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POLÍTICAS PÚBLICAS E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NA AMAZÔNIA 1 Francisca Bispo de Sousa 2 Marcos Aurélio Saquet 3 INTRODUÇÃO No presente artigo, abordamos em um primeiro momento um panorama das políticas públicas anteriores à implantação do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais-PRONAT, que emerge na virada do século XX para o XXI, como um “modelo” de política inovadora, pois contém em sua matriz conceitual , a possibilidade de participação dos sujeitos do campo, na figura dos agricultores familiares e dos seus representantes institucionais. Na abordagem da política do PRONAT, o território se torna o conceito central e a estratégia utilizada para a sua aplicação. Neste sentido, ocorre um processo de “territorialização”. Em todos os estados brasileiros são criados territórios a partir da atuação do MDA/SDT. A política é operacionalizada a partir de 2003, com a criação de 65 territórios rurais; em 2006 este número aumenta para 118 e, atualmente, articula-se em 164 territórios. Dentre estes, está o Território Manaus e Entorno que corresponde a nossa área de pesquisa. Como um dos objetivos da política do PRONAT é a articulação não só das políticas como também das esferas governamentais, em 2008, é lançado o Programa Territórios da Cidadania 1 Artigo resultante da pesquisa de mestrado em andamento sobre a orientação do professor Marcos Saquet. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia/UNIOESTE, Campus Francisco Beltrão e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas/FAPEAM. [email protected]. 3 Prof. Drº do cursos Graduação e Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE Francisco Beltrão. saquetmarcos@hotmail.

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POLÍTICAS PÚBLICAS E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NA

AMAZÔNIA1

Francisca Bispo de Sousa2

Marcos Aurélio Saquet3

INTRODUÇÃO

No presente artigo, abordamos em um primeiro momento um panorama das políticas

públicas anteriores à implantação do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos

Territórios Rurais-PRONAT, que emerge na virada do século XX para o XXI, como um

“modelo” de política inovadora, pois contém em sua matriz conceitual, a possibilidade de

participação dos sujeitos do campo, na figura dos agricultores familiares e dos seus

representantes institucionais. Na abordagem da política do PRONAT, o território se torna o

conceito central e a estratégia utilizada para a sua aplicação. Neste sentido, ocorre um

processo de “territorialização”.

Em todos os estados brasileiros são criados territórios a partir da atuação do

MDA/SDT. A política é operacionalizada a partir de 2003, com a criação de 65 territórios

rurais; em 2006 este número aumenta para 118 e, atualmente, articula-se em 164 territórios.

Dentre estes, está o Território Manaus e Entorno que corresponde a nossa área de pesquisa.

Como um dos objetivos da política do PRONAT é a articulação não só das políticas como

também das esferas governamentais, em 2008, é lançado o Programa Territórios da Cidadania

1Artigo resultante da pesquisa de mestrado em andamento sobre a orientação do professor Marcos Saquet.

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia/UNIOESTE, Campus Francisco Beltrão e bolsista da

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas/FAPEAM.

[email protected]. 3 Prof. Drº do cursos Graduação e Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE – Francisco Beltrão.

saquetmarcos@hotmail.

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- PTC, tendo como meta a ampliação do PRONAT a partir da articulação entre os ministérios.

É no PTC que outros sujeitos são incorporados, como por exemplo, os indígenas e

quilombolas. A tentativa é substantivar o PRONAT e incorporar outros grupos que também se

encontram no rural.

Desta forma, apresentamos o artigo com a discussão da tentativa da implantação da

política territorial, voltada para o rural, enfatizando o Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar-PRONAF e o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável

dos Territórios Rurais-PRONAT, verticalizando para o processo das políticas territoriais na

Amazônia.

1 ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO SÉCULO XXI

O Brasil, principalmente no século XXI, destaca-se no cenário mundial como uma

suposta economia estável e em expansão. O mérito está relacionado ao seu crescimento nos

setores primário e terciário. O país, economicamente, tem recebido elogios internacionais,

pois diante da crise financeira e mercadológica dos países centrais, o Brasil conseguiu manter

o equilíbrio econômico. Esta conclusão está exposta no Relatório do Desenvolvimento

Humano de 2013, que destaca a ascensão dos países Sul.

O desenvolvimento ocorrido no Brasil tem sido pautado na lógica economicista e na

sua aplicabilidade através das políticas públicas, porém, não é nesse entendimento que

acreditamos que as soluções das disparidades existentes no campo e na cidade serão

resolvidas. Os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (2013), através do Índice de Desenvolvimento

Humano - IDH, ranqueia o Brasil na 85° posição do ranking mundial. O que demonstra que as

disparidades sociais continuam se reforçando.

O mesmo Relatório destaca o Brasil, juntamente com a África do Sul, Índia e China

como “os motores da economia mundial” (PNUD, 2013, p. 21), pois estão em processo de

desenvolvimento. Ao ser correlacionado com o seu IDH, no exemplo do Brasil, confirma

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ainda mais que crescimento econômico, ou o seu equilíbrio, como destacado pelo PNUD

(2013), não significa equidade social e melhoria da qualidade de vida para todos.

Partimos da lógica de que o desenvolvimento sobre o prisma econômico não significa

necessariamente alcance aos bens e serviços básicos e, tão pouco, a ideia de desenvolvimento

como coesão social não é uma prática. É um conceito que requer atenção, pois carrega

consigo apropriações de interesses difusos. Montenegro Gómez (2006) na sua análise profícua

dos tentáculos e simulacros que cercam o conceito “desenvolvimento”, afirma que este serviu

de estratégia em políticas em vários campos, desde “estratégia de paz até o alívio da pobreza

causada pelo próprio neoliberalismo” (MONTENEGRO GÓMEZ, 2006, p. 30) que, para o

autor, sempre andou de mãos dadas com o capitalismo.

Esta reflexão crítica é reforçada por Richard Peet quando aponta que “o regime de

política neoliberal tem tido o efeito de concentrar a riqueza global nas mãos de poucas

centenas de milhares de pessoas, principalmente ocidentais [...]. O neoliberalismo estampa um

sorriso antipobreza em sua fase humanitária”. (PEET, 2007, p. 22).

São a partir dos meandros conceituais, apropriações dos conceitos para implantação de

políticas públicas sob outro viés, principalmente comemoradas pelo Estado como fórmulas

das soluções das políticas anteriores de caráter desenvolvimentistas, que iremos iniciar a

nossa análise. Os conceitos ganharam destaque, principalmente no século XXI, como já

referenciamos no primeiro capítulo, como o território, utilizado como tentativa e estratégia

para alcançar o desenvolvimento rural.

O nosso olhar é direcionado para uma região com características peculiares e se

adentrarmos ainda mais nela, encontraremos mais assimetrias, estamos falando da região

Amazônica, esta que é carregada de particularidades e, sobretudo de uma complexidade.

Essa complexidade que sempre fez parte de sua história ficou a revelia e desta forma

foi “palco” de várias políticas “integracionistas” e dos chamados “pacotes fechados”.

Um exemplo que pode ser destacado são as políticas economicistas de

desenvolvimento que são reforçadas na década de 1960 e começam a ser formuladas para

todo o território nacional, ou seja, os programas foram formulados para serem aplicados “com

a mesma receita” em todo o país.

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Um dos principais planos, tido como Plano Global ocorre na década de 1970, é o I

PND – I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, seus objetivos têm por

base a integração nacional (COSTA, 2000). Sem demoras, o II PND é lançado com objetivos

similares ao primeiro:

A ênfase do Plano estará, portanto centrada no esforço do crescimento

econômico, em especial daqueles setores que pudessem contribuir

decididamente para o crescimento das exportações. Essa mudança

repercutirá nas diretrizes do plano no que concerne às políticas territoriais,

consubstanciadas em medidas agressivas relacionadas à expansão da

fronteira econômica e ao tipo de ocupação econômica das chamadas „áreas

vazias‟ do território (COSTA, 2000, p. 64).

Os planos postos tinham, conforme Costa (2000), o objetivo de conseguir soluções que

para o autor seriam paliativas, tal afirmação vai ao encontro quando o autor analisa a criação

da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, em 1959, outra região

marcada por intervenções paliativas, e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

– SUDAM, em 1966, seguida da Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA,

em 1967, “incumbida de coordenar os investimentos industriais no polo industrial de

Manaus” (COSTA, 2000, p. 68).

Nota-se que a lógica de desenvolvimento direcionada pelos planos e criação das

instituições supracitadas estava alicerçada no processo industrial de homogeneização de

atividades econômicas, sustentáculo para o capital. As instituições citadas são exemplos de

estratégias territoriais. Já naquele momento havia uma pretensão de desenvolvimento, porém,

os resultados obtidos historicamente foram muito incipientes (COSTA, 2000). De maneira

geral, a realidade nordestina permanece a mesma e, no caso da Amazônia, as políticas não

surtiram muitos efeitos, apenas alguns têm lucrado com a herança das políticas públicas

implantadas.

Na sua discussão sobre as políticas territoriais no Brasil, Costa é incisivo,

As políticas territoriais, desde a década de 50, principalmente, tornaram-se

políticas econômico-territorias, isto é, constituem uma subestratégia das

macropolíticas econômicas [...] Na década de 60, em alguns casos, esses

planos e projetos obedeceram a políticas emanadas do governo federal,

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compondo certa „lógica nacional‟ às intervenções regionais [...] (COSTA,

2000, p.74).

Nota-se que o caráter territorial posto na referida política tem ligação direta, ora como

área, zona ou região. Diferente do conceito de território apropriado e utilizado nas políticas

deste século, que o trazem como eixo central das estratégias postas nas políticas públicas,

principalmente para o espaço rural.

Essa orientação não surge do interesse do Estado como veremos a seguir e sim de

articulações e movimentações da sociedade civil organizada. Então de que forma uma nova

estratégia de desenvolvimento surge no século XXI? Uma das grandes discussões que tem

orientado vários debates são as políticas de desenvolvimento territorial, pautadas sob

orientação do Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais-PRONAT, que é

criado em 2003, no governo Lula, a partir de outro programa, o PRONAF, instituído no

segundo mandato do Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), no ano de 1996.

2 PRONAF e PRONAT

Alguns autores como Schneider, Mattei e Cazella (2004) ressaltam que a criação do

PRONAF foi uma tentativa de amenizar as manifestações correntes no Brasil, por parte dos

movimentos sociais do campo.

Em larga medida pode-se afirmar que o PRONAF foi formulado como

resposta do Estado às pressões do movimento sindical rural, realizadas desde

o final da década de 1980. O programa nasceu com a finalidade de prover

crédito agrícola e apoio institucional aos pequenos produtores rurais que

vinham sendo alijados das políticas públicas até então existentes e

encontravam sérias dificuldades de se manter no campo (SCHNEIDER,

MATTEI e CAZELLA, 2004, p. 21).

Os autores analisam a criação do PRONAF e sua influência como uma política

diferenciada. Ressaltam que anterior à criação do programa, no Brasil, não havia políticas

direcionadas para a agricultura familiar, porém, antes de sua implantação outro programa foi

criado, o Programa de Valorização da Pequena Produção Rural – PROVAP, em 1994, no

governo de Itamar Franco, que se caracteriza como o fio condutor para a criação do

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PRONAF. É o primeiro programa na linha de atender de forma mais direta a figura do

agricultor familiar.

Os autores frisam que seus resultados não foram tão satisfatórios, “do ponto de vista

dos recursos aportados para os agricultores. Porém, o seu destaque consiste em ser o embrião

para a criação do PRONAF que se formula a partir do decreto nº 1.946, de 28 de junho de

1996, no governo do Fernando Henrique Cardoso” (SCHNEIDER, MATTEI e CAZELLA,

2004, p. 23).

Sobre as atribuições do programa, nos primeiros artigos estão descritos os seus

objetivos (BRASIL, 1996, p.1):

Art. 1° Fica criado o Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar - PRONAF, com a finalidade de promover o

desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos

agricultores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da

capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda;

Art. 2° O PRONAF assenta-se na estratégia da parceria entre os

Governos Municipais, Estaduais e Federal, a iniciativa privada e os

agricultores familiares e suas organizações.

No seu segundo inciso estão suas diretrizes que o orientam, no entanto, destacaremos a

primeira alínea, por ela ressaltar a promoção da qualidade de vida e indicar a partir de

investimento, principalmente na linha de crédito, o desenvolvimento rural.

a) melhorar a qualidade de vida no segmento da agricultura familiar,

mediante promoção do desenvolvimento rural de forma sustentada, aumento

de sua capacidade produtiva e abertura de novas oportunidades de emprego e

renda (BRASIL, 1996, p. 1).

Nos seus primeiros anos, o PRONAF contemplou a linha de crédito, passando por

reformulações no início do segundo mandato do FHC; a mudança foi principalmente

institucional, pois estava vinculado ao Ministério da Agricultura, e passou para Ministério do

Desenvolvimento Agrário - MDA, criado em 1999. (SCHNEIDER, MATTEI e CAZELLA,

2004).

Conforme Montenegro Gómez (2001), o PRONAF, em sua matriz ressalta “a

integração do agricultor familiar ao mercado, melhorando para isso o seu acesso à educação e

a terra e submetendo todo o processo, desde a aquisição de terra até a comercialização dos

produtos” (p. 2). O Programa Nacional da Agricultura Familiar também é apontado como

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uma das primeiras políticas setoriais por contemplar “uma categoria específica de

agricultores, além disso, foi a partir da reformulação da linha PRONAF Infraestrutura, em

2003, que surgiu a política de implantação dos territórios rurais” (GULARTE, 2013, p. 05).

Com diretrizes específicas para infraestrutura e serviços, o PRONAF, destacava em

seus objetivos, a importância da participação dos agricultores familiares no processo de

elaboração e planejamento dos projetos. Para tanto, seria necessário institucionalizar os

Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural e elaborar o Plano de Desenvolvimento do

Município, conforme as demandas municipais (GULARTE, 2013).

O Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais-

PRONAT surge como proposta de mudança das políticas públicas. No documento4 lançado

em 2005 pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial, criada no ano de 2003, no governo

Lula, com intuito de corroborar para novos desdobramentos de políticas voltadas para o rural.

O documento Referências para uma Estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no

Brasil tem sua formulação no processo de transição entre o Governo FHC e o de Luiz Inácio

Lula da Silva. O destaque do documento está no processo de formulação, pois o texto possui

certa influência dos movimentos sociais ligados ao campo.

No seu texto os apontamentos refletem as discussões por parte dos sujeitos envolvidos

nas discussões sobre a questão agrária no Brasil, pois no próprio documento questiona-se a

tradição do Estado em implantar políticas que elegem setores ou seguimentos da sociedade

(SDT, 2005). Dando forma à “nova” estratégia de “desenvolvimento”, regulada em políticas

que conjuguem para o espaço rural numa abordagem territorial. Numa tentativa de

articulação de políticas públicas nos diversos níveis, englobando as esferas governamentais:

Federal, Estadual e Municipal, esse é o objetivo chave do PRONAT. Sua operacionalidade

ocorre em 2004, com 65 territórios, em 2006 abrangem 118 e, atualmente, articula-se em 164

territórios rurais (SDT, 2012). No PRONAT as políticas territoriais são vistas como uma

alternativa de mudança das políticas públicas para o rural. As estratégias em destaque

combinam a proximidade social, que favorece a solidariedade e a cooperação. Atrelada à

4 Referências para uma Estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil, lançado em 2005 pela SDT.

Na verdade foi reformulado, pois em março de 2005 havia sido publicado pelo Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentável- CONDRAF com influência das discussões ocorridas no âmbito do Núcleo

de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural - Nead. A SDT o revisou e o publicou em 2005.

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diversidade de sujeitos, com articulação dos serviços públicos e compartilhamento de uma

identidade cultural, que forneça uma sólida base para a coesão social e territorial, como

alicerces do capital social. (MDA, 2003).

De acordo com Montenegro Gómez (2007) esses territórios aparecem como uma

figura de planejamento a partir da agregação de alguns municípios com identidade, seja

produtiva, social, cultural etc., conectada aos objetivos de promover ações conjuntas que

permitam o “desenvolvimento”.

A distinção de áreas para a formulação de políticas de desenvolvimento pode ser um

risco, pois os critérios demográficos e espaciais são insuficientes. Para Montenegro Gómez

(2007) é imprescindível levar em conta as características culturais e socioeconômicas das

diferentes regiões de forma profícua e não superficial. Essas possíveis incongruências podem

causar dificuldades nas definições e aplicações dos projetos no âmbito territorial.

Para Favareto (2009), a tessitura impulsionadora do PRONAT foi à própria avaliação

das políticas de desenvolvimento rural, na década de 1990,

Ou seja, a constatação de que os investimentos não tinham os efeitos

desejados e de que isso se devia a dois motivos principais: os limites das

estruturas municipais em promover ações de maior envergadura, e o viés

setorial que fazia com que os investimentos se concentrassem em atividades

pouco promissoras para a geração de renda e de oportunidades de trabalho

(FAVARETO, 2009, p. 06).

Buscando ampliar a política de desenvolvimento territorial e mudar a configuração

setorial que vinha sofrendo a política do PRONAT, e buscando mais comunicação entre os

ministérios, pois o PRONAT centrava-se em ministério, o MDA. Em 2008, é lançado o

Programa Territórios da Cidadania (PTC). Sua criação tem como objetivo ampliar a

participação social nas discussões territoriais, e fazer acontecer à articulação entre

ministérios, a ponto de torná-la uma política integradora nas estruturas governamentais.

Recentemente, como desdobramento de uma tentativa de ampliar as ações

sob gerência da SDT/MDA e em convergência com a necessidade sentida

pelo governo federal de dar mais visibilidade para suas ações de cunho

social, criou-se um novo programa, o Territórios da Cidadania. Meses antes

o governo federal havia lançado o PAC – Programa de Aceleração do

Crescimento -, com um conjunto de investimentos em infraestrutura e em

ações voltadas à competitividade econômica. O Territórios da Cidadania

surge assim como uma espécie de contraponto de equilíbrio ao PAC, e como

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uma tentativa de dar unidade a um conjunto de ações antes dispersas por

vários ministérios. Nele são congregadas as ações de dezenove estruturas

ministeriais, sob coordenação da Casa Civil (FAVARETO, 2009, p.7).

O PTC inicia suas atividades com 60 territórios da cidadania. Em 2009, envolve mais

60 territórios. Um dos critérios para se tonar PTC é ser um território rural, ou seja, já estar

inserido na política do PRONAT, além desse critério, índices e outros grupos sociais foram

incorporados como destaca (GULARTE, 2013, p. 49):

baixo Índice de Desenvolvimento Humano;

ter concentração de agricultores familiares e assentados da reforma agrária;

ter concentração de populações quilombolas, indígenas e de pescadores;

número de beneficiários do programa bolsa família;

número de municípios com baixo dinamismo econômico;

ruralidade;

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica;

existência de prioridades ou políticas de governo;

um número mínimo de dois e máximo de oito territórios por Unidades da

Federação .

A partir dos critérios anteriormente destacados, no mapa 1 verificamos a

territorialização do TC em 2009. Em 2008, ano de lançamento do PTC, o Estado do

Amazonas tinha 3 Territórios da Cidadania-TC: Baixo Amazonas (código 17 no mapa), Rio

Negro da Cidadania Indígena (136) e Manaus e Entorno (44). Em 2009, amplia-se para seis

TC. Na publicação do jornal Território5 (2008), que está sob-responsabilidade do MDA,

constam os objetivos e diretrizes do programa, além de ressaltar os mecanismos de criação

dos Territórios da Cidadania, esses que surgem;

(...)com base em conjuntos de municípios com características econômicas e

ambientais comuns e com identidade e coesão social, cultural e geográfica.

Maiores que o município e menores que o estado, os territórios demonstram

de forma mais nítida, a realidade dos grupos sociais, das atividades

econômicas e das instituições (TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, 2008, p.

2).

5 Jornal Territórios - distribuído em março de 2008. http://www.mda.gov.br/portalmda/publicacoes/jornal-

territ%C3%B3rios-da-cidadania. Acesso em: 24 de fevereiro de 2014.

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Mapa 3: A localização dos Territórios da Cidadania (2009).

Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Territorial/MDA/ http://sit.mda.gov.br/mapa.php. Acesso em: 22

de fevereiro de 2014

Mapa 1: Localização dos Territórios da Cidadania (2009)

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Dessa forma, com integração institucional e critérios sociais, teria mecanismos para o

planejamento das ações de desenvolvimento, chegando ao objetivo maior da política

“melhorar o IDH, evitar o êxito rural e superar as desigualdades regionais” (TERRITÓRIOS

DA CIDADANIA, 2008).

No documento Referências para uma Estratégia de Desenvolvimento Rural

Sustentável no Brasil, a SDT descreve de que forma ocorre a operacionalidade da política nos

territórios rurais. Esta se dá através da articulação entre as instituições federais, estaduais,

municipais e as que representam a sociedade civil organizada. A SDT, no âmbito dos

territórios, faz-se presente principalmente através dos consultores territoriais.

Cada estado conta com ao menos um “consultor territorial” encarregado de

acompanhar as atividades desenvolvidas nos territórios, promover a

articulação dos territórios e do Programa com entidades públicas e civis dos

estados e executar atividades técnicas diversas, especialmente com os

Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável – CEDRS,

gerando informações e análises situacionais e estratégicas de interesse do

Programa (SDT, 2005, p.27).

O diálogo sobre as ações do PRONAT, nos territórios, está ligado aos conselhos

estaduais e municipais. Um requisito fundamental para criação de um território rural é a

existência, nos municípios, do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável

(CMDRS). Se estiverem em funcionamento é outra questão, porém, para nós é fundamental a

funcionalidade dos CMDRS, mesmo porque, as instituições que representam a sociedade civil

estão inseridas nessa “arena”, como um dos poucos espaços de diálogo entre poder público e

sociedade civil.

O Programa Territórios da Cidadania é posto como complemento do PRONAT,

buscando aumentar o raio de influência da política de desenvolvimento territorial, através da

integração dos ministérios e do aumento de recursos e sujeitos beneficiados (no quadro 1

estão expostas as metas do PTC).

DADOS DO PTC

INVESTIMENTOS DO GOVERNO

FEDERAL

R$11,3 bilhões

MUNICÍPIOS BENEFICIADOS 958 municípios (17% dos mun. brasileiros)

Quadro 1: Metas de investimentos do Programa

Territórios da Cidadania PTC

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POPULAÇÃO TOTAL ATENDIDA 24 milhões (14%)

POPULAÇÃO RURAL 7,8 milhões (27%)

AGRICULTURA FAMILIAR 1 milhão de agricultores (24%)

ASSENTADOS DA REFORMA

AGRÁRIA

319,4 mil famílias (40%)

BOLSA FAMÍLIA 2,3 milhões de famílias

COMUNIDADES QUILOMBOLAS 350 (37%)

TERRAS INÍGENAS 149 (25%)

PESCADORES 127,1 mil (33%)

Porém, em uma análise preliminar que fazemos da articulação entre os ministérios e

neste momento exemplificamos com o Ministério da Pesca e Aquicultura-MPA, mesmo

incorporando alguns territórios da cidadania, e ampliando o número, trabalha com 174

territórios, denominado de territórios da pesca. Notamos uma separação entre as políticas do

MDA e MPA, pois as discussões no Território Manaus e Entorno, por exemplo, ocorrem

separadamente, entendo ou afirmando que há: um “território Manaus e Entorno da cidadania”

voltada para a política do MDA e outro “Território Manaus e Entorno da pesca”, do MPA.

Há um processo de exclusão das instituições que representam, por exemplo, os pescadores

artesanais. Mesmo exercendo ambas as atividades: pesca e agricultura. Talvez essa questão

não seja um problema em outros territórios, onde o camponês exerce, por exemplo, uma

atividade, a agricultura especificamente, mesmo sendo diversa6.

3 AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA

Na região, a agricultura praticada até o processo de ocupação efetiva da Amazônia,

ficou relegada ao passado, ao tradicionalismo e foram incorporadas novas formas de extração

dos recursos naturais que atendessem aos interesses mercantis, tão em voga, na sociedade

urbano-industrial contemporânea (LOUREIRO, 1992). A expansão do capital, que objetiva

6 Devido à complexidade da questão e a necessidade de mais diálogos com os sujeitos da pesquisa

aprofundaremos a questão para a versão final da dissertação.

Fonte: MDA. Disponível em: http://www.mda.gov.br/portalmda/publicacoes/jornal-

territ%C3%B3rios-da-cidadania. Acesso em: 03 de Março de 2014.

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dominar sujeitos, setores e atividades, encontra na Amazônia um espaço que oferece mais

atrativos e facilidades para tal empreitada, pois “a vastidão das terras sem dono,

despovoamento de grande parte da região, as estruturas sociais já em decomposição facilitam

[...] a articulação desse espaço que [...] valoriza o capital” (BECKER, 1982, p. 165).

No I Plano de Desenvolvimento da Amazônia – PDA elaborado pela Superintendência

de Desenvolvimento da Amazônia-SUDAM já se destaca a ação planificada do Estado

brasileiro. A Amazônia tem sido considerada “um grande repositório de matérias-primas, ou

seja, [...] tem representado uma vasta extensão de terra, quase desocupada” (SUDAM, 1986,

p. 07). A visão de região como um “vazio demográfico”, facilita como aponta Becker (1982),

uma ocupação indiscriminada e, até certo ponto irracional. Agregado a esse processo e

alicerçada pelo Estado há uma economia predatória “contrária aos interesses da sociedade

regional”. O próprio PDA ressalta a falta de atenção dada aos aspectos ecológicos e quando

há, estão norteados de uma política conservacionistas sem a integração da sociedade.

As críticas feitas pelo PDA foram geradas a partir de leituras de outros projetos

implantados na Amazônia, este se baseava “na ocupação seletiva de espaços e setores”.

Dentre esses projetos estão o Programa Polo Agropecuário e Agrominerais da Amazônia –

POLOAMAMAZÔNIA e o de Incentivos Fiscais. De acordo com o Plano de

Desenvolvimento da Amazônia, os projetos não apresentaram resultados qualitativos e tão

pouco correspondiam às metas propostas. A justificativa para o não alcance de um

desenvolvimento regional satisfatório está relacionado ao esvaziamento dos escritórios,

principalmente da SUDAM, SUFRAMA e dos Agentes Financiadores, o Banco da Amazônia

– BASA e o Banco de Roraima - BANRORAIMA.

Alguns avanços são citados no PDA, como a implantação de infraestrutura,

principalmente nos setores de comunicação, transporte, energia e, em outros subsetores

produtivos, o caso da pecuária no Sul do Pará, das explorações minerais e das indústrias

localizadas no Polo industrial de Manaus. Os avanços apontados no I Plano de

Desenvolvimento da Amazônia estão vinculados ao desenvolvimento econômico, não se

assinalando os problemas de ordem social e política que até hoje são sentidos e vividos pela

população.

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É inegável a complexidade que envolve a Amazônia, sua população, esta que possui

uma pluridiversidade. Dentre os problemas que envolvem os projetos de desenvolvimento

para a Amazônia está a centralidade dos mesmos em dois estados, no Pará e Amazonas, e

afunilando ainda mais essa centralidade, os “benefícios” se concentram nos seus centros

urbanos. No Pará, na cidade de Belém e no Amazonas, em Manaus.

De um modo concreto, as políticas de desenvolvimento preconizadas

para a Região, têm se revelado pouco eficazes na internalização dos

efeitos renda e emprego, reforçando a tendência concentradora das

atividades em torno de umas poucas Unidades Federadas, especialmente,

Pará e Amazonas e, em termos mais específicos, das áreas urbanas das

capitais amazônicas. A partir disto, a penetração do capital no campo

tem determinado a desarticulação de atividades tradicionais no meio

rural, estimulando, sobremaneira, o êxodo rural-urbano que, associado à

intensificação dos fluxos migratórios, redundou no aumento das tensões

sociais na luta pela terra, no inchamento das cidades, crescimento dos

índices de desemprego e subemprego urbano e, em última análise, na

deterioração da qualidade de vida da população (SUDAM, 1986, p. 12).

A centralidade das políticas públicas nos centros urbanos gerou problemas. No

Amazonas, com a implantação Zona Franca de Manaus – ZFM, em 1967, que constituiu o

pacote da chamada operação Amazônica, planejado pelo Governo Militar, sobre o lema

Integrar para não Entregar (PEREIRA, 2005).

A Zona Franca de Manaus, como enuncia o artigo 1.° do Decreto – Lei n° 288 de 1967

lei que a cria a classifica como,

(...) uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos

fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar, no interior da

Amazônia, um centro industrial, comercial e agropecuário, dotado de

condições econômicas que permitam o seu desenvolvimento, em face dos

fatores locais e da distância que se encontram os centros consumidores de

seus produtos (PEREIRA, 2005, p. 107).

Mesmo diante dos incentivos fiscais e estendendo a sua área de abrangência para a

Amazônia Ocidental, não surtiu o efeito para população local. Pereira (2005) ressalta, que o

projeto Zona Franca de Manaus “se configura como mais uma tentativa de desenvolver e

integrar a região com a prevalência de interesses exógenos” (PREREIRA, 2005, p. 120) e um

dos fatores que atesta o insucesso do projeto ZFM para região é a não relação de afinidade em

sua cadeia produtiva com os recursos e potencialidades regionais.

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Aliada ao processo de migração que ocorreu de forma acelerada, a cidade de Manaus,

por exemplo, teve sua população quase duplicada, pois em 1960 sua população era de

175.343 habitantes, e em 1970 vai para 314.197 (quadro 4). A implantação do parque

industrial de Manaus trouxe consigo conflitos de ordem social e econômica. Sem políticas

direcionadas para o campo, forçou o homem do interior da Amazônia a migrar para os

grandes centros urbanos. O período escolhido demonstra o processo de urbanização do

Estado, que possivelmente está atrelado aos projetos implantado no seu principal centro

urbano, Manaus. Além disso, destacamos também a população urbana de Manaus, que ratifica

a concentração urbana ao longo dos anos.

POPULAÇÃO URBANA E RURAL DO AMAZONAS DE 1960-2010

POPULAÇÃO/ANO 1960 1970 1980 1990 2000 2010

URBANA 239.659 409. 278 869. 020 1 501 807 2 104 290 2 755 490

RURAL 481. 556 551.656 580.115 601. 094

708 795 728. 495

MANAUS URBANA 175.343 314.197 642.492 1010.544 1403.796 1802.014

Outro problema destacado no PDA analisando as políticas para o desenvolvimento da

região nos anos de 1960 a 1980, a POLAMAZÔNIA. O entrave está relacionado à

concentração de terra na região e, ainda “a inserção da agricultura na região neste contexto,

via modernização altamente intensiva do capital, voltado para exportação” (SUDAM, 1986,

p.23). Processos que vinham sendo urdidos também no eixo sul e sudeste. Desta forma, “a

modernização do campo, no Brasil, implica na ampliação e incorporações de extensas áreas

de cultivo e, consequentemente, numa rápida expropriação dos pequenos produtores”

(SUDAM, 1986, 23). O processo de expropriação na Amazônia está marcado por tensões

sociais no campo, em um processo de desterritorialização em áreas cada vez mais distantes

dos centros consumidores. A política de incentivos fiscais, promovida pelo Estado, tem

garantido ao grande capital sua manutenção e reprodução contínua, enquanto, o camponês

amazônico, tornou-se nos últimos anos um retirante, como o personagem de Euclides da

Cunha da Obra “Os Sertões” (PEREIRA, 2005).

Fonte: Censos Demográficos- IBGE: 1960- 2010.

Org: BISPO, F.

Tabela 1: População urbana e rural do Estado do Amazonas.

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O PDA se torna contraditório na sua análise sobre as políticas públicas para região.

Considerando o crescimento do setor agropecuário no eixo chamado de fronteira

agropecuária, que compreende o Sul de Roraima, Sudeste do Acre e Sudoeste do Amazonas,

Sul-sudeste do Pará, Norte de Mato Grosso e Goiás e Sudoeste do Maranhão. O aumento das

áreas cultivadas e pastos, atrelado ao alcance de mercados, não significa distribuição dos

benefícios para todos. Além dos mais, o incentivo a pecuária trouxe sérios problemas para a

região, por possuir amplas áreas de campos naturais e matas de transição (cerrado), houve o

incentivo da criação de gado extensiva, sem nenhum controle. Trazendo consequências

socioambientais. Um exemplo é a Ilha de Marajó no Pará, que sofre com a superpopulação de

búfalo em uma área biogeográfica frágil.

O I Plano de Desenvolvimento da Amazônia tinha como objetivo geral “acelerar o

crescimento da economia regional com a manutenção do equilíbrio ecológico e redução das

desigualdades sociais” (SUDAM, 1986, p. 46) e nas suas diretrizes sendo a primeira a

“desenvolver ações que assegurem a organização e participação da população no

encaminhamento das políticas governamentais, como forma de valorizar a força de trabalho

das comunidades tradicionais” (SUDAM, 1986, p. 47).

O Plano se estruturou em políticas setoriais: a Política de Reforma Agrária, a Política

de Recursos Naturais, a Política Econômica (agricultura, indústria, comércio e turismo),

Política Social, Política Ciência e Tecnologia. Para a implantação do plano, estratégias foram

pautadas, a partir da criação de Programas regionais, direcionado para cada setor. Conforme

o Plano a escolha de se trabalhar as estratégias de desenvolvimento a partir de setores é uma

forma de assegurar o alcance da política.

(...)leva em consideração as definições de potencialidades, conhecidas e

possíveis de aproveitamento imediato, sem danos ecológicos sensíveis e os

aspectos relacionados à viabilidade econômica e a viabilidade econômica e

as vantagens comparativas reais. Nesse sentido, destacam-se as condições de

acessibilidade, a existência de mercados potenciais, a geração de emprego,

principalmente no meio rural (SUDAM, 1986, p. 94).

É importante destacar que um dos setores prioritários do PDA foi o de

desenvolvimento de comunidades – seria uma espécie de território local em escala menor em

relação ao PRONAT e PTC. Dentro dos objetivos do setor “Desenvolvimento de

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Comunidades” priorizando três linhas de ação: Fortalecimento das organizações

representativas da Sociedade, Garantir a população, o direito de opinar por ocasião de

elaboração de planos, projetos ou atividades que lhes digam respeito, sugerindo linhas de ação

e capacitação de recursos humanos.

Um dos pontos de simetria das políticas atuais e das efetivadas pelo PDA trazer no

bojo da discussão a participação social. No momento em que se concebe “o desenvolvimento

de comunidade” como estratégia de desenvolvimento regional,

(...)urge que se resgate o direito de participação como meio de atender

aos interesses coletivos. Isso se fará, não apenas, colocando o setor

público como mero prestador de serviços, tornando o homem simples

beneficiário e sim atribuindo a população a responsabilidade do

usufruo racional dos serviços e equipamentos que lhe são colocados à

disposição (SUDAM, 1986, p.125).

Nosso objetivo com esse subtítulo foi mostrar que a região onde se localiza a

nossa área de pesquisa já esteve submetida a projetos de desenvolvimento, que de certa

maneira, já trazia no bojo do discurso a participação social.

CONSIDERAÇÕES

A partir do exposto não fechando nossa análise, pois o artigo faz parte de uma

pesquisa que está em andamento, e assim teremos considerações prévias com o texto que

apresentamos. Neste sentido, o que se destaca é a formulação de planos e projetos que sempre

pautaram as políticas públicas no Brasil.

O Pronat, a política foco do nosso trabalho, aparece como “diferencial” por apresentar

em sua matriz a participação social nas ações da política e por direcioná-la através do enfoque

territorial. No entanto, esbarra em limitações estruturais e de formulações, pois a divisão em

territórios e tão pouca o “diálogo” com a sociedade civil não significam mecanismos para o

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desenvolvimento rural referenciado pelo Pronat. Um exemplo, na Amazônia é o PDA, que na

sua formulação e implantação já trazia a discussão de políticas com a participação da

sociedade civil, porém, tal estratégia não surtiu o efeito desejado, principalmente para os

camponeses. O discurso e a pratica são vividos em espaços e tempos diferenciados, a

participação deve ser efetiva e não “simulada”, assim as ações terão resultados satisfatórios.

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