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ANO 3 • ED 6 | JULHO DEZEMBRO 2014 A Escola de Cambridge e o desenvolvimento do documentário autobiográfico norte-americano Gabriel Tonelo 1 1 Documentarista e pesquisador. Realiza pesquisa de Doutorado (auxílio FAPESP) no programa de Multimeios da Universidade Estadual de Campinas. e-mail: [email protected]

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    A Escola de Cambridge e o desenvolvimento do documentrio autobiogrfico norte-americano

    Gabriel Tonelo 1

    1 Documentarista e pesquisador. Realiza pesquisa de Doutorado (auxlio FAPESP)

    no programa de Multimeios da Universidade Estadual de Campinas.

    e-mail: [email protected]

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    Resumo

    Buscaremos estabelecer uma breve genealogia do desenvolvimento da escrita autobiogrfica

    aplicada ao cinema de no fico, principalmente no que diz respeito ao grupo sediado em Cambridge

    (EUA). A partir do final dos anos 1960, um grupo de cineastas, alunos e professores que transitava

    entre a Universidade de Harvard e o MIT desenvolveu uma srie de filmes que visava pensar a maneira

    atravs da qual aspectos autobiogrficos poderiam ser construdos em narrativas documentrias,

    envoltos pela virada epistemolgica advinda do Cinema Direto. Discutiremos mais de perto o caso do

    dirio filmado de Ed Pincus, Diaries 1971-1976 (1982), e os filmes autobiogrficos de Ross McElwee,

    tratando-os como dois dos principais representantes do pensamento de Cambridge em relao

    autobiografia flmica.

    Palavras-chave: Documentrio norte-americano; Autobiografia; Ensaio;

    Cambridge.

    Abstract

    This article seeks to establish a brief genealogy of the development of autobiographical writing

    applied to the non-fiction film, especially regarding the group based in Cambridge (USA). From the late

    1960s on, a group of filmmakers, students and teachers whose activities were based at Harvard

    University and MIT developed a series of films that aimed to think the way in which autobiographical

    aspects could be constructed in documentary narratives, surrounded by the epistemological turn that

    arose from Direct Cinema. We will discuss more closely the cases of Ed Pincus cinematographic diary,

    Diaries 1971-1976 (1982), and the autobiographical films of Ross McElwee, treating them as two of the

    main representatives of the Cambridge groups thoughts regarding filmic autobiography.

    Keywords: North American Documentary; Autobiography; Essay; Cambridge.

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    Narrativas autobiogrficas, processos de autoinscrio flmica e ensasmo so

    alguns temas frequentemente abordados atualmente, no que diz respeito tanto

    produo bibliogrfica acadmica quanto ao universo de exibies e mostras

    dedicadas ao Cinema Documentrio. Durante duas semanas, no ms de maro e

    abril de 2014, foi organizada a mostra Silncios Histricos e Pessoais2, em So

    Paulo, que exibiu dezessete documentrios latino-americanos 3, produzidos a

    partir da dcada de 2000. Todos apresentavam consistentes traos de escrita

    autobiogrfica em suas narrativas e, de maneiras bastante diversas, lidavam com

    questes histricas, sociais e polticas de um ponto de vista individualizado.

    Michael Renov, autor estadunidense que dedicou muito de sua obra anlise da

    escrita autobiogrfica em Cinema e Vdeo, lembra a srie de conferncias First

    Person Film (RENOV, 2014, p. 30), acontecidas na Gr-Bretanha durante alguns

    anos da dcada de 2000, que se dedicou exibio e teorizao acerca de

    narrativas documentrias autobiogrficas.

    Podemos recordar aqui algumas dessas narrativas documentrias que

    apresentam traos autobiogrficos e que adquiriram maior visibilidade nas ltimas

    dcadas, seja pela sua recorrncia em textos analticos ou por uma maior

    recepo de pblico e crtica. Shermans March (1986), a quixotesca jornada do

    diretor Ross McElwee em busca de um novo relacionamento amoroso e sua

    metafrica relao com o General William Sherman, venceu o festival de

    2 Organizada por Natalia Christofoletti Barrenha e Pablo Piedras, a mostra aconteceu no espao da

    Caixa Cultural (So Paulo), de 26 de maro a 6 de abril de 2014. 3 Argentinos: A Garota do Sul (La Chica del Sur, Jos Luis Garca, 2012); Famlia Tpica (Familia Tipo,

    Cecilia Priego, 2009); Fotografias (Fotografas, Andrs de Tella, 2007); M (Nicols Prividera, 2007); Os

    Loiros (Los Rubios, Albertina Carri, 2003); Papai Ivan (Pap Ivan, Maria Ins Roqu, 2004); Um Pogrom

    em Buenos Aires (Un Pogrom en Buenos Aires, Herman Swarcbart, 2007). Brasileiros: Dirio de Uma

    Busca (Flavia Castro, 2010); Em Busca de Iara (Flavio Frederico, 2013); Os Dias Com Ele (Maria Clara

    Escobar, 2013). Uruguaios: Diga a Mario que no volte (Decile a Mario que no Vuelva, Mario Handler,

    2007); Segredos de Luta (Segredos de Lucha, Maiana Bidegain, 2007) Paraguaio: Espeto de Pau

    (Cuchillo de Palo, Renate Costa, 2010). Chilenos: O Eco das Canes (El Eco de Las Canciones,

    Antonia Rossi, 2010); O Prdio dos Chilenos (El Edificio de Los Chilenos, Macarena Aguil, 2010); Rua

    Santa F (Calle Santa Fe, Carmen Castillo, 2007). Mexicano: Perdida (Viviana Garca Besn, 2009)

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    Sundance no ano seguinte de seu lanamento e, segundo consta, seria o dcimo

    documentrio de longa-metragem mais vendido de todos os tempos (HUNT,

    1994). Roger e Eu (Michael Moore, 1989) teve bilheteria de mais de cinco milhes

    de dlares e lanou publicamente a figura de Michael Moore. Outros filmes, como

    Tongues Untied (Marlon Riggs, 1989), Nobodys Business (Alan Berliner, 1996),

    Tarnation (Jonathan Caouette, 2003), Valsa com Bashir (Ari Folman, 2008) seriam

    rapidamente lembrados em uma discusso que visaria exemplificar as diferentes

    maneiras atravs da qual os aspectos autobiogrficos so pensados, construdos

    e recepcionados no documentrio contemporneo.

    Se o cruzamento entre autobiografia e documentrio j provocava o interesse

    de diretores em pases como a Frana e os EUA j no comeo dos anos 1960,

    como veremos adiante, no Brasil tal preocupao estilstica e metodolgica tomou

    forma a partir da dcada de 2000. Algumas incidncias particulares anteriores

    seriam o dirio filmado de David Perlov (Yoman, 1973 1983), desenvolvido em

    seis captulos, de 1973 a 1983, para a televiso israelense; e o curta-metragem

    Seams (Karim Anouz, 1993), em que o diretor cearense (no momento ainda

    radicado nos EUA seu filme narrado em ingls) nos mostra aspectos de sua

    juventude, atravs de entrevistas com sua av e suas tias-avs, expondo a

    amargura de um machismo endmico vivenciado na regio. na dcada seguinte,

    entretanto, que alguns lanamentos colocaram em vigor o debate acerca dos

    documentrios autobiogrficos no Brasil, como foi o caso de Um Passaporte

    Hngaro (Sandra Kogut, 2002); 33 (Kiko Goifman, 2003) e Santiago (Joo Moreira

    Salles, 2007). J nesses ltimos anos, esse tipo de preocupao na relao entre

    autobiografia e documentrio encontra bastante recorrncia na produo

    brasileira, tanto como exemplificado pelos filmes da mostra citada, Silncios

    Histricos e Pessoais e por outros, como Elena (Petra Costa, 2012) e Mataram

    Meu Irmo (Cristiano Burlan, 2013).

    Talvez, portanto, no seja apressado inferir que as narrativas documentrias

    que apresentam algum tipo de aspecto ou escrita autorreflexivos ocupem um

    lugar de destaque naquilo que se chama de documentrio contemporneo. Uma

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    vasta gama de termos hoje utilizada para que autores e crtica refiram-se a esse

    tipo de documentrio. Ainda na dcada de 1990, Bill Nichols (1994) cunha o termo

    Documentrio Performtico (Performative Documentary) para analisar uma srie

    de filmes (e vdeos) lanados na dcada de 1980 e na dcada de 1990 em que a

    escrita a respeito do Eu teria, de alguma forma, papel preponderante. Publicado

    em 1999, a obra Experimental Ethnography, de Catherine Russell, tem seu

    captulo final (Autoethnography, ou, Autoetnografia) dedicado anlise de obras

    de cineastas como George Kuchar, Jonas Mekas e Chris Marker, tambm sob a

    luz dos processos autorreflexivos existentes nos filmes. Tantos outros termos,

    desde ento, como Filmes em primeira pessoa ou a teorizao mais recente a

    respeito de um possvel cruzamento entre a teoria literria do Ensaio e a narrativa

    cinematogrfica (Filmes Ensaio ou Ensaio Flmico) so designados para a

    reflexo crtica acerca de determinados filmes. Apesar disso, o termo

    Documentrio Autobiogrfico talvez seja o mais recorrente entre eles,

    possivelmente pelo amplo espectro que o termo Autobiografia (e,

    principalmente, sua adjetivao autobiogrfico) engloba, pressupondo uma

    modalidade de escrita em que h inegvel movimento de autorrepresentao.

    Esta terminologia nos remete, portanto, literatura, onde a autobiografia

    encontra fortes alicerces tericos e crticos e que se consolida como um objeto de

    estudo bastante definido, desenvolvido atravs dos sculos e encontrando

    diversas variantes (dirios, memrias, ensaios) desde sua origem at a

    modernidade. A maioria dos tericos da autobiografia literria reconhece nas

    Confisses de Santo Agostinho, escritas no sculo V, o primeiro modelo de obra

    autobiogrfica cristalizado no Ocidente como forma narrativa. No

    necessariamente o primeiro texto em que um autor escreve a respeito de si ou de

    sua prpria vida, argumenta-se que Agostinho foi o primeiro autor cuja escrita

    evocou uma espcie de linguagem cara escrita autobiogrfica. Segundo o autor

    Avram Fleishman (1983), os instrumentos atravs dos quais os autobigrafos

    foram capazes de cristalizar suas vidas (motes, passagens, convenes,

    revises) constituem a linguagem autobiogrfica que detectada recorrentemente

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    nos textos autobiogrficos ocidentais. Em outras palavras, a partir de Agostinho

    que reconhece-se na Autobiografia uma espcie de arte autnoma dentro do

    campo da literatura, seriedade esta encontrada em outros autobigrafos que

    fazem parte do corpus tradicional deste universo conceitual e de perodos to

    distintos entre si, como John Henry Newman, John Stuart Mill, Jean-Jacques

    Rousseau, William Butler Yeats, Malcolm X, Maya Angelou, entre outros.

    Conseguiramos, entretanto, traar uma linha histrica referente ao

    desenvolvimento da autobiografia no cinema documentrio? Se a autobiografia

    um dos aspectos prementes do documentarismo contemporneo, como tentamos

    demonstrar acima, haveria a possibilidade de detectarmos como tudo comeou?

    Ao que consta, a escrita autobiogrfica aplicada ao cinema de no fico no

    apresenta uma fronteira clara em relao a processos discursivos de autoinscrio

    que fundamentariam obras subsequentes. Em outras palavras, no existe um filme

    que seja considerado unanimemente como marco do surgimento daquilo que hoje

    se convenciona como Documentrio Autobiogrfico.

    Alguns autores dedicam extensos estudos referentes ao tema, atravs dos

    quais podemos, ao menos, fundar alguns pontos de partida e, tambm, refletirmos

    acerca de algumas questes que circundam as maneiras atravs das quais pode-

    se desenvolver o cruzamento entre a autobiografia e um sistema sgnico distinto

    de representao, o cinema. Um desses autores Michael Renov, j citado, que

    sustenta um interesse de mais de duas dcadas pelo cruzamento entre

    autobiografia e cinema. Renov entende que a autobiografia flmica existe de

    muitas maneiras, sendo que os processos de autoinscrio acontecem atravs de

    diferentes estilsticas e construes narrativas. Em seus textos, o autor resgata e

    elabora modalidades narrativas relativas a essas possibilidades, como as do

    ensaio eletrnico, a etnografia domstica, o modo epistolrio, etc. Seu livro

    The Subject of Documentary (RENOV, 2004) analisa a fundo cada uma dessas

    modalidades propostas pelo autor, atravessando um nmero significativo de

    obras audiovisuais autobiogrficas produzidas, sobretudo, nos EUA.

    Renov sugere a dcada de 1950 como um perodo importante para uma virada

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    epistemolgica no campo do documentrio. Filmes de auteurs franceses como

    Jean Rouch (Les Mitres Fous [1955]; Moi, un Noir [1958] e, posteriormente,

    Chronique dun et [1961]) e Chris Marker (Lettre de Sibrie [1958]; Si JAvais

    Quatre Dromedaires [1966] e Le Mystre Koumiko [1967]) exibiam procedimentos

    narrativos que inovavam a relao entre cineasta e narrativa que at ento

    figurava no cinema documentrio. Com o desenvolvimento de uma narrao em

    voz over autoral (RENOV, 2004, p. xxi), o conhecimento fornecido pelos filmes

    destes diretores aproximava-se de noes parciais ou situadas,

    diferentemente do conhecimento onisciente e vertical implicado na utilizao da

    voz over no documentarismo clssico. Da mesma forma, esses filmes

    desenvolveram procedimentos de narrao em over que indicavam a aproximao

    do texto identificao do cineasta, personificado na narrativa. Embora que as

    narraes no apresentassem um texto autobiogrfico per se, sugeriam discursos

    dotados de carga subjetiva e certamente distanciados de uma tica estritamente

    educativa e expositiva em relao um tema, anunciando tempos de mudana em

    questes relativas transparncia da figura do cineasta na narrativa

    documentria.

    Em outro texto, Renov (2014) sugere mais um avano em relao explorao

    autobiogrfica, ainda num perodo prximo a este descrito acima. Trata-se de

    diversas obras de artistas vinculados ao cinema avant-garde norte-americano,

    como Stan Brakhage, Jonas Mekas, Jerome Hill, Hollis Frampton e James

    Broughton. Todos esses diretores desenvolveram pelculas que, de maneiras

    bastante distintas, exibem relatos e construes acerca de alguma passagem ou

    perodo da vida do prprio artista. No caso de Brakhage, Window Water Baby

    Moving (1959) e Thigh Line Lyre Triangular (1961) so alguns de seus filmes que

    certamente portam uma verve autobiogrfica na medida em que Brakhage realiza

    o registro do parto de seu primeiro e terceiro filho, respectivamente. So filmes

    silenciosos, exibem uma montagem bastante fragmentada, ao estilo prprio do

    diretor, e utilizam-se de diversos recursos que alteram as propriedades imagticas

    do que foi filmado (no caso do segundo filme, inclusive, uma recorrncia bem

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    maior da escrita direta sobre a pelcula). Mekas, com seu pico filme-dirio

    Walden: Diaries, Notes and Sketches (1969), Jerome Hill com Film Portrait (1973),

    Hollis Frampton com nostalgia (1971) e James Broughton com Testament (1974)

    utilizam-se do recurso verbal a prpria fala do artista, predominantemente

    atravs da narrao em over para contar-nos a respeito de suas vidas, tambm

    atravs de recursos narrativos bastante diversos entre si. Todos esses filmes, em

    alguma medida, veem como parte integrante do processo narrativo o uso das

    mais variadas trucagens imagticas e sonoras, reconstrues dramticas,

    montagens fragmentadas ou reconstrues referentes ao onrico, talvez como

    parte do dilogo fluente entre esses artistas e o universo das artes plsticas. P.

    Adams Sitney (2002), cujo trabalho explora minuciosa e profundamente cada um

    desses trabalhos e outros inclusive ressaltando o carter autobiogrfico de

    muitos deles utiliza-se de expresses para designar alguns desses filmes como

    sendo autobiografias de encarnao artstica (SITNEY, 2002, p. 377) ou mesmo,

    quando falando de nostalgia, autobiografia performtica. Vemos nesses

    trabalhos um questionamento recorrente das possibilidades e propriedades do

    filme como meio e como expresso artstica.

    Sendo assim, talvez essas preocupaes no estivessem totalmente em

    sintonia com a virada conceitual que o cinema documentrio sofreu no final dos

    anos 1950 e nos anos 1960, com o advento do Cinema Direto. Outro grupo de

    cineastas dedica-se a explorar a autobiografia flmica de uma maneira diferente e

    com preocupaes tambm distintas se comparadas s dos artistas avant-garde

    citados, sendo este que trataremos aqui com mais cautela. Trata-se de um grupo

    que se estabeleceu dominantemente nos arredores de Boston, regio da qual a

    cidade de Cambridge (e suas universidades) faz parte. O grupo - ou escola - de

    Cambridge hoje reconhecido como um significativo movimento dentro do

    documentarismo norte-americano, principalmente no que diz respeito ao

    desenvolvimento de narrativas autobiogrficas, a partir do final da dcada de

    1960. Alguns dos nomes relacionados a este momento so Ed Pincus, Alfred

    Guzzetti, Jim McBride, Michel Negroponte, Robb Moss e, talvez o mais

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    reconhecido entre eles, Ross McElwee. Jim Lane (2002) e Scott MacDonald (2013)

    so autores que desenvolveram obras referenciais sobre o assunto. Lane sustenta

    que ambos momentos que citamos aqui anteriormente o documentrio europeu

    na forma de Marker, Rouch, Resnais e outros, e tambm o avant-garde norte-

    americano - teriam tido influncia para o desenvolvimento desses filmes.

    possvel dizer, entretanto, que estes cineastas inseriam-se em uma tradio

    prpria no documentarismo americano, tanto clssico quanto moderno:

    A maioria dos documentaristas autobiogrficos surgiu de uma tradio flmica

    distinta: o documentrio americano. Dentre as figuras desta tradio esto inclusos

    Robert Flaherty, Willard Van Dyke, Richard Leacock e Frederick Wiseman. (...) Para

    os novos documentaristas, a cmera e o gravador de fita magntica eram

    ferramentas que serviam para explorar e apresentar seus mundos, apoiando-se no

    estatuto semitico dos meios flmicos e sonoros. (...) Assim, o documentrio

    autobiogrfico era fundamentalmente diferente do avant-garde autobiogrfico em um

    nvel formal. A esttica cinematogrfica era colocada mais a servio da explorao

    do mundo social em vez de desafiar a tradio da arte representacional. (LANE,

    2002, p. 14. Traduo Nossa.)

    Enquanto Lane utiliza-se da terminologia Documentrio Autobiogrfico

    (Autobiographical Documentary) para referir-se a esses filmes, MacDonald prefere

    utilizar o termo Documentrio Pessoal (Personal Documentary). Porm, o corpus

    analisado por ambos autores , quase que em totalidade, o mesmo. Podemos

    relatar aqui um breve histrico do grupo. J na dcada de 1960 a regio de

    Boston (MA) era vista como um importante centro aglutinador de cineastas-chave

    para o desenvolvimento do Cinema Direto. Os irmos Albert e David Maysles e o

    cineasta Frederick Wiseman nasceram na cidade e fizeram filmes na regio. Titicut

    Follies, por exemplo, o filme inaugural do diretor e um de seus documentrios

    mais conhecidos, foi gravado em uma instituio de sade mental em

    Bridgewater, estado de Massachusetts.

    J Cambridge, cidade da macrorregio de Boston e lar tanto da Universidade

    de Harvard como do MIT, abrigar, por meio destas universidades, dois avanos

    distintos na histria do documentrio americano. Um deles o filme etnogrfico.

    O cineasta e antroplogo Robert Gardner funda o Film Study Center em 1957,

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    uma unidade de produo e de pesquisa cinematogrfica vinculada ao Peabody

    Museum, e l realiza filmes at 1997, dentre os quais Dead Birds (1965) e Forest of

    Bliss (1985). John Marshall realiza The Hunters ainda em 1957, um dos muitos

    filmes que realizou na Nambia. The Hunters, assim como grande parte de seus

    filmes, foi filmado aps sucessivas viagens realizadas por ele e sua famlia - que

    tinham profundo interesse pela antropologia - Nambia, pesquisas estas

    financiadas pelo Peabody Museum. O filme teria sido ps-produzido juntamente

    com Robert Gardner e Marshall era visto como referncia para jovens cineastas

    que frequentavam a regio, como Ross McElwee4. Uma terceira figura cara ao

    desenvolvimento da antropologia flmica americana Timothy Asch, que trabalhou

    no Peabody Museum e acabou por ajudar a produzir muitos dos filmes de John

    Marshall (MACDONALD, 2013, p. 5). Posteriormente, Asch juntar-se-ia ao

    polmico antroplogo Napoleon Chagnon5. Juntos, a dupla realizou filmes como

    The Ax Fight (1975), finalizada em Cambridge, em um momento em que Asch

    tambm j era professor na Universidade de Harvard.

    Em 1968, Richard Leacock, outra figura-chave ligada ao desenvolvimento do

    Cinema Direto norte-americano, junta-se ao cineasta Ed Pincus para que

    fundassem o centro de ensino, pesquisa e produo cinematogrfica do MIT, o

    MIT Film Section. Pincus, assim como Leacock, alinhava-se s preocupaes

    metodolgicas e representacionais do Cinema Direto. Seu filme mais recente

    poca era Black Natchez (1967). Filmado com equipamento leve e som sincrnico,

    um registro da tentativa da organizao e criao de uma comunidade negra de

    resistncia em Natchez, cidade do Mississippi, Sul dos Estados Unidos. A dupla

    foi reconhecida por desenvolver continuamente tecnologias e mtodos que

    4 McElwee trabalhar como cinegrafista em N!ai The Story of a !Kung Woman (1980), outro filme

    dirigido por Marshall na Nambia. 5 Chagnon, que desenvolveu trabalho de muitos anos com os ndios Ianommi, foi questionado a

    respeito de seus mtodos de pesquisa e acusado de provocar uma epidemia de sarampo entre os

    ndios. O cineasta Jos Padilha explora essa polmica em seu documentrio Secrets of the Tribe

    (2010).

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    facilitassem o registro cinematogrfico em locao, com equipes cada vez

    menores. Em 1972, Pincus publica um artigo (PINCUS, 1972) em que sugere a

    possibilidade de filmar e captar som sincrnico em uma equipe de uma pessoa

    s. Este mtodo solo de captao de som e imagem aprimorado por Pincus foi

    replicado por muitos de seus alunos que passaram pelo MIT Film Section durante

    a dcada de 1970 e que cujas carreiras basearam-se, tambm, em uma relao

    autossuficiente entre cineasta e a produo do filme.

    O interesse de Pincus por um aparato flmico que possibilitasse a experincia

    de filmar sozinho, entretanto, iria alm de uma inovao tcnica ou de questes

    oramentrias. Durante cinco anos na dcada de 1970 (de 1971 a 1976) o diretor

    filmou o documentrio pelo qual se tornou mais conhecido, lanado no incio da

    dcada de 1980. Diaries (1971 1976) um documentrio de mais de trs horas

    de durao, construdo maneira de um dirio flmico, em moldes ainda pouco

    vistos no documentarismo de ento6. Nos cinco anos de filmagem, Pincus voltou

    a cmera (e o gravador de som) para dentro de sua casa, tomando como

    protagonistas de seu filme as pessoas mais prximas de si: sua famlia. O diretor

    ocupou-se de registrar momentos cotidianos dos mais diversos, com sua esposa,

    Jane, seus dois filhos, amigos prximos, colegas de trabalho e amantes. Ed e

    6 importante notar que outros cineastas experimentavam narrativas autobiogrficas na dcada de

    1970, como o caso dos filmes vinculados ao avant-garde americano, citados previamente. Para alm

    desses, o cineasta brasileiro-israelense David Perlov desenvolve seu dirio filmado por dez anos (de

    1973 a 1983), que resultou em seis captulos de uma hora de durao, veiculados na televiso

    israelense. O cineasta holands Johann van der Keuken, tambm, retrata sua famlia em dois de seus

    documentrios, Diary (Dagboek, 1972) e The Filmmakers Holiday (Vakantie van der Filmer, 1975).

    Alfred Guzzetti, outro cineasta caro ao desenvolvimento do documentrio autobiogrfico nos EUA,

    lana Family Portrait Sittings, um de seus filmes mais conhecidos, em 1975. H uma diferena

    fundamental entre esses filmes e a experincia de Pincus, entretanto, que reside no empenho do

    cineasta em ligar uma metodologia cara ao Cinema Direto explorao autobiogrfica. Pincus

    almejava construir uma autobiografia flmica que fosse diretamente ligada ao registro do cotidiano,

    colocando as questes que circundavam sua vida no momento da filmagem como subsdio primeiro

    de seu filme. O dirio flmico de Perlov tambm o faz, porm a voz em over do diretor o grande elemento

    responsvel pela argumentao narrativa que trava, recurso bem menos evidente no filme de Pincus.

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    Jane Pincus eram um casal engajado socialmente, sendo que o diretor era

    estudante de filosofia e sua esposa uma ativista feminista e escritora (Jane Pincus

    foi uma das escritoras do livro Our Bodies, Ourselves, publicado em 1971 pela

    organizao Boston Womens Health Book Collective). O diretor frisa a inteno

    em realizar um projeto de documentrio em que a explorao de um universo

    pessoal e familiar seria a matria-prima de sua narrativa. Impulsionado pelo

    movimento feminista, Pincus testava as potencialidades representacionais do

    cotidiano (tornando-o visvel) e da interao diria entre si e as pessoas ao seu

    redor. O apreo pela tomada e pelas possibilidades narrativas do Cinema Direto

    tinham um lugar fundamental neste tipo de experincia. Nas palavras de Pincus:

    Alguns cineastas dessa nova gerao, direta ou indiretamente influenciados pelo

    movimento feminista, comearam a achar significncia no que era chamado de

    pessoal; eles comearam a evitar personalidades famosas, eventos notrios e

    assuntos obviamente grandiosos... Pela primeira vez, o cotidiano tornou-se um

    objeto possvel. Pessoas normais em situaes corriqueiras, no mais definidas por

    um papel social que costumavam ser a porta de entrada para tornarem-se o assunto

    de um filme piloto de carros de corrida, atriz, prisioneiro, pessoa pobre, poltico. A

    justificativa para que tornassem-se um personagem era, frequentemente, apenas a

    de que tinham uma relao com o cineasta ou que eram de alguma forma acessveis

    a ele. (MACDONALD, 2013, p. 128. Traduo Nossa.)

    E, ainda:

    Existe uma estranha experincia existencial a respeito de ver-se a si prprio no filme,

    ver-se da maneira que as pessoas te veem... Que experincia humilhante e

    degradante, aparecer da mesma forma que outros. Qual a natureza de todas

    nossas vidas e nossas relaes com os outros; nossas pequenas mentiras e

    fingimentos? ... Um novo tipo de cineasta emergiu, que lida com essas questes.

    Eles acham seu material diretamente ao seu redor. Eles relacionam-se com as

    antigas tradies do Cinema-Vrit Americano na maneira em que tm um respeito

    profundo pelo mundo, da maneira que este existe independentemente da presena

    da cmera. E, apesar de que eles frequentemente participam de diferentes maneiras

    no filme, eles, em geral, no manipulam aes para a cmera. (MACDONALD, 2013,

    p. 138 Traduo Nossa)

    A atmosfera domstica vivida por Ed Pincus e Jane, a interao do casal com

    seus filhos, com amigos prximos e colegas de trabalho acaba por desenhar um

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    retrato da vida matrimonial de um casal que vive um momento ps-1968,

    engajando uma poro de valores ligados contracultura tematizados na dcada

    anterior. Reconhecemos em diversos dos eventos vividos e retratados por Pincus

    durante o filme algumas particularidades do espao / tempo em que estavam

    inseridos. Um dos motes temticos do filme a proposta feita por Jane e Ed em

    tentarem viver um relacionamento amoroso aberto para casos extraconjugais e o

    desenrolar das consequncias desta experincia; outros pontos neste sentido

    seriam a questo pr-aborto, solidificada na escolha de Jane em no ter o filho

    que estava gestando, fruto de seu relacionamento fora do casamento (Pincus a

    acompanha clnica de aborto e registra a situao); a experimentao de drogas

    alucingenas comuns na poca (o diretor filma a si prprio durante uma viagem de

    mescalina); a busca de um balanceamento na diviso de trabalho entre o casal

    dentro e fora de casa, entre outras situaes.

    Metodologicamente e narrativamente, importante frisar que a maioria dessas

    passagens so apresentadas para ns, espectadores, ao mesmo momento em

    que o diretor / protagonista as vive. Trata-se, portanto, de um projeto conceitual

    que Pincus travava em relao autobiografia flmica. O diretor via nas

    possibilidades tecnolgicas ainda recentes (cmeras leves, som sincrnico e

    porttil) uma maneira atravs da qual um discurso autobiogrfico poderia ser

    escrito no momento da tomada (LANE, 2002, p. 53) e, portanto, no tempo

    presente. Envolto pelo fresco leque de alternativas aberto pela metodologia e

    pela estilstica do Cinema Direto, o que impulsionava Pincus era a possibilidade de

    fazer uma autobiografia que fosse condizente com a particularidade do cinema em

    cristalizar indicialmente (atravs do registro de imagem e som) um momento

    vivido e sendo, portanto, uma alternativa autobiografia literria. O processo de

    construo do texto autobiogrfico, em qualquer uma de suas alternativas

    (memrias, dirios, ensaios) sugere, dominantemente, que seu autor esteja de

    alguma forma frente a frente com o passado para a subsequente transcriao

    escrita. A experincia de Pincus, segundo sugere Lane (2002, p. 53), enfatiza a

    importncia de um cotidiano visvel como uma maneira de explorar a natureza da

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    subjetividade e das interaes humanas, que a cmera tem a capacidade nica de

    retratar e sendo, ainda, uma extenso da fenomenologia. O autor define algumas

    das preocupaes do cineasta/autobigrafo no que diz respeito sua colocao

    no mundo e sua relao com o momento da tomada cinematogrfica:

    O autobigrafo do cinema / vdeo emprega a linguagem do meio para interpretar os

    eventos proflmicos, isto , a coisa em si. A autoinscrio cinematogrfica, assim

    como a autoinscrio literria, implica o relato, mas este relatar no exclui

    necessariamente o autobigrafo da coisa em si. Na realidade, o documentrio

    autobiogrfico revela as opinies, as memrias e os pensamentos do autobigrafo

    em seu embate com os eventos histricos. Este embate a prpria dinmica do ato

    autobiogrfico, que revela uma tenso entre a apresentao e a interpretao de

    eventos da vida pessoal. Para os documentaristas autobigrafos, a coisa em si so

    os eventos documentados existentes em um registro audiovisual que interpretado e

    revelado no relato. Tratam-se das palavras pronunciadas, os gestos feitos, os

    silncios e o mundo concreto dos objetos que adquirem relevncia e significado na

    narrativa. Tais significantes tambm implicam uma viso do documentarista,

    aparecendo ele na tela ou no. Sendo assim, essas narrativas cinematogrficas so

    consubstanciais s vrias maneiras atravs das quais a realidade fsica e

    performativa apresenta-se cmera e ao gravador de som e tambm a como, mais

    tarde, os documentaristas autobigrafos e os espectadores vm a entender e criar

    significado em narrativas autobiogrficas. (LANE, 2002, p. 50. Traduo Nossa.)

    O engajamento com o presente e a dicotomia entre viver e filmar condensa-se

    em uma modalidade de documentrio autobiogrfico classificada por Lane como

    sendo de Entradas de Dirio (Journal-Entry Approach), que talvez a experincia

    de Pincus tenha sido uma das primeiras representantes. Trata-se de um tipo de

    documentrio que envolve o registro de atividades cotidianas por um perodo de

    tempo e a subsequente montagem desses eventos em uma narrativa

    autobiogrfica cronolgica. Nesses filmes, frequente que, como espectadores,

    assistamos aos eventos registrados como se eles estivessem ocorrendo pela

    primeira vez e no tempo presente (LANE, 2002, p. 33).7 Da mesma forma, o autor

    sustenta que esses eventos mostram as pessoas, incluindo-se a o

    7 Um Passaporte Hngaro, dirigido por Sandra Kogut e lanado em 2003, um documentrio

    vinculado produo nacional que se aproxima bastante desta classificao cunhada por Jim Lane.

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    documentarista (geralmente por detrs da cmera), interagindo uns com os outros

    em um movimento de escrita autobiogrfica certamente distinta de uma

    padronizao de entrevistas onde, geralmente, fala-se mais a respeito de eventos

    transcorridos no passado.

    Esse tipo de autobiografia flmica, obtida atravs de um trabalho vigoroso de

    filmagem sucessiva por um perodo contnuo e uma subsequente meditao

    acerca do material filmado, acaba por apresentar evidncia de que os eventos

    aconteceram frente aos olhos (ou lente) do documentarista, colocando-o como

    uma testemunha ocular do momento filmado (LANE, 2002, p. 91). Segundo o

    autor, a impresso de realidade percebida nesse tipo de narrativa bastante

    poderosa se comparada autobiografia literria. Relatos escritos pessoais

    (memrias, dirios) trabalham com um sistema sgnico distinto do cinema, pois

    no existe a possibilidade de uma motivao existencial (indicial) mas, sim, uma

    representao simblica (as palavras). Philippe Lejeune, terico francs que

    dedicou muito de sua carreira teoria da autobiografia, sustenta que os textos

    autobiogrficos evocam a necessidade de um contrato entre leitor e autor, o que

    chamou de Pacto Autobiogrfico. Segundo ele, para que haja autobiografia

    necessrio que o leitor estabelea uma relao de identidade entre autor, narrador

    e personagem (LEJEUNE, 2008, p. 15), ou seja, que esses trs elementos sejam

    cridos como sendo a mesma pessoa. No caso de um filme como Diaries existe

    menor necessidade do firmamento de um contrato entre espectador e diretor, pelo

    fato de que a carne do documentarista (atravs de seu corpo e de sua voz), e uma

    relao direta entre ele e as pessoas ao seu redor no momento da tomada sugere,

    como frisamos, uma autenticidade indicial inexistente no texto escrito.

    O filme de Pincus foi decisivo para muitos alunos que passaram pelo MIT Film

    Section na dcada de 1970. Como mencionado, a montagem definitiva do filme

    data do incio da dcada de 1980, mas sua filmagem terminou ainda em 1976.

    Segundo consta no relato de Ross McElwee (2012), Pincus utilizava-se de trechos

    e excertos do filme para que fossem mostrados em sala de aula. Havia, portanto,

    uma ebulio conceitual em Cambridge no que dizia respeito s possibilidades da

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    escrita autobiogrfica aplicada ao cinema documentrio. Muitos desses alunos-

    cineastas desenvolveram narrativas autobiogrficas em que o mtodo

    desenvolvido por Pincus mostra-se premente. O cineasta Ross McElwee tornou-

    se o mais reconhecido dentre os alunos de Pincus e Leacock, chegando a levar

    um documentrio autobiogrfico ao mainstream, como foi o caso de Shermans

    March, lanado em 19868. O diretor revela a importncia que Diaries (1971 1976)

    teve para o desenvolvimento de sua carreira:

    (O filme) luminoso em sua caracterizao da intrincada trama do cotidiano.

    Almoos so preparados, uma criana levada ao mdico, um filhote de cachorro

    comprado, o pai de Jane faz uma visita, Ed vai a um casamento, o filhote torna-se

    um cachorro adulto. O mundano torna-se transcendente. Esse fluxo sem fim de

    atividades com amigos e famlia o pano de fundo evanescente para o desejo de Ed

    e Jane de redefinir o que significa algum estar casado, criar uma famlia e, tambm,

    o que significa expor esse experimento catico e amvel para a cmera. (...) Ed

    descreveu seu trabalho como uma tentativa de reconciliar o trivial com o profundo e

    provar a fragilidade e o herosmo da vida cotidiana. Diaries continua a inspirar

    diversos documentaristas, incluindo eu mesmo, a perseguir essas mesmas

    reconciliaes e revelaes. Mas, mais importante, com pathos e humor abundantes,

    Diaries revela a qualquer espectador as fascinantes ressonncias e ritmos dos

    incontveis momentos mundanos que fazem a vida de uma pessoa e isso constitui

    o viver. (McELWEE, 2012. Traduo nossa.)

    Ross McElwee nasceu em 1947 em Charlotte, capital da Carolina do Norte.

    Algumas instituies americanas, como o MoMA (Museum of Modern Art), o Art

    Institute of Chicago e o American Museum of the Moving Image promoveram

    retrospectivas de seus filmes, que tambm aconteceram em pases como

    Espanha e Portugal. Em 2007, o Full Frame Documentary Film Festival, festival

    sediado em Durham, Carolina do Norte, concedeu o prmio tributo pela carreira

    8 Shermans March recebeu o grande prmio do Jri, na categoria de Documentrio, no Festival de

    Sundance de 1987. Teve grande ateno de crtica e pblico e, na dcada de 2000, passou a integrar

    o National Film Registry (Biblioteca do Congresso) norte-americano. A autora Catherine Russell (1999)

    classifica Shermans March, juntamente com Roger e Eu (1989), de Michael Moore, como sendo

    documentrios mainstream, de grande projeo em meio ao pblico. (RUSSELL, 1999, p. 290)

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    do diretor, prmio recebido em edies anteriores por cineastas-chave da histria

    do documentrio nos Estados Unidos, como D.A. Pennebaker, Albert Maysles,

    Barbara Kopple e Richard Leacock. Cabe um olhar mais aprofundado sobre o

    caso particular de Ross McElwee, no que diz respeito a alguns avanos e

    desdobramentos da escrita autobiogrfica em seus filmes.

    McElwee comea a filmar nos anos 1970, enquanto ainda era aluno do curso

    de Cinema do MIT. Seu primeiro filme, realizado como trabalho de concluso de

    curso, foi Charleen (1977). Embora no propriamente autobiogrfico, McElwee

    retrata uma amiga prxima, a professora de literatura Charleen Swansea, que

    reaparecer em muitos de seus filmes a partir de Shermans March. Aps

    Charleen, o diretor lana dois filmes, seu primeiro longa-metragem, Space Coast

    (1979), e o curta Resident Exile (1981), ambos co-dirigidos por Michel Negroponte,

    mais ligados metodologicamente tradio representada pela tutela de Leacock:

    uma cmera recuada e que presta-se observao e um desenrolar de um objeto

    temtico externo.

    em Backyard, mdia-metragem filmado no final dos anos 1970 e lanado

    apenas em 1984, que McElwee d incio ao seu projeto flmico de carter

    autobiogrfico. Nos sete longas-metragens que o diretor lanou desde ento

    (Shermans March [1986], Something to do with the Wall [1991], Time Indefinite

    [1993], Six OClock News [1996], Bright Leaves [2003], In Paraguay [2008] e

    Photographic Memory [2011]) existe um forte aspecto temtico de escrita

    autobiogrfica, sendo que o universo privado do diretor (reflexes acerca de seu

    trabalho, sua famlia, seus amigos prximos, o local onde nasceu e foi criado) tem

    importncia narrativa preponderante. Ademais, todos so, maneira de Ed Pincus

    e de Diaries (1971 1976), filmados e editados majoritariamente pelo prprio

    McElwee, trabalhando solo.

    Um dos pontos pelos quais Ross McElwee pode ser considerado uma figura

    proeminente no debate acerca dos documentrios autobiogrficos o afinco com

    o qual o cineasta debruou-se na representao de si prprio e de seu universo

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    domstico ao longo das dcadas9. O que faz McElwee um documentarista-

    autobigrafo particular a maneira atravs da qual estabelece um processo

    autobiogrfico continuado, onde existe relao narrativa entre cada filme por ele

    lanado. Em outras palavras, a relao de conflito temtico construda pelo diretor

    em cada filme, no que diz respeito sua esfera privada como indivduo,

    retomada em seus filmes subsequentes. Se considerarmos que Backyard foi

    filmado ainda no final da dcada de 1970, j passam-se mais de trs dcadas que

    o diretor registra momentos (eventos, como sugeriu Lane) de sua vida privada e

    das pessoas ao seu redor. No apenas com a finalidade de servir como um

    registro de uma memria familiar (como no sentido mais estrito da expresso

    home movie), seu tte--tte cotidiano com as pessoas de quem mais prximo

    torna-se subsdio fundamental para a construo narrativa de cada um de seus

    filmes, como tambm de uma possibilidade de meditao sobre o passado.

    No um evento isolado, portanto, assistirmos ao casamento do diretor e ao

    nascimento de seu filho, Adrian, em Time Indefinite (1993) se considerarmos (e

    lembrarmos de) sua busca fracassada por um relacionamento amoroso em

    Shermans March (1986). Da mesma forma, um espectador que acompanha os

    lanamentos do diretor certamente reagiria de uma maneira diferente ao ver o

    mesmo Adrian como um pr-adolescente em Bright Leaves (2003). Ou, mais

    ainda, em Photographic Memory (2011), em que Adrian j um adulto e sua

    relao com o pai revela-se completamente desgastada. Neste ltimo filme, o

    prprio diretor acaba por representar-se como uma figura paterna distante,

    bastante parecida com o lugar que seu pai ocupava vinte e sete anos antes,

    quando do lanamento de Backyard. Em Photographic Memory, a inevitvel

    9 Como exemplo de outros cineastas que trabalham com um processo de escrita autobiogrfico

    continuado, poderamos pensar nos americanos Alan Berliner (de Family Album [1988] a First Cousin

    Once Removed [2012] ou Jonathan Caouette (Walk Away Renee [2011] como uma sequncia de

    Tarnation [2003]). Tambm de maneiras bem distintas se comparadas a Ross McElwee, ambos

    cineastas utilizam-se de aspectos autobiogrficos em filmes anteriores para construir uma relao de

    causa e consequncia.

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    passagem do tempo sentida na figura do prprio diretor. Em uma sequncia em

    que nos mostra um autorretrato, filmando em close seu prprio rosto e

    examinando-o, McElwee comenta em sua voz over: Como pude ficar to velho?.

    interessante notar que esse aspecto de continuidade entre um filme e outro.

    A sequncia (sequel), que no um fenmeno dominante no universo do

    documentrio, uma ferramenta utilizada conscientemente por Ross McElwee,

    apresentada em diversos nveis. Para alm da reexposio de seu ambiente

    domstico (famlia), h a recorrente tematizao do Sul dos Estados Unidos em

    diferentes aspectos (histricos, econmicos, culturais) ou a utilizao de Charleen

    Swansea, sua amiga prxima, como uma espcie de mentora em vrios de seus

    filmes. Mais pulsante, entretanto, o fato do diretor reutilizar-se de planos e

    sequencias de filmes anteriores em cada lanamento como subsdio para

    lembrana e reavaliao de uma vida vivida que, importante frisar, cristalizada

    atravs dos filmes. Como sustenta Fleishman em relao autobiografia literria,

    o livro transforma o autobigrafo em um novo ser: no a pessoa que viveu os

    eventos, mas aquela que os escreveu. Os eventos, por sua vez, tambm so

    inevitavelmente modificados: daquilo que eram (a coisa em si, lembrando Lane)

    passam a ser aquilo que foi expresso nas palavras (FLEISHMAN, 1983, p. 6).

    Como exemplo, h uma sequncia revelada primeiramente em Backyard,

    primeiro filme do ciclo autobiogrfico de McElwee, em que o pai do diretor fita a

    lente da cmera e diz que apenas ficar satisfeito quando o olho grande (a lente)

    for embora. Na ocasio, esse evento frisa um dos argumentos principais

    sustentados pelo diretor no filme: o de que existe uma grande barreira entre ele e

    seu pai, pelo fato de ter escolhido seguir uma carreira na rea artstica enquanto

    que muitos dos membros de sua famlia (av, pai, irmo) so mdicos. O diretor

    reutiliza essa mesma sequncia em diversos de seus filmes subsequentes. Em

    Time Indefinite, dez anos depois, a sequncia aparece j como uma espcie de

    memria cinematogrfica, sendo que McElwee d sinais de que a relao entre

    ambos est apaziguada, com a consolidao do diretor como documentarista e

    sua maturidade, na forma de um casamento e do desejo de constituir famlia.

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    Posteriormente no filme, o diretor retrata a morte sbita de seu pai. Finalmente, no

    caso de Photographic Memory, j em 2011, esta sequncia exibida novamente.

    Neste ltimo caso, como descrito anteriormente, o diretor se v frente ao mesmo

    impasse que teve em relao a seu pai na dcada de 1970, porm, agora, em

    relao a seu filho, Adrian. Ao reexibir as imagens que filmou na juventude e que

    compunham alguns de seus primeiros filmes, McElwee tenta colocar-se na

    posio do filho, meditando sobre os motivos pelos quais sua prpria relao com

    o pai tornou-se bastante delicada.

    Outro interessante exemplo do interesse do diretor por um aspecto sequencial

    em sua obra reside em um dos momentos finais de Time Indefinite. O penltimo

    plano do filme mostra a imagem de um per na praia, local onde o diretor passou

    momentos de sua infncia. Sua narrao em over comenta sobre os primeiros

    meses da vida de seu filho, nascido durante a feitura do filme. Ao final da fala, o

    diretor diz: Talvez eu faa, eventualmente, um filme sobre ele (Adrian)

    crescendo.. A imagem cortada para um plano, j utilizado pelo diretor no filme,

    de Adrian em seu bero, com uma semana de vida. O diretor comenta, no ltimo

    momento do filme, que o prximo filme que ele far poderia comear com este

    plano que vemos na tela. No por acaso, portanto, que o filme lanado por

    McElwee trs anos depois, Six OClock News (1996), inicia-se justamente com o

    mesmo plano de Adrian no bero, que fecha o filme anterior.

    Aponta-se frequentemente nos filmes de Ross McElwee uma verve de

    argumentao ensastica desenvolvida pelo diretor. Diversos autores que lidam

    com as possibilidades da aproximao do Ensaio literrio ao cinema de no fico

    utilizam-se de um ou mais documentrios do diretor como subsdio para a

    reflexo. Cristalizado no sculo XVI atravs da publicao das trs edies dos

    Ensaios de Michel de Montaigne, o Ensaio como forma literria , portanto, muito

    mais recente do que a autobiografia stricto sensu, porm existe inegvel relao

    entre ambos. Convenciona-se que h uma inevitvel parcela de expresso de

    subjetividade no texto, construdo atravs de uma busca do autor pela descoberta

    do que ele pensa sobre determinado assunto. A abertura para o processo uma

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    parte importante do jogo ensastico, como sustenta G.K. Chesterton, famoso

    ensasta britnico do incio do sculo XX: O Ensaio a nica forma literria que

    confessa, no seu prprio nome, que o ato temerrio conhecido como escrever

    realmente um salto no escuro (CHESTERTON, 2010, p. 11). Adorno, em O

    Ensaio como Forma (2003), sustenta o mtodo antissistemtico, subjetivo e no

    metdico como a premissa radical dos textos. Da mesma forma, o ensaio

    comporta-se como um contnuo questionamento, no necessariamente

    encontrando solues, mas incorporando a busca pela verdade como elemento

    construtivo principal (LOPATE, 1996), ou, segundo Lukcs (2008), O ensaio um

    julgamento, mas o essencial nele no (como no sistema) o veredito e a distino

    de valores, e sim o processo de julgar..

    So numerosas as publicaes atuais que buscam entender a maneira atravs

    da qual existe uma relao entre o jogo ensastico e o cinema documentrio. Os

    filmes de Ross McElwee frequentemente so citados em textos crticos a respeito

    do tema. McElwee apresenta, para alguns desses autores (LOPATE 1996, 2003;

    GARCA, 2008; CORRIGAN, 2011), um tom Montaigneano desenvolvido nos

    diversos nveis de sua autoinscrio flmica (dominantemente sua voz over). Em

    um nvel narrativo, McElwee desenvolve um paralelismo temtico desenvolvido

    entre seu universo privado (domstico, familiar) e temas sociais ou histricos mais

    amplos: em todos seus filmes premente uma argumentao pessoalizada que

    parte de sua prpria individualidade, expressa em seu discurso - em que o diretor

    reflete e medita sobre um objeto ou assunto relativo ao mundo nossa volta.

    Se a narratividade desempenhada por McElwee em seus filmes relaciona-se

    com o teste da subjetividade proposta por Montaigne nos Ensaios, h, ainda,

    outro ponto de contato entre seu projeto autobiogrfico e a obra dogmtica do

    sculo XVI. Enxerga-se nos Ensaios uma obra a respeito de uma vida vivida,

    apresentando um carter aberto at a morte do autor em 1592. A obra de

    Montaigne foi publicada em trs edies diferentes (1580, 1588 e, postumamente,

    1595) sendo que em cada uma delas o autor publicava adendos a muitos de seus

    ensaios anteriores, modificando-os de acordo com o que de fato a passagem do

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    tempo provocou em sua percepo interior. Trata-se, portanto, de entender o

    passar dos anos como um elemento pertinente para o jogo ensastico e

    autobiogrfico.

    Como sustentamos anteriormente, a obra de Ross McElwee apresenta uma

    preocupao semelhante com a temporalidade e com o aspecto de escrita

    autobiogrfica que retomado em cada um de seus filmes. como se, para alm

    dos pontos de desenvolvimento temtico prprio de cada filme (A guerra civil em

    Shermans March, a produo de tabaco na Carolina do Norte em Bright Leaves, a

    queda do muro de Berlim em Something to do With the Wall), McElwee estivesse

    realizando sempre o mesmo filme ou, um nico filme que de tempos em

    tempos atualizado de acordo com seu envelhecimento e com o das pessoas

    sua volta. Este fenmeno autoconsciente torna-se explcito pelo diretor, atravs

    da reutilizao de trechos de seus filmes anteriores e de sua subsequente

    reavaliao de eventos transcorridos em sua vida no passado.

    A este movimento incessante de avaliao e reavaliao de uma vida vivida (e

    cristalizada cinematograficamente), to singular da obra de McElwee, cabe um

    olhar mais aprofundado. Estas consideraes sobre o cinema de Ross McElwee

    tm a funo de colocar os filmes do diretor no debate acerca das diversas

    questes que envolvem a construo autobiogrfica no campo do documentrio,

    em voga na produo acadmica brasileira e mundial. Tratamos aqui o diretor

    como um dos representantes mais reconhecidos do grupo de cineastas de

    Cambridge que, a partir da dcada de 1960, teorizou e produziu narrativas que

    visavam experimentar novas formas de construir narrativas documentrias

    autobiogrficas, envoltos pela virada epistemolgica do Cinema Direto. A cidade

    de Cambridge abriga at hoje, por meio das Universidades, uma ponte entre a

    teoria e a prtica do documentrio autobiogrfico. O prprio Ross McElwee

    leciona na Universidade de Harvard, desde a dcada de 1980, um curso voltado

    prtica cinematogrfica. O diretor integrante do departamento de estudos

    flmicos VES (Visual and Environmental Studies), juntamente com outros diretores /

    professores que possuem lugar na histria do cinema autobiogrfico norte-

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    americano, como Robb Moss e Alfred Guzzetti. Instigamo-nos aqui, ainda, por um

    estudo futuro que procure refletir a respeito da relao entre a academia (no s

    nos EUA) e o desenvolvimento da autobiografia flmica, cuja incidncia

    recorrente10 quando olha-se mais profundamente a respeito da(s) histria(s) desse

    tipo de preocupao metodolgica e narrativa no universo do Cinema

    Documentrio.

    10 David Perlov, professor universitrio em Tel Aviv poca da feitura de seu dirio flmico; Tom Joslin,

    diretor e protagonista de Silverlake Life: The View from Here (1993), professor da University of Southern

    California; Marco Williams, diretor de In Search of Our Fathers (1992), professor da Tisch School of Arts

    (NYU), so alguns dos exemplos que vm mente.

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    Submetido em 23 de abril de 2014 | Aceito em 17 de outubro de 2014