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PAINEL

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA –REDUÇÃO DAS DISPARIDADES REGIONAIS

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DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 224

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REDUÇÃO DAS DISPARIDADES REGIONAIS — 225

SISTEMATIZAÇÃO DO PAINEL“DISTRIBUIÇÃO DE RENDA – REDUÇÃO

DAS DISPARIDADES REGIONAIS”

Rodrigo Simões*

I – Introdução

O painel “Distribuição de Renda – Redução das Disparidades Regi-onais”, organizado no âmbito dos “Painéis sobre o DesenvolvimentoBrasileiro”, em comemoração dos 50 anos do BNDES e com intuito defornecer subsídios para a atuação da instituição nos próximos anos, foiformulado tendo em vista a importância da dimensão dos desequilíbriosregionais na configuração de uma política nacional de desenvolvimentopara o país.

O painel, presidido pelo Diretor de Desenvolvimento Regional doBNDES, Dr. Darlan José Dórea Santos, foi composto pelos palestrantesProf. Dr. Wilson Cano e Prof. Dr. Clélio Campolina Diniz, pelosdebatedores Profa. Dra. Tania Bacelar e Prof. Dr. Pedro Bandeira, alémdo Superintendente da área de Desenvolvimento Regional do BNDES,Dr. Luiz Fernando Dorneles.

Esta sistematização procura contemplar as principais dimensões apre-sentadas por palestrantes e debatedores no painel, sem tentar recomporos argumentos apresentados nos textos de referência. Fora esta pequenaintrodução, este trabalho é composto por 3 sessões, a saber: um sumáriodas discussões, uma apresentação das diferenças e convergências entreas posições apresentadas no debate e, por fim, um conjunto de alternati-vas e desdobramentos em diretrizes para ação de política econômica noâmbito geral e do BNDES.

* Cedeplar/Universidade Federal de Minas Gerais e PROPPg/Pontifícia UniversidadeCatólica - Minas Gerais.

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II – Sumário

Nesta parte vamos procurar discutir, topicamente, os pontos apre-sentados pelos palestrantes e debatedores em suas apresentações1.

Palestra do Prof. Wilson Cano

Nos últimos 40 anos houve uma inflexão na dimensão regional bra-sileira, i.e., não podemos mais pensar em pobreza e exclusão social deforma regionalizada. A despeito da diferença entre a Região Nordeste e amédia brasileira de pobres ainda ser de monta – 53% e 30%, respectiva-mente – apenas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), porexemplo, concentram-se 5,2 milhões de excluídos (10% dos pobres bra-sileiros), representando mais de 30% daquela população.

Desta forma, as políticas específicas setoriais, sociais e regionais de-vem obrigatoriamente ser compatíveis entre si, mas, mais que isto, vincu-ladas e subordinadas a uma Política Nacional de Desenvolvimento queabandone o modelo econômico atual, incapaz de promover o crescimentoeconômico e de sanar a grave crise social pela qual passamos.

Com este parti pris passa a contemplar a evolução da divisão inter-regional do trabalho no Brasil, iniciando pela importância da chamadaEra Vargas na constituição do mercado nacional. Esta pode ser caracteri-zada pela reação à crise de 1929, com a valorização do mercado internoe a elevação dos fluxos comerciais inter-regionais. Frisa, como FUR-TADO, a importância da chamada Agricultura Itinerante – a “fronteiraem movimento” –, que concomitante a uma industrialização aceleradagera um processo de crescente exclusão social pela combinação de doiselementos: i) agricultura capitalista cada vez mais voltada para o merca-do externo com incentivos fiscais e ii) agricultura de subsistência cadavez mais afastada dos principais centros urbanos.

Destaca que, na segunda metade do Século XX, pela ótica das con-tas regionais, pode-se dizer que aconteceu uma pequena convergênciadas rendas médias regionais, mas esta pode e deve ser debitada mais àmigração e aumento da população das regiões centrais do que a umcrescimento sólido das regiões periféricas. Vale dizer, entre 1940 e 2000,

1 Devemos atentar que os textos de referência desenvolvem mais aprofundadamente ospontos levantados, não cabendo aqui uma repetição do exposto.

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a população brasileira cresceu aproximadamente 310% com a RegiãoNE crescendo 230%, Minas Gerais apenas 164% e São Paulo mais de500%. Mais que isto, nos anos 90 o fluxo migratório – medido pelaPNAD – apresenta um retorno do processo migratório para São Paulocom um saldo migratório líquido de mais de 1,5 milhões de pessoas emrelação ao NE. Destaca, também, a redução da capacidade receptora daRegião Centro-Oeste e das fronteiras agrícolas do Norte do país.

Após caracterizar a evolução da concentração regional do PIB bra-sileiro até 1970 no estado de São Paulo, identifica um ponto de inflexãodeste movimento no começo dos anos 70. Particularmente, no períodode 1970 a 1985, quando São Paulo, mesmo crescendo a 8.5% anuais,passa – pela primeira vez no século XX – a crescer abaixo da médianacional (~ 9.0% anuais). Contudo, a partir dos anos 90, muda-se estecenário. Passamos a ver novamente uma reconcentração em São Paulo,tanto do produto industrial como do agrícola2, contribuindo paraaprofundar os desequilíbrios regionais brasileiros.

As políticas compensatórias em âmbito governamental, que poderi-am tentar mitigar estes problemas, ficam enfraquecidas face à sistemáti-ca quebra das finanças públicas brasileiras pós-1985, processo sóaprofundado pela abertura comercial dos Anos 90. Estas impediram qual-quer ação em direção a uma política nacional de desenvolvimento. Se-gundo o autor, o que aconteceu foi uma política de “(...) liberalidadeinsana no controle dos fluxos cambiais e financeiros que levou à des-truição do Estado Nacional”, sendo este substituído por outros recortesespaciais – macrorregiões, microrregiões, local, clusters, cidades, con-sórcios etc – supostamente “competitivos” em nível global, vinculadospor excelência a um drive exportador e panacéia das políticas decompetitividade territorial, adequadas, se tanto, aos países centrais. NoBrasil, seu resultado mais evidente é o aprofundamento da fragmenta-ção do espaço nacional, contribuindo para o enfraquecimento do mer-cado nacional, iniciado na Era Vargas.

Desta caracterização parte-se para o desenho inicial de uma AgendaNacional de Desenvolvimento Econômico, que tem como premissa aconstatação de que o Brasil tem que partir para a criação de um mercadointerno de massa e a racionalização do uso de sua mercadoria mais es-

2 Face à elevação da produtividade causada pela introdução massiva e crescente de pro-gresso técnico no campo.

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cassa, hoje e historicamente: as divisas. Nesta Agenda, alguns aspectosdevem ser destacados:

a) necessidade de uma redistribuição de renda e de ativos;

b) necessidade de uma preocupação ambiental;

c) necessidade da recuperação da ossatura burocrática-administrati-va3 do estado brasileiro e principalmente dos instrumentos de polí-tica econômica a nível nacional e regional.

A apresentação no Painel encerrou-se neste ponto, sem aprofundar oselementos mais gerais do novo Projeto Nacional de Desenvolvimento,presente no texto de referência, mas frisando a principal dimensão para aconstrução deste projeto: a ênfase na criação de um mercado interno demassa no país.

Palestra do Professor Clélio Campolina

Antes da apresentação de seu texto de referência, o Prof. Campolinafrisou sua concordância literal com a apresentação do Prof. Cano quantoà necessidade de se construir uma Política Nacional de Desenvolvimen-to, e a ela vincular-se uma Política de Desenvolvimento Regional. Con-tudo, acredita que há espaço para alguma especificação do que deveriaser esta segunda.

A apresentação foi iniciada recuperando historicamente o debate te-órico sobre a problemática territorial, destacando três principais corren-tes, a saber:

a) a escola americana com ênfase na localização e nos transportes;

b) a escola francesa, preocupada com os desequilíbrios regionais e apolarização econômica;

c) a escola latino-americana da CEPAL, preocupada com o subdesen-volvimento da região, oriundo de sua forma de inserção no merca-do internacional. Esta cria os conceitos de centro e Periferia e de-fende a industrialização como saída.

3 Neste ponto frisa a necessidade de recriação das agências regionais de desenvolvimen-to (SUDENE, SUDAM) à luz da experiência passada, procurando não repetir seus errosmas valorizando o corpo técnico de excelente qualidade e o estoque de estudos e diagnós-ticos (regionais, setoriais, mapeamento mineral etc) já existentes.

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As políticas regionais derivadas destas concepções teóricas, princi-palmente da escola francesa com as abordagens de gestão do território edesenvolvimento regional, tiveram ampla aplicação nos países europeuse mesmo em regiões dos USA. No pós II Guerra, este processo genera-lizou-se pelos países americanos, desembarcando na criação de institui-ções e políticas especificas voltadas ao desenvolvimento regional. NoBrasil, várias foram as instituições criadas neste processo: CVSF, CHESF,BNB, BASA, bancos estaduais de desenvolvimento, superintendênciasregionais, dentre outros.

A partir do final dos anos 60, contudo, a avaliação dos resultados eda atuação destas instituições e políticas especificas gerou aquilo quepode ser caracterizado por uma crise do planejamento regional tradicio-nal. A partir disto, alguns trabalhos de reconstrução teórica e instru-mental vêm sendo realizados, a saber4:

a) modelos de retornos crescentes (Henderson, Krugman, Venables,Fujita, Kubo);

b) modelos regionais de insumo-produto, utilizando Computable Ge-neral Equilibrium (Isard, Hewings);

c) modelos de crescimento endógeno e convergência de renda (Romer,Sala-i-Martin);

d) modelos institucionalistas (Hodgson);

e) modelos de desenvolvimento local com ênfase em instituições lo-cais e sociedade civil (Putnam), cultura local e embeddedness(Granoveter), ativos relacionais e interdependências nãocomercializáveis(Storper), aprendizado coletivo (Keeble);

f) sistemas locais de inovação e sistemas produtivos locais (Schmidte outros).

Do ponto de vista empírico, atualmente, destaca-se a experiência daUnião Européia, que, partindo-se de diagnósticos a respeito do nível dedesenvolvimento de cada região (renda media e estoque de infra-estru-tura física e social), procura alcançar o objetivo geral de maior coesãosocioeconômica, por intermédio de um conjunto de políticas regionaise criação de fundos especiais, com destaque para o Fundo Europeu deDesenvolvimento Regional.

4 Ver todas as citações bibliográficas, a seguir indicadas, no texto de Clélio Campolina.

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Outra dimensão importante da discussão teórica atual diz respeito àquestão da globalização e das escalas territoriais. O autor discute estestemas, enfatizando tanto a chamada “compressão da relação tempo xespaço” quanto a relação entre dois trade-offs fundamentais, i) mobili-dade do capital x rigidez do ambiente construído, e ii) hiperescala daacumulação de capital x hipoescala do território.

Neste processo, ressalta que, sem a mediação do Estado, as forçasde mercado fazem com que a escala local vincule-se diretamente à esca-la global, sem participação da escala nacional. Afirma que é precisorecuperar a capacidade de regulação do Estado-Nação, sem que sejadesejável enfraquecer as iniciativas locais.

Concluindo a recuperação teórica, destaca também o importante papeldas inovações e da chamada “economia da proximidade” no desenvolvi-mento regional, frisando ainda: i) a irreprodutibilidade das experiênciasface às diferentes condições históricas, culturais, sociais e políticas, e 2) anecessidade de se pensar a região como parte de uma economia nacional.

Analisando o espaço regional brasileiro, inicia destacando a consti-tuição das bases para o desenvolvimento urbano-industrial no Brasil e aembrionária formação do mercado nacional integrado, a partir da déca-da de 1930. Frisa o ano de 1970 como um marco no processo de(des)concentração regional da atividade produtiva brasileira, sendo SãoPaulo responsável por 58% da produção industrial e 39% do PIB do país.A partir disto, apresenta uma discussão acerca da configuração e evolu-ção dos indicadores sociais brasileiros até os tempos atuais, mostrandoque a pobreza é ubíqua. Do ponto de vista da rede urbana, destaca a altaconcentração da população em cidades com mais de 100 mil habitan-tes(202 municípios), a existência de 16 conurbações urbanas com maisde 1 milhão de habitantes no ano de 2000 e a inexistência de um sistemade cidades médias que servisse como anteparo migratório; o que, porsua vez, caracteriza uma pobreza metropolitana generalizada.

Passando para a análise do ensaio de desconcentração pós 1970,o autor destaca que, entre os anos de 1970 e 2000, MG, PR, RS, SCe interior de SP ampliaram sua participação na produção industrialbrasileira (33% em 1970 contra 50% em 2000), caracterizando aposição subordinada do Norte-Nordeste em relação ao Sul/Sudeste eseu centro de comando, a RMSP. No Nordeste, pode-se destacar ainstalação de indústrias leves de bens de consumo com baixasexternalidades em termos de adensamento da cadeia e característi-cas locacionais de foot-loose industries, i.e., com pequenos impac-

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tos intra-regionais5 . As decisões locacionais são baseadas em incenti-vos fiscais e aproveitamento de mão-de-obra pouco qualificada combaixos salários, caracterizando uma pequena capacidade de indução deefeitos aglomerativos.

Por sua vez, do ponto de vista da produção agropecuária destacam-se três movimentos simultâneos:

1) deslocamento da produção agropecuária extensiva;

2) intensificação produtiva nas regiões mais desenvolvidas; e

3) crescimento nas áreas irrigadas da Região Nordeste.

Finalizando a parte de diagnóstico, o autor destaca três transforma-ções que vêm acontecendo na economia contemporânea com diferentesimpactos regionais no país, a saber:

a) abertura externa e MERCOSUL: há que avaliar regionalmente osdiferentes impactos. Por exemplo, entre 1980 e 2001, o Nordestebrasileiro perdeu participação relativa nas exportações do país, pas-sando de 12% para somente 7%;

b) infra-estrutura, privatização e papel do Estado: deve-se reforçar quecapital social básico é papel precípuo do Estado e que o processo deprivatização ocorrido no Brasil – seja por problemas fiscais, sejapor opções ideológicas – deixou as regiões mais atrasadas entreguesà própria sorte. Mais que isto, destaca-se que o setor privado inte-ressa-se pelo que é mais rentável, não procurando regiões pobresou vazios econômicos, contribuindo para o aumento do fosso nainfra-estrutura e nas desigualdades regionais;

c) mudanças tecnológicas e reestruturação produtiva: tendência àreconcentração produtiva regional no Brasil face à importância dainfra-estrutura universitária e de instituições de pesquisa da regiãoSudeste, ou seja, a concentração regional brasileira da chamada “so-ciedade do conhecimento”.

Antes de enumerar os pontos centrais para a estruturação de umapolítica de desenvolvimento regional e do papel do BNDES neste pro-cesso, o autor destaca que, do ponto de vista da atuação governamentalna área regional na última década, a única iniciativa foi o estudo doEixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Este procurou esta-belecer diretrizes de desenvolvimento diferenciado para as diversas re-

5 As exceções seriam o Pólo Petroquímico de Camaçari, a Ford e os complexos portuários.

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giões brasileiras, de forma a se criar efeitos complementares entre infra-estrutura física e social e atividades produtivas. Na avaliação dos resul-tados deste estudo, várias críticas foram apresentadas:

a) não foi levada em consideração a dimensão teórica fundamental daestruturação do espaço regional, a saber, a dimensão urbana. Maisque isto, frisa que são necessárias diretrizes de integração urbanaentre os eixos, respeitando suas áreas de influência e seus espaçospolarizados;

b) avalia que há um viés excessivamente exportador na construção doseixos, voltado para o Atlântico e de costas para a América Latina epara o mercado interno;

c) avalia que deve ser formulada uma estratégia de arbitragem peloEstado de projetos, que em sua concepção são concorrentes;

d) por fim, afirma que as orientações contidas no estudo podem vir aaprofundar a concentração regional brasileira.

Quanto às orientações para uma política de desenvolvimento regio-nal, os principais pontos destacados são:

a) retomada do planejamento nacional;

b) estabelecimento de uma nova regionalização para fins de planejamento,estabelecendo as diferentes escalas de atuação para a política regional;

c) centralização, em um Fundo Único de Desenvolvimento Regional,dos recursos orçamentários destinados ao desenvolvimento regional;

d) eliminação da Guerra Fiscal, com atuação reguladora do GovernoFederal;

e) políticas tecnológicas regionalizadas em consonância com asespecificidades regionais;

f) política urbana em articulação com instrumentos regionais;

g) preservação ambiental; e

h) ênfase na integração nacional e com a América do Sul.

Intervenção da professora Tania Bacelar

Constata que os textos de referência são complementares e que suaintervenção será pautada pelas respostas que os autores deram às per-guntas gerais do Termo de Referência.

Concorda com a visão que a questão regional brasileira mudou eque, atualmente, é diferente dos anos 50, quando FURTADO discutia

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os impactos regionais do Plano de Metas, i.e., para transformar rapida-mente, como era o objetivo do Plano, o Brasil numa economia industri-al, havia que se fazer má industrialização em detrimento da Região Nor-deste. Hoje é diferente e a crise pós 1980 gerou um problema social quenão é apenas nordestino, pelo contrário, mesmo no núcleo central daeconomia brasileira a exclusão social é a tônica. Como exemplo citaque há “(...) um Recife inteiro de desempregados – desemprego aberto– dentro de São Paulo”. A questão regional brasileira continua tendo noNordeste um foco específico, mas hoje o problema é generalizado.

Também concorda que não se pode pensar em políticas regionaissem políticas nacionais de desenvolvimento. Destaca a necessidade deum novo projeto nacional: um país menos desigual social e regional-mente, com necessidade de redistribuição de rendas e ativos estratégi-cos, sendo dois os principais, terra e conhecimento.

Avalia também, como o Prof.Cano, que as restrições externas pelasquais o Brasil vem passando são possibilidades de mudança. Vale dizer,em momentos de crise externa, a elite brasileira, historicamente, volta-se para a principal potencialidade do país, o mercado interno de massa,não havendo uma dicotomia entre mercado interno e exportação, e sima necessidade de se combinar as duas dimensões.

Concorda com o Prof.Campolina – na discussão das tendências teóricasrecentes – quando este evidencia a relação globalização x escalas territoriais.Principalmente a importância da discussão sobre a valorização da escala locale sua integração com a escala global, e o questionamento da escala nacionalpelos grandes agentes financeiros do capital internacional. Acredita que o Bra-sil precisa valorizar a escala nacional se pretendemos construir um país, basi-camente, sem submeter-se à lógica da acumulação do capital financeiro inter-nacional. Contudo, vê também a necessidade de se trabalhar com múltiplasescalas vinculadas a uma lógica e um projeto de nação.

A partir daqui, destaca a urgência de se combinar o aumento dasexportações com o crescimento do mercado interno, mas de um pontode vista específico destaca:

1) a proposta de uma Política Nacional de Desenvolvimento regionallevando em consideração a diversidade brasileira, que não pode serencarada como problema e sim como potencialidade;

2) a necessidade de políticas específicas suplementares para algumasregiões (semi-árido nordestino, sul do RS, etc.) que não terão seusimpasses equacionados na formatação de políticas nacionais;

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3) a crítica à proposta dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvol-vimento por não incorporarem a dimensão do urbano comoestruturante do espaço regional e por regionalizar as políticas deforma equivocada;

4) a importância dos instrumentos clássicos de políticas regionais –ainda utilizados mundo afora, tais como incentivos fiscais, infra-estrutura pública, etc. – no equacionamento dos desequilíbrios re-gionais brasileiros. É imprescindível pensar em novos instrumen-tos para novas questões, mas o Brasil ainda tem profundas ques-tões “antigas” para resolver.

Intervenção do professor Pedro Bandeira

Destaca em sua intervenção uma especificação necessária de políticasterritoriais a nível federal. Estas devem ter seus focos centrais em 4 pontos:

1) fortalecimento da coesão econômica, social e territorial brasileira,com a eqüidade sendo a principal meta;

2) promoção da competitividade sistêmica em grande parte em nívellocal, pois é inviável sustentar indefinidamente incentivos regionais;

3) mobilização do potencial endógeno das regiões, valorizando o po-der local;

4) integração continental.

Os desafios para esta construção seriam:

1) criação de uma nova referência territorial pois as macrorregiõesnão parecem ser, atualmente, escala apropriada de atuação;

2) incorporação sistêmica da sociedade civil;

3) integração de diferentes atores sociais, públicos e privados;

4) revitalizar o planejamento em escala metropolitana para garantirfuncionalidade econômica;

5) reavaliar papeis institucionais e criar novos instrumentos de políticaeconômica;

6) criar critérios de elegibilidade para usufruto de incentivos presentesem políticas regionais de desenvolvimento.

Destaca também a necessidade de se trabalhar com múltiplas escalasterritoriais a serem constituídas institucionalmente, face à necessidadede representatividade política que garanta interlocução e relevânciaidentificada pelos atores políticos locais.

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Por fim, discute a importância da transparência no modelo de gestãodo território, permitindo a incorporação de novos atores na discussãogerando procedimentos de sociabilização das decisões, tais como exi-gência de audiências públicas, disponibilização de documentos de referên-cia, representatividade descentralizada, etc. Frisa ainda que estes procedi-mentos não são apenas para evitar corrupção, mas também para aumentar aeficiência e calibrar as ações. O modelo de gestão – muito baseado emconselhos de desenvolvimento – não devem contar apenas com técnicos epolíticos, mas também com representantes da sociedade civil.

Intervenção do Dr. Fernando Dorneles

Destaca a necessidade de uma política nacional de desenvolvimentocomo pano de fundo para políticas regionais especificas, mas ressalta alimitação do âmbito de atuação do BNDES, que, se é participante ativodo debate das políticas nacionais brasileiras, possui parcos instrumen-tos de atuação especifica em âmbito regional.

Dentre as ações, frisou a atuação do BNDES:

1) no financiamento de infra-estrutura física, social e cultural nasmacrorregiões menos desenvolvidas (NO, NE, CO);

2) na expansão do crédito para o agronegócio;

3) no desenvolvimento de instrumentos de crédito popular;

4) na expansão do crédito para os chamados arranjos produtivos locais;

5) na configuração das políticas relacionadas à atuação nos Eixos Na-cionais de Integração e Desenvolvimento.

III – Avaliação das propostas discutidas

Tal como dito anteriormente, parece não haver grandes discordânciasentre os participantes do painel. Podemos destacar os principais pontosde concordância na discussão:

1) entendimento que uma política de desenvolvimento regional para oBrasil deve, necessariamente, estar vinculada à mudança do mode-lo econômico atual e ao estabelecimento de uma Política Nacionalde Desenvolvimento;

2) a despeito da discussão nacional dos problemas da desigualdade, énecessário trabalhar com múltiplas escalas territoriais afeitas às di-

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ferentes dimensões da realidade brasileira e definidas (organiza-das) conforme o objetivo ou situação problema. Complementar-mente, é necessário se pensar em uma nova espacialização para aspolíticas regionais, assegurando a criação de institucionalidade efiscalidade das novas escalas territoriais de atuação, para fins deelegibilidade no usufruto de políticas de integração;

3) critica contundente à chamada “Guerra Fiscal” entre as unidades fede-rativas e, principalmente, à inoperância do governo federal em criarmecanismos regulatórios que impeçam tal procedimento danoso aoerário, concentrador de renda e desregulador dos preços relativos;

4) entendimento que políticas sociais no Brasil devem ser universais,porém sua implementação deve considerar as especificidades e ne-cessidades locais;

5) destaque da importância do aumento do mercado interno e da neces-sidade de integração continental com a América Latina para seposicionar frente à globalização;

6) condenação da extinção das agências de desenvolvimento regional.

No tocante às divergências podemos destacar, especificamente, a ên-fase, não compartilhada pelos demais participantes, dada pelo Prof. Cano,na crítica à “ideologia do poder local”. Para este, o destaque atual dadoàs instituições e agentes locais advém da importância histórica destadimensão no continente europeu, realçadas pela União Européia em seuconjunto de políticas de integração. O poder local na Europa tem umadimensão diferente do que significa para os países subdesenvolvidos. Abusca da União Européia é a “equalização não apenas social mas prin-cipalmente política do continente e para isto é absolutamente essenciale imprescindível enfraquecer os Estados Nacionais. Para os países sub-desenvolvidos a busca deve ser outra, vale dizer, reconstruir os EstadosNacionais pois “(...) não temos nenhuma União Européia para tomarconta de nós”. Mais que isto, as escalas sub-nacionais na periferia nãopossuem a fiscalidade necessária a uma atuação que vise mitigardesequilíbrios regionais da magnitude dos do Brasil. Os demais partici-pantes, apesar de destacarem a centralidade da escala nacional, reafir-mam a importância do poder local, principalmente no que se refere aopapel das instituições locais e regionais na identificação deespecificidades e potencialidades setoriais. Mais que isto, a atuação naescala local garantiria a representatividade política, com maiorengajamento da sociedade civil.

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Diretrizes para o BNDES

Como lembrou a Profa.Tania, o BNDES pode ser considerado, emtoda a sua existência, um agente de mudanças: foi o principal agente daindustrialização brasileira e o principal agente do processo de privatização.Se queremos mudanças para o país, o BNDES pode e deve voltar aassumir uma posição de liderança neste processo.

Aqui, relacionamos as principais indicações para a atuação doBNDES em desenvolvimento regional:

1) ter ação ativa, como articulador, entre as várias instâncias de atua-ção em política regional no país, face à sua excelência técnica ecapacidade institucional. Como primeiro foco de atuação, ter parti-cipação ativa na formatação dos novos modelos das Agências Na-cionais de Desenvolvimento Regional;

2) aprofundar o processo de realização de diagnósticos dos proble-mas e potencialidades regionais brasileiras, sendo o Estudo dosEixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento uma excelentecontribuição para a discussão de um projeto nacional. Contudo, foiextremamente salientada a necessidade de uma avaliação consis-tente da concepção e operação dos eixos, frente ao novo modelo dedesenvolvimento que o país requer;

3) necessidade de conquistar maior capilaridade na atuação do Bancojunto às Unidades Federativas e regiões específicas. Entende-se queseria desejável o estabelecimento de parcerias institucionais (ban-cos estaduais de desenvolvimento, conselhos regionais de desenvol-vimento, etc.) para gerenciamento e avaliação de gastos em financi-amentos, mas, principalmente, para identificação de potenciais re-ceptores de crédito, levando-se em conta as capacidades epotencialidades locais. Acredita-se que a descentralização da atua-ção pode vir a ser produtiva neste processo;

4) há uma confluência de posições, o que indica claramente que adimensão do crédito – mesmo que subsidiado – não é o suficientepara o equacionamento da magnitude da exclusão social e regionalbrasileira. A despeito disto, o papel do BNDES na concessão definanciamento é estratégica. Foram apontadas algumas priorida-des, a saber:

a) infra-estrutura física pública, basicamente saneamento e rede detransportes;

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b) exportações e substituição de importações, tomadas como fomentoao setor externo, vinculado a um novo modelo de desenvolvimento;

c) projetos de sustentabilidade econômico-ambiental em áreas específicas;

5) por fim, a atuação do banco no apoio aos chamados Arranjos Pro-dutivos Locais (clusters, distritos, consórcios etc.) parece serconsensual. Mesmo com discordâncias a respeito da importância dochamado poder local, o apoio a arranjos produtivos – principal-mente de pequenas e médias empresas – apresenta-se como umgrande foco potencial de atuação imediata do BNDES. Esta atua-ção deve ocorrer não apenas na concessão de crédito e financia-mento – subsidiado ou não – mas também e principalmente: i) noapoio à qualificação produtiva e gerencial; ii) na formulação deestratégias competitivas e de inserção comercial – interna e exter-na; e iii) promoção da mobilização de recursos locais em torno deprojetos de desenvolvimento local. Cabe ressaltar, contudo, queestes não podem ser vistos como panacéia para a resolução dosproblemas sociais e regionais brasileiros. A necessidade de umapolítica nacional de desenvolvimento, e especificamente de umapolítica de desenvolvimento regional para o Brasil, não pode pres-cindir de uma atuação mais geral do governo federal e do próprioBNDES. Esta deve compreender desde um novo ordenamentoterritorial até políticas regionais de inserção (integração) e políti-cas de promoção de adensamentos regionais de cadeias produtivas.

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REPENSANDO A QUESTÃO REGIONAL BRASILEIRA:TENDÊNCIAS, DESAFIOS E CAMINHOS1

Clélio Campolina Diniz*

1. Resgatando o debate sobre a problemática regional

Iniciados na Alemanha, no Século XIX, os estudos sobre localiza-ção e desenvolvimento regional receberam, ao longo do tempo, inúme-ras contribuições e passaram por várias etapas, até se chegar à denomi-nação de “ciência regional” e à criação da Associação Internacional deCiências Regionais, na década de 1950 (Pousard, 1958).

No pós Segunda Guerra Mundial, houve certa generalização teóri-ca, com linhas de interpretação alternativas, mas com predominância deduas grandes escolas. A escola americana, liderada por Walter Isard, aqual procurou resgatar a tradição germânica, com ênfase na teoria dalocalização e no papel dos transportes (Isard, 1956). A escola francesa,dos desequilíbrios regionais ou da polarização, sob a liderança deFrançois Perroux, cuja produção se estende da década de 1930 à de1950 (Perroux,1960), fortalecida com os trabalhos de Myrdal (1957) eHirschmann (1958)2.

*Professor Titular do Departamento de Economia e do CEDEPLAR e atual Diretor daFaculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

1 O presente texto foi preparado para o painel “Distribuição de Renda – Redução dasDisparidades Regionais”, como parte da série de Painéis sobre o Desenvolvimento Brasi-leiro, sob o patrocínio do BNDES, Rio de Janeiro 23-9-2002. Ele está baseado em trêstrabalhos do autor, citados na bibliografia, a saber: “Globalização, escalas territoriais...”,“A nova geografia econômica do Brasil” e “Sociedade do Conhecimento e Desenvolvi-mento Regional no Brasil”, dos quais algumas partes foram aqui reproduzidas.2 Krugman sintetizou o pensamento regional em cinco tradições: a) Geometria Germânica,incluídos os trabalhos sobre localização industrial, áreas de mercado e centralidade urbana;b) Física Social ou modelos gravitacionais; c) Causação Cumulativa; d) Renda Fundiária; e,e) retornos crescentes. É curioso que Krugman reconhece Myrdal, mas praticamente desco-nhece ou desconsidera a escola francesa, a qual, a meu ver, teve o maior impacto sobre asexperiências de planejamento regional em vários países, especialmente na América Latina.

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No interior destas linhas, vários temas ou categorias analíticas fo-ram considerados na explicação dos processos de localização, concen-tração e desenvolvimento regional. Destacam-se as análises do papeldos custos de transporte, da renda da terra, da qualificação do trabalho,das áreas de mercado, da centralidade urbana, dos pólos de desenvolvi-mento e do processo de polarização, da empresa motriz, da base expor-tadora, das relações insumo-produto, das economias externas e dos re-tornos crescentes.

Na América Latina, a grande interpretação do atraso relativo partiuda CEPAL, que, em estudo original e seminal, diagnosticou o subdesen-volvimento da região a partir das relações internacionais. Formulou osconceitos de centro e periferia e da deterioração dos termos de intercâm-bio, defendendo uma política de industrialização como saída.

Do ponto de vista das políticas públicas, a criação do TVA, em 1933,e as distintas políticas de desenvolvimento regional e de gestão do terri-tório, implementadas pela maioria dos países europeus no pós-guerra,foram generalizadas para outros países e regiões, especialmente para aAmérica Latina (Sthor, 1975). No Brasil, entre as décadas de 1940 e1960, foram criadas várias instituições, a exemplo da CVSF e da CHESF,do BNB, da BASA, dos bancos estaduais de desenvolvimento, das supe-rintendências regionais (SUDENE, SUDAM, SUFRAMA), entre outras.Além do aporte de capital público, foram feitas vinculações orçamentári-as nas constituições federais, e criados diferentes sistemas de incentivosfiscais, entre outros instrumentos e políticas.

No entanto, a partir da década de 1960, começou a ocorrer desgasteteórico e prático com as interpretações e análises dos resultados obtidosna maioria das experiências de políticas de desenvolvimento regional.De um lado, o sucesso da expansão capitalista nas décadas que se segui-ram à Segunda Guerra Mundial e a equivocada expectativa de resultadosde curto prazo das políticas regionais implementadas levaram as corren-tes liberais à crítica ideológica da intervenção do Estado e dos custos daspolíticas de desenvolvimento regional, especialmente nos Estados Uni-dos (Cumberland, 1971). Estas críticas se generalizaram para outros pa-íses, tendo chegado ao Brasil. De outro lado, as correntes críticas dasdesigualdades sociais começaram a questionar os fundamentos teóricos eo pequeno alcance social das políticas de desenvolvimento regional, bemcomo o comprometimento destas com os interesses da classe dominante.Holland (1976), após formular uma sistemática interpretação crítica dasprincipais contribuições e linhas teóricas, observou que os modelos de

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planejamento desconsideravam o crescimento do poder mesoeconômicoe das multinacionais. Massey (1974) alegou que a maioria das formula-ções era a-histórica e estática, e que as classes sociais haviam ficado forada análise. Amendola e Barata (1978) enfatizaram as condições cultu-rais como sendo o maior obstáculo ao sucesso do planejamento no sul daItália. Corragio (1971 e 1981) ressaltou que as interpretações teóricas eas orientações de planejamento estavam comprometidas com aviabilização do capitalismo, e não com a solução dos problemas regio-nais ou sociais.

No caso do Brasil, Oliveira (1977) procurou demonstrar que o pla-nejamento do Nordeste do Brasil visava assegurar a reprodução do ca-pital da região centro-sul, e não resolver os problemas da pobreza nor-destina. Furtado (1989) relatou as dificuldades políticas de natureza ide-ológica ocorridas durante a implantação da SUDENE. Por outro lado,as mudanças políticas registradas em 1964 levaram o governo federal aum contínuo processo de esvaziamento da SUDENE, que resultou nasua extinção em 2001. Neste sentido, a generalização do sistema deincentivos fiscais para outros setores e regiões, antes exclusivos para oNordeste, solapou a capacidade de financiamento do desenvolvimentonordestino, como demonstram Rebouças et al. (1979).

Enquanto isto, no bojo da crise do pensamento regional e ao longodas últimas três décadas, surgiram vários fenômenos, para os quais a teo-ria regional não apresentava explicação satisfatória, como: fortes proces-sos de desindustrialização, especialmente no noroeste inglês e nordestedos Estados Unidos; mudanças na divisão internacional do trabalho, coma emergência dos NICs; a chamada crise dos padrões locacionais dofordismo e o surgimento de novas áreas industriais, baseadas em tecnologiamoderna e em novas formas de organização e divisão do trabalho; mu-danças estruturais, com o crescimento dos serviços; processo deglobalização, com a simultânea e dialética recriação das regiões, frag-mentação do mercado e marginalização de regiões e países; retorno daspolíticas liberais, com privatização e retirada do Estado, entre outros.

A partir da crise do pensamento e dos novos fenômenos, várias ten-tativas de reconstrução teórica e instrumental vêm sendo feitas. Entreestas, podemos destacar:

a) os modelos de retorno crescente, resgatando os modelos clássicos,com a introdução das economias de escala e das estruturas de mer-cado de competição imperfeita, na linha dos trabalhos de Krugmann(Fujita, Krugman e Venables, 1999);

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b) os novos instrumentais quantitativos e analíticos, através dos no-vos modelos da relação insumo/ produto e de recursoscomputacionais (Isard, 1999);

c) os modelos de crescimento endógeno, com ênfase nas variáveisque possibilitam a convergência de renda (Romer, 1994; e Sala-y-Martin, 1996);

d) a linha institucionalista, mostrando o papel das instituições pú-blicas e da sociedade civil (Hodgson, 1996; Amin e Thrift, 1994e 1997);

e) os modelos aqui denominados de desenvolvimento endógeno oulocal (diferente de crescimento endógeno), com ênfase nas institui-ções locais, n ização, via novos distritos industriais, incubadoras,parques tecnológicos, clusters etc.

Do ponto de vista empírico, o grande experimento contemporâneo é aUnião Européia, onde estão sendo testadas várias interpretações teóricase implementadas várias políticas. O ponto de partida foi o diagnóstico donível de desenvolvimento de cada região, a partir da renda per capita edo estoque de infra-estrutura física e social. Dentro do objetivo geral decoesão política e social, foram definidos os objetivos específicos, a exem-plo da adaptação econômica de regiões menos desenvolvidas, da rever-são econômica de zonas em declínio industrial, da diversificação econô-mica de zonas rurais vulneráveis, do aproveitamento de potencialidadesem regiões vazias etc. A partir daí, foram criados os fundos especiais,como o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. A distribuiçãodos recursos é feita segundo os objetivos, porém com compatibilizaçãoentre as políticas gerais da União Européia e as ações locais.

A complexidade dos fenômenos regionais demonstra que os mesmossomente poderão ser entendidos a partir de uma perspectiva multi ouinterdisciplinar. Se, por um lado, esta alternativa resulta da dificuldadede interpretar a problemática regional e nela intervir sem uma visão deconjunto, por outro, esta opção abre o grande risco da falta de rigor e davulgarização. Assim, o esforço para a melhoria do instrumental teórico eanalítico, bem como o aprofundamento dos modelos de política regional,devem ser feitos com o devido cuidado, a fim de se evitar a simplificação,as parcialidades exageradas, ou a generalização superficial.

Entre os temas contemporâneos, dois se destacam na análise do de-senvolvimento regional: a) globalização e as escalas territoriais e, b) opapel da inovação no desenvolvimento regional.

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2. Globalização, escalas territoriais e políticas regionais

Considerando-se as transformações contemporâneas, relacionadascom o processo de globalização e a crescente mobilidade do capital, oque se verifica é o aumento da velocidade das mudanças territoriais,acentuando a contradição entre o capital imobilizado e o capital móvel.Por um lado, o processo de globalização tende a comprimir o espaço-tempo e anular o espaço físico (Harvey, 1989; Lefebvre, 1991). Poroutro, a imobilidade decorrente da herança histórica e do capital imobi-lizado impede, contraria ou condiciona esse movimento (Brenner, 1998).

As diferentes escalas territoriais, simplificadamente caracterizadascomo local, urbano, regional, nacional e internacional, passam a se sobre-por e interpenetrar, com tendência ao enfraquecimento das escalas inter-mediárias e, conseqüentemente, ao aumento da importância dos extre-mos: o global e o local. De um lado, a hiperescala da circulação do capitale das informações e, de outro, a hipoescala da localidade, onde se estabe-lecem as relações de produção, a complementaridade e a governança, oque levou Swyngedouw (1997) a cunhar o termo ‘glocalização’.

Uma outra contradição está relacionada com os movimentos de mobili-dade do capital e do comércio e as formas fixas e imóveis da organizaçãopolítico-institucional-administrativa do território, em função da presençado Estado, dos estados federados, assim como de regiões metropolitanas,municípios ou outras formas de divisão político-territorial pretéritas.

Diante dessas características, as clássicas políticas regionais volta-das para a promoção conjunta de grandes regiões ou macroespaços, aexemplo do Nordeste brasileiro, precisam ser repensadas. Em primeirolugar, pela necessidade de se ver a região como parte da economia naci-onal e, portanto, do planejamento nacional. Em segundo lugar, pela dife-renciação e fragmentação dentro da própria região (Araújo, 2000). Emterceiro lugar, pela necessidade de se reforçarem as iniciativas locaiscomo caminho para o desenvolvimento econômico e social, e como estra-tégia para enfrentar a competição global.

As atividades econômicas, em um mundo crescentemente integrado,buscam as localidades mais lucrativas, recriando o local e aumentando acompetição regional, naquilo que Markusen (1995) chamou de stickyplace in slippery space. A melhoria do sistema de comunicações e oacesso imediato à informação, por sua vez, deram origem a um fenômenonovo, que é a possibilidade da articulação do “local” com o “global”,

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sem a necessária mediação do nacional. Isso significa que, ao invésde homogeneização dos espaços econômicos nacionais, o processode globalização pode aumentar as diferenças entre as regiões de ummesmo país.

3. O papel da inovação no desenvolvimento regional

Nas últimas décadas, foi retomado, de maneira enfática, o debate so-bre o papel da inovação no desenvolvimento econômico. Em uma socie-dade crescentemente dominada pelo conhecimento, as vantagens compa-rativas estáticas ou ricardianas, baseadas em recursos naturais, perdemimportância e ganham destaque as vantagens construídas e criadas, cujabase está exatamente na capacidade diferenciada de gerar conhecimentoe inovação.

Como a tecnologia não pode ser vista como uma mercadoria, a capa-cidade de desenvolvimento empresarial ou setorial se torna central. As-sim, a construção de vantagens comparativas, baseadas em permanenteprocesso de inovação, só alcança sucesso quando os agentes se preparampara se aproveitar das janelas de oportunidade, abertas com as mudançastecnológicas. O sucesso depende da capacidade de superar as barreirasadvindas da necessidade de cobrir uma gama de custos: investimento pro-dutivo, aquisição do conhecimento tecnológico, obtenção de experiência,superação de desvantagens locacionais e erros (Perez e Soete, 1988). E aentrada só será bem-sucedida, se ocorrer no tempo certo.

Desse modo, o aumento do conteúdo de conhecimento científico etecnológico nos bens e serviços traz um novo desafio para países, regi-ões, localidades, empresas ou sociedades, no sentido da capacitação ci-entífica e tecnológica ser precondição para o sucesso produtivo e comer-cial. Além dos atributos que possui, o esforço de busca e a luta competi-tiva, centrada no processo inovativo, vão depender de duas dimensões: a)da capacidade empresarial em promover pesquisa e desenvolvimento, eidentificar novos produtos ou processos que assegurem o sucesso econô-mico (produtivo e comercial) da empresa; e, b) da capacidade local deaprender, no sentido de se criar uma atmosfera de transformação e pro-gresso para o aprendizado regional e coletivo (Florida, 1995; Aydalot eKeeble, 1988).

O processo de aprendizado é fortemente localizado, em função daforma com que interagem pesquisa, experiência prática e ação, através

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dos processos de aprender fazendo, usando, interagindo e aprendendo(learning by doing, learning by using, learning by interacting e learningby learning), que sintetizam a economia do aprendizado (Cooke,1998;Lundvall e Johnson,1994). À medida que a velocidade do aprendizado eda inovação aumenta, encurta-se o ciclo de vida dos produtos, exigindouma crescente capacidade de resposta e reacelerando o processo de pes-quisa e inovação.

Nessa perspectiva, as regiões ou localidades tornam-se pontos decriação de conhecimento e aprendizado, na era do capitalismo intensivoem conhecimento. Florida (1995:527) diz que “regiões devem adotar osprincípios de criação de conhecimento e aprendizado contínuo; elasdevem em efeito se tornar ‘regiões que aprendem’”. Para isto, as regiõesdevem se preparar para prover infra-estruturas específicas que possamfacilitar o fluxo de conhecimento, idéias e aprendizado e que, ao mesmotempo, tenham capacidade de governança local. Como o processo de ino-vação possui fortes componentes tácitos, cumulativos e localizados, osatributos regionais tornam-se decisivos. Uma vez que o sucesso econô-mico depende da existência de atributos próprios e de meios inovadores(Albagli, 1999), a capacidade de inovação mostra-se central no desen-volvimento regional.

A combinação das concepções de Lundvall e Johnson, que usam oconceito de economia do aprendizado (learning economy), e de Florida,com o conceito de aprendizado regional (learning regions), demonstraque o grande paradigma contemporâneo, baseado na tríade informação-computação-telecomunicação, está sustentado no entendimento de que oconhecimento e o aprendizado constituem o recurso e a forma mais im-portantes para a inovação e a competição (Asheim e Cooke, 1997). Nainteração desse processo, a proximidade se torna elemento-chave, não sópelos aspectos geográficos, mas, antes de tudo, pelos aspectosinstitucionais. Os argumentos de que as tecnologias da informação e dascomunicações teriam reduzido a importância da proximidade é refutadapor Rallet e Torre (1995), com o argumento das dificuldades ou impossi-bilidades de transferência do conhecimento tácito. O compartilhamento ea absorção desses exigem um contato face a face, o que só é possívelatravés da proximidade. A interação local gera externalidades, querealimentam os fluxos de conhecimento, aprendizado e inovação; redu-zem os custos de circulação e coleta de informações; e socializam o apren-dizado, a cooperação, a socialização dos riscos, o contato face a face(Rallet e Torre, 1999; Oinas e Malecki, 1999).

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No entanto, a proximidade geográfica per se não é suficiente paraassegurar o sucesso das experiências de geração de conhecimento.Além da importância da lógica cognitiva, as regiões possuem história,que tem seus pesos positivos ou negativos. Muitas vezes, os atoreslocais não agem no sentido de se criarem interação e sinergia. Assim,as experiências de sucesso ou fracasso não podem ser generalizadas,uma vez que cada experiência é única e não reproduzível, e uma vezque cada território é diferente do outro pelo seu conteúdo imaterial.Por outro lado, não se pode esperar que todas as regiões ou localida-des gerem conhecimento de fronteira e se insiram na produção de bensde última geração tecnológica. Muitas regiões ou localidades continu-arão especializadas na produção de bens tradicionais, inclusive, debens primários ou de serviços simples. Apesar disto, as mudançastecnológicas contemporâneas penetram em todos os poros do sistemaprodutivo, afetando todos os setores ou atividades. Ainda que especi-alizada em bens e serviços convencionais, sua produção eficiente estácada vez mais dependente das modernas tecnologias, através da inser-ção da informática em todos os setores, misturando o primário e omoderno. Em muitos casos, o conhecimento científico e/ou tecnológicojá está disponível ou pode ser transferido de maneira codificada. Nes-ses casos, não se trata de obter conhecimento novo, mas de sua absor-ção e adaptação, o que implica maior ênfase nas etapas do desenvolvi-mento e da adaptação dos processos e produtos, e não da pesquisapropriamente dita. No caso dos setores primários, os avanços dainformática e da biotecnologia afetam, de forma radical, a capacidadede modernização e de ganho de competitividade destes. Qualquer lo-calidade está inserida em um mundo global, com competição acirradaentre as localidades. Como mostram Johnson e Lundvall (2000), aeconomia do aprendizado não é necessariamente uma economia dealta tecnologia; “a economia do aprendizado é uma economia onde ahabilidade para aprender é crucial para o sucesso econômico dos indi-víduos, firmas, regiões e países. Aprendizado refere-se à construçãode novas competências e estabelecimento de novas especializações, enão apenas a ter acesso à informação. Aprendizado é uma atividadeque se insere em todas as partes da economia, incluindo os setorestradicionais e de tecnologia simples. Países e regiões de baixo nívelde renda são fortemente afetados pela economia do aprendizado e, emalgum sentido, necessitam da construção de competência ainda maisforte que a das metrópoles. Economia do aprendizado é a economiabaseada no conhecimento”. Além disso, ocorre certa divisão setorial

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ou regional no processo de aprendizado, com algumas regiões ou se-tores no comando do processo de inovação, constituindo-se em regi-ões ou setores inovadores. Em contrapartida, outras regiões ou setoressimplesmente adaptam e adotam os novos conhecimentos (Oinas eMalecki, 1999; Pavitt, 1984).

Resumindo, pode-se dizer que o desenvolvimento está enraizado nascondições locais e que, em uma sociedade do conhecimento e do aprendi-zado, a capacidade de gerar novo conhecimento constitui o elemento cen-tral nos processos de produção, competição e crescimento. A decisãolocacional da empresa passa a ser um elemento decisivo na sua capacida-de de competição, a qual depende da combinação das suas competênciasindividuais (Penrose, 1959) com os atributos ou ativos locais. Dessa for-ma, o foco do planejamento regional precisa combinar duas dimensões.Por um lado, deve pensar a região como parte da economia nacional, semperder de vista a inserção internacional. Por outro, não se pode pensar aregião de forma homogênea. Há que se superar as experiências históri-cas de planejamento e de implementação de políticas regionais, com vis-tas à promoção homogênea do crescimento econômico e à melhoria soci-al de grandes regiões.

4. Mudanças regionais no Brasil e suas perspectivas

4.1. A herança histórica e o mapa das desigualdades

O processo de ocupação e formação do espaço econômico brasileiro,com grandes descontinuidades temporais e geográficas, levou, ao longode mais de três séculos, à constituição de um verdadeiro mosaico, comcada região produtora se vinculando precariamente aos portos, mas comreduzida ou inexistente vinculação inter-regional no país. Estes processoshistóricos – a herança colonial e escravista –, aliados à dimensão territorialdo país, seriam determinantes na configuração regional brasileira, mar-cando-a até os dias de hoje (Furtado, 1964; Prado Jr., 1964).

A partir da segunda metade do Século XIX, começaram a seconstituir as bases para o surgimento e expansão das atividadesindustriais e urbanas, bem como a formação embrionária de ummercado integrado no Brasil. No entanto, somente com a expansãoindustrial e o desenvolvimento do sistema de transportes forammontadas as bases para um processo de concentração econômica

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regional e para o estabelecimento de uma divisão inter-regional dotrabalho no Brasil3. Isto se acelerou com o crescimento industrial ecom o forte processo de urbanização, registrados após a década de 1930(Cano, 1977). Por volta de 1970, pico da concentração regional no Bra-sil, o estado de São Paulo, com apenas 2,9% da área geográfica, partici-pava com 19% da população, 39% do PIB e 58% da produção industrialdo país, sendo que 44% da produção industrial brasileira estavam con-centrados na sua área metropolitana.

As condições históricas e o processo de concentração econômicaregional levaram a uma forte disparidade nos níveis de renda per capitae de condições de vida entre as regiões brasileiras, especialmente entreo Nordeste, o Sudeste e o Sul do Brasil. Em 1970, para uma renda percapita média de US$2.315, para o Brasil, a preços de 1996, a do Piauí,estado mais pobre, era de apenas US$434; e a de São Paulo, estado maisrico, de US$4.629 (IPEA/PNUD/FJP, 1998). Naquele ano, para umaexpectativa de vida de 53 anos, para o Brasil, a nordestina era de apenas44 anos, contra uma média de 57 e 60 anos, respectivamente, para oSudeste e o Sul do Brasil. A taxa de analfabetismo nordestina era superi-or a 50%, enquanto para alguns estados do Sudeste e do Sul, a mesma erainferior a 20% (Tabela 1).

Acrescente-se ainda que a falta de infra-estrutura, a distância físicaaos mercados nacionais e aos portos, as dificuldades de adaptaçãotecnológica nas terras dos cerrados e da região tropical (Amazônia) difi-cultaram a ocupação das Regiões Centro-Oeste e Norte do país, as quaispermaneceram praticamente vazias até décadas recentes.

3 Todo o debate travado em torno do papel da base de exportações no desenvolvimentoregional e sua capacidade de induzir o crescimento das atividades voltadas para atender aomercado local ou interno pode ser plenamente adequado na análise das regiões exportado-ras brasileiras, indicando aquelas que foram ou não capazes de induzir a diversificaçãoprodutiva. Veja especialmente o debate entre Douglas North e Charles Tibeout, in Freedmane Alonso (1969) e a análise do papel da cafeicultura como base para a expansão industrialem São Paulo, como demonstram Silva (1976) e Cano (1977).

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Tabela 1:Brasil: Distribuição da área geográfica, PIB, população e taxa de analfa-

betismo, por grandes regiões e estados

Fonte: FIBGE

* População com idade superior a 10 anos.

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4.2. Crescimento demográfico e reconfiguração urbana

Entre 1940 e 2000, a população brasileira se multiplicou por quatro,subindo de 41 para 170 milhões de habitantes, embora a taxa de cresci-mento demográfico tenha caído expressivamente nas últimas décadas4.

Por sua vez, o crescimento demográfico brasileiro não se fez de ma-neira uniforme entre as regiões, em função não só das diferenças regio-nais de fecundidade, mas, principalmente, pelos movimentos migratóri-os. O resultado foi a continuação da alteração na distribuição regional dapopulação entre as regiões brasileiras5. Além disso, o crescimentodemográfico foi acompanhado de um rápido processo de urbanização,principalmente a partir do crescimento industrial, e de seus impactos narenda e nos serviços urbanos. Entre 1940 e 2000, o grau de urbanização(percentual da população vivendo em cidades) subiu de 30% para 80%.De forma similar ao crescimento demográfico, o processo de urbaniza-ção ocorreu com forte diferenciação entre os estados e as regiões brasi-leiras, sendo que em alguns estados o grau de urbanização superava os95% (São Paulo e Rio de Janeiro), enquanto em outros ainda era de50% (Maranhão e Pará).

O crescimento demográfico, conjugado com o processo de urbaniza-ção, implicou o aumento da rede urbana das cidades com população acimade 50.000 habitantes, de 38 em 1950, para 124 em 1970, e 409 em 2000,sendo 202 com população superior a 100.000 habitantes. Como muitasdessas cidades têm suas áreas urbanas contíguas a outras, amplia-se o ta-manho das concentrações urbanas (Mapas 1 e 2). Este é um dos aspectosdramáticos de uma das maiores experiências de urbanização e pobreza dahistória da humanidade. Existem hoje no Brasil 16 aglomerações urbanascom mais de um milhão de habitantes cada, lideradas pelas megametrópolesSão Paulo e Rio de Janeiro, mas seguidas por várias outras (Tabela 2). Estaconcentração urbana, sem o correspondente crescimento da oferta de mo-radias, saneamento, emprego e renda, leva parte da população a viver emcondições subumanas, em favelas ou outras formas precárias, onde proli-feram a miséria, a degradação humana e o crime organizado6.

4 2,4% ao ano na década de 1940; 3,0% na década de 1950; 2,9% na década de 1960;2,5% na década de 1970; 1,9% na década de 1980; e 1,6% na década de 1990.5 Em 1900, o Nordeste ainda participava com 39% e Minas Gerais com 20% da popula-ção brasileira, caindo, respectivamente, para 28% e 11%, em 20006 Para análise do desempenho econômico diferenciado das metrópoles brasileiras, veja Diniz (2002).

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Mapa 1 – Cidades com mais de 50 mil habitantes, 1970

A reconfiguração da rede urbana é resultado e, ao mesmo tempo,determinante da nova geografia econômica do país. Como se observa, arede urbana das regiões Sudeste e Sul e o desenvolvimento do sistema detransportes e comunicações fortalecem a integração econômica destamacrorregião, e reforça o padrão macroespacial de concentração indus-trial e dos serviços. Em segundo lugar, observa-se o crescimento das ci-dades médias nas regiões agrícolas mais desenvolvidas, seja nas áreasconsolidadas das regiões Sudeste e Sul, a exemplo dos oestes de SãoPaulo e Paraná, seja na fronteira agropecuária extensiva. Ao contrário,no Nordeste, não se desenvolve uma rede de cidades de porte médio,prevalecendo a alta concentração em algumas capitais (Salvador, Recife,Fortaleza) e, secundariamente, nas demais capitais. Além de não se for-mar uma rede urbano-industrial e de serviços integrada, a grande con-centração da população em poucas cidades agrava os problemas sociaisde emprego e habitação.

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Mapa 1 – Cidades com mais de 50 mil habitantes, 2000

Tabela 2:População em 2000 e taxas médias anuais de crescimento: regiões

metropolitanas e microregiões geográficas de Campinas, Brasília,Goiânia, Manaus

Fonte: IBGE-Censos Demográficos

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4.3. A reversão do processo de concentração relativa e a reconfiguração regional da indústria

A reversão da concentração industrial baseou-se na perda relativa daparticipação das áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo naprodução industrial do país (Tabela 3). O Rio de Janeiro vinha perdendoposição relativa desde o início do século XX, à medida que o estado deSão Paulo, em especial, sua área metropolitana, passou a ser a grandealternativa para a localização industrial no Brasil. Nas últimas décadas,além da competição com São Paulo, vários fenômenos contribuíram paraa perda de importância relativa da economia do Rio de Janeiro: declíniode sua agricultura (café e açúcar), transferência da capital para Brasília,crise da indústria naval, crise política e social, melhoria da infra-estrutu-ra e da atração turística do litoral nordestino e, talvez, os efeitos regio-nais negativos do processo de privatização e de reforma do Estado. Entre1970 e 2000, a participação do estado do Rio de Janeiro na produçãoindustrial do país caiu de 16% para 9%, e a de sua área metropolitana, de12% para 7%. No entanto, a descoberta e a expansão da produção depetróleo na Bacia de Campos ampliaram a produção do estado do Rio deJaneiro na produção mineral brasileira, contribuindo para reverter a de-cadência econômica desse estado. Isto não só pela expansão da produçãode petróleo em si – e seus efeitos sobre a renda, a receita tributária e oemprego –, como pelos seus efeitos interindustriais. Adicionalmente, alocalização de duas plantas automotivas (Volkswagen e Peugeot) no suldo estado do Rio de Janeiro (Resende e Porto Real), próximas ao com-plexo siderúrgico de Volta Redonda e das áreas industriais do Vale doParaíba paulista (São José dos Campos- Taubaté), poderá facilitar a re-tomada industrial do estado, com eventuais benefícios fiscais e econômi-cos sobre a área metropolitana do Rio de Janeiro.

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Mapa 3 – Microrregiões Geográficas com mais de 5 mil empregos naindústria de transformação, 2000

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Tabela 3:Brasil: Distribuição do VTI e do emprego, por grnades regiões,

estados e áreas metropolitanas selecionadas (em %)

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No caso da área metropolitana de São Paulo, os fatores determinantesdo processo de desconcentração podem ser assim sintetizados: a)deseconomias de aglomeração na área metropolitana de São Paulo, e cri-ação de economias de aglomeração em vários outros centros urbanos eregiões; b) ação do governo federal, em termos de investimento direto,incentivos fiscais e construção de infra-estrutura; c) busca de recursosnaturais, traduzida no movimento das fronteiras agrícola e mineral, e comreflexos na localização industrial e dos serviços; d) unificação do merca-do, potenciada pelo desenvolvimento da infra-estrutura de transportes ecomunicações; e) efeitos locacionais da competição interempresarial,especialmente para o aproveitamento de recursos naturais, e a criação debarreiras à entrada e ocupação de novos mercados reais ou potenciais(Diniz, 1991 e 1993). Na primeira fase, em um ambiente de crescimentoacelerado, que prevaleceu na segunda metade da década de 1960 e aolongo da década de 1970, todos os estados cresceram, inclusive São Pau-lo. No entanto, a maioria dos estados, à exceção do Rio de Janeiro e dePernambuco, cresceu mais que São Paulo, permitindo um efeito generali-zado de desconcentração industrial. Entre 1970 e 2000, a participaçãoda área metropolitana de São Paulo na produção industrial brasileira caiude 43% para aproximadamente 25%. A queda da participação do estadode São Paulo foi, no entanto, atenuada pelo crescimento de seu interior(Tabela 3).

No entanto, a área metropolitana de São Paulo é, e continuará sendo,o maior centro econômico e populacional do país. As transformaçõesestruturais em curso, a centralização financeira (bancos, corretoras ebolsas de ações, mercadorias e títulos); atividades comerciais; serviçoseducacionais e de pesquisa (universidades, institutos de pesquisa); servi-ços de consultoria e apoio (marketing, advocacia, auditoria); sedes em-presariais; órgãos de representação econômica; transportes de cargas epassageiros; serviços de hotelaria e restaurantes; medicina avançada; ati-vidades culturais e de lazer; escritórios de representação comercial, entreoutras, reforçam a posição de São Paulo como a grande metrópole brasi-leira e principal base na integração econômica e na rede de metrópolesmundiais. Neste sentido, as alterações estruturais em prol do aumentodas atividades vinculadas à economia do conhecimento e às indústrias dealta tecnologia poderão recriar as condições para o crescimento dessasatividades nessa área, especialmente no eixo Campinas-São Paulo-SãoJosé dos Campos.

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Conjugadas ao processo de reversão da concentração relativa da in-dústria nas áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, algu-mas tendências se manifestam. Em primeiro lugar, a expansão das áreasindustriais de médio porte em um grande número de cidades das regiõesSudeste e Sul, incluídas as capitais. Nestas áreas industriais, predominao núcleo duro da indústria (metal-mecânica, eletroeletrônica e química)e das indústrias de tecnologia avançada (microeletrônica, informática,telecomunicações, química fina, biotecnologia). Este processo combinao crescimento das metrópoles de segundo nível e suas periferias (Curitiba,Belo Horizonte, Porto Alegre, Campinas) com o de cidades médias den-tro destas regiões. Esta hipótese confirma a tendência de umareaglomeração macroespacial da indústria nesta região, combinando amudança de funções das metrópoles primazes com sua capacidade depolarização (Mapa 3). Neste sentido, entre 1970 e 2000, a participaçãona produção industrial brasileira dos estados de Minas Gerais, São Pau-lo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, excluída a área metropo-litana de São Paulo, foi ampliada de 33% para aproximadamente 50%.Isto demonstra a dificuldade de uma mudança no padrão macroespacialda indústria brasileira e a condição subordinada das regiões Norte, Nor-deste e Centro-Oeste à dinâmica econômica da região Sudeste do Brasile ao seu centro de comando, a cidade de São Paulo.

Uma segunda tendência está relacionada com a transferência de in-dústrias têxteis, confecções e calçados para os estados do Nordeste. Es-tas indústrias exigem pouca integração produtiva para trás, fundamental-mente de algumas matérias-primas uniformes e de fácil transporte. Por setratarem de bens industriais de consumo final, não duráveis, também nãogeram efeitos interindustriais para frente. Assim, seus impactos locais seresumem aos empregos criados e ao seu efeito multiplicador, através darenda gerada. A grande maioria dos empregos é de baixa qualificação, oque, considerados os mercados de trabalho nordestinos, com altos con-tingentes de oferta, implica baixos salários. Os baixos salários e a exis-tência de uma ampla gama de incentivos fiscais (formais e não-formais),concedidos através dos instrumentos fiscais formalizados e da “guerrafiscal” entre os estados, são decisivos na opção locacional. Embora im-portantes, tais indústrias não possuem capacidade de integraçãointerindustrial passível de induzir a criação de grandes e diversificadas aglo-merações industriais. As exceções são o pólo petroquímico e a nova unidadeda Ford, na Bahia, além da previsão de outros projetos de impacto junto aoscomplexos portuários de Suape e Pecém.

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Uma terceira tendência está relacionada com o surgimento de áreasindustriais em cidades da fronteira agrícola, especialmente na produçãode alguns insumos agropecuários, no abastecimento de mercado de con-sumo local e na transformação da produção agropecuária. Embora im-portantes, estas áreas industriais não têm dimensão ou capacidade de al-terar significativamente o padrão regional da indústria no Brasil7.

4.4. Os três movimentos simultâneos da produção agropecuária

Segundo nosso entendimento, a produção agropecuária brasileira pas-sa por três grandes movimentos: deslocamento da produção agropecuáriaextensiva; intensificação produtiva nas regiões mais desenvolvidas; ecrescimento nas áreas irrigadas do Nordeste.

A expansão da fronteira agrícola pode ser retratada pela produçãodos cinco principais grãos (arroz, feijão, milho, soja e trigo)8, que foitriplicada em 3 décadas, subindo da média anual de 25 milhões detoneladas,no triênio 1968/70, para 77 milhões de toneladas, no triênio1997/99. A participação do Sul, que era de 46% em 1968/71, subiu para59% em 1979/81, caindo para 47% em 1997/99. Em contrapartida, a.participação do Centro-Oeste subiu de 11% para 27% no mesmo perío-do, enquanto a do Sudeste caiu de 31% para 16%, a do estado de SãoPaulo de 14% para 7% e a nordestina de 12% para 7% (Tabela 4).

Esse movimento indica o afastamento da produção agrícola extensivae mecanizada para as regiões com menor preço da terra, e adequadaspara agricultura mecanizada. Isso fica evidente quando se compara a par-ticipação na produção de grãos com a participação no valor da produçãoagropecuária e no emprego. O Centro-Oeste participava, no triênio 1997/99, com 27% da produção de grãos, com 14% no valor da produçãoagropecuária, e com apenas 6% do pessoal ocupado. Em contraste, SãoPaulo participava com 18% no valor da produção agropecuária, 7% daprodução de grãos, 5% do pessoal ocupado. Em ambos os casos, tratam-se de agriculturas modernas, capitalizadas e mercantis, estando a dife-rença na estrutura da produção.

7 Para uma análise mais detalhada da nova configuração regional da indústria no Brasile suas tendências, veja Diniz (2000).8 Além de outras culturas, nos últimos anos, a produção de algodão vem se expandindode forma extraordinária no estado de Mato Grosso.

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Em sentido oposto, caracterizando atraso do setor agropecuário, oNordeste participava com 15% do valor da produção agropecuária, 7%da produção de grãos e 46% do pessoal ocupado. No entanto, nos últimosanos, a produção de grãos nos cerrados da Bahia, do Piauí e do Maranhãovem sendo expandida de forma significativa, o que poderá alterar a posi-ção relativa do Nordeste. O grande problema é que esta nova região tempouca vinculação com o Nordeste tradicional, articulando-se mais à di-nâmica dos cerrados, e sendo escoada via Porto de Itaqui, ou canalizadapara o Sudeste.

Tabela 4:Brasil: Distribuição do valor de produção e pessoal ocupado na

agropecuária, da produção de grãos e do efetivo de bovinos,por grandes regiões e estados

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De forma paralela, a fronteira pecuária também vem se deslocandonas direções Centro-Oeste e Norte do país. Tomado o rebanho bovino,este subiu de 79 para 153 milhões de cabeças, entre 1970 e 1996. Nesseperíodo, as participações do Centro-Oeste e do Norte no total nacionalsubiram de 22% para 33%, e de 2% para 11%, respectivamente, enquantoa nordestina caiu de 18% para 15%, e a do Sudeste, de 34% para 24%.

O deslocamento da produção agropecuária tem várias implicaçõeseconômicas, sociais e ambientais. A expansão da produção em padrõesmodernos e em regiões de fronteira exerce um forte efeito econômicosobre as atividades urbanas, através da demanda de insumos, máquinas eequipamentos, serviços bancários e comerciais etc. Por sua vez, a ofertade bens agrícolas, como insumo à produção industrial, abre a possibili-dade da localização industrial de vários projetos de processamento daprodução agrícola. O efeito renda, decorrente da expansão da produção edo emprego, se traduz em demanda generalizada de bens e serviços (ha-bitação, escola, comércio, lazer etc.). Esse conjunto de efeitos exercepoder multiplicador e expansivo das atividades urbanas na fronteira, comofica demonstrado e caracterizado no crescimento das cidades inseridasnas regiões de produção agrícola moderna e expansiva9.

O que se conclui é que a expansão produtiva na fronteira funcionacomo atenuante do fluxo migratório das regiões estagnadas e populosaspara as grandes cidades ou regiões metropolitanas, nas quais se agravamos problemas sociais e de desemprego. Por outro lado, o movimento dafronteira aumenta os riscos e a depredação ambiental, pelo desmatamentodescontrolado e muitas vezes clandestino, pela poluição dos rios e das águas,além dos efeitos do uso de agentes químicos sobre a flora e a fauna. Nestaperspectiva, se as fronteiras agrícola e mineral abrem o potencial para aexpansão econômica, para o processo de desconcentração regional e para ageração de emprego e renda, por outro, aumentam os riscos e a necessida-de de cuidados e controle sobre o meio ambiente.

No que se refere à expansão da fronteira intensiva, nas regiões maisdesenvolvidas, a queda da participação relativa do setor agropecuário daregião Sudeste foi compensada pela reestruturação produtiva do setor, coma queda da produção de grãos e o aumento da produção de culturas maisintensivas. As alterações da estrutura da produção agrícola de São Paulo,com o crescimento da produção de cana-de-açúcar e laranja, além de

9 Embora com menor impacto inter-regional, as regiões mineradoras têm efeito semelhante.

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horticultura e fruticultura, indicam uma reorientação para produtos de mai-or intensidade. Isso fica evidente quando se compara a maior participaçãono valor da produção agropecuária, em relação à participação na produçãode grãos, ao contrário das regiões Sul e Centro-Oeste (Tabela 4). O estadode São Paulo ampliou sua participação no valor da produção de cana-de-açúcar e laranja, de 40% para 57%, e de 47% para 73%, respectivamente,entre 1970 e 1996. Neste último ano, participava com 25% do valor daprodução de legumes e hortaliças e 31% do valor da produção de frutas.Fenômeno semelhante tem ocorrido em Minas Gerais, Goiás e nos estadosdo Sul, no que se refere à produção de legumes e hortaliças, frutas e leite.Esta produção, além de mais intensiva, por área, está também influenciadapela proximidade dos grandes mercados urbanos, caracterizando uma típi-ca especialização regional nos padrões propostos por Vön Thunen. No casode Minas Gerais, há que se ressaltar a expansão da produção de café e leite.O café, por problemas climáticos no Paraná e em São Paulo, e sua adequa-ção na região dos cerrados. Entre 1970 e 1996, a participação de MinasGerais na produção nacional de café subiu de 27% para 55%.10 No caso doleite, a participação de Minas Gerais já era expressiva, tendo sido de 31%do total nacional em 1996, parcela significativa voltada para abastecer osmercados das áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

No caso do Nordeste, embora tenha ocorrido queda da participaçãoagropecuária, dois fenômenos indicam possibilidades de atenuar ou re-verter esta queda. São eles a expansão da produção de grãos na faixaocidental nordestina (cerrados da Bahia, do Piauí e do Maranhão), e osprojetos de irrigação em regiões semi-áridas, com grande aumento daprodução de frutas. Cabe destacar os projetos de irrigação do Vale doSão Francisco, nos estados da Bahia e de Pernambuco, da região deMossoró-Açu, no Rio Grande do Norte, além de outros vales férteis noNordeste brasileiro. Nestes projetos de irrigação, vem sendo desenvolvidoo plantio de frutas, com produção contínua ao longo do ano, o que é favore-cido pelo clima seco e quente. Esta alternativa tem permitido o abasteci-mento regular do mercado brasileiro, anteriormente sujeito a ofertas sazo-nais de vários produtos, além da possibilidade de expansão das exporta-ções. Ela tem exercido grande efeito na geração de renda e emprego nasrespectivas regiões, com potencial para integração produtiva com a indús-tria, e impacto sobre a demanda de serviços e o crescimento urbano.

10 A brutal queda dos preços do café e a entrada de novos produtores asiáticos (Vietnam)no mercado têm dificultado a expansão da lavoura, levando o setor à grave crise.

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4.5. Transformações em curso e seus possíveis impactos regionais

No conjunto das transformações contemporâneas com possíveis im-pactos regionais, três se destacam: a) a abertura externa e os possíveisimpactos do MERCOSUL; b) a mudança na concepção e no papel doEstado, e no processo de privatização; c) as mudanças tecnológicas e areestruturação produtiva.

No que se refere à abertura externa, dois aspectos precisam ser considera-dos: o efeito regional das exportações e o impacto regional das importações. Acomposição regional das exportações brasileiras vem se alterando nas últimasdécadas. Cabe destacar a queda de participação relativa da região Nordeste nototal nacional, de 12% para 7% entre 1980 e 2001 (Tabela 5).

Esta perda de participação relativa nas exportações decorre da inca-pacidade regional de expandir e modernizar algumas atividades tradicio-nais da região – como as produções de açúcar e cacau –, ou de expandirnovas atividades com capacidade de competição internacional, emboratenham aumentado as exportações de sucos, castanhas e celulose. Aocontrário, as regiões Norte e Centro-Oeste vêm ampliando suas partici-pações nas exportações brasileiras, em função do crescimento da pro-dução de algumas commodities minerais e agrícolas.

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No entanto, as regiões Sudeste e Sul, com 80% das exportações bra-sileiras em 2001, possuem pauta de exportação diversificada e com gran-de peso de bens industriais. Assim, entende-se que a possibilidade deexpansão significativa das exportações brasileiras dependeria da capa-cidade de competição exportadora destas duas regiões. A isto devemser acrescentados os efeitos do MERCOSUL, caso este consiga superar

Tabela 5:Brasil: Distribuição das exportações e importações, por regiões e estados

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as dificuldades atuais, não só pelo aumento do comércio entre o Brasil eseus parceiros (Argentina, Uruguai e Paraguai), mas, em especial, pelaposição geográfica destes países em relação ao Brasil, reforçando a loca-lização nas regiões Sudeste e Sul.

A análise dos impactos regionais das importações é empiricamentedifícil, porque não há uma vinculação direta entre as regiões que reali-zam as importações e as regiões que investem ou consomem estas impor-tações. O crescimento das importações afetou a maioria das regiões, po-rém de forma diferenciada. Aquelas regiões cuja estrutura produtiva so-fre, em maior grau, a concorrência com os produtos importados forammais prejudicadas, a exemplo da indústria têxtil de Americana ou a deconservas de Pelotas.

O aprofundamento da abertura externa da economia brasileira e ohipotético acordo da ALCA seguramente afetariam negativamente aque-las regiões ou localidades, cuja estrutura produtiva esteja mais sujeita àcompetição com os produtos importados.

Uma segunda transformação em curso decorre das mudanças na con-cepção do Estado e nos processos de privatização. Ao longo da décadade 1990, o país assistiu a um dos mais rápidos e abrangentes processosde privatização de que se tem notícia na história econômica mundial.

Se as privatizações fossem feitas para desonerar o Estado daquelasatividades para as quais existe interesse do setor privado e, emcontrapartida, viesse reforçar os investimentos públicos nas regiões maisatrasadas, o processo de privatizações seria benéfico ao desenvolvimen-to regional. No entanto, seja pela crise fiscal seja pela orientação políti-co-ideológica, o que vem sendo feito é uma simples retirada do Estado,deixando as regiões atrasadas entregues à própria sorte e, conseqüente-mente, piorando a situação relativa destas. Como as privatizações ocorre-ram principalmente nas regiões mais desenvolvidas, a possibilidade demodernização e expansão destas ampliaria a quantidade e a qualidade daoferta, facilitando a atração de novos investimentos para a região. Ao con-trário, nas regiões pobres ou vazias, para as quais não há interesse de in-vestimento privado, tenderia a aumentar o fosso na oferta de infra-estrutu-ra, contribuindo para manter ou aumentar as desigualdades regionais.

Para agravar o quadro, o governo federal vem permitindo a mais gra-ve “guerra fiscal” entre os estados federados na atração de investimen-tos, a qual vem corroendo as finanças públicas, comprometendo receitasfuturas, desviando os preços relativos e fazendo verdadeiras doações àsempresas multinacionais. Nesta guerra, ganham os estados mais desen-

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volvidos, com melhores condições locacionais e maior cacife financei-ro e político. Isto seguramente contribuirá para agravar as desigualda-des regionais brasileiras.

A terceira transformação em curso é o acelerado processo de moder-nização tecnológica. Este processo pode ser visualizado através do gran-de esforço que vem sendo feito pelos governos federal e estaduais, pelosistema acadêmico universitário e de pesquisa e pelas empresas, na cria-ção de sistemas institucionais e regionais de inovação (Cassiolato eLastres, 1999). Esta modalidade de modernização também fica clara nosresultados do aumento de produtividade, das mudanças nos padrões deorganização produtiva e gerencial, e na emergência de um conjunto denovas áreas industriais com forte presença de indústrias de alta tecnologia.

Este processo de modernização tecnológica é facilitado para aquelasregiões que possuem uma melhor base econômica, especialmente da es-trutura industrial e da oferta de serviços, na infra-estrutura de conheci-mento, refletidas pela rede acadêmico-universitária, das instituições pú-blicas e privadas de pesquisa e na qualidade dos recursos humanos. Indi-cadores da distribuição destes suportes indicam que as regiões Sudeste eSul do Brasil estão melhor dotadas dessas infra-estruturas, o que, conju-gado com a mais avançada rede urbano-industrial, reforçaria a concen-tração macroespacial. Por essa razão, uma política de desenvolvimentoregional, cujos objetivos sejam o aproveitamento das potencialidadesdas regiões menos desenvolvidas e a atenuação das desigualdades, devetrazer como um dos seus componentes uma política tecnológicaregionalizada para o país11.

5. As diretrizes regionais do governo federal

O primeiro elemento a ser considerado é a orientação da política fede-ral. As propostas anunciadas no estudo denominado “Eixos Nacionais deIntegração e Desenvolvimento” trazem um grande avanço, ao superar aidéia de pólos ou regiões isoladas, e procurar estabelecer diretrizes dedesenvolvimento, de forma a se criarem efeitos complementares esinérgicos entre infra-estrutura física e social, e atividades produtivas.

11 A análise dos possíveis impactos regionais de uma sociedade do conhecimento encon-tra-se em Diniz e Gonçalves (2000).

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No entanto, em que pese o avanço desta concepção e das intençõesexplícitas no documento, a orientação do trabalho traz algumas implica-ções contraditórias com as intenções manifestadas e com a própria idéiade redução das desigualdades regionais no país. Em primeiro lugar, em-bora o próprio nome dos eixos seja de integração e desenvolvimento, aregionalização estabelecida através dos nove eixos – a maioria semintegração e voltada para a ligação de regiões produtoras aos portos – temum viés excessivamente exportador. Não que não se deva estimular asexportações, ou aproveitar as potencialidades regionais. Porém, conside-radas as dimensões geográfica, econômica e populacional do país, não sepode esperar um coeficiente de abertura similar ao dos países de pequenotamanho, a exemplo da maioria dos países da Europa Ocidental e da Ásia.Neste sentido, a prioridade deveria ser a integração nacional, nos sentidosfísico- territorial, econômico, político e social. Em segundo lugar, o tra-balho traz implícito certo abandono da perspectiva de integração da Amé-rica do Sul quando, por outro lado, são enfatizados o fortalecimento e aampliação do MERCOSUL. Todos os eixos estão voltados para o Atlân-tico e nenhum para o interior ou para os países vizinhos12. Em terceirolugar, falta ênfase nas mudanças estruturais que contribuam para adesconcentração da renda (habitação, saneamento, educação). Não há umadefinição clara das prioridades. Na listagem de 365 programas, parecehaver certa visão iluminista, sem levar em consideração que as regiões ouos projetos competem entre si. Por exemplo: modernização do Porto deSantos versus Sepetiba; navegação do Rio São Francisco versus FerroviaNorte-Sul, ou expansão e melhoria do ramal Belo Horizonte-Pirapora-Unaí. Como a expectativa é de que a maioria dos projetos seja assumidapela iniciativa privada, a seleção óbvia é daqueles de maior perspectivade retorno, o que, em regra, ocorreria nas regiões mais desenvolvidas,podendo agravar a concentração. Neste sentido, o rodo-anel na área me-tropolitana de São Paulo, embora seja uma necessidade, ao reduzir o es-trangulamento dos transportes, reforçará a concentração. Em quarto lu-gar, embora cada vez esteja mais clara a importância das cidades no co-mando do espaço econômico, o trabalho deixou as cidades de fora doestudo, não havendo articulação entre os investimentos previstos no es-tudo dos eixos e as políticas urbanas. Em quinto lugar, não se considera

12 Esta distorção foi parcialmente corrigida com o protocolo de intenções assinado entreos presidentes dos países da América do Sul, mas exige uma melhor coordenação, assimcomo uma definição efetiva dos projetos de infra-estrutura física.

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a compatibilização dos atuais instrumentos, instituições e políticas dedesenvolvimento regional com as orientações propostas no estudo, in-clusive, no que se refere a como compatibilizar e implementar uma po-lítica de desenvolvimento regional nos quadros de uma guerra fiscalaberta entre os estados. Em sexto lugar, não se deu o devido destaque a umapolítica tecnológica regionalizada, quando se tem conhecimento de que esteé, hoje, um dos principais instrumentos de desenvolvimento regional.

Assim, nossa conclusão é de que a orientação contida no estudo doseixos e as diretrizes do PPA possam agravar a concentração regional noBrasil ou, então, não contribuir para a integração nacional e para adesconcentração produtiva e urbana.

Um segundo aspecto da participação do governo federal está relacio-nado com o relativo abandono das políticas regionais. Mediante justifi-cativas de corrupção e de projetos malsucedidos foram extintas a SUDENEe a SUDAM, acenando-se com a proposta de criação de agências dedesenvolvimento regional. No entanto, não se tem conhecimento do for-mato da recriação destas agencias, tampouco da forma de articulaçãoorgânica entre o planejamento nacional e sua dimensão regional.

A estes elementos vem se somar a ausência de uma política industrialexplícita e de coordenação federativa. Isto abre, ou justifica, a disputapredatória entre os estados, o que é comprovado pela “guerra fiscal”deflagrada entre os mesmos.

6. Elementos para uma nova política regional no Brasil

À luz dos elementos anteriormente apresentados, e a título de suges-tão e contribuição para a discussão, são arrolados, a seguir, alguns pon-tos e diretrizes para a formulação de uma nova política de desenvolvi-mento regional para o país:

a) retomada do planejamento nacional, no qual a visão de problemas,potencialidades e prioridades regionais e setoriais esteja organica-mente inserida. Somente assim será possível obter coerência entreas diretrizes de política macroeconômica e de política setorial comas diretrizes de desenvolvimento regional;

b) redesenho institucional, com a criação de um sistema de coordena-ção geral da política regional inserido no sistema nacional de plane-jamento, e redefinição clara do papel e da natureza das atuais agên-cias de desenvolvimento regional;

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c) estabelecimento de uma nova regionalização para fins de planeja-mento, estabelecendo os macro, meso e micropólos, e as respecti-vas macro, meso e microrregiões, como referência para a políticaregional, nos moldes da atual política da União Européia. Esta novaregionalização deveria ser complementada por uma tipologia dasregiões – segundo características produtivas, problemas epotencialidades –, que servisse de base para a definição dos objetivosEste ponto resulta da nossa visão de que a atual divisão estabelecidapelo IBGE não atende às necessidades de planejamento, e de que aregionalização proposta pelo Estudo dos Eixos não corresponde àsnecessidades de regionalização que combinem a dinâmica do espaçoconstruído com as intenções de indução do desenvolvimento;

d) recriar a política regional em múltiplas escalas, adequando os obje-tivos e instrumentos. Exemplos: as políticas de infra-estrutura paraa integração nacional devem ser pensadas à escala nacional oumacroespacial; as políticas específicas para arranjos produtivos lo-cais devem ser pensadas à escala local;

e) centralização dos recursos orçamentários destinados ao desenvolvimen-to regional brasileiro em um fundo único, com decisão de alocação peloCongresso, a fim de se evitar a contradição entre instrumentos e recursosque, muitas vezes, anulam-se mutuamente. A alocação dos recursos de-veria ser feita segundo objetivos regionais e setoriais, de forma coerentecom a nova regionalização e a tipologia regional estabelecida;

f) retomada de um pacto federativo que permitisse eliminar a “guerrafiscal” e facilitar a articulação entre as diferentes instâncias políti-cas – federais, estaduais, municipais etc.;

g) adaptação das políticas tecnológicas, segundo as característicaseconômicas e as potencialidades regionais;

h) definição de uma política urbana e sua articulação com os demaisinstrumentos e políticas de cunho regional. Deveria ser dada ênfaseespecial ao fortalecimento de uma rede de cidades de médio porte,que fosse capaz de dar suporte à expansão produtiva e, ao mesmotempo, servisse de freio ao processo migratório para as grandes me-trópoles. Por outro lado, é necessária a reintrodução do planejamen-to das regiões metropolitanas;

i) articulação entre as políticas regionais e sua horizontalização emrelação à preservação ambiental, nos termos de um compromissocom a sustentabilidade;

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j) ênfase na integração nacional e em sua integração com o restanteda América do Sul;

k) criação de mecanismos de mobilização dos agentes locais e da soci-edade civil, aproveitando o potencial endógeno das regiões e daslocalidades.

7. O papel do BNDES

Como principal agência federal de desenvolvimento, o BNDES terápapel central na redefinição e implementação de uma nova política dedesenvolvimento nacional, que traga explícita a dimensão regional. Noque se refere à questão regional, o BNDES tem papel central na condu-ção dos estudos sobre o diagnóstico dos problemas e das potencialidadesregionais. Neste sentido, o Estudo dos Eixos pode ser tomado como umaexcelente contribuição na discussão de um projeto nacional. Em segundolugar, o BNDES é, antes de tudo, o principal agente financeiro do país e,portanto, a principal fonte de financiamento para o desenvolvimento na-cional. A participação do BNDES deveria ser definida a partir de duaspremissas: montagem de um novo projeto nacional, que estabeleceria asprioridades setoriais e regionais; e rearticulação do sistema institucional,no qual fiquem explicitadas as funções de cada instância institucional,bem como a articulação e a complementaridade entre estas.

Enquanto isso não for feito, o BNDES deveria trabalhar no sentido dadefinição dos grandes projetos de infra-estrutura, saneamento e habitação,que incluiria o financiamento às instâncias públicas subnacionais, especi-almente aos municípios. Estes setores são de grande alcance econômico esocial, além de fundamentais na reestruturação do território brasileiro.Adicionalmente, o BNDES poderia aprofundar seus estudos sobre os ar-ranjos produtivos locais e adaptar sua política de crédito aos mesmos.

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QUESTÃO REGIONALE POLÍTICA ECONÔMICA NACIONAL

Wilson Cano*

A elaboração deste texto decorreu de convite do BNDES, para que oautor participasse de seminário em que se discutiriam as bases e as con-dições para a elaboração de uma nova política de desenvolvimento regi-onal para o Brasil. Contudo, entendo que é absolutamente indispensávela elaboração de uma nova política nacional de desenvolvimento, sem aqual não se poderá formular nem políticas setoriais nem regionais.

Isto advém de duas questões. Primeiro, porque não se deve formularpolíticas específicas que não guardem a necessária compatibilidade entresi, e entre o todo e suas partes. Segundo, porque entendo que o modeloeconômico atual, de corte neoliberal, é incapaz de prover crescimento ele-vado e persistente, e de também prover o saneamento da grave crise socialpor que passamos. Assim, é necessário substituí-lo, construindo-se umaalternativa que atenda a esses pressupostos. Por essa razão, o leitor nãodeve estranhar que a terceira (e maior) parte deste texto se ocupe justamen-te em formular algumas bases para a construção dessa alternativa.

1. Integração do mercado nacional:concentração e desconcentração produtivas

A “Crise de 1929” foi a mais profunda que até então sofrera o capi-talismo, atingindo duramente nosso país. Naquele momento persisti-mos, mas por breve tempo, em permanecer dentro dos cânones do libe-ralismo. Contudo, a severidade das crises externa e interna (a cafeeira ea industrial, que antecederam à externa) desnudou rapidamente a insa-nidade de ainda manter a posição econômica liberal, desencadeando

* Prof. Titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas –UNICAMP.

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uma crise política e uma revolução. Nossa vulnerabilidade externa foirapidamente desnudada, mas, ao mesmo tempo, desnudou também nos-sa potencialidade de defesa da economia nacional. O novo governo ado-tou o rumo de iniciar uma soberana política nacional de desenvolvi-mento, que possibilitou o uso interno mais intenso de nossa agricultura,de nossa mineração e de nossa indústria, tornando cativo a elas o mer-cado nacional.1

Esse foi o início da Era Vargas, que, concomitantemente, desenca-deou a extinção das barreiras fiscais estaduais que impediam ampladeslocação inter-regional de mercadorias, e expandiu a construção danecessária infra-estrutura de transporte e energia. Com essas ações, ocomércio inter-regional cresceu fortemente, superando o exterior. Foi comesse desiderato que o país, antes um “arquipélago econômico”, pôde in-tegrar seu mercado nacional. O uso mais intenso dos próprios recursosnacionais não beneficiou apenas seu estado mais industrializado – SãoPaulo –, cuja indústria, entre 1928 e 1939, cresceu à média anual de7,3%, ao passo que a do restante do país o fez a 6,4%.

Tabela 1: Participação regional no PIB total(Brasil = 100%)

Comprova-o ainda mais a elevada taxa média anual de crescimentodo PIB total entre 1939 e 1970, de 5,86% para o Brasil, 6,67% para SãoPaulo e 4,74% para o Nordeste, a região que menos cresceu. A Tabela 1mostra que, entre 1939 e 1970, apenas o Nordeste e o Rio de Janeiroapresentam perdas mais significativas no contexto nacional, não por te-rem estagnado suas economias, mas pelo crescimento mais aceleradode São Paulo.

1 Sobre o tema, ver Cano (1998 e 2002 a).

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A Tabela 2, que mostra a participação regional no PIB agropecuário,revela perdas significativas daquelas mesmas regiões, bem como de MinasGerais e São Paulo, compensadas pelo extraordinário crescimento no Sul, epela expansão da fronteira agrícola no Centro-Oeste e no Norte. Com efei-to, a agricultura itinerante de que falou Furtado continuou se expandindo,reconcentrando a propriedade agrária, expulsando o pequeno ocupante ereproduzindo, cada vez mais longe, o binômio progresso-miséria.

Em livro editado em 1972, Furtado analisou o fenômeno, que, a seujuízo, se estendia desde o século XVI, e ao qual chamou de problema daagricultura itinerante. Mostrava que, à medida que a agricultura de ex-portação se expandia, empurrava para o interior a pecuária e destruía asbases da agricultura de subsistência, que se interiorizava cada vez mais,tornando-se também itinerante. Furtado mostrou que esse fato não foiexclusivo do espaço nordestino, pois também o café no Vale do Paraíbapraticou processo semelhante, e as exceções, segundo ele, teriam sido oscasos de áreas de colonização de pequena e média propriedade, como osdo Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul 2.

Esse movimento se devia a que, abundando a mão-de-obra – comínfima remuneração – e havendo “facilitado” acesso à terra, não se re-queria maior assimilação de progresso técnico, reproduzindo, alhures,seus baixos rendimentos físicos.

Assim, a agricultura de subsistência foi sempre prejudicada, empur-rada para outro lugar, e a pequena produção jamais teve condições decompetir, antes, com a agricultura escravista – que recebia determinadostipos de privilégios – e, depois, com a capitalizada, que operaria em ou-tras bases econômicas. Deste modo, o país, desde o século XVI, continuaa empurrar grande parte de seus miseráveis e a atrair outros, à medidaque a fronteira agrícola caminha. Na fronteira se reproduz a questãofundiária e, dado que grande parte dos migrantes só consegue se alojarno mundo urbano, também ficam reproduzidos os problemas urbanostípicos das periferias das grandes cidades.

2 Refiro-me ao que Furtado (1972, cap. II) chamou de Agricultura Itinerante, bem como desuas idéias fundamentais sobre a questão regional, apresentadas em várias de suas obras, entreas quais: A Operação Nordeste, Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nor-deste (texto não assinado pelo autor mas de autoria confessa), Formação Econômica do Bra-sil e A Fantasia Desfeita. Publiquei uma síntese do tema (“Furtado e a questão regional noBrasil”), em Tavares (2000), e outra, com versão atualizada para o período pós-1970: “Furta-do: a questão regional e a agricultura itinerante no Brasil.”, em Cano (2002 B).

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Escrevendo isso em 1972, Furtado não podia prever os efeitos que onovo sistema de crédito rural, criado em 1965, geraria sobre o padrãotecnológico da agricultura, fato que poderia interromper aquelaitinerância, dada a lógica de sua análise. Daqueles tempos até o presen-te, entretanto, sua análise continua válida, com uma única diferença: àépoca, o autor via essa agricultura como ineficiente, de baixa produtivi-dade, de baixo uso de recursos tecnológicos, justamente porque o preçoda terra e as condições de oferta de mão-de-obra a favoreciam.

Tabela 2: Participação regional no PIB agropecuário(Brasil - 100%)

De 1970 para cá, além de os fatores terra e mão-de-obra baratos per-sistirem, novos incentivos se juntaram ao processo, a saber: infra-estrutu-ra pública, maior acesso ao crédito, acesso ao mercado (desregulado) decâmbio, via exportação, especulação ainda mais intensa sobre o ativo ter-ra e, ainda, incentivos fiscais em certas regiões3.

Hoje, ao contrário, a tecnologia penetrou mais no campo – não ple-namente, dado que a mecanização de colheitas ainda é parcial. Comisso, elevaram-se os rendimentos físicos e a produtividade – emboraainda estejamos longe dos melhores padrões internacionais –, mas aquestão central, a expansão da agricultura itinerante, ainda se mantém.Colaborou muito para a continuidade desse processo o próprio gover-no, com a forma com que implementou suas já citadas políticas de in-centivo às exportações – que destruiu a estrutura fundiária do norte do

3 Para essa constatação, ampliei e atualizei, em 2001, meu texto citado na nota anterior,analisando o mesmo processo de itinerância entre 1970 e 2000.

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Paraná, substituindo as pequena e média propriedades pelo latifúndiosoja/trigo –, à produção de energéticos (cana-de-açúcar), e às mais re-centes formas de colonização (e de extração de madeira) no Centro-Oeste e na Amazônia.

A atividade industrial cresceu ainda mais do que os demais setores,tendo o predomínio de São Paulo sido acentuado, com sua participaçãona produção nacional da indústria de transformação aumentando,ininterruptamente, até 1970, quando atinge 58,2%. Não podemos negli-genciar os fatos mais importantes que marcaram a política econômica doperíodo: notável expansão do Estado, do sistema nacional de planeja-mento e da montagem de instituições e instrumentos orientadores da po-lítica de desenvolvimento regional, estes iniciados com a proposta de CelsoFurtado, em 1959. Papel extraordinário cumpriu o investimento público– notadamente o das empresas estatais –, que complementava os esforçosmais gerais de desenvolvimento nacional e regional.

O período que se estende entre fins das décadas de 1960 e final dosanos 1970 teve sua política econômica mais direcionada para a expansãoe a diversificação da agropecuária e da agroindústria – notadamente paraexportação – e para a expansão industrial, que contemplava a montagemde segmentos mais complexos – insumos básicos e bens de capital –,além de forte expansão da infra-estrutura de transporte, energia e teleco-municações. O programa, fortemente conduzido pela ação do Estado e desuas empresas, acelerou ainda mais o crescimento anual do PIB nacionalentre 1970 e 1980 (8,7%), mas o uso mais intenso do potencial das de-mais regiões fez com que crescessem (8,9% para o Nordeste), desta vez,à frente de São Paulo (que cresceu a 8,2%).

No que tange à indústria de transformação, iniciou-se, naquele mo-mento, um processo mais decisivo de desconcentração produtiva, tantoporque as anteriores políticas regionais geraram efeitos positivos de atra-ção de inversões privadas, como, principalmente, porque o Estado am-pliou, nesse sentido, sua ação, desconcentrando energia, transportes, tele-comunicações, agricultura e agroindústria, e indústrias básicas (tabela 3).

2 - Crise, neoliberalismo e reconcentração industrial

Vinda a crise da década de 1980, a desaceleração fez com que o PIB naci-onal crescesse, entre 1980 e 1985, à média anual de 1,2%; São Paulo – o maisafetado pela crise –, a incríveis 0,2% e o Nordeste a 3,3%. A desconcentraçãoainda continuou, por duas razões: porque, até meados de 1985, ainda amadu-

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reciam na periferia nacional alguns dos megaprojetos públicos iniciados nadécada de 1970; e por razões meramente estatísticas, dado que as taxas deSão Paulo foram ainda mais deprimidas do que as do resto do país.

A Tabela 3 mostra ainda, contudo, que o fenômeno da desconcentraçãoindustrial não se deu apenas no sentido de São Paulo ao restante do país: aindústria do interior desse estado aumenta sua participação nacional, de 14,7%para 22,5%, mostrando o óbvio fato de que a localização de certas atividadeseconômicas, no capitalismo, tem outros determinantes (mercado, infra-estrutu-ra, recursos naturais, etc.) além daqueles emanados apenas por decisão estatal.

A década de 1980 – a da dívida – teve como características básicas: altainflação, baixo crescimento, crise crônica de balanço de pagamentos, cortedo crédito interno, e elevação acentuada das dívidas públicas externa e inter-na. Isto debilitou fortemente o Estado nacional, em termos fiscais e financei-ros, reduzindo o gasto e o investimento públicos (e o de suas empresas esta-tais), e deslocando a reflexão sobre a política econômica, da órbita do desen-volvimento para a da conjuntura. No campo produtivo, a indústria se debili-tou, e cresceram mais os segmentos minerais e agroindustriais exportadoresou de energia, como o álcool de cana-de-açúcar.

Tabela 3: Indústria de transformação: participação regional no VTI(Brasil = 100%)

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Essa conjunção fez com que diminuísse a ação do Estado no planoregional e se debilitasse o investimento privado industrial. Com isso, onúcleo da dinâmica industrial – o parque produtivo de São Paulo – estag-nou, paralisando os efeitos de desconcentração que se manifestaram en-tre 1970 e 1985.

A década de 1990 foi ainda pior, com a instauração das reformas epolíticas de corte neoliberais. Com elas, a palavra eqüidade cedeu lugar,nos planos político e ideológico, à palavra eficiência. Assim, perderamsentido políticas que buscassem – de fato, e não apenas no discurso – adiminuição das disparidades regionais. As mudanças mais radicais, emrelação à década anterior, foram a inversão dos saldos externos (agorafortemente deficitários), a drástica redução da inflação, o corte aindamaior do gasto público, juros reais ainda mais altos e a duplicação dataxa de desemprego.

Com efeito, os antigos instrumentos e instituições que se ocupavamdessa temática feneceram, dando lugar a novas e modernas idéias, comoas do poder local, da região (ou cidade) competitiva, e, nos marcos doEstado nacional, para dissimular suas efetivas intenções, inventou-se apolítica dos grandes eixos.

Estes, efetivamente, constituíam vetores ligando zonas produtivas aportos de exportação, que deveriam receber grandes investimentos, paraaumentar a eficiência e competitividade de nossas exportações4. Contu-do, é necessário frisar que tais eixos apenas tocavam pontos de origem-destino, pouco ou nada fazendo em prol dos maiores espaços regionaisem que estivessem inseridos. E praticamente ignoravam os problemasurbanos e sociais das cidades maiores envolvidas pelos eixos. Pior ainda,parte substancial (mais de dois terços) dos investimentos a eles vincula-dos viria do setor privado, os quais, dados os juros escorchantes e a in-certeza pelo pífio crescimento, “ficaram ao largo”.

Assim, paralisou-se o processo de desconcentração industrial (verTabela 3), se esta for avaliada pelo valor da produção total da indústriade transformação. Porém, em termos de seus principais segmentos, hou-ve, na verdade, reconcentração, em São Paulo, em vários ramos de maiorcomplexidade tecnológica. São Paulo aumentou sua participação no totalnacional, entre 1985 e 1998, como nos casos dos produtos eletrônicos e

4 Para a crítica à questão do poder local, ver: Brandão (2002); Fernandes (2001); eVainer (1999 e 2000). Para a crítica sobre os eixos, ver Brandão e Galvão (2001).

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de comunicações (de 55,7% para 63,6%), químicos (de 54,9% para62,1%), equipamentos de informática (de 49,4% para 63,5%), e indús-tria de gravação e editoração eletrônicas (de 48,6% para 59,2%)5.

Os governos locais (estaduais e municipais), como medida de defesa –mas também por acreditarem na ideologia do poder local –, lançaram-se àinfeliz empreitada da “guerra fiscal”, submetendo-se a verdadeiros leilões delocalização industrial promovidos por empresas de grande porte (geralmentetransnacionais), fazendo políticas de um anti-Robin Hood, transferindo di-nheiro de pobres para milionários, e fomentando a localização pelo subsídioe pelo trabalho periférico ainda mais precarizado e mais barato6.

Dado o quadro econômico que se delineava após a abertura de 1994,alguns estudiosos da questão regional passaram a pensar que, em virtude da(propalada) nova inserção externa do país, suas distintas regiões cada vezmais buscariam inserções próprias, desvinculando-se, em parte, do restantenacional. Voltadas, assim, mais para o exterior do que para o interior, essesterritórios competitivos – cidades, estados, regiões – causariam verdadeirafragmentação do território nacional, desfazendo a construção iniciada na EraVargas7. Alguns acreditaram que a nova inserção seria intrínseca ao modelode abertura e a fragmentação, inevitável. Outros também professavam isso,mais por convicção ideológica, e fizeram coro aos detratores da Era Vargas.

Estes, logo concordaram com a nova “política regional”, a dos gran-des eixos, que não logrou êxito, dado o malogro do crescimento do PIBe o das exportações. Aqueles ainda mantiveram aceso o espírito crítico,percebendo claramente que aquilo era um engodo de política regional, eque seria necessário – dada a inevitabilidade da suposta nova inserção efragmentação, que seria mister – construir uma nova política nacionalde desenvolvimento regional, adequada à nova era. De forma muito re-sumida, tal proposição deveria buscar, entre outras coisas, descobrir,redescobrir ou fomentar as potencialidades competitivas das distintasregiões brasileiras, com o que, pensavam, combateriam as disparidadesregionais. Mas, com isso, fragmentavam a nova política regional, dis-persa por inúmeras microrregiões e por inúmeras atividades.

5 É o que mostram os dados das Pesquisas Industriais por Amostragem (PIA) de 1996-1998, da FIBGE.6 Sobre a guerra fiscal, ver Arbix (2002) e Alves (2002).7 Sobre o tema dos impactos regionais decorrentes da abertura externa e das privatizações,e do da fragmentação, ver Araújo (1999), Diniz (1999 e 2002), Kon (2002), Pacheco(1998) e Tinoco (2001).

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Esqueceram, no essencial, que o modelo de corte neoliberal – paranós, países subdesenvolvidos – não nos leva ao crescimento alto e sus-tentado no tempo, e, tampouco, a uma miraculosa inserção externa capazde saldar os nossos imensos débitos externos, atuais e futuros. Não sederam conta de que, com abertura, desnacionalização e privatização, sequebravam elos importantes de cadeias produtivas – muitas de âmbitointer-regional – e, notadamente, a fundamental ação regional induzidaapelos investimentos das antigas estatais. Não perceberam, enfim, que omodelo é inviável, e inviável, portanto, a política regional dele derivada.

Há, assim, que se procurar um caminho, nacional, que nos leve aocrescimento necessário. Aquele que dê conta do desemprego e possibiliteo saneamento de pelo menos parte significativa de nossa triste questãosocial. Só a partir dele é que poderemos, de fato, traçar as linhas de umaefetiva e nova política regional de desenvolvimento. Mas, antes de pas-sarmos à discussão de alternativas, façamos um breve balanço da heran-ça regional desse longo processo de desenvolvimento.

É bom lembrar que, em que pese termos tido 50 longos anos de excepci-onais crescimentos nacional e regional, não enfrentamos condignamente nossosproblemas ambientais e sociais: distribuição de renda, reforma agrária, anal-fabetismo, mortalidade infantil, e outros. Muitos deles, é verdade, melhora-ram seus indicadores, os quais, contudo, permanecem, ainda, próximos aosdos países mais subdesenvolvidos do planeta, os africanos. Ou seja, emboraas regiões periféricas tenham crescido bastante até o início da década de1980, os problemas distributivos ficaram praticamente intocados.

Tabela 4: Diferenças regionais da renda média por habitante(Brasil = 100)

Fonte: FGV/FIBGE – Censo Demográfico e Contas Nacionais. NO(1)

inclui TO em1990 e 1998; CO

(1) inclui TO em 1939-1970.

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A Tabela 4 mostra uma aparente convergência entre os níveis da ren-da/habitante das distintas regiões. Observe-se que as mais baixas cresce-ram em direção à média nacional, e que as mais altas baixaram. Contudo,embora isso possa parecer um bom sinal, há que se esclarecer que partedessa convergência se deve ao forte movimento migratório brasileiro, quefez com que, por exemplo, o denominador daquela relação diminuíssefortemente em Minas Gerais e no Nordeste, entre 1940 e 2000. Ou seja,enquanto a população cresceu 164% naquele estado e 230% naquela re-gião, a do Brasil crescia 310%, a de São Paulo 427% e a do Sul 383%.

De fato, as migrações inter-regionais, que entre 1980 e 1991 soma-ram 3 milhões de brasileiros – dos quais 1 milhão foi para São Paulo,cerca de 0,6 milhão para o Centro-Oeste e 0,9 milhão para o NO –, so-maram mais outros 3,1 milhões entre 1991 e 1999, dos quais o CO ab-sorveu apenas 350 mil, o NO apenas 80 mil e São Paulo foi o grandereceptor, com 1,5 milhão. Assim, a agricultura itinerante (Centro-Oeste eNO, principalmente) e os serviços de São Paulo receberam 73% dos flu-xos desses dois períodos, mas, note-se que, no segundo, São Paulo rece-beu quase 4 vezes mais do que a fronteira. Nesses períodos, os nordesti-nos foram, de novo, os emigrantes recordistas, somando 1,4 milhão emcada um. Do Nordeste, o total acumulado de emigrados, até 1999, era de8,8 milhões, ou seja, cerca de 19% de sua população total8.

Assim, a melhoria (ou piora) da renda média regional por habitantesofreu importante influência estatística, e não apenas por razões econô-micas regionais. Se olharmos, contudo, só para estados e não para regi-ões, há que se lembrar que, em 2000, o Maranhão ainda apresentavarenda média equivalente a apenas 24% da nacional, ou que a de Tocantinsera de 31%, mas a de Brasília era 131% maior.

Devemos lembrar também que, em que pese a região metropolitanade São Paulo ter tido, em 2000, uma renda média por habitante em tornode US$5.000 (68% acima da média nacional), ali se encontravam 5,2milhões de pobres (ou 30% de sua população), perfazendo 10% do nú-mero de pobres do país. Estes, que eram cerca de 41 milhões ao final dadécada de 1970, cresceram para 63 milhões em 1990, diminuíram para50 milhões em 1995, mas, em 1999, já eram 53 milhões. É fato, também,

8 Ajustei os dados da PNAD 1999 (que não pesquisou as zonas rurais do NO), de formaa poder compará-los com os do Censo de 1991. Essas matrizes migratórias farão parte deoutro texto que o autor está preparando.

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que no Nordeste o quadro é ainda mais grave: naquele mesmo ano, 53%de sua população era pobre, atingindo 24 milhões de pessoas.

Que dizer ainda de indicadores como o analfabetismo, que aindaatinge 7,8% no Sul e no Sudeste, e 26,6% no Nordeste? Ou da mortali-dade infantil, com números de 20 no Sul, 24 no Centro-Oeste e no Su-deste, e nefandos 53 no Nordeste? Deve-se lembrar, entretanto, quemuitos países com menor renda do que a brasileira ostentam indicado-res muito melhores. Ou seja, esse mal poderia ser fortemente reduzidocom políticas sociais e de redistribuição de renda, que só em parte de-pendem de níveis elevados de renda.

Assim, já podemos adiantar que uma nova política de desenvolvi-mento regional deve, necessariamente: i) ter como determinantes gerais– e não específicos – os da política nacional de desenvolvimento; ii) tercomo parâmetros básicos de atuação a elevação do nível de vida de suaspopulações, obtida fundamentalmente por políticas de maior conteúdode emprego e de redistribuição de ativos.

Lembremos, por outro lado, que não nos encontramos no final dadécada de 1950, quando foram produzidos os primeiros ensaios para apolítica de desenvolvimento regional. De lá para cá, muito ocorreu tam-bém de positivo: i) a urbanização aumentou, criando novas oportunida-des e novos estímulos econômicos e sociais; ii) a pesquisa de recursosnaturais aprofundou sobremodo o conhecimento sobre nossos territóri-os, solo, subsolo, água e meio ambiente, ainda que, nesta última ques-tão, o conhecimento ainda esteja longe de nos assegurar a preservaçãoambiental, notadamente na Amazônia9; iii) também desenvolvemos no-vas tecnologias de produtos e processos agropecuários adaptados aespecificidades de solo, clima e regionais, embora mais envolvidos com cul-turas de exportação; iv) a indústria de transformação – notadamente a deprodutos leves e agroindústria – se desconcentrou, fazendo com que, de suarenda gerada entre 1970 e 1998 que equivalia a 160% da de 1970, poucomais de sua metade fosse gerada na periferia nacional, representando issocerca de 1,5 vezes a renda industrial gerada em São Paulo, em 1970.

Por outro lado, constituiu erro grave do governo federal as recentesextinções da Sudam e da Sudene, tidas como decorrentes da grande

9 Nesse sentido, são muito oportunos os trabalhos de Novaes (2002) e de Silva (2002),que nos advertem que atividades agrícolas, pastagem, madeireira, de mineração e a cons-trução de hidrovias têm causado forte degradação na região.

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corrupção que porventura existia naquelas instituições. Em seu lugar,criaram-se Agências de Desenvolvimento – ADA e ADENE, respecti-vamente –, eliminando a representação política nos antigos ConselhosDeliberativos, convertendo-os em órgão meramente técnico. Essa atitudeparece reviver o dito popular de que não se deve jogar fora, com a águasuja, a banheira e a criança. Por outro lado, a criação dessas Agênciasparece estar mais em consonância com atitudes regulatórias para contor-nar “falhas” em atividades exercidas pelo mercado do que com atitudesque devem ser essencialmente públicas10.

O desmonte do Estado nacional, sua exaustão financeira, a violentacontração do gasto público social e de investimentos transmitiram-se àshierarquias estaduais e municipais, via descentralização de serviços; peloardil federal no manejo do aparelho tributário, através do aumento maisque proporcional dos tributos e contribuições que não sofrem repartiçãocom os estados e municípios; e pelos mecanismos vis, impostos às nego-ciações das dívidas dos estados e dos principais municípios, comescorchantes taxas de juros, comprometendo os orçamentos dessas ins-tâncias por pelo menos 30 anos. Com isso, as discussões sobre guerrafiscal, reforma tributária (que desonere a produção/exportação e que tri-bute no destino) e leis de incentivos regionais constituirão difíceis nego-ciações, antes das quais será temeroso formular uma nova política regio-nal consistente e duradoura.

Assim, a construção dessa alternativa só deve ser solidária com anacional, de tal sorte que tanto as políticas sociais como as de crescimen-to, e de infra-estrutura, sejam articuladas ao todo nacional, e que possamreconstruir os elos que se romperam ou foram enfraquecidos com a insanapolítica neoliberal. Nesse contexto, a infra-estrutura deveria ser tratadacomo suporte à competitividade sistêmica, e também como serviço deutilidade pública/social, mas não como uma mercadoria de “logística”.Por exemplo, o setor de transportes é tratado como mero “escoamento”.Há, portanto, que reconstruir instrumentos, corpo técnico qualificado einstituições adequados às necessidades presentes, bem como rever a do-tação de recursos para isso necessários.

As bases da nova política regional, todavia, só devem resgatar o quede bom e útil tinham no passado, sem que isso signifique a volta pura esimples a ele. Devem também olhar o que há de novo, cuidando, porém,

10 Para uma crítica dessa mudança, ver Carvalho (2001).

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de evitar o sentido de verdadeira panacéia que ora se pretende dar àschamadas políticas de competitividade territorial. Não é demais aindaadvertir que é necessário sempre ter em conta, quando comparamos aspolíticas regionais nos países desenvolvidos, que somos um país subde-senvolvido, e que, portanto, nossos problemas regionais apresentam pro-funda diferenciação em relação aos daqueles.

Mas, como se verá adiante, nosso atraso e nossa deterioração econô-mica, tecnológica e social são grandes, o que exigiria enormes recursosinternos e externos para saná-los. Por outro lado, são também grandesnossas restrições políticas externas e internas, exigindo, assim, da nação,grande força de coesão política. Não é demais dizer que essa tarefa leva-rá muito tempo para dar um atendimento responsável para nossa questãoregional-social-nacional, e que, diante de tais obstáculos, temos que fa-zer renascer uma velha palavra: priorização.

3. Para um novo projeto nacional de desenvolvimento11

Entendo serem fundamentais, para a formulação desta proposta, areflexão crítica sobre as radicais mudanças da economia política inter-nacional a partir de fins de 1979, decorrentes da mudança da políticafiscal norte-americana, e a subseqüente restauração do dólar como oequivalente geral da economia mundial. A partir daí, os EUA retoma-vam sua hegemonia e instaurariam, com outras atitudes, o maior poderimperial no sistema capitalista de produção12.

Assim, na década de 1980, os países subdesenvolvidos sofreram osperniciosos efeitos da “Crise da Dívida”, que aprofundaram as crises

11 Desde 1990, o autor tem elaborado e organizado algumas idéias sobre este tema. Aprimeira versão é de 1990 na Unicamp, publicada e atualizada em Cano (1992). Atualizei-a, e a última está publicada em Cano (2002c), que praticamente constitui este tópico, compequenas alterações.12 As principais atitudes e seus maiores efeitos foram: a quebra financeira dos paísesmais endividados, entre os quais alguns socialistas, dada a brutal elevação da taxa de juros eo corte dos financiamentos externos à periferia mundial; o anúncio do projeto Guerra nasEstrelas em 1983, ameaçando militarmente a já combalida capacidade de retaliação da URSS;o desastre político e econômico da perestroika, a partir de 1985-86; a queda do Muro deBerlim, em 1989, e suas seqüelas: o elevado custo da reunificação alemã e a desintegração daURSS e da Comunidade dos países Socialistas, a partir de 1991; a desvalorização do dólar ea subseqüente valorização do iene. Em resumo, os EUA liquidaram a URSS e as anteriorespretensões de Japão e Alemanha, em tomar-lhes o poder hegemônico no capitalismo.

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fiscal e financeira do Estado nacional, debilitaram o crescimento e am-pliaram, de forma estrutural, o rombo financeiro do balanço de pagamen-tos. Na de 1990, o receituário neoliberal implicou a submissão consentidaà nova ordem, representada pelos preceitos contidos no chamado Con-senso de Washington, abdicando de suas soberanias nacionais no exercí-cio de suas políticas econômicas13.

Esta proposta também objetiva desmistificar o discurso da direita,que reitera a não existência de alternativas possíveis ao modelo neoliberal,e de que a esquerda não tem qualquer projeto. Não ignoro as dificuldadespara convencer a opinião pública, tanto sobre a proposta, como sobre suaimplementação, assim como os maiores obstáculos políticos e econômi-cos (internos e externos) nela envolvidos. Ainda que a consideremos comouma utopia, entendo que ela possa ampliar o espaço de discussão do pro-blema e de alternativas.

As análises da dinâmica dos modelos neoliberais impostos desde ofinal da década de 1980 à América Latina mostram claramente que elescausaram considerável piora de nossas condições econômicas, políticase sociais, já deterioradas na década anterior14. O receituário neoliberalestá assentado para atender a duas ordens de questões: a financeira e aprodutiva. A primeira decorre da crise financeira internacional, queexplicitou a supremacia do capital financeiro sobre as outras formas decapital, impondo a quebra da soberania nacional de nossos países, paraliberar seu movimento internacional na busca incessante de valorização. Asegunda decorre da reestruturação produtiva e comercial feita pelas gran-des empresas transnacionais, em suas bases nos países desenvolvidos, queexigiu, na década de 1990, reestruturações semelhantes em suas bases lo-calizadas nos subdesenvolvidos. Destas duas ordens decorre a necessidadeda imposição de um conjunto de reformas institucionais nestes países.

Mas, para isto, era preciso desmantelar as estruturas de nossos Esta-dos nacionais – o que se fez com a conivência de nossas elites –, eimplementar as seguintes reformas: desregulamentação dos fluxos in-ternacionais de capital financeiro e das condições de sua aplicação nopaís; abertura comercial e financeira; diminuição do tamanho e da açãodo Estado (eliminação de órgãos públicos, dispensa de funcionários,

13 Uma análise desses processos pode ser vista em: Fiori (1999) e Cano (2000).14 Ver, no texto já citado (Cano, 2000), a análise macroeconômica dos sete principaispaíses latino-americanos, onde os dados macroeconômicos explicitam seus movimentosde auge, baixo crescimento e depois a crise.

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privatizações e concessões de serviços públicos, desmantelamento dossistemas de planejamento); reforma do sistema financeiro nacional;flexibilização das relações trabalho-capital; e reforma previdenciária.

Essas reformas foram complementadas por políticas de estabilizaçãoque tiveram, como lastro, elevada valorização cambial da moeda nacio-nal, que reduziu fortemente os custos dos importados, debilitou nossasexportações, gerando enormes déficits comerciais e de serviços. Por exem-plo, no Brasil, entre 1989 e 2001, o PIB cresceu 26,4%, as importações,203% e as exportações, 69%.

Parte substancial das entradas de Investimentos Diretos do Exterior(IDE) foi alocada em compras de empresas públicas e privadas nacio-nais, predominantemente na área de serviços – distribuição de energia,telecomunicações, finanças, etc.. Como não geram divisas, suas remes-sas de lucros e de juros de financiamentos externos (com o que amplia-ram a dívida externa) agravaram ainda mais o balanço de serviços.Privatizações, desnacionalização, desmantelamento de empresasprestadoras de serviços e sua liberalização ampliaram os gastos interna-cionais com serviços de transporte, financeiros, de engenharia, consultoria,etc. O câmbio barato e livre ampliou também os gastos com turismo,compras de imóveis no exterior e crescentes remessas não controladas,muitas de escusa procedência.

Com isso, ao déficit comercial adicionou-se o de serviços, aumentan-do as necessidades de financiamento externo. Atendidas por entradas cres-centes de capitais de toda a ordem, ampliam ainda mais a dívida externae a conta de juros. Maiores pagamentos de juros e amortizações crescen-tes exigem novos (crescentes e permanentes) financiamentos para tapar,além daqueles dois buracos (o chamado déficit em transações correntes),o do lado financeiro do balanço de pagamentos.

Com isto, nosso passivo externo (hoje na casa dos US$ 400 bilhões) enossa dívida externa aumentaram, fazendo com que, tanto para pagar osjuros de sua fração pública, quanto para enxugar a liquidez gerada pela“enxurrada de dólares”, aumentasse a dívida pública. Assim, os jurospagos pelo governo já somam o equivalente a 8% do PIB, no orçamentofederal. E isto leva o Banco Central a manter elevadas taxas de jurosinternos. Estes (maus) fundamentos macroeconômicos debilitam tam-bém o crédito interno.

Assim, as restrições externas e internas ao crescimento aumentamcada vez mais, inibindo o investimento: o público, porque o governo não

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tem recursos para isso; e o privado, pela elevada taxa de juros, e peloaumento da incerteza e baixo crescimento do PIB. É preciso lembrarque a crescente contaminação dos juros no orçamento público exigenovos e crescentes cortes do gasto corrente, notadamente nos gastossociais.

Esses efeitos deprimem o crescimento médio na América Latina comoum todo, e no Brasil, em particular. Nos últimos doze anos, para a maiorparte de nossos países, o crescimento alto (de 5% ou mais) só ocorreu emtrês ou quatro anos; o baixo (entre 3% e 5%) em outros tantos, e o débilou negativo, em outros três ou quatro anos. Isto se deve ao fato de que adinâmica de alto crescimento gera um aumento mais que proporcionaldos gastos externos, levando a uma situação de crise cambial aberta oulatente, que obriga a um freio no crescimento, para “reequilibrar” as con-tas externas.

Crescimento maior traz aumento nas dívidas, deprimindo também ascontas públicas; crescimento baixo ou negativo debilita a receita fiscal,igualmente deprimindo as contas públicas. É por isso que, a despeito denossa carga tributária ter crescido, no período recente, de 26% para 34%,a penúria fiscal não se resolve, pois todo o seu aumento (8%) é pratica-mente absorvido pelos juros.

Não é preciso repisar os males sociais advindos dessa dinâmica: au-mento do desemprego, queda dos salários reais, corte dos gastos sociais eaumento da violência, hoje presentes em quase todos os nossos países ecidades. Assim, é inerente à dinâmica desse modelo a corrosão (e não oequilíbrio) dos chamados fundamentos da economia, que, fatalmente, aconduz a um desastre cambial e financeiro. A conhecida rota Argentina.

3.1 Reformas parciais ou ruptura do modelo?

Essas reflexões levam-me a entender que no modelo não cabem alte-rações parciais. Se baixarmos muito apenas os juros, para torná-los com-patíveis com o cálculo empresarial, o capital externo diminui ou foge,implodindo o modelo; se aumentarmos os gastos sociais (e o investimen-to público), é o orçamento que explode, em face do enorme peso dosjuros; os estímulos às exportações esbarram em obstáculos externos (odescarado protecionismo dos países desenvolvidos, queda dos preços, etc.)e internos (o orçamento fiscal). Se pretendermos conter importações,defrontamo-nos com acordos internacionais e com a desestruturação cau-sada, em parte, de nossas cadeias produtivas.

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Assim, entendemos que devemos substituir o modelo atual, instau-rando uma transição rumo à nossa alternativa, com uso da soberanianacional no manejo da política de crescimento da renda e do empregomais altos e duradouros, com distribuição de renda e justiça social, coma oferta e a demanda voltadas principalmente (não exclusivamente) parao mercado interno. Nossa vulnerabilidade externa adiciona, à nossa pro-posta, rumos de crescimento poupadores e geradores de divisas, maslonge de qualquer sentido de autarquia econômica ou de uma volta aoprotecionismo frívolo.

O atual modelo ampliou muito nossos constrangimentos externos, edificulta a formulação e a execução de um novo projeto nacional de de-senvolvimento, pois:

• a dívida externa dobrou, pressionando mais o Balanço de Pagamen-tos, e exigindo permanente renegociação e ampliação do financia-mento externo;

• a tríade nos impôs suas políticas multilateralistas, estreitando nossacapacidade externa de negociação bilateral. A adesão brasileira àRodada Uruguai e à OMC reforçou ainda mais o comprometimentoda economia nacional e de sua soberania;

• as novas empresas transnacionais praticaram a mais altareconcentração privada de capital, ampliando sobremodo seus po-deres monopólicos de mercado, financeiro, tecnológico e de decisãopara o investimento interno;

• as transformações tecnológicas, entre outros, nos causam os seguin-tes problemas:

a) substituição de trabalho (principalmente o menos qualificado), fatorabundante nos países subdesenvolvidos, e duplicação do desempre-go estrutural;

b) substituição de insumos e produtos tradicionais (aço comum, cobre,chumbo, açúcar de cana, etc.), por novos, produzidos pelas novastecnologias, notadamente nos países desenvolvidos;

c) sucateamento de equipamentos e instalações relativamente novos,estruturados no antigo padrão tecnológico;

d) necessidade de grandes investimentos de infra-estrutura adequadaàs novas tecnologias;

e) incerteza sobre o futuro de parte de nossa agricultura, frente à modernabiotecnologia, que poderá eliminar parte de nossas vantagens atuais;

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f) transferência, dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos,de parte da produção de bens causadores de graves danos ecológi-cos ou que requeiram alto consumo de energia, como aço, alumínio,celulose etc;

g) as privatizações e quebras dos monopólios públicos encolheramainda mais o Estado, reduzindo seu investimento e levando-o, in-clusive, à perda da capacidade de, através de empresas estatais,conduzir as principais políticas setoriais e regionais;

h) o predomínio das decisões pelas transnacionais dirige o progressotécnico para segmentos que são mais compatíveis com a distribui-ção regressiva da renda, ou que a acentua.

Por outro lado, a acumulação dos efeitos perversos da crise da décadade 1980 com os do período atual, ampliou o conjunto de constrangimen-tos internos inibitórios ao crescimento:

• nosso velho conhecido problema da estabilização não está, de ma-neira alguma, solucionado, dado que, ao contrário do que apregoamos economistas oficiais, alguns dos fundamentos macroeconômicossão fortemente instáveis, como o câmbio, os juros e a ciclópica dívi-da pública interna;

• profunda deterioração do Estado, dada sua fragilidade fiscal e finan-ceira, ineficiência administrativa, corrosão do sistema de planeja-mento, e a urgente necessidade de readequação qualitativa do funci-onalismo público;

• as privatizações e concessões de serviços públicos não compensaram osefeitos negativos gerados por vinte anos de redução do investimentopúblico, que deteriorou serviços públicos básicos e a própria infra-es-trutura, como em energia, transportes e saneamento básico;

• há urgente necessidade de diagnosticar as empresas estatais rema-nescentes, para readequá-las aos novos propósitos de crescimento;

• o atraso tecnológico relativo de vários setores produtivos;

• a debilidade do sistema nacional de financiamento de longo prazo;

• a ausência de capacidade e vontade política das elites, para formu-lar um novo projeto nacional de desenvolvimento. Estas, em gran-de parte, se converteram em rentiers da dívida pública, benefician-do-se ainda das facilidades concedidas pela livre entrada e saída docapital para o exterior.

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Considerados os anos em que estamos ficando à margem dareestruturação tecnológica e o tempo necessário para alocar recursos einvestimentos para recuperar o que deixou de ser feito, não é difícil esti-mar que nosso “atraso” rumo à Terceira Revolução Industrialcontabilizaria um período em torno de 40 anos.

3.2 Questões básicas para formular um novo modelo

A esse atraso técnico e material, há que se juntar o atraso cultural e osocial, ampliados durante esse período. Assim, penso que os objetivosbásicos de médio prazo de nosso projeto devem buscar altas e persisten-tes taxas de crescimento da renda e do emprego; diminuição dasdisparidades regionais; implantação de uma política científica, tecnológicae cultural com maior autonomia, distribuição social de renda e de ativos,e responsável conservação ambiental.

É necessário aprofundar o diagnóstico macroeconômico e social, eestudar as perspectivas internacionais, a fim de que se possa implantaruma política de transição que reduza, no curto prazo, alguns efeitos maisperversos do atual modelo e firme os parâmetros para a condução aonovo propósito. Esta alternativa, que é progressista e democrática emrelação ao atual fascismo de mercado, exige que se tenha consciência dosproblemas a enfrentar, e se esclareça a opinião pública sobre suas difi-culdades e efeitos.

Essas questões nos levam a entender que:

• há inquestionável e inadiável necessidade de ruptura com o atualmodelo, substituindo-o pela alternativa aqui proposta;

• será indispensável reestruturar as dívidas interna e externa, para de-safogar a crítica situação de nossas finanças públicas e o balanço depagamentos;

• será imprescindível o controle do câmbio e dos fluxos de capitais doe para o exterior, e retirar qualquer veleidade de conversão de nossamoeda;

• é necessária profunda reestruturação dos mecanismos de proteçãotarifária e não tarifária bem como rever e eventualmente renegociaralguns de nossos acordos e atuais obrigações internacionais;

• denunciar os previsíveis efeitos decorrentes de eventual criação daALCA e da proposta para um Acordo Multilateral de Investimentos,que aprofundaria a atual submissão do país e do continente aos EUA.

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• é necessária rigorosa reformulação das diretrizes atuais que regemnossas instituições financeiras (BC, BNDES, BB e CEF e demaisbancos públicos), para que se possa criar novo sistema financeiropúblico para a alocação do crédito, especialmente o de médio e delongo prazos;

• urge fazer profunda revisão das condições vigentes junto às institui-ções financeiras privadas, para conter a especulação financeira ealocar crédito segundo as prioridades que deverão ser estabelecidas;

• dada a grave restrição interna (pública) e externa de recursos, quepoderá piorar após a ruptura, as alternativas deverão buscar, no iní-cio, a utilização de capacidade ociosa da economia, minimizando epriorizando as necessidades de investimentos líquidos, mormenteaqueles que demandem elevados recursos externos;

• para a transição, é indispensável a implantação de uma políticaemergencial de abastecimento e, posteriormente, uma política de se-gurança alimentar;

• será impossível a consecução destas proposições, sem que se proce-da a uma completa e urgente reformulação dos aparelhos de estadovoltados para o planejamento.

É necessário advertir que os propósitos acima poderão desencadear con-flitos externos (EUA, FMI, BIRD, OMC, banca internacional, e outros) einternos (elites, partidos à direita, parte dos empresários, sistema financeiro,alguns sindicatos etc.), o que implica, necessariamente, a prévia construçãode um novo e difícil pacto de poder político. Este pacto terá que passar pornegociações entre partidos, classe trabalhadora, empresariado, regiões e se-tores, exigindo acurado e afinado preparo político para tal. Sem isto, é difícilpensar em alternativas dentro dos limites da democracia.

4. Uma alternativa não neoliberal

Os fortes constrangimentos internos e externos acima vistos, a gravi-dade da crise social que vivemos e a pluralidade de reivindicações dosdiversos temas/setores/regiões tornam impossível para um país como onosso optar por um único e determinante vetor de crescimento, seja oconhecido “drive exportador” ou o do “mercado interno de massas”.

A exclusiva opção interna afetaria fortemente a capacidade de gastopúblico dos próximos 20 anos, em face do acúmulo de investimentos

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públicos e privados não realizados nos últimos anos. Por outro lado,não evitaria o crescimento de importações de equipamentos e insumos,que poderiam se chocar com as assinaladas restrições externas.

Dadas as condições da economia internacional hoje, seria impossí-vel o crescimento necessário das exportações, para enfrentar uma acres-cida demanda de importações. Consideremos que 45% das exportaçõessão constituídos de produtos primários e semimanufaturados, de baixovalor agregado e lento crescimento em sua demanda externa. Os outros55% são manufaturados, mas poucos deles têm alto valor agregado oudemanda externa passível de alto crescimento.

Seria preciso contar com produção de alta qualidade, especializadae em grande quantidade, para que pudéssemos transformar nossas ex-portações na variável determinante da renda e do emprego15. A menosque se selecionem determinados setores menos demandantes de impor-tações (ou altamente geradores de exportações), será muito difícil di-versificar e dinamizar nossas exportações.

Não é difícil deduzir que qualquer um dos dois vetores, isoladamen-te, nos coloca problemas sérios de financiamento interno e externo, e,eventualmente, de inflação e de balanço de pagamentos. Não nos es-queçamos de que o crescimento possível com qualquer deles – isolada-mente – é pequeno e insuficiente para dar conta do problema do empre-go e, muito menos, de nossa crise social.

Por isso é necessário definir uma estratégia que não resulte em pesoexcessivo em um só vetor, mas que, ao contrário, utilize “de tudo umpouco”. Ela contemplaria vários setores ao mesmo tempo, priorizando aatualização tecnológica de alguns de seus segmentos e escalonando, notempo, a utilização dos recursos mais escassos (câmbio e finanças públi-cas). Entretanto, mesmo uma combinação “ótima” de setores/tempo/es-paço não evitará maiores necessidades de importações, e isto, mais oacesso a tecnologias modernas, pressionaria nossa capacidade de paga-mentos internacionais, obrigando-nos a reforçar, nessa estratégia, a polí-tica de exportações.

Há, em suma, a inequívoca e urgente necessidade de se formular umaestratégia, para um programa organizado e defensivo.

15 Ver, ao final deste texto, apêndice em que faço algumas considerações sobre as dificul-dades para ampliar nossas exportações, mantido apenas o atual quadro de origem-destinode nosso comércio.

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— Organizado, no sentido de não deixar exclusivamente ao mercadoa “solução” de problemas econômicos e sociais. Para tanto, é imprescin-dível reestruturar o Estado, para, com apoio político da sociedade, reto-mar soberanamente os destinos da política econômica e social do país.

— Defensivo, porque ainda somos a maior estrutura industrial do“Terceiro Mundo” e temos, portanto, ainda muito a perder – em termosde ativos e de empregos – se permitirmos a continuidade da atual aber-tura desgovernada e “orientada” exclusivamente pelo mercado.

Para a consecução disso requer-se, inquestionavelmente, a elabora-ção de quatro complexos projetos interdependentes.

1. O primeiro, para evitar que a inflação retome níveis elevados, masque arbitre as perdas que surjam em decorrência de políticas de esta-bilização, com critérios de maior justiça social. Tal política tem queser implementada simultaneamente com algumas das reformas paraisso exigidas, e com inequívoca sinalização de necessidades e opor-tunidades de inversão privada, que reative os mecanismos de cresci-mento e que impeça a fuga ou a realocação especulativa dos recursosfinanceiros hoje aplicados em ativos improdutivos. Será necessáriauma política de abastecimento específica para itens de alimentação,cuja demanda crescerá fortemente à medida que o emprego retomeníveis elevados. Em praticamente todos os demais bens-salário (têx-til, calçados e confecções, etc.), há capacidade ociosa grande, e ocuidado, neste caso, deveria ser o da fiscalização de seus preços.

2. Uma difícil “engenharia política” para uma ampla negociação na-cional, que passe não apenas pelos partidos políticos, mas que, so-bretudo, examine, discuta, negocie e promova os atendimentos pos-síveis à população – notadamente às classes médias e baixas – e àeconomia. Tal negociação deve, assim, “passar a limpo” as relaçõestrabalho/capital; as da interação e sinergia das pequenas, médias egrandes empresas; as do tripé, capital estrangeiro/capital nacionalpúblico/capital nacional privado; e a dos interesses e conflitos inter-regionais. Há, portanto, que repolitizar a economia.

3. O terceiro projeto compreende amplo conjunto de reformas estrutu-rais exigidas para que se possa levar a termo a “arrumação da casa”para a formulação das políticas de curto, médio e longo prazos. Ésumamente importante lembrar que estas reformas, em sua maiorparte, devem ser implantadas concomitantemente, mas, sempre quenecessário, escalonar algumas em desdobramentos de curto, médioe longo prazos. São, então, necessários:

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• reforma do Estado, para maior agilização administrativa,readequação e requalificação do funcionalismo público,remontagem do sistema nacional de planejamento, de forma a per-mitir a reintrodução da capacidade seletiva de priorização do gastoe do investimento;

• estudar e propor pautas adicionais de exportação e importação quepoderão ser criadas, via acordos especiais, com ampla integração co-mercial com o restante da América Latina e outros países periféricos,principalmente com os três outros países “continentais”, a China, aÍndia e a Rússia. Estas pautas teriam caráter complementar entre oBrasil e esses países, expandindo trocas de produtos cujas vendas difi-cilmente poderiam ingressar (ou crescer) nos demais mercados;

• equacionamento do serviço da dívida externa, para compatibilizarum orçamento cambial que ampare a retomada do investimento e ocrescimento, tanto quanto – principalmente – compatibilizá-lo comnossa capacidade fiscal;

• equacionamento da dívida pública interna, para o disciplinamentodas contas públicas e contenção da pressão estrutural, hoje exercidasobre a taxa de juros. Dado que as três esferas de governo encon-tram-se financeiramente comprometidas, esse equacionamento de-verá abranger a todas;

• reforma fiscal e tributária progressiva, que possa readequar as con-tas públicas, os níveis regionais e locais de competências, simplifi-car o sistema tributário nacional e que dê, em suma, as condiçõesfinanceiras exigidas por um Estado moderno, eficiente e socialmen-te justo. Deverá ser prioritário o combate à atual guerra fiscal;

• reestruturação do sistema financeiro nacional para dificultar a es-peculação, fortalecer o mercado de capitais e solucionar nosso es-trutural estrangulamento do financiamento de longo prazo;

• reformas sociais (agrária, abastecimento, urbana, saúde pública,previdência social, educacional e ambiental), projetadas tanto paraataques emergenciais aos problemas dos mais carentes quanto parase atingir toda a sociedade, numa perspectiva de prazo maior –certamente superior ao de um mandato presidencial;

• reforma da empresa, para que possa se adequar aos novos requisi-tos administrativos, produtivos e financeiros, e que permita maiortransparência de seus resultados, de sua eficiência e de seu papelsocial numa sociedade moderna e mais justa.

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4. O quarto projeto é o desenho estratégico do “modelo”, cujas mar-gens são definidas, de um lado, pelos limites dos orçamentos cam-bial e fiscal e da capacidade interna de financiamento e, de outro,por um processo seletivo de priorizações sociais e produtivas, queatenda aos pressupostos políticos básicos a que nos propomos. Ébom lembrar que teremos que alocar recursos em muitas coisas aomesmo tempo: por exemplo, na restauração da infra-estrutura, am-pliação das exportações, substituição de importações, na moderni-zação produtiva e em gastos sociais emergentes. A limitação derecursos, contudo, impede-nos de atender a tudo e a todos, ao mes-mo tempo.

Por isso, o modelo socioeconômico deveria ter como pressupostocentral seletivas priorizações para o crescimento e a distribuição da ren-da. Há, assim, que se promover uma delicada “engenhariasocioeconômica” que combine o maior número possível de áreas-pro-blemas, procurando maximizar os recursos com metas claras de cresci-mento, modernização e justiça social.

Tal programa, ao priorizar áreas, terá de desenhar projetos específi-cos – porque não há recursos para o atendimento geral – que abarquemsegmentos sociais, regionais e setoriais:

i) grupos de empresas que mais exportam ou que têm maior relevânciana produção de um setor prioritário – material de construção, porexemplo, para a política habitacional;

ii) regionais, objetivando desenvolvê-los e manter a unidade e a har-monia nacionais, via desconcentração da atividade econômica, masconsiderando também o lado social;

iii) sociais, compreendendo projetos de caráter emergencial, como frentesde trabalho, programas especiais de emprego, de atendimento a ca-rentes, e os projetos de caráter estrutural e permanente, via reformaagrária, distribuição e acesso a ativos, profunda reformulação dossistemas de saúde, educação e cultura;

iv) de ciência e tecnologia, para desenvolver a criatividade e assegurarmaior autonomia nacional, diminuindo o elevado grau atual de de-pendência tecnológica que o país tem para com as empresastransnacionais.

Trata-se, também, de produzir projetos que possam atingir metasmúltiplas como, por exemplo, os habitacionais que, simultaneamente,proporcionam altos efeitos positivos diretos e indiretos de emprego, de

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crescimento e de distribuição de renda.

Em suas linhas gerais (que aqui não cabe detalhar), essa estratégiaperseguiria as seguintes metas:

i. área social: crescimento com distribuição; combate à pobreza

Setores como habitação e saneamento são áreas de gastos mínimos dedivisas, altamente empregadoras, mas que também exercem forte demandade recursos públicos, principalmente de financiamento de longo prazo. Areforma agrária não pode deixar de ser aqui contemplada, tanto pelosmenores recursos que exige quanto pelo seu menor investimento por em-prego gerado.

A reformulação da saúde e da educação públicas incluirá metas deurgente erradicação do analfabetismo, e deverá alcançar maiorabrangência ou universalização. Programas como “renda mínima” deve-rão ser implantados, com previsão de gradativa redução a longo prazo,em função do aumento do emprego, da subseqüente melhoria de salários,de política tributária menos regressiva e de aumento da oferta de bens-salário a custos e preços menores. Uma das políticas de empregoemergencial consistirá no uso intensivo de mão-de-obra em obras públi-cas e em sua manutenção, e esta modalidade deverá ser objeto de negoci-ação entre as diversas esferas do poder público, condicionada pelas fon-tes supridoras de recursos. Aumento real gradativo do salário mínimo.

ii. infra-estrutura

Não poderão ser feitos, nas primeiras etapas, investimentos maciçosem poucos setores, mas, ao contrário, uma distribuição multissetorial degastos que possam atenuar a atual carência e a deterioração da área,tornando-a gradativamente apta a dar o apoio à modernização, às expor-tações e à retomada do crescimento. Esta é a área de alta relação capital/produto, mas vários de seus segmentos podem ser produzidos (e manti-dos) com uso mais intenso de trabalho e menos de capital, sendo assimtambém altamente empregadores. Tendo em vista que teremos deaprofundar nossa inserção comercial na América Latina, parte de nos-sos projetos deverá ter esse objetivo em mente.

iii. modernização produtiva

O caráter seletivo (priorização estratégica) deverá aqui ser usadocom mais rigor, dado que, teoricamente, a maior parte dos setores do

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aparelho produtivo teria de ser modernizada. A seletividade deverá con-templar algumas áreas mais prioritárias, como aquelas mais aptas para:a) manter e/ou expandir exportações para as quais estamos hoje capaci-tados; b) desenvolver segmentos produtivos de high tech (para o merca-do interno, para diversificação de exportações e substituir importações);c) eliminar “gargalos” para a infra-estrutura e para a área social.

A reestruturação de cadeias produtivas parcialmente destruídas pelaspolíticas de privatização e de abertura deverá ser objeto de programaçãoespecial, tendo em vista não só o crescimento e a economia de divisascom importações, mas também a recomposição da estrutura produtiva.

5. Apêndice:considerações sobre possibilidades de expandir exportações

A necessidade de aumentarmos nossas exportações e de substituirimportações está implícita em qualquer estratégia que venha a ser dese-nhada e implementada para o Brasil. Dada a diversidade de problemasque atingem os diferentes segmentos de exportação, é necessário estudá-los separadamente. As dificuldades de toda ordem com que esbarramosao tentar ampliá-las e diversificá-las exigem profunda reflexão sobre aeconomia internacional, e estas notas procuram dar alguns passos inici-ais nesse sentido. Além disso, entendo ser de necessidade imediata umadecidida reformulação de nossa estrutura institucional externa, dotandoseus órgãos com recursos e equipes técnicas suficientes, e com uma novaatitude de política externa, exigindo e fazendo cumprir o papel que noscabe no cenário internacional.

Além das alterações tarifárias e os controles cambiais e dos fluxos decapitais, devemos também implantar uma política de incentivos e de re-gulamentação às empresas de capital estrangeiro, que, entre outras medi-das, proponha condições do tipo: para cada dólar gasto com importações,há que se gerar três de exportações; para os lucros não reinvestidos eremetidos, a obrigação de gerar (determinada proporção de) recursosexternos, seja em créditos ou em exportações.

A multilateralização das negociações do comércio internacional, antesatravés do GATT e hoje, da OMC, é uma faca de dois gumes para paísessubdesenvolvidos como o Brasil, que avançaram mais pela industriali-zação. Por um lado, é verdade que a multilateralização simplificou asnegociações e deu-lhes uma organicidade maior, tentando evitar for-

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malmente discriminações isoladas. Contudo, o que se vê ao longo de suaexistência é que a forte presença dos maiores países líderes nessa insti-tuição, ou suas ações (isoladas, como as norte-americanas, ou coletivas,como as da CEE) específicas fazem sempre pender a balança para oatendimento maior de seus interesses.

Tais atitudes podem ser tomadas à luz de acordos específicos, ou dasgrandes negociações temporárias. Mas também podem assumir a forma deacordos parciais, como os acordos para contenção de cotas “voluntárias”,bastante praticados pelos EUA com alguns de seus principais fornecedo-res, de retaliações ameaçadas ou efetivadas (sempre pelos países líderes, éclaro), ou de embargo unilateral, como o imposto a Cuba pelos EUA, que,inclusive, obriga que filiais dos EUA locadas em outros países o obedeçam.

É com os blocos – institucionais (como a CEE) ou não (como os doJapão, ou dos EUA, até antes da criação da Nafta) –, contudo, que taiscontroles, concessões especiais e discriminações têm se multiplicado.Entre os casos atuais mais gritantes estão a política agrícola protecio-nista da CEE e a específica “liberalização” comercial concedida pelosEUA à China, que, de fato, discriminam exportações de manufaturastradicionais de outros países subdesenvolvidos.

As experiências de integração latino-americana (desde 1961 com aAlalc) mostram que a diversidade de situações estruturais, de políticaseconômicas e de instabilidades macroeconômicas de seus principais paí-ses constitui sério obstáculo para uma plena integração. Esta, contudo,deve ser objetivo central de uma nova política de inserção externa, masdesenhada e construída em moldes mais pragmáticos, e não com oaçodamento temporal aplicado no caso do Mercosul. Não é difícil perce-ber que a proposta de integração de um mercado para todo o continenteamericano não tem fundamento, a menos que nos convertamos – todos ospaíses que de certa forma ambicionaram um dia se industrializar – emverdadeiras plataformas de exportação (no caso de ser isto possível), emprodutores de nichos, em maquiladoras em grande escala, mas jamais empaíses desenvolvidos. E isto, a despeito do fato de que os EUA continuama ser o principal mercado externo individual para o Brasil.

A integração dos países do chamado Cone Sul começou em 1985-1986, com os acordos setoriais e temáticos assinados entre o Brasil e aArgentina, cujas propostas gerais eram atingir um fortalecimento políti-co dos principais devedores (incluindo o México) junto aos bancos cre-dores e ampliar uma área de livre comércio entre ambos.

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Contudo, a ascensão de dois presidentes neoliberais (Menem e Collor)precipitou a idéia voluntarista e pouco refletida da imediata constitui-ção de um mercado comum entre eles, incluindo o Paraguai e o Uru-guai. O prazo anterior de dez anos para atingir a integração foi encurta-do para quatro, tempo diminuto, se tomamos o exemplo da CEE, que,em 1986, ao propor para 1993 o projeto do Mercado Único, já acumula-va uma experiência de trinta e quatro anos de integração evolutiva.

Fez-se tudo isto, no Mercosul, sem mesmo se contar com estudossetoriais nacionais que pudessem, pelo menos, aquilatar as diferençasespecíficas de produtividade, custos, competitividade, salários, estrutu-ras tributárias etc. Pior do que isso, entretanto, é a decisão sobre aharmonização das políticas macroeconômicas, como se tivesse sido pos-sível harmonizar a “camisa-de-força” cambial e monetária argentina como câmbio desvalorizado (salvo entre 7/1994 e 12/1998) do Brasil.

O Brasil tem a ossatura industrial mais completa e a Argentina, umasemidestruída, enquanto os outros dois países têm incipiente industriali-zação. Por isso, e pela dimensão de mercado desses três países, o Brasilnão pode ter, no Mercosul, nem a integração nem o mercado de que ne-cessita sua indústria. Mesmo pelo lado da agropecuária, as deficiênciasbrasileiras não foram suficientemente comparadas com as produtivida-des argentinas, e isso nos causa sérios problemas concorrenciais, pelomenos no que tange a trigo, carnes, couros, leite, frutas e agroindústriadesses produtos.

Por essas razões, julgo necessário não só refletir mais e melhor sobreo Mercosul, como também estudar com profundidade e seriedade nossaspossibilidades de reorientação comercial, incluindo mais ativamente orestante da América Latina e propondo negociações mais amplas juntoaos mercados da Europa Oriental, da ex-URSS, da Índia e da China.

A hipótese é a de que com eles poderíamos formar um sistema “paralelo”de trocas de bens e serviços que gradativamente deixarão de ser produzidosnos países desenvolvidos, nos termos da Segunda Revolução Industrial, de-saparecendo a produção de alguns deles, ou modificando-se sua formatecnológica de produzir. Obviamente, isto não exclui a participação de to-dos esses países no sistema atual de trocas (o que seria desprovido de senti-do), de onde, aliás, teriam de obter o financiamento (ou o surplus) necessá-rio à compatibilização das trocas no sistema “paralelo”. Esse sistema, natu-ralmente, teria vida longa (mas extinguível), a menos que as condições in-ternacionais mudassem radicalmente, coisa pouco provável a médio prazo.

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Isso permitiria a esses países manter a maior parte de suas atuaisestruturas produtivas e evitar sua destruição, modernizando-as numa crono-logia adequada às suas disponibilidades dinâmicas de recursos. Enquantoisso, suas necessidades daqueles insumos e bens de capital seriam supridasnesse sistema “paralelo”. A razão principal disso é que uma modernizaçãomais intensa e rápida é cambial e financeiramente inviável para esses países.A opção pela destruição rápida de ativos significa abdicar da industrializa-ção e agravar o subdesenvolvimento, destruindo meios de produção que aindasão capazes de suprir necessidades humanas.

Por outro lado, não tem sentido a destruição enorme de ativos quepaíses como os do Leste, a ex-URSS, China, Índia, Brasil e outros teriamde fazer diante da “necessidade” de uma imediata entrada na TerceiraRevolução Industrial. Muito menos diante do flagelo em que se tornou aquestão do desemprego tecnológico, que multiplicaria ainda mais a po-breza e a miséria desses países.

A proposta acima não é irreal, mas envolve negociações difíceis eformulações de estratégias nacionais de desenvolvimento, isto, sim, umpouco “fora de moda” para o gosto neoliberal. O que me leva a formulá-la é justamente a grandeza do tempo envolvido na assimilação históricadas grandes transformações produtivas, e no que isso representa em ter-mos de novo afastamento dos níveis de riqueza e miséria mundiais. Asnações subdesenvolvidas não terão, na verdade, muita chance de escolhase optarem cegamente pela rota da pseudomodernidade. Por outro lado,países como o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, por suas próprias di-mensões econômicas, capacidade e conhecimento técnicos acumulados edotação de recursos, poderiam liderar o novo processo, promovendo umaintegração complementar (que chamei de sistema “paralelo” de trocas)com muitos países subdesenvolvidos.

Exportações de produtos da Terceira Revolução Industrial não teriammaiores dificuldades, desde que aceitássemos as regras do jogo dos paí-ses líderes, isto é, abdicar da industrialização soberana e submeter suaestrutura produtiva aos ditames das transnacionais. O difícil será conse-guir manter a soberania e dirigir nossa modernização e nossas exporta-ções através de negociações. Mas, por mais difícil que isso possa vir aser, esta via deve ser procurada constantemente, dado que não há outra,uma vez que a violenta reconcentração de capital que as transnacionaisfizeram reconcentrou-lhes, também, a tecnologia, o mercado e a finançainternacional, alterando – para pior, no nosso caso – as estruturas dopoder econômico internacional.

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Se corretas as observações contidas nestas “conclusões”, penso quea idéia de se formular uma estratégia alternativa para o Brasil, nos mol-des aqui propostos, não só fica reforçada, como também se tornainadiável. É a esta tarefa que deveremos dedicar nossos maiores esfor-ços. Mas essas propostas não representam, advirta-se, uma “simples voltaaos anos 30”; pelo contrário, seria algo novo e moderno, na conotaçãohumana que a palavra progresso precisa conter.

Vejamos ainda, resumidamente, algumas questões relevantes quepodem se interpor à expansão de nossas exportações, segundo classesde produtos.

— Produtos da agropecuária: para os da agropecuária, a demanda(entre 1974 e 2002) caiu cerca de 30% em preços, e não se espera recu-peração alentada. Previsões mundiais apontam baixo crescimento anualdas quantidades, entre 1% e 2%, e entre 2,5% e 3,5% para os casosespeciais do trigo e da soja. A desestruturação das ex-economias socia-listas e seu eventual ingresso na CEE gerarão restrições em suas impor-tações e aumento de suas exportações para a própria CEE.

A China, ao contrário, atravessa longa fase de alto crescimento in-dustrial e urbano, mas sua agricultura se defronta com sérios problemas,como erosão, escassez de água em várias regiões, e disponibilidade deterras aráveis e irrigáveis restrita. O país tem alta participação na produ-ção ou no consumo mundial de muitos produtos (35% a 40% no arroz,25% em algodão, 19% em trigo, 12% em cereais secundários, 9% emóleos vegetais, tortas, rações etc.). Sua política de auto-suficiência, entre1965 e 1990, teve pleno sucesso em vários produtos (grãos, exceto trigo;arroz; açúcar; carne e laticínios), oscilando em torno de 100% de suces-so em alguns e insucessos em outros, que reverteram, como a lã (52%) eo algodão (80%). Assim, a China poderia representar importante vetorde importações desses produtos.

— Produtos minerais: salvo gás e petróleo, as séries históricas mos-tram grave debilitação da demanda mundial da maior parte desses produ-tos, tanto pela queda do ritmo de crescimento mundial quanto, principal-mente, pela substituição que vêm sofrendo, por outros produtos modernos.

— Produtos manufaturados: a crise internacional, a reestruturaçãoprodutiva e “novas” barreiras comerciais dos países da OCED reduzi-ram muito o alto crescimento anterior de nossas exportações, caindo nos-sa participação no mercado mundial (caiu para 0,6% em têxteis-confec-ções, e para 6,7% em calçados). Nos produtos tradicionais perdemos

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terreno tanto pelas altas exportações daqueles países (55% das exporta-ções totais de têxteis e confecções, e 45% das de calçados), quanto peloavanço das asiáticas, com China, Hong Kong e Coréia detendo, em 1990,mais de 30% das de confecções e de têxteis. A China deve expandirtambém suas exportações não-tradicionais, o que implicará novas e di-fíceis negociações, dada a dimensão mundial de sua oferta e demanda.Para nós, a modernização seletiva é imprescindível, pois não será maispossível exportar à custa de trabalho mais barato.

As commodities industriais sofrem altos custos energéticos eambientais e substituição tecnológica. Por exemplo, a demanda mundialde siderúrgicos e não-ferrosos, ao que tudo indica, continuará caindo.Para a pasta celulósica, a concorrência aumentou, em face da expansãoda capacidade produtiva em países subdesenvolvidos. Por termoscompetitividade nesses segmentos (25% de nossas exportações totais),ainda poderemos manter nossa participação no mercado, em que pesemas restrições dos países desenvolvidos, já mencionadas.

O setor de material de transporte, com alta participação na pauta, temproblema mais delicado, dada a enorme dependência que temos das deci-sões de suas transnacionais, ainda mais na área do Mercosul. Isto tam-bém se dá com os produtos high tech. Outros, como químicos e mecâni-cos, podem ainda ser objeto de negociações especiais (o segundo circuitocomercial) com países subdesenvolvidos.

— Serviços: suas exportações terão duras negociações, restando-nos, se possível, exportar serviços de engenharia pesada e importar os dehigh tech, além dos financeiros, de transporte e outros.

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