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CURSO PRÉ-EMERJ CIA JURÍDICA 2015

MATERIAL DE APOIO PROF. FERNANDO FRAGA

DIREITO CIVIL

SUCESSÕES

CONCEITO

Sucessão, do latim, succedere, significa vir no lugar de alguém.

Ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 19) que sucessão, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar da outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens. [...]. A ideia de sucessão, que se revela na permanência de uma relação de direito que perdura e subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares, não ocorre somente no direito das obrigações, encontrando-se frequente no direito das coisas, em que a tradição opera, e no direito de família, quando os pais decaem do poder familiar e são substituídos pelo tutor, nomeado pelo juiz, quanto ao exercício dos deveres elencados nos arts. 1.740 e 1.741 do Código Civil.

No Direito das Sucessões (ou Direito Hereditário), no entanto, a expressão sucessão é utilizada em sentido estrito e, neste sentido, ensina Francisco José Cahali (2007, p. 20) que ?o direito das sucessões, como ramo do direito civil, trata exclusivamente da sucessão decorrente do falecimento da pessoa. Emprega-se o vocábulo sucessão em um sentido estrito, para identificar a transmissão do patrimônio apenas em razão da morte, como fato natural, de seu titular, tornando-se o sucessor sujeito de todas as relações jurídicas que àquele pertenciam?. Por isso, pode-se afirmar que a sucessão também é meio de aquisição da propriedade.

Assim, o Direito das Sucessões, ramo do Direito Civil, é complexo de normas e princípios que se destinam a regular a passagem de titularidade do patrimônio (ativo e passivo) de alguém (chamado autor ou de cujus ou de cuius aos seus sucessores (herdeiros e legatários).

ORIGEM DO DIREITO SUCESSÓRIO

Na História da humanidade o Direito Sucessório ganhou especial importância a partir do momento em que ocorreu a individualização da propriedade[2], passando o sujeito a ser titular de seu patrimônio, o que gerou diversos debates sobre os fundamentos do Direito Sucessório.

Ensina Eduardo Leite (2004, p. 25) que desde a Antiguidade grega e romana a sucessão privada se justificava por motivos religiosos (continuidade do culto familiar e do culto aos ancestrais). A essa época, para assegurar a continuidade do culto era fundamental que aqueles encarregados de proceder (necessariamente herdeiros homens ? primogênito varão ? porque sacerdotes da religião doméstica) à cerimônia fizessem a arrecadação dos bens do falecido, impedindo-se, assim, a divisão da fortuna.

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Para os romanos (em especial a partir da Lei das XII Tábuas), no entanto, além deste aspecto religioso, destacava-se o aspecto político da sucessão, uma vez que o herdeiro exerceria o pátrio poder, assumindo a chefia do grupo familiar (por indicação feita pelo ?de cujus? quando ainda vivo ou na seguinte ordem: ?sui, agnati e gentiles?[3]). Foi apenas com Justiniano que a sucessão legítima passou a se concentrar apenas no parentesco natural, o que não excluiu várias formas de sucessão testamentária.

Já na Idade Média o direito germânico passou a conhecer apenas a sucessão decorrente do parentesco e, no mesmo sentido operou por bom tempo o direito francês (?droit de saisine?) . O Direito contemporâneo, no entanto, preferiu conciliar a sucessão legítima e a testamentária, reconhecendo em ambas formas de sucessão (ex.: art. 1.845, CC).

Maria Helena Diniz (p. 05) destaca que havia autores? Como D?Aguano, que procuram justificar o fundamento científico do direito sucessório nas conclusões da biologia e da antropologia atinentes ao problema da hereditariedade biopsicológica, segundo a qual os pais transmitem à prole não só os caracteres orgânicos, mas também, as qualidades psíquicas, resultando daí que a lei, ao garantir a propriedade pessoal, reconhece que a transmissão hereditária dos bens seja uma continuação biológica e psicológica dos progenitores. Semelhantemente Cimbali funda o direito das sucessões na continuidade da vida através de várias gerações? Argumentos de evidente fragilidade que não encontram vozes ressonantes atualmente já que a vida humana tem continuidade independente de qualquer direito sucessório.

Afirma Eduardo Leite (2004, p. 26) que o aspecto psicológico é, talvez, ?a justificação mais profunda e secreta. A sucessão abranda a angústia da morte criando o sentimento de imortalidade. Diferentemente das pessoas, os bens não desaparecem? Eles tem vocação à eternidade?, como expressivamente disse Carbonnier, ?uma eternidade na escala humana que não tem uma necessidade de perpetuidade e que se mede, no máximo, em quatro gerações??.

Por isso, os defensores do direito sucessório [4] como José de Oliveira Ascensão afirmam que? A admissão da sucessão é uma consequência necessária da aquisição de uma propriedade privada?[5] e, dessa forma, sua análise deve ser feita de acordo com a política legislativa de cada Estado.

Conclui Francisco José Cahali (2008, p. 22) que? Não há como se negar a relevante função social desempenhada pela possibilidade de transmissão? Causa mortis? Pois valoriza a propriedade e o interesse individual na formação e avanço patrimonial, estimulando a poupança e o desempenho pessoal no progresso econômico, fatos que direta ou indiretamente, propulsionam o desenvolvimento da própria sociedade?.

CONTEÚDO E OBJETO DO DIREITO DAS SUCESSÕES

O direito sucessório é considerado um direito fundamental (art. 5o., XXX, CF), mas o conteúdo da herança, objeto da sucessão, possui hoje caráter eminentemente patrimonial [6] ou econômico, sendo em regra excluídas da herança as relações jurídicas não patrimoniais e as personalíssimas (mesmo que tenham conteúdo econômico).

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O Código Civil (arts. 1.784 a 2.027, CC) divide o Direito das Sucessões em quatro títulos: I. Da sucessão em geral (regras de transmissão, aceitação, renúncia e excluídos da herança, herança jacente e petição de herança); II. Da sucessão legítima; III. Da sucessão testamentária; IV. Do inventário e da partilha.

Em relação ao Código Civil de 1916, o atual Código acrescentou 30 artigos e operou alteração em quase todos os Títulos e Capítulos do Direito das Sucessões (dos 243 artigos, 170 sofreram alteração). Criaram-se novas seções como: cessão de direitos; parte da vocação hereditária e petição de herança.

Vale lembrar que a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão será a norma que regerá a sucessão (art. 1.787, CC). Por isso, a data do falecimento será necessariamente indicativa da legislação a ser aplicada[7].

DA SUCESSÃO EM GERAL

Abertura da sucessão. Art. 1.784, CC ? ?aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários?, na ordem prevista no art. 1.829, CC.

Denota-se, dessa forma, que a abertura[8] da sucessão (independente da causa da morte ou de ter sido ela presumida[9]) se faz automaticamente (?ipso facto? e ?ipso iure?), abrangendo todo patrimônio do ?de cujus? (universalidade de direito), tratando-se esta transmissão de uma ficção jurídica. Afirma Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 32) que ?a herança[10] é, na verdade, um somatório, em que se incluem os bens e as dívidas, os créditos e os débitos, os direitos e as obrigações, as pretensões e as ações de que era titular o falecido, e as que contra ele foram propostas, desde que transmissíveis Compreende, portanto, o ativo e o passivo (CC, arts. 1.792 e 1.997), imitindo-se o herdeiro? na posse independente de qualquer pedido judicial.

Momento da transmissão da herança. A morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros, ocorrem exatamente no mesmo momento, independente de saberem ou não os herdeiros da abertura da sucessão, uma vez que se opera ?ipso jure?.

Embora a transmissão da herança ocorra independente do conhecimento dos herdeiros, aos mesmos é exigido que, em ato posterior, aceitem a herança, bem como, é-lhes permitido repudiá-la, uma vez que ninguém pode ser herdeiro contra sua própria vontade. Destaque-se, no entanto, que a aceitação da herança só torna definitiva a transmissão já efetivada e a recusa faz cessar os efeitos desta mesma transmissão.

Assim, para que haja a transmissão da herança é preciso que: o herdeiro exista ao tempo da sua abertura; que o herdeiro, neste momento, não seja incapaz de herdar (art. 1.787, CC) e, por isso, importante se identificar (por meio da certidão de óbito ou declaração judicial de morte presumida) o momento em que ocorreu a morte.

Comoriência (ou morte simultânea). Trata-se de hipótese em que herdeiro e hereditando morrem simultaneamente não se podendo identificar quem morreu primeiro (art. 8o., CC). Nestes casos, o principal efeito será que um não herda do outro (conforme estudado em Direito Civil I), uma vez que não há transmissão de bens e de direitos entre os comorientes.

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Destaca Francisco José Cahali (2008, p. 41) que ?relevantes, pois, as consequências da aplicação dos efeitos da comoriência no direito sucessório. E a sua constatação tem cunho eminentemente fático, ensejando a necessidade de prova judicial e inequívoca, fazendo nascer daí a discussão sobre a possibilidade de averiguação no próprio inventário ou através das vias ordinárias (ação declaratória), por se tratar de questão de alta indagação (CPC, art. 984).

Princípio da ?saisine?. Princípio criado na Idade Média pelo direito costumeiro francês[11] como forma de oposição ao regime feudal. Hoje, é princípio consubstanciado no art. 1.784, CC[12] brasileiro, que prevê que o próprio ?de cujus? transmite ao sucessor a propriedade e a posse da herança (?tomada de posse da herança?). Ne definição de Eduardo de Oliveira Leite (2007, p. 36) trata-se a ?saisine? de ?habilitação legal, reconhecida a certos sucessores, de exercer os direitos e ações do defunto sem necessidade de preencher qualquer formalidade prévia?.

Ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 38) que ?embora ?não se confundam a morte com a transmissão da herança, sendo aquela pressuposto e causa desta, a lei, por uma ficção, torna-as coincidentes em termos cronológicos, presumindo que o próprio ?de cujus? investiu seus herdeiros no domínio e na posse indireta de seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo?.

Em virtude do o princípio da ?saisine? a sucessão e a legitimação para suceder são regulados pela lei vigente ao tempo da abertura daquela (art. 1.787, CC), bem como, o imposto ?causa mortis? é devido pela alíquota vigente na data do óbito (Súmula 112, STF).

Indivisibilidade da herança. A herança, conforme o art. 1.791, CC, ?defere-se como um todo unitário, ainda que vários os herdeiros e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio?, o que significa que entre a abertura da sucessão e a partilha o direito dos coerdeiros será considerado indivisível[13], porque ainda não individualizados os quinhões hereditários (vide arts. 1.206 e 1.207; 1.197 e 1.797, CC; arts. 990 e 991, CPC). Afirma Eduardo de Oliveira Leite (2007, p. 47) que ?a indivisibilidade da herança imposta por lei é meio de assegurar o direito de todos os coerdeiros, entre si e contra terceiros.

Liberdade de testar (art. 1.789, CC). No Direito brasileiro a liberdade de testar é limitada. A liberdade de testar só será plena quando não houver herdeiros necessários, podendo o testador afastar da sucessão os herdeiros colaterais (art. 1.850, CC). Havendo herdeiros necessários a liberdade de testar será restrita, dividindo-se em partes iguais a herança (sistema da divisão necessária); nestes casos só pode o testador livremente dispor de uma dessas metades, pertencendo a outra (chamada legítima) aos herdeiros necessários (art. 1.846, CC).

Espécies de Sucessão

I. Quanto à fonte:

a) Sucessão legítima (?ab intestato? ou legal). É a sucessão que decorre da lei (art. 1.786, CC), ou seja, decorre de vontade presumida do ?de cujus? (forma de ?testamento tácito?).

b) Sucessão testamentária. É sucessão que decorre de disposição de última vontade expressa em testamento ou codicilo (art. 1.786, CC) e, por isso, reflete a verdadeira intenção do ?de cujus?.

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Morrendo a pessoa sem ter deixado testamento ou havendo este quanto aos bens por ele não abrangidos, ou ainda quando o testamento caducar ou for nulo, prevalecerá a sucessão legítima (art. 1.788, CC[14]), de acordo com a ordem de vocação hereditária determinada no art. 1.829, CC.

A sucessão legítima e testamentária podem ocorrer simultaneamente, respeitadas as regras sobre a liberdade de testar previstas nos arts. 1.789 e 1.846, CC.

II. Quanto aos efeitos:

a) Sucessão a título universal. Ocorre quando o herdeiro é chamado a suceder na totalidade do acervo hereditário. Pode ocorrer na sucessão legítima e na testamentária. Na sucessão a título universal o sucessor sub-roga-se na posição do ?de cujus?, entrando desde logo na posse e propriedade da herança. A sucessão legítima é sempre a título universal.

b) Sucessão a título singular. Ocorre quando se transfere determinada porção de bens; o testador deixa ao beneficiário um bem certo e determinado (chamado legado). Neste caso, o legatário apenas toma o lugar do ?de cujus? no bem certo e individualizado, devendo pedir aos herdeiros a entrega da coisa legada.

Pactos sucessórios (sucessão contratual) não são permitidos no Direito brasileiro, portanto, não se admite a sucessão contratual porque vedado negócio jurídico sobre herança de pessoa viva (?pacta corvina?- art. 496, CC). A doutrina admite algumas exceções como: o art. 2.018, CC, que afirma ser ?válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos, ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários?; pacto antenupcial que prevê a recíproca e futura sucessão; estipulação, em pacto antenupcial, de doações para após a morte do doador[15].

Sucessões irregulares ou anômalas. São reguladas por normas próprias como as previstas nos arts. 629, III, CC/16 (enfiteuse) combinado com o art. 2.038, CC/02; art. 520, CC (direito de preferência na compra e venda); art. 5o., XXXI, CF (sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil); Lei n. 9.610/98 (direitos autorais); Decreto-Lei n. 5.384/43 (seguro de vida); Decreto-Lei n. 3.438/41 (proíbe a sucessão de cônjuge estrangeiro em terrenos de marinha).

Espécies de sucessores.

a) Legítimos: são os sucessores indicados pela lei em ordem preferencial (art. 1.829, CC ? estipula a ordem de vocação hereditária).

a. Herdeiros necessários: são definidos em lei e entre os quais se partilha, no mínimo, metade da herança em quota ideais (arts. 1.789, 1.845 e 1.846, CC), salvo os casos de deserdação.

b. Herdeiros facultativos: são herdeiros legítimos que não compõem a categoria dos herdeiros necessários, como os colaterais até 4o. grau e, por isso, podem ser privados da herança por disposição de última vontade (art. 1.850, CC).

b) Testamentário ou instituído: beneficiado pelo testador no ato de última vontade.

c) Legatário: é o contemplado em ato de última vontade com bem certo e determinado.

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d) Necessário, legitimário ou reservatário: é o descendente, ascendente sucessível ou cônjuge (art. 1.845, CC0.

e) Universal. É o herdeiro único que recebe a totalidade da herança.

Lugar da abertura da sucessão. Preceitua o art. 1.845, CC, que a ?sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido? (vide art. 96, CPC).

a) Sendo o local de domicílio do falecido desconhecido, faculta-se a abertura do inventário no foro de situação dos bens deixados.

b) Sendo o local de domicílio do falecido desconhecido e havendo bens em diferentes locais, o foro será o do local do óbito.

c) Havendo pluralidade de domicílios o foro será de qualquer um deles.

d) Bens situados no Brasil podem ser partilhados em território brasileiro, ainda que o autor da herança seja estrangeiro ou estivesse domiciliado em território estrangeiro (art. 89, CPC).

É possível a abertura de inventário conjunto quando, por exemplo, o cônjuge supérstite falecer antes da partilha do premorto, desde que sejam os mesmos herdeiros (arts. 1.043 e 1.044, CPC).

O juízo do inventário atrai todas as ações que lhe sejam relativas (arts. 91 e 96, CPC) e a nomeação do inventariante deverá observar as regras do art. 990, CPC e art. 1.797, CC (enumeração taxativa e preferencial).

[1] O termo vem da expressão ?is de cujus sucessiones agitur?- aquele de quem se trata a sucessão; ?de cujus hereditatis agitur?. A utilização no sentido técnico não afasta designações populares como falecido, defunto, morto ou finado.

[2] Por isso, por exemplo, encontra nos socialistas forte oposição, uma vez que veem na propriedade privada e na sua transmissão incentivo a injustiças e promoção da concentração de riquezas nas mãos de poucos. O direito sucessório, por isso, seria pura criação do direito positivo que contraria justiça e interesse social. Sobre esse posicionamento afirma Silvio Rodrigues (2008, p. 06) que se ?não admitida a transmissão hereditária, falta ao indivíduo incentivo para amealhar e conservar a riqueza, sendo provável que consagre os últimos anos de sua vida a esbanjar um patrimônio que não pode deixar aos seus entes queridos. Tal comportamento representa prejuízo para a sociedade. Ademais, raramente a lei deixaria de ser burlada, pois, através de doações, ou liberalidades simuladas em negócios onerosos, o titular tentaria transmitir seu patrimônio a seus herdeiros?.

[3] Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 21-22) ensina que ?os ?heredi sui et necessarii? eram os filhos sob o poder do ?pater? e que se tornavam ?sui iuris? com a sua morte: os filhos, os netos, incluindo-se também, nessa qualificação, a esposa. Os ?agnati? eram os parentes mais próximos do falecido. Entende-se por agnado o colateral de origem exclusivamente paterna, como irmão consanguíneo, o tio que fosse filho do avô paterno, o sobrinho, filho desse mesmo tio. A herança não era deferida a todos

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os agnados, mas ao mais próximo no momento da morte (?agnatus proximus?). Na ausência de membros das classes mencionadas, seriam chamados à sucessão os ?gentiles?, ou membros da ?gens?, que é o grupo familiar em sentido ?lato??.

[4] Antes do Século XX havia certa divergência doutrinária sobre a justificação da sucessão privada, discussão que não encontra mais vozes no século XXI.

[5] O que faz Washington de Barros Monteiro afirmar que se a propriedade se extinguisse com a morte, então não seria propriedade, mas mero usufruto.

[6] O patrimônio deve ser aqui entendido como a integralidade de bens, direitos e obrigações e a meação decorrente do regime de bens, pertencentes ao ?de cujus? no momento de seu falecimento. Lembre-se que o direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel nos termos do art. 80, II, CC; bem como, o espólio é considerado uma universalidade de direito (art. 91, CC) e, por isso, não tem personalidade jurídica.

[7] Algumas fontes do direito sucessório brasileiro: I. o Direito pré-codificado sofreu grande influência do Direito Francês; Lei n. 1.839/1907; II. Código Civil de 1916; III. Decreto-Lei n. 9.461/1946; IV. Constituição Federal de 1988; V. Código Civil de 2002; VI. Lei n. 8.971/96 e 9.278/96.

[8] Para alguns a abertura da sucessão também é chamada de delação ou devolução sucessória. Mas, para Lacerda de Almeida os termos não se confudem uma vez que nem sempre coincidirão com a abertura da sucessão: ?devolve-se a herança aos herdeiros necessários; aos testamentários, defere-se?.

[9] A existência da pessoa natural termina com a sua morte, ainda que presumida (art. 6o., CC).

[10] O professor deve lembrar que não se pode falar em herança de pessoa viva, conforme estudado em Direito Civil I, embora, se possa realizar abertura de sucessão provisória do declarado ausente (a abertura da sucessão, neste caso, decorre de seu desaparecimento).

[11] ?Saisine? vem de ?saisine héréditaire?, estabelecia que os parentes de uma pessoa falecida tinham o direito de tomar posse de seus bens sem qualquer formalidade (?le mort saisit le vif?).

[12] O princípio já era previsto no art. 1.572, CC/16 que ao invés de se referir à transmissão da herança, referia-se à transmissão do domínio e posse, o que restringia a transmissão de bens incorpóreos, por exemplo.

[13] Explica Francisco José Cahali (2008, p. 35) que ?quanto à posse, é destinada aos herdeiros, já com o falecimento, a posse indireta, exercendo o inventariante a posse direta até o estabelecimento da partilha?.

[14] O art. 1.575, CC/16, teve a redação mantida pelo legislador do Código de 2002 no art. 1.788. O artigo já sofria críticas no Código anterior uma vez que utiliza o vocábulo nulo tanto para designar o testamento absolutamente nulo, como para se referir ao anulável, melhor teria sido utilizar o termo inválido (conforme propõe o Projeto de Lei n. 276/2007).

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[15] Para Francisco José Cahali (2008, p. 38) estas hipóteses não são formas de sucessão contratual, mas sim, caracterizam o poder de disposição de bens pela própria pessoa titular do patrimônio, por meio de doação ou testamento.

INDIVISIBILIDADE DA HERANÇA

Até que seja efetivada a partilha, a herança é considerada uma universalidade de direito, todo unitário e indivisível do qual os coerdeiros são considerados condôminos (art. 1.791, CC) e, por isso, são a ela aplicadas as regras referentes aos condomínios (uma vez que se trata de condomínio forçado).

Assim, “decorre da indivisibilidade imposta por lei a prerrogativa, para cada herdeiro [fato que não exclui a legitimidade do espólio representado pelo inventariante], de reclamar qualquer dos bens que compõem a herança de quem injustamente os possua. E assim agindo, mesmo sendo titular apenas de parte ideal do acervo, o herdeiro que teve a iniciativa beneficiará a todos os demais, não lhe sendo exclusivo o resultado”, natural de obrigações indivisíveis (Francisco José Cahali, 2007, p. 53).

Também se deve destacar que o herdeiro nunca responde ‘ultra vires hereditatis’, o que significa afirmar que não responderá por encargos superiores às forças da herança (art. 1.792, CC), incumbindo-lhe, no entanto, a prova do excesso (exceto quando o inventário demonstra desde logo o valor dos bens herdados).

CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS (OU CESSÃO DA HERANÇA)

Os direitos hereditários são incorporados no patrimônio dos sucessores a partir da abertura da sucessão (princípio da ‘saisine’[1]). Por isso, a indivisibilidade desde então estabelecida é também determinante na cessão de direitos hereditários que é limitada à quota-parte (ou fração ideal) do herdeiro na herança, uma vez que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. Vale também lembrar que a própria cessão de direitos hereditários faz presumir sua aceitação e, como ato ‘inter vivos’ só terá validade quando feita após a morte de quem lhe deu causa (art. 426, CC).

A cessão de direitos hereditários, prática comum, é novidade prevista no Código Civil de 2002 (arts. 1.973, 1.974 e 1.975, CC), uma vez que o Código de 1916 não se referia especificamente a ela, restringindo-se a determinar a aplicação das regras da cessão de crédito (art. 1.078, CC/16). Segundo Eduardo de Oliveira Leite (2007, p. 57) “o legislador brasileiro assumiu posição clara e precisa sobre o tema: a) admitiu a cessão do ‘direito à sucessão’, bem como do ‘quinhão hereditário de que disponha o coerdeiro’; b) via escritura pública [porque a herança é considerada um bem imóvel, art. 80, II, CC]”. O que se transfere a título oneroso ou gratuito, frise-se, é a titularidade do quinhão ou legado e não a qualidade do herdeiro (que é pessoal e intransmissível), o que significa afirmar que se o herdeiro adquiriu uma universalidade, seu cessionário o sucede nesta mesma universalidade.

Desta forma, admite-se que desde a abertura da sucessão o herdeiro possa transmitir seus direitos ou quinhão, independente de prévia partilha, desde que o autor da herança não lhe tenha realizado restrições como as decorrentes de cláusulas de inalienabilidade. No entanto, destaca Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 31) que “o objeto da cessão da herança é a universalidade que foi transmitida ao herdeiro. Destarte, não podia o herdeiro individualizar bens dentro dessa universalidade. Se houvesse

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essa individualização (e isso ocorre ordinariamente), não poderia o herdeiro, nesse negócio, garantir que esse determinado bem fosse atribuído na partilha ao cessionário, a não ser que todos os herdeiros e interessados concordassem, mas nem por isso se desvirtuaria o caráter da cessão, para a venda de um bem determinado. Nesse caso, haveria uma promessa de venda”.

Neste sentido, afirma o art. 1.973, §2o., CC, que “é ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente”. O coerdeiro só pode ceder parte indivisa ou fração ideal, não podendo nunca alienar um bem singular do acervo sem consentimento dos demais coerdeiros.

Assim, sendo a cessão de herança uma forma de cessão de crédito, feita a título oneroso o herdeiro garante ao cessionário a existência da sua condição de herdeiro; sendo gratuita essa garantia só se aplicará se o herdeiro agiu de má-fé (art. 295, CC). Dessa forma, assim que realizada a cessão, ainda que não tenha sido feita a notificação dos demais herdeiros ou de terceiros, poderá o cessionário exercer todos os atos necessários à conservação de seu direito. Além disso, antes do inventário a cessão de herança é negócio aleatório e, por isso, não responde o herdeiro pela evicção.

Ressalva o art. 1.973, §1o., CC, que “os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer; presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente”. Por isso, ocorrendo substituição ou direito de acrescer, o cedente continua herdeiro para efeitos sucessórios.

Também é “ineficaz a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade” (art. 1.973, §3o., CC).

Sendo a coisa indivisa, não pode o coerdeiro ceder seus direitos a terceiros antes de dar preferência (legal e real) aos condôminos, se o fizer terá o coerdeiro direito de haver a quota cedida a estranho se depositada a integralidade do o preço em até 180 dias após a transmissão. Se vários herdeiros pretenderem exercer o direito de preferência o quinhão a ser cedido deve ser rateado proporcionalmente (de acordo com as respectivas cotas) entre todos (arts. 1.794 e 1.795, CC).

INSTAURAÇÃO DO INVENTÁRIO

Ensina Eduardo de Oliveira Leite (2007, p. 60) que “o estado de indivisão, decorrente da abertura da sucessão, desaparece via inventário que, minucioso e exato, faz conhecer o complexo de bens transmitido pelo ‘de cujus’ aos herdeiros. Ele garante a igualdade dos quinhões, prepara a partilha e põe fim ao estado condominial”.

O art. 1.796, CC (art. 983, CPC), estabelece que o prazo para a instauração do inventário é de trinta dias contados da abertura da sucessão, devendo finalizar em até seis meses conforme previsto na lei processual, não estabelecendo a legislação civil penalidades para inobservância deste prazo. O foro competente será o do último domicílio do ‘de cujus’, ressalvadas as demais hipóteses já estudadas na aula anterior (arts. 89 e 96, CPC).

ADMINISTRAÇÃO PROVISÓRIA DA HERANÇA

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O administrador provisório é quem tem a posse do espólio e a legitimidade ativa e passiva para representar a herança (art. 1.797, CC). A posse do administrador provisório só cessará quando o inventariante prestar o respectivo compromisso.

São legitimados a exercer a administração provisória: cônjuge (independente do regime de bens) ou companheiro; herdeiro que estiver na posse e administração dos bens (se mais de um estiver na posse dos bens, a preferência será do mais velho só se justifica se demonstrar que possui mais experiência); testamenteiro; pessoa de confiança do juiz (na falta ou desídia dos demais), mas sendo dativo não terá representação do espólio (art. 12, §1o., CPC) (art. 1.797, CC).

O administrador provisório pode ser substituído por ordem do juiz, desde que se demonstre que esteja praticando atos em prejuízo do espólio. Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 67) que “nada obsta, por outro lado, a que a nomeação para o cargo de inventariante venha a recair sobre a mesma pessoa, desde que seja idônea e conste do elenco previsto no art. 990 do estatuto processual, inexistindo, nesse caso, interrupção da administração”.

VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

[O presente item da aula visa apenas trazer noções gerais sobre vocação hereditária, uma vez que as regras específicas serão estudadas em aulas futuras, indicando-se ao professor que faça essa ressalva aos alunos].

Afirma Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 68) que “a legitimidade passiva[2] é a regra e a ilegitimidade a exceção. No direito sucessório vigora o princípio de que todas as pessoas têm legitimação para suceder; exceto aquelas afastadas pela lei”.

O art. 1.798, CC, estabelece a capacidade de suceder (sucessão legítima e testamentária) de forma mais ampla do que a prevista no Código Civil de 1916. Assim, são capazes de suceder: as pessoas nascidas ou já concebidas (nascituros – eficácia da vocação depende do nascimento com vida – art. 1.800, §3o., CC) no momento da abertura da sucessão e que o herdeiro ou legatário sobreviva ao ‘de cujus’(princípio da coexistência).

Quanto aos nascituros ensina Eduardo de Oliveira Leite (2007, p. 70) que “a nova lei assumiu nítida postura concepcionista atribuindo direitos sucessórios a quem ainda não nasceu: ‘ifans conceptus pro nato habetur quoties de commodis ejus agitur’. Ou na expressiva alusão de Carvalho Fernandes, ‘a título temporário, o direito subjectivo subsiste sem estar efectivamente atribuído a qualquer pessoa’”. No entanto, a eficácia da sucessão legítima ou testamentária do nascituro fica condicionada ao seu nascimento com vida, ou seja, seus direitos encontram-se em estado potencial, sob condição suspensiva.

O Código Civil de 2002 também prevê possibilidade de suceder aos não concebidos (prole eventual[3] ou ‘nondum conceptus’) (art. 1.799, I, CC). Neste caso, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.775, CC. A abertura da sucessão, no caso de prole eventual, faz com que a herança seja posta sob administração, permanecendo nessa situação até que a condição se implemente ou haja certeza de que não se poderá implementar (como no caso de comprovada esterilidade) (art. 1.800, CC). No

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entanto, deve o herdeiro ser concebido em até dois anos após a abertura da sucessão, caso isso não ocorra ou sendo natimorto os bens reservados retornam aos demais herdeiros legítimos (art. 1.800, §4o., CC – admite possibilidade de existência de direitos sem sujeito, ainda que por um breve tempo, o que gera ainda grandes discussões doutrinárias[4]).

Também podem ser chamadas à sucessão as pessoas jurídicas em geral (associações, sociedades empresárias, etc.) e as pessoas jurídicas constituídas como fundação (art. 1.799, II e III, CC), no entanto, estas pessoas só podem receber herança ou legado por disposição de última vontade. As sociedades para terem direito à sucessão devem estar regularmente constituídas[5]; já as fundações por poderem ser constituídas pelo próprio testamento, não precisam existir ainda ao tempo da sucessão e, neste caso, os bens ficarão sob guarda provisória da pessoa encarregada de instituí-la, até o registro dos seus estatutos (arts. 62 e 1.799, III, CC).

Ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 76) que “qualquer pessoa jurídica pode ser contemplada, seja simples, seja empresária, de direito público ou de direito privado. Em se tratando, porém, de pessoas jurídicas de direito público externo, pesam restrições legais: estão impedidas de adquirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação (LICC, art. 11, §2º.), excetuando-se os imóveis necessários para seu estabelecimento no país”.

O art. 1.801, CC, indica as regras referentes à incapacidade testamentária passiva de herdeiros ou legatários, por serem estes considerados suspeitos:

I. O que escreveu a rogo o testamento.

II. O cônjuge ou companheiro daquele que escreveu a rogo o testamento, bem como, interpostas pessoas (como descendentes - art. 1.802, parágrafo único, CC).

III. As testemunhas do testamento (porque podem ter interesse diverso da vontade do testador). A proibição também se aplica às testemunhas de auto de aprovação no testamento cerrado, ainda que não tenham conhecimento do teor da célula testamentária.

IV. O concubino do testador casado (se este estiver separado de fato, sem sua culpa, há mais de cinco anos). Trata-se de disposição que contraria os arts. 1.723 e 1.830, CC. O prazo aqui é considerado excessivo, bem como, inadequada a referência à culpa na causa da separação (pelos motivos estudados em Direito Civil V).

V. O tabelião civil ou militar, ou o comandante ou escrivão perante o qual se fez o testamento.

Ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 80) que “entendem alguns autores que o dispositivo em tela cuida de situações de incapacidade relativa, sendo absoluta a da pessoa ainda não concebida ao tempo da morte do testador. As hipóteses, não são, todavia, de incapacidade relativa, mas de falta de legitimação, pois as pessoas mencionadas não podem ser beneficiadas em determinado testamento, conquanto possam sê-lo em qualquer outro em que não existam os apontados impedimentos”.

Assim, a nulidade de disposição testamentária pode decorrer de simulação sob a forma de contrato oneroso ou de simulação mediante interposta pessoa (ascendentes, descendentes, irmãos, cônjuges

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ou companheiros), conforme definido no art. 1.802, CC (causas que serão examinadas em aula própria).

Por fim, o art. 1.803, CC, estipula exceção em favor do descendente do concubino que é filho do testador (repetindo entendimento constante na Súmula 447, STF).

[1] Ensina Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 16) que “o princípio da ‘saisine’ representa uma apreensão possessória autorizada. É uma faculdade de entrar na posse de bens, posse essa atribuída a quem ainda não a tinha. Na herança, o sistema da ‘saisine’ é o direito que têm os herdeiros de entrar na posse dos bens que constituem a herança. A palavra deriva de ‘saisir’ (agarrar, prender, apoderar-se). A regra era expressa por adágio corrente desde o século XIII: ‘le mort saisit vif’ (o morto prende o vivo). [...]”.

[2] Animais não têm legitimidade para suceder. Pode-se, no entanto, impor a herdeiro testamentário o encargo de cuidar de um animal.

[3] A prole eventual aqui deve ser compreendida em seu sentido amplo, abrangendo não só filhos naturais, como também, eventuais filhos adotivos ou ´de coração´ (art. 227, §6º., CF e art. 1.596, CC).

[4] Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 73) afirma que melhor seria realizar, nestas situações, sucessão provisória entregando os bens aos herdeiros legítimos sob condição suspensiva.

[5] Afirmam os autores que embora o Código Civil de 2002 tenha afastado a possibilidade de instituir herdeiro sociedade de fato (art. 986, CC) ou associação (ainda sem existência legal) a tendência é que essa prática (´testamenti factio passiva) continue aplicando-se por analogia as regras do nascituro. A vedação, portanto, seria aplicável apenas a instituir como herdeiro pessoa jurídica ainda não existente.

DA ACEITAÇÃO E DA RENÚNCIA DA HERANÇA

“A aceitação [ou adição] da herança representa, assim, o ato jurídico unilateral e necessário pelo qual o herdeiro, que ao tempo da abertura da sucessão houvera adquirido, ‘ipso iure’, a posse e a propriedade dos bens herança, confirma sua intenção de receber este acervo que lhe é transmitido. Veja –se, pois, que se trata de confirmação do herdeiro, pois já com a abertura da sucessão lhe é deferida a herança” (Francisco José Cahali, 2007, p. 70).

Determina o art. 1.804, CC, que “aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão o herdeiro desde a abertura da sucessão”, o que significa afirmar que a aceitação é irrevogável[2] e gera efeitos ‘ex tunc’.

A aceitação em regra é feita pessoalmente pelo herdeiro, mas poderá ser:

1- Feita pelo curador ou tutor, mediante prévia autorização judicial (art. 1.748, II, CC). Trata-se, neste hipótese, de aceitação direta feita por representante legal.

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2- Feita por mandatário com poderes especiais ou gestor de negócios. Nestes casos, embora a aceitação seja indireta, a confirmação é direta, uma vez que feita em nome do sucessor.

3- Feita pelo cônjuge, independente de outorga.

Realizada a aceitação, qualquer ato posterior de disposição pelo herdeiro, será considerado forma de cessão de direitos hereditários.

ESPÉCIES DE ACEITAÇÃO

Quanto à forma a aceitação da herança pode ser:

1- Expressa: feita em declaração escrita (art. 1.805, CC) que pode ser por termo nos autos, escritura pública ou instrumento particular; não se aceitando a manifestação oral[3].

2- Tácita: ocorre quando resulta da prática de atos próprios da qualidade de herdeiro (art. 1.805, CC) e que ultrapassam os limites da simples conservação e administração dos bens[4]. “São, por exemplo, atos privativos do herdeiro que assume esta qualidade, incompatíveis com a postura de quem recusa ou repudia a herança: a) a nomeação de advogado, para intervir no inventário na defesa de seus direitos hereditários; b) a concordância manifestada com as primeiras declarações, avaliações e outros atos do processo; c) a promessa de alienação de imóveis do espólio, ou cessão, onerosa ou gratuita, de direitos hereditários a terceiros; d) a posse efetiva de bens do acervo transmitido, com a respectiva administração continuada” (Francisco José Cahali, 2007, p. 72). A aceitação tácita é limitada pela própria lei que evita, dessa forma, que atos decorrentes de dever moral e familiar[5] (portanto, gratuitos, puro e simples e em favor de todos os coerdeiros) acabem sendo confundidos com atos de aceitação (art. 1.805, §1o., CC). Também não representa aceitação o ato de cessão gratuita, pura e simples, da herança aos demais coerdeiros (art. 1.805, §2o., CC).

3- Presumida: é a aceitação provocada por algum interessado (art. 1.807, CC) que poderá requerer (após 20 dias da abertura da sucessão) a notificação (‘actio interrogatoria’) do herdeiro silente para que se manifeste em prazo razoável (não superior a 30 dias) sobre a aceitação ou não da herança. Findo o prazo para deliberar, não havendo manifestação, presumir-se-á a aceitação, uma vez que a renúncia deve ser expressa. Vale lembrar que o herdeiro, enquanto não intimado a se manifestar em certo prazo, tem faculdade de aceitar ou de renunciar a herança a qualquer tempo, até que se consume a prescrição ordinária de dez anos (art. 205, CC). Transcorrido o prazo extingue-se a faculdade de optar e a herança considera-se adquirida.

Quanto ao titular a aceitação pode ser:

1- Direta: quando o direito é exercido pelo próprio herdeiro.

2- Indireta: quando terceiros possuem legitimidade para manifestar a aceitação em nome do herdeiro. São casos excepcionais como os já referidos nesta aula ou a sucessão hereditária do direito de aceitar herança (nestes casos transmite-se a herança aos herdeiros apenas se estes confirmarem a transmissão em seu favor da herança o herdeiro falecido). A transmissão do poder de aceitação, no entanto, não é limitada (art. 1.809, CC), ou seja, os sucessores do herdeiro falecido não

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poderão aceitar por ele se a herança estiver atrelada a uma condição suspensiva, estipulada pelo testador e ainda não verificada. O que permite afirmar que “se o herdeiro testamentário cuja qualidade estava suspensa até a verificação da condição não a houver implementado em vida, caduca o benefício, perdendo ele o direito, e, por consequência, nada transferindo aos seus sucessores” (Francisco José Cahali, 2007, p. 74).

Também ocorre aceitação indireta quando o herdeiro repudiar a herança em prejuízo de seus credores (art. 1.813, CC), nestes casos, podem os credores promover a aceitação da herança, após autorização judicial. Quitada a dívida e havendo remanescente, este se transmite aos demais sucessores para partilha, não retornando, em nenhuma hipótese ao renunciante.

CARACTERÍSTICAS DA ACEITAÇÃO

A aceitação é ato unilateral que, via de regra, se aperfeiçoa com a manifestação de vontade de seu titular. Assim, são características da aceitação:

1- Independe de anuência dos demais herdeiros ou sucessores potenciais;

2- Gera efeitos ‘ex tunc’ à data da abertura da sucessão;

3- Salvo os casos de aceitação indireta é, em regra, ato personalíssimo;

4- É declaração não receptícia de vontade;

5- É ato indivisível, não sendo admitida aceitação parcial (art. 1.808, CC); pode, no entanto, ocorrer o exercício em separado do direito de aceitação quando o herdeiro possui dupla qualidade, por exemplo, de sucessor necessário e legatário ou quando chamado à sucessão de mais de um quinhão hereditário sob títulos sucessórios diversos (herdeiro legítimo e herdeiro instituído, por exemplo).

6- É ato incondicional, ou seja, não aceita termo ou condição (art. 1.808, CC). A aceitação deve ser sempre pura e simples, uma vez que “a parcialidade, condição ou termo da aceitação tornariam as relações jurídicas vacilantes, confusas, gerando indefinição não desejada pela ordem sucessória” (Eduardo de Oliveira Leite, 2004, p. 82).

7- É ato jurídico irretratável e irrevogável. No entanto, a aceitação pode ser anulada se verificados vícios. “Nesses casos, declarada a ineficácia da aceitação, devolve-se a herança àquele que a ela tem direito, como se a aceitação inexistisse. Mas, se o inventário já houver sido encerrado e homologada a partilha, só por ação de petição de herança poderá o interessado reivindicar o que lhe cabe” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 100).

8- A aceitação será ineficaz se o direito hereditário caducar ou for verificada incapacidade sucessória do herdeiro.

RENÚNCIA OU REPÚDIO DA HERANÇA

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Se a aceitação importa a intenção de receber a herança; a renúncia é ato contrário pelo qual o herdeiro repudia o seu direito hereditário só podendo ser realizada, portanto, após a abertura da sucessão[6].

Trata-se de ato jurídico unilateral, solene e formal, que exige expressa manifestação de vontade por escritura pública ou termo nos autos do inventário (ainda quando feita em benefício de terceiros) (art. 1.806, CC), dispensando-se (segundo a maioria da doutrina) homologação judicial, embora seja ela aconselhável. A renúncia só pode ser realizada pelo mandatário se tiver poderes especiais para isso (art. 661, §1o., CC).

A renúncia é ato personalíssimo, indivisível, irretratável (art. 1.812, CC) e incondicional que faz considerar que o herdeiro jamais herdou (efeito ‘ex tunc’). “Assim, sua quota hereditária retorna ao monte partível, para ser destinada aos outros herdeiros da mesma classe, ou, se o renunciante for o único desta, convocam-se os herdeiros da classe subsequente (CC, art. 1.810). Rejeitando o quinhão pelo sucessor testamentário (herdeiro instituído ou legatário), o retorno da parcela ao acervo só se dará se outro não for o destino deste quinhão estabelecido no testamento” (Francisco José Cahali, 2007, p. 77).

Pode-se identificar duas espécies de renúncia:

1- Abdicativa (ou propriamente dita): é renúncia pela qual o herdeiro manifesta renúncia pura e simples, sem que antes tenha praticado qualquer ato que possa fazer entender a aceitação. Neste caso incidirá apenas os imposto ‘causa mortis’.

2- Translativa (translatícia, desistência ou renúncia imprópria): o herdeiro indica determinada pessoa (sucessor ou não) em favor de quem renuncia à herança (‘in favorem’), ou quando manifestada após a aceitação. São os casos de cessão de direitos hereditários e, por isso, incidirá não apenas o imposto ‘causa mortis’, como também o ‘inter vivos’, uma vez que para transmitir a herança é preciso primeiramente tê-la aceitado.

Impõe-se à renúncia as seguintes limitações:

a) Capacidade do renunciante – capacidade geral e capacidade para alienar. Os representantes a assistentes dos incapazes só terão capacidade para renunciar se previamente autorizados judicialmente (art. 1.691, CC). As pessoas casadas, exceto no regime de separação absoluta de bens ou de participação final nos aquestos com cláusula de livre disposição, devem ter outorga do cônjuge para renunciar (arts. 1.647, I e 1.656, CC).

b) A renúncia não pode prejudicar credores do renunciante (art. 1.813, CC e art. 129, V, Lei de Falências e Recuperação de Empresas). Os credores podem, após autorização judicial, exercer a aceitação em nome do devedor, desde que promova sua habilitação no prazo de 30 dias seguintes ao conhecimento do repúdio (art. 1.813, CC). A renúncia é ineficaz para os credores até o limite do crédito.

Efeitos da renúncia:

1- O herdeiro renunciante será tratado como se jamais tivesse sido sucessor (art. 1.811, CC).

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2- Os efeitos da renúncia retroagem à data da abertura da sucessão.

3- O quinhão hereditário do renunciante passa a integrar o acervo comum (art. 1.810, CC).

4- Na sucessão legítima, havendo herdeiros da mesma classe, a estes será acrescida a parte do renunciante. Se o renunciante for o único herdeiro daquela classe ou se todos os outros também renunciaram, seu quinhão se transmitirá aos sucessores da classe seguinte (art. 1.811, CC) que receberão por direito próprio e por cabeça.

5- Os herdeiros do renunciante não possuem direito de representação. Ninguém pode suceder representando herdeiro renunciante (art. 1.811, CC).

6- O renunciante mantém o direito ao usufruto e administração dos bens dos filhos menores.

7- Sendo a sucessão testamentária, as consequências da renúncia irão variar de acordo com o próprio testamento (arts. 1.943 e 1.947, CC).

8- A renúncia é irretratável e irrevogável (art. 1.812, CC), mas pode ser posteriormente anulada se demonstrados vícios na manifestação de vontade.

HERANÇA JACENTE E VACÂNCIA

Viu-se que na ordem de vocação hereditária o Estado aparece como último herdeiro (ou herdeiro forçado)[7] possível (art. 1.844, CC). Por isso, “herança jacente é aquela cujos herdeiros não são conhecidos, ou que, sendo conhecidos renunciaram à herança [renúncia em bloco[8]], devolvendo-se esta ao Estado. Logo, a jacência decorre de duas hipóteses (arts. 1.819 a 1.823, CC)[9]: 1. Se o ‘de cujus’ não deixou herdeiros (descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente ou colateral, nem testamento); 2. Se o ‘de cujus’ deixou herdeiros, mas os mesmo renunciaram à herança” (Eduardo de Oliveira Leite, 2004, p. 108).

Vale destacar que embora o herdeiro seja desconhecido adquire a propriedade e a posse dos bens da herança, desde a abertura da sucessão (princípio da ‘saisine’). Por isso, a jacência pode ocorrer tanto na sucessão legítima, quanto na sucessão testamentária. A herança será jacente na sucessão legítima quando esgotada a ordem de sucessão hereditária não exista ninguém com direito à herança (arts. 1.819 e 1.823, CC).

Assim, a jacência[10] é o período compreendido entre a abertura da sucessão e a aquisição pelo Estado dos bens do ‘de cujus’, uma vez que a herança ‘jaz’ sem titular. Trata-se de fase transitória na qual se promove a arrecadação dos bens e investiga-se[11] a existência de possíveis herdeiros e, portanto, tal qual o espólio, a herança jacente não tem personalidade jurídica, muito menos se trata de patrimônio autônomo sem sujeito. Portanto, o Estado só adquire a propriedade resolúvel dos bens hereditários após a declaração de vacância, que só pode ocorrer após um ano da conclusão do inventário.

A abertura do inventário pode ser requerida por qualquer interessado ou determinada de ofício pelo próprio juiz do domicílio do ‘de cujus’(arts. 988 e 989, CPC). Iniciado o inventário pode-se constatar a ausência de herdeiros e consequente jacência da herança quando se nomeará um curador (art.

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1.8189, CC) que deverá promover a arrecadação dos bens (arts. 1.142 e ss., CPC) e será considerado não só o representante da herança jacente em juízo e fora dele, como também o seu administrador (subordinando-se, dessa forma, à respectiva prestação de contas). Nesta fase, assegura-se aos credores a habilitação para exigir o respectivo crédito (art. 1.821, CC).

O juízo competente para promover a arrecadação será o do último domicílio do ‘de cujus’; havendo mais de um domicílio haverá prevenção daquele que primeiro conhecer o caso. Havendo bens fora da jurisdição, serão arrecadados por carta precatória. No entanto, o juiz da ‘rei sitae’ poderá realizar a arrecadação dos bens independente da carta precatória, oficiando o juiz do domicílio do ‘de cujus’.

Determina o art. 1.820, CC, que os bens da herança jacente serão declarados vacantes um ano após a conclusão do inventário. “O juiz manda a Fazenda Pública arrecadar os bens, que ficam em seu poder por um período de 5 (cinco) anos. É sempre lícito aos herdeiros comparecerem e pedirem a entrega dos bens, mediante devida habilitação (prova da qualidade de herdeiros) (art. 1.822, CC). Transcorrido todo o prazo prescritivo, sem a habilitação de qualquer herdeiro, a posse exercida pela Fazenda transforma-se em propriedade. Consolida-se a expectativa de direito e não mais existe a possibilidade de outro herdeiro contestar a propriedade” (Eduardo de Oliveira Leite, 2004, p. 112). Assim, a declaração de vacância encerra a herança jacente e as obrigações do curador, transferindo a titularidade definitiva dos bens ao Poder Público, nos seguintes termos (art. 1.844, CC): 1- Município ou Distrito Federal quando o bem está localizado nas respectivas circunscrições; 2- à União quando o bem estiver localizado em território federal.

Declarada a vacância os credores só poderão reclamar eventuais direitos em ação própria (art. 1.158, CPC).

[1] Há possibilidade, no entanto, do herdeiro renunciar ao benefício do inventário e tomar para si todo o passivo do espólio, independente de qual seja o ativo.

[2] Vale lembrar que no CC/16 a aceitação não era tão importante porque a aceitação inicial da herança admitia retratação até a decisão terminativa do processo.

[3] Explica Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 90) que “no direito pré-codificado, havia mais interesse na manifestação expressa da aceitação, porque não constava da lei a regra de não responder o herdeiro por encargos superiores à força da herança. Quando o herdeiro sucedia o ‘de cujus’, tomava-lhe o lugar, substituindo-o em todas as suas relações jurídicas. Aceita a herança, transferiam-se para os herdeiros também os ônus, ou seja, não só os créditos senão também os débitos, sem qualquer limitação. Assim, se o passivo excedesse o ativo, o herdeiro continuava responsável pelo saldo devedor. Para se livrar desse risco, era necessário o herdeiro declarar que aceitava a herança sob benefício do inventário, ou seja, condicionalmente, só tendo eficácia o ato se o ativo superasse o passivo”.

[4] Discute-se se o pedido de abertura de inventário é forma de aceitação tácita ou não, uma vez que trata-se de obrigação legal do herdeiro.

[5] Explica Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 91) que “no §1o. do dispositivo retrotranscrito [art. 1.805] o legislador afasta da presunção de aceitação ‘os atos oficiosos, como o funeral do finado, os

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meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória’, porque praticados altruisticamente, sem o intuito de recolher a herança. Preleciona a propósito Clóvis Beviláqua que os atos oficiosos ‘são os que se praticam desinteressadamente, no intuito de prestar um favor, de ser agradável, de satisfazer sentimentos piedosos ou humanitários. Meramente conservatórios, por outro lado, são os atos necessários e urgentes, que têm por fim impedir a perda ou deterioração dos bens da herança. E os de administração e guarda provisória são os praticados pelo herdeiro para atender a uma necessidade premente, sem a intenção de tê-los para si, mas com o ânimo de entregá-los, logo que possível, a quem deva guardá-los e conservá-los”.

[6] Trata-se de negócio jurídico com objeto juridicamente impossível a renúncia realizada antes do falecimento ou a promessa de renunciar.

[7] Destaca Eduardo de Oliveira Leite (2004, p. 109) que “[...] o Estado não é um ‘herdeiro’ propriamente dito, mas antes, um herdeiro ‘sui generis’, por determinação e vontade da lei”.

[8] A renúncia em bloco permite que a vacância seja declarada desde logo.

[9] Ensina Francisco José Cahali (2007, p. 87) que “não obstante a previsão legal de quando a herança jaz, constata-se a sua ocorrência também em outras situações específicas, quando, por exemplo, mesmo existindo testamento, a disposição de não distribuir a totalidade da herança, e não vierem a se habilitar os herdeiros legítimos quanto à parcela não destinada. Igualmente sobre esta parte do patrimônio a ‘hereditas jacet’, embora convivendo com a sucessão testamentária normal, esta última exclusivamente quanto aos bens ou quinhões previstos pela última vontade do falecido. E com as inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 na sucessão legítima, também poderá ocorrer a jacência sobre parte da herança quando o falecido deixar como herdeira legítima apenas a companheira. Neste caso, em favor daquela sucessora destinam-se os bens ‘adquiridos onerosamente na vigência da união estável’ (CC, art. 1790), de sorte que os demais bens na ausência de testamento, se destinarão ao Poder Público”.

[10] Ensina Eduardo de Oliveira Leite (2004, p. 110) que “a jacência se distingue da vacância (do latim, vaco are = estar vago), ou da herança vacante, também chamada, bens vagos (do latim, bona

vacantia). A vacância, doutrina San Tiago Dantas, ‘só se dá quando para a herança não há herdeiros, e a jacência é o estado provisório e, se não aparece o herdeiro capaz de adir o patrimônio, a jacência ao cabo de algum tempo, transforma-se em vacância”.

[11] A investigação pode ocorrer durante a fase de arrecadação de bens (art. 1.150, CPC), bem como após por meio de edital de convocação (art. 1.152, CPC) que será publicado por três vezes, com intervalo de trinta dias, em órgão oficial e na imprensa local, devendo-se eventuais herdeiros se habilitar no prazo máximo de seis meses contados da primeira publicação. Sendo o ‘de cujus’ estrangeiro, deve-se enviar comunicado à autoridade consular respectiva.

VOCAÇÃO HEREDITÁRIA - REGRAS GERAIS

O primeiro passo para se identificar a condição de herdeiro é verificar a ordem de vocação hereditária. Assim, “para pretender a herança, haverá necessidade de um título ou fundamento jurídico do direito

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hereditário, consistente na convocação do interessado pela lei ou pelo testador” (Francisco José Cahali, 2007, p. 99), conjugando-se, então, a condição de herdeiro com a legitimação para sê-lo

Para o Direito das Sucessões a regra é que toda pessoa tem legitimidade para suceder e, por isso, ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 68) que “a legitimidade passiva é a regra a ilegitimidade, a exceção”, só podendo ser esta determinada pela lei e devendo ser verificada no momento da abertura da sucessão.

“O primeiro passo à verificação da legitimação, tanto na sucessão legítima como na testamentária, é a constatação da personalidade de quem reclama a vocação hereditária, representada pela existência da pessoa, física ou jurídica, no momento da abertura da sucessão” (Francisco José Cahali, 2007, p. 101). Assim, são pessoas[1] legitimadas para suceder aquelas nascidas ou já concebidas[2] no momento da abertura da sucessão (art. 1.798, CC). Trata-se de princípio que (no vigente Código Civil[3]) se aplica tanto à sucessão legítima quanto à sucessão testamentária.

Para ter capacidade sucessória (legítima ou testamentária) ainda é necessário que o herdeiro ou legatário sobreviva ao ‘de cujus’. Este princípio é conhecido como princípio da coexistência.

Legitimação testamentária

Vale lembrar que, embora seja a lei do país em que era domiciliado o ‘de cujus’ ou ausente que rege a sucessão (art. 10, LICC); a capacidade para suceder será regida pela lei do domicílio do herdeiro ou legatário (art. 10, §2o., LICC).

Assim, preceitua o art. 1.799, CC, que “na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I- os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas ao abrir-se a sucessão; II- as pessoas jurídicas; III- as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação”.

O primeiro inciso refere-se à prole[4] (ou filiação) eventual[5] (‘nondum conceptus’) que, portanto, pode ter capacidade para suceder por testamento. Afirma Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 71) que “os contemplados, verdadeiramente, ‘são os próprios filhos, que poderão ser concebidos e nascer. A deixa não é feita em favor das pessoas indicadas pelo testador, passando, com a morte destas, a seus filhos, o que seria substituição fideicomissária. O testador como que dá um salto, passando por cima dos genitores, contemplando os filhos que estes tiverem, e se tiverem’”. Para que a deixa testamentária tenha eficácia é, por óbvio, necessário que a pessoa indicada como geradora da filiação eventual esteja viva ao momento da abertura da sucessão. Aberta a sucessão que se destina a filiação eventual a herança é posta sob administração, permanecendo nessa situação até que se implemente a condição (nascimento com vida) ou se houver certeza de que ela não poderá se implementar (como comprovação de infertilidade).

Para evitar a perpetuação dessa forma de sucessão, o art. 1.800, §4o., CC, determina que a filiação eventual para fazer jus à deixa hereditária deve ser concebida em até dois anos[6] (prazo de espera) após a abertura da sucessão, o que pode gerar, ainda que temporariamente, uma situação de direitos sem sujeitos (já mencionada nas aulas anteriores). Findo o prazo, não concebido o filho, a disposição

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testamentária caduca destinando-se o bem aos sucessores legítimos ou quem o falecido tiver designado.

Desta possibilidade de legitimação conferida à filiação eventual, discute-se a questão referente à concepção ‘post mortem’ decorrente da utilização das técnicas de reprodução humana assistida uma vez que se entende que o embrião ‘in vitro’ não pode ser comparado ao nascituro[7].

Maria Berenice Dias (2011, p. 121) afirma que no caso das técnicas de reprodução humana assistida a aquisição da capacidade sucessória está sujeita à ocorrência de condição suspensiva: o nascimento com vida. Mas, para ter esta capacidade sucessória é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero materno? O Código Civil, no art. 2o., ao colocar a salvo os direitos do nascituro não faz distinção entre a concepção natural e a artificial. Então, “entre o embrião implantado e não implantado pode haver diferença quanto à capacidade de direito, mas não quanto à personalidade. Sustenta que o conceito de nascituro abrange o embrião pré-implantatório, isto é, o já concebido e que apenas aguarda, ‘in vitro’, a implantação no ventre materno. E conclui: dispõe, portanto, de capacidade sucessória (CC 1.798), pois a norma não distingue o ‘locus’ da concepção e nem se impõe que seja implantado. Exige somente a concepção”. (Maria Berenice Dias, citando Silmara Chinelato, 2011, p. 122).

No entanto, a tendência doutrinária e jurisprudencial é afastar a capacidade sucessória quando a implantação ocorre depois da abertura da sucessão (vide, por exemplo, Francisco José Cahali, 2007, p. 104[8]), embora não haja justificativa plausível para afastar o direito sucessório do concebido ‘post mortem’. Conclui Maria Berenice Dias (2011, p. 123) que “[...] Na concepção homóloga, não se pode simplesmente reconhecer que a morte opere a revogação do consentimento e impõe a destruição do material genético que se encontra armazenado. O projeto parental iniciou-se durante a vida, o que legaliza e legitima a inseminação ‘post mortem’. A norma constitucional que consagra a igualdade da filiação não traz qualquer exceção. Assim, presume-se a paternidade do filho biológico concebido depois do falecimento de um dos genitores. Ao nascer, ocupa a primeira classe dos herdeiros necessários. Na concepção heteróloga – fertilização artificial por doador – é indispensável a autorização de quem desejava o filho. Ausente tal, não há como falar em capacidade sucessória, pois não há nem vínculo biológico e nem manifestação escrita do falecido. O consentimento é retratável até a concepção, depois, não mais. Quando foi autorizada a fertilização ‘post mortem’, independe a data em que ocorra o nascimento. O filho tem assegurado o direito sucessório. Havendo autorização sem expressa manifestação sobre a possibilidade de fertilização após a morte, nem por isso é possível excluir o direito de quem nasceu por expresso consentimento daquele que o desejava como filho. O fato de o genitor ter morrido não pode excluir vínculo de filiação que foi aceito em vida. Mesmo quem reconhece o direito sucessório ao filho concebido mediante fecundação artificial póstuma se inclina em estabelecer o prazo de dois anos para que ocorra a concepção (art. 1.800, §4o.)”, mas no entender da autora essa limitação não encontra nenhuma justificativa, uma vez que não há limite temporal para se determinar a filiação por meio de investigação de paternidade, prescrevendo somente o direito de pleitear a herança (10 anos). * Indica-se ao professor fomentar a discussão fazendo com que o aluno busque o seu próprio posicionamento.

Já o inciso II do art. 1.799, CC, permite a deixa hereditária para pessoas jurídicas, independente de ser ela pública ou privada. No entanto, para as pessoas jurídicas de Direito Público são impostas

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limitações à capacidade para suceder como, por exemplo, estão impedidas de adquirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação (art. 11, §2o., CC), excetuando-se os imóveis necessários para seu estabelecimento no país. Quanto às sociedades de fato que já realizavam negócios, o vigente Código Civil não faz previsão expressa (como o faz para as fundações), entendendo-se, então, não ser possível a deixa testamentária para essas sociedades, uma vez que pessoa jurídica não existente no momento da abertura da sucessão[9].

Sobre as pessoas jurídicas, destaca Francisco José Cahali (2007, p. 106) que “se encerrada ou dissolvida a pessoa jurídica quando da abertura da sucessão, ainda que existente à época da instituição, faltar-lhe-á aptidão para receber a herança, acrescentando-se que, se a empresa estiver em liquidação, igualmente não pode ser beneficiada com a sucessão, pois prolongada a sua personalidade de fato apenas em função dos atos necessários à formalização de sua dissolução e encerramento”.

Por fim, o inciso III, do art. 1.799, CC, prevê a legitimação testamentária das fundações e, neste caso, como esta pode ser criada pelo próprio testamento (art. 62, CC), é possível que não exista no momento da abertura da sucessão. Nesta hipótese, aberta a sucessão, os bens permanecerão sob a guarda provisória da pessoa encarregada de instituir a fundação, até que se efetue o necessário registro do estatuto.

Falta de legitimação para ser herdeiro testamentário e/ou legatário

Determina o art. 1.801, CC, que não podem ser herdeiros nem legatários: ‘I. A pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos; II. As testemunhas do testamento [bem como as testemunhas do auto de aprovação, no testamento cerrado]; III. O concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos[10]; IV. O tabelião, civil ou militar; ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer; assim como o que fizer ou aprovar o testamento”.

Essas regras sobre falta de legitimação[11] testamentária pressupõem serem suspeitas as pessoas descritas nos incisos I, II e IV, uma vez que há possibilidade de abusarem da confiança nelas depositada pelo testador, alterando a vontade deste para obter benefícios para si ou seus parentes. Com relação à vedação do inciso III visou o legislador proteger a família e coibir o adultério.

O art. 1.802, parágrafo único, CC, complementa as regras de falta de legitimação afirmando serem nulas (por simulação relativa) as cláusulas que utilizem pessoas interpostas, como os descendentes, ascendentes, irmãos e cônjuge ou companheiro para beneficiar (indiretamente) de qualquer modo o não legitimado a suceder. Exceção se faz quando o descendente da concubina é também filho do testador, pois, neste caso, presume-se a intenção de beneficiar a prole comum e não a intenção de fraudar determinação legal (Súmula 447, STJ e art. 1803, CC).

Simulação do contrato oneroso

Dispõe o art. 1.802, CC, que serão “nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa”.

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Simulação é declaração falsa que visa aparentar negócio diverso daquele que se está realizando ou que têm pro finalidade fraudar a lei (art. 167, CC). Ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 84) que “a nulidade da deixa testamentária pode revestir-se de duas formas: a) o testador dissimula a liberalidade sob a aparência de contrato oneroso; ou b) recorre a interposta pessoa para beneficiar o proibido de suceder”, em ambos os casos, a deixa testamentária, sendo declarada nula, retornará ao sucessores legítimos.

EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO

A exclusão da sucessão só ocorre nas hipóteses expressamente previstas em lei. Vale inicialmente ressaltar que indignidade e deserdação não se confundem, embora tenham a mesma finalidade (afastar o herdeiro culpado da participação patrimonial na herança): “1. A indignidade - cominada na lei, independe da vontade do ‘de cujus’, aplicando-se a todos os herdeiros na sucessão legítima; 2. A deserdação - é o ato de vontade do testador atingindo os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente), facultativos e os testamentários; 1. A indignidade - é peculiar à sucessão legítima, embora também possa alcançar o legatário (art. 1.814); 2. A deserdação - como manifestação de vontade do ‘de cujus’, só se verifica na sucessão testamentária, na qual consta o motivo e o fundamento da exclusão (art. 1.964); 1. A indignidade - repousa na vontade presumida do ‘de cujus’, que, certamente, não gostaria que sua herança fosse recolhida por herdeiro que agiu indignamente; 2. A deserdação - corresponde à efetiva vontade do ‘de cujus’, que, através de motivo fundamentado (art. 1.964) exclui o herdeiro; 1. A indignidade - nem sempre os motivos determinantes da exclusão são anteriores à morte do ‘de cujus’; 2. A deserdação - os motivos determinadores da exclusão são superiores à morte do ‘de cujus’, por isso, vêm indicados no testamento; 1. A indignidade - os motivos da indignidade são válidos para a deserdação; 2. A deserdação - nem todos os motivos da deserdação configuram a indignidade”(Eduardo de Oliveira Leite, 2004, p. 95-96).

A esta aula interessa apenas as causas de indignidade, uma vez que a deserdação será estudada em aula própria.

“Embora didaticamente tratada em conjunto com a legitimação, a exclusão por indignidade representa mais propriamente a retirada do direito à herança de quem é sucessor capaz, em virtude de atos de ingratidão” (Francisco José Cahali, 2007, p. 107).

Conceitua Maria Berenice Dias (2011, p. 301) “o instituto da indignidade é a privação do direito hereditário cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou aos interesses do antecessor. Merece ser alijado da sucessão o herdeiro que age contra a vida ou a honra do autor da herança ou comete atos ofensivos contra os membros de sua família. Também se sujeita à mesma penalidade se obstaculiza a manifestação de vontade do testador. A indignidade permite a exclusão dos herdeiros legítimos, necessários, facultativos, testamentários, bem como dos legatários. É uma pena civil aplicada ao herdeiro que recebe a herança e a perde”.

A maioria da doutrina entende ser a indignidade uma espécie de pena privada ou pena civil imposta ao herdeiro que realizou conduta antiética[12]. A declaração de indignidade depende de sentença em ação ordinária proposta por quem tenha interesse[13] em até quatro anos contados da abertura da sucessão (prazo decadencial - art. 1.815, CC), sendo que esta ação não suspende o processo de inventário[14]. A sentença é declarativa da exclusão para suceder e, por isso, a ação só pode ser

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proposta em face do herdeiro indigno (art. 1.816, CC). A sentença transitada em julgado gera efeitos ‘ex tunc’ à data da abertura da sucessão.

O art. 1.814, CC, elenca taxativamente como causas de indignidade, afirmando serem excluídos da sucessão os herdeiros[15]: “I. Que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso[16], ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II. Que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou se seu cônjuge ou companheiro; III. Que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.

O primeiro caso de indignidade refere-se ao homicídio (doloso) tentado ou consumado contra o autor da herança, seu cônjuge ou companheiro, ascendentes ou descendentes. Para a declaração de indignidade não é necessária a condenação prévia no juízo criminal, podendo a prova ser produzida no juízo cível. A voluntariedade do ato é afastada no “’error in persona’, ou erro de execução (‘aberratio ictus’), na legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito, se afastado o agente de suas faculdades psíquicas por loucura ou embriaguez”[17] e, portanto, nestas hipóteses, não poderá ser declarada a indignidade. Discute-se se a hipótese deveria abranger os menores, uma vez que não respondem por crime. A doutrina tende, nesse caso, a abranger a hipótese, uma vez que seria imoral permitir que se beneficiasse da menoridade para concorrer à herança.

A segunda hipótese de indignidade visa proteger a fama do ‘de cujus’, portanto, são causas em que o excluído realizou denunciação caluniosa (em juízo ou na esfera administrativa, art. 339, CP) imputando a prática de um crime ao ‘de cujus’ ou cometeu crime contra a honra do falecido (arts. 138 a 140, CP). Na primeira hipótese não se exige a condenação criminal; na segunda será exigida uma vez que a lei dispõe que se aplica ao herdeiro que ‘incorrer em crime’.

A terceira hipótese refere-se a atentado contra a liberdade de testar do ‘de cujus’ e, nestes casos, o indigno age mediante coação, dolo, omissão, corrupção, falsificação, simulação, etc., visando obstar ou dificultar a declaração de última vontade do ‘de cujus’. “A atuação de um herdeiro que obsta a feitura de testamento ou que suprima a existência de um testamento, ou quando obriga o testador a revogar sua última vontade, ou quando constrange o testador a beneficiá-lo em disposição testamentária, configuram hipóteses atentatórias à liberdade do ‘de cujus’” (Eduardo de Oliveira Leite, 2004, p. 98).

No entanto, o Direito brasileiro admite a reabilitação do indigno por ato próprio do ‘de cujus’ (art. 1.818, CC). A reabilitação ocorre por meio de perdão expresso (em ato autêntico – escritura pública ou instrumento particular – ou por testamento) que, uma vez realizado, não admite retratação.

Efeitos da indignidade

1- Os efeitos da indignidade são sempre pessoais, ou seja, o indigno é considerado como se morto[18] fosse. No entanto, se o indigno é casado, a exclusão alcança o seu cônjuge uma vez que o direito de representação só beneficia os descendentes.

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2- Apenas os descendentes do declarado indigno herdam por representação (art. 1.816, CC), não se aplicando a regra aos demais herdeiros. Por exemplo: “se um dos filhos alega indignidade de seu irmão e se este não tiver descendentes, mas cônjuge sobrevivente, a exclusão declarada beneficiará o autor da ação. Se fosse interrompido o processo pela morte do indigno, a viúva herdaria o seu quinhão, deixando evidente o interesse do irmão no prosseguimento da ação. E, repita-se, nesta situação exemplificada, a pena será imposta ao marido indigno, não a sua viúva, pois exclusivamente a qualidade de sucessor daquele será vulnerada, não adquirindo a herança pelo efeito retroativo da exclusão e, pois, nada transmitindo deste acervo a sua viúva” (Francisco José Cahali, 2007, p. 1113-114).

3- Declarada a indignidade os bens tornam-se ereptícios, ou seja, retornam ao acervo sucessório do autor da herança.

4- A posse que eventualmente o indigno esteja exercendo será considerada precária e de má-fé (art. 1.817, CC) e qualquer fruto e rendimento que tenha recebido deverá ser devolvido.

5- O indigno perde o usufruto e a administração dos bens que couberem aos seus filhos menores.

6- A morte de um dos descendentes aquinhoados não restabelece o direito sucessório do indigno.

7- A lei considera válidos os atos de alienação praticados pelo indigno antes da sua efetiva exclusão a fim de proteger terceiros de boa-fé, uma vez que negociou com herdeiro aparente. A mesma regra se estende aos atos de administração praticados pelo herdeiro enquanto não declarado excluído da sucessão. No entanto, ainda que o terceiro estivesse de boa-fé, herdeiros prejudicados podem cobrar perdas e danos do herdeiro excluído.

8- O indigno tem direito à indenização pelas despesas feitas (art. 1.817, CC).

9- Se o indigno recebeu adiantamento de herança, este fato não impede a declaração de indignidade. A mesma regra se aplica se houve partilha em vida, sujeitando-se o indigno a perder o que recebeu.

[1] O Direito brasileiro não admite como legitimados à sucessão os animais, salvo indiretamente como encargo imposto a herdeiro testamentário. A mesma regra se aplica a coisas inanimadas e entidades místicas.

[2] No caso do nascituro a eficácia da vocação hereditária fica condicionada ao nascimento com vida. E, neste caso, os efeitos retroagirão. Sendo natimorto, não recebe nem transmite direitos, sendo eventual herança ou quinhão hereditário devolvido aos herdeiros legítimos do ‘de cujus’ ou substituto testamentário.

[3] No Código Civil de 1916 este princípio aplicava-se apenas à sucessão testamentária.

[4] “Por prole entende-se só o filho imediato da pessoa viva designada, é o descendente direto, não se permitindo o benefício da eventualidade excepcional aos netos e demais descendentes” (Francisco José Cahali, 2007, p. 102).

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[5] Deve-se lembrar que à luz da filiação civil-constitucional quando o legislador prevê a capacidade de suceder para a filiação eventual, refere-se não apenas a filhos concebidos naturalmente, mas também, aos adotivos. Afirma Débora Gozzo (2004, p. 82) que “contemplar os ainda não concebidos representa, para o testador, contemplar os filhos das pessoas que indicou, filhos estes que não conheceu e nem conhecerá, quer porque não concebidos, quer ainda porque não adotados antes de sua morte”.

[6] Trata-se de prazo máximo, nada impedindo que o testador o reduza.

[7] Como fonte de rica pesquisa sobre essa questão indica-se ao professor a leitura dos votos dos Ministros do STF proferidos na ADin 3510, que julgou constitucional o art. 5o., da Lei de Biossegurança.

[8] O autor afirma que “pode causar estranheza a situação, pois, enquanto um ou alguns filhos recebem a herança, outros, por esta contingência, dela ficariam privados. Porém, não haverá desigualdade no tratamento dos filhos, na medida em que, em razão da circunstância peculiar apresentada, a situação jurídica de cada qual é totalmente diversa: uns existentes no momento da abertura da sucessão; outros não. E, para o direito sucessório, a legitimação é aferida, como visto, no exato instante da abertura da sucessão”.

[9] Ressalva Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 77) que a tendência da doutrina e da jurisprudência, no entanto, “é de manter a ‘testamenti factio passiva’ das aludidas pessoas jurídicas, por ser evidente o paralelismo com o nascituro. Basta lembrar que o novo Código Civil disciplina a sociedade irregular ou de fato no livro concernente ao Direito de Empresa, como ‘sociedade não personificada’ (arts. 986 a 990). [...]. O que não se pode admitir é que a deixa testamentária seja atribuída a uma pessoa jurídica ainda não existente nem mesmo embrionariamente, exceto no caso expresso da fundação. Se já existe uma pessoa jurídica em formação, existe sujeito de direito para assumir o patrimônio. Da mesma forma que, para o nascituro, haverá alguém para zelar por seus bens até seu nascimento com vida”.

[10] Trata-se de prazo excessivo e que encontra-se em conflito com o art. 1.723, §1o. e 1.830, CC. Também fora de propósito a questão de culpa pela dissolução do casamento, uma vez que o casal já se encontra separado de fato há cinco anos.

[11] Alguns autores afirmam ser esta uma forma de incapacidade relativa, sendo absoluta apenas aquela que se refere a pessoa ainda não concebida ao tempo da morte do testador. Mas, na verdade, as hipóteses constantes no art. 1.801, CC, são de falta de legitimação passiva. Ensina Maria Berenice Dias (2011, p. 118) que “apesar do uso indistinto destas duas expressões, não dá para confundir capacidade e legitimidade. A falta de capacidade decorre da proibição imposta pela lei para determinada pessoa intervir em qualquer relação jurídica, enquanto a ausência de legitimidade se caracteriza pela inaptidão para a prática de determinado ato ou negócio jurídico, devido à condição que lhe é peculiar. Assim, o autor da herança precisa ter capacidade ativa para testar. Já os beneficiários – quer na sucessão legítima, quer na testamentária – precisam ter legitimidade passiva para herdar. [...]. Legitimidade sucessória é a aptidão da pessoa para receber os bens deixados pelo ‘de cujus’”.

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[12] Diverge a doutrina, no entanto, quanto à natureza jurídica da indignidade. “As opiniões dividem-se entre a teoria da incapacidade e a da exclusão. Pela primeira, o herdeiro indigno não pode suceder por lhe faltar capacidade sucessória. Nem sequer adquire a qualidade de herdeiro, não chegando a integrar a ordem de vocação hereditária. Assim, como nunca foi herdeiro, nada transmite a seus sucessores. Já pela teoria da exclusão o herdeiro indigno sucede, mas em face do que fez, perde o direito à herança, é excluído. Como bem alerta Carlos Maximiliano, a indignidade não se equipara à incapacidade. Esta é um fato, um obstáculo; já a indignidade, é uma pecha, uma pena. A incapacidade é congênita, pois o incapaz nunca adquire a herança. Na indignidade há perda da aptidão para herdar por culpa do beneficiário”(Maria Berenice Dias, 2011, p. 302). A doutrina tende a aceitação da segunda teoria.

[13] Têm interesse na declaração de indignidade (admite-se litisconsórcio facultativo): “os filhos do indigno (que herdam representando seu ancestral indigno), os demais coerdeiros (que através da exclusão do indigno beneficiar-se-ão com o acréscimo de seu quinhão hereditário), os legatários ou donatários (favorecidos com a exclusão), os credores, o fisco, etc.” (Eduardo de Oliveira Leite, 2004, p. 99). “Se o sucessor imediato do herdeiro ou legatário indigno, por livre opção, não provoca a exclusão, ninguém mais poderá fazê-lo, nem mesmo o Ministério Público, ainda que a indignidade constitua crime” (Francisco José Cahali, 2007, p. 110). Se é o próprio ofendido que pretende excluir da herança, deverá fazê-lo por deserdação. Quanto à legitimidade do Ministério Público diverge a doutrina, sendo certo que terá legitimidade quando forem os herdeiros incapazes ou quando houver interesse público.

[14] Se o inventário já foi concluído deverá ser declarada sobrepartilha.

[15] Deve-se lembrar que essas causas também abrangem o cônjuge uma vez que no vigente Código Civil elevado à condição de herdeiro necessário. “Advirta-se, porém, que, privado o sobrevivente da herança, o quinhão respectivo devolve-se ao monte partível, pois inexiste direito de representação na sucessão do cônjuge, tal qual ocorre na sucessão dos descendentes. Considerado ‘como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão’, seus sucessores não são chamados, convocando-se apenas os herdeiros do falecido na respectiva ordem de preferência” (Francisco José Cahali, 2007, p. 108).

[16] Por se tratar de hipóteses que caracterizam uma sanção, não devem ser interpretadas extensivamente, portanto, essa hipótese não deve abranger a instigação ao suicídio. Não é o entendimento, por exemplo, de Maria Berenice Dias (2011, p. 306) que afirma ser o induzimento ao suicídio, eutanásia, infanticídio causas de exclusão por indignidade. Afirma a autora: “a escolha feita pelo legislador dos delitos aptos ao reconhecimento da indignidade é absolutamente desarrazoada, reproduzindo preocupação para lá de antiquada e conservadora, pois prioriza a imagem social, deixando de fora do elenco rimes que têm repercussão muito mais danosa à pessoa da vítima. Injustificável a tentativa de limitar as causas a um rol de acontecimentos, como se fosse possível prever todas as atitudes que autorizam a exclusão. A maldade humana é imprevisível e ilimitada”.

[17] Francisco José Cahali, 2007, p. 109.

[18] Alguns autores sustentam ser esse o único caso de morte civil no Direito brasileiro.

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PETIÇÃO DE HERANÇA

Embora a petição de herança se refira mais à questão processual das sucessões é bom tratá-la já neste momento (último Título do Capítulo que trata da Sucessão em Geral) para que o aluno compreenda sua existência e seus efeitos jurídicos.

A ação de petição de herança (ou ‘petitio hereditatis’ é novidade no Código Civil/02 – arts. 1.824 a 1.828, CC) pode ser proposta pelo herdeiro preterido ou desconhecido apenas após a finalização do inventário e efetivação da partilha (antes dela requer-se apenas a reserva de bens cuja demanda é atraída para o juízo do inventário)[1] (art. 1.001, CPC) e, neste caso, a este herdeiro não se aplicam os efeitos da coisa julgada (art. 472, CPC).

Ensina Maria Berenice Dias (2011, p. 618) que “a ação tem dupla carga de eficácia: declaratória da qualidade de herdeiro e condenatória à restituição da herança, com seus rendimentos e acessórios. A pretensão do autor é o recebimento do quinhão hereditário, em face de sua qualidade de herdeiro. A sentença declara sua condição de sucessor e condena quem está na posse da herança a entregá-la. Trata-se de verdadeira ‘devolução’ a quem é titular desde a abertura da sucessão. Por isso, os efeitos da sentença retroagem à data da abertura da sucessão”, já que contém a invalidação, total ou parcial, de eventual partilha ou adjudicação.

Trata-se de ação ‘universal’[2] porque por meio dela o herdeiro não visa a devolução de coisas destacadas (podendo essa devolução restringir-se ao direito à posse), mas sim, de todo quinhão hereditário[3] ou de todo patrimônio hereditário (neste caso, quando único herdeiro de sua classe) (art. 91, CC). Também é ação ‘real[4] imobiliária’ já que procedente determina a restituição de bens ao acervo hereditário (bem imóvel, conforme art. 80, II, CC).

É lógico que em virtude dos preceitos da segurança das relações jurídicas esse direito não poderia ser imprescritível. Portanto, tem o herdeiro direito de exercer a petição de herança nos 10 anos seguintes da abertura da sucessão[5] (art.205, CC), findo esse prazo, perde ele o direito à devolução de seu quinhão hereditário (Súmula 149, STF). O que significa afirmar que a condição de herdeiro é sempre imprescritível, mas os direitos patrimoniais são prescritíveis.

Regras processuais:

1. Competência. A ação se sujeita às regras da competência territorial (art. 94, CPC) uma vez que já ultimado o inventário.

2. Legitimidade ativa. Qualquer herdeiro (legítimo ou testamentário – seu substituto ou fideicomissário – art. 1.824, CC) pode propor a ação de petição de herança. Também possuem legitimidade os cessionários e os adquirentes de bens hereditários. Falecendo o herdeiro preterido, mas havendo direito de representação, os sucessores também terão legitimidade. Como se trata de ação de natureza real devem estar no polo passivo e ativo os respectivos cônjuges (quando houver), exceto se casados no regime de separação absoluta (art. 1.647, CC).

3. Legitimidade passiva. A ação deve ser proposta em face de quem detiver a herança (herdeiros – ‘pro herede’- ou não – ‘pro possessore – arts. 1.824 e 1.827, CC). A ação não é dirigida ao inventariante, mas sim, aos herdeiros detentores dos bens. Destaca Maria Berenice Dias (2011, p.

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622) que “caso não tenham devolvido os bens recebidos, o herdeiro declarado indigno, o que foi deserdado ou aquele que perdeu a qualidade de herdeiro em face da anulação do testamento ficam sujeitos à ação de petição de herança”.

4. Efeitos da citação válida. Após a citação o possuidor passa a responder pela má-fé e pela mora (arts . 395 e 1.826, parágrafo único, CC).

5. Ônus da prova. O autor da ação deve demonstrar a morte do autor da herança ou sua declaração de ausência, bem como, deve provar sua condição de herdeiro e que parte ou toda a herança encontra-se em posse do(s) réu(s).

Comprovada a situação e em respeito ao princípio da aparência, dois poderão ser os efeitos da ação de petição de herança:

1- Se o possuidor estava de boa-fé: arts. 1.214; 1.217; 1.219 e 1.220, CC. Tem direito aos frutos percebidos; deve restituir os pendentes e os colhidos com a antecipação, ao tempo em que cessar a boa-fé; os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos; não responde pela perda ou deterioração da coisa a que não der causa; tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, podendo levantar as voluptuárias (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 121).

2- Se o possuidor estava de má-fé: arts. 1.216; 1.219; 1.220 e 1.222, CC. Responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que deixou de perceber por culpa; responde pela perda e deterioração da coisa a que não der causa; só lhe serão ressarcidas as benfeitorias necessárias; na indenização das benfeitorias o reivindicante tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 121-122).

Herdeiro Aparente

Herdeiro aparente é a pessoa que sucedeu sem ter direito à herança (art. 1.828, CC). “Denomina-se herdeiro aparente aquele que se encontra na posse de bens hereditários como se fosse legítimo titular do direito à herança. É assim chamado porque se apresenta, perante todos, como verdadeiro herdeiro, assumindo, pública e notoriamente, essa condição” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 149-150).

Assim, “herdeiro não é, mas, ainda que esteja de má-fé, é considerado por todos como genuíno herdeiro, por força de erro comum. Daí ser chamado possuidor ‘pro hedere’. Possui como se fosse herdeiro, ainda que não o seja” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 622). Após a sua citação o herdeiro aparente é constituído em mora e sua posse, a partir deste momento, passa a ser considerada de má-fé.

Resta ainda investigar quais as consequências da transmissão do bem promovida pelo herdeiro aparente. Nesta hipótese também se deve verificar se a transmissão ocorreu de boa ou de má-fé. Se o adquirente a título oneroso estava de boa-fé não deverá devolver o bem (art. 1.827, parágrafo único, CC); se o adquirente a título oneroso estava de má-fé, sujeita-se à perda do objeto (ou o seu equivalente) porque nula a transmissão. No entanto, se a transmissão ocorreu a título gratuito não é necessária a análise da boa ou da má-fé uma vez que a restituição do bem (ou equivalente) se imporá.

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SUCESSÃO LEGÍTIMA - VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

A sucessão legítima ou ‘ab intestato’ decorre da lei (legítima); em casos de inexistência, invalidade ou caducidade do testamento ou havendo este e sendo válido quando não contemplarem a universalidade do patrimônio do testador[6]. Tem, portanto, caráter subsidiário, conforme se depreende do art. 1.788, CC.

Dessa forma, “herdeiro legítimo é a pessoa indicada na lei como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou quota-parte da herança” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 156). Os herdeiros legítimos podem ser classificados em:

1. Necessários (legitimários ou reservatórios – art. 1.845, CC): descendentes, ascendentes, cônjuge (ordem fundada na própria organização da família e em vontade presumida do ‘de cujus’, na presunção de afeto). Havendo herdeiros necessários a lei passa a limitar a disposição de bens pelo testador. Assim dispõe o art. 1.789, CC: “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. Pode-se então afirmar que todos os herdeiros necessários são herdeiros legítimos, mas a recíproca não é verdadeira. Aos herdeiros necessários é assegurada a legítima, isto é, metade da herança. Os herdeiros legítimos têm mera expectativa de direito. Herdam se não existirem herdeiros necessários e nem testamento destinando os bens a terceiros” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 133).

2. Facultativos: só herdam na falta de herdeiros legítimos e/ou testamento (por vontade do ‘de cujus’) quanto à parte disponível. Assim, os colaterais[7] até 4o. grau são herdeiros facultativos (art. 1.839, CC).

Vale lembrar que é no momento da abertura da sucessão que se deve verificar as pessoas legitimadas a suceder (art. 1.787, CC), por isso, as novas regras da ordem de vocação hereditária estabelecidas pelo Código Civil de 2002 só se aplicam às sucessões abertas a partir de 11 de janeiro de 2003 (art. 2.041), sendo todas consideradas de ordem pública.

Após o falecimento do autor da herança as pessoas (herdeiros necessários) são chamadas por uma ordem fixada em lei para suceder. A essa ordem abstrata[8] se dá o nome de ‘ordem de vocação[9] hereditária’ que estabelece relação preferencial em relação à sucessão, sendo três as ordens previstas: parentes, cônjuges e Estado. Deve-se ainda observar que o chamamento dos sucessores será feito por ‘classes’ (são cinco: descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente, colaterais e Estado) que acabam se entrelaçando. Verificada a classe do herdeiros, passa-se à preferência fixada de acordo com o grau, sendo que os mais próximos excluem os mais remotos (arts. 1.833; 1.836, §1o. e 1.840, CC), exceto quando houver eventual direito de representação. Por isso, os herdeiros de grau igual herdam por cabeça e os herdeiros de grau diferente herdam por estirpe.

Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 159) que três importantes inovações foram feitas no Código Civil de 2002 quando à vocação hereditária, são elas: ”a) a retirada do Estado do rol de herdeiros legítimos, uma vez que não adquire, ‘mortis causa’ e pelo princípio da ‘saisine’, os bens da herança, como sucede com os herdeiros legítimos e testamentários, somente os recolhendo depois de verificado o estado de jacência da herança e de sua conversão em patrimônio vago; b) a colocação do cônjuge no elenco dos herdeiros necessários, concorrendo com os herdeiros das outras ordens de

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vocação para suceder, como já referido; c) a ausência de previsão do benefício do direito real de usufruto em favor do cônjuge sobrevivo, como consequência da aludida concorrência com os demais herdeiros destinada à aquisição de direito mais amplo sobre uma parte do acervo, que é o direito de propriedade, malgrado a manutenção do direito real de habitação sobre a residência familiar, limitado ao fato de ser este o único bem com tal destinação”.

Feitas essas considerações, passa-se à analise da ordem de vocação[10] hereditária[11], estipulada no art. 1.829, CC, “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente[12], salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único[13]); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III- ao cônjuge sobrevivente; IV- aos colaterais”.

Então, a primeira classe a suceder é a dos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou no de separação obrigatória de bens (art. 1.641, CC); ou se no regime de comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares (art. 1.829, CC).

Sucessão dos descendentes e concorrência do cônjuge supérstite

Deve-se primeiramente lembrar que os descendentes são herdeiros necessários e, portanto, a sua existência limita o poder de disposição da herança do ‘de cujus’, devendo-lhes ser destinada 50% desta (direito à legítima, art. 1.846, CC).

A sucessão dos descendentes é regida pelo princípio da igualdade (art. 1.834, CC), sendo vedada qualquer diferenciação entre os filhos do ‘de cujus’[14] (art. 1.596, CC). Os descendentes sucedem por cabeça ou ‘jure proprio’ (quando no mesmo grau de parentesco do ‘de cujus’) ou por estirpe ou representação[15] (‘in stirpes’; ‘jure representationis’, indireta ou por ficção jurídica - quando herdeiros de graus diferentes – arts. 1.851 e ss., CC), em linha ‘ad infinitum’. “Adquire-se a herança por cabeça, quando os herdeiros da mesma classe dividem, em partes iguais, o acervo transmitido. Quando, entretanto, houver direito de representação (sucessão por estirpe), os chamados a suceder no lugar do herdeiro pré-morto da mesma classe recebem a quota hereditária que o representado receberia por cabeça, se fosse vivo, partilhando este quinhão entre o representantes em idêntica proporção” (Francisco José Cahali, 2007, p. 128). Pode-se, então afirmar que, os filhos sempre sucedem por cabeça e os demais descendentes por cabeça ou por estirpe, conforme previsto no art. 1.835, CC.

Assim, por exemplo: se o ‘de cujus’ não era casado e deixou dois filhos, todos herdam por cabeça; se deixou dois netos, sendo todos os filhos já falecidos, os netos herdam por cabeça, porque no mesmo grau (quota avoenga[16]); se deixou um filho e um neto (filho de seu outro filho pré-morto), a herança será dividida em duas estirpes a do filho vivo e a do neto (porque descendentes em graus diferentes).

Vale lembrar que o Código Civil de 2002 estipulou que o cônjuge, além de estar em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, concorre com os descendentes e ascendentes. No entanto, com relação à concorrência com os descendentes confusa é a determinação, porque condiciona a qualidade de herdeiro do cônjuge ao regime de bens do casamento e outras circunstâncias casuísticas, bem como, condiciona os critérios de divisão à existência de descendentes comuns. “Em

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suma, extremamente circunstancial a convocação do viúvo, embaralhadas as situações fáticas e jurídicas, há diversidade exagerada no critério de divisão do acervo. E incertas as previsões, já mereceram leitura dissonante, tanto na doutrina como na jurisprudência, instalando-se um sistema de total insegurança quanto aos efeitos sucessórios decorrentes do casamento e da união estável” (Francisco José Cahali, 2008, p. 142) e, por isso, a sucessão do companheiro será estudada nas próximas aulas.

Completa Maria Berenice Dias (2011, p. 145) afirmando que “assegurar ao cônjuge e ao companheiro parcela do patrimônio que caberia exclusivamente aos filhos, só pode gerar resistências, dificultando a aceitação das novas relações de afeto dos pais. Até porque, os bens recebidos a título de concorrência sucessória nunca voltam aos herdeiros do titular do patrimônio, isto é, aos filhos do marido ou companheiro falecido. O mais surpreendente é que tal situação é imposta pela lei sem dar chance aos cônjuges e companheiros de optarem de forma diferente por meio da eleição do regime de bens. O instituto anula a autonomia do casal. A garantia de liberdade de escolha, que dá contorno à família, corre o risco de ver-se ferida”.

Expostos os principais argumentos sobre a polêmica concorrência do cônjuge com os descendentes, resta analisar o art. 1.829, I, CC

1. Não há concorrência do cônjuge sobrevivo com os descendentes quando o regime era o da comunhão universal porque se entende que a confusão patrimonial já ocorreu quando da celebração do casamento. Assim, a meação já lhe garante proteção suficiente.

2. Não há concorrência do cônjuge sobrevivo com os descendentes quando o regime era o da separação obrigatória de bens (art. 1.641, CC), pois entende-se que a separação de bens é permanente e a possibilidade de concorrência com os descendentes poderia deixar a lei sem sentido.

3. Não há concorrência do cônjuge sobrevivo com os descendentes se adotado o regime de legal bens o autor da herança deixou bens particulares. A polêmica, nesta situação, se instaurou sobre o cálculo da quota. “[...] Alguns autores sustentam que a participação do cônjuge se dará sobre todo o acervo, em virtude do princípio da indivisibilidade da herança. [...]. Predomina na doutrina, no entanto, entendimento contrário, fundado na interpretação teleológica do dispositivo em apreço, especialmente na circunstância de que a ‘ratio essendi’ da proteção sucessória do cônjuge foi exatamente privilegiar aqueles desprovidos de meação. Os que a têm, nos bens comuns adquiridos na constância do casamento, não necessitam, e por isso, não devem, participar da que foi transmitida, como herança, aos descendentes, devendo a concorrência limitar-se aos bens particulares deixados pelo ‘de cujus’” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 170-171).

4. Sendo o regime de separação convencional de bens ou de participação final nos aquestos (se o falecido deixou bens particulares) o cônjuge concorrerá com os descendentes, por não haver ressalva nenhuma na lei.

5. O cônjuge sobrevivo não herda em concorrência com os descendentes quando separado judicial ou extrajudicialmente do autor da herança; quando separado de fato há mais de dois anos se não provar que a convivência se tornou insuportável por culpa do ‘de cujus’ (art. 1.830, CC). Maria

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Berenice Dias (2011, p. 146) entende revogado o art. 1.830, CC, em virtude do advento da EC n. 66/10 que teria acabado definitivamente com a separação e com a análise da culpa na dissolução do casamento. Portanto, para a autora, a separação de fato rompe o casamento, não havendo qualquer direito sucessório entre os ex-cônjuges.

6. A concorrência sucessória é direito personalíssimo e, por isso, não gera direito de representação.

7. Como a lei silenciou sobre o direito de usufruto do cônjuge supérstite, entende-se que este não existe mais, tendo sido substituído pela polêmica concorrência sucessória.

Há, ainda, um peculiaridade quanto à divisão dos quinhões, havendo concorrência entre cônjuge e descendentes. É o que estabelece o art. 1.832, CC que “em concorrência com os descendentes (art. 1.829, I, CC) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”. A repartição da herança por cabeça, neste caso, não prevalece. Sobre essa limitação ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 175) que “[...] essa reserva da quarta parte diz respeito à herança possível do cônjuge, e não à totalidade da herança, ou seja: a reserva deve ser feita apenas sobre os bens particulares, excluindo-se a meação” quando houver descendentes comuns. A reserva da quarta parte não se aplica quando houver descendentes exclusivos do ‘de cujus’ e, nesta hipótese, se aplicará as regras comuns de divisão da herança.

Exemplifica Maria Berenice Dias (2011, p. 172): Pedro e Maria, quatro filhos e patrimônio sucessório de R$ 74.000,00, já excluída a meação. Morto Pedro, se todos os filhos forem comuns, primeiro é preciso calcular o quinhão de Maria, pois tem ela direito a 25% da herança. Para isso basta dividir R$ 74 mil por quatro. Seu quinhão é de R$ 18,5 mil. O restante, 75% do patrimônio, é partilhado entre os filhos. Assim, dividido R$ 55,5 mil por quatro, se chega ao valor de R$ 13, 87mil, que é o quinhão de cada filho. Nesta hipótese é preservada a quota mínima de Maria, que recebe R$ 18,5 mil e cada ilho seu R$ 13,87 mil. Se todos os herdeiros forem filhos exclusivos de Pedro, nem por isso Maria deixa de ser herdeira concorrente; só não faz jus à quota mínima. Percebe o mesmo que cada um dos enteados. A divisão é feita entre todos, por cabeça. O patrimônio é repartido por cinco. Assim, tanto Maria como cada um dos filhos de Pedro recebem R$ 14,8 mil”.

No entanto, não há previsão para hipótese de haver descendentes comuns e descendentes exclusivos e para a solução surgiram três diferentes correntes, a saber: a) não prevalece o direito à quarta parte, uma vez que esta exige que o sobrevivo seja ascendente de todos os herdeiros descendentes (é a corrente majoritária), portanto, a herança deve ser igualmente repartida; b) em casos de filiação híbrida os descendentes devem ser tratados como filhos comuns para fins de reserva da quarta parte; c) em casos de filiação híbrida deve-se proceder à divisão proporcional da herança segundo a quantidade de descendentes de cada grupo, ou seja, a quarta parte deve ser aplicada apenas frente aos filhos comuns; dividindo-se quanto aos demais igualmente, sem nenhuma limitação.

Lembre-se, por fim, que as doações feitas ao cônjuge sobrevivo deverão ser consideradas adiantamento de legítima, assim como acontece com as doações realizadas aos demais descendentes e, por isso, todas devem ser trazidas à colação (art. 2.020, CC), a menos que expressamente tenha sido declarado que o bem estava sendo retirado da parte disponível.

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[1] Explica Maria Berenice Dias (2011, p. 620) que “a demanda mais frequente é a ação investigatória de paternidade cumulada com petição de herança. Trata-se de um cúmulo de ações de natureza sucessiva. Pode o autor em sede cautelar, pleitear a indisponibilidade do acervo hereditário, ou de parte dele, para assegurar o seu direito à herança. Reconhecida sua condição de herdeiro, a procedência da investigatória lhe assegura o direito à herança. Não há necessidade de ajuizar ação para anular a sentença que homologou a partilha. Os herdeiros devem devolver todos os bens para o monte, procedendo-se a nova partilha com o novo quadro de herdeiros”. E complementa Francisco José Cahali (2007, p. 382) que embora seja essa a hipótese mais comum, outras podem ser indicadas: “a) a ação proposta por qualquer herdeiro contra terceiro estranho à relação sucessória, mas possuidor da herança. Nesse caso, a iniciativa de um só sucessor a todos aproveita, pois poderá compreender a integralidade dos bens hereditários (CC, art. 1.825), confirmando a regra de que a herança é um todo unitário (CC, art. 1.791). Nessa situação, o pedido tem caráter nitidamente reivindicatório; b) a ação proposta por legatário ou sucessor instituído pretendendo ver reconhecido o direito sucessório e o cumprimento das disposição testamentárias, desrespeitadas por desconhecimento do testamento; c) a ação proposta por quem teve sua habilitação impugnada pelos sucessores e rejeitada pelo juízo no curso do inventário, podendo ocorrer tal situação antes mesmo de realizada a partilha”.

[2] Ensina Maria Berenice Dias (2011, p. 624) que “a ação de petição de herança não se confunde com a ação reivindicatória, apesar de ambas terem a mesma causa de pedir: o direito sucessório do autor sobre bens que estão na posse indevida do réu. Na essência, não há diferença substancial entre as duas demandas. O que as distingue, praticamente, é que a petição de herança tem caráter ‘universal’, isto é, com ela o autor visa uma ‘universalidade’: o patrimônio deixado pelo ‘de cujus’. Já a reivindicatória é uma ação singular ou particular que pretende bens específicos. Trata-se de demanda que tem por objeto coisas individualizadas. A ação reivindicatória é movida contra pessoa estranha à sucessão, em tudo igual à ação que seria proposta pelo autor da herança se vivo fosse”.

[3] Afirma Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 120) que “o sistema do direito brasileiro se filiou à concepção da herança encarada como universalidade de direito (art. 1.791, CC), logo, adotou o sistema da pretensão unitária à herança. Nesse sentido o disposto no art. 1.825. A ação é exercida contra a universalidade do patrimônio hereditário. Ou, como bem frisou Pontes de Miranda, ‘a vindicação é no todo e não de bens especificados’”.

[4] Há certa controvérsia na doutrina sobre ser essa ação de natureza pessoal (mas não de ação de estado), real ou mista. No entanto, prevalece o entendimento de que é ação real.

[5] Entende-se que quando ainda é necessário o prévio reconhecimento de paternidade o prazo para a ação de petição de herança só terá início após o trânsito em julgado desta.

[6] Ensina Francisco José Cahali (2007, p. 125) que “pela abrangência das situações previstas na norma, a sucessão legítima pode ser exclusiva na totalidade do acervo, ou restrita à parte não compreendida na liberdade dispositiva (quanto aos bens não compreendidos no testamento, ou quando existentes herdeiros necessários), convivendo, assim, com a sucessão testamentária, relativamente à mesma herança, sendo, nestas hipóteses, convocados os sucessores legítimos e os testamentários, para ser promovida a destinação patrimonial em inventário único”.

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[7] Vale lembrar que o parentesco decorrente da afinidade não tem qualquer reflexo sobre o direito hereditário próprio. Apenas o parentesco civil ou consanguíneo gera efeitos sucessórios próprios.

[8] Francisco José Cahali (2007, p. 130) chama a ordem de vocação hereditária de chamamento virtual porque outorga à pessoa um título (‘herdeiro’), mas não atribui a herança em si.

[9] “Vocação vem do latim ‘vocare’ e significa chamar” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 133).

[10] “Quando se fala, na sucessão legítima, dos herdeiros a serem chamados pela indicação da lei, estamos apontando um dos elementos do direito das sucessões neste particular, consistente no critério de convocação. Vale dizer: por essas regras, são indicadas as pessoas convocadas a receber a herança, de acordo com o seu vínculo familiar com o falecido, podendo possuir ou não a mesma relação (todos os filhos, ou filhos concorrendo com cônjuge ou companheiro viúvo, filhos concorrendo com netos, estes chamados por representação, etc.). Paralelamente, existe o critério de divisão, pelo qual a lei determina qual o quinhão a ser destinado a cada herdeiros convocado. Sendo todos com idêntico vínculo na linha descendente ou colateral, a divisão é feita sempre em partes iguais entre os habilitados. Porém, existindo entre os convocados pessoas com diferente vínculo com o falecido (viúvo com filhos de outro casamento, filhos e netos, etc.), a partilha poderá ser desigual, dependendo de cada situação”(Francisco José Cahali, 2007, p. 126-127).

[11] Quando a sucessão não segue esta ordem preferencial é chamada de anômala ou irregular como é o caso da sucessão de bens de estrangeiros situados no país (art. 10, §1o., LICC); a divisão de verbas do FGTS, PIS-PASEP e restituição do IR, seguem o critério da dependência; o pagamento do seguro obrigatório de veículos automotores por falecimento; ou dos artigos: 520, CC/02; 692, III, CC/16 (enfiteuse), etc.

[12] Afirma Francisco José Cahali (2007, p. 127) que “por reprovável impropriedade técnica, deixou o legislador de contemplar, na ordem de vocação hereditária, o direito sucessório decorrente da união estável, vindo inadequadamente a tratar da matéria em capítulo das ‘disposições gerais’, estabelecendo no art. 1.790, CC [...]”.

[13] Há uma imprecisão técnica neste artigo. Na verdade não se refere ao art. 1.640, parágrafo único, mas sim, ao art. 1.641, CC.

[14] Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 136) destaca que as categorizações existentes antes da CF/88 permitiam situações como: “não herdavam os adulterinos e incestuosos; os naturais reconhecidos e concorrendo com legítimos só recebiam a metade do que a estes coubesse (art. 1.605, §1o., revogado pela Lei n. 6.515/77); o filho adotivo concorrendo com filho legítimo superveniente só recebia metade da herança a este atribuída (art. 1.605, §2o. revogado pela CF/1988 c/c art. 41 do ECA)”.

[15] Deve-se lembrar que a renúncia à herança não gera o direito de representação, devendo o quinhão do renunciante ser devolvido ao acervo sucessório.

[16] Afirma Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 163-164) que essa solução mantida pelo legislador de 2002 é criticada por parte da doutrina que a consideram injusta. “Se, argumental, concorrem seis netos à sucessão do avô, quatro procedentes de um filho predefunto e dois de outro, pelo sistema de sucessão ‘in capita’, os quatro primeiros terão as suas quotas aumentadas, pela intercorrência do

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falecimento de seu tio antes da abertura da sucessão; e os dois últimos, por motivo idêntico, terão as suas quotas diminuídas”.

SUCESSÃO LEGÍTIMA

Sucessão dos ascendentes e concorrência do cônjuge supérstite

Na aula anterior iniciou-se o estudo da sucessão legítima, apontando-se que a primeira classe de herdeiros é a dos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Passa-se, agora, à análise da segunda classe que são os ascendentes (herdeiros necessários com direito à legítima – art. 1.845, CC), também em concorrência com o cônjuge supérstite.

Os ascendentes[1] são chamados a suceder quando não há descendentes (art. 1.836, CC), mas, diferente da linha descendente cuja sucessão se dá ‘ad infinitum’, na linha reta ascendente a sucessão pode ser limitada, uma vez que há direito de representação (art. 1.852, CC). A divisão da herança se fará por linha de ascendência (paterna e materna). Assim, por exemplo, se o ‘de cujus’ tem viva sua mãe e seus avós paternos, herdará apenas a mãe. Em outra situação, se o ‘de cujus’ não tem pai e mãe vivos, sendo ainda vivos sua avó materna e seus avós paternos a herança deverá ser dividida em 50% para a avó materna e 25% para cada um dos avós paternos.

Verifica-se, dessa forma, que “a partilha na sucessão dos ascendentes, a partir da geração dos pais quando já falecidos, faz-se, entretanto, por linha, não por cabeça, mas sem perder de vista que só os integrantes do mesmo grau podem concorrer à herança” (Francisco José Cahali, 2007, p. 148) regra que, obviamente, se coaduna com a ordem de que o mais próximo exclui o mais distante.

Já a concorrência do cônjuge supérstite como os ascendentes seguem regras diferentes da concorrência com os descendentes. Nesta, viu-se na última aula, a concorrência sofrerá forte influência do regime de bens; enquanto naquela pouco importa o regime adotado, sendo indiferente se o cônjuge tem direito à meação ou não. O cônjuge sobrevivente ao concorrer com os ascendentes terá sempre direito sucessório (o que explicaria a abolição do direito real de usufruto sobre metade dos bens da herança), percebendo no mínimo um terço da herança e no máximo a metade, dependendo do número de parentes ascendentes existentes, sendo o quinhão calculado sobre a herança a ser atribuída aos herdeiros necessários em sua totalidade (art. 1.837, CC).

Sucessão do cônjuge

Não havendo descendentes ou ascendentes, herda por direito próprio o cônjuge supérstite por ser o terceiro na ordem sucessória (art. 1.838, CC), também com direito à legítima (art. 1.845, CC). O consorte sobrevivo também herdará quando o casamento for declarado nulo ou for anulado (arts. 1.548 e 1.550, CC) e for ele declarado de boa-fé, desde que a sucessão tenha sido aberta antes do trânsito em julgado da sentença. Ao cônjuge sobrevivo é garantido, além dos direitos sucessórios, o direito real de habitação[2], podendo continuar na posse do bem que serve à residência da família, independente do regime de bens (art. 1.831, CC), até que contraia novo casamento ou constitua união estável.

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Embora a lei não faça nenhuma ressalva vinculando o direito sucessório ao regime de bens, ressalta Maria Berenice Dias (2011, p. 137) que “a jurisprudência ainda não está pacificada, no entanto, quando existe pacto antenupcial consagrando o regime de separação de bens. O STJ exclui do cônjuge sobrevivente tanto a condição de herdeiro necessário bem como o direito de concorrência hereditária”, entendo que da escolha do regime já decorreria a vontade de não tornar o outro cônjuge seu herdeiro.

Vale lembrar também que se os bens do cônjuge falecido estiverem clausulados de incomunicabilidade o cônjuge supérstite não terá direito a meação e, segundo o STJ, esse fato também exclui o direito de concorrência. “A incomunicabilidade beneficia os herdeiros descendentes, ascendentes e até os herdeiros colaterais, pois o cônjuge é alijado da sucessão com referência aos bens. Somente quando inexistirem herdeiros antecedentes, o viúvo recebe, a título de herdeiro necessário, a integralidade da herança, inclusive os bens incomunicáveis, desaparecendo a cláusula restritiva que afetava o seu direito” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 138).

Entende-se, por fim, absurdo o conteúdo do art. 1.830, CC, que permite que o cônjuge separado de fato seja chamado à sucessão até dois anos após a separação quando o ‘de cujus’ foi por ela culpado[3], promovendo-se, com isso, uma forma de enriquecimento sem causa e, ainda, que o cônjuge concorresse com o companheiro. Deve-se entender que a separação de fato subtrai do viúvo a condição de herdeiro, sendo-lhe apenas preservado o direito à meação, sendo-lhe excluído qualquer direito sucessório.

Sucessão dos colaterais

Na quarta classe de herdeiros legítimos (mas não necessários) estão os colaterais[4] até 4o. grau (art. 1.839, CC). Assim, são herdeiros no caso de inexistência de descendentes, ascendentes e cônjuge: os irmãos; os tios; os sobrinhos; os primos; o tio-avô e o sobrinho-neto.

Na classe colateral também se aplica a regra de que os mais próximos excluem os mais remotos (art. 1.840, CC) e o direito de representação limita-se aos filhos dos irmãos (3o. grau). Estas regras se completam, no entanto, com o contido no art. 1.843, CC, que traz regras próprias com relação à sucessão dos sobrinhos. Pode-se afirmar que, para a maior parte da doutrina, os sobrinhos preferem aos tios do ‘de cujus’, ainda que não sejam beneficiados pelo direito de representação e que o parentesco seja unilateral[5].

Assim, “se os irmãos concorrem pessoalmente, herdam por cabeça; se houver irmãos bilaterais e unilaterais, os bilaterais receberão o dobro dos unilaterais (art. 1.841); filhos de irmãos unilaterais ou bilaterais concorrendo com tio (ou tios), herdam por direito de representação, devolvendo-se o que caberia ao pai ou à mãe; não concorrendo irmãos bilaterais, ou unilaterais[6], dividirão a herança, entre si, igualmente por cabeça (art. 1.842). [...]. Havendo tios e sobrinhos, herdam os sobrinhos; não havendo, nem sobrinhos, herdam os sobrinhos-netos, os tios-avós e os primos-irmãos (colaterais de 4o. grau), todos na mesma qualidade e, portanto, por cabeça” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 146-147).

No entanto, por não serem herdeiros necessários o ‘de cujus’ pode o autor da herança clausular os bens dos colaterais de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade (art. 1.848, CC).

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Sucessão do Estado

Não havendo descendente, ascendente, cônjuge, companheiro ou colaterais, herdeiros testamentários, ou tendo os herdeiros renunciado à herança, esta se ‘devolve’ ao ente público após a declaração de vacância, conforme art. 1.844, CC (cujos detalhes já foram estudados na aula 3).

Lembre-se que o poder público não é herdeiro, é mero sucessor e, por isso, “a natureza jurídica[7] do direito sucessório do poder público é político-social, em reconhecimento ao fato de a ordem jurídico-econômica estatal possibilitar o acúmulo patrimonial” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 142). Sendo o único sucessor obrigatório ‘causa mortis’ não aceita nem poderá renunciar à herança.

Sucessão e União Estável

Afirma Francisco José Cahali (2007, p. 161) que “o legislador de 2002 foi extremamente falho na técnica, confuso na apresentação do tema, tumultuado na variada casuística de identificação da convocação, de acordo com elementos jurídicos ou situações fáticas (existência de bens particulares, separação de fato por culpa do falecido, existência de filhos comuns ou exclusivos, incidência de quinhão apenas sobre patrimônio posterior à união etc.), e até injusto por, conforme a circunstância, deixar a união estável mais atraente que o casamento, para efeito sucessório em favor do viúvo, ou prever o direito sucessório de um cônjuge ao outro, mas não deste em favor daquele.

Determina o art. 1.790, CC, que: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente[8] na vigência da união estável, nas condições seguintes: I- se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”. Diferente do que pode ocorrer no casamento, o companheiro só participará da sucessão se a morte ocorrer durante a constância da união estável.

Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 190-191) afirma que “parte da doutrina critica a disciplina da união estável no novo diploma, no tocante ao direito sucessório, sublinhando que, em vez de fazer as adaptações e consertos que a doutrina já propugnava, especialmente nos pontos em que o companheiro sobrevivente ficava numa situação mais vantajosa do que a viúva ou o viúvo, acabou colocando os partícipes de união estável, na sucessão hereditária, numa posição de extrema inferioridade, comparada com o novo ‘status’ sucessório dos cônjuges. Outros estudiosos, todavia, afirmam que o novo Código procura, com largueza de espírito, guindar a união estável ao patamar de casamento civil, sem incidir em excessos, não representando discriminação, mas pleno atendimento ao mandamento constitucional que, em momento algum, equiparou a união estável ao casamento”.

É bem verdade que união estável e casamento não se equiparam, no entanto, tecnicamente nada justifica a tomada de posições diferenciadas para situações similares. O companheiro, inexplicavelmente, não foi inserido na ordem de vocação hereditária, sendo a sua sucessão regulamentada pelo confuso e incoerente art. 1.790, CC. Esse artigo insere o companheiro como herdeiro facultativo na quarta classe de sucessores após os colaterais (que inclusive herdam o dobro do companheiro). O companheiro também é considerado herdeiro concorrente com os ascendentes,

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descendentes (mantida a estranha diferença entre descendentes comuns e descendentes unilaterais) e colaterais (até 4o. grau). Portanto, apenas se não houver descendente, ascendente e colateral o companheiro herdaria por direito próprio. Além disso, ao companheiro é assegurado o direito de concorrência hereditária apenas se houver bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. Assim, embora haja possibilidade dos companheiros escolherem o regime de bens aplicável à sua união (por meio de escritura pública ou instrumento particular), este não refletirá no direito de concorrência, como ocorre com o casamento. Da mesma forma, o companheiro pode ser excluído da sucessão por testamento, o que não ocorre com o cônjuge que é herdeiro necessário.

Em virtude dessas breves considerações a doutrina “vem fazendo outra leitura deste dispositivo legal, e considerando o companheiro herdeiro necessário sob o fundamento de ter direito de concorrência sobre os aquestos. Ao fim, nada mais do que um salutar subterfúgio para contornar a injustificável discriminação. [...].” Além disso, “da forma como o legislador tratou o convivente, passou ele a ser herdeiro de última classe, nada recebendo dos bens particulares, pois tanto o direito à meação como o direito de concorrência estão limitados aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. A saída para essa tormentosa questão é interpretar os incisos III e IV do art. 1.790 como fazendo referência à totalidade dos bens do ‘de cujus’, amealhados a qualquer tempo e a qualquer título, e não apenas aos aquestos, como parece sinalizar o ‘caput’ do artigo. Esta é a forma de assegurar ao companheiro um terço da herança se existirem ascendentes, ou parentes colaterais até o quarto grau. O restante vai para os pais, avós, irmãos, sobrinhos, sobrinhos-netos, tios-avós ou primos” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 139). Vale citar que alguns julgados, inclusive, tem afastado a aplicação deste artigo por evidente inconstitucionalidade.

Para ilustrar esta confusão legislativa em que a própria lei estipula soluções diferentes para situações idênticas, destaca Maria Berenice Dias (2011, p. 155) que “a mais insólita situação é quando nenhum do par tem filhos e nem bem antes de se unirem. Quando da morte de um deles, diferente será a divisão de bens se optaram pelo casamento ou por simplesmente viverem juntos. Se casaram sem fazer pacto antenupcial, o regime é da comunhão parcial. Assim, se tiveram dois filhos e adquiriram bens, quando do falecimento de um, o outro receberá somente a sua meação (50% dos bens que foram adquiridos). O restante, que compõe a herança do falecido, é dividido entre os filhos, uma vez que eles são herdeiros necessários (CC 1.845) e primeiros figurantes da ordem da vocação hereditária (CC 1.829 I). No entanto, se viveram em união estável, além da meação, o companheiro sobrevivente faz jus a um terço da herança a título de concorrência sucessória, ficando o restante para os dois (2) filhos: um terço para cada um”. Por isso, para muitos autores e parte da jurisprudência, o art. 1.790, CC, deve ser considerado inconstitucional uma vez que afronta claramente os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (entre pessoas e entre grupos familiares), seja naquilo que favorece o companheiro em relação à sucessão do cônjuge, seja no que o desfavorece.

Feitas essas breves considerações indica-se ao professor que instigue a turma a tomar posicionamento com relação a adequação ou não do art. 1.790, CC. Após, deve-se passar à análise de situações específicas de concorrência do companheiro com outros herdeiros.

Sucessão do companheiro com os descendentes

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Na união estável a concorrência com os descendentes não depende do regime de bens adotado e, portanto, o companheiro terá direito sucessório sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união.

Assim, quando concorre com descendentes comuns (e não apenas filhos) o companheiro terá direito à quota equivalente a que será atribuída ao descendente, tendo-se por base de cálculo os bens adquiridos onerosamente na constância da união.

Quando o companheiro concorrer com outros descendentes do autor da herança (independente se herdam por cabeça ou por representação) terá direito à metade do que couber a cada um deles, mantendo-se como base de cálculo os bens adquiridos onerosamente na constância da união. Exemplifica Francisco José Cahali (2007, p. 184): “somam-se os convocados por cabeça. Cada filho recebe dois, e a companheira recebe um. Assim, multiplica-se o número de filhos por dois e soma-se a parcela do sobrevivente. Àqueles destinam-se duas partes do total, a este uma parte do total. Exemplificando: 4 filhos x 2 = 8; mais 1 do sobrevivente = 9; cada filho recebe 2/9 e o sobrevivente, 1/9; sendo 3 filhos x 2 = 6, mais 1 = 7; 2/7 para cada filho e 1/7 para este. Existindo netos convocados por representação, vão herdar, por estirpe, o que o seu genitor, por cabeça, herdaria”.

A diferenciação entre descendentes comuns e descendentes só do autor da herança é inoportuna conforme já comentado e dificulta o cálculo de quotas hereditárias quando há filiação híbrida (discussão realizada no início desta aula), para a qual tende a prevalecer a corrente que afirma que sendo a filiação híbrida o cálculo deve pautar-se pelas regras constantes no inciso I do art. 1.790, CC.

Sucessão do companheiro com outros parentes sucessíveis

Quando o companheiro concorre com outros parentes sucessíveis (ascendentes e colaterais até 4o. grau) terá direito a um terço do que foi adquirido onerosamente na constância da união.

Compreende-se a regra com relação aos ascendentes, mas não se justifica quanto aos colaterais de até 4o. grau. O companheiro deveria continuar em situação privilegiada quanto aos colaterais como já ocorria na Lei n. 8.971/94 e, por isso, nesse aspecto o Código Civil retrocede.

Apenas no caso de não haver descendentes, ascendentes e colaterais, terá o companheiro direito à totalidade da herança (dos bens adquiridos onerosamente na constância da união). Inexistindo bens comuns, mas apenas bens particulares, aplica-se na ausência de parentes sucessíveis, o disposto no art. 1.844 do Código Civil (herança jacente).

[1] Frise-se, por fim, que apenas o pai que reconheceu o filho tem direito à sucessão.

[2] Enunciado 271, III Jornada de Direito Civil STJ: “o cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança”.

[3] Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 181-182) que “a lei presume que o decurso de prazo superior a dois anos de rompimento da relação conjugal é suficiente para arredar a ‘affectio maritalis’ e, consequentemente, a participação sucessória do sobrevivente no acervo pertencente ao ‘de cujus’. Essa presunção é, no entanto, como já se disse, relativa, uma vez que se permite ao cônjuge

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supérstite a prova de que a separação de fato se deu não por culpa sua, mas por culpa exclusiva do falecido. A regra tem em mira evitar injustiças que certamente ocorreriam se se admitisse o total afastamento do cônjuge da sucessão, pela mera separação de fato, sem qualquer exceção”.

“Será o cônjuge supérstite, todavia, afastado da sucessão caso de comprove que a culpa pela separação foi exclusivamente dele, ou ainda se ficar demonstrada culpa concorrente, imputável a ambos os membros do casal separado de fato há mais de dois anos” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 183).

[4] Nota histórica: “Historicamente, ainda nas Ordenações, os colaterais eram chamados até o décimo grau, com primazia ao cônjuge. Assim se manteve até 1907, quando, pelo Decreto 1.839, modificou-se a ordem de preferências para privilegiar o cônjuge em detrimento dos colaterais, restringindo estes até o sexto grau para o direito à herança. Esta ordem e abrangência foram absorvidas pelo Código Civil de 196 em sua versão original, mas, em razão da modificação introduzida pelo Decreto-Lei n. 9.461/1946, o direito hereditário dos colaterais foi limitado ao quarto grau de parentesco, mantendo esta posição o legislador do Código Civil de 2002 (CC, art. 1.839)” (Francisco José Cahali, 2007, p. 206).

[5] A regra do parentesco unilateral ou bilateral mostra-se, mais uma vez, injusta. Assim, deverá se verificar se o sobrinho era filho de irmão unilateral ou bilateral, já que seu direito de representação será drasticamente afetado em virtude desse critério. O sobrinho filho de irmão bilateral (pré-morto) herda em dobro do que os sobrinhos filhos de irmãos unilaterais (pré-morto).

[6] Inexplicável a diferença conferida pelo legislador aos irmãos unilaterais e bilaterais (art. 1.842, CC). “Trata-se de perverso resquício da discriminação de que era alvo a filiação chamada ilegítima ou espúria, por ser fruto de relações extramatrimoniais. Outrora, ter irmãos unilaterais era escandaloso e pejorativo, porque, em regra, indicava filiação ilegítima no âmago familiar. Arcaica a repulsa à fraternidade unilateral. Mas insiste a doutrina em não ver inconstitucionalidade na concessão de direitos diferenciados a irmãos e sobrinhos, sob o fundamento de que estes não se estendem as normas constitucionais que garantem a igualdade. Diante da vedação constitucional de conceder tratamento diferenciado aos filhos (CF 227 §6o.), é de se ter tais dispositivos como letra morta. ” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 140-141).

[7] Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 202-203) aponta que há divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do direito sucessório atribuído ao Estado. “Uma corrente adota a tese da ocupação, dizendo que o Estado se apossa dos bens, que se tornam coisas sem dono. Na verdade, o falecido não abandona os bens hereditários. Se isso ocorresse, pertenceriam eles a quem praticasse em primeiro lugar o ato de apropriação – o que não é verdadeiro. Para outros, o direito do Estado decorre de sua soberania (‘jus imperii’). Terceira corrente, ainda, sustenta que o direito do Estado filia-se ao ‘jus successionais’: falta de outras pessoas sucessíveis, por lei ou por testamento, herda o Município em reconhecimento da colaboração prestada ao indivíduo na aquisição e conservação da riqueza. Essa a teoria que se filia o direito pátrio”.

[8] Ensina Francisco José Cahali (2007, p. 182) que “não é pela forma de aquisição, mas pelo acréscimo patrimonial efetivo e real que se identifica a parcela da herança na qual participará o companheiro sobrevivente”.

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RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE TESTAR

Os dispositivos referentes aos herdeiros necessários, previstos no Código Civil de 1916 dentro da parte referente à sucessão testamentária, foram adequadamente deslocados no Código Civil de 2002 para a parte concernente à sucessão legítima (lembre-se, nem todo herdeiro legítimo é herdeiro necessário; mas todo necessário, é legítimo). Assim, dispõe o art. 1.845, CC: “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge” (este último inovação trazida pelo vigente Código).

As disposições referentes aos herdeiros necessários não tratam tão somente de limitar o poder de disposição do autor da herança, mas sim, têm por principal objetivo tutelar a legítima contra excessivas disposições e liberalidades testamentárias. Ensina Orlando Gomes (2007, p. 77) que “importa menos considerar essa proteção ao legitimário como uma restrição ao poder de dispor a título gratuito do que como situação lesiva da legítima, até porque a doutrina moderna reconhece que a legítima não constitui para o ‘de cujus’ uma limitação ao seu poder de dispor, visto que, se deste fosse efetivamente privado, os atos lesivos seriam nulos e não redutíveis, como são”.

Herdeiros necessários (legitimários ou reservatários) são “aqueles que não podem ser afastados da sucessão pela simples vontade do sucedido, senão apenas na hipótese de praticarem, comprovadamente, ato de ingratidão contra o autor da herança. Mesmo assim, só poderão ser deserdados se tal fato estiver previsto em lei como autorizados de tão drástica consequência” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 206). Portanto, são herdeiros com direito a parcela mínima do patrimônio hereditário (50% do acervo = legítima – art. 1.846, CC), direito do qual não podem ser privados por testamento[1]. Frise-se, no entanto, que a legítima contém em si uma expectativa de direito porque nada impede que o autor da herança aliene todo seu patrimônio em vida e nada deixe a ser partilhado.

O cálculo da legítima deve ser feito sobre o ativo da herança, ou seja, sobre a herança líquida conforme regras estabelecidas no art. 1.847, CC:

a) Os bens existentes no patrimônio do ‘de cujus’ à data da sua morte.

b) As dívidas ou passivo do ‘de cujus’.

c) As despesas do funeral (art. 1.998, CC).

d) O valor dos bens sujeitos à colação.

Feito o cálculo o patrimônio líquido (pelos preços de mercado vigentes à época da abertura da sucessão) o resultado é dividido em legítima e parte (ou quota) disponível. “Ambas, em princípio, têm o mesmo valor. O da primeira, no entanto, pode eventualmente superar o da segunda se o testador tiver feito doações aos seus descendentes, as quais devem vir à colação. Esta tem por fim conferir e igualar a legítima dos herdeiros necessários. Ressalve-se que, no entanto, o doador pode dela dispensar o descendente beneficiado (CC, art. 2.005). Doações à ascendentes não obrigam à colação” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 207-208).

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A regra é a intangibilidade do direito à herança (art. 5o., XXX, CF). No entanto, a lei permite que o testador imponha cláusulas restritivas à herança. Sobre essa possibilidade, afirma Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 157) que “se a legítima é intangível e constitui uma reserva à pretensão dos herdeiros necessários, não há como se admitir a restrição da legítima mediante cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade”. No entanto, o art. 1.848, CC, autoriza a possibilidade de clausulação desde que haja ‘justa causa’ (como por exemplo prodigalidade do filho; notória incapacidade de gerir um patrimônio; etc.). Os bens clausulados poderão ser alienados desde que, para tanto, haja autorização judicial e ‘justa causa’, ficando os bens adquiridos com o produto da alienação sub-rogados em seu lugar ou expressamente destinados à subsistência do herdeiro.

A limitação feita pela necessidade de se justificar a clausulação indicando-se ‘justa causa’ atende a moderna técnica legislativa que utiliza conceitos indeterminados para permitir a livre valoração na análise do caso concreto. Afirma Maria Berenice Dias (2011, p. 284) que “como passou a lei a exigir que o testador justifique a limitação à herança dos herdeiros necessários, a motivação que serviu de fundamento ao seu gesto precisa dispor de tal relevância que supere a garantia outorgada ao herdeiro, como acontece com a indignidade e a deserção. [...]. O testador precisa justificar as limitações. Deve mencionar os fatos que o levaram a restringir o quinhão do herdeiro, não havendo necessidade que os prove”.

São cláusulas restritivas impostas (isoladas ou cumulativamente) pelo testador, mediante ‘justa causa’: inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Segundo a Súmula 49, STJ “a cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade de bens” – repetida no art. 1.911, CC[2]. São características dessas cláusulas:

a) Não dependem de chancela judicial e têm caráter personalíssimo (já que a motivação também é de natureza pessoal).

b) Dispõem de eficácia plena a partir da abertura da sucessão.

c) Podem abranger toda a herança ou apenas parte dela.

d) A escolha do bem gravado pode partir do testador, mas também pode esse determinar que a escolha seja realizada pelo herdeiro.

e) As restrições podem ser vitalícias (limitando-se à vida do herdeiro) ou temporárias (subordinadas a termo ou condição).

f) Para afastar sua incidência será necessária decisão judicial em ação de cancelamento de cláusulas restritivas (quando o inventário ainda estiver em andamento) em que o herdeiro demonstra inexistir a causa indicada pelo testador para justificar a cláusula.

g) É possível a troca de um gravame por outro (sub-rogação da cláusula de inalienabilidade), ou fazê-la incidir no bem adquirido com o produto da alienação autorizada judicialmente.

h) As cláusulas limitativas só precisam ser justificadas quando opostas à herança legítima; na testamentária a limitação não precisa ser explicada.

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i) A inalienabilidade e a incomunicabilidade podem incidir sobre bens móveis ou imóveis, fungíveis ou infungíveis.

j) As cláusulas devem ser averbadas no Registro Civil e no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 979, CC). Quando se dirigem a bens imóveis precisam ser registradas também no Registro de Imóveis (art. 167, II, LRP).

k) Ainda que clausulados os bens podem ser destinados a atender obrigações deixadas pelo ‘de cujus’.

l) Realizada alienação com cláusula de inalienabilidade o negócio será anulável.

m) A inalienabilidade só diz respeito à alienações ‘inter vivos’, não abrangendo as transmissões ‘causa mortis’.

n) Os bens da legítima não podem ser objeto de fideicomisso.

o) As cláusulas não obstam a disposição dos bens por testamento.

Inalienabilidade. “Trata-se de restrição que impede o herdeiro de alienar o quinhão que recebeu. Imposta a cláusula de inalienabilidade, o herdeiro recebe o domínio limitado da herança. Tem ele a prerrogativa de usá-la, gozá-la e reivindicá-la, mas falta-lhe o direito de dela dispor. O principal efeito da cláusula de inalienabilidade é restringir a faculdade de disposição do bem gravado por seu titular” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 288). A inalienabilidade pode ser absoluta (quando prevalece em qualquer caso e contra qualquer pessoa) ou relativa (quando admitida a alienação em algumas circunstâncias ou para determinadas pessoas). Nada impede que, embora existente a cláusula, sejam instituídos direitos reais sobre o bem, como por exemplo, o usufruto, a habitação, etc. Eventuais benfeitorias, acréscimos e pertenças agregados ao bem herdado, bem como produtos e frutos dele retirados não são abrangidos pelo gravame.

Incomunicabilidade. “É a disposição pela qual o testador determinada que a legítima do herdeiro necessário, qualquer que seja o regime de bens convencionado, não entrará na comunhão, em virtude de casamento” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 213).

Impenhorabilidade. “Consiste em blindar o herdeiro. Ao fim e ao cabo, visa protegê-lo de seus credores. Impedida a penhora de bens recebidos por herança, desonera o herdeiro de responder por seus débitos” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 289). É cláusula que não abrange frutos e rendimentos do bem (art. 650, CPC), a menos que o testador tenha deixado expresso que os rendimentos do bem têm natureza alimentar.

Outra novidade no CC/02 é art. 1.848, §1o. CC, que veda[3] a conversão da legítima em bens móveis ou imóveis, dinheiro em bens, etc. Essa conversão era antes permitida e realizada após a partilha. Destaca-se, no entanto, que o direito de conversão não se confunde com o direito do testador determinar que bens compõem a legítima (art. 2.014, CC). O CC/02 autoriza ao testador individualizar os bens que tocarão aos herdeiros necessários.

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Vale lembrar que o fato de ser herdeiro necessário não exclui a possibilidade de ser, também, herdeiro testamentário (art. 1.849, CC). Além disso, o testador pode indicar quais bens compõem a legítima, deliberando a partilha dos quinhões hereditários por ato ‘inter vivos’[4] ou ‘causa mortis’ desde que não prejudique a legítima (arts. 2.014 e 2.018, CC).

DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

Viu-se nas aulas anteriores que há duas formas de ser chamado à sucessão: por direito próprio (‘jure proprio’) ou por representação[5] (‘jure representationis’, indireta ou substituição legal).

Antes de estudar o direito de representação, é bom diferenciá-lo do direito de transmissão. Ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 217) que se distingue “a sucessão por direito de representação da que ocorre por direito de transmissão (‘jure transmissionis), quando se substitui o herdeiro pertencente à classe chamada à sucessão depois de sua abertura. Na representação o herdeiro vem ocupar lugar do representado, e assim sucede, num só chamado, ao autor da herança; na sucessão por direito de transmissão há dois chamamentos ou dupla transmissão, passando a herança ao herdeiro do sucedendo, e por morte deste aos respectivos sucessores”. O direito de transmissão ocorre quando o herdeiro falece depois da abertura da sucessão; o direito de representação ocorre quando o herdeiro falece antes da abertura da sucessão.

A representação só ocorre na sucessão legítima[6], restringindo-se aos descendentes do ‘de cujus’[7], (art. 1.852, CC). Tem por finalidade mitigar a regra de que o mais próximo exclui o mais remoto, permitindo, dessa forma, o chamamento à sucessão de parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia se vivo fosse (arts. 1.851 e 1.854, CC). Por isso, o direito de representação é considerado uma ficção jurídica[8] e aqueles que por esta forma sucedem, fazem-no por estirpe quando concorrem com outros descentes de grau mais próximo[9]. O representante, portanto, sub-roga-se nos direitos do pré-morto, exercendo direitos que o representado exerceria se vivo fosse.

São requisitos do direito de representação:

a) Prévio falecimento do representado quando da abertura da sucessão, ou ainda, verificadas: ausência (declara por sentença antes da morte do representado), indignidade (art. 1.816, CC), deserdação e comoriência. Deve-se lembrar que o direito de representação não pode ser exercido nos casos de renúncia da herança, uma vez que se considera que o herdeiro nunca tenha sido sucessor (art. 1.811, CC). No entanto, o renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra (art. 1.856, CC). “Pode-se, assim, haver renúncia à herança do pai (para beneficiar um irmão mais necessitado, por exemplo), sem que tal ato importe renúncia à herança do avô, para a qual o renunciante pode ser chamado, representando deu pai, premorto” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 223).

b) Que o representante seja descendente do representado (art. 1.852, CC).

c) Que o representante tenha legitimação para herdar do representado, no momento da abertura da sucessão. Portanto, a condição será verificada em relação ao sucedido e não ao representado, uma vez que o representante ocupa a posição do representado que herdou do ‘de cujus’.

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d) Que não haja solução de continuidade no encadeamento dos graus entre representante e representado.

e) Que reste, no mínimo, um filho de ‘de cujus’, ou na linha colateral um irmão do morto. Isso porque o direito de representação pode ocorrer na linha descendente (art. 1.852, CC) e na linha colateral em favor dos filhos dos irmãos falecidos (art. 1.853, CC). Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 222) “não há direito de representação se não se trata de sucessão de tio. Dessa modo, se o falecido tinha como único herdeiro um primo-irmão, só este recolhe a herança, ainda que tenha tido outro primo-irmão, anteriormente falecido e que tenha deixado filhos. Não podem, ainda, os netos de irmãos pretender o direito de representação, só concedido a filhos de irmãos, porquanto na classe dos colaterais os mais próximos excluem os mais remotos”.

Conclui-se que o principal efeito da representação é atribuir direito sucessório a quem não sucederia em virtude de existir herdeiros mais próximos, garantindo-se, assim, a igualdade entre os herdeiros descendentes. Portanto, herdam como se o representado vivo fosse e, por isso, o quinhão hereditário deste divide-se igualmente entre os representantes (art. 1.855, CC), respondendo pelos encargos e obrigações do autor da herança (e não pelas dívidas do representado). Além disso, os netos, representando seus pais, devem trazer à colação as doações que seus pais receberam de seu avô, uma vez considerado que houve adiantamento de legítima (art. 2.009, CC). Por fim, lembre-se, que o direito de representação não influencia no direito de concorrência do cônjuge sobrevivo, devendo o direito concorrente ser calculado antes da divisão da herança entre os herdeiros.

INTRODUÇÃO À SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

A sucessão testamentária[10] é regulamentada a partir do art. 1.857, CC, decorrendo de ato de última vontade expresso em testamento ou codicilo que incide sobre a parte disponível dos bens do testador ou para determinar restrições a bens componentes da legítima ou ainda determinando providências de natureza pessoal.

“Não faz parte da cultura brasileira o uso do testamento. Há uma aversão à prática de testar devida a razões de caráter cultural ou costumeiro, folclórico, algumas vezes, e psicológico tantas outras. Fora isso há o excesso de solenidades do testamento, com o risco latente de o ato sofrer ataques de anulação”[11] (Maria Berenice Dias, 2011, p. 330). No entanto, ainda que pouco utilizado, o legislador de 2002 lhe destinou a maior parte do Livro das Sucessões (133 artigos).

O Código Civil de 2002 aperfeiçoou o conceito de testamento, não mais o definindo expressamente, mas trazendo noções nos art. 1.857 e 1.858, CC, dos quais pode-se afirmar que o testamento é ato unilateral personalíssimo e revogável pelo qual o autor da herança dispõe sobre o destino de seus bens ou parte deles, ou ainda sobre disposições não patrimoniais (como o reconhecimento de filhos), para depois da sua morte.

São características gerais do testamento:

a) Exige capacidade para testar (objeto de estudo na próxima aula) e para receber a herança.

b) Havendo herdeiros necessários a legítima deve ser respeitada pelo testador. As disposições testamentárias podem sofrer redução caso atinjam bens da legítima.

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c) Ato personalíssimo (privativo do autor da herança – art. 1.858, CC). O testamento não pode ser realizado por procuração, ainda que outorgados poderes especiais em escritura pública. O que pode ser delegado é apenas a preparação, a redação, a ideação, etc., das disposições testamentárias, desde que a participação seja desinteressada.

d) Trata-se de negócio jurídico unilateral que contém declaração não receptícia da vontade.

e) O conteúdo pode ter caráter patrimonial ou destinar-se a providências de caráter pessoal ou familiar.

f) É ato formal e solene (a forma é ‘ad solemnitatem’). A única exceção é o testamento nuncupativo como forma de testamento militar e que pode ser realizado de viva voz (art. 1.896, CC).

g) É ato gratuito, mesmo quando impõe encargo ao herdeiro. É, portanto, uma liberalidade.

h) É sempre revogável (art. 1.969, CC), especialmente quanto à parte patrimonial. A revogação pode ser total ou parcial. Entende-se, no entanto, que embora revogável o testamento, o reconhecimento de filhos nele feito é irrevogável (art. 1.609, III, CC). O ato de revogação não exige justificativa. Portanto, cláusula revocatórias ou derrogatórias devem ser consideradas não escritas.

i) É ato ‘causa mortis’.

j) Não se admite o testamento conjuntivo (de mão comum ou mancomunado), ainda que seja simultâneo, correspectivo ou recíproco (art. 1.863, CC), uma vez que poderiam caracterizar formas de pacto sucessório (também proibido).

A validade do testamento pode ser impugnada no prazo decadencial de 5 anos contados da abertura da sucessão (art. 1.859, CC).

[1] No entanto, podem ser privados da legítima por indignidade (art. 1.814, CC) e deserdação (arts. 1.961 a 1.963, CC)

[2] No Código Civil de 1916 não era necessário apresentar justa causa. Então, o art. 2.042, CC/02, estabeleceu prazo de um ano para adequação dos testamentos. Findo o prazo, não feita a adequação, a cláusula considera-se não escrita.

[3] Na vigência do CC/16 muito se debateu sobre a possibilidade de conversão. “Consistia a cláusula de conversão na autorização que a lei concedia ao testador, na vigência do Código Civil de 1916, de interferir no assegurado direito dos herdeiros necessários à legítima, permitindo que os bens dela constantes fossem convertidos em bens de outra espécie. Dividem-se os doutrinadores a respeito da utilidade e proveito desta cláusula, tachando-a, alguns, de absurda, pelo fato de alterar o princípio de que a legítima é uma parte reservada sobre os bens da massa hereditária e que, por isso, deveria guardar, em relação a ela, identidade específica. Outros, no entanto, não entendiam assim, ratificando esta faculdade concedida pela lei ao autor da herança, sob a alegação de que a reserva legitimária devia guardar, em relação ao espólio, apenas identidade valorativa. Logo, o valor da legítima dos

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herdeiros necessários não podia ser diminuído sob nenhuma hipótese, ainda que se desse a conversão, determinada pelo testador, dos bens originais em outros. A intenção do legislador era clara: a conversão jamais poderia ser levada a cabo senão no melhor interesse dos herdeiros, ainda que sob o critério do autor da herança, mas sempre sem causar qualquer espécie de prejuízo, dano ou diminuição dos direitos destes sucessores. O Código Civil atual, como já referido, proíbe expressamente uma cláusula desse jaez” (Francisco José Cahali, 2007, p. 276-277).

[4] “Embora não se admitam os pactos sucessórios, que têm por objeto herança de pessoa viva (CC, art. 426), considera-se válida a partilha em vida, sob a forma de doação do ascendente aos descendentes, como dispõe o art. 2.018 do diploma civil”(Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 225).

[5] Critica-se a utilização do termo representação uma vez que pode passar a ideia errada. O representante herda por si mesmo, em nome próprio e não em nome de outrem e, por isso, para herdar deve ser pessoa já nascida ou concebida no momento da abertura da sucessão.

[6] “O direito de representação aplica-se exclusivamente na sucessão legítima. Na testamentária figura similar é a chamada substituição vulgar, mas se distinguem as espécies, pois o substituto testamentário recebe por direito próprio, decorrente da instituição também em seu favor na falta do primeiro nomeado (CC, art. 1.947 e ss.), ou de direito de acrescer, quando contemplada mais de uma pessoa em conjunto, prevendo a lei, se o contrário não for estabelecido pelo testador, o acréscimo em favor dos coerdeiros da parcela destinada ao pré-morto (CC, art. 1.941 e ss.). Já na representação, a herança é transmitida a pessoas que, em princípio, não seriam em nome próprio convocadas, mas são chamadas em sub-rogação do direito alheio (do representado)” (Francisco José Cahali, 2007, p. 134).

[7] “Não se confundem os representantes do pré-morto com os herdeiros deste. Embora todo representante seja, necessariamente, também herdeiro do representado, o inverso não se verifica. A representação dá-se exclusivamente em favor de descendentes, ou de filho de irmão, conforme o caso, mas não em favor de outros eventuais sucessores do falecido (como ascendentes, cônjuge, etc.), que, embora dele sejam herdeiros, jamais serão seu representantes” (Francisco José Cahali, 2007, p. 134).

[8] “Trata-se de ficção porque, morrendo o presumido herdeiro antes da abertura da sucessão em seu favor, são chamados os seus descendentes, em concorrência com os outros descendentes mais próximos do autor da herança, a ocupar o lugar do presumido herdeiro, substituindo-o. ‘O representante não exerce, rigorosamente, direitos do representado. Põe-se no lugar e no grau dele, porém, o direito que exerce é seu. Do representado há completa abstração’”(Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 165).

[9] “Os que sucedem por representação de um mesmo herdeiro formam uma única cabeça, seja qual for o seu número, e, entre eles, dividem o quinhão em partes iguais” (Francisco José Cahali, 2007, p. 132).

[10] Nota histórica: “Antes da Lei das XII Tábuas apareceram em Roma as primeiras formas rudimentares de testamentos, que foram de duas espécies e que se realizavam perante o povo, que os aprovava ou não: a) os feitos em tempo de paz, perante as cúrias reunidas e, por isso, denominados ‘in calatis comitis’ (perante a assembleia convocada); b) os feitos em tempo de guerra,

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perante o exército prestes a ferir a batalha e, por isso, chamados ‘in procinctu’ (de pronto). A permissão para que qualquer pessoa pudesse dispor, por mortem de seus bens, sem a intervenção do povo, foi dada pela referida Lei das XII Tábuas, relegando ao desuso as primitivas formas de testamento” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 226).

[11] Francisco José Cahali (2007, p. 216) citando Zeno Veloso afirma que há ainda outra justificativa para ser a sucessão testamentária pouco utilizada no Brasil. Esse motivo seria a “excelente qualidade do nosso texto legislativo, a respeito da sucessão legítima”.

CAPACIDADE PARA TESTAR

A capacidade para testar divide-se em: ativa (‘testamenti factio activa’ – quem pode ser testador); passiva (‘testamenti factio passiva’ – quem pode receber por testamento) e capacidade para testemunhar (o art. 228, CC enumera as pessoas que não podem testemunhar c/c arts. 1.801 e 1.802, CC).

Capacidade para testar

Sobre a capacidade testamentária ativa dispõe o art. 1.860, CC, que “além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos”, mesmo sem assistência (já que ato personalíssimo).

Em fórmula sucinta, o legislador apesar de adotar a regra geral, exigindo a capacidade de fato para a realização do testamento (capacidade testamentária), abre exceção (capacidade especial) adotando regra própria afirmando poderem testar todas as pessoas maiores de dezesseis anos. Redução de idade, que nas palavras de Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 187), deve ser vista com cautela em face da evidente imaturidade das pessoas nessa faixa etária para disporem de seu patrimônio.

Portanto, só podem testar as pessoas naturais e, destas, não podem testar os menores de dezesseis anos e os que não tiverem pleno discernimento no momento da feitura do testamento, abrangendo, com isso, quem está privado (temporariamente) do discernimento, bem como, os que não possuem (causa permanente) o necessário discernimento .

Há controvérsia na doutrina se o legislador realmente tinha intenção de retirar a capacidade para testar dos relativamente incapazes, ou se o dispositivo abrange apenas os absolutamente incapazes. Afirma Maria Berenice Dias (2011, p. 334) que o legislador ao falar em ‘incapazes’, “quis referir-se apenas aos absolutamente incapazes. Apesar da falta de precisão da lei, não dispõem de capacidade testamentária somente os absolutamente incapazes (CC 3o.). Os relativamente incapazes não estão atingidos pela proibição (CC 4o.). Afinal, a lei exclui a capacidade dos absolutamente incapazes. Melhor seria que tivesse simplesmente feito remissão ao dispositivo que identifica as causas geradoras da incapacidade absoluta”. Portanto, quanto à incapacidade dos relativamente incapazes (exceto quando decorrente da idade) a doutrina se manifesta criticando a generalização feita pelo legislador de 2002. Afirmam, por exemplo, que não há motivo para excluir a capacidade do pródigo para testar. O pródigo é declarado relativamente incapaz para realizar atos, sem curador, que comprometam o seu patrimônio. No entanto, o ato de testar não pode ser incluído nesta proibição, uma vez que a declaração de vontade em testamento não acarreta prejuízos.

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Por isso, não se deve confundir a falta de pleno[1] discernimento (que se refere à higidez mental) com a total ausência de discernimento (art. 3o., II e III, CC[2]). Ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 237) que as pessoas que não tiverem pleno discernimento não são amentais, ”apenas não se encontram, no momento de testar, em seu prefeito juízo, em virtude de alguma patologia (arteriosclerose, excessiva pressão arterial, por exemplo), embriaguez, uso de entorpecente ou de substâncias alucinógenas, hipnose ou outras causas semelhantes e transitórias. Substituiu-se, com vantagem, a expressão ‘não estejam em seu perfeito juízo’, que constava do art. 1.627 do Código Civil de 1916, por ‘não tiverem pleno discernimento’”. Então, para fins de nulidade do testamento, pouco importa se houve prévia interdição[3] do testador ou não, basta que se demonstre a falta ou diminuição de discernimento no momento da feitura do testamento.

Lembre-se, ainda, que a senectude (idade avançada), a proximidade da morte, o fato de estar o testador acometido por moléstia grave ou internado em hospital, forte emoção[4], a ausência, a falência, a insolvência, entre outros, não são suficientes, por si só, para afastar a capacidade para testar. A capacidade só restará afastada se outras circunstâncias demonstrarem não estar o testador em pleno gozo do discernimento necessário ao ato. Deve-se ainda lembrar que o ordenamento brasileiro não admite os intervalos lúcidos, nem, tampouco, admite atos de confirmação posteriores.

Os menores de dezesseis anos, na lógica do legislador, não podem testar porque não têm o poder de deliberar e, portanto, não há em sua vontade “consistência necessária para produzir consequências ‘post mortem’. [...]. De fato, sendo o testamento um negócio essencialmente revogável e que só produz efeitos após a morte do testador, poderá o relativamente incapaz, que fez o seu testamento quando ainda imaturo, revogá-lo a qualquer tempo, ou modificá-lo, para ajustar a sua manifestação de última vontade às suas conveniências atuais” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 235).

Por fim, ressalte-se que a capacidade deverá ser verificada no momento em que o testador faz o testamento (art. 1.861, CC), sendo portanto aplicável a esta a lei vigente no momento da feitura do testamento e não a lei do momento da abertura da sucessão. “A eficácia do testamento é determinada pela capacidade do agente no momento de sua manifestação e não se mede pela situação existente ao tempo de abertura do testamento” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 188).

Sobre o momento da verificação da capacidade, Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 245), citando Carlos Maximiliano, resume que: “para o testamento público, em o dia do lançamento em notas; para o cerrado no da aprovação, não quando foi escrito ou assinado; para o particular, quando o escreveram e assinaram, nada importando o que se verificava na data da publicação; para os especiais, no dia das suas disposições. Em todo o tempo em que persiste a incapacidade, e só durante a mesma, o indivíduo não pode testar”.

Por isso, a impugnação da capacidade para testar só pode ser feita após a abertura da sucessão, extinguindo-se em cinco anos esse direito (prazo decadencial[5]), contado o prazo da data de seu registro em juízo (art. 1.859, CC).

Capacidade para receber em testamento

Em regra, qualquer pessoa física ou jurídica possui capacidade para receber em testamento. As exceções são expressas em lei em regras consideradas de ordem pública.

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Assim, para receber por testamento:

1- É preciso que o herdeiro instituído esteja vivo no momento da abertura da sucessão, uma vez que na sucessão testamentária não há direito de representação.

2- Todos os herdeiros legítimos que possuem legitimidade sucessória podem ser beneficiados por testamento (art. 1.798, CC).

3- Podem receber por testamento os filhos da pessoa indicada pelo testador mesmo que não concebidos quando da abertura da sucessão (trata-se, aqui, da filiação eventual[6] e não se confunde com o fideicomisso – art. 1.952, CC[7]). Destaca Maria Berenice Dias (2011, p. 337) que “é necessário que o testador indique a pessoa cujos filhos que contemplar. Neste caso, somente os filhos de ambos adquirem a condição de herdeiros. Como o testador pode escolher os herdeiro, também pode eleger qual o filho da pessoa indicada quer beneficiar”. Lembre-se, no entanto, que o filho deve ser concebido até dois anos contados da abertura da sucessão (art. 1.800, §4o., CC), esgotado o prazo e não concebido o herdeiro, a cláusula testamentária resta ineficaz e os bens transmitidos aos herdeiros legítimos.

4- O nascituro pode suceder por sucessão legítima ou testamentária (art. 1.798, CC).

5- Grande controvérsia há em torno da reprodução assistida ‘post mortem’ (situação já abordada em aulas anteriores). Maria Berenice Dias (2011, p. 340-341) sustenta ser possível a sucessão testamentária nessas hipóteses. Afirma, “havendo material genético armazenado em laboratório, pode o seu proprietário nomear seus próprios filhos como herdeiros eventuais”. Mas, como se disse, a doutrina não é unânime quanto a essa possibilidade, sendo inclusive divergente quanto a ser os embriões congelados nascituros ou prole eventual. Prevalece, no momento, no entanto, que o caso comporta ruptura do testamento quando a implantação e o nascimento ocorrem após a morte do testador.

Já Francisco José Cahali (2007, p. 290) entende não ser possível ao testador beneficiar embriões congelados ou prole eventual própria, “vez que a lei exige que a pessoa indicada pelo testamento esteja viva no momento da abertura da sucessão. E ou bem está ele morto, acarretando a abertura de sua sucessão, ou bem está vivo nesse momento, o que demonstra a impossibilidade de beneficiar sua própria prole eventual. Mas poderá fazê-lo por via reflexa. Basta que indique a doadora do óvulo, se testador, ou o doador do espermatozoide, se testadora. Em assim agindo, beneficiará não só os embriões congelados e provenientes de seu material genético como também a prole eventual do indivíduos supérstite havida com terceiro”.

Fato é que, só a análise do caso concreto poderá trazer elementos suficientes para responder adequadamente a esta hipótese.

6- Podem receber por testamento pessoas jurídicas já constituídas; e fundações cuja criação foi determinada pelo testador (art. 62, CC).

Deve-se lembrar que o art. 1.801, CC, elenca as pessoas que não tem capacidade para receber em testamento (hipóteses já estudadas em aulas anteriores), são elas:

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1- A pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;

2- As testemunhas do testamento;

3- O concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;

4- O tabelião, civil ou militar, ou o comodante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

São hipóteses de incapacidade relativa e taxativas de exclusão que visam preservar a livre manifestação de vontade do testador.

FORMAS ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO

Quanto à forma os testamentos dividem-se em ordinários e especiais, não havendo hierarquia entre elas e vedando-se sua utilização híbrida (ou combinada). Os ordinários dividem-se (art. 1.862, CC) em público, cerrado e particular (adiante estudados). Os especiais (art. 1.886, CC) são o marítimo, o aeronáutico e o militar (objeto de estudo da próxima aula) e assim são chamados porque só podem ser utilizados em situações muito específicas. A todas as formas o legislador impôs solenidades não apenas para assegurar que efetivamente representem a livre manifestação de vontade do testador, como também, para permitir que este reflita sobre o seu ato. A forma[8], portanto, é da essência do testamento (‘ad solemnitatem’) e a sua inobservância leva à nulidade absoluta do ato (art. 104, CC)[9].

O art. 1.863, CC, veda o testamento conjuntivo, mancomunado ou de mão comum, independente de ser ele simultâneo ( ou ‘uno contextu’ ocorre quando os testadores dispõem conjuntamente em benefício de terceiro), recíproco (quando os testadores se instituem um ao outro devendo ser herdeiro o que sobreviver) ou correspectivo (quando são realizadas retribuições em correspondência a outras feitas pelo outro testador). Entende o legislador que a participação conjunta na feitura do testamento interfere em características essenciais da validade do ato e na própria revogabilidade. A vedação é justificada na regra geral em que se proíbe qualquer forma de pacto sucessório (ou negócio jurídico sobre herança de pessoa viva – art. 426, CC), além de descaracterizar a hipótese a possibilidade de revogação do testamento.

Testamento Público (aberto ou autêntico)

“É o lavrado pelo tabelião ou por seu substituto legal em livro de notas, de acordo com a declaração de vontade do testador, exarada verbalmente em língua nacional[10] [por analogia ao art. 215, §3o., CC e art. 13, CF] , perante o mesmo oficial e na presença de duas testemunhas idôneas e desimpedidas, podendo o testador valer-se de uma minuta, notas ou apontamentos trazidos consigo”, podendo ‘ditá-los’ ao notário ou entregando-lhe para que os reproduza, declarando, neste último caso, que este é o seu testamento a fim de preservar a oralidade do ato (Francisco José Cahali, 2007, p. 222). É a forma mais segura e mais utilizada de testar no Brasil.

Dispõe o art. 1.864, CC: “são requisitos essenciais do testamento público. I. Ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal[11] em seu livro de notas[12], de acordo com as declarações do testador,

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podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; II. Lavrado o instrumento, ser lido em voz alta [de forma clara, inteligível e audível] pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas[13] [princípio do ‘uno contextu’[14]] [as testemunhas que excedem o mínimo legal serão denominadas extranumerárias], a um só tempo [a simultaneidade é da essência do ato]; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial [deve constar no instrumento quem procedeu a leitura]; III. Ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador[15], pelas testemunhas e pelo tabelião [trata-se da assinatura habitual, mas não serve a rubrica]”. Todos esses requisitos devem vir acompanhados daqueles previstos no art. 215, CC (que trata dos requisitos gerais da escritura pública). A ausência ou inobservância de qualquer desses requisitos, torna o testamento absolutamente nulo[16].

O rigor imposto a esta forma de testar no CC/16 não foi mantido no vigente Código Civil que buscou facilitar a sua utilização. No entanto, vale dizer, que embora público não é dado a qualquer pessoa requerer certidão do testamento elaborado enquanto vivo o testador; para fazê-lo será necessário demonstrar justo interesse (embora o Código Civil não faça essa ressalva).

Caso o testador não saiba assinar ou não possa assinar o testamento deverá ser assinado a rogo por uma das testemunhas instrumentárias (art. 1.865, CC). Lembrando que, quando se assina a rogo, assina-se o próprio nome e não o nome de quem se representa, pois, neste caso, seria evidente o crime de falsidade ideológica.

Caso o testador não possa ouvir, mas se souber ler, o surdo lerá seu próprio testamento. Caso o testador não possa ouvir e não saiba ler, deverá designar quem fará a leitura e essa pessoa será considerada testemunha suplementar (art. 1.866, CC).

Caso o testador seja cego ou não possa ler, só poderá testar por testamento público (art. 1.867, CC). Nesta hipótese, a leitura deverá ser dupla (tabelião e testemunha designada pelo cego). Sabendo assinar, aporá sua assinatura ao final. Não sabendo, a assinatura será a rogo por uma das testemunhas instrumentárias. Caso o testador seja surdo-mudo, podendo exprimir sua vontade, poderá se valer do testamento cerrado ou qualquer outra forma testamentária que dispense a oralidade.

Por fim, vale destacar que devem constar no ato local e data em que foi feito, embora não haja expressa previsão a este respeito. Após, deve o testamento ser assinado pelo testador, tabelião e testemunhas. Se antes de assinar, falecer o testador, o testamento nunca terá existido. No entanto, se o testador assinar e falecer antes das testemunhas assinarem, deverá essa circunstância ser certificada pelo tabelião, assinando as testemunhas em seguida. A morte de uma das testemunhas, após a assinatura do testador, mas antes de sua assinatura também não invalida o ato, devendo tal fato ser certificado pelo tabelião.

Aberta a sucessão, qualquer interessado encaminha ao juízo o traslado ou certidão[17] do testamento, requerendo o seu cumprimento (art. 1.128, CPC)[18]. Não havendo nenhum vício aparente, o juiz determinará o registro, o arquivamento e o cumprimento do testamento. “Após o registro, o testamenteiro nomeado deverá, depois de intimado e no prazo de cinco dias, assinar o termo de testamentaria. Na ausência de tal nomeação, ou não a aceitando o indicado, o juiz procederá à nomeação de testamenteiro dativo, observando a preferência discriminada no art. 1.984 do Código

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Civil. Em seguida, extrairá o escrivão cópia autêntica do testamento para ser juntada aos autos de inventário ou de arrecadação da herança” (Francisco José Cahali, 2007, p. 229).

Testamento Cerrado (secreto, místico ou nuncupação implícita)

“É o escrito pelo próprio testador ou por outra pessoa, a seu rogo, cujas disposições podem ser de caráter estritamente sigiloso, se assim preferir o testador, e que se completa pelo instrumento lavrado pelo oficial público, que o aprova, sempre na presença de duas testemunhas. Seu conteúdo, se esta for a escolha do seu autor, só será conhecível no momento de sua abertura e cumprimento, após o falecimento de seu testador, daí ser chamado de secreto” (Francisco José Cahali, 2007, p. 229).

Dispõe o art. 1.868, CC: “o testamento escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, será válido, se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observadas ase seguintes formalidades: I. Que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas; que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado; que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas; IV. Que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador. Parágrafo único. O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente, desde que seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as páginas”. Depois de aprovado o testamento será cerrado e cosido (art. 1.869, CC) e entregue ao testador, devendo o tabelião lançar no seu livro nota do local e data em que o testamento foi aprovado e entregue (art. 1.874, CC).

O testamento cerrado tem por principal objetivo manter em segredo a vontade do testador (e, por isso mesmo, é uma faculdade que lhe é conferida permitir que o oficial leia o seu conteúdo), aplicando-se o formalismo e a segurança do testamento público. Ensina Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 197) que “o testamento cerrado é dividido em dois momentos: 1. É feito pelo testador (ou sob sua direção [em língua portuguesa ou estrangeira – art. 1.871, CC[19]]), a cédula, ou a carta testamentária[20]; 2. O documento é apresentado [ato personalíssimo do testador] fechado a um tabelião que aprova o auto de aprovação (ou, instrumento de aprovação [ou auto de autenticação]) [este necessariamente em língua portuguesa]”. Como a lei exige que o testador saiba ler e escrever (leia-se – pelo menos assinar)[21], essa forma e testamento é vedada ao analfabeto (art. 1.872, CC) e ao cego. O surdo-mudo pode utilizar essa forma de testar, desde que o escreva todo o assine de próprio punho (art. 1.873, CC), fazendo-o perante o tabelião e duas testemunhas.

No testamento cerrado não é necessária a colocação de data e local, uma vez que seus efeitos só serão produzidos a partir do auto de aprovação (ou autenticação), esse sim, deve ser datado (art. 1.874, CC). O auto de aprovação deve ser lido pelo tabelião perante o testador e duas testemunhas[22] (que acompanharam o ato de entrega e serão devidamente qualificadas), simultaneamente. Ao término da leitura, todos (presentes desde a apresentação da cédula testamentária) devem assinar (aplicando-se, aqui, as mesmas considerações feitas ao testamento público e podendo a assinatura do testador apenas no auto ser feita a rogo). Assinado o auto de aprovação o testamento juntamente com o auto é cerrado e cosido[23] e entregue ao testador ou à pessoa por ele indicada, caso o testador não prefira deixá-lo depositado no próprio tabelionato (art. 1.874, CC). O tabelião registra em livro próprio a solenidade realizada e da qual não é extraída cópia.

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Se o auto de aprovação for considerado nulo, expressiva parte da doutrina entende que o ato deve ser aproveitado como codicilo ou testamento particular, se atendidas as formalidades destes.

O testamento cerrado só será aberto após a morte do testador e, apresentado em juízo, não havendo vício extrínseco, será registrado, arquivado e determinado o seu cumprimento (art. 1.875, CC e arts. 1.125 a 1.127, CPC). Caso seja violado pelo testador perderá sua validade (art. 1.875, CC) por revogação tácita; sendo apresentado em juízo aberto, presume-se que a violação foi realizada pelo testador até prova em contrário (art. 1.972, CC).

Testamento particular (privado, aberto, de próprio punho)

Os romanos o chamavam de hológrafo ou ológrafo ( do grego, ‘holos’ – inteiro; ‘graphein’ – escrever). “Ainda que seja a forma mais acessível e simples de testar, não é utilizada usualmente [no Brasil, mas forma comum em países como França e Itália], em face dos riscos que traz. Afinal, feito pelo testador e por ele guardado, fácil é ocorrer seu desaparecimento quando de sua morte. Deve ser: (a) escrito pelo testador, de forma manuscrita ou mediante processo mecânico; (b) lido pelo testador perante três testemunhas; e (c) assinado pelo testador e pelas testemunhas. As exigências não são muitas, mas todas essenciais, sob pena de comprometer sua validade” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 365).

Trata-se forma de testar a que se impõe excesso de solenidade para garantir a liberdade do testador e requisitos de validade e eficácia que visam evitar que a vontade do testador seja manipulada. A primeira exigência é a de que o testamento deva ser escrito de próprio punho (holografia ou autografia), não aceitando essa forma a escrita ‘a rogo’ (art. 1.876, CC); pode ser realizado também mediante utilização de processo mecânico (neste último caso não admite rasuras ou espaços em branco e necessariamente deve a cédula ser impressa[24]), podendo o documento (segundo interpretação jurisprudencial) ser digitado por terceiro, desde que ditado pelo testador na presença das três testemunhas. Por essas razões, o testador deve ser alfabetizado e deve estar em condições de ler e escrever. Caso o testamento tenha sido escrito (e/ou lido) em língua estrangeira é necessário que as testemunhas também a dominem ou a compreendam (art. 1.880, CC) e aberta a sucessão, deverá ser traduzido por tradutor juramentado.

Sobre a continuidade da feitura do testamento, afirma Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 286) que “não é necessário que o testamento particular seja redigido num só momento, ininterruptamente. O testador pode escrevê-lo aos poucos, à medida que as suas ideias vão se concatenando e a vontade se formando. Não há falar, nessa fase, em unidade de contexto”. Essa dispensa da continuidade, por óbvio, só se dirige ao testamento autográfico, não podendo ser aplicada ao redigido mecanicamente por terceiro, em virtude da necessidade das testemunhas presenciarem todo o ato.

O testamento deve ser lido e assinado pelo próprio testador e na presença conjunta de no mínimo três testemunhas, não fazendo a lei menção sobre a necessidade de estar datado (embora seja exigência dos negócios jurídicos em geral). Após a leitura todos os presentes devem assinar (independente de autenticação), rubricando-se todas as folhas.

Depois da abertura da sucessão, chamados os herdeiros legítimos, o testamento particular deve ser confirmado e publicado em juízo (art. 1.877, CC), após a ouvida das testemunhas (arts. 1.130 a 1.133, CPC), dependendo a confirmação da declaração de pelo menos uma das testemunhas afirmando

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reconhecer[25] a sua assinatura e a do testador (art. 1.878, CC) e, mesmo assim, ficando a critério de convencimento do juiz.

O art. 1.879, CC, admite uma maneira excepcional de testar que, no entanto, não é indicada dentre as demais formas de testar. Afirma o artigo que “em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz”. Portanto, é forma de testar que exige que o testador declare as circunstâncias excepcionais (estar em local ermo; em perigo iminente de vida, etc.) que justificaram a realização desse testamento, não exigindo a presença de testemunhas ou outras formalidades.

“Trata-se de uma subespécie de testamento particular, em que devem estar consignadas as razões que impediram a convocação de testemunhas” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 366). Não se confunde com o codicilo, porque este não admite justificativa, bem como, não é possível nomear herdeiro. Entende-se que essa forma de testar só teria validade se o testador morresse em virtude da situação excepcional declarada; caso a ela sobrevivesse o testamento feito caducaria, mas também não há expressa previsão legal sobre o assunto.

[1] “A expressão é de todo infeliz. Além de não ter conteúdo definido, dispõe de um viés pejorativo. Acaba atribuindo ao intérprete elevada dose de discricionariedade. Sequer guarda equivalência com as causas que geram a incapacidade absoluta (CC 3o. II e III): portadores de enfermidade ou deficiência mental sem pleno discernimento e os que, mesmo por causas transitórias, não puderem exprimir sua vontade” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 334-335).

[2] “Consideram-se portadores de enfermidade ou deficiência mental os alienados de qualquer espécie, como os perturbados mentalmente, os amentais, os mentecaptos, os furiosos, os idiotas, os imbecis, os dementes e os afetados por doenças psíquicas de intensidade capaz de privá-los do necessário discernimento para os atos da vida civil” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 237).

[3] Se houve prévia interdição a nulidade se dará de pleno direito. Se declarada após a feitura do testamento a nulidade dependerá da produção de provas (em ação autônoma), porque, neste caso, a capacidade é presumida. Havendo dúvida sobre a capacidade, deve-se aplicar o princípio ‘in dubio pro capacitate’.

[4] “O suicídio do testador, ainda que imediatamente subsequente à feitura do testamento, não induz, em si mesmo, incapacidade, malgrado possa ser ponderado como indício de desequilíbrio mental. Tal desequilíbrio terá, porém, de ser demonstrado mediante prova complementar segura e convincente”. (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 244).

[5] Trata-se de prazo especial estabelecido pelo art. 1.859, CC, que faz afastar a regra geral da imprescritibilidade dos negócios nulos fixada no art. 169, CC.

[6] Consanguínea, socioafetiva, etc.

[7] Maria Berenice Dias (2011, p. 339-340) os diferencia: “apesar da semelhança, não dá para confundir a nomeação de herdeiros sequer concebidos com o fideicomisso, apenar de em ambas as hipóteses serem beneficiados herdeiros inexistentes quando da abertura da sucessão. Na nomeação de filho eventual é instituído um único herdeiro. No fideicomisso há a nomeação de dois sucessores,

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sendo o herdeiro não concebido o segundo contemplado. Até o nascimento do herdeiro eventual (CC 1799 I), o seu quinhão fica em mãos de um curador, na qualidade de mero administrador. Quando do nascimento, o herdeiro recebe imediatamente a herança, bem como os frutos e rendimentos, com efeito retroativo à data da abertura da sucessão (CC 1800, §3o.) Já no fideicomisso, quando do nascimento do fideicomissário, o herdeiro adquire somente a nua-propriedade do seu quinhão hereditário, não a posse. Esta permanece em mãos da pessoa indicada pelo testador (fiduciário), na qualidade de usufrutuário (CC 1.952, parágrafo único). O curador é mero administrador, enquanto o fiduciário é titular da herança que recebeu, ainda que sua propriedade seja resolúvel (CC 1.953). Há mais uma diferença. Na nomeação de filho esperado, este tem que nascer até dois anos após a abertura da sucessão (CC 1.800, §4o.). No fideicomisso não há prazo para o nascimento. Quando da morte do fiduciário, a propriedade consolida-se em favor do fideicomissário. No entanto, falecido o curador do herdeiro eventual, necessária a nomeação de outro. Já a morte do fideicomissário, antes do fiduciário, torna definitiva a propriedade do fiduciário”.

[8] Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 252) que “o Código Civil de 2002 simplificou a elaboração dos testamentos, revelando uma acentuada tend6encia do legislador em facilitar a sua confecção. Assim: a) promoveu a redução do número de testemunhas exigidas nas formas ordinárias 9de cinco para apenas duas nos testamento público e cerrado, e para três no particular); b) previu a possibilidade de, em circunstâncias excepcionais, o testamento particular prescindir de testemunhas instrumentárias (art. 1.789); c) incluiu a expressa previsão do emprego de processos mecânicos como veículo da manifestação de vontade do testador (arts. 1.868 e 1.876); d) suprimiu a exigência do testador, no testamento público, ‘fazer de viva voz as suas declarações’, prevista no art. 1.635 do Código de 1916”.

[9] A lei, no entanto, ainda não prevê formas mais simples de realizar um testamento como, por exemplo, a declaração em vídeo. Nada justifica a ausência de previsão quanto a esta forma de testar que poderia, sem dúvida, garantir maior segurança à vontade do testador (desde que assegurada a sua autenticidade). As novas técnicas de comunicação devem ser colocadas a serviço da facilitação do exercício de direitos.

[10] “[...] Erros de linguagem, uso de expressões regionais ou até mesmo de palavras estrangeiras não serão motivo de prejuízo do ato, desde que tenham sido compreendidas pelas pessoas presentes e que deveriam efetivamente compreender, isto é, o tabelião e as testemunhas” e que efetivamente reproduzam a vontade do testador (Francisco José Cahali, 2007, p. 223). Por isso, aceita-se que durante as declarações o tabelião realize indagações a fim de se certificar da real intenção do declarante.

[11] “[...] Este oficial público encarregado de lavrar as notas poderá ser, segundo a lei, além da pessoa do tabelião, também a autoridade diplomática (art. 18 da LICC), o escrivão distrital e o escrivão de paz, desde que a estes tenha a lei atribuído as funções notariais específicas para lavrar testamentos públicos, bem como o oficial maior do tabelionato e o escrevente legalmente investido em tais funções tabelionais, mas desde que o titular não esteja no pleno exercício da serventia (CC, art. 1.864, I)” (Francisco José Cahali, 2007, p. 223).

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[12] “Determina a lei que o tabelião tenha um ‘livro de notas’, expressão que identificava o livro onde eram lavradas escrituras públicas de forma manuscrita. Ainda é possível, mas não mais se justifica que seja escrito à mão. Hoje em dia, nem mais livro é, em face da permissão de ser confeccionado mecanicamente (CC 1.864, parágrafo único). Mas continua a lei falando em notas. Sequer cabe ainda utilizar modelos semi-impressos. Com o advento dos recursos da informática, o computador tornou obsoleto também este meio. Digitalizado, basta ser impresso e, depois assinado, encartado na parta que faz as vezes de livro. A regulamentação dos atos notariais para a confecção do testamento compete às leis estaduais de organização judiciária” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 360).

[13] Às testemunhas aplicam-se os impedimentos do art. 1.801, CC.

[14] “[...] Breves e momentâneas interrupções podem ser suportadas, sem que tal ocorrência conduza à invalidade do ato, como, por exemplo, a falta de energia elétrica, a satisfação de necessidades fisiológicas básicas das pessoas ou o atendimento a uma emergência passageira. Muito mais importante, hoje, é a unidade de contexto do testamento do que a unidade do ato propriamente dita, daí por que esta exigência já não consta expressamente (como antes acontecia) da lei civil” (Francisco José Cahali, 2007, p. 225-226). No entanto , vale afirmar, que este posicionamento ainda não é unânime na doutrina e jurisprudência que, muitas vezes, oscila entre a validade e invalidade quando ausente, ainda que por breve momento, uma das testemunhas.

[15] “O testador aporá a sua assinatura habitual, ou seja, o seu nome escrito de maneira particular, de acordo com a forma utilizada nos diversos atos que exigem essa formalidade, não bastando simples rubrica ou carimbo. Poderá até usar pseudônimo, se o tiver e for identificado por ele, uma vez que o art. 19 do Código Civil prescreve que ‘o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome’. Nesse caso o tabelião, ao identificá-lo, deve mencionar o pseudônimo e o seu nome civil” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 265).

[16] Enganos, ressalvas e acertos podem ser realizados ao final após as assinaturas, mas após a correção devem novamente ser apostas as assinaturas. Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 259) que “se a ressalva não foi feita, cabe ao juiz, em face de cada caso concreto, deliberar livremente sobre o valor probante que se deve atribuir a determinado documento que contenha rasuras ou entrelinhas” (art. 386, CPC).

[17] Traslado é a primeira cópia do testamento entregue ao testador. As demais vias serão denominadas certidões.

[18] Caso o portador do testamento não apresente o instrumento, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, determinar sua busca e apreensão.

[19] Pode utilizar linguagem viva, morta ou artificial desde que o testador a entenda, mas deve utilizar caracteres próprios da expressão gráfica de um idioma. A tradução será feita quando de sua abertura e cumprimento.

[20] A cédula testamentária é escrita (de próprio punho, datilografada, digitada...) pelo testador ou por alguém a seu pedido (mero redator que deve ser identificado e qualificado e pode ser nomeado

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testamenteiro – art. 1.976, CC), mas só pode ser assinada de próprio punho pelo testador, não se admitindo a assinatura a rogo (art. 1.868, CC).

[21] “[...] Apenas aquele testador que pode e sabe ler, mas já não escrever em decorrência quer de uma qualquer debilidade manual, passageira ou permanente, ou mesmo pessoa que lê, mas não escreve, poderia requerer a redação da cédula testamentária a rogo, devendo, no entanto, guardar a aptidão para assinar por si” (Francisco José Cahali, 2007, p. 231).

[22] As testemunhas são instrumentárias apenas quanto à entrega da cédula e a lavratura do auto, mas não o são do testamento propriamente dito.

[23] “Assim, concluído o auto de aprovação, o oficial o dobrará, bem como dobrará a cédula testamentária – que, em regra, ninguém leu -, e os colocará, juntos, dentro de um invólucro que depois coserá, com pontos de retrós, lacrando, a seguir, os pontos da costura. Este ato de lacrar – quer dizer, colocar lacre nos furos da costura e até mesmo marcar o lacre com a aposição do sinete do oficial – não está previsto em lei como exigência, mas o costume é de assim fazer, pois a providência dificulta bastante a violação do documento ou qualquer tentativa de violação” (Francisco José Cahali, 2007, p. 233).

[24] “[...] pelo que se recomenda a utilização de um espaço não muito grande, mas razoável entre as linhas e, principalmente, entre os parágrafos, obedecendo-se a um certo rigor e a uma certa homogeneidade na apresentação estética da peça, sob pena de ser o juiz, ao depois, obrigado a nulificar o instrumento testamentário por este apresentar dúvidas quanto à possibilidade ou não de ter sido interpolado por terceiro que tenha obrado de má-fé” (Francisco José Cahali, 2007, p. 235).

[25] “Não é necessário que as testemunhas se recordem, com detalhes e minúcias, de todas as disposições. Mas as declarações devem harmonizar-se, no tocante aos pontos fundamentais, confirmando especialmente que o testamento foi de fato elaborado e que foram convocadas para testemunhá-lo. Devem, ainda, declarar, sem discrepâncias, que a leitura do instrumento foi feita perante elas e reconhecer as suas próprias assinaturas, assim como a do testador”(Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 288).

CODICILOS (testamento-anão)

“A palavra codicilo[1] decorre de ‘codex’ (pequeno rolo, ou pequeno escrito). Daí vem a ideia de que codicilo é um pequeno testamento, ou um testamento menor. Ou, como queria Bevilacqua, é um ‘memorandum’ de última vontade, escrito, datado e assinado por pessoa capaz de testar que, somente conterá disposições expressas no texto legal” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 208). É instituto pouquíssimo utilizado no Brasil, tendo sido extinto em grande parte das legislações civis.

Dispõe o art. 1.882, CC que: “toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta[2] a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de se uso pessoal”, bem como, pode o codicilo conter a nomeação ou a substituição de testamenteiros (art. 1.883, CC); reconhecimento de filho (art. 1.609, II, CC); destinação de verbas para sufrágio de sua alma (art. 1.998, CC); reabilitação do indigno (art.

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1.818, CC). Não se pode fazer por codicilo a nomeação de herdeiros e legatários. É, portanto, possível a coexistência de testamento e codicilo, uma vez que neste só serão feitas disposições que não foram feitas naquele.

Os codicilos podem ter forma de ato autônomo (codicilo ‘ab intestato’) ou de ato complementar ao testamento (art. 1.882, CC). Assim, conforme o art. 1.884, CC, “a) se o testador falece com mais de um codicilo e se não há incompatibilidade entre eles, cumprem-se todos por serem compatíveis; b) se o testamento posterior ao codicilo revogá-lo expressamente, vale o testamento em detrimento da vontade anteriormente manifestada; c) se, porém, o testamento posterior silenciar consideram-se os codicilos revogados. ‘O codicilo não revoga o testamento; porém é por ele revogado’” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 209). Na opinião deste autor, no entanto, se o testamento for declarado nulo por vício formal, as disposições de pequena monta poderão ser cumpridas como se codicilo fossem. Já Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 299) entende que a cláusula codicilar não existe no Direito brasileiro e, por isso, nulo o testamento, não poderá ele ser parcialmente aproveitado como codicilo. Parece não ser esse o posicionamento mais adequado, pois não preserva, ainda que parcialmente, as últimas vontades do ‘de cujus’.

Embora, não haja previsão expressa nesse sentido, a doutrina[3] tem admitido, também, que o juiz determine a redução proporcional das disposições do codicilo para se adequar a sua dimensão às limitações legais (por analogia aos arts. 549 e 1.967, CC), estendendo-se o ‘favor testamentis’ aos codicilos como forma de garantir, ainda que em parte, a vontade do codicilante/testador.

O codicilo tem forma holográfica ou autógrafa (não sendo vedada, todavia, a forma mecânica, por analogia ao art. 1.876, §2o., CC, desde que a produção seja operada pelo próprio codicilante). A forma, no entanto, é mais simplificada que a do testamento e com ele não se confunde. Exige que o testador seja alfabetizado e ao final date e assine o documento (elementos de validade – formalidades ‘ad solemnitatem’), não podendo a assinatura ser feita a rogo.

Aberta a sucessão, o cumprimento do codicilo seguirá (estranhamente) o rito do testamento particular; sendo o codicilo cerrado ou aberto, será necessária a sua confirmação judicial (art. 1.885, CC e art. 1.134, CPC), necessidade que acaba desestimulando o uso desse instrumento[4]. Após a ouvida do Ministério Público, o juiz mandará registrar, arquivar e cumprir o codicilo.

FORMAS ESPECIAIS DE TESTAMENTO (testamentos extraordinários, excepcionais, emergenciais ou privilegiados)

Situações excepcionais, em que não é possível acessar as formas ordinárias de testar, autorizam a utilização das formas especiais de testamento, que, por sua excepcionalidade são menos solenes, exigindo-lhes um número menor de requisitos de validade e eficácia, mas sendo-lhes plenamente aplicáveis as regras gerais da capacidade para testar.

Por isso, “são modalidades que se caracterizam pela facilidade de sua facção e pela redução das formalidades intrínsecas, justamente para atender à circunstância excepcional em que se encontra o testador, que não pode, exatamente por isso, utilizar-se das ordinárias formas testamentárias (Francisco José Cahali, 2007, p. 257).

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Testamento marítimo

“Qualquer pessoa, seja tripulante, passageiro ou o próprio comodante que se encontre em navio nacional, de guerra ou mercante, pode, em uma emergência, fazer uso do testamento marítimo” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 371). No entanto, só podem se valer dessa forma de testar desde que impossibilitados de desembarcar[5] (art. 1.892, CC).

O testamento marítimo pode ser realizado a bordo de navios de guerra ou mercantes, observadas as regras gerais de capacidade para testar. É forma de testar que pode ocorrer de duas maneiras: uma que se assemelha ao testamento público e outra que se assemelha ao testamento cerrado. Aquela exige que o comandante o elabore. Esta exige que a cédula seja entregue ao comandante na presença de duas testemunhas. Em ambos os casos o comandante[6] exercerá funções notariais, serão exigidas duas testemunhas (escolhidas preferencialmente entre os passageiros) que assinarão o instrumento juntamente com o comandante e o testador (caso seja necessário sua assinatura pode ser dada a rogo apenas se seguir a forma pública), registrando-se o testamento no diário de bordo (art. 1.888, parágrafo único, CC) e devendo o comodante entregar o documento no primeiro porto nacional em que atracar (independente se vivo ou não o testador) às autoridades administrativas[7] do porto. A esta incumbirá o dever de passar recibo do testamento no livro de bordo em que o testamento foi registrado (art. 1.890, CC) e de encaminhá-lo ao oficial do registro de notas.

O testamento marítimo em regra perde a eficácia se o testador não falecer durante a viagem ou nos noventa dias subsequentes ao desembarque (art. 1.891, CC). Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 310-311) que “o simples decurso do prazo de noventa dias não é suficiente para a perda da eficácia do testamento especial. É necessário que flua em terra, onde o testador possa fazer, na forma ordinária, outro testamento, não importando que o porto ou aeroporto não esteja localizado em território nacional. O aludido prazo começa a ser contado após o último desembarque, no fim da viagem. No último dia, o testamento perde a eficácia. O desembarque circunstancial, por pouco tempo, e posterior reembarque para prosseguimento do percurso, não dá início à contagem do prazo legal”.

No entanto, “se o testador ao desembarcar, não conseguir fazer outro testamento na forma ordinária – por exemplo, por ter se agravado seu estado de saúde – mesmo que tenha decorrido mais de 90 dias até a sua morte, o testamento se mantém hígido” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 372).

Testamento aeronáutico

Trata-se de inovação trazida pelo Código Civil em atenção ao desenvolvimento e popularização deste meio de transporte. É o testamento feito a bordo de aeronave civil ou militar com bandeira brasileira (art. 1.889, CC), podendo dele utilizar-se passageiros, tripulantes e a pessoa designada como comandante. Aplicam-se os mesmos preceitos e requisitos previstos para o testamento marítimo, inclusive quanto à caducidade.

Testamento militar

“O testamento militar é recurso utilizável não apenas pelos militares (soldados, oficiais) como, também, por todos que se acham a serviço das Forças Armadas”, incluindo-se outras polícias militares e forças auxiliares em situações de guerra de qualquer natureza (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 214).

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Destaca-se que a pessoa não precisa estar a serviço militar, basta que esteja submetida à situação bélica ou em local com comunicações interrompidas para poder fazer uso desta forma de testar.

Destaca Francisco José Cahali (2007, p. 261) que “o legislador, então, ao mencionar ‘em campanha’, quer restringir a possibilidade de utilização desse testamento somente para aquelas situações em que as Forças Armadas estejam efetivamente mobilizadas. Ou que estejam em praça sitiada, ou com as comunicações interrompidas. [...]. Não apenas estarem efetivamente mobilizadas as Forças Armadas é pressuposto autorizante da facção dessa modalidade testamentária, mas também a impossibilidade em que se encontre o testador para produzir ordinariamente o seu testamento”.

O testamento militar pode ser feito de três formas: semelhante ao testamento público em que o comandante[8] atuará como tabelião, ou o oficial de saúde ou o diretor do hospital em que estiver recolhido o testador (art. 1.893, CC); semelhante ao testamento cerrado em que o testador entrega a cédula ao auditor[9] ou oficial de patente que lhe faça as vezes nesse mister, na presença de duas testemunhas (art. 1.894, CC); e nuncupativo feito de viva voz perante duas testemunhas (art. 1.896, CC); mas nada obsta que se use a forma particular (art. 1.876, CC) e a excepcional (art. 1.879, CC). Em qualquer das formas o testamento é lavrado por autoridade militar perante duas testemunhas (se o testador puder e souber ler e assinar); ou na presença de três testemunhas (se o testador não puder ou não souber assinar, assinando uma delas a rogo).

O testamento militar em regra perde a eficácia após noventa dias (art. 1.895, CC). “O prazo de noventa dias deve ser contado ininterruptamente, ainda que o testador passe algum tempo em diversos lugares, desde que em cada um deles pudesse ter feito outro testamento, na forma ordinária” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 318).

No entanto, o testamento militar feito pela forma cerrada não caduca (art. 1.895, parágrafo único, CC), uma vez que escrito de próprio punho pelo testador e, presentes as demais solenidades, suficiente é a garantia de que a vontade nele contida é definitiva (até revogação pelo testador). Trata-se de dispositivo criticado pela doutrina, uma vez que, se forma especial que se justifica por circunstância especial, deveria caducar como qualquer das outras formas, findas as circunstâncias que lhe autorizaram o uso.

Testamento nuncupativo (‘in articulo mortis’, de viva voz)

Espécie de testamento militar, trata-se de testamento de viva voz previsto no art. 1.896, CC, exceção, portanto, à regra de que o testamento é negócio jurídico solene.

O testamento nuncupativo só é admitido nas situações que justificam o uso das formas especiais de testar em que há iminente risco de vida. Exige a presença de duas testemunhas que escutem a declaração simultaneamente. Para seu cumprimento deve-se observar as formalidades determinadas no art. 1.130 a 1.134, CPC, exigindo-se que as testemunhas compareçam em juízo para confirmar a declaração de última vontade.

O testamento nuncupativo em regra perde a eficácia após noventa dias se o testador não morrer em guerra ou convalescer do ferimento (art. 1.896, parágrafo único, CC).

INTERPRETAÇÃO DOS TESTAMENTOS

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Estudadas as regras gerais para testar e as formas de testamento existentes no ordenamento brasileiro, importante é o estudo das regras permissivas, proibitivas e interpretativas das disposições testamentárias. Dentre as regras permissivas e proibitivas, destacam-se:

1- As disposições testamentárias podem ter natureza patrimonial ou extrapatrimonial (disposição do corpo para fins altruísticos ou científicos, nomeação de tutor, reconhecimento de filho, reabilitação do indigno, entre outras).

2- O testamento destina-se a beneficiar pessoa natural ou jurídica. Não pode ser utilizado para beneficiar animais, coisas ou entidades místicas.

3- Havendo herdeiros necessários deve ser preservada a legítima (art. 1.845, CC).

4- A nomeação de herdeiro ou legatário pode ser pura e simples ou subordinada a condição (resolutiva ou suspensiva) ou encargo (art. 1.897, CC). No entanto, vale lembrar, não é possível a designação de tempo para que comece ou cesse o direito de herdeiro, exceto quando a disposição for fideicomissária (art. 1.898, CC). Situação diversa é a do legatário que pode ser nomeado a termo (art. 1.924, CC).

5- São vedados os testamentos conjuntos (art. 1.863, CC).

6- São vedadas as disposições sob condição captatória[10], ou seja, quando se nomeia alguém herdeiro sob a condição de depois ser nomeado como seu herdeiro ou que nomeie terceiro como beneficiário (art. 1.900, I, CC). Uma vez realizada esse pacto negocial, impõe-se a sua nulidade absoluta.

7- São nulas as disposições feitas a pessoas incertas (art. 1.900, II, CC) quando não for possível se averiguar sua identidade. Aceitam-se, por isso, as nomeações de pessoas determináveis (ex.: quem for o vencedor da prova, quem realizar o melhor trabalho, etc.). A pessoa não precisa ser certa no momento da feitura do testamento, mas precisa ser determinada no momento da abertura da sucessão.

8- São nulas as disposições feitas a pessoas incertas transferindo a terceiro a determinação da pessoa a ser beneficiada, ressalvadas as exceções dos arts. 1.901 e 1.902, CC (art. 1.900, III, CC). “Possível, no entanto, atribuir a outrem o encargo de eleger o herdeiro dentro de um universo determinado pelo próprio testador. Assim, vale transferir a terceiro a escolha do herdeiro, contanto que tenham sido estabelecidos parâmetros: entre duas ou mais pessoas pertencentes a uma família, um corpo coletivo ou um estabelecimento por ele designado (CC 1.900, I)” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 446).

9- São nulas as disposições que deixam ao herdeiro ou a terceiro o arbítrio de fixar o valor do legado (art. 1.900, IV, CC).

10- São nulas as disposições que favorecem as pessoas indicadas nos arts. 1.801 e 1.802, CC (art. 1.900, V, CC).

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11- São anuláveis as disposições testamentárias viciadas por erro, dolo ou coação (art. 1.909, CC). “Desse modo, se o testador, por exemplo, deseja beneficiar o legatário com o prédio A, mas por engano lhe atribui o imóvel B, ocorre erro sobre o objeto principal da declaração (CC, art. 139, II). Todavia, se o erro vem a ser meramente acidental, relativo a circunstância de somenos importância e que não acarreta efetivo prejuízo, não ocorrerá a anulação. Assim, se o testador deixa um legado ao único filho de seu irmão, mas se equivoca ao declinar o nome exato do sobrinho, ou lhe atribui a qualidade de engenheiro, quando é arquiteto, a disposição não é invalidade, porque tais enganos têm natureza secundária e não afetam a eficácia da nomeação” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 327).

12- Pode-se anular uma cláusula testamentária, sem que isso gere necessariamente a nulidade do testamento (arts. 1.903 e 1.910, CC). No entanto, haverá ineficácia ‘lato sensu’ se a disposição nula contaminar outras cláusulas.

Ao lado das normas permissivas e proibitivas, o legislador aponta um conjunto de regras interpretativas. Toda manifestação de vontade acaba exigindo, em algum momento, interpretação de seu conteúdo e não é diferente com os testamentos (negócio jurídico unilateral[11]). Interpretar é revelar o verdadeiro sentido e alcance do ato e, por isso, a interpretação das disposições testamentárias deve, antes de tudo, preservar (no que for possível) a vontade do testador. São regras interpretativas:

1- Nos testamentos deve prevalecer o fator subjetivo, com verificação do vocabulário usual do testador e o significado das palavras no ambiente em que vivia. Coloca-se ênfase na vontade expressa ou presumida do testador, visando-se entendê-la e atendê-la. É o contexto do testamento que legitimará a interpretação, prevalecendo a interpretação que mais se aproxime da vontade do testador (art. 112, CC). “Em suma: o verdadeiro querer, a real vontade que se deve perquirir e revelar, não é aquela que o intérprete conclui que ‘poderia ter sido’ desejada pelo testador, mas a vontade que ‘deve ter sido’, conforme a declaração constante do próprio instrumento” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 444). Por isso, na busca da real intenção do testador deve o juiz observar elementos extrínsecos como o ambiente familiar e social em que vivia.

2- Sendo a deixa testamentária negócio jurídico gratuito, deve-se interpretar restritivamente (art. 114, CC), então, sendo clara a manifestação do testador não se deve buscar outro sentido. Bem como, as cláusulas limitativas devem ser interpretadas restritivamente (art. 1.848, CC).

3- Eventuais prazos fixados em testamento devem ser interpretador em favor do herdeiro (art. 133, CC).

4- Aos testamentos, em regra, é aplicado o processo filológico ou gramatical, procurando-se entender o sentido literal das palavras inseridas no ambiente do testador (art. 1.899, CC). “Somente se o enunciado não é compreensível de plano, revelando ambiguidades e ensejando dúvidas, é que se perquire a real intenção do testador, mediante a utilização do método de interpretação lógica” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 323).

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5- Sendo contemplados pobres e estabelecimentos de caridade ou assistência social, sem a identificação dos beneficiários, deve-se entender como tais os necessitados ou instituições assistenciais do domicílio do testador (art. 1.902, CC).

6- Admite-se a produção de provas extrínsecas (cartas, e-mails, vídeos, etc.) ao testamento para que seja possível elucidar dúvida quanto ao herdeiro ou legatário beneficiado, ou sobre a coisa legada (art. 1.903, CC).

7- Quando nomeados vários herdeiros sem a indicação da quota de cada um, presume-se proporcionalmente dividida a deixa testamentária (art. 1.904, CC).

8- A nomeação de herdeiros individualmente importa a divisão de quotas de acordo com os indivíduos ou grupos indicados (art. 1.905, CC).

9- A não absorção de quotas dos herdeiros nomeados acarreta o retorno do remanescente à legítima (art. 1.906, CC).

10- Quando nomeados vários herdeiros, indicando-se apenas as quotas para alguns; primeiro se cumprem as cotas determinadas aos legatários e o remanescente se divide proporcionalmente entre os demais herdeiros (art. 1.907, CC).

11- Havendo bem remanescente, voltará este aos herdeiros legítimos, conforme a ordem de vocação hereditária (art. 1.908, CC).

12- São exemplos de regras fixadas pela doutrina e jurisprudência:

a. Expressões masculinas abrangem o gênero feminino, mas o inverso não se verifica.

b. A pontuação, letras maiúsculas e sintaxe auxiliam a interpretação apenas em caráter complementar.

c. Interpretam-se os testamentos em busca da vontade real do testador.

d. Se a disposição for ambígua deve-se interpretar de maneira que possa gerar efeitos, atendendo-se ao princípio do ‘favor testamenti’.

e. Quando o testador identifica o beneficiado pelo cargo ou função que exerce, deve-se entender que beneficiado é quem está no exercício deste cargo ou função no momento da abertura da sucessão.

f. O vocábulo bens deve ser analisado em sua acepção ampla (popular), englobando móveis, imóveis, semoventes, corpóreos, incorpóreos, etc.

g. Quando o testador estipula como beneficiados uma categoria de pessoas, entendem-se beneficiadas as que estavam sob suas ordens no momento da abertura da sucessão.

h. A expressão prole beneficia descendentes consanguíneos ou socioafetivos.

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[1] “A princípio nada mais eram os codicilos que declarações sem forma determinada, nas quais o testador prescrevia alguma coisa a seu herdeiro. E por isso dava-lhes a denominação de epístolas ou cartas fideicomissárias. Eram então utilíssimas, facilitavam certas disposições sem necessidade de recorrer à solenidades da feitura de um testamento, às quais só se recorreria para instituir herdeiro” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 294).

[2] “Admite a lei que sejam deixadas esmolas de pouca monta e legados de bens de pouco valor (CC 1.881). Ambas as expressões não têm conteúdo definido, cabendo ao juiz identificar o que seja ‘pouca monta’ ou ‘pouco valor’. O critério é subjetivo, devendo atentar ao patrimônio do ‘de cujus’ estabelecer uma proporção percentual” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 375).E complementa Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 297) “como a lei não estabelece um critério para aferição do pequeno valor, deve este ser considerado em relação ao montante do patrimônio deixado, segundo o prudente arbítrio do juiz. Em muitos casos tem-se admitido a liberalidade que não ultrapasse 10% do valor do acervo hereditário. Não se deve, entretanto, adotar tal critério como inflexível, sendo melhor apreciar caso por caso”.

[3] Nesse sentido: Pontes de Miranda, Zeno Veloso, Francisco José Cahali, Maria Berenice Dias, entre outros.

[4] “O certo é que a lei não pode mais se manter afastada da realidade da vida. As modernas técnicas eletrônicas e de comunicação, cada vez mais populares e portáteis, permitem gravar e filmar qualquer coisa com enorme margem de segurança. Assim, não há como deixar de admitir manifestação de vontade gravada ou filmada pelo ‘de cujus’, momentos antes de sua morte, e encontrada, por exemplo, em seu telefone celular. Não há codicilo mais seguro. E, é de se dar cumprimento ao último desejo manifestado” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 377).

[5] “Autores nacionais, nos mesmos moldes de interpretação legal ocorrida na doutrina alienígena, tendem a entender que o testamento marítimo poderia ser produzido quando a navegação estivesse ocorrendo em águas fluviais ou lacustres – e não só em mares ou oceanos – se, sob tais condições de navegabilidade, se tornasse igualmente impossível testar pelas vias ordinárias” (Francisco José Cahali, 2007, p. 259).

[6] Caso seja o próprio comodante quem pretende testar as funções notariais devem ser transmitidas ao seu substituto no comando, embora a lei não contenha expressamente essa solução.

[7] “Autoridade administrativa, aí, parece ser aquele órgão da administração pública responsável pela gestão do porto ou do aeroporto nacional em causa, não sendo necessário que o comandante proceda à entrega do instrumento diretamente ao oficial do registro de notas” (Francisco José Cahali, 2011, p. 260).

[8] Se o testador for oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele que o substituir.

[9] “O auditor é o militar encarregado da Justiça no acampamento, ou juiz militar que julga os soldados” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 316).

[10] Ressalta Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 331-332) que “só se considera, porém captatória a disposição quando o testador menciona da causa da mesma, de modo que fique claro que ele não

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teria instituído o beneficiado se este mantivesse propósito de o não contemplar em ato ‘causa mortis’.[...]. Quando apenas se nota a coincidência das recíprocas liberalidades, ou seja, quando uma pessoa contempla outra em testamento sem tornar o seu ato dependente de igual gesto do nomeado, e, por sua vez, este torna aquele seu herdeiro ou legatário, um e outro favor prevalecem”.

[11] Por isso, “é mínima a diferença entre a interpretação dos contratos e a dos testamentos. Por isso, pode-se afirmar que as regras de interpretação dos primeiros aplicam-se também aos segundos, observadas algumas peculiaridades decorrentes do fato de os contratos serem negócios jurídicos bilaterais e os testamentos, unilaterais. Assim, aqueles decorrem de mútuo consentimento, enquanto nestes a vontade é unilateralmente manifestada, sendo personalíssima, não receptícia. Não há ‘conflito de interesses’, nem ‘partes’, só produzindo efeitos a declaração após a morte do testador” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 322).

LEGADOS

Peculiar à sucessão testamentária, o “legado[1] é coisa certa e determinada deixada a alguém, denominado legatário, em testamento ou codicilo. Difere da herança, que é a totalidade ou parte ideal do patrimônio do ‘de cujus’. Herdeiro nomeado não se confunde com legatário. [...]. No direito pátrio todo legado constitui liberalidade ‘mortis causa’ título singular” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 359). Portanto, legatário não é herdeiro, mas sim, sucessor instituído em testamento para receber certo bem e, por isso, terá preferência ante aos demais herdeiros testamentários (primeiro cumpre-se o legado e, sobrando acervo sucessório, se divide o restante entre os demais herdeiros testamentários – se houver – ou legítimos).

Entende Carlo Roberto Gonçalves (2011, p.360) que “o legado é meio de que se vale o testador para cumprir deveres sociais: premiando o afeto e a dedicação de amigos e parentes, recompensando serviços, distribuindo esmolas, propiciando recursos a estabelecimentos de beneficência, contribuindo para a educação do povo, saneando localidades, amparando viúvas e órfãos, impedindo que jovens dignos de sua estima tomem na vida caminho errado, e auxiliando outros a realizar um ideal de cultura do bem-estar”.

Trata-se, o legado, de negócio jurídico realizado por meio de disposição testamentária em que há, pelo menos, três partes envolvidas: testador = legante; legatário[2] ou honrado = beneficiado (pessoa natural ou jurídica); herdeiro = onerado (quem deve cumprir o legado). O objeto dos legados é amplo, podendo abranger bens móveis e imóveis; corpóreos e incorpóreos; alimentos; direitos reais como o usufruto; ente outros[3].

Quando o legado é designado a herdeiro legítimo, denomina-se prelegado (‘praelegatum’) ou legado precípuo (‘praecipumm’), sendo aquele chamado de prelegatário ou legatário precípuo. Quando são contemplados herdeiros necessários deve o testador expressamente afirmar que o está beneficiando com sua parte disponível, pois, se não o fizer, entende-se que apenas está identificando o bem do herdeiro (art. 2.014, CC) e, então, o bem sairá da sua legítima. Sendo contemplado com bem da parte disponível, estará dispensado de colacioná-lo (art. 2.018, CC).

Em regra, “a eleição do legatário é personalíssima. Cabe ao testador identificar o legatário e indicar o bem que lhe quer deixar. Não pode ser atribuído a terceiro o encargo de escolher o beneficiário ou

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fixar o valor do quinhão (CC 1.900 III e IV). Mas há exceções. Apontado como legatário uma ou mais pessoas, um dos membros de uma família ou de uma comunidade, a escolha pode ser delegada a outrem (CC 1.901 III). Também pode ser terceirizado o ônus atribuir valor ao legado deixado em remuneração a serviços prestados ao testador por ocasião de sua morte (CC 1.901 II). Já no legado de bem fungível, determinado pelo gênero, a escolha cabe ao herdeiro (CC 1.929)” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 398).

A premissa básica dos legados vem fixada no art. 1.912, CC, que afirma que só se pode legar o que é seu. Caso haja legado sobre coisa alheia[4] (coisa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão, sendo irrelevante se pertencia ou não ele no momento da feitura do testamento) será este ineficaz. São exceções a esta regra:

1. Art. 1.913, CC – quando o testador ordena ao herdeiro entregar ao legatário coisa de sua propriedade. “A hipótese do artigo coloca o herdeiro (ou legatário), em um dilema: ou aceita a herança, ou legado, entregando a coisa, nos termos ordenados pelo testador, ou conserva a coisa em sua propriedade e, neste caso, implicitamente, renuncia a herança ou legado [a presunção de renúncia é ‘juris et de jure’]. É uma opção que se abre ao herdeiro, ou legatário na qual a possibilidade de ficar com ambas as vantagens é, logo vedada pelo testador” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 229).

a. Trata-se de disposição condicional, ou seja, o beneficiário só recebe a herança ou legado se entregar a coisa de sua propriedade.

b. Frise-se, no entanto, que essa obrigação ou encargo não pode ser imposta ao herdeiro necessário quanto a bem referente à legítima.

2. Art. 1.914, CC – legado de coisa comum – ocorre quando só parte da coisa pertence ao testador ou ao herdeiro ou legatário, então, só quanto a esta parte valerá o legado. No entanto, entende Carlos Roberto Gonçalves que (2011, p. 366) que “se o testador mostra saber que a coisa legada lhe pertence apenas em parte, e não obstante a lega por inteiro, o legado vale para o todo, ficando, por isso mesmo, o onerado obrigado a adquirir a parte pertencente a outrem, para entregá-lo ao legatário, ou a entregar-lhe o justo preço. De mesmo modo válido por inteiro será o legado se a parte que não lhe pertencia, por ocasião da feitura do testamento, foi pelo testador adquirida posteriormente, fazendo parte do seu patrimônio por ocasião do seu falecimento”.

3. Art. 1.915, CC – legado de coisa genérica (determinada por gênero ou espécie). Ocorre quando o legado se determina pelo gênero, mesmo que este bem não se encontre entre os bens deixados pelo testador. A escolha, então, caberá ao devedor (herdeiro ou onerado), se outra previsão não houver no testamento (nesse caso, o legado se chamará ‘electionis’).

a. Aplica-se à escolha o princípio do meio-termo ou da qualidade intermediária, ou seja, não é o devedor obrigado a entregar a melhor coisa, mas não pode entregar a pior (arts. 244 e 1.929, CC).

b. Se o terceiro designado para fazer a escolha não quiser ou não puder fazê-la, fá-lo-á o juiz (art. 1.930, CC).

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c. Se a escolha for designada ao próprio legatário (será denominado ‘optionis’), este poderá optar pela melhor coisa que houver na herança (art. 1.930, CC).

Espécies de legado

a) Legado de coisa genérica ou de bens fungíveis: anteriormente tratado.

b) Legado de coisa ou quantidade individualizada ou localizada (art. 1.916, CC): ocorre quando o testador descreve a coisa, individualizando-a. Então, o legado só terá eficácia se no momento da abertura da sucessão a coisa (ou parte dela) puder ser encontrada e ainda pertencer ao ‘de cujus’. Entrega-se ao legatário o que existir no momento da abertura da sucessão, bem como, só tem eficácia o legado de coisa que deve encontrar-se (habitual e permanentemente) em certo lugar se nele ela for achada, salvo se removida temporariamente ou dolosamente por outrem.

c) Legado de crédito (‘legatum nominis’) ou de quitação de dívida (‘legatum liberationis’):

I. “O herdeiro desobriga-se com a entrega dos títulos que se acham no espólio. Subsiste a liberalidade se, ao tempo da morte do testador o crédito não estava extinto e subsiste somente na parte não extinta. Art. 1.918”. (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 231). No legado de crédito o devedor é terceiro e o legado, então, se aproxima a uma cessão em que o legatário substitui o testador credor.

II. Trata-se de remissão da dívida (apenas daquelas já existentes no momento da feitura da testamento) do legatário feita em testamento quando o devedor da dívida for o próprio legatário. Pode-se designar que outro herdeiro ou legatário realize a remissão (art. 1.919, CC).

III. Caso o testador seja o devedor o legado não importará compensação de dívida, salvo expressa previsão do testador (art. 1.919, CC). Havendo expressa previsão de compensação, esta só poderá ser realizada se o legatário aceitar a proposta.

IV. O legado não fica prejudicado se após a feitura do testamento o testador pagou a dívida que tinha com o legatário antes de sua morte.

d) Legado de alimentos (art. 1.920, CC): alimentos devem ser aqui compreendidos na sua acepção ampla: alimentos ‘in natura’, vestuário, saúde, educação, lazer, etc., ou seja, toda prestação que vise satisfazer necessidades vitais daquele que não as pode prover por si mesmo.

I. O valor do legado de alimentos deve ser limitado pelo testador e será limitado pela vida do legatário, quando outro prazo não for expresso pelo testador.

II. Só pode ser beneficiado por esse tipo de legado quem tem legitimidade para ser herdeiro testamentário (arts. 1.799, I; 1.800 e 1.801, CC).

III. O legado de alimentos pode ser pago em dinheiro ou ‘in natura’. Caso o testador não estipule o valor dos alimentos legados, não havendo consenso entre onerado e legatário, deverá o juiz fazê-lo.

IV. O pagamento do legado de alimentos pode ser feito por meio da constituição de capital.

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V. O testador pode, por exemplo, determinar que um herdeiro dê hospedagem ou sustento ao legatário forma que deve ser evitada pelos evidentes inconvenientes que pode trazer (art. 1.701, CC).

VI. O legado de alimentos é irrenunciável, impenhorável e intransmissível.

VII. Parte da doutrina afirma que quando o legatário tem condições próprias de subsistência o legado na verdade não é de alimentos, mas sim, de concessão de renda.

e) Legado de usufruto (art. 1.921, CC): o legado pode se referir a outros direitos reais como o de habitação, o uso, a posse, etc. “O legislador somente se referiu ao legado de usufruto para fixar o tempo de sua duração quando o testador não o houver feito. [...]. Se, no entanto, o legado de usufruto tem como beneficiária pessoa jurídica, e o testador não determinou o tempo de duração da benesse, esta perdurará por trinta anos, a não ser que, antes, ocorra a extinção da pessoa jurídica em favor de quem o usufruto foi constituído (CC, art. 1.410, III)” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 370).

I. O domínio do legatário como nu-proprietário se consolidará com a abertura da sucessão. No entanto, se o legado for somente de usufruto e não se contemplou ninguém com a nua-propriedade, esta se firmará em favor dos herdeiros legítimos.

f) Legado de bem imóvel (art. 1.922, CC): o legado abrange os acessórios do bem (inclusive suas benfeitorias, acessões e construções). Entende-se que não são abrangidas as ‘novas aquisições’, ou seja, ampliações ou acréscimos externos ao imóvel.

I. “Em se tratando de bem imóvel a aquisição não depende de registro imobiliário, ao contrário do que ocorre na transmissão ‘inter vivos’. A morte e o testamento juridicamente existente e válido constituem título translativo. Ainda assim deve o herdeiro levar o formal de partilha a registro. Quando o legado for de bem móvel é desnecessária a tradição para perfectibilizar-se a aquisição” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 399).

g) Legado de material genético: há controvérsia doutrinária sobre a possibilidade de material biológico ser objeto de legado ou não. A tendência, no entanto, é reconhecer-se que há direito de propriedade sobre o material genético e embriões congelados e que, portanto, poderiam ser objeto de legado.

h) Legado de dinheiro: é exigível desde a abertura da sucessão. Discute-se se o legado de dinheiro tem natureza fungível ou infungível quando há nomeação conjunta. “Deixada certa importância em dinheiro a mais de uma pessoa em conjunto, se um dos beneficiados renunciar, for deserdado ou declarado indigno, sua fração do numerário retorna ao acervo sucessório para ser distribuído entre os herdeiros legítimos. Não dá para invocar a regra legal que admite o direito de acrescer do legado de coisa certa e determinada (CC 1.942)” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 408), uma vez que dinheiro é bem fungível por natureza.

i) ‘Sub causa’ ou por certa causa: é o legado em que o testador declara expressamente os motivos passados que justificaram a sua liberalidade.

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Efeitos e pagamento do legado

O legado não exige aceitação expressa uma vez que o requerimento de cumprimento ao onerado já vale como manifestação positiva do legatário. Pode o legatário, no entanto, renunciar ao legado. A renúncia do legado é sempre total e irretratável, não sendo aceita quando feita parcialmente.

Sobre a aquisição do legado ensina Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 373) que: “a) quanto ao domínio, ele [o legatário] o adquire com a abertura da sucessão, se se trata de coisa infungível; b) a aquisição só se opera com a partilha, se fungível a coisa legada. Quanto à posse, apenas com a partilha nela se investe o legatário, exceto se anteriormente obteve a entrega dos bens legados. O herdeiro não é obrigado a cumprir desde logo o legado, devendo antes verificar se o espólio é solvente”.

Então, a abertura da sucessão confere ao legatário apenas o domínio e o direito de requerer[5] a posse aos herdeiros em procedimento de inventário[6]. Por isso, o legado quanto à posse do bem legado pode ser (art. 1.923, CC):

a) Puro e simples: confere ao legatário a propriedade da coisa legada desde a abertura da sucessão, mas não lhe confere de pronto a posse, dependendo esta de requerimento do testador.

b) Condicional (art. 1.924, CC): a aquisição da propriedade e posse do legado fica subordinada ao implemento da condição. Frustrada a condição a propriedade do bem será transferida ao substituto testamentário (art. 1.947, CC), ou ao fideicomissário (art. 1.951, CC) ou aos herdeiros legítimos (art. 1.788, CC).

c) A termo (art. 1.924, CC): a aquisição da propriedade do legado fica subordinada ao implemento do termo.

d) Modal ou com encargo (art. 1.938, CC): a esta espécie se aplicam as mesmas regras do puro e simples, no entanto, o legatário estará sujeito ao cumprimento do encargo. O legatário que recebe o bem com encargo deverá cumpri-lo (arts. 553, 562 e 1.938, CC).

Assim se resumem as normas dos arts. 1.923 e 1.924, CC: “1. O legatário adquire o domínio da coisa certa, no momento da morte do testador. Também adquire a posse indireta (art. 1.923, CC), mas só adquire a posse direta, no momento em que o herdeiro lhe entregar o legado (art. 1.923, §1º., CC). 2. No caso de legado condicional, até o advento da condição, o legatário tem apenas uma expectativa de direito (art. 1.924, CC). 3. No caso de legado a termo, a pretensão do legatário é apenas um direito deferido (art. 1.924, CC)” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 239).

e) Legado em prestações periódicas (arts. 1.926 a 1.928, CC) ou renda vitalícia: correm a partir da morte do testador, desde que o legatário não tenha deixado prescrever seu direito.

I. Renda vitalícia é aquela fixada em benefício do legatário enquanto este vivo for. Sua natureza é assistencial.

II. O direito de exigir a renda ou pensão prescreve em três anos contados da abertura da sucessão (art. 206, §3º., II, CC).

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III. Tratando-se de quantidade certa em prestações periódicas, a prestação é devida por inteiro desde o primeiro dia de cada período.

IV. Se forem prestações periódicas, só no termo de cada período se poderão exigir. No entanto, se deixadas a título de alimentos, pagar-se-ão antecipadamente.

f) Legado alternativo (obrigação disjuntiva, art. 1.932, CC). “Legado alternativo é aquele que tem por objeto uma coisa ou outra, dentre as quais só uma deverá ser entregue ao legatário” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 378). Presume-se que a escolha será realizada pelo herdeiro, salvo estipulação em contrário pelo testador (art. 252, CC).

I. Falecendo o herdeiro a quem cabia a escolha antes de fazê-la, o direito de escolher se transmitirá aos seus herdeiros (art. 1.933, C).

II. Havendo concentração da deixa, a escolha se torna irrevogável. Assim, perecendo uma ou algumas das coisas pertencentes ao legado, este subsistirá quanto às outras (art. 1.940, CC).

g) Frutos da coisa legada (art. 1.923, CC). Os frutos de coisa certa pertencem ao legatário a partir do momento da abertura da sucessão (salvo condição suspensiva), pois, embora tenha que requerer a posse direta, o domínio lhe é transferido desde aquele momento. Mas há regras especiais:

I. Tratando-se de legado em dinheiro os juros só vencem a partir do dia em que é constituída em mora a pessoa obrigada a entregar o legado (art. 1.925, CC).

II. Nos legados condicionais ou a termo os frutos são devidos apenas a partir do momento do implemento da condição ou advento do termo.

III. Tratando-se de coisa incerta ou não encontrada excluem-se o direito aos frutos.

O encargo de pagar o legado é do herdeiro ou da pessoa designada pelo testador para fazê-lo. Não havendo herdeiro cabe aos legatários onerados, na proporção do que herdam (art. 1.934, CC). Caso a pessoa indicada para cumprir o encargo não o faça, entende-se que renunciou à herança ou legado.

As despesas (inclusive quanto ao ITCMD) e os riscos da entrega do legado correm por conta do legatário, salvo disposição expressa em contrário pelo testador (art. 1.936, CC).

O legatário só responde pelas dívidas quando o acervo sucessório é insolvente ou toda a herança distribuída entre legados válidos, ou quando o pagamento de dívidas lhe é determinado pelo testador.

A coisa legada será entregue com seus acessórios no lugar e no estado em que se encontrava no momento do falecimento (art. 1.937, CC).

Caducidade dos Legados

Os legados podem perder a eficácia em virtude da nulidade do testamento, da sua revogação (ou adenção – ‘ademptio’) ou da caducidade[7]. “Caducar é perder a eficácia, decair, ficar sem efeito,

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inutilizar-se. Caducidade o legado é, pois, a inutilização do mesmo por motivo superveniente que lhe tire o efeito” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 249).

Os casos de caducidade são divididos em duas grandes categoriais: as que decorrem de causas objetivas e as que decorrem de causas subjetivas (causas imputáveis ao beneficiário), estando todas elencadas no art. 1.939, CC: modificação[8] substancial da coisa legada pelo próprio testador; alienação (gratuita ou onerosa)[9] da coisa legada pelo testador; sendo o legado de cosia certa o perecimento total[10] (o legado perde o objeto se não houve culpa ou mora do herdeiro ou legatário incumbido de dar cumprimento ao legado) ou evicção total[11] (caduca por que a coisa pertence a outrem) da coisa legada; indignidade do legatário se a causa da indignidade ocorreu após a feitura do testamento (art. 1.815, CC); pré-morte do legatário (deixa de existir por falta de sujeito e porque não há direito de representação quanto aos legados) ou morte antes do implemento da condição suspensiva. A estas causas somam-se a incapacidade ou falta de legitimação do legatário (arts. 1.801 e 1.802, CC) ou a renúncia do legatário (art. 1.943, CC).

[1] Nota histórica: “O direito romano conheceu o ‘legatum’ apenas por meio das suas quatro grandes espécies – o legado ‘per vindicationem’, o legado ‘per praeceptionem’, o legado ‘per damnationem’ e o legado ‘sinendi modo’ -, cujas fórmulas induziram às circunstâncias de se utilizar o instituto sob diversas óticas, considerando-se os efeitos decorrentes das eventuais obrigações a cargo dos herdeiros e em benefício do legatário ou, em outras circunstâncias, do surgimento, desde logo, de um direito real sobre a coisa legada. Tais espécies, seguindo a tendência unificadora do direito romano, efetivamente se fundiram, à época de Justiniano, fazendo emergir uma noção unitária da legado” (Francisco José Cahali, 2007, p. 321).

[2] “Se a um legatário é imposta a entrega de outro legado, de sua propriedade, a este se denomina sublegado, e sublegatário, à pessoa a que o bem se destina” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 361).

[3] Com base nessas indicações, segundo Maria Berenice Dias (2011, p. 398) é possível explicar a frase: “o legante, por meio de codicilo, contemplou o honrado com uma deixa a ser entregue pelo onerado!”.

[4] O legado sobre coisa alheia ocorre quando o testador determina ao herdeiro (por conta do espólio) adquirir a coisa para depois dar cumprimento ao legado.

[5] O direito de requerer o legado não pode ser exercido enquanto se discutir a validade do testamento (art. 1.924, CC). O princípio da ‘saisine’, portanto, restringe-se ao domínio, não se aplicando à posse direta.

[6] Se a coisa legada estiver em posse de terceiro, em face deste poderá o legatário propor ação reivindicatória.

[7] “Ainda assim não se pode confundir a caducidade do testamento e caducidade de algumas de suas cláusulas. Ambas atingem o plano de eficácia. Mas, enquanto a caducidade do testamento contamina

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todo o seu conteúdo, a caducidade de uma ou mais cláusulas testamentárias não afeta o que mais foi deliberado” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 411).

[8] A modificação da coisa legada pode ocorrer em virtude de mistura, especificação, confusão, comistão ou adjunção, bem como, por desaparecimento total ou parcial. “Especificação: a alteração da matéria prima de forma que não se possa restituir à forma anterior. Ex. ouro em barra em anéis; Confusão: reunião de coisas líquidas. Ex.: vinho e água. Comistão: reunião de coisas sólidas. Ex.: sal e açúcar; Adjunção: acréscimo de uma coisa a outra para formar um todo. Ex.: a tinta aplicada sobre uma tela” (Eduardo de Oliveira Leite, 2011, p. 249).

[9] Quanto feita ao próprio legatário a título gratuito o legado é antecipado, aplicando-se as regras da doação. Quanto feita ao próprio legatário a título oneroso entende parte da doutrina que o legatário teria direito a título de legado de exigir o preço que pagou; outra parte da doutrina entende que essa questão deve ser resolvida aplicando-se o art. 1.912, CC que declara ineficaz o legado de coisa certa que não pertence ao testador no momento da abertura da sucessão. A promessa irretratável de venda também faz caducar o legado.

[10] Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 385-386) que “todavia, se o perecimento ocorrer por culpa de terceiro, antes da morte do testador, somente este ou seus herdeiros podem pleitear o ressarcimento, jamais o legatário. O beneficiário só tem direito ao ressarcimento, se a coisa legada se perde por culpa do herdeiro ou do legatário que deveriam dar cumprimento ao legado. No entanto, se a coisa pereceu depois da morte do testador, pereceu quando o legatário já era dono. Assim, se houve culpa de herdeiro ou de terceiro, pode o legatário, como proprietário, ingressar com ação de perdas e danos”.

[11] Havendo perecimento ou evicção parcial o legado prevalecerá quanto ao remanescente.

DIREITO DE ACRESCER DOS HERDEIROS E LEGATÁRIOS

“O direito de acrescer [‘jus accrescendi’] é, pois, uma forma de vocação sucessória indireta; uma espécie de chamamento à herança de alguém que, inicialmente não era chamado a essa cota da herança e que passa a sê-lo em virtude de alguma vicissitude ocorrida no momento posterior à abertura da sucessão” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 256). Embora a expressão não represente o real significado, o direito de acrescer nada mais é do que um forma de instituição de solidariedade entre coerdeiros.

Na sucessão testamentária não havendo herdeiros da mesma classe, e não havendo direito de representação, haverá o direito de acrescer. O mesmo ocorrerá com os legados quando instituídos vários herdeiros sem determinação de suas quotas ou forem instituídos vários legatários sobre um mesmo bem.

Então, o direito de acrescer ocorrerá quando coerdeiros ou colegatários partilham entre si o quinhão de outro coerdeiro que não pode ou não quis receber a sua quota da herança. Decorre, dessa forma, de vontade presumida[1] do testador.

Para que haja direito de acrescer entre os herdeiros[2] testamentários é necessário (art. 1.941, CC) que:

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1- Haja instituição conjunta[3] (real ou mista) sobre o mesmo bem ou fração da herança, sem determinação das cotas e na mesma disposição testamentária.

a. Não havendo instituição conjunta a exclusão de um coerdeiro não beneficiará os demais, mas sim, os herdeiros legítimos (art. 1.944, CC).

2- Ausência de indicação de um substituto daqueles conjuntamente instituídos herdeiros.

a. Havendo substituto indicado a cota do impedido ou renunciante não haverá direito de acrescer e o bem não retorna à legítima, mas sim, é a esta pessoa designado.

3- Impedimento de receber do coerdeiro. Esse impedimento pode decorrer de premoriência; renúncia; exclusão da herança por indignidade; falta de legitimação; frustração da condição (art. 1.943, CC).

a. Se um dos coerdeiros for incapaz de receber por testamento (art. 1.801, CC), o direito de acrescer dos capazes não será prejudicado.

4- Assim, havendo vários coerdeiros ou colegatários com direito de acrescer a parte acrescida será dividida proporcionalmente aos quinhões hereditários de cada um.

5- Os coerdeiros beneficiados pelo acréscimo recebem a quota com as obrigações e encargos que a oneravam (art. 1.943, parágrafo único, CC) (aplicação do princípio ‘portio portioni adcrescit, non personae’). Por isso, o acréscimo é considerado forçado.

a. Apenas pode haver renúncia do acréscimo se este contiver encargo especial (personalíssimo) e, nesse caso, a parte repudiada deverá ser revertida em benefício da pessoa (ou pessoas) em favor de quem o encargo foi constituído. Exemplifica-se: “(A) deixa em testamento uma fazenda para (B), (C) e (D), impondo a (B) o encargo de construir uma casa para (E). Na hipótese de (B) renunciar, o legado se transfere aos coerdeiros (C e D), por direito de acrescer. Caso nenhum deles aceite o acréscimo, ou seja, a parte de (B), em face do encargo excessivo, a recusa não implica em renúncia. Continua, (C e D) titulares do legado: (2/3 da fazenda). Mas cabe entregar a (E) o quinhão de (B), ou seja, a terça parte” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 234-235).

6- Não pode ser realizada renúncia somente do acréscimo (art. 1.945, CC). Ou se aceita o acréscimo juntamente com a herança ou legado, ou se renuncia a tudo.

Para que haja direito de acrescer entre os legatários é necessário (art. 1.942, CC) que:

1- Os legatários tenham sido nomeados conjuntamente.

2- O legado tenha sido constituído sobre bem indivisível (pressupõe, portanto, identidade da coisa legada) ou bem cuja divisão importe desvalorização.

a. Por isso, não há direito de acrescer no legado de dinheiro.

3- Impedimento de receber do legatário. Esse impedimento pode decorrer de premoriência; renúncia; exclusão da herança por indignidade; falta de legitimação; frustração da condição.

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4- Ausência de indicação de um substituto daqueles conjuntamente instituídos legatários.

a. Não se verificando o direito de acrescer entre os legatários a cota do impedido deverá reverter em favor dos herdeiros necessários.

5- No legado de usufruto conjunto transmite-se o direito de usar e gozar a coisa entre os colegatários (art. 1.946, CC).

a. Não havendo usufruto conjunto ou só lhe sendo atribuída parte certa do usufruto as cotas do legatário impedido se consolidarão nas mãos do nu-proprietário do bem (art. 1.946, parágrafo único, CC).

b. Explica Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 398) que “se um legatário ficou com o usufruto de metade ideal de um imóvel e nele residir, deverá pagar metade do aluguel ao nu-proprietário, uma vez que só usufrui da metade ideal e este último é titular pleno da outra metade”.

SUBSTITUIÇÕES

O instituto da substituição testamentária é meio conferido ao testador de dar continuidade à cadeia sucessória (apenas na sucessão testamentária e legatária), indicando o substituto (que ainda não é herdeiro) a herdeiro ou legatário que falta, que não possa ou não queira receber a herança (art. 1.947, CC). Cuida-se, dessa forma, de negócio jurídico unilateral, condicional e subsidiário em que o substituto só substitui o substituído com o implemento do evento futuro e incerto indicado pelo testador.

“Trata-se, realmente, de instituição subsidiária, no sentido de que a instituição principal é a do substituído; de instituição condicional, porque só atua se o substituído não quiser ou não puder recolher a sucessão (substituição vulgar); ou se o fideicomissário sobreviver ao fiduciário (substituição fideicomissária). Justifica-se a parte final da definição porque o substituto só é chamado a suceder caso o substituído não recolha a herança; ou então após resolver-se o direito deste, que a recolheu” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 400). Portanto, o substituto assume exatamente os mesmos direitos e obrigações que cabiam ao substituído[4], exceto ressalva feita expressamente pelo testador ou se os encargos forem personalíssimos.

São características da substituição: exige capacidade para suceder do substituído; ao substituto não incide nenhum impedimento para suceder (art. 1.801, e 1.802, CC); podem ser instituídos vários substitutos a um só herdeiro ou legatário e vice-versa; pode ser feita na mesma cédula testamentária em que está previsto o substituído ou em testamento posterior; o substituto se sujeita aos mesmos encargos e condições impostas ao substituído, salvo se dispôs expressamente em contrário o testador; pode o testador nomear quantos substitutos quiser (pode ser sucessiva ‘ad infinitum’).

Caduca a substituição quando o herdeiro aceita a herança ou legado; quando o substituto falece antes do substituído ou do testador; quando o substituto não tem capacidade para suceder por testamento; quando o substituto renuncia à herança; quando frustrada a condição imposta à substituição.

A substituição pode ser:

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1. Vulgar, simples, ordinária ou direta (art. 1.947, CC): ocorre “quando o substituído é chamado para assumir a posição do nomeado anterior. Ou seja, constitui-se numa simples troca de titulares, condicionada ao primeiro herdeiro instituído ou legatário não assumir sua condição na herança” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 268). Estabelece, por isso, vocação direta, uma vez que o substituto receberá diretamente do ‘de cujus’ e não do substituído. A substituição vulgar pode ser:

a. Simples ou singular: quando há apenas um substituto.

b. Plural ou coletiva (art. 1.948, CC): se vários forem os substitutos simultâneos (art. 1.959, CC).

c. Não se pode nomear substituto para herdeiro necessário (quanto à sua parte na legítima); isso só pode acontecer quando este herdeiro é beneficiado como herdeiro testamentário.

d. A substituição vulgar irá acontecer mesmo que o testador só tenha se referido, por exemplo, a sua aplicação à causa de renúncia. Se o substituído por outro motivo não puder receber, entende-se que também será substituído pela pessoa indicada pelo testador.

2. Recíproca: ocorre quando o testador expressamente estabelece a reciprocidade entre os herdeiros instituídos (art. 1.948, CC); ocorre quando são nomeados dois ou mais beneficiários que reciprocamente irão se substituir. “No caso de haver substituição recíproca, e os herdeiro terem sido contemplados com partes iguais, os substitutos recolherão em igualdade a cota do que vier a faltar. No entanto, se forem desiguais os quinhões, os substitutos exercerão seus direitos na mesma proporção estabelecida na nomeação daqueles. A proporção entre as quotas fixadas na primeira instituição se presume também repetida na substituição. Se, todavia, for incluído mais alguém como substituto, além dos que já haviam sido primitivamente instituídos, não haverá mais a possibilidade de manter a proporção fixada na primeira disposição. A solução encontrada pelo legislador, no art. 1.950, segunda parte, foi dividir o quinhão vago em partes iguais” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 402-403).

a. A substituição recíproca pode ser (art. 1.950, CC):

i. Geral: “havendo um mesmo número de herdeiros e de substitutos, com distribuição desigual de quinhões, instituída a substituição recíproca, é obedecida a proporção estabelecida” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 425).

ii. Particular ou especial: “ocorre quando o testador confere quotas desiguais entre os herdeiros e, além de impor reciprocidade entre eles, nomeia mais um substituto. Como o estranho não tem quota, que possa servir de base, a solução é dividir o quinhão vago em partes iguais” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 425).

3. Fideicomissária: ocorre quando há dupla vocação testamentária, podendo apenas favorecer prole eventual (art. 1.952, CC).

a. Alguns autores afirmam ser a substituição compediosa[5] (ou alternativa) sinônimo de substituição fideicomissária, mas na verdade não se confundem. Aquela é um misto de substituição vulgar e fideicomissária, nomeando-se um substituto para o caso do fideicomissário ou fiduciário não poderem ou não quererem aceitar a herança. Exemplifica Maria Berenice Dias

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(2011, p. 426): “deixo minha fazenda para Bruno e, quando de sua morte, passará ao primeiro filho de Daniel. Se Bruno falecer ou renunciar, nomeio em substituição João. Caso Daniel não tenha filho, ou venha ele a renunciar à herança, nomeio em substituição os filhos que Maria venha a ter”.

Fideicomisso (ou substituição fideicomissária)

O fideicomisso[6]-[7] (‘fideitua committo’ = confio na sua boa-fé), embora inserido no capítulo das substituições testamentárias tem características próprias que o fazem diferente dessas. Trata-se de instituto que no Código Civil de 2002 passou a ser restrito à prole eventual, ou seja, só pode ser instituído em favor de pessoas não concebidas[8] (independente da origem da filiação) no momento da abertura da sucessão[9] (art. 1.952, CC), admitindo a lei uma única substituição (art. 1.959, CC) e incidindo apenas sobre a metade disponível do patrimônio do testador (é nulo o fideicomisso instituído sobre a legítima).

Dispõe o art. 1.951, CC que: “pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário”. “Na substituição fideicomissária, portanto, o testador impõe a um herdeiro, ou legatário, chamado fiduciário, a obrigação de, por sua morte, a certo tempo, ou sob certa condição, transmitir a outro, que se qualifica de fideicomissário, a herança ou legado” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 405).

O fideicomisso pressupõe a existência de um fideicomitente ou fiduciante (testador); fiduciário[10] ou gravado[11] (é o herdeiro em primeiro grau que recebe os bens gravados em propriedade resolúvel[12]); fideicomissário (é o herdeiro de segundo grau titular de direito eventual e destinatário final do bem). É instituto, portanto, que exige dupla vocação sucessória e sucessivas (vocação direta para o fiduciário e oblíqua ou indireta para o fideicomissário).

São três as características constitutivas da substituição fideicomissária (art. 1.951, CC): “1) a dupla disposição testamentária; 2) a obrigação de conservar e restituir os bens; 3) a ordem sucessiva (execução da obrigação ou da substituição fideicomissária deferida ao tempo da morte do fiduciário)” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 271). Por isso, o fideicomisso só pode ser instituído sobre a parte disponível do testamento do testador, incidindo sobre qualquer bem que possa ser objeto de herança. O fideicomisso pode ser:

a) universal: quando instituído sobre toda a herança ou parte ideal dela;

b) singular: quando incide sobre legados;

c) residual ou resíduo: ocorre quando o testador instituir fiduciário autorizando-o a alienar os bens deixados, devendo apenas o remanescente ser transferido ao fideicomissário.

“Quando da abertura da sucessão, o fiduciário (B) assume a qualidade de herdeiro e a propriedade da herança, mas em caráter temporário e restrito (CC 1.953). Adquire todos os direitos de posse, uso e gozo; só não pode alienar o bem sobre o qual detém propriedade resolúvel. A inalienabilidade é da natureza do próprio instituto e nem precisa ser prevista pelo testador. No momento que a lei afirma que a propriedade restrita é resolúvel (CC 1.953), impondo ao fiduciário (B) a obrigação de transferir a

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herança ao fideicomissário (C), às claras que ele não pode alienar o bem. Só pode vender se o testador autorizar, transmitindo-se ao fideicomissário os bens que restarem”(Maria Berenice Dias, 2011, p. 428).

Então, são direitos dos fiduciários: ser titular da propriedade resolúvel do bem confitado; exercitar todos os direitos inerentes ao domínio (art. 1.228, CC); receber indenização pelas benfeitorias úteis ou necessárias que tenham aumentado o valor do bem (arts. 1.219 e 1.220, CC); renunciar ao fideicomisso (art. 1.954, CC); sub-rogar o bem confitado em outros bens; ajuizar as ações cuja legitimidade é dos herdeiros. O fiduciário além de responder pelas deteriorações da coisa decorrentes de culpa ou dolo seu; tem o dever de conservar e administrar o bem; assim como, responde pelas despesas do inventário e pelo ITCMD.

O fideicomissário, como herdeiro substituto, tem o direito de ajuizar medidas cautelares de conservação dos bens confitados (art. 130, CC); de exigir que o fiduciário realize o inventário e preste caução sobre o bem gravado; tem o direito de receber ou renunciar à herança (arts. 1.955 e 1.956, CC); tem direito de recolher o valor do seguro ou o preço da desapropriação findo o fideicomisso; deve responder pelos encargos que lhe forem transmitidos; deve indenizar as benfeitorias úteis e necessárias realizadas pelo fiduciário.

A abertura dos bens confitados ocorrerá com a morte do fiduciário. Justifica-se: com a abertura da sucessão o fiduciário passou a ter apenas a propriedade resolúvel dos bens confitados; como nascimento com vida do fideicomissário essa propriedade se resolve, transferindo-se a este a nua-propriedade e permanecendo aquele como usufrutuário do bem enquanto viver ou enquanto não houver o implemento do termo ou condição estabelecidos pelo testador. Portanto, o nascimento com vida do fideicomissário estabelece a abertura dos bens confitados. A transferência do bem ao fideicomissário não fará incidir novamente o ITCMD, uma vez que a hipótese de incidência não se verifica.

Portanto, exige-se que tanto o fiduciário como o fideicomissário tenham capacidade para suceder. Caso o fiduciário não a possua, a propriedade se concentrará na mão do fideicomitente; se este não tiver capacidade, a propriedade se consolidará na mão daquele. O mesmo se dará se qualquer um dos dois for declarado indigno.

O fideicomisso caduca quando o fiduciário renuncia ou morre antes da abertura da sucessão; quando o fiduciário morre depois da abertura da sucessão, mas antes do prazo de transferência ao fideicomissário; quando o fiduciário morre depois do prazo de transmissão ao fideicomissário. O fideicomisso também caduca quando o fideicomissário renuncia ao seu direito; morre antes do fiduciário ou antes do testador; quando morre antes do implemento da condição resolutória ou termo; se o fideicomissário não nasce ou é natimorto. O fideicomisso caduca também se há perecimento do bem antes da transmissão ao fideicomissário, sem culpa do fiduciário.

O fiduciário tem legitimidade concorrente para requerer a abertura do inventário, bem como, para ser nomeado inventariante (art. 1.953, CC). O fideicomissário pode exigir que o fiduciário preste caução[13] para garantir a entrega dos bens, bem como exigir que realize o inventário. Havendo implemento do termo ou condição pode o fideicomissário exigir a entrega do bem e, caso o fiduciário não há faça, terá aquele ação possessória em face deste ou seus sucessores.

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[1] Há controvérsia quanto à vontade que se visa resguardar com o direito de acrescer. “a) a da vocação solidária, por meio da qual estar-se-ia atribuindo, a cada um dos contemplados, vocação a toda a herança ou a todo o legado; b) a da vontade da lei, segundo a qual, em virtude de não ter o testador mencionado expressamente a coisa legada ou a quota-parte cabível a cada um dos herdeiros ou legatários, a previsão legal é mera consequência de tal omissão; c) a da vontade do testador, esta sim mais convincente, máximo porque revela á a vontade presumida do testador, no sentido de que, ignorado seu querer real, a lei denuncia um resultado que, genericamente, harmoniza-se ao intento da maioria dos testadores’” (Ney de Mello Almada, citado por Francisco José Cahali, 2007, p. 337).

[2] “Na sucessão legítima, a depender do motivo do afastamento do herdeiro surge ou o direito de acrescer ou o direito de representação. Assim, quando o herdeiro morre antes da abertura da sucessão, é deserdado ou é declarado indigno, seus descendentes herdam por direito de representação. Caso o herdeiro falecido não tenha descendentes ou venha a renunciar à herança, surge o direito de acrescer dos herdeiros da mesma classe ou das classes subsequentes (CC 1.810)” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 228).

[3] São espécies de disposições conjuntas (cuja origem remonta ao Direito Romano): a) conjunção real (‘re tantum’): “quando os diversos instituídos são chamados, por frases distintas, a suceder na mesma coisa, sem discriminação dos quinhões [...]”; b) conjunção mista (‘re et verbis’): “quando o testador, na mesma frase, designa vários herdeiros ou legatário para a mesma coisa (uma universalidade de bens ou uma coisa certa), sem distribuição de partes [...]; c) conjunção verbal (‘verbis tantum’): “quando o testador, na mesma disposição, designa herdeiros ou legatário especificando o quinhão de cada um [...]” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 393). Apenas a conjunção real e a mista geram o direito de acrescer.

[4] “A transferência ocorrer do testador (A) para o substituto (C). Não passa pelo substituído (B). É que todas as causas que afastam o herdeiro nomeado em primeiro lugar têm efeito ‘ex tunc’, desde a data da abertura da sucessão. O herdeiro fica excluído como se nunca tivesse sido nomeado. O afastamento tem efeito retroativo” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 420).

[5] “É assim apelidada porque debaixo de um compêndio de palavras, contém em si várias substituições de diferentes naturezas” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 426).

[6] O fideicomisso, embora regulamentado dentro da sucessão testamentário e nela seja típico, pode ser também realizado por ato ‘inter vivos’, embora controvertida essa possibilidade.

[7] Nota histórica: “O fideicomisso é instituto que tem, através dos tempos, provocado larga celeuma, sendo por isso vigorosamente combatido. Conhecido dos romanos, adquiriu extraordinário relevo durante a Idade Média. Para manter intacto o poder econômico das famílias abastadas, para conservar a força dos senhores feudais, recorria-se às substituições fideicomissárias com caráter perpétuo. Tais substituições foram expressamente abolidas pela Revolução Frances, porque se constituíam num dos esteios do feudalismo e fatos de desigualdade dentro das próprias famílias. No direito moderno, todavia, figura nas legislações mais expressivas [...]” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 406).

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[8] “São nulos, assim, os fideicomissos instituídos em testamento escrito após 11 de janeiro de 2003 que beneficiam pessoa já concebida. Inclusive, portanto, os nascituros, uma vez que, apesar de ainda não serem titulares de personalidade, encontram proteção jurídica para os direitos que os beneficiem desde a sua concepção (CC, art. 2o.). Mas é claro que, em hipóteses especiais, quando a concepção e a facção da cédula testamentária tiverem ocorrido em datas tão próximas que se delineie a absoluta impossibilidade de o testador ter conhecido a concepção já ocorrida, não parece justo que o nascituro saia prejudicado. Nesses casos, a melhor solução parece ser aplicar o parágrafo único do art. 1.952 do CC, para transformar o fideicomisso em usufruto, resguardando-se, assim os interesses do nascituro” (Francisco José Cahali, 2007, p. 348).

[9] Se no momento da abertura da sucessão já tiverem nascido os fideicomissários estes receberão a nua-propriedade do bem fideicomitido; restando ao fiduciário apenas o usufruto desses bens (art. 1.952, parágrafo único, CC).

[10] Nada impede que o fiduciário também seja prole eventual.

[11] O testador pode instituir mais de um fiduciário e/ou mais de um fideicomissário. Na falta de um deles haverá direito de acrescer do outro cofiduciário ou cofideicomissário (art. 1.941, CC). O testador também pode nomear substitutos ao fiduciário e ao fideicomissário.

[12] Como a propriedade é resolúvel, enquanto mantiver essa qualidade, sendo o fiduciário casado o bem não se comunicará, qualquer que seja o regime de bens.

[13] Caso o fiduciário não preste a caução requerida, havendo fundado receio de que não realizará a transmissão dos bens, poderá o fideicomissário requerer o sequestro do bem confitado, se ele já estiver em mãos do fiduciário.

DESERDAÇÃO

A deserdação[1] é ato unilateral realizado pelo testador (independente da forma utilizada para testar) para excluir um herdeiro necessário da sucessão. Trata-se de ato personalíssimo que se destina apenas a afastar da sucessão descendentes, ascendentes e cônjuges[2] (herdeiros necessários – art. 1.845, CC) que atuaram em desconformidade com as regras dos arts. 1.961 a 1.963, CC, cujo rol é (inexplicavelmente) taxativo (‘numerus clausus’) e, por isso, a causa deve ser expressa pelo testador[3].

A deserdação, portanto, dirige-se apenas a herdeiros necessários vivos até a abertura da sucessão; só pode ser realizada por testamento; decorre de expressa vontade do testador; a causa que justifica a deserdação deve ser expressa, uma vez que só a justificam as causas previstas em lei e, sendo manifestada, possibilita a defesa do deserdado; a validade da deserdação depende da validade do testamento.

Vale esclarecer que deserdação não se confunde com exclusão da sucessão (art. 1.814 e ss., CC), sendo aquela mais ampla que esta. Ensina Francisco José Cahali (2007, p. 300) que “a deserdação é feita por testamento pelo próprio testador e com declaração de causa; a exclusão por indignidade é pedida por terceiros interessados e obtida mediante sentença judicial; a deserdação só alcança herdeiros necessários (ascendentes e descendentes); a exclusão por indignidade alcança herdeiros

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legítimos (necessários ou facultativos) e os testamentários; na deserdação os suportes fáticos são anteriores à morte do autor da herança[4]; na exclusão por indignidade nem sempre os fatos são anteriores à morte do autor da herança; na deserdação nem todos os motivos configuram indignidade; já os motivos da indignidade são válidos para a deserdação; a deserdação priva de uma vocação legitimária e é ordenada por meio da vontade imperial do testador; a exclusão por indignidade resolve a vocação hereditária existente no momento da abertura da sucessão”. Certo, no entanto, é que ambos os institutos possuem o mesmo fundamento: vontade do testador; sendo na indignidade esta vontade presumida e na deserdação devendo ser expressa.

Assim, a deserdação (que pode ser total ou parcial) refere-se à sucessão testamentária e, sendo nulo ou anulado o testamento, sendo a causa invocada pelo testador também causa de exclusão da sucessão por indignidade, poderão os demais herdeiros invocá-la para excluir o herdeiro como indigno.

São causas de deserdação:

1- As mesmas causas que autorizam a exclusão do herdeiro por indignidade (art. 1.961 c/c 1.814, CC).

2- A deserdação do descendente por ascendente pode ocorrer por (art. 1.962, CC): ofensa física ou sevícia (dolosa); injúria grave (com ‘animus injuriandi’ que visa afetar honra, reputação e dignidade do testador); relações ilícitas com a madrasta ou padrasto (exige-se relação carnal, comportamentos lascivos, luxúria, concupiscência); desamparo dos ascendente em alienação mental[5] ou grave enfermidade se o descendente tinha condições de providenciar o amparo (moral e material).

3- A deserdação de ascendente por descendente pode ocorrer por (art. 1.963, CC): ofensa física ou sevícia; injúria grave; relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou da neta (relações incestuosas); desamparo do filho ou do neto, em alienação mental ou grave enfermidade.

4- O cônjuge[6] também pode ser deserdado, porque herdeiro necessário, embora a lei (por injustificável descuido) não se refira a ele expressamente. Afirma Maria Berenice Dias (2011, p. 320) que “a maioria exclui a possibilidade de o cônjuge ser deserdado sob o fundamento de que a enumeração é exaustiva, constitui ‘numerus clausus’, pois se trata de cerceamento do direito de herdar, que merece interpretação restritiva. Poucos a admitem. Boa parte sustenta que cabe a deserdação do cônjuge exclusivamente pelos motivos que levam à indignidade. Esta solução híbrida aplica ao cônjuge a regra do art. 1.961 do CC. Porém, não é justa. Descabido privar filhos da herança pela prática de determinado fato e não ser possível excluir o cônjuge que age de modo igualmente reprovável. A deserdação do cônjuge pode ser levada a efeito mesmo que existam descendentes ou ascendentes, pois dispõe do direito à concorrência sucessória”. Vale lembrar, no entanto, que a deserdação não acarreta a perda do direito de meação.

Frise-se que o ato de reconciliação entre o testador e o deserdado não faz presumir o perdão. O perdão[7] só ocorrerá se houver expressa manifestação neste sentido ou revogação expressa da cláusula testamentária de deserdação.

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Afirma a maioria da doutrina que como a deserdação é um ato personalíssimo, que importa uma penalidade (privação de toda a herança que caberia ao deserdado) a deserdação não afeta o direito de representação quanto aos descendentes que sucedem o deserdado; nem afeta o direito de acrescer dos demais herdeiros de mesmo grau, se não houver descendentes (embora não haja previsão expressa sobre o assunto na lei), aplicando-se o princípio ‘nullum patris delictum innocenti filio poena est”.

O herdeiro[8] a quem aproveitar a deserdação ou o instituído para substituir o deserdado deverá ajuizar[9] ação de deserdação (ação ordinária que não se sujeita ao juízo do inventário[10]) instruída com a certidão do testamento, cabendo a este herdeiro a prova da veracidade dos fatos indicados como justificadores da deserdação (art. 333, I, CPC). Diante da inércia do herdeiro beneficiado, poderá o próprio deserdado promover a ação para impugnar a deserdação e, neste caso, será seu o ônus provar a inexistência da causa que lhe é imputada. Em qualquer das situações a sentença que declara ou afasta a deserdação gera efeitos ‘ex tunc’[11].

A propositura da ação deserdação decai em quatro anos contados da abertura do testamento (art. 1.965, parágrafo único, CC). “Porém, - e é interessante notar – se ocorrer a inércia por parte do herdeiro instituído ou por parte daquele a quem aproveite a deserdação, deixando esvair o prazo prescricional, por não ingressar com a ação legalmente prevista (CC, art. 1.965), e supondo que o imputado deserdado não exerça o seu direito de se defender, por meio de ação própria, como visto, sem efeito ficará a deserdação, com a consequência de incluir o herdeiro necessário, a quem o testador imputou a deserdação, com o direito de suceder o falecido, autor da deserdação. Isso porque, repita-se, a deserdação não é ato jurídico de auto-aperfeiçoamento, dependendo, para sua eficácia, dessas providências ulteriores que visam produzir a prova da veracidade da causa alegada pelo testador” (Francisco José Cahali, 2007, p. 303).

Sobre a deserdação, conclui Maria Berenice Dias (2011, p. 319) que “a tendência da doutrina é abolir a deserdação, nada mais do que uma forma de perpetuar ressentimentos, até porque, conforme observa Clóvis Beviláqua, os efeitos legais da indignidade bastam para excluir da herança os que realmente não a merecem”.

REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Estudou-se que havendo herdeiros necessários a liberdade de testar será limitada, só sendo possível ao testador dispor de metade de seu patrimônio (metade disponível), sendo a outra metade considerada legítima e, portanto, indisponível (arts. 1.789 e 1.846, CC)[12].

Assim, se o testador só dispõe sobre parte da cota disponível, o remanescente deverá ser dividido entre os herdeiros necessários (art. 1.966, CC). No entanto, havendo excesso na liberalidade que extrapole a quota disponível, poderá o herdeiro necessário requerer a sua redução e até recomposição da cota hereditária (art. 1.967, CC). “Não se anula o testamento, ou a cláusula testamentária; procede-se apenas a uma transferência de bens da quota disponível para a legítima” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 438). É nulo, portanto, apenas aquilo que exceder o limite da parte disponível.

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As reduções[13] testamentárias devem observar as seguintes regras, após a apuração da legítima[14] que leva em conta o patrimônio do ‘de cujus’ existente no momento da abertura da sucessão:

1- As cotas dos herdeiros instituídos deverão ser proporcionalmente reduzidas, até onde baste.

2- Se a redução das quotas não bastarem para a reposição da legítima, deverão então ser reduzidos proporcionalmente também os legados.

3- Se essas reduções não bastarem, serão reduzidas as doações feitas em vida (art. 549, CC), iniciando-se pelas mais recentes. Se todas forem da mesma data, a redução será proporcional.

4- O testador, no entanto, pode ter previsto o excesso e, com isso, determinado de que forma seria realizada a redução da deixa. Essa disposição prevalecerá sobre a ordem fixada na lei, que passa a ser supletiva.

5- Sendo o prédio divisível a redução será feita dividindo-o proporcionalmente (art. 1.968, CC).

6- Sendo o prédio indivisível: “1- se o excesso do legado for superior a um quarto de seu valor, o legatário deixará o imóvel aos herdeiros, recebendo o que lhe couber em dinheiro; 2- se a diferença for inferior a um quarto do seu valor ficará com o imóvel, pagando a diferença aos herdeiros; 3- se o legatário for simultaneamente herdeiro, terá preferência para ficar com o imóvel desde que, somados, o legado e a herança totalizem o valor do prédio” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 291).

A redução das disposições testamentárias pode ser requerida dentro dos autos de inventário (quando não houver questão de alta indagação), ou em ação autônoma de redução (de parte inoficiosa) promovida (após a abertura da sucessão) pelos herdeiros necessários, seus sucessores ou credores e cessionários de direitos sucessórios (art. 1.967, CC), que deverão produzir prova do excesso. No entanto, apenas aqueles que ingressarem em juízo serão beneficiados pela redução julgada procedente.

REVOGAÇÃO DO TESTAMENTO

“Constitui revogação do testamento ato pelo qual se manifesta a vontade consciente do testador, com o propósito de torná-lo ineficaz. A mesma vontade, que é apta a produzir efeitos ‘post mortem disponentis’, é igualmente hábil a cancelá-los, invalidando a emissão anterior” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 448).

Determina o art. 1.969, CC, que o testamento pode ser revogado, alterado, emendado, pelo testador a qualquer tempo. É da essência dos testamentos a revogabilidade[15] e a alterabilidade pela vontade do testador. A revogação é ato unilateral da vontade, formal e solene e não receptício, por isso, diz-se, direito ilimitado do testador.

A revogação exige a mesma capacidade exigida para testar e deve ser feita do mesmo modo e forma (art. 1.969, CC) utilizado para o testamento (por isso, codicilo não revoga testamento, art. 1.881, CC). No entanto, salienta Maria Berenice Dias (2011, p. 480) que “esta mesmice exigida pela lei não quer dizer que é preciso utilizar o mesmo tipo de testamento [...]. Todas as outras combinações são

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possíveis”, não sendo necessário utilizar exatamente a mesma forma testamentária para revogar o testamento.

São três as formas de revogação:

a) Expressa (ou direta): decorre de testamento posterior que revoga expressamente total ou parcialmente as disposições testamentárias contidas em cédulas anteriores. O testamento revogador não precisa ter a mesma forma do revogado, mas necessita observar os mesmos requisitos legais.

b) Tácita (indireta): decorre de atos do testador dos quais se pode verificar a sua vontade de revogar a disposição anterior. Então, por exemplo, ocorrerá quando a segunda declaração for incompatível com a anterior; ou quando o testador dilacera ou abre o testamento cerrado ou particular.

c) Presumida (ficta ou legal): quando após a feitura do testamento ocorre um fato (ex. fatos que justificariam a declaração de indignidade) que faz presumir modificação da vontade do testador. Aplica-se apenas ao testamento cerrado e ao particular.

d) Positiva: quando o novo testamento não faze nenhuma menção às disposições anteriores, mas delibera de forma diferente. Persistem os dois testamentos no que forem compatíveis.

e) Negativa (infirmação ou insubsistência): ocorre quanto o testador se limita a revogar o testamento anterior ou algumas de suas cláusulas.

Vale lembrar, ainda, que o testamento cerrado considera-se revogado com o rompimento de seus lacres feito pelo testador (art. 1.972, CC). O mesmo ocorre no testamento particular se encontradas marcas de possível violação também feitas pelo testador. Havendo várias cópias de um mesmo testamento, a inutilização de uma pelo testador, faz presumir a inutilização de todas.

A revogação, segundo o art. 1.970, CC, pode ser total ou parcial, podendo, portanto, coexistirem conjuntamente dois ou mais testamentos. Os problemas aparecem justamente quando a revogação é parcial: “1) se o testador insere novas cláusulas sem mencionar que revoga as anteriores, a incompatibilidade produz a revogação do testamento anterior. Logo: a) a revogação pode derivar de cláusula expressa (referente a todas ou a determinadas disposições0; b) pode ocorrer pela simples incompatibilidade decorrente das novas disposições. A incompatibilidade é prova manifesta de revogação tácita; 2) Se houver possibilidade de se conciliarem as antigas disposições com as novas, não ocorrerá revogação; 3) A incompatibilidade das disposições pode ser material ou intencional: a) é material quando é fisicamente impossível executarem-se as novas e as velhas disposições. (Ex.: quando o testador institui dois herdeiros na plena propriedade de uma só coisa); b) é intencional quando da impossibilidade de se cumprirem novas e velhas disposições, se evidencia a intenção dos testador anular as anteriores e dar efeito somente às posteriores” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 300-301).

O art. 1.971, CC determina como efeitos da revogação:

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1- Se o testamento revogador caducar por exclusão ou renúncia do herdeiro nele nomeado, será válida a revogação.

2- Se o testamento revogador for anulado por omissão ou não observância de solenidades essenciais, ou ainda, por vícios extrínsecos, nula será a revogação.

A doutrina admite a possibilidade do testador revogar o ato revogatório, no entanto, não é unânime quanto ao efeito repristinatório. Afirma Maria Berenice Dias (2011, p. 483) que “porém, ao ser afastado efeito repristinatório, ou seja, que a revogação do ato revogatório ressuscita o testamento original, simplesmente não se está emprestando eficácia ao segundo ato de revogação. Não serve para nada, pois o primeiro testamento foi revogado pelo segundo. De nenhum sentido admitir que terceiro testamento revogue o segundo, sem que com isso seja restabelecido o testamento originário”. No entanto, entende a maioria dos autores que o efeito repristinatório só será possível se expressamente sobre esse efeito o testador dispuser.

Revogado o testamento ou parte dele, as disposições testamentárias perdem a sua eficácia, impondo-se efeito ‘ex tunc’.

ROMPIMENTO (ruptura ou rupção) DO TESTAMENTO

O rompimento do testamento é forma de revogação[16] que decorre da lei por causas posteriores à sua feitura. São hipóteses de rompimento do testamento:

1- Sobrevindo descendente sucessível (art. 1.973, CC). O aparecimento de descendente de qualquer grau (inclusive se adotivo) rompe o testamento, desde que seja o único herdeiro daquela classe. Esclarece Maria Berenice Dias (2011, p. 490) que “se o descendente já tinha sido gerado ao tempo da elaboração do testamento, e o testador não sabia, o testamento rompe-se. No entanto, se o testador sabia da gravidez e testou sem contemplar o nascituro, o testamento não se rompe. Cabe somente ser reduzido à metade para respeitar a legítima do herdeiro necessário (CC 1.967).[...]. Para que se dê a ruptura é preciso que o testador acredite não ter herdeiros necessários”.

a. “Enquadram-se no citado preceito legal três hipóteses: a) o nascimento posterior de filho, ou outro descendente (neto ou bisneto); b) o aparecimento de descendente que o testador supunha falecido, ou cuja existência ignorava; c) o reconhecimento voluntário ou judicial do filho, ou a adoção, posteriores à lavratura do ato ‘causa mortis’” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 458).

b. Fundamenta-se a hipótese na vontade presumida do testador, ou seja, se ele conhecesse a existência do descendente possivelmente teria testado em seu favor.

2- Ignorância da existência de herdeiros necessários (art. 1.974, CC), nesse caso, a lei está se referindo ao desconhecimento sobre a existência de ascendentes e cônjuges (e companheiros), uma vez que aos filhos fez referência no artigo anterior, aplicando-se aqui os critérios antes referidos.

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Destaca Maria Berenice Dias (2011, p. 486) que “a presunção [de revogação] é ‘juris tantum’, podendo o testador, no próprio testamento, afastar as hipóteses de ruptura por fato superveniente. Ainda assim, para preservar sua higidez, é necessário que respeite a legítima dos eventuais herdeiros”.

As causas de rompimento do testamento, portanto, atingem o seu plano de eficácia, por fato alheio à vontade do testador (aplicação da teoria da imprevisão), independente se o testamento atinge parte da legítima ou não[17] a consequência é a mesma – o seu rompimento. Por isso, o rompimento do testamento pode ser requerido nos próprios autos do inventário, sendo a legitimidade ativa dos herdeiros que seriam beneficiados com a exclusão dos herdeiros testamentários.

Por fim, dispõe o art. 1.975, CC, que “não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte”. Conclui-se, dessa forma, que será a prova do (des)conhecimento do testador quanto à existência do descendente, ascendente ou cônjuge que determinará se o testamento deve ser rompido ou se a deixa deve ser reduzida para proteger a legítima.

[1] Nota histórica: “Historicamente, a deserdação é uma instituição que vem de remotas eras, pois de encontra no Código de Hammurabi, que data de 2000 anos antes de Cristo, e pelo qual o pai podia deserdar o filho indigno, dependendo, porém, o seu ato da confirmação do juiz. A legislação moderna sobre a deserdação procede do direito romano, principalmente da Novela 115 de Justiniano, que deu lugar, depois dos glosadores, a vivas controvérsias sobre a invalidade da instituição de herdeiro, em caso de deserdação injustificada” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 422-423).

[2] As regras de deserdação não se aplicam aos colaterais porque por não serem herdeiros necessários podem não ser contemplados em testamento em que o testador disponha de todo o seu patrimônio, ficando, assim, ‘de fora’ da sucessão (art. 1.850, CC).

[3] Como afirma Orlando Gomes (2009, p. 227): “o motivo indicado deve configurar autêntica ingratidão, no significado técnico da palavra: falta de agradecimento ou o mau reconhecimento da pessoa em relação àquela de quem mereceu o benefício. Não reconhecida judicialmente a veracidade do motivo apontado, é ineficaz a disposição testamentária, caindo por terra a deserdação, o que não compromete a higidez do testamento. Não há que se falar em nulidade”.

[4] “Ainda que não seja possível deserdar sob condição ou termo, tal não significa que o testador, tendo dúvida sobre a causa da deserdação, subordine sua eficácia à prova do motivo que não tem certeza ter acontecido. Cabe o exemplo: deserdo B; se ficar provado que ele me injuriou em reunião ocorrida em tal data e local. O que não se permite é que a deserdação se refira a acontecimento futuro” (Maria Berenice Dias, 2007, p. 326).

[5] “Na hipótese de desamparo do ascendente em alienação mental, a deserdação será possível se o desassistido recuperar o juízo, uma vez que a deserdação somente pode ser determinada em testamento válido. Como tal convalescimento constitui fato raro, muito dificilmente se efetivará a deserdação nessas circunstâncias” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 432).

[6] Maria Berenice Dias (2011, p. 320) entende que as causas de deserdação também se aplicam a(o) companheiro(a), porque também herdeiros necessários.

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[7] Pontes de Miranda parece ser o único autor que sustenta a validade da doação e o adiantamento da legítima feitos após a deserdação, ambas seriam formas de perdão por ato autêntico.

[8] Além dos herdeiros beneficiados com a deserdação, tem legitimidade ativa para propô-la: inventariante, cônjuge ou companheiro; o onerado; o testamenteiro; o Ministério Público; podendo entre todos haver litisconsórcio facultativo.

[9] “Cabe esclarecer que, se o herdeiro instituído – ou aquele a quem a deserdação de outrem aproveite – não ajuizar a ação que lhe compete (conforme anteriormente visto), ao próprio deserdado assiste o direito de tomar a iniciativa, exigindo por meio de ação própria que o interessado prove o fundamento da deserdação. Nesse caso, o ônus da prova será do interessado, agora réu” (Francisco José Cahali, 2007, p. 302).

[10] A ação de deserdação não suspende o processo de inventário. Caso se tenha realizado a partilha antes da propositura daquela ação, a sua procedência fará com que o deserdado restitua os bens percebidos, seus frutos e rendimentos. Caso não o faça, poderão os beneficiados pela restituição ingressar com ação de petição de herança (art. 1.824, CC), realizando-se depois a sobrepartilha.

[11] “Enquanto não se decida a veracidade da causa de deserdação, os bens da herança permanecerão em depósito, na posse e guarda do inventariante, do testamenteiro ou de quem o juiz indicar para tal mister. Não provada a causa, os bens estarão, assim, disponíveis para que se efetue a transmissão deles àquele a quem se quis deserdar” (Francisco José Cahali, 2007, p. 304).

[12] Vale lembrar que a redução tanto pode ser usada para proteger a legítima em liberalidades feitas por testamento, como também, para protegê-la nas partilhas feitas em vida e doações (arts. 549 e 2.018, CC).

[13] “A necessidade de redução pode decorrer não só de excesso de liberalidade do testador. A supervalorização econômica de algum legado pode superar o valor da legítima. Também a alteração da capacidade financeira do testador ao tempo de sua morte, se ocasionar desequilíbrio, impõe a redução, pois não pode ser ultrapassada a parte disponível. Quando o herdeiro testamentário é contemplado com a integralidade ou fração da parte disponível, não há que se falar em redução, pois recebe percentagem da herança. Em face da natureza universal desta estipulação, as variações econômicas do acervo sucessório em nada afetam o direito do herdeiro, cujo quinhão acompanhas as oscilações, para mais ou para menos, caso haja acréscimo ou diminuição do valor da herança” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 474).

[14] “Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação (CC, art. 1.847). As dívidas constituem o passivo do ‘de cujus’ e devem ser abatidas do monte para que se apure o patrimônio líquido e real transmitido aos herdeiros. Se absorvem todo o acervo, não há herança. As despesas do funeral constituem dispêndios desta (art. 1.998), que devem ser atendidas de preferência aos herdeiros e legatários. O patrimônio liquido é dividido em duas metades, correspondendo, uma delas, à legítima dos herdeiros, e a outra, à quota disponível”(Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 443).

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[15] Lembre-se o único ato realizado em testamento que é irrevogável é o reconhecimento de filhos (art. 1.609, III, CC).

[16] Há divergência doutrinária. Alguns se manifestam dizendo que é forma de revogação legal, outros que é forma de caducidade do testamento. A consequência é a mesma, qual seja, a ineficácia do testamento.

[17] “A figura do rompimento tem um componente de natureza ética. Presume o afeto e o senso de responsabilidade do testador para com os seus herdeiros necessários. Parte da crença de que ele só fez o testamento por não ter a quem deixar seus bens. Ou seja, presume um sentimento nobre do testador. Tanto é assim, que ele nem precisa se manifestar. A lei, em seu lugar, destrói o testamento, ainda que o testador esteja vivo quando do surgimento do herdeiro” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 487).

INVENTÁRIO JUDICIAL (solene)

O inventário judicial ou solene está regulamentado nos arts. 982 a 1.030, CPC e, como o próprio nome indica, é forma revestida de solenidades. O inventário é instaurado para fins de liquidação e partilha da herança (quando houver saldo para isso).

Utiliza-se obrigatoriamente o inventário judicial quando entre os herdeiros houver menores ou incapazes ou quando entre os sucessores não houver acordo sobre a partilha. O Ministério Público obrigatoriamente atuará no processo se houver menor ou incapaz, ausente ou testamento (art. 82, II, CPC).

Prazo para abertura: 60 dias[1] contados da abertura da sucessão (art. 983, CPC). É do administrador provisório o dever de requerer a abertura do inventário (art. 987, CPC); não o fazendo, poderão requerê-lo os legitimados no art. 988, CPC, ou poderá o juiz fazê-lo de ofício (art. 989, CPC) (já estudados na aula 13). A abertura do inventário deve necessariamente ser instruída com a certidão de óbito do ‘de cujus’.

Prazo para encerramento: 12 meses contados do início do processo (art. 983, CPC).

Competência (relativa): último domicílio do ‘de cujus’ (ou inventariado) (art. 1.785, CC e art. 96, CPC). Se o falecido não possui domicílio certo a competência é determinada pelo lugar da situação dos bens. Havendo bens em diversos lugares a competência se determina pelo local em que ocorreu o óbito. Tendo o ‘de cujus’ diversos domicílios a competência será estabelecida pelas regras da prevenção.

O juízo universal do inventário (art. 96, CPC) atrai ações como as de impugnação de partilha; sonegados; sobrepartilha; nulidade e anulação do testamento; prestação de contas, etc. No entanto, ações reais imobiliárias movidas pelo espólio ou em face dele, não são atraídas pelo juízo do inventário; assim como, ações reconhecimento e investigação de paternidade; de reconhecimento de união estável, entre outras.

Valor da causa: é o valor (estimado) dos bens inventariados (art. 259, CPC). “O conceito de patrimônio é ativo menos passivo. As dívidas do espólio não integram o acervo sucessório alvo da

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divisão, por isso devem ser abatidas na atribuição do valor à causa” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 553). Também não devem integrar o valor da causa os bens que compõem a meação e os bens trazidos à colação.

Custas processuais e taxas judiciárias: são calculadas sobre o valor da causa (art. 259, CPC) e recolhidas no momento do preparo do processo. As custas processuais são de responsabilidade do espólio.

Valoração dos bens: os autos são encaminhados à Fazenda Pública para que informe o valor dos bens (art. 1.002, CPC), após as primeiras declarações do inventariante. Não havendo concordância dos herdeiros com os valores atribuídos pelo fisco, caberá avaliação judicial dos bens (art. 1.003, CPC).

Assistência judiciária gratuita: a concessão está condicionada ao valor do acervo sucessório e não à condições econômicas dos herdeiros.

Nomeação do inventariante: compete ao juiz nomear o inventariante conforme a ordem preferencial estabelecida no art. 990, CPC. Nomeado o inventariante, deverá em cinco dias comparecer em juízo para prestar compromisso, iniciando-se, a partir deste momento, suas funções (art. 1.991, CC) e cabendo-lhe a representação do espólio (art. 12, V, CPC) (a inventariança já foi estudada na aula 13).

Primeiras declarações: “Essas primeiras declarações, pela amplitude dos elementos que dela devem constar por expressa previsão legal, representam a peça processual na qual, em linhas gerais, é promovida a identificação e individualização de todo o acervo hereditário, com a especificação detalhada e completa dos bens[2], direitos e obrigações, com a respectiva situação jurídica (valor, pendência de algum litígio etc.), e a identificação também completa de todos os sucessores, sejam eles legítimos ou instituídos, demonstrando a causa de sua convocação, tudo devidamente acompanhado da documentação pertinente” (Francisco José Cahali, 2007, p. 368-369).

O inventariante em até vinte dias contados do compromisso deve apresentar suas primeiras declarações indicando quem são os herdeiros, arrolando os bens, dívidas e encargos e atribuindo-lhes o respectivo valor (art. 993, CPC).

Procedimento: Após as primeiras declarações do inventariante são citados[3] os herdeiros[4], legatários e testamenteiro, a Fazenda Pública e o Ministério Público (neste caso apenas se houver herdeiro menor ou incapaz[5], ou se houver testamento). Os herdeiros terão o prazo de dez dias para se manifestar sobre as primeiras declarações e para trazer à colação as doações recebidas em vida (arts. 1.000, 1.014 a 1.016, CPC) . A Fazenda Pública terá vinte dias para apresentar manifestação (art. 1.002, CPC).

Após decisão sobre eventuais impugnações, adequadas as declarações do inventariante, os bens devem ser avaliados judicialmente se os herdeiros não concordaram com a avaliação realizada pelo fisco (pois, se concordam a avaliação pode ser dispensada), se há suspeita de prejuízo a menores ou incapazes ou à própria Fazenda (arts. 1.003, 1.007 e 1.008, CPC).

Dirimidas as controvérsias o inventariante deverá prestar últimas declarações (art. 1.011, CC) “que representam a peça processual em que o inventariante, por derradeiro, modifica ou complementa as

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primeiras declarações, de forma a deixar o inventário apto à partilha. É peça obrigatória, ainda que o inventariante se limite a consignar que nada mais tem a declarar ou acrescentar” (Francisco José Cahali, 2007, p. 371). Podem ser apresentadas em conjunto ou não, mas neste último caso todas as partes deverão sobre elas serem ouvidas no prazo comum de dez dias (art. 1.012, CPC).

Pagas as dívidas da herança (arts. 1.017 a 1.021, CPC), inicia-se a partilha atribuindo-se aos herdeiros seus quinhões. Ouvidos os herdeiros o juiz homologará ou decidirá a partilha, devendo em seguida ser recolhido o ITCMD e o ITBI (se houver) (arts. 1.024 e 1.026, CPC). Juntado o comprovante de recolhimento e outras certidões de negativa tributária, julgará o juiz a partilha pretendida pelos herdeiros.

ITCMD: Superados eventuais incidentes, será realizado o cálculo do ITCMD (art. 1.013, CPC), imposto que incidirá sobre o monte-mor (valor total dos bens a serem partilhados). Súmula 112, STF: “o imposto de transmissão ‘causa mortis’ é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão”.

“Quando houver, no espólio, bem compromissado à venda pelo finado, o imposto será calculado sobre o crédito existente, ou seja, sobre o preço a receber e cujo valor será transmitido aos herdeiros. Dispõe nesse sentido a Súmula 590 do Supremo Tribunal Federal [...]” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 508).

ITBI: o ITBI incidirá sobre o valor dos bens imóveis que na partilha forem atribuídos ao cônjuge sobrevivente, a qualquer herdeiro, ao legatário ou ao cessionário, desde que ultrapassem a cota da meação ou quinhão hereditário.

Pagamento das dívidas: a herança[6] responde pelo pagamento das dívidas do falecido, havendo, portanto, responsabilidade solidária entre os herdeiros (enquanto não finalizada a partilha) – trata-se de princípio básico do Direito sucessório: o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança (é o que se chama de benefício de inventário – art. 1.792, CC).

Vale também lembrar que o falecimento do devedor não é causa de vencimento antecipado da dívida. Dessa forma, “de acordo com a teoria da continuação da pessoa, a do herdeiro substitui a do ‘de cujus’ em todas as relações jurídicas das quais ele era titular. O princípio dominante na matéria é que se supõe prosseguir na morte, em relação aos credores, a mesma situação patrimonial que vigorava em vida” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 531).

“Assim, de uma maneira geral, pois, constituem o passivo do espólio: a) as dívidas e encargos deixados pelo falecido; b) as despesas para a manutenção e conservação do patrimônio inventariado, bem como custas processuais, imposto, inclusive de transmissão ‘causa mortes’ e honorários advocatícios; c) despesas funerárias (CC, art. 1.998) [incluídos: sepultamento, homenagens e adornos compatíveis com a condição social do falecido – chamadas de dívidas póstumas; no entanto, os sufrágios à alma só obrigam se determinadas e testamento ou codicilo]; d) a vintena do testamenteiro; e e) o cumprimento dos legados. O saldo positivo após o cumprimento desses encargos é transmitido aos herdeiros” (Francisco José Cahali, 2007, p. 372). No entanto, os legados permanecem incólumes às dívidas da herança e pelas dívidas do espólio (art. 2.000, CC), exceto quando toda a herança é dividida em legados ou quando o valor da dívida supera o acervo sucessório dos herdeiros legítimos.

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A responsabilidade dos herdeiros, portanto, é limitada ‘intra vires hereditatis’. Realizada a partilha a responsabilidade dos herdeiros passa a ser limitada pela sua quota do quinhão hereditário (art. 1.997, CC), aplicando-se as regras das obrigações divisíveis ou indivisíveis de acordo com a natureza da obrigação pelo herdeiro adimplida. Vale destacar que “ainda que impostas cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, estas são restrições aos quinhões dos herdeiros e não sobre a herança. Não inibem a constrição dos bens para pagar aos encargos do espólio. Somente incidem sobre os bens recebidos pelos herdeiros. Livram as dívidas dos herdeiros, mas não as do falecido” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 573).

Assim, os credores do espólio e dos herdeiros[7] podem se habilitar no inventário (quando for a dívida líquida e certa a habilitação se dará em procedimento incidente) ou promover a cobrança de seus créditos pelos meios ordinários (quando há possibilidade de se requerer a reserva de bens[8]). Podem, também, buscar a cobrança da dívida antes mesmo da abertura do inventário, conforme dispõe o art. 1.017, CPC. “A tramitação do inventário não leva à suspensão da demanda de cobrança, e nem a cobrança suspende a ação de inventário. Porém, sempre que se controverter a respeito de parte da herança, enquanto não terminada a controvérsia, os bens não devem ser partilhados” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 574).

São regras de pagamento incidentes entre os herdeiros as contidas no art. 1.999, CC: “1- No caso de indivisibilidade da dívida, o herdeiro está obrigado a pagá-la individualmente, mas fica sub-rogado no direito do credor, para reaver dos outros coerdeiros a parte que a cada um tocar na divisão do débito pago. 2- No caso de uma hipoteca, se entrou no quinhão de um dos herdeiros, sem que se tenha deduzido o valor do encargo, e se pagou mais do que lhe cabia na dívida comum, tem direito de regresso contra os demais coerdeiros. 3- Se um dos herdeiros é insolvente, rateia-se a parte do insolvente entre os demais herdeiros” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 335-336).

Quando se verifica que a herança é insuficiente para quitar todas as dívidas, deve-se abrir concurso entre todos os credores (dos herdeiros e do espólio), dando-se preferência ao credor do ‘de cujus’ (art. 2.000, CC).

Sendo um dos herdeiros devedor do espólio, duas podem ser as soluções (art. 2.001, CC): sua dívida será partilhada igualmente (proporcionalmente, de acordo com cada quinhão) entre todos ou sua dívida será imputada inteiramente em seu quinhão (espécie de compensação indireta). Os herdeiros decidem por maioria qual a melhor solução.

Sentença: a sentença homologatória ou decisória de partilha tem efeito meramente declaratório. Transitada em julgado, extingue-se o espólio e a cada herdeiro é fornecido o formal de partilha[9] (art. 1.027, CPC), ou havendo apenas um herdeiro lhe é fornecida carta de adjudicação, que deverão ser levados a registro para gerar efeitos em face de terceiros.

Sobrepartilha: deve ser realizada quando após a sentença transitada em julgado surgirem outros bens do ‘de cujus’. A sobrepartilha corre nos mesmos autos do inventário (art. 1.040, CPC).

Honorários advocatícios: os honorários do procurador do inventariante são encargo do espólio, mas se os herdeiros possuem outros procuradores, por conta de cada um correrá a respectiva verba honorária. “Quando existem divergências, e o procurador do inventariante defende exclusivamente os

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interesses de quem o contratou, o que impõe aos demais herdeiros a contratação de procuradores distintos, não cabe o pagamento dos honorários do procurador do inventariante pelo espólio. O mesmo ocorre quando falta dinamismo ao advogado do inventariante, obrigando os herdeiros a constituir novo advogado para levar o inventário a termo. Incabível que suportem as despesas do advogado nomeado pelo inventariante e que se revela desidioso, retardando injustificadamente o andamento do processo” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 557).

INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL OU ADMINISTRATIVO

O inventário extrajudicial[10] ou administrativo á ato notarial instituído pela Lei n. 11.441 de 04 de janeiro de 2007[11] (que alterou diversos dispositivos do CPC que versam sobre o inventário e exigiu regulamentação, dada Resolução n. 35 de 24 de abril de 2007 do CNJ) e tem por finalidade tornar mais célere e econômico o procedimento de partilha ‘causa mortis’. Uma das primeiras consequências é que não se aplicam as regras de competência a essa forma de partilhar a herança, sendo livre a escolha do Tabelionato pelos herdeiros[12].

Trata-se de expediente facultativo[13] que exige a capacidade plena de todos os herdeiros[14] e demais interessados[15] (no momento da feitura da escritura); a inexistência de testamento; o consenso (sobre todo o conteúdo) entre todos os herdeiros e interessados; e a assistência por advogado. A partilha, nessa forma, será realizada mediante escritura pública lavrada pelo notário, documento que substitui o formal de partilha e não depende de homologação pelo juiz para gerar efeitos. A escritura pública, então, é título hábil para registro, para autorizar levantamento de valores depositados em instituições financeiras, para transmitir propriedade de veículos automotores, para realizar atos junto à Junta Comercial, Receitas, etc.

Todos os interessados, herdeiros e respectivos advogados[16] devem ser qualificados na escritura pública, devendo os cônjuges dos herdeiros apenas estar presentes se houver ato de renúncia, cessão de direitos hereditários ou partilha desigual, exceto se casados no regime de separação absoluta de bens (art. 1.647, CC).

“Tratando-se de sucessão envolvendo união estável, havendo concordância dos herdeiros capazes (requisito para o procedimento extrajudicial), poderá ser acolhido o convivente sobrevivente, a ele deferindo-se meação e direitos sucessórios. Apenas no caso de inexistência de outros herdeiros é que será imprescindível o reconhecimento judicial da união estável (cf. arts. 18 e 19 da resolução 35 do CNJ)” (Francisco José Cahali, 2007, p. 428).

A escritura pode ser lavrada a qualquer tempo[17] e deverá discriminar todo o ativo e o passivo do espólio; poderá nomear representante do espólio com poderes de inventariante (independente da ordem preferencial estabelecida no art. 990, CPC); e autorizar que o credor do espólio receba diretamente o pagamento de seu crédito.

O pagamento dos tributos deve anteceder a lavratura da escritura pública, cabendo ao notário fiscalizar o seu recolhimento.

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Como o tabelião pode ser responsabilizado por desvios ocorridos no inventário, pode se negar a lavrar a escritura pública se houver indícios de fraude ou dúvidas sobre a livre declaração de vontade. A recusa deve ser fundamentada em documento escrito.

Os erros materiais da escritura podem ser corrigidos de ofício ou mediante requerimento das partes. A escritura pública pode ser retificada, desde que haja consenso de todos os herdeiros.

Também é possível pela via administrativa realizar a sobrepartilha (art. 2.022, CC), fazendo-se pela mesmo forma que se fez a partilha, ainda que o inventário tenha sido realizado judicialmente. Feita a sobrepartilha, deve dela fazer anotação o notário na escritura de partilha (se feita em seu Tabelionato) ou comunicar ao Juízo ou Tabelionato onde se realizou a partilha primitiva.

Aplicam-se aos inventários administrativos a gratuidade prevista na Lei n. 11.441/07, que não dispensa, no entanto, do pagamento dos respectivos impostos.

ARROLAMENTO

“O arrolamento é um instituto autônomo e não um rito procedimental do processo de inventário. Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária que reduz atos e simplifica prazos. Visando a rapidez e a economia processual, é a forma simplificada de inventário-partilha. Não dispensa intervenção judicial, em face dos interesses de terceiros na liquidação da herança, mas agiliza o procedimento, com sua abreviação, em casos especiais” (Maria Berenice Dias, 2011, 559). Aplicam-se, portanto, subsidiariamente as regras do inventário aos arrolamentos (art. 1.038, CC).

Com a possibilidade de utilização do inventário administrativo o arrolamento está caindo em desuso, já que sua principal finalidade é tornar mais célere a liquidação da herança.

Arrolamento sumário

É a forma judicial mais célere de realizar a partilha[18], mas exige que todos os herdeiros sejam capazes e que concordem com a partilha do acervo hereditário (arts. 1.031 a 1.035, CPC) ou, sendo único o herdeiro, caso em que haverá adjudicação do acervo hereditário. Atualmente, seu uso se justifica quando verificada a existência de testamento, caso contrário, devem as partes optar pelo inventário administrativo.

Como é procedimento que decorre de consenso entre todos os herdeiros e interessados, sua propositura deve ser também realizada em conjunto (podendo valer-se do mesmo procurador ou de procuradores distintos), devendo estar presente também o meeiro, ainda que não seja herdeiro.

Na própria exordial deve-se indicar os bens e atribuir-lhes o respectivo valor, bem como, apontar a forma como será realizada a partilha e indicar o inventariante (de livre escolha dos herdeiros que assume imediatamente suas funções). A partilha, segundo o art. 1.031, CPC, pode ser apresentada por escritura pública, termo nos autos de inventário ou escrito particular, devendo oportunamente ser homologada pelo juiz.

O valor da causa, portanto, engloba todo o acervo partilhável, bem como, a meação e as dívidas do espólio. O inventariante não precisa prestar compromisso, nem lhe são exigidas as primeiras

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declarações (art. 1.032, CPC). O Ministério Público só será ouvido se houver testamento e sua ouvida deve ser realizada antes da homologação da partilha (art. 82, II, CPC). É desnecessária a citação da Fazenda Pública[19], exigindo-se, tão-somente, a demonstração de recolhimento dos respectivos tributos do espólio e suas rendas. A Fazenda apenas deve ser cientificada da sentença homologatória e essa cientificação se fará por meio de publicação na imprensa oficial.

No arrolamento sumário a atividade do juiz será meramente homologatória. Homologada a partilha deverão os herdeiros comprovar o pagamento do ITCMD para só então ser possível a expedição do respectivo formal de partilha.

Arrolamento comum

Embora não exija capacidade de todos os herdeiros, podendo inclusive haver ausentes ou testamento, limita-se o seu uso ao valor do acervo hereditário que não pode ser superior a 2.000 ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional) (art. 1.036, CPC). Como este índice já não mais existe, corresponde a 13.840 BTN (Bônus do Tesouro Nacional) que deve ser atualizado pela TR (taxa referencial com variação diária).

Trata-se, na verdade, de um ‘mini’ inventário com a supressão de algumas solenidades, como por exemplo, o inventariante não precisa prestar compromisso, devendo ser indicado na própria exordial. Nas primeiras declarações o inventariante deve atribuir valor aos bens e apresentar o plano de partilha. O Ministério Público só atuará se houver herdeiros incapazes ou ausentes, ou testamento. A Fazenda Pública não precisa ser citada, basta que se demonstrem o pagamento dos respectivos tributos do espólio e suas rendas. Provado o pagamento do ITCMD o juiz decide a partilha e expede-se o formal de partilha.

[1] Maria Berenice Dias (2011, p. 551) entende que como o Código Civil é lei mais recente, deve prevalecer o prazo de trinta dias estabelecido nesta lei (art. 1.796, CC).

[2] “Mesmo que os imóveis não estejam registrados em nome do ‘de cujus’ no registro de imóveis, devem ser descritos no inventário, se lhe pertenciam e se encontravam em sua posse. Os bens pertencentes ao ‘de cujus’ em comunhão com o seu cônjuge devem ser relacionados integralmente, e não apenas a parte ideal que lhe pertencia” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 500).

[3] A citação é dispensada no caso dos interessados já estarem representados nos autos ou se se apresentarem espontaneamente.

[4] “Em regra, é dispensada a citação do cônjuge do herdeiro, assim como é considerada suficiente a outorga unilateral de procuração pelo herdeiro, tendo em vista ser o objeto do inventário o recebimento de bens por sucessão ‘causa mortis’, máxime se o regime de bens no casamento exclui a comunicação da herança. A participação do cônjuge é facultativa, por lhe faltar título hereditário. Se houver comunicação de bens herdados, tratar-se-á de relação não hereditária, mas concernente ao regime de bens do casamento. Haverá, no entanto, necessidade de citação do cônjuge, ou de sua representação no processo, em caso de disposição dos bens, tais como renúncia, partilha diferenciada e quaisquer atos que dependam de outorga uxória” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 502).

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[5] Ao incapaz e ao ausente deve ser dado curador especial, se ainda não o tiverem e se concorrem na herança com o seu representante legal ou judicial (art. 1.042, CPC).

[6] “No conceito genérico de herança, inclui-se não só o patrimônio ativo, mas também as dívidas e obrigações deixadas pelo falecido. Tanto é assim que precisam ser descritas no inventário as dívidas ativas e passivas do espólio (CPC 993 IV f). A morte faz desaparecer somente direitos personalíssimos e obrigações intransmissíveis” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 572).

[7] Lembre-se: o herdeiro que tem dívidas pode renunciar à herança, no entanto, seus credores podem aceitá-la em seu nome (art. 1.813, CC).

[8] “Distingue a doutrina reserva de bens e separação de bens. A reserva dispõe de natureza cautelar e serve para garantir o pagamento do crédito cuja exigibilidade não foi reconhecida em sede do inventário e houve remessa das partes às vias ordinárias. Não proposta a ação no prazo de 30 dias, a reserva perde a eficácia. Já a separação de bens tem por finalidade cobrir créditos reconhecidos e tem natureza satisfativa. Ocorrendo a separação de bens, cabe proceder à venda ou à adjudicação. Na reserva aguarda-se o trânsito em julgado da ação. O credor pode requerer a adjudicação de bens reservados. De forma injustificada é exigida a concordância dos herdeiros. Caso não haja aceitação, os bens reservados serão alienados em hasta pública” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 575).

[9] Formal de partilha: “documento indispensável para formalizar a transferência da titularidade dos bens aos herdeiros. Atribuída a herança a um só herdeiro, ao invés de formal de partilha, expede-se carta de adjudicação” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 556).

[10] A lei chama de inventário, mas na verdade trata-se de forma de arrolamento.

[11] Conforme art. 30 da Resolução n. 35 do CNJ o inventário administrativo pode ser utilizado para os óbitos ocorridos antes de sua vigência.

[12] No entanto, os bens situados no estrangeiro devem seguir procedimento próprio e autônomo no país em que se situam, assim como ocorre no inventário solene.

[13] Podem as partes, de comum acordo, eventualmente desistir de processo judicial já em andamento para buscar a via administrativa.

[14] “Quando único é o herdeiro não há partilha, somente a adjudicação da herança, o que pode ocorrer por escritura pública” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 565).

[15] “Consideram-se partes interessadas na lavratura da escritura pública de inventário e partilha: a) o cônjuge sobrevivente; b) o companheiro sobrevivente; c) os herdeiros legítimos; d) eventuais cessionários; e e) eventuais credores” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 516).

[16] “Cumpre salientar que assistência não é simples presença formal do advogado ao ato para sua autenticação, mas de efetiva participação na orientação dos interessados, esclarecendo as dúvidas de caráter jurídico e redigindo ou revisando a minuta do acordo para a partilha amigável” (Carlo Roberto Gonçalves, 2011, p. 519). A ausência de advogado é causa de nulidade absoluta. O advogado é interveniente na escritura pública de partilha, portanto, desnecessária a apresentação de procuração,

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mesmo porque assinará o ato. No entanto, nada impede que os herdeiros sejam representados por advogados, mas, nessa situação, o CNJ proíbe que a mesma pessoa concentre as funções de procurador e interveniente.

[17] No entanto, desrespeitado o prazo de abertura de inventário, dependendo do Estado, poderão incidir multas.

[18] Por isso, o inventário pode ser convertido em partilha e vice-versa, desde que realizadas as devidas adequações procedimentais.

[19] “Como a partilha é feita segundo o valor estimado pelos herdeiros, reconhecendo o fisco a existência de diferenças, mister que faça uso de procedimento administrativo para exigir eventual complementação do imposto (CPC 1.034 §1o.) (Maria Berenice Dias, 2011, p. 560).

COLAÇÃO

“Colacionar [de ‘collatio’ = conferir] é, pois, conferir os bens e valores recebidos antes da abertura da sucessão de forma a garantir a igualdade da legítima. Ou seja, as liberalidades com que foram favorecidos os herdeiros, em vida, presumem-se adiantamento da legítima e, por isso, devem ser conferidas” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 343).

Então, salvo as situações expressamente estabelecidas em lei em que se admite o desequilíbrio das quotas hereditárias (arts. 1790, II; 1.832 e 1.836, §2o., CC), o equilíbrio entre as cotas cabíveis deve ser considerada a regra, presumindo a lei que o “amor e afeto do morto era externado igualmente entre todos”, sendo essa presunção o fundamento da colação, instituto que visa igualar de forma equitativa as legítimas dos herdeiros legítimos chamados à sucessão.

“Assim, para que as eventuais necessidades de um ou alguns dos herdeiros, ou a liberalidade do ‘de cujus’ relativamente a um ou alguns deles não venha a prejudicá-los de forma desmedida, determina a lei que sejam os bens trazidos à colação, para que aqueles que não tenham sido alvo das liberalidades do morto, ou o tenham sido em menor medida, possam, agora, receber uma quota-parte do monte maior, a fim de que a desproporção não se perpetue” (Francisco José Cahali, 2007, p.389).

O art. 2.002, CC, determina que os descendentes[1] que concorrem à sucessão do ascendente devem colacionar o valor das doações recebidas a fim de igualar as legítimas. Embora o artigo tenha se omitido com relação aos cônjuges[2], entende-se que estes também devem colacionar as doações recebidas (arts. 544 e 2.003, CC), quando concorrerem com os descendentes. Então, os bens colacionados acrescem a parte legitimária. Portanto, não se submetem às regras da colação os ascendentes, os colaterais ou quaisquer outras pessoas que tenham recebido doações do ‘de cujus’.

Para igualar a legítima deve-se calcular a parte disponível[3] e a legítima, reduzindo-se as doações que excederam aquela parte. Vale destacar que colação e redução da doação não se confundem[4], conforme exemplifica Silvio de Salvo Venosa (2009, p. 368): “consideremos o exemplo no qual existem dois filhos. A doação foi feita quando o patrimônio do doador era de 2.000. O valor da doação foi de 1.600. Há uma parte inoficiosa. Isso porque, quando da doação o titular do patrimônio tinha como sua parte disponível o valor de 1.000 (a metade do acervo). A outra metade de 1.000 constituía a legítima dos filhos, cabendo 500 para cada um. A doação avançou em 100 da legítima do filho não

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donatário, porque o valor da mesma não poderia ultrapassar 1.500. A inoficiosidade refere-se, portanto, ao valor de 100, que deve ser reposto pelo herdeiro-donatário”.

No entanto, “só será redutível a doação que exceder a legítima que caberia ao herdeiro, mais a quota disponível (art. 2.007, §3o.). Quer isso significar que, caso o valor do bem doado, ao tempo da abertura da sucessão, seja menor que toda a parte disponível do ‘de cujus, mais a quota-parte do herdeiro donatário, não será necessário reduzir o valor da doação, presumindo a lei que o morto teria beneficiado o donatário em testamento com toda a parte de que poderia dispor. Apenas quando o valor do bem seja superior à metade do acervo somado o valor da quota-parte do herdeiro é que se operará a redução nos moldes do §2o.” (Francisco José Cahali, 2007, p. 390).

Então, são pressupostos da colação: 1) A sucessão legítima (é nesta espécie que se colaciona a liberalidade do ascendente); 2) A existência de coerdeiros necessários descendentes (se só há um descendente , não há que se falar em colação); 3) A ocorrência de uma liberalidade em vida (doação, dote, pagamento de dívidas do filho, etc.)” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 345).

O art. 2.003, CC, determina que descendentes, cônjuge sobrevivente e donatários são obrigados a igualar a legítima, conferindo os bens que receberam em vida, de acordo com o valor do mesmo à época em que a doação foi realizada (sistema da conferência dos bens em substância – art. 2.004, CC). Na mesma obrigação incorrem o renunciante e o excluído da sucessão, devendo restituir a parte inoficiosa ao monte. Também têm dever de colacionar os netos cujos pais receberam doação do avô quando aqueles sucedem a estes na herança do avô (art. 2.009, CC). Dessa forma, o neto não terá o dever de colacionar se recebeu doação de sua avô enquanto vivo era o seu pai.

Destaca Francisco José Cahali (2007, p. 392) que “as colações são verificadas pelo valor que ao bem tiver sido atribuído pelo instrumento da liberalidade, seja certou ou estimativo, e, em sua falta, pelo valor calculado como o provavelmente praticado à época”, excetuando-se os acréscimos e benfeitorias feitos, os frutos e rendimentos percebidos. E completa Maria Berenice Dias (2011, p. 601) “prevalece a teoria da estimação e só alternativamente da substância. A colação se faz pelo valor das doações (CC 2.002), ou seja, o valor certo ou estimado que consta do ato de liberalidade (CC 2.004). Se não constar o valor, estima-se o que valia naquela época (CC 2.004 §1o.). Ainda que haja a indicação do valor, pode ser determinada avaliação para identificar o valor real do bem à data da doação. Basta ficar evidenciado que o ‘quantum’ indicado no documento de doação não corresponde ao efetivo valor da data em que houve a transmissão. Os bens devem ser conferidos em espécie. Caso não mais existirem, são computados pelo valor ao tempo da doação (CC 2.003 parágrafo único)”.

Verificado excesso da doação esta deverá ser reduzida, podendo ser o patrimônio reposto em espécie (substância ou estimação - restituição ao monte do excesso) ou em dinheiro[5] (por estimativa ou valor - art. 2.007, CC). As reduções devem ser realizadas a partir da última doação feita até a eliminação do excesso. Para as colações o Código Civil adota como regra a feita por valor, aplicando-se apenas subsidiariamente as colações em espécie.

Estão dispensados de ser colacionados aqueles bens que saíram da metade disponível do testador, conforme vontade manifesta deste (art. 2.005, CC) feita em testamento ou no título constitutivo da liberalidade (art. 2.006, CC). Não se colacionam as liberalidades feitas a descendente que não era herdeiro necessário na data em que foram realizadas as doações. Também não são colacionáveis os

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gastos ordinários[6] do ascendente com o descendente menor[7], conforme art. 2.010, CC, uma vez que correspondem a um obrigação natural decorrente de determinação legal sobre a relação paterno-filial. As doações remuneratórias por serviços prestados pelo descendente em favor do ascendente também não precisam ser colacionadas (art. 2.011, CC). As doações feitas por ambos os cônjuges a descendente comum se conferirá por metade (art. 2.012, CC). Não se colacionam as benfeitorias e acréscimos feitos aos bens doados, bem como, os frutos e rendimentos desses bens. Por fim, vale lembrar, que as normas que impõem a colação não são cogentes e, portanto, o autor da liberalidade pode afastar expressamente a necessidade da colação (no ato de doação ou em testamento), desde que esta esteja sendo realizada da parte disponível de seu patrimônio (art. 2.006, CC).

SONEGADOS

Sonegado (de ‘sub-negare’ = quem sonega nega por baixo, dissimuladamente) é tudo aquilo que deveria ter sido partilhado, mas que foi dolosamente omitido na descrição dos bens apresentada pelo inventariante; ou cuja colação foi omitida; ou que não foi restituído pelo beneficiado com a liberalidade (art. 1.992, CC).

Pretende o legislador sancionar a ocultação dolosa de bens e, toda ocultação se pressupõe maliciosa. “Se toda sonegação pressupõe o dolo, se toda ocultação é maliciosa, cabe aos autores, no curso do inventário, convocar o faltoso a descrever, ou trazer à colação, certo bem (ou conjunto de bens) sob pena de sonegados; se o herdeiro deixar de atender, se silencia, ou se recusa, fica evidente a malícia” (Eduardo de Oliveira Leite, 2005, p. 326). Então é necessário que simultaneamente estejam presentes dois requisitos: um de ordem objetiva que é a não conferência, não restituição ou não declaração dos bens; e um de ordem subjetiva que é a intenção maliciosa, intenção de prejudicar o espólio em benefício próprio ou de outros herdeiros. A lei presume o dolo que, portanto, configura-se ‘in re ipsa’.

Não há descrição em lei sobre as hipóteses de sonegação e nem poderia ser diferente, pois a malícia humana pode se apresentar das mais diferentes formas. Exemplifica Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 326): “são casos de sonegação: 1. Quando o inventariante, ou herdeiro, deixa de restituir coisas ou valores de que se apossou ou que lhe foram entregues; 2. A ocultação de créditos e aquisições; 3. Quando os bens se acham em poder do cabeça do casal que não os descreve; 4. Quando o sucessor universal recebeu uma doação e não a traz à colação; 5. A simulação de dívida do herdeiro para com o espólio, etc.”.

A penalidade dos sonegados não pode ser determinada de ofício, devendo ser provocada (apenas se não for resolvida nos autos de inventário) pelos herdeiros ou credores da herança em ação ordinária[8] (art. 1.994, CC) que correrá no foro do inventário mas em separado dos autos de inventário pois envolve questão de alta indagação.

Tem legitimidade ativa[9] para ação qualquer interessado no prosseguimento do inventário (entre eles os herdeiros – apenas aqueles que serão beneficiados por eventual procedência da ação -, credores da herança e dos herdeiros e inventariante – trata-se de litisconsórcio unitário facultativo). Tem legitimidade passiva o responsável pela omissão ou ocultação do bem, desde que não seja estranho à sucessão (como herdeiros legítimos, administrador provisório, testamenteiro[10], inventariante, indigno e renunciante).

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O prazo prescricional é o ordinário de dez anos contados “do momento em que o inventariante declara não existirem outros bens a inventariar, ou no caso, de sonegação pelo herdeiro, a partir de sua manifestação no inventário, afirmando não possuir os bens sonegados. Se, neste caso, não houver manifestação formal do herdeiro, o ‘dies a quo’ será a data do vencimento do prazo estipulado na sua interpelação” (art. 205, CC) (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 529). A sonegação pode ser arguida mesmo findo o inventário e, neste caso, o prazo prescricional passará a correr do trânsito em julgado da sentença homologatória ou decisória.

Julgada procedente a ação de sonegados os bens devem ser devolvidos ao espólio ou deve ser reposto o seu valor em dinheiro (art. 1.995, CC). Em qualquer das hipóteses aquele que dolosamente agiu deverá restituir os frutos indevidamente percebidos desde a abertura da sucessão e ainda indenizar o espólio em perdas e danos. Como se vê, os efeitos da sentença (constitutiva) são ‘ex tunc’ à data da abertura da sucessão.

No entanto, “caso o herdeiro tenha alienado o bem, a pena de sonegação não leva ao desfazimento do negócio jurídico. Os terceiros considerados adquirentes de boa-fé são protegidos. Cabe a desconstituição somente se comprovada a má-fé ou se a transferência foi a título gratuito. Não possuindo mais o bem, cabe ao sonegador restituir ao espólio o valor atualizado do bem à data da abertura da sucessão. Depois de avaliado o bem, a atualização cabe ser feita pelos índices de correção monetária até a data do efetivo pagamento. Perecendo o objeto por caso fortuito ou força maior, exonera-se o sonegador do dever de pagar o valor do bem sonegado (CC 393)” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 616).

Embora inúmeras as situações de sonegados, a punição[11] será sempre uma só: o que agiu maliciosamente perderá o direito sobre os bens ocultados que como herdeiro teria. E ainda, sendo o inventariante o sonegador, será também removido da função (art. 1.993, CC). No entanto, “como nenhuma pena pode passar da pessoa do condenado, caso venha o sonegador a falecer no decurso do inventário, seus sucessores representá-lo-ão na sucessão do primeiro morto, podendo assim amealhar os direitos sobre os bens sonegados, bens a respeito dos quais aquele a quem representam estaria afastado” (Francisco José Cahali, 2007, p. 401).

Lembre-se, por fim, que se houve partilha em vida, não há sonegação como determina o art. 2.018, CC, se os bens saíram da parte disponível do patrimônio do ‘de cujus’.

IMPUGNAÇÃO DA PARTILHA

Viu-se nas aulas anteriores que aberta a sucessão instaura entre os herdeiros um condomínio sobre o acervo hereditário, sobre o qual cada um passa a ter cotas ideais que só se tornam individualizadas após a finalização da partilha (art. 2.023, CC).

Evicção (art. 2.024, CC). Antes de se falar das causas de impugnação da herança é importante mencionar as questões referentes à evicção: “em sede de direito sucessório, eventual perda do bem, após a partilha, é de responsabilidade do seu titular. No entanto, caso venha o herdeiro a perder o quinhão que recebeu por fato anterior à partilha, injusto que seja ele o único prejudicado. A perda não pode ser sofrida apenas por aquele a quem coube o bem, até porque isso feriria o princípio fundamental da igualdade da partilha (CC 2.017). Daí a exceção. Quando a perda decorre por vício de

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evicção, a responsabilidade é de todos. A perda de um é a perda de todos [porque equivale a aquisição de coisa alheia – ‘a non domino’]. Cada um deve indenizar o herdeiro que ficou sem o bem” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 587-588). O dever de indenizar deve ser proporcionalmente mensurado, ou seja, limita-se à quota do quinhão hereditário recebido e levando-se em conta o valor do bem ao tempo da homologação da partilha. A insolvência de um dos herdeiros, levará à divisão de sua quota do pagamento entre todos os demais herdeiros, inclusive ao evicto (art. 2.026, CC). Por fim, deve-se retificar a partilha a fim de excluir o bem evicto.

Exclui-se a responsabilidade pela evicção, segundo o art. 2.025, CC, quando: “a) houver, na partilha, ou em documento separado, convenção em contrário, estipulada em termos expressos ou genéricos, porém inequívocos; b) ocorrendo a evicção por culpa do herdeiro evicto; se este, por exemplo, poderia ter invocado usucapião e não o fez, vindo a perder por isso o bem herdado, só pode queixar-se da própria inércia, não tendo direito de reclamar dos coerdeiros o ressarcimentos dos prejuízos que sofreu; c) se a evicção se deu por fato posterior à partilha, por exemplo, força maior, falência, apreensão por motivos sanitários ou fiscais etc.” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 566).

O herdeiro evicto pode propor a respectiva ação indenizatória no prazo de dez anos contados da sentença que reconheceu a evicção (art. 205, CC).

Invalidade da partilha. A redação do art. 2.027, CC, é confusa, bem como peca pela falta de cuidado técnico fazendo confusão (por ‘virtualmente’ igualar) entre nulidade absoluta e relativa; acrescentando-se a essa confusão o art. 1.030, CPC, que trata da rescisão da partilha. Para se chegar às devidas conclusões é primeiramente necessário que se verifique se a partilha foi judicial ou extrajudicial; litigiosa ou amigável. Assim,

Tendo sido a partilha judicial e litigiosa, a sentença subordina-se à ação rescisória, verificados os vícios elencados nos arts. 1.029 e 1.030, CPC. A ação rescisória poderá ser proposta (perante o Tribunal) em até dois anos (prazo decadencial) do trânsito em julgado da sentença de partilha.

Tendo sido a partilha judicial e amigável, sendo a sentença homologatória não se submete à rescisão. A invalidade da partilha, neste caso, só poderá ser declarada em ação anulatória ou declaratória de nulidade, dirigindo-se, portanto ao conteúdo da partilha apresentado pelas partes, aplicando-se, então as regras gerais de validade dos negócios jurídicos. A ação anulatória deve ser proposta em um ano contado da decisão homologatória da partilha (art. 1.029, CPC) e se processa no mesmo juízo do inventário. Lembre-se, no entanto, que quando a ação versa sobre causas de nulidade absoluta será imprescritível e poderá, inclusive, ser cumulada com ação de petição de herança, essa sim, com prazo prescricional de dez anos (art. 205, CC). Anulado ou nulo o ato, prossegue-se o inventário ou arrolamento para que seja realizada nova partilha.

Sendo a partilha amigável lavrada extrajudicialmente por escritura pública, termo nos autos ou documento particular homologado pelo juiz a sua invalidade também pode ser pleiteada por meio de ação anulatória ou de declaração de nulidade que deve ser proposta no prazo de um ano, variando o seu termo inicial de acordo com a natureza do vício e sendo imprescritível quando se tratar de causas de nulidade absoluta.

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Conclui Francisco José Cahali (2007, p. 419) que “para qualquer dos casos de invalidação, ou mesmo rescisão da partilha, a previsão contida no parágrafo único do art. 1.827. Nesse contexto, se promovidas pelo herdeiro aparente, assim considerado aquele aquinhoado pela sentença, alienações a título oneroso a terceiros de boa-fé, o negócio jurídico deve subsistir, sem prejuízo da recomposição, pelo alienante, dos prejuízos sofridos pelo preterido. Igualmente, incide a regra do art. 1.826, de tal sorte que o herdeiro aparente deve restituir a herança seguindo os princípios de possuidor de boa-fé até a data da citação”.

[1] Dessa forma, têm dever de colacionar os descendentes que, ao tempo da doação, seriam chamados à sucessão na qualidade de herdeiros necessários.

[2] “As doações feitas ao cônjuge do herdeiro poderão ser ou não sujeitas à colação, da dependência do regime de bens do casamento: se for o da comunhão universal, conferem-se; mas, se for de comunhão parcial ou de separação, não se colacionam” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 542).

[3] “Primeiro é preciso isolar a parte disponível, que corresponde à metade do patrimônio encontrado quando do falecimento do autor da herança, sem considerar as doações (CC 2.002 parágrafo único). Sobre a outra metade é que se soma o valor das doações para se chegar à legítima. [...] A forma de apurar a legítima é indicada em dois dispositivos legais. CC 1.847: calcula-se sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão; abatidas as dívidas, somam-se os bens sujeitos à colação; CC 2.002, parágrafo único: o acréscimo soma-se apenas à legítima, sem aumentar a parte disponível” (Maria Berenice Dias, 2011, p. 602-603).

[4] Ensina Francisco José Cahali (2007, p. 389) que “uma tem por escopo garantir a observância do equilíbrio entre as quotas dos sucessores descendentes, ao passo que a outra objetiva reintegrar a parte indisponível do patrimônio do falecido, desfalcada pelo elevado valor do bem doado ao tempo da liberalidade”.

[5] “A colação por estimativa ou por valor, no entanto, seria aquela segundo a qual o bem permaneceria sob poder do donatário, fazendo este a indicação de seu valor em inventário, valor este que (i) seria descontado de sua quota parte, se mais houvesse a receber; ou valor este que (ii) seria imputado como legítima do herdeiro, se de igual apreciação econômica a parte que lhe caberia; ou, por fim, (iii) indicaria tal valor o ‘quantum’ que estaria obrigado a devolver ao monte, na hipótese de sua parte legítima ser inferior ao valor da doação recebida em adiantamento da legítima” (Francisco José Cahali, 2007, p. 391).

[6] São exemplos de despesas ordinárias: “educação, seus estudos, seu sustento, sua vestimenta, no tratamento de suas enfermidades, em seu enxoval, assim como nas despesas efetuadas por ocasião do casamento do descendente ou aquelas despesas feitas no interesse da defesa do descendente acusado em processo-crime” (Francisco José Cahali, 2007, p. 393). “Os gastos extraordinários que o pai teve de suportar, representados, por exemplo, pelo ressarcimento do prejuízo causado por filho menor a terceiro, em virtude da prática de ato ilícito, poderão ir à colação” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 545).

[7] Parte da jurisprudência, no entanto, tem dispensado os filhos maiores de colacionar enquanto estiverem sob supervisão dos pais ou cursando escola (princípio da solidariedade familiar).

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[8] Sendo a sonegação promovida pelo inventariante, só poderá ser arguida após encerrada a descrição dos bens (art. 1.996, CC). No entanto, alguns autores como Eduardo de Oliveira Leite, entendem que o o melhor momento seria após as últimas declarações.

[9] A Fazenda Pública não tem legitimidade para propor a ação de sonegados se tiver interesse apenas em cobrar os respectivos tributos.

[10] “A simples apresentação de um testamento falso não constitui sonegado. Se o herdeiro é autor ou cúmplice de semelhante fraude, sofre as penas civis ou criminais instituídas para os delitos de tal natureza” (Carlos Roberto Gonçalves, 2011, . 524).

[11] Vale lembrar que a penalidade civil não afasta penalidades criminais como a apropriação indébita (art. 168, CP) e o estelionato (art. 171, CP).