diedros conformacionais e sua aplicaÇÃo no estudo de estabilidade de...

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PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 199 DIEDROS CONFORMACIONAIS E SUA APLICAÇÃO NO ESTUDO DE ESTABILIDADE DE BIOMOLÉCULAS Anderson Hollerbach Klier 1 George Schayer Sabino 1 Sonaly Cristine Leal 1 Ana Flávia Arantes Pereira 2 Liege Aparecida Mapa 2 Luna Elisabeth Carvalho Ferreira 2 Nathália Martins Moreira 2 Paula Guimarães Chiesa 2 RESUMO: Os diedros, ângulos gerados entre os planos espaciais existentes entre quatro átomos consecutivos ligados por uma ligação simples ou ligação sigma, podem ser utilizados para previsão da estabilidade conformacional. Tal estimativa é baseada na minimização de energia molecular das conformações geradas após um giro de 360° graus no diedro requerido, que pode gerar até 360 conformações que auxiliam no entendimento sobre estabilidade de ligações alternadas e eclipsadas. Ligações estas que estão intimamente relacionadas com a estabilidade de conformeros denominados anti ou antiperiplanar, anticlinal, sinclinal e gauche ou sinperiplanar. A análise dos diedros foi aplicada a glutationa, biomolécula essencial ao metabolismo de fase II e a seu conjugado com a N-acetilimidoquinona. PALAVRAS-CHAVE: diedro, conformação, biomolécula, estabilidade INTRODUÇÃO Diversas publicações recentes tem ressaltado a importân- cia da análise conformacional na previsão da estabilidade mo- lecular, e em última instância, a aplicabilidade de softwares na química computacional a fim de facilitar o entendimento desta estabilidade (FERREIRA, 2008; RAUPP, 2008; MARQUES, 2010, KLIER 2012). As conformações em estruturas orgânicas básicas geradas por carbonos tetraédricos ligados consecutivamente por ligações covalentes simples podem ser analisadas através do chamado ângulo diedro, conforme figura 1.

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PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 199

DIEDROS CONFORMACIONAIS E SUA APLICAÇÃO NO ESTUDO DE ESTABILIDADE DE BIOMOLÉCULAS

Anderson Hollerbach Klier 1

George Schayer Sabino 1

Sonaly Cristine Leal 1

Ana Flávia Arantes Pereira 2

Liege Aparecida Mapa 2

Luna Elisabeth Carvalho Ferreira 2

Nathália Martins Moreira 2

Paula Guimarães Chiesa 2

RESUMO: Os diedros, ângulos gerados entre os planos espaciais existentes entre quatro átomos consecutivos ligados por uma ligação simples ou ligação

sigma, podem ser utilizados para previsão da estabilidade conformacional. Tal estimativa é baseada na minimização de energia molecular das conformações

geradas após um giro de 360° graus no diedro requerido, que pode gerar até 360 conformações que auxiliam no entendimento sobre estabilidade de ligações

alternadas e eclipsadas. Ligações estas que estão intimamente relacionadas com a estabilidade de conformeros denominados anti ou antiperiplanar, anticlinal, sinclinal e gauche ou sinperiplanar. A análise dos diedros foi aplicada a glutationa, biomolécula essencial ao metabolismo de fase II e a seu

conjugado com a N-acetilimidoquinona.

PALAVRAS-CHAVE: diedro, conformação, biomolécula, estabilidade

INTRODUÇÃO

Diversas publicações recentes tem ressaltado a importân-

cia da análise conformacional na previsão da estabilidade mo-

lecular, e em última instância, a aplicabilidade de softwares na

química computacional a fim de facilitar o entendimento desta

estabilidade (FERREIRA, 2008; RAUPP, 2008; MARQUES, 2010,

KLIER 2012). As conformações em estruturas orgânicas básicas

geradas por carbonos tetraédricos ligados consecutivamente

por ligações covalentes simples podem ser analisadas através

do chamado ângulo diedro, conforme figura 1.

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Analisando a figura 1, pode-se visualizar dois planos ima-

ginários trigonais denominados ACH2CH2 e BCH2CH2, sendo os

carbonos metilênicos denominados de átomos 1 quando ligado

ao substituinte A , e 2 quando ligado ao substituinte B. Denomi-

na-se diedro, o ângulo formado entre os dois planos trigonais,

ou seja; se os planos ACH2CH2 e BCH2CH2 tem em comum a

ligação simples entre os átomos 1 e 2, podemos conservar a

posição do plano ACH2CH2 e girar o plano BCH2CH2 de 180° so-

bre a ligação entre os átomos 1 e 2. Assim, os substituintes A e

B que estavam espacialmente acima do eixo da ligação 1-2 e

abaixo do eixo da ligação 1-2, respectivamente, após o giro de

180° estarão ambos acima do eixo da ligação 1-2. Se aplicarmos

conceitos de representação estrutural em projeção, especifica-

mente a projeção de Newmann, à suposta estrutura elaborada

na figura 1, teríamos as projeções possíveis descritas a seguir

na figura 2.

Observa-se que dentre as conformações apresentadas,

três apresentam ligações alternadas (uma antiperiplanar e duas

sinclinais) e outras três apresentam ligações eclipsadas (uma

sinperiplanar e duas anticlinais. Considerando um giro limítrofe

de 60º para cada conformação, pode-se definir num esquema

gráfico a localização das geometrias sinperiplanar (SP), sincli-

nal (SC), anticlinal (AC) e antiperiplanar (AP) como esquemati-

zado abaixo na figura 3.

A simulação dos diedros pode ser feita com a utilização de softwares específicos que permitam sua análise, como o PcModel

(SILVA, 2006; ANDREI, 2003, BARREIRO, 1997). A simulação se inicia com a construção molecular escolhida, aqui repre-

sentada pelo 1,2-difeniletano, conforme figura 4.

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Estruturalmente o software difere os átomos por cores,

permitindo o reconhecimento estrutural da molécula com seus

respectivos grupos funcionais, quando for o caso. Construída

a estrutura molecular, a mesma é minimizada energeticamente

a fim de obtermos os dados de energia conformacional (MMx

Energy), entalpia de formação (Hf) e momento dipolar (Dip.

Moment), como pode ser observado na figura 5.

Observa-se valores simulados de 19,318 Kcal/mol para a

energia conformacional, 32,02 Kcal/mol para a entalpia de forma-

ção e um momento dipolar de 0,053 Debies. Otimizada a ener-

gia molecular, faz-se a marcação do diedro com a escolha dos

quatro átomos consecutivos a serem analisados, definindo-se o

ângulo inicial de giro (start angle), o ângulo final de giro (final an-

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gle) e o passo angular (step) que definirá os pontos específicos

dentro do giro total requerido onde será feita uma simulação de

energia para análise conformacional (figura 6). Exemplificando:

se definirmos como ângulo inicial 1, ângulo final 360 e passo

angular 20, teremos 18 simulações finais otimizadas a cada 20°

girados a partir do ângulo inicial até o ângulo final.

Definidos os parâmetros para análise do diedro, é possível

obter uma correlação gráfica entre a energia de cada uma das

conformações geradas e o ângulo efetivo de giro. As confor-

mações mais estáveis serão as de menor energia e as menos

estáveis as de maior energia. Aplicando-se as definições de ge-

ometria ao gráfico obtido com as conformações especificadas,

pode-se avaliar, por exemplo, que a conformação mais estável

para o 1,2-difeniletano, será a conformação com energia de

18,15 Kcal/mol e um ângulo de giro de 181°, angulo esse que

se enquadra no intervalo compreendido entre 150º e 210°, o que

permite defini-la como antiperiplanar (AP), conforme figura 7.

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A partir do gráfico obtido é possível analisar individualmente

cada uma das conformações geradas, acessando a denomina-

ção do arquivo salvo, que fornece a lista de estruturas com to-

dos os dados de cada uma das conformações, figura 8.

Acessando-se cada uma das conformações da lista de

estruturas pertinente, pode-se ainda calcular a distância entre

dois átomos quaisquer ou o ângulo gerado por três átomos

consecutivos, o que pode ser observado na figura 9, onde a

distância entre dois dos carbonos aromáticos de ciclos distin-

tos foi estimada em 6,786 Aº e o ângulo gerado por três dos

carbonos aromáticos benzênicos, estimada em 120°.

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OBJETIVOS

Dessa forma, os objetivos do presente trabalho foram a

obtenção de dados de energia conformacionais, momentos

dipolo e entalpia de formação, simulados no software PcMo-

del através da rotação de diedros desejados, a fim de avaliar

a aplicabilidade destes dados no entendimento de estabilida-

de conformacional de fármacos e biomoléculas estruturais.

Como moléculas protótipo foram estudados a glutationa, im-

portante biomolécula de conjugação no metabolismo de Fase

II, e o conjugado desta com a N-acetilimidoquinona, principal

metabólito de Fase I do paracetamol.

MATERIAL E MÉTODOS

As simulações de minimização de energia, distâncias inte-

ratômicas e ângulos de giro de diedro foram obtidas no software

PcModel 7.2 Serena software, utilizando-se o template do próprio

software para simulação peptídica. Os diedros estipulados tanto

na glutationa como no conjugado foram marcados nos carbonos

consecutivos da estrutura do aminoácido central cisteína e os ami-

noácidos glicina e ácido glutâmico foram otimizados na conforma-

ção antiperiplanar entre seus grupamentos mais polares antes da

formação das ligações peptídicas com a cisteína.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após as minimizações iniciais obtidas para a molécula da

glutationa; que é um tripeptídeo de conjugação formado pelos

aminoácidos ácido glutâmico, cisteína e glicina, é possível ob-

servar que na conformação minimizada energeticamente, a mo-

lécula se apresenta fortemente estabilizada por uma interação

do tipo ligação de hidrogênio intramolecular. Essa interação é

gerada entre as carboxilas terminais dos aminoácidos glicina e

ácido glutâmico, interação esta que se apresenta delimitada na

coloração amarela, com uma energia molecular total de - 8,745

Kcal/mol, conforme figura 10.

A partir desta conformação obtida o diedro de giro foi deli-

mitado como demonstrado abaixo entre os átomos de 1, 2, 3 e

4 e as conformações obtidas utilizando-se um passo angular ou

step de 5 º, identificados na figura 11.

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O gráfico que correlaciona a energia e o ângulo de giro para a glutationa é apresentado na figura 12.

Considerando o perfil gráfico da figura 12 associado à ta-

bela 1 (abaixo), observa-se a alternância entre máximos e mí-

nimos de energia caracterizando nitidamente a existência con-

formacional de quatro máximos de energia a 15 º (-4,808 Kcal/

mol), a 165 º (8,731 Kcal/mol), a 310 º (-6,948 Kcal/mol) e a 345º

(-0,310 Kcal/mol), respectivamente nas geometrias sinperipla-

nar, antiperiplanar, sinclinal e sinperiplanar. Em contrapartida

observam-se três mínimos de energia a 90 º com -0,186 Kcal/

mol, a 170 º com -9,820 Kcal/mol e a 315 º com -8,422 Kcal/mol,

sendo as geometrias sinclinal, antiperiplanar e sinclinal.

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Correlacionando-se os mínimos de energia obtidos com as distâncias interatômicas entre os carbonos carbonílicos, para os

diedros 18, 34 e 63, é possível estabelecer em qual geometria será mais provável a existência de interação intramolecular por ligação

de hidrogênio associada ao ângulo, segundo os dados relatados na tabela 2.

A partir destes dados observa-se que mesmo possuindo a

menor distância entre os grupamentos livres mais polares (car-

boxilas), o diedro 63 não foi a conformação mais estável do tri-

peptídeo, os diedros 18 e 34 mesmo com maiores distâncias

entre carboxilas e inexistência de interação intramolecular foram

mais estáveis. A minimização de energia para o conjugado glu-

tationa-N-acetilimidoquinona proporcionou uma energia total de

-6,624 Kcal/mol, segundo a figura 13.

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Delimitado o diedro de modo semelhante à glutationa, fo-

ram obtidas 72 conformações para o conjugado glutationa-N-

-acetilimidoquinona gerando o gráfico de correlação da figura

14.

A tabela 3 relata os dados de todas as conformações do con-

jugado glutationa-N-acetilimidoquinona obtidas na geração do

gráfico da figura 14. Diferentemente da glutationa, o conjugado

apresentou um perfil gráfico mais homogêneo se considerarmos

os conformeros obtidos até 300º de giro, onde pode-se observar

que todos eles apresentaram energia total entre -2,036 e -9,021

Kcal/mol. Os conformeros mais estáveis ou mínimos de energia

todos obtidos em ângulos de giro inferiores a 300 º, são relatados

na tabela 4.

208 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785

Entre os mínimos do conjugado glutationa-N-acetilimidoqui-

nona houve menor variação de energia total entre -9,021 e -9,181

Kcal/mol e todos os conformeros apresentaram interação intramo-

lecular por ligação de hidrogênio. Entretanto, a interação intramole-

cular do diedro 13 ocorre entre o grupamento amino da glicina e a

carbonila da

amida entre o ácido glutâmico e cisteina, o que explica a maior

distância interatômica entre os carbonos carbonílicos das carboxi-

las terminais. Os diedros 54 e 56 apresentaram o mesmo padrão

de interação intramolecular dos mínimos da glutationa, entre os car-

bonos carbonílicos das carboxilas terminais, o que diminui conside-

ravelmente a distância interatômica entre as carbonilas.

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A partir de 330º de giro observa-se um aumento substan-

cial na energia molecular total, gerando um máximo de energia

com 68,803 Kcal/mol no diedro 66. Os diedros entre 330° e 360º

apresentaram elevação da energia molecular total, compatível

com a compressão estérica gerada pela proximidade entre o

ciclo aromático da N-acetilimidoquinona e o ciclo da glutationa

momentaneamente estabilizado pela interação intramolecular,

conforme figura 15.

CONCLUSÃO

Considerando as limitações do próprio software bem como

a rigidez conformacional do método de simulação, uma vez que

simulamos somente os diedros do aminoácido central cisteina,

as simulações se mostraram totalmente aplicáveis as biomolé-

culas escolhidas proporcionando uma visão mais próxima da

realidade no aspecto tridimensional. Além disso, as simulações

permitiram prever as possíveis interações pertinentes à estabili-

zação da forma cíclica momentânea de peptídios em sua forma

isolada ou associada a metabólitos exógenos.

REFERÊNCIASFERREIRA, P.F.M., JUSTI, R.S. Modelagem e o “Fazer Ciência”. Quim. Nova na escola, n.28, 2008.

RAUPP, D., SERRANO, A., MARTINS, T.L.C. A evolução da química computacional e sua contribuição para a educação em química. Revis-ta Liberato, v.9, n.12, 2008.

KLIER, A.H. Conformações do cicloexano: um modelo de estudo no PcModel.Pós em Revista, n. 5, 2012.

SILVA, T.H.A. Practica III.3 Modelagem molecular com o auxílio do com-putador, 2006. Disponível em http://old.iupac.org/publications/cd/medi-cinal chemistry/Practica-III-3.pdf

ANDREI, C.C., FERREIRA, D.T., FACCIONE, M., FARIA, T.J. Da Química Medicinal à Química Combinatória e Modelagem Molecular: um curso prático. Barueri, SP: Manole, 2003. 154p.

MARQUES, M.V., RUSSOWSKY, D., FONTOURA, L.A.M. Análise Con-formacional de Compostos de Biginelli com Atividade Antineoplásica. Eclet. Química, v.35, n.4, 2010.

BARREIRO, E.J., RODRIGUES, C.R., ALBUQUERQUE, M.G., RABELLO DE SANT’ANNA, C.M., ALENCASTRO, R.B. Modelagem Molecular: Uma Ferramenta para o Planejamento Racional de Fármacos em Química

Medicinal. Quim. Nova, v.20, n.1, 1997.

NOTAS DE RODAPÉ1 Docentes do Centro Universitário Newton Paiva

2 Discentes do Curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva