do caráter negociável da significação à busca do código perfeito

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  • 7/31/2019 Do carter negocivel da significao busca do cdigo perfeito

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    Do carter negocivel da significao busca do cdigo perfeito 1

    Humberto Ivan Keske 2 Doutorando em Comunicao Social

    Programa de Ps-Graduao PUCRS

    Resumo:

    Resgatando algumas questes trabalhadas no modelo informativo de Shannon e Weaver(1948), acrescidas das ampliaes de Umberto Eco e Palolo Fabbri nos dois modeloscomunicacionais seguintes, o modelo semitico-informativo (1978) e o modelo semitico-textual (1979), o presente artigo visa problematizar a relao estabelecida entre a noo decdigo e as circunstncias de comunicao , entendidas aqui como aqueles elementosparticipantes de uma dada situao concreta que auxiliam na compreenso entre oremetente e o destinatrio, interferindo diretamente no processo de (re) significao. Longede produzir uma transmisso da informao de sentido unvoco, a heterogeneidade defatores envolvidos no processo comunicacional traz tona complexos jogos interpretativos ,que ora se antagonizam, ora se complementam, ora se harmonizam na constituio de umdeterminado sentido.

    Palavras-chaves:

    Produo de sentido; cdigo; circunstncia de comunicao; significado.

    Introduo: em busca de outras codificaes

    A teoria matemtica da comunicao, enquanto processo comunicacional consistiaem reproduzir, em um determinado ponto, de maneira exata ou aproximativa, uma

    mensagem selecionada em outro ponto. Na perspectiva do modelo informativo, como ficouconhecido, a informao era tratada apenas comosmbolo calculvel , ou seja, devia existiruma fonte de emisso da informao, a partir da qual era emitido um sinal, atravs de um

    1 Trabalho apresentado ao NP 01 Teorias da Comunicao, do VI Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom XXIX Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao 06 09 de setembro de 2006 Braslia DF.

    2 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social FAMECOS PUCRS e professor do CentroUniversitrio FEEVALE. Novo Hamburgo RS. E-mail:[email protected]

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    aparelho transmissor; esse sinal viajava por um canal, ao longo do qual poderia ser

    perturbado por um rudo. Quando saa do canal, o sinal era captado por um receptor que o

    convertia em mensagem que, como tal, seria compreendida pelo destinatrio.Shannon e Weaver (1948), idealizadores desse sistema, procuraram estabelecer o

    modo mais econmico e rpido decodificar uma mensagem , sem que a presena do rudotornasse problemtica a transmisso. O que importava para os autores era pr em cdigo uma determinada mensagem, e no estudar e compreender esse cdigo. O que seu estudoprivilegiava no era osignificado da mensagem , trocada entre emissor e receptor, que setornava irrelevante, mas sim, a quantidade de informao a ser transmitida. justamente na

    apropriao do cdigo por parte dos falantes que Umberto Eco, a partir de 1978, ampliaro modelo comunicacional, acrescentando-lhe a denominao desemitico-informativo , econtrariando a mxima de que, para que o destinatrio pudesse compreender corretamente osinal, era necessrio que, no momento da transmisso ou no momento da recepo, sefizesse referncia a um mesmo cdigo. Deste modo,

    para melhor compreendermos como acontece esse fenmeno,reconstruamos o esquema comunicacional que nos serviu de ponto de partida,levando em conta o fato de que agora no mais nos interessa distinguir entre fonte etransmissor (um nico ser humano), nem estabelecer como transmitido o sinalinicial e ao longo de que tipo de canal (problema que diz respeito engenharia dascomunicaes), mas interessa-nos, isto sim, estabelecero que acontece . (ECO,2001: 42).

    O modelo semitico-informativo traz tona o problema dos processos designificao inseridos no modelo comunicativo da teoria da informao. Omodeloinformativo , de inspirao lgico-matemtica, centrava a ateno apenas naeficincia do

    processo , e no nadinmica das relaes entre o emissor, o receptor e o cdigo. Com o

    surgimento dos meios de comunicao de massa em larga escala, e a difuso cada vezmaior de informaes, a ateno da pesquisa passou a se interessar pelacapacidadedifusora desta informao de massa em transmitir os mesmos contedos a um grandepblico. Em decorrncia disso, surgiram pesquisas sobre os processos dedecodificao einterpretao das mensagens.

    A grande diferena do modelo informativo para o modelo semitico-informativo que agora a linearidade da transmisso se encontra vinculada aos fatoressemnticos

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    introduzidos mediante o conceito decdigo . Isto , passa-se da acepo de comunicao

    como transferncia de informao, para a detransformao de um sistema em outro. O

    cdigo garante a possibilidade dessa transformao (WOLF, 1995: 109-110). Estamodificao doolhar sobre os modelos comunicativos deu-se atravs da influncia deoutras disciplinas que provocaram a mudana substancial do paradigma comunicativoanterior: agora, o problema em questo era realmente o dasignificao inserida nosprocessos de comunicao de massa.

    A preocupao de Eco e Fabbri naqueles anos de 1978 era a de que o modelodivulgado pelos primeiros tericos da informao, atravs justamente da frmula

    simplificada de um emitente, uma mensagem e um destinatrio, onde a mensagem tantogerada quanto interpretada na base de um cdigo, no fornecesse os subsdios necessriospara a compreenso da complexidade do ato comunicacional. Neste sentido, os cdigos dodestinatrio podiam diferenciar-se, totalmente ou em parte, dos cdigos do emitente, o quecolocava em observao, justamente, que o processo comunicativo no podia serinterpretado unicamente com base na linearidade da transmisso que o modelo procuravadar conta. Deste modo, chegava-se ao esclarecimento de que

    o cdigo no uma entidade simples, porm na maioria das vezesum complexo sistema de sistema de regras; que o cdigo lingstico no suficiente para compreender uma mensagem lingstica: [fuma?] [No] lingisticamente decodificvel como pergunta e resposta sobre os hbitosdo destinatrio da pergunta, mas, em determinadas circunstncias deemisso, a resposta conota-se como 'mal-educada' com base num cdigoque no lingstico, porm etiquetal era preciso dizer [no, muitoobrigado]. Por conseguinte, para 'decodificar' uma mensagem verbal preciso ter, alm da competncia lingstica, uma competnciavariadamente circunstancial, uma capacidade passvel de desencadearpressuposies, de reprimir idiossincrasias, etc., etc. (ECO, 1986: 38).

    Portanto, entre uma determinada codificao estabelecida por um emissor e arespectiva decodificao por parte de um receptor, podia haver a necessidade dainterpretao de circunstncias no-codificadas , que requeriam procedimentosextralingsticos para os quais concorriam diversos sistemas de signos e cdigos que secomplementavam e se imbricavam reciprocamente. Tais elementos que se localizavam

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    alm do quadro proposto pelo modelo comunicacional seria, posteriormente, chamado por

    Umberto Eco decircunstncias da comunicao , conforme veremos.

    A multiplicidade dos cdigos e das circunstncias faz com que amesma mensagem possa ser decodificada de diversos pontos de vista ecom referncia a diversos sistemas de convenes. A denotao de basepode ser entendida como o emitente queria que fosse entendida, mas asconotaes mudam simplesmente porque o destinatrio segue percursosde leitura diversos dos previstos pelo emitente (ambos os percursos sendoautorizados pela rvore componencial a que ambos se referem) (ECO,2000: 127).

    Eco e Fabbri propunham uma viso diferente da idia simplificadora e reducionistado modelo matemtico-informativo, que no levava em considerao o contextocomunicacional e as adversas possibilidades de leitura que se apresentavam aodestinatrio. Segundo Grandi, a diferena fundamental entre os dois modelos no se devesomente ao fato de que adotaram uma noo de cdigo diferente, na qual se concede umamplo espao aos fatores semnticos, mas sim as conseqncias que derivam do modo peloqual se insere o problema do significado (1995: 67). Entretanto, o prprio conceito de

    cdigo tambm se modificava profundamente, uma vez que, na teoria da informao, anoo de cdigo era entendida somente como a correlao entre elementos de sistemasdiferentes. Alm do mais, a questo dadecodificao , entendida como o processo atravsdo qual os elementos de um determinado pblico constroem um sentido, a partir daquiloque recebem dos meios de comunicao de massa, adquire uma noo completamenteampliada em relao ao modelo informativo, onde se analisava, em laboratrio, ascondiesideais de transmisso das mensagens.

    A partir disto, no modelo semitico-informativo Eco e Fabbri (1978) salientavam

    que os efeitos , entendidos como modalidade de decodificao e de interpretao dasmensagens (WOLF, 1995: 109), e as funes sociais dos meios de comunicao de massano podiam se desvencilhar dos processos de produo de sentido , uma vez que so partesessenciais do processo comunicativo como um todo. Neste sentido, a noo central sobre aqual se articula o novo modelo adecodificao , entendida como algo profundamentedistinto da simples operao complementar da codificao: com efeito, as diferentesmaneiras atravs das quais o pblico atribui sentido s mensagens recebidas podem ser

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    muito diferentes da forma pela qual os emissores as tenham codificado (GRANDI, 1995:

    67).

    O que se percebe no esquema do modelo semitico-informativo, que entre amensagemcodificada na fonte e a mensagemdecodificada por parte do destinatriopode-se intercalar uma grande variedade de elementos que colaboram para a deformidadedo processo de significao. Neste sentido, as diferentes competncias lingsticas,enciclopdicas ou comunicativas em geral e o contexto em que se realizou a mensagem,podem qualificar de modo diferente o emissor e o destinatrio, causando a distoroprevista pelo modelo. Alm do mais, atravs da diversidade de cdigos e de competncias

    distintas entre emissor e receptor, a interpretao da mensagem assume uma complexidadeque pode ser preenchida com vrios significados, contanto que existam vrios cdigos queestabeleam vrias regras de correlao entre determinados significantes e determinadossignificados.

    Temos, assim, a emergncia de um modelo semitico-informativo que procurarelacionar ao processo comunicativo o fato de que osignificado final da mensagem podederivar para outros sentidos diferentes daqueles inicialmente propostos, justamente pelo

    carter negocivel da significao. A deformidade na decodificao se verifica quando osdestinatrios fazem uma interpretao da mensagem completamente diferente das intenesdo emissor e do modo como ele previa que a decodificao fosse executada. Nestes casos,se percebem as diferenas nascompetncias interpretativas do destinador e do destinatrio,e entre os diferentes nveis culturais e contextuais que criam a significao da mensagem.

    Em relao aos modelos comunicacionais anteriores, o modelo semitico-textual,conforme proposto por Umberto Eco e Paolo Fabbri, em torno de 1979, representa um novodelineamento terico e uma nova reorganizao metodolgica da pesquisa em

    comunicao, pois j no situa amensagem no centro do processo comunicativo, mas sim otexto , entendido como um grandetecido intertextual de significao, composto por umasrie de fragmentos, cdigos e linguagens, provenientes de outros textos, onde as vriaslinguagens se articulam, se interpenetram, colidem. Esta transformao do referencialterico surge a partir da evoluo interna da prpria teoria semitica e vem complementar omodelo semitico-informativo, estabelecendo que os destinatrios no recebem somenteuma nica mensagem, reconhecvel e formulada com base em um determinado cdigo,

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    onde ser decodificada a partir dos cdigos dos destinatrios, mas sim recebemconjuntos

    de prticas textuais . Alm do mais, esta multiplicidade de mensagens que os destinatrios

    emitem e recebem localiza-se no mais no mbito interno de um sistema fechadolaboratorial, como nas categorias idealizadas pelos modelos precedentes, mas no complexoespao polissmico de uma determinadacultura , heterognea, multifacetada e imprevisvelpor sua prpria natureza.

    O papel da codificao na relao texto e circunstncia de comunicao

    Como se percebe, esta transformao no recebimento deconjuntos textuais porparte dos destinatrios, ao invs demensagens , e a necessidade de umacompetncia textual sustentada e enriquecida por umcontexto cultural , representam um grande avano emrelao ao modelo semitico-informativo. Neste modelo, a informao era vista apenascomo umcontinuum de dados propagados atravs de um nico cdigo, no se levando emconsiderao o aspecto assimtrico presente entre emissor e receptor, objetificadosenquanto pontos na cadeia comunicativa de transmisso da informao. A partir de tais

    reflexes, Umberto Eco (2001) preocupa-se com a diferena de cdigos entre remetentes edestinatrios, para os quais concorre uma determinadacircunstncia comunicacional que prpria e especfica para cada enunciado.

    Em outras palavras, no envio de um sinal qualquer como, por exemplo, I vitelli deiromani sono belli3 (ECO, 2001: 42), temos uma mensagem composta de sons vocais oude signos grficos, cujo canal pode ser constitudo por ondas acsticas ou pelo papel emque est escrito. Nesta proposta, o receptor, entendido enquantotransmissor pelo modelomatemtico-informativo, pode ser o ouvido, que converte vibraes acsticas em imagens

    sonoras, ou o olho, que converte traos de tinta em percepes visuais. O enfoque, dadoagora ao ponto de chegada da mensagem, acarreta uma transformao de um modelo emrelao ao outro, enfatizando o papel do receptor. No mais, o que Umberto Eco (2001) estinteressado na diferena entre a mensagem como forma significante e a mensagem comosistema de significados .

    3 A frase I vitelli dei romani sono belli citada no exemplo acima, foi proposta para os alunos de algumas das escolas deensino mdio italianas como uma espcie de enigma, uma vez que pode ser lida (decodificada) tanto em latim quanto emitaliano. Umberto Eco (2001) se vale desse exemplo para reiterar a diferenciao entre forma significante e significado .

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    A mensagem como forma significante a configurao grfica ou acstica.I vitelli dei romani sono belli, que pode subsistir mesmo se no for recebida, ou sefor recebida por um japons que no conhea o cdigo da lngua italiana. Aocontrrio, a mensagem como sistema de significados a forma significante que odestinatrio, baseado em cdigos determinados, preenche o sentido. (ECO, 2001:42).

    Nestes termos, teramos ento uma forma significante que permanece imutada, e umou mltiplos significados que se transformam conforme o cdigo a ser utilizado pelosemissores/receptores. Em latim : Vai, Vitlio, ao som de guerra do deus romano e emitaliano, se quisermos realmente reportar a mensagem aointerpretante que lhe compete,significa que os nascidos de vacas criadas pelos nossos antigos progenitores (ou pelosatuais habitantes da capital italiana), so agradveis de ver. (ECO, 2001: 43). Certamente,quanto mais nos reportssemos apropriao de um lxico conotativo particular, maisinusitadas e criativas interpretaes seriam oriundas, uma vez que teramos de levar em

    considerao a relao da lngua italiana, e, portanto, de seus falantes, com a cultura quelhes d sustentao.

    Em funo da complexidade envolvida em um processo comunicacional,

    poderamos supor uma situao paradoxal em que o remetente emitisse a referidamensagem reportando-se ao cdigo da lngua latina e que o destinatrio a decodificassereportando-se ao cdigo da lngua italiana, haja vista a influncia daquela sobre essa. Orao cdigo denotativo pode mudar de forma radical, dando origem a mensagens polissmicas

    do tipo citado; ora a polissemia pode ser reduzida como quando digo aquele carssimocozinho, onde no est claro se o cachorrinho querido ou custa um preodemasiadamente alto. (ECO, 2001: 43).

    Outro caso ainda poderia ocorrer se levssemos em considerao o fato de umremetente emitir uma determinada mensagem se reportando a um certo cdigo e queterminasse por ser decodificada pelo destinatrio, remetendo-a outro. Caracterstica deuma codificao/decodificao entre limiares, esse desencaixe digamos assim, entre

    cdigos constitui-se em uma condio normalmente encontrada na comunicao maisinformal, do tipo gestual, em que um dado discurso pode ser transformado em umdeterminado gesto ou conjunto de gestos. Exemplo disso pode ser observado naconversao cotidiana ensejada por um bom dia, tudo bem?, recebendo como resposta de

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    nosso possvel interlocutor o gesto afirmativo traduzido pelo dedo polegar da mo direita

    apontando para cima, de resto um costume presente desde a poca em que ocorriam os

    enfrentamentos entre romanos e cristo no antigo Coliseu, quando a vida desses ltimos erapoupada por queles, tendo como misericordiosa virtude a clemncia para com o escravo.Ao refletir sobre a riqueza do contato entre os cdigos de emissor e destinatrio envolvidosem um processo comunicacional, Umberto Eco (2001) defende a idia de que essapolissemia pode ser esclarecida e orientada por vrios elementos:

    um ocontexto interno do sintagma (isto , o sintagma como contexto) quepode fornecer as chaves para a interpretao do resto; o outro acircunstncia decomunicao , que me permite compreender a que cdigo o remetente est sereferindo (assim a frase sobre os vitelos, do momento em que aparece nasgramticas latinas, ou num contexto geral escrito inteiramente em latim, maisfacilmente decodificada em relao ao cdigo da lngua latina); finalmente, podesubsistir umaexplcita indicao de cdigo , contida na prpria mensagem (porexemplo, o significado no sentido que lhe confere Saussure ... ). (ECO, 2001: 43).

    Para o autor, a Semiologia de vertente saussureana dedica-se a reconhecer processosde codificao e, conseqentemente, de produo de sentido, para os quais determinadossignificantes correspondem a determinados significados, e no a estabelecer se os

    significantes tambm se referem a uma realidade objetiva, uma vez que a Semiologia acincia da cultura, e no da natureza. A ressalva que o autor faz a esse respeito a de que mais interessante saber at que ponto o signo se refere a algo experimentvel, e se issorealmente acontece, do que propriamente objetific-lo. A discusso levantada por Eco nosfaz lembrar que o mbito da cultura sobretudo o domnio da interpretao e da

    representao desses objetos que so expressos atravs de signos, cada vez mais (re)significados ao longo da Histria.

    Das (re) significaes necessidade de uma competncia enciclopdica

    A reviso do papel dacircunstncia de comunicao traz implcita a necessidade deum outro olhar sobre a Semiologia, conforme nos coloca Eco (2001), justamente no que serefere ao compartilhamento de determinados cdigos pelos leitores/sujeitos/receptores e suaapropriao em uma determinada situao comunicacional, ou a transformao de um

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    cdigo em outro, como nos informa, por exemplo, outra comunicao cotidiana, em que

    teramos como forma de agradecimento (verbal), o aplauso ao final de um espetculo. Nas

    seqncias significantes de um processo comunicacional, os fatores externos tais como osvalores atribudos por uma sociedade a determinados signos; a vivencia cultural dosreceptores que fizeram uso desses signos; a prpria estrutura poltica e ideolgica presentenos signos, e que so do patamar da Histria, localizada em um dado tempo e espao,interferem diretamente no processo de (re) significao. Bakhtin (1997), nos dir, em outraspalavras, quetodo o signo habitado , morada no s de uma sociedade, mas do prpriosujeito criador de signos e senhor da linguagem. Para o autor,

    a prpria circunstancia de comunicao (que a Semiologia no codificanas suas vrias possibilidades de realizao, mas prev como elemento fundamentalno processo de recepo da mensagem), que se apresenta como uma espcie dereferente da mensagem. No sentido, porm, de que a mensagem no indica oreferente, mas se desenvolve no referente, na situao concreta que contribui paradar-lhe sentido. (ECO, 2001: 44).

    Ao escutarmos, principalmente entre os adolescentes, que uma determinada festaestava bala, mensagem referendada por um aporte lingstico, e legitimada por uma

    competncia de dicionrio , certamente aqueles jovens no esto se referindo s guloseimasofertadas s crianas, nem tampouco aos projteis utilizados como armamento, mas sim, adeterminados aspectos circunstanciais proporcionados pela prpria codificao damensagem, tais como uma msica danante, belos garotos e garotas, bebidas alcolicas

    geladas, etc, que se intrometem no interior lingstico, dando-lhe outro significado eacrescentando-lhe elementos que, inicialmente, no lhe diziam respeito. No sentidoconcedido mensagem aquele homem um gato! estamos acrescentando muito maisaspectos que nos chegam atravs de umatradio cultural , externa, digamos assim, aocontedo da mensagem, do que propriamente queles que o cdigo lingstico nos oferece.

    No se trata de descartar os aspectos lingsticos presentes na mensagem,fundamentais para os processos comunicacionais e de produo de sentido, mas levar em

    considerao que as qualidades da beleza, meiguice e languidez do objetogato tratadoenquanto animal felino, mamfero, etc, so associadas a um certoideal de beleza queatribumos a um homem cujos aspectos essenciais lhes so constituintes. Tal associao,que nos passada atravs de umacircunstncia de comunicao , extrapola uma

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    codificao primeira para consagrar-se atravs de um procedimento interpretativo, que

    pode remeter ao mito grego da beleza. Segundo Plato, s beleza, entre todas as

    substncias perfeitas, coube o privilegio de ser a mais evidente e a mais amvel. Por isso,na beleza e no amor que ela suscita, o homem encontra o ponto de partida para a recordaoou a contemplao das substancias ideais (Fedro, 250 251, apud Abbagnano, 1962, op.cit.: 101).

    Para alm da simplicidade da mensagem que nos informa que aquele homem umgato!, temos presente todo um patrimnio cultural que nos dir que existem cincoconceitos fundamentais defendidos pela Esttica: o Belo como manifestao do Bem; o

    Belo como manifestao da Verdade; o Belo como simetria; o Belo como perfeiosensvel e o Belo como perfeio expressiva, e que nos reportar teoria platnica do Beloenquanto uma Doutrina do Bem . Por ser considerado bonito a partir de um determinadopatro esttico, esse homem empresta suas qualidades divinas a um animal meigo, grcil eamvel. Se formos analisar o pensamento filosfico da poca, luz dos paradigmas donosso tempo, pode-se perceber que os gregos antigos, contemporneos de Plato eAristteles, j acreditavam em uma possibilidade deconstruo da beleza , conceito terico

    que com a evoluo dos sculos e das tcnicas de produo e reproduo, vem sendoabsorvido e remodelado conforme ascircunstncias histricas e comunicacionais de cadamomento e, principalmente, de (re) significao, negociao e remanejamento de certoselementos da cultura, sob a base de um ou mais cdigos. Expresso de outro modo,

    Se digo a palavra porco, no importa que ao termo corresponda ou nodeterminado animal, importa, isto sim, o significado em que a sociedade em quevivo atribui a esse termo, e as conotaes com que o envolve (pode ser um animalimpuro, pode ser usado em sentido translato como insulto); a existncia real doporco-referente importa com respeito natureza semiolgica do signo, tanto quanto

    o fato de existirem ou no bruxas quando insulto uma mulher chamando-a de bruxa.Mas se o enunciado aquele um belo porco se pronuncia na criao suna, ouento na circunstncia discurso sobre um amigo, vemos que o alcance do termose modifica consideravelmente de um para o outro caso. A presena do referenteinduz-me a identificar o lxico conotativo mais apto; a realidade orienta-me para oscdigos adequados .(ECO, 2001: 44).

    Deste modo, o porco, citado no exemplo acima, pode ser emitido/recebido por

    nossos possveis interlocutores como se referindo tambm fertilidade; abundncia, seja

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    de carne ou gordura; ou ainda uma possvel sordidez de comportamento, ou fraqueza de

    carter, por exemplo, sendo associado a algum aspecto detestvel a que os

    emissores/receptores estejam se referindo, caractersticas ausentes no animal porco, raadomstica deSus scrofa , artiodtilo no ruminante da famlia dos sunos, animal que ohomem cria e engorda para dele retirar inmeros benefcios. Por tais razoes, Umberto Eco(2001) faz a ressalva de que

    nem sempre a circunstncia se identifica com o suposto referente do signo,porque pode constituir uma situao global de onde o referente est ausente e que,no entanto, me orienta para o significado coligado. A circunstncia a presena deuma realidade qual, por experincia, fui habituado a aliar o emprego de certossignificados em lugar de outros. (ECO, 2001: 44).

    Como se percebe, estamos diante de uma situao em que, alm das hierarquias decdigos envolvidas no processo e das competncias lexicais estabelecidas entre emissores ereceptores, acircunstncia da comunicao que termina por indicar o sentido de umadada mensagem. Este contexto externo ao cdigo lingstico parte de umdicionriomnimo , fundamental para a compreenso de uma dada mensagem em que se suponha umpossvel entendimento entre sujeitos, e reclama umacompetncia enciclopdica , como

    Umberto Eco chama esseconhecimento plural , constitudo pela convergncia de inmerosfatores cognoscentes associados entre si e necessrios para a decodificao dos diferentessistemas intertextuais que envolvem o processo comunicativo. Essa qualidade interpretativaest presente como articuladora e mediadora entre os dois plos da relao comunicacional,armazenada culturalmente sob a forma, justamente, de umsaber enciclopdico . Longe de

    produzir uma transmisso de informao de sentido unvoco, a heterogeneidade de fatoresenvolvidos no entendimento entre emissores e receptores traz tona complexos jogos

    interpretativos , que ora se antagonizam, ora se complementam, ora se harmonizam naproduo de uma determinada significao.

    Em outras palavras, ao estar inserida em um certo contexto social, histrico,cultural, poltico e ideolgico, uma determinada mensagem sofrer as influncias doethos comunicacional em que foi emitida/recebida, bem como as interaes/interpretaes dossujeitos que lhe atualizaro seus possveis significados. Tal ponto de vista enfatiza anecessidade de observao dainstncia relacional que se d entre a histria, o tempo

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    particular e o lugar de gerao do enunciado, com a seqncia de envolvimentos

    intersubjetivos que de algum modo se ligam e tocam quela mensagem. Deste modo, para o

    autor,

    a circunstncia muda o sentido da mensagem (uma bandeira vermelha napraia no tem o mesmo significado de uma bandeira vermelha em umamanifestao de rua; as nervuras internas da Igreja da Rodovia4 conotam elevaomstica, ao passo que num pavilho industrial exprimem valores tecnolgicos efuncionais); a circunstncia muda a funo da mensagem: um sinal de contramo,na rodovia, tem um impacto emocional e um valor imperativo bem maior do queum sinal de contramo dentro de um ptio de estacionamento; a circunstncia mudaa cota informativa da mensagem (ao passar do rtulo da garrafa para o distintivo dohomem corajoso, o signo da caveira sofre uma mutao parcial de sentido; mas omesmo signo colocado numa cabine eltrica, apresenta-se mais redundante, maisprevisvel, do que quando damos com ele numa garrafa de cozinha). (ECO, 2001:44 45).

    Situao muitas vezes imprevisvel, acircunstncia da comunicao , especfica eprpria para cada instante comunicacional, introduz-se no universo semiolgico, e,portanto, no universo dasconvenes culturais , como um fator que no pode sernegligenciado, uma vez que se apresenta como a expresso de uma situao peculiar que,de alguma forma, associa-se ao processo de produo de sentido. Se osistema da lngua ,conforme referido por Saussure, apropriado pelo homem para seuuso na linguagem, issose d contexto concreto da vida cotidiana, para o qual concorrem a atualizao dosdiferentes sistemas de cdigos e a relao desse engenhosos mecanismos com as relaesde produo de sentido que se interligam Histria, sociedade e natureza.

    Nestes termos, devemos levar em considerao, em um processo comunicacional, asarticulaes estabelecidas entre umcdigo denotativo de base e um cdigo conotativo ,originado, justamente, das transformaes que o primeiro sofre em relao circunstnciada comunicao dada pelo contexto social, cultural, poltico. Adenotao se refereaquelas caractersticas do cdigo estabelecido entre os interlocutores de um processocomunicacional tendo em vista,a priori , as diferentes estruturas lingsticas, mas supondocomo quadro de referncia uma dada lngua, entendida enquanto sistema organizado deregras. Pelos aspectos denotativos, estaramos, destarte, vinculados a uma certa imposio

    4 A Igreja da Rodovia (Chiesa dellAutostrada), como ficou conhecida, est localizada na Rodovia do Sol, entre Bolonha eFlorena, e obra recente, segundo Umberto Eco, datando de 1964, e uma das mais representativas da modernaarquitetura italiana.

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    do cdigo verbal, constitudo por palavras que organizariam nosso discurso, entendido aqui

    como forma de comunicao. A relao de denotao uma relao direta e unvoca,

    rigidamente fixada pelo cdigo. (ECO, 2001: 27).Por outro lado, o cdigo conotativo se relaciona ao modo pelo qual uma

    determinada sociedade l uma mensagem, atribuindo-lhe um significado esttico,ideolgico, social, cultural, etc. Aconotao transfere para o cdigo elementos quepertencem cultura. A cultura que fornece aos cdigos os esteretipos, as circunstncias eas matrizes da codificao. As aes, as vivncias e as interpretaes dos sujeitos acercadas mensagens interferem diretamente na transmutao desses elementos em outros, e na

    criao e (re) significao dos cdigos. justamente nesse nvel que se inserem, para Eco(2001), asoscilaes de sentido proporcionadas pelo forte apelo conotativo presente emalgumas mensagens, no s as de cunho potico, que se valem de metforas, ironias, ouimagens capazes de gerar mltiplos significados, mas tambm as comunicaes cotidianas,como no exemplo os operrios devem permanecer em seu posto, capaz de produzircumplicidades e incompreenses entre os falantes.

    No plano denotativo, seu sentido afigura-se unvoco para quem compreenda

    a lngua portuguesa, mas o cdigo no me esclarece qual seja o posto dos operrios.Devo recorrer, para decodificar o enunciado, a lxicos conotativos que abarquem osegundo sentido de expresses como permanecer em seu posto ou o posto dosoperrios. E percebo que posso utilizar dois diferentes lxicos conotativos que sereferem a duas situaes culturais e a duas posies ideolgicas distintas. Posso lera frase em chave conservadora, conferindo-lhe estas conotaes: Os operriosdevem permanecer no posto que a sorte lhes destinou, sem tentarem forar oequilbrio social; ou ento posso l-la em chave revolucionaria, no sentido de: Osoperrios devem permanecer no posto que a dialtica da historia lhes atribui, isto ,no vrtice do poder, realizando a ditadura do proletariado. (ECO, 2001: 45 46).

    Como se percebe, no momento em que um destinatrio est diante de uma dada

    mensagem, seja ela ambgua ou no, ele recorre a certos cdigos e lxicos de interpretao,para os quais concorrem determinadas circunstncias comunicacionais, que sero mais oumenos influenciadas pelo contexto gerativo dessa mensagem e para a qual existir, dealguma forma, uma determinada indicao de cdigo a ser seguida, a princpio explicitadapela prpria mensagem. Umberto Eco (2000) estabelece, ento, que um cdigo umsistema de significao que une entidades presentes e entidades ausentes. Sempre que, combase em regras subjacentes, algo materialmente presente percepo do destinatrio est

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    para qualquer outra coisa, verifica-se a significao.(ECO, 2000: 06). Temos ento, a

    partir deste destinatrio, um processo de significao que solicita uma resposta

    interpretativa por parte de um destinatrio. Entretanto,

    fique bem claro, porm, que o ato perceptivo do destinatrio e seucomportamento interpretativo no so condies necessrias da relao designificao: basta que o cdigo estabelea uma correspondncia entre o que estpara e seu correlato, correspondncia vlida para todo o destinatrio possvel, aindaque no exista ou no possa existir nunca um destinatrio. (ECO, 2000: 06).

    Assim sendo, o processo de significao se verifica com o estabelecimento de

    um cdigo , sistema convencionado social e culturalmente pelos sujeitos empricos de umadada cultura. Tal situao termina por remeter para uma competncia enciclopdicarelacionada ao patrimnio cultural, social, poltico, ideolgico posto em contato entreemissores e receptores de um dado processo comunicacional. Atravs das mediaesculturais, ocorre acirculao das prticas textuais, que so fatores decisivos para acompreenso do processo comunicativo, uma vez que a nfase deixa de estar colocadaunicamente no plo emissor, passando a adquirir relevncia justamente adinmica

    existente entre destinador e destinatrio, com o devido reconhecimento de suas diferenase, principalmente, do papel desenvolvido por ambos os plos na atividade de construo efuncionamento dasignificao textual .

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