desenvolvimento territorial e polÍticas pÚblicas

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113 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: DISCUTINDO O PROGRAMA TERRITÓRIOS DA CIDADANIA Ananda de Carvalho 1 Cesar De David 2 Introdução Nos últimos anos, principalmente a partir dos anos 2000, é comum encontrarmos a abordagem territorial na implantação de políticas públicas. Um exemplo disso é a criação, em 2008, dos Territórios da Cidadania, política pública articulada entre diversos ministérios do Governo Federal e efetivada em parceria com Governos Estaduais, Municipais e sociedade. Esse programa partiu da iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que, inicialmente, já havia instituído os Territórios Rurais, enquanto unidades de planejamento das políticas públicas. Os Territórios da Cidadania ampliaram o âmbito das ações, todavia, mantiveram o foco direcionado ao campo e às populações rurais ligadas à agricultura familiar camponesa, entre essas com destaque os assentamentos, quilombos e terras indígenas. No Brasil, em 2009, de acordo com o MDA, o Programa atingiu 120 territórios. No Rio Grande do Sul são sete territórios rurais demarcados e, entre esses, quatro são territórios da cidadania (figura 1). Os territórios marcados com a cor cinza ainda não são territórios contemplados com o Programa Territórios da Cidadania. A abordagem territorial do desenvolvimento, associada ao interesse de diminuir as desigualdades no campo e proporcionar aos povos rurais vida digna, busca articular as diferentes dimensões da organização social, como a economia, cultura, política. Tem intenção de redirecionar o poder do Estado a grupos historicamente carentes de políticas públicas. Mesmo não interferindo nas macroestruturas da sociedade, essa opção política estatal tem promovido novas concepções de desenvolvimento que valorizam a participação dos atores locais, principalmente os movimentos sociais organizados. No entanto, é importante refletir sobre as ações dessa política visando a subsidiar a implantação da abordagem territorial na busca do desenvolvimento rural do país fortalecendo, assim, a agricultura familiar camponesa, evitando sua desterritorialização frente à agricultura capitalista. ¹ Graduada em Geografia Lic. Plena e Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria – [email protected] ² Prof. Adjunto do Depto. de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria [email protected].

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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: DISCUTINDOO PROGRAMA TERRITÓRIOS DA CIDADANIA

Ananda de Carvalho1Cesar De David2

Introdução

Nos últimos anos, principalmente a partir dos anos 2000, é comum encontrarmos aabordagem territorial na implantação de políticas públicas. Um exemplo disso é a criação,em 2008, dos Territórios da Cidadania, política pública articulada entre diversos ministériosdo Governo Federal e efetivada em parceria com Governos Estaduais, Municipais esociedade. Esse programa partiu da iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA) que, inicialmente, já havia instituído os Territórios Rurais, enquanto unidades deplanejamento das políticas públicas. Os Territórios da Cidadania ampliaram o âmbito dasações, todavia, mantiveram o foco direcionado ao campo e às populações rurais ligadas àagricultura familiar camponesa, entre essas com destaque os assentamentos, quilombos eterras indígenas.

No Brasil, em 2009, de acordo com o MDA, o Programa atingiu 120 territórios. No RioGrande do Sul são sete territórios rurais demarcados e, entre esses, quatro são territóriosda cidadania (figura 1). Os territórios marcados com a cor cinza ainda não são territórioscontemplados com o Programa Territórios da Cidadania.

A abordagem territorial do desenvolvimento, associada ao interesse de diminuir asdesigualdades no campo e proporcionar aos povos rurais vida digna, busca articular asdiferentes dimensões da organização social, como a economia, cultura, política. Temintenção de redirecionar o poder do Estado a grupos historicamente carentes de políticaspúblicas. Mesmo não interferindo nas macroestruturas da sociedade, essa opção políticaestatal tem promovido novas concepções de desenvolvimento que valorizam a participaçãodos atores locais, principalmente os movimentos sociais organizados.

No entanto, é importante refletir sobre as ações dessa política visando a subsidiar aimplantação da abordagem territorial na busca do desenvolvimento rural do paísfortalecendo, assim, a agricultura familiar camponesa, evitando sua desterritorializaçãofrente à agricultura capitalista.

¹ Graduada em Geografia Lic. Plena e Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria –[email protected]² Prof. Adjunto do Depto. de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria ­ [email protected].

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Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Territorial, Ministério de Desenvolvimento Agrário ­ www.territoriosdacidadania.gov.brFIGURA 1­ Territórios da Cidadania (2008 – 2010) ­ Brasil

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Território: buscando definir o conceito

Nos últimos anos, principalmente a partir da década de 90, no Brasil, ampliaram­se osestudos sobre o conceito de território, abordagem territorial, territorialidade,territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Desde então surgiram diversasleituras sobre o tema. Entretanto, mesmo na Geografia, muitas vezes, a concepção dadaao território está estritamente ligada a uma abordagem naturalista, associada ao territórioanimal, enquanto base de sobrevivência. Ou ainda, ao entendimento difundido porFriederich Ratzel, importante geógrafo alemão, autor de Antropogeografia, 1882, em que oterritório é associado ao poder do Estado, enquanto base biogeográfica do mesmo.

Todavia, considerando outras formas de poder, Raffestin (1993) define o território apartir das relações de poder, enquanto espaço onde se projetou um trabalho, seja energiae informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. Para o autor,o poder está presente em todas as relações sociais e é inerente a qualquer comunidadepolítica. Para Arendt (1985) o poder não carece de justificativa.

O poder corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas deagir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade deum indivíduo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto ogrupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está “no poder”estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar­se esta pessoainvestida de poder por um certo número de pessoas, para atuar em seunome. (ARENDT, 1985)

Para Souza (2005), os territórios são os espaços fundamentalmente definidos edelimitados por e a partir das relações de poder, é como um campo de forças podendo sercontínuos ou descontínuos, dependendo do nível ou escala de análise.

O território descontínuo associa­se a um nível de tratamento onde,aparecendo os nós como pontos adimensionais não se colocaevidentemente a questão de investigar a estrutura interna desses nós,ao passo que, à escala do território contínuo que é uma superfície enão um ponto, a estrutura espacial interna precisa ser considerada.Ocorre que, como cada nó de um território descontínuo é,concretamente e a luz de outra escala de analise, uma figurabidimensional, um espaço, ele mesmo um território (uma favelaterritorializada por uma organização criminosa), temos que cadaterritório descontinuo é, na realidade, uma rede a articular dois ou maisterritório contínuos. (SOUZA, 2005, p. 93).

Os territórios contínuos também são conhecidos como territórios­zona e osdescontínuos territórios em rede ou territórios­rede. De acordo com Hasbaert (2005), os

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territórios­rede extrapolam as fronteiras direcionando fluxos e redefinindo escalas. Para oautor, as redes podem interferir nos territórios; formando os territórios­redes; as redes deterritórios ou ainda comportando­se como elemento, característica de formação ou daestrutura de algum território. Nesse sentido, as redes podem agir enquanto articuladorasdo território como também desarticuladoras a serviço da desterritorialização. SegundoSaquet (2009), existem as redes de territórios e territórios em rede, territórios nas própriasredes e redes nos territórios, num único movimento que se realiza continuamente emtramas infindáveis.

O território, segundo Hasbaert (2004), pode ser interpretado de acordo com trêsvertentes; política (relacionada às relações de espaço­poder em geral) ou jurídico/ política(relativa também a todas as relações espaço – poder institucionalizadas), cultural ousimbólica/ cultural (prioriza a simbologia e a subjetividade) e outra econômica (ressalta asrelações econômicas, embate entre classes, o território é entendido como fonte derecursos). Portanto, visando a construir uma proposta integradora que considera asdimensões cultural, econômica, natural e política combinadas, o autor defende que assimcomo o espaço geográfico o território pode ser concebido a partir da imbricação demúltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômicas/ políticas aopoder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural. A ideia do espaçohíbrido destacada por Hasbaert (2004) é induzida, principalmente, pelas concepções deespaço discutidas por Milton Santos, que destaca o espaço como um híbrido, entrenatureza e sociedade, política, cultura e economia, materialidade e “idealidade” numacomplexa interação tempo – espaço.

Milton Santos não aprofundou seus estudos no conceito de território, mantendo maiorcentralidade no conceito de espaço, entretanto, em Santos (2007), ao escrever sobre odinheiro e o território definiu o território como lugar em que desembocam todas as ações,todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde ahistória do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência.

Diferente de Santos, Marcos Aurélio Saquet tem centralizado suas pesquisas eestudos no conceito de território, principalmente influenciado pela escola italiana. Esseautor considera o espaço geográfico uma composição de diversos territórios queinfluenciam o espaço e são influenciados por ele numa relação dialética e continua(SAQUET, 2007). Para Saquet (2007), espaço e território estão ligados, entrelaçados, poiso último é fruto da dinâmica socioespacial. Numa perspectiva multidimensional,multiescalar e (i)material o autor define que o território

... significa natureza e sociedade; economia, política e cultura; idéia ematéria; identidade e representações; apropriação, dominação econtrole; descontinuidades; conexão e redes; domínio e subordinação;

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degradação e proteção ambiental, terra, formas espaciais e relaçõesde poder; diversidade e unidade. Isso significa a existência deinterações de interpretações no e do processo de territorialização, queenvolvem e são envolvidas por processos sociais semelhantes ediferentes, nos mesmos ou em distintos momentos e lugares, centradasna conjugação, paradoxal, de descontinuidades, de desigualdades,diferenças e traços comuns. Cada combinação especifica de cadarelação espaço tempo é produto, acompanha e condiciona osfenômenos e processos territoriais. (SAQUET, 2007, p. 24)

Assim, com base em Dematteis (2007), o território é resultado e também conteúdo,meio e processo de relações sociais. Essas relações que são ao mesmo tempo materiais esubstantivam o território através da expressão do poder a partir das homogeneidades eheterogeneidades, integração e conflito, localização e movimento (relativa permanência outemporalidade), identidade, línguas e religiões, mercadorias, instituições, natureza exteriorao homem; por diversidade e unidade; (i) materialidade. (SAQUET, 2007).

Enfim, para Saquet (2007), é preciso compreender e redimensionar as relações depoder, as quais produzem territorialidades que são vividas, sentidas e, às vezes,percebidas e compreendidas diferentemente. Nessa perspectiva, o autor buscoufundamentar uma abordagem territorial, com vistas à promoção de projetos dedesenvolvimento que consideram a maioria da população com saúde de qualidade,educação, lazer, habitação, ou seja, novos elementos societários e um novo arranjoterritorial, com autogestão e autonomia para os sujeitos.

Desenvolvimento territorial e políticas públicas

A abordagem territorial assim como a perspectiva do desenvolvimento local sãotemáticas já discutidas por autores brasileiros enquanto alternativa na busca pelasustentabilidade, através da valorização dos povos, das culturas, das potencialidadeslocais e, sobretudo, do equilíbrio entre as dimensões ambientais/ naturais, sociais eeconômicas. Entretanto, com a implantação recente de políticas com enfoque territorial,principalmente na ultima década, podemos ressaltar diferentes posições em relação a essaquestão.

De um lado, aqueles que consideram o desenvolvimento local e territorial conservadordas desigualdades, numa perspectiva de melhor desenvolver o capitalismo na sua fasemais atual, pós­fordista, neoliberal, da produção flexível e descentralizada. Nesse sentido,explorando os lugares, por meio de suas potencialidades. Segundo Santos (2008), a ordemglobal busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os lugares respondem

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ao mundo segundo os diversos modos de sua própria racionalidade. Entretanto, paramelhor responder as demandas mundiais econômicas, os lugares, territórios e regiões têmbuscado estabelecer uma governança territorial que, com base em Fuini e Pires (2009),visa a desenvolver iniciativas oriundas de contextos locais/ regionais ancoradas emrecursos específicos que buscam alavancar as vantagens competitivas locais aliadas àpromoção de mudanças estruturais que conduzam ao bem­estar social da comunidadelocal. A abordagem desses autores está centralizada, sobretudo, no desenvolvimentoeconômico, que busca desenvolver novas formas de sustentar as relações desiguais. ParaSantos (2008) essa competitividade entre os lugares, além de preservar as desigualdadesentre os homens, tem fomentado a desigualdade entre os lugares.

Ainda nessa perspectiva, Fuini e Pires (2009) destacam que o cenário revelado acimaé conseqüência da crescente descentralização político­administrativa o que justifica agovernança territorial que deve atuar buscando fomentar coordenações de agentes locais einstituições ancoradas em suas regiões e localidades para definirem novas formas deadministrar os fluxos econômicos, políticos e sociais que foram transferidos para os seusterritórios. De acordo com David Harvey (2005) apud Fuini e Pires (2009), esse tipo degovernança está fortemente ligado ao discurso do empreendedorismo que emerge dasmudanças nas economias capitalistas após a recessão de 1973 e enfoca muito mais aeconomia política dos lugares do que realmente o território. Para Hespanhol (2008):

O enfraquecimento do Estado provedor, de perfil keynesiano, nospaíses desenvolvidos, o aprofundamento do processo de globalização,a crescente descentralização político­administrativa e o fortalecimentodas perspectivas econômicas neoliberais levaram ao repasse daresponsabilidade pela promoção do desenvolvimento das mãos dosgovernos centrais para a escala local. (HESPANHOL, 2008, p. 389).

Para o autor, as políticas públicas, que consideram a abordagem territorial foramimplantadas, no Brasil, por orientação internacional e representam o interesse econômicona captação de recursos internacionais, além disso têm sido adotadas parcialmente emdecorrência da carência de condições básicas para executá­las, não têm promovidograndes impactos e são somente, de forma negativa, destinadas a áreas deprimidas. Nocaso dos Territórios da Cidadania a falta de diálogo com setores que não estejam ligados àagricultura familiar e aos movimentos sociais tem sido responsável pela sua ineficiência.Enfatiza a necessidade da participação das forças hegemônicas na discussão da aplicaçãodos recursos e políticas.

Reforçando essas afirmações Rodrigues e Ferreira (2008) acrescentam, alegandoque a

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... estratégia de descentralizar as decisões ajuda inegavelmente aidentificar os problemas mais relevantes das esferas locais, no entanto,favorece a um descomprometimento do governo central para com osproblemas locais, passando estes a serem geridos pelas esferasadministrativas locais, e relegando ao governo central menos gastospúblicos nas ações de intervenção. O governo passa a ter um papel demenor intervenção e passa a ser um mediador no processo de interaçãodos atores sociais e as distintas esferas administrativas. O territórioneste momento passa a ser o palco dessas ações, daí o caráterfuncional, e não um conceito analítico como se desenvolve naGeografia. (RODRIGUES e FEREIRA, 2008, p. 609)

A leitura desses autores sobre a aplicabilidade da abordagem territorial nas formas degovernança e nas políticas públicas é crítica destacando outra interpretação do que seria abusca pelo desenvolvimento territorial. Para Saquet (2007), a abordagem territorial parte doentendimento de que os territórios são determinados pelas ações locais e também porforças externas tanto internacionais quanto nacionais, ligadas principalmente à dinâmicaeconômica, política e cultural, o que demonstra que os territórios, assim como a abordagemterritorial, não podem ser concebidos de forma fragmentada.

De acordo com Dematteis (2007), destacando outra interpretação da ideia dedesenvolvimento territorial e da implantação da abordagem territorial, tambémcompartilhada por Saquet (2007 e 2009), para sair do subdesenvolvimento, é necessárioeliminar – ou pelo menos diminuir – a dependência e,

... para isso, não servem as políticas assistencialistas, mas aquelas queobjetivam a inclusão. E, numa perspectiva territorialista, inclusãosignifica capacidade de reconhecer, controlar e transformar em valores,a potencialidade dos diversos sistemas territoriais; significa fazerreconhecer, também no exterior, esses valores, de modo que possamentrar e circular nas redes globais. Nesse sentido, é importanteesclarecer que, por “valores”, não entendemos somente os valores demercado, mas também e, sobretudo, os recursos ecológicos, humanos,cognitivos, simbólicos, culturais que cada território pode oferecer comovalores de uso, bens comuns, patrimônio da humanidade. (DEMATTEIS,2007, p. 10)

A abordagem territorial, segundo Saquet (2007), permite, sem modismo edenominações maquiadas, compreender elementos e questões, ritmos e processos dasociedade e da natureza exterior ao homem. O uso da abordagem, enquanto suporteteórico­metodológico, permite que os estudos geográficos reconheçam, simultaneamente,características fundamentais dos processos de apropriação, dominação e produção doterritório, assim como as relações de poder, as identidades simbólico­culturais (traços

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comuns), as contradições, as desigualdades (ritmos lentos e rápidos), as diferenças, asmudanças (descontinuidades), as permanências (continuidades), as redes de circulação,de comunicação e a natureza interior e exterior ao homem como genérico (biológica esocialmente).

A abordagem multidimensional, relacional e processual do território desenvolvida porSaquet (2007 e 2009) reconhece a unicidade dos tempos históricos,, as descontinuidadese continuidades, a unidade ideia­matéria que estão presentes nas relações espaço­tempoe que produzem as territorialidades. Nesse sentido, o autor busca delimitar algunsprocessos fundamentais do entendimento dos territórios que devem ser maximizados emfavor da justiça social, da preservação da natureza, da distribuição das riquezas, davalorização dos saberes populares e da autonomia. São esses:

a) a relação espaço­tempo como movimento condicionante e inerentea formação de cada território através das processualidades históricase relacional (transescalar, com redes e fluxos); b) a relação ideia­matéria, também como movimento e unidade; c) a heterogeneidadecorrelata e em unidade com os traços comuns e; d) a síntese dialéticado homem como ser social (indivíduo) e natural ao mesmo tempo.(SAQUET, 2009, p.74)

Considerando esses processos, o autor destaca que os mesmos podem serapreendidos, levando­se em conta: a) os atores sociais e suas ações e reações em formade rede e multiescalares; b) as formas de apropriação que podem ser simbólicas,econômicas, políticas e culturais; c) as técnicas e tecnologias enquanto formas demediação entre o homem e o espaço; d) as relações de poder e trabalho; e) os objetivosde cada atividade social; f) as descontinuidades e continuidades entendidas a partir dasobreposição de acontecimentos e tempos históricos; g) a natureza interior e exterior aohomem; h) as heterogeneidades e traços comuns e; i) os processos constantes deterritorialização, desterritorialização e reterritorialização que são concomitantes ecomplementares. (SAQUET, 2009).

A proposta de abordagem territorial visa a subsidiar a relação entre território edesenvolvimento territorial numa perspectiva humanística do desenvolvimento. Nessesentido, Sabourin (2002) acrescenta afirmando que, de fato, o desenvolvimento dasatividades produtivas depende cada vez mais de relações territoriais – por exemplo, daproximidade (geográfica, social, cultural, etc) – ou do interconhecimento, por meio de redeseconômicas, sociais e técnicas. A rede nesse contexto é decisiva. É uma malha derelações que serve como instrumento de circulação de informação e renovação. É um meiode descrever o sistema de relações e de diálogo técnico no seio do grupo, facilitando osatores individuais e institucionais locais a se organizarem em torno de objetivos comuns.

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Pois uma abordagem territorial de desenvolvimento do mundo rural também deve levar emconsideração as formas de coordenação não formalizadas ou institucionalizadas, osatributos comparativos dos produtos e, recursos associados a territórios específicos, sociale culturalmente marcados, e finalmente, as dinâmicas de inovação ligadas a essesprocessos e a valores da natureza. (SABOURIN, 2002).

Entretanto, para Saquet (2007), essa perspectiva não significa que o Estado, atravésdas políticas públicas, deva afastar­se e até mesmo ausentar­se das responsabilidadespara com o desenvolvimento. De fato, as instâncias territoriais e estatais devem estararticuladas, de forma dialética em torno de projetos mais amplos de sociedade. ParaDansero, Giaccaria e Governa (2009), o contexto nacional é uma escala relevante nadefinição e reelaborarão coletiva de problemas, políticas, descontextualização erecontextualização de práticas. Pois, segundo eles, o quadro nacional é um contextosignificativo de análise do desenvolvimento porque representa uma referência necessáriana qual se inserem nas políticas locais. Com base em Viesti (2000), as políticas dedesenvolvimento local, desenhadas por atores locais para agir nos fatores locais podeminterferir pouco no desenvolvimento se este não for sustentado pelo quadro de referencianacional. É um processo trans­escalar que a partir do nível local fortalece a coesãoterritorial valorizando as especificidades dos lugares e relações verticais entre os diferentesníveis institucionais.

Segundo Saquet (2007), com base em Dematteis (1994), o território é condição deprocessos de desenvolvimento, enquanto natureza e sociedade manifestando de formaespecífica em diferentes lugares de acordo com a fertilidade do solo, o clima, atrativospaisagísticos, estratificação social, cultura familiar, tradição de empreendimentos,associação de moradores, relações sociais, posses/propriedades, redes de circulação ecomunicação. Ou seja, o desenvolvimento está sempre, de alguma forma, ligado àdimensão local do território, todavia efetiva­se na relação entre local e universal.

Por isso, para Dematteis (1999) apud Saquet (2007), os planos e políticas dedesenvolvimento devem partir de uma geografia que reconheça as relações, ou seja, deuma geografia da territorialidade. Da territorialidade ativa, através da organização,planejamento, cooperação, participação e mobilização, articulada politicamente e comcapacidade de autogestão, numa perspectiva libertária de uma sociedade de sujeitosautônomos, livres de sistemas autoritários. Souza (2005) afirma que o espaço social,delimitado e apropriado politicamente, enquanto território de um grupo, é suporte materialda existência e, mais ou menos fortemente, catalisador cultural­simbólico – e, nessaqualidade, indispensável fator da autonomia. É, nesse sentido, que algumas políticaspúblicas com abordagem territorial no Brasil têm sido justificadas como, por exemplo, oPrograma Territórios da Cidadania.

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Os territórios da questão agrária brasileira: conflitos e tendências

A abordagem territorial, através da relação com as políticas públicas, é responsávelpor introduzir, no campo brasileiro, novas estratégias de planejar o desenvolvimento. NoBrasil, as políticas territoriais, em geral, estão sendo destinadas ao território da agriculturafamiliar camponesa, grande parte idealizada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA). A criação deste ministério, na última década, foi motivada pela necessidade dediminuir as desigualdades no campo, reduzir a pobreza, o êxodo, o desemprego rural eampliar as ações de Reforma Agrária. No entanto, as forças dominantes do campobrasileiro, os latifundiários e empresários rurais continuam representados pelos interessesdo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimentos (MAPA) que centraliza suas açõesdestinadas à agricultura e pecuária de exportação.

A existência desses ministérios marca a permanência dos principais territórios ruraisdo Brasil, assunto já ressaltado por diferentes autores. O “velho” latifúndio (aindapresente), atualmente transformado e mais dinâmico, inserido no modelo capitalista,conhecido como agronegócio e o da exploração camponesa ou da agricultura familiar. Parao INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) e a FAO (Organização das Nações Unidaspara a Agricultura e Alimentação) esses territórios são definidos entre patronais efamiliares.

De acordo com Gorender (1994), no Brasil existem historicamente duas vias dedesenvolvimento agrário: a linha do latifúndio, que se transformou nas grandes empresascapitalistas que concentram terras e capital. E a linha da pequena exploração de carátercamponês familiar independente que, devido à intensificação dinâmica do mercado interno,aumenta seu grau de mercantilização, todavia, historicamente, permanece numa condiçãode subordinação. Varia desde a economia camponesa com nível significativo de produçãoartesanal, a voltada estritamente ao autoconsumo, a economia estritamente familiar e a decaráter mercantilista, ou seja, que vende tudo que produz e compra tudo que necessita.

De acordo com, Fernandes (2008), o território do agronegócio é um novo latifúndio, sóque ainda mais amplo, pois agora concentra e domina não apenas a terra, mas tambémtecnologia de produção e políticas públicas de desenvolvimento. Nesse sentido, para oautor:

o território capitalista se territorializa destruindo os territórioscamponeses, ou destruindo territórios indígenas ou se apropriando deoutros territórios do Estado. Os territórios camponeses se territorializamdestruindo o território do capital, ou destruindo territórios indígenas ouse apropriando de outros territórios do Estado. Enquanto a fronteiraagrícola estiver aberta, esse processo continuará. Com o fechamentoda fronteira agrícola, o enfrentamento entre os territórios camponesese do capital será intensificado. (FERNANDES, 2008, p. 57)

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Entretanto entre esses territórios são desenvolvidas diferentes formas de organizaçãodo espaço e do trabalho. Apresentam diferentes formas de relações sociais e se enfrentamconstantemente. Compõem diferentes modelos de desenvolvimento que, segundoFernandes (2008) comportam três tipos de paisagens: a do território do agronegócio (emgrande escala) homogeneizada, monocultora, despovoada e destinada à exportação; a doterritório camponês (em pequena escala) heterogênea, povoada, policultora e envolvidacom o desenvolvimento local, regional e nacional, principalmente em relação à produçãode alimentos; e a paisagem do território camponês monopolizado pelo agronegócio que sedistingue pela escala e homogeneidade da paisagem geográfica, caracterizado pelotrabalho subalternizado e controle tecnológico das commodities que se utilizam dosterritórios camponeses.

Dentro dessa realidade, Fernandes (2008) questiona­se sobre: Que desenvolvimentoterritorial, diante desses diferentes territórios e paisagens, devemos considerar? Para oautor, a Reforma Agrária e o enfrentamento que a mesma provoca à propriedade privada,concentradora e aos princípios do agronegócio são processos indissociáveis do realdesenvolvimento territorial.

Todavia, atualmente, a tendência dos governos é promover o desenvolvimento naperspectiva do agronegócio e envolver a agricultura familiar camponesa nesse processo,não resolvendo a questão na sua totalidade, porque mantém as desigualdades entre asclasses próprio do capitalismo. Entretanto, mesmo desta forma, o paradigma da questãoagrária tem sido esquecido em decorrência da ascensão do paradigma do capitalismoagrário para o desenvolvimento da agricultura familiar.

Para Fernandes (2008), o paradigma da questão agrária denuncia a violência daexclusão e da expropriação, o paradigma do capitalismo agrário apenas constata. Para oautor, o paradigma da questão agrária propõe o enfrentamento ao capital, e com base namaioria dos autores renega o mercado, enquanto que para o paradigma do capitalismoagrário a solução da questão está na sua integração com o capital.

Reconhecendo a importância da agricultura familiar e os prejuízos do latifúndio para odesenvolvimento agrário, Abramovay (1994) ressalta que:

Dominado pelo latifúndio, a agricultura é incapaz de se desenvolvertecnicamente e de contribuir para a elevação permanente da produção.Tanto mais que a maior parte dos trabalhadores rurais não tendo acessoa terra, não pode participar do processo social de progresso técnico.Assim, estes trabalhadores encontram­se à margem do mercado: poucoproduzem e pouco consomem. Isso é um obstáculo ao desenvolvimentoeconômico como um todo, pois, se os trabalhadores rurais tivessemacesso a terra, passariam a gerar renda através da qual poderiamincorporar­se ao mercado interno nacional e contribuir, assim ao própriodesenvolvimento capitalista. (ABRAMOVAY, 1994; p. 96).

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A ideia do paradigma do capitalismo agrário considera que a solução para osproblemas agrários encontra­se dentro do próprio modo capitalista de produção. Nessaperspectiva, Abramovay (1998) ainda define que a agricultura familiar, altamente integradaao mercado, capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de responder aspolíticas governamentais não pode ser considerada camponesa. Para ao autor agriculturafamiliar é aquela em que a gestão, a propriedade e a maior parte do trabalho vêm deindivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento. O importante é quesejam basicamente considerados três atributos básicos: gestão, propriedade e trabalhofamiliares, principalmente na classificação das políticas públicas.

Todavia, para Fernandes (2008), essa é uma interpretação equivocada em que ocamponês quando inserido no mercado capitalista utilizando de novas tecnologias setransformaria em agricultor familiar. De acordo com o autor, criou­se outro nome para falar­se do mesmo sujeito.

Portanto, não é a participação do camponês no mercado capitalistaque o torna capitalista. Como também não é uso de novas tecnologiasou a venda para a indústria que o torna capitalista. É a mudança deuma relação social organizada no trabalho familiar para uma relaçãosocial organizada na contratação do trabalho assalariado em condiçãoque supere a força de trabalho da família em determinadas condiçõesespaciais e temporais. (FERNANDES, 2008, p. 46).

O camponês, para Tedesco (1999), não pode ser definido somente através da suaprática econômica produtiva. Para esse autor, a inserção desse ao mercado faz parte dasua trajetória, atualmente mais dinâmica, o que não significa, portanto, que o camponêspassou a ser agricultor profissional e passou a efetivar uma agricultura moderna. SegundoTedesco (1999), o camponês está condicionado a uma forma de vida especifica queenvolve valores simbólicos, culturais, emocionais, etc. do vivido no campo.

Em seus estudos iniciais, segundo Ianni (1995), Marx também declarou o fim docamponês, em decorrência das transformações no modo de produção para o industrial,considerando os camponeses marginalizados do novo modo de produzir. Entretanto,revisando seus estudos, com base na análise do campo do Leste Europeu, destacou queo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas não se efetiva da mesma forma emtodos os lugares do mundo. Ressaltando junto a Engels que a presença camponesadeveria ser preservada, enquanto força política que poderia somar­se às ideias socialistas,mesmo que permanecessem ligados à propriedade privada, um dos entraves principais daquestão agrária. A missão em relação ao pequeno camponês consistirá em conduzir suaprodução individual privada para o regime coletivo, o que ocorrerá através de auxílio sociale por meio da intervenção do Estado. É, nesse sentido, que Marx e Engels, entre outrosautores que sustentaram suas teses, previam resolver o problema da questão agrária.

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Numa visão mais integradora, considerando elementos mais atuais e nãodesconsiderando o camponês, Schneider (2003) defende que o conceito de agriculturafamiliar é uma expressão que surge como uma noção de convergência, unificadora dosinteresses dos pequenos proprietários que se julgavam não preteridos politicamente daintegração, mas afetados economicamente. Já que a abertura comercial brasileira nosanos noventa ameaçava determinados setores na agricultura devido as diferenças decompetitividade dos produtos. O autor considera que nesse período a agricultura familiar éentendida como uma nova categoria política que passou a representar os pequenosproprietários rurais, os assentamentos, os arrendatários e os agricultores integrados aagroindústrias, entre outros. Essa nova categoria fomentou a construção de uma novaidentidade política para os trabalhadores rurais que os fortaleceu na luta por melhorias nocampo. Os movimentos sociais do campo acabam por se identificar com o termo,legitimando a noção de agricultura familiar, substituindo as expressões “trabalhador rural” e“pequenos proprietários”, antes usadas.

A questão agrária é um debate “velho” que, atualmente, torna­se cada vez maiscomplexo. Novos elementos surgem em novos contextos. É a questão que ainda “não foirespondida” na vida prática.

No entanto, políticas que consideram a abordagem territorial, enquanto, procedimentoteórico/ metodológico para tratar o desenvolvimento, como por exemplo, o ProgramaTerritórios da Cidadania, buscam articular a participação social e dos Movimentos Sociaisna realização e elaboração das ações estatais. O Programa tem a perspectiva de demarcaros territórios da agricultura familiar nas diferentes regiões do país e implantar medidas quecondicionem melhorias de vida à população rural e, também, urbana.

Dessa forma, pode­se notar a formação de um campo de forças em disputa. O Estadopressionado pelas classes populares do campo redireciona o poder estatal em torno dasdemandas. Nesse sentido, o Estado burguês, acostumado a conceder privilégios àsclasses hegemônicas, é ameaçado pelo desequilíbrio do conflito e induzido a proporpolíticas que fortaleçam a agricultura familiar camponesa e a sua resistência frente àagricultura capitalista. Portanto, mesmo que as políticas públicas propostas não alterem asestrutura de organização da sociedade capitalista, fortalecem o enfrentamento ao poderhegemônico concentrador de lucros e benefícios.

Territórios da Cidadania: integrando políticas públicas e sociedade

O Programa Territórios da Cidadania foi criado em 2008 pelo Ministério deDesenvolvimento Agrário (MDA). Esse ministério deu origem, em 2003, à Secretaria de

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Desenvolvimento Territorial (SDT), o que marcou com maior intensidade a introdução daabordagem territorial nas políticas públicas no Brasil. Segundo o MDA (2009) essasecretaria foi fundada com o objetivo de dirigir o foco das políticas para o território,destacando a importância das políticas de ordenamento territorial, de autonomia e deautogestão, como complemento das políticas de descentralização. Nesse sentido, foramdefinidos os Territórios Rurais que mais tarde resultaram nos Territórios da Cidadania.Esses são programas que fazem parte do Programa Nacional de DesenvolvimentoSustentável de Territórios Rurais (PRONAT).

Segundo o MDA (2009), o Programa Territórios da Cidadania visa a promover odesenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio deuma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, principalmente buscando integrarpolíticas publicas para promover a redução das desigualdades através da integração entregovernos municipais, estaduais, federal e sociedade. Considerando o território o foco daspolíticas:

A abordagem territorial combina a proximidade social, que favorece asolidariedade e a cooperação, com a diversidade de atores sociais,melhorando a articulação dos serviços públicos, organizando melhor oacesso ao mercado interno, chegando até ao compartilhamento de umaidentidade própria, que fornece uma sólida base para a coesão sociale territorial, verdadeiros alicerces para o capital social (MDA, 2005).

O Território é formado por um conjunto de municípios com mesma característicaeconômica e ambiental, identidade e coesão social, cultural e geográfica (MDA, 2009). Osterritórios demonstram, de forma mais nítida, a realidade de grupos sociais, de atividadeseconômicas e instituições locais, facilitando o planejamento de ações governamentais parao desenvolvimento das regiões. Esses são definidos pela SDT como um espaço físico,

... geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendocidades e campos caracterizados por critérios multidimensionais, taiscomo o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política einstituições, e uma população com grupos sociais relativamentedistintos, que se relacionam interna e externamente por meio deprocessos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementosque indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. (MDA,2005).

Em 2008, participaram do programa 60 territórios e 19 ministérios e órgãos federais.Em 2009, foram envolvidos 120 territórios e 22 ministérios e órgãos federais. Segundo osórgãos institucionais, esses territórios localizam­se em regiões que enfrentam maioresdificuldades, principalmente no meio rural. Foram investidos 23,5 bilhões de reais em 2009

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e realizadas 180 ações. Essas ações são organizadas em três eixos: apoio a diversidadesprodutivas, cidadania e direitos e qualificação de infraestrutura; e subdivididas em outros 9focos: organização da produção; ações fundiárias; educação e cultura; direitos edesenvolvimento social; saúde, saneamento e acesso á água; apoio a gestão territorial; einfraestrutura. As ações são efetivadas de forma articulada com outros programas comoPRONAF, programa luz para todos, saúde da família, caminho da escola, etc.

A gestão dessas ações é realizada através do comitê gestor nacional, comitê dearticulação e colegiado territorial.

O Comitê Gestor Nacional é responsável por reunir os Ministérios Parceiros doPrograma e definir os Territórios atendidos, aprovar as diretrizes, organizar as açõesfederais e avaliar o Programa. O Comitê de Articulação Estadual é composto pelos trêssetores institucionais; órgãos federais de atuação no estado, indicações do governoestadual e das prefeituras dos territórios. O Colegiado Territorial é composto paritariamenteentre setores governamentais e da sociedade civil organizada em cada território. Esseúltimo é o espaço de discussão, planejamento e execução das ações. Define o plano dedesenvolvimento do território, identifica as necessidades, pactua o agendamento dasações, promove a integração de esforços, propõe alternativas e exerce controle doandamento do programa.

O programa articula quatro momentos gerais para sua efetivação; a matriz de ações,o debate territorial, o plano de execução e o relatório de execução. A matriz é apresentadatodo ano pelo Governo Federal, onde apresenta as propostas, dados financeiros e metas.O debate territorial é o momento em que ocorre o debate no colegiado territorial, onde sãodefinidas as prioridades e organizada uma agenda de articulação do colegiado com asinstâncias municipais. Em seguida, de forma mais completa, ajustada a matriz de ações étransformada no plano de execução, base de controle da efetivação das ações pactuadasno território. O relatório de execução é o instrumento de controle do plano de execução. Éonde são detalhados os estágios da execução física e orçamentária/ financeira, asrestrições, os riscos e as providencias adotadas. Nesse relatório são acrescentados osarquivos elaborados pelos gestores das ações que contêm informações sobre oandamento das obras no território.

A dinâmica estrutural pode ser entendida através do organograma elaborado combase na perspectiva dos colegiados territoriais, os quais têm função estratégica naconstrução e execução das políticas. Os mesmos podem contribuir na elaboração dosprojetos, localização das aplicações, além de controlar a execução das ações. (Figura 2)

128 Desenvolvimento territorial e políticas públicas: discutindo o programa Territórios da Cidadania

O Programa Territórios da Cidadania bem como sua estrutura organizacional buscadesenvolver o território a partir de uma abordagem territorial do espaço, principalmentevisando a estabelecer uma lógica participativa. O Programa visa a promover o acesso àcidadania, por meio da participação da sociedade, da conquista de serviços e bensnecessários à população rural e de ações mediadoras das desigualdades. Tem comoprincipio valorizar as organizações locais e as demandas dos movimentos sociais, noentanto, não interfere suficientemente na estrutura da sociedade.

Considerações Finais

O conceito de território é retomado na Geografia e, em seguida, pelas políticaspúblicas, no sentido de propor uma categoria de análise do espaço, que considere asrelações de poder existentes nas diferentes dimensões da sociedade. O entendimento dasdinâmicas territoriais serve como instrumento de compreensão da produção do espaço,através da apropriação do mesmo pelas vias econômicas, políticas e culturais. Apropriaçãoque ocorre em diferentes escalas, interferindo uma na outra e em constante interatividadecom a natureza, enquanto elemento interno e externo ao homem.

A abordagem territorial, nesse sentido, tem subsidiado a fundamentação teórico/metodológica de um nova perspectiva de desenvolvimento. Que considera com relevânciaos poderes locais e a participação da sociedade na implantação das políticas públicas.Entretanto encontram­se diferentes concepções da abordagem territorial. Basicamente,

Organização: CARVALHO, Ananda.Fonte: www.territoriosdacidadania.gov.br.FIGURA 2­ Dinâmica da realização das ações.

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aquelas que entendem o desenvolvimento local e territorial a partir de uma necessidadeglobal do capital, em que esse se espacializa de acordo com as potencialidades de cadaterritório, no sentido de melhor explorá­lo e inserí­lo no mercado global. Dentro dessa idéia,em geral, entende­se que o Estado cumpre o papel de articular os grupos locais na buscade isentar­se da responsabilidade de provedor do desenvolvimento. Numa outraconcepção de abordagem territorial acredita­se no desenvolvimento a partir da valorizaçãodas características territoriais e da interação entre Estado e comunidades. No Brasil, nosterritórios rurais, as políticas territoriais são, com maior ênfase, articuladas ao território daagricultura familiar camponesa.

Portanto, o redirecionamento do Estado às comunidades rurais menos favorecidas,através de políticas públicas como o PRONAF e o Programa Territórios da Cidadania, nãotem proporcionado, na totalidade, alterações estruturais das desigualdades existentes norural brasileiro. Entretanto tem fortalecido, no país, a formação de um campo de tensão,que não prioriza somente as classes hegemônicas, permitindo a resistência dosagricultores frente à territorialização da agricultura capitalista. Isso porque tem promovidomelhorias de vida à população rural, mesmo com suas contradições internas.

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