dm-o rompimento da caixa e suas conseqüências na prática do projeto residencial

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O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS NA PRÁTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SÉCULO XX 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PROPAR – PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇAO EM ARQUITETURA O “ROMPIMENTO DA CAIXA” E SUAS CONSEQÜÊNCIAS NA PRÁTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SÉCULO XX MERLIN JANINA DIEMER Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Arquitetura Orientador: Prof. Dr. Edson da Cunha Mahfuz Porto Alegre, 2006.

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Dissertação de Mestrado

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  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    PROPAR PROGRAMA DE PESQUISA E PS-GRADUAAO EM ARQUITETURA

    O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL

    NO SCULO XX

    MERLIN JANINA DIEMER

    Dissertao de mestrado apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Arquitetura

    Orientador: Prof. Dr. Edson da Cunha Mahfuz

    Porto Alegre, 2006.

  • Ao meu orientador, professor Edson da Cunha Mahfuz, pelapacincia e ateno.

    A Alexandre Strmer Wolf, um agradecimento especial peloincansvel apoio durante todo o Mestrado.

    Um agradecimento aos meus pais e demais familiares pelacompreenso por tantas vezes que no estive com eles.

    AGRADECIMENTOS

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX2

    01 AGRADECIMENTOS02 SUMRIO04 RESUMO05 ABSTRACT

    06 INTRODUO

    PARTE 1

    12 1 A FORMA DO EDIFCIO NO SCULO XX14 1.1 Consideraes sobre composio16 1.2 Do volume unitrio a adies de volumes uma trajetria at a definio do termo elementos25 1.3 Sobre elementos de arquitetura e elementos de composio do cdigo clssico ao ecletismo29 1.4 Reviso dos elementos de arquitetura nas vanguardas modernas

    31 2 PRIMRDIOS DO NEOPLASTICISMO35 2.1 Frank Lloyd Wright37 2.1.1 O espao fluido e a destruio da caixa38 2.1.2 A respeito da anacrnica analogia Orgnica40 2.2 Mies van der Rohe41 2.2.1 O espao liberado: ostentando o esprito novo

    PARTE 2

    46 3 A VIDRAA CONTNUA47 3.1 A dissimulao da porta

    SUMRIO

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX3

    49 3.2 Integrao com o exterior55 3.3 A dicotomia entre a vontade expansiva e a privacidade

    58 4 O ESPAO INTERMEDIRIO59 4.1 Indeterminao de margens65 4.2 Dissoluo do permetro externo nas casas de Neutra

    70 5 COMBINAES DE ELEMENTOS71 5.1 A necessria relao mtua entre os elementos73 5.2 Soma dos elementos76 5.3 Predomnio da horizontalidade

    80 6 USO DE TRAADOS REGULADORES81 6.1 Sobre o sistema de coordenadas85 6.2 A grelha oculta

    90 7 PERSISTNCIA DA INTROSPECO91 7.1 O tipo Casa-ptio de Mies van der Rohe97 7.2 Casas muradas e a introspeco no final do sculo XX

    106 CONSIDERAES FINAIS109 REFERNCIAS114 RELAO DAS OBRAS INVESTIGADAS NA PARTE II116 LISTA DE ILUSTRAES

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX4

    Esta dissertao objetiva mostrar conseqncias ocorridas naprtica do projeto residencial provenientes do rompimento da caixa.O trabalho investiga um conjunto de residncias unifamiliaresconcebidas durante o sculo XX, selecionadas por possurem umacaracterstica comum: serem decorrentes do rompimento dacomposio univolumtrica iniciado a partir da arquitetura de FrankLloyd Wright, que destri a caixa compartimentada convencionalsem abandonar a ortogonalidade de linhas. A partir do rompimentoda caixa no incio do sculo XX, foi produzida uma nova classe deelementos mais genricos e abstratos. Com a arquitetura Neoplsticade Van Doesburg e de Rietveld em meados dos anos de 1920, o planosurge como um elemento de arquitetura na composio das formas.

    Na primeira parte, atravs de reviso bibliogrfica, o trabalhoaborda uma rpida trajetria de aspectos da composio, desde ocdigo clssico at a reviso dos elementos de arquitetura navanguarda moderna, abordando tambm os primrdios doNeoplasticismo. A pesquisa considerou a hiptese de que as residnciasinvestigadas sigam a lgica construtiva oriunda dessa corrente. Nasegunda parte, atravs da investigao de caractersticas espaciais,formais e compositivas, foram agrupados em captulos os resultadosobtidos da verificao de projetos de cinco arquitetos selecionados:Mies van der Rohe, Frank Lloyd Wright, Richard Neutra, Eduardo Soutode Moura e Joo lvaro Rocha.

    RESUMO

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX5

    This dissertation shows the destruction of the boxconsequences in residential project. The work investigates a set ofsingle-family residences projected in XX century. These houses wereelected for presenting a common characteristic: to be decurrently ofthe destruction of the box, initiated from the architecture of FrankLloyd Wright, who "destroys the conventional box" without abandoningthe orthogonality of lines. From the "destruction of the box", in thebeginning of century, a new class of elements was produced, moregeneric and abstract. With the Van Doesburgs and RietveldsNeoplastic architecture (1920), the wall appears as an element in thecomposition of the forms.

    Firstly, with a bibliographical revision, the work approaches afast trajectory in the composition, since the classical architecture, untilthe revision of elements in the modern vanguard, and approaches thebeginning of the Neoplasticism. A research considered the hypothesis,where the investigated residences follow the constructive logic of theNeoplasticism. From there, through the inquiry of spaces characteristics,formal and compositive, the results had been grouped in chapters,gotten through the verification of projects of five selected architects:Mies van der Rohe, Frank Lloyd Wright, Richard Neutra, Eduardo Soutode Moura and Joo lvaro Rocha.

    ABSTRACT

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX6

    A proposta desta dissertao investigar um conjunto deresidncias unifamiliares concebidas durante o sculo XX,selecionadas por possurem uma caracterstica comum, pressupondoserem seguidoras do rompimento da composio univolumtrica ocorrido a partir da arquitetura de Frank Lloyd Wright, que destri acaixa1 compartimentada convencional sem abandonar aortogonalidade de linhas.

    Ao destruir a caixa, as aberturas propostas por Wright noscantos de um espao adquirem a caracterstica de abri-lo, opondo-se s aberturas dispostas no centro de paredes; e as colocadasdiretamente sob o teto plano produzem o efeito de extenso doespao interior. Ou seja, se trata de configurar o espao modernorenunciando a formas univolumtricas que congelam os espaosfuncionais em uma caixa habitvel e que exigem buracos naparede. Ao contrrio, a caixa rompida iniciada por Wright lana-secentrifugamente a partir do ncleo.

    No incio do sculo XX comea a se esboar uma novaarquitetura no mundo. As transformaes culturais, sociais e

    1MONTANER, Josep Maria. A modernidade superada: arquitetura, arte e pensamento do

    sculo XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001. p.34.

    econmicas do princpio do sculo definiram condies para quevanguardas adquirissem uma nova sensibilidade devido necessidadede aceleramento e mudana, declarando oposio ao passado. Aarquitetura que se pretendia original no poderia manter vnculos coma histria. O comportamento de uma mudana radical definiualteraes nos mecanismos de criao da arte e da arquitetura. Haviaum comprometimento em reinventar o repertrio de elementos e emrenovar os princpios e esquemas tradicionais, sobretudo aquelesutilizados pelos acadmicos do sculo XIX. A construo da arquiteturamoderna deveria ser bela e resultante da analogia com a pinturaabstrata.

    A estreita noo de consolidao do modernismo comoproposta justificada pela oposio tradio arquitetnica aexplicao de modernidade tratada na grande maioria das literaturas.Os discursos tericos, que passam a ter um carter polmico devido necessidade dos autores explicarem o porqu das suas atitudes,fizeram com que os argumentos residissem na superao doprecedente o passado clssico. Ao contrrio dessa explicaogenrica de modernidade, a dissertao objetiva retomar o estudo daarquitetura moderna enfatizando a existncia de uma modernidade

    "A modernidade arquitetnica no um estilo, nem uma linguagem, nem um produto das condiessocioeconmicas da civilizao industrial, nem a expresso artstica do esprito da mquina, nem oreflexo de uma nova moral produtiva que foi iniciada com William Morris. A modernidade um modoespecfico de conceber a forma do espao, derivado do abandono da mimesis, como critrio deproduo artstica, a favor da construo de arte - fatos formalmente consistentes, dotados delegalidade prpria. Enfim, a modernidade inaugura um olhar diferente, que reconhece a dimensoformal dos artefatos e, ao faz-lo, culmina o processo da sua criao ".

    Hlio Pion (traduo da autora)

    INTRODUO

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX7

    arquitetnica especfica, diferente daquela iniciada em meados dosculo XVIII2.

    Este trabalho busca a aproximao com o rompimento dacaixa atravs da investigao de alguns projetos exemplares, poisparte da hiptese de que a posio que um artista assume a respeitoda realidade que ir enfrentar, aquilo que lhe interessa desta, oponto essencial para compreender o sentido de sua obra, j quedelimita o terreno em que se move e, deste modo, explica oselementos formativos. Para tanto, a metodologia utilizada ainvestigao exaustiva dos projetos, atravs de material disponvelencontrado, sejam plantas, cortes, elevaes e/ou imagens, semprelevando em conta que a forma estimulada pelas relaes entre aespacializao do programa, a tcnica construtiva e o lugar deconcepo.

    Um estudo no substitui a obra, nem tem independncia dela.O que se pretende utilizar a investigao como um mtodo paracompreendermos as obras. Assim possvel encontrar ascaractersticas que elas acumulam e que definem suas pertinncias.O estudo no um discurso paralelo ao do projeto, em um supostomundo sublime, o da teoria, seno um intento de preservar a obra, de

    2PION, Helio. El sentido de la arquitectura moderna. Barcelona: UPC, 1997. p. 5.

    aprender com ela e de auxiliar na construo e/ou confirmao deuma teoria vlida. No existe teoria vlida que no seja decorrente deuma prtica e, vice-versa, no existe prtica correta que no tenhaembasamento terico algum.

    O trabalho refere-se a projetos, mais do que a construesconcretas, at porque no se teve acesso pessoalmente a nenhumadas casas. Portanto afasta-se tambm o problema de apreciaosubjetiva que poderia ser sucitado atravs dos sentidos humanos.

    O tema tem interesse no pela importncia dada arquiteturaproduzida por Frank Lloyd Wright no principio do sculo XX, mas pelapouca explorao da influncia dessa arquitetura em um modo deconceber que utiliza planos para a conformao dos espaos. Aunanimidade das linhas corbusianas como sinnimo da arquiteturamoderna sufocou o valor dos fatos que no se enquadravam nacorrente predominante pouca explorao dos fatos precedentes a1920 e da decorrncia destes at os dias atuais. O rompimento dacaixa definido por Rietveld, tem como base nunca formar massascompactas, mas sim lidar com composio de planos desencontradosque no formam cantos, porm formam volumes. Essa corrente da arte,

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX8

    chamada de neoplasticismo, considerada por Pion3 como o modoespecfico de conformar mais frtil da arquitetura moderna, que visabuscar atravs da forma abstrata uma nova relao entre o individuale o universal, ou seja, uma modernidade especifica.

    Desde logo, a arquitetura, como parte do todo em que nosencontramos imersos, desenvolvida em um contexto histrico, social,econmico, cultural, etc. Isso se sabe, mas o trabalho est distante depoder considerar todos esses enfoques. O intuito a investigao dadecorrncia da composio aditiva com elementos pequenos at osdias de hoje e a contribuio que isso nos acrescenta em se tratandode projetos de arquitetura. Isso o que confere o ttulo da dissertaoO rompimento da caixa e suas conseqncias na prtica do projetoresidencial do sculo XX.

    No se trata de uma investigao de quantas casas existemcom esse modo compositivo, e sim de selecionar caractersticascomuns entre elas. Nenhuma casa ser estudada por completo, atporque cada ser humano que a analisasse poderia chegar aconcluses diferentes e, ademais, o objetivo no o estudo de umpersonagem, de um arquiteto, que quase sempre inapreensvel,

    3PION, Helio. Arte abstracto y arquitectura moderna. DPA 16. Ppublicacin DelDepartament de Projectes Arquitectnics de la Universitat Politcnica de Catalunya(UPC). Barcelona: UPC, n. 16, 2000. p.22.

    seno identificar as conseqncias da prtica projetual destapossibilidade compositiva que no busca a univolumetria, mas tambmno perde a clareza da sua forma; uma arquitetura abstrata, que extraia cerne do objeto, a essncia, sem suprfluo.

    O trabalho estrutura-se em duas partes.

    A primeira parte a reviso bibliogrfica necessria a precederqualquer investigao. Como a idia de investigao de arquiteturasremete necessariamente pergunta da existncia e, em cada caso,da pertinncia do objeto arquitetnico, logo, afeta a questoprofusamente debatida de composio em arquitetura. O primeirocaptulo busca aproximar o trabalho de estudos compositivos parasituar que as residncias selecionadas so pr-verificadas pelacorrespondncia composio aditiva de elementos pequenos(elementos arquitetnicos - planos).

    Como cada projeto causado por projetos anteriores, natural comear ao menos mostrando brevemente a composio devolume nico, para ento passarmos a aditiva.

    No sculo XX foi produzida uma nova classe de elementos, maisgenricos e abstratos. Decorrente do rompimento da caixa, naarquitetura neoplstica de Theo van Doesburg e de Rietveld, emmeados dos anos de 1920, o plano surge como um elemento de

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX9

    arquitetura na composio das formas; o que pode ser interpretadocomo o desejo de tornar ativos todos os elementos da forma ou comouma inverso de termos, na qual os planos substituem a forma pr-figurada caixa.4

    Desse modo, o trabalho parte da hiptese de que os planostrespassados do conjunto de residncias selecionadas para o estudoseguem uma lgica construtiva oriunda do Neoplasticismo e, portanto,o segundo captulo discorre sobre os primrdios do Neoplasticismo.

    A segunda parte ocupa-se das conseqncias investigadas,ou seja, aps a investigao, os captulos foram gerados atravs dascaractersticas comuns entre os projetos.

    Aps inmeras arquiteturas pesquisadas de diversos arquitetos,foram selecionadas para apresentao nesta dissertao apenasobras de cinco arquitetos. Duas foram as razes para o refinamentoda seleo. Uma delas refere-se a escolher arquitetos que trabalhamou trabalharam com planos para conformao da arquitetura emmais do que um nico projeto. Outra razo para a escolha foiselecionar arquitetos que contemplassem diferentes dcadas dosculo XX, pois dessa forma contribui-se para a comprovao de queo modo moderno de conceber indiferente de poca - atemporal.

    4CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 138.

    Para o incio do sculo XX temos Mies van der Rohe e Frank LloydWright; para meados da dcada de 50 o arquiteto selecionado Richard Neutra e no final do sculo, dois arquitetos portugueses foramselecionados - Joo lvaro Rocha e Eduardo Souto de Moura.

    A partir do terceiro captulo so apresentadas asconseqncias investigadas. Inicia-se com a vidraa contnua comosubstituta da janela tradicional - aquela que compreende um buracona parede. A vidraa vista como um plano a mais posto em ao nacomposio. o plano transparente entre os opacos. O captuloabrange o resultado dessa ao na arquitetura, que visa camuflar aporta nas divises da caixilharia, de integrar ao exterior circundante emostrar a diferena causada na arquitetura com uma vidraadesmaterializada e a materializada usada por Wright.

    O quarto captulo trata de uma caracterstica comumencontrada em vrias residncias, que se estendem pelo terrenoamplo. Atravs da diviso da casa em alas e da extenso dos planosopacos para alm dos limites internos da edificao (quando paredespassam a se comportar como muros), surge um outro espao naarquitetura, denominado nesta dissertao de espao intermedirio. Jno o espao privado interno e nem o espao pblico externo; umespao que no pertence somente ao interior e nem somente aoexterior. A indeterminao de margens faz com que alguns elementos

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX10

    de arquitetura que se estendem pelo terreno funcionem comoamortizadores na transio interior e exterior.

    O quinto captulo apresenta o modo como os elementos socombinados (somados). Na arquitetura aditiva com planos, no hdistino na configurao dos elementos. Seja piso, teto, parede oumuro, o elemento configurado como um plano. Isolado de suaposio no todo arquitetnico, no h como saber qual sua funo. Asoma dos planos, na conformao do volume, ocorre de tal maneiraque a independncia deles preservada, portanto, o trespasse fundamental.

    No sexto captulo so apresentadas as residncias que emcomum apresentam traados reguladores (grelha ou malha) naorganizao da composio com planos. Traados reguladores emarquiteturas univolumtricas, na maioria das vezes, so claramenteidentificveis, uma vez que se apresentam materializados nos projetos,no posicionamento dos pilares, divises dos vidros das esquadrias ouat paredes. O mesmo nem sempre ocorre com as composiesaditivas com planos. Muitas vezes apresentam traados reguladoresocultos, s identificados aps desenhos sobre o projeto. Os traadosreguladores, assim como o nome j informa, desempenham o papelde ordenadores, determinando o posicionamento de elementos decomposio secundrios, das reas compartimentadas ou de

    elementos estruturais. Nas edificaes compostas por planos, mais quenas univolumtricas, o uso de traados reguladores importante, umavez que auxiliam as edificaes a afastarem-se daquela organizaoaleatria, onde os planos assumiriam posies quaisquer ou daorganizao a medida que vo surgindo os problemas.

    O stimo captulo finaliza as investigaes nas residnciasmostrando a utilizao de planos dentro de permetros retangularesmurados. Chamado de Persistncia da Introspeco, o captulo iniciaapresentando as casas que Mies van der Rohe desenvolveu durantesua passagem pela Bauhaus (anos 30), depois as casas muradas dofinal do sculo XX. Com isso percebe-se que a composio com planosextrapola sua utilizao em terrenos amplos e de modo mais singelo utilizado em terrenos urbanos consolidados. Mas, atravs dainvestigao percebeu-se que o objetivo ia alm da simplescasualidade de serem casas muradas como as que Mies j tinha feitosessenta anos antes. As espacializaes do programa, dentro dessepermetro murado, respeitam relaes comuns entre espaos cobertose descobertos.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX11

    PARTE I

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX12

    1 A FORMA DO EDIFCIO NO SCULO XX

    No preciso citar muitas bibliografias para admitir que no sculo XX predominou a pluralidade de formas. Hoje no se atribui mais a verdadearquitetnica a um nico modo de resolver um projeto, prevalece a variedade de sistemas formais. Predomina a multiplicidade de programas e jselecionamos as aparncias dos edifcios atravs do nosso subjetivo e do destino programtico. No h necessidade de citar esses inmeros textos enem de buscar as mais diversas causas que possibilitaram essa variedade estilstica. No entanto, tratando-se de mtodos projetuais, um arquiteto referncia por sustentar uma riqueza de contedo perante composio. Alfonso Corona Martinez muitas vezes apontado em trabalhos pelo seu livroEnsaio sobre o Projeto4, mas sua tese doutoral complementa e esclarece o assunto. Como ele mesmo descreve, a idia substancial de sua tese foraapresentada de forma esquemtica j no prlogo da segunda reedio do livro, em 1998.5 Por aportar essa riqueza de material sobre composioarquitetnica, indispensvel us-lo como referncia recorrente.

    Na tese, em alguns momentos ele comenta sobre a diversidade formal do sculo XX:

    ...veremos que o sculo XX uma continuao do XIX: predomina uma organizao racional do edifcio e falta um sistema formal nico, j que as formas

    prprias da materializao multiplicaram-se e sua adequao ou racionalidade so aceitas como determinantes das formas parciais. 6

    Mais adiante, comenta a existncia de um conflito entre a forma de composio aditiva com a tradio do modelo clssico e utiliza Le Corbusierpara exemplificar a questo.

    Este conflito revela-se de maneira explicita no desenho de Le Corbusier chamado Les Quatre Compositions (figura 1.1), com seu desdm pela adio de

    volumes como gnero bem mais fcil. Essa figura nos mostra duas tradies de projeto, a que Le Corbusier prope, que a continuidade com o projeto

    clssico, e a adio de volumes de acordo com a necessidade, que, surpreendentemente, a que transmitia a tradio da Ecole de Beux-Arts.7

    Enfim, dois modelos de edifcio sobrevivem no sculo XX. O modelo clssico, o qual Martinez define como no sendo outra coisa que o modelo daobra de arte como unidade, e o modelo de edifcio aditivo, decorrente da soma de volumes que j havia se consagrado nos sculos XVIII-XIX.

    4CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000.

    5CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX [manuscrito]. 2003. p. 10.

    6Ibidem, p. 21 e 22.

    7Ibidem, p. 83.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX13

    No sculo XX no mudou o fenmeno projetual naarquitetura, ele uma continuao do que vinha sendo feito atento. Foram alterados os materiais e as formas de combin-los, masperdura a obra como unidade e a obra aditiva. No que respeita aditiva houve revises a que chamamos de Elementos deArquitetura.8

    De maneira comparativa, Martinez diz que o modelo clssicopode ser chamado de paradigma, j que um edifcio unitriocujas variaes ficam dentro de uma classe delimitada, diferente dacomposio aditiva, que tem possibilidades formais imprevisveis, ouseja, uma forma aberta. 9

    Conscientes da existncia de dois modelos de edifcios e darelativa complexidade da forma arquitetnica, no h comodistanciar o assunto do termo composio. Um mtodo deprojetao, ou composio arquitetnica, fora desenvolvido desde ostratadistas da Renascena, mas foi amplamente utilizadoprincipalmente durante o sculo XIX, at a obliterao provocadapelo Movimento Moderno.

    8ver seo1.4.

    9CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX

    [manuscrito]. 2003. p.43.

    Fig.1.1 Les Quatre Compositions(as quatro composies),Le Corbusier.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX14

    1.1 Consideraes sobre composio

    A forma arquitetnica aparece composta e isto implica emreconhecer os ingredientes de sua composio. Tal reconhecimentocompreende duas expresses centrais ao longo da histria daarquitetura: a idia de elementos de arquitetura e elementos decomposio. De acordo com Alfonso Corona Martinez10, os elementosde arquitetura so como corpos; limites (envolventes) espaciais quefazem existir os elementos de composio; so partes da construo,so coisas concretas com natureza definida, como as portas, asjanelas, os pilares, e artefatos, etc. Os elementos de arquiteturaexpressam a definio do todo edificado, pois so as partes maisvisveis de um edifcio. J os elementos de composio soabstraes, espaos; so conceitos como, por exemplo, a proporode determinados ambientes e no tm uso por si mesmos.

    A composio, como expressa literalmente a palavra, o atode compor, dispor, ordenar, colocar ordem, enfim, de arranjar partessegundo uma determinada ordem a fim de gerar um todo. ConformeCorona Martinez11, em arquitetura, aquilo que se compe so os

    10CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 129.

    11Ibidem, p. 138.

    elementos de composio, ou seja, volumes ou espaos abstratos, quepor sua vez, requerem como limites os elementos de arquitetura -telhados, aberturas, paredes, abbadas e outros. Outra maneira decompreender a diferena entre elementos de composio e dearquitetura enfatizada por Mahfuz12 quando aborda a teoria deGuadet: os elementos de arquitetura so aqueles responsveis pelaconstruo e pelo carter dos elementos de composio.

    O uso da composio na arquitetura est intimamente ligado tradio arquitetnica desde a Renascena, quando a arquiteturapassa a constituir de fato um ramo do conhecimento. Os tratadistas,tendo necessidade de explicar o belo, passaram a estabelecer asnormas que iriam servir de base para a ao do artista e assimestabeleceram as bases da noo de composio.

    O conceito de composio no seu sentido contemporneo de origem mais recente, sculos XVIII/XIX, quando tericos de escolasde arquitetura francesas, principalmente da cole des Beaux Arts,passaram a influir na formulao de normas para a boa arquitetura. Noentanto, o conjunto de idias relativas composio tem suas razes na

    12MAHFUZ, Edson da Cunha. Ensaio sobre a razo compositiva: uma investigao sobre anatureza das relaes entre as partes e o todo na composio arquitetnica. Viosa,MG: UFV, 1995. p. 44.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX15

    antigidade clssica. O autor Alan Colquhoun definiu o termo,conforme a tradio da cole des Beaux Arts, da seguinte maneira:

    Procedimento criativo que organiza ou ordena elementos formais de

    acordo com princpios universais de composio que so

    independentes de estilos, ou conforme leis de formao geradas a

    partir da prpria obra, ou mesmo a partir de certos princpios de

    estruturao dos quais a forma resultaria automaticamente sem a

    participao do juzo consciente do artista.13

    A composio como tcnica de projeto e como mtodo deensino da cole des Beaux Arts fundamenta-se numa interpretaoconservadora das teorias renascentistas, onde os elementosconstituintes de uma edificao so subordinados a um aspectoprincipal (principe), objetivando alcanar unidade, proporo eharmonia na obra arquitetnica. A cole des Beaux Arts responsvelpela formulao de um mtodo de projetao baseado nacomposio arquitetnica que estabelecia precisamente quaisseriam as aes necessrias para se chegar a um projeto final. Oprimeiro momento o desenvolvimento do partido (parti), que o

    13In BARKI, Jos et al. Introduo ao Estudo da Forma Arquitetnica Anexo 2:Composio da Forma Arquitetnica. Disponvel emhttp://www.fau.ufrj.br/apostilas/aforma/NEX2.PDF.

    esquema diagramtico bsico definido a partir de esquemastipolgicos tradicionais previamente catalogados; sobre esse esquemadesenvolvia-se o esquisse, o estudo que definia com maior preciso ascaractersticas principais do edifcio; finalmente preparavam-se osdesenhos finais tratados de forma requintada e fiis ao esquisseoriginal.14

    Hoje, este procedimento no to rigoroso, j que aparticipao do juzo consciente do artista passou a ser muitovalorizada, mas as lies da cole des Beaux Arts ainda influem naprtica e no ensino do projeto.

    14MAHFUZ, Edson da Cunha. Ensaio sobre a razo compositiva: uma investigao sobre anatureza das relaes entre as partes e o todo na composio arquitetnica. Viosa,MG: UFV, 1995. p. 19 e 20.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX16

    1.2 Do volume unitrio a adies de volumes uma trajetria at a definio do termoelementos

    Para tratar brevemente o volume unitrio, necessrio pelomenos retornar ao Renascimento, quando uma das preocupaesdos arquitetos da poca era reconhecer e fazer renascer os restos daarquitetura clssica que se encontravam por toda a Itlia.

    O Renascimento encontra seu objetivo nos modelos clssicossustentados pelas imitaes das formas gregas, romanas e pelaspropores geomtricas. Os princpios compositivos eram aplicadosem volumes simples, fechados, estveis e com predomnio pelovolume unitrio proporcionado.

    A arte no Renascimento, como produto da razo, buscaencontrar na natureza a relao entre homem e Deus, juntamentecom o conhecimento das leis que regem o Universo; traduzidas naharmonia, simetria, beleza e proporo. Esse conhecimento advinhada observao da natureza, e se o homem podia pressentir essas leis,era ento porque dela tambm fazia parte. O homem noRenascimento iniciou a observao da natureza a partir de si mesmo,estudando o prprio corpo humano. Procurou uma correspondnciadessas medidas, na proporo dos elementos como tambm nas

    formas geomtricas mais perfeitas, como o circulo e o quadrado. Omundo para o artista no Renascimento apresentava-se sua vidacomo medida. Era preciso ento estabelecer esse fato como uma lei,ou como um cdigo o tratado.

    Essa viso que coloca o homem como ponto central de ummundo apreensvel visualmente, caracterizou toda produo artsticado Renascimento, tanto da pintura, escultura, quanto da arquitetura.

    Conforme Martinez, o edifcio proporcionado apresenta certascaractersticas formais que foram formuladas sinteticamente comounidade, coordenao (esta inclui proporo, relao de partes como todo, modulao...), simetria, tectonicidade e hierarquizao.15

    Dos poucos tipos edilcios existentes, o que predominava noPalcio Renascentista era uma composio fechada e macia. Umamassa cbica exuberante pelo seu tamanho, com uma escavaocentral interna que conformava o ptio, para qual todos os demaiscompartimentos davam acesso. Os edifcios eram quase impermeveis,ou seja, muito pouco se relacionavam com o exterior, o que justifica asfachadas do ptio interno serem muito mais trabalhadas que asexternas (figuras 1.2, 1.3 e 1.4). Um prisma retangular que controla todas

    15CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p. 43.

    Fig.1.2, 1.3 e 1.4Planta baixa, vista do ptio eexterior do Palcio Farnese,Antonio Da Sangallo, Roma,1534-41.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX17

    as partes da composio. Somente era considerada arquitetura oedifcio que apresentava propores estudadas, materiais nobres eempregava as formas corretas das ordens clssicas. Para tanto, asordens eram regras que tinham como objetivos reger a produo doarquiteto conforme os antigos. A tarefa do arquiteto doRenascimento consistiu, antes de tudo, em registrar as formas dosedifcios da antiguidade para aplic-las a existente.16

    O mais antigo registro atribudo ao romano Vitrvio que sereferiu a quatro ordens jnica, drica, corntia e toscana. No sculoXV, o arquiteto florentino Alberti refora o tratado acrescentando aordem compsita. As cinco ordens formavam um conjunto deelementos fechados17 utilizados pelos arquitetos da poca. Sopublicadas posteriormente pelos tericos Vignola (1562) (figura1.5),Palladio (1570) e Scamozzi (1615) (figura 1.6).18

    O maior tratadista de arquitetura do Renascimento, LeonBattista Alberti (1404-1472), foi fortemente influenciado pelo ento

    16CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p. 22.

    17Sebastiano Srlio foi o primeiro a mostrar as cinco ordens, identificadas por Vitrvio,como uma srie fechada, qual nenhum acrscimo seria admissvel. SUMMERSON,John. A linguagem clssica da arquitetura. So Paulo: Martins Fontes, 2002. p.2.

    18Ibidem, p. 09.

    recm descoberto texto de Vitrvio. Como mencionado por Elvan Silva,foi provavelmente a verificao da existncia de falhas no texto deVitrvio que levou-o ao empreendimento de escrever seu prpriotratado. Mais adiante continua: ainda que a inspirao tenhaprovindo do livro de Vitrvio, a obra de Alberti inova e muito mais queuma mera traduo atualizada daquele trabalho.19

    Alm de arquiteto, Alberti era um grande estudioso cominteresses em muitas reas do conhecimento foi dramaturgo ematemtico. Como encarregado do Papa pelas construes da Igreja,teve ocasio de escrever um dos mais completos tratados dearquitetura - De Re Aedificatoria (1485). Elaborado sobre o tratadoherdado de Vitrvio, tinha como propsito definir um ofcio e uma artee dar-lhes um conjunto de regras e normas. Como Vitrvio, Albertiqueria que seu texto inclusse tudo aquilo que fosse necessrio para oconcepo e controle da construo de edifcios, procurou reunirtodo o conhecimento at aquele momento. De certa maneira pode serconsiderado um texto fundador da tradio arquitetnica. a partirdele que a Arquitetura passa a constituir, de fato, um ramo doconhecimento. Segundo Elvan Silva, compreensvel que toda

    19SILVA, Elvan. A forma e a frmula: cultura, ideologia e projeto na arquitetura daRenascena. Porto Alegre: Sagra, 1991. p. 183.

    Fig.1.5 As 5 ordensclssicas conformeVignola.

    Fig.1.6 Gravura emmadeira deScamozzi, 1615.

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    tratadstica arquitetnica, a partir de Alberti, tenha concedido nfasequilo que mais tarde veio a ser denominado como composio.20

    De qualquer maneira, importante notar que a inteno deuma obra arquitetnica muitas vezes s pode ser entendida atravsde sua relao com formas preexistentes. No h inveno semprecedente. Alm disso, obras de arte so, em muitos casos, criadascomo paralelo ou anttese de algum modelo anterior. A nova formaaparece no necessariamente para expressar algum contedo novomas para substituir uma forma que perdeu vitalidade.

    No podemos esquecer que um fato relevante doRenascimento foi o advento da perspectiva. Com o uso daperspectiva como representao do objeto arquitetnico, de todasas formas elementares possveis, como cilindros, pirmides entre outros,o prisma retangular foi o que configurou o edifcio do Renascimento,pois ignorava os ngulos diferentes de 90, e no apresentava ascurvas e desvios inesperados.21

    Enfim, as diferentes partes constituintes do todo arquitetnicorenascentista so agrupadas e compostas em busca de um sistema

    20SILVA, Elvan. A forma e a frmula: cultura, ideologia e projeto na arquitetura daRenascena. Porto Alegre: Sagra, 1991. p. 198.

    21ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. So Paulo: Martins Fontes, 1978. p. 35.

    esttico, uma caixa-elementos cuja rigorizao formal do edifcio atribuda ao uso da matemtica. Sempre h a busca de uma ordem,uma lei, uma mtrica espacial baseada em relaes matemticasdevido volta ao sistema grego de proporcionalidade. Alm do uso deelementos como um aplique superficial, o objetivo da arquiteturaclssica sempre foi alcanar uma harmonia inteligvel entre as partesatravs do uso de propores22. As ordens foram consideradas aessncia da arquitetura culta at o incio do sculo XX.23

    O modelo clssico sobrevive at os dias de hoje, mas nemsempre numa totalidade proporcionada. No sculo XX, muitos so osarquitetos que se apropriaram do prisma, embora devagar deixem aobsesso matemtica de lado (figuras 1.7 e 1.8).

    No incio do sculo, o papel atribudo s vanguardas comotransgressoras de regras oriundas do classicismo um paradoxo, pois onovo s existe em relao ao velho. O moderno no raro lembra opassado, portanto no havendo supresso. O figurativo nopermaneceu, mas os novos tipos surgiram de tipologias existentes. Noprincpio, arquitetos ainda se prenderam ao prisma proporcional. Le

    22SUMMERSON, John. A linguagem clssica da arquitetura. So Paulo: Martins Fontes, 2002.p. 12.

    23SILVA, op. cit., p. 201.

    Fig.1. 7 Galeria para a coleo privadaGoetz de Arte Moderna, Munique,Alemanha.Herzog e de Meuron.Projeto 1989-1990, realizao 1991/1992

    Fig.1.8 Biblioteca Universitria deEberswalde, Eberswalde, Alemanha.Herzog e de Meuron.Projeto 1994-96, realizao 1997-99.

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    Corbusier foi um deles, ao menos nos argumentos de Colin Rowe24,que em seu texto Las matematicas de la vivienda ideal estabeleceas relaes matemticas ideais numa crtica que vai da aproximaoentre configuraes identificao das diferenas da Vila Garchesde Le Corbusier (figura 1.9) e a Malcontenta de Palladio (figura 1.10).

    Entre tantos, Mies van der Rohe outro exemplo, que depoisde fixar residncia nos Estados Unidos, a partir de 1938, adota o prismaautnomo (figura 1.11), para o qual pode-se aplicar a da frase deMartinez:

    Ater-se ao mais simples: a geometria elementar, ou quase-

    classicismo, ...., tudo isto como dizer que no h tal problema das

    formas, que ele j foi resolvido ou, pior ainda, que nunca existiu. Ou

    ainda que esse problema s um pretexto dos outros arquitetos, os

    exploradores, seus contemporneos. Mies se atm simplicidade

    do prisma.25

    24ROWE, Colin. Las matematicas de la vivienda ideal. G.Gili, 1978. Separata de:Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. p. 9-33.

    25CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p.48.

    Mas foi a partir do sculo XVI que se comeou a abrir o edifciopara jardins externos e, na segunda metade do sculo XVII quecomearam a ser introduzidos mais corpos, diferente da idia base doRenascimento que visava um bloco como forma perfeita. Mesmo assim,prevalecia a nfase na centralidade, fazendo com que os corposlaterais estabelecessem uma unio rgida esttica composio.

    A partir do sculo XVIII, e continuando no sculo XIX, osedifcios ultrapassaram os limites da unidade clssica. Comeou a seratribudo um novo sentido ao conceito de composio. O que sereferia a uma disposio de partes num corpo nico, passou a ser oarranjo ou justaposio de diferentes corpos para formar um todounitrio, consagrando o edifcio aditivo de volumes somados.

    O sculo XVIII, sem dvida, foi um sculo de transformaes,mudanas, perplexidades e paradoxos. Foi o sculo da superao doRenascimento e do Barroco. Arquitetos e artistas pem em dvida acultura hegemnica.

    Na segunda metade do sculo, a investigao arquitetnicavolta busca de suas origens, resultando em uma srie de publicaesentre as quais destaca-se Essai sur larchitecture, publicado em 1753pelo Abade Laugier um jesuta francs considerado o primeiro filsofoda arquitetura moderna. Ele descreve a casa do homem primitivocomo a fonte da verdade e da beleza arquitetnica. Sua teoria

    Hall, Illinois Institute /56.

    Fig. 1.9 Villa Stein, Garches. Le Corbusier,1927. Fachada Frontal.

    Fig. 1.10 La Malcontenta Villa Foscari,Malcontenta di Mira. Andrea Palladio,1558/60. Fachada para o canal.

    Fig. 1.11 Crown Hall, Illinois Institute of Technologi, Mies van der Rohe.1950/56.

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    racionalista mudou o pensamento arquitetnico no sculo que seseguiu. Nesse ensaio ele desenvolveu uma teoria sobre as origensverdadeiras da arquitetura, conhecida como teoria da cabanaprimitiva. Representada em seu prottipo hipottico26, abala aautoridade das ordens. uma estrutura sem paredes, formada porquatro troncos que seriam as colunas, as quais suportavam vergas eque, por sua vez, suportavam uma cobertura de duas guas. Aestrutura de suporte da modesta cobertura protetora, apoiada emcolunas, deixava as paredes divisoras e o fechamento livre decargas.27 Com essa teoria, comeava a simplificao racional daarquitetura (figura 1.12).

    Os retornos s origens da beleza procedem a um clssico maisesbelto, com colunas mais finas, com sobreposio de menoselementos, menos ornamentos, mais simplificados. o Neoclssico quedesencadeia em toda a Europa uma tendncia a estudar todos osestilos e modelos compositivos do passado, dando origem aoHistoricismo, uma tendncia estilstica com alcance at o sculo XX.

    26SUMMERSON, John. A linguagem clssica da arquitetura. So Paulo: Martins Fontes,2002. p. 93.

    27GALFETTI. Casas Refgio. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. p. 10.

    O Neoclssico uma manifestao da Revoluo Francesa, ede certa maneira uma reao ao Barroco, consideradoexcessivamente ornamentado e complicado.28

    Aos fins do sculo XVIII trocaram-se os papeis entre Itlia eFrana. A Frana desenvolveu uma nova arquitetura que se distinguiapor objetivos de natureza totalmente nova.

    Arquitetos franceses como Claude N. Ledoux, Etienne L. Boullee Jean-Nicolas-Durand responderam s buscas de beleza atravs demudanas um tanto radicais na maneira de compor e do uma claramostra dessa mudana de rumo da arquitetura29. Estavam interessadospela mxima valorizao e racionalizao formal atravs do uso deformas geomtricas, como a esfera, cubo, pirmide e cilindro,despidas de qualquer elemento decorativo ou com poucaornamentao. Tudo em benefcio da insatisfao com os princpios decomposio clssica renascentista e barroca uso de ordens dehierarquizao e de unidade compositiva. Essa tendnciarevolucionria ou visionria no deixou muitas obras concretizadas.Vrias ficaram somente no papel devido ao desconhecimento de

    28SILVA, Elvan. A forma e a frmula: cultura, ideologia e projeto na arquitetura daRenascena. Porto Alegre: Sagra, 1991. p. 294.

    29KAUFMANN, Emil. De Ledoux a Le Corbusier: origen y desarrollo de la arquitecturaautonoma. Barcelona: G. Gili, 1982. p. 88-89.

    Fig. 1.12 Frontispcio do livro de Laugier, Essai surlArchitecture.

    O homem quer fazer para si um axxxxo que no o sepulte.Alguns galhos abatidos na floresta so os materiais apropriadosa seu projeto. Ele escolhe os quatro mais fortes, que ergueverticalmente, e dispe em quadrado. Sobre aqueles colocaoutros inclinados, que se renem ao centro, formando doislados. Esta espcie de teto coberta de folhas suficientementeunidas para que nem o sol nem a chuva possam penetrar, e eiso homem abrigado. verdade que o frio e o calor o faro sentirseus cmodos nesta casa aberta em todos os lados; mas logoele preencher o vazio entre os pilares, e se ver assegurado.Laugier, Marc-Antonie. Essai sur lArchitecture.

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    tecnologia apropriada para a construo. No entanto, soprecursores do Modernismo.

    Etienne-Louis Boulle (1728-1799) foi o que menos construiu.Mais terico que prtico, sua obra se resume em uma serie dedesenhos preparados para conferncias e publicaes. Suas idiasso em escalas gigantescas e a preferncia pela geometria pura emonumental fica evidente no projeto para o Cenotfio de Newton,uma grande esfera de 150m de altura cujas tecnologias e matriasno possibilitariam constru-lo (figura 1.14).

    Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806) desintegrou a unidadecompositiva precedente. Atravs de formas geomtricas simples,abandonou o conceito de unidade pela adoo do esquemadenominado sistema de pavilhes, onde as partes integrantes solivres, apenas agrupadas, cujo suprimento de uma delas nocompromete o todo. [...] Em substituio da unidade barroca, osistema de pavilhes [...] a livre associao de elementosindependentes, que predominara desde ento.30

    Nos projetos de Ledoux se extingue a unio rgida da partecentral com as laterais, podendo estas se desvincularem totalmenteda composio (figura 1.16). Mas no deixa de usar o Neoclssico, j

    30Ibidem, p. 38.

    que era ainda o estilo dominante. revolucionrio, pois comea aassociar a forma do edifcio com seu uso (figura 1.15).

    Aps a Revoluo Francesa (1789), a implantao da polticacultural iluminista do Estado Francs, na forma de academias, desvirtuao ideal humanista da Renascena. Duas sero as tendnciassimultneas que vo ter expresso, a cole des Beaux-Arts e na colePolytechnique de Paris, tornaro-se modelos para o ensino dearquitetura em todo o mundo ocidental.

    Na Polytechnique, a escola para formar engenheiros, odiscpulo de Boule, Jean Nicolas Louis Durand, foi professor. Abalandoa noo de cabana primitiva de Laugier, Durand descarta a ligaoda arquitetura com a natureza: as ordens no esto relacionadas aqualquer conceito de imitao. Para Durand, a composio oinstrumento que o arquiteto utiliza para responder variedade dosprogramas que a nova sociedade necessita. Para ele, uma boacomposio atende necessidades de comodidade. Afastou-se doscritrios estticos, adotando apenas os de carter construtivos eutilitrios. Definiu a planta como a grande organizadora decomposio guiada por eixos longitudinais e transversais e por umaestrutura de quadros multiplicados ou subdivididos de acordo com asfunes do edifcio; os eixos e as reticulas so instrumentos queproporcionam integridade composio. Durand, defendia os planos

    Fig. 1.13 Projeto para Teatro da pera. Etienne Boulle. 1781. Fig. 1.14 Projeto Cenotfio para Newton. Etienne Boulle. 1785.

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    compositivos circulares como os melhores. A preferncia devido forma circular ser captada de imediato e ter maior superfcie e menorpermetro.31

    No sculo XVIII os escritos de Durand demonstram aseparao explicita dos projetos de planta e dos projetos daselevaes.32 O processo de projeto dividido em dois tempos primeiro as plantas e posteriormente as elevaes e sem muitasrelaes proporcionais entre ambas, como ocorria na composioclssica. Foi a partir do sculo XVIII, continuando no XIX, que o edifcioultrapassou os limites da unidade clssica, continuando vigente at osculo XX.

    No mtodo de Durand no h propores necessrias nosambientes, porque no h alturas determinadas como no modelorenascentista. Analisam-se as partes necessrias do edifcio e estudam-se suas disposies segundo um sistema de eixos. Essa concepoarquitetnica definiu a planta como a grande organizadora decomposio guiada por eixos longitudinais e transversais e por umaestrutura de quadros multiplicados ou subdivididos de acordo com as

    31Corona Martinez, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p. 75.

    32Ibidem, p. 17.

    funes do edifcio; os eixos e as retculas so instrumentos queproporcionam unidade composio.

    No comeo do sculo XIX, o mtodo projetual de Durand eraensinado aos estudantes atravs do guia Prcis des Leons donnes lcole Polytechnique, escrito em dois volumes. Seu texto a descriode uma metodologia de projeto que parte da combinao de umconjunto definido de elementos. As idias racionalistas difundidas porDurand no foram um estilo, mas uma teoria que influenciou aconcepo arquitetnica. a-estilstico, permitindo assim, vestir-se comtodas as roupagens alternativas do sculo XIX e XX.33 O mtodo deDurand visa simplificao dos procedimentos projetuais, comotambm dos significados atribudos arquitetura (figura 1.17).

    Na introduo do texto, Durand define a arquitetura como aarte de compor edifcios:

    33Ibidem, p. 32.

    Fig. 1.16 Barrirre de La Sant.Claude-Nicolas Ledoux.

    Fig. 1.15 River Inspector's House.Claude-Nicolas Ledoux. 1780.

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    Combinar entre si os diversos elementos, passar seguidamente s

    diferentes partes do conjunto, este o caminho que deve ser seguido

    quando se aprende a compor: quando se compe, pelo contrrio,

    deve-se comear pelo conjunto, continuar pelas partes e terminar

    pelos detalhes. Dado o programa de um edifcio, deve-se examinar

    antes de tudo se, de acordo com o uso a que est destinado esse

    edifcio, todas as partes que o compem devem estar reunidas ou

    separadas e se, conseqentemente, deve oferecer em sua planta

    uma nica massa ou vrias; se esta massa ou massas devem ser

    cheias ou vazadas por ptios centrais; se o edifcio, qualquer que seja

    por outro lado a sua disposio pode dar para a via pblica ou

    deve estar distanciado desta por algum recinto; se todas as suas

    partes esto destinadas a usos semelhantes ou diferentes e se,

    conseqentemente, devem ser tratadas de maneira semelhante ou

    diferente; examinar, no segundo caso, quais so as partes principais e

    quais aquelas que esto subordinadas a elas; estabelecer qual o

    numero das partes principais e das demais, e quais devem ser seus

    tamanhos e respectivas localizaes; reconhecer finalmente se o

    edifcio deve ter um nico andar ou vrios, ou um nico piso em

    certas partes e vrios em outras.34

    34Corona Martinez, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 20.

    No Prcis de Durand encontramos reduzida a questo dosElementos s partes construtivas dos edifcios: h as paredes, suportesisolados e as partes horizontais que eles sustentam e os unem,pavimentos, coberturas e as abbadas (figura 1.18). Tambm afirmaque para no contrariar hbitos locais, no se usam as formas epropores dos edifcios antigos porque isso era hbito local daquelapoca. No se transferem esses hbitos.35

    A cole des Beaux-Arts foi o centro dominante de formaoarquitetnica na Europa de 1819 a 1914. O modelo de aprendizagemproposto seria imitado em todo o mundo por mais de um sculo emeio.36 A base do ensino acadmico era ditada pelos tratadosarquitetnicos dos finais do sculo XVIII e inicio do sculo XIX. Com aaplicao desses tratados, os arquitetos deixam de acreditar naeficcia direta da escolha de estilo e desenvolvem novos tiposarquitetnicos que atendem as solicitaes da nova sociedade, comoracionalidade construtiva, economia e funcionalidade.

    Julien Guadet (1834-1908) foi professor na cole des Beaux-Arts,publicou Elments et Thories de lArchitecture, em 1902, cujo

    35Corona Martinez, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p. 75.

    36Corona Martinez, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 22.

    Fig. 1.17 Mtodo Compositivo conforme Durand. Caminho a se seguir na composiode um projeto qualquer

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX24

    contedo, escrito em cinco volumes, uma coleo de confernciasministradas na escola desde 1894. Enfatizou a importncia dacomposio na arquitetura; afirmava que o edifcio completo nadamais do que uma montagem e reunio de um nmero maior oumenor de partes e assim definiu, ao se dirigir aos seus discpulos nacole, a terminologia pertinente s questes compositivas no incio dosculo XX:

    Na verdade, nada mais atraente do que a composio, nadamais sedutor. este o verdadeiro campo do artista, com nenhum

    limite ou fronteira a no ser o impossvel. Compor, o que isto? pr

    juntas, unir, combinar as partes de um todo. Essas partes, por sua vez,

    so os Elementos da Composio, e assim como iro realizar suas

    concepes com paredes, aberturas, abbodas, telhados todos

    elementos de arquitetura estabelecero sua composio com

    quartos, vestbulos, sadas e escadas. Estes so os Elementos de

    Composio.37

    A adio de volumes conforme a necessidade era o quetransmitia a tradio da cole des Beaux Arts.

    37In BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da mquina. So Paulo:Perspectiva, 2003. p. 35 e 36.

    Enfim, no sculo XIX que a carreira de um arquiteto passa tercomo base a reinterpretao do uso e a organizao dos edifcios. Oedifcio unitrio e proporcional que era fonte da beleza noRanascimento substituda no sculo XVIII e XIX pela expresso dautilidade.

    Quando deixou de existir a unidade maneira clssica houve alibertao do estilo. No modelo clssico, o projetista ocupava-seprimeiramente do exterior proporcionado e coberto pelo estilo e depoisacomodava no seu interior as partes teis.38 O edifcio era tipificado,portanto a repartio interna podia ser adiada. Desde a composioelementar, as partes so definidas pelo seu uso, prevalecendo acomposio aditiva com o todo aleatrio.39 apenas no final do sculoXIX que as partes dos edifcios e as partes da construo so nomeadasde elementos de composio e elementos de arquitetura.40

    38CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p. 43 e 44.

    39Ibidem, p.119.

    40Ibidem, p.36.

    Fig. 1.18 Elementos de Arquitetura conforme Durand. A partir de Durand, no s asordens mas todas as partes da construo so elementos.

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    1.3 Sobre elementos de arquitetura e elementos decomposio do cdigo clssico ao ecletismo

    A concepao de elementos tem estado presente egozado de bastante crticas em boa parte da histria da arquitetura.No captulo anterior, muito j foi apresentado em conjunto com aabordagem dos dois tipos principais de modelos de edifcios o daobra como unidade e da obra como aditiva.41

    O termo elementos de arquitetura corresponde ao livro deDurand e se difunde com a publicao do Prcis et leondarchitecture donnes lEcole Polytechnique.42 Porm, depois dosurgimento do mtodo de Durand e do plano de Prcis, natural vertodos edifcios, inclusive os anteriores, como produto de umacomposio por elementos. Foi a partir do curso de Durand que oselementos de arquitetura assumem um valor acessrio no projeto; asordens clssicas, que eram substncias para a arquitetura

    41Para tanto a melhor compreenso do captulo se d em conjunto com os demais, sejao anterior quanto o posterior.

    42CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p. 62.

    renascentista, a partir de Durand perdem a hierarquia de importnciapara a composio em planta.43

    A arquitetura renascentista era feita sobre bases tipolgicasfirmes e portanto o arquiteto fixava-se na aparncia exterior, nadisposio de elementos, e por esse motivo, cabvel dizer que oselementos de arquitetura j so um repertrio projetvel separadomuito antes do sculo XVIII.

    O objeto clssico (arquitetura) est definido (desde sempre): a caixa

    construda recebia sobre ela os Elementos da Arquitetura, e isto era

    assim desde a arquitetura romana.44

    Em Vitrvio j parece existir uma certa suposio da noo deelemento, ainda que se mostre carente da especificidade e precisoque alcanaria em formulaes posteriores.45 Alberti falaexpressamente de partes na composio arquitetnica quando aanalisa desde o ponto de vista tanto da construo, como da

    43Ibidem, p. 65.

    44Ibidem, p. 43.

    45 VITRUVIO POLION, Marco Lucio. Los diez libros de arquitectura. Madrid: Alianza, 2000. p. 13e 14.

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    ornamentao. Conforme Mahfuz, a leitura de sua teoria (dominantepor pelo menos dois sculos) sugere que ele poderia ter definido aspartes principais como recintos ou espaos definidos - espaos quetem alguma demarcao de limite; e partes secundrias comoaquelas que conferem carter s primrias, ou seja, os detalhesarquitetnicos.46

    Na segunda metade do sculo XVII, outras teoriascomearam a aparecer.

    No sculo XVIII ocorre uma progressiva incorporao de maise mais partes do edifcio como elementos de arquitetura. Inicialmente,sero as paredes, at ento somente fundo das Ordens. Essaincorporao acontece pelo menos desde os projetos de Boulle, nasegunda metade do sculo XVIII. em meados do sculo XVIII que aautoridade das ordens realmente abalada. Em Ledoux, vemos atransio em direo a desintegrao das partes do edifcio; a defesada forma como resposta finalidade, o retorno geometriaelementar e rechao do ornamento. Em seguida so os membrosestruturais. As pesadas paredes at o fim do sculo XIX do lugar aosesqueletos independentes. A pesada parede d lugar s superfcies

    46MAHFUZ, Edson da Cunha. Ensaio sobre a razo compositiva: uma investigao sobre anatureza das relaes entre as partes e o todo na composio arquitetnica. Viosa,MG: UFV, 1995. p. 41 e 42.

    leves de vedao e as aberturas passam a ser partes destas mesmassuperfcies.47

    Cabe aqui retornar construo clssica. Para a composioclssica, nem todas as partes da construo eram elementos dearquitetura, assim como nem todas construes formavam parte daarquitetura. Pertenciam arquitetura as construes queapresentavam propores estudadas e materiais nobres, eempregavam as formas corretas dos elementos, entendendo-se comotais os elementos pertencentes s Ordens Clssicas. Os demaiselementos construtivos, que no pertenciam s Ordens, no eramconsiderados elementos de arquitetura. Os elementos de arquiteturaso as figuras ativas sobre o fundo neutro das demais partesconstrutivas e utilitrias. Desde o sculo XVIII, esse repertrio foi sendoampliado, at que todas as partes da construo fossem abrangidascomo elementos da arquitetura tal como nos manuais prticos deDurand, onde se estendeu o conceito de elementos de arquitetura atodas partes da construo e a Composio como sendo o arranjo departes preexistentes e pr-formadas.

    47CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 131.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX27

    Na realidade, a cristalizao da noo de elementos dadacom a reativao dos cdigos do classicismo. quando aparece oconceito de composio no ncleo do discurso disciplinar,promovendo novas investigaes metodolgicas regidas poraspiraes sistemticas e pretenses didticas, com base no maisambicioso princpio de rigor racional .

    O trabalho de Durand, a este respeito, tem resultadoparadigmtico. Sua proposta metodolgica se caracteriza pelaarticulao aos temas de projeto em torno ao que chama ElmentsdArchitecture, deduzidos convencionalmente de uma classificaode unidades compositivas suprahistrica e supraestilstica48 realizadapor ele mesmo, em detrimento do atendimento legalidade internadas ordens clssicas. O recurso dos elementos construtivos prpio dasordens, que pretende ser independente de seu ornamento e doscorrespondentes argumentos figurativos, se separa de seu mbito dereferncia, quer dizer, das leis segundo as quais tais elementos seencontram internamente ordenados e hierarquizados entre eles.

    Os princpios estabelecidos no texto de Durand soperfeitamente reconhecveis na base do livro Elementos y Teoria de la

    48LINAZASORO, Jos Igncio, El proyecto clsico en arquitectura. Barcelona, Gustavo Gili,1981. p. 97.

    Arquitectura, de Guadet, um dos textos tericos mais influentes doperodo ecltico, onde se sente igualmente a equivalncia essencialdas diversas alternativas estilstica historicamente disponveis.49

    J os elementos de composio, para que existam, devemproduzir seus invlucros espaciais. O conjunto das partes dessesinvlucros coincide com o conjunto dos elementos de arquitetura,conforme ensinado ao aluno no sistema beaux arts, aps a fixao dopartido.50

    Durante o sculo XIX, multiplicam-se os elementosrepresentativos. O repertrio clssico sofre competio agora poroutros estilos histricos, como da arquitetura grega, gtica, oriental,dentre outras, que podem ser usados alternativamente, mas nomisturados. Assim, as partes do invlucro espacial so multiplicadasdevido a variedade de estilos disponveis, cada qual com seurepertrio de elementos. No entanto, uma nova gama de materiais eesquemas construtivos, adicionais para a poca, provoca a reao doshistoriadores e crticos por serem geralmente incompatveis com essesestilos. Os crticos, como por exemplo Violet-le-Duc, reclamam pela

    49GUADET, Julien. lements et thories de larchitecture. Paris, 1902.

    50Como j descrito na seo 1.1, p. 15.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX28

    criao de um estilo da poca. Todo o repertrio de elementos dearquitetura vai sendo contaminado pelas novas tcnicas,desembocando no esqueleto independente no final do sculo XIX.51

    Esse conjunto de acontecimentos constri o panoramaarquitetnico emergente do sculo XX. As vanguardas modernaspropunham, assumem e amparam uma reao radical frente spropostas metodolgicas dos historicismos e ecletismos, e comfreqncia, a mesma idia de elementos revisada em termos gerais,quando no questionada de maneira drstica.

    De qualquer maneira, conforme Alfonso Corona Martinez, huma diferena essencial aceita entre uma e outra classe deelementos. Os elementos de arquitetura so coisas concretas, tmnatureza definida, podem ser encontrados tanto nos livros tratadistas,ou, em se tratando da arquitetura moderna, so artefatos, comojanelas compradas, portas Standard, etc. J os elementos decomposio so conceitos, espaos, ambientes de certas propores,com dimenses definidas; sem uso por si mesmos.52

    51CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 131.

    52Ibidem, p. 129.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX29

    1.4 Reviso dos elementos de arquitetura nasvanguardas modernas

    A passagem do clssico ao moderno desencadeia nagradativa problematizao da composio. Na poca de Durand,o mecanismo imaginado para composio requeria que os elementosde arquitetura no fossem problemticos. No moderno, criam-se eperdem-se elementos; h elementos que nunca chegaro a serElementos, no formaro um sistema. A multiplicao dos elementos,das tcnicas construtivas e dos sistemas de representao nopermite mais a decodificao automtica dos cdigos por parte dosarquitetos.53

    A mudana na considerao e no uso dos elementos aolongo do tempo amplia e subverte o seu significado, tornando-oambguo e subordinando-o subjetividade do arquiteto.

    De obra em obra, por aes de diferentes autores ao longodo sculo XX, vo-se acumulando elementos de arquiteturamodernos. Um dos esforos dos arquitetos modernos tardios encontrar novas associaes dos elementos de arquitetura extradosde autores anteriores. Conforme Martinez, isso uma tentativa de

    53CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 133.

    aperfeioar a seca frmula primeiro a planta e depois as fachadasque remonta ao Prcis de Durand.54

    At o sculo XVIII, os elementos de arquitetura de cada estilopertenciam a esse estilo; havia somente uma arquitetura. J oselementos da arquitetura moderna no esto a priori ligados entre si,parecem ser mais opcionais, a menos que se trate de elementoscomprados prontos. Os elementos usados na arquitetura moderna, porserem aparentemente independentes entre si, diferente doselementos que eram prprios aos estilos, permitem ser utilizados commais liberdade. Na realidade, podem se selecionados com maisliberdade.

    A mudana, que para esta dissertao tem interesse, aalterao da caracterstica do muro. De passivo fundo s ordens passaa protagonista da composio (figura 1.19). A forma arquitetnicapassa a ser uma soma de elementos regidos por regras desconhecidasou pessoais e reduzidos a formas geomtricas elementares e abstratas,selecionados por critrios tcnico-construtivos e utilitrios.

    54CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p.71.

    Fig. 1.19 Interseces de planos horizontais e verticais propostos por De Stijll.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX30

    Dessa forma, no sculo XX, produzida uma nova classe deelementos, mais genricos e abstratos. Decorrente do rompimento dacaixa na arquitetura Neoplstica de van Doesburg e de Rietveld, emmeados dos anos de 1920, o plano surge como um elemento dearquitetura na composio das formas; o que pode ser interpretadocomo o desejo de tornar ativos todos os elementos da forma ou comouma inverso de termos, na qual os planos substituem a forma pr-figurada caixa.

    Nas arquiteturas pr-modernas, as paredes, por serem neutraspara receberem as ordens, so consideradas passivas nacomposio. A nova esttica de van Doesburg e Rietveld faz do planoum elemento ativo: as paredes, agora tratadas como planos, sendoou no limites de um espao, so entendidos como um elementoindividualizado. Desse modo, o plano surge como um elemento dearquitetura na composio das formas.55

    A nova arquitetura no tem fatores passivos. Superou a abertura na

    parede. Com sua abertura, a janela desempenha um papel ativo em

    oposio ao fechamento da superfcie da parede. Em nenhuma

    parte uma abertura ou um vazio ocupa o primeiro plano; tudo est

    estritamente determinado pelo contraste. Compare-se com as

    55CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 138.

    diversas contra construes, nas quais os elementos que constituem a

    arquitetura (superfcies, linha, massa) se colocam sem restries em

    uma relao tridimensional.56

    Na casa Schrder, de Gerrit Rietveld, h o extremo daabstrao, quando os elementos para serem percebidos como partesde uma construo dependem por inteiro de suas relaes mtuas.Desvinculados de sua posio elas perdem todo o sentidoarquitetnico (figuras 1.20 e 1.21).

    56THEO VAN DOESBURG, Por uma arquitetura plstica, 1924. apud CORONA MARTINEZ,Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Braslia: Unb, 2000. p. 143.

    Fig.1. 20 e 1.21 Casa SchrderGerrit T. Rietveld.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX31

    O neoplasticismo, o modo especfico de conformar mais frtil da arquitetura

    moderna, deve sua transcendncia histrica ao fato de que um modo de conceber

    as relaes visuais que determinam a forma que incorpora os princpios bsicos da

    construo material: difcil encontrar uma estrutura visual mais tectnica que um

    quadro de Mondrian dos primeiros anos vinte.

    Hlio Pion (traduo da autora)

    2 PRIMRDIOS DO NEOPLASTICISMO

    Neoplasticismo o termo criado pelo artista holands Piet Mondrian para uma arte abstrata e geomtrica. Segundo o artista, a arte deve serdesnaturalizada e liberta de toda referncia figurativa ou de detalhes individuais de objetos naturais. Mondrian restringiu os elementos decomposio pictrica linha reta, ao retngulo e s cores primrias, azul, amarelo e vermelho, aos tons de cinza, preto e branco.Mondrian fundou, com Theo Van Doesburg a revista De Stijl, publicada de 1917 a 1928, onde publicou os textos sobre o neoplasticismo. O movimentoDe Stijl (traduz-se "o estilo") baseava-se numa filosofia idealista que buscava uma arte que incorporasse uma nova viso da vida moderna. Os artistasque se destacaram no movimento so os pintores Theo van Doesburg e Piet Mondrian e os arquitetos J.J.P. Oud e Rob van t'Hoff. Porm, na rea demveis, o destaque ficou a Gerrit Rietveld. Inicialmente marceneiro e depois arquiteto, Rietveld teve contato com o De Stijl um ano aps o seusurgimento, e j neste ano criou a famosa "Cadeira Vermelha, Azul e Amarela". Uma das primeiras expresses palpveis dos ideais do De Stijl, Rietveldcontinuou a fazer experincias no design de edifcios, mveis e acessrios, uma explorao da esttica De Stijl, culminando na Casa Schrder deUtrecht em 1924, quando um feliz contrato lhe permitiu criar uma imagem completa do viver moderno. A organizao funcional e elementos formaisda casa e seus mveis e acessrios completos fundiam-se num ambiente integral, num fluxo espacial e jogo de linhas, planos e cores.

    O captulo porm, no dedica uma seo especfica ao movimento De Stijl, uma vez que o assunto fica diludo em duas outras sees quelevam o nome dos arquitetos Frank Lloyd Wright e Mies van der Rohe. Esses, em arquitetura construda, contriburam e aproximaram as questespregadas pelo Neoplasticismo e inclusive, Frank Lloyd Wright foi precursor do movimento. A Casa Gal (figura 2.14) foi uma fonte direta de inspiraodos Holandeses, quando apresentada em publicao e exposio na Europa em 1910, junto com o edifcio Larkin, o Templo Unity, a Casa Robie,Casa Willits entre outras.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX32

    O Neoplasticismo depende em boa parte da obra de FrankLloyd Wright, que demonstrava com aes, com edifcios construdos,que era possvel uma nova plstica que no se apoiava em formastradicionais ou na estilizao das formas naturais (a estilizao era ummtodo de trabalho habitual dos criadores modernistas principalmente os expressionistas) (figuras 2.1 e 2.2).

    Conforme Echaide57, o Neoplasticismo partiu da obra de FrankLloyd Wright, porm a modificou profundamente. Suprimiu dela todosos ideais que no foram geometria, e definiu com grande clareza ospostulados tericos de uma arquitetura embasada no espritogeomtrico. Este movimento teve ao menos dois homens, Theo VanDoesburg e Piet Mondrian, que viram muito claro o que significava oesprito geomtrico, que na poca foi justificado pelo abandono detodos os materiais tradicionais, o desprezo da natureza (expressionista)e da historia, o abandono de toda a cultura do passado, de todaatitude espontnea, de todo sentimento e inclusive de toda atitude ementalidade individual. Theo van Doesburg pregava na Bauhaus:

    57ECHAIDE, Rafael. La arquitectura es uma realidad histrica. Publicao da Escuela deArquitectura da Universidad de Navarra. Coleo de Textos, Vol. 9. nov. de 2002.Disponvel em http://www.unav.es/arquitectura/documentos/publicaciones/publis/104es.htm p.100.

    a pintura havia se desligado da imitao da dependncia

    fotogrfica; a arquitetura devia abandonar as ordens clssicas e

    bagatelas decorativas. O velho edifcio esttico devia ser destrudo e

    reconstrudo dinamicamente reduzindo a massa e o volume a linhas,

    superfcies, planos que se interceptam e se justapem, porm de todas

    maneiras independentes e em dissonncia entre eles, espao e tempo

    necessrio para realizar uma interrompida, reproduzida sucesso de

    perspectivas.58

    Para Theo Van Doesburg, uma nova era de liberdade criadorahavia surgido e contesta a caixa esttica, afirmando que, assim comoos pintores, os arquitetos tambm deviam proceder a um exameradical:

    Com a chamada arte abstrata comea uma nova era de cultura

    espiritual que tem sua origem no cubismo...A pintura tradicional foi

    revolucionada: representar foi substitudo por formar, o que

    valorizou o significado da palavra: neoplasticismo... Uma arte

    criadora sem fins secundrios nem meios auxiliaras, o qual demonstra

    que, graas a Deus, h outra fora no homem a mais do que aquela

    da imitao: a energia imaginativa...Quando diante de uma obra, o

    observador se pergunta: que representa que quer dizer? podemos

    58ZEVI, Bruno. Poetica de la arquitectura neoplastica. Buenos Aires: V. Leru, 1953. p. 23.

    Fig. 2.1 e 2.2 Torre Eistein, Erich Mendelsohn, 1920-1924 e Pavilho de Vidro,Bruno Taut, 1914.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX33

    estar seguros de que se trata verdadeiramente de um trabalho de

    arte que tem carter mais ou menos criador...Nada de suprfluo, de

    ornamental, de artstico no sentido assessrio, de beleza exterior,

    seno a veracidade da obra por si mesma.59

    A arte criadora no pode ter uma expresso imitativa nemindividualista. Somente pode expressar a veracidade da obra por simesma. Ento, somente pode expressar relaes entre suas partes,ou das partes com o todo. Para Echaide60, isto pura e simplesmentegeometria. Todas as matemticas e, portanto, a geometria, no somais que um conjunto de relaes.

    As formas elementares da arquitetura, usando retas, planosngulos retos, esferas, etc., foram introduzidas na Europa pela obra deFrank Lloyd Wright e se estenderem rapidamente a um grande nmerode arquitetos nos anos 20. No entanto, uma pergunta fundamental:por que tinham que ser simples as formas geomtricas? Os artistas

    59ZEVI, Bruno. Poetica de la arquitectura neoplastica. Buenos Aires: V. Leru, 1953. 181 p.Traducao de: Poetica dell'architettura neoplastica. pg. 26.

    60ECHAIDE, Rafael. La arquitectura es uma realidad histrica. Publicao da Escuela deArquitectura da Universidad de Navarra. Coleo de Textos, Vol. 9. nov. de 2002.Disponvel em http://www.unav.es/arquitectura/documentos/publicaciones/publis/104es.htm pg.100 a 102.

    neoplasticistas pediam a desnaturalizao da Arquitetura e PietMondrian explicou:

    ...Desnaturalizar, isto abstrair. Por meio da abstrao se obtm a

    expresso pura abstrata. Desnaturalizar aprofundar. .....no se quer,

    em efeito, somente que a forma da vestimenta se depure, seno que

    se ponha em oposio forma natural... 61

    Isto podia se realizar com espirais logartmicas e comparabolides hiperblicos. Por que quase no se pregaram outrasformas a no ser planos e ngulos retos? Para Echaide62, trs so asrazes para o uso de superfcies planas ao invs das superfcies curvas:

    Em primeiro lugar, muito difcil criar e manejar formas novasquando no h uma tradio que preparou o caminho, quando nose podem copiar coisas conhecidas.

    Em segundo lugar, as formas simples teriam um valor simblicoque interessava aos arquitetos modernos dos anos 20: recordavam naspessoas as formas que estavam vendo em vrios objetos criados pelaindstria; os barcos, os silos e as naves industrias tambm empregavamformas geomtricas simples, seja por economia ou porque seuscriadores todavia no eram capazes de criar formas mais complexas

    61ZEVI, op. cit. p. 87 e 88.

    62ECHAIDE, op. cit. p. 103.

    Fig. 2.3 Sede da Bauhaus.Walter Gropius.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX34

    (este o caso dos avies: nos anos vinte muitos destes aparatostinham formas bastante retilneas).

    Em terceiro lugar, os arquitetos neoplsticos queriam expressarclaramente que no estavam fechando e cobrindo habitaes, queno faziam mais que definir espaos. Theo Van Doesburg escrevia emum artigo de 1925 e em seguida, de forma reelaborada, em umaconferncia pronunciada em Madri em 1930, no ponto 8 dos 17pontos da arquitetura Neoplstica.

    A planta. A nova arquitetura tem perfurado o muro de maneira

    que ela suprime a dualidade entre interior e exterior. Os muros j no

    sustentam mais, se transformaram no ponto de apoio. Disso resulta

    uma nova planta, uma planta aberta, totalmente diferente daquela

    do classicismo, posto que os espaos do interior e exterior se

    penetram.63

    Essas trs razes fizeram com que as formas geomtricas maiselementares fossem empregadas por vrios grupos de arquitetos queno tinham a mesma ideologia. O emprego dessas formas nosomente consolidou a arquitetura Neoplstica, como tambm achamada Arquitetura Moderna. Em apenas sete anos foram realizadas

    63ZEVI, Bruno. Poetica de la arquitectura neoplastica. Buenos Aires: V. Leru, 1953. 181 p.Traduo de: Poetica dell'architettura neoplastica. p. 52.

    as obras mais importantes dessa nova Arquitetura: Casa Schrder, deRietveld (1924-25), Bauhaus, de Gropius (1926), Villa Savoye, de LeCorbusier (1928-30) e o Pavilho Alemo em Barcelona, de Mies van derRohe (1929) (figuras 2.3 e 2.4).

    Eram obras polmicas. Tratavam de demonstrar que erapossvel uma nova Arquitetura, liberada da terra, da gravidade, danecessidade de arrancar do solo os materiais para construir, danecessidade de proteger-se atrs dos grossos muros, em cubculosobscuros; do homem liberado das tradies, dos sentimentos, dossmbolos.

    A arquitetura antiga mais massiva, pois a construonecessitava ser materializada por meio de espessas alvenarias de tijolosou pedra responsveis pela estrutura resistente. J a nova arquitetura,com a nova tecnologia, queria ser leve, no queria recordar o esforoque realizaram as arquiteturas antigas para suportar a carga. Assim acasa moderna dar a impresso de estar projetada, suspendida no ar,contrariamente da lei da gravidade, escrevia Theo Van Doesburg em1925.64

    64Ibidem, p. 52.

    Fig. 2.4 VillaSavoye, Poissy. LeCorbusier.

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    2.1 Frank Lloyd Wright

    A Histria da Arquitetura nos mostra que no pr-moderno aarquitetura era fundamentada numa espcie de caixacompartimentada convencional. O primeiro arquiteto que a rompe Frank Lloyd Wright no final do sculo XIX. Uma vez desmembrada acaixa, os planos j no recomporo volumes fechados, detentores deespaos finitos, mas fluidificaro os ambientes, unindo-os eencaixando-o num discurso contnuo.65

    Entre os norte-americanos, o pioneirismo de Wright no questionado. O fato que seu modernismo tem matrizes muitodiferentes das europias. A vida extensa e profcua o fez atravessardiversas geraes, sempre mantendo um certo distanciamento dosmovimentos europeus, porm influenciando e deixando-se influenciar.

    Desde o comeo do sculo XX, logo que encerrou seu estgiocom Louis Sullivan, Wright projetou diversas residncias para famliasabastadas nos novos bairros perifricos de Chicago. Nestas obras,Wright desenvolveu uma linguagem que viria a ser praticamente suamarca registrada por mais de 20 anos. So as chamadas Prairie Houses(Casas da Pradaria) (figuras 2.5 a 2.8) cuja composio do conjunto

    65ZEVI, Bruno. A linguagem moderna da arquitetura. Lisboa: Dom Quixote, 1984. p. 43.

    era resultado da adio de volumes. Wright substituiu o rgido mtodoacadmico baseado em eixos e simetria esttica pelo equilbrioassimtrico e dinmico. Martinez designa a Frank Lloyd Wright aexpresso composio Beaux Arts reelaborada.66

    Os dois momentos em que Wright se afasta dos projetos dasCasas da Pradaria sero para compor dois marcos arquitetnicos dapoca: The Larkin Company Administrative Building e Unity Church(Unity Temple e Unity House), o primeiro em Buffalo, Nova York, 1904, e osegundo em Oak Park, Illinois, em 1906. Ambos com propostassemelhantes, apesar das diferenas de porte e funo (figuras 2.9 a2.13).

    Wright sempre foi, e prezou esta condio, um artista solitrio.Era, entretanto, sensvel a toda discusso contempornea a respeito damquina e sua influncia no trabalho do artista. Sua posio, nopdio da arquitetura, nunca deixou de ser ambivalente quanto aomodernismo. Em sua obra inicial, fazia conviver o romantismo evitalidade da planta assimtrica inglesa com o seu gosto pessoal deinspirao oriental.

    66CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p.39.

    Fig. 2.5 e 2.6 Exterior e Planta baixarespectivamente.Casa Warren Hickox, Illinois, 1900.Frank Lloyd Wright.

    Fig. 2.7 e 2.8 Casa W. W. Willits. Illinois,1902. Frank Lloyd Wright.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX36

    Do ponto de vista construtivo, Wright defendia a verdade dosmateriais e no desprezava o virtuosismo dos artesos e mestres deobra. A tal ponto ia sua obsesso nesse aspecto, que deplorava o usode pintura sobre as superfcies revestidas. Inovou ao adotar oselementos construtivos telhado, esquadrias, painis de parede, forrose pisos numa linguagem absolutamente pessoal, derivadaparcialmente da esttica de Mackintosh, com influncias dadecorao residencial japonesa, cultura pela qual nutria especialadmirao.

    As exposies das obras de Wright na Europa, no comeo dosculo passado (1910), influenciaram alguns arquitetos europeus. Osjogos de planos horizontais e verticais, que to bem manipulava, foiapreciado pelos holandeses, decerto um antecedente dadecomposio neoplstica.

    O cmodo, transformado em expresso arquitetnica essencial, no

    admitia buracos talhados nas paredes, como se talham buracos nas

    caixas, porque isso no concordava com o ideal plstico.67

    inegvel o papel de Wright no desenvolvimento dalinguagem arquitetnica do sculo XX. Com seus projetos, muitasregras acadmicas rgidas foram postas abaixo, e as lies de

    67Frank Lloyd Wright, Arquitetura e Democracia, apud BENEVOLO, 1976. p. 258.

    Durand68 foram pelo menos a oeste de Greenwich abaladas emdefinitivo: em especial o abandono do Marche suivre dans laComposition dun Projet Quelconque (Caminho a seguir nacomposio para um projeto qualquer) e o respeito s ordens clssicas.Porm, Tafel vai longe demais, atribuindo Frank Lloyd Wright opioneirismo da Arquitetura Moderna:

    fato que a arquitetura moderna nasceu, cresceu e frutificou em

    nosso meio-oeste e, devido unicamente persistncia do Sr. Wright,

    finalmente se desenvolveu na Europa.69

    A chamada Arquitetura Moderna vem se preparando muitoantes. Pode at se dizer que desde 1750 a arquitetura vem sepreparando para o Modernismo, no sendo correto definir um nicoarquiteto como precursor. Porm, a obra de Wright inovadora porromper com as regras clssicas de composio e adotar um repertrioarquitetnico indito, especialmente nas residncias que projetou.O uso intensivo de elementos decorativos nos primeiros vinte anosde trabalho coloca seus projetos numa direo oposta aos caminhosque percorreria a arquitetura europia. Somente a partir de meados

    68J.N.DURAND: Autor de Prcis des Leons dArchitecture (1819) a Icole RoyalePolitechnique.

    69TAFEL, Edgar. Years with Frank Lloyd Wright Apprentice to Genius. Nova York, DoverPublications, Inc., 1985. prefcio.

    Fig. 2.11, 2.12 e 2.13 Exterior e plantabaixa Unity Church (Unity Temple e Unity House). Frank Lloyd Wright.

    Fig. 2.9 e 2.10 Planta baixa e exterior.The Larkin Company AdministrativeBuilding. Frank Lloyd Wright. 1904.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX37

    dos anos 1930, quando teve incio uma nova fase de sua carreia afase das Usonian Houses Wright viria a adotar detalhamento maissbrio.

    A depurao formal que procedeu nessa segunda fasepouco aproximou a linguagem de Frank Lloyd Wright daquela que foidesenvolvida pelos arquitetos europeus. Wright no apenas rejeitavaesta arquitetura de origem europia, como desprezava os prpriosarquitetos, principalmente depois que estes, fugindo da primeiraguerra mundial, vieram se estabelecer nos Estados Unidos. De todos, onico que respeitava era Mies van der Rohe, que considerava porsuas qualidades particulares.70

    2.1.1 O espao fluido e a destruio da caixa

    No processo que Wright chamou de A Destruio da caixaem vrios de seus textos, as paredes externas comearam a abrir-sede forma contnua para a paisagem dissolvendo a relao entreexterior e interior. E os ambientes internos comearam a fundir-se emambientes maiores, com a retirada das paredes internas (que muitasvezes deixavam de ser portantes) em favor de divisrias, biombos,cortinas, etc., que apenas marcavam de forma leve e discreta a

    70TAFEL, Edgar. Years with Frank Lloyd Wright Apprentice to Genius. Nova York, DoverPublications, Inc., 1985. p. 70.

    separao de funes principalmente nas reas sociais. Nascia oespao fludo, aberto e liberado. Wright decreta o fim dos espaosinternos estanques. A planura da pradaria selvagem encontrava suacontrapartida na amplido do espao interno.

    Por que destruir a caixa? Em seus textos, Wright deplora oexagero e desordem do interior da casa burguesa vitoriana. De fato,havia a sucesso de ambientes muitas vezes apertados, claustrofbicos sobrecarregados com drapeados, cortinas pesadas, papis deparede, mesas excessivamente decoradas, etc. Wright ansiava porespaos abertos, ambientes desimpedidos e vistas da paisagemnatural.71

    Assim, os espaos abertos passam a ser encadeados eseparados por ngulos de viso cuidadosamente calculados, ao invsde portas, com numerosos detalhes e surpresas visuais (com exceodos ambientes privados como quartos e banheiros). Mais tarde, aodescobrir a casa japonesa com suas divisrias moduladas, Wright viuuma confirmao do acerto de sua proposta de acabar com espaosestanques. De certa forma, o fim dos compartimentos fechadosantecipa em meio sculo a planta livre racionalista.

    71Mesmo que Wright tenha integrado os ambientes, aberta sua arquitetura para apaisagem e que diga ter reduzido o ornamento, comparando-a com a arquitetura deMies, sua arquitetura ainda excessivamente ornamentada.

    Fig. 2.14 Casa Gale.Frank Lloyd Wright.A casa, construda em1909, foi fonte deinspirao direta dosEuropeus quandoapresentada emexposio do trabalhode Wright na Europaem 1910.

    Fig. 2.15 Casa daCascata. Frank LloydWright.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX38

    Na relao interior/exterior, cada vista da paisagem externa incorporada ao espao interno atravs da dissoluo da relaointerior-exterior por meio de fileiras de janelas contnuas, vitrais e portasenvidraadas abrindo para jardins, terraos ou balces. Cantos deparedes externas so dissolvidos pelo uso de aberturas (figuras 2.18 e2.19). Paredes portantes no se encontram nos eixos ortogonais. Estadissoluo passa tambm pela ausncia do patamar do poro datradio americana, substituda por um pedestal raso ou plataforma,que praticamente pousava a casa sobre o terreno quase ao nvel dogramado circundante.

    Alm disso, desde as Casas da Pradaria, balces e terraosgenerosos com parapeitos com arremates corridos de concreto oucalcreo passam a conectar salas e quartos com o exterior (pradaria).Esses parapeitos tambm se tornavam jardineiras ou urnas de plantio intermediando a relao entre o ambiente construdo e a natureza etrazendo elementos da vegetao para a composio arquitetnica.

    A arquitetura domstica das caixas dentro e ao lado deoutras caixas, como disse Wright, comeava a ser substituda pela daexpressividade do espao arquitetnico72.

    72A evoluo do processo de destruio da caixa foi analisada no ensaio: Wright andthe Desctruction of the Box (1979), de H. Allen Brooks.

    Desde as Casas da Pradaria, passando pelas Casas Usonianas,o espao moderno que Wright configura no depende de umaconcepo racional autnoma e prototpica, seno da experinciavisual e corporal de cada usurio habitando os interiores.73

    2.1.2 A respeito da anacrnica analogia Orgnica

    Inmeras so as bibliografias e artigos que recorrem, de fato,ao termo orgnico para definir a razo profunda das formas deWright. Analogias incoerentes se tornaram comuns, a ponto de aceitara comparao com um organismo vivo, como exemplifica o pargrafoescrito por Argan:

    No por acaso Wright recorre de bom grado comparao com a

    rvore, que impele seus ramos para fora da mata em busca do sol e

    derrama suas razes na terra em busca do alimento.74

    A ordem orgnica foi proposta em oposio ordemmecnica. Zevi adota uma lista de Walter Behrendt, onde forampropostas as oposies entre arquitetura orgnica e arquiteturamecnica. Sobre a orgnica refere-se como sendo a estrutura

    BROOKS, H. Allen et al. Frank Lloyd Wright. Barcelona: Ediciones del Serbal, 1993.(Coleco Estudios Criticos). Edicion al cuidado de Jose Angel Sanz Esquide.

    73MONTANER, Josep Maria. A modernidade superada: arquitetura, arte e pensamento dosculo XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001. 220 p. p. 35.

    74ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e destino. So Paulo: tica, 2001. 334 p. p. 274.

    Fig. 2.16 e 2.17 Fachada e Planta BaixaCasa da Cascata.Frank Lloyd Wright.

    Fig. 2.18 e 2.19 Casa da Cascata.Frank Lloyd Wright.

  • O ROMPIMENTO DA CAIXA E SUAS CONSEQNCIAS NA PRTICA DO PROJETO RESIDENCIAL NO SCULO XX39

    concebida como um organismo que cresce segundo as leis de suaprpria essncia individual, segundo sua ordem especfica, naharmonia com as prprias funes e com as daquilo que as circunda,como uma planta ou qualquer outro organismo vivo; enquanto quesobre a mecnica refere-se como sendo a estrutura concebida comoum mecanismo no qual todos os elementos esto dispostos segundouma ordem absoluta, seguindo as imutveis leis de um sistemaprevisto.75

    Martinez76 observa que a redao de Zevi, aparentemente,foi feita para elogiar Wright. Zevi elogiava as composies abertas eno-compostas, que parecem haver crescido, ou seja, defende asuperioridade da ordem orgnica sobre a mecnica. No entanto,recentemente Pion77 reivindica que, atualmente, ver a propostaorganicista como uma alternativa de modernidade duplamenteanacrnico. Primeiro porque h mais de duzentos anos, Kant j haviadesautorizado a referncia a organismos vivos como algo que fossecrescendo, visto que Kant recorria aos organismos vivos para dar a

    75ZEVI, Bruno. Historia da arquitectura moderna. Lisboa: Arcadia, 1970 p. 333. Zevi adota alista de Walter Curt Behrendt: Modern building, its nature, problems and formas (NewYork: Harcourt Brace, 1937).

    76CORONA MARTINEZ, Alfonso. O problema dos elementos na arquitetura do sculo XX[manuscrito]. 2003. p. 85.

    77PION, Hlio. Texto ainda no publicado.

    idia de relaes causais internas ao objeto. Segundo, porque buscaranalogia orgnica significaria repropor a mmese como modo deproceder; e a mmese era o que os modernos reivindicavam abolir eles negavam o passado cuja forma estava estabilizada devido aoshbitos mimticos.

    O contexto arquitetnico caracterizado pela construo deestruturas autnomas, concebidas com critrios de forma consistente,irredutvel a qualquer sistema exterior a ele.

    Para finalizar pertinente citar Pion:

    Porm, alm da relao legtima com o orgnico, apontada pelo

    prof. Behrendt, o pargrafo78 ilustrativo da idia to superficial de

    abstrao que descreve, num momento em que at estudantes

    secundrios saberiam que o mais caracterstico da idia de forma

    proposta pelas vanguardas abstratas precisamente sua legalidade

    formal especfica, isto , sua irredutibilidade a qualquer sistema de

    ordem prvio, de valor absoluto.79

    78refere-se ao pargrafo que compara a o