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ASPECTOS CONTROVERTIDOS DO DIREITO DE IMAGEM E
DIREITO DE ARENA DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL1
Mauro Schiavi2
DO DIREITO DE IMAGEM
Ensinam Carlos Alberto Bittar e Carlos Alberto Bittar
Filho3:
“Já se colocaram dúvidas sobre a existência dos
direitos da personalidade, superadas pela evolução da doutrina. Não se aceitava
direito da pessoa sobre si mesma (o ser como objeto de direito), que poderia
justificar, como se argumentava, as práticas suicidas, em evidente confusão entre
uso e abuso de direito. Mas admite-se ora a existência dos direitos em tela, para
salvaguarda de prerrogativas próprias e ínsitas na natureza humana, submetendo-
as a controles do Direito à vida, a honra, a intimidade, a imagem e outras”.
Os direitos da personalidade são direitos que
decorrem da proteção da dignidade da pessoa humana e estão intimamente
ligados à própria condição humana. Embora a violação a esses direitos possa ter
repercussões patrimoniais, são direitos que se distinguem dos direitos
patrimoniais, porque estão ligados à pessoa humana de maneira perpétua.
O artigo 11 do Código Civil de 2002 diz que os
direitos da personalidade são intransmisíveis e irrenunciáveis, não podendo seu
exercício sofrer limitação voluntária. Não obstante, a doutrina aponta outras
peculiaridades dos direitos da personalidade. São elas: INATOS: São outorgados
a todas as pessoas pelo simples fato de existirem. Acompanham a pessoa desde
seu nascimento até sua morte. O cônjuge sobrevivente pode exigir a cessação da
lesão ao direito da personalidade (parágrafo único do artigo 12, do CC);
1 Reflexões apresentadas no 1º Seminário de Direito Desportivo de Campinas, realizado no Careca Sport Center em 01/06/2007 no Painel: Direito de Imagem e Direito de Arena.2 Juiz do Trabalho na 2ª Região. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor Universitário. Autor dos livros: A Revelia no Direito Processual do Trabalho; Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho, ambos publicados pela Editora LTr.3 Direito Civil na Constitucional, 3ª Edição, São Paulo, RT, 2003, pág. 47.
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ABSOLUTOS: Constituem obrigações de não fazer. São oponíveis “erga
omnes”. EXTRAPATRIMONIALIDADE: Há a ausência de um conteúdo
patrimonial, aferível objetivamente, ainda que a sua lesão gere um conteúdo
econômico. Alguns desses direitos podem ingressar no comércio jurídico como o
direito patrimonial autoral. Segundo o artigo 27 da lei 9610/98, os direitos morais
do autor são inalienáveis e irrenunciáveis. INDISPONÍVEIS: a indisponibilidade
significa que nem por vontade própria do indivíduo o direito pode mudar de
titular, o que faz com que os direitos da personalidade sejam alçados a um
patamar diferenciado dentro dos direitos privados. A expressão abarca tanto a:
a)intransmissibilidade: impossibilidade de modificação subjetiva, gratuita ou
onerosa – inalienabilidade e a b)irrenunciabilidade: impossibilidade de
reconhecimento jurídico da manifestação volitiva de abandono do direito. O
direito à imagem pode ser cedido4. IMPRESCRITIVEIS: Não existem prazo para
serem exercido Também não se extinguem pelo não uso. Entretanto, eventuais
reparações pecuniárias das violações desses direitos prescrevem.
IMPENHORÁVEIS: INEXPROPRIAVÉIS: expropriação é gênero do qual
arrematação e adjudicação são espécies. Não há a possibilidade de penhora.
Entretanto os créditos da cessão do direito à imagem podem ser penhorados.
Os direitos da personalidade tutelam a pessoa, tanto
no seu aspecto corporal, interior e exterior. Podemos exemplificar a)aspecto
corporal: corpo, nome, voz; b)interior: intimidade, privacidade, honra subjetiva e
objetiva; b)exterior: imagem, reputação e também seus feixes de papéis
institucionalizados (Tércio Sampaio Ferraz Júnior) que representa na Sociedade.
Neste último aspecto, há a tutela da imagem social da pessoa, ou seja, como ela é
vista pela sociedade5.
O artigo 5º, X, da CF6 tutela a proteção do direito à
imagem. Também no artigo 20 do Código Civil há previsão de tutela desse
direito. Aduz o citado artigo: “Salvo se autorizada, ou se necessárias à
4 GAGLIANO PABLO; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Volume III, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1545 SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 49.6 Artigo 5º, X, da CF: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
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administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de
escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da
imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo
da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou
respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”
Manifestando-se sobre o direito à imagem, ensina
Carlos Alberto Bittar7:
“Consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua
forma plástica e respectivos componentes, distintos (rosto, olhos, perfil, busto)
que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação
física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a
identifica no meio social. Por outras palavras, é o vinculo que une uma pessoa à
sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em parte significativas (como
boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadores da pessoa)”.
Conforme Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano
Nunes8, “o direito à imagem possui duas variações. De um lado, deve ser
entendido como o direito relativo à produção gráfica (retrato, desenho, fotografia,
filmagem etc.) da figura humana. De outro lado, porém, a imagem assume a
característica do conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos
pelo conjunto social. Chamemos a primeira de imagem-retrato e a segunda de
imagem atributo”.
Conforme as ponderações do professores David
Araújo e Serrano Nunes, a imagem se subdivide em: imagem retrato: que é o
aspecto físico da pessoa, como o todo ou em partes separadas do corpo; imagem-
atributo: que corresponde à exteriorização dos caracteres do indivíduo, ou seja, a
forma como ele é visto socialmente.
Para Maria Helena Diniz, “o direito à imagem é o de
não ver sua efígie exposta em público ou mercantilizada sem seu consenso e o de
7 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, Rio de Janeiro, Forense, 2ª Edição, 1995, pág. 87.8 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, 10ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2006, pág. 155.
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não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano à
reputação”.
Para alguns, diante da previsão expressa do artigo 5º,
X, da CF, dano à imagem é uma categoria autônoma de dano. Nesse sentido,
posicionam-se Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery9: “ O texto
não deixa dúvida quanto à categoria do dano à imagem, distinta do dano
material e moral. É possível, portanto, cumular-se dano material, moral e à
imagem derivados do mesmo fato (STJ 37). Como a norma não impõe limitações
à indenização por dano moral, nem remete seu regulamento para a lei, nesse caso
ela é ilimitada (STF- RT 740/205)”.
DO DIREITO DE ARENA E DA CESSÃO DO
DIREITO DE IMAGEM DO ATLETA PROFISISONAL – ASPECTOS
CONTROVERTIDOS
O direito de imagem embora faça parte dos direitos da
personalidade, pode ser objeto de cessão e exploração comercial. Sem
autorização, não se pode utilizar a imagem de uma pessoa.
Nas competições esportivas, a imagem do atleta nos
jogos pode ser utilizada mesmo sem a sua anuência, pois é inerente ao exercício
desta profissão o atleta estar em contato com o público, pois sua atividade é
equiparada ao trabalho artístico.
A Constituição no artigo 5º, inciso XXVIII, letra a,
assegura o direito de arena. Dispõe o referido dispositivo legal: “são assegurados,
nos termos da lei: a)a proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.
A Constituição Federal disciplina o chamado direito
de arena como forma de proteção da imagem do atleta e também retribuição
pecuniária pela sua utilização.
9 Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo: RT, 2006,pág. 129.
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Ensina Domingos Zainaghi10: “arena é palavra que
significa areia. O termo é usado nos meios esportivos, tendo em vista que, na
antiguidade, no local onde os gladiadores se enfrentavam, entre si ou como
animais ferozes, o piso era coberto de areia”.
Doutrina e jurisprudência de forma majoritária têm
entendido que o valor pago a título de direito de arena integra a remuneração do
empregado e se equipara às gorjetas, pois esse valor é pago por terceiros e não
diretamente pelo empregador. Outros entendem que o valor pago a título do
direito de arena não tem feição salarial, se aproximando da natureza jurídica de
participação nos lucros11.
No nosso sentir, a importância paga a título do direito
de arena decorre da utilização da imagem do atleta na sua atividade principal, que
se dá durante a partida de futebol. Embora não seja paga pelo empregador, é
devida em razão do contrato de trabalho e da prestação pessoal de serviços do
atleta. Por isso, acreditamos que a natureza jurídica seja de gorjeta12.
O direito de explorar a imagem do atleta profissional
pode ser cedido ao Clube empregador por meio de cláusula constante do contrato
de trabalho, ou por meio de um contrato de natureza civil.
Discute-se tanto na doutrina como na jurisprudência
qual a natureza jurídica do contrato em que o atleta cede a exploração de sua
imagem ao Clube empregador.
A imagem de determinado atleta muitas vezes
propicia ao clube de futebol fonte de lucro na venda de camisas, álbuns de
figurinhas, bolas e até mesmo maior arrecadação nos jogos.
Autores há que consideram o direito de imagem como
constante do salário do atleta. Efetivamente, se constar como cláusula integrante
10 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os atletas Profissionais de Futebol no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p.145.11 Nesse sentido, destaca-se a seguinte ementa: “Atleta profissional. Não tem natureza salarial a retribuição econômica, a cargo das emissoras de televisão, resultante da cessão a elas, pelo Atleta Profissional, através do empregador, o uso de uso de sua imagem”. TRT – 3ª Região – RO 8879/01 1ª T. – Rel. Juiz Maurílio Brasil. DOE 31.08.0112 Nos termos do artigo 42 da Lei 9.615/98, o direito de arena pertence às entidades desportivas que repassam uma porcentagem aos jogadores. Se a exibição das imagens das partidas for gratuita, o atleta nada receberá pela transmissão de sua imagem, uma vez que exerce atividade pública, e é inerente à sua profissão estar em contato com o público.
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do próprio contrato de trabalho, a cessão do direito de imagem do atleta ao clube
empregador terá natureza salarial em razão da força atrativa do salário. Mas e se
for firmado um contrato autônomo de cessão da imagem do atleta ao clube
empregador? Parte da doutrina tem considerado que este contrato é, na verdade,
um verdadeiro salário.
Nesse sentido, destacamos a visão de Sávio
Domingos Zainaghi13:
“Mas, e o tal ‘Contrato de Direito de Imagem’, tão
propalado na mídia?Que contrato é esse se já existe o direito de arena a
remunerar a imagem do atlela? O valor pago como direito de arena tem natureza
jurídica remuneratória, uma vez sua similitude com as gorjetas, já que é pago por
terceiros. Já com o contrato de direito de imagem é diferente, pois neste, quem
remunera é o atleta é o próprio clube empregador. A cessão do direito de
imagem, só existe em virtude da profissão de atleta, isto, é, os clubes celebram
com o jogador (uma pessoa jurídica por este constituída), um contrato pelo qual
irão ‘trabalhar’ a imagem do atleta, ou seja, vão divulgá-la, inclusive ligando-a à
venda de produtos. Ora, se o ferido contrato é celebrado entre clube e atleta em
virtude da relação de trabalho, parece-nos evidente a fraude e conseqüente
nulidade de tais pactos (...)Não temos qualquer dúvida de que o pagamento
efetuado em razão do direito de imagem tem natureza jurídica salarial.
Outros consideram que o contrato de cessão de
imagem tem natureza civil, não se confundindo com o contrato de trabalho, uma
vez que o direito de imagem do atleta é autônomo, não se inserindo no contrato
de trabalho.
Nesse sentido é a posição de Álvaro Mello Filho14:
“Com vista a dissipar qualquer dúvida, lembre-se que
o contrato de cessão de direito do uso de imagem, por ser autônomo, paralelo e
inconfundível com o contrato desportivo, comporta a prevista de sua própria
cláusula pena, jungia aos limites do artigo 920 do Código Civil(...)”.
13ZAINAGHI, Sávio Domingos. Nova Legislação Desportiva. Aspectos Trabalhistas. 2ª Edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 36.14 MELO FILHO, Álvaro. Novo Regime Jurídico do Desporto. Brasília Jurídica, 2001, p. 125.
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A questão é complexa, pois o direito de imagem tem
natureza distinta das obrigações das partes inerentes ao contrato de trabalho, vez
que integra um direito da personalidade do atleta e pode ser cedido. Não há
contraprestação laboral por parte do atleta ao ceder a utilização de sua imagem ao
empregador. Desse modo, como pode um contrato de cessão de imagem ter
natureza salarial?
Salário é a contraprestação devida ao empregado paga
diretamente pelo empregador em razão da prestação de serviços. Nos termos do
artigo 457, da CLT: “compreendem-se na remuneração do empregado, para todos
os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador,
como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.
Na definição clássica de José Martins Catharino15,
salário é contraprestação devida a quem põe seu esforço pessoal à disposição
de outrem em virtude do vínculo jurídico de trabalho, contratual ou instituído.
Diante dos conceitos acima mencionados, a cessão do
direito de imagem não se confunde com o salário. Mas é bem verdade que se não
há o contrato de trabalho, também não há o contrato de cessão de imagem.
De outro lado, há muitos casos em que os clubes com
a anuência dos atletas pactuam o pagamento de salários por meio de contrato de
cessão de imagem em nome de pessoa jurídica que pertence ao jogador para
desvirtuar o caráter salarial da parcela e se exoneram tanto o empregador com o
empregado dos encargos sociais e fiscais dessa parcela.
Nesse sentido, destacamos as seguintes ementas:
Atleta profissional. Futebol. Natureza jurídica do
contrato de publicidade ou imagem. Fraude à lei na hipótese sub judice.
Responsabilidade solidária do clube cedente, pelos débitos trabalhistas, em caso
de empréstimo do atleta para outra agremiação. Rescisão indireta do contrato
de emprego. Ausência de direito por parte do jogador à cláusula penal prevista
no parte final, do caput, do art. 28, da Lei Pelé. n. 9.615/98 (1ª VT de Santos,
Processo 189/02, Juiz Wildner Izzi Pancheri, 28.02.06)16.
15 CATHARINO, José Martins. Tratado Jurídico do Salário. São Paulo: LTr, 1997, p. 90.16 In Revista Trimestral de Jurisprudência do TRT da 2ª Região n. 31/02. São Paulo: LTr, 2002, p. 233.
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Contrato de trabalho (em geral). Atleta profissional.
Contrato de imagem – tal contrato existe tão somente em decorrência do
contrato de trabalho do reclamante e também em razão da fama do autor no
cenário do futebol demonstrando com isto que realmente esses contratos nada
mais são do que subterfúgios das partes para se verem livres de encargos
trabalhista, previdenciários e fiscais. Ao pactuarem tais contratos as partes
comodamente não pagam tributos ao fisco, à previdência e nem ao FGTS, nada
obstante a nítida natureza salarial que compõem o contrato de imagem – art. 9º,
da CLT (12ª VT de São Paulo, Processo n. 321/02, Juiz Glener Pimenta Stroppa,
06.3.02)17.
Acreditamos, salvo os casos de fraude, que é possível
o contrato de cessão de imagem conviver com o contrato de trabalho do atleta
profissional, como um contrato acessório de natureza civil18, desde que tal
contrato tenha destinação específica e real, como por exemplo: as vendas de
camisas do time, figurinhas, comerciais de televisão, etc, e em valores razoáveis
e não sirva para mascarar o pagamento de salários. Além disso, como a imagem
é um direito personalíssimo do atleta, o contrato de cessão da exploração de sua
imagem tem que ser realizado com o próprio atleta e não com pessoa jurídica
pertencente ao atleta. Outrossim, tal contrato deve ser pactuado por prazo
determinado, assim como é o contrato de trabalho do jogador de futebol à luz da
lei 9615/9819.
Desse modo, em compasso com os requisitos acima
fixados, o contrato de cessão de imagem tem natureza civil, autônoma e acessório
ao contrato de trabalho, e o pagamento pela utilização da imagem do atleta, salvo
hipótese de fraude, não se confunde com o salário.
17 In Revista Trimestral de Jurisprudência do TRT da 2ª Região n. 29/02. São Paulo: LTr, 2002, p. 276.18 É consenso na doutrina trabalhista que o contrato de trabalho pode conviver com contratos acessórios de natureza civil.19 Ao contrário do que pensam alguns, as controvérsias que envolvem o contrato de imagem são da competência material da Justiça do Trabalho, pois são oriundas da relação de trabalho, vale dizer: se não houvesse a relação de trabalho, não haveria o contrato de cessão de imagem.
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