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  • 8/4/2019 Do Dois ao Mltiplo na terra do Uma experincia antropolgica de David Maybury-Lewis Renato Sztutman

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    Do Dois ao Mltiplo na terra do Um:

    a experincia antropolgica de David Maybury-Lewis

    Renato Sztutman

    D outorando em A ntropologia Social USP

    RESUMO: Este artigo busca uma compreenso da trajetria do antroplogobritnico, radicado nos EUA, David Maybury-Lewis. Aborda aspectos de suaformao intelectual, que envolveram uma longa pesquisa entre os Xavante eum estudo comparativo sobre os povos de lngua j e bororo do Brasil Central.Maybury-Lewis um nome central para o desenvolvimento de umamericanismo tropical. Entre suas contribuies etnogrficas e tericas, pode-se citar a elaborao de um modelo analtico j e bororo, a renovao dos estu-dos de parentesco e a reflexo sobre a relao entre povos indgenas e o Estado.Um tema parece, com efeito, permear a sua obra: o das organizaes dualistas.

    No por menos, esse foi o motivo de um longo debate com a obra de Lvi-Strauss, que ser aqui destacado.

    PALAVRAS-CHAVE: etnologia indgena, povos de lngua j e bororo,dualismo, multiculturalismo, Estado.

    Ora, a experincia , em antropologia, a nossa insero de

    sujeitos sociais num todo social em que j est efetuada asntese que a nossa inteligncia procura laboriosamente,porquanto vivemos na unidade de uma nica vida todos ossistemas que compem a nossa cultura. Pode-se tirar algum

    conhecimento dessa sntese que somos. Mais: o aparelhodo nosso ser pode ser desfeito e refeito pela viagem, assim

    como podemos aprender a falar outras lnguas.(Merleau-Ponty)

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    A antropologia de David Maybury-Lewis revela uma notvel ressonnciaentre problemas sugeridos pela teoria e aqueles colhidos nos vriosnveis da experincia das primeiras impresses na infncia, quandovivia em uma colnia britnica, ao trabalho de campo entre duas soci-edades dualistas do Brasil Central e ao ativismo poltico que redun-dou na fundao de uma organizao no governamental dedicada luta pelos direitos dos povos indgenas de todo o mundo. A trajetriado professor de Harvard, ingls radicado nos EUA, sugere que o ofcioantropolgico se v no raro associado a uma vocao, no sentido que

    Max Weber atribui ao termo um ofcio que deve ser percorrido compaixo e que suscita um estado singular de embriaguez para que, en-to, se encontre e obedea ao demnio que tece as teias de sua vida(1967: 52; grifo do autor).

    Esse demnio, no caso de Maybury-Lewis antroplogo, j se mani-festara na infncia por uma curiosidade tamanha pelas formas da di-versidade. com um sabor por assim dizer felliniano que ele narra, nodepoimento transcrito a seguir, os primeiros encontros furtivos com os

    cameleiros em Hyderabad, em uma regio que hoje pertence ao Paquistoe que se via subjugada por um Estado ocidental. David, nascido em 1929nessa mesma cidade, era filho de um oficial britnico e se via apartado domundo nativo que o circundava, ora pela proteo que recebia da famliae dos serviais, ora pela incompreenso das lnguas dos diferentes povosque ali habitavam. Essa atmosfera de separao e incomunicabilidade nofazia seno crescer o desejo de conhecer um mundo outro, desejo que per-maneceria recalcado at a concluso do curso de graduao, quando dos

    primeiros contatos com os estudos de Etnologia. O pluralismo e amultiplicidade que povoaram as primeiras experincias de David, que par-tiria aos sete anos para a Inglaterra com sua famlia, aos poucos se tornavauma questo decisiva, digna de orientar escolhas e inspirar reflexes. Nopor acaso, depois de servir, entre 1947 e 1949, ao exrcito britnico, deci-diu dedicar-se ao estudo de lnguas na Universidade de Cambridge, confir-mando sua avidez pela comunicao com outros povos e em outros ter-

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    mos e, com efeito, em 1952, j podia considerar-se um poliglota, pois do-minava com destreza cinco idiomas distintos, sendo capaz de passar deum a outro com grande aptido.

    A descoberta da Etnologia ocorreu em 1952 por ocasio de uma reu-nio de americanistas ocorrida em Cambridge. Entusiasmado com as dis-cusses que presenciara, David apresentou-se ao professor Herbert Baldus,alemo que ensinava e realizava pesquisas no Brasil, manifestando o seuenorme interesse em conhecer os povos indgenas da Amrica do Sul.Baldus encorajou-o, mas sem saber que, de maneira decidida e muito rpi-

    da, David e sua esposa Pia estariam a bater a porta de sua casa em SoPaulo. Ao deixar a Inglaterra em 1953, David realizava um desejo infantilao mesmo tempo em que concebia um projeto profissional que iria acom-panh-lo por toda a sua vida. Ele sabia que, da em diante, teria de se de-dicar intensamente aos estudos americanistas e, enfim, escolher um grupoentre o qual teria de viver e, assim, tornar-se um verdadeiro antroplogo.

    As pesquisas de Maybury-Lewis no Brasil iriam inaugurar uma nova fasedo americanismo. O mpeto inicial que o conduzia a estudar etnologia in-

    dgena na Escola Livre de Sociologia e Poltica culminaria em um esforode consolidao dessa rea de conhecimento, sobretudo por selar um di-logo, anos mais tarde, com as principais linhas analticas da Antropologiabritnica e anglo-sax em geral. A vinda do jovem pesquisador ao Brasilsignificava tanto a abertura de um campo de investigao pouco explora-do pelo americanismo da poca as sociedades indgenas do Brasil Cen-tral, de lngua j e bororo, que o fascinaram desde o incio devido aos seusintrigantes esquemas duais como o confronto dos dados etnogrficos ob-

    tidos com a produo antropolgica contempornea, debruadaprioritariamente sobre os estudos de parentesco.

    Enquanto tomava conhecimento da literatura disponvel sobre ospovos sul-americanos, Maybury-Lewis se interessou sobremaneira pelosXavante, contatados na dcada de 1930 porm fortemente avessos srelaes com os agentes da sociedade brasileira, o que lhes conferia,na mdia, uma reputao de belicosidade. A imagem de uma popula-

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    o que se recusava a estabelecer comunicao com o mundo dos bran-cos e para quem a lngua portuguesa permanecia ausente de inteligibili-dade fascinava o jovem pesquisador. No obstante, os obstculos paraa pesquisa com um grupo por assim dizer arredio eram inmeros, o queexigia que fossem definidas certas estratgias. Conhecer os Xavante,vencer as barreiras da incomunicabilidade impostas desde a infncia,se tornava, assim, um projeto audacioso que deveria ser perseguido atodo custo, nem que para tanto fosse necessrio despender esforos eesperas. No por menos, a deciso tomada por Maybury-Lewis foi a de

    adiar a visita a esse grupo para um momento posterior. Enquanto nose via devidamente preparado, realizaria uma visita a um grupo indge-na vizinho, os Xerente, que contavam com mais de um sculo de con-vvio com brasileiros logo, dominavam o portugus e falavam umalngua muito prxima ao xavante. A temporada entre os Xerente servi-ria, assim, de trampolim para a pesquisa verdadeiramente desejada.

    Depois de transitar por entre cursos e bibliotecas da Escola Livre deSociologia e Poltica, Maybury-Lewis partia aos Xerente para uma esta-

    dia de oito meses. Era a sua primeira experincia de campo, o que lherenderia a redao da dissertao de mestrado. J a visita aos Xavante,da qual resultaria o seu doutoramento, ocorreria apenas anos mais tar-de. Para tanto, Maybury-Lewis retornava Inglaterra, inscrevendo-sena Universidade de Oxford, onde se preparava para a nova inserono campo l iria aprender com grandes mestres da Antropologia So-cial e tomar conhecimento dos imensos debates sobre o parentesco.Somente aps passar por esse ritual acadmico, ele pde voltar, em

    1958, para o Brasil, junto sua esposa e a seu filho de apenas um ano,para realizar uma estadia de cerca de um ano entre os indgenas. Valenotar que ambas as experincias de pesquisa, entre os Xerente e osXavante, assim como o perodo compreendido entre uma e outra, fo-ram descritas de maneira instigante em O selvagem e o inocente (1990[1965]), livro que alia a mincia etnogrfica ao tom biogrfico, desve-lando aspectos subjetivos da constituio da obra do autor.

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    No momento de sua chegada ao Brasil, a produo etnogrfica sobre aAmrica do Sul era pouco satisfatria ou mesmo incipiente se compa-rada, por exemplo, aos estudos africanistas. O mesmo pode ser afirma-do com respeito ao rendimento terico que essa produo apresentava.Como alega Anne-Christine Taylor (1998 [1984]), a propsito do ameri-canismo que se desenvolveu at essa poca, tratava-se de um monogra-fismo estrito, um anti ou a-historicismo irredutvel [que espe-lhava] adificuldade manifesta em se libertar de uma alternativa fixa entre umdeterminismo ecolgico sumrio e um idealismo mais ou menos tem-perado (: 5). No Brasil do perodo, a cena americanista era povoadapelos trabalhos de Curt Unkel Nimuendaju, nos anos 1930 e 1940, e,posteriormente, pelos de Herbert Baldus e Egon Schaden. Nimuendaju,pesquisador alemo, foi certamente o desbravador da Etnologia sul-americana. Funcionrio do Museu Paulista e do Servio de Proteoao ndio, dedicou sua vida para a pesquisa entre diferentes grupos in-

    dgenas estima-se que ele tenha visitado cerca de meia centena de-les1. Dentre as suas monografias mais importantes, trs delas, dedicadasa grupos centro-brasileiros de lngua j2, foram traduzidas ao ingls porRobert Lowie, antroplogo norte-americano com quem mantinha umarelao estreita de colaborao.

    Os trabalhos de Nimuendaju constituem, por assim dizer, umaEtnologia herica, qual seja, um esforo menos de sistematizao eteorizao que de coleta e acmulo de dados etnogrficos sobre povos

    indgenas de diferentes regies do Brasil, o que preenchia a enormelacuna existente. As conseqncias dos dados do pesquisador para ateoria antropolgica eram muitas vezes analisadas por Lowie, o que im-plicava a incluso do americanismo nos debates correntes da poca.No obstante, resultavam dessa primeira etnografia interpretaes que,ao justapor os modelos analticos disponveis empiria, deparavam-secom anomalias, ou seja, realidades que contradiziam princpios gerais

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    inferidos pela disciplina3. O novo investimento na pesquisa de campono Brasil Central aliada depurao das questes antropolgicas emvoga possibilitaria, dessa feita, a David Maybury-Lewis desfazer algunsdesses mal-entendidos conceituais.

    Outro pioneiro do americanismo no Brasil foi Claude Lvi-Strauss,autor com o qual a obra de Maybury-Lewis no pouparia discusses. Em1935, Lvi-Strauss chegava ao Brasil para ensinar Sociologia e Antro-pologia na recm-fundada Universidade de So Paulo, e logo se envol-via em atividades de pesquisa, tais quais a primeira e breve visita aos

    Bororo, em 1936, e a longa expedio pelo Brasil Central e Oriental,em 1938. Depois dessas experincias, integrando a Socit des Amri-canistes, passava a publicar uma srie de artigos e verbetes sobre po-vos sul-americanos, alm de uma monografia sobre os Nambikwara(Lvi-Strauss, 1948)4. No obstante, ele jamais voltaria a realizar pes-quisas de campo, dedicando-se a trabalhos de cunho comparativo, con-tribuies inestimveis para a teoria antropolgica da segunda metadedo sculo XX.

    Herbert Baldus e Egon Schaden foram os primeiros etnlogos deformao em So Paulo, ocupando cadeiras, respectivamente na Es-cola Livre de Sociologia e Poltica e na Universidade de So Paulo.Ambos concederam privilgio empiria e tornaram compatveis pers-pectivas de diferentes escolas, como o difusionismo, o culturalismo eo funcionalismo. Criavam uma Etnologia primeira que se destacavapelo esforo de sistematizao de dados provenientes das etnografiasmais dspares. Embora incentivassem a realizao de pesquisas

    etnogrficas, preferiram transitar por entre diversos grupos a ter de seater a um nico por um tempo muito longo, o que significou a produ-o menos de monografias de grande profundidade que de balanos ereflexes gerais sobre temas relevantes para o estudo de povos indge-nas sul-americanos. Nota-se, tambm, que ambos os autores faziam con-viver uma abordagem que conferia nfase ao problema da aculturaocom outra que se mantinha mais prxima dos temas da Etnologia cls-

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    sica, como mitologia, ritual e xamanismo5. A conciliao entre essasperspectivas aparecia, tanto para Baldus como Schaden, como pontepara pensar um envolvimento com a poltica indigenista brasileira, napoca representada pelo Servio de Proteo ao ndio. Essa preocupa-o da Etnologia com aspectos polticos surtiria uma certa inflexo natrajetria de Maybury-Lewis, como buscarei ressaltar mais adiante. Noobstante, a ausncia de uma escola consolidada a que faz referncia oprprio Schaden6 iria de encontro com os caminhos do futuro acad-mico de Harvard, para quem, necessrio fazer a Etnologia regional

    refletir debates tericos fundamentais, o que pressupe que esta nopode prescindir do manejo de lentes especficas.No quadro da Antropologia norte-americana, a corrente terica que

    serviria de contraponto para Maybury-Lewis a ecologia cultural,abraada, entre outros, por Julien Steward. Editor doH andbook of South-american Indians (1945), Steward buscava, na esteira do neo-evolucionismode Leslie White e dos estudos difusionistas caros sua poca, a reabili-tao de esquemas de interpretao materialistas para apreender os di-

    ferentes nveis de integrao com o meio ambiente a que se vemsubsumidos os povos americanos. Steward reunia, assim, pesquisascentradas na base material desses povos, partindo de uma perspectivainicialmente economicista e, em seguida, ecologista, debruada, contu-do, sobre uma noo de economia definida, grosseiramente, como con-junto de tcnicas e subsistncia. Como pontua Taylor (1998 [1984]),sobre a ecologia cultural e o contexto da produo americanista queprecede dcada de 1970, trata-se de uma

    Etnologia que sempre prescindiu de reflexo sociolgica, tradicionalmentepouco habituada a manipular simultaneamente nveis distintos de realidadee analisar articulaes/ contradies, em que o determinismo geogrfico ser-via, h muito, como princpio explicativo. (: 19)

    Tudo isso fazia, ainda segundo a autora, do americanismo tropicala mais a-sociolgica das etnologias regionais (: 20).

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    A principal razo que levaria Maybury-Lewis a escrever contra aescola de Steward responde a uma injustia que envolve uma concep-o empobrecida de cultura, qual seja, o reconhecimento dos povosindgenas do Brasil Central como marginais diante do quadro sul-ame-ricano geral, sobretudo os Andes, uma vez vislumbrado o baixo desen-volvimento de sua cultura material e tecnologia. O fato de a economiadesses povos basear-se predominantemente na caa e na coleta era, dessemodo, interpretado como resultado das baixas condies oferecidaspelos ecossistemas dos cerrados e implicava a configurao de socieda-

    des em nvel muito reduzido de civilizao, a bem dizer, sociedadesprimitivas por excelncia. No obstante, etnografias um tanto maisatentas s sociedades do Brasil Central, como as de Nimuendaju e asdo prprio Lvi-Strauss, j questionavam essa idia vaga de margina-lidade tendo em vista a complexidade dos sistemas sociais ali operantes.Antes de Maybury-Lewis, Lvi-Strauss, em A noo de arcasmo emAntropologia (1976b [1952]), interrogava-se pelo fato de como soci-edades de to baixa diferenciao tecnolgica poderiam ter desenvol-

    vido uma sociologia e uma cosmologia to sofisticadas. Ora, para o jo-vem Lvi-Strauss, o desafio residia em passar da interpretaonegativista oferecida pelos estudos de cultura material para uma abor-dagem propriamente sociolgica. De modo anlogo, para Maybury-Lewis, a positividade desses povos deveria ser buscada no seio de seussistemas sociais, organizados por uma profuso de pares de metades,ainda que para decifr-los cumprisse enfrentar muitas aventuras conceituais.

    Maybury-Lewis deveria contrapor-se tanto s concepes dominan-

    tes da ecologia cultural que, ao negligenciar aspectos fundamentais desua configurao sociolgica, reduziam os povos do Brasil Central a umacondio de marginalidade, como ao hermetismo analtico que reinavana Etnologia paulista e, assim, dificultava a realizao de um trabalhodotado de rigor propriamente cientfico. De um lado, um arsenal concei-tual ofuscava o ser das sociedades em questo, relegando-as coer-o do meio ambiente hostil; de outro, a ausncia de um quadro

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    metodolgico estabelecido freava a investigao mais aprofundada.Cumpria, desse modo, trazer a tradio do empirismo britnico para oamericanismo que se configurava lentamente no Brasil, nos EUA e emoutras partes do mundo, o que exigia um maior foco no trabalho decampo demorado e a integrao da produo etnogrfica a um debateterico e metodolgico particular7.

    Como j salientado, quando Maybury-Lewis partiu com sua famliapara viver entre os Xavante, o parentesco figurava como o grande temada Antropologia social, visto que se acreditava ser possvel inferir por

    esse domnio a imagem da estrutura social como um todo8

    . Essa equa-o revelava, ademais, uma concepo particular da sociedade primi-tiva como baseada no parentesco. Um dos pontos da crtica etno-grfica de Maybury-Lewis consistiria, com efeito, em questionar essaidia, ora para problematizar o conceito de primitivo, ora para dissol-ver a primazia dos estudos de genealogia diante de outros aspectos comoteorias nativas de concepo, transmisso de nomes, entre outros.Ressalte-se que Maybury-Lewis teve Rodney Needham como orien-

    tador, o que o distanciou, de certa forma, da discusso sobre a teoriada descendncia, aplicada por Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard emseus estudos sobre sociedades africanas, e o aproximou de certo mododa teoria da aliana e do mtodo estrutural de Lvi-Strauss, ainda quefosse para lanar crticas quando da interpretao de seus dados sobreos J. Em Structure and sentiment (1962), Needham, tambm um dos tra-dutores de A s estruturas elementares do parentescopara a lngua inglesa, teceudiversas consideraes crticas ao estruturalismo ao buscar introduzir na

    teoria geral do parentesco a noo de interesse, recuperando em seus mo-delos analticos um lugar para o agente, que teria sido abandonado poraquela Antropologia sem sujeitos. As indagaes de Needham, sua par-te, colocavam em risco distines fortemente estabelecidas por Lvi-Straussentre modelo emprico, modelo indgena e modelo estatstico.

    Em 1960, Maybury-Lewis defendia sua tese de doutorado, sendoexaminado por E. E. Evans-Pritchard e Edmund Leach. Em 1967, pu-

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    blicou-a sob o ttulo A sociedade x avante (1984 [1967]), iniciando umainvestigao comparativa sobre as sociedades indgenas do Brasil Cen-tral, algo que j estava sendo levado adiante com a formao de umgrupo de pesquisa na Universidade de Harvard, onde passava a ensi-nar em 1960. A sociedade x avante9 representa, nesse cenrio, uma con-tribuio fundamental para a constituio da Etnologia indgena con-tempornea, sempre preocupada com temas clssicos, como parentesco,cosmologia e mitologia. Ao lado de M arriage among the Trio, sobre aGuiana, publicado por Peter Rivire em 1969, traz as Terras Baixas da

    Amrica do Sul para os debates calorosos da Antropologia de tradiobritnica, inaugurando um novo perodo de reflexo. Ora, se a Etnologiaregional se constitui pela sua entrada em um campo de debate terico,tambm esse debate acabou por ser incrementado pelos dados advindosda nova etnografia. O que fazer, por exemplo, quando os dados quesaltam observao no correspondem s teorias disponveis? Maybury-Lewis evidenciou, nesse sentido, a insuficincia tanto da teoria da des-cendncia como da teoria da aliana para compreender o caso xavante

    e, de maneira mais ampla, j e bororo, uma vez que entre esses gruposno era possvel vislumbrar a formao de grupos de descendnciatampouco a operao de regras prescritivas de casamento, mesmo quan-do um ou outro se manifestavam (os Xavante, por exemplo, apresen-tam grupos de descendncia patrilineares) isso no se dava de modototalizante, como se vislumbrava em outras paisagens etnogrficas,porm de modo subsidirio, o que sugeria, ali, que o parentesco noera capaz de oferecer um modelo total para a vida social.

    A monografia de Maybury-Lewis ofereceu-se, ademais, como contri-buio teoria do parentesco humano, no apenas pelo fato de o paren-tesco no totalizar o conjunto das relaes sociais observadas, o quepe em risco a viso de Radcliffe-Brown da sociedade primitiva, mastambm pela idia de que, para apreend-lo como sistema, preciso queele deixe de ser definido por critrios meramente biolgicos ougenealgicos. Em outras palavras, Maybury-Lewis acredita que o estudo

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    do parentesco no pode ser dissociado da compreenso das relaessociais concebidas por meio de categorias nativas de entendimento. Oautor extrai, dessa feita, as conseqncias de uma concepo categoristado parentesco, qual seja, esse deve ser referido prioritariamente comoidioma que permeia as relaes sociais. A lio da etnografia j entoempreendida diz respeito ao fato de as categorias de parentesco no sereferirem a uma rede de relaes biolgicas, mas conformarem um sis-tema de classificao que deriva de uma teoria social e do lugar do indi-vduo nessa teoria. Tais idias, desenvolvidas emA sociedade x avante, se-

    riam aprofundadas e testadas em uma visada comparativa reunindo aetnografia dos vrios grupos de lngua j e bororo do Brasil Central oProjeto Harvard Brasil Central, que redundou na publicao da coletneaD ialectical societies: the G and Bororo of Central Brazil,em 1979. O proje-to reuniu, entre a dcada de 1960 e 1970, pesquisadores de perfis e postu-ras tericas algo diversos da Universidade de Harvard e do Museu Nacio-nal (UFRJ) para discutir problemas relacionados estrutura social dosgrupos j e bororo10. No campo, cada qual se deparou com uma grande

    variabilidade sociolgica: os Bororo apresentavam descendnciamatrilinear, os Xavante e os Xerente, patrilinear, outros, como os Kayaprevelavam princpios de descendncia pouco (ou nada) operantes. Entreos Timbira, a uxorilocalidade, baseada no agrupamento de famlias exten-sas ou casas em torno de linhas femininas inter-relacionadas, promovia ailuso de uma matrilinearidade que de fato no poderia ser comprovada.

    A proposta de Maybury-Lewis, que coordenava o projeto, consistiana busca de novos instrumentos de anlise medida que grupos

    corporados e regras prescritivas de aliana e descendncia no se veri-ficavam nos termos vislumbrados por outras etnologias, debruadassobre a frica e a Oceania. As receitas para a pesquisa de campo, que jpressupunham teorias, deveriam ser refeitas e, para tanto, o autor e seuscolegas e alunos deveriam empreender o que Viveiros de Castro (1993)denominou de dissoluo culturalista, ou seja, uma maior nfase noestudo das categorias nativas de entendimento, priorizando aspectos

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    ideolgicos, no sentido que Clifford Geertz (1978 [1973]) e LouisDumont (1995 [1966]) atribuem ao termo (jamais como mascaramentoda realidade). Trs poderiam ser referidos como os pontos principaisdessa nova empresa: 1) o mergulho em categorias nativas como via deacesso a instituies em vez de importar conceitos advindos de reali-dades etnogrficas outras; 2) produzir, a partir das etnografias indivi-duais, uma comparao controlada, sem grandes vos tericos, ape-nas para cercar as recorrncias culturais; 3) trabalhar com teorias nativase modelos conscientes de maneira a recuperar o lugar dos agentes que

    se vem diante dos dilemas colocados pela estrutura social11

    .O grupo de Harvard no era, entretanto, unnime, como pode sernotado em uma divergncia entre posturas no interior de D ialecticalsocieties12. Ao lado da inflexo culturalista compartilhada por autorescomo o prprio Maybury-Lewis, Jlio Csar Melatti e Roberto Da Matta,Terence Turner, que estudou os Kayap Gorotire, aproximava-se deuma tradio marxista que privilegiava a reflexo sobre uma base deproduo em detrimento dos aspectos puramente ideolgicos dos sis-

    temas sociais. A contribuio de Turner consiste em encompassar odualismo kayap e de modo geral, j e bororo relao de domina-o estabelecida no interior das casas (households) entre um sogro e umgenro, uma vez atestado um padro uxorilocal de residncia. Tal tesecontrape-se de Maybury-Lewis, para quem o dualismo, representa-do pela profuso de metades cerimoniais e blicas (e no matrimoniaiscomo se verificava na Austrlia), a expresso de princpios ideolgi-cos fundamentais que prezam pela simetria e harmonia. Turner (1979

    e 1984) recusa esse ideal de complementaridade, alegando que os sis-temas j e bororo s podem ser compreendidos se revelado o princpiohierrquico a eles inerentes e que se reproduz desde o nvel domstico a casa at os nveis polticos e cerimoniais. Ora, o debate em tornodo aspecto da simetria desse intrigante dualismo invade outros planos,desta vez menos ligados infra-estrutura material, como o reveladoquando do embate com os escritos de Lvi-Strauss.

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    A discusso sobre o lugar do dualismo no Brasil Central um sistemaideolgico baseado em uma frmula antittica que ordena os diversosaspectos da vida social povoa o conjunto da obra de Maybury-Lewis,figurando desde a publicao de um artigo em reao s teorias de Lvi-Strauss, The analysis of dual organizations: a methodological critique(1960), at a coletnea recente, editada com Uri Almagor, The attractionof opposites: thought and society in dualistic mode (1989). Em A sociedadexavante, o autor apontava a dicotomia fundante entre as categorias nse eles (waniwimh e watsirewa) como modelo capaz de melhor expli-car a vida social e, se no explica tudo (o intenso facciosismo queassola as comunidades deve ser, por exemplo, tomado como indepen-dente dos diversos sistemas de metade), ao menos serve de refernciaindispensvel para que os agentes orientem a sua experincia. A noode sociedades dialticas, empregada para designar as sociedades j ebororo, aponta a posio central dessa teoria social que postula que a

    harmonia vislumbrada como causa final s pode ser alcanada pelacomplementaridade dos contrrios13.Perdura no tempo a insistncia no tema, como se pode notar na releitura

    presente em The attraction of opposites, desta vez abrangendo um recorteetnogrfico mais amplo, no restrito ao Brasil Central, mas que tambminclui stios esparramados por todo o globo, como a Austrlia, os Andes ea Melansia. Na introduo ao livro, The quest for harmony, o autoramplia a definio do dualismo como pensamento social baseado na pos-

    sibilidade de atingir a harmonia por meio de um esquema de coisas geradopela interao de dois princpios antitticos e complementares, no qual ossistemas de metade no seriam mais que uma das possveis expressesinstitucionais. Com efeito, o autor se distancia cada vez mais de uma con-cepo sociologista do problema para apreend-lo como ideologia ou teo-ria social que no necessariamente se atualiza em todos os domnios davida social. O problema morfolgico que baseou os primeiros anos da

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    pesquisa no Brasil Central acaba por ser definitivamente diludo por umproblema filosfico mais amplo e que, justamente por isso, pode ser avis-tado em outras paisagens etnogrficas.

    As asseres contidas em The attraction of opposites suscitaram reaesde Lvi-Strauss em um de seus livros mais recentes, H istria de lince(1993b [1991]), reavivando um debate antigo em torno do sentido ealcance do problema do dualismo amerndio. No surpreende que estetema constitui um dos eixos centrais das obras de ambos os antroplo-gos, que partiram de intuies para ento desenvolver anlises

    conceituais reveladoras. O debate em torno do dualismo, tomado aprincpio como problema de organizao social para, em seguida, servislumbrado como o motor de um pensamento, abriga um movimentoduplo de distanciamento e aproximao entre os dois autores. H, nosprimeiros textos das dcadas de 1950 e 1960, um consenso inicial en-tre ambos no que diz respeito definio do dualismo menos comoinstituio ou expresso de uma regra positiva de casamento do quecomo mentalidade (Carneiro da Cunha, 1993). Em outras palavras,

    acreditam que, para compreender o fenmeno no Brasil Central, pre-ciso ir alm do domnio do parentesco, visto que, em uma primeira ins-tncia, os sistemas de metade ali observados no podem constituir clas-ses matrimoniais como se verificou na Austrlia. Ambos procuram,assim, restituir positividade aos sistemas sociais j e bororo, tentandocompreend-los no pelo que neles se ausenta, mas pelo sentido quesubjaz profuso dos pares de metades e recorrncia a concepesduais sobre o cosmos.

    As discordncias logo comeam a pulular se considerados os pressu-postos tericos e metodolgicos que cada autor guarda em mente, bemcomo as suas visadas etnolgicas sobre o problema. Algo que separa osautores certamente a difcil arte de transformar a experincia empricaem modelo analtico. Se Lvi-Strauss aventura-se na busca de realida-des mais subterrneas e, portanto, menos evidentes ao discurso nativo,Maybury-Lewis permanece propositalmente no plano da teoria social

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    local, tentando se aproximar de um conjunto de concepes evidenteso suficiente para informar a ao e atribuir sentido experincia. Seambos concordam que o dualismo no pode ser outra coisa que ummodelo, o que os distingue a noo de modelo em jogo. Para Maybury-Lewis, esta seria como um ponto de referncia bsico que torna com-preensvel um certo nmero de idias, regras e aes, alm de forneceruma teoria social e o porqu da organizao, tal qual feita pelos Xavante,de suas categorias cosmolgicas e sociais; o porqu do modo pelo qual sedo os alinhamentos faccionrios e que consideraes os prprios Xavante

    tecem ao planejar suas estratgias de ao social (1984 [1967]: 6).Segundo Maybury-Lewis, mesmo a lgica do facciosismo, que en-gendra, independentemente das organizaes duais, agrupamentos po-lticos temporrios, no perde a referncia em categorias de entendi-mento geradas pelo esquematismo dualista.

    Se para Maybury-Lewis de A sociedade x avante (1984 [1967]) e D ialectical societies (1979), o dualismo j e bororo consiste na buscada harmonia entre os contrrios, para Lvi-Strauss, em um texto como

    As organizaes dualistas existem? (1976 [1956]), este nada mais que uma cortina de fumaa, que encobre uma realidade outra, destavez iminentemente assimtrica. Em suma, o que para o primeiro to-mado como evidente e como informao para uma prtica social, parao ltimo s existe como iluso, pois que escamoteia um horizonte queno pode ser reduzido a uma dualidade. Contra essa imagem de umacortina de fumaa, Maybury-Lewis (1960) alega que Lvi-Strauss,para se referir ao problema do dualismo, haveria reunido dimenses in-

    comparveis como as estruturas diametrais e concntricas14 quando, defato, elas dizem respeito, respectivamente, a uma viso segmentada eno-segmentada da sociedade e no perfazem uma relao de subordi-nao da ltima pela primeira. Na introduo deD ialectical societies, voltaa insistir que eles [os povos j e bororo] afirmam explicitamente queas suas sociedades so imbudas de oposies, pois a oposio imanente natureza das coisas (1979: 13; grifos meus).

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    Ao contrrio de Lvi-Strauss, o objetivo da anlise de Maybury-Lewis, portanto, verificar como cada sociedade trabalha para criar umasntese harmnica a partir de idias, categorias e instituies antitticasque constituem o seu modo de vida (idem).

    Mas para Lvi-Strauss, h algo entre a experincia e a realidade subja-cente que requer a apreenso pelos modelos explicativos do antrop-logo, contudo, esse esforo no pode ser mais que aproximativo: arealidade s pode ser conhecida mediante uma racionalizao, tambmuma simplificao das nuanas nelas entranhadas que visa captura

    de certos aspectos invariantes. assim que, a propsito de sua interpreta-o do dualismo bororo, Lvi-Strauss (1993a [1960]) rebate as crticas deMaybury-Lewis no referido artigo de 1960, conferindo relevncia aoseu mtodo:

    O diagrama relativo aos Bororo no fornece uma representao exausti-va de seu sistema social: nenhum diagrama poderia faz-lo e no este o seuobjeto. Mas representa pelo menos o essencial, ou seja, como nos pedido,por um lado o par de metades, por outro lado uma trade de gruposendgamos. Um diagrama no pretende mostrar tudo; basta que ilustrefunes tambm presentes nos exemplos ilustrados por outros diagramas,a despeito do fato de que essas funes se manifestam em setores diferentesda realidade social para cada caso considerado. (: 87)

    O autor aponta os preconceitos naturalistas presentes em seuscrticos da escola britnica, que tenderiam a reificar um conceitode sociedade que no pode ser encontrado no mundo seno como ati-vidade de pensamento. Respondendo a Maybury-Lewis (1960), que

    alegava no ser possvel representar as relaes sociais por smbolosformais como na matemtica, Lvi-Strauss pergunta-se sobre o que defato so essas relaes seno uma construo abstrata do analista, queestabelece a diferena entre a observao emprica e os smbolos queusa para substitu-los. Isso no significa, entretanto, excluir da anlisea experincia em detrimento de uma pura abstrao. Sem dvida, aexperincia deve ter a ltima palavra (: 88), acentua Lvi-Strauss, mas

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    desde que ela seja guiada pelo raciocnio, que no pode jamais apreend-la em sua forma bruta. Como as molculas reais, invisveis a olho nu, queinteressam aos fsicos, assim deveria ser pensada a realidade social: as re-laes sociais se oferecem como matria prima para a construo dos mo-delos analticos, capazes de tornar manifesta a estrutura social.

    Por trs desse debate epistemolgico, reside outro de natureza maisterica sobre o estatuto do princpio de reciprocidade, do qual Lvi-Straussfaz derivar o dualismo. O dualismo tanto sociolgico como metafsico ,para este autor, uma manifestao singular do princpio transcendental de

    reciprocidade o imperativo da troca em um plano diverso da troca decnjuges. Esse ponto sustentado nos textos de 1976 [1956] e 1960(1993a) e desenvolvido, tendo em vista conseqncias diversas, emH ist-ria de lince (1993b). Maybury-Lewis, sua parte, no corrobora com essaconcluso, tomando, de maneira explcita, em The attraction of opposites(Maybury-Lewis e Almagor, 1989), a reciprocidade como funo e no cau-sa do pensamento dualista. Essa discordncia possui desdobramentos im-portantes. Lvi-Strauss (1993a [1960]) acusa Maybury-Lewis de negligen-

    ciar a hierarquia e assimetria como problemas tericos ao alegar que omodelo indgena procura reduzi-las a uma soluo de equilbrio. Para o pri-meiro, preciso compreender que os sistemas binrios emergem como casosparticulares de um sistema ternrio, o que representa um meio deexemplificar grandemente a teoria geral da reciprocidade, conforme con-firmaram os matemticos com quem discutimos o problema (: 82). Ora,se a noo de reciprocidade est to firmada quanto a lei da gravidadepara a astronomia (idem), ento, a novidade, ao contrrio do que pensa-

    vam Malinowski e Radcliffe-Brown, que no pode haver simetria quan-do a troca a questo. Em outras palavras, a noo de assimetria seriainerente de reciprocidade e, nesse caso, a produo de arranjos simtri-cos s pode ser compreendida como derivao de um problema assimtricoprimeiro. O concentrismo deveria, assim, ser compreendido comologicamente anterior s formas diametrais em tal sistema, a diferena serevela moto-contnuo da vida social.

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    Se, para Lvi-Strauss, assimetria inerente troca condio para odualismo, seja qual for a sua manifestao, para Maybury-Lewis o que sed propriamente o contrrio: o dualismo necessariamente umcontraponto hierarquia e assimetria, cumpre a ele instaurar a simetria ea reciprocidade. A corrida de toras, praticada pelos Xavante, pelos Xerentee pelos Timbira consiste, para o autor, em um exemplo clebre de comouma aparente situao de competio pode sucumbir ao ideal de simetria.Um tronco de palmeira de dois metros cortado a alguma distncia daaldeia; um membro de cada metade no caso dos Xerente, h as chama-

    das metades esportivas, ao passo que entre os Xavante, o torneio se dentre metades de idade15 corre em direo aldeia com a tora em seusombros, e quando se cansa, apia-se nos ombros de seu colega de meta-de; por fim deposita-a no local de encontro dos homens maduros nocentro da aldeia. Essa descrio leva a crer que as corridas de toraso, assim, performances explicitamente designadas para mostrar queo equilbrio e a harmonia podem ser criadas a partir de um fluxo de even-tos desordenado e contnuo (1989: 103).

    Produtoras de hostilidade e de um idioma blico primeira vista, essasmanifestaes consistem na atualizao de ideologias de equilbrioderivadas de uma teoria da harmonia csmica, na qual a sociedade figuracomo parte de um esquema maior de coisas. Eis o lugar do dualismo, comoimaginado pelo autor: uma teoria social que prev a distribuio sim-trica de itens de natureza antittica. Tal vontade de simetria se encon-tra na mente das pessoas e por meio dela que se constri o sentido deviver em coletividade.

    Nota-se que, por mais que haja aproximaes, os pressupostos te-ricos enrijecem o debate. Se Maybury-Lewis entrev uma predisposio harmonia que deve ser obtida pela complementaridade e simetria en-tre os elementos contrrios, Lvi-Strauss concebe o social como cindidopor uma assimetria e uma incompletude fundantes. O primeiro v nopensamento dualista a realizao de uma certa utopia social isso ex-plica o recurso a uma imagem inspirada em Marx de A ideologia alem:

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    Os J e os Bororo poderiam literalmente viver o seu sonho. Em taissociedades, indivduos poderiam seguir suas tarefas cotidianas, como caar e

    coletar, lutar e fazer amor, e ao mesmo tempo assumir papis no drama daoposio e da resoluo, da anttese e da harmonia, que configuram a suaviso de mundo. (Maybury-Lewis, 1979: 42)

    J Lvi-Strauss se afasta dessa imagem para pensar esse pensamen-to em sua tarefa sisfica: o dois jamais completado na experincia, ano ser sob a forma de uma racionalizao imperfeita, e o dualismo re-presenta, nesse esquema, um limite para o ternarismo. Como informao caso bororo, o concentrismo promove a mediao entre a forma

    diametral e a tridica, medida que se mostra didico como o primeiroe assimtrico como o segundo. O dualismo bororo, assim apresenta-do, no basta a si mesmo e deve referir-se sempre ao meio que o cir-cunda (1976 [1956]: 177). Em analogia com as formas dos matemti-cos, Lvi-Strauss afirma que o concentrismo pode ser representado pelaoposio entre um ponto e uma reta, entre uma srie contnua e outradescontnua, pois est fundado em um princpio de assimetria: as dadesconsistem antes em um disfarce para as trades, um subterfgio lgicoque trata como dois termos homlogos um conjunto formado na reali-dade por objetos de natureza dessemelhantes.

    A primazia do concentrismo sobre a simetria, destacada no texto de1956, reaparece, emH istria de lince, sob o tema da dualidade irredutvelque se faz notar na mitologia de ambos os hemisfrios das Amricas.O mecanismo lgico dos mitos moto-contnuo de contradies cujoterceiro termo, introduzido para promover a resoluo, repe imedia-

    tamente uma nova contradio16

    ganha contedo metafsico; em ou-tras palavras, a mitologia amerndia torna evidente a impossibilidade deviver sem a diferena, que tambm uma impossibilidade de promo-ver o equilbrio entre elas. A mensagem dos mitos consiste em afirmarque onde h diferena sempre haver instabilidade e o equilbrio per-manecer como horizonte inatingvel. A recusa do mito tupinamb, para-fraseado pelo autor, em tornar os gmeos semelhantes entre si, fazendo

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    que eles sejam gerados por pais diferentes no ventre da mesma me,reflete essa necessidade de desdobramento ao infinito das diferenas,e jamais sua supresso, o que remete operao de um clinmen filo-sfico para que em todo setor do cosmos ou da sociedade as coisaspermaneam em seu estado inicial e que, de um dualismo instvel emqualquer nvel que se apreenda, sempre resulte um outro dualismo ins-tvel (Levi-Strauss, 1993b [1991]: 209).

    Ambos, Maybury-Lewis e Lvi-Strauss, concebem o dualismo comoum sistema de diferenas, contudo, em um caso, essas diferenas ten-

    dem ao equilbrio e desenham um sistema por assim dizer homeosttico,ao passo que, no outro, perfazem um movimento contnuo de multi-plicao que implica o estado de desequilbrio constante, a impossibi-lidade de uma totalizao e a necessidade de uma abertura desse siste-ma ao meio que o circunda. Essas imagsticas diferentes encerram,ademais, um debate propriamente etnolgico. Se o dualismo existe comoum pensamento que se nutre da diferena e recusa toda unidade, ele seencontra distribudo de modo distinto segundo um e outro autor.

    Maybury-Lewis, que derivou a questo de um problema especfico paisagem centro-brasileira, passou a considerar, em The attraction ofopposites, sociedades situadas em outras paisagens como sociedades quecometem tambm o dualismo em suas filosofias sociais; no obstante,nega-se em identific-lo como propriedade intrnseca do pensamentodos povos indgenas americanos, como faz Lvi-Strauss em H istria delince levando adiante uma intuio presente j em seus primeiros tex-tos17. Essa nova discordncia se d por razes j levantadas: Maybury-

    Lewis no buscou evidncias do dualismo na teoria e prtica social deoutros povos amerndios18, como os de lngua tupi-guarani, ao passoque Lvi-Strauss continua a perseguir os aspectos mais subterrneosdessas teorias e, assim, os passos da transformao das estruturasmticas que perpassam as paisagens americanas do noroeste da Amri-ca do Norte ao Chaco19.

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    A trajetria de Maybury-Lewis no se resume s suas reflexes sobre adimenso do pensamento social dos povos indgenas centro-brasilei-ros, porm revela experincias ligadas ao campo da atuao poltica.Em 1972, ele, sua esposa Pia e mais dois professores de Harvard fun-davam a Cultural Survival, uma organizao no-governamental em-penhada em defender os direitos dos povos indgenas das mais dsparesregies do mundo20. Na dcada de 1960, a demanda por aes dessanatureza tornava-se gritante devido ao impacto brutal do desenvolvi-mento e do discurso desenvolvimentista no raro apoiado sobre a con-cepo das sociedades no ocidentais como obstculos e empecilhosao progresso. Tendo essa situao em vista, era preciso desdobrar areflexo acadmica em um trabalho de assistncia, visando suprir de-mandas dessas sociedades, e de divulgao, para um pblico maisamplo, de um conhecimento capaz de informar e afastar preconceitos21.

    Embora mergulhado em projetos de assistncia, Maybury-Lewis sem-

    pre questionou o abandono de temas antropolgicos clssicos em pro-veito da considerao de questes exclusivas para uma atuao polti-ca. Por certo, ele compartilharia a idia de Bruce Albert (1995) de queno se trata de promover uma Antropologia propriamente aplicada, massim uma Antropologia implicada com os povos estudados, o que nosignifica que s se possa estudar os problemas enfrentados pelos ind-genas em seu enfrentamento com a sociedade nacional. Em outras pa-lavras, a sensibilidade para os contextos polticos nos quais os indge-

    nas se vem inseridos no deve excluir a investigao etnolgica emseus moldes tradicionais. Como afirmava no prefcio edio brasilei-ra de A sociedade x avante:

    Rejeito categoricamente a idia de que as duas atividades sejam mu-tuamente exclusivas e creio indefensvel a insistncia doutrinria emqualquer uma delas. No aceito o estudo dos povos indgenas no Brasilsem que seus problemas e suas solues sejam tambm de interesse do

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    investigador. Por outro lado, uma profisso de f na atuao indigenistaacompanhada de desinteresse pelo estudo das culturas dos povos ind-

    genas (que o que permite a compreenso de seus modos de ser espec-ficos) algo extremamente paternalista. Nossa dvida para com essespovos nos exige que os levemos a srio e isso significa dizer que deve-mos fazer todo o possvel tanto para compreend-los em seus prpriostermos quanto para defender seu direito de viver no Brasil multitnicodo fundo. (1984: 9)

    A lio do autor , portanto, de que conhecimento produzido pela aca-demia sobre os povos indgenas o primeiro passo para que lhes seja res-

    titudo o respeito perdido no decorrer da histria. O segundo seria a lutapara que os modos de pensar e viver prprios desses povos possam convi-ver plenamente no interior de uma sociedade estatal, tendo em vista amaneira pela qual esta tem os subjugado tratando-os como estrangeiros einferiores. No obstante, tal a proposta de Maybury-Lewis, o Estado de-ver tornar-se, ao contrrio do que se verificou nos ltimos tempos, umEstado multitnico capaz de abrigar diferenas culturais por vezes profun-das. A essa altura, depara-se com uma questo que intriga h muito a

    Antropologia: como possvel fazer com que as diferenas convivam soba gide de um mesmo Estado? A resposta de Pierre Clastres, emA socieda-de contra o E stado (1978 [1974]), j havia sido categrica: a naturezado Estado contraditria em relao das sociedades primitivas, vis-to que o primeiro busca subsumir as disparidades sob o jugo arrasadordo Um, ao passo que as ltimas lutam para deter esse movimento emproveito da fragmentao das coletividades e da liberdade dos homens,revelando-se, assim, contra o Estado, contra a idia de que seja poss-vel abolir as diferenas em nome de uma entidade fantasmagrica. ParaClastres, a presena do Estado redunda no raro no etnocdio, umaaverso a outrem que explica, ao seu modo, o triunfo da colonizaoeuropia nas Amricas. Malgrado essa viso fatalista, cujos pressupos-tos no lhes so absolutamente estranhos, Maybury-Lewis parece en-trever alguma sada reside a o sentido do seu ativismo.

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    A proposta da criao de Estados multitnicos deve partir da premissade que no h lei natural que impea que nacionalidades ou o que hojechamaramos de grupos tnicos convivam num nico Estado (Maybury-Lewis, 1984: 103). Dessa feita, a assero habitual, tanto na viso denun-ciadora Clastres e os autores da corrente do etnocdio (Taylor, 1998[1984]) como na perspectiva desenvolvimentista o entusiasmo paracom o progresso e o processo de homogeneizao , de que as demandasdo Estado so necessariamente contraditrias com as aspiraes dos gru-pos tnicos deve ser revista considerando-se alternativas para a relao entre

    os Estados nacionais e as minorias tnicas. Com Maybury-Lewis, a esperae o estmulo para o desaparecimento das culturas indgenas, sob o pretex-to de que estas emperram o processo do desenvolvimento, podem ser con-tornados. Assim, preciso no se ater unicamente a denncias, mas esta-belecer antes de tudo um plano de ao. O Estado no em essncia oLeviat; pode, ademais, deixar de s-lo se os integrantes da sociedade civilestiverem dispostos a transformar essa realidade.

    O projeto poltico de Maybury-Lewis, que transparece em artigos

    como Vivendo Leviat: grupos tnicos e o Estado (1984) ou no livroIndigenous peoples, ethnic groups and the State (1996), reside em fazer valer oponto de vista dos nativos no interior de um sistema que foi decretadocomo no reservando lugar a eles. Trata-se, em outras palavras, de umprojeto de resistncia que visa construir um espao de convivncia ondeas diferenas no sejam subsumidas lgica da unidade, onde elas pos-sam ser vistas menos como mutuamente excludentes que como funda-mentalmente complementares. Ora, o projeto poltico desse antrop-

    logo e por que no a sua utopia? restitui em um plano global o queo dualismo centro-brasileiro promovia em uma dimenso local, a al-deia. curioso, assim, reencontrar o sentido de um tema caro suaEtnologia em uma terra devastada pelo discurso do desenvolvimentoe da globalizao, o discurso do Um, para voltar a Clastres. Em Theattraction of opposites (Maybury-Lewis e Almagor, 1989), o dualismocomo ideologia apresentado como maneira eficaz de controlar a his-

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    tria Maybury-Lewis compactua, ao seu modo, com a idia de soci-edades frias e assume como maior inimiga a modernidade, visto queesta no cessa de impor fluxos diversos e um movimento de fragmentaoque lhe so estranhos o dualismo , sob essa definio, um holismo.

    Maybury-Lewis demonstra como em situaes de crise demogrficae de intenso contato com a sociedade brasileira, os dualismos so cons-tantemente recriados, comprovando a idia de que o modelo continuana mente dos agentes por mais que possa parecer ausente. Entre osXavante e os Kayap, o autor aponta a criao de novos sistemas de

    metades que sinalizam o uso poltico de sistemas binrios que derivamdas teorias sociais que podem acomodar as mudanas mais dram-ticas e ainda continuam a determinar a prtica social (1989: 106). Odualismo , pois, o que garante a harmonia no momento do caos, o queimpede que as sociedades sucumbam ao fluxo desordenado, entropia.Em sua experincia da modernidade, as sociedades j e bororo tive-ram de aprender que o dois no plano local condio para o ml-tiplo em escala global. Para que permaneam, elas precisam manter

    de maneira complementar e balanceada tanto as diferenas internas (emcada aldeia) como as externas (entre as aldeias e o mundo dos bran-cos) os J e Bororo de Maybury-Lewis no parecem ter a alma in-constante como os Tupi de Viveiros de Castro (1992), embora tendama concordar com uma meditao dos Guarani de Clastres (1978 [1974]),qual seja, a de que o Mal o Um. O Bem no o mltiplo, mas o dois, aomesmo tempo o um e seu outro, o dois que designa verdadeiramente osseres completos (: 121).

    A lio de Maybury-Lewis diz respeito ao fato de que o mundo mo-derno o Estado, a cincia, a sociedade civil etc. tem muito a apren-der com as sociedades que pensam dualisticamente (obviamente, noapenas com estas) e, para tanto, deveria comear a lhes fazer justia,assistindo aos seus movimentos de resistncia que no devem ser me-ramente importados do Ocidente, pois que emergem no do seio de suasprprias ideologias. O mundo moderno deveria, para usar uma expres-

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    so de Viveiros de Castro (1981), dar ouvidos a essas sociedades,quebrando a situao de incomunicabilidade h muito instaurada e acei-tando seus membros como sujeitos de seu prprio destino. Nesse finalpaira, contudo, uma questo: seria esse projeto, o da convivncia har-mnica das diferenas no interior de um mesmo Estado nacional, umautopia realizvel ou, para voltar ao debate com Lvi-Strauss sobre ocarter ontolgico do dualismo amerndio, mais uma tarefa sisfica, masque nem por isso deve ser abandonada? Diante dessa inquietao,Maybury-Lewis parece optar pela alternativa mais otimista, buscando

    fazer valer o seu prprio demnio sobre a experincia do mundo.

    Notas

    1 Nimuendaju dedicou-se descrio minuciosa de sociedades indgenas espec-ficas, consagrando-se como o etngrafo de campo que mais conheceu gruposindgenas diferentes no Brasil (Grupioni, 1998: 167).

    2 T he A pinay (1939), The Sherente (1942) e T he eastern T imbira (1946).

    3 Lowie deu destaque ao caso Apinay, entre os quais Nimuendaju havia obser-vado uma anomalia uma regra de descendncia paralela operante em um sis-tema de quatro classes matrimoniais (os meninos pertenciam ao grupo do pai,ao passo que as meninas, ao grupo da me). Tratava-se de algo jamais etnogra-fado em outra sociedade e que contradizia o princpio (universal) de equivaln-cia de germanos firmado por Radcliffe-Brown. Maybury-Lewis (1979) e sobre-tudo Roberto Da Matta (1973) dedicam-se a esclarecer esse mal-entendido.Segundo Da Matta, a idia de que um homem no pertencia mesma metade

    de sua irm seria de fato uma iluso propiciada pela observao pouco cuidado-sa de Nimuendaju. A questo reside no fato de que, no Brasil Central, noescomo descendncia, tal como definidas nos estudos clssicos sobre a frica, dosquais Radcliffe-Brown foi o grande fundador e em torno dos quais gravitava aAntropologia da poca, no pareciam dar conta da imensa complexidade dasrelaes sociais estabelecidas no Brasil Central. As concluses de Da Matta reve-lavam que em casos como o apinay, as metades observadas no correspondema classes matrimoniais, afastando-se por isso dos casos australianos em que se

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    vislumbra expresses da troca restrita. Dessa maneira, no era possvel estendero modelo dualista clssico Amrica do Sul, e, quem quisesse faz-lo, haveria de

    redefinir a prpria noo de dualismo.

    4 Para uma discusso sobre a vinda de Lvi-Strauss ao Brasil, cf. Peixoto (1998) eGrupioni (1998).

    5 Em seu estudo bastante citado sobre os Guarani, Schaden (1974 [1954]) buscaencontrar os aspectos fundamentais da cultura nativa a despeito dos efeitosdesagregadores do contato com o mundo dos brancos. Schaden concebecultura como uma totalidade harmnica; assim, nesse trabalho, o desafio

    consiste em procurar o que teria restado, diante das mudanas acarretadas pelasituao histrica, dessa totalidade, reduzida aos seus aspectos fundamentais.

    6 Na introduo de A mitologia herica de tribos indgenas do Brasil (1989[1945]), livro caracterizado por uma construo explicativa hbrida, Schaden ad-mite: No nos quisemos filiar a nenhuma escola [...] para deixar o material falarpor si [...] afastando quaisquer especulaes ousadas, afirmaes dogmticas oumeros pontos de vista (: 10). Em um pequeno depoimento publicado no

    A nurio A ntropolgicode 1982, ele acrescenta: Nunca chegou a esboar-se, feliz-

    mente, na Universidade de So Paulo, algo que pudesse denominar-se escolaantropolgica paulista. Por certo, os interesses foram sempre variados, comtendncia crescente para estudos interdisciplinares. Desde cedo se acentuou, noentanto, a perspectiva sociolgica, por influncia, sobretudo, de Claude Lvi-Strauss (: 254).

    7 No fiz referncia a Florestan Fernandes (1970), que em 1952 publicavaA funosocial da guerra entre os Tupinamb e j era considerado uma figura importante dasociologia uspiana, pois Maybury-Lewis, na poca de sua estadia em So Paulo,

    no havia travado contato com ele e sua obra (ver depoimento abaixo). Comosustenta Viveiros de Castro (1999), Fernandes foi o precursor da etnologia in-dgena no Brasil, uma vez dedicado a reconstituir o sentido e a totalidade daexperincia social de um povo de lngua tupi-guarani no sculo XVI. Ele foi,ademais, capaz de escrever uma monografia completa, com o rigor cientfico eetnogrfico exigido, valendo-se de documentos e crnicas lidos luz das dis-cusses tanto da Escola Sociolgica Francesa de Durkheim e Mauss como doestrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown e seus discpulos.

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    8 As duas grandes obras de referncia no perodo eram a coletnea organizada porRadcliffe-Brown,Sistemas africanos de descendncia e casamento (1950), e o livro de

    Claude Lvi-Strauss, A s estruturas elementares de parentesco(1982 [1949]) fontes de duas teorias conflitantes, a teoria da descendncia e a teoria da alian-a, respectivamente. A primeira baseava-se na etnografia africana e tomava osdados da descendncia como fundantes de todo o sistema de parentesco, aopasso que a segunda guiava-se por etnografias de diferentes regies da Oceaniae da sia para sustentar um modelo baseado na anterioridade das regras de ca-samento em relao s de filiao (cf. Dumont, 1997 [1970]).

    9 Este livro foi traduzido para o portugus, em 1984, por Aracy Lopes da Silva,

    que foi aluna de Maybury-Lewis em Harvard e levou adiante os estudos sobreos Xavante, publicando, em 1986, o livro N omes e amigos: da prtica xavantea uma reflexo sobre os J, alm de vrios artigos, e orientando teses e disser-taes sobre este povo. A divulgao das idias de Maybury-Lewis no Brasil eespecialmente em So Paulo devem-se a ela.

    10 Jean Carter Lave estudou os Krikati e Jlio Csar Melatti, os Krah, ambosTimbira Orientais. Roberto Da Matta realizou sua pesquisa entre os Apinay(Timbira Ocidentais), Joan Bamberger e Terence Turner, entre os Kayap (J

    setentrionais), e J. C. Crocker, entre os Bororo.

    11 A dissoluo culturalista apontada por Viveiros de Castro (1993) parece termarcado as geraes que sucederam o Projeto Harvard, no apenas de j-logos como se faz notar, entre outros, nos trabalhos de Anthony Seeger (1980) sobreos Suy e de Aracy Lopes da Silva (1986) sobre os Xavante mas tambm deamazonistas. Uma decorrncia dessa inflexo culturalista pode ser encontradaem um artigo sntese de autoria de Anthony Seeger, Roberto Da Matta e Eduar-do Viveiros de Castro (1987 [1979]) A construo da pessoa nas sociedadesindgenas brasileiras no qual se prope que, em vez de tomar as teorias daaliana e da descendncia como chaves de explicao, era necessrio antes buscarteorias da pessoa humana, teorias da concepo, preceitos subjacentes a rituaisde iniciao e funerais etc. Mais recentemente, uma conseqncia desse debatepode ser encontrada no estudo da construo do parentesco amerndio rea-lizado por Viveiros de Castro (2001).

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    12 possvel ler D ialectical societiesde vrios modos. De um lado, h o mode-lo standardapresentado por Maybury-Lewis e, de outro, os afastamentos mais

    ou menos significativos dos demais autores para uma discusso sobre a rela-o entre os vrios modelos presentes na coletnea, ver Cohn (2001). Por ora,apresento apenas o debate entre Maybury-Lewis e Turner, que apresentam pos-turas muito diversas.

    13 Resulta da que a dialtica referida por Maybury-Lewis no ttulo de sua colet-nea sobre os grupos j e bororo no pode ser tomada segundo a lgica hegeliana,pois no supe a relao entre elementos contraditrios, mas sim contrrios.Sobre esse aspecto, ver a discusso, na introduo de The attraction of opposites

    (Maybury-Lewis & Almagor, 1989) em que o autor aproxima o dualismo comopensamento ao taosmo chins, sistema baseado na interao entre elementosopostos e complementares (oyin e oyang, o masculino e o feminino, e assimpor diante).

    14 O dualismo diametral conserva o valor equistatutrio, por exemplo, para cadametade que compe a aldeia. O dualismo concntrico, por sua vez, operasegundo uma oposio gradual e hierrquica, uma vez que supe um termoenglobado (a periferia) e um termo englobante (o centro).

    15 Para uma discusso crtica sobre a relao da corrida de toras com o dualismoentre os Xavante, cf. Vianna, 2002.

    16 Tal a tese de Lvi-Strauss no artigo programtico A estrutura dos mitos(1976 [1955]).

    17 Ver, por exemplo, On dual organization in South America (1944) e Tristestrpicos (1957 [1955]) em que Lvi-Strauss est sobretudo interessado em medi-

    tar sobre a histria cultural do continente americano.

    18 Embora, na introduo a The attraction of opposites, Maybury-Lewis (1989) cite ocaso andino como merecedor de destaque no estudo de idias e instituiesdualistas. Sobre a dificuldade de inserir os grupos tupi-guarani nas discussessobre o dualismo, cf. Seeger, 1989, na mesma coletnea.

    19 O que faz Lvi-Strauss emH istria de lince apreender o esprito humano em

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    sua face amerndia ou, em outras palavras, refletir sobre o dualismo comose ele fosse uma incarnao para o pensamento amerndio do problema posto

    por assim dizer universalmente do princpio da reciprocidade. Para uma dis-cusso desse tema, cf. Sztutman, 2001.

    20 Hoje em dia, a Cultural Survival dedica-se prioritariamente a pesquisas sobrepovos indgenas, privilegiando estudos de caso. Alm desse plo, destacam-seos programas de assistncia jurdica e de educao. A instituio conta tambmcom publicaes peridicas e boletins informativos. Para mais detalhes, cf.www.culturalsurvival.org.

    21 Maybury-Lewis organizou duas publicaes sobre diferentes povos indgenasdo globo dirigidas ao grande pblico:M illenium: tribal wisdom and the modern world(Viking Press, 1992), que teve origem em uma srie televisiva homnima, e Peoplesof the world(editado com Brian Fage e Wade Davis pela srie National GeographicSocieties, 2001).

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    ABSTRACT: This article reaches a further understanding about the trajectory ofthe british anthropologist, living in USA, David Maybury-Lewis. It discusses

    some aspects of his intellectual formation, which includes a long period of re-search among the Xavante e and a comparative study on the g and bororospeaking people of Central Brazil. Maybury-Lewis is a central character in thedevelopment of the so called tropical Americanism. Among his ethnograficaland theoretical contributions, one can quote the elaboration of a g and bororoanalythical model, the renovation of the kinship studies e and the reflection onthe relationship between indigenous peoples and the State. A theme seems, infact, to be present along all his work: the dual organizations. This was, in effect,the motive of a long debate with Lvi-Strauss works, which will be here reviewed.

    KEY-WORDS: Amerindian ethnology, g and bororo speaking people,dualism, multiculturalism, State.

    Recebido em junho de 2002.