraparaaEditoraMECAetrabalhaemempresacomMeioAmbiente.LéoEduardodeCamposFerreiraBiólogo com habilitação em Gerenciamento Costeiro pela UNESP. Mestre em Ciências, área deconcentração Ecologia Aplicada pela ESALQ/USP. Trabalha com Unidades de Conservação, GestãoParticipativa,EducaçãoAmbientaleDesenvolvimentoLocalSustentável.Atualmenteécoordenadordeprojetosemáreasprotegidas,peloImaflora,atuandonaregiãoamazônica.LuizAntonioFerraroJúniorProfessorAdjuntodaUniversidadeEstadualdeFeiradeSantana–UEFS,DoutoremPolíticaeGestãoAmbientalpeloCDS/UnB,DiretordeEducaçãoAmbientaldaSecretariaEstadualdoMeioAmbientedaBahiadesdefevereirode2011,membrodaRUPEA.MarcosSorrentinoDocente no Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz(ESALQ/USP), onde coordena o Laboratório de Educação e Política Ambiental – Oca. Ex-diretor deEducação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008, sendo fundador de diversasRedeseAssociaçõesAmbientalistasedeEducaçãoAmbiental.

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MariaCastellanoÉMestre (2002) e Doutora (2007) em Ciência Ambiental pelo PROCAM/USP. Realizou Pós-DoutoradojuntoaoLaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental(OCA)daESALQ/USP(2011).TrabalhoujuntoaoMinistériodeEducaçãodoBrasile juntoàSecretariadeEstadodoMeioAmbientedeSãoPaulo.TeminteressenasáreasdeEducaçãoAmbiental,PolíticasPúblicasAmbientais,ÉticaeDireitosAnimaiseasinterfacesentreestestemas.MariadeLourdesSpazzianiDoutora em Educação, Pesquisadora em Educação Ambiental e Estudiosa da Psicologia Histórico-Cultural.Professora-AssistenteDoutora,UNESP/IB/Depto.deEducação–Botucatu/SP.DistritodeRubiãoJúnior,s/n.Botucatu/SP.Tel.:(14)3811-6232(ramal206).E-mail:[email protected]êniaCamargoBióloga,EducadoraAmbiental,DoutorandaemEducaçãopelaFEUSP.E-mail:[email protected]éMestreemEApelaESALQ/USP,Piracicaba-SP.CoordenouoProgramaNacionalde FormaçãoemFiscalizaçãoAmbiental – IBAMA/MMA (DF) de2003a 2007.Atuou como consultoratécnicaemEAdoIICA(InstitutoInteramericanodeCooperaçãoparaAgricultura)de2007a2009,noEstadodaBahia.Desde2009estácomoDiretoradeSaneamentoeGestãoAmbientaldaSecretariadeMeioAmbiente/PrefeituraMunicipaldeSuzano-SP.MariaIsabelG.C.FrancoGraduadaemPedagogia,comLatoSensoemArteEducaçãoeComunicação,DoutorapelaFaculdadede Educação da Universidade de São Paulo (USP), com aprofundamento nas temáticas: EducaçãoFormal e Comunitária para Sociedades Sustentáveis, Agenda 21 na Educação e Pesquisa-AçãoParticipante.MariaLuísaRibeiroFerreiraProfessoradaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeLisboa–Cadeiras:FilosofiaModerna,Didácticada Filosofia, Filosofia da Natureza e do Ambiente, Filosofia do Espaço Público, Filosofia de Género.Publicou alguns livros e inúmeros artigos nestas áreas. Investigadora do Centro de Filosofia daUniversidadedeLisboa,noqualcoordenaalinhadeinvestigaçãoFilosofiaModernaeContemporâneae projectos de investigação Ensinar/Aprender Filosofia e As Mulheres na Filosofia. E-mail:[email protected]:http://luisarife.com.sapo.pt.MariaRitaAvanziBióloga, Mestre e Doutora em Educação. Desde 2009 atua como professora adjunta do Núcleo deEducação Científica do IB na Universidade de Brasília. Atuou como consultora no Departamento deEducação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, na gestão de Marcos Sorrentino. E-mail:[email protected]èleSatoLicenciada em Biologia, Mestre em Filosofia, Doutora em Ciências e Pós-Doutora em Educação. Édocente associada no Programa de Pós-Graduação em Educação na UFMT, sendo colaboradora nasUniversidadesFederaisdeSãoCarlos[UFSCar,SP]eRioGrande[FURG,RS],alémdaUniversidadedeSantiagodeCompostela(ES).Colaboranascomissõeseditoriaisdediversosperiódicoseéarticuladorade distintas redes potencialmente ambientais. É bolsista produtividade do CNPq e também escrevecrônicasepoesias.MoemaViezzerBrasileira, é socióloga e educadora, especializada em gênero e meio ambiente, conhecidainternacionalmente por sua atuação em fóruns, redes e movimentos socioambientais. É autora dequatro livros, dos quais o mais conhecido é “Se me deixam falar...”, traduzido a 14 idiomas.Atualmente,atuacomoconsultorasocioambientalparaONGs,empresaseórgãosgovernamentais.OmarArdansDoutor em Psicologia Social e Livre-docente em Psicologia Socioambiental. Professor Adjunto noDepartamento do Centro de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Federal de Santa Maria.CoordenadordoLAPSI-UFSM.E-mail:[email protected]ÉestudantedeGestãoAmbientaldaESALQ-USP.ParticipounaOca–LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbiental(ESALQ/USP)doProjetoCaximba.PedroRobertoJacobiÉ Sociólogo,Mestre em Planejamento Urbano, Doutor em Sociologia e Livre Docente em Educação.ProfessorTitulardaFaculdadedeEducaçãoedoProgramadePós-GraduaçãoemCiênciaAmbientaldaUniversidadedeSãoPaulo(PROCAM-USP).CoordenadordoPROCAMUSP2010-2012.CoordenadordoLaboratóriodeGovernançaAmbientaldaUSP–GOVAMB/USP.EditordaRevistaAmbienteeSociedade.PesquisadorNível1AdoCNPq.RachelA.TrovarelliGraduandaemGestãoAmbiental, pelaESALQ/USP.Atuou,em2011,noProjetoEscolasSustentáveispelo InstitutoEstredeResponsabilidadeSocioambiental.Épermacultorae interessadaemEducaçãoAmbientalePolíticasPúblicas,ComunicaçãoAmbientaleCiênciaHedônica.RicardodeU.Moura

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Graduando em Gestão Ambiental (ESALQ-USP), atuou em projetos e eventos sobre restauração deáreasdegradadaspeloGrupodeAdequaçãoAmbientaldaESALQ-USP(GADE).Em2011,peloInstitutoEstre de Responsabilidade Socioambiental, realizou oficinas pedagógicas relacionadas a consumo eparticipoudoprograma“EscolasSustentáveis”.SandraNavarroGraduada em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Mestre em EcologiaAplicada pela CENA/ESALQ/USP. Coordenadora e professora de Ciências da Escola Sathya Sai deRibeirãoPreto.GraduandaemPedagogia.SemiramisBiasoliDoutorandaemPolíticasPúblicasdeEducaçãoAmbientalpeloPPGIEcologiaAplicadadaESALQ/USP,Graduada em Direito pela PUCCAMP (1993) e Pós-Graduada em Gestão Ambiental pela UNICAMP(2003). Integrante do FunBEA – Fundo Brasileiro de Educação Ambiental, membro da REPEA epesquisadoradaOCA–LaboratóriodeEducaçãoePolíticaAmbientaldaESALQ/USP.SilviodoCarmoJuniorÉ estudante de Engenharia Florestal da ESALQ-USP. Participou na Oca – Laboratório de Educação ePolíticaAmbiental(ESALQ/USP)doProjetoCaximba.SimonePortugalProfessora,MestreemEducaçãopelaUniversidadedeBrasília.Comomãedetrêsjovensestudantesdeescolaspúblicasbrasileiras,desde1996participadagestãodeConselhosEscolares.Elaborou livroemateriais didáticos de Educação Ambiental para crianças, jovens e professores, além de coordenaroficinasdeformaçãodeprofessores.ParticipadoColetivoEducadorPiracicauá.ThaísBrianeziJornalista (ECA/USP),MestreemSociedadeeCulturanaAmazônia (PPGSCA/UFAM)eDoutorandaemCiência Ambiental (PROCAM/USP). Participa da OCA – Laboratório de Educação e Política Ambiental(ESALQ/USP) e é membro fundadora da Escola de Ativismo e da Associação Internacional deComunicaçãoAmbiental–IECA.ValériaM.FreixêdasEducadora ambiental com experiência na elaboração de materiais didáticos e em projetossocioambientais. Mestre em Ecologia Aplicada/Ambiente e Sociedade pelo PPGI-EA/CENA-ESALQ.ParticipantedoColetivoEducadorPiracicauá.VanessaMinuzziBidinotoBióloga,licenciadaemCiênciasBiológicaspelaUniversidadeRegionalIntegradadoAltoUruguaiedasMissões-CampusSantiago,RS.EspecialistaemGerenciamentoAmbientalpelaESALQ/USP.MestreemEducaçãoedoutorandapelaUNIMEP.PesquisadoraBolsistapeloCNPqnesteperíodo.Temexperiênciana área de Educação, com ênfase em Educação Ambiental, Educação nomeio rural, Educação emCiênciasenaáreadegestãoambiental.ViriatoSoromenho-MarquesProfessordeFilosofianaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeLisboa,correspondentedaAcademiadasCiênciasdeLisboa.MembrodoConselhodeImprensa(1985-87);PresidenteNacionaldaQuercus(1992-95); integrou o Conselho Econômico e Social (1992-96). Vice-Presidente da Rede Europeia deConselhosdoAmbienteedoDesenvolvimentoSustentável (2001-06).MembrodoConselhoNacionaldo Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Coordenador científico do Programa GulbenkianAmbiente.Site:www.viriatosoromenhomarques.com.VivianBattainiMestranda do Programa Ecologia Aplicada (ESALQ/CENA). Especialista em Educação Ambiental eRecursosHídricos(USP/SãoCarlos).ParticipantedoColetivoEducadorPiracicauá.YaninaMicaelaSammarcoFormada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre emEngenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutoranda pelo ProgramaInteruniversitario de Educación Ambiental na Universidade Autônoma de Madri em convênio com aESALQ/USP. Docente da Fatec-Jahu/Centro Paula Souza – Unesp. Educadora, Gestora e PesquisadoraSocioambientaldaOCA/ESALQedoInstitutoPró-Terra.1Este texto consiste na versão ampliada do artigo intitulado “Embusca da sustentabilidade educadora ambientalista”,publicado narevistaespanhola “ambientalMENTEsustentable”, ediçãode janeiro-dezembro2010, anoV, vol. I, núm.9-10, páginas7-35,contendotrechosantesexcluídosdevidoàlimitaçãodetamanhodapublicaçãocitadabemcomopartesrevisitadasereescritas.2Juntoaotermo“prosacaipira”,leia-se,também,asdemaisculturasregionaiscomo“prosacaiçara”,“prosacapixaba”,“prosagaúcha”,“prosapantaneira”,dentreoutrasqueevidenciamariquezaculturaldoBrasil.3Aobra“Ética”,deEspinosa,estádivididaemcincopartesoulivros:I–Deus;II–Anaturezaeaorigemdamente;III–Aorigemeanaturezadosafetos; IV–Aservidãohumanaouaforadosafetos;V–Apotênciado intelectooua liberdadehumana.Acitação‘E III’refere-seaoLivroIIIdaÉtica(ESPINOSA,2007).4DaobraÉtica,deEspinosa,divididaemcincopartesoulivros.5Cf.MILL, 1965; PIGOU, 1932; POLANYI, 2001; BOULDING, 1966; SCHUMACHER, 1973;DALY andCOBB, 1990;DIEFENBACHER, 1994;JACKSON,1994;MAX-NEEF,1991;COSTANZAandD’ARGEetal.,1997;SCHWARZ,2005;CATO,2009.6Cf.TREMMEL,2009;BORDEYNEetal.,2009;VIVERET,2010.7‘EueTu’,estadualidadedeindicadoresdesujeitosnãofoiescritaaquiaoacaso.Elaétambémotítulodeumdoslivrosmaisessenciaissobreateoriaprofundaeapráticadodiálogo.Seuautoréopensadorjudeu-alemãoMartinBuber,eseulivrotemestenome:EueTu.OintrodutornoBrasiletradutordeseulivroéoeducadorNewtonAquilesvonZuben.8QuemtenhaprestadoatençãoaummomentodoconhecidofilmeOburacobrancodotempo,haverádelembrarqueapenasumrostodepensadorecientistaaparecenatelaporummomento.Eseunome,PierreTeilharddeChardin,éumdosúnicospronunciados.Estepadreepaleontólogofrancês,hojebastanteesquecido,foi,duranteosanos60,umdosprincipaispensadoreslidoseestudados.Ameu

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vereleantecipa,de formaousadaenuncarepetidaatéhoje, ideiaseprincípios fundadoresdequalqueraçãoambientalista.Seu livroprincipaléOfenômenohumano,eelemereciaserlidocomcuidado.Poroutrolado,FreiBettoacabadepublicarumanovaedição,pelaEditora Vozes; um livro dedicado a difundir as ideias de Teilhard de Chardin. Seu nome é A Sinfonia Universal. Referências muitooportunasaoseupensamentopodemserencontradastambémnatrilogiadelivrosdeMarcosArruda,indicadosaofinaldesteartigo.9EpígrafedeapresentaçãodolivroAprendendoapensar.Vejanas‘Referências’aindicaçãocompleta.10CHARLOT,Bernard.Darelaçãocomosaber,elementosparaumateoria.PortoAlegre:EditoraArtmed,2000,p.61.11OManifestodaTransdisciplinaridadeéodocumento finaldeumCongresso Internacional, realizadonoConventodaArrábida, emPortugal, entre2e6denovembrode1994.AssinamaCartadeTransdisciplinaridade, depois tornada um “manifesto”, as seguintespessoas:LimadeFreitas,EdgarMorineBasarabNicolescu.12 É o capítulo intituladoUm outro pensar para um outro viver, do livroA canção das sete cores – educando para a paz. FoipublicadopelaEditoraContexto,deSãoPaulo,em2005.13VersãoadaptadadeartigoapresentadonoGTdeEducaçãoAmbiental,doVEncontroNacionaldaANPPAS,Florianópolis,2010.14Estaobrafoipublicadaoriginalmenteemfrancês,noanode1930.15SegundoSantos(2007:75):“...asrepresentaçõesqueamodernidadedeixouatéagoramaisinacabadaseabertassão,nodomíniodaregulação, o princípio da comunidade e, no domínio da emancipação, a racionalidade estético-expressiva. Dos três princípios deregulação(mercado,Estadoecomunidade),oprincípiodacomunidadefoi,nosúltimosduzentos,omaisnegligenciado.(...)acabouporserquasetotalmenteabsorvidopelosprincípiosdoEstadoedomercado.Mastambéméomenosobstruído...,omaisbemcolocadoparainstaurarumadialéticapositivacomopilardaemancipação”.16EstecapítuloébaseadoemartigoquefoipublicadooriginalmentenaRevistaEducaçãoeRealidade.17Alógicadoterceiroincluídointeragecomanoçãodaimportânciadeaberturadialógicaparatodoserhumanoqueserelacionacomaquestão em pauta, além da participação de cientistas e especialistas. Para aprofundamento, consultar: D’AMBROSIO, U.Transdisciplinaridade.SãoPaulo:PalasAthena,1997.18InformaçãoverbalfornecidaporDanielFonsecadeAndrade,umdosautoresdestetexto,quevivenciouaexperiência.19A“DirectivaMarcodaÁgua”(DMA)éumanormadoParlamentoEuropeuedoConselhodeUniãoEuropeiapelaqualseestabeleceummarcodeatuaçãocomunitárianoâmbitodapolíticadeáguas.20Traduçãolivre:“Educaçãopelaexperiênciananaturezafocadaemambientesaquáticos”.21Traduçãolivre:“Livrefluxodeinformação”.22‘Concentraçãodemídia’équandoummesmogrupoéproprietáriodediversosveículos:rádio,televisão,jornalimpresso,TVaCaboeservidordeInternet,porexemplo.Istoéilegal,deacordocomaConstituiçãoFederalde1988,masatéhojeaproibiçãonãofoicolocadaempráticaporquefaltaregulamentaçãodela.23Traduçãolivre:“Ganhandoodebatesobreaquecimentoglobal:umpanorama”.24AscitaçõesaolongodotextodaobraÉtica,deEspinosa,foramextraídasdeSPINOZA,Benedictusde.Ética/Spinoza;[traduçãoenotasThomaz Tadeu]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007. (edição bilingue – português brasileiro contemporâneo e original em latimestabelecidoporCarlGebhardt,em1925).Dascitações:“E”indicaaobraÉtica;I,II,IIIouIVindicaolivrodaobraÉtica;“prop.”indicaaproposiçãodaobra;“pref.”indicaprefáciodaobra;“def.”indicaadefiniçãotrazidanaobra;“esc.”indicaoescóliocitado.Porexemplo:EIV,prop.4,esc–indicaqueacitaçãorefere-seaoescóliodaproposição4,daparteIV,daÉtica.25UniversidadedeLisboaeUniversidadedeSãoPaulo/Brasil.Apoio:CAPES.Processonº0303/11-9.26DoutoramentorealizadocomorientaçãocompartilhadaentreUniversidadedeLisboa(UL)eUniversidadedeSãoPaulo(USP)/Brasil,soborientaçãodaProfaDraMariaLuísaRibeiroFerreira(UL)edoProf.Dr.MarcosSorrentino(USP).27Encontrospassivosserelacionamcomaspaixões.28 Por ‘paixão’, em Espinosa, se compreende a realização de algo sem que se compreenda a causa do afeto/motivação, trata-se,portanto,deumareaçãoaalgo.Contudo,deve-seressaltarquenemtodareaçãoéumapaixão,poishámomentosemquereagimosauma determinada situação de maneira consciente, previamente refletida, por já nos termos debruçado a pensar a respeito dedeterminado assunto e ter clareza da causa de nosso afeto/motivação. Outras reações que não passam pela esfera reflexiva dopensamento,masquefazempartedaautopreservaçãodoser,comoporexemplo,tirarinstantaneamenteamãodeumasuperfíciemuitoquente.29 A busca por conhecer a causa dos nossos afetos tem que ser, obrigatoriamente, acompanhada por uma busca de informações arespeito das coisas quenos rodeiam, para que a reflexãonos possa levar a construir ideias adequadas/verdadeiras. Tais informaçõescompõemtambémosubstratodareflexãoaseroperada,ouseja,numambientedeindigênciaconceitualéimpossívelarealizaçãodeumareflexãoquenosleveaideiasverdadeiras.30LembrandoqueNarciso,nomito,éaqueleque,quandosemiranoespelhod’água,acha-seamaisbeladetodasascriaturas,masparaapsicanálise,naprática,umapessoacom‘comportamentopadrãonarcísico’éaquelaquenãoconseguedistinguiroslimitesentreela e o outro, pois tudo o que está ao seu redor é uma extensão dela mesma. Portanto, esperar que essa pessoa que possui um‘comportamentonarcísicocomopadrão’leveooutroemconsideraçãoemdeterminadassituaçõeséomesmoqueesperarcolherperasdamacieira.31EV,prop.6,demonstração.32EV,prop.6,escólio.33Interaçãodofuncionamentopsíquicoatualdapessoacomonosso,nomomento.34Profissional,afetiva,social,políticaetc..35 Damásio (2003) faz uma distinção entre sentimentos e emoções. As emoções precedem os sentimentos, sendo as primeirasdesencadeadas por estímulos emocionalmente competentes (EEC). As emoções (sensações corpóreas) desencadeiam pensamentos(ideias)eestespensamentoséqueseconstituemcomosentimentos.Ouseja,asemoçõessãodesencadeadasporestímulos(internosouexternosaonossocorpo)quesãocaptadospelosórgãossensoriaiseossentimentossãoasideiasqueformamosapartirdesteestímulo.36OqueDamásio(2003)chamadesentimento,emEspinosaéumaideiaconfusa/umaformadepensar/imagem/imaginação.Valeaquicolocar tambémque, segundo este autor, o que emEspinosa denomina-se ‘afeto’ é um conjunto composto, pelo que atualmente sedenominademotivação,pulsão,emoçãoousentimento.37Cabe aqui colocar que chegaram a existir aproximadamente 120 propostas de funcionamento de Coletivos Educadores em todoterritóriobrasileiro,equeestadiminuiçãodonúmerodeColetivosdeve-seàdescontinuidadedaPolíticaPúblicadosColetivosEducadoresporpartedoMinistériodoMeioAmbienteapósasaídadaMinistraMarinaSilva.38Talestratégiadelineia-sedaseguinteforma:PAP1éoMinistériodoMeioAmbientequefomentouaformaçãodeCEsemtodoterritóriobrasileiro–atravésdaelaboraçãodapolíticapúblicaedoapoiolocalàconstituiçãodosmesmos.PAP2sãooseducadoresambientaisqueprimeiro constituem o CE e são pessoas que, preferencialmente, trazem o apoio de suas instituições para elaborar e implementarconjuntamenteumprocessodeformaçãoparaosPAP3–pessoasinteressadasemrefletireatuarnaáreasocioambiental(professoresdaredepúblicaeprivada,liderançascomunitárias,técnicosdeprefeiturasmunicipais,estudanteseprofessoresuniversitários,funcionáriosde empresas públicas, privadas e de capital misto, militantes ambientalistas, entre outros). Os PAP3, através de uma intervençãosocioeducativa, têmpor objetivo formar os PAP4 – pessoas inseridas nas comunidades dentro do território de atuação doColetivo. Acapilaridade do processo funda-se na ideia de ensinar-aprendendo/aprender-ensinando, o que significa dizer que, um educador PAP2forma/aprimorasuaformaçãoaoformaroeducadorPAP3;este,porsuavez,tambémestáformando/aprimorandosuaformaçãoàmedidaqueformaosPAP4,eassimsucessivamente,numprocessocontínuoepermanentedeaprendizagem-ensino-aprendizagem.39Otermo‘Cardápio’,enquantosinônimodeMenuouLista,nestecontextoserefereàescolhaqueoseducandosfazemdoquedesejamaprender, tendo em vista o aprimoramento de sua formação, demarcando, assim, uma das diferenças deste processo formativo dastradicionaisgradescurriculares.40Noprocessoeducativo,formaram-secercade30educadoresPAP2e130educadoresambientaisPAP3.Estesúltimosforamdivididosem21ColetivosLocaisdeaçãosocioeducativa(CLs).AformaçãoPAP3foicompostaporumacargahoráriade564horas,distribuídasdaseguinte forma:90horasde reuniõespresenciais,ao longode18meses;270horasdeparticipaçãoemcursos,oficinas,palestrasou

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vivências denominadas ‘itens de cardápio’; 60 horas de reuniões com formadores denominados ‘articuladores’ – orientadores paraelaboraçãoeimplementaçãodeprojetoseducacionaissocioeducativosnascomunidades;24horasdeparticipaçãoemforosecoletivos(assembleias, reuniõesde conselhos, consultaspúblicas, audiênciasetc.) e120hdeexecuçãodeações socioeducativas (atuaçãodosColetivosLocais).41Realização de ‘trilha perceptiva’, oficinas de musicalização e construção de instrumentos percussivos, oficinas de Biodanza e dedanças circulares, palestras sobre ‘cultura alimentar’, exibição de filmes com posterior debate/socialização de ideias e sentimentosdespertados,assistirpeçasteatraiscomposteriordebate/socializaçãodeideiasesentimentosdespertadosetc..42AformaçãoinicialdosPAP2duroudoisanos(2005e2006);aformaçãoinicialdosPAP3durouumanoemeio(2007atémeadosde2008);e,demeadosde2008atéopresentemomento(cercade3,5anos),oColetivocontinuaaatuaremvirtudedasinergiaconstruídaentre os seus componentes, e desta forma dá continuidade ao aprimoramento da formação emultiplicação dos PAPs – Pessoas queAprendemParticipando(atuando)emgruposdePesquisa-AçãoParticipante.43UmoutrofrutoimportantecolhidopeloCOEDUCAéaelaboraçãodeumapolíticapúblicadaSecretariadeMeioAmbientedomunicípiode Campinas para a formação de educadores ambientais, que tem como objetivo promover a realização de intervenções educativassocioambienaisnomunicípio,epromoveroenraizamentodemodosdepensareagirqueauxiliemaconstruçãodasustentabilidadenomunicípaleregional.44Estaalegriareferidaaoincrementodepotênciasedistiguedaalegriaeufórica,explosiva,efêmera,que,aofindar,nãodeixanenhumcontributoparaquecompreendamosmelhortantoanósmesmoscomoascoisasdomundo.45 Em latim: “In hoc vita igitur apprime conamur, ut corpus infantiae in aliud (...)mutetur...”. Ética (doravante E ou Et.). CitaremosEspinosaapartir deSpinozaOpera, hersg. vonKarlGebhardt,Heidelberg,CarlWinters, 1972,5vols.Doravante identificaremosestaediçãoporG. –obraestaquecontémtodosos textosdeEpinosa. “(...) vitamnonmaeroreetgemitused tranquilitate (...) transigerestudio”.Epístola(doravanteEp.)XXIadBlyenbergh,G.IV,p.127.46TratadoTeológicoPolítico(doravanteT.T.P.).47Emlatim:“rectavivendiratione”,Et.V,prop.X,sch.,G.II,p.287;“advitamsapienteristituendam”,EtII,prop.XLIX,scol.,G.II,p.132;“vitafruendi”,Et.IV,Ap.,cap.IV,G.II,p.268.48Emlatim:“(...)vitamhumanamintelligo,quaenonsolasanguiniscirculatione,&aliis,quaeomnibusanimalibussuntcommunia,sedquemaximaeratione,veraMentisvirtute,&vitadefinitur”.TratadoPolítico(doravanteT.P.).49“(...)temogensmaakendevereenigingemetGod,eninmywoorttebringenwaaragtigedenkbeelden,endezedingenookaanmynnaastinbekendtemaaken”.BreveTratado(doravanteK.V.).50TractatusIntellectusEmendatione(T.I.E.).51Emlatim:“(...)dicimus,illudimperiumoptimumesse,ubihominesconcorditervitamtransfigunt”.52Estamosnumescritode juventudeemqueosconceitosaindanãoestãodefinitivamenteelaborados.DaíestaseparaçãoquemaistardeaÉticarecusaráentrecorpoealma,espíritoematéria.53Emlatim:“Quamnospervitamintelligimusvim,perquamresinsuoesseperseverant;etquiaillavisarebusipsisestdiversa,resipsashaberevitampropriedicimus”.CogitataMetaphysica(doravanteC.M.).54Emlatim:“Visautem,quaDeusinsuoesseperseverat,nihilpraeterejusessentiam,undeoptimeloquuntur,quiDeumvitamvocant”.Ibidem.55Emlatim:“(...)magnaestabsurditas(...)Deipotentiamcumpotentiaregumcomparare”.56VidefinaldeC.M.,II,cap.VI.57Emlatim:“Exnecessitatedivinaenaturaeinfinitainfinitismodis(...)sequidebent”.Et.I,prop.XVI,G.II,p.60.&“Deipotentiaestipsaipsiusessentia”.Et.I,prop.XXXIV,G.II,p.76.58Emlatim:“(...)ostendimus,Deipotentiamnihilesse,praeterquamDeiactuosamessentiam”.59Emlatim:“Deusetomniumrerumcausaimanens,nonverotransiens”.60Emlatim:“(...)corpusnonterminaturcogitatione,neccogitatiocorpore”.61Emlatim:“Deiomnipotentiaactuabaeternofuit,etinaeternumineademactualitatemanebit”.62Sobreaespecificidadedaextensãorelativamenteaomundoobservável,sãodegrandeutilidadeoescóliodaprop.XV,deEt. IeacartaXII,aLudwigMeyer.63Em latim: “(...) die poginge, dewy en in gheeleNatuur, en in de bezondere dingen ondervinden, strekkende tot behoudenisse enbewaaringevanhaarzelfswesen”.Aatestaressafiliaçãohebraica,veja-seaEp.LXXIII,aOldenburg,naqualEspinosacita“osantigoshebreus”,quejádefendiamqueascoisassãoemDeusenelesemovem(G.IV,p.307).64Emlatim:“wanthetisopenbar,datgeendingdoorsyneigenatuurzoudekonnentragtentotsynzelfsvernietinge,maarintegendeeldatiederdinginzigzelfseenpoogingeheeftomzigzelfseninsynstandtebewaaren,entotbetertebrengen...”.65Emlatim:“Ordoetconnexioidearumidemest,acordoetconnexiorerum”.66Emlatim:“Conatus,quounaquaeaueresinsuoesseperseverareconatur,nihilestpraeteripsiusreiactualemessentiam”.67Algumastraduçõesportuguesasefrancesasusamincorretamenteotermo“alma”quandoovocábuloqueEspinosautilizaémens.68Emlatim:“Omniaquamvisdiversisgradibus,animatatamensunt”.69Emlatim:“Quamvisitaqueunumquodqueindividuumsua,quaconstatnaturacontentumvivat,eaqueguadeat,vitatamenilla,quaquamideaseuanimaejusdemindividui...”.70 Em latim: “Porro ex Extensione, ut eam Cartesius concipit, molem scilicet quiescentem, corporum existentiam demonstrare nontantumdifficile;utais;sedomninoimpossibileest.Materiaenimquiescens,quantuminseest,insuaquieteperseverabit,necadmotumconcitabitur,nisiacausapotentioriexterna;ethocdecausanondubitaviolimaffirmare; rerumnaturaliumprinipiaCartesiana inutiliaesse,nedicamabsurda”.Ep.LXXXI,aTschirnhaus,G.IV,p.332.71Emlatim:“(...)facileconcipimustotamNaturamunumesseIndividuum,cujuspartes,hocest,omniacorpora,infinitismodisvariant,absqueullatotiusIndividuimutatione”.Cf.tambémEt.II,def.VII.72EstaéumatesequeHansJonascontestaria.NaleituraquefazdeEspinosa,osanimaistêmalma,poissentempercebemepensam,interpretaçãocomaqualconcordamos.Noentanto,não fazdistinçãoentre“mens”e“anima”,posiçãoquenãoperfilhamos,poisnospareceesquecerquequandoEspinosausaotermo“mens”,nãoserefereapenasaumaideia,massimaumaideiadaideia,comotal,sósuscetíveldeserpossuídaporhumanos.73Et.III,prop.IX,sch.;Et.III,def.affectuum.74Emlatim:“ObjectumideaehumanamMentemconstituentisestCorpus,sivecertusextensionismodusactuexistens,etnihilaliud”(itálicosnossos).75Emlatim:“Nullares,nisiacausaexterna,potestdestrui”.76Cf.COHEN,D.ElSuicidio:DeseoImposibleolaparadojadelamuertevoluntariaenBarujSpinoza.BuenosAires:EdicionesdelSigno,2003.77“causaelatentesexternae”.Ibidem,G.II,p.224.78Emlatim:“Simeliuscumalicujusnaturaconveniret,utseipsumsuspenderet,anrationesdarentur,utsenonsuspenderet?”.79Emlatim:“Homoquirationeducitur,magisincivitate,ubiexcommunidecretovivit,quaminsolitudine,ubisibisoliobtemperat,liberest”.80Emlatim:“Societasnontantumadsecureabhostibusvivendum,sedetiamadmultarumrerumcompendiumfaciendum,perutilisest,etmaximeetiamnecessaria;nam,nisihominisinvicemoperammutuamdarevelint,epsisetars,ettempusdificeretadse,quoadejusfieripotest,sustentandumetconservandum...”.81Emlatim:“Hominiigiturnihilhomineutilius...”.82Emlatim:“Cumautemsolitudinismetusomnibushominibusinsit,quianemoinsolitudinevireshabet,utsesedefendere,&quaeadvitamnecessariasunt,compararepossit,sequiturstatumcivilemhominesnaturaappetere,necfieriposseuthomineseundemunquampenitusdissolvant”.83Emlatim:“(...)benevivendisiveveravita”,T.T.P.,cap.II,G.III,p.41&“superstitio(...)nullosmagisadit,quamquiveramscientiam,veramquevitamcolunt”,T.T.P.,cap.II,G.III,pp.29-30.84“ubinotandum,quodpervitamabsoluteHebraiceveravitaintelligatur”.

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85ÉumaposiçãopatentenascartasXXXeXXXII,aOldenburg.86Emlatim:“(...)quaehominesverebeatosreddit,etveramvitamdocet,omnibusessehominibusuniversalem”.87Emlatim:“Homoliberdenullareminusquamdemortecogitat,etejussapientianonmortis,sedvitaemeditatioest”.88OpresenteartigoéumaadaptaçãorevisadadotrabalhoapresentadonoVEncontrodeEducaçãoAmbientaldaANPPAS,ocorridoemFlorianópolisde4a7deoutubrode2010.89Traduçãolivredoinglês“I’vegivenupworkandforsakenmylivelihood./InsteadIwritepoetry./Mysight,myheart,mylifebelongtoHim./AllthreewordsIhavewovenintoone,LOVE”.MafieKolin(tradutorasdooriginal),p.129,1999.90AntigooráculochinêsquecontémcomentáriosdeConfúcio.91SínteseapartirdeumasériedepalestrasproferidasporSimSoonHock,mestredoTao,emJundiaí,entreosanosde2004a2010.92Disponívelem:<http://www.bhutannica.org/index.php?title=Estevao_Cacella>.Acessoem:20deNovembrode2011;eBAILLIE,L.M.FatherEstevaoCacella’sReportonBhutanin1627.Disponívelem:<http://www.thlib.org/static/reprints/jbs/JBS_01_01_01.pdf>.Acessoem:20deNovembrode2011.93Palestraproferidana5ªConferênciaInternacionalsobreFelicidadeInternaBruta,realizadaemFozdoIguaçu,de20a23denovembrode2009.94Foipautadanestapremissaquesedesenvolveu,em2004,umCongressoemFindhorn,Escócia,naprimeiraEcoviladoplaneta,cujotítuloera“SincronicidadeeConectividade:ConstruindoumaCulturadePaz”.Neleestiveram,entreoutros,PierreWeil,JeanYvesLe-Loup,ErvinLazlo,PeterRussel(autordeOBuracoBranconoTempo).95Disponívelem:<http://www.europapress.es/nacional/noticia-gritos-sol-contra-minoria-hacer-pintadas-20110518234701.html>.Acessoem:20deNovembrode2011.96Disponível em:<http://www.talentosespeciais.inf.br/?cat=1>. Foto de Júnia Lage. Acesso em: 20 deNovembro de 2011. Trecho damúsicadeTomZé:“Meninaamanhãdemanhã”.97Asperguntasselecionadasparaseremlidadasnotextosãoalgumasdaquelas,maisbásicas,queumdosautoresdestetextosefaziaenquantoescondiaoconstrangimento,emsituaçõesemqueaquestãodaspolíticaspúblicasdeEAemergia.Esperamosqueaelucidaçãodelascolaborenaformaçãodeoutroseducadoresambientaiseosestimulemaseaprofundarnotema.98Estetema–seaspolíticaspúblicasdevemserfeitasexclusivamentepeloEstadooutambémporoutrasinstituiçõesdasociedadecivil,sozinhas ou em parceria com ele – é um foco de conflitos epistemológicos importantes que não serão tratados aqui, mas que sãoabordadosespecificamenteporRamos(2009)eRezende(2009).99Texto adaptado do artigo “EducaçãoAmbiental de Jovens e Adultos (EAJA) – A Educação de Jovens e Adultos à Luz do Tratado deEducaçãoAmbientalparaSociedadesSustentáveiseResponsabilidadeGlobal”,deMarcosSorrentino,SimonePortugaleMoemaViezzer,publicadonaRevistaLatinoamericanadeEducaciónyPolíticaLaPirágua,n.29,II/2009.100 Laboratório sediado na Escola Superior de Agricultura “Luiz deQueiroz” – ESALQ/USP/Piracicaba, sob orientação do ProfessorDr.MarcosSorrentino,queadotacomopilaresemseusprojetoseaçõesosconceitosdecomunidade,identidade,diálogo,potênciadeaçãoefelicidade.101Termoutilizadonalínguainglesaparaexpressaraeficáciaeimplementaçãodasnormasedecisõesjudiciais.102O“contemptofcourt”consisteemuminstituto,origináriodafamíliajurídicado“CommonLaw”,cujoescopoéinstrumentalizardoisobjetivosessenciaisaosistemajurídico:anecessidadedeobservânciaeefetividadedasdecisõesjudiciáriaseaautoridadedasCortesdeJustiça(CHASE,2007,ApudBRASILJÚNIORECASTELLO,2011).103DestaqueaoParágrafoÚnico,doArt.1°daConstituiçãoFederalde1988:“Todoopoderemanadopovo,queoexercepormeioderepresentanteseleitosoudiretamente,nostermosdestaConstituição”.104ArtigopublicadooriginalmentenarevistaCiênciaeEducação(UNESP.Impresso),v.17,p.339-352,2011.105OscincoconceitosdeEducaçãoAmbientaldaOcasãoapresentadosnoartigodeaberturadessaobra.106Adimensãocidadania foiacrescentadanapropostadeEscolasSustentáveisapresentadapeloMinistériodaEducação.ParasabermaissobreapropostadoMEC,verTRAJBER,R.;SATO,M.Escolassustentáveis: incubadorasdetransformaçõesnascomunidades.Rev.eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, v. especial, setembro de 2010, p. 70-78. Disponível em:<http://www.remea.furg.br/edicoes/vesp2010/art5vesp2010.pdf>.Acessoem:5deagostode2011.107PrimeirogrupoformadopelaEMFranciscoCorrêa;segundogrupoformadopelaEMMárioChorilli;terceirogrupodetrabalhoformadopeloCentroRuraldeEducaçãoAmbiental‘Dr.Kok’emaiscincoescolas,asaber:E.I.ProfessorJoséFranciscoAlves;E.I.ProfessoraAnaMariaFontabelliAvansi;E.I.ProfessoraBeatrizAparecidaDefanti;E.I.ProfessoraÉricaFernandaGobbo;E.F.MaximinianoFerreiraGil.108NosentidodeJacquesArdoino(1998),autorizar-se,fazerdesimesmoseupróprioautor.109Materialdisponívelnosite:<http://www.seaembu.org>.110DocumentoelaboradonaRio-92,peloGrupodeTrabalhodasOrganizaçõesNãoGovernamentaiseMovimentosSociais,noFórumInternacionaldasONGs.111GrupocompostoporAlessandraBuonavogliaCosta-Pinto,AlikWunder,CarolineLadeiradeOliveira,ÉricaSpeglich,KellenJunqueira,MariaRitaAvanzi,RitadeCássiaNonato,ShaulaMaíraSampaio,VivianGladysdeOliveira–Graduandas,MestrandaseDoutorandacomvínculoemdiferentesinstitutosefaculdadesdaUnicampeUSP.Ogrupoatuoude1999a2003nocomponente“IntervençõeseEducaçãoAmbiental”doprojetotemáticoFloresta&Mar:usoseconflitosnoValedoRibeiraeLitoralSul,coordenadoporLúciadaCostaFerreiraeAlpinaBegossi–NEPAM/Unicamp.112“Práticaseducadorasconstruídasapartirdebonsencontrospossibilitamaossujeitosenvolvidoscompartilharsuasexperiênciasesãopromotorasdoincrementodapotênciadeação”(SORRENTINOetal.,2010,p.28).113Tomoa expressão grupo-pesquisador emprestada da sociopoética, proposta de pesquisa criada por JacquesGauthier, que foca oprocessogrupaldeproduçãodeconhecimento.114ProposiçãodeHeidegger,extraídadopoetaalemãoHölderlin,quetemdecisivainfluêncianahermenêuticagadameriana.115Osnomessão fictícios, inspiradosemLígiaFagundesTelleseCecíliaMeirelles,escritorascomasquaisÉricaestavaenvolvidanomomentodaelaboraçãodaDissertação.116RAIMO,AndreaA.;BRIANEZI,Thaís;MORIMOTO,IsisA.AEducaçãoAmbientalnaGestãodeUnidadesdeConservaçãodeUsoSustentável: um diálogo entre três estudos de caso. In: Educação Ambiental – Responsabilidade para a conservação dasociobiodiversidade.SEABRA,Giovanni;MENDONÇA,Ivo(Orgs.).JoãoPessoa:EditoraUniversitáriadaUFPB,2011,v.3.117RAIMO, Andrea A.; SORRENTINO, Marcos.A importância da Educação Ambiental para Unidades de Conservação de usosustentável – um caso na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas – Brasil. In: Anais do V SeminárioBrasileirosobreÁreasProtegidaseInclusãoSocial.Manaus,2011.118 É um “ambientalismo superficial”, não aborda a dimensão política, o que pode atribuir à Educação Ambiental (EA) um caráterconservador,reducionista,antropocêntrico(AVANZI,2004).119Conceitoque surgiunosdebates sobreautonomia territorial e,nocontextonacional, consolidou-sena luta socialpelodireitodospovos.120O“tradicional”,emboraporvezesrelacionadoàimobilidadeculturaleatrasoeconômico,éadotadonosentidodequenemaculturanemo conhecimento são estáticos, como identificarampovos indígenas no Seminário doConselho deGestão deRecursosGenéticos(segundoo4ºrelatórioNacionalparaaConvençãosobreDiversidadeBiológica:Brasil,2011).121InformaçãoproferidaporÉrikaPinto,Coordenadora-geraldeGestãoSocioambientaldoICMBio,noVSeminárioBrasileirosobreÁreasProtegidaseInclusãoSocial(Manaus-AM,novembrode2011).122O conhecimento tradicional, ou etnoconhecimento, é definido como “o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundonatural,sobrenatural,transmitidooralmentedegeraçãoemgeração”(DIEGUES,1999:33).123O termo “comunidade” é adotado pelos próprios povos, uma vez que foi introduzido pelos Movimentos Eclesiais de Base queincentivaramfamíliasisoladasasejuntarememcomunidadesparareivindicaremdireitosbásicosdeEducaçãoeSaúde,principalmentenadécadade60.124Idemànota127.125 A adoção de “povos tradicionais” traz consigo a dimensão política, na qual grupos sociais têm características peculiares deconstruçãodeterritorialidades,sentidodepertencimentoaumlugarcomumeestratégiasadaptativassustentáveis.126Idemàsnotas127e130.127Um bom exemplo de autonomia e cogestão acontece no município de Marechal Thaumaturgo (AC), onde os Ashaninkas (etniaindígena)construíramumCentrodeSaberesdaFloresta.

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128Parasabermais,ver:MEDEIROS,R.etal.ContribuiçãodasUnidadesdeConservaçãobrasileirasparaaeconomianacional:SumárioExecutivo.Brasília:MMA,2011,40p.129PodemoscitaroManejodoPirarucu,naReservadeDesenvolvimentoSustentávelMamirauá(AM),eaextraçãodaseringanaReservaExtrativistaChicoMendes(AC).130Atualmente,oCódigoFlorestalestáemrevisão,naqualosnovostextosaseremaprovadospodemcolocaremriscoestasconquistascitadas.131OSeminárioBrasileirosobreÁreasProtegidaseInclusãoSocial(SAPIS),em2011,estáemsuaVedição.132Disponívelem:<http://www.maweb.org>.133 Algumas experiências relacionadas têm sido iniciadas pelo Governo do Estado do Amazonas, através da Bolsa Floresta, eposteriormente,peloGovernoFederal,atravésdaBolsaVerde.134ALeiEstadualnº11.241,de2002,definequequeimadasdeverão,gradativamente,serproibidasaté100%em2020,oquelevaráàmecanizaçãodacolheita.Noentanto,oProtocoloAgroambientalpretendeaceleraresteprocessoaté2014.135AUGRHI13fazpartedagrandeBaciadoRioTietê,englobando34municípios,comumtotaldeáreade11.784,6km2,ondeviveumapopulaçãoestimadaem1milhãoe500milhabitantes.136UmafoiemparceriacomaSecretariadoMeioAmbientedoEstadodeSãoPauloefinanciadapeloGEF–BancoMundial–atravésdoprojetoMataCiliar;outrafoifinanciadapeloCASA(CentrodeApoioSocioambiental)eumaconsultoriarealizadacomaONGTNC(TheNatureConservancy).137De acordo com o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), a APA (Área de Proteção Ambiental) encontra-se nacategoria das Unidades de Manejo Sustentável, assim como as Reservas Extrativistas, que visam conciliar a utilização dos recursosnaturaiscomsuaproteção(BRITO,2000,p.69).138SegundoIsabelCarvalho,“ossentidosproduzidospormeiodalinguagemsãoacondiçãodepossibilidadedoagirnomundo.Nãoháaçãopossívelnumvácuodesentido.Todaaçãodecorredecertacompreensão/interpretação,dealgoquefazsentido.”(CARVALHO,2005,p.181).139ProFEA–ProgramaNacionaldeFormaçãodeEducadoras(es)Ambientais:porumBrasileducadoeeducandoambientalmenteparaasustentabilidade.MMA/DEA,Brasília,DF,2005.140 MAPPEA (Mínima Aproximação Prévia para elaboração de Programas de Educação Ambiental) – documento de referência paraconstruçãodeummapeamentosocioambientaldoterritório,elaboradopelaDiretoriadeEducaçãoAmbiental(DEA)doMinistériodoMeioAmbiente.141AsReservasdaBiosfera foramcriadaspelaUNESCO,nadécadade70,comoobjetivodepromoverumdesenvolvimentoregionalequilibradocomoambiente,emqueapesquisaeaEducaçãoAmbientalsãoessenciaisparaseuêxito(BRITO,2000).142Projetoaprovadoem2010comrecursosdoFEHIDRO(FundoEstadualdeRecursosHídricos).EsteéumFundodaSecretariadoMeioAmbientedestinadoadarsuporte financeiroàsaçõesdaPolíticaNacionaldeRecursosHídricos–Leinº9.748,de30denovembrode1994.143Desde2003háumgrupopermanentenomunicípiodeEmbudasArtesque,emparceriacomaONGSociedadeEcológicaAmigosdoEmbu,desenvolvepropostastransformadorasdeEducaçãoAmbiental,comoaAgenda21EscolardeEmbudasArteseas10Agendas21desenvolvidasem10escolasdaredeestadualemunicipal(FRANCO,2010).144“Caminhadadiagnóstica”éumaatividademuitoutilizadaemnossaspráticasdeEducaçãoAmbiental.Define-seumpercursoe,juntocomogrupodeeducadores,caminhamospelasruasdobairrolevantandoosdesafiosepotenciaisdestelugar,semprequestionandoahistórialocal,ascausaseconsequênciasdosdesafiosencontrados.Aolongodacaminhada,registramosmuitasfotografiasevídeos,quepodemserutilizadosposteriormentecomorecursosdidáticos.145“AaventuradeChu”éumContorecuperadoporReginaMachado,quetrazaaventuradeummeninoqueentranapaisagemdeumquadro e, ao retornar à realidade, já não o vê como via antes. Agora, tanto ele (menino) quanto o quadro, semodificarampor umaexperiênciaestética.146Comoobjetivodefacilitaraleituradotexto,adotaremos,daquiemdiante,ostermosPrograma,SMA,SAeEstadoparanosreferiraoprogramaeaosatoresacimacitados,respectivamente.147Santos(1995)fazestecomentárioreferindo-seàrealidadedasociedadeportuguesa–daqualencontramosdiversassemelhançascom a realidade brasileira no contexto abordado pelo autor – ao discutir as possibilidades desta, como sociedade semiperiférica, derealizaratransiçãodoprojetodemodernidadeparaapós-modernidade.148Heidemann(2009)diferenciaas“políticasdeEstado”das“políticaspúblicas”,sendoqueasprimeirasteriamcaráterparticularmenteestáveleinflexível,eportanto,oEstadoteriaqueimplementá-lasindependentementedosgovernoseleitosemdeterminadomomentohistórico.149 Este texto foi publicado, originalmente, nos Anais do Simpósio Comemorativo dos 10 anos de funcionamento do Curso deEspecializaçãoemEducaçãoAmbientaleRecursosHídricos:perspectivasparaoséculoXXI.SãoCarlos,6a8dejulhode2005.150AsquatroautorasparticipamdoColetivoEducadorPiracicauá.151OProjeto Pisca, integrante do Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental daUniversidade de São Paulo – NACE-PTECA/USP, atua desde 2001 com educação e conservação ambiental na Bacia Hidrográfica doRibeirãoPiracicamirim,comoobjetivodecontribuirparaqueamesmasetorneumterritóriosustentável,sendoaparticipaçãosocialumdosprincípiosfundamentaisdesuaação(TERRAMATER,2012).152Baseamo-nosnaPNEA,Leinº9795,queinstituiuaPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbientaleseuDecretoregulamentador,ProNEA–ProgramaNacional de Educação Ambiental, ProFEA – Programa de Formação de Educadores Ambientais, passando pela Lei da EA doEstadodeSãoPaulo(Leinº12.780,de30denovembrode2009),chegandoàMinutadeLeidaPolíticaMunicipaldeEAdeAmericana.153 Foram sugeridas leituras que estimulassem as utopias individuais e coletivas por meio de referenciais teóricos, como Os Dezmandamentos,OManifestoComunista,entreoutros,disponibilizadosemformatodigitalnaInternet.154Aspalestrasexternasenriqueceramocursocomexperiênciasevivênciasexitosas.EstiverampresentesoProf.Dr.PauloKageyama,daESALQ/USP,queproferiuapalestra“BiodiversidadeePolíticasPúblicas”;aProfa.Dra.IsabelFranco,falandosobre“OpapelmediadordaescolanaconstruçãodeagendassocioambientaisnomunicípiodeEmbudasArtes”;eaProfa.SimonePortugal,apresentandootema“EducaçãoAmbientalnaEscolaPública–participaçãoeconstruçãocoletiva”.155Com-Vida–ComissãodeMeioAmbienteeQualidadedeVida(www.mec.gov.br).156Apoio:FAPESP.157Apoio:FAPESP.158ConformeaCGEA/MEC,aIConferência(2003)envolveu16.000escolasdetodoopaís;jáaIIConferência,de2006,mobilizouquase12.000escolase3.800.000participantes(Fonte:<http://cgsi.mec.gov.br:8080/conferenciainfanto/historico.php>).159EstacomparaçãomefoiapresentadapelaamigaeeducadoraambientalIsabelCristinadeMouraCarvalho,queconduzapesquisa“AEducaçãoAmbientalcomoeducaçãomoraldoséculoXXI”,financiadapeloCNPq.160Oneologismo“articulamento” [ao invésdearticulação]ofereceanoçãode incompletude fenomenológica,ouseja,algunspactospolíticosaindaemmarchanasarenasdaslutassociais.Coadunacomas“táticas”certeaunianas,nalutaquenãoesperaofatoacontecerprareagir,masessencialmentenotalentoemmodificarastáticaseavançarnaaçãoproativacontraaculturahegemônica.161RonaldoSenra–DoutorandoUFMT(Educação)quebuscacompreenderoprocessopedagógicocomotáticadelutadaEducaçãodoCampo,tomandooMSTcomoumestudodecaso.162DenizeAmorim–MestreUFMT(Educação),sobreoprocessodemobilização,significadodamilitânciaeparticipaçãonaspolíticaspúblicasdeMT.163ReginaSilva–DoutoraUFSCar(Ecologia),umvastomapeamentodasidentidadesdepovosegrupossociaisvulneráveis,sendohojeum instrumento de política pública reconhecida pela Procuradoria Pública (Detalhamento em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2010000200004&lng=pt&nrm=iso>).164MichelleJaber–DoutorandaUFSCar(Ecologia),numcomplexomapeamentodosconflitossocioambientais,quehojecoadunacomo Fórum dos Direitos Humanos e da Terra de MT, e que integra a Comissão de Relatoria do ano 2011 (Detalhamento em:<http://www.remea.furg.br/edicoes/vol24/art30v24.pdf>).165Disponívelem:<http://direitoshumanosmt.blogspot.com/>.166Disponívelem:<http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/>.167RosanaManfrinate – Mestre em Educação (UFMT), buscou compreender a liderança feminina em Mata Cavalo, com especial

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consideração à dona Tereza,mulher de fibra e liderança querida, que deixou saudades entre osmoradores e os defensores deMataCavalo.168Entreosanosde2003a2008,oProfessorDr.MarcosSorrentinoocupouadireçãode EducaçãoAmbientaldoMinistériodoMeioAmbienteefoisubstituídonacoordenaçãodoLaboratóriopelaProfessoraDoutoraCarmemLúciaRodrigues.169OscincoconceitosdeEAdaOcasãoabordadosnotextodeaberturadestaobra.170AdimensãodacidadaniafoiacrescentadanapropostadeEscolasSustentáveisapresentadapeloMinistériodaEducação,pelogrupodepesquisadoresdaOca,apartirdoprogramaEscolasSustentáveis,desenvolvidopeloLaboratórioemparceriacomoInstitutoEstre.Para saber mais sobre a proposta do MEC, ver TRAJBER, R.; SATO, M. Escolas Sustentáveis: incubadoras de transformações nascomunidades.Revista Eletrônica doMestrado em EA. ISSN 1517-1256, v. especial, setembro de 2010, p. 70-78. Disponível em:<http://www.remea.furg.br/edicoes/vesp2010/art5vesp2010.pdf>.Acessoem:5deagostode2011.171Trabalho (pôster)aceitono3ºSeminário InternacionaldeSustentabilidadenaUniversidade (novembro2011,SãoCarlos –Brasil).Publicação do artigo “Espaços Educadores Sustentáveis: a experiência da Oca”, para compor a seção 3.3 da publicaçãointituladaSustentabilidadenaUniversidade:visõeseexperiênciasemEspanha,PortugaleAméricaLatina.172<www.oca.esalq.usp.br>.