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1 DISPENSA EM RAZÃO DO VALOR: O LIMITE É APLICÁVEL A CADA UNIDADE OU ABRANGE TODO O REGIONAL? Por Julieta Mendes Lopes Vareschini 1 Ao pretender realizar uma licitação deve a Entidade, previamente, realizar estudos e pesquisas de forma a definir adequadamente, dentre outros, o objeto a ser contatado, seus quantitativos, as especificações técnicas, as condições de execução contratual e o valor estimado da contratação, obtido através de adequada pesquisa de mercado, tendo em vista o teor do artigo 13 do Regulamento. Dentre os estudos que a entidade deve realizar previamente à licitação, importa analisar algumas situações tais como o quantitativo do produto/serviço, frequência de utilização, prazo de vigência, localidades para execução do serviço ou entrega do produto, etc., além de verificar as condições de mercado para o objeto pretendido. Com todas as informações em mãos, a entidade terá condições de definir adequadamente o objeto e as condições de sua execução, elegendo a modalidade e o tipo de licitação adequado. Para a definição da modalidade licitatória 2 ou para se aferir se é caso de dispensa de licitação, considerando os limites de valor elencados no art. 6°, 1 Sócia Fundadora do Grupo JML Consultoria & Eventos, empresa especializada em Direito Administrativo e que já capacitou mais de 30.000 profissionais na área de Licitações e Contratos. Mestre em Direito. Especialista em Direito Ambiental e Gestão Ambiental. Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Advogada e Consultora na área do Direito Administrativo, com ênfase em Licitações e Contratos Administrativos. Coordenadora técnica da JML Consultoria. Coordenadora e Professora do Curso de Especialização em Licitações e Contratos da UNIBRASIL. Professora do curso de Graduação em Direito da UNIBRASIL. Palestrante na área de Licitações e Contratos perante entidades da Administração Pública e Sistema S, com atuação em todo território nacional. Autora da obra Licitações e Contratos no Sistema S. 5. ed. Curitiba: JML, 2012 e da obra Discricionariedade Administrativa: uma releitura a partir da constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. Organizadora da obra Repercussões da Lei Complementar 123/06 nas Licitações Públicas: de acordo com o Decreto 6.204/07. Curitiba: JML Editora, 2008. Autora de diversos artigos jurídicos, dentre os quais: Gestão Planejada do Sistema de Registro de Preços. In: Diálogos de Gestão: novos ângulos e várias perspectivas. Curitiba: JML Editora, 2013. 2 O critério de valor é utilizado para as modalidades convite e concorrência, sendo que para as demais o critério utilizado se pauta no próprio objeto da contratação, sendo o concurso destinado à contratação de trabalho técnico, científico ou artístico e o leilão para a alienação de bens, consoante expressamente aduzem os incisos III e IV do art. 5° do Regulamento, respectivamente. O pregão, por sua vez, é cabível exclusivamente para contratação de bens e serviços comuns, apesar do silêncio do Regulamento, visto que a Lei 10.520/02, que institui

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DISPENSA EM RAZÃO DO VALOR: O LIMITE É APLICÁVEL A CADA UNIDADE OU ABRANGE TODO O REGIONAL?

Por Julieta Mendes Lopes Vareschini1

Ao pretender realizar uma licitação deve a Entidade, previamente, realizar estudos e pesquisas de forma a definir adequadamente, dentre outros, o objeto a ser contatado, seus quantitativos, as especificações técnicas, as condições de execução contratual e o valor estimado da contratação, obtido através de adequada pesquisa de mercado, tendo em vista o teor do artigo 13 do Regulamento.

Dentre os estudos que a entidade deve realizar previamente à licitação, importa analisar algumas situações tais como o quantitativo do produto/serviço, frequência de utilização, prazo de vigência, localidades para execução do serviço ou entrega do produto, etc., além de verificar as condições de mercado para o objeto pretendido. Com todas as informações em mãos, a entidade terá condições de definir adequadamente o objeto e as condições de sua execução, elegendo a modalidade e o tipo de licitação adequado.

Para a definição da modalidade licitatória2 ou para se aferir se é caso de dispensa de licitação, considerando os limites de valor elencados no art. 6°,

1 Sócia Fundadora do Grupo JML Consultoria & Eventos, empresa especializada em Direito Administrativo e que já capacitou mais de 30.000 profissionais na área de Licitações e Contratos. Mestre em Direito. Especialista em Direito Ambiental e Gestão Ambiental. Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Advogada e Consultora na área do Direito Administrativo, com ênfase em Licitações e Contratos Administrativos. Coordenadora técnica da JML Consultoria. Coordenadora e Professora do Curso de Especialização em Licitações e Contratos da UNIBRASIL. Professora do curso de Graduação em Direito da UNIBRASIL. Palestrante na área de Licitações e Contratos perante entidades da Administração Pública e Sistema S, com atuação em todo território nacional. Autora da obra Licitações e Contratos no Sistema S. 5. ed. Curitiba: JML, 2012 e da obra Discricionariedade Administrativa: uma releitura a partir da constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. Organizadora da obra Repercussões da Lei Complementar 123/06 nas Licitações Públicas: de acordo com o Decreto 6.204/07. Curitiba: JML Editora, 2008. Autora de diversos artigos jurídicos, dentre os quais: Gestão Planejada do Sistema de Registro de Preços. In: Diálogos de Gestão: novos ângulos e várias perspectivas. Curitiba: JML Editora, 2013.

2 O critério de valor é utilizado para as modalidades convite e concorrência, sendo que para as demais o critério utilizado se pauta no próprio objeto da contratação, sendo o concurso destinado à contratação de trabalho técnico, científico ou artístico e o leilão para a alienação de bens, consoante expressamente aduzem os incisos III e IV do art. 5° do Regulamento, respectivamente. O pregão, por sua vez, é cabível exclusivamente para contratação de bens e serviços comuns, apesar do silêncio do Regulamento, visto que a Lei 10.520/02, que institui

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deve a entidade levar em consideração todas as contratações realizadas durante o exercício orçamentário (01 de janeiro a 31 de dezembro de cada ano) ou por todo o período permitido (60 meses para serviços contínuos), para parcelas de um mesmo objeto ou objetos de mesma natureza.

Nesse sentido é o magistério de Joel de Menezes Niebuhr: “... a necessidade de somar as despesas de todo o exercício apresenta-se como elemento de restrição, que conforma os valores previstos pelo legislador à norma programática prescrita na parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal3”.

Sobre o tema, convém colacionar os Acórdãos do Tribunal de Contas da União:

“... considere, para fins de definição da modalidade licitatória a ser adotada, a totalidade dos produtos de mesma natureza a serem adquiridos pela instituição ao longo de um exercício financeiro, tendo em conta os respectivos valores e quantidades (...)4”.(grifou-se)

“Determinar ao SESI/SE(...) 1.3. observe os limites de dispensa de licitação, seja planejando as compras anuais de forma a não os extrapolar, seja implantando um sistema de registro de preços com um cadastro aberto de fornecedores e produtos para as compras de pequena monta”5. (grifou-se)

“Determinações: 1.5.1. ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - Departamento Regional do Estado do Paraná que: (...) 1.5.1.3. realize planejamento anual das compras de material de consumo, de modo a evitar que o somatório das aquisições do exercício extrapole os valores estabelecidos para cada modalidade de licitação, caracterizando ‘parcelamento de compras’, atentando para o

essa modalidade e contém normas de caráter geral sobre o tema, limitou sua utilização para objetos dessa espécie.

3 NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e inexigibilidade de licitação pública. 3.ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 239.

4 TCU. Acórdão 712/2003. Segunda Câmara.

5 TCU. Acórdão 2.285/2004 – Primeira Câmara.

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que estabelece o art. 6º do Regulamento de Licitações da Entidade - Resolução/Senac n. 845/2006”6. (grifou-se)

Outrossim, a Entidade não pode parcelar o objeto cujo valor total ultrapassa o limite de dispensa, em duas ou mais contratações a fim de que tais valores, se considerados isoladamente, se enquadrem na dispensa em razão do valor, sob pena de incorrer em fracionamento indevido e, com isso, fraudar o dever de licitar. O mesmo ocorre quando da escolha da modalidade de licitação, ou seja, não se vislumbra o fracionamento da despesa com o intuito de fugir da modalidade mais complexa. É o que se extrai do artigo 7° do Regulamento:

“Art. 7° O parcelamento de obras, serviços e compras não ensejará a dispensa de licitação por valor, exceto quando o somatório das parcelas não ultrapassar o limite estabelecido nos incisos I ‘a’ e II, ‘a’ do artigo precedente, nem descaracterizará a modalidade de licitação pertinente.”

O TCU possui entendimento pacífico nesse sentido, conforme se extrai do teor dos seguintes julgados:

“[ACÓRDÃO]

9.2 alertar ao Serviço Social do Comércio - Administração Regional no Maranhão (SESC/MA) que:

9.2.1 realize suas aquisições de produtos de mesma natureza dentro da modalidade licitatória pertinente observando o princípio da anualidade da despesa, a fim de evitar fracionamento de despesas, nos termos do Regulamento de Licitações e Contratos próprio do órgão.”7 (grifou-se)

“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da 1ª Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, em: (...) 9.5. determinar ao Sesi/MA que: (...) 9.5.6. planeje as necessidades de compra da entidade para todo o exercício financeiro, em especial quanto às aquisições de material de consumo, aplicando a

6 TCU. Acórdão 4.086/2009 – Primeira Câmara.

7 TCU. Acórdão 4.749/2010 – 1ª Câmara.

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modalidade de licitação adequada, a fim de evitar compras desnecessárias e o fracionamento da despesa”8

Portanto, para o devido enquadramento das contratações nos limites estabelecidos no art. 6° do Regulamento, a regra é somar parcelas de um mesmo objeto, bem como objetos de mesma natureza9, durante todo o exercício financeiro. No caso de serviços contínuos deve-se considerar o custo da despesa para todo o período permitido, qual seja, 60 (sessenta) meses.

E, nesse somatório também deverão estar inclusas as despesas com um mesmo objeto ou objetos de mesma natureza para todas as unidades ligadas ao Departamento Regional.

Isso porque os normativos internos dos Serviços Sociais Autônomos definem que estes são organizados em departamentos nacional e regionais e atribuem, como regra, autonomia financeira/orçamentária aos departamentos regionais e não a cada uma das unidades operacionais que o compõe.

Então, não detendo as diversas unidades operacionais que integram um Departamento Regional autonomia na gestão de recursos, não é possível a descentralização de despesas (contratações isoladas e independentes por cada qual), devendo ser considerado, para fins de identificação do valor total da contratação, em regra, os gastos de todas as unidades que integram o respectivo Departamento Regional, sob pena de fracionamento indevido.

Inclusive o TCU já externou:

8 TCU. Acórdão 1.172/2011 - Primeira Câmara.

9 Importa frisar que, para o Tribunal de Contas da União, objetos de mesma natureza são aqueles que, comumente, são fornecidos pelas mesmas empresas do ramo, conforme se extrai do seguinte julgado: Licitação para aquisição de bens: 1 - Fracionamento de despesas para a não realização de licitação, ou para a não adoção da modalidade licitatória adequada

Para o relator, “os serviços executados nas quatro unidades móveis poderiam caracterizar-se como sendo de mesma natureza, tais como lanternagem, recuperação de cadeiras e bancos, recarga de extintores, sinalização visual etc., indicando que uma só empresa poderia realizar os serviços”. Acórdão n.º 2568/2010-1ª Câmara, TC-017.241/2006-9, rel. Min-Subst. Marcos Bemquerer Costa, 18.05.2010.

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“O fato é que a Administração central, ao assumir a responsabilidade pela aquisição dos suprimentos necessários às suas diversas unidades operativas, estava obrigada a seguir os ditames do seu Regulamento de Licitações e Contratos (instituído, diga-se de passagem, com o objetivo de tornar mais flexível a aplicação da Lei nº 8.666/93 no âmbito dos serviços sociais autônomos). Portanto, as sucessivas aquisições por dispensa de licitação, no mesmo exercício, constituem irregularidade grave, por implicar burla ao dever de licitar por parte do SESC/MA, agravada pelo caráter reincidente, que denota falta de compromisso da entidade com a observância das normas legais a que se acha obrigada.” 10

“21. Argumento. Relativamente à irregularidade referente ao prejuízo potencial decorrente da falta de procedimento licitatório na aquisição de bens com dispensa de licitação, adiantam que não é dado dizer que houve parcelamento de despesas, eis que foram contabilizadas as aquisições de bens e produtos da Administração Regional, juntamente com as Unidades Operacionais, que possuem receita própria e distinta do Departamento Regional. Deste modo, as compras foram efetuadas por cada Unidade Operacional, utilizando-se de sua própria receita, a despeito de o processo de compra ser realizado na Administração Regional, tendo em vista a precariedade da estrutura administrativa nas Unidades Operacionais do interior.

22. Análise. Como já se consignou (item 15 e 16 desta instrução), tem-se por necessária a realização de processo de licitatório para a aquisição de bens e serviços no âmbito dos chamados Serviços Sociais Autônomos, sendo que o fracionamento das compras, como forma de fugir à modalidade adequada de licitação, é, também, uma das formas de se escapar de tal necessidade.

23. Calha aditar, entretanto, que os recorrentes aduziram inexistir fracionamento, eis que as compras foram efetuadas por cada Unidade Operacional, utilizando-se de sua própria receita, a despeito de o processo de compra ser realizado na Administração Regional, tendo em vista a precariedade da estrutura administrativa nas Unidades Operacionais do interior. Improcede o argumento dos recorrentes, haja vista que, se as tais Unidades Operacionais não são

10 TCU. Acórdão 4.749/2010 - Primeira Câmara.

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autônomas, mas vinculadas à Administração Regional, essa deve planejar melhor as aquisições a serem realizadas a fim de enquadrar corretamente a modalidade licitatória e evitar o fracionamento de despesas. De todo modo, independentemente do que seja melhor, em termos de planejamento, no sentido de se proceder à aquisição pela Administração Regional ou pelas Unidades Operacionais do interior, não há nos autos, todavia, provas do que se alegou, embora seja seu dever fazê-la, de acordo com o que preceitua o art. 333, II, do CPC c/c a Súmula 103 do TCU.”11

Ademais, sobre o tema em voga, dispõe a Lei n° 8.666/93:

“Art. 23. (…)

§ 5º É vedada a utilização da modalidade ‘convite’ ou ‘tomada de preços’, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.

Infere-se que a Lei tem o intuito de evitar o parcelamento indevido da despesa, impondo, então, que parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, devem ser globalmente consideradas para fins de definição da modalidade licitatória pertinente.

Registra-se, contudo, que o conceito de mesmo local, para os fins da Lei, não é único para doutrinadores e Corte de Contas da União.

Diogenes Gasparini, por exemplo, entende que local é a delimitação territorial do Município, aduzindo:

“Mesmo local, para nós, é o Município, dado ser essa a única unidade territorial definida objetivamente. Confuso restaria o atendimento da

11 TCU. Acórdão 4.026/2009 - Primeira Câmara.

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prescrição se considerássemos a vila, o bairro ou a cidade que não apresentam limites e conceito precisos. Sempre haveria a dúvida: as obras estão no mesmo local? Mesmo local, portanto, não se refere a mesmo endereço”12.

No magistério de Joel de Menezes Niebuhr “mesmo local” expressa a localidade e não o município: “Localidade [...] traduz significado mais restrito do que o Município. Localidade deriva de local, local da obra ou serviço, isto é, espaço físico em que a obra ou o serviço de engenharia é efetivamente realizado13”.

Portanto, a depender da concepção que se tenha de mesmo local, tratando-se de contratação de serviços, a entidade poderia considerar que as contratações realizadas pelas unidades, localizadas em municípios diferentes, seriam autônomas entre si, não se cogitando, dessa forma, a somatória dos valores para fins de eleição da modalidade.

No entanto, o TCU possui posicionamento diverso:

“... 5.5. Passando à análise dessas razões, constatamos que as mesmas se fundam, conforme transcrições nos itens 19/24 infra, na assertiva de que não há que se falar em parcelamento, visto que as obras são autônomas, localizando-se em cidades distantes entre si até 700 Km.

(...)

5.7. Nos parece que assiste razão ao Sr. Defendente quando este alude à autonomia de cada uma das obras. Ora, é certo que estas podem ser levadas a cabo independentemente da outra, sem que isso comprometa sua utilidade quando concluída. (...).

5.9. Contudo, a questão não se resume a verificar se as obras serão ou não realizadas em cidades diferentes, conforme destacado pelo Sr. Ministro Relator no Despacho de fls. 40/45; importante para se aferir se as obras serão ou não realizadas no mesmo local, para efeito do dispositivo legal em tela, é verificar se os potenciais

12 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 13 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 467.

13 NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e inexigibilidade..., p. 238.

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concorrentes atuam ou não naqueles diferentes municípios. Ou seja, a questão mais que geográfica é de conteúdo econômico.

(...)

6.1. Tais fatos evidenciam que os potenciais concorrentes atuam indiferentemente nas cidades onde se realizariam as obras, sendo certo, assim, que a adoção de modalidade tomada de preços se mostrava imperiosa no caso concreto, de modo a garantir a ampla participação e a competitividade do certame.

(...)

12. Vê-se, pois, que o Estatuto das Licitações, ao vedar o fracionamento de despesas, pretendeu preservar a competitividade dos certames licitatórios, obrigando a que as obras e os serviços realizados no mesmo local fossem englobados em uma única licitação, de maior valor. Interpretando-se a norma de forma sistêmica, orientados pelo princípio da isonomia que norteou sua promulgação, só se pode conceber que a menção a um ‘mesmo local’ tenha por objetivo único permitir o maior aproveitamento das potencialidades regionais, observando-se a área geográfica de atuação das empresas que executam os serviços ou obras a serem contratados.14” (grifou-se)

“59. Contudo, a questão não se resume a verificar se as obras serão ou não realizadas em cidades diferentes, conforme destacado pelo Sr. Ministro Relator no Despacho de fls. 40/45; importante para se aferir se as obras serão ou não realizadas no mesmo local, para efeito do dispositivo legal em tela, é verificar se os potenciais concorrentes atuam ou não naqueles diferentes municípios. Ou seja, a questão mais que geográfica, é de conteúdo econômico.

(...)

Voto:

(...)

14 TCU. Acórdão 1.570/2004. Plenário.

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10. À luz dessa norma, à primeira vista, assistiria razão ao responsável que argumenta que os municípios de Cujubim e Pimenteiras, onde seria feita a adequação dos prédios para o funcionamento das Agências de Correio, distam um do outro 766 km, tratando-se, a seu ver, de obras independentes.

11. Entretanto, tomo por empréstimo trecho do Voto que antecedeu o Acórdão 1.570/2004- Plenário por ser elucidativo da matéria:

‘12. Vê-se, pois, que o Estatuto das Licitações, ao vedar o fracionamento de despesas, pretendeu preservar a competitividade dos certames licitatórios, obrigando a que as obras e os serviços realizados no mesmo local fossem englobados em uma única licitação, de maior valor. Interpretando-se a norma de forma sistêmica, orientados pelo princípio da isonomia que norteou sua promulgação, só se pode conceber que a menção a um ‘mesmo local’ tenha por objetivo único permitir o maior aproveitamento das potencialidades regionais, observando-se a área geográfica de atuação das empresas que executam os serviços ou obras a serem contratados."

12. Examinando o caso concreto em maior profundidade, verifico que, com exceção das empresas WE Engenharia e LD Construções Ltda. que receberam apenas o Convite 14/2006, as demais potenciais licitantes (Peres Construções e Comércio Ltda., Panatís Construções Ltda., Coringa Construções Ltda., CEEC - Construtora e Construtora Opel Ltda.) foram convidadas a participar das duas licitações e retiraram o edital.

13. Tal fato demonstra que essas quatro construtoras podem atuar indiferentemente em qualquer das duas cidades, não sendo permitida, assim, a realização de licitações distintas para obras e serviços de mesma natureza, uma vez que os potenciais interessados nos dois certames são os mesmos. Nesse sentir, aplica-se o entendimento deste Tribunal que visa assegurar o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampliação da competitividade sem perda da economia de escala.

14. Em vista de a soma dos valores (R$ 79.185,40 + R$ 83.567,44 = R$ 162.752,84) ultrapassar o limite estabelecido para a modalidade ‘convite’, confirma-se, portanto, o fracionamento de despesa diante de

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situação em que se mostrava obrigatória a adoção das modalidades ‘tomada de preços’ ou ‘concorrência’.

(...)

Acórdão:

(...)

9.2. rejeitar as razões de justificativa apresentadas pelo responsável Carlos Aparecido Teixeira, tendo em vista que seus argumentos não foram suficientes para descaracterizar ou para afastar a responsabilidade em relação às seguintes irregularidades:

(...)

9.2.4. fracionamento de despesa ao autorizar as seguintes licitações na modalidade ‘convite’ (Convite 13/2006 e 14/2006), sendo que era obrigatória a utilização de ‘tomada de preços’ ou "concorrência", devido ao somatório dos valores e por tratar-se de obras e serviços da mesma natureza que poderiam ser realizadas conjunta e concomitantemente, por estarem situadas na mesma área geográfica de atuação das potenciais licitantes;15” (grifou-se)

Verifica-se, destarte, que para o Tribunal de Contas da União o conceito de “mesmo local” é bastante amplo, ficando este adstrito, em suma, à área geográfica de atuação das empresas que poderiam executar o serviço e não ao Município ou ao endereço.

Ademais, a questão do local é referida pela Lei de Licitações para obras e serviços, não estando afeta, a rigor, às compras.

Inclusive, importa salientar que o TCU já destacou a necessidade de as contratações realizadas pelos Serviços Sociais Autônomos serem regularmente planejadas e programadas para todo o Estado no qual estes atuam, incluindo-se aí também as compras:

“O conceito de local do TCU abrange o Brasil inteiro para um órgão da União e abrange no mínimo o Paraná para o SESI/Paraná.

O SESI/Paraná deve programar-se para todo o Paraná. Obras em cidades separadas ou em até dentro da mesma cidade poderiam ser

15 TCU. Acórdão 1.620/2010. Plenário.

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licitadas pela modalidade adequada somente a uma delas (conforme Marçal), mas no caso de compras de materiais de limpeza, expediente, médico, odontológico, químico, laboratorial e outras semelhantes, a centralização das compras impõe-se pelo imperativo da busca da economia do recurso público e pelo imperativo da impessoalidade.

O conceito de local restrito ao município peca pela falta de competitividade local em relação à competitividade existente em um mercado mais amplo e peca pelo privilégio dado a fornecedores locais (falta de impessoalidade). Esse privilégio vai de encontro ao maior princípio da Lei 8.666/93 (isonomia ou igualdade (Art. 37, inciso XXI, Constituição da República)). Nunca se deve esquecer que a Administração Pública deve primeiro garantir a isonomia entre licitantes para somente depois adquirir pelo menor preço.

Assim, a restrição do conceito de local ao município provoca o afastamento de outros concorrentes nacionais e, por consequência, agride ao princípio da isonomia. Pior que isso é não pagar o menor preço e, ainda assim, privilegiar determinados mercados locais que é o caso do conceito de local restrito ao município e às divisões internas do SESI/Paraná, conforme defendido pelos responsáveis deste processo.

No que diz respeito às aquisições de serviços de informática, não ocorreu dispensa de licitação, mas ocorreu fracionamento do objeto. Conforme consta da justificativa (fl. 192), os serviços de informática foram adquiridos em seis licitações e duas inexigibilidades. É um evidente fracionamento do total de R$ 1.660.033,11 em oito processos licitatórios com o evidente objetivo de fugir da modalidade concorrência.

(...)

17. Ademais, segundo assevera o Parquet, ‘tampouco se pode dar guarida ao argumento segundo o qual não se destinando a compra para um único objeto seria possível a aquisição parcelada. Primeiro porque não há, mesmo no regulamento próprio, previsão para tal entendimento. Depois porque separar a aquisição de objetos de mesma natureza, ainda que distintos, tal como uma caneta de um lápis, somente para dispensar a licitação com base no limite de valor para a

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contratação, revela um procedimento ardiloso com vistas a fraudar a exigência de licitar, desprovido de amparo jurídico’ (fl. 208, v.p.).

(...)

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da 2ª Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em:

(...)

9.4 determinar ao Serviço Social da Indústria - SESI/Departamento Regional do Paraná que realize o planejamento adequado de suas necessidades, promovendo a devida licitação para as contratações de obras, serviços, compras e alienações, de forma a não incorrer no fracionamento de despesa, com a consequente fuga à modalidade de licitação, em conformidade com as disposições dos artigos 1º, 5º, 6º e 7º do seu Regulamento de Licitações e Contratos;”16 (grifou-se)

Diante disso, e à luz do dever de planejamento, deve a entidade apurar as necessidades comuns de sua sede e respectivas unidades (seja para aquisição de produtos, prestação de serviços ou realização de obras), durante o exercício financeiro ou todo o período permitido, utilizando, para formalização da contratação, a modalidade destinada ao valor global da despesa de modo a afastar fracionamento indevido e questionamento da Corte de Contas.

Considerando que as unidades localizam-se em municípios diversos e pode haver dificuldades operacionais na execução do objeto (face peculiaridades do mercado), a Entidade possui alternativas a fim de otimizar a situação, por exemplo, realizando várias licitações para o objeto pretendido para cada uma de suas unidades ou determinada região ou realizando uma única licitação, parcelando o objeto em itens ou lotes, de acordo com os municípios ou regiões, a fim de aumentar a competitividade, conforme previsão do art. 7º, do Regulamento. Porém, em ambos os casos imperioso que seja respeitada a modalidade de licitação cabível de acordo com o valor global da despesa.

16 TCU. Acórdão 5.896/2010 - Segunda Câmara.