cadernos de debates tributários i - aspectos controvertidos do ctn, 2010

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7/18/2019 Cadernos de Debates Tributários I - Aspectos Controvertidos do CTN, 2010

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D TT: A CTN

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 Adriano Pilatti Alexandre Freitas Câmara Alexandre Morais da Rosa Aury Lopes Jr.

Cezar Roberto BitencourtCristiano Chaves de FariasCarlos Eduardo Adriano JapiassúCláudio CarneiroCristiano RodriguesDaniel SarmentoElpídio DonizettiEmerson GarciaFauzi Hassan ChoukrFelippe Borring Rocha

Conselho Editorial

Firly Nascimento FilhoFrederico Price GrechiGeraldo L. M. PradoGustavo Sénéchal de Goffredo

Helena Elias PintoJean Carlos FernandesJoão Carlos SoutoJoão Marcelo de Lima Assafm

José dos Santos Carvalho FilhoLúcio Antônio Chamon JuniorLuigi BonizzatoLuis Carlos AlcoforadoManoel Messias PeixinhoMarcellus Polastri Lima

Marco Aurélio Bezerra de MeloMarcos ChutMarcos Juruena Villela SoutoMônica Gusmão

Nelson RosenvaldNilo BatistaPaulo de Bessa AntunesPaulo RangelRicardo LodiRodrigo KlippelSalo de CarvalhoSérgio André RochaSidney Guerra

 Álvaro Mayrink da Costa Amilton Bueno de Carvalho Andreya Mendes de AlmeidaScherer Navarro Antonio Carlos Martins Soares Artur de Brito Gueiros SouzaCaio de Oliveira Lima

Conselho Consultivo

Cesar FloresFirly Nascimento FilhoFlávia Lages de CastroFrancisco de Assis M. TavaresGisele CittadinoHumberto Dalla Bernardina dePinho

João Theotonio Mendes de Almeida Jr.Ricardo Máximo Gomes FerrazSergio Demoro HamiltonTársis Nametala Sarlo Jorge Victor Gameiro Drummond

Rio de JaneiroCentro – Rua da Assembléia, 10 Loja G/Hcep 20011-000 – CentroRio de Janeiro - RJTel. (21) 2531-2199 Fax 2242-1148Barra – Avenida das Américas, 4200 Loja EUniversidade Estácio de SáCampus Tom Jobim – cep 22630-011Barra da Tijuca – Rio de Janeiro - RJTel. (21) 2432-2548 / 3150-1980São PauloRua Correia Vasques, 48 – CEP: 04038-010 Vila Clementino - São Paulo - SP

Telefax (11) 5908-0240 / 5081-7772BrasíliaSCLS quadra, 402 bloco D - Loja 09cep 70236-540 - Asa Sul - Brasília - DFTel. (61)3225-8569

Minas GeraisRua Araguari, 359 - sala 53cep 30190-110 – Barro PretoBelo Horizonte - MGTel. (31) 3292-6371BahiaRua Dr. José Peroba, 349 – Sls 505/506cep 41770-235 - Costa AzulSalvador - BA - Tel. (71) 3341-3646Rio Grande do SulRua Padre Chagas, 66 - loja 06Moinhos de Vento - Porto Alegre - RSCEP: 90570-080 - Tel. (51) 3211-0700

Espírito SantoRua Constante Sodré, 322 – TérreoCEP: 29055-420 – Santa Lúcia Vitória - ES.Tel.: (27) 3235-8628 / 3225-1659

www.lumenjuris.com.br

EditoresJoão de Almeida

João Luiz da Silva Almeida

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B L K O C G F L

D M G

E J T F F G G BH T T

I M J M

 J M DM L GS A R

organizadores

C

D TT: A CTN

Editora Lumen JurisRio de Janeiro

2010

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Copyright © 2010 Livraria e Editora Lumen Juris Ltda

Produção EditorialLivraria e Editora Lumen Juris Ltda.

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquermeio ou processo, inclusive quanto às características

grácas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais

constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895,de 17/12/1980), sujeitando-se à busca e apreensão eindenizações diversas (Lei nº 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados àLivraria e Editora Lumen Juris Ltda.

RevisãoFormas Consultoria & Editoração Ltda.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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S

A

S I

Creatividad en la Investigación Jurídica: Un Modelo Aplicado al DerechoFinanciero y Tributario

Pedro M. Herrera

S A

Posibilidades y Límites de las Tasas Ambientales Especial Referencia a lasTasas por la Prestación de Servicios en las Normativas Española y Brasileña

 Marcus Lívio Gomes

S P

Reorganização Societária Internacional à luz dos novos modelos deBusiness Combination e suas repercussões tributárias

Heleno Taveira Torres

S T

O Código Tributário Nacional, a Constituição e asContribuições Parascais

 José Marcos Domingues

Análise da Constitucionalidade do Artigo 98 do CTN Após a Decisão doRE nº 229.096-0

Sergio André Rocha

O Locatário como Contribuinte do IPTU: Crítica ao EntendimentoTradicional do STJ

 André Antonio Araújo de Medeiros

A Violação ao CTN com a Cobrança de Débitos Fiscais Apuradossem Prévia Conrmação da Autoridade Fiscal. AnáliseTécnica da Jurisprudência do STJ

Gustavo Brechbühler

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A Inconstitucionalidade do Artigo 166 do CTNRodrigo de Carvalho Vieira

A Limitação de Responsabilidade do Sócio, o Sistema Jurídicoe os Tribunais

Gilberto Baptista Martins

A Retenção na Fonte Aplicada ao Imposto Sobre a RendaFernando A. Werneck Ramos

Anistia, Remissão e os Princípios da Moralidade, da Igualdade e daProteção da Conança. Uma Sugestão de Alteração do CTN

Daniel Hora do Paço

O art. 164 do Código Tributário Nacional e o Pagamento porConsignação de Tributos Mutuamente Excludentes

Carlos Adolfo T. Duarte Marcelo Valença Ramos

Transação em Matéria TributáriaLuiz André Nunes de Oliveira

Aplicabilidade do Art. 14 do CTN às Contribuições Sociais para aSeguridade Social

Eduardo da Rocha Schmidt

Os Impostos no Código Tributário NacionalIves Gandra da Silva Martins

O Código Tributário Nacional e a Tributação dos ConsórciosFernando Osorio

Da Tributação dos Lucros Apurados por Empresas Controladas ouColigadas Situadas no Exterior – a Inconstitucionalidade do Art. 43,§ 2º, do CTN, Acrescentado pela LC nº 104/01 e do Art. 74 da MedidaProvisória nº 2.158/2001

Gustavo AmaralLyvia de Moura Amaral

O Conteúdo Patrimonial da Obrigação Acessória e o Equívoco deClassicá-la como Dever Instrumental

Leonardo Mussi da Silva.

Sujeição Passiva: Principais Aspectos da Responsabilidade Tributária e daSubstituição Tributária

 André Luiz Andrade dos Santos

O Código Tributário Nacional em uma Perspectiva CríticaRenato Lopes Becho

O CTN e a Mudança na Interpretação da Lei TributáriaGabriel Lacerda Troianelli

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Em Busca de um Sentido para os Artigos 107 A 112 do CTNno Pós-Positivismo

Daniel Mariz Gudiño

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, suas Decisões e aRelação com o Artigo 100 do Código Tributário Nacional

Emmanuel Biar de Souza

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A

Prezado Leitor,

O Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro – GDT Rio, a Comissãode Direito Tributário da Escola da Magistratura do Tribunal Regional da 2ªRegião – EMARF e o Núcleo de Estudos em Finanças Públicas, Tributação eDesenvolvimento da Faculdade de Direito da UERJ têm a honra de apresentaro primeiro volume dos Cadernos de Debates Tributários, periódico coordenadopelas instituições subscritoras desta apresentação.

A obra terá edição semestral e sua nalidade primeira é agregaros principais operadores do Direito Tributário no Brasil. Por isto, houve apreocupação de integrar articulistas que representam todos os seguimentos doDireito Tributário nacional, como magistrados, advogados e procuradores daFazenda Nacional, Estadual e Municipal, de forma que a revista represente umpensamento dialético.

A revista foi dividida em quatro seções: internacional, temática,acadêmica e prossional. A primeira seção – internacional – será destinada aartigos sobre o direito tributário internacional, escritos por autores nacionaise estrangeiros. A seção temática será dedicada exclusivamente a determinadoassunto denido a cada volume pelo Conselho Editorial. Já a seção acadêmica conterá resumos de monograas de conclusão de cursos de graduação,dissertações de mestrado e teses de doutorado que tiverem destaque emsuas avaliações e forem recomendadas pelos integrantes da respectiva bancaexaminadora. Por m, na seção prossional  serão publicados pareceres edecisões judiciais com relevância na temática tributária.

A obra terá uma tiragem semestral aproximada de 2.000 exemplares eterá a Lumen Júris como editora. As instituições coordenadoras darão todo oapoio administrativo ao projeto, por meio dos emails [email protected] [email protected].

O Conselho Editorial cará a cargo de Breno Ladeira Kingma Orlando,Carlos Guilherme Francovich Lugones, Daniel Mariz Gudiño, Ernesto JohannesTrouw , Fábio Fraga Gonçalves, Gustavo Brechbühler, Heleno Taveira Torres,Igor Muniz, Janssen Murayama, José Marcos Domingues, Marcus Lívio Gomese Sergio André Rocha.

A obra terá um Conselho de Articulistas Permanentes, integrado pordestacados operadores do Direito Tributário. Foram convidados a participar osseguintes juristas: Agostinho Tavolaro, Alberto Nogueira, Aldemario de AraújoCastro, Alejandro Altamirano, Ana Cláudia Akie Utumi, André Martins de

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Andrade, André de Souza Carvalho, André Gomes de Oliveira, Andrea Veloso,Antônio Henrique Correa da Silva, Antonio Reinaldo Rabello Filho, AurélioPitanga Seixas Filho, Bárbara Goiatá Lucariny, Bianca Xavier, Bruno Fonti,

Bruno Macedo Curi, Bruno Moreira Ferreira, Bruno Sanseverino Lyra, CarlosAdolfo Teixeira Duarte, Carlos Henrique Tranjan Bechara, Condorcet Rezende,Dali Bouzoraa, David Rosenbloom, Diogo Santesso, Eduardo Maneira, EduardoSchmidt, Eduardo Telles, Elizabete Rosa de Melo, Eloá Alves Ferreira, ÉricoTeixeira Vinhosa Pinto, Fábio Martins de Andrade, Fernanda Berendt, FernandaDuarte, Fernando Cesar Baptista de Maos, Fernando Osorio, FernandoSerrano Antón, Fernando Werneck, Frana Elizabeth Mendes, Gabriel FranciscoLeonardos, Gabriel Lacerda Troianelli, Gilberto Fraga, Guilherme Doin Braga,Gustavo do Amaral Martins, Gustavo Goiabeira, Gustavo Schmidt, Hugo de

Brito Machado, Humberto Ávila, Ives Gandra da Silva Martins, Jayme Freitas, José Casalta Nabais, Jose Jayme de Macêdo Oliveira, José Souto Maior Borges,Leonardo Alfradique Martins, Leonardo Mussi da Silva, Lourdes HelenaPinheiro, Luís Felipe Krieger de M. Bueno, Luis Inácio Adams, Luiz Emydio F. DaRosa Jr., Marcelo Leonardo Cristiano, Márcio Ávila, Márcio Branco de Oliveira,Marco Antonio Ferreira Macedo, Marco Aurélio Greco, Marcos Vinicius Neder,Maria Luíza Jansen Sá Freire de Souza, Maria Teresa Martinez López, MarinaMarangoni, Mary Elbe G. Queiroz Maia, Mauro Luís Rocha Lopes, Misabel deAbreu Machado Derzi, Ned Shelton, Paulo Antônio Caliendo Velloso, Pedro

M. Herrera Molina, Petruccio Malafaia Vicente, Poul Eryk Dyrlund, ReginaHelena Costa, Renato Lopes Becho, Ricardo Almeida Ribeiro da Silva, RicardoLodi, Richard Dotoli, Roberto Bekierman, Roberto Duque Estrada, Rodrigo Jacobina, Rodrigo Lourega, Ronaldo Redenschi, Sacha Calmon Navarro Coelho,Sergio Pyrrho, Silvania Conceição Tognei, Silvio Ribeiro Teles, Taísa Maciel eWashington Juarez de Brito Filho.

O Código Tributário Nacional – CTN foi o tema escolhido para a primeirarevista. Em outubro de 2006, este diploma legal (Lei nº 5172, de 25 de outubrode 1966) completou 40 anos. Elaborado pelos juristas Rubens Gomes de Sousa,

Gilberto de Ulhôa Canto, Tito Rezende, Carlos da Rocha Guimarães, Amílcarde Araújo Falcão, Gerson Augusto da Silva e Aliomar Baleeiro, o diplomalegislativo foi, sem sombra de dúvidas, o grande impulsionador do estudo doDireito Tributário no Brasil.

Todavia, passados mais de 40 anos, é chegada a hora de nós, estudiososda matéria, fazermos um balanço dos avanços trazidos pelo Código, bemcomo das necessárias modicações em seu texto. Nesse sentido, vislumbra-seno lançamento da CDT uma oportunidade ímpar de a comunidade jurídicauminense prestar uma contribuição crítica a esse diploma fundamental, com

a apresentação, inclusive, de sugestões que possam subsidiar alterações em seutexto pelo legislador.

Em vista desses propósitos, os juristas convidados ao Conselho deArticulistas Permanentes foram instados a participar do periódico com artigos

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C I J:U M A D

F TPedro M. Herrera1

Sumario: 1. Luchar por ser creativo; 2. Aprender a asimilar las fuentes; 3. Trazar un mapapersonal; 4. Plantear las preguntas adecuadas y resolverlas partiendo de principios sólidos; 5.Diseñar un buen esquema; 6. Contrastar nuestras opiniones; 7. Patologías de la creatividad

1. Luchar por ser creativo

A. La necesidad de ser creativo

Cuando el jurista estudia una materia con el n de desentrañar susproblemas y plasmar los resultados por escrito debe afrontar – como cualquierescritor – el reto de ser creativo. Ha de elaborar una aportación original, que

tenga un fundamento sólido en la realidad y que no haya sido presentada ya porotros colegas desde la misma perspectiva.

Creatividad no supone creación ex nihilo ni ruptura radical con lasconstrucciones anteriores. La elaboración jurídica se apoya en un saber cultivadolentamente y cada nueva construcción – en su afán de explicar mejor la realidady de modicarla – se apoya en logros parciales de la jurisprudencia, las normasy la doctrina.

Ahora bien, es posible que determinado problema no se haya enfocado

correctamente, que se hayan seguido caminos equivocados, que no se hayanplanteado las preguntas correctas o que la realidad se haya modicado y nosirvan ya – en su totalidad – los viejos dogmas jurídicos que la explicabantradicionalmente. El jurista será incapaz de afrontar estos retos si no adopta unplanteamiento creativo. La falta de imaginación le conducirá a hilvanar viejosplanteamientos en una madeja cada vez más enmarañada, vacía de contenido yalejada de la realidad.

La creatividad en la investigación jurídica es un logro personal que puedeseguirse a través de muchos senderos y nunca termina de alcanzarse. Cada

1 El autor agradece las valiosas observaciones de Francisco Clavijo Hernández, Pablo Chico de laCámara, Juan Ignacio Gorospe Oviedo, Víctor Sánchez Blázquez, Cristina García-Herrera, CarlosTamarit y Belén García Carretero.

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investigador ha de descubrir las aquezas que le impiden avanzar hacia estameta y las virtudes en que puede apoyarse para aspirar a ella.

En efecto, nadie puede aprender a nadar zambulléndose tan solo en loslibros. Ningún jurista puede aprender a ser creativo si no se enfrenta con losproblemas nucleares del ordenamiento, estudiándolos a fondo, discutiendosobre ellos con personas expertas y plasmando sus conclusiones de palabra y porescrito. Además, al igual que un idioma extranjero, la creatividad se oxida conpasmosa rapidez si no se ejercita. Por tanto, ningún investigador que se preciepuede abandonarse en la desidia por muy altas que sean las metas alcanzadas.Pensar que no es necesario ya batirse en la palestra del debate o desentrañarnuevos problemas jurídicos es rmar la propia partida de defunción cientíca oal menos – no seamos melodramáticos – querer vivir de las rentas en un períodode galopante inación.

B. Un modelo de creatividad

La creatividad no puede “enseñarse” mediante reglas y consejos – asísucede también con la delicadeza o la generosidad – pero sí puede adquirirse con ayuda de modelos adecuados, siempre que – día a día, con éxitos y fracasos– se persevere en la lucha por ejercitarla. Pues bien, los tributaristas de nuestro

tiempo tienen la fortuna de encontrar un modelo excepcional en el profesorKlaus Tipke. Son muchos juristas los que han disfrutado ya de su orientaciónen el Institut für Steuerrecht de la Universidad de Colonia, pero – aun sin esetrato directo - podemos conocerle bien a través de sus obras, traducidas adiversas lenguas. En esta nota me centraré en ejemplos tomados de dos trabajosfundamentales: Die Steuerrechtsondung2 y Bestuerungsmoral und Steuermoral.3 Enellas no solo se reeja su pensamiento, sino su fascinante personalidad.

2. Aprender a asimilar las fuentes

Para elaborar una construcción jurídica – así me lo mostró desde el inicioel profesor Tipke – necesitamos materiales sólidos. Estos se adquieren, en primertérmino, a través del estudio. Según me contaba el profesor Tipke, un colegade dudoso prestigio le había recomendado en una ocasión: “no pierda usted eltiempo estudiando: escriba”. Desde luego, el maestro de Colonia – pese a seguirescribiendo a sus ochenta años – no se ha animado nunca a seguir la primeraparte del consejo.

2 K. Tipke, Die Steuerrechtsordnung , Volumen primero, 2ª ed. Colonia: Oo Schmidt, 2000; Volumensegundo, 2ª ed. Köln: Oo Schmidt, 2003; Volumen tercero, 1ª ed. Colonia: Oo Schmidt, 1993. Existetraducción al español ( Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes , Marcial Pons, Madrid, 2003).

3 K. Tipke, Besteurunsmoral und Steuermoral. Bisbaden: Westdeutscher Verlag, 2000.

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La creatividad jurídica es un proceso de destilación: hemos de conocerlas aportaciones de los demás – sobre el tema que nos ocupa y sobre otros queaporten luz para resolverlo – y asimilarlas en el sentido de conocer su verdadera

esencia y adaptarlas a nuestro punto de vista.Constituye un buen ejemplo la evolución del pensamiento del profesor

Klaus Tipke sobre la compatibilidad de los incentivos scales con el principiode igualdad. Mientras el profesor Tipke supervisaba mi investigación, llegó asus manos la tesis doctoral de Stefan Huster Rechte und Ziele.4  Soy testigo decómo el profesor Tipke analizó la obra del entonces joven constitucionalista,adaptándola a su propio pensamiento. Así se pone de relieve en la segundaedición del Steuerrechtsordnung:

“Según Stefan Huster, los benecios scales no se justican por elmero hecho de perseguir objetivos razonables en el ámbito de la economía,el urbanismo o la política laboral. Antes bien, el legislador está obligadoa ponderar hasta que punto dichos nes justican apartarse del principiode igualdad en el sostenimiento de las cargas públicas. Si la prosecuciónde nes externos permitiera quebrantar la igualdad tributaria sin realizardicha ponderación, el principio de igualdad en materia tributaria quedaríavacío de contenido.”5

Claro está que “asimilar” las ideas de los demás no equivale a atribuirsesu mérito y utilizarlas como si fueran propias (de lo que no faltan ejemplos enEspaña y, tal vez también en Alemania o Italia). Recuerdo que en una ocasión uncolega me envió un breve artículo para su publicación. Para mi sorpresa el artículoreproducía literalmente unas notas inéditas que yo mismo había redactado y lehabía facilitado años atrás. “¡Pues es verdad! – me dijo – cuando le hice notaresta circunstancia “Pensaba que era mío. ¡Hay que ver cómo interiorizamos lascosas!”. Años después un amigo psicólogo me comentó que este tipo de fallos

de la memoria se denomina criptoamnesia – se recuerdan las ideas y los textos,pero se atribuyen por error al propio mérito, olvidándose quién sea el verdaderoautor. Al parecer, se trata de una enfermedad particularmente extendida enámbitos académicos.

Pues bien, la auténtica interiorización consiste en situar las ideas ajenas –reconociendo el mérito a su autor – en nuestro propio sistema de pensamiento,en ese mapa de la materia que – aun incompleto y lleno de zonas inexploradas –vamos trazando a lo largo de los años, jando el norte y las referencias que hande servirnos para orientarnos.

4 S. Huster , Rechte und Ziele. Zur Dogmatik des allgemeinen Gleichssaes. Berlín: Duncker & Humblot,1993.

5 K. Tipke, Die Steuerrechtsordnung , Volumen primero, 2ª ed., p. 339.

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El profesor Tipke siempre ha querido reconocer las aportaciones de losdemás y así lo demuestra la larga lista de agradecimientos en sus prólogos alas diversas ediciones del Steuerrechtsordung. Como contrapunto, recuerdo

la anécdota que me contó un amigo de la recensión de un libro español, quecriticaba determinada obra por el extenso número de personas que el autormencionaba en su presentación. Según la recensión, tantos agradecimientoshacían difícil saber qué parte del mérito de la obra era atribuible al propio autordel libro. Pues bien, en el caso del profesor Tipke, no sólo cabe señalar el méritode su humildad intelectual, sino el saber perfeccionar, elevar e integrar en supropio sistema las aportaciones de otros autores, cuyas contribuciones siemprereconoce en sus libros y trabajos.

Asimilar una idea de otra persona exige descubrir su esencia – despojándola

de detalles accesorios – examinarla críticamente hasta adherirnos con plenaconvicción a todo su contenido o alguno de sus elementos (o bien decidirnosa utilizarla como hipótesis), situarla en las coordenadas jurídicas de nuestrosistema de pensamiento, y en las del problema que deseamos analizar, y deducirsus consecuencias directas y analógicas.

El paso de los años – si va unido a un trabajo intenso – va completandoel mapa mental  del investigador universitario donde éste puede situar losnuevos conocimientos de forma sistemática, descubriendo sus conexionesy posibilidades. Ahora bien, el transcurso de los días hace surgir nuevas

obligaciones que restringen el tiempo disponible. Por este motivo, y porquelas obras torpemente escritas – así decía el humorista español WenceslaoFernández Flórez – dejan siempre un grumo de tontería que se pega , es necesarioseleccionar las fuentes. Nuestra propia experiencia y una rápida labor de catason, sin duda, elementos que ayudan a realizar la selección, pero en muchoscasos resultará indispensable el consejo de una persona experta en la materia.Durante mis sesiones del trabajo con el profesor Tipke pudo ver cómo realizabamagistralmente esta selección, buscando siempre lo más valioso en las nuevasaportaciones y distinguiendo el grano de la paja.

Entre las fuentes escritas, hay algunas peculiares del ámbito jurídico quemerecen una especial consideración: la Jurisprudencia – en el sentido más ampliode la palabra y el Derecho comparado. Se trata de una consideración aplicablea cualquier rama jurídica, pero el profesor Tipke sabe aplicarla de modo sinigual al Derecho tributario. Desde luego, se encuentra especialmente dotadopara ello, pues cuenta con su experiencia como juez – que le da un especialsentido práctico – y ha mantenido siempre contacto con los investigadores y conla literatura jurídica de países muy diversos.

La jurisprudencia – además de la importancia inherente a su valor jurídico

– constituye un excelente observatorio para descubrir problemas reales: nosaporta indicios sobre el grado de aplicación de un precepto, sus dicultadesde aplicación práctica y las soluciones aportadas. Debe reconocerse que estafuente de conocimiento presenta ciertas limitaciones. Por un lado, sólo nos

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permite contemplar los problemas con retraso. Además, no va a mostrarnosalgunas situaciones difíciles que no han llegado a los tribunales. Sin embargo, elanálisis de la jurisprudencia constituirá siempre una paleta indispensable para

los pinceles de la creatividad jurídica, pues muestra la auténtica situación delderecho. En palabras de Tipke, “las Sentencias del Tribunal Financiero Federalconstituyen, junto con las instrucciones administrativas el “estado de la cuestión”del Derecho tributario.

Paradójicamente, no es infrecuente que el mal uso de la jurisprudenciaacabe con el rigor y la creatividad jurídica: pues “existen comentarios de jurisprudencia que se limitan a relaborarla de modo acrítico”.6 En cambio, “quienescribe con un planteamiento cientíco, acostumbrado a la sistematización yal uso de la metodología jurídica, siempre tiene la posibilidad de inuir en la jurisprudencia del Tribunal Financiero Federal”.7 

Desde luego – aunque las resoluciones procedan de los más altos tribunales– constitucionales o internacionales - habrá que contemplarlas siempre consentido crítico y con ese continuo afán de situarla en nuestras personalescoordenadas jurídicas. Por ello resulta censurable que en algunos casos lostributaristas invoquen la jurisprudencia  favorable al contribuyente , sin tener encuenta sus posibles incongruencias y puntos débiles. Así sucede especialmentecon la jurisprudencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas y del

Tribunal Europeo de Derechos Humanos. Con su habitual sentido del humor,el profesor Tipke nos ofrece un buen ejemplo de crítica a la jurisprudencia, quemuestra también sus conocimientos de Derecho comparado:

En Austria, los trabajadores que reciben trece o catorce pagas, sólo debenpagar el 6 por 100 del importe correspondiente a estas pagas extraordinarias (§ 67de la Ley austríaca del Impuesto sobre la Renta). Un profesional solicitó dividirlos rendimientos de la actividad en catorce partes y tributar por las dos últimasal 6 por 100. El Tribunal Constitucional austríaco decidió que los supuestos noeran comparables, puesto que el recurrente en amparo no era un trabajador

dependiente. Naturalmente no era esto lo que el alegaba, sino que un trabajadory un profesional que obtengan idéntica renta poseen la misma capacidadeconómica y que la desigualdad de trato con que ésta se gravaba lesionaba elprincipio de igualdad. El Tribunal Constitucional alemán ha advertido ciertadesigualdad, pero no ha mencionado ninguna medida de la igualdad. Ante uncaso de este tipo, es probable que el Tribunal Constitucional alemán hubiesepretendido negar que se cometiera una arbitrariedad. Al menos ha declaradoinconstitucional la no sujeción de los diputados al Impuesto sobre la Renta.8 No sabemos si los jueces austríacos – que también disfrutan del benecio scal

6 K. Tipke, Die Steuerrechtsordnung , Volumen tercero, 1ª ed., p. 1181.7 K. Tipke, Die Steuerrechtsordnung , Volumen tercero, 1ª ed., p. 1181.8 BVerfGE 40, 296.

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- fueron incapaces de cubrirse con el veil of ignorance de que habla John Rawl, osi no supieron cómo aplicar el principio de igualdad.9

Años más tarde, la Corte Constitucional colombiana tuvo que enfrentarse

con un caso semejante: un contribuyente planteó la inconstitucionalidad de laexención otorgada a los salarios de los Jueces Constitucionales. El ordenamiento jurídico de aquél país, más perfeccionado en este punto que el austriaco, prevé laactuación de jueces substitutos – abogados de prestigio designados por la Corte– cuando los jueces ordinarios estén impedidos por tener interés en el asunto.Pues bien, la Corte Constitucional, constituida para el caso con jueces sustitutosdeclaró inconstitucional la exención... aunque los jueces constitucionalesdecidieron no renovar el nombramiento a la juez sustituta que había actuadocomo ponente de la sentencia.

Precisamente, el Derecho comparado constituye un elemento valiosísimopara espolear la creatividad. No se trata de acumular materiales con un afánerudito, ni de trasplantar construcciones foráneas a la explicación de nuestroordenamiento. El principal objetivo está en descubrir cómo han sido tratadosen otros países problemas similares a los que encontramos en nuestro Derecho,en descubrir antecedentes y paralelismos que nos permitan comprender mejornuestras instituciones, y en poder intuir la evolución fáctica y jurídica de nuestroordenamiento a la luz de lo que ha sucedido en otros países más avanzados, oque plantean problemas similares.

Es bien conocida la crítica de Tipke a la teoría de Wacke – seguida porel Tribunal Constitucional alemán – “que impide examinar si los impuestosmencionados o aludidos en los arts. 105 y 106 son incompatibles con los derechosfundamentales”.10 El profesor Tipke se apoya – entre otros argumentos – en laexperiencia del Derecho comparado para criticar esta peculiar interpretación.Pues bien, quizá el único modelo constitucional que parece respaldar la tesis deWacke y del Tribunal Constitucional alemán es el brasileño, que – en este punto– no constituye un buen modelo a seguir.

La obra del profesor Klaus Tipke es un buen ejemplo de las posibilidadesque ofrece el Derecho comparado para que la creatividad jurídica sea rigurosay no incurra en ciertos excesos. Así, por ejemplo, es posible que el BVerfG nohubiera desarrollado su teoría sobre el denominado “principio de tributación al50 por 100” si hubiera contemplado con más profundidad las constituciones deotros países.

P. KIRCHHOF pretende haber encontrado el fundamento constitucionalde los límites de la tributación en el mencionado art. 14.2.2, según el cual eluso de la propiedad debe servir  por igual  al bien común. De aquí deduce P.

KIRCHHOF que aquello que la proporción entre la parte de la renta que conserve

9 K. Tipke, Besteurunsmoral und Steuermoral , Bisbaden: Westdeutscher Verlag, 2000, p. 74.10  K. Tipke , Besteurunsmoral... , p. 29.

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el contribuyente y aquella otra que haya pagado por sus impuestos debe ser“aproximadamente la que corresponda a un reparto por partes iguales”.11 

Como señala Tipke, nada hace pensar que el término “por igual” del artículo

14.2 deba interpretarse en el sentido de “por partes iguales”.12

 En mi opinión, elDerecho Constitucional comparado demuestra que la fórmula alemana no essino un modo peculiar de referirse a lo que en otras constituciones se denomina“función social de la propiedad”.

En palabras de Tipke: “Si miramos más alla del art. 14 a otras constitucionesconstatamos lo siguiente: algunas constituciones sólo señalan que es posible laexpropiación mediante indemnización (art. 16 de la Constitución belga, art. 14de la Constitución holandesa, art. 12 de la Constitución nlandesa, art. 62.2 dela Constitución portuguesa, capítulo 2, § 18 de la Constitución sueca, así como

el art. 17de la Declaración francesa de los Derechos del Hombre y el Ciudadanode 1789)”. Es evidente que de aquí no cabe deducir ningún principio tributario.Según otras constituciones, los derechos de propiedad no pueden ejercitarse encontra del interés general (art. 17.1 de la Constitución griega), o bien se dice queel ejercicio de los derechos de propiedad debe compaginarse con las exigenciasdel bien común (art. 43.2.2 de la Constitución irlandesa). Según el art. 42.2 de laConstitución italiana, la ley puede limitar el derecho de propiedad privada “paraasegurar su función social y hacerla accesible a todos”. El art. 33.2 de la Constituciónespañola señala que la “función social” del derecho a la propiedad privada y a

la herencia “delimitará su contenido, de acuerdo con las leyes”. También el art.5.XXIII de la Constitución brasileña sitúa en primer plano la “función social de lapropiedad”. De estos preceptos no se deduce ningún derecho del estado a imponertributos. Las constituciones prevén de modo especial la posibilidad de establecerimpuestos mediante ley. Ninguna constitución menciona el término “por igual”de modo que no ha podido extraerse ninguna conclusión sobre la existencia delímites de la carga tributaria.13

Claro que no es fácil realizar este tipo de análisis. Como arma VictorThuronyi, “in order to study comparative tax law, it is necessary to pay aentionto the general legal tradition as well as to the tax tradition in addition to knowingsomething of general comparative law. This makes it doubly dicult for taxacademics to approach comparative tax law: to do so it is necessary not only tostudy other countries’ tax systems but also their general legal systems. It seemsthat few people with a strong background in tax had the inclination to do this”.14 Klaus Tipke es uno de esos pocos – citado expresamente por Thuronyi – y suobra muestra como el análisis del Derecho comparado resulta indispensablepara conseguir el rigor y la creatividad en la investigación del Steuerrecht.

11  K. Tipke, Besteurunsmoral... , p. 40.12  K. Tipke, Besteurunsmoral..., p. 42.13 K. Tipke, Besteurunsmoral..., p. 43.14 V. Thuronyi, Comparative Tax Law. The Hague: Kluwer Law International, 2003, S. 7.

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3. Trazar un mapa personal

Quisiera detenerme algo más en la importancia de ir trazando un mapapersonal del conocimiento, tarea que abarcará toda nuestra vida cientíca. Alestudiar la carrera universitaria, adquirimos una visión de conjunto de todoel Derecho. Algunas asignaturas que nos explicaron de forma menos atractiva– o a las que dedicamos menos esfuerzo – constituyen zonas poco conocidas,en las que no sabríamos manejarnos con soltura; otras las hemos estudiado afondo, descubriendo sus cumbres y hondonadas y “paseando” por ellas através de los libros y meditando sus bellezas. Después, al especializarnos enuna materia, descubrimos las conexiones entre sus propios conceptos y los de

otras disciplinas o de la Teoría general del Derecho: se trata de ríos que uyena lo largo de todo el ordenamiento, de vías que unen grandes poblaciones ode vericuetos menos conocidos que conducen a parajes sorprendentes. Dentrode nuestra propia disciplina descubrimos también extensiones inexploradas,ciudades abandonadas, lugares de moda siempre mencionados en las revistas opaisajes sugerentes que estimulan la imaginación.

Todo esto es algo más que una metáfora: al igual que vamos interiorizandolas calles de nuestra ciudad con sus parques, restaurantes y comercios – einteriorizamos su aspecto y disposición – vamos también asimilando las

distintas lecturas e ideas sobre nuestra disciplina. En la medida en que hayamosreexionado y trabajado más sobre determinado sector – que hayamos caminadomás por él – interiorizaremos sus detalles y lo situaremos en el contexto. Además,iremos desarrollando puntos de referencia – una brújula mental, el musgo delos árboles, el viento, las estrellas – que nos ayudarán a orientarnos por zonasdesconocidas.

En el Instituto de Derecho Tributario de la Universidad de Colonia, juntoal despacho del Profesor Lang, podía contemplarse hasta hace algunos años

una Karte der Steuerland: un simbólico mapa en la que aparecían montañosas barreras impositivas, paraísos scales y lagunas tributarias. Era una formagráca de representar esa cartografía personal que debemos ir diseñando. Elprograma de la asignatura – con sus uidas relaciones entre la parte general yla especial – y los principios jurídicos constituyen un buen punto de partida,pero no se trata de memorizar la estructura y los epígrafes del programa, comosi se tratara de los rígidos pilares de un edicio, sino de diseñar un planoexible – que al igual que los atlas de geografía política y social evolucionaconstantemente – sin perder el norte.

En 1966, cuando el Profesor Tipke fue llamado a ocupar la Cátedra deDerecho tributario de la Universidad de Colonia como sucesor del ProfesorSpitaler, el joven catedrático se creyó en la obligación de preguntar al Decanoqué aspectos del programa convenía destacar en las explicaciones. “Todos”

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fue la respuesta, más propia de un personaje de P. G. Wodehouse.15 El profesorTipke fue dócil a tal indicación, pero pronto descubrió la necesidad de centrarseen los principios y de reconducir a un sistema el conglomerado del Derecho

tributario alemán. Sus clases, inicialmente poco frecuentadas, fueron llenándosemás y más con un éxito inusitado porque mostraba claramente a los estudiantes unatractivo mapa de la asignatura.

El personal esfuerzo por ir elaborando esta cartografía jurídica – nuncacompleta y siempre cambiante pero con puntos de referencia muy sólidos – nosayudará a ir elaborando una obra creativa. Así, el profesor Tipke comentaba que– al analizar un concreto problema jurídico – sus paseos por la parte especial dela asignatura espoleaban su imaginación para enriquecer después los conceptosabstractos y los enfoques propios de la parte general con ejemplos claricadores.

El índice del Steuerrechtsordnung  del Profesor Tipke muestra su mapapersonal de la disciplina: un mapa que introduce orden en el caos – en la peligrosa jungla – del Derecho tributario. Este índice presenta cierta semejanza con lo quesería el esquema habitual de un Manual de Derecho Tributario. Sin embargo,va mucho más allá. El volumen primero analiza los principios materiales yformales del Derecho tributario centrándose en el principio esencial de justiciaque permitirá organizar toda la materia: el principio de capacidad económica. Elvolumen segundo aplica este principio a la sistematización y análisis crítico delsistema scal. Por n, el volumen tercero examina la el reparto federal del podertributario, la aplicación del derecho, tutela jurisdiccional y – con un planteamientosumamente original y creativo los “agentes del derecho tributario”.

Podría pensarse, como se hace tradicionalmente, que el estudio de los mediosde interpretación y aplicación del derecho deben preceder al estudio de losimpuestos en particular. Sin embargo, la experiencia demuestra que no es posibleanalizar en profundidad los métodos de interpretación sin conocer la realidadsobre la que operan. Cuando Klaus Tipke comenzó a trabajar como juez, sepreocupó de estudiar a fondo diversas monografías sobre métodos interpretativos.En seguida descubrió, con sorpresa, que muchos de los colegas actuaban de otromodo: primero llegaban a una solución, de modo más o menos intuitivo, y después buscaban la teoría interpretativa más adecuada para defender su tesis. Pues bien,sólo el conocimiento profundo de los principios de justicia tributaria (Volumenprimero) y las consecuencias de su proyección sobre los diversos impuestos(Volumen segundo) hacen posible la elaboración de un método interpretativosólido y no basado en argumentos oportunistas (Volumen tercero).

En otra ocasión me comentó el Profesor Tipke que un colega suyo, juez delo penal, redactaba siempre las sentencias antes del juicio oral. Cuando Tipke le

preguntó con sorpresa cómo era posible, su interlocutor le contestó: “Hay dosposibilidades, si lo que dice el acusado coincide con lo que he redactado en la

15 Recordemos, por ejemplo, al Mayor-General Sir Aylmer Bastable, en Eggs, Beans and Crumpets , 1940.

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sentencia, he ganado tiempo; y si dice lo contrario, es que miente.” El profesorTipke, lejos de aplicar estos planteamientos al Derecho tributario, ha insistidosiempre en no dejarse llevar por prejuicios – ni ideológicos ni dogmáticos – y en

la necesidad de estudiar a fondo los problemas, partiendo de principios sólidos,pero analizando todas las consecuencias y puntos de vista, antes de adoptar unasolución.

4. Plantear las preguntas adecuadas y resolverlaspartiendo de principios sólidos

La creatividad jurídica no consiste en elaborar construcciones ingeniosas

ni en plasmar en la interpretación de los preceptos la propia ideología(“Hineinlegen” en expresión de Tipke, en lugar de “Auslegen”), sino en resolverproblemas reales con cierto grado de abstracción (no se trata de resolver un casoconcreto planteado por un cliente, sino de redactar un artículo cientíco sobreuna materia de carácter general).

Para ello resulta indispensable  plantear las preguntas adecuadas. Es posibleque una cuestión no se encuentre bien resuelta porque se ha afrontadotradicionalmente desde un punto de vista equivocado o porque – con exceso deimaginación – se está intentando resolver un problema irrelevante o bien un falso problema.

Ahora bien, ¿cómo plantear correctamente las preguntas? No existe unmétodo infalible para conseguirlo, pero sí pueden ofrecerse algunas pistas. Elestudio previo de la materia nos ayuda a determinar qué cuestiones se hanplanteado y nos permiten valorar si las respuestas parciales que se han ofrecidodiscurren por buen camino o si conducen a un callejón sin salida. Si estudiamosun tema a fondo -analizando diversas opiniones - nos situamos, en cierto modo,en la cima de una colina, desde donde podemos atisbar el panorama para

descubrir dónde se encuentran los auténticos problemas y por qué vía podríanresolverse. Para conseguir esta amplia perspectiva resultan de especial interés -ya se ha dicho - el Derecho comparado y las opiniones de los profesionales que– defendiendo un interés u otro - se enfrentan a diario con el aspecto práctico dela cuestión.

Además es necesario llegar al fondo de la cuestión; es decir, preguntarnospor el  fundamento , la razón de ser , la  nalidad última de las cuestiones queanalizamos. Por tanto, deben descartarse los planteamientos positivistas. Armarque la respuesta está en el texto de la ley, en un pronunciamiento judicial, o en

la opinión común sobre determinada categoría jurídica – por ejemplo, que la prescripción se  interrumpe y la caducidad se suspende – eludiendo los  porqués es matar la creatividad jurídica y la posibilidad de plantear las preguntasadecuadas.

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Para formular preguntas acertadas resulta también conveniente situar elproblema en su contexto y estudiar sus implicaciones sobre otras ramas delDerecho e incluso – aunque sea limitadamente – sobre el entorno histórico,

económico y social en que opera el ordenamiento. Desde luego, un tributaristano puede conocer a fondo todas las cuestiones colaterales que inciden sobre sumateria, pero sí ha de tener una somera visión de conjunto sobre las opinionesmás seguras y para conocerlas habrá de buscar la orientación de otros colegas ydedicarles algunas horas de estudio.

Esta preocupación intelectual por conocer la verdad se encuentra enla raíz del pensamiento de Klaus Tipke. De ahí su interés por aspectos de lasciencias sociales aparentemente ajenas a la problemática del Derecho Tributario.Recordemos las quinientas páginas de su impresionante, Innere Sicherheit und

Gewaltkriminalität16

 (Seguridad interior y Criminalidad violenta), redactado a laedad de 73 años.Algún autor considera que el pensamiento de Tipke en esta obra responde

a un “pensamiento utilitarista basado en el principio de que el n justicalos medios”.17  Sin embargo, no es así. La obra de Tipke está redactada en untono vehemente porque trata cuestiones muy graves (conociendo mi modo depensar me advirtió de que al leerla podría encontrar “algún pelo en la sopa”),pero no pretende quebrantar las libertades de los ciudadanos ni responde a unplanteamiento meramente pragmático. Los trágicos atentados de Nueva York,

Madrid y Londres hacen que su estudio – con sus posibles aciertos y errores –cobre una dramática actualidad.El modo de razonar del profesor Tipke nunca ha sido utilitarista ni

se ha basado en argumentos oportunistas (argumentos que utilizaría unleguleyo o “Winkeladvokat”). Procede recordar aquí el excelente análisis de laargumentación jurídica que realiza James Boyd White en su obra Heracles’ Bow.18 White parte de la pieza teatral de Sófocles “Filoctetes”. Durante la travesía delejército griego hacia Troya, Filoctetes sufre una herida en un pie que produce unhedor insoportable. Por ello Ulises le abandona en una isla desierta. Filoctetes

sobrevive gracias al legendario arco heredado de Hércules.Ante la resistencia de Troya, los griegos reciben la profecía de que la ciudad

sólo caería si llegaran a recuperar el arco de Hércules. Ulises parte con el jovenNeoptólemo y – pese a su resistencia – le corrompe para que engañe a Filoctetes,ganándose su conanza y robando el arco. Neoptólemo lo consigue, pero presade remordimientos – y a pesar de las amenazas de Ulises – devuelve el arco a

16 K. Tipke, Innere Sicherheit und Gewaltkriminalität , Munich, 1998.17 B. Hae, “Vom Rechtsstaat zum Sicherheitsstaat?“, 29. Strafverteidigertag, 4. Marzo 2005,

Aquisgrán.18  J. B. White, Heracles’ Bow: Essays on the Retoric and Poetics of the Law . University of Wisconsin Press,

1985. Hay traducción española de R. Alonso García, que es la que hemos utilizado en la elaboraciónde este trabajo: El arco de Hércules. Persuasión y Comunidad en Filoctetes de Sófocles. Madrid: Thompson-Civitas, 2004.

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Filoctetes e intenta persuadirle francamente de que navegue con ellos a Troyapara luchar a su lado. Filoctetes, rota ya la conanza en Neoptólemo, se niega,pero Hércules aparece milagrosamente y le convence.

White aplica esta metáfora a la persuasión jurídica propia de la abogacía,pero su tesis es trasladable a la argumentación teórica del profesor universitario:en apariencia un razonamiento basado en la verdad y la franqueza estácondenado al fracaso: Filoctetes se niega a entregar el arco cuando Neoptólemole habla con lealtad. En cambio, el engaño urdido por Ulises le había permitidoel éxito de hacerse con el arco. Ahora bien, White interpreta la obra de Sófoclesmás allá de las apariencias: la lealtad de Neoptólemo fracasa porque habíasido precedida del engaño tramado por Ulises y había minado la conanza deFiloctetes. Es más, la estratagema de Ulises, de haberse llevado hasta el nal,

hubiera conducido al más completo de los fracasos: la profecía recibida por losgriegos, rectamente entendida, no basaba la victoria en el arco de Hércules, sinoen el regreso del arquero Filoctetes junto a sus antiguos compañeros.

Algunos juristas pretenden formar a sus colaboradores como Ulises hizocon Neoptólemo: con planteamientos utilitaristas, manejando a las personascomo medios para conseguir ciertos nes. En apariencia este camino conduceal éxito seguro: la posesión del arco de Hércules – la persuasión, el dinero o latribuna pública - sin embargo, se destruye la conanza, se aniquila la verdady se impide el auténtico avance del pensamiento. Ulises – escribe White –“deende la desintegración no sólo en sus métodos de persuasión – a travésde los cuales desintegra (corrompe) a Neoptólemo momentáneamente y éste,a su vez, amenaza con desintegrar a Filoctetes –, sino aplicándola también a símismo: termina siendo una nulidad desintegrada”.

Con el profesor Tipke he visto siempre todo lo contrario: un luchador porla verdad y la sinceridad como las bases más sólidas sobre las que construirel Derecho y las relaciones humanas. Aunque nunca se lo haya escuchadoexpresamente, creo que el profesor Tipke suscribe el lema de San Pablo, “veritas

liberabit vos”. El profesor Tipke es un auténtico amante de la libertad. Porello ha creado una excelente escuela de profesores que confían en su criterio,desarrollando sus propias ideas con libertad: Joachim Lang, Roman Seer, Johanna Hey y tantos otros juristas alemanes, además de un apreciable númerode investigadores de diversos países.

5. Diseñar un buen esquema

  Plantear las preguntas adecuadas supone, en buena medida, intuir

las respuestas. Nos permite, por tanto, diseñar un  plan de ataque  que nosconduzca adecuadamente a la meta. De igual modo que el guión es esencialen una buena película, un buen esquema es imprescindible para un trabajode investigación jurídica. Claro está que lo importante no es ser original,

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sino resolver un problema aún pendiente. Retomando el ejemplo deUlises y Filoctetes: no se trata de elaborar una argumentación ingeniosa ypersuasiva (falta creatividad), sino de encontrar el camino que conduzca

a la verdad (creatividad auténtica). O si se preere utilizar una metáforaarquitectónica no basta con disponer de buenos materiales – los que ofrecela legislación, la jurisprudencia y la doctrina – sino que hay que utilizarlosde modo estructurado para levantar un edicio. Por ello, en general, no es buena técnica organizar el esquema en torno a las reformas de la ley, a laevolución de la jurisprudencia o a las opiniones de los autores, sino quehay que intentar centrarlo en los  problemas , utilizando de modo integrado lalegislación, jurisprudencia y doctrina para resolverlos.

Será muy difícil que lo consigamos si nuestro esquema se limita a seguir las

rúbricas de la ley o bien la senda trazada por otros autores. Un buen esquema –así lo he aprendido del profesor Tipke – debe diseñarse a medida una vez que sehan plantado correctamente las principales preguntas. Un esquema adecuadono se basa en recetas prefabricadas ni en piezas sueltas, sino que ha de poseerun hilo conductor – la respuesta esencial a nuestro problema jurídico – que daunidad a toda la investigación y permite aportar luz desde una perspectivaunitaria a la problemática jurídica de cierta materia. Recuerdo la crítica deTipke al esquema general de Otmar Bühler19 por haberse basado en esquemaspropios del Derecho civil sin examinar a fondo su adecuación a los problemasdel Derecho tributario.

Un buen esquema no constituye una estructura rígida, sino un plan de trabajoque ha de ir adaptándose y modicándose según avanza la investigación. Al irprogresando la redacción, nos plantearemos nuevas preguntas y encontraremosnuevas respuestas – sin perder de vista el norte que nos hemos marcado – en unproceso creativo que nos conducirá hasta la meta.

A diferencia de lo que sucede en la tradición latina, en los paísesanglosajones, la enseñanza jurídica descansa, en buena medida, en elllamado socratic method , es decir, en la mayéutica. El formular preguntas y elplanteárselas a nuestros colegas y colaboradores nos ayudará – y les ayudará –a encontrar las mejores respuestas y a asumirlas como propias situándolas enlas coordenadas de nuestros planteamientos jurídicos. No estoy muy segurode que este sea el modelo alemán, pero – desde luego – este es el camino queme ha enseñado siempre el profesor Tipke. Cuando he tenido ocasión deplantearle algún problema jurídico sobre el ordenamiento español, me harespondido siempre con nuevas preguntas, obligándome a elevar el puntode mira, y a formular argumentaciones sólidas. De esta manera fomentaba la

libertad cientíca al servicio de la verdad.

19 O. Bühler, Lehrbuch des Steuerrechts. Berlín: Verlag von Franz Vahlen, 1927.

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6. Contrastar nuestras opiniones

Se arma ciertamente que nadie es buen juez en causa propia y así cabe

armarlo también del profesor universitario. Es cierto que el investigador jurídico no trata de defender un interés particular y, en este sentido es imparcial;pero también lo es que a lo largo de su trabajo puede verse deslumbrado porciertas ideas y que su bagaje personal y jurídico – imprescindible para avanzar –puede llevarle en ocasiones a planteamientos engañosos.

En efecto, según avanza nuestra investigación nos encontraremos conintuiciones y líneas de trabajo – puede ser que algunas nos hayan supuestoun gran esfuerzo – que quizá sean erróneas o incompletas y, en ocasiones,puede resultar difícil que lo advirtamos. Por ello parte del proceso creativopuede desarrollarse dejando leer nuestros borradores a otras personas – queno han de ser necesariamente expertos en la materia – y comentando con ellasnuestros avances.

Este control de calidad resulta indispensable no sólo para el joven doctorando,sino también para el investigador consagrado. Además, actúa como motorauxiliar de nuestro trabajo.

El Profesor Tipke, comenta a las personas de su entorno los proyectos enmarcha, contrastando así sus líneas de trabajo, y consulta la opinión de otroscolegas antes de dar el resultado a la imprenta. De ello dan fe los prólogos desus obras. Aun así, su juventud y humildad intelectual – es un buen modelo aseguir- hacen que nunca quede completamente satisfecho:

“Siempre sucede lo mismo tras la lectura de las pruebas de imprenta:desearíamos haber expresado con mayor claridad y precisión algunospasajes y haber desarrollado más otras cuestiones. Quien no escapas de tenercontinuamente nuevas ideas, quien no descubre continuamente ocasiones demejorar es probablemente un viejo. Quien cree haber encontrado ya hace tiempola última verdad envejeció probablemente en ese instante”.20

 Estas palabras sonun bonito canto a la creatividad jurídica y a la perenne juventud intelectual delmaestro de Colonia. Al mismo tiempo, constituyen una serie advertencia paraque ningún investigador se considere ya sucientemente formado.

Cuando resulte posible, será deseable contar con las opiniones de personasexpertas, pero es conveniente también acudir a otras personas con una buenaformación jurídica que contemplen nuestro trabajo – y atiendan a nuestraspreguntas – desde una perspectiva más general. Así se evita el peligro de que

una excesiva especialización les lleve a centrarse en los problemas conocidos yles impida remontarse a un plano más general desde el que, tal vez, se adviertan

20  K. Tipke , Die Steuerrechtsordnung... , Volumen segundo, 2ª ed., p. X.

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mejor las principales preguntas y respuestas. Creo haber aprendido este consejoen mis conversaciones con el Profesor Tipke.

7. Patologías de la creatividadEl trabajo jurídico  creativo se enfrenta a diversos obstáculos. El primero

de ellos ofrece un fácil diagnóstico y tratamiento, al menos sobre el papel: esla  falta de trabajo. Por muy buenas que sean las condiciones intelectuales delinvestigador, le resultará imposible obtener resultados sin muchas horas deesfuerzo diario a lo largo de muchos años. Podría pensarse que este requisitono es necesario en el caso de investigadores con cualidades excepcionales. Pues

 bien, he tenido la fortuna de conocer muchas personas con una inteligenciaextraordinaria, pero aún no he encontrado a nadie que haya elaborado unaobra jurídica apreciable – no estoy hablando de meros escarceos o de obras de juventud – sin una dedicación muy exigente.

Sin un trabajo intenso y constante no pueden adquirirse los cimientos dela creatividad: será imposible trazar ese mapa jurídico , esas coordenadas personalesdonde poder orientarnos para la resolución de los problemas y será imposibleasimilar las fuentes de un problema para resolverlo de forma creativa.

El profesor Tipke ha mostrado siempre unas cualidades intelectuales fuera

de lo común y, sin embargo, no ha conado nunca en el mero ingenio o en laimprovisación, sino en el trabajo. Esto no quiere decir de ninguna manera que elprofesor Tipke sea un work alcoholic preocupado tan solo del Derecho Tributario.Precisamente es un ejemplo que cómo unos amplios intereses culturales son elmejor terreno para cultivar la creatividad en una concreta disciplina jurídica.También nos muestra como una persona especialmente ocupada encuentrasiempre tiempo para formar a sus colaboradores o a quienes acuden a suorientación.

Desde luego, el Profesor Tipke no ha aceptado nunca la poca experiencia

o los limitados de un joven investigador como excusa para renunciar a lacreatividad en el trabajo jurídico. Al contrario, nos espoleaba desde el primerinstante a trabajar más y con mayor constancia e intensidad y lanzarnos desde elprimer momento a la palestra de la creatividad.

A continuación, señalaré algunas patologías del investigador universitarioque contrastan con el ejemplo del Profesor Tipke. Todos estamos expuestosa sufrirlas y –muy probablemente – todos las suframos en cierto grado. Loimportante es detectar los síntomas y aplicar el oportuno tratamiento sabiendoque la ciencia no ha descubierto aún una vacuna que preserve de la infección.

Comencemos con dos dolencias particularmente malignas: la dispersión y elmiedo. Ambas son compatibles con excelentes condiciones intelectuales y ambasson difíciles de detectar por el enfermo. En cierto sentido, constituyen los dosabismos entre los que se alza la cima de la creatividad. En una persona poco

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diligente, la supercialidad y la pusilanimidad conducen a idéntico resultado:la mera reproducción de lo que ya se ha dicho por otros autores.

Hemos visto que la creatividad se basa en una cierta curiosidad intelectual,

ese “ständing etwas Neues einfällen, ständing Verbesserungsmöglichkeiten entdecken”que menciona Tipke. Sin una labor de estudio y recopilación de materiales esimposible ser creativo. Ahora bien, la curiosidad intelectual puede llevar a ladispersión y la dispersión a la supercialidad. No basta con disponer de lainformación, sino que es necesario asimilarla. No es suciente hacerse muchaspreguntas sin formular respuestas; por el contrario, hemos de encontrar la clavedel problema para estar en condiciones de solucionarlo.

La imaginación, la iniciativa y la curiosidad intelectual constituyenexcelentes dotes para un investigador universitario, pero pueden conducir

a la supercialidad si no se cultivan adecuadamente. Esto puede suceder pormuchos motivos: por faltar una orientación adecuada que nos permita distinguirel grano de la paja; por falta de tiempo para reexionar y digerir los materialesque alimentan nuestro proceso intelectual; por improvisación, al no habernostrazado un plan de trabajo adecuado; por no saber a dónde queremos llegar; opor no habernos planteado tan siquiera si queremos llegar a alguna parte.

Como puede apreciarse – en una persona trabajadora – la dispersión es fruto,en último término, de un activismo mal orientado. El investigador aquejado desupercialidad puede ser una persona muy inteligente: en este caso será capaz

de poner de maniesto interesantes conexiones entre los múltiples materialesque maneja y será capaz de formular intuiciones brillantes. En cambio, serádifícil que vaya trazando ese mapa personal del que hemos hablado – demasiadasanotaciones dispersas sobre el plano – y que realice una auténtica labor creativa.

Esta clase de dispersión puede convertirse en crónica, pues es difícil quequien la padece sea consciente de su debilidad si alguien no le advierte de ella.Al tratarse de personas con mucha iniciativa y curiosidad intelectual corren elriesgo de confundir estas cualidades con la auténtica creatividad. La soluciónestá en enfocar su potencial sobre las cuestiones claves de la disciplina, para

ir trazando ese mapa de que hemos hablado, y profundizar así en algunascuestiones planteándose las preguntas adecuadas. En denitiva, para superareste mal se requiere una buena orientación – que habrán de prestar otraspersonas con suciente experiencia – y un adecuado plan de trabajo con metasconcretas. El poder contar con un maestro, como el profesor Tipke, y ser dócil asus indicaciones – sin prescindir de la iniciativa – es la mejor medicina.

Veamos ahora lo que sucede con la persona atenazada por el miedo. Tambiénpuede tratarse de un investigador inteligente, pero le paraliza el temor a asumirriesgos y equivocarse. Preere recorrer caminos seguros y evitar incomodidades

y esta actitud le impide plantarse nuevas preguntas o aventurar respuestas – talvez equivocadas – que harían avanzar notablemente su investigación.

Si el mal de la dispersión conduce a trazar un mapa personal muy extenso,pero lleno de lagunas y detalles anecdóticos, el miedo  lleva dibujar un plano

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reducido con caminos muy seguros, pero sin indicaciones que permitan avanzarmás allá de donde alcanza la vista.

El miedo puede encontrar una excusa en la falta de conocimientos y alentar

la esperanza de que más adelante – cuando se disponga de más tiempo o mayorexperiencia – podrá superarse con facilidad. Sin embargo, es una esperanzaengañosa. Si el investigador no se atreve a saltar la barrera de su comodidad noencontrará un verdadero estímulo para estudiar a fondo los problemas – coniniciativa y valentía – ni aprenderá nunca a formular las preguntas clave y aresponderlas por sí mismo.

Si no se trata a tiempo, el miedo puede conducir a una suerte de erudiciónreiterativa – en personas muy trabajadoras – o bien a un lento deslizamiento haciala desidia intelectual. El remedio está en renunciar a la comodidad y superar el

temor a quedar mal, supliendo con mayor tiempo de estudio la falta de experiencia.El plantearse una y otra vez nuevas preguntas, buscar la opinión de otras

personas y seleccionar algunos temas en los que profundizar – sin perder lavisión de conjunto – pueden constituir medios muy adecuados para ir venciendoel temor sin dar pasos en el vacío. Sin embargo, si se desea tener siempre unacompleta seguridad de que no aventurar nunca una respuesta menos acertadaserá difícil avanzar por el camino de la creatividad en la investigación jurídica.Es preferible arriesgarse y cometer un error – que aunque sea doloroso nosreforzará interiormente y nos permitirá aprender – que quedar parapetados

toda la vida tras aparentes seguridades.Dos buenos aliados para superar el miedo – que he contemplado en

acción junto al profesor Tipke – son el rigor y el sentido del humor. El rigor llevaa comprobar las cuestiones, a pedir consejo, sin arse exclusivamente de lapropia opinión y a no conformarse con respuestas fáciles. El sentido del humor– Tipke es un maestro – evita tomarse demasiado en serio y a levantarse conagilidad cuando se ha cometido un error. A la vez, permite ver con claridad lainconsistencia de algunos argumentos que quizá se presentan con gran aparatoy solemnidad por parte de sus defensores. Así puede superarse el miedo que da

apartarse de la opinión común.Recordemos, como ejemplo, la defensa que realizó G. Felix en 1983 del

denominado “principio de tributación por mitades” y la crítica de Tipke: “elanálisis ético del límite a la tributación se orienta a la medida moral del términomedio. La medida del término medio procede de los antiguos griegos. Estamedida viene disfrutando hasta nuestros días un reconocimiento general.Además, este principio moral tiene perspectivas de eternidad.”¿Quién seatrevería a apartarse de la losofía griega, de las supuestas exigencias éticas yde las pretendidas perspectivas de eternidad? El Profesor Tipke nos enseña a

hacerlo con una receta basada en el rigor y la ironía: es probable que G. FELIXpensara en ARISTÓTELES, “debe elegirse el término medio y no el exceso o eldefecto, ya que el término medio se determina mediante la recta razón” (Ética aNicómaco , libro VI, 1). Por su parte ESQUILO consideraba que “el término medio

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corona siempre a los seres celestiales” (Euménides , 504). De haberse aplicado estaidea a los impuestos los diezmos bíblicos hubiesen resultado muy escasos.21

Aun cuando se superen los escollos de la pereza, la dispersión y el temor,

la senda hacia la creatividad presenta otros dos obstáculos que, de algún modo,también constituyen extremos opuestos: la parcialidad y la falta de realismo.El análisis parcial es aquel que se centra tan solo en un aspecto del problema.

De algún modo es lo que sucede con la tarea de un abogado o un asesor scal queha de buscar todos los argumentos en favor de su cliente y sólo contempla lasdemás perspectivas del problema en cuanto posibles obstáculos a superar paraconseguir su objetivo. Desde luego, el análisis parcial puede ser muy imaginativo y buscar siempre nuevos argumentos, pero no resultará verdaderamentecreativo, al no encajar las nuevas piezas en una verdadera visión de conjunto (de

ahí su carácter “parcial”).El Profesor Tipke nos muestra – con ironía – un par de ejemplos que nos

hacen sonreír:

“Uno de los mayores triunfos de Suiza como centro nanciero – segúnHans-Dieter Vontobel – consiste en la discreción que se ofrece a quienes buscan asilo nanciero. Debe protegerse el patrimonio de los extranjerosscalmente perseguidos por las autoridades scales de sus países.Quien se ve obligado a pagar más del 50 por 100 de los ingresos que ha

obtenido legalmente, se encuentra esclavizado de hecho por el Estado ynecesita especial protección y ayuda. Suiza puede prestar una importantecontribución para disciplinar a los políticos que han caído en un afánrecaudatorio sin medida y la absurda maquinaria redistributiva que hancreado.”22 

Según J. Sauerwald, la elusión legal debe vaciar el tesoro público y evitarque los políticos contemplen “codiciosamente” los recursos preexistentes. Laspersonas acostumbradas a pensar en términos económicos saben que incluso

los más simples pueden conseguir algo con dinero. Las personas perspicacestrabajan con ideas: “(...) Si los asesores scales ejercitamos la elusión legaly logramos recortar así este año todas las posibilidades de que se realicenimportantes transferencias monetarias habremos prestado al estado el mayorservicio que está a nuestro alcance.”23

Pese a los anteriores ejemplos, es evidente que un abogado o asesor scalpuede ser un excelente investigador. Es más, cuenta con importantes ventajaspara conseguirlo, pues verá facilitada su labor creativa por la rica experienciaque le aporta su profesión. Sin embargo, para lograrlo, ha de elevar el punto de

21  K. Tipke, Besteurungsmoral... , p. 41, nota. 101.22   Apud K. Tipke, Bestuerungsmoral... , p. 48.23  J. Sauerwald, StB 1998, 80, 81. Apud K. Tipke, Besteurungsmoral... , p. 85, nota. 226.

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mira, distanciarse intelectualmente de la solución que resultaría más convenientepara sus clientes y contemplarla desde la perspectiva que ofrece el conjuntodel ordenamiento. Así Tipke critica duramente “el argumentar para conseguir

resultados interesado sobrevalorando los argumentos favorables y desdibujandolos contrarios” y también “el arrogante menosprecio de las sentencias judicialescomo “pre-juicios (Vor-Urteile) sin fundamento cientíco”.24

Si el investigador universitario adopta una perspectiva unilateral estárenunciando a la auténtica creatividad jurídica. Podrá aportar solucionesnovedosas y originales, pero – a largo plazo – estas resultarán fragmentariase incoherentes con una visión de conjunto. Esto puede suceder cuando sólo se busquen las respuestas favorables al contribuyente – o a la Administración – perotambién cuando se produzca una especialización en un campo muy concreto,

que no venga acompañada de una curiosidad intelectual por el conjunto del sistema.Es evidente que un investigador no puede abarcar el conjunto de las

disciplinas jurídicas, ni siquiera poseer un conocimiento profundo sobre todoslos aspectos que integran determinada rama del Derecho -pensemos en elDerecho nanciero y tributario. Sin embargo, ha de esforzarse por trazar sucartografía mental – insisto en esta idea – y tener una visión de conjunto; de otromodo su aparente especialización le llevará al empobrecimiento y terminaráutilizando categorías generales del Derecho en un sentido enrarecido que sóloutilizan los especialistas de su sector (quizá por que sólo se leen unos a otros).En denitiva, terminará por convertirse en lo que los alemanes llaman un idiotaespecializado (Fachidiot).

En el otro extremo está la  fabulación  -o el exceso de fantasía – que llevaa arse de meras intuiciones o prejuicios ajenos a la realidad. Se trata de unaactitud alentada por una excesiva conanza en las propias opiniones o posturasideológicas. También Tipke critica con dureza algunas interpretaciones “traídaspor los pelos”.25 El remedio está en desarrollar un trabajo y una reexión másprofundos, renunciando a las meras fantasías en aras de la auténtica creatividad,

más modesta, pero también más veraz.Por último mencionaré una auténtica epidemia del ámbito académico,cuyo maligno virus se incuba también en las células de la creatividad. Merefiero a la soberbia intelectual. Para contraerla, no es necesario ser un maestrode dotes extraordinarios o haber redactado el Digesto: basta con descenderde Adán y Eva. La soberbia intelectual es embriagante. Envuelta en susvapores, la persona más brillante es capaz de caer en las contradicciones másflagrantes o de proclamar con solemnidad auténticas simplezas. La ironía yel sentido del humor que encontramos en las páginas de Klaus Tipke nos

ayudarán, sin duda, a superar este peligro.

24 K. Tipke, Die Steuerrechtsordnung , Volumen tercero, 1ª ed., p. 1181, nota 188.25 K. Tipke , Besteuerungsmoral… , p. 75.

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S A

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P L T A

Especial Referencia a las Tasas por la Prestación deServicios en las Normativas Española y Brasileña

 Marcus Lívio Gomes Juez Federal. Doctor en Derecho Tributario por la

Universidad Complutense de Madrid. Coordinador de laComissão de Direito Tributário da EMARF. Profesor de la FGV.

Sumário: 1. Introducción.2. Tributación medioambiental. Principios constitucionales aplicables.

Tributos medioambientales. Concepto, naturaleza y fundamentos. Tasas medioambientales por la prestación de servicios. La normativa española. 3. Análisis de supuestos concretos en la normativa española. STC 168/2004 – gravamen Catalán sobre instalaciones de riesgo. Ley 14/99, de 4 de  mayo – tasas por servicios prestados por el Consejo de Seguridad Nacional. Ley 22/93, de 29 de diciembre - tasas por supervisión, inspección, investigación, comprobación o reconocimiento de la Comisión Nacional de Mercado de Valores. 4. Marco constitucional medioambiental y tributario 

 brasileño: principios constitucionales medioambientales y tributarios: A. Ámbito competencial;B. Las tasas en la normativa brasileña;  C. La tasa de control y scalización ambiental – TCFA;D. Análisis por el marco del Modelo de Código Tributario Ambiental para América Latina (MCTAAL). Análisis por el marco del principio de equivalencia. Análisis por el marco del principio de capacidad económica. Análisis por el marco del principio de proporcionalidad. 5. Conclusión.6. Bibliografía

1. Introducción26

Al entrar en materia de las “Posibilidades y Límites de las Tasas Ambientales.Especial referencia a las Tasas por la Prestación de Servicios de Vigilancia en lasnormativas española y brasileña”, es preciso referirnos al marco de la scalidadinternacional del medio ambiente,27 cuyo fundamento radica en el principio de“quien contamina paga”.28

La incursión del principio “quien contamina paga” en el ámbitointernacional se encuentra en el principio 22 de la Declaración de Estocolmo,29 que establece que:

“Los Estados deben cooperar para continuar desarrollando el derechointernacional en lo que se reere a la responsabilidad y a la indemnización

26 Agradecemos a Pedro M. Herrera Molina, profesor del Departamento de Derecho Financiero yTributario de la Universidad Complutense de Madrid, por las importantes aportaciones hechas alpresente trabajo. Monografía presentada en el Doctorado de Derecho Financiero y Tributario de laUniversidad Complutense de Madrid. Tributación Ambiental. 2005 (actualizada y revisada).

27 A nivel mundial se comienza a legislar en materia ambiental en ciertos países desarrollados en 1964.28 Principio que fue acuñado por los Japoneses en 1970 y adoptado por la Unión Europea en 1975.29 Informe de la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente 1972.

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de las víctimas de la contaminación y otros daños ambientales que lasactividades realizadas dentro de la jurisdicción o bajo control de talesEstados causen a zonas situadas fuera de su jurisdicción”

Asimismo, en el principio preceptuado en la Declaración de Río de Janeiro30 con el numeral 13 el arma que:

“Los Estados deberán desarrollar la legislación nacional relativaa la responsabilidad y la indemnización respecto de las víctimas de lacontaminación y otros daños ambientales. Los Estados deberán cooperarasimismo de manera expedita y más decidida en la elaboración denuevas leyes internacionales sobre responsabilidad e indemnización por

los efectos adversos de los daños ambientales causados por actividadesrealizadas dentro de su jurisdicción o bajo su control, en zonas situadasfuera de su jurisdicción.”

La lectura de los mismos nos inere la atribución que es concedida a cadapaís en el ámbito del cuidado, preservación, control, protección, desarrolloy restauración ambiental, bajo un contexto legal soslayado a instituciones jurídicas establecidas que doten de prevenciones y soluciones a las injerenciasambientales.

Aprovechando el contexto internacional en el que nos encontramos, caberesaltar que el medio ambiente se concibe de manera global, como un bien jurídicocolectivo protegido/tutelado, íntimamente relacionado al derecho de goce.

Así, el derecho ambiental se encuna en un área del derecho administrativoy el estado contemporáneo – revestido también como un deber – a efectode procurar la conservación del medio ambiente, previniendo los dañosambientales, mejorando el medio y restaurando el daño ocasionado. Al serobligación de toda nación el procurar un medio ambiente adecuado y hacerfrente al deterioro del mismo.

Bajo tal perspectiva, el presente trabajo, dados los diferentes alcances conque los países dotan a una misma contribución (tasa o derecho), así como elcompromiso pactado en la Carta de las Naciones Unidas y con los principiosdel derecho internacional, en donde los Estados tienen la obligación depreservar, proteger y restaurar el ambiente, a través de los instrumentospolíticos y económicos que cada nación estipule, y con apoyo de los organismosinternacionales cuando así se prevea, resulta interesante contrastar lascaracterísticas y alcances de uno de los tributos ambientales por excelencia, queen la normativa española se denomina “Tasa por la Prestación de Servicios de

Vigilancia”.

30 Informe de la Conferencia de las Naciones Unidas 1992.

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2. Tributación medioambiental. Principiosconstitucionales aplicables. Tributos

medioambientales. Concepto, naturaleza yfundamentos. Tasas medioambientales por laprestación de servicios. La normativa española

Utilizándose la premisa de que el tributo es un medio eciente para lapreservación ambiental, aumentan el número de sistemas tributarios queadoptan la gura tributaria con n directo o indirecto de promoción del medio.En este marco, los países, entre ellos, España, vienen procurando estructurar sus

tributos con la nalidad de prevenir e incentivar conductas no contaminantes.Se destaca como primordial el principio ambiental quien contamina paga,31 es decir, priorizar las medidas que eviten el nacimiento de daños al medioambiente, reduciendo o eliminando los riesgos y las causas de las accionescontaminantes.

Hacia esta primera aproximación, se puede denir el concepto de Tributaciónmedioambiental, como el empleo del concepto de tributo a través de sus diversascategorías, para generar recursos públicos con el n de prevención, preservacióny recuperación del medio ambiente – servicios públicos medioambientales –,

 bien como para incentivar un comportamiento no contaminante y desincentivarlos comportamientos contaminantes.32

En una segunda aproximación se puede analizar el principio fundamentalcitado anteriormente, lo cual tendrá aplicación matizada en función de lacategoría tributaria utilizada con el n medioambiental. La estructura del hechoimponible utilizada tendrá efecto directo en la clasicación o naturaleza jurídicadel instituto preceptuado por el legislador. Es decir, tributo medioambientalauténtico – estructura del hecho imponible y base imponible – o tributo con nesambientales – tipos reducidos, incentivos scales y subvenciones –, conceptosque serán profundizados más adelante.

El principio “quien contamina paga” visa imputar al agente los costossociales de la actividad contaminante, es decir, una responsabilidad ecológicaen su conducta. Así, el agente contaminante tendrá que soportar los costos deprevención, control, preservación y recuperación del medio ambiente expuestoa la actividad desarrollada. Por tanto, los tributos medioambientales son unamanera adecuada de tornar efectivo el principio estudiado.

31 Este principio sufre una denominación distinta en los diversos sistemas jurídicos en que está inseri-do. En España se denomina como Principio quién contamina paga y, en Brasil, Principio del PoluidorPagador.

32 DOMINGUES DE OLIVEIRA, J. M.: Direito Tributário. Capacidade contributiva: conteúdo e ecácia do principio, 2ª ed., Renovar, Rio de Janeiro, 1998. p. 77.

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Con apoyo en la doctrina alemana, PEDRO M. HERRERA MOLINA aseveraque la naturaleza del principio ‘quien contamina paga’ está más vinculada acriterios de justicia social, sendas proyecciones del principio de solidariedad –

uso de bienes ambientales vulnerables y escasos que las generaciones futurastienen derecho a disfrutar –, lo que nos lleva a hacer una primera matización.

En el campo de las tasas, objeto de nuestro estudio, en el sentido clásicode esta categoría tributaria, el criterio vector es la justicia conmutativa, el cualvisa, por general, la compensación de un gasto administrativo.33 Por lo tanto, eltributo es orientado por un criterio distinto.

El autor enmarca que la análisis del Derecho Tributario Ambientaldebe partir de la distinción entre “tributos ambientales” en sentido estricto y“elementos tributarios ambientales”, estos benecios scales, modulación de loselementos cuantitativos, aspectos contables que se introduzcan en otros tributosque no sean auténticamente ambientales.34 

Por tanto, la premisa inicial debe ser la perfecta categorización delos institutos jurídicos que estudiamos, de forma que podamos procurarcaracterísticas comunes que nos permitan indicar cual régimen jurídico se lesva a aplicar. En este hilo, lo más importante es poner el acento en la estructuray en los elementos constitutivos del tributo en cuestión, con independencia dela nomenclatura que se utilice. Sin embargo, son la estructura y los elementosconstitutivos los que determinarán la verdadera nalidad del tributo, ademásde su naturaleza jurídica.

Siguiendo al autor, los auténticos tributos ambientales – en sentido estricto –,cuya estructura se diere de las demás, son aquellos que constituyen un incentivoal cuidado del medio ambiente, congurándose como tributos de ordenamiento– nalidad extrascal. Ya los tributos ambientales no auténticos tendránelementos tributarios ambientales, como los benecios scales, modulación delos elementos cuantitativos y aspectos contables que se introducen, sea forzandosu lógica interna – v. g. amortizaciones especiales en la imposición sobre la

renta – sea reforzándola en una dirección ambiental – v. g. tipos reducidos paraproductos menos contaminantes en el impuesto sobre hidrocarburos.35Ponemos de relieve los elementos cuantitativos de los tributos

medioambientales, por lo que respecta a la cuanticación de los costes que han de

33 HERRERA MOLINA, P. H.: Derecho Tributario Ambiental , Marcial Pons, Madrid, 2000, p. 43.34 Ibid., p. 55.35 Ibid., p. 58. Algún otro autor distingue entre nes extrascales y efectos extrascales de los tribu-

tos, el primer orientándose de forma primordial y especíca a un n distinto del recaudatorio, y elsegundo porque su nalidad primordial es la recaudación, pero algunos de los elementos que lointegran tienen trascendencia extrascal. Ya otros, de la doctrina alemana, dan un sentido más am-plio al concepto de tributo ambiental, para abarcar todos los tributos relacionados con la protecciónambiental, con independencia de que tal conexión derive de la exigencia de una contraprestación delos gastos destinados a protegerlo, como incentivo jurídico ambiental, o como mero recurso nancie-ro afectado a nes ambientales.

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recaer sobre el agente contaminante y especicar la naturaleza jurídica del tributoque se pretende instituir. La doctrina del derecho tributario ambiental admite,con matizaciones, tres parámetros de cuanticación: los daños producidos, la

utilidad del uso de los bienes ambientales y el coste de evitar la contaminación.36

¿Pero estos parámetros se aplican a las tasas con la misma intensidadque a los impuestos? Este es uno de los puntos que debemos aclarar, es decir,con cual intensidad el principio quien contamina paga se aplica a las tasasmedioambientales.

En el marco de las categorías y elementos tributarios ambientales, nosinteresa el régimen jurídico de las tasas medioambientales. Primero, analizaremosel concepto general de las tasas para después analizar el régimen tributariomedioambiental. Siguiendo la doctrina española, el concepto de tasa es uno de

los más atormentados del Derecho Tributario. La nueva Ley General Tributariaofrece un concepto detallado de este tipo tributario en su artículo 2.2.a.37

Según CALVO ORTEGA, la denición de la nueva LGT supone un retornoal concepto clásico de tasa y se apoya en dos ideas. La primera técnico-jurídica,al exigir que la actividad administrativa – concesión de dominio público oservicio público – afecte de manera singular al sujeto pasivo, permitiendo unadiferenciación individualizada en su utilización. La segunda conecta con la noobligatoriedad del tributo cuando las actividades administrativas se presten porel sector privado.38

Sin embargo, las mayores dudas ofrecen la especicación de la baseimponible y del tipo de gravamen como elementos de cuanticación del tributo.Así, la cuantía de la tasa será limitada por el coste del servicio, siendo unapeculiaridad de esta categoría tributaria. Este parámetro viene formulado endiversas normativas - Ley 8/89, de 13 de abril, que regula el régimen jurídicode las Tasas y Precios públicos, artículo 19.2;39 Ley Orgánica 8/1980, de 22 deseptiembre, que regula la Financiación de las Comunidades Autónomas,

36 Ibid. , p. 48.37 Artículo 2. Concepto, nes y clases de los tributos…  2. Los tributos, cualquiera que sea su denominación, se clasican en tasas, contribuciones especiales

e impuestos:  a) Tasas son los tributos cuyo hecho imponible consiste en la utilización privativa o el aprovecha-

miento especial del dominio público, la prestación de servicios o la realización de actividades enrégimen de Derecho público que se reeran, afecten o benecien de modo particular al obligadotributario, cuando los servicios o actividades no sean de solicitud o recepción voluntaria para losobligados tributarios o no se presten o realicen por el sector privado.

  Se entenderá que los servicios se prestan o las actividades se realizan en régimen de Derecho Públicocuando se lleven a cabo mediante cualquiera de las formas previstas en la legislación administrativapara la gestión del servicio público y su titularidad corresponda a un ente público.

38 CALVO ORTEGA, R.: Curso de Derecho Financiero. I. Derecho Tributario, 8ª ed., Civitas, Madrid, 2004,p. 122.

39 Artículo 19.2. Elementos cuantitativos de las tasas  2. En general y con arreglo a lo previsto en el párrafo siguiente, el importe de las tasas por la presta-

ción de un servicio o por la realización de una actividad no podrá exceder, en su conjunto, del coste

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artículo 7.3;40  Real Decreto Legislativo 2/2004, de 5 de marzo, que aprueba eltexto refundido de la Ley Reguladora de las Haciendas Locales, artículo 24.2.41

Así, podemos formular dos conceptos de tasas ambientales. Las tasas por

prestación de servicios públicos medioambientales y las tasas por el uso de bienes públicos ambientales. Para el ámbito de nuestro estudio, nos interesan lastasas por prestación de servicios públicos medioambientales.

Las tasas por la prestación de servicios públicos medioambientales, cuyohecho imponible está vinculado a una actividad administrativa, se caracterizanpor el elemento ambiental presente, es decir, el carácter ecológico del servicio.Todavía, la nalidad desincentivadora – cambio de conducta –, a través delos criterios de cuanticación, es matizada en esto tributo, pues se limitaríaa las actividades, y también a los costes de prevención, control, preservación

y recuperación, los dos últimos aspectos muy cuestionables en las diversasnormativas aquí analizadas.42Así, este efecto desincentivador será más tenue en las tasas, por cuenta de las

limitaciones legales impuestas al coste del servicio y de las interrelaciones entrelos principios ‘quien contamina paga’, de equivalencia y capacidad económica.

En lo que toca al principio de capacidad contributiva, este guardaparticularidades con relación a las tasas. Las tasas responden a un criterio de justicia conmutativa – principio de equivalencia –, por lo que el principio decapacidad contributiva se les aplica de forma limitada y matizada.

En este sentido, el art. 7.4 LOFCA,43

 el cual expresa que para la jación delas tarifas de las tasas podrán tenerse en cuenta criterios genéricos de capacidadcontributiva siempre que la naturaleza de aquella se los permita. También el

real o previsible del servicio o actividad de que se trate o, en su defecto, del valor de la prestaciónrecibida.

  3. Para la determinación de dicho importe se tomarán en consideración los costes directos e indirec-tos, inclusive los de carácter nanciero, amortización del inmovilizado y, en su caso, los necesariospara garantizar el mantenimiento y un desarrollo razonable del servicio o actividad por cuya presta-ción o realización se exige la tasa, todo ello con independencia del presupuesto con cargo al cual se

satisfagan en una cantidad ja señalada al efecto, determinarse en función de un tipo de gravamenaplicable sobre elementos cuantitativos que sirvan de base imponible o establecerse conjuntamentepor ambos procedimientos.

40 Artículo 7.3. El rendimiento previsto para cada tasa por la prestación de servicios o realización deactividades no podrá sobrepasas el coste de dichos servicios o actividades.

41 Artículo 24.2. En general, y con arreglo a lo previsto en el párrafo siguiente, el importe de las tasaspor la prestación de un servicio o por la realización de una actividad no podrá exceder, en su conjun-to, del coste real o previsible del servicio o actividad de que se trate o, en su defecto, del valor de laprestación recibida. Para la determinación de dicho importe se tomarán en consideración los costesdirectos e indirectos, inclusive los de carácter nanciero, amortización del inmovilizado y, en su caso,los necesarios para garantizar el mantenimiento y un desarrollo razonable del servicio o actividadpor cuya prestación o realización se exige la tasa, todo ello con independencia del presupuesto uorganismo que lo satisfaga. El mantenimiento y desarrollo razonable del servicio o actividad de quese trate se calculará con arreglo al presupuesto y proyecto aprobados por el órgano competente.

42 HERRERA MOLINA, P. M.: Derecho Tributario Ambiental…, cit., p. 55.43 Artículo 7.4. Para la jación de las tarifas de las tasas podrán tenerse en cuenta criterios genéricos de

capacidad económica, siempre que la naturaleza de aquella se lo permita.

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nuevo art. 24.4 LHL44 señala que para la determinación de la cuantía de las tasaspodrán tenerse en cuenta criterios genéricos de capacidad contributiva de lossujetos obligados a satisfacerlas.

El Tribunal Constitucional ha seguido esta corriente en la STC 289/2000, FJ4º, al señalar que la capacidad económica no opera como elemento conguradoren las tasas o, sí lo hace, es de manera muy indirecta y remota. La doctrina nodiscrepa de estos entendimientos.45

En este tributo, el principio de capacidad económica sede al principio del benecio. Es lo que ha decidido el Tribunal Constitucional en la STC 233/1999,al señalar el carácter de contraprestación de las tasas y añadir que en ellas “seevidencia de modo directo y inmediato un carácter sinalagmático que no seaprecia en otras guras impositivas” (FJ 9º).

En este contexto, sería lícito reducir o no exigir la tasa cuando el deudorno dispone de medios para pagarla, por cuenta de la aplicación sistemática deotro principio constitucional, es decir, el principio del mínimo exento personaly familiar.

Concluye con maestría PEDRO HERRERA armando que “tales tributosno entran en conicto con el principio de capacidad económica siempre queconcurran dos requisitos: que su importe no supere el coste del servicio ni eldaño ambiental, o el coste medio de evitar la contaminación, y que no se lesioneel mínimo exento personal o familiar ni la prohibición de conscatoriedad”.46

No obstante, se pueden analizar estas cuestiones por el prisma de lametodología del Derecho Financiero y Tributario. El fenómeno del deslizamientoentre las categorías tributarias es estudiado en España por diversos doctrinadores.Releva citar las ponderaciones hechas por PEDRO HERRERA, en importanteobra sobre el tema, en el sentido de que la clasicación tripartita de los tributosha perdido solidez por mimetismos, metamorfosis e hibridismos entre lasdiversas categorías tributarias.

Cita el autor una tendencia histórica a la transformación de tasas enimpuestos y, más recientemente, una tendencia a cuanticar las tasas segúncriterios de capacidad económica, “que en realidad tienden a convertir las tasasen impuestos contrahecho que no se ajustan con claridad al principio de capacidadeconómica ni al de equivalencia.47 

44 Artículo 24.4. Para la determinación de la cuantía de las tasas podrán tenerse en cuenta criteriosgenéricos de capacidad económica de los sujetos obligados a satisfacerlas.

45 … “hay un sinalagma claro entre el pago de la tasa y la utilización del dominio público, la recepciónde un servicio público o la realización de una actividad administrativa, que benecia o afecta a quienpaga la tasa. En el hecho imponible de la tasa aparece como elemento esencial la contraprestación:el pago de la tasa comporta una contraprestación administrativa, al punto que sí esta no se da, surgeel derecho a la devolución de lo ingresado.”… J. MARTÍN QUERALT, J. – LOZANO SERRANO,C. – CASADO OLLERA, G. – TEJERIZO LÓPEZ, J. M.: Curso de Derecho Financiero y Tributario , 7ª ed.,Tecnos, Madrid, 1996, p. 104.

46 HERRERA MOLINA, P. M.: Derecho Tributario Ambiental…, cit., p. 176.47 HERRERA MOLINA, P. M.: Metodología del Derecho Financiero y Tributario , Ed. Porrúa, México - DF,

2005, p. 214.

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El autor concluye armando que la transformación de impuestos en tasas yviceversa sólo resulta aceptable cuando la impongan exigencias de practicidadscal, pues convertir una tasa en un impuesto supone quebrar el principio

de equivalencia sin que el impuesto se justique en una manifestación decapacidad económica, y convertir un impuesto en una tasa supone distorsionarinjusticadamente las exigencias de la capacidad económica.

Además, no se puede dejar de citar las cuestiones de exibilización de lascategorías en presencia de nes extrascales. Según el citado autor, cuando losnes extrascales de los impuestos responden a criterios de equivalencia – v.g. internalizar costes externos de actividades contaminantes – se produce unaaproximación constitucional a las tasas, al menos desde la perspectiva de losprincipios materiales que rigen la carga tributaria.

Prosigue el autor armando que en aquellos impuestos extrascalesdirigidos a desincentivar conductas o cambiar comportamientos indeseados -“principio quien contamina paga” internalizando los costes externos ocasionadospor las actividades contaminantes – responden precisamente a la citada ideade equivalencia o causalidad. Así, las tasas constituyen el cauce natural para eldesarrollo de ciertos tributos extrascales.48

Por supuesto, la creación de guras mixtas o híbridas por el legislador puedeproducir incoherencias cuando el fundamento del tributo responde en parte al

principio de equivalencia y en parte al principio de capacidad económica, v. g.  hecho imponible propio de una tasa – prestación de servicio y un criterio decuanticación más semejante al de un impuesto – porcentaje del facturación.

Sin embargo, hay que frisar que delante auténticos tributos extrascalesel principio de capacidad económica puede ser matizado frente al principio deequivalencia, por lo que pueden justicarse mezclas entre los impuestos y lastasas para conseguir una aplicación más sencilla y practicable del tributo.49

Por supuesto, la proyección del principio ‘quien contamina paga’ sobreel Derecho Tributario, en especial sobre las tasas de servicio medioambiental,

coincide con el principio de equivalencia, con la peculiaridad de que han detenerse en cuenta no sólo los costes inmediatos para la administración, sino quelos costes externos ocasionados por la actividad contaminante. Calculada bajoeste criterio, las tasas pueden desempeñar una nalidad de incentivo.

Por n, hay que resaltar que la auténtica tasa medioambiental deberespetar una progresividad ambiental, en el sentido de que puede resultar máseconómico reducir la contaminación, admitida la posibilidad de gradación de lacuantía del tributo.50

48 Ibid., p. 224.49 Ibid., p. 225.50 HERRERA MOLINA, P. M. “Elementos cuantitativos de los Tributos medioambientales”, en la obra co-

lectiva dirigida por YÁBAR STERLING, A.: Fiscalidad y medio ambiente , Lex Nova, Valladolid, 1999, p. 270.

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3. Análisis de supuestos concretos en la normativaespañola. STC 168/2004 – gravamen Catalán sobre

instalaciones de riesgo. Ley 14/99, de 4 de mayo – tasaspor servicios prestados por el Consejo de SeguridadNacional. Ley 22/93, de 29 de diciembre – tasas porsupervisión, inspección, investigación, comprobacióno reconocimiento de la Comisión Nacional de Mercadode Valores

El primer supuesto es la STC 168/2004, la cual analizó el gravamen Catalánsobre instalaciones de riesgo. La Comunidad de Cataluña creó un gravamensobre los titulares de actividades a las que estuvieran afectas instalacionespeligrosas susceptibles de generar actuaciones de protección civil – Ley 4/1997,de 20 de mayo. El tributo quedaba afectado integralmente a las actividades deprevisión, prevención, planicación, información y formación, denidas en laley catalana, incluyendo la eventual constitución de un fondo de seguridad.

Lo relevante es que el tribunal jo una doctrina en el sentido de que elgravamen es un tributo de carácter retributivo y nalista, en que pese el

objeto imponible estar constituido por el riesgo potencial de las actividades einstalaciones mencionadas en la ley, medidos a través de elementos cuantitativosque supongan un indicio del riesgo potencial.51 

Sin embargo, a pesar de la sentencia armar que “en la jación del tipoaplicable o de la tarifa el legislador autonómico ha empleado criterios noestrictamente vinculados con los ingresos de las empresas explotadoras de lasinstalaciones o que realizan las actividades sino con su producción, utilizándoseel volumen de facturación únicamente para establecer las escalas de cantidadesmáximas a ingresar por este concepto…” – art. 59.2 – FJ 10, el concreto es que se

mezclan hechos imponibles y criterios de cuanticación de impuestos y tasas oquizá contribuciones especiales.Lo antes dicho se queda patente en el siguiente pasaje, FJ 10, en el cual

el tribunal arma que “el gravamen no es un tributo de carácter contributivo,sino que prima su vertiente retributiva, pues su exacción no depende delvalor del bien o de la renta que potencialmente produzca, sino del riesgo queencierra, de su peligrosidad, medidos en términos de protección civil…”, ymás “en el presente caso no cabe hablar de una gura tributaria con nalidadexclusivamente recaudatoria, tanto por la denición legal de sus elementos

determinantes, cuanto por el establecimiento de un fondo de seguridad”.

51 La terminología “riesgo potencial” fue utilizada por Pedro M. Herrera Molina, en sus comentarios ala referida sentencia.

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No es por otra razón que el tribunal no ha calicado la gura como impuesto,pero como tributo, evitando pronunciarse sobre la naturaleza jurídica de lagura.

El tribunal usa la palabra gravamen desproveído de un contenido técnicopreciso, congurando el tributo como un impuesto – el hecho imponible noguarda relación con la prestación de un servicio, aunque su fundamento materialradique en un gasto público imputable a las entidades sujetas al que resultaafecta la recaudación. Además, pese la armación de la sentencia, no se puedeconsiderar que se trata de un auténtico tributo extrascal, pues no existe unanalidad desincentivadora en la normativa.52

El análisis anterior jo dos puntos fundamentales, la existencia de unagura tributaria híbrida, con características de tasa – carácter retributivo –, y

 base imponible de impuesto – volumen de facturación. Y otra, la tributación deun riesgo potencial, lo que conguraría un supuesto de una tasa por la prestaciónde servicios de vigilancia.

El segundo supuesto trata de una normativa que todavía no ha sidoimpugnada judicialmente. Analizamos la Ley 14/99, de 4 de mayo, la cualha instituido las tasas por servicios prestados por el Consejo de SeguridadNacional. En especial, nos interesa el artículo 10, el cual crea la tasa porinspección y control de funcionamiento de las instalaciones nucleares, típicatasa de servicio de vigilancia.

Su hecho imponible son los servicios de inspección y control que seannecesarios realizar a juicio del Consejo de Seguridad Nuclear en orden agarantizar al máximo la explotación y funcionamiento adecuados, así como laseguridad de las instalaciones nucleares.

Cuanto a la cuanticación, el importe de la tasa incluye los serviciosprestados por el Consejo de Seguridad Nacional de evaluación e inspección ycontrol relacionados con las autorizaciones de modicación durante la operaciónde dichas instalaciones. Cogemos como ejemplo el párrafo 2 del artículo 10 dela ley, el cual clasica las instalaciones nucleares para nes de cuanticación.53

Lo que percibimos es que la normativa cuantica la cuota en función de lapotencia autorizada de las centrales eléctricas. A pesar de establecer cuantías muchomás elevadas para los residuos de alta actividad, olvidase del coste de servicio, esdecir, del principio de equivalencia y, principalmente, del carácter desincentivador

52 Comentarios a la STC 168/2004. Disponible en: www.ief.es/publicaciones/jurisprudencia cons-titucional.

53 2. Clasicación de las instalaciones nucleares a efectos de la base imponible.  A) Centrales nucleares.  A.1 Cuota. En función de la potencia autorizada de las centrales nucleares y en consideración al

agrupamiento de tareas en la prestación que supone la existencia de dos unidades en un mismoemplazamiento, se establecen las siguientes cuotas:

  A.1.1 Centrales nucleares de potencia bruta inferior a 250 megavatios eléctricos: 101.000.000 de pese-tas cada año.

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de cualquier conducta contaminante, alejando el tributo de una auténtica tasamedioambiental, es decir, de un auténtico tributo de ordenamiento – extrascal.54

Lo último supuesto trata de las tasas cobradas por la Comisión Nacional

de Mercado de Valores (CNMV), Ley 22/93, de 29 de diciembre, sobre medidasscales, reforma del régimen jurídico de la función pública y la protección pordesempleo.55

El artículo 13 de la ley, en su apartado cuarto, dene la base imponible delas tasas en función de los parámetros: valor nominal, valor efectivo o valoraciónsegún parámetros objetivos como el de cotización en un mercado secundario,de las operaciones que sean objeto de vericación, inscripción o autorizaciónpor parte de la Comisión Nacional del Mercado de Valores; capital social,

patrimonio, activo o recursos propios de las personas, Entidades o Institucionesque sean objeto de inscripción en los Registros a cargo de la Comisión Nacionaldel Mercado de Valores, o de supervisión o inspección por parte de la misma; el

54 Herrera Molina, P. M. – Carbajo Vasco, D. “Marco general jurídico de la tributación medioam- biental: concepto, marco constitucional y marco comunitario” en la obra colectiva dirigida porBuñuel Gonzalez, M. Tributación Medioambiental: teoría. Práctica y propuestas, Calvo Ortega,R. (Dir.) - Tejerizo López, J. M. (Coord.). La Nueva Ley General Tributaria. Madrid, Cívitas, 2004,Madrid, 2004, p. 94.

55 Artículo 13

  Uno. El Gobierno podrá acordar la aplicación y desarrollar la regulación de las Tasas aplicablespor la realización de actividades o prestación de servicios por parte de la Comisión Nacional delMercado de Valores, de acuerdo con lo establecido en el presente artículo.

  Dos. Los hechos imponibles de las tasas a que se reere este artículo podrán consistir en:  a) Registros de folletos informativos en sus distintas modalidades.  b) Inscripciones en los Registros Ociales de la Comisión Nacional del Mercado de Valores de

Entidades o Instituciones, incluidas las de los actos posteriores a la inscripción nal.  c) Tramitación de las solicitudes de autorización de ofertas públicas de adquisición de valores.  d) Supervisión, inspección, investigación, comprobación o reconocimiento de determinados sujetos,

Entidades o Instituciones.  e) La expedición de certicados o documentos a instancia de parte.  Tres. Serán sujetos pasivos de las tasas, las personas a quienes afecte o benecie la realización de

actividades o prestación de servicios por parte de la Comisión Nacional del Mercado de Valores.  Cuatro. La base imponible de las tasas podrá establecerse en función de alguno de los siguientes

parámetros:  a) Valor nominal, valor efectivo o valoración según parámetros objetivos como el de cotización en un

mercado secundario, de las operaciones que sean objeto de vericación, inscripción o autorizaciónpor parte de la Comisión Nacional del Mercado de Valores.

  b) Capital social, patrimonio, activo o recursos propios de las personas, Entidades o Institucionesque sean objeto de inscripción en los Registros a cargo de la Comisión Nacional del Mercado deValores, o de supervisión o inspección por parte de la misma.

  c) El importe efectivo o nominal de las operaciones de transmisión de la propiedad de valores nego-ciables realizada en mercados secundarios.

  d) El número de contratos de futuros u opciones negociados en el correspondiente mercado.  e) Los saldos de valores por cuenta propia o de terceros en Entidades que lleven o participen en la

llevanza de Registros contables representados por medio de anotaciones en cuenta.  Cinco. Los tipos o, en su caso, las cuotas de cuantía ja podrán ser establecidos por el Gobierno

teniendo en cuenta lo dispuesto en los artículos 19 y 20 de la Ley 8/1989, de 13 de abril, de Tasas yPrecios Públicos.

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importe efectivo o nominal de las operaciones de transmisión de la propiedadde valores negociables realizadas en mercados secundarios; el número decontratos de futuros u opciones negociados en el correspondiente mercado; los

saldos de valores por cuenta propia o de terceros en Entidades que lleven oparticipen en la llevanza de Registros contables representados por medio deanotaciones en cuenta.

La tasa estudiada no tiene trascendencia medioambiental, pero toca alaspecto de cuanticación, lo que nos interesa. La normativa viola directamenteel principio de equivalencia pues está alejada de cualquier criterio conectado conel coste del servicio de vigilancia prestado por la institución.

Además, es mensurada de acuerdo con parámetros conectados a la actividadeconómica de los sujetos pasivos - valor nominal, valor efectivo o valoración

según parámetros objetivos como el de cotización en un mercado secundario,de las operaciones que sean objeto de vericación, inscripción o autorizaciónpor parte de la Comisión Nacional del Mercado de Valores; capital social,patrimonio, activo o recursos propios de las personas, Entidades o Institucionesque sean objeto de inscripción en los Registros a cargo de la Comisión Nacionaldel Mercado de Valores, o de supervisión o inspección por parte de la misma; elimporte efectivo o nominal de las operaciones de transmisión de la propiedadde valores negociables realizadas en mercados secundarios; lo que pudríatransformarla en un impuesto disfrazado.

Por tanto, las tasas de servicio de vigilancia, si adecuadamente instituidasy utilizadas, pueden desarrollar efectivamente un control de gran calidad, perode elevado coste. Por supuesto, deben estar legitimadas por el principio deequivalencia, lo que no impide la aplicación del principio de capacidad económica,el cual matizado permite hasta los criterios de progresividad medioambientalpara la determinación de la cuota individual – sin superar en su conjunto el costedel servicio, directo e indirecto. Aplicados todos los matices citados, las tasas deservicio de vigilancia funcionan como auténticos tributos de ordenamiento.

4. Marco constitucional medioambiental y tributariobrasileño: principios constitucionalesmedioambientales y tributarios

La Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 , en adelante CF/88,dedica un capítulo entero al medio ambiente en el Título VIII, CapítuloVI, artículo 22556. La Carta Constitucional ha reservado otro capítulo alSistema Tributario Nacional , el Título VI, Capítulo I, donde sistematiza todo el

56  Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essen-cial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo

 para as presentes e futuras gerações.

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Sistema Constitucional Tributario, en especial los principios constitucionalestributarios y las competencias de los entes de la Federación, y están rígidasy exhaustivamente compartidas entre la  União, Estados, Municípios e Distrito

Federal – entes federativos.57

 Se observa que en el marco constitucional tributariono existen principios constitucionales tributarios medioambientales expresos,por lo que todas las conclusiones a que llegaremos tendrán que estar basadasen esta premisa.

Además de los capítulos citados, existen otros en la CF/88 de especialrelevancia en materia ambiental. Citamos el artículo 170, VI,58 lo cual establece ladefensa del medio ambiente como uno de los principios generales de la actividadeconómica. Y, conectado a este, el artículo 177, párrafo 4º, II, b, recientementeintroducido por la Enmienda Constitucional nº 33, de 11/12/2002, lo cual afecta

parte de la receta de un tributo – de Intervenção de Domínio Econômico – CIDE59

 –relativo a los hidrocarburos y a la nanciación de proyectos ambientales.

A. Ámbito competencial

En lo que toca a la competencia, hay que hacer algunas matizaciones. Brasiles un Estado Federal, donde las competencias materiales o administrativas,tributarias y legislativas son compartidas por la constitución entre los entesfederativos União, Estados, Municípios y Distrito Federal.  Esta distribución decompetencias es llamada por la doctrina brasileña como Principio Federativo , porlo cual se conere autonomía material o administrativa, tributaria y legislativaa cada uno de ellos.

La Carta Constitucional ja criterios de repartición de competenciasadministrativas o materiales con fundamento en el predominio del interés. A laUnião compete legislar sobre materias de interés nacional, a los Estados legislarsobre materias de interés regional, a los  Municipios legislar sobre materias deinterés local y, por n, al Distrito Federal legislar sobre materias de competenciade los Estados y de los Municipios.

Sin embargo, en el tema del Derecho Ambiental, la solución no es tan sencilla,pues existen problemas que afectan el interés nacional, regional y local al mismotiempo, tales como aquellos relacionados con la Foresta Amazónica, el Polígonode las sequías,60  entre otros. Siendo Brasil un país continental, sus problemas

57 En España, los niveles de gobierno son el Estado, las Comunidades Autónomas y los entes locales.58  Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por m

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:  VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos

 produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucionalnº. 42, de 19.12.2003)

59 La Contribuição en Brasil es un tributo afectado. Tiene semejanza con los impuestos especiales enEspaña, pero con afectación vinculada por la Constitución.

60 Rincón el en Nordeste del país, lo cual abarca parte de seis estados brasileños.

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tienen las mismas dimensiones, demandando soluciones complejas por cuenta desu organización federal y la existencia de más de 5.000 municipalidades.

Así, la competencia administrativa o material es compartida de la siguiente

forma:

• Exclusiva: reservada a la União, con exclusión de los demás. Art. 21,CF/88.

• Común: atribuida a todos los entes de la Federación, que la ejercenen igualdad, sin excluir la del otro, siendo por lo tanto acumulativa.Esta competencia conere deberes a los entes. Art. 23, VI, VII y párrafoúnico, CF/88.61

• Residual: compete a los Estados. Art. 25, párrafo 1º, CF/88.

El problema es discernir cual norma administrativa es más adecuada a unadeterminada situación especíca y concreta. La solución es la utilización delcriterio de la preponderancia del interés y de la colaboración. Por el primero, sedebe privilegiar la norma que atienda de forma más efectiva el interese común.Por el segundo, con fundamento en el artículo 23, párrafo único, se debe primarpor la cooperación entre los entes federales. Es decir, todos los criterios visancumplir los designios de la protección medioambiental más efectiva.

Derivando de la competencia administrativa o material, la constituciónatribuye las respectivas competencias legislativas:

• Exclusivas: competen a los municipios y son indelegables. Art. 30, I y II,CF/88.62 

• Privativas: propias de la União , pero delegables a los Estados. Art. 22 e§ único, CF/88.

• Concurrentes: Todos los entes estatales pueden disponer sobre el temao materia. Las normas generales son de competencia de la União y lasnormas suplementarias de competencia de los Estados Art. 24, §§ 1º, 2º,3º y 4º, CF/88.63

61  Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:  ...VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;  VII - preservar as orestas, a fauna e a ora.  Parágrafo único. Lei complementar xará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.62  Art. 30. Compete aos Municípios:  I - legislar sobre assuntos de interesse local;  II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;63  Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:  I - direito tributário, nanceiro, penitenciário, econômico e urbanístico;...  VI - orestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do

meio ambiente e controle da poluição;  VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

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En el tema de las normas generales, la União legislará sobre los nivelesmínimos de protección ambiental, al paso que los Estados y Municipios legislaránsobre los niveles máximos de protección ambiental. Esto porque Estados y

 Municípios están más próximos y más atentos a los problemas, intereses ypeculiaridades de sus rincones, teniendo el medio ambiente por lo menos elnivel mínimo que la União conere. Por supuesto, el sistema constitucional visala máxima protección y preservación del medio ambiente.

Las categorías constitucionales tributarias son compartidas en la formadel art. 145,64  CF/88. Este artículo establece tres tributos, impuestos, tasas ycontribuciones especiales. Sin embargo, la mayoría de los doctrinarios, así comola doctrina de Supremo Tribunal Federal – Corte Constitucional brasileña, hanadoptado una clasicación distinta, pues adicionan los empréstimos compulsórios65 y las contribuciones sociales.66

El Código Tributário Nacional , en adelante CTN, reglamenta las categoríastributarias en el artículo 5º.67 Nos interesa el estudio de las tasas, en especiallas ambientales, por lo que nos concentraremos en los artículos 77, 78, 79 y80 del CTN.68

  VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,histórico, turístico e paisagístico;...

  § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.  § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dosEstados.

  § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, paraatender a suas peculiaridades.

  § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a ecácia da lei estadual, no que lhe forcontrário.

64  Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:  I - impostos;  II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos

especícos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;  III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

  § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômicado contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,identicar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividadeseconômicas do contribuinte.

  § 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.65 Categoría de tributo que se restituye.66 Categoría de tributo semejante a un impuesto afectado en España.67  Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.68  Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito

de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização,efetiva ou potencial, de serviço público especíco e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

  Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto

nem ser calculada em função do capital das empresas. (Vide Ato Complementar nº. 34, de 30.1.1967)  Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando

direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público con-cernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício deatividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou

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La constitución atribuye la competencia tributaria común, de formagenérica e innominada, a todos los entes de la federación para la imposición delas tasas. Sin embargo, en lo que toca a los impuestos la competencia es privativa

y discriminada a los entes federativos.Así, la competencia para la imposición de las tasas, en especial aquellasque tengan trascendencia medioambiental y tributaria, decorrerá de aquelloente que tenga competencia administrativa o material para arreglar el tema.Deja de ser competencia común para ser privativa en función de la competenciaadministrativa o material.

B. Las tasas en la normativa brasileña

En la normativa brasileña, las tasas se caracterizan por el principiode equivalencia, siendo tributos vinculados a actividad del Estado, sea laprestación de servicios, sea el ejercicio del poder de policía por el Estado. Elhecho imponible de las tasas es una ocurrencia relacionada con la utilización,provocación o disposición del servicio o actividad por el contribuyente. Así,existen dos categorías de tasas, las de servicio y las de policía.

En el tema de las tasas de servicio, la doctrina y la jurisprudencia requierenque el servicio deba existir para que se pueda instituir y cobrar la tasa. Sinembargo, la utilización por el contribuyente puede ser efectiva o potencial,

debiendo el servicio estar disponible para utilización.Tratándose de tasas de policía, la actividad debe existir, materializándosepor el efectivo ejercicio por el ente estatal cargado. Es una limitación objetiva,es decir, la efectiva contraprestación. Además, para ambas, existen requisitosespecícos, como la divisibilidad y especicidad (art. 79, II y III, CTN).

Nos concentraremos en el estudio del aspecto cuantitativo de las tasas, porcuenta de su trascendencia en materia tributaria medioambiental. Utilizandola terminología de la doctrina tributaria española, en la normativa brasileña el

ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº. 31,de 28.12.1966)

  Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão compe-tente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenhacomo discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

  Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:  I - utilizados pelo contribuinte:  a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;  b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade

administrativa em efetivo funcionamento.  II - especícos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de neces-

sidades públicas;

  III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.  Art. 80. Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições

da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal,as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elascompatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.

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aspecto cuantitativo del elemento objetivo del hecho imponible de las tasas nopodrá contener identidad con los dos impuestos. Este elemento tiene mucharelevancia pues es uno de los criterios para la distinción de las categorías

tributarias.69

 La jurisprudencia de la Corte Constitucional brasileña – Supremo TribunalFederal – en adelante STF, ha evolucionado cuanto al tema:70

• STF > hasta 1999: Declaraba la inconstitucionalidad de cualquier tasaque hiciera referencia, en la determinación del aspecto cuantitativo delelemento objetivo del hecho imponible, a algún aspecto cuantitativodel elemento objetivo del hecho imponible de algún impuesto. Estainterpretación ha originado la súmula de jurisprudencia dominante nº 595.71

• STF > después de 1999: A través de los Recursos Extraordinários – RREE72

 –220.316 y 232.393, pasó a considerar que la tasa que lleva en consideraciónalguna de las características que también integran el aspecto cuantitativodel elemento objetivo del hecho imponible de algún impuesto nocongura vulneración del párrafo 2º, artículo 145, CF/88.

RE 220316 / MGEMENTA: MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. TAXA DEFISCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 145, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO.Exação scal cobrada como contrapartida ao exercício do poder de polícia,sendo calculada em razão da área scalizada, dado adequadamenteutilizado como critério de aferição da intensidade e da extensão doserviço prestado, não podendo ser confundido com qualquer dos fatoresque entram na composição da base de cálculo do IPTU, razão pela qualnão se pode ter por ofensivo ao dispositivo constitucional em referência,que veda a bitributação. Serviço que, no caso, justamente em razão domencionado critério pode ser referido a cada contribuinte em particular, ede modo divisível, porque em ordem a permitir uma medida tanto quanto possível justa, em termos de contraprestação. Recurso não conhecido.73

• STF. Posición actual: Análisis de la Tasa de Fiscalización de la Comisiónde Valores Mobiliarios (CVM).

69 PÉREZ ROYO, F.: Derecho Financiero y Tributario. Parte General, 14ª, Civitas, Madrid, 2004, p. 140.70 SEABRA DE GODOY, M. (Coord.): Sistema tributário Nacional na Jurisprudência do STF , Dialética, São

Paulo, 2002, p. 334 y ss.71 “É inconstitucional a taxa municipal de conservação de estradas de rodagem cuja base de cálculo seja idêntica

a do imposto territorial rural”.72 Recurso Extraordinário 220316 / MG - Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO Julgamento: 12/08/1999

Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Publicação: DJ DATA-29-06-2001.73 Recurso Extraordinário 232393 / SP - Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 12/08/1999

Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ DATA-05-04-2002.

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(...) se discute a constitucionalidade da taxa de scalização do mercado detítulos e valores mobiliários, instituída pela Lei 7.940/89 (v. Informativos82, 112 e 119). O Tribunal (...) entendeu constitucional a referida taxa.

Considerou-se: 1) que o fato de a taxa variar em função do patrimôniolíquido da empresa não signica que esse patrimônio líquido constitua suabase de cálculo - serve, apenas, de elemento informativo do montante a ser pago, quando da aplicação da tabela prevista na lei; 2) que o critério adotado para a cobrança de taxa observa o princípio da capacidade contributiva,que também pode ser aplicado a essa espécie de tributo, principalmentequando se tem como fato gerador o poder de polícia (...)74

La Corte Constitucional entendió que i) el hecho de que la tasa puede variar

en función del patrimonio neto de la empresa no signica que este patrimonioneto constituya el aspecto cuantitativo del elemento objetivo del hecho imponible.Según la Corte, sirve solamente de elemento informativo del montante a ser pago,cuando de la aplicación de la tabla prevista en la ley; ii) el criterio adoptado para lacobranza de la tasa observa el principio de la capacidad contributiva o económica,que también puede ser aplicado a esta categoría de tributo, principalmente cuandose tiene como hecho imponible el poder de policía.

Dos conclusiones iniciales se pueden sacar de la decisión. La primeraes que el patrimonio neto de la empresa no podría congurar como aspecto

cuantitativo del elemento objetivo del hecho imponible, pues no representaninguna equivalencia o contraprestación del Estado a favor del contribuyente.

La segunda es que la capacidad contributiva, tanto en la normativa brasileña,como en la española, en las tasas es analizada de otra forma. Profundizaremosestas cuestiones, pues este entendimiento también ha sido adoptado en otracategoría de tasa, la Tasa de Control y Fiscalización Ambiental, adelante TCFA,con una fundamentación más doctrinaria por la Corte Constitucional.

C. La tasa de control y scalización ambiental – TCFA75

Primero releva analizar el concepto de Poder de Policía. El CTN lo denecomo:

 Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ouabstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene,à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de

74 Recurso Extraordinário 177835 / PE - Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 22/04/1999Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Publicação: DJ DATA-25-05-2001. ADInMC 1.910-DF, rel. Min.Sepúlveda Pertence, 22.4.99. (www.stf.gov.br/Informativo de jurisprudência n. 146).

75 Esta gura es una Taxa de Polícia en Brasil, análoga a la Tasa de Servicio de Vigilancia en España.

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atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público,à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais oucoletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quandodesempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observânciado processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, semabuso ou desvio de poder.

En el Derecho Administrativo, el Poder de Policía es descrito en cuatrodimensiones: reglamentar, material, scal y sancionadora. La normativatributaria está vinculada o conectada al concepto del poder de policía materialy scal, es decir, la concreción de actividad material a través del Derecho

Tributario.Fueron varias las tentativas de instituir una tasa ambiental en Brasil.

Primer la Portaria nº 113, de 25/09/97, do IBAMA , instituyó el “Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadores de Recursos Ambientais” . El STF declaró inconstitucional este catastro, bajo el fundamentode que violaba el Principio de Legalidad Tributaria.

 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 005º, 008 º,009º, 010, 013, § 00l º, E 014 DA PORTARIA Nº 113, DE 25.09.97, DO IBAMA.Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa

 para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de AtividadesPotencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, e estabeleceusanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, comofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigirtributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido,aliada à conveniência de pronta suspensão da ecácia dos dispositivos impugnados.Cautelar deferida.76

A continuación, fue instituida la Tasa de Fiscalización Ambiental (TFA), porla ley nº 9.960/2000. La Corte Constitucional declaró la inconstitucionalidad del

tributo por incompatibilidad con los artículos 145, II, 167, IV, 154, I y 150, III, b,CF/88. Los fundamentos siguen la jurisprudencia.

Dispositivos insuscetíveis de instituir, validamente, o novel tributo, por haveremdenido, como  fato gerador, não o serviço prestado ou posto à disposição docontribuinte, pelo ente público, no exercício do poder de polícia, como previstono art. 145, II, da Carta Magna, mas a atividade por esses exercida; e comocontribuintes pessoas físicas ou jurídicas que exercem atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais, não especicadas em lei. E,

76 ADI 1823 MC / DF - DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO Julgamento: 30/04/1998 Órgão

 Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ DATA-16-10-1998.

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ainda, por não haver indicado as respectivas alíquotas ou o critério a ser utilizado para o cálculo do valor devido, tendo-se limitado a estipular, a forfait, valoresuniformes por classe de contribuintes, com agrante desobediência ao princípio

da isonomia, consistente, no caso, na dispensa do mesmo tratamento tributárioa contribuintes de expressão econômica extremamente variada. Plausibilidadeda tese da inconstitucionalidade, aliada à conveniência de pronta suspensão daecácia dos dispositivos instituidores da TFA.77

Por n, fue publicada la ley nº 10.165, de 27/12/2000, la cual ha cambiado laley nº 6.938, de 31/08/1981,78 la cual buscó sanar todos los vicios apuntados porel STF. La doctrina ha suscitado varios argumentos por la inconstitucionalidadde la tasa, de los cuales debatiremos los principales. Antes, transcribimos losprincipales aspectos del nuevo tributo.

 Art. 17-B. Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA,cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama paracontrole e scalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras derecursos naturais.(NR) Art. 17-C. É sujeito passivo da TCFA todo aquele que exerça as atividades constantes

do Anexo VIII desta Lei. (NR) Art. 17-D. A TCFA é devida por estabelecimento e os seus valores são os xados no Anexo IX desta Lei. (NR)

Es evidente que no se puede determinar con precisión absoluta el costede la actividad scalizadora del Estado, dado su complejidad y extensión, loque impone al legislador adoptar criterios razonables y proporcionales parala denición de la suma del tributo devengado. En el caso concreto, se debecuestionar si los criterios utilizados en la normativa demuestran proporcionalidad

y objetividad para la cuanticación de la tasa.El principal parámetro utilizado fue la variación del valor del tributo en

función del potencial de contaminación y del volumen de facturación de laempresa. ¿Este último podría ser un parámetro válido? ¿Cuál es la verdadera base imponible del tributo?

Para la defensa de la constitucionalidad del tributo, el Estado alegó que lavariación de la TCFA en función del volumen de facturación de la empresa nosignica que tal criterio constituya la misma base imponible de un impuesto,

77 ADInMC 2.178-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 29.3.2000. www.stf.gov.br/informativo de jurisprudêncianº 183.

78 Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus ns e mecanismos de formulação e aplicação, e dáoutras providências.

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sino que un factor de optimización del principio constitucional de la capacidadeconómica.

Dijo que existe una correlación lógica entre el volumen de facturación

del contribuyente y el riesgo ambiental causado y sometido a scalización delEstado. Así, en principio, es razonable presumir que cuánto más grande laexpresión económica de la empresa, más grande el potencial de contaminación.

En verdad, tal línea ya había sido puesta rme por el STF en el RE177.835,79 donde si cuestionaba la constitucionalidad de la Tasa de Fiscalizaciónde la Comisión de Valores Mobiliários (TFCVM), que variaba en función delpatrimonio líquido de la empresa.

En aquella ocasión, entendió el Ministro Carlos Velloso, ponente relatordel fallo que “o que a lei procura realizar, com a variação do valor da taxa, em função

do patrimônio líquido da empresa, é o princípio da capacidade contributiva – C.F., arte.145. § 1”. Para el Ministro, “não há impedimento, entretanto, na tentativa de aplicá-lorelativamente às taxas, principalmente quando se tem taxa de polícia, isto é, taxa que temcomo fato gerador o poder de polícia”.

A la luz del decidido en el fallo de la ADI-MC 2.178, se ha preparado unanueva normativa, la ley nº 10.165/2000, la cual ha denido el elemento objetivodel hecho imponible de la tasa en función del porte de la empresa, del potencialde contaminación y del grado de utilización de los recursos naturales de cadauna de las actividades sujetas a la scalización, conforme anexo del propio acto

normativo. En el fallo del RE 416.601, el STF, ponente relator Ministro CarlosVelloso, sección 10/08/2005, ha decidido por la constitucionalidad de la TCFAinstituida por la ley nº 10.165/2000.

Cuestionamos, por lo tanto, el criterio cuanticador adoptado por ellegislador y acepto por la Corte Constitucional. Adoptamos como parámetro elModelo de Código Tributario Ambiental para América Latina, lo cual pasamosa analizar, contextualizado con el caso concreto.D. Análisis por el marco del Modelo de Código Tributario

Ambiental para América Latina (MCTAAL). Análisis por elmarco del principio de equivalencia. Análisis por el marco delprincipio de capacidad económica. Análisis por el marco delprincipio de proporcionalidad

El Modelo de Código Tributario ambiental,80  dirigido pelos ProfesoresPEDRO HERRERA y MIGUEL BUÑUEL GONZÁLEZ, tiene por nalidadaportar conceptos claros para los países latinos – como marco general de

79 Recurso Extraordinário 177.835 / PE - Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 22/04/1999Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Publicação: DJ DATA-25-05-2001.

80 BUÑUEL GONZALEZ, M. - HERRERA MOLINA, P. M. (dir.): Modelo de Código Tributario Ambiental para América Latina , Documentos de trabajo, Instituto de Estudios Fiscales, Madrid. p. 9.

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sus sistemas tributarios – sobre la gura de los tributos medioambientales,estableciendo sus características básicas y elementos comunes a los legisladores.

En líneas generales, el Proyecto propone integrar en el Código Tributario el

concepto de tributo medioambiental, como centro de atribución de un régimen jurídico especial adecuado a las peculiaridades de cada gura tributaria que lointegran. El modelo propone un concepto positivo de tributo medioambiental,su cuanticación y los criterios de distribución de competencias, conforme eltexto base.

1. Tributos medioambientales son aquellos impuestos, tasas y contribucionesespeciales cuyo objeto imponible esté constituido por actos o hechosque inciden negativamente sobre el medio ambiente o que provocan

una actuación pública de tutela medioambiental. También tendránla consideración de tributos medioambientales aquellas prestacionespecuniarias coactivas de carácter público que presenten rasgos comunesa varias de las categorías tributarias denidas en el artículo 26, párrafoprimero, de esta Ley.2. El hecho imponible de los tributos medioambientales deberá tipicar losactos o hechos que inciden negativamente sobre el medio ambiente o queprovocan la actuación pública de tutela medioambiental. No podrán gravarseconductas dañosas para el medio ambiente que se encuentren radicalmente

prohibidas, sin perjuicio del deber del infractor de indemnizar los dañoscausados con arreglo a lo que establezca la correspondiente normativa. Lalegislación de cada gura tributaria preverá como supuestos de no sujeciónlos casos en que los actos o hechos que inciden negativamente sobre el medioambiente o que provocan la actuación pública de tutela medioambiental seproduzcan de manera fortuita o en caso de fuerza mayor.3. Toda propuesta de establecimiento de un nuevo tributo medioambientalo de modicación especíca de las cuantías de uno preexistente deberáincluir, entre los antecedentes y estudios previos para su elaboración,

una memoria económico medioambiental que justique los criterios decuanticación utilizados. Salvo precepto legal en contrario, la falta de esterequisito determinará la nulidad de pleno derecho de las disposicionesreglamentarias que, en su caso, concurran a precisar la cuantía del tributomedioambiental.4. La determinación de la cuota tributaria deberá atender a la intensidadde la incidencia medioambiental objeto de gravamen y estará basada enlas conclusiones de la memoria económico-medioambiental prevista en elpunto anterior. En general, la recaudación del tributo medioambiental no

deberá exceder, en su conjunto, de la mayor delas cantidades siguientes,que serán calculadas en la memoria económico medioambiental en lamedida en que ello sea posible: el daño causado, el coste que hubierasupuesto para el conjunto de los contribuyentes evitar el daño causado, o

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el coste de las actividades públicas de tutela medioambiental. Cualquierdesviación de este criterio o la imposibilidad de aplicarlo deberá ser justicada en la memoria económico-medioambiental. La cuanticación

individual del tributo deberá atender a la incidencia individual de lacontaminación, si bien podrán utilizarse criterios de progresividadmedioambiental.5. El establecimiento del tributo medioambiental deberá acompañarse demedidas que garanticen el mínimo existencial individual y familiar de laspersonas físicas afectadas directa o indirectamente por la carga tributaria,cuando éste se pueda ver comprometido.

Nos jaremos en los números 3 y 4 por la importancia que tienen en elanálisis que iniciamos de las tasas medioambientales. Todavía, debemos frisarque el modelo tenido como parámetro es meramente indicativo de conductas,no siendo vinculante para los juristas, legisladores o magistrados.

Su valor académico es que permite utilizarlo como estándar, en la medidaen que es dotado de neutralidad cientíca y grande carga de racionalidad,permitiendo la vericación de compatibilidad de los institutos jurídicos con lastendencias más abalizadas, racionales y actualizadas del Derecho TributarioAmbiental.

En el caso brasileño, la TCFA no ha venido acompañada de una memoriaeconómica medioambiental que justicara los criterios de cuanticaciónutilizados en el tributo. En verdad esta práctica no es común en Brasil, ni tampocouna exigencia legal, lo que diculta la vericación de compatibilidad de todaslas tasas brasileñas cuanto al aspecto cuantitativo utilizado en el modelo.

Además, en cuanto a la cuota tributaria, esta debería atender a laintensidad de la incidencia medioambiental objeto de gravamen y deberíaestar basada en las conclusiones de la memoria económico-medioambientalprevista anteriormente.

Abstrayendo la existencia de la memoria económica medioambiental,nos jamos en los parámetros indicados por el modelo, todos directamenteconectados con el tributo analizado, en especial el aspecto cuantitativo. Sonellos: el daño causado, el coste que hubiera supuesto para el conjunto de loscontribuyentes evitaren el daño causado, o el coste de las actividades públicasde tutela medioambiental.

La cuanticación del daño causado es muy complicada, pues sus reejospueden perdurar por varias generaciones. Además, los efectos indirectos seríande difícil cuanticación. En efecto, las pesquisas ambientales más recientes vienen

comprobando a casi imposibilidad de reestructurar el medio ambiente afectado,o que lleva a armar la imposibilidad de indemnizar un daño irreparable.

El coste que hubiera supuesto para el conjunto de los contribuyentes evitar eldaño causado sería un criterio más objetivo que el anterior, pero implicaría en la

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necesidad de gradación individual del tributo en función de cada contribuyente,criterio de difícil instrumentalización y practicidad.

Por n, el criterio de cuanticar los costes de las actividades públicas

de tutela medioambiental – prevención, vigilancia y control, el cual guardaidentidad con la denición de la tasa de policía en Brasil, el que hubiera tenidoaplicado a la TCFA, pero no lo fue.

El legislador brasileño se ha alejado de todos los razonables criterios indicadospor el modelo, utilizándose de un criterio mixto, es decir: i) el tipo de actividadpotencialmente contaminante, ii) el grado de utilización de recursos ambientales– ANEXO VIII, iii) el volumen de facturación de la empresa – ANEXO IX.

La normativa brasileña se ha distanciado de la buena técnica, creando untributo híbrido, es decir, una tasa de servicio de vigilancia por las actividadesde prevención, vigilancia y control con base imponible de impuesto, es decir, elvolumen de facturación de la empresa para la determinación de la cota tributaria.

A continuación, hacemos la vericación de compatibilidad del tributo bajo el prisma de los principios de equivalencia, capacidad económica yproporcionalidad. Segundo la doctrina brasileña, las tasas deben ser graduadas bajo la intensidad de la utilización del servicio por el contribuyente o de losgastos provocados.81

Primordialmente, el principio de capacidad económica se aplica a los

impuestos. A las tasas, primordialmente, se aplica el principio del coste/benecio,82

 también denominado principio de equivalencia. Sin embargo, analizando ladoctrina, se puede armar que en las tasas el principio de capacidad económicase realiza negativamente por la incapacidad contributiva, hecho que generareducciones subjetivas del tributo al sujeto pasivo sin capacidad económicareal,83 lo que no diere, al nal, de la doctrina española.

Por el prisma del principio de capacidad económica, la doctrina brasileñano sustenta la constitucionalidad de la TCFA con el sentido que le ha dado lacorte constitucional. De la sentencia se destaca el seguinte excerto “o que a lei

 procura realizar, com a variação do valor da taxa, em função do patrimônio líquido daempresa, é o princípio da capacidade contributiva – C.F., arte. 145. § 1”.Para el Ministro Carlos Velloso,84 “não há impedimento, entretanto, na tentativa

de aplicá-lo relativamente às taxas, principalmente quando se tem taxa de polícia,isto é, taxa que tem como fato gerador o poder de polícia”. El fallo está equivocadopues la capacidad económica en las tasas se aplica de forma inversa, es

81 MACHADO DERZI, M. A. in: (notas) BALEEIRO, A. Direito Tributário Brasileiro , 11ª ed., Forense, Riode janeiro, 2001, p. 551.

82 LOBO TORRES, R.: Tratado de Direito Constitucional Financiero e Tributario. V. 2, Valores e PrincipiosConstitucionais Tributários , Renovar, Rio de Janeiro, p. 309.

83 NAVARRO COÊLHO, S. C.: Curso de Direito Tributario Brasileiro , 7ª ed, Forense, Rio de Janeiro, p. 78.84 Recurso Extraordinário 177.835 / PE - Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 22/04/1999

Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Publicação: DJ DATA-25-05-2001.

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decir, negativamente, como índice de incapacidad real o efectiva, generandoreducciones subjetivas del tributo al sujeto pasivo.

No obstante, podemos ir más allá en el análisis pues en determinadas

ocasiones este principio puede ser matizado ante otros valores constitucionales.Es lo que ocurre en los tributos ecológicos, en especial las tasas medioambientalespor servicios de vigilancia. Necesitamos comprobar se la excepción está justicada, poniendo de relieve la naturaleza de las tasas medioambientales, contodas las matizaciones doctrinarias que a ellas se aplica cuando hablamos delprincipio de capacidad económica. Así, una doble matización: i) la primera porser una tasa y no un impuesto; ii) la segunda por ser un tributo medioambiental.

Para realizar dicho control es necesario determinar las relaciones entrelos bienes en conicto, es decir, el principio de equivalencia, el principio de

capacidad económica y el principio quien contamina paga. Lo que se cuestionaes como analizar los principios de capacidad económica y el principio quiencontamina paga, sendas proyecciones del principio de solidaridad, con elprincipio de equivalencia, proyección del principio de justicia conmutativa.

Para resolver esto problema es preciso un triple control: el controlde idoneidad, el control de necesidad o lesión mínima y el control deproporcionalidad en sentido estricto. Sin embargo, antes de profundizarnosestos parámetros, tenemos que jar cuales aspectos de los principios citados seplantean en conicto.

Por el principio de equivalencia, los servicios públicos mensurables ydivisibles deben ser pagos por quien utilizarlos en la medida del coste causadoal Estado.85 

El derecho de contribuir con arreglo a la capacidad económica está jerarquizado en función de la mayor o menor discrecionalidad de que disponeel legislador para congurar el reparto de la carga tributaria. Estos elementosse comparten en cinco círculos. El externo, constituido por el principio deprogresividad. A continuación el principio de tributación de capacidadeconómica efectiva. Un tercer núcleo constituido por el principio de rendimiento

neto objetivo. La cuarta esfera radicada en la prohibición de conscatoriedad y,por n, el quinto nivel correspondiente al principio del neto subjetivo.86

El principio quien contamina paga sólo justica una restricción de las tresprimeras esferas, o excepcionalmente a la cuarta. En cambio, la garantía delmínimo existencial no puede ceder frente a otras exigencias de solidaridad, nisiquiera ante la defensa del medio ambiente.87 

Por el control de idoneidad, los tributos o elementos tributariosmedioambientales deben ser óptimos para alcanzar su objetivo, es decir, laprotección medioambiental – interés público. Como el principio de capacidad

85 LOBO TORRES, R.: Tratado de Derecho Constitucional Financiero y Tributario…, cit., p. 344.86 HERRERA MOLINA, P. M.: Capacidad Económica y Sistema Fiscal , Marcial Pons, Madrid, 1998, p. 180.87 HERRERA MOLINA, P. M.: Derecho Tributario Ambiental…, cit, p. 164.

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económica sufre matizaciones en las tasas, este análisis se queda perjudicado,pero no se puede decir que deba ser desconsiderado, pues la TCFA sería idóneasi obedeciese al principio de equivalencia, su vector de ordenación. Sin embargo,

la tasa creada no obedeció al citado principio, pues su cuanticación varía enfunción del volumen de facturación y no del coste del servicio prestado por elEstado.

El control de necesidad o lesión mínima implica que no existan otrasmedidas igualmente ecaces que permitan alcanzar los mismos objetivosde protección ambiental con una menor incidencia sobre los derechos de losinteresados y una menor desviación de otros principios constitucionales. Esterequisito estaría cumplido si la cuanticación hubiera tenido como parámetro elcoste del servicio, lo que no ocurrió. 

Por n, por el control de proporcionalidad en sentido estricto, se exigeponderar los benecios ambientales y la lesión sufrida por el principio deequivalencia. La vericación debe realizarse en cada supuesto concreto. En lamedida en que las tasas medioambientales encuentran su justicación en elprincipio de equivalencia, la cuanticación del tributo utilizada también violaeste parámetro.

5. Conclusión

La continua y acelerada evolución de la industria y de la tecnología noes equiparable al desarrollo de las técnicas y métodos para graduar y adecuarla imposición de una TCFA efectiva a las exigencias ambientales a las quenos enfrentamos en el siglo XXI, y ni hablar de las dicultades técnicas paradeterminar la cuantía de dichas tasas, para cumplir con su objeto extrascal deresarcir o compensar el daño, así como para efectuar las acciones precautorias yde ordenamiento.

Ante estas disyuntivas, el Estado se ve ante la necesidad de diseñar

instrumentos, tributos medioambientales, que efectivamente incidan en uncambio de conducta del sujeto pasivo. Lo cierto es que las mayores limitantes delas tasas medioambientales son:

• Falta de concertación de los principios tributarios a las tasas;equivalencia, capacidad económica y quien contamina paga;

• Omisión de criterios especícos para la graduación de las tasas;• Falta de instrumentos para valorar la totalidad del servicio prestado

por el Estado por concepto de servicios de vigilancia (coste deprevención, control y scalización versus coste del daño ambiental y

restauración y tratamiento del daño).88

 

88 Se encuentran inmersos impactos ambientales que tienen una probabilidad de ocurrencia en el tiem-po incierto.

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Ante esta situación se requiere implementar el uso de técnicas de evaluaciónde impacto ambiental y la evaluación de riesgo ambiental. Sin una adecuadacuanticación de la tasa, el objetivo extrascal de la misma cada vez estará más

alejado de corregir la distorsión.Es necesario refrendar que el principio “quien contamina paga” se hainterpretado a nivel internacional como el derecho a contaminar, debe sertransformado por una nueva vertiente que sin duda se adecue mas a la realidad,imponiendo a quien contamine, no solo el pago por la acción de polución sinose le imponga la obligación de descontaminar y cargar con todos los gastos queello implique.

Estudios sobre el impacto, repercusiones, riesgos, coste del daño,restauración y tratamiento ambiental son necesarios para establecer una cuota

adecuada a la TCFA.En este hilo viene la jurisprudencia comunitaria, apoyando las tesis

sustentadas. Traemos a colación la sentencia TJCE 2002/170, del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas Luxemburgo (Sala Segunda), de 30mayo 2002. El fallo trata de los niveles de la tasa que se deberá percibir porlas inspecciones y controles sanitarios de carnes frescas, de conformidad con laDirectiva 85/73 y Decisión 88/408.

La Directiva 85/73 (LCEur 1985, 109) establece, en el artículo 1, apartado1, primer guión, que los Estados miembros velarán por que, a partir del 1 de

enero de 1986, se perciba una tasa, en el momento del sacricio de los animalescontemplados en el apartado 2, por razón de los gastos ocasionados por lasinspecciones y controles sanitarios, típica tasa de servicio de vigilancia.

Según el artículo 2, apartado 2, de la misma Directiva, se autoriza a los Estadosmiembros para que perciban un importe superior a los niveles contemplados enel apartado 1, siempre que la tasa total percibida por cada Estado miembro sigasiendo inferior o igual al coste real de los gastos de inspección.

En virtud del artículo 2, de la Decisión 88/408 (LCEur 1988, 904), los estadosmiembros cuyos costes salariales, estructura de los establecimientos y relación

entre veterinarios e inspectores se desvíen de la media comunitaria utilizadapara el cálculo de las cantidades a tanto alzado jadas en el apartado 1 podríanestablecer excepciones a la alta y a la baja hasta el total de los costes reales deinspección.

Conrmando lo anterior, la Directiva 85/73 fue modicada por la Directiva93/118, la cual autoriza a los Estados miembros para que perciban un importesuperior a los niveles de las tasas comunitarias, siempre que la tasa totalpercibida por cada Estado miembro no sea superior al coste real de los gastosde inspección.

Lo que se percibe es que incluso en el ámbito comunitario el criterio decuanticación de las tasas está vinculado al coste real y efectivo del servicio,no permitiendo la utilización de criterio que viole el principio de equivalencia,vector de ordenación de las tasas, incluso las medioambientales.

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R S I L N M B C

 R THeleno Taveira Torres

Professor e Livre Docente de Direito Tributário da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo - USP. Membro do Comitê Executivo da

International Fiscal Association – IFA e da Direção Executiva do ILADT.

Diretor da ABDF e da ABRADT. Conselheiro Jurídico da FIESP e da FECOMERCIO.

Advogado.

 

Sumário: 1. Aquisição de sociedade e reorganizações societárias em business combination:subsidiária integral entre direito e economia. O princípio de não discriminação em matéria desujeição passiva. 2. Aquisição de empresa e a noção de patrimônio. Os princípios contábeis deentidade e continuidade. 3. O ágio fundamentado por rentabilidade futura. 3.1 Contabilização doágio na legislação societária e nas regras contábeis – Alterações previstas na Lei nº 11.942/2009. 3.2A antiga amortização contábil do ágio baseado na rentabilidade futura. 3.3 Conceito constitucionalde renda e o regime jurídico das despesas dedutíveis. 4. Tratamento do imposto sobre a rendado ágio amortizado e nos casos de fusão e incorporação realizadas antes da Lei nº 11.491/2009.5. O ágio apurado em sociedade adquirida no exterior Em face do princípio da renda mundiale a territorialidade para perdas e prejuízos: algumas distinções necessárias. 6. Reorganizaçõessocietárias e aquisição de empresas. 6.1 Formas de reorganização societária internacional –operações de concentração transnacional?. 6.2 Reorganização societária internacional - atos típicosde compra e venda de ativos. 6.3 O efeito de neutralidade tributária na reorganização. 6.4 Aspectoscomuns das operações de concentração e desconcentração empresarial. 7. Conclusões.

1. Aquisição de Sociedade e Reorganizações Societáriasem Business Combination: A Subsidiária Integral entreDireito e Economia. O Princípio de não Discriminaçãoem Matéria de Sujeição Passiva

Os anos 90 inauguraram diversas formas de organização societária ede estruturação de negócios dantes desconhecidas ou pouco praticadas. Ofenômeno da globalização exigia que as empresas passassem a atuar de formamais complexa e competitiva no mercado, com severo estímulo às chamadasoperações de business combination ,89 particularmente evidenciada nas formas dereorganização ou de concentração de empresas. No Brasil, os regimes societáriosdas modalidades de reorganização têm sido tratados pela legislação tributária

89 Há um anteprojeto de revisão da Lei nº 6.404/76, divulgado no site da Comissão de ValoresMobiliários – CVM, que reconhece a necessidade de que as leis brasileiras e as normas contábeisquanto à combinação de empresas (“business combination”) sejam adequadas às práticas interna-cionais.

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de modo autônomo àqueles de aquisição de empresa e de subsidiária integral,para dedução de ágio fundados em rentabilidade futura, em uma assimetriacom as regras mais atuais da contabilidade internacional, do princípio de

prevalência da substance over form90

 e de uma teoria da “empresa” rigorosa, emtermos jurídicos e econômicos.

O presente caso é emblemático de como questões tributárias, assentadas emregras perenes e sem contestação durante longos períodos, com a mudança dasrelações comerciais, do instituto jurídico de regulação do domínio econômicoou mesmo de cambiamentos de outras regras de tributação, podem suscitarrevisões do padrão aplicativo ou do próprio regime como um todo. Esse é ocaso da discriminação que existe no art. 7º da Lei nº 9.532/97: (i) que permitededução para os efeitos scais do ágio unicamente em operações de aquisição

de empresa seguida de operações de fusão ou incorporação; no entanto, (ii)quando aplicada às aquisições de empresas não residentes no País, em virtudedas diculdades surgidas, em geral, da legislação do país de residência ounacionalidade da adquirida, mediante restrições impostas à perda ou à mudançade nacionalidade, o direito a tal amortização ca prejudicado, mesmo quando setrata de empresa que participa da mesma atividade econômica, vê-se qualicadacomo subsidiária integral e o ágio é fundado em expectativas de lucros futuros.

Atualmente, sob a égide da Lei nº 11.941/2009, de acordo com as normasda CVM e os Pronunciamentos Técnicos do Comitê de PronunciamentosContábeis - CPC, o ágio com fundamento na rentabilidade futura não poderámais ser amortizado para ns contábeis. Entretanto, o tratamento do ágio geradoem operações passadas permanece sujeito ao regime anterior, como estabeleceo art. 229-A da Lei nº 6.404/76. O ágio com fundamento em rentabilidade futuradeve ser submetido ao teste da recuperabilidade. Essas normas se assemelhamàs recomendações do International Financial Reporting Standards – IFRS.

Não obstante, a legislação tributária, em especial o art. 7º, da Lei nº 9.532/97,que permite a amortização do ágio para ns scais exclusivamente na hipótese

de incorporação de empresas residentes no Brasil, está em franco descompassocom as práticas internacionais, na medida em que foi redigida em um tempo emque não era comum a atuação transacional das empresas brasileiras, em que asoperações de business combination não eram praticadas por empresas brasileirasno exterior e em que o Código Civil não concebia a noção de empresa como umtípico conceito de organização da atividade econômica.

Recentemente, em 31 de julho de 2009, a Comissão de Valores Mobiliários– CVM editou a Deliberação 580, que tem como objetivo “(...)  aumentar arelevância, a conabilidade e a comparabilidade das informações que a entidade fornece

em suas demonstrações contábeis acerca de combinação de negócios e sobre seus efeitos”.

90 TORRES, Ricardo Lobo. Form and Substance in Tax Law. In: International Fiscal Association. Cahiersde Droit Fiscal International. Volume LXXXVIIa, The Hague: Kluwer, 2002, p. 184.

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Essa deliberação deniu que “combinação de negócios é uma operação ou outroevento por meio do qual um adquirente obtém o controle de um ou mais negócios,independentemente da forma jurídica da operação. (...) o termo abrange também as

 fusões que se dão entre partes independentes (inclusive as conhecidas por true mergersou merger of equals)” e prescreveu princípios e normas para reconhecimento equanticação (a) dos ativos identicáveis adquiridos, os passivos assumidos eas participações societárias de não controladores na adquirida; (b) do ágio porexpectativa de rentabilidade futura ( goodwill) da combinação de negócios ou oganho proveniente de compra vantajosa.

Não obstante a CVM ter regulamentado a contabilização de “combinaçãode negócios” mediante a imposição de regras para o reconhecimento e aquanticação dos ativos e passivos adquiridos, do ágio e sua amortização

contábil, condicionada ao teste da recuperabilidade, para ns scais não hádistinção entre a aquisição de uma participação societária minoritária, na qual oadquirente não obtém o controle nem exerce inuência relevante, e a aquisiçãodo negócios, como é o business combination ou a constituição de uma subsidiáriaintegral. Também não há normas que tratem da fusão e da incorporaçãointernacional.

Nesse caso, para operações internacionais anteriores à Lei nº 11.941/2009,pela proximidade inequívoca entre aquisição de empresa e casos de incorporação,com exceção dos efeitos subjetivos e a sucessão universal sobre o patrimônio,

vê-se prevalecer uma equiparação relevante com a aquisição da empresa noexterior, quando os requisitos econômicos que autorizavam o reconhecimentodo ágio para os ns de dedutibilidade scal, nas hipóteses do art. 7º, da Leinº 9.532/97, amparados na lucratividade futura. Ora, o sistema tributário nãopode gerar externalidades incongruentes para a empresa, como exigir modosde organização ou de reorganização para reconhecer direitos, quando situaçõesequivalentes recomendam outro tratamento. A organização de atividades naforma de empresas é um instrumento de redução de custos de transação, comopercebeu Coase, que se prestam à atuação dos atores econômicos no mercado de

forma eciente, organizada e estável. Como é evidente, diferenças de tratamentoe legislação lacunosa ou desatualizada geram insegurança e imprevisibilidaderepresentativos de custos de transação , os quais conuem para uma tensão entreos sistemas sociais “jurídico” e “econômico” que somente poderá ser resolvidamediante uma necessária abertura cognitiva do direito para a economia. É areexão do sistema jurídico de que falava Luhmann.91

91 LUHMANN, Niklas. Social Systems. Stanford: Stanford University Press, 1995, p. 117 e ss.; FEBBRAJO,Alberto; TEUBNER, Gunther. Autonomy and regulation in the autopoietic perspective and intro-duction. In: TEUBNER, Gunther; FEBBRAJO, Alberto. State, law, and economy as autopoietic systems:regulation and autonomy in a new perspective. Milano: Do. A. Giurè, 1992, p. 390-415; LUHMANN,Niklas. The coding of the legal system. In: TEUBNER, Gunther; FEBBRAJO, Alberto. State, law, andeconomy as autopoietic systems: regulation and autonomy in a new perspective . Milano: Do. A. Giurè,1992, p. 145-185.

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Nesse particular, os estudos de Law and Economics têm evidenciado queas normas jurídicas são preços (i) e que o direito deve ser aplicado sob a perspectivada eciência  (ii).92  O primeiro aspecto é revelador das repercussões da lei na

vida dos negócios que, em princípio, deveria ser neutro ou do menor impactopossível; e o segundo, de que a aplicação do direito não pode gerar custosde transação adicionais, como aquelas decorrentes de leis desatualizadas,descompassadas com a realidade, insucientes, lacunosas, ambíguas oumesmo intencionalmente estimuladoras do surgimento de conitos. O Teoremade Coase  sintetiza essa compreensão, ao armar, aqui resumido, que quandoos direitos de propriedade são determinados adequadamente na lei e  os custos detransação são nulos ou mínimos, qualquer externalidade não será motivo para

afastar acordo de interesses, e os afetados buscarão um processo eciente desolução dos conitos decorrentes.A dinâmica da economia não pode ser vivenciada sem a juridicidade. Na

economia, as pessoas interagem com o propósito de distribuir ou acumularriquezas. Por isso, a empresa, além de ser um fenômeno econômico, constitui-setambém como um instituto jurídico que a faz centro de imputação de direitos eobrigações. A vida das empresas concretiza-se no contínuo dinâmico da economiaconformada por regras jurídicas e valores sociais. Como alude Jorge de Abreu,“as estruturas e processos econômicos são enquadrados por dados jurídico-

normativos”.93

 Por esse motivo, na inndável capacidade de mutabilidade davida econômica, requer-se a força normativa do direito para conferir às múltiplasrelações decorrentes da inserção da empresa no mercado um elevado grau deprevisibilidade de condutas e segurança jurídica.94 Eis porque se exige do direitocongruência com a atualidade e uma necessária coordenação com a realidadeempresarial, sob pena de ter-se o surgimento de desigualdades e desequilíbriodas forças econômicas em competitividade.

A empresa é, indiscutivelmente, um fato econômico, decorre da busca deorganizar a atividade humana na economia, ou, como bem observou a ProfessoraRachel Sztajn, da Faculdade de Direito da USP:95

92 Cf. COASE, R. H. The Nature of the Firm. Economica. V. 4. London: London School of Economicsand Political Science, 1937, p. 386-405; Ver ainda COOTER, Robert. ULEN, Thomas. Law &Economics. Boston: Pearson Addison Wesley, 2008, p. 16 e ss.; CALIENDO, Paulo. Direito tributário eanálise econômica do direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 70 e ss.; POSNER, Richard A. Economicanalysis of law. 7. ed. New York: Aspen Law & Business, 2007, p. 511 e ss.

93 ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Da empresarialidade – as empresas no direito. Coimbra: Almedina,1996, p. 16; Cf. KRAUSE MURGUIONDO, Gustavo A. Régimen impositivo de las reorganizaciones em-

 presariales. Buenos Aires: Lexis Nexis, 2005, p. 335.94 Para um estudo aprofundado do princípio de segurança jurídica, veja-se: CARVALHO, Paulo de

Barros. O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. Revista de Direito Tributário. SP:Malheiros, n. 61, p. 74-90.

95 SZTAJN, Rachel. Notas sobre o conceito de empresário e empresa no Código Civil Brasileiro. Pensar.Fortaleza: 2006, v. 11, p. 199.

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“Atividades empresariais caracterizam-se por serem econômicas, organizadas paraa produção de bens e serviços para mercados; são exercidas prossionalmente,e o escopo de lucro, que tanto pode ser representado pela partilha de excedentes

 nanceiros quanto pela partilha de utilidades econômicas patrimoniais, é outroelemento presente na denição da empresa.”

É evidente que a legislação de tributação sobre a renda necessita acompanharas novas nuanças da vida econômica, o que supõe respeitar a noção de“empresa”, que não se reduz àquela de “sociedade”, mas que, paradoxalmente,faz desta sua substância e, ao mesmo tempo, presta-se como instrumento (forma)para viabilizar os propósitos do “empresário” na concretização de atividadeseconômicas organizadas.

A tributação da renda, ao não reconhecer as repercussões da distinção entre“empresa” e “sociedade”, invariavelmente, cede à prevalência da “forma” sobrea “substância”, em franca contradição. É, portanto, dever do intérprete das leistributárias “atualizar” o sentido dos institutos de direito privado.

De fato, o novo Código Civil, nos arts. 966 e 982, faz preponderar a“atividade econômica organizada  para a produção ou a circulação de bens oude serviços” sobre a forma, i.e., o conceito jurídico e os tipos de sociedadesempresárias. É o mais claro reconhecimento de que a empresa, antes de ser umanoção puramente jurídica, é uma expressão de atividade econômica organizada.

Diante disso, porque a substância há de prevalecer sobre a forma, cumpre aolegislativo o dever de equacionar situações de desequilíbrios em qualquer dassuas circunstâncias de emprego de capital, estágios da vida empresarial, formasde reorganização e competitividade.

Essa breve introdução tem um propósito, que é o de demonstrar que umaaquisição de empresa não se diferencia substancialmente de uma incorporaçãoquando a nalidade econômica é coincidir uma atividade econômica organizada emproveito do aumento da capacidade de lucratividade da adquirente. Tampoucopode-se confundir aquisição de empresa com simples controle, a partir da

aquisição de participações societárias. A aquisição de empresas ca a meiocaminho entre a aquisição de participação societária com controle (minus) e aincorporação, pela extinção da pessoa jurídica e a assunção patrimonial ( prius),mediante sucessão a título universal, vericando-se um aumento de capital, emcontrapartida do acervo líquido recebido.

Vale assinalar ainda que, enquanto na aquisição de controle acionário deuma empresa o máximo que se pode alcançar é a transferência dos direitosde voto e participação nos seus resultados na proporção das ações ou outrostítulos comprados, mantendo-se a empresa na esfera jurídica da sociedade,

diversamente, na aquisição do empreendimento, o objeto do negócio é a própriaempresa, e dá-se em virtude da passagem da titularidade dos ativos e passivos dopatrimônio de uma entidade para outra (adquirente), geralmente acompanhadado controle acionário, mas não necessariamente.

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O regime de oferta pública de ações e a transmissibilidade e livre circulaçãode ações permitem falar-se em um mercado de controle , pela venda e compra departicipações acionárias.96 Os métodos podem ser compra de ações, disputas de

procurações (grupo de acionistas tentam conseguir maioria dos assentos noconselho de administração), oferta pública de ações ou fechamento de capitais(aquisição de todas as ações por um grupo restrito de adquirentes). É um típicocaso de combinação de negócios.97

O controle é sempre considerado como uma relação de dominação , um poderque transcende, inclusive, as prerrogativas da própria assembleia, órgão máximode deliberações. Como diz Ferri,98 o controle exprime uma particular posição pormeio da qual um sujeito é capaz de fazer prevalecer a própria vontade sobre aatividade econômica de uma outra sociedade.99 Esse controle pode ser praticadopor diversas causas ,100 como a doutrina faz distinguir, em contraposição: um controleinterno (que se perfaz através da participação social, de participação majoritáriano capital social, ou mesmo de uma participação minoritária) a um controleexterno  (com base em relações contratuais que assegurem ao sujeito a direçãoadministrativa da sociedade); um controle de direito (conseguido por participaçãoacionária ou por meio de contrato) a um controle de fato  (que é aperfeiçoadopor uma relação de dominação factual, pelas circunstâncias que envolvem asempresas),101 entre os tipos possíveis da relação de controle ,102 na medida em que

tais relações se fundam na posse do “pacotes de ações”.103

Conforme o art. 1.098 do atual Código Civil, o controle dene-se pelaprevalência substancial das decisões da empresa, por maioria de votos ou possede ações ou quotas, ao prescrever que se considera como controlada:

96 Cf. LUCHINSKY, Rodrigo S. El sistema de gobierno societario. Buenos Aires: Lexis Nexis, 2006, p. 207 e ss.97 Passim , ROSS, Stephen; WESTERFIELD, Randolph; JAFFE, Jerey. Administração nanceira. SP: Atlas,

2002, p. 655.98 FERRI, Giuseppe. Manuale di dirio commerciale , 9ª ed. Torino: UTET, 1993, p. 320.99 Como se pronuncia REQUIÃO, “o acionista, detendo suas ações, graças a elas adquire o poder de deli-

 berar pela sociedade, e assegura, com isso, um sobrevalor mensurável em termos econômicos, do qualse apropria.” REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial , 15ª ed., SP: Saraiva, 1985, v. 2, p. 123.

100  Uma sociedade pode exercer controle sobre outras sociedades por diversos motivos, de ordem -nanceira ou creditícia, exclusividade, fornecimento de matéria-prima, político ou por acordo mútuo,tecnológica, dentre outros; mas estas são formas de controle fático; não jurídico.

101  “É mister, no entanto, ressaltar que o controle, enquanto elemento unicador do grupo econômicode subordinação, não precisa manifestar-se, necessariamente, sob a forma de participação acionáriaem todas as sociedades controladas. Há casos de aguda dependência externa, no suprimento dematéria-prima ou no escoamento de produção, por exemplo, os quais provocam a integração deuma sociedade em um grupo, sem participação de capital” COMPARATO, Fábio Konder. O poder decontrole na sociedade anônima. 3ª ed., RJ: Forense, 1983, p. 30.

102  BAPTISTA, Luiz Olavo. Concentração de empresas. Revista de direito civil  - direito empresarial , SãoPaulo: RT, 1979, nº 9, I, p. 193.

103 Conforme a Lei nº 6.404/76, art. 265, § 1º : “a sociedade controladora, ou de comando do grupo, deveser brasileira ou exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedadesliadas, como titular de direitos de sócios ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ouacionistas.”

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“I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nasdeliberações dos quotistas ou da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dosadministradores;

II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder deoutra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta jácontroladas.”

Para a Lei nº 6.404/76, conforme o seu art. 116, considera-se acionistacontrolador a pessoa, natural ou jurídica, ou Grupo de pessoas vinculados poracordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio quelhe assegurem, de modo permanente, a maioria de votos nas deliberaçõesda Assembleia Geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da

companhia; e usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais ouorientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Recentemente, a Lei nº 11.941/2009 alterou o art. 243 da Lei nº 6.404/76 eintroduziu o conceito de inuência signicativa, para denição de sociedadescoligadas, que também são consideradas investimento relevante sujeito aoregime da equivalência patrimonial, in verbis:

“ Artigo 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentosda companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modicaçõesocorridas durante o exercício.§ 1º São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha inuência signicativa.(...)§ 4º Considera-se que há inuência signicativa quando a investidora detém ouexerce o poder de participar nas decisões das políticas nanceira ou operacional dainvestida, sem controlá-la.§ 5º É presumida inuência signicativa quando a investidora for titular de 20%(vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la.”

No direito americano,104 não se confundem a aquisição de ações ou de ativoscom as incorporações e fusões, mesmo que conheçamos guras híbridas entreum e outro. Basta lembrar do regime de asset acquisition quando uma empresapermuta suas ações votantes por bens de outra companhia , ou do regime de stock purchase , que se verica quando uma companhia permuta suas ações votantespor todas ou quase todas as ações de outra companhia, e passa a deter o controlelogo após a transação.

É verdade que há formas híbridas em diversos outros países também,

acolhidas sob o manto do impreciso termo takeovers , no qual coincidem as

104 Sobre as formas de incorporações no direito americano, com um interessante estudo comparativo:LIMA, Osmar Brina Corrêa. Incorporação de empresas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, 77 p.

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ofertas de aquisição de controles acionários e de ativos, conjuntamente,mediante retribuição em dinheiro, títulos de crédito ou outras ações. Outrossim,a aquisição da totalidade de ações, em muitos casos, aproxima-se muito da

aquisição da empresa na sua totalidade. Neste, pode-se falar de um caso deaquisição indireta da empresa.105

Em qualquer uma dessas modalidades de combinação de negócios, aadquirente assumirá o controle da adquirida como poder de governança dasociedade, por deter a prevalência das decisões em virtude da aquisição de açõesou de capitais.

Questão relevante ainda é o chamado contrato de trespasse , para aquisiçãode “estabelecimento” e seu “fundo de comércio”. Uma das novidades nonovo Código Civil foi a introdução do conceito de “estabelecimento”, no art.1.142, segundo o qual “considera-se estabelecimento todo complexo de bensorganizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedadeempresária”. E o art. 1.144 admite a existência de contrato de alienação deestabelecimento, que é o trespasse  mencionado, ou seja, a transferência datotalidade do estabelecimento. Esta pode ser uma alternativa interessante paraaquisição de parte das atividades de uma sociedade, exercidas por uma lial,por exemplo, mediante a compra delimitada de ativos, fundo de comércio eintangíveis a este vinculados, apenas.

É útil, pois, que se demonstre a relação entre a aquisição de empresas (eainda mais quando se trata de subsidiária integral) os efeitos decorrentes dareorganização societária, de modo a esclarecer o âmbito exato da ausênciade justicativas para tratamentos divergentes entre estes e, igualmente, anecessidade de superação objetiva de regimes discriminatórios, em especialquanto à apuração, amortização e dedução do ágio, que é um custo adicionalassumido para aquisição de uma entidade ou ativo.

Agura-se injusticável distinção no tratamento scal entre incorporaçõesou fusões de empresas anteriormente adquiridas e aquele aplicado à aquisição

de empresa que atua no mesmo setor de atividades (aquisição horizontal106

),quanto ao regime do ágio pago pela adquirente, em ambos os casos, vê-se justicado pelo valor de rentabilidade futura.107 No caso de aquisições de sociedades ,

105 Cf. ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Da empresarialidade – as empresas no direito. Coimbra:Almedina, 1996, p. 346-358.

106 Quanto ao âmbito de inuência econômica, a aquisição de empresa , esta pode ser do tipo horizontal ,quando a adquirida pertence ao mesmo setor de atividade econômica da adquirente; vertical , quandoa aquisição envolve empresas em estágios distintos do mesmo processo produtivo; ou conglomerado ,as empresas adquirida e adquirente atuam em campos de atividades que não se vinculam de ne-nhum modo. Cf. ROSS, Stephen; WESTERFIELD, Randolph; JAFFE, Jerey. Administração nanceira.SP: Atlas, 2002, p. 655.

107 Sobre a dedutibilidade do ágio pago pela perspectiva de rentabilidade futura, veja Instrução CVM319/99, com a redação dada pela Instrução CVM 349/2001 e os recentes Pronunciamentos técnicos doComitê de Pronunciamentos Contábeis.

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amortiza-se o seu valor ao longo dos períodos projetados de obtenção dolucro. E se a estes períodos não corresponderem uma certa uniformidade deprojeção de lucratividade, a dedução poderá ser feita em acompanhamento

daquela variação, proporcionalmente. Em qualquer caso, a amortização deveacompanhar necessariamente o “lucro” antecipadamente adquirido (na formade “ágio”).

Numa aquisição de empresas, quando adquirente e adquirida atuam nomesmo campo de atividade, presente o ânimo de continuidade  (justicativaeconômica), especialmente quando se trata de subsidiária integral, é induvidosoque aí não há um simples “investimento” (conta do ativo permanente), comoocorre na compra de participações societárias, que servirão de fontes derendimentos nanceiros ou de capital, mas não se integram à atividade da

sociedade para realização do seu objetivo. Existe, sim, o intuito de constituiruma unidade de produção que supera qualquer outro conceito, como “controle”ou “inuência signicativa”,108  para ser unidade de uma mesma “entidadeeconômica”, mesmo que distintas juridicamente.

Manter tal ordem de afetação às relações entre contribuintes que seencontram em situação equivalente  implica inequívoco prejuízo ao princípio denão discriminação, no caso em que incorporação e aquisição de empresas, emoperações típicas de business combination , são tratados de modo divergente,sem qualquer razão material que possa justicar alguma exigência formal dea empresa ter que realizar operação de fusão ou de incorporação para obter omesmo direito. Liberdade legislativa para dispor sobre o tratamento tributárioaplicável não signica poder para discriminar, in specie , quando contribuintes(empresas) estejam em situação equivalente, e com maior razão no âmbitotributário, no qual só o princípio da capacidade contributiva confere autorizaçãodemocrática para diferençar o regime tributário aplicável a cada contribuinte,segundo a demonstração efetiva de capacidade econômica.

Por ser o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF) o

único critério admitido pela Constituição para distinções de tratamentos entrecontribuintes, quando estes se encontrem em condições análogas, o recursoa regimes de organização ou de reorganização societária para fundamentartratamentos divergentes somente poderá ser validamente admitido quandoadstrito ao cumprimento eciente do princípio de capacidade contributiva.

Encontram-se na Constituição brasileira disposições que garantemum  princípio de uniformidade de tratamento  tributário como meio de evitar

108 “Inuência signicativa é o poder de participar nas decisões nanceiras e operacionais da entidade,mesmo não tendo o controle sobre essas políticas. Inuência signicativa pode ser obtida por meiode participação acionária, disposições estatutárias ou acordo de acionistas. Há inuência signicati-va no caso de sociedades nas quais a entidade exerça inuência sobre as decisões da administração,embora não tenha participação direta ou indireta, mas dela usufrui benefícios ou assume riscos, taiscomo sociedade de propósito especíco (SPE).” Deliberação CVM nº 560, de 11 de dezembro de 2008.

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discriminações injusticadas, em vista de situações análogas. E o principaldesses dispositivos encontra-se no art. 150, II, ao prescrever o impedimento,para qualquer uma das pessoas políticas, de instituir tratamento desigual entre

contribuintes que se encontrem em situação equivalente, independentemente dadenominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

A interdição ao tratamento discriminatório , presente no art. 150, II, daConstituição é decorrência da adoção do  princípio da capacidade contributiva ,presente no seio constitucional como único critério para marcar a diferença detratamento entre “contribuintes”. No plano legislativo , presta-se como limiteà escolha da matéria factual para compor a hipótese de incidência de normastributárias, porquanto o fato escolhido deverá ser revelador, com certa precisão,

da capacidade econômica do sujeito passivo.109

 Na aplicação do Direito Tributário,contudo, sua importância é ainda maior, por servir como o único critério deatendimento à tipicidade, inclusive quanto à determinação do sujeito passivoda obrigação tributária, como critério de graduação individual do quanto umcontribuinte possa suportar, em termos de carga scal.

2. Aquisição de Empresa e a Noção de Patrimônio.Os Princípios Contábeis de Entidade e Continuidade

Quando se verica a venda e a compra de ativos e passivos de umaempresa, não se adquire um  patrimônio , mas o valor  atribuído a cada um doselementos dos conjuntos de direitos e obrigações que lhes correspondem. E o“valor” negociado, no seu montante total, deve envolver aquilo que se possaatrelar ao patrimônio da empresa ou que surja como fruto do desempenho dasatividades desta, apurados no momento da alienação e avaliados isoladamente.

Como ressalta Von Tuhr, o patrimônio resulta de um conjunto de direitos

cuja unidade deriva da correspondência a um mesmo sujeito.110

 Constituem-see são adquiridos, esses direitos, na circulação jurídica (por negócio jurídico)e o integram também certas expectativas de direitos, como são os direitos aprazo e os atos futuros, desde que autorizados. De outra banda, adquirir uma

109 Corroborando essa opinião, arma Roque Carrazza: “O princípio da igualdade exige que a lei, tantoao ser editada, quanto ao ser aplicada: a) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situ-ação jurídica equivalente; b) discriminem, na medida de suas desigualdades , os contribuintes que nãose encontrem em situação jurídica equivalente. No caso dos impostos, estes objetivos são alcançadoslevando-se em conta a capacidade contributiva das pessoas (físicas ou jurídicas)”. CARRAZZA, RoqueAntonio. Curso de Direito Constitucional Tributário , 16ª ed., SP: Malheiros, 2001, p. 77; Sobre a relaçãoentre capacidade contributiva e extrascalidade, cfr. o importante estudo: COÊLHO, Sacha CalmonNavarro. Curso de direito tributário brasileiro. 2ª ed., RJ: Forense, 1999, p. 77-84.

110  VON TUHR, A. Derecho Civil. Teoría general del derecho civil alemán – los derechos subjetivos y el patrimo-nio. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 319 e 333.

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empresa é, passe o truísmo, adquirir o seu patrimônio, mesmo que se possameventualmente excluir determinados ativos ou contas do passivo.

O patrimônio de uma empresa é a consolidação dos seus haveres, na forma

de direitos e obrigações, resultantes dos fatos econômicos, nanceiros e negociaisque se sucedem ao longo da sua continuidade e existência.111  Na unidade dopatrimônio, fundem-se direitos patrimoniais, na forma de créditos, direitos reaise outros, como parte de um todo incindível e que tem como referência comum osujeito de direito que o constitui.112

Como já resta claro, o patrimônio (nanceiro) da sociedade será semprealgo dinâmico, mutável durante a existência da entidade, por acréscimos edecréscimos de direitos e obrigações, que se implicam mutuamente. Estática háde ser apenas a titularidade do patrimônio e que é a referência comum para todoe qualquer tipo de direito ou de obrigação que lhe corresponda.

De fato, patrimônio é uma entidade jurídica que serve a designar o conjuntode direitos e obrigações de uma pessoa determinada. Não se aperfeiçoa comoentidade abstrata ou desprovida de inerência a algum sujeito.

A natureza jurídica dos direitos, individualmente considerados, no âmbitodo patrimônio não se confunde com este, tampouco a forma de escrituraçãocontábil destes pode alterar-lhes a substância ou os seus efeitos.

Por conseguinte, quando se fala de “compra de empresa”, isso nem sempre

equivale propriamente à alienação do seu  patrimônio , mesmo que, de regra,o seja. Observara Bulhões Pedreira113 que, nesses casos, a referência genérica àaquisição de empresa é carregada de certa ambiguidade, na medida em que essaforma de expressão quer simplesmente designar a vontade das partes sobre atransmissão abrangente dos direitos e obrigações da empresa adquirida.

A aquisição de uma empresa poderá ser total, e assim justicar toda atransferência dos seus direitos, ativos, bens corpóreos ou incorpóreos, contas eobrigações. Diante do exposto, resta evidenciado que, ao mesmo tempo em que

111  “A posição patrimonial e nanceira da entidade é afetada pelos recursos econômicos que ela controla, sua es-trutura nanceira, sua liquidez e solvência, e sua capacidade de adaptação às mudanças no ambiente em queopera. As informações sobre os recursos econômicos controlados pela entidade e a sua capacidade, no passado,de modicar esses recursos são úteis para prever a capacidade que a entidade tem de gerar caixa e equivalentesde caixa no futuro. Informações sobre a estrutura nanceira são úteis para prever as futuras necessidades de

 nanciamento e como os lucros futuros e os uxos de caixa serão distribuídos entre aqueles que têm participa-ção na entidade; são também úteis para ajudar a avaliar a probabilidade de que a entidade seja bem-sucedidano levantamento de nanciamentos adicionais. As informações sobre liquidez e solvência são úteis para prevera capacidade que a entidade tem de cumprir com seus compromissos nanceiros nos respectivos vencimentos.Liquidez se refere à disponibilidade de caixa no futuro próximo, após considerar os compromissos nanceiros dorespectivo período. Solvência se refere à disponibilidade de caixa no longo prazo para cumprir os compromissos

 nanceiros nos respectivos vencimentos.” Deliberação CVM nº 539, de 14 de março de 2008.112  PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações nanceiras da companhia – conceitos fundamen-

tais, RJ: Forense, 1989, p. 131.113 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações nanceiras da companhia – conceitos fundamen-

tais, RJ: Forense, 1989, p. 135.

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o patrimônio serve a constituir uma entidade , ele mesmo só é assim consideradopor ter cada direito ou obrigação relacionados com a referida entidade.

Nessa unidade de fatos nanceiros, como dito, o  patrimônio  adquirido

desvela-se como uma necessária coincidência entre os conjuntos de contas dosdireitos (ativo) e das obrigações ( passivo) de uma dada empresa. E justamentepara obter uma adequada representação desses conjuntos tem-se o balanço ,além de outras formas de demonstração nanceira da empresa. Certo que anecessidade de se ter uma clara e precisa demonstração das contas da pessoa jurídica requer a armação do princípio da entidade.

Para demonstrar a assertiva dessa compreensão, o art. 4º, da Resolução CFCnº 750/93, que dispõe sobre os Princípios Fundamentais de Contabilidade , prescreve:

“Art. 4º - O Princípio da ENTIDADE reconhece o Patrimônio como objetoda Contabilidade  e arma a autonomia patrimonial, a necessidade dadiferenciação de um Patrimônio particular no universo dos patrimôniosexistentes, independentemente de pertencer a uma pessoa, um conjunto de pessoas,uma sociedade  ou instituição de qualquer natureza ou nalidade, com ousem ns lucrativos. Por conseqüência, nesta acepção, o Patrimônio não seconfunde com aqueles dos seus sócios ou proprietários, no caso de sociedade ouinstituição.

§ único – O PATRIMÔNIO pertence à ENTIDADE, mas a recíproca não éverdadeira. A soma ou agregação contábil de patrimônios autônomos não resultaem nova ENTIDADE, mas numa unidade de natureza econômico-contábil”.

Essa disposição arma a teoria da empresa como realidade jurídica.A polêmica sobre qual seria o critério mais apropriado para uma denição

de pessoa jurídica no direito nunca foi de fácil deslinde. Basicamente, formaram-se quatro correntes a disputar qual deveria prevalecer: a teoria da  cção  (a), ateoria da equiparação (b), a teoria orgânica ou da realidade objetiva (c) e aquela da

realidade das instituições jurídicas.114

A primeira, denida como teoria da cção , que tem origem no direitocanônico e desenvolveu-se no pandectismo alemão (Savigny e Jhering), parteda concepção de que só a pessoa humana poderia ser centro de imputação jurídica de direitos e obrigações, ao que o direito poderia criar guras jurídicas,que seriam seres ctícios, exclusivamente para lhes atribuir efeitos similaresàqueles. A pessoa jurídica seria algo irreal, portanto, imaginária, desprovidade objetividade existencial. Diversos autores teceram severas críticas a essa

114 Para uma exposição sintética, mas rica em informações: GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil.10ª ed., RJ: Forense, 1990, p. 191-204; PONTES DE MIRANDA, F. Cavalcanti. Tratado de direito privado.SP: RT, 1974, t. I, p. 345 e ss.; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34ª ed., SP:Saraiva, 1996, v. 1, p. 100 e ss.

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orientação, como Giorgio del Vecchio.115 Não explicar claramente por que só aspessoas jurídicas seriam cções, manter o preceito rudimentar e individualistasegundo o qual somente pessoas físicas teriam direitos e obrigações e estabelecer

o preconceito de que o direito não possa criar suas próprias realidades, como fazcom o Estado e outras tantas categorias, foram sempre as suas principais falhasapontadas.

A teoria da equiparação  não destoava tanto da anterior. Defendida porWindscheid, essa corrente, como o diz Giorgio del Vecchio, nega qualquerpersonalidade jurídica como substância e admite que só há certas massas de bens, certos patrimônios equiparados, no seu tratamento jurídico, às pessoasnaturais. Da cção, parte-se, aqui, para uma personalização dos bens que

compõem o patrimônio, sem qualquer fundamento plausível de defesa.A teoria orgânica , ou da realidade objetiva (Oo Gierke, Von Tuhr eZitelmann), funda-se num critério mais racional, considerando que pode haver,sim, em paralelo às pessoas físicas, sujeitos que, apesar de não serem constituídospelo direito, são reconhecidos por este, declarando-os como existentes, paraos ns de atribuir-lhes personalidade jurídica, porquanto reconheça que estaspossam fazer emanar vontade própria. Ser pessoa e ser capaz de direitos eobrigações, mas desde que recepcionado pelo ordenamento.

Por m, tem-se a teoria da realidade das instituições jurídicas , que supera a anterior

por admitir que o direito crie suas próprias instituições e entes personicados. Essaé a corrente à qual nos liamos, que concebe a pessoa jurídica como realidade criadapelo direito, com existência jurídica no ordenamento. Tanto a personalidade jurídicaatribuída às pessoas naturais como a personalidade atribuída às pessoas jurídicas sãocriações do direito, como centros de imputações de direitos e obrigações.116 Como dizPontes de Miranda, “As teorias sobre a pessoa jurídica aí se situam; são perspectivasdo mundo fático, que apanham parte do mundo jurídico, mas somente porque oconceito de pessoa jurídica é conceito do mundo jurídico”.117 

Este relato é útil apenas para marcar nossa posição a respeito do conceitode pessoa jurídica, de modo a garantir a respectiva coerência com as tomadas deopiniões seguintes, a respeito do princípio da entidade, naquilo que concerne aoexistir autônomo da sociedade e sob o papel da contabilidade na apuração dosseus direitos e obrigações inerentes, sob o princípio da continuidade.

115 DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosoa do Direito, 5ª ed., Coimbra: A. Amado, 1979, p. 445 e ss.116 Como arma Pietro Boria, “Il problema della soggeivià delle società e degli enti colleivi in ge-

nere sta tuo qui, nella opzione tra i due termine di una alternativa; si traa cioè di individuarei ilcentro di riferibilità delle faispecie giuridiche vericando se sia stato accolto un mecanismo di im-putazione agli individui (vale a dire ai soci) oppure un meccanismo di imputazione all’organizzazio-ne (ovverossia alla società)”. BORIA, Pietro. Il principio di trasparenza nella società di persone. Milano:Giurè, 1996, p. 5.

117 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado – parte geral. SP: Bookseller, 1999, t I, p. 65; MONTEIRO,Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34ª ed., SP: Saraiva, 1996, v. 1, p. 102.

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Existente a sociedade, sua continuidade é corolário necessário, como bem odescreve o art. 5º, da Resolução CFC nº 750/93:

“Art. 5º - A CONTINUIDADE ou não da ENTIDADE, bem como sua vidadenida ou provável, devem ser consideradas quando da classicação eavaliação das mutações patrimoniais, quantitativas e qualitativas. (...)§ 2º - A observância do Princípio da CONTINUIDADE é indispensávelà correta aplicação do Princípio da COMPETÊNCIA, por efeito de serelacionar diretamente à quanticação dos componentes patrimoniaise à formação do resultado, e de constituir dado importante para aferir acapacidade futura de geração de resultado”.

No mesmo sentido é a Deliberação CVM nº 539, de 14 de março de 2008,que consagra tanto o princípio da continuidade quanto a primazia da essênciasobre a forma, ao tratar das demonstrações contábeis das empresas:

“ContinuidadeAs demonstrações contábeis são normalmente preparadas no pressupostode que a entidade continuará em operação no futuro previsível. Dessa forma,presume-se que a entidade não tem a intenção nem a necessidade de entrarem liquidação, nem reduzir materialmente a escala das suas operações;

se tal intenção ou necessidade existir, as demonstrações contábeis terãoque ser preparadas numa base diferente e, nesse caso, tal base deverá serdivulgada.Primazia da Essência sobre a FormaPara que a informação represente adequadamente as transações e outroseventos que ela se propõe a representar, é necessário que essas transaçõese eventos sejam contabilizados e apresentados de acordo com a suasubstância e realidade econômica, e não meramente sua forma legal. Aessência das transações ou outros eventos nem sempre é consistente com o

que aparenta ser com base na sua forma legal ou articialmente produzida.Por exemplo, uma entidade pode vender um ativo a um terceiro de talmaneira que a documentação indique a transferência legal da propriedadea esse terceiro; entretanto, poderão existir acordos que assegurem que aentidade continuará a usufruir os futuros benefícios econômicos geradospelo ativo e o recomprará depois de um certo tempo por um montanteque se aproxima do valor original de venda acrescido de juros de mercadodurante esse período. Em tais circunstâncias, reportar a venda nãorepresentaria adequadamente a transação formalizada.”

Tão relevante é a continuidade da entidade que a Instrução da CVM quetrata do método de equivalência patrimonial distingue o tratamento das (i)controladas e coligadas que demonstrem evidências de perda de continuidade

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de suas atividades e; (ii) as controladas ou coligadas que permanecerão ematividade, realizando suas operações, ainda que estejam na iminência de seralienadas, in verbis:

“Art. 6º Deverá deixar de ser avaliado pelo método da equivalênciapatrimonial, sem prejuízo do disposto no artigo 12, o investimento emsociedades coligadas e controladas com efetiva e clara evidência de perda decontinuidade de suas operações ou no caso em que estas estejam operando sob severasrestrições a longo prazo que prejudiquem signicativamente a sua capacidade detransferir recursos para a investidora.Art. 7º O investimento em sociedade coligada e controlada cuja venda porparte da investidora, em futuro próximo, tenha efetiva e clara evidência

de realização, continuará sendo avaliado pelo método da equivalênciapatrimonial até a data-base considerada para a venda.”118

A continuidade da entidade supõe uma dinâmica patrimonial da sociedade,cujo resultado realizado somente poderá ser conhecido ao seu término, medianteliquidação e extinção. Como a vida da empresa exige apurações periódicas deresultado, esse princípio é mitigado. E nessa continuidade da entidade, devepreponderar o registro pelo custo histórico de aquisição , a ser mantido até a realizaçãodo bem, inclusive no caso de alienação, conrme o art. 7º, da Resolução CFC nº750/93:

“Art. 7º - Os componentes do patrimônio devem ser registrados pelosvalores originais das transações com o mundo exterior, expressos a valorpresente na moeda do País, que serão mantidos na avaliação das variaçõespatrimoniais posteriores, inclusive quando congurarem agregações oudecomposições no interior da ENTIDADE.§ único – Do Princípio do REGISTRO PELO VALOR ORIGINAL resulta:

I – a avaliação dos componentes patrimoniais deve ser feita com base nosvalores de entrada, considerando-se como tais os resultantes do consensocom os agentes externos ou da imposição destes;II – uma vez integrado no patrimônio, o bem, direito ou obrigação nãopoderão ter alterados seus valores intrínsecos, admitindo-se, tão-somente,sua decomposição em elementos e/ou sua agregação, parcial ou integral, aoutros elementos patrimoniais;III – o valor original será mantido enquanto o componente permanecercomo parte do patrimônio, inclusive quando da saída deste”.

118 Instrução CVM nº 247, de 27 de março de 1996, com as alterações introduzidas pelas instruções CVMnº 269/97, 285/98, 464/08 e 469/08.

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Nesse particular, a aquisição de uma empresa pelo seu custo históricoadicionado de algum valor faz gerar, de um lado, um desdobramento necessáriodo custo de aquisição: 1) aquilo que corresponde ao montante do valor registrado

na contabilidade da empresa adquirida, a título de equivalência patrimonial;119

 e 2)a diferença paga, entre o patrimônio adquirido e o preço efetivamente pago, naforma de ágio.

Segundo explicita o art. 178, da Lei nº 6.404/76, os grupos das contas doativo serão repartidas em ativo circulante e ativo não circulante, composto porativo realizável a longo prazo, investimentos, imobilizado e intangível, os quais,segundo o art. 179, devem se reportar ao seguinte:

“III - em investimentos: as participações permanentes em outras sociedades

e os direitos de qualquer natureza, não classicáveis no ativo circulante,e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou daempresa;IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto benscorpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ouda empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentesde operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos econtrole desses bens;VI – no intangível: os direitos que tenham por objeto bens incorpóreosdestinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa nalidade,inclusive o fundo de comércio adquirido”.

No caso de aquisição de sociedade com atuação no mesmo campo deatividade, forja-se uma unidade econômica em tudo indissociável, mormentequando se trata de subsidiária integral, de tal modo que os bens do ativoimobilizado e do intangível, no conjunto, servirão ao mesmo propósitoeconômico, em favor da formação de uma lucratividade unitária e consolidada,pelos objetivos comuns que alberga.

As empresas brasileiras que tenham investimentos relevantes emcontrolada, coligada, ou outras sociedades que façam parte de um mesmo grupodeverão avaliar seu investimento pelo método da equivalência patrimonial, nostermos dos art. 248,120  e quando tais investimentos representem mais de 30%

119 “Art. 1º O investimento permanente de companhia aberta em coligadas, suas equiparadas e em con-troladas, localizadas no país e no exterior, deve ser avaliado pelo método da equivalência patrimo-nial, observadas as disposições desta Instrução.

  Parágrafo Único. Equivalência patrimonial corresponde ao valor do investimento determinado me-diante a aplicação da percentagem de participação no capital social sobre o patrimônio líquido decada coligada, sua equiparada e controlada.” (Instrução CVM nº 247, de 27 de março de 1996, com asalterações introduzidas pelas instruções CVM nº 269/97, 285/98, 464/08 e 469/08)

120  Com a redação da Lei nº 11.941/2009: “Artigo 248. No balanço patrimonial da companhia, os investi-mentos em coligadas ou em controladas e em outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo

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(trinta por cento) do valor do seu patrimônio líquido, elas são obrigadas a elaborar edivulgar, juntamente com suas demonstrações nanceiras, demonstrações consolidadas nos termos dos arts. 249 e 250, da Lei nº 6.404/76.121

O custo de aquisição122 suportado para adquirir outra empresa será sempreum valor para a entidade adquirente, e o  preço pago na compra, a proporçãodo capital empregado, como expressão do sacrifício nanceiro da entidadeadquirente para a referida obtenção de outra entidade.

Certo que o patrimônio da empresa adquirida não se transfere ese assoma ao conjunto de bens do ativo, destinados à manutenção daatividade empresarial da entidade adquirente, na sua unidade, como sepoderia verificar na fusão ou na incorporação; mas, quando a empresa

adquirida cumpre exatamente a mesma atividade e visa a atingir a mesmafinalidade, essa distinção já não possui a mesma força, como se farádemonstrar logo mais.

ou estejam sob controle comum serão avaliados pelo método da equivalência patrimonial, de acordocom as seguintes normas: I - o valor do patrimônio líquido da coligada ou da controlada será deter-minado com base em balanço patrimonial ou balancete de vericação levantado, com observância dasnormas desta Lei, na mesma data, ou até 60 (sessenta) dias, no máximo, antes da data do balanço da

companhia; no valor de patrimônio líquido não serão computados os resultados não realizados de-correntes de negócios com a companhia, ou com outras sociedades coligadas à companhia, ou por elacontroladas;

  II - o valor do investimento será determinado mediante a aplicação, sobre o valor de patrimônio líquidoreferido no número anterior, da porcentagem de participação no capital da coligada ou controlada;

  III - a diferença entre o valor do investimento, de acordo com o número II, e o custo de aquisiçãocorrigido monetariamente; somente será registrada como resultado do exercício:

  a) se decorrer de lucro ou prejuízo apurado na coligada ou controlada;  b) se corresponder, comprovadamente, a ganhos ou perdas efetivos;  c) no caso de companhia aberta, com observância das normas expedidas pela Comissão de Valores

Mobiliários.  § 1º Para efeito de determinar a relevância do investimento, nos casos deste artigo, serão computados

como parte do custo de aquisição os saldos de créditos da companhia contra as coligadas e controladas.  § 2º A sociedade coligada, sempre que solicitada pela companhia, deverá elaborar e fornecer o balan-

ço ou balancete de vericação previsto no número I.”121  “Art. 22. Demonstrações contábeis consolidadas compreendem o balanço patrimonial consolidado, a de-

monstração consolidada do resultado do exercício e a demonstração consolidada das origens e aplicaçõesde recursos, complementadas por notas explicativas e outros quadros analíticos necessários para esclareci-mento da situação patrimonial e dos resultados consolidados.” (Instrução CVM nº 247, de 27 de março de1996, com as alterações introduzidas pelas instruções CVM nº 269/97, 285/98, 464/08 e 469/08)

122  “Art. 13. Para efeito de contabilização, o custo de aquisição de investimento em coligada e controladadeverá ser desdobrado e os valores resultantes desse desdobramento contabilizados em sub-contasseparadas:

  I - equivalência patrimonial baseada em demonstrações contábeis elaboradas nos termos do artigo10; e

  II - ágio ou deságio na aquisição ou na subscrição, representado pela diferença para mais ou paramenos, respectivamente, entre o custo de aquisição do investimento e a equivalência patrimonial.”(Instrução CVM nº 247, de 27 de março de 1996, com as alterações introduzidas pelas instruçõesCVM nº 269/97, 285/98, 464/08 e 469/08)

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3. O Ágio Fundamentado por Rentabilidade Futura

A disponibilidade sobre o nanciamento da empresa e, igualmente,

sobre a realização do ágio encontra-se no espaço da liberdade societária dosacionistas, desde que atendidos aos requisitos legais (i), e que isso repercuta,pelo método do patrimônio líquido, mediante equivalência patrimonial, naconta investimento da acionista (ii). Essa decorrência do uso do “ágio” e da“equivalência patrimonial” não se destaca do exercício de liberdade de recursoà melhor forma na gestão do patrimonial social da empresa.

O estudo das implicações entre Direito Tributário e Direito Privado estásó no seu limiar. Urge ao nosso Direito Tributário empreender ainda maioresesforços para descortinar a hermenêutica interativa desse “diálogo das fontes”que se deve concretizar entre esses dois domínios materiais de normas jurídicas,em favor de uma aplicabilidade do Direito Tributário mais consistente erigorosamente compatível com o princípio de certeza do direito, na adequaçãoao princípio da verdade material, fundamento de todo o agir administrativo.

O Código Tributário Nacional reservou dispositivos exclusivos para essem. Trata-se do art. 109, do CTN, segundo o qual:

“Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da denição, doconteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para deniçãodos respectivos efeitos tributários”.

Descrevendo esse art. 109, do CTN, Aliomar Baleeiro atesta a pretensãodo legislador em garantir o “primado do direito privado” em detrimentodas regras de direito tributário, mas limitadamente ao universo das relaçõesentre particulares, naquilo que o direito tributário não dispusesse de mododiverso. Ou seja, quando o direito tributário regular uma determinadaseara que tenha implicações com institutos, conceitos ou formas do direitoprivado, prevaleceriam suas características naquilo que a lei tributária nãohouvesse excetuado. Nas suas palavras: “o Direito Tributário, reconhecendotais conceitos e formas, pode atribuir-lhes expressamente efeitos diversosdo ponto de vista tributário”.123 

Desse modo, urge respeitar amiúde os princípios gerais de direito privado quedevemos utilizar para pesquisa da denição, do conteúdo e do alcance de seus institutos,conceitos e formas , mesmo que os efeitos tributários possam ser de todo peculiaresàs necessidades da técnica de tributação, em conjunto com a contabilidade.124 A

123 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro (Anotado por Misabel de Abreu Machado Derzi). RJ:Forense, 11ª ed., 1999, p. 685.

124 Veja-se: GARCIA NOVOA, César. Las normas internacionales de contabilidad y su inuencia en laimposicion de la empresa. Mundo scal. Bogotá, 2007, nº 3, p. 7-35; cf. FALSITTA, Gaspare. Il bilanciodi esercizio delle emprese – interrelazioni tra dirio civile e tributário. Milano: Giurè, 1985, 316 p.

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pesquisa da natureza dos institutos e da sua qualicação das normas de DireitoPrivado afasta qualquer concessão para que o Direito Tributário possa inovar naespécie, mas que poderá, unicamente, dispor sobre os respectivos efeitos tributários.

E nessa tarefa de identicação dos efeitos dos elementos fundamentais dotratamento jurídico aplicado a algum fato ou instituto jurídico é que se impõeanalisar a “causa” do ato ou do negócio jurídico, como medida adequada deidenticação, qualicação e interpretação do conteúdo juridicizado.

A causa é um dos elementos essenciais (gerais) do ato ou negócio jurídico,nas palavras de Antonio Junqueira de Azevedo, uma das circunstâncias negociais ,que, juntamente com o objeto e a forma, constituem a existência do negócio. 125 Aimportância e a utilidade do conceito de “causa”126 é perfeita. Como já se dessome,

a “causa” oferece individualidade ao negócio jurídico. Nas palavras de Antonio Junqueira de Azevedo,127  com ênfase: “É indispensável o exame da causa”. Porisso, ao conferir tal individualidade ao ato ou negócio jurídico, revela-se comoum importante e inafastável elemento para o procedimento de interpretação,especialmente para os ns de aplicação de normas de direito tributário, quetomam o negócio jurídico como “fato”, para ns de subsunção deste à hipótesenormativa de um dado imposto.

Vejamos qual é exatamente a causa do ágio128 nas operações de aquisição deinvestimentos e, em particular, de sociedades, na sua integralidade.

Dentre outras hipóteses, surge o ágio , como preço adicional, quandoparticipações societárias ou ativos de uma empresa são adquiridos por um custode aquisição superior ao valor contábil.129

O preço do custo adicional é a sua causa jurídica, pois o ágio só surge porquehouve disposição de pagar um maior preço, a título de custo de aquisição,superior ao valor contábil do empreendimento. Essa disposição de pagamentosuperior ao preço contábil deve ser motivada em fundamentos econômicos quepossam ser demonstrados pela adquirente: sua causa.

125 Cf. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico – existência, validade e ecácia. 4ª ed., SP: Saraiva,2002, p. 156.

126 No  Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa , de Laudelino Freire: Causa, é “o  que fazque uma cousa exista; 2. O que determina um acontecimento; 3. O que produz; 4. Motivo, razão; 5.Origem, princípio”. No Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza , de Caldas Aulete, Causa, é“aquillo que faz com que uma coisa seja, exista ou aconteça: Não ha eeito sem causa; Razão, motivo:É bem conhecida a causa do meu ressentimento; O que produz, occasiona; origem”.

127 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico – existência, validade e ecácia. 4ª ed., SP: Saraiva,2002, p. 156; E assim também Castro y Bravo: “(...) cuando ella falta, no merece la calicación de

 jurídico”. CA STRO Y BRAVO, Federico. El negocio jurídico. Madrid, Civitas, 1999, p. 167.128 “Art. 14. O ágio ou deságio computado na ocasião da aquisição ou subscrição do investimento deverá ser

contabilizado com indicação do fundamento econômico que o determinou.” (Instrução CVM nº 247)129 Para Rubens Gomes de Sousa, “(...) o fundamento do ágio é compensar os antigos acionistas pelo fato de que

os novos acionistas adquirem iguais direitos sobre o ativo social.”  SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres - 2:imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 142.

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Em geral, a aquisição de empresas deverá levar em conta o método deavaliação do investimento, como é o caso do custo de aquisição, no Brasil, oudaquele denominado “método de compra” ( purchase method), que é o atualmente

empregado pela contabilidade internacional. O método de compra (§ 17, do IAS22, atual IFRS 3) impõe que o registro da combinação de negócios seja registradacomo se fosse uma aquisição de ativos, mas pelo custo de aquisição , após avaliaçãopelo valor justo.

O Purchase Method  aplicado pela norma SFAS 141 considera que osativos e passivos deverão ser registrados pelo seu valor justo e a diferençaentre este e o valor pago assume a condição de  goodwill130 do negócio. E essa éuma formulação única para qualquer tipo de combinação de negócios, comogênero, que envolve fusão, incorporação, cisão, compra de ações, compra detodo o patrimônio líquido, assunção de passivos, compra de parte dos ativoslíquidos ou mesmo a aquisição de controle acionário.131  É a praxe atual dasregras americanas e internacionais.132

O goodwill do direito americano quase se assemelha à noção de “ágio” dodireito brasileiro, mesmo que persista uma diferença especíca que os distingue,porquanto o  goodwill  corresponde ao valor adicional pago pela aquisição quesupera o valor justo ( fair value) pago pelos ativos e passivos adquiridos,133 comose verica atualmente nos Estados Unidos. Carvalho, Lemes e Costa descrevem,com precisão, o regime do goodwill , a partir da IRFS 3:

“Em outras palavras, o goodwill adquirido é o excesso do custo de aquisição sobreo valor justo dos itens adquiridos e representa um pagamento antecipado feitopela adquirente pelos benefícios econômicos futuros dos ativos que não foramindividualmente identicados e separadamente reconhecidos na combinação.Seu reconhecimento será como um ativo, na data da aquisição.”134 

Comumente, fala-se do ágio como parcela do preço dos ativos acrescido ao

 justo preço. Nesse caso, são levados em conta para determinação do preço do

130 “Goodwill é a diferença positive entre o preço de compra e a soma dos valores justos de mercado dos ativosadquiridos”. ROSS, Stephen; WESTERFIELD, Randolph; JAFFE, Jerey. Administração nanceira.SP: Atlas, 2002, p. 657; Cf. BREALEY, Richard A.; STEWART, C. Myers. Princípios de nanças empresa-riais. 5ª ed., Lisboa: McGraw-Hill, 1998.

131 Cf. CARVALHO, L. Nelson; LEMES, Sirlei; COSTA, Fabio Moraes da. Contabilidade internacional. SP:Atlas, 2006, p. 59 e ss.

132 No plano internacional, a IAS 22/1993 (alterada em 1998), trata das “Combinações empresariais”(Business Combinations), ora regulada pelo International Accounting Standards Board (IASB). Além des-ta, tem-se ainda, no âmbito internacional: SIC-9, SIC-22 e IRF-3 - Business Combination; nos EstadosUnidos: APB 16, SFAS 38, SFAS 72, SFAS 79, SFAS 106, SFAS 109 e SFAS 141.

133 Cf. SCHMIDT, Paulo; SANTOS, José Luiz dos; FERNANDES, Luciane Alves. Contabilidade internacio-nal avançada. SP: Atlas, 2007, p. 165 e ss.

134 CARVALHO, L. Nelson; LEMES, Sirlei; COSTA, Fabio Moraes da. Contabilidade internacional. SP:Atlas, 2006, p. 72.

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negócio intangíveis como clientela, relações comerciais, marca e outros aspectosque afetam o valor do negócio de modo vantajoso. Mas também há no direitoamericano o  goodwill  como valor presente das expectativas de lucros futuros,

como fundamento econômico equivalente ao “ágio” baseado em projeções delucratividade futura. E esse é o sentido que nos importa.

No Brasil, entre outras signicações, o termo ágio  é utilizado comorepresentativo do valor adicional de preço pago pela aquisição de ativos emrelação ao valor patrimonial das ações ou dos ativos adquiridos.135

Imperioso reconhecer que o “custo de aquisição” não poderia ser o valorhistórico do ativo adquirido, tampouco apenas o valor contábil atual. Nadaimpede que a aquisição de investimento faça-se com preço majorado, na oferta

para a negociação, tendo em vista expectativas de lucratividade. E, assim, oefetivo sacrifício econômico suportado será aquele coincidente dessas duasparcelas, o contábil e aquele adicionado.

Porém, como se deve preservar o valor contábil, pelo patrimônio líquidoda investida, ou adquirida, o ágio será a parte adicional, mensurada como adiferença positiva entre o valor contábil e o custo de aquisição. Por isso, deneBulhões Pedreira, o ágio  na aquisição de participação societária pode serentendido como: “Parte do custo de aquisição do investimento que correspondeao direito de participar em valores que não se acham registrados na escrituração

da controlada ou coligada”.136

 Quer dizer, o ágio é propriamente uma parcelado “custo de aquisição”, quando esta vê-se avaliada pelo “patrimônio líquido”,um adicional que, a título de “custo”, no sentido jurídico de “despesa” paraa investidora, causa redução do patrimônio líquido da sociedade adquirente,mas que agora se deve somar ao valor do “patrimônio líquido” adquirido. É,portanto, o ágio, uma despesa relativa ao preço adicionado ao valor contábildo investimento adquirido, razão pela qual se justica sua dedução, mormentenecessária à expansão das atividades e da capacidade lucrativa da empresa.

135 “Art. 6º O montante do ágio ou do deságio, conforme o caso, resultante da aquisição do controle dacompanhia aberta que vier a incorporar sua controladora será contabilizado, na incorporadora, daseguinte forma:

  I - nas contas representativas dos bens que lhes deram origem – quando o fundamento econômicotiver sido a diferença entre o valor de mercado dos bens e o seu valor contábil (Instrução CVM nº247/96, art. 14, § 1º);

  II - em conta especíca do ativo imobilizado (ágio) – quando o fundamento econômico tiver sido aaquisição do direito de exploração, concessão ou permissão delegadas pelo Poder Público (InstruçãoCVM nº 247/96, art. 14, § 2º, alínea b); e

  III - em conta especíca do ativo diferido (ágio) ou em conta especíca de resultado de exercíciofuturo (deságio) – quando o fundamento econômico tiver sido a expectativa de resultado futuro(Instrução CVM nº 247/96, art. 14, § 2º, alínea a).” (Instrução CVM nº 319/99, consolidada)

136 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações nanceiras da companhia – conceitos fundamen-tais, RJ: Forense, 1989, p. 704.

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3.1. Contabilização do ágio na legislação societária e nas regrascontábeis – Alterações previstas na Lei nº 11.941/2009

A Lei nº 6.404/76 limita-se a dispor sobre a equivalência patrimonial , semqualquer alusão direta ao tratamento do ágio. Simplesmente prescreve que no casode investimentos em controladas e em outras sociedades que façam parte de ummesmo grupo ou estejam sob controle comum, estes serão avaliados pelo métododa equivalência patrimonial, sujeitos ainda aos seguintes requisitos, entre outros:

“Art. 248. No balanço patrimonial da companhia, os investimentos emcoligadas ou em controladas e em outras sociedades que façam parte de um

mesmo grupo ou estejam sob controle comum serão avaliados pelo métododa equivalência patrimonial, de acordo com as seguintes normas:I - o valor do patrimônio líquido da coligada ou da controlada

será determinado com base em balanço patrimonial ou balancetede vericação levantado, com observância das normas desta Lei, namesma data, ou até 60 (sessenta) dias, no máximo, antes da data do balanço da companhia; no valor de patrimônio líquido não serãocomputados os resultados não realizados decorrentes de negócioscom a companhia, ou com outras sociedades coligadas à companhia,

ou por ela controladas;II - o valor do investimento será determinado mediante a aplicação,sobre o valor de patrimônio líquido referido no número anterior, da porcentagem de participação no capital da coligada ou controlada;

III - a diferença entre o valor do investimento , de acordo com onúmero II, e o custo de aquisição corrigido monetariamente; somenteserá registrada como resultado do exercício:a) se decorrer de lucro ou prejuízo apurado na coligada ou controlada; b) se corresponder, comprovadamente, a ganhos ou perdas efetivos;

c) no caso de companhia aberta, com observância das normasexpedidas pela Comissão de Valores Mobiliários. (...)”

É verdade que a avaliação de instrumentos nanceiros, inclusive derivativos,e em direitos e títulos de créditos, classicados no ativo circulante ou no realizávela longo prazo deve ser feita: (i) pelo seu valor justo, quando se tratar de aplicaçõesdestinadas à negociação ou disponíveis para venda; ou (ii) pelo valor de custode aquisição ou valor de emissão, atualizado conforme disposições legais oucontratuais, ajustado ao valor provável de realização, quando este for inferior,

no caso das demais aplicações e os direitos e títulos de crédito; conforme dispõeo inciso I, do art. 183, da Lei nº 6.404/76. De outra banda, investimentos relativosa participação no capital social de outras sociedades, coligadas ou controladas,devem ser registrados pelo valor do patrimônio líquido (equivalência patrimonial)

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nos termos do art. 248, ambos da Lei nº 6.404/76. Isso, contudo, não pode ilidiro direito à dedutibilidade do ágio, que consiste no sacrifício econômico para aconsolidação dos ativos, com vistas à ampliação das atividades da sociedade

empresária, sob a forma de subsidiária integral.A soma do valor da equivalência patrimonial do investimento e do valor

do ágio ou deságio, registrados em contas distintas, deve ter como resultadoo valor do custo de aquisição do investimento. Assim, o custo de aquisição deuma sociedade deve desdobrar-se em duas subcontas (art. 20, do Decreto-Lei nº1.598 de 26/12/1977 e Instrução CVM nº 247/96): a) uma que contemple o valordo patrimônio líquido do investimento; e outra b) que indique a diferença entreesse valor e o custo de aquisição atual, o efetivo valor pago pela adquirente, que

se for superior, receberá a designação de “ágio”.A equivalência patrimonial  tem a função de identicar os investimentosrelevantes em empresas controladas ou coligadas conforme os resultados foremsendo apurados nessas entidades, independentemente de distribuição doslucros. E para investimentos que não se qualicarem como relevantes , emprega-se o método ordinário de custo de aquisição  para sua avaliação (art. 183, III,da Lei nº 6.404/76), como explicitado acima. E, assim, a contabilização de taisinvestimentos sofrerá o desdobramento em duas contas: na conta investimento , naqual o patrimônio líquido da investida será aferido por equivalência patrimonial,na proporção do capital investido; e na conta ágio ou deságio , hábil a identicar adiferença entre o custo de aquisição e a conta investimento.

Em dois casos, o regramento jurídico do art. 7º, da Lei nº 9.532, de 10de dezembro de 1997, determina o registro em contrapartida à conta do ativo diferido do passivo do balanço, o da rentabilidade futura da coligada ou controlada (i)e o caso da aquisição de fundo de comércio ou outras razões econômicas (ii). AInstrução Normativa SRF nº 11, de 10 de fevereiro de 1999, porém, admitiu que,alternativamente, poderá registrar o ágio ou deságio a que se referem os incisos II

e III em conta do patrimônio líquido.137

A conta do ativo diferido foi extinta com a edição da Lei nº 11.941/2009, noentanto, essa modicação ainda não foi reetida nas normas tributárias. O art.229-A da Lei nº 6.404/76 determina que “O saldo existente em 31 de dezembro de2008 no ativo diferido que, pela sua natureza, não puder ser alocado a outro grupo decontas, poderá permanecer no ativo sob essa classicação até sua completa amortização,sujeito à análise sobre a recuperação de que trata o § 3º do art. 183 desta Lei”. 

137 “Art. 1º (...)  II. Valor de rentabilidade da coligada ou controlada , com base em previsão dos resultados nos exercícios fu-

turos, em contrapartida a conta do ativo diferido, se ágio , ou do passivo, como receita diferida, se deságio;  Parágrafo 1º - Alternativamente , a pessoa jurídica poderá registrar o ágio ou deságio a que se referem os

incisos II e III em conta do patrimônio líquido.”

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Com a extinção da conta de ativo diferido, o ágio pago pela perspectivade rentabilidade futura138  deverá ser alocado em contas especícas de acordocom o ativo que os originou, como determinam os Pronunciamentos técnicos do

Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC. Conra-se:

“78. O ágio pago, decorrente de expectativa de rentabilidade futuraem uma aquisição de entidades (goodwill), representa um desembolsorealizado por um adquirente na expectativa de benefícios econômicosfuturos de ativos, para os quais a administração não conseguiuindividualmente identificá-los e separadamente reconhecê-los. Esseágio não gera fluxos de caixa independentemente de outros ativos ougrupos de ativos,e freqüentemente contribui para os fluxos de caixa

de diversas unidades geradoras de caixa. Às vezes, esse ágio nãopode ser alocado de forma não-arbitrária para unidades geradorasde caixa individuais, mas apenas a grupos de unidades geradoras decaixa. Assim, o nível mais baixo dentro da entidade, no qual o ágio porexpectativa de resultado futuro é monitorado para fins administrativosinternos, às vezes inclui algumas unidades geradoras de caixa às quaiso ágio se relaciona, mas às quais não pode ser alocado. As referênciasnos itens 80-95 a uma unidade geradora de caixa à 22 qual o ágio deveser alocado devem ser lidas como referências também a um grupode unidades geradoras de caixa às quais o ágio deve ser alocado.”(Pronunciamento Técnico nº 1) “34. Portanto, o adquirente deve reconhecer na data da aquisição, separadamentedo ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) apurado em umacombinação de negócios, um ativo intangível da adquirida, independentementede o ativo ter sido reconhecido pela adquirida antes da aquisição da empresa.  Isso signica que a adquirente reconhece como ativo, separadamentedo ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill), umprojeto de pesquisa e desenvolvimento em andamento da adquirida se oprojeto atender à denição de ativo intangível. Um projeto de pesquisae desenvolvimento e mandamento da adquirida atende à denição deativo intangível quando: (a) corresponder à denição de ativo; e (b) foridenticável, ou seja, é separável ou resulta de direitos contratuais ououtros direitos legais.” (Pronunciamento Técnico nº 4)“20. (...) No caso de ágio anteriormente registrado nesse grupo (ativodiferido), análise meticulosa deve ser feita quanto à sua destinação: parao ativo intangível  se relativo a valor pago a terceiros, independentes,

por expectativa de rentabilidade futura ( goodwill); para investimentos ,se pago por diferença entre valor contábil e valor justo dos ativos e

138 Instrução CVM 247/1996 e Deliberação CVM nº 580/2009 sobre combinação de negócios.

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passivos adquiridos; e para o resultado, como perda, se sem substânciaeconômica. (...)50. À luz da necessidade de equalização mencionada no item anterior,

determina este Pronunciamento que o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) passe a deixar de ser sistematicamente amortizado a partirdo exercício social que se iniciar em 1º de janeiro de 2009 ou após. Ressalta-se,todavia, que esse ágio está submetido ao teste de recuperabilidade a que serefere o Pronunciamento Técnico CPC 01 Redução ao Valor Recuperável deAtivos.” (Pronunciamento Técnico nº 13)“B31. O adquirente deve reconhecer, separadamente do ágio por rentabilidade futura (goodwill), os ativos intangíveis identicáveis em combinação de negócios.O ativo intangível é identicável se ele atender ao critério de separação ou o critério

legal-contratual.B32. Um ativo intangível que atende ao critério legal-contratual éidenticável mesmo se ele não puder ser transferido ou separado daadquirida ou de outros direitos e obrigações. Por exemplo:(a) A adquirida arrenda instalações fabris por meio de contrato dearrendamento cujos termos e condições são favoráveis em relação aomercado. As condições do arrendamento explicitamente proíbem atransferência do arrendamento (por meio da venda ou sublocação). Omontante pelo qual as condições de arrendamento são favoráveis em

relação às condições das operações correntes de mercado para itens iguaisou similares constitui ativo intangível que atende ao critério contratual-legal para ser reconhecido separadamente do ágio por rentabilidade futura(goodwill), embora o adquirente não possa vender ou transferir o contratode arrendamento.(b) A adquirida possui e opera uma unidade geradora de energia nuclear.A licença para operar essa unidade é um ativo intangível que atendeao critério contratual-legal para seu reconhecimento separado do ágiopor rentabilidade futura (goodwill), mesmo que o adquirente não possa

vender ou transferir essa licença separadamente da unidade de geração deenergia adquirida. O adquirente pode reconhecer o valor justo da licençade operação e o valor justo da unidade de geração de energia como únicoativo para ns de demonstrações contábeis, caso a vida útil econômica deambos os ativos sejam similares.(c) A adquirida possui a patente de determinada tecnologia que foilicenciada para terceiros exclusivamente para uso fora do mercadodoméstico. Em contrapartida, a adquirida recebe percentagemespecífica das receitas desses terceiros. Nesse caso, a patente e a licença

atendem ao critério contratual-legal para o reconhecimento como ativo,separadamente do ágio por rentabilidade futura (goodwill), mesmo nãosendo possível vender ou trocar a patente separadamente da licença.”(Pronunciamento Técnico nº 15)

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O artigo 226 da Lei nº 6.404/76, com as alterações das Leis nº 11.638/2008 e nº11.941/2009, determina que os ativos e passivos de empresa adquirida mediantetransformação, incorporação, fusão ou cisão em que ocorra uma combinação de

negócios, com efetiva transferência de controle, observarão normas especiais deavaliação e contabilização a serem emitidas pela CVM. E a CVM referendou oPronunciamento técnico CPC nº 15 citado, que estabelece que o valor do ágiopassará a ser a diferença maior entre o custo de aquisição e o valor justo líquidodos ativos e passivos identicáveis adquiridos (antes era a diferença entre o custo deaquisição e o patrimônio líquido da adquirida).

O ágio não poderá mais ser amortizado contabilmente no prazo estimadopelas projeções, mas deve se adequar ao teste da recuperabilidade, como

determina o Pronunciamento técnico CPC nº 04. Esses critérios contábeis paramensuração e amortização do ágio entrarão em vigor em 2010. No entanto, forammantidos os critérios de amortização para ns scais, previstos no Decreto-Leinº 1.598 e na Lei nº 9.532/97.

A partir da vigência das novas normas contábeis, o ágio com fundamentona rentabilidade futura não poderá mais ser amortizado para ns contábeis noprazo estimado pelas projeções econômicas, deverá, contudo, se adequar aoteste da recuperabilidade.139 Com a extinção da conta do ativo diferido, o ágio

aqui tratado deverá ser registrado na conta de investimento ou ativo intangível,cando atrelado ao bem que lhe originou.

Entretanto, o tratamento tributário do ágio permanece inalterado, comoestabelece o art. 229-A da Lei nº 6.404/76, cabendo aos contribuintes realizar aamortização para ns scais e os ajustes no Controle Fiscal Contábil de Transição(FCONT) instituído pela Instrução Normativa RFB nº 949/2009.

139 “84 Quando, conforme descrito no item 78, segundo parágrafo, o ágio ( goodwill) se relaciona com

uma unidade geradora de caixa, mas não foi alocado naquela unidade, esta deverá ser testada pararedução ao valor recuperável sempre que houver uma indicação de que a unidade possa estar desva-lorizada, ao comparar o valor contábil da unidade, excluindo qualquer ágio ( goodwill), com seu valorrecuperável. Qualquer perda por desvalorização deverá ser reconhecida de acordo com o item 99.

  85 Se uma unidade geradora de caixa descrita no item 84 incluir em seu valor contábil um ativointangível que tem uma vida útil indenida, ou que ainda não está disponível para ser usado, e esseativo somente pode ser testado para redução ao valor recuperável apenas como parte da unidadegeradora de caixa, o item 9 exige que a unidade também seja testada, anualmente, para redução aovalor recuperável.

  86 Uma unidade geradora de caixa à qual houve alocação de ágio pago por expectativa de rentabi-lidade futura ( goodwill) deverá ser anualmente testada para vericar a necessidade de redução aovalor recuperável e sempre que houver uma indicação de que a unidade poderá estar desvalorizada,comparando-se seu valor contábil, incluindo o ágio ( goodwill), com o valor recuperável da unidade.Se o valor recuperável da unidade ultrapassar seu valor contábil, a unidade e o ágio ( goodwill) aloca-do àquela unidade deverão ser considerados como não estando desvalorizados. Se o valor contábilde uma unidade ultrapassar seu valor recuperável, a entidade deverá reconhecer a perda por desva-lorização de acordo com o item 99.” (Pronunciamento técnico nº 1)

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Antes da Lei nº 11.941/2009, o ágio pago e registrado sob o fundamentoeconômico de rentabilidade futura140 era registrado na subconta do ativo diferido(art. 179, V, da Lei nº 6.404/76), pois passaria a fazer parte do ativo permanente

da adquirente, na medida em que se trata de despesa inerente à formação doresultado operacional da empresa, em virtude da razoável segurança que se temquanto à sua realização futura desses saldos diferidos, sujeitos à amortização noperíodo.

A Lei nº 9.249/95 permite que a pessoa jurídica que tiver seu patrimônio,parcial ou totalmente, absorvido – em virtude de incorporação, fusão ou cisão –levante balanço especíco para esse m, no qual os bens e direitos serão avaliadospelo valor contábil ou de mercado. Nos processos de incorporação, fusão ecisão não havia a necessidade da avaliação a mercado dos ativos e passivos. Ousual era a manutenção do seu valor histórico contábil e o tratamento do ágio,pago e fundamentado com base em detalhados estudos que estimavam suarentabilidade futura, classicado contabilmente como ativo diferido a partir daincorporação da entidade legal adquirida. O ágio representa uma parcela decusto de aquisição sem contrapartida de ativo e, por isso mesmo, equivale auma redução patrimonial. Em vista disso, não surpreende que era classicávelno ativo diferido quando justicado por aproveitamento de exercícios futuros,aos ns de amortização.

3.2. A antiga amortização contábil do ágio baseado naexpectativa de rentabilidade futura

O  patrimônio  de uma empresa eventualmente alienado deverá, de certo,reportar-se a um momento destacado no tempo, como o nal do exercício anual,o átimo da alienação, da extinção ou de alguma forma de reorganização, paraque se possa aferir o “valor” ajustado como objeto do negócio jurídico. Será nessa

ocasião que se conrmará o valor negociado e a ser suportado por cada uma daspartes, bem como dos direitos a reclamar por um e outro, relativamente aos bense direitos assumidos ou ao preço a pagar, e bem assim o ágio a ser apurado nacontabilidade da adquirente.

Antes da edição da Lei nº 11.941/2009, as normas societárias e contábeispermitiam a amortização do ágio, total ou parcial, a depender da situaçãodos bens e dos fundamentos econômicos. A amortização do ágio signicava aredução do valor registrado ao longo de período de tempo determinado por lei,mediante baixas sucessivas, na proporção autorizada.

140 A Instrução CVM nº 285, de 31 de julho de 1998, que altera a Instrução CVM nº 247, de 1996, estabe-lece que o ágio por rentabilidade futura é somente aquele que ultrapassar o valor de mercado dosativos e passivos.

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No direito americano, porém, a amortização sequer é cogitada nacontabilidade do goodwill , a partir da IRFS 3. Carvalho, Lemes e Costa observamque o  goodwill  adquirido na combinação estará sujeito ao teste de impairment 

(redução ao valor recuperável) e, uma vez superado esse teste, não será amortizado, pois sua vida útil econômica foi considerada, a partir de 2004, indenida pelo IASB.141 O deságio não será reconhecido. Atualmente, a Lei nº 11.941/2009, as normaseditadas pela CVM e os pronunciamentos técnicos do CPC aproximam-se dasnormas contábeis internacionais do International Financial Reporting Standards –IFRS e, nesse sentido, exigem o teste de redução do valor recuperável e impedema amortização contábil do ágio pago com fundamento em rentabilidade futurano prazo estimado nas projeções econômicas.

Certo que nunca se cogitou de “amortização” quando houver alienação do

ativo adquirido ou seu perecimento. Nesses casos, a baixa do investimento deveser acompanhada da baixa do ágio, integralmente ou no seu valor remanescente,inclusive para os efeitos de dedutibilidade tributária.

Esclarecem Sérgio de Iudicibus, Eliseu Martins e Ernesto Gelbcke:142

“Logicamente, o saldo da conta de ágio será integralmente baixado sehouver baixa do investimento por venda a terceiros, dentro desse períodode amortização, ou ainda baixa por perecimento, que seria o caso de acoligada ou controlada adquirida paralisar ou reduzir suas atividades;

ou ainda se outras razões que indiquem que realmente tal ágio não temsubstância econômica efetiva e não é recuperável”.

No passado, o regime de amortização do ágio era disciplinado por normascontábeis que permitiam que, a cada exercício social, ocorresse a amortizaçãoproporcional do ágio, em razão do custo suportado pela adquirente paraobtenção da entidade controlada.

Além disso, o titular do ágio, ao efetuar o seu lançamento, para os ns deamortização, deveria indicar seu fundamento econômico, como aduz o § 2º, doart. 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77:

“a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferiorao custo registrado na sua contabilidade;b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dosresultados nos exercícios futuros;c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas”.

141 CARVALHO, L. Nelson; LEMES, Sirlei; COSTA, Fabio Moraes da. Contabilidade internacional. SP:Atlas, 2006, p. 72.

142 IUDICIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto Rubens.  Manual de contabilidade dassociedades por ações , 4ª ed., São Paulo: Atlas, 1995, p. 271.

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Era fundamental para o Fisco, credores em geral e acionistas, saber a razãodo ágio eventualmente pago. E isso porque, enquanto a fundamentação daequivalência patrimonial é o patrimônio líquido da entidade investida, apurado

em conformidade com as regras mais rigorosas de demonstração nanceira, oágio vê-se apurado segundo a simples justicativa de um preço pago a maior, nototal do custo de aquisição. Impõe-se, assim, a necessária determinação da razãoeconômica do seu surgimento, mediante provas documentais (laudos).

Essa eleição do fundamento econômico , como se pode dessumir, não é umafaculdade do investidor, uma liberalidade. Trata-se de uma evidente obrigaçãoimputada ao titular do ágio, pelo § 2º, do art. 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77. Não basta, porém, indicar o fundamento econômico que motivou o surgimento doágio. Imperioso será a sua demonstração por provas cabais da sua vericação.Necessário demonstrar, mediante provas coerentes e adequadas, a justicativadaquele que fora indicado. E a importância dessa opção é inequívoca, pois, como bem observa Edmar Oliveira, “determinará o regime contábil e tributário a queaquela parcela (o ágio) será submetida, entre os diversos regimes existentes”.143

A aquisição de empresa com valor de mercado de bens do ativo superior ouinferior ao custo registrado na sua contabilidade exige a denição do que se entendapor “valor de mercado”, que será sempre o valor praticado entre partesindependentes, dentre de condições justas. Nesta, a prova será o Laudo de

Avaliação elaborado por peritos e que deverá indicar, entre outros aspectos, ovalor do ativo registrado, a apuração de reavaliação e as razões que motivarama apuração do custo de aquisição.

Interessa-nos, porém, o fundamento da rentabilidade futura.A alínea “b”, do § 2º, do art. 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, dispõe sobre o 

valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultadosnos exercícios futuros.

Essa disposição exige duas premissas bem denidas: i) rentabilidade  dainvestida e ii) que essa rentabilidade seja apurada com base em previsão dos resultados 

em exercícios futuros. Não basta, pois, a alegação de futura rentabilidade, faz-senecessário que esta seja apurada em consideração a exercícios futuros, a partirde previsões de resultados.

A expectativa de rentabilidade futura da companhia é um fundamentosobremodo relevante para a incorporação do ágio. Poderia ser entendidocomo sendo uma referência à possível alienação futura do ativo, não fosseo complemento exigir que essa rentabilidade faça-se apurada a partir da previsão dos resultados em exercícios futuros. A expectativa de lucratividade como desempenho das atividades da investida, portanto, mediante incremento

143 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Ágio e deságio nas reorganizações societárias. In: Estudos e pare-ceres sobre Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas. SP: MP, 2007, p. 14; de modo equivalente: COÊLHO,Sacha Calmon Navarro. Direito Tributário – Temas atuais. SP: Quartier Latin, 2006, p. 9 a 53.

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econômico decorrente da junção de esforços e das vantagens competitivas quese ampliaram, é o fundamento econômico determinado.

A signicação jurídica da “rentabilidade futura” para justicação do ágio,

mormente pela relação com a equivalência patrimonial aplicada ao valor contábil,no somatório do custo de aquisição, só poderia ser vinculada aos resultadosa título de lucros, e não de outro modo, compreendendo o valor agregado deriqueza na empresa investida.

A projeção da lucratividade, na diferença proporcional entre o custo deaquisição e o valor contábil do patrimônio líquido da investida144  confere asegurança jurídica necessária sobre a exata determinação do fundamento doágio baseado no valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsãodos resultados nos exercícios futuros. Atualmente, exige-se também que seja feito o

teste da recuperabilidade, para adequar o valor do ágio calculado com base emestimativas de rentabilidade futura ao valor que será recuperado, que houveruma indicação de que a unidade possa estar desvalorizada.

É certo que tal projeção pode não se materializar, na medida em que osriscos e as incertezas próprias do futuro podem inibir a concretização daquiloque fora projetado. Uma projeção de lucros pode converter-se em uma apuraçãode prejuízos, como pode também ser surpreendida por um aumento inesperadoda lucratividade. Em vista disso, no caso de projeções de lucratividade, oabatimento do ágio parece não se justicar quando tais lucros não se materializam,

como é o caso do próprio art. 7º, da Lei nº 9.532/97. Contudo, a aleatoriedadedo lucro não se pode opor ao contribuinte, pois, como bem observa EdmarAndrade, mudanças no cenário econômico são superveniências inesperadas enão conitam com a exigência de projeção de lucratividade.145 Lembre-se, ainda,que houve um efetivo desembolso de numerário da investidora, ao qual o ágiocorresponde, pela diferença a maior em relação ao valor contábil da investida.

O direito à rentabilidade futura é, portanto, o mesmo que dizer sobre aprevisão do direito de participar dos lucros auferidos em períodos subsequentes.Pode ocorrer que a previsão de resultados futuros indique algum período deperdas ou prejuízos, mas valerá o plano na sua completude, pelo qual se poderávericar a rentabilidade a partir do encontro de lucros e prejuízos apurados.

Antes da Lei nº 11.941/2009, o inciso V, do art. 179, da Lei nº 6.404/76, com aredação dada pela Lei nº 11.638/2007, determinava que deveriam ser registradosno diferido os gastos de reestruturação que contribuirão, efetivamente, para oaumento do resultado de mais de um exercício social e que não congurem tão somenteuma redução de custos ou acréscimo na eciência operacional. O ágio justicado por previsão de resultados em exercícios futuros era contabilizado no ativo diferido, por

144 Cf. PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações nanceiras da companhia – conceitos funda-mentais, RJ: Forense, 1989, p. 536 e 698.

145 Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Ágio e deságio nas reorganizações societárias. In: Estudos e pareceres sobre Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas. SP: MP, 2007, p. 45.

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ser efetivamente um tipo de despesa baseada em aumento de resultado projetadopara mais de um exercício e que não congurava simples redução de custo oueciência operacional, mas um investimento no incremento das atividades na

sua expansão internacional.Como observam Sérgio de Iudicibus, Eliseu Martins e Ernesto Gelbcke:

“O ágio pago por expectativa de lucros futuros da coligada ou controlada deveráser amortizado dentro do período pelo qual se pagou por tais futuros lucros, ou seja,contra os resultados dos exercícios considerados na projeção dos lucros estimadose que justiquem o ágio. O fundamento aqui é o de que, na verdade, as receitasequivalentes aos lucros da coligada ou controlada não representam um lucro efetivo, já que a investidora pagou por eles antecipadamente, devendo, portanto, baixar o

ágio contra essas receitas.”146

 A Instrução CVM nº 247, de 27 de março de 1996, com a redação modicadapela Instrução CVM nº 285, estabelecia, no § 2º, do art. 14, que o ágio computadona ocasião da aquisição do investimento com base em expectativa de resultado futuro , deveria ser amortizado no prazo, extensão e proporção dos resultados projetados, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento, devendo osresultados projetados serem objeto de vericação anual, a m de que sejam revisadosos critérios utilizados para amortização ou registrada a baixa integral do ágio . Essaorientação era muito relevante porque determina a necessidade de vericação

anual para revisão dos critérios de amortização.Era livre a opção do critério de demonstração adotado. A prova dos

elementos de apuração da rentabilidade futura deve, porém, seguir umacoerência com a realidade atual da empresa e suas possibilidades futuras.147 Ecaso não fosse justicado com base nesse fundamento, deveria ser consideradocomo perda , no resultado do exercício, esclarecendo-se em nota explicativa as razõesda sua existência , ex vi o § 5º, do art. 14, da Instrução CVM nº 247/96.

Até a Lei nº 11.941/2009, o ágio deveria ser amortizado conforme a apuraçãodos resultados previstos como fundamento baseado na rentabilidade futura, com

a amortização a acompanhar idêntico prazo, conforme os resultados projetados.Essa advertência é oportuna porque é fundamental compreender que a

objetividade da escrituração contábil requer evidência substantiva (adequate disclosure), de modo a permitir a  prevalência da substância sobre a forma , que, nacontabilidade, é um princípio basilar, como reconhece a Deliberação CVM nº539/2008.

Cumpre passarmos a considerações sobre a relação entre o custo suportadopela empresa para aquisição de outra entidade no exterior e o conceito de rendano Brasil, que deve tomar em conta a realidade da empresa e assumir uma

146 IUDICIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto Rubens.  Manual de contabilidade dassociedades por ações , 4ª ed., São Paulo: Atlas, 1995, p. 270.

147 Deliberação CVM nº 580/2009 sobre combinação de negócios.

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coerência com as mesmas formulações a respeito das despesas suportadas parapermitir a rentabilidade futura da sociedade.

3.3. Conceito constitucional de renda e o regime jurídicodas despesas dedutíveis

Sobre o conceito de renda existem basicamente três correntes predominantes:148 a teoria da fonte , a teoria legalista  do conceito de renda e a teoria do acréscimo patrimonial. Para a primeira, “renda” é o produto de uma fonte estável, suscetível de preservar sua reprodução periódica. Nessa acepção, exige-se que haja uma riquezanova (produto) derivada de uma fonte produtiva durável, devendo esta subsistir

ao ato de produção. A outra é a denominada corrente legalista de renda , segundoa qual “renda” é um conceito normativo, a ser estipulado pela lei (renda éaquilo que a lei estabelecer que é renda). Não somente Rubens Gomes de Sousa,mas vários outros juristas de grande reputação teórica defendem essa posição,com mitigações. Quanto à terceira, a teoria do acréscimo patrimonial , “renda” étodo ingresso líquido que importe um incremento líquido do patrimônio deum sujeito, em um período determinado de tempo. Essa, para a maioria dosestudiosos brasileiros, teria sido a corrente admitida pelo art. 43, do CTN.149 

Prevalece no direito brasileiro a teoria segundo a qual o que interessa éo aumento do patrimônio e não o aumento do resultado da exploração da fonteprodutora, considerando-se, assim, no caso de pessoas jurídicas, como lucrotributável, todo acréscimo líquido (bens materiais, imateriais ou serviçosavaliáveis em dinheiro) vericado num certo período, independentementeda origem das diferentes parcelas, cujo total constitua esse acréscimo, o lucrolíquido, base para a determinação do lucro real (teoria do acréscimo patrimonial).Conforme essa corrente, o critério material da hipótese de incidência da norma detributação da “renda” consistirá na aquisição de aumento patrimonial, vericável

pela variação de entradas e saídas em um dado período de tempo.

148 BELSUNCE, Horácio García. El concepto de rédito en la doctrina y en el direito tributário. Buenos Aires:Depalma, 1967, p. 186-88.

149 Cf. COSTA, Alcides Jorge. Conceito de renda tributável. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.).Imposto de renda: conceitos, princípios, comentários. 2ª ed., SP: Atlas, 1996, p. 27; CANTO, Gilberto deUlhôa. A aquisição de disponibilidade e o acréscimo patrimonial no imposto sobre a renda. In:MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Imposto de renda: conceitos, princípios, comentários. 2ª ed.,SP: Atlas, 1996, p. 34-40; DERZI, Misabel de Abreu Machado. Os conceitos de renda e de patrimônio(efeitos da correção monetária insuciente no imposto de renda), Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 21;MACHADO, Brandão. Breve exame crítico do art. 43 do CTN. MARTINS, Ives Gandra da Silva(coord.). Imposto de renda: conceitos, princípios, comentários. 2ª ed., SP: Atlas, 1996, p. 101; AMARO,Luciano da Silva. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. SP: Resenha tributária, 1986;DÓRIA, R. Sampaio. Distribuição disfarçada de lucros e imposto de renda , 2ª ed., SP: Resenha Tributária,1977; MARIZ, Ricardo. Imposto sobre a renda, SP: IOB, 2001. TILBERY, Henry. Imposto de renda – pes-soas jurídicas, SP: Atlas/IBDT, 1985, 187 p.

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Como regra quase que universal, os países permitem as deduções de todae qualquer despesa praticada no intuito de produzir resultados150 e desautorizama dedutibilidade de qualquer gasto para consumo pessoal, alheio àquela

nalidade, salvo expressa vedação e/ou permissão legal em contrário. Esseentendimento aplica-se às mais variadas relações com a atividade produtiva, atémesmo quando se trata de acordos de não concorrência.151

Mesmo aceitando que a legislação possa afastar despesas da possibilidadede dedutibilidade, não basta o princípio da legalidade, é preciso que este seencontre justicado pelo fundamento típico do conceito de “renda tributável”,como acréscimo patrimonial, e não como conceito legalista.

Exemplo marcante disso nos oferece o art. 13, da Lei nº 9.249, de 26 dedezembro de 1995, que cuida especicamente de autorizações e vedações àdedutibilidade de determinadas despesas. No seu inciso III, porém, destaca aexclusão de despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo, conservação,impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou imóveis, excetose intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços.A inerência ,152 portanto, da despesa com o desempenho da atividade da empresaperfaz-se como um critério de determinação de prevalência da substância sobrea forma.

Como dizia Rubens Gomes de Sousa:

“o fato gerador do imposto de renda será sempre, com efeito, o aparecimentode uma relação de propriedade ou de posse entre um rendimento e ocontribuinte, seja este de fato ou de direito, isto é, quer esteja o contribuinteem relação pessoal com a matéria tributável, quer se trate simplesmente deum contribuinte por força de designação legal”.153

O conceito de “renda”, assim, não se oferece ao arbítrio do legislador ou dodoutrinador. É conceito bem demarcado constitucionalmente. “Renda” não pode

ser nem  patrimônio , nem capital , nem lucro , nem  faturamento , nem expectativa

150 Sobre esse assunto, vide o importante relatório geral de: ARNOLD, Brian J. Deductibility of inte-rest and other nancing charges in computing income. Cahiers de droit scal international. Roerdam:Kluwer/IFA, 1995, v. LXXIXa, Toronto – 1994, p. 489-541.

151 “Desembolsos para acessar a clientela de outra empresa – Dedutibilidade – são dedutíveis, como custos oudespesas operacionais, as importâncias comprovadamente pagas a outra empresa, em razão de contrato, porcritérios racional e plausivelmente demonstrado, em troca de direito de acessar, ampla e livremente, a clientelacativa dessa outra pessoa jurídica, no interior de seus estabelecimentos, mercê de cujos contratos, a recorrenterealizou todos os seus negócios.” (Ac. nº 105-7.121, DOU de 17-10-96, p. 21154, Rel. Cons. Luiz AlbertoCava Maceira). No mesmo sentido, Ac. nº 105-8.272, DOU de 22-11-1996, p. 24612.

152 Sobre o princípio de inerência da despesa, uma análise crítica das legislações, cf. MARELO, Enrico.Involuzione del princípio di inerenza? Rivista di Dirio Finanziario e scienza delle Finanze. Milano:Giurè, 2002, t. LXI, 3, I, p. 480-512.

153 SOUSA, Rubens Gomes de. O fato gerador do imposto de renda. In: ____. Estudos de Direito Tributário. SP: Saraiva, 1950, p. 174.

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de lucro, porque, nada obstante existirem divergências doutrinárias quanto àconceituação do fato gerador do Imposto sobre a Renda, um ponto é inequívoco:a “renda” sempre será representada por um acréscimo no patrimônio da pessoa,

sem o qual inexistirá o fato gerador da obrigação tributária, e consequentemente,o pagamento do imposto. Corroborando tudo o que foi assinalado, para que se considere realizado

o fato gerador do imposto sobre a renda, faz-se mister que concorram osseguintes elementos: a)  realização do núcleo: adquirir renda ou provento , comoproduto do emprego do capital, do trabalho ou da combinação de ambos ououtra modalidade que implique acréscimo patrimonial; b)  que se caracterizetal “produto” como riqueza nova , isto é, como típico acréscimo ao patrimôniopreexistente; c) e que se congure sua disponibilidade para o beneciário de modo

certo e determinado.O critério do lucro real , como expressão da base de cálculo do IRPJ, é a regra

do regime brasileiro de tributação sobre pessoa jurídica e constitui uma evoluçãolegislativa no sentido de operar a tributação da empresa fundada no balançodesta, a partir da determinação comercial (lucro líquido), com os ajustes da leiscal: é a consagração da tributação a partir da denição comercial e contábildos lucros empresariais.

Sendo o lucro líquido determinado conforme os ditames da lei comercial,o lucro real, calculado a partir da base fornecida por aquele, passa a ser, então,

a resultante ativa da prévia determinação puramente contábil, depurada,“ltrada”, em seguida, através de uma série de variações puramente scais,considerando as despesas dedutíveis e as não dedutíveis, quando do ajustedo lucro líquido para denir os elementos que entrarão na base de cálculo doimposto (lucro real), ou que condicionarão a sua aplicabilidade.

Quer dizer, como o lucro real é legalmente o lucro líquido do período-baseajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas e autorizadaspor lei, a passagem do lucro líquido ao lucro real tributável exige a dedução dasdespesas inerentes ao desempenho das atividades da empresa. Desse modo, na

composição dessa base de cálculo, certas grandezas negativas são subtraídas à base de cálculo, para efeito da formação do lucro real. São as despesas operacionais ,não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutençãoda respectiva fonte produtora. E tudo de acordo com os critérios inerentes aoentendimento do conceito de “renda” como acréscimo patrimonial.

É sabido que o ágio não é uma despesa qualquer. Trata-se de um custoconstitutivo de inversões de capital e que, por esse motivo, deve ser ativado ,aplicando-se, quando cabível, o regime de amortização. De qualquer modo, danoção de “despesa necessária” podemos extrair algumas lições que justicam

uma indissociável coerência do regime tributário do Imposto sobre a Renda noque tange ao ágio decorrente de aquisições de empresas no exterior.

No plano da contabilidade juridicizada pelo direito, o resultado do exercíciosocial (líquido) é sempre a diferença entre as receitas e todos os custos incorridos,

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o que não signica admitir que todo custo pode ser considerado como despesa.Sobre esses dois conceitos, vale a importante distinção feita por Bulhões Pedreiraentre “custo” e “despesa”:

“Custo é sacrifício, privação ou perda de valor nanceiro sofrido pela pessoa comomeio ou requisito para alcançar objetivo. Esse conceito amplo de custo, referido àrelação entre meio e m, abrange o custo na relação de troca (a perda daquilo que étransferido em contrapartida do que é recebido) e na relação de transformação (o queé sacricado, perdido ou modicado como requisito para criar algo com nova forma).” 

Na classicação dos custos das entradas encontramos, também, as“despesas”, denidas pelo mesmo autor como “custo que não corresponde a

acréscimo de valor ao ativo e, portanto, que causa diminuição do patrimônio líquido”.154

 A denição de despesa corresponde, portanto, àquilo que é suportado pelaempresa, para que ela possa desempenhar suas atividades e alcançar suasnalidades sem que haja correspondente aumento do ativo, reduzindo, assim, opatrimônio líquido existente.

A recordar Sampaio Dória, “(...) dada a continuidade temporal das empresas,caracterizadas modernamente como verdadeiras instituições, destacadas das pessoas quelhes detêm a propriedade do capital, pareceria irrisório denir como lucro, num dado ano,um valor positivo que desconhecesse os valores negativos de períodos anteriores, sendoque o escopo primeiro é amortizar ou compensar estes”.155

Por isso, como regra quase universal, os países permitem as deduções detoda e qualquer despesa praticada no intuito de produzir lucros156 e geralmentedesautorizam a dedutibilidade de gastos para consumo pessoal, alheiosàquela nalidade, salvo expressa vedação ou permissão legal em contrário. Enessa mesma linha prevalece no direito tributário brasileiro (§ 1º, do art. 299,do RIR157) o entendimento de que, sendo a despesa necessária à atividade daempresa e à manutenção da respectiva fonte produtora, ela é dedutível, desdeque documentada, com causa justicada e beneciário identicado. O critériode dedução de despesas prescrito pelo art. 299, do RIR fundamenta-se na teoria

154 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações nanceiras da companhia – conceitos fundamen-tais, RJ: Forense, 1989, p. 560-6.

155 DORIA, Antônio Roberto Sampaio. A incidência da contribuição social e compensação de prejuízosacumulados. Revista de direito tributário. RT: SP, 1990, a. 14, n. 53, jul.-set., p. 88.

156 Sobre esse assunto, vide o importante relatório geral de: ARNOLD, Brian J. Deductibility of interestand other nancing charges in computing income. Cahiers de droit scal international. Roerdam:Kluwer/IFA, 1995, v. LXXIXa, Toronto – 1994, p. 489-541.

157 “Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da em-presa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei nº 4.506/64, art. 47).

  § 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operaçõesexigidas pela atividade da empresa (Lei nº 4.506/64, art. 47, § 1º).

  § 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operaçõesou atividades da empresa (Lei nº 4.506/64, art. 47, § 2º)”.

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econômica “Preservation of Source”,158 introduzida por Hermann, na Alemanha,em 1932. Por essa teoria, só há produção de renda quando há manutençãodo capital original e, nesse sentido, imprescindível a dedução das despesas

incorridas para tanto. Contudo, não tem sido pacíco o entendimento sobrecomo se deva qualicar, adequadamente, uma despesa como “necessária”,em face da carência de critérios objetivos para demarcar, com precisão, essaqualidade. Ainda creditamos ao Parecer Normativo nº 32, de 17/08/81, a melhorassertiva: “O gasto é necessário quando essencial a qualquer transação ou operaçãoexigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que estejam vinculadascom as fontes produtoras de rendimentos”.

Essa opinião conforma-se com a inerência necessária entre a despesa  e ateoria da renda como acréscimo patrimonial , mensurado após a confrontação de

todas as receitas e despesas (efetivas e  pertinentes ao processo de formação doslucros). E isso porque não pode ser considerada indedutível despesa necessária para compor a realização efetiva de lucros, sem a qual estes não surgiriam, comodito acima.

Por todas essas razões, o legislador está claramente submetido a limites emsua pretensão de impedir, limitar ou condicionar a dedutibilidade de despesasqualicadas como operacionais , quais sejam aquelas necessárias à realização doobjetivo empresarial e que, lhe sendo pertinentes, guardem consonância com arealidade de atuação da empresa.

Presentes os requisitos básicos, vale repetir, sendo inerente  às atividadespredispostas à produção de rendimentos, ou dela decorrente, ou com elarelacionada, como nos casos de contingências do exercício das atividades, alémde efetiva  (documentada, com partes identicadas etc.) e não sendo produtode simulações, fraudes ou demais práticas evasivas, será, a despesa, sempre,qualicável como necessária e, desse modo, dedutível para efeitos scais.159 

4. Tratamento do Imposto Sobre a Renda do Ágio

Amortizado e nos Casos de Fusão e Incorporação e suaDedutibilidade para Fins Fiscais

Lembramos que, a partir da Lei nº 11.941/2009, de acordo com as normasda CVM e os Pronunciamentos Técnicos do Comitê de PronunciamentosContábeis - CPC, o ágio com fundamento na rentabilidade futura não poderámais ser amortizado para ns contábeis no prazo das projeções econômicas,

158 HOLMES, Kevin. The concept of income: a multidisciplinary analysis. Netherlands: IBFD, 2000. p. 86.159 Como diz Ricardo Mariz de Oliveira, os conceitos de necessidade e de liberalidade, além de serem

objetivos e não subjetivos: a) Não se envolvem com o aspecto espontaneidade; b) São conceitos qua-litativos e apenas excepcionalmente quantitativos. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Guia IOB Impostode Renda de Pessoa Jurídica , SP: IOB, 1998 (atualizável), v. 3.

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mas sujeita-se ao teste da recuperabilidade. Todavia, o tratamento scal do ágiogerado permanece inalterado e a conta do ativo diferido poderá ser mantida atéa completa amortização, como estabelece o art. 229-A da Lei nº 6.404/76, cabendo

aos contribuintes realizar os ajustes no Controle Fiscal Contábil de Transição(FCONT) instituído pela Instrução Normativa RFB nº 949/2009.

Consideramos que o ágio como valor adicional ao preço do patrimônio,na aquisição de sociedade, é modalidade de “despesa”, e tanto mais quandofundamentado pelo valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros. Torna-se, o ágio, nessa medida, ovalor de uma despesa necessária à obtenção dessa lucratividade , pois, sem este,não se operaria o negócio jurídico de aquisição, além de quedar-se vinculada

diretamente à realização das atividades da empresa.160

Os efeitos scais da amortização do ágio fundamentado na rentabilidadefutura estão previstos nos termos da Lei nº 9.532/97, que reete um modoespecial de dedutibilidade, mesmo que não se trate de um intangível passível dedepreciação ao longo de um período certo de tempo, que é o objeto mais adequadopara congurar a amortização.161

Consciente da necessária equiparação de tratamento, a legislação italianapossui exatamente esse regime para os casos em discussão. Conforme o art.103, § 3º, do Texto Único do Imposto sobre a Renda (Decreto del Presidente della

Repubblica n. 917, de 22 de dezembro de 1986),162

 nos casos de reorganização ou deconcentração, as quotas de amortização do valor do ágio registrado no balançosão dedutíveis na proporção da amortização, desde que estas mantenham-seaté o limite de 1/18 avos do valor correspondente, o que vale inclusive paraaquisição de empresas.

No Brasil, diversamente, prevê o art. 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77 que “ascontrapartidas da amortização do ágio ou deságio de que trata o artigo 20 nãoserão computadas na determinação do lucro real”. Isso implica a impossibilidadede equivalência entre a amortização do ágio e sua dedutibilidade para os ns datributação sobre a renda, mantendo-o como uma despesa não dedutível.

Por isso, a título de controle, o ágio amortizado é escriturado na Parte Bdo Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), para controles extracontábeis,unicamente com vistas à sua eventual dedutibilidade scal, mediante adição ao

160 Cf. ALFONSO H., Luz Clemencia. Procedencia de la amortización del crédito mercantil en las ope-raciones de adquisición de acciones – diferentes posiciones sobre el tema. in: Jornadas Colombianas deDerecho Tributario – Memorias. Bogotá: ICDT, 2008, p. 756; RODRIGUEZ V., Cláudia. Deducibilidadde la amortización del crédito mercantil. in:  Jornadas Colombianas de Derecho Tributario – Memorias.Bogotá: ICDT, 2008, p. 757-765.

161 NOVOA, Cesar Garcia. Las amortizaciones en el impuesto sobre sociedades: tratamiento jurídico-tributario.Madrid: Marcial Pons, 1994, p. 39 e ss.

162 “3. Le quote di ammortamento del valore di avviamento iscrio nell’aivo del bilancio sono deduci- bili in misura non superiore a un decimo del valore stesso”.

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valor da participação, quando da alienação ou baixa do ativo a qualquer título,para os ns de determinação de ganho de capital ou perda decorrente.

Como regra, o ágio amortizado no balanço societário era adicionado ao lucro

líquido do período para ser oferecido à tributação, a concorrer para formaçãodo lucro real da entidade, pois, segundo o art. 391, do RIR, as contrapartidas daamortização do ágio ou deságio não serão computadas na determinação do lucro real.

O ágio pago pela perspectiva de rentabilidade futura pode ser deduzido,para ns scais, quando ocorre a baixa ou a respectiva alienação do investimentoou, por antecipação, nos casos de fusão, cisão ou de incorporação de sociedades.Essa é a regra ordinária. Nas hipóteses de fusão, cisão ou incorporação, de modoimediato, havia o reconhecimento das amortizações para ns de dedutibilidadedo ágio do investimento, como autorizado pelos arts. 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97.

Com a edição da Lei nº 11.941/2009, que alterou signicativamente a Lei nº6.404/76, foi introduzido o regime tributário de transição. Os arts. 15, parágrafo1º e 16 da precitada Lei determinam que as alterações na legislação societária econtábil não deverão surtir efeitos tributários, enquanto não editada lei tributáriapara discipliná-los, in verbis:

“Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição - RTT deapuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes dosnovos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 

de dezembro de 2007 , e pelos arts. 37 e 38 desta Lei.§ 1º O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitostributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidadetributária.Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007 , e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modiquem o critério dereconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração dolucro líquido do exercício denido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 , não terão efeitos para ns de apuração do lucro real

da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para nstributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembrode 2007.”

O artigo 17 da Lei nº 11.941/09 esclarece que, na hipótese de conito entreas normas contábeis ali introduzidas e as leis tributárias, as empresas sujeitas aoRTT deverão (i) apurar o resultado do exercício de acordo com a Lei nº 6.404/76e as alterações prescritas pela Lei nº 11.638/07 e pela Lei nº 11.941/09, observandoas normas da CVM quando aplicáveis; (ii) realizar os ajustes especícos no lucro

líquido do período, no LALUR, revertendo o efeito da utilização de métodos ecritérios contábeis diferentes daqueles vigentes em 31.12.2007; e (iii) realizar osdemais ajustes no LALUR para a adição, exclusão e compensação dos valoresprescritos ou autorizados pela legislação tributária, para apuração da base

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de cálculo do imposto. E a Instrução Normativa RFB nº 949/20009, instituiu oControle Fiscal Contábil de Transição (FCONT) para ns de registros auxiliaresprevistos no inciso II do § 2º do art. 8º do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, obrigatório

para as pessoas jurídicas sujeitas cumulativamente ao lucro real e ao RTT. Comefeito, em relação às sociedades incorporadas, fusionadas ou cindidas, seusatos constitutivos acarretam consequências tributárias importantíssimas: alémdos efeitos sucessórios, determinam o encerramento do período de apuração(período-base) dessas sociedades (Lei nº 9.430/96, art. 1º, § 1º; Lei nº 9.249/95,art. 21, § 1º e 4º)163 e denem tratamento próprio para participações societáriasadquiridas por valores não coincidentes com aqueles escriturados contabilmente,com geração de ágio ou deságio (arts. 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97), 164 entre outras,razão pela qual devem as empresas envolvidas praticar um balanço especial eapresentar uma declaração de ajuste.

Conforme o art. 7º, da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, a pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusãoou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio,apurado por equivalência patrimonial deverá registrar do seguinte modo o valordo ágio ou deságio cujo fundamento econômico seja:

a) o valor de mercado de bens do ativo superior ou inferior ao custo registradona sua contabilidade – em contrapartida à conta que registre o bem oudireito que lhe deu causa; e esse valor registrado integrará o custo do bem ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital ede depreciação, amortização ou exaustão;

b) valor de rentabilidade com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros - nos balanços correspondentes à apuração de lucro real,levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão deum sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;

c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas - em contrapartida

à conta de ativo permanente, não sujeita à amortização. Nesse caso, ovalor registrado: i) será considerado custo de aquisição, para efeito deapuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhedeu causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese

163 Art. 21 A pessoa jurídica que tiver parte ou todo o seu patrimônio absorvido em virtude de incor-poração, fusão ou cisão deverá levantar balanço especíco para esse m, no qual os bens e direitosserão avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

  § 1º O balanço a que se refere este artigo deverá ser levantado até trinta dias antes do evento. (...)  § 4º A pessoa jurídica incorporada, fusionada ou cindida deverá apresentar declaração de rendimen-

tos correspondente ao período transcorrido durante o ano-calendário, em seu próprio nome, até oúltimo dia útil do mês subseqüente ao do evento.

164 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz; BIANCO, João Francisco. Extinção de participação societária em fu-são, incorporação ou cisão – tratamento ao ágio e deságio pela Lei nº 9.532. Imposto de Renda – altera-ções fundamentais. SP: Dialética, 1998, p. 179-99.

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de devolução de capital; e ii) poderá ser deduzido como perda, noencerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data,a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu

causa.

A partir dessa normativa, para os ns de tratamento scal, os fundamentoseconômicos do ágio passaram a ter relevância, à medida que, até então, nãogeravam qualquer inuência ou repercussão sobre o lucro tributável ou mesmosobre a dedutibilidade integral do ágio. Com a Lei nº 9.532/97, a comprovaçãodo fundamento econômico, nos casos de incorporação, fusão ou cisão, tornou-serelevante e passou a determinar consequências distintas, conforme a espécie.

Como se sabe, a liquidez  é a capacidade que um ativo possui para ser

realizado , ou seja, para converter-se efetivamente em moeda. A questão é saberqual o papel do ágio na continuidade da empresa adquirente de outra porum valor superior àquele contabilizado, com relação aos efeitos scais, e, aomesmo tempo, se assiste alguma razão manter-se tratamento diferenciado entreincorporação e aquisição de empresas, quanto à sua dedutibilidade.

Quando a despesa  realizada correspondia a capital empregado para aobtenção do resultado de exercícios futuros, ela deveria ser registrada noativo diferido. E, como tal, segundo dispõe o inciso II, do art. 325, do RIR, essasdespesas poderiam ser amortizadas, desde que contribuíssem para a formaçãodo resultado de mais de um período de apuração. A lista ali apresentada émeramente exemplicativa. O que vale é que custos, encargos ou despesasconcorram para a obtenção de resultados futuros.

AIN SRF nº 11/99, no § 3º, do art. 1º,165 permite a amortização do ágio comfundamento no “valor de rentabilidade da coligada ou controlada”, com baseem previsão dos resultados nos exercícios futuros:

1. poderá ser amortizado nos balanços correspondentes à apuração do lucro reallevantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (umsessenta avos), no máximo, para cada mês do período a que corresponder obalanço, no caso de ágio;

2. deverá ser amortizado nos balanços correspondentes à apuração do lucro reallevantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (umsessenta avos), no mínimo, para cada mês do período a que corresponder obalanço, no caso de deságio.

No caso de a empresa ter a sua sede no Brasil, a regra geral é a de que os

lucros auferidos no exterior, disponibilizados e ainda não tributados no Brasil,serão adicionados ao lucro líquido na apuração do lucro real da empresa sediada

165 No mesmo sentido é a Instrução Normativa SRF nº 390/2004.

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no Brasil, que absorver o patrimônio líquido, parcial ou total, daquelas no balançolevantado em 31 de dezembro do ano-calendário do evento.166 Por isso, comoos ativos ou as ações adquiridos são representativos do patrimônio líquido, na

medida em que a aquisição faz-se com ânimo de continuidade e como meio deaumento das atividades econômicas e lucrativas da empresa no mesmo campode atividade, não assiste razão manter-se tal separação de regimes quando aúnica razão que justica a ausência da “fusão” ou a “incorporação” da empresadomiciliada em terceiro país decorre das resistências de um ou outro país paraa mudança de nacionalidade da adquirida ou assunção dos ativos na sucessãopatrimonial, no país da adquirente.

É indiscutível que o ágio, na aquisição total de uma entidade que atua nomesmo ramo de atividade, preservada a avaliação da novel participação pelo

“patrimônio líquido”, vê-se assumido como típica “despesa” da sociedadeadquirente, e tanto mais quando a “incorporação” não se perfaz porque éde quase impossível realização e o objetivo da aquisição confunde-se com acontinuidade das operações, na forma de uma subsidiária integral, demonstradaspor balanços consolidados. Como “empresa”, há uma unidade econômica quenão se empana, na condução da sua atividade econômica.

 5. O Ágio Apurado em Sociedade Adquirida no Exterior em

Face do Princípio da Renda Mundial e a Territorialidade paraPerdas e Prejuízos: Algumas Distinções Necessárias

Conforme vimos acima, o contribuinte tem o dever de efetuar a avaliação doinvestimento pela equivalência patrimonial, em cada balanço, conforme o art.248, da Lei nº 6.404, de 1976. E, nesses termos, a partir da avaliação, deverá serefetuado o ajuste de equivalência patrimonial nas empresas resultantes de fusãoou na incorporadora.

Para as operações de fusão e incorporação realizadas entre empresas

residentes no Brasil, o ágio fundado em rentabilidade futura, que antes da Leinº 11.941/2009 era registrado no ativo diferido, é passível de amortização parans scais, procedida nos balanços correspondentes à apuração de lucro real,levantados posteriormente à incorporação ou fusão, à razão de um sessenta avos,no máximo, para cada mês do período de apuração.

Assim, na data do balanço, o valor do investimento deverá ser ajustado aovalor de patrimônio líquido, como determinado pela equivalência patrimonial,mediante lançamento da diferença a crédito da conta de investimento, nostermos do art. 22, do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977. Nesse caso, a contrapartida

166 RIR/99, art. 517, § 3º, “a pessoa jurídica incorporada, fusionada ou cindida deverá determinar o lucroreal com base no balanço que serviu para a realização das operações de incorporação, fusão ou cisão(Lei nº 8.541/92, art. 25, § 3º)”.

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do referido ajuste não será computada na determinação do lucro real, como jáexplicitado em páginas anteriores, porquanto o referido ajuste não signica maisdo que uma atualização do valor do patrimônio líquido da investida reetido na

contabilidade da investidora.É nesse contexto que se apresenta o § 1º, do art. 389, do RIR, in verbis:

“Não serão computadas na determinação do lucro real as contrapartidasde ajuste do valor do investimento ou da amortização do ágio ou deságiona aquisição de investimentos em sociedades estrangeiras coligadas ou controladasque não funcionem no País.”

Essa regra apareceu pela primeira vez no inciso IV, do art. 1º, do Decreto-Lei nº 1.648, de 18 de dezembro de 1978, que modicou o parágrafo único do art.23, do Decreto-Lei nº 1.598/77.

Trata-se de disposição desprovida de justicativa plausível nos dias atuaise que, no nosso entender, perdeu ecácia com a entrada em vigor do art. 25,da Lei nº 9.249/95, que instituiu a tributação em bases mundiais, e mormentea partir da vigência do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-34/01, pois só temsentido que os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior sejamconsiderados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data

do balanço no qual tiverem sido apurados, se estes forem objeto de ajuste porequivalência patrimonial.Enquanto vigorava o princípio da territorialidade pura na tributação das

rendas das empresas, não interessava qualquer ajuste do investimento realizadono exterior, em sociedades estrangeiras coligadas ou controladas que não funcionem noPaís. A coerência do parágrafo único do art. 23, do Decreto-Lei nº 1.598/77 com asistemática de tributação da renda, portanto, era induvidosa.

Contudo, perde sentido a interpretação de tal regra no ordenamentoque não se faça coincidente com a regra geral segundo a qual a contrapartida

do referido ajuste não será computada na determinação do lucro real , mas descambepara qualquer hipótese de proibição de aproveitamento de ágio na aquisição desociedades estrangeiras que não funcionem no País. Seria contrariar toda a sistemáticade tributação de bases mundiais vigente, inclusive contra os interesses do próprioFisco (aos efeitos do art. 74, da MP nº 2.158/01). Denitivamente, o parágrafo únicodo art. 23, do Decreto-Lei nº 1.598/77 não cria qualquer obstáculo à apuração doágio em sociedades estrangeiras que não funcionem no País , aos ns de aplicação doart. 7º, da Lei nº 9.532/97 e, igualmente, por equiparação, à aquisição de empresas.

A conrmação desse entendimento pode ser vista na redação da Instrução

Normativa SRF nº 213, de 7 de outubro de 2002, cujo art. 7º reconhece o dever deajuste pelo método da equivalência patrimonial, como decorrência do art. 74, daMP nº 2.158/01, a saber:

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“ Art. 7º A contrapartida do ajuste do valor do investimento no exterior em lial,sucursal, controlada ou coligada, avaliado pelo método da equivalência patrimonial,conforme estabelece a legislação comercial e scal brasileira, deverá ser registrada

 para apuração do lucro contábil da pessoa jurídica no Brasil.§ 1º Os valores relativos ao resultado positivo da equivalência patrimonial, nãotributados no transcorrer do ano-calendário, deverão ser considerados no balançolevantado em 31 de dezembro do ano-calendário para ns de determinação do lucroreal e da base de cálculo da CSLL.”

Nesses termos, vê-se superado qualquer justicativa para não se admitir oreconhecimento do ágio no desdobramento do custo de aquisição de sociedadesestrangeiras que não funcionem no País.

Como ressaltado, o Brasil adotou o regime de universalidade ou princípioda renda mundial a partir da edição do art. 25, da Lei nº 9.249, de 26/12/1995, inverbis:

“Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computadosna determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balançolevantado em 31 de dezembro de cada ano.”

A inserção desse preceito no direito interno, na prática, representou uma

alteração do critério de conexão aplicável ao princípio da universalidade  jáprevisto na Constituição Federal (art. 153, § 2º, II),167 que passou a alcançar aosrendimentos e ganhos de capital onde quer que eles tenham sido produzidos,dentro ou fora do território, com base no critério da conexão pessoal.

Ao se reportar aos “lucros”, o art. 25 da Lei nº 9.249/95, prescreve o alcancesubjetivo da norma às atividades exercidas diretamente , mediante liais ouestabelecimentos permanentes, ou indiretamente , por controladas ou coligadas.E assim, no modelo de universalidade adotado pelo Brasil, cumpre distinguiras classes das distintas de rendas, cada uma dotada de tratamento especíco,

exclusivamente para dois efeitos: i) determinar o critério temporal da incidênciatributária e ii) aplicar o crédito de imposto, como medida de direito internopara evitar a dupla tributação (salvo os casos de tratados para evitar a duplatributação), a saber:

1) rendimentos e ganhos de capital obtidos por atos isolados;2) lucros auferidos no exterior, por intermédio de liais ou sucursais;3) lucros auferidos no exterior, mediante controladas ou coligadas.

167 Art. 153, § 2º: “O imposto previsto no inciso III:  I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma

da lei”.

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Interessa-nos aqui apenas as duas últimas situações: i) a tributação doslucros provenientes de atuações no exterior mediante liais, sucursais ouagências; e ii) a tributação dos lucros provenientes de atuações no exterior por

sociedades controladas ou coligadas. E, nesses casos, quanto ao elemento temporal ,os lucros auferidos no exterior devem vir computados na apuração do lucro real das pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, demonstrados em cada um dosexercícios scais, segundo as leis locais.

Para a consideração dos lucros auferidos no exterior, o Brasil usa de ummétodo analítico tomando-os de forma individualizada, por lial, sucursal,controlada ou coligada.168 Dessa compartimentalização das rendas em categoriasou subgrupos, o principal efeito, a título de  procedimento , implica calcular adedução máxima que se pode utilizar em relação a cada uma das unidades, até

o limite do crédito de imposto ordinário , i.e., no limite de imputação do impostoforâneo (art. 26, da Lei nº 9.249/95), conforme o critério temporal da incidênciacabível a cada modalidade.

Demonstraremos que as regras de limitação para compensação de perdas eprejuízos apurados no exterior não se confundem com aquelas de apuração doágio , por serem, estas regras, relativas a despesas realizadas com a nalidade delucratividade futura, antes registradas no ativo diferido da empresa brasileira, oque não signica um “prejuízo” ou “perda” da controlada no exterior. Destarte,o § 5º, do art. 25, da Lei nº 9.249/95, não se aplica ao ágio apurado.

Quanto ao exercício do direito de compensação de perda ou prejuízo apurado ,o § 5º, do art. 25, da Lei nº 9.249/95, consagra a aplicação do princípio daterritorialidade (limitado aos rendimentos produzidos internamente), ao preverque “os prejuízos e perdas decorrentes das operações referidas neste artigo não serãocompensados com lucros auferidos no Brasil”.

Assim, a regra proibitiva aí designada impede que “prejuízos” e “perdas”apurados no exterior sejam compensados com lucros auferidos no Brasil. Dessemodo, conrma-se a territorialidade do direito de compensação de prejuízos, noslimites anuais de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado , como autorizadonos termos do art. 15, da Lei nº 9.065/95, in verbis:

 Art. 15. O prejuízo scal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos scais apuradosaté 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para acompensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado. 

Em vista da combinação dos dispositivos legais acima, identica-se ao menostrês regras, que se distinguem entre uma de proibição e duas de permissão, haja

168 Lei nº 9.430/96, art. 16.

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vista os elementos de estraneidade envolvidos (atuação de residentes no exteriore prejuízos apurados no exterior), aqui denominadas de compensação internae compensação externa dos prejuízos. Excetua-se a regra de compensação de

prejuízos scais internos com lucros internos pela ausência de elementos deestraneidade (residência ou fonte).Pela primeira, temos a proibição expressa no § 5º, do art. 25 da Lei nº

9.249/95, segundo a qual o fato jurídico tributário (negativo) de identicaçãodos  prejuízos (critério material) apurados no exterior (critério espacial), em dadoexercício scal (critério temporal), implica a consequência de proibição de suacompensação com lucros auferidos no Brasil , como objeto da relação jurídica entrea União e o contribuinte.

Quanto às demais regras, na compensação interna , tem-se norma permissiva

segundo a qual os prejuízos (critério material) apurados territorialmente (critérioespacial) em um dado exercício scal (critério temporal), podem ser compensadostanto com  lucros auferidos no Brasil  quanto com lucros auferidos no exterior eoferecidos à tributação no Brasil (objeto da relação jurídica permissiva, entreFisco e contribuintes).

E pela compensação externa , a norma permissiva restringe-se aos  prejuízos (critério material) apurados no exterior (critério espacial) em um dado exercícioscal (critério temporal), que somente poderão ser compensados com  lucrosauferidos no exterior , objeto da relação jurídica permissiva, entre Fisco e

contribuintes, atendidas as condições previstas na legislação tributária vigente.Na síntese das três normas jurídicas, construídas a partir das disposições

legais citadas (§ 5º, do art. 25, da Lei nº 9.249/95, e o art. 15, da Lei nº 9.065/95),uma conclusão é pacíca: a territorialidade prevalece na determinação dos efeitospertinentes ao exercício do direito de compensação de prejuízos, de tal modoque aqueles  prejuízos apurados no exterior  somente poderão ser compensadoscom lucros auferidos no exterior, segundo a legislação local, ou seja, apuradoscom base na escrituração contábil da lial, sucursal, controlada ou coligada, noexterior, segundo as normas legais do país de seu domicílio.

Coisa muito diversa de tudo o que se viu acima é a apuração do ágio naempresa adquirente brasileira, que não é perda ou prejuízo da adquirida, mas umadespesa realizada pela adquirente para obtenção da empresa no exterior. Nessecaso, não há que se falar na aplicação das regras de limitação aqui estipuladas,porquanto o custo de aquisição é inteiramente da empresa nacional.

Por todas essas motivações, impõe-se compor as múltiplas lacunas econtradições que se apresentam em matéria de tributação do ágio decorrente deaquisições internacionais, tanto mais quando seguida da consolidação de balançose da constituição de subsidiária integral, com franca demonstração do intuito de

continuidade, na esteira das tendências internacionais e, principalmente, paraevitar custos de transação para as empresas brasileiras que se encaminham paraa internacionalização e passam a competir no mercado de outros países.

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6. R S A E

Feitas essas digressões a respeito do tratamento do ágio na legislaçãosocietária e tributária, vejamos sobre a natureza das operações de fusãoe incorporação em relação às aquisições de empresas, para demonstrar odescabimento do tratamento discriminatório de entidades que se encontramem situação equivalente, mormente pela quase impossibilidade técnica de serealizar operações de reorganizações internacionais no Brasil, para os ns dededutibilidade do ágio apurado em aquisição de empresa no exterior e apuradocom fundamento em rentabilidade futura.

A reorganização das empresas, no âmbito internacional, possui trêsmodelos básicos: a concentração, a desconcentração e a integração de empresas.A concentração  caracteriza-se pela diminuição do número de empresas, sejapor “fusões” ou “incorporações”; a desconcentração , pelo aumento, através dacisão, como forma de divisão de sociedades.169  E a integração , diversamente,corresponde a uma potencialização da capacidade operativa de uma empresa,mediante expansão do seu campo de ação, sob a tomada de participaçãono capital de outras sociedades – com a consequente aquisição de controleacionário destas, ou não.

A reorganização empresarial  implica, pois, uma alteração das estruturasempresariais, substanciais ou formais existentes, que podem tender àconcentração, à divisão ou perseguir algum outro objetivo empresarial,170 como é o caso das “integrações”, que diz respeito aos grupos transnacionaisde sociedades, na medida em que se mantém a existência e individualidadedas empresas envolvidas (de nacionalidades diferentes), sem transferênciapatrimonial a título universal.171

169 O mito de que o aumento da dimensão empresarial congurava sua melhor eciência caiu, tendo

que a política scal estimula também as hipóteses de desconcentração, pelas operações de cisão.170 ASOREY, Rubén O. Reorganizaciones empresariales libres de impuestos. Buenos Aires: La Ley, 1984, p. 3.171 FANTOZZI, Augusto; LUPI, Raaello. Le società per azioni nella disciplina tributária. COLOMBO,

G. E.; PORTALE, G. B. (coord.). Traato della società per azioni , Torino: UTET, 1993, v. 9, t. 2, p. 154-5,ao tentarem estabelecer a diferença que existe entre os atos de reorganização societária perpetradospor transferência de ativos, como operações sobre bens do patrimônio social (cujo objeto equivaleaos bens da sociedade), e as formas de concentração (fusão e incorporação) ou desconcentração(cisão), como operações incidentes sobre a conguração subjetiva da sociedade que efetua a cessão outransferência de bens, armam, com grande precisão: “Nei conferimenti e nelle cessioni di aziendaresta infai ben ferma dualità tra le società partecipanti all’operazione; nella generalità di tali casipossiamo sempre riconoscere un tradens e un accipiens , un cedente e un cessionario, un conferente eun conferitario; dopo l’operazione continueranno a sussistere, quand’anche all’interno di uno stessogruppo di società, due soggei formalmente autonomi e non ci sono quindi dubbi che, dopo il con-ferimento, la società conferitaria sia altra rispeo alla conferente, mentre tale “alterità” della societàrisultante dalla fusione rispeo alle società fuse o incorporate deve quantomeno, come si vedrà su-

 bito, essere seriamente messa in dubbio.” Para uma verticalização nesse tema, ver: LUPI, Raaello.Prolli tributari della fusione di società , Padova: CEDAM, 1989, 372 p.

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O problema da distinção entre concentração e integração se resume emuma questão de objetivos. E como corolário desses aspectos surgem duasdiferenças especícas. A primeira diz respeito ao aspecto subjetivo , na medida em

que as relações intersubjetivas na aquisição de empresas (total ou parcial) ou naconstituição ou ampliação de um grupo transnacional de sociedades, os sujeitosenvolvidos, através da cessão ou aquisição de cotas inerentes à participação,mantêm a personalidade jurídica inalterada, cando muito clara a “autonomia”entre as sociedades que realizam as operações, o que não subsiste nas hipótesesde fusão ou incorporação de empresas.172 

A situação alcançada por meio do controle de sociedades, mesmo quandoesse “controle” corresponde a uma posição de dependência absoluta, anteuma posição de domínio, não pode ser confundida e posta em vinculaçãocom as situações nas quais surge uma nova empresa, derivada de operaçõesde fusão,173  nem com aquelas nas quais se verica um aumento patrimonialnuma empresa, com o desaparecimento de outra, como na incorporação174 desociedades ou mesmo quando se dá a constituição de duas novas unidades,pela cisão de uma sociedade, porque a nova conguração altera justamenteo aspecto subjetivo (de pelo menos uma) das sociedades envolvidas. O códigodessas distinções não é forte, como se vê, pois nas operações societárias deaquisição de empresas ou de formação de grupos de empresas são considerados,primordialmente, variando conforme o caso, os ativos das sociedades, ou aespecíca estrutura do ente societário,175  juridicamente congura-se umasucessão objetiva , exclusivamente de cunho patrimonial; enquanto que na“fusão” e na “incorporação” a sucessão é basicamente subjetiva , passando, asituação do patrimônio acionário, a ser uma resultante da circunstância pessoaldos sujeitos,176 com uma transmissão patrimonial dos bens a título de sucessãouniversal.177 Em termos objetivos, portanto, se aproximam.

172 Como salienta LUPI: “In sostanza fusioni, transformazioni e scissioni operanno sui soggei, men-

tre conferimenti e cessioni d’azienda comportano una sostituzione di beni nel patrimonio di talisocietà, che rimangono ben distinte l’una dall’altra ed integre nelle dimensioni quantitative del suopatrimônio”. Ver, FANTOZZI; LUPI (1993, p. 155).

173 Lei nº 6.404/76, art. 228, “a fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para for-mar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações”.

174 Lei nº 6.404/76, art. 227, “a incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvi-das por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações”.

175 Sobre essa precisa distinção ver: FANTOZZI; LUPI (1993, p. 154-80).176 Na “fusão”, por exemplo, as ações são emitidas pela sociedade resultante para substituir as ações

anuladas no patrimônio dos sócios das sociedades fundidas, tornando-se acionistas desta.177 “O primeiro e mais fundamental efeito jurídico da fusão, da incorporação e da cisão total é a

sucessão opes legis , a título universal, de todos os direitos, obrigações e responsabilidades anterior-mente assumidos pelas sociedades que se extinguem (art. 219, II, 231, 232 e 233)”. CARVALHOSA,Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº 6.404, de 15 de de-zembro de 1976, 2ª ed., SP: Saraiva, 1998, 4, T. I, p. 217; GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Afusão, a incorporação e a cisão na lei de sociedade por ações. Revista de direito mercantil, industrial,econômico e nanceiro. SP: RT, 1977, nº 23, p. 72-82; Daí armar Alberto Xavier: “esta sucessão é

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A reorganização societária internacional, através da concentração (statutorymergers), não pode ser confundida com a integração (amalgamation techniques),caso em que também há união de empresas, mas sem implicar mutações no

contrato social ou mesmo a extinção societária de uma ou mais das empresasenvolvidas, bastando-se com as operações de compra e venda de capital ouações ou com a constituição de uma empresa como lial.

6.1. Formas de reorganização societária internacional – operaçõesde concentração transnacional?

É corrente ouvir-se dizer que a fusão ou a incorporação “internacional”de empresas tem tomado um impulso muito grande nos últimos anos,particularmente por conta dos processos de integração regional de países e pelacrescente expansão transnacional das empresas.

Não se pode negar que a pretensão de uma empresa em participar nomercado de um outro país, distinto do seu de residência, pode ser sobremodofacilitado com a colaboração de outra empresa do mesmo ramo de atividade,ou similar, já constituída e em funcionamento. Isso reduz custos, minimiza aconcorrência, facilita a consolidação, o contato com fornecedores e consumidores,além das inúmeras vantagens jurídicas.

Mas, antecipadamente, coloca-se uma questão. Pelo simples fato de haveruma fronteira entre as empresas interessadas, essas operações podem passar areceber, com legitimidade, a adjetivação de “internacionais”, nada obstante asduas ou mais sociedades participantes da operação estarem sujeitas à legislaçãode países distintos?

Aparentemente, para os menos avisados, aqui se poria um problema dedireito internacional privado para saber qual a legislação aplicável, na medidaem que cada país regula os efeitos dessas operações. Destarte, na falta dedisciplina interna própria para fusões, cisões e incorporações “internacionais”,

a mesma legislação interna poderia se aplicar a esses casos,178

 de uma forma tal

distinta juridicamente da que ocorre na fusão e incorporação. Na fusão e na incorporação ocorreuma sucessão subjetiva, na medida em que não há mera transmissão patrimonial, antes se vericaa ‘inserção de uma sociedade na outra’, para usar a expressão feliz de PONTES DE MIRANDA,o ‘efeito extintivo-associativo’, como designa W. BULGARELLI, ou uma ‘transferência continua-tiva’, como outros ainda se lhe referem. Nos demais casos – como o de cessão de estabelecimento– ocorre uma sucessão objetiva, pois o fenômeno cinge-se à transmissão de uma universalidade,independentemente de uma ‘inserção subjetiva’”. XAVIER, Alberto. Incorporação de sociedades e im-

 posto de renda. SP: Editora Resenha Tributária, 1978, p. 15.178 Assim, mesmo se considerando o ordenamento italiano, para países extra-UE, VALENTE, Piergiorgio.

Regime tributario delle operazioni di riorganizzazione societaria: spunti comparatistici e proposte dicoordinamento. UCKMAR, Victor; GARBARINO, Carlo.  Aspei scali delle operazioni internazionali.Milano: EGEA/Giurè/ISDACI, 1995, p. 275-6; Também: STEVANATO, Dario. Le riorganizzazio-ni internazionali di imprese. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Corso di dirio tributario internazionale.Padova: CEDAM, 1999, p. 367.

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que a fusão ou a incorporação transnacional deveria ser regulada por normas dedireito internacional privado decorrentes:

a) das leis aplicáveis a cada uma das sociedades, quanto à fasepreparatória;

 b) da lei aplicável à sociedade menor, que exija proteção dos acionistas,dos trabalhadores e dos credores desta;

c) da lei reguladora da sociedade incorporadora ou resultante da fusão,para os efeitos sucessórios posteriores à realização da fusão;

d) cumulativamente, por todas as leis às quais estejam sujeitas associedades participantes, para a disciplina dos atos comuns a todas associedades.

Todavia, segue-se nova interrogação: seria a lei interna do outro paísaplicável à operação (in totum), considerando a diversidade de ordenamentos jurídicos, cada um regulando suas distintas fases?

A realidade dos ordenamentos é assaz cambiante, mas, em geral, quandose verica a extinção de uma das sociedades em um determinado país, paraconcentração em um outro, ou vice-versa, a resposta costuma ser negativa,porque a legislação de um ordenamento especíco não dispõe de poderes paraatribuir ao ato os efeitos constitutivo-extintivos, as cautelas e proteções aosdireitos de terceiros, a transmissão de patrimônio com a conseguinte subscriçãode capital em favor dos sócios ou acionistas da empresa que se extingue,sócios minoritários e credores, de tal modo que todo esse plexo de relações jurídicas caria por demais fragilizado para compor os pressupostos básicosdos institutos típicos em questão. Faltaria ao negócio a ecácia jurídica, essaforça que somente a jurisdição pode resguardar.

Se economicamente é cabível falar-se numa suposta “fusão internacional”,“cisão internacional” ou “incorporação internacional” – a mais comum – doponto de vista jurídico, não assiste qualquer razão a essa proposição, falseada

pelo mais singelo manuseio que se possa fazer da legislação em vigor – salvoquando há permissivo legal, como é o caso da União Europeia, pela diretiva434/90,179 então, sim, passa-se a considerar a respectiva existência, pelo regime jurídico disponível.180 Mas essa é uma circunstância excepcional.

179 SÁNCHEZ OLIVÁN, José. Fusión y escisión de sociedades: aportaciones de activos y canje de valores.Cesión global del activo y del pasivo. 2. ed. Madrid: Ediciones CEF, 2007. p. 305 e ss.; FERNÁNDEZDEL POZO, Luiz . El derecho contable de fusiones y escisiones. 2. ed. Barcelona: Marcial Pons BuenosAires: [s.n.] Madrid: [s.n.], 2008. p. 161 e ss.; ASOREY, Rubén O. Fusión societaria e impositiva.  BuenosAires: La Ley, 2004. p. 57.

180 A propósito, veja-se a Lei nº 218/95, do Estado italiano, que dispõe no seu art. 25, III, que “(...) lefusioni di enti con sedi in Stati diversi hanno ecacia soltanto se poste in essere conformemente alleleggi di dei Stati interessati”. Essa regra de direito internacional privado, como se vê, determina oâmbito de atuação da jurisdição italiana, dispõe os critérios para a identicação do direito aplicávele disciplina a ecácia dos atos jurídicos estrangeiros naquele País.

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Vendo por essa ótica, então aplicar-se-iam plenamente ao tema as ideiasde J. X. Carvalho de Mendonça, a respeito da fusão e da incorporação, queentendia serem não mais do que mera compra e venda ou cessão do patrimônio

das absorvidas,181

  acompanhadas pela dissolução e liquidação da sociedade.Nesses casos, não teríamos mais que o aumento de capital em uma das empresaspartícipes da operação, enquanto na outra decretar-se-ia a respectiva dissoluçãoe nomear-se-ia os liquidantes, porque, estando em jurisdições diversas, ospressupostos objetivos e subjetivos dos institutos não se aperfeiçoariam,constituindo ato jurídico perfeito e direitos adquiridos.

6.2. Reorganização societária internacional - atos típicos de

compra e venda de ativosQuando se trata de operações internacionais, nunca se tem uma fusão ou

uma incorporação propriamente dita, mas uma aquisição societária, medianteintegração, com base em regime contratual de compra e venda ou de cessãopatrimonial.

Nesse caso, havendo transferência de ativos entre jurisdições, comooperações isoladas de “entrada” ou de “saída”, apenas, sem simultâneaextinção-constituição de uma sociedade, transferência patrimonial a título

universal e garantias aos sócios minoritários, debenturistas e credores(pressupostos básicos da operação), porque a lei de um outro país nãopode decidir pela extinção ou pela constituição de uma outra sociedade em jurisdição alienígena, nem dar à transmissão patrimonial ou à subscrição osefeitos típicos de sucessão a título universal à nova empresa ou aos sócios ouacionistas, ou dizer sobre a possibilidade de desconstituição do negócio casoo mesmo prejudique minoritários, debenturistas ou credores, então, salvoacordo entre os países de situação das empresas, com pactos de reciprocidade

de tratamento, cada uma das operações, tanto a “entrada” como a “saída”de ativos, sofrerá a incidência tributária como operações isoladas, em ambasas etapas, não podendo alegar a prática da operação para beneciar-se comisenções ou estímulos, na medida em que ela não se dá no interesse jurídico dopróprio país (concentração ou desconcentração internas).

Quanto às nacionalidades das resultantes, nos processos de concentraçãoou cisão, isso vai depender da situação das sociedades criadas. Se as duas oumais sociedades forem brasileiras e se não houver mudança de sede para oestrangeiro, dar-se-á a continuidade da nacionalidade. Do contrário, em face do

quanto foi dito acima, havendo a constituição de uma empresa no exterior ou já

181 MENDONÇA,  J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro , 2ª ed., SP: Freitas Bastos, 1934,v. IV, L. II, p. 196-201 e L. III, p. 67-75.

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preexistindo a destinatária no exterior, a transmissão patrimonial não vai alterarem nada a nacionalidade destas, mesmo que a cindida não desapareça.

Quando uma empresa alienígena adquire ou faz aumento de capital em

uma empresa domiciliada no país, essa operação pode ensejar, salvo a hipótesede extinção, no máximo, a transformação desta, mas não a tipicação de umafusão ou incorporação. E o mesmo se aplica a uma eventual cisão, no caso de acindida vir a ser preservada.

Para as operações internacionais, a “ideia” de fusão e de incorporaçãonão é mais do que simples motivo, pretexto para a dissolução das sociedadesdomiciliadas no país; nunca a causa. As sociedades dissolvem-se, com liquidação,como parte do negócio jurídico de compra e venda ou de cessão. Para tanto,

devem usar os contratos ordinários, sem necessidade de disciplina especial,não importando se o preço será pago em dinheiro ou em ações emitidas pelasociedade incorporadora.

Como esclarece Alberto Xavier,182 “verica-se nesse caso a gura da cessão deestabelecimento comercial, através da integralização de ação ou quota subscrita porconferência de um complexo de bens e direitos (patrimônio líquido), a qual nãose confunde com a incorporação (...)”. 

Algumas propostas teóricas procuram justicar tais operações de aquisição

como sendo de “fusão” ou de “incorporação” pelo seguinte procedimento:primeiro a sociedade estrangeira constituiria uma lial no Brasil que, mesmo nãosendo a pessoa jurídica, a representa, por ser uma extensão dela; depois, poderiahabilitar-se para a incorporação ou fusão de qualquer empresa brasileira. Masisso é delírio. É querer impor um custo de transação183 desnecessário à empresa, emfunção de planejamento tributário desprovido de qualquer causa jurídica quenão seja o aproveitamento do ágio.

De fato, não haveria possibilidade para se justicar a existência de uma

incorporação por esse modo, principalmente porque não sendo a lial umapessoa jurídica constituída segundo as leis brasileiras e com sede no Brasil nãose poderia falar de pessoa jurídica brasileira, sendo a lial, portanto, apenasautorizada a funcionar no Brasil, o que não implicaria sua naturalização ipso facto; e a transmissão do patrimônio não teria como consequência a subscriçãodo capital como direito dos sócios ou acionistas, com emissão de ações pelaempresa estrangeira para os sócios brasileiros, devendo a extinção da sociedade brasileira ser requisitada em procedimento próprio, seguida de liquidação.

182 XAVIER, Alberto. Incorporação de sociedades e imposto de renda. SP: Editora Resenha Tributária, 1978, p.13.

183 COASE, R. H. The Nature of the Firm. Economica. V. 4. London: London School of Economics andPolitical Science, 1937, p. 386-405.

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Tampouco poderia uma sociedade estrangeira constituir uma subsidiáriaintegral184  pela expressa vedação legal, porque somente empresa organizadasegundo as leis brasileiras e com sede da administração no país é que pode ser

titular do pacote acionário inteiro de uma outra empresa, o que qualicaria a estacomo subsidiária integral daquela. Mesmo que a sociedade estrangeira funcioneno país com regular autorização do governo,185 mediante lial, não poderia obteresse desiderato.

Noticia Pontes de Miranda uma decisão do Supremo Tribunal Federal,segundo a qual “se sociedade estrangeira entra com o seu acervo para seconstituir sociedade brasileira, não se trata de incorporação”186 (STF, 7 de abril de1959, D. J., 05/10/59). Se os pressupostos se satisfazem, continua ele, pode havertransformação. Perfeita a conclusão. “Não é incorporação, nem fusão, porque

falta o efeito extintivo da sociedade, a transferência de parte do ativo a outrasociedade” (2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de maiode 1946, Revista dos Tribunais , 165, p. 306).

Operações perpetradas por contratos de compra e venda de ativos epassivos, com a manutenção da personalidade jurídica da(s) antecessoras(s),por maior que seja a sua dimensão (fazendo de uma empresa uma subsidiáriaintegral ou uma filial, com a aquisição de todo o capital acionário, oumanutenção do respectivo controle), não chegará nunca a configurar umafusão ou incorporação, mesmo se as sociedades cujos ativos e passivossejam negociados desapareçam, com liquidação e extinção da personalidade jurídica, pois a transmissão dos bens não se realiza a título universal,187 mas são operados a título singular, pela tipicidade do contrato de fusãoou de incorporação, que determina a simultânea extinção das fundidas  econstituição da resultante. Isso, além do fato de os sócios das fusionadaspassarem a ser consórcios desta. Do contrário, a fusão seria apenas um meioprático de extinção sem liquidação, o que não é o caso.

184 Lei nº 6.404/76, art. 251: “A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo comoúnico acionista sociedade brasileira.

  (...)  § 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade

 brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252.  Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasi-

leira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral dasduas companhias mediante protocolo e justicação, nos termos dos artigos 224 e 225.”

185 Compartilha dessa mesma opinião, CRISTIANO, Romano. A subsidiária integral no Brasil, SP: Revistados Tribunais, 1986, p. 40; Para uma crítica sobre as consequências do efeito concentracionista atra-vés de sociedades unipessoais, o excelente estudo: SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipesso-al. SP: Malheiros, 1995, p. 172 e ss.

186 Tomo LI, p. 75; Também, FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. SP: Saraiva, 1961, p. 531-54.187 E mesmo que o ato realizasse a transmissão de uma universalidade, far-se-ia necessário vericar em

que condições essa foi operada. Se não concorrerem todos os elementos que caracterizam o contratotípico de fusão, de fusão não se tratará, por ser a mesma uma realidade do direito positivo, a qualsomente se perfaz quando todos os elementos que a conformam estão presentes.

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Também não haverá incorporação ou fusão quando uma sociedadeestrangeira adquire a totalidade das ações de uma empresa brasileira, pagandoaos acionistas ou sócios desta o preço pactuado com ações da sociedade

adquirente, dissolvendo-se a empresa adquirida logo em seguida ao ato. Aquihá uma operação de compra e venda para simples transferência de ativos ou deações.188 Ou, de modo semelhante, quando uma sociedade alienígena adquiretodo o patrimônio de uma brasileira, recebendo também em pagamento açõesintegrantes do capital do adquirente. Mesmo assim, também não há fusão, nãose aplicando à espécie o regime jurídico típico e nem tampouco os benefíciosscais à operação disponíveis no sistema. E se, ao invés de receberem ações,ou quotas sociais, os sócios ou acionistas da sociedade incorporada ou fundidareceberem títulos de créditos (debêntures), ou partes beneciárias, também não

há incorporação ou fusão. Não existirá fusão ou incorporação, pois, quando nãopersistirem todos os elementos que o direito positivo interno requisita para asua conformação.189

6.3. O efeito de neutralidade tributária na reorganização

Sobre as operações de reorganização recaem interesses scais de altacomplexidade de compatibilização, que se tornam inclusive sancionadores. Porisso mesmo, desenvolveu-se o princípio da neutralidade tributária , para evitar quetais repercussões possam servir como desestímulo à reorganização das empresas,em favor da função social e econômica que exercem. Não há como negar quemuitas das operações de reorganização são constituídas exclusivamente com om de minimizar os custos tributários,190 mas isso não pode ser tomado comoregra para inibir a importância daquele princípio.

Em vista disso, verica-se uma disposição dos países no sentido deimplementar uma política scal de neutralidade às operações de reorganização

188 Como diz ASOREY: “La compra de acciones de una sociedad anónima, con el n de lograr un con-trol de ésta para la obtención de ventajas indirectas, pueden originar la situación de conjunto econó-mico, pero ello no implica la reorganización scal a través de fusión o absorción”. ASOREY, RubénO. Fusión societaria e impositiva. Buenos Aires: La Ley, 2004, p. 29.

189 Para maiores considerações, a exaustiva obra do Prof. BULGARELLI, Waldirio. Fusões, incorporaçõese cisões de sociedades. 3ª ed., SP: Atlas, 1998, 287 p.

190 Cf.: NAVARRO EGEA, Mercedes. Fiscalidad de la reestructuración empresarial: la fusión y la escisión.Madrid: marcial Pons, 1997, 324 p.; VALENTE, Piergiorgio. Riorganizzazioni societarie. Prime ries-sioni sulla nuova normativa antielusione. Il Fisco. Roma: EIT, 1997, nº 35, p. 10159-73; ____. Il Fisco.Roma: EIT, 1997, nº 42, p. 12252-8; ____. Riorganizzazioni societarie ed elusione. Il Fisco. Roma: EIT,1998, nº 6, p. 2051-5; ____. Controlled Foreing Company Legislation. Disposizioni unilaterali per contra-stare l’elusione scale internazionale e rassegna comparatistica. Il Fisco. Roma: EIT, 1998, nº 18, p.5807-13; ____. L’elusione nelle operazioni di riorganizzazioni societaria. Rivista di dirio nanziario escienza delle nanze. Milano: Giurè, 1997, a. LVI, p. 115-47; MANERA, Marco. Trasferimento di par-tecipazioni ed elusione scale. Dirio e pratica tributaria. Padova: CEDAM, 1997, I, p. 589-644; Fusãomediante troca de ações e elusão tributária. Decisão da Corte de Justiça da UE: 17 de Julho de 1997.Leur-Bloem contra o Gerechtshof  , de Amsterdã.

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empresarial, de modo a evitar que os tributos sirvam como um fator derestrição à reestruturação e à reorganização de uma empresa, objetivandomaior eciência econômica.

Por “neutralidade scal” às operações de reorganização, entenda-se oesforço de fazer valer o princípio da irrelevância tributária para as diferençaspatrimoniais realizadas, de tal modo que tais operações não possam servircomo fontes geradoras de renda tributável ou de perdas dedutíveis, porquantonão se trata de ato normal de gestão da empresa , mas de sua reestruturação, paraotimização das atividades desempenhadas, captação de recursos e expansão dosseus fatores de riqueza.

A “neutralidade scal” parte do princípio de que não há realização de ganhose as ações não se alteram. Isso porque o valor total das ações há de representar ovalor subjacente das empresas resultantes, que deve ser o mesmo.

Assim, a neutralidade scal no processo de reorganização societária,em regra, é oponível ao Fisco quando a operação é praticada sem que haja arealização de ingressos ou ganhos de capital possíveis, quer para as sociedades,quer para os seus acionistas. Por essa razão, os acionistas originais, quando dorecebimento das novas ações, também não devem ser tributados sobre os lucrosou ganhos de capital eventualmente formados, em qualquer das hipóteses desucessão universal, como fusão, incorporação ou transformação.

Exemplo clássico de regime de neutralidade tributária é a Diretiva 434/90,da Comunidade Europeia, que possui a função de neutralizar os obstáculos denatureza scal opostos às empresas multinacionais para efeito das operaçõessocietárias de reorganização no âmbito comunitário. A disciplina jurídica brasileira sobre as operações de concentração encontra-se na Lei nº 6.404/76,com as recentes alterações perpetradas pela Lei nº 9.457/97. Mesmo que aquia neutralidade não seja um princípio evidenciado, não se pode deixar dereconhecer um contexto normativo que busca reduzir os efeitos scais sobreessas operações. E esse é o seu exato sentido.

Uma das regras comuns à transmissão patrimonial mediante sucessão atítulo universal que se verica nas três operações sob exame (fusão, incorporaçãoou transformação) é a da necessária versão do patrimônio líquido apuradoem laudo especial para a formação do capital social das resultantes, variandoas consequências jurídicas segundo o tipo de operação, quer vericando-seum aumento de capital, em contrapartida do acervo líquido recebido, quermantendo-se inalterada a conta de capital social. Destarte, como regra geral, nafusão, os patrimônios líquidos das fundidas são congregados para a formaçãoinicial do capital da sociedade que resultará da extinção das anteriores; enquanto

que na incorporação haverá aumento do capital da incorporadora, resultanteda versão do patrimônio líquido da incorporada. Nos dois negócios, portanto,haverá capital a realizar , mediante transferências patrimoniais, não podendoaquele ser superior ao patrimônio líquido.

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Como diz Carvalhosa, “com efeito, o capital social deverá reetir exatamenteo valor do patrimônio resultante do negócio, para assim terem os credoressegura referência quanto à segurança jurídica dos seus créditos”.191 Com a versão

do patrimônio, que se dá a título de pagamento de dívida contraída com asubscrição  (obrigação da incorporada que se cumpre com a integralização em bens e direitos que constituem o seu patrimônio, fazendo-o pelo valor líquidodeste),192  criam-se novos vínculos societários entre os sócios ou acionistas daincorporadora e os antigos sócios ou acionistas da incorporada, agregando-seestes ao quadro social daquela. Não existe, destarte, ato de alienação como comprae venda, mas apenas de alienação como subscrição, para efeito do aumento de capital.Cumpre ressaltar que essas operações ocorrem entre sociedades, e não entresócios, pelo que é a sociedade193 quem subscreve o eventual aumento de capitalpara a sociedade sucessora, para quem o patrimônio líquido estará sendovertido, e não aqueles, limitados a deliberarem como membros dos órgãossociais,194 exclusivamente. Com isso, o patrimônio é transferido de uma pessoa jurídica a outra, diretamente.195 Desse modo, na estrutura dos negócios jurídicosde reorganização, as sociedades contratam para que os seus patrimônios líquidosconstituam uma nova sociedade, com a transferência direta dos patrimônios196 in

191 CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº 6.404,

de 15 de dezembro de 1976, 2ª ed. , SP: Saraiva, 1998, 4, T. I, p. 244.192 Assim Pontes de Miranda, para quem: “O termo subscrito não deve ser tomado no sentido restrito,em que é usualmente empregado, para signicar a assinatura de ações. Ele compreende não somentea subscrição propriamente dita do capital representado por ações, como a co-participação ao fundosocial por meio de prestações consistentes em bens, coisas ou direitos, segundo se exprime no inc.II do art. 84 (Lei nº 6.404/76)”. E continua mais adiante: “O momento em que se conclui o negócio

 jurídico de subscrição de ações é aquele em que, paga a entrada inicial, a pessoa subscreve o boletim,ou remete a carta de que fala o art. 85, parágrafo único, da Lei nº 6.404. Não basta o ato de subscrição,nem basta a entrada inicial, porque – no sistema jurídico brasileiro – a subscrição é ato cujo suportefático tem duplo elemento (subscrição, no sentido estrito, e entrada inicial)”. PONTES MIRANDA,F. Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte geral. SP: Bookseller, 1999, tomo I, p. 416.

193 Conrmando esse entendimento, o art. 227, da Lei nº 6.404/76, § 1º e 2º: “Art. 227. (...).

  § 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora , se aprovar o protocolo da operação, deverá au-torizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seupatrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão.

  § 2º A sociedade que houver de ser incorporada , se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus ad-ministradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento decapital da incorporadora”.

194 Cf.: PEDREIRA, Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo. A lei das S.A. 2ª ed., RJ: Renovar, 1996, p. 666.195 Por isso tem razão Ian Muniz, quando afirma que “as ações ou quotas recebidas pelo sócio ou

acionista, em decorrência do aumento de capital subscrito pela sociedade fundida, incorporadaou cindida, continuam sendo basicamente as mesmas de antes, ainda que qualitativamente te-nham sofrido alteração, da mesma forma como se aceitaria indiscutivelmente como inalterada aparticipação societária dos sócios ou acionistas que participavam em uma sociedade que tenhaincorporado patrimônio de outra”. MUNIZ, Ian. Reorganizações Societárias. SP: Makron Books,1996, p. 13-14.

196 Como diz Pontes de Miranda, “a pretensão do direito é regular tais situações sem solução de conti-nuidade entre o ontem e o hoje, seja só mudando a forma, o tipo social; seja havendo continuidadeda forma e do vínculo social para uma das sociedades que cresceu, e a extinção de outra ou de outras

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universitum ius , tornando-se os sócios ou acionistas partes sucessoras daquelas,por subscrição particular com patrimônio alheio, i.e., o patrimônio que dantesera das sociedades preexistentes,197 mas que, pela fusão ou incorporação, com

a extinção daquelas sociedades, transmitiu-se a título universal à sociedaderesultante ou incorporadora.

6.4. Aspectos comuns das operações de concentração edesconcentração empresarial

Uma das regras comuns à transmissão patrimonial mediante sucessão atítulo universal que se verica nas três operações sob exame (fusão, incorporação

e cisão) é a da necessária versão do patrimônio líquido apurado em laudo especialpara a formação do capital social das resultantes, variando as consequências jurídicas segundo o tipo de operação, vericando-se um aumento de capital, emcontrapartida do acervo líquido recebido, ou mantendo-se inalterada a conta decapital social.

Nos três negócios, portanto, haverá capital a realizar , mediantetransferências patrimoniais, não podendo aquele ser superior ao patrimôniolíquido. Como diz Carvalhosa, “com efeito, o capital social deverá refletirexatamente o valor do patrimônio resultante do negócio, para assim terem oscredores segura referência quanto à segurança jurídica dos seus créditos”.198 Destarte, como regra geral, na fusão, os patrimônios líquidos das fundidassão congregados para a formação inicial do capital da sociedade que resultaráda extinção das anteriores; enquanto que na incorporação haverá aumentodo capital da incorporadora, resultante da versão do patrimônio líquidoda incorporada; e na cisão, a transferência, total ou parcial, do patrimôniolíquido da cindida para a sociedade nova ou já existente, havendo, nessecaso, aumento de capital social no valor correspondente ao do patrimônio

líquido vertido.

sociedades, seja com a convergência de vínculos sociais em um vínculo único, que se inserta na so-ciedade nova”. PONTES DE MIRANDA, F. Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3ª ed., SP: RT, 1984,tomo I, p. 65.

197 Para CARVALHOSA: “a transferência dos patrimônios das sociedades fundidas dá-se a título de pa-gamento das ações subscritas pelos sócios ou acionistas daquelas. (...). A entrega do patrimônio dassociedades fundidas, como forma de pagamento da subscrição feita pelos seus sócios ou acionistasna sociedade agora constituída, tem como efeito a transferência de propriedade sobre tal patrimô-nio, no valor correspondente ao da subscrição. Temos assim que a transferência dos patrimôniosdas sociedades fundidas para a nova sociedade dá-se a título de pagamento da dívida contraídapelos seus sócios e acionistas com a subscrição do capital inicial da sociedade, em bens (arts. 7º, 8º e9º).” (CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº6.404, de 15 de dezembro de 1976, 2ª ed., SP: Saraiva, 1998, v. IV, tomo I, p. 275)

198 CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº 6.404,de 15 de dezembro de 1976, 2ª ed., SP: Saraiva, 1998, v. IV, tomo I. p. 244.

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Com a versão do patrimônio, que se dá a título de pagamento de dívidacontraída com a subscrição  (obrigação da incorporada que se cumpre com aintegralização em bens e direitos que constituem o seu patrimônio, fazendo-o

pelo valor líquido deste),199

 criam-se novos vínculos societários entre os sóciosou acionistas da incorporadora e os antigos sócios ou acionistas da incorporada,agregando-se estes ao quadro social daquela. Não existe, destarte, ato dealienação como compra e venda, mas apenas de alienação como subscrição, paraefeito do aumento de capital.

Cumpre ressaltar que essas operações ocorrem entre sociedades, e não entresócios, pelo que é a sociedade200 quem subscreve o eventual aumento de capital paraa sociedade sucessora, para quem o patrimônio líquido estará sendo vertido, e nãoaqueles, limitados a deliberarem como membros dos órgãos sociais, exclusivamente.

Com isso, o patrimônio é transferido de uma pessoa jurídica a outra, diretamente.Por isso, na estrutura dos negócios jurídicos de reorganização, as sociedades

contratam para que os seus patrimônios líquidos constituam uma nova sociedade,com a transferência direta dos patrimônios in universitum ius , tornando-se ossócios ou acionistas partes sucessoras daquelas, por subscrição particular compatrimônio alheio, i. é, o patrimônio que dantes era das sociedades preexistentes,mas que, pela fusão ou incorporação, com a extinção daquelas sociedades,transmitiu-se a título universal à sociedade resultante ou incorporadora.

E somente em um caso o processo de incorporação ou de cisão não acarretasubscrição de capital, não existindo, como consequência, a respectiva emissãode ações: quando a sucessora já antecipadamente detém a totalidade do capitalsocial da sucedida, ou vice-versa, i.e., quando há um único acionista (Lei nº6.404/76, art. 206, I, d) ou em se tratando de subsidiária integral (art. 251).201 Com

199 Assim Pontes de Miranda, para quem: “O termo subscrito não deve ser tomado no sentido restri-to, em que é usualmente empregado, para signicar a assinatura de ações. Ele compreende nãosomente a subscrição propriamente dita do capital representado por ações, como a co-partici-pação ao fundo social por meio de prestações consistentes em bens, coisas ou direitos, segundo

se exprime no inc. II do art. 84 (Lei nº 6.404/76)”. E continua mais adiante: “O momento em quese conclui o negócio jurídico de subscrição de ações é aquele em que, paga a entrada inicial, apessoa subscreve o boletim, ou remete a carta de que fala o art. 85, parágrafo único, da Lei nº6.404. Não basta o ato de subscrição, nem basta a entrada inicial, porque – no sistema jurídico

 brasileiro – a subscrição é ato cujo suporte fático tem duplo elemento (subscrição, no sentidoestrito, e entrada incial)”. PONTES DE MIRANDA, F. Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte

 geral. SP: Bookseller, 1999, t I, p. 416.200  Conrmando esse entendimento, o art. 227, da Lei nº 6.404/76, § 1º e 2º: “Art. 227. (...).  § 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora , se aprovar o protocolo da operação, deverá au-

torizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seupatrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão.

  § 2º A sociedade que houver de ser incorporada , se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus ad-ministradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento decapital da incorporadora”.

201  Assim prescreve a Lei nº 6.404/76: “Art. 226 (...).  § 1º As ações ou quotas do capital da sociedade a ser incorporada que forem de propriedade da

companhia incorporadora poderão, conforme dispuser o protocolo de incorporação, ser extintas, ou

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isso, uma vez que todas as ações da sociedade sucedida são de propriedade dasucessora, a conta de capital desta permanecerá inalterada.

Existe “incorporação” quando uma sociedade (incorporadora) absorve o

capital de uma outra, aumentando o seu capital, por subscrição do patrimôniolíquido da incorporada, com o consequente desaparecimento da sociedadeabsorvida, podendo essa operação ser acompanhada, ou não, de umatransformação societária da incorporadora.

O ato de incorporação, que se dá no plano do contrato social ,202 determina,como efeito próprio, a dissolução das sociedades incorporadas203  e a imediatatransferência do patrimônio,204 tornando-as, pela perda da personalidade jurídica,quando muito, simples liais da incorporadora.

Com a transmissão do patrimônio da incorporada in universitum ius , comodeliberado por esta, a incorporadora unicará em si elementos objetivos: o patrimôniodas sociedades incorporadas; e elementos subjetivos: os sócios das contratantes, osquais, reunidos, irão caracterizar o próprio contrato de incorporação, e cujos efeitossão desencadeados no momento de registro e da publicação do ato de modicação.205

Desse modo, sendo a incorporação a causa da dissolução206  da entidadeincorporada, também é o motivo da transmissão patrimonial e da sucessãouniversal entre esta e a incorporadora. Em decorrência, far-se-ão sentir seusefeitos: transmissão dos vínculos sociais, globalmente, sob o ponto de vistainterno, e do lado externo, a transmissão do conjunto de relações jurídicas dasincorporadas, concomitantemente à sua extinção.

Em via sucessória, os respectivos patrimônios transmitem-se a títulouniversal diretamente à incorporadora, que assume a titularidade da totalidadedos direitos e obrigações das incorporadas, cujo aumento de capital será validadocom a inscrição no registro público do acordo denitivo de incorporação e ocontrato ou estatuto da nova sociedade. Com isso, os credores da sociedadeabsorvida passam a ser credores da sociedade absorvente. Percebe-se, assim,

substituídas por ações em tesouraria da incorporadora, até o limite dos lucros acumulados e reser-vas, exceto a legal.

  § 2º O disposto no § 1º aplicar-se-á aos casos de fusão, quando uma das sociedades fundidas forproprietária de ações ou quotas de outra, e de cisão com incorporação, quando a companhia queincorporar parcela do patrimônio da cindida for proprietária de ações ou quotas do capital desta”.

202  A sociedade incorporadora, geralmente, sofre modicações do ato constitutivo lato sensu, haja vista aampliação do vínculo social, porque os sócios ou acionistas da sociedade incorporada passaram a sersócios ou acionistas da incorporadora. Esse ato pode ser seguido de uma transformação societária,mas não necessariamente.

203 PONTES DE MIRANDA, F. Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3ª ed., SP: RT, 1984, tomo LI, p. 85.204 O aumento do capital social é consequência da incorporação, mas desde que esse capital não seja

possuído pela incorporadora.205 PONTES DE MIRANDA, F. Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3ª ed., SP: RT, 1984, tomo LI, p. 85.206 Contrario sensu , BULGARELLI, Waldirio. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 3ª ed., SP: Atlas,

1998, p. 29.

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que não se dá uma mera transferência do fundo de comércio ou industrial,simplesmente.

Efeitos, portanto, associativo-extintivos, transmudando-se os sócios,

patrimônio e relações jurídicas externas (com credores e terceiros) para aincorporadora, mas excluindo a continuidade da incorporada na incorporadorapela transmissão a título universal do patrimônio.

Com a aprovação da subscrição em bens da incorporada no capital socialda incorporadora, dá-se a conclusão do ato declaratório de incorporação.Assim, aprovados pela assembleia geral da sociedade incorporadora o laudoda avaliação dos bens do patrimônio líquido e a incorporação, cará extinta,automaticamente, a incorporada, restando à incorporadora encarregada deentregar as suas ações aos acionistas e sócios da incorporada, na conformidade

do que tiver sido assentado, e promover o arquivamento e a publicação dos atosda incorporação (Lei nº 8.934, 18.11.94, art. 47, I, b).

7. Conclusões

A legislação tributária brasileira necessita atualizar-se com as modernasregras de contabilidade internacional, quanto ao regime tributário aplicável às“combinações de negócios”. Em termos societários e contábeis tivemos avanços

signicativos, no entanto, as normas tributárias permitem dedução – para nsscais – das parcelas de amortização do ágio fundado em lucratividade futuraregistrado, antes no ativo diferido, exclusivamente na hipótese de fusões eincorporações de sociedades residentes no Brasil.

A legislação brasileira, porém, não possui regras objetivas para a fusãoe a incorporação internacional. Nesse caso, pela proximidade inequívocaentre aquisição de empresa e casos de incorporação, com exceção dos efeitossubjetivos e a sucessão universal sobre o patrimônio, vê-se prevalecer umaequiparação relevante com a aquisição da empresa no exterior, quando os

requisitos econômicos que autorizavam o reconhecimento do ágio para os nsde dedutibilidade nas hipóteses do art. 7º, da Lei nº 9.532/97, amparam-se nalucratividade futura.

Com a edição da Lei nº 11.941/2009, que extinguiu a conta do ativo diferido,o ágio baseado em lucratividade futura passou a ser registrado na conta de ativointangível ou investimento; está sujeito a testes para redução ao valor recuperávelcomo condição para sua amortização contábil. O ágio com fundamento narentabilidade futura, que estava registrado na conta do ativo diferido antes daLei nº 11.941/2009, poderá permanecer no ativo sob essa classicação até sua

completa amortização para  ns scais , cabendo aos contribuintes procederaos ajustes no LALUR e no FCONT. Assim, para as operações de fusão eincorporação realizadas entre empresas residentes no Brasil, o ágio fundadoem rentabilidade futura, registrado no ativo diferido, é passível de amortização

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para ns scais, procedida nos balanços correspondentes à apuração de lucroreal, levantados posteriormente à incorporação ou fusão, à razão de um sessentaavos, no máximo, para cada mês do período de apuração , com os devidos ajustes no

LALUR e no FCONT, diante do evidente conito entre as novas regras contábeisintroduzidas pela Lei nº 11.941/2009 e a disciplina da Lei Tributária nº 9.532/97.Do ponto de vista da “empresa”, há uma inequívoca unidade econômica

produtiva organizada que justicava a dedução scal do ágio, mesmo quemantidos distintos centros de imputação de direitos e obrigações.

Está em tempo de a Administração creditar aos empresários honradosexpectativas de conança legítima, mormente quando se trata de operaçõesque atendem a todos os requisitos de governança corporativa e assume oplanejamento tributário responsável como medida das suas relações para com

o Fisco.O fenômeno da globalização exige que as empresas possam atuar de formamais competitiva, dentro e fora do mercado nacional, daí o surgimento de regrasde exibilização das formas tradicionais de reorganização, chamadas de businesscombination; bem assim de métodos de avaliação mais consentâneos com arealidade, como é aquele do “método de compra” ( purchase method), atualmenteempregado pela contabilidade internacional, segundo o qual os ativos e passivosdeverão ser registrados pelo seu valor justo e a diferença entre este e o valorpago assume a condição de goodwill do negócio.

É verdade que, com relação à dedução do ágio, cada legislação adota umaprática peculiar. As leis brasileiras impõem tratamentos distintos para nscontábeis e para ns scais. Contudo, não podemos deixar de manifestar nossainconformidade com as contradições e restrições scais operadas pela ordem jurídica nacional nessa matéria, o que pode ser superado com uma interpretaçãocoerente com a atuação transnacional das empresas. Ainda que seja criticávela permissão de amortização do ágio para ns scais, em descompasso com asnormas contábeis, essa dedução não pode se pautar em regimes discriminatórios,desprovidos de fundamento econômico razoável, a impor um custo de transação 

desnecessário ao negócio.

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S T

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O C T N, C C P

 José Marcos DominguesProfessor Titular de Direito Financeiro da UERJ

Coordenador do NEFIT - Núcleo de Estudos em Finanças Públicas,Tributação e Desenvolvimento

Sumário: Introdução. Origem das Contribuições. O CTN, o Sistema Tributário Nacional e as Contribuições. Finalidade e Fato Gerador das Contribuições. Finalidade, Tredestinação e Inconstitucionalidade. A Jurisprudência do STF e as Perspectivas de Combate à Fraude Constitucional. Preservação da Supremacia Constitucional. Referências Bibliográcas

Introdução

As contribuições parascais em geral, e a contribuição de intervenção nodomínio econômico – CIDE, em particular, desde sua origem francesa e italiana, epor desígnio constitucional no Brasil (art. 149 da Carta Federal), são um institutofadado a desempenhar um papel-dublê reservado aos tributos contemporâneos.

Trata-se de ordenar as nanças públicas de forma que a arrecadação dostributos sirva a um só tempo ao nanciamento das atividades dos PoderesConstitucionais e também à consecução das políticas públicas fundadas nosvalores consagrados na Carta Magna, sobretudo quando certos tributos estão aliqualicados por uma nalidade especíca. Essa nalidade pode trazer em seu bojo um entrelaçamento da scalidade com a extrascalidade.208

207 Palestra proferida no Ciclo de Palestras em Comemoração aos 40 Anos do Código Tributário Nacionalpromovido pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 14.11.2006.

208 A extrascalidade é, pois, instrumento tributário de realização da intervenção do Estado na ordemeconômica, o que a coloca a meio caminho do tributário com o econômico, ou, mais precisamente,do direito tributário com o direito econômico ou regulatório, cunhando-se em Portugal a signi-cativa denominação direito econômico scal  (José Casalta Nabais. Estudos de Direito Fiscal. Coimbra:Almedina, 2005, p. 109). A extrascalidade, ainda na lição de Casalta Nabais, “se expande por doisgrandes domínios, cada um deles traduzindo uma técnica de intervenção ou conformação socialpor via scal: a dos impostos extrascais (...) e a dos benefícios scais” (O Dever Fundamental dePagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 630). Com fundamento na lei, a grande tarefa da tri-

 butação extrascal é a salvaguarda da liberdade (Bezerra Falcão. Tributação e Mudança Social , Riode Janeiro, Forense, 1981, p. 196). A extrascalidade permite ao contribuinte alternativa de escolha ,de gravame mais ameno “ou a de nenhum gravame tributário, conforme sua atuação se desenvolvaneste ou naquele sentido previsto em lei”. Fábio Fanucchi. Curso de Direito Tributário , São Paulo:Ed. Resenha Tributária, 4ª ed., 1976, v. 1, pp. 56-58. Nesse sentido a liberdade é vista como vetor daordem econômica, entendendo-se a Economia como a “Ciência da Escolha”, nas palavras de DenizeFlouzat, citadas por Oscar Dias Corrêa (in O Sistema Político-Econômico do Futuro: O Societarismo. Riode Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1994, p. 151). Por isso Keynes, segundo Bezerra Falcão, terá vis-to no intervencionismo extrascal a melhor salvaguarda da liberdade pessoal e da multiplicação das

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Um exemplo do entrelaçamento desses efeitos scais e extrascais encontra-se na CIDE-tecnologia , criada pela Lei nº 10.168, de 29.12.2000, destinada a nanciar (elemento  scal) o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresapara o Apoio à Inovação, “cujo objetivo principal é estimular o desenvolvimentotecnológico brasileiro  (elemento extrascal), mediante programas de pesquisacientíca e tecnológica cooperativa entre universidades, centro de pesquisa e osetor produtivo” (art. 1º).

A CIDE em questão somente é devida pelas pessoas jurídicas que pagamroyalties  a titulares de direitos de propriedade intelectual residentes oudomiciliados no exterior. Com essa CIDE, o Estado brasileiro deseja desestimularesse tipo de pagamento tornando-o mais oneroso, reduzindo assim o gasto dedivisas, ao mesmo tempo em que incentiva a demanda por tecnologia domésticacom vistas a contribuir para o desenvolvimento autóctone; e, enquanto issonão se materializa, a receita gerada com a CIDE, que se projeta declinante emrazão do antevisto sucesso do programa, nanciará a produção de tecnologiadestinada a atender aquela demanda nova por inovações domésticas.

Origem das Contribuições

A parascalidade e a contribuição parascal nasceram com a intervençãoestatal na ordem econômica e social, e com a descentralização administrativanecessária à sua implementação. Daí a umbilical, ontológica e necessária afetação da contribuição como receita própria das entidades da Administração PúblicaIndireta incumbidas daquela nova tarefa.

alternativas de vida (“É remédio para curar a doença ao mesmo tempo em que preserva a ecácia

da liberdade” - op. cit., p. 198). Em estado puro, a extrascalidade é, como anota entre nós BEZERRAFALCÃO, “a atividade nanceira que o Estado exercita sem o m precípuo de obter recursos para oseu erário, para o Fisco, mas sim com vistas a ordenar ou re-ordenar a economia e as relações sociais”(op. cit., p. 48). Hoje se reconhece que a extrascalidade raramente se vê isolada: as políticas públicasintervencionistas dependem de recursos scais para a sua implementação. Efeitos extrascais há atémesmo nos denominados tributos scais. Para Alonso Gonzáles “este tipo de tributo extrascal, quasequimicamente puro, se dá muito isoladamente. Será mais freqüente encontrar ns scais e extra-scais mais entrelaçados” (Los Impuestos Antonomicos de Caracter Extrascal. Madrid: Marcial Pons,1995, p. 23). “Mediatos ou imediatos, eles têm efeitos muitas vezes absolutamente transformadoresda vida econômica, social e política da nação”, são as palavras de Alberto Deodato, que considerou“regra obsoleta” aquela de Stourm que reconhecia no imposto função essencialmente scal ( Manualde Ciência das Finanças. São Paulo: 17ª ed., Saraiva, 1980, pp. 63 e 114, respectivamente). No mesmosentido, Ruy Barbosa Nogueira (Curso de Direito Tributário. São Paulo: 4ª ed., IBDT, 1976, p. 158): “oimposto deixa de ser conceituado como exclusivamente destinado a cobrir as despesas nanceirasdo Estado”. Como ALFREDO BECKER asseverou, “na construção jurídica de todos e cada tributonunca mais estará ausente o nalismo extrascal nem será esquecido o scal” (Teoria Geral do DireitoTributário. São Paulo: Ed. Saraiva, 1972, p. 545).

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Mantemo-nos éis à terminologia parascalidade209 por exprimir um fenômenohistórico que não pode ser olvidado no estudo das contribuições, que são apenasa consequência scal (ou  parascal) da descentralização administrativa que se

vericou no mundo, especialmente a partir dos anos 1930 e intensamente apósa 2ª Guerra Mundial.

A criação de entidades  paraestatais , com  personalidade jurídica própria ,gravitando em torno do Estado (Administração Indireta) e assumindo funçõesdas quais a Administração Direta não dava conta, fez surgir a necessidade denovas receitas paralelas ao orçamento scal (daí parascais) que nanciassem (coma nalidade de nanciar) as correspectivas despesas, assim, descentralizadas.

Afetava-se um patrimônio estatal a um novo ente administrativo; afetava-se-lhe uma receita própria  para que com ela se desincumbisse da tarefa a ser

descentralizadamente executada. Foram assim referidas no Inventário Schumann (1947) as receitas parascais.

Conceituamos contribuição parascal como o tributo devido a entidades paraestatais210 em razão de atividades públicas especiais por elas desenvolvidas e asclassicamos em contribuições sociais ou assistenciais , econômicas ou de intervençãona ordem econômica , e corporativas ou prossionais.

Surgindo na França para subsidiar políticas de desenvolvimento, e naItália para nanciar a política sindical, circunstâncias que zeram surgir célebrepolêmica entre MÉRIGOT e MORSELLI a respeito da sua singularidade defundamento em uma nova solidariedade, a afastar delas a irrestrita obediênciaà legalidade tributária,211 o fato é que as contribuições parascais chegaram aoBrasil na década de 1940, pelas mãos do subtipo contribuição previdenciária ,nanciadora de incipiente sistema de Caixas de Aposentadorias e Pensões,para daí alcançarem status  constitucional em 1969,212  veiculando-se depoisexpressamente como “instrumento de atuação” (leia-se, custeio) nas áreas deintervenção da União Federal nos domínios social, corporativo e econômico. 213

 Ab initio ,  essa relação umbilical  entre as contribuições parascais e aintervenção do Estado na Ordem Econômica determinou por um lado aautonomização e personicação de novos serviços estatais e de outro a afetação

209 Contribuições parascais é a terminologia também utilizada pela melhor doutrina [por todos, Baleeiro,na sua Introdução à Ciência das Finanças , e Ulhôa Canto, in Contribuições Sociais , Caderno de PesquisaTributária (MARTINS, Ives Gandra da Silva, coord., São Paulo: Centro de Extensão Universitária eResenha Tributária, 1992, pp. 25-67)] e pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 138.284-CE, de 1.7.92).

210  No sentido da denição, invoquem-se e enalteçam-se as lúcidas palavras de MISABEL DERZI:“O lógico é que, tendo o Estado criado pessoas, como serviços descentralizados, evite arrecadaros recursos para depois repassá-los à pessoa beneciada, delegando-lhes tal aptidão diretamente”(Contribuições Sociais , in Cadernos de Pesquisas Tributárias. São Paulo: Ed. Resenha Tributária e Centrode Extensão Universitária, 1992, v. 17, p. 136).

211  Cf. Simone Lemos Fernandes. Contribuições Neocorporativas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 53 eseguintes.

212  Arts. 18 e 21 da Carta de 1967.213 Art. 149 da Constituição de 1988.

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das novas receitas aos cofres das novas entidades paraestatais encarregadas dedesempenhar aquele novo tipo de atuação estatal.

Nas palavras de CASALTA NABAIS,214 “quanto às contribuições, tributos ou

receitas parascais (...) se caracterizam por serem tributos (...) que são cobradospara a cobertura das despesas de pessoas colectivas públicas não territoriais (...),tributos objecto de uma verdadeira consignação subjectiva de receitas”.

Entre nós não foi diferente, pelo menos, como dissemos, no início: a afetaçãodas contribuições parascais às entidades paraestatais ocorreu em relação aoIBC, ao IAA, aos Institutos de Previdência, à Embratur etc.

Embora mercê de uma jurisprudência data venia  leniente do E. SupremoTribunal Federal, que, desde o RE 138.824-CE, admite a centralização daarrecadação das contribuições, o fato é que é assente no direito brasileiro que

as contribuições se distinguem no sistema tributário pátrio215

  como tributos nalísticos , isto é, cuja instituição só se pode dar para atender a uma  nalidadeexpressamente admitida na Constituição; por isso mesmo, os respectivos recursosdevem ser consumidos na nalidade assinalada.

Entre as contribuições em questão avultam as contribuições sociais , sobretudoas de seguridade (contribuição previdenciária, contribuição ao PIS-COFINS) e aCIDE, contribuição de intervenção no domínio econômico , ou contribuição econômica:vejam-se, além do caput do art. 149216 (correspondente ao inciso I do § 2º do art. 21da Carta de 1967-69217), o art. 195 e os novos dispositivos trazidos com a Emendanº 33 (§ 4º do art. 177; §§ 2º a 4º do art. 149); isso sem falar nas referências explícitasnas Disposições Gerais (art. 240) e até no Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias (critique-se, a propósito, o absurdo jurídico-tributário que sãoos sucessivos Fundo Social de Emergência, Fundo de Estabilização Fiscal eDesvinculações de Recursos da União – DRUs, que, desde a Emenda de Revisãonº 1/1994, passando pelas EC 10/96 e 17/97, e pelas ECs 27/2000 e 42/2003, vêmtredestinando 20% da arrecadação de contribuições sociais e de intervenção aocaixa geral do Tesouro, contrariando no transitório o projeto do corpo permanenteda Constituição,218  quando boa parte do alegado décit previdenciário vemexatamente dessa violência à Supremacia da Lei Maior).

214 Direito Fiscal. Coimbra: Almedina, 2ª edição, 2004, pp. 30-31.215 Ao lado dos empréstimos compulsórios (art. 148 da CF).216 “Art. 149 – Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domí-

nio econômico e de interesse de categorias prossionais ou econômicas, como instrumento de suaatuação nas respectivas áreas...”.

217 “Art. 21 (...) § 2º A União pode instituir: I – contribuições (...) tendo em vista intervenção no domínioeconômico e o interesse da previdência social ou de categorias prossionais”.

218 Não se perca de vista de vista que também a desvinculação das receitas de impostos que tem excepcio-nado as regras dos artigos 157 e seguintes da Carta Magna congura inconstitucional tredestinaçãovioladora do pacto federativo em desfavor dos Estados e Municípios, reduzindo recursos exigidospara a tutela local e prioritária de inúmeros direitos individuais e sociais, como a segurança pública,acesso a justiça rápida, a educação, a moradia, a saúde pública, sem o que não se protege o direitofundamental à Vida humana com dignidade.

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O CTN, o Sistema Tributário Nacional e as Contribuições

Quando de sua edição, omitiu-se o CTN quanto às contribuições, talvezdevido à então incipiente elaboração doutrinária do Direito Tributário brasileiro, talvez em função da disputa que até hoje graça entre os juristas sobrea verdadeira natureza jurídica das contribuições e de sua legitimidade ao inuxoda principiologia da legalidade, do fato gerador competente e do federalismoscal.

Ora, se mesmo aqueles, como SACHA CALMON NAVARROCOÊLHO,219 que nos secunda no entendimento de que as contribuições sãoveros impostos ou taxas, conforme as respectivas hipóteses de incidência

sejam próprios de uns ou outras, divergem sobre a relevância justributáriado arguido imbricamento da nalidade na gênese do fato gerador dasmesmas contribuições, tem-se aí o quadro de perplexidade que ainda grassana Doutrina a respeito do tema.

A única referência às contribuições, à época da edição do CTN, veio logodepois de sua publicação, quando foi inserido no seu texto o art. 217 exatamentepara ressalvar a cobrança de algumas contribuições, como a devida ao Fundode Garantia do Tempo de Serviço e à Previdência Social, aqui e ali ditas

incompatíveis com algumas normas gerais de direito tributário baixadas peloCTN...Com a Constituição de 1967, emendada em 1969, é que as contribuições

passaram a integrar formalmente o sistema tributário nacional, citadastextualmente no inciso I do § 2º do artigo 21, e no parágrafo único do art.163 (redundância em relação às contribuições interventivas). Diz-se, apenasformalmente, porque desde sempre foram prestações pecuniárias compulsórias,previstas em lei sem caráter de sanção a ilicitudes, e exigidas em Juízo atravésde executivos scais220  depois de cobradas por ato administrativo vinculado

(homenageie-se a doutrina do eminente Professor ALBERTO XAVIER221  que bem deniu o lançamento como ato de aplicação do direito tributário materiale exigência do tributo) e não “atividade”, como erroneamente dizem os arts.3º e 142 do CTN.

Não obstante essa verdade científica, constatou-se, à margem do CTN,grande dissídio doutrinário e jurisprudencial sobre a natureza jurídica dascontribuições, chegando-se a impor pela Emenda Constitucional nº 8, de

219 Cf. “Contribuições no Direito Brasileiro”, in Grandes Questões Atuais do Direito Tributário  (ROCHA,Valdir de Oliveira, coord.) São Paulo: Ed. Dialética, 2005, v. 9, p. 463 e seguintes.

220  Cf. Decreto-lei nº 960, de 17.12.1938.221  Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1977, p. 17 e seguin-

tes, especialmente a p. 19.

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1977,222  integrante do Pacote de Abril do Governo Militar, uma pretensae casuísta natureza não tributária ao instituto, à qual veio aquiescerespeciosamente o E. Supremo Tribunal Federal, 223 quando decidiu que, na

vigência da citada Emenda, não sendo tributária a contribuição ao PIS,estando, mesmo, fora do então campo restrito das finanças públicas, nãopodia ela ser aumentada por decreto-lei, como excepcionalmente autorizavao art. 55, II, da Carta Política.

Foi com o artigo 149 da Constituição de 1988 que se positivou a melhordoutrina pela natureza tributária das contribuições, in verbis:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais,de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias

prossionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nasrespectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, esem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuiçõesa que alude o dispositivo.”

Ulteriormente, as Emendas nº 33, de 2001, e nº 42, de 2003, dispuseramsobre as CIDEs, nos seguintes termos:

Art. 149 - (...)§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico deque trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001);II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ouserviços; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)III - poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

a)  ad valorem , tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valorda operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) especíca, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderáser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)§ 4º A lei denirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única

vez. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

222  A Emenda nº 8/77 deu nova redação ao art. 43, X, da Carta de 1967/Emenda nº 1/69.223 RE 148.754-RJ, julgado em 24.06.1993, Relator para o acórdão Ministro Francisco Rezek.

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(...)Art. 177 - (...)§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico

relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo eseus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deveráatender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Consti-tucional nº 33, de 2001)a) diferenciada por produto ou uso; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando

o disposto no art. 150, III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)II - os recursos arrecadados serão destinados: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível,gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com aindústria do petróleo e do gás; (Incluído pela Emenda Constitucional 

nº 33, de 2001)c) ao nanciamento de programas de infra-estrutura de transportes.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

Note-se o expresso atrelamento constitucional das contribuições àsnalidades assinaladas, a indicar o destino das respectivas arrecadações.

Das disposições constitucionais em questão exsurge claramente a relevância jurídico-tributária da nalidade ou destinação especíca das contribuições,como seu requisito de legitimidade a ponto de, a nosso ver, imbricar-se nos

respectivos fatos geradores.224

A importância dessas contribuições na tributação brasileira é notória, bastando referir a expressiva complexidade da legislação do PIS-COFINS,sobretudo após a adoção da não cumulatividade (Lei nº 10.637, de 30.12.2002, eLei nº 10.833, de 29.12.2003), de cunho nitidamente arrecadatório, como as queservem de instrumento de adesão a políticas públicas de cunho regulatório(CIDE-tecnologia – Lei nº 10.168, de 29.12.2000), ou transformador das estruturas(CIDE-combustíveis – Lei nº 10.336, de 19.12.2001) e CIDE-Ataero – Lei nº 7.920,de 12.12.1989).

224 Ainda aqui não foi o CTN emendado para atualizarem-se as normas gerais de direito tributáriosobre o tema, cujo artigo 4º dispõe ser a destinação da receita irrelevante para a qualicação dasobrigações tributárias.

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Finalidade e Fato Gerador das Contribuições

A  nalidade  ou destinação do produto da arrecadação dos tributos,225 embora irrelevante apenas para a qualicação da espécie tributária , ou melhor, darespectiva natureza jurídica especíca , isto é, se imposto, taxa ou contribuição demelhoria (art. 4º do Código Tributário Nacional), não teria qualquer importânciado ponto de vista jurídico-tributário, segundo a doutrina tradicional, pois osinteresses considerados em um momento dito pré-jurídico de concepção ouidealização do tributo pertenceriam à esfera de avaliação política do legisladore o destino dos recursos públicos  se regeria somente pelo Direito Financeiro,ao regular os gastos das verbas públicas , e não pelo Direito Tributário, que selimitaria a regrar a instituição e a arrecadação dos tributos.

Mas o Código não declara que a nalidade é absolutamente irrelevantepara qualicar o tributo como tal. E GIANINNI226 ensinou, no particular, que “ostributos têm três características: devidos a um ente público; fundamentados nopoder de império do Estado; têm a nalidade de prestar os meios para facilitaras necessidades nanceiras do mesmo”, sendo esta última componente referidacomo princípio da destinação pública do tributo.

A vigente Constituição brasileira timbra em acolher a nalidade comofundamento da instituição de contribuições.227

Não é mais suciente a observância do princípio geral da destinação públicado tributo;228 exige-se a obediência à nalidade especíca do interesse públicoque justica a iniciativa legislativa.

Parece-nos que o princípio jurídico da  proporcionalidade condiciona aquelemomento juspolítico de instituição das contribuições; e é ele que permitevericar a sua adequação  aos interesses e  ns  constitucionalmente legítimos esuscetíveis de serem considerados no momento da criação do tributo,229 a permitiro correspondente controle de constitucionalidade.

225 Cf. do Autor, “Espécies de Tributos”, in Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV-Renovar,nº 183, p. 42-55, jan./mar. 1991.

226 In I Concei Fondamentali del Dirio Tributario, apud Nicola D’Amati, Derecho Tributario, Teoria y Critica,cit., p. 21.

227 Essa peculiaridade da nossa Carta Federal foi percebida por NABAIS.  Direito Fiscal e Tutela do Ambiente em Portugal , in TORRES, Heleno T. (coord.) Direito Tributário Ambiental , cit., p. 418 e 429.

228 Gianinni ensinou, no particular, que “os tributos têm três características: devidos a um ente público;fundamentados no poder de império do Estado; têm a nalidade de prestar os meios para facilitaras necessidades nanceiras do mesmo”, sendo esta última componente referida como  princípio dadestinação pública do tributo.

229 A Jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal conrma a orientação estabelecida peloPlenário num caso isolado, em que se declarou a inconstitucionalidade de acréscimo moratório doICM paulista (tido pelo Tribunal como integrante do  produto da arrecadação do imposto a ser, naproporção de 20% do todo, encaminhado aos Municípios (art. 23, § 8º, da Constituição de 1967), porter sido afetado à Santa Casa da Misericórdia; levantada a preliminar de falta de interesse do contri-

 buinte na declaração de inconstitucionalidade porque, mesmo que acolhida, o acréscimo continuariadevido, só que em benefício dos cofres públicos, o Tribunal rejeitou a preliminar, forte no voto do

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Ademais, pelo fato gerador – situação, fato ou conjunto de fatos, tipicadoshipotética e genericamente em lei, que, ocorrendo na vida real, sujeita alguém aopagamento de tributo230 – diferencia-se o tributo das demais prestações pecuniárias

de natureza pública pelas suas características de coerção e independênciaquanto à licitude da conduta do sujeito passivo, ensejando, ademais, ontológicadistinção entre as diversas espécies tributárias.

O fato gerador tem status constitucional, diversamente da base de cálculo,pois a ele e não a esta se refere o Constituinte ao estabelecer a partilha tributária:fá-lo designando os campos de incidência possíveis, que se traduzem pelosrespectivos fatos imponíveis ou geradores (arts. 145, 153, 155 e 156).

Pelo critério do fato gerador, tem-se a tricotomia tradicional queclassifica os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria,231 

Ministro Moreira Alves: “A meu ver, desde que o acréscimo seja criado em lei com destinação especí-ca, que é inconstitucional, a destinação especíca contamina o próprio acréscimo. (...) o estado criouesse acréscimo para atender a uma nalidade que é vedada pela Constituição. Assim, no meu en-tender, se a nalidade é inconstitucional, o acréscimo criado para atender a essa nalidade tambémo será” (RE nº 97.718 - SP, julgado em 24.03.83, ac. unânime, in Revista Trimestral de Jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal, v. 106, pp. 1132-1137, especialmente p. 1135). Essa argumentação éreiterada nos julgamentos de diversos recursos extraordinários nos quais foi declarada a inconsti-tucionalidade da Lei paulista nº 6.556, de 30.11.89, que aumentou em 1% a alíquota do ICMS, comdestinação especíca da majoração de atender a aumento de capital da Caixa Econômica estadual,

para nanciamento de programa habitacional [leADIg case: RE nº 183.906 (Pleno, 18.9.97), publicadono DJU de 30.04.98, ementário 1908-03].230 Cf. art. 114 do CTN. É “o fato, conjunto de fatos ou estado de fato, a que o legislador vincula o nas-

cimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado” (Amílcar Falcão.  Fato Gerador daObrigação Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed., 1977, p. 26.

231 Para uma análise crítica das classicações dos tributos, ver, do Autor, Espécies de Tributos , cit., ondese formulou critério de classicação com base no princípio da capacidade contributiva, tema da tesede Livre Docência, publicada, em 2ª edição, sob o título Direito Tributário - Capacidade Contributiva.Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1998. Pode-se, assim, vislumbrar a existência de duas categorias de tri-

 butos: – tributos fundados na capacidade contributiva  (imposto e contribuição de melhoria) cujos fatosgeradores consistem em situações denotadoras de capacidade contributiva; – tributos graduados pelacapacidade contributiva  (taxas), cujos fatos geradores não se consubstanciam em circunstância reve-

ladora de capacidade contributiva. Os tributos fundados na capacidade contributiva sofrem a inci-dência do princípio já na própria tipicação dos seus fatos geradores e os integra necessariamente(vender mercadoria, ser proprietário de imóvel, obter valorização imobiliária etc.). Essa categoria, amais exuberante do direito tributário, também se gradua por considerações de capacidade contributiva(alíquotas diferenciadas do IPI, progressividade do imposto de renda etc.), em decorrência mesmode ser fundada no princípio. Os tributos graduados pela capacidade contributiva têm como fato ge-rador um fato da administração pública – o serviço público, e não uma manifestação de riqueza docontribuinte; sofrem a incidência do princípio apenas na quanticação da correspondente obrigação(bases de cálculo ou alíquotas variáveis em função de situações subjetivas do contribuinte conexascom o custo dos serviços públicos sujeitos às taxas, como a área de estabelecimento do contribuintesujeito à licença de localização ou inspeção, o número de cômodos de imóvel residencial do contri-

 buinte destinatário de coleta de lixo ou esgoto domiciliar, a natureza das causas judiciais, a sostica-ção de equipamentos sujeitos a registro etc.). A classicação proposta é compatível com a tricotomiaadotada pela Constituição Federal, parecendo que, na verdade, como se disse, ela é esclarecedoraou reveladora das próprias virtudes desta última. É compatível também com a extrascalidade por-que a esta se aplica o princípio da capacidade contributiva, conforme demonstrado no livro DireitoTributário - Capacidade Contributiva , cit., p. 115-121. No mesmo sentido, García Belsúnce assevera que

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adotada no Brasil.232  Pensamos que essa tricotomia é ainda o grande nortede classificação dos tributos, pois que baseada em critério tipicamente jurídico e científico, qual seja o da situação cogitada pelo Legislador ao

instituí-los e que faz surgir o dever fundamental de pagá-los. E não se vêem Doutrina, até o momento, uma abertura para se considerarem, esta ouaquela contribuição, algo ontologicamente diverso de um imposto ou umataxa com receita afetada a um fim predeterminado.

Como acima exposto, as contribuições parascais são verdadeirosimpostos ou taxas afetados(as), porque, instituídos em lei (comfundamento no poder tributário primário, legislativo, consubstancial àspessoas políticas), têm fatos geradores próprios de uns ou de outras, com apeculiaridade de terem destinação especíca, porque afetados à nalidadedos respectivos entes arrecadadores (titulares de poder tributário derivado,isto é, de arrecadação e scalização).

Se ao fato gerador das contribuições não estiver vinculada umaatuação estatal especíca diretamente referida ao contribuinte,233  teremosuma contribuição com fato gerador de imposto (como o são as contribuiçõesprevidenciárias patronais e as ao FGTS), isto é, um verdadeiro imposto,como o é, também por exemplo, a CIDE-combustíveis; se o fato gerador

estiver, porém, vinculado a um serviço público especíco e divisívelprestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, então, teremos umacontribuição com fato gerador de taxa (como é o caso da contribuiçãopatronal denominada “seguro de acidentes de trabalho” e da contribuiçãoprevidenciária dos “segurados” da Previdência), isto é, uma verdadeirataxa.

Contemplando-se a jurisprudência do STF que vê nas contribuições algodiferente de imposto ou taxa e que não exige a afetação da respectiva arrecadação

“as preferências tributárias só se legitimam se, além de adequar-se ao princípio da capacidade contributiva ,se fundamentarem na necessidade ou conveniência de atender a propósitos de interesse nacional queconduzam ao bem-estar geral” (in Temas de Derecho Tributario , Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1982, p.99).

232 A Emenda Constitucional nº 18, de 1965, e o Código Tributário Nacional, de 1966, adotaram a classi-cação tricotômica dos tributos, no que foram acompanhados pela Constituição Federal de 1988 (art.145): imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualqueratividade estatal especíca relativa ao contribuinte (art. 16 do CTN); taxa , é a espécie tributária cujofato gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviçopúblico especíco e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição (art. 77); e contri-

buição de melhoria , é o tributo que tem por fato gerador a valorização imobiliária decorrente de obrapública, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valorque da obra resulta para cada imóvel beneciado (art. 81).

233 Além de cienticamente equivocada, a exigência de uma referibilidade meramente indireta, via gru-po, não é atendida necessariamente na prática legislativa.

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a uma determinada entidade paraestatal, ainda assim, e talvez com maiorrazão, é de se perguntar: onde, então, estará a distinção jurídico-tributária dascontribuições em face dos impostos e taxas? E qual a ecácia prática do seu

eventual critério distintivo?A resposta está na  nalidade234  das primeiras que é, pela sua destinação

especíca, vinculada ao fato gerador! Não basta para a instituição das contribuições,como não basta para a instituição de empréstimos compulsórios, a simplesdestinação pública genérica do tributo a que aludiu A. D. GIANINNI. Énecessária a destinação especíca desejada pela Constituição ao permitir que elessejam instituídos.

É interessante notar que nesses dois casos a Constituição positivou avinculação da justicativa da instituição de empréstimos compulsórios (aplicaçãovinculada à despesa que fundamentou sua instituição - art. 148, parágrafo único) ede contribuições (como instrumento de ação nas respectivas áreas - art. 149).

Cabe neste ponto lembrar a opinião de WERTHER BOTELHO,235  paraquem “os ingressos são a medida dos gastos”, e, especicamente em matériade contribuições, a arrecadação “não integra livremente o orçamento scal daUnião, estando diretamente vinculado a orçamento autônomo ou ainda a fundosou despesas especícas”.

A unicidade do fenômeno nanceiro tem sido realçada pela recente doutrina

espanhola (HERRERA MOLINA236

), com invocado apoio na alemã, em queponticam Tipke e Birk, no sentido da “necessária coordenação entre ingressose gastos públicos”. No escólio de TROTABAS E COTTERET237  “o estudo da scalidade  é complementar ao do direito orçamentário, na medida em que elarepresenta o elemento essencial de equilíbrio orçamentário”. No mesmo sentidoé a clássica lição de GIULIANI FONROUGE,238  que pregou a autonomia doDireito Financeiro exatamente por ter ele um objeto de estudo multifacetado,mas “organicamente indivisível”. E entre nós ALIOMAR BALEEIRO239 consideraque “as relações jurídicas especícas que decorrem da tributação e da despesa , a

234 Permitimo-nos divergir, assim, da respeitável opinião de SACHA CALMON quando procura mini-mizar a importância do nalismo scal em matéria de contribuições, em visão data venia dissociadada história do instituto e de sua positivação no direito constitucional vigente (“Contribuições noDireito Brasileiro”, cit., pp. 463-479, especialmente pp. 473-474.

235 Op. cit., pp. 85-88. Botelho traz, depois, as lições de Rodriguez Bereijo, para quem, nas contribuições,“o gasto público constitui a justicativa imediata e direta do ingresso tributário” e de Miguel Llamas,em cujo magistério as contribuições constituem “um ingresso especialmente obtido para nanciarum gasto, inuindo este sobre aquele, até o ponto de comunicar-lhe, por exemplo, sua possívelilegalidade, ou bem dar origem a que sua falta de execução – ou ilegalidade da mesma – comporte adevolução do correspondente ingresso tributário por faltar os pressupostos legais do mesmo”.

236 Capacidad Económica y Sistema Fiscal. Madrid: Marcial Pons, 1998.237 Droit Fiscal. Paris: Dalloz, 6ª ed., p. 5.238 Derecho Financiero. Buenos Aires: Depalma, 7ª ed., 2001, v. I, p. 42.239 Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 15ª ed. atualizada por Dejalma de

Campos, 2001, p. 34.

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índole especíca do orçamento (…) denem claramente a autonomia do DireitoFinanceiro”.

Ora, essa argumentação enseja, por outro lado, um criterioso controle

constitucional de  proporcionalidade  entre os meios (tributo, seja contribuiçãoparascal, seja empréstimo compulsório) e os ns (destinação especíca), como já tivemos oportunidade de sustentar, em sede de tributação extrascal, nonosso Direito Tributário e Meio Ambiente.240

Pensamos ser correta a classicação das contribuições parascais comoimposto ou taxa, conforme a doutrina do fato gerador, não transigindo,respeitosamente, com setores do positivismo, ainda que abrandado, quepretendem construir doutrina sobre o texto constitucional pátrio, tantas vezesimperfeito e equivocado, que no caso especial de que nos ocupamos pode induzir

em erro o intérprete, levando-o a confundir nalidade especíca (legitimidadeconcreta) com fundamento de validade (legitimidade abstrata) do tributo in genere e de suas respectivas espécies.

Quando existente, a finalidade específica ou destinação específica dotributo é conexa ou vinculada ao respectivo fato gerador, como um acessório ,na medida em que lhe serve de  justificativa  de instituição, como no casodas contribuições e empréstimos compulsórios (a despesa correspondenteà atuação especial – art. 149 – ou à tarefa excepcional – art. 148, I e II); jáo fundamento de validade do tributo (manifestação de riqueza ou serviçopúblico)  integra  o fato gerador como condição  de criação do tributo. Ouseja, a  finalidade específica  (e só nos referimos a esta, porque a finalidadegenérica dos tributos é a sua destinação pública (A. D. GIANINNI), em nadaauxiliando, pois, invocá-la para distinguir as figuras tributárias) de certostributos é relevante para o Direito Tributário, sim, para colorir ou adjetivar o fato gerador típico , como o faz todo chamado fato gerador acessório em relaçãoao respectivo fato gerador principal (ou típico).

Há exemplos, como no ICMS, cujas alíquotas variam consoante o

destinatário (de destinação ,  fim  visado pela lei) da mercadoria seja ounão contribuinte do imposto, mas não chega a influir substancialmentena natureza jurídica específica do tributo; o que ocorre quando, contra omandamento constitucional, não forem diferenciadas as alíquotas em funçãodo destinatário, é uma inconstitucionalidade por violação do art. 155, § 2º,VII, da Carta Magna, sem dúvida, mas o ICMS em questão não terá deixadode ser essencialmente um imposto, um ICMS, exatamente porque deixoude ser observado apenas um requisito finalístico de legitimidade específica ouconcreta. Recorra-se a AMÍLCAR FALCÃO:241

240 Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1995, pp. 79-122.241 Fato Gerador da Obrigação Tributária , op. cit. , p. 132.

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“O fato gerador típico ( faispecie tipica) dá lugar ao nascimento da obrigaçãotributária; é o pressuposto relevante para a produção desse efeito jurídico.Todavia, em algumas hipótese, tal efeito variará ou se modicará, pela

presença de um fato auxiliar ou subsidiário ( fato aggiuntivo), como podeser o caso da destinação de bens em matéria de imposto de importação ouconsumo, do emprego do rendimento em matéria de imposto de renda, dadestinação de imóveis, edicados ou não, em matéria de impostos prediale territorial ou do imposto sobre o lucro obtido por pessoas físicas naalienação de propriedades imobiliárias etc.; é o que designamos como fatogerador complementar ou acessório”.

Vê-se, assim, que a destinação especíca das contribuições parascais242 

qualica juridicamente esses tributos ,243 integrando-se aos respectivos fatos geradores principais , como fato gerador acessório.  A nalidade especíca se agura,assim, verdadeira condição de legitimidade concreta da parascalidade; ou seja, analidade especíca é justicadora da instituição das contribuições parascais.

A destinação dos tributos pode não ser relevante para denir a sua particularnatureza jurídica, mas o é, absolutamente, sim,  para legitimá-los concretamenteem certos casos quando a ordem jurídica se socorre deles para perseguirdeterminado m (como é o caso das contribuições e empréstimos compulsórios).Tal condicionamento parece mais intenso no caso das contribuições porque aConstituição indica o valor  (dignidade da pessoa humana, desenvolvimento,igualdade de oportunidade, seriedade do trabalho) por ela especialmentetutelado, a tarefa  a ser empreendida (assistência social, intervenção na ordemeconômica, scalização de prossões) e a fonte de custeio (contribuição).

Finalidade, Tredestinação e Inconstitucionalidade

A consequência inarredável da inserção da nalidade na gênese do fato gerador

das contribuições é a vedação à tredestinação, a proibição do desvio de nalidade.

MIZABEL DERZI244entende que

“O contribuinte pode opor-se à cobrança de contribuição que não esteja afetadaaos ns  constitucionalmente admitidos; igualmente poderá reclamar

242 E a restituição dos empréstimos compulsórios que, segundo Amílcar Falcão, é uma forma especial dedestinação especíca (Natureza Jurídica do Empréstimo Compulsório , Rio de Janeiro: UERJ, ed. mimeo-grafada, 1966).

243 Contra: Heleno Taveira Tôrres. “Das relações entre competências constitucionais tributária e ambiental – oslimites dos chamados tributos ambientais”, in Direito Tributário Ambiental (Tôrres, Heleno, coord.). SãoPaulo: Malheiros, 2005, p. 149.

244 Nota de atualização às Limitações de BALEEIRO, Rio de Janeiro: Forense, 7ª edição, 1997, pp. 598-599.

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a repetição do tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto à aplicaçãodos recursos arrecadados. É que, diferentemente da solidariedade difusa aopagamento de impostos, a Constituição prevê a solidariedade do contribuinte

no pagamento de contribuições e empréstimos compulsórios e a conseqüentefaculdade outorgada à União de instituí-los, de forma direcionada e vinculada a certos gastos. Inexistente o gasto ou desviado o produto arrecadado  paraoutras nalidades não autorizadas na Constituição, cai a competência do entetributante para legislar e arrecadar”.

LOBO TORRES245 subscreve a tese, nos seguintes termos:

“O princípio da solidariedade, de dimensão constitucional, vincula a

cobrança das contribuições sociais, que passam a exibir natureza causal. Senão houver os laços de solidariedade entre os que pagam o ingresso e os querecebem o benefício estatal e, conseguintemente, se inexistir a contraprestaçãoestatal em favor do grupo, será inconstitucional a cobrança da contribuição social ,exceto naqueles casos previstos na própria Constituição, em que incidesobre o faturamento, o lucro e a movimentação nanceira, adquirindo anatureza de ‘imposto com destinação especial’”.

Embora fundamentalmente de acordo com essas doutas lições, isto é,no sentido de que a tredestinação das contribuições é inconstitucional e podeprovocar o indébito tributário, penso caberem aqui certos aclaramentos, querepresentam uma evolução do pensamento exposto em anterior trabalho.246

  É que a questão comporta algumas variáveis: desde a tredestinaçãonormativa à tredestinação administrativa, há que se explorar um leque dealternativas, com soluções diversas.

A primeira situação é a de a lei tributária expressamente determinar o empregodos recursos provenientes da cobrança de certa contribuição em uma  nalidade 

diversa da constitucionalmente assentada. Nesse caso, parece evidente que a leiserá inconstitucional por dispor em sentido contrário ao preconizado na fontehierarquicamente superior, o que dispensa maiores considerações. O tributo aquiserá claramente indevido por ruptura do fato gerador acessório. Essa solução encontra-se em simetria com a jurisprudência do STF,247 que tem invalidado tentativas deafetação de impostos, proibida pela Constituição (art. 167, IV). Se a nalidade éinconstitucional, o tributo é inconstitucional.

245 Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Valores e Princípios Constitucionais Tributários Riode Janeiro: Ed. Renovar, 2005, v. II, p. 586.

246 Cf. o nosso “Contribuições Parascais, Finalidade e Fato Gerador”. Revista Dialética de Direito Tributário.São Paulo: Ed. Dialética, 2001, v. 73, pp. 50-65.

247 RE nº 97.718 - SP, julgado em 24.03.83, ac. unânime, in  Revista Trimestral de Jurisprudência doSupremo Tribunal Federal, v. 106, pp. 1132-1137, especialmente p. 1135.

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A segunda possibilidade é a de a lei tributária omitir-se quanto à afetação da receita da contribuição. Nesse caso, deve-se considerar que o mandatoconstitucional permanece intacto, dando-se pela adequação da lei à

Constituição quer face à presunção de legitimidade dos atos do Poder Público,quer porque, sendo o ditame constitucional cogente autoaplicável, incide eledireta e imediatamente sobre o preceito legal; em qualquer caso, a solução seráa da interpretação conforme que se imporá exatamente em função das citadaspresunção e autoaplicabilidade.

 A terceira hipótese – ou sub-hipótese da anterior, é a de regulamento , naomissão da lei , determinar o emprego dos recursos provenientes da cobrançada contribuição numa  nalidade diversa  da constitucionalmente assentada.Exsurge aqui que o ato normativo regulamentar será inconstitucional, quer por

dispor em sentido contrário ao expressamente preconizado na Constituição,quer por regulamentar contrariamente ao sentido possível da lei, consoante interpretação conforme , como exposto. Cremos que se verica, então, a nulidade do regulamento por infração ao princípio da hierarquia das fontes e ao princípioda separação de poderes;  permanece válido o tributo , mas o ato administrativonormativo, inconstitucional, deve ser assim declarado judicialmente pararecomposição formal da ordem jurídica e para ressalva de procedimentodos agentes do Fisco e dos Contribuintes, já que os primeiros, funcionáriospúblicos, não se sujeitam ao cumprimento de ordem inconstitucional, e os

sujeitos passivos tributários não estão jungidos a fonte normativa secundária,expondo-se o expedidor de tal pseudo ato regulamentar à responsabilidadepolítica (Chefe do Executivo e/ou Ministro de Estado) ou funcional (demaisautoridades administrativas), como for o caso.

Se a lei houver indicado a destinação correta e o regulamento a contradisser,ter-se-á o caso típico de agrante ilegalidade do ato regulamentar , a ser proclamadaem Juízo, mantida a validade do tributo , com as mesmas consequênciassancionatórias acima. Cremos que, como na hipótese anterior, e sob pena deinversão de valores, há que se dar, também aqui, precedência hierárquica à lei

(aliás, in casu , coerente com o mandato constitucional), a qual, em função dahierarquia das fontes jurídicas e do princípio da separação dos poderes, nãopode ser contrariada por ato administrativo destinado à sua el execução. Assim, a solução não pode ser a nulidade da lei (válida) em função de um regulamentonulo ter sido expedido, mas a prevalência da ordem legítima da lei (pagamentode contribuição) e o concomitante reconhecimento do vício regulamentar;nulo que é, tal regulamento não tem vigência e muito menos ecácia, menosainda a ecácia especíca de proceder a uma tredestinação ilegal e, antes,inconstitucional; incide o expedidor do regulamento ilegal nas mesmas sanções

político-jurídicas antes indicadas.A quarta situação é a de a lei orçamentária não proceder à correta destinação

da verba arrecadada, que, consequentemente, estará sendo alocada a despesadiversa daquela compatível com a Constituição. Para a doutrina majoritária, o

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orçamento tem natureza jurídica formal de lei (ato expedido pelo Legislativo),embora, no plano material, se classique como ato administrativo (determinaçãode organização do Erário). Considerando que a função legislativa se dá, por

denição, no plano normativo e que aquela determinação de execução do planode governo não deixa de congurar uma norma de comportamento pela qual há dese pautar a Administração, sendo certo que na atual Constituição o Legislativoassumiu prerrogativas de ascendência clara248 sobre a vontade do Executivo emtema de orçamento, tem-se que a lei orçamentária atua integrada no plano normativo em que está posta a lei tributária que institui a contribuição, devendo observar-se o mandato constitucional, isto é, a destinação especíca das contribuições.

Nessa conformidade, pensamos que a tredestinação orçamentária dascontribuições rompe com o fato gerador acessório e  provoca o respectivo indébito

tributário.Uma sub-hipótese a considerar é a de, malgrado a lei tributária e a lei

orçamentária acolherem a destinação especíca da contribuição, os regulamentos de execução orçamentária disporem em sentido contrário  à nalidadeconstitucional. Nesse caso, reportamo-nos às situações antes referidas deilegalidade e nulidade regulamentar e suas consequências.

A Jurisprudência do STF e as Perspectivas de Combate à

Fraude ConstitucionalO STF considerou que a tredestinação das contribuições estaria sujeita a

comprovação e apreciação apenas em ação de responsabilidade por desvio deverbas públicas (RE 138.824-CE, Velloso), o que data venia gerou frustração nomundo jurídico nacional. Mais recentemente, ao julgar a ADI nº 2.925-DF, 249 aSuprema Corte estabeleceu interpretação conforme a Constituição em situaçãode risco de tredestinação normativa pela via da lei orçamentária, nos seguintestermos:

“Lei orçamentária – Contribuição de intervenção no domínio econômico– importação e comercialização de petróleo e derivados, gás natural ederivados e álcool combustível – CIDE – destinação – Artigo 177, § 4º, daConstituição Federal. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentárianº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito

248 Art. 165, II, e § 2º. Diverso era o regime constitucional anterior em que o Legislativo, segundo inter-pretação do Plenário do STF, no julgamento da Representação nº 877-SP, nem teria a prerrogativa derejeitar a proposta de lei orçamentária, a qual, assim, não devolvida para sanção, era de ser conside-rada promulgada como lei (art. 66, parte nal, da Constituição de 1967 com a redação da Emenda nº1, de 1969). Cf. Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 63, p. 14 e seguintes).

249 Rel. orig. Ministra Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgada em 19 de dezembrode 2003.

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suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir dodisposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a naturezaexaustiva das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso II do citado parágrafo. (...)

O Tribunal, por maioria de votos, julgou procedente em parte a açãopara dar interpretação conforme a Constituição, no sentido de que aabertura de crédito suplementar deve ser destinada às três nalidadesenumeradas no artigo 177, § 4º, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c”, da CartaFederal...” – grifa-se.

Quatro Ministros, vencidos, julgavam improcedente o pedido, porentenderem que a limitação decorrente do contingenciamento de recursosimposta na Lei nº 10.640/2003 não importou em desvio de nalidade ou ofensa à

Constituição, inclusive em face da previsão expressa nela contida, no sentido danecessidade de observância do disposto no parágrafo único do art. 8º da Lei deResponsabilidade Fiscal – segundo o qual os recursos vinculados a nalidadesespecícas serão exclusivamente para atender o objeto de sua vinculação, aindaque em exercícios posteriores.

Embora o precedente seja louvável, vemo-lo ainda como insuciente paraconter a notória250  tredestinação de verbas afetadas das contribuições no País,máxime quando vários Ministros do STF consideraram que o Governo não estáobrigado a gastar todo o produto da arrecadação vinculada pela Constituição;

somente estaria compelido a não despender o produto da arrecadação mencionadaem outras despesas que não as decorrentes da nalidade constitucionalmenteassinalada.

Parece, pois, insuciente a interpretação conforme da lei orçamentária,levada a efeito pelo STF, pois ela não impede a fraude constitucional na cobrançadaquilo que já se sabe tredestinado.

A arrecadação continua tredestinada pelo seu contingenciamento no anosubsequente ao em que ele se dá por primeiro: ao nal da execução orçamentáriacontingenciada os valores assim represados não são recuperados para gasto

vinculado futuro! Não há recondução da verba orçamentária não consumida!,como inexiste recondução orçamentária, preliminarmente.

No ambiente de imoralidade scal que assola o País,251 em que por EmendasConstitucionais,252 ditas transitórias, desde 1994, se desviam recursos afetadospela parte permanente da Constituição (como são as do Fundo Social de

250 “Como cidadão, penso que o Governo deveria, de há muito, estar gastando a CIDE na manutençãodas nossas rodovias, que estão acabando.” (do voto do Ministro Carlos Velloso às s. 175 dos autosda ADI 2.925-DF).

251 Cf. nosso  As Contribuições Parascais no Sistema Tributário Nacional e a Moralidade Fiscal , in EstudosTributários (Rezende, Condorcet, coord.). Rio de Janeiro: Ed. Renovar, pp. 301-321.

252 Cf. do Autor,  A Previdência Social Pública e Privada, as suas Inter-relações e o Custeio. in RevistaInternacional de Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey / ABRADT, jul/dez, 2004, v. 1, n. 2, pp. 34-42; e O Sistema Tributário Nacional e o Princípio da Capacidade Contributiva. Os Direitos Fundamentais e

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Emergência, do Fundo de Estabilização Fiscal e da DRU - Desvinculação deRecursos da União, inclusive de PIS-COFINS à Previdência), o que se deve procuraré um meio legítimo de conter a continuada cobrança espúria da contribuição tredestinada

em exercícios anteriores , até que se dê a comprovação do gasto constitucionalmentepreconizado.

Por outro lado, critique-se a interpretação corrente no Direito Financeiro brasileiro de trazer o orçamento meras autorizações de despesas, deixando asua realização efetiva a uma decisão política do Executivo. O orçamento seriaautorizativo e não impositivo.

Ora, além de esse entendimento representar uma fraude ao princípio doequilíbrio orçamentário em conjunção com o princípio da transparência dascontas públicas, ensejando a caricatura vernacular conhecida como orçamento- cção , essa funesta praxe exegética não se pode aplicar ao produto da arrecadaçãode contribuições.

Do contrário, a supremacia constitucional e o projeto de desenvolvimentodecorrente da Carta Magna seriam letra morta e ver-se-iam submetidos à vontadepolítica circunstancial do Executivo, que, assim, por via transversa, burlaria adeterminação de gasto decorrente diretamente da Constituição, empreendendona prática uma não vinculação de fato da receita vinculada.253

Essa última vertente do problema, de natureza nanceiro-orçamentária,

escapa às lindes deste ensaio, mas parece ser complementar à investigação dedireito impositivo, haja vista, reitere-se, a unicidade do fenômeno nanceiro e anecessidade de se estabelecer um novo balanço scal , no qual convivam o tributárioe o nanceiro em harmonia mutuamente respeitosa: onde o tributário justo não seja subserviente ao nanceiro sem controle.

 

as Emendas Constitucionais Tributárias, in Revista Direito em Foco . Rio de Janeiro/Niterói: Eds. Justiça eCidadania & Impetus, 2006, pp. 15-29.

253 Recomenda-se a leitura da íntegra do acórdão do STF no julgamento da ação de direta de incons-titucionalidade nº 2.925-DF em que aora a perplexidade dos Senhores Ministros diante do queconsideram ser um ato político do Executivo a decisão de gastar ou não, integralmente, o produtoda arrecadação de tributos vinculados (no caso a CIDE-combustíveis): “... precisamos partir, a m deevitar controvérsias futuras, para a interpretação conforme e proclamar que não pode haver a utili-zação, como crédito suplementar, dessa rubrica que tem destinação peremptória, categórica, em tex-to exaustivo da Carta da República” (Min. Marco Aurélio); “impressiona-me o argumento quanto àpossibilidade de negar-se aplicação, e de forma reiterada, a recursos que são obtidos mediante estritavinculação” (Min. Gilmar Mendes); “está-me criando uma dúvida, ao dizer que não se pode gastar oexcesso de arrecadação, salvo com autorização da Lei Orçamentária. V. Exa. estaria sustentando quea Lei Orçamentária possa obstar a ecácia da norma constitucional, que prescreve devam os recursosser aplicados)” (Min. Cezar Peluso) Lamentavelmente, porém, o Plenário se posicionou no sentidode não reconhecer obrigatoriedade àquele dispêndio, por depender de deliberação orçamentária oude outra natureza legislativa, mesmo quando pré-determinada a nalidade na Constituição (“Ele [oGoverno] pode não aplicar, mas apenas se por ato político não o queira fazer” (Min. Cezar Peluso);“não estou mandando o Governo gastar. A realização de despesas depende de políticas públicas”(Min. Carlos Velloso).

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Preservação da Supremacia Constitucional

Sem prejuízo da censura que possa fazer à timidez da Jurisprudência

nanceira do Supremo Tribunal, quanto ao caráter não impositivo dogasto público, põe-se à consideração do jurista a análise de uma alternativatributária que enseje o controle jurisdicional da legitimidade do lançamento decontribuições, cuja arrecadação se tredestine na prática.

Trata-se de considerar implícita no mandato constitucional uma condiçãomaterial de ecácia da lei tributária que cria uma certa contribuição, impedindosua cobrança tanto que se verique a tredestinação, isto é, ao nal do primeiroexercício em que ela se apresentar. A cobrança  só poderá ser retomada após ademonstração do gasto  dos recursos ab initio  arrecadados conforme o cânonconstitucional.

 Ora, já se dá consequência tranquila à regra constitucional da anterioridadetributária254 (que o STF elevou ao status de direito individual objeto de cláusulapétrea), como condição temporal de ecácia da lei que cria ou aumenta tributo.

Essa também era a solução preconizada255 no caso de violação do princípioda anualidade tributária na vigência das Constituições de 1946 e 1967.

Entendemos que, em sede de tredestinação, deve-se reconhecer que a lei perde a sua ecácia até que a Constituição, com base na qual ela foi editada, volte a

ser respeitada. Dá-se, assim, efetividade ao princípio da supremacia constitucional,apanágio do Estado de Direito.Essa solução pode ser estendida às demais situações em que

comprovadamente se dê a tredestinação: contribuição  vigente mas inecaz ,temporariamente.

De certa forma a solução preconizada está simetricamente positivada naLei nº 10.336,256 de 19.12.2001, que trata da CIDE-combustíveis, onde se lê que:

“Art. 1º-A ...

§ 1º Os recursos serão distribuídos pela União aos Estados e ao Distrito Federal(...) mediante crédito em conta vinculada aberta para essa nalidade......§ 7º. Os Estados e o Distrito Federal deverão encaminhar (...) proposta deprograma de trabalho para utilização dos recursos (...)

254 ADI 939-7, julgada em 15.12.1993.255 Por todos, Flávio Bauer Novelli, O Princípio da Anualidade Tributária, in Revista Forense. Rio de Janeiro:

Forense, v. 267, pp. 75-94, especialmente a p. 89: “...como operam as normas constitucionais em que setraduzem os princípios da anterioridade e da anualidade e quais os seus limites. (...) tais princípios nãoafetam, propriamente, a vigência da lei (...) mas de suspensão inicial ou superveniente da ecácia , de que avigência e a execução (ou aplicação) constituem, respectivamente, momento anterior e posterior”. 

256 Com a redação determinada pela Lei nº 10.886, de 4.05.2004.

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...§ 10. Os saques das contas vinculadas referidas no § 1º cam condicionadosà inclusão das receitas e à previsão de despesas na lei orçamentária estadual

(...)...§ 13. No caso de descumprimento do programa de trabalho a que se refere o §7º deste artigo, o Poder Executivo federal poderá determinar à instituiçãonanceira (...) a suspensão do saque dos valores da conta vinculada (...)” –grifa-se.

De igual modo, deve-se entender suspenso o saque estatal sobre o contribuinte,

inviabilizando-se lançamento tributário quando se der o descumprimentodo programa constitucional, expresso na vinculação da contribuição à suadestinação especíca. Suspende-se a ecácia da norma de tributação econsequentemente o exercício da pretensão estatal ao tributo enquanto perdurara situação de inadimplência por força da tredestinação que frauda a nalidadeconstitucionalmente assentada.

E o nosso aniversariante Código Tributário Nacional, que nos artigos 83a 95 tratou originariamente da distribuição da arrecadação de impostos, bempoderia ser aperfeiçoado para o m de positivar a sugestão que ora se ofereceà consideração da Doutrina. Ter-se-ia então um sinal dos tempos: tempos decolaboração entre o tributário e o nanceiro na determinada busca da Moralidadee do Equilíbrio scal.

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A C A  CTN A D RE º .-

Sergio André RochaMestre e Doutor em Direito pela UGF.

Professor de Direito Tributário da Faculdade deDireito da FGV-Rio.

Advogado.

Sumário: 1. Introdução. 2. Do caso objeto do Recurso Extraordinário nº 229.096-0. 3. Aquestão da desoneração de tributos estaduais, distritais e municipais por intermédio de tratadointernacional. 4. As referências ao artigo 98 do CTN. 5. Comentários sobre a decisão proferida no

Recurso Extraordinário nº 229.096-0. 6. Conclusão

1. Introdução

Duas questões relacionadas aos efeitos dos tratados internacionaistributários foram objeto de manifestação do Supremo Tribunal Federal no anopassado, nos autos do Recurso Extraordinário nº 229.096-0 (publicação no Diário

da Justiça em 11 de abril de 2008): (a) a possibilidade jurídica da celebração detratado internacional dispensando o pagamento de tributos estaduais, distritaise municipais; e (b) a compatibilidade constitucional do artigo 98 do CódigoTributário Nacional.257 

Em relação ao primeiro dos temas mencionados, a referida decisão pareceter posto m à divergência que ainda polarizava os especialistas, tendo o Plenárioda Suprema Corte manifestado entendimento no sentido de que “no direitointernacional apenas a República Federativa do Brasil tem competência pararmar tratados (art. 52, § 2º, da Constituição da República), dela não dispondo

257 Eis a ementa da decisão: “DIREITO TRIBUTÁRIO. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA DE 1988 DO ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO. ISENÇÃO DE TRIBUTOESTADUAL PREVISTA EM TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELA REPÚBLICAFEDERATIVA DO BRASIL. ARTIGO 151, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.ARTIGO 98 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ISENÇÃOHETERÔNOMA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A isenção de tri-

 butos estaduais prevista no Acordo Geral de Tarifas e Comércio para as mercadorias importadasdos países signatários quando o similar nacional tiver o mesmo benefício foi recepcionada pelaConstituição da República de 1988. 2. O artigo 98 do Código Tributário Nacional ‘possui caráternacional, com ecácia para a União, os Estados e os Municípios’ (voto do eminente Ministro IlmarGalvão). 3. No direito internacional apenas a República Federativa do Brasil tem competência pararmar tratados (art. 52, § 2º, da Constituição da República), dela não dispondo a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presidente da República não subscreve tratados como Chefe deGoverno, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma,vedada pelo art. 151, inc. III, da Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.”

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a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presidente da República nãosubscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o quedescaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151,

inc. III, da Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido”.No que se refere ao segundo tema, vale a pena examinar os impactos da

decisão acima sobre a controvérsia relacionada à constitucionalidade do artigo98 do CTN, já que tal aspecto não era objeto da demanda apresentada ao Poder Judiciário, tendo aparecido como fundamento do voto do Ministro Ilmar Galvão.Há que se cogitar aqui dos debates envolvendo os efeitos da ratio decidendi dasdecisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

O objetivo deste breve artigo, portanto, consiste na análise da decisão do

Recurso Extraordinário nº 229.096-0, buscando esclarecer os seus reexos sobreos dois temas acima delineados.

2. Do caso objeto do Recurso Extraordinário nº 229.096-0

O caso submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal cuidavada validade de isenção do ICMS na importação de mercadoria por empresa brasileira, em decorrência de o Brasil ser signatário do GATT (Acordo Geral de

Tarifas e Comércio),258

 sempre que isenta similar nacional. Discutia-se, portanto, apossibilidade de tratado internacional estabelecer uma desoneração do impostoestadual.

3. A questão da desoneração de tributos estaduais,distritais e municipais por intermédio de tratadointernacional

Como se sabe, à época em que vigia a Constituição Federal de 1969 haviaprevisão expressa deferindo à União Federal a atribuição para estabelecerisenções de impostos de competência de outros entes federativos, por intermédiode lei complementar, com vistas ao atendimento de relevante interesse social oueconômico (artigo 19, § 2º).

A Constituição Federal de 1988 não trouxe norma nesse sentido. Aocontrário, determinou expressamente, no inciso III de seu artigo 151, ser vedadoà União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito

Federal ou dos Municípios”.

258 Sobre o GATT, ver: PIRES, Adilson Rodrigues. Práticas Abusivas no Comércio Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 33-53.

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Assim sendo, tem-se que a Constituição Federal vigente afastou,expressamente, a possibilidade da concessão das chamadas isenções heterônomas por parte da União Federal.

Nada obstante, a despeito da redação do inciso III do artigo 151 daConstituição Federal, há bastante tempo a doutrina majoritária levantou-se em defesa da constitucionalidade da concessão, pela União Federal, comorepresentante do Estado Brasileiro, de desoneração de tributo estadual, distritalou municipal por meio de tratado internacional.

Nosso entendimento a respeito da presente matéria ia na contramão dadoutrina dominante,259 sendo no sentido de que a Constituição Federal veda apossibilidade da União Federal conceder isenções heterônomas, seja por meio deleis internas (leis nacionais), seja por meio de normas de Direito Internacional,

devendo-se interpretar o inciso III do artigo 151 da Constituição Federal comoregra que estabelece a competência exclusiva dos Estados, Distrito Federal eMunicípios para estabelecerem isenções de tributos de sua competência. Amatéria em tela, como visto, era o objeto do julgamento do Recurso Extraordinárionº 229.096-0.

O fundamento principal da decisão proferida pelo Supremo TribunalFederal é encontrado no voto do Ministro Ilmar Galvão, relator do acórdão,tendo como ponto de partida uma vinculação entre o artigo 98 do CTN e apossibilidade de concessão de isenção de tributos de todos os entes federativospor meio de tratado internacional.

Com efeito, o argumento inaugural do voto em comento é a aplicabilidadedo artigo 98 a todos os entes tributantes, em razão da sua inserção no diplomaque encarta as normas gerais sobre Direito Tributário. Nas palavras de IlmarGalvão, “a regra do art. 98 do CTN, o que fez foi estabelecer, na forma previstana Constituição, norma geral, para observância por todos os entes federativos.Constitui, por igual, lei nacional”.

Da leitura do voto depreende-se que a nalidade do Ministro era sustentar

que a regra do artigo 98 do CTN atribuía igualmente aos tratados tributárioso caráter de norma nacional, o que suportaria o entendimento quanto àpossibilidade da desoneração, via tratado, de tributos estaduais, distritais emunicipais. Nas suas palavras, “em verdade, se lei de caráter nacional estabeleceua proeminência dos tratados de natureza tributária sobre as leis, abstração feitade sua origem federal, estadual ou municipal, neles reconheceu o caráter, porigual, de fonte normativa nacional, aliás, em consonância com o conceito de que

259 Sobre o tema, com referência aos defensores de ambas correntes doutrinárias sobre a matéria, ver:SILVA, Sergio André R. G. da. Possibilidade Jurídica da Concessão de Isenções de Tributos Estaduaise Municipais por Intermédio de Tratado Internacional. Revista Dialética de Direito Tributário , SãoPaulo, n. 113, fev. 2005, p. 116-125. Para uma análise da história do artigo 98, ver: ROCHA, SergioAndré. Gênese histórica do artigo 98 do Código Tributário Nacional. Revista de Direito TributárioInternacional , São Paulo, n. 12, ago. 2009, p. 215-222.

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o Estado Federal, ou a Nação, é pessoa soberana de direito público internacional,que atua, juntamente com os demais Estados soberanos, no palco do direito dasgentes [...]”.

Seguindo essa linha de raciocínio, conclui o Ministro Ilmar Galvão que“a visualização do fenômeno jurídico dos tratados sobre esse prisma conduzà conclusão, inafastável, de que o tratado que dispõe sobre isenção tributária,como o de que tratam os autos – o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) –não ofende a norma do art. 151, III, da Constituição, segundo a qual ‘é vedado àUnião: [...] III – instituir tributos da competência dos Estados, do Distrito Federale dos Municípios’”.

O Ministro Sepúlveda Pertence, em voto-vista, seguiu parcialmente osargumentos jurídicos apresentados pelo Ministro Ilmar Galvão, deles divergindoapenas para sustentar que a legitimidade da desoneração de tributos de todosos entes tributantes por meio de tratado internacional não seria legítima emdecorrência da feição de lei nacional de tais veículos normativos, conformesustentado por Galvão, mas porque, em sua visão, seguindo nesse ponto adoutrina de Souto Maior Borges, tal desoneração não conguraria isençãoheterônoma para ns do artigo 151, III, da Constituição Federal.

Outro a se manifestar de forma mais detida sobre a matéria foi o MinistroCelso de Mello que, de certa maneira complementando as razões do Ministro

Ilmar Galvão, fundamentou seu voto no argumento de que à RepúblicaFederativa do Brasil não é aplicável a supracitada regra constitucional, sendoque a União, ao celebrar tratado internacional, seria mera representante daquelaordem total. Segundo o Ministro, “se revela possível, à República Federativa doBrasil, em sua qualidade de sujeito de direito internacional público, concederisenção, em matéria de ICMS, mediante tratado internacional, sem que, ao assimproceder, incida em transgressão ao que dispõe o art. 151, III, da Constituição,pois tal regra constitucional destina-se, em sua ecácia, a vincular, unicamente,a União, enquanto entidade estatal de direito público interno, rigorosamente

paricada, nessa especíca condição institucional, às demais comunidades jurídicas parciais, de dimensão meramente regional e local, como o são osEstados-membros e os Municípios”.

Diante dos comentários acima, é possível armar que os argumentosque fundamentaram a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº229.096-0, no que se refere à possibilidade jurídica da desoneração de tributosestaduais, distritais e municipais por tratado foram os seguintes: (a) os tratadosinternacionais tributários veiculam normas de escopo nacional; (b) o CódigoTributário Nacional assegura a prevalência do tratado sobre as legislações da

União, dos Estados e Municípios; e (c) a proibição de isenção heterônoma érestrição à competência tributária exonerativa da União, como ordem jurídicaparcial, e não como Pessoa Jurídica de Direito Público Externo, onde representaa República Federativa do Brasil.

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4. As referências ao artigo 98 do CTN

De acordo com o disposto no artigo 98 do CTN, “os tratados e as convenções

internacionais revogam ou modicam a legislação tributária interna, e serãoobservados pela que lhes sobrevenha”.

Mais de uma vez nos manifestamos sobre o dispositivo legal em questão,sustentando posição minoritária no sentido da sua incompatibilidade com aConstituição Federal, ao argumento de que seria irrazoável alegar que o CódigoTributário Nacional está complementando a Constituição ao estabelecer umasupremacia dos tratados internacionais sobre o direito interno que não seencontra prevista na Lei Maior.260

Como mencionado, a questão da ecácia do artigo 98 do CTN foi evocada

pelo Ministro Ilmar Galvão como ponto de partida do seu argumento de que ostratados internacionais tributários, em função do disposto neste artigo, teriamo caráter de norma nacional e, portanto, seriam legítimos veículos introdutoresde desonerações de tributos estaduais, distritais e municipais. Para sustentar talentendimento defendeu o Ministro a constitucionalidade do referido artigo doCódigo Tributário. Em suas palavras:

“Diante de conceitos tão nítidos e incontestáveis, resulta possível a armaçãode que o referido art. 98 do CTN, ao proclamar a supremacia dos acordosinternacionais, em torno de matéria tributária, sobre a lei, indistintamente,outra coisa não fez senão explicitar a realidade jurídica, seja, o caráter gerale, pois, nacional dos tratados em matéria tributária, assinalando que nãoexpressam eles ato normativo emanado da União, como mera ordem central,mas da União, ordem total e, como tal, endereçado a todos os brasileiros.”

Somente o Ministro Sepúlveda Pertence tornou a fazer referência aoartigo 98. Ao resumir a manifestação de Ilmar Galvão, destacou que “o em.Relator, Ministro Ilmar Galvão, após armar que o art. 98 do Código TributárioNacional – segundo o qual ‘os tratados e as convenções internacionais revogamou modicam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhessobrevenha’ – foi recebido pela Constituição com status de lei complementare – com fundamento na doutrina de Geraldo Ataliba, Celso Antônio Bandeirade Mello, Sampaio Dória e Paulo Bonavides – tem natureza de lei nacional,concluiu que [...]”.

Após esse breve relato, e antes de expor o seu ponto de divergência,declarou Sepúlveda Pertence que “a fundamentação do voto do em. Ministro

260 Cf. ROCHA, Sergio André. Interpretação dos Tratados Internacionais contra a Dupla Tributação da Renda .Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 35-38; ROCHA, Sergio André, Treaty override no ordenamento

 jurídico brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 76-83. Em ambos os trabalhos fazemos referênciaà vasta doutrina existente sobre a matéria.

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Ilmar Galvão é irrefutável e não pretendo ser redundante no meu voto”, dandoa entender que concordava com a argumentação do Ministro-Relator sobre oartigo 98 do Código Tributário Nacional.

5. Comentários sobre a decisão proferida no RecursoExtraordinário nº 229.096-0

Não é nosso propósito aqui elencar todos os argumentos pelos quaisentendemos que a regra contida no artigo 151, III, da Constituição Federalinibiria a concessão de benefícios scais referentes a tributos estaduais, distritaise municipais por meio de tratado internacional. Isso o zemos em outra

oportunidade (nota 3) de forma que remetemos o leitor aos comentários láapresentados. Também não pretendo aqui retomar todos os fundamentos pelosquais sustentamos a incompatibilidade do artigo 98 com a Constituição Federal,matéria também tratada exaustivamente em outros trabalhos (nota 4). O objetivode nossos comentários é apenas delinear o alcance da decisão proferida peloPlenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº229.096-0.

Em relação à possibilidade da concessão de desonerações dos tributos dequalquer dos entes federativos por intermédio de tratado internacional, cremos

que a decisão em comento não deixa espaço para dúvidas, restando claro oposicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o artigo 151,III, da Constituição Federal não alcança situações em que tal desoneração sejaveiculada em tratado internacional, celebrado pela União como representanteda República Federativa do Brasil na seara internacional.

No que se refere ao artigo 98 do CTN, contudo, tendo em vista que aquestão não era objeto da demanda posta em juízo, tendo aparecido apenascomo fundamento da decisão, parece-nos que a matéria deve ser examinada àluz dos debates quanto aos efeitos das razões de decidir do Supremo Tribunal

Federal.A questão aqui seria denir, primeiramente, se tal matéria congura ratiodecidendi da decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 229.096-0, ou meroobiter dictum , identicando a seguir os seus efeitos, a depender da classicaçãosustentada.

Segundo Patricia Perrone Campos Mello, “o holding  ou ratio decidendi constitui a norma extraída do caso concreto que vincula os tribunais inferiores. Trata-sede uma das noções mais importantes para a orientação com julgados normativose, paradoxalmente, uma das mais controvertidas”.261 Já José Rogério Cruz e Tucci

destaca que a ratio decidendi “constitui a essência da tese jurídica suciente para

261 CAMPOS MELLO, Patrícia Perrone. Precedente: O Desenvolvimento Judicial do Direito noConstitucionalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 118.

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decidir o caso concreto (rule of law). É essa regra de direito (e, jamais, de fato) quevincula os julgamentos futuros inter alia”.262 

A seu turno o obiter dictum seria, nas palavras de Patrícia Perrone, “qualquer

manifestação do Tribunal não necessária à solução do caso concreto , a exemplo deconsiderações marginais efetuadas pela corte, argumentos lançados por um dosmembros do colegiado e não acolhidos ou apreciados pelo órgão, dissensosconstantes de votos divergentes”.263 José Rogério Cruz e Tucci, por sua vez, salientaque a ratio decidendi “como regra necessária à decisão, não se confunde com oobiter dictum , vale dizer, passagem da motivação do julgamento que contémargumentação marginal ou simples opinião, prescindível para o deslinde dacontrovérsia. O obiter dictum , assim considerado, não se presta para ser invocado

como precedente vinculante em caso análogo, mas pode perfeitamente ser referidocomo argumento de persuasão”.264

Aplicando esses conceitos à decisão proferida no Recurso Extraordinário nº229.096-0, cremos poder ser afastada de plano a possibilidade de os fundamentosapresentados pelo Ministro Ilmar Galvão serem considerados mero obiterdictum. De fato, considerando que foi o voto de Galvão que serviu de base parao julgamento da Corte, e que a constitucionalidade do artigo 98 foi o principalponto de apoio desse voto, entendemos que poderia sim ser extraída da decisãoem comento posicionamento do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Nessalinha de ideias, a constitucionalidade do artigo 98 do CTN constituiria ratiodecidendi da decisão do Supremo Tribunal Federal.

Não se pode deixar de ponderar, contudo, que mesmo os efeitos da ratiodecidendi ainda são objeto de debates na doutrina. Socorrendo-nos uma vez maisem Patrícia Perrone Campos Mello, “demonstrados tais pontos, resta responderà questão que os suscitou. Anal, o holding abrange ou não a fundamentação?Ou, em outras palavras, a rationale é dotada de ecácia vinculante? Embora oentendimento majoritário seja no sentido negativo, observa-se que a motivação

é absolutamente essencial para se formular o comando geral que emergirádo precedente e que produzirá a aludida ecácia. Isto porque é nela que seencontram a identicação dos fatos relevantes, a denição da questão de direitoe os debates travados em torno dos dois primeiros elementos. Assim, há umarazoável convergência dos juristas na adoção da conceituação do holding como:a regra explícita ou implicitamente tratada pelo juiz como um passo necessário a atingira decisão, à luz das razões por ele adotadas. Pode-se dizer, portanto, que, ainda que

262 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004, p. 175.

263 CAMPOS MELLO, Patrícia Perrone, Precedente: O Desenvolvimento Judicial do Direito noConstitucionalismo Contemporâneo , 2008, p. 125.

264 CRUZ E TUCCI, José Rogério, Precedente Judicial como Fonte do Direito , 2004, p. 177.

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a fundamentação não seja diretamente vinculante dos casos futuros, é a partirdela que se determinará a norma que lhes será aplicada”.265

Por outro lado, pela análise dos votos proferidos no julgamento em

tela, percebe-se que a questão da constitucionalidade do artigo 98 do CTN não foiexatamente discutida, tendo sido assumida como premissa pelo Ministro Ilmar Galvão.Como tal tema não era objeto do julgamento não podemos ter certeza de que osdemais ministros efetivamente seguem tal entendimento e que o suportariamem eventual julgamento em que o artigo 98 passasse de coadjuvante a atorprincipal, principalmente se levarmos em conta que Ilmar Galvão não compõemais a Corte.

6. Conclusão

Diante das ponderações anteriores, é possível concluir que na decisãoproferida no Recurso Extraordinário nº 229.096-0 o Supremo TribunalFederal pôs m à controvérsia a respeito da compatibilidade constitucionalda desoneração de tributo estadual, distrital ou municipal por intermédio detratado internacional. Embora a constitucionalidade do artigo 98 do CTN possaser identicada como parte da ratio decidendi do julgamento proferido pela Cortenesse caso, podendo-se, dessa feita, identicar ali um critério jurídico para adecisão de casos futuros que versem sobre tal matéria, é importante ter em contaque, de fato, os argumentos pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade doartigo 98 não foram ponderados no julgamento, não se podendo desconsiderarcompletamente a possibilidade de a Corte vir a se posicionar em sentido diversoem julgamento futuro em que a compatibilidade constitucional desse dispositivoseja objeto principal do julgamento.

265 CAMPOS MELLO, Patrícia Perrone, Precedente: O Desenvolvimento Judicial do Direito no Constitucionalistmo Contemporâneo , 2008, p. 124.

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O L C IPTU:C E T STJ

 André Antonio Araújo de MedeirosArtigo apresentado por André Antonio A. de Medeiros,

Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pelaUniversidade Católica do Salvador – UCSAL,

Especialista em Direito Tributário pelo IBET, Professor deDireito Financeiro e Tributário na Faculdade Maurício de

Nassau e de Direito Empresarial na Fac. 2 de Julho.Sócio-fundador de André Medeiros Advogados

Associados em Salvador/BA e integrante do GDT-RIO.

Sumário: 1. Introdução. 2. Regulamentação Jurídico-Tributária da Matéria: 2.1. Perl Constitucional do IPTU; 2.2. “Propriedade” para Fins de IPTU; 2.3 Crítica à Tradicional Distinção Entre Impostos Reais e Pessoais. 3. O Locatário Como Possuidor. 4. Posição Jurisprudencial e 

Doutrinária. 5. Conclusões. 6. Referências Bibliográcas

1. IntroduçãoAs palavras viajam no tempo! A Ciência do Direito, na tentativa de

unicação do discurso jurídico-dogmático, busca entender e facilitar a aplicaçãodas normas jurídicas por meio do renovado exercício hermenêutico em tornodas regras e princípios jurídicos basilares do Ordenamento Jurídico nacional,para tanto, utilizando novos sentidos terminológicos das referidas normas eadequando, por assim dizer, o discurso ocial à realidade hodierna. E, o quepensar, quando o especial exercício hermenêutico confronta dispositivos legaisdo Código Tributário Nacional, diploma normativo que em 2006 completou 40(quarenta) anos de existência, com o atual Direito Econômico e o vigente CódigoCivil brasileiro?

Assim é que o presente estudo procura analisar os efeitos jurídico-tributáriosem torno da possibilidade de o locatário de bens imóveis ser contribuinte doImposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), tributo decompetência municipal, partindo-se do legítimo enquadramento constitucionalem torno do tema.

A escolha deste tema deve-se à crescente interação entre o Direito Tributárioe a Economia, dada a premente necessidade do primeiro, ao estabelecer regrasde conduta entre os indivíduos, de levar em conta os impactos econômicosadvindos de suas normas, assim como pela preocupação da chamada “Análise

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Econômica do Direito”266  em considerar o ambiente normativo no qual osagentes atuam para não correr o risco de chegar a conclusões equivocadas ouimprecisas.

É interessante a aludida abordagem multidisciplinar, em especial porqueenvolve o Direito Econômico, o Direito Tributário, regido pelo Princípioda Legalidade Estrita, e a Economia, com enfoque em um tipo de impostoincidente sobre o secular instituto da propriedade, que passa, atualmente, poruma revisitação histórica em seu conteúdo. Por outro lado, particularmenteno plano metodológico, surge o instigante desao de tal abordagem, porque,como enfatizado por Rachel Sztajn (2005, p. 77), enquanto o Direito ocupa-sede valores (ética e moral), a Economia tem seus parâmetros na maximização deresultados e na eciência.

O CTN, em sua redação original, mostrou-se tímido quanto à interpretaçãoeconômica, o que torna um árduo desao adequar determinadas normas doaludido diploma normativo à atual realidade econômica, sem afastar ou violarseus princípios e regras básicas.

Pois bem. O impacto econômico do IPTU é notório. Em um simplesexercício numérico, o aluguel de um imóvel gera para o locatário um ônus deaté 6% (seis por cento) do valor do imóvel, ao ano. Logo, admitir a participaçãoativa e passiva do locatário na relação jurídico-tributária, antes de tudo, importa

em atribuir uma inegável função social à propriedade, nos termos do quantodisposto na Constituição Federal, lieris:

“Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo PoderPúblico municipal, conforme diretrizes gerais xadas em lei, tem porobjetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade egarantir o bem-estar de seus habitantes.[...]§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no planodiretor.”

Resta inegável que o IPTU (e sua progressividade de alíquotas) representaum dos principais instrumentos de ordenação social das cidades, mister emrazão da recente regulamentação de sua progressividade no tempo por meio daLei nº 10.257/2001, conhecida como “Estatuto das Cidades”.

Analisar, portanto, as reais implicações tributárias e econômicas do aludido

imposto é tarefa primordial, principalmente para quem assume, na maior partedas vezes, o seu real encargo nanceiro: o locatário.

266 Ver JANSEN, Letácio. Introdução à Economia Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

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2. Regulamentação Jurídico-Tributária da Matéria

2.1. Perl Constitucional do IPTUO IPTU nem sempre esteve inserido na competência tributária dos

municípios, tendo em vista que a Constituição de 1891 o situava expressamentena competência dos Estados (art. 9º, item 2º), oportunidade em que surgira comotributo municipal a partir do Texto Maior de 1934, mas na modalidade de doisimpostos distintos, sendo um o imposto predial , e o outro, o territorial urbano.

Apenas com o advento da Constituição de 1946 houve a unicação do referidoimposto em um só, passando a chamar-se Imposto Predial e Territorial Urbano,

de plena competência dos Municípios, consoante artigo 29, inciso I, dessa CartaMagna. A atual competência constitucional para criação do IPTU encontra-seencartada no artigo 156, inciso I, da Constituição Federal: “Art. 156 - Compete aosMunicípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana.”

A competência tributária, assim, corresponde à medida de poder concedidaaos Municípios pela Constituição, para instituição de seus próprios tributos,valendo dizer, consoante lição de Misabel Derzi (2000), que o aplicador danorma jurídica que reduzir, alterar ou ampliar o Texto Constitucional, signicareduzir, alterar ou ampliar o próprio federalismo.

Sob o pálio da Constituição de 1946, que não previra a gura da leicomplementar, foi editado o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25de outubro de 1966), inicialmente denominado “Lei do Sistema TributárioNacional”, editando normas gerais de Direito Tributário, denindo as limitaçõesconstitucionais ao poder de tributar, além de dispor sobre conitos de competênciaem matéria scal.

Pelo Princípio da Recepção, as normas infraconstitucionais anteriores àConstituição são recepcionadas pela nova ordem constitucional, salvo no que

contrariarem as normas do novo ordenamento. Resta óbvio ponderar que a leianterior deve ter nascido formalmente válida, o que, de fato, ocorreu com o CTN.No dizer de Luciano Amaro (2005), que muito contribuiu para o

aprofundamento do estudo sobre o tema:

“se o Código Tributário Nacional (lei ordinária) regulava, por exemplo, amatéria de normas gerais de direito tributário, e se a Constituição de 1967(como continua fazendo a atual) passou a exigir lei complementar pararegular essa matéria, resulta que o Código Tributário Nacional só pode ser

alterado por lei complementar.” (AMARO, 2005, p. 171)

Nesse passo, o CTN é lei complementar, porque a atual Constituiçãoexige tal lei para disciplinar determinadas matérias tributárias, como, v. g. ,

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editar normas gerais em matéria tributária, status reconhecido, inclusive, peloSTF (RE nº 93.850).

O artigo 32, do CTN, em matéria de IPTU, assim dene o fato gerador doaludido imposto:

“Art. 32 - O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedadepredial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínioútil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como denidona lei civil, localizado na zona urbana do Município.” (grifo nosso)

Em seguida, informa o legislador complementar, no artigo 34, do mesmoCTN: “Art. 34 - Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular doseu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.” (grifo nosso)

No que interessa, inicialmente, cumpre observar que a posse do imóvel,retratada pela lei tributária como fato gerador do IPTU, é aquela contraída aqualquer título.

Tendo em vista que a Constituição Federal não exaure a criação de umtributo, depende-se da legislação infraconstitucional para criar-se, em denitivo,a gura tributária, delineando em todos os aspectos, o fato gerador da obrigaçãotributária, como assim o zeram os artigos 32 e 34, do CTN.

2.2. “Propriedade” para Fins de IPTU

Por incidir, obviamente, sobre a propriedade predial e territorial urbana,deve-se esclarecer o conceito de propriedade para ns de IPTU, principalmentelevando-se em conta o mandamento constitucional do imposto.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, citado por Valéria Furlan (2000, p.60): “propriedade é o direito que uma pessoa física ou jurídica tem de, dentro doslimites normativos, usar, gozar e dispor de um bem e de reivindicá-lo de queminjustamente o detenha.”

Nesse passo, se a própria Constituição determina que o critério material dahipótese de incidência do IPTU é a propriedade, à outra conclusão não se podechegar senão a de que basta deter algum ou alguns dos direitos da propriedade(uso, gozo ou disposição) para ser sujeito passivo do referido tributo, arcando

com a obrigação de pagar tal imposto. A questão do animus de ser proprietário,porém, será enfrentada mais adiante.Cumpre, nesse particular, apenas concluir que não há conito entre a

Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, quando este dispõe que o

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IPTU incide não apenas sobre a propriedade, mas também sobre o domínio útilou a posse.267 

2.3. Crítica à Tradicional Distinção Entre Impostos Reais ePessoais

Outro ponto que merece reexão em matéria de IPTU, em razão de estarintimamente com ele relacionado, é a análise da antiga classicação dos impostosem reais e pessoais, sendo os primeiros incidentes sobre os bens ou patrimôniodo contribuinte (coisas), e os segundos incidentes sobre as pessoas. Pessoalseria, v. g. , o Imposto sobre a Renda; e real, o Imposto sobre a Propriedade de

Veículos Automotores (IPVA).Impostos pessoais são os que se instituem em função da pessoa do obrigado;e, reais, os que se cobram em virtude do patrimônio ou de consideraçõesobjetivas e econômicas independentes da situação do devedor. Muito emboraa Constituição Federal não tenha classicado explicitamente todos os impostos,tornam-se importantes para a sua interpretação as classicações doutrinárias.

Tal classicação (entre impostos reais e pessoais), como bem adverteRicardo Lobo Torres (2005), repercute sobre diversas passagens do TextoConstitucional, entre elas sobre o artigo 145, § 1º, que, então, estabelece que

“sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduadossegundo a capacidade econômica do contribuinte” (TORRES, 2005, p. 373). Aexpressão sempre que possível parece sugerir que a pessoa tributada venha a sê-lopor suas características pessoais (capacidade contributiva), sem a possibilidadede repassar o encargo a terceiros, o que resultaria em uma outra classicaçãotributária, a que divide os impostos em diretos e indiretos.

Cumpre registrar a interessante posição de Paulo de Barros Carvalho (1999)acerca da disposição “sempre que possível”: “A cláusula sempre que possível está pressuposta em toda e qualquer regulação da conduta, por um motivo

muito simples: as normas jurídicas incidem, exclusivamente, no campo doscomportamentos possíveis [...].” (CARVALHO, 1999, p. 132).Ives Gandra da Silva Martins (1989, p. 76/78), por seu turno, demonstra a

impropriedade redacional do § 1º, do art. 145, concluindo que tal dispositivoestaria mais bem redigido da seguinte forma: “os impostos terão caráter pessoal,sempre que possível, e serão graduados segundo [...].” Ou seja, para esseeminente tributarista, a melhor interpretação da ressalva sempre que possível devedizer respeito ao caráter pessoal dos impostos, não se aplicando ao princípio dacapacidade contributiva, até por dicultar sua aplicação.

267 Nesse mesmo sentido: FURLAN, Valéria. “IPTU”. São Paulo: Malheiros, 2000; e COSTA, Antônio José. “Da regra-padrão de incidência do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana”.Dissertação de Mestrado apresentada na PUC/SP, sob a orientação de Paulo de Barros Carvalho. 1983.

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Entende-se, outrossim, que a primeira classicação aqui exposta é inútil, emvirtude de que os tributos, de quaisquer tipos, são, sempre, pagos por pessoas(físicas ou jurídicas), motivo pelo qual no polo passivo das obrigações tributárias

só poderá gurar uma pessoa, jamais uma coisa. Tal classicação, ora rechaçada,encontra fundamento na noção civilista clássica de “coisa”, com reexos noDireito Obrigacional, que não mais responde ao sentido que o novo Código Civilimprime à atual realidade social, tendo em vista as necessárias transformaçõessofridas pelas relações jurídicas, não mais estanques e limitadas, mas amplas eligadas aos interesses e comportamentos. Nesse sentido, como bem defendidopor Edson Fachin (2003, p. 95), o Direito encontra-se progressivamente seabrindo para uma certa porosidade, apreendendo novas relações e dando-lhes

relevância jurídica. Objetivando sanar eventuais dúvidas, segue o entendimentodefendido por Sacha Calmon Navarro Coêlho, que, pela relevância do tema,merece ser transcrito integralmente:

“Em suma, imposto pessoal e direto é o que incide sobre o contribuinte semtransferência. O contribuinte de jure (eleito pela lei) é ele próprio tambémcontribuinte de fato (o que sofre no mercado o peso do encargo). O ICMS,para exemplicar, tem um contribuinte de jure –  o industrial, comercianteou produtor – e vários contribuintes de fato – os consumidores nais

dos bens e serviços gravados. O mesmo ocorre com o Imposto de Vendaa Varejo de Combustíveis (IVVC), em que os contribuintes de jure  são ospostos varejistas de venda dos combustíveis automotivos. Os contribuintesde fato são os adquirentes, pois no preço de compra está embutido o valordo imposto. A capacidade contributiva é a possibilidade econômica depagar tributos (ability to pay). É subjetiva quando leva em conta a pessoa(capacidade econômica real). É objetiva quando toma em consideraçãomanifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área

valorizada etc.).” (COÊLHO, 2005, p. 84)Eis a posição defendida por FURLAN:

“Com efeito, não vemos relevância jurídica alguma na classicação dosimpostos em diretos ou indiretos , uma vez que para o direito tributário positivointeressa investigar apenas quem realizou o fato imponível, nada mais. Doutraparte, não existem, juridicamente falando, impostos reais, pois, se entendermosque a relação jurídica só pode acontecer entre duas pessoas, entre dois sujeitos

– teoria kelseniana -, o imposto também, como toda relação jurídica, sempreserá pessoal; até porque o imóvel não paga imposto, quem paga imposto é oproprietário do imóvel ou o seu possuidor, no caso do IPTU.” (FURLAN, op. cit. ,p. 32)

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Ressalte-se que o dono de um imóvel alugado, v. g., pode transferir parao inquilino o IPTU incidente sobre o prédio, contratualmente ou não. Por seuturno, assim ensina Alfredo Augusto Becker:

“A relação jurídica tem dois pólos: o positivo e o negativo. A pessoa (físicaou jurídica) é o único pólo admissível das relações jurídicas. Por isto, todae qualquer relação jurídica (inclusive a que atribui direito real ao sujeitoativo) é sempre pessoal: entre pessoa e pessoa, nunca entre pessoa e coisa.”(BECKER, 1998, p. 307)

3. O Locatário Como Possuidor

Nesse sentido, cumpre indagar: o locatário é contribuinte do IPTU? Ou,melhor dizendo: o locatário tem a posse do imóvel locado, podendo vir a sersujeito passivo do IPTU?

A resposta a tais indagações, de signicativo impacto econômico-scal,passa pela detida análise da legislação civil atinente à matéria, sempre sob opálio do artigo 110, do CTN, segundo o qual:

“Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a denição, o conteúdo e o alcance

de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ouimplicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados,ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para denirou limitar competências tributárias.”

O Código Civil brasileiro não traz a denição de posse, apenas a depossuidor.

De acordo com o artigo 1.196, do Código Civil: “Art. 1.196 - Considera-sepossuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos

poderes inerentes à propriedade.”Vê-se que o atual Código Civil brasileiro, assim como o anterior (1916),adotou a chamada Teoria Objetiva da Posse de Rudolf von Ihering, citado porNelson Rosenvald (2004), para quem a posse é a simples exteriorização dapropriedade e dos poderes a ela inerentes, o que torna possível a existência daposse sem que o possuidor tenha intenção de dono. Assim, no dizer de NelsonRosenvald:

“independentemente da condição de proprietário, possuidor seria

quem concedesse destinação econômica à coisa, isto é, visibilidade aodomínio. A propriedade sem a posse seria um tesouro sem a chave, umaárvore frutífera sem a escada que atingisse os frutos.” (ROSENVALD,2004, p. 225)

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Cumpre obtemperar, por relevante ao deslinde do tema, que a TeoriaObjetiva explica a distinção entre possuidor e detentor, não à luz do elementoanímico (intenção de dono), mas de acordo com o ordenamento objetivo.

Ademais, para Ihering, corpus  não seria o simples poder físico sobre a coisa,prevalecendo o uso econômico facilmente reconhecido por qualquer indivíduo,tenha ou não o possuidor o animus domini.

Constata-se, portanto, que o Código Civil, a bem da verdade, rejeita aconceituação da posse baseada no elemento puramente subjetivo – animus  –,tal como encampada pela Teoria Subjetiva (Clássica) de Savigny (1803 apud ROSENVALD, 2004, p. 224), que, por seu turno, apresenta a posse com doiselementos constitutivos: o material (corpus) e o volitivo (animus). Ou seja, paraSavigny só haverá posse onde houver animus domini - intenção de dono.

Mas, o locatário não seria mero detentor? Arma-se que não. Isso porque,nos termos do artigo 1.198, do Código Civil: “Art. 1.198 - Considera-se detentoraquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva aposse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.”

Ora, o locatário não objetiva conservar a posse em nome de outrem, muito menosem cumprimento de ordens ou instruções, razão pela qual não é mero detentor sobrea coisa, nem mero titular de direito pessoal limitado em relação à coisa.

O Direito Tributário brasileiro possui natureza jurídica de superposição,

ou seja, a lei tributária não pode alterar a denição, o conteúdo e o alcance deinstitutos e conceitos do Direito Privado, à luz do artigo 110, do CTN, supra , sobpena de inaceitável conito sistemático interno.

4. Posição Jurisprudencial e Doutrinária

O Superior Tribunal de Justiça nega a faculdade de o locatário sercontribuinte do IPTU, por entender que o mesmo é possuidor por relação de

direito pessoal, conforme o seguinte aresto paradigma:“TRIBUTÁRIO - IPTU - CONTRIBUINTE - POSSUIDOR - ART. 34 DO CTN.1. O IPTU é imposto que tem como contribuinte o proprietário ou o possuidorpor direito real que exerce a posse com animus denitivo – art. 34 do CTN. 2.O comodatário é possuidor por relação de direito pessoal e, como tal, não écontribuinte do IPTU do imóvel que ocupa. 3. Não sendo contribuinte, não sepode atribuir os benefícios da imunidade do comodatário ao proprietário ecomodante, este o verdadeiro contribuinte do IPTU.” (STJ, REsp 254.471/SP,

relatora Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, v.u., DJU 29.4.2002, 213)

O entendimento supra  do STJ fundamenta-se na ideia de uma posseprecária, que jamais se converteria em propriedade, o que, a nosso ver, não

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ocorre, tendo em vista ser bastante comum o fato de o locatário vir a adquirir oimóvel futuramente (direito de preferência).

Ora, a exegese tradicional, encampada pelo STJ, contraria o perl jurídico-

tributário do imposto sob debate, uma vez que o Código Tributário Nacionalelencou, claramente, três hipóteses de incidência do IPTU. Na primeira, serácontribuinte do imposto o proprietário do imóvel. Na segunda, o titular dodomínio útil; e, na terceira, nalmente, qualquer possuidor, posto que o CTNelenca a expressão possuidor a qualquer título.

Logo, em nada pode alterar a hipótese de incidência do IPTU o fato de olocatário ou comodatário, v. g. , serem possuidores por relação de direito pessoal,uma vez que tal distinção não altera a natureza jurídica da posse, tal comoconcebida no Direito Privado, conforme visto alhures.

Por outro lado, é interessante observar que o próprio STJ, em outraoportunidade, conceituando a posse como o exercício de fato dos poderesinerentes ao domínio, armou que o locatário, “ao assumir efetivamente oimóvel e agindo como proprietário, passa a adquirir a posse” (STJ, REsp28569-MG, 4ª T, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u., j. 10.10.1995,DJU 6.11.1995, p. 37572).

Ademais, eis o seguinte entendimento do mesmo STJ sobre a incidência doIPTU sobre o domínio útil do imóvel, in verbis:

“TRIBUTÁRIO – IPTU – CONTRIBUINTE: ART. 34 DO CTN – IMÓVELENFITÊUTICO. 1. Por força do disposto no art. 34 do CTN, cabeao detentor do domínio útil, o enteuta, o pagamento do IPTU. 2. Aimunidade que possa ter o senhorio, detentor do domínio indireto,não se transmite ao enteuta. 3. Bem entêutico dado pela União emaforamento.” (STJ, REsp 267.099/BA, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T, DJU27.5.2002, p. 152)

Em decisão contrária ao do STJ, assim entendeu o Tribunal de Justiça de

Alagoas:

“O locatário, possuidor direto, possui legitimidade para ingressar em juízono intuito de questionar o imposto municipal cobrado, inerente ao imóvel,nos termos do art. 34, do CTN, uma vez previsto no contrato locatício seucompromisso em adimplir os tributos municipais respectivos.” (RT 728/319)

Na doutrina nacional, a questão não é pacíca. Para Valéria Furlan:

“a posse que não seja apta para gerar o usucapião, por via de conseqüência,não será apta para revelar a capacidade econômica do possuidor parans de IPTU, cujo sujeito passivo seria, nesta hipótese, quem tenha odomínio útil do imóvel, por ser este muito mais amplo que a mera posse

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provisória. (...) Tal interpretação, diga-se de passagem, parece tambématender ao princípio da função social da propriedade, uma vez que,exemplicativamente, impede que enteutas eximam-se do mencionado

encargo tributário argumentando que o sujeito passivo do IPTU haveria deser apenas quem detenha o domínio direto do imóvel e, neste caso, em faceda imunidade recíproca dos entes públicos, deixaria o IPTU de atuar comoinstrumento eciente para promover o cumprimento da função social dapropriedade.” (FURLAN, op. cit. , p. 66)

No que diz respeito à enteuse, vale ressaltar que tal instituto nãorestou previsto no atual Código Civil, apesar de, como visto acima, o STJ játer decidido que o titular do domínio útil é contribuinte do IPTU. Por outrolado, legitimando o locatário como contribuinte do aludido imposto – o queencontra previsão legal –, tende-se a incrementar a constitucional funçãosocial da propriedade, reconhecendo-se a posse como um inegável atributoda propriedade, além do aumento e diversicação da base arrecadatória porparte da Fazenda Pública.

Para Aliomar Baleeiro, um dos elaboradores do CTN, “o imposto predialtem como fato gerador a existência de imóvel edicado, pouco importando suautilização econômica ou o título jurídico do contribuinte” (BALEEIRO, p. 243),

o que revela o desprezo do CTN, na sua redação original, pela interpretaçãoeconômica do fato gerador.Segundo Luiz Emygdio F. da Rosa Junior:

“a posse referida no artigo 32, do CTN, deve ser entendida restritivamente, paraabranger somente a posse com animus domini , faltando-lhe apenas o título, o quenão abrangeria, assim, aquela posse que gera mero direito pessoal, como, v.g. ,a posse do locatário ou a do comodatário, meros titulares de direitos pessoaislimitados em relação à coisa.” (ROSA JUNIOR, 2005, p. 1.064)

Interessante, por m, é a posição defendida por Misabel Derzi e SachaCalmon, para quem, apesar de o Código Civil, independentemente de posiçõesem contrário, ter tomado partido da Teoria Objetiva da posse (Ihering), somenteadmite a posse tributável como aquela que externa o domínio (DERZI eCOÊLHO, 1982, p. 119/120).

Alguns códigos tributários municipais, dentre eles o do Município do Riode Janeiro (CTMRJ, art. 62, § único), preveem, todavia, que, quando o imóvelfor de propriedade da União, dos Estados, dos Municípios, ou de quaisquer

outras pessoas isentas do imposto ou a ele imune, são também contribuintes doIPTU os promitentes compradores imitidos na posse, os posseiros, ocupantes oucomodatários dos mencionados imóveis.

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5. Conclusões

Nesse passo, conclui-se que o locatário age como proprietário,exteriorizando pelo menos alguma das faculdades da propriedade (uso, gozoou disposição do bem), pois procede em relação à coisa como se comportariao proprietário em relação ao que é seu, mesmo que reconhecendo o domínioalheio.

Admite-se, portanto, de acordo com a tese aqui sustentada, a coexistênciadas posses direta e indireta, na locação, esclarecendo, assim, a possibilidadede o locatário vir a ser contribuinte do IPTU, o que vai de encontro à correntedoutrinária e jurisprudencial tradicional, bem representada pelas decisões

majoritárias do STJ a respeito.E quais os efeitos jurídico-tributários decorrentes de tal postura? Em

primeiro plano, o locatário que pagou o IPTU a maior, tem o direito de buscaros valores indevidos, isso porque, na realidade social, ele já assume o ônusnanceiro do IPTU, muitas vezes por imposição contratual do locador, devendoo Direito, com base nas premissas aqui xadas, passar a reconhecer tal realidadefático-social, facilitando a livre circulação de bens. Essa nova conduta consisteem uma contribuição do Direito Tributário, inclusive com reforço de sua

cienticidade, para estimular o desenvolvimento econômico, diante da ampliaçãoe simplicação da base de arrecadação, equalizando os efeitos econômicos coma possível incidência tributária direta sobre o possuidor (locatário). Não custalembrar que o proprietário elevará o aluguel à medida que forem majorados ostributos sobre o imóvel.

Assim, situações economicamente idênticas submetem-se a idênticotratamento tributário, observando-se o Princípio da Legalidade e demais ditamesconstitucionais-tributários, ainda mais quando a interpretação econômica nãoviola os conceitos e formas de Direito Privado (artigos 109 e 110, CTN), mas,antes de tudo, conrmam-nos.

Em face de todo o exposto, nada obsta que o locatário possa impugnar olançamento tributário do IPTU porque, sem sombra de dúvidas, integra a relação jurídico-tributária desse imposto, não como responsável, mas como contribuintelegal. No mesmo sentido, tem legitimidade para ajuizar ação de repetição deindébito, em caso de pagamento de IPTU a maior ou indevido, quando assumecomprovadamente o encargo de pagar tal imposto.

Nesse particular, seria um exemplo de utilização do tributo objetivando

o melhor aproveitamento da propriedade, em nome de sua função social,consoante determinado pela Constituição Federal (art. 182, § 2º).

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A V CTN C D F A P

C A F.A T J STJ

Gustavo BrechbühlerEspecialista em Direito Financeiro e Tributário pela UFF-RJ

Advogado no Rio de Janeiro

Sumário:1. Introdução. 2. A Prescritibilidade das Relações Jurídicas como Regra Fundamental do Direito Pátrio. 3. Da necessidade de ato formal da administração pública para a constituição de crédito tributário. As teorias sobre a natureza jurídica do lançamento e a constatação do equívoco 

 jurisprudencial do STJ sobre a prescindibilidade de constituição do crédito scal por procedimento administrativo formal para a propositura de correspondente executivo scal. 4. Da Decadência do Direito de Lançar Após o Decurso de cinco Anos, Sendo Irrelevante a Apresentação de Defesa pelo Contribuinte: Impossibilidade de Interrupção do Prazo Decadencial. 5. Conclusão.

1. I

O presente trabalho se destina a continuar o aprofundamento da análise doprazo a que dispõe a Fazenda Pública para constituir denitivamente o créditotributário que poderá vir a ser objeto de cobrança executiva futura.

De acordo com nosso entendimento,268 a Fazenda Pública tem, no máximo,o prazo de cinco anos para constituir denitivamente o crédito tributário, sobpena de decadência ou qualquer outro instituto de resolução de conitos pelotempo, a contar do lançamento, isto é, um ato de ciência inequívoca, que pode

ser uma simples noticação ao contribuinte interessado, sendo irrelevantepara a contagem de tal prazo a oposição de recurso administrativo, como sedemonstrará.

Infelizmente, como já expusemos nesse outro estudo,269 parece-nos lógicoque há nítido equívoco quanto à forma da contagem do prazo em tela, como,aliás, ocorre atualmente, o que vem de longa data, sendo, pois, decorrente deuma má interpretação que o extinto Tribunal Federal de Recursos deu ao art.

268 Análise da orientação rmada no STF pelo julgamento do Recurso Extraordinário nº 94.462 e suasconsequências nefastas ao sistema tributário. Imoralidade ou má aplicação das regras de deca-dência e prescrição? Solução prática para um erro aparente e amplamente difundido. Repertóriode Jurisprudência IOB , São Paulo, v. 1, n. 21, pp. 878-869, 1. quin. nov. 2008; Revista de EstudosTributários , Porto Alegre, v. 11, n. 66, pp. 196-215, mar./abr. 2009.

269 Idem, ibidem.

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151 do CTN, mediante intrincada e deturpada interpretação, em conjunto com oartigo 173 do mesmo diploma, que assim preceitua:

“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributárioextingue-se após 5 (cinco) anos, contados:I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamentopoderia ter sido efetuado;II - da data em que se tornar denitiva a decisão que houver anulado, porvício formal, o lançamento anteriormente efetuado.Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-sedenitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data emque tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela noticação,

ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável aolançamento.”

O equívoco, como já apontado, é agrante até mesmo na consideração deque a Súmula editada (Súmula 153) impõe uma regra legalmente inexistente:não há nenhum diploma, nenhuma ordem legal, nenhuma norma jurídica quedite o que a Súmula em questão aduziu, sendo construção pretoriana que seafastou das fontes legais para, talvez, atender a interesses metajurídicos, como já armado.

Com efeito, é ainda mais evidente, que permeado por esse entendimentoequivocado, tenha o Eg. STF se deixado inuenciar, como se lê do julgamento doRE nº 94.462 e seus Embargos de Divergência, relatados pelo Ministro MoreiraAlves, julgado em 06/10/1982, pelo Plenário e publicado no DJ de 17.12.1982, p.13209, passando a armar, repetidamente, que uma vez apresentado o recursoadministrativo, não ui qualquer prazo (decadencial ou prescricional).

Entretanto, esse entendimento adotado como regra, no sentido de queentre a data de apresentação do recurso/impugnação administrativa e o instanteda imutabilidade da decisão administrativa não corre nem decadência nemprescrição não possui nenhum respaldo legal, como se vericará.

2. A P R J R F D P

A prescrição é, pois, resolução de conitos pelo decurso do tempo, e quandoconfrontada com o combatido entendimento acima exposto, tem a sua imediatae plena aplicabilidade indevidamente obstaculizada, sendo que tal orientação

chega a contrariar o próprio Direito.A prevalecer o entendimento vergastado, torna-se, naquele período,  o

direito em discussão, injusticada e ilegalmente, imprescritível , imune, pois aqualquer fator temporal, o que, a bem da verdade, não se coaduna com o nosso

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ordenamento jurídico, que se baseia, fundamentalmente, para a pacicação,harmonização das relações e, pois, alcance da paz social, na resolução, nomínimo, tácita dos conitos pelo decurso do tempo.

Basta, portanto, que tenha sido apresentada uma impugnação docontribuinte ao ato de lançamento, e então, dispõe a Administração Públicade todo o tempo do mundo para julgar, para decidir a controvérsia. Emsíntese, sem determinação legal expressa, criou-se, neste instante, uminstituto jurídico imprescritível   e absolutamente imune à decadênciaou à prescrição, que viola, inclusive, determinação expressa de TratadoInternacional do qual o Brasil é signatário (Pacto de San Jose da Costa Rica)que prevê ser direito do cidadão a conclusão dos processos de seu interesse

em tempo razoável.É evidente que o Direito não sobrevive sem regras que conram algum tipo

de tratamento, pelo tempo, à inércia das pessoas. Como nos ensina Beviláqua,“a prescrição é uma regra de ordem de harmonia e paz, imposta pela necessidade dacerteza das relações jurídicas”.270 Assim, constata-se que o próprio Direito é avessoà imprescritibilidade: o Direito, prima, pois, pela denitividade das relações jurídicas.

Repare-se que o entendimento acima também é sustentado por Aliomar

Baleeiro, como a seguir se confere:

“Se admitíssemos que o art. 151, do CTN, onde não se emprega a palavra prescrição,contudo estabeleceu casos de suspensão da prescrição, à semelhança dos arts. 168e 169 do Cód. Civ., então teríamos, que enquanto durasse a catalepsia doConselho de Contribuintes ou da autoridade administrativa de primeirainstância, tanto sobreviveria, a engordar hora a hora com juros e correçãomonetária, o crédito tributário. Se não prescreve depois de 5 anos e 1 dia,

não prescreverá também em 10 anos, em 30, ou em 50 anos. Não haverálimite em tal hermenêutica que não pode deixar ao arbítrio do intérprete ouaplicado o máximo do prazo ou a inexistência dele.”271

Desse modo, pela leitura dos dispositivos de lei acima transcritos(especialmente o art. 173 do CTN e o seu parágrafo único), tem-se a inequívocaconclusão de que a regra (da prescritibilidade) vem sendo contrariada, apesarde ser bastante clara.

270 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,1929, p. 7.

271 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 19xx, p. 529.

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3. D .

A STJ

A despeito de o art. 150, § 4º, do CTN, dispor sobre o lançamento por

homologação, vejamos o que dispõe o artigo 173 do Código Tributário Nacional,aplicável ao lançamento de ofício, como forma de extrair mais elementos àcomprovação de que não é acertada, tecnicamente, a orientação rmada pelo Eg.STJ no sentido da prescindibilidade de procedimento formal para a constituiçãodo crédito tributário, e, pois, viabilizar, de plano, a propositura de executivoscal correspondente.

Em seu caput , resta claro que o direito de constituir o crédito extingue-seapós cinco anos, contados a partir de determinado(s) instante(s). Conram-seos termos:

“I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia tersido efetuado;II - da data em que se tornar denitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.”

Com efeito, se o direito se extingue, logicamente, após certo termo contadodo exercício em que o lançamento poderia ter sido efetuado, tem-se, portanto,como conclusão lógica e inarredável, que a constituição do crédito não pode seconfundir com o próprio lançamento (pelo menos sua noticação, como se verá), já que este é anterior à sua constituição denitiva, e obviamente o termo a quo dessa contagem é o ano seguinte ao do vencimento, pois desde aquele momento já possuía a Fazenda o direito de lançar tributo impago.272

Nesses termos, se também o direito de constituição (denitiva) se extingueapós decisão denitiva que tenha anulado o lançamento anteriormente efetuado,é porque – aqui até com mais clareza – a constituição (denitiva) do crédito

272 “Correto o entendimento de que há vício lógico em certas premissas da tese que sustenta o prazodo art. 173, I, iniciar-se em momento absurdo, ao salientar à evidência de que ‘o exercício em queo lançamento poderia ser efetuado é o ano em que se instaura a possibilidade de o Fisco lançar enão o ano em que termina essa possibilidade’.” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, SãoPaulo, 1997, p. 385) – grifos nossos.

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tributário não coincide, nunca, com o próprio lançamento, muito embora,através do lançamento tenha-se o primeiro passo para tanto.

Ressalte-se, oportunamente, que a aplicação do art. 173 do CTN, apesar de

restrita aos demais tributos que não sigam a regra do autolançamento – sujeitosà homologação – (para estes aplica-se o disposto no art. 150, § 4º do CTN), paraos ns de constatação da necessidade, quiçá imprescindibilidade, de ato formalde constituição de crédito scal – lançamento – nos traz importante informação,que, infelizmente, vem sendo desprezada pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça,tendo cedido aos apelos das Fazendas Públicas, principalmente da FazendaNacional, para, nos casos de tributos sujeitos à homologação, donde se aplica odisposto no art. 150, § 4º do CTN, dispensar-se o ato formal do lançamento, paraconstituição do crédito tributário, servindo, para tanto, as informações constantes

das declarações (obrigações acessórias) dos contribuintes, que ganharam statusde conssão de dívida.

E o que é o lançamento então? Seria ato preparatório para constituição docrédito? Ou, via de consequência, seria a constituição do crédito um procedimento(com feições processuais) formal, iniciado por ato da scalização?

Com efeito, o lançamento, nos dizeres do CTN, art. 142, é ato privativoda autoridade fazendária e se destina a constituir o crédito tributário (pelolançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a vericara ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matériatributável, calcular o montante do tributo devido, identicar o sujeito passivo e,sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível).

Nesses termos, se poderia corretamente supor, sem cometer qualquervício de interpretação, tratar-se o lançamento de um ato complexo, que sedesdobra em procedimento administrativo formal que tem por objetivo conferirdenitividade  e certeza  ao ato-lançamento . É, portanto, o processo donde sedelineiam os contornos destinados à constituição do crédito tributário e, consoantea lição do Prof. Ricardo Lobo Torres, processo este que confere concretudeao lançamento, aproximando-se este, cada vez mais, da gura de um créditoplenamente constituído.273

Alberto Xavier274 e Ricardo Lobo Torres275 facilmente explicam as diferenças básicas das correntes sobre a natureza jurídica do lançamento. Pelas lições, taiscorrentes estavam calcadas, quase sempre, em premissas relativas à natureza jurídica da obrigação tributária. Assim, estudando a origem, a denição e odesenvolvimento das diferentes teorias sobre a natureza jurídica do lançamento– já que calcadas em premissas semelhantes – é possível realizar e compreender

273 TORRES, Ricardo Lobo Torres. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,1998, pp. 201 e 233/234.

274 XAVIER, Alberto, Do Lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário. 2ª ed. Riode Janeiro: Forense, 1997, pp. 7, 228-235, 484-569.

275 TORRES, Ricardo Lobo Torres. Ob. cit., pp. 201, 233/234.

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a precisa denição e conceituação de lançamento; bem com compreender de queforma se concretiza um ato de lançamento.

Para Alberto Xavier, lançamento é ato jurídico, administrativo, de

aplicação da norma tributária material ou ato tributário, como prefere, do qualo lançamento seria uma espécie relevante.276 Em igual medida, para Ricardo LoboTorres, “ato de aplicação da lei ao caso emergente, segundo o princípio da tipicidade, ouseja, da exata adequação entre a realidade e a norma”.277-278 Todavia, há quem diga quelançamento seja um procedimento.279

Todavia, para o objeto do presente estudo, as correntes sobre a ecácia dolançamento, bem como sua denição, não modicarão o resultado alcançado.280-281 A bem da verdade, o presente estudo, fulcrado, precisamente, mais em aspectospráticos do que teóricos, demonstrará que a dicotomia apresentada, para os ns

almejados é de certa forma irrelevante.282

Por tal motivo é que se poderia encarar e compreender certa passagem daobra do Prof. Ricardo Lobo Torres, de forma ligeiramente distinta. Entende omestre que o crédito tributário se constitui juntamente com a obrigação tributária,pois assim preceitua o art. 139 do CTN, que dispõe que o crédito tributário tem amesma natureza da obrigação principal e ao mesmo tempo desta decorre.

Pelo fato de o CTN armar que o crédito tem a mesma natureza da obrigaçãoé que compreendeu o Professor Lobo Torres no sentido de o crédito se constituir

276 Ob. cit., pp. 64/65.277 Ob. cit., p. 234.278 “Devemos por isso, aperfeiçoar a noção de lançamento por nós inicialmente formulada, denindo-o

como o ato administrativo de aplicação da norma tributária material que se traduz na declaraçãoda existência e quantitativo da prestação tributária e na sua conseqüente exigência.” (XAVIER,Alberto. Ob. cit. , p. 66).

279 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Teoria e Prática do Direito Tributário , São Paulo, 1975, p. 24; BECKER,Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário, São Paulo, 1963, p. 325; MACHADO, Hugo de BritoMachado. Curso de Direito Tributário, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1985, p. 87; BRITO, Edvaldo. Lançamento.RDT nº 42, 1987, p. 192; BORGES, J. Souto Maior. Lançamento Tributário , São Paulo, 1970, p. 103;GRECO, Marco Aurélio. Do lançamento. Cadernos de Pesquisas Tributárias, nº 12, 1988, pp. 154-155.

280 “Por outro lado, a polêmica que há anos se vem travando sobre a ecácia do lançamento quantoà obrigação tributária deu origem, nos vários países, a tal profusão de argumentos extraídos dasrespectivas ordens jurídicas, a tantas e tão heterogêneas tentativas de explicação teórica, que todosos que mais de perto enfrentam o problema não podem deixar de reconhecer a diculdade de distin-guir com serenidade e bom senso aquilo que exprime uma divergência de fundo do que não passade matiz subjetivo ou de controvérsia terminológica.” (XAVIER, Alberto, ob. cit. , p. 17). 

281 “O jurista que se disponha ao estudo do lançamento tributário se vê diante de uma verdadeira ba- bel de conceitos e opiniões, muitas vezes conitantes; Persistem na denição do fenômeno noçõesinseguras e cienticamente insatisfatórias, denunciando o precário estágio de desenvolvimentoem que se encontra a construção da teoria jurídica do lançamento.” (BORGES, J. Souto Maior, LeiComplementar tributária, São Paulo, 1970, p. 108).

282 “É certo que uma das mais controvertidas questões teóricas que de há muito se vem suscitando noDireito dos Tributos – a do momento de nascimento ou da fonte da obrigação tributária – encontra-seestreitamente relacionada com a ecácia do lançamento, fato que desde logo devia sugerir não ter adistinção entre Direito material e formal – ao menos na sua formulação corrente - o alcance de fundoque se pretendeu emprestar.” (XAVIER, Alberto, Do Lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento edo Processo Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 6).

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 juntamente com a obrigação, que por sua vez, nasce com a subsunção de umaatividade do contribuinte com o fato gerador previsto em lei, independente dolançamento.

Mas aí surge uma ligeira contradição: em se considerando o lançamentocomo requisito essencial, e, por isso, prévio à constituição do crédito tributário,como é que se teria um crédito constituído juntamente com a obrigação, e nãodepois, se o lançamento sempre é posterior à subsunção ao fato gerador daobrigação tributária? Se o lançamento é uma espécie de pré-requisito de créditotributário constituído, como explicar que o lançamento é contemporâneo daquiloque lhe é naturalmente anterior no tempo?

O CTN assevera ter o crédito tributário a mesma natureza da obrigação,muito embora sua constituição se dê através do lançamento e dos demais atos

subsequentes ou mesmo preparatórios, o que consubstancia coisa diversa.De fato, entre crédito tributário e obrigação tributária, a rigor, não hádiferença alguma, mas a constituição desse crédito, isto é, a sua afeição, suaconstrução, sua concretude, concretização, seus contornos mais precisos só seiniciam com o lançamento e demais atos subsequentes.

Quer nos parecer que a comparação entre os momentos da constituição docrédito com o nascimento da obrigação tributária não corresponde à lógica que opróprio CTN implementou, em que pese ter armado que estes detêm a mesmanatureza jurídica.

Entretanto, ainda que não se esteja a tratar ou tomar partido por umadas teorias da natureza jurídica da obrigação tributária, como já dito, face àsua irrelevância material aos propósitos deste estudo, é que a bem da verdadeacolhemos como premissa básica a corrente manifestada pelo entendimentomajoritário da Teoria Obrigacional da Relação Jurídica, no sentido de que olançamento é declaratório da obrigação, porém constitutivo do crédito, em quepesem severas críticas a essa Teoria.283

Todavia, questionar-se-iam os leitores: se a obrigação tributária nolançamento tem natureza declaratória, e o art. 139 do CTN diz que o crédito

tem a mesma natureza da obrigação, não haveria uma contradição manifesta?Digamos que seja apenas aparente. Isso porque o crédito tributário tem natureza jurídica igual à da obrigação tributária, todavia, a sua constituição, e não onascimento – conceitos distintos –, é que depende do lançamento.

Com efeito, simplesmente por se tratar de matéria de Direito Público,não se agura correto querer afastar da obrigação tributária algumas noções

283 GIANNINI, Achille Donato. Istituzioni di Ditrio Tributário. 8ª ed., Milão: Giuré, 1960; GIANNINI,Achille Donato. I Concei Fondamentalli del Dirio Tributário. Turim: UTET, 1956; BERLIRI, Antonio.Princípios de Derecho Tributário.  (trad.),  Madrid: Ed. Derecho Financiero, 1974; HENSEL, Albert.Ditrio Tributário. (trad.), 3ª ed., Milano: Giuré, 1950; NAWIASKY, Hans. Cuestiones Fundamentalesde Derecho Tributário. Madrid: Instituto de Estúdios Fiscales, 1982; FALCÃO, Amílcar de Araújo. FatoGerador da Obrigação Tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1971; SOUZA, Rubens Gomesde. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Ed. Financeiras, s/d.

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 básicas do Direito das Obrigações, originariamente aplicáveis ao Direito Civil,direito privado por excelência, muito embora, na sua essência conceitualmetajurídica, tenha sido aproveitada para ns de determinação da obrigação

 jurídico-tributária.No mundo das coisas, ocorrido um fato que se subsume a uma hipótesede incidência da regra tributária, o ordenamento jurídico contorna, sublinha ofato com uma aura de juridicidade, fazendo nascer dali, daquele exato instante,a obrigação tributária, qual seja, a de em determinado prazo, recolher aoscofres públicos um valor correspondente a uma certa soma em pecúnia, sendocerto que esse valor é o que se pode chamar de crédito tributário, que nasceu juntamente com a obrigação de recolher o tributo, muito embora ainda não estejaplenamente  constituído  para efeitos scais e fazendários. Nesse momento,

convém distinguir para uma correta compreensão da matéria que a constituiçãoplena não é o mesmo que constituição denitiva.A constituição do crédito, conforme o trato do mestre Ricardo Lobo Torres,

ganha contornos de concretude à medida que os “atos-gênero” administrativossobre esse crédito começam a se vericar, mas isso não signica dizer que a suaconstituição se dê desde o momento de ocorrência do fato gerador.

A lição acima em exame, e por nós rechaçada, informa que devamos ler otermo “constituição” – quando da interpretação das próprias normas previstasno CTN – com ressalvas, querendo signicar coisa diversa da que efetivamente

se disse no aludido código; como se o primeiro grau de concreção do créditofosse igual à obrigação surgida com o fato gerador, que, portanto, se constituinesse instante e não por ocasião do lançamento.

Como já dito, a tese aqui defendida em nada discrepa do entendimentoexternado pelo Professor Ricardo Lobo Torres, muito menos daquele quealude e defende o Professor Alberto Xavier. Entretanto, fazemos uma leitura,uma interpretação distinta do termo, em um sentido que apenas compreende otermo constituição dentro de um contexto especíco, qual seja, a sua aplicação aum processo de reconhecimento pelo Poder Público Fazendário de evidências

inequívocas da dívida do particular para com a Fazenda, inaugurado por umdocumento ocial – ato administrativo da Fiscalização.

Tal processo, portanto, se iniciaria com o lançamento propriamente dito– ato da scalização – de modo que esse procedimento de concretização (paraconferir concretude e certeza) estabeleceria relativamente à obrigação tributáriae ao crédito já nascido – porém não plenamente constituído – a situação na qual,a partir de então, passa a Fazenda Pública a ter o poder-dever de tomar diversasmedidas para transformar esse crédito nascido em uma dívida ativa com aspresunções que lhe são inerentes – tais contornos que o consagram como sendo

uma dívida inexorável e inquestionável do particular para com o ente público,ganhando, pois, novos atributos – desde a existência (certeza), passando pelavalidade e exigibilidade (liquidez), culminando, pois, pela plena exequibilidade.

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Isso não quer dizer que o crédito não possa existir por ainda não estarconstituído ou mesmo constituído plenamente. Essa terminologia, constituído ,por exemplo, tem uma leve conotação formal de indicação desses referidos graus

de concretude, já aludidos. À medida do tempo e da atuação da Fiscalização,esse crédito vai ganhando tais contornos, mais precisos, atingindo graus deconcretização e, pois, qualicações, que vão desde a sua validade, passandopela sua exigibilidade, culminando com a sua plena exequibilidade ou seja, umnatural procedimento de concretização e materialização de uma dívida pública,isto é, de crédito em favor do Ente Público. Com efeito, é justamente em funçãodessa atividade estatal sobre o crédito ainda não constituído denitivamente– conferindo-lhe certeza, liquidez e exigibilidade – que ele pode ser cobradodo contribuinte por meio de rito especialíssimo, e não mediante ordinária ação

de cobrança.Conforme se abordará mais adiante, a Certidão de Dívida Ativa (CDA),tal como os demais títulos executivos (extrajudiciais), precisa passar porprocedimento estatal prévio, tendendo ao seu reconhecimento como títuloexecutivo apto a satisfazer-se mediante procedimento especial, diferindo,portanto, do modo de ressarcimento dos demais créditos. Essa é, pois, em breveslinhas, a essência da CDA, daí a importância inescondível da necessidade deatuação – comissiva – da Fazenda no sentido de avalizar o crédito scal aindanão plena e denitivamente constituído.

Dando sequência, a constituição, pois, não quer dizer sinônimo de validadeou existência. A armação de que um crédito não constituído não existe étecnicamente equivocada. Ele existe em um plano de estraticação formal, jáque nascido conjuntamente com a obrigação tributária, e ganha materialidade,consistência e robustez com o processo inaugurado pelo lançamento, qual seja,o de sua constituição formal para viabilizar o aparelhamento de uma açãoexecutiva, por meio de um título executivo.284 

Por isso é que o título, a CDA, tem a importância que tem, e a presunção decerteza, liquidez e exigibilidade exatamente porque sobre aquele valor debruçou-

se a Administração Fazendária, analisando o crédito tributário correspondentee, sobre ele, ao longo do tempo, foi atribuindo graus de certeza e concretude atéa sua constituição denitiva.

De se ver, então, que não estamos aqui, em absoluto, contrariando as liçõesdo Professor Ricardo Lobo Torres, mas, tão somente, tentando depurá-las, demodo a, corretamente, extrair os comandos, perfeitamente delineados, sobre omodo, método e fórmula de constituição do crédito tributário, também conformeos ditames do CTN.

284 Engrossa a tese de que a constituição do crédito é uma reação da Administração Pública, isto é,visa a formação de um título, “para a reação administrativa ao incumprimento” de uma obrigação.(SANCHES, José Luís Saldanha. A quanticação da obrigação Tributária , Lisboa, 1995, p. 155).

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De modo a tentar explicar o que pretendemos, faremos um ligeiro paralelocom o Direito Penal, porém apenas para efeitos didáticos. O crédito tributárioseria, por exemplo, a penalidade pela prática de uma infração, de uma conduta

delituosa, que permanece em suspenso, aguardando o Poder Público darconcretude à pena: apurando o crime, julgando e xando a pena, antes emsuspensão. A infração – a conduta delituosa – seria comparável ao fato jurídicoque se subsume à hipótese de incidência, pela conduta do contribuinte que ésemelhante ao que prevê a lei para que dali surja uma obrigação legal tributária,de efeitos patrimoniais. No Direito penal, a obrigação que surge também é legal,mas tem efeitos extrapatrimoniais, que podem ensejar, inclusive, a pior daspenalidades: a privação da liberdade.

Assim, o fato gerador da obrigação tributária está para o tipo penal, assimcomo a obrigação tributária está para a obrigação de cumprir uma pena paracom a sociedade. Em ambos os casos, a obrigação vincula o particular ao PoderPúblico de modo que ele cumpra com um dever coletivo: (i) quanto aos tributos,a obrigação de pagá-los, integralmente, dentro do momento adequado, e (ii)quanto aos crimes, o de que nunca violar, ofender as pessoas, seus patrimônios,seus bens, seus valores etc., e, se por acaso violado, o dever de cumprir a penacorrespondente pela agressão cometida.

Nesse passo, o crédito tributário ca comparado à pena: a penalidade

que será xada contra o infrator, em um processo de apuração de fatos, donderesultará uma ordem de cumprimento de pena. Nesse diapasão, ganha contornosde concretude a potencial pena, a potencial privação de liberdade, assim como opotencial crédito da Fazenda.

O processo criminal buscaria a obtenção de uma penalidade ao infrator, e oprocesso de constituição do crédito nascido com a obrigação tributária buscariauma xação, qual seja, a denitiva constituição de um título executivo. 285

O termo constituição designa, pois, o processo de constituição do créditoque se transformará ao nal desse procedimento, conforme o art. 142 do CTN,

num título executivo dotado de presunção de liquidez, certeza e exigibilidade.286

Dessa forma, em ligeiro descompasso com a lição do Professor RicardoLobo Torres, quanto aos momentos que conferem materialidade e concretude

285 A comparação com o processo penal não está totalmente desamparada de fundamento jurídico.Alberto Xavier relata que autores como KORMAN, OTTO MATYER e DINO JARACH, impressio-nados com o caráter estritamente vinculado do lançamento e a sua formação através de um pro-cedimento com algumas características de contraditório, tentaram estabelecer um símile entre olançamento e a sentença do juiz, sobretudo com a sentença penal condenatória. Aduz o jurista queem ambos os casos vericar-se-ia um ato de Direito Público pelo qual o órgão do Estado se limita adeclarar o direito no caso concreto; Acrescenta ainda, Alberto Xavier, que essa teoria de equiparaçãode lançamento à sentença do juiz era apenas analógica na doutrina dos mencionados autores, tendosido defendida com mais rmeza por WERNER FLUME, para quem aquele ato seria substancial ematerialmente jurisdicional. (Ob. cit., p. 227).

286 TORRES, Ricardo Lobo. Ob. cit., p. 233.

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ao crédito scal, temos a seguinte divisão: (i) com o fato gerador, nasce o crédito;(ii) com o lançamento, o crédito começa a ser constituído, e por isso, ao nal,com a sua denitividade, passa a ser plenamente exigível; e (iii) com a inscrição

em dívida, passa este a ser exequível.Dessa forma, entendemos diferentemente apenas quanto ao momentode exigibilidade do crédito. Antes desta exigibilidade aferida, com o nal doprocedimento administrativo de constituição do crédito, não tem a Administraçãoo direito-poder de exigir o cumprimento da obrigação que o particular encontra-se vinculado, o que não afasta, por isso, a escorreita denição técnica da armaçãoanterior. Com efeito, como responder então, que apenas com a decisão denitivao crédito torna-se exigível?

Temos que armar que sim, ele era exigível, todavia, em razão dos

acontecimentos que se sucedem no tempo, essa exigibilidade ca suspensa.Lavrado um Auto de Infração ou uma NFLD, tem-se a mensagem inicial daAdministração Pública de que está constituindo um crédito tributário. Com aapresentação de recurso administrativo, esse crédito ca em suspenso, e, assim,o CTN consegue responder a todas as perguntas sobre o tema, dentro da maisperfeita lógica: com o lançamento, iniciado o processo de constituição do crédito,a Fazenda inaugura o momento em que pode passar a exigir, com plenitude deecácia, o débito apurado em scalização.

Assim, o crédito, bem como a sua correspondente exigibilidade, apenas

com a sua constituição denitiva  tem a sua ecácia plenipotenciária.Inaugurado o procedimento com o lançamento, o crédito e a exigibilidadetambém se instauram, sob condição resolutória: não apresentado, em tempo,recurso cabível, ou sendo este rechaçado em todas as esferas, os efeitosinaugurados têm sua ecácia vericada plenamente restaurada, restabelecida, já que antes se encontravam suspensos.

Portanto, diante do armado acima, é imprescindível à regular e corretaconstituição do crédito a existência do lançamento, ato inequívoco endereçadoao contribuinte de modo que ele exerça o seu direito de impugnar o crédito

alegado, nascido, na visão da Administração.287

287 “O problema levanta-se precisamente porque na nossa ordem jurídica certos tipos de tributos (aliás,hoje, a generalidade deles) não prevêem, ou não prevêem necessariamente, antes do pagamento dotributo, a realização, por parte de um órgão da Administração, de um ato que em concreto xe aexistência e o quantitativo da prestação tributária individualmente devida. É o que se passa em geralnos chamados impostos indiretos; é o que também sucede nos impostos cuja cobrança se efetua porretenção na fonte, como sucede na gura da substituição tributária; é ainda o que hoje se passa nageneralidade dos tributos, em que as técnicas massicadas de gestão conduzem a entregar aos pró-prios contribuintes o cálculo dos seus tributos. Conforme já se referiu, certa orientação da doutrina,que entre nós mereceu o aplauso de RUBENS GOMES DE SOUSA, considera o accertamento comomomento necessário e insuprimível de toda a obrigação tributária construindo um conceito amploque abrangeria ‘atos ou operações’ realizados pela Administração e pelos particulares que tives-sem em vista a determinação da prestação tributária individual, pela concretização da hipótese e

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Veja-se que essa constituição só pode ser algo efetivamente em suspenso,que casa, por exemplo, com a ideia de que o contribuinte comprovando que asua atividade não se subsume à regra legal, não faria nascer esse crédito. Isso

demonstra, aliás, comprova, que não se poderia falar em crédito já constituídoantes do lançamento: se por acaso o crédito já estivesse constituído, com osuposto nascimento da obrigação, pela ocorrência de um suposto fato gerador,e ao nal quando o particular comprova a inexistência da ocorrência do fatogerador, ter-se-ia o absurdo de se constatar que o que era crédito, na verdadenunca o foi; e o que é pior, extingue-se algo que nunca existiu.

No exemplo acima, se não ocorrido o lançamento, o denominado créditonunca ostentaria tal status , e então, por isso, tais armações não têm o condãode contrariar o que reza o art. 113, §1º, do CTN: que a obrigação se extinguesim com o crédito correspondente, o que não signica armar que o crédito seconstitui juntamente com a obrigação: nascem juntos, porém sua constituição éposterior, inclusive ao ato de lançamento.

Repare-se, então, que a premissa acima constatada, traz à reboque outraconstatação relevante: a de que não se agura correto um lançamento semqualquer ato de ciência ao contribuinte,288 ou coisa pior, a instauração de executivoscal sem que tenha havido qualquer comunicação sobre o lançamento de ofíciorealizado pela Administração, a partir da Declaração (v. g. DCTF) entregue pelo

contribuinte.Poder-se-ia argumentar, na mesma medida, que quando o contribuinteapresenta a declaração e paga, tem-se, mediante o poder liberatório da quitaçãoconforme o art. 156 do CTN, por extinto o crédito tributário, independentementede lançamento e noticação. Entretanto, tal linha de raciocínio, deturpada,centra-se na análise da extinção do crédito tributário, totalmente dissociada dasconsequências e efeitos jurídicos que um pagamento, compensação ou transaçãoprovocam para com o próprio crédito tributário.

do mandamento normativo.” (SOUZA, Rubens Gomes de. Idéias Gerais para uma concepção unitária eorgânica do processo scal. RDA nº 34, 1953, p. 20 apud XAVIER, Alberto. ob. cit. , p. 74) – grifos nossos.

288 “As declarações dos contribuintes revestem a natureza de declarações de ciência que têm por nalidadelevar ao conhecimento da Administração scal fatos relevantes para o objeto do procedimento, sejameles constitutivos, modicativos ou extintivos da obrigação tributária.” (XAVIER, Alberto. Ob. cit., p.184; No mesmo sentido: VANONI, Ezio. La dichiarazione tributaria e la sua irretratabilitá, Riv. di DirioFin e Scienza d. Fin. 1937, pp. 336 e 359; PEREZ DE AYALA, José Luis/GONZALEZ, Eusébio. Cursode Derecho Tributário II , 6ª ed., Madrid, 1991, pp. 33 e ss.; CANTO, Gilberto de Ulhôa.  A declaraçãotributária: sua natureza e retratabilidade , in Estudos e Pareceres de Direito Tributário, São Paulo, 1975,pp. 209 e ss.; MACHADO, Hugo de Brito. Conssão de dívida tributária , RDT nºs 27/28, 1984, pp. 134 ess.; Conra-se, também, TFR, Acórdão nº 48.112-SP, DJU 24.5.79, Rel. Carlos Mário da Silva Velloso:“Se o fato apurado pelo Fisco Estadual foi dado por inexistente, na órbita da Administração estadual,assim inexistente o fato gerador do tributo, não pode prevalecer a obrigação tributária (CTN, art. 133,§ 1º), por que sem fato gerador não há tributo. Em caso tal, não prevalece a conssão decorrente dopedido de parcelamento (Decreto nº 352 de 1968, art. 11, § 4º) porque não há como acolher conssãode débito inexistente”.

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Com efeito, há diferença gritante entre o pagamento e a mera apresentaçãoda declaração sem o correspondente pagamento. O pagamento, a compensaçãoe a transação, v. g. , têm por semelhança a ideia de que o contribuinte

inequivocamente confessa , em instrumento próprio, a sua qualidade dedevedor de um determinado montante, o que, data venia , não o tem uma meraDeclaração. Essa declaração, de verdadeiro cunho acessório ao recolhimento dotributo (obrigação acessória, dever instrumental289-290) informa ao Ente Público osvalores por ele apurados para pagamento. Isso não signica que ele confesse,automaticamente, ser devedor da quantia assinalada,291  que pode muito bem

289 “A elaboração dos referidos documentos (as declarações-liquidações a que se refere a doutrina es-

panhola) de harmonia com a lei scal, bem como a indicação neles do imposto correspondente aovalor da transação, constitui, porém, não a forma de um ato jurídico de aplicação da norma tribu-tária material , anterior ao pagamento, mas a simples realização de um dever tributário acessório,imposto por lei, para meros efeitos de scalização ou controle da legalidade dos pagamentos efe-tuados. Trata-se aí de uma atividade de registro em documentos próprios (faturas e livros), denatureza análoga à dos lançamentos na escrita dos comerciantes , que a lei só em apertados casospermite corrigir, de modo a evitar fraudes e desvios à função probatória ou de controle dos aludi-dos documentos” (XAVIER, Alberto, ob. cit. , p. 83; Nesse sentido WAGNER, José Carlos Graça. Olançamento na legislação do ICM , LTR, Supl. Trib., nº 141-76 e O lançamento na legislação do IPI, LTR,Supl. Trib., nº 171-76; DENARI, Zelmo. Elementos de Direito tributário , São Paulo, 1973, p. 244; SEIXASFILHO, Aurélio Pitanga. Função do lançamento tributário , RDT nº 53, 1990, pp. 164 e ss.

290 Em reforço, aduz ainda o Professor Xavier: “... nas situações tributáveis em causa, o que se nos

depara é, muito singelamente, uma adequação espontânea e pacíca do destinatário do preceito aocomando legal, através do cumprimento da obrigação que este lhe impõe, sem que se recontre ummomento, juridicamente autônomo, anterior a tal cumprimento. Certo, não se pode duvidar, queem determinados casos o contribuinte, para cumprir o imperativo da norma tributária procede auma operação que, do estrito ponto de vista lógico, é idêntica à efetuada pela administração scal:verica se no caso concreto se realizaram os pressupostos típicos que integram o fato tributário e,caso armativo, apura o montante da prestação que lhe cabe. Esta operação não é, contudo, dotadade relevância jurídica. Trata-se apenas de simples operações mentais que constituem, quando muito,um pressuposto de fato da conduta do devedor, mas que não constituem um ato jurídico autônomo,a que sejam imputáveis efeitos jurídicos próprios – e isto seja qual for a posição que se adote quantoà natureza do pagamento. Saímos aqui do terreno da aplicação do direito, para entrar no campo daconformação ou adequação ao direito.” (Xavier, Alberto. O conceito de autolançamento e a recente

 jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito tribu-tário: homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 570).

291 “Versando a declaração sobre fatos indisponíveis cuja investigação se subordina ao princípio daverdade material, pode ela ser modicada, por iniciativa do contribuinte, com vistas à sua reticação(Berichtigung). É o que resulta do art. 147, § 1º, do Código Tributário Nacional, segundo o qual ‘a re-ticação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou excluir tributo,só é admissível mediante comprovação do erro em se funde, e antes de noticado o lançamento’.Assim, se vê que o direito brasileiro não acolheu a concepção da declaração como conssão, poisa conseqüência lógica desta concepção é precisamente a irretratabilidade.

  (...) O erro que fundamenta a reticação, pode ser erro de fato ou erro de direito, pois tendo a decla-ração a natureza de uma ciência qualicada, tanto pode ter havido uma falsa representação do fatodeclarado, como uma incorreta caracterização jurídica do mesmo.

  (...) Não existem, pois, limites temporais para a reticação de que resulta acréscimo de tributo.Quanto à reticação de que resulte redução ou exclusão do tributo, a lei só admite até a noticação dolançamento, pois neste caso a garanti do contribuinte no sentido da restauração da verdade materialoperará, não pela via da reticação da declaração, mas pelo caminho da impugnação administrativaou judicial do lançamento noticado, ainda que este tenha reproduzido erros da própria declaração”

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conter equívocos de toda sorte, seja da apreciação quanto à ocorrência do fatogerador, isto é, má compreensão da aplicação da norma jurídica material aocaso concreto, bem como efetiva equivocidade quanto à apuração do quantum

debeatur , seja pela errônea aplicação e aferição da base de cálculo, como daalíquota aplicável.

Nesse sentido, a mera apresentação de declaração nada confessa, ao passoque o pagamento denitivo (e não o pagamento antecipado dos tributos sujeitosa lançamento por homologação), sim, detém presunção nesse sentido, servindo,portanto, para extinguir o crédito tributário.

Todavia, nos casos de tributos cujo lançamento se dá pela modalidade dahomologação, o pagamento, por si só, não detém efeito de extinção do créditotributário, daí a necessidade e, pois, obrigação do Fisco, de, nesses casos, lançaro tributo devido – lançamento de ofício. Nessas hipóteses, como se vê, o meropagamento dissociado da homologação, seja tácita ou expressa, não conduz aqualquer efeito liberatório, razão pela qual não se pode conferir a certeza deuma conssão de débito – tributário – nesses pagamentos de tributos cujospagamentos cam sujeitos à homologação.292

(NOGUEIRA. Ruy Barbosa. Teoria do Lançamento Tributário, São Paulo, 1973, p. 173; BORGES, J. SoutoMaior. Lançamento Tributário , São Paulo, 1970, p. 380; AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro ,

São Paulo, 1997, pp. 332-336) - grifos nossos.292 Leia-se, por oportuno, trecho relevante do voto, de acórdão da 1ª Seção do STJ, que abaixo se trans-creve, donde se conclui que a homologação ocorre com relação a pagamento realizado e não à decla-ração: “Cuida-se de embargos de divergência opostos pela Fazenda do Estado de São Paulo em face de acórdão

 prolatado pela C. Segunda Turma, cuja ementa restou vazada nos seguintes termos: (...) Relativamente ao de-nominado lançamento por homologação, o que ocorre não é a homologação do lançamento efetuado pelo contri-buinte, visto que, a teor do que dispõe o art. 142 do Código Tributário Nacional, o lançamento é ato privativo daautoridade administrativa, mas a convalidação da operação intelectual efetuada pelo sujeito passivo, valorandosua situação de vida de forma a conformá-la ao conteúdo da norma tributária, diversamente do que ocorre nolançamento de ofício ou por declaração, onde há a prática de um ato de aplicação do Direito, provinda da ativi-dade administrativa privativa, outorgada pelo citado art. 142. O que se homologa, portanto, nas hipóteses delançamento por homologação, não é ato de lançamento, mas a atividade do sujeito passivo tendente à satisfação

do crédito tributário. (...) Pois bem, neste ponto chega-se à inarredável conclusão de que, nos chamados tributossujeitos a lançamento por homologação, o lançamento nada constitui, eis que não é condição ao pagamento dotributo. Enm, que o crédito tributário nasce com o fato gerador, não com o lançamento.

  (...) Regra geral, o início da contagem do prazo de decadência é o primeiro dia do exercício seguinteàquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I, do Código Tributário Nacional).Assim, considerando-se que relativamente à exação em comento não há lançamento para a consti-tuição do respectivo crédito tributário, o termo inicial do prazo decadencial é a data da realização dofato imponível. A partir deste momento dispõe o Fisco de cinco anos para vericar a correção do pro-ceder do contribuinte, compelido por lei ao pagamento do tributo. Expirado este prazo, considera-sehomologado o lançamento e denitivamente extinto o crédito tributário, consoante preceitua o art.150, § 4º do Codex Tributário. Ora, extinguindo-se denitivamente o crédito após o transcurso decinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, não há mais ensejo à realização de lançamentotendente à constituição daquele crédito. Operando-se, para o Fisco, a preclusão do direito de lançar,pelo decurso do quinquênio legal, o crédito considera-se extinto. Assim, não há como prosperar apretensão do Embargante no sentido de xar como termo inicial da decadência justamente a datada extinção denitiva do crédito tributário. (... ) Impende salientar que a homologação a que serefere o art. 150 do Código Tributário é da atividade do sujeito passivo, não necessariamente

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Portanto, tais estimativas, lançadas em documento ocial, têm comocondão único auxiliar a Fiscalização na apuração do correto valor a pagar , eevidenciam tão somente que o particular, dentro da sua esfera obrigacional,

informou, mediante instrumento próprio, aquilo que acredita ser a realidade desua atividade, inclusive, sobre o que deveria pagar a título de tributo.

Entretanto, tal fato não pode, como já se viu, sob nenhuma hipótese,comparar-se a uma declaração expressa e inequívoca de ser devedor daquelevalor e concordar expressamente com o montante informado, como se para oDireito Tributário tal fosse possível. Quem confere essa certeza, e, por isso,leva à sua extinção, é o pagamento corretamente realizado. Com a declaração,por mais que o contribuinte informe que, pela sua análise, deveria quitar umdeterminado valor e assim não faz, não se pode admitir os mesmos efeitos deuma declaração espontânea e inconteste, seguida de pagamento com efeitoliberatório, ainda mais quando o próprio CTN expressamente determina quecabe apenas à autoridade scal concretizar aquele valor informado por meio dolançamento, tornando-o potencialmente constituído.

Em resumo, trata-se de um dever legal de informação à Fiscalização, tãosomente. As duas situações, embora parecidas, não se confundem, data venia:uma coisa é uma estimativa decorrente de uma obrigação acessória, outra coisaé uma declaração expressa e inequívoca de reconhecimento de dívida: o pronto

e correto pagamento – lançamentos de ofício ou por declaração – e/ou com aposterior homologação expressa ou tácita (nos lançamentos por homologação).Notem, as divergências são gritantes.

Com efeito, para se produzir os regulares e usuais efeitos jurídicos de umaconssão válida acerca de certa dívida dentro dos termos da lei, alguns requisitos básicos hão de estar presentes: em primeiro lugar, vontade não viciada, decorrentede livre e espontânea iniciativa; instrumento ou veículo sucientemente válido eapropriado para tanto e objeto lícito e possível (de modo que possa surtir regularesefeitos legais; v. g. , a declaração no sentido de ser devedor de toda a produção

monetária do universo é manifesta e claramente viciada, deturpada e, pois, nula, já que tal conssão não detém força alguma para produzir efeitos legais, pormanifesta impossibilidade fática, já que seu objeto é impossível de ser alcançado).

do pagamento do tributo. O que se homologa, quer expressamente, quer tacitamente, é o pro-ceder do contribuinte, que pode ser o pagamento suciente do tributo, o pagamento a menorou a maior ou, também, o não-pagamento. Seja qual for, dentre todas as possíveis condutas docontribuinte, ocorre uma cção do Direito Tributário, sendo irrelevante que tenha havido ou nãoo pagamento, uma vez que relevante é apenas o transcurso do prazo legal sem pronunciamentoda autoridade fazendária , di-lo o Codex Tributário. Transcorrido o prazo de cinco anos, previsto noart. 150, § 4º, não mais poderá o Fisco efetuar o lançamento do tributo, ou seja, constituir o créditotributário. (...) Infere-se desse contexto que, trancorrido o prazo previsto no art. 150, § 4º, não subsistepara o Fisco o direito de lançar o tributo. Com essas considerações, REJEITO OS EMBARGOS DEDIVERGÊNCIA.” – grifos nossos - (Embargos de Divergência em Recurso Especial 276.142/SP, Rel.Min. Luiz Fux, 1ª Seção, j. em 13.12.2004, pub. em 28.02.2005, p. 180).

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Nesse passo, aproveitar a declaração do contribuinte para sobre ela atribuirefeitos de uma conssão de dívida, apta, portanto, a prescindir da regular apreciaçãopelo Ente Fazendário para desencadear a constituição do crédito – calcado no fato

de, supostamente, a declaração ter o mesmo efeito de uma conssão –é ignorarum detalhe básico: o de que o Direito Tributário se funda nas prescrições legais enão na simples declaração do contribuinte. E mais, que para ns de constataçãoda obrigação tributária o que é captado pelo Direito positivado são os fatos quese subsumem à norma da hipótese de incidência e não a declaração desses fatos.

Mesmo que o contribuinte informe que existe uma dívida não paga, pormeio de uma Declaração, tal fato não tem e nem pode ter o condão de dispensara Administração Pública do dever expresso no art. 142 do CTN, com o perdãodos que pensam em contrário.

O Professor Humberto Ávila, em palestra memorável na Câmara deComércio Brasil-Estados Unidos, ao comentar a manifesta inconstitucionalidadedas cláusulas legais que impõem, em alguns parcelamentos especiais, aobrigatoriedade de declaração do contribuinte como devedor – conssãode dívida –, regozijou a plateia com a constatação de que, no caso, não há amenor possibilidade de o contribuinte confessar a ocorrência de fatos, ainda que juridicizados pelo Direito, quando muito, apenas informa e declara númerose não os fatos em si, posto que apenas estes é que interessam ao ordenamento jurídico, e nunca a declaração do sujeito passivo.

Na aludida conferência, o jurista gaúcho questionou a plateia se estaria,automaticamente, congurada a incidência da hipótese legal para o pagamentodo imposto de renda, ao se proclamar, tão somente e de modo inverídico, se terauferido uma renda de um milhão de reais? A resposta uníssona foi um sonoronão.

Isso porque, explicou o professor gaúcho, o Direito Tributário não se fundaorganicamente, sistematicamente, a partir das declarações dos contribuintes,senão e apenas nos fatos por esses realizados. Isso quer dizer, então, que nãofaz a menor diferença para o Fisco uma declaração do contribuinte, para ns de

incidência de determinada regra jurídica, dissociada do fato que realmente tenhaocorrido no mundo das coisas. Bem de se ver, que tão somente, os fatos peloscontribuintes praticados, quando juridicizados, é que interessam ao Direito, emespecial, ao Direito Tributário.

O professor Humberto Ávila, dando sequência à linha de raciocínio supra,tratando do tema no artigo Conssão cria Tributo?293 foi mais além, e ao tratar dadisponibilidade dos Direitos Fundamentais para ns de constatação da validadeda conssão para constituição de tributos, aduziu o seguinte:

293 ÁVILA, Humberto. Conssão cria Tributo? Apontamentos sobre a Disponibilidade do Contribuinte so-bre Direitos Fundamentais. In  Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. (ROCHA, Valdir deOliveira (org.), 12º vol. São Paulo: Dialética, 2008, p. 265).

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“As regras, acima referidas, demonstram que a vontade contribuinte,no que se refere à instituição de tributos, é totalmente impertinente eirrelevante. A sua conssão, relativa à existência ou inexistência de um

tributo, isoladamente considerada, é nula.”

Em passagem posterior, chega a atestar que “a vontade do contribuinte não temrelevo algum relativamente à validade ou invalidade de determinada norma jurídica” e nemmesmo “à denição jurídica dos fatos”,294 culminando por constatar “que a conssão docontribuinte relativamente à existência de um tributo é totalmente inoperante”.

Todavia, a armação mais marcante é aquela que sintetiza toda aargumentação desenvolvida acima, no sentido de que “o contribuinte, só podeemitir enunciados descritivos dos fatos, nunca prescritivos de obrigações”.295

Tal constatação implica armar que o Direito Tributário se fulcra napremissa básica e única, por certo, de que o que interessa mesmo para ns deincidência de regras jurídico-tributárias positivadas são os fatos e nada maisalém. O fato de alguém declarar algo não necessariamente signica que hajarelevância jurídico-positiva, mormente relevância jurídico-tributária. Explica-seessa constatação, repise-se, exatamente pelo fato de que ao Direito Tributáriointeressa apenas a concretização de fatos juridicizados, que, portanto, a normalegal contemple e preveja a consequência obrigacional correspondente.

A comprovar tais assertivas, Ataliba com propriedade aduziu que a vontadedas partes “é irrelevante para determinar o nascimento deste vínculo obrigacional”,296 oque da mesma maneira raticou Hugo de Brito Machado, ao dispor que:

“(...) ainda que a conssão tivesse natureza contratual, não se poderiaadmitir que a dívida de tributo dela se originasse. O tributo é devido comosimples conseqüência da incidência da norma, ou não é, se incidência nãohouve. A vontade do sujeito passivo, bem como a vontade da AdministraçãoTributária não pode ter a virtude criar dívida. (...)”297 

E não apenas a doutrina pátria entende dessa forma. Gian Antonio Micheli,sobre os efeitos da declaração, para ns de constituição de crédito scal, aduziuo seguinte:

“Nesta categoria, o procedimento tem início com uma denúncia docontribuinte que deve ser apresentada em cumprimento de ‘obblighi’ postospela lei... Tal declaração é uma participação de ciência, ato devido, imposto

294 Idem, idem.295 Idem, idem.296 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 33.297 MACHADO, Hugo de Brito. “Conssão Irretratável de Dívida Tributária nos Pedidos de

Parcelamento”. In: Revista Dialética de Direito Tributário nº 145. São Paulo: Dialética, 2007, p. 51.

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pela lei para permitir ao ente exercer o próprio dever de imposição... Adeclaração, como participação de ciência, não vincula o declarante, não éportanto uma conssão, nem, como tal, possui plena ecácia probante em

relação à Administração que possui, ao invés, o dever de controlar o seuconteúdo. A declaração não é, portanto, congurada como ato negocial oucomo um pedido cuja apresentação constitua condição necessária para oexercício da potestade impositiva mas como o cumprimento de um obbligode facere consistente num ter de realizar um dado comportamento que seconcretiza no emitir uma participação de ciência.”  298 

Portanto, a constatação de que os números declarados têm estrita correlação

a certos fatos realizados – esses sim que se subsumem aos comandos legais efazem nascer a obrigação tributária – não se agura suciente para, a partirdeles, se poder extrair precisa e manifesta convicção de uma certeza jurídica. Até mesmo porque, se houver erro nos dados lançados na declaração e delesresultar o ajuizamento de correspondente executivo scal, com a comprovaçãodo erro cometido, quem terá dado causa a esse executivo scal indevidamenteajuizado: o contribuinte ou o Fisco?

Com efeito, não há certeza jurídica, exatamente, pois as declaraçõesprestadas pelos contribuintes – obrigações assessórias – não declaram nem

confessam fatos, estes sim relevantes ao ordenamento jurídico. E essa certezajurídica, a qual o CTN previu com muita sabedoria, cabe ao Fisco, e sematerializa por meio do lançamento formalmente realizado.

Nesses exemplos de tributos, cujo lançamento se dá por homologação,atualmente a grande maioria dos tributos, os recolhimentos e os lançamentoscontábeis correspondentes, não detêm qualidade alguma de denitividade: ospagamentos antecipados cam, pois, sob condição resolutória, para só após os 5(cinco) anos previstos, tornarem-se denitivos e extintos (homologação tácita).

Nesse contexto, se a própria lei informa que ao pagamento antecipado otratamento é diferente, praticamente prescrevendo uma graduação (de qualidadeinferior) a esse crédito, evidentemente, este, por pura lógica, deverá merecer, poressa “menor qualidade” , tratamento díspar. Ora, se cabe a homologação posterioré porque cabe também um lançamento de ofício suplementar ou integral(conforme o caso), notadamente sobre aquela parcela que estiver em desacordocom a legislação scal: apenas dessa forma igualam-se as partes com tratamentorecíproco, inclusive quanto aos efeitos dos pagamentos.

Querer armar diante do que se tem – as regras do CTN – que o pagamento

antecipado detém o mesmo poder liberatório e de quitação daquel’outro

298 Curso de Direito Tributário, tradução da 1ª edição italiana por Marco Aurélio Greco e Pedro LucianoMarrey Jr., São Paulo, RT, 1978, pp. 193/194.

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previamente xado por lei para determinados tributos é criar similitude ondenão existe e que nem mesmo a lei previu.

Dessarte, faz-se oportuno questionar, então, caso não se entenda da

forma acima: qual seria a razão para se conferir aos pagamentos realizados porantecipação tratamento diferenciado, comparativamente àquele pagamentoposterior que, por exemplo, decorra de um lançamento ex ocio?

Nessa hipótese, já que ao pagamento antecipado se atribuiu uma menorimportância comparativamente ao pagamento denitivo por exigir homologaçãoposterior – para plena quitação e alcançar, pois, efeito liberatório –, com maisrazão, então, passa-se a exigir que sobre a parcela impaga, porém declarada,haja tratamento, ao menos, igual às demais situações (em que não exista a gura

de recolhimento antecipado, seguido de apresentação de declaração). Ambasas situações cariam a exigir lançamento de ofício (complementar ou integral) justamente como forma de equilibrar as situações e manter viva a isonomia quedeveria pautar o relacionamento do Fisco para com os contribuintes.

Sendo assim, qual a razão de sempre exigir a extenuação do contribuintecom o máximo de obrigações, porém com efeitos de natureza diversa?

No julgamento do RESP nº 850.423/SP, afetado ao Plenário da 1ª Seção, porsolicitação da Ministra Eliana Calmon, em sessão de 15 de março de 2007,299 o Eg.STJ raticou a sua posição – uniformizando o entendimento – relativamente a

dois tópicos: (i) o primeiro no que diz respeito à desnecessidade de constituiçãoformal do crédito, sendo suciente para esse m a declaração prestada pelocontribuinte – em que pesem as severas críticas aqui assumidas quanto a essaposição – para aparelhar executivo scal correspondente; e (ii) por m, que nessecaso, com a declaração prestada, não faz mais jus o contribuinte aos benefícios dadenúncia espontânea, já que com a declaração em poder do Fisco, encontra-se,

299 “TRIBUTÁRIO. ARTIGO 535. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO.

DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE DESACOMPANHADA DE PAGAMENTO. PRESCRIÇÃO.DENÚNCIA ESPONTÂNEA.1. (...)

  2. Tratando-se de tributos sujeitos a lançamento por homologação, ocorrendo a declaração do con-tribuinte desacompanhada do seu pagamento no vencimento, não se aguarda o decurso do prazodecadencial para o lançamento. A declaração do contribuinte elide a necessidade da constituiçãoformal do crédito, podendo este ser imediatamente inscrito em dívida ativa, tornando-se exigível,independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de noticação ao contribuinte.

  3. O termo inicial da prescrição, em caso de tributo declarado e não pago, não se inicia da declaração,mas da data estabelecida como vencimento para o pagamento da obrigação tributária declarada.

  4. A Primeira Seção pacicou o entendimento no sentido de não admitir o benefício da denúncia es-pontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação quando o contribuinte, declaradaa dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente. Precedentes.

  5. Não congurado o benefício da denúncia espontânea, é devida a inclusão da multa, que deveincidir sobre os créditos tributários não prescritos.

  6. Recurso especial provido em parte.” (RESP 850.423/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, j. em28.11.2007, pub. em 07.02.2008).

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de pronto, excluída a espontaneidade, capaz de albergar os benefícios constantesdo art. 138 do CTN.

Todavia, o Ministro Fux, no precedente acima, foi voto vencido isolado

exatamente por acreditar que não se pode fazer tábula rasa do quanto seguedisposto no art. 138 do CTN e seu parágrafo único, em especial, que prevê aocorrência de denúncia espontânea antes do início de qualquer procedimentoadministrativo ou medida de scalização.

O seu voto proclama, para o bem da comunidade jurídica, e, em especial,aos aplicadores e operadores do Direito Tributário, que por se tratar o institutoda denúncia espontânea uma fórmula legalmente prevista para, nas palavrasde ATALIBA, servir como “medida oportunista, que busca a comodidade do sco e oincremento da arrecadação, mediante a criação de um estímulo ecaz ao cumprimento

espontâneo dos deveres e obrigações estabelecidos na lei scal”,300  enquanto nãotomada nenhuma conduta ativa por parte da Fazenda prejudicada pela infraçãocometida, fará jus sim o contribuinte ao afastamento das multas punitivas.

O desenvolvimento das razões acima passa, inclusive, por raticar o queacima se armou no que diz respeito à observância dos fatos e não de declaraçõesdos contribuintes para ns tributários. Veja-se:

“Com efeito não se agura escorreita a tese de que a intenção do Fisco coma denúncia espontânea seja viabilizar o aparelhamento de eventual execuçãoscal com a constituição do crédito pelo contribuinte, mediante a conssão dodescumprimento da obrigação tributária acessória (entrega da DCTF ou GIA),ante a grande probabilidade de restar impune a sonegação scal perpetrada(tributo não declarado, nem pago), tendo em vista que o fato jurídico tributário,ensejador da relação jurídica tributária, só ganha concretude quando o eventotributário  (acontecimento do mundo dos fatos) é vertido em linguagemcompetente. Isso porque a própria norma excludente da responsabilidade porinfração (material ou formal) exige que a denúncia seja, acompanhada, se for o

caso, do pagamento do tributo devido.” – grifos nossosAinda que tenha o Ministro Fux afastado a alegação da Fazenda, que

converge com o nosso entendimento, chegou à mesmíssima conclusão acerca daplena viabilidade do instituto da denúncia espontânea, mesmo tendo apresentadodeclaração acessória, sendo que antes de qualquer medida do Fisco, tenhapromovido o interessado o pagamento do tributo devido ou mesmo tendo sanadoa infração formal, seguida do pagamento da mora devida, em qualquer caso.

Conra-se o deslinde do preciso raciocínio do Min. Fux:

300 ATALIBA, Geraldo. Espontaneidade no Procedimento Tributário. In Revista de Direito Mercantil nº 13,1974, p. 32.

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“Desta sorte, qualquer que seja a forma de constituição do créditotributário (art. 147/150) que a legislação estabeleça, ultimado o prazo paraseu recolhimento (obrigação principal) ou descumprido quaisquer deveres

instrumentais pertinentes (obrigação acessória), enquanto não iniciadoqualquer procedimento administrativo ou medida scalizatória tendente àpersecução do adimplemento da obrigação de dar ou de fazer em sentidoamplo, é autorizado ao contribuinte infrator beneciar-se no instituo dadenúncia espontânea.Deste modo, antecipando-se o contribuinte a qualquer procedimentoadministrativo a partir do evento danoso à Fazenda (inadimplente noprazo), há denúncia espontânea com os consectários do art. 138, do CTN,máxime porque a Administração Tributária atua ante  e  post facto, via

scalização.Sobreleva destacar, ainda, que se revela falaciosa a assertiva de que,nas hipóteses de tributo sujeito a homologação declarado e não pago, acobrança da exação prescinde de qualquer procedimento administrativoou medida de scalização, o que afastaria a espontaneidade exigida peloart. 138, do CTN. Isto porque a própria apuração e inscrição do débito nolivro de registro da dívida pública congura procedimento administrativode controle da legalidade da constituição do crédito tributário, tendente àprodução de título executivo extrajudicial (CDA) que viabiliza a cobrança

 judicial da obrigação tributária principal inadimplida.Por conseguinte, as limitações jurisprudenciais hoje impostas implicamem incidir a denúncia espontânea tão somente em tributos cujas ações jáestão prescritas ou sem qualquer aplicação ecaz, porquanto não atendea lógica jurídico-tributária acolher a alegação de que o contribuinte quedeclarou não terá direito ao benefício, mas aquele que deixou de declarar,assumindo posição mais gravosa em relação ao Fisco, ostenta o direito depagar o crédito com a exclusão da multa moratória.” – grifos nossos

E arremata o Ministro Fux:

“Outrosim, a utilização da máxima begnina amplianda, odiosa restringenda recomenda, que, na hipótese em que o texto legal contemple mais deum sentido, o exegeta opte pela interpretação conducente ao efeito mais benigno em detrimento da qual advenha maior inconveniente, desde quenão resulte prejuízo para terceiro.Desta sorte, vencido o prazo de pagamento, qualquer que seja a forma deconstituição do crédito tributário, há denúncia espontânea excludente das

penalidades correspondentes. Isto porque, a gura da espontaneidade, nasua essência, congura arrependimento scal, deveras proveitoso para osco, porquanto o agente infrator, desistindo do proveito econômico quea infração poderia carrear-lhe, adverte a entidade fazendária, sem que

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ela tenha iniciado qualquer procedimento para a apuração dos fundospotencialmente exigíveis, como soem ser os tributos.(...)

Obedecida essa ratio essendi do instituto, exigir qualquer penalidade, apósa espontânea denúncia, é conspirar contra a norma inserida no art. 138,do CTN, malferindo o m inspirador do instituto, voltado a animar epremiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento(sanções premiais/sanções positivas)” – grifos nossos

A conclusão acima, ainda que isolada do Ministro Fux, apesar de nãopropriamente seguida, promoveu perante seus pares profunda reexão, o queevidencia, apesar do posicionamento já trilhado pelos Ministros da Corte, a seriedade

do tema, bem como a preocupação com a necessária segurança jurídica a serperseguida, em prol da relação isonômica entre contribuintes e entre contribuintese o Fisco.

Repare-se que há nítido desconforto da Corte com a manutenção daorientação, contrariada corretamente pelo exímio voto do Ministro Fux, comose destaca do trecho do voto do Exmo. Ministro Castro Meira, o Relator do caso,nos seguintes termos:

“Qualquer das teses a ser adotada traz, em conseqüência, um grande

‘desconforto’ jurisprudencial. Se carmos com a orientação hoje aceitaneste Colegiado, de que não se congura a denúncia espontânea, criamos aseguinte situação: o contribuinte que declarou não terá direito ao benefício,mas aquele que deixou de declarar, assumindo posição mais gravosa emrelação ao Fisco, terá direito de pagar o crédito com a exclusão da multamoratória.Por outro lado se retrocedermos às primitivas decisões das Turmas de DireitoPúblico, que entendiam congurada a denúncia espontânea, nos afastamosda necessária coerência que deve alinhar os precedentes desta Seção.”

Entretanto, o desconforto destacado é causado pelos próprios Ministros.Apenas com a manutenção dessa orientação é que a contradição se mantémviva. Infelizmente, essa orientação atende muito mais aos interesses fazendários(comodidade) do que propriamente aos comandos expressos dos ditames legais.

Nesse passo, cabe novamente questionar: em que diploma legal estáassentado que a declaração do contribuinte elide a formal constituição do créditotributário? A reposta está na negativa absoluta, e se ao contrário, houvesse aobservância irrestrita ao que segue regido no art. 142 do CTN e aqui defendido,

toda essa celeuma nunca teria se instaurado.Nesse diapasão, retomando o voto-vista do Ministro Fux, é possível extrair

a correta convicção de que se observando de perto a coerência das disposiçõesdo CTN, a consequência natural da interpretação de seus dispositivos acerca do

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lançamento e seus efeitos é a de alcançar a concretização da dívida scal pelolançamento, realizado pela Autoridade Fiscal.

E, por outro lado, a concretude a que alude o Professor Ricardo Lobo Torres

com a Declaração do contribuinte, que indica um valor a pagar ou conformedeveria ter pago, é tão somente prova em contrário  para a alegação futuradeste, dentro de um procedimento de constituição de crédito. Daí então, é que sepode armar, respeitado o comando do art. 142 do CTN, que se faz necessárionoticá-lo, mesmo em situações de apresentação de declaração (obrigaçãoacessória) , de modo que o contribuinte possa alegar o que bem quiser em defesa,muito embora nesse caso especíco terá o ônus de provar que o que lançou nasDeclarações continha equívocos, estava em desacordo com a realidade.

Repare-se que nesses casos de autolançamento por meio de pagamentoantecipado com apresentação de declaração, a Fiscalização homologa a supostaquitação – na verdade pagamento mediante condição ulterior de liberação – enão o autolançamento em si (o ato declaratório do contribuinte): em realidade,homologa-se chancelando o pagamento escorreitamente efetuado dentro doespectro normativo correspondente em montante correto, aí então conferindoefeito de quitação plena.

Nos casos de não pagamento, muito embora, com apresentação dedeclaração, a Fiscalização haveria de lançar de ofício o tributo em questão,

tomando por base a declaração do contribuinte. Isso porque há quem defenda queno autolançamento não existe lançamento algum,301 o que demandaria, portanto,o imprescindível e necessário lançamento, comunicando-se o contribuinte doato em questão, de forma que, diante de lançamento realizado com base emdocumento por ele próprio apresentado, caria muitíssimo complicado eximir-se da obrigação, cando com a incumbência de desconstituir a prova já realizadade per si , em favor do Fisco302 e em seu desfavor.

301 “...o ‘auto-lançamento’ como um elemento de um ato complexo, cujo termo estaria no ato pelo qualo Fisco, exercendo poderes de scalização, vericaria a posteriori , o pontual cumprimento da dívida,“homologando” deste modo o ato do contribuinte.” (SOUZA, Rubens Gomes. Compêndio de legislaçãotributária, (edição póstuma, São Paulo, 1975, pp. 89/90); “Certo, não pode duvidar-se que em deter-minados casos o contribuinte, para cumprir o imperativo decorrente da norma tributária, procede auma operação que, do estrito ponto de vista lógico, é idêntica à efetuada pela Administração scal:verica se no caso concreto se realizaram os pressupostos típicos que integram o fato tributário e,caso armativo, apura o montante da prestação que lhe cabe. Esta operação não é, contudo, dotadade relevância jurídica. Trata-se apenas de simples operações mentais, que constituem quando muitoum pressuposto de fato da conduta do devedor, mas que não constituem um ato jurídico autônomo,a que sejam imputáveis efeitos jurídicos próprios – e isto seja qual for a posição que se adote quantoà natureza do pagamento.” (XAVIER, Alberto. Ob. cit., p. 80).

302 “Em conclusão do que se expôs verica-se que nunca há lugar a um verdadeiro lançamento nagura do ‘lançamento por homologação’: na há lançamento no ‘auto-lançamento’ pretensamenteefetuado pelo contribuinte, como pressuposto do pagamento, pois não existe um ato administrativo;não há lançamento na ‘homologação expressa’, pois esta nada exige, apenas conrma a legalidadede um pagamento efetuado, a título de quitação; e não há lançamento na ‘homologação tácita’, que

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Em suma, é basicamente o que acontece com a constatação de dissoluçãoirregular. Tal fato não implica, como bem delineou o Eg. STJ, 303  automáticaresponsabilidade dos diretores, sócios e administradores, mas tão somente uma

inversão do ônus probandi para que estes inrmem a constatação da dissoluçãoirregular e/ou de que não foram os corresponsáveis pela dissolução, de quenão foram esses quem deram causa à dissolução irregular, ou mesmo paraevidenciar, ainda, que não teriam agido com dolo ou má-fé, o que para os casosde dissolução irregular confere-se a presunção iuris tantum nesse sentido.

Nesse procedimento, praticamente pronto de constituição do créditotributário, calcado, por exemplo, em DCTF, ca a cargo do contribuinte não

também não é ato administrativo, mas um simples silêncio ou inércia produtor de efeitos preclusi-vos.” (XAVIER, Alberto. Ob. cit., pp. 89/90).303 “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-

GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES.1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, pordívidas scais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente,administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da socie-dade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 2. Em qualquer espécie de socieda-de comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Osdiretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, masrespondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandatoe pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76). 3. De acor-

do com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantesda pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigaçõestributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração delei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. 4. O simples inadimplementonão caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ouinfração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócioa esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade  tributária do ex-sócio. 5.Precedentes desta Corte Superior. 6. Embargos de Divergência rejeitados.” (ERESP nº 174.532/PR,Rel. Min. José Delgado, 1ª Seção. j. em 18.06.2001, pub. Em DJ de 20.08.2001, p. 342) – grifos nossos;“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES. 1. Os bens do sócio deuma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas scais assumidas

pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ouequivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infra-ção à lei praticada pelo dirigente.

  2. Em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que responde sempre e inte-gralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações con-traídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros, solidária eilimitadamente, pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou dalei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76). 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário,os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substi-tuição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato oufato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termosdo art. 135, III, do CTN. 4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindoprova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos,não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal.Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. 5. Precedentes desta Corte Superior. 6.Embargos de divergência rejeitados. (ERESP nº 260.107/RS, Min. Rel. José Delgado, 1ª Seção, j. em10.03.2004, pub. Em DJ de 19.04.2004, p. 149).

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apenas alegar, mas fundamentalmente, provar que a DCTF estava equivocada,que continha vícios formais e materiais.

Enm, já conta, portanto, a Administração Fazendária com uma

prova robusta304

  e quase irretorquível da regularidade do crédito que deveirremediavelmente, nos termos do art. 142, e denitivamente constituir, o que nãosignica em absoluto a desnecessidade de constituí-lo pelo seu ato inaugural, olançamento (sua noticação), sob pena de se estar exarando, posteriormente em juízo, crédito tributário que não é crédito efetivo, integral, pleno, isto é, dívidaque não reúne os requisitos legais básicos, quais sejam, sua denitividade,certeza, liquidez e exigibilidade, por ausência de procedimento obrigatório.

Infelizmente, quem atualmente exerce esse controle revisional dos erroscometidos nas Declarações tem sido os Juízes Federais, que permanentemente

cam adstritos a discussões totalmente alheias à jurisdição – discrepância dedados entre Declarações e as suas Reticadoras –, atividade que deveria estarsendo cumprida pelas autoridades fazendárias, com muito mais razão.

Nos executivos scais, por exemplo, em que a cobrança é calcada eminformação constante de Declaração, posteriormente reticada, o Juízo éobrigado a gerir uma ação, praticamente, administrativa, sendo muito mais umobservador do que propriamente um gestor do processo em questão.

Nesse passo, não seria mais lógico, em vez de ocupar as prateleiras e gabinetesdos Juízes com questões de discrepâncias entre Declarações que o próprio órgãoresponsável pela sua análise, para ns de constatação de crédito scal impago,seja também o responsável pela análise prévia das declarações reticadoras, e,ao nal, em se vericando que de fato ainda há valores em aberto, promovatal órgão o lançamento denitivo, encaminhando-o para ser inscrito em DívidaAtiva e posteriormente cobrado via executivo scal? Quer nos parecer que aordem cronológica só poderia ser essa e, o mais importante, evitaria que Juízesfossem transformados em meros espectadores de divergências entre o Fisco e ocontribuinte.

Ademais, nesses casos – desprovidos de procedimento prévio deconformação/acertamento) – são inexistentes as condições de ação – no caso,as características do título, conforme exigem os arts. 586 e 618 do Código deProcesso Civil305  – e inexistente o título, ou melhor dizendo, irregular, restaviciada, por completo, a própria execução a que se dá início.

304 “(...) a função de tais atos consiste em atribuir à outra parte a disponibilidade de uma prova plena, aser usada no interesse pessoal da pessoa a quem aproveita, enquanto a nalidade da declaração nãoé a de atribuir o sco a disponibilidade de uma prova plena a ser utilizada pelo sco no seu interessecomo parte, mas ao contrário, a de fornecer à autoridade scal os elementos necessários ao desem-penho de uma atividade administrativa, cujo objetivo, por sua vez, não é a pura e simples defesado interesse do Fisco, mas a atuação da vontade abstrata da lei no caso concreto.” (SOUZA, RubensGomes. A reticação das declarações do imposto de renda viciadas por erro de direito , In Estudos de DireitoTributário, São Paulo, 1950, pp. 275 e ss., esp. 281-282);

305 Arts. 586 e 618 do CPC.

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com os seus corolários da livre apreciação das provas e da admissibilidade detodos os meios de prova. Daí a lei scal conceder aos seus órgãos de aplicaçãomeios instrutórios vastíssimos que lhes permitam formar a convicção da

existência e conteúdo do fato tributário.” – grifos nossos

Nesse mesmo sentido, pronunciou-se o Prof. Ives Gandra Martins,307 quando, por exemplo, ao tratar da relevância do artigo 142 do CTN, aduziu queo ato do lançamento só pode signicar “conformar por inteiro” a aplicação da leitributária ao caso concreto, não permitindo dúvidas. Conra-se:

“Ora, os quatro aspectos mencionados pelo art. 142 do CTN são de exclusivaresponsabilidade do sujeito ativo da relação tributária. E de mais

ninguém. Vale dizer, deve determinar, de forma clara e nítida, respeitadosos princípios da estrita legalidade, tipicidade fechada e reserva absoluta delei formal, o sujeito ativo, a) quando, como e onde ocorreu o fato geradorda obrigação tributária; b) qual sua base de cálculo; c) qual o montante dotributo; d) qual o sujeito passivo.

No concernente à base de cálculo, a clareza é inequívoca. Compete aosujeito ativo a determinação da base de cálculo, ou seja, da matériatributável. Determinar quer dizer conformar por inteiro. Denir. Nãopermitir dúvidas. Espancar generalidades. Afastar zonas cinzentas.Determinar é dar o perl completo, o desenho absoluto, nítido, claro,cristalino, límpido. E tal determinação tem que ser apresentada pelosujeito ativo no lançamento, e não pelo sujeito passivo. Tal colocaçãoobriga o sujeito ativo a fazer levantamento completo, a partir de fatosindiscutíveis e inquestionáveis e não de meras presunções ou palpites paraprodução de autos de infração, sem determinação da matéria tributável,na expectativa de que o sujeito passivo a determine na impugnação. Nãopode proceder por ‘achar que’, na esperança de que a falha defesa do sujeitopassivo termine por tornar líquido e certo, pela omissão ou impossívelprova negativa, a ilíquida, incerta e indeterminável matéria tributável.Pelo art. 142 do CTN, compete o ônus da prova de que a matéria tributável,a base de cálculo existe, ao sujeito ativo da relação tributária e não aopassivo, pois que apenas a autoridade administrativa, de forma privativa,tem competência para determinar tais elementos. E tais elementos têmque ser tipicados por inteiro, não podendo ser conformados por elástica,exível, maleável e extensível aplicação do princípio da legalidade e da

tipicidade.

” – grifos nossos

307 In Lançamento Tributário e Decadência , Hugo de Brito Machado (coord.) 2002, pp. 281 e 282.

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Infelizmente, o Eg. STJ abonou conduta que contraria todas as lições supra.Com efeito, tal entendimento destruiu a premissa básica e inerente à cobrançaexecutiva, qual seja, ser viável mediante rito próprio, especial e enxuto, quandocomparado a uma simples ação de cobrança.

A razão de ser, para que a Certidão de Dívida Ativa possa ultrapassar umprocesso de conhecimento (judicial), justica-se, ou, ao menos se justicava,pois, anteriormente à cobrança executiva judicial, já existia uma prévia atividadeadministrativa, substitutiva a essa “ação de conhecimento” pretérita ao executivoscal.

Apenas por meio desse procedimento prévio é que se conferia uma certeza

tal, que de tão grande, tornava tais créditos scais inabaláveis, a ponto de setornar um título executivo (tal como o é a nota promissória, a letra de câmbio, ocheque, a duplicata, os warrants , e demais títulos de créditos).

Enm, atualmente, violando-se as mais comezinhas condições da ação,especialmente no que concerne a uma ação executiva, chancela-se o erro primáriono sentido de mera declaração possuir as mesmas garantias e privilégiosde um título executivo: uma DCTF hoje, por exemplo, tem o mesmo status  eimportância do que um procedimento complexo, tendente à vericação de um

crédito tributário efetivamente dotado de certeza, liquidez e exigibilidade.Ante o fato de que as declarações não pressupõem definitividade, já

que se lhes permite retificar informações errôneas dentro do prazo legal,demonstra-se, ademais e inequivocamente, ser deveras absurdo conferirtão pesada e severa condição a um documento unilateralmente produzido,sem qualquer – mínima que fosse – averiguação ou chancela por parte daAutoridade Fazendária.

Isso porque um título executivo não admite reticações, equívocos,consertos, ajustes, emendas, ao passo que as Declarações, contrariamente,admitem. Um título tem como características básicas a sua certeza, a sua liquideze a sua exigibilidade, calcadas em irretratabilidade e irrevogabilidade do créditoque se exprime. Teriam as declarações essas condições? Claro que não, o quelogicamente lhes retira qualquer característica inerente a um título.

Em suma, de tudo o quanto já fora exposto, restou nítido, a par de algumasdivergências teóricas, a concordância quanto ao entendimento sobre a matéria

em exame, conforme a doutrina majoritária brasileira, que vê no lançamento umato formal tendente e inicial à constituição denitiva do crédito tributário.Rearma-se, portanto, nesse estudo, a natureza declaratória da obrigação

tributária, porém constitutiva do crédito, em que pesem as doutas e abalizadas

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opiniões em contrário, que enxergam no lançamento apenas a naturezadeclaratória da obrigação ou mesmo constitutiva da obrigação.308-309

E como já se viu, entendem alguns, como o Professor Ricardo Lobo Torres,

que a constituição do crédito independe de qualquer ato governamental paratanto, nascendo desde a ocorrência do fato gerador, isto é, nasce e se constituinesse instante.

Entretanto, como já demonstramos, outro enfoque foi dado por nós ao tema,conforme o disposto no CTN, nos afastando, ligeiramente, da armação acima, sem,contudo, retirar-lhe fundamento: a bem da verdade, concordamos com as causas e osefeitos, muito embora discordemos apenas de algumas premissas e conceitos, como já evidenciado, o que não nos coloca, em absoluto, em rota de colisão ou confrontocom a doutrina do Professor Lobo Torres, e nem temos essa pretensão.

Em reforço à presente linha argumentativa, some-se que o próprio diploma– o CTN – carrega um sistema hermeticamente harmônico e funcional, valendo-se de palavras e terminologias que exprimem um signicado sólido, que nãopodem nem poderiam ser desprezados.

Repare-se, que o CTN diferencia lançamento da constituição do créditoapenas quanto ao aspecto formal e temporal (cronologia), muito embora deixe bem claro que um não seria alcançado sem o outro: nunca se teria créditodenitivamente constituído sem lançamento; ou melhor, sem lançamento, nãose teria crédito constituído, ou, pelo menos, ainda em constituição.

Ao mesmo tempo, o CTN lacra o sistema com a menção expressa ao fato deque a constituição é ato complexo da Administração, que se inicia com um atuarpositivo da Fiscalização.

Isso é o que nos traz, inequivocamente, o parágrafo único do art. 173, veja-se:

“Art. 173. (...)Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-sedenitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da dataem que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela

noticação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatóriaindispensável ao lançamento.”

308 GIANNINI, Achille Donato. Istituzioni di Ditrio Tributário. 8ª ed., Milão: Giuré, 1960; GIANNINI,Achille Donato. I Concei Fondamentalli del Dirio Tributário. Turim: UTET, 1956; BERLIRI, Antonio.Princípios de Derecho Tributário.  (trad.),  Madrid: Ed. Derecho Financiero, 1974; HENSEL, Albert.Ditrio Tributário. (trad.), 3ª ed., Milano: Giuré, 1950; NAWIASKY, Hans. Cuestiones Fundamentalesde Derecho Tributário. Madrid: Instituto de Estúdios Fiscales, 1982; FALCÃO, Amílcar de Araújo. FatoGerador da Obrigação Tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1971; SOUZA, Rubens Gomesde. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Ed. Financeiras, s/d.

309 “Acresce ainda que, também por inuência de ALLORIO, se foi consolidando e ganhando força, nadoutrina e na jurisprudência, uma corrente de resolutos defensores da ecácia constitutiva do lan-çamento, que inegavelmente veio abalar a oposta tese de uma ecácia simplesmente declarativa, pa-cíca na Alemanha desde a Abgabenordnung e que em Itália dominava sob a autoridade de ACHILEDONATO GIANNINI.” (XAVIER, Alberto. Ob. cit., p. 7).

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Veja-se, portanto, que as terminologias adotadas pela Lei de Regência – LeiOrdinária nº 5.172/66 - CTN, recepcionada pela CF/88 como norma geral e status de lei complementar – não podem ser desprezíveis ao ponto de se armar coisa

diversa do que a lei diz que é: prevalecendo o entendimento doutrinário majoritário,constata-se, infelizmente, uma interpretação do CTN distinta daquilo que o própriodiploma previu, ou mesmo atribui-se efeitos diferentes daqueles que a lei previu.

Nessa linha de entendimento, não podemos concordar com a armaçãoque sintetiza esse espírito, que arma ter o CTN sofrido “uma mutação pela viahermenêutica que suportaria a interpretação de que nos casos em que o contribuinteapresenta declaração à Fazenda desacompanhada de pagamento integral respectivo,constituído está o crédito tributário”.310

Em sentido diametralmente oposto, somos da posição que confere ao CTN a

maior ecácia possível aos seus dispositivos, até porque defender o contrário é omesmo que acatar a (in)evolução jurisprudencial em sentido contrário à lei, e nãose insurgir contra a manifesta agressão ao princípio da legalidade. Daí a nossaconformação e concordância quanto às disposições trazidas pelo CTN. Acasose quisesse dizer que o crédito se constituiria com a ocorrência do fato gerador, oCódigo assim o diria, sem a menor dúvida. No entanto, em sentido diametralmenteoposto, veio o Código e armou coisa distinta: armou que a constituição do créditotem prazo certo para ocorrer e que depende da atuação da autoridade scal.

Destarte, retomando a ideia inicialmente desenvolvida, questionemo-

nos, pois: e quanto ao lançamento? Seria o lançamento, então, uma forma deexpressão formal de constituição do crédito tributário, sendo nesse caso, o atoinicial de um procedimento, ou seria apenas um ato declaratório da obrigaçãotributária, sem quaisquer consequências práticas para o crédito a ser apurado (odébito do contribuinte), ou melhor, que este já estaria constituído pela ocorrênciado fato gerador? Ou mesmo, seria o lançamento o ato formal de constituição docrédito tributário, que ca diferido pela apresentação de defesa administrativa,aguardando, assim, sua denitividade?

Como já vimos, o lançamento tem ecácia dúplice: tanto declara a

obrigação tributária como constitui o crédito. Em resumo, nem apenas constituio crédito, como também não apenas declara a obrigação da qual o crédito écorrespondente. Assim, a prevalecer a segunda opção acima narrada, haveriauma contradição manifesta no próprio texto do art. 173, parágrafo único: issoporque, se o lançamento constituísse denitivamente o crédito, o prazo de cincoanos aludido para a extinção do direito de constituição do crédito teria comomarco inicial o próprio ato, que além de inaugural do prazo, também constituiriao crédito. Assim, como resolver a menção a período passado, no lançamento, demodo que se tenha como extinto o próprio direito de lançar?

310 ROCHA, Sergio André. Constituição do crédito tributário pelo contribuinte: um diálogo aberto coma teoria do professor Alberto Xavier. In. Revista Tributária e de Finanças Públicas. vol. 87, São Paulo: RT,2009, p. 279.

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concordamos com o Professor Aurélio Seixas Pitanga Filho: neste instante é quese tem por acertado o crédito:315  líquido (valor), certo (fundamento jurídico) eexigível (encerramento do processo de constituição com apuração de uma

situação jurídica individual e concreta imutável).

4. D D D L A D A, S I A D C:I I PD

O CTN é inequívoco ao determinar que se extingue o direito de constituiçãodo crédito tributário, denitivamente , com o decurso do prazo nele previsto – 5anos – (i) a um, DA DATA QUE TENHA SIDO INICIADA A CONSTITUIÇÃODO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, PELA NOTIFICAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO,DE QUALQUER MEDIDA PREPARATÓRIA INDISPENSÁVEL AOLANÇAMENTO; e (ii) a dois, contado do primeiro dia do exercício seguinteàquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, mas não o foi, hipótese doscasos em que não houve pagamento algum pelo sujeito passivo – e por último,

nos casos em que haja vício no lançamento, dentro dos cinco anos, contadosda data em que se tornar denitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, olançamento anteriormente efetuado , seja por autocorreção da Administração, sejapor provocação do contribuinte, mediante instrumento cabível.

Ou seja, o dispositivo acima vai ainda além do que o entendimentoque se deseja armar neste estudo! Ele é tão claro que o momento, o marcotemporal, a data de início para a contagem dos cinco anos é aquele ato que se

de erro em que se funde, e antes de noticado o lançamento (art. 147, § 1º), e ao determinar que, nãoxando a legislação tributária o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre, trinta diasdepois da data em que se considera o sujeito passivo noticado do lançamento” (BORGES, J. SoutoMaior. Lançamento tributário , pp. 177 e ss.).

315 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Estudos de Procedimento administrativo scal. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 2000, pp. 22-27; e SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga, in A motivação dos atos admi-nistrativos, em especial, do Lançamento Tributário, In: DE CARVALHO, Maria Augusta Machado(Coord.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem à Memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de

 Janeiro: Forense, 1998, p. 43. Pelas lições do Prof. Aurélio Pitanga Seixas Filho, dentro da atividadede Lançamento do Tributo, que se consubstancia na conversão da obrigação tributária em créditotributário, há uma fase intermediária que o mesmo denomina acertamento, que nada mais é doque tornar certo o critério jurídico adotado para a realização de subsunção dos fatos conhecidos nanorma jurídico-tributária e a partir daí, quanticar o débito tributário numericamente, para tornarexigível o seu pagamento. Assim, vê-se, que na visão do jurista o Lançamento Tributário possui fasesdistintas que se complementam. Asseverou, outrossim: ‘O direito brasileiro, a contrário do italiano,não deu relevância ao procedimento administrativo de acertamento, apartado do ato de liquidação.’Em resumo, tanto o acertamento quanto a liquidação fazem parte da atividade de Lançamento.

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consubstancia em qualquer medida preparatória ao ato formal de lançamento,que pode, ser inclusive, para efeito de começo de contagem de prazo, aquelesimples ato que convoca o contribuinte a prestar esclarecimentos e abrir os

livros scais a pronto exame.Repare-se, então, que a tese aqui arguida é a de que o próprio CTN já

xou prazo fatal para o exercício do direito à constituição denitiva do créditotributário, sendo ele de cinco anos contados do primeiro ato formal – quepode ser uma medida preparatória indispensável ao lançamento, ou a próprianoticação que então confunde-se com o lançamento. Em resumo, no mínimo,há 1 (um) ato formal de noticação ao contribuinte.

Destarte, sendo esse um procedimento sumário de vericação que podevir a signicar uma agressão futura à esfera individual e patrimonial doscontribuintes (com penhora de bens em processo executivo), é evidente queesse há de ser o procedimento mais correto, justo e imparcial possível, o quenão signica dizer imprescritível , apesar de uma certa e devida cadência nãomerecer ser descartada, para se ter um respeito obrigatório aos direitos e deveresrecíprocos nesse procedimento.

Em suma, o procedimento precisa ter e conferir denitividade às relaçõesjurídicas, perdendo, pois, o direito ao exercício de um direito, com o tempo.Essa é a regra prevista no art. 173, parágrafo único do CTN.

Ele, portanto, fulmina, extingue o direito de constituição do créditotributário, sendo, pois, um prazo que fulmina o próprio direito: o direito daFazenda constituir o crédito. Leia-se que esse prazo de cinco anos deve aplicar-se tanto para o efetivo lançamento, com uma noticação, por exemplo, comotambém para a conclusão do processo administrativo instaurado, de modoque se tenha a constituição denitiva do crédito, sem a qual perde o direito,denitivamente, de exigir o crédito em suspensão.

Desse modo, evidenciado que o prazo em questão é de cinco anosimprorrogáveis e indeclináveis, resta apenas nalizar a abordagem quanto à

suspensão do prazo em tela, se apresentado recurso ou impugnação, e se esseprazo se dilargaria, a bel-prazer da Administração.Cremos que não quis o legislador conferir imprescritibilidade ao direito de

constituir o crédito à Fazenda Pública, mesmo porque não seria tecnicamentecorreto, nem mesmo crível que tivesse o legislador se preocupado e tido ocuidado redobrado em denir os prazos e os marcos temporais desses prazosextintivos de direitos e pretensões, se ao mesmo tempo e na verdade quisessefazer supor que bastaria a apresentação de um recurso administrativo para o(s)prazo(s) assinalado(s) car(em) suspenso(s).

Essa leitura deturpada, conforme já expusemos na obra mencionadano introito do presente, atendeu muito mais a preocupações extrajurídicas(metajurídicas) do que propriamente a preocupações interpretativas das normaslegais. Com efeito, não há um só dispositivo legal que arme categoricamente

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que o prazo delineado no art. 173 ca suspenso com a apresentação da defesaadministrativa do contribuinte, nem mesmo no art. 151 do mesmo diploma.

Parece-nos que o CTN quis imprimir um caráter prossional de

administração tributária, que, infelizmente, devido aos problemas inerentes aosistema de scalização, não puderam ser cumpridos e observados.Quer nos parecer, ainda, ser evidente que desde o ato de lançamento

e mesmo com a apresentação de defesa por parte do contribuinte, dispõe aFazenda de um prazo, razoável e mais do que suciente, de 5 (cinco) anos paradenitivamente constituir seu crédito, anal de contas, funciona, ao mesmotempo, como parte interessada e juiz, o que confere uma certeza, ainda maior,de que agirá conformada e direcionada a uma conclusão rápida, ecaz e céleredentro de um prazo razoável.

Soa absolutamente desarrazoado aceitar como normal um procedimentoadministrativo, sumário, de acertamento tributário levar mais do que cinco anos,agravado pelo fato de que a pessoa legítima e diretamente interessada nessaquestão é a própria Fazenda, gestora a arrecadadora dos recursos e tambémpresidente e diretora dos procedimentos.

Suponhamos que essa atividade estivesse nas mãos de uma entidadeprivada. Será que não lograria êxito, essa entidade, de levar a cabo, um processocom apenas duas instâncias, excepcionalmente três, em menos de 60 meses,cinco longos anos? A resposta nos parece ser positiva, isto é, parece ser razoável

que conseguiria cumprir com o fardo com folga. Assim, parece-nos, ademais, sertambém possível que o órgão administrativo possa concluir esses processos emtempo menor do que cinco anos, de modo que se pudesse aparelhar o Estadomais rapidamente com o título – CDA – cabível à propositura da ação própriade cobrança executiva.

A regra, como se vê, é inequívoca. Havendo lançamento, o direito deconstituir o crédito extingue-se, denitivamente, dentro do interregno de cincoanos, contados ou desde ato-noticação-lançamento, ou mesmo de algum outroanterior, como medida preparatória ao lançamento.

Em suma, ainda que tenha havido impugnação e/ou outro recurso, opróprio dispositivo não carrega nenhuma ressalva quanto ao prazo fatal xado,do que se conclui que qualquer consideração sobre a temática que fuja à regralegal ora em comento estará destituída de juridicidade e de legalidade.

Dito isso, qual seria, então, a razão lógica de tal procedimento não poderser aplicado à Administração Fazendária, ou não se conseguir ver aplicado tal equal se encontra previsto? Chegou-se a um consenso, então, de que não possuie nem dispõe, a Fazenda Pública, de meios e mecanismos ecazes de gestão, demodo a concluir os processos dentro do prazo legal assinalado?

Com efeito, o CTN é inequívoco em dois pontos:

I – o primeiro, especíco ao escopo do estudo, de que o prazo para aconstituição do crédito, ou seja, para a sua plena denição/constituição,

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iniciada por ato prévio ou pelo próprio lançamento, que culmina com umadecisão imutável, deve encerrar-se em 5 anos, sob pena de extinguir-se opróprio direito!!! e,

II – o segundo e talvez o mais contundente, a prova cabal de que aDeclaração, como já visto, não suplanta o ato de constituição de crédito,estando equivocado o entendimento consagrado no Eg. STJ,316  de que olançamento é dispensável, isto é, nem mesmo sendo obrigatória umanoticação ao contribuinte.

Como, então, sustentar o entendimento supra, se o comando do parágrafoúnico do art. 173 do CTN é expresso e preciso, prevendo a contagem de cincoanos para a extinção do direito de constituição do crédito, a partir do lançamento- ato de noticação do contribuinte ou até de medida preparatória?

Ainda que o entendimento supra apontado rera-se especicamente aotributo cujo lançamento se dá pela modalidade da homologação, ao passo que orevisitado dispositivo – art. 173 do CTN – refere-se ao lançamento de ofício, quernos parecer que sua aplicação teria cabimento, inclusive – e em qualquer hipótese–, nos casos em que tenha havido apresentação de declaração desacompanhadade pagamento ou de pagamento insuciente, a demandar, portanto, atuação doEnte Público, de forma positiva, a formalizar, isto é, constituir o crédito e torná-lo denitivo em cinco anos.

Com efeito, se o lançamento ou sua noticação é o marco temporal para acontagem dos cinco anos, como então ignorar a sua relevância? Não havendolançamento, não há termo a quo para a contagem do referido prazo; então,tem-se uma regra explícita, de suma importância, que não pode ser aplicada,pois, “distorceu-se” a mesma ou mesmo sua interpretação, de modo a admitircompreensão ligeiramente diferente. Vê-se que a menção expressa ao lançamentocomo termo xador para início da contagem de prazo decadencial não poderia

ser ignorada.O entendimento acima não ca prejudicado se estivermos diante de umtributo cujo lançamento é da espécie “por homologação”, como já adiantadoacima. Ainda que o parágrafo 4º tenha xado o prazo de cinco anos contados da

316 Entendimento pacíco: TRIBUTÁRIO - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - DÉBITO DECLARADOPELO CONTRIBUINTE E NÃO PAGO NO VENCIMENTO - DCTF - Prescrição. Termo inicial. 1 -Em se tratando de tributo lançado por homologação, tendo o contribuinte declarado o débito atravésde Declaração de Contribuições de Tributos Federais-DCTF e não pago no vencimento, considera-sedesde logo constituído o crédito tributário, tornando-se dispensável a instauração de procedimen-to e respectiva noticação prévia. 2 - Divergências nas Turmas que compõem a Primeira Seção notocante ao termo a quo do prazo prescricional: a) Primeira Turma: a partir da entrega da DCTF; b)Segunda Turma: da data do vencimento da obrigação. 3 - Hipótese dos Autos que, por qualquer dosentendimentos está prescrito o direito da Fazenda Nacional cobrar seu crédito. 4 - Recurso Especialprovido (STJ - 2ª T.; REsp nº 644.802-PR; Rel. Min. Eliana Calmon; j. 27/3/2007; v.u.).

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ocorrência do fato gerador para que ocorra a homologação tácita, em nenhummomento ressalvou a inaplicabilidade da orientação prevista no art. 173,parágrafo único.

Da leitura da ementa que abaixo se transcreve, também da lavra do MinLuiz Fux, vê-se que a interpretação escorreita dos institutos em comento passapela necessária análise conjunta e conformadora dos dois dispositivos, aindaque para sua correta interpretação eles sejam de aplicação excludente, e dentrodessa sistemática que os congrega, tem-se que há nítida conuência dos prazos,conforme as prescrições normativas de ambos os dispositivos – art. 150, § 4º e173 – do CTN.

Conra-se a ementa:

“TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA.  TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. TERMO INICIAL.1. O crédito tributário constitui-se, denitivamente, em cinco anos,porquanto mesmo que o contribuinte exerça o pagamento antecipadoou a declaração de débito, a Fazenda dispõe de um qüinqüênio para olançamento, que pode se iniciar, sponte sua, na forma do art. 173, I, masque de toda sorte deve estar ultimado no qüinqüênio do art. 150, § 4º.2. A partir do referido momento, inicia-se o prazo prescricional de cincoanos para a exigibilidade em juízo da exação, implicando na tese uniforme

dos cinco anos, acrescidos de mais cinco anos, a regular a decadência naconstituição do crédito tributário e a prescrição quanto à sua exigibilidade judicial.3. Inexiste, assim, antinomia entre as normas do art. 173 e 150, § 4º doCódigo Tributário Nacional.4. Deveras, é assente na doutrina:“a aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173, o que conduz aadicionar o prazo do artigo 173 - cinco anos a contar do exercício seguinteàquele em que o lançamento  poderia ter sido praticado - com o prazo

do artigo 150, § 4º - que dene o prazo em que o lançamento poderia tersido praticado como de cinco anos contados da data da ocorrência do fatogerador. Desta adição resulta que o dies a quo do prazo do artigo 173 é,nesta interpretação, o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies adquem do prazo do artigo 150, § 4º. A solução é deplorável do ponto de vistados direitos do cidadão porque mais que duplica o prazo decadencial decinco anos, arraigado na tradição jurídica brasileira como o limite tolerávelda insegurança jurídica. Ela é também juridicamente insustentável, poisas normas dos artigos 150, § 4º e 173 não são de aplicação cumulativa

ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vistaa diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação: o art. 150, §4º aplica-se exclusivamente aos tributos ‘cuja legislação atribua aosujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da

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autoridade administrativa’; o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos emque o lançamento, em princípio, antecede o pagamento. (...) A ilogicidadeda tese jurisprudencial no sentido da aplicação concorrente dos artigos

150, § 4º e 173 resulta ainda evidente da circunstância de o § 4º do art.150 determinar que considera-se ‘denitivamente extinto o crédito’ notérmino do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador.Qual seria pois o sentido de acrescer a este prazo um novo prazo dedecadência do direito de lançar quando o lançamento já não poderá serefetuado em razão de já se encontrar ‘denitivamente extinto o crédito’? Vericada a morte do crédito no nal do primeiro quinquênio, só pormilagre poderia ocorrer sua ressurreição no segundo.” (Alberto Xavier,Do Lançamento.  Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo

Tributário, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, 2ª Edição, p. 92 a 94).5. Na hipótese, considerando-se a uência do prazo decadencial a partirde 01.01.1991, não há como afastar-se a decadência  decretada, já quea inscrição da dívida se deu em 15.02.1996. 6. Embargos de Divergênciarejeitados. (ERESP 276142/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 13.12.2004,DJ de 28.02.2005, p. 180) – grifos nossos

Conra-se, ademais, os outros acórdãos que contemplam esse mesmoespírito, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. ALEGADA NULIDADEDO AUTO DE INFRAÇÃO. VALIDADE DA CDA. IMPOSTO SOBRESERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISS. INSTITUIÇÃOFINANCEIRA. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE NA LISTADE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68. ANALOGIA.IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA.FIXAÇÃO. OBSERVAÇÃO AOS LIMITES DO § 3.º DO ART. 20 DO CPC.

IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 07 DOSTJ. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITOTRIBUTÁRIO. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 173, PARÁGRAFO ÚNICO,DO CTN.(...) 8. O Código Tributário Nacional, ao dispor sobre a decadência, causaextintiva do crédito tributário, assim estabelece em seu artigo 173: “Art.173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte

àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data emque se tornar denitiva a decisão que houver anulado, por vício formal,o lançamento  anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a quese refere este artigo extingue-se denitivamente com o decurso do prazo

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nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição docrédito tributário pela noticação, ao sujeito passivo, de qualquer medidapreparatória indispensável ao lançamento.”

9. A decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário, importano perecimento do direito potestativo de o Fisco constituir o créditotributário pelo lançamento,  e, consoante doutrina abalizada, encontra-se regulada por cinco regras jurídicas gerais e abstratas, quais sejam: (i)regra da decadência do direito de lançar nos casos de tributos sujeitos aolançamento de ofício, ou nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento porhomologação em que o contribuinte não efetua o pagamento antecipado;(ii) regra da decadência do direito de lançar nos casos em que noticadoo contribuinte de medida preparatória do lançamento, em se tratando de

tributos sujeitos a lançamento de ofício ou de tributos sujeitos a lançamento por homologação em que inocorre o pagamento antecipado; (iii) regra dadecadência do direito de lançar nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação em que há parcial pagamento da exação devida; (iv)regra da decadência do direito de lançar em que o pagamento antecipadose dá com fraude, dolo ou simulação, ocorrendo noticação do contribuinteacerca de medida preparatória; e (v) regra da decadência do direito de lançarperante anulação do lançamento anterior (In: Decadência e Prescrição noDireito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª ed., Max Limonad, pp.

163/210).10. Nada obstante, as aludidas regras decadenciais apresentam prazoqüinqüenal com dies a quo diversos.11. Assim, conta-se do “do primeiro dia do exercício seguinte àquele emque o lançamento poderia ter sido efetuado” (artigo 173, I, do CTN), oprazo qüinqüenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício), quando não prevê a lei o pagamento antecipado da exação ouquando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constataçãode dolo, fraude ou simulação do contribuinte, bem como inexistindo

noticação de qualquer medida preparatória por parte do Fisco. Noparticular, cumpre enfatizar que “o primeiro dia do exercício seguinteàquele em que o lançamento  poderia ter sido efetuado” corresponde,iniludivelmente, ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência dofato imponível, sendo inadmissível a aplicação cumulativa dos prazosprevistos nos artigos 150, § 4º, e 173, do CTN, em se tratando de tributossujeitos a lançamento por homologação, a m de congurar desarrazoadoprazo decadencial decenal.12.Por seu turno, nos casos em que inexiste dever de pagamento antecipado

(tributos sujeitos a lançamento de ofício) ou quando, existindo a aludidaobrigação (tributos sujeitos a lançamento por homologação), há omissãodo contribuinte na antecipação do pagamento, desde que inocorrentesquaisquer ilícitos (fraude, dolo ou simulação), tendo sido, contudo,

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noticado de medida preparatória indispensável ao lançamento, uindoo termo inicial do prazo decadencial da aludida noticação (artigo 173,parágrafo único, do CTN), independentemente de ter sido a mesma

realizada antes ou depois de iniciado o prazo do inciso I, do artigo 173,do CTN.13. Por outro lado, a decadência  do direito de lançar do Fisco, em setratando de tributo sujeito a lançamento  por homologação, quandoocorre pagamento antecipado inferior ao efetivamente devido, semque o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação, nemsido noticado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, obedecea regra prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 150, do CodexTributário, segundo o qual, se a lei não xar prazo a homologação, será

ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: “Neste caso,concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar expressamente opagamento antecipado, concomitantemente, com o prazo para o Fisco,no caso de não homologação, empreender o correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo nal desse período, consolidam-sesimultaneamente a homologação tácita, a perda do direito de homologarexpressamente e, conseqüentemente, a impossibilidade jurídica de lançarde ofício” (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico MarcosDiniz de Santi, 3ª ed., Max Limonad, p. 170).

14. A noticação do ilícito tributário, medida indispensável para justicara realização do ulterior lançamento,  agura-se como dies a quo do prazodecadencial qüinqüenal, em havendo pagamento antecipado efetuadocom fraude, dolo ou simulação, regra que congura ampliação do lapsodecadencial, in casu, reiniciado. Entrementes, “transcorridos cincoanos sem que a autoridade administrativa se pronuncie, produzindo aindigitada noticação formalizadora do ilícito, operar-se-á ao mesmotempo a decadência do direito de lançar de ofício, a decadência do direitode constituir juridicamente o dolo, fraude ou simulação para os efeitos do

art. 173, parágrafo único, do CTN e a extinção do crédito tributário emrazão da homologação tácita do pagamento antecipado” (Eurico MarcosDiniz de Santi, in obra citada, p. 171).15. Por m, o artigo 173, II, do CTN, cuida da regra de decadência do direitode a Fazenda Pública constituir o crédito tributário quando sobrevémdecisão denitiva, judicial ou administrativa, que anula o lançamento anteriormente efetuado, em virtude da vericação de vício formal. Nestecaso, o marco decadencial inicia-se da data em que se tornar denitiva aaludida decisão anulatória.

16. In casu: (a) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação; (b)a obrigação ex lege de pagamento antecipado do ISSQN pelo contribuintenão restou adimplida, no que concerne aos fatos geradores ocorridos noperíodo de dezembro de 1993 a outubro de 1998, consoante apurado pela

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que o lançamento se dá de ofício (seja de modo originário, seja emcaráter substitutivo), o crédito tributário é considerado denitivamenteconstituído: (a) com a regular noticação do lançamento ao contribuinte,

quando não interposto recurso administrativo; ou (b) com a regularnoticação da decisão administrativa irreformável, momento em quenão pode mais o lançamento ser contestado na esfera da AdministraçãoTributária Judicante, na qual se dá o exercício do poder de autotutelamediante o controle de legalidade da constituição do crédito tributário(Súmula 473/STF: “A Administração pode anular seus próprios atos, quandoeivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originamdireitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, aapreciação judicial”). – (RESp 857614/RS, Rel. Min. Luix Fux, 1ª Turma, j.em 04.03.2008, DJ de 30.04.2008, p. 1)317 – grifos nossos

Considerando a menção expressa ao lançamento como termo xado parainício da contagem de prazo decadencial, tem-se a prova cabal de sua correçãoe certeza no próprio texto legal: se para efeito de cálculo de prazo, o próprioCódigo (CTN) cogita de pelo menos um ato formal de noticação para iníciodessa contagem – para extinção do direito (de constituição do crédito) –, é

evidente que pelo menos UM ato formal há de existir, com todo o respeitoaos que divergem dessa opinião. Havendo menção, de pelo menos, 1 (um) ato preparatório ao lançamento, é porque, no mínimo, na pior das hipóteses,o lançamento, ato formal, não terá medidas preparatórias, e, portanto, o prazoinicia-se com o próprio lançamento , sua noticação correspondente.

Repare-se que, aquilo que se diz preparatório sempre confere uma ideiade acessoriedade e, assim, pressupõe, no mínimo, uma duplicidade e/oumultiplicidade.

317 No mesmo sentido recente julgado proferido pela 1ª Seção no ERESP 408617/SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha, publicado no DJ de 06.03.2006, in verbis:

  “PREVIDENCIÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. TRIBUTO SUJEITOA LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.DECADÊNCIA. PRAZO. CF/88 E LEI N. 8.212/91. ARTIGO 173, I, DO CTN.

  1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacicou o entendimento de que os créditosprevidenciários têm natureza tributária.

  2. Com o advento da Emenda Constitucional n. 8/77, o prazo prescricional para a cobrança das con-tribuições previdenciárias passou a ser de 30 (trinta) anos, pois que foram desvestidas da naturezatributária, prevalecendo os comandos da Lei n. 3.807/60. Após a edição da Lei n. 8.212/91, esse prazopassou a ser decenal. Todavia, essas alterações legislativas não alteraram o prazo decadencial, quecontinuou sendo de 5 (cinco) anos.

  3. Na hipótese em que não houve o recolhimento de tributo sujeito a lançamento por homolo-gação, cabe ao Fisco proceder ao lançamento de ofício no prazo decadencial de 5 (cinco) anos, naforma estabelecida no art. 173, I, do Código Tributário Nacional.

  4. Embargos de divergência providos.”

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Então, se o dispositivo legal em comento está a exigir, pelo menos, um ato denoticação ao contribuinte, para que se tenha um processo válido de constituiçãode crédito, ou pelo menos, o lançamento propriamente dito, NUNCA poderia

a mera entrega de uma declaração servir de fundamento a que não se cumprauma etapa, um rito mínimo de ocialidade, que pressupõe a atuação (uma açãopositiva) do Fisco nesse mister: para um processo de constituição de crédito,faz-se preciso, no mínimo, uma noticação para dar início à efetiva constituiçãodo crédito, ainda que por um único ato de lançamento válido, sem qualquercontestação do contribuinte.

E a lógica, portanto, é evidente: passado o prazo a contar deste ato formal– cinco anos –, a denitividade da constituição do crédito torna-se visível, sendoevidente e óbvio não se poder mais admitir que o Fisco constitua crédito algum,

por extinção de seu direito.Nem se alegue, outrossim, para ns de argumentação quanto a validade do

entendimento constante das decisões do Eg. STJ – no sentido de ser prescindívela noticação do contribuinte para a propositura de executivo scal – que estariao art. 173, I, do CTN, a amparar tal tese, ou mesmo que se aplicaria ao casoapenas o art. 150, § 4º.

Com efeito, o que o inciso I, do art. 173 conrma é tão somente uma garantiaaos contribuintes de que no exercício seguinte ao que o lançamento poderia tersido feito e assim não o foi, já se tem por iniciado o quinquênio que fulmina o

direito da Fazenda, em estrita observância à denitividade das relações jurídicase não coisa diversa.318-319 Ademais, no que concerne ao art. 150, § 4º do CTN, tem-seali a garantia de que uma vez ocorrido o fato gerador, dispõe a Fazenda Pública oprazo improrrogável de cinco anos para realizar ato inequívoco de lançamento,sem o qual, ocorrido o fato gerador e passado o quinquênio legalmente previstosem qualquer atividade do Fisco, considerar-se-á denitivamente (ainda que deforma tácita) homologado o autolançamento realizado.

Exatamente para essas situações é que se verica necessária a aplicaçãodas regras do art. 173 acima comentadas: v. g. , na hipótese de tributos sujeitos

à homologação, se por acaso o contribuinte não paga, porém declara emdeclaração, e se nem paga e nem declara.

Na primeira hipótese, quando o sujeito não paga, porém presta adeclaração, a Fazenda Pública detém todos os dados, aptos e sucientes paralançar e, portanto, constituir o crédito correspondente. Entretanto, nesses casos,

318 “Correto o entendimento de que há vício lógico em certas premissas da tese que sustenta o prazodo art. 173, I, iniciar-se em momento absurdo, ao salientar à evidência de que ‘o exercício em que olançamento poderia ser efetuado é o ano em que se instaura a possibilidade de o Fisco lançar e não

o ano em que termina essa possibilidade’.” (AMARO, Luciano. Ob. cit., p. 385) – grifos nossos.319 “A proibição de dilatação do prazo, a livre alvedrio do legislador ordinário, decorre logicamente da

função garantística que a lei complementar desempenha em matéria de prescrição e decadência, cujalimitação no tempo é corolário do princípio da segurança jurídica, que é um limite constitucionalimplícito ao poder de tributar.” (XAVIER, Alberto. Ob. cit. , p. 94).

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não há que se falar em homologação. Considerando a ausência de pagamento,inexiste a condição resolutória prevista, que além de homologar o pagamento,extinguiria o correspondente crédito tributário.

Aí, então, nasce o dever da Administração Pública, já que não homologa –por ser inexistente o que homologar –, não se agurando correta, data venia , ainterpretação de que desde logo é possível a propositura de executivo scal pelosimples fato de que afeto a doutrina da actio nata , essa não teria um dos seusimprescindíveis requisitos: sua exigibilidade, que só passaria a dispor quandode sua constituição pela Autoridade Fiscal, nos termos da explanação supra.

Tal entendimento vê-se presente, ainda com mais ênfase, na segundahipótese acima, quando o sujeito nada paga e nada declara. Nesse caso, como aFazenda Pública correspondente não detém dados para, desde logo, aparelhar

a pretensa ação de cobrança, nem mesmo a declaração acessória, ca, pois,com a incumbência de necessariamente lançar o crédito, isto é, tomar atitudestendentes à constituição do seu crédito.

Veja-se, então, que os dois exemplos acima demonstram a necessidadede corrigir-se a errônea ideia difundida, infelizmente, consagrada no Eg. STJ(ainda que recentemente tenha sido raticado, ainda que com o desconforto doRelator, o Ministro Castro Meira320). Isso porque é evidente que prevalecendo oentendimento atual e ora em combate cria-se a situação incomum e díspar dondeo contribuinte relapso e sonegador é premiado, ao passo que aquele outro cioso,atencioso e consciente de seus deveres scais assessórios é penalizado, com apossibilidade do ajuizamento imediato de executivo scal.

Nessa esteira, veja-se a malgrada entronização do absurdo: é bem melhorpara o contribuinte, caso não disponha de recursos efetivos para adimplirdeterminada obrigação, deixar de lançá-la nas declarações em comento (DCTF,DIPJ, GIA, GFIP etc.), pois nesses casos, a Fiscalização necessariamente teráde lançar o tributo de ofício, dando início ao processo administrativo scalcorrespondente, o que não aconteceria se esse mesmo contribuinte tivessedeclarado e não pago.

Sobre a hipótese, as razões aventadas pelo Ministro Fux para decidir, aindaque sozinho, pela admissibilidade plena do instituto da denúncia espontânea(como já visto) – aplicam-se como uma luva para a hipótese em comento.Vejamos:

(i) primeiramente, pois seguindo a ratio essendi do CTN, conforme o brocardobenigna amplianda, odioda restringenda, estamos a tentar extrair da norma emestudo (art. 173 do CTN) a interpretação que produz o efeito mais benigno

às hipóteses legalmente previstas, visto que a solução adotada pelo Eg. STJé nitidamente mais inconveniente do que a de simplesmente reconhecer

320 RESP nº 850.423/SP.

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ser dever da Administração Pública lançar o tributo devido, dentro doquinquídio, mesmo nos casos de tributos sujeitos à homologação, aindaque apresentada declaração acessória, e pago adiantadamente em valor

inferior ao devido, ou sem qualquer recolhimento prévio;(ii) e em segundo e último lugar, por uma questão de mera coerência conclusiva:se para efeito de viabilidade da denúncia espontânea, concluiu o MinistroFux que a declaração acessória do particular não afasta a espontaneidadeexigida pelo art. 138, é porque na mesma razão, não se considera a mesmacomo sendo uma hipótese formal de constituição do crédito. Veja-se, quea atuação da Fazenda, em procedimento de scalização, previamente àespontaneidade do contribuinte (no sentido de quitar a dívida deixada emaberto e/ou superar a infração formal cometida, juntamente com o pagamento

das multas moratórias previstas e devidas) é motivo que afasta, pois, essaespontaneidade, pela simples razão de que ali inaugurou procedimentoinvestigatório, scalizatório, tendente à aferição da regularidade scal, quepode culminar com a constituição de algum crédito tributário não honrado: oato da scalização afasta a potencial espontaneidade do contribuinte.

O referido acórdão, referente ao Recurso Especial nº 766.050/PR, relatadopelo Ministro Fux, julgado pela 1ª Seção do Eg. STJ, ainda que tenha colocadopá de cal sobre qual o marco temporal que dá início ao prazo decadencial de

lançamento, conseguiu, com base em lição doutrinária, dar correta solução aosdilemas acima enfrentados.

Repare-se que a razão que motivou levar-se o referido recurso paraapreciação da Seção cingiu-se ao fato de que o Ministro Castro Meira, quandodo julgamento do Recurso Especial nº 445.137/MG, de sua Relatoria, entendeu,com arrimo nos demais integrantes da Segunda Turma, que eventual noticaçãoda autoridade fazendária não teria o condão de interromper prazo decadencialem curso, possuindo tal função apenas a noticação de novo lançamento e nãode medida preparatória, como se vericava no caso julgado.

O acórdão em questão é bastante elucidativo e proveitoso, pois, como jádito, arrimando-se em abalizada doutrina pátria, pontua quais são os prazos erespectivos marcos temporais iniciais para a contagem de decadência, conformeo fato, cabendo resumi-los, para efeito de melhor compreensão:

(i) primeiramente, sustenta o Min. Fux que há um prazo e marco temporalcorrespondente à apuração da decadência nos tributos cujo lançamento épela modalidade ex ocio , sendo este aquele previsto no art. 173, I;(ii) em segundo lugar, para os casos onde existindo dever de pagamento

antecipado (tributos sujeitos a lançamento por homologação), há omissãoquanto à totalidade desse recolhimento antecipado (sem qualquer fraude,dolo ou simulação), a contagem do prazo inicia-se, conforme o art. 173, I,e em havendo medida preparatória para a realização de lançamento, será

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esse o termo inicial, independente da contagem do prazo previsto no incisoI do art. 173, prevalecendo, pois, o disposto no parágrafo único. Em suma,deixa de ser o prazo do art. 173, I, quando se vericar a realização de medida

preparatória indispensável ao lançamento pelo Fisco, prevalecendo, então,a regra do parágrafo único.(iii) em terceiro lugar, também nos casos onde haja dever de recolhimentoantecipado, todavia sendo esse recolhimento realizado em valor inferiorao devido (recolhimento parcial) a decadência obedece ao disposto no art.150, § 4º, ou seja, conta-se o prazo de 5 anos, do fato gerador do tributo .Conra-se a passagem da doutrina invocada no precedente:

“Neste caso, concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar

expressamente o pagamento antecipado, concomitantemente, como prazo para o Fisco, no caso de não homologação, empreender ocorrespondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo naldesse período, consolidam-se simultaneamente a homologação tácita,a perda do direito de homologar expressamente, e conseqüentemente,a impossibilidade jurídica de lançar de ofício.”321

(iv) em quarto lugar, a novidade, que ca por conta das hipóteses ondehaja dever de recolhimento antecipado e tais pagamentos realizados osão mediante fraude, dolo e simulação. Nesses casos, consolidou-se oentendimento de que se faz necessária a noticação do ilícito , medidaindispensável para justicar a realização do ulterior lançamento, e para tanto,xou-se o prazo quinquenal contado a partir dessa noticação, consideradaindispensável. Assim, tem-se por reiniciado o prazo decadencial com essanoticação. Tal prazo teria se iniciado com os fatos geradores dos tributos,todavia, com a noticação essencial, para o lançamento da diferença com asmultas cabíveis, renova-se esse prazo decadencial.

Entretanto, o entendimento supra ressalvou, como, aliás, deveria, a hipótesede silêncio da autoridade pelo prazo mínimo à decadência do direito de lançar.Veja-se, também, pela transcrição da passagem do entendimento doutrinárioinvocado:

“...transcorridos cinco anos sem que a autoridade administrativa sepronuncie, produzindo a indigitada noticação formalizadora do ilícito,operar-se-á ao mesmo tempo a decadência do direito de lançar de ofício,

a decadência do direito de constituir juridicamente o dolo, fraude ou

321 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: MaxLimonad, p. 170.

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simulação, para efeitos do art. 173, parágrafo único, do CTN, e a extinçãodo crédito tributário em razão da homologação tácita do pagamentoantecipado.”322

(v) por último a quinta e última regra, a constante do art. 173, II, do CTN, queprevê a contagem da decadência a partir de decisão denitiva, judicial ouadministrativa que anule lançamento anteriormente efetuado, em virtudede vericação de vício formal. Em outras palavras, esse marco temporalinicia-se da data em que se torna denitiva a referida decisão anulatória.

O entendimento acima destacado, objeto do mencionado julgamentodo Recurso Especial nº 766.050, conforme o item (iv) acima, nas hipóteses derecolhimento antecipado, porém mediante fraude, dolo ou simulação, confere

mais contundência à nossa tese no sentido de se modicar a atual jurisprudênciamajoritária da Corte, no que concerne à prescindibilidade de constituição formal(via noticação) para propositura de executivo scal, nas hipóteses em que ocontribuinte tenha apresentado declaração acessória.

Repare-se que mesmo na hipótese de fraude, dolo ou simulação o prazodecadencial conta-se conforme o item 173, I, do CTN, ou na pior das hipóteses,conforme o seu parágrafo único. Ponticou-se, pois, a necessidade de noticaçãoformal do ilícito, reforçando a tese aqui defendida de que é imprescindívelo ato de formalização do lançamento (constituição do crédito tributário) para corretamente instruir o correspondente executivo scal.  Ora, se mesmonas hipóteses de fraude, dolo ou simulação, com recolhimento antecipado,assentou-se a necessidade de noticação formal, com mais razão se justicampara os demais casos, onde não se cogita de fraude ou dolo ou simulação,mesmo nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação comrecolhimento antecipado inferior ou nenhum.

Acreditamos, pois, que a tendência natural da Corte é rever o atualposicionamento, até mesmo porque as incongruências vão se agravando,como se verifica do exemplo acima. Com o entendimento do Ministro

Fux pela possibilidade da aplicação do instituto da denúncia espontânea,mesmo nos casos em que tenha havido apresentação de declaraçãoacessória, evidenciou-se, ainda que indireta e inconscientemente, o queneste defende-se: a impossibilidade de a declaração ter os mesmos efeitosque uma constituição de crédito, pois do contrário, não se poderia admitir aespontaneidade do pagamento posterior à declaração.

Frise-se, outrossim, além dos acórdãos antes comentados que noutrasoportunidades, o Eg. STJ começa, em boa hora, a rever seu posicionamento. 323 

322 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Ob. cit., p. 171.323 “TRIBUTÁRIO – DÉBITO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE E PAGO NO VENCIMENTO –

DCTF OU GFIP – LANÇAMENTO SUPLEMENTAR – CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO– DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO.

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recolhem valor supostamente a menor, consubstancia-se em odioso eexcessivamente severo discrímen , sem fundamento jurídico algum, semquaisquer limites e/ou parâmetros válidos, tudo às expensas e sob o sacrifício

dos contribuintes, com o mal ferimento  de consagrados institutos do DireitoPátrio.

Repare-se, portanto, que a partir do mero cumprimento de obrigaçãoassessória, construíram os Ministros do Eg. STJ, verdadeira tese que ampara,unicamente, os interesses da Fazenda, e que ao mesmo tempo, ofende e contrariapor completo a determinação do CTN, especialmente a do artigo 173 e seuparágrafo único, como já se tratou.

Conforme se lê do art. 11, III, ‘c’ da Lei Complementar nº 95/98, 324  ainterpretação do parágrafo de um determinado dispositivo legal vincula

obrigatoriamente o caput  e os incisos desse caput , vedando, por exemplo, acompreensão de qualquer dispositivo legal, v. g. , o parágrafo único do art. 173,afastado e dissociado de seu caput e inciso I.

Em suma, pela leitura de seu parágrafo único, o CTN está a exigir queseja feita, pelo menos, uma notificação ao contribuinte, contando-se o prazode cinco anos, a partir deste instante e ao mesmo tempo está o referidodispositivo legal, criando norma extintiva do direito da Fazenda, impondoa esta Fazenda que promova o ato legal de comunicação, sem o qual nãose pode falar em crédito legalmente constituído. E mais, preceitua ainda odispositivo que o prazo é preclusivo e não comporta extensão ou suspensão,como equivocadamente também se construiu – a partir da regra do art. 151do CTN – que não pontifica nada disso.

Nesse diapasão, não havendo noticação ao contribuinte, não se temcrédito tributário algum, nem válido nem denitivamente constituído, o que fazimplodir a tese de que a mera declaração ou guia (DCTF ou GIA, GFIP etc.), porse tratar de conssão de débito, já seria suciente para a instauração de processoexecutivo judicial.

Tal entendimento, simplista e simplório, com todo respeito, contraria ocomando legal da norma geral – o CTN – e, portanto, não pode continuar araticar irregulares executivos scais ajuizados sem a devida observância aosditames legais, que estão, portanto, a exigir, ao menos uma única comunicaçãoformal ao contribuinte.

A literalidade do parágrafo único do art. 173 do CTN conduz a conclusãomuito mais radical do que a que se propõe neste estudo: pela dicção do CTNcomunicado ao contribuinte de que ele é devedor do Estado, tem-se já aí, na gura

324 “Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observa-das, para esse propósito, as seguintes normas:

  III - para a obtenção de ordem lógica:  c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do

artigo e as exceções à regra por este estabelecida;”

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dessa noticação de lançamento, um ato formal e ocial, que por determinaçãolegal possui o condão de dar início ao prazo extintivo do direito da Fazenda deposteriormente exarar a dívida.

Entretanto, raticado pelo voto do Ministro Fux no julgamento do RESPnº 766.050, acima aludido, tem-se conclusão mais severa: a noticação aocontribuinte de qualquer ato preparatório ao lançamento (no caso julgado, umamera noticação de Termo de Início de Fiscalizaação, v. g. , um ato formal deconvocação para prestar informações, ou mesmo para cienticar o contribuintede uma investigação scal em curso) já é o suciente para qualicar-se esseponto como marco temporal para a contagem do prazo de extinção do direito deconstituição do crédito.

A tese ora invocada é menos severa, porém é ao mesmo tempo contundente

para com o equivocado entendimento do Eg. STJ. Existe uma lógica para quese limite o direito da Fazenda de constituir o crédito tributário, e essa lógicareside na contagem de prazo extintivo, preclusivo de direito, a partir do atode lançamento, isto é, do ato de informação ao contribuinte de que o Estadoapurou contra ele uma dívida, conferindo-lhe prazo para pagar ou impugnar.Tem-se, aí, o marco temporal previsto no parágrafo único do art. 173 do CTN,que está a exigir, no mínimo, um ato ocial do ente tributante , havendo dese considerar pelo menos o próprio ato como suciente, mas absolutamenteindispensável e insubstituível, para a correta e denitiva constituição docrédito tributário correspondente.

Em suma, tanto é necessário ndar-se a constituição do crédito, de formadenitiva e imutável em esfera administrativa em cinco anos , como também, pelo menos, uma noticação é necessária, para validar a constituição dessecrédito, para a validade e correta presunção de legalidade da CDA que embasae fundamenta o executivo scal correspondente.

Destarte, se por um lado um único ato é indispensável para a constituiçãoescorreita e denitiva do crédito tributário a embasar os futuros executivosscais, o que, logicamente, provoca a irregularidade de cobranças judiciais sema noticação do contribuinte, por essa mesma justicativa, ou seja, a contar, pelomenos, do ato de lançamento, há de se ter a constituição denitiva do créditotributário, no interregno máximo de cinco anos, que não se interrompe ou sesuspende pela apresentação de recurso algum, pois não há dispositivo legalalgum que assim disponha!325 Inexiste menção alguma à interrupção da contagemdo prazo extintivo previsto no CTN, não sendo, pois, correto inovar em matériade interpretação de interrupção de prazo extintivo de direito, mormente lançando

325 Vide conclusão em artigo nosso: Análise da orientação rmada no STF pelo julgamento do RecursoExtraordinário nº 94.462 e suas consequências nefastas ao sistema tributário. Imoralidade ou máaplicação das regras de decadência e prescrição? Solução prática para um erro aparente e amplamen-te difundido. Repertório de Jurisprudência IOB , São Paulo, v. 1, n. 21, p. 878-869, 1. quin. nov. 2008;Revista de Estudos Tributários , Porto Alegre, v. 11, n. 66, p. 196-215, mar./abr. 2009.

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mão de regra que não está positivada, sem qualquer amparo em lei existente, mastão somente, com base em outro regramento, que dita acerca da exigibilidade docrédito e não sobre prazos e suas formas de suspensão e prescrição.

O ato de suspensão de exigibilidade de crédito tributário em nada serelaciona ou se justica com a ocorrência de motivo legalmente previsto parainterrupção de prazo extintivo de exercício de direito. O fato de existir regrasobre a suspensão da exigibilidade do crédito quando apresentado recursoadministrativo não signica o mesmo que conferir à Fazenda todo o tempo domundo para constituir denitivamente esse crédito.326

Tal entendimento para nós é tão óbvio que encontramos, para conrmarnossa tese, alguns julgados bastante antigos do Eg. STF sobre o tema, aindaque tenham sido abandonadas suas conclusões em nome de interesses maiores.

Conra-se:

“Conforme o parágrafo único do art. 173 do Código Tributário Nacional,  édever do Estado ter como iniciada a constituição do crédito tributário, a partir de qualquer medida preparatória indispensável a ele, e concluí-ladentro de cinco anos, sob pena de decadência. Desde que tenha praticado medida preparatória de constituição do crédito, - comoé a autuação - é dever da administração, a partir de então, dar impulso a seu atoimpositivo.  Ainda que seja obstado pela inexigibilidade do crédito, porter sobrevindo o recurso administrativo deve ultimar em cinco anos aconstituição do crédito tributário. É o poder que tem o art. 173 e parágrafodo Código Tributário.” (Min. Clovis Ramalhete. RE. nº 94.462) - grifos nossos

“O que é a Constituição denitiva de débito? O Código tributário Nacional nos arts.174 e 154 emprega as expressões “constituição denitiva” e crédito denitivamente“constituído”. (...) Como decorre da própria expressão utilizada pelolegislador, créditos denitivamente constituídos só podem ser aqueles

atingidos pela preclusão, isto é, não impugnados pelo sujeito passivo na fase administrativa ou após a decisão proferida no procedimento scaladministrativo, quando impugnado tempestivamente.” (Min. Soares Muñoz.RE nº 94462). – grifos nossos 

A prevalecer regras e interpretações com base em entendimentos epremissas não xadas em lei, resta evidente que além das ofensas às regras

326 “É certo que o Fisco dispõe de um prazo decadencial para o exercício dos seus poderes de controle,de tal sorte que estes se extinguem, por decadência, com o respectivo decurso; mas isso não signicaa existência de um ato jurídico (ainda que tácito), mas tão somente a atribuição de um efeito preclu-sivo à inércia da Administração. A decadência, neste caso não é do lançamento por homologação,mas do eventual lançamento de ofício que cabe à autoridade realizar quando constate omissão ouinexatidão do sujeito passivo” (XAVIER, Alberto. Ob. cit., p. 89).

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acima, cometer-se-á ato maior de violência: a de violência ao próprio princípiode reserva de lei, relegado a segundo plano.

Com efeito, os argumentos invocados acima retratam, de forma inconteste,

o maltrato que vem recebendo o CTN durante os seus mais de 40 anos deexistência:(i) primeiramente, pela assertiva de que apresentada defesa administrativao prazo de cinco anos para constituição denitiva do crédito ca suspenso,não ui; e(ii) por segundo e último que seria prescindível a noticação do devedor, paraque validamente, se instaure um executivo scal, que tem como fundamentouma mera obrigação acessória, em substituição ao procedimento prévio deacertamento , dentro dos moldes previstos pelo CTN.

Como se vê, uma CDA calcada simplesmente em obrigação acessóriaofende a higidez que quis o CTN conferir ao procedimento scal. Mais umavez, em nome de interesses extra ou metajurídicos, malfere-se de morte umdos mais consagrados primados do Direito e em especial do Direito Tributário:a legalidade.

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A I A   CTNRodrigo de Carvalho Vieira

Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentos constitucionais do direito à repetição do indébito.2.1. Princípio da legalidade. 2.2. Princípio da moralidade e vedação do enriquecimento ilícito. 2.3.Direito à propriedade e vedação ao consco. 3. Análise crítica dos requisitos do artigo 166 do CTN.3.1. A natureza da suposta repercussão dos tributos. 3.2. A distinção entre encargo nanceiro ecusto. 3.3. A prova da assunção do encargo. 3.4. A irrelevante condição do chamado “contribuintede fato”. 4. A aplicação do artigo 166 do CTN pelo STF e pelo STJ. 5. A incompatibilidade do artigo166 do CTN com os princípios constitucionais. 6. Conclusão.

1. Introdução

Embora tenha sido elaborado por uma comissão de juristas renomados erepresentado um avanço no âmbito do Direito Tributário no Brasil, o CódigoTributário Nacional (CTN) apresenta algumas imperfeições que têm suscitadoprofundas divergências doutrinárias e jurisprudenciais ao longo dos últimos 40anos, as quais requerem uma revisão crítica de alguns de seus dispositivos.

Certamente um dos temas mais controvertidos no âmbito do DireitoTributário consiste no instituto da repetição do indébito tributário à luz do artigo166 do CTN,327  que impõe como requisito para a restituição dos “tributos quecomportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo nanceiro” a provade inexistência de transferência de tal encargo, ou, no caso de tê-lo transferido,a expressa autorização do terceiro, comumente chamado “contribuinte de fato”,para recebê-lo.

A doutrina divide-se basicamente entre os autores que defendem aconstitucionalidade do artigo 166 do CTN com fundamento nos critérios da

repercussão econômica328

 e da repercussão jurídica329

 e aqueles que defendem asua inconstitucionalidade em razão da violação aos fundamentos constitucionaisque garantem o direito à restituição dos tributos indevidamente recolhidos.330

327 Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivoencargo nanceiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso detê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

328 Defendem essa corrente os doutrinadores Carlos Vaz, José Mörschbächer, José Eduardo Soares deMelo e Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho.

329 Aroldo Gomes de Maos, Hugo de Brito Machado, Hugo de Brito Machado Segundo, José ArthurLima Gonçalves, Márcio Severo Marques, Paulo de Tarso Vieira Ramos, Paulo Roberto de OliveiraLima, Rafael Marcílio Xerez e Schubert de Farias Machado integram essa corrente doutrinária.

330 Cairon Ribeiro dos Santos, Daniel Carlos Trentin, Gabriel Lacerda Troianelli, Ives Gandra da SilvaMartins, Luis Dias Fernandes, Tiziane Machado e Viorio Cassone são alguns dos adeptos dessacorrente.

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O presente trabalho tem como objeto justamente a análise da supostaadequação dos requisitos constantes no referido dispositivo legal aosfundamentos constitucionais que ensejam o direito à repetição do indébito

tributário.

2. Fundamentos constitucionais do direito à repetição doindébito

Apesar de estar expressamente assegurado no âmbito infraconstitucionalpelo artigo 165 do CTN,331 o direito à restituição do indébito tributário tem inegávelfundamento na Constituição Federal, decorrendo especialmente da observância

aos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e vedação aoenriquecimento ilícito, bem como do direito à propriedade e a vedação aoconsco.

Dessa maneira, evidentemente torna-se necessário discorrermos brevementesobre os fundamentos constitucionais que asseguram o direito à restituiçãodos tributos indevidamente recolhidos para posteriormente analisarmos acompatibilidade do artigo 166 do CTN com a nossa Constituição Federal.

2.1. Princípio da legalidadeO princípio da legalidade certamente consiste em um dos pilares do Estado

Democrático de Direito, estando assegurado constitucionalmente de umamaneira geral aos cidadãos que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazeralguma coisa senão em virtude de lei”, conforme o disposto no artigo 5º, inciso II, daConstituição Federal.

Conrmando a sua importância para a garantia dos administrados, aConstituição Federal impõe à Administração Pública o dever de observância aoreferido princípio, nos termos do artigo 37, que assim dispõe: “ A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade e eciência ...” (grifos nossos).

331 Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ouparcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do art.162, nos seguintes casos:

  I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou a maior que o devido em face da legis-lação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamenteocorrido;

  II – erro na identicação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo domontante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

  III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

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Pela simples leitura dos referidos dispositivos constitucionais infere-seque o princípio da legalidade destinado aos cidadãos assegura que a este élícito fazer tudo o que não é vedado por lei, enquanto que aquele endereçado à

Administração Pública enuncia que a atuação desta deverá restringir-se ao queestiver expressamente previsto em lei. Isso signica que, para a legitimidade deum ato administrativo, é insuciente o fato de não ser ofensivo à lei. Deve tambémser embasado em alguma norma permissiva que lhe sirva de supedâneo.332

No campo do direito tributário, o princípio da legalidade também foiarrolado entre os princípios constitucionais tributários ao proibir expressamentea instituição de tributo ou a sua majoração sem a prévia existência de lei que oestabeleça, conforme o previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal,que assim dispõe:

“ Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedadoà União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”

Esse dispositivo conduz ao entendimento de que a cobrança pelo Estado dequantia indevida a título de tributo viola frontalmente o princípio da legalidadetributária, surgindo imediatamente para o contribuinte o direito ao ressarcimento do

indébito tributário e ao Estado o dever de restituí-lo. Isso porque, se não é permitidoao Estado promover a cobrança de tributo sem lei que o estabeleça, tampouco lhe édado o direito de permanecer com quantia ilegalmente arrecadada a título de tributo.Logo, o princípio da estrita legalidade tributária, constitucionalmente previsto emnosso ordenamento jurídico, não fundamenta apenas o direito subjetivo do sujeitopassivo à restituição do indébito tributário, mas principalmente o dever de o Fiscoatuar única e exclusivamente seguindo os parâmetros previstos em lei.

Portanto, podemos armar que o direito à repetição do indébito tributárioinegavelmente tem fundamento na Constituição Federal, na medida em que

esta assegura expressamente aos contribuintes o direito de não pagarem tributosilegalmente instituídos e, por conseguinte, o direito a sua restituição quandoindevidamente pagos. Ou seja, na verdade, o Código Tributário Nacional apenasregula o exercício desse direito constitucionalmente garantido, não podendo jamaissuprimi-lo.

332 MELLO, Celso Antônio Bandeira.  Curso de Direito Administrativo.  17ª ed. rev. e atual. São Paulo:Malheiros Editores, 2004, p. 92, assim discorre sobre o tema: “Assim, o princípio da legalidade é o dacompleta submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-lasem prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é,o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes,obsequiosos cumpridores das disposições legais xadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posiçãoque lhes compete no Direito Brasileiro.”

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2.2. Princípio da moralidade e vedação do enriquecimento ilícito

Segundo o princípio da moralidade administrativa, alçado a princípio

constitucional em nosso direito positivo após o advento da Constituição Federalde 1988, nos termos do artigo 37, caput ,333 a Administração Pública tem o deverde nortear sua atuação com fundamento nos cânones da lealdade e da boa-fé,sendo-lhe vedados comportamentos que restrinjam ou impeçam o exercício dosdireitos assegurados aos cidadãos.

No contexto do presente estudo torna-se evidente que a cobrança e a retençãode tributos indevidos restringem e, em muitos casos, impedem o exercício dodireito do contribuinte à repetição do indébito tributário, o que certamente

congura uma conduta violadora do princípio da moralidade administrativa,que, entre outros, veda o locupletamento sem causa.Nesse sentido, é importante registrar que, assim como ocorre com relação

ao princípio da legalidade, o princípio da moralidade assume aspectos distintospara o contribuinte e o Estado. Isso porque a moralidade é questão de consciênciapara o contribuinte, enquanto que para o Estado é imperativo jurídico. Dessemodo, embora o enriquecimento injusticado por parte do contribuinte possaser imoral, não será, necessariamente, ilícito. Por outro lado, o enriquecimentoinjusticado por parte do Estado será, além de imoral, necessariamente ilícito,

tendo em vista que é constitucionalmente vedado.Conforme muito bem ressaltado por Gabriel Lacerda Troianelli,334  para

que o enriquecimento injusticado seja também ilícito é necessário que,além da existência do empobrecimento de terceiro, haja nexo causal entreo empobrecimento de uma parte e o enriquecimento de outra. Nesse caso, oenriquecimento injusticado do Estado seria sempre ilícito, já que entre oempobrecimento do contribuinte e o enriquecimento do Estado haverá sempre,como nexo causal, o ato normativo ou administrativo que implique a exigência do

tributo indevido. Por outro lado, o enriquecimento injusticado do contribuintesó seria ilícito na remotíssima hipótese de, uma vez ciente de que o tributo eraindevido, mesmo assim transferisse o encargo nanceiro a terceiro com o intuitode, após, buscar a repetição do indébito.

Assim, embora a tese sustentada pela doutrina majoritária privilegie oenriquecimento sem causa do Estado em detrimento do possível enriquecimentosem causa do contribuinte – especialmente sob o fundamento de que os valores

333 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, morali-dade, publicidade e eciência... (grifos nossos)

334 TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Repetição de Indébito, Compensação e Ação Declaratória. InMACHADO, Hugo de Brito (coord.). Repetição do indébito e compensação no direito tributário. 1ª ed. SãoPaulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 1999, p. 121.

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seriam revertidos à coletividade335  – entendemos que é necessário o reexameda questão à luz dos valores e princípios que regem a relação entre Fisco econtribuinte nos dias atuais. Seria moral o próprio Estado instituir tributo

indevido e posteriormente impor restrições ao direito de repetição do indébitotributário? Certamente não, sob pena de se instaurar “o princípio da imoralidadetributária” em favor do sujeito ativo da relação tributária, que passaria amonopolizar o direito de ser torpe e injurídico.336

2.3. Direito à propriedade e vedação ao consco

O direito à repetição do indébito tributário com fundamento na Constituição

Federal não se restringe apenas à invocação dos princípios da legalidade e damoralidade administrativa, também devendo ser assegurada constitucionalmentea restituição dos tributos indevidos em obediência ao direito à propriedade, tendoem vista que este certamente engloba os “bens econômicos” em sentido lato.337

Erigido à categoria dos direitos fundamentais e individuais doscidadãos, nos termos do artigo 5º, caput  e inciso XXII338  da ConstituiçãoFederal, é de se ressaltar que o direito à propriedade privada somente podeser restringido nos estritos limites previstos na Carta Magna. Na verdade,

a proteção constitucional à propriedade tem como fundamento primordiala pretensão de se impedir que o Estado exerça a apropriação dos benseconômicos dos contribuintes sem respaldo constitucional ou, quando estativer ocorrido, não se restrinja o seu ressarcimento.

É evidente ainda que eventual restrição ao direito à restituição de tributospagos em desacordo com o sistema tributário constitucional, além de incorrerem violação ao direito de propriedade, teria consequente efeito conscatório, oque também é expressamente vedado em matéria tributária.339

Dessa maneira, resta comprovado que a restituição do indébito tributário

também possui como fundamento constitucional o direito à propriedade privada,o qual não poderá ser vilipendiado pelo Estado na sua incessante tentativa de

335 TORRES, Ricardo Lobo. Restituição dos tributos. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 18.336 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Repetição do Indébito. In MACHADO, Hugo de Brito (coord.).

Repetição do indébito e compensação no direito tributário. 1ª ed. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET,1999, p. 169.

337 Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1989, vol. 2, p. 119.338 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasilei-

ros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

  XXII - É garantido o direito de propriedade;339 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:  IV – utilizar tributo com efeito de consco;

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impor tributos manifestamente indevidos, sob pena de se instaurar um processoconscatório, também vedado constitucionalmente.

3. Análise crítica dos requisitos do artigo 166 do CTN

O objeto de análise deste tópico será especicamente o artigo 166 doCTN, que impõe alguns requisitos para restituição do indébito tributário doschamados “tributos indiretos”, conforme se infere a partir da leitura de suaredação, novamente transcrita abaixo:

“ Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência

do respectivo encargo nanceiro somente será feita a quem prove haver assumidoreferido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por esteexpressamente autorizado a recebê-la.”

A m de facilitarmos o nosso estudo, pretendemos desmembrar aredação do referido dispositivo legal em 4 (quatro) partes a serem analisadasseparadamente, quais sejam: i) a natureza da suposta repercussão dos tributos, am de vericar se é possível constatar quais seriam aqueles tributos que por suanatureza permitiriam a transferência do encargo a terceiro; ii) a distinção entre

encargo nanceiro e custo; iii) a diculdade da produção da prova da assunçãodo encargo; e iv) por m, a irrelevante condição do terceiro mencionado noartigo 166 do CTN, o chamado “contribuinte de fato”.

3.1. A natureza da suposta repercussão dos tributos

Inicialmente faz-se necessário analisar se existem ou não critérios jurídicoscapazes de auxiliar na identicação dos tributos que, por sua natureza,

supostamente comportariam a suscitada transferência do encargo nanceiroinrmada no artigo 166 do CTN.Segundo o entendimento de uma das correntes doutrinárias de nosso país,

a constatação da eventual existência de transferência do encargo nanceiro teriacomo pressuposto a ocorrência ou não da “repercussão econômica” do tributo.Para tanto, os defensores dessa corrente adotam a classicação dos tributos emdois grupos: diretos e indiretos.

Consoante o critério da repercussão econômica, seriam diretos os tributoscujo encargo nanceiro seria suportado em denitivo pelo contribuinte obrigado

por lei ao seu recolhimento diretamente ao Erário. Já os indiretos, seriam aquelesque permitiriam a transferência do encargo nanceiro por aquele contribuintepara outra pessoa, a qual, por sua vez, a transferiria novamente ou a suportariaem denitivo. Com fundamento nessa classicação, sustentam os doutrinadores

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que ao pedido de restituição dos tributos indiretos se aplicaria o artigo 166 doCTN.

A classicação dos tributos em diretos e indiretos, levando em consideração

a sua repercussão econômica, é tema que certamente encerra profundasdivergências doutrinárias em razão de sua inconsistência no âmbito jurídico,devendo ser questionada também no presente estudo.

Com efeito, a chamada repercussão econômica está intimamente ligadaàs circunstâncias do mercado em relação ao objeto tributado, sendo totalmentevariável a sua ocorrência ou não, especialmente em razão da lei da ofertae da procura.340  Por isso, é quase que unânime em nossa doutrina pátria oentendimento de que a classicação dos tributos em diretos e indiretos é oriundade uma construção doutrinária baseada na Ciência das Finanças. Conforme serávericado a seguir, a utilização dessa classicação dos tributos em diretos eindiretos foi transportada abruptamente para a seara do Direito Tributário, nãotendo sido respeitada a fronteira existente entre as terminologias econômica e jurídica, sendo totalmente desprovida de qualquer conteúdo cientíco e semqualquer sentido prático a sua aplicação em relação à Ciência do Direito porestar calcada em critério exclusivamente econômico.341

No âmbito jurídico, essa classicação com supedâneo no critério darepercussão econômica é extremamente insegura, pois não existe critério capaz

de determinar quando um tributo tem o ônus transferido a terceiro, e quandoé o mesmo suportado pelo próprio contribuinte.342  Em tese, todos os tributospodem ser repassáveis economicamente pelo fenômeno da formação de preços,nas diversas etapas da produção e circulação de bens e serviços. Como se não bastasse, em diversas situações os tributos considerados indiretos poderão serarcados exclusivamente pelo chamado contribuinte de direito enquanto que,por outro lado, tributos classicados como diretos poderão ser repassados aterceiros. O imposto de renda, por exemplo, é classicado como imposto direto;entretanto, sabe-se que nem sempre o seu ônus é suportado pelo contribuinte.

O mesmo acontece com o IPTU, que, em se tratando de imóvel alugado, é quasesempre transferido para o inquilino.

340 Segundo José Eduardo Soares de Melo: “...a transferência do encargo não ocorre de forma inevitável, por-que nem sempre é imputado a terceiro, uma vez que a competitividade do mercado, a lei da oferta e da procura,e as situações de crise, podem impelir uma energia oposta, ocorrendo pressão do terceiro ao contribuinte, com oconseqüente empobrecimento deste. Não pode haver uma presunção dogmática de que o valor correspondenteao tributo sempre seja suportado pelo terceiro.” (MELO, José Eduardo Soares de. Repetição do Indébitoe Compensação no direito Tributário. In MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Repetição do indébito ecompensação no direito tributário. 1ª ed. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 1999, p. 234).

341 Nos dizeres de Geraldo Ataliba: “É classicação que nada tem de jurídica; seu critério é puramenteeconômico. Foi elaborada pela ciência das nanças, a partir da observação do fenômeno econômicoda translação ou repercussão dos tributos. É critério de relevância em certos sistemas estrangeiros.No Brasil, não tem aplicação.”

342 Essa opinião é veementemente defendida por Hugo de Brito Machado.

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A classicação econômica não encontra, portanto, qualquer correspondênciacom os pressupostos constantes do sistema constitucional tributário vigente.Não se constata em nossa Constituição Federal a existência de qualquer norma

 jurídica que nos permita a adoção da classicação dos tributos em diretose indiretos, o que permite conrmar a sua imprestabilidade para servir defundamento ao regime jurídico da restituição do indébito tributário.

Não existindo critérios objetivos no plano constitucional que permitamou admitam uma distinção entre tributos diretos e indiretos para nsde restituição do indébito tributário, parece-nos que essa classicaçãonão é útil à identicação dos tributos que comportem, por sua natureza,a transferência do respectivo encargo nanceiro. Consequentemente,entendemos que é inadmissível a eventual utilização dessa classicação com

fundamento no critério da repercussão econômica para o efeito de restringiro exercício de direito pelo contribuinte, sob pena de congurar agranteinconstitucionalidade.

A segunda corrente doutrinária, composta, entre outros, por Hugo de BritoMachado Segundo e Paulo de Tarso Vieira Ramos,343 defende a constitucionalidadeda norma veiculada pelo artigo 166 do CTN sob o fundamento de que os tributosque, por sua natureza, comportam a transferência do encargo nanceiro nãoseriam denidos por meras circunstâncias econômicas, mas por meio de leique estabeleça dita transferência. Ou seja, o referido dispositivo legal aplicar-

se-ia a tributos que podem ser transferidos juridicamente a terceiros, tais comoo ICMS, o IPI e o ISS, nos casos em que o tributo vem lançado e efetivamentedestacado no documento scal, quando o contribuinte de direito arrecada doadquirente e recolhe o tributo ao sujeito ativo. Consequentemente, não vindodestacado e lançado o tributo dessa maneira, há de se entender que o tributodeve ser visto apenas como um componente do preço, com ocorrência de merarepercussão nanceira, cando, em tal hipótese, o vendedor ou o prestadorde serviço, autorizado a repetir o indébito, presumindo-se que foi ele quemsuportou o encargo.

Embora possa parecer razoável a adoção do critério da repercussão jurídica, aplicado sistematicamente pelo Superior Tribunal de Justiça,conforme veremos a seguir, entendemos que a interpretação conferidapor essa corrente doutrinária ao artigo 166 do CTN é insuficiente paraafastar a inconstitucionalidade perpetrada pelo referido dispositivo legalao restringir o direito à restituição dos tributos indevidamente recolhidospelo chamado “contribuinte de direito” aos cofres públicos.

343 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado e RAMOS, Paulo de Tarso Vieira. Repetição do Indébito eCompensação no Direito Tributário. In MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Repetição do indébito ecompensação no direito tributário. 1ª ed. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 1999, p. 148.

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3.2. A distinção entre encargo nanceiro e custo

Conforme se infere a partir da leitura do artigo 166 do CTN, ao exigir a

prova do não repasse do encargo nanceiro para ns de repetição de indébito, odispositivo em comento não se refere à transferência de custos, mas sim à meratransferência nanceira, que não se confunde com aquela.

A xação dos preços de mercadorias ou serviços é uma decisão incumbidaao titular da respectiva atividade que, no momento de tomá-la, deve consideraros custos e despesas que deve suportar para o desempenho de sua atividadee as circunstâncias do mercado em que atua. Quando se estimam os custos,geralmente devem ser incluídos os encargos tributários. Daí por que o professor

Ives Gandra da Silva considera que todos os tributos que são transferidos aterceiros são, na verdade, custos, não simples encargo nanceiro.344Assim, se o valor do tributo aglutinou-se ao valor da mercadoria, não está

transferindo tributo, mas sim custo, este de caráter econômico.345 Nesse sentido,é importante destacar trecho do acórdão proferido pelo DesembargadorMagalhães Coelho, membro da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Apelação Cível nº 111. 097-5/4-00,o qual faz a perfeita distinção entre encargo nanceiro de caráter tributário eencargo de caráter econômico.346

344 “... se, apenas o mercado e não a lei, limita o lucro, e se, por outro lado, tudo aquilo que compõeo custo do produto vendido ou do serviço prestado repercute no preço, à evidência tudo, tudo, étransferido ao consumidor nal ou ao destinatário do serviço, não como ‘encargo nanceiro’, mascomo custo, inclusive os tributos diretos e indiretos, sem exceção.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva.Repetição do Indébito. In MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Repetição do indébito e compensação nodireito tributário. 1ª ed. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 1999, p. 175).

345 Nesse sentido: SILVA, Severino Silva e SOUZA, Aline Mendes de. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 77, p. 143.

346 “Pelo meu voto, sem embargo de respeitáveis opiniões em sentido contrário, temos que o art. 166 doCTN não tem aplicação na hipótese, uma vez que não visa ele sobre transferência de encargo nan-

ceiro, mas econômico. Não se pode negar a evidência de que, ordinariamente, as empresas repassamno preço dos tributos todos os seus custos operacionais, inclusive, aqueles de natureza tributária. Épossível que a empresa-Apelante tenha embutido no custo de seus produtos os valores referentes àmajoração da alíquota, transferindo o ônus econômico do imposto ao consumidor, mas nem por issohouve transferência do encargo nanceiro de que fala o art. 166 do Código Tributário Nacional. Atransferência do encargo nanceiro diz respeito a transferência de valores tributários, mantidos suanatureza, vale dizer, transfere-se o ônus de pagar o tributo. Se, todavia, o valor do tributo agregou--se genericamente à mercadoria, não se está transferindo tributo, senão custo, de caráter econômicoe não tributário. Importante distinguir que o Código Tributário Nacional ao exigir a prova do ônusdo recolhimento do tributo indevido no art. 166 não fala em transferência de custos, mas em trans-ferência nanceira. (...) A hipótese do art. 166 do Código Tributário Nacional, portanto, não temaplicação na espécie porque o consumidor nal não assumiu nenhum encargo nanceiro de carátertributário, mas mero encargo econômico que lhe legitima à repetição, porquanto não participe darelação jurídico-tributária. (...) Não há, ademais, que se falar em enriquecimento ilícito, pela singelarazão da Autora ter transferido ao preço do produto seus custos econômicos. Enriquecimento ilícitohaveria se se admitisse que a Fazenda do Estado mantivesse em seu cofre, a pretexto da transferênciaeconômica, tributo tido como inconstitucional.”

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3.3. A prova da assunção do encargo

O enunciado do artigo 166 do CTN condicionou a restituição do indébito

tributário à demonstração do interesse econômico ao exigir do contribuinte acomprovação da assunção do encargo.

Conforme se vericará a seguir, a prova da assunção do “encargonanceiro” é uma tarefa árdua para o chamado “contribuinte de direito”.Todavia, ainda assim, o “contribuinte de direito” geralmente possui melhoresrecursos probatórios do que o chamado “contribuinte de fato”, haja vista queeste normalmente possui apenas a nota scal, não dispondo de outros meios deprovas, tais como a escrita scal e contábil.

Apesar de a legislação tributária ser omissa no que tange aos meios de

prova hábeis à demonstração da assunção do “encargo nanceiro”, entendemosque é possível a utilização de todas aquelas em Direito admitidas, notadamenteas provas documental e pericial contábil.

À guisa de exemplo, o Supremo Tribunal Federal, aderindo à lição deAliomar Baleeiro,347  ressaltou a importância das provas documental e pericialcontábil ao asseverar nos autos Recurso Extraordinário nº 105.166/RJ que:“Destarte, em caso concreto, o contribuinte de jure provará por seus livros e arquivos etc.,que não agregou o tributo ao preço, ou se o agregou está autorizado a receber a restituição pelo contribuinte de fato. Ou demonstrará a impossibilidade prática de transferências nas

circunstâncias especiais do caso concreto.”348

A questão da valoração da prova contábil torna-se interessante especialmenteem razão da fungibilidade do dinheiro que compõe a receita do contribuinte, oque geralmente impende a feitura de uma distinção entre as parcelas eventuale verdadeiramente integrantes do preço, de modo que a sua identicaçãoformal ca ao talante do submetida ao talante do solvens , que pode, em vez detributo, acrescentar o respectivo valor à sua margem de lucro, tornando assimimprestável a prova contábil tão exigida por alguns magistrados. 349

Por m, apenas a título exemplicativo, ressaltamos que o tabelamento

ocial da mercadoria ou do produto resultante de sua aplicação,350 a manutençãodos preços habituais e a contabilização do indébito tributário em conta destacada

347 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 565.348 RE nº 105.166/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira.349 FERNANDES, Luis Dias. Repetição do Indébito Tributário: O inconstitucional artigo 166 do CTN . Rio de

 Janeiro: Renovar, 2002, p. 61.350 REsp. 511.036/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, Julgamento: 15.02.2007, DJ

06.03.2007. “Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXPORTAÇÃO DE CAFÉ. ICMS. BASEDE CÁLCULO. QUOTA DE CONTRIBUIÇÃO AO IBC. SÚMULA N. 49/STJ. ART. 166 DO CTN.PROVA DA REPERCUSSÃO. DESNECESSIDADE. 1. Viola de forma direta o preceito normativoinsculpido no art. 2º, § 8º, do Decreto-Lei n. 406/68 decisão que determina o acréscimo do valor dacota de contribuição para o IBC na base de cálculo do ICMS cobrado na saída de mercadorias. 2.Nas operações comerciais que envolvem produto cujo preço é xado com base nas cotações das

 bolsas internacionais e às quais se aplica a regra universal da desoneração das exportações, há de se

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do ativo realizável como crédito contra a Fazenda Pública têm sido algunsdos meios de prova admitidos pelos tribunais pátrios,351  muito embora aindaentendamos pela diculdade da prova da assunção do “encargo nanceiro” por

se tratar de uma prova de cunho negativo.

3.4. A irrelevante condição do chamado “contribuinte de fato”

Segundo a classicação dos tributos em diretos e indiretos com fundamentono critério da repercussão econômica, repita-se – formulada e transportadaequivocadamente para o âmbito da Ciência do Direito –, seriam identicáveisduas supostas espécies de contribuintes a partir da leitura do artigo 166 do CTN:

o chamado “contribuinte de direito” ou “contribuinte de jure” e o chamado“contribuinte de fato”.Contribuinte de direito seria aquela pessoa física ou jurídica a quem é

imposta legalmente a obrigação de efetuar o pagamento do tributo, nos termosdo artigo 121 do CTN.352 Por outro lado, o “contribuinte de fato” seria aquelapessoa que suporta denitivamente o ônus econômico do tributo. Ou seja, o“contribuinte de fato” seria o terceiro – mencionado nos termos do artigo 166do CTN – ao qual é transladado o encargo tributário e conferido poderes paraautorizar o “contribuinte de direito” a exercer seu pleito restituitório perante o

Fisco.A expressão “contribuinte de fato” há muito tempo tem sido questionadaem nosso ordenamento jurídico, tendo em vista que, assim como a classicaçãodos tributos em diretos e indiretos, abordada anteriormente, também tem seuconceito denido a partir da Ciência das Finanças.

No Brasil, a polêmica relacionada à possível existência da gura docontribuinte de fato ocasionou o surgimento de ao menos quatro vertentesdoutrinárias, conforme muito bem sintetizado por Luis Dias Fernandes:353 1) ocontribuinte de fato tem legitimidade ativa para o pleito restituitório perante o

pressupor a impossibilidade prática do repasse do valor do tributo recolhido, sob pena de perda decompetitividade do produto no mercado internacional. 3. Recurso especial provido.”

351 No RE 58.290/SP, o Ministro Luiz Galloi ponderou o seguinte em sua fundamentação: “... a compa-nhia passara a escriturar, separadamente, depois do julgamento do mandado de segurança, aquiloque devia e aquilo que não devia, porque já estava protegida por uma decisão judicial. Então, deduzS. Exa. que não se incorpora ao preço uma importância que ela, de antemão, sabia que não era devi-da, segundo decisão transitada em julgado.”

352 Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo oupenalidade pecuniária.

  I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fatogerador;

  II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposi-ção expressa de lei.

353 FERNANDES, Luis Dias. Repetição do Indébito Tributário: O inconstitucional artigo 166 do CTN . Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 79.

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erário;354 2) ao contribuinte de fato cabe sub-rogar-se nos direitos do contribuintede direito ou apenas o direito regresso contra esse;355 3) ao contribuinte de fatosomente se outorga o poder de autorizar o contribuinte de  jure a postular o

indébito tributário;356

  e 4) o contribuinte de fato é instituto completamenteestranho ao Direito Tributário.357

Inicialmente, impende destacar que o artigo 166 do CTN não pode seraplicado de maneira isolada, devendo ser confrontado sistematicamente com osdemais dispositivos do próprio Código Tributário Nacional, especialmente osartigos 121, parágrafo único, incisos I e II, 123358 e 165 do CTN.

Com efeito, o CTN determina no artigo 121, parágrafo único, incisos Ie II, que são apenas dois os sujeitos passivos possíveis na relação jurídico-tributária, a saber: o contribuinte e o responsável, dedicando-se a este todo umcapítulo (artigos 128 a 135 do CTN) em que delimita seu campo conceitual nodireito brasileiro. Assim, torna-se evidente que, na seara do Direito Tributário,o critério utilizado para denir o sujeito passivo tributário ou contribuinte éexclusivamente jurídico.359  Isso, por si só, demonstra a imprecisa classicaçãodos conceitos de “contribuinte de fato” e “contribuinte de direito”, pois, se existeapenas uma denição legal de contribuinte, a expressão de “contribuinte dedireito” evidente torna-se redundante para a Ciência do Direito, enquanto que,por outro lado, a expressão “contribuinte de fato” torna-se contraditória para o

Direito Tributário.Vê-se, pois, que os artigos 165, 121 e 123 do CTN não expressam qualquerpossibilidade de que o terceiro que assuma o encargo possa ser contribuinte, uma

354 Entendimento defendido por Ricardo Lobo Torres e José Morschbacher.355 Gilberto de Ulhôa Canto defende essa corrente desde a elaboração do Anteprojeto de Lei Orgânica

do Processo Tributário, que assim chegou a redigir o texto do art. 177: “É parte legítima para pleitear arepetição, o sujeito passivo da obrigação tributária ou o infrator que tiver pago penalidade, ainda que o efetivoencargo nanceiro tenha sido transferido a outrem. Quem provar a transferência, disporá da ação regressivacontra o sujeito passivo reembolsado, ou poderá integrar a lide como assistente, e requerer ao juiz que a resti-

tuição lhe seja feita.”356 Compartilham desse entendimento Antonio Roberto Sampaio Dória e Rubens Gomes de Sousa, o

qual inclusive redigiu o artigo 201 do Anteprojeto do Código Tributário Nacional sem fazer qualqueralusão à pessoa do contribuinte econômico: “ Art. 201. Observado o disposto no art. 209, o contribuinteterá direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo pago, seja qual for asua natureza ou a modalidade do seu pagamento (...).”

357 Eduardo Domingos Botallo e Brandão Machado são adeptos do entendimento de que apenas o cha-mado contribuinte de direito é parte da relação jurídico-tributária.

358 Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções de particulares, relativas à responsa- bilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modicar adenição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

359 Nesse sentido, Luís Cesar Souza de Queiroz (1999, p. 181) observa com propriedade que: “No plano

da linguagem da Ciência do Direito, só há um contribuinte, o redundantemente denominado contribuinte dedireito. A outra pretensa espécie (contribuinte de fato) não tem espaço em termos jurídicos. É gura inteira -mente estranha ao Direito, que para ser utilizada demandaria o seguinte (e estranho) esclarecimento: o conceitode contribuinte de fato é conceito que nada tem que ver com o conceito jurídico (utilizado na linguagem daCiência do Direito) de contribuinte (contribuinte de direito).”

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vez que esse terceiro que supostamente arca com o ônus econômico do tributonão participa de nenhuma relação jurídico-tributária. Ou seja, ainda que umterceiro eventualmente suporte o ônus econômico do tributo, este jamais poderá

ser colocado como uma espécie do gênero contribuinte, de modo que o artigo166 do CTN alude a uma gura inexistente no direito brasileiro, o “contribuintede fato”, em violenta contradição com o disposto no artigo 121 do CTN, que nãoreconhece essa espécie de contribuinte.

Assim, outro problema consiste em estabelecer a eventual legitimidade do“contribuinte de fato” para pedir a restituição do tributo cujo encargo tenha sidopor ele suportado. Na medida em que o artigo 166 do CTN condiciona o exercíciodo direito de repetir pelo “contribuinte de direito” à autorização do “contribuintede fato”, seria razoável entender que quem pode autorizar pode pedir diretamente.

Todavia, entendemos que essa solução é tecnicamente incorreta.Apesar de a doutrina e a jurisprudência terem consagrado a gura do

“contribuinte de fato” como parte legítima para postular diretamente a repetiçãodo indébito no caso de tributos que comportem transferência do encargonanceiro, entendemos que o sujeito passivo de uma exação tributária deveráser aquele legalmente previsto na norma que institui a exação, competindo a estea obrigação pelo recolhimento aos cofres públicos, o que, consequentemente,deve conferir somente a ele o exercício do direito à restituição de quantia pagaindevidamente a título de tributo,360 tendo em vista a inexistência de liame jurídico

entre o sco e o “contribuinte de fato” a m de justicar a ação repetitória.Logo, entendemos que entre o chamado “contribuinte de fato” – aquele que

efetivamente assumiu o encargo decorrente do fenômeno da repercussão – e o“contribuinte de direito” – sujeito passivo da relação jurídico-tributária – existetão somente uma relação jurídica de ordem exclusivamente privada.

E mais, ainda que fosse possível o exercício do direito de repetição deindébito diretamente pelo chamado “contribuinte de fato”, na prática, havendointermediários, certamente estaríamos diante de um problema para identicá-lo,tendo em vista que não necessariamente será o consumidor nal. Isso porque numa

cadeia produtiva em que são realizadas várias operações de industrialização ecomercialização de um bem até chegar à pessoa situada na etapa nal da circulaçãoeconômica, não haverá necessariamente a transferência do encargo econômico paraa etapa subsequente. Por razões diversas, como, por exemplo, a livre concorrência,as leis de mercado etc., o industrial ou o intermediário atacadista ou mesmo o

360 Segundo Daniel Carlos Trentin: “O contribuinte de fato não possui qualquer vínculo com a relação jurídico-tri-butária, não tendo legitimidade para pleitear a repetição do indébito tributário, eis que somente assume o encargodo tributo como parcela do preço e quando paga este, o que está pagando é o preço da mercadoria, e não qualquer

 parcela a título de tributo. Não pode ter legitimidade ativa para pleitear o indébito por não ser o contribuinte de fato sujeito passivo da relação com o Estado-Administração, sendo que para efeitos legais somente o contribuintede direito é considerado como parte da relação tributária.” (TRENTIN, Daniel Carlos. A incompatibilidadedo art. 166 do Código Tributário Nacional perante o ordenamento jurídico tributário – Delineamentossobre sua inconstitucionalidade. Revista Tributária e de Finanças Públicas, n. 50, mai/jun 2003).

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varejista poderá deixar de repassar o custo nanceiro do imposto incidente naoperação em que seja contribuinte legal, o que tornaria extremamente possível,senão impraticável a produção da prova de assunção do encargo econômico.

Portanto, constata-se a inexistência de relevância jurídica do chamado“contribuinte de fato”, tendo em vista que não existe qualquer relação jurídico-tributária entre esse e o Estado. Assim, apesar de o chamado “contribuinte defato” ter capacidade para autorizar o “contribuinte de direito” à restituição doindébito tributário, esse terceiro somente terá legitimidade para pleitear seudireito à repetição do indébito tributário perante o próprio “contribuinte dedireito” nos moldes da lei civil.

4. A aplicação do artigo 166 do CTN pelo STF e pelo STJAntes mesmo do advento do artigo 166 do CTN, o problema da restituição

dos chamados “tributos indiretos” já despertava polêmica. O Supremo TribunalFederal entendia inicialmente que em nenhuma hipótese caberia a restituiçãodaqueles tributos, tendo sido inclusive aprovada a seguinte Súmula:

“Súmula 71. Embora pago indevidamente, não cabe a restituição de tributoindireto.”361

Embora a redação do artigo 166 do CTN seja alvo de críticas no presentetrabalho, é de se louvar que ela se distanciou da aludida súmula, permitindoao menos a restituição do indébito tributário ao contribuinte que provasse terassumido o “encargo nanceiro”, ou que, no caso de sua transferência, estivesseautorizado pelo chamado “contribuinte de fato” a postular a repetição dostributos indevidos.

Diante da forte oposição de Aliomar Baleeiro362  e da edição do CTN, oSupremo Tribunal Federal, curvando-se, sobretudo, ao art. 166 do CTN, reviu a

Súmula nº 71, editando em seu lugar a Súmula nº 546, que tem o seguinte teor:

“Súmula 546. Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte ‘de jure’ não recuperou do contribuinte ‘de facto’ o‘quantum’ respectivo.”363

361 Aprovada na Sessão Plenária de 13/12/1963.362 O Ministro Aliomar Baleeiro posicionou-se rmemente contra a aplicação generalizada da Súmula

nº 71, demonstrando a inexistência de critério cientíco para distinguir o tributo direto do indireto.Na ocasião sustentou o Ministro Baleeiro que: “O mesmo tributo poderá ser direto ou indireto, con-forme a técnica de incidência e até conforme as oscilações do mercado, ou a natureza da mercadoriaou a do ato tributado.”

363 Aprovada na Sessão Plenária de 03/12/1969.

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Conforme ressaltado anteriormente, a obrigação de restituir o indébitotributário é tipicamente ex lege , possuindo fundamento na Constituição Federalespecialmente em razão dos princípios da legalidade, da moralidade e da não

privação da propriedade sem o devido processo legal, além de estar garantidainfraconstitucionalmente no artigo 165 do CTN.

Tendo em vista que os fundamentos que estabelecem o direito à repetiçãodo indébito estão na própria Constituição Federal, especialmente no primadoda estrita legalidade, certamente agura-se inconstitucional toda e qualquerdisposição legal que imponha algum tipo de limitação ao exercício do direito decontribuinte de ser restituído pelo recolhimento de tributos indevidos.

À luz do princípio da legalidade, entendemos que o artigo 166 do CTNviola frontalmente a Constituição Federal, pois se constitucionalmente não há

qualquer limitação ao exercício do direito de repetição do indébito tributário,não pode uma lei infraconstitucional, como é o referido dispositivo legal,tentar restringi-lo.

A inconstitucionalidade do artigo 166 do CTN também é evidenciada à luzdo princípio da moralidade e da vedação ao enriquecimento sem causa, poisfere a moralidade administrativa não só a instituição de tributo manifestamenteindevido, mas principalmente a imposição de restrições para dicultar oressarcimento por aquele contribuinte que de maneira obrigatória o recolheuaos cofres públicos.

Por m, o direito à propriedade privada e o princípio da vedação aoconsco também são violados pela norma veiculada pelo artigo 166 do CTN,pois o dispositivo acaba por incentivar inconstitucionalmente o exercício daapropriação indébita pelo Estado de algo que não é seu, pela injusta imposiçãode uma situação que impede o ressarcimento do pagamento indevido. Falamoscom muita clareza que impede o ressarcimento porque, sendo muitas vezes ocontribuinte um comerciante que possui uma innidade de clientes, certamentenão terá condições práticas de conseguir autorização expressa de todos aqueles

“consumidores de fato”.

6. Conclusão

Pelo exposto anteriormente, concluímos que o artigo 166 do CTN éincompatível com o nosso ordenamento jurídico, especialmente em razão de suainconstitucionalidade, tornando-se, sem dúvida, uma das normas mais infelizesdo nosso Código Tributário Nacional, conforme as razões abaixo sintetizadas:

1ª) O fundamento jurídico da repetição do indébito tributário advémda Constituição Federal, especialmente em razão dos princípios dalegalidade, da moralidade e da não privação da propriedade sem odevido processo legal, sendo inconstitucional qualquer restrição ao

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direito de restituição do indébito tributário, como pretende fazer oartigo 166 do CTN;

2ª) A classicação dos tributos em diretos e indiretos é desprovida de

qualquer critério cientíco para denir quem efetivamente suportouo encargo, especialmente se amparada pelo critério da repercussãoeconômica;

3ª) Se o valor do tributo agrega-se ao valor da mercadoria, não estátransferindo tributo, mas sim custo, este de caráter econômico;

4ª) A prova negativa da assunção do encargo nanceiro do indébito,exigida no artigo 166 do CTN, é extremamente complicada e pordiversas vezes impossível de ser feita;

5ª) O chamado “contribuinte de fato” é pessoa completamente alheia à

relação jurídico-tributária, já que a legislação apenas reconhece ochamado “contribuinte de direito”, razão pela qual existe tão somenteuma relação de natureza privada entre esses.

Portanto, entendemos que o artigo 166 do CTN há muito deveria ter sidoextirpado do nosso ordenamento jurídico, nos parecendo que a proposta deredação mais correta seja aquela apresentada por Gilberto de Ulhôa Canto nomomento da elaboração do art. 177 do Anteprojeto de Lei do Processo Tributário,segundo o qual: “É parte legítima para pleitear a repetição, o sujeito passivo da

obrigação tributária ou o infrator que tiver pago penalidade, ainda que o efetivo encargo nanceiro tenha sido transferido a outrem. Quem provar a transferência, disporá daação regressiva contra o sujeito passivo reembolsado, ou poderá integrar a lide comoassistente, e requerer ao juiz que a restituição lhe seja feita.”

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A L R S, S J T

Gilberto Baptista MartinsSócio do escritório Batista Martins Advogados.

Especializado em Direito Tributário pelo IBET-RJ.“MBA - em Finanças” pelo IBMEC-RJ.

Pós-Graduado em Contabilidade Fiscal e Societária pelo CORECON/Universidade-RJ.Graduado pela Universidade Cândido Mendes – RJ.

Sumário: Da Lei de Execuções Fiscais. Da Legislação Tributária. Do art. 110 do CTN.

Da origem e da essência da limitação da responsabilidade do sócio, e da possibilidade de sua desconsideração. Nas Leis Civil, Societária e na Constituição. No CTN. Do art. 109 do CTN.

Como introdução ao tema central deste estudo se faz necessário frisar, apesarda obviedade, o que é o direito e como devemos entendê-lo em nossas atividades.

Diz-se que o direito cria suas próprias realidades. Isso porque o regramento jurídico nada mais é do que um acordo/contrato que rmam os cidadãos de umadeterminada sociedade no intuito de restringir a conduta individual em prol do

 bem comum.Como resultado desse acordo há o nascimento de uma lei fundamental,

que é atualmente chamada de Constituição, cuja origem data do Século XVII,ganhando força a partir da Declaração de Direitos na Inglaterra (Bill of Rights).Essa Declaração foi votada em 1688 pelo Parlamento inglês, sob a inuênciada classe média inglesa que assumira a liderança no comércio, na indústrianascente e na administração do Estado, no intuito de impor a Guilherme IIIdireitos e garantias que os ingleses reclamavam há muitos anos, tais como:reuniões periódicas do Parlamento, votação de leis e impostos, direito de

petições e instituição do Júri.Por conseguinte, carreados por John Locke em sua obra Segundo Tratado do

Governo Civil , de 1690, os ideais do Iluminismo vieram confrontar o Absolutismoda Monarquia e o constante aumento da carga de tributos utilizada em proldos excessos da nobreza. Sustentava Locke que o Estado era fruto de umcontrato social derivado do povo e que em todo Estado civilizado o Príncipe e aAssembleia eram meros agentes a serviço dos cidadãos e deviam se submeter àlei básica natural dos direitos à vida, à liberdade e à propriedade, sob pena dalegitimidade da revolta popular e da organização de um novo governo.

Posteriormente, sob a inuência das ideias de Locke e devido à crescenteinsatisfação popular na França, temos o advento da Revolução Francesa e aconsequente Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1791, cujosanseios por liberdade, igualdade e fraternidade - pilares atuais de nossa

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Constituição Federal de 1988 (também chamada de Constituição Cidadã365) –construíram o postulado fundamental no qual o Estado deveria zelar, únicae exclusivamente, pelo bem comum da sociedade e que a sua intervenção na

economia seria necessária apenas para garantir a segurança do cidadão.Dessa forma, pode-se armar que a Constituição Federal de 1988 nada mais

é do que um contrato escrito por nossos representantes, no qual encontram-sexadas as regras que irão zelar por nossos valores, costumes e anseios, sejameles de segurança à vida, à liberdade, à propriedade, assim como de punição aoscriminosos e, no caso deste estudo, de limitação ao poder de tributar do Estado.

Portanto, não é por simples acaso que encontramos em nossa Constituiçãoum capítulo destinado especicamente ao “Sistema Tributário Nacional”, no

qual xamos as regras de permissão, proibição e obrigação no que tange àcriação e instituição de tributos aos contribuintes.Não obstante tais determinações, o despreparo de alguns legisladores vem

incentivando a Administração Fazendária a lesar, frequentemente, o nosso textoconstitucional, ao arrolar no polo passivo da execução scal o sócio de uma sociedadelimitada, ainda que este seja detentor de apenas uma quota; não tenha dado causa aqualquer ato ilícito; ou sequer tenha tomado parte na gestão da referida sociedade.

Tal prática, como veremos, colide com o atual sistema jurídico consolidado,que foi construído ao longo da história visando a conceber o desenvolvimento

econômico e social do País.Por tais razões, a presente análise tomará como exemplo de sua armação

crítica uma dessas práticas recentes, a seguir descrita.Há cinco anos, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),

em um dos poucos pronunciamentos da Corte até então sobre o artigo 13 daLei nº 8.620/93,366 c/c art. 124, II367 do CTN, decidiu que os sócios das sociedadeslimitadas responderiam solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social (AGREsp 410080/PR, Rel. Min. Teori A. Zavascki, DJ

10/05/2004, p. 168).

365 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL-1988 – “PREÂMBULO” – “Nós, re-presentantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir umEstado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça com valores supremos de umasociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, naordem interna e internacional, com a solução pacíca das controvérsias, promulgamos, sob a prote-ção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”

366 Art. 13 da Lei nº 8.620/93 – “O titular da rma individual e os sócios das empresas por cotas deresponsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto àSeguridade Social.”

  Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respon-dem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento dasobrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.

367 Art. 124, CTN – “São solidariamente obrigadas: II – as pessoas expressamente designadas por lei.”

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Naquela decisão, os Ministros acolheram recurso da ProcuradoriaEspecializada junto ao INSS – órgão vinculado à Advocacia-Geral da União–, no qual afirmava que uma vez comprovada a falta de recolhimento das

respectivas contribuições, a responsabilidade atribuída pela lei ao sócioquotista seria automática, sendo irrelevante, portanto, a necessidade de seprovar que o não recolhimento do tributo tivesse origem em ato abusivodo sócio, praticado com violação à lei, ao contrato social ou estatuto naadministração da sociedade devedora.

Por esse entendimento, mesmo que o sócio detivesse apenas uma quota,e não mantivesse qualquer ligação com a administração do empreendimento,responderia, ainda assim, pelos débitos com o INSS, em igualdade de condiçõescom a pessoa jurídica.

Cumpre salientar, que tal decisão causou efetiva preocupação no meio jurídico, assim como no setor empresarial, na medida em que vinha corroborar eincentivar as constritivas práticas utilizadas, frequentemente, pela administraçãofazendária. Essas práticas impingiam a qualquer sócio, até mesmo àqueles quenão mais participavam da sociedade quando da ocorrência do fato gerador, ainclusão de seu nome em certidões de dívida ativa, o bloqueio de seus bens ede suas contas correntes, causando-lhe sérios entraves, tanto em suas atividadesprossionais quanto em sua vida pessoal, ou seja, em nítido confronto aoinstituto de limitação da responsabilidade.

Em seu voto, o Ministro Teori Zavascki observou que os débitos da empresacom a seguridade social eram posteriores à edição da referida lei. Por isso,armou ser viável “a inclusão do sócio no rol dos responsáveis tributários”.

Esses fatos levaram a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) apromover uma Ação Direta de Inconstitucionalidade368 (posteriormente, tambéma Confederação Nacional da Indústria369), pelas teclas do i. Sacha Calmon N.Coêlho, no intuito de obter a declaração de inconstitucionalidade das expressões“e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada” e “os acionistascontroladores”370 sob os seguintes argumentos, em síntese:

• Que a discussão se passava em nível constitucional. Portanto, denada adiantaria a evocação do art. 124, II, do CTN, pois os trechoscombatidos do caput e do parágrafo único do art. 13 da Lei nº 8.620/93

368 ADIn nº 3642-4, promovida por SACHA CALMON N. COÊLHO, IGOR MAULER SANTIAGO,EDUARDO MANEIRA E ALEXANDRE ALKMIN.

369 ADIn nº 3672 (cujos argumentos legais se assemelham à ADIn nº 3642), promovida por GUSTAVOAMARAL.

370 Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoasvinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio quelhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e opoder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder paradirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

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contrariavam, diretamente, a Constituição, padecendo, assim, dosseguintes defeitos:

• Inconstitucionalidade formal, por invadir área reservada à lei

complementar (CF, art. 146, III, b371

); e•. Inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da isonomia

(quer entre os contribuintes – CF, art. 150, II;372  quer entre os entespolíticos – CF, art. 19, III373); da razoabilidade e da proporcionalidade(estes últimos implícitos, mas igualmente vinculantes).

Não obstante, o mesmo “equívoco” ocorreu com a Lei Complementarnº 123/2006, intitulada de Simples Nacional, que foi instituída com agrante

inconstitucionalidade, ao dispor em seu art. 78, §§ 3º e 4º374

  que os sóciosresponderiam solidariamente pelos tributos ou contribuições que não tivessemsido pagos ou recolhidos e que, mesmo após a baixa do registro da empresa,ainda que nunca tivessem participado de sua gestão, seriam solidariamenteresponsáveis, não somente quanto à inadimplência no período em que estavamna sociedade, como também quanto àquela que viesse a ocorrer em outrosperíodos.

Contudo, após dezesseis anos de “ecácia” do desprezível art. 13 da Lei nº8.620/93 (e cinco da referida decisão), ele acabou revogado pela Lei nº 11.941/2009,

assim como os §§ 3º e 4º do art. 78 da Lei Complementar nº 123/2006 foram,passados apenas dois anos, revogados pela Lei Complementar nº 128/2008.

371 Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,especialmente sobre: b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

372 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintesque se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação pro-ssional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,títulos ou direitos.

373 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - criar distinçõesentre brasileiros ou preferências entre si.

374 Art. 78. As microempresas e as empresas de pequeno porte que se encontrem sem movimento hámais de 3 (três) anos poderão dar baixa nos registros dos órgãos públicos federais, estaduais e muni-cipais, independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atrasona entrega das respectivas declarações nesses períodos.§ 3º A baixa, na hipótese prevista neste artigo ou nos demais casos em que venha a ser efetivada, in-clusive naquele a que se refere o art. 9o desta Lei Complementar, não impede que, posteriormente, se-

 jam lançados ou cobrados impostos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da simplesfalta de recolhimento ou da prática, comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial,de outras irregularidades praticadas pelos empresários, pelas microempresas, pelas empresas depequeno porte ou por seus sócios ou administradores, reputando-se como solidariamente responsá-veis, em qualquer das hipóteses referidas neste artigo, os titulares, os sócios e os administradores doperíodo de ocorrência dos respectivos fatos geradores ou em períodos posteriores.

  § 4º Os titulares ou sócios também são solidariamente responsáveis pelos tributos ou contribuiçõesque não tenham sido pagos ou recolhidos, inclusive multa de mora ou de ofício, conforme o caso, e

 juros de mora.

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Há de ser ressaltado, no entanto, que a revogação do citado art. 13 daLei nº 6.820/93 continua gerando discussões no judiciário, uma vez que aProcuradoria-Geral da Fazenda Nacional rmou entendimento no qual a

revogação não retroagiria para beneciar as execuções já em andamento (nasquais a citação dos sócios já se efetivara). Dessa feita, constata-se outro grandeequívoco, agora por parte da citada Procuradoria, na medida em que talposicionamento cria distinção entre sócios de uma mesma categoria (citadose não citados), como também vem contrariar o critério da lei mais benécaao contribuinte, ou seja, em nítido desrespeito à intenção do legislador queprocurou desfazer tal equívoco “legal”.

Ocorre ainda que, apesar da revogação de tais dispositivos, o ordenamento jurídico continua sendo vilipendiado “legalmente”, pois a própria Lei nº 11.941/09

dispõe em seu art. 1º, § 16, I, que “a pessoa física que solicitar o parcelamentopassará a ser solidariamente responsável, juntamente com a pessoa jurídica, emrelação à dívida parcelada”.

Devido a tais acontecimentos, e apesar das incontestáveis argumentaçõesda citada ADIn, o presente estudo visa demonstrar a inconstitucionalidade detais equívocos normativos e administrativos por mais um ângulo, pois, comoveremos a seguir, os referidos dispositivos “legais”, assim como outros quepoderão surgir, não podem prevalecer sobre o histórico instituto de direitoprivado de limitação da responsabilidade para modicar o seu conteúdo erestringir o seu alcance; exatamente como reete a Constituição Federal de1988, gênese normativa de nosso sistema jurídico; o Código Tributário Nacional– CTN; o Código Civil; a Lei de Execuções Fiscais; e a Lei das Sociedades porAções. Senão vejamos.

Da Lei de Execuções Fiscais

Dispõe a Lei nº 6.830/80 – Lei de Execuções Fiscais –, em seus arts. 1º375 e 4º, §

2º,376

 que a execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União e respectivasautarquias será por ela regida e que à Dívida Ativa da Fazenda Pública, dequalquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade previstana legislação tributária, civil e comercial.

Portanto, como bem salientado nesse texto legal, ao se perquirir pelaresponsabilidade pessoal do sócio, será necessário, para o seu alcance, analisá-la sob a ótica do entrelaçamento das normas da legislação tributária, civil e

375 Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do DistritoFederal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, peloCódigo de Processo Civil.

376 Art. 4º - A execução scal poderá ser promovida contra: § 2º - À Dívida Ativa da Fazenda Pública, dequalquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributá-ria, civil e comercial.

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comercial, levando-se em conta os seus fundamentos, e não de forma estanque,pois pertencem a um único sistema jurídico, nas palavras de Alfredo A. Becker,in verbis:

“Não existe um legislador tributário distinto e contraponível a um legisladorcivil ou comercial. Os vários ramos do direito não constituem compartimentosestanques, mas são partes de um único sistema jurídico, de modo que qualquerregra jurídica exprimirá sempre uma única regra (conceito ou categoria ou instituto jurídico) válida para a totalidade daquele único sistema jurídico. Esta interessante fenomenologia jurídica recebeu a denominação de cânone hermenêutico datotalidade do sistema jurídico.”377 

Assim sendo, a norma que pretende alcançar a responsabilidade pessoal deum sócio deverá ser interpretada e integrada à luz desse sistema jurídico uno eentrelaçado, pois ao estar o sócio vinculado à pessoa jurídica (não obstante seremsujeitos de direito distintos), e ambos às regras constitucionais, civis, tributárias,comerciais e societárias, não há como desagregá-lo de todo o arcabouço legalque enseja o instituto de limitação da responsabilidade, assim como das regraspara sua desconsideração prescritas, entre outras, no Código Civil.

Da Legislação TributáriaNo que tange, especicamente, à legislação tributária, o art. 146 da

Constituição Federal dispõe, como princípio geral, que compete à leicomplementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, assimcomo estabelecer as normas gerais em matéria de legislação tributária, tais comoas referentes às obrigações e aos créditos.

Assim, há de ser salientado, neste tópico, a perfeita análise apresentada nacitada ADIn, ao concluir, entre outras, pela armação de que a norma ordinária

do art. 13 da Lei nº 8.620/93 invadira a área de competência da lei complementarpara dispor sobre a matéria, dando ensejo a uma inconstitucionalidade formal.No tocante às inconstitucionalidades materiais, caracterizavam-se as

afrontas (i) ao princípio da isonomia entre entes políticos, uma vez que a Uniãoconta com privilégios relativos à cobrança de tributos da sua competência, nãoextensíveis aos demais entes políticos tributantes (Estados e Municípios), o queé vedado; (ii) ao princípio da isonomia entre contribuintes, na medida em queimpunha uma distinção injusticada entre os sócios de empresas limitadas e osdas sociedades anônimas e, além disso, o caput do comando legal em discussão

colocava o sócio da limitada em situação mais gravosa do que a do administrador,ao qual só se atribui responsabilidade solidária em caso demonstração de dolo ou

377 Teoria Geral do Direito, Ed. Saraiva, SP, 2ª ed., 1972, p. 110.

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culpa (junta-se aqui o fato da Procuradoria, atualmente, fazer distinção entre ossócios citados e os não citados para prosseguimento ou não da execução); e (iii)aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois a responsabilização

objetiva do sócio não se justicava pelo locupletamento que a não quitação dascontribuições poderia lhe proporcionar, em primeiro lugar, porque a distribuiçãode lucros, além de não ser obrigatória para as sociedades limitadas, é vedada àsempresas em débito para com a Seguridade Social; em segundo, porque, aindaque assim não fosse, poderia ocorrer que a dívida previdenciária superasse ovalor da participação do sócio no patrimônio da sociedade, situação em queseria descabido falar-se em ganho, pelo menos quanto à parcela excedente docrédito tributário.

Do art. 110 do CTN

  Não obstante, o Código Tributário Nacional (CTN), a lei complementarem questão, prescreve em seu artigo 110, no capítulo pertinente à interpretaçãoe integração da legislação tributária no sistema jurídico, que “a lei tributárianão pode alterar a denição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formasde direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos

 Municípios, para denir ou limitar competências tributárias”.Portanto, desde já se pode armar que a simples leitura dessa regra de

interpretação e integração da norma tributária no sistema jurídico nos traza cristalina certeza de que o disposto no art. 13 da Lei nº 8.620/93 não tinhacapacidade legal de obter validade em nosso ordenamento tributário, assimcomo feria dispositivos do Código Civil e de outras legislações, como veremosadiante, no momento em que pretendia se imiscuir no conteúdo e no alcance dohistórico instituto de limitação da responsabilidade. Instituto este de fundamentalimportância para caracterizar, especialmente, as sociedades limitadas e porações. Exatamente como doutrina Humberto Theodoro Jr.:

“...o simples inadimplemento da obrigação tributária, sem dolo ou fraude, representamora da empresa contribuinte, mas não ato, por si só, violador da lei ou do estatutosocial, por parte dos cotistas. A não ser assim, deixaria de existir, no direito brasileiro, a sociedade de capital,e toda e qualquer sociedade passaria automaticamente à qualidade de sociedadesolidária ou de pessoas, porque, como é óbvio, só se cogita da diferenciação dos tipos

societários após o inadimplemento das obrigações sociais, e nunca antes dele.”378

378 Lei de Execução Fiscal – Comentários e Jurisprudência, ed. Saraiva, 7ª ed., SP, 2000, pp. 30 e 31.

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Cabe acrescentar a esse cristalino raciocínio que, no tocante a todo essesistema legal citado, o qual será demonstrado com mais vigor adiante, há de seradicionado, ainda, a Ciência Contábil que consagra o “Princípio da Entidade”

como um de seus pilares (associado ao Princípio da Continuidade da Empresa),ao armar que a “ personalidade própria da entidade, distinta da dos sócios que acompõem (mesmo que o dono seja um só), representa um dos grandes marcos históricosda Contabilidade”.379 

Ressalta-se, em breve síntese histórica, que a Ciência Contábil até o séculoXVII visava, como objetivo focal, conceber a necessária informação ao proprietárioe, segundo Paccioli380 “dar ao comerciante, sem atraso, informação de seus ativose exigíveis”. Para Paccioli, o inventário deveria incluir o caixa, roupas, utensíliosda casa e outras posses do proprietário. A pessoa do proprietário e o seu negócioeram uma coisa só.

Naquela época as informações contábeis eram de único e exclusivoconhecimento de seu proprietário, não havendo maiores preocupações com suaexatidão e uniformidade.

É a partir dos séculos XVII e XVIII, paralelamente ao desenvolvimentode empreendimentos com quotas por ações e outros tipos de organizações,assim como o surgimento da Revolução Industrial na Europa Ocidental, queos autores da época passaram a se preocupar com regras racionais de “débito”

ou “devedor”, signicando o lado esquerdo, e “crédito” ou “credor” do ladodireito, aplicadas a contas impessoais, aorando a personalização da “Entidade”como necessária ao estabelecimento de regras gerais aplicáveis a todas as contas.

Em 1673, devido às evoluções no estudo e na aplicação da Contabilidade,associadas ao desenvolvimento do comércio, o Governo francês passa a exigiro Balanço Patrimonial de todos os empreendimentos, a cada dois anos, para acobrança do imposto de renda, o que vem implantar a noção ou conceito decontinuidade dos negócios ou das empresas.

Nessa evolução, após o Século XIX, o Princípio da Entidade se sedimenta

como o principal postulado da Ciência Contábil (chegando-se à equação “Ativos= Passivos + Patrimônio Líquido” no início do Século XX), vindo a conceber adevida importância à empresa como organização separada das atividades doproprietário, assim como imputar às contas da empresa a devida visibilidadepara os possíveis interessados em sua continuidade, tais como acionistas,investidores, credores e governos.

379 Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis,Atuariais e Financeiras da USP – FIPECAFI, ed. Atlas, 2ª ed., SP, 1989, p. 62.

380 FREI LUCA PACCIOLI, considerado o “pai” dos autores de Contabilidade, publica em Veneza, em1494, a “Suma de Aritmetica, Geometria, Proportioni Et Proporgionalitá”, dentre a qual se destacacomo marco fundamental para a história da Contabilidade, o “Tractus De Computis Et Scriptus”,que é considerada a primeira exposição completa e com muitos detalhes, ainda hoje atual, daContabilidade. O método contábil é explicado, talvez pela primeira vez, a partir do inventário.

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Portanto, não é somente o homem, individualmente, que tem a aptidão deser sujeito de direito. Como bem salienta KELSEN,381 “a pessoa jurídica é umaconstrução elaborada pela ciência do Direito em decorrência da necessidade

de criação de entidades capazes de realizar determinados ns que não sãoalcançados normalmente pela atividade individual... A corporação (leia-se:sociedade)  pode ser entendida como uma comunidade de indivíduos a que aordem jurídica impõe deveres ou direitos subjetivos que não podem ser vistoscomo dos indivíduos que formam essa corporação como seus membros, masdeveres e direitos que competem a essa corporação, que é concebida como umapessoa distinta”.

A personicação, em síntese, tem por objetivos unicar uma coletividadede pessoas e limitar, ou até mesmo, suprimir as responsabilidades individuais,

 juntamente com a separação dos patrimônios das pessoas naturais e das pessoas jurídicas por elas formadas.Não é por outro motivo que, atualmente, um sócio não pode quitar uma

obrigação da empresa com seu dinheiro, devendo emprestá-lo ou fazer umaumento de capital e, posteriormente, a empresa quitar a referida obrigação,como também não lhe é permitido ter acesso efetivo a parcelas do patrimôniolíquido até que a Assembleia, a Lei Societária ou os Estatutos Sociais destinemuma parte dos lucros à distribuição ou que esse lucro se retire da sociedade,nos termos da lei.

Nunca é demais frisarmos que o referido instituto de limitação daresponsabilidade, construído há mais de dois séculos, e adotado emordenamentos jurídicos de diversas nações, somente poderá ter a sua essênciadesconsiderada (a despeito do que pretendiam as normas dos arts. 13 da Leinº 8.620/93 e 78, §§ 3º e 4º da LC nº 123/06), única e exclusivamente, naquelashipóteses caracterizadas pela má-fé oriunda da pessoa jurídica (Teoria daDesconsideração) e, no que tange ao Direito Tributário, por meio de normalegislativa especíca que respeite o princípio da legalidade e sua peculiaridadeatinente à tipicidade, senão vejamos.

Da origem e da essência da limitação da responsabilidadedo sócio, e da possibilidade de sua desconsideração

 A sociedade comercial, em sua essência, é tão antiga quanto a civilização.Começou a orescer no momento em que duas pessoas somaram esforços

para a obtenção de resultados econômicos comuns.Os primeiros documentos legislativos conhecidos datam do Direito

Romano, nos quais se vislumbram as origens do direito societário, concernentes

381 HANS KELSEN – “Teoria Pura do Direito”, 4ª edição, Trad. João Baptista Machado, Ed. MartinsFontes, São Paulo, 1994, pp. 188/213.

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ao tratamento concebido a não divisão, entre os herdeiros, do patrimônioconstitutivo da herança, para o efeito de uma administração comum (sociedadefamiliar).

Contudo, foi na Idade Média que as sociedades comerciais obtiveram bomdesenvolvimento, evoluindo de suas antigas formas para aproximarem-se desuas atuais congurações, quando a noção da separação entre o patrimônio dasociedade e o dos sócios passou a se denir.

Inicialmente, essas sociedades tomaram o contorno da sociedade emnome coletivo ou em comandita simples que, apesar de fazerem distinçãoentre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios, responsabilizavamilimitadamente o sócio, seja na forma objetiva ou por meio do princípio da

subsidiariedade, como ainda hoje o fazem.Posteriormente, “com a descoberta por Vasco da Gama, em 1497, do caminhomarítimo para as Índias através do cabo da Boa Esperança (cuja viagem obtiveraum lucro de 6.000%), rompeu-se o monopólio dos mercadores de Veneza, o queintensicou o comércio de forma latente. O Atlântico se transforma, então, narota comercial mais importante, o que vem gerar um grande impulso à formaçãode novos grupos de mercadores, especialmente em Portugal, Espanha, Holanda,Inglaterra e França.

No entanto, o custo dessas expedições assim como os riscos envolvidoseram de tal monta que a organização tradicional das associações, que se haviamcriado para negociar com as velhas rotas de comércio, não mais se adaptavaàs novas condições. Assim, a sociedade por ações foi a solução adotada pelosmercadores, a partir dos séculos XVI e XVII, ao problema de como levantar osenormes capitais necessários a tão vastos empreendimentos como o comérciocom a América, a África e a Ásia.

Dentre as primeiras sociedades por ações, temos uma inglesa chamada de‘Aventureiros Mercadores’, que contava com 240 acionistas, participando, cada

um, com 25 libras.Era pela venda de ações a muitas pessoas (entre elas a própria Rainha

Elisabeth, da Inglaterra) que se mobilizava o considerável capital necessário àsgrandes expedições. Esse período da História é considerado como o da ‘RevoluçãoComercial’ e, entre outras companhias criadas, existiam sete companhias das‘Índias Orientais’, sendo as mais famosas a britânica e a holandesa; assim comoquatro companhias das ‘Índias Ocidentais’, organizadas na Holanda, na França,na Suécia e na Dinamarca. Essas Companhias foram as precursoras de nossas

grandes empresas de hoje.382

382 LEO HUBERMAN – “História da Riqueza do Homem”, 11ª ed., Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1976,pp. 98/102.

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Tais empreendimentos foram se desenvolvendo sob o esteio da limitaçãodo risco e que, devido ao capital acumulado, atingiram o seu apogeu como amola propulsora da Revolução Industrial.

Há de ser observado, ainda, que a preocupação com a limitação do riscoestava tão intrinsecamente ligada a esse tipo de comércio que, “já no século XIVtemos o surgimento do seguro do transporte marítimo, destinado a indenizar onavegador das perdas eventualmente sofridas nas viagens empreendidas”.383

Após o sucesso econômico em que se tornaram as ditas sociedades porações, o mesmo mecanismo de limitação de responsabilidade teve ensejo, dessavez na Alemanha, a partir de 1892, passando a Portugal em 1901 (cujo modeloinuenciou a lei brasileira) como estímulo a um novo tipo societário, incumbido

de permitir a limitação do risco aos pequenos empreendedores, pois aceitavapara sua constituição a união de apenas dois sócios, e que foi chamado desociedade por cotas de responsabilidade limitada.

A limitação da responsabilidade dos sócios, portanto, constituiu-se novínculo jurídico que, lastreado no capital social, concebeu a necessária segurançaao investidor e, dessa forma, possibilitou o desenvolvimento econômico e socialdas economias de distintos países, o fomento de empregos, tributos e a produçãode bens e serviços para a comunidade.

Como exemplo da importância desse instituto, existem no Brasil, atualmente,

quase 4 milhões de sociedades limitadas, e um número substancialmente menorde sociedades anônimas, exercendo atividades comerciais. Praticamente,nenhum dos outros tipos societários do antigo Código Comercial e atual CódigoCivil é utilizado.

Dessa forma, é inegável que para haver incremento nas atividades econômicasprodutivas do país, empreendimentos são necessários e imprescindível se tornaa união de pessoas que, regra geral, não estão dispostas a arriscar a totalidadede seus patrimônios.

Para tanto, o instituto da pessoa jurídica com limitação de responsabilidadese encaixou perfeitamente ao objetivo do Estado e dos empreendedores.

Contudo, há de ser salientado que, apesar de a pessoa jurídica existir paragerar investimentos, atrair empregos e recolher tributos, é utópico pensarmosque qualquer estrutura societária esteja livre do abuso de direito, da fraude oude qualquer outro ato ilícito.

Assim, e devido ao rápido orescimento histórico de inúmeras atividadesempresariais, muitas vezes em velocidade superior aos devidos mecanismos deproteção legal, algumas condutas ilícitas eram praticadas visando, acintosamente,

ao prejuízo dos credores.

383 HAMILTON YMOTO – “Cons e o Custeio da Seguridade Social”, 1ª ed., Fiúza Editores, São Paulo,2003, p. 25.

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Como forma de controle de tais descaminhos, surge a teoria da‘Desconsideração da Personalidade Jurídica’.384

Essa teoria desenvolveu-se, inicialmente, nos países da common law ,

teve seu leading case  na Inglaterra em 1897, mas ganhou força nos EstadosUnidos e na Alemanha. Determinava que, apesar do instituto da limitaçãode responsabilidade ser um instrumento importantíssimo para o exercício daatividade empresarial, não poderia ser usado para propósitos espúrios. Comefeito, uma vez caracterizada a utilização abusiva da forma societária, comprejuízo para terceiros, levantar-se-ia o véu da pessoa jurídica para alcançar ossócios ou os acionistas em seus patrimônios pessoais.

A maioria dos autores remonta a origem da teoria ao famoso caso“Salomon vs  Salomon & Co Ltda”, julgado na Inglaterra em 1897 como ditoanteriormente. O interessante é que nesse primeiro precedente histórico, a teoriada desconsideração da personalidade jurídica acabou por não prevalecer. Issoporque ela foi aplicada pelas instâncias inferiores da justiça inglesa, mas a Houseof Lords (Corte Suprema daquele país) reformou as decisões anteriores, de formaa fazer prevalecer o princípio que não permitia confundir a pessoa jurídica comseus sócios. Porém, a semente da teoria havia sido plantada e germinou mundoafora, como mencionado.

No referido precedente, o Sr. Aaron Salomon, comerciante individual de

couros e calçados, havia constituído a sociedade “Salomon & Co. Ltd.” comsua mulher e cinco lhos, em 1892. A referida sociedade detinha um capital de20.006 ações, reservando-se 20 mil ações para a propriedade do mencionadocomerciante individual, e as outras 06 para sua mulher e lhos, sendo umapara cada. Para integralizar suas ações, o Sr. Salomon transferiu à sociedade ofundo de comércio que possuía a título individual. Como o fundo de comérciovalia mais do que as 20 mil ações, o Sr. Salomon tornou-se credor da diferença,tendo instituído a seu favor uma garantia real. Como, posteriormente, asociedade entrara em insolvência, vindo a ser dissolvida, estabeleceu-se o

litígio judicial entre o próprio Aaron e a sociedade, uma vez que ele pretendeureceber seu crédito privilegiadamente em relação aos demais credores, poiscontava com a garantia real.

 Tanto a High Court quanto, em grau de recurso, a Court of Appeal deramganho de causa à sociedade, condenando o Sr. Aaron a pagar-lhe certa soma emdinheiro, ressaltando as decisões que a sociedade seria apenas um outro nomepara designar o próprio Aaron Salomon. Acreditava-se ser um estratagema de

384 Teoria esta conhecida no Direito inglês e no americano como Disregard of Legal Entity , Disregard ofCorporate Entity , Lifting the Corporate Veil , Piercing the Corporate Veil , Cracking open the Corporate Shell;no Direito italiano: Superamento della Personalità Giuridica; no Direito alemão: Durchgri der JuristichenPerson; no Direito francês: Mise à L’Écart de la Personnalité Morale; e no Direito argentino: Teoría de laPenetración o Desestimación de la Personalidad.

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que o Sr. Aaron se serviu para ter os lucros de uma atividade econômica sem osriscos e a responsabilidade pelas dívidas e, por conseguinte, fraudar os credores.

Contudo, a House of Lords , reformando as decisões e aferrando-se aos

princípios ortodoxos em matéria de pessoa jurídica, censurou asperamente aquiloque considerou incoerência das decisões recorridas. A House of Lords ponderouque: (i) uma vez que se admite que a sociedade, por seu liquidante, possa fazervaler determinados direitos contra seu sócio principal, está-se, evidentemente,a reconhecer sua personalidade jurídica distinta; (ii) a circunstância de estaremas poucas ações restantes em mãos de pessoas de sua família não tinha por sisó o condão de afetar o fato de que a sociedade fora validamente constituída,nem o de fazer nascer contra a pessoa dos sócios deveres que, de outra forma,inexistiriam; e (iii) também a circunstância de virem as ações a serem transferidasdurante a vida da sociedade a uma só pessoa não afeta em nada a existência nema capacidade de uma sociedade cuja personalidade jurídica foi reconhecida.385

Como já mencionado, a teoria se desenvolveu não no sentido dedesprestigiar a pessoa jurídica e sua autonomia patrimonial, mas semprepor meio de caráter de aplicação excepcional, visando a preservar o institutode limitação da responsabilidade e impedir que ele fosse desviado do rumopara o qual fora idealizado.

Portanto, a desconsideração da personalidade jurídica foi inserida no

ordenamento jurídico como único e exclusivo meio de impedir a utilização dapessoa jurídica como instrumento do dolo, da fraude e do abuso de direito nasrelações comerciais.

Nas Leis Civil, Societária e na Constituição

O Código Civil de 1916, que perdurou até a Lei nº 10.406/2002 (atualCódigo Civil), inseriu em nosso ordenamento jurídico, através de seu art. 20,386 o consagrado princípio da separação entre a pessoa do sócio e a sociedade,

seguindo a máxima romana societas distat a singulis.387

Por conseguinte, o Decreto nº 3.708 de 1919, que normatizou a sociedadepor cotas de responsabilidade limitada, dispunha em seu art. 2º, que “O tituloconstitutivo regular-se-há pelas disposições dos arts. 300 a 302 e seus números do CodigoCommercial, devendo estipular ser limitada a responsabilidade dos sócios à importânciatotal do capital social”; em seu art. 3º, § 2º, que “a rma ou denominação social deveser sempre seguida da palavra - limitada. Omiida esta declaração, serão havidos comosolidaria e illimitadamente responsaveis os socios gerentes e os que zerem uso da rma

385 ALEXANDRE COUTO SILVA – “Aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica no DireitoBrasileiro”, 1ª ed., Ltr. Editora, São Paulo, 1999, pp. 30/31.

386 Art. 20 – “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.”387 “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.”

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social”. Por conseguinte, o art. 10 prescrevia que “Os sócios gerentes ou que deremo nome à rma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome dasociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente

 pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei”.Nota-se, claramente, nesses dispositivos, que somente os sócios gerentese os que zessem uso da rma social (administradores etc.) poderiam serresponsabilizados solidariamente e ilimitadamente, contudo, apenas nos casosde excesso de mandato e naqueles praticados com violação do contrato ou da lei.

O Código Civil atual, que veio a conjugar essas duas legislações, comfulcro nesse consagrado instituto societário, civil e comercial, rearma que nasociedade limitada a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suasquotas, e que todos respondem solidariamente apenas pela integralização do

capital social (art. 1.052),388

 ou quando expressamente infringirem o contrato oua lei (art. 1.080).389 

Está claro, portanto, que a obrigação solidária, nesse tipo societário, limita-se, única e exclusivamente, ao valor do capital social e extingue-se quando elefor totalmente integralizado pelos sócios, ressalvados os casos já citados de dolo,violação ao contrato etc.

Ademais, salienta-se que o Código Civil dispõe, sem restar dúvida,quanto à possibilidade de escolha do tipo societário, assim como quanto à suaresponsabilidade e à sua desconsideração, a saber:

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privadocom a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.Art. 46. O registro declarará:V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigaçõessociais;Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelodesvio de nalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, arequerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervirno processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigaçõessejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios dapessoa jurídica.

Na mesma linha, a Lei nº 6.404 de 1976, que regra as sociedades por ações, já em seu art. 1º, preconiza que: “ A companhia ou sociedade anônima terá o capitaldividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço deemissão das ações subscritas ou adquiridas.”

388 Art. 1052 – “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quo-tas, mas que todos respondem solidariamente apenas pela integralização do capital social”.

389 Art. 1.080 – “As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidadedos que expressamente as aprovaram”.

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No que tange, especicamente, ao acionista controlador, o caput do art. 117prescreve, de forma objetiva, que: “O acionista controlador responde pelos danoscausados por atos praticados com abuso de poder”.

Nesse tópico, há de ser ressaltado que, a despeito da norma do parágrafoúnico do art. 13 da Lei nº 8.620/93 pretender responsabilizar solidariamente oacionista controlador nas hipóteses de dolo ou culpa, na mesma diretriz do art.117 da Lei nº 6.404/76, ainda assim transgrediu o sistema jurídico. Seja porque eranorma ordinária usurpando competência da norma tributária complementar; pelofato de determinar tratamento diferenciado entre o acionista controlador, que sópoderia ser responsabilizado por dolo ou culpa, e o sócio da sociedade limitadaque, mesmo detendo uma quota e não tomando parte das decisões da sociedade,seria responsabilizado automaticamente, sem a necessária comprovação de que

sua gestão fora culposa ou dolosa, o que confronta o princípio da isonomia (art.150, II, CF/88); ou mesmo porque no campo de responsabilização do CTN não háqualquer menção ao acionista controlador de uma sociedade por ações.

Portanto, uma vez escolhida a forma societária de sociedade limitada oupor ações, somente o abuso de poder será passível de ensejar a desconsideraçãoda pessoa jurídica para alcançar os bens pessoais daqueles que, efetivamente,deram causa a tal ilegalidade. E, no caso especíco de nosso Direito Tributário,a pretensão de se instituir a incidência tributária somente poderá ser aceita pormeio de norma que estiver em estrita consonância com o princípio da legalidade,

que é objetivamente denido em nossa Constituição Federal.390

Como armado, é exatamente o que prescreve a Constituição Federal de1988, gênese normativa de nosso sistema jurídico, em seu art. 173, § 5º, a saber:“ A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com suanatureza , nos atos praticados contra a ordem econômica e nanceira e a economia popular.”

Aí está, portanto, a pedra fundamental sobre o tema, qual seja: somente osque dirigem a sociedade limitada ou por ações poderão ser responsabilizados

pela prática de atos abusivos, nunca o sócio que não participa das suas decisões,assim como as punições deverão ser compatíveis com a natureza da sociedade,i.e., o seu tipo societário.

No CTN

O Código Tributário Nacional, sem fugir a essa diretriz, mesmo porque nãopoderia, dispõe, além da salvaguarda aos institutos de direito privado (art. 110),

sobre a responsabilidade de terceiros (arts. 134 e 135), in verbis:

390 Arts. 5º, LIV, e 150, I, da CF/88.

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 Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em queintervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus lhos menores;II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou peloconcordatário;VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidossobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades,às de caráter moratório. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes àsobrigações tributárias, resultantes de atos praticados com excesso de poderes ouinfração de lei, contrato social ou estatutos:I - as pessoas referidas no artigo anterior;II - os mandatários, prepostos e empregados;III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Dessa feita, utilizando-me das palavras de Sacha Calmon N. Coêlho, napromoção da referida ADIn nº 3642-4:

“...Como se nota, nos termos do CTN, a responsabilidade pelo meroinadimplemento (art. 134) aplica-se, em matéria de sócios (inciso VII), apenas aosdas sociedades de pessoas e, mesmo assim, tão somente no caso de sua liquidação.

 Já a responsabilidade do art. 135 – que se diferencia da denida no artigoanterior por exigir ilicitude diversa do mero não-pagamento;391 por ser solidária,392 

e não subsidiária; e por abranger, além das moratórias, também as multas pelodescumprimento de obrigações acessórias – dirige-se contra as mesmas pessoaslistadas no art. 134, às quais se adicionam os mandatários, prepostos e empregadose ainda os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Claro, portanto, que não têm fundamento no CTN as normas que, em tema decontribuições para a Seguridade Social, imputam responsabilidade (a) pelo simples

391 Nessa linha, a jurisprudência pacíca do STJ: 1ª Turma, AgRg no Resp. nº 739.717/MG, Rel. Min.FRANCISCO FALCÃO, unânime, DJ 03.10.2005, p. 151; 2ª Turma, Resp. 651.059/RS, Rel. Min.CASTRO MEIRA, unânime, DJ 21.11.2005, p. 184.

392 Ou exclusiva, caso a conduta do agente vise ao benefício próprio, em prejuízo do representado – casodo administrador que retira dinheiro do caixa para pagamento de tributos e falsica a autenticaçãonas guias respectivas, apropriando-se do numerário.

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inadimplemento, aos sócios de empresas limitadas, e (b) pelo não-pagamento comdolo ou culpa (i.e., com descumprimento de obrigações acessórias ou ofensa aosestatutos), aos sócios controladores de sociedades por ações.”

Portanto, os dispositivos que respaldaram a referida decisão encontravam-se em completo descompasso com o nosso ordenamento jurídico ao pretenderalterar o conteúdo e restringir o alcance da limitação da responsabilidadedenida pelo sistema jurídico, especicamente no que tange aos arts. 5º, LIV, 19,III, 146, III, 150, I e II, e 173, § 5º da CF/88; arts. 110, 134 e 135 do CTN; arts. 45, 46,50, 1.052 e 1.080 do Código Civil; arts. 1º e 117 da Lei das Sociedades Anônimas;e arts. 1º e 4º, § 2º, da Lei de Execução Fiscal.

Do art. 109 do CTN

  Destarte, torna-se claro que seria inócua a alegação de que o art. 109do CTN393 permitiria a responsabilização ora questionada, na medida em quenão se pode, no caso especíco, aceitar que os chamados “efeitos tributários”ganhem vida fora da causa que lhes deu origem. Ou seja, se pudéssemos fazer adissociação de tais “efeitos” da “causa” que lhes deu origem, os referidos efeitosestariam criando uma regra autofágica de revogação de sua própria gênese.

Essa autofagia faria cessar os próprios “efeitos” no átimo da sucumbênciada “causa”, o que, por conseguinte, revelaria, à realidade, a essência da regra doart. 13 da Lei nº 8.620/93, qual seja: a sua face de pretensa norma ordinária quetencionava romper com todo um arcabouço legal consolidado, construído pornecessidades e benefícios econômicos e sociais históricos.

 Portanto, a norma do art. 13 da Lei nº 8.620/93 (e, agora, o art. 78, §§ 3º e 4º,da LC nº 123/06), na hipótese de aceitarmos a aplicação do art. 109 do CTN nocaso especíco, nada mais faria do que instituir uma nova regra às sociedades

limitadas e por ações. Nova regra esta que acabaria por modicar o conteúdoe limitar o alcance do citado instituto, usurpando, assim, os limites que seencontram taxativamente delimitados na Constituição Federal, no CTN, na Leidas S/A, no Código Civil e na própria Lei de Execuções Fiscais.

Nesse particular, cabe novamente ressaltar que o nosso sistema jurídicotributário foi desenvolvido com o m precípuo de prevenir o desvio de nalidadede um ente empresarial, seja através da fraude à lei, aos credores ou ao contratosocial, isto é, visando única e exclusivamente responsabilizar a má-fé dos sócios-administradores ou dos responsáveis por tais atos.

393 Art. 109 – “Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da denição, do conteú-do e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para denição dos respectivos efeitostributários”.

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Ademais, ao se pretender retirar dos sócios, inclusive dos minoritáriosque não participam da administração da pessoa jurídica, a proteção da normaque prevê a limitação de sua responsabilidade, ressalvados os casos já citados,

o legislador e os tribunais estariam inibindo a iniciativa privada, ensejando anecessidade de um aumento excessivo nas margens de lucro e instaurando aincerteza quanto à proteção do patrimônio particular, em suma, atingindo demaneira negativa a própria atividade empresarial, com prejuízo da geração deempregos e de riqueza para o País.

Seguramente, poder-se-ia armar sem hesitação que, levando-se emconta as possibilidades atuais de investimentos em nosso mundo globalizado,a atividade econômica em nosso país restaria seriamente comprometida se ocitado instituto não mais existisse ou fosse mitigado, como pretendem algumas

regras “legais”.Como bem salienta Fábio Ulhoa Coelho:394 

“Não se pode esquecer que fatores relativamente imprevisíveis, sobre osquais os empresários não têm nenhum controle, podem simplesmente sacricar aempresa. A motivação jurídica se traduz pela limitação das perdas, que não devemultrapassar as relacionadas com os recursos já aportados na atividade. Essa seráa parte do prejuízo dos sócios da sociedade empresária falida; a parte excedenteserá suportada pelos credores, muitos deles empresários e também exercentes deatividades de risco. A limitação das perdas, em outros termos, é fator essencial paraa disciplina da atividade econômica capitalista.”

Nunca é demais salientarmos os estudos carreados pela Escola de Chicagosobre a necessidade de normas jurídicas propiciarem eciência econômica edesenvolvimento social. Nessa linha, a administração pública na imposiçãode uma sanção administrativa ou o magistrado em uma sentença judicial deindenização, por ex., deveria se ater à produção de regras e à manutenção deum sistema normativo que permita a maximização de riqueza para a sociedade,mesmo em detrimento dos poucos credores que vierem a ser afetados.

Como tal, o nosso Direito Econômico nos impõe a necessidade de se buscara redução dos custos sociais atribuídos equivocadamente por determinadosdireitos, de maneira que eventuais prejuízos de certos credores devam serconsiderados legítimos pelo direito, em prol do benefício social propiciadopela preservação dos institutos que ensejam o desenvolvimento econômico,seja pelo princípio da primazia da realidade econômica, cuja norma legalnão pode vir a distorcer tal realidade; assim como pelo princípio do interesse

social, cuja aplicação deve alcançar a justiça distributiva mediante a análise deseus juízos de valor.

394 Curso de Direito Comercial, vol. 2, 8ª ed., SP, Saraiva, 2005, p. 38.

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Esses princípios vêm a abraçar a norma Constitucional prescrita no art. 170,VIII,395 em que a busca do pleno emprego é um princípio exigido, pela via daatividade econômica, para se atingir a justiça social.

Há de ser ressaltado, ainda, o fato de que a regra questionada e revogada,objeto deste estudo, que visava a garantir a arrecadação dos referidos créditosda Seguridade Social, seria igualmente desnecessária em face dos mecanismosde cobrança, extremamente constritivos, já existentes em favor da instituição,tais como: a proibição da distribuição de lucros pelas sociedades em débito;396 as garantias da fraude à execução;397 a cautelar scal;398 a negativa de certidão deregularidade scal;399 a inscrição no CADIN;400 a penhora eletrônica;401 a preferênciana falência e na liquidação;402 entre outras.

Ainda nesse diapasão, nos causa perplexidade que a referida decisãoda Primeira Turma do STJ se distanciara por completo do objetivo centralda limitação de responsabilidade, na medida em que alargou o critério deabrangência da responsabilização, possibilitando a punição daqueles de boa-fé,como dito anteriormente.

Ademais, não obstante o caminhar do tempo e os eventuais retrocessos“legais” e administrativos, o meio jurídico e empresarial teve, recentemente,outra decepção ao vislumbrar uma armadilha ao contribuinte, hipossucienteem sua maioria, sob a forma de um verdadeiro estelionato legal. Isso porque,quem se encontrava no regime do Simples Federal (em torno de 2,5 milhões deempresas) e estava protegido quanto à limitação de sua responsabilidade, nomomento em que a migração do Simples Federal para o Super Simples ocorreude forma automática, os sócios passaram a responder solidariamente pelasdívidas da empresa, enquanto o art. 78 da Lei Complementar nº 123/2006 estavaem vigor. Considerando que a maioria das citadas empresas não encontravaem seus quadros especialistas em normas tributárias que pudessem alertar aosreferidos sócios sobre essa mudança crucial, por motivos sabidamente óbvios,chega-se à conclusão de que o nosso Estado de Direito vem sendo levianamente

ignorado no intuito de usurpar a ordem constitucional, em claro desrespeito àscondições e permissões estipuladas por nossa sociedade.Cabe salientar, ainda, que tais “equívocos”, corroborados eventualmente

pelos Tribunais, encontram-se em direção contrária à evolução das normas

395 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tempor m assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados osseguintes princípios: VIII - busca do pleno emprego.

396 Lei nº 4.357/64, art. 32.397 CTN, art. 185.398 Lei nº 8.397/92, arts. 1º e 2º.399 CTN, art. 106.400 Lei nº 10.522/2002.401 CTN, art. 185.402 CTN, arts. 186 e 188 a 190.

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societárias e de proteção ao mercado econômico, em que persiste a constantepreocupação em estimular e atrair a poupança privada inativa para os meiosde produção (seja por meio de regras de governança corporativa, transparência,

concorrência, limitação de responsabilidade, distribuição de dividendosmínimos, juízo arbitral, entre outras).

Como bem observado por Alexandre C. Silva,403 “o jurista é o responsável pelainterpretação da lei em conformidade com a realidade social vivida. O jurista não podelimitar-se à mera interpretação de um direito objetivo que tem a pretensão de ser perfeitoe infalível; deve assumir uma função propulsiva capaz de tornar o Direito positivo sempremais de acordo com as necessidades concretas da sociedade”.

Assim sendo, mister se faz que o Poder Judiciário, desde já, pacique emnosso ordenamento os fundamentos de tal instituto, para que o desenvolvimento

histórico proporcionado pela referida limitação de responsabilidade se cristalizeem sua magnitude em nosso direito tributário, no intuito de caminharmos emigual evolução com as normas societárias, visando a atrair investimentos, gerarempregos, rendas e tributos.

Como bem salienta MARÇAL JUSTEN FILHO,404 “as alterações do século XIXenvolveram, primeiramente, o nascimento do Estado de Direito, assim entendido aqueleEstado que se sujeita ao direito, adotando o princípio da separação dos poderes (o queimplica a sujeição da conduta imputável ao Estado aos princípios da legalidade e dauniversalidade da jurisdição)... O Estado de Direito foi acompanhado pela losoa doliberalismo, que atribuía ao Estado a função primordial de realizar a segurança jurídica – sob todo e qualquer ângulo. Por decorrência, o Estado não desempenhava função outraque não permitir ao indivíduo a liberdade para atingir seus interesses. Em suma, nãoseria imperdoável armar a orientação do direito público como um instrumento dedesenvolvimento do direito privado. E isso porque a liberdade privada realizava-se atravésdos instrumentos regidos pelo direito privado. Assim, o direito privado identicava-secom a máxima realização da pessoa humana, sendo inconcebível estabelecer limites querà pessoa quer a seus direitos”.

Por m, acentua GUSTAVO BRIGAGÃO,405  em interessante artigo sobreo tema: “Em que pesem suas muitas deciências, o CTN tem prestado ao Brasil orelevante serviço de amparar os contribuintes contra a arbitrariedade e a prepotência scais, justamente porque formula diversos princípios e regras que submetem aadministração tributária da União, dos Estados e do Distrito Federal, e dos Municípiosà observância de critérios uniformes em matéria que tem a ver com as normasconstitucionais, que dicilmente se poderia impor a mais de 6.000 entes públicosdiferentes, se a cada um deles fosse lícito entender e aplicar certas normas básicas como

403 ALEXANDRE COUTO SILVA – “Aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica no DireitoBrasileiro”, 1ª ed., Ltr. Editora, São Paulo, 1999, p. 84.

404 “Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro”, 1ª ed. Editora Revista dosTribunais Ltda., São Paulo, Brasil, 1987, p. 20.

405 “A Responsabilidade Dos Sócios De Sociedades Limitadas Por Dívidas Previdenciárias”.

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lhe aprouvesse. É indispensável a preservação da unidade e da abrangência do CTNnuma só lei, organicamente elaborada e compreensiva de todas as regras que asseguramao contribuinte o tratamento prescrito na Constituição.”

Dessa forma, i.e., com base em todos esses fundamentos econômicos,históricos e jurídicos, nos resta uma única indagação a fazer: se o simplesinadimplemento de uma obrigação tributária (ou mesmo um simples pedido deparcelamento, ou apenas a citação) vier a resultar na responsabilização pessoalde todos os participantes de uma sociedade, onde encontraríamos o sentidode todo esse arcabouço de valores, princípios e normas legais que ensejam aconstrução da pessoa jurídica e seus diferentes tipos societários?

Certamente não precisaríamos nos ater a maiores elocuções para armarque não mais existiria a norma de limitação da responsabilidade nas sociedades

limitadas e por ações e, por conseguinte, a própria sociedade limitada sob oângulo tributário.Assim, nunca é demais frisarmos o entendimento universal segundo

o qual o único solo apropriado à fertilização da atividade empresarial (e dodesenvolvimento social) é aquele semeado com a garantia do valor da segurança jurídica, cuja implementação e zelo é dever fundamental do Estado.

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A R F A I S R

Fernando A. Werneck Ramos

Sumário: Introdução. Da sujeição passiva e da fonte retentora. Da retenção na fonte.Das relações entre o sujeito ativo, a fonte retentora e o contribuinte retido. A retenção na fonte pelo ângulo da jurisprudência. O princípio da capacidade contributiva. Conclusão. Referências Bibliográcas.

Introdução

Em um mundo de relações instáveis, fugidias, “líquidas”,406  os vínculosinterpessoais tendem a se dissipar com enorme facilidade, ao sabor denecessidades sazonais que o mercado de consumo identica ou engendra.

A fragilidade das relações afeta igualmente o pagamento de impostos:dever fundamental, que pressupõe a difícil sujeição a modelos normativos

intrincados, produto de representação popular claudicante e ineciente, à qualpoucos reconhecerão legitimidade efetiva nos dias atuais.A retenção na fonte, expressamente prevista no parágrafo único do art.

45 (em matéria de Imposto sobre a Renda) e submetida ao art. 128 do CódigoTributário Nacional, manter-se-á como importante fator no equacionamentode tal questão – lidando com o fenômeno da evasão tributária, simplificandocontroles oficiais e reduzindo custos de fiscalização, inter alia407 – se for bemcompreendida em sua extensão e profundidade e melhor desenvolvida para“calafetar” sistema de arrecadação que, não sendo perfeito, é de enorme

utilidade.408

Trataremos de apartar a retenção na fonte, nos lindes do CódigoTributário Nacional, da substituição tributária, situando-a em um esquema deresponsabilização, acionável pelo Estado, sujeito ativo de relação peculiar com afonte retentora, que não dispensa a participação do contribuinte.

406 O termo é largamente empregado por BAUMAN, Zygmunt, em sua obra sociológica (cf.“Modernidade líquida” e “Amor líquido”, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro).

407 QUEIROZ, Mary Elbe, in “Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza” (Manole,2004, 1ª edição, pp. 386/387).

408 MENEZES CORDEIRO, António, apud CANARIS, Claus-Wilhelm, in  “Pensamento Sistemático eConceito de Sistema na Ciência do Direito” (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989, p. XXIV):“O Direito é um modo de resolver casos concretos. Assim sendo, ele sempre teve uma particularaptidão para aderir à realidade...”.

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Precisamente por isso, não advogamos a tese, abraçada por RENATO LOPESBECHO, de que a fonte retentora deva ser alçada a sujeito ativo auxiliar411 – éque, além do dever de prestar informações ao Estado, a fonte tem indisfarçável

obrigação de pagamento.A instituição da responsabilidade da fonte retentora, por meio de lei, não

elide, por si só, a obrigação do contribuinte.No campo do Imposto sobre a Renda, em seguida à declaração de ajuste

anual (pessoa física) ou ao encerramento do período de apuração trimestral,mensal estimado ou anual (pessoa jurídica), emerge espécie de liame desolidariedade412 do contribuinte retido com a fonte retentora, de acordo com aanotação de MARY ELBE QUEIROZ.

Em sentido amplo, a substituição tributária e a retenção na fonte têm funçãode garantia e materializam o processo de colaboração do contribuinte com oEstado.

Entretanto, em nossa perspectiva, diferem, porque, na retenção na fonte, ocontribuinte poderá, a par da atuação da fonte, atrelar-se ao sujeito ativo, desdeque nata a obrigação principal; somente libertando-se dele, sujeito ativo, peloadimplemento desta obrigação, a qual lhe incumbirá, à luz dos princípios dacapacidade contributiva, da isonomia tributária e da generalidade.

Da retenção na fonte

No palco da retenção na fonte deslam três guras, quais sejam, Estado,fonte retentora e contribuinte retido, de sorte que, antes do aperfeiçoamento dofato gerador da obrigação tributária, a fonte retentora antecipa o pagamento dotributo que, presuntivamente, será devido pelo contribuinte na declaração deajuste ou ao término do período de apuração.

Donde o raciocínio de MIGUEL ANGEL COLLADO YURRITA, de que as

somas retidas não correspondem, genuinamente, a quotas tributárias.413

O pagamento efetuado é antecipado e a título provisório, porquanto poderáser maior ou menor do que o tributo nal devido, isto é, se algum tributo vier asê-lo (caso das isenções e deduções para as pessoas físicas e dos prejuízos paraas pessoas jurídicas).

ese resarcimiento, por cualquier medio jurídico: repercusión, retención, percepción, repetición – aunque la leyno lo establezca – por la indiscutible razón de que se trata de una responsabilidad por deuda ajena”.

411 LOPES BECHO, Renato, in “Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária” (Dialética, 2000, pp.122/123).

412 In ob. cit., p. 401: “Exsurge, na verdade, uma solidariedade entre fonte e contribuinte, prevista em lei,não de modo especíco, mas da conjugação das normas que regem a tributação...”.

413 COLLADO YURRITA, Miguel Angel, in  “La Retencion a Cuenta en el Impuesto sobre la Renta de lasPersonas Fisicas” (Madrid, 1992, p. 16).

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A lógica da retenção não chega, contudo, em nossa visão, a dissociar,irremediavelmente, os planos da existência e da exigibilidade da obrigaçãotributária, na medida em que a precariedade que a informa possibilita tanto

a cobrança, do que houver sido pago a menor, quanto a restituição (pessoasfísicas) ou a restituição/compensação (pessoas jurídicas) do quantum  retido amaior do contribuinte.

 Justica MISABEL ABREU MACHADO DERZI “que imposto de renda-fonte é antecipação do imposto de renda, que se presume devido no momentoda retenção”.414

A obrigação da fonte não tem cunho meramente instrumental, tampouco selhe pode ignorar o condão de vincular o retentor ao Estado.

Peremptoriamente assinala RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA que o “dever

de recolher” cumpre à fonte retentora, cabendo a ela o “direito de descontar”do contribuinte415 (com o sinal de respeitosa divergência, acrescentamos que aresponsabilidade pelo pagamento provisório se restringe à fonte até à data dadeclaração de ajuste ou o escoamento do período de apuração).416

A fonte retentora paga, em nome próprio, dívida que virá a ser alheia, poisainda não nasceu, em consonância com o magistério de DIOGO FEIO.417

O pressuposto da retenção é o pagamento, pela fonte produtora, das rendasou dos proventos tributáveis, quando então se delineia a disponibilidade porque se interessa o Estado, no caso do Imposto sobre a Renda (art. 43 do Código

Tributário Nacional) – convém lembrar JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, queensina que renda realizada no passado e acumulada é capital ou patrimônio,insuscetível de ser alcançada por esse imposto.418 

Em outras palavras, scalidade e acréscimo de riqueza devem andar, sobo pálio do direito positivo,  pari passu. O momento do pagamento agura-se,portanto, o mais idôneo para a efetivação da retenção.

Vem a propósito o escólio do citado DIOGO FEIO, para quem a retençãona fonte envolve “duas operações de natureza material – a retenção em sentido

414 MACHADO DERZI, Misabel Abreu, apud BALEEIRO, Aliomar,  in “Direito Tributário Brasileiro”(Forense, 2002, p. 314).

415 MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo, in “A Sujeição Passiva da Fonte Pagadora de Rendimento, quantoao Imposto de Renda Devido na Fonte” (RDDT 49, p. 92).

416 TEBECHRANI, Alberto, BASSANI CAMPOS, Fortunato, RIBEIRO MACHADO, José Luiz, eCAMPOS, José Maria de, in “Regulamento do Imposto de Renda 2005 – Atualizado até 31.08.2005”(Resenha, 30ª edição, vol. II, p. 1816): “RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA FONTE E DOBENEFICIÁRIO (Ano 96) – Apresentada a declaração de ajuste pela pessoa física, sem a inclusãodos rendimentos cujo imposto não foi retido pela fonte pagadora, a responsabilidade pelo impostoé compartilhada por ambos, pois vedar-se a exigência do imposto, bem assim das penalidades, deum ou de outro, resultaria em considerar que tanto a falta de retenção na fonte, como a omissão derendimentos tributáveis na declaração, são meras faculdades e não obrigações legais de cada um dossujeitos passivos (Ac. 1º CC 102-45.782/02 – D. O. de 11.04.03)”.

417 FEIO, Diogo, in “A Substituição Fiscal e a Retenção na Fonte: O Caso Especíco dos Impostos sobreo Rendimento” (Coimbra Editora, 2001, p. 143).

418 BULHÕES PEDREIRA, José Luiz, in “Imposto de Renda” (Justea, 1971, item 22.19).

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estrito e a entrega do montante ao sujeito activo – pelo que somente pode serfeita sobre algo que já exista, não sendo possível a sua efectivação sobre merasrealidades virtuais”.419 

Das relações entre o sujeito ativo, a fonte retentora e ocontribuinte retido

Relaciona-se a fonte retentora com o Estado e com o contribuinte retido,deslocando-se para o futuro o vínculo jurídico do Estado com o contribuinte(com base no qual este poderá ser demandado pelo Estado a pagar o valor dotributo, por ocasião do derradeiro acerto de contas).

A despeito da autonomia da obrigação cometida à fonte, o fato é que ela seconecta ao surgimento de uma outra obrigação – de índole tributária – entre oEstado e o retido.

Por um lado, não se pode negar que assiste ao retido o direito de deduzirdo tributo devido os valores pagos antecipadamente pela fonte. Por outro lado,não se deve refutar que o exercício desse direito apenas é possível em razão daanterior atuação da fonte retentora.

 A priori , entre a fonte e o retido não se estabelece vínculo de direito privado,

tratando-se de relação ex lege , que independe da vontade do contribuinte ouda fonte – os valores eventualmente retidos a maior pela fonte, recolhidosao Estado, não são cobráveis, pelo contribuinte, dela, fonte retentora, porquedevedor, perante o contribuinte retido, será o Estado.

Entendemos que, retido e recolhido o tributo, desaparece a responsabilidadeda fonte; não retido e não recolhido, permanece concentrada na fonte aresponsabilidade, até à declaração de ajuste ou ao término do período deapuração e, ndo esse tempo, aora, ante o Estado, a responsabilidade do

contribuinte,420

 ao lado do qual se postará a fonte.421

419 In ob. cit., p. 146. Distinguindo as obrigações da fonte retentora entre as “de fazer” e as “de dar”,QUEIROZ, Mary Elbe, in ob. cit., pp. 395/396.

420 Integrarão a base de cálculo para incidência do imposto, apurado na declaração anual, os rendimen-tos tributáveis recebidos no curso do ano-calendário, conquanto não retidos e não recolhidos pelafonte pagadora (cf. Dec. 3ª RF 12/00 a 37/00; Dec. 5ª RF 3/00; Dec. 6ª RF 59/00 e Dec. 7ª RF 86/00).

421 TEBECHRANI, Alberto, BASSANI CAMPOS, Fortunato, RIBEIRO MACHADO, José Luiz, eCAMPOS, José Maria de, in  ob. cit., p. 1819, coligem acórdãos administrativos, pelos quais, nostermos da suma que consignam: “LIMITES DA RESPONSABILIDADE – A responsabilidade da fon-te pagadora de rendimentos sujeitos ao regime de antecipação limita-se aos valores não submeti-dos à tributação na declaração de rendimentos do beneciário (Ac. 1º CC 104-4.446/84 – ResenhaTributária, Seção 1.2, Ed. 17/85, p. 457)” e “ÔNUS DA PROVA – Se a fonte pagadora não comprovarque o rendimento foi oferecido à tributação, pelo beneciário, responderá pelo imposto que nãoreteve (Ac. 1º CC 102-18.856/82 – Resenha Tributária, Seção 1.2, Ed. 16/82, p. 484, e 104-17.223/99 – DO de 25.05.00)”.

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Todavia, a compasso com o Parecer Normativo nº 1, de 24.09.02 (DOU de25.09.02),422  se vericada a falta de retenção após o ajuste anual ou depois doperíodo de apuração, a exação, endereçada à fonte, compreenderá a multa de

ofício e os juros de mora, e a cobrança, ao contribuinte, abarcará o imposto, amulta de ofício e os juros de mora.

É como se ganhasse vigor o argumento de MAGIN PONT MESTRES, queenxerga, lado a lado, fonte retentora e contribuinte.423

A fonte que houver recolhido imposto não retido poderá demandarregressivamente o contribuinte, sob pena de se congurar enriquecimentosem causa (mesmo aqui nos parece que o recurso ao direito privado, do quala interdição ao enriquecimento ilícito constitui preceito basilar, seja orientadopela defesa do princípio da capacidade contributiva).

Ocorrendo a retenção e o não recolhimento, serão exigidos da fontepagadora424 o imposto, a multa de ofício e os juros de mora, devendo o contribuinteoferecer o rendimento à tributação e compensar o imposto retido – ou seja, afonte é quem responde ante o Estado, sem que o contribuinte retido preciselançar-se em ação indenizatória contra o retentor.

Calha notar que a relação jurídica que aproxima a fonte retentora do Estado,uma vez seccionada por decisão do Poder Judiciário, não pode ser recomposta,a m de repristinar a sua obrigação no tocante a fatos pretéritos, de modo que

comandos jurisdicionais que determinem ou que a fonte – na qualidade desimples destinatária da ordem – se abstenha de adimplir a sua obrigação depagamento ou que proceda a depósito judicial do valor retido do contribuinte,se e quando revogados ou cassados, não permitem ao Estado exigir – da fonteretentora425  – sacrifício patrimonial que, exceptis excipiendis , seria obrigação docontribuinte.

Os princípios da moralidade, da razoabilidade e da proteção à conançalegítima são infensos a que o Estado tribute a fonte que cou inibida de exercero seu papel pelo Estado-Juiz.

A retenção na fonte pelo ângulo da jurisprudência

O Estado, a fonte retentora e o contribuinte retido deparam com julgadosnão uniformes, variados e, às vezes, paradoxais, no que concerne aos arts. 45,parágrafo único, 121, II, e 128 do Código Tributário Nacional.

422 Aprovado, em 24.09.02, pelo Secretário da Receita Federal.423 PONT MESTRES, Magin, in  “ Analisis y Aplicacion del Nuevo Impuesto sobre la Renta de las Personas

Fisicas” (Madrid, 1992, pp. 78/80).424 Sem prejuízo das sanções criminais.425 Inclusive nos casos de tributação exclusiva na fonte. Cf. Parecer PGFN/CAT nº 2.998/02, de 18.09.02

(DOU de 20.09.02).

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Os tribunais adotam silogismos, que partem de premissas, cujasconsequências, carreando efeitos nanceiros, ora as conrmam, ora as inrmam(ou deveriam inrmar).

Os conceitos de responsável e de substituto tributário, em alguns acórdãosdo Superior Tribunal de Justiça, aparecem igualados (a fonte retentora pagao tributo para reavê-lo, posteriormente, pela via regressiva),426  vicejando, emoutros tantos, o pensamento de que a falta de retenção dos rendimentos, pelafonte pagadora, não isenta o contribuinte do pagamento, “porque a fonte nãoo substitui, sendo mera responsável subsidiária pela retenção e antecipação dorecolhimento”.427

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, há acórdãoprotegendo a fonte retentora, qualicando-a de responsável e garante, “porque a

responsabilidade primeira quanto ao pagamento é do contribuinte”, pois só “nahipótese de não ser possível a cobrança do mesmo é que é chamado o responsáveltributário”;428 e aresto que assevera que a “responsabilidade da fonte pagadoraomissa, de reter o tributo alheio, não exclui a obrigação do contribuinte, queauferiu a renda, de oferecê-la a tributação por ocasião do ajuste anual”.429

Referindo-se à fonte retentora como substituto tributário, estatui acórdão doTribunal Regional Federal da 2ª Região que a fonte responde “pelo pagamentode tributo, caso não tenha feito a retenção e o recolhimento devido”;430 enquantoum outro dali originário reza que a “atribuição da responsabilidade a terceiro,

como é de trivial sabença, não elide o débito do contribuinte”, ressalvando ser“óbvio” que o “substituto tributário responde pelo débito” e que diferente “échancelar a tese de que a responsabilidade de terceiro (fonte pagadora) elide aobrigação do contribuinte, tese que não tem amparo”.431

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, arma-se que “a obrigaçãoda entidade pagadora de recolher na fonte o Imposto de Renda decorre dedisposição expressa de lei, e que tal obrigação é originária, e não subsidiária, já que não pressupõe o inadimplemento de terceira pessoa, nascendo única eexclusivamente por efeito da incidência da norma jurídica”, motivo pelo qual o

status da fonte retentora seria o de substituto tributário, devendo ser dirigida àfonte a pretensão scal.432

Segundo acórdão do mesmo Tribunal Regional Federal, “o substitutolegal – que deixa de efetuar a retenção devida e o posterior repasse à União –será obrigado ao pagamento do tributo, e só se eximirá de tal responsabilidadese comprovar que o beneciário já ofereceu o rendimento à imposição scal,

426 REsp nº 153.664-ES, 2ª Turma.427 REsp nº 374.603-SC, 1ª Turma.428 AMS nº 93.01.34466-1-MT, 4ª Turma.429 AMS nº 2000.40.00.007425-1-PI, 8ª Turma.430 AMS nº 95.02.05223-4-ES, 3ª Turma.431 AC nº 1995.50.01.004281-5-ES, 6ª Turma.432 AC nº 97.04.29740-8-SC, 2ª Turma.

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por ocasião da declaração anual de ajuste”; enfatizando, outrossim, que, noterreno do Imposto sobre a Renda, a “lei, ao atribuir a responsabilidade pelorecolhimento do imposto de renda à entidade pagadora, na forma de retenção

na fonte (antecipação), não exime o próprio contribuinte – que percebe a rendaou o provento tributável – da obrigação de pagar o tributo”.433

Também no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, comenta-se que, paraque “o imposto de renda pudesse ser exigido somente da fonte pagadora, a leiteria que excluir expressamente a responsabilidade do contribuinte”.434

Pondera-se, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que cumpre “aosujeito passivo indireto e principal responsável pelo pagamento do tributo, nacondição de substituto legal tributário, o cálculo do imposto de renda, o seudesconto do valor pago ao titular e o respectivo recolhimento no prazo legal, quese assim não procedeu, o suposto equívoco não é de ser atribuído ao contribuinte, já que a ação do Fisco deveria ser dirigida ao substituto legal tributário e a estecaberia o direito de regresso”.435

Em suma, acertando ou errando, os órgãos judiciais têm emitido juízos,que não se reportam a concepções doutrinárias unívocas;  fazem-no, porconseguinte, em detrimento da certeza jurídica, que deveria, como deve,aparelhar as relações tributárias.

Em seara tributária, onde a legalidade assume a severidade do direito

público, não se pode conviver impunemente com mix  de conceitos díspares,travando guerra de palavras que só signicam, com a devida licença, o que sedeseja que signiquem.436

O princípio da capacidade contributiva

Relembra MARCO AURÉLIO GRECO que “os impostos têm por fundamento e limite determinado tipo de manifestação de capacidade contributiva que visam

captar”.437

Somos da opinião de que não é a capacidade contributiva que autenticaa tributação da fonte retentora. Até o ajuste anual ou o término do período deapuração, a fonte responde pela obrigação de antecipação do imposto, nãoexatamente pelo imposto.

Nesse momento, que antecede o ajuste anual ou a apuração, não sedescortinando a relação jurídico-tributária entre o Estado e o contribuinte, o

433 AC nº 2001.04.01.033851-6-SC, 1ª Turma.434 AC nº 2000.72.00.003939-7-SC, 1ª Turma.435 AC nº 330658-PE (2000.83.00.019100-0), 1ª Turma.436 MARTINS, Wilson, in  “Façanha da liberdade” (Jornal do Brasil de 25.11.06, Caderno Idéias e

Livros, p. 7).437 GRECO, Marco Aurélio, in “Solidariedade Social e Tributação” (Dialética, 2005, p. 180).

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princípio da capacidade contributiva serve de escudo ao contribuinte, impedindoque o Estado se volte contra ele.

O princípio da capacidade contributiva só opera positivamente depois

da declaração de ajuste anual ou do encerramento do período de apuraçãotrimestral, mensal estimado ou anual; ou, como lecionam EUSEBIO GONZÁLEZe TERESA GONZÁLEZ, a reboque de pronunciamento judicial emblemático, a“capacidad económica, a efectos de contribuir a los gastos públicos, tanto signica comola incorporación de una exigencia lógica que obliga a buscar la riqueza allí donde lariqueza se encuentra”.438 

De fato, o princípio da capacidade contributiva tem ecácia positivae negativa: esta coibindo incidências que esterilizem a aptidão produtivado contribuinte, ou que lhe comprometam o “mínimo existencial”; aquela

autorizando o Estado – contanto que respeitados os princípios da reserva legal eda tipicidade tributária439 – a perseguir a riqueza onde ela se ache.

A ecácia positiva do princípio em tela legitima, no regime de fonte, a açãodo Estado, contra o contribuinte, depois da declaração de ajuste ou do períodode apuração. É também essa ecácia, na tributação exclusiva na fonte,440 em sendoesta obstada por ordem judicial posteriormente revogada ou cassada, que colocaEstado e contribuinte vis-à-vis.

Em havendo o que tributar, tendo sido, enm, reconhecida, emconformidade com a lei, a capacidade econômica, o contribuinte – não retido ou

retido a menor – pode ser convocado a adimplir a obrigação tributária, dentroda mecânica prescrita para o instituto da retenção na fonte.

Não há um direito fundamental de não pagar, mas existe o deverfundamental de pagar impostos,441 consoante a lição de JOSÉ CASALTA NABAIS.

Deveras, ex vi dos princípios fundamentais albergados pela ConstituiçãoFederal de 1988, dos fundamentos (soberania, cidadania, dignidade dapessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismopolítico) e dos objetivos (construção de uma sociedade livre, justa e solidária;asseguramento do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da

marginalização; redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisqueroutras formas de discriminação) da República Federativa do Brasil, os impostosnão são apenas índice de poder do Estado ou medida de desfalque pecuniáriode quem titulariza a sobredita capacidade.

438 GONZÁLEZ, Eusébio, e GONZÁLEZ, Teresa, in “Derecho Tributario” (Plaza Universitaria Ediciones,Salamanca, 2004, vol. I, p. 58).

439 XAVIER, Alberto, in “Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva” (Dialética, 2002).440 A tributação exclusiva na fonte é: a) denitiva; b) liberatória da responsabilidade do contribuinte

retido; c) excludente de ulterior compensação (embora permaneça na órbita do contribuinte o deverde informar os rendimentos ao sujeito ativo).

441 CASALTA NABAIS, José, in “O Dever Fundamental de Pagar Impostos” (Almedina, Coimbra, 2004,p. 186).

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Indo ao encontro do que preleciona CASALTA NABAIS, “a tributaçãonão constitui, em si mesma, um objectivo (isto é, um objectivo originário ouprimário) do estado, mas sim o meio que possibilita a este cumprir os seus

objectivos (originários ou primários), actualmente consubstanciados em tarefasde estado de direito e tarefas de estado social, ou seja, em tarefas do estado dedireito social”.442

Conclusão

Em obra “jusmemorialística” encimada pelo título “Carnaval Tributário”,ALFREDO AUGUSTO BECKER diz que o “mundo jurídico é um mundomesquinho. Ele substitui o mundo dos fatos reais por um universo de palavras.Onde há uma oresta amazônica, o legislador determina que deva existir umaor de papel. Tudo se converte em papel e em signos grácos no papel: aspalavras. Os próprios juristas passam a vida a investigar palavras, a escreverpalavras a propósito de palavras”.443

Duas são as questões às quais, poeticamente, nos remete BECKER: a da leicomo sinônimo de realidade e a da lei que – limitando a realidade – é objeto deinterpretação.

A lei obscura ou lacunosa, a que falte clareza e objetividade, além de gerarevidente e grave problema hermenêutico,444 pode criar realidades incompatíveiscom o Estado Social de Direito.

A retenção na fonte, para além de ser técnica, é instituto jurídico que – comotal – está a merecer novo e aprimorado delineamento, no que tange ao Impostosobre a Renda, nos quadrantes do Código Tributário Nacional.

Não é fazer a apologia do “diploma legal exaustivo” ou da “busca da leiperfeita” ou, ainda, pretender apontar a “verdadeira natureza” da retenção nafonte (a qual avizinha o Imposto sobre a Renda do empréstimo compulsório e,de certa maneira, do consco).

Trata-se de burilar o Código Tributário Nacional para ofertar mais e maiorsegurança ao contribuinte do Imposto sobre a Renda,445 alocando, no texto legalcomplementar, de forma cristalina, os conceitos de substituto tributário e de

442 In ob. cit., p. 185.443 BECKER, Alfredo Augusto, in “Carnaval Tributário” (Saraiva, 1989, p. 36).444 GARCÍA NOVOA, César, in “El Principio de Seguridad Jurídica en Materia Tributaria” (Marcial Pons,

2000, p. 149): “En nuestro país, el Tribunal Constitucional, siguiendo el más avanzado ejemplo de la juris- prudencia constitucional italiana, ha venido dando tímidas muestras de una incipiente voluntad de admitir laclaridad de la norma como canon de constitucionalidad de las leyes”.

445 TIPKE, Klaus, in  “ Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes” (Besteuerungsmoral undSteuermoral), trad. Pedro M. Herrera Molina (Marcial Pons, 2002, p. 121): “Las convicciones jurídicasnecesitan apoyarse en terreno rme, necesitan consistencia jurídica, constancy of law through time , con-tinuity , en expresión de los juristas ingleses. La frontera entre lo legal y lo ilegal se desdibuja con excesiva

 facilidad cuando falta dicha base”.

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responsável, restabelecendo as vocações de cada qual, discriminando as relaçõesque Estado, fonte retentora e contribuinte contraem em prol do bem-estar social.

A inexecução das obrigações da fonte retentora – sob o lume do tempo – e as

suas consequências – para ela e, por via de reexão, para o contribuinte – devemser pontos atacados no espaço de um bom e oportuno “retoque” legislativo.

Referências Bibliográcas

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A, R P M, I P C.

U S A CTNDaniel Hora do Paço

Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre os institutos da anistia e da remissão.2. Os princípios da moralidade administrativa, da igualdade e da proteção da conança: 2.1 Oprincípio da proteção da conança do contribuinte; 2.2 O princípio da igualdade e sua aplicaçãotributária; 2.3 O postulado da moralidade administrativa; 2.4 Alerta: necessidade de cumprimentoda LRF. 3. Conclusões. 4. Proposta.

Introdução

O objetivo do presente estudo é fazer uma análise dos institutos da anistiae da remissão à luz dos princípios constitucionais da moralidade administrativa,da igualdade e da proteção da conança. Não se pretende fazer uma análiseexaustiva da jurisprudência e doutrina sobre a matéria, mas sim fazer uma

reexão sobre a correta aplicação dos institutos mencionados, para ao nalfazer uma sugestão de adição de texto legal ao Código Tributário Nacional quetraduza a ideia aqui veiculada.

1. Breves considerações sobre os institutos da anistia e daremissão

O instituto da anistia está previsto nos artigos 180 a 182 do Código Tributário

Nacional (Lei nº 5.172/66)(1), que assim dispõem:

 Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormenteà vigência da lei que a concede, não se aplicando:I - aos atos qualicados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmosem essa qualicação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;II - salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duasou mais pessoas naturais ou jurídicas.

 Art. 181. A anistia pode ser concedida:I - em caráter geral;II - limitadamente:a) às infrações da legislação relativa a determinado tributo;

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b) às infrações punidas com penalidades pecuniárias até determinado montante,conjugadas ou não com penalidades de outra natureza;c) a determinada região do território da entidade tributante, em função de

condições a ela peculiares;d) sob condição do pagamento de tributo no prazo xado pela lei que a conceder,ou cuja xação seja atribuída pela mesma lei à autoridade administrativa. Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cadacaso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com a qualo interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dosrequisitos previstos em lei para sua concessão.Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido,aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155(2).

Observe-se, por oportuno, que, diferentemente da remissão, a seguirdescrita, a anistia é o perdão somente das infrações à legislação tributária esanções decorrentes, sendo assim causa de exclusão do crédito, e não de extinção(caso da remissão). A anistia se aplica, nas palavras de Luciano Amaro, tantoàs infrações que já tenham sido objeto de lançamento quanto àquelas que nãosejam ainda de conhecimento das autoridades tributantes. A anistia pode aindaser tácita, ao teor do artigo 106, II, “a”, do Código Tributário Nacional.

A remissão, por sua vez, está prevista no artigo 172 do CTN(3), nos seguintestermos:

 Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:I - à situação econômica do sujeito passivo;II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;III - à diminuta importância do crédito tributário;IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou

materiais do caso;V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido,aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.

A remissão consiste, nas palavras de Clóvis Beviláqua, na “liberaçãograciosa da dívida”, sendo, pois, verdadeiro ato de perdão da dívida (CódigoCivil, art. 1.053). Não se deve confundir remissão, ato de remitir, com remição,ato de remir, ou seja, ato de resgatar uma dívida.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, § 6º, exige lei especícapara a concessão de remissão em matéria tributária, e veio a reforçar aobservância do principio da legalidade estrita para a concessão de remissão, que já era previsto no artigo 172 do CTN.

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Podem ser hipóteses de concessão de remissão do crédito tributário: a) asituação econômica do sujeito passivo, como, por exemplo, o contribuinte sem bens e/ou rendimentos; b) ao erro ou à ignorância escusáveis do sujeito passivo,

quanto à matéria de fato, não se admitindo, portanto, remissão por erro de direito;c) à diminuta importância do crédito tributário, cujo valor, assim, não compensaas suas cobrança e arrecadação pela Fazenda Pública; d) a considerações deequidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso,objetivando-se alcançar a justiça entre todos os que se situam dentro de umamesma categoria; e) a condições peculiares a determinada região do territórioda entidade tributante, como, por exemplo, em casos de calamidade pública, ouprofunda crise econômica.

Observe-se que a lei não concede a remissão, mas somente a autoriza

por ato fundamentado da autoridade administrativa, que deve vericar seos pressupostos previstos estão presentes. Além disso, a remissão não geradireito adquirido, podendo a medida ser reconsiderada a qualquer momento,se o beneciado não satisfazer ou deixar de satisfazer os pressupostos de suaconcessão, devendo então o crédito tributário ser exigido com os encargosmoratórios devidos.

Ainda de acordo com o disposto no artigo 14 da Lei Complementar nº101/2001 (“Lei de Responsabilidade Fiscal”, ou LRF), a concessão de anistia ouremissão “deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-nanceiro

no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao dispostona lei de diretrizes orçamentárias” e a, pelo menos, uma das seguintes condições lámencionadas(4).

Antes de adentrarmos a análise acerca da correta forma de aplicação detais institutos, cumpre frisar me parecer que, apesar da previsão legal para aAdministração exercê-los, os critérios aplicáveis para o exercício da anistia eremissão indicam que se trata de institutos de aplicação excepcional, e, comotais, devem ser encarados, pois não é razoável nem desejável que os contribuintesesperem pela concessão de anistia e remissão para quitação de suas obrigaçõestributárias.

2. Os princípios da moralidade, da igualdade e daproteção da conança

Conhecidos os dispositivos legais que tratam das hipóteses de concessão deanistia e remissão aos contribuintes, mister tratar de temas que devem informaro ato administrativo que assim decide: o postulado da moralidade(5) e os

princípios da igualdade(6) e da proteção da conança, todos com fundamentoconstitucional(7).

Antes, contudo, é preciso frisar que, diferentemente do que algunsdefendem e querem fazer crer, os valores da justiça e da segurança jurídica

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caminham lado a lado e têm igual importância na aplicação do Direito. Em quepese ser preciso reconhecer que, de acordo com determinado momento históricodas civilizações ou da História do Brasil ocorreu de dar-se maior valor a um ou

a outro, e a própria evolução histórica do Direito nada mais é do que o embateentre as correntes que tem sua pedra fundamental em um valor ou no outro, ofato é que a importância de ambos se equivale.

Tem-se então a proteção da conança como aspecto do valor segurança jurídica, e o princípio da igualdade como aspecto do valor justiça, e, por m,o postulado da moralidade como uma forma de atuação para preservação deambos.

2.1. O princípio da proteção da conança do contribuinteA proteção da conança, que existe como proteção da segurança jurídica,

tem por precípua nalidade a obtenção de um estado de coisas que ensejeestabilidade, previsibilidade e calculabilidade dos atos, procedimentos ousimples comportamentos das atividades estatais.

Nas palavras de Canotilho(8):

“O homem necessita de segurança para conduzir, planicar e conforma autônoma e

responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios dasegurança jurídica e da proteção à conança como elementos constitutivos do Estadode direito. Estes dois princípios - segurança jurídica e proteção da conança - andamestreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção da conança como um subprincípio ou como uma dimensão especíca dasegurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionadacom elementos objetivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica,segurança de orientação e realização do direito - enquanto a proteção da conançase prende mais com as componentes subjectivas da segurança. designadamente a

calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dosatos”.

A armação jurisprudencial de tal princípio no Direito Brasileiro está brilhantemente exposta no julgamento do Recurso Especial 184.487/SP (DJU 03-05-1999, p. 153; RSTJ 120/386), relatado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

“Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser atendido também pela administração pública, e até com mais razão por ela, e o seu comportamento nas relações com

os cidadãos pode ser controlado pela teoria dos atos próprios, que não lhe permitevoltar sobre os próprios passos, depois de estabelecer situações em cuja seriedade oscidadãos conaram”.

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No âmbito do Direito Tributário, também se aplica a proteção da conança.Não pode, então, a autoridade tributante agir de forma irresponsável, mas antesdeve garantir, aos administrados, tranquilidade, conança e certeza quanto à

tributação.Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior(9), a tributação “interfere

signicativamente na viabilidade, no planejamento e na gestão das empresas edos patrimônios das pessoas físicas ou jurídicas”. É por essa razão que a proteçãoda conança do contribuinte está implicitamente protegida por diversosdos chamados “princípios constitucionais tributários”, como o princípio dalegalidade estrita, da anterioridade e da irretroatividade da lei tributária.

No que diz respeito, especicamente, aos institutos da anistia e da

remissão, em particular, existe especial necessidade de observância do princípioda proteção da conança, não só diante daqueles beneciados por sua aplicaçãocomo também diante daqueles que destes institutos poderiam ter se beneciado.

Ou seja, se a Administração tem como obrigação proteger a conançado contribuinte, deve fazê-lo de forma a evitar que o contribuinte que tenhase esforçado em cumprir corretamente suas obrigações tributárias não se vejadefraudado por uma concessão de anistia ou remissão a outros contribuintesque não tenham cumprido essas mesmas obrigações.

Em outras palavras: a concessão de anistia e remissão deve contemplar

a possibilidade, pelo contribuinte que quitou os seus débitos corretamente,de compensar ou ver restituídos (nos mesmos termos da concessão da anistiaou remissão concedida) os valores que estejam sendo perdoados a outroscontribuintes, sob pena de frustrar o esforço desenvolvido para quitar suasobrigações tributárias, o que não é desejável pela Administração, pois induz aocomportamento de aguardar ou esperar pela concessão de anistia e remissão,que, como já dito, são institutos excepcionais e como tais devem ser encarados.

A questão, porém, não é absoluta, pois devem também ser observados,quando da análise a respeito de quais contribuintes devem ser beneciados, oprincípio da igualdade (se os contribuintes se encontram em situação equivalente)e o postulado da moralidade (se é moral a concessão de anistia ou remissão emanálise), o que desenvolveremos melhor a seguir.

2.2. O princípio da igualdade e sua aplicação tributária

Se a igualdade é uma forma de proteção da justiça, a justiça scal (ouigualdade tributária) signica tratar com igualdade os contribuintes iguais, ao

mesmo tempo em que garante que contribuintes desiguais sejam diferenciadossegundo alguns critérios estabelecidos, que se traduzem na ideia de capacidadecontributiva, ideia esta observada nos dispositivos do CTN sobre anistia eremissão.

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É o que se verica da concessão de anistia “a determinada região do territórioda entidade tributante, em função de condições a ela peculiares”, ou, ainda, quandonão concedida em caráter geral, mediante “ preenchimento das condições e do

cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão”.No caso da remissão, tem-se claramente a observância da igualdade

tributária quando se prevê o atendimento “à situação econômica do sujeito passivo”,ou a “considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiaisdo caso”, ou ainda a “condições peculiares a determinada região do território da entidadetributante”.

Apesar de se observar maior preocupação com o texto legal, no que dizrespeito a esses dois institutos, com o princípio da igualdade, novamente aquiexiste a necessidade de aplicação do princípio também diante daqueles que

desses institutos poderiam ter se beneciado.Como exposto acima, se o contribuinte se esforçou em cumprir corretamente

suas obrigações tributárias, não pode ser defraudado por uma concessão deanistia ou remissão a outros contribuintes que não tenham cumprido essasmesmas obrigações, não só em função da necessidade de proteção da conançacomo também diante do princípio da igualdade, pois não existe igualdade emtributar um contribuinte e conceder anistia ou remissão a um contribuinte emsituação equivalente (lembrando que, naturalmente, a extensão do benefíciodeve se dar nos mesmos termos da concessão da anistia ou remissão concedida).

Por outro lado, a extensão do benefício da anistia ou remissão (mediantepossibilidade de compensação ou restituição) aos contribuintes que tenhamquitado seus débitos anteriormente também deve ser temperada pela avaliaçãode se eles de fato são iguais, pois, do contrário, também se corre o risco de tratarde forma igual contribuintes em situações diferentes, o que é outra expressãoda injustiça.

2.3. O postulado da moralidade administrativa

Hely Lopes Meireles cita em seu magistério(10) a lição de Maurice Hauriou ,para quem “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar,deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim não terá que decidir somenteentre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno eo inoportuno, mas também sobre o honesto e desonesto”.

Também segundo os ensinamentos preciosos de Celso Antônio Bandeira deMelo(11), “a administração tem de atuar na conformidade dos princípios éticos. Violá-

los implicará violação ao próprio Direito”.Ressalte-se, ainda, que a moral a revestir os atos e contratos administrativos,

antes que uma moral própria e interna da Administração Pública, deve ser umamoral informada pelos valores reinantes no meio social (amálgama de valores morais

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entrelaçados e dominantes no corpo social) num dado momento histórico(12). E,também, que esta deve ser entendida em seu aspecto objetivo (moral do homemmédio), e não em seu aspecto subjetivo (crença interna de que agiu corretamente).

Ora, se o postulado da moralidade informa todo e qualquer atoadministrativo, não constituem exceções os atos administrativos queeventualmente venham a conceder anistia e remissão. Em outras palavras, aconcessão de anistia e remissão deve obedecer à moralidade média do corposocial em seu momento histórico.

Imaginemos, então, a situação acima descrita à luz do postuladoda moralidade: é moral que a Administração considere como devidos osrecolhimentos feitos por contribuinte que empreendeu grande esforço para fazê-lo, e, ao mesmo tempo, conceda anistia ou remissão a outro contribuinte em

situação equivalente que não empreendeu esse mesmo esforço?A resposta é obviamente negativa, frente aos valores hoje reinantes no

nosso meio social. Se os contribuintes estão em situações equivalentes, e umaanistia ou remissão será concedida, nada mais moral e ético que a Administraçãodevolva (nos mesmos termos da concessão da anistia ou remissão concedida),por compensação ou restituição, os tributos que eventualmente tenham sidorecolhidos por qualquer contribuinte e tenham sido objeto da anistia ou remissão.

Chega-se, então, à conclusão de que também o postulado da moralidadeimpõe como direito subjetivo do contribuinte a possibilidade de devolução (porcompensação, restituição ou quaisquer outros mecanismos) dos tributos queeventualmente tenham sido recolhidos por qualquer contribuinte, tributos queeventualmente tenham sido recolhidos por qualquer contribuinte e tenham sidoobjeto da anistia ou remissão, e tenham sido objeto da anistia ou remissão paraoutros contribuintes em situação equivalente.

2.4. Alerta: necessidade de cumprimento da LRF

Cumpre deixar claro que o raciocínio acima desenvolvido deve necessariamenteser entendido diante da necessidade de observância estrita dos ditames da Leide Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2001), em especial de seuartigo 14. Se a concessão de anistia e remissão deve conter estimativa do impactoorçamentário-nanceiro, necessariamente a extensão do benefício acima imaginadadeve ser levada em conta quando do levantamento do mencionado impacto.

3. Conclusões

Frente a todo o acima exposto, pode-se concluir que:

a) Os critérios aplicáveis para o exercício da anistia e remissão indicamque se trata de institutos de aplicação excepcional, e como tais devem

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ser encarados, pois não é razoável nem desejável que os contribuintesesperem pela concessão de anistia e remissão para quitação de suasobrigações tributárias.

 b) Existe especial necessidade de observância do princípio da proteçãoda conança quando da concessão de anistia ou remissão, não sódiante daqueles beneciados por sua aplicação como também diantedaqueles que destes institutos poderiam ter se beneciado.

c) Não existe igualdade em tributar um contribuinte e conceder anistiaou remissão a um contribuinte em situação equivalente.

d) Não é moral que a Administração considere como devidos os recolhimentosfeitos por contribuinte que empreendeu grande esforço para fazê-lo, eao mesmo tempo conceda anistia ou remissão a outro contribuinte em

situação equivalente, que não empreendeu esse mesmo esforço.e) O contribuinte que se tenha esforçado em cumprir corretamente suasobrigações tributárias não pode ser defraudado por uma concessão deanistia ou remissão a outros contribuintes em situação equivalente quenão tenham cumprido essas mesmas obrigações, sob pena de frustraro esforço desenvolvido para quitar suas obrigações tributárias, o quenão é desejável pela Administração, pois induz ao comportamento deaguardar ou esperar pela concessão de anistia ou remissão.

f) Assim sendo, a concessão de anistia ou remissão pela

Administração deve ser necessariamente acompanhada demedidas para devolução imediata, na forma de possibilidade decompensação ou restituição, ou qualquer outra forma, dos valoresque eventualmente tenham sido recolhidos por contribuintesem situação equivalente àqueles beneficiados pela concessão daanistia ou remissão.

g) A extensão do benefício da anistia ou da remissão, na forma depossibilidade de compensação ou restituição do valor recolhido,deve se dar nos mesmos termos da concessão da anistia ou remissão

concedida.h) A extensão do benefício acima citada deve ser entendida diante

da necessidade de observância estrita dos ditames da Lei deResponsabilidade Fiscal, e deve ser levada em conta quando daestimativa do impacto orçamentário-nanceiro da medida.

4. Proposta

Diante das considerações acima alinhavadas, mister desenvolver proposta

legislativa que reconheça o direito do contribuinte nos termos acima citados.Assim sendo, sugere-se a adição da seguinte redação ao texto do Código

Tributário Nacional que trata da anistia:

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 Art. 181. (...).Parágrafo único. A anistia também aproveitará aos contribuintes emsituação equivalente que tenham efetuado o recolhimento dos acréscimos

legais do tributo, mediante possibilidade de compensação ou restituiçãodo tributo recolhido.

 Art. 182. (...).Parágrafo primeiro. (...).Parágrafo segundo. A autoridade administrativa também apreciarárequerimento de contribuinte que tenha recolhido os acréscimos legaisdo tributo, e também faça prova do preenchimento das condições e documprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão.

A redação do Código Tributário Nacional que trata da remissão tambémmerece reparo, nos termos seguintes:

 Art. 172. (...).

Parágrafo primeiro. (...).Parágrafo segundo. A remissão também aproveitará aos contribuintesem situação equivalente que tenham efetuado o recolhimento do tributo,mediante possibilidade de compensação ou restituição do tributorecolhido, desde que comprovado o atendimento aos critérios xados para sua concessão.

A inclusão dos dispositivos acima sugeridos na redação do CódigoTributário Nacional representará notável avanço na disciplina da matéria e darám, denitivamente, à injustiça até aqui presente na utilização dos institutos daanistia e remissão, o que implicará em uma tributação moral, justa e segura.

 

Notas, Citações e Bibliograa

(1) A anistia é ainda prevista no artigo 175 do CTN como sendo hipótese deexclusão do crédito tributário.

(2) Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direitoadquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneciadonão satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou

deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se ocrédito acrescido de juros de mora: I - com imposição da penalidade cabível,nos casos de dolo ou simulação do beneciado, ou de terceiro em benefíciodaquele; II - sem imposição de penalidade, nos demais casos. Parágrafo

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único. No caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a concessãoda moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição dodireito à cobrança do crédito; no caso do inciso II deste artigo, a revogação só

pode ocorrer antes de prescrito o referido direito.(3) O artigo 125 também esclarece que remissão de crédito exonera todos osobrigados solidariamente, salvo se outorgada pessoalmente a um deles,subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo, eo artigo 156 estabelece como hipótese de extinção do crédito tributário aremissão.

(4) A saber: I - demonstrar que a renúncia foi considerada na estimativa dereceita da lei orçamentária, na forma do artigo 12, e de que não afetará asmetas de resultados scais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes

orçamentárias; ou II - estar acompanhada de medidas de compensação, noperíodo mencionado no caput , por meio do aumento de receita, provenienteda elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criaçãode tributo ou contribuição.

(5) Artigo 5º, LXXIII, artigo 14, § 9º, além do sempre citado artigo 37.(6) Preâmbulo, artigo 3º, III, artigo 170, VII, além do sempre citado artigo 5º,

caput.(7) Em que pese não existir menção explícita à proteção da conança no texto da

Constituição, tem-se sua existência como princípio implícito, que se infere de

diversos dispositivos, como o que protege o direito adquirido, o ato jurídicoperfeito ou a coisa julgada (artigo 5º, XXXVI).(8) Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina,

2000, p. 256.(9) hp://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/index.htm?hp://www.

revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao014/Humberto_Junior.htm(10) Hely Lopes Meireles, Direito administrativo brasileiro. 22ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1997. p. 83.(11) Curso de direito administrativo. 10ª ed. revista, atualizada e ampliada. São

Paulo: Malheiros, 1998. p. 72.(12) Nesse sentido, SOUSA SEGUNDO, Lino Osvaldo Serra. A axiologia de

moralidade administrativa tendo por base sua posição no sistema jurídico brasileiro. Jus Navegandi, Teresina, a. 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em:<hp://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=339>.

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O .   C T N P C T

M ECarlos Adolfo T. Duarte Marcelo Valença Ramos

Sumário: 1. Introdução. 2. A consignação no Direito Privado.3. Conitos de competência tributária. 3.1. Exemplos de conitos de competência tributária. 4. A admissibilidade da ação de consignação em pagamento em relação a tributos distintos e mutuamente excludentes. 5. A posição da 

doutrina sobre a admissibilidade da ação de consignação em pagamento em relação a tributos  distintos. 5.1. A teoria da reticação da lei e a interpretação evolutiva do art. 164, III do  CTN. 6. A posição da jurisprudência sobre a admissibilidade da ação de consignação em pagamento em relação a tributos distintos. 7. Aspectos processuais da ação de consignação em pagamento de tributos distintos. 8. Conclusão. 9. Proposta de nova redação.

1. Introdução

Apresenta-se como extremamente louvável a iniciativa do Grupo deDebates Tributários do Rio de Janeiro de convidar estudiosos do DireitoTributário a contribuírem com reexões e até mesmo sugestões de alteraçãoda Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, posteriormente denominada CódigoTributário Nacional446 (“CTN”).

É inquestionável que a promulgação de um código sistematizando asnormas gerais em matéria tributária representou importante avanço, não apenasem relação à coerência do ordenamento, mas, principalmente, no que concerne aopróprio estudo e desenvolvimento do Direito Tributário no Brasil. Ruy BarbosaNogueira, um dos precursores da docência da disciplina no país, armou que “ainclusão do capítulo ‘Do sistema tributário’ na Constituição e a promulgação do CódigoTributário, tudo visando à estruturação de um Sistema Tributário Nacional, passarama exigir que, de acordo com os dados cientícos e a realidade jurídica, se estude o maiscompletamente possível não só o Direito Financeiro, mas sobretudo o Direito Tributário,como ramo destacado daquele.”447

Considerando os mais de quarenta anos durante os quais os preceitos doCTN foram interpretados e aplicados, sua redação atual, apesar de já alterada emalguns aspectos, ainda merece contribuições resultantes das questões práticasque suscita, inclusive perante o Poder Judiciário.

446 Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967, art. 7º.447 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 19.

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Um dispositivo do CTN que merece uma atenção especial nesse sentido,a nosso ver, é o inciso III do art. 164, que dispõe sobre a possibilidade deconsignação do pagamento de tributos nos seguintes termos:

“ Art. 164. A importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo nos casos:(...)III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.” (Grifamos)

Uma interpretação literal conduziria o hermeneuta à conclusão de que essedispositivo somente facultaria ao contribuinte a consignação da importância

correspondente ao crédito tributário, caso a exigência das pessoas jurídicasde direito público ocorresse em relação a tributos idênticos incidentes sobre ummesmo fato gerador, mas não sobre tributos diferentes que sejam reciprocamenteexcludentes em relação ao mesmo fato gerador.

Sem embargo de opiniões diversas, parece-nos que, a despeito da literalidadedo dispositivo em questão, esta não seria nem a melhor interpretação para anorma em apreço nem a melhor solução para a situação de fato que se apresentacom alguma frequência no Direito Tributário Brasileiro.

2. A consignação no Direito Privado

Antes de enveredarmos pela análise do pagamento em consignação noDireito Tributário, acreditamos ser útil relembrar os contornos que o DireitoPrivado – matriz do instituto – lhe confere.

O pagamento é o meio de extinção das obrigações jurídicas por excelência.É por meio do pagamento que o sujeito passivo de obrigação líquida e certarompe a relação jurídica que o liga ao sujeito ativo, extinguindo a obrigação.

Nesse contexto, é possível armar que o pagamento não constitui apenas umdever jurídico do sujeito passivo de uma obrigação, mas também um direito,na medida em que é o pagamento que o liberta da obrigação e o exime dasconsequências que podem advir do inadimplemento ou da mora.

Tendo o sujeito passivo legítima expectativa de extinguir suas obrigações,cumpre ao Direito fornecer-lhe meios para que possa realizar o pagamentoquando houver dúvidas acerca da localização ou identidade do credor, ou,ainda, quando este não puder receber ou recusar o pagamento nas condiçõescontratadas. Com efeito, o pagamento por consignação consiste na possibilidade

de o devedor extinguir a obrigação por meio do depósito do valor devido e deprovimento jurisdicional que a declare extinta.

O Código Civil vigente prevê a possibilidade de o devedor pagar porconsignação nas seguintes hipóteses:

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“ Art. 335. A consignação tem lugar:I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou darquitação na devida forma;

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condiçãodevidos;III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ouresidir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento ;V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.” (Grifamos)

Para os civilistas, o fundamento desse instituto é precisamente o direitosubjetivo do credor de extinguir sua obrigação, como ensina Caio Mário da SilvaPereira:

“(...) paralelamente ao direito que tem o credor de receber o devido, há um interesse,e mesmo, em certos casos, um direito do devedor, de desvencilhar-se daobrigação e libertar-se do vínculo , para que se forre de suas consequências.”448

Orlando Gomes, analisando o cabimento do pagamento por consignaçãona hipótese do inciso IV do art. 973 do Código Civil de 1916 (correspondente aoinciso IV do art. 335 do Código Civil vigente), arma que, em relação ao credorda obrigação,

“ pode dar-se o caso de [o devedor] não o conhecer ou ter dúvida a respeitode quem deva legitimamente receber a coisa devida , justicando-se o receiode pagar mal, dúvida que é bem fundada quando pende litígio sobre o objeto do pagamento.”449

  Como se vê, o Direito Civil admite tranquilamente – dentre as hipótesesque ensejam o pagamento por consignação – que o sujeito passivo de obrigaçãose socorra desse expediente para se eximir das consequências de um pagamentoindevido, quando penda dúvida em relação a quem é o legítimo credor. Nessescasos, a possibilidade de realização do pagamento por consignação permite queo devedor evite incorrer na velha máxima consubstanciada no brocardo quem paga mal paga duas vezes.

448 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. II. 20ª ed., atualizada por Luiz Roldãode Freitas Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 209, sem os destaques no original.

449 GOMES, Orlando. Obrigações. 14ª ed., atualizada por Humberto Theodoro Jr. Rio de Janeiro: Forense,2000, p. 115-116, sem os destaques no original.

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Entendemos que a mesma ratio legis deve conduzir a preceito análogono tocante ao Direito Tributário, com as adaptações que sejam eventualmentenecessárias.

3. Conitos de competência tributária

Em muitos casos, um mesmo fato pode gerar sérias e fundamentadasdúvidas acerca de qual é o tributo devido na circunstância em questão. Issoocorre no caso de tributos cujas incidências sejam mutuamente excludentes,como em relação ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”) e aoImposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações

de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação(“ICMS”),450 uma vez que a incidência de um deles automaticamente desautorizaa incidência do outro.

A Constituição Federal, ao denir as competências tributárias dos entesfederativos, limitou-se a indicar os elementos característicos da regra-matriz deincidência de cada tributo, atribuindo à Lei Complementar a função de disporsobre os conitos de competência tributária entre a União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios.451 Com efeito, tendo em vista que parte signicativados conitos de competência tributária vericados atualmente diz respeito

à incidência do ISS ou do ICMS, o legislador achou por bem inserir na LeiComplementar nº 116, de 31 de julho de 2003 – que trouxe nova disciplina paraa incidência e cobrança do imposto municipal – dispositivo determinando oâmbito de incidência de cada um desses impostos, como demonstra o § 2º doart. 1º:

“§ 2ºRessalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela contidos não cam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadoriase Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação –

ICMS, ainda que a sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.”(Grifamos)

Da mesma forma, a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996– que dispõe sobre o ICMS – também contém norma delimitando o âmbito

450 Ao dispor sobre o âmbito de incidência do ISS, o art. 156 da Constituição Federal afastou expressa-mente as hipóteses já incluídas no âmbito de incidência do ICMS: “Compete aos Municípios instituirimpostos sobre: (...) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, denidos em lei

complementar.” Da mesma forma o § 2º, IX, b , do art. 155, ao dizer que “o imposto previsto no inciso II  [ICMS] atenderá ao seguinte: (...) IX – incidirá também: (...) b) sobre o valor total da operação, quando merca-dorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”.

451 “ Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conitos de competência, em matéria tributária, entre aUnião, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”.

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de incidência do imposto em relação ao ISS, como indicam os incisos IV eV do seu art. 2º:

“ Art. 2º O imposto incide sobre:(...)IV – fornecimento de mercadoria com prestação de serviços não compreendidos nacompetência tributária dos Municípios;V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao impostosobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicávelexpressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.”

Como se pode observar, a prestação de serviços envolvendo o fornecimento de

mercadorias , por um lado, e o fornecimento de mercadoria que pressupõe a realizaçãode algum serviço, por outro lado , formam uma problemática zona cinzentade denição das competências tributárias Estaduais e Municipais que vêmrequerendo a intervenção dos tribunais para a sua delimitação.

3.1. Exemplos de conitos de competência tributária

a) Serviços grácos: ISS x ICMSUma atividade que há muitos anos gera grande controvérsia entre

contribuintes e fazendas estaduais são os serviços personalizados de impressãográca, realizados sob encomenda, cuja prestação pressupõe necessariamenteo fornecimento de mercadoria – os próprios impressos. No entendimento dosEstados, como os serviços de impressão gráca nunca teriam sido expressamenteindicados nas listas de serviços sujeitos ao ISS, eles teriam a natureza deoperação mercantil, pois haveria a entrega de uma mercadoria, de modo aincidir o ICM sobre essa atividade. Ademais, com o advento da Constituição de1988, seria aplicável a regra contida no § 2º, IX, “b” do art. 155, acima transcrita,que sujeita ao ICMS o fornecimento de mercadorias com a prestação de serviçosnão compreendidos na competência tributária dos Municípios.

Para os contribuintes, por outro lado, o fato de os impressos serempersonalizados e produzidos sob encomenda os afastava da noção demercadoria. Sustentavam também os contribuintes que a previsão das listas deserviços sujeitando as atividades de “composição gráca, fotocomposição, clicheria,zincograa, litograa e fotolitograa”452 ao ISS deveria ser interpretada de formaampla e analógica ,453 de modo a conter a prestação de serviços de impressão gráca.

452 Item 13.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03; item 77 da lista veiculada pela LeiComplementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987; item 53 da lista veiculada pelo Decreto-lei nº 834,de 8 de setembro de 1969.

453 Veja-se a respeito a lição de Aliomar Baleeiro: “Na opinião geral, a lista a que se referem o art. 24, II, da CFe o art. 8º do Dec.-Lei nº 834/69 é taxativa: tributáveis são só os serviços nela mencionados, embora cada item

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Esse conito foi inúmeras vezes levado aos tribunais, culminando com adecisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RecursoExtraordinário nº 94.939/RJ. Em seu voto, o relator Min. Clóvis Ramalhete

consignou que “a composição gráca abrange toda operação de arte gráca, incluindoa impressão, e na atividade do ramo é predominante”.454

Posteriormente, ante a insistência com que o assunto ainda era levado aoconhecimento dos tribunais superiores, o Superior Tribunal de Justiça editoua Súmula nº 156, consolidando a jurisprudência da Corte sobre o assunto nosseguintes termos: “a prestação de serviço de composição gráca, personalizada e sobencomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, aoISS.”455

Portanto, prevaleceu nesse caso a incidência do ISS, em detrimento

das pretensões dos Estados de ter reconhecida a incidência do ICMS sobre aprodução de impressos encomendados e personalizados.

b) Softwares de prateleira e sob encomenda: ICMS x ISSCaso semelhante de atrito entre as competências tributárias estaduais

e municipais ocorre em relação à tributação dos programas de computador,universalmente conhecidos como softwares. Assim como os impressos grácos,os softwares podem ser produzidos tanto (i) sob encomenda de um determinadocliente, contendo especicidades e desempenhando funções que atendem

às suas necessidades particulares (“sob encomenda”) quanto (ii) de maneiragenérica, não considerando as determinações de nenhum cliente especico,mas sim as necessidades da universalidade dos usuários de computadores(“softwares de prateleira”).

Como a aquisição de um software pressupõe, na maioria dos casos, a entregade uma mercadoria (o suporte físico na qual estão gravados os dados), algunscontribuintes questionam se seria devido o ICMS, mesmo nos casos em que suaprodução é realizada sob encomenda e de forma personalizada.

Sem embargo de algumas críticas,456 a jurisprudência dos tribunais superiores

vem se assentando no sentido de que a produção de softwares “sob encomenda”caracteriza uma prestação de serviços, tributável pelo ISS, conforme determina

desta lista comporte interpretação ampla e analógica.” Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., atualizado porMizabel Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 501.

454 RE nº 94.939-9/RJ, Rel. Min. Clóvis Ramalhete, publicado no DJ de 02.04.1982.455 Súmula nº 156 do STJ, publicada no DJ de 15 de abril de 1996. Precedentes que justicaram a edição

dessa súmula: REsp nº 1.235/SP, REsp nº 5.808/SP, REsp nº 18.992/SP, REsp nº 33.414/SP, REsp nº37.548/SC, REsp nº 37.967/SP, REsp nº 44.892/SP e REsp nº 61.914/RS.

456 Veja-se a respeito o que diz Clélio Chiesa: “Seja como for, entendemos que tanto na exploração econômica

dos softwares de prateleira quanto dos softwares sob encomenda, não há um negócio jurídico de transferênciade mercadoria nem prestação de serviço. Trata-se de uma cessão do direito de uso dos programas de computadorobjeto de negócio jurídico entabulado.” O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza e Aspectos relevantesda Lei Complementar nº 116/2003  in “O ISS e a LC 116”, org. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo:Dialética, 2003, p. 67-68.

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o item 1.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03 (“licenciamento ou cessãode direito de uso de programas de computação”):

“Se as operações envolvendo a exploração econômica de programa de computadorsão realizadas mediante a outorga de contratos de cessão ou licença de uso dedeterminado ‘software’ fornecido pelo autor ou detentor dos direitos sobre o mesmo,com m especico e para atender a determinada necessidade do usuário, tem-secaracterizado o fenômeno tributário denominado prestação de serviços, portanto,sujeito ao pagamento do ISS (item 24, da lista de serviços, anexo ao DL 406/68).”457

Em relação aos softwares  “de prateleira”, a jurisprudência vem seconsolidando no sentido de que estes teriam a natureza de mercadoria, de modo

que sua comercialização caracteriza hipótese de incidência do ICMS:

“ A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares docorpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizamlicenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações decirculação de mercadorias, sujeitas ao ICMS.”458

c) Imóveis urbanos destinados à produção rural: ITR x IPTU Embora ocorram com maior frequência nesses casos, os conitos de

competência tributária não se cingem apenas às hipóteses de indenição entrea incidência do ISS ou do ICMS. Também é possível vericar a existência deatritos concernentes à incidência do Imposto sobre a Propriedade Predial eTerritorial Urbana (“IPTU”), de competência dos Municípios, e do Impostosobre a Propriedade Territorial Rural (“ITR”), de competência da União.459

O art. 32 do CTN, ao denir a materialidade do IPTU, adotava um critériotopográco para caracterizar a incidência do tributo, bastando que o imóvelse situasse dentro da área denida por lei municipal como urbana para que o

Imposto fosse devido. Com a posterior promulgação do Decreto-Lei nº 57, de18 de novembro de 1966, atualmente vigente com força de lei complementar,o critério determinante para a incidência do IPTU ou do ITR passou a ser adestinação do imóvel, nos termos do seu art. 15:

“ Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, nãoabrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa

457 Recurso Especial nº 123.022/RS, relator Min. José Delgado, publicado no DJ de 27.10.1997.458 Recurso Extraordinário nº 199.464/SP, relator Min. Ilmar Galvão, publicado no DJ de 30.04.1999.459 Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, foi inserido o

inciso III no § 4º do art. 153 da Constituição, determinando que o ITR “ será scalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia scal.” A Lei nº 11.250, de 27 de dezembro de 2005, regulamenta esse dispositivo.

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crédito tributário, mesmo porque o lançamento é ato administrativo vinculado,462 que não admite qualquer grau de discricionariedade do agente público.

De uma situação como essa, em que diferentes entes se encontram obrigados

a exigir o pagamento de tributos distintos e cuja incidência é mutuamenteexcludente, graves consequências podem advir para o contribuinte.Como se sabe, a existência de débitos tributários inviabiliza a participação

do devedor em licitações promovidas pelo ente credor, o que pode causarenormes prejuízos a empresas fornecedoras da Administração Pública. Alémdisso, a mora no pagamento dos tributos sujeita o contribuinte à atualizaçãodo valor devido e à incidência de juros e multa, independentemente da gravosamulta de ofício, resultante de eventual lançamento realizado pela autoridadeadministrativa. Outra possível consequência da exigência de dois tributos

distintos e mutuamente excludentes é a desvantagem competitiva do contribuinteface a concorrentes que, por algum motivo, não sofram a dupla incidência (e. g. desempenho de atividade em Município e Estado cujas legislações internaspropiciem essa indevida bitributação).

Nessas hipóteses, o pagamento por consignação apresenta-se como a melhoralternativa para que o contribuinte consiga romper o absurdo duplo vínculoobrigacional que lhe é imposto quando dois ou mais entes tributários exigemo pagamento de tributos cujas incidências são mutuamente excludentes. Dissoresulta que o cabimento da ação de consignação nesses casos decorre da garantia

constitucional do devido processo legal , que, no Direito Tributário, determinaque as regras processuais e procedimentais sejam interpretadas de forma ase garantir os meios mais adequados à defesa dos direitos dos contribuintes,conforme ensina Humberto Ávila:

“(...) o devido processo legal é bidimensional. Sua dimensão normativa preponderante é de princípio,  na medida em que estabelece o dever de buscarum ideal de protetividade dos direitos em todos os procedimentos ou processosinstituídos pelo Poder Público, mediante a criação de regras necessárias para

 garantir um processo ou procedimento adequados à defesa dos direitos docontribuinte, mesmo que não previstas expressamente pelo ordenamento jurídico. No seu sentido indireto, o devido processo legal ou jurídico é postulado, já que exige uma interpretação racional das regras e dos princípios procedimentais.Tem, por isso mesmo, íntima veiculação com a própria justiça.”463

A admissibilidade da ação de consignação diante da exigência de tributosdistintos sobre o mesmo fato também privilegia o princípio da economiaprocessual , segundo o qual “o processo deve gerar um máximo de resultado em confronto

462 Cf. nesse sentido XAVIER, Alberto. Do Lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do ProcessoTributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 205 e ss.

463 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p. 113.

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com um mínimo de esforço processual das partes”, conforme dene Luiz Fux.464 Issoporque a ação consignatória é meio hábil para evitar que o contribuinte – visandoà obtenção de um provimento jurisdicional que indique o ente competente para

tributar um determinado fato gerador – tenha de propor duas ações distintasem face das pessoas jurídicas de direito público que pretendam tributá-lo. Casoo contribuinte entenda ser devido o ISS e não o ICMS sobre o fato gerador emquestão, este deverá buscar o provimento jurisdicional da inexigibilidade doICMS. Caso a decisão lhe seja contrária, precisará, ainda, ingressar com nova ação judicial para tentar reaver o ISS recolhido indevidamente, com as conhecidas ecada vez mais gravosas desvantagens do precatório judicial.

5. A posição da doutrina sobre a admissibilidade da açãode consignação em pagamento em relação a tributosdistintos

Cientes de que inexistem óbices que prejudiquem a consignação de tributosdistintos e de que seu cabimento realiza a promoção dos princípios acimaindicados, muitos doutrinadores vêm armando que o art. 164, III do CTN deveser interpretado de forma a abranger também os conitos de competência entretributos distintos.

Para Viorio Cassone, o inciso III do art. 164 da CTN “envolve dualidade desujeitos ativos da relação jurídico-tributária. Por exemplo, o Estado X e o MunicípioX-1 a exigir o ICMS e o ISS sobre serviços de comunicações que se contenham dentrodo território do Município X-1. E há outros exemplos que se poderiam extrair do DL nº406/68 e da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 56/87, que têm ensejadointerpretações conitantes entre Estados e Municípios.”465

Ricardo Lobo Torres, ao analisar as hipóteses de admissibilidade da ação,ensina que “a consignação serve para proteger o sujeito passivo contra a exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. A ação é mais comum nos casos de conito de competência horizontal, nosquais os Municípios ou os Estados-Membros exigem dos contribuintes o mesmo imposto, principalmente o ICMS e o ISS. Mas também se apresenta nos conitos verticais,em que a União, os Estados e os Municípios invadem a competência uns dosoutros para exigir do sujeito passivo o mesmo tributo.”466

 James Marins arma, na mesma linha de consideração, que “semelhantecircunstância desenha a sobreposição material entre tributos (ISS e ICMS), cuja

464 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 20.465 CASSIONE, Viorio. Processo Tributário: Teoria e Prática. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 175. Sem os

destaques no original.466 TORRES, Ricardo Lobo. Comentários ao Código Tributário Nacional. 3ª ed., coord. Ives Gandra da Silva

Martins. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 373. Sem os destaques no original.

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titularidade ativa é distinta, e, nessa esteira,  provoca a incerteza subjetiva entreEstados e Municípios e evoca a previsão do art. 164, III do CTN  , quanto à possibilidade de depósito judicial do crédito tributário.”467

 José Eduardo Soares de Melo, evidenciando mudança em relação à opiniãoanteriormente defendida,468  diz que é cabível a consignação na hipótese de“exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico, sobreum mesmo fato gerador. É o caso de (...) o Estado e Município cobrarem ICMS e ISSreferentes a um único negócio jurídico (fornecimento de argamassa); ou, ainda, aUnião e o Município lançarem IPI e ISS relativo à venda de etiquetas adesivas a bensdo contribuinte.”469

Existem, por outro lado, autores que entendem ser a ação consignatória doart. 164, III do CTN somente cabível em relação à exigência de tributos realmente

idênticos, de acordo com a literalidade do dispositivo legal, embora, como no casode Sacha Calmon Navarro Coêlho, possam esposar essa exegese com manifestopesar. Arma o ilustre jurista que “muitos autores, no caso do inciso III transcrito,entendem que as Fazendas credoras podem ser de diversa ordem. União e Estado, Estadoe Município e assim por diante. Discordamos, embora lamentemos o acanhamento dolegislador. A cláusula tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador afasta a tese detributos não idênticos sobre o mesmo fato gerador. Como os impostos nunca são idênticos, ca prejudicada a concepção maximalista quanto a estes. Assim, os conitos que a regravisa a evitar são aqueles entre estado e estado e entre município e município.”470

Não nos parece ser esta, entretanto, a interpretação mais adequada dodispositivo em questão, como veremos adiante.

5.1. A teoria da reticação da lei e a interpretação evolutiva doart. 164, III do CTN

Como afirmado anteriormente, a admissão da ação consignatória frenteà exigência de tributos distintos e mutuamente excludentes privilegia o

devido processo legal e os princípios da economia processual e da segurança

467 MARINS, James.  Ação de Consignação em Pagamento em Matéria Tributária (ISS, IPI, ICMS etc.)  in“Grandes Questões Atuais do Direito Tributário”. 10º vol., org. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo:Dialética, 2006, p. 259-260. Sem os destaques no original.

468 “Penso questionável o cabimento da Consignatória uma vez que, embora possa ocorrer a exigência por duas pes-soas públicas (Município e Estado), e um mesmo fato (prestação de serviço), não está se tratando, rigorosamente,de ‘tributo idêntico’. (...) A propósito, o questionamento do próprio contribuinte estará fundamentado na circuns-tância de considerar tributo distinto (materialidades diversas) e não tributo idêntico (a mesma materialidade). ”MELO, José Eduardo Soares de. Conitos de Competência Tributária e Medidas Judiciais in “Problemas deProcesso Judicial Tributário”, 4º vol., org. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2000, p. 184.

469 MELO, José Eduardo Soares de. Tributação x Ação Anulatória, Consignatória e Mandado de Segurança  in“Processo Judicial Tributário”, coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Quartier Latin, 2005,p. 129. Sem os destaques no original.

470 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,2005, p. 837.

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 jurídica, além de prevenir sérios prejuízos ao contribuinte. Além disso, ainterpretação teleológica, mais adequada à hipótese, a nosso ver, tambémconduz a essa admissão.

Embora o texto do dispositivo em questão tenha aparentemente secircunscrito à hipótese de conito em que um mesmo tributo (e. g. , ICMS ou ISS)é cobrado por dois entes federativos da mesma categoria, como dois Municípiosou dois Estados, por simplesmente ser o tipo de conito mais comum à época emque foi promulgado o CTN (conito horizontal de competência, conforme lecionaRicardo Lobo Torres), é inegável que o conito de competência denominadovertical (e. g. , entre um Município exigindo o ISS e um Estado exigindo o ICMSsobre o mesmo fato), cada vez mais comum nos tempos atuais, gera a mesmanecessidade de suporte jurisdicional ao contribuinte que se vê diante do dilema

de adimplir uma ou outra obrigação tributária.As semelhanças entre as duas situações são patentes. O contribuinte,

solvente e desejoso de cumprir a única obrigação tributária devida relativamenteao fato em questão, ante hipóteses mutuamente excludentes de incidência, deveter assegurado o direito de depositar em juízo o maior montante devido e comisso obter o natural efeito do pagamento, uma vez que a real demanda existe,não entre ele contribuinte e os entes públicos, mas sim entre os entes públicosentre si. Não pode obviamente o contribuinte ser penalizado pelo legislador coma necessidade de cumprir duas obrigações tributárias excludentes.

Como ensina a boa técnica interpretativa, se o objetivo de um preceito legal(no sentido de proteção dos mesmos bens jurídicos) pode ser alcançado emsituações diversas daquelas por ele previstas sem prejuízo de outras normas,sua aplicação é válida também nesses casos não previstos. O objetivo do preceitolegal contido no inciso III do art. 164 do CTN é precisamente evitar o prejuízo aocontribuinte quando premido por entes tributantes distintos exigindo um mesmotributo, e não há nada que justique a não admissão da ação consignatória nocaso de conito em relação a tributos distintos e mutuamente excludentes. Essalógica se mostra ainda mais evidente no caso por tratar-se de dispositivo que

regula forma judicial de pagamento e, como tal, processual, ou seja, instrumentaldo exercício do direito do contribuinte de evitar a dupla incidência mediante aprestação jurisdicional mais adequada à satisfação desse direito. A prestação jurisdicional mais adequada é, naturalmente, a ação de consignação empagamento, inexistindo qualquer argumento que possa justicar, sob o prismado legislador, uma distinção entre a possibilidade de consignação entre tributosidênticos e a consignação de tributos não idênticos mas excludentes entre si,pois o objetivo em ambos os casos é exatamente o mesmo. Logo, sendo um sóo objetivo do legislador ao instituir a proteção prevista no art. 164, III, do CTN,

essa proteção deve abarcar, naturalmente, ambas as hipóteses de conito.Cabe ressaltar que, embora a expressão utilizada pelo legislador seja

“tributo idêntico”, a identidade tributária que deve ser considerada no caso nãoé a da natureza do tributo em si, mas sim a identidade do efeito mutuamente

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excludente decorrente da suposta incidência de vários tributos sobre o mesmofato, pois é esse efeito mutuamente excludente que justica a ação de consignaçãopor dúvida subjetiva, tanto no âmbito civil quanto no âmbito tributário. Isto

pode ocorrer tanto com o mesmo tributo exigido por diferentes entes públicosquanto na hipótese de tributos distintos, mas cuja incidência de um deles exclua,por força de lei, a incidência do outro tributo.

Em outras palavras, a ratio legis do art. 164 do CTN é garantir ao contribuinteo exercício do direito de extinguir a obrigação tributária mediante o pagamentosempre que houver algum óbice à sua realização. Em relação à consignaçãopor incerteza subjetiva (inciso III), o fundamento lógico da norma é o direito aonão pagamento de tributo indevido, de forma a evitar que o contribuinte quesujeito à distorção legislativa descrita.

Seria mais adequada à hipótese a interpretação literal da norma? Parece-nos que não. Como indagou Karl Engisch, “que signicado tem, por exemplo, aemancipação do claro sentido literal quando se pode demonstrar que o legislador não seenredou naquela expressão por simples lapso mas antes versou num ‘erro nos motivos’,quer dizer, partiu de determinados dados aos quais ele consciente e deliberadamentereferiu a sua regulamentação e, ao fazer tal, não pensou em situações que agora tambémsão abrangidas por aquela regulamentação mas que, na verdade, vistas da posição do próprio legislador, teriam exigido uma regulamentação diferente?”471

Para o notório pensador alemão, a resposta é a possibilidade de reticação

da lei, que autoriza a quebra dos limites do sentido literal pela busca ao el intuitoda norma, ou seja, aos direitos que com ela o legislador pretendeu proteger:

“Enquanto a recticação da lei seguir o rasto do próprio legislador, o pensamento jurídico não sai fora dos trilhos que nós aprendemos a reconhecer, nos seus diferentesmeandros, como interpretação, compreensão, indagação do sentido, investigaçãodos interesses, analogia, argumento a contrario, etc. (...) Está implícito aqui umafastamento da chamada indagação do sentido gramatical através duma penetraçãoteleológica nos ns do legislador e nos seus modos de ponderar e equilibrar os

interesses.”472

Como a necessidade de que os tributos sejam idênticos para a aplicação doart. 164, III do CTN está em total descompasso com o verdadeiro intuito da norma,é possível, portanto, a reticação do sentido literal da lei para se alcançar o efeitopretendido pelo instituto. Isso decorre também da predominância, na doutrinamoderna, da concepção objetiva da interpretação, “ pela qual se deve buscar, nãoa vontade do legislador histórico (a mens legislatoris), mas a vontade autônoma queemana da lei. O que é mais relevante não é a occasio legis, a conjuntura em que editada

471 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 9ª ed. Tradução de J. Baptista Machado. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, p. 335.

472 Idem , p. 338 e 339.

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a norma, mas a ratio legis, o fundamento racional que a acompanha ao longo detoda a sua vigência. Este é o fundamento da interpretação evolutiva”,473 conformeensina Luís Roberto Barroso.

Some-se a isso o fato de que a restrição da possibilidade de pagamento emconsignação às hipóteses de conito entre tributos idênticos esvazia o instituto,pois ignora grande parte das situações em que ele poderia ser aplicado, postoque a utilização mais comum de consignação de tributos se dá justamente emdecorrência de incerteza subjetiva.474

Portanto, podemos concluir que a literalidade do art. 164, III, do CTNnão prejudica a consignação de tributos distintos e mutuamente excludentes,pois a interpretação literal não deve engessar a reticação da norma nem ainterpretação evolutiva, como adverte Ricardo Lobo Torres em louvável crítica

ao excessivo apego ao método literal de interpretação:

“ A defesa exagerada da interpretação literal implica também a recusa das valorações jurídicas, com a preponderância da forma sobre o conteúdo e da segurança sobre a justiça.”475

. A

As opiniões ora armadas sobre a possibilidade de consignação em

pagamento frente à exigência de tributos distintos não são meras conjecturasdoutrinárias, sem aplicabilidade prática. Tanto o Superior Tribunal de Justiçaquanto os mais importantes Tribunais de Justiça do país vêm aceitando oexpediente da ação consignatória como meio ecaz de proteção do contribuintepremido pela incidência de tributos distintos sobre um mesmo fato.

Tanto a Primeira quanto a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça

reconheceram recentemente, à unanimidade, o cabimento da ação de consignaçãoem pagamento para dirimir a divergência acerca de potencial incidência tantode ICMS quanto de ISS sobre o mesmo fato gerador.

A decisão da Primeira Turma, que teve a Min. Denise Arruda como Min.Relatora, é exemplar ao atacar o cerne da questão e destacar que “a circunstânciade a dúvida recair sobre impostos diversos que incidem sobre um mesmo fato gerador, por

473 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 145.474 “ Atualmente é rara a ocorrência de situações nas quais a Fazenda Pública ponha obstáculos ao pagamento de

tributos (...). Mesmo com a evolução do comportamento fazendário no sentido de não opor obstáculo nenhum ao pagamento de tributo, remanesce a hipótese de exigência do tributo por mais de uma pessoa jurídica de direito público.” MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24ª ed. Malheiros, 2004, p. 446.

475 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro:Renovar, 2000, p. 236.

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si só, não enseja a inviabilidade da ação de consignação em pagamento com a conseqüenteextinção do processo sem resolução de mérito”.476

No âmbito estadual, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no

 julgamento de apelação em ação de consignação proposta em decorrência dapretensão das fazendas públicas do Estado e do Município de fazerem incidir,respectivamente, o ICMS e o ISS sobre a fabricação, por encomenda, de etiquetasadesivas personalizadas, também reconheceu a admissibilidade da ação deconsignação em pagamento para amparar o direito do contribuinte.477

Na mesma linha de consideração, o Tribunal de Justiça do Rio Grande doSul conrmou a admissibilidade da ação consignatória no caso de exigênciado ICMS e do ISS sobre os serviços prestados pelos provedores de internet,

destacando que “a própria postulação das entidades tributantes (Município e Estado), pretendendo receber o pagamento, justica o depósito e determina a procedência dademanda (art. 895 do CPC)”.478

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por sua vez, já admitiu, emmais de uma oportunidade, a proposição de ação consignatória no caso deexigência de tributos distintos.479 Numa delas, analisando a incidência do ISS e doICMS sobre os serviços prestados por provedor de internet , o Tribunal decidiupela não incidência de nenhum dos tributos, o que reforça a importância desseinstrumento na defesa dos direitos dos contribuintes.480

476 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EMPAGAMENTO. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO DE CONEXÃO À INTERNET. ADEQUAÇÃODA VIA ELEITA. RECURSO PROVIDO.

  1. Não obstante o entendimento doutrinário no sentido de admitir a ação de consignação em pagamento, combase no art. 164, III do CTN, apensas quando houver dúvida subjetiva em relação a entes tributantes que pos-suam a mesma natureza (Estado contra Estado e Município contra Município) – tese acolhida pelo Tribunal deorigem –, a doutrina majoritária tem admitido a utilização da ação mencionada quando plausível a incertezasubjetiva , mesmo que se trate de impostos cobrados pro entes de natureza diversa.

  (...)  No caso concreto, considerando que a autora (ora recorrente) é prestadora de serviço de conexão à Internet,

revela-se plausível a dúvida quanto ao imposto devido – ICMS ou ISS –, tendo em vista que ambos foramexigidos pelos respectivos entes tributantes. Assim, a circunstância de a dúvida recair sobre impostos di-versos que incidem sobre um mesmo fato gerador, por si só, não enseja a inviabilidade da ação de consig-nação em pagamento com a conseqüente extinção do processo sem resolução de mérito.

  Recurso especial provido.” (Grifamos.) Recurso Especial nº 931.566 - MG –1ª Turma STJ, Rel. Min.Denise Arruda, DJ 07/05/09.

  No mesmo sentido da admissibilidade de propositura de ação de consignação em pagamento paradirimir potencial incidência de ISS e ICMS sobre o mesmo fato gerador, vide Recurso Especial nº1.040.603 – MG, 2ª Turma STJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 23/06/09.

477 TJ/RJ, Apelação Cível nº 19.101/2000, 5ª Câmara Cível, relator Des. José Afonso Rondeau. Publicadano Diário Ocial em 30.10.2000.

478 TJ/RS, Apelação Cível nº 70008742660/2004, 21ª Câmara Cível, relator Des. Marco Aurélio Heinz. Julgada em 18.08.2004.

479 Veja-se nesse sentido a Apelação Cível nº 164.257-5, 2ª Câmara Cível, relator Des. Bonejos Demchuk, julgada em 9.03.2005.

480 TJ/PR, Apelação Cível nº 123.432-2, 7ª Câmara Cível, relator Des. Accácio Cambi. Julgada em10.02.2004.

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Embora não haja consenso entre suas Câmaras,481  também o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (origem dos dois acórdãos do STJ citados) jáadmitiu a ação consignatória no caso de exigência de tributos distintos.482

Nota-se, portanto, que parte substancial dos nossos tribunais vem aceitandoa propositura da ação consignatória como mecanismo de defesa do contribuinteem face da cobrança de tributos distintos em relação a um mesmo fato gerador.

7. Aspectos processuais da ação de consignação empagamento de tributos distintos

O Código de Processo Civil dedicou à ação de consignação em pagamento

tratamento especíco entre os procedimentos especiais (Livro IV), dispondoentre os arts. 890 a 900 sobre as normas processuais que regem sua proposição etrâmite. Em irreparável artigo sobre o tema, James Marins483 analisou tais normascom bastante propriedade, razão pela qual adotamos muitas de suas conclusõesnas linhas abaixo.

a) A impossibilidade da consignação extrajudicial de tributosNo § 1º do art. 890, acrescentado pela reforma do Código de Processo

Civil (CPC) de 1994,484  o legislador pretendeu simplicar os procedimentos

necessários para a liberação do devedor de boa-fé da obrigação, facultando-lhe a possibilidade de depositar o valor devido (tratando-se de obrigação emdinheiro) em banco ocial, cienticando-se o credor para manifestar sua recusaao recebimento no prazo de dez dias, sob pena de reputar-se o devedor liberadoda obrigação, cando a quantia à disposição do credor.

Trata-se, como se vê, de possibilidade extrajudicial de pagamento porconsignação, o que privilegia tanto a ratio legis do instituto, ao liberar o devedorda obrigação, quanto o princípio da economia processual. Parece-nos, contudo,que referido procedimento é inaplicável aos débitos scais, pois dispõem de

481 Apelação Cível nº 000.292.318-3/00, 6ª Câmara Cível, relator Des. José Domingues Ferreira Esteves.Publicada no Diário Ocial em 29.08.2003.

482 “(…) premida pelo conito entre os Fiscos e ameaçada por indevida sujeição a dois tributos distintos,razão teve a Autora Apelante de socorrer-se, mais uma vez da via judicial.

  Assim, a espécie se insere na hipótese prevista no art. 164, inciso III, do Código Tributário Nacionale pelo correto caminho processual consignatório a Apelante procurou desobrigar-se do pagamento,a m de evitar a mora.Ora, com a devida vênia, se não há certeza sobre quem deva ser o credor e receber o pagamento, a açãoé adequada (arts. 895 a 898 do C.P.C.), de modo a permitir que a empresa cumpra suas obrigações tributáriase se resguarde dos efeitos da ‘mora debendi’.” TJ/MG, Apelação Cível nº 000.231.871-5/00, 5ª CâmaraCível, relator Des. Aluízio Quintão. Publicada no Diário Ocial em 1º.10.2002. Sem os destaques nooriginal. No mesmo sentido, conra-se a Apelação Cível nº 000.212.863-5/00, 5ª Câmara Cível, relatorDes. José Francisco Bueno, publicada no DJ em 7.08.2001.

483 Op. cit., p. 236 e ss.484 Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994.

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regime legal próprio, estabelecido em sede de lei complementar, que não prevêo depósito extrajudicial como meio de extinção da obrigação tributária.485

b) A consignação de obrigações continuativasA admissibilidade da ação consignatória no caso de relações continuativas,

prevista no art. 892 do CPC, tem enorme utilidade para a extinção de obrigaçõesdecorrentes de relações jurídico-tributárias que se repetem com frequência,como ocorre, por exemplo, em relação ao ICMS, que é devido a cada saída demercadoria do estabelecimento do vendedor, e ao ISS, devido a cada serviçoprestado.

Com efeito, o devedor poderá consignar as prestações periódicas em umúnico processo, sem maiores formalidades, dentro do prazo legal. Nada impede,

contudo, que o devedor efetue o depósito em atraso, desde que juntamente comos acréscimos legais devidos, a m de produzir os mesmo efeitos do pagamento.Da mesma forma, a omissão no pagamento de uma das parcelas não prejudicao mérito da ação de consignação, que produzirá efeitos apenas em relação aosdepósitos realizados.486

c) O rito especial na consignação por incerteza subjetivaCiente de que a ação de consignação em pagamento proposta em virtude de

incerteza subjetiva se reveste de peculiaridades em relação às demais hipóteses

de admissibilidade, andou bem o legislador ao prever, no art. 898 do CPC, ritoespecial para o caso de dúvida sobre quem deva legitimamente receber.487

De acordo com esse dispositivo, é possível a identicação de três possibilidadesdistintas quanto ao curso do processo, conforme o comparecimento dos credoresdisputantes: (i) caso nenhum deles compareça, o depósito será convertido emarrecadação de bens de ausentes, observados os arts. 22 e seguintes do CódigoCivil; (ii) comparecendo apenas um deles, deverá o juiz decidir de plano sobre aquem cabe o valor consignado; (iii) comparecendo mais de um ente, o juiz deverádeclarar extinta a obrigação e o processo em relação ao devedor, passando este a

correr apenas em relação aos credores disputantes, no rito ordinário.Cumpre notar, contudo, que a extinção do processo em relação ao

devedor não ocorre no caso de relações continuativas, nas quais deve havera continuidade dos depósitos na medida em que as parcelas devidas foremvencendo, até o nal da ação. O devedor também deverá permanecer no

485 O caput do art. 164 do CTN prevê somente a consignação “judicial”. No mesmo sentido a opinião de James Marins, op. cit. , p. 244.

486 Idem , p. 245.487 “ Art. 898. Quando a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber, não compa-

recendo nenhum pretendente, converter-se-á o depósito em arrecadação de bens de ausentes; comparecendoapenas um, o juiz decidirá de plano; comparecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta aobrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os credores; caso em que se observará o procedi-mento ordinário.”

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processo caso algum dos, ou ambos os, credores aleguem a insuciência daquantia consignada, hipótese na qual o devedor deverá complementar o valorno prazo de dez dias (art. 899).

d) A consignação de valores distintos no caso de incerteza subjetivaNa consignação de tributos distintos, é de se esperar que não haja

coincidência em relação ao quantum debeatur de cada um deles, pois cada tributotem base de cálculo especíca. Aliás, mesmo no caso de exigência de tributosidênticos por mais de um ente tributante, pode haver diferença signicativa emrelação aos valores exigidos por cada um deles – já que os Estados e Municípiospodem denir as alíquotas para os impostos que instituírem.

Com efeito, para que o contribuinte se resguarde de eventual alegação

de insuciência do depósito e dos efeitos daí decorrentes, deverá consignaro maior valor exigido, tanto em relação a tributos idênticos quanto distintos.Caso a sentença determine que o legítimo credor da obrigação é aquele queexige o menor valor, caberá ao devedor requerer o levantamento do créditoremanescente.

8. Conclusão

As considerações acima expostas podem ser sintetizadas nas seguintesproposições:

(i) A possibilidade de extinguir as obrigações mediante a consignaçãoem pagamento fundamenta-se no direito subjetivo que o devedortem de se eximir do liame jurídico que o vincula ao credor. Por essarazão, o Direito Civil admite a consignação em todos os casos em queo devedor encontrar razoável diculdade em realizar o pagamento, seinclusive houver dúvida sobre quem deva legitimamente recebê-lo.

(ii) No âmbito do Direito Tributário, uma interpretação literal do art. 164,III, do CTN restringiria a possibilidade de consignação por incertezasubjetiva apenas aos casos de conito entre tributos idênticos emrelação ao mesmo fato gerador, mas a prática vem demonstrando queconitos de competência decorrentes da cobrança de tributos distintose mutuamente excludentes sobre um mesmo fato gerador tambémocorrem e podem ser resolvidos por meio da mesma norma.

(iii) De acordo com a interpretação teleológica, a doutrina da reticação dalei e a interpretação evolutiva, o intérprete deve buscar o verdadeiro

sentido das normas, que não se confunde com a pretensão dolegislador ao criá-las nem é restringido pelos limites literais do texto.Deve-se permitir, portanto, a aplicação do art. 164, III, do CTN mesmona hipótese de tributos distintos, desde que mutuamente excludentes.

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(iv) Além de a interpretação teleológica da norma ser mais recomendadae de inexistirem razões lógicas para a restrição à possibilidade deconsignação de tributos mutuamente excludentes, tal entendimento

viola o princípio do devido processo legal, pois as regras processuaisdevem ser interpretadas de forma a garantir os meios mais adequadosà defesa dos direitos dos litigantes, em função da instrumentalidadedo processo. A consignação em pagamento de tributos distintos,por sua vez, privilegia os princípios da economia processual e dasegurança jurídica, além da justiça – ao resguardar os direitos docontribuinte de boa-fé contra a cobrança de tributos mutuamenteexcludentes.

(v) A maior parte da doutrina vem admitindo a possibilidade da ação

consignatória no caso da exigência de tributos distintos sobre ummesmo fato gerador, e a jurisprudência vem se consolidando namesma linha.

(vi) As normas processuais que regem a ação consignatória devem seranalisadas consoante as normas específicas de Direito Tributário,pois nem todas elas são aplicáveis à consignação de tributos. É certo,contudo, que o CPC fornece todos os subsídios necessários para aadmissão, o processamento e o julgamento da ação consignatóriana hipótese da incidência de tributos distintos sobre um mesmofato gerador.

9. P

Considerando as conclusões acima e o fato de que ainda existe divergência,tanto na doutrina quanto na jurisprudência, quanto ao cabimento de ação deconsignação em pagamento na hipótese de exigência de tributos mutuamenteexcludentes sobre o mesmo fato gerador, entendemos que, embora a simples

interpretação adequada possa apresentar solução às situações concretasabordadas, seria obviamente preferível reduzir a margem para discussões judiciais desnecessárias com uma redação que reetisse com mais clareza a ratiolegis aplicável ao caso.

Acreditamos que, nessa esteira, seria útil uma alteração no inciso III do art.164 do CTN, que poderia adotar a seguinte redação:

Art. 164. A importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:

(...)III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, detributos idênticos, ou de tributos distintos cujas incidências sejam mutuamenteexcludentes, sobre um mesmo fato gerador.

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Essa nova redação poderia, a nosso ver, eliminar toda e qualquer dúvidasobre o cabimento da ação de consignação em pagamento na hipótese deexigência de tributos mutuamente excludentes, e com isso proporcionar

uma maior garantia aos contribuintes, bem como evitar discussões judiciaisdesnecessárias.

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T M T

Luiz André Nunes de Oliveira

Sumário: I. Apresentação do Tema. II. O Poder de Tributar e sua natureza instrumental . III. Relativização da indisponibilidade do poder de tributar. IV. Transação em Matéria Tributária . V. Transação e a Lei de Responsabilidade Fiscal. VI. Requisitos para a transação em matéria tributária:VI.a. Autorização por lei ordinária; VI.b. Natureza terminativa de litígio. VII. Crítica à noção de extinção do crédito tributário pela transação. VIII. O Projeto de Lei de Transação em Matéria Tributária. IX. Conclusão

I. Apresentação do Tema

Segundo a losoa de Confúcio, “o homem sábio consegue resolver suasdiferenças de maneira amigável”.488 

Embora não se possa aplicar, de modo imediato, a referida consideraçãolosóca a um contexto histórico-econômico e sociocultural completamentedistinto, bem como a um campo cientíco com tamanhas peculiaridades como é

o caso do Direito, há que se depreender do excerto a ideia de que o ajuste entreas partes é, via de regra, a maneira mais salutar de resolução de controvérsias.Contextualizando tal conclusão às relações jurídicas modernas, há que se

concordar que a possibilidade de transação entre partes para a composição deconitos parece ser, a princípio, uma forma menos custosa e desgastante queas discussões em sede judicial, na medida em que possibilitam a obtenção deresolução célere e eciente.

Desse modo, entendemos serem bastante profícuas as iniciativaslegislativas, doutrinárias e jurisprudenciais orientadas ao fomento da utilização

de mecanismos de terminação extrajudicial de conitos no Direito Pátrio.Nessa esteira, exsurge a relevância de tema praticamente esquecido pela

doutrina no âmbito tributário, qual seja o da transação em matéria scal.

II. O Poder de Tributar e sua natureza instrumental

A função primeira do Estado é a satisfação das necessidades da coletividade,isto é, o alcance do bem comum.

488 SILVA, Carla Cristina Guimarães Trovão. SILVA, Mariana Moreira e. CAMPOS. Vitor Pierantoni.Transação: matéria de fato e matéria de direito nos Juizados Especiais. In: Juizados EspeciaisFederais. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

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Nesse sentido, atua o Direito como instrumento destinado à modulação doscomportamentos humanos489 no sentido do alcance das nalidades pretendidaspelo Estado.

Assim, mister reconhecer que também as normas tributárias, emboradestinadas imediatamente ao atendimento das necessidades nanceiras dopoder público, atrelam-se indissociavelmente à atuação estatal orientada aointeresse da coletividade, de modo que, uma vez despidas do m relativo aoalcance do bem comum, esvazia-se o conteúdo do seu interesse exacional.

Portanto, há que se ter em mente que “característica importantíssima daatividade nanceira [gênero em que se insere a espécie atividade scal] é ade ser puramente instrumental. Obter recursos e realizar gastos não é um m

em si mesmo. O Estado não tem o objetivo de enriquecer ou de aumentar seupatrimônio. Arrecada para atingir certos objetivos de índole política, econômicaou administrativa”.490

Ocorre que, embora não se imponha a prerrogativa exacional como umdever estatal, visto ser possível, em tese, o alcance das nalidades essenciaismediante instrumentos outros que não o das exações tributárias, como é o casodas receitas originárias por exemplo, está vinculado o agente administrativo adispor de tal prerrogativa sempre que ela representar o caminho mais ecienteao atendimento dos interesses da coletividade.

Em outras palavras, “basta entender que o tributo, como os bens públicosem geral, é patrimônio do Estado. Indisponível na atividade administrativa, nosentido de que na prática ordinária dos atos administrativos a autoridade delenão dispõe. Disponível, porém, para o Estado, no sentido de que este, titulardo patrimônio, dele pode normalmente dispor, desde que atuando pelos meiosadequados para a proteção do interesse público”.491 

Contudo, impende esclarecer que a decisão acerca do instrumento maiseciente ao alcance das nalidades estatais somente poderá ser tomada comprecisão se observadas todas as peculiaridades que permeiam cada atuação daAdministração Pública.

Desse modo, entendemos não haver que se falar na necessidade deprevisão legal exaustiva das hipóteses em que deverá ser usado cada um dosinstrumentos de que dispõe o Estado para a busca do bem comum, pois talrequisito engessaria, inevitavelmente, a atuação da Administração Pública e,desse modo, torná-la-ia inecaz.

489 “O objetivo da norma, ou de seu comando, é o comportamento humano. O comportamento deveadequar-se ao conteúdo mandamental da norma”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de IncidênciaTributária. São Paulo: Malheiros, 2001).

490 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.491 MACHADO, Hugo de Brito. A Transação no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito

Tributário nº 75. São Paulo: Dialética, 2001.

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Ressalte-se que tal conclusão decorre do próprio princípio da eciência,na medida em que, como bem leciona José Afonso da Silva,492 a eciência “nãoqualica normas, qualica atividades. Numa ideia muito geral, eciência

signica fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que asatisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidadealcançado”. E acrescenta:

“Isso quer dizer, em suma, que a eciência administrativa se obtém pelo melhoremprego dos recursos e meios (humanos, materiais e institucionais) [que, nestetrabalho, denominamos ‘instrumentos’] para melhor satisfazer às necessidadescoletivas.”

Resgatando, enm, a ideia de instrumentalidade do Direito e, em particular,do Direito Tributário, que nos importa analisar por ora, há que se constatar queo verdadeiro dever do Estado é a atuação destinada ao alcance do bem comum,isto é, a busca de suas nalidades essenciais, dentre as quais não se insere opoder de tributar per se.

Assim, o exercício do poder de tributar, na qualidade de instrumento paraa busca do bem comum, só pode ser entendido como dever do Estado na medidada sua imprescindibilidade ao alcance das suas nalidades primeiras, o quedeve ser aferido sob o balizamento dos princípios constitucionais.

Os princípios fundamentais, ancados em nossa Carta Magna, hãode ser compreendidos, pois, como parâmetros para avaliação do grau deimprescindibilidade da cobrança tributária para a consecução do interesse dacoletividade.

III. Relativização da indisponibilidade do poder de tributar

Uma vez esclarecida a natureza instrumental da prerrogativa exacional

do Estado, há que se tecer algumas considerações sobre o princípio daindisponibilidade da cobrança do crédito tributário.493 

492 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2004.493 “O agente da Administração Fazendária, que scaliza e apura os créditos tributários, está sujeito ao

princípio da indisponibilidade dos bens públicos e deverá atuar aplicando a lei – que disciplina otributo – ao caso concreto sem margem de discricionariedade.” (DERZI, Misabel Abreu Machado.Comentários ao Código Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1998). Além disso, aponta Fábio BrunGoldschmidt que “é princípio pacicamente aceito em Direito Tributário, a indisponibilidade do cré-dito pelos agentes da Administração. No Código Tributário há uma série de dispositivos que aludemao caráter plenamente vinculado da atividade ligada à tributação, afastando-se qualquer margemde discricionariedade no que toca ao trato dos créditos tributários”. (GOLDSCHMIDT, Fábio Brun.Arbitragem e Transação Tributária – Vericação de Compatibilidade. In: Revista Dialética de DireitoTributário nº 48. São Paulo: Dialética, 1999).

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Isso porque, em se tratando a atuação scal de mero instrumento para oalcance do bem comum, impõe-se a relativização do conceito de indisponibilidade,de modo a restringi-lo aos limites da sua imprescindibilidade para a consecução

do interesse da coletividade.Ou seja, desde que o Poder Público consiga, mediante instrumento diversodo da imposição tributária, alcançar seus objetivos ou, de modo ainda maisamplo, que o não exercício do poder de tributar se justique pela adoção de umcaminho mais eciente para o atendimento ao interesse público, não há que sefalar na indisponibilidade de tal prerrogativa.

Impõe-se, pois, a relativização da indisponibilidade da cobrança do créditotributário, visto que, “na situação concreta, existe uma variedade de interessespúblicos intervenientes e cabe à Administração Pública proceder a uma valoração

comparativa a m de orientar sua atuação no sentido de melhor atender ao bemcomum, isto é, adotar a solução mais oportuna para o caso concreto. Este é ocerne do Princípio da Eciência, que expressa o mandamento constitucionalde se maximizar a prossecução do bem comum e, para tanto, exige a sínteseequilibrada dos interesses públicos”.494

Portanto, no caso de existir um instrumento alternativo e mais ecienteque a atividade exacional no que tange ao alcance de uma nalidade estatal,seria inafastável a opção pela forma alternativa ao exercício do poder detributar, na medida em que demonstra ser o caminho mais eciente para o

alcance do bem comum.Veja-se, por exemplo, que, na hipótese didática de a cobrança de um

crédito tributário em face de certo contribuinte requerer um maior dispêndiode numerário dos cofres públicos que os valores a serem arrecadados, restaevidente, sob a égide do princípio da eciência,495 a necessidade de abstenção doEstado.

Ressalte-se, contudo, que não se está aqui a sustentar a supremacia doprincípio da eciência administrativa sobre os demais, de modo que se possa,sob tal argumento, autorizar a atuação administrativa eciente, mesmo que

desconforme a princípios outros – como o da legalidade, por exemplo –, masa necessidade de ponderação496 entre esse princípio e o da indisponibilidade do

494  JÚNIOR, Onofre Alves Batista. Transação no Direito Tributário, Discricionariedade e InteressePúblico. In: Revista Dialética nº 83. São Paulo: Dialética, 2002.

495 “Hely Lopes Meirelles fala na eciência como um dos deveres da Administração Pública, denindo--o como ‘o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição erendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contentaem ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o servidor públicoe satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros’.” (PIETRO, MariaSylvia Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003).

496 “Quando se trabalha com a Constituição, no entanto, não é possível simplesmente escolher uma nor-ma em detrimento das demais: o princípio da unidade, pelo qual todas as disposições constitucionaistêm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica não admite essa solução.”(BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional.

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poder de tributar, a m de que se possa atenuar a rigidez deste último “quandosua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestãoecaz dos interesses gerais”.497

Em outras palavras, “não se trata de estabelecimento livre e desembaraçadode objetivos a partir de critérios de economia e eciência, mas da conformação deuma nalidade imediata apta a possibilitar o atendimento do interesse público”.498

Assim, pode-se concluir que uma interpretação sistemática do princípio daindisponibilidade do poder de tributar impõe seja ele relativizado, de modo quese possa, quando mais eciente para o alcance das nalidades estatais, dispor aAdministração Pública de instrumento alternativo.

IV. Transação em Matéria TributáriaDispõe o art. 171 do Código Tributário Nacional que “a lei pode facultar,

nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributáriacelebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinaçãode litígio e consequente extinção de crédito tributário”.

Estabelece, pois, o dispositivo transcrito supra a possibilidade, desde queatendidos certos requisitos, de transação em matéria tributária.

Diante do exposto, há que se suscitar, seguindo o óbvio rito de qualquerinvestigação terminológica, que, segundo o léxico,499 a palavra transação derivado termo latino transigere , que pode ser traduzido como transpassar, atravessar,acabar, terminar, concluir em ajuste, terminar uma desavença. Já em nossalíngua, transação signica combinação, convênio, acordo em que duas ou maispessoas ajustam certas cláusulas e condições, mediante concessões recíprocas,para evitar litígio ou pôr m a litígio em curso.

Renando tal análise ao âmbito jurídico, pode-se dizer que a transação é“negócio jurídico bilateral, pelo qual as partes interessadas, fazendo-se concessões

mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas. É, portanto,uma composição amigável entre interessados sobre seus direitos, em que cadaqual abre mão de parte de suas pretensões, fazendo cessar as discórdias. É umasolução contratual da lide, pois as partes são levadas a transigir pelo desejo deevitar um processo cujo resultado eventual será sempre duvidoso”.500 

In: A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas,Organizador Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2006).

497 PIETRO, Maria Sylvia Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003.498  JÚNIOR, Onofre Alves Batista. Transação no Direito Tributário, Discricionariedade e Interesse

Público. In: Revista Dialética nº 83. São Paulo: Dialética, 2002.499 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001/ Novo Aurélio. Rio de

 Janeiro: Nova Fronteira, 1999.500 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998.

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Portanto, “transigir é abrir mão de direitos para resolver litígio, preventivaou litigiosamente (antes do litígio, para evitá-lo, ou durante este para obviá-lo)”.501

Observado, contudo, sob a ótica do Direito Tributário,502  o instituto da

transação se reveste de certas peculiaridades que, à primeira vista, parecem lheobstar a aplicação,503 na medida em que uma das partes do litígio é ente de direitopúblico e que o objeto do litígio tem natureza, a priori , indisponível e, portanto,impassível de se tornar objeto de concessão por agente administrativo.

De tal modo entende Eduardo Marcial Ferreira Jardim,504 segundo o qual, “noslindes da tributação (...) não há lugar para a transação”, isto é, “o aludido institutoagura-se incompatível com as premissas concernentes à tributação, dentre elasa necessária discricionariedade que preside a transação e a vinculabilidade que

permeia toda a função administrativa relativa aos tributos”.505 Importante observar, contudo, que tal corrente doutrinária, embora considere

o instituto da transação incompatível com o princípio da indisponibilidade dopoder de tributar, não aponta quaisquer óbices no que tange à possibilidade deremissão.

501 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,1999.

502 Segundo Aliomar Baleeiro, a transação em matéria tributária “apresenta parentesco estrutural (...)com o concordato tributário , das leis scais italianas, que, em certos aspectos propiciam procedimentocontraditório entre a autoridade scal e o sujeito passivo, para o lançamento. Se não há acordo, apósos debates, a autoridade lança o tributo e o sujeito passivo usa das reclamações, defesas e recursos.Se o acordo, anal, se realiza, a autoridade tributária e sujeito passivo assinam um documento, quetoma o nome de  concordato scal , cando encerrada a possibilidade de recursos para o segundo:o lançamento passa a ser denitivo”. (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de

 Janeiro: Forense, 1999).503 Segundo Eduardo Marcial Ferreira Jardim, a transação é “forma extintiva da obrigação tributária

que na verdade é incompatível com o regime jurídico tributário, já que a criação e extinção de tribu-tos se subordinam à edição de atos administrativos vinculados”. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário

 Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998).

504  JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo:Saraiva, 2002.

505 Tal entendimento é, de certa forma, compartilhado por Paulo de Barros Carvalho, para quem as con-cessões passíveis de serem autorizadas por lei ordinária devem ser interpretadas de modo restritivo,isto é, aterem-se às “obrigações ancilares”, não dizendo respeito ao valor de tributo: “as conces-sões que a lei pode permitir à autoridade administrativa seriam muito restritas, dizendo respeito aprovidências ancilares que facilitassem a solução de impasses que estivessem impedindo a regularextinção do vínculo. Não posso conceber que se inclua entre as concessões o abrir mão do valor dotributo, pois conguraria hipótese de remissão ou perdão da dívida, bem como a faculdade de com-pensar créditos, modalidades extintivas que hão de ser diferentes da transação. Do mesmo modo,a dispensa de quantias relativas a sanções, punitivas ou moratórias, cairiam debaixo da anistia, queé instituto igualmente diverso. Sobrariam as iniciativas superadoras de divergências sobre aspectosacessórios do implemento da dívida, tendentes a propiciar a criação de clima favorável entre os sujei-tos da relação, tudo para estimular o contribuinte a liquidá-la pelo pagamento. E, sendo assim, vê-seque não teria força para fulminar o liame obrigacional, circunscrevendo seu papel a simplesmen-te preparar as condições da extinção, que, efetivamente, dar-se-ia pelo pagamento.” (CARVALHO,Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2004).

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Desse modo, entendemos haver incorrido tal doutrina em certa incoerênciainterna, na medida em que, sem oferecer qualquer justicativa, chega aconclusões diversas quanto à compatibilidade da transação e da remissão com a

indisponibilidade da cobrança do crédito tributário.Isso posto, resgatamos nossa linha de entendimento, segundo a qual a

indisponibilidade do poder de tributar deve ser entendida de modo relativo,visto que, em face do princípio da eciência administrativa, há que se interpretarestar ela limitada pelos muros da imprescindibilidade da utilização desseinstrumento para a atuação estatal no sentido da consecução do interesse dacoletividade.

Desse modo, vislumbra-se ser exatamente o exterior de tais muros o espaço

de possível utilização da transação em matéria tributária.Assim, na medida em que a realização da transação, no caso concreto, semostre mais eciente instrumento ao alcance do bem comum que o exercíciodo poder de tributar, e desde que, atendidos os requisitos legais aplicáveis,entendemos dever o agente administrativo propor ao contribuinte a adoção detal alternativa.

Isso porque, “em algumas situações, é mais conveniente para o interessepúblico transigir e extinguir o litígio, do que levar este até à última instância, com

a possibilidade de restar à Fazenda Pública a nal vencida. Daí a possibilidadede transação”.506

Demonstra-se, portanto, ser apenas aparente507 a incompatibilidade entre aprevisão do art. 171 do CTN e o princípio da indisponibilidade do poder detributar. Mesmo porque as transações em matéria tributária somente gozarãode validade se adequadas aos princípios que as norteiam, em especial o dalegalidade estrita e do interesse público.508 

Desde que adstrita às hipóteses de disponibilidade do poder de tributar,quais sejam, aquelas em que a utilização de instrumento outro se mostre mais

eciente ao alcance das nalidades essenciais do Estado, entendemos serperfeitamente compatível com os princípios constitucionais administrativos,nanceiros e tributários a aplicação do instituto da transação em matériatributária.

506 MACHADO, Hugo de Brito. A Transação no Direito Tributário. In: Revista Dialética de DireitoTributário nº 75. São Paulo: Dialética, 2001.

507 “Há, no máximo, uma aparente antinomia entre a norma-princípio, albergada pelo art. 3º, segundo aqual a prestação tributária há de ser cobrada mediante atividade plenamente vinculada, e o art. 171do Código Tributário Nacional, que admite a transação como forma de extinção do crédito tributá-rio.” (MACHADO, Hugo de Brito. A Transação no Direito Tributário. In: Revista Dialética de DireitoTributário nº 75. São Paulo: Dialética, 2001).

508 ROCHA, Eliana Pires. Conciliação: Justiça Consensual nos Juizados Federais. In: Juizados EspeciaisFederais, coordenador: Jeerson Carús Guedes. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

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Corrobora tal entendimento a lição de J. E. Carreira Alvim,509  segundo oqual “a possibilidade de transação dependerá, por vezes, da índole do conito,independentemente da natureza do direito, pois poderá haver a disponibilidade

do interesse relacionado a esse direito. É dizer, a conciliação não dependenecessariamente da natureza do direito, podendo estar relacionada ao grau dointeresse que o ente público tenha na demanda. São níveis de possibilidade detransação, que decorrem do proveito auferido pelos órgãos públicos”.

Portanto, não é a natureza do interesse envolvido no litígio que deve serentendida como fator determinante da possibilidade ou não de aplicação doinstituto da transação a um caso concreto, mas, nas palavras do doutrinadorsupracitado, o “grau de proveito auferido pelos órgãos públicos”, que preferimosdenir como o grau de imprescindibilidade da utilização do instrumento jurídico

considerado, a priori, indisponível na consecução das nalidades estatais no casoconcreto.

V. Transação e a Lei de Responsabilidade Fiscal

Uma vez superada a questão relativa ao aparente conito entre o princípioda indisponibilidade do poder exacional e a transação em matéria tributária,cumpre suscitar outra questão de basilar importância no contexto do presente

trabalho, qual seja, a relativa à abrangência do instituto da transação pelo darenúncia de receita, o qual se sujeita às limitações impostas pelo art. 14 da Lei deResponsabilidade Fiscal510 (Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000).

509 ALVIM, J. E. Carreira Alvim., cit. in: ROCHA, Eliana Pires. Conciliação: Justiça Consensual nos Juizados Federais. In: Juizados Especiais Federais, coordenador: Jeerson Carús Guedes. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

510 Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorrarenúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-nanceirono exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de

diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:  I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei

orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados scais previstas noanexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

  II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio doaumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoraçãoou criação de tributo ou contribuição.

  § 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isençãoem caráter não geral, alteração de alíquota ou modicação de base de cálculo que implique reduçãodiscriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento dife-renciado.

  § 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigodecorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas asmedidas referidas no mencionado inciso.

  § 3º O disposto neste artigo não se aplica:  I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição,

na forma do seu § 1º;

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Dessa maneira, impõe-se a realização de uma interpretação teleológicado referido dispositivo, a m de que se possa alcançar a extensão de suaaplicabilidade e, assim, aferir-se o abarcamento ou não da transação por esse

dispositivo.Nesse contexto, há que se apontar ser nalidade do dispositivo a

“resistência a que haja renúncia indiscriminada de receita, de forma a evitara concorrência predatória, bem como a insuciência de recursos por parte deMunicípios ou Estados, de forma a levá-los à impotência para cumprimento desuas obrigações”.511 

Também nos fornece dicas sobre o m do supracitado artigo Diogo deFigueiredo Moreira Neto, segundo o qual “o conceito de renúncia de receita, paraos efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, compreende um extenso elenco em

aberto, dada a extrema diculdade de se detectar expedientes imaginativos quereduzam a expectativa de arrecadação em troca de favores”.512

Diante do exposto e da própria contextualização do dispositivo com odiploma normativo em que se insere, há que se constatar pretender ele obstar aatuação irresponsável do administrador público no sentido de atribuir benefíciosao particular – obviamente como contrapartida de algum favorecimentoeconômico, ou mesmo de infraestrutura, para o território que jaz sob suaadministração – a despeito de implicações nanceiras desfavoráveis a seremacarretadas ao ente federativo.

Em outras palavras, o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal pretendefornecer os parâmetros para que o administrador público provenha incentivosao particular em troca do fomento econômico do ente federativo, isto é, odispositivo em questão almeja delimitar as situações em que a atuação – viade regra salutar – do governante no sentido de ajustar benefícios em trocade investimentos privados, em áreas particularmente relevantes para o entefederativo, implica prejuízo às nanças públicas.

O dispositivo tem como m, portanto, evitar que o administrador público,ao negociar com o particular, invada o âmbito de indisponibilidade do bempúblico e, como consequência, atue de modo ineciente.

Isso posto, pode-se perceber que os limites impostos à realização derenúncia de receita são exatamente os mesmos aplicáveis à possibilidadede transação em matéria tributária, de modo que, uma vez demonstradaa eciência da opção pela transação, em detrimento da cobrança do créditotributário integral, resta também afastada qualquer cogitação de desrespeito àLei de Responsabilidade Fiscal.

  II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.511 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2001.512 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Considerações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de

 Janeiro: Renovar, 2001.

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 Jaz, pois, evidente, que a realização de transação em matéria tributária,adstrita aos limites impostos por seus requisitos de validade, quais sejam, aquelesdelimitadores do âmbito de disponibilidade do poder de tributar – hipóteses em

que a transação se mostra o mais eciente caminho para o alcance das nalidadesestatais – não implica qualquer violação à Lei de Responsabilidade Fiscal.Certo, enm, é armar que, uma vez extravasados os limites de validade

da transação, poder-se-á imediatamente invocar o desrespeito à Lei deResponsabilidade Fiscal, na medida em que os muros delimitadores daindisponibilidade do poder de tributar e, portanto, da impossibilidade derealização de transações, são exatamente os mesmos xados por tal diplomanormativo.

VI. Requisitos para a transação em matéria tributáriaAnalisado o cabimento da transação em matéria tributária, partiremos do

art. 171 do CTN, para que possamos apreender quais os requisitos xados peloDireito Positivo para a realização de transação em matéria tributária:

“Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas,importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.”

Diante do teor de tal dispositivo, faz-se mister constatar que a transaçãoem matéria tributária (a) requer autorização por lei ordinária; e (b) só pode serterminativa de litígio.513 

VI.a. Autorização por lei ordinária

Superada a discussão relativa à indisponibilidade relativa do poder de

tributar, cumpre apontar possuir a mesma, para parte da doutrina, íntimarelação com a exigência de lei ordinária autorizativa da transação em matériatributária.

Para tal corrente doutrinária, a possibilidade de se realizar transações emmatéria tributária não pode implicar a atribuição ao agente administrativo deuma atuação discricionária. Ou seja, não se compatibilizaria com a naturezaindisponível do interesse público a possibilidade de o agente tecer juízo acercada conveniência da realização da transação.

Assim, a exigência de lei ordinária autorizativa da transação se fundaria

na necessidade de se (a) estabelecer condições e critérios de tal modo objetivos

513 A transação em matéria tributária não pode ter o objetivo de evitar litígio, só sendo possível depoisda instauração deste.

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que restaria afastada a discricionariedade, e de (b) limitar a competência paraautorizar a transação ao âmbito das autoridades de escalões superiores daAdministração Tributária para que, se alguma discricionariedade ainda restar,

ser facilitado o controle do ato a ser praticado no interesse da Fazenda Pública.514

 Ocorre que, embora seja bastante razoável que o legislador ordinário xecondições e critérios objetivos para a realização de transações, bem como limite aatribuição de competência para sua realização a autoridades administrativas deescalões superiores, não entendemos fazer-se necessário o completo afastamentoda discricionariedade da Administração Tributária no que tange (a) à avaliaçãoda conveniência de se utilizar a transação e (b) à abrangência de tal instituto.

Isso porque, conforme já esclarecido anteriormente, a possibilidade derealização da transação se limita às hipóteses em que tal alternativa se mostre mais

eciente à consecução do interesse público que a utilização de instrumentos outros,de modo que resta, a nosso ver, dispensável, sob uma interpretação sistemática,a necessidade de que a lei estabeleça exaustivamente todas as hipóteses em que atransação seria aplicável e mesmo em que bases deve ser realizada.

Ressalte-se, novamente, que não estamos aqui a defender a possibilidadede se transacionar em matéria tributária a despeito de previsão legal, comose pudesse ser ignorada a previsão do Código Tributário, mas a divergirdo entendimento orientado à necessidade de se afastar completamente adiscricionariedade da Administração Tributária.

É claro que a atuação do agente administrativo deve estar sujeita a rígidocontrole do próprio Poder Executivo, bem como dos demais Poderes, a m de quese possa impedir arbitrariedades no que tange à utilização de tal instrumento,mas entendemos que uma presunção de abuso no exercício de certa prerrogativanão deve ensejar uma aplicação restritiva de instituto, a nosso ver, tão relevanteno âmbito tributário.

Melhor esclarecendo, acreditamos que devam ser criados mecanismos decontrole do cumprimento das normas, bem como previstas sanções para a suainobservância, mas não nos parece razoável compreender a subversão à norma

como regra e, com base em tal premissa, restringir a aplicação do instituto,sobretudo se a limitação imposta não se coadunar com os princípios da eciênciaadministrativa e da supremacia do interesse público.

Enm, apesar da exibilização que entendemos necessária, somos doentendimento de que, com base no disposto no art. 171 do CTN, não há que searguir a possibilidade de realização de transação em matéria tributária sem osuporte autorizativo de lei ordinária.

VI.b. Natureza terminativa de litígio

514 MACHADO, Hugo de Brito. A Transação no Direito Tributário. In: Revista Dialética de DireitoTributário nº 75. São Paulo: Dialética, 2001.

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Ao se deparar com o art. 171 do CTN, logo se constata haver o legisladorafastado a possibilidade de se realizar transação preventiva515  de litígios noâmbito tributário.

Contudo, o emprego da terminologia “litígio” não encerra de modo precisoa extensão da autorização do CTN para a realização de transações, suscitando, anosso ver, controvérsia relativa à aplicabilidade de tal instituto a controvérsias(a) concernentes a matérias “de fato” e/ou “de direito” e (b) em âmbito judiciale/ou administrativo.

Isso posto, há que se esclarecer, quanto à possibilidade de se transacionarem matéria “de fato” e/ou “de direito”, que não vislumbramos qualquer razãopela qual deva se ater a utilização do instituto a um ou a outro escopo, sobretudo

se considerado o impacto de tal restrição sobre a utilidade do instituto naseara tributária. Caso pretendesse fazê-lo, o legislador deveria ter manifestadoexpressamente o caráter restritivo da expressão “litígio”.

Corrobora tal entendimento, embora sob argumentação distinta, FabioBrun Goldschmidt,516  segundo o qual “a determinação de um litígio importanecessariamente, no que toca à matéria envolvida, na sua extinção, seja a matériaenvolvida ‘de fato’ ou ‘de direito’”.

 Já no que se refere à questão relativa à abrangência da transação àscontrovérsias em sede judicial e/ou administrativa, há que se observar que“divergem os autores a propósito das proporções semânticas do vocábulo litígio.Querem alguns que se trate de conito de interesses deduzido judicialmente,ao passo que outros estendem a acepção a ponto de abranger as controvérsiasmeramente administrativas”.517 

Diante de tal divergência, optamos novamente pela interpretação maisampla da expressão “litígio”, de modo que se possa entender estarem tambémas discussões em âmbito administrativo abrangidas por ela.

Isso porque, considerando restar manifesto o conito de interesses e a

divergência de entendimentos – congurando-se, pois, o “litígio” – já no âmbitoda discussão administrativa, não há motivo apto a justicar a necessidade deque a transação só venha a ser permitida na esfera judicial.

515 O Código Civil, diferentemente, autoriza expressamente, em seu art. 840, a realização de transações pre-ventivas: “É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”.

516 Em síntese, o autor parte da análise da terminologia “determinação”, quanto ao sentido em que foiempregada no Modelo de Código Tributário para a América Latina de 1966 e no Código OrgânicoTributário da Venezuela, para concluir que a mesma implica a possibilidade de utilização da tran-sação para a composição de controvérsias relativas a matéria “de fato”. E acrescenta, com base naanálise do art. 171 do CTN, que do caráter extintivo do crédito tributário atribuído a tal institu-to se depreende a possibilidade de extensão do mesmo a controvérsias em matéria “de direito”.(GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Arbitragem e Transação Tributária – Vericação de Compatibilidade.In: Revista de Direito Tributário nº 48. São Paulo: Dialética, 1999).

517 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005.

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Portanto, só se pode depreender do teor do art. 171 do CTN a exigência deque “se tenha congurado um conito, a ser dirimido pelo órgão julgador”, demodo que, a nosso ver, resta autorizada a aplicação do instituto da transação

(a) tanto em matéria “de fato” quanto de “direito”, bem como (b) nas esferas judicial e administrativa.

VII. Crítica à noção de extinção do crédito tributário pelatransação

Observando-se o teor dos arts. 156, III,518 e 171 do CTN, há que se constatardisporem ambos que a transação extingue o crédito tributário.

Há que se apontar, contudo, que a transação não pode ser considerada

propriamente uma forma de extinção da obrigação tributária, visto que talinstituto encerra apenas as concessões recíprocas do sujeito ativo e do sujeitopassivo, visando ao término de litígio instalado.

Ou seja, o processo de transação é anterior à extinção do vínculo obrigacionaltributário, que só ocorre, efetivamente, mediante o adimplemento das obrigaçõesestabelecidas no acordo mútuo.

Isso porque não se pode admitir que (a) o ajuste tenha amplitude tal quedispense a prestação pecuniária ou a quitação mediante compensação, vistoque, nesse caso, tratar-se-ia de institutos outros, tais como remissão ou perdão

da dívida, nem que (b) seja ele apto a retirar do objeto do pagamento realizadoem consonância com o acordo rmado, por meio do instituto transacional,a natureza tributária, já que, ao se adotar tal premissa, seria inevitável ainsustentável conclusão de que, realizada a transação e inadimplida a prestaçãoa que se comprometeu o contribuinte, estaria impossibilitada a AdministraçãoPública de dispor do mecanismo de execução scal.

Corrobora tal entendimento Paulo de Barros Carvalho,519 segundo o qual “écurioso vericar que a extinção da obrigação, quando ocorre a gura transacional,não se dá, propriamente, por força das concessões recíprocas, e sim do pagamento.

O processo de transação tão-somente prepara o caminho para que o sujeitopassivo quite sua dívida, promovendo o desaparecimento do vínculo. Tão singelameditação já compromete o instituto como forma extintiva de obrigações”.

Portanto, há que se compreender que a transação não extingue o créditotributário, mas apenas o litígio acerca dele. Só se poderá falar em extinçãodo crédito a partir do momento em que as obrigações resultantes do acordotransacional forem adimplidas.

518 Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...) III - a transação.  Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação

tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígioe conseqüente extinção de crédito tributário.

519 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005.

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VIII. O Projeto de Lei de Transação em MatériaTributária

O Executivo Federal encaminhou recentemente à Câmara dos Deputados oProjeto de Lei nº 5.082/2009, que objetiva regular a Transação Geral em MatériaTributária.

O projeto de lei é resultado de trabalho desenvolvido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional com a colaboração de doutrinadores, em especial doProfessor Heleno Taveira Torres.

Não cabe, no escopo deste trabalho, a análise do projeto. Contudo, é de seressaltar a corajosa iniciativa do Executivo, que, reconhecendo explicitamente aineciência da cobrança da dívida ativa da União, em linha com os argumentosque aqui defendemos, propôs uma ampla gama de modalidades de transação.

Com efeito, avançando consideravelmente e inspirado em experiências bem-sucedidas no exterior, o texto do projeto estabelece inúmeras modalidadesde transação:

I. Transação em processo judicial;II. Transação em insolvência, recuperação judicial e falência;III. Transação por recuperação tributária; e

IV. Transação administrativa por adesão.A proposta muda a relação entre os contribuintes e a Fazenda. Para alguns,

o projeto conferirá maior eciência à cobrança da dívida ativa, evitando amorosidade do processo. Já para outros, ela desestimula o pagamento dostributos e dá poderes excessivos ao Executivo facilitando a corrupção.

Esperamos que o debate no Congresso Nacional aperfeiçoe o projeto e que,em breve, a Lei de Transação Geral em Matéria Tributária seja uma realidade noBrasil, amenizando a relação sco-contribuinte.

IX. Conclusão

Expostas nossas breves considerações sobre o instituto da transação emmatéria tributária, havemos de concluir que:

(1) o instituto da transação é bastante relevante, sobretudo na searatributária, na medida em que constitui eciente instrumento para acomposição de controvérsias, de modo que, a nosso ver, mostra-se

 bastante profícua a ampliação da utilização de tal instituto no Direitopátrio;

(2) o exercício do poder de tributar, na qualidade de instrumento para a busca do bem comum, só pode ser entendido como dever do Estado

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na medida da sua imprescindibilidade ao alcance das suas nalidadesprimeiras, o que deve ser aferido sob o balizamento dos princípiosconstitucionais;

(3) uma interpretação sistemática do princípio da indisponibilidade dopoder de tributar impõe seja o mesmo relativizado, de modo que sepossa, quando mais eciente para o alcance das nalidades estatais,dispor a Administração Pública de instrumento alternativo;

(4) desde que adstrita às hipóteses de disponibilidade do poder detributar, quais sejam, aquelas em que a utilização de instrumentooutro se mostre mais eciente ao alcance das nalidades essenciais do

Estado, entendemos ser perfeitamente compatível com os princípiosconstitucionais administrativos, nanceiros e tributários a aplicaçãodo instituto da transação em matéria tributária;

(5) os limites impostos à realização de renúncia de receita são exatamenteos mesmos aplicáveis à possibilidade de transação em matériatributária, de modo que, uma vez demonstrada a eciência da opçãopela transação, em detrimento da cobrança do crédito tributáriointegral, resta também afastada qualquer cogitação de desrespeito àLei de Responsabilidade Fiscal;

(6) somos do entendimento de que, com base no disposto no art. 171 doCTN, não há que se arguir a possibilidade de realização de transaçãoem matéria tributária sem o suporte autorizativo de lei ordinária;

(7) contudo, resta, a nosso ver, dispensável, sob uma interpretaçãosistemática, a necessidade de que a lei estabeleça exaustivamentetodas as hipóteses em que a transação seria aplicável, e mesmo em que

 bases deve ser realizada;(8) só se pode depreender do teor do art. 171 do CTN a exigência de

que haja uma controvérsia congurada, de modo que, a nosso ver,resta autorizada a aplicação do instituto da transação tanto na esferaadministrativa quanto na judicial; e

(9) a transação não extingue o crédito tributário, mas apenas o litígioacerca do mesmo. A extinção do crédito somente ocorre a partir do

momento em que as obrigações resultantes do acordo transacionalforem adimplidas. 

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A A.   CTN C S S S

Eduardo da Rocha SchmidtAdvogado.

Ex-Conselheiro Titular da Segunda Câmara do SegundoConselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda.

Ex-Conselheiro Titular da Quinta Câmara do Primeiro Conselhode Contribuintes do Ministério da Fazenda. Pós-Graduado em

Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas.Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade

Federal de Pernambuco / Escola Superior de AdministraçãoFazendária. MBA Executivo pelo Instituto COPPEAD de Administração – UFRJ.

Sumário: 1. Considerações introdutórias. 2. Conceito de tributo; 3. Natureza tributária dascontribuições. 4. Natureza jurídica da norma do artigo 195, § 7º, da CF/88. 5. Regulamentação sópor lei complementar. 6. O CTN regulamenta o artigo 195, § 7º, da CF/88. Irrelevância da Lei nº8.212/91. 7. Conclusões.

1. Considerações introdutórias

Este trabalho visa demonstrar que é o artigo 14 do Código TributárioNacional (CTN), e não o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, que estabelece asexigências a que se refere o artigo 195, § 7º, da Constituição Federal (CF/88),para que uma entidade beneficente de assistência social faça jus ao benefíciofiscal previsto no dispositivo constitucional, questão controvertida nadoutrina e nos tribunais.

Para tanto, procuraremos demonstrar, primeiro, que as contribuições têmnatureza tributária, o que reputamos de capital importância para a correta

compreensão de sua disciplina constitucional, pois, denida sua naturezatributária, estarão sujeitas, no que couber, a todo o regime jurídico-constitucionaltributário, diferentemente do que ocorreria caso tivessem natureza não tributária,hipótese que forçaria reconhecer-lhes aplicáveis, apenas, os princípios e asdisposições expressamente referidos no artigo 149 da CF/88.

Na sequência, tentaremos demonstrar que, apesar de o artigo 195, § 7º,da CF/88, referir-se à “isenção”, o dispositivo, na realidade, estabeleceu inéditahipótese de imunidade tributária, viabilizando sua regulamentação, a teordo disposto no artigo 146, II, da CF/88, apenas por lei complementar, função

exercida pelo CTN, recepcionado que foi pela vigente ordem constitucionalcomo lei complementar sobre limitações constitucionais ao poder de tributar,com o que também evidenciaremos a irrelevância do art. 55 da Lei nº 8.212/91para o exame dessa questão.

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2. Conceito de tributo

O artigo 3º do CTN conceitua tributo como sendo “toda prestação pecuniáriacompulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sançãode ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamentevinculada”. A fórmula, apesar de criticada,520 é bem aceita e adotada pela doutrinamajoritária,521 à qual nos liamos.

Com isso não se está a armar que o conceito de tributo se extrai somente doCódigo Tributário Nacional, ou que o estudo do sistema tributário nacional devatê-lo como critério de referência. É a Constituição Federal nosso norte, primeiropor fornecer um conceito implícito de tributo, extraído do plexo de normas que

formam o sistema tributário nacional, e, depois, porque atribuiu ao CongressoNacional a competência para estabelecer, por lei complementar, normas geraisem matéria de legislação tributária e, em especial, sobre a denição de tributos esuas espécies, de tal sorte que a adoção do conceito de tributo estabelecido peloartigo 3º do CTN, importa, apenas, no reconhecimento de que tal denição estáformal e materialmente adequada àquela que se extrai do texto constitucional.522

Resulta daí que toda a prestação que preencher os requisitos indicados nafórmula do artigo 3º do Código Tributário Nacional será tributo,523 com o que

será tributo toda a contribuição que os preencher, aí não somente por subsunçãoa um conceito legal, mas por subsunção a um conceito legal que se amolda aoconceito que implicitamente se encontra encartado no texto constitucional.

3. Natureza tributária das contribuições

Conquanto a conclusão acima forneça os subsídios necessários para oenquadramento ou não das contribuições existentes como tributo, não responde

se é juridicamente possível a instituição de contribuição que não preenchaos requisitos do artigo 3º do CTN, isto é, não responde se a CF/88 atribui àscontribuições natureza tributária e, assim, veda a instituição de contribuiçõesque não sejam tributos.

520 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro , p. 19 e seguintes; CARVALHO, Paulo de Barros. Cursode Direito Tributário , pp. 24 a 27; TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário , p. 320.

521 Nesse sentido: JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da Rosa.  Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário ,p. 191; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário , p. 64; MELO, José Eduardo Soaresde. Contribuições Sociais no Sistema Tributário , p. 16; PIRES, Adilson Rodrigues.  Manual de Direito

Tributário , p. 20.522 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária , p. 32 e seguintes; FISCHER, Octávio Campos.

 A Contribuição ao PIS , pp. 49 e 50; MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no SistemaTributário , p. 16; SPAGNOL, Werther Botelho, As Contribuições Sociais no Direito Brasileiro , p. 12.

523 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico , p. 128.

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A questão reclama o exame do artigo 149, caput , da CF/88, matrizconstitucional das contribuições,524  segundo o qual “compete exclusivamente àUnião Federal instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de

interesse das categorias prossionais ou econômicas, como instrumento de sua atuaçãonas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízodo previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”.

Parcela da doutrina defende a natureza tributária das contribuições apoiadano simples fato de o artigo 149 estar inserido no capítulo dedicado ao sistematributário nacional,525 valendo-se, aí, do mesmo argumento topográco que levouo Supremo Tribunal Federal a entender que, na vigência da Constituição de1967, a partir da Emenda Constitucional nº 8, de 1977, as contribuições deixaramde ser tributos.526

Apesar de o critério histórico de interpretação revelar a importância desseargumento, o reputamos insuciente. Os “ problemas da dogmática jurídica não seresolvem pela taxionomia, ou seja, não é o lugar onde está o dispositivo que vai dizer,necessariamente, que a solução é esta ou aquela”,527 pelo que a solução da questão àluz desse argumento isolado pode levar à apressada conclusão de que eventualemenda à Constituição, que alterar a localização topográca da norma veiculadapelo artigo 149, para alocá-la fora do capítulo atinente ao sistema tributárionacional, terá o condão de retirar das contribuições a natureza tributária,

exatamente conforme decidiu o STF no precedente acima mencionado.A natureza tributária das contribuições decorre, sobretudo, não dalocalização do artigo 149, mas de seu texto, notadamente do trecho em quedetermina que a instituição das contribuições está sujeita ao disposto no

524 DERZI, Misabel Abreu Machado. Contribuições Sociais , pp. 118-119; SOUZA, Ricardo Conceição de.  As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro , p. 494.

525 Veja-se, por todos, TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário , pp. 354 e 355:“Considerando-se, todavia, que a natureza tributária se dene no próprio discurso constitucional(se não estão em jogo os direitos fundamentais, de estatura pré-constitucional), segue-se que deve

prevalecer o argumento topográco, ainda que formalista e epidérmico”.526 RE 86.595. Nesse precedente, em que foi relator o Ministro Xavier de Albuquerque, e que contou com

voto expresso do Ministro Moreira Alves, decidiu-se que a Emenda Constitucional nº 8, de 1977, aointroduzir um inciso X ao artigo 43 da Constituição de 1967, que tratava da competência legislativado Congresso Nacional, e separar em incisos distintos a competência para legislar sobre tributosda competência para legislar sobre contribuições sociais, teria denotado uma inequívoca vontadedo constituinte derivado de atribuir às contribuições natureza jurídica distinta da dos tributos. Oposicionamento então adotado pelo Supremo Tribunal Federal foi alvo de contundentes críticas porrepresentativa doutrina, que sustentava que a mudança topográca não teria alterado a naturezatributária das contribuições. Nas palavras do hoje Ministro Carlos Velloso: “O simples fato, pois, deter a EC/8, de 1977, alterado a redação do inciso I, do § 2º, do art. 21, da EC/1, de 1969, dali retirandoa contribuição previdenciária, não seria suciente para alterar-lhe a natureza jurídica. Não seria co-locando um nome de mulher num homem, que este deixaria de ser homem. O que importa, repito,é a natureza jurídica do instituto”. No mesmo sentido: BARRETO, Aires Fernandino; LACOMBE,Américo Masset; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro apud  TORRES, Ricardo Lobo. ContribuiçõesSociais Gerais , pp. 378 e 379.

527 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma gura “sui generis”) , p. 81.

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artigo 146, III, ou seja, que sua instituição deve observar as disposições da leicomplementar que “estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmentesobre” a “denição de tributos”. Como a denição de tributo constante do artigo

3º do Código Tributário Nacional foi recepcionada pela Constituição Federal,temos que a instituição válida de uma contribuição reclama a subsunção daexação à fórmula legal de tributo. Caso contrário, como ensina Werther BotelhoSpagnol, a contribuição “não será tributo, mas também não poderá ser cobrada porvício de inconstitucionalidade”.528

Na verdade, o artigo 149 reclama que a instituição de contribuições deveobservar todas as normas gerais de direito tributário, força da alusão ao artigo 146,inciso III, como também determina que se apliquem às contribuições, pelo menos,os mais relevantes princípios constitucionais tributários, como os da legalidade,irretroatividade e anterioridade, deixando patente sua natureza tributária.529

A doutrina, todavia, não é unânime ao atribuir às contribuições naturezatributária. Sustentam Luiz Mélega530 e Marco Aurélio Greco531 que a natureza nãotributária das contribuições decorreria do disposto no artigo 145 da CF/88, que,ao enumerar os tributos que podem ser instituídos pela União, pelos Estados,pelo Distrito Federal e pelos Municípios, menciona apenas os impostos, as taxase as contribuições de melhoria, sem fazer qualquer alusão às contribuições,532 oque explicaria o fato de o artigo 149 determinar, de forma expressa, se aplique às

contribuições apenas parte, e não a totalidade do regime jurídico-constitucionalpróprio dos tributos.O argumento de que a natureza não tributária das contribuições decorreria

do fato de o artigo 145 não lhes fazer menção, amparado na literalidade dotexto constitucional, apesar do brilhantismo dos seus defensores, parece-nossucumbir a exame mais aprofundado da matéria. Entendemos que o silêncio

528 SPAGNOL, Wether Botelho.  As Contribuições Sociais no Direito Brasileiro , p. 59. No mesmo sentido:SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos.  As Contribuições no

Sistema Tributário Brasileiro , pp. 275 e 276.529 BALERA, Wagner.  As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro , pp. 562 e 563; CARVALHO,

Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário , p. 43; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentáriosà Constituição de 1988: Sistema Tributário , p. 169; DERZI, Misabel Abreu Machado. Contribuições , pp.222 e 223; MATTOS, Aroldo Gomes de. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro , pp. 102 e 103;XAVIER, Alberto. Temas de Direito Tributário , p. 15.

530 MÉLEGA, Luiz. Algumas Reexões Sobre o Regime Jurídico das Contribuições na Carta Política , p. 3.291.531 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma gura “sui generis”) , p. 80.532 Para Valdir de Oliveira Rocha (ROCHA, Valdir Oliveira, Natureza Jurídica das Contribuições do Art. 149

da Constituição , p. 100), as contribuições e os tributos seriam “espécies de um gênero mais amplo quepode atender pelo nome de exações”, entendimento que seria conrmado pela nova redação do § 6ºdo art. 150, dada pela Emenda à Constituição n. 3, de 1993, que ao se referir a “tributo ou contribui-ção”, teria deixado patente a natureza atributária desta. No mesmo sentido: MARTINS, Sergio Pinto.Seguridade Social , p. 95. Octávio Campos Fischer (FISCHER, Octávio Campos. A Contribuição ao PIS,p. 68), citando Aires Barreto, contra argumenta armando que “se de um lado, o preceito mencionain ne ‘tributo ou contribuição’, em seu início refere ‘contribuição como espécie de tributo’” ao men-cionar “impostos, taxas ou contribuições”.

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constitucional decorre do fato de os impostos, as taxas e as contribuições demelhoria serem tributos cuja instituição compete a todos os entes federadose, ainda, porque o artigo 145 trata dos tributos que podem ser instituídos por

qualquer ente da federação, o que não ocorre com as contribuições do caput doartigo 149, cuja instituição é de competência exclusiva da União Federal.533

O fato de não se aplicar às contribuições determinada norma que integrao regime jurídico geral dos tributos, não se nos agura suciente para retirar-lhes a natureza tributária, pois, como dá conta Hugo de Brito Machado,534 mesmo “alguns impostos estão excluídos do princípio da anterioridade (Impostos deImportação, IPI, por exemplo), e nem por isso se diz que deixaram de ser tributo. Estarsujeito ao regime jurídico tributário não quer dizer estar a ele submetido inteiramente. A ressalva, no caso, não exclui o regime jurídico tributário, mas o conrma. A exceção

conrma a regra”.Não obstante a controvérsia ainda existente no plano doutrinário, o fato é

que a questão, nos tribunais, é hoje incontroversa, tendo o Supremo TribunalFederal rmado jurisprudência pela natureza tributária das contribuições à luzda Constituição de 1988,535 o que, no nosso entendimento, justica se apliquem àscontribuições não só os dispositivos constitucionais expressamente previstos noartigo 149, mas todos aqueles que apresentam coerência com o regime jurídico-constitucional próprio dessa espécie tributária.

4. Natureza jurídica da norma do artigo 195, § 7º, da CF/88

O artigo 195, § 7º, da CF/88, estabelece que “são isentas da contribuição para a seguridade social as entidades benecentes de assistência social que atendam àsexigências estabelecidas em lei.”

Em razão de o texto constitucional se referir à “isenção”, dúvida surgiu, logoapós a promulgação da Carta de 1988, com base em interpretação gramatical eliteral, sobre a natureza jurídica dessa norma constitucional, se seria, também,

de isenção , ou de imunidade tributária.Ao entendimento de que o artigo 195, § 7º da CF/88 veicula hipótese deisenção, opõe-se a seguinte crítica: a de se apegar em demasia ao texto dalei, como se a atividade do intérprete encontrasse em seus vocábulos limite

533 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos.  As Contribuições noSistema Tributário Brasileiro , pp. 276 e 277; MARQUES, Márcio Severo.  As Contribuições no SistemaTributário Nacional e a CIDE criada pela Lei n. 10.168/00 , p. 438; GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição deIntervenção no Domínio Econômico , p. 129.

534 MACHADO, Hugo de Brito. Contribuições Sociais , pp. 91 e 92. No mesmo sentido: SPAGNOL,Werther Botelho, As Contribuições Sociais no Direito Brasileiro , p. 61.

535 Súmula Vinculante STF nº 8. RE 560.626, Relator Ministro Gilmar Mendes, j. 12.06.2008, DJe nº 232,de 08.12.2008; RE 559.943, Relatora Ministra Carmen Lúcia, j. 12.06.2008, DJe nº 182, de 25.09.2008; RE146.733-9, Relator Ministro Moreira Alves, j. 29.06.1992, DJ 06.11.1992, p. 20.110; RE 138.284-8, Rel.Min. Carlos Velloso, j. 01.07.1992, DJ 28.08.1992, p. 13.456.

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intransponível. Conquanto a interpretação tenha início no texto da lei, nele nãoencontra limites rígidos. O texto da lei é apenas o ponto de partida do intérpreteem sua atividade básica de desvendar as normas jurídicas que deuem das leis,

do ordenamento jurídico. Daí por que a norma jurídica não existe no texto dalei, mas no juízo que dele extrai o intérprete, valendo-se dos instrumentos quelhe são disponibilizados pela ciência do direito.

Apesar de os conceitos de imunidade e de isenção não serem extremes dedúvida, não há controvérsia quanto ao fato de se tratar de institutos jurídicosabsolutamente distintos, distinção essa revelada pelo exame de suas respectivasnaturezas jurídicas.

Esmiucemos a questão. Sabe-se, com efeito, que a Constituição não cria

ou institui tributo algum, mas apenas estabelece os que podem ser criados, bem como reparte entre as pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federale Municípios) a competência para instituí-los. Essas competências tributárias,todavia, não nascem ilimitadas, encontrando no próprio texto constitucional,como ensina Roque Antonio Carraza,536 seus limites jurídicos:

“Logo, a Constituição limita o exercício da competência tributária, seja demodo direto, mediante preceitos especicamente endereçados à tributação,seja de modo indireto, enquanto disciplina outros direitos, como o de

propriedade, o de não sofrer consco, o de exercer atividades lícitas, o detransitar livremente pelo território nacional etc. A competência tributária,portanto, já nasce limitada.”

Esses limites constitucionais ao exercício da competência tributária, são, emverdade, normas de competência:

“Em boa técnica, não há propriamente ‘limitações constitucionais àscompetências tributárias’, mas, apenas, ‘competências tributárias’ compers perfeitamente traçados pela Carta Fundamental. Sustentar o contrárioequivale aceitar que, num primeiro momento, a Constituição concedeu,às pessoas políticas, poderes tributários ilimitados e, subsecutivamente,limitou seu exercício. Assim não nos parece. Em verdade, a competênciatributária da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal éa resultante (contida da Constituição) do poder tributário pleno e de suaslimitações (ambos pré-constitucionais). A competência tributária nasce,pois, ilimitada. É, se o desejarmos, o somatório da autorização e da limitação

constitucional à limitação de tributos.”537

536 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário , p. 442.537 CARRAZA, Roque Antonio. Id., p. 630.

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A competência tributária conferida pela Constituição aos entes tributantes,portanto, já nasce juridicamente limitada, sendo as normas que xam tais lindes,como aquelas que atribuem a competência, também, normas de competência.

São, portanto, as imunidades tributárias, por estabelecerem pessoas e/ou coisasque não podem ser tributadas, xando os limites da competência tributária,típicas normas de competência. Daí por que Aires F. Barreto sustenta ser aimunidade “norma negativa de atribuição de competência”,538  secundando, assim,entendimento de abalizada doutrina:

“A doutrina, em peso, posiciona a imunidade no capítulo da competência.Pontes de Miranda preleciona:

‘A regra jurídica da imunidade é a regra jurídica no plano dacompetência dos poderes públicos – obsta à atividade legislativaimpositiva, retira ao corpo que cria impostos qualquer competênciapara pôr, na espécie.’

Bernardo Ribeiro de Moraes secunda-o:‘Cabe à Carta Magna estabelecer a competência dos poderestributantes. Da mesma forma, cabe-lhe limitá-la, podendo, na entregado poder impositivo, reduzir a competência tributária pela exclusão

de certas pessoas, atos ou coisas, colocados fora da tributação.’

Aliomar Baleeiro, insigne e saudoso mestre, não discrepa:‘As limitações constitucionais ao poder de tributar funcionam por meiode imunidades scais, isto é, disposições da lei maior que vedam aolegislador ordinário decretar impostos sobre certas pessoas, matériasou fatos, enm situações que dene.’

Ataliba aduz que:

‘... imunidade é ontologicamente constitucional’ e que só a ‘soberanaassembléia constituinte pode estabelecer limitações e condições doexercício do poder tributário.’

Ulhôa Canto reforça-o com dizer que:‘Imunidade é a impossibilidade de incidência que decorre de umaproibição imanente, porque constitucional... portanto é tipicamenteuma limitação à competência tributária que a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios sofrem por força da Carta Magna,porque os setores a eles reservados na partilha de competência

538 BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei , p. 73.

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impositiva já lhes são conados com exclusão desses fatos, atos oupessoas.’”539

Em resumo, as imunidades tributárias têm natureza jurídica de norma decompetência, encontrando assento apenas no texto constitucional. As isenções,por sua vez, se situam em plano inferior, no do exercício da competênciatributária outorgada pela Constituição,540 sendo, pois, somente veiculadas pelalegislação infraconstitucional. O que distingue, portanto, imunidade de isençãoé que a primeira existe apenas no plano constitucional, enquanto a segundaocorre apenas no plano legal:

“A diferença é que a imunidade radica na Constituição, enquanto a isençãodecorre da lei menor, complementar ou ordinária. Teleologicamente aimunidade liga-se a valores caros que se pretende sejam duradouros,enquanto a isenção veicula interesse mais comuns, por si só mutáveis.”541

Deui do exposto que o constituinte, ao empregar, no artigo 195, § 7º, o termo“isenção” incidiu, na feliz expressão de Paulo de Barros Carvalho, em agrante “tropeçoredacional”,542  na medida em que estabeleceu verdadeira hipótese de imunidadetributária, impedindo a exigência das contribuições sociais para a seguridade social

das entidades benecentes de assistência social. Nesse sentido é a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal, como se infere dos seguintes julgados:

“EMENTA: Mandado de Injunção.- Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção porfalta de regulamentação do disposto no § 7º do artigo 195 da ConstituiçãoFederal.- Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, porparte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional.

- Mandado de injunção conhecido, em parte, e nessa parte deferido paradeclarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, am de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativasque se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrentedo art. 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo, semque essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidaderequerida.”543

539 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de Direito Tributário , p. 70.540 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário , p. 750.541 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da Exoneração Tributária , p. 148.542 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário , p. 175.543 MI nº 232-1/91, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 27/3/1992.

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“Ementa: Mandado de Segurança – Contribuição Previdenciária – QuotaPatronal – Entidades de Fins Assistenciais, Filantrópicos e Educacionais –Imunidade (CF, art. 195, § 7º) – Recurso Conhecido e Provido.

- A Associação paulista da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por qualicar-secomo entidade benecente de assistência social – e por também atender, demodo integral, às exigências estabelecidas em lei – tem direito irrecusávelao benefício extraordinário da imunidade subjetiva relativa às contribuiçõespertinentes à seguridade social.- A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política – não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para seguridade social –,contemplou as entidades benecentes de assistência social com o favorconstitucional da imunidade tributária, desde que por ela preenchidos osrequisitos xados em lei.- A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identicou,na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, aexistência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção)estabelecida em favor das entidades benecentes de assistência social.Precedente: RTJ 137/965.- Tratando-se de imunidade – que decorre, em função de sua naturezamesma, do próprio texto constitucional – revela-se evidente a absoluta

impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberaçãode índole administrativa, restringir a ecácia do preceito inscrito no art.195, § 7º, da Carta Política, para, em função de exegese que claramentedistorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, àentidade benecente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo.”544

Em resumo, o art. 195, § 7º, da CF/88, ao dispor que “são isentas dacontribuição para a seguridade social as entidades benecentes de assistência social que

atendam às exigências estabelecidas em lei”, estabeleceu hipótese de imunidade,xando limites à competência da União para instituir essas contribuições.

5. Regulamentação só por lei complementar

Como visto, a Constituição, no artigo 195, § 7º, a par de estabelecera imunidade tributária das entidades benecentes de assistência social àscontribuições sociais para a seguridade social, condiciona o exercício desse

direito ao preenchimento de requisitos estabelecidos em “lei”, sem qualicá-lacomo ordinária ou complementar.

544 ROMS nº 22.192-9-DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 19/12/1996.

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Entendemos que, em se tratando as imunidades tributárias de “limitaçõesconstitucionais ao poder de tributar”, conforme terminologia adotada pelaConstituição, sua regulamentação é reservada à lei complementar, por

imposição do disposto no artigo 146, II, como entende, entre outros, MisabelAbreu Machado Derzi:

“Não se deve sustentar mais a tese de que lei ordinária possa cumprir opapel de regular as imunidades, porque:• a Constituição em vigor é expressa ao exigir a edição de lei

complementar, no seu art. 146, supra citado;• a imunidade não pode ser regulada por lei ordinária da pessoa estatal

competente para tributar, uma vez que os interesses arrecadatórios de

tais entes levariam à frustração da própria imunidade.”545

Veja-se a doutrina de Marco Aurélio Greco:

“... não é demais repetir que imunidade é limitação constitucional aopoder de tributar, cabendo à lei complementar regulá-la (art. 146, II).Portanto, para regular limitações, lei ordinária não é veículo hábil. Regularlimitações signica denir os pressupostos de sua incidência, a naturezados tributos alcançados e a amplitude de suas conseqüências.

A cláusula constante da parte nal da alínea ‘c’ do inciso VI do art. 150da CF/88, quando se refere a ‘atendidos os requisitos da lei’, pode terdois sentidos: ou está se referindo a requisitos para a fruição da própriaimunidade e, neste caso, deve ser interpretada em conjunto com o art. 146,II, levando ao reconhecimento de que o termo ‘lei’ ali contido signicarialei complementar, ou então se entende que os requisitos mencionados nodispositivo não se referem à fruição nem ao alcance da imunidade, mas

apenas aos requisitos para ser partido político, entidade sindical etc. Ouseja, o dispositivo estaria exigindo que a entidade tivesse existência nostermos legais (Código Civil, Lei dos Partidos etc.). Para este singelo efeito,cabe apenas lei ordinária.Porém, a xação de condições para a fruição da imunidade, bem comoa enumeração dos requisitos para a qualicação das entidades de modoa serem beneciadas pela limitação, implica regular suas hipóteses deincidência e as pessoas por ela alcançadas (alcance objetivo e subjetivodo pressuposto de fato da imunidade), o que implica regular a própria

limitação, o que é privativo da lei complementar.”546

545 In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar , Forense, 7ª ed., p. 316.546 GRECO, Marco Aurélio. Imunidades Tributárias , p. 717.

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O STF já reconheceu que o fato de a Lei Maior, ao estabelecer imunidadetributária, remeter sua disciplina à ‘lei’, simplesmente, sem especicar se tratarde lei ordinária ou complementar, não afasta a aplicação da regra do artigo 146,

II. Foi o que decidiu o Tribunal Pleno no julgamento do Mandado de Injunçãonº 420 (DJU 22.9.1994, p. 25.325), impetrado ao argumento de que faltaria leia regulamentar a imunidade do artigo 150, VI, “c” – que, tal qual o art. 195,§ 7º, da CF, se refere apenas à “lei”, sem qualicá-la expressamente comocomplementar –, entendendo que a norma constitucional em foco “repete o que previa a pretérita alínea ‘c’ do inciso III do art. 19”, pelo que teria sido “recepcionadoo preceito do art. 14 do Código Tributário Nacional, no que cogita dos requisitos a serematendidos para o exercício do direito à imunidade.”

Mais recentemente, novamente em sua composição plenária, o STF

reiterou o entendimento anteriormente manifestado ao julgar a medidacautelar na ação direta de inconstitucionalidade 1.802-DF. O acórdão entãoproferido, que contou com voto condutor do Ministro Sepúlveda Pertence,recebeu a seguinte ementa:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: Confederação Nacionalde Saúde: qualicação reconhecida, uma vez adaptados os seus estatutos aomolde legal das confederações sindicais; pertinência temática concorrenteno caso, uma vez que a categoria econômica representada pela autora

abrange entidades de ns não lucrativos, pois sua característica não é aausência de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seusresultados positivos à distribuição de lucros. II. Imunidade tributária (CF,art. 150, VI, c, e 146, II): ‘instituições de educação e de assistência social,sem ns lucrativos, atendidos os requisitos da lei’: delimitação dos âmbitosda matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e dalei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97,arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente noSTF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que

a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributáriaconsiderada, é a xação de normas sobre a constituição e o funcionamentoda entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeitoaos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplinainfraconstitucional, cou reservado à lei complementar. 2.  À luz dessecritério distintivo, parece carem incólumes à eiva da inconstitucionalidadeformal argüida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como oparág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegaçãode invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, nalmente, se agura

chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também materialdo § 1º do art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à decisão denitiva decontrovérsias acerca do conceito da entidade de assistência social, para om da declaração da imunidade discutida - como as relativas à exigência

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ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou nãodas instituições benecentes de clientelas restritas e das organizações deprevidência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente,

dizem com a validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem serconsideradas na decisão denitiva, mas cuja delibação não é necessária àdecisão cautelar da ação direta.”(ADI-MC 1.802-DF, DJU de 13.02.2004, p. 10)

Tal entendimento tem inteira aplicabilidade às contribuições, sendo de sedestacar, a propósito, que o fato de o artigo 149 não se referir expressamenteao artigo 146, II, não signica, de  per se , que às contribuições não se aplica alei complementar que dispõe sobre as limitações constitucionais ao poder detributar, uma vez que é o próprio artigo 149 que determina, textualmente, asujeição das contribuições às limitações previstas no artigo 150, I e III. Nessesentido, destacamos lição de Marco Aurélio Greco, que, após armar quecaberia à lei complementar do artigo 146, II, explicitar o alcance e regular aslimitações constitucionais ao poder de tributar em relação às contribuições,sustenta que

“... interpretar que a determinação de aplicação das limitações

previstas no artigo 150, I e III, estaria restrita ao referido texto, seriaenxergar parcialmente as próprias limitações pois, sistematicamente,será a lei complementar que irá delinear seu perfil. Se o sentido doartigo 149 fosse apenas da assegurar a aplicação do artigo 150, I e III(friamente), poderia, até mesmo, instaurar-se uma situação esdrúxula,pois a mesma limitação constitucional poderia vir a ter uma amplitudepara impostos, que resultaria do teor da respectiva lei complementarque a regulasse, e outra amplitude parta contribuições, pois seualcance em relação a estas decorreria de construção doutrinária ou jurisprudencial.”547

A ausência de referência expressa ao artigo 146, II, no artigo 149 da CF/88,parece-nos explicada pelo fato de o primeiro dos aludidos dispositivos se aplicarapenas em parte às contribuições, naquilo que for compatível com o seu regime jurídico-constitucional, pois nem todas as limitações constitucionais ao poderde tributar são compatíveis com o regime jurídico das contribuições, o queocorre, por exemplo, com as imunidades do artigo 150, VI, que expressamente

se referem a impostos e não a tributos.

547 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma gura “sui generis”) , p. 199.

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6. O CTN regulamenta o artigo 195, § 7º, da CF/88.Irrelevância da Lei 8.212/91

Apesar de ter rmado jurisprudência no sentido de que o artigo 195, § 7º,da CF/88, conquanto se rera à “isenção”, estabelece hipótese de imunidade,cuja regulamentação, como típica “limitação constitucional ao poder de tributar”,é matéria afeta à lei complementar, nos termos do artigo 146, II, o STF não seposicionou denitivamente sobre a aplicabilidade ou não dos requisitos doartigo 14 do CTN à imunidade das entidades benecentes de assistência social.548

Ao revés, em que pese a jurisprudência constitucional ser no sentido deque o CTN foi recepcionado pela Constituição de 1988 como lei complementarem matéria de normas gerais de direito tributário, inclusive para contribuições,549 curiosamente, no leading case  sobre a imunidade tributária em questão,550  aSuprema Corte entendeu que o artigo 14 do CTN não regulamenta a imunidadetributária do artigo 195, § 7º.

Posteriormente ao julgamento desse precedente, veio a lume a Lei nº8.212/91, que, por seu artigo 55, dispôs que as entidades benecentes deassistência social estão isentas do recolhimento das contribuições sociais paraa seguridade social caso preencham os requisitos nele estabelecidos. Apesarde o referido diploma legal não conter alusão à imunidade do art. 195, § 7º

da CF/88, como os requisitos exigidos para a isenção se apresentaram maisestreitos do que aqueles contidos no art. 14 do CTN551 , passou-se a questionar aconstitucionalidade formal dessa lei ordinária, ao argumento de que não seriaveículo normativo próprio para dispor sobre “limitações constitucionais ao poderde tributar”, em especial a imunidade tributária do art. 195.

Com efeito, em razão das alterações impostas ao artigo 55 da Lei nº 8.212pela Lei nº 9.732, foi proposta ação direta de inconstitucionalidade, sobre a qual,decidindo sobre o pedido de liminar, assim se posicionou o Supremo TribunalFederal:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 1º, na parte em quealterou a redação do artigo 55, III, da Lei 8.212/91 e acrescentou-lhe os §§3º, 4º e 5º, e dos artigos 4º, 5º e 7º, todos da Lei 9.732, de 11 de dezembro

548 A matéria está para ser reapreciada pelo STF, no RE 566.622-1-RN, em que gura como Relator oMinistro Marco Aurélio, ao qual se reconheceu repercussão geral por acórdão publicado no DJe nº074, de 24/04/2008.

549 RE 138.284-8, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 01.07.1992, DJ 28.08.1992, p. 13.456.550 MI nº 232-1/91, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 27/3/1992.551 Os requisitos estabelecidos pelo artigo 55 da Lei nº 8.212/91, em sua redação original, para exercí-

cio da isenção por ele instituída, são praticamente idênticos àqueles xados no artigo 14 do CTN,diferindo, apenas, por exigir que a diretoria da entidade não seja remunerada e que a entidadeesteja registrada no Conselho Nacional de Assistência Social e seja portadora de Certicado de FinsFilantrópicos, expedido pelo referido órgão.

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de 1998. - Preliminar de mérito que se ultrapassa porque o conceito maislato de assistência social - e que é admitido pela Constituição - é o queparece deva ser adotado para a caracterização da assistência prestada por

entidades benecentes, tendo em vista o cunho nitidamente social da CartaMagna. - De há muito se rmou a jurisprudência desta Corte no sentido deque só é exigível lei complementar quando a Constituição expressamente aela faz alusão com referência à determinada matéria, o que implica dizer quequando a Carta Magna alude genericamente a ‘lei’ para estabelecer princípiode reserva legal, essa expressão compreende tanto a legislação ordinária,nas suas diferentes modalidades, quanto a legislação complementar. - Nocaso, o artigo 195, § 7º, da Carta Magna, com relação à matéria especíca(as exigências a que devem atender as entidades benecentes de assistência

social para gozarem da imunidade aí prevista), determina apenas queessas exigências sejam estabelecidas em lei. Portanto, em face da referida jurisprudência desta Corte, em lei ordinária. - É certo, porém, que há fortecorrente doutrinária que entende que, sendo a imunidade uma limitaçãoconstitucional ao poder de tributar, embora o § 7º do artigo 195 só se reraa ‘lei’ sem qualicá-la como complementar - e o mesmo ocorre quantoao artigo 150, VI, ‘c’, da Carta Magna -, essa expressão, ao invés de serentendida como exceção ao princípio geral que se encontra no artigo 146,II (‘Cabe à lei complementar:... II - regular as limitações constitucionais ao

poder de tributar’), deve ser interpretada em conjugação com esse princípiopara se exigir lei complementar para o estabelecimento dos requisitos a serobservados pelas entidades em causa.- A essa fundamentação jurídica, em si mesma, não se pode negarrelevância, embora, no caso, se acolhida, e, em conseqüência, suspensaprovisoriamente a ecácia dos dispositivos impugnados, voltará a vigorara redação originária do artigo 55 da Lei 8.212/91, que, também por serlei ordinária, não poderia regular essa limitação constitucional ao poderde tributar, e que, apesar disso, não foi atacada, subsidiariamente, como

inconstitucional nesta ação direta, o que levaria ao não-conhecimento destapara se possibilitar que outra pudesse ser proposta sem essa deciência. -Em se tratando, porém, de pedido de liminar, e sendo igualmente relevantea tese contrária - a de que, no que diz respeito a requisitos a ser observadospor entidades para que possam gozar da imunidade, os dispositivosespecícos, ao exigirem apenas lei, constituem exceção ao princípio geral-, não me parece que a primeira, no tocante à relevância, se sobreponha àsegunda de tal modo que permita a concessão da liminar que não poderiadar-se por não ter sido atacado também o artigo 55 da Lei 8.212/91 que

voltaria a vigorar integralmente em sua redação originária, deciência essada inicial que levaria, de pronto, ao não-conhecimento da presente açãodireta. Entendo que, em casos como o presente, em que há, pelo menos numprimeiro exame, equivalência de relevâncias, e em que não se alega contra

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os dispositivos impugnados apenas inconstitucionalidade formal, mastambém inconstitucionalidade material, se deva, nessa fase da tramitaçãoda ação, trancá-la com o seu não-conhecimento, questão cujo exame será

remetido para o momento do julgamento nal do feito. - Embora relevantea tese de que, não obstante o § 7º do artigo 195 só se rera a ‘lei’, sendo aimunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar, é de se exigirlei complementar para o estabelecimento dos requisitos a ser observadospelas entidades em causa, no caso, porém, dada a relevância das duasteses opostas, e sendo certo que, se concedida a liminar, revigorar-se-ialegislação ordinária anterior que não foi atacada, não deve ser concedidaa liminar pleiteada. - É relevante o fundamento da inconstitucionalidadematerial sustentada nos autos (o de que os dispositivos ora impugnados

- o que não poderia ser feito sequer por lei complementar - estabeleceramrequisitos que desvirtuam o próprio conceito constitucional de entidade benecente de assistência social, bem como limitaram a própria extensãoda imunidade). Existência, também, do ‘periculum in mora’. Referendou-se o despacho que concedeu a liminar para suspender a ecácia dosdispositivos impugnados nesta ação direta.”552

Nesse julgado, a Suprema Corte manifestou, mais uma vez, o entendimentode que imunidade tributária deve ser regulada por lei complementar , hajavista o disposto no art. 146, II, da CF/88, sendo irrelevante o fato de a normaconstitucional que a veicula se referir simplesmente à lei , sem qualicá-la comocomplementar, não concedendo integralmente a liminar requerida por questãopuramente processual. Examinando-o, percebe-se que o que levou ao nãoacolhimento da alegação de inconstitucionalidade formal foi a situação de teremsido questionadas apenas as alterações impostas pela Lei nº 9.732/98 na Lei nº8.212/91, mas não esta especicamente, de tal sorte que a concessão da liminar,com fundamento na inconstitucionalidade formal do primeiro dos diplomaslegais citados, faria com que voltasse a vigorar a redação original do artigo 55,também, nesse caso, formalmente inconstitucional, inviabilizando a concessãoda liminar por falta de interesse processual.

Referido julgado, ao que nos parece, retrata uma inexata compreensão daquestão tanto pela doutrina quanto, sobretudo, pelo Supremo Tribunal Federal.

Explicamo-nos. Como demonstrado nas linhas precedentes, o artigo 195,§ 7º, combinado com o artigo 146, II, ambos da CF/88, dispõe que as entidades benecentes de assistência social, que atendam aos requisitos estabelecidos emlei complementar , são imunes às contribuições sociais para a previdência social.

Quanto a isso não há dúvida, de modo que será formalmente inconstitucionalqualquer lei ordinária que pretenda regulamentar o exercício da imunidade

552 ADI nº 2.058-MC, Relator Ministro Moreira Alves.

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tributária em tela, posto se tratar de matéria cuja disciplina é constitucionalmentereservada à lei complementar. Em outras palavras, haverá inconstitucionalidadeformal apenas quando lei ordinária pretender xar requisitos para o exercício de

imunidade tributária.O artigo 55 da Lei nº 8.212/91, apesar das alterações impostas pela Lei nº9.732/98, não estabelece requisitos para o exercício de imunidade tributária,mas apenas instituiu isenção, xando as condições para o seu exercício. Ouseja, referidos diplomas legais não dispõem sobre imunidade tributária,não tratando, pois, de matéria reservada à lei complementar, evidenciandosua absoluta irrelevância para o exame de qualquer questão que envolva aimunidade tributária do artigo 195, § 7º, pois, dê-se o devido destaque, dispõem,tão somente, sobre hipótese de isenção.

Os que sustentam que o artigo 55 da Lei nº 8.212/91 xa os requisitos para oexercício da imunidade prevista no artigo 195, § 7º, da CF/88, estão armando queuma lei ordinária (veículo normativo próprio para o exercício de competênciatributária), que expressamente dispõe sobre isenção (forma de exercício decompetência tributária), e que, portanto, formal e materialmente está conforme aConstituição, na verdade não dispõe sobre isenção, e sem se referir à imunidadetributária, dispõe, isto sim, sobre imunidade tributária.553

Trata-se de interpretação agrantemente equivocada. O fato de a norma doart. 195, § 7º, apesar de falar de isenção, ter natureza jurídica de imunidade, não

signica que a que deui do art. 55 da Lei nº 8.212/91, que efetivamente instituiuhipótese de isenção, também tenha natureza jurídica de imunidade.Uma conclusão não autoriza a outra. Em matéria tributária, a função das

normas constitucionais é distinta das infraconstitucionais. As primeiras sãonormas de estrutura e dispõem sobre competência tributária (estabelecendoimunidades, v. g.), enquanto as segundas são normas de conduta, pelas quais aspessoas políticas exercem a competência tributária outorgada pela Constituição,determinando, por exemplo, que certas pessoas, em certas situações abrangidaspela competência tributária conferida pela Constituição, não serão tributadas,

como sói acontecer com as isenções. Por isso é que o artigo 195, § 7º, da CF/88,apesar de se referir à “isenção”, tem natureza jurídica de imunidade tributária,eis que dispõe sobre os limites da competência tributária da União Federalrelativamente às contribuições sociais para a seguridade social. O mesmo,evidentemente, não ocorre com o art. 55 da Lei nº 8.212/91, por se tratar de leiordinária pela qual a União exerceu sua competência tributária para legislar

553 Os que sustentam que o artigo 55 da Lei nº 8.212 regula o artigo 195, § 7º, da CF/88, argumentam queo entendimento que defendemos careceria de razoabilidade, na medida em que não seria razoável aexistência de hipóteses de imunidade e isenção idênticas. Não bastasse se tratar de argumento meta

 jurídico, o fato é que a legislação tributária pátria, como já destacava BECKER, não se notabilizaexatamente por sua racionalidade. Exemplo emblemático disso é a Lei nº 9.532, que estabelece osmesmos requisitos para que uma entidade possa fazer jus à isenção e à imunidade do imposto sobrea renda.

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sobre contribuições sociais para a seguridade social, instituindo hipótese deisenção a elas relativa.

O intérprete deve privilegiar, sempre, a interpretação que conduza à

conformidade da norma interpretada com a Constituição, em detrimentodaquelas que conduzirem ou mesmo suscitarem discussão acerca de suaconstitucionalidade. A discussão sobre a constitucionalidade formal do artigo55 da Lei nº 8.212 existe porque, tanto os que sustentam a inconstitucionalidadequanto os que defendem sua constitucionalidade, interpretam-no como sedispusesse sobre imunidade tributária. A correta interpretação do dispositivoé aquela que lhe atribui natureza jurídica de isenção, e não de imunidadetributária, o que afasta o debate em torno da mácula de inconstitucionalidadeformal decorrente da adoção da equivocada premissa de que referido dispositivolegal regula a imunidade tributária do artigo 195, § 7º.

Nessas condições, sendo certo que o artigo 55 da Lei nº 8.212 institui isenção,não xando os requisitos para o exercício, pelas entidades benecentes de assistênciasocial, da imunidade às contribuições para a seguridade social, ou a regulamentaçãoda imunidade estudada se encontra no artigo 14 do CTN, ou o exercício desserelevante direito constitucional, passados mais de vinte anos da promulgação daConstituição, está impedido à falta de lei complementar regulamentadora.

Temos que deve ser desprezada qualquer interpretação que retire a

efetividade de direitos constitucionais.Sustentar que o exercício do direito à imunidade do artigo 195, § 7º, daCF/88, está impedido pela ausência de norma regulamentadora, quando o CTN– que a jurisprudência constitucional do STF reconhece ter sido recepcionadocomo lei complementar de “normas gerais sobre legislação tributária”, inclusivepara “contribuições previdenciárias” –, por seu artigo 14, estabelece requisitospara o exercício da imunidade das entidades de assistência social aos impostos,conduz ao amesquinhamento de relevante direito constitucional.

O fato de o artigo 14 do CTN regular a imunidade a impostos não pode

servir de óbice à sua aplicação às contribuições sociais para a seguridade social,essencialmente porque a ordem constitucional vigente à época da promulgaçãoda Lei nº 5.172/66, bem como aquela que a sucedeu, não continham previsãosemelhante, ou seja, não estabeleciam, como o faz a Constituição de 1988, que asentidades benecentes de assistência social são imunes às contribuições sociaispara a seguridade social.

Concluindo, da interpretação conjunta dos artigos 195, § 7º, e 146, II, resulta quea Constituição Federal estabeleceu que as entidades benecentes de assistência socialque preencham os requisitos estabelecidos em lei complementar, no caso o CTN, são

imunes às contribuições sociais para a previdência social, sendo irrelevantes parao exame dessa questão as disposições do artigo 55 da Lei nº 8.212, mesmo com asalterações da Lei nº 9.732, na medida em que estabelecem mera isenção.

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7. Conclusões

7.1. O conceito de tributo estabelecido pelo artigo 3º do Código TributárioNacional – recepcionado pela Constituição de 1988 como “leicomplementar em matéria de legislação tributária” (artigo 146, III) –, estámaterialmente adequado àquele que se extrai do texto constitucional,pelo que toda a exação, inclusive contribuições, que preencher osrequisitos nele previstos será tributo.

7.2. O artigo 149, ao determinar que a instituição de contribuições deveobservar as disposições da lei complementar que “estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre” a “denição de tributos”,

deixou patente a natureza tributária das contribuições, do que resultaque a instituição válida de uma contribuição reclama a subsunção daexação à fórmula legal de tributo.

7.3. O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, armou erearmou a natureza tributária das contribuições à luz da Constituiçãode 1988, justicando se apliquem às contribuições, não só osdispositivos constitucionais expressamente previstos no artigo 149,mas todos aqueles que apresentem coerência com o regime jurídico-

constitucional próprio dessa espécie tributária.7.4. O artigo 195, § 7º, da CF/88, ao dispor que “são isentas da contribuição

 para a seguridade social as entidades benecentes de assistência social queatendam às exigências estabelecidas em lei”, estabeleceu, em verdade,hipótese de imunidade, xando limites à competência da União parainstituir e legislar sobre estas contribuições.

7.5. Tendo o artigo 195, § 7º estabelecido hipótese de imunidade tributária,apesar de o exercício desse direito, segundo o próprio dispositivo, estar

condicionado ao preenchimento de requisitos estabelecidos em “lei”,por serem as imunidades tributárias típicas “limitações constitucionaisao poder de tributar”, conforme terminologia adotada pela Constituição,sua regulamentação é reservada à lei complementar, por imposição dodisposto no artigo 146, II.

7.6. Os requisitos para o exercício da imunidade do artigo 195 § 7º seencontram estabelecidos no artigo 14 do Código Tributário Nacional,recepcionado pela Constituição de 1988 como lei complementar sobre

limitações constitucionais ao poder de tributar, inclusive, no quecouber, quanto às contribuições, a tanto não se prestando o artigo 55da Lei nº 8.212/91, que estabelece mera hipótese de isenção.

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O I C T NIves Gandra da Silva Martins

Professor Emérito da Universidade Mackenzie e dasEscolas de Estado-Maior do Exército-ECEME

e Superior de Guerra-ESG.

O Código Tributário Nacional veiculado pela Lei nº 5.712/66, que ganhouecácia de lei complementar com a Constituição de 1967 e foi recepcionadopela Constituição de 1988, jamais teve qualquer de seus dispositivos originais

declarado inconstitucional, em face do notável perl de jurista dos que oelaboraram, entre os quais há de se destacar as guras dos saudosos amigosRubens Gomes de Souza, Gilberto de Ulhôa Canto, Carlos da Rocha Guimarães,Aliomar Baleeiro, Tito Rezende, Gerson Augusto da Silva, médico com espíritode jurista, nele havendo particular inuência de Amilcar de Araújo Falcão e deoutros grandes nomes do direito.

À época, o direito tributário era conformado, em suas leis, por juristasfamosos e não por regulamenteiros desconhecidos.

Dividido em duas partes, a primeira dedicada ao sistema tributário e

a segunda às normas gerais é, até hoje, o diploma que oferta estabilidade àsrelações dos entes federativos com poder de tributar e os contribuintes.Neste breve artigo, comentarei a conceituação dos impostos (arts. 16 a

18), que, pela sua precisão, tornou desnecessária inclusive uma explicitaçãoconstitucional no artigo 145 da lei suprema.

Passo a comentá-los.

“ Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador umasituação independente de qualquer atividade estatal especíca, relativa ao

contribuinte.”

A denição do que seja imposto, pelo Código Tributário Nacional, é clara eprecisa. Não obstante sua limitada extensão, o conceito enunciado pela legislaçãocomplementar, em que se transformou a Lei nº 5.172/66,554  é juridicamenteinatacável e sua formulação atende às melhores correntes doutrinárias.

Aliomar Baleeiro, embora dena imposto como “a prestação de dinheiroque, para ns de interesse coletivo, uma pessoa jurídica de Direito Público,por lei, exige coativamente de quantos lhe estão sujeitos e têm capacidade

contributiva, sem que lhes assegure qualquer vantagem ou serviço especíco

554 Paulo de Barros Carvalho (Considerações críticas sobre o art. lº do CTN, Revista de Estudos Tributários, 1/77)contesta a armação.

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em retribuição desse pagamento”,555 não pensa de forma distinta, aceitando aexpressão codicada como jurídica. Da mesma forma Geraldo Ataliba, quandodiz:

“Essa denição me parece lapidar, perfeita, completa e só a sua presença nesseCódigo já justica a sua própria existência, valorizando-a, extraordinariamente.”556

Rubens Gomes de Sousa, por outro lado, sugere apenas pequena alteração,ao dizer:

“Uma melhoria de redação, que vejo anotada no exemplar que tenho à minha frentee que não é meu, seria esta: substituir as palavras ‘cuja obrigação’ simplesmente pela palavra ‘que’. Imposto é o tributo que tem por fato gerador etc.”557

A maioria dos doutrinadores não tem posição diversa, tais como FábioLeopoldo de Oliveira,558 Bernardo Ribeiro de Moraes,559 Fábio Fanucchi,560 RuyBarbosa Nogueira,561  Ives Gandra da Silva Martins,562  assim como todosaqueles que escreveram para o Caderno de Pesquisas Tributárias, nº 2, sobreContribuições especiais, a saber: Aires Fernandino Barreto, Carlos da RochaGuimarães, Edvaldo Brito, Eros Roberto Grau, Hamilton Dias de Souza, JoséCarlos Graça Wagner, Leonel de Andrade Velloso, Ylves José de MirandaGuimarães, Zelmo Denari.

A doutrina estrangeira, ao cuidar do assunto, não difere, em sua elaboração,de forma acentuada, embora a análise dos juristas de outros países que em parteprejudicada, à falta de textos legais mais precisos que o texto brasileiro, quandonão inexistentes.563 A sua delineação não deixa de ser, todavia, semelhante àquelaenunciada pelo legislador nacional.

De notar, aliás, que o próprio anteprojeto do Código Tributário brasileiro,em seus arts. 29 e 30, apresentava extensa explicação do que fosse imposto, quenão fugia essencialmente da noção codicada, pois rezava:

“ Art. 29. São impostos os tributos em que concorram simultaneamente os seguinteselementos:

555  Aliomar Baleeiro, Direito tributário brasileiro, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 117, item 1.556 Geraldo Ataliba, Comentários ao Código Tributário Nacional, Revista dos Tribunais, p. 167.557  Apud Geraldo Ataliba, Comentários, cit., p. 166.558 Curso expositivo de direito tributário, Resenha Tributária.559 Sistema tributário brasileiro, Revista dos Tribunais.560 Curso de direito tributário, Resenha Tributária.561 Curso de direito tributário, Resenha Tributária.562  As contribuições especiais numa divisão qüinqüipartida dos tributos, in Comentários ao CTN, n. 3, Bushatsky.563 Destaca-se, por exemplo, o caso da Argentina, onde Giuliani Fonrouge (Derecho nanciero), Manuel de Juano

(Curso de nanzas y derecho tributario) e Dino Jarach (Curso superior de derecho tributario) têm posiçõesdoutrinárias semelhantes à do texto legal brasileiro, mas a Lei nº 11.683 não albergou solução tão explícita.

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I – serem destinados a custear indistintamente as necessidades de ordem geralda administração pública, assim entendidas as que não se reram ao custeio deserviços especícos prestados ou postos à disposição do contribuinte pela referida

administração, ou do exercício, por ela, de atividades especiais, provocados aqueles eestas, por necessidades ou conveniências de caráter geral ou de determinados gruposde pessoas;II – serem calculados, na forma prevista em lei tributária, com base em qualquerdos elementos do fato gerador da respectiva obrigação tributária principal, ou nosresultados efetivos ou potenciais do referido fato gerador;III – serem cobrados, com caráter de generalidade, das pessoas, dentre as referidasno art. 139, que estejam em relação de fato o de direito com qualquer dos elementosdo fato gerador da respectiva obrigação tributária principal, ou sejam beneciárias

dos resultados efetivos ou potenciais do referido fato gerador.Parágrafo único. A atribuição legal de destinação determinada ao produto daarrecadação de um tributo não exclui a sua conceituação como imposto, quandoreúna os elementos da denição contida neste artigo. Art. 30. Os impostos são:I – diretos, quando o fato gerador da respectiva obrigação tributária principal sejaum estado de fato ou uma situação jurídica de caráter permanente ou continuado,ainda que sua ocorrência ou constituição dependa de mais de um fato ou ato isolado;II – indiretos, quando o fato gerador da respectiva obrigação tributária principal seja

um estado de fato ou uma situação jurídica de caráter perfeito e acabado e completoem si mesmo, ainda que sua ocorrência ou constituição dependa de mais de um fatoou ato isolado, desde que conexos ou consequentes, e ainda que o referido estado de fato ou situação jurídica seja suscetível de repetição ou reprodução, desde que estas possam ser conceituadas como novos estados de fato ou situações jurídicas, nostermos desta alínea;III – reais, quando o fato gerador da respectiva obrigação tributária principal sejadenido, e a respectiva alíquota ou tarifa seja xada, exclusivamente em funçãodas circunstâncias materiais, efetivas ou presumidas, do estado de fato ou situação

 jurídica que constitua o referido fato gerador;IV – pessoais, quando o lato gerador da respectiva obrigação tributária principalseja denido, e a respectiva alíquota ou tarifa seja xada, atendendo, além dascircunstâncias referidas na alínea III deste artigo, também às condições pessoais dorespectivo contribuinte;V – de competência privativa, os enumerados nos arts. 15, 19 e 29 da ConstituiçãoFederal;VI – de competência concorrente, os referidos nos arts. 21 da Constituição Federal.”

No projeto enviado ao Presidente da República, em 1955, pelo então Ministroda Fazenda, Oswaldo Aranha, algumas modicações foram introduzidas naredação que fora dada pelo Professor Rubens Gomes de Sousa, em que os arts.22 a 24 estavam assim veiculados:

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“ Art. 22. São impostos os tributos destinados a atender os encargos de ordem geralda administração pública, exigidos, com caráter de generalidade, das pessoas queestejam em relação de fato ou de direito com qualquer dos elementos do fato gerador

da respectiva obrigação tributária. Art. 23. Os impostos dizem-se:1— reais, quando o respectivo fato gerador seja denido, e a respectiva alíquotaseja xada, exclusivamente em função das circunstâncias materiais, efetivas ou presumidas, do estado de fato ou situação jurídica que constitua o referido fato gerador;II — pessoais, quando a denição do respectivo fato gerador, e a xação darespectiva alíquota, atendem, além das circunstâncias referidas na alínea 1 deste

artigo, também às condições individuais do respectivo contribuinte. Art. 24. São adicionais os impostos cujo fato gerador seja o pagamento, pelo mesmocontribuinte, de outro imposto de competência da mesma pessoa jurídica de direito público interno, ou que tenham fato gerador e base de cálculo idênticos ao de outroimposto nas mesmas condições.Parágrafo único. Aplica-se ao adicional a legislação tributária relativa ao impostocujo pagamento constitua o respectivo fato gerador, ou que tenha fato gerador ebase de cálculo idênticos aos daquele.”

A paralisação, por onze anos, do projeto original, após algumas substituições, já quando escoimado pelas reuniões parlamentares, onde a gura de AliomarBaleeiro se destacou, pela segurança no proteger os aspectos jurídico-tributáriosconcernentes à denição do que fosse imposto, resultou na solução abreviada deseu art. 16, que nem por isso foi menos abrangente.

Para os defensores da classicação dos tributos em apenas duas espécies(impostos e taxas), como Paulo de Barros Carvalho,564 ou para aqueles que, deuma forma diferencial, dividem-nos em vinculados e não vinculados, como

Geraldo Ataliba,565

 o conceito codicado representou aceitação legal, ampla, paraa corrente de Geraldo Ataliba e insuciente para a de Paulo de Barros Carvalho,uma vez que é a própria Lei nº 5.172/66 que cuida das contribuições de melhoria,em seus arts. 81 e 82, não obstante considerar, o insigne mestre paulista, que aespécie tributária que não tiver característica de imposto será taxa, quaisquerque sejam as formas que a revestirem.

Tenho para mim que as espécies tributárias são cinco contribuiçõesespeciais, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, impostos etaxas, conforme já defendi na 2ª Reunião Regional Latino-Americana de Direito

564 Paulo de Barros Carvalho, Rubens Gomes de Sousa e Geraldo Ataliba, Comentários ao Código TributárioNacional, Revista dos Tribunais.

565 PIS, Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 2.

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Tributário (as contribuições especiais numa divisão quinquipartida dos tributos),posição essa que foi hospedada pela atual lei Suprema.566

Minha posição, de resto também defendida por Bernardo Ribeiro de Moraes

(Caderno de Pesquisas Tributárias, nº 2), parte do princípio de que direitotributário ganha, de acordo com as necessidades próprias de cada realidadenacional, seus contornos peculiares, que são os estabelecidos pelos textos legaisdas diversas nações. No Brasil, não apenas a Constituição de 1967 e a EC nº 1/69,como a Constituição Federal de 1988, continuaram a respaldar as linhas geraisdos delineamentos legislados complementarmente, de tal maneira que, apesarde não reproduzir a denição de imposto do art. 16, explicitou a Carta Magna,como lei maior, o que seja taxa contribuição de melhoria, a saber:

“ Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituiros seguintes tributos:I- impostos;II- taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização efetiva ou potencial, de serviços públicos especícos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;III- contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”

A seguir, em seus arts. 148 e 149, criou, na mesma linha, duas outrasespécies, ou seja: os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, aodizer:

“ Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimoscompulsórios:I- para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;II- no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse

nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsórioser vinculada à despesa que fundamentou sua instituição. Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, deintervenção no domínio econômico e de interesse das categorias prossionais oueconômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado odisposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º,relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobradade seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de

566  As contribuições especiais no sistema tributário brasileiro, Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 2.

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que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior da contribuição dos servidorestitulares de cargos efetivos da União. (Redação dada pela EC n. 41, de 19-12-2003.)§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o

caput deste artigo: (Incluído pela EC n. 33, de 11-12-2001.)I- não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela EC n.33, de 11-12-2001.)II- incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;(Redação dada pela EC n. 42, de 19-12-2003.)III- poderão ter alíquotas: (Incluído pela EC n. 33, de 11-12-2001.)a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e,no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluída pela EC n. 33, de 11-12-2001.)b) especíca, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluída pela EC n. 33,

de 11-12-2001.)§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparadaa pessoa jurídica, na forma da lei. (Incluído pela EC ti. 33, de 11-12-2001.)§ 4º A lei denirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.(Incluído pela E C n. 33, de 11-12-2001.)

Nem mesmo a EC nº 7/78, no direito pretérito, ao restringir o campo deincidência das contribuições especiais, reduziu ou aumentou o número deespécies tributárias, perante o ordenamento jurídico nacional, no máximo

abrindo, como já disse em trabalho anterior, uma subdivisão nas contribuiçõesespeciais, de modo a conferir natureza tributária àquelas enunciadas no capítulodedicado ao sistema scal, considerando tributárias, mas com característicassociais, todas aquelas a que se refere o item X do art. 43 da EC nº 1/69. Taldicotomia, de complexão meramente formal, não alterou a condição primeirado que fosse tributo, que, em última análise, encampava todas as espécies e queestá denido ainda hoje pelo art. 32 do CTN, em conceituação não conitantecom a Constituição Federal de 1988, com o seguinte discurso:

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobradamediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Por essa razão, entendi, no passado, que fossem cinco as espécies tributárias,não aceitando, para o direito brasileiro, que houvesse as características de meroadendo às demais espécies, com que alguns tributaristas procuraram revestiro empréstimo compulsório, uma vez que, como se viu pelos textos transcritosdo anteprojeto e projeto, os “adicionais” foram rejeitados para efeitos de direito

positivo.A Constituição de 1988 pôs m à discussão. No RE nº 146.733-9-SP, o

próprio Ministro Moreira Alves albergou a divisão quinquipartida:

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“Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-mearmativamente. De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, astaxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar

que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e ascontribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interessedas categorias prossionais e econômicas. No tocante às contribuições sociais quedessas duas modalidades tributárias é a que interessa para este julgamento – nãosó as referidas no artigo 149 – que se subordina ao capítulo concernente ao sistemaTributário nacional – têm natureza tributária, como resulta, igualmente, daobservância que devem ao disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, mas também

as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao Título ‘DaOrdem Social’. Por terem esta natureza tributária é que o artigo 149 determinaque as contribuições sociais observem o inciso III do artigo 150 (cuja letra ‘b’consagra o princípio da anterioridade). Exclui dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195, em conformidade com o dispostono par. 6 deste dispositivo, que aliás, em seu par. 4, ao admitir a instituição deoutras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social,determina se obedeça ao disposto no artigo 154, 1 da norma tributária, o que reforçao entendimento favorável à natureza tributária dessas contribuições sociais.”567

Foi, aliás, Aires Femandino Barreto (Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 2)quem disse, à luz do direito anterior, que:

“Tributo de competência exclusiva da União, que pode instituí-lo nos casos especiaisdenidos em lei complementar, o empréstimo compulsório em face da Constituiçãoadmite tipos, mas não subgêneros ou espécies. A análise do CTN, mais adiante, permitirá se conclua, porém, pelo cabimento de subgêneros. Da sua natureza

tributária, dúvidas não há. Visando a afastálas de imediato, a própria Constituiçãoapressou-se em aditar: ‘... aos quais se aplicarão as disposições constitucionaisrelativas aos tributos e às normas gerais do direito tributário’ (art. 21, § 2º, n. II).”568

A denição do art. 16, portanto, distingue de forma nítida uma das espéciestributárias.

Declara que é um tributo “cuja obrigação tem como fato gerador”, e,nesse enunciado, referencia-se a duas denições também do Código TributárioNacional, a saber, a do art. 113 e a do art. 114, não apresentando confrontação

alguma na exposição. Vejamos:

567 Caderno de Pesquisas Tributárias, CEU/Resenha Tributária, 17/536-7.568  As contribuições no sistema constitucional tributário.

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“ Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objetoo pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o

crédito dela decorrente.§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da scalização dos tributos.§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se emobrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.”“Fato gerador da obrigação principal é a situação denida em lei como necessária esuciente à sua ocorrência.”

A característica diferencial do imposto é que a situação que dá nascimentoà sua exigência independe de qualquer atividade estatal especíca relativa aocontribuinte, no que o contribuinte ou responsável tributário, ao pagá-lo, nãoespera qualquer contraprestação efetiva ou potencial de natureza pessoal.

A denição traz, no seu bojo, uma imprecisão ao falar em “atividadeespecíca relativa ao contribuinte”, pois a mesma denição é válida para oresponsável tributário, ou seja, para qualquer sujeito passivo da obrigaçãotributária, nos termos do art. 121 do CTN:

“Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributoou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua

o respectivo fato gerador;II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação

decorra de disposição expressa de lei.”

De lembrar-se, apenas para encerrar estes breves comentários ao dispositivo,

que o nomen juris do tributo é irrelevante para caracterizá-lo, nos termos do art.4º do CTN:

“ A natureza jurídica especíca do tributo é determinada pelo fato gerador darespectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualicá-la:I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.”

Os impostos são aqueles denidos constitucionalmente ou incluídos na

competência residual (art. 154, 1, da CF), de tal maneira que, no exame de cadaum deles, nos presentes comentários e pela pena de cada autor, ter-se-á melhornoção de suas características fundamentais desvinculadas da destinação doproduto e de uma contraprestação a favor do sujeito passivo da relação tributária.

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Por m, é de recordar que o art. 167, IV, da CF de 1988 cria as únicashipóteses constitucionais de vinculação dos impostos. In verbis:

“ Art. 167. São vedados: ... IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundoou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a quese referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realizaçãode atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações decrédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o dispostono 4º deste artigo.” (Redação dada pela EC n. 42, de 19-12-2003)

“ Art. 17. Os impostos componentes do sistema tributário nacionalsão exclusivamente os que constam deste Título, com as competênciase limitações nele previstas.”

Esse artigo não foi recepcionado em relação ao sistema tributário anterior.Há de se entender, todavia, que o princípio que o norteia foi aquele que orientoua conformação do sistema tributário dos arts. 145 a 156 da CE. Pode-se dizer queos impostos a que se refere são aqueles plasmados na Constituição nos arts. 153,155 e 156, além da competência residual da União, exposta no art. 154, e dos

impostos extraordinários:“ Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:I – importação de produtos estrangeiros;II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;III renda e proventos de qualquer natureza;IV – produtos industrializados;V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valoresmobiliários;

VI – propriedade territorial rural;VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.”“ Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;II – operações relativas a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços detransporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operaçõese as prestações se iniciem no exterior;III – propriedade de veículos automotores. Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, pornatureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia,bem como cessão de direitos a sua aquisição;

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III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, denidos emlei complementar.”“ Art. 154. A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde quesejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dosdiscriminados nesta Constituição;II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários,compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.”

“ Art. 18. Compete:I – à União instituir, nos Territórios Federais, os impostos atribuídosaos Estados e, se aqueles não forem divididos em Municípios,

cumulativamente, os atribuídos a estes;II – ao Distrito Federal e aos Estados não divididos em Municípiosinstituir, cumulativamente, os impostos atribuídos aos Estados e aos Municípios.”

No anteprojeto do Código Tributário Nacional, a matéria vinha reguladapelos arts. 87 e 88, assim redigidos:

“ Art. 87. A competência privativa do Distrito Federal para instituição de impostos

é idêntica à dos Estados e dos Municípios, cumulativamente, observado o dispostonos Capítulos III e IV deste Título. Art. 88. A competência privativa dos Territórios para instituição de impostos éidêntica à dos Estados, observado o disposto no Capítulo III deste Título .”

Tais artigos foram reproduzidos pelos arts. 45 e 46 do projeto, com a redaçãoabaixo:

“ Art. 45. Ao Distrito Federal competem os mesmos impostos atribuídos pela

Constituição aos Estados e aos Municípios (Const. art. 26 § 4º). Art. 46. Compete à União instituir os impostos, atribuídos pela Constituição aosEstados, que devem ser cobrados pelos Territórios (Const. art. 16).”

O princípio, portanto, foi mantido, com redação diversa, no CódigoTributário Nacional, pois adaptado a uma realidade nacional própria, qualseja, a criação do Estado da Guanabara – hoje incorporado ao Estado do Rio de Janeiro –, pela transferência do Distrito Federal para Brasília, sem Municípios.

Da mesma forma, a EC nº 1, de 1969, no § 42 do art. 18, reproduziu as normas

do art. 18 do CTN, com redação ainda aqui diferente, embora legislativamentemais perfeita:

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“ Art. 18.§ 4º Ao Distrito Federal e aos Estados não divididos em Municípios competem,cumulativamente, os impostos atribuídos aos Estados e aos Municípios; e à União,

nos Territórios Federais, os impostos atribuídos aos Estados e, se o Território não for dividido em Municípios, os impostos municipais.”

E o art. 147 da atual CF reproduziu princípio semelhante, com a seguintedicção:

“Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Territórionão for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; aoDistrito Federal cabem os impostos municipais.”

Geraldo Ataliba,569  em seus comentários ao Código Tributário Nacional,criticou a existência do dispositivo por considerá-lo inócuo, ao ostentar efeitomeramente didático, na reprodução do princípio constitucional. Tal crítica éavalizada e aprofundada por Rubens Gomes de Sousa, que, inclusive, discorresobre o risco de o dispositivo ter de ser alterado, sempre que alterada for aConstituição Federal:

“E corre o terceiro risco, já hoje mencionado, de tomar-se obsoleto pela modicação

de disposição da outra lei, que nesta venha reproduzida.”570

No Brasil, os territórios não são pessoas jurídicas de direito público, emborapossam conter dentro de seus limites pessoas jurídicas de direito público, comoMunicípios. Os Municípios dos territórios têm personalidade jurídica nãodistinta dos demais Municípios.

O que se há de considerar, todavia, é que o Brasil já não tem territórios, poisAmapá e Roraima foram transformados em Estados e Fernando de Noronhaagregado a Pernambuco. É de se duvidar que um dia volte a tê-los, pois a

hipótese do art. 18 da Constituição Federal dicilmente ocorrerá:

“ Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa doBrasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todosautônomos, nos termos desta Constituição.§ 1º ........§ 2º Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação emEstado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.

569 Comentários, cit., p. 171.570 Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho, Comentários ao Código Tributário Nacional, São Paulo, Revista

dos Tribunais, 1975, p. 172.

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§ 3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais,mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e

do Congresso Nacional, por lei complementar.§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, edependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípiosenvolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados eaplicados na forma da lei.” (Redação dada pela EC n. 15, de 12-9-1996.)

Sobre o art. 147 escrevi:

“O novo dispositivo apresenta uma evolução em relação ao anterior, na medida emque não inclui os Estados não divididos em municípios.O direito anterior fazia menção a tal realidade, à época em que o Estado da Guanabaracorrespondia à cidade do Rio de Janeiro e, portanto, não era dividido em município.Sua incorporação ao Estado do Rio de Janeiro tornou o dispositivo inócuo.Pareceu ao constituinte não haver mais interesse em renovar a experiência, de tal forma que a hipótese não é contemplada no texto constitucional.O dispositivo, todavia, torna-se inócuo, na medida em que os únicos territóriosexistentes foram transformados em Estados (Amapá e Roraima), sobre ter sido a

ilha Fernando de Noronha absorvida pelo Estado de Pernambuco.É bem verdade que o art. 18 da Constituição permite que Estados retomem aostatus legal de municípios, hipótese, em minha opinião, não realizável, visto que nahistória política do Brasil a elevação no patamar de autonomia toma-a irreversível.Não vislumbro possibilidade de auto-limitação provocada por qualquer Estado que pretenda, em plebiscito aprovado pela Casa Legislativa, perder sua autonomia deentidade federativa para subordinar-se, sem autonomia, à União.Sendo inócuo, por não contemplar nenhuma hipótese presente, e inútil, por não sevislumbrar a possibilidade de reversão de autonomia dos Estados atuais, poderia ter

sido perfeitamente dispensado, criando-se, se necessário, a hipótese, se futuramenteviesse o País a ter novamente territórios.O dispositivo, portanto, no concernente aos territórios, deve ser examinado comomera reexão acadêmica pela sua inaplicabilidade, visto que nem há territórios nãodivididos em municípios, nem territórios federais com municípios, nada obstante aopinião de Aliomar Baleeiro.”571

571 Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1990, v. 6, t. 1, p. 103-4.

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O C T N T C

Fernando OsorioMestre em Direito Tributário pela UCAM

Sumário: Introdução. Execução de Obra: Serviço Uno. Solidariedade Tributária (Art. 124, I).

Práticas Reiteradas (Art. 100, III). Obrigações Principais e Acessórias. Conclusões.

IntroduçãoPagar um imposto ou cumprir obrigações acessórias, agindo por meio de

consórcio, simplica em muito as operações para os contribuintes e consagra asolidariedade tributária das consorciadas para o Fisco. Enm, trata-se de boaprática para ambos os lados.

Com base na ideia de que cada empresa em consórcio “deve atuarcoletivamente, de mãos dadas”,572 parece-nos hoje confuso imaginar que cadaconsorciada tenha de emitir notas scais ou contratar mão de obra separadamente.

Tal pensamento, que combatemos, levaria à consequência indesejável de umcontrato relativamente ao empreendimento, mas tantos contratos isolada eindividualmente formalizados quantos fossem as consorciadas em relaçãoàs operações, à mão de obra e aos mais diversos fornecedores nacionais eestrangeiros.

Diante dessa situação, o vetusto Código Tributário Nacional (CTN, Lei nº5.172, de 25.10.1966) traz soluções muito interessantes a partir dos seus conceitospara questões tão atuais e polêmicas quanto a da tributação dos consórcios, emespecial o caso dos consórcios criados para realizar obras de infraestrutura, queora passamos a considerar como interessante exemplo de aplicação do CTN.

Execução de Obra: Serviço Uno

A execução de obras difere dos demais serviços de engenharia. Nestes, aatividade é ligada ao exercício técnico da prossão, por meio da qual o prossionalliberal-engenheiro se limita a realizá-la de diferentes formas, tais como estudosde cálculos, projeto, layout , scalização, supervisão e gerenciamento de obras.

No caso das obras, trata-se precipuamente de uma atividade econômica

572 XAVIER, Alberto. Consórcio: Natureza Jurídica e Regime Tributário. Revista Dialética de DireitoTributário, 64:19.

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caracterizada por seu objeto, que será sempre uma execução material, certa edeterminada, da obra.

Na contratação de uma obra, o contratado compromete-se a realizar um

conjunto de operações na execução de um projeto. Construção signica, pois,um conjunto de operações empregadas na realização material de uma obra.A execução (construção) da obra representa, de forma una, a hipótese

de incidência tributária. A sua decomposição em serviços de engenharia nãorepresentaria a realidade que se verica a partir da denição do objeto docontrato.

De acordo com a lição de GERALDO ATALIBA:

“Pois cada fato imponível é um todo uno (unitário) e incindível e determina

o nascimento de uma obrigação tributária. É uma unidade lógica, entidadeuna, somente identicável consigo mesma. Por mais variados e diversosque sejam os fatos que o integram, como dados ou elementos pré-jurídicos,o fato imponível como tal é simples e irredutível em sua simplicidade,indivisível e indecomponível.” (Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo:Malheiros, 2003, p. 72-73)

BERNARDO RIBEIRO DE MORAES estabeleceu de forma muito clara adiferença entre o item da lista do ISS que retrata os serviços de engenheiro e os

da execução de obra:

“Devemos observar que o engenheiro, ao exercer sua prossão liberal, nãoexerce atividade econômica (não executa a obra). Sua atividade se prendeapenas ao exercício da engenharia, realizando atividade meio e não atividadem. Assim, ele apenas projeta a obra, faz estudos, cálculos, orçamentos,scalização das construções, etc., porém não a executa.” (...) Não háconfundir, diz Hely Lopes Meirelles, ‘a atividade técnica e os encargos ético-prossionais do Engenheiro e do Arquiteto, enquanto prestam serviços de

suas especialidades, com a atividade industrial e os encargos econômicosdos que se encarregam de executar materialmente a construção’. Pode umamesma pessoa ser o prossional e o construtor da obra, mas sempre osencargos do técnico serão diferentes dos do construtor” (Doutrina e Práticado Imposto Sobre Serviços. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 221)

A forma como será realizado o serviço ou os elementos que compõem estaprestação são questões técnicas secundárias. O que importa é a determinação dotipo de serviço que será prestado e os efeitos dessa tipicação.

As considerações acima expostas encontram respaldo no âmbito da ReceitaFederal do Brasil, conforme as seguintes soluções de consulta:

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte - IRRFEMENTA: SERVIÇOS DE ENGENHARIA. URBANISMO. HIPÓTESE DE

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INCIDÊNCIA. A incidência do imposto de renda na fonte, prevista no art.647 do Decreto nº 3.000, de 1999, somente será devida quando o contrato deprestação de serviços restringir-se ao desempenho exclusivo das atividades

expressamente listadas em seu § 1º. Se o contrato englobar várias etapasindissociáveis dentro do objeto pactuado está dispensada a retenção doimposto de renda na fonte.” (Solução de Consulta RFB nº 119 de 14.08.2008,DISIT 06 – grifamos)

“ASSUNTO: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte - IRRFEMENTA: SERVIÇOS DE ENGENHARIA. A retenção do imposto derenda na fonte no pagamento de serviços prestados por pessoa jurídicaa outra pessoa jurídica só é cabível quando o serviço contratado for

caracterizadamente de natureza prossional e não englobar etapasindissociáveis dentro do objeto pactuado.” (Solução de Consulta RFB nº22 de 13.02.2004, DISIT 02 – grifamos)

“ASSUNTO: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social -ConsEMENTA: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. RETENÇÃO NA FONTE.ENGENHARIA Os pagamentos dos serviços próprios da atividadeprossional de engenharia, quando relativos a contratos de empreitada que

abrangem tanto a mão-de-obra quanto o fornecimento de materiais, nãose acham sujeitos à retenção na fonte das contribuições sociais.” (Soluçãode Consulta RFB nº 319 de 22.12.2006, DISIT 06 – grifamos)

O Parecer Normativo CST nº 8, de 17.04.1986, que dispõe sobre os critériosa serem observados em função da incidência do imposto de renda na fonte, noscasos de prestação de serviços caracterizadamente de natureza prossional,também vai ao encontro do exposto acima:

“16. Todavia é importante transparecer o objetivo genérico, em relação àsatividades listadas no ato normativo citado, de que a hipótese de incidênciasob exame somente ocorre relativamente aos serviços isoladamente prestadosna área das prossões arroladas. Assim, não será exigida a retenção doimposto quando o serviço contratado englobar, cumulativamente, váriasetapas indissociáveis dentro do objetivo pactuado, como é o caso, porexemplo, de um único contrato que, sequencialmente, abranja estudospreliminares, elaboração de projeto, execução e acompanhamento dotrabalho.”

A execução de obras por meio de consórcios de empresas, principalmentede grandes projetos de infraestrutura, não modica esse entendimento. O escopodo contrato mantém-se igual independentemente de ser uma única empresa

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contratada ou um consórcio de empresas, ou seja, o número de empresas queparticipam do contrato não modica em nada a sua natureza e o seu caráter deserviço uno.

Solidariedade Tributária (Art. 124, I)

A Lei nº 6.404, de 15.12.1976 (Lei das S.A.), a par de estabelecer a ausênciade personalidade jurídica dos consórcios, dispôs ainda que não se presumesolidariedade entre as consorciadas (arts. 278 e 279). Porém, essa regra aplica-se em toda a sua plenitude ao campo do direito privado, ramo a que pertence,nesse mister, a Lei das S.A.

Nos chamados “consórcios verticais”, cada empresa se encarrega de realizaruma determinada etapa física do projeto ou do fornecimento de materiais.Entretanto, dadas as inúmeras vantagens técnicas, nanceiras e contratuaisque se reetem nos custos dos serviços e no preço contratual, prepondera aconstituição de “consórcios horizontais”, cujos atos constitutivos não relacionama parcela de responsabilidade de cada consorciada por uma etapa física oupor um determinado fornecimento,573  mas sim a conjunção de esforços nãoindividualizados para o exercício de uma atividade de interesse comum.

A contratação de um consórcio vertical sempre enseja aumento das interfaces 

sujeitas a gerenciamento, o que ocasiona perda de produtividade e necessidadeda alocação de mais recursos de gestão e também de scalização pelo contratante.Além disso, nos consórcios formados por empresas especializadas em cadadisciplina, não há a garantia de que uma poderá suprir a falta da outra semprejuízo quanto aos requisitos de prazo e de qualidade exigidos pelo projeto.

Diversamente, os consórcios chamados “horizontais”, nos quais asempresas participantes constituem um grupo integrado entre os seus técnicos egestores para a execução física e conjunta do objeto contratado, a sua operação egestão concentram-se em uma única face.

O principal beneciário desta modalidade é a própria contratante,porquanto simplica sensivelmente o seu relacionamento com o ente contratado,especialmente por evitar a diluição de atribuições e de responsabilidades. Poroutro lado, esta modalidade confere às empresas participantes um efetivo ganhode produtividade que se traduz em preços e vantagens nais ao contratante.

Dada a concentração da gestão de recursos nanceiros e materiais,evidencia-se com maior nitidez ao contratante a efetiva aplicação dos recursosdo projeto na execução dos trabalhos. Essa praticidade também se manifesta

no tocante à aplicação de recursos, inclusive da gestão de recursos humanos,

573 A divisão da participação, nesse caso, ocorre apenas em termos percentuais em relação aos resulta-dos nanceiros do consórcio.

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pois concentram os trabalhos em um grupo integrado administrado diretamentepelos órgãos gestores do consórcio.

No direito público, a losoa é oposta ao do direito privado: a Lei nº

8.666, de 21.06.1993 (Lei de Licitações), na hipótese de consórcio, estabelece a“responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio,tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato” (art. 33, V).

O CTN, por seu turno, dispõe que há solidariedade entre “as pessoas quetenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigaçãoprincipal” (art. 124, I).

O contratante da obra e o contratado têm interesse comum, que é a entregado serviço, fato gerador de obrigação tributária. Entretanto, a solidariedaderefere-se a contribuintes, todos obrigados pelo total da dívida. O contratante

não é contribuinte, não realiza o fato gerador (fornecer mão de obra e materiais),poderia ser, no máximo, responsável tributário, por força de lei, ante a suainegável vinculação ao fato gerador (art. 128 do CTN).

O fato que evidencia a “situação de interesse comum” corresponde àexistência de mais de uma pessoa na qualidade de prestadora em relação aum único serviço. A existência de consórcio na sua forma horizontal atraia solidariedade tributária para as consorciadas e o consequente status  decontribuintes solidários perante o Fisco.

Portanto, a solidariedade tributária pelo “interesse comum na situação queconstitua o fato gerador” reforça, em nossa opinião, a produção de legislaçõestributárias que autorizem o cumprimento de certas obrigações principais eacessórias que tenham o consórcio como veículo, sem que isso vá de encontro àsua natureza de ente sem personalidade jurídica.

Práticas Reiteradas (Art. 100, III)

Não se trata de exigir, de obrigar, pois, como entes despidos de personalidade

 jurídica, estão impossibilitados de contrair obrigações, as quais deverão ser,como regra, cumpridas individualmente pelas empresas consorciadas. Trata-sede admitir às sociedades consorciadas a possibilidade de cumprir coletivamentesuas obrigações por meio do consórcio.

Essa possibilidade, todavia, deve restringir-se aos tributos incidentesdiretamente sobre a atividade realizada mediante consórcio, como, porexemplo, o imposto incidente sobre a prestação de serviços (ISS), a circulação demercadorias (ICMS) e a remuneração de mão de obra (IRRF). Não se aplicariaaos casos dos tributos que incidem sobre a renda global ou a receita global das

empresas, como é o caso do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS.Quanto às obrigações acessórias, a prática tem demonstrado que Municípios

e Estados também vêm aceitando a inscrição de consórcios e a emissão dedocumentos e livros scais em vista da simplicação dos procedimentos de

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apuração e de pagamento para os contribuintes e das medidas de scalizaçãopara as autoridades públicas, ainda que – ressalte-se – inexistam regras expressasa esse respeito nas suas respectivas legislações.

Com efeito, práticas dessa natureza autorizadas pelo Fisco remetem-nos aoseguinte dispositivo do CTN:

“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e dasconvenções internacionais e dos decretos:(...);III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridadesadministrativas;(...).

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui aimposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização dovalor monetário da base de cálculo do tributo.”

Esse interessante dispositivo tem sido aplicado em alguns casos pela jurisprudência,574 conforme ilustram as seguintes decisões do Superior Tribunalde Justiça:

“TRIBUTÁRIO. PRÁTICA REITERADA DE ATOS PELAADMINISTRAÇÃO. PENALIDADE INAPLICÁVEL. INTELIGÊNCIA DOART. 100, INC. III, PAR. ÚNICO, DO CTN.1. Restando congurada a prática constante de atos pela administração , háde se aplicar o preceito insculpido no art. 100, III, par. único, do CTN, queexclui o contribuinte da imposição de penalidades, da cobrança de juros demora e da atualização do valor monetário da base de calculo do tributo.”(REsp nº 162.616, Rel. José Delgado, unânime, julg. em 02.04.1998, DJ de15.06.08.1998 – grifou-se)

“TRIBUTÁRIO. PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS. Se o contribuinterecolheu o tributo a base de prática administrativa adotada pelo Fisco ,eventuais diferenças devidas só podem ser exigidas sem juros de mora esem atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo (CTN, art.100, III c/c par. único).” (REsp nº 98.703 Segunda Turma, Rel. Ari Pargendler,unânime, julg. em 18.06.1998, DJ de 03.08.1998 – grifou-se)

574 Cf. também: TRF3: Ap. Cível nº 96030882542; TRF4: Rem. Ex Ocio nº 9504520804 e Ap. Cíveis nºs9504199607, 9504495664, 9504205402, 9504199593 e 9504507867. Cf. também nos acórdãos interes-sante argumentação sobre o princípio da isonomia, segundo o qual o Fisco não poderia impor trata-mento diferenciado, e o princípio da irretroatividade, pelo qual o Fisco não poderia impor alteraçõesretroativas caso altere o seu modo de proceder.

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Desse último julgado, ressaltamos o seguinte trecho, que é reprodução dadecisão anterior, do Tribunal de Alçada Cível de São Paulo:

“Não merece orescer, de início, a pretensão central deduzida do recursoda Prefeitura, porque não se pode sujeitar a sancionamento contribuinteque atua em consonância com a orientação scal.”

No mesmo sentido, segue também a doutrina ao interpretar o art. 100, III,do CTN:

“(...) se a própria Administração, embora erroneamente, pratica certos atosreiteradamente e o contribuinte é induzido a mesma prática, não seria

possível puni-lo.” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 9ªed. São Paulo: Saraiva., p. 99)

“Considera-se como boa interpretação aquela que resulta de antiga, iterativae pacíca aplicação da lei sob determinada diretriz por parte do próprioFisco. (...) Ela não pode julgar, sobretudo punir o contribuinte pelos fatos eatos anteriores à nova orientação” (BALEEIRO, Aliomar. Direito TributárioBrasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 417)

No caso, não é sequer aplicável a hipótese do parágrafo único, que trata desanção. Não teria havido erro e o inciso III não necessariamente dá ensejo a umasanção. A prática em questão tem respaldo no próprio CTN, no seu art. 124, I.Da mesma forma, sequer haveria cobrança de eventual diferença de imposto.Inexiste alteração quanto ao montante de tributo devido, há apenas alteraçãode procedimentos, ou seja, no nome de quem se recolhe o imposto e no nomede quem são prestadas as respectivas declarações, notas scais, escrituraçõesetc. Enm, um exemplo concreto das “práticas reiteradamente observadas pelas

autoridades administrativas”, sem previsão especíca na legislação, mas quenão se congura uma hipótese de error in procedendo sujeito a eventual sanção.

Obrigações Principais e Acessórias

A par do art. 100, III, do CTN, a sistemática de denição de competênciastributárias do ISS e do ICMS enseja considerar, como cção legal “contribuinte de per se”, cada estabelecimento da pessoa jurídica,575 e, no caso, o estabelecimento emque o consórcio realiza suas atividades terá apurado e recolhido o ISS e o ICMS

575 ISS, Lei Complementar nº 116, de 31.07.2003, art. 3º: “O serviço considera-se prestado e o impostodevido no local do estabelecimento prestador”; ICMS, Lei Complementar nº 87, de 13.09.1996, art.11, § 3º, II: “é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular”.

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incidentes sobre as operações sem quaisquer problemas. Este procedimentoadequa-se perfeitamente ao conceito de estabelecimento-contribuinte das leisgerais de ambos os impostos.

No âmbito federal, publicou-se a Instrução Normativa RFB nº 834, de23.03.2008, alterada pela Instrução Normativa RFB nº 917, de 09.02.2009, que,em modicação de entendimento anterior,576 aceitou a emissão de notas scaispor meio dos consórcios, a nosso ver apenas como forma de evitar conito comas práticas reiteradas de Estados e de Municípios.

Porém, a alteração mostrou-se tímida. Somando-se à obrigatoriedadeantiga de CNPJ para consórcios577 (fato que, por si só, praticamente viabiliza aimplementação de todas as possibilidades discutidas aqui), carece ainda alegislação tributária federal de uma interpretação geral sobre a utilização doinstrumento de consórcio como forma simples de apresentação de declarações,regimes especiais, benefícios e incentivos scais (visto a seguir) e até mesmo depagamento onde este se mostrar compatível (caso do IRRF).578 

A apresentação de declarações ou requerimentos por intermédio do nome edo CNPJ dos consórcios em nada interfere na ausência de personalidade jurídicadesses entes, que permanece absolutamente inabalada. As empresas consorciadasremanescem juridicamente vinculadas ao Fisco quanto ao pagamento dostributos de uma maneira geral e com a vantagem de serem eliminadas de formamuito simples as aparentes contradições.

Veja-se, por exemplo, o caso do incentivo scal denominado REIDI – RegimeEspecial de Incentivo ao Desenvolvimento da Infraestrutura, instituído pela Lei nº11.488/07, concedido às empresas que tenham projetos aprovados para a implantaçãode obras de infraestrutura nos setores de transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação e que permite a suspensão do PIS e da COFINS no fornecimento de bens e serviços, de forma a reduzir o custo do investimento em 3,65% sobre a parte deserviços e em 9,25% no fornecimento de bens (Lei nº 11.488, de 15.06.2007).

No caso de consórcios constituídos para a realização desses empreendimentos,

a habilitação ao regime deve ser feita em nome das empresas consorciadas.

576 Instrução Normativa RFB nº 480, de 15.12.2004: “Art. 16. No caso de pagamento a consórcio consti-tuído para o fornecimento de bens e serviços, inclusive a execução de obras e serviços de engenha-ria, a retenção deverá ser efetuada em nome de cada empresa participante do consórcio, tendo por

 base o valor constante da correspondente nota scal de emissão de cada uma das pessoas jurídicasconsorciadas”.

577 A referida obrigação foi renovada mais recentemente pela Instrução Normativa RFB nº 748, de28.06.2007: “Art. 11. São também obrigados a se inscrever no CNPJ: (...); IIII – grupos de sociedadese consórcios constituídos na forma dos arts. 265 e 278 da Leiº 6.404, de 15 de dezembro de 1976”.Trata-se de situação que demonstra as possibilidades do consórcio. Com o seu CNPJ, são abertascontas bancárias por onde são movimentados todos os ingressos e saídas de numerário da operaçãoe, no nosso entendimento, poderia viabilizar também a retenção do IRRF e as declarações especícasrelativas à retenção na fonte.

578 Fazemos menção ao IRRF, porém os mesmos conceitos tratados aqui também podem ser igualmenteaplicados à CSLL, ao PIS, à COFINS e à Contribuição Previdenciária quando incidentes na fonte.

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Todavia, é importante que as habilitações façam menção aos consórcios e aosseus CNPJs, de modo que o regime que restrito ao empreendimento ou mesmoque o documento de habilitação, se feito em nome das empresas consorciadas,

ao menos mencione o nome e o CNPJ do consórcio.Essa medida visa a evitar o descasamento entre a emissão de notas scais

de fornecedores no CNPJ do consórcio, que, como vimos, podem ser autorizadospor Estados e Municípios (notas scais mercantis e de serviços, respectivamente)e habilitações no nome e no CNPJ das consorciadas, de forma a impedir a fruiçãodo benefício de suspensão do PIS e da COFINS.

As normas editadas pela Receita Federal do Brasil (RFB) são omissasquanto à entrega da Declaração de Débitos e Créditos de Tributos Federais –DCTF e à Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte – DIRF, porém o

IRRF referente à mão de obra do projeto é recolhido no CNPJ do consórcio, fatoque enseja assimetria de informações com problemas na restituição de IRPF, emque pese ser procedimento normal à luz das leis trabalhistas a contratação demão de obra diretamente no nome do consórcio, tendo em vista a solidariedadequanto ao cumprimento das obrigações do trabalho. Daí por que a necessidadede reconhecimento de pagamento de IRRF por meio do consórcio e a respectivaautorização de DCTF e DIRF especícas, cujo objetivo seja apenas prestarinformações referentes às retenções na fonte e aos beneciários.

Como tem sido visto amplamente na prática o cumprimento de obrigaçõestributárias principais e acessórias por meio de consórcio por Estados eMunicípios, por que não se admitir também o IRRF sobre a remuneração da mãode obra relativa à folha de pagamento especíca do empreendimento?

Ao que parece, o único argumento que poderia obstar o aperfeiçoamento dalegislação seria o de que haveria problemas para o Fisco quando tais declaraçõesinstruírem eventuais cobranças judiciais. Não deve prevalecer esse entendimento,todavia, porque a contratação de mão de obra por intermédio do consórcio, sobrenão ter personalidade jurídica, torna evidente que são cocontratantes todas asconsorciadas e, por conseguinte, corresponsáveis tributárias pela retenção do IRRF.Além disso, os consórcios podem responder processualmente em eventual cobrança judicial do imposto em questão, pois que ao consórcio admite-se a capacidade de serparte em vista de uma personalidade reconhecida pelo direito processual.579 

Conclusões

O consórcio pode revelar-se um magníco instrumento jurídico para ocumprimento de certas obrigações tributárias, em favor das empresas e dos

próprios procedimentos de scalização, sem, todavia, contradizer-lhe a natureza

579 Sobre o tema da capacidade processual, Alvim, José Manuel de Arruda. Código de Processo CivilComentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 13.

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de ente despersonicado. As empresas consorciadas mantêm-se na qualidadede contribuintes (ISS, ICMS) ou responsáveis (IRRF) perante o Fisco, apenasexercem suas obrigações públicas solidárias por meio do consórcio, seja quanto à

apuração em livros e folhas de pagamento especícas, elaboração de declaraçõesa respeito dos fatos geradores de interesse comum (vendas e serviços dentrodo empreendimento) e recolhimento respectivo dos impostos diretamenteincidentes sobre a operação, os quais, eventualmente não pagos, serão objetode cobrança judicial contra o consórcio e, por conseguinte, contra o patrimôniode todas as empresas participantes que já constam vinculadas ao CNPJ e aoscadastros scais estaduais e municipais do consórcio.

Tais práticas devem observar todas as condições formais exigidas parao consórcio na Lei das S.A. (arts. 278 e 279) e, em caso especíco, pela Lei de

Licitações, para que não haja risco de sua caracterização como uma pessoa jurídica do tipo “sociedade não personicada” (arts. 986 a 990 do Código Civil),com todas as consequências daí decorrentes.

O embasamento legal para o aperfeiçoamento da legislação tributáriaquanto aos consórcios decorre, a nosso ver, diretamente dos arts. 100, 124, I, e128 do CTN.

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D T L A EC C S

E – I A.  , § º, CTN, A LC º /  A.  

M P º ./

Gustavo AmaralLyvia de Moura Amaral 

Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se a lei pudesse chamar de compra o

que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que nãoé exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscritona Constituição. Ainda há poucos dias, numa carta ao eminente Ministro Prado Kelly, a propósitode um discurso seu sobre Milton Campos, eu lembrava a frase de Napoleão: ‘Tenhoum amo implacável, que é a natureza das coisas.’ Milton Campos também era el a esse pensamento.(voto do Min. Luiz Galloi, citado pelo Min. Marco Aurélio em voto no RE150764-PE - RTJ 147/1040).

Nos últimos anos tem-se registrado um aumento no comércio internacionalenvolvendo o Brasil, não apenas no âmbito das importações e exportações de bens e serviços, como também no âmbito dos investimentos de capitais, coma internacionalização das empresas brasileiras, sob liderança de empresascomo a Vale, a Petrobras e outras companhias de recursos naturais.580 Em virtudedesse aumento de investimentos no exterior – vericado inclusive com a crisenanceira, que abriu espaços para o crescimento das multinacionais brasileiras –,

torna-se de extrema relevância a questão da tributação dos lucros das empresas brasileiras que possuem empresa controlada ou coligada no exterior.

Assim, este artigo tratará de ponto importante a ser analisado para arealização de investimentos no exterior, a regra estabelecida pelo art. 43, § 2º doCódigo Tributário Nacional e pelo art. 74 da Medida Provisória nº 2.158/2001,que determina que os investidores brasileiros tributem, no Brasil, os lucrosauferidos por suas controladas e coligadas no exterior, em 31 de dezembro decada ano, independentemente da sua efetiva distribuição.

580 V. Relatório KPMG 2008. Multinacionais Brasileiras – A Rota dos Investimentos Brasileiros noExterior. Disponível em hp://www.kpmg.com.br/publicacoes/tax/Multinacionais_Brasileiras_ 08_portugues.pdf. Acesso em 25.set.2009.

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Da inconstitucionalidade do art. 43, § 2º do CTN e doart. 74 da medida provisória nº 2.158/2001, por violarem o

conceito constitucional de rendaA tributação dos lucros apurados por empresas subsidiárias situadas no

exterior foi instituída pela Lei nº 9.249/95, que passou a prever que os lucrosobtidos no exterior por empresas controladas ou coligadas serão computadosna determinação do lucro real da pessoa jurídica situada no Brasil na data emque forem contabilizados (tributação da renda global ou universal da pessoa jurídica), alterando o regime tributário anterior que estabelecia que somente oslucros apurados no país eram tributados (princípio da territorialidade).

Posteriormente, a legislação sobre o assunto foi alterada pela LeiComplementar nº 104/2001, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 43 do CódigoTributário Nacional.

O § 1º dispõe que “a incidência do imposto independe da denominação dareceita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidadeda fonte, da origem e da forma de percepção”, consagrando a regra daextraterritorialidade ou da universalidade da tributação.

 Já o § 2º dispõe que, “na hipótese de receita ou de rendimento oriundosdo exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua

disponibilidade, para ns de incidência do imposto referido neste artigo”. Trata-se de delegação ao legislador ordinário da competência para xar o momentoda ocorrência do fato gerador, o que foi interpretado pelo Poder Executivo –ao editar a medida provisória nº 2.158/2001 – como uma permissão legal paratributar livremente a receita ou o rendimento auferidos no exterior, podendoxar, a seu bel-prazer, o momento da incidência do tributo, antes mesmo daocorrência do fato gerador, o que viola o disposto no artigo 153, inciso III, daConstituição Federal, e o conceito constitucional de renda ou lucro que nele estáembutido.

Nesse sentido, é cabível à declaração de inconstitucionalidade do § 2º doartigo 43 do CTN, acrescentado pela Lei Complementar nº 104/2020, sem reduçãode texto, afastar essa interpretação e armar a interpretação de que a lei só podeconsiderar ocorrido o fato gerador nas hipóteses de receita ou rendimentoauferidos no exterior após a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídicade renda ou proventos de qualquer natureza.

Em atenção à “delegação” referida, o Poder Executivo editou a medidaprovisória nº 2.158/2001, que em seu art. 74 determina a tributação pelo impostode renda e pela contribuição social sobre o lucro líquido de lucros auferidos

por empresas controladas ou coligadas no exterior, independentemente dadisponibilização para a controladora ou coligada no Brasil.Esse dispositivo da referida medida provisória é inconstitucional, pois

viola os artigos 153, III, e 195, I, “c”, da Constituição ante a exigência de imposto

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e contribuição sobre situação que não congura renda ou lucro, foco do presenteestudo. E ainda se pode entender que (i) viola o artigo 62 da Constituição antea absoluta falta de urgência para justicar o emprego de medida provisória; e

(ii) viola às alíneas “a” e “b” do artigo 150, III, da Constituição, uma vez queo parágrafo único do artigo 74 da medida provisória pretende tributar lucrosacumulados relativos a períodos anteriores à sua edição e também relativos aomesmo exercício nanceiro em que adotada a medida provisória.

Assim, tendo em vista o escopo do presente artigo, passamos a analisar aquestão da inconstitucionalidade desses dispositivos por violação ao princípioconstitucional de renda ante a exigência de imposto e contribuição sobre situaçãoque não congura renda ou lucro.

A matéria guarda grande similitude com o caso do imposto de renda sobre

o lucro líquido (ILL), criado pelo artigo 35 da Lei nº 7.713/88, cujo leading case noplenário do STF foi o RE nº 172.058.

A leitura do artigo 74 da medida provisória nº 2.158/2001 deixa claro ocomando de tributar os lucros auferidos por empresa controlada ou coligada noexterior independentemente da disponibilização desses lucros.

Ao julgar o caso do ILL, assentou o STF que “o artigo 35 da Lei nº 7.713/88 éinconstitucional, ao revelar como fato gerador o imposto de renda na modalidade‘desconto na fonte’, relativamente aos acionistas, na simples apuração, pelasociedade e na data do encerramento do período-base, do lucro líquido, já que

o fenômeno não implica qualquer das espécies de disponibilidade versadas noartigo 43 do Código Tributário Nacional, isto diante da Lei nº 6.404/76” (RE nº172.058, STF-Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, maioria, ementa).

Assim, é óbvia a aplicação dessa interpretação dada pelo STF também aoartigo 74 da medida provisória nº 2.158/2001. Todavia, poder-se-ia argumentarque o precedente foi tomado à luz do disposto na redação original do artigo 43 doCTN e que, na falta de amparo naquela redação, haveria inconstitucionalidadefrente ao teor do artigo 146, III, da CF/88.

De fato, esse é o texto do acórdão, mas não corresponde à melhor

interpretação, seja da Constituição, seja dos precedentes do STF.Ao julgar o RE mencionado, o STF concluiu que o artigo 35 da Lei nº

7.713/88 não se adequava ao disposto no artigo 43 do CTN e, não havendo leicomplementar a ampará-lo, haveria violação ao artigo 146, III, da CF, que exigea existência de lei complementar. Não enfrentou o STF a compatibilidade doartigo 35 com o disposto no artigo 153, III, da Constituição.

Há, todavia, outro precedente do plenário do STF que demonstra, de formainsosmável, a inconstitucionalidade da exação instituída pelo artigo 74 damedida provisória nº 2.158/2001.

Ao julgar o recurso extraordinário nº 117.887, o STF-Pleno teve a oportunidaderara de julgar a constitucionalidade de lei de imposto de renda anterior ao CTN.A legislação aplicável àquele caso era apenas o texto constitucional de 1946, cujoteor era o seguinte:

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Constituição de 1946Art. 15. Compete à União decretar impostos sobre: (...)IV - renda e proventos de qualquer natureza;

Compare-se, a título de ilustração, com o texto atual:Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...)III - renda e proventos de qualquer natureza;

Desse acórdão unânime proferido no RE nº 117.887, extraímos, do voto doMinistro Relator, Carlos Velloso, o trecho abaixo:

Convém esclarecer, de início, que a Lei 4.506, de 30.11.64, foi tirada a lumeanteriormente ao Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 25.10.66, com

vigência a partir de 01.01.67. Não obstante isso, não me parece possívela armativa no sentido de que possa existir renda ou provento sem quehaja acréscimo patrimonial, acréscimo patrimonial que ocorre mediante oingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso. Não me parece, pois, quepoderia o legislador anteriormente ao CTN, diante do que expressamentedispunha o art. 15, IV, da CF/46, estabelecer, como renda, uma cção legal.

Está aí, claro e evidente, o limite, inserido na própria concessão decompetência à União para criar imposto sobre rendas e proventos de qualquer

natureza, que a lei não pode desbordar. A autorização constitucional é paraa criação de imposto sobre renda, não sobre qualquer coisa que a lei resolvachamar de renda. O disposto no artigo 43, caput , do CTN, é mera explicitaçãodo que se entende por renda. Lei complementar que pretenda desbordar desseslimites não pode encontrar amparo no artigo 153, mas apenas, e quando muito,no artigo 154, I, mas, nesse caso, precisaria a lei complementar ser expressae trazer em si a nova base de cálculo e o novo fato gerador. Não há como seimaginar que lei complementar que pretenda amparo no artigo 154, I, possadelegar a xação de fato gerador e base de cálculo à lei ordinária, pois estará

delegando a competência para instituir o imposto residual, em direta testilhacom o comando do artigo 154.

Nesse mesmo sentido é a lição de Roberto Quiroga Mosquera, como sepode ver dos trechos abaixo transcritos:

Pretende-se frisar com o exposto acima, que falar em disponibilidade econômicaou jurídica de “renda e proventos de qualquer natureza” é o mesmo quefalar em acréscimo de elementos patrimoniais. Só se pode falar em incrementode elementos patrimoniais, na medida em que estes passem a pertencer

a uma determinada universalidade. A partir de então, o detentor dessepatrimônio gozará na sua plenitude dos atributos desse direito recebido.Está claro, pois, que toda “renda” e todo “provento de qualquer natureza”auferidos pelas pessoas hão de estar disponíveis  (linguagem utilizada

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pelo legislador do CTN). Toda “renda” e todo “provento de qualquernatureza” hão de acrescer o patrimônio das pessoas (linguagem utilizada pelolegislador constitucional de forma implícita). O incremento de elementos

patrimoniais implica, necessariamente, na disponibilidade deles, assimentendido o direito de usar, fruir e/ou dispor. Daí por que, entendemosirrelevante para a denição do conceito constitucional da palavra“renda” e da expressão “proventos de qualquer natureza” a identicaçãodo signicado da locução “disponibilidade econômica ou jurídica”utilizada pelo legislador complementar nacional no artigo 43 do CTN.(MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza:o imposto e o conceito constitucional. São Paulo: Dialética, 1996, pp. 124-126 - negrito nosso, demais destaques do original).

Voltando à leitura do artigo 74 da medida provisória nº 2.158/2001, restaevidente o emprego de cção jurídica para fazer considerar renda situação que,a toda evidência, não constitui renda. O próprio texto se trai ao dizer que serãoconsiderados disponibilizados, para a controladora ou coligada no Brasil, oslucros na data do balanço no qual tiverem sido apurados.

Que a apuração de resultado não corresponde a disponibilização, é questão já decidida. Esse é o precedente do ILL. Jamais houve voto vencido (salvo doMin. Ilmar, no leading case, o RE nº 172.058), uma declaração de voto, um obiter

dictum  que seja divergindo do entendimento rmado ou fazendo qualquerressalva que fosse aplicável ao caso em tela.

Se a lei reputa considerado o fato “b” a partir da existência do fato “a” semque haja uma ligação de implicação natural entre tais fatos, tem-se uma cçãolegal. O emprego de cções, em direito tributário, não permite ao legislador queabranja fato estranho aos contornos de sua competência impositiva, dada pelaConstituição. Como visto, o conceito constitucional de renda abrange em si adisponibilidade da renda, pelo que, o disposto no artigo 43 do CTN nada mais éque a explicitação do que já está contido na Constituição.

Como já destacado, a questão ora em exame já foi decidida pelo STF. Jádecidiu o Pretório Excelso que o resultado de uma empresa ainda não distribuídoa seus acionistas ou cotistas não constitui disponibilidade, não legitimandoa cobrança de imposto de renda, salvo em casos como o da rma em nomeindividual, subsidiária integral ou sociedade de cotas em que haja, no contratosocial, previsão de distribuição obrigatória de resultados.

Mas, por exercício de abstração, imagine-se que o conceito constitucionalde renda permitisse elastério maior. Ainda assim o dispositivo em questão seriainconstitucional, ao menos para o caso das empresas coligadas.

Por denição, no caso das empresas coligadas, não há relação de controle,pois, se houvesse, uma não seria coligada da outra, mas controlada!

Os ordenamentos jurídicos estrangeiros que preveem alguma forma similarde tributação à ora questionada o fazem seguindo o modelo sugerido pela OCDE

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(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas não sepode deixar de considerar que em suas constituições não há um conceito derenda, sendo a matéria integralmente infraconstitucional.

Ainda assim, tais regras são aplicáveis apenas para as relações de controle,não para as de mera participação societária.Vale, aqui, transcrever as observações de Marcos Gabriel Gutman, professor

da Universidade Austral e da Universidade de Buenos Aires:

De acuerdo a la OCDE sus características son las siguientes: control , quepuede ser por propiedad directa o indirecta, determinación del tipo deterritorio con el que se aplica estando esto relacionado con las operacionestransnacionales y los impuestos comparativos en el territorio aplicado y la

forma de atribución de estos impuestos. (...).1) ControlPrimeramente debe denirse que se entiende por control. Queda claroque cuando hablamos de control nos referimos a posibilidad de tomardecisiones por parte de quién o quiénes tienen la mayoría accionaria, seaesto en forma directa o en forma indirecta. En el primero de los casos bastacon que el accionista principal tenga más del 50% del capital o el paqueteaccionario a efectos de ejercer el control sobre la entidad controlada. En elsegundo de los casos, generalmente se tratan de holding, se puede ejercer

este control a través del control de participación en otras sociedades.La OCDE solo considera que se puede aplicar este tipo de legislación aquiénes tengan el control “de facto”, es decir, quiénes realmente toman lasdecisiones empresariales. En ese sentido considera que no es posible aplicarestas normas a accionistas que nada tienen que ver con las decisiones acercade cuándo y cómo se distribuyen los dividendos y cuándo y cómo nocorresponde distribuirlos.Este problema del control en la mayor parte de las legislaciones tiene quever con quiénes tienen mas del 50% de las acciones. Exige pues la existencia

de este “mando para votar” y no solo el derecho de hacerlo.(GUTMAN, Marcos G. Sociedades Exgtranjeras Controladas. ContolledForeign Corporations - CFC- Aplicación en la Legislación Argentina , in IIColoquio Internacional de Derecho Tributario - Normas Tributarias parala Prevención de la Elusión Internacional, Tomo II, Buenos Aires, agostode 2000, pp. 514-516).

A mera armação de tratar-se de empresa coligada afasta a ideia de havercontrole. Se não há controle, não há como se imaginar a aquisição de qualquer

disponibilidade econômica ou jurídica antes da distribuição dos dividendos.Assim, ainda que se pretenda rever a orientação rmada pelo SupremoTribunal Federal, no julgamento da validade do artigo 35 da Lei nº 7.713/88, epermitir a tributação de resultados não distribuídos, isso jamais pode se dar

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quanto a situações que não demonstrem o controle da decisão de distribuir ounão os resultados.

A constitucionalidade dos dispositivos ora analisados é objeto da

ADI 2588, em que há 3 votos a favor da procedência da ação, 2 votos pelaimprocedência e 1 voto pela procedência parcial.A matéria é objeto de discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade

nº 2.588, que possui três votos a favor da procedente total da ação, proferidospelos Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Ricardo Lewandowski,dois votos pela improcedência, proferidos pelos Ministros Nelson Jobim e ErosGrau, e um voto pela procedência parcial, proferido pela Ministra Relatora EllenGracie.

Na ADI nº 2.588, ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria, alega-

se a inconstitucionalidade do § 2º do art. 43 do Código Tributário Nacional,acrescentado pela Lei Complementar nº 104/2001. Segundo a entidade, essedispositivo dá liberdade ao legislador ordinário para xar o momento daocorrência do fato gerador, podendo fazê-lo antes mesmo da ocorrência dessefato, o que estaria ferindo o disposto no artigo 153, inciso III, da ConstituiçãoFederal, e o conceito de renda que nele está embutido.

Em seu voto, a Ministra Relatora Ellen Gracie armou que não visualizavainconstitucionalidade nesse ponto, pois não foi dada “carta branca ao legisladorordinário para estabelecer um fato gerador diferente daquele estampado no

caput do artigo”. “A lei ordinária, ao estabelecer as condições e o momento dadisponibilidade da receita ou do rendimento oriundo do exterior, obviamentenão pode xar hipótese em que não haja efetiva disponibilidade econômica ou jurídica da renda, sob pena de ferir a regra geral disposta no caput do artigo 43do CTN, que prevê como fato gerador do imposto de renda, a aquisição destadisponibilidade”, consignou a Ministra.

No que tange à alegada inconstitucionalidade do art. 74 da MedidaProvisória nº 2.158/2001, a Relatora entendeu pela inconstitucionalidade datributação em relação às coligadas, mas manteve a cobrança para as controladas.

A Ministra destacou que o entendimento da Corte, sedimentado no julgamento do RE nº 172.058, é no sentido de que “a aquisição de disponibilidadeeconômica de renda consiste na percepção efetiva, pelo contribuinte, dorendimento em dinheiro (receita realizada), ao passo que a disponibilidade jurídica consiste no direito de o contribuinte receber um crédito, mediante aexistência de um título hábil para recebê-lo”. Assim, concluiu que, no caso dasempresas situadas no Brasil, em relação aos lucros obtidos por controladasno exterior, tem-se verdadeira hipótese de aquisição da disponibilidade jurídica desses lucros no momento da sua apuração no balanço realizado pela

controladora. Isso porque o § 2º do art. 243 da Lei das Sociedades Anônimas(Lei nº 6.404/76) dene empresa controlada como sendo aquela em relação àqual a controladora diretamente, ou através de outras controladas, é titular dedireitos de sócio que lhe assegurem de modo permanente a preponderância nas

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deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. Assim, adisponibilidade dos lucros da empresa controlada depende exclusivamente daempresa controladora, que detém o poder decisório sobre o destino dos lucros,

ainda que não remetidos efetivamente para a controladora no Brasil. Já a situação das empresas coligadas é diferente, pois, de acordo com aLei das Sociedades Anônimas, não há posição de controle da empresa situadano Brasil sobre a sua coligada no exterior. Portanto, não se pode falar emdisponibilidade, pela coligada brasileira, dos lucros auferidos pela coligadaestrangeira antes da efetiva remessa desses lucros, e não seria adequadoassemelhá-las, para efeito de tratamento tributário, às liais e sucursais, cujoslucros se consideram disponibilizados para a matriz na data do balanço no qualtiverem sido apurados. Nesse caso, como não houve qualquer um dos tipos de

disponibilidade previstos no caput do artigo 43 do CTN, com relação às coligadas,a Ministra concluiu que o caput do artigo 74 violou o disposto no artigo 146,inciso III, alínea “a” da CF/88, que reservou à lei complementar a denição defato gerador, denição esta que não pode ser ampliada pela legislação ordinária.

Após o voto da Ministra Relatora Ellen Gracie, pediu vista dos autos oMinistro Nelson Jobim, que, na sequência, votou pela improcedência totalda ação, mas esclarecendo que o regime da medida provisória nº 2.158/2001só se aplicaria às empresas brasileiras sujeitas ao “método de equivalênciapatrimonial”, aquelas em que o investimento na coligada ou na controlada no

exterior é igual ou superior a 10% do valor do patrimônio líquido. Já as empresasque têm investimento menor que 10% do patrimônio líquido estão sujeitas aoregime de caixa e ao regime de disponibilidade nanceira e, portanto, nessescasos a tributação ocorre apenas quando da remessa efetiva dos lucros para oBrasil. No mesmo sentido votou o Ministro Eros Grau posteriormente.

 Já o Ministro Marco Aurélio proferiu voto pela procedência total da açãopara emprestar ao art. 43, § 2º do CTN interpretação conforme a Constituição,excluindo alcance que resulte no desprezo da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, e, quanto ao artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158/2001,

concluiu pela sua inconstitucionalidade, no que foi acompanhado pelo MinistroSepúlveda Pertence.

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio fez referência ao disposto no art.110 do Código Tributário Nacional, que determina que a lei tributária não podealterar a denição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas dedireito privado utilizados, expressa ou implicitamente, pela Carta Federal e,por isso, não caberia a deturpação do conceito de renda, que pressupõe a suadisponibilidade econômica ou jurídica.

Argumentou que não se pode desconsiderar a personalidade jurídica, pouco

importando se exista coligação ou controle, pois, para tanto, pressupõe-se aexistência de vícios de consentimento ou a caracterização de evasão ou sonegação.

Desse modo, rmou a seguinte orientação:

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A disponibilidade, tão comum ao conceito de renda, tem sentido vernaculare técnico todo próprio. O fato gerador do imposto sobre a renda, sob penade não se poder assentar esta última, é a aquisição da disponibilidade

econômica ou jurídica, fenômeno sempre concreto e que não pode, à mercêde cção jurídica extravagante, insuplantável, ser deturpada, a ponto dese dizer que, onde não há disponibilidade econômica ou jurídica, entenda-se já acontecido o fenômeno, como ocorre enquanto o lucro da coligadaou controlada existente no exterior continua, consoante a legislação deregência, no estrangeiro, no próprio patrimônio da empresa que o apurou,não sendo, consideradas as diversas modalidades admitidas em Direito,transferido à empresa situada no Brasil, que, por isso mesmo, não temcomo integrar qualquer aporte, em termos de renda, ao respectivo balanço.

A introdução, no artigo 43 do Código Tributário Nacional, do § 2º não se fezcom o alcance normativo que serviu de base à fértil mas viciada inspiraçãodo Executivo, no que editada a medida provisória, como se nele estivessecontida delegação ao legislador ordinário incomum, de adentrar o campoda cção jurídica e criar, desprezada a natureza das coisas, novo fatogerador como se fosse legislador complementar.Não é dado conferir ao parágrafo o sentido de transmudar, de descaracterizar,à luz dos parâmetros da Constituição Federal, o próprio tributo, comotambém o de estender ao conceito de disponibilidade signicado antônimo

ao que ele possui, como se disponibilidade e indisponibilidade fossempalavras sinônimas. (...). Enquanto inexistente o ingresso da participaçãoda empresa brasileira no território nacional, enquanto não distribuídosos lucros pela empresa estrangeira com a qual se mantenha laços sob oângulo da coligação ou do controle, não é dado cogitar do fato gerador doimposto sobre a renda, porque a renda é inexistente e porque não passoua disponibilidade, em si, sob tal ângulo e não do patrimônio, da empresacoligada ou controlada para a brasileira.Tenha-se presente que inúmeras circunstâncias podem obstaculizar o acesso

aos citados lucros. Tudo depende da legislação do país em que situada aempresa que haja apresentado lucro e também da deliberação da respectivaAssembléia.(...) A entender se de forma diversa, não se estará, em si, caminhandopara a taxação de lucros, mas para a bitributação, tendo em conta valoresque permanecerão no estrangeiro, olvidando-se os inúmeros tratadosformalizados pelo Brasil no sentido de evitar a sobreposição tributáriascal, em homenagem ao citado princípio, ao princípio da territorialidade.(...) a Corte assentou, de forma bem clara, a necessidade, para ter-se o fato

gerador do imposto de renda, de se contar com a disponibilidade econômicaou jurídica. Enfrentou questão em que a lei, declarada inconstitucional,previra, como fato gerador, quanto aos acionistas, a simples existênciade balanço, da pessoa jurídica, revelando a existência de lucro a ser ainda

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objeto de deliberação, considerado o repasse aos sócios. O tema decididoguarda correlação com o versado na medida provisória atacada medianteesta ação direta de inconstitucionalidade. A única diferença é que não se

cogitou, no precedente, de situação jurídica em que se teria empresa sediadano exterior. Entrementes, esse aspecto apenas reforça a conclusão sobre ainconstitucionalidade da medida provisória, ante os tratados subscritospelo Brasil e que afastam a bitributação e requerem a disponibilidade, como ingresso da renda no território brasileiro, para, então, já aqui vir a incidiro imposto.

Por m, destacou os aspectos econômicos envolvidos na questão: “Queestímulo é esse a investimentos no exterior, à busca de divisas? Tem-se, sim,

inoportuna, descabida e inconstitucional voracidade scal, na contramão doalmejado crescimento das empresas brasileiras, da necessária, porque salutar,projeção do Brasil no cenário internacional. A imposição tributária em análise,além de fugir ao gurino próprio, é um contrassenso, nada tendo de razoável”,concluindo pela procedência total da ADI nº 2.588.

No mesmo sentido, o Ministro Ricardo Lewandowski votou pelaprocedência total da ação, com base nos seguintes fundamentos:

De fato, agura-se evidente que as empresas controladas ou coligadas no

exterior possuem personalidade jurídica que não se confunde com a daquelaostentada pela controladora ou co-irmã sediada no Brasil. Daí segue-seque aquelas empresas estão jungidas, quanto à distribuição dos lucros,ao disposto nos respectivos estatutos sociais e na legislação local, razãopela qual os resultados apurados no exercício nem sempre se encontram àdisposição dos acionistas na data da elaboração do balanço anual.Não se olvide, ademais, que o Brasil é signatário de diversos acordosinternacionais, que previnem a dupla tributação em matéria de impostosobre a renda, tais como o Tratado Brasil-Dinamarca (Decreto 75.106/1974),

o Tratado Brasil-Bélgica (Decreto 72.542/1973) e o Tratado Brasil-Luxemburgo (Decreto 85.051/1980).Convém ressaltar, ainda, que o § 2º do art. 43 do CTN, incluído pela LC104/2001, ao dispor que a lei estabelecerá as “condições” e o “momento”em que se dará à disponibilidade dos lucros, deve ser interpretado emconsonância com o caput do próprio artigo que estabelece como fato geradordo imposto de renda “a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”(...).Feitas essas ponderações, e considerando que o art. 153, III, da Constituição,

confere à União a competência para instituir o imposto sobre a renda eproventos de qualquer natureza, bem assim que o art. 146, III, a, do textomagno consigna caber à lei complementar o estabelecimento de normasgerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a denição

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do fato gerador de imposto, não há como deixar de concluir, data venia ,que o art. 74 da MP 2.158-35/2001 invadiu matéria constitucionalmentereservada à lei complementar.

O contraponto a esses entendimentos está na utilização do critério deequivalência patrimonial, defendido nos votos dos Ministros Nelson Jobim eEros Grau.

Em primeiro lugar, mister é ver que o critério de equivalência patrimonialestá na Lei das S/A desde sua redação original. Portanto, se, desde sempre, aequivalência patrimonial fosse critério suciente para tributar dividendos nãodistribuídos por coligadas e controladas, então o STF teria julgado de formaimperfeita no caso do ILL, pois lá não foi feita essa distinção, não apenas no

leading case , mas em qualquer dos julgados posteriores, inclusive aqueles emque participou o Min. Jobim. O ILL só não foi afastado nos casos de sociedadeslimitadas cujo contrato já previa distribuição automática. Para todos os casos desociedades anônimas, a decisão foi de invalidade do ILL.

Certamente, o precedente anterior, por mais rme que seja, não éargumento suciente para obstar a mudança de entendimento da Corte, que,no caso, revelaria verdadeira mutação constitucional. Contudo, é precisoreconhecer e armar: a nova linha preconizada por Jobim e Eros Grau rompecom a jurisprudência anterior.

A nosso ver, a ruptura parte de um ponto equivocado. Parece claro, daleitura dos votos, que dada a armação de haver lucro, a partir da equivalênciapatrimonial, segue-se a tributação pelo imposto de renda. Trata-se de visão quesubordina o Direito Tributário aos conceitos obtidos no Direito Civil. O TribunalConstitucional da Alemanha já armou que “Direito Tributário e Direito Civil sãoramos jurídicos da mesma estatura, regrados um ao lado do outro, que à mesmasituação de fato se aplicam sob uma outra perspectiva e sob outros pontos devista valorativos”.581 Moris Lehner582 arma ser correto “afastar a opinião de que osconceitos de direito civil incluídos nas hipóteses de incidência tributária sempre

se interpretariam conforme seu signicado de direito civil”.O  ponto de vista valorativo  do Direito Tributário é o da capacidade

contributiva. Lucro de uma pessoa é lucro dessa pessoa , não de outra. O ponto devista do direito societário é o da inter-relação entre capitais. É direito multipolar– acionistas, empresa, dirigentes, mercado acionário, sociedade, competição– que pode valorar os mesmos fatos de uma perspectiva diversa. Não parece

581 BVerfG (Fn. 26), 187, apud TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. Köln, Dr. Oo Schmidt, 2005,p. 7, e TORRES, Ricardo Lobo, Normas Gerais Antielisivas. In: SEMINÁRIO INTERNACIONALSOBRE ELISÃO FISCAL, 2002, Brasília. Anais... Brasília: ESAF, 2002, p. 387.

582 LEHNER, Moris. Capacidade Econômica e Tributação conforme a Capacidade Contributiva. Sobrea Possibilidade de uma Interpretação Teleológica das Normas com Finalidade Arrecadatória (trad.de Luís Eduardo Schoueri). In: Direito Tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo:Dialética, 1998, p. 145.

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haver limite constitucional, salvo o da razoabilidade, para que se estabeleça umpatamar mínimo de lucros a distribuir a acionistas preferenciais em função docapital. Lei que assim dispusesse não seria inválida. Já o mesmo, denitivamente,

não parece se aplicar ao Imposto de Renda.Além da relativa independência entre os ramos do direito, é preciso verque há “várias contabilidades”, tão variadas quanto sejam seus usuários. Oque é correto para a contabilização de investimentos, deduzindo o custo deoportunidade, por exemplo, não será correto para a contabilidade social. Acontabilidade tributária, partindo do lucro líquido do exercício, com as adiçõese subtrações determinadas, arma essa independência relativa. Assim, o fato deexistir “A” sob a ótica da contabilidade social, mesmo das regras jurídicas sobrecontabilização, não basta para armar que existe também “A” para outra ótica.

Portanto, não obstante o entendimento dos Ministros Nelson Jobim eEros Grau, bem como da Ministra Ellen Gracie, entendemos que o art. 43, § 2ºmerece ser declarado inconstitucional, sem redução de texto, para, na formacomo decidido pelos Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e RicardoLewandowski na ADI nº 2.588, afastar qualquer interpretação que desconsiderea disponibilidade econômica ou jurídica da renda para caracterização do fatogerador do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido,atendendo, assim, o conceito constitucional de renda ou lucro embutidos noartigo 153, III, da Constituição Federal.

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O C P OA E C-

D ILeonardo Mussi da Silva.

Advogado.Mestre em Direito Tributário.

Ex-Conselheiro do Conselho do Contribuintes.Diretor do Instituto Cidadania Tributária e

Conselheiro da ABDF.

Sumário: Introdução . 1) Premissas para uma interpretação do CTN. 2) A doutrina que sustenta 

a classicação da obrigação acessória como dever instrumental. 3) Críticas à doutrina do dever instrumental. 4) Propedêutica jurídica necessária à compreensão das obrigações acessórias: 4.1) A razão de ser da patrimonialidade nas obrigações ; 4.2) O conteúdo econômico nas obrigações de dar, fazer ou não fazer; 4.3) Formas de estipulação de perdas e danos nas obrigações de fazer ou não fazer; 4.4) A conversão da prestação de fazer ou não fazer em um dar. 5) A obrigação tributária no CTN: 5.1) O objeto da obrigação e da prestação na obrigação tributária principal ; 5.2) O objeto da obrigação e da prestação na obrigação tributária acessória; 5.3) O conteúdo econômico das obrigações acessórias; 5.4) O equívoco de classicar as obrigações acessórias como um “dever” . Conclusão. Referências Bibliográcas.

IntroduçãoConvidados pelo Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (“GDT-

RIO”) a participar do Caderno de Debates Tributários – CDT, cujo tema centralé o Código Tributário Nacional (CTN), lançamo-nos ao desao de expor algunspensamentos sobre o CTN que entendemos serem construtivos para o estudo doDireito Tributário.

O presente trabalho irá abordar especicamente as obrigações denominadaspelo CTN de “acessórias”, cuja doutrina prevalente mais atual as classica

como sendo um “dever” dito instrumental. O nosso desao será demonstraro equívoco dessa doutrina que considera tais relações jurídicas de naturezaobrigacional como sendo um dever.

1) Premissas para uma interpretação do CTN

Interpretar é dar concreção ao direito583  visando a operar “a mediaçãoentre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular”.584 O produto dainterpretação é a norma jurídica, norma essa, segundo Grau, “ produzida, pelo

583 Eros Roberto Grau. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo, Malheiros,2002, p. 28.

584 Idem, ibidem, idem. 

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intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo dodever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”.585

A operação de interpretar não é mecânica, por isso Grau arma que“inexistem soluções previamente estruturadas, como produtos semi-industrializados emuma linha de montagem, para os problemas jurídicos”.586 A interpretação é operaçãointelectual, realizada artesanalmente,587 podendo chamar-se, por que não, de “arteinterpretativa”.588

A interpretação é incompatível com fórmulas e equações, como se acomplexidade da vida pudesse ser representada em operações matemáticas. Odireito vem do homem e serve para o homem, pois a atividade de interpretarnão visa apenas a conhecer a norma através das técnicas interpretativas, mas,

principalmente, “conhecer tendo em vista as condições de aplicabilidade da normaenquanto modelo de comportamento obrigatório (questão da decidibilidade).”589 Enm, ainterpretação do Direito tem como to “operar a sua inserção na vida”.590

Certamente há limites à interpretação. Como diz Ávila (2003), interpretaré construir a partir de algo, isto é, reconstruir, “a uma, porque utiliza como pontode partida os textos normativos, como limites à construção de sentidos; a duas, porquemanipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assimdizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual.”591 

É para xar os parâmetros a serem utilizados na interpretação que a

hermenêutica estabelece as “regras técnicas que visam à obtenção de um resultado”,592

 dando o “instrumento a ser utilizado pelo intérprete para alcançar o núcleo semânticoda norma”.593 

A hermenêutica, em apertada síntese, elenca os seguintes métodosinterpretativos: o gramatical, que diz respeito à forma do texto e ao signicado

585 Idem, ibidem , p. 25.586 Idem, ibidem , p. 26.587 Além disso, Eros assevera que: “O trabalho jurídico de construção da norma aplicável a cada caso é trabalho

artesanal. Cada solução jurídica, para cada caso, será sempre, renovadamente, uma nova solução. Por issomesmo – e tal deve ser enfatizado -, a interpretação do direito realiza-se não como mero exercício de leitura detextos normativos, para o quê bastaria o intérprete ser alfabetizado” (Idem, ibidem, idem).

588 Celso Bastos expõe que: “ A interpretação, pode-se dizer assim, é verdadeiramente uma arte. Como as tin-tas que se apresentam ao pintor, os enunciados hermenêuticos são deixados ao tirocínio do intérprete. Assimcomo as tintas não dizem onde, como ou em que extensão deverão ser aplicadas na tela, o mesmo ocorre comos enunciados quando enfrenta-se um caso concreto. Por isso, não é possível negar, da mesma forma, o caráterevidentemente artístico da atividade desenvolvida pelo intérprete. A interpretação já tangencia com a própriaretórica. Não é ela neutra e fria como o é a Hermenêutica. Ela tem de persuadir, de convencer ” (Bastos, CelsoRibeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional – Celso Bastos Editor, p. 35).

589 Tercio Sampaio Ferraz Junior, 2. ed., São Paulo. Atlas. 1980, p. 74.590 Eros Roberto Grau. Op. cit. , p. 28.591 Humberto Ávila. Teoria dos Princípios da denição à aplicação dos princípios jurídicos. Malheiros. São

Paulo, 2003, p. 25.592 Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed., São

Paulo, Atlas, 2001, p. 282.593 Celso Bastos, op. cit. , p. 34-35.

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das palavras; o lógico, que, pelo raciocínio, busca encontrar o pensamento jurídico subjacente à edição da lei e esclarecer sua nalidade através daperquirição acerca da sua razão e da sua intenção; o histórico, caracterizado pela

investigação de elementos históricos subjacentes à edição da lei, os motivos pelosquais os legisladores editaram a lei; o sistemático, aquele em que se confronta odispositivo legal com as outras normas que tratam do mesmo assunto, visandoà manutenção da unidade do sistema previsto no ordenamento jurídico; e oteleológico, que se caracteriza pela busca da nalidade da norma, ou seja, analidade da edição da lei, dentro da unidade do sistema jurídico.

Esses métodos de interpretação constituem verdadeiros parâmetrosdelimitadores à subjetividade do intérprete, outorgando à operação umaaparência cientíca.594 Porém, o intérprete não está obrigado a utilizar todos osmétodos para alcançar o núcleo semântico da norma, utiliza-os à medida danecessidade que o problema impõe.

Especicamente em relação ao CTN, algumas premissas são fundamentaispara se compreender o seu alcance. A primeira diz respeito ao CTN ser umanorma geral de Direito Tributário (art. 146 da CF), devendo manter a necessáriacoerência, pois, na dicção de Bobbio (1996), “num ordenamento jurídico nãodevem existir antinomias”595 como condição de justiça do ordenamento.596 É certoque existem normas jurídicas incoerentes, mas há regras que visam justamente

dirimir os conitos das leis.597

 O que estamos a dizer, e esta é a segunda premissa, é que ao intérpretenão é dado produzir algo que leve a incoerência do ordenamento. Muito pelocontrário, seu trabalho precípuo é construir conceitos tratando o ordenamentocomo um sistema harmônico, como uma unidade, pois, o “direito objetivo, de facto,não é um aglomerado caótico de disposições, mas um organismo jurídico, um sistemade preceitos coordenados ou subordinados, em que cada um tem o seu porto próprio”,conforme ensina Ferrara (2002).598 

594 Idem, ibidem , p. 56.595 Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico. 8. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,

1996, p. 110.596 Idem, ibidem , p. 113.597 “A coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamento. É

evidente que quando duas normas contraditórias são ambas válidas, e pode haver indiferentementea aplicação de uma ou outra, conforme o livre-arbítrio daqueles que são chamados a aplicá-las, sãovioladas duas exigências fundamentais em que se inspiram ou tendem a inspirar-se os ordenamen-tos jurídicos: a exigência da certeza (que corresponde ao valor da igualdade). Onde existem duasnormas antinômicas, ambas válidas, e portanto ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não con-segue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever comexatidão as conseqüências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como o igual tra-tamento das pessoas que pertencem à mesma categoria.” (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento

 jurídico. 8. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996, p. 113).598 Francesco Ferrara, Como aplicar e interpretar as leis , trad. Joaquim Campos Miranda – Belo Horizonte:

Líder, 2002. p. 37.

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Essa coerência se alcança, entrando na terceira premissa, pela interpretaçãosistemática interna, isto é, dentro das próprias regras do CTN, bem como pelaexterna, pois, conforme leciona Amaro (2006), “não se legisla, nem se teoriza, nem

se ensina matéria tributária sem que se tenha presentes conceitos estruturados noutrosramos da ciência jurídica.”599 

É fundamental à compreensão do CTN, e estamos na quarta premissa,conhecer a fundo institutos, conceitos e formas de outros ramos do direito, emespecial da Teoria das Obrigações, nos quais encontramos respostas a diversasdúvidas comumente suscitadas em estudos sobre a obrigação tributária.

E, para nalizar as premissas, ao menos no presente trabalho, é precisoter em mente que, antes de ser tributária, a relação entre o contribuinte e o entetributante, regulada pelo CTN, é uma obrigação, ao menos segundo a norma

geral de direito tributário.

2) A doutrina que sustenta a classicação da obrigaçãoacessória como dever instrumental

É atribuído ao ilustre professor Paulo de Barros Carvalho o pioneirismode classicar as obrigações acessórias em deveres instrumentais ou formais.Seriam deveres instrumentais, segundo Carvalho (2007), em razão de faltar

às obrigações denominadas de acessórias, o pressuposto imanente a todas asobrigações, qual seja, o “conteúdo dimensível em valores econômicos”.600 Diz, ainda,o referido Professor:

“Por sem dúvida que a prestação pecuniária a que alude o art. 3º do Código dá uma feição nitidamente patrimonial ao vinculo tributário, pois o dinheiro – pecúnia – éa mais viva forma de manifestação econômica. Esse dado, que salta à evidência,nos autoriza a tratar o laço jurídico, que se instala entre o sujeito pretensor e osujeito devedor, como uma autêntica e verdadeira obrigação, levando-se em conta

a ocorrência do fato típico, previsto no descritor da norma. Mas é inaplicávelàqueloutras relações, também de índole scal, cujo objeto é um fazer ou não fazer,insusceptível de conversão para valores econômicos.”601

 E continua Carvalho, tratando das relações de fazer ou não fazer:“Tais relações são conhecidas pela designação imprecisa de obrigações acessórias,nome impróprio, uma vez que não apresentam o elemento caracterizador dos laçosobrigacionais, inexistindo nelas prestação passível de transformação em termos pecuniários. São liames concebidos para produzirem o aparecimento de deveres

599 Luciano Amaro. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 9.600 Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário , 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 322.601 Idem, ibidem , p. 320.

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 jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos

 práticos à percepção dos tributos.” 602

Mais adiante, o Professor compara o dever de fazer ou não fazer de índole

scal ao dever de todos respeitarem os semáforos e os sentidos estabelecidos

pela administração do tráfego para a boa ordem do trânsito.

Concluindo a sua inteligência, expõe, o ilustre Professor, sua preferência em

classicar aquele fazer ou não fazer utilizando a expressão “deveres instrumentais

ou formais”, explicitando:

“Deveres, com o intuito de mostrar, de pronto, que não têm essência obrigacional,

isto é, seu objeto carece de patrimonialidade. E instrumentais ou formais porque,

tomados em conjunto, é o instrumento de que dispõe o Estado-Administração para

o acompanhamento e consecução dos seus desígnios tributários.” 603 

3) Críticas à doutrina do dever instrumental

O respeito e a admiração que nutrimos pelo Professor Paulo não nos impede

de discordar e criticar, de forma construtiva para o Direito Tributário, sua lição

sobre a matéria, principalmente porque nela não encontramos respostas a várias

questões que, em nosso entendimento, são fundamentais à compreensão das

regras do CTN relativamente à obrigação acessória.

De fato, é fundamental à denição da natureza das obrigações acessórias,que têm como objeto uma prestação de fazer ou não fazer, responder previamente

às seguintes indagações:

• Qual é a função da patrimonialidade nas relações obrigacionais?

• Como se determina a estimação econômica, a patrimonialidade, nas

obrigações que tenham por objeto um fazer ou não fazer?

• Quais as diferenças entre uma obrigação e um dever jurídico?

602 Idem, ibidem , p. 321.603 Op. cit. , p. 323.

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Na doutrina do ilustre Professor Paulo não encontramos respostas àsreferidas indagações. Em nossa opinião, soa preconceituosa604 a conclusão de quea obrigação acessória é desprovida de caráter patrimonial sem antes demonstrar

como se perquire esse caráter patrimonial nas relações jurídicas obrigacionaisque tenham por objeto a prestação de fazer ou não fazer.

O interessante é que estudos mais recentes sobre a matéria, com raríssimasexceções, simplesmente repetem, sem maiores questionamentos, que a obrigaçãoacessória é um dever instrumental. Poderíamos optar por seguir este mesmocaminho, o que, sem sombra de dúvidas, seria mais fácil e menos arriscado.Todavia, a seguir, procuraremos responder àquelas indagações como elementonecessário à correta compreensão e classicação das obrigações acessórias.

4) Propedêutica jurídica necessária à compreensão dasobrigações acessórias

4.1) A razão de ser da patrimonialidade nas obrigações

As obrigações, é cediço, pertencem à categoria das relações de naturezapessoal, sendo um vínculo jurídico em que uma pessoa ca submetida à

satisfação de uma prestação em proveito de outra, que, por sua vez, tem o poderde exigir-lhe o cumprimento em caso de inadimplemento.

Enquanto o objeto da obrigação é a prestação (ato de dar, fazer ou nãofazer), o objeto da prestação é a coisa material em si mesma considerada,sobre a qual incide o ato. Num contrato de compra e venda de uma caneta, porexemplo, como decorrência do pagamento do preço, o vendedor estará obrigadoà prestação de dar (objeto da obrigação) que tem por objeto a caneta (objeto daprestação).

Nas obrigações pecuniárias, mais especicamente nas de dívida de simplesquantia, o objeto da obrigação será o dar, enquanto que o objeto da prestação, aquantia estipulada. Numa prestação de serviços envolvendo a pintura de umacasa, o objeto da obrigação é uma prestação de fazer e o objeto da prestação é apintura da casa.

Na clássica conceituação de Beviláqua (2000), obrigação é:

“a relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazeralguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém que por

604 De preconceito (pré+conceito), que, segundo o Dicionário Aurélio (Ed. Nova Fronteira, 1995) é oconceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos;ideia preconcebida.

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acto nosso, ou de alguém comnosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei,adquiriu o direito de exigir de nós essa acção ou omissão”.605

Preferimos, entretanto, o conceito de Gomes (2007), que ressalta apossibilidade de o credor invadir o patrimônio do devedor em caso deinadimplemento. Diz o mestre baiano que a obrigação é:

“um vínculo  entre duas partes, em virtude do qual uma delas ca adstrita asatisfazer uma prestação patrimonial de interesse da outra, que pode exigi-la, se não for cumprida espontaneamente, mediante agressão ao patrimônio do devedor.”606

Esta é a razão de ser do conteúdo econômico ou patrimonial da prestação

de dar, fazer ou não fazer, qual seja, possibilitar a coação jurídica com agressãodo patrimônio do devedor na hipótese do não cumprimento espontâneo daobrigação. Orlando Gomes faz importante observação no sentido de que, naobrigação, o “interesse não precisa ser econômico, mas o objeto da prestação há de terconteúdo patrimonial” ,607 ressaltando, ainda, que:

“Na sua contextura, a prestação precisa ser patrimonial, embora possa correspondera interesse extrapatrimonial. A patrimonialidade da prestação, objetivamenteconsiderada é imprescindível à sua caracterização, pois, do contrário, e segundo

 ponderação de Colagrosso, não seria possível atuar a coação jurídica, predispostana lei, para o caso de inadimplemento.”608

Este é o vínculo jurídico decorrente das obrigações, que se agura uno,indissociável, como “o direito do credor de impor ao devedor uma prestação positivaou negativa, dando lugar a uma diminuição da liberdade do sujeito passivo, pois não poderá libertar-se da relação obrigacional sem cumpri-la, visto que o credor, insatisfeitoestá autorizado a acioná-lo, promovendo a execução de sentença, penhorando seus bens elevando-os à praça, para obter com o produto o valor correspondente à prestação devida.”609 

Dizemos que a obrigação é una, pois a relação jurídica se extingue tãosomente após a execução espontânea ou judicial da prestação ou do seuequivalente pecuniário. O vínculo jurídico na relação obrigacional nasce a partirdo fato que lhe deu origem (fonte mediata), extinguindo-se, de modo geral, coma quitação da obrigação de modo espontâneo ou, em caso de inadimplemento,mediante coação judicial.

605 Direito das Obrigações , Red Livros, Campinas, 2000, p. 20.606 In: Obrigações , 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 17.607 Op. cit., p. 24.608 Op. cit. , p. 24.609 Cf. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro , 2º vol.; Teoria Geral das Obrigações , 23. ed. rev.

atual. e ampl. De acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei nº 276/2007. SP: Saraiva, 2008,p. 38.

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4.2) O conteúdo econômico nas obrigações de dar, fazer ou não fazer

Nas obrigações de dar, como, por exemplo, na compra e venda de uma

caneta, isto é, de dar coisa certa, caso o vendedor não entregue a caneta poderáo comprador exigir a entrega da coisa por meio de execução especíca. Se forimpossível a entrega da coisa por culpa do vendedor, o comprador poderá exigiro equivalente ou aceitar a coisa no estado em que se encontra, em ambos os casosacrescido de perdas e danos.

Nas obrigações de dar, o conteúdo econômico está adstrito ao próprio bem objeto da relação obrigacional mais os eventuais prejuízos que o devedorinadimplente causou.

Diversamente das obrigações de dar, as obrigações de fazer ou não fazernão comportam execução especíca pela parêmia nemo ad factum praecise cogi potest (ninguém pode ser constrangido a fazer uma coisa). Ou seja, não é dadoao credor o poder de exigir do devedor o ato de fazer ou não fazer inadimplido.

Ademais, as obrigações de fazer ou não fazer, em geral, envolvem interessesextrapatrimoniais, o que não afasta a necessidade de a prestação ter conteúdopatrimonial, conforme lição de Orlando Gomes acima citada.

É por essas razões – inexistir execução especíca e envolver interessesextrapatrimoniais – que o conteúdo econômico da prestação de fazer ou não

fazer é determinado por intermédio das perdas e danos, conforme ensinaBeviláqua (2000):

“As obrigações são, em regra, apreciáveis economicamente, reductíveis a umasomma em dinheiro. Excepcionalmente, porém, essa reducção não se dará, sendoem todo o caso, necessário recorrer a um critério pecuniário para constranger àexecução ou para punir uma inexecução. Por esse efeito apparecerão as multas,indenizações, que apreçarão aquillo que, por sua essencia e por seu próprio destino,

é naturalmente inapreciável.”610

As perdas e os danos são o equivalente pecuniário da prestação de fazerou não fazer,611 como previsto no artigo 248 do Código Civil, que preceitua: “Se a prestação do fato torna-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos. 

A relação obrigacional de fazer ou não fazer inadimplida, portanto, resolve-se mediante a conversão da prestação de fazer ou não fazer no seu equivalentepecuniário, que são as perdas e os danos (multas ou indenizações).

610 Clóvis Beviláqua. Direito das Obrigações. Campinas. Red Livros, 2000, p. 18.611 Diz o Código Civil: Art. 947. Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á

 pelo seu valor, em moeda corrente.

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Em apertada síntese, nas obrigações que tenham por prestação um fazerou não fazer, o credor não possui o poder de constranger o devedor a cumprirespecicamente com aquilo que se comprometeu. Nessas situações, em razão

do inadimplemento, a obrigação resolve-se mediante a conversão da prestaçãode fazer ou não fazer em uma prestação de dar o valor correspondente asperdas e danos, como forma de possibilitar a coação jurídica com agressão aopatrimônio do devedor.

4.3) Formas de estipulação de perdas e danos nas obrigações defazer ou não fazer

Em regra, as partes, por meio de cláusula penal, ou a própria lei, mediante

penalidades, estabelecem o valor das perdas e dos danos decorrentes doinadimplemento das obrigações de fazer ou não fazer. Inexistindo perdas edanos fixados pelas partes ou pela lei, caberá ao juiz arbitrar o valor, mesmonas hipóteses em que o interesse em jogo seja extrapatrimonial, comodemonstra Monteiro (1999):

“Alguém, exemplificativamente, adquire certo apartamento num edifício emcondomínio, comprometendo-se a não tocar piano em suas dependências. À primeira vista, falece o requisito da patrimonialidade a essa obrigação de não

 fazer; mas, nada impede se convencione semelhante prestação, perfeitamenteválida, porque dela advêm reflexos patrimoniais ponderáveis. Não há dúvidasque, no caso de inadimplemento, difícil será, talvez, a fixação ou determinaçãodos danos. Contudo, tal circunstância, por si só, não lhe excluirá a patrimonialidade, atenta a regra do art. 1.553, do Código Civil, segundo aqual “nos casos não previstos neste Capítulo, se fixará por arbitramento aindenização”.612 

Inexistindo previamente a estipulação de perdas e danos para

quantificar a prestação nas obrigações de fazer ou não fazer envolvendointeresse extrapatrimonial, o cunho patrimonial da prestação serádeterminado pelo juiz.613

Dessa forma, nas obrigações que possuam por objeto uma prestação defazer ou não fazer, a estimação econômica está centrada no valor de perdas edanos (penalidade ou indenização) estabelecida por contrato, lei ou pelo juiz,necessária e suciente para assegurar o constrangimento judicial do devedor emcaso de inadimplemento.

612 Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil , 4º Vol., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 22.613 “Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição xando a indeniza-

ção devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.”

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4.4) A conversão da prestação de fazer ou não fazer em um dar

Nesse passo cabe chamar a atenção para um ponto da teoria das obrigações

incorporado integralmente ao CTN. É a conversão da prestação de fazer e nãofazer numa prestação de dar.

É simples a questão, pois, sendo impossível obrigar o devedor inadimplentea fazer ou não fazer o prometido, a obrigação resolve-se com o pagamento deperdas e danos, que é uma obrigação de dar.

Maria Helena Diniz, ao tratar da inadimplência nas obrigações de fazer ounão fazer, explica a conversão, asseverando que “se a prestação se impossibilitou por culpa do devedor, responderá este pelas perdas e danos (CC, arts. 248, inne, e 389), pois ninguém pode ser compelido a realizar o impossível: ad impossibilia nemo tenetur;logo, a prestação converter-se-á no seu equivalente pecuniário”,614 exemplicando:

“Se a impossibilidade da obligatio ad faciendum foi deliberadamente provocada pelocantor que permanece nos Estados Unidos no dia em que deveria fazer uma exibiçãono Teatro Municipal de São Paulo, ou pela rma construtora que se obrigara aconstruir um prédio em certo terreno, e deixa de edicar para vender o terrenoonde deveria levantar o prédio, o cantor e a rma deverão pagar perdas e danos,convertendo-se a obrigação de fazer em obrigação de dar.” 615

O inadimplemento da obrigação de fazer ou não fazer provoca a conversãodaquela prestação, seja positiva ou negativa, numa prestação de dar o seuequivalente pecuniário, consubstanciado em perdas e danos que, em regra, sãoxados por intermédio de penalidades.

O conhecimento dessa “conversão” é fundamental para se compreender aregra singela do § 3º do art. 113 do CTN, tão criticada pela doutrina, no sentidode que a obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

5) A obrigação tributária no CTN

5.1) O objeto da obrigação e da prestação na obrigação tributáriaprincipal

O artigo 113 do CTN, em seu § 1º, preceitua que a obrigação tributáriaprincipal surge com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento

de “tributo” ou de “penalidade pecuniária”. Eis o que diz o dispositivo:

614 Op. cit. , p. 105/106.615 Idem, ibidem, idem.

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“Art. 113. (...)§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objetoo pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o

crédito dela decorrente.”A obrigação tributária denominada de principal tem por objeto a prestaçãode pagar ou, em outras palavras, a prestação do devedor dar ao credordeterminada quantia. O objeto da prestação, a coisa material sobre a qual incideo ato de dar, é o “tributo” ou a “penalidade pecuniária”.616 

Tributo é conceituado pelo artigo 3º do CTN como: “(...) toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constituasanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

A “penalidade pecuniária”, que é objeto da prestação de dar naobrigação tributária principal, nos termos do art. 113, § 1º, do CTN, decorredo inadimplemento da obrigação de fazer ou não fazer, denominada“acessória”. Esta é a disposição expressa do § 3º do art. 113 do CTN, queassim preceitua: “ A obrigação acessória [de fazer] , pelo simples fato da suainobservância, converte-se em obrigação principal [de dar] relativamente a penalidade pecuniária”  (colchetes nossos). Estamos diante da conversãoda obrigação de fazer ou não fazer inadimplida numa obrigação de dar,mencionada no item 4.4 acima, ao qual voltaremos adiante.

Registre-se que o § 1º do art. 113 do CTN, ao mencionar a “penalidadepecuniária”, está tratando apenas daquela penalidade decorrente dofenômeno de conversão da obrigação acessória inadimplida na forma do §3º do mesmo dispositivo, para considerá-la objeto da obrigação tributáriadenominada principal. Esta “penalidade pecuniária” é exigida de forma isolada,independentemente de qualquer evento ligado ao pagamento do tributo.

Outras penalidades, multas, aplicadas em razão da mora ou doinadimplemento quanto ao pagamento do tributo, já integram a obrigaçãoprincipal por constituírem mero acessório da obrigação de dar (o tributo). Os

 juros também incidentes em caso de atraso e inadimplemento são, da mesmaforma, acessórios à obrigação principal de pagar o tributo. Em ambos os casos, amulta e os juros são cobrados em conjunto com o próprio tributo.

Em suma, enquanto a “penalidade pecuniária” decorrente doinadimplemento da obrigação acessória existe juridicamente de per si, possuindoautonomia jurídica, como objeto da prestação da obrigação principal, as outras

616 Nesse sentido é a lição de Luciano Amaro: “... a obrigação, no direito tributário, não possui conceituaçãodiferente da que lhe é conferida no direito obrigacional comum. Ela se particulariza, no campo dos tributos,

 pelo seu objeto, que será sempre uma prestação de natureza tributária, portanto um dar, fazer ou não fazer deconteúdo pertinente a tributo. O objeto da obrigação tributária pode ser: dar uma soma pecuniária ao sujeitoativo, fazer algo (p. ex., emitir nota scal, apresentar declaração de rendimentos) ou não fazer algo (p. ex., nãoembaraçar a scalização). É pelo objeto que a obrigação revela sua natureza tributária.” (AMARO, Luciano.“Direito Tributário Brasileiro”, 7. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2001, p.237.)

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multas e, também, os juros pressupõem e dependem da existência da obrigaçãode pagar o tributo por constituírem meros acessórios daquela obrigação de dar.

5.2) O objeto da obrigação e da prestação na obrigação tributáriaacessória

A obrigação tributária acessória decorre da legislação e tem por objetouma prestação, um ato, positivo ou negativo, no interesse da arrecadação ou dascalização dos tributos. O objeto da obrigação acessória, portanto, é o fazer ounão fazer,617 como deixa patente o disposto no artigo 115 do CTN.618

O objeto da prestação da obrigação tributária denominada acessória é

qualquer situação estabelecida pela legislação tributária em favor da scalizaçãoou da arrecadação de tributos. Em outras palavras, é uma utilidade, um fazer ounão fazer em favor da administração tributária, ou melhor, da scalização ou daarrecadação dos tributos.

O § 3º do artigo 113 do CTN preceitua que, pelo simples fato de suainobservância, a obrigação acessória que tem como prestação um fazer ounão fazer converte-se em obrigação principal de dar ao credor o seu valorequivalente determinado na penalidade pecuniária, conversão esta tão criticadapela doutrina,619  mas que advém da teoria geral das obrigações, como acima

demonstrado em 4.4.Existe esta conversão porque o ente tributante não possui o poder de coagiro sujeito passivo a satisfazer a prestação de fazer ou não fazer de forma especícaem respeito à sua liberdade individual assegurada pelo vigor pleno da regra deque ninguém pode ser constrangido a fazer alguma coisa.

617 Washington de Barros rechaça as armações de que faltaria às obrigações de não fazer objeto, as-

severando que “a abstenção é também um fato, porque sujeita a pessoa obrigada a determinadocomportamento; no fundo, ela traduz-se num ato humano. Pode, pois, perfeitamente, gurar comoprestação do devedor.” (op. cit. , p. 104).

618 “Art. 115 - Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõea prática ou a abstenção de ato que não congure obrigação principal.”

619 Luciano da Silva Amaro, em Direito Tributário Brasileiro, 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, preceitua: “Emverdade, não se dá aí nenhuma conversão ou transguração. O que se passa é que o descumprimento da obri-

 gação formal congura ato omissivo ilícito, o que, entre outras possíveis conseqüências, pode dar ensejo à apli-cação de uma penalidade pecuniária (que não tem natureza de tributo). (Direito Tributário Brasileiro , Saraiva,2002, p. 240/241). Para Hugo de Brito Machado: “Na verdade o inadimplemento de uma obrigaçãoacessória não a converte em obrigação principal. Ele faz nascer para o sco o direito de constituir umcrédito tributário contra o inadimplente, cujo conteúdo é precisamente a penalidade pecuniária, valedizer, a multa correspondente.” (Curso de Direito Tributário , Malheiros, 1997, p. 88). Leandro Paulsenleciona: “A impropriamente chamada conversão depende de previsão legal especíca, estabelecendo pena pecu-niária para o descumprimento da obrigação acessória. Ou seja, não há uma conversão automática em obrigação

 principal. O que ocorre, sim, é que o descumprimento da obrigação acessória normalmente é previsto em leicomo causa para a aplicação de multa, esta considerada obrigação principal nos termos do § 1º deste artigo.”

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Assim, o CTN utilizou o instituto da “conversão” da Teoria Geral dasObrigações, estabelecendo a conversão da obrigação de fazer ou não fazer(acessória) numa obrigação (principal) de dar o seu equivalente em pecúnia,

correspondente, no caso das obrigações acessórias, às perdas e aos danos xadospor intermédio da penalidade pecuniária.

E o fez exatamente para estabelecer o critério necessário para forçar aexecução espontânea da obrigação ou, em caso de inadimplência, permitira agressão do patrimônio do devedor inadimplente, que deverá pagar apenalidade que corresponde às perdas e aos danos xadas previamente pelalegislação tributária.

5.3) O conteúdo econômico das obrigações acessórias

É possível armar, diante do acima expendido, que o conteúdo econômicode cada prestação de fazer ou não fazer alguma utilidade em favor do entetributante em decorrência da obrigação acessória é estabelecido previamentepela legislação tributária, quando esta determina a penalidade pecuniáriadecorrente do seu inadimplemento.

Com o inadimplemento da obrigação acessória de fazer ou não fazer,inexistindo a possibilidade de execução especíca, esta automática einfalivelmente se converterá em uma obrigação de dar, denominada principal,em relação à penalidade pecuniária, que corresponde ao valor equivalentedaquela obrigação de fazer inadimplida.

É a legislação tributária, portanto, que dene o conteúdo econômico daobrigação de fazer quando estabelece a “penalidade pecuniária” como “critério pecuniário para constranger à execução ou para punir uma inexecução” (Beviláqua).

Dessa forma, somos da opinião de que há, na obrigação tributáriadenominada acessória, um conteúdo dimensível em valores econômicos,conteúdo este que será a penalidade pecuniária estipulada na legislaçãotributária em razão do inadimplemento da prestação de fazer ou não fazer.

5.4) O equívoco de classicar as obrigações acessórias como um“dever”

Além do elemento patrimonial, presente na relação obrigacional e ausente nodever jurídico, há outras características que são fundamentais para diferenciá-los.Ensina Orlando Gomes (2007) que: “o dever jurídico é a necessidade que corre

a todo indivíduo de observar as ordens ou comandos do ordenamento jurídico, sob pena

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de incorrer numa sanção, como o dever universal de não pertubar o exercício do direitodo proprietário”.620

Assim, diferentemente das obrigações que constituem uma relação entre

duas pessoas, entre duas partes, o dever jurídico constitui uma regra de condutaimposta pelo ordenamento jurídico à coletividade.

No caso da obrigação acessória, o Código Tributário Nacional é expressoao estabelecer a relação jurídica entre um sujeito ativo, que “é a pessoa jurídicade direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento” (art. 119 doCTN), e um sujeito passivo, que “é a pessoa obrigada às prestações que constituamo seu objeto”  (art. 122 do CTN). O objeto da prestação será o ato positivo ounegativo, o fazer ou não fazer, no interesse da arrecadação ou da scalizaçãodos tributos.

Não há como confundir uma obrigação acessória, que é uma relaçãoentre pessoas, com, por exemplo, o dever de todos respeitarem os semáforose os sentidos estabelecidos pela administração do tráfego para a boa ordemdo trânsito, que constitui uma norma de conduta dirigida à coletividade. Nãohá, no dever de respeitar os semáforos, uma relação entre pessoas, mas sim aimposição do ordenamento à coletividade.

Outra diferença deui do fato de o dever jurídico, como “toda a necessidade,imposta ou sancionada pelo direito (objetivo), de pessoas a observarem determinadaconduta”,621  ser uma situação de caráter permanente, perdurando enquantovigorar a regra de conduta estabelecida pelo ordenamento. O respeito aossemáforos é permanente, ao menos enquanto vigorar as leis de trânsito quedeterminam este dever. Esse dever não é instituído para ser extinto, mas simpara ser permanentemente obedecido por todos.

Por outro lado, as relações obrigacionais ditas acessórias são de naturezatransitória, pois elas são criadas para serem extintas, resolvidas, após o seuadimplemento espontâneo ou mediante o cumprimento coativo com a agressãodo patrimônio do devedor. Cada nota scal emitida decorre de uma obrigação

que nasceu em razão do seu fato gerador e foi extinta em razão da sua emissão(adimplemento). É transitória a obrigação acessória, ademais, de a pessoa jurídica, sujeita à tributação com base no lucro real, manter escrituração comobservância das leis comerciais e scais,622 nos termos do art. 251 do RIR/99.623

620 Op. cit. , p. 11.621  João Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações , RJ, Forense, 1977, Vol. I, p. 54.622 A escolha dessa obrigação acessória não foi por acaso. É que muitos a utilizam para justicar a não

transitoriedade das obrigações acessória, o que é um equívoco.623 Art. 251. A pessoa jurídica sujeita à tributação com base no lucro real deve manter escrituração com

observância das leis comerciais e scais (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 7º).  Parágrafo único. A escrituração deverá abranger todas as operações do contribuinte, os resultados

apurados em suas atividades no território nacional, bem como os lucros, rendimentos e ganhosde capital auferidos no exterior (Lei nº 2.354, de 29 de novembro de 1954, art. 2º, e Lei nº 9.249, de1995, art. 25).

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Manter a escrituração naquele caso especicado é uma obrigação transitóriade execução continuada “que se protrai no tempo, caracterizando-se pela prática ouabstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo”.624 

Essa obrigação de manter a escrituração de forma adequada é executada durantecada período de apuração do imposto de renda, que, atualmente, é apuradotrimestral ou anualmente.

Findo o período de apuração, a obrigação de fazer resolve-se com oseu cumprimento ou, em caso de inadimplemento, mediante o pagamentoda penalidade pecuniária. Noutro período de apuração surgirá uma novaobrigação acessória, igual à do período anterior, se o contribuinte estiver sujeitoà tributação pelo imposto de renda com base no lucro real. Se, por outro lado, apessoa jurídica optar pela tributação pelo lucro presumido ou arbitrado naquele

outro período, não mais terá que cumprir aquela obrigação acessória de mantera escrituração com base na observância das leis comerciais e scais, e outrasurgirá em seu lugar.

Outra diferença entre um dever e a obrigação dita acessória diz respeitoao seu objeto. A administração pública, para instituir uma obrigação acessória,deve justicar o interesse da arrecadação ou da scalização dos tributos. Ointeresse da arrecadação ou da scalização, nesse caso, é a própria razão de serdo ato positivo ou negativo.

A obrigação acessória, em verdade, é “uma realidade jurídica de naturezateleológica”, na expressão de Miguel Reale,625 pois serve de “meio adequado e bastanteà consecução de um m”. É manifestamente ilegítima a obrigação acessória quandoinexiste interesse da arrecadação ou da scalização dos tributos. Caso essaobrigação seja instituída e venha perder a causa motivacional, por consequência,perderá a sua ecácia.

O dever jurídico, por outro lado, não possui objeto especíco; será todaordem de conduta dirigida à coletividade. É o ordenamento jurídico queestabelece quais as condutas que deverão ser cumpridas. Hoje, não matar é um

dever, mas amanhã poderá deixar de sê-lo integral ou parcialmente, dependendoapenas das regras do ordenamento.Ademais, a penalidade pecuniária que deui do inadimplemento da

obrigação acessória tem como fonte ou causa a relação jurídica obrigacional. É oinadimplemento da prestação que faz nascer a penalidade pecuniária, que possuia natureza de perdas e danos. A penalidade, nesse caso, faz parte da própriarelação jurídica obrigacional e serve para constranger o devedor inadimplentede modo a resolver/extinguir a relação.

A multa que deui de um dever tem como fonte o ato ilícito praticado. Ao

ultrapassar o semáforo, o Estado, aquele que tem o poder e o dever de exigir

624 Cf. Maria Helena Diniz, op. cit. , p. 130.625 In: Aplicações da Constituição de 1988 , Forense, p. 68.

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o cumprimento das leis, poderá multar o infrator como forma de punir a suailicitude. Ensina Beviláqua:

“ Até o dever de respeitar a propriedade alheia não é redutível a uma expressão pecuniária. E se, por não cumpri-lo, tiver alguem de pagar alguma somma, estaapparece pela execução de uma obrigação nascida de um acto ilícito, culposo oudoloso.”626

Dessa forma, a obrigação acessória possui elementos caracterizadores bemdistintos dos deveres jurídicos, uma vez que possui conteúdo econômico, érelação entre pessoas e de caráter transitório, na medida em que se esgota como seu adimplemento (entregar a declaração, escriturar a nota scal) ou com opagamento da “penalidade pecuniária”, em caso de inadimplência.

Conclusão

Em conclusão, somos da opinião de que a obrigação acessória não podeser confundida com um dever jurídico. As relações jurídicas reguladas peloCTN que tenham como prestação um fazer ou não fazer possuem conteúdoeconômico, envolvem um sujeito ativo e um passivo e são de caráter transitório,constituindo uma verdadeira relação de natureza obrigacional.

O necessário conteúdo econômico da prestação de fazer ou não fazer algumautilidade em favor do ente tributante é determinado pela legislação tributária aoxar a penalidade pecuniária pela inobservância da obrigação acessória.

Inadimplida a obrigação acessória de fazer ou não fazer, inexistindo apossibilidade de execução especíca, aquela se converterá em uma obrigaçãode dar, denominada principal, em relação à penalidade pecuniária, de modoa permitir a agressão do patrimônio do devedor inadimplente e a extinção darelação jurídica.

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626 Op. cit. , p. 18.

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S P: P A R T

S T André Luiz Andrade dos Santos

Sumário: 1. Introdução. 2. Relação Jurídico-Tributária. 3. Contribuinte. 4. Responsabilidade Tributária: 4.1. Questões Processuais. 5. Substituição Tributária: 5.1. A retenção na fonte; 5.2. Substituição tributária aplicada ao ICMS. 6. Conclusão. Referências Bibliográcas.

1. Introdução

O sujeito passivo da obrigação tributária principal é aquela pessoa, naturalou jurídica, que estiver obrigada ao pagamento da obrigação principal (tributo)ou secundária (penalidade pecuniária). Pode o sujeito passivo da obrigaçãoprincipal ser contribuinte , quando estiver intimamente ligado à ocorrência dahipótese descrita no antecedente da norma jurídica tributária, e responsável ,quando, mesmo sem ter relação íntima com a situação descrita como fato

imponível, estiver obrigado ao pagamento por força de disposição expressa delei.

Na mesma linha, sujeito passivo da obrigação tributária acessória é aqueleobrigado ao cumprimento de obrigações que não constituam pagamento,mas sim um fazer ou não fazer determinado em lei. Da mesma forma, pode-se ter como sujeito passivo da obrigação acessória o contribuinte ou um terceiro indicado na lei.

A Constituição de 1988, ainda que de modo implícito, aponta o sujeitopassivo possível de alguns tributos, isto é, a pessoa que poderá ser colocada pelalei na contingência de efetuar o pagamento do tributo.

Em tese, tal dever caberia a quem realiza o fato gerador (hecho imponible627),assim como dispõe o art. 121 do Código Tributário Nacional, em seu inciso I,denindo como sujeito passivo da obrigação principal o contribuinte, quando

627 Segundo Fernando Vicente-Arche Domingo: “De aquí se llega a la consideración del hecho imponible y delacto de liquidación como elementos concurrentes em el nacimento de deuda impositiva, o mejor, a la fusión deambos elementos, lo que equivale a sostener que la norma atribuye también relevancia jurídica al acto de liqui-dación al igual que hace com lo hecho imponible. Que ello no es así quedará claro em virtud de cuanto expon-

dremos a continuación, mas podemos adelantar ahora que es el hecho imponible y no el acto administrativo deliquidación el que viene considerado sub specie iuris y com anterioridad al momento de la liquidación del tribu-to, puesto que la norma lo asume em su previsión fáctica como productor de efectos jurídicos.” (Consideracionessobre el hecho imponible , artigo publicado na Revista de Derecho Fianciero y de Hacienda Pública, nº39, Madri, 1960, p. 579).

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tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fatogerador.

A regra geral, portanto, é que apenas o realizador do fato gerador deve ter

seu patrimônio alcançado em razão da tributação.O inciso II do art. 121 prevê também como sujeito passivo o responsável,

por força de disposição expressa de lei, pelo pagamento do tributo.Cumpre observar aqui a necessidade de existência de uma conexão entre a

materialidade do tributo e seu respectivo sujeito passivo.A determinação do responsável tributário merece cautela, de forma que

sejam atendidos os princípios constitucionais e não sejam causadas verdadeirasinjustiças.

O objetivo do presente trabalho é analisar a sujeição passiva tributáriaatravés do exame da legislação aplicável, bem como sob a ótica dos tribunaissuperiores em relação a casos concretos de caracterização do sujeito passivo, sejaesse contribuinte ou responsável.

2. Relação Jurídico-Tributária

Inicialmente, é preciso compreender que a relação jurídica de naturezatributária não se relaciona com o direito das obrigações, próprio do direito

privado.Em que pese a opinião de considerável parte da doutrina628 no sentido deadotar uma relação de paridade entre sujeitos ativo e passivo (teoria dualistadas obrigações, própria do direito civil) no direito tributário, não se trata damelhor abordagem, pois, no ramo do direito público, a Administração Públicapossui o dever-poder de efetuar o lançamento scal e cobrar o débito tributário,desinteressadamente, em virtude de lei.

Assim se refere Aurélio Pitanga Seixas Filho629 à questão:

O único interesse da Fazenda Pública é o de aplicar a lei, é o de exercer asua função administrativa tributária sem se desviar da correta e inexívelinterpretação da norma jurídica, o que congura uma atuação nãoconitante com os interesses dos contribuintes, não existindo, desta forma,conito de interesses entre a Fazenda e o contribuinte.

628 Vale registrar a manifestação de Alberto Xavier: “E por isso a relação jurídica de imposto é umarelação de crédito (Schuldverhaltnis) e não uma relação de poder (Gestalverhaltnis). O ente público afavor de quem a lei criou um crédito do imposto surge assim investido na qualidade de credor, desujeito ativo – e daí armar-se que ele possui capacidade tributária – ou seja, capacidade de gozode direitos tributários.” (apud BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária.Editora Dialética, 2000, p. 153).

629 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Regime Jurídico dos Recursos Administrativos Fiscais e os seus Efeitos ,Revista de Processo, Ed. RT, São Paulo, nº 25, p. 55.

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Tanto no procedimento administrativo do lançamento tributário como nodo recurso para controlar a sua legalidade, a atividade da administraçãoserá conduzida não como de uma parte em defesa de algum interesse em

conito com o interesse de outra parte, porém, a função administrativa seráexercida imparcialmente no cumprimento de um dever jurídico.

Isso porque o órgão responsável pela cobrança do tributo tem o deverlegal de assim proceder, sendo certo que se trata de verdadeira potestade, assimdenida pelo mencionado autor:630

A potestade ou dever-poder que a autoridade scal tem de exigir das

pessoas o cumprimento de seus deveres tributários, é uma função atribuídapelo ordenamento jurídico para ser exercida por dever de ofício e que nãopode ser confundida como uma ação de defesa de direito subjetivo oude uma simples faculdade, já que a relação tributária funciona de formadiferente das obrigações de Direito Privado, porque seu regramento é todode Direito Público, especialmente com regência do Direito Administrativoe particularidades do próprio Direito Tributário, sendo a sua principalcaracterística a indisponibilidade sobre o cumprimento dos deveres jurídico-tributários impostos diretamente pela lei.

Não se relacionando o direito tributário com o direito das obrigações,temos que também não é concedida qualquer liberdade à autoridade fazendáriaquanto à escolha do sujeito passivo da obrigação tributária, sendo certo que taleleição decorre de lei.

Com efeito, a distinção é de suma importância para o estudo da sujeiçãopassiva. Isso porque, quando nos atemos ao estudo da responsabilidadetributária, parte da doutrina trabalha com os pressupostos débito (Schuld) eresponsabilidade (Haftung), conceitos estes trazidos da mencionada teoriadualista das obrigações, segundo a qual, na hipótese de ser aplicada ao direitotributário, caberia ao responsável tributário apenas a responsabilidade pelopagamento do débito, enquanto que, para o contribuinte, persistiria o débito.

Quanto à denição do sujeito passivo, a doutrina debate acerca da existênciade liberdade, por parte do legislador, para a escolha de quem deve pagar otributo.

Nesse sentido, cumpre assinalar que é possível vericar no próprio textoconstitucional quais os critérios para a denição do sujeito passivo, em especial

nos tributos discriminados na Carta Magna.

630 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga, Princípios Fundamentais de Direito Administrativo Tributário – AFunção Fiscal. Editora Forense, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2003, p. 7.

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A Constituição discriminou impostos da competência da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios, concedendo competência residualpara essa matéria à União.631

A importância da discriminação de certos tributos pela Constituiçãoresulta no fato de que, em tais tributos, a liberdade de atuação do legisladorinfraconstitucional encontra limitações no próprio texto constitucional, sendocerto que, para a denição do sujeito passivo, há critérios ali previstos quedevem ser observados.

Exemplo de limitação podemos encontrar na redação originária do textoconstitucional, que previa que a União poderia instituir contribuições sociais paraa previdência incidindo sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro dosempregadores (cf. art. 195, I e II632). Assim, não poderia o legislador, até que fosse

alterado o texto da Constituição, criar contribuições para contribuintes que nãorecebiam salário. Vale lembrar que a emenda Constitucional nº 20/98 resolveu aquestão ampliando o campo de tributação aos demais rendimentos do trabalho.

  Uma vez esclarecida a relativização da liberdade de escolha do sujeitopassivo por parte do legislador, passemos, portanto, ao estudo dos sujeitospassivos da relação jurídico-tributária, a começar pelo contribuinte.

3. Contribuinte

O sujeito passivo que participa diretamente da causa jurídica do tributo, ouseja, da prática do fato gerador, é denido como contribuinte.

Conforme já mencionado, é possível identicar os sujeitos passivos a partirdo próprio texto constitucional, tarefa essa com grau de diculdade diverso paracada tipo de tributo.

Como exemplo, vale armar que não é difícil identicar o sujeito passivode imposto sobre a propriedade, o mesmo não ocorrendo em relação ao impostosobre grandes fortunas, autorizado pela Carta Magna, mas ainda não criado

pelo legislador infraconstitucional.Desnecessário dizer que um dos critérios para a determinação do sujeitopassivo se trata da própria materialidade de cada tributo denida pelaConstituição de 1988.

631 “ Art. 154. A União poderá instituir:  I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e

não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.632 Assim constava a mencionada redação original:

“ Art. 195. A seguridade social será nanciada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,

mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, edas seguintes contribuições sociais:I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;II - dos trabalhadores”; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: SenadoFederal, 1988).

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 Já para os tributos cuja previsão não se encontra no texto constitucional,o legislador infraconstitucional está adstrito ao respeito às disposições e aosprincípios da Constituição.

Sendo o contribuinte o sujeito passivo que realiza o fato gerador daobrigação tributária, é preciso distinguir o contribuinte de fato e o contribuintede direito.

 Segundo Ricardo Lobo Torres, é preciso:633

Contribuinte de direito é o solvens , a pessoa que, realizando a situaçãoque constitui o fato gerador, ca obrigada ao pagamento do tributo.O contribuinte de direito tem simultaneamente o débito (schuld) e aresponsabilidade (haftung).

Contribuinte de fato é a pessoa que sofre o encargo nanceiro do tributomas que não realiza o fato gerador nem participa da relação tributária.O contribuinte de fato é gura típica dos impostos indiretos, nos quaisrepercute sobre terceiros o ônus nanceiros da incidência. Assim, porexemplo, no ICMS, que é imposto indireto, o contribuinte de direito é ocomerciante que promove a saída da mercadoria e que recolhe a prestaçãotributária ao Estado, enquanto o contribuinte de fato é o comprador ouconsumidor, que suporta no próprio bolso a carga econômica da imposição.

A sujeição passiva também se realiza através da gura do responsáveltributário, denido como a pessoa que, não participando diretamente da situaçãoque constitua o fato gerador da obrigação tributária, embora a ela esteja vinculada,realiza o pressuposto legal da própria responsabilidade ou o seu fato gerador.

4. Responsabilidade Tributária

Seguindo o intuito de identicação dos sujeitos passivos tributários, é o

momento de analisar a gura do responsável tributário.Os art. 134 a 138 do Código Tributário Nacional634 tratam da responsabilidadede terceiros e da responsabilidade por infrações.

633 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário e Financeiro. Editora Renovar, 13ª edição, 2006, p. 260.634  Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte,

respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:  I - os pais, pelos tributos devidos por seus lhos menores;  II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;  III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

  IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;  V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;  VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por

eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;  VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

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Como já visto, a doutrina tradicionalmente classica os sujeitos passivostributários em contribuintes e responsáveis, sendo estes divididos entreresponsáveis e substitutos.

O responsável, ao contrário do contribuinte, tem a responsabilidadeexclusiva, solidária ou subsidiária, sem ter o débito.

Preciosa é a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho:635 

Quando o fato gerador descrito hipoteticamente na norma de tributaçãoocorre no mundo, dá-se a instauração da relação jurídico-tributária entre entetitular da capacidade para receber o tributo (sujeito ativo) e o sujeito passivoobrigado a satisfazer a prestação pecuniária, o chamado crédito tributário,correspondente ao tributo devido. O sujeito passivo é denominado pelo CTNde contribuinte quando realiza, ele próprio, o fato gerador da obrigação, ede responsável quando, não realizando o fato gerador da obrigação, a lei lheimputa o dever de satisfazer crédito tributário em rol do sujeito ativo.

Nada obstante, Gian Atonio Micheli636  posiciona-se de maneira distinta,merecendo ser destacado:

A lei não é muito clara quanto à disciplina da gura do responsável,de forma que o signicado dessa gura de sujeito resulta relevante para ns

meramente classicatórios. Não faltam, por outro lado, conseqüências da

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.  Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de

atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:  I - as pessoas referidas no artigo anterior;  II - os mandatários, prepostos e empregados;  III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.  Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária indepen-

de da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

  I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercícioregular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida

 por quem de direito;  II - quanto às infrações em cuja denição o dolo especíco do agente seja elementar;  III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo especíco:  a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;  b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;  c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.  Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso,

do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridadeadministrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

  Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento

administrativo ou medida de scalização, relacionados com a infração.635 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Editora Forense, 4ª Edição,

1999, p. 591.636 MICHELI apud BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. Editora Dialética,

2000, p. 146.

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sua adoção, já que o ser obrigado por uma situação base cujo sujeito passivoé estranho, dá relevância jurídica à relação que liga o obrigado principal, oucontribuinte, ao responsável, com a conseqüência de que este último terá direito

de regresso contra o primeiro, mesmo que a lei nada diga a respeito. Trata-se,portanto, de uma relação que vai além da previsão normativa da lei tributária.Todavia, em alguns casos, a lei disciplina de modo particularmente ecaz talação de regresso. E a dependência de uma a outra situação subjetiva importaem o responsável não poder, autonomamente, contestar a situação objetiva base(principal), se esta se tornou denitiva.

De fato, a opinião de Micheli destoa da maioria da doutrina, que acompanhaa sistemática adotada pelo CTN, que dispõe, em seu art. 128:

Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expressoa responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada aofato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade docontribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimentototal ou parcial da referida obrigação.

Exemplo dessa atribuição de responsabilidade a que se refere o art. 128 éprevisão expressa da responsabilidade dos pais pelos tributos devidos por seus

lhos, na forma do art. 134, inciso I.Nesse passo, o que temos, na verdade, é uma representação, constatação

esta que não é diferente das demais hipóteses de responsabilidade tributária,conforme ensina Aurélio Pitanga Seixas Filho:637

Quando uma pessoa (o terceiro) age em nome e por conta de outra pessoa (ocontribuinte) obedecendo elmente os poderes que lhe foram outorgados,todas as conseqüências jurídicas dos atos praticados pelo terceiro irão recairsobre a pessoa representada pelo terceiro, não cabendo a este nenhumaresponsabilidade jurídica pelos atos praticados.Neste sentido, atenta contra a lógica jurídica o artigo 134 do CódigoTributário Nacional, quando impinge responsabilidade tributária solidáriaaos terceiros, pelos atos que intervierem, nos casos de impossibilidade deexigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte.O simples fato do contribuinte não pagar o imposto devido não podeproduzir a conseqüência jurídica de ser exigido este pagamento da pessoaque agiu em nome e por conta do contribuinte, nos estritos termos dos

poderes que lhe foram conferidos.

637 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e Pareceres de Direito Tributário Material. Editora Forense, 1ªedição, 2006, pp. 131-132.

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Assim, a norma posta no art. 134 do CTN é de todo desnecessária, poisse se trata de hipótese de representação, não cabe ao Código determinar que orepresentante arque com a dívida do representado.

Poderíamos abordar os vários exemplos citados pela doutrina tradicional arespeito da responsabilidade tributária. Entretanto, parece-nos mais proveitosoo debate acerca de um fato cada vez mais recorrente nos dias atuais: aresponsabilização de sócios de empresas, em sede de execução scal, promovidaoriginalmente em face da empresa devedora do tributo.

Nesse sentido, cumpre observar que, dissolvida irregularmente aempresa ou praticado ato abusivo, com infração ao mandato, à lei oucontrário aos estatutos sociais, parte-se da premissa de que aqueles sóciossão responsáveis solidária (CTN, art. 124 , II) e pessoalmente (CTN, art. 135),

para então se proceder à citação e à penhora de seus bens. Distingue-se,assim, das hipóteses de responsabilidade solidária elencadas no art. 134 do CTN , que pressupõem a simples insuficiência patrimonial do sujeitopassivo originário, o contribuinte, como condição para a atribuição deresponsabilidade solidária, por substituição, a terceiros, independentementeda prática de ato ilícito por parte destes.

Portanto, deve o credor tributário comprovar, por documentação idônea,que os sócios da pessoa jurídica devedora do tributo exerceram, à época dosfatos geradores, cargo de gerência ou direção na empresa devedora e que, noexercício desse cargo, agiram em desconformidade com o texto de lei ou decontrato em vigor.

Além desses requisitos, o credor tributário deve, primeiramente, envidartentativas de receber o seu crédito perante a empresa devedora para só depois,se obedecidos os critérios e os dispositivos legais, pretender fazê-lo em faceda pessoa dos sócios da devedora. É o que se denomina “responsabilidadesubsidiária”, conceito trazido pelo art. 596 do Código de Processo Civil, senãovejamos:

Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas dasociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamentoda dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.

O próprio novo Código Civil, especialmente em seu art. 1.024, consagra oprincípio da responsabilidade subsidiária ao dispor:

Art. 1.024 Os bens particulares dos sócios não podem ser executados pordívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Cumpre registrar, por oportuno, que o não recolhimento de tributos, por sisó, não caracteriza descumprimento da lei, mas descumprimento de obrigação,

entendimento esse pacicado pela doutrina e pela jurisprudência, conformeensina o magistério de Hugo de Brito Machado:638

638 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário , Ed. Malheiros, 1.995, p. 110.

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Não se pode admitir que o não pagamento de tributo congure infraçãode lei, capaz de ensejar tal responsabilidade, porque isto levaria asuprimir-se a regra, fazendo prevalecer, em todos os casos, a exceção.

O não cumprimento de uma obrigação qualquer, e não apenas de umaobrigação tributária, provocaria a responsabilidade do diretor, gerenteou representante da pessoa jurídica de direito privado inadimplente.Mas tal conclusão é evidentemente insustentável. O que a lei estabelececomo regra, isto é, a limitação da responsabilidade dos diretores ouadministradores dessas pessoas jurídicas, não pode ser anulado por essedesmedido elastério dado à exceção.É importante notar-se que a responsabilidade dos sócios-gerentes, diretorese administradores de sociedades, nos termos do art. 135, III, do CTN, épor obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes ouinfração de lei, contrato social ou estatutos. Poder-se-ia, assim, sustentarque a obrigação, pela qual respondem, há de ser resultante de atosirregularmente praticados. O próprio nascimento da obrigação tributária já teria de ser em decorrência de atos irregulares. Mas tal posição levariaa excluir-se a responsabilidade em exame toda vez que os atos irregularesvioladores da lei ou do Estatuto, fossem posteriores à ocorrência do fatogerador do tributo. Operar-se-ia, assim, injusticável redução no alcance

da regra jurídica em estudo.

Não há, portanto, como se admitir a responsabilização pessoal de sócio deempresa por dívida tributária desta, caso o credor tributário não logre comprovarque:

(i) o sócio da empresa devedora/executada exercia poderes gerenciais oude diretoria à época do suposto inadimplemento tributário;639

639 Conra-se, a propósito, a transcrição da ementa de julgado emanado do C. SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA (STJ), no que se refere à necessidade de comprovação, pelo credor tributário, do exercício docargo de gerência por parte dos sócios da pessoa jurídica devedora à época dos fatos geradores:

  “RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO E DO SÓCIO-GERENTE – DISTINÇÃO E EFEITOS;TRANSFERÊNCIA DE COTAS A TERCEIROS – EXCLUSÃO.

  Tributário – Sociedade Limitada – Responsabilidade do sócio pelas obrigações tributárias da pes-soa jurídica (CTN, art. 173, III) – Sócio gerente – Transferência de cotas sem dissolução da sociedade– Responsabilidade do sucessor – CTN arts. 135 e 136. I – O sócio e a pessoa jurídica formada por ele são

 pessoas distintas (Código Civil, Art. 20). Um não responde pelas obrigações da outra. II – Em se tratandode sociedade limitada, a responsabilidade do cotista, por dívidas da pessoa jurídica, restringe-se ao valordo capital ainda não realizado. (Dec. 3.708/1919 – Art. 9º). Ela desaparece, tão logo se integralize o capital.

III - O CTN, no inciso III do art. 135, impõe responsabilidade – não ao sócio – mas ao gerente; diretorou equivalente. Assim, sócio-gerente é responsável, não por ser sócio, mas por haver exercido a gerência.IV - Quando o gerente abandona a sociedade - sem honrar-lhe o débito scal – o fato ilícito que o tornaresponsável não é o atraso de pagamento, mas a dissolução irregular da pessoa jurídica. V – Não é respon-sável tributário pelas dívidas da sociedade o sócio-gerente que transferiu suas cotas a terceiros, os quaisderam continuidade à empresa.”  (Ac. un. da 1ª Turma do STJ – RESp 101.597/PR – Rel. Min. Humberto

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(ii) esse mesmo sócio, no exercício do cargo de gerência ou de diretoriada devedora/executada, tenha agido com excesso de mandato ou“violação à lei ou contrato social vigente”, não compreendido nesse

conceito o simples inadimplemento tributário.

Com efeito, a inclusão do codevedor no polo passivo da execução scal(redirecionamento), na hipótese em que não restam comprovados os requisitosautorizadores para sua responsabilização, não encontra respaldo na legislaçãotributária vigente, de forma que o lançamento scal de que se cogita encontra-seem evidente desacordo com o princípio da estrita legalidade tributária, inscritona norma do art. 150, inciso I, da Constituição Federal.640

De fato, conforme se pode depreender do mandamento dessa norma

constitucional, não só o tributo deve ser previsto em lei, como todos os seuselementos fundamentais (aspectos material, espacial, temporal, pessoal equantitativo) devem estar expressos e descritos em lei formal. Essa interpretaçãoda regra constitucional da legalidade é corroborada por manifestação, em sededoutrinária, do Desembargador Federal Alberto Nogueira,641  ex-Presidente doTribunal Regional Federal da 2ª Região:

Nessa completa explicitude de todos os elementos essenciais do tributo (fatogerador ou hipótese de incidência) o moderno direito tributário brasileiro

reescreveu – em pujante doutrina – o velho princípio da legalidade paraqualicá-lo de ‘estrita legalidade”.O qualicativo ‘estrito’ tem o propósito de reforçar o princípio, de tal modo asignicar não a mera ‘autorização legal’, genérica e aberta, mas a denição, nopreceito instituidor do tributo, de todos os elementos essenciais (sujeito ativo,passivo, fato gerador, base de cálculo e, sendo o caso, também a alíquota).O princípio da legalidade, mais exigente no âmbito dos tributos que noadministrativo, como ensina em primorosa monograa Alberto Xavier,‘revela-se como uma reserva absoluta de lei formal’.

Dessa forma, à luz do mandamento constitucional sob análise, evidencia-se, destarte, a reserva absoluta de lei em matéria tributária, consubstanciada noprincípio da tipicidade, tão bem analisado por Alberto Xavier:642 

Gomes de Barros – j 13.03.97 – Recte.: Guido Martins Moreira Júnior; Recdo.: Estado do Paraná/FazendaEstadual – DJU 1 14.04.97, pp 12.690/1 – ementa ocial).

640 “ Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aoDistrito Federal e aos Municípios:

  I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. (BRASIL. Constituição da República Federativa do

Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988).641 NOGUEIRA, Alberto. Os Limites da Legalidade Tributária no Estado Democrático de Direito . Editora

Renovar, 1999. p. 25-26. 642 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade na Tributação. Editora Revista dos

Tribunais, 1978. p. 37-38.

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Se o princípio da reserva de lei formal contém em si a exigência da lexscripta, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidadede uma lex stricta: a lei deve conter em si mesma todos os elementos da

decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o m, mas também oconteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecidos.

Como já mencionado, o art. 135 do CTN cuida de responsabilidade poratos praticados pelos administradores com excesso de poderes ou infração à lei.Cumpre denir, portanto, o alcance destes termos.

Excesso de poderes é vericado para quem age além do que lhe seria dadofazer.

A infração ao contrato social ou estatuto, portanto, caria caracterizada na

hipótese de um executivo extrapolar a competência de seu cargo.Quanto à infração à lei, o exemplo sempre lembrado é o da dissolução

irregular da sociedade ou mesmo o funcionamento de sociedade de fato, isto é,não registrada nos órgãos de registro competentes.

Importa também denir quem são as pessoas imbuídas da função deadministrador conforme leciona Renato Lopes Becho:643

Há que se delimitar, também a extensão para a conguração deadministrador. Entendemos que administrador é aquele que pratica atosde gestão, de gerência, de gestor de coisas que não lhe são próprias. Sãoos prossionais que cuidam da parte burocrática do negócio: contrataçõesde pessoal, fornecedores e prestadores de serviços. Cuidam das contas apagar (aí incluídos os tributos) e a receber. Representam a empresa junto àAdministração Pública e ao mercado.Não se confundem com aqueles prossionais da área técnica, que seresponsabilizam pela produção, e, no mais das vezes, agem com requisitostécnicos especícos: são engenheiros, químicos, físicos, biólogos, etc.,independentemente do título que recebam, quer diretor, superintendenteou gerente. Não cuidam da burocracia, mas da produção.

Verica-se, diante dessa conceituação, que a responsabilidade descritano art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, é objetiva , visto que, pelocontrato social ou pelo estatuto da pessoa jurídica, tais e quais atos não devemser praticados, pois que deve ser observado que os atos praticados o são pelosseus representantes, por interesse próprio, e não representando o interesse dapessoa jurídica. Este está delimitado em seu contrato social ou estatuto e só se

pratica atos em nome da pessoa jurídica se esses atos estiverem em concordânciacom o que neles está disposto.

643 BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. Editora Dialética, 2000, p. 182.

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4.1. Questões Processuais

Com efeito, da aplicação do princípio da tipicidade decorre o da motivação

dos atos jurídicos, vez que o juiz da causa não deve incluir o sócio da empresaexecutada no polo passivo de uma execução scal a menos que sua decisãoencontre a devida motivação, com fundamento na lei.

Ainda em sede doutrinária, a propósito da motivação dos atos jurídicos, éde grande relevo a contribuição de Carlos Roberto Siqueira Castro:644

É imperativo da organização democrática que os atos jurídicos daadministração pública tenham por nalidade permanente interesse públicocuja persecução justica a existência mesma da estrutura administrativa

do Estado. A exigência da motivação exsurge, assim, como corolário dodever estatal de respeitar os objetivos superiores da sociedade, que permiteo controle interno e externo acerca do adimplemento desse compromissoinquebrantável. Os doutrinadores mais autorizados, tanto alhures quantono direito pátrio, já convergem no sentimento de que a suciência ecorreição de fundamentação é requisito intransponível para a validade dosatos do Poder Público. Isto signica dizer que a ausência de motivação, oua sua precariedade, contaminam de modo inapelável o ato administrativo.

Como o Estado executa o responsável tributário, é preciso que detenhatítulo hábil para o ajuizamento da ação executiva, visto que, na verdade, executa-se o título e não a pessoa do responsável. Disso decorre que a responsabilidadetributária precisa ser averiguada antes da execução scal para que seja possívelsua “inclusão” no título executivo. Como se sabe, em um processo de execução,não há fase probatória e, para seu início, é necessário que o credor demonstrepossuir um título executivo em condições de dar ao Estado segurança paraviolar o patrimônio do devedor, sem contar com seu consentimento e mesmocontra sua vontade, com vistas a satisfazer o direito do credor.

A Certidão de Dívida Ativa (CDA) é o título executivo extrajudicialdo qual a Fazenda Pública se vale para executar os créditos tributários nãopagos. Ela goza, segundo o art. 204, do CTN, c/c art. 3º, da Lei nº 6.830/80(Lei de Execuções Fiscais), dos pressupostos de certeza , liquidez e exigibilidade.Devem nela constar o nome do devedor, dos corresponsáveis e, sempre queconhecido, o domicílio ou a residência de um e de outros, o valor originário dadívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demaisencargos previstos em lei ou contrato, a origem, a natureza e o fundamentolegal ou contratual da dívida, a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita

644 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituiçãodo Brasil , Ed. Forense, 2ª edição, p. 322/333.

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à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termoinicial para o cálculo, a data e o número da inscrição no Registro da DívidaAtiva, e o número do processo administrativo ou do ato de infração, se neles

estiver apurado o valor da dívida. Apesar de o nome do sócio-gerente, diretorou representante da pessoa jurídica de direito privado não constar, desdeo início da execução, é possível o redirecionamento da execução para o seupatrimônio, na forma do art. 586, inciso V, do CPC, e art. 4º, inciso V, da Lei nº6.830/80, que estabelecem ser o responsável tributário legitimado passivo paragurar na execução, na forma da legislação tributária.

A responsabilização de terceiros na execução scal é, portanto, uma medidaexcepcional que apenas pode ser adotada quando presentes, e devidamentecomprovados, os requisitos que a autorize. Caso contrário, é imperioso oafastamento desse procedimento com a exclusão desses terceiros do polo passivoda execução scal, sob pena de seus bens virem a sofrer indevida penhora paragarantir o juízo.

Se o credor não apresenta o referido título, ou seja, a prova inequívoca dadívida, resta caracterizada verdadeira violação ao princípio do devido processolegal (due process of law).

A propósito, Lúcia Valle Figueiredo645  defende que o tema do devidoprocesso legal é de grande importância para o Direito Tributário, “pois quase

todos os seus institutos dependem, para sua instrumentalização, do DireitoAdministrativo, v. g. , o procedimento de lançamento, de outorga de incentivos,de isenções, etc. O direito Administrativo, enm, é o instrumental de trabalhodos tributaristas”.

Aurélio Pitanga Seixas Filho,646 ao analisar a matéria em exame, corroboratal entendimento:

Não é legal, prejudicando o ‘devido processo legal’, que seja incluído onome do preposto ou mandatário na reticação da Certidão de Dívida

Ativa em que anteriormente tenha sido provada a sua responsabilidade nadívida tributária, cabendo à autoridade scal a obediência ao princípio daverdade material.Este direito de defesa tem a oportunidade de ser exercido em procedimentoadministrativo recursal que se inicia após a constituição do crédito tributáriopelo lançamento.Assim, a autoridade scal ao cumprir a sua função legal de exigir opagamento do crédito tributário, após certo e líquido com o lançamentotributário, não pode deixar de identicar o sujeito passivo da dívida

645 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Estudos de Direito Tributário , Malheiros, 1996, p. 91.646 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e Pareceres de Direito Tributário Material. Editora Forense, 1ª

edição, 2006, p. 134.

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tributária, isto é, determinar quem é a pessoa que praticou o fato gerador e/ou o ilícito tributário.Se o lançamento tributário tem como causa impulsiva a prática do fato

gerador por uma pessoa, ou por várias, não pode este documento lavradopor uma autoridade scal deixar de identicar todas as pessoas quepraticaram a conduta tributável.

Com efeito, o processo administrativo regular terá que atender ao princípioinsculpido no artigo 5º, inciso LV da Constituição da República. Isso signicaque a pessoa indicada como responsável tributário tem que ser formalmenteacusada, com direito à ampla defesa e aos recursos postos à sua disposição.

Ainda abordando as questões processuais relativas à responsabilização dossócios ou dirigentes de empresas, releva assinalar que o processo de execuçãoscal impõe medida constritiva aos bens dos executados antes mesmo que estespossam apresentar sua defesa através de embargos.

Hodiernamente, a alternativa que vem sendo utilizada e admitida é aexceção de pré-executividade, tendo em vista a desnecessidade, pelo menosnum primeiro momento, de indicação de bens à penhora por parte do devedor.

É preciso reconhecer que houve avanço na jurisprudência no que se refereà admissibilidade de exceção de pré-executividade para a hipótese de defesa em

exame, conforme se verica do julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, doRecurso Especial nº 533895 / RS.647

Vale lembrar que alguns magistrados não admitiam sequer a oposição deembargos de terceiro, caso não fosse devidamente garantido o juízo, mediante anomeação de bens à penhora pelo devedor.

O tema foi abordado pelo Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho,648  queassim opinou:

É certo que o artigo 2º, parágrafo 8º, d a Lei nº 6.830/80 permite que aCertidão de Dívida Ativa seja emendada ou substituída enquanto não

647 “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SÓCIO-GERENTE.REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA.

 ARGÜIÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. MATÉRIA COGNOSCÍVEL DE OFÍCIO.DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL CONFIGURADA.

  1. O redirecionamento da execução scal para o sócio-gerente da empresa somente é cabível quando comprovadoque ele agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregularda empresa. O simples inadimplemento de obrigações tributárias não caracteriza infração legal.2. Este Tribunal rmou o entendimento de que podem ser utilizadas a exceção de pré-executividade ou a mera

 petição, em situações especiais e quando não demande dilação probatória.  3. Recurso especial conhecido e provido.” (Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins, julgado em

28.03.2006).648 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e Pareceres de Direito Tributário Material. Editora Forense, 1ª

edição, 2006, p. 136.

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houver decisão de primeira instância, com a devolução do prazo paraembargos.Entretanto, a inclusão de novos devedores no decurso da cobrança executiva

do crédito tributário, não pode ser legítima se houver a supressão do direitoconstitucional de defesa que ampara os novos devedores.Se os novos devedores incluídos na cobrança executiva scal são aquelaspessoas que agiram em nome e por conta da pessoa que está sendoexecutada, em princípio, ou seja, liminarmente, eles são terceiros em relaçãoà dívida, como visto anteriormente, salvo prova em contrário.Se esta prova em contrário não houver sido produzida em um procedimentoadministrativo scal, inexistindo um procedimento aberto à ampla defesa,que possa legitimar a inclusão desses novos devedores na execução scal,como terceiros que o são, poderão oferecer embargos de terceiro para provarque não agiram com culpa ou dolo, sem que tenham obrigatoriedade degarantir a execução, o que, dependendo do montante da dívida, poderá serum ônus impossível para o administrador de bens de terceiros.

Estas são as principais questões relativas ao tema da responsabilidadetributária. Passemos adiante ao exame da substituição tributária, outro exemplode sujeição passiva indireta.

5. Substituição Tributária

Segundo Ricardo Lobo Torres,649  “substituto é aquele que, em virtude dedeterminação legal, ca em lugar do contribuinte, assumindo a responsabilidadepela obrigação tributária”.

Não se confunde o substituto tributário com o responsável tributário, poisaquele toma o lugar do contribuinte, que não responde mais pelo pagamento dotributo.

Por substituição temos o ato de tirar alguém ou alguma coisa e colocar outrano lugar. A substituição tributária não é diversa, ocorrendo sempre que se retiraro sujeito passivo previsto originariamente, colocando em seu lugar outra pessoa.

 Já o responsável tributário permanece ligado ao contribuinte, que não seexime por completo da obrigação tributária.

Ao substituto tributário cabe a responsabilidade pelas obrigações principaise acessórias perante a autoridade scal. Assim, caso não venha a recolher otributo, nenhuma responsabilidade sobrará ao contribuinte substituído.

Para que haja a substituição é preciso que o contribuinte e o substitutoparticipem do mesmo processo econômico, integrando suas respectivas

649 Op. cit. , p. 262.

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atividades comerciais. Contudo, importa salientar que, entre contribuinte esubstituto, não há nenhum vínculo de natureza tributária.

Nada obstante a importância que o instituto da substituição tributária vem

alcançando no direito tributário brasileiro, o presente trabalho se limitará a abordardois de seus aspectos mais comuns: a retenção na fonte e a substituição no ICMS.

5.1. A retenção na fonte

A doutrina diverge quanto à classicação da retenção na fonte comoexemplo de substituição tributária.

O artigo 45 do Código Tributário Nacional dispõe que a lei pode atribuir àfonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsávelpelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

O mecanismo da tributação na fonte não é complexo. Opera-se da seguintemaneira: a pessoa, física ou jurídica, que for receber os valores decorrentes deuma operação qualquer, cujo produto deva ser oferecido à tributação, já recebetais valores reduzidos da carga tributária, que será recolhida aos cofres públicos atítulo de pagamento pela fonte pagadora. É a hipótese do pagamento de salários.

A doutrina, no mais das vezes, tem apontado essa sistemática comoexemplo de substituição tributária. Entretanto, Renato Lopes Becho650  entendeque “abstraindo-se do texto legal, procurando compreende-lo sistematicamente,acreditamos que a retenção na fonte transforma o retentor em sujeito ativoauxiliar, nunca em sujeito passivo”. Assim justica o mencionado autor:

O empregador, fazendo o trabalho como se fosse cada uma das pessoasfísicas, presta-lhes um serviço, é verdade. Substitui-as, no sentido vulgar,coloquial, naquela tarefa de apurar o imposto, declará-lo e recolhê-lo, écerto. Entretanto, em nenhum momento, o faz juridicamente em contaprópria. Ou seja, em nenhum momento passa a ser detentor de direitosubjetivo como se empregado fosse.Observe-se que o regime jurídico aplicado é o do recebedor (sujeito passivo),como apontou a doutrina. Então, por isso, alíquota aplicável é de acordocom o recebimento do agente recebedor, nunca do agente pagador. Acapacidade contributiva que se persegue é a do recebedor, não do pagador.

5.2. Substituição tributária aplicada ao ICMS

Quanto à substituição do ICMS, temos que as empresas distribuidoras de

 bebidas, medicamentos, pneus, cimento e combustível, dentre outras, no exercíciode seus objetivos sociais, submetem-se ao regime de substituição tributária em

650 Op. cit. , p. 123.

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face do qual a distribuidora gura sempre como contribuinte substituído e ofornecedor (geralmente uma fábrica) como contribuinte substituto.

Tal sistema, na prática, resume-se em verdadeira delegação de

responsabilidade impingida aos fabricantes de determinados produtos. Assim,por um “malabarismo legal” que retrata pura cção para ns tributários, o ICMSincide antes da efetiva circulação da mercadoria, que se efetivará por ocasião desua revenda. Mas isso já não se pode vislumbrar nenhuma inconstitucionalidade,pelo menos após o advento da Emenda Constitucional nº 03/93, que inseriu o §7º no art. 150 da CF.

Cumprindo normas infraconstitucionais impostas pelo sco, oscontribuintes substitutos, no ato da venda de seus produtos às distribuidoras,além de cobrarem o ICMS normal da pertinente operação de venda, calculam

e cobram, também, antecipadamente, o imposto que caberia às distribuidorasrecolher no futuro, em decorrência da operação de revenda daquela mesmamercadoria.

Segue a opinião de Aurélio Pitanga Seixas Filho651 sobre o tema:

Neste sentido, o fato do legislador tributário antecipar o vencimentoda dívida tributária do ICMS para uma fase anterior àquela em queordinariamente deverá ocorrer o fato gerador, não importa em umailegitimidade inconstitucional, desde que seja autorizada a restituição oucompensação do valor pago a maior em relação ao verdadeiro valor dadívida, na conformidade da situação vigente ao tempo da ocorrência dofato gerador da fase antecipada.

A respeito da constitucionalidade da antecipação do vencimento da dívidatributária, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, por oportunidade do julgamento da ADI 1851/AL.652 

651 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e Pareceres de Direito Tributário Material. Editora Forense, 1ªedição, 2006, p. 124.

652 Segue a ementa do referido julgado: “TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA.CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91(REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA

 AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra scal resultante de eventual concessão do benefíciotributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação nal for de valor inferiorao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida deconcessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que temnatureza regulamentar. A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já

 previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a gura do fato gerador presumido e ao estabelecer

a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não vericado o mesmo fato a nal. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dadotratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementarque, para denir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível darealidade. A lei complementar, por igual, deniu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a

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Para viabilizar o regime da substituição tributária, o legisladorinfraconstitucional determina que, na cobrança antecipada do imposto, presuma-se, provisoriamente, que o fato gerador ocorrerá no futuro sob certas condições

que necessariamente o compõem e integram a presunção.A doutrina classica a substituição tributária do ICMS como “para frente”e “para trás”.

Assim, Ricardo Lobo Torres653 analisa a matéria:

A substituição “para trás” ocorre quando o substituto, que é contribuintede direito (comerciante ou industrial) adquire mercadoria de outrocontribuinte, em geral produtor de pequeno porte ou comercianteindividual, responsabilizando-se pelo pagamento do tributo devido pelo

substituído e pelo cumprimento das obrigações tributárias. Aproxima-seda gura do diferimento, que implica no adiamento do recolhimento dotributo.(...)A substituição “para frente” ocorre quando uma terceira pessoa, geralmenteo industrial, se responsabiliza pelo pagamento do tributo devido pelocomerciante atacadista ou varejista, que revende a mercadoria por eleproduzida. É o caso, por exemplo, da indústria do cigarro, que substitui ocomerciante varejista na obrigação principal, recolhendo desde a saída da

mercadoria do estabelecimento industrial o imposto incidente na ulterioroperação com o consumidor nal. A substituição, aí, aproxima-se daantecipação do tributo.

Acerca da sistemática do diferimento, cumpre salientar que, de fato, ocorrehipótese de não incidência, conforme a lição de Aurélio Pitanga Seixas Filho:654

Realmente, com o diferimento ocorre uma hipótese de não-incidência deum dos componentes (elementos) do fato gerador, não-incidência esta,

provocada por uma norma jurídica modicativa que, ao transferir paraum outro momento a concorrência do fato gerador, está concedendo uma

saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se demomento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador daobrigação principal como a situação denida em lei como necessária e suciente à sua ocorrência. O fato gerador

 presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas denitivo, não dando ensejo a restituição ou complementaçãodo imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização nal. Admitir o contrário valeria

 por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a umsó tempo, da máquina-scal e da evasão scal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade,

economia, eciência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e,nessa parte, julgada improcedente.” (Relator Ministro Ilmar Galvão, julgado em 08.05.2002).

653 Op. cit. , p. 264/265.654 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e Pareceres de Direito Tributário Material. Editora Forense, 1ª

edição, 2006, p. 167.

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isenção tributária à pessoa que está alienando (circulando) a mercadoriafavorecida com o diferimento.No regime do diferimento, o alienante da mercadoria ca isento de qualquer

dever jurídico tributário, por inexistência de qualquer dívida tributária emseu nome, não possuindo, conseqüentemente, qualquer vínculo jurídicotributário com a posterior operação de circulação de mercadoria que irágerar o dever de pagar o ICMS. Juridicamente, o que caracteriza o verdadeiro dever jurídico tributário dosubstituto é o dever de fazer a retenção de uma quantia em dinheiro docontribuinte substituído e não o dever de pagar uma dívida própria.

O diferimento, portanto, signica que o pagamento do tributo é postergado,

deixado para o momento em que ocorra outra incidência ou outro fato imponível.Como há alteração do critério temporal do tributo, segundo Renato LopesBecho,655 ocorrerá uma substituição tributária do sujeito passivo por aquele outroque lhe segue na cadeia produtiva.

6. Conclusão

Os institutos jurídicos analisados nesta oportunidade não esgotam a

análise da sistemática da sujeição passiva no direito tributário brasileiro, pois aintenção posta no presente trabalho é de apenas destacar algumas das diversascontrovérsias existentes na identicação da pessoa, física ou jurídica, a quemcabe cumprir o dever tributário.

É preciso cautela na identicação dos responsáveis tributários, sendointransponível a garantia constitucional do devido processo legal quandose pretende excutir os bens do devedor, nas hipóteses de responsabilidadetributária.

Quanto à sistemática da substituição tributária “para frente”, é importante

lembrar que se trata de regime especial, sendo certo que, como arma AurélioPitanga Seixas Filho656 , “sua generalização transmuta a natureza das coisas,podendo perder, consequentemente, a sua legitimidade”.

Referências Bibliográcas

BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. EditoraDialética, 2000.

655 Op. cit. , p. 192.656 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e Pareceres de Direito Tributário Material. Editora Forense, 1ª

edição, 2006, p. 129.

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Direito. Editora Renovar, 1999. SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga, Princípios Fundamentais de Direito Administrativo

Tributário – A Função Fiscal. Editora Forense, 2ª edição, 2003. SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e Pareceres de Direito Tributário Material.Editora Forense, 1ª edição, 2006.

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 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário e Financeiro. Editora Renovar,13ª edição, 2006.

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O C T N P C

Renato Lopes Becho657

Sumário: I. Introdução. II. Loas e críticas à codicação. III. Artigos inúteis no CTN.IV. A legislação como mera referência: não acolhimento das decisões legislativas. V. A interpretação no CTN: os desequilíbrios do legislador.  VI. Diculdades de interpretação: a responsabilidade tributária. VII. Exemplo de engessamento: lançamento tributário. VIII. Necessidade de retorno ao direito nanceiro. IX. Conclusão.

I. Introdução

O Código Tributário Nacional foi festejado como a consagração do direitotributário, que com ele se tornava autônomo do direito nanceiro e/ou do direitoadministrativo. Passados pouco mais de quarenta anos de sua edição, o Códigotalvez seja, atualmente, um empecilho para o desenvolvimento da disciplinae ofusque a necessidade dos estudos de direito nanceiro. O presente artigo

levanta essa hipótese e se presta a fundamentar a armação.Serão apresentados argumentos cientícos que embasam a dúvida sobre

o papel do CTN diante dos avanços tributários atuais. Todavia, tocaremos emdiversos pontos, a saber: vantagens e desvantagens da codicação, a existênciade textos inúteis dentro do Código, problemas criados com o capítulo dainterpretação e com a responsabilidade tributária, o engessamento da constituiçãodo crédito tributário e a necessidade de retorno aos estudos do direito nanceiro.Todos esses temas serão apresentados sem a profundidade que cada um delesmerece, mas eles são unidos por um feixe comum: o Código Tributário Nacional

precisa ser estudado criticamente. Um texto repleto de imperfeições – comoos assuntos que serão desenrolados comprovam – não pode ser desenvolvidosem análise acurada, sem uma postura cientíca (que procure vericar se seuconteúdo é factível) e crítica. Afastamo-nos, por esses motivos, dos estudiososque procuraram ter uma postura de mera subserviência ao labor legislativo,postura típica dos positivistas que cerram leiras com Hans Kelsen.

Acreditamos que uma análise crítica é o melhor caminho para os avançoscientícos. Não buscamos, no presente artigo, fazer escorços doutrinários sobrealgum assunto especíco. Nosso intuito é levantar dúvidas que possam servir

657 Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Cooperativismo pela UNISINOS/RS. Mestre, dou-tor e professor de Direito Tributário na PUC/SP. Livre-docente em Direito Tributário pela USP. Juizfederal em São Paulo/SP.

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para a reexão daqueles que buscam novas ideias. Acreditamos que os Cadernosde Debates Tributários sejam excelentes veículos para a apresentação que se segue.

II. Loas e críticas à codicaçãoO Anteprojeto de Código Tributário Nacional foi redigido por Rubens

Gomes de Sousa, considerado o primeiro professor de direito tributário noBrasil.658 O autor do Anteprojeto formulou-o sobre seu Compêndio de legislaçãotributária , que, por sua vez, foi baseado nos “textos das aulas” ministradas desde1949 na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidadede São Paulo.659 Em outra passagem, Sousa reforça a vinculação do CTN com o

Compêndio , asseverando:[...] Trata-se, como já dissemos, de uma codicação dos princípios geraisdo direito tributário, correspondendo à matéria dos Caps. I a X deste livro,e não de uma lei que modique diretamente a legislação dos diferentestributos.660

Esses dados nos parecem relevantes, pois ajudam o intérprete acompreender o talvez exagerado didatismo que existe em número signicativo

de artigos do Código em referência. Os caminhos percorridos do Anteprojeto atésua transformação em lei foram historiados por Aliomar Baleeiro.661A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que recebeu o título de Código

Tributário Nacional pelo art. 7º do Ato Complementar nº 36, de 13 de março de1967, foi comemorada como um grande avanço,662 superando uma época marcadapela desorganização scal da sociedade brasileira.

Uma lei importante para a organização de nosso sistema tributário, o CTNfoi aprovado na vigência da Constituição Federal de 1946, mas com as alteraçõesda Emenda Constitucional nº 18, de 1965, que primeiro sistematizou a instituição

e a cobrança dos tributos no país.Antes do Código Tributário Nacional, imperava, na seara das leis tributárias,a desorganização estrutural. Autores como Aliomar Baleeiro apontam para oquase abandono à própria sorte dos contribuintes, desprotegidos e sem meiosseguros para se defenderem da fúria arrecadadora dos entes tributantes. Asconstituições brasileiras mais antigas eram tímidas na proteção aos referidos

658 Conforme Fábio Fanucchi, “Introdução” ao Compêndio de legislação tributária , de Rubens Gomes deSousa. Edição póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 9.

659 Rubens Gomes de Sousa, Compêndio de legislação tributária , cit., p. 21.660 Idem , p. 190.661 Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 10-14; 11. ed. atual. por Misabel Abreu

Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 7-10.662 Baleeiro, Direito tributário brasileiro , cit., 1970, p. 41; 2000, p. 28.

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contribuintes (como, por sinal, é da praxe das Constituições em geral) e nãoexistia uma lei que centralizasse um mínimo de garantias individuais contra oFisco, nem que regulasse a atuação da máquina scal. A esse respeito, transcreve

Baleeiro (1987, p. 346) o parecer que escreveu como deputado federal naaprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados,ao analisar o Projeto de Código Tributário Nacional, em dezembro de 1958,aduzindo:

Na frase irreverente de Voltaire, o viajante do século XVIII, em França,mudava com mais freqüência de leis do que de cavalos. Vigoravam oDireito romano e alguns costumes no sul. Cada província das demaisregiões conservava seu Direito costumeiro próprio, de sorte que a travessia

do país em diligência importava na sucessiva submissão aos mais variadosregimes jurídicos.Em matéria nanceira, nesta nossa época de aviões, quem cortar o Brasilde norte a sul ou de leste a oeste conhecerá o império de mais de 2.000aparelhos scais [atualmente seriam mais de 5.000], pois que a União, osEstados, o Distrito Federal e os Municípios se regem por textos diversos dedireito tributário, muito embora todos eles se entronquem ou pretendamentroncar-se na Constituição Federal, como primeira fonte jurídica daimposição. Cada Estado ou Município regula diversamente os prazos daprescrição, as regras da solidariedade, o conceito de fato gerador, as basesde cálculo dos impostos que lhe foram distribuídos etc.Não raro, alguns deles dilatam as prerrogativas, invadindo o campo dacompetência de outras pessoas de direito público, apossando-se, sempartilha, de tributos da competência concorrente (artigo 21 da Constituiçãode 1946) e operando distorções violentas do conceito de taxa para disfarcede impostos que lhes são vedados, quando não ultrapassando limitaçõesrígidas do texto supremo.663

Tal situação perdurou até 1965, ainda na vigência da Constituição Federalde 1946. Em 1º de dezembro daquele ano foi editada a Emenda Constitucionalnº 18, que procurou por m à desorganização da tributação brasileira. Nãoque tenha logrado êxito absoluto, pois em campo de direito tributário osproblemas são modicados com a evolução dos tempos e das leis. Não seriauma primeira expressão de coerência legislativo-scal a pôr m em séculos dedesordem normativa, a ponto de um importante autor, Alfredo Augusto Becker,parafraseando Lello Gangemi, referir-se ao “manicômio jurídico tributário” em

ns da década de 1960 e início da de 1970.664

663 Idem , 1970, p. 16; 2000, p. 11.664 Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 3 e ss.

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O Código Tributário Nacional fez a compilação da legislação tributária brasileira, dando conformação sistêmica às leis que tratam de tributos. Leinacional que é, devendo ser seguida tanto pela legislação federal (União) quanto

pelos demais entes públicos tributantes (Estados-Membros, Distrito Federal eMunicípios), procurou o CTN acabar com os conitos de competência entre ospoderes tributantes, signicando um grande avanço para sua época. Regulou aslimitações ao poder de tributar e estabeleceu normas gerais de direito tributário.

A codicação da legislação tributária foi fruto de uma antiga reivindicaçãode alguns doutrinadores. Como ocorreu com todo o processo de codicação,665 seus opositores argumentaram que ele poderia atrapalhar a evolução naturaldo direito tributário por signicar um engessamento da legislação. SegundoBaleeiro, Savigny dizia que a codicação era “[...] falaz, arbitrária, fossilizadorae impeditiva do progresso espontâneo do Direito”.666 Em certa medida, podemosdizer que essas críticas podem ser válidas em relação ao CTN. Visto atualmente,ele parece conter diversos dispositivos inúteis, como será em breve apontado.Entretanto, podemos dizer que a culpa de sua superação não é do Diploma, masda leniência das autoridades públicas e privadas que deveriam atualizá-lo.

III. Artigos inúteis no CTN

Talvez pelo exagerado didatismo na sua feitura, que encontrava signicaçãoem sua época, mas que hoje soa inútil e prejudicial, existem vários artigos doCódigo Tributário Nacional que são desnecessários. Observemos o art. 17, querecebeu a seguinte redação:

Art. 17. Os impostos componentes do sistema tributário nacional sãoexclusivamente os que constam deste Título, com as competências elimitações nele previstas.

Se esse dispositivo estivesse correto, mesmo à época da edição do CódigoTributário Nacional, o legislador teria “engessado” o sistema tributário brasileirono tocante aos impostos, não permitindo que o legislador futuro encontrassenovas materialidades que suportassem a cobrança dessas exações. Atualmente,o art. 17 é completamente inaplicável, frente à Constituição Federal, pelo contidonos arts. 153 a 156.

O art. 96 do CTN também nos parece totalmente despiciendo. Conra-se:Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados

e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares

665 Norberto Bobbio, O positivismo jurídico: lições de losoa do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 53 e ss.666 Idem , ibidem (BALEEIRO), p. 17.

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que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a elespertinentes.

Qual a utilidade desse texto que não uma aula de teoria geral do direitoaplicado ao direito tributário? A vantagem desse artigo, por ventura, é dizer quea jurisprudência não faz parte da legislação? Não seria armação de utilidade.Observemos a acurada crítica formulada por Paulo de Barros Carvalho aodispositivo supracitado:

Insere o legislador, no mesmo quadro, indiscriminadamente, atos normativosinaugurais, como as leis, ao lado dos tratados e convenções internacionais,que valem na ordem jurídica interna se e somente se acolhidos no conteúdode decreto legislativo, como tivemos oportunidade de ver. Coloca, ombroa ombro, instrumentos introdutórios primários com entidades que nãopodem ser tidas sequer como instrumentos primários de introdução deregras tributárias. E, como se não bastasse, faz referência expressa às normascomplementares e, dentro delas, às práticas reiteradamente observadaspelas autoridades administrativas e aos convênios que entre si celebram aUnião, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.667

Melhor sorte não nos parece ter o art. 114: “Fato gerador da obrigaçãoprincipal é a situação denida em lei como necessária e suciente à suaocorrência.” Dizer que o fato gerador é o que estiver denido como tal em lei ésimplesmente reproduzir, em didatismo desnecessário, o princípio da legalidadeem matéria tributária, disposto no Texto Constitucional, art. 150, inciso I. Armarque a lei é condição necessária e suciente para a ocorrência do fato gerador maisconfunde do que auxilia o intérprete. Será que o legislador das normas geraisem matéria tributária quis dizer que a lei é necessária para se congurar umaocorrência do mundo real como fazendo surgir o fato tributário? Se for isso,

o dispositivo do CTN somente repetiu o princípio da legalidade (ConstituiçãoFederal, art. 5º, II). Será que a lei é suciente para caracterizar o fato gerador?A resposta, ao que nos parece, tem que ser negativa. Além da lei, é necessáriaa ocorrência de fatos mensuráveis economicamente, a acontecerem no mundodos fenômenos físicos (o mundo do direito é o dos fenômenos culturais). Alémdisso, é absolutamente imprescindível que seja feita a conversão em linguagem jurídica de tais acontecimentos fáticos, o que se dá com a chamada constituiçãodo crédito tributário.

Portanto, apesar de ser verdade que a lei é imprescindível para a existênciado tributo, esse mandamento é constitucional. Não o é pelo art. 114 do CTN.

667 Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 78.

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Além disso, a lei não é suciente para o surgimento do tributo, ao contrário doque o legislador tentou induzir.

IV. A legislação como mera referência: não acolhimentodas decisões legislativas

A doutrina do direito tributário é pródiga em sustentar, corretamente,a importância da lei e do princípio da legalidade nessa matéria. Uma brevepassagem de olhos por nossos livros de doutrina corrobora a assertiva. Contudo,talvez haja ao menos um ponto em que parte da dogmática não tenha acolhidouma decisão legislativa: a questão da incidência, ou não, de tributos sobre osfrutos de atos ilícitos.

O Projeto de Código Tributário Nacional brasileiro, inspirado na legislaçãoalemã do início do século passado, considerou o princípio do non olet , que sustentaa tributabilidade de atos ilícitos, ao estipular no seu art. 85 o seguinte:

A circunstância dos negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticadosserem inexistentes, nulos ou anuláveis, ou terem objeto impossível, ilegalou imoral não exclui, modica ou difere a tributação, desde que os seus

resultados efetivos sejam idênticos aos normalmente decorrentes do estadode fato ou situação jurídica que constitua o fato gerador da obrigaçãotributária principal, observado, porém, o disposto no nº IV do art. 130.668

Com redação diferente e sem a mesma amplitude, o art. 85 do Projetotransformou-se no atual art. 118 do CTN, assim vazado:

A denição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes,responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seusefeitos;II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Os textos citados acima (do Projeto de Código e do atual CTN) estãosignicativamente diferentes. O legislador não acolheu a parte do projeto queprevia a abstração do ilegal ou imoral e, com isso, permitiu a tributação dos frutosobtidos com a prática de crimes, contravenções e infrações de toda ordem. Mesmo

assim, não faltam autores que pugnam pela incidência de tributos nesses casos,

668 Amílcar de A. Falcão, Fato gerador da obrigação tributária. 6. ed. rev. e atual. por Flávio Bauer Novelli.Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 46.

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como Rubens Gomes de Sousa,669 Amílcar de Araújo Falcão,670 Aliomar Baleeiro671 eBernardo Ribeiro de Moraes,672 por exemplo.

O legislador nacional, ao não acolher a dimensão do Projeto, provavelmente

estava atento – ao contrário da doutrina – ao tratamento dado pelo Código Penal,de 1940, que determina o consco do produto de crime (art. 91, II, b) em favorda União.

Sumariando o que aconteceu, estamos autorizados a armar que o Projetode CTN adotou uma de suas situações possíveis. Baseado no que ocorria naAlemanha, em 1919, o Projeto previu a desconsideração da origem criminosade rendas obtidas. Pretendia-se, então, que exploração do jogo do bichoou da prostituição, assim como os frutos do roubo, do furto, da extorsão, dacorrupção, dos sequestros de pessoas, do tráco de pessoas, armas e substânciasentorpecentes fossem oferecidos à tributação. Só que, em 1940, o legislador brasileiro determinou que todos esses frutos do crime fossem conscadospela União. O que zeram os doutrinadores já indicados? Simplesmentedesconsideraram a lei penal e a alteração do Projeto pelo legislador scal econtinuaram a ensinar um ponto que não é sustentado pela lei tributária e éinrmado pela lei criminal.

V. A interpretação no CTN: os desequilíbrios do legislador

O Código Tributário Nacional tentou disciplinar a interpretação dalegislação tributária em regras próprias. É o que se extrai do art. 107: “A legislaçãotributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo.”

Esse texto, todavia, nos parece ser inútil e prejudicial à compreensão dasnormas jurídicas. Seguimos, a respeito do art. 107 do CTN, Ricardo Lobo Torres(2006b, p. 47-48):

A regra é vazia e insuciente, pois nem o CTN esgota a disciplina da

interpretação nem a atividade hermenêutica prescinde dos princípios geraisnão escritos, nem a interpretação se desenvolve à margem do processodemocrático (legislativo, administrativo e judicial).(...)Melhor teria sido que também não existisse o art. 107 do CTN.

Podemos acrescentar às boas lições de Ricardo Lobo Torres que o legislador buscou trazer para o CTN dispositivo que constava do Código Napoleônico e

669 Compêndio de legislação tributária. Edição póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 79-80.670 Fato gerador da obrigação tributária , cit., p. 46.671 Direito tributário brasileiro , cit., 1970, p. 409.672 Compêndio de direito tributário. V. 2. 3. ed. rev., aum. e at. até 1994. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 355.

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que visava proibir a interpretação que não fosse gramatical ou literal. Trata-sedo art. 4º, assim traduzido:

O juiz que se recusar a julgar sob o pretexto do silêncio, da obscuridadeou da insuciência da lei, poderá ser processado como culpável de justiçadenegada.673Conforme explica Norberto Bobbio, o art. 4º do Código Napoleônico foi

desvirtuado mediante o processo interpretativo, inclusive pela não conversão emlei do art. 9º do Projeto de Portalis, que previa o uso da equidade como “retornoà lei natural e aos usos adotados no silêncio da lei positiva”.674 O resultado foi queo art. 4º:

[...] é interpretado, assim, no sentido de que se deveria sempre deduzirda própria lei a norma para resolver quaisquer controvérsias. Tal artigo,de fato, tem sido um dos argumentos mais frequentemente citados pelos juspositivistas, para demonstrar que, do ponto de vista do legislador, a leicompreende a disciplina de todos os casos (isto é, para demonstrar a assimchamada completitude da lei.675

Essa intenção do legislador foi corroborada pela doutrina e pelo movimentolosóco do positivismo jurídico, que teve em Hans Kelsen o seu mais famoso

defensor.676

 Por essa linha, as leis ou os legisladores são as únicas fontes do direito.Todavia, o positivismo jurídico kelseniano começou a ruir em 1945 – 21anos antes da edição do CTN –, com o m da Segunda Guerra Mundial.677 Asatrocidades perpetradas pelos nazistas e seu direito afastado da ética e da moraldeixaram os positivistas europeus em difícil situação, como nos dá conta NorbertoBobbio: “É mister, portanto, distinguir a crítica dos erros da crítica dos horrores do positivismo jurídico.”678 Os horrores do positivismo são bem exemplicadospelo direito nazista, que a dogmática juspositivista não tem instrumentos paracombater.

A partir de 1945 surge com toda força a doutrina losóca dos direitoshumanos, superando o positivismo. Atualmente, estamos na era do pós-positivismo, do neoconstitucionalismo e dos direitos humanos, que dão ênfasesignicativa à interpretação jurídica que seja direcionada a cumprir os valores éticos que necessariamente devem estar incluídos nas considerações (interpretações) jurídicas, nos termos, como exposto por Gustav Radbruch: “[...] não existe

673  Apud Norberto Bobbio, O positivismo jurídico... , cit., p. 74.674 Idem , p. 76.675 Idem , p. 77.676 Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 1 e 73, por exemplo.677 Para aprofundamento no tema, consulte-se nosso Filosoa do direito tributário. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 228-263.678 O positivismo... , cit., p. 225.

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nenhuma fundamentação para que um direito positivo indubitavelmentereconhecido como injusto conserve a sua vigência.”679 E ainda Radbruch:

O direito só pode ser compreendido no âmbito da atitude referida ao valor.O direito é uma manifestação cultural, isto é, um fato relacionado a umvalor. O conceito do direito não pode ser determinado de modo diferentedo que o dado, cujo sentido é o de tornar real a idéia do direito. O direitopode ser injusto (summum ius – summa iniuria), mas só é direito por ter osentido de ser justo.680

E como está o Código Tributário Nacional em relação à interpretação?Vejamos.

Se o já citado art. 107 fosse aplicável, o intérprete veria nos artigos seguintesdispositivos que tratassem dos métodos tradicionais de interpretação, como ogramatical, o teleológico, o histórico-evolutivo e o sistemático. Entretanto, o art.108 do CTN tem a seguinte redação:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente paraaplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

II - os princípios gerais de direito tributário;III - os princípios gerais de direito público;IV - a eqüidade.

§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo nãoprevisto em lei.§ 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamentode tributo devido.

Chamamos a atenção, inicialmente, para as primeiras palavras do texto legal:

“na ausência de disposição expressa”. Quis o legislador rmar a interpretaçãogramatical, estrita, para todas as hipóteses em que haja regra legal estipuladorade comando. O dispositivo limita sua aplicação apenas para as hipóteses delacunas na lei. Como já exposto, a ciência do direito superou a fase em que sesupunha possível a interpretação meramente literal.

Em segundo lugar, o legislador supôs uma sequência imperativa. Maisuma vez demonstrou desconhecimento e despreparo com a matéria legislada.Se a analogia for aplicada, não restará motivo para previsão de outras regras dehermenêutica. Não conhecemos nenhum caso em que a analogia, acaso tenha se

679 Filosoa do direito. Trad. Marlene Holzhausen. Rev. Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: MartinsFontes, 2004, p. 27.

680 Idem , p. 12.

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prestado para resolver uma lacuna da lei, tenha sido suciente para resolver oproblema da ausência legal.

Em terceiro lugar, o legislador colocou os princípios gerais de direito

tributário acima dos princípios gerais do direito, como se o direito tributáriofosse especial e superior aos demais, notadamente ao direito constitucional e àteoria geral do direito. Nova impropriedade.

Salva-se do texto legal, todavia, o registro expresso, o reconhecimentolegislativo para os princípios jurídicos, que signica armar o aspecto dosvalores, da moralidade social, por exemplo, a inuir na interpretação do direitotributário.

Por m, o legislador estabeleceu que, em último lugar, deve a autoridadeinterpretadora (que ele não nomeou, mas que sabemos ser todas as autoridadesque tiverem, ocialmente, contato com os fatos tributários), a interpretarem comequidade, o que signica dizer: com justiça. De útil, o art. 108 do CTN apenasreconhece a incapacidade de o legislador estipular textos legais para todas assituações fáticas, além de reconhecer que os intérpretes, os juízes, por exemplo,são fontes do direito.681

Os parágrafos do art. 108 buscam reforçar o princípio da estrita legalidadeem matéria tributária, negando que a analogia possa ser usada para cobrartributo ou não permitindo que o senso de justiça das autoridades públicas

(scais, procuradores e magistrados, v. g.) leve à desoneração da carga tributária.Somos de entendimento de que o legislador deveria ter se abstido detratar da temática apresentada no art. 108 do CTN. Todavia, é possível utilizaro dispositivo para a solução de conitos de natureza penal (direito tributáriopenal).

O art. 109, por sua vez, estipula:

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se parapesquisa da denição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos

e formas, mas não para denição dos respectivos efeitos tributários.

Esse texto autoriza que a legislação conceda efeitos especicamentetributários, sem ter, necessariamente, que seguir todos os rigores do direitoprivado. O dispositivo, ao contrário dos arts. 107 e 108, não é despiciendo. Elepermite, por exemplo, que um acontecimento fático que tenha algum vícioformal de natureza jurídica privada não interra nos seus efeitos tributários,como os exemplos já citados, mas que repetimos: negócio jurídico autorizado

precariamente (mediante obtenção de medida liminar em mandado de segurança),ou negócio jurídico praticado em desconformidade com lei impeditiva. Eles

681 No mesmo sentido: Norberto Bobbio, O positivismo... , cit., p. 171.

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geram efeitos tributários, há instauração do vínculo obrigacional, apesar deconter inconsistência de direito privado.

Também é muito relevante o art. 110 do CTN, que possui a seguinte redação:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a denição, o conteúdo e o alcancede institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ouimplicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados,ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para denirou limitar competências tributárias.

Esse artigo veicula uma importante exceção à liberdade que recebeu olegislador tributário, pelo art. 109 do CTN, em estipular efeitos scais apesar devícios contidos diante da legislação de natureza privada. Quando o conteúdo

do direito privado foi utilizado para denir, para delimitar a competênciatributária, o legislador infraconstitucional não possuía autoridade para estipularefeitos tributários próprios. Foi o que aconteceu com a Lei nº 7.787, de 03/07/1989,cujo art. 3º, I, incluiu, como parte da folha de salário, prevista na ConstituiçãoFederal, art. 195, I, a , a remuneração de autônomos e administradores, na qualo constituinte tinha delimitada a competência tributária apenas para tributara  folha de salário. O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a Lei nº7.787/89 (RE nº 166.772-9-RS, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 12.5.1994), leiessa que descumpria o art. 110 do CTN. Após referido julgamento, a EmendaConstitucional nº 20, de 15/12/1998 ampliou a redação da letra a do inc. I do art.195 da CF, alterando, assim, a competência exacional.

Vejamos, agora, o contido no art. 111 do CTN:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponhasobre:I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;II - outorga de isenção;III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Não faltam motivos para se criticar a interpretação gramatical, literal ouestrita. Os de Rubens Gomes de Sousa682 podem ser assim resumidos: determinao m da interpretação, mas pode levar a resultados “evidentemente diversos oumesmo contrários aos objetivos da lei”, por defeitos de redação, modicaçõeseconômicas, políticas, sociais etc., “o inconveniente de induzir o legislador a fazerleis casuísticas”, que procurem prever e regular detalhadamente todas as situaçõespossíveis, o que nunca será alcançado. A interpretação gramatical tornaria

“excessivamente rígido o sistema jurídico, embaraçando a evolução e o progresso”,além de exigir constante alteração legislativa, “o que torna confuso e difícil o seu

682 Compêndio..., cit., p. 77-78.

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entendimento e aplicação”. Sousa apresenta até os inconvenientes políticos para ainterpretação literal: “um sistema legal que procure regular rigidamente todas asatividades humanas é característico dos governos autoritários.”

De nossa parte, vemos uma verdadeira impossibilidade de o direitoser conhecido somente com a interpretação gramatical dos textos legais. Issoporque todos os meios de comunicação (escritos e não escritos) precisam serinterpretados. A interpretação gramatical busca, em última análise, a nãointerpretação, a mera leitura e aplicação do texto. Por isso, não há, seguramente,possibilidade de um texto legal ser aplicado sem ser interpretado, e todainterpretação é um ato individual e mental.683

Nesses termos, o comando inscrito no art. 111, acima transcrito, ao determinaralguns campos em que, necessariamente, deveria ser dada interpretação literal,

é simplesmente inexequível. Corroborando esse entendimento, lembramos deantigo parecer, da lavra do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal AliomarBaleeiro (1979, p. 14), em que o jurista sustentou que os casos de suspensão docrédito tributário (CTN, art. 151) tinham que receber interpretação literal, comfundamento no art. 111, I. O Supremo Tribunal Federal (RE nº 94.462-SP, Pleno,rel. Min. Moreira Alves, v. u., j. 6-10-1982. RTJ 106/263-270), contudo, afastou ainterpretação literal.684

Fechando esse ponto, dedicado à interpretação da legislação tributária,estipulou o legislador que:

Art. 112. A lei tributária que dene infrações, ou lhe comina penalidades,interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvidaquanto:I - à capitulação legal do fato;II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ouextensão dos seus efeitos;III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

Esse texto também nos parece inútil. Como a disciplina que cuida deinfrações e da xação de penalidades é o direito penal, não precisava o CódigoTributário Nacional se imiscuir nos assuntos anteriormente transcritos. Osilêncio do legislador scal, também quanto à interpretação dos crimes contraa ordem tributária, teria sido muito melhor do que o texto do art. 112. Cabe aoCódigo Penal e ao Código de Processo Penal, além da legislação criminal não

683 Conra-se, a respeito, Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 79.

684 Conra-se, a respeito, artigo de nossa autoria intitulado “A suspensão do crédito tributário e suainterferência nos prazos de decadência e prescrição”. In Revista Dialética de Direito Tributário , v. 165,p. 101-108.

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III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direitoprivado.

Em tais dispositivos, há palavras que não resistem à aplicação fática,devendo ser simplesmente desconsideradas pelo intérprete. É o caso dasolidariedade , prevista no caput do art. 134, citado. Se ela existir, de acordo como inciso V, os tributos devidos pela massa falida poderão ser cobrados tanto dosíndico, quanto da massa falida! Não salva o texto se ele for interpretado nãocomo solidariedade, mas como subsidiariedade: se a massa falida não pagar ostributos, o síndico deverá arcar, com seu patrimônio pessoal, pelas dívidas dapessoa jurídica que está sendo encerrada.

Em nossa experiência de mais de 12 anos em vara federal de execuções

scais, não temos visto nenhum pedido de aplicação do parágrafo único do art.134: exclusão das penalidades. Assim como os operadores do direito parecemnão ler o início do art. 135: são pessoalmente responsáveis , que signica uma ordempara a retirada do contribuinte da lide!

A interpretação dada pela jurisprudência nos remete mais a uma construção jurisprudencial do que à aplicação da legislação, o que não é nenhum problemana prática, pois sustentamos que o legislador não é a única fonte do direito. 686 Veja-se o seguinte julgado do STJ, que parece demonstrar a linha consolidada:

VII. Exemplo de engessamento: lançamento tributário

Há alguns pontos do Código Tributário Nacional que talvez justiquema crítica de que as codicações podem fossilizar (Savigny) o direito, conformeapontado no item II, supra. Vejamos um assunto que nos encaminha a esseproblema.

Segundo o CTN, a constituição do crédito tributário é atribuição privativa da autoridade administrativa. O comando está no art. 142, in verbis:

Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o créditotributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativotendente a vericar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identicaro sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

A constituição do crédito tributário é hoje, todavia, de fato, muito mais realizadapelo contribuinte do que pela autoridade administrativa. O avanço tecnológico

provavelmente levará a que o lançamento seja uma gura quase que exclusivamenteencontrável nos livros jurídicos, não na prática da administração. A fossilização,

686 Filosoa do direito tributário , cit., p. 147.

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em realidade, é apenas do CTN, ao menos no ponto em comento. Isso porque olegislador das normas especícas (não codicadas) aponta, constantemente, terhá muito tempo superado as aparentes amarras do citado art. 142. O Código foi

escrito em uma época em que as declarações do Imposto de Renda da Pessoa Físicapodiam ser feitas à mão! Em 1966, a legislação não exigia que a declaração do IRPFfosse preenchida por máquina de escrever. Atualmente, contudo, as declarações sãofeitas, majoritariamente, pela internet. Daí a fossilização do Código.

Nos dias que correm, em realidade, o conteúdo do art. 142 do CTN é aexceção. A regra está no art. 150: lançamento por homologação ou, em linguagematualizada, constituição do crédito tributário por declaração do contribuinte.

VIII. Necessidade de retorno ao direito nanceiroAlguns temas indicam que o CTN precisa ser repensado. É assim com

relação à denição de lançamento, com a insuperável diculdade de aplicaçãoda responsabilidade tributária e com os prejuízos que causam a dicotomiadecadência-prescrição (assunto que desenvolveremos em outra oportunidade).

Talvez tenha chegado a hora, também, de retornarmos aos estudos do direitonanceiro, notadamente por ter a dogmática jurídica nacional praticamenteabandonado o orçamento aos técnicos e aos políticos. O orçamento recebe pouco

estudo acadêmico por parte dos prossionais do direito. Assim também o estudodos gastos públicos. A nosso ver, as insurgências em relação ao art. 4º do CTN,diante das contribuições, é simplesmente um problema de não estudarmos maisas despesas públicas.

O direito tributário não se encarrega do estudo do que o Estado faz com odinheiro arrecadado. As classicações quinquipartites dos tributos são, a nosso ver,simplesmente um retrocesso na distinção entre direito nanceiro e direito tributário.

IX. Conclusão

Diante do exposto, acreditamos que o Código Tributário Nacionalnecessite de profunda revisão para adequá-lo ao estágio atual do direitotributário brasileiro. Exemplicam essa assertiva a existência de textos inúteisno CTN, como os arts. 17, 96 e 114, e capítulos que precisam signicativamenteser repensados, como o da interpretação da lei tributária. O CTN nos pareceincompatível com a realidade atual, ainda, no que concerne à responsabilidadetributária e à constituição do crédito tributário.

O CTN não pode ser, também, um empecilho para a necessidade dos

estudos de direito nanceiro. A sociedade brasileira, bem como a comunidade jurídico-acadêmica, clamam por controles mais efetivos dos gastos públicos.Eles não compõem, todavia, os campos de interesse do direito tributário e nãoestão normatizados no Código Tributário Nacional.

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O CTN M I L T

Gabriel Lacerda TroianelliDoutor em Direito Público pela Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (UERJ);Mestre em Direito Tributário pela

Universidade Cândido Mendes (UCAN),Professor e Advogado

Sumário: 1. Introdução. 2. A Questão da Lei Interpretativa. 3. A Modicação do Critério  Jurídico e a Correção de Ilegalidade de Norma Complementar.

1. Introdução

Entre os temas pertinentes à segurança jurídica do contribuinte, um dos maisrelevantes é o da mudança na interpretação da lei tributária pela Administração,tratada pelo Código Tributário Nacional, direta ou indiretamente, em algunsdos seus artigos.

Quando pensamos em interpretação da lei tributária, logo nos lembramos

do artigo 106 cujo inciso I atribui efeitos retroativos à lei interpretativa. Nãotrata, propriamente, de um caso de mudança de interpretação, uma vez que dizrespeito à situação em que a interpretação era incerta, duvidosa, e a lei vempara xar a interpretação que entende correta. Ela não muda propriamente umainterpretação, pois dá a interpretação correta onde antes era incerta. Mas, aindaque impropriamente, implica uma mudança no estado de fato da interpretaçãoda lei tributária, já que uma situação de incerteza dá lugar à certeza jurídicasobre a norma interpretada.

Também o parágrafo único do artigo 100 do Código Tributário Nacional

pressupõe, de certa forma, a mudança na interpretação tributária por partedas autoridades administrativas quando exclui a imposição de multa e juros, bem como a atualização monetária para os contribuintes que deixarem depagar tributo por observarem as normas complementares das leis tributáriasmencionadas nos quatro incisos do referido artigo. Isso porque, se aAdministração Tributária emitiu norma complementar ilegal que dispensou, dealguma forma, o contribuinte do pagamento de tributo devido, só pode, comobviedade, posteriormente exigir o tributo quando se der conta da ilegalidadeda norma complementar antes emitida.

Por m, o artigo 146 trata especicamente da modicação nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento,ao dispor que tal modicação só pode se dar quanto a fato gerador ocorrido emmomento posterior à sua introdução.

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Serão abordados, a seguir, alguns aspectos pertinentes a esses três artigosdo Código Tributário Nacional.

2. A Questão da Lei InterpretativaDe acordo com o artigo 106 do Código Tributário Nacional:

“Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída aaplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.(...)”

Parte importante da Doutrina não aceita a existência de leis interpretativascuja retroatividade seria, a depender do caso, inconstitucional ou inútil, vistoque ou a lei inova, e nesse caso não poderia retroagir, ou ela repete a lei anterior,e nessa hipótese seria inútil. Nesse sentido, opina Luciano Amaro:

“Com efeito, a dita “lei interpretativa” não consegue escapar do dilema: ouela inova o direito anterior (e, por isso, é retroativa , com as conseqüências daídecorrentes), ou ela se limita a repetir o que já dizia a lei anterior (e, nesse

caso, nenhum fundamento lógico haveria, nem para a retroação da lei, nem,em rigor, para sua edição.(...)Por isso, quer se olhe a lei interpretativa como uma substituição retroativado preceito “obscuro” da lei velha pelo preceito “aclarado” da lei nova,quer seja ela encarada como uma determinação ao juiz ou ao aplicador dalei para que julgue ou aplique a lei velha em tal ou qual sentido, estaremossempre diante de uma lei nova que pretende regrar o passado, sendo, pois,aplicáveis todas as restrições oponíveis às leis retroativas.

Em suma, somente nos casos onde possa atuar lei retroativa  é possível aatuação de lei interpretativa , o que evidencia a inutilidade desta.”687

A crítica procede em parte. Se uma lei, a pretexto de interpretar normaanterior, na verdade inova, ela não é interpretativa e não pode retroagir. Normamodicativa que se diga interpretativa para retroagir é inconstitucional naparte em que prevê a aplicabilidade a fatos passados e só pode produzir efeitospara fatos ocorridos a partir da sua entrada em vigor. Nessas circunstâncias, afalsa lei interpretativa deverá ter sua verdadeira natureza armada pelo Poder

 Judiciário, que, quando provocado, afastará sua retroatividade.

687 AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 197. Itálicosno original.

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Todavia, a verdadeira lei interpretativa, aquela que realmente aclara normaobscura ou dúbia, não é inútil. Se a interpretação se der em favor do sujeitopassivo, ele será, pelo menos, beneciado pela segurança jurídica de estar a

agir de acordo com a interpretação que a lei nalmente armou como sendo acorreta. Se, por outro lado, a interpretação favorecer o Fisco, haverá indiscutívelutilidade para o sujeito passivo, pois, tendo o legislador, pelo simples fato deeditar lei interpretativa, reconhecido que havia de fato um estado anterior deincerteza, a aplicação retroativa da norma de interpretação excluirá a aplicaçãode penalidades por força do inciso I do artigo 106 do Código Tributário Nacional.Na falta da lei interpretativa, o Fisco poderia sempre sustentar que jamaishouvera qualquer dúvida na lei, que sempre esteve muito clara, por exemplo, aincidência daquele tributo em determinadas condições. Assim, se a interpretação

correta é a que benecia o Fisco, é melhor para o contribuinte que seja editadauma lei interpretativa impeditiva da imposição de penalidades do que, na faltadessa lei, ter o crédito exigido pelo Fisco acrescido da multa de ofício cabível nashipóteses ordinárias de falta de pagamento.

Quanto ao fato de o inciso I do artigo 106 do Código Tributário Nacionalreferir-se à lei “expressamente interpretativa”, não signica que ela tenha que sedeclarar interpretativa. Sintomaticamente, quando aparece, escrito na lei, que “oartigo tal tem natureza interpretativa” ou “aplica-se ao artigo tal o disposto no artigo 106,I, do Código Tributário Nacional”, na maior parte das vezes vericaremos estarmos

diante de uma falsa norma interpretativa, de uma regra modicativa que setraveste para retroagir. Foi o que concluiu, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicabilidade dos artigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/05no ponto em que afastava a “tese dos cinco mais cinco” relativa à prescrição narepetição do indébito.

Dizer que uma norma, para retroagir, deva ser “expressamente interpretativa”signica que o caráter interpretativo da norma, meramente declaratório emrelação a um estado de dúvida legislativa precedente, deve transparecersem equívocos com a simples leitura da regra, que revelará o seu caráter

mediante expressões do tipo “ para efeito do disposto na norma tal, considera-se...”,ou semelhante, não podendo uma regra ser considerada interpretativa se asexpressões nela contidas sugerirem, de alguma forma, que se operará alteraçãoda situação legislativa.

Não basta, todavia, que haja um estado de dúvida objetiva em determinadaregra para que a norma que pretenda posteriormente interpretá-la possa deforma legítima retroagir, sendo necessário, para tanto, que, no momento daprodução da lei interpretativa, a dúvida sobre o sentido da norma interpretada já não tenha sido resolvida em denitivo pelo Poder Judiciário, a quem cabe

essencialmente a função de interpretar as leis.Assim, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal e o

Superior Tribunal de Justiça, dentro de suas respectivas competências, derema palavra nal sobre o exato sentido de uma norma anteriormente dúbia, a

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dúvida não mais existirá, não havendo, daí em diante, terreno para a criação delei interpretativa. A lei – ou a Constituição, se for o caso – poderá, naquilo queRicardo Lobos Torres chama de “correção legislativa da jurisprudência”,688  ser

alterada para limitar temporalmente os efeitos de jurisprudência contrária aosinteresses do Fisco, aplicando-se para o futuro, mas jamais poderá retroagir paraanular os efeitos da jurisprudência desfavorável, sob pena de grave agressão àindependência dos Poderes.

3. A Modicação do Critério Jurídico e a Correção deIlegalidade de Norma Complementar

Questão particularmente espinhosa no âmbito do Direito Tributário édenir, em certas circunstâncias, quais as consequências da superveniência deum entendimento contrário ao contribuinte em relação a outro que lhe era, emmomento anterior, favorável. Nessas situações, duas normas são normalmentelembradas, os artigos 100, parágrafo único, e 146 do Código Tributário Nacional,assim redigidos:

“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e dasconvenções internacionais e dos decretos:

I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdiçãoadministrativa, a que a lei atribua ecácia normativa;III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios.Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui aimposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização dovalor monetário da base de cálculo do tributo.

(...)Art. 146. A modicação introduzida, de ofício ou em conseqüência dedecisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pelaautoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode serefetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato geradorocorrido posteriormente à sua introdução.”

Parte da Doutrina entende que, enquanto o parágrafo único do artigo 100diz respeito a atos normativos dotados de generalidade, como os pareceres

normativos, o artigo 146 trataria necessariamente de situação em que o

688 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração no Direito Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro:Renovar, 2000, pp. 321-322.

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contribuinte tenha sido beneciado por um ato especíco a ele dirigido, comouma solução de consulta. Assim, de acordo com Misabel Derzi:

“O que distingue o art. 146 do art. 100 é que o primeiro proíbe a retroaçãodo ato, por mudança de critério jurídico, em relação ao mesmo fato geradore contribuinte, enquanto o art. 100 é genérico e independe de ter havidolançamento. As conseqüências também são diferentes. O art. 146 proíbeque se edite outro ato administrativo individual, como o lançamento,relativamente ao mesmo fato gerador, uma vez aperfeiçoado e cienticadoo contribuinte. Se a mudança de critério jurídico levaria à cobrança detributo ou à sua majoração, em relação àquele mesmo fato jurídico, novo

lançamento não poderá ser efetuado, nem mesmo para cobrar o singelo valordo tributo (como autoriza o art. 100, em se tratando de ato normativo).”689

Nesse sentido também é a opinião de Ricardo Lobo Torres, para quem:

“Os critérios jurídicos utilizados para o lançamento pela Administraçãosão inalteráveis com relação a um mesmo sujeito passivo, ainda que hajamodicação na jurisprudência administrativa ou judicial. Esse princípio,estampado no art. 146 do CTN, emana da segurança dos direitos individuaise da proteção da conança do contribuinte. Aplica-se principalmente noscasos de consulta sobre a existência da relação tributária: se a Administraçãormar determinado ponto de vista, favorável ao contribuinte, não poderádepois, nem mesmo em virtude de decisões administrativas ou judiciais,voltar atrás para exigir daquele contribuinte beneciado o imposto devidopor fatos pretéritos; apenas os fatos futuros carão sujeitos ao novo critério jurídico (cf. art. 48, § 12, da Lei 9.430/96).A hipótese do art. 146 difere do art. 100, parágrafo único, do CTN que

diz que a observância das normas administrativas complementares(atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas, decisõesreiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e convênios)exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e aatualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. No caso doartigo 100, parágrafo único, a mudança do critério normativo incompatívelcom a lei tributária pode ser aplicada genericamente aos contribuintes, emhomenagem ao princípio da legalidade, excluídas as suas conseqüências

penais. Já no art. 146 protege-se contra a mudança, com efeito retroativo,

689 DERZI, Misabel Abreu Machado. In BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 812.

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do critério individualmente utilizado no lançamento relativo a um mesmosujeito passivo.”690

Não há dúvida de que atos especícos direcionados a determinadocontribuinte, como um lançamento ou uma solução de consulta, inserem-senecessariamente no campo de incidência do artigo 146, pois, como atos dirigidosespecicamente a uma pessoa, não são dotados da generalidade exigida peloartigo 100. Nesse ponto, é perfeita a conclusão dos referidos autores no sentidode que atos especícos inserir-se-ão sempre no artigo 146.

Todavia, há que se perguntar se a recíproca é sempre verdadeira; ou seja,se atos normativos, genéricos, somente caberão no artigo 100, ou se poderãodeagrar a incidência das consequências jurídicas do artigo 146 quando

apenas representarem a mudança de critério jurídico e não a correção de umailegalidade. A diculdade de se admitir essa última possibilidade decorre dapouco clara redação que apresenta o artigo 146 do Código Tributário Nacional,derivada do artigo 172 do Anteprojeto de Rubens Gomes de Sousa, que eraassim redigido:

“Art. 172. A modicação introduzida, de ofício ou em conseqüência dedecisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pelaautoridade administrativa no exercício do lançamento somente poderáser efetivada, em relação a um mesmo contribuinte, por ocasião dolançamento imediatamente seguinte à data em que se tenha vericado amodicação.”

Como se vê, o último trecho do artigo referia-se não a fato geradorocorrido em momento anterior, mas ao lançamento imediatamenteseguinte, dando a impressão de que o lançamento, desde que posteriorà mudança do critério jurídico, poderia aplicar o novo critério a fato

gerador ocorrido quando ainda vigorava o antigo critério. O artigo, ao sereferir por duas vezes ao lançamento, parecia centrar neste o marco a serconsiderado pela mudança do critério jurídico, e não no fato gerador. Essafalta de clareza foi criticada por Gilberto de Ulhôa Canto ao comentar oartigo, nos seguintes termos:

“Artigo 172 – Não nos parece que seja exatamente como está escrito, quese devesse dizer. O que se quer assegurar é a aplicação do critério jurídiconovo apenas aos lançamentos referentes a fatos geradores futuros. Como

consta do anteprojeto, novo lançamento poderia ser feito, atingido fato

690 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.249.

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gerador anterior. Diga-se, em vez de “... por ocasião...”, “... em relação afato gerador ocorrido posteriormente à modicação...””691

Assim, foi a partir da crítica de Gilberto – que se uniu a Rubens na redaçãodo projeto que veio a se tornar o Código Tributário Nacional – que o artigo 146ganhou a presente redação.

Embora a redação nal do artigo 146 tenha eliminado a falsa impressãode que a modicação do critério jurídico pudesse abarcar fatos geradores a elaanteriores, permaneceu ainda a impressão de que a regra do artigo 146 só éaplicável na existência de lançamento anterior – ou, pelo menos, manifestaçãoespecíca sobre o crédito em solução de consulta –, hipótese na qual a regraassumiria apenas a função de impedir a revisão do lançamento anteriormente

feito ou de consulta anteriormente respondida baseada na mera modicação decritérios jurídicos. Sobre a desnecessidade de um lançamento anterior para aincidência do artigo 146, são oportunos os comentários de Luciano Amaro:

“O que o texto legal de modo expresso proíbe não é a mera revisão delançamento  com base em novos critérios jurídicos; é a aplicação dessesnovos critérios a  fatos geradores ocorridos antes de sua introdução (quenão necessariamente terão sido já objeto de lançamento). Se, quanto aofato gerador de ontem , a autoridade não pode, hoje , aplicar novo critério

 jurídico (diferentemente do que, no passado, tinha aplicado em relaçãoa outros fatos geradores atinentes ao mesmo sujeito passivo), a questãoque não se refere (ou não se resume) à revisão de lançamento (velho), masabarca a consecução  de lançamento (novo). É claro que, não podendo onovo critério ser aplicado para lançamento novo com base em fato geradorocorrido antes da introdução do critério, com maior razão este também nãopoderá ser aplicado para rever lançamento velho. Todavia, o que o preceitoresguardaria contra a mudança de critério não seriam apenas lançamentos anteriores, mas fatos geradores passados.”692

Para resolver o problema posto, são de extremo valor as lições do próprioRubens Gomes de Sousa, autor, como vimos, do texto que, ligeiramente alterado,resultou no artigo 146 do Código Tributário Nacional:

“Igualmente, quando o sco, mesmo sem erro, tenha adotado umaconceituação jurídica certa e depois pretenda substituí-la por outraigualmente certa, porém mais favorável, no sentido de importar em maiortributo, também não pode fazê-lo: com efeito, se admitirmos que o sco

691 Instituto Brasileiro de Direito Financeiro. Codicação do Direito Tributário. Rio de Janeiro, 1955, pp.193-194.

692 AMARO... Op. cit. , p. 341. Itálicos no original.

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possa variar de critério jurídico na apreciação do fato gerador, estamosadmitindo que possa adotar o critério que prera por motivos de simplesoportunidade, o que equivale a admitir que a atividade de lançamento

seja discricionária, quando ao contrário já vimos que se trata de atividadevinculada.”693 

O texto acima transcrito é particularmente importante por dois motivos. Emprimeiro lugar, por deixar claro que o sco não pode “variar de critério jurídico naapreciação do fato gerador”, ou seja, que o novo critério não pode se aplicar a fatogerador anteriormente ocorrido, despindo o ato do lançamento da importânciaque parece ter no texto do artigo 146.

Em segundo porque, ao se referir à situação na qual o sco, “mesmo sem

erro, tenha adotado uma conceituação jurídica certa e depois pretenda substituí-la poroutra igualmente certa, porém mais favorável, no sentido de importar em maior tributo”,nos dá a pedra de toque para distinguir os âmbitos de aplicabilidade dos artigos100 e 146 do Código Tributário Nacional: a mudança do critério jurídico deque trata o artigo 146 ocorre quando uma interpretação certa da lei dá lugar aoutra interpretação igualmente certa que implica a maior arrecadação. Ou seja, amudança do critério jurídico implica a existência de dois critérios possíveis doponto de vista jurídico, sem que um deles seja necessariamente errado.

 Já o parágrafo único do artigo 100, por sua vez, parece referir-se à situaçãoem que não há a substituição de uma interpretação juridicamente possível poroutra, mas a existência de uma norma complementar contrária à lei que é emmomento posterior corrigida pela Administração.

Pelo menos é isso que sugerem as consequências jurídicas do parágrafoúnico do artigo 100: a norma complementar ilegal jamais poderá fazerdesaparecer a obrigação tributária, razão pela qual o contribuinte que a observoudeve pagar o tributo; por outro lado, o contribuinte não pode ser punido porter observado a norma complementar ilegal, razão pela qual não lhe pode ser

exigido o pagamento de multa, de juros de mora nem mesmo da atualizaçãomonetária, havendo, quanto a esta última, certo exagero por parte da norma porgerar enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Em resumo, enquanto o parágrafo único do artigo 100 se aplica quandohouver correção de ilegalidade, o artigo 146 refere-se à simples mudança decritério jurídico, sem que o critério substituído se revele ilegal.

Dessa forma, a aparente antinomia entre o artigo 146 e o parágrafo únicodo artigo 100 no que se refere à aplicabilidade deles aos atos normativos pareceresolver-se da seguinte forma: quando ato normativo posterior corrigir ato

anterior conitante com a lei, aplica-se o parágrafo único do artigo 100; quando,

693 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Edição póstuma. São Paulo: ResenhaTributária, 1975, p. 108.

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por sua vez, o ato normativo posterior veicular apenas mudança de critériorelativamente a outro juridicamente possível, deve-se aplicar o artigo 146 doCódigo Tributário Nacional. Nesse sentido, arma Hugo de Brito Machado:

“Como regras jurídicas de categoria inferior, as normas complementaresevidentemente não podem modicar as leis, nem os decretos e regulamentos.Por isso não asseguram ao contribuinte o direito de não pagar um tributoque seja efetivamente devido, nos termos da lei. Mas se o não-pagamentose deveu à observância de uma norma complementar, o contribuinte ca asalvo de penalidades, bem como da cobrança de juros moratórios e correçãomonetária. O parágrafo único do art. 100 do Código Tributário Nacionalassim o determina. Não seria justo punir o contribuinte que se conduzir

de acordo com norma, embora ilegal, editada pela própria AdministraçãoTributária.Ressalte-se, outrossim, a necessidade de compatibilizar-se o parágrafoúnico do art. 100, com o art. 146, do Código Tributário Nacional. Assim,se a modicação da norma complementar representa simples mudança decritério jurídico , só vale para o futuro. Não se presta como fundamento paraa revisão do lançamento.”694

Na prática, nem sempre será fácil distinguir a simples mudança do critério

 jurídico de forma desfavorável para o contribuinte, sujeita ao artigo 146 doCódigo Tributário Nacional, da correção de uma ilegalidade que anteriormentelhe beneciasse, submetida ao parágrafo único do artigo 100, pois o que podeparecer para o contribuinte a adoção de um critério jurídico prejudicial podeser visto pelo Fisco como a eliminação de uma benesse ilegalmente concedida.Nessas situações, caberá à Jurisprudência, seja administrativa, seja judicial, dizerquem tem razão.

694 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. II. São Paulo: Atlas, 2004,p. 94.

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E B S A  A   CTN P-P

Daniel Mariz Gudiño

Sumário: I. Introdução. II. Os Silogismos Contidos na Hipótese em Teste: II.1. Legitimidade e Validade da Norma Jurídica; II.2. O Papel do Intérprete no Estado de Direito; II.3. Especialidade do Direito Tributário. III. Críticas da Doutrina Acerca dos Dispositivos do CTN. IV. A Visão dos Tribunais Superiores. V. Uma Perspectiva Diferente. VI. Conclusão. Referências Bibliográcas

I. Introdução

O tema da legitimidade e da validade dos dispositivos de interpretação eintegração do Direito é de enorme importância não apenas para ns teóricos,mas, sobretudo, em razão da sua aplicabilidade prática, anal, é no âmbito daaplicação do direito que a atividade hermenêutica encontra maior repercussão.

No contexto do Direito Tributário Brasileiro, o tema já despertou o interessedos mais insignes juristas, dentre os quais, Ricardo Lobo Torres assume particular

relevância para o trabalho que se pretende desenvolver. E isso porque, além dea sua obra ter agregado ao tema um valor cientíco inigualável, é ele que nosoferece a assertiva a ser testada: “As normas de interpretação do Direito Tributário,em suma, introduzem a desarmonia no sistema de valores, pelo que se tornam ilegítimase inválidas” (Torres, 2006, p. 379).

O objetivo do trabalho em tela será validar a armação acima transcrita,com foco especial nos dispositivos do Código Tributário Nacional. Paratanto, será cotejada a literatura nacional existente, com eventuais subsídios

da literatura estrangeira. Far-se-á, ainda, um balanço da jurisprudência dosTribunais Superiores sobre o tema. Em posse de todo esse acervo de informaçõesselecionadas, será utilizado o método lógico-dedutivo para, se possível,dimensionar a extensão da hipótese testada.

Não se pretende, por óbvio, exaurir o exame do recorte normativo emquestão sob pena de se desviar o foco da pesquisa. O desao ora assumidoé buscar diferentes olhares sobre um tema já muito debatido e, desse modo,tentar identicar um sentido atual para os dispositivos do CTN que cuidam dainterpretação e da integração da legislação tributária.

695 O presente trabalho foi adaptado da monograa de conclusão da disciplina Hermenêutica Jurídica,ministrada pelo Prof. Paulo Roberto Mendonça, entre Julho e Setembro de 2009, no Programa deMestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes.

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Na primeira parte do trabalho, a assertiva de Ricardo Lobo Torres serácontextualizada, desmembrando-se as premissas lógicas que a tornam coerente,tanto no Direito em geral, quanto no Direito Tributário em particular. Em

seguida, tais premissas serão testadas à luz da doutrina e da jurisprudênciapátrias. Mais adiante, as premissas analisadas serão relativizadas a m de que,se possível, sejam construídas novas assertivas logicamente coerentes.

Com efeito, ao m da presente abordagem, espera-se ter desvelado aspremissas que tornam coerente a assertiva em destaque, de maneira que,relativizando as próprias premissas, seja possível encontrar outras assertivasigualmente coerentes sobre o mesmo tema, em especial uma que conralegitimidade e validade aos dispositivos do CTN que cuidam da interpretação eda integração da legislação tributária no Brasil.

II. Os Silogismos Contidos na Hipótese em Teste

Na assertiva em teste há, ao menos, dois silogismos: um que abrange o Direitocomo um todo e o outro que se refere ao Direito Tributário especicamente.

A começar pelo mais amplo silogismo, tem-se que a premissa maiorpoderia ser expressa da seguinte maneira: normas que introduzem desarmoniano sistema de valores são ilegítimas e inválidas. A premissa menor, por sua vez,

traduziria a ideia de que normas de interpretação introduzem desarmonia nosistema de valores.

No segundo silogismo poderiam ser identicadas as seguintes premissas,maior e menor, respectivamente: a atividade do intérprete do Direito nãose restringe a aplicar a letra fria da lei ao fato juridicamente relevante; e aespecialidade do Direito Tributário não justica a restrição da atividade dointérprete do Direito.

A premissa maior do primeiro silogismo remete à discussão da legitimidadee da validade das normas jurídicas, ao passo que a sua premissa menor aborda aquestão da liberdade de atuação do aplicador do Direito. O segundo silogismo,a seu turno, desenvolve a premissa menor do primeiro silogismo à luz do EstadoDemocrático do Direito e transporta o papel do aplicador do Direito para asnormas que cuidam da atividade nanceira do Estado, em especial dos ingressostributários.

II.1. Legitimidade e Validade da Norma Jurídica

Tomando por base as sociedades ocidentais, a conclusão que se chega sobrea legitimidade e a validade das normas jurídicas é diferente, conforme o contextoem que o tema é analisado. Analisando a ideia de liberdade scal, Ricardo LoboTorres abordou a legitimidade e a validade das normas tributárias em diferentes

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períodos históricos, os quais denominou de Estado Patrimonial, Estado Policiale Estado Fiscal:

Há, pelo menos, três grandes linhas de pensamento, a coincidir com opatrimonialismo, o Estado de Polícia e o Estado de Direito: a) a escolástica ,com a defesa do direito natural de origem divina, da ética da salvação, dopoder scal partilhado e do mercantilismo bullionista; b) o iluminismo , comprojeções do direito natural racional, da ética da felicidade e do bem-estar,do poder absoluto e do mercantilismo e cameralismo; e c) o liberalismo ,com o direito natural sensista, a ética utilitarista, o poder limitado peloconsentimento e o capitalismo. (Torres, 1991, p. 9)

O citado autor revela que a legitimidade do Direito no Estado Patrimonialadvinha da vontade divina, pois “o poder do rei derivava de Deus” (Torres, 1991,p. 14), embora fosse partilhado com o clero e a nobreza. Não há registro sobre ocontrole da validade da norma naquela época, mas depreende-se que, por nãohaver um estado, a norma era válida conquanto fosse criada por quem detinhao poder (rei, clero e nobreza), observadas as respectivas competências. Pode-sedizer, então, que a liberdade era estamental, ou seja, “aparece fracionada e divididaentre a realização, o senhorio e a Igreja...” (Torres, 1991, p. 20).

 Já no Estado de Polícia – período transitório entre o patrimonialismoe o liberalismo –, a legitimidade do Direito deixou de ser a vontade divina epassou a residir na Razão Natural ou Boa Razão, centralizando na pessoado rei as fontes da normatividade (Torres, 1991, p. 55). Também nessa épocanão se encontram registros de controle de validade das normas. A liberdadedeixou de ser estamental e passou a ser do príncipe, “que conduz à centralização política e nanceira e aos primeiros passos para a liquidação da scalidade periférica dosestamentos”  (Torres, 1991, p. 62). Como a liberdade não se esgotava na pessoado príncipe, estendendo-se à burguesia, o autor arma que tal liberdade era do

Estado.Finalmente, com o declínio da monarquia ocasionado por uma série defatores – dentre os quais se destaca a insuciência das entradas dominiais e dosingressos regalistas para fazer face às despesas da guerra –, surge o Estado Fiscalou o Estado de Direito. Nesse período – que até hoje prevalece, embora tenhaevoluído notavelmente em diferentes estágios –, houve mudanças signicativasde cunho losóco e estrutural:

No campo da ética adota-se a orientação utilitarista, com a valorização da

riqueza e do trabalho como elementos para a conquista da liberdade e dafelicidade. (...) Os juristas aderem ao jusnaturalismo sensista e utilitarista.Defendem a separação de poderes, a representação, os direitos daliberdade e a limitação do poder do Estado. (...) Os economistas passam a

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defender a liberdade de iniciativa, os empréstimos, os incentivos scais e aindustrialização. (Torres, 1991, pp. 102-103)

Especicamente sobre a liberdade, Ricardo Lobo Torres aduz que “noEstado Fiscal arma-se a liberdade individual: reserva-se pelo contrato social ummínimo de liberdade intocável pelo imposto...” (Torres, 1991, p. 109). E prossegueensinando que:

A legalidade, no liberalismo, substitui a Razão de Estado que prevalecia nopatrimonialismo e no absolutismo. O poder nanceiro se transforma empoder Legislativo. Kant faz coincidir a liberdade com a legalidade e admitecomo livre a vontade que obedece à máxima elaborada pela razão prática...

Esse conceito de liberdade, meramente formal, vai resumir toda a elaboraçãoteórica do início do Estado de Direito e servirá de referência para o ulteriordesenvolvimento da idéia de liberdade para ou liberdade positiva , com reexosno campo scal. (...) O princípio da legalidade tributária foi incorporado portodos os grandes textos constitucionais do Estado de Direito. A Declaraçãode Direitos (Bill of Rights) inglesa dizia ser ilegal “levantar dinheiro parauso da coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem permissão do parlamento”.(Torres, 1991, pp. 112-113)

A legitimidade do Direito, portanto, passava a residir na soberania doEstado. Em outras palavras, o poder passava a emanar do povo, sendo exercidopor meio de seus representantes, de acordo com os princípios da democraciarepresentativa (Torres, 1991, p. 119).

Entretanto, como já mencionado, o próprio Estado de Direito já vivencioudiferentes estágios evolutivos, o que se percebe claramente ao se analisaro papel do Estado. Logo nos primórdios dessa fase moderna do Direito,no estágio conhecido como Estado Liberal, o Estado assumiu uma funçãomeramente garantidora da paz social nas relações privadas, ou seja, intervinha

excepcionalmente na esfera individual, primando, pois, pela segurança jurídica,livre iniciativa, a propriedade.

Com o passar dos anos, entretanto, o formalismo positivista entrou emdecadência, pois a segurança jurídica isolada não garantia um sistema jurídico justo. Portanto, o Direito sofreu drásticas mudanças e o Estado passou a serintervencionista ao extremo, muitas vezes suprimindo direitos fundamentaispara garantir não mais os interesses particulares, mas sim o interesse público.Essa é a razão pela qual esse período cou conhecido como Estado Social.

Mais recentemente, no decorrer da Segunda Guerra Mundial, diante

de tantas atrocidades engendradas por Estados que tudo podiam, o mundoreclamou mais atenção à dignidade da pessoa humana. Percebeu-se que aprevalência do interesse público não poderia ser uma verdade absoluta, devendoser ponderada diante das garantias fundamentais do indivíduo, sobretudo os

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direitos humanos.696 Surge, então, o Estado Democrático de Direito, atualmenteadotado pela maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento nomundo ocidental.

Com efeito, na fase atual do Direito, os valores da segurança jurídica e da justiça não só convivem, como são materializados por meio de uma principiologiaforte. Vale dizer, a partir das ideias de Ronald Dworkin e Robert Alexy, osprincípios decorrentes desses valores passaram a ter alta carga normativa.

Pois bem, ao se analisar a premissa maior do primeiro silogismo contidona assertiva de Ricardo Lobo Torres – normas que introduzem desarmonia nosistema de valores são ilegítimas e inválidas –, torna-se evidente que ele fazremissão ao Estado Democrático de Direito, pois antes desse estágio do Estadode Direito sequer se ouvia falar em sistema de valores: ou bem se falava em

valores/moral (direito natural), ou bem se falava em sistema (direito positivo). Osistema de valores é próprio do pós-positivismo.697

II.2. O Papel do Intérprete no Estado de Direito

Em trabalho bastante didático, Ricardo Lodi Ribeiro ajuda a compreender opapel do intérprete no Estado de Direito, traçando um paralelo entre as escolasexegéticas contemporâneas e os respectivos métodos de interpretação aplicáveis(Ribeiro, 2009). O autor identica três escolas conforme o período histórico emanálise, a saber: na era da jurisprudência dos conceitos prevaleciam as ideiasda escola positivista formalista ou normativista, que consagrava a interpretaçãosistemática; na era da jurisprudência dos interesses, a escola positivista cientíca,de viés sociológico, e a escola utilitarista, de viés econômico, passaram a ditar os

696 Cf. Daniel Sarmento: “Negar a supremacia do interesse público sobre o particular e armar a superiorida -de prima facie dos direitos fundamentais sobre os interesses da coletividade pode parecer para alguns uma

 postura anticívica. Numa ‘sociedade de indivíduos’, em que os laços sociais afrouxaram-se, esta perspectiva pode soar como um estímulo para o egocentrismo; como um combustível para as tendências centrífugas já tão

disseminadas no mundo contemporâneo. E, no contexto brasileiro, a fragilidade das nossas tradições republi-canas e o ambiente cultural de rarefação do civismo podem ser vistos como um solo que, germinado por idéiastão liberais – que dêem tanta ênfase ao discurso dos direitos –, produza como fruto a consagração da ‘Lei deGerson’ como regra maior da nossa moralidade social. Mas esta visão não se justica. O bom civismo, cujocultivo interessa ao Estado Democrático de Direito, não é o do nacionalismo à outrance – que tanto mal já fezà Humanidade –, nem o que prega a entrega incondicional do indivíduo às causas da coletividade. O civismoque interessa é o do ‘patriotismo constitucional’, que pressupõe a consolidação de uma cultura de direitos hu-manos.” (SARMENTO, 2006, pp. 92-93).

697 Cf. Antonio Carlos Diniz e Antônio Cavalcanti Maia: “O pós-positivismo pode ser descrito, em grandeslinhas, como um novo paradigma concebido no âmbito da teoria jurídica de contestação às insuciências, apo-rias e limitações do juspositivismo formalista tradicional, que reete em larga medida uma ideologia jurídicaherdada do Estado de Direito do século XIX. (...) Para alguns, o pós-positivismo pode ser descrito como uma

espécie de terceira via aos paradigmas positivista e jusnaturalista, sem incorrer nos reducionismos e aporiasnos quais estes desembocaram historicamente; para outros, seria uma nova geração do positivismo jurídicomitigado pelo peso da principiologia jurídica; e ainda para terceiros, o pós-positivismo não passaria de maisuma variante fraca do jusnaturalismo, uma fase ulterior na milenar trajetória da teoria do Direito Natural.” (Diniz & Maia, 2006).

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métodos de interpretação, atribuindo ao método teleológico ou nalístico umaimportância ímpar; e na atual era da jurisprudência dos valores, a escola a dizercomo o Direito deve ser interpretado é a pós-positivista, que, com o intuito de

dar efetividade aos valores consagrados na Constituição, permite ao hermeneutalançar mão de todos os métodos de interpretação simultaneamente.698

Sem adentrar no mérito dos métodos hermenêuticos peculiares, ou não, acada uma dessas escolas exegéticas, importa entender o papel do magistradona visão de tais escolas. A começar pela escola positivista formalista, o juiz eravisto como alguém que devia realizar a atividade mecânica de subsunção dofato concreto à lei. No Estado Liberal, não havia espaço para maiores digressõesacerca dos valores porventura suprimidos nesse processo mecânico, pois o papel

do Estado era o de garantir a liberdade individual acima de tudo.Na visão diametralmente oposta da escola positivista cientíca ou utilitarista,

o juiz era o guardião do Welfare State e devia interpretar a lei sempre em favor dointeresse público, o que, no plano individual, não raramente também ensejavainjustiças. Novamente, o juiz não tinha a independência necessária para fazerum exame do caso concreto tendente a afastar a aplicação de leis injustas, salvose a lei fosse incompatível com os interesses do Estado.699

Mais recentemente, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a

revolução tecnológica da Internet, a sociedade se tornou cada vez mais complexae globalizada. Nesse novo modelo social, os tipos fechados já não oferecemsoluções adequadas para a dinâmica das relações humanas. A defasagem dalei fez surgir, então, uma estrutura normativa diferenciada com a positivaçãode princípios, tipos abertos, cláusulas gerais etc. Tudo isso contribuiu parao fortalecimento do papel do juiz na sociedade pós-moderna, que deixou deexercer uma atividade mecânica ou uma atividade dirigida pelos interesses do

698 É importante que se faça a ressalva de que outras escolas hermenêuticas se desenvolveram no Estadode Direito, como é o caso do raciocínio tópico de Theodor Viehweg. Porém, nos dizeres de PauloRoberto Soares Mendonça, “trata-se de um tipo de estudo do direito de difícil compreensão para a cultura

 jurídica atual, tão inuenciada pelos esquemas hermenêuticos desenvolvidos a partir das codicações do séculoXIX” (Mendonça, 2003, p. 29). Isso porque, a tópica jurídica adota um referencial diverso da normapositivada, qual seja, o sistema formado por soluções de problemas. Entretanto, como o presenteestudo versa justamente sobre normas tributárias positivadas no ordenamento jurídico brasileiro,optou-se por limitar a análise do tema proposto às escolas hermenêuticas que adotam a norma posi-tivada como referencial, embora não haja, nessa escolha, qualquer juízo de valor que recuse impor-tância a outras escolas exegéticas existentes.

699 Sobre os excessos cometidos no Estado Social, Chaïm Perelman escreveu: “A revelação, que hoje jáninguém contesta, dos crimes cometidos pela ‘justiça’ stalinista, expõe de modo cruel o problema do direito

 positivo em dado país. Será este determinado unicamente pelos textos constitucionais ou legislativos, válidos, promulgados, ou pelo modo como são efetivamente utilizados e aplicados? Não se poderia armar, com razão,que por vezes os textos ocialmente promulgados não passam de uma fachada, de uma máscara, atrás da qualse esconde não um Estado de direito, mas um Estado policial, onde reina a mais completa arbitrariedade?” (Perelman, 2004, p. 199).

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Estado para fazê-la de forma livre, inclusive para impedir, ou minimamenteretardar, o enfraquecimento do Direito Ocial face ao Pluralismo Jurídico.700

Nesse contexto, a constituição democrática assume um papel

importantíssimo, pois atribuiu ao juiz o papel de seu guardião, conferindo-lheautonomia de atuação por meio da separação dos poderes, da inafastabilidade docontrole jurisdicional, do livre convencimento do juiz ao motivar suas decisões,da inamovibilidade dos magistrados, da proibição à criação de tribunais deexceção, entre outras prerrogativas. Essa supervalorização do juiz ca evidenteem trabalho de Guilherme Sandoval Góes sobre neoconstitucionalimo:

No plano hermenêutico, a perspectiva neoconstitucionalista dá nova feiçãopara a correção normativa do Direito, vez que imprime força jurígena à

dimensão retórica das decisões judiciais, abrindo espaço para a plenaefetividade dos princípios constitucionais mediante a reaproximação entreética e Direito. (Góes, 2007, p. 115)

Ora, diante de tudo o que se expôs até o momento, ninguém há de discordarque, sob a ótica do Poder Judiciário, as premissas contidas na hipótese em teste– (a) as normas de interpretação introduzem desarmonia no sistema de valores e(b) a atividade do intérprete do Direito não se restringe a aplicar a letra fria da leiao fato juridicamente relevante – estão plenamente alinhadas com o referencialteórico adotado pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento no mundoocidental.

II.3. Especialidade do Direito Tributário

Ainda sob a ótica do Poder Judiciário no contexto do neoconstitucionalimo,é inegável a veracidade da última premissa dos silogismos apresentados no iníciodo tópico em curso: a especialidade do Direito Tributário não justica a restrição

da atividade do intérprete do Direito. Isso porque, conforme já analisado, o juiztem o papel de guardião da constituição democrática, tendo o dever de elevar àmáxima potência a concretização das nalidades nela contidas.

Desse modo, ainda que o Direito Tributário seja uma ramicação do DireitoPúblico, com prerrogativas e limitações próprias, não pode o juiz, no exercícioda sua atividade hermenêutica, sofrer limitação senão pela própria fonte quelegitima o seu poder judicante: a constituição.

Nessa ordem de ideias, os arts. 107 a 112 do CTN – que cuidam de estabelecerregras de interpretação e integração da legislação tributária –, tornaram-se alvo

700 Adota-se aqui uma das várias acepções do verbete, qual seja, “práticas participativas comunitárias,expressão das chamadas experiências de direito informal, direito insurgente, direito paralelo ou direito alterna-tivo.” (Wolkmer, 2006).

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de intensa crítica pela doutrina pátria, sobretudo por parte do brilhante autorde quem se tomou emprestada a hipótese em tese. É o que se verá no próximotópico.

III. Críticas da Doutrina Acerca dos Dispositivos do CTN

Por ser um tema bastante envolvente e de grande aplicação prática, muitostributaristas brasileiros já se lançaram ao estudo das regras de interpretação eintegração da legislação tributária contidas no CTN. Sem desmerecer nenhumdeles, é preciso limitar a presente análise a um número restrito de autores sobpena de não se atingir os objetivos propostos.

Sobre os artS. 107 e 108 especicamente, Ricardo Lobo Torres pondera quea pretensa distinção realizada pelo CTN entre interpretação e integração “trouxemais perplexidade e imprecisão do que clareza” (Torres, 2006, p. 35).

Aliomar Baleeiro, ao comentar o tema, traz importante contribuiçãohistórica, a saber:

É verdade que o CTN não quis acolher a disposição do AnteprojetoAranha-R. G. Sousa que enunciava expressamente essa aplicação de todosos processos de Hermenêutica, no art. 73: “Na aplicação da legislação tributária,

serão admissíveis quaisquer métodos ou processos de interpretação, observado odisposto neste Título”. (Baleeiro, 1999, p. 673)

Corroborando as palavras do eminente ministro baiano, convém transcrevera lição do próprio Rubens Gomes de Souza, que integrou a comissão autora doreferido anteprojeto lei:

Para chegarmos a uma conclusão quanto às regras de interpretação dodireito tributário, devemos acentuar, antes de mais nada, que é princípio

geral de direito que todos os casos devem ter solução, e por conseguinte o juiz não pode deixar de decidir um processo sob pretexto de que a lei nãopreviu a hipótese: isso está expresso no Código de Processo Civil (Lei n.5.869, de 11.01.73, art. 126). Por outro lado, a Lei de Introdução do CódigoCivil (dec. Lei federal 4.657 de 4.9.42, art. 4º) diz que quando a lei for omissa,o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípiosgerais de direito. Partindo dessas premissas, a doutrina moderna consideraa interpretação da lei, isto é, um processo de raciocínio cuja nalidade édupla: (1º) Integrar a lei no sistema jurídico , ou seja, considerar cada lei como

fazendo parte de um conjunto sistematicamente orgânico, cuja nalidadeúltima é uma só: a regulamentação, sob todos os seus aspectos, da vidahumana organizada na sociedade; esta maneira de entender o problemaafasta portanto os métodos de interpretação que considerem uma

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determinada lei, em razão do seu assunto, isoladamente e destacada dosistema jurídico a que pertence; (2º) Integrar na lei tudo o que se contém , isto é,encontrar na própria lei solução para todas as hipóteses que ocorram, tendo

em vista a nalidade que a lei deve desempenhar como parte integrante dosistema jurídico; assim cam afastados os métodos de interpretação queimponham a adoção de resultados apriorísticos, ou seja, resultados pré-estabelecidos sem atender às peculiaridades de cada caso. Em conseqüênciadessa maneira de entender o trabalho interpretativo, conclui-se que oaplicador da lei pode e deve utilizar os métodos ou processos de raciocínioque conduzam à realização prática integral das nalidades que a lei destinaa alcançar. (Sousa, 1975, pp. 72-73)

Ainda em linha com o citado anteprojeto de lei que resultou no CTN, CarlosMaximiliano aduz que, em matéria de leis scais, deve-se lançar mão de todosos métodos interpretativos, exceto quando se tratar de norma de renúncia scal:

Experimenta, em suma, o intérprete os vários processos de Hermenêutica;abstém-se de exigir mais do que a norma reclama; porém extrai, para sercumprido, tudo , absolutamente tudo o que na mesma se contém. Se depoisdesse esforço ainda persiste a dúvida, aplica anal a parêmia, resolve

contra o sco e a favor do contribuinte. O rigor é maior em se tratando dedisposição excepcional, de isenção ou abrandamentos de ônus em proveitode indivíduos ou corporações. Não se presume  o intuito de abrir mão dedireitos inerentes à vontade suprema. (Maximiliano, 2009, p. 272)

De singular clareza são as lições de Alfredo Augusto Becker sobre o temada interpretação das leis tributárias. Embora não tenha tecido comentáriosespecícos acerca dos dispositivos do CTN, sua opinião é relevante para o

presente trabalho na medida em que tem por encerrada a discussão:

O problema jurídico que, no passado, mais apaixonou os estudiosos doDireito Tributário foi o da interpretação das leis tributárias. Por imaginaremque as leis tributárias deveriam ser interpretadas de modo diferente e commétodo especial, correram rios de tinta, pró e contra o Fisco, inundando bibliotecas e afogando advogados e juízes num redemoinho de teorias esutilezas muito belas e sonoras, no plano losóco, político, nanceiro eretórico, porém sem densidade jurídica. Modernamente, para a tranqüilidade

de todos, chegou-se a conclusão, tão verdadeira quanto simples, que as leistributárias são regras jurídicas com estrutura lógica e atuação dinâmicaidênticas  às das demais regras jurídicas e, portanto, interpretam-se comoqualquer outra lei, admitem todos os métodos de interpretação jurídica e

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não existe qualquer peculiar princípio de interpretação das leis tributárias.(Becker, 1998)

Amílcar de Araújo Falcão, que ainda hoje é visto como um dos poucos juristas pátrios que defenderam a interpretação econômica no Direito Tributário– embora não seja bem assim –, concordava com a doutrina que lhe eracontemporânea:

A interpretação moderna da lei tributária, pois, admite todos os meios eprocessos consentidos pelos demais ramos do direito. A peculiaridade, nocaso do direito tributário, está apenas em certas considerações de ordempolítica e econômico-nanceira devem ser feitas para alcançar, não alterar

ou corrigir – a determinação da lei, do mesmo modo como se lança mão denoções de medicina legal ou de ciência atuarial e contábil, muitas vezes,para penetrar o sentido, respectivamente, da lei penal ou da legislaçãosobre seguros. Assim é que, como depois será examinado, na análisedo fato imponível, ou gerador, há que vericar a relação econômica porele traduzida, ainda que, algumas vezes, ela venha encoberta por umaforma jurídica anormal. Não há nisso, entretanto, qualquer modicação,derrogação (interpretatio abrogans), correção ou transformação do preceitolegislativo, como será demonstrado no lugar próprio. (Falcão, 1994, pp. 67-

68)

Mais recentemente, Eros Roberto Grau sustentou que os métodos deinterpretação não podem ser regrados, pois “não passam de artifícios de quelançamos mão para justicar a nossa escolha, entre as possíveis, para a solução de um problema jurídico” (Grau, 1998). Com efeito, no tocante às regras de interpretaçãoe integração do CTN, o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal é conclusivo:

Em suma, a insubsistência dos métodos de interpretação decorre da

inexistência de uma meta-regra ordenadora da aplicação, em cada caso, decada um deles. Não creio que os preceitos veiculados pelos artigos 107 a112 do CTN sejam capazes de suprir essa omissão. A uma porque tambémesses preceitos-regras sobre interpretação devem ser interpretados para quepossam ser transformados em normas [normas-regra sobre a interpretaçãodo Direito Tributário]. A duas porque, sendo a interpretação do direitouma  prudência , apenas poderá ser parametrada por princípios, isto é,por mandados de otimização  – jamais por regras. Qualquer tentativa desubmissão da interpretação a regras será, quando não inteiramente inócua,

totalitária. (Grau, 1998)

Para os ns preconizados no presente trabalho acadêmico, o testemunhode todos esses juristas imortalizados na literatura pátria é bastante para

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demonstrar a posição maciça da doutrina, tornando-se, pois, despiciendaa análise, do ponto de vista doutrinário, de cada um dos dispositivosinterpretativos que estão codicados.

IV. A Visão dos Tribunais Superiores

Apesar de o juiz não estar condicionado aos métodos de interpretaçãoconstantes nos arts. 107 a 112 do CTN, verica-se que tais dispositivos nãoraramente são invocados pelos Tribunais Superiores, sobretudo pelos ministrosdo Superior Tribunal de Justiça.

No Supremo Tribunal Federal, as decisões que versam sobre questõestributárias raramente remetem aos dispositivos do CTN que prescrevem métodosde interpretação e integração da norma tributária. Em geral, as decisões aplicama interpretação conforme a Constituição Federal:701  ou para preservar normasque, se interpretadas literal e assistematicamente, seriam inconstitucionais,702 oupara graduar a amplitude de normas impositivas703 e de desoneração.704 Tambémé comum a instância máxima do Poder Judiciário se manifestar no sentido deque não é competente para analisar violações reexas à Constituição, tendo emvista a interpretação de norma infraconstitucional.705

Por outro lado, é possível vericar julgados da Corte Constitucional

 brasileira no sentido de dar efetividade ao art. 110 do CTN, que versa sobrea extensão dos conceitos de direito privado utilizados pela Constituição parans de denição da competência tributária. Nesse sentido, cumpre transcrevera ementa do julgamento proferido no Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP,em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal analisou a possibilidade de oImposto Sobre Serviços alcançar a locação de bens móveis:

TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da CartaFederal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles

nela previstos.IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. Aterminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto datributação. Conita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributoconsiderado contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos,as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir alocação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código

701 ADI 2-238 MC/DF, ADI 3.694/AP, ADI 2.325 MC/DF, ADI 2.405 MC/RS.702 Para maior aprofundamento sobre o tema, vide ALMEIDA JUNIOR, Fernando Osório de.

Interpretação conforme a Constituição e direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002.703 RE 361.829/RJ.704 RE 578.562/BA, RE 170.784/MG, RE 424.227/SC, RE 169.628/DF.705 RE 207.849 AgR/SP, AI 705.453 AgR/RJ, AI 704.539 AgR/RS, RE 157.177 AgR/RJ.

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Civil, cujas denições são de observância inafastável – artigo 110 do CódigoTributário Nacional.(STF, RE nº 116.121-3/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octávio Galloi, Rel.

para Acórdão Min. Marco Aurélio, j. em 11/10/2000, DJ de 25/05/2001)

Mais recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal versousobre matéria análoga ao julgar o Recurso Extraordinário nº 390.840-5/MG,dessa vez enfrentando o conceito de faturamento para ns de incidência daContribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição parao Financiamento da Seguridade Social – COFINS:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – ARTIGO 3º, § 1º, DA LEINº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 – EMENDA CONSTITUCIONALNº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro nãocontempla a gura da constitucionalidade superveniente.TRIBUTÁRIO – INSTITUTOS – EXPRESSÕES E VOCÁBULOS – SENTIDO.A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta aimpossibilidade de a lei tributária alterar a denição, o conteúdo e o alcancede consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizadosexpressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto forma o princípio da

realidade, considerados os elementos tributários.CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO –INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 daCarta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se nosentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias eserviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no queampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas

auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elasdesenvolvida e da classicação contábil adotada.(STF, RE nº 390.840-5/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em09/11/2005, DJ de 15/08/2006)

Percebe-se que a composição maior do Supremo Tribunal Federalestá alinhada ao dar aplicação ao art. 110 do Código Tributário Nacional.Contudo, isso não lhe retira a liberdade de aplicar dispositivos legais sobreinterpretação e integração do Direito segundo o critério que melhor lhe

permita dar efetividade à Constituição. É o que se depreende do acórdãoabaixo transcrito, o qual foi proferido também pelo Plenário do SupremoTribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta deInconstitucionalidade nº 605-3:

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDAPROVISÓRIA DE CARÁTER INTERPRETATIVA – LEIS INTERPRETATIVAS– A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSÃO

POR MEDIDA PROVISÓRIA – PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE– CARÁTER RELATIVO – LEIS INTERPRETATIVAS E APLICAÇÃORETROATIVA – REITERAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA SOBREMATÉIRA APRECIADA E REJEITADA PELO CONGRESSO NACIONAL– PLAUSIBILIDADE JURÍDICA – AUSÊNCIA DE “PERICULUM INMORA” – INDEFERIMENTO DA CAUTELAR.- É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, oreconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que conguraminstrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominadainterpretação autêntica.- As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nossosistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuiçõesinstitucionais do Judiciário e, em conseqüência, não ofendem o postuladofundamental da divisão funcional do poder.- Mesmo leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes aocontrole jurisdicional.

(...)(STF, ADI-MC nº 605-3, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. em23/10/1991, DJ de 05/03/1993)

 Já no Superior Tribunal de Justiça, a aplicação dos arts. 107 a 112 do CTNé contínua, não restando dúvidas de que, embora tais dispositivos sejam merosindicativos para o juiz, servem de critério, no mais das vezes razoável, quefacilita a atividade do Poder Judiciário. Particularmente sobre o art. 107 do CTN,um excerto do voto do Min. Adhemar Maciel no julgamento do Recurso Especial

nº 139.074/PR deixa clara a sua aplicação:

Dessarte, ao dar uma interpretação extensiva ao vocábulo mercadoria, comofez o acórdão recorrido, para abranger não só as coisas móveis bem como asimóveis, o operador do direito deve obedecer aos critérios utilizados peloCTN, insertos no art. 107 e seguintes.(STJ, REsp 139.074/PR, Segunda Turma, Min. Rel. Hélio Mosimann, Rel.para Acórdão Min. Ari Pargendler, j.em 20/10/1998, DJ de 29/03/1999)

Embora se possa discordar das razões que levaram o ministro a invocaro art. 107 do CTN – visto que parece atribuir a esse dispositivo uma forçavinculante mesmo para o Poder Judiciário –, resta evidente que o dispositivo emreferência tem ampla serventia mesmo para os magistrados.

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No tocante ao art. 108, que disciplina a integração no direito tributário brasileiro, há uma série de julgados do Superior Tribunal de Justiça, especialmenteno tocante à vedação do uso da analogia para exigir tributo não previsto em lei:

TRIBUTÁRIO – SIMPLES – OPÇÃO – FABRICANTE DE ESQUADRIAS– POSSIBILIDADE – VEDAÇÃO DO ART. 9º, V, § 4º DA LEI N. 9.317/96 –NÃO-OCORRÊNCIA.1. É princípio elementar do Direito Tributário que somente a lei podedeterminar a imposição de ônus tributário (art. 150, inciso I, da CF/88), nãose admitindo a oneração do contribuinte pelo emprego da analogia (art.108, § 1º, do CTN).(...)

(STJ, REsp 1.091.531/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j.em 10/02/2009, DJe de 05/03/2009)......................................................................................................

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. LISTA DE SERVIÇOS (DL 406/68).TAXATIVIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE.SERVIÇOS DE REBOCAGEM. LC 116/03. LEI INTERPRETATIVA.ART. 106, I, DO CTN. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃOCONFIGURADA.

(...)8. A capilar distinção entre interpretação extensiva ou analógica e aanalogia em si, indicam que, in casu, não se está criando exação contra aletra do art. 108, § 1º do CTN, notadamente porque a analogia, consoantecediço, pressupõe lacuna da lei e a interpretação a existência de que legixdixit minus quam voluit.(...)(STJ, REsp 965.583/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 19/03/1999,DJ de 22/04/2009)

No primeiro julgado, verica-se que a aplicação do art. 108, § 1º, do CTNse dá de forma literal. Vale dizer, como não havia vedação expressa para ainclusão da atividade de fabricação de esquadrias no Regime Especial Unicadode Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresase Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES, a autoridade scal não poderiaexigir de uma empresa que exercia tal atividade o recolhimento de tributos econtribuições federais com base no regime normal de tributação.

 Já o segundo é bastante oportuno para demonstrar que mesmo os

dispositivos legais sobre interpretação e integração não fogem ao crivo do julgador, tanto assim que, no caso concreto, o art. 108, § 1º, do CTN não foiaplicado, embora fosse razoável o entendimento segundo o qual o ISS estaria aincidir sobre um fato não expressamente previsto em lei.

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Seguindo adiante, os arts. 109 e 110 do CTN devem ser analisadosconjuntamente, pois os dois se referem a institutos, conceitos e formas de direitoprivado. A distinção entre ambos é que o primeiro estabelece a possibilidade de

a legislação tributária estabelecer efeitos scais diversos daqueles que se poderiaesperar de institutos de direito privado, ao passo que o segundo restringe essapossibilidade quando tal instituto é utilizado para denir ou limitar competênciastributárias. Além disso, como o art. 110 do CTN refere-se à Constituição Federal,não raramente o Superior Tribunal de Justiça declina sua competência para oSupremo Tribunal Federal:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COFINS. ALARGAMENTODA BASE DE CÁLCULO. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA. ART.535. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ARESTO ASSENTADO EMFUNDAMENTO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. MATÉRIA DECOMPETÊNCIA DO STF. RECURSO ESPECIAL. INADMISSIBILIDADE.(...)3. A solução da controvérsia federal suscitada pela recorrente, a violação ounão dos arts. 109 e 110 do CTN, demanda a delimitação constitucional doconceito de “faturamento”, termo utilizado pela Carta Magna para ns deincidência da COFINS e do PIS. Atividade hermenêutica deste jaez compete

igualmente ao Pretório Excelso, e não a este Tribunal Superior.(...)(STJ, REsp 707.816/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. em01/03/2005, DJ de 23/05/2005)

O art. 111 do CTN, por sua vez, estabelece as hipóteses em que alei tributária deveria ser interpretada literalmente, as quais consistem basicamente em hipóteses de dispensa de cumprimento de obrigaçõesperante o Fisco. Em linha com a decisão abaixo colacionada, há uma série

de decisões do Superior Tribunal de Justiça aplicando o referido dispositivosem maiores considerações:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PREQUESTIONAMENTO.SÚMULA 211/STJ. IPI. CRÉDITO PRESUMIDO. LEI 9.363/1996. ART. 1º.EMPRESA COMERCIAL QUE ADQUIRE BEM NO MERCADO INTERNO.BENEFÍCIO. NÃO-FRUIÇÃO.(...)5. Inviável interpretar extensivamente o benefício scal para abarcar

empresa que não industrializa o produto exportado (art. 111do CTN).(...)(STJ, REsp 546.491/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em23/04/2009, DJe de 19/05/2009)

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Finalmente, o art. 112 do CTN consagra o brocardo latino in dubio contra scum , pois determina que a lei tributária seja interpretada da maneira maisfavorável ao acusado quando houver dúvida sobre a denição de infrações

ou a cominação de penalidades. Sobre esse dispositivo, há também farta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o que se evidencia a partir doexemplo abaixo transcrito:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.ART. 544, CPC. RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CTN,ART. 138. DÉBITO CONFESSADO E OBJETO DE PARCELAMENTO.IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. JUROS DE MORA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. LEI N.º 9.065/95.PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE VIOLAÇÃO ÀLEI FEDERAL. SÚMULA 284/STF. APONTADA OFENSA A ARTIGOSDA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DEPREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO C. STF.(...)8. Essa exegese, mercê de conciliar a jurisprudência da Corte, cumpre opostulado do art. 112 do CTN, anado com a novel concepção de que o

contribuinte não é objeto de tributação senão sujeito de direitos, por issoque “A lei tributária que dene infrações, ou lhe comina penalidades,interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvidaquanto: I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstânciasmateriais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria,imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável,ou à sua graduação.” (Art. 112, CTN). Nesse sentido: RE 110.399/SP, Rel.Min. Carlos Madeira, DJ 27.02.1987, RE 90.143/RJ, Rel. Min. Soares Muñoz,DJ 16.03.1979, RESP 218.532/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 13.12.1999.

(...)(STJ, AgRg no Ag 945.534/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. em03/06/2008, DJe de 18/06/2008)

Por todos os arestos ora colacionados, não há dúvidas de que, emboranão vinculem o Poder Judiciário, os arts. 107 a 112 do CTN servem para balizaras suas decisões e, assim, contribuem para harmonizar o sistema de normastributárias do nosso País.706

706 Em sua obra Comentários ao código tributário nacional , Vol. II, São Paulo: Atlas, 2004, p. 185, oDesembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Hugo de Brigo Machado,alinha-se a esse pensamento ao reconhecer que “embora possam ter, em certos casos, sua ecácia compro-metida pela ambigüidade, pela insuciência e pela redundância, como assevera Lobo Torres, as normas sobre

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V. Uma Perspectiva Diferente

Embora não seja uma classicação uníssona, a doutrina distingue a

interpretação em ao menos duas espécies segundo o órgão de que procede:“ou se origina em uma fonte jurídica, o que lhe dá força coativa; ou se apresenta comoum produto livre da reexão. Chamam-lhe autêntica , no primeiro caso; doutrinal nosegundo” (Maximiliano, 2009, p. 71).

Portanto, a seguir esse entendimento, a interpretação autêntica seriaaquela realizada pela Assembleia Constituinte, em se tratando da Constituição;pelo legislador, em se tratando de lei; e pelo Poder Executivo, em se tratandode normas infralegais. Já a interpretação doutrinal se subdivide em duassubespécies, a saber: a judiciária ou usual, quando advém dos tribunais; e adoutrinal propriamente dita, oriunda das práticas privada ou cientíca.

Esse introito se faz pertinente na medida em que a assertiva em teste, deautoria de Ricardo Lobo Torres, faz todo o sentido quando contextualizada noparadigma do Estado Democrático de Direito, no qual ao magistrado se confereamplos poderes para dar efetividade aos princípios constitucionais garantidoresda Justiça e da Segurança Jurídica (pós-positivismo).

Contudo, vericou-se no tópico anterior que, mesmo para o intérprete judiciário, os arts. 107 a 112 do CTN são utilizados como referência para balizaro julgamento de litígios tributários. Se acaso realmente gerassem desarmoniano sistema de valores, sendo, portanto, inválidos e ilegítimos, haveria algumsentido em mencionar tais dispositivos expressamente na fundamentação de julgados recentes dos Tribunais Superiores? Obviamente, não.

Isso denota que a assertiva abre-se para uma relativização. Cabeanalisar a utilidade dos dispositivos do CTN que cuidam da interpretaçãoe da integração da legislação tributária à luz de outros intérpretes possíveis:o autêntico e o doutrinal propriamente dito. No tocante a este último, parececlaro que, hoje, com a emersão dos direitos humanos como valor prioritário dasociedade contemporânea, há um grande espaço para a sua atuação. Vale dizer,a doutrina têm uma função muito importante na hermenêutica jurídica, poisé pela multiplicidade de experiências práticas vividas pelo particular que eleatenta os poderes políticos para leis problemáticas e, ao mesmo tempo, antecipasoluções criativas para tais problemas. Por isso, não se pode nem se deve cerceara criatividade dos advogados e dos acadêmicos.

Por outro lado, analisando a questão sob o enfoque do intérprete autêntico,especialmente do Poder Executivo,707 faz-se necessário ponderar que o sistema de

interpretação e integração muita vez produzem inegável efeito didático. Elas inuem, às vezes decisivamente, nainterpretação e na aplicação das normas da legislação tributária. São, portanto, úteis e por isso mesmo ecazes”.

707 Sobre as peculiaridades da interpretação realizada pela Administração Tributária, sobretudo os efei-tos vinculantes das normas e decisões administrativas, ver Torres, R. L. (2º Trimestre de 1996). Ainterpretação do direito tributário pela administração. (ABDF, Coord.) Trabalhos sobre os temas das

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normas tributárias visa proporcionar ao Erário Público a arrecadação de receitasderivadas decorrente do ius imperium. E isso para que o Estado tenha recursospara administrar a sociedade e promover a Justiça. Entretanto, justamente pelo

fato de a obrigação tributária ser compulsória, não se pode exigir o tributo docontribuinte sem lei que o estabeleça, sob pena de o Estado cometer excessos eviolar a segurança jurídica.

Nesse apanhado de ideias, é importante ter-se em mente que, apesar deser uma lei vigente no ordenamento jurídico pátrio e, por isso mesmo, cogentea todos, o CTN é voltado especialmente para a Administração Tributária, o queca claro em seu art. 1º, que assim dispõe:

Art. 1º. Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional n. 18,

de 1º de dezembro de 1965, o sistema tributário nacional e estabelece, comfundamento no art. 5º, XV, b , da Constituição Federal, as normas gerais dedireito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aosMunicípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletivaou regulamentar.

Note-se que o referido dispositivo vestibular sequer menciona oscontribuintes, pois o seu intento maior é disciplinar como deve ser exercido opoder de império da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Não é por outra razão que o art. 142, parágrafo único, do CTN estabeleceque a atividade administrativa de lançamento do crédito tributário é vinculadae obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. Ora, seria essaresponsabilidade do contribuinte? Obviamente, não. Vale dizer, quando ocorreo fato gerador do tributo, surge a obrigação de a Administração Tributária lançaro crédito tributário correspondente, porém, dentro dos limites impostos pela lei.Não pode ela omitir-se da prática do lançamento ou fazê-lo em desconformidadecom os preceitos legais.708

XVIII jornadas latinoamericanas de derecho tributário, pp. 15-33; Novelli, F. B. (2003).  A propósitoda interpretação administrativa do direito tributário. In: R. L. Torres (Org.), Temas de interpretação dodireito tributário. Rio de Janeiro: Renovar; e Phyrro, S. (2003). Interpretação e administração pública nodireito tributário. Revista da Procuradoria Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (Vol. 12), pp.22-44. É importante destacar que a abordagem que ora se faz é diferente daquela realizada pelos re-feridos autores. Vale dizer, na leitura recomendada, os autores analisam a interpretação “positivada”pela Administração Tributária, que traduz a atividade legiferante nos limites de suas competências(decretos e normas complementares). No presente estudo, diferentemente, cuida-se da interpretação“aplicada” pela Administração Tributária na própria atividade de lançamento do crédito tributário.

708 Em sentido contrário, Aurélio Pitanga Seixas Filho assevera que: “Apesar de respeitáveis opiniões, a de-nição de lançamento tributário do art. 142 do Código Tributário Nacional não tem a imperatividade necessária

 para coagir os legisladores ordinários da União Federal, dos Estados e Municípios. Não me parece que, dentroda autorização constitucional para uma lei complementar estabelecer normas gerais de Direito Tributário,especialmente obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários, conforme art. 146, incisoIII, letra b , da Constituição de 1988, possa se conter uma autorização para se restringir o funcionamento daadministração scal, dirigindo a sua atividade passo a passo, até a forma de emissão do lançamento tributário.

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Assim, quando o CTN estabelece, em seus arts. 107 a 112, regras deinterpretação e integração da legislação tributária, incluindo-se aí os decretos(art. 99) e as normas complementares (art. 100), ele o faz antevendo que a

Administração Tributária se deparará com situações em que não é clara aaplicação dessa legislação para ns de lançamento do crédito tributário. E paraque não haja arbitrariedade na escolha do método hermenêutico a ser aplicadono caso concreto, estabelece critérios objetivos que conferem Segurança Jurídicaà atuação desse intérprete autêntico.

É importante notar que o CTN não questiona o poder discricionárioda Administração Tributária, tanto é assim que o art. 109 estabelece que osprincípios gerais de direito privado não condicionam os efeitos tributários deinstitutos, conceitos e formas de direito privado. O que faz o CTN é denir como

o administrador tributário, e tão somente ele, aplicará a legislação tributária parans de lançamento do crédito tributário. E mais, a partir do momento em que essescritérios objetivos de hermenêutica estão previstos em lei, a sua inobservânciaao lançar o crédito tributário importa na quebra da Segurança Jurídica, naviolação do princípio constitucional da legalidade e no descumprimento do art.142, parágrafo único, do CTN.

Em suma, analisando a assertiva de Ricardo Lobo Torres sob essa outraperspectiva, conclui-se algo totalmente diverso: o que introduz desarmoniano sistema de valores é a inobservância das regras de interpretação do Direito

Tributário. Eis aí, portanto, o sentido dos arts. 107 a 112 do CTN no paradigmado Estado Democrático de Direito: garantir que a atividade interpretativa eintegrativa realizada pela Administração Tributária não ensejará arbitrariedadesvioladoras da Segurança Jurídica.

E não há que se cogitar de comprometimento da Justiça, pois as normasde interpretação denidas no CTN não beneciam, em abstrato, qualquersujeito especicamente. No caso do sujeito passivo da relação tributária, isso sedepreende do seu art. 111, segundo o qual, em matéria de desoneração scal,a lei deve ser interpretada de forma literal, não podendo ter o seu alcance

ampliado para abranger situações não previstas expressamente. Em outraspalavras, eventual benefício que o contribuinte tenha em razão dos dispositivosinterpretativos do CTN, se houver, ocorrerá tão somente no caso concreto.

VI. Conclusão

Por tudo o quanto se expôs, é possível armar que a assertiva testada,segundo a qual as normas de interpretação do Direito Tributário introduzem adesarmonia no sistema de valores e, por isso, tornam-se ilegítimas e inválidas,

Quem deve lavrar o lançamento tributário ou auto de infração, ou qual a autoridade competente para aplicar penalidades, depende de uma decisão ‘discricionária’ do legislador ordinário, que deve ser tomada de acordocom a organização peculiar de cada administração fazendária.” (Seixas Filho, 2001, p. 117).

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é plenamente coerente com o paradigma do Estado Democrático de Direitotraduzido no pós-positivismo.

Contudo, contrariando a doutrina que maciçamente repugna os arts. 107 a

112 do CTN, os Tribunais Superiores – embora não vinculados a tais dispositivos– não raramente neles continuam fundamentando as suas decisões, o que lhesdenota ao menos um caráter utilitário.

Relativizando ainda mais a assertiva testada, é possível compreender oCódigo Tributário Nacional como um manual para a Administração Tributáriarealizar corretamente o lançamento do crédito tributário, sem exceder aslimitações ao poder de tributar estatuídas na própria constituição democrática.Logo, se a atividade de lançamento do crédito tributário é vinculada e

obrigatória, a Administração Tributária deve fazê-lo em estrita observância àsnormas tributárias, inclusive os arts. 107 a 112 do CTN.Portanto, mesmo em tempos de pós-positivismo, ultrapassados mais de

quarenta anos desde a edição do CTN, há ainda um sentido possível pelo qualse justica a manutenção de regras hermenêuticas no direito tributário e nãoem outras ramicações do direito. Ocorre que essa lógica somente é percebidase tais regras forem compreendidas como oponíveis apenas à AdministraçãoTributária e não ao juiz ou ao contribuinte.

Se eventualmente tais regras interpretativas ou integrativas induzirema Administração Tributária a realizar um lançamento injusto, caberá aocontribuinte se opor a essa prática no âmbito judicial e ao magistrado, se assimentender pertinente, fazer um juízo de proporcionalidade para adequar aqueleprocedimento administrativo aos valores tutelados pela Constituição segundo ométodo hermenêutico que melhor atender a essa nalidade.

Veja-se que, na hipótese acima, garante-se a Segurança Jurídica na esferaadministrativa e a Justiça na esfera judicial. Aliás, no Estado Democrático deDireito, essa abordagem possível concorre para o que o próprio Ricardo Lobo

Torres entende como ideal: “... buscar a justiça com segurança e garantir a ordem jurídica com justiça” (Torres, 2006, pp. 376-377).

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O C A R F, D R A  

C T NEmmanuel Biar de Souza

Sumário: I. Introdução. II. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: II.1. Daabrangência da competência julgadora do Conselho. III. As Súmulas no Conselho Administrativode Recursos Fiscais. IV. Uma Proposta de Solução Extraída do Código Tributário Nacional. V.Conclusões. Referências Bibliográcas.

I. Introdução

Sendo o pagamento do tributo um dever legal, cumpre à AdministraçãoFazendária exigir o cumprimento da obrigação tributária. Na realidade, sendoa atividade da Administração vinculada, ela deve (dever-poder) exigir ocumprimento da obrigação mediante o ato de lançamento, conforme dispostono art. 142 do Código Tributário Nacional (CTN).

Esse ato de lançamento é passível de revisão pelo próprio PoderExecutivo, o que se dá mediante um processo administrativo que, naspalavras do i. Alberto Xavier709 é “meio autônomo de reapreciação da legalidadedos atos administrativos pelo próprio Poder Executivo com garantias afins ousimilares às do processo judicial.”

Ou seja, a revisão administrativa é um instrumento da própria Administraçãopara controlar a legalidade dos seus atos. Esse controle, a rigor, traduz verdadeiraautotutela, que é tranquilamente aceita tanto pelo Poder Judiciário, quanto peloLegislativo, in verbis:

Verbete Sumular nº 473 do Supremo Tribunal Federal

“ A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que ostornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo deconveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, emtodos os casos, a apreciação judicial.”

709 XAVIER, Alberto. Da inconstitucionalidade da exigência de garantia como condição de admissibilidadede recurso no processo administrativo em geral e no processo administrativo scal em particular. RevistaDialética de Direito Tributário , nº 101, fev. 2004, p. 31.

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Art. 53, da Lei nº 9.784/99

 Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício

de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade,respeitados os direitos adquiridos.

Esse controle exercido pela Administração Pública, contudo, não deveser unilateral. Vale dizer, não dispensa a participação do particular, in casu, docontribuinte, o qual deve participar ativamente sobre a ação estatal que repercutasobre sua esfera de interesse.710-711

Consoante a ordem Constitucional vigente, pode-se afirmar que

a participação do administrado no processo de controle dos atos daAdministração Pública, além de consubstanciar condição elementar à

710 Nesse sentido posiciona-se Alberto Nogueira, ao armar que: “Do direito do Estado passa-se para oDireito da Democracia, deslocando-se o foco da entidade Estado para a instituição da cidadania.

  Enm, o Estado se jurisdiciza de forma mais completa, passando a se sujeitar não apenas ao Direito, que namaior parte se habituou a formular, para se amoldar aos desígnios da cidadania ativa.

  No campo da tributação e, em particular, da obrigação tributária, nessa nova visão, o Estado se vincula a princípios e preceitos da Justiça Fiscal, fazendo emanar regras condizentes com a repartição dos encargos tribu-tários de acordo com a capacidade dos contribuintes e obrigatoriamente através de critérios seguros, objetivos,

racionais e cômodos.  Regras como, por exemplo, da personalização do tributo (Constituição de 1988, art. 145, § 1º), com matrizhistórica na Carta de 1824 (art. 179, inciso 15), segundo Aliomar Baleeiro (1985), e tantos outros memoráveis

 princípios que se vêm formulando ao longo de intrépida luta histórica (legalidade, anterioridade, seletividadeem função da essencialidade) terão necessariamente de ser respeitados pelo legislador.

  O processo, nessa perspectiva, haverá de garantir a efetividade desses princípios, adequando a legislação infra-constitucional aos grandes vetores constitucionais da tributação.

  Enm, deixa o contribuinte de ser mero ‘sujeito passivo’ (no sentido amplo) para se tornar ‘partíci- pe’ da atividade tributária, na medida em que ‘scaliza’ as normas relativas à tributação atravésdo processo.

  Numa comparação razoável, poder-se-ia dizer que Fisco e contribuinte passam a se envolver numa relaçãosemelhante a que se vê nos condomínios residenciais, cando o primeiro com o papel de Síndico e o último com

o de condômino (contribuinte).  A Constituição, no caso, seria como que o ‘Regulamento do Condomínio’ ,vinculando todo o conjunto dos

‘moradores’ (ou seja, Fisco e contribuinte).” NOGUEIRA, Alberto. Os limites da legalidade tributária noestado democrático de direito: sco X contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa. 2ª ed. ver. ampl. Rio de

 Janeiro: Renovar, 1999, pp. 60-61. (grifamos).  Também consagrando esse mesmo entendimento, Sergio André R. G. da Silva, para quem “(...) O

crescimento das atividades da Administração Pública, e o correspondente aumento das relações entre os ci-dadãos e o Estado, teve como reexo a procedimentalização da atividade estatal com maior participação dosadministrados na realização (procedimento administrativo) e controle (processo administrativo) dos atos admi-nistrativos.

  Com efeito, uma vez que a atuação estatal passou a ter grandiosa importância na vida do homem moderno,este não poderia se quedar alijado da possibilidade de participar ou controlar a tomada de decisão nas hipóteses

em que o agir estatal inuencie, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, a sua esfera de interesses.(...)”(DA SILVA, Sergio André R. G. O Controle Administrativo do Lançamento Tributário: O Processo

 Administrativo Fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pp. 13, 14).711 DA SILVA, Sergio André R. G. O Controle Administrativo do Lançamento Tributário: O Processo

 Administrativo Fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pp. 13-14.

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consagração do Estado Democrático de Direito, constitui verdadeiro direitofundamental do contribuinte, o qual se encontra alicerçado no art. 5º, XXXIV,“a”, LIV e LV da Carta de 1988:712

No âmbito da Administração Pública Federal, o processo administrativogeral é regulamentado pela Lei nº 9.784/99 e, no que tange especicamente àseara tributária, seu alicerce é o Decreto nº 70.235/72, que reconhece ao ConselhoAdministrativo de Recursos Fiscais a competência para rever, em últimainstância, a legalidade do lançamento tributário.

O presente estudo tem por nalidade analisar, brevemente, a estruturaorganizacional desse órgão, sua função e a repercussão das suas decisões à luzdo art. 100 do CTN.

II. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais

  Segundo o disposto no art. 25, II, do Decreto nº 70.235, de 06.03.1972 (coma redação dada pela Lei nº 11.941/2009), “o julgamento do processo de exigência detributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal compete, emsegunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, com atribuição de julgarrecursos de ofício e voluntários de decisão de primeira instância, bem como recursos de

natureza especial.”Vejamos, passo a passo, as informações constantes nesse dispositivo.O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é o órgão de segunda

instância responsável pelo julgamento do processo de exigência de tributos oucontribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal.

Signica dizer que a sua atuação pressupõe a existência de um processo(contencioso) e que a sua competência é de julgamento. Julgamento este que nãolhe é originário, por se tratar de órgão de segunda instância, e cuja matéria estáadstrita ao conteúdo tributário.

Trata-se de órgão colegiado e paritário. Colegiado, pois as suas decisões são, emregra, tomadas por mais de um Conselheiro. Paritário porque a sua composiçãocontempla número igual de Conselheiros representantes da Fazenda e dosContribuintes.

É órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, o que signicadizer que faz parte da mesma estrutura da Secretaria da Receita Federal eda Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, razão pela qual suas decisões

712 “ Art. 5º (...)

  XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:  a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; (...)  LIV – ninguém será provado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;  LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o con-

traditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

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não podem ser levadas ao Poder Judiciário por esses órgãos, eis que estariamprotegidas pela preclusão lógica,713 bem como pelo venire contra factum proprium.

Sua atribuição é julgar recursos de ofício e voluntários de decisão de primeira

instância, bem como recursos de natureza especial. Destarte, após impugnadoo lançamento pelo contribuinte e havendo decisão de primeira instância, oConselho deverá atuar desde que provocado pelo recurso cabível.

O importante para o presente estudo é deixar claro que o órgão responsávelpela revisão nal do lançamento tributário compõe a mesma estrutura dos órgãosque promovem a scalização e a cobrança tributária (Receita Federal do Brasil), bem como a representação dos interesses da Fazenda em juízo (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). A esse respeito, vejamos o organograma doMinistério da Fazenda:714

713 A respeito do assunto, ressalta-se haver divergência doutrinária não só para denir se a decisão do

Conselho está protegida pela preclusão lógica ou se pela coisa julgada, mas também para esclare-cer se, de fato, não poderia a PGFN ou a RFB questionar as decisões do Conselho perante o Poder Judiciário.

  No que se refere à primeira questão, nos liamos ao entendimento de Sergio André R. G. da Silva,que, com fundamento nas lições de BIELSA, Hely Lopes Meirelles (in MEIRELES Hely Lopes. Direito

 Administrativo Brasileiro. 28ª ed. atual. Por AZEVEDO, Eurico de Andrade et. al. São Paulo: Malheiros,2003, p. 652), Amílcar Araújo Falcão e Enrico Tullio Liebman, arma que “a imutabilidade, para a

 Administração Pública, do comando da decisão proferida em processo administrativo, não se equipara ao ins-tituto da coisa julgada, sendo derivado, isso sim, da preclusão lógica do seu direito de se manifestar de formadiversa daquela apresentada nos autos do processo administrativo.

  A incompatibilidade da chamada coisa julgada administrativa com o instituto processual da coisa julgadaderiva do fato de que, em razão do princípio da unidade de jurisdição aqui adotado, a decisão proferida para o

administrado, que sempre poderá contestar a decisão administrativa perante os órgãos do Poder Judiciário.  Assim, é possível armar que o comando da decisão administrativa, em si, não é denitivo e imutável de forma

absoluta, sendo que sua imutabilidade para a Administração decorre de tal ato ter sido proferido pela mesma.(...)” (DA SILVA, Sergio André R. G. op. cit. , pp. 165-166).

  No mesmo sentido, também é o entendimento de Alberto Xavier, para quem “o princípio do efeito vin-culante das decisões denitivas da Administração judicante é claro corolário do princípio da jurisdicionalizaçãodo processo administrativo tributário, pois atribui a essas decisões, com às decisões dos tribunais, um efeitosimilar à da coisa julgada formal.

  Todavia, como atrás largamente se demonstrou a respeito de irrevisibilidade ou imutabilidade do lançamento,em decorrência dos limites temporais e objetivos para a sua revisão, por iniciativa da Administração, não pode

 falar-se de um efeito de coisa julgada, mesmo em sentido formal, pois este é próprio dos atos de declaração decerteza nal, que são os atos jurisdicionais, mas sim de preclusões processuais.

  Da mesma maneira que o lançamento irrevisível opera uma preclusão processual interna (uma innerprozessu-aliche Bindungwirkung), assim também é este fenômeno que ocorre quando se tornou irrecorrível decisão dosórgãos de julgamento proferida no processo administrativo tributário.” (XAVIER, Alberto. Do lançamento:teoria geral do ato do procedimento e do processo tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 322)

714 Disponível em: <hp://www.fazenda.gov.br/>. Acesso em 15 nov. 2009.

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Os Conselheiros que compõem esse órgão, naturalmente, são autoridadesadministrativas na medida em que, nos termos do art. 5º, da Lei nº 4.898/65,715 considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função

 pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.Aliás, o próprio Decreto nº 70.235/72, em seu art. 16, § 5º, 716  é claro em

reconhecer aos Conselheiros a condição de autoridade administrativa.Esclarecida a questão pertinente à colocação do Conselho na estrutura do

Ministério da Fazenda, bem como a sua função de órgão revisor do lançamentotributário no curso de um processo administrativo, veremos, em seguida, oescopo dessa atividade julgadora.

II.1. D C

  O Regimento Interno do Conselho (aprovado pela Portaria nº 256, de22 de junho de 2009), em seu art. 62, dispõe que “ ca vedado aos membros dasturmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordointernacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade”.

Por outro lado, o parágrafo único do referido art. assevera que:“ Art. 62. (...)

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordointernacional, lei ou ato normativo:I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão plenária denitiva doSupremo Tribunal Federal; ouII – que fundamente crédito tributário objeto de:a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral daFazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002;b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementarnº 73, de 1993; ou

c) parecer do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 1993.”Esse dispositivo regulamentar prestigia a já conhecida, porém con-

trovertida,717  corrente que não reconhece ao Conselho competência para

715 BRASIL. Lei nº 4.898, de 09.12.1965, publicada no DJ 13.12.1965. Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade.

716 “ Art. 16. A impugnação mencionará: (...)  § 5º A juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante

 petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de uma das condições previstas nas alíneas do

 parágrafo anterior  § 6º Caso já tenha sido proferida a decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, se for

interposto recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância.” Grifamos.717 Vide: CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 3ª ed. São Paulo: RT,

1991, p. 150.

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apreciar a (in)constitucionalidade de lei. Corrente essa que, em última análise,fundamenta-se na proteção ao princípio da Separação dos Poderes718 (art. 2º, daConstituição Federal719).

A normatividade que se extrai a contrario sensu é que pode o Conselho, noexercício da sua atividade de revisão do lançamento, interpretar a lei, o decreto,os tratados e acordos internacionais, bem como apreciar a legalidade dos atosnormativos infralegais.

No que tange à análise de constitucionalidade, pode o Conselho fazê-latambém em relação aos atos infralegais, mormente aqueles expedidos pelopróprio Poder Executivo, na medida em que, nessa hipótese, não há que sefalar em violação à Separação dos Poderes, mas em verdadeira autotutela da

Administração Pública.720

 

718 Os que entendem dessa forma, em resumo, se pautam no entendimento de que somente o Poder Judiciário é que possui competência para apreciar a constitucionalidade de leis. Com efeito, sendoos Poderes da Federação independentes e harmônicos entre si (artigo 2º, da Constituição Federalde 1988), não seria possível admitir que o Poder Executivo deixasse de prestar observância às Leisregularmente editadas sem que tenha autorização Constitucional expressa para tanto. Essa compe-tência seria somente do Poder Judiciário, a quem a Constitucional Federal, em seu artigo 5º, XXXV,conou a tarefa de proteger qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito. O artigo 97, também daConstituição, desempenha importante papel nessa linha de argumentação, ao armar que “somente

 pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribu-nais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público .”  Não havendo dispositivo constitucional semelhante em relação à competência julgadora do

Conselho, não seria possível lhe atribuir tal competência.  Não obstante, tendo em vista que a Constituição de 1988 ampliou o rol dos legitimados para propor

ações de controle abstrato de constitucionalidade (sob a égide da Constituição anterior somente oProcurador-Geral da República é que poderia propor a Representação), também se sustenta que issoenfraqueceu a tese pela necessidade do Conselho efetuar controle de Constitucionalidade.

  Nesse sentido: GRECO, Marco Aurélio. Processo Administrativo Tributário. in. MARTINS, IvesGrandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 708.

719 “ Art. 2º. São Poderes da União, independentes em harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”720 A respeito do assunto, Hugo de Brito Machado Segundo: “(...) c) o órgão administrativo de julgamento

 pode declarar a inconstitucionalidade de um ato administrativo sempre que esse ato estiver fundado em lei enormas infralegais de validade não impugnada, mas, apesar disso, violar (o ato, e não as tais normas infracons-titucionais) diretamente a Constituição. É o caso, por exemplo, do agente federal que viola o domicílio de umcontribuinte sem autorização judicial, e que pode ter os seus atos impugnados por violação ao art. 5º, XI, daCF/88. Isso porque, nesse caso, estará realizando a autotutela sobre o tal ato inconstitucional;

  d) situação diferente é aquela na qual, para considerar inválido o ato administrativo impugnado (um lança-mento de COFINS, por exemplo), o órgão julgados tem necessariamente de armar a inconstitucionalidade dalei na qual este ato se funda e segue elmente. Nessas hipóteses, já não será mais da autotutela que se estarácogitando, mas sim do controle sobre a validade de um ato normativo editado por outro Poder. Ora, como

 processo administrativo existe para instrumentalizar o exercício da autotutela, e essa autotutela não autoriza o julgamento sobre atos praticados por outros poderes (pois deixaria, obviamente, de ser ‘auto’), não é possível àautoridade administrativa de julgamento declarar a inconstitucionalidade de uma lei;

e) quando já existir manifestação do Supremo Tribunal Federal declarando a inconstitucionalidadede leis, ainda que no âmbito do chamado controle difuso de constitucionalidade, o órgão de julgamentonão só pode como deve acatá-la, em respeito ao princípio da harmonia entre os Poderes. ”  (MACHADOSEGUNDO, Hugo de Brito. Inconstitucionalidade de Declaração de Inconstitucionalidade de Leipela Autoridade Administrativa de Julgamento. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº

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Portanto, ao nal do processo administrativo, o que se espera doConselho é uma análise quanto à procedência, ou não, do lançamentoscal, a qual poderá ser feita com base na interpretação do texto legal einfralegal, na legalidade do lançamento e também com base na análiseda constitucionalidade de atos infralegais expedidos pelo próprio PoderExecutivo.

O entendimento a ser consagrado pelo Conselho representará a posiçãoocial do órgão máximo responsável pela revisão do lançamento, produzindoefeitos concretos entre as partes envolvidas no processo. A decisão do Conselhoem que é manifestado esse entendimento, evidentemente, consubstancia

verdadeiro ato administrativo.721 É bem verdade, outrossim, que não existe, ao menos no ordenamento

 jurídico brasileiro, disposição legal que conra ecácia normativa a uma decisãoisolada do Conselho, principalmente no que tange à criação ou à dispensa dedireitos e obrigações do administrado.

Por essa razão, é possível haver decisões divergentes em diferentesprocessos que envolvam a mesma situação fática/jurídica. Essa hipótese,

além de poder caracterizar afronta aos princípios da impessoalidadeadministrativa e da isonomia, também contribui para a indesejadainsegurança jurídica.722

Anal, se o próprio Conselho diverge do entendimento a ser adotado sobreuma mesma situação fática/jurídica, imagine-se a fragilidade em que se encontra

95, nov/2003, pp. 98-99). Prestigiando a mesma conclusão, vide DA SILVA, Sergio André R. G. op.cit. , pp. 158/164.

721 Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “ato administrativo é, assim, a manifestação unilateral devontade da administração pública, que tem por objeto constituir, declarar, conrmar, alterar ou desconstituiruma relação jurídica, entre ela e os administrados ou entre seus próprios entes, órgãos e agentes.” (MOREIRANETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte espe-cial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 136).

  No mesmo sentido, Hely Lopes Meireles, para quem “ato administrativo é toda manifestação unilateralde vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por m imediato adquirir, resguardar,transferir, modicar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.” (MEIRELES Hely Lopes. op. cit. , p. 145).

722 No entender de NOGUEIRA, acompanhado de Francisco Rezek, a segurança jurídica abarca “todosos direitos e garantias assegurados na Constituição de 1988 de forma explícita e implícita, incumbindo à ins-tituição judiciária ‘a prerrogativa de velar pela Constituição em quaisquer circunstâncias’, como proclamada

 pelo Ministro Francisco Rezek em conferência intitulada ‘Poder Judiciário e Garantias da Sociedade.’  Embora seja, efetivamente, uma prerrogativa do Poder Judiciário, não se constitui essa função, por assim dizer,

natural, uma exclusividade, então também os demais poderes vinculados à consagração daqueles postulados. ” (NOGUEIRA, Alberto. Viagem ao Direito do Terceiro Milênio: justiça globalização direitos humanos e tribu-tação. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 42-43).

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o contribuinte que, consciente do seu dever cívico de pagar tributos,723 pretendefazê-lo da forma correta e, sobretudo, justa.724

Não obstante, também é válida a atenção para o fato de que a existência

de diversos processos semelhantes tramitando no Conselho termina por,inevitavelmente, prejudicar a celeridade do seu julgamento, o que vai deencontro à garantia constante no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal de1988, segundo a qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados arazoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação”.

A correção dessas discrepâncias no processo administrativo poderádecorrer da edição de Súmulas por parte dos Conselhos.

III. As Súmulas no Conselho Administrativo de RecursosFiscais

Em linhas gerais, a Súmula representa a consolidação de um entendimentoreiteradamente prestigiado pelas decisões do Conselho e produzem efeitovinculante em relação aos Conselheiros membros do respectivo órgão que aaprovou (art. 72 do Regimento Interno do Conselho725).

723 A respeito da cidadania tributária, NOGUEIRA: “(...) o contribuinte é o cidadão, já não mais mero devedorou simplesmente pagador de impostos e, menos ainda, o sujeito passivo tão bem identicado numericamenteatravés de um código, como do tipo CPF, no caso brasileiro. Liberto dessa ‘submissão’ ou servidão tributária,agora é o cidadão em toda a sua plenitude. Em outras palavras, é ele – e não o Estado – o verdadeiro titularda tributação (de ‘dono’ do tributo, em contrapartida, a entidade estatal assume a função de instrumento datributação). Nesse novo papel, sua função é a de concretizar a cidadania tributária, em nome e no interesse docontribuinte que, assim redenido, tem legitimidade, por natureza, para agir em defesa da justa tributação(princípio do consentimento) do ‘interesse geral’ ou público (aqui o vocábulo ‘público’ corresponde ao ‘contri-buinte’, identicado como a totalidade dos cidadãos). Está-se nessa nova conguração, no superior e grandiosoespaço dos Direitos Humanos (em nossa conhecida teoria, na qual integram essa categoria (Direitos Humanos,no plural, os do Homen, os Fundamentais e as Liberdades Públicas).”  NOGUEIRA, Alberto. Teoria dosPrincípios Constitucionais Tributários: a nova matriz da cidadania democrática na pós-modernidade tributá-

ria. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 70-71.724 A respeito da Justiça na tributação, ainda NOGUEIRA: “(...) não basta que a tributação se realize apenas

com observância das normas e procedimentos legais. É preciso que, além de respeitar tais balizas (pois se assimnão fosse, a tributação desbordaria para a arbitrariedade), mas que também atenda ao paradigma da Justiça.

 Já não se cuida tão-somente de vericar se o Fisco agiu dentro da lei em face do contribuinte. Agora é precisoexaminar se a substância da tributação foi ou não atendida pelo paradigma do Estado Democrático de DireitoTributário, que pressupõe acima de qualquer agir formal do legislador e do sco, concretizar os princípiosconstitucionais tributários (e também gerais). Em suma, não se trata apenas, como no passado, de realizar a

 justiça conforma a lei secamente posta e assim aplicada a qualquer situação, ainda que, no caso concreto, ofendaa dignidade humana. (...)

  A tributação não pode ser instrumento de submissão do homem, mas de sua plena libertação, pois que suaúnica razão de ser, na contemporaneidade trimilenar, é o respeito e o atendimento ao homem, verdadeiro titular

e destinatário dessa fundamental e indispensável atividade.” (Ibid. , idem , pp. 169-171).725 “ Art. 72. As decisões reiteradas e uniformes do CARF serão consubstanciadas em súmula de observância obri-

 gatória pelos membros do CARF.  § 1º Compete ao Pleno da CSRF a edição (apreciar proposta) de enunciado de súmula quando se tratar de ma-

téria que, por sua natureza, for submetida a duas ou mais turmas da CSRF.

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A sua aprovação depende da concordância de 2/3 (dois terços) dos membrosdo respectivo colegiado e a sua proposta será de iniciativa de conselheiro do CARF,do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou do Secretário da Receita Federal do Brasil

(art. 73 do Regimento Interno do Conselho).726

Feita a proposta, ela será encaminhada ao Presidente do Conselho, com aindicação do enunciado e devendo ser acompanhada, pelo menos, de 5 (cinco)decisões proferidas, cada uma em reuniões diversas em pelo menos 2 (dois)colegiados distintos (art. 73, § 1º, do Regulamento do Conselho). A rigor, afunção desse dispositivo é parametrizar o que se entende por “decisões reiteradase uniformes”, requisito fundamental para a edição da Súmula, nos termos do jámencionado art. 72 do Regimento Interno.

Recebida a proposta, o Presidente do Conselho irá encaminhá-la para

a Secretaria da Fazenda Nacional e para a Procuradoria-Geral da FazendaNacional para conhecimento e manifestação (art. 73, § 3º, do Regimento Internodo Conselho).

A Súmula, assim, entrará em vigor na data da sua publicação no DiárioOcial da União.

No que tange à modicação ou ao cancelamento do seu enunciado,dependerá de proposta do Presidente do Conselho, do Procurador-Geral daFazenda Nacional, do Secretário da Receita Federal do Brasil, do Presidentede Confederação representativa de categoria econômica de nível nacional,habilitada à indicação de conselheiros, ou do Presidente das centrais sindicais,esse último limitado às matérias relativas às contribuições previdenciárias (art.74, do Regimento Interno do Conselho).

A referida proposta, no que couber, observará o mesmo procedimentoinerente para sua adoção (art. 74, § 2º, do Regimento Interno do Conselho).

A Súmula, portanto, apesar de não vincular a atividade scalizatória,vincula os Conselheiros. Logo, ainda que venha a ser autuado com base ementendimento diverso àquele sumulado, o contribuinte estará seguro de que o

Conselho, oportunamente, deverá julgar improcedente o lançamento.Outrossim, é também relevante para o presente estudo mencionar apossibilidade de haver Súmula com efeitos vinculantes sobre toda a administraçãotributária federal. In verbis:

“ Art. 75. Por proposta do Presidente do CARF, do Secretário da Receita Federaldo Brasil ou do Procurador-Geral da Fazenda nacional ou de Presidente de

§ 2º As turmas da CSRF poderão aprovar enunciado de súmula que trate de matéria concernente à sua atribuição.

  § 3º As súmulas serão aprovadas por 2/3 (dois terços) da totalidade dos conselheiros do respectivo colegiado.  § 4º As súmulas aprovadas pelos Primeiro, Segundo e Terceiro Conselhos de Contribuintes são de adoção obri-

 gatória pelos membros do CARF.”726 Vale notar que não foi conferida aos órgãos representantes dos contribuintes a competência para a

propositura de súmulas.

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Confederação representativa de categoria econômica de nível nacional habilitadaà indicação de conselheiros, o Ministro de Estado da Fazenda poderá atribuir àsúmula do CARF efeito vinculante em relação à administração tributária federal.”

Segundo esse dispositivo, o agente scalizador estará impedido de efetuaro lançamento tributário que se pautar em entendimento diverso daqueleconsagrado na respectiva súmula vinculante. Igual é o raciocínio aplicávelà situação diversa em que a Súmula consagre posição pela existência de umadeterminada obrigação tributária. Estará, nesse caso, o agente scalizadorobrigado a efetuar o lançamento.727

Na primeira das situações mencionadas acima, é extreme de dúvidas queo contribuinte se encontre em uma posição bastante confortável na medida em

que, ao menos enquanto viger a respectiva Súmula vinculante, não será o mesmoalvo de qualquer lançamento tributário contrário a seu texto.

Por outro lado, na hipótese de revogação/alteração dessa súmula, cabeindagar se é possível ao agente scalizador efetuar o lançamento scal sobre operíodo de apuração.

Sem prejuízo de uma oportuna análise dessa questão à luz da vedação dairretroatividade, da proteção da conança e da boa-fé objetiva,728 o que poderia levar àconclusão no sentido de essa cobrança ser incompatível com a ordem constitucional,vejamos qual a solução que o Código Tributário Nacional nos oferece.

IV. Uma Proposta de Solução Extraída do CódigoTributário Nacional

A não existência ou mesmo a imprecisão de muitas das denições e dosconceitos utilizados pelo direito tributário faz com que a interpretação e aaplicação das leis tributárias sejam, muitas vezes, profundamente inuenciadaspelos atos das autoridades administrativas encarregadas da arrecadação dos

tributos.É que tais atos proferidos por autoridades administrativas são, na verdade,parte integrante do conjunto de normas conceituado pelo art. 96 do CTN729 como“legislação tributária”.

Aliomar Baleeiro, ao comentar esse dispositivo, já esclarecia que “ocodicador adotou um conceito legal de ‘legislação tributária...’ que não se limita aos

727 Vale observar, contudo, que essa hipótese não tolhe o direito do contribuinte de instaurar o litígioadministrativo através do protocolo da respectiva defesa.

728 Sobre o assunto, recomenda-se a leitura da recente obra de DERZI, Misabel Abreu Machado. Modicações da Jurisprudência no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2009.

729 “ Art. 96 – A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais,os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas aeles pertinentes.”

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atos formalmente considerados como leis ou delas integrantes, como os decretos-leis edecretos do Executivo. Vai mais além, envolvendo outros atos administrativos, inclusiveos de natureza jurisdicional.”730

O art. 100 do próprio CTN, ao regulamentar o mencionado art. 96, dene oconceito da expressão “normas complementares” nos seguintes termos:

“Art. 100 – São normas complementares das leis, dos tratados e das convençõesinternacionais e dos decretos:I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, aque a lei atribua ecácia normativa;III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

IV – os convênios que entre si celebrem União, os Estados o Distrito Federal e Município.”

Em relação ao inciso primeiro, tem-se que o mesmo não se presta a resolvera questão em comento na medida em que as Súmulas vinculantes expedidaspelo Conselho não se caracterizam como ato normativo, tampouco se encaixamnos termos do inciso IV.

Uma leitura apressada do inciso II poderia levar à conclusão de que elese aplica à presente hipótese. No entanto, vale lembrar que a ecácia dessassúmulas vinculantes é regulamentada por uma Portaria (e não por Lei) e quea sua vinculação é restrita à administração tributária federal, o que lhe retira ocaráter de abstração e generalidade próprio dos atos administrativos.

Resta, então, o incido III que, no entender desse autor, se encaixaperfeitamente ao caso.

Em linha com toda a explanação feita até o presente momento, pode-searmar que as Súmulas vinculantes retratam uma prática reiteradamenteobservada pelos Conselheiros, que são autoridades administrativas, motivo peloqual devem ser consideradas verdadeiras normas complementares à legislaçãotributária.

A consequência imediata dessa conclusão é que a observância das normascomplementares à legislação tributária exclui a imposição de penalidades, acobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculodo tributo (art. 100, parágrafo único do CTN.731

Destarte, a resposta que o CTN apresenta ao problema mencionado no naldo tópico anterior seria no sentido da possibilidade de haver lançamento de

730 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. atual. DERZI, Misabel Abreu Machado. Riode Janeiro: Forense, 1981, p. 402.

731 “ Art. 100. (...)  Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança

de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.”

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crédito referente ao período de vigência da súmula vinculante posteriormenterevogada, sendo defeso, contudo, a exigência de penalidade, juros de mora e aatualização do valor monetário da base de cálculo.

  É relevante destacar, ainda, que o art. 100, III, do CTN não exige a existênciade caráter vinculante para restar caracterizada uma norma complementarà legislação tributária. Nos exatos termos em que está escrito, o dispositivoapenas exige que hajam  práticas reiteradamente observadas pelas autoridadesadministrativas. O que, frise-se, está nitidamente presente nas matérias que foramobjeto de súmula não vinculante e, até mesmo, em decisões que, apesar de nãoconsolidadas em Súmula, reiteradamente prestigiem o mesmo entendimento.

A respeito dessa última hipótese, vale lembrar que o próprio RegimentoInterno do Conselho de Contribuintes, em seu art. 73, § 1º, ofereceu parâmetros

concretos para se considerar uma decisão como um ato reiteradamente observadopelo Conselho.

Por m, esse autor esclarece que o estudo da presente matéria tambémenvolve questões relacionadas (i) à normatividade dos costumes no sistema jurídico brasileiro;732 (ii) ao princípio da segurança jurídica e da irretroatividadedas normas; (iii) ao necessário tratamento isonômico dos contribuintes;733 (iv) àimpessoalidade na administração pública; e (v) à vedação da conduta própriacontraditória, matérias essas cuja análise demanda um novo trabalho.

V. Conclusões

Acredita-se que a abordagem do tema feita nos capítulos anteriores nospermite concluir que:

- o controle administrativo da atividade do lançamento scal constituium dever da Administração Fazendária e, sobretudo, uma garantia docontribuinte;

- o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Conselho – é o órgãocolegiado máximo, responsável pelo julgamento de processos queenvolvam questionamentos sobre a (im)procedência do lançamentoscal;

- Os Conselheiros são autoridades administrativas componentes daestrutura do Ministério da Fazenda, estrutura esta que alberga tanto

732 Nesse aspecto, vale a análise da funcionalidade hermenêutica e normativa no ordenamento jurídico brasileiro dos chamados costumes secundum legem , sobretudo naquelas situações que envolvem amudança da interpretação das leis em vigor.

733 A aplicação do princípio da isonomia, nesse caso, se encontra intimamente relacionada com a obser-vância do princípio da impessoalidade. A rigor, sob o presente prisma, entendemos oportuna a pes-quisa sobre a “obrigatoriedade” de contribuintes distintos, que se encontrem sob a mesma situaçãofática, receberem o mesmo tratamento por parte da scalização.

7/18/2019 Cadernos de Debates Tributários I - Aspectos Controvertidos do CTN, 2010

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a Receita Federal do Brasil (órgão responsável pela scalização e pelacobrança dos créditos tributários), como a Procuradoria-Geral daFazenda Nacional (órgão responsável pela representação da Fazenda

Nacional em juízo);- ao Conselho é defeso apreciar matéria que envolva questionamento

sobre a constitucionalidade de leis, decretos, tratados e acordosinternacionais, sendo seu dever, contudo, apreciar questões queenvolvam alegação de (i) inconstitucionalidade dos atos infralegaisemanados do próprio Poder Executivo, (ii) ilegalidade dos atosinfralegais; e (iii) interpretação de normas legais e infralegais;

- o Conselho edita Súmulas que traduzem o entendimentoreiteradamente observado pelas suas Turmas julgadoras;

- ainda que não estejam sumuladas, as decisões que observem o critériode repetição estabelecido no art. 73, § 1º, do Regimento Interno doConselho podem ser caracterizadas como normas complementares àlegislação tributária, nos termos do art. 100, III, do CTN; e

- a observância tanto das decisões proferidas nos termos do item anterior,como das Súmulas publicadas pelo Conselho possui o condão deafastar a exigência de multa, juros e atualização monetária da base decálculo do tributo, restando possível à autoridade scalizadora efetuar

o lançamento pertinente ao valor do principal que, eventualmente,tiver deixado de ser pago.