introdução a psicoterapia existencial

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1. INTRODUÇÃO Com as influências da fenomenologia e do existencialismo desenvolveram-se vários modelos terapêuticos que podem ser genericamente designados por psicoterapia existencial e definidos como métodos de relação interpessoal e de análise psicológica cujo objectivo é o de facilitar na pessoa do cliente um auto-conhecimento e uma autonomia psicológica suficiente para que ele possa assumir livremente a sua existência (Villegas, 1988). Importa desde já referir que não se constituem como técnicas de cura da perturbação mental, mas sim como intervenções cuja finalidade principal é ajudar o crescimento pessoal e facilitar o encontro do indivíduo com a autenticidade da sua existência, de forma assumi-la e a projectá-la mais livremente no mundo. Em qualquer caso, o centro é o indivíduo e não a perturbação mental. Esta, quando presente, é vista como resultado de dificuldades do indivíduo em fazer escolhas mais autênticas e significativas, pelo que as intervenções terapêuticas privilegiam a auto-consciência, a auto-compreensão e a auto- -determinação. Do encontro entre a fenomenologia, o existen- cialismo, a Psicologia e a Psicopatologia resultou um amplo movimento de ideias, reflexão, investigação e intervenção (Jonckeere, 1989). Trata-se de um conjunto heterogéneo de possibilidades de intervenção terapêutica de base fenomenológico-existencial, uma pluralidade de métodos e de teorias que, contudo, podem classificar-se em dois grupos diferentes: a psicoterapia experiencial e a psicoterapia existencial. As diferenças podem estabelecer-se ao nível dos seus objecto, objectivos e propostas ou modelos de intervenção (Quadro 1). As diferenças essenciais entre psicoterapia experiencial (humanista) e psicoterapia existencial situam-se na forma como conceptualizam a capacidade do indivíduo para o processo de mudança, nos conceitos-chave que estão em jogo e, ainda, na finalidade da intervenção (Villegas, 1989). A finalidade da intervenção define-se pela auto-descoberta (conhecer-se e compreender-se) na psicoterapia experiencial e pela construção mais autêntica e significativa da sua existência na psicoterapia existencial (Quadro 2). Na psicoterapia existencial enfatizam-se as dimensões histórica e de projecto e a responsa- bilidade individual na construção do seu-mundo. Visa a mudança e a autonomia pessoal. Contudo, vários autores definem a finalidade principal da psicoterapia existencial de diferentes modos: procura de si próprio (May, 1958); procura do sentido da existência (Frankl, 1984); tornar-se mais autêntico na relação consigo próprio e com os outros (Bugental, 1978); superar os dilemas, tensões, paradoxos e desafios do viver (Van Deurzen-Smith, 2002); facilitar um modo mais autêntico de existir (Cohn, 1997); promover o encontro consigo próprio para assumir a sua existência e projectá-la mais livremente no mundo (Villegas, 1989) e aumentar a auto-cons- 289 Análise Psicológica (2006), 3 (XXIV): 289-309 Introdução à psicoterapia existencial JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (*) (*) Médico Psiquiatra. Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa. Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Existencial.

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Page 1: Introdução a psicoterapia existencial

1. INTRODUÇÃO

Com as influências da fenomenologia e doexistencialismo desenvolveram-se vários modelosterapêuticos que podem ser genericamentedesignados por psicoterapia existencial e definidoscomo métodos de relação interpessoal e de análisepsicológica cujo objectivo é o de facilitar na pessoado cliente um auto-conhecimento e uma autonomiapsicológica suficiente para que ele possa assumirlivremente a sua existência (Villegas, 1988). Importadesde já referir que não se constituem como técnicasde cura da perturbação mental, mas sim comointervenções cuja finalidade principal é ajudar ocrescimento pessoal e facilitar o encontro do indivíduocom a autenticidade da sua existência, de formaassumi-la e a projectá-la mais livremente no mundo.Em qualquer caso, o centro é o indivíduo e não aperturbação mental. Esta, quando presente, é vistacomo resultado de dificuldades do indivíduo emfazer escolhas mais autênticas e significativas,pelo que as intervenções terapêuticas privilegiama auto-consciência, a auto-compreensão e a auto--determinação.

Do encontro entre a fenomenologia, o existen-cialismo, a Psicologia e a Psicopatologia resultouum amplo movimento de ideias, reflexão, investigaçãoe intervenção (Jonckeere, 1989). Trata-se de um

conjunto heterogéneo de possibilidades de intervençãoterapêutica de base fenomenológico-existencial,uma pluralidade de métodos e de teorias que, contudo,podem classificar-se em dois grupos diferentes: apsicoterapia experiencial e a psicoterapia existencial.As diferenças podem estabelecer-se ao nível dosseus objecto, objectivos e propostas ou modelos deintervenção (Quadro 1).

As diferenças essenciais entre psicoterapiaexperiencial (humanista) e psicoterapia existencialsituam-se na forma como conceptualizam a capacidadedo indivíduo para o processo de mudança, nosconceitos-chave que estão em jogo e, ainda, nafinalidade da intervenção (Villegas, 1989). A finalidadeda intervenção define-se pela auto-descoberta(conhecer-se e compreender-se) na psicoterapiaexperiencial e pela construção mais autêntica esignificativa da sua existência na psicoterapiaexistencial (Quadro 2).

Na psicoterapia existencial enfatizam-se asdimensões histórica e de projecto e a responsa-bilidade individual na construção do seu-mundo.Visa a mudança e a autonomia pessoal. Contudo,vários autores definem a finalidade principal dapsicoterapia existencial de diferentes modos: procurade si próprio (May, 1958); procura do sentido daexistência (Frankl, 1984); tornar-se mais autênticona relação consigo próprio e com os outros (Bugental,1978); superar os dilemas, tensões, paradoxos edesafios do viver (Van Deurzen-Smith, 2002);facilitar um modo mais autêntico de existir (Cohn,1997); promover o encontro consigo próprio paraassumir a sua existência e projectá-la mais livrementeno mundo (Villegas, 1989) e aumentar a auto-cons-

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Análise Psicológica (2006), 3 (XXIV): 289-309

Introdução à psicoterapia existencial

JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (*)

(*) Médico Psiquiatra. Instituto Superior de PsicologiaAplicada, Lisboa. Sociedade Portuguesa de PsicoterapiaExistencial.

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ciência, aceitar a liberdade e ser capaz de usar assuas possibilidades de existir (Erthal, 1999). Noessencial, a perspectiva existencial pretende ajudaro cliente a escolher-se e a agir de forma cada vezmais autêntica e responsável.

Em qualquer caso, resulta claro que o conceitode psicoterapia não é o de uma técnica destinadaa “curar” perturbações mentais, mas sim o de umaintervenção psicológica que contribui para o cresci-mento e para a transformação do cliente como pessoa.Mais especificamente, que promove o encontroda pessoa com a autenticidade da sua existência,para que venha a assumi-la e possa projectá-la maislivremente no mundo.

2. FUNDAMENTOS

2.1. Psicologia existencial

A psicologia existencial é a psicologia da existênciahumana com toda a sua complexidade e paradoxos(Wong, 2004), considerando que a existência humana

envolve pessoas reais em situações concretas.Com a finalidade de introduzir fundamentos depsicologia existencial em que assentam diferentespropostas de psicoterapia existencial, faz-se umarevisão sumária sobre o que caracteriza a existênciaindividual, o que é estar-no-mundo, como se caracte-riza o confronto do indivíduo com os dados daexistência e procura-se situar o perturbar-se mental-mente como uma possibilidade do existir.

2.1.1. O que caracteriza a existência individual

O que caracteriza a existência individual é o serque se escolhe a si-mesmo com autenticidade,construindo assim o seu destino, num processodinâmico de vir-a-ser. O indivíduo é um ser cons-ciente, capaz de fazer escolhas livres e intencionais,isto é, escolhas das quais resulta o sentido da suaexistência.

Ele faz-se a si próprio escolhendo-se e é umacombinação de realidades/capacidades e possibi-lidades/potencialidades, está “em aberto” ou melhorestá em projecto. Este, é a maneira como ele escolheestar-no-mundo, o que se permite ser através da

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QUADRO 1Diferenças entre psicoterapia experiencial e psicoterapia existencial

PSICOTERAPIA EXPERIENCIAL PSICOTERAPIA EXISTENCIAL

Influências Kierkegaard / Buber / William James Husserl / Heidegger / Sartre

Objecto Vivência Existência Dimensão Actual Histórica Objectivo Crescimento Autonomia Método Heurística Hermenêutica Dinâmica Psicológica Emoções Constructos pessoais

QUADRO 2Diferenças entre psicoterapia experiencial e psicoterapia existencial

PSICOTERAPIA EXPERIENCIAL PSICOTERAPIA EXISTENCIAL

Capacidade de mudança Concretização de potencialidades Responsabilidade da liberdade de escolhaConceitos-chave Actualização. Descoberta Construção. Projecto Finalidade Autodescobrir-se Construir a sua existência

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sua liberdade, sendo que as escolhas podem serfeitas em função do futuro ou em função do passado:escolher o futuro envolve ansiedade (associadaao medo do desconhecido) e escolher o passadoenvolve culpabilidade (associada à consciênciadas possibilidades perdidas).

A autenticidade (Cabestan, 2005) implica aceitara condição humana tal como é vivida e conseguirconfrontar-se com a ansiedade e escolher o futuro,reduzindo a culpabilidade existencial. A autenti-cidade caracteriza a maturidade no desenvolvimentopessoal e social. A escolha é um processo centrale inevitável na existência individual e a liberdadede escolher-se envolve responsabilidade pela autoriado seu destino e compromisso com o seu projecto.A liberdade de escolha não só é parte integranteda experiência como o indivíduo é as suas escolhas:a identidade e as características do indivíduo seriamconsequências das suas próprias escolhas.

O projecto existencial é a união, o “fio condutor”entre o passado, presente e futuro, a continuidadecompreensível das vivências, coerência internado mundo individual, que reflecte a escolha origináriaque o indivíduo fez de si e que aparece em todas assuas realizações significativas, quer ao nível dossentimentos, quer ao nível das realizações pessoaise profissionais. O mundo interno exprime-se nasimbolização (categorias cognitivas que representama experiência na sua ausência), na imaginação(recombinação de categorias mentais que seassemelham à experiência mas sem interacçãocom o meio) e juízo (avaliação em relação àexperiência), associadas à intimidade, ao amor, àespontaneidade e à criatividade. O processo deindividuação opõe-se ao conformismo com as normase papéis sociais, o que conduz a um funcionamentoestereotipado e inibidor da simbolização e da imagi-nação. O indivíduo está comprometido com a tarefa,sempre inacabada, de dar sentido à sua própriaexistência.

Em síntese, a existência individual caracteriza-sepor três palavras-chave – cuidado, construção e respon-sabilidade – na medida em que o indivíduo cuidada sua existência procurando conhecer-se e compre-ender-se, descobrindo-se na relação com o outro,constrói o seu-mundo dando sentido à sua existênciae escolhendo viver de acordo com os seus valores(o que confere um carácter único e singular) eresponsabiliza-se por si próprio na realização doseu projecto. Assim, a existência individual é umatotalidade, única (singular) e concreta.

2.1.2. O que é estar-no-mundo

A existência enquanto estar-no-mundo envolvea unidade entre o indivíduo e o meio em quatrodimensões, que são as dimensões da existência(Van Deurzen-Smith, 1996, 1998) e o processoterapêutico seria a exploração do mundo docliente nas suas várias dimensões (Cohn, 1997):

- Física – É o mundo natural (Umwelt), o darelação do indivíduo com os aspectos bioló-gicos do existir e com o ambiente e queenvolve as suas atitudes em relação ao corpo,aos objectos, à saúde e à doença e no qualse exprime em permanência uma procurade domínio sobre o meio natural, que se opõea submissão e aceitação das limitações impostas,nomeadamente pela idade e pelo ambiente.O sentimento de segurança é aqui dado pelasaúde e bem-estar

- Social – É o mundo da relação com os outros(Mitwelt), do estar-com e da inter subjectividadeonde se revela e descobre o que se é, mundoque envolve as atitudes e os sentimentosem relação aos outros, tais como amor/ódio,cooperação/competição, aceitação/rejeiçãoe partilha/isolamento. Inclui os significadosque os outros têm para nós, quer sejam osfamiliares, os amigos ou os colegas de trabalho,significados que dependem das modalidadesda nossa relação com eles. Esta dimensãorelacional é uma premissa fundamental domodelo existencial (Spinelli, 2003)

- Psicológica – É o mundo da relação consigopróprio (Eigenwelt), da existência subjectiva efenomenológica de si-mesmo, da construçãodo mundo pessoal, com auto-percepção desi, da sua experiência passada e das suaspossibilidades, recursos, fragilidade e contra-dições, profundamente marcado pela procurada identidade própria, assente na auto-afir-mação e numa polaridade de actividade/passi-vidade

- Espiritual – É o mundo da relação com odesconhecido (Ueberwelt), que envolve umarelação com o mundo ideal, a ideologia e osvalores, onde se pode exprimir o propósitoda existência individual, numa tensão perma-nente entre o propósito/absurdo e esperança//desespero.

Cada indivíduo centra-se na construção de signi-

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ficados com que luta contra o vazio e a falta desentido, sendo responsável (existencialmente) pelasua auto-afirmação e desenvolvimento, estandoconsciente do que sentiu e pensou, do que sentee pensa e podendo antecipar o que poderá vir aser no futuro.

Cada indivíduo necessita e deseja estar-com--os-outros, com os quais pode empatizar eaprender, através dos quais se descobre e com osquais constrói projectos e relações significativas.A importância do estar-com, da abertura aos outrostem sido tratada de modo diferente por diferenteautores.

2.1.3. A ansiedade resulta do confronto com osdados da existência

O desenvolvimento individual e a integraçãoenvolvem um confronto incontornável e inevitáveldo indivíduo com os dados da existência, confrontodo qual resulta experiências de ansiedade na gestãoda qual o indivíduo pode utilizar estratégias variadas.Existir envolve, por um lado, a consciência detragédia inerente à condição humana e construídapor insegurança, frustração e perdas irreparáveise, por outro, pela consciência da esperança queresulta da liberdade de escolha, da auto-realização,da dignidade individual, do amor e da criatividade.Os dados da existência são:

- Consciência da morte – Implica a experiênciade contingência, enquanto possibilidade dofim de todas as suas possibilidades (existência//finitude), geradora da ansiedade e medo damorte, que emerge do conflito entre a cons-ciência de finitude e o desejo de continuarsendo

- Consciência da liberdade – Implica a expe-riência de responsabilidade e autonomia nosentido das escolhas concretas e situadas queenvolvem medo do incerto e do desconhecido.A ansiedade emerge do conflito/dependência

- Consciência da solidão – Implica a expe-riência de isolamento, com medo da separação.A ansiedade emerge do conflito solidão/socia-bilidade

- Consciência da falta de sentido – Implica aexperiência de vazio e desespero associadoao absurdo de existir. A ansiedade emergedo conflito falta de sentido/projecto e a coragemé a capacidade para continuar em direcçãoao futuro apesar do desespero.

O indivíduo não pode escolher as limitaçõesda sua existência, mas pode escolher os modosde confronto com essas limitações, isto é, como éque se confronta com elas. Assim, diferentes autorestêm enfatizado preferencialmente diferentes dadosda existência, o que também tem contribuído paraa heterogeneidade das concepções mesmo dentroda perspectiva existencial. No entanto, quase todosderam importância que pode ter a negação daliberdade de escolha e/ou à negação das limitaçõesinerentes à facticidade. Assim surgiu o conceitode inautenticidade, usado como sinónimo de auto--decepção por Heidegger e correspondendo aoconceito de má fé de Sartre. Negando a sua liberdadede escolha e a sua responsabilidade, o indivíduonega a possibilidade de escolher livremente o seufuturo.

A ansiedade é, ela própria um dado da existênciacom que o indivíduo se confronta inevitavelmente eque pode ser experimentada de forma mais intensae significativa mais em certos momentos da trajectóriaexistencial do que noutros. Por exemplo, podeassociar-se a crises pessoais, luto, doença física,fases de transição do ciclo de vida individual oufamiliar, entre outras situações.

2.1.4. Perturbar-se é uma possibilidade do existir

No quadro existencial é importante situar o estatutoda perturbação mental, uma vez que parte signifi-cativa das psicoterapias existenciais não a tomamnecessariamente como foco da sua intervenção,por considerarem que isso seria uma perspectivaredutora ou, pelo menos, não tomam a psicopa-tologia como foco principal de intervenção. Atéporque a valorização da dignidade existencial opõe-seàs classificações psiquiátricas (Erthal, 1999), quefragmentam a totalidade da existência individual.Nesta medida, as perturbações mentais são vistascomo aspectos integrado na totalidade da existênciaindividual, expressões parciais das modalidadesde construção do seu-mundo.

Sem uma finalidade exaustiva, uma vez que oobjectivo desta revisão não é a relação entre apsicopatologia e a existência mas sim introduziras psicoterapias existenciais, referem-se aspectosvalorizados por autores relevantes sobre o signifi-cado existencial da psicopatologia, tendo em contaque ela é uma possibilidade humana universal (podeacontecer a qualquer um…).

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Com Binswanger (1981, 1971) a psicopatologiaé o que se afasta da estrutura apriorística do ser(categorias ontológicas) e se tornou uma estruturaexistencial modificada.

Para May (1958), que introduziu a psicoterapiaexistencial nos Estados Unidos da América, aansiedade patológica resultaria do indivíduo nãose confrontar com a ansiedade normal, sendo estaa que deriva do confronto com os dados da existência.Denominando-a ansiedade neurótica, despropor-cionada ao perigo, May conceptualizou-a comoresultado das tentativas feitas pelo indivíduo paradiminuir ou negar a ansiedade resultante do confrontocom os dados da existência. Assim, a ansiedadeneurótica poderia significar, por exemplo, negaçãodo medo da morte, negação da liberdade de escolha,evitamento de assumir responsabilidades ou confor-mismo com as normas sociais impostas. Assim,serviria para proteger o indivíduo contra a ansiedadeque emerge dos dados da existência, na medidaem que resultaria da tentativa de reduzir ou negara ansiedade ligada à existência, na busca dumaexistência segura, certa e livre de ansiedade.

Desta maneira, o que denominamos por sintomasem psicopatologia poderiam ser considerados comopossibilidades escolhidas: ao escolher não se con-frontar directamente com a ansiedade associadaaos conflitos existenciais, o indivíduo poderia per-turbar-se mentalmente. Isto é, os sintomas derivariamde escolhas não autênticas que, não reduzindo aansiedade associada aos dados da existência,apareceria sob a forma de ansiedade neurótica.Portanto, os sintomas poderiam ser compreendidoscomo expressões parciais da forma como o indivíduoconstrói o seu mundo. Ou, se se quiser, o desajus-tamento é o resultado de uma escolha do próprioindivíduo, que experimenta uma inabilidade paracontactar com o mundo e consigo mesmo, mantendo--se bloqueado num falso projecto de ser, uma formapouco autêntica de realizar o projecto. Por exemplo,o esforço do indivíduo neurótico para ser o quedeseja afasta-o da possibilidade de ser o que é (Erthal,1999). Isto não significa, de modo algum, que oindivíduo seja culpado pela perturbação mentalque experimenta. Apenas quer dizer que a pertur-bação mental se relaciona compreensivelmentecom as modalidades de construção do seu-mundo.

Com Yalom (1980), o comportamento perturbadosurge directamente associado ao fracasso na reso-lução dos conflitos existenciais, entendidos estescomo confrontos entre o indivíduo e os dados da

existência. Ou seja, são definidas modalidades deperturbação mental especificamente associadasao medo da morte, ao medo da liberdade de escolha,ao medo do isolamento e à falta de sentido. TambémFrankl (1986, 1984) e Maddi (1970), cada um porseu lado, enfatizaram que a procura de sentidoseria a motivação fundamental do indivíduo e quea psicopatologia estaria associada à falta de sentidopara a vida e que, nesse sentido, teria o estatutode frustração existencial que apareceria em moda-lidades diferentes de comportamentos desajustados(vegetativo, niilista, aventureiro, conformista).

Seja como for, a compreensão do significado dapsicopatologia implica contextualizá-la na existência.Os fenómenos psicopatológicos relacionam-se comestranheza e afastamento do indivíduo em relaçãoa si próprio com evitamento de dados da existência(Cohn, 1997), associado a escolhas feitas em desacordoconsigo mesmo, isto é, não autênticas. Teriam relaçãocom o fracasso do indivíduo em relacionar-se deforma significativa com o seu mundo interno (fracassono seu confronto com a autenticidade) conhecendo--se mal e tendo dificuldade em compreender-se(Van Deurzen-Smith, 1996). Incapaz de aceder aoseu mundo interno, o indivíduo teria dificuldadestambém em aceder ao mundo interno dos outros,pelo que não seriam possíveis relações significativas.Desta impossibilidade resultam sentimentos devazio e de falta de sentido. O existente com pertur-bação mental experimenta frequentemente umimpasse em relação a projectos e modos-de-ser:não consegue realizá-los nem consegue abandoná-los.A psicopatologia surge quando o projecto se desviada intenção, quando a realidade da história (projectohistórico) se desvia ou afasta do projecto existencial.A história afasta-se do projecto por intermédiode vivência de contradição (interpessoal e/ouinterpessoal) na sequência da qual o indivíduoescolhe afastar-se ou é afastado. A psicopatologiacaracteriza-se essencialmente por uma existêncialimitada, tematizada e bloqueada. Limitada eaprisionada, porque afastada dos seus valores eda sua possibilidade de auto-afirmação. O indivíduonão experimenta a sua existência como uma realidade.Tematizada pelo seu passado, na medida em que oindivíduo continua a viver em função de identidadee características que já não são as presentes.Bloqueada no seu desenvolvimento, porque nãoconsegue projectar-se no devir.

Importa compreender o existente com perturbaçãomental a partir dos diferentes modos como a sua

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consciência se relaciona com o mundo, com osoutros e consigo próprio ou, pelo contrário, comotenta fugir ou evitar a angústia que resulta do seuconfronto com a sua liberdade e responsabilidade.

3. OBJECTIVOS DA PSICOTERAPIAEXISTENCIAL

Tendo em conta que não existe uma mas simvárias propostas de psicoterapia existencial, apenaspodem delimitar-se objectivos gerais uma vez quecada proposta tem os seus objectivos específicos(Deurzen-Smith, 1996):

- Facilitar ao indivíduo uma atitude mais autên-tica em relação a si próprio – O conceitode autenticidade assume aqui importânciacentral. Trata-se de um processo gradual deauto-compreensão com a finalidade do sujeitovir-a-ser mais verdadeiro e coerente consigopróprio, para que possa responder às situaçõescom sentimento de domínio e maior percepçãode controlo pessoal. Para Cohn (1997), trata-sede ajudar o cliente a libertar-se das conse-quências perturbadoras da negação e evasãono seu confronto com os dados da existência,acedendo a uma forma de existir mais autêntica

- Promover uma abertura cada vez maior dasperspectivas do indivíduo em relação a sipróprio e ao mundo – Esta abertura, queconsiste num trabalho focalizado na relaçãodo indivíduo consigo mesmo, pode ser promo-vida através da facilitação de uma auto--avaliação das suas crenças, valores e aspiraçõesque sirva para atingir maior clareza naexploração das suas experiências. O foco éa auto-consciência, enquanto consciência desi mesmo, em particular a auto-consciênciado tempo perdido (possibilidades perdidas)e da necessidade de viver agora. O principalobjectivo é proporcionar o máximo de auto--consciência para favorecer um aumento dopotencial de escolha (Erthal, 1999)

- Clarificar como agir no futuro em novasdirecções – Trata-se de facilitar a abertura anovas possibilidades de vir-a-ser, diferentesdas desenvolvidas até aí e de acordo com oseu projecto, em relação ao qual se facilitao confronto. Pretende-se ajudar o cliente adescobrir o seu poder de auto-criação e a aceitara liberdade de ser capaz de usar as suas próprias

capacidades para existir (Erthal, 1999). Ofoco é a autodeterminação, enquanto poderdo indivíduo de decidir o que lhe convémser e fazer, exercendo a sua liberdade deescolha. Trata-se de facilitar a abertura àconstrução de novas alternativas

- Facilitar o encontro do indivíduo com osignificado da sua existência – Trata-se depromover o confronto e a re-avaliação dacompreensão que o indivíduo tem da vida,dos problemas que tem enfrentado e dos limitesimpostos ao seu estar-no-mundo. O foco éa procura de sentido que permite a auto--realização, enquanto tudo o que o indivíduoé capaz de vir-a-ser.

- Promover o confronto com e a superação daansiedade que emerge dos dados da existência,nomeadamente da inevitabilidade da morte,da liberdade de escolha em situação, da solidãoe da falta de sentido para a vida.

Em síntese, trata-se de facilitar ao indivíduo odesenvolvimento de maior autenticidade emrelação a si próprio, uma maior abertura das suasperspectivas sobre si próprio e o mundo e, ainda,de ajudar a clarificar como é que poderá agir nofuturo de forma mais significativa. O centro é aresponsabilidade da liberdade de escolha do indivíduo.A palavra-chave é construção, uma vez que setrata de desafiar o indivíduo a ser o construtor dasua existência.

3.2. Selecção de clientes

Tendo em conta que a psicoterapia existencialnão é conceptualizada como um tratamento nemcomo uma terapêutica da perturbação mental,nem se focaliza necessariamente no alívio dossintomas, mas que é essencialmente um processode confronto com as potencialidades e de mudançapessoal, os indivíduos que mais podem beneficiarsão os que:

- Apresentam um pedido de ajuda no qual jámostram a percepção de que os seus problemassão acerca do existir e não uma forma depatologia, ou que acabam por reconheceristo ao fim dalgumas entrevistas

- Consultam por motivos relacionados comcrises pessoais e/ou psicopatologia masconseguem relacionar o seu mal-estar coma sua trajectória existencial

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- Têm interesse genuíno em aumentarem oseu auto-conhecimento e auto-compreensão,isto é, re-situarem-se em relação a si própriose à situação que vivem

- Desejam ser mais autênticos, considerandomais o futuro do que o seu passado nosmomentos de tomada de decisão e que queremdesenvolver expressões mais significativasnas suas relações com os outros

- Desejam pensar sobre si próprios e sobre ossignificados que atribuem aos seus compor-tamentos e relações interpessoais

- Enfrentam crises pessoais, tais como luto,separações, desemprego, transição de fase dociclo de vida, solidão e anomia

- Estão em confronto com doença física graveou pelo menos percepcionada como ameaçadora,ou com consequências de acidentes e/ou inca-pacidades

- Têm facilidade em verbalizar sobre as suasexperiências, ideias intenções, emoções esentimentos

Em princípio, a psicoterapia existencial nãobeneficiará significativamente indivíduos queprocuram apenas alívio de sintomas, em que omal-estar que motiva o pedido de ajuda está exclusi-vamente relacionado com representações dedoença, buscam dependência ou não desejam outemem pôr-se em questão, não desejando confrontar--se com as suas contradições e possibilidades demudança.

4. ENCONTRO TERAPÊUTICO

O encontro terapêutico enraíza no métodofenomenológico, de tal modo que é apreensão dapresença do outro “tal como” ele aparece diantedo terapeuta – apreensão da presença do outro talcomo ele se fenomenaliza frente ao terapeuta, semdistorsões interpretativas – pelo que é necessárioestabelecer contacto (sintonizando), aceder ao seuestado de consciência (empatizando) e compreender,captando as modalidades de constituição da suapresença no mundo. O foco é a realidade do outro,isto é, a experiência que ele tem do mundo.Caracteriza-se por uma relação existencial queenvolve estar-com e estar-para.

4.1. Características da relação existencial emterapia

A relação existencial é estar-com porque éencontro enquanto tal (Spinelli, 2003), de umaexistência com outra existência, implicando umapresença sentida (estar-por-si), a reciprocidade(estar-para-o-outro), cuidado (acolher o outro nasua esfera vital), o laço emocional (eu/tu quecriam um “nós”, numa reciprocidade activa paraque o outro se ilumine e descubra) e convite aodiálogo autêntico, a partir das vivências ou intencio-nalidades significativas.

A atitude fundamental é a atitude fenomeno-lógica, de aproximação ao mundo do outro comabertura e espírito de descoberta dos significadosque ele atribui (O quê? Como?), permitindo aumentara consciência que ele tem da sua experiência(auto-consciência), compreender a importânciaque dá ao futuro nas suas decisões (auto-realização)e perspectivar a autenticidade em termos de agirinteracções determinadas (autodeterminação) efundadas na sua individualidade e integradas noseu projecto. A psicoterapia desenvolve-se a partirda aplicação do método fenomenológico aplicadoà existência.

As características principais do encontro terapêuticoem psicoterapia existencial são: a coerência (compor-tamento mútuo de co-relação), o carácter fortuito,uma vez que o encontro pode chegar no instantede forma imprevista (acontece…), a liberdade dedeixar o outro ser como é, e a abertura a novaspossibilidades. Envolve também o face-a-face,porque o encontro acontece no olhar. As grandesfinalidades relacionam-se com facilitar ao clienteo aceitar-se (como se é), querer-se (a si mesmo),sentir-se e escolher-se.

Na entrevista clínica de avaliação inicial énecessário considerar um conjunto de focos edinâmicas existenciais. Entre os focos salientam--se: experiência subjectiva, intencionalidade, liberdadee responsabilidade, escolhas, autenticidade e omundo pessoal (dimensões da existência, sonhos).Entre as dinâmicas existenciais salientam-se aincorporação do passado e do futuro no presentee, também, o comprometimento para vir-a-ser.

4.2. Estilo terapêutico

O estilo terapêutico é marcado pela variabilidadeadaptável às necessidades individuais, passividade/

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/actividade, ritmo que segue as preocupações docliente, temas considerados e explorados em diálogoe interesse por aquilo que interessa ao sujeito. Asintervenções mais essenciais destinam-se a contrariara persistência, na pessoa do cliente, em evitar oreconhecimento da sua auto-afirmação (respon-sabilidade) e a facilitar-lhe a identificação de alter-nativas pessoalmente viáveis.

É possível sistematizar as estratégias de intervençãoque são mais utilizadas em psicoterapia existencial(Deurzen-Smith, 1996):

- Utilizar a atitude fenomenológica na abordagemdos conteúdos temáticos que estão implícitosnas produções discursivas do indivíduo, dosseus valores e crenças pessoais, explorandoas suas construções mais significativas sobresi próprio e o mundo (Qual a minha naturezaessencial? Quais as minhas qualidades? Oque é importante para mim? Quais as pessoasmais importantes para mim? O que é o mundo?É seguro ou ameaçador?). O método fenome-nológico é usado para compreender o existentetal como ele é e se escolhe

- Confrontar com as limitações existenciais,nomeadamente no que concerne à auto-decepção//frustração (ajudando a redescobrir as oportu-nidades e desafios esquecidos), à angústiaexistencial (facilitando a consciência daslimitações provenientes da inevitabilidadeda morte), à culpabilidade existencial, àsconsequências das escolhas passadas e futuras(reconhecendo limitações e possibilidades)e as contradições próprias relacionadas comsucesso/fracasso, liberdade/necessidade ecerteza/dúvida

- Facilitar a exploração do mundo pessoal emrelação às quatro dimensões da existência(física, psicológica, social e espiritual) paraidentificar prioridades e impasses, bem comoeventuais preocupações em níveis particularesda existência, o que exige a facilitação deuma atitude expressiva de auto-exploraçãoe envolvimento emocional. Inclui tambéma eventual exploração dos sonhos, entendidoscomo mensagens do sonhador para si próprioe reflectindo as várias dimensões da existência

- Facilitar a elucidação de significados, enco-rajando uma atitude de procura focalizadaem si próprio, com abertura à auto-descobertapara se encontrar (Como se identifica a sipróprio e ao mundo? O que é que lhe interessa

realmente neste momento? Que conflitosencontra? Quais são os desejos? Quais sãoos obstáculos?).

Assim, as intervenções deverão facilitar as alter-nativas ao cliente, pelo que beneficiam de aspectostais como:

- Porque não? Haverá outras possibilidades?– Encoraja a reflexão, cria uma oportunidadepara a auto-exploração e pode gerar alternativas

- Poderia…? – Promove o confronto com aresponsabilidade existencial e com a liber-dade

- O que terá feito para criar essa situação?– Permite aumentar a consciência da autoriadas suas escolhas

- O que é que isto quer dizer para si? – Solicitauma compreensão do significado dos aconte-cimentos para o próprio

- O que vai fazer para o futuro? – Perspectivaa possibilidade de vir-a-ser

- Será que poderia fazer de outra maneira?– Proporciona a possibilidade de mudançaao desafiar o cliente a compreender como poderáfazer outras escolhas.

Pretende-se facilitar o confronto activo do clientecom o seu projecto, questionando a sua existência efacilitando a abertura à construção de alternativas,para que possa mudar o presente e o futuro. Estareconstrução alternativa da experiência destina--se a proporcionar mudança e deve ter em contaque a mudança terapêutica é um processo deconstrução gradual que implica comprometimentocom o desejo (projecto), escolha e acção.

Trata-se de ajudar o outro a ser o seu nome (o“quem”), fazendo aquilo que deseja e se permite,convertendo a história na sua história e a realidadeindividual em realização pessoal. Procura-se activaras zonas de desenvolvimento potencial da pessoado cliente que se integrem no seu projecto, paraque ele possa cuidar de si e da situação.

4.3. Atitudes e qualidades profissionais e pessoaisdesejáveis

As atitudes do terapeuta permitem escrutinaro nível de consciência que o cliente tem da suaexperiência e devem também facilitar-lhe tomarainda mais consciência de si. Devem permitir tambémao cliente perspectivar a sua autenticidade para

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Page 9: Introdução a psicoterapia existencial

agir acções determinadas e fundadas na sua indivi-dualidade, integradas no seu projecto. Entre essasatitudes clínicas destacam-se (Carvalho Teixeira,1996):

- A autenticidade de apresentar-se “tal comose é”, evitando esconder-se atrás do profissio-nalismo, estando consciente dos seus própriossentimentos em relação à pessoa do cliente.Implica uma atitude natural e espontânea,com vontade da ser verdadeiro para a pessoado outro, que lhe facilite o auto-conhecimentoe seja sensível e factor de confiança

- A aceitação incondicional da pessoa do cliente,sem pré-juízos nem ideias preconcebidas daoriginalidade do cliente, tal como se apresenta.Implica recusa de qualquer atitude avaliativa,para que venha a ser possível libertar o medoe confirmar a responsabilidade de cuidar desi e da situação. Envolve interesse positivo,respeito por todas as manifestações da perso-nalidade do cliente, escuta acreditante, conside-ração pelo seu sistema explicativo e respeitopela sua capacidade potencial de vir-a-ser maisautêntico

- A compreensão empática, enquanto partilhabaseada na intuição participante, uma aproxi-mação que permitirá ressoar as referênciasinternas do outros tal como ele as experimentae que alternará com o distanciamento ana-lítico que permite a distância terapêutica óptimapara a compreensão da totalidade da existênciado cliente.

No seu conjunto, as atitudes de autenticidade,aceitação incondicional e compreensão empáticapermitem o escrutínio do nível de consciência que o

cliente tem sobre a sua experiência (para facilitaruma maior consciência de si) e, também, compre-ender a importância que ele confere ao futuro ouao seu passado nas decisões pessoais.

Pode questionar-se se existem qualidadesdesejáveis para ser terapeuta existencial. Para alémdos conhecimentos teóricos e do treino profissionalque são necessários, a natureza específica da psico-terapia existencial torna desejável a presença decertas características pessoais e de certa experiênciade vida. Entre as características pessoais destacam--se: capacidade de auto-reflexão, atitude de procurade significados e abertura a várias perspectivas.A experiência de vida envolve diferentes experiênciasprofissionais em diferentes contextos, experiênciade crises existenciais e de conflito satisfatoriamenteresolvidas e capacidade de lidar com um númeromuito diverso de contradições, atitudes, sentimentos,pensamentos, valores e experiências.

A relação terapêutica deverá caracterizar-sepor um movimento para a reciprocidade positiva,no interior de uma relação real em desenvolvimento(Cannon, 1993).

5. MODALIDADES DE PSICOTERAPIAEXISTENCIAL

Um dos aspectos difíceis para quem se iniciaé o confronto com a diversidade de concepções ede propostas de intervenção existencial, dada aheterogeneidade de metodologias.

Tal como Cooper (2003), distinguimos os seguintesseis modalidades principais de psicoterapia exis-tencial, que apresentam fundamentações teóricasconsistentes e objectivos coerentemente delimitados,

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QUADRO 3Modalidades de psicoterapia existencial

MODALIDADES AUTORES

Daseinanálise L. Binswanger, M. Boss, G. Condrau Logoterapia V. Frankl, J.P. Fabry, A. Tengan, P. Wong Psicoterapia existencial-humanista norte-americana Rollo May, J. Bugental, I. Yalom, Kirk Schneider Psicoterapia existencial britânica D. Laing E. Spinelli, E. Van Deurzen-Smith, H. Cohn Psicoterapia existencial breve F. Strasser & A. StrasserPsicoterapia existencial sartreana M. Villegas, T. Erthal, B. Cannon

Page 10: Introdução a psicoterapia existencial

aos quais acrescentamos a Análise da Existênciaenquanto análise do projecto existencial, de inspiraçãosartreana.

5.1. Daseinanálise

A Daseinanálise, também designada por AnáliseExistencial ou Análise do Dasein foi introduzidapor Binswanger e teve influência predominanteda filosofia de Heidegger.

A proposta inicial de Binswanger (1971) foi ade utilizar o método fenomenológico para tentara descrição e compreensão do Dasein perturbado(que o autor chegou mesmo a designar por “Daseinpsiquiátrico”), ou seja, uma análise fenomenológicadas formas de existência frustrada. Assim, partindodas categorias da psicopatologia, focalizou na presençaperturbada (melancólica, esquizofrénica, entre outras)procurou, numa primeira fase, compreender a estruturado Dasein perturbado em termos de alteraçõesdas categorias existenciais. O seu questionamentoinicial foi o seguinte: Como é que o Dasein perturbadose projecta no mundo? Concluiu que a psicopatologiaestá associada ao que denominou por flexões existen-ciais do ser: uma tematização numa ou mais categorias(ontológicas do ser) em detrimento das outras,tornando-o unidimensional. O que é patológico éo que se afasta da estrutura apriorística do ser.Uma só categoria existencial serve de fio condutorao projecto de mundo, o que é restritivo e limitado.Por exemplo: a corporalidade domina ou tematizao Dasein hipocondríaco, dismorfofóbico, anoréxicoe bulímico; a temporalidade domina o Daseinmelancólico na detenção do tempo vivido e o Daseinesquizofrénico na atomatização da vivência dotempo, que fragmenta o vivido; a espacialidade dominao Dasein agorafóbico. Presenças tematizadas (frus-tradas) em torno de uma categoria existencial.

Numa segunda fase, Binswanger procurou acompreensão da existência perturbada em termosda abertura do ser da presença perturbada, concluindoque o Dasein perturbado é um extravio da suarealização ontológica que o tornaria opaco a sipróprio, esvaziado e limitado, pelo que a psico-patologia associa-se a frustração existencial. ParaBinswanger, os diferentes quadros psicopatológicossão assim entendidos como desvios ou alteraçõesda norma ontológica, ou seja, formas de existênciafrustrada. A saúde mental seria caracterizada pelaabertura ao mundo próprio, enquanto as diferentesperturbações mentais seriam caracterizadas pelo

encerramento do Dasein, uma privação e bloqueioda relação consigo mesmo, na qual o individuose fecha ao seu mundo. O indivíduo mentalmenteperturbado seria um ser restrito e oprimido, noqual prevaleceria uma opacidade para si mesmoe uma perda da comunalidade com o mundo dooutro. Assim, seria ainda possível identificar ascaracterísticas essenciais da presença perturbadaem diferentes estados psicopatológicos: presençaperdida (melancolia), presença momentânea (mania),presença vazia (esquizofrenia), presença de exibição(histeria) e presença controlada (neurose obsessiva).

A tematização da existência, resultante da psico-patologia, implicaria a reconstrução da experiência.Assim, o factor terapêutico seria a investigaçãometódica da biografia interna, onde apareceria umanova forma de comunicação e reconstituição mentaldas vivências com um retorno à pluridimensio-nalidade do Dasein.

Enquanto Bisnwanger se focalizou essencial-mente na análise fenomenológica do Dasein perturbado,Boss centrou-se no método terapêutico, no qualenfatizou como finalidade principal a facilitaçãoduma maior consciência das experiências actualmentevividas através da relação terapêutica, cuja permis-sividade e abertura permitiria ao cliente descobriroutras possibilidades de relação com as outraspessoas que encontra.

Rejeitando o inconsciente e a transferência, Bossdefiniu que, utilizando o método fenomenológico,os objectivos são: ajudar a ver a forma como opaciente experimenta o seu-mundo, identificar assuas escolhas, promover a abertura completa emrelação a si próprio e mobilizar as suas capacidadese potencialidades. Comporta a análise dos sonhos,que poderiam revelar a abertura do ser ao mundoe, portanto, devem ser analisados a partir dassuas analogias com a vida de quem sonha.

Entre outros aspectos, a Daseinanálise tem sidocriticada por estar excessivamente centrada nascategorias psicopatológicas e por, apesar de propôrum método terapêutico, não utilizar uma técnicaespecífica para promover a mudança individual.Neste último aspecto não está sozinha.

Partilha a crítica com outras modalidades depsicoterapia existencial. Por outro lado, ao centrar-senuma estrutura apriorística do ser, saiu da relaçãosujeito-objecto e, portanto, saiu da dimensão psico-lógica para trabalhar apenas com o sujeito trans-cendental.

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5.2. Logoterapia

Para Frankl (1986, 1984) a motivação fundamentalda existência seria a procura de significado, únicoe específico da existência individual, sendo que afalta de significado conduziria à frustração exis-tencial e esta, por sua vez, à neurose. Frankl quali-ficou a neurose como noogénica, para evidenciara sua relação com a dimensão existencial. Elegendoa procura de significado como central na existênciaindividual, a proposta de Logoterapia é a de facilitarao cliente a procura do significado (logos) e propósitoda sua vida, procurando superar o vazio e o desespero.

Influenciado essencialmente pela filosofia dosvalores de Max Scheler e pela psicanálise de Freud,Frankl foi também influenciado pelo pensamentoreligioso – o ser humano deve viver de acordocom valores e tem um núcleo de espiritualidadee uma tarefa específica na sua vida; o sofrimento,a culpa e a ansiedade podem algum ter papelpositivo – e pela sua própria experiência comoprisioneiro dos nazis num campo de concentração,no qual encontrou suporte para a ideia de que,mesmo nas circunstâncias mais adversas, o serhumano pode escolher o modo de se confrontarcom essas circunstâncias.

O método da logoterapia tem por finalidadeajudar os indivíduos que sofrem ou não de neurosesnoogénicas a redescobrirem o significado epropósito das suas vidas, em situações em que osofrimento seja induzido por factores externosou por factores internos, uma vez que Frankldefendeu que o espírito humano é a capacidadepara transcender e desafiar as experiências corporais(por exemplo, as experiências dolorosas mas tambémas experiências psicológicas (normais e perturbadas).Assim, assume importância a procura de significadopara o próprio sofrimento psicológico. Trata-se,portanto, de ajudar a descobrir o significado daexperiência – “O que é que eu posso fazer comesta situação? Em que é que esta situação medesafia?” – fundamentalmente a partir de valoresatitudinais, que podem ser actualizados atravésda mudança da atitude individual em relação àsituação. Para atingir as suas finalidades, a logo-terapia tem proposto várias técnicas de intervenção,nomeadamente:

- Apelo – Intervenção mais directiva que consisteem recordar que cada situação de vida temum significado e/ou que o cliente tem sempre

a possibilidade de mudar a sua atitude emrelação ao sofrimento

- Diálogo socrático – Tal como utilizadopela terapia racional-emotiva, consiste emcolocar questões de tal maneira ao clienteque este se torna cada vez mais conscientedas suas decisões pré-reflexivas, das suasesperanças reprimidas e do seu conhecimentoaté aí não admitido por ele

- Fast-forwarding – Consiste em encorajar ocliente a imaginar o tipo de cenários queseriam consequências desta ou daquelaescolha que ele possa fazer e questionar-sesobre os significados daí decorrentes para asua vida

- Intervenção paradoxal – Trata-se de encorajaro cliente a deixar de lutar contra as suasdificuldades e a evocar desejos ou intençõesfortes mesmo que sejam muito embaraçosasou aterrorizadores para ele. Ou seja, o clienteé solicitado a desejar aquilo de que temmedo. Esta técnica pode ser facilitada comalgum humor que ajude o cliente a distanciar--se das suas dificuldades e, no final, encará-lasde uma outra forma

- De-reflexão – partindo do pressuposto queem certas perturbações os indivíduos estariamdemasiado centrados em si próprios (estadode hiperreflexão) ao ponto de escotomizarema sua orientação para o exterior, Frankl introduziua técnica de de-reflexão que consiste emencorajar o cliente a ignorar os seus sintomase a orientar a sua atenção para o mundoexterno.

Mais recentemente, Wong (1998), propôs umaintegração da logoterapia com terapia cognitivo-comportamental (aconselhamento centrado nossignificados) e sistematizou como objectivos tera-pêuticos para ajudar o cliente a descobrir novossignificados para o seu passado, presente e futuro:propósito da sua vida, compreensão de si próprio,modos de viver e de se relacionar e os seus papéissociais. O foco do trabalho terapêutico, que procuraclarificar significados passados, presentes e futuros,pode incluir as distorções cognitivas, dificuldadesde aprendizagem, regulação afectiva, dificuldadesrelacionais, confronto com problemas e potencia-lidades, dificuldades de identidade, significaçãoe projecção ao futuro, bem como as tarefas do

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crescimento, os desafios do fracasso (doença, morte)e os obstáculos internos ao significado.

5.3. Psicoterapia existencial-humanista norte-americana

O desenvolvimento da psicoterapia existencialnos Estados Unidos da América foi iniciado em1958 quando Rollo May (1909-1994) publicou olivro Existence: A New Dimension in Psychiatryand Psychology, tendo Bugental (1981, 1978),Yalom (2001, 1980) e, mais recentemente, KirkSchneider (1999) como representantes principais.Esse desenvolvimento assentou em influênciamúltiplas: filosofias existenciais de Tillich, Kierke-gaard, Nietzsche e pragamatismo de William James;movimento da psicologia humanista, nomeadamenteCarl Rogers e a A. Maslow; psicanálise, sobretudoatravés de Adler, Otto Rank, E. Fromm e F.Fromm-Reichman.

Centrada no mundo próprio individual, o mundodas experiências subjectivas individuais, a psico-terapia existencial-humanista norte-americanatem enfatizado os seguintes aspectos essenciais:

- A consciência da realidade da existência éque conduz à ansiedade – A ansiedadeaparece a partir da consciência da realidadeduma existência incerta livre e sem sentidoe não os impulsos sexuais e agressivos, masaceitando que o problema é inconsciente eque a ansiedade conduz a mecanismos dedefesa que servem para negar ou distorceraquela realidade. As estratégias defensivasque são usadas para proteger contra aansiedade existencial poderiam conduzir aansiedade neurótica

- A finalidade principal da intervenção tera-pêutica é ajudar o cliente a identificar esuperar as suas resistências ou modos deevitamento da ansiedade existencial – Aproposta terapêutica passa por ajudar o clientea identificar as suas auto-decepções, facilitaro encontro com a sua ansiedade existencialatravés de uma atitude de compromisso eresolução e voltar a relacionar-se com o seupotencial de crescimento

- O confronto com a existência implica a tomadade consciência do mundo próprio da experiênciasubjectiva – A intervenção terapêutica implicaa facilitação no cliente duma conscienciali-zação das suas experiências actuais, a partir

de uma focalização nas preocupações principaise num processo de associações livres emtorno dessas preocupações. A finalidade écolocar o cliente cada vez em maior relaçãocom a sua realidade subjectiva interna. Opapel do terapeuta consiste aqui em identificarquando o cliente resiste a esse processo econfrontá-lo com isso

- A autenticidade existencial define-se na relaçãoconsigo próprio mas também com as relaçõesinterpessoais – É dada ênfase à importânciada presença interpessoal para a autenticidade,pelo que uma das finalidades principais daintervenção terapêutica é tornar o clientemais autêntico nas relações com os outros.Assim, Bugental e Yalom consideram mesmoque é importante questionar o cliente a conscien-cializar o que experimenta no encontro tera-pêutico no confronto com a presença do terapeuta

- A experiência de confronto com os dadosda existência é a fonte da ansiedade – Acompreensão do funcionamento mental (normale patológico) assenta na forma como o indivíduose confronta com a ansiedade que emerge daexperiência de confronto com os dados daexistência. Para Yalom são a morte, a liber-dade, a solidão e a falta de sentido. Para Bugentalsão a finitude, capacidade potencial para agir,a escolha, a corporalidade e o isolamento.

Mais recentemente, Kirk Schneider (1999)introduziu o conceito de polaridade constritiva//expansiva da realidade, que seria aplicável àexperiência. Considerou que a saúde mental secaracterizaria pela capacidade de se movimentarcom abertura e flexibilidade ao longo desse continuume que a psicopatologia seria caracterizada poruma tendência do indivíduo para se situar nosextremos dessa polaridade. Assim, seria possíveldiferenciar entre disfunções hiper-constritivas(depressão, agorafobia, dependência) hiper-expansivas(impulsividade, mania, claustrofobia) e hipercons-tritivas/expansivas (perturbação bipolar e esquizo-frenia).

As críticas principais que têm sido apontadasà psicoterapia existencial-humanista norte-ame-ricana têm-se relacionado com a sua dependênciaexcessiva dos processos inconscientes (nomeada-mente as resistências), com a sua focalizaçãopredominante na experiência subjectiva individualem detrimento da inter-subjectiva e com a impor-

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tância, também excessiva, que é dada ao desenvol-vimento da autenticidade quase como se fosseuma forma superior de ser

5.4. Psicoterapia existencial de Ronald Laing

Influenciado pelo pensamento filosófico de Kirke-gaard, Nietzsche, Heidegger, Jaspers, Husserl eSartre, bem como pela psicanálise e pelo marxismo,pela psiquiatria interpessoal de Harry Stack Sullivane estudos da comunicação de Gregory Bateson eda escola de Palo Alto (Califórnia), Ronald Laing(1927-1989) centrou a sua investigação na psicopa-tologia, em particular na esquizofrenia, procurandoo seu significado. Destacou essencialmente a impor-tância da insegurança ontológica e do contextosocial da perturbação mental.

Introduziu o conceito de insegurança ontológicapara designar o sentimento fundamental dos indivíduoscom patologia esquizofrénica caracterizado poruma diminuição do sentimento de identidade e derealidade acompanhada pelo medo da aniquilação.Este, poderia incluir três medos específicos: omedo do engolfamento ou de que a sua autonomiaseja submetida a outros; o medo da implosão oude ser esmagado pelo mundo externo e o medoda petrificação ou de se tornar num objecto inanimado.A insegurança ontológica poderia conduzir à esqui-zofrenia na medida em que o indivíduo tentariaproteger-se dividindo o self em dois: retiraria asua verdadeiro self do seu corpo e permaneceriaretirado num local privado da mente (o delírio)no qual tem esperança de estar defendido contraa aniquilação. Desta forma, tornar-se-ia cada vezmenos capaz de experimentar relações reais comos outros. Refugiando-se no delírio procurariaainda recuperar a segurança ontológica.

A perturbação esquizofrénica não poderia sercompreendida apenas em termos de disfunciona-mentos intra-psíquicos, mas sim como uma estratégiaque o indivíduo desenvolveria para sobreviver adeterminadas situações do contexto social. Emparticular, enfatizou a importância das fantasiasfamiliares que podem invalidar os sentimentos eas percepções do indivíduo, bem como da comu-nicação em duplo vínculo (double bind) no contextofamília, podendo conduzir ao que denominou porposição insustentável em relação à qual a únicasaída poderia ser a psicose, uma espécie de tentativade se manter saudável num mundo doente: fechandoaos canais de comunicação (retirada autista), esco-

lhendo ao acaso (desorganização hebefrénica) ouconstruindo novos significados (delírio paranóide).

Do ponto de vista da intervenção, a propostaterapêutica de Laing baseia-se na escuta que permiteao cliente articular e relacionar as suas experiências,mas de forma não invasiva nem intrusiva parafacilitar a sua auto-recuperação e reintegração.No seu conjunto preconizou um encontro autêntico(sem máscaras) e designou esse percurso por metanóia.A finalidade seria a de restabelecer a capacidadedo cliente se relacionar com os outros e com apossibilidade de se encontrar com as suas necessi-dades existenciais: amor, segurança ontológica,liberdade, auto-descoberta, afirmação pelos outrose capacidade de relacionamento.

Do ponto de vista crítico tem sido apontado ofacto da perspectiva da Laing não ter superado osmodelos de doença e de cura, ter conceptualizadoo self como se fosse algo com existência concreta elocalizada, bem como ter atribuído um significadoexclusivo ao que chamou insegurança ontológica,ligando-a especificamente à esquizofrenia quando,na realidade, pode ser experimentada mais genera-lizadamente como ansiedade existencial.

5.5. Psicoterapia existencial britânica

A análise existencial e psicoterapia desenvolvidana Grã-Bretanha teve influências das filosofiasde Heidegger, Kierkeggard, Nietzsche, Sartre,Jaspers, Buber e Merleau-Ponty, mas também dafilosofia de Husserl, com alguma proximidadeem relação à Daseinanálise e tendo tambéminfluências significativas das concepções de Laing.Rejeitando o individualismo, o subjectivismo e omodelo médico da saúde mental, esta corrente temcomo representantes principais Van Deurzen-Smith,Spinelli, DuPlock e Cohn e, mais recentemente,Wolf, Milton e Madison. Como característica essencialrefira-se a recusa da patologização e a grandeimportância de compreensão do mundo própriodo cliente e dos seus problemas com o viver.

Van Deurzen-Smith (2002, 1997) centra a suaabordagem na superação dos desafios e vicissitudesda existência, pelo que definiu que a finalidadeprincipal da intervenção terapêutica é ajudar ocliente a confrontar-se com os desafios da vidaquotidiana, muito mais do que com os dados daexistência. O questionamento central é: Como éque eu posso viver uma vida melhor?

O ponto de partida é a ideia de que a ansiedade

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existencial é inevitável, dadas as imperfeições,tensões, dilemas, paradoxos e desafios do viver.Confrontando-se com a ansiedade, o indivíduotentaria reduzi-la fantasiando a existência de ummundo perfeito, sem problemas, mostrando-serelutante em confrontar-se com a realidade dasua vida. Seria uma atitude de auto-decepção queproporcionaria uma segurança temporária, masque ao mesmo tempo seria uma forma de se distanciarda realidade.

No confronto crucial com a situação de crisepessoal, o indivíduo pode escolher confrontar-seresolutamente com os problemas ou, então, afastar--se ainda mais da realidade, o que acabaria porconduzir a situações vividas com desespero. Doseu ponto de vista, o indivíduo em sofrimentopsicológico não estaria doente. Pelo contrário, teriadesenvolvido uma filosofia de vida enganadoraque conduz à autodestruição.

Assim, a grande finalidade da intervenção tera-pêutica é ajudar o cliente a confrontar-se com arealidade da sua situação e deixar atitudes de auto--decepção, envolvendo-se criativamente com problemasda vida. O que é proposto é uma atitude de encoraja-mento ao confronto com as tensões e dilemas e àdescoberta de modos de superação desses desafios.Os objectivos são:

- Ajudar a retomar o controlo sobre a suaprópria vida, com sentimento de mestria

- Facilitar uma compreensão de si própriocom mais capacidades e poder do que asanteriormente auto-percepcionadas

- Substituir percepções de ameaça por percepçõesde desafio

- Experimentar os seus diferentes e mais flexíveismodos de ser e responder o mais construti-vamente possível aos desafios da existência,redescobrindo o entusiasmo e o comprometi-mento

- Superar o medo de viver e descobrir como avida pode ser vivida de forma mais satisfatóriae feliz.

A proposta de Van Deurzen-Smith (1998, 1997)tem impregnação filosófica marcada e, em últimaanálise, pretende ajudar o cliente a identificar osseus valores mais essenciais: o que realmente importapara ele. Assim, centra-se em grande parte nadimensão espiritual dos valores e significados, passoconsiderado indispensável para que possa consi-derar melhor a sua projecção ao futuro.

Esta proposta é operacionalizada através deuma abordagem descritiva da experiência vividaactual, dos modos de relação com o seu-mundoem quatro dimensões: física, social, pessoal e espiritual.Nestas quatro dimensões o cliente é encorajado aexplorar os dilemas e paradoxos com que se confronta.

Spinelli (2003, 1994, 1989) representa a correnteinspirada predominante pela fenomenologia deHusserl, interessada numa perspectiva descritiva,com grande ênfase na atitude de abertura ao ser eà qualidade da relação do terapeuta com o cliente.Acentuou no método fenomenológico aplicado àentrevista a importância da époché (“pôr o mundoentre parêntesis”), da descrição (do vivido) e daequalização (evitamento da hierarquização dosfenómenos observados). Mais especificamente,chamou a atenção para:

- A distinção entre o modo com o indivíduodesenvolve a estrutura do self e a actualidadedas experiências vividas, e a sua tendênciapara se dissociar daquelas experiências quenão são vividas como concordantes com aquelaestrutura, procurando então atribuições externas.A estrutura do self não é conceptualizadacomo uma entidade independente, mas simconstruída e mantida na relação com os outros

- O facto das recordações do passado sereminterpretações construídas a partir da formacom o indivíduo se vê no presente e se antecipaem relação ao futuro – Desta forma, o relatode acontecimentos passados pode ter interessepara compreender quais são as característicasda estrutura do self e o que projecta para oseu futuro

- A necessidade de respeitar e aceitar a existênciado cliente tal como é vivida – Em consequência,a finalidade da intervenção terapêutica nãoé no sentido do que deveria ser mas sim é oencorajamento à mudança ou adoptar ummodo mais existencial de viver, reflectindoe clarificando a sua experiência de estar-no--mundo

- A importância da atitude terapêutica doestar-com e estar-para – Isto significa estarcom a experiência vivida pelo cliente, nosentido fenomenológico da sua compreensãotal como é vivida, pelo que se procura facilitar--lhe uma exploração dos seus valores,significados, interpretações, sentimentos ecrenças. Em particular, é dada grande impor-

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tância às interpretações do cliente acerca desi próprio, acerca daquilo que ele acha queé, de forma a compreender como é que certoscomportamentos estão relacionados com aestrutura do self e como é que poderia encontrarmodalidades alternativas de se representara si e ao seu-mundo.

Hans Cohn (1997) representou a corrente inspiradapredominantemente pelo pensamento de Heidegger,defendendo que as dificuldades psicológicas seriamexperimentadas quando o individuo tenta lutar contraos dados da existência – estar-no-mundo, estar--com-os-outros; mortalidade, inevitabilidade daescolha, corporalidade, espacialidade, temporalidade,humor e sexualidade – não relacionando essasdificuldades com ansiedades existenciais específicas.

5.6. Psicoterapia existencial breve

Têm sido propostas diferentes abordagens brevesem psicoterapia existencial, nomeadamente porBugental (1995) e Strasser e Strasser (1997).

5.6.1. Psicoterapia existencial-humanista breve

A proposta de Bugental de psicoterapia existencial--humanista breve envolve uma intervenção porfases sequenciais, cada uma das quais ocupandouma sessão ou mais consoante os casos. Trata-sede uma versão curta da sua proposta de terapiaexistencial de longa duração, considerando estaúltima mais eficaz. O modelo breve desenvolve--se nas seguintes fases: avaliação, identificação dapreocupação, consciencialização das experiênciassubjectivas, identificação de resistências, trabalhoterapêutico focalizado e terminação. Admite-se apossibilidade de realizar novas séries de terapiabreve.

5.6.2. Psicoterapia existencial limitada no tempo

Strasser e Strasser (1997) enfatizaram as vantagensque, a seu ver, podem ter os modelos breves: umaintervenção limitada no tempo é mais concordantecom a natureza também finita da existência humana;impulsiona mais facilmente para a mudança, umavez que a permanente recordação da terminaçãoda terapia intensiva o comprometimento no processoterapêutico. Diferem de Bugental uma vez que nãoprocuram focalizar numa preocupação específica

nem num conjunto de objectivos, embora estipulemum conjunto de doze sessões, seguidas por duassessões de follow-up de seis em seis semanas.

A abordagem está estruturada em torno de duasrodas da existência (existencial wheels), que sãorepresentações esquemáticas sob a forma de rodaque os autores consideram acelerar o processoterapêutico:

- A primeira é uma representação dos dadosda existência – Incerteza, relações interpessoais,tempo e temporalidade, criação de padrõesde valores e comportamentos, criação desedimentações de valores e comportamentos,polaridades, quatro dimensões da existência(física, social, psicológica e espiritual), auto--conceito e auto-estima, ansiedade existenciale liberdade de escolha

- A segunda é uma representação dos métodose skills que o terapeuta pode usar para cadauma das possibilidades e limitações do estar--no-mundo – Estabelecer o contrato, métodofenomenológico e investigação das relaçõesinterpessoais, estabelecer a percepção do tempoe o momento (timing) das intervenções, identi-ficar o sistema de valores e as polaridades,desafiar sedimentações rígidas, identificarpolaridades e paradoxos, explorar os quatromundos, identificar o auto-conceito e auto--estima, desafiar interpretações distorcidassobre a ansiedade, identificar escolhas e signi-ficados.

A primeira roda serve para, num primeiro momento,identificar o tipo de problemas que o cliente coloca,bem como os que não coloca, permitindo ao terapeutacompreender o cliente de uma forma ampla.

A segunda roda contém estratégias para ajudar oterapeuta a facilitar o percurso do cliente no processoterapêutico, quer tornando-se mais consciente deaspectos particulares da sua existência, quer desafiandoalgumas das suas concepções do mundo.

5.7. Psicoterapia existencial sartreana

A Análise da Existência, que é uma análise doexistente com preocupação primordial com a suaexistência concreta (o seu-mundo), parte do pressu-posto que a existência é um projecto que tem estruturanarrativa. Foi predominantemente influenciadapela filosofia de J. P. Sartre, em especial por aquiloa que o autor chamou “psicanálise existencial”,

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na qual a proposta é a de compreender o existentea partir dos diferentes modos como a consciênciase relaciona com o mundo, com os outros e consigomesmo, e como tenta evitar a angústia que se associaao confronto com a sua liberdade e a sua respon-sabilidade (Rodriguez, 2001).

O Homem é aquilo que se projecta ser e nãoexiste antes desse projecto. Assim, a análise daexistência toma por objecto a análise do projectoexistencial enquanto chave organizadora da existência,continuidade compreensível (coerência) de vivênciaspassadas, presentes e futuras que está presenteno discurso e que envolve construções pessoaisduradouras e significativas dos sentimentos, compro-missos e auto-realização, bem como as escolhasque faz de si mesmo em situação. Assim, a finalidadeé identificar as escolhas que o indivíduo faz parase tornar pessoa, ou seja, o seu projecto originário,matriz dos demais projectos e determinante dasacções concretas.

O ponto de partida não é a psicopatologia massim a existência concreta do indivíduo. A finalidadeé analisar a existência como expressão dum projectoconcreto para que, ao promover o seu questionamento,o indivíduo possa compreender-se e a mudançaseja possível. O questionamento central é: Comoé que eu me escolho e me projecto? Pretende-seque o projecto que emerge da análise do passadoe do presente seja assumido e enfrentado e, se neces-sário, seja modificado no sentido da auto-realizaçãoe da autonomia.

Villegas (1991) defendeu que é essencial delimitarbem o método e a técnica. O método proposto éa hermenêutica do discurso, sendo este o lugar deconstrução do seu-mundo, onde reside o significado,a intencionalidade que unifica as dimensões afectiva,cognitiva e comportamental/relacional da expe-riência psicológica. O método hermenêutico (com-preensivo) toma por objecto a forma como o indivíduoconstitui a relação com o mundo, sendo o projectoo que dá o sentido. Os fenómenos psicológicos estãoem coerência com o projecto. Não se trata de conhecero mundo projectado mas sim de ter acesso ao comoé que o indivíduo se projecta no mundo, com unidade,coerência e continuidade, condicionado pela facticidademas gerindo a sua liberdade de escolha de váriaspossibilidades. Ou seja, trata-se de determinar oprojecto originário, matriz dos demais projectos (Erthal,1994).

A técnica envolve a análise semântica de textosde auto-descrição, com a finalidade de identificar

os significados. Assim, é uma análise textual daredundância (conteúdos) e da coerência (relaçõesestruturais). A finalidade última é a descoberta dasintencionalidades significativas e a identificaçãoda coerência global, que é homóloga do projecto.Permite identificar e fornecer ao indivíduo significadose colocá-lo em confronto com a maneira comoestrutura o seu-mundo. Permite-lhe questionar asua existência e re-situar-se. Escolher outras possi-bilidades. Introduzir mudança no presente e nofuturo, pondo-se mais de acordo consigo próprio,mais próximo do seu projecto.

O objectivo da psicoterapia é facilitar ao indivíduoo encontro com formas de se tornar mais coerentecom o seu projecto ou, então, questionar e reformularo seu projecto.

Assim podemos dizer que, a partir desta perspectivade análise da existência, a intervenção psicoterapêuticaenvolve uma dimensão analítica e uma dimensãoterapêutica.

5.7.1. Dimensão analítica

A finalidade é descobrir as estruturas ontológicasda existência que se manifestam na experiência,o que envolve três fases sucessivas (Cannon, 1993):explorar a estrutura ontológica do projecto funda-mental (escolha original do ser), compreender asdificuldades actuais do indivíduo nas suas relaçõescom as experiências passadas que suportaram aescolha do seu modo de ser-no-mundo e, ao mesmotempo, dos significados futuros, facilitando-lhe oquestionamento do seu projecto e, se necessário,facilitando novas escolhas, que lhe permitamprojectar-se num futuro diferente mas escolhidopor ele.

É a análise da existência que toma por objectoo projecto existencial do sujeito, isto é, a existênciaenquanto projecto que tem estrutura narrativa eque é continuidade compreensível das vivênciaspassadas, presentes e futuras. Tem-se em conta queo ser não é analisável, porque abstracto. O que éanalisável é o seu-mundo, isto é, o existente. Assim,o ponto de partida não são as categorias da psico-patologia nem as categorias transcendentes do Dasein,mas sim o mundo da experiência (Lebenswelt), ouseja, a estrutura das vivências individuais que têmcontinuidade compreensível, intencionalidade (queunifica as dimensões afectiva, cognitiva e compor-tamental) e forma narrativa. A análise da existênciaé a análise dessa continuidade compreensível na

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dialéctica Eu/Mundo que é o projecto. Centra-sena totalidade unificada da existência, que se exprimenuma estrutura do mundo ou sistema de constructospessoais, produto da constante reconstrução daexperiência passada a partir do presente e projectadapara a antecipação do futuro.

A análise da existência é um regresso à história(movimento analítico-regressivo) para facilitar acompreensão do estar-no-mundo, isto é, como éque o problema actual faz parte da pessoa e qualfoi a escolha que fez de si próprio (projecto). Aelucidação do projecto permitirá re-descobrir o presente(movimento progressivo-sintético) e compreenderos significados pessoais. Neste âmbito assumemimportância particular (Cannon, 1993):

- A reconstrução do passado para interpretaro presente e o futuro em função da escolhade um projecto fundamental (existencial),uma vez que o projecto existencial e a acçãoindividual livre (praxis) estão no centro dasrelações com os outros; neste particular, importaidentificar as condições que se relacionarammesmo com a escolha do projecto mas tambémcomo é que o indivíduo procura desenvolvê-lono futuro

- A relação do projecto com a temporalidade(passado, presente e futuro), mas também coma espacialidade em termos de proximidadeou distanciamento dos outros

- A focalização sobre a experiência pré-reflexivapara descobrir as estruturas da má fé, isto é,para saber como é que as escolhas pré-reflexivaspoderão ter sido deformadas reflexivamente

- O acesso ao mundo individual e concreto quese mostra na experiência, promovendo umareflexão sobre si próprio que permita ao cliente

compreender como se relaciona com os objectosdo mundo (ser-em-si), como se relaciona comos outros (ser-para-o-outro) e como se relacionaconsigo próprio (ser-para-si).

O objectivo é, assim, a elucidação do significado(intencionalidade), aumentando a auto-consciênciapara facilitar a possibilidade de escolha, ajudandoa aceitar os riscos e responsabilidade das decisõespróprias, aceitando a sua liberdade e sendo capazde gerir as suas próprias possibilidades de existir.A metodologia é uma hermenêutica do discurso,uma vez que se entende que este é a representaçãomental das vivências pessoais, o lugar da construçãodo mundo do sujeito que pode ser estudada poruma técnica de análise semântica textual de textosde auto-descrição e auto-biográficos (Quadro 4).

A análise da existência exige uma técnica quepermita reler a existência como um texto queprojecta a pessoa, considerando que o seu projectoexistencial manifesta-se nas várias modalidadesfenoménicas (linguagem, emoções, comportamento,entre outras). Assim, Villegas (1990) propôs aanálise semântica textual baseada em critériosexistenciais como a técnica que permitiria remeterpara um discurso, projecto de possibilidades. Aanálise semântica centra-se na redundância (conteúdos)e na coerência (relações estruturais) e destina-sea responder ao questionamento central: Como éque este Homem constrói o seu-mundo? Se existiremperturbações mentais, elas não interessam aquicomo categorias nosológicas mas sim como formasde compreender as estratégias que o indivíduousa para resolver o problema de ser.

A análise da existência é, assim, uma análisedo projecto existencial (a existência enquanto projecto

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QUADRO 4Características da análise da existência segundo Villegas

ANÁLISE DA EXISTÊNCIA

Objecto Projecto existencialObjectivo Elucidar o significadoMetodologia Hermenêutica do discursoTécnica Análise semântica textual

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que tem estrutura narrativa), tem por objectivo aelucidação do significado (intencionalidade), o seumétodo é a hermenêutica do discurso, usando aanálise semântica de textos de auto-descrição comotécnica. A finalidade última é aqui colocar a pessoaem contacto com o seu projecto, facilitando-lhe aautenticidade.

5.7.2. Dimensão Terapêutica

Como foi referido por Martín-Santos (1964), aanálise existencial poderia ser considerada numsentido mais de conhecimento (compreensão) enum sentido mais dinâmico e modificador. A análiseda existência fornece a chave para a dimensão dacompreensão ou interpretação, isto é, coloca oindivíduo em contacto com o seu projecto (comose escolheu). Contudo, a psicoterapia relaciona-secom uma dimensão de mudança e transformação,que supõe a dimensão analítica mas ultrapassa-alargamente para:

- Considerar mais o futuro do que o passadonos momentos de tomada de decisão

- Desenvolver as expressões significativas queproporcionam as escolhas, nomeadamenteao nível da simbolização (palavras) e da imagi-nação (exploração interior)

- Desenvolver mais livremente interacçõesdeterminadas e apoiadas na sua individualidade,relacionando-se mais profundamente consigopróprio

- Abrir-se a novos modos de ser e de agir, maisautênticos e concordantes com o projecto

A relação de ajuda que poderá facilitar a mudançaé a que ajude o cliente a (re)encontrar a sua liberdadeontológica (condição humana) e uma maior liberdadeprática (Cannon, 1993), comprometendo-se numprocesso mais autêntico de criação de si própriono seu contexto social.

É assim que Villegas (1981) considera que aanálise do passado e do comportamento comoexpressão dum projecto fundamental permite enfrentardirectamente esse projecto para modificá-lo, oque só é possível em relação ao futuro e comointegração, assumido e compreendido numa novadimensão. O passado não pode ser mudado mas podeser assumido. O presente e o futuro são os temposde mudança, expansão e realização. A dimensãoterapêutica centra-se na restauração da liberdade

que permita uma reconstrução alternativa da expe-riência.

5.8. Diferentes métodos, diferentes posicionamentose novos desafios

Como é possível verificar, dentro das propostasde psicoterapia existencial existe uma diversi-dade de concepções, que acaba por caracterizaresta área de intervenção terapêutica por umagrande heterogeneidade de possibilidades. Nesteaspecto, interessa saber que os diferentes autorese propostas terapêuticas podem posicionar-se deforma diversa em relação a diferentes dimensões(Cooper, 2003):

- Influências fenomenológica/existencial – Ainfluência fenomenológica é mais notóriaem Spinelli (centração na experiência vivida)e a existencial na logoterapia de Frankl (procurade significado) e na análise da existência(questionamento do projecto). Numa posiçãointermédia ficam a Daseinanálise, a psicoterapiaexistencial-humanista norte americana e asconcepções de Van Deurzen-Smith e de Laing

- Directividade/não directividade – A directi-vidade é mais notória na logoterapia de Frankle a não-directividade na psicoterapia existencialbritânica. Numa posição intermédia ficam aDaseinanálise, a psicoterapia existencial-huma-nista norte-americana, a terapia existencialde Laing e a análise da existência. A directi-vidade é uma tendência mais marcada nasperspectivas que associam o mal-estar e ascrises existenciais ao evitamento do confrontocom os dados da existência

- Metodologias descritivas/compreensivas –A metodologia descritiva é a mais notória napsicoterapia existencial britânica e a compre-ensiva na análise da existência. Numa posiçãointermédia situam-se a Daseinanálise, a psico-terapia existencial-humanista norte americanae a psicoterapia existencial de Laing

- Abordagem psicológica/filosófica – A abor-dagem é mais psicológica na análise daexistência, na psicoterapia existencial-huma-nista norte americana e na psicoterapia existencialde Laing e mais filosófica na análise existencialproposta por Van Deurzen-Smith. Numa posiçãointermédia situam-se a Daseinanálise e alogoterapia. Em geral, as abordagens maispsicológicas são mais focalizadas nas emoções,

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com excepção da a análise da existência quese centra nos significados, enquanto as abor-dagens mais filosóficas são mais centradasnos significados e valores

- Centração pessoal/transpessoal – Uma centraçãoindividual encontra-se mais na Daseinanálise,análise da existência, psicoterapia existencial--humanista norte-americana e psicoterapiaexistencial de Laing; as concepções de VanDeurzen-Smith são mais transpessoais, sendoque a logoterapia ocupa posição intermédia

- Centração na psicopatologia – A centraçãona psicopatologia é mais notória na Dasein-análise e na logoterapia e menos notória naanálise existencial britânica. A psicoterapiaexistencial-humanista norte americana, a psico-terapia existencial de Laing e a análise daexistência ocupam posição intermédia

- Centração na subjectividade/inter-subjecti-vidade – Uma centração na subjectividadeencontra-se mais na psicoterapia existencial--humanista norte-americana e na psicoterapiaexistencial de Laing, enquanto a centraçãona intersubjectividade é mais notória na análiseexistencial britânica e na logoterapia. A análiseda existência e a Daseinanálise ocupam posiçãointermédia

- Espontaneidade/uso de técnicas – A esponta-neidade é mais evidente na análise existencialbritânica e na psicoterapia existencial de Laing,enquanto o uso de técnicas é mais notóriona logoterapia e na análise da existência. ADaseinanálise e a psicoterapia existencial--humanista norte-americana situam-se numaposição intermédia.

Finalmente, é importante identificar quais osdesafios principais que a psicoterapia existencialenfrenta no nosso tempo. Assim, é possível identificaros seguintes desafios:

- Necessidade de demonstrar a eficácia tera-pêutica

- Atender a exigências profissionais- Contextualizar a intervenção terapêutica em

termos sociais e culturais- Assegurar a qualidade do serviço prestado

aos utilizadores (clientes).

A psicoterapia existencial compartilha actualmentecom outras modalidades de psicoterapia a necessidadede demonstrar a sua eficácia terapêutica. A questão

central é “como” demonstrar a eficácia terapêutica:com resultados baseados na evidência ou comresultados baseados na experiência? Dada a naturezaespecífica da psicoterapia existencial parece desejávelcontribuir para ultrapassar o distanciamento tradi-cional entre a investigação e a prática, nomeada-mente desenvolvendo investigação empírica commetodologias qualitativas que procurem identificaras chamadas mudanças clínicas significativas ecompreender como aparecem e com que factoresdo processo psicoterapêutico se relacionam.

Atender a exigências profissionais é imperioso,sobretudo na área da formação de psicoterapeutasexistenciais, quer no plano do desenvolvimento decompetências quer na observância da ética profissional.Assim, será desejável adoptar as recomendaçõesda Associação Europeia de Psicoterapia, para assegurarpadrões de qualidade em termos de formação, treinoe supervisão.

Importa cada vez mais situar a existência indivi-dual no contexto familiar e social e integrar asnovas realidades decorrentes das mudanças sociaisaceleradas que conduziram à fragmentação da vidasocial, a novas desigualdades sociais, ao predomínioda racionalização da existência, à inovação tecno-lógica, ao predomínio de uma cultura do efémeroe da superficialidade e à generalização das relaçõesde exterioridade com desvalorização do envolvi-mento emocional nas relações interpessoais e aodesaparecimento da família como fonte tradicionalde suporte. Importa ter em conta também o aumentoda longevidade, o aumento da sobrevivência comdoenças crónicas, a tendência crescente para amedicalização do stress, a pressão para o consumode medicamentos psicotropos face a qualquer problemae a insegurança laboral, com precaridade dos vínculos,grande mobilidade e aumento do desemprego. Aomesmo tempo, importa cada vez mais contraba-lançar pressupostos filosóficos excessivamentecentrados na ideologia individualista com a consi-deração que parte significativa do mal-estar e dascrises existenciais associam-se à presença de estruturasde alienação e de opressão, exploração, desigualdades,discriminação, pobreza, desemprego e violência;ou seja, compreender as condições históricas e sociaisda subjectividade (Gomez-Muller, 2004) ou, se sequiser, compreender o biográfico no seu contextosócio-material (Cannon, 1993).

A psicoterapia existencial, se estiver excessivamentecentrada no chamado “mundo interno”, pode nãoassumir valores de justiça, defesa dos direitos dos

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clientes e de solidariedade. Pode não ajudar a lutarcontra as injustiças e desigualdades associadasao sofrimento. Convém recordar que a psicologiaexistencial considera o Eu indissociável da situação:o Eu existe em situação e a situação faz parte doEu. É o estar-no-mundo. Ora, a subjectividadeindividual é uma síntese de experiências vividas,de uma multiplicidade de relações que nos ligama nós próprios e aos outros, memórias, projectose significações. Estar-no-mundo através de ummovimento duplo de interiorização do exterior (dasrelações sociais e sócio-materiais) e da exteriorizaçãodo interior. A subjectividade responde ao contextosocial ao mesmo tempo que o molda (Thomé Ferreira,2005). Como elo de ligação entre o indivíduo e osocial, a própria subjectividade está em mudança,por vezes fragmentada, incerta ou mesmo desnorteada.Assim, a compreensão do existente enquanto compre-ensão da subjectividade que está-no-mundo temque ser contextualizada na sua situação sócio-histórica,enfatizar o desenvolvimento do empowermentindividual do cliente e contribuir para a sua libertação,comprometendo-se na luta contra todas as formasde opressão e alienação. Para tal, é necessárioadoptar uma ética de liberdade em situação, tomarconsciência da opressão, compreender como é quea opressão afecta a existência individual e identificarquais a estratégias adequadas de luta contra aopressão, quer a nível individual quer a nível social.

A psicoterapia existencial implica ser-se políticona relação com os clientes. Implica adoptar claramenteuma perspectiva crítica que dê relevância no trabalhoclínico à responsabilidade existencial (liberdadede escolha e projecto) e à responsabilidade social(comunitária) do cliente. Uma relação de ajudaexistencial servirá para facilitar o exercício daliberdade de escolha, ajudar a identificar factoresde vazio existencial e de falta de poder pessoal ea aumentar a consciência crítica e o sentido docolectivo, facilitando atitudes positivas face àparticipação na vida colectiva. Só desta maneirase atingirá a finalidade de ajudar o cliente a re--encontrar a sua liberdade ontológica e uma maiorliberdade prática, comprometendo-se com um processomais autêntico de criação de si próprio no contextosocial em que vive.

Para assegurar a qualidade do serviço prestadoaos utilizadores é necessário desenvolver dispo-sitivos de melhoria contínua, nomeadamente rela-cionados com a formação profissional dos terapeutas,com o sistema de supervisão das práticas profissio-

nais, com a avaliação de conformidade com os padrõesque forem recomendados e com o necessário desen-volvimento de indicadores de processo e de resultados,em função da investigação da eficácia terapêutica.

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RESUMO

Neste artigo o autor introduz diferentes modalidadesde psicoterapia existencial. Faz uma descrição breve dasvárias propostas terapêuticas, nomeadamente análise doDasein, logoterapia, psicoterapia existencial humanistanorte-americana, psicoterapia existencial de Laing, psico-terapia existencial britânica, psicoterapia existencial brevee psicoterapia existencial sartreana.

Palavras-chave: Existência, psicoterapia existencial.

ABSTRACT

In this article the author introduces the different pers-pectives of existential psychotherapy. He describes differenttherapeutical proposals, namely Daseinanalyse, logo-therapy, nort-american existential-humanist psychotherapy,Laing’s existential psychotherapy, british existentialpsychotherapy, brief existential psychotherapy and sartreanexistential and psychotherapy.

Key words: Existence, existential psychotherapy.

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