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    Revolução na Clínica

    TAGS: psicanálise

     Lacan propôs uma revisão teórica radical na forma de ler e praticar os principaisoperadores clínicos da psicanálise

    Christian Ingo Lenz Dunker

    Na história da psicanálise encontramos três tipos de derivações clínicas da experiênciainaugurada por Freud. Há aqueles, como Jung, Reich ou Adler, que a partir de revisões teóricaschegam a formular projetos clínicos independentes e autônomos. A psicologia analítica, a

     bioenergética e a psicologia individual são concepções de tratamento derivadas, masclaramente distintas da psicanálise. Em segundo lugar, há aqueles que, mantendo-se na órbitados fundamentos do método psicanalítico, inovam sua técnica, seu alcance ou seus objetivos,como é o caso de Ferenczi, Melanie Klein, ou Winnicott. Encontramos aqui as inúmeras

     variantes da psicanálise, seus gêneros, suas escolas, suas tradições locais e internacionais.Finalmente no terceiro grupo de derivações encontram-se os que importam noções eprocedimentos clínicos da psicanálise adaptando-os a outras perspectivas psicoterapêuticas oucontextos de tratamento, com ou sem declaração de proveniência. Aqui o critério não é o dadiversidade interna, nem o da autonomização, mas o da gradualização, ou seja, formas declínica mais próximas ou mais distantes do limite que definiria essencial ou normativamente apsicanálise. Representam este caso as psicoterapias de inspiração ou base psicanalítica, asaplicações psiquiátricas ou pedagógicas e as formações de compromisso com outros projetosclínicos.

    Quando examinamos a posição de Lacan nesse pequeno mapa das formas de clínicapsicanalítica encontramos uma dificuldade. Em primeiro lugar ele propõe uma revisão teóricaradical na forma de ler e praticar os principais operadores clínicos da psicanálise. Isso de fatodá origem a uma tradição autônoma de transmissão da clínica, com suas regras, associações e

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    genealogias. Ocorre que em vez de caracterizar-se e justificar-se segundo “outros princípios”ela apresenta-se como clínica psicanalítica e ademais rigorosamente freudiana. 

    Em segundo lugar Lacan inova tal clínica tanto no que diz respeito à sua técnica (notadamenteo manejo do tempo e das palavras em análise), quanto ao seu alcance (seja com relação aotratamento das psicoses, seja das perversões), e ainda quanto aos seus objetivos (tanto em faceda proposição radical de uma ética da psicanálise, quanto no que diz respeito ao final do

    tratamento). Portanto a experiência lacaniana pode ser recebida como um fragmento adicionalno quadro da diversidade das psicanálises. Novamente encontramos objeções para enquadrar aclínica lacaniana neste critério. A adesão de Lacan às suas inovações técnicas, a idiossincrasiade seu estilo, e as conseqüências políticas de suas idéias, determinam que ele seja expulso da

     Associação Psicanalítica Internacional, em 1963. Teoricamente isso representaria um casolimite de passagem da condição de “diversidade no interior do mesmo” para a situação de“outra coisa que deve ser expelida”. Ora, naquele momento Lacan já havia contribuídosignificativamente para formar uma nova geração francesa de analistas, contava 62 anos deidade e era figura conhecida e respeitada tanto nos círculos psicanalíticos quanto psiquiátricos.Portanto sua descaracterização como psicanalista soa apenas como uma manobra político-normativa, francamente indefensável segundo parâmetros atuais. Isso, no entanto, cria essaespécie de paradoxo para localizá-lo como origem de uma orientação psicanalítica entre outras.

    Essa situação duplamente anômala (clínica independente, mas não autônoma e clínica diversa,mas excluída normativamente do conjunto) sugere que tratamos aqui de um exemplo doterceiro tipo, qual seja,  uma clínica mais ou menos psicanalítica. Ora, esse enquadramentotambém não é possível. Há um esforço contínuo de Lacan para fundamentar não apenas apsicanálise, como teoria do inconsciente e das pulsões, mas seu método de tratamento. Umesforço para determinar as condições e limites não apenas de um prolongamento da técnica oude certas modificações de sua doutrina teórica, mas de toda e qualquer experiência que sequeira psicanalítica. Para Lacan o psicanalista, para além de uma pessoa e de uma função,toma parte no próprio conceito de inconsciente.  Desta maneira ele contribui para estabeleceralguma unidade do próprio campo psicanalítico e para uma separação mais clara frente aoutras modalidades de tratamento psicológico.

    Uma Clínica radical

    Essa ambição de fundamentar a ação do psicanalista tanto ética quanto epistemologicamente éao mesmo tempo um convite à exploração de novas formas de intervenção e à construção deum estilo próprio para cada analista. Ou seja, em vez de padronizar a ação, normativizar aformação de analistas e burocratizar os procedimentos clínicos, Lacan tenta fixar algunsprincípios com segurança e convidar o psicanalista a pensar e problematizar continuamente asrazões de sua prática. Um exemplo muito discutido dessa atitude é o uso do tempo lógico.

     

    Investigando a incidência da temporalidade nas relações intersubjetivas Lacan propõe umaespécie de modelo lógico para pensar as relações do sujeito com seu próprio ato no tempo,

    dada a hipótese do inconsciente. No processo de construção de certezas, decisões e escolhasnos deparamos sempre com o outro e conseqüentemente com nosso próprio desejoinconsciente. Como interpolar este aspecto decisivo da experiência de qualquer sujeito nointerior da clínica psicanalítica? A tese de Lacan é de que o próprio tempo da sessão e dotratamento em seu conjunto deveriam ser ponderados a partir desse aspecto constitutivo dossujeitos desejantes. Ou seja, quando uma sessão de psicanálise começa nunca se sabe quandoela vai terminar. Sua duração é variável e dependente do que é efetivamente dito e realizadoentre os participantes da cena analítica. Um bom exemplo de como um fundamentoteoricamente simples leva a conseqüências práticas, técnicas e éticas difíceis de enfrentar. Na

     verdade é bastante intuitivo que nossa experiência com o tempo dependa do tipo de relação naqual estamos e, reversamente, o tipo de relação com o tempo (pressa, atraso, suspensão,indeterminação) condiciona aspectos fundamentais de nosso encontro com o outro. Ora, porqual motivo tal trivialidade teórica, corroborada pela intuição prática mais simples, nãopoderia ser levada em conta na psicanálise? Se esta é uma experiência radicalmente fundadano sujeito, por que descartar seus elementos constituintes: o tempo, a fala e o desejo? 

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    Portanto, no projeto clínico engendrado por Lacan encontramos essa partilha entre umaexigência radical de produção da singularidade, na forma de receber a tratar cada pacientesegundo o conjunto de particularidades e contingências únicos que regem uma vida, e aaspiração universalista de prestar contas da ação clínica do psicanalista segundo critérioscomuns, públicos e conceituais. Esta dupla exigência de singularidade e universalidadeexprime-se em quatro aspectos de seu programa clínico:

    Lacan procura mostrar que a psicanálise é capaz de contar com uma psicopatologia própria, ouseja, que os quadros clínicos há muito conhecidos pela psiquiatria e pela medicina da alma,podem e devem ser redescritos segundo as condições do método psicanalítico. Com isso Lacanconsegue despsiquiatrizar

     

    e desbiologizar a psicanálise sem que esta deixe de ser uma clínica,no sentido mais rigoroso do termo. Há, portanto, diagnóstico psicanalítico, mas ele não deveser entendido como detecção de uma doença orgânica ou de um desvio moral, mas como umdiagnóstico das formas de relação do sujeito com o outro, especificamente segundo o fenômenodescrito por Freud como transferência. Há uma semiologia, mas esta não é formada por umconjunto de signos estáveis ou por um dicionário de sintomas, mas pela relação do sujeito comsua própria fala, com a linguagem que esta pressupõe e com os discursos que a organizam. Háainda um método de intervenção, mas este não equivale a um conjunto de protocolos técnicosque devem ser anonimamente seguidos, mas por uma relação ética com o desejo, inclusive opróprio desejo do analista, que condiciona as interpretações e a condução da cura em seuconjunto. Finalmente Lacan investigou sistematicamente a questão da causa, descartouqualquer associação do inconsciente com a irracionalidade e estudou a profunda regularidadeestrutural dos sintomas, das inibições e das angústias. Ou seja, há uma clínica psicanalítica eesta não é apenas importação deformada ou mimetizada da clínica médica. Trata-se de umaclínica autônoma capaz de oferecer seus próprios fundamentos segundo o crivo da razão e emacordo com critérios de cientificidade, justificação e transmissão que lhe seriam atinentes.

     O segundo aspecto do programa clínico lacaniano corresponde à crítica sistemática doexercício do poder na situação de tratamento.

     

    Lacan entendeu primeiramente que isso seoriginava na forma autocrática e subserviente como a formação de analistas vinha sendo

    tratada nos anos 1940 e 1950. 

    Ou seja, após anos obedecendo regulamentos e mestres estaexperiência de dominação tendia a reproduzir-se no interior do tratamento psicanalítico. Ofato motivou Lacan a pensar mais radicalmente essa vocação humana para a servidão

     voluntária e para a alienação, relação esta que se atualiza nas formas de sintomas, nos tipos derelação neurótica, perversa ou psicótica, e que afinal definem uma espécie de desconhecimentosistemático do sujeito em relação a seu desejo. Seja no sentido de sua implicação oureconhecimento neste desejo, seja no sentido de sua realização simbólica, no quadro de umahistória ou de suas condições de socialização, esse sistema de desconhecimento do desejo edesresponsabilização de si é o motor da alienação e procede do que Lacan chamou deimaginário. Distinguir a dimensão imaginária da dimensão simbólica na condução dotratamento seria assim um primeiro antídoto para que a “impotência em sustentarautenticamente uma praxis [não se reduza] ao exercício de um poder”. A pedagogia ouortopedia da alma, assim como a direção da consciência, rumo à adaptação ou conformismo,figuram assim como anti-modelos para a psicanálise lacaniana. Nesse sentido Lacan pretendeorientar o tratamento psicanalítico para uma espécie de dissolução das condições que otornaram possível, ou seja, para uma experiência radical de decomposição da ficção pela qual opsicanalista apresenta-se como soberano mestre de nosso saber inconsciente (função tambémchamada de sujeito suposto saber). Isso implica também a travessia das identificações, filiaçõese ideais que se infiltram na relação do sujeito com a lei simbólica. É ainda pretensão dotratamento estabelecer uma espécie de separação com relação à nossa paixão específica pelaqual nos oferecemos e nos tomamos como objetos.

    O terceiro aspecto saliente no projeto clínico de Lacan é sua insistência de que este seja uma

    espécie de aventura da verdade. Recuperando a noção forte de experiência, como percursodialético e transformativo pelo qual um sujeito se encontra e produz suas próprias condiçõesde existência, a psicanálise coloca-se simultaneamente como um empreendimento dedescoberta e invenção.

     

    Descoberta no sentido de que o trabalho da associação livre em análise,

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    a rememoração e a reapropriação dos desejos desejados por uma vida, levam a uma espécie dereconstituição simbólica do desejo. A descoberta de certas regularidades, por exemplo, nagramática da vida amorosa ou na recorrência de certas injunções da economia libidinal, produzalgum incremento de saber sobre a vida do paciente. A lição clínica de Lacan começa pelo fatode que esse saber, obtido pelo processo de decifração do inconsciente, segundo a rigorosaescuta da fala do paciente, com o menor acréscimo possível de sentido, esse saber não cura osujeito. É fato que isso produz efeitos de estabilização narcísica, de redução de angústia e até derearticulação das relações com a realidade e seus laços constitutivos. Ou seja, há um efeitoterapêutico decorrente de tal forma de produzir um saber, de refazer uma história, derecuperar as escolhas de um sujeito segundo determinações que lhe escapam. Contudo, umapsicanálise não termina, mas começa neste ponto. Para Lacan uma experiência psicanalíticadeve ser capaz de inventar uma verdade, deve ser um acontecimento de verdade na vida dealguém. Não se trata da verdade como conteúdo ou conjunto de saberes mais ou menosconfiáveis sobre si mesmo. A psicanálise, para Lacan, não é uma experiência deautoconhecimento, pois só se pode conhecer propriamente objetos, conhecer-se a si mesmo étomar-se como objeto, portanto alienar-se, logo um contra-senso diante da perspectivalacaniana. A psicanálise tem mais que ver com cuidar de si  do que com conhecer a si . ParaLacan uma verdade só pode ser semi-dita, e dita em uma dada estrutura de ficção, de modosingular, mas não individual. Ela é muito mais tempo, ou acontecimento local, do que um

    enunciado universalmente verídico ou plausível, muito mais experiência e formalização de umparadoxo do que evidência clara e distinta.

    O quarto aspecto que caracteriza a clínica de orientação lacaniana diz respeito ao que não podeser curado, ou seja, ao destino do intratável em um determinado sujeito.

     

     Aqui aparece umtraço anti-psicológico ou anti-filosófico marcante dessa concepção de experiência psicanalítica.Ou seja, ela se propõe reduzir o sofrimento, dissolver certos sintomas, mas ela não é capaz deacabar com o que Freud chamava de mal-estar (Unbehagen). Tudo se passa como se no núcleode certos sintomas (mas não de todos), na forma cristalina de certas angústias (mas não detodas) e no fundo no que há de pior na experiência de alguém, encontrássemos algo queprecisa ser reconhecido ou destinado, mas não eliminado. É o que Freud chamava de pulsão demorte e que compõe um verdadeiro divisor de águas dentro da história da psicanálise entreaqueles que admitem e aqueles que recusam tal conceito. Lacan leu essa noção de váriasmaneiras: como repetição insidiosa que atravessa a vida de alguém, como fascinação neuróticapelo trauma, como lugar de retorno da alucinação, como uma espécie de molde às avessas paranossa própria sexualidade e eventualmente para nosso masoquismo. A esta série de fenômenosclínicos e de constatações em torno da forma como lidamos com certas condições como afinitude, o desamparo e a diferença sexual, Lacan deu o nome de Real. Assim como a verdadenão se corresponde muito bem com o saber, o Real não se confunde com a realidade. O Realpoderia ser definido como aquilo que, fazendo parte da existência, não entra na realidade. Elenão cabe na realidade, mas é o impossível necessário para que ela exista de forma consistente.Daí as ligações do Real com a criação e com a sublimação. Mais ao final de sua vida Lacancomeça a perceber que as ambições clínicas da psicanálise dependiam da forma como se

    considerasse o Real e da possibilidade e dos limites de tratá-lo pelo Simbólico ou peloImaginário. 

    Lacan nunca publicou um caso clínico em psicanálise. O caso Aimée remonta à sua formaçãocomo psiquiatra e neurologista. Nele descobrem-se fatos clínicos que serão revisitados ao longode toda sua obra: a tendência à autopunição, a importância clínica dos atos disruptivos e odrama humano diante da lei e da luta pelo reconhecimento. Isso é compatível com a estratégiade fundamentação da clínica que apresentamos até aqui. Ao reexaminar em detalhes os casosclínicos de Freud e de psicanalistas que lhe eram contemporâneos ele demonstrava suaconfiança no potencial de transmissibilidade de uma experiência singular. Por outro lado, aotrazer para o exame clínico monumentos da cultura como Antígona, Hamlet e Sade, bem comoexpoentes de sua época como James Joyce e Marguerite Duras, Lacan parece igualmente

    confiar na universalidade de seu objeto.

    Christian Ingo Lenz Dunker é professor de Psicologia na USP e autor de Lacan e a clínica

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    da interpretação (Ed. Hacker/Cespuc), entre outros

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