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Faculdade Metropolitana de Camaçari - FAMEC

DIRETORIA GERALProfª Celene Maria de Oliveira Santos

EDITOR RESPONSÁVELProfª Drª Arlinda Paranhos Leite Oliveira

CONSELHO EDITORIALProfª Celene Maria de Oliveira Santos (FAMEC)

Profª Drª Arlinda Paranhos Leite Oliveira (FAMEC, UNEB, UFBA, UCSAL)Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo (UFBA)

Prof. Dr. Olival Freire Júnior (UFBA)Prof. Dr. Robson Moreira Tenório (UFBA)

Prof. Dr. Carlos Geraldo D’Andrea Espinheira (UFBA)

FICHA CATALOGRÁFICAJucilene de Oliveira Santos

Tempo Revista Científica da Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMECVolume 05 – Número 01 – Ano 2008

Editada pela Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMECLocalizada à Avenida Eixo Urbano Central, s/n° - Centro – Camaçari – Bahia

CEP.: 42800-000 – Fone (71) 3621-5157 / 2101-3250e-mail: [email protected]

Ficha Catalográfica

Tempo: Revista Científica. Faculdade Metropolitana de Camaçari –FAMEC

v.5, n.1 (dez/2007) Camaçari, 2008

Anual

1. Educação 2. Ensino 3. Aprendizagem 4. Informação 5.Periódico I. FAMEC II. Tempo

CDU 050

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Sumário

PROBLEM-BASED LEARNING NO ENSINO DE CIÊNCIASAriston de Lima Cardoso, Augusto Thadeu Vidal ............................................................................................................. 7

CARTEIRAS DE INVESTIMENTOS COM O MÉTODO DE ELTON-GRUBER EM PERÍODOS DE INSTABILIDADEECONÔMICA NO BRASILUtilan da Silva Ramos Coroa, Tatiana Gargur dos Santos .................................................................................................. 13

UNIVERSIDADE CORPORATIVA COMO UMA ESTRATÉGIA DE RENOVAÇÃO NA EDUCAÇÃO ORGANIZACIONALAna Lucia Antunes Faria, Eliaura Maria Brito Santos ......................................................................................................... 28

A INCLUSÃO DO ALUNO COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS NA EDUCAÇÃO SUPERIORTelma Brito Rocha ............................................................................................................................................................ 40

A COMUNIDADE CIENTÍFICA E DISSEMINAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICOPatrícia Fernandes, Jucilene Santos .................................................................................................................................. 46

CENÁRIO DO DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS DE QUEBRA DE AMÊNDOASDjane Santiago de Jesus, Carla Renata Santos dos Santos, Genice de Jesus Santana, Carla Renata Santos dos Santos . 51

CULTURA ESCOLAR E (DES)ENCONTRO COM A DIVERSIDADEAntonio José Tavares Lima ............................................................................................................................................... 56

EDUCAÇÃO COMO PILAR PARA O DESENVOLVIMENTO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ASSISTÊNCIA ESTUDANTILMaria Raidalva Nery Barreto ............................................................................................................................................... 65

IDENTIDADE E EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA: INCURSÕES NO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E ESTRANGEIRAFernanda Mota .................................................................................................................................................................. 69

EDUCAÇÃO NA SAÚDE: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A QUALIDADE DE SOBREVIDA EM CRIANÇAS DEPRIMEIRO ANO DE VIDA, EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIALMara Regina Cerqueira Nogueira Malafaia, Eva Santos da Cruz; Gabriel de Lima Simões, Zelândia Marques, AmandaPrado Almeida, Antonieta Priscila Pereira Oliveira, Jéssica Letícia Barbosa Cardoso, Priscila de Jesus Assunção, VivaldoA lmeida Braga .................................................................................................................................................................. 77

INVENÇÃO E MEMÓRIA – A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DE LYGIA FAGUNDES TELLESMarielson Carvalho ........................................................................................................................................................... 84

NOVAS REFLEXÕES SOBRE BIOÉTICA E BIOTECNONOLOGIA EM FACE DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDAAna Thereza Meirelles Araújo ............................................................................................................................................ 94

PERFORMANCE DE EMPRESAS SOCIALMENTE RESPONSÁVEIS NA BOVESPA: APLICAÇÃO DA ANÁLISE DE CLUSTERAilton Passos Ferreira .................................................................................................................................................... 107

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

5TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

Apresentação

A Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC empenha-se em lançar a quarta edição daRevista Tempo a qual se constitui em um periódico, que busca socializar as inquietações científicasdos profissionais das diferentes áreas de conhecimento que integram este espaço educativo.

Assim, cabe-me especificar cada um dos onze artigos trabalhados pelos professores. Artigosesses que certamente possibilitarão ao leitor uma relação direta com as diversificadas análisescontemporâneas do conhecimento

• Cultura escolar e (des) encontro com a diversidade• Invenção e memória - a construção narrativa de Lygia Fagundes Telles• Novas Reflexões sobre Bioética e Biotecnologia em Face do Direito Fundamental a Vida• Performance de Empresas Socialmente Responsáveis na BOVESPA: Aplicação da Análise de

Cluster• Cenário do Desenvolvimento de Tecnologias de Quebra de Amêndoas• Educação na saúde: uma nova perspectiva para a qualidade de sobrevida em crianças de

primeiro ano de vida, em situação de risco social• Identidade e educação em perspectiva: incursões no ensino de língua materna e estrangeira• A Inclusão do Aluno com Necessidades Educativas Especiais na Educação Superior.• Problem-Based Learning no Ensino de Ciências• A comunidade científica e disseminação do conhecimento científico• Educação como pilar para o desenvolvimento local: políticas públicas para assistência estudantil.

Por fim, esta nova edição tem como objetivo visualizar a aplicação pratica de temas específicosnos diversos campos, como também dividir com os nossos leitores o pensamento doseducadores da FAMEC, acreditando que os grandes processos de transformação ocorremquando acontece a socialização do conhecimento.

Registro nesta oportunidade meu reconhecimento a Coordenação de Editoração pelos redobradosesforços na elaboração e na continuidade do projeto da Revista Tempo e o empenho do ConselhoEditorial, na captação de artigos e na avaliação dos mesmos.

Agradecimento especial aos professores colaboradores deste número que revelam estarmotivados para a construção e análise de temas que contemplam o seu cotidiano acadêmico, oque reflete o desenvolvimento do fazer pedagógico pautado em princípios analítico, crítico ereflexivos.

Celene Maria de Oliveira SantosDiretora Geral

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

7TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

Problem-Based Learning no Ensino de Ciências

Ariston de Lima Cardoso1Augusto Thadeu Vidal2

RESUMO:

A Aprendizagem Baseada em Problemas ou PBL (Problem-Based Learning) é uma estratégiacentrada no estudante, que o ajuda a desenvolver o raciocínio e a comunicação. Diferentementedos métodos de ensino convencionais que colocam problemas de aplicação após a introduçãode conceitos, temos o uso de problemas para iniciar e motivar a aprendizagem da teoria noensino de Ciências. Esta experiência de natureza qualitativa buscou investigar uma possívelproposta para implementar a metodologia PBL no ensino de física para cursos de engenharia.Os resultados mostram que, apesar de diferentes contextos, as turmas reagiram positivamentea PBL, desde que alguns aspectos sejam redimensionados e que não deve ser utilizado comoúnica ferramenta pedagógica, mas uma complementação no processo complexo do ensino-aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: PBL. Ensino de Ciências. Metodologia.

1. INTRODUÇÃO:

As seqüentes e aceleradas transformaçõesque acontecem no campo da tecnologia e dainformação geram uma mutação constante noconhecimento humano. Acompanhamos nasúltimas décadas mudanças significativas namaneira que nos comunicamos, acessamosinformações e observamos o mundo. A edu-cação, que é uma atividade crucial à humani-dade através das épocas, está fortemente atre-lada a estas mudanças, pois é responsávelpela criação, disseminação e construção das

alterações que refletem a sociedade(BOTOMÉ,1994).

Dentre as várias áreas do conhecimentoque são afetadas por este ritmo frenético dedescobertas, destaca-se a área das ciências,

1 Mestre em Física – Universidade Federal da Bahia. Pro-fessor da Faculdade Metropolitana de Camaçari. E-mail:[email protected].

2 Mestre em Ciências dos Materiais – Instituto de Pesqui-sas Energéticas Nucleares IPEN/USP, Professor da Fa-culdade Metropolitana de Camaçari. E-mail:[email protected]

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC8

já que esta é o pilar estrutural para a constru-ção de tecnologias e vive cada vez mais alte-ração gradativa. Assim, este fenômeno pro-duz inovações no conhecimento científico, queafetam o ensino de ciências, em particular oensino de física.

Estas inovações estimulam as universida-des e faculdades a produzirem a pesquisasvoltadas ao levantamento de perfis profissio-nais desejáveis junto a empregadores e espe-cialistas, construindo atributos que ultrapas-sam os conhecimentos técnicos sólidos. Al-guns atributos mais citados nessas pesqui-sas são: (a) conhecimentos: domínio dos prin-cípios fundamentais da ciência e tecnologia,conhecimentos em computação, impacto datecnologia no meio ambiente e nas pessoas,etc.; (b) habilidades: comunicação e relaçãointerpessoal, desenvolvimento de projetos,solução de problemas, síntese de soluçõesrefinadas a prática em uso, etc.; e (c) atitu-des: ética, integridade e responsabilidade coma sociedade, preocupação com o meio ambi-ente, motivação para o aprendizado contínuoem suas carreiras etc.

Embora se reconheça a importância des-tes atributos, haja vista que no Brasil muitosdeles estão contemplados nas diretrizescurriculares nacionais (BRASIL, 2008) a ques-tão que se coloca para as faculdades e uni-versidades de modo geral é: como incorporarum corpo crescente de conhecimentos ecomo desenvolver habilidades e atitudes ne-cessárias a boa atuação profissional sem so-brecarregar os currículos ou estender os cur-sos?

Com base na máxima construtivista, segun-do a qual o aprendiz, através de um ativoenvolvimento, é o construtor, o arquiteto doseu próprio conhecimento (CAVALCANTE,2000), a Aprendizagem Baseada em Proble-

mas (PBL) é, essencialmente, um método deaprendizado a partir de experiências sócio-culturais e acadêmicas acumuladas ao longoda sua vida. Nesta perspectiva, entende-se sero estudante o construtor da sua aprendiza-gem e o professor o mediador deste proces-so.

Logo, este método da PBL, tem por objeti-vo envolver o estudante nos programas deIniciação de Pesquisa, auxiliando-o na cons-trução do conhecimento de forma sistemati-zada e apoiado nos princípios epistemo-lógi-cos, científicos e técnicos. Este caminho, uti-lizado como modelo, torna o ensino das ciên-cias físicas e exatas mais próximos do sujeitoda aprendizagem; e possui todo meu aportemotivacional para o ensino desta ciência.

PROBLEM-BASED LEARNING ( PBL)

O ensino baseado em PBL, surgiu na dé-cada de 60 na Faculdade de Medicina da Uni-versidade de McMaster no Canadá (Boud &Feletti, 1997). Esta metodologia não demoroua propagar-se por todas as Faculdades deMedicina, pois conseguia desenvolver umconjunto de competências que extrapolava amera aquisição de conhecimentos conceituais.De fato, a PBL proporcionou não só a com-preensão dos princípios científicos que seencontram subjacentes ao problema (Dochyet al 2003), mas também ao desenvolvimentointegrado de competências e habilidades. Oprimeiro, por desenvolver desde o conheci-mento substantivo e processual, do raciocí-nio e a comunicação, o segundo, por cons-truir competências gerais relacionadas à to-mada de decisão, à resolução de problemas,aprender a aprender, pesquisa e utilização deinformação, autonomia e criatividade.

A PBL é uma metodologia educacional“centrada no estudante”. Entende-se que as

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9TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

oportunidades devam ser relevantes aos es-tudantes e que seus objetivos sejam, ao me-nos parcialmente, determinados pelos própri-os estudantes (UCI, 2000). Este delegar deautoridade com responsabilidade sobre aaprendizagem, prepara-os para se tornaremaprendizes por toda a vida (Barrows, 2001).Ainda que eles sejam, em última análise, sem-pre responsáveis pela aprendizagem indepen-dentemente do método de ensino adotado, jáque nada ou ninguém pode forçá-los a apren-der quando eles mesmos não empreendemesforços no processo de aprendizagem (Tardif,2002).

É fundamental que na abordagem PBL, aresponsabilidade pela aprendizagem seja ex-plicitamente delegada. Ou melhor, assumirresponsabilidade pela própria aprendizagem.

Em um ambiente educacional PBL, implicano cumprimento das seguintes tarefas(Woods, 2001):

• Exploração do problema, levantamentode hipóteses, identificação de questõesde aprendizagem e elaboração das mes-mas;

• Tentativa de solução do problema como que sabem, observando a pertinênciade seu conhecimento atual;

• Identificação do que não sabem e do queprecisam saber para solucionar o pro-blema;

• Priorização das questões de aprendiza-gem, estabelecimento de metas e obje-tivos de aprendizagem, alocação de re-cursos de modo a saberem o que, quan-do e quanto é esperado deles;

• Planejamento e delegação de responsa-bilidade para o estudo autônomo daequipe;

• Compartilhamento eficaz do novo co-nhecimento de forma que todos os mem-

bros aprendam os conhecimentospesquisados pela equipe;

· Aplicação do conhecimento na soluçãodo problema;

· Avaliação do novo conhecimento, dasolução do problema e da eficácia doprocesso utilizado e reflexão sobre o pro-cesso.

As mudanças que a implementação de umensino orientado para a PBL exige nas con-cepções e práticas dos professores, enormesobstáculos à sua implementação. Isto se deveàs dificuldades na quebra de paradigmas naatuação dos docentes em relação ametodologias largamente utilizadas no ensi-no de ciências, derivadas de umtradicionalismo de exemplos extraídos de lite-raturas e experimentos laboratoriaispurame nte objetivados em ilustrar conceitosbásicos envolvidos.

O PROCESSO PBL

Originalmente, a PBL é implementada emtodo o curso e orienta por um conjunto deproblemas que formam a espinha dorsal deseu currículo. Porém, existem relatos de apli-cação bem sucedida da PBL como uma es-tratégia educacional parcial, isto é, em disci-plinas isoladas dentro de um currículo con-vencional (WILKERSON; GIJSELAERS, 1996)ou mesmo em partes de disciplinas (STEPIEN;GALLAGHER, 1998), referência a qualaportamos para o desenvolvimento do nossoestudo.

As diferentes implementações da PBL têmem comum um processo que pode ser resu-mido no seguinte conjunto de atividades(DUCH, 2000; BARROWS, 2001): (1) apresen-ta-se um problema aos alunos que, em gru-pos organizam suas idéias, tentam defini-lo esolucioná-lo com o conhecimento que já pos-

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suem; (2) por meio de discussão, os alunoslevantam e anotam questões de aprendizagem(learning issues) acerca dos aspectos do pro-blema que não compreendem; (3) os alunospriorizam as questões de aprendizagem levan-tadas e planejam quando, como, onde e porquem estas questões serão investigadas paraserem posteriormente partilhadas com o gru-po; (4) quando os alunos se reencontram,exploram as questões de aprendizagem ante-riores, integrando seus novos conhecimen-tos ao contexto do problema; e (5) depois determinado o trabalho com o problema, os alu-nos avaliam o processo, a si mesmos e seuspares de modo a desenvolverem habilidadesde auto-avaliação e avaliação construtiva decolegas, imprescindíveis para uma aprendiza-gem autônoma eficaz.

OBJETIVOS EDUCACIONAIS NA PBL

É importante ressaltar que, nesta aborda-gem apesar de técnicas de solução de pro-blemas serem fundamentais, a PBL não seresume nelas. Nesta metodologia, o conhe-cimento construído na busca da solução dosproblemas e as habilidades e atitudes desen-volvidas neste processo são mais relevantesque a solução per si. Barrows (1996) identi-fica alguns objetivos educacionais da PBLpara o ensino de medicina aplicáveis ao en-sino de outras áreas de conhecimento: (a) aaquisição de uma base de conhecimento in-tegrada; (b) a aquisição de uma base de co-nhecimento estruturada ao redor de proble-mas reais encontrados no campo de atua-ção do profissional em questão; (c) a aquisi-ção de uma base de conhecimento vincula-da a processos de solução destes problemase o desenvolvimento de um processo eficaze eficiente de solução de problemas; e (d) odesenvolvimento de habilidades de aprendi-zagem autônoma eficaz e de habilidades detrabalho em grupo.

Considerando a formação de estudantes epesquisadores, o uso de metodologias comoa PBL só teria a acrescer, posto que seu pro-cesso se assemelha muito ao método científi-co. Suas fases de definição e análise do pro-blema, levantamento de hipóteses, busca defundamentação teórica e aplicação desta nasua solução, trocam de informações, apresen-tação de resultados, síntese dos conhecimen-tos adquiridos etc. pode contribuir tanto parao domínio dos conceitos da área de conheci-mento do estudante e do pesquisador, quan-to para o aprimoramento de habilidades ne-cessárias à sua atuação como tal, uma vezque a pesquisa científica envolve muitas ativi-dades que requerem habilidades comunicati-vas e interpessoais (KAUFMAN; MANN, 2001).

EXPERIÊNCIAS COM A PBL

No ambiente do espaço institucional daFAMEC foram realizadas pelos autores experi-ências de ensino utilizando a ferramenta daPBL como uma metodologia complementar notranscorrer de disciplinas da Física ministradanos cursos de Engenharia no período de 2006a 2007.

Portanto, partindo da demanda existentena relação entre a teoria e prática da disciplinaFísica Geral e Experimental III – Fundamentosde Eletricidade e Magnetismo, foram desen-volvidas como complementos à disciplina, ati-vidades que envolveram exploração do tópi-co Magnetismo em que os estudantes foramimpelidos à pesquisa bibliográfica e constru-ção, inicialmente, de um dispositivo que en-volvesse o estudo de Indução Eletromagnéti-ca. Em princípio, foi identificado pelos estu-dantes, que a construção de um transforma-dor atenderia às necessidades do estudo pro-posto. Na construção foram identificadoscomo entraves o projeto, os materiais a se-rem utilizados que minimizassem a dissipa-

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11TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

ção de energia por efeito Joule, dimensiona-mento e alinhamento das espiras e escolhado diâmetro dos fios. O fato de trabalharemem equipes suscitou a necessidade de plane-jamento através da delegação de responsabi-lidade aos componentes da equipe, desde apesquisa, tempo de execução e concepção dotrabalho.

As vantagens apontadas pelos estudantesforam atribuídas principalmente ao fato de estametodologia de ensino ser motivadora, tornara aula dinâmica e estimular o desenvolvimen-to de habilidades interpessoais e de pesqui-sa, como colocam : “A aula torna-se mais di-nâmica e assim é mais facilmente entendida;os alunos aprendem a buscar o conhecimen-to e [...] a trabalhar em grupo (o que é maiscomplicado e importante de ser treinado)” e“A vantagem é de não ter o conhecimentopronto para ser digerido, mas ter que buscá-lo e a troca de conhecimentos foi muitosatisfatória” Outras vantagens elencadas fo-ram a possibilidade de “Aprender a [...] solu-cionar um problema na prática” e “A integraçãode conhecimentos e de diferentes visões quecada um passou a ter sobre o tema”.

Para os Motores Síncronos, os estudantesdividiram-se em equipes onde cada equipe apartir de pesquisas realizadas, identificaramdiversas formas de implementar a montagemdos motores. Algumas equipes construírammotores que envolviam ciclos completos oumeio-ciclos para o seu funcionamento. Osobstáculos encontrados estiveram concentra-dos na obtenção do material para a pesquisabibliográfica, que não amplamente divulgadana literatura atual, na montagem e na enge-nharia para obtenção dos motores em si.

RESULTADOS E CONCLUSÕES

Considerando que o pleito dos estudantesestava fundamentado na dificuldade de conhe-

cimento conceitual quando aplicado ao racio-cínio lógico e experimental no ensino doeletromagnetismo; a aplicação da PBL trouxea contemplação de maior qualidade e melhorentendimento dos conceitos envolvidos. Istoficou evidente nas intervenções efetuadaspelos estudantes sobre os defeitos que foramapresentados em alguns protótipos montadospelas equipes.

A maturidade acadêmica adquirida veio deencontro ao tripé ensino, pesquisa e exten-são, alicerce do ensino de graduação nas di-versas áreas do conhecimento. Além disso,os estudantes que fizeram par te destametodologia obtiveram rendimento destaca-do quando comparados a estudantes que nãoforam submetidos ao método. Esta evidênciafoi bastante observada, quando os estudan-tes foram bastante elogiados, pela primeira vezdesde a fundação do curso de Engenharia deControle e Automação, pelo desempenho ob-tido no ciclo profissional nas disciplinas inter-ligadas conceitualmente à Física Geral e Expe-rimental III, já que os discentes tinham umagrande facilidade de realizar a conexão teoria-prática.

Contudo, é importante deixar claro que aformação de estudantes e pesquisadores emquaisquer campos de conhecimento é reco-nhecidamente um processo complexo, por-tanto, não é desejo simplificá-la ou conside-rar as experiências aqui relatadas suficientespara esta finalidade. Ao contrário, este traba-lho tem a intenção de mostrar caminhos alter-nativos para a prática pedagógica, tentandocontribuir com outros enfoques para o apri-moramento do ensino.

Finalmente, fica a alerta aos docentes quan-to à percepção se o pleito dos estudantes élegitimo ou apenas para angariar números emdisciplinas.

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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC12

REFERÊNCIAS

BOTOMÉ, S.P. Contemporaneidade, ciência,educação e ... verbalismo! Erechim: Editorada URI, 1994.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura.Diretrizes curriculares nacionais para os cur-sos de engenharia. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 03dez. 2008

CAVALCANTE, J.F. Educação Superior: con-ceitos, definições e classificações. Brasília:MEC/INEP,2000.

DOCHY,F. ; SEGERS, M.: VAN DEN BOSSCHE,P.; GIJBELS,D. Effects of problem-baseclearning, a meta-analysis. Learning andInstruction, v.3, p. 533-568, 2003.

BARROWS,H.S. A taxonomy of problem-basedlearning methods. Medical Education, v.20,p. 481-486, 1986.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação pro-fissional. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

WILKERSON, L.; GIJSELAERS, W. H. BringingProblem- based Learning to higher education.San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1996.p.23-32.

KAUFMAN, D. M.; MANN, K. V. I don’t want tobe a groupie. In: SCHWARTZ, P.; MENNIN, S.;WEBB, G. (Ed.). Problem-based Learning: casestudies, experience and practice. Londres:Kogan Page, 2001. p.142-150.

BOUD, D.; FELETTI,G. The challenge ofproblem-based-learning. Londres: KoganPage, 1999.

UCI, What is PBL? Disponível em: University ofCalifornia-Irvine Web Site, http://www.pbl.uci.edu/whatispbl.html, acesso em 20 set. 2008.

DUCH, B. J. Wath is Problem-based Learning?Disponível em: \http://www.udel.edu/pbl/cte/jan-95/what.html. Acesso em 26 set. 2008.

WOODS,D.R. Problem-based learning: how toget teh most out of PBL. Disponível em: <http://biology.iupui.edu/Biology> acesso: 15 de set.2008.

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13TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

Carteiras de Investimentos com o Método de Elton-Gruber em Períodos de Instabilidade Econômica no Brasil

Utilan da Silva Ramos Coroa1, TatianaGargur dos Santos2

RESUMO

A essência da administração do risco está em maximizar as áreas onde temos certo controlesobre o resultado, enquanto minimizamos as áreas onde não temos absolutamente nenhumcontrole sobre a conseqüência e onde o vínculo entre efeito e causa está oculto à nossapercepção. Essa nova visão foi ampliada a partir do trabalho de Markowitz (1952), que buscavaatravés da diversificação, reduzir o risco de uma carteira de investimento. Outros autores comoSharpe (1963), Treynor (1965), Elton e Gruber (1977) vêm contribuindo de forma significativapara a eficiência e prática desta técnica através dos seus métodos e/ou índices. O desenvolvimentoeconômico proporcionado pelo mercado de capitais é evidente em países desenvolvidos e/ouem ambientes macroeconômicos estáveis. E o que ocorre em países com constante instabilidade?Este trabalho tem como objetivo analisar a rentabilidade e o risco do modelo de seleção dacarteira ótima de Elton-Gruber em ambientes macroeconômicos instáveis, com sucessivos planoseconômicos, no período de 1986 a 1995, especificamente no Brasil. Procurou mostrar que,apesar da instabilidade, investimentos em ativos de renda variáveis são viáveis a longo prazo,ou seja, pode-se auferir lucros acima da média do mercado aplicando em ações. Nos resultadosencontrados das carteiras ótimas sob a metodologia de Elton-Gruber, comparado com o Ibovespa,observou-se que as carteiras construídas possuem desempenhos passados superiores, commenor risco, medidos pelos índices de Sharpe e de Treynor. Contudo, quando postos à provaatravés de investimentos futuros, as carteiras só superam o índice quando o mercado de capitaisoferece baixa rentabilidade.

PALAVRAS-CHAVE: modelo Elton-Gruber; retorno; risco; ações.

1 Doutorando em Difusão do Conhecimento / FACED-UFBA e Mestre em Administração / FEA-UFBA.E-mail: [email protected]

2 Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social / FVC.E-mail: [email protected]

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC14

1. INTRODUÇÃO

Os mercados de capitais são fundamen-tais para o desenvolvimento econômico de umpaís, por alocar poupança a recursos de in-vestimentos, função que, ao ser desempenha-da, fornece sinais importantes à formação dospreços dos títulos, que devem refletir as infor-mações existentes no sistema econômico aqualquer tempo (FAMA, 1970).

Para ter sucesso no mercado acionário oinvestidor deverá conhecer as característicasdesse mercado, os prazos e formas de apli-cações, o risco e retorno do seu investimentoe uma maneira de análise de seu portfólio.

O retorno de uma carteira de ativos é umamédia ponderada dos retornos dos ativos in-dividuais. O peso aplicado a cada retornocorresponde à fração do valor da carteira apli-cada naquele ativo. A existência de risco sig-nifica que o investidor não pode mais associ-ar um único número ou resultado ao investi-mento em qualquer ativo. O resultado precisaser descrito por um conjunto de valores e suasprobabilidades de ocorrência, ou seja, poruma distribuição de freqüência ou de retor-nos. “Os dois atributos mais utilizados nasdistribuições dos retornos são a medida detendência central, chamada de retorno espe-rado, e uma medida de risco ou dispersão emtorno da média, chamada de desvio-padrão.”(ELTON et. al., 2004, p. 62).

O risco em uma carteira é mais complexodo que uma média simples dos riscos dosativos individuais. Depende da possibilidadede que os retornos dos ativos variem na mes-ma direção, ou de que os resultados de al-guns ativos sejam bons em relação a outros.

Para Brigham, Gapenski e Ehrhardt (2001,p.185) é teoricamente possível combinar

ações que são bastante arriscadas individual-mente quando medidas por seus desvios-pa-drão e formar uma carteira completamente li-vre de risco.

Elton e Gruber (1995) desenvolveram ummodelo que possui como vantagens a facili-dade dos cálculos na montagem das cartei-ras e também torna claros os motivos que le-vam uma ação a compor ou não uma carteiraeficiente. “Este método toma como parâmetroo Modelo do Índice Único que representa omercado como um todo e os retornos espe-rados das ações serão relacionados com esteíndice e não entre si.” (SANTOS; COROA;MATSUMOTO, 2003).

Constata-se ainda que as Bolsas de Valo-res possuem uma metodologia própria paracompor uma carteira teórica de ações que di-fere em alguns aspectos dos modelos tradici-onais, possibilitando, assim, a utilização devariadas técnicas de formação de portfólios.

O objetivo deste trabalho é analisar a ren-tabilidade e o risco do modelo de seleção dacarteira ótima de Elton-Gruber em ambientesmacroeconômicos instáveis com sucessivosplanos econômicos no período de 1986 a1995. Procurará mostrar que, apesar da ins-tabilidade, investimentos em ativos de rendavariáveis são viáveis a longo prazo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O mercado de capitais e, principalmente, omercado de ações contribuem positivamentepara o desenvolvimento econômico de umpaís, à medida que: incentiva a formação depoupança interna, ao carregar recursos dospoupadores e disponibilizá-los para uso deinvestidores; fornece prêmios, via maximizaçãodos retornos, uso eficiente dos recursos emomento correto da tomada de decisão, tor-

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nando o próprio mercado cada vez mais efici-ente e esse efeito é transmitido aos demaissetores da economia; e consolida um merca-do de ações eficiente e desenvolvido, atrain-do capital externo.

Esse desenvolvimento econômico, propor-cionado pelo mercado de capitais, é evidenteem países desenvolvidos e em ambientesmacroeconômicos estáveis. Mas, conformeprocurará demonstrar este artigo, em momen-tos instáveis pode-se auferir lucros acima domercado, principalmente a longo prazo.

2.1 Período 1986-89

Os planos Cruzado, Bresser e Verão, ape-sar da ênfase da política econômica, não pro-duziram mais do que um controle temporárioda inflação, uma vez que não foram solucio-nados quaisquer dos conflitos distributivos derenda que poderiam ser considerados focosde pressão inflacionária a médio prazo(ABREU,1992, p.382). Não se buscou reduziras transferências de cursos reais para o exte-rior. O desequilíbrio das contas do governose agravou. A política monetária não produ-ziu efeito satisfatório. O setor empresarial pas-sou a se defender de qualquer tipo de prejuí-zo, ou de ameaças de prejuízos oriundos dospreços em relação dos custos. E os trabalha-dores demonstraram sua insatisfação quantoao poder de compra dos salários. Desta for-ma, restou apenas aos dirigentes do país pro-mover desindexação e, em seguida, tentaradministrar as altas taxas de inflação.

2.2 Período 1990-92

No período 1990-92, o Brasil foi governa-do pelo presidente Fernando Collor, que teveum cenário econômico marcado por: dois pla-nos de estabilização econômica; inflação per-sistente; retração das atividades econômicas;

maior abertura do comércio exterior; reduçãodo papel do estado na economia; e busca doequilíbrio orçamentário.

O país foi marcado neste triênio por elevadataxa de inflação e forte contração da atividadeeconômica. Apesar desse cenário desfavorá-vel, destaca-se a ação do governo no sentidode realizar mudanças estruturais na economiabrasileira com o objetivo de maior abertura ex-terna e redefinição do papel do Estado na eco-nomia, cuja principal diretriz foi a desestatização,que teve continuidade nos governos que seseguiram (FURTADO, 2000, p.227).

2.3 Período de transição e o Plano Real

O Vice-Presidente da República Itamar Fran-co, assumiu o cargo de Presidente com a re-núncia de Fernando Collor, exercendo o man-dato de outubro de 1992 a dezembro de 94,quando ocorreu a posse do novo Presidenteeleito Fernando Henrique Cardoso.

A economia do período de transição en-contrava-se em recuperação. Houve aumen-to da captação de recursos externos, atravésda emissão de bônus, notas e commercialpapers, iniciada em 1991; aumento do fluxode entrada de capitais estrangeiros; cresci-mento da massa salarial em decorrência maisdo aumento da oferta de empregos do quedo valor dos salários reais; e aumento da re-ceita de exportação.

O governo Itamar Franco foi marcado pe-los seguintes fatos: queda brusca da inflação;progressiva melhora das contas públicas emdecorrência da queda dos juros, cortes dedespesas e alongamento da dívida pública fe-deral com emissão de novos títulos de prazomais longo; aumento da credibilidade do paísno exterior; e prosseguimento do processo deabertura da economia;

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O programa de estabilização econômica,que ficou conhecido como Plano Real, foi exe-cutado em três fases:

Primeira fase: Início em março de 1994 coma aprovação do fundo social de emergência,teve por finalidade estabelecer o equilíbrio or-çamentário, mediante o aumento de impos-tos e cortes de gastos públicos;

Segunda fase: Criação da unidade de refe-rência de valor (URV), que substituiu a UFIR eserviu de padrão de valor monetário;

Terceira fase: Em 1º de julho de 1994, ocor-reu a reforma monetária adotando o real comomoeda corrente.

2.4 Administração de Carteiras

A administração de carteira, como toda ci-ência financeira, busca novas formas demaximizar os recursos (retornos) e minimizaros custos (riscos).

O risco em Finanças é dividido emdiversificável que está relacionado com o ati-vo ou negócio e o não diversificável ou demercado que é exógeno ao ativo ou negócio.

Para um investidor com visão generalista,um modo mais eficiente de obter redução dosriscos é através da aplicação da carteira deativos.

Figura 1: A redução do risco pela diversifi-cação

Para Markowitz (1952), de acordo comseus estudos, estratégias de diversificação“simples”, ou seja, aquelas que realizam a di-visão do capital em partes iguais entre os ati-vos escolhidos, são suficientes para se obteruma significativa redução do risco do portfolio.Porém, de acordo Elton e Gruber (1977, p.417), investimentos utilizando pesos iguaissão válidos apenas quando o investidor nãopossui qualquer informação sobre as médi-as, variâncias e covariâncias dos retornos fu-turos dos ativos.

Não há um modelo ideal - um fim da histó-ria - há sim um caminho aberto para novaspesquisas e inovações a favor da dinâmica,da eficiência do mercado de capitais (COROA;SANTOS; MATSUMOTO, 2003).

2.5 Contribuição de Sharpe

William Sharpe elaborou na década de 60um modelo simplificado para avaliação de fun-dos de investimento, ao qual denominou Mo-delo Diagonal ou Modelo do Índice Único. Eleexpressa a relação retorno/risco e informa seo fundo oferece rentabilidade com o risco aque o investidor está exposto.

Para que o índice seja confiável é necessá-rio que tenha sido apurado de acordo com oscritérios seguintes:

• É necessário que, para o cálculo, sejaconsiderado um mínimo de 24 dados.Quanto maior o período mais confiávelo índice;

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• O indexador escolhido como livre de ris-co tem que ter relação com o segmentoa que pertence o fundo. A escolha deum Risk Free que não tenha relação como objetivo de rentabilidade do fundopode distorcer a informação;

• Não se deve utilizar o índice para análi-se de todo e qualquer tipo de fundo.Deve-se utilizá-lo para medição de de-sempenho de fundos que contenhamriscos;

O índice de Sharpe, como já foi dito, indica arelação retorno/risco e sua interpretação con-figura o seguinte:

• Quanto maior o índice, melhor;• O numerador é uma informação de ren-

tabilidade real média;• O denominador é o indicador de risco.

2.6 O Índice Bovespa

O Índice Bovespa é o mais importante in-dicador do desempenho médio das cotaçõesdo mercado de ações brasileiro, porque re-trata o comportamento dos principais papéisnegociados na Bovespa.

Podemos descrever o Ibovespa como osomatório dos pesos das ações integrantesde sua carteira teórica formado pela quanti-dade teórica de cada ação multiplicado peloúltimo preço da mesma, conforme fórmulaabaixo:

Onde:Ibovespa

T= Índice Bovespa no momento T;

n = número total de ações componentes dacar teira;QT= último preço da ação no momento T;QT= quantidade teórica da ação no momento T.

Cada índice tem um critério diferenciadopara ser composto. Segundo Assaf (2001), oíndice da Bolsa de Valores de São Paulo con-sidera, em sua carteira teórica, somente açõescom maior grau de negociabilidade. Além dis-so, para ser incluída na carteira teórica doIbovespa, é necessário que a ação tenha boaparticipação em termos de volume. As açõesselecionadas devem representar 80% do vo-lume negociado no mercado a vista nos últi-mos 12 meses e apresentar, ainda, um míni-mo de 80% de presença nos pregões da bol-sa no mesmo período.

Esta fórmula,

,

é utilizada para calcular o Índice de Negociabili-dade para cada uma das ações nela negocia-das nos últimos doze meses, onde:

n = número de negócios com a ação, realiza-dos no mercado a vista, nos últimos 12 meses;

N = número de negócios total do mercado avista dos últimos 12 meses;

v = valor em moeda corrente movimentado coma ação no mercado a vista nos últimos 12 me-ses;

V = valor em moeda corrente total do mercadoa vista nos últimos 12 meses.

Esses índices são listados em ordem de-crescente. Em seguida, calcula-se a partici-pação em percentuais de cada índice dosomatório desses, listando-se as ações atéque o montante das participações atinja 80%.As ações assim selecionadas irão compor acarteira do índice, desde que atendam aosoutros dois critérios citados anteriormente.

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Dentre outras funções, o Ibovespa servede indicador de tendência do desempenho daeconomia, como instrumento de suporte paraa gerência de investimentos e como instru-mento de negociação em mercados futuros.

2.7 O Coeficiente Beta

O Coeficiente Beta, simbolizado pela letragrega â, mede a sensibilidade da taxa de re-torno de uma ação em relação ao movimentodo mercado. Segundo Brigham (2001, p.194), o beta mede a volatilidade de uma açãocom relação a uma ação média, que tem pordefinição β = 1,0.

Uma ação ou carteira de ações com β= 1subirá ou cairá de acordo com as médias domercado. Ações ou carteiras com beta acimade 1 são mais arriscadas que a média do mer-cado, ou seja, tendem a subir ou cair mais doque o mercado. Caso uma ação ou carteiratenha β = 0,5, terá somente metade davolatilidade do mercado ou seja, metade dorisco.

O beta de uma ação depende de sua corre-lação com o mercado de ações e de sua pró-pria variabilidade em relação à variabilidade domercado. Desta forma, o beta pode ser defini-do pela seguinte equação matemática:

Onde: cov (Re, Rm) = covariância entre os re-tornos do ativo e o retorno de mercado;

= variância dos retornos do mercado.

Uma outra observação realizada por Brigham(2001, p. 195) é que uma carteira formada portítulos de baixo beta terá ela mesma um baixobeta, pois o beta de uma carteira é a médiaponderada dos betas dos títulos individuais:

Onde: βp = beta da carteira;

iw = fração da carteira investida na ação i;βi = coeficiente beta da ação i.

2.8 Contribuição de Treynor

O Índice de Treynor, assim como o deSharpe, mede o desempenho de carteiras detítulos (ex-post) com a diferença de que, emvez de usar como medida de risco o desvio-padrão, usa o coeficiente Beta. Ela é umamedida de excesso de retorno em relação aobeta. Quanto mais alto o seu valor melhor é oportfolio. O risco de ativos individuais ou deum pequeno grupo de ativos pode ser defini-do pelo seu co-movimento com o mercado(Beta). Sendo assim, este índice se torna útilquando a carteira do investidor é uma dasmuitas carteiras incluídas num grande fundo.

Segundo Assaf (2001, p. 327), podem serencontrados resultados diferentes no desem-penho de uma carteira quando avaliada peloíndice de Sharpe e pelo índice de Treynor. Oíndice de Treynor relaciona o prêmio unica-mente com a medida de risco sistemático (co-eficiente beta), enquanto o índice de Sharpeadota o desvio-padrão (risco total: sistemáti-co e diversificável) como medida de risco.

2.9 Contribuição de Elton e Gruber

Os professores Edwin Elton e Mar tinGruber desenvolveram um modelo para mon-tagem de carteiras ótimas que, além de teruma metodologia de cálculo simples, demons-tra o porque de uma ação pertencer a umacarteira ótima.

Esse modelo utilizará as seguintes variá-veis para um determinado período de tempo:

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•Retorno esperado de cada ação – -Ri ;•Beta de cada ação - βi ;•Retorno do título de renda fixa sem risco

- RF ;•Risco diversificável de cada ação - σei ;•Risco da carteira de mercado - σM.

A metodologia segue 3 fases que são des-critas abaixo.

1ª fase. Deve-se calcular o retorno espera-do por ação em percentuais ( -Ri), seus res-pectivos retornos excessivos ( -Ri – RF ) tam-bém em percentuais, betas (βi ) e o índice deatratividade ( -Ri – RF ) / βi , que nada mais é doque o retorno excessivo dividido pelo beta decada ação.

Nesta representação do Índice de Atrativi-dade (IA), está implícito que o investidor nãopode esperar ser remunerado no seu investi-mento por assumir o denominado riscodiversificável (σei) isto porque esse risco po-derá ser eliminado por um processo de diver-sificação eficiente. Portanto, o investidor sópode exigir uma remuneração adicional sobrea rentabilidade do título de renda fixa sem ris-co em virtude daquele risco que ele é sempreobrigado a correr (o risco não diversificávelou sistemático) se ele optar por investir emativos com risco (de retorno incerto). Se asações forem classificadas de acordo com esseIA, sua atratividade estará definida, uma vezque quanto maior esse índice para a ação maiora rentabilidade excedente esperada por uni-dade e risco sistemático. (TOSTA DE SÁ,1999, p. 103).

2ª fase. Nesta fase, deve-se listar em or-dem decrescente do índice de atratividade to-dos os dados calculados anteriormente poração. Logo após, calcula-se o ponto de corte(C*) com o objetivo de selecionar as açõesque vão compor a carteira ótima. As ações

que possuírem Índices de Atratividades su-periores aos pontos de corte comporão a car-teira, ao contrário, deverão ser descartadas.

Segundo Elton e Gruber (1995, p. 184) ovalor de C* é computado a partir das caracte-rísticas de todas as ações que pertencerão aoportfolio ótimo. Para determinar C* é neces-sário calcular seus valores como se houves-se diferentes números de ações no portfolio

ótimo.

A fórmula do ponto de corte é a seguinte:

3ª fase. Calcula-se o percentual dos recur-sos disponíveis que devem ser investidos emcada ação selecionada anteriormente doportfolio ótimo, utilizando a seguinte fórmula:

Onde: X1= percentual a ser investido emcada ação; e

.

Após estas três etapas, conclui-se o pro-cesso de formação da carteira ótima de El-ton-Gruber.

3. METODOLOGIA E ANÁLISE DOSRESULTADOS

3.1 População e Amostra

Para compor a carteira ótima de acordocom a teoria de Elton-Gruber apresentadaanteriormente, foram coletados preços de fe-chamento mensais dos anos de 1986, 1987,

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1989, 1990 e de 1993 a 1995, que corres-pondem respectivamente a períodos dos pla-nos econômicos: Cruzado, Bresser, Verão,Collor e Real. Em cada intervalo de tempohouve seleção de amostras de ações que ti-veram, como critério, o fato de estarem compresença acima de 95% em negociações naBolsa de Valores de São Paulo. De 539 açõesregistradas na Bovespa, em 1986, de acordocom o critério de presença, foram seleciona-das 82 ações, em 87 foram 84, em 1989 aamostra foi de 93 ações, 1990 foram 40 açõese no período entre 93 e 95 foram extraídas 46ações.

3.2 Cotações, Retornos e Riscos

As cotações das ações utilizadas são dosúltimos dias úteis do mês (fechamento), es-tão em reais ajustadas por proventos, incluin-do dividendos, e foram extraídas do sistemade informações Economática® .

Após a extração das cotações calcularam-se as taxas de retorno mensais das referidasações (Ri), suas respectivas médias anuais(Ri), riscos total (σi

2) e diversificável (σei2) de

cada ação medidos pela variância.

O ativo de renda fixa sem risco utilizado paracompor o modelo foi a TR acumulada (ex-ORTN-OTN-BTN) que teve 1,85% de retorno em 86, enos anos de 1987, 1989, 1990 e 1993-1995,teve respectivamente os seguintes retornos,13,93%, 24,98%, 22,53% e 19,40%, tambémextraídos do sistema Economática®. A TR foiescolhida como ativo de renda fixa sem risconeste modelo por possuir menor risco calcula-

do pela variância na maior parte dos períodosanalisados, se compararmos à poupança, à taxaSelic e ao CDI.

Para o cálculo do risco da carteira de mer-cado (σM), foi efetuado levantamento dos re-tornos do Índice Bovespa (Ibovespa) comorepresentativo do mercado de capitais brasi-leiro. A tabela 1 a seguir exibe os retornos eas variâncias calculados por período.

Tabela 1: Retornos e Variâncias do Ibovespa

Os betas de cada ação para os períodoscitados também foram extraídos do mesmobanco de dados.

3.3 Teste de Normalidade e Análise deRegressão

Antes da elaboração das carteiras de ações,os retornos e os riscos anuais das ações daamostra foram tabulados e avaliados.

Inicialmente calculou-se o teste de norma-lidade Kolmogorov-Smirnov, por período paraverificação da distribuição dos dados. Esteteste foi executado no programa MINITAB®versão 14.12.0. O resultado está exposto natabela 2 a seguir:

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Tabela 2: Teste de normalidade por período dos retornos e riscos das ações

O teste mostra que todas as médias dosretornos das ações, com exceção do período93 a 95, possuem distribuição normal. Asmédias dos riscos apresentaram distribuiçãonão normal por ter p-values menores que onível de significância (a) de 5% em todos osperíodos avaliados. Pode ser que a não nor-malidade dos retornos no período de 93 a 95seja em função do fato de ter sido utilizadoperíodo mais longo que os anteriores para aanálise. Este evento poderá ser avaliado emestudos posteriores.

Visando analisar a influencia do risco -medido pela variância - sobre o retorno, utili-zou-se a análise de regressão. Este teste mos-trou-se ser adequado pelo fato da variáveldependente (retorno) ter apresentado distri-buição normal na maior parte dos períodos.

Constata-se, através da análise de regres-são, que os riscos totais (mercado +diversificável) influenciam nos retornos dasações, embora em graus diferenciados porperíodo.

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Conforme Figura 2 a seguir referente aoano de 1986, o resultado do R2 indica que58,72% do retorno pode ser explicado pelavariação do risco. Ao mesmo tempo, a incli-nação da reta exibe uma influência positivaentre estas duas variáveis, o aumento do ris-co leva a um aumento do retorno da ação.

Figura 2: Regressão Linear entre Risco eRetorno - 1986

Os resultados dos testes de regressões detodos os períodos estão expostos na tabela aseguir:

Tabela 3: análise cruzada entre risco e re-torno das ações por período

Período Equação da reta r2

1986 y = 0.3165x + 0.0204 0.5872

1987 y = 0.0659Ln(x) + 0.2455 0.2546

1989 y = 0.2849x + 0.3016 0.1104

1990 y = 0.118Ln(x) + 0.3826 0.2997

1993 a 1995 y = 0.6726x + 0.1979 0.2367

Como este teste prova a existência, mes-mo em graus distintos, da interferência do ris-co sobre o retorno, pode-se, através da ela-boração de car teiras eficientes, selecionarações que resultem em menores riscos commaiores retornos.

3.4 A montagem da carteira eficiente deações de Elton-Gruber

Dois tipos de informações podem ser em-pregados na construção de portfolios ótimos:informações passadas, onde se supõem sero futuro uma continuação do passado e infor-mações futuras, que são construídas combase na crença de um ou mais analistas so-bre o comportamento futuro dos ativos anali-sados. (MARKOWITZ, apud BRUNI; FAMÁ,

1999).

Neste trabalho, os va-lores calculados para o pe-ríodo analisado foram as-sumidos como os valoresesperados para o períodoimediatamente posterior.

Em seguida, com o ob-jetivo de melhor desenvol-ver o modelo de constru-ção de carteira de Elton-Gruber inseriram-se os

dados na planilha eletrônica Microsoft Excel®,e calculou-se o Índice de Atratividade (retor-no excessivo dividido pelo beta) de cada açãoe por período.

Logo após, ordenou-se a tabela por ordemdecrescente do Índice de Atratividade com oobjetivo de calcular o ponto de corte (C*), ouseja, o ponto que define as ações que deve-rão compor ou não a carteira ótima. Para queuma ação possa fazer parte da carteira, deve-rá possuir um Índice de Atratividade superiorao ponto de corte. As ações com Índices deAtratividade inferiores a este ponto deverãoser descartadas.

A tabela 4 a seguir expõe, após o cálculode C*, as ações que deverão compor a car-teira ótima para o período de 1986.

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Tabela 4: Cálculo do Ponto de Corte (C*)1986

Das 82 ações selecionadas inicialmente do período de 1986, apenas 6 deverão compor a cartei-ra ótima. A próxima etapa é definir o percentual de recursos de cada ação na carteira, conformea tabela 5.

Tabela 5: Cálculo do percentual de participação da ação na carteira (Xi)1986

As carteiras dos anos seguintes formadas pelo mesmo método, assim como seus respecti-vos percentuais de participação, estão expostas na tabela 6 a seguir:

Tabela 6: Ações por carteira e percentual de participação

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De acordo com os resultados obtidos, ob-serva-se que o fator decisivo para definir aparticipação na carteira é o risco diversificável,próprio de cada ação. Ou seja, independentedo Índice de Atratividade - que expressa o re-torno excessivo por beta - se uma determina-da ação tiver um elevado risco sistêmico, teráseu percentual de participação na carteira re-duzido. É o que explica o fato da Electrolux PNparticipar com 9,82% de recursos na carteirapossuindo o menor I.A. de 13,42, enquantoo Bradesco PN, que possui 14,92 de I.A. re-presentar apenas 3,29% de recursos na car-teira de 86.

3.5 Análise dos resultados

Visando verificar se realmente os retornosdas ações que compõem a carteira ótima se-lecionada pelo método de Elton Gruber iria terdesempenho diferenciado do Ibovespa, foicalculado o Coeficiente de Correlação entre oIbovespa e carteira construída. Caso o coefi-ciente apontasse um valor muito próximo ouigual a 1 (um) indicaria que não haveria opor-tunidade de ganhos entre uma ou outra esco-lha. Qualquer opção levaria a um resultadosemelhante para o investidor. Mas, o resulta-do mostrou que, depois de selecionadas asações da carteira, o Coeficiente de Correlaçãoentre as ações e o Ibovespa diminuiu, fato queleva ao indício de que a escolha por uma car-teira de ações poderá ser mais vantajosa quea opção por um Índice de ações conformedados na tabela a seguir:

Após finalizada a construção da carteiraeficiente, comparamos os resultados obtidoscom o desempenho da carteira teórica daBovespa. Os dados do Ibovespa foram extra-ídos do sistema Economática® no mesmoperíodo em análise. Foram utilizados cincocritérios de comparação entre o portfolio e omercado.

Primeiramente calculamos os retornos es-perados do portfolio e do Ibovespa. O retor-no esperado da carteira pode ser calculadopela soma das médias dos retornos de cadaação ponderados pelos respectivospercentuais de participação, conforme segue:

Onde -Rp

é o retorno esperado da carteiraconstruída.

Da mesma forma que o retorno, o beta dacarteira pode ser obtido calculando-se a mé-dia ponderada dos betas de cada ação peloseu percentual de participação. Já o beta domercado é 1.

Quanto ao risco total da carteira medidopela variância, pode ser obtido pela fórmula:

Tabela 7: Coeficiente de Correlação entre o retorno do Ibovespa e a média dosretornos as ações da amostra e Coeficiente de Correlação entre o retorno do Ibovespae Ações da carteira de Elton Gruber

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A primeira parcela da equação anterior,, representa a variabilidade do retor-

no da carteira em relação à carteira de merca-do. Já a segunda etapa da equação,

, associa opercentual de participação da ação que com-põe a carteira à variabilidade do risco nãosistêmico.

Os retornos, os riscos e os betas de cadacarteira se encontram na tabela 8 abaixo:

Tabela 8: Retornos, riscos e betas por car-teira ótima

Ao compararmos com a tabela 1, percebe-mos que os novos portfolios superam em ren-dimento a carteira de mercado em todos osperíodos.

Com exceção do período de 1993 a 1995,todos os outros anos tiveram betas inferioresao de mercado, que é 1.

Apesar das rentabilidades das car teirassuperarem em todos os períodos as rentabili-dades da carteira de mercado, com o risco omesmo não ocorreu.

Outro critério de comparação utilizado foio Índice de Sharpe. Neste aspecto, as cartei-ras formadas pelo método de Elton-Grubersuperaram a do Ibovespa.

Pode-se também analisar o desempenhodas carteiras pelo Índice de Treynor. Da mes-ma forma que o I.Sharpe, o desempenho dasatuais carteiras são superiores à do mercadoconforme a tabela 9 abaixo:

Tabela 9: Índices de desempenho

Comparando os resultados das carteirasótimas sob a metodologia de Elton-Gruber,com os desempenhos das car teiras daBovespa (Ibovespa) por período, observa-seque as carteiras construídas possuem desem-penhos superiores.

Partindo do pressuposto que rentabilida-des passadas são bons parâmetros para gan-hos futuros, se um investidor tivesse efetua-do um investimento em 02/01/87 de U$1,000,de acordo com os dados obtidos do ano de1986, seguindo fielmente a proposta sugeridapelo método de Elton-Gruber, e tivesse res-gatado no dia 30 de setembro de 2002, teriaadquirido 124% sobre o investimento inicial,ou seja, teria resgatado U$2,238.91. Se tives-se investido No Ibovespa teria tido apenas30% de rentabilidade.

Se o mesmo investidor tivesse efetuadoinvestimento do mesmo valor em 02/01/88com dados da carteira montada de 1987, te-ria obtido de ganho U$ 11.070,92 se resga-tasse em 30 de setembro de 2002, o que equi-vale a 1.007% sobre o investimento inicial. E,caso optasse por um investimento na carteirade mercado, teria apenas 362% de retorno.

O mesmo não ocorreu com o ano de 1989.Apesar de neste ano o mercado de capitaister proporcionado excelente rentabilidade ex-post desta car teira, a rentabilidade doIbovespa superou a rentabilidade da carteirade Elton-Gruber. O Ibovespa rendeu 48% en-quanto a carteira obteve 34% no período dedezembro de 1989 a 30 de setembro de 2002.

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No ano de 1990 ocorre o mesmo fenôme-no. Conforme visto na tabela 4, apenas a açãoda Bombril PN deveria estar presente na car-teira deste ano. O rendimento desta ação con-siderando a aplicação de U$1,000 com res-gate em 30 de setembro de 2002 foi de 29%enquanto neste mesmo período o Ibovespaobteve 443%.

O período de 93 a 95 foi registrado por per-das em investimentos. Tanto o Ibovespa quan-to a carteira ótima tiveram prejuízo mas, comdistintos valores. O portfolio perdeu apenas30% enquanto o Ibovespa teve queda de 50%.

Se o mesmo investidor tivesse efetuado to-das as aplicações após cada período coletado,teria obtido de retorno U$13,641.34. Caso ti-vesse aplicado no índice de mercado teria tidoapenas U$8,327.58 em setembro de 2002.

4. Considerações finais

Este artigo objetivou comprovar que, nosperíodos analisados sob condições de fortesincertezas ou instabilidades econômicas, in-vestimentos em carteiras construídas sob ametodologia Elton-Gruber teriam maiores ren-tabilidades, com menores riscos, do que in-vestimentos na carteira teórica da Bovespa(Ibovespa).

O modelo apresentado mostrou-se eficazpara a formulação do portfolio ótimo, já queconseguiu reduzir o risco não sistemático nosperíodos analisados. Através dos resultadosobtidos observou-se que, ações selecionadaspara compor a carteira que possuíam maio-res riscos diversificáveis, participavam menos,em termos percentuais, na composição dacarteira, como foi o caso do Bradesco PN, quepossuía alto retorno excessivo sobre o beta e,no entanto, tinha a menor participação na car-teira elaborada do ano de 1986.

O Índice Bovespa, conforme apresentadoanteriormente, representa o desempenhomédio das cotações do mercado de açõesbrasileiro porque retrata o comportamentodos principais papéis negociados na Bovespa.Desta forma, ferramentas que procurem eli-minar ações com alto risco diversificável, ten-derá a superar a carteira de mercado, já queesse critério não compõe o método de com-posição da carteira teórica da Bovespa. Ape-nas nos anos de 89 e 90 o Ibovespa foi supe-rior à carteira ótima mas, na soma de todosos investimentos feitos deste o início de 86até dezembro de 95, o portfolio construídopelo modelo Elton-Gruber superou o índiceem 63,8%.

Devido à sua simplicidade comparada aométodo de Markowitz, o modelo de Elton-Gruber se apresenta como uma ferramenta aser considerada para investidores e adminis-tradores de carteira de ações, tendo em vistaque indica as razões que levam um determi-nado ativo a pertencer ou não a uma carteiraótima. A aplicação deste modelo, devido àssuas características, pode proporcionar retor-nos maiores que aplicações em índices debolsa a longo prazo, com menores riscos,conforme sugerido neste estudo.

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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC28

Universidade Corporativa como uma Estratégia deRenovação na Educação Organizacional

Ana Lucia Antunes Faria*Eliaura Maria Brito Santos**

* Coordenadora do curso de Administração da [email protected]

* * Professora da [email protected]

RESUMO

Este estudo apresenta um panorama teórico sobre a educação corporativa e sua efetivaçãoatravés da criação de Universidade Corporativa (UC). Discute os motivos de seu surgimento ebusca analisar seus fundamentos educacionais e características de propósitos. A metodologiautilizada baseou-se na pesquisa bibliográfica. Como aspecto conclusivo destaca-se a importânciada Universidade Corporativa para o desenvolvimento de novas competências uma vez que seconstitui numa reestruturação do ambiente de aprendizagem nas organizações elevando aeducação a um valor estratégico. Recomenda-se, no entanto, que os princípios norteadores desua ação renovada não integrem uma visão instrumental da educação para o trabalho.

Palavras-chave: Universidade corporativa. Educação Organizacional. Gestão do conhecimento.

INTRODUÇÃO

Numa economia marcada pela incerteza, oconhecimento é uma das principais vantagenscompetitivas para garantir a permanência daempresa no mercado. Ao criarem sistemati-camente novos conhecimentos e rapidamen-te os incorporarem em novas tecnologias eprodutos, as organizações mais facilmenteatingem o sucesso. Tal agilidade é elementodefinidor de uma empresa criadora de conhe-cimento. Segundo Davenport (1998), cada vezmais as empresas serão diferenciadas com

base naquilo que sabem. O conhecimentopode propiciar uma vantagem sustentável, nosentido de gerar retornos crescentes.

Para Meister (1999) o desafio das empre-sas no século XXI deve ser a criação de umainfra-estrutura que garanta um aprendizadocontínuo, pois a sustentação da vantagemcompetitiva se dará através do aprendizado

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permanente e de um excepcional desempe-nho das pessoas. O termo EducaçãoCorporativa surge como uma resposta a estedesafio e enfatiza o processo de desenvolvi-mento dos profissionais, para favorecer o altodesempenho da organização. Com esseenfoque de educação, as organizações bus-cam, de acordo com Eboli (2001, p.111): “[...]energia geradora de sujeitos modernos, ca-pazes de refletir de maneira crítica sobre a re-alidade da empresa, bem como de construí-la e de modificá-la sempre que for preciso emnome da competitividade e do sucesso.”

Para autores como Chiavanato (1999),Dutra (2001), Eboli (2004), Gdikian e Silva(2002), Meister (1999), Souza (2001), dentreoutros, a Educação Corporativa representa umprocesso contínuo e abrangente que objetivatransformar a empresa em uma organizaçãode aprendizagem. Propõe-se a deslocar o focode um evento único e presencial de treinamen-to e desenvolvimento para um processo deensino-aprendizagem, no qual as pessoaspossam compartilhar e disseminar o conhe-cimento no dia-a-dia das organizações.

Para Eboli (2004, p.54), as empresas de-vem “[...] criar um ambiente e uma culturaempresarial cujos princípios e valores disse-minados sejam propícios a processos deaprendizagem ativa e contínua [...] e assimdespertem e estimulem nas pessoas a postu-ra do autodesenvolvimento.” Acrescenta ain-da essa autora:

[...] do ponto de vista do indivíduo, este pre-cisa alcançar um patamar de maturidade eautoconhecimento que lhe proporcione umaconscientização e internalização do real sen-tido da aprendizagem e desenvolvimento con-tínuos, para garantir as competências huma-nas fundamentais ao sucesso da empresaonde trabalha. (EBOLI, 2004, p.44).

Os propósitos da educação corporativa in-dicam para aspectos importantes a serem re-vistos nas empresas, no que se refere ao es-tímulo e ambiência para o desenvolvimentohumano. Acreditamos que são grandes osdesafios para a sua concretude, pois, mais doque a modernização tecnológica das ferramen-tas de educação, envolve, prioritariamente, aformação de uma verdadeira cultura empre-sarial de competência e resultado, o que su-põe profundas mudanças não só na estrutu-ra, nos sistemas, nas políticas e nas práticasde gestão, como também, essencialmente, namentalidade organizacional e individual.(EBOLI, 2004, p.38).

As Universidades Corporativas surgemneste contexto, apoiando os novosparadigmas vigentes na sociedade do conhe-cimento e assumem as diretrizes de aprendi-zagem organizacional que, aliado àstecnologias busca proporcionar mudançasindividuais e comportamentais nas organiza-ções.

EDUCACAO

Do ponto de vista da etimologia, o termoeducação, conforme Mariotti (1999, p.25):“[...] vem do latim ex ducere, que significaconduzir (ducere) para fora valores que já exis-tem nas pessoas em forma de potencial.”Subjaz a esta definição um movimento queresgata o valor humano, através de um“quefazer” educativo, como diz Paulo Freire.No entanto, esta definição nem sempre este-ve internalizada ao fazer educativo. SegundoCharlot (1983, p.31): “A educação é, ao mes-mo tempo, um processo cultural individual eum fenômeno social.”

Na perspectiva filosófica, a educação é vis-ta sob três vertentes. Alguns autores a enten-dem como responsável pela reprodução da

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sociedade (educação como Reprodutora). Paraoutros ela é responsável pela direção da socie-dade, na medida em que é capaz de direcionara vida social para novos rumos (educação comoRedentora). Há autores que a vêem ainda comouma instância mediadora de uma forma de en-tender e viver a sociedade (educação comotransformação) (LUCKESI, 1994).

Os autores que interpretam a educaçãocomo reprodutora defendem que ela faz par-te integral da sociedade e a reproduz. A edu-cação é uma instância dentro da sociedade eexclusivamente a seu serviço (FREITAG,1980).A corrente que defende a educaçãocomo redentora, considera que ela tem comoobjetivo adaptar o indivíduo à sociedade.

Na tendência que considera a educaçãocomo transformadora da sociedade, os auto-res, dentre eles Saviani (1995), vêem a edu-cação como meio, ao lado de outros meios,para realizar projetos sociais. Eles pretendemdemonstrar que é possível compreender aeducação dentro da sociedade, com seusdeterminantes e condicionantes, mas preten-dendo trabalhar pela sua democratização. Estatendência é chamada de “crítica”, na medidaem que interpreta a educação com possibili-dade de agir estrategicamente (Ibidem).

Um outro teórico das questões da educa-ção, que comunga desta última tendência éFreire (1983; 1987). Para ele, a educação pre-cisa não só voltar-se para a realidade, mas,principalmente, transformá-la. Toda a suapotencialidade deve atender aos interessesdos indivíduos e às necessidades sociais. Pre-cisa-se buscar uma educação que não sejaapenas uma aquisição individual de técnicase de competências especializadas, mas a for-mação de homens e mulheres autônomos epolivalentes, capazes de se inserir em comu-nidades dinâmicas e em constante mutação.

Para Freire (1987), a educação deve tercomo objetivo promover a ampliação da vi-são de mundo do ser humano e isso só acon-tece quando essa relação é mediada pelo diá-logo, partindo do estudo da realidade. A edu-cação deve estar centrada no educando, emvez de centrar-se no professor ou no conteú-do; o aluno deve tomar conta de sua aprendi-zagem.

Segundo Krishnamurti (1994, p.13): “[...]a educação deve ajudar-nos a descobrir valo-res perenes [...] Infelizmente, o nosso atualsistema de educação nos torna subservien-tes, mecânicos e fundamentalmente incapa-zes de pensar; embora desperte nosso inte-lecto [...]” . Conforme o autor, a educação nãodeve visar produzir apenas técnicos e caça-dores de empregos, mas homens e mulheresintegrados, livres de todo o temor. Somentedesta forma ela propiciará a sobrevivência dahumanidade.

Segundo Freire (1983), a educação preci-sa propiciar a ampliação da visão de mundodos indivíduos. Sendo assim, as pessoas te-rão maior oportunidade para desenvolver, porexemplo, a criatividade e, como conseqüên-cia, dinamizar o processo de inovação nasorganizações, tão necessário à permanênciadas mesmas no mercado. Do pensamento deKrishnamurti (1994), extraiu-se a necessida-de de estar atentos à responsabilidade da edu-cação quanto à ajudar as pessoas a descobri-rem valores de vida permanentes, contribuin-do para a formação de homens e mulhereslivres e integrados.

EDUCAÇÃO CORPORATIVA

A educação não se completa no períodoescolar. Ela imprime a formação integral dohomem, transformando-o em alguém capazde pensar, participar, trabalhar, a adaptar-se

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às novas transformações, aos novos concei-tos, a uma vida renovada. Esta educação nãopode ser entendida apenas pela identificaçãocom os meios convencionais de ensino. Ela édistribuída ao longo da vida, através de situa-ções diferentes, conseqüência da interação dohomem com o seu trabalho, amigos, famíliaetc., auxiliando-o a acompanhar as alteraçõesque ocorrem no mundo, em todos os cam-pos do conhecimento (MATOS, 1998).

A partir dos anos 80, as organizações des-pertaram para a importância de desenvolverações abrangentes e que extrapolassem aaquisição de conhecimentos, em longo pra-zo, visando uma aprendizagem mais comple-ta de seus profissionais.

Uma mudança no antigo processo decapacitação das pessoas ocorre migrando paraum novo modelo de educação nas organiza-ções. O Quadro 1 apresentado a seguir éilustrativo de alguns aspectos dessa mudança:

Este novo modelo de educação, conformeGdikian e Silva (2002, p.55): “[...] subvertediversas práticas comuns do modelo de trei-namento e desenvolvimento. A capacitaçãopara o cargo é substituída pelo desenvolvi-mento com foco em competências.” Valeacrescentar que a introdução do conceito decompetência muda profundamente o caráterda ação tradicional de educação empresarial,pois este ajuda a direcionar as empresas a umalinhamento no desenvolvimento das pesso-as em relação às estratégias organizacionais.

Usualmente, entendemos por competên-cia a capacidade, aptidão e habilidade decor-rente de profundo conhecimento que alguémtem sobre um assunto. Essa definição não sedistancia das encontradas nos dicionários. Asdiferentes definições propostas por váriosestudiosos sobre o termo nas últimas trêsdécadas, foram compiladas por Gdikian e Sil-va (2002) em dois blocos de entendimento:um deles conceitua competência como o con-junto de características básicas que permite

Ação Tradicional Ação Renovada

- Desenvolver habilidades OBJETIVO - Desenvolver as competênciascriticas

- Aprendizado individual FOCO - Aprendizado organizacional

- Tático ESCOPO - Estratégico

- Necessidades individuais ENFASE - Estratégias de Negócios

- Interno PÚBLICO - Interno e externo

- Espaço real ESPAÇO - Espaço Real e Virtual

- Aumento de habilidades RESULTADO - Aumento da Competitividade

QUADRO 1 – AÇÃO TRADICIONAL E AÇÃO RENOVADA DE EDUCAÇÃO EMPRESARIALFonte: EBOLI, 2003.

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que uma pessoa tenha um desempenho su-perior no trabalho; o outro amplia o conceito,focando-o na entrega, nos resultados, nasrealizações da pessoa, adicionando valor aonegócio.

Corroborando o entendimento do concei-to ampliado, A. Fleury e M.T. Fleury (2001,p.21) assim definem competência: “[...] umsaber agir responsável e reconhecido, queimplica mobilizar, integrar, transferir conheci-mentos, recursos, habilidades, que agreguemvalor econômico à organização e valor socialao indivíduo.” Trata-se de uma definição com-pleta, por explicitar a preocupação com a agre-gação de valor não só para a organização comotambém para o indivíduo.

As novas competências exigidas pelo mer-cado são definidas por Meister (1999) comoo conjunto de qualificações, conhecimentosexplícitos e implícitos necessários para supe-rar o desempenho da concorrência. Perrenoud(2004, p.1), assim define competência: “[...]a faculdade de mobilizar um conjunto de re-cursos cognitivos (saberes, capacidades, in-formações etc.) para solucionar uma série desituações.” Segundo Meister (1999), os em-pregadores estão exigindo as seguintes com-petências no ambiente de negócios: aprendera aprender; comunicação e colaboração; ra-ciocínio criativo; conhecimento tecnológico;conhecimento de negócios globais; desenvol-vimento de liderança e autogerenciamento decarreira.

Um aspecto evidenciado pela educaçãocorporativa diz respeito à preocupação empriorizar os aprendizados relevantes e um cui-dado especial nas situações elaboradas deaprendizagem para que sejam acessíveis econvenientes ao modo como os adultosaprendem: na prática e com os próprios cole-gas de trabalho. Isto significa, segundo Senge

(1999, p.38): “[...] ver a aprendizagem comoinseparável do trabalho cotidiano.”

No tocante ao cuidado para a promoçãode aprendizados relevantes, Meister (1999,p.148) destaca a utilidade e conveniência dacriação de um banco de dados de conheci-mentos que elabore para as empresas:

[...] perfis de conhecimento para os princi-pais cargos a fim de saber qual é o conheci-mento existente, quais são as melhores prá-ticas desempenhadas pelos principais profis-sionais e o que é preciso, em termos de qua-lificações, conhecimento e treinamento, paraexecutá-las. Depois então é possível desen-volver métodos de aquisição e compartilha-mento de conhecimento para capturar e dis-seminar informações ricas em conteúdo, demaneira acessível e agradável.

Além disso, Souza (2001, p.7) consideraque os mais bem-sucedidos programas deeducação corporativa devem contar “[...] comos líderes empresariais como co-responsáveispela aprendizagem organizacional e algumasvezes investidos no papel de treinadores etutores de outros líderes.”

Isto reforça ainda mais a necessidade deuma mudança de mentalidade das lideranças,tendo em vista que o compromisso dos diri-gentes com o cultivo e gerenciamento doaprendizado das pessoas nas organizaçõespassa a ser fundamental para criar um ambi-ente favorável à sua manifestação.

Para Meister (1999, p.29), a educaçãocorporativa pretende funcionar como “[...] umguarda-chuva estratégico para desenvolver eeducar funcionários, clientes, fornecedores ecomunidade, a fim de cumprir as estratégiasda organização.”

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A intensificação de treinamentos à distânciaé outra faceta da educação empresarial e, ne-cessariamente, não é um treinamento individu-alizado. Pode envolver equipes de profissionais,através de uma tecnologia de aprendizagemcooperativa, para tratar de um tema relaciona-do ao ambiente de negócios da empresa. Nasvárias simulações a que o tema é submetidoexaminam-se as melhores estratégias e solu-ções em tempo real. Esta é uma forma de apren-dizagem denominada por Meister (1999,p.110) de aprendizagem através da ação:

Na aprendizagem através da ação, a organiza-ção conver te a aprendizagem individual emKnow-how organizacional, porque aborda pro-blemas reais [...] conduzida em equipe a apren-dizagem é compartilhada por todos os mem-bros, o relacionamento entre os integrantes éencorajado e novas perspectivas surgem.

As novas tecnologias adotadas, portanto,não só ajudam a tratar dos conhecimentos ex-plícitos, como também do conhecimento tá-cito existente nas práticas e nos relacionamen-tos que ocorrem no ambiente de trabalho.Meister (1999, p.109, grifo do autor) acres-centa:

[...] trabalho e aprendizagem tornam-se ati-vidades sociais e o que mantém a comuni-dade unida é um sentimento comum depropósito e necessidade de saber o quecada membro da comunidade sabe... O ter-mo “comunidade de aprendizado” foi cu-nhado por Etienne Wenger e Jean Lave emseu livro de 1991, Situated Learning, noqual descrevem uma comunidade deaprendizado como um grupo de pessoasque partilham um modo de pensar sobrecomo realizar um trabalho e, mais impor-tante, aprendem trabalhando juntas.

O avanço da tecnologia tem ajudado asempresas a instituir uma filosofia da aprendi-zagem e desenvolvimento contínuo, alardeada

pelo modelo de educação corporativa, facilitan-do a distribuição dos meios de aprendizagempor toda a organização, a qual pode se carac-terizar também como uma aprendizagemautodirigida, em que o próprio participante podedeterminar o ritmo de sua aprendizagem.

Alertamos, no entanto, sobre as conseqü-ências dessas tecnologias. Se por um ladominimizam o efeito das distâncias geográficase reduzem as despesas com deslocamentosdos profissionais para o local do curso, poroutro diminuem o contato humano entre aspessoas, participantes e instrutores. Acredi-tamos que o ideal é buscar um equilíbrio,mesclando-se ações educacionais à distânciae presenciais.

A implantação de programas educacionaiscustomizados para as reais necessidadesorganizacionais é outro imperativo a que aeducação empresarial se propõe. Como for-ma de melhor estruturar o sistema de apren-dizagem, possibilitando o engajamento de fun-cionários, clientes e fornecedores, algumasempresas estão criando suas universidadespróprias: as Universidades Corporativas (UC).

Para Eboli (2004, p.47-48), a implantaçãode uma Universidade Corporativa (UC) se dáquando as empresas percebem “[...] a neces-sidade de repensar seus tradicionais centrosde T&D, de modo que possam contribuir comeficácia e sucesso para a estratégia empresa-rial agregando valor ao resultado do negócio”.

UNIVERSIDADE CORPORATIVA

A associação da palavra “universidade”com a imagem de campus, edifícios, reitorese professores passa longe da versão Univer-sidade Corporativa, na visão empresarial. Tra-ta-se mais de um processo dinâmico, em quetodos os níveis da empresa são envolvidos naaprendizagem, na qual os funcionários apren-dem uns com os outros, compartilham inova-

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ções e melhores práticas, visando superar suaperformance no trabalho e, conseqüentemen-te, aumentar a produtividade na empresa.

Meister (1999) ressalta que as empresasquerem usar a metáfora da universidade paracriar a imagem da grande finalidade da inicia-tiva: prometer a seus participantes e seus pa-trocinadores que a Universidade Corporativairá prepará-los para o sucesso no trabalhoatual e na carreira futura.

No Brasil, essas universidades começaramsurgir na década de 1990, quando as empre-sas começaram a perceber a necessidade derenovar seus tradicionais centros de Treina-mento e Desenvolvimento, de modo a contri-buir com eficácia e sucesso para a estratégiaempresarial, agregando valor ao resultado donegócio (EBOLI, 1999).

De acordo com pesquisa desenvolvida porGdikian e Silva (2002, p.75), envolvendo em-presas do Estado de São Paulo1: “Em 59% dasempresas pesquisadas, há UniversidadesCorporativas implantadas ou em processo deinstalação.”

Estas universidades, física ou virtualmenteinstaladas nas organizações, apresentam, deacordo com Costa (2001), algumas caracte-rísticas específicas, para atender às novasnecessidades organizacionais, que diferemdas tradicionais áreas de treinamento e de-senvolvimento (T&D):

1. são proativas, com ações totalmentevoltadas ao ambiente de negócio de cadaorganização;

2. atuam no desenvolvimento de compe-tências essenciais e são inovadoras nasformas de viabilizar o conhecimento;

3. têm como premissa a disseminação doconhecimento em qualquer momento,em qualquer lugar;

4. atuam no desenvolvimento e gerencia-

mento de ferramentas que propiciem,de forma intensa, captação do conheci-mento presente na organização (atravésde seus profissionais, clientes, fornecedo-res e comunidade) e sua adequada dis-seminação, para que seja de fácil utiliza-ção por todos, sempre que necessário;

5. têm público alvo amplo, não se restrin-gindo ao público interno, mas entenden-do que o conhecimento é desenvolvidoe utilizado por toda a rede de profissio-nais que envolvem cada organização;

6. procuram acompanhar a utilização prá-tica do conhecimento, ou seja, a trans-formação do conhecimento em vanta-gem competitiva, gerando capital inte-lectual para as organizações.

Estas universidades representam para asorganizações, segundo Eboli (1999), uma re-dução de custos com programas de educaçãocontinuada, já que contam com um públicomais amplo e com ações bem dimensio-nadas.As universidades corporativas, portanto, nãovisam substituir ou disputar espaço com asuniversidades tradicionais. Pelo contrário, elassão complementares, na medida em que a uni-versidade tradicional fornece toda a formaçãoconceitual e metodológica aos profissionais,enquanto a corporativa oportu-niza o aprimo-ramento nas competências essenciais ou críti-cas de cada organização. São fortes as possi-bilidades e os casos de sucesso de aliançasestabelecidas entre as universidadescorporativas e as universidades tradicionais.

Por intermédio do quadro 2, pode-sevisualizar com mais clareza a diferença dopapel da Universidade Tradicional e da Uni-versidade Corporativa:

1 Empresas indicadas Melhores Empresas para seTrabalhar pelas edições da Revista Exame anos1999 e 2000.

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UNIVERSIDADE FORMAL UNIVERSIDADE CORPORATIVA

QUADRO 2 - PAPEL DAS UNIVERSIDADES TRADICIONAIS X CORPORATIVASFonte: EBOLI, 1999, p.117.

Desenvolve competências essenciais para o mundodo trabalho;

Aprendizagem baseada em sólida formaçãoconceitual e universal;

Sistema Educacional Formal;

Ensina crenças e valores universais;

Desenvolve cultura acadêmica;

Forma cidadãos competentes para gerar o sucessodas instituições e da comunidade;

Desenvolve competências essenciais para o sucessodo negócio;

Aprendizagem baseada em prática dos negócios;

Sistema de Desenvolvimento de Pessoas pautadopela gestão de Competências;

Ensina crenças e valores da empresa e do ambientede negócios;

Desenvolve cultura empresarial;

Forma cidadãos competentes para gerar o sucessoda empresa e dos clientes;

Da mesma maneira que a universidade for-mal possui currículo, as corporativas tambémo têm e é justamente isto que as distingue dosdepartamentos tradicionais de treinamento,que historicamente estavam voltados para ashabilidades técnicas imediatamente necessá-rias ao trabalho.

Para a construção de seus programas deaprendizagem, as UCs se preocupam em com-preender e satisfazer as necessidades de seusclientes, desenvolver idéias orientadas para onegócio da empresa, vinculadas às questõesestratégicas e, segundo Eboli (2004), disse-minar os valores e cultura da organização deforma consistente, para que eles sejam incor-porados pelas pessoas, tornando-senorteadores de seu comportamento e permi-tindo o direcionamento entre objetivos e valo-res individuais e organizacionais, construin-do-se assim a identidade cultural.

De acordo com Gdikian e Silva (2002, p.37),as UCs:

[...] podem oferecer cursos e programascom características de educação formal [...]também com o objetivo de migração de cré-ditos, isto é, o aproveitamento dos estudosrealizados no ambiente da corporação paraa educação formal. Também podem atuar[...] na área de especialização profissio-nal, em cursos de pós-graduação, ou deformação profissional, incluído o ensino àdistância.

Em suma, a emergência das UCs é umarealidade e, como constata Meister (1999,p.23), instigam as organizações areestruturarem “[...] os ambientes de apren-dizagem para que eles sejam proativos, cen-tralizados, determinados, e realmente estraté-gicos por natureza.” Mais do que reunir o trei-namento corporativo, o conceito de UC tem oobjetivo principal de instituir o aprendizadopermanente, vinculado às metas empresari-ais, para um público que extrapola os limitesdas empresas, de forma rápida e acessível atodos.

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A missão de uma UC, de acordo com Eboli(2004, p.48): “[...] consiste em formar e de-senvolver talentos na gestão dos negócios,promovendo a gestão do conhecimentoorganizacional [...] por meio de um processode aprendizagem ativa e contínua.”

ASPECTO RELEVANTE PARA GESTÃOEDUCACIONAL DA UC

Estamos diante de uma evolução e de umgrande ganho, quanto ao entendimento, peloempresariado, da importância da educaçãopara a organização, do uso da tecnologia comofacilitadora da disseminação e construção doconhecimento. Entendemos, porém, que oimportante, independente de se dar a educa-ção empresarial a partir de um setor interno daempresa, área de RH ou T&D, ou ainda da ins-tituição de uma UC, é que a educaçãocorporativa tenha como filosofia onde o serhumano é o principal bem das organizações.

A educação empresarial, repetimos, nãodeve se constituir em uma atitude utilitarista,isto é, colocada a serviço do lucro e da pro-dutividade apenas, mas atender a uma neces-sidade inerente à condição humana, ajudan-do cada pessoa no processo de auto-desco-berta, de crescimento pessoal e de libertaçãodo potencial interior.

Sabemos que ser eficaz em termos de pro-dutividade é uma questão de sobrevivência.A educação tem uma contribuição fundamen-tal, mas também não se pode colocar em se-gundo plano o cumprimento de um imperati-vo moral e ético que é reconhecer o ser hu-mano em sua condição de ser integral e esti-mular seu desenvolvimento em todas as suasdimensões, preparando-o para atuar comoagente de transformação do cenário produti-vo. Como diz Eboli (2004 p.54): “Só atravésdas pessoas será construído um sistema deeducação verdadeiramente eficaz”.

Dando-se o desenvolvimento humano nasorganizações apenas pelo caminho racional,com conteúdos cognitivos ligados ao negó-cio e às atividades empresariais, por exem-plo, teríamos uma repetição do que mais sefez em termos de treinamento e desenvolvi-mento nas empresas, cujos resultados sãohoje questionados. Conforme alertam Davel eVergara (2001, p.42):

[...] focalizar a dimensão intelectual ou pura-mente instrumental das pessoas, tão emmoda nos dias atuais, sem considerar, oupouco considerando, as dimensões física,emocional e espiritual, é um desbalancea-mento que pode trazer para as empresas re-sultados não desejados.

Temos ainda a ponderar que a relação doindivíduo no contexto corporativo é carrega-da de subjetividade, ou seja, a pessoa estáem constante ação e em permanente interaçãocom o ambiente da empresa e consigo mes-ma, e a qualidade desta relação certamenteinterferirá no indivíduo e em sua prontidão parainternalizar o conhecimento.

Outra questão a ser pontuada é a formasuperficial com que podem ser tratados as-pectos educacionais, a exemplo da referênciade Meister (1999) quanto a necessidade dedesenvolver, no indivíduo, a atitude de apren-der a aprender. Segundo a autora, aprender aaprender é necessário, pois:

[...] os trabalhadores precisam de um con-junto mais amplo de qualificações, compre-ender não apenas seu próprio trabalho, mastambém os cargos nos departamentos ime-diatos e estar sempre pensando em comomelhorar seu processo de trabalho. (MEISTER,1999, p.105).

Este tipo de aprendizagem é puramenteracional e um processo simples de assimila-ção de conhecimento.

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Meister (1999) ainda considera as seguin-tes ações como componentes da habilidadede aprender a aprender, corroborando a defi-nição proposta pela American Society ofTraining Development (ASTD)2: fazer pergun-tas certas; identificar os componentes essen-ciais dentro de idéias complexas; encontrarmeios informais de medir o conhecimento quese tem do material pertinente; e aplicar estastécnicas às metas de tarefas específicas docargo. Além do propósito mecanicista, taisações são passos de uma análise cognitivado indivíduo. Ao se falar em educação não sepode partir, unicamente, da racionalidade co-mum às ciências positivas, em que a análiserecorta e reduz o objeto, prejudicando a visãodo seu todo e acarretando um olhar superfi-cial sobre o mesmo.

Estes aspectos evidenciam que não serásuficiente para o sucesso de um novo mode-lo de educação corporativa a penas a criaçãode oportunidades de aprendizado contínuo,se revestidas de superficialidade racional eimediatismos, com foco único nos resultadosempresariais. Há de estar fundamentado emuma concepção de educação transformadorada sociedade. É preciso muito mais do queoferecer os meios e a ambiência de aprendi-zagem, é preciso saber que tipo de aprendi-zagem se deseja estimular, entender o serhumano em sua subjetividade, defender aeducação em sua essência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação corporativa revela-se de fun-damental importância para o processo de de-senvolvimento das pessoas e de permanên-cia da organização no mercado, uma vez quese propõe a arregimentar e estruturar as con-dições para que o processo de aprendizagemorganizacional se faça de forma ágil, contínuae alinhada à estratégia das organizações, con-

siderando a cultura organizacional, o contex-to organizacional, as competências essenci-ais e as necessidades de desenvolvimento in-tegral das pessoas.

A sociedade do conhecimento e a implan-tação das Universidades Corporativas reves-tem-se do uso da tecnologia e da informação,porém não sobrepuja a necessidade de pes-soas capazes de refletir criticamente sobre arealidade organizacional e de construí-la etransformá-la para a melhoria da qualidade devida e da sociedade.

Reitera que o modelo “UniversidadeCorporativa” torna-se promissor desde queinstrumentalize a visão da educação comoestratégica para os processos de mudançasque a sociedade demanda, respeitando a con-cepção de educação que privilegie a capaci-dade de aprendizagem das pessoas comopotencial de transformação e evolução huma-na, para interagirem e interferirem em seu pro-cesso produtivo. A produtividade empresarialseria, portanto, conseqüência natural dessaevolução.

O modo de vida atual é a expressão decomportamentos longamente condicionadospela educação convencional, mas a empresa,como um local onde se dá, cada vez mais,uma parcela significativa do ensino e do apren-dizado, deve inovar através de uma revisãoprofunda em sua forma de educar. Mesmo queo conhecimento e a informação sejam, hoje,as bases da produção, a mais importante ca-pacidade que uma pessoa pode ter é a sua

2 Criada em 1944, hoje é a principal líder em estudosrelacionados à performance profissional eformação de líderes. A ASTD tem 70.000 membrose associados em mais de 100 países e centenas deorganizações: corporações multinacionais,pequenas e médias empresas, governos etc.(MEISTER, 1999).

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disposição para aprender incessantemente. Oseu desenvolvimento, portanto, deve se darnos quatro níveis do ser – físico, emocional,mental e espiritual –, visando o ajustamentointegrado de sua totalidade. Desenvolver ashabilidades mentais de raciocínio, análise,processamento inteligente de informações eo uso adequado de conhecimentos são im-portantes, mas os conteúdos que estimulama reflexão sobre atitudes, valores individuais ecoletivos, sobre o conhecimento de si mes-mo, sobre a existência, são tão importantesquanto os conteúdos lógicos e objetivos.

A uma nova educação corporativa não cabepriorizar a formação profissional de cunho téc-nico e instrumental, mas vislumbrar a con-cepção mais ampla de uma educação ao lon-go de toda a vida, concebida como condiçãode desenvolvimento harmonioso e contínuoda pessoa.

Não se desconhece a complexidade queenvolve a temática aqui estudada. Espera-se,contudo, ter contribuído para a compreensãodos aspectos a serem analisados na concep-ção da educação corporativa, evitando-sedistorções em seus propósitos. Em relaçãoàs lideranças, ressalta-se a necessidade deatuarem como mediadoras do processo deaprendizagem; aos profissionais, de maneirageral, é sempre oportuno o entendimento deque é preciso investir permanentemente noautodesenvolvimento, pois este investimento,além de propiciar o crescimento profissional,repercute positivamente no desenvolvimentopessoal.

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A Inclusão do Aluno com Necessidades EducativasEspeciais na Educação Superior

Telma Brito Rocha*

* Doutoranda em Educação- Universidade Federal daBahia; Professora Faculdade Metropolitana de Camaçari-Famec (e-mail:[email protected])

RESUMO

É inegável o papel social da universidade e seu compromisso de proporcionar um processoeducacional mais justo e democrático para a elaboração de conhecimentos e efetivação depolíticas inclusionistas. A sociedade, no seu dia-a-dia, precisa se adaptar às necessidades daspessoas com deficiência, dividindo espaços com igualdade e, principalmente, com respeito eaceitação às diferenças. As formas limitadas como as escolas e instituições ainda atuam, têmlevado grande parcela dos alunos à exclusão, principalmente das minorias - sejam elas sociais,sexuais, de grupos étnicos ou de pessoas com deficiência. A base da inclusão consiste noconceito de que toda pessoa tem o direito básico à educação e que esta deve levar em contaseus interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem. Nesse sentido, que Instituiçõesde Ensino Superiores invistam na definição de uma política institucional para a construção depráticas inclusivas que beneficiem o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes comdeficiência, para promoção e equalização de oportunidades.

Palavras-chave: Ensino Superior; Necessidades Educativas Especiais; Inclusão Social.

INTRODUÇÃO

A sociedade, no seu dia-a-dia, precisa seadaptar às necessidades das pessoas comdeficiência, dividindo espaços com igualdadee, principalmente, com respeito e aceitaçãoàs diferenças. As formas limitadas como asescolas e instituições ainda atuam, têm leva-do grande parcela dos alunos à exclusão, prin-cipalmente das minorias - sejam elas sociais,sexuais, de grupos étnicos ou de pessoas comdeficiência. A base da inclusão consiste noconceito de que toda pessoa tem o direito

básico à educação e que esta deve levar emconta seus interesses, habilidades e necessi-dades de aprendizagem.

De acordo com estudos de Fortes (2005)é através de Instituições de ensino regular quese deve combater as atitudes discriminatórias,propiciando condições para o desenvolvimen-to de comunidades integradas, que é a baseda construção da sociedade inclusiva e con-

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seqüentemente obtenção de uma real educa-ção para todos.

Embora, a implementação dessa socieda-de inclusiva esteja apenas começando, a con-secução do processo de inclusão de todosos alunos na escola básica ou na universida-de não se efetua apenas por decretos ou mes-mo leis, pois requer uma mudança profundana forma de encarar a questão e de proporintervenções e medidas práticas com a finali-dade de transpor as barreiras que impedemou restringem o acesso e permanência depessoas com deficiência.

A legislação sobre o tema

As últimas décadas foram marcadas pormovimentos sociais importantes, organizadospor pessoas com deficiência e por militantesdos direitos humanos, que conquistaram oreconhecimento do direito das pessoas comdeficiência à plena participação social. Essaconquista tomou forma nos instrumentos in-ternacionais que passaram a orientar areformulação dos marcos legais de todos ospaíses, inclusive do Brasil. Ao concordar coma Declaração Mundial de Educação para To-dos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em1990, e ao mostrar consonância com os pos-tulados produzidos em Salamanca (Espanha,1994) na Conferência Mundial sobre Neces-sidades Educacionais Especiais: Acesso eQualidade, o Brasil fez opção pela construçãode um sistema educacional inclusivo. Essesdocumentos ressaltam que os sistemaseducativos devem ser projetados e os progra-mas aplicados de modo que tenham em vistatoda gama das diferentes características enecessidades dos alunos

Dentre os principais instrumentos nacio-nais que orientam a educação para uma apro-ximação sucessiva dos pressupostos e da

prática pedagógica da educação inclusiva,destacam-se:

• Constituição federal, Título VIII, artigo 208e 227;

• Lei nº. 7.853/89. Dispõe sobre o apoioàs pessoas com deficiência, suaintegração social, assegurando o plenoexercício de seus direitos individuais esociais;

• Lei nº. 10.098/00. Estabelece normasgerais e critérios básicos para promoçãoda acessibilidade das pessoas portado-ras de deficiência ou com mobilidade re-duzida e dá outras providências.

• Lei 10.172/01 que aprova o Plano Naci-onal de Educação e estabelece objetivose metas para a educação de pessoas comnecessidades educacionais especiais;

• Decreto nº. 5.296/04. Regulamenta asLeis nº. 10.048/00, que dá prioridade deatendimento às pessoas com deficiência,e 10.098/00, que estabelece normas ge-rais e critérios básicos para a promoçãoda acessibilidade das pessoas portado-ras de deficiência ou com mobilidade re-duzida, e dá outras providências.

• Lei 9.394/96 que estabelece as Diretri-zes e Bases da Educação Nacional;

• Decreto nº. 3289/99 que regulamenta aLei nº. 7.853/89, que dispõe sobre a Po-lítica Nacional para a Integração da Pes-soa Portadora de Deficiência, consolidaas normas de proteção e dá outras pro-vidências;

• Portaria MEC nº. 1.679/99. Dispõe so-bre os requisitos de acessibilidade a pes-soas portadoras de deficiência para ins-truir processos de autorização e de re-conhecimento de cursos e de credencia-mento de instituições;

Apesar de existirem dispositivos legais des-de a constituição de 1988, onde se estabele-

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ce normatização, de modo que se assegure aeqüidade de oportunidades e a valorização dadiversidade ético-político de todos, nas dife-rentes esferas de poder, é somente, a partirde 1996, com a lei n. 9394/96, que as insti-tuições de educação superior mais especifi-camente começam a discutir a questão, jáque a legislação ora citada, estabelece respon-sabilidades bem definidas para a operacionali-zação de ações dirigidas a inclusão do alunocom deficiência em instituições de ensino.

Com o considerável número de dispositi-vos legais na forma de Leis, Decretos, Porta-rias, Resoluções e Instruções no âmbito daLegislação Federal, as principais, elencadasacima, estas instituições começam a organi-zar-se com relação ao ingresso desse alunado.A circular n°277 MEC/GM a exemplo sugereos encaminhamentos que cada instituição deensino superior deva ter para o processo deingresso do aluno com deficiência, sobretu-do na seleção pública por meio do vestibular,e chama a atenção para que as mesmas de-senvolvam ações que possibilitem aflexibilização dos serviços educacionais, deinfra-estrutura, de capacitação de recursoshumanos, de modo que atendam uma per-manência de qualidade a esses alunos.

No entanto, vai ser a Portaria 3.284/2003MEC/GM que revogou a Portaria MEC n° 1.679/1999, que irá dispor sobre os requisitos deacessibilidade a pessoas com deficiências parainstruir processos de autorização e de reco-nhecimento de cursos e de credenciamentode instituições de ensino superior no país. Pormeio desta, o cumprimento destas normas,se encontra atrelada à condição de avaliaçãoda instituição.

A partir desta determinação legal, direta-mente relacionada à sua autorização de fun-cionamento, é que muitas universidades co-

meçaram a criar ações que garantam acessi-bilidade em sua estrutura arquitetônica, em-bora, segundo pesquisa realizada pelas auto-ras deste texto, e tratadas a seguir, em umainstituição federal de ensino, revelem que oatendimento apenas a infra-estrutura espaci-al, não conseguem minimizar a exclusão des-tes alunos no ensino superior, aspectos comoas condições didático-pedagógica de traba-lho de professores, comprometido pela faltade tecnologias de ajuda para operacionalizaçãode um processo de aprendizagem e inclusãodeste aluno de modo pleno, se encontra en-tre as principais obstáculos verificadas em seuestudo.

Sendo assim, o Ministério da Educação temque criar além de legislação, programas quepermitam a aquisição de materiais tecnológicose capacitação docente é fundamental para odesenvolvimento da educação superior dodeficiente.

A Universidade e a inclusão de alunos comdeficiência no Brasil

Apesar de o ingresso do aluno com ne-cessidades educacionais especiais na univer-sidade terem aumentado nestes últimos anoscomo apontam pesquisas do Instituto Institu-to Nacional de Estudos e Pesquisas Educaci-onais Anísio Teixeira (Inep), Dado do censoem 2005, indicaram que as matrículas passa-ram de 2.155 para 6.022 em cinco anos, seconsiderados os alunos superdotados, osmatriculados subiram de 2.173 para 6.328e o aumento percentual foi de 191%.

Isto cer tamente representa um avanço,mas ainda há muito trabalho a ser feito paraque se concretize sua inclusão plena. Vistoque, existe um contraste muito grande nasdiversas regiões do país, o Nordeste e o Nor-te, estão entre menores índices de matricula-

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dos. Os dados deste mesmo Censo revelamque 49% das 6.328 matrículas de alunos comnecessidades especiais estão em Instituiçõesde Educação Superior localizadas na RegiãoSudeste. A seguir vêm o Sul, com 24% dessetotal, e o Centro-oeste, com 14%. O Nordestee o Norte concentram, respectivamente, 9% e4% desse universo de estudantes.

Por outro lado, os índices sobre o tipo dedeficiência mais freqüente entre os alunoscom necessidades especiais matriculados nasInstituições de Educação Superior é a física(38%). A seguir vêm os estudantes com defi-ciência visual, que representam 32% do total.Já os deficientes auditivos detêm 23% dessasmatrículas.

O Censo aponta também que o mai-or crescimento foi nas instituições de ensinosuperior privadas. Em 2000, as universida-des públicas tinham 52,23% (1.135 alunos)do total de matriculados com necessidadesespeciais (incluindo os superdotados) e asprivadas, 47,77% (1.038 estudantes). Já osnúmeros de 2005 mostram que 67% (4.247)dos alunos nessa categoria estudavam ementidades particulares.

Apesar dos quantitativos mostrarem umsalto no número de matrículas, o desafio deuma educação inclusiva na educação supe-rior precisa ainda alcançar dados qualitati-vos. Segundo Miranda (2006, p.07) “o Brasilestá em um momento, no qual a democrati-zação do acesso e permanência na universi-dade de grupos socialmente desfavorecidosestá obtendo maior espaço”. No entanto, épreciso que a legislação sobre acessibilidadeda pessoa com deficiência no ambiente uni-versitário seja mais respeitada, e o atendimen-to das especificidades de cada tipo de defici-ência sejam implementadas tanto por institui-

ções públicas como privadas, aqui o MEC deveestar acompanhando não apenas a autoriza-ção, mas o funcionamento das instituições.Pois,

[...] enquanto os alunos com deficiência físi-ca têm como critério para sua acessibilidadea existência de espaços físicos adaptados(rampas, corrimões, trincos de porta, banhei-ros, bebedouros, telefones públicos, etc.), emrelação à deficiência visual, a acessibilidadedepende de materiais como computadorescom sof twares adequados, impressorasBraille, etc. No concernente a surdez, o alunodeve ter direito a um intérprete em Língua Bra-sileira de sinais – LIBRAS- por exemplo.(MIRANDA, 2006, p. 6)

A construção de uma educação inclusivarequer uma reestruturação dos sistemas deensino que devem organizar-se para dar res-postas às necessidades educacionais de to-dos os alunos. Esse propósito exige açõespráticas e viáveis que tenham como perspec-tiva operacionalizar a inclusão social e escolarde todas as pessoas, independente de suasnecessidades.

Neste sentido o papel social da universida-de é fundamental, ela não poderá ser indife-rente à diferença, é necessário que se busqueum processo educacional mais justo e demo-crático. É preciso que o estado assuma umadívida histórica com a educação da pessoacom deficiência. Contudo, aspectos legislati-vos, como as normas apenas, não vão darconta da demanda para o setor, é preciso po-líticas públicas dirigidas com investimentos naqualificação de professores, e recursostecnológicos, além da assistência estudantilnas universidades públicas em especial, paraque se possa garantir a permanência dessesestudantes.

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Para Marilena Chauí,

[...] se quisermos tomar a universidade pú-blica por uma nova perspectiva, precisa-mos começar exigindo, antes de tudo, queo Estado não tome a educação pelo pris-ma do gasto público e sim como investi-mento social e político, o que só é possívelse a educação for considerada um direitoe não um privilégio, nem um serviço.(2003, p.6)

Sendo a universidade uma instituição so-cial, ela não pode continuar reagindo de for-ma omissa as questões da sociedade desi-gual, ela como espaço de produção de co-nhecimento e intervenção social deve colabo-rar com a superação dos padrões e rótulosque tradicionalmente classificaram diferençae inferioridade como sinônimos, por isso “[...]a relação entre universidade e Estado não podeser tomada como relação de exterioridade[...]”.(Chauí, 2003, p.2)

No entanto, vemos ainda no espaço dauniversidade pública e em toda sociedade bra-sileira, práticas segregadoras, onde se exigeum padrão de “normalidade”, em nome deuma igualdade, que põem no mesmo nívelvalores intelectuais e físicos, logo, as pesso-as com características diferentes são discri-minadas e estigmatizadas. Ao se definir nanossa sociedade normas e padrões para to-dos os homens, a exemplo, as formas de aces-so à instituição de nível superior, o exame devestibular, percebe-se nitidamente a padroni-zação do desempenho de candidatos quepossuem habilidades e competências diferen-ciadas. Nesse sentido, é preciso a universida-de trabalhe com igualdade de oportunidadesreformulando toda sua forma de ingresso. Sóassim ela estaria contribuindo com a supera-ção do discurso sobre a desvantagem e des-crédito à pessoa com deficiência.

Rocha (2007) em estudos realizados so-bre a inclusão dos alunos com necessidadeseducativas especiais na Universidade Federalda Bahia (UFBA), constatou ser necessário quea instituição promova políticas mais diretivaspara a inclusão da pessoa com deficiência noambiente acadêmico.

O pouco número de alunos com deficiên-cia que têm acesso a UFBA é insignificante,em face, ao número de estudantes que tem ainstituição, aproximadamente 20.000 alunos.Verifica-se, que além de uma política de per-manência, a universidade deve promover umadiscussão na sociedade sobre a política deacesso ao ensino superior, oportunizando al-ternativas, tais como curso de pré-vestibular,entre outras ações, que minimizem a falta deoportunidade desses estudantes excluídos decontextos educativos regulares.

Por outro lado, a partir do momento emque a Universidade promova o acesso da pes-soa com deficiência na Instituição, deve ofe-recer condições pedagógicas e tecnológicasadequadas. Com isso, certamente, teremosum maior número de deficientes sendo enco-rajados a ingressarem na instituição.

Portanto, a instituição deve promover asensibilização de equipes diretivas das unida-des acadêmicas, dos professores e dos fun-cionários técnico-administrativos, para quepossa haver maior interação entre o alunodeficiente e a comunidade acadêmica. Alémdisso, a criação de um laboratório de apoiopedagógico, onde o aluno contasse com aju-da de tecnologias e profissionais, tais como:pedagogo, psicólogos, psicopedagogos,fonoaudiólogos, profissionais da computaçãoentre outros, disponíveis para criar soluçõestecnológicas e pedagógicas para o atendimen-to aos estudantes.

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45TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

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A Comunidade Científica e Disseminação doConhecimento Científico

Patrícia Fernandes*Jucilene Santos*

1 INTRODUÇÃO

Na evolução humana temos a linguagemoral como origem do desenvolvimento dastecnologias que acompanha o ser humano emtoda a sua trajetória. Com o surgimento daescrita como forte aliada da linguagem à rela-ção do homem com o mundo passa a ser maissólida, partindo assim a registrar a históriahumana, e o homem começa criar e preser-var o conhecimento.

* Bibliotecárias. Faculdade Metropolitana de Camaç[email protected]

RESUMO

Este estudo realizado em fontes de pesquisas secundárias aborda a importância da comunidadecientífica, para a manutenção do conhecimento científico, haja vista, serem responsáveis peladisseminação de novos conhecimentos através da comunicação científica. Na trajetória daevolução humana temos a linguagem oral como origem do desenvolvimento das tecnologiasque acompanha o ser humano em todo o seu desenvolvimento. Com o surgimento da escritacomo forte aliada da linguagem à relação do homem com o mundo passa a ser mais sólida,partindo a registrar a história humana, e assim, a criar e preservar o conhecimento. Nestaperspectivas as Universidades e Instituições de Ensino Superior aparecem como formadorasoficiais do conhecimento e a tudo que a ele está relacionado, criando comunidades científicasque venha a disseminar o conhecimento por ela produzido. A divulgação desses conhecimentosé também responsável pelo desenvolvimento de políticas em ciências e tecnologias além dodesenvolvimento socioeconômico e cultural de um país.

Palavras-Chave: Comunidade científica; Comunicação Científica; Comunicação; Universidade;Instituições de Ensino Superior.

Assim, a transmissão do conhecimentopassou a depender de quem soubesse regis-trar, e interpretar, ou seja, ler e escrever, destaforma, pode afirmar que a escrita assegura àhumanidade as condições estruturais para aampliação do seu processo de aprendizagem,elas são as essências da comunicação huma-na, desencadeando o processo da organiza-

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ção e do desenvolvimento social econômicoe político.

É através da escrita, que o homem começaum relacionamento mais amplo e diferente como mundo que o cerca, levando-o a uma evolu-ção mais rápida, passando a armazenar, trans-portar, difundir e perpetuar o conhecimento.

A Comunicação escrita que começou como pictograma (representação gráfica de idéiasatravés de desenhos); passou pelo papiro (es-crita na planta); pelo pergaminho (no couro);até chegar ao papel (descoberto na China hámais de 10 séculos, chegando à Europa sóno século XII.). Um estágio moderno da co-municação humana é a invenção da prensatipográfica por Gutemberg em 1450, símboloigualmente de uma nova época, a Idade Mo-derna. Propiciando desta forma uma maiorvelocidade no processo disseminação do co-nhecimento. Neste contexto Morim (1999)apud Santos (2002) destaca que:

O ato do conhecimento, ao mesmo tempobiológico, cerebral, espiritual, lógico,lingüístico, cultural, social, histórico faz comque o conhecimento não possa ser dissociadoda vida humana (...)

De acordo com o acima exposto temos nasInstituições de Ensino Superior – IES, o esta-belecimento social, científico e educativo, cujaidentidade está fundada em princípios, valo-res, regras e formas de organização que lhesão inerentes. O seu reconhecimento e sualegitimidade social perpassam historicamen-te, à sua capacidade autônoma de lidar comas idéias, buscar o saber, descobrir e, tam-bém, de inventar o conhecimento.

Neste contexto, as IES são ao mesmo tem-po, espaço de socialização do saber, na me-dida em que divulga e dissemina o saber nela

e por ela produzido, tendo como um dos prin-cipais compromissos a disseminação dosconhecimentos gerados, os quais servirãopara o desenvolvimento da ciência e conse-qüentemente o surgimento de novas frentesde estudo e pesquisa.

A partir do momento em que os cientistascomeçam as suas investigações, da formula-ção do problema até a apresentação dos re-sultados, já se observa um longo processode comunicação entre eles, ou seja, há umatroca de informações sobre os trabalhos queestão sendo desenvolvidos, estimulando de-bates acerca das opiniões que poderão serlevantadas sobre as interpretações de assun-tos afins. A essa troca de informações entresi, em que o desenvolvimento da ciência de-pende do nível de comunicação estabelecidonesse processo, é dado o nome de Comuni-cação Científica, a qual ocorre em todas asetapas da pesquisa, visando facilitar a disse-minação do conhecimento, não só em cam-pos específicos, mas em toda área do conhe-cimento e para toda sociedade.

A divulgação desses conhecimentos gera-dos através dos canais formais e informais dacomunicação cientifica, nos diferentes forma-tos, é chamada de produção científica, asquais são realizadas pelas suas respectivascomunidades, aqui definidas como Comuni-dade Científica.

2 COMUNIDADES CIENTÍFICAS

“Se enxerguei mais longefoi porque me apoiei nos

ombros de gigantes”Isaac Newton

As comunidades científicas têm a publica-ção como sendo o meio mais reconhecido paraa divulgação dos estudos das pesquisas,

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transformando-as em mola propulsora, namedida em que é recuperada e divulgada,impulsionando o desenvolvimento intelectuale a realimentação da produção científica.

A comunidade cientifica exerce a comuni-cação, tanto nas redes de organizações comonas relações sociais formais e informais, sen-do de grande importância o papel dessa co-municação, que consiste em assegurar a tro-ca de informações. Os pesquisadores têmnecessidade de se manter em contato comseus colegas para se informar e informá-losacerca de trabalhos de pesquisa em andamen-to ou concluídos.

Assim, Para ter valor, o trabalho científicotem que sair das mãos do seu produtor e serdivulgado, passando antes por uma avaliaçãoque pode ser feita de muitas formas. Demo(apud RODRIGUES; LIMA; GARCIA, 1998, p.148) destaca que um dos critérios pode ser aanálise do trabalho sob duas formas: “o seuconteúdo e sua forma, que ele traduz comoqualidade política e qualidade formal”. A pri-meira consiste em colocar a questão dos fins,dos conteúdos, da prática histórica. Já a qua-lidade formal, é compreendida como a pro-priedade lógica, tecnicamente instrumentada,dentro de padrões acadêmicos usuais.

Esta produção científica gerada e divulgadapelos documentos vem sendo avaliada como propósito de servir de subsídios paracredenciamentos, obtenção de fundos deagência de fomento, progressão na carreiraacadêmica, ascensão profissional do pesqui-sador, como também para o pesquisador ad-quirir status intelectual e reconhecimento pro-fissional pelos pares, em concursos seletivos.Como afirmam Bertin; Forteza; Suhet:

No meio científico, o prestígio dos periódicosé determinado por um sistema de avaliação

baseado em vários indicadores, como: quan-tidade de artigos publicados, índice de cita-ção e visibilidade internacional. As principaisbases que fazem o levantamento desses da-dos são o Institute for Scientific Information(ISI), nos Estados Unidos, e a ScientificElectronic Library Online (SciELO), no Brasil.

A ciência é um sistema de conhecimento,pelo qual, cientistas através da necessidadede conhecer o desconhecido, têm a idéia depesquisar a gênese dessas indagações e cu-riosidades, buscando respostas e tentandosistematizar o conhecimento científico.

Este conhecimento é formado da recipro-cidade que os pesquisadores promovemobjetivando a compreensão dos fenômenossociais e naturais, para a partir desta compre-ensão encontrar soluções. Para Gomes; Lose(2007) todo trabalho acadêmico e científico éiniciado com a busca de informações relacio-nadas ao assunto pesquisado, já que o co-nhecimento científico é resultado de uma açãocoletiva. Esta dinâmica constitui-se na deno-minada comunicação científica que Garvey(1979, apud BERTIN, 2007, p.03) apresentacomo:

[...] o campo de estudo do espectro total deatividades informacionais que ocorrem entreos produtores da informação científica, des-de o momento em que eles iniciam suas pes-quisas até a publicação de seus resultados esua aceitação e integração a um corpo deconhecimento científico.

A atividade de produção do conhecimentocientifico exige grupo de pessoas devidamenteorganizados e comprometidos com a pesqui-sa e a tudo que a ela está relacionado, esseconjunto de pessoas denomina-se Comuni-dade Científica. Assim, para existir uma co-munidade científica precisa haver instituições

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for tes e estáveis que abriguem grupos depesquisa, recursos humanos qualificados ca-nais de comunicação. De acordo com Kuhn(2000) apud Oliveira (2004):

Uma Comunidade Científica é formada pe-los praticantes de uma especialidade científi-ca. Estes foram submetidos a uma iniciaçãoprofissional e a uma educação similares, numaextensão sem paralelos na maioria das outrasdisciplinas. Neste processo absorveram amesma literatura técnica e dela retiraram mui-tas das mesmas lições. Normalmente as fron-teiras dessa literatura-padrão marcam os li-mites de um objeto de estudo científico e emgeral cada comunidade possui um objeto deestudo próprio.

A comunidade científica é responsávelpelo desenvolvimento da pesquisa, destaforma Poblacion; Oliveira (2006) afirmam quena medida em que se delineia a política deapoio à pesquisa torna-se necessário criarcondições para o desenvolvimento e acom-panhamento das diferentes fases do proces-so de execução, dos projetos avaliando acontribuição que é oferecida para o avançoda Ciência no Brasil.

Neste contexto a comunicação científica éde extrema importância para a ciência, pois,ela só se faz legitima, quando é comunicadaaos seus pares. Para Meadows (1999) qual-quer que seja o ângulo pelo qual a examine-mos, a comunicação eficiente e eficaz consti-tui parte essencial do processo de investiga-ção científica. Os estudos avaliativos da pro-dução intelectual permitem também delinearcampos e áreas específicas do conhecimen-to, detectando tendências temáticas,metodológicas, e mesmo a evolução do co-nhecimento em frações temporais e espaci-ais, esses estudos além de permitir o reco-nhecimento do que está sendo pesquisado,

permite saber se esta produção vem influen-ciando o meio científico com o estabelecimentode padrões que permitam traçar metas ouações com tomadas de decisões em progra-mas de políticas científicas.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Universidade tem a missão de formarprofissionais e pesquisadores de alto nível paraatender as demandas materiais e espirituaisda sociedade, bem como a de transmitir, pro-duzir e conservar o conhecimento racional demais alto grau. Para realizar essa missão comeficiência associada à eficácia é preciso o usode normas e ritos para sua elaboração, apre-sentação, encaminhamento e desenvolvimen-to, apresentando aos pares e à sociedade osresultados do que foi investigado.

No entanto, se torna necessário a criaçãode espaços e mecanismos para o escoamen-to da publicação científica, estimulando destaforma a comunidade científica e fortalecendo-a no que se refere a participação em eventose divulgação da sua pesquisa, seja em forma-tos digitais, sejam em formatos tradicionais.

REFERÊNCIAS

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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC50

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Cenário do Desenvolvimento de Tecnologiasde Quebra de Amêndoas

Djane Santiago de Jesus1Carla Renata Santos dos Santos2

Genice de Jesus Santana3Carla Renata Santos dos Santos4

RESUMO

Inovar significa trabalhar em busca de um método acabado que possibilite o reconhecimento danecessidade de uma sociedade. A abertura de mercados, ocasionada pela mundialização daeconomia, tem proporcionado uma crescente preocupação com o desenvolvimento da tecnologia,tornando-a, juntamente com o conhecimento e a inovação, fatores preponderantes para a melhorianão só da economia, como também no auxílio na construção do Desenvolvimento Sustentável.Nesse contexto, a prospecção tecnológica surge como uma ferramenta de grande importância natomada de decisão. O objetivo do presente trabalho concentrou-se no mapeamento e avaliação daevolução do número de documentos de patentes relacionadas às tecnologias de quebra deamêndoas nas últimas onze décadas, bem como na identificação de países em que há maiorconcentração de depósitos ou patentes e depósitos de tecnologias de quebra de amêndoasexistentes na base de busca do escritório europeu de patentes – espacenet. Ao analisar osdocumentos levantados e indexados em um banco de dados, observou-se que há um númerobastante reduzido de documentos de patentes na área e a Grã-Bretanha domina fortemente ocenário, no tocante à origem das tecnologias estudadas, tendo ali concentrada mais de 80% dosdocumentos pesquisados, seguido pela frança, com 16%. Assim como ocorre em outros paísesem desenvolvimento, não foram encontrados documentos de patentes nesse aspecto no Brasil.

Palavras-chave: Inovação, Prospecção Tecnológica, Máquina de Quebra, Amêndoa,Desenvolvimento Sustentável.

1 Centro federal de Educação Tecnológica da Bahia –CEFET-BA.

2 Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC.

1. INTRODUÇÃO

Inovar significa trabalhar em busca de ummétodo acabado que possibilite o reconheci-mento, bem como a satisfação da necessida-de de uma sociedade.

Com a globalização - que ocasionou a aber-tura e flexibilização dos mercados, internacio-nalizando as economias - a inovação e o co-

nhecimento têm se tornado fatores prepon-derantes num ambiente cada vez mais com-petitivo, de forma a viabilizar não só a melhoriada economia, como também contribuindo nabusca por um Desenvolvimento Sustentável,cujo conceito, conforme Nobre (2002), se

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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC52

concentra na satisfação das necessidades atu-ais sem comprometer as necessidades dasgerações futuras satisfazerem as suas neces-sidades.

Neste contexto, o uso da informação comoferramenta estratégica competitiva, torna-sefundamental, onde, para Antunes et al (2002),o domínio do seu fluxo, juntamente com oKnow-How tecnológico são indispensáveispara o momento científico e técnico, pilaresimportantes na estratégia de inovação.

Os primeiros registros de utilização siste-mática das informações como peça estratégi-ca, na afirmação de Antunes et al (2000), sãodatados da década de 50, cuja finalidade pri-mordial era a redução do tempo entre a in-venção e a disposição dos produtos novosno mercado. A essa atividade, dá-se o nomede Prospecção Tecnológica. ProspecçãoTecnológica, tema muito debatido nos ambi-entes acadêmico e empresarial, pode ser con-ceituado como sendo um mapeamento e aná-lise acerca de direcionamentos futuros de de-senvolvimentos científicos e tecnológicos, demaneira à auxiliar e influenciar nas decisõesde uma indústria, cidade, região ou até mes-mo de um país.

“Além de identificar os avanços científicos etecnológicos, a prospecção permite colher informa-ções do ambiente para ser utilizada para: (i) Identifi-car as tendências da concorrência; (ii) Evidenciar àspossíveis mudanças de comportamento do merca-do e público-alvo; e, (iii) Analisar à estrutura neces-sária para atender essa demanda.” RUTHES, NAS-CIMENTO, SOUZA (2005).

Os estudos prospectivos, apesar da suarecente utilização no Brasil, já é utilizado háanos nas políticas e estratégias de Inovação,onde, conforme afirma Zackiewicz,BONACELLI e SALLES (2005), em sua origem,

buscavam o aumento da habilidade de previ-são dos seus avanços, o que caracterizou asdécadas de 50 e 60.

Entre as fontes de informação mais sóli-das a serem utilizadas na sua realização dosestudos prospectivos destacam-se os docu-mentos de patentes que, na visão de Antuneset al (2000), apresentam as melhores quali-dades no que se refere à pesquisa, possuin-do, principalmente, uniformidade de registrode dados bibliográficos e informaçõestecnológicas, permitindo resultados mais pre-cisos e confiáveis.

O artigo em questão diz respeito ao proce-dimento metodológico de análise de docu-mentos de patentes relacionadas à tecnologiasde quebra de amêndoas depositados e/oupublicados no escritório europeu de patentes(espacenet), entre os anos de 1901 e 2007,tendo como objetivo mostrar a visão dessastecnologias ao longo do tempo, a origem dasmesmas, as principais empresas detentorase outras informações relevantes relacionadasà cadeia produtiva, visando auxiliar, principal-mente, pesquisadores da área de engenhariamecânica do Centro Federal de EducaçãoTecnológica da Bahia, que estão desenvolven-do um novo modelo de máquina de quebrade amêndoa de um fruto específico, parteintegrante de um projeto multidisciplinar de-senvolvido na Instituição supracitada voltadopara a geração de renda e DesenvolvimentoSustentável no semi-árido baiano.

2. METODOLOGIA

Para o levantamento de patentes referen-tes ao desenvolvimento de tecnologias dequebra de amêndoas, bem como a identifica-ção dos dados referenciais existentes nosdocumentos e a indexação dessas informa-ções em um banco de dados.

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O levantamento foi realizado em setembrode 2007, a partir das patentes depositadas noescritório europeu de patentes – espacenet -,utilizando a cobertura da base Wordwide, quecontém documentos depositados e publica-dos em mais de 70 países.

A busca na base de dados foi feita atravésdo critério de combinação de palavras-chave,na categoria resumo.

Assim, as combinações e estratégias uti-lizadas, bem como os resultados obtidos po-dem ser visualizados na Tab (1).

O resultado escolhido foi o da estratégiade combinação “machine*+ break + nut”, aqual se aproximou mais dos objetivos almeja-dos, resultando em um levantamento de 180(cento e oitenta) documentos de patentes.

Ao realizar o levantamento de patentes, asinformações contidas nos documentos foramindexadas em uma tabela denominada “Má-quinas de Quebras”, a qual continha comoprincipais campos:

• Número da patente;• Data e ano de publicação• País de origem;• Título;• Nome do Inventor (ES);• Nome dos detentores dos direitos;• Número da Prioridade;• Resumo

Após desenvolvimento do banco de dados,foi realizada uma apuração nos resultados, afim de evitar não só repetição de patentes,como também a permanência no banco dedados de patentes que não estão relaciona-das ao tema em questão – Tecnologias de Que-bra de Amêndoas. Com isso, foram

identificada, dos 180 documentos de paten-tes pesquisados, apenas 06 referentes atecnologia de quebra de amêndoas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Origem das tecnologias

A análise do banco de dados no que serefere aos países de origem das tecnologiaspatenteadas, expõem que na Grã- Bretanhaestá dominando fortemente o cenário, pois aliestá localizada cinco documentos de paten-tes, o que representa mais de 80% dos docu-mentos analisados. A França vem em segui-da, com números não tão expressivos, 16%.

Observou-se a inexistência de documen-tos de patentes nessa área nos países em de-senvolvimento, o qual pode-se incluir, espe-cialmente, o Brasil. Veja, na Fig. (1), a síntesedessas informações.

3.2 Evolução das tecnologias ao longo dosanos

O resultado da análise no tocante à evolu-ção das tecnologias ao longo dos anos, con-forme mostra a Fig. (2), permitiu observar quenas décadas de dez e sessenta são onde háuma maior incidência de depósitos das pa-tentes de quebra de amêndoas. A década de50 e 90 aparecem em seguida, ambas com aidentificação de um documento de patentecada.

3.3 Empresas detentoras das Tecnologias

Após analisar os detentores dastecnologias de quebra de amêndoas, foi veri-ficado que cada documento de patente anali-sado possui um detentor diferente, sendo queapenas duas dessas patentes possuem de-tentores localizados em países diferentes dosda origem das mesmas.

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4. CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente trabalhopermitiu, primeiramente, a confirmação de queos documentos de patentes são uma ferra-menta de grande valia no auxílio à tomada dedecisão, visto que as mesmas, além de se-rem documentos públicos, permitem uma ex-celente visualização de informações importan-tes, de forma consistente e precisa.

O estudo de prospecção de tecnologiasde quebra de amêndoas indicou que a áreaem questão é pouco explorada, até mesmoem países considerados desenvolvidos.

O presente estudo representa apenas umaparcela do universo de informações que po-derão ser obtidas a partir de análise de docu-mentos de patentes. Espera-se que o presen-te estudo sirva como auxílio para realizaçãode novas pesquisas na área, bem como con-tribuam para as áreas de gestão da produçãoem engenharia mecânica, bem como deprospecção tecnológica e/ou áreas afins.

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Cultura escolar e (des)encontro com a diversidade

Antonio José Tavares Lima1

RESUMO

O artigo realiza uma avaliação do conceito de cultura escolar, suas especificidades e princi-pais teorias, visando situar as possibilidades, enquanto categoria de análise, para pensar aproblemática da diversidade cultural no contexto escolar. Parte de uma análise do conceito decultura, sua história e marcha pela filosofia, antropologia até a educação. Situa os múltiplosinteresses implícitos nas formas de usos do conceito, as conexões ideológicas e políticas envol-vidas. Analisa a estrutura tradicional de poder da educação, seus dispositivos e propósitos,tendo em vista problematizar os papéis da escola em função das novas demandas que lhe sãodirigidas. No caso do Brasil, onde o contexto escolar encontra-se atravessado pelo encontro deculturas diferentes, surge o desafio de contemplar a diversidade, sem perder de vista um certosentido de universalidade. Este desafio assinala um paradoxo intrínseco a educação escolar,posto que as escolas não foram concebidas para gerenciar diversidades mas para produzirhomogeneidades. Seus rituais envolvem práticas minuciosas de controle sobre os alunos, atra-vés de dispositivos que Foucault chamou de disciplinas. As disciplinas anunciam o modelo depoder próprio da modernidade que substituiu os castigos físicos medievais. Dentro desta pers-pectiva, uma prática pedagógica multicultural implica em romper com este modelo e instituiroutras concepções de poder, mais flexíveis e negociáveis. Contudo, isto não possibilita geraruma escola livre de conflitos. O convívio com a diversidade necessariamente gera estranhamentose tensões. Um dos maiores desafios da escola, nos cenários contemporâneos brasileiros, éconseguir aprender a mediar este encontro de culturas, assegurando direito de fala às múltiplasvozes presentes no seu cotidiano.

Palavras chave: Cultura escolar, rede de significações, cotidiano, diversidade, mediação, poderdisciplinar

1 Graduado em História e Psicologia (UFBA), Especialista em Educação (UFBA). Aluno especial do mestrado emEducação e Contemporaneidade (UNEB). Leciona na Graduação do curso de Psicologia da FAMEC e na Pós Graduaçãoem Docência do Ensino Superior da ABEC/Cairu.

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INTRODUÇÃO

A educação escolar, no mundo ocidenta-lizado, encontra-se em um momento críticoem relação aos imperativos de se contextua-lizar com as demandas contemporâneas. De-mandas que, no caso específico do Brasil, sedeparam com um desafio histórico: contem-plar a diversidade cultural. Um desafio que põeem suspeição a função básica das escolas,que sempre foi formar certo tipo de pessoapara determinado tipo de sociedade ou segui-mento da sociedade.

Embora a educação escolar tenha sidoconstituída para produzir homogeneizações,tem sido palco de diferentes formas de ade-são a suas ofertas. Isto porque, mesmo sen-do da mesma origem cultural ou até familiar,as pessoas não são iguais e não processamas informações do mesmo jeito. Contudo,estas diferenças foram toleradas pelas insti-tuições de ensino na medida em que não sedistanciassem muito da regra, quando istoacontecia, à escola fechava suas portas. Associedades modernas sempre foramassumidamente excludentes. Neste contexto,não constituía tabu excluir o aluno indesejado.Foi somente a partir das décadas de 60/70 doséculo passado, com o fim da segunda guer-ra mundial, que uma série de mudanças nadinâmica da sociedade possibilitou que jovens,mulheres, grupos étnicos, ecologistas, ho-mossexuais, dentre outros, anunciassem suasvozes como em nenhum outro momento dahistória. A chave para o debate sobre direitoshumanos estava descoberta. A partir destecontexto, nas instituições das sociedades ur-banas ocidentais, surge o imperativo de apren-der a “tolerar” a diferença.

Umas das instituições que vivencia de for-ma particularmente dramática esta nova refe-rência social são as escolas. Estas instituições

aparecem na modernidade como peça chavede um novo modelo de governo das popula-ções: o disciplinar. A idéia de poder discipli-nar, como anuncia o pensador francês MichelFoucault (1984), substitui o modelo coerciti-vo, dos castigos físicos medievais, pela edu-cação. Dentro desta perspectiva, a educaçãoproduz o indivíduo moderno a partir de umprocesso minucioso de controle do seu cor-po e do tecido social no qual ele se inscreve.

Este formato de educação não foi concebi-do para gerenciar diversidades. Contudo, apartir do último quartel do século XX, por con-ta de uma série de fatores emergentes, as es-colas passam a ser palco do encontro de pes-soas oriundas de diferentes contextos cultu-rais. Este processo de encontro de culturastem potencializado um complexo jogo dereelaborações e reconstruções. O convíviocom a diferença força a tessitura de novasredes de significação para dar conta de expe-riências cotidianas de estranhamento, lutas,resistências, conspirações, criações, rebeldi-as, dentre outras, que passaram a se desdo-brar no interior da escola.

Compreender a escola não apenas comoespaço de reprodução, mas também comoespaço de produção de sentidos, implica empensar no conceito de cultura. Este conceitoprenhe de significações encontrou terreno deproblematizações, inicialmente, no campo fi-losófico, mas foi no terreno da antropologiaque mais se desenvolveu. Atualmente, o con-ceito de cultura foi apropriado por várias áre-as do conhecimento, se constituindo em umdos campos de discussões que mais aparecenos espaços acadêmicos contemporâneos.

Na área educacional, o conceito de culturatem inspirado muitas discussões e tendênci-as pedagógicas. Um campo significativo queemerge neste cenário é o que discute a noção

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de cultura escolar. Um importante teóricodeste campo é Jean Claude Forquin (1992),que pensa a escola como um espaço de trans-missão da cultura. Estes estudos encontramseu norte no conceito de “transposição didá-tica”. Outro nome relevante é André Chervel(1990), que irá defender a especificidade dacultura que a escola produz. Este autor pensaa escola não apenas como um espaço de re-produção, mas também um espaço de gera-ção de cultura.

O presente estudo pretende, a partir de umpasseio pela marcha das concepções de cul-tura, situar seu encontro com a área educaci-onal, tendo em vista avaliar as contribuiçõesdo conceito de cultura escolar como catego-ria de análise para pensar a questão da diver-sidade no contexto das escolas.

CONCEITO DE CULTURA

A palavra cultura é de origem latina. O radi-cal da palavra, o verbo colo, tem como senti-do original “cultivar”. O vocábulo latino cultus,portanto, possui, inicialmente, o sentido decultura da terra. Na língua francesa, a palavracultura (culture) aparece em fins do século XIIIpara designar uma parcela de terra cultivada.No início do século XVI, esse termo figura nãomais como um produto (terra cultivada), mascomo uma ação, ou seja, o fato de cultivar aterra. O sentido figurado aparece somente nomeio século XVI, quando cultura passa a sig-nificar também o produto de outras ações,como, por exemplo, a cultura de uma Univer-sidade. Contudo, este sentido só ganha forçaa partir do século XVIII, quando aparece noDicionário da Academia Francesa (edição de1718).

Foi nos contornos do Iluminismo que apalavra cultura ganhou o sentido de “forma-ção” ou “educação” do espírito. Segundo

Cuche (2002, p. 19), “No século XVIII, culturaé sempre empregada no singular, o que refle-te o universalismo e o humanismo dos filóso-fos: a cultura é própria do Homem (com mai-úscula), além de toda distinção de povos oude classes”. Cultura passa a ser associada àsnoções de educação, progresso, evolução,razão, isto é, os conceitos centrais do movi-mento Iluminista.

Na língua alemã, kultur, no sentido figura-do aparece no século XVIII, de forma muitoparecida com o sentido francês impresso aotermo. Contudo, a transformação deste senti-do inicial leva a uma perspectiva muito espe-cífica na língua alemã. A partir do século XIX,a noção alemã de kultur vai se direcionar cadavez mais para a afirmação das diferenças na-cionais. Trata-se de uma perspectivaparticularista que se opõe a visão francesauniversalista. Essa formulação deu subsídiospara o desenvolvimento do nacionalismo. Acultura vem da alma, do gênio de um povo.Ela constitui o patrimônio de uma nação: assuas conquistas artísticas, intelectuais e mo-rais.

É creditado ao antropólogo inglês EdwardBurnett Tylor (1832-1914) a primeira defini-ção etnológica de cultura:

Cultura e civilização, tomadas em seu senti-do etnológico mais vasto, são um conjuntocomplexo que inclui o conhecimento, as cren-ças, a arte, a moral, o direito, o costume eas outras capacidades ou hábitos adquiridospelo homem enquanto membro da sociedade(1871, p.11), apud Cuche (2002, p.35).

Na concepção de Tylor a cultura era umfenômeno natural e, desta forma, poderia seranalisado sistematicamente, tendo em vistaformular leis que explicassem sua gênesee transmissão. A diversidade cultural era com-

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preendida por Tylor como resultado da desi-gualdade nos estágios evolutivos de cada so-ciedade. Assim, caberia à antropologia a tare-fa de estabelecer uma escala civilizatória comdois pólos: um representado pelas socieda-des européias; e o outro pelas comunidadesperiféricas, ficando claro o princípio evolucio-nista unilinear.

A reação ao evolucionismo de Tylor veioatravés de Franz Boas (1858-1942), o primei-ro antropólogo a fazer pesquisa de campo,considerado o inventor da etnografia. Seusestudos caminham na direção de pensar adiferença. Combateu o conceito de raça e asidéias que estabeleciam relações entre traçosfísicos e mentais. Atribui à antropologia as ta-refas de reconstruir a história dos povos e decomparar a vida social de diferentes povos,vislumbrando o particularismo histórico.

A antropologia americana, tomada por umesforço constante de interpretação das dife-renças culturais nos grupos humanos, vaitomar o caminho para problematizar os vín-culos que se formatam entre o indivíduo e suacultura. Como os seres humanos incorporame vivem sua cultura? Surge então a correntedenominada “cultura e personalidade”. Aquestão central colocada aqui é: por quaismecanismos de transformação, indivíduos denatureza idêntica a princípio, acabam adqui-rindo diferentes tipos de personalidade, ca-racterísticos de grupos particulares.

Aluna e assistente de Boas, Ruthe Benedict(1887-1948), dedica sua obra em grandemedida para tentar definir os chamados “ti-pos culturais”. A autora lança mão da hipóte-se da existência de um “arco cultural” que in-cluiria todas as possibilidades culturais emtodos os âmbitos, cada cultura podendo tor-nar real apenas um seguimento particular destearco cultural. Benedict afirma que a varieda-

de de culturas é redutível a um certo númerode tipos caracterizados. Toda cultura se ca-racterizaria então pelo conceito de pattern, quepode ser traduzido por uma certa configura-ção, um certo estilo, um certo modelo de exis-tência. Este modelo existiria de acordo comobjetivos visados no conjunto das escolhasculturais possíveis e implica na idéia de totali-dade homogênea e coerente.

Outro nome significativo da antropologiaamericana é Margaret Maed (1901-1978). Noseu mais importante estudo, ela pesquisoutrês sociedades da Nova Guiné , os Arapesh,os Mundugomor e os Chabuli (1935). Ela re-velou neste estudo que as pretensas perso-nalidades masculina e feminina, que conside-ramos naturais, não existem enquanto tal, massão forjadas pela cultura.

A antropologia americana sofreu vários ata-ques sob vários aspectos. No entanto, o temada totalidade cultural foi retomado sob umanova perspectiva em Claude Levi-Strauss(1959), que definiu cultura como:

Toda cultura pode ser considerada comoum conjunto de sistemas simbólicos. No pri-meiro plano desses sistemas colocam-se a lin-guagem, as regras matrimoniais, as relaçõeseconômicas, a arte, a ciência, a religião. To-dos estes sistemas buscam exprimir certosaspectos da realidade física e da realidadesocial, e mais ainda, as relações que estes doistipos de realidade estabelecem entre si e queos próprios sistemas simbólicos estabelecemuns com os outros.

Lévi-Strauss apresenta uma concepçãobem singular de cultura. Na sua visão estru-turalista, a antropologia constitui um métodopara tentar entender a história de sociedadesque não a têm. Lévi-Strauss vê a cultura comosistemas estruturais. A tarefa da antropologia

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seria descobrir os princípios da mente que ge-ram esses sistemas invariantes, isto é, os ma-teriais culturais sempre idênti-cos de uma cul-tura a outra, necessariamente em número limi-tado em função da unidade do psiquismo hu-mano. O exem-plo mais típico destas regrasuniversais que o estruturalismo analisa é a proi-bição do in-cesto, que tem como fundamentoa necessidade das trocas sociais. É importan-te observar que, nesse sentido, o homem évisto como dependente da cultura, um serinacabado que se completa com ela, no pro-cesso conduzido pelos agentes culturais.

Ainda na esteira de pensar a cultura comoum sistema simbólico, o antropólogo ameri-cano Clifford Geertz (1973, p.15) anuncia associedades como análogas a textos. MaxWeber definiu o homem como um animal quevive preso a uma teia de significados por elemesmo criada. Par tindo desse raciocínio,Clifford Geertz sugere que essa teia seja o quechamamos de cultura. O trabalho de interpre-tação dessa teia seria a missão do antropólo-go, de forma a possibilitar uma leiturasemiótica do objeto analisado. Uma boa inter-pretação só será possível, segundo o autor,através de um levantamento etnográfico.

CULTURA ESCOLAR

Os estudos sobre cultura escolar se inicia-ram na década de oitenta do século passado,mas somente se intensificaram a partir dadécada de noventa. O caminho trilhado pelosociólogo francês Jean Claude Forquin(1992), ao caracterizar a escola, situa as rela-ções e implicações da cultura mais precisa-mente no currículo escolar. O autor se repor-ta ao papel social desemque ao lturalona deproduçscolares externos a escola e ortanto,que a escola desempenha na sociedade oci-dental, desde que educação deixou de ser uma

tarefa doméstica e passou a ser uma ativida-de em que a sociedade delega a alguns/asprofessores/as. Ele reconhece o caráter con-servador da escola, mas anuncia a possibili-dade desta reinterpretar e criar a partir daherança cultural.

Segundo Forquin (1992, p. 25-27), o cur-rículo enquanto herança cultural é um con-junto de conhecimentos selecionados cultu-ralmente, estratificados hierarquicamente, di-vidido em disciplinas escolares para fins di-dáticos e ideológicos. Ao discernir “culturaescolar” e “cultura da escola”, ele enfatiza queo currículo é a peça central quando se tratade cultura escolar, que é definida como o “con-junto de conteúdos cognitivos e simbólicosque, selecionados, organizados, “normatiza-dos” e “rotinizados”, sob o efeito dos impera-tivos da didatização, constituem habitualmenteo objeto de uma transmissão deliberada nocontexto das escolas” (transposição didática).A cultura da escola é a produção e a gestãode símbolos, ritos e linguagens específicosde uma unidade escolar.

De acordo com o autor, ensinar é colocaralguém em presença de certos elementos dacultura, elementos estes que foram selecio-nados e discriminados a partir de critériosgeralmente denominados “universais”. Enfim,para este autor, o objetivo da educação é trans-mitir algo da cultura, elementos da cultura quepodem ter origem em fontes ou épocas dife-rentes para a socialização das novas gerações.

O conceito de transposição didática foi ela-borado, originalmente, pelo sociólogo MichelVerret, em 1975. Porém, em 1980, o mate-mático Yves Chevallard retoma essa idéia, fa-zendo dela uma teoria e com isso analisandoquestões importantes no domínio da Didáticada Matemática. Chevallard (1991) analisou

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como o conceito de “distância” nasce no cam-po da pesquisa em matemática pura e reapa-rece modificado no contexto do ensino deMatemática. Ele define a “transposição didáti-ca” como um instrumento eficiente para ana-lisar o processo através do qual o saber pro-duzido pelos cientistas se transforma naqueleque está contido nos programas e livros di-dáticos e, principalmente, naquele que real-mente aparece nas salas de aula,BROCKINGTON (2006).

Segundo essa formulação, o autor afirmaque um conceito, ao ser transferido de um con-texto ao outro passa por profundas modifica-ções. Ao ser ensinado, todo conceito mantémsemelhanças com a idéia originalmente presen-te em seu contexto da pesquisa, porém adqui-re outros significados próprios do ambienteescolar para o qual será transposto. De manei-ra geral, Chevallard pretende que os conheci-mentos (saberes) presentes no ensino não se-jam meras simplificações de objetos tirados docontexto de pesquisas com o objetivo de per-mitir sua apreensão pelos jovens. Trata-se, pois,de “novos” conhecimentos capazes de respon-der a dois domínios epistemológicos diferen-tes: ciência e sala de aula.

O historiador Dominique Julia (2001, p. 10)compreende a cultura escolar como “um con-junto de normas que definem conhecimentosa ensinar e condutas a inculcar, e um conjun-to de práticas que permitem a transmissãodesses conhecimentos e a incorporação des-ses comportamentos”. O conceito de culturaescolar, dentro desta perspectiva, anuncia umolhar para o interior da escola, ou seja, paraseu funcionamento interno. Um olhar para asrelações que os professores entabulam comas regras instituídas, quais as formas de re-sistência e de luta, quais aos os usos dos dis-positivos pedagógicos postos a circular.

Sem querer em nenhum momento negaras contribuições fornecidas pelas problemá-ticas da história do ensino, estas têm-se re-velado demasiado “externalistas”: a históriadas idéias pedagógicas é a via mais pratica-da e a mais conhecida; ela limitou-se, pordemasiado tempo, a uma história das idéias,na busca, por definição interminável, de ori-gens e influências, - a his-tória das institui-ções (quer se trate de instituições militares,judiciais etc.). A história das populações es-colares, que emprestou métodos e concei-tos da sociologia, interessou-se mais pelosmecanismos de seleção e exclusão socialpraticados na escola que pelos trabalhosescolares, a partir dos quais se estabeleceua discriminação.

Seguindo outra direção, André Chervel(1990), defendia a capacidade da escola pro-duzir uma cultura específica, singular e origi-nal. Questionava a perspectiva que situa a es-cola como simples agente de transmissão desaberes elaborados fora dela, lugar, portanto,do conservadorismo, da rotina e da inércia.Na sua concepção, a escola fornece à socie-dade uma cultura constituída de duas partes:os programas oficiais, que explicitam sua fi-nalidade educativa, e os resultados efetivosda ação da escola, os quais, no entanto, nãoestão inscritos nessa finalidade. A escola écapaz de produzir um saber específico cujosefeitos estendem-se sobre a sociedade e acultura, e que emerge dos determinantes dopróprio contexto institucional.

Viñao Frago (1995) apud Gonsalves (2005,p 147) afirma que “cultura escolar recobre adiferentes manifestações das práticas instau-radas no interior das escolas, transitando dealunos a professores, de normas a teorias. Nasua interpretação englobava tudo que acon-tecia na escola”.

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Verificamos, então, a escola como umainstituição singular, que se constitui sobre pro-cessos, normas, valores, significados, rituais,formas de pensamento, formatadores da cul-tura própria, que não é fechada, nem estática,nem replicável. A cultura atravessa todas asações do cotidiano escolar, tanto na influên-cia dos seus ritos como sobre a sua lingua-gem, tanto na determinação das suas formasde organização e de gestão, como na consti-tuição dos sistemas curriculares. SegundoSilva (2006, p. 206):

Seja cultura escolar ou cultura da escola,esses conceitos acabam evidenciando prati-camente a mesma coisa, isto é, a escola éuma instituição da sociedade, que possui suaspróprias formas de ação e de razão,construídas no decorrer da sua história, to-mando por base os confrontos e conflitosoriundos do choque entre as determinaçõesexternas a ela e as suas tradições, as quaisse refletem na sua organização e gestão,nas suas práticas mais elementares e cotidia-nas, nas salas de aula e nos pátios e corredo-res, em todo e qualquer tempo, segmentado,fracionado ou não.

A escola, como já foi comentado, tem umafunção social que vai além da dimensão es-pecificamente instrucional. A dinâmica dasrelações que se estabelecem no seu interiornão obedece apenas uma lógica. Como afir-ma Silva (2006, p.203), “a escola é uma tota-lidade mais ampla”. Ela extrapola os limites dosordenamentos burocráticos e dos planeja-mentos pedagógicos, possibilitando atessitura de uma rica rede de significações.Dito de outra forma, a escola “reelabora, se-gundo a sua dinâmica interna, as normas,valores, práticas comunitárias, dando-lhesuma coloração nova, mas nem por isso alheiaao encadeamento geral da sociedade” Cândi-do (1964), apud Silva (2006, p 203)

Diversidade cultural

Dentro de uma perspectiva mais contem-porânea, o conceito de cultura é pensado sem-pre como resultado, em níveis diversos, deprocessos de contatos com outras culturas.Não existem culturas puras. Elas se estruturamcomo processos permanentes de construção,desconstrução e reconstrução. O que varia éa importância de cada fase. Surge aqui a no-ção de culturação para sublinhar esta dimen-são dinâmica da cultura.

Um exemplo interessante pode ser pensa-do com os negros que foram escravizados noBrasil por quatro séculos. Apesar deste pro-cesso de desestruturação social e culturalquase absoluta, criaram culturas originais edinâmicas. Dentro desta perspectiva, Bastide(1995), apud Cuche (2002, p.137), se opõe aconcepção de estrutura de Levi-Strauss, queele considera demasiadamente estática. Aoinvés de “estrutura”, ele anuncia “estrutura-ção”, “desestruturação” e “reestruturação”. Acultura é uma construção “sincrônica” que seelabora a todo instante através deste tipo demovimento.

A noção de cultura escolar situa a escolanão apenas como um espaço de reprodução,como marca, por exemplo, Bourdieu ePasseron (1975), mas também como um es-paço de produção de cultura. Um percursomarcado pelo encontro de discursoshegemônicos, que imprimem formatos e di-tam regras, mas que não silenciam as vozesde outras culturas. Vozes que nem sempre sãoouvidas, porque não costumam freqüentar assalas de aula, mas que não cessam de falarnos corredores, nos pátios e portões, murose cantinas. Essas narrativas produzem novostextos culturais híbridos, forjados a partir dochoque de culturas, assim como a capoeira eo candomblé se constituíram a partir do cho-que entre os mundos branco e negro.

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Dentro desta perspectiva, perceber a es-cola como uma grande encruzilhada, zonade mistura entre mundos diferentes, pres-supõe aprender a mediar estes processosculturais. Processos carregados de emoçãoe marcados por oposições e conflitos diver-sos. Importante situar a complexidade des-tas mediações. Ao instituir a escola comouma zona de encontro da diversidade, ficaimplícita a impossibilidade de promover umapretensa harmonia definitiva entre os atoresenvolvidos.

Considerar o conflito, dentro de suas múl-tiplas manifestações, como um processo in-trínseco à educação, pressupõe a constru-ção de um outro olhar. Um dos principais ob-jetivos do poder disciplinar é docilizar os cor-pos dos alunos e mantê-los devidamentequietos, “bem comportados”. Qualquer tipode conflito aqui é lido como indisciplina epassível de punição. As escolas sempre ten-taram impor, frequentemente de forma vio-lenta, a paz entre os alunos. Prática total-mente coerente com os propósitoshomogeneizadores que se propunham. Umaeducação multicultural precisa abrir mão des-te tipo de dispositivo e pensar outros princí-pios para legitimar sua autoridade. Resideaqui, talvez, o grande desafio deste novoolhar: instituir outros formatos para o poder.Outros padrões de autoridade, mais flexíveise dialógicos. O que não significa dizer que aescola precisa se adaptar de forma unilateralaos padrões culturais dos alunos. Importan-te lembrar que a escola também precisa serrespeitada, sob pena de se gerar outro tipode tirania. A educação sempre será um pro-cesso tensivo e envolverá algum nível frus-tração em todos os atores envolvidos. Pen-sar uma escola onde todos estão sempre sa-tisfeitos é ingenuidade.

COMENTÁRIOS FINAIS

Falar sobre cultura é sempre uma aventurahomérica, mesmo que dentro das pretensõeslimitadas deste artigo. O Brasil é um país quesempre importou modelos de outros paisespara aplicar em suas realidades, não apenasna área educacional, mas em diferentes se-guimentos da vida social. Esta prática deveser revista. A educação escolar precisa se ins-pirar em referências pedagógicas contextuali-zadas, que contemplem nossos cenários. Pen-sar a escola como um espaço de encontro deculturas implica em pensar a importância depossibilitar que estas vozes possam falar, nãoexatamente visando eliminar conflitos, postoque o estranhamento diante da diferença éinevitável, mas para conhecer suas dinâmicase potencializar ações.

A educação escolar, nos diferentes níveisde ensino e, praticamente em todas as esco-las do mundo, é norteada por currículos epor programas de cursos que, em momentoalgum, foram concebidos considerando-sea opinião do público a que ela se direciona.Este formato unilateral evidencia uma con-cepção de ensino distorcida. O aluno aqui évisto como um ser sem cultura ou de culturainferior, que precisa, por tanto, seraculturado. O nosso velho Paulo Freire sem-pre chamou a atenção para a importância dese considerar a cultura de referência dos alu-nos em qualquer processo pedagógico. Estadistorção evidencia um campo rico para no-vas possibilidades de pesquisas. Quais re-des de significações são tecidas entre os alu-nos nos seus cotidianos escolares? Quaisrepresentações fazem da escola? Conhecerestes elementos pode fornecer pistas muitovaliosas para os que perseguem a trilha deuma práxis pedagógica contextualizada comnossas realidades.

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Em grande medida, o fracasso escolar podeser pensado não apenas sob o ponto de vistacognitivo, mas também simbólico. Não se per-ceber pertencendo a um determinado grupoou sentir-se excluído por este grupo, devidoaos seus valores e crenças, seguramente nãoconstitui clima favorável para o aprendizado. Oconceito de cultura escolar, portanto, pode ofe-recer uma rica contribuição como categoria deanálise para pensar a questão da diversidadeno contexto escolar. Pode oferecer subsídiospara compreender as redes de significação queaí se tecem, e formular projetos que contem-plem não apenas a questão da “transposiçãodidática”, mas também considerem a impor-tância de mediar os processos culturais.

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Educação como pilar para o desenvolvimento:Políticas públicas para assistência estudantil

Maria Raidalva Nery Barreto*

RESUMO

Para compreender a impor tância do Ensino Superior no Brasil se faz necessário umacontextualização do mesmo no Brasil, ao tempo em que se verifica a importância das PolíticasPúblicas de Assistência Estudantil, no sentido de viabilizar a permanência dos estudantes naEducação Superior. O presente artigo apresenta alguns exemplos dessas políticas na Bahia,assim como as solicitações e sugestões apresentadas por estudantes universitários da Bahia.

Palavras-chave: Política Públicas – Educação Superior - Universidade

O ensino superior segundo a UNESCO

Segundo o relatório da UNESCO: Educa-ção – um tesouro a descobrir, “as universida-de têm certas particularidades que as tornamlocais privilegiados para desempenhar estasfunções”. Elas se constituem “o conservató-rio vivo do patrimônio da humanidade,patrimônio sem cessar renovado pelo uso quefazem dele professores e pesquisadores.”

O ensino Superior no Brasil

No Brasil, com o advento da nova Consti-tuição em 1988 e a promulgação e da Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional em

fins de 1996, novas perspectivas foram colo-cadas e sonhadas para a sociedade brasilei-ra. A reconstrução de um sistema educacio-nal de qualidade, eqüitativo e eficiente, trouxenovos e constantes desafios. A expansão énecessária, mas com um mínimo de planeja-mento; a equidade – um grande desafio, poisas desigualdades são enormes; qualidade-

1 A Professora Maria Raidalva Nery Barreto é Licenciadaem Pedagogia, Especialista em Administração Pública,Mestranda em Políticas Pública, Gestão doConhecimento e Desenvolvimento Regional pelaUniversidade Estadual da Bahia (UNEB). Atua naCoordenação de Educação Superior – CODES daSecretaria da Educação do Estado da Bahia – SEC e naFaculdade Metropolitana de Camaçari - FAMEC. E-mail: [email protected].

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principal objetivo e adequação - imperativopara que o sistema responda às aspirações,necessidades e anseios da sociedade brasi-leira, representada pelos milhares de alunosque batem às portas da Universidade procu-rando formação e informação.

A educação superior, que havia atravessa-do um prolongado período de estagnaçãoentre 1980 e 1993, durante o qual incorpo-rou apenas 271 mil matrículas – um cresci-mento acumulado de 15,78%, em 14 anos –retornou, na segunda metade da década de90, o mesmo vigor com que se expandira nadécada de 70. A diferença, no entanto, é queesse novo ciclo de crescimento tem sido ca-racterizado pelo domínio crescente do setorprivado, que cresceu 58,4% , entre 1994 e1999, quase três vezes o aumento do setorpúblico no mesmo período (20,5%) (PLANK,2001).

O aumento do número de vagas no ensi-no superior representa um bom indicador, vis-to que, a atividade fundamental da universi-dade é o educar, em todos os sentidos. A edu-cação é à base de uma sociedade pluralista,democrática, em que a cidadania não é umconceito garantido apenas formalmente na lei,mas é exercida plena e conscientemente porseus membros.

A importância das Políticas Públicas de As-sistência Estudantil

Uma universidade se distingue de qualqueroutro tipo de instituição de ensino superiorpor ser o espaço privilegiado em que os par-ticipantes do processo educacional interagemproficuamente, desenvolvendo e adquirindoconhecimentos e habilidades com o objetivode entender e agir sobre a realidade que oscerca. Este processo resulta não apenas nacapacitação dos alunos, técnica e formalmente

para desempenhar suas atividades no seio dasociedade, mas deve proporcionar o desen-volvimento de uma visão sistêmica desta rea-lidade. Agrega, assim, compreensão do mun-do à sua volta e tolerância às visões distintas,características essenciais de uma cidadaniaintegrada e ativamente democrática.

Verifica-se que nos últimos vinte anos onúmero de estudantes que concluem o ensi-no médio aumentou cerca de 250% (MEC,2006), aumentando a demanda de vagas e apreocupação em relação ao acesso à Univer-sidade; porém, tem sido discutida também aquestão da permanência dos alunos egres-sos de escolas públicas na Universidade.

Santos (2006, p. 68) afirma que:

Talvez seja mais correto designar a área doacesso como acesso/permanência ou mes-mo acesso/permanência/sucesso, uma vezque o que está em causa é garantir não só oacesso, mas também a permanência e o su-cesso dos estudantes oriundos de classesou grupos sociais discriminados.

Nessa perspectiva, verifica-se que apenaso acesso de alunos carentes à Universidadetalvez não seja suficiente, uma vez que se faznecessário que seja garantida a sua perma-nência.

Para democratização do ensino superior,onde todos os cidadãos tenham acesso a essenível de escolaridade, tornam-se necessáriaspolíticas públicas da assistência estudantil,voltadas para o acesso e a permanência doestudante na universidade.

No que diz respeito à permanência dos es-tudantes das classes populares nas Universi-dades Públicas Estaduais da Bahia parece re-meter ao enfrentamento de um grave proble-

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ma: a evasão (causada por problemas eco-nômicos). Como solução para esse graveproblema (a evasão) sugere-se a criação depolíticas públicas voltadas para a permanên-cia desse estudante na Universidade.

Toma-se como exemplo a caso da Univer-sidade Federal da Bahia – UFBA, pois, segun-do Barreto (2007), cerca de 34% de alunosque conseguem ingressar na citada Universi-dade não conseguem completar o curso noprazo máximo regulamentar e existem evidên-cia que os estudantes negros e egressos deescolas públicas são especialmente afetadoscom o problema: 50% dos aprovados no Ves-tibular 2003 eram negros e 33% eram egres-sos de escola pública: apenas 43% dosgraduandos daquele ano eram negros e 19%de escola pública (SANTOS, APUD BARRETO,2007)

Diante do problema acima citado, a UFBAcriou o Programa de Ação Afirmativa, que pro-vê a adoção de três medidas visando o apoioe a permanência do estudante na Universida-de: revisão da grade de horário de modo apermitir a combinação entre estudo e traba-lho, que inclui a abertura de cursos em horá-rios noturnos e aulas concentradas em finaisde semana; implementação de um programaamplo de tutoria social, reforço escolar eacompanhamento acadêmico que atenda atodos os estudantes que demandarem; a am-pliação da capacidade de atendimento dosprogramas de apoio estudantil, com mais bol-sas de trabalho, bolsas- residência e auxílioalimentação (BARRETO, 2007).

Vale ressaltar que o Ministério da Educa-ção - MEC têm implementado alguns progra-mas dirigidos para o ensino superior que con-sideram a condição sócio-econômica e étni-co-racial dos estudantes, a exemplo do Pro-grama Universidade Para Todos - PROUNI (vol-

tado para o financiamento dos gastos commensalidades em universidades particulares),o Projeto Universidade para Todos (que pro-picia a preparação dos estudantes baianospara os processos seletivos das universida-des), o Conexões de Saberes e o Uniafro (queapóiam a permanência de estudantes atravésda concessão de bolsas para aqueles queconseguiram aprovação nos processos sele-tivos de universidades públicas). O BRASILAFROATITUDE é outra iniciativa de apoio àpermanência através da concessão de bolsas,visando exclusivamente estudantes negrosbeneficiados pelos sistemas de cotas já cria-dos em universidades públicas brasileiras, queresultou de uma parceria entre o ProgramaNacional DST-AIDS, do Ministério da Saúde,a Secretaria Especial dos Direitos Humanos,da Presidência da República, e a SEPPIR. Aexistência de tais programas é conseqüênciada articulação existente no âmbito do Gover-no Federal entre setores ou órgãos que, aoformatar e implementar programas de promo-ção da igualdade racial buscam responder àsdemandas dos movimentos sociais e, ao mes-mo tempo, obter o apoio político e financeiropor parte de outras instâncias governamen-tais necessário para a consolidação de umapolítica pública nessa área (BARRETO, 2006).

Salienta-se, ainda, que o apoio dos orga-nismos internacionais (como a UNESCO) e dasfundações privadas (como a Ford Foundation)nesse tipo de articulação também tem sidobastante significativa, seja através da criaçãode programas autônomos que induziram aimplementação de projetos nas instituiçõespúblicas de ensino superior, ou através do fi-nanciamento de programas que têm sidoimplementados por órgãos governamentais(BARRETO, 2007).

As ações desenvolvidas pelas Universida-des, pelo MEC, pelos organismos internacio-

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nais e pelas fundações privadas, ainda nãosão suficientes para contemplar o universo deestudantes das classes populares que ingres-sam na universidade e não concluem o cursono prazo mínimo ou que são obrigados aban-donar seus estudos por questões socio-eco-nômicas.

Nessa perspectiva, o Fórum dos DiretóriosCentrais de Estudantes - DCEs das Universi-dades Estaduais Baianas - UEBAs, reunido nodia 26 de julho de 2007, na cidade de Salva-dor, discutiu os problemas enfrentados pelasUEBAs ao longo dos últimos anos (UNEB,2007). Os estudantes chegaram à conclusãode que a situação das Instituições de Ensino -IES públicas estaduais não possibilita o cum-primento de papel social que as mesmas de-vem exercer. Eles reivindicam a elaboração eimplementação de políticas públicas, de de-ver do Estado, que visem garantir o acesso epermanência, bem como a formação plenados estudantes universitários, priorizando aassistência a segmentos historicamente exclu-ídos, com destaque para:

- Rubrica específica para a assistência es-tudantil na matriz orçamentária do Estado.

- Alimentação - Restaurantes Universitáriosde qualidade e com preços populares.

- Transporte - Fiscalização efetiva por parteda AGERBA da qualidade dos serviçosprestados e meia passagem para o trans-porte intermunicipal.

- Moradia - Construção, estruturação e ma-nutenção de Residências Universitárias em

todas as UEBAs, de acordo com suas de-mandas específicas.

Infere-se, que além das reivindicações dosestudantes das Universidades EstaduaisBaianas, cabe também aos Estados refletirsobre essas e outras políticas que viabilizemo acesso e a permanência dos estudantes nasUniversidades Públicas Estaduais da Bahia.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Paula Cristina da Silva Barreto. Apoioe Permanência de Estudantes de Escolas Públi-cas e Negros em Universidades Públicas Brasi-leira: as expetiências dos projetos tutoria e Bra-sil afroatitude na UFBA. Disponível em: http://w w w. i f c s . u f r j . b r / ~ o b s e r v a / r e l a t o r i o s /permanenciaUFBA.pdf. Acesso em 29 de agostode 2007.

MEC. Programa Universidade para todos. Dispo-nível em: http://prouni-inscrição.mec. gov.br/prouni. Acesso em 27 de junho de 2007.

PLANK, David N. Política Educacional no Bra-sil: Caminhos para a Salvação Pública. Por toAlegre: Editora Artmed, 2001.

SANTOS, Boaventura de Souza. A universidadeno século XXI: para uma reforma democrática eemancipatória da universidade. São Paulo:Cortez. 2004.

UNEB. Notícias: Fórum dos Diretórios Centrais deEstudantes das Universidades Estaduais. Dispo-nível em: <www.uneb.br/exibe_noticia.jsp?pubid=1985>. Acesso em 29 de agosto de 2007.

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Identidade e educação em perspectiva: incursõesno ensino de língua materna e estrangeira

Fernanda Mota1

RESUMO

Neste artigo, propõe-se uma reflexão sobre o ensino de língua materna e estrangeira, em suarelação com acepções de identidade. Para subsidiar essa relação, foi empreendida a leitura dedois textos que se apresentam como eixos desse estudo, a saber: A identidade cultural na pós-modernidade, de Stuart Hall, e “Texto e contexto”, de Maria Pauliukonis. Da leitura do texto deHall, foram destacadas definições de identidade a partir de três categorias de sujeito: o sujeitodo iluminismo, o sociológico e o pós-moderno. Tais categorias, em especial, a primeira e aterceira, foram articuladas à discussão de fases do ensino de língua materna – com recorteespecífico no ensino de leitura –, apresentadas por Pauliukonis. No que pese ao ensino delíngua estrangeira, as discussões direcionaram-se para fazer uma crítica sobre uma práticapedagógica que prima pela assimilação passiva de aspectos lingüísticos. Entre as abordagensque se inserem nessa prática, destaca-se o método audiolingual, que objetiva o ensino de umidioma purificado das marcas da identidade lingüística dos falantes, desconsiderando, por con-seguinte, a subjetividade dos aprendizes, cujos objetivos e anseios são, não raro, suprimidosem nome de uma padronização lingüística. A título de ilustração das questões que permeiameste artigo, foram comentados o filme O sorriso de Mona Lisa – como exemplo de contrapontoa aulas que seguem moldes tradicionais – e a peça Pigmaleão, do dramaturgo irlandês GeorgeBernard Shaw – com base na qual é discutido o ensino de língua estrangeira em que, normal-mente, se observa a ênfase em planos e projeções do professor em detrimento dos objetivosdos próprios educandos.

Palavras chave: educação; identidade; leitura; língua.

1 Fernanda Mota Pereira é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federalda Bahia, na linha de pesquisa: Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura. Leciona a disciplina Lingüística na FaculdadeMetropolitana de Camaçari (FAMEC) e Língua Inglesa e Literatura Anglófona na Faculdade Dom Pedro II.

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Identidade e educação em perspectiva:incursões no ensino de língua materna eestrangeira

Para começo de partida: alguns pontos

Nesse artigo, será abordado o ensino delíngua materna e estrangeira articulado a umaacepção contemporânea de identidade, pon-tuando a sua interrelação com a(re)configuração de sujeitos aprendizes e pro-fessores. Devido aos diversos pontos de vis-ta que circundam esse tema e os vários cami-nhos abertos por ele, as discussões propos-tas serão orientadas por uma questão queengendrou o ponto de partida para as consi-derações que tomarão as linhas e entrelinhasque se seguem, qual seja: Que relação podeser estabelecida entre identidade e educação?

A partir da questão supracitada, outra seapresenta: essa relação é contemplada na prá-tica pedagógica dos mais diversos docentes nocontexto educacional? Dessas duas questões,serão puxados fios tecidos com o intuito deencontrar respostas a respeito das quais já sereconhece, aqui, o seu caráter provisório.

Para responder essas indagações, trêspontos principais serão enfocados ao longodeste texto, a saber: um breve percurso so-bre o conceito de identidade e sua acepçãona pós-modernidade; o ensino de portuguêscomo língua materna; e o ensino de línguaestrangeira.

Um olhar sobre a identidade na contempora-neidade pelas lentes de Stuart Hall

Na contemporaneidade, é possível vislum-brar facilmente, nas mais diversas formas dediscurso, a emergência de discussões acercada multiplicidade que perfaz a identidade cul-tural na pós-modernidade. Tal multiplicidade

encontra, em um eixo paradigmático, algunsoutros termos, a ela associados, que com-põem um mosaico de palavras que desenhamum possível conceito sobre a identidade. En-tre essas, destacam-se a transitoriedade e afragmentação. Esses termos estilhaçam a ima-gem plena e coesa que outrora era atribuídaao sujeito, como afirma Stuart Hall (2003) emA identidade cultural na pós-modernidade. Deacordo com Hall, “as velhas identidades, quepor tanto tempo estabilizaram o mundo soci-al, estão em declínio, fazendo surgir novasidentidades e fragmentando o indivíduo mo-derno, até aqui visto como um sujeito unifica-do” (p. 7).

A unificação, mencionada por Hall, foi pau-latinamente sendo diluída e misturada às co-loridas estampas que compõem o cenáriocultural pós-moderno, no qual se reconheceque o sujeito é constituído por traços que sãoredefinidos ou acionados conforme o contex-to em que ele se encontra. Por isso, segundoo referido autor, “a identidade muda de acor-do com a forma como o sujeito é interpeladoou representado” (p. 21). Nessa perspectiva,reconhece-se o jogo de identidades que mar-ca a relação entre o eu e o outro, em que es-ses, de forma dialética, estão em permanentereconfiguração e podem ter suas identidades(re)delineadas de acordo com essa dinâmica.Para ilustrar essa questão, Hall menciona umexemplo, aqui reportado, em que os diversostraços que constituem um sujeito estão emjogo, mudando as suas peças a depender dasregras de cada partida:

Em 1991, o então presidente americano, Bush,ansioso por restaurar uma maioria conserva-dora na Suprema Corte americana, encami-nhou a indicação de Clarence Thomas, umjuiz negro de visões políticas conservadoras.No julgamento de Bush, os eleitores brancos(que podiam ter preconceitos em relação a

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um juiz negro) provavelmente apoiaramThomas porque ele era conservador em ter-mos de legislação de igualdade de direitos, eos eleitores negros (que apóiam políticas li-berais em questões de raça) apoiaramThomas porque ele era negro. Em síntese, opresidente estava ‘jogando o jogo das identi-dades’. (H

Com base no exemplo apresentado por Hall,nota-se que a identidade é constituída por umasérie de traços que são destacados conformeas demandas do contexto em que o sujeitoestá inserido.

A constituição fragmentária do sujeito ins-tiga, desse modo, a necessidade de deslocaracepções de identidade que a concebem comoimutável e uniforme. Tais acepções podem serobservadas em instituições educacionais nasquais ainda há professores que se orientampelo princípio de homogeneização, ditado peladefinição pouco flexível dos conteúdos e abor-dagens de ensino. Nesse sentido, as discus-sões sobre identidade encontram ressonân-cias nos debates contemporâneos em tornoda educação, uma vez que, em sala de aula,tem-se acesso a apenas algumas das possí-veis faces dos aprendizes, que, mesmo as-sim, nem sempre são lidas ou consideradaspelo professor no processo de configuraçãodos caminhos a serem seguidos em sala deaula no que concerne à metodologia, habili-dades e conteúdos que são desenvolvidos.Questões que, muitas vezes, se pautam emum planejamento construído antes mesmo deconhecer os discentes.

Nesse sentido, a extensão das reflexões deHall sobre o tema enfocado em seu livro àsdiscussões acerca da relação ensino-apren-dizagem justifica-se por serem encontradas,em sala de aula, identidades múltiplas emutáveis, que são por vezes impostas a um

sistema ou mesmo a uma didática que primapela homogeneização dos saberes. Saberesque atuam, sobremaneira, no processo deconstituição dos sujeitos, cuja intermediaçãocom o mundo ocorre através da linguagem,inevitavelmente influenciada pelos conheci-mentos desenvolvidos nos centros educacio-nais.

No que concerne ao conceito de identida-de, Stuart Hall apresenta três principais, re-presentados através do sujeito do iluminismo,o sociológico e o pós-moderno. Sobre o pri-meiro, se supunha a existência de uma es-sência e uma unidade que o tornava coeso eimutável. O sujeito sociológico, por sua vez, éconstituído mediante as influências do meioque atuam sobre a sua “essência interior”. Porfim, o sujeito pós-moderno pode ser mais pre-cisamente definido pelo termo “identificações”,em virtude de ser a sua identidade constituí-da por diversos fragmentos que são aciona-dos ou deflagrados conforme a dinâmica e asdemandas de cada contexto.

O ensino de língua materna

A partir das considerações de Hall, é pos-sível identificar alguns momentos da históriado ensino de língua materna, em especial, noque concerne à abordagem de leitura em salade aula, articulados, aqui, ao conceito de iden-tidade explicitado pelo autor, com ênfase noque define o sujeito do iluminismo e o pós-moderno.

Os estágios do ensino de leitura foram pon-tuados com base no estudo de MariaAparecida Pauliukonis (2007), em “Texto econtexto”, e serão relidos, neste artigo, a par-tir das concepções de sujeito definidas por Hall.A primeira delas se refere ao momento em queo ensino de leitura de texto – ou, em um âm-bito geral, o ensino de língua – é abordado

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com uma finalidade moralizante e voltado paraquestões estéticas. Destaca-se, dessa fase, aconcepção de que o texto deve ser um espe-lho da figura sacralizada do autor, refletindo asua essência e apresentando-se como ummodelo de escrita que deveria ser seguido eimitado pelos aprendizes. Nessa fase, osaprendizes eram considerados como alunos,no sentido etimológico do termo, isto é, des-providos de luz, que devem, portanto, ser pre-enchidos pelos ensinamentos transmitidospelo texto e imitar o seu estilo. Essa atitudedesconsidera que o estilo de escrita de umaprendiz já é uma expressão de traços de suaidentidade, que, quando obliterados em nomeda mera reprodução de modelos pré-estabe-lecidos, reverberam em uma negação de tra-ços identitários dos sujeitos aprendizes.

Na segunda e terceira fase, no compassode uma regência estruturalista, os alunos par-tem em busca da identificação de uma verda-de, que deve ser investigada e decifrada notexto, com o objetivo de obter o máximo deinformação possível. A decodificação do tex-to e a memorização de informações – mesmoquando desvinculadas da realidade – são osobjetivos que orientam as atividades de com-preensão de texto, ou melhor, de mapeamentode dados e sua memorização.

A essas três primeiras fases – em que sebusca, cartesianamente, o sentido do texto,desconsiderando a sua pluralidade de signifi-cações –, pode ser relacionado o conceito deidentidade do sujeito iluminista que, por teruma consciência plena de si, está afinado coma investigação de uma verdade única – comounificado é o centro que o constitui. Dessemodo, para esse sujeito e de acordo com asfases descritas, a informação deve superar acapacidade de interpretação da vidatransubstanciada em letras nas páginas deuma narrativa.

Em um sentido contrário ao da ânsia pelaassimilação passiva de conteúdos e da ver-dade presumivelmente existente em um dis-curso, apresenta-se a interrelação da apren-dizagem com a vida que pode ser ilustradacom a tarefa de uma professora de arte dofilme O sorriso de Mona Lisa (2003). Nessefilme, a referida professora tem um primeiro efrustrante enfrentamento com alunas capazesde memorizar páginas inteiras de um livro eque acreditam, com isso, terem chegado a umaaprendizagem efetiva das lições da escola.Diante das primeiras aulas, em que diversostrechos de textos eram citados pelas alunas,a professora decide apresentar uma aula quetransponha os limites das páginas do livro ese estenda para lições de vida que nãoreproduzam o instituído, mas, sim, redimen-sionem a perspectiva das alunas sobre a arte,levando-as, em um jogo especular, a ressigni-ficarem e reconfigurarem os seus projetos devida e a descortinarem ou mesmo engendra-rem traços de suas identidades.

A atitude da professora de arte, cujo papelé interpretado por Julia Roberts, representa aúltima fase do percurso sobre ensino, deline-ado por Pauliukonis (2007). Essa fase está emconsonância com discussões contemporâne-as acerca do ensino de língua materna, prin-cipalmente, de leitura, sob a contribuição ine-gável de Paulo Freire. Tais discussões substan-ciam a necessidade de configurar lições quese emaranhem, em suas linhas e entrelinhas,à visão de mundo dos aprendizes. Afinal, sede acordo com Paulo Freire (1981), a “leiturado mundo precede a leitura da palavra”, essemundo pode ser relido através da produçãode sentido sobre palavras que preenchempáginas de livros e ressignificam o texto davida, que deflagra, na esteira de Stuart Hall,novas “identificações” – termo que para esseautor define de forma mais precisa a identida-de na contemporaneidade, uma vez que essa

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é marcada por uma multiplicidade de traçosplurais, descontínuos e por vezes atéconflitantes, (re)constituídos em relação dinâ-mica com o outro.

A pluralidade de identidades que perfaz asala de aula torna-se ainda mais profícuaquando voltada para explorar as potencia-lidades de leitura de mundo dos aprendizes,em uma pré-leitura, acionando-as ao ler umtexto, que se constitui como apenas mais umdiante de tantos outros que eles lêem todosos dias, a exemplo de noticiários, histórias emquadrinhos, tirinhas, bulas de remédio, e-mails, outdoors. Resta saber, então, se, defato, essa pluralidade textual é abordada emaula e se essas diversas identidades, que seprojetam na cena da leitura ou no estudo degramática e mesmo na aquisição de uma se-gunda língua, são levadas em consideraçãopelo professor e, ainda, se este permite queessa rica diversidade redimensione a sua pró-pria prática pedagógica. Ou, esta seria outrahipótese: não seriam as próprias identidadesdos professores – ou o que esses projetamnos aprendizes – que orientariam, unilateral-mente, as aulas? Com base nessas reflexões,cabe a pergunta: será que se deve dar aulaaos alunos ou com eles? Diante do que foi atéaqui discutido, sinaliza-se como alternativapara responder essas indagações o desenvol-vimento de aulas em que os professores en-trem em compasso com os aprendizes, tro-cando, não raro, papéis, para permitir que oconhecimento dos educandos também venhaà baila e possa até mesmo mudar ou reorientaro ritmo de sua metodologia e os conteúdosque ensina.

Nota-se, no entanto, que a concepção deque o aprendiz é uma tabula rasa, em termosde conhecimento lingüístico, ainda é muitocomum e encontra respaldo no modo comotradicionalmente se ensina a língua materna,

a exemplo do português. São muitos os pro-fessores que chegam a afirmar que os alunos– e eles mesmos admitem! –desconhecem asua própria língua, tendo-a até mesmo comoum idioma estrangeiro. Tal “desconhecimen-to” encontra suas causas no não reconheci-mento do sujeito enquanto usuário da língua,da qual se vale para comunicar-se com aque-les que pertencem à mesma comunidade eque, com ele, mantêm a língua viva em toda asua diversidade. Pois a língua é constituídapor variações, como ensina Marcos Bagno(2001), em A língua de Eulália, e, assim sen-do, é composta não por um grupo isolado desujeitos, mas por toda uma coletividade queassegura o seu caráter dinâmico e heterogê-neo, garantindo mudanças que a enriquecem.

No entanto, nem sempre essa diversidadelingüística é abordada no ensino de línguaportuguesa, no qual se privilegia a já tão legi-timada norma padrão, ensinada nas páginasfrias e pouco instigantes da Gramática Tradi-cional. Pouco instigantes porque os aprendi-zes nelas não se projetam, vendo-as apenascomo um espectro de um lugar de fala e depoder ao qual parecem estar fadados a nãoalcançar pela impossibilidade de entender eaplicar próclises, ênclises e mesóclises tãomenos interessantes do que os neologismosaos quais estão expostos em sua comunida-de geográfica e, por vezes, virtual. Desinte-resse que pode ser justificado, ainda, por es-ses sujeitos preferirem não assimilar tal nor-ma, por estarem mais voltados para uma va-riação mais pulsante, ouvida e sentida nas ruasentre aqueles que expressam a falta de medi-da e as subversões das paixões, dos amores,dos versos, da poesia, distantes das regrasque engessam e silenciam vozes, vidas, iden-tidades.

Nessa perspectiva, diante de aulas sobre aconjugação verbal, em que é ensinado o pre-

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térito mais que perfeito, o aprendiz direcionao seu olhar para fora da janela da sala de aula,pensando nos universos em que sua consti-tuição enquanto sujeito encontra as devidasressonâncias, devaneia sobre seus projetospessoais e pensa em uma multiplicidade deoutras questões que lhe parecem mais signi-ficativas. Toda a problemática trazida nacontemporaneidade que se mostra comogrande desafio para a educação é, então, es-tabelecer interrelações entre conteúdos ensi-nados e a identidade do sujeito. Identidade,por assim dizer, cultural e subjetiva, em todasas suas cores.

Salienta-se que a diversidade, quando con-siderada, leva aqueles que acusaram grupossociais de incompetência lingüística a repen-sar esse julgamento. E, assim, compreende-se que o que se julgava como fruto da igno-rância de falantes não cultos nada mais erado que uma avaliação resultante do desco-nhecimento, ou melhor, da insensibilidade dereconhecer a pluralidade que caracteriza as lín-guas, a exemplo do português, e não perce-ber o caráter lógico e sistemático que existeno “erro”, aqui considerado, na esteira deMarcos Bagno, como “desvio” da norma pa-drão.

O ensino de segunda língua

Se uma excessiva preocupação com a nor-ma culta acomete professores de língua ma-terna, levando-os a convencer os aprendizesa rechaçarem a sua identidade lingüística emnome da assimilação de regras da GramáticaTradicional, no ensino de língua estrangeiraocorre essa mesma tentativa dehomogeneização. Tal tentativa é promovida,principalmente, por uma abordagem de ensi-no de segunda língua (L2): o audiolingualmethod (método audiolingual). Esse métodotem, como um de seus objetivos, a aquisição

de uma pronúncia autêntica através de umtreinamento exaustivo com o objetivo de apa-gar o sotaque, entre outras marcas, que cons-tituem a identidade da língua materna do fa-lante, visando à aquisição de mais uma iden-tidade lingüística, diferente e distante da quejá possui.

É reconhecida a noção de que, ao se apren-der uma segunda língua, tem-se acesso àidentidade lingüística da cultura da língua es-trangeira. Mas se a aprendizagem da L2 im-plica em uma imersão na cultura do outro, essanão deve ser meramente assimilada, mas, sim,antropofagicamente deglutida pelo sujeito,formando não mais uma identidade lingüísti-ca, mas, sim, outra identidade lingüística, emque estejam aglutinados traços e cores deambos os idiomas, sendo que, normalmente,os tons mais fortes sempre serão os da lín-gua materna, por ser materna e, por tanto,estar associada a toda uma memória afetivaprimordial.

Em virtude da forte relação existente entreidentidade e idioma – pois não é possível seconceber senão através da linguagem e, por-tanto, da língua –, algumas resistências podemsurgir quando o aprendiz se vê impelido aaprender a falar inglês como um nativo, porexemplo. Essa ânsia pode resultar de duas pos-síveis relações de alteridade: o aprendiz acredi-ta que, para falar bem uma segunda língua, énecessário falar como um nativo; ou, comoocorre na maioria dos casos, em especial, se-guindo a abordagem mencionada, o professorinstiga o aprendiz a falar conforme os padrõesque acredita serem os que garantem o seu su-cesso enquanto falante da segunda língua e opróprio sucesso do professor enquanto pro-fissional e “criador” de falantes. Criador, pois,o que muitas vezes os professores pretendemfazer é criar falantes, seguindo os seus própri-os anseios e objetivos.

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O ímpeto de querer transformar uma pes-soa conforme seu próprio desejo é chama-do de “efeito Pigmaleão”. Síndrome basea-da no mito de Pigmaleão, que, de acordo comRené Ménard (1991), consiste na história deum escultor que vivia na ilha de Chipre, co-nhecida pela existência de muitas cortesãs.Avesso a mulheres com essas característi-cas, decidiu manter-se em celibato e, guiadopelos seus desejos, esculpiu uma mulher degrande beleza e que trazia em suas feições acastidade e a pureza. De tão perfeita, apaixo-nou-se por ela e pediu a Vênus que a tornas-se real. A deusa o ouviu e atendeu o seupedido.

Esse mito inspirou um dramaturgo irlan-dês, George Bernard Shaw, a escrever umapeça chamada Pigmaleão, adaptada para ocinema como My Fair Lady, traduzido no Bra-sil como Minha Bela Dama. A história traz aproblemática de Eliza Doolittle, que sonhavaem mudar sua condição social. Ela falava umdialeto, característico das classes menos pri-vilegiadas, o cockney, o que a impedia, ao ladodo seu comportamento pouco polido, de setornar uma dama. A oportunidade de mudan-ça ocorreu quando ela encontrou, por acaso,um foneticista, Professor Higgins, que copia-va a sua fala na rua. Durante o contato, mar-cado por insultos do professor diante do in-glês pouco refinado de Eliza, este afirmou quepoderia torná-la uma dama em seis meses.Surgiu, então, para a sonhadora florista, achance de aprender a falar “melhor”. Ela pro-cura-o e, então, inicia-se uma exaustiva ba-talha para aprender a língua de Milton eWilliam Shakespeare, conforme as idealiza-ções e projetos do professor que, em certamedida, desviam-se dos objetivos da própria“criatura” e, em virtude desse desvio, repre-sentam as discrepâncias entre as metas queos aprendizes esboçam para si e os projetosde seus mestres.

Últimas e inconclusas palavras

A proposta delineada neste artigo não de-fende a total exclusão do ensino da GramáticaTradicional ou de métodos de ensino de lín-gua estrangeira como o audiolingual, mas,sim, o seu redimensionamento para um ensi-no mais significativo para os aprendizes, demodo que, nos conteúdos e competênciasensinados, sejam consideradas as subjetivi-dades, anseios, desejos e cultura dos apren-dizes. Para isso, é necessário reconhecer que,assim como planos da aula consistem em re-cortes do que os docentes conhecem e jul-gam essencial para a aprendizagem de suasturmas, os aprendizes também têm suas elei-ções. Eleições, escolhas, identificações que,quando rejeitadas, resultam em ações porvezes interpretadas como dispersão, incom-petência, pouco estudo e falta de dedicação,que desviam os educandos do caminho daescola.

Cabe aos professores abrirem, em sala deaula, um espaço para que sejam colocadasem cena as subjetividades dos aprendizes,envolvendo-os em reflexões que os levem aum maior conhecimento de si. Conhecimentoque implica em uma reconfiguração de algunstraços desses aprendizes e dos professores,já que a aprendizagem tem um caráter de tro-ca com o outro que leva a uma revisão decrenças, valores, hábitos, saberes, constitu-indo linhas que se emaranham na composi-ção da identidade.

Se essas demandas forem atendidas, se-rão evitadas aulas que tenham como marcasapenas aquelas advindas da identidadeiluminista de alguns professores, que podemser qualificadas como teacher-centered-class,ou seja, aula que tem como centro o profes-sor. Ao distanciarem-se desse tipo de aula,os docentes estarão ampliando a noção de

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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC76

democratização da educação – por vezes en-tendida como uma mera multiplicação de es-colas – para compartilhar o espaço escolarcom a multiplicidade de anseios, desejos eleituras que se expressam por gestos, pergun-tas e olhares em busca de saberes e palavrasque, apesar de normas e correções em ver-melho, querem ser transubstanciadas em sig-nos lingüísticos e alçar vôo.

Se o professor contemplar em suas aulasdesejos, anseios e conhecimentos dos seusaprendizes, serão, então, vislumbradas iden-tidades interrelacionadas com uma forma deeducação efetivamente democrática e plural,com tintas coloridas em um quadro de giz nãomais de uma única cor.

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

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Educação na saúde: uma nova perspectiva para aqualidade de sobrevida em crianças de primeiro ano de

vida, em situação de risco social.

1 Introdução

Nas últimas décadas, o interesse pelo de-senvolvimento integral da criança tem cresci-do em todo o mundo como resultado do au-mento constante da sobrevivência infantil e doreconhecimento de que a prevenção de pro-blemas ou patologias nesse período, exerceefeitos duradouros na constituição do serhumano (Fuayana; Diament, 1996; Lopes,1999). Nos paises em desenvolvimento, ascrianças estão expostas a um número muito

1Mara Regina Cerqueira Nogueira Malafaia2Eva Santos da Cruz; Gabriel de Lima Simões; Zelândia Marques

3Amanda Prado Almeida; Antonieta Priscila Pereira Oliveira;Jéssica Letícia Barbosa Cardoso; Priscila de Jesus Assunção;

Vivaldo Almeida Braga

RESUMO

Este estudo tem como objetivo ressaltar a importância de um trabalho de orientação sistemáticado binômio mãe-bebê iniciada no período gestacional até o final do primeiro ano de vida, comofator de interferência positiva para a qualidade de vida. Foram acompanhadas 66 mães, onde 26iniciaram o atendimento durante o período gestacional e 40 mães já após o nascimento do seubebê. O grupo-controle foi montado a partir de dados obtidos na literatura sobre a avaliação dodesenvolvimento neuro-sensório-motor em bebês considerados no padrão de normalidade. Aavaliação para acompanhamento, foi seguida pela escala de Gesell. A despeito da falta de poderestatístico do presente estudo, os resultados apontaram para o fato de que a orientação ade-quada e o acompanhamento sistemático podem interferir de forma significativa na qualidade devida da criança no primeiro ano de vida.

Palavras-chave: Orientação familiar. Prevenção. Desenvolvimento neuropsicomotor. Bebêde risco.

grande de risco, devido a uma cadeia de even-tos negativos entre eles gestações desfavorá-veis e/ou incompleta e a de viverem em con-dições socioeconômicas adversas e esses fa-

1 Fisioterapeuta, profª. de neurociências da FAMEC,UNIRB e UNIDERP, especialista em neurofuncional,formação nas técnicas de Bobath, Vojta, Pontos Motorese Estimulação Essencial, Coordenadora do Programa deOrientação Mãe-Filho. E-mail: [email protected]

2 Acadêmicos de Fisioterapia da FAMEC3 Acadêmicos de Enfermagem da FAMEC

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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC78

tores contribuem para atrasos em seu poten-cial de crescimento e desenvolvimento (Alves& Correia 1990; Fontes, 2004; Diament, 2002).

O período gestacional, o parto e a sua evo-lução durante o primeiro ano de vida são eta-pas do processo natural e fisiológico do cres-cimento do bebê, mas isso não quer dizer quenão aconteçam intercorrências que possammudar a correta organização funcional da vidado indivíduo nesse período. Sameroff &Chandler (1975), no seu “modelo transacional”de desenvolvimento, relacionam entre si osefeitos da família, do meio ambiente e da so-ciedade sobre o desenvolvimento humano.Esse modelo considera como sendo único epeculiar, de tal forma, que o resultado finalseria o balanço entre os fatores de risco e deproteção, onde fatores biológicos podem sermodificados por fatores ambientais e deter-minadas situações de vulnerabilidade podemter etiologia relacionada com fatores sociais edo meio ambiente. (Sameroff & Chandler,1975)

Os fatores de risco sócio-ambiental-cultu-ral estão geralmente ligados às mulheres debaixa renda que trazem já em si diversos fato-res de risco como desnutrição, gravidez nãoplanejada, tentativa de abortamento e ausên-cia de pré-natal. Geralmente trabalham muito,sem orientação adequada e excesso de esfor-ço por trabalhos físicos (Alves e Correia, 1990;Marba e Mezzacapa, 1998).

A mãe é o principal membro da famíliacomo agente de estimulação. O próprio atode amamentar favorece o vínculo afetivo in-dispensável para o desenvolvimento afetivo-emocional durante o primeiro ano de vida,Inicialmente a criança conquista o mundo aoseu redor através da mão e esta será a pri-meira referência externa que o bebê seguirápara iniciar suas descobertas (Spitz, 1998).

Com relação ao crescimento, cada criançapossui seu ritmo próprio. A participação dospais, as diversas maneiras de estimulo e a re-gularidade dessas ações, irão definir o me-lhor ambiente de crescimento. Desde cedo, amãe representa um espelho para seu bebê e,se não existir ou se não for trabalhada essareferência, a criança poderá ter um desenvol-vimento de personalidade e motricidade, comatrasos e desvios. (Spitzz, 1998; Coryat, 1975;Malafaia, 2003; Lent, 2004).

Após o nascimento, pela própria imaturi-dade, o Recém-nascido é ainda muito vulne-rável, seu sistema nervoso está aberto a im-pressões, seu desenvolvimento está por fa-zer, a movimentação ativa e a percepção ne-cessitam de refinamento para a adaptaçãoextra-utero (Coryat, 1975; Bishop, 1982; Fon-tes, 1984; Mello-Araujo, 1998).

A criança se incumbe o papel de aprender,quando o ambiente é estruturado, afetivo eestimulante, não é preciso forçá-la a ter ativi-dade, basta ser sensível á sua natureza curio-sa e ter bom senso (Malafaia, 2006).

O presente estudo foi voltado a oferecer àgestante e ao seu concepto uma melhor qua-lidade de vida, avaliando assim a interferênciada orientação global na relação mãe-bebê parao desenvolvimento neuropsicomotor da cri-ança durante o primeiro ano de vida.

2 Metodologia

Sujeitos

Fizeram parte desse estudo, 66 mães e 46crianças. As mães com faixa etária entre 14 e34 anos e as crianças entre 00 e 06 meses.Todas as famílias trabalhadas eram de baixarenda. Todos os sujeitos tiveram autorizaçãopor escrito dos pais para a participação no

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estudo. Foram excluídos do estudo os bebêsportadores de alterações genéticas, deficiên-cia auditiva e visual e portadores de altera-ções graves do sistema nervoso central.

Materiais e métodos:

Este foi um estudo observacional, ana-lítico, transversal e controlado, entre outubrode 2007 a outubro de 2008. Os entrevista-dores eram acadêmicos dos cursos de fisio-terapia e enfermagem.

O trabalho consta de atendimento aobinômio mãe-filho, com atenção voltada des-de o período gestacional até a criança de finalde primeiro ano de vida. Os pacientes atendi-dos formaram 02 grupos distintos e ao mes-mo tempo interconectados.

O primeiro grupo foi formado por gestan-tes que foram acompanhadas com cuidadospróprios do período (controle da PA, glicemia,ganho ponderal) além de participarem de umcurso de orientação com duração de dez se-manas, envolvendo temas que vão desde aconcepção até o nascimento. Ao término docurso, elas continuaram vindo ao serviço paraser acompanhadas em cuidados básicos derelaxação e postura.

O segundo momento é após o parto, quan-do elas retornavam para o acompanhamentodo concepto durante o primeiro ano de vida enesse retorno foi realizado inicialmente entre-vista com as mães e avaliação neurológica dacriança. Após o procedimento inicial, essascrianças foram acompanhadas em sessõessemanais durante o primeiro semestre e emsessões quinzenais durante o segundo semes-tre. O acompanhamento do DNPM foi realiza-do com a comparação com modelos propos-tos e modificados por Gesell e considerado

anormal quando a criança apresentasse pelomenos uma avaliação alterada entre os quatrossetores (motor, adaptativo, linguagem e pes-soal-social), sugeridos pelo mesmo autor.

Procedimentos:

O estudo foi realizado com a anuência dospais e do Comitê de ética do CEP SESAB. Osbebês foram avaliados mensalmente e acom-panhados semanalmente para orientações. Asfamílias também foram acompanhadas comorientações em grupo, durante 10 semanas edepois de forma individualizada e personali-zada. Como grupo-controle foi utilizado osdados obtidos na literatura sobre a avaliaçãodo desenvolvimento neuro-sensório-motorem bebês considerados no padrão de norma-lidade.

Para análise dos dados coletados foi ob-servada a sensibilidade do teste de Gesell, uti-lizado para detectar sinais sugestivos de alte-rações. As informações processadas consta-ram de cálculos de média com o teste t deStudent e desvios-padrão dos parâmetros denormalidade, em comparação com o grupo-controle, também pela análise não paramétricachi Quadrado.

3 Resultados

Foram acompanhadas inicialmente 26 ges-tantes e 40 mães de crianças entre 00 e 08meses de vida. Das 26 gestantes, 16 delasretornaram após o nascimento do bebe; asoutras 10, após o termino do curso de orien-tação, não retornaram mais, sob diversosmotivos. Das 66 mães acompanhadas duran-te o curso de orientação, 03 tinham mais de30 anos ( 5%), entre 18 e 29 anos( 98%) e 06entre 14 e 17 anos ((9%). Das mães acompa-nhadas, 49 delas eram primigestas, e 17 de-las eram multíparas.

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC80

Gráfico I – Nº. de mães que participaram doestudo, (gestantes e puérperas)

Gráfico II – Idade materna

Dos 46 bebês acompanhados, 28 eram dosexo masculino (61%) e 18 do sexo feminino(39%). Na análise da faixa etária das crianças54% chegaram durante o primeiro trimestre;33% durante o segundo trimestre e 13% nosdemais. Ainda no estudo, 15 crianças erampré-termo e 51crianças à termo.

Gráfico III – Crianças por sexo

Gráfico IV – Crianças acompanhadas por tri-mestre

Não houve diferença no desenvolvimentoneuropsicomotor entre os sexos, embora umadiscreta diferença de percentual para as me-ninas (10%). As crianças que receberam ori-entação desde o primeiro mês de vida, apre-sentaram melhor evolução (97%) do que asque chegaram a partir do final do 5º mês devida ( 55%)

Das 46 crianças acompanhadas, (20%)delas apresentaram algum desvio de DNPM,sendo corrigido com estimulação, durante umtrimestre. As demais (80%) evoluíram sem al-teração alguma.

Gráfico V – Crianças por desvios X padrão denormalidade

As crianças cujas mães foram acompanha-das desde o período da gestação e logo ime-diato nos primeiros dias de vida, apresenta-ram melhor desenvolvimento global, em rela-ção as que começaram a freqüentar a partirdo 5ª mês de vida.

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

81TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

As crianças nascidas com menos de 37semanas, acompanhadas desde o primeiromês de vida, evoluíram com a mesma com-petência que os bebês à termo, iniciados nomesmo período.

Todo o trabalho de orientação para postu-ras e aleitamento materno, aboliu o uso dachupeta, favorecendo assim o uso precoce dacolher por volta do 4º mês de vida em 100%das crianças nessa faixa etária e o mesmopercentual para a introdução do copo por voltado 6/7 mês de vida. Após a retirada gradualdo leite materno, toda dieta era feita com copoe colher em 100% dos bebês acompanhados.

Orientação para o uso de brinquedos ebrincadeiras visando estimulação para cadatrimestre, levando-se em conta estímulosáudio-visuais, táteis e somatosensoriais. Comrelação aos brinquedos, as mães foram ori-entadas na construção desses brinquedoscom sucatas, em aulas de 02 horas semanais.A maneira de carregar a criança em cada tri-mestre, corroborou para evolução psicomo-tora de forma impar.

Foi observado nesse estudo que as crian-ças acompanhadas com orientação e cuida-dos básicos durante o primeiro ano de vida,evoluíram de forma satisfatória dentro dosparâmetros apresentados em comparaçãocom o grupo-controle. Foi observado tambémque as mães apresentavam maior segurançano trato com seus filhos, estando mais aptasa trabalhar com estímulos próprios para cadafaixa etária.

4 Discussão

Os resultados desse estudo forma obtidospor meio de avaliações iniciais com os bebêse reavaliados de forma trimestral até o final doprimeiro ano de vida. Comparando-os com os

bebês que a literatura apresenta no padrão denormalidade (Sameroff, 1975; Coryat, 1976;Funayana; Diament, 1996) foi possível detec-tar sinais sugestivos de desvios em seu pa-drão neuro-sensório-motor, principalmentenas crianças que chegaram após o 5º mês devida.

Sweeney & Swanson (1994) estimam que25 a 30% dos bebês podem ser considera-dos de risco, sujeitos aos desvios ou a atra-sos do DNPM. .Cione e colaboradores (1997)estimaram que 5 a 15% das crianças prema-turas apresentam anormalidades neurológicasseveras e 25 a 50% evoluem com distúrbioscognitivos e comportamentais. Mas a maioriada literatura considera a maioria desses sinais,como sendo transitórios.

As crianças que participaram desse estu-do apresentavam fatores de riscos levando-se em conta prematuridade, baixo peso, ní-vel socioeconômico baixo, desinformaçãomaterna associada a crendices, entre outrosdados que revelaram um perfil para possí-veis atrasos do DNPM. Durante o período deacompanhamento global, as famílias formaorientadas em como proceder em casa, esti-mulando seus filhos durante as atividades davida diária. O banho, o sono, o sol, a dieta,as posturas, os brinquedos, sem que issosobrecarregasse a mãe, mas com influenci-aram de forma positiva na formação do seuDNPM.

5 Conclusão

As orientações semanais, os estímulos pró-prios em cada fase do desenvolvimento fo-ram fatores determinantes para a aquisição daformação global da criança nesse estudo. Sãosugeridos novos estudos, com uma popula-ção maior para melhor validação desse traba-lho.

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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC82

Verificou-se através desse estudo queos fatores de risco apontados comumentecomo suspeitos para desvios do desenvolvi-mento neuropsicomotor, ainda não estão pre-sentes de forma significativa na populaçãoestudada. Levando-se em conta o papel dainformação e orientação em tempo hábil, oestudo revela seu potencial como interventorna interferência desses riscos.

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

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Invenção e memória – a construção narrativa deLygia Fagundes Telles

Marielson Carvalho*UNEB

RESUMO:

Analiso duas obras de Lygia Fagundes Telles, Invenção e memória (2000) e Durante aqueleestranho chá – perdidos e achados (2002), com o intuito de identificar elementos constitutivosde sua criação literária, pontuando a estrutura de seus contos e crônicas. Velhice, infância eamizade são temas recorrentes na obra de LFT, em especial nesses livros, pois tratam de narra-tivas que reinventam passagens da vida da autora com a família, amigos e escritores. A seleçãodos textos citados neste ensaio corresponde a uma leitura articulada de abordagens teóricassobre intenção e recepção, ficção e biografia, memória e verdade, mostrando, ainda que deforma introdutória, como a escritora constrói suas histórias com elementos aparentementedissociáveis, ou seja, ficção e realidade, mas que se complementam, na medida em que alinguagem literária com seu recurso mimético recria e ressignifica o mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Lygia Fagundes Telles – prosa de ficção – criação literária – memória

Lygia Fagundes Telles, 85, é autora de ro-mances e contos conhecidos da literatura bra-sileira contemporânea. Em mais de 60 anosde vida literária, a escritora paulista conquis-tou público e crítica com Ciranda de pedra,As meninas, As horas nuas (romances), Asformigas, Venha ver o pôr-do-sol e Natal nabarca (contos). Em Invenção e memória eDurante aquele estranho chá – perdidos eachados, Lygia consolida seu estilo límpido efluido com a soma equilibrada de ficção e re-alidade.

Em Invenção e memória, lançado em2000, ela revisita (e recria) fatos e momentosque viveu em diferentes fases de sua vida.Segundo a autora, a invenção e a memóriasão inseparáveis porque fazem parte de va-sos comunicantes, de modo que a narrativanão pode ser construída sem a presença da

* Bacharel em Letras Vernáculas (UFBA), Mestre emLiteratura e Cultura (UFPB), Professor de Literatura daUNEB (Campus XVI) e da Faculdade Metropolitana deCamaçari (FAMEC)

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memória, tampouco esta não pode serevocada sem a linguagem. Nos quinze con-tos do livro, Lygia deixa entrever a troca in-cessante dessa alquimia, sem revelar ao leitorquantos gramas entrou de imaginação e ver-dade.

Considerado o primeiro livro de não-ficçãode Lygia, Durante aquele estranho chá –perdidos e achados (2002), traz já no subtí-tulo uma referência ao cascavilhar das lem-branças. Organizado pelo jornalista SuênioCampos de Lucena, o livro reúne crônicas,depoimentos e artigos dispersos em jornais erevistas, alguns até esquecidos pela escrito-ra. A revisão desses textos ativou a memóriada autora, que a fez se redescobrir de mo-mentos afetivos, de tão vívidos e reais comque afloraram, o que deu ao livro um tomnostálgico, com leves pitadas de biografia.

Não sendo propriamente um livro de con-tos, gênero em que a escritora tem mais pu-blicações, Durante aquele estranho chá mos-tra em algumas crônicas que os limites entreos dois gêneros são quase imperceptíveis, namedida em que ambos exploram elementosficcionais coincidentes, em especial por se-rem narrativas curtas, com linguagem geral-mente concentrada na ação do(s) persona-gem(ns). É ela mesma quem sugere isso,quando fala que proporciona ao leitor “ummeio de conhecer Mário de Andrade, porexemplo, através da minha palavra.” Entendoque Lygia fala aqui em invenção, embora te-nha tido o cuidado de não ir muito além doque aconteceu de fato, afirmando sempre queforam fatos reais. Lembrar é também narrar enarrar é expressar com singularidade umaexperiência vivida. A palavra de Lygia, comojá deu prova disso, não se alimenta apenasda realidade factual, mas também de uma re-alidade idealizada.

Perguntada sobre os recursos narrativosusados em Invenção e memória, LygiaFagundes Teles respondeu: “A memória sem-pre esteve a serviço da invenção e a invençãoa serviço da memória. Quando eu vou contarum fato, de repente estou inventando, acabomentindo, mas não, não é bem mentira. Naverdade, eu floreio, estou dando ênfase àquiloque eu quero.” (TELLES, 2001, p.6) A partirdessa declaração, podem-se entrever desdejá três pontos importantes a serem discuti-dos na ficção de Lygia: a representação (querealidade os contos narram?), intenção (quemos escreve?) e recepção (quem os lê?).

O projeto de construção narrativa que aescritora desenhou para Invenção e memó-ria parece definido, fechado, principalmentequando encontra uma resposta favorável deum tipo específico de leitor: o implícito. Nes-te caso, o autor implícito (ou narrador) mos-tra as trilhas pelas quais o seu correspon-dente no leitor (ou narratário) deverá seguir.É um pacto no qual são definidos, no texto,o papel do autor e do leitor reais. Há casosem que o leitor implícito não tem escolha di-ante da leitura, sua condição passa a ser depassividade e de alter ego ou de substitutodo autor, porque é ele quem orienta. Poroutro lado, o autor dá ao leitor possibilida-des de movimento, porque pensa que se nãotornar o texto atraente não será lido. ParaLygia, o “leitor gosta e aceita um livro namedida em que se transpor ta, em que seencontra no livro.” (apud BRAIT, 1998, p.81)A correspondência desse autor com o leitorideal constitui para alguns teóricos, comoUmberto Eco, o jogo da ficção. Ele acreditaque a norma básica numa obra de ficção édefinida pela “suspensão da descrença”, emque o autor finge dizer a verdade, enquantoo leitor finge que aquilo que é narrado defato aconteceu. Mas não é o que pensaRoland Barthes:

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A imagem da literatura que se pode encon-trar na cultura corrente está tiranicamente cen-tralizada no autor, sua pessoa, sua história,seus gostos: a crítica consiste ainda, o maisdas vezes, em dizer que a obra de Baudelaireé o fracasso do homem Baudelaire, a de VanGogh é a loucura, a de Tchaikovski é o seuvício: a explicação da obra é sempre busca-da do lado de quem a produziu. (BARTHES,1988, p. 66)

Assim, o sentido intencional legitima o es-tatuto do autor na história literária e, por con-seguinte, torna a crítica e a teoria inúteis, por-que para interpretar o texto basta saber o queautor quer dizer. Longe de considerar a inten-ção como critério básico para explicar a litera-tura, Barthes na sua tese de morte do autormostra que o escritor nasce ao mesmo tem-po com o texto, aqui e agora, não pode repre-sentar nada anterior à sua enunciação comosujeito, porque ele se realiza à medida queescreve. Par tindo desse princípio anti-intencionalista, Barthes substitui o autor comoprodutor original pela linguagem impessoal eanônima. Como não tem origem, o texto é umtecido de citações, composto de escriturasmúltiplas, em que cabe ao escritor mesclá-lase ao leitor reuni-las. A unidade do texto nãoestá mais na origem, mas no seu destino, daíque o nascimento do leitor deve pagar-se coma morte do autor.

O debate em torno do lugar do autor e doleitor na literatura é um dos pontos mais con-trovertidos da Teoria da Literatura. As tesesda explicação (intenção do autor) e da inter-pretação (descrição das significações da obra)podem partir de constatações diferentes, po-dem traçar conclusões diferentes, mas o queestá no centro de suas inquietações é enten-der a literatura como representação e lingua-gem. Para Lygia, que não gosta de teorizar,“porque na teoria acabo por me embrulhar

feito um caramelo em papel transparente”(TELLES, 2002, p.122), escrever é recompormundos e paraísos perdidos. Mais: “Queroapenas que meu leitor seja o meu parceiro ecúmplice no ato criador que é ansiedade esofrimento. Busca e celebração.” ( idem, p.126)

Quais mundos e paraísos perdidos Lygiarecompõe? Em Invenção e memória é a in-fância, a adolescência, a faculdade, o casa-mento... Em “Que se chama solidão”, contoque abre o livro, o narrador revela imagensde seus primeiros anos. O narrador já come-ça a história apresentando índices de imagi-nação e verdade, de forma a atrair o leitor parao mundo possível da ficção. Ao tempo em quefala em fixidez, fala também em instabilidade:“Chão da infância. Algumas lembranças meparecem fixadas nesse chão movediço.” Ospersonagens (as pajens, a tia, o pai e a mãe),os ambientes (a casa, o quintal, a escola), osobjetos (o piano, o charuto, o tacho de goia-bada), os acontecimentos (as mudanças cons-tantes de cidade, as estripulias de suas pa-jens, a hora de contar histórias fantásticas)estão todos lá, mas o que entra de ficção erealidade não é mostrado pelo narrador, neminteressa. Lygia diz que não quer ser compre-endida, no sentido mesmo de não se preocu-par em dar ao leitor uma explicação definitivados fatos narrados. Ainda assim, se o leitorinsistir em entender partes ambíguas ou obs-curas do texto, pode recorrer a uma estraté-gia de análise chamada de “passagens para-lelas”.

Esse método, que segundo AntoineCompagnon (2001, p. 69) é a “técnica de base”da pesquisa e dos estudos literários, consisteem comparar ou procurar uma passagem pa-ralela no mesmo texto ou em outro texto doautor para esclarecer a parte problemática. Nabusca de uma resposta, o leitor duvidoso pode

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considerar, com base em suas convicções, asrecorrências textuais como reais ou imaginári-as. Embora seja um recurso interessante, es-conde armadilhas. Vejamos como isso podeocorrer nos livros da escritora.

Em outros contos de Invenção e memó-ria, personagens e histórias se repetem. Onarrador faz referências à sua mãe (sempreenvolvida com os trabalhos domésticos oucom o piano), ao pai (com seus charutos, jo-gos e viagens) e a si mesma (como criançaou adolescente) em “Suicídio na granja”, “Adança com o anjo”, “Cinema Gato Preto”,“Heffman”, “Potyra” e “Nada de novo na fren-te ocidental”. O esforço de pesquisa pode con-firmar a veracidade de todas essas referênci-as, pelo fato de serem reiterativas e compouquíssimas diferenças de um conto paraoutro, mas é em Durante aquele estranhochá que podemos encontrar uma saída defi-nitiva. Enquanto em Invenção e memóriaLygia teve liberdade de inventar, no livro pos-terior isso não foi possível, porque foi feitocom a reunião de textos de não-ficção, segun-do sua própria classificação. Com esta indi-cação, talvez fique fácil para o leitor confirmarou não suas desconfianças. Em crônicascomo “No princípio era o medo”, “Depoimen-to de uma escritora”, “Resposta a uma estu-dante de Letras” e “Mysterium”, a escritoravolta a falar da infância e da família. Aquelasimagens misturadas de sonho e realidade nar-radas no livro Invenção e memória sãoreproduzidas com a mesma intensidade deemoção. Ao comparar os textos de ambos oslivros, a conclusão do leitor é a de que as his-tórias do primeiro são verídicas, portanto, maisreais do que imaginativas ou ficcionais. Mas énessa confirmação do real através das repeti-ções que o perigo está escondido, as tais ar-madilhas da ficção. O narrador pode contaruma invenção repetidas vezes e de forma tãoenfática em diversos textos que termina se

transformando em verdade. O leitor depois dealgum tempo de leitura pode não distinguir omundo em que se encontra, por conta de asreferências do mundo ficcional e do mundoreal estarem intimamente ligadas eembaralhadas.

Em “Mysterium”, ela dá pistas de comoisso acontece em seus contos e romances.Em relação ao personagem de ficção, diz queele pode ser aparente ou inaparente, único ouse repetir. Conta ainda que uma personagemsua recorreu à mascara para não ser desco-berta, “quis voltar num outro texto e usou dedisfarce, assim como faz qualquer ser huma-no para mudar de identidade.” (TELLES, 2002,p. 122) Lygia quis dizer que da mesma formaque pode estar falando de uma personagemou história com aparência de verdade, podeapresentar uma outra real com aparência dementira. Quem se arrisca a compreendê-la? Oleitor mais uma vez nas mãos do autor. Assimcomo acontecia na infância dela, quando con-tava histórias assustadoras para crianças evelhos: “Algumas histórias eram repetidas,mas no auge da emoção, acabava por trocaros nomes das personagens ou mudar o en-redo. (...) Eu me lembro, alguém protestou:Mas o lobisomem não sabia que essa criançaera o filho dele? Prossegui implacável, Nessahora ele não reconhece ninguém!” (idem, p.107)

A questão da representação do mundocomo característica fundadora da literatura éoutro ponto que desde a Poética sempre exal-tou os ânimos dos estudiosos da literatura. Otermo mimèsis pode ser traduzido por umaextensa lista de acepções, mas que no finaldas contas dificulta seu sentido original, talcomo Aristóteles estabeleceu. Na Poética, oconceito de mimèsis, diferentemente do quePlatão concebeu na República, não é maisuma noção distintiva do texto dramático e épico

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através da presença do discurso direto ou in-direto. Em sua obra, Aristóteles “não acentuao objeto imitado ou representado, mas o ob-jeto imitador ou representante, isto é, a técni-ca da representação, a estrutura do muthos(história). (...) O que lhe interessa, no textopoético, é sua composição, sua poiésis, istoé, a sintaxe que organiza os fatos em históriae em ficção.” (COMPAGNON, 2001, p. 104)Aristóteles falou de narração, e não de descri-ção, de modo que sua obra trata da mimèsiscomo a representação de ações humanas pelalinguagem ou como arranjo narrativo dos fa-tos. Um texto não ganha o estatuto de ficçãopor contar uma história mais realista ou me-nos realista, mas como cria nessa interfaceum mundo possível.

Umberto Eco usa a metáfora de um bos-que cheio de trilhas e rumos como forma deentender o texto narrativo. Como o bosque, omundo ficcional tem limites, mas o seu tama-nho não é determinado. Seguindo por umcaminho sugerido ou ainda não explorado, oleitor-caminhante pode encontrar uma cercaque o impede de ir além. É dentro das frontei-ras desse bosque possível, que ele o exploracom profundidade, usando toda sua imagi-nação para percorrê-lo. Quanto mais íntimoesse mundo lhe parecer, mais excitante tornaseu passeio ou leitura. O universo ficcional nãotermina com a história, devido às infinitas pos-sibilidades de criação, às vezes maisprazerosas do que o mundo real. É por issoque a ficção fascina tanto quem lê quantoquem escreve. Para Lygia, é o ofício do pra-zer, da paixão.

Ao entrar no bosque de Invenção e me-mória, o leitor percebe que existem caminhosque se bifurcam, se entrecruzam e se encon-tram indefinidamente, ou seja, os tais vasoscomunicantes entre o sonho e a realidade. Umlabirinto de palavras e experiências, mesmo

que ele tenha sido construído em um gêneroconsiderado fechado, como é o conto. Fecha-do, mas não restritivo. Estudos sobre a teoriados gêneros consideram a classificação dasobras como modelo de leitura. Segundo essecódigo literário, o leitor já saberia de antemãoque o conto tem estruturas sólidas e definiti-vas de interpretação. Como se não bastassea intenção do autor, o leitor agora se vê diantede outra amarra. O próprio escritor neste casotambém está preso, porque sua criação estásujeita a um padrão, que se não for respeita-do não ganha a chancela do cânone comotexto literário.

Embora seja uma exímia contista, Lygia nãosegue rigidamente o cânone do gênero. Sub-verte a linguagem, o enredo, o tempo, o es-paço. Mas o faz porque considera a insatisfa-ção, a criatividade e a infinitude como traçomarcante da arte. “É preciso pesquisar, seaventurar por novos caminhos, desconfiar da‘facilidade’ com que as palavras se oferecem.”(TELLES, 2002, p.173)

A forma do conto como propõe MassaudMoisés em A criação literária: prosa, se com-parada com o conto lygiano, mostra muitasdiferenças, algumas semelhanças. Em relaçãoao ponto de vista, a preferência de Lygia pelaprimeira pessoa domina quase todos os con-tos do livro. Talvez por se tratar de históriasem que há um tom confessional, que não se-ria narrado senão pelo próprio personagem,os contos, por exemplo, “A dança com anjo”,“Nada de novo na frente ocidental” e “Dia dedizer não” apresentam um protagonista cen-tral voltado para si mesmo, para sua subjeti-vidade mais latente e pulsional. Para Massaud,isso pode prejudicar a narrativa, visto queimplica uma visão limitada das coisas, ou seja,o narrador-personagem não teria odistanciamento necessário para contar suaprópria história. “Tal individualismo pode

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comprometer a plausibilidade psicológica dahistória, pois o narrador tende a oferecer-nosde si uma imagem sempre otimista.” (MOISÉS,[19—], p. 35)

Em “Dia de dizer não”, a personagem já notítulo expressa seu pessimismo. Neste conto,a narradora decide por um dia negar tudo quesua moral a obriga a aceitar.

Estamos nesta cidade aqui embaixo onde teminvasor de todo tipo, desde os extraterrestres(em geral, mais discretos ) até aqueles maisambíguos: o invasor da vontade. Esse vemmascarado. Aproveitando-se, é claro, do maiscomum dos sentimentos, o da culpa. Noimenso quadro do ‘mea culpa’, a postura fá-cil é a da humildade que quer dizer fragilida-de. (TELLES, 2002, p. 59)

Na primeira parte do conto, ela justifica aatitude que tomará em seguida, mostrando-se em todo tempo revoltada com a hipocrisia,com o comodismo e com o materialismo dosseres humanos, principalmente dos políticos.É na segunda parte que o enredo se desenro-la. No táxi, em meio a um trânsito frenético econgestionado, ela nega pedidos de dinheirode mendigos, ofertas de ambulantes que ven-dem morangos, panos de limpeza, chicletes evassouras. Mas é o vendedor de papéis decarta perfumados, um menino magro, dentu-ço e deficiente físico que chama a atenção dapersonagem. Ele insistentemente empurra pelajanela os papéis, tentando convencê-la maispelo prazer que ela teria em enviar uma cartaa um amigo ou namorado (a personagemparece uma mulher solitária), do que por suapobreza evidente e necessidade de ganhar umtrocado. Embora o motorista, solidário, suge-rir à personagem a compra, por causa do bomperfume dos papéis, ela continuou na deci-são de dizer não. Depois de alguns afazeresque a levaram aos Correios e ao banco, ela,

criticada por outro mendigo que diante de umanegativa lhe diz que seu coração é de pedra,pede ao motorista para retornar à rua onde o“menino das muletas” estava, a fim de com-prar todas as suas car tas. Não conseguiuencontrá-lo, perguntou aos outros ambulan-tes se tinham visto “o menino das cartas per-fumadas”, mas era tarde demais. A mea cul-pa que tanto evitava, impôs-se e de formabastante dura e incisiva.

A narradora não se apresenta otimista nemsuperior aos outros personagens pelo sim-ples fato de ser uma voz de primeira pessoa;pelo contrário, revela-se individualista, inse-gura e frágil, mesmo que isso deponha con-tra si, segundo os padrões morais de sua so-ciedade, é seu interior, confessando o quepensa de verdade, que lhe dá uma identidademais natural. Mas é o próprio Massaud quemmostra o outro lado do emprego desse tipode foco narrativo. Para o crítico, a história ga-nha verdade aos olhos do leitor, quando en-tre este e o narrador não existe intermediário,pois a comunicação é direta. “Os dramas in-dividuais adquirem eloqüente força quandonos são transmitidos pelas próprias pessoasque os suportaram.” (MOISÉS, [19—], p. 35)

Com uma estrutura menor do que a doromance, o conto é apresentado como uma“obra fechada, dramaticamente circunscrita”.Uma de suas partes constituintes mais discu-tidas talvez seja a que diz respeito à trama. Oconto tem de ser linear e já começar com vis-tas a seu epílogo, que pode ser ou não enig-mático, imprevisível e surpreendente. Segun-do esse padrão, o autor deve se preocuparcomo introduzir a narrativa, porque é a partirdo que for lançado nas primeiras linhas que oleitor sentir-se-á estimulado a seguir até o fim.“O contista não perde tempo em delongas,que enfastiariam o leitor, interessado em logochegar ao âmago da história, para apreendê-

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la dum só fôlego”, conclui Massaud Moisés(idem, p. 43). Em “Nada de novo na frenteocidental”, a personagem conta sua partici-pação como voluntária do Exército nos tem-pos da 2ª Guerra. Sua função era de orientara população em caso de blecaute em São Pau-lo, caso os alemães bombardeassem a cida-de. Inserida nesta história, outra acontece, queé a conversa entre ela e a mãe sobre seuenvolvimento na guerra. Na tarde em que esseassunto é tratado, a mãe se prepara para via-jar ao interior, enquanto a narradora fica emcasa, onde espera o telefonema de um colegaque confirmaria o passeio numa casa de chá.A história aparentemente caminha para estefinal, no qual sua expectativa seria o chama-do, por isso acomoda-se confortavelmente napoltrona diante do telefone, “sonhando e es-perando por alguma coisa que vai acontecer.”(TELLES, 2000, p. 125) O leitor já sabe quenão é o colega quem ligaria, e sim um ho-mem que anuncia a morte de seu pai. Ela re-vela o final do conto não no seu epílogo, masno desenrolar da história. Mesmo assim, oleitor não sabe até a última linha do conto queeste é o seu desfecho, ou pelo menos, o quea narradora sugere.

Nessa mesma tarde, (...) uma voz de homemme anunciava pelo telefone que meu pai ti-nha morrido subitamente num quarto de ho-tel (...). Mas espera um pouco, estou me pre-cipitando, por que avançar no tempo? Aindanão tinha acontecido nada, era manhã quan-do minha mãe se preparava para a viagem, iaver minha madrinha e eu ia ver o meu poeta,espera! Deixa eu viver plenamente aquele ins-tante enquanto comia o pão com queijo quen-te (...). A hora ainda era do sonho. (...) Entãoo homem disse com voz grave, uma notíciatriste, acontece que o seu pai... ele não era oseu pai? Espera um pouco por amor de Deus,espera! Acontece que ainda é manhã e estoutão contente (idem, p. 123-4).

Com a mesma proposta de antecipação dofinal, mas sem dar pistas ao leitor do que se-ria o desfecho, a escritora retoma esse estiloem “Onde estiveste de noite?”, de Duranteaquele estranho chá. Ela inicia a crônica fa-lando de sua estada em Marília, interiorpaulista, onde faria uma palestra na Faculda-de de Letras. No quarto de hotel, de madru-gada, ela é acordada por uma andorinha queentrou “Deus sabe por onde”, já que a janelaestava fechada. A ave estava assustada e es-baforida por tentar fugir. A personagem abrea janela, mas em vez de a andorinha sair, pou-sou sobre a trave de madeira dos pés da cama.

Ficou assim de frente, me encarando, as asasum pouco descoladas do corpo e o bico entre-aberto, arfante. (...) Mas esta é hora de ando-rinha ficar assim solta? (...) Ela não respondeumas inclinou a cabeça para o ombro e, sorriu,aquele era o seu jeito de sorrir. (...) Com a mãodo pensamento consegui alcançá-la e delica-damente fiz com que se voltasse para a jane-la. Adeus, eu disse. Então ela abriu as asas esaiu num vôo alto. Firme.” (TELLES, 2002, p.18)

Na outra parte do conto, ela relembra al-guns momentos passados com a escritoraClarice Lispector em um congresso de es-critores latino-americanos na Colômbia. Con-ta que ambas, enfadadas de tantas palestras(Clarice disse que os escritores deviam estarem suas casas escrevendo), passam um tem-po no bar do evento tomando champagne evinho, e conversando sobre coisas mais ame-nas do que o duro ofício da escrita. Depoisdessas “demoradas lembranças”, a escrito-ra retorna ao momento em que estava emMarília. Diz que ao chegar à Faculdade é in-terpelada por uma jovem que informa a mor-te de Clarice Lispector durante a noite. Lygiaabraça a mocinha e fala: “Eu já sabia, disseantes de entrar na sala. Eu já sabia.” (idem,p. 22)

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Assim como a mor te de seu pai, a deClarice é também revelada com antecedência.Especialmente na crônica, a indicação textualnão se faz tão clara, até porque o leitor numaprimeira leitura pensa que se trata de duashistórias sem conexões, mais parecendo umrelato de lembranças fragmentadas. Só no fi-nal é que todas se entrecruzam e o leitor sabeque aquela andorinha foi o aviso de que algohavia acontecido. Antes da revelação a escri-tora descreve que a andorinha “antes de de-saparecer na névoa traçou alguns hieróglifosno azul do céu.” A certeza de Lygia sobre amorte de Clarice talvez tenha vindo da deci-fração da mensagem escrita no ar pela ave.Esse é o texto de Durante aquele estranhochá que mais se aproxima da ficção, tornan-do os limites entre crônica e contoimpalpáveis. Podemos considerar que ao nar-rar sobre a andorinha no quarto os recursosficcionais são bastante evidentes, como o usode uma linguagem mais subjetiva e envolvente.Quanto à parte do evento no exterior, a escri-tora fala por si mesma, sem precisar de umapersonagem como recurso discursivo, embo-ra nos dois momentos use a primeira pessoa.Em nenhum dos dois textos aqui comenta-dos, o epílogo acontece de forma impactantecomo sugere Massaud Moisés, embora emoutros contos de fases anteriores, como “Ve-nha ver o pôr do sol” e “Antes do baile verde”,o desfecho seja surpreendente.

Talvez o estilo de Lygia, especialmente emseus dois últimos títulos, esteja mais próximoda proposta de Ricardo Piglia no que se refe-re a contar duas histórias que deságuam numfinal só, mas com um detalhe diferente: os fi-nais são sempre abertos. Segundo o escritorargentino, “a arte do contista consiste em sa-ber cifrar a história 2 nos interstícios da histó-ria 1. Uma história visível esconde uma histó-ria secreta, narrada de um modo elíptico e frag-mentário.” (PIGLIA, 1994, p. 37)

Outro ponto que se deve destacar nos con-tos de Invenção e memória é a recorrênciada morte, na mesma proporção em que a in-fância aparece. São temas que nas memóriasda autora estão sempre circulando, às vezessendo evocados no mesmo instante, comoque completando o significado de um e deoutro na história. É o caso de “Suicídio nagranja”, onde a menina pergunta ao pai sobrea morte de um homem que encheu os bolsosde pedra e se jogou no rio. Questionou aindase os animais também se matam, e o pai res-pondeu que só gente cometia suicídio. A ima-ginação da criança era mais forte do que aresposta seca e racional do pai. Ela conta ahistória de amizade entre um ganso, Platão, eo galo, Aristóteles. Numa clara intenção detransformá-los em personagens de uma fá-bula, a personagem narra as aventuras dosdois bichos, como o passeio e a procura decomida no terreiro. Mas os donos da granjadecidiram matar o ganso para um banquete.Triste com a separação de forma tão cruel, ogalo definhou, sua crista murchou, o olharesvaziou e foi encontrado morto ao lado dotanque onde o companheiro costumava sebanhar.

A morte nem sempre em seus contos seapresenta de forma tão pueril, como em “Sui-cídio na granja”. Em “O menino e o velho”, ainfância representada não é a da narradora,mas a de uma criança pobre que é acolhidapor um senhor rico. A história se passa emtrês momentos num restaurante à beira mar.No primeiro contato da narradora com osdois, ela identifica que entre o velho e o meni-no não existia nenhum laço de parentesco, porconta das diferenças sociais aparentes. Per-cebeu que o homem evitava o olhar dela, en-quanto ele conversava em tom baixo com omenino, como que o convencendo a fazer algoque ninguém mais podia ouvir. Num segundomomento, semanas depois, ela nota que o

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aspecto do menino melhorou bastante. Vestiaroupas novas, tinha unhas e cabelos corta-dos, parecia mais feliz. Na terceira parte dahistória, alguns meses mais tarde, ela entrano restaurante de novo, mas não vê os dois.O garçom informa que o menino enforcou ovelho com um cordão de náilon, roubou seudinheiro e fugiu. Ele foi encontrado nu e comescoriações pelo corpo.

Talvez esse seja o conto mais “redondo”do livro. Aqui o enredo é estruturado para darà narrativa um encadeamento de ações até ofinal, sem fragmentações nem evasivas. Ospersonagens são bem delineados, embora emalguns momentos a escritora prefira dar umtom misterioso à relação dos dois. Ela utilizao mar em frente ao restaurante como espelhodo comportamento do velho e do menino. Omar se repetia em ondas, mas também erairrepetível (representava o contraste entre osdois), o mar e o céu formavam uma única to-nalidade (o contraste se desfaz entre os dois)e o mar era pesado e rugia rancoroso (algode errado acabou com a amizade de formatrágica). A história oculta, de que fala Piglia,emerge aqui num final surpreendente e enig-mático. O que teria acontecido entre eles paraque houvesse um assassinato? Será que ogaroto já planejava a morte do velho pararoubá-lo ou foi por legítima defesa que o me-nino o matou? Em todo caso, essa criançanão é a mesma do conto “Suicídio na granja”,principalmente quando se destaca a ingenui-dade como traço do comportamento infantil.O menino usou sua ingenuidade para matar,enquanto a menina compreendeu a mor teatravés de uma visão pueril do mundo e dasrelações sentimentais.

Em entrevista concedida à Clarice Lispector,a escritora respondeu qual é a raiz de um tex-to seu, em especial, o conto. Para ela, algu-mas idéias podem surgir de uma simples ima-

gem, de uma frase que se ouve ao acaso. “Aidéia do enredo pode ainda se originar numsonho. Tentativa vã de explicar o inexplicável,de esclarecer o que não pode ser esclarecidono ato da criação. A gente exagera, inventauma transparência que não existe porque –no fundo sabemos disso perfeitamente – tudoé sombra. Mistério. O artista é um visionário.Um vidente.” (TELLES, 2002, p. 170-171)

A concepção de Lygia da criação literáriasempre gira em torno da invenção e da me-mória, correspondendo assim a proposta queultimamente tem desenvolvido e que está ex-pressa na frase de Paulo Emílio Sales Gomes,citado como epígrafe de Invenção e memó-ria: “Invento, mas invento com a secreta es-perança de estar inventando certo.” É tão in-constante o limite entre a ficção e a realidadenos textos da escritora que, embora ela pró-pria tente apresentar uma justificativa plausí-vel sobre suas histórias, isso não resolve muitoquando se lê um conto ou uma crônica sua.Tome-se como exemplo a própria classifica-ção dos livros aqui analisados. Sob a catego-ria de conto, pensa-se que “Rua Sabará, 400”apresenta a estrutura de um texto ficcional, eo leitor acredita nisso. Mas quão surpreso elefica quando sabe que essa história é a “mais”real de todos os textos de Invenção e memó-ria. Ela explica que é a ênfase que dá o estatu-to de ficção ou de não-ficção a seus textos.

Por esse caminho, pode-se considerar quea ênfase – não seria intenção? – também estápresente em Durante aquele estranho chá.A ênfase ficcional neste livro está pulverizadaem todos as crônicas, principalmente quan-do toca em temas caros a seu imaginário,como infância, família e morte. Se ela tentaexplicar o que é inexplicável, resta ao leitor nãocompreendê-la, mas lembrá-la por algo quemais o impressionou em seus textos. Podeser a andorinha mensageira que invade o quar-

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to, o mar que metamorfoseia de acordo comos sentimentos humanos, a criança que con-ta histórias fantásticas e se diverte com omedo alheio. Se a vontade do escritor, segun-do Lygia Fagundes Teles, é a de se comuni-car com seu próximo, a do leitor é a solidarie-dade, “que me procura e me abraça.”

REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. “Os devaneios voltadospara a infância”. In: A poética do devaneio. SãoPaulo: Martins Fontes, 1996. p. 93-137.

_____. “A casa. Do porão ao sotão. O sentidoda cabana”. In: A poética do espaço. São Paulo:Martins Fontes, 1998. p. 23-53.

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PIGLIA, Ricardo. “Teses sobre o conto”. In: Olaboratório do escritor. São Paulo: Iluminuras,1994. p. 37-41.

TELLES, Lygia Fagundes. Invenção e memória.Rio de Janeiro: Rocco, 2000

_____. Durante aquele estranho chá: perdidose achados. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

_____. Invenções da memória. Suplemento Li-terário de Minas Gerais, Belo Horizonte, n° 73,p. 4-9, jul. 2001. Entrevista concedida a SuênioCampos de Lucena.

TODOROV, Tzvetan. Linguagem e literatura. In:As estruturas narrativas. São Paulo: Perspecti-va, 1970. p. 53-64 (Coleção Debates, 14)

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Novas reflexões sobre bioética e biotecnonologiaem face do direito fundamental à vida

Ana Thereza Meirelles Araújo1

RESUMO:

Trabalho destinado à análise das novas questões trazidas pela biotecnologia, interferentes nobem jurídico vida, à luz do direito constitucional. Avaliação das novas questões que envolvem ainterferência do homem e da ciência na vida, considerando a dignidade da pessoa humana.Análise da disciplina jurídica do embrião extracorpóreo, da antecipação terapêutica do parto emcaso de feto anencefálico e do prolongamento artificial da vida, tendo como vetor a sistemáticados direitos fundamentais.

1 INTRODUÇÃO

Contemporaneamente, a associação datecnologia às ciências biomédicas tem possi-bilitado novas conquistas e resultados que,sob o enfoque primordialmente terapêutico,representam avanços da ciência, em busca debenefícios à espécie humana. Essas inovaçõesbiocientíficas evidenciam uma nova visão so-bre as ciências da vida, na medida em quecriam uma realidade complexa, composta pelaemersão de conseqüências e questiona-mentos de ordens ética, moral e jurídica.

Tais transformações fomentaram, signifi-cativamente, a necessidade da responsabili-dade da própria ciência nos processos quepossam culminar na intervenção do começo

e término da vida, tendo em vista abrangeremquestões de ordem pessoal e filosófica a cer-ca da humanidade.

Dessa forma, a revolução científico-tecnológica trouxe para Biomedicina a insta-bilidade das novas descobertas, questionan-do, concomitantemente, os limites de tais

1 Mestranda em Direito Privado e Econômico pelaUniversidade Federal da Bahia. Pós-Graduanda emDireito do Estado pela Fundação Faculdade De Direitoda UFBA. Membro titular do Comitê de Ética emPesquisa do Hospital das Clínicas. Orientadora deMonografia dos cursos de pós-graduação do Juspodivm.Professora da disciplina Monografia II da FaculdadeMetropolitana de Camaçari. Primeira Colocada no IPrêmio “Professor Washington Luiz da Trindade”,edição de 2007, na categoria “Pós-Graduação”.

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transformações e a força de certos concei-tos e costumes tradicionais, de maneira queo posicionamento sobre a legitimidade e le-galidade dos atos nesta seara já não deveprescindir de uma análise e ponderação docaso concreto, pertencente a um contexto es-pecífico, sob a influência de novosparadigmas.

Partindo dessa perspectiva, não se podenegar a necessidade de uma compreensãoque se posicione face aos novos fenômenosda ciência, para que se possa legitimar deter-minadas práticas e refutar as que atentemcontra bens jurídicos que devem preponde-rar sobre possíveis e supervenientes benefí-cios científicos.

No cerne do desenvolvimento biocientífico-tecnológico, estão as indagações pertencen-tes ao campo da Bioética e naturalmente ine-rentes à sistemática dos direitos fundamen-tais constitucionalmente previstos. Ao confe-rir solução aos problemas de origembiomédica, a Bioética encontra alicerce nadogmática dos direitos fundamentais e na pre-servação da moldura principiológica da CartaMagna.

Dessa forma, qualquer ensaio que vise ana-lisar as disposições vigentes de ordem cons-titucional, implica na constatação de que aconstrução desse sistema teve como alicercea proteção da pessoa humana, enquanto ra-zão, sentido e finalidade da tutela para os de-mais direitos.

2 HOMEM, CIÊNCIA E BIOÉTICA

Não se pode negar que, desde os temposremotos de sua existência, a espécie humanabusca respostas para questões de naturezacosmo-principiológica, atinentes à fenomeno-logia da vida.

Na Idade Antiga, berço grego dos estudosfilosóficos, a estruturação da pólis culminounuma nova fase da civilização, visto que, me-diante o “conhecimento da razão”, o homempassou a desenvolver estudos sobre ciência,justiça e política.

Ao figurar nas relações sociais de modogeral, a razão passa a contribuir, fundamen-talmente, para a concretização de novo mo-mento histórico social, onde o homem come-ça a se ver como centro dos fenômenos douniverso e as descobertas e explicações cien-tíficas se processam consoantes a esse novoparadigma.

Caminhando nesse sentido, há de se regis-trar que esse novo momento histórico-evolutivo, onde se buscou produzir conheci-mento de forma obstinada, motivou a buscapelas respostas sobre as questões existen-ciais do homem, referentes a sua origem epermanência no universo. A razão passa ase firmar como o elemento que alimenta amotivação da existência humana, na medidaem que é capaz de propiciar à espécie umnovo sentido de percepção das coisas domundo, dos elementos da natureza e dos pro-cessos científicos.

O homem concede significado à sua pró-pria existência no mundo. O significado que ohomem oferece a si mesmo advém da suacapacidade racional de objetivar e construirtoda a realidade que o cerca. O conhecimentoproduzido pelo homem proporciona sempreum novo significado à sua existência; umaexistência que a todo momento se encontraem reconstrução.2

2 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitosfundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003,p.49.

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Na contramão da história evolutiva doracionalismo, ressalta-se o período medieval,cuja prevalência da cultura maniqueísta tinhacomo escopo afastar, progressivamente, ohomem da razão. A Igreja se incumbiu de ca-muflar o legado científico ensaiado na antigui-dade clássica, passando a pregar idéiasteocentristas, de sorte que, para questões denaturezas diversas, ao homem da Idade Mé-dia, restava o apego à doutrina canônica quelhe imputava a obrigatoriedade da fé e a con-denação das práticas científicas ‘por contra-porem a vontade de Deus’.

Simbolizando o retorno dos ideais clássi-cos, o humanismo renascentista traz a explo-são da capacidade racional do homem. Aoromper com as concepções filosófico-teoló-gicas medievais, o Renascimento resgata aimportância da razão, fato que culminará nacomposição de um panorama histórico futu-ro – o surgimento dos ideais iluministas e,posteriormente, da Revolução Científica.

Dessa maneira, o aperfeiçoamento da ciên-cia se apresenta como uma nova realidade con-temporânea. A razão e a objetividade, enquan-to combustíveis para o desenvolvimento, pos-sibilitaram o crescimento de todas as esferasdo conhecimento humano, propiciando novasvisões sobre os processos científicos.

Seguindo a trilha da história da humanida-de, surge a necessidade de especializar, cadavez mais, as áreas do conhecimento. As ne-cessidades sociais passam a reclamar asegmentação das descobertas científicas, fa-zendo com que todo e qualquer conhecimen-to passe a ser esquematizado e integre umadeterminada área, cujos assuntos sejaminterativos e específicos.

Assim, as áreas específicas que compõemas ciências da saúde, objeto de estudo da

Bioética e do Biodireito, ambos segmentoscientíficos que têm como escopo principal ainvestigação e limitação do comportamentohumano na seara da Biomedicina, tendo emvista a necessária preservação dos alicercesda Ética e do Direito, enquanto balizas indis-pensáveis à harmonia e pacificação social.

Em uma acepção mais ampla e original-mente proposto por Van Rensselaer Potter,biólogo e oncologista, na década de 70, o ter-mo bioética surgiu em decorrência da neces-sidade de disciplinar os problemas ambientaisligados às questões de saúde. Posteriormen-te, o fisiologista fetal holandês Andre Hellegerspassará a defender o uso do termo apenaspara as relações do homem com a as ciênci-as da vida e saúde.3 Nesse diapasão, a Bioéticasurge como um vetor de valores e princípiosde orientação das condutas humanas e funci-onará como um novo paradigma para condu-zir as relações do mundo contemporâneo.

Impende registrar que esse panoramamoderno tem como epicentro a fugacidade/transitoriedade do conhecimento científico.Para qualquer ramo da Ciência, principalmen-te para a Medicina, não se tem como engessardescobertas e conquistas, aprisionando ver-dades científicas como dogmas para os tem-pos vindouros. Não há como isentar os co-nhecimentos (mesmo que imputados até en-tão como verdades absolutas) dos efeitos daevolução da própria Ciência. E é sob essa pers-pectiva que incidirá a tutela da Bioética e doDireito, muitas vezes carente de acompanha-mento paralelo, tendo em vista a velocidadedo surgimento de novas conquistas científi-cas.

3 FABRIZ, Daury César. Op. Cit., 2003, p.73-74.

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3 CONSTITUIÇÃO E BIOÉTICA

As recentes descobertas na área das ciên-cias da saúde, enquanto realidade ascenden-te do mundo contemporâneo, não podemencontrar recepção no mundo jurídico, se nãose apresentarem consoantes à preservaçãodos direitos de natureza constitucional.

Ainda que colimada de importância singu-lar e posição de supremacia, a tutela constitu-cional dos direitos fundamentais não poderefutar a existência, inegável e natural, de umanova moldura de descobertas médico-cientí-ficas que, a cada dia, tende a contrapor direi-tos e bens jurídicos protegidos pelo Ordena-mento e, conseqüentemente, clamar pelo seuacompanhamento e adequada disciplina jurí-dica.

Diversas novas possibilidades, conquista-das pelo crescimento da biotecnologia e situ-adas no plano da Bioética, denotam indíciosdo conflito entre possíveis interesses de na-tureza privada, portanto atinentes à seara daautonomia dos indivíduos, versus a preser-vação de interesses públicos, cujo núcleo selocaliza na proteção dos direitos fundamen-tais.

3.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS EBIOTECNOLOGIA

Precipuamente, cumpre uma rápida e for-mal distinção entre direitos humanos e direi-tos fundamentais, expressões, muitas vezes,usadas pela doutrina moderna como sinôni-mas. A distinção reside, fundamentalmente,num ponto de caráter formal. Conforme en-tende o professor Ingo Wolfgang Sarlet4, en-quanto os direitos fundamentais se encontrampositivados e arrolados na Constituição decada Estado, o que evidencia uma perspecti-va de norma interna, os direitos humanos

encontram guarida nos tratados e declaraçõesinternacionais, onde se permite reconhecê-loscomo alicerce de uma tutela de caráter uni-versal.

Entretanto, é irrefutável que, sob o pontode vista material, direitos humanos e/ou fun-damentais guardam íntima relação, por teremcomo razão primordial o reconhecimento dovalor do homem, caminho proveniente do Di-reito Natural. Assim, pode-se extrair de umaanálise sobre o constitucionalismo moderno,a influência concreta do jusnaturalismo naconstrução dogmática da teoria dos direitosfundamentais.

Para compreender o conceito de direitosfundamentais, deve-se identificar a incidênciade vetores axiológicos, atentando para a evo-lução normal da sociedade e do Estado, semabandonar concepções jusnaturalistas que,originariamente, justificam a proteção epositivação de determinados direitos. Assim,é certo que o significado desses direitos pri-mordiais antecede a existência de qualquerOrdem Jurídica e seu aparecimento se con-funde com o surgimento do estado constitu-cionalista, que terá, como fundamento e limi-te de intervenção, o princípio da dignidade dapessoa humana.

Urge, nessa linha, discriminar as chama-das gerações ou dimensões desse direitos, afim de que seja alcançada a compreensãosobre seu conteúdo e extensão.

Os direitos de 1a geração ou dimensão têmligação estreita com os direitos naturais, per-tencem à seara individual e são traduzidos

4 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitosfundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre:Livraria do Advogado Ed., 2007, p.35-36.

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como “direitos negativos”, tendo em vista nãoconsistirem em prestação específica positivado Estado, como é o caso dos direitos à vida,à igualdade, à liberdade e à propriedade, quesão, muitas vezes, pressupostos para a exis-tência de outras proteções.

Os direitos sociais ou de 2a dimensão es-tão situados no plano da necessidade de atu-ação do Estado ou seja, a fim de garantir-lhesefetividade, o Poder Público deve agir, materi-alizando seu conteúdo. É o que compreendeda saúde, educação, trabalho e salário míni-mo, direitos cuja a prestação é passível de serexigida.

Os direitos coletivos ou difusos, de 3a di-mensão, estão voltados à garantias dos gru-pos de indivíduos. Tratam de direitos genéri-cos, que se referem a interesses coletivos,como a paz, a preservação do meio ambientee do patrimônio histórico e cultural e os direi-tos provenientes das relações de consumo.

Conforme entendimento do professor Pau-lo Bonavides5, pode-se registrar a possibili-dade de reconhecer a 4a geração ou dimen-são desses direitos, cujo fulcro reside naglobalização do interesse de sua tutela, expan-dido ao plano normativo internacional. É ocaso dos direitos à democracia e à informa-ção.

Nem mesmo os direitos fundamentais, quegozam de proteção e disciplina especiais, es-capam do enfrentamento de uma nova reali-dade social: a evolução desenfreada datecnologia e das ciências biomédicas. Nessecontexto, tais direitos são obrigados a convi-ver como que se pode chamar de um novoparadigma – os avanços na área daBiotecnologia e da Medicina – , que, de formagradativa, tendem a reclamar a pacificação decertos conceitos jurídicos, para que, conse-

qüentemente, seja sedimentada a conclusãodo que pode ser legitimado ou combatido.

Caberá à ciência jurídica encontrar o equi-líbrio ou o chamado “caminho do meio” entrea fenomenologia biotecnológica, que favore-ce as espécies, e a preservação, necessária eindispensável, do núcleo de bens jurídicos (eprincípios) que não podem ser dissociadosda existência do homem, como sua vida e dig-nidade, direitos fundamentais salvaguardadospelo olhar atento da tutela constitucional.

Em que pese os problemas tratados pelaBioética estarem no foco das indagações so-bre o direito à vida, portanto direito fundamen-tal de 1a dimensão, não se pode refutar a suaíntima relação com o direito à saúde, visto queas condutas na área da Biomedicina buscamo aperfeiçoamento das conquistas terapêuti-cas, no desenrolar dos processos científicos.

Sob esse prisma, sem prejuízo da evidenterelação da Bioética com o referido direito de2a dimensão, impende registrar sua estreitaligação com os demais direitos, como é o casoda qualidade de vida, que possui caráter cole-tivo e está situado na 3a dimensão.

3.1.1Direito à vida e princípio da Dignidadeda pessoa humana

Não se pode negar que a tentativa deconceituar o fenômeno vida agrega significa-tiva dificuldade, tendo em vista a impossibili-dade de considerá-la apenas sob o ponto devista biológico. Sua compreensão deve estarassociada a sua dimensão axiológica-filosófi-ca, conforme preleciona o bioeticista ElioSgreccia:

5 BONAVIDES, Paulo apud TAVARES, André Ramos.Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2007, p.431.

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A característica do vivente, sob o ponto devista filosófico, está no fato de ele ser capazde uma atividade que parte do sujeito viventee tende a aperfeiçoar o próprio sujeito: vida écapacidade de ação imanente. Deixamos delado o exame das características físicas, quí-micas e bioquímicas do ser vivo e examina-mos o problema do ponto de vista filosófico.O salto qualitativo e irredutível do fenômeno“vida” está, portanto, na capacidade real deum ser de ser causa e fim da própria ação:isto significa precisamente “ação imanente”.No primeiro degrau da vida, a vida vegetativa,ação imanente tem uma tríplice capacidade:nutrição, crescimento e reprodução. 6

Assim, não há como dissociar o homemda dimensão valorativa e filosófica que o tor-na vivo – a sua alma, essência e espírito. Logo,a ética e o Direito também não compreende-rão a vida a partir de uma limitação estrita-mente biológica.

Vida, no texto constitucional (art. 5o, caput),não será considerada apenas no seu sentidobiológico de incessante auto-atividade funci-onal, peculiar à matéria orgânica, mas na suaacepção biográfica mais compreensiva. Suariqueza significativa é de difícil apreensão por-que é algo dinâmico, que se transforma in-cessantemente sem perder sua própria iden-tidade. É mais um processo (processo vital),que se instaura com a concepção (ou germi-nação vegetal), transforma-se, progride, man-tendo sua identidade, até que muda de quali-dade, deixando de ser vida para ser morte.7

Pode-se entender que, ao assegurar ainviolabilidade do direito à vida, a Constitui-ção Federal, em seu artigo 5o, imputou ao re-ferido direito dois sentidos. O primeiro, o di-reito de permanecer existindo até que as cau-sas naturais interrompam sua continuidade.O segundo, o direito de percepção de uma

adequada qualidade de vida, por meio de po-líticas assistencialistas que visem educação,saúde, moradia e trabalho, por exemplo.

Enquanto o mais fundamental e razão pré-existente para os demais direitos constitucio-nais, o direito à vida enfrenta, de forma incisi-va, um questionamento principal – a determi-nação do seu termo inicial e final. A Constitui-ção garantiu a preservação desse direito, masnão determinou o exato momento em que seestaria diante do seu objeto de proteção – ofato vida.

As novas possibilidades da tecnologia,como a fertilização em laboratório e a manu-tenção artificial da vida, fizeram eclodir os pro-blemas oriundos dessa indefinição, o quemostra indícios proeminentes da necessida-de de refletir sobre o momento de começo etérmino da existência humana.

No foco das reflexões que visam construira tutela da vida do homem, conforme enten-de o professor de Ética Médica da Universida-de de Lisboa Daniel Serrão, no plano interna-cional, e mesmo no âmbito da normatividadeinterna, para analisar determinadas questõesbiomédicas, de ante mão, não se pode perderde vista a chamada pluralidade ética que

[...] pressupõe que não há valores nem juízosmorais que sejam universalmente aceitos portodos os cidadãos de um país ou por todosos Estados da Organização das Nações Uni-das. Os valores essenciais para a garantiada coesão social de um Estado democrático

6 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I- Fundamentose ética biomédica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola,2002, p.93.

7 SILVA, José Afonso da. Curso de DireitoConstitucional Positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo:Malheiros, 2006, p. 197.

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passam a ser normas jurídicas segundo a re-gra da maioria – seu cumprimento é obriga-tório e seu descumprimento, sancionado. To-dos os valores e juízos morais não contem-plados no ordenamento jurídico de um Esta-do de Direito Democrático estão aber tos àopção livre dos cidadãos, no quadro do quese chama relativismo cultural. Como não hácritérios objetivos para se poder afirmar queuma cultura é “melhor” que outra, ofundamentalismo cultural é inaceitável no pla-no ético. 8

Os questionamentos bioéticos que tocamo núcleo do direito à vida advêm de diferentespanoramas sócio-culturais, pertinentes aosdiversos Estados. As condutas na área daBiomedicina se manifestam consoante às con-cepções íntimas, individuais e culturais natu-ralmente impregnadas de coeficientes morale religioso, e só merecem a subsunção coer-citiva do Direito quando afrontam norma jurí-dica.

Sólo cuando el comportamiento coherente contales convicciones íntimas e internas es con-trario a una norma jurídica imperativa, surgeun enfrentamiento entre ambos, y esentonces también cuando la conciencia puedeverse constreñida a manifestarse externa-mente, como objeción de conciencia 9.

Assim, surge o problema da real extensãoda tutela do direito à vida. Enquanto normajurídica constitucional, não pode sofrer viola-ção pelas práticas científicas. No entanto, sa-lienta-se o registro de que essa própria nor-ma não identificou os termos de início e fimdo seu objeto de proteção e fez com que, deforma natural, os avanços da biotecnologia eda medicina expandissem os limites de atua-ção dos cientistas e/ou médicos nas suas áreasrespectivas.

O conceito de direito à vida está associadoao fundamento que, sobretudo, justifica suaproteção e supremacia – o princípio da digni-dade da pessoa humana.

Nesse diapasão, começa-se a perceber quea tutela almejada pela Constituição Federal de1988 não está adstrita a uma proteção bioló-gica, ilustrada pelo simples “respirar” do indi-víduo. A dignidade da pessoa humana, erigidaa fundamento do Estado, se apresenta comoum vetor de natureza axiológica que guia asistemática dos direitos fundamentais do ho-mem. Essa é a real perspectiva de proteçãodo referido bem jurídico que permite a refle-xão sobre o surgimento de uma nova termi-nologia - vida digna.

O conteúdo do princípio da dignidade, des-sa maneira, irradiará qualquer relação jurídi-ca, seja de natureza pública ou privada. O seupapel reside, essencialmente, na necessidadede observação da primazia dos valores ine-rentes à pessoa humana, enquanto razão fun-damental da Constituição e do Estado Demo-crático.

As recentes inovações da Medicina e dabiotecnologia que ensaiam tocar nas questõesinerentes ao direito fundamental à vida são: adestinação dos embriões extracorpóreos ex-cedentes ao processo de fertilização em labo-ratório, a interrupção da gravidez de fetoanencéfalico e a manutenção artificial da vidaou eutanásia.

8 SERRÃO, Daniel. O Estatuto do Embrião. RevistaBioética. V. 11, n.2, 2003. Disponível em: <www.portalmedico.org.br/revista/bio11v2.htm> .Acessoem: 04 abr. 2007, p. 109-116.

9 CASABONA, Carlos María Romeo. Libertad deConciencia y actividad biomédica. In: SÁ, Maria de FátimaFreire de (Coord.). Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey,2002, p.2-3.

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3.1.1.1 O embrião extracorpóreo

A fertilização in vitro é modalidade de repro-dução artificial que consiste na retirada de al-guns óvulos com o objetivo de associá-los aosespermatozóides, mediante manipulação emlaboratório. A quantidade dos óvulos e dosespermas a ser coletada deve refletir a inclusãodo risco do procedimento, pois não se teriacomo garantir que a associação de um óvulo aum espermatozóide configuraria a fecundação,nem que este único embrião possivelmenteobtido reuniria condições para implantação noútero ou resistiria perfeitamente às influênciasexternas. Ao final do processo, alguns dosembriões produzidos não serão implementadosno útero porque excederam o número reco-mendado para a transferência ou não reuniramcondições favoráveis para fins de reprodução(por não terem se desenvolvido normalmenteou possuírem alguma alteração genética emsua estrutura cromossô-mica). Assim, urgesolucionar o problema do destino dos embri-ões remanescentes passíveis de reproduçãoem outro momento ou inviáveis para finsreprodutivos, pela ausência de condições quepossibilitem uma gestação normal.

Diversas são as teorias que visam identifi-car o início da vida humana. Para a teoriaconcepcionista, o embrião (extracorpóreo ounão) merece o tratamento jurídico de pessoaporque a vida começa a partir da união do óvulocom o espermatozóide (instante da concepção).As teorias genético-desenvolvimen-tistascondicionam o início da vida ao aparecimentode fatores biológicos capazes de evidenciar aexistência da individualidade humana. Portan-to, não se pode falar em indivíduo enquantoinexistir diferenciação entre as células do em-brião, pois, nas etapas iniciais de seu desen-volvimento, não há caracteres capazes deindividuá-lo como pessoa. A teoria que trata oembrião como uma potencialidade de pessoaentende que a sua existência não configura a

imediata existência de uma pessoa, mas a ca-pacidade para se tornar tal. Assim, agrega osriscos e peculiaridades que evidenciam a reali-dade de um embrião in vitro, conferindo-lheautonomia e significado embrionários. 10

Sem prejuízo das teorias que tentam disci-plinar o começo da existência humana, parasolucionar a problemática dos embriõesextracorpóreos, insta reconhecer, novamente,o pluralismo e a diversidade que são inerentesà vida democrática.11 Referendar a pluralidade,como ponto de solução para algumas ques-tões que envolvem problemas da Bioética éuma face do Estado Democrático de Direito. Nãose deve dogmatizar concepções que perten-cem ao plano pessoal de cada um, sob penade vilipêndio ao princípio da dignidade e aopróprio sentido da democracia.

A lei 11.105/200512 validou esse panora-ma quando condicionou a consecução daspesquisas com células-tronco em embriões

1 0ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Ana TherezaMeirelles. Disciplina Jurídica da destinação do excedenteembrionário da reprodução assistida. Revista do Cursode Direito da UNIFACS, Salvador, v. 47, 2006, p.232.

1 1BARROSO, Luis Roberto. Gestação de fetosanencefálicos e pesquisas com células-tronco: Dois temasacerca da vida e da dignidade na Constituição. In:SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.).Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem aoprofessor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar,2006, p. 677.

1 2Dispõe o art. 5o da Lei 11.105/2005: Art. 5o É permitida,para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanosproduzidos for fertilização in vitro e não utilizados norespectivo procedimento, atendidas as seguintescondições: I – Sejam embriões inviáveis; ou II – Sejamembriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data depublicação desta Lei, ou que, já congelados na data dapublicação desta Lei, depois de completarem 3 (três)anos, contados a partir da data de congelamento. d1o Emqualquer caso, é necessário o consentimento dosgenitores. d 2o Instituições de pesquisa e serviços desaúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seusprojetos à apreciação e aprovação dos respectivoscomitês de ética e pesquisa.

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excedentes ao consentimento de seusgenitores. O embrião, enquanto ser potencialque é, revela também a potencialidade genéti-ca daqueles que o geraram e não parece terplausibilidade permitir a prática da fertilizaçãoartificial e imputar a quem a ela se submeta oônus de doar seu excedente embrionário paraa reprodução de outros casais. Resguardar oconsentimento dos pais para a destinação épermitir que eles decidam conforme seus va-lores pessoais.

Ademais, atenta-se para a oportuna e in-dispensável manifestação da lei no que tangeà práticas eticamente condenáveis por qual-quer Ordenamento Jurídico. A lei debiossegurança vetou a comercialização ounegociação onerosa de material biológico, aclonagem e a eugenia nas células germinativashumanas.

Analisando a disciplina normativa, vê-seque a Constituição Federal, em seu art. 5o,caput, assegurou a inviolabilidade do direito àvida, enquanto que o Código Civil trouxe onascimento como termo de início da perso-nalidade civil, atributo inerente a toda pessoahumana. O embrião em estágio pré-implantatório não é pessoa, haja vista não ternascido, nem é nascituro, porque prescindedo estado de implantado no útero.

À guisa de arremate, a disciplina trazida pelalei de biossegurança se manteve fiel ao prin-cípio da dignidade porque permitiu que osembriões fossem submetidos às pesquisascom células-tronco somente se mostraraminviáveis para fins de reprodução ou exceden-tes ao número recomendado à transferênciauterina. Observa-se que somente embriõesobtidos por fertilização artificial podem serdestinados às pesquisas, restando vedadaqualquer tentativa de produzi-los exclusiva-mente para esse fim.

3.1.1.2 A interrupção da gestação de fetoanencéfalico

É sabido que o Código Penal tipificou oaborto como um crime contra a vida, no en-tanto excluiu a punibilidade dos que forempraticados quando a gravidez foi decorrentede estupro (aborto terapêutico) ou quandonão houver outra forma de salvar a vida dagestante (aborto necessário). Em ambos oscasos, a legislação buscou, através de um juízovalorativo, proteger os bens jurídicos – vida esofrimento da gestante – em detrimento davida (ou potencialidade de vida) do embriãoou do feto. Assim, ponderou os interesses eos direitos envolvidos e assegurou a tuteladaquele que julgou merecer preponderância.

Cumpre o registro de que não se intentaquestionar o tratamento jurídico já conferidoao aborto, mas, substancialmente, analisar apossibilidade de interrupção da gestação deum feto acéfalo, à luz dos fundamentos queconcorreram para a supramencionada previ-são das excludentes de punibilidade associa-dos a outros fatores que podem justificar aantecipação do parto.

Sob o ponto de vista médico, a anencefaliaou ausência de cérebro pode ser definidacomo “a má-formação fetal congênita por de-feito do fechamento do tubo neural durante agestação, de modo que o feto não apresentaos hemisférios cerebrais e o córtex, havendoapenas resíduo do tronco encefálico”.13

1 3BEHRMAN, Richard E; KLIEGMAN, Robert M;JENSON, Hal B; Nelson apud BARROSO, LuisRoberto. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisascom células-tronco: Dois temas acerca da vida e dadignidade na Constituição. In: SARMENTO, Daniel;GALDINO, Flávio (orgs.). Direitos Fundamentais:Estudos em homenagem ao professor Ricardo LoboTorres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 671.

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Completa-se que os postulados da ciênciamédica refutam qualquer possibilidade tera-pêutica de reversão desse quadro, o que tor-na a morte o destino evidente dos fetos nestacondição. Acrescenta-se, ainda, que aanencefalia tem se mostrado perigosa para asaúde da gestante, tendo em vista a grandepossibilidade do óbito intra-uterino em fasede desenvolvimento já avançado.

Conforme discorrido anteriormente, a au-sência de consenso científico ou filosófico acerca do início da vida é questão de naturezaética e moral e pertence à seara pessoal dosindivíduos. Nesse sentido, o professor LuisRoberto Barroso:

Não se trata de pregar, naturalmente, umrelativismo moral, mas de reconhecer ainadequação do dogmatismo onde a vida de-mocrática exige pluralismo e diversidade. Emsituações como essa, o papel do Estado deveser o de assegurar o exercício da autonomiaprivada, de respeitar a valoração ética de cadaum, sem a imposição externa de condutasimperativas.[...]Relativamente à antecipação terapêutica doparto, oferece-se à gestante a faculdade denão levar a termo a gestação inviável.14

A decisão sobre a antecipação terapêuticado parto de fetos anencefálicos deve cingir-se à esfera da autonomia privada por não vio-lar norma jurídica vigente. A ausência de con-dições normais do feto anula o discurso so-bre a violação da sua vida, que, de fato, seapresenta, desde o começo, como inviável.Ademais, a exclusão da punibilidade dos abor-tos necessário e terapêutico já encerra a pos-tura do legislador que transferiu à autonomiaprivada a decisão sobre o destino do feto anô-malo. Na mesma linha, deve-se enquadrar agestação do feto que não apresenta nenhu-ma condição viável de vida.

Nesse contexto, não se pode perder de vis-ta o princípio da dignidade da pessoa huma-na, cujo conteúdo corresponde à proteção dosvalores e da integridade moral dos indivídu-os. Não parece legítima uma postura do Esta-do que impute à gestante o dever de comple-tar a gestação de um feto anômalo (que, no-toriamente, não agrega condições nenhumade vida) e submeter-se ao risco de uma gravi-dez dessa natureza. À luz da dignidade, as in-tegridades moral e física da gestante não de-vem ser ameaçadas ou violadas. Ainda noâmbito constitucional, registra-se que o con-flito de direitos ou bens jurídicos pode ser di-zimado pela aplicação dos princípios daproporcionalidade e razoabilidade, que, nocaso in voga, autorizariam a interrupçãogestacional.

3.1.1.3 A manutenção artificial da vida

Ao tratar do tema da eutanásia, porém lon-ge de esgotá-lo, é inevitável vinculá-lo ao prin-cípio da dignidade da pessoa humana, vistoque é a proeminente necessidade de manu-tenção da dignidade da vida que pode justifi-car a sua interrupção.

Para parte da doutrina, a eutanásia poderefutar a característica de indisponibilidade dodireito à vida, por ter como fundamento a pre-servação do direito à dignidade, consubstan-ciado pela salvaguarda dos valores e concep-ções individuais e filosóficas, refletidas pelomodo autônomo de compreensão dos indiví-duos sobre o sentido da existência humana.

Urge promover a delimitação conceitualsobre a eutanásia propriamente dita. Ela con-siste na provocação da morte do pacienteportador de doença incurável que padece de

1 4BARROSO, Luis Roberto. Op. Cit, 2006, p.677.

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intenso sofrimento e possui justificativa assen-tada em razões de ordens moral e pessoal,motivadas por sentimentos fortes de piedadee compaixão.

O Ordenamento Jurídico do Brasil nãorecepcionou a possibilidade de promoção daeutanásia, ao contrário, a análise da sistema-tização penal vigente faz emergir a conclusãode que a sua prática pode ser enquadradacomo crime de homicídio privilegiado, ondepoderá incidir causa de diminuição de pena,por ter o agente cometido o crime impelidopor motivo de relevante valor social ou mo-ral.15 No entanto, ainda sob o foco penal damatéria, é importante ressaltar a ausência detipificação específica para a referida conduta.

A possibilidade de promoção da eutanásiamerece for te reflexão no que tange à suavedação por norma jurídica, pois, à luz doprincípio da dignidade, está situada na searadas convicções morais, filosóficas, religiosase pessoais, inerentes ao pluralismo cultural dasociedade.

O livre desenvolvimento da personalidade hu-mana está intrinsecamente ligado à idéia deautonomia do sujeito, de âmbito de autode-terminação jurídica, pois, a liberdade é im-prescindível para a materialização dos direi-tos da personalidade, para o livre desenvolvi-mento da pessoa, para sua dignidade. É ne-cessário refletir sobre o grau de autonomiajurídica que a pessoa tem quanto ao proces-so de morte.[...]Deve-se compreender que a dignidade da pes-soa humana não é um conceito objetivo, ab-soluto, geral, possível de ser abstraído empadrões morais de conduta e a serem im-postos a todas as pessoas. 16

Nesse diapasão, volta-se ao cerne da mo-tivação principiológica da dignidade. As cir-cunstâncias que podem primar por uma mor-te digna evidenciam a necessidade de relevarvalores e concepções atinentes à autonomiaindividual que não devem ser menosprezadospelo Direito. Para cada caso concreto, há dese ponderar os motivos justificadores de umapossível interrupção da vida, que poderá en-contrar legitimidade se tiver como fulcro amanutenção da dignidade humana.

5 CONCLUSÃO

As recentes descobertas da biotecnologiacarecem do acompanhamento paralelo daBioética e do Direito por tocarem, muitas ve-zes, no núcleo de proteção de bens jurídicosde relevância superior, como a vida e a digni-dade humanas. Impende salientar que a inter-venção do Direito nesta seara não deve pres-cindir de uma precisa ponderação dos direi-tos que se mostrem conflitantes, tendo comoguia a salvaguarda do direito à vida e/ou dadignidade da pessoa humana.

Assim, não se extrai legitimidade das solu-ções que vilipendiem o liame traçado pelo prin-cípio da dignidade, quanto à destinação dosembriões excedentes ao processo de repro-dução artificial, à possibilidade de interrupçãoda gravidez de feto acéfalo e à consecução daeutanásia.

Motivado pelo princípio da dignidade dapessoa humana, o destino dos embriões re-manescentes à fertilização in vitro atrela-se à

1 5Assim dispõe o ä 1o do art. 121 do Código Penal.1 6BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia,

ortonásia e distanásia: breves considerações a partirdo biodireito brasileiro. Ano 10, n.871, 21 nov. 2005.Disponível em: < www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571>. Acesso em: 13 fev. 2007, p. 10.

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manifestação de seus genitores (passível derestrições se violar disposição normativa), quepodem optar por doá-los às pesquisas comcélulas-tronco. A possibilidade de interrom-per a gravidez de feto anencéfalico também édecisão que deve cingir-se à seara de autono-mia privada, tendo em vista a necessária pro-teção da integridade física, moral e psíquicados pais, correlata ao princípio supramen-cionado. Quanto à eutanásia, há de se salien-tar a necessidade de ponderação dos direitospossivelmente conflitantes no caso concreto,a fim de que não seja sobreposto o de maiorrelevância.

A praxe constitucional de ponderação deprincípios, direitos e interesses há sempre deser considerada quando se mostre tendenteum conflito ou colisão. As novas conquistasnas áreas biomédica e biotecnológica nãopodem se perder da bússola da dignidade, sobpena de carecerem da legítima razão que astornam bem-vindas – o benefício à espéciehumana.

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Performance de empresas socialmente responsáveis naBOVESPA: Aplicação da Análise de Cluster

Ailton Passos Ferreira1

RESUMO

Há uma tendência mundial de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis,sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos. A premissa fundamental para esta mu-dança é a concepção subjetiva de que empresas sustentáveis gerariam valor para o acionistano longo prazo, pois estariam mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais eambientais. Caso esta percepção seja verdadeira, espera-se que os investidores tenham umapredisposição maior de investir em empresas preocupadas com a responsabilidade social ecom a sustentabilidade empresarial. Este artigo busca testar se as empresas brasileiras,consideradas socialmente responsáveis, possuem retornos homogêneos e diferenciados naBOVESPA. Para tanto, utilizou-se a análise de cluster em 171 empresas, no período de 2000a 2006, das quais 24 foram identificadas como socialmente responsáveis, por comporem oÍndice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BOVESPA. O resultado revelou que as con-cepções dos investidores brasileiros, a respeito das ações de responsabilidade social, aindasão superficiais, pois, outros fatores – como performance dos setores econômicos – aindatêm o condão de influenciar, de forma mais significativa, as variações dos retornos de ações.No entanto, o período de 2002 a 2006 apresentou diferenças estatísticas significantes quantoàs variáveis analisadas.

Palavras-Chave Responsabilidade Social. Análise de cluster. Índice de Sustentabilidade Empre-sarial.

1 Economista, pós-graduado em Informática Avançada, MBA em Finanças e Mercado de capitais, Mestre emDesenvolvimento Humano e Responsabilidade social. Professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari, e-mail:[email protected]

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INTRODUÇÃO

A responsabilidade social, tal como estáfundamentada atualmente, transcende a es-fera assistencialista, englobando tambémações comunitárias mais amplas. Não se ad-mite, portanto, falar em responsabilidade so-cial dissociada, por exemplo, da educação, dasaúde, da habitação, da cultura, da seguran-ça, da defesa das minorias, da capacitaçãopara o emprego, da melhoria da qualidade devida e da preservação do meio ambiente. Ge-neraliza-se, portanto, a percepção que a su-peração dos grandes desafios na área socialpassa pela imperiosa participação do Estado,dos cidadãos, das empresas e das organiza-ções sociais civis ou não governamentais.

É importante perceber que certos valoresganharam grande pujança nesta atual conjun-tura. Um deles é a solidariedade. O novo con-ceito de responsabilidade social considera esseelemento na atuação de diversas entidades mo-vidas por ideários humanitários, filantrópicos evoluntários. Tornou-se senso comum o enten-dimento de que a sociedade não pode esperarque a ação dos governos resolva os proble-mas sociais que a afligem. (LIMA, 2002)

Lima (2002) afirma ainda que há uma con-vergência no reconhecimento da negligênciacom a cidadania e com o desempenho social,em razão da crise de tipologias de Estado “com as perspectivas de sua reformulação “ eda crise de governabilidade “ com a confusãodas esferas pública e privada.

Também é importante destacar o papelsocial da empresa neste novo cenário, mar-cado por novas demandas do mercado, influ-enciado por um público muito mais consci-ente, por investidores e consumidores maispreparados e por uma concorrência mais acir-rada.

Essas condições têm pressionado as or-ganizações para que atuem com mais quali-dade e transparência, demonstrando preocu-pação não só com os aspectos da modifica-ção patrimonial, mas também com o bem-es-tar social. As empresas, por sua vez, buscamcom esse ingrediente social obter ganhos deimagem corporativa com reflexos positivos emseus negócios, e assim o fazem.

Caso essa análise seja precisa, espera-seque investidores mais conscientes tenham apredisposição maior de investir em empresaspreocupadas com a responsabilidade social ecom a sustentabilidade empresarial. Inclusivehá uma tendência mundial neste aspecto, deinvestidores procurarem empresas socialmen-te responsáveis, sustentáveis e rentáveis paraaplicar seus recursos. (BOVESPA, 2007).

Considerando os aspectos anteriormentemencionados, este artigo espera responder aseguinte problemática: As empresas brasilei-ras, ditas socialmente responsáveis, têm ren-tabilidades homogêneas e diferenciadas nabolsa de valores de São Paulo?

Caso essa resposta seja afirmativa, confir-mar-se-á, no Brasil, a tendência mundial depriorizar investimentos em empresas preocu-padas com a sustentabilidade empresarial.

A percepção subjetiva individual deste au-tor indica que dada à mudança no perfil dosinvestidores mundiais, seus pares brasileirostambém devem estar seguindo essa mesmatendência, e, portanto, haverá uma forte rela-ção existente entre rentabilidade das ações eo fato da empresa ser ou não ser consideradasocialmente responsável.

Para tanto, será efetuada a análise de clusterpara confirmação ou rejeição dessa hipótese.A análise de cluster é uma técnica exploratória

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de análise multivariada, que permite agruparsujeitos em grupos homogêneos ou compac-tos relativamente a uma ou mais característi-cas comuns. Cada observação pertencente aum determinado grupo é similar a todas asoutras pertencentes a esse grupo, e é dife-rente das observações pertencentes aos ou-tros grupos.

A idéia subjacente é que as empresas con-sideradas socialmente responsáveis tenderãoa ficar no mesmo grupo e serão estatistica-mente diferentes dos outros grupos analisa-dos.

1. RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESA-RIAL E MARKETING SOCIETÁRIO

A responsabilidade social corporativa, deacordo com Tenório (2007, pg. 45): “surgecom a mudança de valores propostos pelasociedade pós-industrial: a valorização do serhumano, o respeito ao meio ambiente, a bus-ca de uma sociedade mais justa e uma orga-nização empresarial de múltiplos objetivos”.

Dessa forma, questões como obter efici-ência e lucratividade com a preservação daimagem e reputação da companhia passarama integrar os próprios objetivos estratégicosda empresa. Sobrevivência num mundo ex-tremamente competitivo é o lema da vez. Nes-sa perspectiva então, torna-se necessária aagregação de valor social ao negócio, alémda redefinição dos objetivos de marketing daempresa.

Na verdade, neste novo cenário, as empre-sas se vêem pressionadas a proteger sua ima-gem, mediante a justificação de sua missãosocial perante uma variedade de agentes por-tadores de interesses ou interventores poten-ciais em relação a elas – são os stakeholders.Tenório (2007, pg. 46)

Esse ânimo de prestação de contas, insta-lado no seio das organizações, amplia a no-ção de responsabilidade social.

Nesta linha, Lima (2002) declara:

Na esteira desse fenômeno, as empresascomeçaram a se preocupar com medidas denatureza social e com a prestação de contasrelativa ao alcance dessas providências, en-tendendo que a melhor forma de fazer isto,seria demonstrar numa abordagemsocioeconômica o que elas devolviam à so-ciedade em troca pelo que dela extraíam.

É importante ressaltar que a percepção, porparte do empresariado brasileiro, da impor-tância da responsabilidade social para o ne-gócio está crescendo e pode ser demonstra-da pelo resultado de pesquisa realizada peloInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(IPEA, 2007) feita entre 2000 e 2004, nasempresas privadas brasileiras que realizamações sociais em benefício das comunidades.Os resultados finais mostraram um aumentosignificativo no período analisado: a partici-pação empresarial na área social subiu de 59%para 69%. Assim, são 600 mil as empresasque atuam voluntariamente. Só em 2004 fo-ram aplicados R$ 4,7 bilhões em ações soci-ais - isso equivale a 0,27% do PIB nacionaldaquele ano.

Veja como Kotler e Armstrong (1994, p.35),provoca uma nova postura empresarial, quan-do afirma:

O afluente não apenas polui a terra: ele lite-ralmente a consome. Cada vez mais, o con-sumidor individual está conscientizando-se deque suas satisfações a cur to prazo, comoconsumidor, estão em conflito com seus in-teresses a longo prazo como cidadão.

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E ainda nesta linha, Kotler e Armstrong(1994, pg. 11), conceitua:

O conceito de marketing societário sustentaque a organização deve determinar as neces-sidades, desejos e interesses dos mercados-alvo e então proporcionar aos clientes umvalor superior, de forma a manter ou melhoraro bem-estar do cliente e da sociedade.

Fica evidente então, que este conceito ques-tiona se o conceito tradicional de marketing éadequado a uma época com problemasambientais, escassez de recursos naturais,crescimento populacional, problemas econô-micos, miséria e fome, pois amplia a visão domundo relacional da empresa e passa a pon-derar o interesse social, como outro fator aser considerado na condução do negócio.

1.1. MARKETING SOCIAL VERSUSMARKETING TRADICIONAL

Já em 1984, Kotler (1984) aponta diferen-ças básicas entre o marketing, na sua con-cepção clássica, orientado apenas para osnegócios, e o marketing social. Estas diferen-ças ainda são atuais. A partir da sua análise épossível fazer algumas inferências, segundolima (2002):

a) Na sua concepção tradicional, omarketing busca solucionar as necessidadese demandas identificadas no mercado-alvo; omarketing societário inclui a tentativa de mo-dificar as atitudes ou o comportamento domercado-alvo e mercado adjacente;

b) no marketing tradicional o objetivo éobter lucro por intermédio do atendimento aosinteresses do mercado-alvo ou da sociedade;o marketing societário procura servir aos in-teresses do mercado-alvo ou da sociedade,obtendo o lucro por conseqüência;

c) o marketing de negócio oferece os pro-dutos e serviços “por intermédio de veículosde idéias”; o marketing social leva as idéias,em lugar dos produtos ou serviços.

Na concepção de Pringle e Thompson(2000, pg. 3), o marketing societário pode seranalisado, também, pelo que ele representasob o ponto de vista da empresa, e nessaperspectiva, pode ser definido como:

Uma ferramenta estratégica que associa umaempresa ou marca a uma questão ou causasocial relevante, em benefício mútuo. Essaligação pode ocorrer por força da atuação di-reta da empresa em benefício da causa, oupor meio de uma aliança estratégica com umaorganização voluntária ou beneficente com-prometida com a área de interesse socialdefinida pela empresa.

1.2. A BOVESPA E A RESPONSABILIDADESOCIAL

Segundo a BOVESPA (2007) há algunsanos iniciou-se uma tendência mundial de in-vestidores procurarem empresas socialmen-te responsáveis, sustentáveis e rentáveis paraaplicar seus recursos. Essas aplicações, de-nominadas “investimentos socialmente res-ponsáveis” (SRI), consideram que empresassustentáveis geram valor para o acionista nolongo prazo, pois estão mais preparadas paraenfrentar riscos econômicos, sociais eambientais. Essa demanda veio se fortalecen-do ao longo do tempo e hoje é amplamenteatendida por vários instrumentos financeirosno mercado internacional.

No Brasil, essa tendência já teve início e háexpectativa de que ela cresça e se consoliderapidamente. Atentas a isso, a Bovespa, emconjunto com várias instituições – ABRAPP,ANBID, APIMEC, IBGC, IFC, Instituto ETHOS e

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Ministério do Meio Ambiente – decidiram uniresforços para criar um índice de ações queseja um referencial (“benchmark”) para os in-vestimentos socialmente responsáveis, o ISE– Índice de Sustentabilidade Empresarial.(BOVESPA, 2007).

O ISE - Índice de Sustentabilidade Empresari-al é um índice que mede o retorno total deuma carteira teórica composta por ações deempresas com reconhecido comprometimen-to com a responsabilidade social e asustentabilidade empresarial (no máximo 40).Tais ações são selecionadas entre as maisnegociadas na BOVESPA em termos deliquidez, e são ponderadas na car teira pelovalor das ações disponíveis à negociação.(BOVESPA, 2007)

2. TÉCNICAS MULTIVARIADAS DEINTERDEPENDÊNCIA

Diferentemente das técnicas de dependên-cia – análise de regressão múltipla e análisediscriminante múltipla – que possibilitam aopesquisador avaliar as relações entre variáveisdependentes e um conjunto de variáveis in-dependentes. As técnicas de interdepen-dência, em vez de lidar com cada objeto indi-vidualmente, parte do pressuposto que é pos-sível caracterizar, classificar e categorizar osobjetos dentro de grupos, separados da pers-pectiva de dependência entre as variáveis.

Hair, Anderson, Tathan e Black (2005, pg.379) afirmam: “sabemos que a maioria daspopulações tem subgrupos que compartilhamcaracterísticas gerais”. Ainda nessa linha de-clara:

Comerciantes procuram mercados-alvo degrupos diferenciados de consumidores ho-mogêneos, estrategistas procuram grupos de

empresas semelhantes para identificar ele-mentos estratégicos comuns e criadores demodelos financeiros procuram títulos comprincípios semelhantes para criar carteiras deação. (HAIR, ANDERSON, TATHAM E BLACK,2005, PG 380)

Existem 3 (três) técnicas de interdepen-dência segundo Hair, Anderson, Tathan eBlack (2005):

1. A Análise fatorial;2. A análise de Conglomerados (cluster);3. Escalonamento Multidimensional.

Este artigo se propõe a analisar apenas oitem 2 (Análise de cluster).

2.1. ANÁLISE DE CLUSTER OUCONGLOMERADOS

A principal finalidade desta técnica é agre-gar objetos com base nas características queelas possuem, ou seja, é a possibilidade en-tão de combinar itens (por exemplo, indivídu-os, marcas, lojas) em grupos de forma queos elementos em cada grupo sejam semelhan-tes entre si e diferentes dos elementos dosoutros. A idéia é maximizar a homogeneidadede objetos dentro de grupos, ao mesmo tem-po em que maximiza a heterogeneidade entregrupos como preconiza Hair, Babin, Money eSamouel ( 2005, pg. 400).

A definição da variável estatística feita pelopesquisador é uma questão central e por quenão dizer, um passo crítico na análise, pois,como defende Hair, Anderson, Tathan e Black(2005, pg. 384) “a análise de agrupamentosé a única técnica multivariada que não estimaa variável estatística empiricamente, mas, aoinvés disso, usa a variável como especificadapelo pesquisador” e ainda conceitua:

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A variável estatística de agrupamento é oconjunto de variáveis que representam as ca-racterísticas usadas para comparar objetos naanálise de agrupamentos. Como a variávelestatística de agrupamentos inclui apenas asvariáveis usadas para comparar objetos, eladetermina o “caráter” dos objetos. (HAIR,ANDERSON, TATHAM E BLACK, 2005, PG 384)

2.2. FUNCIONAMENTO DA ANÁLISE DEAGRUPAMENTOS

Na visão de Hair, Babin, Money e Samouel(2005, pg. 402), a análise de conglomeradosenvolve três fases distintas: A primeira dividea amostra em subgrupos menores; a segun-da verifica se os grupos são estatisticamentediferentes e teoricamente significativos e a ter-ceira fase faz o perfil dos conglomerados des-crevendo as características de cada um.

Sabendo que o objetivo da análise de agru-pamentos é definir a estrutura de dados colo-cando as observações mais parecidas em gru-pos, faz-se necessário definir como isso seráfeito, para tanto três questões precisam serabordadas, como questiona Hair, Anderson,Tathan e Black (2005, pg. 385):

1. Como medir a similaridade?2. Como os agrupamentos serão forma-

dos?3. Quantos grupos serão formados?

2.2.1 Como Medir Similaridade

Diversos métodos são possíveis, comopreceitua Hair, Anderson, Tathan e Black(2005, pg. 385), “incluindo a correlação en-tre objetos, uma medida de associação usadaem outras técnicas multivariadas, ou talvezuma medida de sua proximidade em um es-paço bidimensional tal que a distância entreas observações indique similaridade”

No entanto, seguindo a orientação dos re-feridos autores, para este artigo, será usada amedida de acordo com a distância euclidiana(segmento de linha reta) entre cada par deobservações, sabendo que menores distân-cias indicam maior similaridade.

2.2.2 Como os Agrupamentos SerãoFormados

Independentemente como a similaridade émedida, faz-se necessário agrupar as obser-vações que são mais similares em um agru-pamento, este procedimento determina apertinência a grupo de cada observação, as-sim afirma Hair, Anderson, Tathan e Black(2005, PG 385), apesar das muitas propostasexistentes, todas elas podem ser classificadasem dois tipos: hierárquicas e não-hierárqui-cas, segundo Hair, Babin, Money e Samouel(2005, pg. 403) “Ambos os tipos tentammaximizar as diferenças (distâncias) entre con-glomerados em relação à variação dentro de-les”

2.2.2.1 Conglomerado Hierárquico

Segundo Hair, Babin, Money e Samouel(2005, pg. 403):

Um procedimento de conglomerado hierárqui-co desenvolve uma hierarquia ou um modeloem formato de árvore. Isso pode ser feito uti-lizando-se uma abordagem construtiva ouuma abordagem divisória. A abordagem cons-trutiva, também chamada aglomerativa, ini-cia com todos os objetos (respondentes)como conglomerados separados e os com-bina um de cada vez até que haja apenas umconglomerado representando todos os obje-tos. A abordagem divisória inicia com todosos objetos como um único conglomerado eentão retira um objeto de cada vez até que

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cada objeto esteja em um conglomerado se-parado.

Vários métodos ainda são possíveis paracálculo de conglomerados aglomerativos, aexemplo de: ligação entre grupos, ligação den-tro do grupo, vizinho mais próximo, vizinhomais distante e Ward, que segundo Hair, Babin,Money e Samouel (2005, pg. 403): “cada umadessas opções calcula as distâncias entre con-glomerados de maneira diferente”

2.2.2.2. Conglomerado Não-Hierárquico

São chamados de conglomerados K-means e diferentemente do conglomerado hi-erárquico, não envolvem o processo em for-ma de árvore. Em vez disso, um ou mais ele-mentos são selecionados, e objetos dentro deuma distância pré-especificada são conside-rados como pertencentes a um determinadoconglomerado.

Apesar desse tipo de conglomerado apre-sentar algumas vantagens, como por exem-plo, a possibilidade de alguns objetos seremremovidos para outro conglomerado forma-do na seqüência, o que não é possível no con-glomerado hierárquico, a falta de um métodoobjetivo, teoricamente baseado, para identifi-car os elementos iniciais do conglomerado,torna este procedimento não tão utilizadocomo o hierárquico, assim define Hair, Babin,Money e Samouel (2005, pg. 404)

Para este trabalho será utilizado o procedi-mento hierárquico, com a abordagemaglomerativa, usando o método Ward, hajavista o fato de este método ser mais populare, segundo Hair, Babin, Money e Samouel(2005, pg. 403): “tende a resultar em conglo-merados com aproximadamente o mesmonúmero de objetos”

2.2.3. Quantos Grupos Serão Formados

De acordo com Hair, Babin, Money eSamouel (2005, pg. 404-405) o pesquisadorpode saber com antecedência que deseja dois,três ou algum outro número de conglomera-dos. Ou mesmo considerações teóricas é quevão definir este número. É importante salien-tar que as variâncias de erro são reduzidas àmedida que se passa de um número menorde conglomerados para um número maior, noentanto, quando se passa de dois conglome-rados para três, quatro e assim por diante, asvariâncias de erro continuam a cair, mas nãotão rapidamente.

Para os autores, um número menor deconglomerados é fácil de avaliar, por isso re-comendam a execução de até quatro conglo-merados, selecionando aquele que for maislógico e o que mais estreitamente atingir osobjetivos da pesquisa.

2.3. VALIDAÇÃO DOS RESULTADOS

2.3.1. Análise de Variância (ANOVA)

Segundo Hair, Babin, Money e Samouel(2005, pg. 297-299) A ANOVA é usada paraavaliar as diferenças estatísticas entre as mé-dias de dois ou mais grupos. Este termo querdizer Análise de Variância. É um teste de mé-dias para duas populações ou mais. A hipóte-se nula é de que as médias são iguais.

2.3.2. Análise de Variância Multivariada(MANOVA)

A MANOVA é bastante semelhante àANOVA. Hair, Babin, Money e Samouel (2005,pg. 305) afirmam que a diferença reside nofato de que em vez de uma variável depen-dente métrica, a técnica pode examinar duasou mais. O Objetivo é o mesmo: enquanto a

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ANOVA examina diferenças em uma única va-riável dependente métrica, a MANOVA exami-na diferença de grupos com diversas variá-veis dependentes métricas ao mesmo tempo.A hipótese nula é de que as médias das diver-sas variáveis dependentes são as mesmasentre grupos.

3. ESTUDOS ANTERIORES USANDOANÁLISE DE CLUSTERS

Sanvicente e Minardi (1999) aplicaram ométodo de análise de clusters para classifica-ção de empresas em um sistema de ratings.Mediante uma amostra de 92 empresas comações negociadas na Bovespa, dentre as quais,46 foram negociadas como concordatárias noperíodo de 1986 a 1998. Classificou-as emsete níveis crescentes de risco, que vão doAAA ao CCC, sendo o primeiro representan-do a melhor qualidade de crédito. Os autoresconsideraram como satisfatórios os resulta-dos obtidos, embora não sejam concordan-tes, a descrição e a tabela apresentadas noartigo. Conseguiram classificar como CCC,nível mais baixo de crédito, apenas 59,3% dasconcordatárias, no ano de ocorrência daconcordata, sendo que para o ano anterior aoevento, o percentual cai para 41,6%.

Chaves (2005) analisou os diferenciais derendimentos dos trabalhadores da indústriade transformação da Região Metropolitana dePorto Alegre, no ano de 2002, consoante ospostulados da Teoria do Capital Humano e daTeoria da Segmentação. Utilizando-se dadosindividuais da Pesquisa de Emprego e Desem-prego (PED) na Região, foram agrupados ra-mos industriais em dois segmentos, atravésda Análise de Cluster, considerando caracte-rísticas comuns utilizadas na determinação derendimentos. Os resultados obtidos sugeremque é possível encontrar evidências desegmentação no mercado de trabalho da in-dústria de transformação da região.

Oro et al (2005) verificaram o nível deevidenciação de governança corporativa nosRelatórios de Administração de companhiasabertas no Brasil. A metodologia utilizada con-sistiu de pesquisa descritiva, do tipo levanta-mento ou survey, com análise de clusters. Pormeio do estudo realizado no Relatório da Ad-ministração das 45 companhias abertas bra-sileiras, par ticipantes do Nível 1 e 2 deGovernança Corporativa e do Novo Mercadoda Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA),constataram que as mesmas apresentam ní-veis relativamente baixos de evidenciação degovernança corporativa, mas que há um au-mento no ano de 2004 em relação ao período2002-2003.

4. METODOLOGIA

O estudo desenvolvido partiu de uma cren-ça subjetiva e intuitiva que as empresas, ditassocialmente responsáveis, apresentam de-sempenhos com um alto grau dehomogeneidade na bolsa de valores de SãoPaulo. Para tanto, as seguintes hipóteses fo-ram testadas:

H0 = Inexistência de relação entre retornoe o fato da empresa ser ou não ser social-mente responsável;H1 = Existe relação entre retorno e o fato daempresa ser socialmente responsável.

A fim de ratificação dos testes paramétricos,foi testada a variável “setor da economia”. Aidéia subjacente era averiguar se, além do fatoda empresa ser socialmente responsável, aperformance do setor econômico em que aempresa está inserida seria uma variável quemelhor explicaria a variação da rentabilidadedas ações analisadas.

Para tanto, testou-se as seguintes hipóteses:

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H0 = Inexistência de relação entre retornoe setor da economia;H1 = Existe relação entre retorno e setor daeconomia.

Para a análise multivariada de dados, Utili-zou-se o software estatístico Statistical Packagefor the Social Sciences (SPSS) 15.0. Utilizou-se o procedimento hierárquico, com a aborda-gem aglomerativa, usando o método Ward, commensuração Euclidiana ao quadrado.

Para a análise dos dados utilizou-se a aná-lise de variância (ANOVA).

4.1. AMOSTRA E COLETA DE DADOS

Foram selecionadas 171 (cento e setenta euma) empresas de diversos setores da eco-nomia do Brasil, no período de dezembro de2000 a dezembro de 2006, que apresentaramdados diferentes de nulo na variável “cotaçãode fechamento” da ação, em períodos trimes-trais, de acordo com a base do Economá-tica®.

Das 171 empresas selecionadas, 24 (vintee quatro) foram identificadas como socialmen-te responsáveis. Foi usado como parâmetrode seleção o fato destas empresas compo-rem a carteira teórica do ISE, relacionadas nositio da BOVESPA.

TABELA 1: Lista de Empresas SelecionadasComo Socialmente Responsável

EMPRESA SETOR ECON

Acesita Siderur_&_MetalurAracruz Papel_e_CeluloseArcelor_BR Siderur_&_MetalurBradesco Financas_e_SegurosBrasil Financas_e_SegurosBraskem QuimicaCelesc Energia_EletricaCelulose_Irani Papel_e_Celulose

EMPRESA SETOR ECON

Cemig Energia_EletricaCoelce Energia_EletricaCopel Energia_EletricaDixie_Toga OutrosEmbraer Veiculos_e_pecasGerdau Siderur_&_MetalurGerdau_Met Siderur_&_MetalurIochp-Maxion Veiculos_e_pecasPerdigão Alimentos_e_BebPetrobras Petroleo_e_GasSabesp OutrosSanepar OutrosSuzano_Papel Papel_e_CeluloseTractebel Energia_EletricaUltrapar QuimicaUnibanco Financas_e_Seguros

Fonte: Desenvolvida pelo autor

Foi aplicado o critério da ação mais líquida,para o caso em que a empresa tenha duas oumais classes de ações negociadas. Todos osvalores foram ajustados pela inflação.

Para o cálculo dos retornos totais de cadaação, foi usada a função logarítimica natural,a fim de proporcionar maior aderência dosretornos à distribuição normal e, portanto, darmaior validade aos testes paramétricos a se-rem usados. Para tanto, usou-se a Equação:

Rit = LN[(Pit + Dit) ÷ Pit-1] – 1

Onde:Rit é o retorno total da ação i, no dia t;Pit é cotação de fechamento da ação i, no

dia tDit é o dividendo da ação i pago no dia t;Pit-1 é cotação de fechamento da ação i,

no dia t-1.

4.2. RESULTADOS ENCONTRADOS

Os testes foram efetuados considerandocinco períodos distintos:

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1. Dez de 2000 a Dez de 2006;2. Dez de 2000 a Dez de 2003;3. Jan de 2004 a Dez de 2006;4. Jan de 2003 a Dez de 2006;5. Jan de 2002 a Dez de 2006.

Foi avaliado, no primeiro momento, todo operíodo referenciado no item 1. No entanto,considerando o baixo volume de negociaçãoexistente ainda no Brasil e, na opinião desteautor, considerando ainda a percepção super-ficial dos atuais investidores brasileiros, no quetange as ações de responsabilidade social, foifeito um corte no final do ano de 2003, paraverificar se houve divergência significativaentre os períodos 2 e 3.. Depois foi avaliado o

período de 2003 a 2006 (item 4). Por último,verificou-se o período de 2002 a 2006.

Em todos os períodos analisados foramexecutados até quatro clusters, conforme ori-entação de Hair, Babin, Money e Samouel(2005, pg. 405).

Para determinar se as médias das variá-veis são significativamente diferentes, execu-tou-se uma ANOVA. A hipótese nula é a deque não há diferença nas médias dos grupos.

Vide abaixo tabela que evidencia a posiçãodas 24 empresas socialmente responsáveisnos cluster analisados.

Período Qtde de cluster Resultado OBS

1 02 24 empresas-cluster 1 100%1 03 16 empresas-cluster 2 (66,66%)

08 empresas cluster 1 (33,33%)1 04 Idem Anterior Idem Anterior2 02 24 empresas-cluster 1 100%2 03 24 empresas-cluster 1 100%2 04 24 empresas-cluster 1 100%3 02 12 empresas-cluster 1 50%

12 empresas-cluster 2 50%3 03 Idem Anterior Idem Anterior3 04 Idem Anterior Idem Anterior4 02 14 empresas-cluster 1

10 empresas-cluster 2 59,33%41,66%4 03 Idem Anterior Idem Anterior4 04 Idem Anterior Idem Anterior5 02 24 empresas-cluster 1 100%5 03 Idem Anterior Idem Anterior5 04 3 empresas –cluster 2 12%

21 empresas- cluster 1 88%

Fonte: Desenvolvida pelo autor

Tabela 2: Resultados Alcançados por Quantidade de Cluster

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O período 1 (dez de 2000 a dez de 2006)não apresentou diferenças a par tir de 3clusters. Das 24 empresas socialmente res-ponsáveis, 16 empresas ficaram no cluster 2e 8 empresas ficaram no cluster 1.

No período 2 (dez de 2000 a dez de2003), todas 24 empresas ficaram no cluster1, independente do número de cluster anali-sados.

No período 3 (jan de 2004 a dez de 2006),12 empresas ficaram no cluster 1 e 12 em-presas ficaram no cluster 2, independente donúmero de cluster analisados.

No período 4 (jan de 2003 a dez de 2006),14 empresas ficaram no cluster 1 e 10 em-presas ficaram no cluster 2, também indepen-dente do número de cluster analisados.

No período 5 (jan de 2002 a dez de 2006),as 24 empresas ficaram no cluster 1 com até3 clusters sendo analisados. Com 4 clusters,apenas 3 empresas ficaram no cluster 2 e as21 empresas restantes continuaram nocluster 1.

4.2.1. Análise Utilizando a ANOVA

A primeira coluna, das tabelas abaixo re-presentadas, trás os seguintes indicadoresutilizados na análise: RS para o indicador “Res-ponsabilidade Social” e Setor para o indica-dor “Setor da Economia”.

A última coluna (sig.) refere-se ao nível designificância (p-value) dos testes avaliados. Éuma mensuração estatística que visa definir, nes-te caso, se os grupos avaliados são estatistica-mente diferentes entre si. A idéia da análise decluster é maximizar a homogeneidade de obje-tos dentro de grupos, ao mesmo tempo em quemaximiza a heterogeneidade entre grupos.

O objetivo é verificar então se as empresasditas socialmente responsáveis tenderão a fi-car no mesmo cluster e, ao mesmo tempo,serão estatisticamente diferentes dos outrosgrupos formados.

Por tanto, p-value encontrado abaixo de0,05 indica que os grupos analisados sãoestatisticamente heterogêneos, caso contrá-rio, p-value acima de 0,05, indica exatamenteo contrário: não se pode afirma que os gru-pos são estatisticamente diferentes entre si.

Período 1 –”2 cluster”

Tabela 3: ANOVA 2000 a 2006

Sum of MeanSquares Df Square F Sig.

RS Between Groups ,497 1 ,497 4,175 ,043Within Groups 20,134 169 ,119Total 20,632 170

Setor Between Groups 73,416 1 73,416 2,920 ,089Within Groups 4248,491 169 25,139Total 4321,906 170

Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)

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Verifica-se que até dois clusters há diferença estatística entre os grupos quanto a “RS”(Responsabilidade Social) - P-value abaixo de 0,05, no entanto, quando se executam quatroclusters, essa situação se altera e não se pode mais afirmar que há diferença estatística entreos grupos analisados (0,201), na verdade, apenas a variável “Setor” apresentou significânciano teste realizado com 4 cluster.

Período 2 – “4 cluster”Tabela 5: ANOVA 2000 a 2003

Sum of MeanSquares Df Square F Sig.

RS Between Groups ,604 3 ,201 1,679 ,174Within Groups 20,028 167 ,120Total 20,632 170

Setor Between Groups 194,066 3 64,689 2,617 ,05Within Groups 4127,840 167 24,718Total 4321,906 170

Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)

Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (ResponsabilidadeSocial) (0,174), na verdade, somente a variável “Setor” apresentou p-value igual a 0,05.

Período 3 – “4 cluster”Tabela 6: ANOVA 2004 a 2006

Sum of MeanSquares Df Square F Sig.

RS Between Groups ,502 3 ,167 1,387 ,248Within Groups 20,130 167 ,121Total 20,632 170

Setor Between Groups 347,448 3 115,816 4,866 ,003Within Groups 3974,458 167 23,799Total 4321,906 170

Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)

Período 1 – “4 cluster”Tabela 4: ANOVA 2000 a 2006

Sum of MeanSquares Df Square F Sig.

RS Between Groups ,563 3 ,188 1,561 ,201Within Groups 20,069 167 ,120Total 20,632 170

Setor Between Groups 295,332 3 98,444 4,083 ,008Within Groups 4026,575 167 24,111Total 4321,906 170

Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

119TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (ResponsabilidadeSocial) – (0,248). Apenas a variável “setor” apresentou nível de significância abaixo de 0,05.

Período 4 – “4 cluster”Tabela 7: ANOVA 2003 a 2006

Sum of MeanSquares Df Square F Sig.

RS Between Groups ,760 3 ,253 2,130 ,098Within Groups 19,871 167 ,119Total 20,632 170

Setor Between Groups 224,974 \3 74,991 3,057 ,030Within Groups 4096,933 167 24,533Total 4321,906 170

Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)

Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (ResponsabilidadeSocial) – (0,098). Mais uma vez, apenas a variável “Setor” apresentou nível de significânciaabaixo de 0,05.

Período 5 – “4 cluster”Tabela 7: ANOVA 2002 a 2006

Sum of MeanSquares Df Square F Sig.

RS Between Groups 1,192 3 ,397 3,412 ,019Within Groups 19,440 167 ,116Total 20,632 170

Setor Between Groups 237,906 3 79,302 3,243 ,024Within Groups 4084,000 167 24,455Total 4321,906 170

Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)

Verifica-se que há diferença estatística entre os grupos tanto para a “RS” (ResponsabilidadeSocial) quanto para o setor econômico - p-value abaixo de 0,05.

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC120

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da tendência mundial de investido-res procurarem empresas socialmente respon-sáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicarseus recursos, o Brasil ainda caminha maislento neste processo.

A análise de cluster indicou inclusive que operíodo analisado interfere sensivelmente noresultado dos parâmetros avaliados. Pode-seinferir, então, que as concepções dos investi-dores brasileiros a respeito das ações de res-ponsabilidade social, ainda são superficiais,revelando que outros fatores – comoperformance dos setores econômicos – ain-da têm o condão de influenciar mais significa-tivamente as variações dos retornos de ações.

No entanto, o período de 2002 a 2006 im-pressiona, pois os grupos avaliados apresen-taram diferenças estatísticas significantesquanto às variáveis analisadas, tanto respon-sabilidade social, como setor econômico. Nes-te caso rejeita-se a hipótese nula, que supu-nha inexistência de relação entre as variáveise o retorno das ações. Isso ocorre tambémpara o período de 2000 a 2006 (2 cluster)quanto à variável responsabilidade social.

Em todos os outros períodos analisadosrejeita-se a hipótese nula apenas quanto àvariável “Setor da Economia”, não podendofazê-lo quanto à variável “RS” (Responsabili-dade Social), confirmando que fatores eco-nômicos ainda têm um peso significativo noprocesso de decisão dos investidores.

Uma gama gigantesca de possibilidades depesquisa surge a partir de então: análises deretornos mensais ou mesmo diários poderi-am trazer nova luz sobre esse problema; aná-lise comparativa da performance (antes e de-pois) das empresas agora ditas socialmente

responsáveis; utilização de análisesdiscriminantes entre outras.

Considerando que a diversificação é a me-lhor opção para reduzir o risco. Uma utiliza-ção, deveras importantes, para o uso da téc-nica de análise de cluster seria a possibilidadede formação de carteiras para investidorescom pouco volume de recursos. O investimen-to se concentraria nas empresas centróidesde cada grupo.

6. REFERÊNCIAS

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CHAVES, André Luiz Leite. Diferenciais dos Ren-dimentos do Trabalho na Indústria de Transfor-mação da Região Metropolitana de Porto Ale-gre: linearidade ou dualidade no mercado de tra-balho?. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/eeg> acesso em: 27abr 2007;

HAIR JR, Joseph F; BABIN, Barry; MONEY, ArthurH; SAMOUEL, Philip. Fundamentos de Métodosde Pesquisa em Administração. Por to alegre:Bookman, 2005

HAIR JR, joseph F.; ANDERSON, Rolph E.;TATHAN, Ronald L.; BLACK, William. AnáliseMultivariada de Dados. 5ª. Edição. Porto ale-gre: Bookman, 2005

KOTLER, Philip& ARMSTRONG, Gary. Princípi-os de Marketing. São Paulo: Prentice Hall doBrasil,1994;

KOTLER, Philip.Marketing para organizaçõesque não visam o lucro. São Paulo: Atlas,1984.

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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008

121TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.Responsabilidade social - Prática tem cresci-do. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/default.jsp> Acesso em: 15 abr 2007

LIMA, Edinício de Oliveira. Associação do Balan-ço Social e o Marketing Social: Implicações naComunicação da Organização Não Governamen-tal. Disponível em: <http://www.unb.br/cca/pos-g r a d u a c a o / m e s t r a d o / d i s s e r t a c o e s /mest_dissert_011.pdf> Acesso em: 25 abr 2007;

PRINGLE, Hamish & THOMPSON, Marjorie.Marketing Social: Marketing para Causas Soci-

ais e a Construção das Marcas. MAKRON Books,2000

SANVICENTE, Antônio Zoratto; MINARDI, AndreaMaria A. F. Migração de risco de crédito de em-presas brasileiras: uma aplicação de análise declusters na área de crédito. FinanceLab WorkingPaper – FLWP, n. 10, 1999. Disponível em: <http://www.risktech.com.br/PDFs/migração.pdf>Acesso em 27 abr 2007;

TENÓRIO, Fernando Guilherme. Responsabilida-de Social Empresarial: Teoria e Prática. 2. ed.Rev. E Ampl. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006

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