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7/29/2019 EDICAO 192 CADERNO 2 http://slidepdf.com/reader/full/edicao-192-caderno-2 1/12 DO!S Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 30 • número 192 • Julho de 2013 • Belo Horizonte/MG

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DO!SJornal Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH

Ano 30 • número 192 • Julho de 2013 • Belo Horizonte/MG

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Liaa Impressão2 BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

e vai t fsta no

planta B 612!Cláudio DonllasHln Aaújo6º PeríODOedição: Andé Zuliani

Podem preparar o bolo, balões

e docinhos. Vai ter festa no menorplaneta habitado do mundo doscontos. Em 2013, o livro O Peque- no Príncipe, um dos mais vendidose consagrados de todos os tempos,completa 70 anos de lançamento,com todo vigor e com público cada

 vez mais fiel e apaixonado.Clássico que por muitos foi

considerado um livro do segmentoda literatura infantil, a obra-primado escritor francês Antoine deSaint-Exupéry, lançada no ano de1943, completa sete décadas, con-tando a história de um príncipeque habitava o planeta-asteróide

chamado B 612 – que, para alémda ficção, foi realmente descober-to por um astrônomo turco - e suabusca por um novo lar para umarosa vaidosa.

O Pequeno Príncipe conseguealiar o sucesso comercial com oconteúdo, sendo admirado por fãsque não são apenas os pequeninos.Concorrendo no mercado literá-rio com obras de todas as espécies,o livro ocupa um lugar de respeitoem qualquer livraria que se preze,em qualquer lugar do mundo. Osucesso atemporal é claramentedemonstrado pelos números de

 vendas - até o momento já foram vendidas mais de 150 milhões decópias em todo o mundo, sendooito milhões só no Brasil. A obrajá foi traduzida em mais de 220línguas, ficando atrás apenasda bíblia. E não para por aí.

Segundo a lista do jornalfrancês Le Monde, sobre as100 obras mais importan-tes da história, O PequenoPríncipe galgou o 4º lugar,ficando atrás do Nobelde literatura AlbertCamus com o li-

 vro O Estrangeiro,

de Marcel Proustcom Em Busca doTempo Perdido e deFranz Kafka, com OProcesso. Isso sem contaras vendas de produtosdos mais variados tipos eas licenças para desenhosanimados e filmes. E porfalar em filmes, O PequenoPríncipe foi levado às telonasem 1974, pelas mãos de Stan-ley Donen, nada menos que

o diretor de clássicos do cinemacomo Cantando na chuva, Cinderelaem Paris, Sete noivas para sete irmãos e Charada.

Segundo a Editora Agir, que de-tém os direitos da obra no Brasil,

o livro continua sendo um sucessode vendas e está sempre entre osmais vendidos, incluindo os lança-mentos e os chamados best-sellers.“É um livro muitíssimo impor-tante para a editora Agir, assimcomo para toda a Ediouro Livros(que hoje detém os direitos sobrea obra, no Brasil, após incorporara editora Agir). Está sempre entreos cinco mais vendidos da edi-tora, apesar de todos os outroslançamentos”, informa Danie-le Cajueiro, gerente editorialda Nova Fronteira.

Da gua ao céu Antoine Jean-BaptisteMarie Roger de Saint--Exupéry era, além de es-critor, aviador. Pilotan-do aviões da força aéreafrancesa, foi combatentedurante a Segunda GuerraMundial. Antes de escrever

sua obra mais famosa, Exupéry es-crevia sobre guerra e sobre aviões(que era uma de suas paixões, as-sim como a literatura). Duranteuma de suas viagens entre Parise Saigon, seu avião foi forçado a

aterrissar em um deserto próxi-mo a cidade do Cairo. Durantecinco dias, ele percorreu sozinhoo deserto até ser encontrado poruma caravana de nômades que osocorreu. Essa aventura é aponta-da como uma das mais prováveisfontes para a criação da história.

 Algumas outras curiosi-dades e mitos cercam

a origem da obra.Uns dizem queSaint-Exupéry tevea ideia de escrevero livro após recebera visita de uma ami-

ga, a atriz francesa Anabella (13rua Madellei- 

ne; O mi- lhão), queb us ca v aentretê --lo con-

tando a história de  A Pequena Se- reia, de Hans Christian Andersen,enquanto ele estava internado emum hospital. Como algo escritonas estrelas, um outro amigo, ocineasta René Clair, levou de pre-

sente uma caixa de tintas aquare-la. Exupéry as usaria para fazer asilustrações originais do livro, quefoi primeiramente lançado nos Es-tados Unidos, em 1943, e somen-te três anos depois na França, emconsequência da Segunda GuerraMundial.

Durante anos, O Pequeno Prín- cipe foi apontado como o livro decabeceira de misses de vários paí-ses mundo afora. Por trazer umamensagem que leva à busca de ummundo melhor por quem o lê, olivro encantava as belas moças etornou-se, por certo tempo, mo-

tivo de chacota, talvez pelo fatodas misses sempre pregarem a pazmundial e o amor entre os povos,mesmo sendo algo utópico e im-pensado por muitos, passandoum ar de ingenuidade. De certamaneira, o livro traz consigo umaimagem que marca justamentepelo seu lado crítico aos valores

pessoais.Para o mestre em literatura

brasileira e professor univer-sitário Edmundo de NovaesGomes, O Pequeno Príncipe,ou como é tratado por ele,

Le Petit Prince (título

original em francês),revela a importân-cia atemporal daobra, quando setrata da crisede valores porqual o mundomoderno pas-sa. “A idadedo livro eo fato deaté hojefomentara crítica ea indaga-ção, reve-

la, alémde suaimportân-cia inques-tionável, a

atual idadede muitas de

suas propos-tas. Sobretudo

em um mundono qual valores

humanistas, comoaqueles ensinados

O Pequeno Príncipe, e Anine e Sain-Exupéry, cmplea 70 ans e lanamen

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pelo principezinho, vão pouco a pou-co diminuindo,” analisa Edmundo.

Com o passar do tempo, tambémse desfez outro mito em torno dele.Por muitos anos ele foi consideradoum livro de literatura infanto-juvenil,por conter uma história do estilofábula ou conto de fadas. A obra seconsolidou e se destacou, demarcan-do e criando uma identidade própria,carregando em si uma grande cargade ensinamentos e, para muitos, ver-dadeiras “lições de moral”.

Segundo a doutora em literaturae professora universitária Ana Rosa Vidigal, o livro não pode ser conside-rado apenas como um livro feito paracrianças, mas para o público em ge-ral. “Na verdade, não veio ao Brasilcomo literatura infanto-juvenil. Veiocomo prosa-poesia para adolescentese jovens adultos. A proposta é metafó-rica, há personagem infantil, mas issonão quer dizer que é para o públicoinfantil,” esclarece Ana Rosa.

Mesmo sendo uma obra com 70anos de “idade”, O Pequeno  Príncipe 

ainda conta com uma legião de fãspor todo mundo e também em ter-ritório brasileiro. A página oficial nofacebook (facebook.com/opequeno-principe) conta hoje com nada menosque 1,2 milhões de curtidas e tambémcom um perfil no twitter (@opeqprin-cipe) atualmente, com mais de 100mil seguidores. As frases do autor esuas referências são amplamente dis-seminadas em posts nas redes sociais.Uma das mais famosas e utilizadas é a“Tu te tornas eternamente responsá-

 vel por aquilo que cativas”. Há tam-bém uma loja virtual, que conta comuma grande linha de produtos comorelógios, roupas, brinquedos e joias.

 Fstjos plo mundo 

Na França (país de nascimento doautor), será lançada uma nova biogra-fia de Saint-Exupéry. Também estãoprogramadas o lançamento de um e- 

 -book, de uma nova edição do livro etambém de mais um episódio do de-senho animado, que já foi exibido emcentenas de países pela Nickelodeon

(no Brasil, faz parte da programaçãodo Discovery Kids). Já está em an-damento uma exposição na sede daUNESCO (Organização das NaçõesUnidas para a Educação, Ciência eCultura), em Paris, que dá ênfase aos

 valores do Pequeno Príncipe, tratan-do-o como “um menino protetor doplaneta, da paz, da harmonia, da in-fância”, segundo a entidade.

E para coroar as festividades, aFundação Antoine de Saint-Exupéry prepara uma edição especial do livro

para crianças cegas, em braile e comilustrações tridimensionais. Segun-do a fundação, a edição será capaz decompartilhar a magia e o sonho destemundo dos contos. Desta maneira, olegado principal buscado pelo autorirá se propagar a todos, levando suamensagem de um mundo melhor,sem barreiras. Como dito por ele,“Aqueles que passam por nós, não

 vão sós, não nos deixam sós. Deixamum pouco de si, levam um pouco denós”.

LiaaImpressão   3BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

Persnagem e Sain-Exupéry i ema principal san a eira, n Sal Livr Inanil n Ri e Janeir, em junh

LUISA AMARAL

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múicaImpressão   5BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

O cmitéio das

almas pdidas

O que diriam Eduardo e seusamigos se o encontro tivesse sidomarcado para 2013? Com certe-za, a ânsia cosmopolita dos jovens

personagens de Fernando Sabino,que sonham com a música, com aliteratura, com a grandeza e coma glória daria lugar à frustração ea angústia. Durante o dia, BeloHorizonte mostra sua agitação pe-las ruas, prédios novos, gente an-dando para lá e para cá, como serealmente tivesse urgência de ir aqualquer parte. Em contrapartida,à noite, quando os jovens buscamnos bares os valores autênticos nomundo e respostas que só podemser dadas na boemia, a capital mi-neira é um quadro triste, não porser a mesma dos anos quarenta,

pacata e modorrenta, mas violentae provinciana. Sem o brilho das lu-zes dos cabarés, sem a música dosbares, sem o ruído da vida que pul-sa nos dedos do tocador e na gar-ganta do trovador. Cabem aqui,todos os discursos - existencialista,psicanalítico, político, ideológicoe literário - que encontramos naobra de Fernando Sabino.

Entre a gama de músicos quetrabalham em Belo Horizonte, aopinião é quase unanime. Paraeles, a lei que proíbe - ou regula-menta como queiram -, a música

em BH, chamada Lei do Silêncio,é um equívoco, uma imposição di-tada pelos preconceitos. A moralburguesa. As convenções sociais.O lugar-comum. Uma castraçãopoética e artística. Uma navalhadados donos da vida na manifestaçãoespontânea de uma geração espezi-nhada por uma vereadora fascista,

tirana, e reacionária. A música as-sassinada em cada boca.Desde que a nova lei entrou em

 vigor na capital mineira, a partirdas reivindicações da vereadoraElaine Matozinhos, o músico quedepende do gênero “barzinho”para mostrar sua arte e garantir seusustento, passou a vagar por umbosque tenebroso, sem esperançae sem apoio. As oportunidades detrabalho se afunilaram e, pra pio-rar, a concorrência triplicou. Dessaforma, a cidade dos botecos, queem outros tempos abrigava nas es-quinas verdadeiros clubes e palcos

a céu aberto, atualmente se caracte-riza por ser uma capital intolerante,que se apoia em um regulamentoextremamente parcial e arbitrário.

 Apropriou-se de um silênciosepulcral, no qual almas penadasque carregam seus instrumentosalém e aquém da Contorno, nãoencontram amparo e acolhimento.São forçados a disputar espaço emcasas noturnas claustrofóbicas ena maioria das vezes inacessíveis,levando em consideração que elaspreferem contratar bandas ao in-

 vés de um solista violonista. Esses

músicos vivem um hiato, uma an-gústia permanente que parece nãoter solução aparente.

 Ao ser questionado sobre asmudanças que a “maléfica” leitrouxe para sua vida, o músicoBruno Pereira se mostra prudente,“a lei deve existir e deve ser cum-prida, mas essa lei do silêncio pre-

cisa ser revista, pois ela só favoreceum dos lados”. Segundo ele, quan-do a fiscalização aparece, não é sóo músico que deixa de produzir,toda a firma que depende daque-le momento de entretenimentotambém está sendo prejudicada.“Garçons, churrasqueiros, donosde bar, todos perdem”, diz ele.

Para o conselheiro municipalde cultura e músico, FernandoBarbosa, ainda falta estrutura paraa prefeitura lidar com a situação.“Esse é um conflito que existe emqualquer comunidade. Diante dis-so, o melhor a ser feito seria uma

reunião entre a turma do ‘baru-lho’, os órgãos de fiscalização ea população em geral, para quedessa forma cheguem a um acor-do,” esclarece. Barbosa é bastantecategórico ao dizer que, “além detodos os prejudicados pela lei dosilêncio, o mais castigado com cer-teza é o músico.” E acrescenta que,“mesmo sendo reconhecido profis-sionalmente, o músico é o menosfavorecido em todos os setores tra-balhistas, o músico não tem direi-to nenhum.”

Mostrando uma luz no fim do

túnel, Fernando também comen-tou a respeito de uma futura solu-ção, ou algo que ao menos amenizeos problemas do cenário atual. Deacordo com ele, uma nova tecnolo-gia vinda da Alemanha promete re-

 volucionar o sistema de isolamentoacústico em espaços abertos, redu-zindo a quantidade de ruídos em

até 20%. “Esse tipo de tratamentoacústico já esta sendo usado nomunicípio e o prefeito já tomouconhecimento dele. Acho que umanova legislação atuando juntamen-te com essa nova descoberta podeser a chave para solucionar o pro-blema,” orienta Barbosa.

Para que BH não venha se con-sumar, em um futuro breve, comoa capital mundial do veto musical,as autoridades certamente devemagir de forma mais imparcial, con-siderando que a categoria é ummercado que movimenta a econo-mia da cidade e do país. De acordo

com o site do governo, o setor cul-tural está com uma média anual de6,13% e representa 8,5% dos pos-tos de trabalho, nos quais se incluios espetáculos musicais.

Não dá pra fechar os olhos eacomodar os ouvidos diante dedados como esses e de silênciocomo este. Dezenas de pessoas nãopodem ser prejudicadas profissio-nalmente por consequência de um

 vizinho incomodado ou de malcom a vida. Sendo assim, em umcondomínio, na maioria das vezeshá apenas um delator.

MaginalDentre todos os constrangi-mentos pelo qual o músico passano momento de conflito com a

 vizinhança, para o cantor e com-positor bastante respeitado nocenário cultural da cidade, AndréLuz, o pior de todos é ser denun-ciado e não ter conhecimento dequem efetuou a denuncia. “Issoé coisa do disque denúncia, coisapra bandido, e definitivamente,músico não é bandido, trabalhade forma honesta e digna”. Andrémostra extrema revolta e descon-tentamento com essa procedência

da fiscalização, sentindo-se margi-nalizado e desrespeitado como ci-dadão. Apesar da maioria dos mú-sicos acharem que a questão deveser amplamente debatida com asociedade envolvendo a categoriae os comerciantes, ninguém naCâmara de vereadores se manifes-tou a respeito do assunto. Quemsabe, daqui a 20 ou 30 anos, tere-mos um encontro marcado com osilêncio dos ignorantes diante deoutra realidade metropolitana.

Lei Silênci iminui as pruniaes e empreg para músics e Bel Hrizne

REPRodUção

Nva legisla resringe rabalh s músics na nie a capial mineira

 Asly GonçalvsCalos Danil6º PeríODOedição: Andé Zuliani

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IMPreSSÃO: Muitas pssoas pn-sam qu a viola é um instumn-to d snhos d cabça banca qu stá quas xtinta. Como você

 vê o cnáio atual da viola caipia?

 Almi: A viola é bandeira brasileira edeve ser estudada, aprendida e respeitadacomo tal. A escola de Tião Carreiro, o reido pagode, é a mais bem representada e amais popular. A meninada gosta de tocar

os pagodes que ele compôs.Tião Caio a um homm sis-tmático, simpls qu não pa-ava com su pacio Padinho.

 Você tv a opotunidad d co-nhcê-lo mais qu isso, a honad toca com l. Como a o TiãoCaio?

O Tião era um homem sério. Mas, aomesmo tempo, uma pessoa muito sim-pática, gentil, de poucas palavras, poucaprosa. Ele não ficava em um lugar noqual não gostasse. Se algo o desagradava,ele simplesmente se levantava e ia embo-

ra, sem conversa.Cta vz, vndo Tião sai d casaapnas com a oupa do copo paa

 viaja m uma smana d showsplo Basil, sua sposa lh qus-tionou po qu não stava lvandouma muda d oupas. e Tião s-pondu: “Pa qu oupa, mulh?O povo qu v é a viola, não u”.

(risos) Ele era assim mesmo. Me ajudoumuito no início da minha carreira. Foi

o Tião que abriu assertanejo pra mim,reduto dos caipirasacho até que ele gomais comigo, comque com o meu estilquestão mesmo de e

Po fala nisso,mçou, no pind 1980, o cná

compltamnt dComo acha qu sdias atuais, dominjo univsitái

Se fosse hoje, eu neem tocar viola (risos).

 violeiro, a única coicar viola. É lógico qbiente era mais proo dom e gosta nãoum preconceito conconsiderado por muiEntão eles substituír

Qual o caminhopo qum dsja

 viola?

oa a   Impressão6 BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

Históias d q Em enrevisa a Impress, Almir Saer relembra as impranes e su

 Andé Zuliani6º PeríODOedição: Dany Staling

É impossível falar em moda de viola e música caipira no Brasil sem mencionar Almir Sater. Assim como Renato Teixeira, Inezita Barroso, Tião Carreiro e outrosmestres, Sater é um dos ícones do instrumento no país e responsável por viva a chamada música sertaneja dita de raiz.

Nascido em Campo Grande (MS), em 1956, Almir Sater tinha pouco mais de vinte anos quando desembarcou em São Paulo em 1979, logo após ter abandonado ocurso de Direito. Seu primeiro disco, Estradeiro, de 1981, contou com a participaçãode amigos, como Tetê Espíndola, Paulo Simões e Alzira Espíndola e de seu mentor eídolo, Tião Carreiro, e revelou a música “Luzeiro”, escolhida como tema de aberturado programa Globo Rural. De lá pra cá, foram mais dez discos solo, além de inúmeras

participações como convidado.Dono de sucessos como “Chalana”, “Tocando em Frente” e “Um Violeiro toca”, Al-mir alcançou fama nacional em outra seara, a televisão. Em 1991, interpretou o peãoZé Trindade, na novela Pantanal, da extinta TV Manchete. Seu desempenho marcantelhe valeu um convite para protagonizar outra novela no canal,  A História de Ana Raioe Zé Trovão. Em 1996, já na Globo, deu vida ao violeiro Pirilampo em O Rei do Gado,onde fez uma dupla inesquecível com Sérgio Reis, o Saracura.

 Almir Sater recebeu o IMPRESSÃO no último mês de abri l, pouco antes de suaapresentação no Palácio das Artes. Na entrevista, ele falou sobre o atual momento damúsica brasileira, suas influências, a ligação que teve com Tião Carreiro e o que osjovens violeiros devem fazer para ter sucesso na música caipira.

“A vila é ban

 brasileira e

esuaa, apr

e respeiaa c

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portas do universouando me levou aom São Paulo. Aliás,ou e se identificouminha pessoa, do

de tocar viola. Umapatia pessoal.

quando você co-pio da décadao da música a

fnt do atual.ia comça nosados plo sta-?

iria me aventurarBrincadeira, eu soua que sei fazer é to-e antigamente o am-cio, mas quem temode abandonar. Hára o termo caipira,os como pejorativo.m pelo sertanejo.

a s pcoidoapnd a toca

Pra se tornar um bom violeiro é precisotomar nota em duas escolas. A de TiãoCarreiro, famoso pelos pagodes, um esti-lo virtuosista tanto na letra quanto nosacordes, que tende para o gracioso e en-cerra com certa bravata, o que exige mui-ta habilidade do violeiro, e a do Renato

 Andrade, que foi um violista e instru-mentista que ponteava de forma única. Oideal é ouvir as duas correntes, pois elesse completam.

Tião Caio lvou a viola basi-lia até msmo paa outos pa-ss. Você fz shows no xtio?Como os stangios cbmnossa música caipia?

 Até já fiz um show em Assunção, masa época não era favorável por causa daditadura [de Alfredo Stroessner entre1954 e 1989]. Alguns paraguaios já gra-

 varam músicas minhas, mas depois dessacurta experiência, de lá pra cá, nem arris-quei mais sair do Brasil pra fazer shows.Toco mais é aqui em Minas Gerais, SãoPaulo, Goiás, Paraná e Mato Grosso.

N.E. Almir Sater foi modesto ao falar de suaexperiência internacional. Em 1989, ele foiconvidado para cantar em Nashville, cidadeberço da música country norte-americana. Atéhoje, ele foi o único brasileiro a se apresentar por lá.

Po fala m shows, há um sit nãoofcial seu (www.almirsaterbra-sil.com.b), qu não possui a suaagnda. Como o público dscobsob suas apsntaçõs?

Pois é, tem esse site mesmo que você ci-tou, que é uma mulher que administra,

mas nem a conheço, não tem nenhumtipo de vínculo comigo. Não quero serresponsável pelo que escrevo. Já sou res-ponsável por tanta gente e ainda ficar pre-ocupado com o que escrevo, então prefi-ro deixar pra lá.

Tm alguma música t mociona?

Olha, música é de momento, depende dojeito que é tocada, cantada, do timbre de voz, da interpretação. Eu gosto muito dasmúsicas do Geraldo Espíndola, meu con-terrâneo. Até toco algumas composiçõesdele nos meus shows.

oa aImpressão   7BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

m ama a violacarreira e cnessa seu amr pela música caipira

eira

ve ser

enia

m al”

A primeira lembrança que tenho do

Almir Sater é de quando eu tinha entre

quatro e cinco anos. Nessa época, ga-nhei do meu pai minha primeira vaca,

batizada por ele de Chalana, igual aonome de uma famosa música que Almir

gravou, sete anos antes de eu nascer, no

seu primeiro CD, Estradeiro, em 1981.Quando consegui entrevistar Almir,

no intervalo entre a passagem de som

e o show no Palácio das Artes, duas coi-sas me chamaram a atenção: primeiro,

o carinho que ele tem com sua violae segundo, a tremedeira que tive nas

mãos, incontrolável, igual queixo de

menino que sai da piscina.

Após vericar, corrigir e deixar os

instrumentos “na ponta dos cascos”,Almir colocou a viola no estojo, levou--a para o camarim e pousou-a em umacadeira próxima Depois desse ritual,partiu uma maçã, deixou um pedaço

cair no chão e, enm, sentou-se para a

entrevista.Meu nervosismo só diminuiu quan-

do terminamos a conversa. Felizmente,

ela fez valer a pena toda a papagaiadade um produtor do Palácio das Artes,

que fez de tudo para dicultar a entre-vista, mesmo depois do Almir conrmar

pessoalmente que estava tudo combi-

nado. É muito cacique pra pouco índio!

fotoS: BRUNA CRIS

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 A música caipira, primogênitaentre os gêneros musicais brasi-leiros, surge em nosso país, assimcomo nossa população, de forma“miscigenômica”. O som da violaecoa em terras tupiniquins, vin-do do dedilhar dos portugueses,e perfura as matas, ressoando até

alcançar a primorosa audição dosíndios. Curiosos, eles se alegramcom o som daquele instrumentoe começam a dançar.

É o que conta o caipirólogoRomildo Sant’anna, no livro A moda é viola. “Nascia algo deexcepcional para a civilização:portugueses invasores e índioshospitaleiros davam as mãos paradançar, para cirandar, mais pelapureza latente dos índios do quepela predisposição lusa”.

Diante dessa potencialidade da viola, os jesuítas resolvem utilizá--la para a catequização dos índios.

E deu certo. Tanto que é possívelencontrar cantigas que têm versoshíbridos, como essa quadrilha ci-tada no livro de Sant’Anna: “Temandei um passarinho / Patuámiri pupê / Pintadinho de ama-relo / Iporanga vê iauê”. Tradu-zindo: “Te mandei um passarinho

 / Dentro de uma caixinha / Pin-tadinho de amarelo / Bonitinhocomo ocê”.

 A música caipira começa comportugueses e índios. Os silvíco-las daquela época, os mesmosque temos hoje nos grotões daregião Norte, ainda se por-

tam como nativos. Já os lusitanos,com exce-ção dosp a -dres

e funcionários da Coroa, não seencontravam muito à vontadenessa terra desconhecida. Muitos

 vieram obrigados. No livro Músi-ca Caipira, José Hamilton Ribei-ro relata que “era, de qualquermodo, gente desgarrada, sem fa-mília, que vinha aqui para roersua saudade, sua memória, suamelancolia. Já de origem humildeem sua terra, aqui eles perdiam de

 vez o pequeno contato que even-tualmente tivessem com o livro, a

palavra escrita, a forma erudita dese expressar.” Como o índio tam-bém não escrevia, a expressão oralse torna uma das característicasprincipais da música caipira, quese apoia no inconsciente coletivoapenas verbalizado.

Os índios acrescentam à violaportuguesa sua alegria, seu gostopela dança, o jeito de bater ospés e as mãos, resultando no sur-gimento da catira, o primeiro gê-nero de música caipira a possuirletra.

Influência negra

Outra cultura importante naorigem da música caipira é a afri-cana. Os escravos adicionaram àmistura

ingredientes de sua rica e espontâ-nea musicalidade, mas sem alterarconteúdo, melodia e ritmo.

Nessas três raças formadoras dogênero, é importante ressaltar umelemento comum entre elas: a tris-teza, a solidão. Sant’Anna contaque “nossa moda de raízes é bran-ca nas formas e rimas, e africana,indígena e portuguesa no pensa-mento e afeto. Com uma alegriaque não esconde tristeza, o cantarcaipira possui um fundo nostálgi-

co, como se alguma coisa tivessese perdido ao longo do tempo.São as marcas do exílio: o por-tuguês degredado e saudoso;o indígena humilhado edesterrado em sua terra; oafricano de pele escuraamargurado pela es-cravidão”.

Isso explica opreconceito deum grupo depessoas quederam àm ú s i c acaipira

a alcu-nha d e“mú-

sica decorno”.

E que, in-felizmente,

perdura atéhoje.O sanfonei-

ro e compositorpaulista Roberto

Stanganelli dis-se, certa vez,que um paíssó é livre e

 verda deira -mente in-dependen-te quandodefende sua

música. Nolivro de José

Hamilton Ri-beiro, há um de-

poimento de Stan-ganelli reiterando a

importância da militânciade nossa música. “Um povo

conquista o outro pela música,pelas artes. Pode, para isso, usarexército, tanques e canhões, po-

der econômico e pressão políticae psicológica, mas isso tudo comoferramenta. Seu objetivo últimoé conquistar corações e mentes,e isso se dá quando o povo colo-nizado despreza seus próprios va-lores culturais por ter assumido opadrão do colonizador.”

DtatosSant’Anna enumera motivos

pelos quais a música caipira é vista com tanta má vontade pela

maio-ria das

pessoas.Há o com-

plexo deinferioridade:

as pessoas se sen-tem inseguras quan-

to aos seus valores e,na dúvida, encontram

respaldo naquilo que é ca-rimbado pelos outros como

tal. Em segundo lugar, a men-talidade provinciana: as pessoas

passam a compreender e a intro-jetar como ideal aquilo que vemda “corte” para a plebe. Por fim,destaca-se a visão patronal, pon-

to de vista de um grupo elitista,que se julga entendedor e juiz dogosto e dos valores alheios. Ten-do em vista que os formadoresde opiniões são, em sua maioria,pessoas urbanas e com ideologiaprovinciana, não é de se assustartamanho receio e preconceitocontra aquilo que vem do meiorural e de origem humilde. Paraeles, o poeta e violeiro Zé Mulato,da dupla Zé Mulato e Cassiano,compôs a moda Não Fale Mal da

 Viola, em que ressalta: “A músi-ca estrangeira toca em qualquerradiola / Nossa moda tem apoio,mas é dado como esmola.”

O menosprezo pela música cai-pira tem como principal algoz osprogramas radiofônicos, a maio-ria voltada a gêneros estrangeiros.Quando há espaço reservado paraas modas de viola, elas acabamrelegadas aos horários matutinosdas emissoras.

Romildo Sant’Anna descre- ve a música caipira como sendopoesia musicada e a inclui entreas mais singelas expressões da li-teratura oral e popular brasileira,sobretudo nas regiões Sudeste eCentro-Sul. O caipirólogo acres-centa que o poeta caipira é aqueleque, “personificando os anseiosgrupais, fica assuntando causose aspirações coletivas, para trans-formar em moda”.

Quem não gosta da músicacaipira pode até pensar que a vio-la é peça de museu, assim comoseus intérpretes, que devem seruma ou outra dupla de senhoressetentões “quixoteando” contrao sertanejo universitário. Ledo

eai ical Impressão8 BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

D mamandoIneresse pela vila caipira é resgaa pr nva gera e músics e insrumenisas.

 Andé Zuliani6º PeríODOedição: Dany Staling

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engano. De novo ele, o poeta e violeiro Zé Mulato compôs uma

moda chama “Sangue novo”, queexalta as novas duplas caipiras.“Sem a benção da viola / nenhu-ma moda prospera / Nasce fracano inverno e morre na primave-ra (...) Juventude esclarecida de

mente aberta e sã / Abraçou nossabandeira nova classe violeira / Tá

seguro o amanhã!”  Vtnts caipias

 José Hamilton Ribeiro acre-dita que existem, atualmente,três correntes de música caipira:

suburbana, urbana e rural (verbox). Acrescento uma quarta,

que batizei de Corrente Êxodo--Rural. Corresponde a um grupoque mescla a rural e a suburbana.

 Apesar de adeptos da primeira, osmúsicos dessa vertente precisamda segunda para conseguir visibi-lidade na grande mídia. Gravammúsicas românticas de apelo co-mercial, com “reforços musicais”como sanfona, guitarra, piano,percussão, bateria e contrabaixo.

 As canções seguem a temática dosrelacionamentos, bem sucedidosou não, conotações sexuais e ocotidiano de estudantes univer-sitários (república, bar, festas).

Em contrapartida, também em-placam músicas de que eles nãoabrem mão, como as modas cai-

piras, com temática rústica. Queo digam João Carreiro e Capa-taz, Brenno Reis e Marco Viola,Mayck e Lyan.

“Paraproseando” Zé Mula-to, “tem sangue novo na praça”.Mais do que isso: “tá seguro oamanhã”, pois temos representan-tes, “de mamando a caducando”,nas quatro correntes citadas. Porexemplo, João Carreiro e Capa-taz, que não são considerados “osbrutos do sertanejo” à toa.

Contra o jabá e outras formascondenáveis de alcançar o suces-so, a dupla sempre foi convicta ehonesta com relação a seu traba-lho e suas músicas. Nunca deixa-ram de respeitar a viola e a mú-sica caipira, mesmo no ambientede sertanejo universitário. JoãoCarreiro sempre compôs músicascaipiras, sonhando em gravá-lasquando fosse possível. Nas letras,consegue captar o comportamen-to das pessoas, mantendo a lin-guagem simples e espontânea docaipira.

 A crítica publicada na página

10 do IMPRESSÃO, sobre o maisrecente CD da dupla – Lado A/Lado B –, reforça a qualidade deseu trabalho, capaz de agradarà militante caipira Inezita Bar-roso e ao caipirólogo RomildoSant’Anna. Ao contrário da maio-ria, João Carreiro e Capataz fazemcom que a indústria fonográficaatue em função deles, de seus gos-tos e preferências. Já deixaram bo-quiabertos funcionários da SomLivre, que não acreditaram quan-do viram o povo cantando músi-cas da dupla que sequer tinhamchegado às rádios. Afinal, não é

porque a mata está silenciosa quenada esteja acontecendo em seusrincões.

eai icalImpressão 9BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

Zé Mula e Cassian: rai e esil que cnagiam vileirs cnemprânes

a caducando Velhas mas inspiram e maném viv pineirism as primeiras uplas seranejas

C icai

sbbaa – representada pelos “jovens sertanejos”, como Fer-

nando e Sorocaba, Jorge e Mateus, Humberto e Ronaldo e inúme-

ras outras duplas que fazem parte de um segmento lucrativo da

indústria fonográca, o “sertanejo universitário”. Cantam músicas

com temática suburbana, disfarçadas de caipiras somente comotentativa de dar mais charme a seus trabalhos.

ubaa – são os violeiros eruditos, que fazem da viola instrumen-

to de solo, com composições melódicas, muitas até sem letra. O

grande expoente dessa corrente foi Renato Andrade, mineiro de

Abaeté, que desquitou do violino quando conheceu e se apaixo-

nou pela viola caipira. Renato tirou a viola do ranchinho de sapé e

a levou para as salas de concertos. Atualmente, temos vários vio-

listas e instrumentistas, como Almir Sater, Miltinho Edilberto, Ney-

mar Dias e Bruna Viola, jovem de apenas 20 anos.

ral – fazem parte desse grupo os que apreciam a moda caipira

tradicional, cantada e amparada no “casal” viola e violão. Podem

aparecer alguns acompanhamentos, como sanfona, percussão e

outros, mas desde que não descambe a essência original. As letras

possuem a temática da vida na roça, bichos, natureza, rios, coisas

singelas. Apesar de ser considerada por alguns como a mais fragi-

lizada das vertentes, também possui representantes, como Zé Mu-

lato e Cassiano, Zé Antônio e Divaney, João Mulato e Douradinho,

João Lucas e Brunno, Junior Carvalho e Cristiano.

Bruna Vila raz a paix pel insrumen n própri nme

fotoS: REPRodUção

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O CD Lado A/Lado B, de João Carreiro eCapataz, é um projeto autoral que a dupla con-seguiu realizar após muito tempo, influenciadapelos “modão” de raiz e pagodes criado por TiãoCarreiro. O saudoso rei do pagode sempre foi agrande inspiração dos jovens cantores sertane-jos, a ponto de João usar Carreiro em seu nomecomo forma de homenagear o velho mestre.

O CD lembra os discos de vinil das antigasduplas caipiras, que de um lado continham mo-das feitas apenas com o casal viola e violão, e,do outro, músicas românticas, mais comerciais,com outros instrumentos para a roupagem,como bateria, sanfona, guitarra e baixo. O CDfoi gravado e produzido exatamente para honrar

e manter vida a tradicional música caipira.Lado A 

O Lado A tem 21 faixas de música caipira, emdiferentes gêneros, como toada histórica, modasde viola, tragédia, moda com declamação, toadae dramalhão. Ao todo, 15 canções são composi-ções de João Carreiro, sendo 14 delas inéditas.

Quando li o livro Música Caipira, de JoséHamilton Ribeiro, me deparei com um trechono qual o autor perguntou ao saudoso Renato

 Andrade o que seria uma moda bem tocada. Eo violeiro de Abaeté respondeu: “Moda bem to-cada é aquele que desperta em nós uma saudadeque a gente nem sabe do que”. O Lado A des-perta em quem o escuta exatamente esse senti-

mento, pois é possível perceber, faixa após faixa,uma saudade que não sabemos explicar. A primeira música, “Não toca em minha vi-

trola”, é uma chicotada nas duplas de sertanejouniversitário (como cantava Tião Carreiro, “oréio dói mais é aonde ele pega a tala”). É umamoda que encanta não só pelo pontilhar da vio-la e da letra que critica severamente as duplas de“sertanojo”, mas por possuir versos cadenciadosem redondilha maior.

“Esquecendo da culturaTão mudando a postura

Só pra fugir do lugar É o sertanejo moderno

Brinco de argola e terno

Só canta comercial

Modinha sem fundamentoDeixando no esquecimento

Toda nossa tradiçãoNão se fala em boiadaÉ só moda bagunçadaE o assunto é traição

Pode até fazer sucessoMas se tem brinco de argola

E se dança e rebolaNão toca em minha vitrola (...)”

A faixa dois traz uma declaração de amorde João Carreiro à viola caipira, intitulada “A 

Tradição não morre jamais”. Descreve a admira-ção e a fidelidade do cantor/compositor com oinstrumento.

 A terceira música, “Caipira de Fato”, pela sin-geleza da letra e da interpretação marcante, meemociona cada vez que ouço essas palavras:

“Brinco com os meus filhosE vejo aquilo, no olhar 

um brilho de um filho meuRiqueza de um pobre quando descobre

Família unida é coisa nobreMuito contente, agradeço a Deus”

Para responder aos que têm preconceito enão conhecem a música caipira e sua riqueza,utilizo um trecho declamado por João Carreiro,antes de iniciar uma música no DVD da dupla.

“Com a nossa vozduetada com o som deste divino instrumento

casados com a melodia do nosso desejoe do nosso sentimento

Ecoe dentro de cada coraçãolevando o sabor da verdadeira, doce e pura poesia

de uma sonoridade singelamas que emociona e contagia.Som esse que nasceu lá do interior 

veio lá do campo, lá da roçaveio pra falar e pra defender mas só das coisas que é nossa“Nóis” num tem nada contra

as modas lá dos exteriômas nóis num troca o som da nossa viola caipira

por um som de guitarra de rock n rollPrefiro mil vezes nossos causos, nossas prosa

 As nossas moda de caçador,O nosso jeito simples e bonito

Que só a gente tem de falar de amor”

É esse jeito simples e bonito que João Carrei-

ro possui pra falar das coisas do cotidiano e daspessoas que tornam o Lado A um CD memorá- vel e inesquecível para a música caipira, manten-do a mesma toada dos discos de Tião Carreiro.

Lado BO Lado B tem 18 músicas, também de João

Carreiro, com proposta de um CD sertanejo,mas com uma roupagem mais comercial. Semperder qualidade, entram em cena sanfona, ba-teria percussão violão e teclado, enquanto a vio-la – entoada apenas na quarta faixa – é substi-tuída pela guitarra. Se houve mudança extrema

nos instrumentos, o mesmo não aconteceu coma linguagem. É uma característica do composi-tor a fala singela, simples e bonita e que sabe me-taforizar e descrever com primor aquilo que eleobserva e quer contar. Um exemplo é a música“Saci”, uma metáfora ao usuário de maconha:

“Saci puxando um cachimbo, produto venenosoE diz que é natural, que é pra não ficar nervoso

Deixa sujeito poeta e muito habilidosoE o saci recomenda, diz que o bagulho é gostoso”.

 Ainda sobre a linguagem, podemos destacarnas letras o emprego de palavras comuns aoambiente rural. “Semo” (somos), “demoremo,mas cheguemo” (demoramos, mas chegamos),“ni nóis” (em nós), “brabo, muié, mió, quarqué,docê, peia” e outras mais.

Três músicas – “Saudade Docê”, “Manguei-ra” e “Roqueirinha” – fogem ao ritmo sertane-jo. Mas o cantor esclarece o que está acontecen-do. “Num assusta não, meu povo. Nóis num éruim da cachola, nem mastiga gardenal, bobeounóis mete o pau e canta até carnaval”.

O CD conta com a participação de: Mato-grosso e Mathias, Rionegro e Solimões, ScortSom, Juliano Cezar e Gino e Geno. O destaque

é a quinta faixa, “Cadê”, uma música român-tica composta por João Carreiro e que lembraos tempos áureos dos convidados Matogrosso eMathias. Não apenas pela letra, mas principal-mente pela vivacidade com que Matogrosso can-ta, no alto de seus 73 anos. Que voz!

 A última faixa, “Sarafa”, é um presente deCarreiro ao companheiro Capataz, que temtatuada no antebraço direito a frase “meu pai,meu herói”. A música é uma homenagem aomodo carinhoso que Capataz – na verdade Hil-ton César Serafim da Silva – se refere ao pai,

 José Alfredo Serafim, o Sarafa.

Vcê á vi? Impressão10 BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

rtomada caipia Andé Zuliani8º PeríODOedição: Dany Staling

REPRodUção

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Earthlings é um documentário feito para cha-mar a atenção do público quanto aos abusos emaus tratos cometidos contra os animais paraa indústria de carne, moda, entretenimento,ciência e animais de estimação. Construído apartir de imagens clandestinas dentro de ma-tadouros, laboratórios e outros lugares onde oabuso contra animais é praticado, o filme tentamostrar que os seres humanos não estão acima

dos animais: somos todos terráqueos (earthlings,em inglês).O filme tem o ponto de vista bem definido,

ou seja, de defesa dos animais. Seu principal ob-jetivo é convencer o espectador a parar de com-pactuar com o abuso e se tornar um vegano. Oseu maior impacto está na forma de mostrarcomo a violência contra os animais está relacio-nada a coisas corriqueiras, como o bife na nos-sa mesa, ou o cinto de couro que segura nossascalças.

O diretor falha, no entanto, ao privilegiarapenas um ponto de vista, e não mostrar suasfontes. Entrevistas com engenheiros de alimen-tos, por exemplo, dariam maior credibilidade.Do jeito como está, Earthlings funciona como

um vídeo educativo, como aqueles que vemosno site da PETA (People for the Ethical Treatmentof Animals http://www.peta.org/index_landing.asp),apenas com a duração esticada.

 A narração de Joaquin Phoenix (ele mesmoum vegano convicto) é seca e pragmática, ouseja, ele não atua em momento algum, excetono breve epílogo. Apesar da fama como ator (emfilmes como Gladiador e Johnny e June), seu rostonão aparece e sua identidade só é revelada noscréditos finais.

Isso não quer dizer que o filme não seja dra-mático, uma vez que a música apela para a emo-ção do espectador, e mesmo a contraposição danarrativa fria com as imagens chocantes criauma sensação de desconforto.

O diretor Shaun Monson dedicou seis anos àcriação de Earthlings, período necessário devidoà dificuldade de conseguir as gravações, muitasdelas não autorizadas, e a partir delas montá-locomo uma colagem.

Vcê á vi?Impressão   11BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

Documntáio vgano

é osso duo d o

Ficha técica

Terráqueos (Earthlings)

A: 2005

paí: EUA

ri diç:  Shaun Monson

Mathus Faz4º PeríODOedição: Andé Zuliani

fotoS: REPRodUção

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Côica Impressão12 BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

Muita gente estressada aí vemdizendo que está cansada de ouvir notícias do reino. Vais dizer que nãoouviste o último flash no rádio? Pin- 

 guins lavam várias garoupas e onci- 

nhas do povo.Pensa comigo. Poucos comem ga- 

roupa, pois desaparece quando chegaà mão da maioria. Gente honesta etrabalhadora vive de dinheiro pouco,comendo metade do almoço, e o resto

 guarda para a janta.Meu país tem palmeiras onde

cantam sem pensar. Os urubus queaqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

 Assinam um contrato: daqui mais ou

pronta. Vais roubar uma galinha pratu veres. Tu serás preso no ato. Quemdera se fossem apenas ladrões de gali- nha, pelo menos estes vão presos, pois,em terra de ladrão, quem vive de arroz

e feijão sabe o quanto é suado ganhar nada no final do mês.

 Já olhaste para cima? As peruasestão usando as pérolas das ostras dasmelhores águas, enquanto tu procurascaranguejo em mangue. Tu, que vivesde salário, sabes bem o que digo. Maisvale uma rolinha na mão que duaságuias voando.

Quem sabe não ganhas no jogo dobicho? Já apostei em cachorro, gato e

 jacaré, leão, tigre e burro. Se bem queo burro é muito simpático. Aliás, achoque burro mesmo és tu. Daqui a qua- tro anos farás tudo de novo. Apertarásas teclas do foda-se e confirmarás. Tem

bicho mais burro que o próprio burro?Não tem problema. Domingo é dia

de relaxar. Tu abres tua cerveja e to- mas uma golada. O futebol começoue é hora da diversão. E depois de certotempo... Opa! Juiz, ladrão, porrada éa solução. Tudo bem. Vamos fazer umpacto: apenas o juiz rouba. Ok? Tuandas pelas ruas à noite, inebriado pe- las luzes da cidade. Tu sentes calor ebasta uma palavra para o frio chegar d h “ d ”

Perdeste o quê? Perdeste a carteira, oiphone, a dignidade, a vida.

Saúde! É o que tu desejas no brin- de. A saúde deveria ser mesmo umdesejo de todos para todos. Tu esperas

na fila para entrares no circo médico. Afinal de contas, brasileiro adora uma fila. Ao entrares no recinto, pessoascom tinta vermelha sobre o corpo estãodeitadas nos corredores. Parece maisum ritual satânico, pois os indivíduos

 gritam impacientes querendo a cura.Basta ter dinheiro para entrar no

circo dos horrores. Afinal de contas,,quem tem dinheiro tem tudo e trazuma felicidade danada. Só não se lem- b d

Thomaz rocha6º PeríODO O cico dos hoos

Como todos os dias, peguei carona com doisamigos e seguimos – eu para a faculdade e elespara o trabalho. Como todos os dias, passamospela região da Lagoinha. Seguindo a rotina, fiqueina rua Itapecerica, conhecida pela quantidade deantiquários. O bairro – outrora conhecido pela bo- emia e pelos bons botecos –, hoje se destaca peladegradação dos imóveis e pela compra e venda de

drogas. A céu aberto, claro, nublado, limpo ouchuvoso, esse é um mercado que não para.Mas o encontro que presenciei nesse dia, que

seria comum, não foi dos habituais, embora tenhamuito a ver com o panorama enegrecido do lugar.Uma cena emocionante e triste entre as várias pos- síveis daquele ambiente.

Uma mulher, que atravessava a Av. AntônioCarlos pelo Viaduto Senegal, parou no início eolhou para um grupo de pessoas que estava pró- 

 ximo, abrigadas em meio a cobertas velhas e comcachimbos de crack em punho. Com olhos com- pridos, reconheceu alguém. Uma garota, de nãomais que 13 anos, saiu do meio daquele grupo. Deshort roxo, camiseta listrada e blusa esfarrapada,a menina correu ao encontro da mulher.

Não entendi se eram mãe e filha, amigas ouvizinhas. Mas ficou claro que a menina não iapra casa há tempos. Ambas se encontraram numabraço daqueles que param o tempo. E se olha- ram. Voltaram para o abraço, choraram. Os 13anos que atribuo à menina não refletem nada doque essa idade costuma revelar. Estava magra eabatida.

 Anestesiado, olhei a cena por alguns segundose passei por elas. Parei novamente para olhá-las.Esqueci-me de tudo naquela hora. Um senhor,logo ao meu lado no Viaduto, comentou: “Não é

 fácil, né rapaz?”.Não. Não é fácil. Um problema de saúde pú- 

blica que salta aos olhos. Tem endereço, idade e frequenta os mesmos locais. Mas que vai viven- 

do... enquanto pessoas vão morrendo. As duas se despediram e cada uma seguiu seurumo. O senhor, o dele e eu, o meu.

Muitas questões surgiram depois. Deparei-mecom perguntas – minhas e de colegas do jornalis- mo – que aquele instante de anestesia não sus- citou. Eu deveria ter feito uma foto do encontroou ido conversar com elas? Deveria ter buscadoinformações sobre a menina, a mulher, a situaçãocomo um todo? Há muitas outras perguntas, paraboa parte eu ainda não tenho respostas. Fui toma- do por um misto de culpa, impotência e anestesia,inércia. É necessário entender que há momentosem que é preciso abaixar a câmera ou o gravador e se entender como ser humano falho. Se o ser hu- mano falha, que dizer do profissional?

Lições que o processo de “formar-se jornalista”ensina quando menos esperamos. Reportagensque não fazemos, mas que nos mostram mais do

 jornalismo.

Natanal Viia6º PeríODO

 A reportagem que não fz

   J    É   S   S   I   C   A   A   M   A   R   A   L