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  • Associao Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistncia Tcnica e Extenso Rural EMATER/RS

    Associao Sulina de Crdito e Assistncia Rural ASCAR

    DIRETORIA EXECUTIVA DA EMATER/RS E SUPERINTENDNCIA DA ASCAR

    LINO DE DAVID

    Presidente da EMATER/RS

    Superintendente Geral da ASCAR

    GERVSIO PAULUS

    Diretor Tcnico da EMATER/RS

    Superintendente Tcnico da ASCAR

    SILVANA DALMS

    Diretora Administrativa da EMATER/RS

    Superintendente Administrativa da ASCAR

    DIRETORIA SOCIAL DA ASCAR

    IVAR PAVAN

    Presidente

    RUI POLIDORO PINTO

    Vice-presidente

    ELTON ROBERTO WEBER

    Vice-presidente

  • 2013 Emater/RS-Ascar Parte desta publicao pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Biblioteca da Emater/RS-Ascar

    Emater/RS-Ascar - Rua Botafogo, 1051 - 90150-053 Porto Alegre/RS - Brasil Fone (0XX51) 2125-3144 http://www.emater.tche.br E-mail:[email protected].

    REFERNCIA

    COTRIM, Dcio (Org.). Textos selecionados: produo acadmica da Ascar . Porto Alegre, RS: Emater/RS-Ascar, 2013. Disponvel em: .

    Realizao: Gerncia de Recursos Humanos da Emater/RS-Ascar Catalogao Internacional na Publicao e Normalizao: Cleusa Alves da Rocha, CRB 10/2127 Sabrina Diehl Menezes, CRB 10/2086 Design Grfico: Naira de Azambuja Costa e Roseana Caeneghem Kriedt Agradecimentos Greice Santini Galvo

    T355

    Textos selecionados : [recurso eletrnico] produo acadmica da

    Ascar / organizado por Dcio Cotrim. - Porto Alegre, RS: Emater/RS-Ascar, 2013. 406 p. (Coleo Desenvolvimento Rural, v. 1).

    Modo de acesso: World Wide Web:

    http://www.emater.tche.br/site/arquivos_pdf/teses/E_Book.pdf E-book produzido a partir do evento realizado pela Gerncia de

    Recursos Humanos da Emater/RS-Ascar. ISBN 978-85-98842-09-7 1. Produo acadmica. 2. Produo intelectual. 3. Extenso rural.

    4. Rio Grande do Sul. I. Cotrim, Dcio. II. Srie.

    CDU 63.001.82013(063)

  • APRESENTAO

    O processo de modernizao da agricultura, a partir da dcada de 1970,

    trouxe um conjunto de modificaes dentro da lgica da agricultura no Brasil. Esse

    processo gerou um forte impacto no entendimento do formato de produo do

    conhecimento.

    A viso moderna de cincia introduziu a ideia de que a produo do

    conhecimento era unicamente realizada em laboratrios e centros de pesquisa

    dentro das universidades. O conhecimento cientfico passou a ser o nico valorizado

    e certificado.

    Nesse arcabouo terico da modernizao dentro das cincias agrrias, o

    papel da extenso rural passou a ser entendido como uma espcie de correia de

    transmisso do conhecimento cientfico at os agricultores. Os extensionistas teriam

    a funo de replicar o conhecimento moderno e cientfico ao agricultor no sentido do

    avano tecnolgico que levaria ao progresso.

    Nessa concepo, os agricultores possuam um conhecimento tradicional que

    no era acadmico ou cientfico e por esse motivo eram atrasados dentro do

    processo de desenvolvimento. A adoo por eles dos preceitos cientficos difundidos

    pela ao dos extensionistas seria o caminho do desenvolvimento, ou seja, a partir

    do avano tecnolgico ocorreria o crescimento econmico.

    Na atualidade, vivemos um momento de transio da viso moderna da

    cincia para uma viso contempornea, a qual entende a realidade como complexa

    e sistmica, exigindo um esforo holstico para a tentativa da sua compreenso.

    Os conhecimentos tradicionais dos agricultores e os modernos ensinados nas

    universidades necessariamente precisam dialogar. Essa interface de saberes produz

    um novo conhecimento embebido nas realidades agroecossistmicas e refletindo os

    princpios cientficos.

  • 4

    O Seminrio de Produo Acadmica dos empregados da Ascar inseriu-se

    como um tijolo nessa construo, no sentido de trazer para o debate acadmico os

    esforos de pesquisas de pessoas que atuam profissionalmente na mediao social.

    Esses profissionais trabalham nessa interface entre saberes na construo de novos

    conhecimentos.

    Esse encontro de profissionais ocorrido nos dias 25 e 26 de setembro de

    2012 iniciou um processo de troca entre atores no caminho da construo do novo

    conhecimento, que dialoga com as regras e condutas da universidade e no perde o

    foco do saber enraizado e contextualizado dos agricultores.

    Esse seminrio apresentou os ltimos trabalhos de doutorado, mestrado e

    especializao do programa de ps-graduao da Ascar, que no desenvolvimento

    de sua existncia propiciou a produo de seis teses, quarenta e sete dissertaes e

    mais que cento e cinquenta monografias de especializaes.

    Os esforos acadmicos de doutorado e mestrado foram desenvolvidos

    dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade

    Federal de Santa Maria (UFSM), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    e da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) entre os anos de 1998 e 2010.

    O primeiro trabalho apresentado no Seminrio foi do Ms. Gervsio Paulus,

    intitulado O forjamento do padro moderno de agricultura: concepes e

    possibilidades de transio, que apresenta que o padro moderno de agricultura

    gerou um processo de crise e levanta o questionamento da existncia de uma

    transio que no se sabe o ponto de chegada. A hiptese central trabalhada que

    o processo para a produo agrcola alternativa mais importante que o produto

    final orgnico. O autor dialogou com as percepes de modernizao do

    campesinato dos autores marxistas, dos neoclssicos e de Alexander Chaynov.

    Apontou que o debate acadmico no Brasil sobre a questo agrria a partir dos anos

    1950 est essencialmente voltado ao tema fundirio. Apresentou os limites

    econmico, ambiental e social do padro moderno de agricultura e aponta uma crise

    gerada pela noo de separao entre o que sociedade e o que natureza.

    Entende que existe um mosaico de possibilidade de agriculturas alternativas.

  • 5

    Finalizando, enfatiza que a tentativa de unificar um pacote orgnico a reconduo

    do modelo moderno. O ponto mais central e essencial o prprio processo de

    produo.

    O segundo trabalho apresentado foi conduzido pelo Dr. Cludio Marques

    Ribeiro, sob o ttulo Estudo do modo de vida dos pecuaristas familiares da regio da

    Campanha do Rio Grande do Sul. O autor buscou entender a dinmica dos

    pecuaristas do pampa gacho tendo como hiptese central as perguntas: O

    pecuarista familiar um agricultor familiar?, Qual sua identidade?, Qual sua

    origem?, Como se organizam em sua vida?. O referencial terico dialogava com a

    noo de Modo de Vida desenvolvida por Frank Ellis agregado noo de

    Liberdades e Capacitaes de Amarthia Sen. O autor desvela que os pecuaristas

    familiares tm mais que 60 anos, recebem aposentadoria rural, tm pouca

    participao das mulheres nos espaos decisrios e no possuem habilitao

    formal. Esse grupo social, na organizao interna da propriedade, prioriza o

    autoconsumo, o qual representa 11% do produto bruto (PB), sendo basicamente a

    carne. A propriedade o capital natural que foi recebido por herana. O recurso

    financeiro disponvel desse grupo investido na compra de animais. Foram

    identificados elementos de reciprocidade no trabalho entre as propriedades nos

    afazeres a cavalo. So filiados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais devido

    existncia de dentista e mdico. A principal identidade desse grupo como

    pecuaristas ou produtores rurais. A principal atividade econmica a criao de

    bovinos de corte devido segurana e ao conhecimento prtico. Os processos de

    diversificao ocorrem por dentro da bovinocultura de corte, baseada em campos

    nativos, sem uso externo. O autor conclui que o modo de vida desse grupo social

    baseado na criao de bovino de corte, sobre pastagem nativa, sem uso insumos

    interno e com alto grau de autonomia. Nesse sentido, caracterizam-se como

    agricultores familiares tendo uma lgica prpria e diferente com uma racionalidade

    peculiar.

    O terceiro trabalho do seminrio foi apresentado pelo Ms. Dcio Cotrim, cujo

    ttulo Proposta metodolgica para uso de indicadores de sustentabilidade na pesca

    artesanal. Esse estudo buscou entender as dinmicas sociais desenvolvidas pelo

    grupo dos pescadores artesanais no litoral Norte do RS. O referencial terico

  • 6

    transitou pela abordagem sistmica de Marcel Mazoyer e dialogou com os autores

    da escola da Agroecologia quando do debate sobre indicadores de sustentabilidade.

    O autor desenvolveu uma anlise de evoluo e diferenciao de sistemas

    pesqueiros para angariar elementos que explicaram o atual estgio de vida dos

    pescadores de Tramanda/RS. Na fase contempornea, separou o grupo em seis

    sistemas de produo pesqueiro e desenvolveu um grupo de indicadores para

    avaliao do grau de sustentabilidade das famlias de pescadores.

    O quarto trabalho foi apresentado pelo Ms. Mauro F. Stein, intitulado A

    experincia de planejamento participativo no municpio de Putinga/RS, o qual

    analisou a prtica na extenso rural atravs do planejamento de aes e aplicao

    de polticas pblicas. Como pano de fundo, fez-se referncia realizao de 2.584

    planos de desenvolvimento comunitrios com mtodos participativos e gerou-se a

    questo: Esses planos contriburam para a democratizao das polticas pblicas?.

    As hipteses levantadas apontaram que o planejamento participativo gerava maior

    eficcia das polticas e promovia transparncia na gesto pblica das polticas. Foi

    escolhido com objeto emprico o municpio de Putinga devido a ter sido realizado o

    monitoramento, em 2005, de planos com 275 demandas e a sistematizao dos

    dados. Os resultados apontaram que os mtodos participativos auxiliam na presena

    das mulheres nos espaos de deciso, os conselheiros ampliaram a participao e o

    monitoramento das polticas pblicas e ocorreu a reduo da dependncia nas

    relaes de poder entre tcnicos e agricultores. Os atores responsabilizam-se

    quando da ao em processos participativos, ou seja, atuam com maior

    comprometimento.

    O quinto trabalho foi apresentado pelo Ms. Neimar Damian Perondi, sob o

    ttulo Redes de cooperao versus custos de transao: um estudo de caso da Agel

    na mesorregio Noroeste do Rio Grande do Sul. A pergunta central do estudo foi:

    Qual estrutura de governana mais adequada visando ao custo de transao

    voltado manuteno dos agricultores familiares (AF)? Como conceito de custo de

    transao, o autor entendeu como sendo todas as operaes de um sistema

    econmico, ou seja, custo para estar no mercado, aproximando-se a corrente

    econmica da Nova Economia Institucional. Apresentaram-se a cadeia produtiva do

    leite e os custos de cada uma das suas fases. Posteriormente, foram debatidos os

  • 7

    aspectos levantados na anlise da cadeia e geradas as recomendaes de curto,

    mdio e longo prazo. De forma genrica, a indicao para os pequenos laticnios a

    realizao de contratos slidos com cooperativas maiores para minimizar os riscos,

    uma estrutura de governana hbrida, a produo base de pasto, exclusivamente

    familiar, no rastreado, com licenciamento ambiental e base convencional.

    O sexto trabalho foi apresentado pelo Ms. Lus Bohn, cujo ttulo Expresses

    de conhecimento de grupos sociais locais para a gesto de recursos hdricos na

    bacia hidrogrfica do Rio Mampituba. Esse autor tratou da problemtica da

    ocorrncia de enchentes do Rio Mampituba e as iniciativas de enfrentamento,

    debate sobre a soluo do problema que envolve interesses divergentes na questo

    da gesto. O objeto de anlise foi o comit de gesto da bacia do Rio Mampituba,

    tendo como pergunta central a dvida se esse comit teria capacidade de discutir o

    tema da gesto devido ao tamanho do problema, falta de tolerncia e

    comprometimento e influencia dos poderes. O objetivo principal do trabalho foi

    reconhecer as expresses de conhecimento na tomada de deciso. A pesquisa

    identificou que os grupos sociais agrcolas locais so alienados devido ruptura da

    relao sociedade-natureza. Porm, existiram indcios de ressignificao nessa

    questo com novidades emergindo. Existe um forte estigma de desconfiana com

    entidades estatais ambientais. Tambm existe a busca de consenso e solidariedade

    atravs de valores da comunidade. Os grupos locais tm atitudes contraditrias em

    relao ao tema da gesto, sendo um desafio direcionar para uma oportunidade

    pedaggica.

    O stimo trabalho foi apresentado pelo Ms. Rubens V. Tesche, intitulado As

    relaes de reciprocidade e redes de cooperao no desempenho socioeconmico

    da agricultura familiar. A cadeia produtiva do leite passou pela modernizao

    tecnolgica que possibilitou a ampliao da produo longe dos centros urbanos. A

    cadeia um oligpsnios onde existem muitos produtores e poucos compradores. A

    pergunta-chave desse trabalho : Como, atravs da reciprocidade, os agricultores

    podem resistir ao poder das indstrias?. O estudo teve como objeto emprico o

    municpio de Sete de Setembro/RS, devido produo leiteira ser baseada em

    agricultores familiares. Existem grupos de agricultores organizados que comearam

    a desenvolver, atravs de mutires, a confeco de silagem, a compra conjunta de

  • 8

    resfriadores de leite e a comercializao conjunta para a indstria, ainda que

    existissem agricultores que trabalhavam individualmente. O trabalho analisou

    comparativamente esse dois grupos atravs de indicadores econmicos, sociais e

    de reciprocidade. A concluso do estudo apontou que as relaes de reciprocidade

    produzem valores de confiana e solidariedade que influenciam positivamente no

    desempenho socioeconmico das famlias.

    O oitavo trabalho foi apresentado pelo Ms. Joo Alfredo de Oliveira Sampaio,

    sob o ttulo Crescimento de linguados paralichthys orbignyanus (Valenciennes,

    1839) em policultivo com tainhas mugil platanus (Gnther, 1880) em viveiros de solo.

    O trabalho versa sobre a produo de peixes em viveiros de solo atravs da

    produo natural (eutrofizao). Foram utilizados linguados e tainhas voltados para

    propriedades ao redor da Lagoa dos Patos. O linguado um carnvoro que aceita

    guas estuarinas. O objetivo foi a avaliao do crescimento dos animais em

    policultivo. O experimento foi realizado em 197 dias, no saco do Justino, em Rio

    Grande. O resultado de desempenho do linguado em todas as lotaes no

    interferiu no desempenho da tainha. A sobrevivncia dos alevinos foi alta. A

    alimentao natural com plncton foi central no desenvolvimento dos peixes. A

    temperatura da gua mostrou ser um fator fundamental para as variaes de

    desempenho. A concluso do trabalho aponta para a possvel estocagem de tainha

    e linguado em baixa lotao utilizando alimento natural.

    O nono trabalho foi apresentado pelo Ms. Vilmar Fruscalso, cujo ttulo

    Caractersticas fsico-qumicas do leite de vacas holandesas submetidas restrio

    alimentar. O objetivo central do estudo foi a identificao de leite no cido (Lina) e

    suas causas como as questes genticas dos animais ou individualidade do animal,

    a subnutrio e a restrio alimentar, problemas com mastite e estresse. A Lina

    mantm o pH normal do leite, mas precipita no teste com lcool, como leite cido ou

    masttico. A concluso do trabalho aponta que as restries nutricionais so a

    principal causa da Lina, que podem ser resolvidas com o balanceamento alimentar.

    O uso do teste do lcool isolado possibilita a mistura do leite com Lina com o leite

    cido. Torna-se premente a localizao de outros tipos de testes, pois o leite com

    Lina tem boas condies de utilizao pela indstria.

  • 9

    O dcimo trabalho foi apresentado pelo Ms. Rui Rotava, intitulado

    Desempenho e digestibilidade de frangos de corte alimentados com subprodutos da

    uva. O objetivo do trabalho foi testar o uso dos resduos de uva na regio da serra

    gacha voltada para a criao de galinhas crioulas na agricultura familiar. O

    experimento foi realizado dentro da UFSM com sementes secas e modas

    misturadas rao em diferentes dosagens. Tambm foi realizada inoculao

    bacteriana para avaliao do efeito antibacteriano da semente de uva. No

    ocorreram influencias positivas nas avaliaes zootcnicas. Porm, ocorreram

    influncias positivas a partir da inoculao bacteriana.

    O dcimo primeiro trabalho foi apresentado pelo Ms. Alfredo Schons, sob o

    ttulo Crescimento, desenvolvimento e rendimento de mandioca e milho em

    diferentes arranjos espaciais no cultivo solteiro e consorciado. A mandioca tem uma

    produo total em torno de 12 mil toneladas no RS, e o milho, de 3,4 milhes de

    toneladas. O objetivo do trabalho foi avaliar a sustentabilidade na agricultura familiar

    atravs desses cultivos. A mandioca plantada em fileira dupla pode gerar aumento

    de produtividade. O ensaio testou o cultivo consorciado, o espao entre fileiras, os

    arranjos de plantas e a competio intraespecfica e interespecfica para melhor

    utilizao do solo. A concluso apontou que no houve competio entre milho e

    mandioca dentro dos consrcios.

    Os resultados acadmicos de especializao so frutos do curso MBA da

    Unisinos em Gesto do Agronegcio, desenvolvido entre os anos de 2009 e 2010 e

    que formou 26 especialistas. Durante o seminrio, ocorreu a apresentao da

    sinopse de cinco monografias.

    A primeira monografia foi apresentada pelo Esp. Dalberto Corezzola,

    intitulada Caracterizao e anlise do arranjo produtivo local (APL) da ma no

    municpio de Ip/RS. O autor utiliza o conceito de arranjo produtivo local para a

    anlise do cultivo da ma no territrio e localizar gargalos. Os critrios para anlise

    do desenvolvimento da cadeia foram elencados em uma escala qualitativa. Como

    concluso, foi apontada a fragilidade dos mecanismos de cooperao entre

    agricultores, a necessidade de novos mecanismos de agregao de valor, de

    estruturas que influenciem a demanda e a oferta e a maior quantidade de formao.

  • 10

    A segunda monografia foi apresentada pelo Esp. Elir Paulo Pasquetti, sob o

    ttulo A competitividade da suinocultura desenvolvida no municpio de Nova

    Candelria e sua representatividade no Noroeste do Rio Grande do Sul. Na

    atualidade, 80% dos criadores de sunos do municpio de Nova Candelria so

    integrados. Existe um processo de forte reduo no nmero de criadores pela

    seleo das empresas integradoras. O trabalho analisou os indicadores econmicos

    do municpio em relao regio, tendo como pano de fundo a cadeia da

    suinocultura.

    A terceira monografia foi apresentada pelo Ms. Jaime Eduardo Ries, com o

    ttulo Atributos valorizados pelos consumidores em relao carne bovina: estudo

    de caso da Aproccima. O trabalho analisou a relao entre o perfil socioeconmico

    do consumidor e as caractersticas da carne. A teoria transitou pela anlise do

    comportamento do consumidor e a cadeia produtiva. A Aproccima iniciou suas aes

    atravs de um Cite e evoluiu para uma aliana mercadolgica que busca aproximar

    o produtor do consumidor. Tornou-se um programa de qualidade de carne.

    A quarta monografia foi apresentada pelo Esp. Mario Landerdahl, intitulada

    Modelo de dimensionamento de projetos de audes (MDPA) - Processo de

    desenvolvimento de uma ferramenta de dimensionamento de projetos de audes do

    tipo construo de terra. A distribuio das chuvas no estado agregado aos meses

    mais quentes aponta para perodos de falta de gua que justificam um programa de

    construo de audes para o armazenamento de gua para irrigao. O trabalho

    enfoca a avaliao e o aprimoramento de uma ferramenta informatizada para

    dimensionamento de projetos de audes.

    A quinta monografia foi apresentada pela Esp. Sandra M. Dalmina, cujo ttulo

    Anlise da aplicao dos recursos de crdito rural no municpio de Nova Pdua/RS

    viabilizados pelo escritrio municipal da Emater/RS-Ascar no perodo de 1997-2009.

    O trabalho mostra os dados sobre aplicao do Pronaf Investimento no municpio

    onde os tratores e os implementos agrcolas so os maiores volumes de crdito

    utilizados. Tambm foram financiados pomares, construes e veculos utilitrios.

  • 11

    O primeiro seminrio de produo acadmica dos empregados da Ascar

    finalizou com a mostra de uma tese de doutorado, dez dissertaes de mestrado e

    cinco monografias de especializao, sendo um extrato do montante produzido

    pelos empregados desta Instituio. Esse exerccio acadmico tambm propiciou a

    formao e a informao de um pblico interno e externo de mais de 150 pessoas

    participantes e a assistncia de um grande grupo atravs da veiculao via web.

    Dcio Cotrim Gerente de Recursos Humanos

    Emater/RS-Ascar

  • SUMRIO

    APRESENTAO 3

    PARTE I

    Captulos

    Captulo I - O Forjamento do Padro Moderno de Agricultura: concepes e possibilidades de transio

    Gervsio Paulus 19

    Captulo II - Estudo do Modo de Vida dos Pecuaristas Familiares da Regio da Campanha do Rio Grande do Sul

    Claudio Marques Ribeiro 45

    Captulo II - Proposta Metodolgica para Uso de Indicadores de Sustentabilidade na Pesca Artesanal

    Dcio Cotrim 67

    Captulo IV - A Experincia de Planejamento Participativo no Municpio de Putinga/RS

    Mauro Fernando Stein 89

    Captulo V - Redes de Cooperao Versus Custos de Transao: um estudo de caso da Agel na Mesorregio Noroeste do Rio Grande do Sul

    Neimar Damian Peroni 117

    Captulo VI - Expresses de Conhecimento de Grupos Sociais Locais para a Gesto de Recursos Hdricos na Bacia Hidrogrfica do Rio Mampituba

    Luis Bohn e Csar Augusto Pompo 135

    Captulo VII - As Relaes de Reciprocidade e Redes de Cooperao no Desempenho Socioeconmico da Agricultura Familiar

    Rubens Wladimir Tesche e Joo Armando Dessimon Machado 157

    Captulo VIII - Crescimento de Linguados Paralichthys Orbignyanus (Valenciennes, 1839) em Policultivo com Tainhas Mugil Platanus (Gnther, 1880) em Viveiros de Solo

    Joo Alfredo de Oliveira Sampaio, Luis Andr Nassr Sampaio, Mrio Roberto Chim Figueiredo, Viviana Lisboa da Cunha e Marcelo Hideo Okamoto 187

    Captulo IX - Caractersticas Fsico-Qumicas do Leite de Vacas Holandesas Submetidas Restrio Alimentar

    Vilmar Fruscalso, Vivian Fischer e Maira Balbinotti Zanela

    209

  • 14

    Captulo X - Desempenho e Digestibilidade de Frangos de Corte Alimentados com Subprodutos da Uva

    Rui Rotava 223

    Captulo XI - Crescimento, Desenvolvimento e Rendimento de Mandioca e Milho em Diferentes Arranjos Espaciais no Cultivo Solteiro e Consorciado

    Alfredo Schons, Nereu Augusto Streck, Alencar Junior Zanon, Bruno Kraulich e Diego Garrido Pinheiro 237

    PARTE II

    Resumos

    Resumo I - O Impacto das App no Contexto Fundirio e Econmico da Agricultura Familiar, dentro da Microbacia Hidrogrfica da Comunidade So Jos do Umbu, Municpio de Victor Graeff/RS

    Alessandro Botelho Davesac 261

    Resumo II - Caractersticas Agropecurias da Regio da Grande Santa Rosa

    Carlos Olavo Neutzling 267

    Resumo III - Evoluo Histrica das Polticas Agrcolas e Impactos na Produo Brasileira de Cereais

    Clio Alberto Colle 275

    Resumo IV - Diversificao nos Cultivos de Citros para Consumo In Natura: o exemplo adotado em uma pequena propriedade rural no municpio de Erechim/RS

    Cezar da Rosa 279

    Resumo V - Preo da Terra X Viabilidade das Propriedades Adquiridas pelo Banco da Terra e PNCF: Anlise dos Municpios de Cristal e de Herval e Anlise da Realidade Socioeconmica dos Assentamentos Emergentes do PNCF no Municpio de Herval e Perspectivas de Desenvolvimento

    Charles Cladistone Pauli 285

    Resumo VI - Caracterizao e Anlise do Arranjo Produtivo Local (APL) da Ma no Municpio de Ip/RS

    Dalberto Corezzola 289

    Resumo VII - Polticas Pblicas Agrcolas para a Agricultura Familiar: uma anlise da Regio Central do RS

    Edson Paulo Mohr 297

    Resumo VIII - Histria e Evoluo da Associao de Desenvolvimento Comunitrio dos Produtores Rurais de Morro Redondo: uma contribuio para a sustentabilidade da agricultura familiar

    Edgar Martin Norenberg

    301

  • 15

    Resumo IX - Anlise e Tendncias Futuras para o Pssego na Regio de Pelotas no Contexto Globalizado

    Edgar Martin Norenberg e Evair Ehlert 313

    Resumo X - A Competitividade da Suinocultura Desenvolvida no Municpio de Nova Candelria e sua Representatividade no Noroeste do Rio Grande do Sul

    Elir Paulo Pasquetti 323

    Resumo XI - Manejo das Plantas de Cobertura do Solo na Viticultura da Serra Gacha Visando ao Controle das Perdas de Solo pela Eroso Hdrica

    Enio ngelo Todeschini 327

    Resumo XII - A Atividade de Silvicultura Inserindo a Viso Ambiental nas Propriedades Rurais de Canguu/RS

    Evair Ehlert 331

    Resumo XIII - A Silvicultura como Alternativa Potencial de Gerao de Renda para Agricultura Familiar em Canguu/RS

    Evair Ehlert 339

    Resumo XIV - Diversificao das Pequenas Propriedades Rurais: a alternativa da produo de leo vegetal pelas famlias da associao dos produtores rurais de So Geraldo

    Everton Schuch Vargas 347

    Resumo XV - Gesto da Pequena Unidade Familiar Produtora de Leite: uma anlise do modelo de gesto atravs da compreenso da unidade de produo

    Gilberto Bortolini 351

    Resumo XVI - Mapeamento da Cadeia Produtiva da Erva-Mate no Municpio de Machadinho: desafios e propostas

    Ilvandro Barreto de Melo 357

    Resumo XVII - Atributos Valorizados pelos Consumidores em Relao Carne Bovina: estudo de caso da aproccima

    Jaime Eduardo Ries 361

    Resumo XVIII - Cooperativismo e Polticas Pblicas para a Agricultura Familiar: estudo de caso da Coomafitt

    Marcelo Xavier Tozzi 367

    Resumo XIX - Os Sistemas Agroflorestais como Proposta Produtiva e de Adequao de Reserva Legal para as Pequenas Propriedades do Noroeste Gacho

    Joney Cristian Braun 377

    Resumo XX - Modelo de Dimensionamento de Projetos de Audes (MDPA): processo de desenvolvimento de uma ferramenta de dimensionamento de projetos de audes do tipo construo de terra

    Mrio Luiz Landerdahl 383

  • 16

    Resumo XXI - Agronegcio do Leite: caracterizao dos sistemas produtivos e especializao da atividade no municpio de Ronda Alta/RS

    Milton Carlos Dossin 387

    Resumo XXII - Anlise da Aplicao dos Recursos de Crdito Rural no Municpio de Nova Pdua/RS Viabilizados pelo Escritrio Municipal da Emater/RS-Ascar no Perodo de 1997-2009

    Sandra Maria Dalmina 393

    Resumo XXIII - Influncia das Parcerias e Verticalizaes na Suinocultura e Avicultura Industrial e do Modelo da Produo de Commodities na Agricultura Familiar da Regio do Alto Uruguai do Rio Grande do Sul

    Walmor Jos Gasparin 405

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

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    O Forjamento do Padro Moderno de Agricultura: concepes e

    possibilidades de transio1

    PAULUS, Gervsio2

    Uma cincia emprica privada de reflexo e uma filosofia puramente especulativa so insuficientes, conscincia sem cincia e cincia sem conscincia so radicalmente mutiladas e mutilantes...

    Edgar Morin (Cincia com Conscincia, 1996)

    RESUMO Muitos aspectos esto envolvidos na transio de um modelo de agricultura para outro, como mostra a implantao do padro moderno de agricultura no Brasil. Das concepes sobre a modernizao tecnolgica na agricultura, tanto a corrente de interpretao neoclssica quanto a vertente marxista partem do pressuposto de que a industrializao da agricultura o nico caminho para promov-la. No caso brasileiro, o Estado teve papel destacado na implantao desse modelo, sobretudo atravs do instrumento de crdito rural, aplicado de forma subsidiada e dirigida, alm do carter discriminatrio em sua concesso. A maior parte das anlises converge em reconhecer que o momento atual de crise do "padro moderno" de agricultura. A crise manifesta-se atravs das consequncias (sociais, ambientais e econmicas) que decorrem da maneira como se deu a implantao desse modelo, ainda que o "pacote tecnolgico" difundido tenha incidido sobre problemas reais enfrentados pelos agricultores. Discute-se a construo do significado de agricultura sustentvel, enfatizando que uma crtica radical do padro moderno de agricultura, o qual agudizou a atual crise socioambiental, pressupe um questionamento das concepes de cincia e agronomia que nortearam a formao desse padro. Entretanto, propostas de estilos alternativos de agricultura no so novas, como revelam as correntes alternativas de agricultura, com distintas denominaes. Sustenta-se, por fim, que no existe uma via nica para a transio do padro moderno, mas antes um mosaico de possibilidades. O que ir determinar a emergncia de um novo padro de produo a partir das experincias em curso a forma como se organizam, e no somente os apelos mercadolgicos a ela associados. Palavras-chave: Agroecologia. Transio Agroecolgica. Ecologia Vegetal. Agroecossistema.

    1 Este captulo toma como base a dissertao apresentada pelo autor ao Centro de Cincias Agrrias da

    Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Agroecossistemas. Acesse aqui a dissertao na ntegra.

    2 Engenheiro Agrnomo, Mestre em Agroecossistemas pela UFSC. Extensionista Rural da Emater-RS/Ascar, E-

    mail: [email protected]

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

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    1 A QUESTO

    O desenvolvimento tecnolgico da agricultura, sobretudo a partir da segunda

    metade deste sculo, permitiu a incorporao de um conjunto de tecnologias

    avanadas ou modernas que, indubitavelmente, aumentaram a produo e a

    produtividade das atividades agropecurias, a par de alterar relaes sociais no

    campo. Contudo, a incorporao dessas tecnologias frequentemente ocorreu de

    forma inadequada realidade do meio rural, seja pela maneira como se deu essa

    implantao, seja pela natureza mesma das tecnologias introduzidas. A prevalncia

    de prticas e mtodos que se tornaram convencionais, como a monocultura, o uso

    massivo de agrotxicos, o desmatamento generalizado e o manejo inadequado do

    solo e da gua, revelam na verdade um problema mais profundo de relao homem-

    meio fsico, com consequncias ambientais (eroso, contaminao do solo e

    mananciais de gua, perda da biodiversidade) e sociais (xodo rural acentuado),

    com o consequente agravamento de problemas urbanos no entorno das mdias e

    grandes cidades.

    A observao de que a procura por produtos orgnicos crescente permite

    constatar que aquela maior que esta. Ou seja, existe uma demanda

    potencialmente maior que a produo atual de produtos orgnicos. Ora, se existe um

    descompasso entre demanda de mercado e produo, quais so as causas que

    limitam a expanso da produo orgnica? Em outras palavras, uma pergunta que

    frequentemente surge : se a agricultura alternativa to boa, por que no est

    mais difundida?

    Considera-se, de incio, que no basta a existncia de um mercado potencial

    de produtos orgnicos para que ocorra a converso do processo produtivo

    convencional para o orgnico por parte dos produtores. Isso significa que a opo

    pela produo alternativa no decorre exclusivamente da disfuno entre demanda

    e produo, isto , no explicada apenas pela lgica da "mo invisvel" do

    mercado. Interagem nesse processo vrios outros fatores, no apenas de natureza

    tcnica, mas tambm sociolgica, tais como a organizao local dos produtores, sua

    relao com assessoria tcnica externa e a articulao com formas de

    comercializao, bem como outras preferncias que nem sempre podem ser

    demarcadas objetivamente. Dentro desse pressuposto, discute-se em que medida a

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

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    proposta de estilos alternativos de agricultura pode representar de fato uma

    transio para um novo modelo, alternativo ao padro produtivo convencional, ou

    representa apenas uma adequao a novas exigncias de mercado (fruto da

    presso dos consumidores e da influncia da mdia, entre outras razes) que, no

    limite, se traduz por uma substituio de insumos.

    A hiptese principal formulada que a forma como as experincias

    alternativas de agricultura (conhecidas como orgnicas ou ecolgicas) se

    organizam determinante para desencadear uma transio do modelo de produo

    convencional para estilos alternativos de agricultura, e no o fato de o produto final

    ser considerado como orgnico ou ecolgico".

    2 AS CONCEPES SOBRE A MODERNIZAO TECNOLGICA NA AGRICULTURA

    O debate em torno das concepes sobre a modernizao da agricultura e,

    em decorrncia destas, sobre o destino histrico do campesinato (leia-se

    agricultores familiares), j dura pelo menos um sculo. Inobstante, o campesinato

    continua existindo, desafiando as teorias que previam seu desaparecimento. A viso

    amplamente dominante na anlise da modernizao da agricultura tem por

    pressuposto a inevitvel associao entre progresso tcnico na indstria e a

    correspondente industrializao da agricultura. Essa viso corresponde tanto

    interpretao neoclssica quanto dos autores da vertente marxista.

    Entre os defensores da corrente neoclssica destaca-se o pensamento do

    economista Theodor W. Schultz. A tese de Schultz (1965), um dos principais

    idelogos da modernizao, era que, em geral, os camponeses combinavam de

    forma racional os fatores de produo: [...] h comparativamente poucas

    ineficincias significativas na distribuio dos fatores de produo na agricultura

    tradicional (SCHULTZ, 1965, p. 47).

    A nica maneira de aumentar a eficincia produtiva na agricultura seria,

    portanto, atravs do aporte de fatores externos3, substituindo os "insumos

    3 Conquanto seja bvio que as fazendas freqentemente produzam os animais de trao de que necessitam,

    no podem produzir tratores agrcolas. Nem tampouco podem produzir os fertilizantes qumicos e os inseticidas (SCHULTZ, 1965, p. 123).

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

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    tradicionais" por "insumos modernos", oferecidos a custos baixos ao agricultor

    atravs de crditos subsidiados, acompanhados de assistncia tcnica:

    [...] objetivando transformar esse tipo de agricultura, ter que ser oferecido um conjunto de fatores mais proveitosos. Desenvolver e oferecer tais fatores e aprender como us-los eficientemente uma questo de investimento, tanto em capital humano como material (SCHULTZ, 1965, p. 12).

    Nessa perspectiva, para os seguidores de Schultz (1965) no Brasil, a

    modernizao da agricultura dispensaria a reforma agrria como instrumento para o

    desenvolvimento agrcola (em que pese o fato de que o autor atribua um papel

    distribuio fundiria na modernizao da agricultura, em determinadas conjunturas,

    como no caso do Mxico). A adoo das novas tecnologias permitiria, por si s, a

    elevao da renda dos agricultores, atravs do aumento da produo e da

    produtividade. A lgica subjacente a esse raciocnio pode ser assim resumida: a

    adoo de tecnologias modernas gera maior rendimento na agricultura, o qual

    resulta em maior bem-estar social. dentro desse contexto que assume relevncia a

    criao do Sistema Brasileiro de Extenso Rural (Sibrater) e a poltica de crdito

    subsidiado.

    Pode-se afirmar, em sntese, que o que caracteriza a concepo

    modernizante no pensamento neoclssico a ideia de que o desenvolvimento

    econmico e o bem-estar social resultam sobretudo da capacidade de a agricultura

    transformar sua base tcnica, no sentido de incorporar cada vez mais insumos

    modernos (fertilizantes de origem industrial, agrotxicos, sementes hbridas, raas

    animais geneticamente melhoradas). Do lado da corrente marxista, a primeira

    constatao a relativa pequena importncia dada por Marx, em toda a sua intensa

    produo intelectual, ao campesinato, a qual pode ser atribuda ao fato de

    consider-lo como uma categoria fatalmente destinada ao desaparecimento, pela

    evoluo histrica das contradies do sistema capitalista. A anlise implacvel

    sobre a contribuio poltica dos camponeses para a ascenso de Lus Bonaparte

    na Frana, representando o retorno da burguesia ao poder, levou Marx a compar-

    los a um saco de batatas, no sentido de no constiturem uma classe social,

    deixando-se manipular por interesses de outros grupos:

    Uma pequena propriedade, um campons e sua famlia; ao lado deles outra pequena propriedade, outro campons, outra famlia. Algumas dezenas delas constituem uma aldeia, e algumas dezenas de aldeias constituem um

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

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    departamento. A grande massa da nao francesa , assim, fornada pela simples adio de grandezas homlogas, da mesma maneira por que batatas em um saco constituem um saco de batatas. Na medida em que milhes de famlias camponesas vivem em condies econmicas que as separam umas das outras, e opem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, esses milhes constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligao local e em que a similitude de seus interesses no cria entre eles comunidade alguma, nem organizao poltica, nessa exata medida no constituem uma classe. So, consequentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu prprio nome, quer por meio de um Parlamento, quer por meio de uma conveno. No podem representar-se, tm de ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, de aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o sol ou a chuva. A influncia poltica dos pequenos camponeses, portanto, encontra sua expresso final no fato de que o Poder Executivo submete a seu domnio a sociedade. (MARX, 2003).

    Abramovay (1992) chega a afirmar que no h espao para o campesinato na

    teoria marxista4. Para Marx (1985), a principal questo que a agricultura colocava era

    o problema da renda da terra, vista como um obstculo para o pleno

    desenvolvimento capitalista no campo, em funo do monoplio da terra pelos

    grandes proprietrios. A forma de o capital enfrentar o monoplio da propriedade da

    terra seria atravs do progresso tecnolgico representado pela industrializao da

    agricultura (SILVA, 1981). O que nos interessa, para os propsitos deste estudo,

    salientar que as anlises e as formulaes tericas produzidas pelos principais

    herdeiros da tradio marxista no incio do sculo XX tm o mesmo pressuposto da

    viso neoclssica - desenvolvimento mximo das foras produtivas na agricultura

    pela incorporao crescente de insumos modernos - e continuam a exercer grande

    influncia nos dias atuais. As discusses recentes sobre agricultura familiar e

    sustentabilidade esto fortemente marcadas - de forma explcita ou implcita - pela

    influncia do debate clssico a partir das concepes de Lnin e Kautski sobre as

    tendncias de diferenciao/reproduo do campesinato em um pas capitalista. O

    ncleo terico dessas concepes gira em torno da crescente polarizao social do

    campesinato, com a passagem inevitvel do campons rico a capitalista e do pobre

    4 Esta posio contestada por alguns autores marxistas contemporneos, os quais argumentam que, para

    entender a questo agrria em Marx, seria necessrio recorrer aos escritos do velho Marx, principalmente a troca de correspondncia com os populistas russos, nos quais Marx admitia a possibilidade da passagem pr-capitalista (a partir das comunas russas - os Mir), diretamente para o socialismo, rompendo dessa forma com o esquema evolucionista histrico. Para maiores detalhes, pode-se ver Dilemas do Socialismo. A controvrsia entre Marx, Engels e os populistas russos. FERNANDES, R. C. (Org.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

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    a assalariado (LENIN, 1974), e da superioridade da produo em grande escala

    comparativamente pequena escala:

    [...] foi a indstria quem criou as condies tcnicas e cientficas para a existncia da nova agricultura racional; foi ela que revolucionou a agricultura atravs das mquinas e do adubo artificial, dos microscpios e dos laboratrios qumicos, contribuindo, dessa maneira, para a superioridade tcnica do grande estabelecimento capitalista sobre o pequeno estabelecimento agrcola. (KAUTSKI, 1986, p. 263)

    Mais recentemente, correntes de interpretao alternativas viso da

    agricultura como "industrializao da natureza" ganharam alento a partir da releitura

    do agrnomo russo Alexander Chayanov5, cujo legado terico principal foi o

    desenvolvimento da tese da especificidade da produo camponesa. Para

    Chayanov (1974), as unidades de produo camponesas no podem ser entendidas

    to somente a partir das leis gerais que regem as relaes de produo e

    acumulao em uma sociedade capitalista, nem das categorias de anlise das

    empresas capitalistas. necessrio, sustenta ele, buscar outra racionalidade,

    baseada em um balano entre trabalho e consumo:

    [...] chega um momento, ao alcanar o ingresso de um determinado nvel de rendimento, em que as fadigas de desgaste da fora de trabalho marginal chegaro a equiparar-se com a avaliao subjetiva da utilidade marginal da soma obtida com essa fora de trabalho. A produo do trabalhador na explorao domstica cessar neste ponto de natural equilbrio porque qualquer outro aumento no desgaste de fora de trabalho resultar subjetivamente desvantajoso. Qualquer unidade domstica de explorao agrria tem assim um limite natural para sua produo, o qual est determinado pelas propores entre a intensidade anual de trabalho da famlia e o grau de satisfao de suas necessidades. (CHAYANOV, 1974, p. 84-85)

    Em outras palavras, significa que, por possuir uma estrutura econmica

    diferente da empresa capitalista clssica, a unidade de explorao familiar requer,

    para sua anlise e compreenso, tambm outra teoria econmica, a "economia

    camponesa". por isso que a anlise de Chayanov concentra-se em um nvel micro:

    [...] simplesmente aspiramos a compreender o que a unidade econmica camponesa desde um ponto de vista organizativo. Qual a morfologia deste aparato produtivo? Nos interessa saber como se logra aqui a natureza

    5 Alexander Chayanov fazia parte de uma corrente de pensamento econmico chamada Escola de Organizao

    da Produo, que existiu na Rssia no incio do sculo XX. Devemos lembrar que a Rssia pr-revoluo socialista j possua um eficiente servio de recenseamento e coleta de dados, estimulando assim o desenvolvimento de estudos sobre a organizao e a produo agrcola nesse pas.

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

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    proporcional das partes, como se logra o equilbrio orgnico, quais so os mecanismos de circulao e de recuperao do capital no sentido da economia privada, quais so os mtodos para determinar o grau de satisfao e proveito, e como reage frente s influncias dos fatores externos, naturais e econmicos que aceitamos como dados. (CHAYANOV, 1974, p. 36)

    J na perspectiva dos marxistas agrrios clssicos, o problema fundamental

    no residiria na natureza em si das tecnologias introduzidas pela modernizao, mas

    na desigual apropriao dos benefcios gerados. Diga-se de passagem que o padro

    produtivo de agricultura implantado nos pases do "bloco socialista" demonstra

    claramente que a opo tecnolgica seguida no difere, em essncia, do modelo

    adotado nos pases capitalistas ocidentais, isto , foi baseado em uma concepo

    de desenvolvimento mximo das foras produtivas, sem questionar a natureza das

    tecnologias geradas e a finitude dos recursos naturais. Por estar baseado na oferta e

    na produo de massa de bens de consumo, o padro produtivo implantado pelos

    ento regimes polticos nos pases considerados socialistas do Leste europeu

    seguiu claramente o modelo fordista, inclusive na agricultura (veja-se, por exemplo,

    o caso cubano, que at o fim do "socialismo real" sovitico, mantinha uma

    agricultura quase totalmente dependente de insumos industriais).

    Em resumo, pode-se afirmar, concordando com Caume (1992), que tanto a

    corrente terica neoclssica quanto a marxista so essencialmente deterministas em

    suas anlises sobre o processo de modernizao da agricultura, pois consideram

    irreversvel a marcha do progresso tecnolgico industrial, que deveria

    necessariamente ser incorporado agricultura. A diferena, como apontam Souza

    Leite et al. (1988), que, enquanto na viso neoclssica sobressai um determinismo

    tecnolgico (a promoo de bem-estar social seria uma decorrncia da aplicao de

    tcnicas), o enfoque marxista sustenta um determinismo baseado nas relaes de

    produo.

    O padro produtivo que se estabeleceu na agricultura brasileira seguiu

    claramente a viso modernizante neoclssica, defendida por Schultz (1965) e outros,

    sendo chamado de modernizao "parcial ou "dolorosa" (SILVA, 1982) ou

    conservadora (GRAZIANO NETO, 1986), pelo fato de alterar a base tecnolgica

    produtiva, sem modificar a estrutura agrria vigente. Embora o auge desse processo

    no Sul do Brasil tenha ocorrido a partir da dcada de 1960, o modelo foi gerado,

    difundido e adotado a partir dos pases industrializados. A formao desse padro

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    26

    nesses pases resultado de um "[...] lento e irreversvel processo de mudanas que

    a agricultura sofreu a partir da revoluo industrial, quando as primeiras mquinas

    agrcolas vinham propor o desuso de ferramentas tradicionais" (SALLES FILHO,

    1993, p. 6). Adotando uma perspectiva divergente de autores que assumem uma

    leitura monoltica da modernizao da agricultura a partir da Revoluo Verde, o

    autor chama a ateno para as trajetrias distintas, ligadas a diferentes reas do

    conhecimento e a diferentes indstrias, que conformaram o padro moderno de

    agricultura. Assim afirma Salles Filho (1993, p. 5): "[...] as partes que compem este

    todo tm histrias e determinaes prprias, que no podem ser identificadas

    apenas pela anlise do todo". Essa perspectiva ajuda a entender, por exemplo,

    porque a motomecanizao dos cultivos foi intensa no Sul do Brasil, mas o mesmo

    no se verificou em outras regies que experimentaram a Revoluo Verde, como

    na ndia e na China.

    Castro (1984), em uma anlise da Cincia e Tecnologia para a agricultura

    com base nos planos de desenvolvimento no Brasil at 1985, mostra que houve um

    continuum na evoluo das polticas de modernizao no caso brasileiro, passando

    de "intenes modernizantes para uma poltica efetiva de modernizao na

    agricultura", atravs de programas e polticas especficos para o setor agrcola, de

    estmulo adoo de tecnologias geradas e difundidas a partir da Revoluo Verde.

    Entre essas polticas, destaca-se o crdito rural.

    3 O QUADRO DOS DEBATES NO BRASIL A PARTIR DOS ANOS 1950

    Embora a questo agrria seja anterior dcada de 1950, foi a partir desse

    perodo que grande parte dos intelectuais acadmicos descobriu a existncia do

    pequeno produtor enquanto um objeto de estudo no apenas da economia, mas

    tambm da sociologia e da antropologia. As anlises e formulaes tericas

    produzidas nesse perodo, e at hoje (assim como os decorrentes desdobramentos

    na estratgia de ao das organizaes polticas), esto fortemente marcadas - de

    forma explcita ou implcita - pela influncia do debate clssico a partir das

    concepes de Lnin, Kautski e, mais recentemente, da releitura de Chayanov em

    torno das tendncias do campesinato em um pas capitalista, j apresentadas

    anteriormente.

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    27

    A partir das concepes dos dois primeiros autores, e com base em uma

    perspectiva histrica evolucionista, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) lanou,

    em 1950, um manifesto no qual afirmava que [...] o problema da sociedade

    brasileira estava na estrutura arcaica da economia, marcada pelos restos feudais e

    pelo monoplio da terra, que impediam a ampliao do mercado interno e o

    desenvolvimento da indstria nacional (MARTINS, 1983). A sada seria ento uma

    revoluo democrtica e popular. Essa posio, no entanto, seria revista no final de

    1953, quando o PC do B prope a abolio das formas feudais de explorao e

    generalizao das formas de pagamento em dinheiro. Em 1954, quando o Partido

    realiza o seu IV Congresso, declara textualmente que [...] no sero confiscados os

    capitais e as empresas da burguesia nacional. O caminho seria, portanto, uma

    frente ampla anti-imperialista e anti-feudal, para fazer a revoluo democrtica e

    nacional libertadora (MARTINS, 1983). Essa tese via nas relaes pr-capitalistas

    ou feudais as causas do atraso do pas. Era necessrio, portanto, dentro de uma

    viso histrico-determinista, superar primeiro esses resqucios do feudalismo para

    permitir o desenvolvimento de relaes capitalistas, mais avanadas.

    No contexto do debate poltico do incio da dcada de 1960, a grande

    discusso girava em torno da necessidade ou no de promover a reforma agrria,

    como pressuposto para o desenvolvimento econmico do pas. As teses

    predominantes estavam representadas no arcabouo terico da Comisso

    Econmica para a Amrica Latina (Cepal) - que reunia intelectuais de renome como

    Helio Jaguaribe, Maria da Conceio Tavares, Celso Furtado, Fernando Henrique

    Cardoso e outros. As concepes cepalinas tiveram grande importncia na anlise

    das caractersticas do desenvolvimento econmico brasileiro e, em particular, do

    meio rural na dcada de 1960, assim como na consequente formulao de

    propostas polticas para superao dos problemas sociais do pas. A tese do

    dualismo estrutural, segundo a qual existiam dois Brasis, um urbano, moderno e

    desenvolvido, e outro rural, arcaico, atrasado e subdesenvolvido, predominou nas

    anlises de vrios estudiosos da poca.

    Nessa perspectiva, a realizao de um amplo processo de Reforma Agrria

    colocava-se, para esses autores, como condio sine qua non para a ampliao do

    mercado interno de bens de consumo e, portanto, para alavancar o desenvolvimento

    industrial capaz de fazer frente produo desses bens. De outra parte, havia uma

    viso de que o Brasil, como um pas perifrico e dependente, no contexto do

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    28

    capitalismo internacional, estava subordinado ao desenvolvimento dos pases

    capitalistas centrais, especialmente os Estados Unidos - a famosa teoria da

    dependncia econmica, desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso e Enzo

    Faletto em Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina6.

    Diversos trabalhos posteriores formularam a crtica ao dualismo poltico e

    estrutural7, mostrando que o setor rural cumpriu um papel decisivo para viabilizar a

    industrializao no pas, no por sua suposta capacidade de absoro de bens de

    consumo direto, como argumentavam os defensores daquela tese, mas

    precisamente como consumidor de produtos industrializados incorporados ao

    processo produtivo (insumos, mquinas, sementes), portanto produtos industriais

    intermedirios e no finais. A opo feita durante o perodo do regime militar foi

    pela modernizao conservadora, cujas consequncias so amplamente

    estudadas e conhecidas. Aliado a isso, o milagre brasileiro foi em grande medida

    impulsionado por uma conjuntura econmica internacional francamente favorvel -

    lembremos que esse foi um perodo de crescimento vertiginoso da dvida externa

    brasileira - permitindo assim o lastreamento ainda maior da demanda interna por

    bens de consumo. Nesse quadro, a proposta de Reforma Agrria no mais estava

    colocada na ordem do dia para os sucessivos governos militares, o que no significa

    que no ocorreram conflitos de terra nesse perodo.

    6 Torna-se necessrio, portanto, definir uma perspectiva de interpretao que destaque os vnculos estruturais

    entre a situao de subdesenvolvimento e os centros hegemnicos das economias centrais, mas que no atribua a estes ltimos a determinao plena da dinmica do desenvolvimento. Com efeito, se nas situaes de dependncia colonial possvel afirmar com propriedade que a histria - e por conseguinte a mudana - aparece como reflexo do que se passa na metrpole, nas situaes de dependncia das naes subdesenvolvidas a dinmica social mais complexa. (...) o centro poltico da ao das foras sociais tenta ganhar certa autonomia ao sobrepor-se situao do mercado; as vinculaes econmicas, entretanto, continuam sendo definidas objetivamente em funo do mercado externo e limitam as possibilidades de deciso e ao autnomas. Nisso radica, talvez, o ncleo da problemtica sociolgica do processo nacional de desenvolvimento na Amrica Latina. Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina: ensaio de interpretao sociolgica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 30.

    7 Entre eles, citamos Francisco de Oliveira, Jos de Souza Martins, Andr Gunder Frank e Caio Prado Jnior.

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    29

    Em 1985, o Governo da Nova Repblica lanou o Plano Nacional de

    Reforma Agrria (PNRA), um plano - como todos os planos de governo - cheio de

    boas intenes e, inclusive, com metas ousadas, mas com tempo de vida reduzido.

    Na verdade, como os fatos esto a mostrar, os avanos na Reforma Agrria deram-

    se menos em funo de uma legislao mais ou menos avanada, e muito mais

    como resultado da presso organizada dos movimentos sociais, principalmente pela

    ocupao de reas improdutivas. O fato que a forma como ocorreu o processo de

    modernizao da agricultura agravou ainda mais a crise agrria. Diante das

    implicaes dessa opo modernizante, na histria recente do Brasil, poder-se-ia

    perguntar se uma mudana de padro produtivo que desconsidere o problema

    agrrio, ainda que ambientalmente favorvel - uma espcie de segunda revoluo

    verde - no iria aprofundar ainda mais os problemas sociais existentes. De outra

    parte, preciso reconhecer que uma reestruturao fundiria por si s no implica

    em um modelo de produo agrcola diferente do padro moderno, como se pode

    constatar na estratgia produtiva de vrios assentamentos de reforma agrria no Sul

    do Brasil.

    dentro do quadro de debates e do contexto poltico acima que se insere o

    processo de modernizao da agricultura no Brasil, para o qual concorreram

    polticas pblicas de estmulo adoo das tecnologias geradas e difundidas a partir

    da Revoluo Verde.

    4 A CRISE DO PADRO AGRCOLA MODERNO

    Se o que foi modelado pela tecnologia, e continua a ser, parece estar doente, seria talvez conveniente dar uma olhada na prpria tecnologia. Se a tecnologia vista como cada vez mais desumana, talvez fosse prefervel examinarmos se no tem alguma coisa melhor - uma tecnologia com fisionomia humana.

    E. F. Schumacher (O negcio ser pequeno)

    O padro produtivo estabelecido na agricultura - que decorre de uma opo

    por um determinado modelo de crescimento econmico - foi difundido e adotado a

    partir das concepes da Revoluo Verde, ainda que sua origem seja anterior,

    sendo chamado de modernizao parcial (SILVA, 1986) ou conservadora

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    30

    (GRAZIANO NETO, 1986), pelo fato de, como j se disse, alterar a base tecnolgica

    produtiva, sem modificar a estrutura agrria vigente.

    A constatao de que esse modelo est em crise levou a FAO a reconhecer

    que o modelo convencional est esgotado e desacreditado e admitir que difcil,

    para no dizer impossvel, sustentar um planejamento de crescimento com

    equidade, se se seguem modelos, estratgias e procedimentos visvel e

    reconhecidamente concentradores e excludentes (LACKI, 1993, grifo do autor).

    Apesar dessa constatao, importante salientar, como lembra um documento do

    PNUD que:

    [...] o 'pacote tecnolgico' ao qual camada significativa dos agricultores da regio Sul teve acesso, veio solucionar - ainda que provisoriamente e criando novas dificuldades - problemas reais que enfrentavam. Os sistemas tradicionais, baseados fundamentalmente na rotao de terras, estavam enfrentando limites para recuperar a fertilidade do solo. Entretanto, na forma como foram enfrentados estes limites, a partir do final dos anos 1960, pelo conjunto das instituies voltadas transformao das bases tcnicas da agropecuria, que se enrazam os problemas que, at hoje, caracterizam a relao entre agricultura e meio ambiente na regio Sul (PNUD, 1999, p. 7).

    Uma das principais consequncias da passagem da agricultura tradicional

    para o chamado padro moderno um aumento muito grande no consumo de

    energia. Atualmente, cada vez mais evidente a insustentabilidade de um modelo

    de desenvolvimento baseado em fontes no renovveis de energia e, alm disso,

    altamente poluentes do ambiente. Contudo, foroso reconhecer que seria

    inconsequente propor o retorno a um sistema de vida pr-industrial. A soluo

    obrigatria para o problema energtico est ento, como lembra Tiezzi (1988), na

    busca de um modelo de vida baseado em fontes renovveis de energia. Nessa

    perspectiva, a agricultura assume um papel estratgico, pois consiste em capturar

    energia do sol para sintetizar matrias-primas e alimentos. Do total de energia solar

    incidente sobre as terras frteis, apenas aproximadamente 1% fixada via

    fotossntese vegetal. Essa energia transformada, atravs de processos

    bioqumicos desencadeados pela respirao, em compostos orgnicos. Ao longo

    das fases da cadeia energtica (produtores - sobretudo vegetais; consumidores -

    animais; decompositores - micro-organismos), ocorre uma degradao progressiva

    da qualidade da energia, restituindo no final as substncias necessrias para

    reconstruir as molculas das clulas vivas, em presena da energia solar.

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    31

    A agricultura moderna, praticada sobretudo aps a Segunda Guerra Mundial,

    no s reduz cada vez mais a captao de energia como ainda contribui para

    acelerar o esgotamento dos recursos energticos no renovveis, em um processo

    altamente entrpico. Esse processo faz com que a balana energtica

    (representada pela relao insumo/retorno energtico) seja cada vez mais negativa.

    Um trabalho pioneiro em apontar a ineficincia da agricultura moderna do ponto de

    vista energtico foi realizado por Pimentel et al. (1973), tomando por base a cultura

    do milho nos Estados Unidos. Outra consequncia da modernizao acelerada da

    agricultura foi a intensificao da eroso do solo. Porm, talvez mais grave que os

    impactos da eroso do solo seja a eroso gentica sofrida nas regies de

    modernizao intensiva da agricultura, que levou a uma perda irreparvel de

    biodiversidade animal e vegetal por um lado e, por outro, concentrou grande parte

    dos recursos genticos (variedades crioulas de milho, batata, arroz) nos centros de

    pesquisas das empresas produtoras de sementes.

    A intensificao do uso de agrotxicos, adubos qumicos e da mecanizao

    tambm contribuiu para a expanso de grandes lavouras com monocultura,

    reduzindo o nvel de emprego rural, aumentando a concentrao da posse da terra e

    acelerando, em consequncia, o xodo de pequenos agricultores, parceiros e

    arrendatrios. Em apenas uma dcada (1970), quase 16 milhes de brasileiros

    migraram do campo para a cidade (o equivalente a quase metade da populao da

    Argentina). Do aumento total da populao urbana, em torno de 25,9 milhes de

    pessoas, 40% estiveram concentrados em apenas trs cidades - So Paulo, Rio de

    Janeiro e Belo Horizonte, elevando enormemente o nmero de favelados. No Rio

    Grande do Sul tambm ocorreu uma intensa migrao para as cidades, como indica

    o fato de que, na dcada de 1970, todos os municpios do Estado tiveram uma

    reduo em sua populao rural. Por fim, houve um aumento na concentrao da

    posse da terra.

    Como reflexo dos impactos mencionados anteriormente, houve um aumento

    na concentrao da renda rural, que significou

    [...] talvez o mais notvel impacto da capitalizao seletiva, selecionadora de parcela nfima dos produtores, indicando inclusive uma velocidade de apropriao privada, nos estratos de renda mais elevados, muito maior, comparativamente, aos mesmos estratos de renda nas cidades (NAVARRO, 1996, p. 75).

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    32

    Essa modernizao seletiva, por sua vez, contribuiu para aprofundar no

    apenas as diferenas entre agricultores de uma mesma regio, como tambm entre

    diferentes regies do Estado. Entretanto, preciso que se diga que as diferenas

    entre uma regio e outra tm causas mais profundas, das quais a maior ou menor

    intensidade na modernizao da agricultura um dos componentes.

    A dinmica de acumulao capitalista resultou em um desenvolvimento

    desigual na agricultura, seja de exploraes dentro de uma mesma regio, seja para

    regies distintas.

    Diante dessas desigualdades regionais, possvel que em algumas regies

    onde a modernizao da agricultura se fez sentir de forma muito tnue, no se

    constituindo como padro tecnolgico dominante, ocorra a passagem diretamente

    para estilos de agricultura alternativos, sem que os efeitos do padro moderno sejam

    experimentados com intensidade. Em alguns casos, poder-se-ia mesmo falar da

    existncia de uma agricultura que, de certa forma, nunca deixou de ser orgnica ou

    ecolgica. Todavia, seria equivocado, na nossa concepo, considerar esse tipo de

    agricultura como atrasada ou, em uma perspectiva evolucionista, como pr-

    industrial. Na verdade, a existncia de tais casos, alm de desafiar as teorias

    clssicas sobre o destino histrico do campesinato, coloca em questo o suposto

    carter universal das tecnologias modernas e a viso (dominante no meio

    agronmico) de que uma evoluo tecnolgica na agricultura implica

    necessariamente a sua industrializao.

    Isso nos remete seguinte questo: que tipo de tecnologia demandam essas

    regies menos mecanizadas? Talvez uma nova fase da Revoluo Verde, com

    tecnologias mais adaptadas s condies ambientais locais, porm, dentro da

    mesma concepo que orientou a implantao do padro moderno de agricultura?

    Aqui no existe, em nossa opinio, uma nica resposta. possvel - e mesmo

    provvel - que isso ocorra em algumas regies, mas tambm verdadeiro que a

    agricultura, para grande parte dos agricultores menos beneficiados com a

    Revoluo Verde, assume outra significao, a partir da relao histrica e cultural

    estabelecida com o ambiente entorno ou, no caso dos agricultores ecologistas que

    fizeram uma reconverso produtiva, uma ressignificao.

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    33

    5 AGRICULTURA SUSTENTVEL OU (RE)CONSTRUO DO SIGNIFICADO DE

    AGRICULTURA?

    A explicao cientfica no consiste, como somos levados a imaginar, na reduo do complexo ao simples, mas na substituio de uma complexidade menos inteligvel por uma mais inteligvel.

    Claude Lvi-Strauss (O Pensamento Selvagem)

    A partir da percepo da crise do padro moderno de agricultura, emerge a

    discusso sobre a necessidade de promover estilos alternativos de agricultura,

    genericamente denominados de agricultura sustentvel. Para alm da questo

    semntica, essa discusso remete ao prprio significado da agricultura, com

    profundas implicaes nos possveis rumos da transio.

    Existe uma vasta literatura que coincide em apontar a necessidade de que

    uma agricultura sustentvel deva responder positivamente sua viabilidade

    econmica, ecolgica ou ambiental e social. Altieri (1998) afirma que o conceito de

    agricultura sustentvel controverso e quase sempre indefinido; apesar disso,

    lembra o autor, til, pois reconhece que a agricultura afetada pela evoluo dos

    sistemas socioeconmicos e naturais. De maneira geral, porm, so aceitos alguns

    pressupostos bsicos para que a agricultura seja, na viso de seus formuladores,

    passvel da qualificao sustentvel.

    Um aspecto importante desse conceito - que frequentemente no

    contemplado, tanto na viso dos ecologistas "puros" (que enfatizam apenas os

    aspectos ambientais), quanto dos defensores da "ecologia de mercado" (que tentam

    valorar monetariamente toda a natureza) - a valorizao das comunidades rurais

    em seus aspectos sociais, humanos e culturais. Sobre esse ltimo aspecto, no

    pode haver dvida de que a diversidade cultural to imprescindvel quanto a

    biodiversidade vegetal e animal - e que pode se manifestar em distintas alternativas

    agricultura moderna - quando se fala de agricultura sustentvel.

    A agricultura, antes de ser uma atividade essencialmente econmica, uma

    atividade tambm cultural. Mais do que tratar de processos naturais, trata-se,

    fundamentalmente, de processos socioculturais, de uma construo humana.

    Agricultura sustentvel , portanto, no apenas um modelo ou um pacote a ser

    simplesmente imposto. mais um processo de aprendizagem" Pretty (1995). Nesse

    sentido, convm lembrar que o homem um ser cultural, e pela cultura que ele se

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    34

    distingue dos demais seres vivos. Pretty (1995) lembra que definies precisas e

    absolutas do que seja uma agricultura sustentvel so impossveis e que [...]

    importante clarificar o que est sendo sustentado, por quanto tempo, em benefcio e

    s custas de quem. E conclui que [...] responder a estas questes difcil, pois

    implica avaliar a troca de valores e crenas. Muito embora no explicitados, esses

    valores e crenas jogam um papel muito importante na produo do conhecimento

    cientfico, no apenas na definio das linhas de investigao como tambm na

    interpretao de resultados. Por isso o autor ressalta que o conceito de agricultura

    sustentvel deve ser discutido a partir de uma crtica cincia positivista, uma vez

    que grande parte dos problemas ambientais e socioeconmicos contemporneos

    decorrente da forma como a cincia tem abordado a produo do conhecimento e a

    gerao de tecnologias voltadas agricultura.

    Mas podemos tambm refletir sobre o significado de agricultura sustentvel a

    partir de outro prisma, perguntando-nos se a atividade agrcola significa

    necessariamente o empobrecimento do meio ambiente, a simplificao dos

    ecossistemas, com a reduo da biodiversidade e das interaes entre organismos.

    Em outras palavras: existiram ou existem formas de agricultura que, em vez

    de conduzir ao esgotamento dos recursos naturais locais levam ao seu incremento?

    Se pensarmos somente nas lavouras extensivas com monocultura de soja, milho e

    cana-de-acar, por exemplo, facilmente chegamos a acreditar que a agricultura

    significa sempre um enfrentamento das adversidades naturais pelo homem, com o

    propsito de produzir alimentos e fibras. Antes de analisar o que as vrias correntes

    de agricultura alternativa tm a dizer, vamos mencionar um exemplo, que ajuda a

    responder a questo anterior.

    Uma pesquisa etnobotnica realizada em uma aldeia de ndios Kayap, no

    Par, mostra que possvel manejar um ecossistema de forma a aumentar a sua

    biodiversidade. Foram registradas cerca de 58 espcies por roa, em sua maioria

    representadas por diversas variedades. Esses ndios cultivam pelo menos 17

    variedades de mandioca e macaxeira, 33 variedades de batata-doce, inhame e

    taioba, sempre de acordo com condies microclimticas bastante especficas

    (ANDERSON; POSEY, 1997). Alm disso, o modo como interferem na estrutura das

    roas ao longo do tempo parece seguir um modelo que se baseia na prpria

    sucesso natural dos tipos de vegetao, cultivando inicialmente espcies de baixo

    porte, seguidas por bananeiras e frutferas e, por fim, introduzindo espcies florestais

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    35

    de grande porte (lembramos que esse um princpio bsico de implantao dos

    Sistemas Agroflorestais - SAF). interessante a constatao, feita pelos autores, de

    que o carter espordico e a estrutura da plantao, semelhante da vegetao

    natural, fizeram com que o manejo das capoeiras pelos Kayap s fosse detectado

    recentemente. Isso levou os pesquisadores a concluir que muitos dos ecossistemas

    tropicais at agora considerados naturais podem ter sido, de fato, profundamente

    moldados por populaes indgenas. Mas o que queremos destacar nesse exemplo

    que no se trata apenas do fato de que esses povos no usam tecnologias

    sofisticadas ou modernas para intervir no ecossistema, e sim de perceber que o

    reflorestamento do cerrado pelos Kayap baseia-se em uma concepo do ambiente

    completamente diversa da vigente nas sociedades ocidentais.

    Os problemas agronmicos so ordinariamente formulados e abordados de

    forma exclusivamente tcnica, pressupondo-se que as solues devam ser tambm

    de natureza eminentemente tcnica. Todavia, ainda que as noes subjetivas no

    expliquem os fenmenos sociais, elas participam deles. Por isso, s vezes,

    sensibilizar as pessoas pode ser to ou mais importante do que transmitir

    informaes tcnicas. Contudo, reconhecer a interferncia de valores subjetivos na

    construo do conhecimento cientfico no significa abandonar a preocupao com

    o rigor na pesquisa e no uso de conceitos.

    Uma questo pertinente a propsito da natureza das tecnologias e da viso

    de agricultura se, diante de uma postura dominadora do homem em relao ao

    meio circundante, com uma abordagem positivista das cincias agronmicas,

    realmente possvel superar o padro qumico-reducionista da agricultura

    (lembramos que mesmo em pases como Cuba, com um sistema de controle

    biolgico bastante eficaz e descentralizado, o conceito de praga - entendido como

    um inimigo a ser destrudo - por exemplo, continua sendo preponderante nas

    diretrizes das investigaes agronmicas). Como j afirmava Schumacher (1983),

    em O negcio ser pequeno, [...] o homem moderno no se experiencia como parte

    da natureza, mas como uma fora exterior destinada a domin-la e a conquist-la.

    Ele fala mesmo de uma batalha contra a natureza, esquecendo que, se ganhar a

    batalha, estar do lado perdedor.

    Almeida Jnior (1995) discute essa questo de maneira original, ao refletir

    sobre como as plantas passaram a ser entendidas como mquinas qumicas por um

    lado e como mercadoria por outro, trazendo profundas implicaes nas interaes

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    36

    entre o homem e a natureza, como, por exemplo, a grande reduo do nmero de

    espcies relevantes para a agricultura. Na raiz do problema da insustentvel

    maneira de produzir est o fato de que

    [...] ao separar os homens e a cidade das pedras e das rvores, o pensador separa as relaes entre os homens das relaes entre o homem e a natureza. Retomado inmeras vezes, sob mltiplos disfarces, este projeto de separao afirma a possibilidade de que o homem venha a ser senhor e possuidor da natureza e implica que o homem continuar sendo senhor e possuidor do homem. Os argumentos so apresentados como se fosse possvel estabelecer uma independncia absoluta entre a relao com a natureza e a relao com os outros homens. Mas, no encontro com a natureza, o homem encontra a si mesmo e aos outros homens (ALMEIDA JUNIOR, 1995, p. 10).

    A questo que se coloca, portanto, at que ponto pode-se realmente atingir

    uma concepo diferente de agricultura sem um correspondente questionamento da

    concepo de cincia e de agronomia que produziu o padro moderno de

    agricultura8.

    Para alguns autores, a crise ecolgica no fundo a prpria crise do processo

    civilizatrio. Diante dessa crise, o movimento ecolgico assumiu um status que

    ultrapassou o estgio da contestao contra a extino de espcies ou a favor da

    proteo ambiental, para transformar-se, nas palavras de Boff (1995, p.19),

    [...] numa crtica radical do tipo de civilizao que construmos. Ele altamente energvoro e devorador de todos os ecossistemas (...) Na atitude de estar por sobre as coisas e por sobre tudo, parece residir o mecanismo fundamental de nossa atual crise civilizacional. (grifo do autor).

    Ao assumir a postura de separao entre a natureza e a sociedade, o

    pesquisador ou tcnico no est isento das implicaes prticas da decorrentes.

    Diante disso, fundamental buscar novas abordagens para os problemas

    agronmicos, que reconheam na diversidade cultural um componente insubstituvel,

    e que partam de uma concepo inclusiva do homem no meio ambiente.

    8 Embora no seja o caso de aprofundar essa questo no presente trabalho, considero que seria muito rica a

    reflexo sobre a estreita vinculao entre a concepo clssica da produo do conhecimento cientfico e a consagrao de um estilo de vida consumista, voltado para a suprema valorizao da posse de bens materiais e a negao dos valores filosficos e espirituais.

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    37

    oportuno mencionar que, entre as vrias correntes de agricultura que

    destoam do que se convencionou denominar padro moderno de agricultura,

    algumas reconhecem na diversidade um componente fundamental e inserem-se na

    perspectiva de uma concepo da natureza diferente da predominante na sociedade

    ocidental, como veremos a seguir.

    6 TRANSIO DO QUE PARA AONDE?

    Bueno (1991), no Dicionrio escolar da lngua portuguesa define transio

    como mudana de lugar ou estado; passagem de um lugar, de um tempo, para

    outro; ato ou efeito de transitar (transitar: fazer caminho, passar, andar); do latim

    trans: movimento para alm de, atravs de.

    importante salientar que a agricultura pr-industrial ou tradicional, praticada

    no Sul do Brasil antes da Revoluo Verde, j vinha apresentando limites tcnicos e

    econmicos no final da dcada de 1950. Waibel (1955), estudando a formao das

    zonas pioneiras do Sul do Brasil, afirma que

    Tambm ali [no Planalto Ocidental do Rio Grande do Sul] a produo e a explorao de produtos agrcolas foi considervel durante alguns decnios, mas atualmente [1955], em virtude do esgotamento do solo, entrou em franco declnio. Mas, terras devolutas no existem mais, e com isso talvez o Estado do Rio Grande do Sul o primeiro Estado onde no existem mais reservas florestais e onde no h mais a possibilidade de expanso da agricultura para novas terras de mata, tendo que se recorrer cultura e colonizao de grandes reas de campos (WAIBEL, 1955, p. 15, grifo nosso).

    O que a citao em destaque deixa claro, alm dos limites expanso, a

    existncia de problemas ambientais anteriores modernizao da agricultura, muito

    embora estes tenham sido por ela agravados. Um interessante relato sobre a

    imigrao italiana no Rio Grande do Sul, feito por Costa Beber (1996), narra um

    episdio de acidente com uma balsa no Rio Uruguai, no incio deste sculo, que

    transportava madeira bruta (toras) para ser vendida na Argentina. Embora no

    tenhamos dados estatsticos sobre a quantidade de madeira que na poca era

    exportada em balsas (mesmo porque provavelmente a maior parte era vendida sem

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    38

    nenhum tipo de controle), a existncia da figura do balseiro revela que esse

    comrcio provavelmente era bastante intenso9.

    Feldens (1989, p.38) apresenta dados de Roche (1969), que confirmam que o

    problema do desmatamento praticamente iniciou com a colonizao pelos imigrantes

    europeus: a cobertura florestal do Estado do Rio Grande do Sul, que era de 36% em

    1850, com 0,5% desmatado, foi reduzida para 30,7% em 1881, 25% em 1914 e

    17,5% em 1945. Ainda segundo este autor (1989, p.39), a mdia anual de

    desmatamento em 160 anos de colonizao (1822-1982) foi de 52.192 hectares. Da

    mesma forma, estava ocorrendo uma perda gradual da fertilidade do solo,

    decorrente da intensificao do uso do mesmo e da reduo do perodo de pousio,

    medida que aumentava a presso demogrfica. Um dos fatores que contribuiu para

    acelerar o processo erosivo dos solos nos lotes foi o traado dos mesmos por

    ocasio da demarcao, invariavelmente no sentido do alto do espigo at um curso

    dgua.

    Isso no significa que a agricultura tradicional, praticada sobretudo por

    imigrantes europeus no Sul do Brasil no perodo anterior Revoluo Verde, no

    tenha mritos intrnsecos, mas que preciso relativizar a noo de que a mesma era

    no apenas mais ecologicamente correta como ainda tinha um grau de autonomia

    quase absoluto em relao aos setores do comrcio e da indstria. Esses

    argumentos carecem de comprovao em fatos histricos. Sobre essa grande

    autonomia dos produtores no perodo que antecedeu modernizao da agricultura,

    vale a pena lembrar o trabalho de Paulilo (1990), realizado no Sul do Estado de

    Santa Catarina, no qual a autora mostra que a dependncia do agricultor em relao

    a outros agentes econmicos histrica, tendo iniciado muito antes da presena das

    agroindstrias integradoras na regio (sunos, aves e fumo). Desde o incio da

    colonizao, os agricultores no tinham autonomia para definir os preos de seus

    produtos, que eram vendidos para os comerciantes que dominavam o comrcio

    local, os quais por sua vez vendiam aos agricultores produtos que eles

    necessitavam. Embora essa pesquisa tenha sido realizada no Sul do Estado de

    Santa Catarina, o processo de ocupao da rea foi muito parecido com o da regio

    9 As balsas eram carregadas no perodo de guas baixas e desciam o Rio Uruguai em direo Argentina na

    poca das chuvas, quando o nvel da gua subia, permitindo assim a passagem do Salto do Yucum. Uma msica bastante popular no Rio Grande do Sul, chamada Balseiros do Rio Uruguai, retrata bem esse acontecimento em versos: Oba, viva, veio a enchente/o Uruguai transbordou/vai dar servio pr gente/vou soltar minha balsa...

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    39

    colonial do Rio Grande do Sul, e no temos razes para acreditar que nesse ltimo

    caso tenha sido diferente.

    certo que a transio de um padro para outro de agricultura no ocorre de

    forma homognea, e que a adoo do padro moderno no significou a eliminao

    pura e simples das formas de agricultura tradicional. Nesse sentido, pode-se afirmar

    que no se trata to somente de rupturas, mas de rupturas e, ao mesmo tempo,

    continuidades. Ou seja: novos estilos produtivos ocorrem misturados com formas

    convencionais de produzir. Entretanto, resulta bastante evidente que quanto mais

    intenso foi o processo de modernizao, mais distantes ficaram as formas

    tradicionais de agricultura. O mesmo pode-se dizer da concentrao fundiria e da

    desagregao de comunidades rurais (h casos na regio Planalto do RS em que

    comunidades inteiras ficaram reduzidas a quatro ou cinco proprietrios das terras).

    7 CONSIDERAES FINAIS

    J se disse que toda a crise traz em si a possibilidade de sua superao. Em

    um ponto quase todos os autores concordam: necessrio mudar a maneira de

    produzir; o padro tecnolgico de agricultura predominante est em crise ou em

    "turbulncia". A questo principal do debate como essas mudanas vo ocorrer.

    A crise manifesta-se nos limites econmicos, mas sobretudo nas

    consequncias sociais e ambientais da moderna agricultura. Todavia, movimentos

    contestatrios ao padro moderno de agricultura no so novos, chegando alguns a

    propor novos estilos de vida e uma concepo diferente da relao ser humano-

    natureza.

    A crtica radical crise socioambiental, da qual a agricultura um

    componente fundamental, implica em um questionamento dos fundamentos da

    moderna cincia, em particular da Agronomia.

    Na discusso sobre os caminhos da transio preciso reconhecer,

    inicialmente, a existncia - talvez aqui o termo coexistncia seja mais adequado - de

    formas distintas de produo, convivendo com o padro hegemnico de agricultura.

    No se pretende negar que o chamado padro moderno de agricultura seja

    francamente dominante e, portanto, que determina as relaes sociais e de

    produo vigentes na agricultura hoje. O que se quer destacar que a adoo do

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    40

    chamado pacote tecnolgico foi na verdade incorporado em diferentes graus de

    intensidade pelos agricultores e, mais importante do que isso, chamar a ateno

    que, no processo de transformao da base produtiva no campo, as tecnologias

    adotadas so frequentemente ressignificadas, sofrendo uma adaptao ou

    reelaborao em sua forma e em seu contedo. Embora seja arriscado afirmar quais

    sero as tendncias dominantes, a forma como ocorre a organizao das

    experincias em curso fundamental para apontar essas tendncias. As

    experincias de agricultura alternativa ou orgnica referidas neste estudo em outros

    pases e, sobretudo, no Sul do Brasil, parecem apontar, antes de uma opo nica,

    para um mosaico de possibilidades. A forma como se d a organizao dessas

    experincias (que reunimos sob a denominao de agricultura alternativa), incluindo

    a sua insero no processo produtivo mais amplo, a transformao e

    comercializao dos produtos agrcolas, fundamental para determinar se elas

    apontam para o surgimento de um novo padro produtivo, ou apenas para uma

    substituio de insumos, sem romper com a ideia de "fabricao da natureza". Essa

    a espinha dorsal de nossa argumentao. Nesse contexto, precisamente o

    arranjo de foras resultante das especificidades ecolgicas regionais, caractersticas

    socioculturais, organizao, assessoria tcnica, polticas pblicas, etc., que ir

    determinar o padro tecnolgico resultante, e no o fato de o produto ser apenas

    considerado como orgnico ou no.

    A trajetria das experincias de agricultura alternativa no Rio Grande do Sul

    confirma a hiptese de que as preferncias do consumidor, expressas de forma

    organizada, tm grande influncia na redefinio de estilos produtivos na agricultura.

    Contudo, a existncia de um mercado em potencial para produtos orgnicos no

    suficiente para desencadear uma mudana no modelo produtivo. O que determina

    os rumos dessa mudana a maneira como essas experincias se organizam.

    Se incontestvel que esse modelo de agricultura teve na pesquisa e na

    extenso rural oficiais aliados importantes para a sua implantao, no menos

    verdadeiro que uma grande parte das anlises crticas do papel dessas agncias

    comete o mesmo erro de enfoque metodolgico do modelo difusionista-inovador

    muito embora criticando suas consequncias, ao fazer uma leitura da realidade rural

    como um padro nico de agricultura, coerente e homogneo. A percepo da

    diversidade de formas de agricultura, convivendo com um modelo hegemnico, leva

    discusso sobre a existncia e a convenincia na adoo de tecnologias

  • Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.

    41

    intermedirias, entre a agricultura convencional, por assim dizer, cuja expresso

    mxima representada pelo modelo da Revoluo Verde, e as propostas

    emergentes de agricultura "alternativa".

    Entretanto, os contornos dessas novas propostas ainda no esto claramente

    definidos. Da a importncia e a necessidade de se estabelecer referncias que vo

    alm das definies genricas e, geralmente, consensuais. A certificao de

    produtos orgnicos deve refletir, mais que um conjunto de normas e procedimentos

    de carter proscritivo e prescritivo, caractersticas do processo produtivo. Nesse

    sentido, importante que existam formas de legitimao social da certificao

    expressa no selo ou marca que identifica o modo diferenciado de produo (aqui o

    caso francs, ainda que no necessariamente voltado para a produo orgnica,

    exemplar, pela forma como a certificao realizada).

    As polticas agrcolas voltadas promoo de estilos alternativos de

    agricultura no devem ser vistas sob a tica produtivista ou de 'subsdios

    injustificveis', mas assumem um carter de "acmulo de experincias" que

    desempenha um papel fundamental na promoo de uma agricultura mais

    parcimoniosa no uso de recursos naturais e socialmente mais justa.

    Dada a necessidade de promover tecnologias local ou regionalmente

    adequadas, do ponto de vista social e ambiental, importante que as polticas

    pblicas no mais sejam pensadas por produto, mas por sistema de produo,

    adaptado s especificidades da comunidade ou regio onde est inserido. Nesse

    sentido, fundamental que essas propostas estejam articuladas com planos

    regionais de desenvolvimento, elaborados em conjunto e a partir das prioridades dos

    agricultores.

    REFERNCIAS

    ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrrio em questo. So Paulo: Hucitec, 1992. 275 p.

    ______. Progresso tcnico na agricultura: a indstria o caminho? Proposta: experincias em educao popular, Rio de Janeiro, n. 27, p. 41-50, nov. 1985.

    ALMEIDA JNIOR, A. R. de. A planta desfigurada: crtica das representaes como mquina e como mercadoria. 1995. 175 p. Tese (Doutorado em Sociologia) -

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    ANDERSON, A. B.; P